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1. BREVE INTRODUÇÃO À PEDAGOGIA HOSPITALAR.

A pedagogia hospitalar, enquanto uma vertente da educação especial,


irá atuar no trabalho pedagógico com crianças e adolescentes que se
encontram hospitalizado e que necessitam de acompanhamento especial por
determinado período devido aos seus quadros de saúde garantindo assim a
continuidade de seu processo de escolarização. Dessa forma, neste capítulo
discorreremos brevemente sobre o surgimento da pedagogia hospitalar, seu
desenvolvimento e início no Brasil, ressaltando os movimentos legais para a
aplicabilidade e garantias do atendimento pedagógico para a criança
hospitalizada.
Segundo Rolim, “refletir sobre a infância acometida pela doença é
processo desafiador que envolve questionamentos acerca da criança, de seu
desenvolvimento e espaços de direito”. (ROLIM, 2019, p.2). Desta forma, a
pedagogia hospitalar surge como uma área educacional que rompe com o
ambiente escolar e que mescla a interação entre saúde e educação,
apresentando como objetivo principal fornecer os meios para se garantir a
escolarização de crianças e adolescentes com necessidades especiais e que
se encontram internados em hospitais para tratamentos de saúde. Desta forma,
a pedagogia hospitalar enquanto um processo educacional alternativo, oferece
uma ponte de reinserção social entre o hospital e a escola, garantindo a
continuidade da educação continuada, seja em âmbito hospitalar ou âmbito
domiciliar.
Esta modalidade de ensino se desenvolve através de três nichos, a
classe hospitalar um espaço pensado para oferecer o atendimento pedagógico
de forma conjunta com outros educandos internados e que apresenta um
conteúdo mais ou menos sistematizado de acordo com a dinâmica enfrentada
no hospital, o atendimento domiciliar que é quando o atendimento pedagógico
em desenvolvido na casa da criança ou adolescente adoentado e por ultimo o
atendimento ao leito, que acontece quando o enfermo não está em condições
de se ausentar do leito hospitalar, de forma que o acompanhamento
pedagógico será oferecido no leito do educando hospitalizado. Apesar da
pedagogia hospitalar se ramificar nestas três possibilidades, a classe hospitalar
é a mais reconhecida e utilizada no país.

1.1 O SURGIMENTO DA PEDAGOGIA HOSPITALAR.

Desde 1922, com a iniciativa do Colégio Médico do Chile e a criação


primeiro Decálogo dos Direitos da Criança Hospitalizada, a ideia de adequar o
hospital à um local mais receptivo e condizente com a percepção infantil se
difundiria por vários outros países (ARRUDA, et. al, 2007). Desta forma, tão
logo a França vira se tornar uma referência da pedagogia hospitalar quando,
em 1935 Henri Sellier fundaria uma escola para o atendimento de crianças
tuberculosas e que mais tarde, seu modelo seria difundido para outros países
europeus e para os Estados Unidos da América, trazendo o atendimento
pedagógico para dentro de diversos hospitais. Quatro anos mais tarde, com o
advento da segunda guerra mundial, a pedagogia hospitalar atravessaria o seu
maior marco histórico uma vez que neste período de grandes conflitos, muitas
crianças e adolescentes em idade escolar foram violentamente atingidos pela
guerra, de forma com que médicos e docentes uniram esforços para garantir a
continuidade da escolarização destes educandos que se encontravam
hospitalizados, muitas vezes adoentados ou mutilados (CARDOSO, SILVA e
SANTOS, 2012).
Neste mesmo ano também seria criado o Centro Nacional de Estudos e
de Formação para a Infância Inadaptadas de Surenses, o CNEFEI, na França.
Esta instituição trabalhava na preparação de professores para atuarem em
hospitais que abrigavam crianças enfermas. A partir desta iniciativa, outros
projetos passariam a surgir mundo afora, buscando garantias de atendimento
educacional para adolescentes e crianças hospitalizadas, de forma que mais
tarde, em 1986, a Carta Europeia das Crianças Hospitalizadas viria a
desencadear a fundação da Associação Europeia da Criança Hospitalizada. Já
em relação ao Brasil, o pensamento sobre a educação das crianças enfermas
se manifestaria pela adoção das classes hospitalares. (XAVIER, 2013).

A origem da possível classe hospitalar no Brasil estar vinculada ao


mesmo tempo com a origem do ensino especial do nosso país, os
asilos para alienados ajudam a compreender o pertencimento ao qual
a escolarização em hospitais se enquadrou quando finalmente se fez
regulamentada como uma modalidade de ensino. Assim, os mesmos
anos 30 do século XX antecipavam o fechamento do Pavilhão
Bourneville, anunciavam o surgimento das primeiras, reconhecidas
oficialmente, classes especiais nas enfermarias da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo. (OLIVEIRA, 2013 p. 27689)

Em 1948, o Hospital Municipal Barata Ribeiro na cidade do Rio de


Janeiro, passaria a apresentar instalações escolares coordenadas por Marly
Fróe dentro do Centro Cirúrgico e Ortopédico. Já nos anos 50, também no Rio
de Janeiro, a classe hospitalar do Hospital Menino de Jesus entraria em
funcionamento sob a coordenação de Lecy Rittmer, de forma que ao longo dos
anos outras iniciativas de implementação de classes hospitalares viriam, a
surgir pelos hospitais Brasil a fora.(OLIVEIRA, 2013).

1.2 Diretrizes

No final da década de 60 surgiriam os primeiros movimentos legais para


a exigência do atendimento pedagógico para a criança hospitalizada como
veremos a seguir.
Art 1º. São considerados merecedores de tratamento excepcional os
alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções
congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições
mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados,
caracterizados por:

a) incapacidade física relativa, incompatível com a frequência aos


trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das
condições intelectuais e emocionais necessárias para o
prosseguimento da atividade escolar em novos moldes;
b) ocorrência isolada ou esporádica;
c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada
caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado,
atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em
casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma,
cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a
correções ortopédicas, neuropatias agudas ou subagudas, afecções
reumáticas, etc.

Art 2º. Atribuir a êsses estudantes, como compensação da ausência


às aulas, exercício domiciliares com acompanhamento da escola,
sempre que compatíveis com o seu estado de saúde e as
possibilidades do estabelecimento. (BRASIL,1969.)

No entanto, seria a partir da década de 90 que o atendimento


pedagógico e as classes hospitalares passariam a ser mais amplamente
discutidos e entendidos como um direito no país. Na constituição de 88, o
direito a educação para a criança e o adolescente era tratado em linhas mais
gerais como podemos ver no

(...) artigo Art. 205 da Constituição Federal de 1988. A educação,


direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. É então direito da
criança e é obrigatório enquanto o educando for menor de 18 anos
como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 2º e
artigo 53. A educação hospitalar entra no mesmo grau de
obrigatoriedade que a educação de menores infratores já prestada
pelo estado. A educação hospitalar é em resumo um direito do
cidadão e um dever do estado. Sua legalidade é indiscutível, é
serviço necessário e de extrema importância na vida da criança
hospitalizada, pois possibilita o acompanhamento da escola regular
após o tratamento.(ITAMARA, 2015).

Em seguida, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 tambémde maneira


mais geral, viria a reforçar a educação como um direito da criança e um dever
do estado:

 Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao


adolescente:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os


que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;
III - atendimento educacional especializado 
VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público


subjetivo. (BRASIL, 1990).

Alguns anos mais tarde, os direitos à educação das crianças e


adolescentes em situação hospitalar passariam a serem tratados de forma
direta. Em 1995, a Sociedade Brasileira de Pediatria elaboraria os Direitos da
Criança e Adolescentes que mais tarde viria a se tornar em uma Resolução do
Concelho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes (CONANDA), mais
precisamente no itens 8, 9, 13, 15 e 19:

8. Direito a ter conhecimento adequado de sua enfermidade, dos


cuidados terapêuticos e diagnósticos a serem utilizados, do
prognóstico, respeitando sua fase cognitiva, além de receber amparo
psicológico, quando se fizer necessário.
9. Direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de
educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar,
durante sua permanência hospitalar.
13. Direito a receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para
a sua cura, reabilitação e ou prevenção secundária e terciária.
15. Direito ao respeito a sua integridade física, psíquica e moral.
19. Direito a ter seus direitos constitucionais e os contidos no Estatuto
da Criança e do Adolescente, respeitados pelos hospitais
integralmente. (BRASIL,1995).

Posteriormente, dando mais um pequeno hiato em relação a pedagogia


hospitalar mais diretamente, a Lei nº 9.394 de 1996 viria a tratar e seu capítulo
quinto sobre os termos da educação, principalmente no artigo 58, parágrafo
segundo:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei,
a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades
especiais.

§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas


ou serviços especializados, sempre que, em função das
condições específicas dos alunos, não for possível a sua
integração nas classes comuns do ensino regular.(BRASIL,1996).

Já em 2001, a Resolução n.02/01 veio tratar das Diretrizes Nacionais


para a Educação Especial na Educação Básica, retomando diretamente a
discussão sobre a pedagogia em âmbito hospitalar no artigo décimo terceiro e
inserindo também a regulação das classes hospitalares no parágrafo primeiro
deste mesmo artigo:

Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os


sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional
especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em
razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar,
atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.

§ 1o As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar


devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao
processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da
Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao
grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças,
jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local,
facilitando seu posterior acesso à escola regular. (BRASIL, 2001).

Por fim, em 2002 o Ministério da Educação através da Secretaria de


Educação Especial apresentaria o grande documento de regulação desta
modalidade de ensino: Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar:
estratégias e orientações. Documento que estabelecerias todas as principais
diretrizes para o atendimento pedagógico no país:
Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico
domiciliar elaborar estratégias e orientações para possibilitar o
acompanhamento pedagógico-educacional do processo de
desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e
adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no
âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de
frequentar escola, temporária ou permanentemente e, garantir a
manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo
flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou
adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como
parte do direito de atenção integral.(BRASIL, 2002).

Este breve mergulho na história da pedagogia hospitalar, e sua


regulamentação no Brasil coloca em destaque o reconhecimento da
importância de se pensar e trabalhar em prol dos direitos plenos da criança e
do adolescente, tanto em relação à saúde quanto à educação. No caso
brasileiro, vemos como os desenvolvimentos das legislações conduziram para
a garantia do atendimento integral dos educandos em contexto hospitalar.
Desta maneira, a pedagogia hospitalar se coloca como um movimento que
“passa pelo reconhecimento de que a criança é sujeito de direitos e, mesmo
hospitalizada, mantém a necessidade de vivenciar experiências comuns à sua
idade, como o brincar e o estudar”.(SOUZA e ROLIM 2019, p.407).
Desta forma, como veremos a seguir, no esforço de se garantir as
possibilidades de desenvolvimento pleno da criança em idade escolar é que
surgiram as brinquedotecas, um espaço idealizado a partir de conceitos da
humanização dedicado ao lúdico.

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