Você está na página 1de 249

Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica.

Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Maria Lúcia de Arruda Aranha
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Maria Lúcia de Arruda Aranha


Co-autora dc Filosofando: introdução à filosofia e
Temas de filosofia
Autora de História da educação e Maqiãavel: a lógica da força

Filosofia
da Educação
2- edição
revista e ampliada

assozmAc fros «rcoiUncrK


EDITORA
MODERNA

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


venta o fotocopia

=111
EDITORA
I MODERNA

COORD E N A ÇAO L Dl I URI A L


Virgínia 4otí
- Se prohíbe su

Fliana Bigltetfi F’ttiherrc>


COORDENAÇÃO Db PREPARAÇÃO E DA REVtôAÜ
Jose Gabritrl Arroio
PREPARAÇAÜ DO TEXTO
Cêíia Ragintt Faria Mento
REVISÃO
Detuse de Almeida
Esttrvarn Jc.
Iraci MiyoKi Kishi
Oswaldo Cogo
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

GERÊNCIA DE PRODUÇÃO
Marcei Destoillc-uf
EDIÇÃO DE ARTF
Eduardo ríe Jesus Gonçalvus

CAPA
Foto: ' Nekropotis'', óiüO sobre tela
dc Pâul Kiee £? SuperstQCk / KcySfuzii?
PFSQUISA ICÜNOÜRÃFICA
Vcza Lucra da Silva 8fíttiOtiuovo

TRATAMENTO DL IMAGENS
Dufoides A. Assis
DIAGRAMAÇÂO
flaqtjeJ Ôurloietin Ribeiro
Saída de filmes
EtííJiuzitfn C. Canado
Halin P. de Souza Fillto
COORDENAÇÃO DO PCP
Fewifljirki ܣiftu Liegan

IM P RE S S A O K ACABA \ | I • \ l O
Grd/ttí! Ai-e Mib-iti

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação |CfP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A-;iiihii. Maria 1 iíci;- Arruda


FiW.>|iad£icíhic;H.iii: Mxiu [.ikia Je .\nucLi Aii-ih. -
* ed. rau .r sirpl. São PjuI.> Mndcrax I ÇQii

Br>li-'grd i.„

I Lduulçilii l-ilMiclia I.Tímh:


! 1171:5 CDD Vi;

índices para catálogo sistemático:


I. Ld ucíii.ln I - ili isc-li u 3 ;í1.1
2. Pi I U"iuj id J;l i';1i Ii iiçiic 1

ISBN 85-16-01477-0

7hi7'A uv tlindffts ix^enxtíi'.^

Editora Moderna Ltda.


Kj.i P;uiir Vk-liiK). "5H - Bck-iizjiilio
h;j<> Piiuk) - SP Br.nr - CEP •)_•<■<! K-9(.ij
Vendas <? Alctidinwnni: TeJ. i i jSilu
Hx (UL-Jli 6:j9ü-15iJl
ts. ww in< idvrnu.ri ii n.hr
2i>: 16

Imprtn.vr t/t> Bmsi!


j 3 3 <1 1 íI X d i 2
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Apresentação
A primeira edição deste Filosofia da educação data de 1989. Em face de sua ampla
aceitação nos cursos de magistério e pedagogia, foram feitas inúmeras reimpressões, o
que nos estimulou a empreender criteriosa revisão, da qual resulta esta 2- edição, amplia­
da e reestruturada.
A reformulação obedeceu a diferentes critérios, dentre os quais sem dúvida o mais
importante foi o destaque dado aos fundamentos filosóficos da educação, que antes eram
analisados nos diversos capítulos e agora também se encontram ampiamente explicitados
na Unidade IV, Educação e filosofia, cujos capítulos foram elaborados especialmente com
essa intenção. Na Unidade V, Concepções de educação, há capítulos novos e outros, já
existentes, sofreram desdobramentos.

É a seguinte a estrutura atual do livro, composta por seis unidades e 24 capítulos:

UNIDADE I — Educação e sociedade

Nesta unidade, constituída de quatro capítulos, analisamos a atuação humana na


sociedade, a fim de compreender as relações que os homens estabelecem entre si para
produzir a sua existência (relações de trabalho, políticas e simbólicas) e também o papel
fundamental da educação no processo de socialização e humanização.

UNIDADE II — O processo da educação

Os três capítulos desta unidade tratam da conceituação de educação e dos tipos de


educação, examinando a educação informal — com destaque para a família e os meios de
comunicação de massa — e a instituição escolar.

UNIDADE III — Educar para a submissão

Nos dois capítulos desta unidade abordamos a educação popular e a educação da


mulher, que representam dois segmentos tradicionalmente desprezados nas sociedades
divididas em classes e sexistas.

UNIDADE IV — Educação e filosofia

Esta unidade, com seus cinco capítulos, constitui o “coração” do livro. Nela examina­
mos o que é filosofia da educação e os pressupostos filosóficos subjacentes às práticas
educativas, ou seja, quais são os fundamentos antropológicos (o que é o homem?),
axiológicos (o que são valores?), epistemológicos (o que é conhecimento?) e políticos
(quais são as formas de poder?).
Em tese, bastaria este núcleo para caracterizar uma introdução à filosofia da educa­
ção. No entanto, preferimos antecipar essas teorizações com “o solo da realidade” consti­
tuído pelas três primeiras unidades e exemplificar os conceitos filosóficos com as concep­
ções de educação apresentadas na UNIDADE V. Com isso buscamos inicialmente enten­
der a gênese dos conceitos filosóficos e aprender como aplicá-los no reconhecimento dos
pressupostos de toda teoria, sejam eles explícitos ou não. Só assim o estudante poderá
adquirir autonomia de crítica no exame de qualquer teorização com que defronte ou que
precise elaborar.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

UNIDADE V — Concepções de educação

O primeiro dos nove capítulos desta unidade trata da teoria geral da educação, exa­
minando a especificidade da teoria pedagógica, distinta das outras ciências e da filosofia.
Nos demais capítulos percorremos as principais teorias que procuram, de uma forma ou
de outra, imprimir maior intencionalidade na prática educativa.
É feita uma abordagem histórica da educação, para maior clareza na explicitação
dessas teorias, desde as tradicionais até as.mais contemporâneas, análise essa que não
se pretende exaustiva, mas bastante elucidativa das inúmeras tendências de pensamento
e atuação dos educadores.

UNIDADE VI — Repensando a educação

O capítulo final retoma algumas das principais teses defendidas no decorrer do livro.
Em face das indagações sobre o futuro da educação brasileira, persiste uma certa perple­
xidade diante das mudanças vertiginosas neste final de milênio, o que reduz nossos prog­
nósticos a simples conjeturas.

Para auxiliar o trabalho do professor em sala de aula e dar maiores subsídios para os
alunos, usamos diversos recursos didáticos. Cada capítulo apresenta o assunto de forma
suficientemente clara, sendo complementado por dropes, que diversificam as abordagens
feitas, e por leituras complementares, que ampliam a discussão dos temas e trazem os
textos de grandes autores ao leitor iniciante, Para completar, Atividades, que contêm Ques­
tões, Análise de texto e sugestões de temas para Redação. No final do livro, oferecemos
para consufta o Vocabulário, o índice de nomes, a Indicação bibliográfica e a Bibliografia
geral.

Esperamos que este livro continue servindo para auxiliar o trabalho do professor em
sala de aula. Mais que isso, temos a esperança de estar contribuindo para o exercício da
análise crítica dos problemas relativos à educação que a realidade concreta nos apresenta.

A autora

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

SUMÁRIO
UNIDADE I — EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
1. Cultura e humanização.................................................................................. 14
1. Noção de cultura.................................................................... ................................................ 14
2. O animal e a natureza............................................................................................................ 15
3. A experiência humana.......................................................................,.............. ............... . 15
4. Cultura e socialização...................................................................... ,.............. ..................... 16
5. Sociedade c indivíduo ................................................................................................... 17
6. As três esferas da cultura...................................................................................................... 17
7. Cultura e educação....................... 18
Leituras complementares............... 19
1. Ernsr Cassircr: | A experiência de ilelen Keller] 2. Murray Bookchin: Paris, 1968

2. As relações de trabalho................................................................................... 22
1. O trabalho como práxis.......................................................................................................... 22
2. Trabalho e alienação............................................................................................................... 22
3. A sociedade industrial.................................................. 23
Taytorismo: “racionalização" do trabalho?. 23
4. A sociedade pós-moderna: a revolução da informática.................................................. 24 *
5. Professores como mão-de-obra alienada? ......................... ............................................... 25
6. Trabalho e escola..................................................................................................... .............. 26
Leitura complementar................................................................................................................ 27
Henry Giroux: |Os professores como intelectuais]

3, As relações de poder.................................................................................... 29
1. A política................................................................. 29
2. Diversos sentidos de ideologia................................................... 30
3. Um conceito restrito de ideologia........................................................................................ 30
4. Função da ideologia................................................................................................. 31
5. Características da ideologia................................................................................................... 32
6. Ideologia e educação.............................................................................................................. 32
Caráter ideológico das teorias pedagógicas, 33 Legislação e ideologia, 33 Prática educativa c
ideologia. 34
7. A contra-ideologia................................................................................................................... 35
8. Educar para a cidadania....................................................................... 36
Leituras complementares............................................................................................................ 37
1. Fragmentos de textos didáticos de 1- grau 2. Beniard Charlou [O conceito de desabrochar |

4. As relações culturais.................................................................................... 39
1. Os bens culturais .................................................................................................................... 39
2. Os diversos tipos de cultura..................................................................................................39
A cultura erudita, 40 A cultura popular. 40 A cultura de massa. 41 A cultura popular in­
dividualizada. 42
3. Educar para qual cultura?................................................................................................... 43
Leituras complementares...........................................................................................................45
I. Florestan Fernandes; Educação c folclore 2. Luís Milanesi: |Os Ires verbos da ação cultural]

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
(Z
O
>

o p\
n
p — L^j
õJ'
Q-
tr >
XI 33 > O C
a c fi- Z
n G n -* JC:
c- £ 3=
3 &: o L?
o p:
cn CT v t-
£ g t-3 n 2íi
O o n G-
g O CD !?3 C G
oo ©
C Q ió
G
5 Cl
z O
C c.
Q_ g G c »*
rt' CD O Z-
CL fc; B
m 5 tí' o 7^ c £5t
Cl o CD G
> O
c O o 5*
■■r. g' 27
n X £ Z X O
<— o
qj G 5= CL
r> CL
Z G ■•G
QJ> ■-<
O <Tk O
</> h> O d
(X
r, g G p
o □ ■Z
Vi
ji G
■j'- n
O 27
Z
ÍT G G
z? £ £7
CT bG Z
3 Z CÍ4 G
< O
E.
c Z 5
25 *Z
n CD W

t: P
ij

I -J
O
<

õ’
g

31
O

oc OC QC -4 "-J '-l -J -J Q\ O1"' O\ LA CA L/i LA Vl LA Lh '^i L/i LA. LA


uj —- \D OC OC 4^ 4- lJ KJ oo o OC "J O O L-> f-J — Q O O
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
c
o
>

c?
2
O
>
e
w
5
w
o
17 e
n
>
o
o
w

c
CZ
O
M

bj M o a o
QC oc L/l M — O OC OC õc C sc -u
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
T
T
(Z
o
>

o
n tf
tf lm LM rm
,

õJ' n LM r
to
T
r. > ►—‘ • tf T
n X > c ti
O >
•Zj c
> £ rt-
fD G g 3
o -1 Z pj
z
cn tf G O do c CL
a. tf tf z
z c n a flK o o C
O tf c o n T z
o rp 3 c tf < 5
O C- i-t tf ■X n 3 -c
õ? tf (Z? CL
A teoria do

5 X tf
F* X T tfi o
Q_ O S r.
tf G CD o z
X X
o tf tf G ■<
a n o n □- 3tf Q 3 n>
m a G a a a G "O
Cl CZI tf tf
Z 3 I s v>
c Cu tf
ca tf G
n tf Pi >
“i tf* Í5
qj tf ES n
—•- tf C3 tf
tf G3
a> CL x
CL C
QJ> V.
O 2.
© ■£
O cl c õ" s O' z
n tf* as
conhecim ento.

o r
3 G'
n'
tf o
tf rjL.
LA Cl
□C tf
CL ■tf
□ ■“i
> Cu £j:>
tf g X
tf' X
rc rt'
z "tf
V O
Cu o
tf x
rrs C
t/)
cr:
o
O
tf
Q. pj
n
£tf!

>

ti

■tf tf tf ■tf tf -tf '-h> LM LM LM LM Lí-à LM tf


la LA LA LA LA LA LA -tf
tf LM tf) O 30 -d C" O. tf tf 0C
LM hM QO OC -J -d ■tf hd — O xC OC 00 35
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
(Z
O
>

C'
Q
Õj’

o
iz>
O
õj'
Q_

m
Q_
C
n
DJ
-n
£»>
O

r->
'C 'C c o 00
O QO “-J JJ tO QC OC. oc
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

d
z tsj

e rt-
C
> H-Z ©
o 3
w O cc
£ < o Ó
o o O
&>
<T 5
2 “1
<D C
w o **

r> 5T
w r*-
»

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


z
z Sí
O
> O-
rp
z
c
>
c
>
c

bJ (O l-J IJ r-j r-j r j to


o P O
r j rj to
utilizado parcialmente como material de consulta

1. Cultura e humanização
2. As relações de trabalho
3. As relações de poder
4. As relações culturais
texto es
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

o_
o

-0
c
<

O
3

y
y
=5
Q_

n
g
3
o
3
3^

G.

c*.
B
G
O
G

£5

o
o
OO

-C
rtk

cs’
EL
r-+

B
n
3

y

G

,g
(V
G
y

y
<
X)

D
çp

fta
B
£
Cl.
s
y

G
O
n

o
y

B
g
£
y
£
Er c_
»
R
L
rc'

zr
3“

c_
Cc

n' |
o £
rt

c
G
y
G

V
c
“1

JC

A
"d
Q.’
Cl

2,

É.
3

c
rt'

-t


P

r>
rt

rt

y
rt

y
<

v.
fc:

do as prim eiras cm detrim ento das últim as. É como sc comportam diante da morte,
isso ju sta m e n te o que está em questão na O contato do homem com a natureza, com
epígrafe do capítulo: os homens da civilização outros homens e consigo mesmo é interm ediado
americana consideram um bem universal o que pelos sím bolos. isto c, signos — arbitrários e
oferecem em suas escolas e, com o tal, desejam convencionais — , por m eio dos quais o homem
>
73
73
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

representa o mundo. Portanto, ao criar um sis­ Ao contrário da rigidez dos instintos, a resposta
tema de representações aceitas por todo o gru­ inteligente a um problema é criativa, improvi­
po social (ou seja, a linguagem simbólica), os sada e pessoal.
homens se comunicam de forma cada vez mais Todo mundo que tem cachorro em casa gos­
elaborada. ta de contar inúmeras histórias: como “compre­
Nesse sentido pode-se dizer que a cultura é o ende" ordens, como consegue pegar um osso
conjunto de símbolos elaborados por um povo colocado fora de seu alcance ou. quando é ca­
em determinado tempo e lugar. Dada a infinita çador, que artimanhas usa para se apoderar de
possibilidade do simbolizar, as culturas são múl­ uma presa. Podemos observar também que al­
tiplas e variadas. guns cães aprendem mais rapidamente do que
outros. Mesmo os que não são submetidos ao
adestramento humano agem habilidosamente
2. O animal e a natureza para conseguir adaptar-se ao ambiente e sobre­
viver, usando recursos inventivos que não se
O animal vive em harmonia com a natureza. acham fixados pelo instinto.
Isso significa que sua atividade é determinada Por mais flexível que seja o comportamento
por condições biológicas que lhe permitem adap­ desses animais, trata-se, no entanto, de uma inte­
tar-se ao meio em que vive, não sendo livre para ligência concreta, e, nesse sentido, se distingue
agir cm discrepância com a sua própria natureza, da inteligência humana, que é abstraiu. Sendo
razão pela qual o comportamento de cada espé­ concreta, a inteligência animal é imediata c prá­
cie animal é sempre idêntico. tica, isto é, depende do momento vivido aqui e
Os animais, por exemplo, que se situam nos agora e tem em vista a resolução imediata de uma
níveis mais baixos de desenvolvimento dentro da situação problemática.
escala zoológica, agem por reflexos e instintos Por exemplo, quando está com fome, um ma­
e, por isso, sua atividade é a mais rígida possí­ caco busca o alimento por instinto. No entanto,
vel. Essa rigidez dá a ilusão de perfeição quando se o cacho dc bananas não se acha acessível, terá
observamos o animal executando determinados que “resolver o problema” de forma satisfatória:
atos com extrema habilidade. Não há quem não se estiver muito alto, poderá alcançá-lo com uma
veja com atenção e pasmo o “trabalho" paciente vara ou subir em uni caixote.
da aranha tecendo a teia, ou nào tenha admirado À diferença do homem, o animal não domina
a colméia, produto da abelha operária. o tempo, porque seu ato se esgota no momento
Sendo a ação instintiva regida por leis bioló­ em que o executa. Mesmo quando repete com
gicas, permanece idêntica na espécie e invariá­ maior rapidez comportamentos aprendidos ante-
vel de indivíduo para indivíduo. Por isso os atos rionnente, o uso do instrumento não remete para
dos animais não têm história, são os mesmos em o passado nem para o futuro. No exemplo dado,
todos os tempos, não se renovam, salvo as modi­ a vara usada pelo macaco sempre volta a ser vara,
ficações resultantes da evolução das espécies e o que significa que o animal não inventa o ins­
as decorrentes das modificações genéticas. trumento, não o aperfeiçoa nem o conserva para
Quando ocorrem lais mudanças, elas valem para uso posterior. O gesto útil não tem sequência no
todos os indivíduos da espécie, são transmitidas tempo c, portanto, não adquire o significado de
hereditariamente e não permitem inovações in­ unia experiência propriamente dita.
dividuais. Mesmo as modificações que resultam
dc formas de adaptação ao ambiente são restri­
tas, não podendo ser comparadas com as altera­ 3. A experiência hu mana
ções de que o homem é capaz.
A medida que, na escala zoológica, subimos Total mente diversa é a ação do homem sobre a
até os mamíferos, percebemos, porém, que as natureza e sobre si mesmo. Ao reproduzir técni­
ações animais deixam de ser resultado exclusi­ cas usadas por outros homens e inventar outras,
vo de reflexos e instintos e apresentam uma fle­ novas, a ação humana se torna fonte de idéias c
xibilidade maior, típica dos a/f» inteligentes. por isso uma experiência propriamente dita.

15

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A noção de experiência não se separa do ca­ 4. Cultura e socialização


ráter abslrato da inteligência humana, pelo qual
pode ser superada a vivência do aqui c agora, O processo de socialização se inicia por meio
passando a existir no tempo. O homem torna-se da ação exercida pela comunidade sobre os ho­
capaz de lembrar a ação feita no passado e proje- mens. E conhecida a história das meninas-lobo
lar a ação futura, o que é possível pelo fato de encontradas na índia, em 1920. vivendo numa
representar o mundo por meio do pensamento, matilha. Seu comportamento em tudo se asseme­
expressando-o pela linguagem simbólica. lhava ao dos lobos: andavam de quatro, comiam
A linguagem humana substitui as coisas por carne crua ou podre, uivavam à noite, não sabiam
símbolos, tais como as palavras e os gestos. Por rir nem chorar. Só iniciaram o processo de
meio de representações mentais e de expressões humanização ao conviver com ouLras pessoas.
da linguagem, o homem torna presente, para si e O mundo cultural é, dessa forma, um sistema
para os outros, os acontecimentos passados, bem de significados já estabelecidos por outros, de
como antecipa pelo pensamento o que ainda não modo que, ao nascer, a criança encontra um mun­
ocorreu. do de valores dados, onde cia se situa. A língua
Em uma situação de fome o procedimento que aprende, a maneira de sc alimentar, o jeito de
humano distingue-se do animal porque faz uso sentar, andar, correr, brincar, o tom de voz nas
do recurso da linguagem abstrata: a vara para conversas, as relações sociais, tudo, enfim, sc acha
alcançar a fruta não precisa estar presente, mas estabelecido em convenções. Ate a emoção, que c
é nf-prerentaí/fl, isto é, torna-se presente pela uma manifestação espontânea, sujeita-sc a regras
palavra. Mais ainda; se o desafio da situação que dirigem de certa forma a sua expressão. Basta
nova ulLrapassa os recursos deixados pela tra­ observar como a nossa sociedade, ainda preocu­
dição, o homem é capaz de. pelo pensamento, pada com uma visão estereotipada da masculini­
antecipar a ação futura, ou seja, inventar um dade, vê com complacência o choro feminino e
instrumento. recrimina a mesma manifestação no homem.
A partir daí concluímos que as diferenças en­ É possível dizer então que a condição huma­
tre o homem e o animal não são apenas de grau, na não resulta da realização hipotética de instin­
já que, enquanto o animal permanece inserido na tos, mas da assimilação dc modelos sociais: o ser
natureza, o homem é capaz de transformá-la, tor­ do homem se faz mediado pela cultura. Nem o
nando assim possível a cultura. ermitão consegue anular a presença do mundo
A transfornTação que o homem faz na nature­ cultural. A escolha de se afastar faz permanecer
za chama-se trabalho. O trabalho c a ação o tempo lodo, em cada ato seu. a negação e, por­
transformadora dirigida por finalidades consci­ tanto, a consciência e a lembrança da sociedade
entes. Nesse sentido, o castor, quando constrói rejeitada. Seus valores, mesmo colocados contra
um dique, ou o joão-de-barro, sua casinha, não os da sociedade, situam-se também a partir dela.
estão de fato “trabalhando'’, pois esses atos não A recusa de se comunicar é ainda uni modo de
são deliberados, intencionais, nem movidos por comunicação.
finalidades conscientes, mas sim determinados Por isso, a condição humana não apresenta
pelo instinto c idênticos na espécie. Para o ho­ características universais e eternas, pois variam
mem, ao contrário, o contato com a natureza só é as maneiras pelas quais os homens respondem
possível quando mediado pelo trabalho. socialmente aos desafios, a fim dc realizar sua
A cultura é, portanto, o que resulta do traba­ existência, sempre historicamente situada (ver
lho humano: a transformação realizada pelos itis- Capítulo 11).
trumentos, as idéias que tornam possível essa Uma tendência conservadora, no entanto,
transformação e os produtos dela resultantes. leva muitos a definirem sua própria cultura como
Ainda mais: a ação humana transformadora a correta, estranhando os comportamentos de ou­
não c solitária, mas sociaL já que os homens, ao tros povos ou mesmo de segmentos diferentes
se relacionarem para produzir sua própria exis­ cm sua própria sociedade. Chegam a achar “na­
tência, desenvolvem condutas sociais, a fim de turais" certos atos e valores que se opõem a ou­
atender às necessidades do grupo. tros, considerados “exóticos".

16

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O filósofo Montaigne, no século XVI. ao ana­ A transformação produzida pelo homem pode
lisar a perplexidade dos europeus em relação aos ser caracterizada como um ato dc liberdade, enten­
costumes dos povos indígenas cias terras rccém- dendo-se liberdade não como alguma coisa que é
descobertas, já percebia o teor tendencioso das dada ao liomein, mas como o resultado da sua ca­
avaliações: "Não vejo nada de bárbaro ou selva­ pacidade de compreender o mundo, projetar mu­
gem no que dizem aqueles povos; e, na verdade, danças e realizar projetos. Pelo trabalho o homem
cada qual considera bárbaro o que não se pratica aprende a conhecer as próprias forças e limitações,
em sua terra”. Mais adiante questiona o honor desenvolve a inteligência, as habilidades, impõe-se
de muitos diante do relato de canibalismo dos uma disciplina, rclaciona-se com os companheiros
selvagens, quando não causava igual espanto o e vive os afetos de toda relação. Nesse sentido, di­
costume dos religiosos de seu tempo de zemos que o homem sc autoproduz, pois ele se mo­
“esquartejar um homem entre suplícios e tormen­ difica c se constrói a partir dc sua ação. E nesse
tos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães movimento tece sua liberdade.
e porcos, a pretexto de devoção e fé”. O que foi dito um pouco antes a respeito da
Aceitar as diferenças entre as culturas c im­ ação multiforme dos modelos sociais não con­
portante para evitar o elnocentrismo, isto é, o jul­ traria a relação estabelecida entre trabalho c li­
gamento de outros padrões (morais, estéticos, berdade. isso su explica pelo fato de que, se, por
políticos, religiosos etc.) a partir de valores do um lado, há sempre a necessidade dc um ponto
seu próprio grupo, Esse comportamento geral­ de partida para que cada um possa se compre­
mente leva à xenofobia (horror ao estrangeiro), ender — e esse solo é a herança social —, por
que c uma forma dc preconceito e caminho certo outro, o ser do homem exige a superação daqui
para o exercício da violência, pois a partir dela lo que ele herda, numa constante recriação da
surgem determinados critérios dc superioridade cultura.
e inferioridade que justificam indevidamente a
dominação de um grupo sobre outro.
6. As três esferas da cultura
5. Sociedade e indivíduo _________ As relações que os homens estabelecem entre si
para produzir a cultura se dão em diversos níveis
A natureza modificada pelo trabalho humano que não sc excluem, mas se complementam c sc
não é apenas a do mundo exterior, mas tambem interpenetram. Apenas por questões didáticas cos­
a da individualidade humana, pois nesse proces­ tumamos separar e distinguir essas relações em:
so o homem se autoproduz, isto é, faz a si mes­ • relações de trabalho, que são materiais, pro­
mo homem. dutivas e caracterizadas pulo desenvolví mento
O autoproduzir-se humano se completa em das técnicas e atividades econômicas:
dois movimentos contraditórios e inseparáveis: • relações políticas, ou seja, as relações dc
por um lado, a sociedade exerce sobre o indiví­ poder que possibilitam a organização social e a
duo um efeito plasrnador. a partir do qual é criação das instituições sociais:
construída uma determinada visão de mundo; por • re/ufõer culturais ou comunicativas, que re­
outro, cada um elabora e interpreta a herança re­ sultam da produção e difusão do saber e deve­
cebida na sua perspectiva pessoal, riam pertencer ao âmbito das relações intencio­
E bem verdade que o teor dessas mudanças nais. reduto da subjetividade.
varia conforme o tipo de sociedade: no mundo Nos capítulos que sc seguem abordaremos
contemporâneo de intensa urbanização, as alte­ não só as relações entre essas Ires esferas, como
rações são muito mais velozes do que nas tribos tambem as formas pelas quais uma pode predo­
indígenas ou nas comunidades tradicionais. Mes­ minar sobre as outras, produzindo muitas vezes
mo assim, não há sociedade estática: em maior efeitos perversos. Por exemplo, nas sociedades
ou menor grau, iodas mudam, estabelecendo uma fortemente hierarquizadas e elitizadas, a produ­
dinâmica que resulta do embate entre tradição e ção c a difusão da cultura tornam-se restritas,
ruptura, herança e renovação. constituindo privilégio de alguns. O mundo do

17

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
trabalho, por sua vez. Lambem pode extrapolar taura relações sociais, cria modelos de compor­
seus limites, levando seus próprios valores para tamento. instituições e saberes.
outros campos cslritamente pessoais e afetivos e O aperfeiçoamento dessas atividades, no en­
passando a “colonizá-los” indevidarncnic: tanto, só é possível pela transmissão dos conhe­
quantos níio veem no casamento uma maneira cimentos adquiridos de uma geração para outra,
rendosa de aumentai seu patrimônio? permitindo a assimilação dos modelos de com­
portamento valorizados. É a educação que man­
tem viva a memória de um povo c dá condições
7. Cultura e educação para a sua sobrevivência material e espiritual.
A educação c. portanto, fundamental para a
Vímos, ate aqui, que a cultura é uma criação socialização do homem e sua humanização. Tra­
humana: ao tentar resolver seus problemas, o ta-se de um processo que dura a vida toda e não
homem produz os meios para a satisfação de suas se restringe à mera continuidade da tradição, pois
necessidades e, com isso, transforma o mundo supõe a possibilidade de rupturas, pelas quais a
natural e a si mesmo. Por meio do trabalho ins­ cultura se renova e o homem faz a história.

Dropes

Se o homem não tem oportunidade de desenvolver e enriquecer a linguagem, torna-se incapaz


não só de compreender o mundo que o cerca, mas também de agir sobre ele.
Na literatura, é belo (e triste) o exemplo que Graciliano Ramos nos dá com Fabiano, persona­
gem principal de Vidas secas. A pobreza de vocabulário prejudica a tomada de consciência da ex­
ploração a que é submetido, e a intuição de sua situação não é suficiente para ajudá-lo a reagir.
Outro exemplo é apresentado pelo escritor inglês George Orwell no seu livro 1984, em que,
num mundo do futuro dominado pelo poder totalitário, uma das tentativas de esmagamento da opo­
sição crítica consiste na simplificação do vocabulário levada a efeito pela “Novilíngua". Nesse pro­
cesso, toda a gama de sinônimos é reduzida cada vez mais: pobreza no falar, pobreza no pensar,
impotência no agir.
Se a palavra, que distingue o homem dos outros seres vivos, se encontra enfraquecida na sua
possibilidade de expressão, é o próprio homem que se desumaniza.

Você sabe o que é contracultura? É a expressão que designa os diversos movimentos que
eclodiram na década de 60, inicialmente nos EUA, espalhando-se em seguida para o resto do mun­
do. Essos movimentos reuniram pessoas das mais diversas ideologias, voltadas para a contestação
dos valores da sociedade industrial, centrada na tecnocracia e no consumo. A contracultura tem
como exemplos o movimento hippie e as “revoluções” estudantis mundiais, cuja expressão máxima
foi o “Maio de 68” na França (ver leitura complementar 2).

A transformação das pessoas em animais como castigo é um tema constante dos contos infan­
tis de todas as nações. Estar encantado no corpo de um animal equivale a uma condenação. Para as
crianças e os diferentes povos, a idéia de semelhantes metamorfoses é imediatamente compreensí­
vel e familiar. Também a crença na transmigração das almas, nas mais antigas culturas, considera a
figura animal como um castigo e um tormento. A muda ferocidade no olhar do tigre dá testemunho do
mesmo horror que as pessoas receavam nessa transformação. Todo animal recorda uma desgraça
infinita ocorrida em tempos primitivos. O conto infantil exprime o pressentimento das pessoas. {Ador­
no e Horkheimer)

18

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Leituras complementares

1. [A experiência de Helen Keller]*

No desenvolvimento mental do espírito, é evi­ à casa da bomba, e fiz que Helen segurasse sua
dente a transição de uma forma a outra — de caneca debaixo da bica, enquanto eu bombea­
uma atitude meramente prática a uma atitude va. Ao jorrar a água fria, enchendo a caneca, es­
simbólica. Todavia, este passo é o resultado fi­ crevi ‘á-g-u-a1 na mão aberta de Helen. A pala­
nal de um processo lento e contínuo Não é fácil vra, que se juntava à sensação de água fria que
distinguir as etapas individuais deste complicado lhe escorria pela mão, pareceu sobressaltá-la.
processo pelos métodos usuais da observação Deixou cair a caneca e quedou como que parali­
psicológica. Existe, porém, outro caminho de se sada. Nova luz iluminou-lhe o rosto. Soletrou
obter plena visão do caráter geral e da extraordi­ ‘água’ várias vezes. A seguir, inclinou-se até o
nária importância dessa transição. A própria na­ solo e perguntou-lhe o nome, apontando para a
tureza, por assim dizer, realizou uma experiên­ bomba e para o caramanchão e, voltando-se de
cia capaz de projetar luz inesperada sobre o as­ repente, perguntou o meu nome. Soletrei ‘profes­
sunto em questão. Temos os casos clássicos de sora’. Durante a volta para casa, mostrou-se
Laura Bridgman e Helen Keller, duas crianças excitadíssima, e aprendendo o nome de todo ob­
cegas e surdas-mudas que, por meio de méto­ jeto que tocava, de modo que, em poucas horas,
dos especiais, aprenderam a falar. Embora es­ havia acrescentado trinta palavras novas ao seu
tes casos sejam bem conhecidos e tenham sido vocabulário. Na manhã seguinte, levantou-se
tratados com freqüência na literatura psicológi­ como uma fada radiosa. Adejou de um objeto a
ca, vejo importância em recordá-los mais uma outro, perguntando o nome de tudo e beijando-
vez por encerrarem, talvez, a melhor ilustração me alegremente. Tudo agora precisa ter um
do problema geral de que nos ocupamos. A sra. nome. Aonde quer que vamos, pergunta, ansio­
Sullivan, professora de Helen Keller, registrou a sa, os nomes das coisas que não aprendeu em
data exata em que a criança realmente principiou casa. Espera, sôfrega, que os amigos soletrem e
a compreender o sentido e a função da lingua­ vive aflita por ensinar as letras a todas as pes­
gem humana. Cito-lhe as próprias palavras: soas que encontra. Abandona os sinais e a pan­
“Preciso escrever-lhe uma linha hoje cedo por­ tomima que antes empregava, uma vez que dis­
que algo muito importante aconteceu. Helen deu o põe de palavras para substituí-los, e a aquisição
segundo grande passo em sua educação. Apren­ de uma palavra nova lhe proporciona o mais in
deu que tudo tem um nome, e que o alfabeto ma­ tenso prazer. E notamos que seu rosto se torna
nual é a chave de tudo o que ela deseja saber. cada dia mais expressivo.”**
“(. .) Hoje cedo, enquanto se lavava, ela quis O passo decisivo que leva do uso de sinais c
saber o nome correspondente a água’. Quando pantomimas ao uso de palavras, isto é. de sím­
quer saber o nome de alguma coisa, aponta para bolos, não poderia ser descrito de maneira mais
essa coisa e dá umas palmadinhas na minha notável.
mão. Soletrei ;á-g-u-ar e não pensei mais no as­ (Ernst Cassirer, Antropologia filosófica,
sunto até depois do café (...) [Mais tarde] fomos p. 62-64.)

2. Paris, 1968
A qualidade da vida cotidiana

A rebelião de maio-junho de 1968 foi um dos do A rebelião de maio-junho aconteceu num


mais importantes acontecimentos que ocorreram país industnaHzado e orientado para o consumo
na França desde a Comuna de Paris em 1871.
Ela não só sacudiu as bases da sociedade bur­
guesa na França, como levantou problemas e
’ Os tíLukJS entre colchetes suo do nossa autoria: não
apresentou soluções de uma importância sem constam, portanto, do texto original.
precedentes para a sociedade industrial moder­ ”*Ver Helen Keller. Narrativa suplementar da vida e da
na, merecendo ser estudada e discutida em pro­ educação de I lelen Keller, In lhe story ot my lite, Nova
fundidade pelos revolucionários de todo o mun­ lorauc, Doublcday, Page & Co., 19U2-—1903, p. 315 ess.

19

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

— menos desenvolvido que os Estados Unidos, Um movimento majoritário espontâneo


mas pertencendo basicamente à mesma catego­
ria econômica. A revolta destruiu o mito de que a A revolta foi um movimento majoritário no
riqueza e os recursos da moderna sociedade in­ sentido de que fez um corte longitudinal por to­
dustrial podem ser usados para neutralizar todas das as camadas da sociedade francesa, envol­
as formas de oposição revolucionária. Os acon­ vendo não apenas estudantes e operários, mas
tecimentos de maio-junho demonstraram que as técnicos, engenheiros e funcionários em quase
contradições e antagonismos do capitalismo não todos os níveis da burocracia estatal, industrial e
são eliminados pela estratificação e por formas comercial. Atingiu profissionais liberais e traba­
avançadas de industriaiismo, mas apenas trans­ lhadores, intelectuais e jogadores de futebol, ar­
formados em forma e caráter. tistas de televisão e operários do metrô. Chegou
O fato de que a revolta pegou a todos de sur­ a penetrar na força policial da cidade e é quase
presa, mesmo os mais sofisticados teóricos dos certo que afetou também a grande massa de sol­
movimentos marxistas, situacionistas e anarquis­ dados alistados no exército francês.
tas, ressalta a importância dos acontecimentos A rebelião foi iniciada basicamente pelos jo­
de maio-junho e suscita a necessidade de exa­ vens. Ela começou entre os estudantes univer­
minar as origens da inquietação revolucionária sitários e depois foi apoiada pelos jovens ope­
da sociedade moderna. rários industriais, pelos jovens desempregados
As inscrições que podiam ser lidas nos muros e pelos “jaquetas de couro” — a assim chama­
de Paris — “Poder para a imaginação”, “É proibi­ da delinquência juvenil das cidades. Deve-se
do proibir”, “A vida sem tempos mortos”, ‘Traba­ salientar especialmente a participação dos es­
lho, nunca” — representam uma análise mais tudantes de segundo grau e dos adolescentes
profunda dessas origens do que todos os volu­ que frequentemente demonstraram mais cora­
mes cheios de teorias herdadas do passado. A gem e determinação do que os seus colegas
revolução revelou que chegamos ao fim de uma universitários. Mas a revolta afetou os mais ve­
era e ao início de novos tempos. As forças que lhos também: funcionários burocráticos, traba­
hoje motivam a revolução — pelo menos no mun­ lhadores braçais, técnicos e profissionais. Em­
do industrializado — já não são simplesmente a bora tivesse sido catalisada pelos revolucioná­
escassez e a necessidade material, mas também rios conscientes, especialmente por grupos de
a qualidade da vida cotidiana, a necessidade de afinidade anarquista, de cuja existência nin­
liberação da experiência e a tentativa de contro­ guém suspeitava nem mesmo vagamente, o flu­
lar o próprio destino. xo, o movimento de rebelião foi espontâneo.
Não importa que as inscrições dos muros de Ninguém incitou à revolta, ninguém chegou a
Paris tivessem sido feitas, no início, por uma pe­ organizá-la e também ninguém conseguiu
quena minoria. Por tudo o que vi até agora, pare­ controlá-la.
ce claro que os graffiti (que hoje enchem vários (Murray Bookchin, O anarquismo pós-
volumes) incendiaram a imaginação de muitos escassez, in George Woodcock, Os grandes
milhares em Paris. Eles conseguiram expor a co- escritos anarquistas, Porto Alegre, L&PM,
ragem/nervo revolucionário da cidade. 1981, p. 235-237.)

Atividades

Questões

1. Explique em que sentido os conceitos de cultura, trabalho e educaçao são inseparáveis, isto é, um não
pode ser compreendido sem o outro.
2- Faça um comentário crítico da epígrafe do capítulo, aplicando os conceitos aprendidos.
3. Caracterize e distinga esses dois tipos de atos: uma aranha tecendo a teia e um chimpanzé subindo
em um caixote para alcançar uma banana.
4. Comente: "Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a cons­
trução das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre-de-

20

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

obras. Mas há algo em que o pior mestre-de-obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes
de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro'’ (Karl Marx).
5. Explique por que o etnocentrismo leva ao preconceito e este, à violência.
6. Indivíduo e sociedade: em que medida são pólos inseparáveis, mas ao mesmo tempo distintos?

Análise de texto

A partir da leitura complementar 1, responda às questões de 7 a 9.

7. Qual foi a descoberta levada a efeito por Helen Keller e relatada por sua professora Anne Sullivan?
8. Qual é a comparação feita por Cassirer entre essa descoberta e o nascimento da cultura humana?
9. Que papel importante nesse processo é representado pela professora?

Com base no texto Paris, 1968 (leitura complementar 2), responda às questões de 10 a 12.

10. Herança e ruptura são dois aspectos inseparáveis da expressão da cultura. Como esses pólos estão
explicitados no texto em questão?
11. Segundo o autor, quais os principais fatores desencadeantes dos movimentos de protesto?
12. As críticas feitas à sociedade contemporânea ainda são pertinentes? Justifique sua resposta.

Redação

Tema: Analise as características da sociedade que você considera importante manter e outras que
gostaria de mudar. Use argumentos para justificar seus pontos de vista.

21

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

2 As relações de trabalho

Como um professor que mal prepara as aulas, que não lê um livro por ano,
que vive insatisfeito com seu trabalho e seu salário pode fazer desabrochar na
criança o amor pela leitura, a paixão do saber, a épca do trabalho c o interesse
pela política?
{Barbara Frcitag)

1, O trabalho como práxis________ _ Aliás, a concepção de trabalho sempre esteve


ligada a uma visão negativa, que implica obriga­
Para designar a atividade própria do homem, ção e constrangimento. Na Bíblia. Adão c Eva
distinta da ação animal, costuma-se usar a pala­ vivem felizes até que são expulsos do Paraíso e
vra práxis, conceito que não se identifica com a Adão é "condenado" ao trabalho com o "suor do
noção de prática propriamente dita, mas signifi­ seu rosto", cabendo a Eva também o "trabalho"
ca união dialética da teoria e da prática. Cha­ do parto.
mamos de dialética a relação entre teoria c práti­ A palavra trabalho vem do vocábulo latino
ca porque não existe anterioridade nem superio­ tripaliare. do substantivo tripaíium. aparelho dc
ridade entre uma e outra, mas sim reciprocidade. tortura formado por três paus ao qual eram ata­
Ou seja, uma não pode ser compreendida setn a dos os condenados e que também servia para
outra, pois ambas se encontram numa constante manter presos os animais difíceis de ferrar. As­
relação de troca mútua. sim, vemos na própria etimologia da palavra a
Como práxis, qualquer ação humana c sem­ associação do trabalho com tortura, sofrimento,
pre carregada de teoria (explicações, justificati­ pena, labuta.
vas. intenções, previsões etc.). Também toda te­ E apenas aparente, no entanto, a contradição
oria, como expressão intelectual de ações huma­ entre o que loi dito anierionncnic e a realidade
nas já realizadas ou por realizar, resulta da prá­ dos fatos. O trabalho é condição dc liberdade
tica. Convém ainda entender a práxis dentro de desde que o trabalhador não esteja submetido a
um contexto social, pois as ações se realizam en­ constrangimentos externos, tais como a explora­
tre homens. ção, situação em que deixa de buscar a satisfa­
Ora, talvez você esteja se perguntando se é ção das suas necessidades para realizar aquelas
assim mesmo que funciona o trabalho na socie­ que lhe foram impostas por outros. Quando isso
dade em que vivemos, pois percebe, ao contrá­ ocorre, o trabalho torna-se inadequado à
rio, que algumas profissões são predominante­ humanização: trata-se do trabalho alienado.
mente teóricas, enquanto outras se reduzem a
formas rudimentares de trabalho manual.
Mais ainda, lembrando o capítulo anterior, no 2. Trabalho e alienação _____
qual foi destacada a importância do trabalho
como marca distintiva entre o homem e o ani­ E o que é alienação?
mal, entre cultura e natureza, talvez cause estra­ O verbo alienar vem do latim alienare, “afas­
nheza a relação estabelecida entre trabalho c li­ tar, distanciar, separar". Alienas significa "que
berdade. uma vez que, com certeza, não é essa a pertence a outro, alheio, estranho". Alienar, por­
realidade encontrada na história da humanidade tanto, é tornar alheio, é transferir para outrem o
nem no dia-a-dia de cada um. que é seu.

22

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Quando em uma sociedade aparecem seg­ Como o trabalhador não realiza cie mesmo a
mentos dominantes que exploram o trabalho hu­ reflexão sobre o seu fazer, acolhe sem críticas as
mano — como nos regimes de escravidão, de formas de pensar vigentes na sociedade, elabo­
servidão — ou ainda quando, para sobreviver, o radas por sua vez pelos grupos que dotem o con­
indivíduo precisa vender sua força de trabalho trole das instituições e cujas atividades são pre-
em troca de uni salário, estamos diante de situa­ dominantemente diretivas. Essas idéias dizem
ções em que o homem perde a posse daquilo que respeito aos conhecimentos, valores, normas de
ele produz- O produto do trabalho é separado, ação, e são disseminadas pelos meios mais di­
alienado de quem o produziu. versos — inclusive a escola — e aceitas pela
Com a perda da posse do produto, o próprio maioria (ver próximo capítulo).
homem não mais se pertence: não escolhe o ho­ A situação torna-se mais crítica com o desen­
rário, o ritmo de trabalho, nem decide sobre o volvi mento do sistema capitalista, a partir do
salário; não projeta o que vai ser feito, sendo co­ nascimento das fábricas, nos séculos XVII e
mandado de fora, por forças estranhas a ele. Com XVIII. Os trabalhadores sofrem uma mudança
a alienação do produto, o próprio homem lam­ radical em relação aos hábitos adquiridos nas
bem se torna alienado, deixando de ser o centro manufaturas, nas quais a atividade era até então
ou a referência de si mesmo. predominantciiicntc doméstica.
Veremos, a seguir, como a alienação se mani­ Com o surgimento das fábricas — em que os
festa na sociedade industrializada c. mais recente­ trabalhadores se agrupam eni grandes galpões e
mente, na chamada sociedade pus-moderna. e tam­ se submetem a um ritmo de trabalho cada vez mais
bém como tudo isso repercute no projeto de uma intenso — acentua-se a dicotomia concepção x
educação que esteja preocupada com a formação execução do trabalho, ou seja, o processo de sepa­
do homem para o trabalho e para a cidadania. ração entre aqueles que concebem, criam, inven­
tam o que vai ser produzido e aqueles que são
obrigados à simples execução do trabalho.
3. A sociedade industrial
Taylorismo: “racionalização” do
Ao analisar a práxis humana, constatamos que trabalho?
ela supõe um “trabalho material”, cujo resultado é
a produção dos bens materiais. Para tanto, o ho­ Com o desenvolvimento do sistema fabril, dá-
mem antecipa a ação por meio do pensamento, se a agravante introdução do sistema parcelado
criando ideias, teorias, que seriam na verdade o de produção, tornando a execução do trabalho
resultado de um “trabalho não-material5 ou seja. mais mecânica e mais fragmentada. Essa divisão
o trabalho intelectual.
Desde o início da civilização,
no entanto, sempre que na socie­
dade são criadas relações hierár­
quicas, dá-se a separação entre
trabalho intelectual e trabalho
manual. Com isso, aqueles que se
ocupam com o trabalho intelectu­
al tendem a desprezar as ativida­
des manuais, enquanto os traba­
lhadores braçais, ao assumir essa
“inferioridade5' imposta, deixam
de ler clareza teórica suficiente a
respeito de sua prática, manten-
do-se presos a uma atividade tão
Nesta foto de 1926, as operárias de uma indústria de biscoitos são sub­
intensa c tão dividida que a refle­ metidas ao sistema taylorista de trabalho parcelado, que tinha por objeti­
xão se toma quase impossível. vo economizar tempo e aumentar a produtividade.

23

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

é intensificada no início do século XX. quando o operário dócil e submisso: as ordens de serviço
Henry Ford introduziu o sistema de linha de vindas do setor de planejamento são im-
montagem na indústria automobilística. pessoalizadas, não aparecendo mais com a face
Essas inovações geral mente são vistas como si’ de um chefe que oprime, pois se acham diluídas
liais do progresso do homem e das exigências na organização burocrática. Com isso, a relação
incontomáveis da tecnologia. No entanto, é preciso entre dirigentes e dirigidos não c direta, sendo
considerar o caráter desumano do processo. na me­ intermediada por ordens internas vindas de di­
dida em que, ao manipular a maneira de trabalhar, versos setores.
atinge o homem como ser capaz de liberdade. A eficiência torna-se um dos principais crité­
A expressão teórica do processo de trabalho rios dos negócios, fazendo com que a competição
parcelado c levada a efeito por Frederick Taylor por níveis cada vez maiores de produção seja esti­
(. 1856-1915) que estabelece os parâmetros do mulada por intermédio de distribuição de prêmios,
método científico de racionalização da produção, gratificações e promoções. Isso gera a “caça” aos
conhecido, daí em diante, como taylorismo. postos mais elevados, o que, por um lado, dificul­
Esse sistema, que visa aumentar a produtivi­ ta a solidariedade entre os empregados e. por ou­
dade e economizar tempo, suprimindo gestos tro, identifica-os com os interesses da empresa.
desnecessários e comportamentos supérfluos no A ordem burocrática limita a espontaneidade,
interior do processo produtivo, foi implantado a iniciativa e, portanto, a liberdade dos indiví­
com sucesso e logo extrapolou os domínios da duos, submetendo-os a uma homogeneização em
fábrica, atingindo outros tipos de empresa, os es­ nome do controle e da eficiência, E como se as
portes, a medicina, a escola e até a atividade da pessoas fossem destituídas de individualidade,
dona-de-casa. imaginação, desejos e sentimentos. Como agra­
O taylorismo pretende ser uma forma dc racio­ vante, na sociedade totalmcntc administrada os
nalização do trabalho porque permite melhor pre- critérios de produtividade e desempenho tornam-
v isào e controle dc todas as fases de produção. se predominantes c invadem territórios, tais
Para tanto, o setor de planejamento sc dcscnvol- como a vida familiar e afetiva, que passam a set
x e. tendo em vista a necessidade de se estabelecer impregnados pelos valores antes restritos ao
os diversos passos da execução do trabalho. mundo do trabalho.
A necessidade dc planejamento faz surgir Essas rellexões nos colocam diante dos efei­
uma intensa burocratizarão. Os burocratas são tos perversos da técnica, que, apresentada dc iní­
especialistas na administração de coisas e de ho­ cio como libertadora, tem gerado uma ordem
mens. atividade que parece ser exercida com ob­ tecnocrática opressiva, na qual o homem não é
jetividade e racionalidade. No entanto, essa ima­ um fim, mas sempre um meio para se atingir
gem de neutralidade e eficácia da organização, qualquer outra coisa que se ache fora dele.
como se ela tivesse por base um saber desinte­ Vale lembrar também que o taylorismo ser­
ressado e simplesmente competente, é ilusória. viu de orientação para a tendência tecnieista que
Na verdade, a burocracia resulta numa técnica na década de 60. sobretudo no período da dita­
social de dominação. dura, foi predominante na educação brasileira
Vejamos por quê. Não é fácil submeter o ope­ (ver Capítulo 18).
rário a um trabalho rotineiro, irreflexivo,
repetitivo, reduzido a gestos estereotipados. É de
se esperar que, se o sentido de uma ação não é 4. A sociedade pós-moderna: a
compreendido e se o produto de um trabalho não revolução da informática
reverte para quem o executou, seja bem difícil
conseguir o empenho de uma pessoa em qual­ Com o advento da cibernética, ou seja, a partir
quer tarefa. da revolução da informática e da generalização do
Para contornar a dificuldade, o taylorismo uso de computadores, a sociedade contemporânea
substitui a coação visível, típica da violência di­ sofreu uma mudança que alterou significativa­
reta do antigo leitor de escravos, por exemplo, mente as relações de trabalho. Passou a haver a
por formas ruais sutis de dominação, que tornam predominância do setor dc serviços (terciário),

24

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

envolvendo atividades tanto das áreas de comuni­ pano de fundo controlador o grande capital das
cação e informação como de comércio, finanças, multinacionais, concentrando renda e impedin­
saúde, educação, lazer etc. do que a distribuição da riqueza seja feita de for­
O cotidiano do homem se transforma, passan­ ma homogênea.
do a ser marcado pela automação cm todas as A esse mundo da opulência, da tecnologia
esferas, de tal modo que, na era da reprodução avançada, contrapõe-sc grande parte do globo,
técnica, a máquina conslitue o intermediário relegada à miséria c à fome. Mesmo nas cama­
constante entre o homem e o mundo. das que conquistam privilégios a nova organiza­
No campo das comunicações, a realidade se ção acentua as características de individualismo,
transformou em simulacro. ou seja, cada vez que levam à atomização e dispersão das pessoas,
mais os meios tecnológicos de comunicação si­ desenvolvendo uma cultura hedonista (de busca
mulam a realidade. O mundo tornado “espetácu­ do prazer imediato) e narcísica (egocêntrica, com
lo” se manifesta na reconstituição de um rosto perda do sentido coletivo da ação humana).
segundo as informações obtidas a partir de um Ao mesmo tempo (c contraditoriamente), o
crânio, na “construção” antecipada de um novo processo de massificação pelos meios de comu­
modelo de cano ou ainda na onipresença da TV nicação impede que seja feita uma abordagem
nos lares, permitindo assistir à Guerra do Golfo menos superficial das questões humanas mais
sem sair da poltrona. vitais, justamente aquelas que permitiriam a dis­
O simulacro intensifica e embeleza o real, cussão das fornias de alienação.
que se torna “hiper-real” e, portanto, mais atra­ Como se vê, o avanço da tecnologia não ex­
ente. Basta ver como nas propagandas a cerveja clui a possibilidade de modos dc vida alienados.
ou o hambúrguer parecem mais saborosos ain­ O que nos interessa, no entanto, é menos incutir
da. Ou como os scud.s norte-americanos caindo uma visão pessimista da realidade do que refor­
em Bagdá mais parecem inofensivos clarões çar o papel denunciador de toda educação, como
iluminando a noite... primeiro momento para a mudança.
As consequências dessa superexposição de
imagens é que tudo se transforma em show, em
entretenimento, na sua apresentação sedutora. O 5. Professores como mão-de-obra
resultado, porém, é muitas vezes a ilusão de co­ alienada?
nhecimento, a atenção flutuante, o conhecer por
fragmentos, sem que haja um momento para a Os riscos de alienação que ameaçam os pro­
integração das partes e a reflexão sobre as infor­ fissionais em geral no mundo contemporâneo
mações recebidas. Trata-se, enfim, de um desa- atingem lambem os professores, profissionais
fio para o professor, cujo trabalho teórico con­ que desenvolvem uni tipo dc trabalho intelectu­
traria o fluxo frenético e feito em partículas do al, uu trabalho não-material, muito peculiar.
video-cHp... Enquanto, por exemplo, para os intelectuais que
No inundo do trabalho, com a ampliação do produzem obras de arte e livros, a obra de pensa­
setor de serviços, é desfocada a tradicional opo­ mento se encontra separada de quem a produziu,
sição entre o proprietário da fábrica e o proletá­ no caso do professor não existe essa separação,
rio, segundo a clássica representação marxista. já que seu trabalho se desenvolve durante o ato
Cada vez mais as empresas são controladas por mesmo dc se produzir.
administradores, os tecnoburocratas. Tudo isso A esse respeito, diz o professor Saviani: “A
pode dar a ilusão de que a máquina livra o ho­ aula c alguma coisa que supõe, ao mesmo tem­
mem do duro conflito patrão-empregado, libera po, a presença do professor c a presença do alu­
o seu tempo para outras atividades, mais no. Ou seja, o ato de dar aula c inseparável da
prazerosas, criando ainda a expectativa da possi­ produção desse alo c de seu consumo. A aula é,
bilidade de melhor distribuição das riquezas. pois, produzida e consumida ao mesmo tempo”1.
O que ocorre, no entanto, é o aparecimento
de mecanismos de exploração menos evidentes,
já que a autonomia dos executivos tem como I. Pedagogia hisiâríco-críiica, primeiras aproximações, p. 23.

25

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Jusiamente nesse contato com o aluno c que Apesar de pertencer ao mundo do trabalho, a
poderia ser inculcada a ideologia e a alienação, o escola deve dar condições para que se discuta
que foi amplamente enfatizado por muitos auto­ criticamcntc a realidade cm que se acha mergu­
res que estudaram a escola como reprodutora do lhada. Ou seja, para exercer sua função com dig­
sistema vigente (ver Capítulo 20). Nesse senti­ nidade. precisa manter a dialética herança-ruptu-
do, mesmo quando imbuídos de boas intenções, ra: ao transmitir o saber acumulado, deve ser ca­
os professores estariam repassando a seus alunos paz de romper com as formas alienant.es, que não
valores que precisariam na verdade ser revistos e estão a favor do homem, mas contra ele.
criticados. Para tanto, cabe ao profissional do ensino de­
Assim, embora saibamos que a ação do pro­ nunciai a alienação c a ideologia, a invasão dos
fessor pode gerar um espaço de renovação c crí­ parâmetros do trabalho no mundo afetivo, iden­
tica, é preciso reconhecer que esses teóricos tificar o que está a serviço da democracia ou em
alertaram pata riscos com os quais devemos nos oposição a ela. Em suma, é importante a ação do
preocupar. educador na recuperação do universo de valores
Sem estender o assunto — que será retomado em um mundo marcado pela “racionalidade téc­
no Capítulo 15 —. é bom lembrar que esses riscos nica", pelo mito do progresso e pelo supci di­
persistem, sobretudo, na atuação desligada do mensionamento do especialista.
contexto em que se vive, quando predominam prá­ Por outro lado, dentre as diversas tarefas que
ticas despoli tizadas e esvaziadas de conteúdo éti­ lhe são atribuídas, a escola deve formar o jovem
co. Tambéin favorece a alienação a rotinização do para o trabalho. Como fazê-lo em uma sociedade
trabalho, quando se mergulha na repetição enfa­ marcada ainda pela divisão? Nossa escola não é
donha de fórmulas e se permite o prevalecí mento unitária. Ao contrário, c dualista, já que para a
de registros e controles burocráticos, esquecendo- elite é oferecida uma escola de boa qualidade in­
sc das situações emergenciais do contexto social e telectual, enquanto para a classe trabalhadora
cultural em que se atua. resta a educação elementar, geralmcnte de má
Além disso, há o risco de se sucumbir à qualidade, com rudimentos de alguma técnica
racionalidade tecnocrática — típica do taylo- profissionalizante, sem a necessária teorização.
rismo —, em que é diminuída a autonomia do Se consideramos que o trabalho é uma práxis,
professor: a legislação é aprovada sem a partici­ no sentido de não separar a teoria da prática, pó­
pação efetiva do profissional da educação e mui­ los indissolúveis, é perversa a continuidade des­
tas vezes o planejamento dos cursos é feito ex­ se tipo de dicotomia. O desafio está cm criar uma
ternamente, com “pacotes" de materiais escola em que o trabalho ocupe um lugar de im­
curriculares que transformam o professor cm portância: que não esteja ausente nos cursos de
simples executor de um projeto. “formação" nem se reduza ao adestramento pro­
fissional nos chamados “profissionalizantes".
Naqueles falta a prática, nestes, a teoria.
6. Trabalho e escola __________ É preciso que todos os alunos, sem distinção,
sejam iniciados na compreensão dos fundamen­
Dentre os inúmeros desafios da escola diante tos científicos das diferentes técnicas que carac­
da problemática do trabalho, vamos destacar terizam o processo de trabalho produtivo con­
apenas alguns. temporâneo e que saibam avaliar criticamente os
A escola é ela mesma um local de trabalho c. fins a que se destina o trabalho, bem como as
como tal, oferece serviços profissionais à coletivi­ consequências dele decorrentes.
dade; nesse sentido, pertence ao setor terciário c Uma das soluções possíveis para se oferecer
sofre as influências da sociedade cm que está uma escola dc boa qualidade estaria na exigên­
inserida. Por exemplo, a escola transmite as idéias cia da aplicação adequada dos recursos do go­
e valores que justificam as práticas sociais vigentes verno, e, além disso, no esforço conjunto de edu­
e, na medida cm que não consegue assimilar exten­ cadores e do próprio povo. Ou seja, cabe tam­
sos segmentos de possíveis estudantes, acaba ex­ bém à sociedade civil buscar meios e inventar
cluindo-os da apropriação da herança cultural. caminhos para conseguir uma escolarização em

26

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

que o conteúdo dos estudos seja, acima de tudo, ações no sentido de modificá-la segundo suas
a prática social vigente. Só assim as pessoas necessidades.
teriam uma compreensão teórica cada vez mais Nessa direção têm importante papel os inte­
ampla dessa prática, o que as ajudaria a explicá- lectuais a serviço da melhor organização do povo
la melhor, a justi ficá-la ou não e a orientar suas (ver leitura complementar e o Capítulo 4).

Dropes

As organizações de educadores vão assumir um caráter mais nitidamente sindical justamente


no período em que a concepção tecnicista tende a predominar. (...) Portanto a expressão “sindicato
dos trabalhadores da educação” surge nesse período e a razão disso está no fato de que os traba­
lhadores da educação, ou melhor, os profissionais da educação, passam a se sentir em condição
muito semelhante à dos trabalhadores em geral, os trabalhadores da produção material. (Dermeval
Saviani)

O Centro para um Futuro para Todos, uma Organização Não-Governamental suíça, calcula
que o mundo conta hoje com 157 biliardários, cerca de 2 milhões de milionários e 1,1 bilhão de
habitantes cuja renda é inferior a US$ 1 por dia. (Folha de S Paulo, 5 fev. 1995, p. 1 -8)

Eu uma vez os vi sepultando uma criança morta / Em uma caixa de papelão / Isso é verdade e
não esqueço / Sobre a caixa havia um carimbo: / “Companhia General Electrio/O progresso é nosso
melhor produto”. (De um poeta da Guatemala)5’

Leitura complementar

[Os professores como intelectuais]

Ao se considerar os professores como inte­ significa considerar os professores como atores


lectuais, torna-se possível esclarecer e recupe­ reflexivos. Assim compreendidos, os docentes
rar a noção básica de que toda atividade huma­ não serão vistos como “meros executores pro­
na envolve alguma forma de pensamento. Isto fissionalmente equipados para realizar qualquer
é, qualquer atividade, por mais rotineira que objetivo que lhes seja colocado. Ao invés disso,
seja, depende, em alguma medida, do funcio­ devem ser definidos como homens e mulheres
namento da inteligência. Esta é uma questão livres, com uma dedicação especial a valores do
crucial porque, ao se argumentar que o uso da intelecto e ao desenvolvimento do poder crítico
mente é uma parte básica de toda atividade hu­ dos jovens” (Scheftler).
mana, nós dignificamos a capacidade do ho­ Além disso, ao se compreender os professo­
mem para integrar pensamento e prática e, ao res como intelectuais, é possível a elaboração
fazer isso, desvelamos o núcleo daquilo que de uma severa crítica àquelas ideologias que le-

2. Apud Conrnc Kuma<-D'Souza. O ven-o do sul; em direção a novas cosmologias, in As mulheres c a constru­
ção dos direitos humanos, publicação do Cladcm (Comitê Latino-Americano para a Defesa dos Direitos da
Multicr).

27

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

gitimam as práticas sociais que separam, de um como devem ensinar e quais os objetivos mais
lado, conceitualização, projeto e planejamento amplos por que lutam. Isto significa que devem
e, de outro, os processos de implementação e desempenhar papel importante na definição dos
execução. É importante enfatizar que os profes­ propósitos e das condições da escolarização.
sores devem responsabilizar-se ativamente por (Henry Giroux, Escola crítica e política
levantar questões sérias sobre o que ensinam, cultural, p. 21-22.)

Atividades

Questões

1. Em que sentido dizemos que o trabalho é uma práxis?


2. Sob que aspectos a concepção taylorista do trabalho se choca com a noção de práxis9
3. Analise uma característica marcante da sociedade pós-moderna.
4. Qual é a importância da educação no mundo da realidade como simulacro?

Análise de texto

Com base no dropes 2, responda às questões de 5 a 7.

5. O autor se refere à concepção tecnicista. Consulte o Capítulo 18 para identificar o período em que ela
se torna vigente no Brasil.
6. O texto se refere a uma identificação entre os trabalhadores em geral e o professor, uma vez que estão
igualmente submetidos às técnicas tayloristas. Explique isso e critique essa situação.
7. Qual é a importância dos sindicatos na luta dos profissionais da educação?
8. Estabeleça uma comparação entre os dropes 2 e 3.

Leia o texto abaixo e responda às questões de 9 a 11

No final de Educação como prática da liberdade, Paulo Freire relata o depoimento de uma mulher
residente em um conventillo (cortiço) de Santiago do Chile, após uma discussão típica proposta pelo seu
famoso método de alfabetização de adultos: “Gosto de discutir sobre isto, porque vivo assim. Enquanto
vivo, porém, não vejo. Agora, sim, observo como vivo".

9. A partir do texto, como pode ser discutida a relação pensar-fazer?


10. Em que sentido é significativo o fato de se tratar de uma moradora de cortiço?
11. Paulo Freire implantava seu método de alfabetização no Nordeste brasileiro quando foi exilado para o
Chile, após o golpe de 1964. Tendo em vista o texto acima, justifique o temor que tal método pode ter
provocado nas elites conservadoras brasileiras.

Com base no texto complementar, responda às questões 12 e 13.

12. Em que medida podemos considerar que os professores são intelectuais e, ao mesmo tempo, que sua
atividade é uma práxis?
13. Compare o teor desse texto com a epígrafe que abre o capítulo e explique por que eles se completam.

Redação

Tema 1: Na sociedade tecnocrática, é preciso recuperar a sabedoria.


Tema 2: Limites e possibilidades do trabalho do professor.

28

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A gente fica pensando: o que é que a escola ensina, meu Deus? Sabe? Tem
vez que eu penso que pros pobres a escola ensina o mundo como ele não é.
(Fiila do lavrador mineiro "Ciço", segundo Carlos Rodrigues Brandão)

1. A política transparente, aberta às discussões, ao conflito


de opiniões, c em que se aceitam pensamentos
Quando falamos em política, c comum as divergentes.
pessoas imaginarem um espaço externo à sua Talvez você acredite que isso pode gerar uma
vida cotidiana e que diz respeito ao Estado e confusão total, em que ninguém se entenderia.
aos políticos profissionais que estariam encar­ Ao contrário, é preciso partir da idéia de que a
regados das decisões relativas à administração educação para a cidadania dá destaque ao inte­
da cidade. resse público e à convivência ern grupo. Assim,
Essa imagem da política é, no entanto, típica o principal instrumento dc disputa do cidadão
das sociedades autoritárias, em que as pessoas passa a ser não ruais a violência, mas as pala­
estão acostumadas a ser tuteladas e a não interfe­ vras. o discurso fundado nas artes da persuasão,
rir de maneira eficaz nus rumos da coletividade. buscando o consenso.
Tanto isso é verdade que muitos consideram que Evidentemente, chegar a esse estágio não é
apenas certas pessoas estão investidas de puder fácil: a democracia exige longo aprendizado e se
(tem capacidade de agir, de produzir efeitos) e, sujeita a percalços de toda espécie. Veja-sc, por
por isso, decidem, mandam, restando à maioria exemplo, o caminho percorrido pelos brasileiros
apenas a obediência. na década dc 90. Mal refeitos de um longo perío­
Ora. o poder nào é uma coisa que se tem, mas do de ditadura, caracterizado pela censura c pela
uma relação ou um conjunto de relações por perseguição aos dissidentes (com prisões, tortu­
meio das quais indivíduos ou grupos interferem ra e morte), enfrentamos os escândalos do go­
na atividade de outros indivíduos ou grupos. É verno Collor sem passividade.
uma relação porque ninguém tem poder, mas é Ao contrário, a imprensa, os órgãos de defesa
dele investido por outro', trata-se dc unia ação da cidadania, a Igreja, toda a sociedade civil se
bilateral. uniu na mesma indignação e acompanhou (e exi­
Nesse sentido, todos nós, como ráfarfõ, ou giu) que fosse feita justiça. O impeachment do
seja, pertencentes à cidade, deveriamos ter o di­ presidente foi um ato decidido pelos políticos do
reito (c o dever!) de participar do jogo político, Congresso, legítimos representantes dos cida­
tomando conhecimento dele (não permanecendo dãos, escolhidos por votação, mas sem dúvida a
alienados), vigiando para não haver abuso do atuação popular influenciou a decisão final.
poder e buscando formas de interferir nas deci­ Depois disso, cm inúmeras situações, igual­
sões, Em outras palavras, os cidadãos também mente sc fez sentir a participação da sociedade
têm poder c devem aprender a cxercê-lo. civil: nos escândalos da comissão do orçamento,
A verdadeira democracia é de fato uma na exigência de lisura e transparência quanto à
policracia (dc poly, muito, c crucia* poder), origem das verbas de campanha eleitoral, na ne­
porque nela o poder não está centrado em um cessidade de controle da destinação do dinheiro
indivíduo nem em uma classe dirigente, mas público, e assim por diante.
distribuído cm inúmeros focos de poder. Só as­ O saldo político dessas interferências tem
sim é possível gerar uma sociedade pluralista e sido sem dúvida positivo, apesar das “idas e vin-

29

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

das” do processo. Embora nem sempre se tenha Sob esse mesmo aspecto, ao analisar a ideo­
conseguido atingir os objetivos buscados, é im­ logia a respeito das concepções políticas, as pes­
portante saber que os cidadãos não assistem pas- soas podem ser classificadas conforme suas ade­
sivamente à corrupção e à dilapidação do sões a um ou outro partido. A ideologia é uma
patrimônio público, e um número cada vez maior espécie de “cimento” que une as pessoas de de­
de pessoas começa a exigir "‘ética na política". terminado grupo, fazendo-as defender interesses
comuns c elaborar projetos dc ação. E. sc Ioda
sociedade c plural, seria saudável que fosse
2. Diversos sentidos de ideologia permeada por concepções de mundo diferentes.
Esse pluralismo tão enriquecedor não devería ser
O que percebemos com tudo isso é que a po­ cerceado em nome dos interesses de grupos di­
lítica, embora não se confunda com as atividades vergentes.
do homem comum (na vida familiar, no traba­ E bom lembrar o que foi dito no início do ca­
lho, no lazer etc.), na verdade permeia iodas as pítulo: a essência da democracia está na tolerân­
atividades humanas o tempo lodo. E, se não esti­ cia, que permite a coexistência de ideologias di­
vermos atentos c acreditarmos que podemos per­ ferentes. Quando não sc aceitam os conflitos dc
manecer apolíticos.. isto é, à margem das deci­ idéias, está-se a um passo da violência.
sões. certamente nos tornaremos vítimas passi­ Foi assim no período da ditadura, quando ór­
vas da ação dos maus políticos. gãos como o DEOPS (Departamento Estadual dc
A pretensa neutralidade justifica a política vi­ Ordem Políticae Social) exigiam “atestados ide­
gente. O homem despo litizado compreende mal ológicos”, a fim de verificar se não se estava di­
o mundo em que vive e é manipulado por aque­ ante de adeptos da ideologia marxista, conside­
les que estão no poder. Pois, se ocupam o poder rada na época “perigosa à segurança nacional”.
à revelia dos interesses da maioria e podem nele Conforme o resultado, as pessoas eram conside­
se manter pela força, outras vezes o recurso usa­ radas “subversivas”.
do é mais sutil e a submissão é conseguida pelo Há ainda um outro sentido para ideologia, no
consentimento. qual se enfatiza o aspecto pejorati vo. isto é, a ideolo­
Nas sociedades divididas, os grupos privile­ gia como conjunto de idéias e concepções sem fun­
giados predominam sobre os demais c gcralmcn- damento. mera análise ou discussão oca de idéias
te se mantêm pelo prestígio, isto é, seus valores abstratas que não correspondem a fatos reais.
são aceitos, dando a aparência de que se vive em
uma sociedade una e harmônica, movida por in­
teresses comuns e não-divergentes. 3. Uni conceito restrito de ideologia
No entanto, há uma diferença entre o consen­
so obtido após discussão c exposição das diver­ O conceito de ideologia, utilizado neste capí­
gências, típico da democracia, c o consentimen­ tulo foi inicial mente elaborado pelo filósofo e ci­
to que resulta da ignorância dessas diferenças. entista social Karl Marx. que viveu no século XIX.
Neste último caso, estamos nos referindo a uma Atualmente este conceito está incorporado ao pen­
das formas perversas dc exercício do poder, que samento político e econômico, sendo utilizado até
c a ideologia. por teóricos não-marxistas, tal a sua fecundidade
Há vários significados para a palavra ideo­ na compreensão das relações de poder.
logia. Em sentido amplo, c o conjunto de Para Marx, as idéias e normas de ação que
idéias, concepções ou opiniões sobre algum permeiam a sociedade são decorrentes da econo­
ponto sujeito a discussão. É urna teoria, uma mia, isto é, resultam da maneira pela qual os ho­
organização sistemática dos conhecimentos mens se relacionam para produzir sua existência.
destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Com isso, ele contraria a concepção vigente de
Nesse sentido, cada um tem uma ideologia que que “as idéias movem o mundo” e que “os gran­
o ajuda a decidir, por exemplo, onde estudar, des homens fazem a história”. Para Marx. o mo­
que profissão escolher e a respeito do que é vimento da história se faz a partir das contradi­
certo ou errado. ções existentes no seio da sociedade.

30

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73

.
Ver. tio Capítulo 20. os conceitos de ãtjra-esfrutura e superestrutura.
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A função da ideologia é, pois, ocultar as dife­ nas quais certos tipos de trabalho brutalizam o
renças de ciasse, facilitando a continuidade da homem, em vez dc enobrece-lo (como o operá­
dominação de uma classe sobre outra. A ideolo­ rio na linha dc montagem);
gia assegura a coesão entre os homens e a aceita­ • a universalização: pela qual as idéias c va­
ção sem críticas das tarefas mais penosas e pou­ lores do grupo dominante são estendidos a todos:
co recompensadoras, em nome da “vontade dc por exemplo, mesmo tendo interesses divergen­
Deus", do "dever moral" ou simplesmente como tes, o empregado adota os valores do patrão
decorrentes da “ordem natural das coisas”. como sendo também os seus;
E interessante observar que não se trata dc urna • a lacuna", há “vazios”, “partes silenciadas”
mentira inventada pelos indivíduos da classe domi­ que não podem ser ditas, sob pena de desmasca­
nante para subjugar a outra classe. Também eles rar a ideologia; por exemplo, quando dizemos
sofrem a influência da ideologia, o que lhes permi­ que o salário paga o trabalho, permanece oculto
te exercer como natural sua dominação e conside­ o falo dc que o valor produzido pela força de tra­
rar universais os valores pertencentes à sua classe. balho é maior do que o recebido, sendo a dife­
Os missionários que acompanhavam os coloniza­ rença apropriada pelo capitalista (é o que Marx
dores às terras conquistadas, por exemplo, certa­ denominava mais-valia):
mente não percebiam o caráter ideológico de sua • a inversão: ao explicar a realidade, o que é
ação ao implantar uma religião e uma morai estra­ apresentado como causa é na verdade conse­
nhas às do povo dominado. Ao contrário, estavam quência: por exemplo, se o filho de um operário
convencidos do valor dessa tarefa. não consegue melhorar seu padrão de vida, o
insucesso é considerado resultante de sua incom­
petência, quando na verdade esta é efeito de ou­
5. Características da ideologia tras causas. tais como as condições precárias (de
saúde, educação etc.) a que se acha submetido:
Ouvimos com frequência a frase “O trabalho ele joga um “jogo de cartas marcadas”, e as pos­
dignifica o homem”. E bom lembrar que a afir­ sibilidades de melhora não dependem dele.
mação não é falsa, pois, como vimos nos capítu­
los anteriores, o trabalho é de fato o que faz o Dessa forma, a ideologia “naturaliza” a reali­
homem se tornar homem e o distingue do ani­ dade. escondendo o fato de que a existência hu­
mal. mas soa ideológica quando considerada fora mana só é produzida pelo próprio homem e só
do contexto histórico concreto cm que os homens pode ser alterada por ele: não é “natural" que haja
trabalham, mascarando situações de exploração. ricos c pobres, nem que exista a separação entre
O trabalho alienado não dignifica, mas degrada trabalho intelectual e braçal, nem que alguns este­
o homem, porque, além dc retirar dele o fruto de jam destinados ao mando c outros, à obediência.
sua produção, reduz suas possibilidades de cresci­ A divisão e a hierarquia instauradas na socie­
mento. Quando a característica pervertida do traba­ dade justificam a priorízação das idéias sobre a
lho não é reconhecida, esse ocultamento beneficia prática (ao contrário da concepção dc práxis, que
não o trabalhador, já prejudicado, mas aqueles que estabelece uma relação dialética entre elas). Daí
se ocupam com as atividades menos penosas. decorre a aceitação dc que a classe que “sabe
Portanto, a frase acima, a princípio verdadei­ pensar” controla as decisões c manda, enquanto
ra, pode se tornar ideológica quando ocultar a si­ a outra “não sabe pensar” e. portanto, executa e
tuação concreta de exploração e descrever uma obedece.
realidade abstrata, universal, lacunar e invertida.
Explicando melhor, a ideologia tem por ca­
racterísticas: 6. Ideologia e educação
• a abstração: na medida em que não se refe­ E muito comum se pensar que a educação é
re ao concreto, mas ao aparecer social. Um apolítica, a escola é um espaço neutro, uma ilha
exemplo: a “idéia de trabalho” aparece desvirtu­ isolada das divergências da sociedade c um ca­
ada da análise histórica concreta das condições nal objetivo dc transmissão da cultura universal.

32

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
o
>
CC 75 z r. o G C to
CL O •V- o O V c
Ci ■Vi 3 to* 7J
C V5 B to c
G ÍZ
n Z V G
o -g' G 75 G X
5Í d c O G G
n to M o g o to to to g' 3
to to o S.
G
O 3" O-. o to CL
ao CL n G A y: CD Cs
O S to 3 to
CD to o < to CD
3 to 75 v cl G n Cu
c O C3 CD G &
to 3
c rcr■ to' v- G O
o B g 5 G to —h
cn Cu to O V- G B
O to r-f s" O CDs
O O to B 7' g a Cl T
V) v> G cr to to -ei o d
CD -J g O
to cl to CD "to -j —h ~5 to 3
õ? a •v: O to (D
cr a to < ÇD O g to
Q_ crc G CD ><, >—j
—t O g
c- Cl to. V B
to § to ~
m n to* O to O V G
CL to ? g cr. Ví V
g trq
N cr G pi G
c G
o v- V. G 3
n 75 G o CD'. 3 3 r— X
QJ to 75 = 3
O' 3 g
C r. 3 2L 3 T
G 3
QJ> c x o n <
■3“ G Q. G Vi
O to 0} CD v áõ V, 2^
rei to g g V- to
U-- o> r
a t— G to,
3 to 75 L- z =_ G to
cp
G C CL to g‘
v: w Cu ■a Cu G CL g
Cx g c CL >
to G CL — CD 70 T c to to'
O* rro. to •7? G
M-( c era 75 CL ó- CL G
to c t 70 n n CL CD g 7o
to G G V’ to CD
to CL tos O v? Vi •—> Vi CD to G G
>1 T v>
2 < G 3 £5 C
Vi CD ç^
CL g- B CL G CD 3 CL tou 75 v> cz
G O 5 to' o
Vi Ví I ■ t i CD n O O G V to

CL to
C^ Vi
G-. G
G to
to G
CL <T O
to c i—-
CL rro ■B
CD c to
-to G> T
O V' T
n G O
3 G
O £
TI

U)

prohibe su venta o fotocopia
planos, assisiematicidade da ação, inexistência missor de informações. Estudos realizados sobre
de projetos clara mente expostos, ou seja, é os livros didáticos dc 1° grau3 constatam muitas
algo que aí está, que o homem deixou de fazer vezes sua utilização ideológica, sobretudo quan­
ou fez sem o saber, do mostram à criança uma realidade estereotipa­
Se não existe uma teoria explícita subjacente, da, idealizada e deformadora.
a ação perde a intencionalidade, a unidade c a Os textos ideológicos transmitem uma visão
coerência, mas não deixa de ser orientada pelos de trabalho que iguala todos os tipos dc profis­
valores vigentes, expressos pelos interesses dos são, ocultando o fato de que muitas pessoas são
grupos dominantes. E eis aí de novo a ação silen­ submetidas a atividades árduas, alienantes. Mos­
ciosa da ideologia. Pois o Direito, como toda ela­ tram uma sociedade una e harmônica, na qual
- Se

boração da consciência humana, reflete as con­ cada um cumpre o seu papel como um destino a
utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

dições estruturais da sociedade em um determi­ que não se pode fugir e ao qual se deve confor­
nado momento histórico, c as leis, sendo feitas mar. A impressão que se lem é de que a riqueza e
pela elite, vêm em defesa dos seus valores. a pobreza fazem parte da natureza das coisas, não
Por isso, ao examinar o texto de uma lei, é sendo resultado da ação dos homens. Resta aos
preciso ler nas entrelinhas, analisar o contexto pobres a paciência e, aos ricos, a generosidade.
em que se insere, a fim de descobrir as relações A família, apresentada sem conflitos, aparece
de interesse que se acham por trás, no processo com papéis bem definidos; o pai tem a função de
da sua gestação. provedor; a mãe é a “rainha do lar”: se a criança
Voltemos ao exemplo da Lei de Diretrizes e não for atenciosa e obediente, isso é mostrado como
Bases. A partir do primeiro projeto de lei, data­ um desvio que precisa ser corrigido: a empregada,
do de 1948, esta lei seguiu um longo caminho. gcralmente negra, é feliz por ser “quase” alguém
Embora fosse inicial mente um texto progressis­ da família. “Mundo sem preconceito, cm que as ra­
ta. foi sancionado apenas em 1961, tornando-se ças se irmanam..,'* Além disso, as situações vividas,
ultrapassado para a época em que entrou em vi­ bem corno o ambiente em que se desenrolam,
gor, já que era outra a sociedade brasileira de refletem invariavelmente a realidade dc um
então. Além disso, a lei refletiu os conflitos en­ segmento mais prospero da sociedade, muito di­
tre tendências opostas, sobretudo entre liberais ferente do modo de viver da maioria da população
defensores da escola pública e a ala conserva­ escolar, pertencente às classes desfavorecidas.
dora dos católicos, que reivindicava a subven­ A pátria merece páginas dc ingênua exaltação,
ção do Estado para a rede particular do ensino. sendo retratada como um país ilusório, grande e
Este mesmo conflito reaparece na discussão da rico, ou pelo menos “o país do futuro”. Fica por
Constituição de 1988, que manteve a destinação conta do leitor investigar o que é dito, nos livros
dos recursos a certos tipos de instituição (ver didáticos, sobre a escola, sobre o trabalho no cam­
dropes do Capítulo 8). po, sobre o índio, sobre a moral etc.
Se é preciso examinar os interesses subjacentes Também a abordagem das disciplinas do cur­
à elaboração c aprovação dc uma lei, lambem c rículo adquire, muitas vezes, um caráter ideológi­
importante avaliar sua eficácia, pois vários fatores co. O ensino de história, por exemplo, torna-se
interferem na sua aplicação. Ao ampliar a ideológico quando se restringe à sequência crono­
obrigatoriedade do ensino primário de quatro para lógica dos fatos, sem a análise da ação das forças
oito anos, a LDB não considerou as condições de contraditórias que agem na sociedade. A aparente
infra-estrutura existentes, o que não permitiu que neutralidade e a ausência de interpretação ocul­
este dispositivo da lei saísse do papel. tam e impedem a expressão do discurso dos ven­
cidos ou dos dominados. Além disso, c típico des­
Prática educativa e ideologia se processo apresentar a história como resultado
da ação dos “grandes homens”. Dessa forma, a
Dentre os recursos utilizados na prática
educativa, vamos destacar o livro didático, que,
assim como os outros recursos, não pode ser con­ 3. Ver Bibliografia final: U. Hco, M. Lo urdes L). N oscila, A.
siderado um veículo neutro, objetivo, mero trans­ L. Faria.

34
texto es
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

abolição da escravatura é vista sob a ótica dos sa situação. É preciso superar essa posição
brancos e os bandeirantes são “heróis” que expan­ imobilista. Para isso, vamos explicitar o que se­
dem as fronteiras brasileiras à custa das popula­ ria um discurso não-ideológico.
ções indígenas (aliás, no ‘‘faroeste'’ americano o Retomemos os conceitos analisados no início
mocinho não vence sempre os “ferozes" índios?). do capítulo: o discurso ideológico c abstrato c
A ênfase dada à geografia física, cm detri­ lacunar, faz uma análise invertida da realidade e
mento da geografia humana, reflete a preocupa­ separa o pensar e o agir, a fim dc manter privilé­
ção positivista, que despreza o fato de ser o ho­ gios e a dominação de uma classe sobre outra. O
mem o construtor do seu habitat. Com isso se discurso não-ideológico deve contrapor, então,
oculta que a ação exercida sobre a natureza sig­ uma crítica que revele, denuncie a contradição
nifica também urna ação sobre os homens, o que interna, que se acha oculta. E esse o papel da te­
recoloca a questão do poder e do controle políti­ oria, que não sc confunde com a ideologia, pois
co do espaço geográfico. está encarregada de desvendar os processos reais
Tomamos apenas os exemplos da história c da c históricos que dão origem à dominação, en­
geografia, mas uma análise deste tipo pode ser fei­ quanto a ideologia visa justarnunte ocultá-la.
ta com relação a qualquer disciplina do currículo. A teoria estabelece uma relação dialética com
Embora não tenham necessariamente objetivo a prática, uma relação de reciprocidade e simul­
didático, os livros de literatura infantil, são utili­ taneidade, não uma relação hierárquica, como no
zados com frequência em sala dc aula, como auxi­ discurso ideológico, que considera a teoria supe­
liares no processo de aprendizagem. É muito co­ rior e anterior à prática.
mum encontrarmos viés ideológico nessa produ­ Aplicando o conceito de dialética à educa­
ção, preocupada com o enquadramento da criança ção, podemos ver que uma teoria educacional
nos padrões convencionais de comportamento, do não determina autoritariamente e a p riu ri o
que decorre o caráter moralizanre do seu conteú­ que deve ser feito, mas parte da análise dos fa­
do. Além disso, existe o reforço dos preconceitos tos e deve para eles retornar, a fim dc agir so­
com relação ao negro, ao índio, à mulher e à cri­ bre eles, mantendo viva a relação entre o pen­
ança, mostrados como seres passivos e necessita­ sar e o agir. Por isso, toda teoria educacional
dos de orientação e controle externos. autentica vem sempre acompanhada dc forma
A organização escolar pode exercer urn pa­ reflexiva c crítica peia filosofia, cuja função c
pel ideológico na medida em que a rígida hierar­ “explicitar os seus fundamentos, esclarecer a
quia exige o exercício do autoritarismo c da dis­ função c a contribuição das diversas discipli­
ciplina estéril. que educam para a passividade e nas pedagógicas c avaliar o significado das
a obediência. A excessiva burocratização desen­ soluções escolhidas'’4. O papel da filosofia
volve o “ritual de domesticação’', que vai desde como crítica da ideologia é importante, pois
o controle da presença em sala de aula, as pro­ rompe as estruturas petrificadas que justificam
vas. até a obtenção do diploma. Se lembrarmos o as formas de dominação.
que foi dito no item anterior sobre estrutura e sis­ Nessa perspectiva, a escola não é compreendi­
tema, é fácil compreender que qualquer organi­ da como isolada da realidade nem como pura re­
zação só tem sentido enquanto mantiver viva a produção da realidade social. E, se a escola não é a
reflexão sobre os objetivos que orientam sua alavanca transformadora da realidade, como pen­
ação. Caso contrário, degenera em exigência pu­ savam os escolanovisras, tampouco é total mente
ramente formal. E o formalismo da prática gera manipulada pelo poder, como pensavam os crítico-
a burocracia estéril e autoritária. reprodutivistas. E preciso descobrir, a partir de
suas I imitações, as reais possibilidades de trans­
formação qualitativa da escola, a fim de que ela
7. A contra-ideologia possa desenvolver um discurso contra-ideológico.

Se considerássemos apenas o que foi dito até


agora, restaria uma visão pessimista da educação 4. Derme vai Savíani, Educação: cio senso commn à consci­
e uma nítida sensação de impotência diante des­ ência filosófica, p. 3Ü.

35

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

8. Educar para a cidadania rão exercer uma vigilância c lazer pressão para
que a escola se transforme em um espaço de mu­
Como proceder a essa mudança, tendo em dança. Mesmo que nessa situação existam con­
vista inúmeras dificuldades e entraves? tradições. pois na sociedade civil também se or­
A tarefa é árdua, mas não impossível. Sem ganizam grupos retrógrados e conservadores,
dúvida exige tempo, paciência e um esforço con­ que tentam manter a ordem vigente — e, portan­
tínuo levado a efeito cm inúmeros setores dife­ to, a ideologia —, c estimulante o exercício do
rentes: que se abram “ágoras" de discussão, es­ poder disseminado entre os cidadãos.
paços de expressão que funcionem como Nessa linha dc atuação têm se destacado no
niicrorrevoluções. mundo inteiro as chamadas organizações não-
A salutar exigência de ética na política deve, governamentais (ONGs), responsáveis por sig­
por coerência, se estender às relações de traba­ nificativas mudanças em diversos setores, tais
lho. à vida familiar e ao lazer, não apenas en­ como o recuo na construção de usinas atômi­
quanto discussão, mas também na busca de for­ cas, a revisão do processo de construção de
mas dc atuação. Afinal, dissemos que democra­ grandes usinas hidrelétricas, que provocam gra­
cia é policracia: pois que aumentem os focos nos ves prejuízos ecológicos, bem como na luta pe­
quais possamos exercer nossa cidadania. los direitos humanos, contra o arbítrio do po­
Sem dúvida, precisamos exigir do Estado o der, e assim por diante. No Brasil, surgiram du­
cumprimento de suas obrigações, bem como vi­ rante o movimento contra a ditadura militar e
giar sua execução, Mas isso não é suficiente. É têm provocado a conscientização e a mobi­
revelador de uma tendência paternalista perma­ lização dos cidadãos.
necer na dependência exclusiva da boa vontade e Na educação há muito que fazer. Tentos de
da ação dos governos. Até porque a alternância Lutar por êxitos parciais que, no conjunto, se tor­
frequente daqueles que são eleitos para ocupar nem significativos: adequada aplicação das ver­
os cargos públicos gera constantes mudanças de bas públicas, melhor formação dc professores
orientação ideológica, tornando caótica a admi­ competentes c politizados, remuneração condig­
nistração pública. na do corpo docente, escolas bem equipadas,
As organizações de pais, de mestres, de alu­ classes pouco numerosas, des mistificação na
nos. os sindicatos, ou seja, os agrupamentos pro­ abordagem das disciplinas, leitura crítica dos tex­
gressistas saídos da sociedade civil c que pode­ tos c do próprio mundo.

Dropes

Ao fazer do texto um objeto de investigação intelectual, tal análise coloca o leitor não como um
consumidor passivo, mas como um produtor ativo de significados. Em vista disto, o texto não é mais
investido de uma essência de autoridade, esperando para ser traduzido ou descoberto. Ao contrário,
sua essência não está mais provida de um status sacerdotal, como uma sabedoria doada. Ao invés
disso, o texto torna-se um conjunto de discursos, constituído por um jogo de significados contraditó­
rios. (Henry Giroux)

Texto quer dizer tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto,
por um véu acabado, por detrás do qual se conserva, mais ou menos escondido, o sentido (a verda­
de), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia generativa de que o texto se faz, se trabalha através
de um entrelaçamento perpétuo. (Roland Barthes)

36

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Leituras complementares
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

1. Fragmentos de textos didáticos de 1s grau

Lúcia trabalha comigo há vinte anos. Faz ficar aqui, na fundição, até o último dia dos meus
parte da família (...). Lúcia sabe que vovó Lica dias. E vovô levantou os olhos para o céu, em
e Beto gostam dela. Por isso, Lúcia é uma pre­ direção às estrelas.
ta feliz.
♦* *

Este Brasil que eu amo História de duas camponesas que voltam


Brasil enfeitado de verde-amarelo, / no para casa com a cesta cheia de ervas. Uma can­
campo, no mato, no rio, / no mar e lá na mon­ ta feliz e a outra, de cara amarrada, pergunta-lhe
tanha / Brasil namorado chamando outras ra­ por que está tão contente, apesar do duro servi­
ças / para amar e criar a raça mais linda de ço. Ela responde que colocou na cesta uma plan­
todo este mundo. ta que a ajuda a não sentir o cansaço: (...) Pois
bem, a planta milagrosa que deveríamos sem­
Ordem e Progresso pre ter conosco, para sentir menos cansaço, para
O brinco na orelha / As frutas na fruteira / No suportar as penas, para trabalhar calmamente
braço, a pulseira / O prato na prateleira / O grilo é... é... a paciência’.
na grama / O traVesseiro na cama / Cada coisa * * *
em seu lugar / É preciso colocar.
Debaixo de sol ou chuva / o papai vai traba­
* * *
lhar / para dar todo conforto / ao nosso querido
Piero vai visitar o avô na fundição... [O avô lar.
diz para o netinho:] — Eu também, Piero, entrei Papai trabalha para sustentar a casa e ma­
por curiosidade na fundição quando era menino. mãe trata do lar, do marido e dos filhos.
E me pareceu tudo tão bonito... que aqui fiquei. (Extraídos de Maria de Lourdes Nosella,
É belo amar o trabalho que a gente faz. Estou As belas mentiras, e de Umberto Eco,
velho e ao bom Deus só peço uma coisa: quero Mentiras que parecem verdades.)

2. [O conceito de desabrochar]

O pensamento pedagógico comum conside­ ca barulhenta, desumanizada, fria e fétida. Não


ra, mais ou menos implicitamente, que a educa­ desabrocho quando devo suportar todo o dia os
ção deve permitir à criança realizar-se, desabro­ humores de um chefe de escritório atrabiliário.
char, tornar-se plenamente ela mesma. Desabro­ Não desabrocho quando estou fechado numa es­
char! Pensamos ter dito tudo, ser modernos e li­ cola-caserna sem interesse. Não desabrocho
berais, quando proferimos essa grande palavra. quando devo suportar cotidianamente as grita­
Mas o que é que isso quer dizer, desabrochar? É rias de meus quatro filhos num apartamento de
nos sentirmos bem em nossa pele, no trabalho, sala e quarto. Mas desabrocho quando faço um
nas relações com os outros? Mas não podemos, trabalho que me interessa, quando encontro pes­
então, falar de desabrochamento sem levar em soas que me agradam, quando tenho tempo para
consideração a realidade econômica, social e po­ me dedicar a meus filhos num ambiente agradá­
lítica. Não desabrochamos no abstrato. Sentimo- vel. Quando apenas nos contentamos em falar
nos bem ou mal neste ou naquele tipo de situa­ de desabrochamento, somos vítimas de um dos
ção e de relação, e o desabrochamento pressu­ conceitos mais ideológicos que a pedagogia ja­
põe condições concretas e sociais de realização. mais produziu.
Não desabrocho quando trabalho na linha de (Bernard Charlot, A mistificação
montagem, num compasso infernal, numa fábri­ pedagógica, p. 58.)

37

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
“—-—;---------------------------------------- k
Atividades

Questões

1. Explique por que o poder não é algo que se tem, mas uma relação.
2. O que é ideologia e qual a sua função?
3. Em que sentido a teoria se distingue da ideologia? Como cada uma delas se relaciona com a prática9
4. O que é necessário para que uma teoria pedagógica não seja ideológica?
5. Explique por que o conteúdo das frases a seguir é ideológico. Faça referência a características da
ideologia, a fim de fundamentar sua resposta.
• A educação é um direito de todos.
• Isto é legal, portanto justo e legítimo.
6. Como é possível superar o destino da escola de ser simples reprodutora do sistema?

Pesquisa

7. Faça um levantamento de alguns livros didáticos (ou de literatura infantil) e identifique as eventuais caracte­
rísticas ideológicas. Se os livros selecionados não forem desse tipo, explique por que não são ideológicos.

Análise de texto

Leia o texto a seguir e responda às questões de 8 a 10.

A vida social é feita de conflitos tanto quanto de cooperação, e unicamente as sociedades mortas ou
as sociedades que camuflam as divergências por trás de uma harmonia e uma unidade abstratas entre
pessoas abandonam o conflituoso Pedagogicamente, isso significa que a educação deve ser preparação,
ao mesmo tempo, para a cooperação e para a luta, e que é preciso devolver seus direitos à agressividade.
(...) Evidentemente, o conflito deve ser social e pedagogicamente codificado e não desembocar na violên­
cia e na lei da selva. (Bernard Charlot)

8. Explique em que sentido o conflito é uma das dimensões constitutiva das relações humanas.
9. Qual é a tarefa pedagógica diante da realidade do conflito?
10. Em que circunstâncias o conflito assume características negativas e perigosas?

Leia o texto a seguir, a respeito da Lei de Diretrizes e Bases, e responda às questões 11 e 12.

Quais os objetivos da educação brasileira9 A lei não os define, é verdade que o Título I trata ‘lDos fins
da educação’1. Mas os sete pontos aí enunciados são de tal modo gerais e vagos que podem ser adotados
por qualquer país do mundo. Isto não quer dizer que os objetivos da educação no Brasil não possam ser
definidos de modo geral; eles devem, no entanto, ser formulados não em abstrato, mas para a Educação
Brasileira, dc voz que se trata de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sem objetivos
claros, também os meios adequados não puderam ser previstos. (Dermeval Saviani)

11. Ter como base uma teoria da educação é importante para a definição de uma legislação eficaz?
12. Em que sentido a inexistência da teoria pode transformar a lei em um instrumento ideológico9
13. Em que se assemelham os dropes 1 e 2?
14. Com base nos lextos didáticos de 1- grau selecionados para a leitura complementar, analise a ideolo­
gia subjacente a eles.
15. A partir do texto de Bernard Charlot, explique quando o concerto de desabrochar adquire um sentido ideológico.

Redação

Toma: O milagre que esperaríamos no íntimo do nosso coração, a escola como universo preservado,
ilhéu de pureza, à porta da qual se deteriam as disparidades e as lutas sociais, esse milagre não existe: a
escola faz parte do mundo. (Georges Snyders)

38

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Nenhuma arte é casual ou rudimentar: c expressão plena de um desejo de


beleza.
(Anloriio Cândido)

A cultura operária carece da escola não para se renegar, mas para sc realizar.
(Gcorgcs Snyders)'

1. Os bens culturais Geralmente é considerado inculto aquele que


não participa do saber da elite. Porem, se o ho­
No Capítulo 1 aprendemos que cultura, no mem se define na medida em que é capaz de pro­
sentido amplo e antropológico, c tudo que o ho­ duzir cultura, não existe homem inculto. Acon­
mem faz. seja uma produção material ou espiri­ tece que, nas sociedades em que predominam re­
tual, seja pensamento ou ação. A cultura resulta lações de dominação, as pessoas do povo são im­
do esforço humano para construir sua existência, pedidas de elaborar criticamente a sua própria
c é isso que caracteriza os diversos agrupamen­ produção cultural.
tos humanos, permitindo distinguir por exemplo Essas distorções levam a uma outra, também
a cultura nhambiq tiara da cultura grega. muito comum: a idéia dc que se iem cultura, ou
Podemos também considerar o conceito de seja, o conhecimento é um benefício que pode
cultura, em um sentido estrito. como a produção ser dado, c o homem culto seria aquele que leni
intelectual dc um povo, expressa nas produções posse de conhecimentos, não sc levando em con­
filosóficas, científicas, artísticas, literárias, reli­ ta o dinamismo da cultura e a sua dupla dimen­
giosas, em resumo, nas suas manifestações espi­ são de construção e ruptura. Na verdade, a cultu­
rituais. Nesse sentido, pessoas ou grupos sc ocu­ ra tem duas perspectivas, a do ter e a do ser. Se­
pam com diferentes formas de expressão cultu­ gundo Luís Milanesi, “há um processo contínuo
ral (o artista, o escritor, o filósofo, o cientista, e na esfera cultural, tornando o terc o ser uma uni­
assim por diante). dade com duas faces: a segunda c a que leva à
No sentido estrito, destaca-se a ênfase dada à invenção do discurso c a scr sujeito da própria
representação simbólica que o homem faz da re­ vida, e a primeira permite a alimentação contí­
alidade. construída por meio do conhecimento e nua desse processo através da posse possível dc
da vai oração. H justamente pela educação que os todos os registros do discurso dos homens dc to­
bens simbólicos podem ser transmitidos, avalia­ dos os tempos"-.
dos e transformados.
É justo pensar que esses bens deveriam estar
disponíveis para todos, tanto na fase de reprodu­ 2. Os diversos tipos de cultura
ção e inovação quanto na de consumo e fruição.
No entanto, tal nào acontece nas sociedades di­ A classificação dos tipos de cultura é difícil de
vididas em classes, em que é nítida a separação ser estabelecida e com frequência leva a distorções
entre trabalhadores intelectuais e manuais. Esses e mal-entendidos. Como não vivemos em uma so-
últimos geralmcnle são excluídos do acesso aos
bens culturais e, quando deles se apropriam, pre­
valece o consumo da cultura dominante. Já vi­ 1. O contexto de onde foi retirada a citação se encontra no
mos que daí deriva a classificação que separa os Capítulo 23. "Teorias progressistas”, pp. 214-215.
"cultos" dos “incultos". 2. Luís Milanesi, A cam da invenção, p. 139.

39

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

cicdadc homogênea, qualquer produção cultural ria não está interessada em física quântica, alta
está sujeita a avaliações que dependem da posi­ filosofia ou música clássica nem sc encontra
ção social do grupo no qual ela surge. apta a compreender essa produção sem longo
Por isso, quando contrapomos, por exemplo, preparo para tal.
“cultura de elite” e “cultura popular”, já estamos O que sc pode criticar c um tipo dc exclusão
emitindo juízos dc valor; a cultura de elite seria externa, que seleciona dc antemão os privilegia­
superior porque refinada, elaborada, ao passo dos que terão acesso a essa produção cultural,
que a cultura popular seria inferior por se tratar quando na verdade a possibilidade dc escolha
de expressão ingênua e não-intelectualizada. deveria estar garantida a qualquer um. indepen­
Outra confusão está em se identificar cultu­ dente mente de suas posses.
ra de elite (que na verdade é a cultura erudita)
com produção da classe dominante. De manei­ A cultura popular
ra geral, isso se deve ao pressuposto de que a
verdadeira cultura é a produzida pela elite. O conceito dc cultura popular é complexo,
Quando se fala de conhecimento, des preza-se o devido às razões já expostas. De maneira geral,
saber popular para se valorizar apenas a ciên­ consiste na cultura anônima produzida pelo ho­
cia: ao se tratar da técnica, exalta-se a mais re­ mem do campo, das cidades do interior ou pela
finada tecnologia; ao se referir à arte contem­ população suburbana das grandes cidades.
porânea. pensa-se nas pinturas de Pi casso; e. No sentido mais comum, a cultura popular é
quando se volta a atenção para a arte popular, c identificada ao/w/c/wr, que constitui o conjunto
para considerá-la de forma depreciativa, como de lendas, contos, provérbios, práticas c concep­
arte menor ou produção exótica e objeto de cu­ ções transmitidos oral mente pela tradição. C) ris­
riosidade. co desse enfoque está em tomar o folclore como
Apesar das dificuldades, propomos didatica­ realidade pronta e acabada, quando na verdade
mente a seguinte divisão; cultura erudita, cultu­ toda cultura é dinâmica, estando cm constante
ra popular, cultura de massa e cultura popular transformação. Aliás, a vitalidade da cultura po­
individualizada. pular permite absorver e reclaborar as inúmeras
influencias de outros costumes, como, por exem­
A cultura erudita plo, as que resultam do contato do mundo rural
com o urbano, ou do impacto da tecnologia e da
A cultura erudita é a produção elaborada, cultura de massa.
acadêmica, centrada no sistema educacional, so­ Esse modo estático de ver o folclore é tam­
bretudo na universidade, lambem conhecida bém perigoso por gerar comportamentos inade­
como cultura de elite, por ser produzida por uma quados à apreciação dessa cultura. Alguns a ig­
minoria dc intelectuais das mais diversas especi­ noram ou desprezam como vulgar, não-original,
alidades (escritores, artistas cm geral, cientistas, monótona, repetitiva — inferior, em relação à
tecnólogos). cultura dc elite —, e outros podem aproeiá-ht
Com a cultura erudita, são produzidas as como manifestação do pitoresco e do exótico, o
obras-primas que revolucionam os diversos que resulta na sua apropriação para o “espetácu­
campos do saber e da ação, como as descobertas lo”: veja-sc o folclore para turismo, em que as
científicas, os novos modos dc pensar, as técni­ práticas são adaptadas, “maquiadas”, estan­
cas revolucionárias, as grandes obras literárias dardizadas c, assim, tornadas adequadas para
ou artísticas em geral, enfim, produtos humanos consumo.
que provocam “cortes” na maneira de pensar e A tentativa dc preservar e estimular a produ­
agir e que, por isso, se tornam clássicos. ção da cultura popular não é tarefa fácil. Até os
Esse tipo de produção cultural é erudito por bem-intencionados, que reconhecem os riscos da
exigir maior rigor na sua elaboração, sendo, por manipulação cultural em uma sociedade dividi­
isso mesmo, uma produção elitizada, acessível da c sujeita à ideologia, podem resvalar cm um
a um publico restrito (tanto na sua produção autoritarismo inconsciente. Recaem no po-
como na fruição). Afinal, supõe-se que a maio­ pulismo ao tentar tutelar a produção dita popu-

40

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

lar, desenvolvendo uma postura assistencialísla A cultura de massa


e protetora. típica do intelectual 'Iluminado" que
“sabe o que é melhor" para a população, o que A cultura de massa resulta dos meios de co­
de certa forma infantiliza o povo, ao qual ele atri­ municação de massa, ou mass media*. São con­
bui imaturidade e passividade, como se precisas­ siderados meios de comunicação de massa o ci­
se ser dirigido. nema, o rádio, a televisão, o vídeo, a imprensa,
Por isso foi controvertida a ação de alguns as revistas de grande circulação, que atingem ra­
grupos, sobretudo na década de 60 (ver dropes 2 pidamente um número enorme de pessoas per­
e 3), que visavam a conscientização dos segmen­ tencentes a todas as classes sociais e de diferente
tos desfavorecidos da população. formação cultural.
O filósofo italiano Antonio Granisci (1891- Essa cultura, distinta da erudita e da popular,
1937) também reconhecia que a classe trabalha­ começa a surgir após a Revolução Industrial,
dora. da maneira como c obrigada a viver, não quando a ascensão da burguesia torna mais com­
tem condições de elaborar sua própria visão de plexa a vida urbana. Aparece, então, uma produ­
mundo, contraposta à ideologia dominante. Isso ção cultural que não é propriamente folclórica,
não significa que o homem comum não lenha um mas produzida por grupos profissionais (como
sistema de opiniões, mas, ao contrário, as empresários de circo e de teatro popular; edito­
pessoas ocupadas com as atividades do cotidia­ res de publicações periódicas etc ).
no possuem formas de pensar e agir que se ma­ A partir do século XIX o processo é inlensi fica
nifestam de maneira fragmentada, confusa c, às do com o aparecimento do jornal, no qual o roman­
vezes, até contraditória. A esse estádio do saber ce-folhetim, precursor das atuais telenovelas, é pu­
chamamos senso comum. blicado cm episódios fragmentados. No século XX,
Cabe ao intelectual organizar esse saber, con­ com o desenvolvimento dos meios eletrônicos de
ferindo-lhe rigor lógico. A originalidade do pen­ comunicação, acentua-se o ritmo das mudanças.
samento de Gramsci está em reconhecer a neces­ A grande alteração está no produtor cultural
sidade que tem o povo de formar seus próprios — que não é individual nem anônimo —, mas
intelectuais, a fim de elaborar a consciência de verdadeiras equipes formadas por inúmeros es­
classe. Para o filosofo italiano, a classe trabalha­ pecialistas. o que lembra a fragmentação de tra­
dora necessita de intelectuais orgânicos, ou seja, balho típica da nossa sociedade.
aqueles que. oriundos do próprio povo, sejam Ao contrário da cultura popular, a cultura de
capazes de elaborar de forma erudita o saber massa é produzida “de cima para baixo", impõe
difuso do homem comum. padrões e homogeneíza o gosto por meio do po­

dasse e Mídia. Marco, in Jonia! dc Brasti, Caderro TV, 26 :'Ov. 199*;.

3. Maus media: do ingJcs metsx. “massa". e do latim media, "meios". Costuma-sc pronunciar “mídia", que c a forma america­
nizada de ler o latim.

41

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
der de difusão de seus produtos. Em linhas gerais, casa dc classe média compra no grande magazine a
é também uma produção estandardizada, visando imitação da louça chinesa inacessível às suas pos­
ao passatempo, ao divertimento e ao consumo. ses, o leitor medio lê os grandes clássicos da litera­
Tais afirmações mereceriam alguns reparos, já tura em versão condensada e adaptada, bem como
que. se generalizadas, se tornar iam precon­ o ouvinte dc música popular se delicia com a músi­
ceituosas e discriniinadoras. Acha-se acesa ainda ca clássica cm ritmo de dança de salão.
a polêmica em torno da natureza e das consequên­ Os filósofos frankfurtianos são críticos seve­
cias da cultura de massa. Em um livro conhecido, ros da cultura de massa porque “os meios de co­
Apocalípticos e integrados. o italiano Umberto municação de massa são o oposto da obra de pen­
Eco discute as duas tendências dos intelectuais samento. que é a obra cultural - ela leva a pen­
diante desse fenômeno: os apocalípticos denunci­ sar, a ver. a refletir. As imagens publicitárias,
am a cultura de massa como forma de alienação c televisivas e outras, em seu acúmulo acrílico, nos
massificação, enquanto os integrados. ao contrá­ impedem de imaginar. Elas tudo convertem em
rio, a vêem como um fenômeno contemporâneo, entretenimento: guerras, genocídios, greves, ceri­
considerado a partir de sua novidade, não poden­ mônias religiosas, catástrofes naturais e das cida­
do ser avaliado pelos padrões próprios de outro des, obras de arte, obras de pensamento. (...) Cul­
tipo de produção intelectual. tura é pensamento e reflexão. Pensar c o contrário
Afinal, a cultura dc massa é uma realidade de obedecer. A indústria cultural cria um simula­
que aí está e busca as mais diversas formas dc cro de participação na cultura quando, por exem­
expressão criativa. Torna-se inevitável que até a plo. desfigura a Sinfonia n~ 40 de Mozart em
nossa maneira dc perceber o mundo e de pensar chorinho. Assim adulterada, não c Mozart,
se altere em contato com esses novos meios (ver tampouco ritmo popular. Tanto a sinfonia quanto
Capítulo 6). Mesmo as outras formas de cultura o samba vêem-se privados de sua força própria de
são influenciadas por eles, independentemente bens culturais considerados em sua autonomia”4.
da questão da manipulação. No campo da produ­ Controvérsias à parle, não há como negar que
ção tecnológica, a cultura erudita desde há muito 0 grande perigo, no entanto, está no fato dc que
se acha fascinada pelos meios eletrônicos, c mui­ os meios dc comunicação dc massa pertencem a
tas pesquisas universitárias tem revertido no grupos muito fechados, que detêm o monopólio
aperfeiçoamento desses equipamentos. Os artis­ dc sua exploração c, com isso, adquirem o poder
tas buscam nesses meios outras fontes de inspi­ de manipular a opinião pública nos assuntos de
ração e novas formas de expressão (por exem­ seu interesse, seja no campo do consumo ou da
plo. a vídeo-arte c a música eletrônica). política, ou ainda de despolitizar. quando isso for
O imaginário popular é exacerbado por essas conveniente.
experiências, que enriquecem o seu repertório. E justaniente a possibilidade dessa manipula­
E. mesmo que a difusão maciça de novos valo­ ção que exige maior cuidado quando se diz que
res tenha provocado a desagregação de costumes os meios de comunicação estariam a set viço da
arraigados, é marcante a assimilação criativa de democratização, na medida em que, ao atingir
novas imagens, sons c múltiplos acontecimentos. um grande número de pessoas em pouco tempo,
Por ou Iro lado, não há como negar o risco evi­ promovem a difusão da informação.
dente da “pasteurização” da cultura quando a tele­
visão, por exemplo, apresenta o espetáculo do car­ A cultura popular individualizada
naval ou da macumba como típico “folclore para
turismo”, ao qual já nos referimos anteriormente. Feita a exposição dos três tipos de cultura, a eru­
A cultura de massa também procura se apropriar dita, a popular e a de massa, é provável que o leitor
da cultura erudita e, quando o faz, pode resultar no esteja se perguntando onde encaixar algumas pro-
kitsch. Este c um fenômeno típico da indústria cul­
tural, quando se volta para a satisfação de um de­
terminado segmento social que possui aspirações
4. Olgária Mulos, .4 Escola de Eraiikfurr, luzes c sombras do
"superiores” ao nível em que sc encontra, seja eco­ lluminisnw, São Paulo. Moderna. 1993. p. 71-72. (Coleção
nômico ou intelectual. Como exemplos, a dona-de- Logos)

42

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

duções culturais como, por exemplo, a música de 3. Educar para qual cultura?
Caetano Veloso, a de Adoniram Barbosa, as peças
de teatro de Guarnieri ou o teatro dc revista. As diversas manifestações culturais são ex­
Trata-se da cultura popular individualizada, que pressões diferentes dc urna sociedade pluralista,
se caracteriza por ser produzida por escritores, com­ e nao tem sentido tecer considerações a respei­
positores. artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, to da superioridade de uma sobre outra, o que
enfim, intelectuais que não vivem dentro da univer­ leva à depreciação, quando a avaliação é feita
sidade (c portanto nao produzem cultura erudita), segundo parâmetros válidos para outro tipo de
nem são típicos representantes da cultura popular cultura.
(que se caracteriza pelo anonimato) nem da cultura Portanto, cuidar da educação popular não c
de massa (que resulta do trabalho de equipe). vulgarizar, “popularizar” a cultura erudita, tor­
O criador individual sofre a influência de to­ nando-a superficial e aguada, nem tampouco
das essas expressões culturais e. “nessa luta, a significa dirigir de forma palernalisla a produ­
obra é tanto mais rica c densa c duradoura quan­ ção cultural popular. Com isso seria evitada a
to mais intensamente o criador participar da contrafação, isto é, o produto resultante dc imi­
dialética que está vivendo a sua própria cultura, tação. típico de uma cultura envergonhada de si
também cia dilacerada entre instâncias ‘altas’, mesma.
‘inlcrnacioiializantes’ e instâncias populares’*5. Diante da ação compacta dos meios dc comu­
Evidentemente, não estão libertos das influên­ nicação dc massa, o educador deve estar apto a
cias ideológicas, podendo ser cooptados pelo sis­ utilizar os benefícios deles decorrentes e cuidar
tema ou sucumbir ao apelo do consumo fácil. Daí da instrumentalização adequada para que sejam
as contrafações tais como a música dita “sertane­ evitados os seus efeitos massificantes.
ja”. os livros "esotéricos", e assim por diante. O grande desafio está na popularização da
Não sc quer com isso desmerecer a produção cultura, ou seja, na abertura de oportunidades
intermediária, assim chamada porque não chega iguais, para que todos tenham acesso não só ao
a constituir a vanguarda da cultura. Ao contrá­ consumo (ativo, nunca passivo) da cultura, mas
rio. ela tem sua importância, desde que esteja a também à sua produção. Para tanto, é necessário
serviço da expansão da sensibilidade subjetiva e o esforço conjunto da sociedade, que não sc res­
não do seu embotamento c manipulação. tringe apenas ao espaço da escola (embora este
A esse respeito, o pedagogo francês Georges seja importante). Nesses espaços, as atividades
Snyders se refere às “alegrias intermediárias” pro­ culturais devem ser realizadas não para as pes­
porcionadas pelas obras secundárias que, por nao soas. mas com elas.
serem obras-primas, nem por isso devem ser des­ Luís Milanesi6 caracteriza um verdadeiro cen­
cartadas, desde que constituam passos iniciais para tro cultural como o resultado da conjugação de
o desenvolvimento da sensibilidade (ver dropes 4). três verbos: informar. discutir c criar.
^ fsh
ndfãl

Robô, Jirn Meddick, >n f-olha de S. Paula, 1- nr.7. 1994.

5. Alfredo Hosi, "Cultura brasileira", in Dcrmeval Saviani e outros. Filosofia da educação brasileira, p. 174.
6. A casa da invenção, p. 141 e seguintes.

43

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Pela tradição da cultura como doação, o que cussão, “as pessoas estarão inexoravelmente
mais se procura oferecer c a informação; por submersas nas respostas prontas, previamente
isso, sempre sc pensa primeiro na biblioteca dadas pelo contexto social”.
tradicional, ou até numa discoteca ou video- Os dois primeiros verbos (informar c discu­
teca. Quando se trata propriamente da escola, tir) só se completam com o terceiro: criar. Toda
pensa-se no professor dando uma aula tradici­ ação cultural que se preza tem de oferecer ofici­
onal de transmissão de conteúdo. Nada contra nas de criatividade, laboratórios de invenção, a
esse momento. Aliás, é relevante o processo fim dc romper com a simples reprodução da cul­
da herança cultural, e a escola não pode se des­ tura, apesar de todos os riscos ideológicos do
cuidar da informação sob pretexto algum. O processo (ver leitura complementar 2).
que destacamos aqui c a necessidade de unir a A ação cultural, entendida como obra cultu­
informação a outros processos que evitem a ral, torna-se um trabalho pelo qual a situação vi­
erudição estéril. vida adquire um novo sentido c, portanto, c
O segundo passo c a discussão, como oportu­ transformada. Mudando o verbo frequentemente
nidade de reflexão c crítica, por meio de seminá­ usado paia identificar os ' cultos”, seria bom lem­
rios, ciclos de debates, a partir de temas indica­ brar que o importante não é ter cultura, mas ser
dos pelo momento, “unindo o cotidiano da cida­ capaz decultura.
de e de seus habitantes ao universo de informa­ O que vale, afinal, é conceber a cultura como
ção. resultando daí os conflitos necessários e o manifestação plural, um processo dinâmico, c a
<dto qualitativoA discussão dá a necessária di­ educação como o momento em que herança c re­
nâmica, que leva à dúvida e. consequente mente, novação se completam, a fim dc criar o espaço
remete a novas buscas dc informação. Sem a dis­ possível de exercício da liberdade.

Dropes
1

A cultura — palavra e conceito — é de origem romana. A palavra “cultura" origina-se de colere


— cultivar, habitar, tomar conta, criar e preservar — e relaciona-se essencialmente com o trato do
homem com a natureza, no sentido do tamanho e da preservação da natureza até que ela se torne
adequada à habitação humana. Como tal, a palavra indica uma atitude de carinhoso cuidado e se
coloca em aguda oposição a todo esforço de sujeitar a natureza à dominação do homem. Em decor­
rência, não se aplica apenas ao tamanho do solo, mas pode designar, outrossim. o “culto" aos deu­
ses, o cuidado corn aquilo que lhes pertence. Creio ter sido Cícero quem primeiro usou a palavra
para questões do espírito e da alma. Ele fala de excolere animum, cultivar o espírito, e de cultura
animino mesmo sentido em que falamos ainda hoje de um espírito cultivado, só que não mais esta­
mos cônscios do pleno conteúdo metafórico de tal emprego. (Hannah Arendt)

Movimentos de educação popular que aparecem no início da década de 60:

• CPC (Centro Popular de Cultura) — por iniciativa da UNE (União Nacional dos Estudantes);
• MCP (Movimento de Cultura Popular) — ligado inicialmente à prefeitura de Recife,
Pernambuco (participação de Paulo Freire);
■ MEB (Movimento de Educação de Base) — criado pela CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil).

A forma de atuação dos movimentos era variável: peças de teatro representadas nos sindica­
is e até nas ruas; filmes, documentários, cursos, exposições, publicações; também alfabetização
da população urbana e rural e animação cultural nas comunidades.
Esses grupos (com exceção do MEB) desapareceram após o golpe militar de 1964.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

É um erro grosseiro interpretar os tempos do populísmo como todo mundo calçando 44 do


mesmo modelo populista. No tecido do populísmo emergiram algumas propostas marcadamente
populares e de pensamento coletivo construído em termos sérios. Não propostas paternalistas e
eleitoreiras. (Moacir de Góes)
4

“Minha” escola quer colocar em primeiro plano as obras-primas, mas não é possível que os
alunos passem de obra-prima em obra-prima, a gente não se alimenta apenas de suculência. A
escola consome em larga escala obras que chamarei de secundárias (...)
Minha ' escola deseja que elas sejam uma preparação para o que há de mais completo, sem
se confundir com ele. Elas abrem caminho para (...) trazendo alegrias mais fáceis de serem atingi­
das, constituindo transições: uma sensibilidade mais próxima da nossa, experiências progressivas e
menos intimidadoras. (...)
Não se pode tampouco instalar os alunos nas alegrias intermediárias como se não houvesse
nada além disso. (...) O maior risco das alegrias intermediárias, e o mais freqüente é querer se
realizar sem apelar para a obra-prima e até indo contra a obra-prima. (Georges Snyders)

Leituras complementares

1. Educação e folclore

O folclore possui algum valor educativo? As ológica. Verificou-se que a perpetuação não re­
crianças aprendem alguma coisa através dos presenta mero fenômeno de inércia cultural. Se
folguedos que praticam, das cantigas de acalanto, as crianças continuam a “brincar de roda”, esse
das adivinhas ou dos contos populares? Essas folguedo preserva para elas toda a significação
perguntas têm sido feitas de várias maneiras. e a importância psicossocial que teve para as cri­
Houve época em que se supunha ser o folclore anças do passado. Não se trata de uma “sobre­
uma “relíquia" do passado íongínquo — algo tos­ vivência”, literal mente falando; mas de continui­
co mas ingênuo, típico saber do “homem rústico”. dade sociocultural. O contexto histórico-social se
Admitia-se que ele devia ser preservado não por­ alterou, é verdade; contudo, preservaram-se
que fosse essencial, porém porque de sua pre­ condições que asseguram vitalidade e influência
servação dependeria a veneração do passado, dinâmica aos elementos folclóricos. Daí se po­
dos costumes e das tradições do “povo”. der evidenciar seu valor real em dois planos dis­
Em nossos dias, a resposta que se dá à mes­ tintos. Primeiro, no das relações humanas. A atu­
ma pergunta é diferente. Primeiro, os folcloristas alização de um jogo cênico ou de um brinquedo
evidenciaram a seu modo o valor educativo do de roda exige todo um suporte estrutural, forne­
folclore. Quem leia Amadeu Amaral, por exem­ cido peias ações e atividades das crianças. Há
plo. constata como ele percebeu com finura o tarefas prescritas a executar. Para realizá-las se­
que se podería designar como as conexões gundo os modelos consagrados, as crianças pre­
psicossociais do folclore. Sem dúvida. Há diver­ cisam organizar coletivamente o seu comporta­
são atrás das atividades folclóricas: mas há tam­ mento. Segundo, cada um dos jogos ou dos brin­
bém uma mentalidade que se mantém, que se quedos envolve composições tradicionais e ges­
revigora e que orienta o comportamento ou as tos convencionais. Essas composições ou esses
atitudes do homem. A criança ou o adulto, por gestos conservam algo mais do que “fórmulas
seu intermédio, não só participam de um siste­ mortas”: mantêm representações da vida, do ho­
ma de idéias, sentimentos e valores. Pensam e mem, dos sentimentos e dos vafores, pondo a
agem em função dele, quando as circunstâncias criança em contato com um mundo simbólico e
o exigem. um clima moral que existe e se perpetua através
Essa constatação foi confirmada, posterior­ do folclore.
mente, pelos estudiosos que viram o folclore de Portanto, os cientistas sociais confirmam as
uma perspectiva psicológica, etnológica ou soci­ conclusões dos folcloristas, dando-lhes nova

45

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

base empírica e teórica. O folclore possui um va­ objetivados culturalmente. As composições fol­
lor educativo. Pelo jogo e pela recreação, a cri­ clóricas tratam de amor, de obrigações de pais e
ança se prepara para a vida, amadurece para tor­ filhos, de namoro e casamento, de atividades
nar-se um adulto em seu meio social. Nos dois profissionais, da lealdade, do significado do bem
planos mencionados, são variáveis as influências ou do mal etc. Quase que insensivelmente, a cri­
socializadoras do folclore, como se poderia ança assimila esses elementos culturais, introdu-
descrevê-las positivamente. De um lado, a crian­ zindo-os em seu horizonte cultural e passando a
ça aprende a agir como “ser social”: a cooperar e ver as coisas muitas vezes através deles. Em
a competir com seus iguais, a se submeter e a outras palavras, pois, as influências socia­
valorizar as regras sociais existentes na herança lizado ras do folclore, nesses dois planos, se dão
cultural, a importância da liderança e da identifi­ tanto formalmente quanto por meio do conteúdo
cação com centros de interesses suprapessoais dos processos sociais.
etc. De outro lado, introjeta em sua pessoa técni­ (Florestar Fernandes, O folclore em
cas, conhecimentos e valores que se acham questão, São Paulo, Hucitec, 1978, p. 61-62.)

2. [Os três verbos da ação cultural]

O terceiro verbo — criar — é o que dá sentido dos sons e, se possível, registrá-lo. Romper com
aos dois outros (informar e discutir). A criação a rotina, com a reprodução permanente, é essen­
permanente é o objetivo de um centro de cultura. cial para as transformações necessárias ao meio
Ele deve ser o gerador contínuo de novos dis­ onde se vive. Apesar das diferenças de paisa­
cursos e propostas. Ao lado dos acervos e das gem, física e social, por todo o país, em essên­
salas de reuniões e auditórios deverão estar os cia, circulam as mesmas idéias, conversa-se so­
laboratórios de invenção, as oficinas de criati­ bre os mesmos assuntos superpostos à expres­
vidade, espaços essenciais. Disseminar e discu­ são local. A criatividade pode ocorrer de forma
tir o conhecimento em seqüência permanente, espontânea, rompendo a inércia de maneira
que leva as pessoas a desvelar as aparências, irresistível. Mas isso não é, sistematicamente, o
desmontar os engodos, fazer a sua própria ca­ fato procurado como motor das mudanças ne­
beça, para se chegar a outra etapa de um circui­ cessárias; é uma casualidade. A invenção é con­
to perpétuo, não esgota a ação cultural. sequência de paciente trabalho: da organização
Além da renovação constante dos discursos dos estímulos, da eliminação dos obstáculos à
registrados (livros novos, jornais do dia, fil­ liberdade de expressão, do confronto que não
mes...), é necessário que as pessoas, articulan­ inibe, mas anima.
do o seu próprio discurso, possam expressá-lo (Luís Milanesi, A casa da invenção.
através da escrita, da fala, do gesto, das formas, p. 149-150.)

Atividades

Questões_________________________________________________

1. Qual é a diferença entre os conceitos de cultura, conforme foram abordados nos Capítulos 1 e 4?
2. Dê exemplos de obras dos quatro tipos de cultura (erudita, popular, de massa e popular individualiza­
da) as quais você tem ou teve acesso
3. Com frequência, alunos (e seus professores) confundem trabalho de pesquisa” com cópia de verbetes
de enciclopédia. Critique esse procedimento, fazendo referência aos três verbos citados por Luís
Milanesi.
4. Quais são as polêmicas em torno da cultura de massa? Como você se posiciona a respeito delas?

Pesquisa

5. Assista a alguns programas de televisão e analise como a cultura de massa absorve extratos de outras
culturas, como a erudita e a popular, por exemplo.

46

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

6. Assista a dois tipos de programa infantil de televisão e discuta os elementos de caráter educativo (do
ponto de vista positivo e negativo).
7. Os dropes 2 e 3 se referem aos chamados movimentos populistas da década de 60. Procure se
posicionar a respeito da polémica criada em torno deles, consultando obras sobre o assunto. Comece
lendo o item sobre Brasil do Capítulo 8

Análise de texto

Com base no dropes 4, responda:

8. Qual é a vantagem da sugestão apresentada por Snyders? Qual é o seu risco?

Com base no texto complementar de Florestan Fernandes, responda às questões 9 c 10.

9. Quais são os dois planos que caracterizam a importância do folclore enquanto valor educativo?
10. Faça em sua classe o levantamento das brincadeiras de infância típicas das representações
folclóricas.

Com base no texto complementar de Luís Milanesi, responda às questões de 11 a 13.

11. Explique por que os três verbos — informar, discutir e criar — dependem um do outro para cumprir bem
sua função e qual o risco de um deles predominar sobre o outro.
12. Por que é difícil que a criatividade das pessoas se desenvolva de maneira espontânea? Em outras
palavras, em que medida é importante um processo educativo para promovê-la plenamente9
13. O fato de adultos e crianças gastarem um tempo enorme em frente da TV poderia estar indicando que
muitos estão na contramão do que seria uma autêntica ação cultural? Discuta isso.

Redação

Tema. "Um homem nunca está só: um homem é todas as relações; sua nobreza é a nobreza dessas
relações” (Jean Guéhenno).

47

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

"7

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Parte II
6. Educação informal
Parte I — A família

de massa
5. Conceito de educação

Os meios de comunicação
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
(Z
O
>
Ln G G
O G
5 z y
o o 3 G X: p ©
C z
n ti P G y. S r
G 3
õJ' p. g
G i-5 d
o < g Q
"O
G G o
5?
G •-t
CL .c
y G G
o -t -o y p CL
cn G 3 c P Oô c su
G
O CL V>
P G
Cl r. y N CL
G 1. O G
Q_ Z G P
d
QJ n‘ ir
z p Cu y
m < ■<o 3
Cl o p p>
y Cu ZS
c G G G G “O
n P ÍZ z
qj G CO T
2 P O
G P O' <TL
QJ> c Gs O
O 2 G
G P
»o 0
pi y.
G G O y.
Cu CL
tz-
G Q P
G G y
p p n
»G O 2 Ps
PJ G m
o
G

KJ o G CL cr
o p G Pí
ò n Z G y O
5 y
s? P -!
p G > Q_
CL G c
d
CL d* Cl
■a G Q"
<■*
Q G o
© y. P
T5 g* G D :z>
CL ■-G O
'-y G < G
© P 3
G* <zi y 3 3 G
y . fD R‘ IZl
y P y. P d
c ao t; Q. P y-
G “5 G G 3 y.
O d z. G C P O
Cl O G d
p P y O
C, |JQ G (T y G G “O
G o
2 C"> G CL “O o
p °3. P- O vG P
c P y G-
0 hs c’ P m P y y CL
5 C/i Q_ C
y- K z0 O P
c CL * O
N y ÍA O P
TC d CL =’ C -r. <
§ G =5 y y P o
Or G
Gs G
G G □ 3 c _.
p g‘> y G . cn
Cu p 3 P P r*
y y. ír>
C O y d z! o
C aT G
y. P G -8 G Q - <
Cj d C
□ O y
P^ T3 O
P y Gs 3 P!c G G G G
y. Gr C C
C d 3 O Z5 G>
G o CL Q y> O
c G G
c G y.
3 ÕJ rj e G p O g G <y> y- 3 5-
P <y> G
p d 7* c y G O o *
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

tismos, habilidades etc.) e um educando (aluno, dois pólos que se completam. Como se poderia
grupos dc alunos, uma geração etc.)’\ educar alguém sem informá-lo sobre o mundo em
Diz ainda o professor Li banco que o cspccifi- que vive? É a partir da consciência dc sua própria
camente pedagógico está na imbricação entre a experiência e da experiência da humanidade que o
mensagem e o educando, propiciada pelo agen­ homem tem condições de se formar como um ser
te. Como instância mediadora, a ação pedagógi­ moral e político. Da mesma maneira, toda informa­
ca torna possível a relação de reciprocidade en­ ção, mesmo que fornecida sein a aparente intenção
tre indivíduo c sociedade. Conclui-se, então, que de formação, ao ser assimilada pelo educando, in­
a educação não pode ser compreendida fora de terfere na sua concepção de inundo. Com frequên­
um contexto histórico-social concreto, sendo a cia, a informação pretensamente neutra está, na ver­
prática social o ponto de partida c o ponto dc che­ dade. carregada de valores.
gada da ação pedagógica.
No início do processo, o educando tem uma
experiência social confusa e fragmentada, que 3. Fins da educação
deve ser levada a um estádio de organização.
Nesse sentido, o professor Dcrnieval Saviani de­ Pelo que vimos até agora, parece que a práxis
fine educação corno “um processo que se carac­ educacional, sendo intencional, será mais coe­
teriza por uma atividade mediadora no seio da rente c eficaz se souber explicitar de antemão os
prática social global"12. fins a serem atingidos no processo.
A fim de não confundir conceitos, convem Retomando a história, vemos que a Grécia
estabelecer algumas nuança entre educação, en­ dos tempos homéricos preparava o guerreiro; na
sino c doutrinação. época clássica, Atenas formava o cidadão e
Educação e um conceito genérico, mais am­ Esparta era uma cidade que privilegiava a for­
plo, que supõe o processo de desenvolvimento mação militar, Na Idade Media, os valores terre­
integral do homem, isto é. dc sua capacidade fí­ nos eram submetidos aos divinos, considerados
sica, intelectual e moral, visando não só a for­ superiores, e assim por diante.
mação de habilidades, mas também do caráter c Seguindo esse raciocínio, sem dúvida tería­
da personalidade social. O ensino consiste na mos muita dificuldade em determinar com segu­
transmissão dc conhecimentos, enquanto a dou­ rança quais os fins da educação no mundo con­
trinação é uma pseudo-educação que não respei­ temporâneo: que valores sc encontram subja­
ta a liberdade do educando, impondo-lhe conhe­ centes ao processo? Sc tal elucidação é relativa­
cimentos e valores. Nesse processo, todos são mente simples quando é feita a posteriori, mos-
submetidos a uma só maneira de pensar c agir, tra-se problemática quando queremos definir os
destruindo-se o pensamento divergente c man­ fins aqui e agora.
tendo-se a tutela e a hierarquia. Em um primeiro momento, é inadequada a pro­
Ao contrário da doutrinação, a verdadeira cura dc fins tão gerais, válidos em lodo tempo c
educação tende a dissolver a assimetria entre lugar. Já vimos no Capítulo 3 que a procura de um
educador e educando, pois, se há inicialmente ideal dc homem universal, válido para todas as épo­
uma desigualdade, esta deve desaparecer à me­ cas, favorece a abordagem ideológica do problema.
dida que sc torna eficaz a ação do agente da edu­ Portanto, é preciso analisar os fins para uma
cação. 0 bom educador é, portanto, aquele que determinada sociedade e, ainda assim, estar aten­
vai morrendo durante o processo... (ver Capítulo to para os conflitos a ela inerentes: onde existem
6 e leitura complementar do Capítula 15). classes com interesses divergentes, os fins não
Quanto aos dois primeiros conceitos, educação podem ser abstrata mente considerados. Da mes­
c ensino. não há como separar nitidamente esses ma forma, não há como analisar os fins da edu­
cação cm um país desenvolvido, aplicando as
conclusões aos países em desenvolvimento.
Há ainda outro problema. A partir de consi­
1. Denioerafizacão da escola pública, p. 97.
2. Educação: do senso comum à consciência li lo só fica. p.
derações feitas por Dewey, para quem o proces­
120. so educativo é o seu próprio fim (o fim não é

51

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

prévio, nem último, mas deve ser interior à ação), sição dos valores de uma classe 3425\ seus
o professor argentino G. Cirigliano tece algumas valores particulares) a outra, como se estes fos­
considerações interessantes (ver também dropes sem valores universais. Assim, para o coloniza­
1): “No viver diário, vida, atividade c fim se con­ dor português, o “bom índio” era o índio sub­
fundem. Os pais criam os seus filhos para torná- misso, disposto a trabalhar de acordo com o pa­
los adultos? Ou a sua criação é parte da vida de­ drão europeu e a se tornar cristão, abandonando
les e dos seus próprios filhos?” Isso significa que suas crenças, consideradas atrasadas.
a educação não deve estar separada da vida nem Por isso, a educação não pode ser considera­
c preparação para a vida, mas é a vida mesma. da apenas um simples veículo transmissor, mas
Não sendo os fins exteriores à ação, não quer também um instrumento de crítica dos valores
dizer que a ação se faça sem a clarificação dos fins, herdados e dos novos valores que estão sendo
e sim que esses devem ser compreendidos como propostos. A educação abre espaço para que seja
objetivos que se colocam a partir da valoração por possível a reflexão crítica da cultura.
meio da qual o homem se esforça para superar a A guisa de conclusão, convem lembrar a im­
situação vivida. Por isso as necessidades humanas portância da formação do educador, para que a
devem ser analisadas concretamente, e as priorida­ superação das contradições seja possível com
des serão diferentes se nos propusermos a educar maior grau de intencionalidade e compreensão
em uma favela ou cm um bairro de clitc. dos fins da educação. Nos tempos que vivemos
Portanto, os fins sc baseiam cm valores pro­ hoje, algumas tarefas urgentes se impõem. A
visórios que sc alteram conforme alcançamos os principal delas é que tenhamos força suficiente
objetivos imediatos propostos e também enquan­ para tornar nossa sociedade mais justa c menos
to muda a realidade vivida. seletiva.
Tornar a educação verdadeiramente univer­
sal, formativa, de modo que socialize a cultura
4. Educação e política herdada, dando a todos os instrumentos de críti­
ca dessa mesma cultura, só será possível pelo
A educação não pode ser compreendida à desenvolvimento da capacidade de trabalho in­
margem da história, mas apenas no contexto em telectual e manual integrados.
que os homens estabelecem entre si as relações A educação deve instrumentalizar o homem
de produção da sua própria existência. Dessa for­ como um ser capaz de agir sobre o mundo c. ao
ma, é impossível separar a educação da questão mesmo tempo, compreender a ação exercida. A
do poder: a educação não é um processo neutro, escola não é a transmissora de um saber acabado
mas se acha comprometida com a economia e a e definitivo, não devendo separar teoria c práti­
política de seu tempo. ca. educação e vida.
Já analisamos essas questões no Capítulo 3, A escola ideal não separa cultura, trabalho c
no qual vimos que a ideologia consiste na impo­ educação.

Dropes

Que se procura quando se joga futebol? Ganhar a partida ou jogar futebol? Os que perderam
desperdiçaram o seu fim? (...) Quando vamos ao cinema, qual é o fim? É: por acaso, só esperar que
termine o filme? Precisamente esta idéia do fim exterior ao que se faz foi extremamente prejudicial à
educação. O fim exterior e remoto deu, sempre, muita pressa em terminar. Na aula se deseja termi­
nar a hora de aula, depois terminar o trimestre, terminar o ano, terminar o curso. A única meta é
terminar e assim se desperdiça a vida. É como se vivêssemos só para morrer. O fim da vida é ola
mesma, não o seu término ou terminação alheia a ela. O fim da vida é o que fazemos com ela e nela.
(G. Cirigliano)

52

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
2

Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma
idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se
sabe: isso se chama pesquisar.
Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o
remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas,
das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que
ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia — Sapi&ntia; nenhum
poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível. (Roland Barthes)

Pequeno vocabulário etimológico (quase todas as referências sáo latinas):


• Aluno — alumnus, -i: criança nutrida no peito. Daí pupilo, discípulo.
• Aprender — apprehendere: agarrar, apanhar, segurar, apoderar-se de. Daí tomar conheci­
mento de, prender na memória.
• Educar — a) educare: criar, amamentar.
b) educere-. levar para fora, fazer sair, tirar de; dar à luz, produzir. Daí conduzir de
um estado a outro, modificar.
• Ensinar — insignire: assinalar, distinguir, colocar um sinal, mostrar, indicar. Daí indicar o
caminho para aprender.
• Instrução — instructio, -onis'. construção, edificação.
• Mestre — magister, -trr. o que comanda, dirige, conduz.
• Pedagogo — do grego paidogogós (pais, paidos = “criança” e agogôs = “guia, condutor”):
escravo que acompanhava as crianças à escola; depois, mestre, preceptor.
• Saber — sapere: ter sabor, agradar ao paladar; saber, conhecer, aprender.
• Texto — textum, -i: tecido, pano; obra formada por várias partes reunidas.

Leitura complementar

[Educação voltada para o futuro]

Diz-se que o curso da existência do homem, mação social é pelo menos de importância
neste período crítico da nossa história, deve ser igual, muito embora seja completamente negli­
modelado consoante as tarefas históricas, de genciada. Esta formação social é fundamental,
modo que a nova realidade edificada pelos ho­ não só porque um número crescentemente vas­
mens possa ser melhor e, por conseqüência, tor­ to de trabalhadores será utilizado no setor dos
nar os homens mais livres e melhores; se assim serviços em detrimento do setor da produção,
ér este programa educativo torna-se indispensá­ mas sobretudo porque na sociedade do futuro
vel, especialmente em face da juventude. Com­ cada profissão será revestida de caráter social
pete à pedagogia contemporânea assegurar a e cada cidadão tornar-se-á membro responsá­
realização deste programa. vel da democracia. O problema da formação so­
Para tal impõe-se a resolução de dois pro­ cial deve ser posto no primeiro plano das nos­
blemas fundamentais: o da instrução e o da sas preocupações referentes aos programas de
educação. No que respeita à instrução, deve­ ensino, deve ser considerado em toda a sua
mos abandonar numerosos princípios tradicio­ vastidão e ir do conhecimento dos grandes pro­
nais que estão totalmente desadaptados às no­ cessos sociais do mundo moderno à capacida­
vas condições da vida social e econômica, as­ de de compreender o meio concreto em que se
sim como à evolução que prevemos. Temos de age e se vive. O ensino politécnico não pode
introduzir muitas inovações. Todos nós nos dar plenos resultados se não for associado à
apercebemos da necessidade da instrução po­ formação social assim concebida; apenas esta
litécnica, mas ainda não descobrimos que a for­ cooperação pode formar o pensamento aliado

53

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

à prática, produtiva e social, quer dizer, à reali­ de menosprezar a vida interior do homem, para
dade plenamente humana. Enfim, no âmbito da insistir na efetivação de determinadas funções
formação do pensamento resta resolver outro sociais. A educação moral, justamente, diz res­
problema: a formação dos outros tipos de pen­ peito à nossa vida quotidiana em situações soci­
samento, alheios ao pensamento técnico e so­ ais concretas. A educação mora! é o problema
cial, a formação destes outros tipos de pensa­ do homem no pleno sentido da palavra, do ho­
mento devia ser sistematicamente fomentada mem que vive e que sente. (...)
nas escolas. Referimo-nos a certas concepções Uma juventude educada desta maneira forne­
modernas da filosofia e da lógica, em especial cerá cidadãos a um mundo que, embora criado
as noções de valor. há vários séculos pelos homens, não foi até ao
No domínio da educação, a tarefa mais im­ presente um mundo de todos os homens, É so­
portante consiste em transpor os grandes ideais mente através da participação na luta para criar
universais e sociais para a vida quotidiana e con­ um mundo humano que possa dar a cada ho­
creta do homem. No período que acaba de fin­ mem condições de vida e desenvolvimento hu­
dar cometemos o grande erro de atribuir muito manos que a jovem geração se pode verdadei-
pouca importância à vida quotidiana do homem, ramente formar.
para realçar a sua participação espetacular nos (Bogdan Suchodolski, A pedagogia e as
grandes momentos nacionais; cometemos o erro grandes correntes filosóficas, p. 121-123.)

Atividades

Questões

1. O ato pedagógico desenvolve um processo de mediação. Explique isso.


2. Por que o adestramento de animais não pode ser considerado educação? Complete, explicando que
também entre os homens muitas vezes são aplicadas — inadequadamente — técnicas semelhantes
3. Por que nào é possível definir de uma vez por todas quais são os objetivos de toda educação?

Análise de texto

Com base no texto de Roland Barthes (dropes 2), responda às questões de 4 a 7.

4. Quais são os três níveis do aprender a que se refere Barthes?


5. Explique em que o pesquisar é superior ao ensinar o que se sabe.
6. O que o autor quer dizer a respeito da importância do desaprender? Em que sentido ele se refere ao
esquecimento como sendo a força de toda vida viva?
7. Porque ele considera importante recuperara etimologia da palavra saber? A partir desse aspecto, faça
uma crítica à escola.

Leia o texto abaixo e, em seguida, responda às questões de 8 a 10.

Uma educação que não seja apenas uma aquisição individual de técnicas e de competências especi­
alizadas que cada um vende na idade adulta no mercado de trabalho, mas sim a formação de homens e
mulheres autônomos e polivalentes, capazes de se inserir em comunidades dinâmicas e conflituais e, por
isso mesmo, democráticas e, porque democráticas, em permanente mutação.
Uma educação que permita, vivendo e aprendendo, saber por que se vive e por que se aprende.
(Rosiska e Miguel Darcy de Oliveira)

8. Que tipos de educação os autores estão criticando?


9. Explique melhor em que sentido eles interligam (mostrando que não se excluem) os conceitos de
democracia, conflito e mudança. (Observe como aí o conceito de conflito é positivo.)
10. Que tipos de dicotomia essa proposta pretende superar?

54

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Com base no texto complementar, responda às questões de 11 a 14.

11. Em que consiste a formação politécnica?


12. O que significa formação social? Qual sua importância?
13. Por que é necessária a educação moral?
14. A partir de sua experiência escolar, quais dos três aspectos analisados pelo autor foram enfatizados na
sua educação7 Faça uma análise crítica.

Redação

Tema: “O poder do educador reside no desenvolvimento do poder do educando” (Lévêque e Best).

55

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
7J
73
c
o
>
cn o G E-9 ao ■£ ~ p <
3 d - >í G c G
O O G P, C
3‘ 3 o- ■-'í G
T- X G
rí. 3 w 3 o n' C
G p __ G '• O
C‘ z y xi G G 3
n < 3' n z c X
-t z □ g g >G O
XJ
õj' ê- G &
P O X E‘ O Pi d e
cr 3 O 2 g
g
3 c
Z 3 p
Q‘ C' G wfj P Pi p C.
G G 3
d 3 G y O rD'
C, G c •—h Q. G z
X n* £- P O r.
P p” 3 25 £ ra G 3 z t~i Pi fO 23 ■g z1 H
O G G P z C C
X X z
G z 5* 3’ O £2 g Ç C Ç o G CT' Pt G
Pi “5 3 3 □ n. X
c s 3 C G -Q (T •z X d O 3
G
l P’ X d 3 c G
9" o _v v
P 3 C- O z z Z X z
3. N 23 G G ■ p, z n x 0“ P
X 3 z X G ~! 3 z
X Jz’ z O < G X O ——* 3^
3 G X O z Z CL 2L X c z 3
z G G P G p -T Pi ■—»
d G G G o z G p g' z 77 G_ 7_ P <■ z O
E. 3 O 3 z z
G G riQ —j z £ 7ô' G O>
d 3 rZ' X 25 0 -2 T 'Z ln 3
2 x c' . -d fZ ■o O 23 23 O 3 P z
G rtf O c' •O e C' G g P z G 5". Q_ C/J
G> z 3 z G G G z Xi c y z O
z G z rí i G>
X í-t X 3- Pi O G z
5‘ í? ft P Z
z Z s p^ Gg c G z
O Q 2 í- I ->
■Z P z Q C
G cr z 3 z z z G-> o" n "C z ■z
z p p> G 3 X
•z d p G Gv p O r. z n G P
x X X z 1 £ z G C- O .— ■ 3 C
3 C l)
c £ Tj g G ■z —> £/> < 2
di 3 G 5 G c G 3
C z z y ?T rrc, c o O z 73 c áà‘ z
g o c G &
ao ao c j—■ rí ■5 •Z 23 Õ C "3
c G X G z o 3 cn G p
r-.,
> 1 d P c 3
G’ §■ O' CT P Cl.,1 C ’
z z G G 3 z
G Q.‘ ■3 z Pi P y
z « 3 3 >-* X G Z Z X 3
3 •z € P G p C y G 3 3 G z
z C- G p’ "t o !T- g G
G. n P» G 1 > q_ y> P Ln
G -t s G G n’ X c 3 z 3
X n> Pi c G n n g 3 Cüj
'■r O- 3 C I z 3’ ■ G G 3- o
Co P O c- p O 3
z X
3 3 p z G *o O
—< G G z
3 c r> G_ X c E z —t 2
vG ■—1 c X x g P □
3 Oi O a o G p P G □ * -2' g
z C x g G 22' G
G G <T- •z g
z ■z 3 p 3 3 X o x G> z y
r; 2 < X g z n G
5 p o z Cl) z G
-T- *G X X 2. G z-
m 3. G C 'J'. 3
o P< p c p‘ Z .2. w.
3. z G
cx a G O G
Õ’ P Gs p' 2T •Z
f-* z P z a z < C
y x 3 N G 3 Pr
g X y G p_ z ^_ 25
z P< >-t P 22 C- 23 ■ < 3
z G P G G G p
— • c Pi n d 3 ,r* G —i tíl X
G a- U— f-r C G G r~ z
T**, _ G.
c O •O d *g’ G G 3 z G
G: P o' z p G p pi 3" X PJ
G 3 o» 3
G> ^5 ryí 25 X P g- 3 P o P4
2 5 x 3 *G 3
X G tX. G 23 O o O
G C C 3 z r- O 7a
P P 2 z c ■t
Z Z v- O z 'Z T3
P o -! C P < G 2 Ci X 2 O
g z G 3 p i~>
G o G z 3 g p C
23 2 ao” -G N G G P N G
G Z G 3 O* G 2 c y
z y CL G z d
7T 5f "E G X <
z O z G O X 2 G C
pí G z G G z Q
□ d ’—t G 3 o' •z
3 d z CL G 3 —t
O z z N —i z c v. P
v\ z> z 3 G P 2 G G X Q
z 2 pi d •z
G 2 O CL z 3 z
P 2 G 2’
■x_ G, ■ X 3 r*. z\ o __ x
25 _ Z
rro C R. ■y> "P
(T O G X c
z z O =5. d —1 G z d Q_ '-f P
n z z

■c rrq 3 2
3’ d P z P r. p ei
3 d
X'- 2. O z z p X 3 Ç)
Pl y z
C "3 o N
10 —t
5 S P G
o, çr G x; X —•
P 3 p p" *
7 G G' i O z
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

São deliberadas quando transparece a inten­ Não se pense que a humanidade, adentrando
ção de formar um determinado tipo de compor­ na cultura, e cada homem, assumindo a sua cons­
tamento, por exemplo, quando o pai ensina o fi­ ciência moral, tenham, dessa forma, resolvido
lho a respeitar as pessoas. São acidentais quando seus problemas. Aí surgem as dificuldades de­
a aprendizagem de determinado comportamento correntes da autêntica humanidade: o homem é
não resulta de intenção explícita. E o caso, por um ser sempre tensionado entre os limites da in­
exemplo, de um pai que costuma conversar com dividualidade e da fraternidade, dois pólos con­
seus filhos, ensinando-lhes o valor da atenção e traditórios e, no entanto, indissoluvelmente liga­
da amizade. No entanto, esse mesmo pai, que dos. E impossível pensar o homem como um ser
teoriza sobre o respeito ao próximo, estaciona o solitário: ele c um ser humano na medida cm que
carro em fila dupla, paga mal aos empregados “con-vive”. Por outro lado, se estiver mergulha­
ou não assume seus compromissos, ensinando do na comunidade de forma indistinta, perde sua
assim, de fato, aos filhos valores negativos, originalidade fundamental e se massifica.
como o individualismo e a exploração. A pró­ Tais reflexões nos levam ao principal proble­
pria sociedade convive hipocritamente com es­ ma de toda educação dentro da família: esta exis­
sas contradições: prega a solidariedade, mas en­ te como suporte, solo, horizonte da aprendiza­
sina, pelo comportamento, que só sobrevive gem das relações afetivas (amorosas, hostis,
quem aceita a competição. quaisquer que sejam!), que preparam o homem
Estamos aprendendo a cada passo, cm casa, para as relações da sua maturidade.
na igreja, no trabalho, no esporte, com os ami­ Freud diz que “c normal e inevitável que a
gos, com o rádio, com a TV etc. Dentre essas criança faça dos pais o objeto da primeira esco­
influências, vamos destacar a ação da família e lha amorosa. Porém, a libido1 não permanece
dos meios de comunicação de massa. fixa nesse primeiro objeto: posteriormente o to­
mará apenas como modelo, passando dclc para
pessoas estranhas, na ocasião da escolha defini­
2. A família e a socialização tiva. Desprender dos pais a criança toma-se. por­
das crianças tanto, uma obrigação inelutável, sob pena de gra­
ves ameaças para a função social do jovem'*2.
Às vezes c bom recorrer aos mitos para me­ Isto significa que tornar o homem adulto, afas-
lhor compreender os desejos mais profundos do tando-o da neurose, consiste em livrá-lo dos “re­
homem. Na Teogonia (ver dropes 1). Hesíodo síduos infantis”.
conta como foi a geração dos primeiros deuses, Por isso, um dos princípios do tratamento psi-
Urano (Céu). Cronos (Tempo) e Zeus, que se su­ canalítico é “matar pai e mãe”, evidentemente no
cederam em meio a acirrada disputa do poder, sentido simbólico de matar “as figuras do pai e
lutando pai contra filho. da mãe infantis" inirojetadas na criança: o ho­
O fenômeno do lolemismo (ver dropes 2), mem tomado adulto não precisa, é bem verdade,
existente entre os povos primitivos, representa o abandonar ou deixar de amar as pessoas que o
assassinato simbólico do pai. É também criaram, mas a sua relação com elas deve tomar
elucidativo o mito grego de Edipo, que matou o se outra, não mais uma relação vertical, de auto­
pai c casou com a própria mãe (ver dropes 3). ridade e submissão, mando c obediência, mas
Os exemplos são indicativos da ambiguidade sim de livre intersubjetividade.
amor/ódioque envolve as gerações. Freud analisou . Os próprios pais relutam, muitas vezes, em
tais fenômenos, mostrando que eles simbolizam a abandonar os papéis assumidos, persistindo
luta empreendida pelo homem para humanizar seus nos cuidados com “seus meninos”, já homens
próprios desejos: o totemismo representa a instau­
ração da cultura. Édipo, a formação da consciência
moral. Se nenhuma civilização é possível enquanto 1. Libido em hilim significa vontade, desejo: na püicanáÜMí.
é um conceito de difícil definição: pode ser considerada toda
o homem permanece abandonado aos seus instin­
energia de natureza sexual.
tos, a cultura c a família surgem, portanto, da apren­ 2. Cinco lições de psicanálise. Sâo Paulo, Abril. 1974. p. ?s.
dizagem do controle do desejo. (Coleção Os Pensadores)

57

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

barbados e mulheres feitas. Ora. a atenção exi­ A infância na Idade Média


gida por um bebê, ao nascer, vai diminuindo
de intensidade à medida que esse adquire au­ Na Idade Média ainda prevalece o conceito
tonomia. Nesse sentido, os verdadeiros pais dc família extensa: “E preciso imaginar o que era
são aqueles que desde logo se permitem “co­ então a casa de um cavaleiro, reunindo num mes­
meçar a morrer”, ou seja, “morrer" como mo domínio, numa mesma ‘corte’, dez, vinte se­
pais... nhores, dois ou três casais com filhos, os irmãos
e as irmãs solteiras e o tio cônego, que aparecia
de tempos em tempos e preparava a carreira de
3. O conceito histórico de família um ou outro sobrinho"'.
Em tal ambiente não existe lugar para o senti­
As relações das crianças na sociedade, mento da infância, Isso não significa que as cri­
intermediadas pela família, são um fenômeno anças não são amadas ou atendidas nas suas ne­
mutável no tempo. A família é uma instituição cessidades, mas que elas não vivem cm um mun­
social e historicamente situada, sujeita a mudan­ do à parte, separado tio mundo adulto.
ças de acordo com as diferentes relações estabe­ Logo que a criança se livra da atenção
lecidas entre os homens. constante da mãe ou da ama, mistura-se com
Hoje cm dia, quando nos referimos à família, os adultos: vcstc-sc da mesma forma (não ha­
automaticamente nos lembramos da/am/Vra nu­ via traje especial para elas), participa dos
clear conjugal, composta por pai. mãe e filhos. mesmos jogos, frequenta as mesmas festas
No entanto., nem sempre foi assim. (geralmente religiosas); não há preocupação
Nas comunidades tribais, as crianças apren­ cm excluí-las das conversas dos adultos, e
dem imitando os adultos nas atividades diárias estes não se abstêm de qualquer referência a
de manutenção da existência. Quer nas tribos assuntos sexuais na presença delas. Há uma
nômades, quer nas que já se tenham seden- certa promiscuidade, sendo comum dormirem
tarizado, ocupando-se com a caça, a pesca, o na mesma cama com os pais ou com criados
pastoreio ou a agricultura, as crianças aprendem que delas cuidam.
“para a vida e por meio da vida”. Nesse período era comum os nobres manda­
Não há alguém especiahnente convocado rem seus filhos aprender boas maneiras e a pres­
para desenvolver essa aprendizagem, que nem tar serviço para outras famílias. Dos sete aos ca­
sequer é tarefa exclusiva dos pais. Na verdade, torze ou dezoito anos, a criança aprendia pela
todos na tribo são agentes do processo. As ativi- prática, mergulhada nos afazeres cotidianos, in­
dades econômicas são desenvolvidas em comum, clusive os domésticos.
não havendo propriedade privada, e a tendência Escapando desde cedo à sua própria família,
predominante c a existência da família extensa, os laços que os prendiam eram de natureza mo­
constituída pelo patriarca, sua esposa, seus filhos ral e social, mais do que propriamente senti­
com suas mulheres e filhos. mentais. Além disso, eram altas as taxas de
Na Grécia e na Roma antigas, a família tam­ mortalidade infantil c muito baixa a média de
bém continua extensa, sendo composta pelo vida dos adultos. Mesmo que fosse triste a per­
chefe, que presidia o culto religioso doméstico, da precoce dos filhos, esse era um acontecimen­
a mulher, os filhos, suas esposas e filhos, além to comum demais para abalar muito profunda­
dos escravos. Ao casar, as filhas abandonavam mente os pais.
sua própria família de origem, c portanto seus A não-diferenciação entre adultos c crianças
deuses, para adotar a família e os deuses do existia também nas escolas. Dificilmente os do­
marido. O mesmo ocorria com os escravos, re­ cumentos medievais fazem referencia à idade
cebidos com cerimônias que os integravam à dos alunos, porque esse dado c dc menor im-
família, da qual não podiam se desligar. Forma­
va-se, assim, uma grande família, pela junção
dc um certo número de grupos consanguíneos e 3. G. Duby. àpiid P Aries. História social da criança e da
agregados. família, p. 212.

58

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

portância. Embora os alunos mais novos tives­ A família burguesa


sem por volta de dez anos, estudavam lado a
lado com jovens, adultos e velhos interessados Do século XV ao século XVIII desenvolve-
cm aprender, se, além do sentimento de infância, um novo sen­
A concepção de criança que resulta desse tipo timento de família. As amplas relações das anti­
de vida em família mereceu a atenção do histori­ gas formas dc sociabilidade vão sc restringindo
ador francês Philippc Ariès. Ao examinar ampla ao núcleo da família conjugal. A alteração de­
iconografia, observou como a criança e a família corre da ascensão da burguesia, cujos novos pa­
aparecem nas pinturas, verificando que até o sé­ drões econômicos c sociais se refletem no com­
culo XII a arte medieval não se preocupava com portamento dos indivíduos. A Revolução Indus­
a infância e, nas raras aparições, as crianças são trial, a partir do século XVTIT, trouxe mudanças
representadas como adultos em miniatura. mais radicais, que geraram nos meios abastados
a/hmflía nuclear semelhante àquela que conhe­
cemos hoje em dia.
A iconografia registra a mudança. Já no sé­
culo XVII são abundantes as pinturas de cenas
de família, com frequência ambientadas no in­
terior das residências. A predominância de re­
mas como o parto, a morte ou então um mo­
mento simples da vida cotidiana mostra uma
tendência nova do sentimento, mais volta­
da para a vida privada c a valorização da
subjetividade.
Houve alterações na arquitetura das
casas, visando o isolamento dos cômo­
dos de maior intimidade. A partir do
século XVIII, os cuidados com o con­
forto, a higiene e o bem-estar comple­
tam o quadro de fechamento do uni­
verso familiar.
Nascimento da Virgem, atribuído a Paolo Uccello. Observe, nesta O movimento centralizador da fa­
obra do século XV, como a menina é representada com propor­
ções que mais parecem as de um adulto em miniatura. mília tende a estreitar os laços afetivos,
ampliando as preocupações com a edu­
cação e a saúde dos filhos. Esses não são mais ape­
Aries constatou também a inexistência, até nas os herdeiros das propriedades paternas, mas
o século XVI, de representações dc interiores indivíduos com carreira e futuro a zelar.
c dc grupos familiares nas pinturas medievais Vejamos como ocorrem as transformações.
e renascentistas. Prevalecem, ao contrário, as Já dissemos que, durante a Idade Média, o tia
cenas de mercados, jogos, ofícios. A valori­ je das crianças e dos adultos é o mesmo, geral­
zação dos lemas de exterior mostra que as mente uma túnica larga que desce até os pés. No
pessoas vivem misturadas umas com as ou­ Renascimento, a partir do século XV, os homens
tras, todos saindo h rua para as frequentes fes­ adotam o traje curto c colante, sendo a túnica
tas públicas. usada pelos mais velhos c por certos profissio­
A partir do século XJV desenvolve-se o tema nais, como magistrados e eclesiásticos, mantido
da infância sagrada e multiplicam-se as represen­ seu uso também para os meninos, sobretudo na
tações dc Jesus menino e da Virgem Maria. So­ França e na Alemanha. Convém lembrar que as
mente por volta dos séculos XV e XVI dá-se a alterações se dão nas famílias burguesas ou no­
laicização da iconografia, que deixa de ser pre- bres, enquanto as crianças do povo continuam
dominanlcTiicntc religiosa, e começam a apare­ usando o mesmo traje dos adultos, vivendo mis­
cer pinturas da criança com sua família. turadas a cies nos jogos e no trabalho.

59

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia
Nas relações pré-capitalistas, os indivíduos
pertencem a corporações ou estabelecem liga­
ções tais como as dc senhor e vassalo, senhor c
servo, cujos vínculos se sustentam pelos valores
da fidelidade. I oda esLrutura social e econômica
se ergue a partir desses laços, que misturam os
campos público e privado. Por exemplo, o poder
exercido pelo barão era herdado pelo seu filho
porque, ao tomar posse das terras, recebia junto
- Se

os servos que nela trabalhavam.


Tal separação foi necessária porque o capita­
utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

lismo necessita de homens livres (pelo menos te­


oricamente), que se relacionem a partir de crité­
rios racionais de contrato. Assim, rompem-se os
antigos vínculos, para que se estabeleçam rela­
ções de troca entre pessoas singulares. Está nas­
cendo aí a concepção individualista do capita­
lismo, que “atomiza” a sociedade, concebendo-a
como um agregado de indivíduos. Cria-se então
o espaço público, distinto do espaço privado’, o
operário troca sua força de trabalho pelo salário
e o vínculo estabelecido é de natureza contratual.
Aliás, esse processo de desvinculação das duas
Com a ascensão da burguesia, as cenas do cotidiano
doméstico tomam-se temas frequentes nas pinturas. (O esferas se encontra também na política liberal,
casal Arnolfini, de Van Eyck, século XV.) que, em oposição ao poder feudal transmitido por
herança, exige que o cidadão possa eleger seus
representantes pelo voto.
Outra mudança se refere à participação das cri­ Em contraposição ao mundo racional da rua c
anças no mundo adulto, muito imensa na Idade do trabalho, surge a nova família nuclear, na qual
Média, sem restrições quanto a gestos. contatos ainda permanecem os antigos vínculos de san­
físicos e exposição de partes do corpo. Timida­ gue. São eles que irão garantir a autoridade do
mente, a partir do século XV, c com rigor no sé­ pai, que, por sua vez, dará condições para a ade­
culo XV11, surgem preocupações com o pudor c o quação dos indivíduos às tarefas estabelecidas
cuidado em °não corromper a inocência infantil”. pelo sistema social.
Recomenda-se vigiá-las constantemente, evitan­
do a promiscuidade entre pequenos e grandes,
controlar a linguagem e ocultar o próprio corpo. 4. Crise da família? _________
Nessa época se acha em curso a Conira-Refor-
ma, c os jesuítas são mestres na transformação do Como vímos até aqui, é evidente que as fun­
tratamento dado à criança. A institucionalização ções da família dependem do lugar que ela ocupa
do colégio, local de isolamento e “proteção"’ con­ na organização social e na economia. Nas socie­
tra os riscos da “corrupção”, colabora para o de­ dades cm que a família é extensa e se fecha no cul­
senvolvimento do novo conceito de infanda (ver to a seus deuses c na produção auto-suficiente para
próximo capítulo). a sobrevivência, suas funções são inúmeras: não só
a reprodução fisiológica. inas também a preserva­
Família e individualidade ção dos costumes e valores, do patrimônio, da reli­
gião. o culto dos antepassados, o cuidado com os
Explicarocorrem tais transformações velhos e deficientes, a produção artesanal dc rou­
na família burguesa é bem mais complicado, pas c utensílios, o plantio, acolheita, bem como a
existindo muitas teorias a respeito. profissionalização dos filhos homens.
es

60
texto Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
Ao se reduzir a extensão da família, sobretu­ rias (veja-se. como exemplo, o advento de Hitler
do com o advento da industrialização, suas obri­ na Alemanha), ou ainda a substituição do pai por
gações vão ficando cada vez mais restritas, ca­ poderes coletivos, como grupos diversos, desde
bendo-lhe quase que cxulusivamente a proteção times esportivos até gangues.
e alguns aspectos ainda importantes da educação. Para aqueles autores, a solução do impasse da
Várias funções são arrebatadas pela escola, pelo família só será possível paralclamente às exigên­
grupo profissional e ate, mais recente mente, pe­ cias de realização dos direitos humanos na socie­
los meios de comunicação de massa. dade de uma maneira mais concreta e decisiva
Há muito sc fala do enfraquecimento da ins­ que a atual. “não haverá emancipação da família
tituição familiar: a desagregação precoce de sua se não houver a do lodo”.
estrutura, a perda da autoridade paterna, a inca­
pacidade cada vez maior de instruir e educar, en­
fim, de transmitir os valores da sociedade. 5. Importância da família
Segundo os íraiikfurtianos Horkhcimer e
Adorno4, ”a crise da família é de origem social e A família é uma instância importante no pro­
não é possível negá-la ou liquidá-la como simples cesso de socialização, bem como no descri volvi-
sintoma de degeneração ou decadência". Pois, mento da subjetividade autônoma, ensinando in­
■“enquanto a família assegurou proteção e confor­ formal mente o que as crianças devem fazer, di­
to aos seus membros, a autoridade familiar encon­ zer ou pensar. Isso não significa que não resta
trou uma justificação'5. Hoje a propriedade here­ aos indivíduos liberdade alguma para reagir a
ditária, que constituía motivo de obediência por essas influências.- A educação dada pela família
parte dos herdeiros, perdeu sua força de conven­ fornece o “solo” a partir do qual o homem pode
cimento cm um número cada vez maior de famí­ agir até para, cm última instância, se rebelar con­
lias, nas quais o conceito de herança não tem o tra os valores recebidos: contra esses valores,
mesmo sentido. Os pais não mais conseguem pro­ mas sempre a partir deles.
ver a família de maneira satisfatória nem exercem Portanto, a família é o local privilegiado para
sua autoridade sobre as filhas, que passam a ga­ o desenvolvimento humano. Do ponto de vista
nhar seu sustento fora de casa. biológico, o homem é o mais frágil dos animais e
Sc, por um lado, há um aspecto positivo, que c não sobrevive sozinho; psicologicamente, são im­
a recusa da tradicional repressão familiar, basea­ portantes as relações afetivas para sua saúde men­
da cm uma autoridade heterônoma, por outro lado tal; social mente, a presença de adultos confiáveis
há um aspecto negativo: a antiga autoridade não e o exercício da autoridade asseguram a solidarie­
foi substituída "por formas menos autoritárias ou dade necessária para o convívio democrático.
verdadeira mente mais livres”. Não houve a subs­ Como instância mediadora entre o indivíduo
tituição por algum tipo positivo de autoridade. e a sociedade, a família de verta promover a su­
Destruídos os antigos laços, que bem ou mal peração do egocentrismo infantil, tornando o
conl ri buíam para a formação do sujeito autônomo adulto disponível para o convívio social. A au­
e para seu equilíbrio psíquico-moral (afetividade, sência de autoridade, porem, acentuada pelo te­
disciplina, solidariedade, memória da tradição), mor dos pais modernos de criar neuróticos e re­
enfraquecem-se as aspirações coletivas e os indi­ primidos, faz com que as crianças fiquem por
víduos mergulham na multidão solitária. conta de sua natureza narcísica c não evoluam
O risco maior, segundo os frankfurtianos, é em direção às normas de convivência.
que, sc o pai não mais personifica a força, justi­ Estamos vivendo o limiar de uma nova reali­
fica-se a procura de urna autoridade mais pode­ dade para a família. Trata-se de algo que está
rosa, um super-homem e pai onipotente como os sendo reconstruído à revelia do que aí exislc.
que foram produzidos pelas ideologias totalitá­ Tarefa difícil, que exige cuidado e empenho, a

4. Tenta* básicos da sociolo^iu. São Paulo, Cultrix/Edusp. 5. Ver Ciipíiuk) ?0. Akhusscr considera a família um “apare
1973. p. 140. lho ideológico”.

61

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

fim de evitar o saudosismo da '■‘antiga família”, complicada. Em se tratando de Brasil, o proble­


em que a autoridade paterna era indiscutível, nào ma atinge níveis catastróficos, com milhões de
cdpabilizar a mulher pela entrada no mercado crianças abandonadas ou carentes (que possuem
de trabalho como fator de desagregação e não família, mas essa não tem condição de atendê-
concluir que a família é dispensável na socieda­ las) vivendo entre os 32 milhões de brasileiros
de prestes a surgir. famintos.
Para tal bá que reconstruir a práxis humana, Diante da omissão dos governos ou de even­
criando modelos de comportamento em que to­ tuais providencias assistencialistas desconti­
dos os componentes do novo grupo familiar as­ nuadas, a situação sc agrava cm decorrência de
sumam posturas e práticas alternativas. Por políticas econômicas que têm ampliado o quadro
exemplo, nas famílias dos segmentos médios de pobreza, cm vez de diminuí-lo. Sem descon­
para cima, se a profissionalização da mulher exi­ siderar a necessidade dc mudanças drásticas na
ge a ausência mais prolongada do lar, as dificul­ macropolíríea. tendo etn vista reverter o quadro
dades da "dupla jornada dc trabalho” podem ser de injusta distribuição de renda, desemprego e má
superadas com a distribuição equilibrada do ser­ remuneração salarial, há que tomar atitudes que
viço domésiico, tradicionalinente considerado apresentem soluções a curto e medio prazo/'
tarefa “feminina”. Em oposição à forma tradicional de atendi­
Outro desafio a ser tnfrentado pela “nova fa­ mento, individualizado e assislencialista, uma
mília” está no resgate dos momentos dc encon­ postura inovadora propõe a organização solida­
tro, que possibilitam a conversa c até as famosas ria, baseada em práticas que constroem /aços
discussões. Isso porque, na sociedade contempo­ comunais voltados para a ação coletiva dire­
rânea, o ritmo frenético dc trabalho provocou cionada para o atendimento das diversas neces­
uma grave intromissão do mundo dos negócios sidades do grupo. Essa ação parte do pressupos­
no âmbito da subjetividade, 0 que tem impedido to de que a população pobre e fragmentada não
o cultivo dos afetos humanos, com evidente per­ tem condições de lutar adequadamente por seus
da de qualidade dc vida, direitos, a não ser que formas de organização so­
Quando se trata dos segmentos mais pobres lidária a encaminhem para a participação e
da sociedade, a situação se torna realmente mais mobilização, tendo em vista objetivos comuns.

Dropes

Por volta dos séculos VIII e VII a.C., Hesíodo recolheu os mitos gregos na obra Teogonia (gera­
ção dos deuses); Urano, temendo perder o poder para os próprios filhos, os mantinha enterrados.
Cronos se revolta, castra o pai e assume o poder, mas engole seus filhos, para evitar a mesma sorte
do pai. É destronado por seu tilha Zeus, que o faz vomitar todos os irmãos engolidos e se torna o
maior dos deuses do Olimpo.

O totemismoé o fenômeno pelo qual um determinado grupo de pessoas pertencentes a uma tribo
considera um animal como ancestral ou protetor do grupo. O totem é, portanto, sagrado e considerado
tabu, isto é, objeto de proibições; dessa forma, è tabu matar ou comer o totem. Apesar disso, de tempos
em tempos realiza-se um ritual, ocasião em que, mediante sacrifício soiene, todos comem o anima! sa­
grado. Choram e lamentam o animal morto e, em seguida, a festa é de extrema alegria.

6. Cíw.>«ltarSflw(>Mafi<?»gKal<Mis7iíW»(wg.>. Fwutitf hrajdteir#, « btf.ve de tetto. SõfrPwh). Cnrlez; RruxfllíK Dfíicef.. 1994.

62

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O animal totêmico, para Freud, é uma substituição do pai, diante do qual os filhos tèm uma
atitude afetiva ambivalente (hostilidade e amor). Ao devorar o pai, apropriam-se de sua força, daí
derivando também o sentimento de culpa e o remorso, resultantes do crime coletivo. Portanto, é a
partir da culpa que se estabelecem as leis da solidariedade e a proibição do parricídio, indispensá­
veis para a existência das instituições sociais.

Complexo de Édipo: Freud buscou essa denominação na lenda grega transcrita pelo dramatur­
go Sófocles na tragédia Édipo-Rei. Segundo o relato, o rei de Tebas, Laio, mandou matar seu filho
recém-nascido porque o oráculo vaticinara que seria morto pelo próprio filho. No entanto, o escravo
incumbido do serviço não o cumpriu, e o menino foi criado longe dali, recebendo o nome de Édipo.
Assim se cumpre o destino: um dia, ao cruzar e se desentender com um desconhecido, Édipo o
mata, sem saber que matava seu pai. Dirigíndo-se em seguida a Tebas, casa-se com a própria mãe,
Jocasta.
A interpretação de Freud nos remete ao desejo inconsciente que todo filho tem de matar o pai,
rival com quem disputa o amor da mãe. Ao mesmo tempo, a criança teme ser castigada pelo pai, tão
poderoso e por quem nutre sentimentos ambíguos: hostilidade e amor. Por isso, renuncia aos seus
desejos incestuosos e hostis, ocorrendo então a formação do superego, instância psíquica pela qual
se constrói a consciência moral. Inicia-se, então, o trajeto verdadeiramente humano, que, controlan­
do o imperialismo dos desejos, torna possível a convivência em comunidade.

Os contos de fadas não se destinavam, de início, exciusivamente às crianças. Desde a Idade


Média, eram contos folclóricos ouvidos sobretudo por adultos das classes mais pobres e apenas no
século XIX foram adaptados pelos irmãos Grimm, com a nítida intenção de transmitir os valores
burgueses às crianças.

Os primeiros livros infantis foram produzidos no final do século XVII e durante o século XVIII
justamente porque, antes dessa época, não existia propriamente “infância”. No Brasil, o interesse
pela infância se intensifica no final do século XIX. Só então começa a aparecer a literatura infantil,
com a adaptação de textos europeus como Robinson Crusoé e as Aventuras do Barão de
Münchausen.

Art. 4- do Estatuto da Criança. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Leituras complementares

1. A importância do ato de ler

A leitura do mundo precede a leitura da pala­ leitura crítica implica a percepção das relações en­
vra, daí que a posterior leitura desta não possa tre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre
prescindir da continuidade da leitura daquele. Lin­ a importância do ato de ler, eu me senti levado — e
guagem e realidade se prendem dinamicamente. até gostosamente — a “reler" momentos funda­
A compreensão do texto a ser alcançada por sua mentais de minha prática, guardados na memória,

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

desde as experiências mais remotas de minha in­ Os “textos”, as "palavras”, as “letras” daquele
fância, de minha adolescência, de minha mocida­ contexto se encarnavam no canto dos pássaros
de, em que a compreensão critica da importância — o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-
do ato de ler se veio em mim constituindo. vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das
Ao ir escrevendo este texto, ia “tomando dis­ copas das árvores sopradas por fortes ventanias
tância" dos diferentes momentos em que o ato que anunciavam tempestades, trovões, relâmpa­
de íer se veio dando na minha experiência exis­ gos; as águas da chuva brincando de geografia:
tencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do peque­ inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”,
no mundo em que me movia; depois, a leitura da as "palavras", as “letras” daquele contexto se
palavra, que nem sempre, ao longo de minha encarnavam também no assobio do vento, nas
escolarização, foi a leitura da “palavramundo". nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movi­
A retomada da infância distante, buscando a mentos; na cor das folhagens, na forma das fo­
compreensão do meu ato de ‘ler31 o mundo parti­ lhas, no cheiro das flores — das rosas, dos jas­
cular em que me movia — e até onde não sou mins —, no corpo das árvores, na casca dos fru­
traído pela memória —, me é absolutamente sig­ tos. Na tonalidade diferente de cores de um mes­
nificativa. Neste esforço a que me vou entregan­ mo fruto em momentos distintos: o verde da man-
do, recrio, e re vivo, no texto que escrevo, a ex­ ga-espada verde, o verde da manga-espada in­
periência vivida no momento em que ainda não chada; o amarelo esverdeado da mesma manga
lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em amadurecendo, as pintas negras da manga mais
que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algu­ além de madura. A relação entre estas cores, o
mas delas como se fossem gente, tal a intimida­ desenvolvimento do fruto, a sua resistência à
de entre nós — à sua sombra brincava e em seus nossa manipulação e o seu gosto Foi nesse tem­
galhos mais dóceis à minha altura eu me experi­ po, possivelmente, que eu, fazendo e vendo fa­
mentava em riscos menores que me preparavam zer, aprendi a significação da ação de amolegar.
para riscos e aventuras maiores. Daquele contexto faziam parte igualmente os
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu animais — os gatos da família, a sua maneira
sótão, seu terraço — o sítio das avenças de mi­ manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o
nha mãe —, o quintal amplo em que se achava, seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho
tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele enga­ cachorro negro de meu pai, o seu mau humor,
tinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na toda vez que um dos gatos incautamente se
verdade, aquele mundo especial se dava a mim aproximava demasiado do lugar em que se acha­
como o mundo de minha atividade perceptiva, por va comendo e que era seu (...)
isso mesmo como o mundo de minhas primeiras Daquele contexto — o do meu mundo imedi­
leituras. Os “textos”, as “palavras”, as letras” da­ ato — fazia parte: por outro lado, o universo da
quele contexto — em cuja percepção me experi­ linguagem dos mais velhos, expressando as
mentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava suas crenças, os seus gostos, os seus receios,
a capacidade de perceber — se encarnavam os seus valores. Tudo isso ligado a contextos
numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja mais amplos que o do meu mundo imediato e de
compreensão eu ia apreendendo no meu trato cuja existência eu não podia sequer suspeitar.
com eles, nas minhas relações com meus irmãos (Paulo Freire, A importância do ato
mais velhos e com meus pais. de ier, p. 11-14.)

2. História cultural do brinquedo

No início da obra de Karl Grober, Brinque­ nha era o centro geográfico da Europa, no ter­
dos infantis de tempos antigos, está a modés­ reno do brinquedo ela é também o espirituai.
tia. O autor recusa-se a tratar de brincadeiras Pois uma boa parte dos mais belos brinquedos
infantis para, limitando-se exclusivamente à his­ que ainda hoje se encontram nos museus e
tória do próprio brinquedo, dedicar-se apenas quartos de crianças poderíamos considerar
ao seu material concreto. Tal como sugere me­ como um presente alemão à Europa. Nurem-
nos o tema do que a extraordinária solidez de berg é a pátria do soldadinho de chumbo e da
seu projeto, o autor concentrou-se no círculo brunida fauna da arca de Noé; a mais velha
cultural europeu. Se, nesse contexto, a Alema­ casa de boneca de que se tem noticia provém

64

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

de Munique. Mas mesmo quem não queira sa­ época, os avanços da Reforma obrigaram mu -
ber de questões de prioridade, que no fundo tos artistas — que até então haviam produzido
efetivamente pouco dizem, terá de confessar para a Igreja — a “orientarem sua produção em
que as bonecas de madeira de Sonneberg, as vista da demanda de objetos artesanais e a subs­
“árvores de aparas de madeira” do Erzgebirge, tituírem as obras grandiosas por objetos de arte
a fortaleza de Oberammergauer, as lojas de es­ menores, feitos para a decoração das casas".
peciarias e chapelarias, a festa da colheita em Deu-se assim a extraordinária difusão daqueie
estanho de Hannover constituem modelos insu­ mundo de coisas minúsculas, as quais faziam a
peráveis da mais sóbria beleza. alegria das crianças nas estantes do brinquedos
Todavia, tais brinquedos não foram em seus e dos adultos nas salas de “arte e maravilhas":
primórdios invenções de fabricantes espe­ deu-se ainda com a fama dessas “quinquilhanas
cializados; eles nasceram sobretudo nas oficinas de Nuremberg” o predomínio dos brinquedos ale­
de entalhadores em madeira, fundidores de es­ mães no mercado mundial, o qual até hoje per­
tanho etc. Antes do século XIX a produção de manece inabalável. (...)
brinquedos não era função de uma única indús­ Uma emancipação do brinquedo começa a se
tria. O estilo e a beleza das peças mais antigas impor; quanto mais a industrialização avança, mais
explicam-se pela circunstância de que o brinque­ decididamente o brinquedo subtrai-se ao controle
do representava antigamente um produto secun­ da família, tornando-se cada vez mais estranho nao
dário das diversas indústrias manufatureiras. as só às crianças, mas também aos pais. (...)
quais, restringidas pelos estatutos corporativos, E, ao imaginar para crianças bonecas de
só podiam fabricar aquilo que competia a seu bétula ou de palha, um berço de vidro ou navios
ramo. Quando, no decorrer do século XVIII, co­ de estanho, os adultos estão na verdade inter­
meçaram a aflorar os primórdios de uma fabrica­ pretando a seu modo a sensibilidade infantil. Ma­
ção especializada, as indústrias chocaram-se por deira, ossos, tecidos, argila representam nesse
toda parte contra as restrições das corporações. microcosmo os materiais mais importantes, to­
Estas impediam o marceneiro de pintar, ele pró­ dos eles já eram utilizados em tempos patriar­
prio, suas bonequinhas; para a preparação de cais, quando o brinquedo significava ainda a
brinquedos de diferentes materiais obrigavam peça do processo de produção que ligava pais e
várias indústrias a dividir entre si os trabalhos filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel
mais simples, o que encarecia sobremaneira a e mesmo o alabastro. As bonecas apenas pos­
mercadoria. suíam o peito de alabastro, celebrado pelos poe­
Por conseguinte, entende-se que a venda ou. tas do século XVII, e quase sempre tiveram de
pelo menos, a distribuição de brinquedos não era pagar esse luxo com sua frágil existência. (...,<
no início função de comerciantes especializados. Mas certamente jamais se chegaria à realida­
Assim como se podia encontrar animais de ma­ de ou ao conceito do brinquedo se se tentasse
deira com o marceneiro, assim também explicá-lo unicamente pelo espírito das crianças
soldadinhos de chumbo com o caldeireiro, figu­ Se a criança não é nenhum Robinson Crusoé
ras de doce com o confeiteiro, bonecas de cera assim também as crianças não constituem ne­
com o fabricante de velas O mesmo não acon­ nhuma comunidade isolada, mas sim uma parte
tecia com o comércio intermediário, que fazia as do povo e da classe de que provém. Da mesma
vezes de grande distribuidor. Esta assim chama­ forma seus brinquedos não dão testemunho de
da "editora” aparece também primei ramente em uma vida autônoma e especial; são, isso sim. um
Nuremberg. Nesta cidade os exportadores co­ mudo diálogo simbólico entre ela e o povo. Um
meçaram a comprar brinquedos que provinham diálogo simbólico, para cuja decifração a presen­
das manufaturas da cidade e, sobretudo, da in­ te obra oferece um seguro fundamento.
dústria doméstica da região para distribuí-los de­ (Walter Benjamin, Reflexões: a criança, o
pois entre as pequenas lojas. Por essa mesma brinquedo, a educação, p. 67-70 5

65

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Atividades

Questões

1. Explique com suas palavras em que consiste a educação informal.


2. Dê algum exemplo de educação acidental diferente daquele apresentado no texto.
3. Nesle capítulo nos referimos à necessidade da "morte” dos “pais infantis”. Já havíamos anteriormente
mencionado a "morte” do professor. Em que sentido essas “mortes” são condição para a vida autêntica
do filho ou do aluno?
4. O que significa dizer que, na Idade Média, não existe propriamente “sentimento da infância”?
5. Que relação existe entre o conceito burguês de família e as alterações da arquitetura da casa? Como
esse processo vem se acentuando na construção das residências?
6. Diante da crise da família, como podemos entender a afirmação “Não haverá emancipação da família
se não houver a do todo”?

Análise de texto

Leia o trecho abaixo, retirado do livro As palavras, no qual o filósofo francês Jean-Paul Sartre relata sua
infância. Em seguida responda às questões 7 e 8.

As densas lembranças, e a doce sem-razão das crianças do campo, em vão procurá-las-ia, eu, em
mim. Nunca esgaravatei a terra nem farejei ninhos, (...) nem joguei pedras nos passarinhos. Mas os livros
foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo; a biblio­
teca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura infinita, a sua variedade e a sua
imprevisibilidade. (...) Foi nos livros que encontrei o universo: assimilado, classificado, rotulado, pensado e
ainda temível; e confundi a desordem de minhas experiências livrescas com o curso aventuroso dos acon­
tecimentos reais. Dai veio esse idealismo de que gastei trinta anos para me desfazer.

7. Em que sentido a infância de Sartre foi diferente da infância das demais crianças?
8. O que o autor quer dizer com “esse idealismo de que gastei trinta anos para me desfazer”? Para ajudar
na sua resposta, idealismo, na teoria do conhecimento, significa privilegiar o sujeito que conhece em
detrimento do objeto conhecido, ou seja, valoriza-se a idéia mais que a coisa conhecida.

Com base no texto complementar do pedagogo brasileiro Paulo Freire, responda às questões de 9 a 11.

9. Identifique no texto as características da educação informal


10. Qual é o sentido amplo que o autor dá à palavra leitura?
11. Em que o texto de Paulo Freire se distingue do trecho de Sartre acima transcrito?

Com base no texto complementar de Walter Benjamin, responda:

12. Por que só a partir do século XVIII surge a preocupação com a fabricação especializada de brinque­
dos, apesar das inúmeras dificuldades criadas pelas corporações?
13. Explique o que o autor quer dizer quando afirma que a criança não é nenhum Robinson Crusoé e que
as crianças não constituem uma comunidade isolada.

Redação

Tema1 . Destaque o papei da família a partir da seguinte frase de Hannah Arendt: “A escola é (...) a
instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja
possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo.

66

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Parte II

Os meios de comunicação de massa


1. A evolução das técnicas de • a segunda fase surge com a escrita, de início
comunicação timidamente, restrita a pequenos grupos. A gran­
de explosão da escrita se dá, no entanto, no sécu­
Comunicar é “tornar comum’; isto é, fazer sa­ lo XVI, com a invenção da imprensa, que torna
ber a lodos ou a muilos. A comunicação deter­ mais intensa a sua difusão. Inicia-se aí a chama­
mina a passagem do individual ao coletivo, con­ da “galáxia de Gutenberg”:
dição de Ioda vida social. Alem de promover a • a terceira fase, ou “galáxia dc Marconi”. sur­
socialização, a comunicação concorre para a for­ ge no século XX, com o advento de meios de
mação da identidade, por meio da qual o homem comunicação como o rádio, o cinema, a TV,
adquire a consciência de si e interioriza compor­
tamentos. na troca de mensagens significativas: Observamos, a partir desse quadro, como as al­
a troca de palavras, de mulheres entre tribos pri­ terações das formas de comunicação ajudam a
mitivas e de bens e serviços. compreender as mutações da consciência humana.
Nesse complexo fenômeno psicosso­ No homem primitivo, cuja comunicação se
ciológico, são considerados os aspectos intelec­ faz pela palavra oral, marcada pela presença c
tuais resultantes dc uma informação, mas tam­ pelo vivido, predomina a consciência mítica. O
bém as significações emocionais que permeiam advento da escrita produz o distanciamento ne­
a mensagem: alem disso, muitas informações ul­ cessário para a rcílcxão c a consciência critica.
trapassam as intenções explícitas daquele que as Aliás, o pensamento filosófico grego surgiu no
emitiu. século VI a.C., contrapoudo-se aos relatos
Com o desenvolvimento dos meios eletrôni­ míticos das epopéias de Homero.
cos de comunicação, muitos estudiosos têm se A invenção da imprensa, ampliando a difusão
ocupado com a análise teórica do fenômeno da do texto escrita, intensifica o processo de
comunicação, sua natureza e consequências dc individualização. Isso se dá porque a leitura é, num
seu impacto. primeiro momento, um ato solitário, de volta paia
O professor canadense de literatura McLuhan dentro de nós mesmos. Ao mesmo tempo, nesse
— embora suas idéias sejam muito criticadas e mesmo movimento, ela nos obriga a um desdobra­
algumas delas, até ultrapassadas — teve o méri­ mento típico da reflexão, quando confrontamos (e
to de suscitar, na década de 60, inúmeros deba­ às vezes opomos) nossas idéias às ideias alheias.
tes e discussões a esse respeito. Com a provo­ Com a indústria cultural, no século XX. o pano­
cante afirmação “a mensagem é o meio”, inver­ rama das comunicações se altera profundainente.
teu o núcleo de atenção dos estudiosos: mais im­ Os meios dc comunicação dc massa influenciam
portante que a análise do conteúdo dc uma men­ de forma marcante o homem contemporâneo. Anu­
sagem é a análise do seu veículo. Assim, um lam as distâncias, tomam presentes os ausentes e
mesmo conteúdo, exposto em um livro ou trans­ transformam a Terra numa “aldeia global”,
mitido pelo rádio, terá efeitos diferentes. globalizando as informações, a economia, o comér­
McLuhan achava importante analisar os ca­ cio, a arte e (por que não?) o crime organizado...
nais de comunicação utilizados ao se estudar O volume de informações veiculado pelos
uma determinada cultura. Distinguiu três etapas meios de comunicação de massa, aliado ao impac­
na evolução da humanidade: to por eles produzido (como veremos adiante), in­
fluencia as pessoas ora positivamente, ampliando
• a primeira fase corresponde à civilização oral, os horizontes e até ajudando a superar os estereó­
dos povos anteriores ao advento da escrita, que se tipos, ora negativamente, homogeneizando c
comunicam pela palavra falada e pelos gestos: descaracterizando as culturas tradicionais.

67

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
zO
(Z
o
>
Cb CL Gs ac g
03 d ►C d d’
R 1 |
o d- G P
n d
G 1 Ç-í
õJ' z d C- G
o ■O
g G G
c d’ ■zC G
o
<z c z
O G G> d'
C- d p
õ? c G ò
X Q
Q_ C z
G_ G
G
m ■Z
Cl a •Z d
c X g.
n g d
qj Z d z
G rí G Q_
C o G G
QJ> /*■> 'Z d
g g G d
O z G X'
z
z z
g C: d
•Z g p
d >—h z G
G ' <
□ G
O
g z
“j
G £ d z
■O CL
g
o d. G
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dropes

É diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos habitantes da cidade precisa alienar-se
de sua humanidade, nos escritórios e nas fábricas, durante o dia de trabalho. À noite, as mesmas
massas enchem os cinemas para assistirem como o ator, em nome delas, se vinga. (Walter Benja-
min)

Depois que a tecnologia inventou telefone, telégrafo, televisão, todos os meios de comunicação a
longa distância, é que se descobriu que o problema da comunicação era o de perto. (Millôr
Fernandes)

As duas mutações tratadas neste capítulo — na família nuclear e nas comunicações — produzi­
rão outra sociedade que nascerá da crise atual. Num exercício de futurologia, Alvin Tofler se refere à
cabana eletrônica. Vejamos o que ele diz:
“Ao observar massas de camponeses ceifando um campo há 300 anos, só um louco teria sonha­
do que viria um dia em que os campos ficariam despovoados, quando todos se apinhariam em
fábricas urbanas para ganhar o pão de cada dia. E só um louco estaria certo. Hoje é preciso um ato
de coragem para sugerir que as nossas maiores fábricas e torres de escritórios poderão, ainda no
período de nossas vidas, ficar meio vazios, reduzidos a uso para armazéns mal-assombrados ou
convertidos em espaços para moradia. Entretanto, isto é precisamente o que o novo modo de produ­
ção tornará possível: uma volta à indústria caseira numa nova base eletrônica mais alta e com uma
nova ênfase no lar como centro da sociedade”.

Leituras complementares

1. A massa não é mais aquela

Até há pouco a massa moderna era industrial, A esta mudança os sociólogos estão chaman­
proletária, com idéias e padrões rígidos. Procu­ do deserção do social. É como tornar deserta uma
rava dar um sentido à História e lutava em bloco região. Pela desmobilização e a despolitização, o
por melhores condições de vida e pelo poder po­ neo-indMdualismo pós-moderno, que tende ao
lítico. Crente no futuro, mobilizava-se para gran­ descompromisso, ao não tenho nada com isso,
des metas através de sindicatos e partidos ou vem esvaziando as instituições sociais. História,
apelos nacionais. Sua participação era profunda política, ideologia, trabalho — instituições antes
(basta lembrar as duas guerras mundiais). postas em xeque apenas pela vanguarda artística
A massa pós-moderna, no entanto, é consu- -—já não orientam o comportamento individual, o
mista, classe média, flexível nas idéias e nos cos­ seu enfraquecimento é contínuo nos países avan­
tumes. Vive no conformismo em nações sem ide­ çados A deserção é uma sacação nova da mas­
ais e acha-se seduzida e atomizada (fragmenta­ sa. Ela não é orientada nem surge consciente­
da) pelos mass media. querendo o espetáculo mente, como também não visa à tomada do po­
com bens e serviços no lugar do poder. Partici­ der, mas pode abalar uma sociedade, ao afrouxar
pa, sem envolvimento profundo, de pequenas os laços sociais. Há dados para se avaliar esse
causas inseridas no cotidiano — associações de esvaziamento, como igualmente há novas atitu­
bairro, defesa do consumidor, minorias raciais e des substituindo as tradicionais.
sexuais, ecologia. (...)

69

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

2. O vazio cintilante

Vimos que, desertos, enfraquecidos, os valo­ pelo bombardeio informacional? As mensagens


res e instituições tradicionais» ainda conservados são lançadas ao acaso, mas não são boladas de
pela modernidade burguesa, vêm perdendo ter­ qualquer jeito. Não apenas representando o real,
reno na moldagem» motivação e controle dos in­ mas sendo hoje o real, as mensagens são criadas
divíduos nas sociedades avançadas. Que meca­ visando à espetacularização da vida, à simulação
nismos, então, exercem esses papéis? O consu­ do real e à sedução do sujeito. Assim os compre­
mo, os mass media e a tecnociência, claro. A res­ ende o sociólogo francês Jean Baudrillard.
posta é boa mas parece de polichinelo. Não diz A espetacularização converte a vida em um
por que nem como. Vamos primeiro ao porquê. show contínuo e as pessoas em espectadores
As sociedades pós-industriais vivem satu­ permanentes. (...)
radas pela informação. Vai-se ao consumo pela O espectador é o que vê, mas também o que
informação publicitária, consome-se informação espera por novas imagens atraentes e fragmen­
no design, na embalagem, devora-se informação tárias para consumir. Ele se acha mergulhado
nos mass media e na parafernália ofertada pela na cultura bíip — cultura do fragmento
tecnociência (micro, vídeo etc.). O sujeito se con­ informacional, cintilações no vídeo. Assim, por
verte assim num terminal de informação. Mas um um lado a espetacularização motiva e controla
terminal isolado de outros terminais, pois as men­ a nebulosa de espectadores mantendo-a conti­
sagens não se destinam a um público reunido, nuamente à espera de novas imagens, bens e
mas a um público disperso (cada um em sua serviços; por outro, pela estetização, glamuriza
casa, seu carro, seu micro). Eis por que a massa e alivia a banalidade cotidiana. Procuramos nas
pós-modema é atomizada (uitrafragmentada). ruas, nos rostos, o farto colorido das revistas e
Enquanto a massa moderna era um bloco movi­ da TV.
do por interesses do classe e por idéias, na pós- Como isto é possível? Pela simulação, pelos
modernidade ela é uma nebulosa de indivíduos simulacros. Em outras épocas, os simulacros (ma­
atomizados, recebendo informação em separa­ pas, maquetes, estátuas, quadros) foram instru­
do. Ora, para motivar e controlar sujeitos mentos ou obras de arte. Na pós-modernidade
atomizados, a autoridade e a polícia são secun­ eles formam a própria ambiência diária. Materiais
dárias. Basta bombardeá-los com mensagens e processos simulantes trazidos pela tecnociência
que excitem seus desejos. reproduzem com mágica perfeição o real.
Agora vamos ao como. De que maneira o con­ (Jair Ferreira dos Santos, O que é pós-
sumo, os mass media e a tecnociência modelam, moderno, São Paulo, Brasiliense. 1986,
motivam e controlam a nebulosa pós-moderna p. 89-90 e 95-97)

Atividades
Questões

1. Que alterações na consciência humana decorrem da passagem da comunicação estritamente oral


para a comunicação escrita?
2. Os jovens do mundo contemporâneo já nasceram sob o impacto dos meios de comunicação de massa.
Que diferenças existem em relação à comunicação oral ou escrita antes referida?
3. Destaque os aspectos positivos e negativos dos mass media.

Análise de texto

Com base no dropes 1, responda às questões 4 e 5.

4. A partir do exemplo do cinema, qual é a crítica que o autor faz aos mass media?
5. Amplie essa crítica para os programas de TV (novelas, filmes etc.).
6. Como você interpreta a frase do humorista Millõr Fernandes, transcrita no dropes 2?

70

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Com base no dropes 3, responda às questões de 7 a 10.

7. Identifique os três setores da economia a que o texto se refere.


8- Ao passar do oampo para a cidade, que alteração se deu na estrutura da família?
9. O que significa cabana eletrônica?
10. No retorno ao lar preconizado por Tofler, quais seriam as conseqüências possíveis nas relações fami­
liares? Faça um esforço de imaginação!

Com base no texto complementar, responda às questões de 11 a 14.

11. Qual é a diferença entre os dois tipos de massa do ponto de vista da política?
12. Dê exemplos tirados de sua experiência cotidiana a respeito de “deserções” que esvaziam instituições
como a família, a religião, as eleições (ou outras que você queira destacar).
13. As informações na sociedade tecnológica atingem todos os indivíduos, que se encontram atomizados.
Quais os riscos do processo?
14. A partir do que o autor chama de Vazio cintilante”, explique por que, nas eleições, a tendência é valer
mais a performance do candidato nos mass media do que propriamente suas idéias.

Redação

Na Fuvest de 1995, o tema da redação criou polêmica em torno de sua provável dificuldade. Tente
atender ao que foi solicitado, utilizando os conceitos aprendidos no capítulo. Lembre-se de discutir a idéia
de massificação, em oposição à afirmação da individualidade.

Marilyn Monroe, de Andy Warhe!,


1962. (Óleo sobre tela, detalhe.)

Em muitas pessoas já é um descaramento dizerem “Eu”. (T. W. Adorno)


Não há sempre sujeito, ou sujeitos. (...) Digamos que o sujeito é raro, tão raro quanto as verdades. (A. Badiou)
Todos são livres para dançar e para se divertir, do mesmo modo que, desde a neutralização histórica
da religião, são livres para entrar em qualquer uma das inúmeras seitas Mas a liberdade de escolha da
ideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de
escolher o que é sempre a mesma coisa. (T, W. Adorno)

Proposta de redação: Relacione os textos e a imagem acima e escreva uma dissertação em prosa,
discutindo as idéias neles contidas e expondo argumentos que sustentem o ponto de vista que você adotou.

71

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
zO
(Z
o
>
CA
p n q
•~r 77"- c.
<T> V- Q*
o •* ‘ r—r
n G
õJ' C-
G
G
£ 3 P

o
cn
O
õ?
Q_

m
Cl
c
n
qj

QJ>
O

3082
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A escola institucionalizada, semelhante àque­ que uma formação adequada permita a ascensão
la que hoje conhecemos, é uma criação burguesa social e política de seus filhos,
do século XVI, época cm que surge o ‘‘sen li men­ A estrutura da escola tradicional foi objeto de
to de infância c de família” (ver Capítulo 6). Um reação de alguns pedagogos, ansiosos por mudar
lento processo separou a criança do adulto, cri­ os rumos do ensino não só quanto às obsoletas
ando um ambiente segregado e “protegido das práticas didáticas, mas também quanto ao con­
ruãs influências do mundo”: caberá, então, à es­ teúdo transmitido.
cola não só instruir, como também educar. A Revolução Industrial, iniciada no século
XV111, altera em alguns aspectos as exigências
Os colégios da escola burguesa: à formação acadêmica pre­
dominantemente humanística se contrapõe a ne­
Pela primeira vez na história da humanidade cessidade de formação técnica especializada,
dá-se a formação, nos colégios fundados pelas or­ além do estudo das ciências.
dens religiosas dos séculos XVI e XVII, de uma No século XÍX, com a burguesia já triunfan­
escola que absorve a disponibilidade de tempo da te. o pedagogo alemão Herbart enfatiza a impor­
criança, restringindo sua convivência aos colegas tância da instrução completa ate como condição
de mesma faixa etária e separando-a do mundo, a de formação moral.
fim de que “não sucumba aos vícios”. Apesar de algumas alterações, continua a
A vigilância constante, mesmo dentro do co­ existir por muito tempo o sistema de internatos
légio, torna-se imprescindível, já que este se fun­ com disciplina rigorosa e vigilância constante,
da na concepção de que a natureza humana c má marcando sobretudo a escola secundária elitista,
e corruptível. Desse modo, a educação se esfor­ que visa a formação humanista e propedêutica
çará por disciplinar a criança e inculcar-lhe re­ (isto c, voltada à preparação para o curso supe­
gras de conduta. Para melhor submetê-la aos ri­ rior). Essa situação foi sempre mais dramática no
gores da hierarquia e da aprendizagem da obedi­ Brasil.
ência. intensifica-se o uso dos castigos corporais. Além disso, acelera-se o processo dc sccuia-
As si ni sc estrutura o modelo da escola tradi­ rização e democratização do ensino, com as rei­
cional burguesa, que não se baseia nos interes­ vindicações de uma escola publica, leiga, gratui­
ses da criança, mas procura o tempo todo con­ ta c obrigatória a que possam ter acesso as cama­
trolar seus impulsos naturais, para lhe ensinar das não-privilegiadas da sociedade.
virtudes morais consideradas adequadas aos Enquanto nos países desenvolvidos a luta pela
novos tempos. universalização do ensino básico já no século
Além da rígida formação moral, o regime de XIX atingia seus objetivos, no Brasil, nem no
trabalho é rigoroso e extenso. São valorizados os século XX conseguimos superar as dificuldade*»
estudos humanísticos, privilegia-se a cultura dc acesso à escola. Aqueles que tentam estão su­
greco-latina c o ensino dessas duas línguas supe­ jeitos à repetência c ao êxodo, sem falar na qua-
ra. inclusive, o da língua vernácula. A ênfase na Iidade do ensino oferecido. Além disso, o
gramática e na retórica visa formar o homem cul­ dualismo decorrente das diferentes formas de
to. capaz de brilhar nas cortes aristocráticas. ensino (acadêmica c profissionalizante) tem per­
A instalação da nova concepção de escola petuado a divisão social
contou com a contribuição dos jesuítas, cujos O desafio a ser enfrentado pelos governos e
internatos se espalham por toda a Europa ao pela sociedade civil - - abrangendo aí as forças
longo de duzentos anos (do século XVI ao organizadas dos excluídos do sistema — está na
XVIII). No Brasil, eles estão presentes desde o universalização de um ensino básico dc qualida­
início da colonização, marcando indelevelmen­ de, que prepare para o trabalho. para a cidadania,
te nossa educação. cuidando da formação da personalidade nos as­
As escolas se destinam à nobreza e à burgue­ pectos afetivos e éticos.
sia ascendente, esta última desejosa de alcançar Analisaremos melhor o conteúdo ensinado e
postos na administração pública, já que aspira a forma de ensinar da escola tradicional no Capí­
tornar-se classe dirigente. Os burgueses esperam tulo 16.

73

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

2. A educação na encruzilhada Para outros, é importante que a escola incor­


pore os modernos meios de comunicação dc
A ação da escola tornou-se cada vez mais ex­ massa, visando a exploração de alta tecnologia
tensa, 14roubando'’ funções antes assumidas pela no ensino. Nesse caso, a esperança maior estaria
família e exercendo considerável influência na na cibernética.
foi mação das crianças e dos jovens. Poderíamos Segundo a tendência progressista, a solução
perguntar: que tipo de influência é esta? É crítica, não se encontra cm modismos e fórmulas mági­
transformadora'? Ou é conservadora? A esse res­ cas, mas no esforço de levar a educação a to­
peito veremos diversas tendências na Unidade V. dos, sobretudo à população marginalizada, dan­
Os teóricos da escola nova analisam com oti­ do condições para o domínio de conteúdos e co­
mismo a influência da escola, vendo-a como nhecimentos valorizados pela sociedade, bem
agente de transformação, um instrumento de como disposição crítica para avaliar a herança
mobilidade, permitindo a ascensão social e a cri­ recebida.
ação de urna sociedade mais humana e democrá­ O campo de reflexão que instiga o pedagogo
tica. Os teóricos crítico-reproduti vistas, porem, contemporâneo é extenso e intrincado. Como su­
argumentam sobre as dificuldades dessa mudan­ perar essa crise permanece ainda um desafio,
ça. porque a escola é apenas uma engrenagem mas, se a escola não é uma ilha, ela reflete, neste
dentro do sistema e tende a reproduzir as dife­ momento, a crise mesma por que passa a nossa
renças sociais, mesmo quando dá a impressão de civilização.
democratizar. Quando nos referimos a crise, queremos
As críticas que vêm sendo feitas à escola tra­ entendê-la no sentido de um momento de confu­
dicional revelam a sua incapacidade de atender são e dificuldade que caracteriza os períodos de
as necessidades de uni mundo em constante mu­ transição, nos quais o "velho'5 ainda não morreu
tação, no qual a ciência e a tecnologia tornam e o “novo” não se apresenta com clareza. Mes­
cada vez mais complexa a função do educador. mo porque o novo resultará do que os homens
Basta lembrar que viver a era pós-industrial sig­ poderão construir a partir dos desafios a serem
nifica enfrentar o desafio de uma nova educação enfrentados.
para um novo homem cm fase de transformação. Já nos referimos a aspectos dessa mutação cm
Como superar o fosso cavado entre a educa­ outras partes do livro, sobretudo no Capítulo 2, e
ção e a vida? Como fazer da escola não mera voltaremos a examinar, no último capítulo, a
reprodutora do sistema, mas um local de fermen­ questão do que se convencionou chamar de “pós-
tação da mudança? Como tornar viável a sociali­ modernidade".
zação da educação, a fim de que ela deixe de ser
privilégio de poucos?
Apesar da perplexidade, as respostas — nem 3. Escola e sociedade
sempre adequadas — tem sido muitas: de um
lado, Ivan Illich propõe a “descscolarizacão" da Por enquanto cabe observar que não se com­
sociedade; no outro extremo. a Unesco sugere a preende a escola fora do contexto social e eco­
educação permanente, considerando a necessi­ nômico cm que está inserida. Sempre que sc exi­
dade de uma constante renovação dos conheci­ ge a mudança da escola, a própria sociedade está
mentos, que exigiria a reciclagem do saber dos cm transição e precisa de outro tipo de educação.
adultos. Nesse sentido, nenhuma reforma educacional
Surgem formas mais singelas de educação al­ é apenas técnica e neutra; por trás das decisões
ternativa. como as escolas abertas, em que os existem posições políticas. Ao privilegiar deter­
professores trabalham junto com alguns adultos minado tipo de conteúdo a ser ensinado ou um
da comunidade e pais de alunos dispostos a par­ método para facilitar esse processo, a escola não
ticipar da ação pedagógica. Há até casos de fa­ transmite apenas conhecimentos intelectuais por
mílias que se oTganizam coletívamcnte para que meio dc uma prática neutra, mas repassa valores
possam, elas próprias, educar seus filhos, pres­ morais, normas de conduta, maneiras dc pensar.
cindindo da escola clássica. E isso que veremos no desenrolar da Unidade V.

74

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Vivemos no momento o centro desse debate vez que já nos referimos à crise (mundial) pela
multiforme. E aí reside nossa tareia: repensar os qual passa a escola nos tempos atuais. Sc c certo
rumos da escola sem otimismo ingênuo, mas que ela reflete também a crise da cultura, pode­
também sem pessimismo derrotista. O que, afi­ mos compreender a dimensão do desafio posto
nal, é possível fazer dentro dos limites da escola aos educadores.
e a partir de suas reais possibilidades? Voltare­ Se essa instituição torna-se indispensável
mos a esse assunto no capítulo final deste livro. como instância mediadora, estabelecendo o vín­
Antes queremos reforçar a importância da culo entre as novas gerações c a cultura acumu­
dupla função da escola: a de transmissora da he­ lada. à medida que a sociedade contemporânea
rança cultural e a de local privilegiado para a crí­ se torna mais complexa a escola adquire, cada
tica do saber apropriado. Tarefa difícil essa, uma vez mais, um papel insubstituível.

Dropes
1

O trabalho define a existência humana. No entanto, com a propriedade da terra por uma deter­
minada classe, essa classe não precisa trabalhar para sobreviver, porque o trabalho do não-proprie­
tário (no caso do modo de produção antigo, o trabalho do escravo) deve prover tanto a sua existên­
cia como a existência do seu senhor. É nesse momento que surge uma classe que pode viver do
ócio, já que não precisa trabalhar para viver. Ela vive do trabalho alheio. É nesse contexto que surge
a escola. Vocês sabem qual é a origem da palavra escola: escola em grego significa “lugar do ócio”.
(Dermeval Saviani)

Eu ousaria, se não parodiar, pelo menos trazer para limites estritamente escolares o “final”
triunfante da Ética [de Espinosa]: “A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não
sentimos alegria porque reprimimos nossas inclinações; ao contrário, é porque sentimos alegria que
podemos reprimir nossas inclinações”. E eu gostaria de dizer: somente se o aluno sentir a alegria
presente na escola é que ele reprimirá sua inclinação à distração, à preguiça, à facilidade. Pode-se
realmente ajudá-lo a progredir exortando-o primeiro a despojar-se daquilo que o tenta?
Afirmo que a escola preenche duas funções: preparar o futuro e assegurar ao aluno as alegrias
presentes durante esses longuíssimos anos de escolaridade que a nossa civilização conquistou para
ele. (Georges Snyders)

r Leitura complementar

A escola é necessária

A escola deve assegurar uma mediação entre uma formação em psicologia da criança, que co­
a criança e os modelos sociais. Mas de que nature­ nhece as crianças de quem tem o encargo e que
za deve ser essa mediação? O adulto tem um pa­ pode, portanto, guiar as crianças em sua desco­
pel indispensável a desempenhar. É ele que pode berta da liberdade social. Mas não se trata, sob a
esclarecer a análise dos modelos sociais, tanto por capa de análise dos modelos sociais, de
sua experiência mais extensa e mais aprofundada reintroduzir pura e simplesmente a relação peda­
das realidades sociais, quanto por sua consciência gógica tradicional entre o mestre e o aluno. Por um
das finalidades sociais da educação e por seus co­ lado, o papel do mestre não é dar lições ex
nhecimentos- É ele igualmente quem recebeu* cathedra sobre os comportamentos sociais e a or­
ganização social, mas ajudar a criança a explorar
e a analisar o mundo social adulto. Por outro lado,
’0u que deveria ler recebido! seria contraditório querer dar à criança uma edu-

75

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

cação social num quadro individualista tradicio­ sem procurar ilusoriamente fundir-se no grupo
nal da relação dual mestre-aluno. Certamente, a de crianças como um membro entre outros. Mas
vida num grupo de chanças não basta para as­ isso quer dizer também que uma de suas tarefas
segurar a formação social de uma criança. Mas, essenciais é trabalhar para a constituição, para
se a condição não é suficiente, é, entretanto, ne­ a vida e para a atividade do grupo de crianças.
cessária. Com efeito, a vida de grupo cria um Não deve renunciar a seu papel de guia cultural
quadro relacional onde a criança se confronta e de professor, mas deve exercê-lo no seio de
com seus pares, e essa estrutura relacional um grupo de chanças e não em face de indivídu­
adapta-se melhor a uma educação social que a os isolados. E deve acrescentar a ele uma fun­
relação dual entre um adulto e uma chança. A ção de animador de grupo. Além disso, deve es­
mediação escolar deve, portanto, ser dupla. forçar-se por articular a vida e a atividade do gru­
Deve ser assegurada ao mesmo tempo pelo po de crianças com a própria realidade social.
adulto e pelo grupo de crianças. Isso significa (Bernard Charlot, A mistificação pedagógica,
que o mestre deve assumir seu papel específico 2. ed., p. 297-298.)

Atividades

Qu estões ____________

1. Quando surge a necessidade da escola7 Por quê?


2. Por que a industrialização e a urbanização exigiram uma mudança da escola7
3. O que significa dizer que a escola não é uma ilha?

Analise de texto

Com base no dropes 1, responda às questões 4 e 5.

4. Explique por que a palavra grega scholé é, na sua origem, a mesma para escola e ócio
5. Em que medida persiste até hoje esse sentido discriminatório da escola?

Baseando-se no dropes 2, responda às questões 6 e 7.

6. Explique com suas palavras o significado da citação de Espinosa: dê um exemplo extraído de sua vida
escolar.
7. Estabeleça algumas nuanças no texto, explicando que privilegiar a alegria na escola não significa
descuidar da disciplina do trabalho.

Baseado no texto de Bernard Charlot, responda às questões de 8 a 10.

8. O que significa dizer que a escola é um instrumento de mediação?


9. Explique em que sentido deve ser dupla a mediação escolar.
10. Relacione o texto de Charlot (leitura complementar) com a citação de Marilena Chaui que aparece
como epígrafe do capítulo.

Redação

Faça uma dissertação a partir do seguinte tema.


Se a escola produz, ao mesmo tempo, instruídos e excluídos, o peso dessa exclusão é provavelmente
muito maior no contexto de uma sociedade que supõe, por parte dos indivíduos e dos grupos, o domínio de
uma série de habilidades e conhecimentos, entre os quais se encontram a leitura, a escrita, a aritmética e
um mínimo de conhecimentos gerais. (Maria Machado Malta Campos)

76

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O termo pixotc c variante de pexole, nos ensina o Aurélio, sendo originário


do chinês "pc xot", expressão antiga usada entre jogadores de Macau, colônia
portuguesa, e que quer dizer "não sei”. Daí derivando o sentido de "aquele que
joga mal" e, portanto, novato, inexperiente, principal mente. No último momento
de Fernando Ramos da Silva1, o fantasma que o atormentava parece ter voltado a
importuná-lo, desta feita fatal mente; pi xote. Lances mal jogados no tabuleiro da
história: pixotes. Brasil da menoridade perene: a tutela da tarda e das oligarquias
ainda c o recurso usual contra perigosas criancices dos 130 milhões que não sa­
bem desenhar as fronteiras c regras do espaço público. Pixotes.
(Francisco Foot Hardman)

1. Dificuldades de conceituação fundem com o proletariado. Ainda assim, nesse


último sentido, podemos falar pejorativamente
Inúmeras são as dificuldades quando se bus­ do “zé-povinho” ou, dc forma mais carinhosa,
ca definir com clareza educação popular. A pa­ do “povão”.
lavra povo é bastante ambígua, imprecisa, relati­ A separação entre povo e elite existe na di­
va, e convém entendê-la dentro do contexto em visão desigual dos bens culturais. Mesmo quan­
que se apresenta. do há uma proposta de universalização do ensi­
Os romanos usavam dois termos distintos: no, o resultado é a escola dualista, que oferece
populus e plebs. O primeiro termo, populus, uma educação mais refinada à elite, cabendo ao
populi, significava, num sentido geral, o conjun­ proletariado apenas a elementar e profis­
to dos cidadãos c designava, num sentido parti­ sionalizante. Falarem educação popular, nesse
cular, os membros dc certas famílias ilustres e caso, é se referir à educação dada ao povo, mas
detentoras dc privilégios, que constituíam o não escolhida por ele.
patriciado romano. O segundo termo, plebs, As vezes as pessoas confundem educação
plebis, significava, em sentido próprio, o conjun­ popular com educação publica. Publico signi­
to dos romanos que não eram nobres. Por conse­ fica do Estado c, nesse sentido, distingue-se de
quência, o termo é associado a populacho, vul­ privado. Portanto, educação pública é aquela
go, classe inferior, que o Estado oferece gratuitamente, o que não
Para os romanos, os patrícios eram original­ é garantia de que seja genuinamente popular,
mente os únicos considerados cidadãos e, como pois nem sempre o povo real mente se benefi­
tal, se distinguiam dos plebeus. cia dela.
Nós também estabelecemos algumas nuan­
ças. Da forma mais genérica possível, povo é o
conjunto de cidadãos dc uma sociedade: “o
1. Fernando Ramos da Silva foi perseguido e morto pela
povo brasileiro foi às urnas” ou “o povo precisa polícia após acusação dc furto. Seria um caso comum
tomar conhecimento da destruição da mata no drama cotidiano da cidade, não fosse a notoriedade
do morto, o Pi xote do filme homônimo de Hector
Atlântica”.
Babcnco, Pixote. a lei da mtiin fraca, O próprio Fer­
Separamos povo e elite quando esta última é nando fora uma criança carente e, depois de interpretar
caracterizada como “não-povo”, isto é, empre­ ainda menino o famoso papel, tentou inutilmente pros­
seguir na carreira dc ator c sair da pobreza c da
sários, profissionais liberais, intelectuais, en­ marginalidade. Quando morreu tinha apenas 19 anos e
fim, todos os segmentos sociais que não se con­ deixou mulher c uma filha.

78

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

No capítulo sobre ideologia (Capítulo 3) vi­ Antiguidade e Idade Média


mos que o Estado não c neutro e, portanto, a edu­
cação não sc distribui de forma tão democrática Na Antiguidade oriental (Egito, Babilônia,
quanto deveria. Aliás, foi essa a lição que nos Índia. China), o poder está nas mãos da classe
ensinou a teoria crítico-reprodutivista: por diver­ dos guerreiros e sacerdotes. Na Grécia clássica,
sos motivos, muitas das crianças cm idade esco­ berço da democracia, não podemos nos enganar:
lar não têm acesso à escola c. dentre as que co­ em Atenas, no apogeu do século V a.C., existem
meçam a estudar, o índice dc evasão e repetência apenas dez por cento de cidadãos livres. Entre
é assustador, sem falar do rebaixamento da qua­ estes, muitos são artesãos simples, pobres e que,
lidade do ensino público, das instalações precá­ conseqücn temente, não tem acesso aos ginásios,
rias e do corpo docente mal remunerado. onde jovens e adultos se exercitam fisicamente e
Para completar o quadro, testemunha-se, cu- sc reúnem para debates intelectuais.
riosamente, uma inversão. Os alunos vindos das Na Antiguidade romana a situação é seme­
camadas mais pobres não conseguem ingressar lhante, mas com uma novidade: no século TV dc
na universidade. Quando o conseguem, o que nossa era, o imperador Juliano oficializa o ensi­
sempre constitui exceção, pois não foram bem no. Trata-se do primeiro momento na história da
preparados pela escola pública, só têm acesso às humanidade em que o Estado assume o encargo
escolas privadas e. portanto, pagas! Nesse caso da educação. Tal fato se explica ante a necessi­
podemos identificar público e popular? dade de formação do quadro de funcionários exi­
Outra questão controvertida é a da destinação gido pela ampliação e burocratização do Estado.
das verbas públicas. Ainda no debate da Assem­ Na Idade Média, com a queda do Império
bléia Constituinte de 1987/88. vieram à tona as Romano e a formação dos reinos bárbaros, as
divergências de opinião que. aliás, não são novas: escolas desaparecem. A igreja Católica surge
os grupos progressistas comprometidos com a de­ como poder aglutinador, unindo sob a fé os inú­
mocratização do ensino exigiam que o dinheiro meros reinos bárbaros em que se fragmentara o
público fosse usado c.xclusivamente pela escola antigo Império. Nesse período, apenas os mon­
pública. Já os proprietários das escolas particula­ ges se ocupam com o saber, enquanto os nobres
res fizeram pressão no sentido dc também terem permanecem analfabetos uma vez que a nobre­
acesso aos recursos públicos. E venceram, za dominante é guerreira c mais interessada na
formação dos cavaleiros. Somente na Baixa
Tdade Media começam a aparecer algumas es­
2. Histórico da educação popular colas nos palácios.

Em todo estudo de história c abundante a re­ Os tempos modernos


ferência aos poderosos, mas pouco se fala da
grande maioria que a eles sc submete. Quando No Renascimento é retomada a tradição do
existem essas referências, elas geralmcntc são ensino elitizado, que se caracteriza pela forma­
feitas pela ótica dos dominantes. Por isso, tam­ ção do cortesão (o homem da corte). A ele é des­
bém a tônica da história da educação c a da his­ tinado um ensino enciclopédico, desinteressado
tória da educação da edite, São necessários estu­ e literário, que recupera os valores laicos da cul­
dos e pesquisas que ampliem os dados dessa his­ tura greco-latina.
tória silenciada. No século XVL surge uma proposta dc im­
Nas sociedades ditas primitivas, a questão da plantação da instrução universal. A idéia parte
educação popular não se coloca por não haver de Lutero e Melanclithon, iniciadores da Refor­
ainda divisão de classes. O saber, portanto, se ma protestante que consideram a educação para
acha difuso, não existindo um saber da elite que todos uma atribuição do Estado. Conscientes da
sc contraponha a um saber popular. No entanto, importância da alfabetização corno instrumento
à medida que surge a hierarquia social, o saber dc divulgação da Reforma, os protestantes muito
se torna esotérico, acessível apenas aos membros influenciaram na organização da escola elemen­
da classe que detém o poder. tar, na esperança de possibilitar a lodos os ho-

79

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


venta o fotocopia
inens a leitura e a interpretação da Bíblia, já en­ eleito (apenas no século seguinte a França pas­
tão traduzida para o vernáculo. sará a oferecer educação gratuita). Também
Persiste, contudo, a distinção tradicional: para Diderot. um dos enciclopedistas, defende a de­
os trabalhadores se destina uni tipo de educação mocratização do ensino.
primária e elementar e, para as camadas privile­ A situação real, porém, é bem diferente. Mui­
- Se prohíbe su

giadas, o ensino médio e superior. to mais intensas são as vozes que ora simples­
Começam também a atuar nessa época os je­ mente excluem as massas do direito à educação,
suítas, que durante dois séculos ocupam-se com ora defendem o dualismo da escola.
a formação do honnête homme, o homem culto, De resto, convém lembrar as referencias de­
típico da sociedade cortesã. sairosas do filósofo francês Voltai re à “canalha
No século XVII, o desenvolvimento da eco­ indigna de ser esclarecida” e do jurisconsulto
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

nomia capitalista de produção gera a necessida­ italiano Filangicri, que preconiza uma educação
de de mão-de-obra um pouco mais qualificada. pública para todas as classes, “mas não uma
Advem daí os esforços para a institucionalização educação em que todas as classes tenham a
da escola, além do aperfeiçoamento de uma le­ mesma parle”.
gislação referente à obrigatoriedade, aos progra­
mas. níveis c métodos. A educação contemporânea
Em Lyon, importante cidade fabril e mercan­
til da França, destaca-se o trabalho do abade No século XIX, é intenso o debate em torno
Charles Démia, defensor da educação popular e da escola pública, cuja regulamentação se fará
fundador de diversas escolas gratuitas para cri­ por meio de leis que tornam a educação elemen­
anças pobres. Segundo o historiador da educa­ tar obrigatória e gratuita, já que o Estado passa a
ção Compayré, essas escolas visavam dar instru­ assumir esse encargo.
ção religiosa, ensinar disciplina e iniciar as cri­ A burguesia se encontra, no entanto, numa
anças nos trabalhos manuais, fornecendo mão- encruzilhada. A industrialização exige cada vez
de-obra para o comércio, a indústria e pessoas melhor qualificação de mão-de-obra. Instruir o
ricas que procuravam empregados domésticos. povo para elevar o nível das técnicas pode, po­
Ainda no século XVII, o maior precursor teó­ rém, significar o risco da subversão da ordem,
rico da educação popular é o morávio João A mós decorrente da educação das massas antes igno­
Comênio, autor de Didática magna, obra que tem rantes. A solução do impasse já vinha sendo im­
como subtítulo ‘Tratado da arte universal de ensi­ plantada. Para os filhos da elite é reservada a
nar tudo a todos” e na qual expressa claramente o educação humanística de tipo "clássico”, desin­
ideal de uma educação democrática, a que todos teressada, aparatosa c brilhante. Trata-se da edu­
deveriam ter acesso, fossem homens ou mulheres, cação para aqueles que podem desfrutar o “ócio
ricos ou pobres, inteligentes ou ineptos. digno”. Para as massas reserva-se a educação
No Século das Luzes (século XVIII), torna- primária, elementar, restrita à instrução, com os
se premente alterar o sistema de ensino. Não faz rudimentos do ler, escrever e contar, indispensá­
mais sentido atrelar a educação à religião, como veis para o manejo das máquinas.
acontece nas escolas confessionais, nem aos in­ A formação de pessoal diferenciado tanto
teresses de urna classe, como quer a aristocracia. para o comércio como para a indústria exige es­
Aliás, o Iluminismo exaltava justamente o poder calas técnicas. Na Europa, a Alemanha cria es­
da razão humana de traçar seus próprios cami­ colas profissionais elementares, médias e supe­
nhos, longe da tirania dos reis e das superstições riores. Esse pioneirismo é seguido mais tarde
religiosas. Nesse sentido, a escola deveria ser lei­ pela França e pela Inglaterra.
ga (não-religiosa), livre (independente de privi­ Nos Estados Unidos, a instalação da escola
légios de classe) e universal (acessível a todos). pública começa bem cedo. Já na primeira meta­
Após a Revolução Francesa, o marquês de de do século XIX vários estados possuem depar­
Condorcet e, posteriormente, Lepelletier apre­ tamentos para supervisionar c organizar a edu­
sentam ao governo revolucionário planos dc ins­ cação. Muito importante foi a atuação de Horaee
trução pública que. contudo, não são levados a Mann. nomeado em 1837 superintendente de

80
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

educação do estado de Massachusetts. Ele esta­ zado, bem como a ênfase na qualidade do ensi­
va mesmo convencido de que “a educação, mais no, defendidas pelos esco lano vistas, terminaram
do que qualquer outro instrumento de origem por favorecer as escolas da elite, que tinham con­
humana, é a grande igualadora das condições dições dc montá-las e de preparar adequadamen-
entre os homens — o eixo de equilíbrio da ma­ te seus professores.
quinaria social.,/' As escolas destinadas ao povo, atentas à críti­
A nação americana conseguira, antes de to­ ca severa feita pela escola nova aos métodos tra­
dos os países citados, tornar o ensino leigo e gra­ dicionais, mas sem conseguir implantar os no­
tuito (o primário por volta de 1830 e o secundá­ vos, não ousavam dar continuidade às velhas
rio cm tomo de 1850). Ern 1820 se iniciara o en­ práticas com segurança. Como conseqüência,
sino profissional para a indústria, a agricultura e deu-se o afrouxamento inadequado da disciplina
o comércio. Outra novidade foi a criação de uni­ c o rebaixamento do nível do conteúdo a ser
versidades estatais. transmitido. Afinal, a escola democrática não cru
No século XX, cm função das necessidades de fato tão democrática assim...
econômicas advindas da intensa industrialização, A partir da década de 70 muitas criticas fo­
é inevitável uma maior extensão da escola­ ram feitas à escola, mas voltaremos a esse as­
rização. Ao mesmo tempo que se dá a expansão sunto no final do capítulo.
da indústria c do comércio, ampliam-se os qua­
dros burocráticos necessários à administração e
à organização dos negócios. 3- A educação popular no Brasil
Do final do século XIX até a década de 40,
aumentam as oportunidades de estudo, com con- No Brasil Colônia prevalece a educação
seqiienlc mobilidade e ascensão social, sobretu­ humanista e elitista dos padres da Companhia de
do para a classe média. Como resultado temos Jesus. Os jesuítas se empenham no trabalho de
os chamados “colarinhos brancos’/ gerentes, catequese dos índios e fundam inúmeras “esco­
vendedores, empregados de escritório, profis­ las de ler c escrever”, mas dão maior ênfase à
sionais liberais assalariados etc. escola secundária, destinada aos filhos dos colo­
Com o tempo, as ofert as de emprego tornam- nos c ao encaminhamento dos futuros padres. O
se inferiores ao número de formados. Esse fato descaso pela educação popular se explica pela
determina uma política de contenção da deman­ vigência de uma economia dependente e exclu­
da educacional, a fim de evitar gastos “inúteis ” sivamente agrária, que não exige mão-de-obra
com a educação ou os desajustes dos diplomados qualificada.
desempregados. Além disso, os filhos de traba­ Quando os jesuítas são expulsos, em 1759, o
lhadores que porventura conseguissem encami­ Marquês de Pombal inicia a organização do en­
nhar-se para a burocracia das empresas tinham o sino público, leigo e universal, de acordo com as
salário pressionado para baixo, cm função da preocupações típicas do Iluminismo do século
pequena oferta. XVIII. No entanto, pouco ou nada se consegue
A situação não é percebida com clareza na efetivamente, devido ao desmantelamento da or­
primeira metade do século, persistindo a idéia li­ ganização jesuítica, criúcávcl mas eficiente, sem
beral da educação como esperança de democra­ a imediata substituição por outra.
tização. com igual oportunidade para todos. Mui­ Com a vinda da família real para o Brasil, a
to contribuiu para essa concepção o ideário da ênfase recai na criação de escolas de nível supe­
escola nova, sobretudo da educação progressiva rior, relegando-se os demais níveis. Permanece a
de Dewey e Kilpairick. Esses educadores, cujas visão aristocrática do ensino, ficando a única al­
idéias repercutiram amplamente no Brasil a par­ teração por conta de uma pequena diversificação
tir da década de 30, estavam convencidos de que quanto à clientela que busca a escolarização, de­
a adoção de métodos educativos apropriados fa­ corrente do aparecimento da pequena burguesia,
cilitaria o papel redentor da educação. residente nas cidades c ocupada com o pequeno
No entanto, a história provou o contrário. As comércio e a burocracia. Esse novo segmento
complexas práticas de atendimento individuali­ aspira adquirir status e deseja a educação dada à

81

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

elite, desprezando qualquer formação que lem­ do Recife, liderado pelo educador Paulo Freire,
bre a classe menos favorecida. cujo inovador método de alfabetização teve re­
Após a Proclamação da Independência, como percussão mundial. O governo brasileiro preten­
persiste o regime de escravidão e o modelo eco­ dia aplicar o método, que "alfabetiza em 40 ho­
nômico continua sendo o agrário-exportador de­ ras'’, no Plano Nacional de Alfabetização (PN A).
pendente-, permanece inalterado o quadro edu­ O golpe militar de 1964 não só extinguiu o PNA
cacional. Existe apenas um incipiente ensino pro­ como paralisou as demais atividades, acusando-
fissional ministrado nas escolas agrícolas c esco­ as de subversão da ordem. No período seguinte,
las de artífices, nas quais se despejavam crianças houve a destruição sistemática das organizações,
órfãs ou abandonadas. abortaudo-se as tentativas dc expansão da edu­
No Brasil do início do século XX, diferentemen- cação popular.
te de outras nações, é ainda altíssimo o índice de Após o golpe, durante a ditadura militar, a
analfabetismo em uma população predominante­ educação segue a linha tccnicista de influência
mente rural, o que mostra o descaso pela educação norte-americana, resultado dos acordos MEC-
elementar. A situação só começa a se alterar quando, USAID realizados entre técnicos brasileiros e
após a Primeira Guerra Mundial, se acelera o pro­ norte-americanos.
cesso de industrialização e urbanização do país, Aliás, a situação do ensino vinha se compli­
acentuado ainda mais depois de 1930. A economia, cando desde a promulgação da Lei dc Diretrizes e
prcdominantemenle agrário-exportadora, esboça o Bases de 1961. Segundo Luiz Antônio Cunha, ela
modelo parcíalmcnle urbano-industrial, aumentan­ ‘‘propiciou a formação de sistemas estaduais dc
do. com isso, a demanda de escolarização. educação com um grau de competência muito
A escola entra em crise por não poder atender amplo. Foi por aí que os empresários do ensino e
à procura. Reformas educacionais animadas pelo os grupos confessionais assumiram o controle do
ideário liberal escolanovista marcam a década de sistema educacional Encastelados nos conselhos
20 em vários estados brasileiros. Em 1932 c pu­ de educação, em nível municipal, estadual e fede­
blicado o Manifesto dos pioneiros da educação ral, eles conseguiram produzira deficiência da es­
nova. que defende a escola leiga, nacional c gra­ cola pública pelo progressivo rebaixamento dos
tuita, a organização da educação popular c a abo­ salários dos professores, pelo experimentalismo
lição dos privilégios. curricular irresponsável (ideológico e/ou novi-
Na década dc 50, os educadores progressistas dadeiro, destituído de bases científicas) e pela de­
da escola nova reforçam sua oposição aos católicos terioração dos padrões dc gestão das redes públi­
conservadores, que defendem a escola particular dc cas dc ensino” ’.
orientação religiosa como a única capaz de educar As reformas educacionais de 1968 (para a
integral mente. Por trás desse debate, porém, está a universidade) e dc 1971 (para o ensino medio)
luta dos católicos pela dcstinaçâo das verbas públi­ foram desastrosas para a educação popular, A lei
cas também para as escolas particulares. n. 5.692/71 acenava para a profissionalização
No início da década de 60, surgem, na socie­ universal e compulsória do 2° grau e não foi .se­
dade civil, movimentos de educação popular dc guida à risca pelas escolas dc elite, capazes dc
ampla repercussão. Interessados na conscientiza­ boicotar a implantação da lei. O mesmo não
ção política dos segmentos desfavorecidos, alguns aconteceu com a escola pública, abandonada à
grupos enfatizam a alfabetização, enquanto outros mercê de uma política que interessava à ditadura
se ocupam com a educação de base, tendo sempre militar por estar voltada, sobretudo, para a
cm vista a difusão e a preservação da cultura po­ despolitização das massas.
pular (ver o dropes 2 do Capítulo 4). Aiíida segundo Luiz Antônio Cunha, "a con­
Dentre os grupos espalhados pelo Brasil, des- sequência mais grave dessa política foi a diluição
taca-se o Movimento de Cultura Popular (MCP) dos cursos normais, até então oferecidos por es­
colas e corpo docente especiais, como mais urna

2. Consultar Maria Luísa Santos Ribeiro, História da educa­


ção braxitrine a organização escolar. 3. Educação, Estado e democracia ao Brasil, p. 474.

82

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia
das habilitações do ensino ‘profissionalizante', A aprovação da Constituição Federal de 1988
sujeita, como as demais, às flutuações das prefe­ trouxe algumas novidades, mas foram ainda
rências dos estudantes e das vagas disponíveis’; mantidas regalias para o ensino privado que os
além de acarretar a diluição da língua portuguesa grupos progressistas haviam tentado expurgar.
na matéria “com uni cação e expressão” e a Alem disso, algumas sutilezas do texto atenuam o
aglutinação de história c geografia nos chamados papel educador do Estado, destacando ao seu lado
“estudos sociais”, ficando a física, a química e a a ação da família e da sociedade. No entanto, hoil
biologia na área de “ciências”. ve um significativo avanço na garantia de que “o
O ensino elementar oficial recebe na época a acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
- Se

menor atenção possível, ficando sob a responsa­ público subjetivo” (ver dropes 4). Isso significa
bilidade dos municípios, nem sempre cm condi­ que prefeitos c governadores têm obrigação cons­
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debldamente referenciado

ções de arcar com tais despesas. A situação é no titucional de oferecer esse tipo de ensino, deven
mínimo contraditória, uma vez que, por lei, o do sofrer sanções jurídicas em caso de omissão.
tempo de obrigatoriedade de escolarização fora
dobrado de quatro para oito anos.
A fim de suprir as deficiências do ensino, o 4. Desafios
governo cria organismos de educação paralela,
como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfa- Como vimos, já no século XIX os países de­
betização) c o Projeto Minerva. que, através do senvolvidos conseguiram implementar o ensino
rádio e da televisão, com a ajuda de monitores, básico universal e gratuito. No século XX alguns
se propõe a oferecer o curso supletivo do 1-grau. países latino-americanos, como Argentina. Chi­
Na década de 70, houve uma privatização do le, Uruguai e Costa Rica, cumpriram em grande
ensino sem precedentes. Isto não só afastou da parte o projeto de universalização da educação
escola aqueles impossibilitados de pagar, como elementar e por volta de 1980, apresentam entre
também transformou as escolas particulares em 6 c 7% da população não-alfabetizada (de 15
empresas rentáveis, nem sempre preocupadas anos ou mais). Cuba, com a meta de priorizar a
com a qualidade do ensino. educação, conseguiu reduzir drasticamente (para
Nos anos 80 a luta dos brasileiros se voltou para 2,2%) o índice dc analfabetismo, No outro opos­
o retomo “lento c gradual” à democracia, a anistia to, encontra-se o Haiti, com 71,3%.
dos presos políticos, o movimento das “diretas-já” O Brasil, apesar da chamada “década perdi­
e. finalmcntc. os debates da Constituinte. da”, conseguiu algum progresso nas condições
Moacir Gadotti afirma: “A década de 80 foi de acesso e frequência à escola. Segundo dados
para a América Latina, no que diz respeito à do IBGE\ a taxa dc analfabetismo das pessoas
educação c ao desenvolvimento, uma ttôwc/a de 7 anos ou mais diminuiu de aproximadamen­
perdida. Só ganhamos com a volta à democra­ te 1/4 para 1/5 no período. Além disso, ampliou
cia. Todavia, uma democracia frágil, com enor­ para 8 anos ou ruais o tempo de escolarização
me dívida externa, uma crise fiscal profunda, das pessoas*6 (dc 10 anos ou mais): cm 1981, esse
massivo desemprego e crise social”* Por pres­ índice era de 18,3% e, em 1990, há 25% freqden­
são dos organismos internacionais de financia­ tando a escola.
mento, houve redução de gastos públicos, di­ Isso, no entanto, não impediu que, em face do
minuição do custo da mão-de-obra, e o contras­ aumento da população, ocorresse o crescimento
te entre ricos e pobres sofreu grave acentuação, absoluto do analfabetismo, que atingiu a elevada
fazendo o Brasil atingir uma das mais altas ta cifra dc 20.2 milhões de analfabetos com 10 anos
xas de concentração de renda do mundo (ver ou mais de idade. Sem dúvida, trata-se de um de-
dropes 1 do Capítulo 24).

5. Jane Souto de Oliveira (ora.), O traço da desigualdade


4. Moucir Gadoni e Carlos Alberto Torres, Estado a eduni- social no KrasiL Rio dc Janeiro, IBGE, 1993. p. 4U.
çâo popuhn- na América La fina. Campinas. Papirus, 1992, 6. Incluem-se aí as pessoas coin anos de estudo não determi­
p. 113. nados e sem declaração.

83
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

salio de enormes proporções, ainda mais se consi­ produz as diferenças sociais, perpetua o s tatus
derarmos que a Constituição Federal dc 1988 pre­ quu. sendo, portanto, uma instituição altamente
vê para até 1997 (!) a erradicação do analfabetis­ discriminadora e repressiva. Denunciando o cará­
mo c a universalização do ensino fundamental. ter ideológico da escola e dos textos didáticos, as
E importante lembrar que, dentre os alfabeti­ teorias crítico-reprodutivistas desvendam a
zados, muitos são 1 analfabetos funcionais”, por­ violência simbólica da instituição e mostram
que mal sabem assinar o próprio nome e não têm como a escola permanece dualista c díscrí-
autonomia de leitura e escrita (ver leitura comple­ minadora. O posicionamento desses teóricos leva,
mentai’ 2). O quadro se toma mais grave em fun­ inevitavelmente, a uma sensação de mal-estar e
ção dos altos índices de êxodo e repetência entre impotência, a uma espécie de “beco sem saída”.
aqueles que, tendo aprendido a ler, abandonam Não têm se mostrado adequadas, também, as
cedo a escola, sem completar o ciclo básico, ge- tentativas baseadas nas práticas paternalistas, que
rahnente para entrar no mercado de trabalho. de certa forma infantilizam o educando e o
inferiorizam. Nessa linha assis-
teneialista estão as propostas de
educação compensatória. Muitas
vezes bem-intencionadas, elas
acabam privilegiando, por exem­
plo. os programas de saúde e ali­
mentação instalados nas escolas,
com a finalidade dc "compensar”
as deficiências da população po­
bre, na verdade obrigação dc ou­
tros setores do Estado.
O equívoco da educação com­
pensatória está não propriamen­
te na assistência, que afinal tem
beneficiado as crianças, mas na
Trabalho infantil em pedreira no Ceará Obrigadas a ajudar os pais desde cedo, situação perversa cm que se en­
as crianças não freqüentam a escola e sao submetidas a trabalhos penosos. contra a família, vivendo de sa­
lários aviltados e cada vez mais
incapacitada de prover, ela mes­
Reavaliando os esforços empreendidos e as ma. as necessidades dc sua prole com um míni­
ilusões vividas pelos educadores, já podemos mo de dignidade.
delimitar alguns campos de teoria e ação que re­ No nível da ação dos governos, vale pensar
sultaram do enfrentamento do desafio que é a na ilusão criada pelas construções monumentais,
educação na América Latina. obras de impacto que exigem vultosos gastos,
Comecemos pelo que rido é educação popular. mas que não vêm acompanhadas por qualidade
Sabemos que. se a escola liberal conseguiu dc ensino e remuneração justa dos professores.
educar grandes segmentos da população nos paí­ Outro problema está naquilo que Luiz Antônio
ses desenvolvidos, aí também não loi resolvida a Cunha chama dc "administração ziguezaguc': "as
dicotomia típica da escola dualista, que separa a mais diferentes razoes fazem com que cada secre­
educação da dite daquela oferecida ao trabalha­ tário de educação tenha o seu plano dc carreira, a
dor. Nesse sentido, os educadores escola- sua proposta curricular, o seu tipo dc arquitetura
novistas, que viam na educação a promessa de escolar, as suas prioridades". Não é difícil imagi­
redenção e igualdade, não tiveram os esforços e nar quais as consequências desse processo.
as esperanças recompensados. Diante dc tantos fraca ssos e mal-entendi dos,
Por isso descola nova foi Juramente criticada (/ que deve ser a educação popular?
na década de 70 pelos crítico-rcprodutivistas. Se­ Antes dc tudo, deve ser uma educação univer­
gundo eles, a escola, em vez de democratizar, re­ sal, leiga, gratuita c. portanto, de competência do

84

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Estado. A educação popular seria oferecida dc ma­ Nessa linha dc raciocínio, é importante que o
neira não-elitista e nela o próprio povo se tomaria o trabalho esteja no centro das atenções, a fim de
sujeito do processo. Superada a escola dualista, dc superarmos as concepções do saber abstrato e
caráter ideológico, caberá à educação a socializa­ desligado da prática, típico da educação elitista.
ção do saber, a popularização da cultura. Restabelecida a unidade entre teoria c prática,
Diante do quadro dc pobreza da sociedade entre trabalho intelectual e trabalho manual, tor­
brasileira, não há como minimizar o importante na-se possível superar a dicotomia cultura erudi­
papel que o Estado deve exercer no processo da ta x cultura popular.
educação. Nada será feito, porém, em real bene­ Instalada a escola elementar rcalmente aces­
fício do povo se este não desenvolver mecanis­ sível a todos, o ensino secundário c o superior
mos de auto-suficiência que lhe permitam supe­ poderão estar abertos àqueles que realmente de­
rar os referidos vícios da escola herdada da socie­ sejam estender sua formação, não mais constitu­
dade burguesa. indo privilégio de alguns.
Nesse sentido, o professor Derme vai Saviani Como proceder à mudança diante do avilta­
estabelece algumas nuanças, ponderando que, mento do salário do professor, da inexistência dc
em vez de centrar a defesa da escola pública na um plano de carreira e de investimentos na atua­
oposição entre o ensi no público e o privado, cabe lização profissional? Um professor competente,
centrá-la na oposição entre ensino de elite c edu~ politizado e entusiasmado com seu trabalho não
caçao popular. Destaca que a educação burgue­ se faz apenas com “vocação’" e “sacerdócio ’. Es­
sa é qiiantitativamente elitista por ser restrita a sas são justificativas ideológicas que servem para
poucos e qualitativamente elitista por ser manter o status quo.
marcada por conteúdos desvinculados dos inte­ É importante, nesse sentido, que os recursos
resses populares. públicos sejam destinados exclusivamente ao
A fim de superar o elitismo, a escola precisa ensino público, a fim dc atender com eficiência a
ser de boa qualidade, preocupada com a trans­ estrutura escolar, não se desviando para o ensino
missão dc conteúdos. Nenhuma consciência crí­ particular que deve ser autônomo.
tica seria pode ser desenvolvida se os alunos Surge aí a necessidade de ação atenta da serie­
não tem acesso à herança cultural. Daí a neces­ dade civil no controle da educação. Vigiar o ensino
sidade dc se dar ênfase às disciplinas língua que é ministrado, a aplicação das verbas públicas,
portuguesa, matemática, ciências, história e exigir hoa formação e reciclagem dos professores e
geografia. Quando nos referimos a essa aquisi­ estar atento a outros aspectos relativos ao born fun­
ção. pensamos em um saber inserido na reali­ cionamento da escola são tarefas que supõem a
dade vivida. Isso supõe a recuperação da me­ mobilização dos sindicatos, das associações de
mória coletiva, incluindo aí a história dos ven­ bairro, dos partidos políticos, enJirn. das organiza­
cidos, dos humilhados e excluídos, cujo percur­ ções não-governamentais capazes de pressionar c
so geral mente é ocultado na sociedade marcada exercer o poder que todo cidadão deveria assumir.
pela ideologia. E que só terá na medida em que o exercitar!

Dropes

A década de vinte herdou, do decênio anterior, a bandeira de luta contra o analfabetismo. Os


dados levantados pelo recenseamento de 1920, as discussões e os estudos resultantes da confe­
rência sobre o ensino primário de 1921 e o constrangimento que dominou o ambiente espiritual em
1922, quando, ao mesmo tempo que se procurava comemorar o primeiro centenário da independên­
cia pesava sobre a Nação uma quota de 80% de analfabetos — conforme os cálculos da época —,
transformaram o analfabetismo na grande vergonha do século, no máximo ultraje de um povo que
vive a querer ingressar na rota da “moderna civilização”. (Jorge Nagle)

85

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Deporto mento de Emprego e Rencí: mento. In O traço da sociai no Brasi!, Jane Souto de
Oliveira (org.) Rio de Janeiro, IBGE, 1993, p. 25.

Embora a participação de crianças e jovens no mercado de trabalho tenha decrescido de 14,2%


para 11,6% entre 1981 e 1990, os números absolutos permanecem ainda em patamares elevados:
2.873.523 crianças de 10 a 14 anos e 4.425.822 adolescentes de 15 a 17 anos. Isso significa que,
em 1990, o total de crianças e jovens que estavam trabalhando no Brasil era equivalente à popula­
ção da Suíça. (Adaptado de Jane Souto de Oliveira, O traço da desigualdade social no Brasil.)

Constituição da República Federativa do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988):

Título VIII — Da ordem social (...)


Capítulo III. Da educação, da cultura e do desporto
Seção I: Da educação
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incen­
tivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(...)
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I — ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso
na idade própria;
(...)
VII, (.. .)§ 1-0 acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§2-0 não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, im­
porta responsabilidade da autoridade competente.
(...)
Art. 213 Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei que:
I —comprovem finalidade não-iucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
(...)

86

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
5

É politicamente pobre o cidadão que esqueceu sua história, que não compreende o que aconte­
ce, nem por que acontece, que só espera a solução da “mão forte” ou do “bom pai”, que não se organi­
za para reagir, nem se associa para exigir, nem se congrega para influenciar... (Maria Teresa Sirvent)

Leituras complementares

1. [Os testes vocacionais]

O movimento da educação profissional come­ O movimento da “administração científica” tam­


çou como resposta às necessidades específicas bém passou a atuar nas escolas, exigindo a manu­
de treinamento para o trabalho apresentadas tenção de certas disciplinas e a eliminação de ou­
pelo setor empresarial, em rápida expansão. Di­ tras com base no “desempenho”. A fusão entre a
ante da oposição do movimento sindical e de administração científica e a eficiência e o controle
muitos educadores profissionais, tornou-se gra­ sociais deu origem a currículos com objetivos soci­
dualmente, nos anos que antecederam a Primei­ alizados e a diferenciação dos currículos visava a
ra Grande Guerra, um veículo para transformar grupos diferentes — grupos estratificados primor­
uma instituição educacional antes de elite — a dialmente por classe social, raça e sexo. Os alunos
escola secundária — em uma instituição que pu­ eram classificados por meio do desenvolvimento
desse atender às necessidades de reproduzir a das “junior high school”*, de orientação vocacional
estrutura de classes. Foi especialmente impor­ e dos testes vocacionais. A orientação e os testes
tante a utilização que se fez da idéia de vocação de viés classista — ainda que se propondo a ser
para justificar um sistema de ramos de ensino justos — encaminhavam os estudantes a cursos
que separaria e estratificaria os jovens de ma­ diferentes da mesma escola secundária, com
neira a refletir suas origens raciais, étnicas e de base em suas aptidões profissionais aparentes.
classe. Como inúmeras crianças da classe tra­ Porém, essa aptidão correlacionava-se com a ex­
balhadora e de famílias de imigrantes começa­ periência social do aluno, dependente da classe
vam a frequentar as escolas secundárias, os social de que provinha. Alguns reformadores pro­
reformadores educacionais propunham um sis­ gressivos procuravam manter unidos os alunos
tema de estratificação dentro da educação se­ dentro da escola, garantindo que a diferenciação
cundária. A antiga ideologia da escola comum — se limitasse a atividades extracurriculares. Porém,
a idéia de que o mesmo currículo deveria ser ofe­ nâo havia assembléias, atividades associativas ou
recido a todas as crianças — passou a ser cada esportivas de caráter geral — naquela época, to­
vez mais combatida. Em 1908, Charles Eliot, al­ das elas institucionalizadas — que conseguissem
terando sua posição anterior de que as escolas superar as divisões raciais, étnicas e de classe,
deveriam limitar-se a desenvolver a disciplina simbolizadas e reforçadas pela divisão curricular
mental, declarou que as escolas deveriam ser uti­ segundo ramos de ensino
lizadas “para classificar os alunos e classificá-los (Martin Carnoy e Henry Levin, Escola e
segundo seus destinos evidentes ou prováveis”. trabalho no Estado capitalista, p. 115-117.)

2. O Mobral: a pedagogia do colonizador a serviço da dominação cultural

Apesar das campanhas de “democratização" marginalizadas do processo educativo. E aqui


do ensino, sustentadas pela propaganda oficial, está precisamente a origem e a causa do analfa­
entramos em 1979, ano internacionalmente con­ betismo: uma escolarização insuficiente. Em ou­
sagrado à criança, com um terço das nossas tras palavras, um sistema educacional mal

★Junior high school refere-se a dois ou três anos intermediários entre o elomcntory (“primário”) e a high school
(•'secundário”), aproximadamente correspondente aos últimos anos do nosso atual '1- grau", ou ao antigo 'gi­
násio'1, ou !,T- ciclo secundário". (N.T.)

87

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

estruturado, carente de recursos e, sobretudo, a qual ele é considerado como um marginal. Foi
conduzido por uma política discriminatória em no momento em que esse sistema econômico
relação ao ensino fundamental. Este foi abando­ necessitava de mão-de-obra semi-analfabeta,
nado pelo poder público que, pressionado pela submissa e obediente aos seus ditames que o
classe média, deu prioridade ao ensino de ter­ analfabeto constituiu-se em problema. Nossos
ceiro e quarto graus. O sistema escolar é o gran­ governos nunca trataram o problema do analfa­
de responsável pelo crescimento do analfabetis­ betismo como um problema humano, político-so­
mo e pelo baixo grau de escolarização da nossa cial, mas como um problema puramente econô­
população. Em números absolutos temos mais mico. O insucesso ou o sucesso do Mobral só
analfabetos do que em 1932, quando os “pionei­ pode ser medido pela qualidade de vida dos al­
ros da educação nova” iniciaram suas lutas em fabetizados e não pela sua ' integração” ao siste­
prol da “democratização” do ensino. O fato é que ma económico. Ora, o analfabeto de 1930 tinha
tínhamos em 1940, segundo o Censo daquele melhores condições de sobrevivência, melhor
ano, 13.279.889 analfabetos e em 1970 esse qualidade de vida do que os 5 milhões de analfa­
número elevou-se para 17.936.887. Embora cri­ betos que receberam do Mobral, até 1975, seus
ado em 1967 o Mobral só começou a atuar deci­ diplomas. Hoje, esses diplomados contribuem
didamente no campo da “alfabetização funcional” para o desenvolvimento econômico brasileiro
em 1970. Em termos quantitativos parece que sem dele se beneficiar.
ele obteve êxito, reduzindo, em 5 anos (1970- O interesse maior do Mobral não é "erradicar o
1975), de 33% para 11,8% o número de analfa­ analfabetismo” como declaram os seus fervorosos
betos. Sabe-se agora, pelas declarações do defensores. Ele visa (na prática) o “treinamento”
novo Ministro da Educação, que é meta do próxi­ para o exercício de uma função no mercado de
mo governo reduzir esse número para 8%. trabalho, notadamente o industrial. Se esse obje­
Quem observasse apenas esses números e tivo fosse atingido e o trabalho fosse bem remu­
esse propósito poderia concluir que a batalha do nerado já seria um passo decisivo para a alfabeti­
analfabetismo está sendo ganha. É preciso ver, zação. Mas isso também não ocorre. A “erradi­
porém, se os números não mentem e se os me­ cação do analfabetismo" só poderá vír realmente
canismos criados para conter o analfabetismo não no momento em que sua causa principal for ata­
são puramente artificiais. Saber assinar o próprio cada, garantindo a escolarização fundamental
nome na Carteira Profissional e ler meia dúzia de para todos. O funcionamento de uma escola
letreiros não pode constituir-se em glória de ne­ discriminatória garante uma clientela permanente
nhum sistema de alfabetização. Como medir, en­ ao Mobral e, ao setor industrial, um exército de
tão, o sucesso ou o insucesso do Mobral? reserva de mão-de-obra de baixo custo, sempre
Os números e as estatísticas podem empol­ pronto para substituir trabalhadores que incomo­
gar aos tecnocratas, mas não podem enganar ao dam (doentes, gestantes, grevistas etc.).
próprio analfabeto cooptado pela estratégia de (Moacir Gadotti, Educação e poder,
uma política econômica discriminatória perante p. 101-102.)

Atividades

Questões

1. Explique que tipo de oposição existe em cada um dos seguintes pares de conceitos: povo e elite;
público e privado; público e popular.
2. Partindo do relato histórico da educação universal, o que é comum à maioria das formas de educação
popular? Dê alguns exemplos.
3. Por que a escola dualista se contrapõe à autêntica educação popular?
4. Qual é o impasse vivido pelo capitalismo industrial diante da necessidade de escolarização das mas­
sas?
5. Quando começa efetivamente a preocupação com a escolarização no Brasil e por quê?

88

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

6. Qual era o tema do debate entre os educadores da escola nova e os católicos conservadores? Por que
ele é ainda hoje atual?
7. Porque a educação popuíar foi prejudicada pela reforma educacional de tendência tecnicista, ocorrida
durante a ditadura?
8. Qual é a importância do Estado na instalação da educação popular? Quais são os riscos?

Pesquisa

9. Consulte outros livros e faça uma dissertação a respeito do método de alfabetização de Paulo Freire.

Análise de texto

Com base na epígrafe do capítulo, responda ás questões de 10 a 12.

10. Explique em que sentido o termo pixote pode se referir às classes popuiares.
11.0 que o autor quer dizer quando se refere à “tutela da farda e das oligarquias”9
12. Ern que sentido a divisão entre trabalho intelectual e braçal leva à desclassificação do cidadão, tornan­
do o “pixote1?
13. Leia os dropes 1,2 c 3 e redija um texto analisando os dados fornecidos.

Tendo como base o dropes 4, responda:

14. Analise, a partir da leitura dos artigos da Constituição, sua importância ou desvantagens. Avalie ainda
a distância entre a lei e a realidade.

Baseando-se no dropes 5, responda às questões 15 e 16.

15. Que características descritas no texto impedem a vivência da verdadeira cidadania?


16. A autora sugere que as massas despolitizadas anseiam por governos autocráticos. Justifique isso.

Baseado no texto complementar de Carnoy e Levin, responda às questões de 17 a 20.

17. Qual é a importância dos testes vocacionais na situação descrita pelos autores?
18. Por que os autores se referem aos testes como tendo um “viés classista", mesmo quando se propõem
justos?
19. As expressões “administração científica” e “desempenho” nos remetem ao taylorismo. Reveja o signi­
ficado desses conceitos nos Capítulos 2 e 18.
20. O texto se refere aos “reformadores progressivos”. Quem são eles?

Com base no texto complementar 2, de Moacir Gadotti, responda às questões de 21 a 24.

21. Segundo o autor, por que não conseguimos erradicar o analfabetismo?


22. Qual a diferença entre tratar a questão do analfabetismo como um problema político-social c tratá-la
sob a ótica da política económica?
23. Tendo em vista a questão anterior, qual seria, segundo o autor, o objetivo da proposta do Mobral? O
que decorre dessa política?
24. A partir da pesquisa feita sobre Paulo Freire (questão 9), responda: em que a orientação de Paulo
Freire difere da que é criticada no texto?

Redação

Tema: “A Terra é um só país, e os seres humanos, seus cidadãos1’ (Vestibular lta/90). A partir desta
frase,, faça uma dissertação centrada na temática da educação.

89

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Ninguém nasce mulher: torna-sc mulher.


(Simone de Beauvoir)

Na Lucânia, quando nasce um menino se derrama uma bilha d'água pela estra­
da, corno simbolizando que a criança recém-nascida está destinada a percorrer as
estradas do mundo; quando nasce uma menina a água é derramada na lareira., como
significando que sua vida se irá desenrolar dentro das paredes domesticas.
(Elena Gianini Bclotti)

1. A história silenciada mens c a partir da visão masculina, porque os di­


reitos, deveres, aspirações c sentimentos das
Precisamos estai* atentos ao mito da história mulheres se acham, há milênios, subordinados
oficial, que, na maioria das vezes, tem nos obri­ aos interesses do patriarcado.
gado a interpretar os fatos históricos a partir da Apenas na comunidade primitiva, no entanto,
ótica dos dominadores, indevidamente acostu­ a mulher ainda desempenha um papel social re­
mados a falar em nome dos dominados, ou seja, levante, participando das atividades coletivas da
a história oficial tende a valorizar os feitos dos tribo. Mesmo que já houvesse divisão sexual de
"'grandes homens", enquanto as lutas dos opri­ tarefas, essas eram complementares, não de su­
midos geralmente são minimizadas, es­ bordinação.
camoteadas e ate desprezadas. Quando surge a propriedade privada, a mu­
Foi o que observamos, no capítulo anterior, a lher é confinada ao mundo doméstico e subordi­
propósito da educação popular: na maioria dos nada ao chefe da família. Passa a existir um rígi­
levantamentos históricos e das interpretações é do controle da sexualidade feminina, porque a
privilegiada a educação da elite. O mesmo se dá monogamia está díretamente relacionada com a
com relação à história do negro escravo. No ano questão da herança das propriedades da família
de 1988, durante as festividades do centenário da pelos filhos legítimos.
Abolição, perguntava-se por que comemorar o De participante da produção social, a mu­
13 de maio, dia em que a princesa Isabel outor­ lher é reduzida à função de reprodutora, fican­
gou a liberdade aos escravos, c não o 20 de no­ do também encarregada da educação dos me­
vembro, data da morte de Zumbi, que representa ninos até os sete anos de idade, enquanto as
a lula pela liberdade levada a efeito pelos negros meninas permanecem confinadas ao lar até o
dos Palmares. casamento.
Para além da história oficial, existem atores
da história reduzidos ao silêncio: o colonizado, o
proletário, o negro, a mulher (e tantos outros!). 2. O mito da feminilidade
Se a história da educação é narrada peia ótica
das classes dominantes, percebemos agora que Considerando o caráter ideológico de certos
ela é também amirncêninca, isto é, centrada na conceitos (ver Capítulos 3 c 6), não convem tra­
figura masculina. Não basta referir-se, a cada tar abstratamente de natureza humana. família
momento c cm cada lugar, às formas que assume em si, criança em si sem levarem conta o tempo,
a educação da mulher, que, aliás, testemunham a o lugar, a estrutura social e econômica em que
pobreza de horizontes em que ela se acha apri­ estão inseridos esses homens, essas famílias, es­
sionada. Essa história é sempre contada por ho­ sas crianças. O mesmo vale para o conceito de

90

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

mulher e de feminilidade. Não há a mulher em A crítica ao mito da feminilidade não tem por
si, com características universais que permitam objetivo a anulação das diferenças que certamen-
definir o que é “natural” ou “normal” no com­ te existem entre homem e mulher. Como já dis­
portamento feminino. semos, os modelos existem, mas devem ser fle­
A antropologia nos ensina a respeito de uma xíveis, ou seja, convém estarmos atentos ao fato
"construção” social da mulher, que varia de acor­ de que, enquanto se caracterizam como constru­
do com a expectativa de cada sociedade a respei­ ções sociais, visam o funcionamento dinâmico
to dos papéis que a mulher deve desempenhar. da sociedade. Em contraposição, lodo estereóti­
Nada conira esses modelos, que são importantes po é rígido, preconceituoso e gcralmenle se en­
para o funcionamento da sociedade, para a edu­ contra a serviço da dominação.
cação das crianças a partir da imitação c que de­ Daí que toda educação precisa estar voltada
finem a expectativa em torno do comportamento para garantir a diversidade pessoal, o que
desejável em cada comunidade. independe de tratar-se de homem ou mulher.
Esses modelos, no entanto, devem ter uma Por exemplo, não faz sentido reduzir a atividade
dinâmica que suponha sua adaptação às novas de uma menina considerada “moleca” demais
exigências, o que nem sempre acontece. Com nem, tampouco, exigir de um menino tímido e
relação às mulheres, durante milênios impôs- afetuoso um comportamento mais agressivo e
se um modelo que, embora comportando algu­ atirado.
mas variações, conservava intacta a subordi­
nação ao homem, mantendo assimétrica sua
relação com ele. 3. Tornar-se mulher
A mais comum das distorções está no apri­
sionamento da mulher em estereótipos, “encai­ Na epígrafe do capítulo, transcrevemos
xando-a” em padrões considerados “naturais”. uma afirmação clássica da filósofa francesa
Segundo essa tendência, a mulher seria intuiti­ Simonc de Bcauvoir. que nos anos 40 se desta­
va, sensível, delicada, amorosa, altruísta, todas cou como pioneira na desmistificação da/ewí-
essas características culminando no “instinto nilidade. De fato, “ninguém nasce mulher: tor­
materno”. na-se mulher”.
Ao valorizara intuição feminina, na verdade A psicologia constata que, aos três ou quatro
a contrapomos ao homem racional, capaz du ela­ anos de idade, a criança já introjetou os modelos
borações intelectuais mais refinadas. Ao defini- sociais de comportamento adequados ao seu sexo,
la como sensível c amorosa, a consideramos pas­ aprendendo, por meio de gratificações e sanções,
siva e presa fácil das emoções, enquanto o ho­ quais são as exigências e expectativas dos papéis
mem é agressivo e empreendedor. Ao atribuir a a serem desempenhados na cultura a que perten­
ela altruísmo, exigimos o abandono de si. mas, ce. Sc os filhos não correspondem a esses mode­
ao tornar-se um “ser-para-outro”, tem facilitada los, tornam-se inevitáveis a apreensão de pais c
sua submissão. Ao exaltar o instinto materno, professores c a conseqücnte procura dos meios
aproximamos a mulher da natureza e a confina­ para adequá-los aos padrões vigentes.
mos ao mundo doméstico, à esfera privada. Já o Antes mesmo do nascimento, a criança já se
homem se volta para a rua, para o público, como acha submetida às expectativas dos adultos. No
artífice da civilização. mundo competitivo contemporâneo, se o filho
Dessa forma se delineiam as características for homem, os pais imaginam o seu futuro como
de inferiorização da mulher que justificam sua um profissional bem-sucedido. Nas sociedades
dependência e passividade. Embora esse esbo­ tradicionais, se for mulher, há que ser bonita e
ço pareça simplista demais, e apesar das mu­ afetuosa. Nesse caso, mães que só tiveram filhos
danças de comportamento alcançadas nas últi­ homens muitas vezes lamentam não poder des­
mas décadas, graças aos movimentos de contes­ frutar a companhia de filhas mulheres; teria sido
tação, persistem ainda profundas diferenças mais fácil educá-las, ajudariam nos serviços ca­
com relação às expectativas dos papéis atribuí­ seiros. seriam mais companheiras... Além disso,
dos a cada sexo. são mais graciosas e é mais gostoso vesti-las.

91

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

pelo gosto pessoal. Com o tempo, c


partindo do que determinam os adul­
tos, ela passa a escolher os brinque­
dos e jogos considerados “próprios”
para o seu sexo, o que revela a força
da padronização.
Sabemos que os meninos gosta­
riam, eventual mente, de brincar com
bonecas. A fábrica de brinquedos
Estrela tem alcançado grande suces­
so na venda de bonecos muito bem
aceitos pelos garotos (e pelos pais,
evidentemente) por parecerem “ru­
des caçadores das selvas”, com cica­
triz e tudo! Da mesma forma, meni­
nas hiperativas se disporiam a subir
nos telhados c a participar de jogos
mais violentos, recebendo caneladas
no futebol, desde que não fossem
discriminadas por isso.
Muitos dos desajustes das crian­
Nesta pintura de 1930, Belbuenâ retrata conn maestria a tristeza e re­
signação da mulher, presa a um destino que não escolheu. Em con­ ças (choro excessivo, caprichos, re­
traste, a manga da camisa no suporte de passar parece até abandonar beldia) talvez pudessem ser evitados
sua condição de objeto inerte, adquirindo vida própria. (Roberto
se compreendêssemos as dificuIdades
Balbuena, Píanchadora, Museu Nacional Reina Sofia.)
que algumas delas têm para se ade­
quar aos moldes prefixados. Quantos
O casamento surge como uni horizonte per­ desvios de caráter têm resultado da tentativa de
manente para a mulher, fixando-a ao destino de atingir os próprios objetivos sem ferir as regras de
mãe e esposa, ficando a carreira em plano secun­ comportamento! Dessa forma, enquanto os meni­
dário. Aliás, lêm sido polêmicas as discussões nos são estimulados a arrebatar o que desejam, as
(ate na elaboração da Constituição de 88) a res­ mulheres aprendem as artes menores da sedução
peito da conce.ssão da licença-paternidade, que e do capricho, por meio das quais e de forma indi­
permite ao pai se ausentar do trabalho para dar reta, utilizando subterfúgios, tentam induzir o ou­
atenção ao bebê e à mãe recém-saídos do hospi­ tro a conceder o que desejam.
tal. Afinal, isso sempre foi assunto para as avós, Dessa forma, ensinamos às mulheres a hipo­
vizinhas e tias solteiras! crisia, a ausência de transparência entre seus atos
A partir do nascimento o bebê começa a ser e intenções. Se a mulher desiste dc enfrentar os
submetido ao processo dc padronização. Basta obstáculos para realizar seus desejos, age dc for­
ver como por muito tempo foi arraigado o costu­ ma masoquista, aceitando a dor. o sofrimento, a
me de se escolher o rosa e o azul como cores que perda. Então, o papel de vítima lhe cai como uma
indicam o sexo. A decoração do quarto da meni­ luva e o sentimento de culpa a acompanha sem­
na era mais frívola e adocicada. Também na hora pre que esboça um gesto em direção à autono­
da mamada há uma expectativa com relação ao mia e à realização pessoal.
bebê: um menino c considerado ‘‘naturalmente” Com relação à sexualidade, mesmo se consi­
mais voraz. Sc o mesmo acontece com a menina, derarmos as mudanças decorrentes da “revolu­
a mãe se preocupa com essa sofreguidão, sinal ção sexual” dos anos 60. há ainda um longo ca­
incômodo dc uma procura excessiva de prazer. minho a ser percorrido na superação da dupla
E interessante observar que, ainda muito pe­ moral, que consiste na existência de uma moral
quena, a criança se ocupa indiferentemente com mais rígida para a mulher e outra, mais permissi­
diversos tipos de brinquedo, guiando-se apenas va, para o homem.

92

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

TLido o que é levado a efeito na educação fa- e com caligrafia irregular, demonstram a existên­
miliar encontra reforço cm inúmeros outros as­ cia de uma intensa vida extraclasse. intercalada à
pectos da vida de cada um. A reprodução dos es­ sua atividade escolar.
tereótipos se dá nos meios de comunicação de Ora. a maioria dos professores de I- grau é
massa (novelas, comerciais, filmes, revistas de do sexo feminino, e não deixa de ser sugestiva
grande circulação, quadrinhos etc.), o mesmo a denominação de maternal para os cursos de
acontecendo com relação à religião, à escola, à atendimento à primeira infância. Não vamos
profissão, às leis, à literatura, quando difundem aqui alongar a discussão (fértil, sem dúvida!) a
velhas fórmulas preconceituosas. respeito de tal discrepância, mas podemos
apontar o falso pressuposto de que só a mulher
teria vocação para o atendimento de crianças
4» A escolarização da mulher_____ dessa faixa etária. Experiências com professo­
res do sexo masculino têm desmentido isso,
A escola c os estereótipos mostrando a importância da figura masculina e
como é fecunda a interação dos dois sexos na
Os textos didáticos, bem como a literatura ado­ educação da criança.
tada com frequência nas escolas, reproduzem a Por outro lado, convem estarmos atentos ao
imagem bipolar das tarefas divididas segundo o fato de que, quanto maior for a participação da
sexo. É comum encontrar-se a mãe confinada ao mão-de-obra feminina em uma determinada fun­
lar. enquanto o pai representa o provedor da famí­ ção, mais baixos serão os salários pagos. Ou c
lia. Se por acaso a mulher trabalha, descrevem-se justamente pela questão salarial que os homens
as clássicas atividades tidas como femininas. Nas não têm se candidatado?
histórias de aventura, o protagonista é sempre do Quanto ao conteúdo ensinado nas escolas, c
sexo masculino, c a mulher, mesmo quando cora­ curioso notar que as mulheres procuram os cur­
josa, desempenha papel secundário. sos humanísticos, ao passo que os rapazes se in­
Outras vezes, quando não levanta discussões teressam pelas ciências c pelas artes mecânicas.
a respeito da situação da mulher, do negro ou do A predominância de “escolhas naturais” provo­
pobre, a escola discrimina por omissão, Com ca pasmo quando as meninas demonstram inte­
essa atitude, faz supor que vivemos em uma so­ resse pelas disciplinas não habituais, provocan­
ciedade harmoniosa e una, na qual todos, a partir do uma inversão com relação às expectativas. Pa­
do esforço de cada uni, têm seu lugar ao sol. rece que a cultura geral c supostamente “desinte­
Os próprios professores reforçam os papeis ressada” se adequaria melhor àquelas que serão
estabelecidos quando esperam que as meninas mães e esposas.
sejam mais comportadas e ordeiras e aceitam
com complacência a agitação dos meninos, como Histórico da educação da mulher
se ela fosse “natural”. Diz a educadora italiana
Elena Gianini Belotti: "As meninas, nos primei­ Até agora nos referimos ao tempo presente e
ros anos da escola elementar, são aparentemente a um determinado segmento social que tem aces­
vitoriosas. Não há professora que resista à atra­ so à escola. Sc fizermos um rápido retrospecto
ção de um caderninho bem-arrumado, que cor­ histórico, veremos que a educação formal da
responde ao seu conceito pessoal, 'feminino', de mulher sempre foi preterida.
ordem. Os cadernos das meninas arrebatam os Com pequenas variações, todos os povos con­
elogios, parecem delicados produtos de uma fina finam as mulheres a certos espaços da casa. En­
sensibilidade, mas são fruto de uma criatividade quanto os meninos saem bem cedo da tutela da
extinta para sempre e que deixou cm seu lugar mãe, as meninas continuam dependendo dela para
um melancólico conformismo”1. Ao contrário, os a aprendizagem das atividades ditas femininas.
cadernos dos meninos, sujos, cheios de "orelhas” As mulheres, de modo geral, não tratam dos
negócios nem da política. Contudo, a pretensa
falta de vocação para esses assuntos tem sido
Educar petra a sttbiidswt). p. 158. muitas vezes desmentida em momentos em que

93

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
se exige delas participação mais efetiva. Assim No século XIX, são importantes as opiniões
foi na Idade Média, por ocasião das Cruzadas, favoráveis à mulher emitidas por Marx e Engcls.
quando, em decorrência da prolongada ausência No liberalismo de aspiração democrática, Stuarl
dos homens, elas assumiram e desempenharam Mill foi uma voz clara e forte a favor das mulhe­
bem funções de mando que antes lhes tinham res. contestando pela primeira vez o conceito de
sido negadas. O mesmo ocorreu recentemente, natureza feminina. Influenciado por sua mulher.
por ocasião das grandes guerras do século XX. Harrict Taylor, feminista e socialista, participou
Alguns filósofos e pedagogos depreciaram a da fundação da primeira sociedade defensora do
educação feminina. É o caso de Rousseau, tão direito de voto para as mulheres.
avançado nos ideais de uma educação renovada Naquele mesmo século, paralelamcnle aos
mas que, à semelhança dos homens de seu tem­ projetos de universalização da escola pública, in-
po, restringia a mulher ao universo doméstico. tensificam-sc os movimentos feministas, que lu­
Outros, mais condescendentes, como Vives, tam pela autonomia da mulher e pelo direito a
Comênio, Madamc de Maintenon c Fcnclon. pre­ iguais oportunidades de estudo, profissionalização
ocuparam-se com a educação feminina de uma e participação política. De fato, as mulheres não
maneira especial. Fcnclon, por exemplo, atribuía eram cidadãs plenas, estando excluídas do direito
a frivolidade e a ignorância das mulheres da cor­ de votar. Tal conquista, porem, só foi conseguida
te francesa à ausência de uma educação mais cui­ no século XX: nos EUA, cm 1920; na Inglaterra,
dada, Em última análise, porém, esses autores em 1928; e no Brasil, cm 1932.
estavam convencidos de que era para o lar que Após as grandes guerras, com o desenvolvi­
adviriam as vantagens de tal educação. mento da industrialização, houve significativa
E uma exceção o pensamento de Condorcet. ampliação da rede escolar c maior participação
que valorizava a mulher como pessoa, o que de­ das mulheres. O movimento áz escola nova mui­
nota uma rara antecipação dos ideais feministas. to contribuiu para integrar a mulher na escola,
Além disso, ele foi, entre os filósofos iluministas. estimulando inclusive a co-educação.
um dos mais preocupados com as questões po­ Contudo, essas mudanças acontecem de ma­
pulares, não se limitando aos interesses da bur­ neira irregular, conforme o lugar e a ciasse a que
guesia. pertencem as mulheres. No meio rural, por
Apesar das duras restrições feitas à expres­ exemplo, a taxa de analfabetismo entre as mu­
são das mulheres, elas também procuraram um lheres sempre foi maior, pois estão destinadas
espaço para se fazer ouvir. Em plena euforia dos desde cedo aos afazeres domésticos.
ideais liberais da Revolução Francesa, a escri­ Estamos apenas no início de um longo trajeto
tora Olympe de Gougcs parafraseava o discur­ em busca da emancipação. Nele, as lutas femini­
so revolucionário; “A mulher nasce livre e per­ nas se entremeiam com os esforços para sua
manece igual ao homem em direitos. (...) Esses profissionalização. em um mundo capitalista no
direitos inalienáveis e naturais são a liberdade, qual as dificuldades passam a ser de outra natu­
a propriedade, a segurança c sobretudo a resis­ reza, como veremos adiante.
tência à opressão. (...) O exercício dos direitos
naturais da mulher só encontra seus limites na A educação da mulher no Brasil
tirania que o homem exerce sobre ela; essas li­
mitações devem ser reformadas pelas leis da No Brasil colonial, os jesuítas se ocupam, de um
natureza c da razão’’. Essa mulher corajosa foi lado, com a catequização dos índios c. de outro, com
guilhotinada em 1793 por “ter querido ser um a formação dos filhos dos colonos. Nenhuma edu­
homem de Estado c ler esquecido as virtudes cação formal é reservada às mulheres. Geral mente
próprias a seu sexo”2. analfabetas, nos primeiros tempos da colonização
muitas delas nem sabiam falar o português, usando
a língua dos índios, conhecida como 'língua geral".
Reclusas em casa, eram muito envergonhadas e ra­
2. Branca Moreira Alves e Jacquelirie Pílanguy. O que éfe­
minismo, São Paulo, Brasiliense, 1981, p 34. (Col. Primei­ ramente apareciam diante de estranhos, segundo os
ros Passos.) relatos de viajantes estrangeiros.

94

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Algumas mulheres se educavam nos conven­ 5. A profissionalização da mulher


tos fundados entre 1678 e 1685, mas eram casos
raros. Para se ter uma idéia, em 1728 apenas doze Poderíamos pensar que a mulher conquistaria
meninas estudavam no Recolhimento de Santa sua autonomia na medida em que fosse esco­
Teresa (São Paulo) c, mesmo para elas, a ênfase larizada e assimilada pelo mercado dc trabalho.
era dada ao ensi no dc prendas domésticas e rudi­ No entanto, não é o que tem acontecido. No en­
mentos de ler e escrever. trelaçamento das velhas forças do patriarcado
Com a vinda da família real (1808) começam com as do capitalismo. o resultado continua sen­
a aparecer algumas escolas leigas para as meni­ do desfavorável para a mulher.
nas da el ite e são contratadas preceptoras dc Por­ Retomando a história, podemos observar que a
tugal, da França e posteriormente da Alemanha, mulher sempre se ocupou com outras tarefas além
para educá-las em casa. da educação dos filhos pequenos. Entre os campo­
Somente em 1881 a primeira mulher é aceita neses de todos os tempos, ela ajuda a arai o campo,
na Faculdade dc Medicina dc Rio de Janeiro. cuida da conservação dos alimentos cm casa, tece o
Logo a seguir, mais Ires se ínaLriculam, sendo ex­ fio e costura roupas. Até as mulheres nobres ocu­
pressivo o fato de que uma delas se fazia acompa­ pavam seus dias com trabalhos manuais.
nharem classe pelo pai e a outra, por uma senhora A partir do capitalismo, a instalação das fá­
idosa. bricas separa o local dc trabalho do local de mo­
A primeira escola normal paulista foi fundada radia, obrigando a mulher que precisa comple­
cm 1846, mas. curiosamente, as mulheres não ti­ mentar o orçamento doméstico a se ausentar de
veram acesso a esse curso na sua primeira fase. casa. E. sc sempre foi aceito que os homens des­
Depois de fechada e reestruturada, a escola reabre sem prioridade às obrigações profissionais, a
em 1875, oferecendo no ano seguinte duas seções, mulher vive o conflito que até hoje a persegue:
uma para cada sexo. As mulheres frequentam a corno conciliar vida privada e vida pública? A
escola normal com interesses diferentes: algumas, conscqüência tem sido a dolorosa dicotomia de
em busca de profissionalização e a maioria, geral­ uma vida tornada “esquizofrênica”, dilacerada
mente dc famílias ricas, para melhorar sua forma­ pela dupl a jornada de trabalho.
ção enquanto aguarda o casamento. A questão não pára por aí. Apesar dc as mu­
Até 1930, são pouquíssimas as mulheres que lheres estarem submetidas aos donos do capital
chegam aos cursos superiores, e um número mui­ tanto quanto os homens, cies não se consideram
to menor consegue concluí-los. Como já disse­ seus pares e, por isso, resistem à sua participação
mos, cias geral mente preferem as áreas dc edu­ ou à possível liderança nas lutas sindicais, além
cação e humanidades. A única exceção foi o au­ de prevalecerem nas suas relações as velhas idéias
mento na procura do curso de farmácia, o que se do patriarcado, que inferiorizam as mulheres.
deve ao fato de ter essa profissão sofrido algum O próprio trabalhador vê com '"naturalidade”
desprestígio, ocorrendo uma diminuição do inte­ a desigual incorporação da mão-de-obra femini­
resse masculino. na, marcada até hoje pela discriminação salarial.
Evidenleinentc. a pouca prtx?uraé explicada por Isto se dá não só na remuneração inferior para a
serem os cursos superiores profissionalizantes, mulher que exerce as mesmas funções que o ho­
além dc exigirem maior tempo disponível, o que mem, mas também no desprestígio dc certas pro­
entra em choque com a antiga e arraigada concep­ fissões consideradas “femininas”, como o magis­
ção dc sc formar a mulher para o casamento. tério de 1-grau.
Com o desenvolvimento industrial do Brasil, A situação foi especial mente dolorosa no sé’
depois desse período e. sobretudo, na década de cu lo XIX, quando mulheres e crianças eram em­
50. houve um sensível aumento na procura dos pregadas para trabalhar de 14 a 16 horas diárias,
cursos dc 2° grau, que encaminham as mulheres com salários aviltados. Em 8 dc março de 1857\
para as ocupações do setor terciário.
As mulheres têm buscado cada vez mais a
educação formal, dividindo com os homens os
bancos escolares. O que resulta disso? 3.0 dia X de marçu lomou-se o Dia Internacional da Mulher.

95

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
operárias da indústria têxtil de Nova York foram que acontecem em algumas tendências dos mo­
duramente reprimidas pela polícia porque reali­ vimentos contestatórios.
zavam uma passeata reivindicando a redução da É importante deixar claro que a luta das
jornada de trabalho para 12 horas. mulheres não é contra os homens nem contra a
No Brasil, no começo do século XX, c gran­ obrigação dc educar os filhos, mas que a busca
de a participação de mulheres, em geral tecelãs de identidade c autonomia empreendida por
ou costureiras, nos movimentos grevistas. Mui­ elas supõe que os próprios homens reconside­
tas vezes as conquistas alcançadas beneficiam rem a anacrônica separação de papéis. Ao afas­
diferente mente mulheres e homens. tar as mulheres do mundo considerado mascu­
O movimento feminista no Brasil toma im­ lino, excluíram a si próprios de atividades que
pulso com a participação de Bertha Luiz, que possuem enorme significação humana, como,
retorna da Europa em 1918 e logo depois funda por exemplo, a educação e o convívio com os
uma federação voltada para a promoção da mu­ próprios filhos. Essa divisão na verdade rouba
lher. lendo conseguido algumas vitorias com re­ dos homens muito mais do que eles próprios
lação à instrução e ao trabalho. imaginam, a começar pela expressão dos seus
Ainda assim, atualmente são muitos os pro­ sentimentos.
blemas que as mulheres trabalhadoras têm de Além disso, as relações entre iguais são mais
enfrentar, inclusive para educar seus filhos, em criativas, generosas, plenas e transparentes. Ao
virtude da ausência dc infra-estrutura para o aten­ contrário, toda relação que se mantém assi­
dimento social, como creches e escolas. métrica, quando há condições para a igualdade,
Mesmo com a existência de leis para a prote­ gera ressentimento, rancor, hipocrisia e subser­
ção da mulher e da família, ainda há prejuízos. viência.
Por exemplo, para evitar o risco da ausência (e Os conflitos gerados por diferenças enLre pes­
da substituição) devido à concessão de licen­ soas livres e autônomas não merecem ser temi­
ça-maternidade, certas empresas despedem dos. como julgam aqueles para quem a socieda­
suas funcionárias quando elas se casam; a exi­ de conjugal deve manter o "cabeça-de-casal”. Ao
gência da criação dc creches a partir dc um contrário, o verdadeiro encontro entre as pessoas
certo número de empregadas com filhos tem só é possível quando existe troca real de experi­
sido contornada com artifícios que simulam o ências e idéias. Lembremos La Boélie, filósofo
cumprimento da lei. Com isso penaliza-se a do século XVI, que definia a amizade como sen­
mulher, como se ela fosse culpada pelo fato dc do “a recusa do servir".
ser mãe.
Afinal, o que no mundo empresarial é visto
como um empecilho, um estorvo, um contratem­ 7. A educação igualitária ______
po, não é o próprio processo pelo qual a socieda­
de sc reproduz? Donde se conclui que o proble­ O processa de inferiorização da mulher é an­
ma da educação dos filhos da mulher que traba­ tigo e adquire novas faces a partir das mudanças
lha não c um problema pessoal, mas da socieda­ históricas que vi vencíamos. Não convém dis­
de como um todo. sociar esse processo dc outras formas de discri­
minação, tais como as que existem no racismo e
no capitalismo. Afinal, não vivemos em uma so­
6. A quem interessa a emancipação ciedade igualitária, mas dividida, assimétrica,
feminina? hierarquizada, que separa “superiores" e “inferi­
ores” a partir de critérios que precisam ser discu­
Muitas vezes há certa má vontade, sc não efe­ tidos c desmistificados.
tiva repulsa, com relação aos movimentos femi­ Essa discussão não é isolada para cada tipo
nistas não só por parte dc pessoas que se acham de discriminação, mas faz parle de uma totali­
ainda imbuídas daqueles estereótipos dc '‘femi­ dade econômica, política e social que precisa
nilidade" e “masculinidade" a que já nos referi­ ser revista. Os três sistemas de dominação —
mos. mas também devido a exageros c distorções racismo, patriarcado c capitalismo — se lun-

96

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Jein. de modo que se torna praticamente im­ Sabemos dos limites da escola como agente
possível afirmar quando a discriminação pro­ de mudança dos comportamentos sociais, mas
sem do pat ri arcado. se vincula ao sistema de isso não significa negar a ela um espaço no qual
classes ou, ainda, é decorrente do racismo4. pode ser exercida uma ação i mportante.
Vimos, ao tratar da profissionalização da mu­ Se educar é. entre outras coisas, criar condi­
lher, como ela é discriminada pelo homem, ções para transmitir às novas gerações as expec­
mesmo quando ele próprio se acha inferio­ tativas de comportamentos adequados à conti­
rizado na sociedade de classe. Poderíamos nuidade da cultura de um povo, os modelos soei
acrescentar também que as próprias mulheres ais são importantíssimos. No entanto, enfa­
discriminam as que são mais pobres ou de ou­ tizamos novamente que esses modelos precisam
tra raça. ser compreendidos a partir de sua significação
Convém não restringir o feminismo às ques­ social, sempre flexível c aberta para o diálogo e
tões que dizem respeito exclusivamente à mu­ a cooperação. Caso contrário, a educação estará
lher. O problema é muito mais amplo e exige a serviço da dominação.
também tuna análise política, ou seja, a luta pela Cabe ao professor evitar os estereótipos, as
igualdade de oportunidades não se separa da bus­ afirmações de que ‘ sempre foi assim”, kSé natural
ca de viabilização de uma sociedade demo­ que seja assim”, para não “congelar ’ os comporta­
crática. Não se trata de algo que devemos espe­ mentos em padrões fixados de uma vez por todas.
rar acontecer, pois exige não só a tomada de Urna educação não sexista há que reconhecer
consciência das formas de discriminação, como as pessoas na sua diversidade, não separar tare­
também a mobilização, a ação transformadora fas e funções e cuidar da formação plena e inte­
das situações de discriminação. gral do ser humano.

As experiências têm demonstrado a importância da presença masculina e como é fecunda a interação dos dois
sexos no atendimento infantil.

4. Ver Hcleicih Satfioti. O poder do macho. Siio Paulo, Moderna, 1987.

97

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dropcs
..............-l..;.:

Pelo Código Civil brasileiro de 1916, a mulher casada era considerada relativamente incapaz,
junto com os pródigos, os silvícolas e os menores de 21 anos (artigo 6-); ela não podia, sem autoriza­
ção do marido, aceitar ou repudiar herança ou legado; aceitar tutela, curatela ou outro munus públi­
co; aceitar mandato, litigar em juízo, salvo algumas exceções, e exercer profissão. A chefia da famí­
lia era exclusiva do marido. A mãe viúva que contraía novas núpcias perdia, quanto aos filhos do
leito anterior, os direitos do pátrio poder.
O Estatuto da mulher casada (Lei 4.121, de 1962) corrigiu várias dessas aberrações, mas
manteve, no artigo 233, que “o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a
colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”. (Texto baseado em Florisa
Verucci.)

Eis alguns dispositivos da Constituição brasileira de 1988:


Art. 7° (...) XVIII — licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração
de cento e vinte dias. [Antes era de noventa dias ]
(...) XIX — licença-paternidade, nos termos fixados em lei. [Fixada provisoriamente em cinco
dias, podendo entretanto ser ampliada por lei ordinária ]
Art. 226 (...) § 5- Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igual­
mente pelo homem e pela mulher.

Leituras complementares
1. Fragmentos

As leis gregas e as romanas dizem o mesmo. essa educação gerais, quando feitas segundo
Enquanto rapariga, está sujeita a seu pai; morto bom método, fornecerão, a cada um, o que é ne­
o pai, a seus irmãos e aos seus agnados; casa­ cessário para bem pensar e bem agir. Além dis­
da, a mulher está sob tutela do marido; morto o so, em meio às fadigas do trabalho, poderão or­
marido, não volta para sua própria famíiia por­ ganizar-se, de maneira inteligente, os lazeres
que renunciou a esta, para sempre, peio casa­ que sâo, atualmente, fonte de perdição. (Co-
mento sagrado; a viúva fica submetida à tutela mênío, século XVII)
dos agnados de seu marido, isto é, à tutela de
seus próprios filhos, se os tem, ou, à falta des­ Enfim, além do bem que faz a mulher quando
tes, à dos mais próximos parentes do marido. recebeu a educação esmerada, não se pode es­
Seu marido tem sobre ela tanta autoridade, que quecer o mal que causa ao mundo se lhe falta
pode, antes de morrer, designar-lhe tutor, e até aquela educação capaz de inspirar-lhe a virtude.
mesmo escolher-lhe segundo marido. (Foustel É certo e seguro que a má educação da mulher é
de Coulanges, referindo-se à Antiguidade.) causa de maiores males que a do homem, já que
as desordens dos homens têm com freqüência
Vós, mulheres, sujeitai-vos aos vossos mari­ sua origem na má educação que receberam de
dos, como ao Senhor; porque o marido é a cabe­ suas mães e nas paixões que mais tarde outras
ça da mulher, como também Cristo é a cabeça mulheres lhes inspiraram. (Fénelon, sécuio XVII)
da Igreja. (Apóstolo Paulo, século I)
Da boa constituição das mães depende em
Se alguém vier me dizer: Aonde iremos parar primeiro lugar a das crianças; do seio das mulhe­
se as próprias mulheres se derem aos estudos?, res depende a primeira educação dos homens;
responderei: Acontecerá isto: essa instrução e das mulheres dependem ainda seus costumes,

98

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
suas paixões, seus gostos, seus prazeres, mes­ viver de sua vida; a felicidade conjugal se com­
mo sua felicidade. Assim, toda educação das pra a esse preço; 3-, por outra razão análoga é
mulheres deve ser relativa aos homens. Agradá- também necessário: para que não apaguem,
los, serem-lhes úteis, fazerem-se amar e honrá- com sua ignorância, a chama do coração e do
los, educá-los jovens, cuidar deles grandes, espírito que os estudos anteriores desenvolve­
aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida ram em seus maridos, para que a alimentem
agradável e doce: eis os deveres das mulheres com a comunidade das conversações e das lei­
em todos os tempos e o que lhes devemos ensi­ turas; 4-, e por último, porque é justo; porque os
nar desde a infância. Enquanto não remontar­ dois sexos têm igual direito à instrução.
mos a esse princípio, escaparemos do alvo e to­ (Condorcet, século XVIII)
dos os preceitos que se lhes derem de nada ser­
virão para sua felicidade ou para a nossa. Há uma má-fé extravagante na conciliação do
(Rousseau, século XVIII) desprezo que se dedica às mulheres com o res­
peito com que são cercadas as mães. É um pa­
É preciso que as mulheres sejam instruídas: radoxo criminoso recusar à mulher toda ativida­
1-, para que possam educar seus filhos, de de pública, vedar-lhe as carreiras masculinas,
quem são aias naturais; 2o, para que sejam as proclamar sua incapacidade em todos os terre­
dignas companheiras, as iguais de seus mari­ nos e confiar-lhe a empresa mais delicada, mais
dos; para que possam interessar-se em seus grave que existe: a formação de um ser humano.
trabalhos, tomar parte em suas preocupações, (Simone de Beauvoir, século XX)

2. A mãe

A relação da mãe com os filhos define-se no alegria a uma mulher capaz de querer desinte­
seio da forma global que é a sua vida; depende ressadamente a felicidade de outro, àquela que,
de suas relações com o marido, com o passa­ sem se voltar para si mesma, busca uma supe­
do, com suas ocupações e consigo mesma; é ração de sua própria existência. O filho é, sem
um erro nefasto tanto quanto absurdo preten­ dúvida, uma empresa a que se pode validamente
der ver no filho uma panacéia universal. É a destinar; mas tal como outras não representa
conclusão a que também chega H. Deutsch, na uma justificação em si; e é preciso que seja de­
obra que citei muitas vezes e em que estuda, sejada pelo que é e não por benefícios hipotéti­
através de sua experiência de psiquiatra, os fe­ cos. Stekel diz muito justamente:
nômenos da maternidade. Ela coloca muito alto “Os filhos não são sucedâneos do amor; não
essa função pela qual considera que a mulher substituem uma meta de vida falhada; não são
se realiza totalmente; mas com a condição de material destinado a encher o vazio dc nossa
que seja livremente assumida e sinceramente vida; são uma responsabilidade e um pesado de­
desejada; é preciso que a jovem mulher se en­ ver; são os florões mais generosos do amor li­
contre numa situação psicológica, moral e ma­ vre. Não são nem o brinquedo dos pais, nem a
terial que lhe permita suportar-lhe o fardo, sem realização de sua necessidade de viver, nem su­
o que as consequências serão desastrosas. É cedâneos de suas ambições insatisfeitas. Os fi­
criminoso, em particular, aconselhar o filho lhos representam a obrigação de formar seres
como remédio a melancólicas ou neuróticas; felizes?
faz-se com isso a infelicidade da mulher e da Uma tal obrigação nada tem de natural: a Na­
criança. A mulher equilibrada, sadia, conscien­ tureza não poderá nunca ditar uma escolha mo­
te de suas responsabilidades é a única capaz ral; esta implica um compromisso; dar à luz é as­
de se tornar uma “boa mãe”. sumir um compromisso; se a mãe não o cumpre
Disse que a maldição que pesa sobre o casa­ a seguir, comete um erro contra uma existência
mento provém de que muito frequentemente os humana, contra uma liberdade; mas ninguém lho
indivíduos nele se juntam em sua fraqueza, não pode impor. A relação dos pais com os filhos,
em sua força, cada qual solicitando do outro ao como a relação da mulher com o marido, deveria
invés de dar. É um engano ainda mais dece­ ser livremente desejada.
pcionante do que sonhar em alcançar, pelo filho, (Simone de Beauvoir, O segundo sexo,
uma plenitude, um calor, um valor que não se 2. ed., São Paulo, Ditei, 1967, v. 2,
soube criar por si mesmo; o casamento só dá “A experiência vivida”, p. 290.)

99

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

3. Professora sim, tia não

(...) Ensinar é profissão que envolve certa ta­ ca repousando manhosamente na intimidade da
refa, certa militância, certa especificidade no seu falsa identificação. Identificar professora com tia,
cumprimento enquanto ser tia é viver uma rela­ o que foi e vem sendo ainda enfatizado sobretu­
ção de parentesco. Ser professora implica assu­ do na rede privada em todo o país, é quase como
mir uma profissão enquanto não se é tia por pro­ proclamar que professoras, como boas tias, não
fissão. (...) devem brigar, não devem rebelar-se, não devem
Recusar a identificação da figura da profes­ fazer greve. Quem já viu dez mil "tias” fazendo
sora com a da tia não significa, de modo algum, greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudican­
diminuir ou menosprezar afigura da tia, da mes­ do-os no seu aprendizado? E essa ideologia que
ma forma como aceitar a identificação não tra­ toma o protesto necessário da professora como
duz nenhuma valoração à tia. Significa, pelo con­ manifestação de seu desamor aos alunos, de
trário, retirar algo fundamental à professora: sua sua irresponsabilidade de tias, se constitui como
responsabilidade profissional de que faz parte a ponto central em que se apóia grande parte das
exigência política por sua formação permanente. famílias com filhos em escolas privadas. Mas
A recusa, a meu ver, se deve sobretudo a duas também ocorre com famílias de crianças de es­
razoes principais. De um lado, evitar uma com­ colas públicas.
preensão distorcida da tarefa profissional da pro­ (Paulo Freire, Professora sim, tia não,
fessora, de outro, desocultar a sombra ideológi­ São Paulo, Olho d’Água, 1994, p. 10-12.)

Atividades

Questões

1. Em que sentido a situação feminina pode ser comparada à dos negros e dos proletários?
2. Por que é ideológico fazer qualquer análise a partir do conceito de mulher em si?
3. Dê exemplos (diferentes daqueles que aparecem no texto) de educação informal como transmissora
de estereótipos da feminilidade.
4. Faça o mesmo com relação à educação formal.
5. Por que a emancipação da mulher pode promover a maior humanização masculina?
6. Como as dificuldades de profissionalização da mulher se entrelaçam às forças do patriarcado e do
capitalismo?
7. Analise a frase de Sartre a respeito das mulheres: 'Metade vítimas, metade cúmplices, como todo
mundo”.
8. Recorte um anúncio publicitário (em revista ou jornal) e analise nele os componentes que reforçam os
estereótipos da feminilidade.

Pesquisa

9, Faça um levantamento bibliográfico a respeito da história do movimento feminista no Brasil e elabore


um texto a respeito.
10. Faça um trabalho em grupo sobre o tema: “Professores (homens) na pré-escola e no 1" grau". Sugeri­
mos que sejam feitas entrevistas com professores que dão (ou já deram) aulas nestes níveis. Seria
bom, também, pedir a opinião das professoras e de pais de alunos. Faça um levantamento dos argu­
mentos usados e conclua com uma posição crítica a respeito dos resultados obtidos.

Análise de texto

11. Com base nos fragmentos que compõem o texto complementar 1, identifique os discursos favoráveis à
igualdade da mulher e os que mantêm sua submissão.

100

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Baseando-se no texto complementar 2, responda às questões 12 e 13.

12. O que significa dizer que a maternidade deve ser livremente assumida?
13. Por que a autora diz que ter filhos nào é uma obrigação natural? O que seria então?

Tendo como base o texto complementar 3, de Paulo Freire, responda às questões 14 e 15.

14. Quais os dois motivos pelos quais o autor reprova o hábito de se chamar as professoras de tias?
15. Tendo em vista o que foi estudado no capítulo, por que a maioria dos profissionais de educação ele­
mentar sâo do sexo feminino?

Redação

Tema. “Não basta querer para mudar o mundo. Querer é fundamental mas não é suficiente. É preciso
também saber querer, aprender a saber querer, o que implica aprender a saber lutar politicamente com
táticas adequadas e coerentes com os nossos sonhos estratégicos’. (Paulo Freire)

101

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia
- Se
utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

10. O que é filosofia


11. Concepções de homem
12. Os valores
13. A epistemologia
14. Pressupostos políticos da èducaçãõí
Parte I —Tendência liberal
Parte II — Tendência socialista
texto es
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma con­


cepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica,
passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, ori­
ginal, intencional, aliva e cultivada.
(Dermevai Saviani)

1. As diversas abordagens do real são mágicos; a origem das atividades c divina;


as manifestações artísticas, bem como as rela­
São diversas as maneiras pelas quais o ho­ ções entre os homens (nascer, tornar-se adulto,
mem entra cm contato com o mundo que o cer­ casar, morrer), são acompanhadas de rituais ba­
ca, dependendo das circunstâncias e necessida­ seados em crenças míticas. Em suma, no mundo
des, bem como do tipo de cultura em que ele está primitivo tudo é mito e tudo se faz por magia.
inserido. Em geral, destacam-se as abordagens Quando as relações sociais se tornam mais
mítica, religiosa, artística, científica, filosófica c complexas, a economia é incrementada, exigiti'
do senso comum1. do o contato com outros povos e, muitas vezes,
Tais abordagens não são necessariamente se faz necessário um sistema de notação escri­
excludentes, podendo coexistir em um mesmo ta. Nessas circunstâncias, a racionalidade se tor­
indivíduo. Assim, uma pessoa religiosa aproxi­ na mais elaborada e crítica, o que reduz o poder
ma-se de Deus pela fé, mas pode também buscar do mito, restringindo-o a alguns setores da vida
na filosofia a justificação racional da existência da comunidade.
de Deus. L'm cientista possui um elaborado co­ É bem verdade que o desenvolvimento do
nhecimento numa área específica (por exemplo, pensamento reflexivo não decreta a morte da
a física), mas não deixa de usar o senso comum consciência mítica, pois o mito, mesmo entre os
na vida cotidiana quando, empiricamente, educa povos ditos civilizados, ocupa um lugar de des­
seu filho ou, ainda, pode recorrer à filosofia para taque como forma fundamental de todo viver
analisar os fundamentos de sua ciência. O mes­ humano. Ein outras palavras, tudo o que pensa­
mo acontece com o artista, c assim por diante. mos e queremos se situa inicial mente no horizon­
E evidente que o nível de elaboração cm cada te da imaginação, nos pressupostos míticos, cujo
abordagem varia historicamentee depende do tipo sentido existencial serve de base para todo traba­
de cultura predominante. Entre os povos tribais, o lho posterior da razão.
mito é uma estrutura dominante que abarca todas A medida que o mito deixa de ser uma forma
as outras, é uma fornia de compreensão intuitiva abrangente de compreensão do real, o que acon­
da realidade que permeia lodo o pensar c o agir, tece quando se rompem as estruturas econômi­
prcdoinin antemente marcados pelo sobrenatural. cas tribais, o conhecimento se seculariza, isto é,
Isso significa que o mito se baseia na crença deixa dc ser predominantemente religioso. Pode-
nos deuses e exige a execução de rituais que per­ se falar então de um saber menos mágico e mais
meiam as atividades técnicas: os instrumentos1 racional, que busca fundar sua verdade na expe­
riência de vida.
Chamamos dc senso comum esse tipo dc co­
nhecimento empírico, advindo da herança rece­
1. Consultar, em M. I... A. Aranha e M. H. P. Martins. Hlo-
sofaado\ introdução à filosofia, os itens mito (p. 54): senso bida por um grupo social e que se desenvolve a
comum e ciência (p. 127); a filosofia (p 71). Ver também, partir das experiências fecundas que continuam
cias mesmas autoras, 7é/?w.v /A* filosofia. sendo levadas a efeito pelos indivíduos da comu-

104

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

nidade. Não se trata de uma forma inferior de 2, O conceito de filosofia


conhecimento, mas é importante que as pessoas
saibam rcc laborar a herança recebida, transfor­ Origem da filosofia
mando o senso comum cm bom senso.
O senso comum c fragmentário, difuso e. num A filosofia surgiu na Grécia, por volta do sé­
primeiro momento, não questionado, pois é um culo VI a.C. A grande aventura intelectual não
conhecimento amctódico e assistemático. Cabe começa propriamente na Grécia continental, mas
ao bom senso retomar criticamente os valores em suas colônias, a Jônia (metade sul da costa
recebidos, para adequá-los ou transformá-los a ocidental da Ásia Menor) e a Magna Grécia (sul
partir da análise de novas situações. Nesse senti­ da Península Itálica e Sicília).
do, mesmo sendo analfabeto, um homem é ca­ Os escritos dos primeiros filósofos (os pré-
paz de sabedoria, isto é, pode dar um sentido hu­ socráticos) desapareceram com o tempo, restan­
mano à sua vida e ao seu destino. do apenas alguns fragmentos ou referencias fei­
No entanto, como vimos no Capítulo 3. nem tas por filósofos posteriores.
sempre é possível desenvolver formas críticas do A filosofia nascente rejeitava as interpreta­
saber comum, sobretudo nas sociedades em que ções míticas que, baseadas no sobrenatural, acei­
persiste a dominação ou a exploração de um gru­ tavam a interferência de agentes divinos nos fe­
po por outro. Nesses casos, aquilo que se enten­ nômenos da natureza. Ao buscarem a racio­
de por senso comum na verdade não passa de ide­ nalidade do universo, os filósofos dessacralizam
ologia. de imposição de idéias e valores que ga­ a natureza, isto é, retiram dela a dimensão do sa­
rantem os interesses de classe. grado. A filosofia surge, então, como um pensa­
Outra forma de abordagem do real c a ctén- mento reflexivo que busca a definição rigorosa
cza, conquista rclativamcntc recente da humani­ dos conceitos, a coerência interna do discurso, a
dade, lendo surgido no século XVII, quando fim de possibilitar o debate e a discussão.
Galileu deu as bases de um revolucionário méto­ Enquanto o mundo mítico se baseia em cer­
do científico. Com o recurso da experimentação tezas dogmáticas, a consciência filosófica intro­
e da matematização. foi possível à ciência deli­ duz a perplexidade. Para Platão, a primeira vir­
mitar os objetos a serem estudados, descobrindo tude do filósofo é ser capaz de admirar-se. A
regularidades que permitiram estabelecer leis admiração é a condição da qual deriva a capaci­
gerais c teorias nos fenômenos observados. As dade de problematizai. O conhecimento filosó­
consequências de um saber tão rigoroso c elabo­ fico não é dado pelos deuses, mas procurado
rado não demoraram a se fazer sentir, com as pelos homens.
transformações tecnológicas que mudaram a face O filósofo grego é de certa forma um ‘‘cien­
do mundo. tista”. O sábio {sophos. como se diz em grego)
No entanto, esse sucesso não justifica a reflete sobre todos os setores da indagação hu­
supervalorização da ciência e a exclusão das ou­ mana. Tales e Pitágoras são os primeiros filóso­
tras formas de conhecimento, consideradas in­ fos, e também matemáticos, enquanto Aristóteles
feriores ou desprezíveis. Embora rigoroso e efi­ aborda a física, a astronomia, a biologia, em
caz, o conhecimento científico é apenas whíz suma, todo o saber de seu tempo. Desse modo,
das formas de conhecimento da realidade e, filosofia e ciência se encontram intimamente li­
como tal, reduz, nossa experiência do mundo, gadas na Grécia antiga.
que também se constitui de intuições, imagina­
ção, crenças, emoções e afetividade. Basta lem­ Filosofia e ciência
brar que a religião c a arte são também manei­
ras válidas e fortes de compreensão de si e do Após a revolução científica do século XVII
mundo. houve a separação entre filosofia e ciência. Lenta­
Neste capítulo discutiremos a maneira espe­ mente, até o século XIX, vão se constituindo os
cífica de abordar a realidade que nos é apresen­ métodos das chamadas ciências particulares —
tada pela/í/aw/kv e em que medida ela pode nos física, astronomia, química, biologia, psicologia,
ajudar a compreender o fenômeno da educação. sociologia etc. —, delimitando campos cspecífi-

105

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

cos de pesquisa. Dá-se então a especialização do ciologia, por exemplo, o filósofo questiona o que
saber, na qual cada ciência sc ocupa com seu ob­ é o homem, o que o trabalho significa para ele e
jeto específico. como o trabalho parcelado interfere, prejudican­
A primeira questão versa sobre o que resta à do a compreensão que ele tem de si mesmo e do
filosofia se, ao longo do tempo, com o apareci­ mundo.
mento das ciências particulares, tornadas inde­ Ao criticar a realidade em que vive, o filóso­
pendentes. ela foi ‘"esvaziada” dc seu conteúdo. fo projeta uni futuro em que outra realidade será
No século XX, até as questões referentes ao ho­ construída,
mem foram apropriadas pelas ciências humanas.
Ora. a filosofia continua tratando do mesmo O processo do filosofar
objeto abordado pelas ciências. Mas, enquanto
o cientista se especializa em “recortes” do real, Com o que foi dito até agora, percebe-se que
o filósofo jamais renuncia a considerar o objeto a filosofia não oferece um corpo acabado de co­
do ponto de vista da totalidade. A filosofia bus­ nhecimentos nem o filósofo detém um saber que
ca uma visão dc conjunto, ou seja, nunca exa­ o coloca acima de todos. A filosofia se insere na
mina o problema de modo parcial, mas sempre história, e os temas com que sc ocupa mudam de
sob uma perspectiva que relacione cada aspecto acordo com os problemas que precisa enfrentar.
com os demais, no contexto em que está inseri­ Como seres sensíveis e racionais, estamos
do. Portanto, a realidade, que sc acha fragmen­ sempre dando sentido às coisas. Isso significa
tada pelo saber especializado de cada ciência que não precisamos ser filósofos profissionais
particular, é resgatada na sua integridade pela para nos ocuparmos com questões filosóficas.
filosofia, a única encarregada de fazer uma re­ Costumamos chamar de filosofia de vida o filo­
flexão crítica c global a respeito do saber e da sofar espontâneo do homem comum, que. no co­
prática do homem. tidiano, é levado a momentos de parada, a fim de
Sc a física e a química se denominam ciên­ retomar o significado dos atos e pensamentos,
cias c usam determinado método, definir o que é para agir mais adequadamente.
ciência, distinguir esse conhecimento dc outros, Existem valores em jogo quando resolvemos
dizer o que é método c qual a sua validade não é mudar para uma casa, deixando dc morar em
da alçada do próprio físico ou químico. Eles até apartamento: ao abandonar um emprego por ou­
podem se dedicar a tais questões, mas. quando o tro não tão bem remunerado, porém mais atraen­
fazem, deixam de ser exclusivamente cientistas te; ou quando escolhemos o colégio no qual va­
e defrontam com problemas propriamente filo­ mos estudar. Escolher uni “colégio fraco para
sóficos. O mesmo se dá com o psicólogo que passar de ano” e ter tempo para passear ou, ao
aborda o conceito de homem livre; indagar sobre contrário, preferir um "colégio forte para se pre­
o que c a liberdade já e fazer filosofia. parar para o vestibular" ou, ainda, “um bom co­
Assim, em todos os setores do conhecimento légio para ter melhor contato com o inundo da
e da ação, a filosofia está presente como reflexão cultura c abrir as possibilidades de autoco-
crítica a respeito dos fundamentos desse conhe­ nheci mento" são situações que nos colocam di­
ci mento e desse agir. ante dc diferentes filosofias de vida.
As conclusões da ciência têm um caráter de Iodas essas escolhas supõem certa reflexão.
juízos de realidade, yã que, de uma forma ou de Examinemos a palavra reflexão: quando nossa
outra, descrevem como os fenômenos ocorrem, imagem sc reflete no espelho, há um “desdobra­
quais as suas relações constantes e, consequen­ mento” da figura, pois estamos aqui e estamos
temente, como prevê-los. Já a filosofia fu? juízos lá; ao se refletir, a luz chega até o espelho e
de valor: não aborda a realidade apenas como ela retorna. Reflectere, em latim, significa fazer re­
é, mas como deveria ser. Julga o valor do conhe­ troceder, voltar atrás. Aproveitando esses diver­
cimento e da ação, busca o seu significado e, com sos significados, podemos dizer que refletir é re­
isso, dá sentido à experiência vivida. tomar o próprio pensamento, pensar o já pensa­
A partir da análise das relações sociais resul­ do, voltar para si mesmo c colocar em questão o
tantes da divisão do trabalho fornecida pela so- que já se conhece.

106

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia
Por isso o filósofo italiano Antonio Gramsci giiagem. o filósofo inventa conceitos, cria ex­
{ver leitura complementar) diz que todos os ho­ pressões novas ou altera c especifica o sentido
mens são de certa forma filósofos. Em outras pa­ de palavras usuais.
lavras. a filosofia de vida é uma das maneiras pe­ A filosofia desenvolve uma reflexão de con­
las quais o já referido bom senso se manifesta. junto porque é globalizante, examina os proble­
Diante dos problemas apresentados pelo seu mas sob a perspectiva do todo, relacionando os
existir, o ser humano tende à reflexão, a menos diversos aspectos. Enquanto as ciências exami­
que seja arlilicialrncnle impedido de exercê-la, nam “recortes” da realidade, a filosofia, além dc
corno nas situações em que a ação da ideologia poder examinar tudo (porque nada escapa ao seu
- Se

impossibilita a percepção das formas alienadas interesse), também visa o lodo. a totalidade. Daí
da vida. sua função de interdisciplinaridadc, que permite
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Síempre debe ser debldamente referenciado

Embora no dia-a-dia todo homem seja capaz estabelecer o elo entre as diversas formas do sa­
de elaborar sua filosofia de vida, a reflexão de­ ber e do agir humanos.
senvolvida pelo filósofo especialista c muito di­ A maneira pela qual a reflexão filosófica se
ferente. Ao se ocupar especialmente com ques­ faz rigorosamente varia conforme a orientação
tões filosóficas, o filósofo especialista conhece a de cada filósofo e as tendências históricas decor­
tradição dos pensadores, debate com os teóricos rentes da situação vivida pelos homens na sua
do seu tempo e cria conceitos, desenvolvendo um ação sobre o mundo.
método e uma maneira rigorosa e sistemática de
pensar.
Segundo o professor Dermcval Saviani, a re­ 3. Importância da filosofia
flexão é propriamente filosófica quando é raJz-
cflZ. c de conjunto2. Vejamos o que sig­ O inundo contemporâneo é pragmático, vol­
nificam esses tópicos. tado para as coisas práticas, interessado na apli­
A filosofia c radical porque vai até as raízes cação imediata dos conhecimentos. Por isso, a fi­
da questão. A palavra latina radix. radieis signi­ losofia não encontra muitos adeptos, sendo
fica literal mente “raiz” e, no sentido derivado, frcqüentemente repudiada como uma ocupação
“fundamento”, “base”. Portanto, a filosofia é ra­ inútil.
dical enquanto explicita os fundamentos do pen­ Contudo, a filosofia é necessária. E a filoso­
sar c do agir. No momento em que o matemático fia que reúne o pensamento fragmentado pelas
se pergunta o que é o número ou qual a validade ciências e demais formas de conhecimento, bus­
de uma demonstração geométrica, passa a inves­ cando compreender o mundo da técnica dilace­
tigar a raiz do seu saber e. nesse caso, conta com rado em tantas especializações. Quer resgatar,
a ajuda do filósofo das ciências. Da mesma for­ assim, a unidade que se encontra no sentido hu­
ma, ao questionar os fundamentos dos métodos mano do pensar e do agir.
usados em nossa escola, precisamos do filósofo E a reflexão filosófica que permite ao homem
da educação. adquirir outra dimensão além daquela que é dada
A filosofia é rigorosa porque, enquanto a fi­ pelo agir imediato, na qual estamos mergulhados
losofia de vida não leva suas conclusões até as no dia-a-dia.
últimas consequências, o filósofo especialista E a filosofia que garante o distanciamento
dispõe de um método claramenlc explicitado que para a avaliação dos fundamentos dos atos hu­
permite proceder com rigor, garantindo a coerên­ manos e dos fins a que eles se destinam, levan­
cia c o exercício da crítica. Para justificar suas tando. conseqücntcmente, o problema dos va­
afirmações com argumentos, faz uso de uma lin­ lores.
guagem rigorosa que permite definir claramente A filosofia impede a estagnação que resulta
os conceitos, evitando a ambigüidade típica das do não-qiiestionamcnto. Sua investigação não
expressões cotidianas. Para conseguir essa lin- está alheia à ética c à política, fazendo com que
se confronte sempre com o poder. Daí sua fun­
ção de desvelar a ideologia, as formas pelas quais
2. Educação brasileira: cslrLilurdc sislenia, p. 68. c mantida a dominação. Atentando para a etimo-

107
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

logia do vocábulo grego correspondente a ver­ mar, quais os valores emergentes que se contra­
dade (a-Iétheia. a-lelhcúein, “desnudar”), vemos põem a outros, já decadentes, e quais os preyw-
que a verdade põe a nu aquilo que estava escon­ postos do conhecimento subjacentes aos méto­
dido. Eis aí a vocação do filósofo: desvelar o que dos e procedimentos utilizados. Como se vê, des­
está encoberto pelo costume, pelo convencional, tacamos aí os três aspectos — antropológico,
pelo poder. axiológico e epistcmológico — que serão objeto
Por isso a atitude de filosofar exige coragem. de estudo nos próximos capítulos.
A filosofia não é uni exercício puramente intelec­ Cabe à filosofia, entre outras coisas, exami­
tual. Descobrir a verdade c aceitar o desafio da nar a concepção de homem que orienta a ação
mudança, é ter a coragem de enfrentar as formas pedagógica, para que não se eduque a partir da
estagnadas de poder que mantêm o s tatus quo. noção abstrata de "criança cm si”, de ‘ homem
em si”. Da mesma forma, não há como definir
objetivos educacionais se não temos claros os
4. Filosofia da educação valores que orientam nossa ação. O filósofo
deve avaliar os currículos, as técnicas c os mé­
Cada povo tem um processo de educação pelo todos a fim de julgar se são adequados ou não
qual transmite a cultura, seja de maneira infor­ aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco
mal ou por meio de instituições como a escola. inevitável sempre que os meios são super-
No entanto, nem sempre o homem reflete espe- valorizados c se desconhecem as bases teóricas
cificamente e de maneira rigorosa sobre o ato de do agir.
educar. Muitas vezes a educação c dada de ma­ Diante do avanço das ciências humanas, al­
neira espontânea, a partir do senso comum, repe- guém talvez argumente que a filosofia da edu­
ündo-se costumes transmitidos de geração para cação terá seu campo bastante restringido. Em­
geração. bora sejam importantíssimas as conquistas da
A teoria, contudo, c necessária para que se su­ psicologia e da sociologia, e delas muito tem se
pere o espontaneísmo, permitindo que a ação aproveitado a pedagogia, a filosofia tem ainda
educacional se torne mais coerente c eficaz. tarefas bastante específicas, que não podem ser
Aliás, c bom lembrar que, segundo o conceito de desprezadas.
práxis, a teoria não se separa da prática, que é o Além das análises antropológicas, axio-
seu fundamento. Isso significa que ela não se lógicas e epistemológicas acima referidas, a fi­
desliga da realidade, mas nasce do contexto so­ losofia tem a função de interdiscipiinaridade<
cial, econômico e político em que vai atuar. pela qual estabelece a ligação entre as diver­
Quanto mais rigorosa for, mais intencional será sas ciências c Lccnicas que auxiliam a pedago­
a prática. gia. Por exemplo, é a análise filosófica que
Sc a filosofia c uma reflexão radical, rigorosa permite refletir a respeito do risco que repre­
e de conjunto que se faz a partir dos problemas sentam os “ismos\ ou seja, a preponderância
propostos pelo nosso existir, é inevitável que en­ de uma determinada ciência na análise dos fe­
tre esses problemas estejam os que se referem à nômenos pedagógicos (o psicologismo, o
educação. Portanto, cabe ao filósofo acompanhar sociologismo, o economicismo etc.), corno ve­
reflexiva e criticamcnle a ação pedagógica, de remos no Capítulo 15.
modo a promover a passagem "de uma educação Tendo sempre presente o questionamento so­
assistem ática (guiada pelo senso comum) para bre o que é a educação, a filosofia não permite
uma educação sistematizada (alçada ao nível da que a pedagogia se torne dogmática nem que a
consciência filosófica)”-. educação se transforme em adestramento ou
A partir da análise do contexto vivido, o filó­ qualquer outro tipo de pseudo-educação.
sofo indaga a respeito do homem que se quer for- Concluindo, c necessário que a formação do
pedagogo esteja voltada não só para o preparo
técnico-científico, mas também para a poli-
3. Denneval Saviani, Educaçao’. do senso comum à consci­ tização e a fundamentação filosófica de sua ati­
ência filosófica, p. 54. vidade.

108

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dropes

As raízes da utopia consistem no fato de que o homem ainda náo é um ser satisfeito, porque
ainda náo é perfeito, porque o mundo ainda não é acabado. O homem e o mundo pertencem ao
"ainda não”. Conforme E. Bloch, não devemos, no entanto, pensar que este “ainda não” implica o
que nunca será. Tal nos levaria ao desespero niilista. Ao contrário. Temos a esperança poderosa de
que o que “ainda não" é poderá ser um dia. (Pierre Furter)

...uma última palavra aos que temem a ditadura da razão: é tempo de arquivar de uma vez por
todas a máxima obscurantista de que “cinzenta é toda teoria, e verde apenas a árvore esplêndida da
vida’. Ela só pode ser sustentada, paradoxal mente, pelas naturezas não-passionais, insensíveis ao
erotismo do pensar. Quem, lendo um poema de Drummond, um livro de Tolstoi ou um tratado de
Hegel, acha que está se afastando da vida, não começou ainda a viver. Sem pensamento, a vida náo
é verde: é cinzenta. A vida do pensamento é uma parte integrante da verdadeira vida. Não é a razão
que é castradora, e sim o poder repressivo, que deriva sua solidez da incapacidade de pensar que
ele induz em suas vítimas. O fascismo se implantou através da difusão de uma ideologia vitalista
reacionária, que proclamava o primado dos instintos vitais sobre a razão, e com isso inutilizou a
razão, o único instrumento que permitiria desmascará-lo como a negação absoluta da vida. (Sérgio
Paulo Rouanet)

Quando se deu a passagem do mundo mítico para a consciência filosófica, apareceram os


primeiros sábios, sophos, como se diz em grego. Um deles, chamado Pitágoras (século VI a.C.) —
também conhecido como matemático —, usou pela primeira vez a palavra filosofia {philos + sophia),
que significa “amor à sabedoria”. É bom observar que a própria etimologia mostra que a filosofia não
é puro fogos, pura razão: ela é a procura amorosa da verdade.

Leituras complementares

1. [O filósofo}

Uma vez aceito o princípio que todos os ho­ na indústria, além do servente e do operário quali­
mens são “filósofos", isto é, que entre os filósofos ficado, há o engenheiro, quando não só conhece
profissionais ou “técnicos ’ e os outros homens o ofício praticamente, mas também teórica e his­
não há diferença “qualitativa" mas apenas “quan­ toricamente. O filósofo profissional ou técnico não
titativa" (e neste caso “quantidade” tem um signifi­ só “pensa” com maior rigor lógico, com maior coe­
cado particular, que não pode ser confundido com rência, com maior espírito de sistema do que os
soma aritmética, já que indica maior ou menor outros homens, mas conhece toda a história do
“homogeneidade”, “coerência”, “logicidade" etc., pensamento, sabe explicar o desenvolvimento
isto é, quantidade de elementos qualitativos), deve que o pensamento teve até ele e é capaz de reto­
contudo ver-se em que consiste propriamente a mar os problemas a partir do ponto em que se
diferença. Assim, não será exato chamar filoso­ encontram, depois de terem sofrido as mais varia­
fia” a cada tendência de pensamento, a cada ori­ das tentativas de solução etc. Tem, no campo do
entação geral etc., nem mesmo a cada “concep­ pensamento, a mesma função que os especialis­
ção do mundo e da vida”. O filósofo poder-se-á tas nos diversos campos científicos.
chamar “um operário qualificado" em relação ao Todavia há uma diferença entre o filósofo espe­
servente, mas nem mesmo isto é exato, porque cialista e os outros especialistas: é que o filósofo

109

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

especialista aproxima-se mais dos outros homens de trigonometria etc. (podem-se encontrar ciências
do que os outros especialistas. O ter feito do filóso­ refinadíssimas, especializadíssimas, necessárias,
fo especialista uma figura semelhante aos outros mas não por isso “comuns”), mas não se pode pen­
especialistas na ciência foi precisamente o que de­ sar em nenhum homem que não seja também filó­
terminou a caricatura do filósofo. Com efeito, pode sofo, que não pense, precisamente porque o pen­
imaginar-se um entomólogo especialista, sem que sar é próprio do homem como tal (a não ser que
todos os outros homens sejam “entomólogos" seja patologicamente idiota).
empíricos, um especialista da trigonometria, sem (Antonío Gramsci, Obras escolhidas, São
que a maior parte dos outros homens se ocupem Paulo, Martins Fontes, 1978, p. 44-45.)

2. [A filosofia da educação]

...além da qualificação técnico-científica e da filosofia da educação expiicitar esse significado


nova consciência social, é ainda exigência da para o educador. Vale dizer, pois, que a filosofia
preparação dos professores uma profunda forma­ da educação deve colocar para o educador a
ção filosófica. E esta formação é a tarefa que cabe questão antropológica, questão que deve
à filosofia da educação. A existência de disciplina equacionar adequadamente, recorrendo à filoso­
desse teor no currículo dos cursos de preparação fia social e à filosofia da história, e fundamentan-
de professores justifica-se não por alguma sofisti­ do-se numa antropologia, alicerce último de toda
cada erudição ou academicismo: é uma exigên­ reflexão sobre o realizar-se do homem. Obvia­
cia do próprio amadurecimento humano do edu­ mente, a explicitação do significado da própria
cador. Coloca-se, com efeito, uma questão antro­ atividade filosófica é tarefa preliminar: o alcance
pológica: trata-se de explicitar qual o sentido pos­ do pensamento humano, o seu equacionamento
sível da existência do homem brasileiro como pes­ epistemológico é questão permanente para a fi­
soa situada na sua comunidade, de tais contor­ losofia.
nos sociais e em tal momento histórico. O educador não pode realizar sua tarefa e dar
Esta reflexão filosófica, desenvolvida no âm­ a sua contribuição histórica se o seu projeto de
bito teórico da filosofia da educação, deverá dar trabalho não estiver lastreado nesta visão da tota­
ao futuro educador a oportunidade da tentativa lidade humana. À filosofia da educação cabe en­
de explicitação do projeto existencial a se buscar tão colaborar para que esta visão seja construída
para a comunidade brasileira, na busca de seu durante o processo de sua formação. O desafio
destino e de sua civilização. Ou seja, não é pos­ radical que se impõe aos educadores é de um in­
sível compreender um projeto educacional fora gente estorço para a articulação de um projeto his-
de um projeto político, nem este fora de um pro­ tórico-civilizatório para a sociedade brasileira
jeto antropológico, isto é, de uma visão de totali­ como um todo, mas isto pressupõe que se discu­
dade que articula o destino das pessoas como o tam, com rigor e profundidade, questões funda­
destino da comunidade humana. mentais concernentes à condição humana.
Assim, cabe à reflexão filosófica explorar o (Antonio Joaquim Severino, Educação,
significado da condição humana no mundo. E à ideologia e contra-ideologia, p. XIV e XV.)

Atividades

Questões

1. Em que sentido o mito ainda faz parte do viver do homem contemporâneo?


2. Explique as semelhanças e diferenças existentes entre as seguintes abordagens do real:
• ciência e filosofia;
• senso comum e bom senso;
• bom senso e filosofia.
3. O que significa dizer que a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto?
4. Justifique a importância da filosofia. Por que ela é tão desvalorizada nos tempos atuais?
5. Qual é a importância da filosofia para a pedagogia?

110

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Análise de texto

6. Com base no dropes 1, explique em que sentido podemos dizer que a filosofia é uma utopia.

Tendo como base o dropes 2. responda às questões de 7 a 10.

7. 0 que Rouanet quer dizer com “erotismo do pensar”?


8. Por que o fascismo é uma teoria vitalista e por que é reacionária?
9. Por que o uso da razão é justamente o contrário da negação da vida?
10. Utilize as conclusões de Rouanet para justificar a necessidade de uma filosofia da educação.

Baseando-se no texto de Gramsci (leitura complementar 1), responda às questões de 11 a 13.

11. Como Gramsci distingue o filósofo especialista do homem comum, capaz de ter uma concepção do
mundo e da vida?
12. Em que sentido o filósofo especialista não se confunde com o especialista em qualquer outra área do
conhecimento?
13. Tendo em vista o que foi abordado neste capítulo, em que circunstâncias não é possível dizer que
“todos os homens são filósofos'?

Baseando no texto do professor Severino (leitura complementar 2), responda às questões 14 e 15.

14. Explique por que a função da filosofia da educação não é atemporal nem visa abordar a educação em
abstrato, com seres hipotéticos e distanciados do vivido.
15. Por que toda educação é política?

Redação

Tema-. Investigue o significado positivo de utopia. Em seguida, relacione filosofia e utopia.

111

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
75
75
C
O
>
r— T3 G CD P
2? ti
P 7 P
X) X c
X x ■o
ç_ >
p X p £
£Z' ■o “
X X
Q o Cl Q. G
G
Õ? -D cl G O p’
/-■.. 7T "Sr
e P CD
CD a' X X T5 C
ÍT P 'x
2- CD <D
O CD s O P S
x -* x
a
CL X p' •Xi ei
O CD a
X <
X
õj' X
Q_
QJ
m
Q_
£Z
n
QJ
o
QJ>
O

\ n

O TO G
“□
< o G !zr <5
X c
O P
5 x <4 O O*
X CL C
x
G a ÍD
,a O
. r- c: i—í
X
,_ CD p
tz"
n CL
X i Cl
"C n
O
>x
P c CD
Cu O
c 7’ x ó
X a g-
g G“ o tí O
X x
c CD
G- 5 P CD x
ÇD 73 CD JC
3 E d e
p 3
9i CD
X H"
o' g cl
c' HC CL fü
CD
1— X CD
X 25 3
p
M /—■
p. —;
c
g G
5 CL i- -
n g‘
r-+ x g
S <
c c
X
c
x
% 2T2 c
~ £ ó
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

essência que tem cm potência. É assim que Kant, às forças da natureza, tornando-se incapaz de
no século X VIIL diz que "o fim da educação é gerir seu próprio destino.
desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfei­ No final do século XIX c no decorrer do sé­
ção de que ele seja capaz”. culo XX, quando as ciências humanas estabele­
O educador polonês Suchodolski chama de cem seus métodos, nota-se forte influencia natu­
essencialista essa tendência que marca a peda­ ralista. A psicologia experimental, por exemplo,
gogia durante um longo período da história da privilegiará no homem apenas a exterioridade do
educação e ainda hoje coexiste com outras ten­ comportamento, deixando a consciência "entre
dências. parênteses'’, por considerá-la inacessível aos pro­
Os limites dessa abordagem se acham na vi­ cedimentos considerados científicos.
são parcial do problema educacional, excessiva­ O behaviorismo, ou psicologia comporta-
mente centrado no interior do indivíduo e nas nienialista, influencia até hoje diversas tendên­
formas ideais que determinam a priorí o que c o cias na educação, inspirando uma metodologia
homem e como deve ser a educação. que enfatiza a rigorosa programação dos passos
para se adquirir o conhecimento, bem como as
técnicas e os procedimentos pedagógicos.
3< Concepção naturalista Skinncr. um dos representantes dessa tendência,
criou a famosa "máquina de ensinar”. Na década
A partir da Idade Moderna (século XVII), a dc 70, a tendência tccnicista (ver Capítulo 18) é
filosofia de Descartes e Locke, bem como o de­ fortemente influenciada pelo behaviorismo.
senvolvimento do método científico inaugurado Em outras teorias pedagógicas, embora não
por Galilcu e Ncwlon, faz surgir uma concepção se exerça sempre apenas a influência bcha-
do conhecimento que até hoje orienta nossa for­ viorista, também se nota a participação das di­
ma de pensar. versas ciências humanas experimentais na elabo­
A ciência surge como uma forma rigorosa de ração da metodologia. O que caracteriza a ten­
conhecer que permite perceber regularidades na dência naturalista é a tentativa de adequar a me­
natureza, levando à formulação dc leis e, portan­ todologia das ciências humanas ao método das
to, à previsibilidade dos fenômenos. Por sua vez, ciências da natureza, que se baseia na experimen­
a ciência possibilita o desenvolvimento da tec­ tação, no controle e na generalização.
nologia, segundo a frase profética de Francis Contrapõem-se a essa tendência as teorias
Bacon "saber é poder”. humanistas que buscam a especificidade do hu­
O rigor da nova abordagem certamente influ­ mano. com suas dimensões irredutíveis ao esta­
enciará a busca de compreensão a respeito do tuto das coisas1.
homem, que agora terá a preocupação dc encon­
trar as regularidades que marcam seu comporta­
mento. 4. Concepção histórico-social
Na filosofia de Descartes, por exemplo, o ho­
mem c compreendido a partir do dualismo Uma significativa mudança, caracterizada
psicofísico, ou seja, c constituído por duas subs­ pela crítica ao mecanicismo newtoniano e ao
tâncias distintas, a mente (substância pensante) e empirismo de Locke e pela primazia do senti­
o corpo (substância extensa). O corpo, por sua mento sobre a razão, se desenrola no período do
vez, é como uma máquina que funciona "como Romantismo alemão (século XVlll).
instrumento universal, operando sempre da mes­ Esses traços fundamentais da antropologia ro­
ma maneira, segundo suas próprias leis”. mântica já se encontram em um significativo re­
Com o desenvolvimento das ciências, o mo­ presentante da Ilustração, Jean-Jaeques Rousseau
delo mecânico c substituído por outros, mais ela­ (1712-1778), que exerceu grande influência, rc-
borados, mas persiste a idéia do corpo como coi­
sa submetido às leis da natureza. Surge um cam­
po fértil para a concepção determinista: o ho­ I. Consultar M. L. A. Aranha e M. H. P. Martins, Filosofan­
mem, reduzido à dimensão corpórea, está sujeito do: inlrocliição à filosofia, p. 166.

113

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

volucionando, desde então, as teorias pedagógi­ losofias essencialistas). Seres práticos que são.
cas. Podemos dizer que Rousscau procedeu a uma os homens se definem pela produção e pelo tra­
verdadeira “revolução copcmicana” na educação balho coletivo. Assim, as condições econômicas
ao deslocar o centro tradicional do processo, fixa­ estabelecem os modelos sociais em determina­
do no mestre, para o discípulo. Mais ainda, coloca das circunstâncias. Por isso Marx sc recusa a de­
o sentimento, cuja sede é o coração ou a consciên­ finir o homem de forma abstrata, buscando com­
cia moral, no centro de sua visão do homem. preendê-lo como homem real (concreto), sempre
Mesmo sendo ainda um pensador do Ilumi­ situado em um contexto histórico-social.
ni smo, ao destacar os dois níveis, natureza e No decorrer do século XTX, outros filósofos
sociedade, seu pensamento já sc encaminha se posicionam contra a concepção tradicional,
para uma concepção de homem diferente da Kierkegaard. Stirner e Nietzsche também se vol­
tradicional. tam para a concretude da vida humana, inserida
Hegel (1770-1831) destaca-se entre os filó­ na realidade cotidiana.
sofos do Idealismo alemão que elaboram
teoricamente a antropologia subjacente à
visão romântica. Ao desenvolver a filoso­
fia do devir, concebe o ser como processo,
como movimento, como vir-a-ser. Com
isso privilegia a história, mudando a dire­
ção da antropologia: o homem passa a ser
pensado como ser-no-tempo.
Segundo a concepção dialética de He-
gel, a história não significa uma simples
justaposição de acontecimentos, mas o
presente resulta dc um longo e dramático
processo, um verdadeiro engendramento
cujo motor interno c a contradição.
Muda, portanto, o que se entende por
verdade, não mais um fato, uma essência,
uma realidade dada, mas o resultado de um
desenvolvimento do Espírito.
A concepção idealista que marca a fi­
losofia de Hegel (que considera o indi­
víduo como participando do movimento
dc manifestação do Espírito) será con­
frontada por Marx (1818-1883). Apro­
veitando de Hegel a concepção dialética
da história, transforma o idealismo
hegel ia no em materialismo: o mundo
material é anterior ao espírito, e este de­
riva daquele.
Segundo o materialismo histórico mar­
xista, para se estudar o homem e a socie­
dade é preciso partir da análise do que os
homens fazem, da forma como produzem
os bens materiais necessários à vida. Só
então será possível compreender como Nesta obra, que causou estranheza em 1912, Duchamp bus­
eles pensam e como são. ca representar as sucessivas fases de um movimento, reve­
lando a preocupação em expressar o ^dinamismo da vida".
Dessa forma, para Marx não há nature­ (Marcei Duchamp, Nu descendo a escada, Museu de Fila­
za humana universal (conto queriam as li- délfia.)

114

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

No século XX. a fenomcnologia, corrente quando se fala a respeito da infância, não é pos­
fundada por Husserl, tem como principais segui­ sível se referir à criança em si sem se considerar
dores Max Scheler, Heidegger, Sartre e Merleau- o tempo, o lugar, a estrutura social em que ela se
Ponly. Para Sartre. um dos filósofos mais popu­ insere. Não existe uma natureza infantil univer­
lares, só o homem é um "ser-para-si”, aberto à sal. Aliás, a mesma observação vale para uma
possibilidade de construir ele próprio sua exis­ suposta família cm si ou uma natureza humana
tência. Diz que para o homem “a existência pre­ atemporal.
cede a essência", o que significa que não há no É bem verdade que a criança é, em qualquer
homem uma essência (como num animal ou lugar, biológica e social mente dependente dos
numa mesa), mas “o homem não é mais que o adultos para sua sobrevivência, mas a maneira
que ele faz”. como ela c alimentada, vestida, tratada gera,
A concepção histórico-social se expressa cm numa determinada comunidade, uma certa ex­
inúmeras tendências. O que importa destacar, pectativa a respeito do que é “ser criança". Essa
apesar das diferenças entre elas, é a preocupação expectativa geralmcntc reflete as aspirações e re­
com o processo (nada c estático), com a contra­ pulsas dos adultos projetadas na criança, aquilo
dição (não há linearidade no desenvolvimento, que eles pensam que ela c ou esperam que ela
que resulta do embale e do conflito) e com o ca­ seja. É compreensível que essa imagem exolua
ráter social do engendramcnlo humano (o ser do historicamente, fazendo da dependência da cri­
homem se faz permeado pelas relações humanas ança não um fato natural, mas social’.
e por isso se expressa de formas diferentes ao Ora, vimos que na Idade Média a criança par­
longo da história). ticipa do mundo adulto. A criança nobre, assim
E inevitável que (ais concepções marquem de que se desgarra da saia da mãe, aprende a ser pa­
forma indelével o ideário pedagógico contempo­ jem, depois escudeiro, preparando-se para se tor­
râneo. Abandonam-se as explicações essen- nar cavaleiro. Participa das festas dos adultos e
cialistas e estáticas, não mais se reduzindo o ho­ até nos estudos se mistura com eles. A criança
mem à dimensão de indivíduo solitário. Ele passa do povo trabalha no campo ou em um ofício no
a ser buscado como pessoa ou ser social e com­ qual se inicia como aprendiz.
preende-se melhor a interação entre sujeito e soci­ Quando as estruturas econômicas começam a
edade, inclusive ante as forças do poder. mudar devido ao aparecimento da nova classe, a
burguesia, mudam as relações entre os homens
e, consequentemente, muda a expectativa cm re­
5. Tornar-se homem lação à criança: muda a imagem da infância. A
criança é afastada das atividades que desempe­
A partir desse rápido esboço, talvez seja pos­ nhava, e seu papel nas relações económicas e so­
sível compreender a importância da antropolo­ ciais torna-se marginal.
gia corno orientadora do trabalho pedagógico. Sc Surge aí a imagem da fragilidade infantil, da
considerarmos que a história continua seu curso dependência, da impotência, do inacabamento
por meio das contradições a ela inerentes, preci­ que vai animar a construção, na Idade Moderna,
samos estar prontos para rever nossas próprias de uma teoria pedagógica que visa a ‘‘proteção”
concepções de homem. e a vigilância da criança.
Na parte 1 do Capítulo 6 analisamos o concei­ Retomaremos essa idéia sobre a infância na
to histórico de família c de criança, mostrando Unidade V, quando tratarmos do confronto entre
como o modelo de família nuclear e o conceito a pedagogia tradicional e a pedagogia nova. A
dc infância que conhecemos hoje surgem na imagem da criança que surge na escola nova de­
modernidade, quando a concepção burguesa dc fende a espontaneidade, a iniciativa e a cria­
mundo se fortalece e se difunde. tividade, cm oposição à pedagogia de resignação
Não é fácil explicar por que ocorrem tais alte­ e disciplina, e pode ser explicada pelas ncccssi-
rações, tantas são as influências a serem consi­
deradas. Podemos, no entanto, fazer uma primei­
ra observação útil ao trabalho do pedagogo: 2. Consultar Bcrnard Charlot, A mislifictiçün pedagógica.

115

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

dados da burguesia do século XIX, cujo capita­ de comunicação de massa e da consequente


lismo moderno reclama invenção, expansão, globalização do mundo.
mobilidade econômica e cooperação dos indiví­ Muitos professores se encontram perplexos
duos organizados em equipes de trabalho. diante de classes cujos jovens eles não conse­
No entanto, no final do século XX, esse guem mais compreender. Novos objetivos, nova
modelo de família e de criança já se encontra sensibilidade são desafios para a atuação dos
em crise. Com base no que foi discutido na educadores.
parte U do Capítulo 6, podemos refletir a res­ Como c esse homem que surge, seja ele pós-
peito desse novo homem, que surge a partir do moderno, ncomoderno ou qualquer outro nome
impacto dos efeitos da informática, dos meios que lhe queiramos dar?

Dropes

Do ponto de vista da educação o que significa, então, promover o homem? Significa tornar o
homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transfor-
mando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os ho­
mens. (Dermeval Saviani)

O pensamento pedagógico comum considera, mais ou menos implicitamente, que a educação


deve permitir à criança realizar-se, desabrochar, tornar-se plenamente ela mesma. (...) Quando ape­
nas nos contentamos em falar de desabrochamento, somos vítimas de um dos conceitos mais ideo­
lógicos que a pedagogia jamais produziu. (Bernard Charlot)

Leitura complementar

[Crise da escola?]

Enquanto categoria abstrata, instituição em alavanca das transformações sociais, não se


si, portadora de uma natureza imutável da qual pense, por outro lado, que ela seja um puro re­
se diga é boa, é má, a escola não existe. En­ flexo do sistema que a engendra. (...) Daí tam­
quanto espaço social em que a educação for­ bém que não seja a escola a que se encontre
mal, que não é toda a educação, se dá, a esco­ em crise, como astuta ou ingenuamente se in­
la na verdade não é, a escola está sendo histo­ siste em apregoar. Fala-se da crise da escola
ricamente. A compreensão do seu estar sendo, como se ela existisse desgarrada do contexto
porém, não pode ser lograda fora da compreen­ histórico-social, econômico, político da socieda­
são de algo mais abrangente que ela — a soci­ de concreta onde atua; como se ela pudesse ser
edade mesma na qual se acha. A educação for­ decifrada sem a inteligência de como o poder,
mal que é vivida na escola é um subsistema do nesta ou naquela sociedade, se vem constituin­
sistema maior. As relações entre eles — sub­ do, a serviço de quem e desservindo a quem,
sistema e sistema maior — não são contudo em favor de que e contra que.
mecânicas. Se não se pode pedir à escola, o (Paulo Freire, Apresentação do livro de
que vale dizer, à educação formal, que se torne Babette Harper et al., Cuidado Escola.)

116

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Atividades

Questões

1. Qual é a importância da antropologia filosófica para a pedagogia?


2. Redija um texto comparando as três linhas antropológicas (a metafísica, a naturalista e a histórico-
social) e indicando as diferenças entre elas.
3. Identifique a linha antropológica do autor da epígrafe do capítulo (Gramsci).
4. Se considerarmos a tendência histórico-social, quais os cuidados que um professor precisa tomar ao
fazer o planejamento escolar no início do ano?

Análise de texto

5. Com base no dropes 1, explique por que a citação nâo se encaixa nem na concepção metafísica nem
na concepção naturalista de homem.
6. Tendo como base o dropes 2, em que o autor critica a tendência metafísica na antropologia, justifique
essa crítica usando os conceitos próprios da tendência histórico-social.

Baseando-se no texto complementar, responda às questões de 7 a 10.

7. Identifique a linha antropológica de Paulo Freire, autor do texto. Justifique sua resposta
8. Embora o autor se refira à escola, podemos compreender o texto também como se tratasse do concei­
to de homem. Faça você mesmo essa transposição.
9. Da mesma forma que o autor critica a noção de "crise’’ da escola, analise o que seria a “crise” do
homem contemporâneo.
10. Em que medida essas reflexões sobre a escola e o homem são importantes para a atuação do profes­
sor em sala de aula?

Redação

Tema. A educação da criança na sociedade pós-industrial. (Sugestão: releia também a parte II do


Capítulo 6, a fim de explicar o que caracteriza o homem pós-moderno.)

117

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

São precisos 50 anos para fazer um homem.


(Platão)

Tratar o homem como fim, não como meio.


(Kantj

1. O mundo dos valores 2. Valores e valo ração

O homem é um ser cultural, capaz de trans­ Estamos sempre fazendo juízos de realida­
formar a natureza conforme suas necessidades de, isto é. constatamos a existência dos seres
existenciais, por meio de uma ação intencional e (ex.: esta mesa, esta caneta existem), assim
planificada. A fim de estabelecer as prioridades como afirmamos as relações entre os fenôme­
com relação às necessidades a serem atendidas, nos (ex.: o calor dilata os corpos). Estabelece­
o homem precisa escolher os meios c os fins da mos juízos de valor quando descobrimos nes­
ação a partir de valores. E cm função dos valores sas realidades um conteúdo que provoca atra­
que sentimos atração ou repulsa, desejamos ou ção ou repulsa. Isso significa que, além de
rejeitamos coisas, situações e pessoas. constatarmos a existência da mesa, julgamos se
Desde o nascimento nos encontramos envoltos é bela, se é útil, se é cara etc. Da mesma forma,
por valores herdados, porque o mundo cultural é ao afirmarmos que “o calor dilata os corpos”,
um sistema de significados estabelecidos por ou­ nos perguntamos se isso tem um valor de ver­
tros. Desse modo, aprendemos desde cedo como dade ou não.
nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos; No entanto, os valores não são, no senti­
como, quando c quanto falar cm determinadas cir­ do cm que dizemos que as coisas são. O fi­
cunstâncias; como andar, correr, brincar; como co­ lósofo Garcia Mo rente diz: “Os valores não
brir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de são, mas valem. Uma coisa é valor c outra
beleza; que direitos e deveres temos, Na medida em coisa é ser. Quando dizemos de algo que
que atendemos ou transgredimos certos padrões, vale, não dizemos nada do seu ser, mas dize­
nossos comportamentos são avaliados bons ou mos que não é indiferente. A não-indiferença
maus, e o que produzimos é julgado belo ou feio. constitui esta variedade ontológica que con­
Diversos são os valores, entre eles os econô­ trapõe o valor ao ser. A não-indiferença é a
micos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religio­ essência do valer”1.
sos, abraçando todos os níveis da vivência hu­ Isso significa que não permanecemos indi­
mana, o que nos leva a concluir que c impossível ferentes diante dos seres que constituem o nos­
vivei sem eles. so mundo familiar, pois constantemente atri­
Embora o reconhecimento do universo de va­ buímos a eles valores bipolarizados: bom c
lores seja tão antigo quanlo a capacidade que o mau, verdadeiro e falso, belo e feio, generoso
homem tem de pensar a respeito de suas ações, c mesquinho, sublime e ridículo, e assim por
apenas no século XTX surge a teoria dos valores diante.
ou axíologia (do grego axíos = valor) como dis­
ciplina filosófica específica que aborda de ma­
neira sistematizada essa temática. 1. Fundamentos de filosofia, p. 296.

118

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


venta o fotocopia

Ainda mais, os valores não “impregnam” as tc, essas questões estarão permeando, o tempo todo,
coisas, mas dependem do homem no seu esforço os demais capítulos, já que não se pode falar em
de valoração. A vaJoração é. pois, a experiência teorias da educação sem se referir a valores.
axiológica de um sujeito dentro de uma situação
concreta. Diz Pierre Furter: “Ao crescer, o jovem
- Se prohíbe su

descobre que o seu corpo, os seus gestos, a sua 4. Educação moral: o sujeito
maneira de aparecer aos outros manifestaram a autônomo
outrem certos valores de que nem tinha consci­
ência. Durante a sua aprendizagem o jovem — Dc maneira genérica, a moral c o conjunto de
mas isso continua sendo verdadeiro para o adul­ regras de conduta adotadas pelos indivíduos dc
to — descobre que as técnicas. os equipamentos um grupo social e tem a finalidade de organizar
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debldamente referenciado

e até as ferramentas iam hem incluem valores, de as relações interpessoais segundo os valores do
tal modo que nenhuma técnica pode ser de fato bem e do mal. Cada sociedade estimula alguns
empregada de maneira neutra”2. comportamentos, por considerá-los adequados, c
Afirmar que a vaJoração depende da situação sujeita outros a sanções de diversos tipos, desde
vivida não significa dizer que os valores são sub­ um olhar de reprovação até o desprezo ou a in­
jetivos, no sentido de variarem dc indivíduo para dignação.
indivíduo. E ainda Furter quem diz: “a nossa in­ Ora, o homem não nasce moral, toma-se mo­
tenção não é de 'rclativizar', mas de mostrar a ral. Nesse sentido, é importante o papel desem­
necessidade do relacionamento dos valores com penhado pela educação, não mediante “aulas de
uma dada situação”'. Por isso a valoração supõe moral”, mas por meio do processo mesmo da
a comunicação entre os homens, comunicação educação, enquanto a consideramos uma inte­
que se dá não só com nossos contemporâneos, ração entre seres sociais: aprende-se moral pelo
mas também com nossos antepassados, de quem convívio humano.
herdamos valores. O ato de valorar é uma tarefa O educador Rcboul diz que “todo professor c.
humana c colcLiva que nunca termina. Ele “fun­ professor de moral, ainda que o ignore”. Por isso
damentará o projeto comum de dar um sentido é bom que o professor reconheça o importante
ao nosso mundo"\ papel que desempenha na formação dos jovens.
Dessa forma, quanto mais intencional for sua
atuação, melhores serão os resultados.
3. Valores em educação___________ Além disso, esse processo de conscientização
de valores fará a ligação entre a escola e a vida:
Se os valores estão na base de todas as nossas educamos para que se formem pessoas capazes do
ações, é inevitável reconhecer sua importância “bem viver”. A partir dc critérios morais, “bem
para a práxis educativa. No entanto, os valores viver” significa agir virtuosamente, agir segundo
transmitidos pela sociedade nem sempre são cla- princípios.
ramcntc tematizados, e até mesmo muitos edu­ E antiga a discussão a respeito da possibilida­
cadores não baseiam sua prática em uma refle­ de ou não de se ensinar a virtude. Recentcmcnte,
xão mais alenta a respeito. Lawrence Kohlbcrg, um psicólogo americano
A educação se tornará mais coerente e eficaz falecido em 1987, ocupou-se amplamente com
se formos capazes de explicitar esses valores, ou essa questão. Implantou diversos programas vol­
seja, se desenvolvermos um trabalho reflexivo tados para a educação moral, a partir dos quais
que esclareça as bases axiológicas da educação. elaborou unia teoria sobre os estágios da cons­
Neste capítulo, vamos dar destaque especial aos trução da moralidade (ver Cap. 22).
valores morais. políticos e estéticos. Evidentcmcn- Ensinar a virtude não deve ser entendido se­
gundo a maneira tradicional e conservadora de
“dar lições” sobre o que é justiça, temperança,
2. Educação e vida, p. 11.
piedade, coragem etc. Mais do que ensinar con­
3. Educação e vida. p. 113. teúdos de moral, a preocupação dc Kohlberg está
4. Educação e vida. p. 115. em enfatizar a dimensão formal c processual da

119
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohibe su venta o fotocopia
constituição da consciência moral. Herdeiro da senvolvimento humano o homem pode passar da
epistemologia de Piaget, ele busca criar condi­ heteronomia para a autonomia {auto = próprio).
ções para que as pessoas alcancem por si pró­ A lei a que ele obedece nao mais c imposta do
prias os estágios mais altos da moralidade, exterior (hetero = outro, diferente), mas ditada
A definição de moral dada inicialmente é. por­ pelo próprio sujeito moral. Nesse sentido, somos
tanto, incompleta. O verdadeiro homem moral não livres quando capazes de autodeterminação.
recebe passivamente as regras do grupo, mas as E bom lembrar que autonomia não se confun­
aceita (ou recusa) livre e conscientemente. de com individualismo, porque ser moral signifi­
Isso significa que a moral tem uma dupla face ca ser responsável (responder por seus atos) e ca­
- Se

constituída pelos aspectos social e pessoal. Se paz de reciprocidade (toda ação é inlersubjetiva).
esses pólos são contraditórios, não deixam de ser A aprendizagem da vida moral não é espon­
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

inseparáveis. Tomar-se moral é assumir livre­ tânea nem resulta de um automatismo. Daí as di­
mente regras que possibilitem o crescimento pes­ ficuldades que impedem muitos de alcançarem
soal, entendendo-se pessoa como alguém que se os níveis morais mais altos, o que não nos sur­
integra em um grupo, isso não é fácil, se pensar­ preende. em face das características individua­
mos que a sociedade é plural e se constitui de listas c altamente competitivas da sociedade cm
valores conflitantes, diante dos quais devemos que vivemos. Como aprender a solidariedade no
nos posicionar e escolher, ao mesmo tempo que ambiente do “salve-se-quem-pudcr”?
aceitamos a divergência e o confronto dc ideias.
Bem sabemos que a educação para a liberda­
de começa cedo e que cada etapa do crescimento 5. Educar o cidadão
tem características próprias. Chegando à idade
adulta, o homem estaria pronto para tornar-sc Não nos demoremos aqui, já que aborda­
plcnamente moral (o que não significa que isso mos essa questão no Capítulo 3. Comecemos
aconteça de fato!). relembrando que a política diz respeito ao uso
A plenitude da vida moral acontece à medida do poder que torna possível a administração
que o homem desenvolve a inteligência e a da cidade, ou seja, o espaço de atuação do ci­
afetividade, tornando-se capaz de perceber racio­ dadão.
nalmente o mundo por meio de abstração e críti­ Se consultarmos os livros de história, vere­
ca, ao mesmo tempo que, pela solidariedade e mos que a educação das crianças e dos jovens
pela reciprocidade, ultrapassa o egocentrismo tem atendido às expectativas dos grupos que de­
infantil. Só eníão poderá rever maduramente os têm o poder em cada sociedade. Compreende­
valores herdados e estabelecer propostas de mu­ mos, então, por que existe a escola dualista (uma
dança. para a elite c outra para os pobres, quando lhes é
Não é à toa que o momento por excelência da destinada alguma!). E a ideologia que nos im­
elaboração da vida moral c a adolescência, quan­ pede de reconhecer que a exclusão de tantas pes­
do ocorrem tantas crises. Nesse estágio do de­ soas das atividades escolares se deve menos à in-

PÚXA, X &3TOU GOM ESTA NEVE PARA AVALIAR MEL) POBRE fNAQ TIRE
QUANTA J SENDO . GARATEF^MEU PRA­ SUSIE. CONCLUSÕES
TODA, GEREI TEN­
TESTADO l
TADO A (JOGAR UMA ZER imediato ESTA
‘StK
♦r
-------- f-------' BOLA DE SENDO JO-
NEVE NA^ GADO GONTRfc
MfiJ PRAZER
GANHAREJ A LONGO
PRESeNTEE PRAZO
NATAL

C 1«j WimraaivDiK by UntrtrMi PMia Sindicai l N7 EACONT IKgXTAL

O melhor de Calvin. Bi=l Watterson. in O Estado de S. Püu!c-, 6 ;ar. =995.

120
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

capacidade individual que às divisões propria­ 6. Educação estética


mente políticas, que instauram o desequilíbrio do
poder c, portanto. a dominação. O homem não é apenas razão, é também
Como veremos no Capítulo 14, nenhuma prá­ afetividade. Por isso, nenhuma formação pura­
tica educativa é neutra, achando-se comprometi­ mente intelectual dará conta da totalidade do hu­
da com o universo político do qual faz parte, por­ mano. Daí a importância da arte como instru­
que visa conservar o sfatus quo ou porque tem mento não só de produção e fruição estética — o
em vista a luta pela mudança. Certamente, não que se destaca ao se pensar nos dois pólos de for­
ter consciência dos pressupostos políticos de sua mação do artista e do apreciador de arte —, mas
prática é estar a serviço da ordem vigente. de humanização propriamente dita, ou seja, a
Compreende-se, assim, a preocupação com o educação estética c instrumento de valorização
ensino religioso na Idade Média, em que era fla­ integral do homem, isto é, de todo homem e de
grante o poder da Igreja; a formação do cortesão qualquer homem.
na sociedade aristocrática; c porque, com o ad­ A palavra ey/é/ítw, na sua origem etimológica
vento da burguesia, o liberalismo provocou uma (do grego aísthesis), nos remete aos significados
reviravolta na concepção das formas de ensinar. “faculdade de sentir”, ‘‘compreensão pelos senti­
No debate atual a respeito da política, a de­ dos”, “percepção total izan te”.
mocracia é colocada como um bem a ser alcan­ Assim, diferente da ciência e do senso co­
çado. Porém, esse ideal se choca com freqüência mum, que apreendem o objeto pela razão, a arte
contra estruturas antigas, solidificadas, que difi­ é uma forma de conhecimento que organiza o
cultam ou até impossibilitam sua instauração. mundo por meio do sentimento, da intuição e da
Vimos que nas sociedades autoritárias o po­ imaginação5.
der político se concentra nas mãos de poucos e E exatamente o que nos interessa aqui. Ex­
exclui a maioria da população das decisões. A plorar os sentidos, cultivar os sentimentos, abrir-
democracia, ao contrário, é por excelência uma se para a imaginação, aceitar o desafio da intui­
Nela o poder não é propriedade de ção é educar-se para a criatividade, para a inven­
um indivíduo ou da classe dirigente, mas distri­ ção, para o novo. Tudo isso c o contrário do con­
bui-sc por inúmeros focos de poder, típicos da vencional, do definitivo, das formas impostas.
sociedade pluralista. Um bom ensino de artes possibilita a abertura
Assim, deixamos de ser súditos para sermos para a ousadia porque estimula o pensamento di­
cidadãos, participantes da coisa pública. Mas os vergente. Não estamos, com isso, exaltando a
ideais democráticos que o próprio liberalismo pura subjetividade, cm oposição à objetividade,
alega estarem na base de seus valores nem sem­ nem desmerecendo a disciplina: o ensino da arte
pre se expressam além dos níveis formais. Se não se faz cm detrimento da intersubjetividade,
observarmos de fato (e não apenas de direito), da disciplina mental, nem dispensa a informação,
nem todos votam ou podem ser votados, nem to­ que a enriquece.
dos têm acesso sequer às informações, quanto A arte tem um papel formador da personali­
mais às decisões 1 dade. Para o professor Antonio Cândido, “con­
Daí os inúmeros entraves para a formação da vém lembrar que ela [□ literatura] não é uma ex­
cidadania. K difícil estimular o pluralismo quando periência inofensiva, mas uma aventura que pode
existe segregação, preconceito, exclusão, quando causar problemas psíquicos c morais, como
as pessoas estão acostumadas a obedecer, porque acontece com a própria vida, da qual c imagem c
a regra é o autoritarismo decorrente das relações transfiguração"6. Como instrumento de instrução
fortemente hierárquicas.
Isso não significa que a tarefa seja impossí­
vel. É um desafio que não passa apenas pelos
bancos escolares, devendo mobilizar o esforço 5. Para ampliar essas informações, consulte M. L A. Aranha e
M. H. P. Martins, Filosojurufo: introdução à filosofia, p. 345.
comum e constante do governo, dos professores, 6. I .cr o belo artigo do professor Antonio Cândido. ‘'Direitos
dos pais, dos centros culturais, enfim, de toda a humanos e literatura', pp. 107 ss.. em Direitos hitmunos e....
sociedade civil. organizado por Antonio C. R. Pcstcr (ver bibliografia).

121

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

G
>
T3 s g' m
Ct> p o
ry Q-

Q- cd CD
cn
o <y
-1 <u
<’
—. G
5 o
Sr o
CL o
et g ry
Cl cx O
a
o 2 rb
Q_
CL

fjq'
g_ ÊL to
= o
g 8
S' * C
E5 „ X
Cu 2 CD
o Ã
so
CO —1
S’ co>
o d <

y S. S £ cl
(T? s» G □ □
Cb
C CD C
2 (y ■—t
p’ c o B'
■y B Cu &
fD O
G
y:
S

> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>

S
cr
£Z' y
Q
g
B’
cl

O C-
cn n y
O G
g
G
õj' 3
g
Q_
\r P
3 3
0) a 3
O
3 G
m p
<75
CL 3 p
y Z G
c 3 a
r> g- z 3
0) O
y g< O
o> 3
o g
O 3
g 3 P
z E
g N
3 CL 'Zi
<- G
g
P CL
Ora O
G
—! G

z. 7^ g 3 G C/2 n g G
o y g 3" o 3 q ■-> O £
G 3 < < B Pi g
G í r\‘
cra c
o o 3- y* 3^ n
& e El < 3. p
CL G G '-i G
y

G 3
cl O
S 3
CL G
O □
p z
C
& G
<75
O c
3' 3
<T
y
B'
y y.
G y

3 e. í^>. C yi—►
B' y_ < 3 z
G 3 y n G 3
Q_ c- <->
3 3 O c
-i 3 tl G nT -i
G G y>
G 3 C G O z f—* G c
•“1 z 3 B
K> z Q 9 3
Cl <*■» 3 c g’
ÜJ y G 0 y y y 3
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Sc a criança nem sempre percebe isso, caberá recuperar a noção positiva de que o conflito é uma
ao professor, consciente dos valores a serem ad­ das condições principais para a existência de um
quiridos, exercer a autoridade, não no sentido de mundo livre. Para não sucumbir à tentação da ti­
contrariar os interesses do aluno — embora às rania, temos de aprender a “trabalhar'’ o conflito.
vezes contrarie os desejos do aluno empírico — Além disso, se admitirmos a possibilidade de
mas de dar condições para que alcance os inte­ liberdade, não há como prever o desenlace de
resses maiores de sua humanização. qualquer processo desencadeado. Daí ser inade­
A autoridade do professor, portanto, não está quada a pergunta sofrida de tantos pais que. de­
na sua função nem na sua pessoa, mas na com­ saprovando o caminho seguido por seus filhos,
petência e no empenho profissional. O aluno dizemi “Onde foi que eu errei?".
(concreto) aprenderá a respeitar o mestre quando Ora, educar não é dirigir o filho ou o aluno
for capaz de perceber que ambos têm objetivos para um ponto escolhido de antemão, mas é dar
comuns. À medida que o aluno se desenvolve, a condições para que o educando se encontre c faça
tendência é o professor “perder' autoridade, por­ seu próprio caminho. Está aí a grandeza e o limi­
que o aspecto assimétrico da relação vai desapa­ te da educação: pais c mestres precisam ser tole­
recendo, decretando a “morte" do professor. rantes o suficiente para reconhecer que nem sem­
Não e tarefa fácil fazer com que uma relação pre seus valores são tão universais quanto imagi­
que é heterogênea e assimétrica no início do pro­ nam; ser humildes para admitir que eventual­
cesso se transforme, chegando □ ser simétrica e mente eles mesmos podem estar enganados; c,
homogênea no final. O caminho é cheio de aci­ final mente, abandonar o desejo de onipotência,
dentes, pois educar para a liberdade supõe a valo­ pois, se o homem é livre, não há como obrigá-lo
rização do pluralismo das idéias, o que leva à a não errar.
eclosão de divergências e, consequentemente, ao Assim, segundo Reboul, “toda educação
conflito. Por uma questão de coerência, é preciso comporta um risco de malogro".

Dropes

Mas esta idéia de liberdade — não me incomodes que eu também te não incomodo a ti —, seja
isto dito a um colega seja dito a um professor, diria eu que é o primeiro grau da liberdade, é o grau
mais baixo da liberdade.
Para mim, conforme as palavras de Marx, “a verdadeira liberdade consiste, para cada um, em
ver em cada homem não a limitação mas a realização da sua liberdade”. A liberdade é a união de
todos nós para criar um mundo mais livre. Mas é um sentimento de liberdade a que a criança não
pode chegar por sí própria: não o alcançará sem uma longa e constante intervenção do adulto.
(Georges Snyders)

Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida com alguma
forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção;
onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou, A autoridade, por outro lado, é incompa­
tível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumenta­
ção. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. (Hannah Arendt)

O que é, pois, a liberdade? Nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo.
O mundo já está constituído, mas também nunca completamente constituído. Sob a primeira rela­
ção somos solicitados, sob a segunda somos abertos a uma infinidade de possíveis. Mas esta

124

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
análise é ainda abstrata, porque existimos sob as duas relações ao mesmo tempo. Não há nunca,
pois, determinismo e nunca escolha absoluta, nunca sou coisa e nunca consciência nua. (Merleau-
Ponty)

Renunciar à forma estética é abdicar de sua responsabilidade. Abdicação que priva a arte da
forma mesma pela qual ela pode criar esta outra realidade no interior da realidade estabelecida: o
universo da esperança. (Marcuse)

Entendo por humanização o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próxi­
mo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da bele­
za, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante. (Antonio Cândido)

Leitura complementar

[Os programas de educação moral]

Kohlberg procurou discutir com os colegas os contexto escolar. Por isso, insistia na necessida­
problemas emergidos no contexto da educação de de treinar os professores e torná-los consci­
moral. Para explicar as resistências desse con­ entes de sua influência sobre a formação geral
texto com relação à educação moral, pôs em de­ dos seus alunos e sobre seu desenvolvimento
bate o que chamou de [currículo oculto] hidden moral. Em lugar de um currículo oculto não
curricuiume [atmosfera moral] moral atmosphere conscientizado, colocava sua teoria da morali­
(...) dade como matriz de orientação do professor em
O conceito do currículo oculto alude ao fato de sala de aula. Conhecendo a psicogênese da mo­
que não existe um currículo específico para a edu­ ral, suas etapas e seus mecanismos, os profes­
cação moral, mas, consciente ou inconsciente­ sores estariam em condições de usar qualquer
mente, o professor educa segundo princípios mo­ aula (inclusive de matemática ou tísica) para aju­
rais nem sempre explicitados. Esses princípios dar a promover a passagem da consciência mo­
implícitos no sistema escolar e transmitidos pelo ral de um estágio inferior para um estágio mais
contexto social mais amplo muitas vezes não são elevado. A teoria psicológica da moral tomaria,
conscientizados pelo professor e traduzem-se em pois, o lugar do currículo oculto. Como neste, a
suas práticas educativas. Por trás do currículo ofi­ teoria não poderia ser mencionada em sala de
ciai, regular, esconde-se, pois, um outro currículo aula, mas poderia servir como fio condutor para
ou programa social: o hidden curriculum. a prática de ensino do professor. (...)
Kohlberg não acreditava na possibilidade de Com o termo atmosfera moral Kohlberg fazia
desenvolver um currículo específico para a edu­ referência ao clima social mais ou menos favorá­
cação moral. Todas as formas de conduta, todos vel para a realização com êxito de programas de
os temas, todos os relacionamentos dentro e fora educação moral. Assim, a atmosfera moral do
da escola forneciam material para a reflexão e o kibutz em Israel era mais propícia à educação
julgamento moral. A educação moral não pode­ moral, segundo os preceitos da teoria de
ria, pois, ser realizada de forma direta, sem me­ Kohlberg (incluindo os valores de liberdade, jus­
diações. Mas isso não significava que ela não tiça e democracia) do que a atmosfera moral em
pudesse ser realizada de forma consciente, em um povoado tradicional na Turquia ou uma pri­
pleno conhecimento de causa dos mecanismos são nos Estados Unidos.
psíquicos da construção da moralidade e das re­ (Barbara Freitag, Itinerários de Antígona:
gras e práticas sociais e pedagógicas em uso no a questão da moralidade, p. 219-220.)

125

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


venta o fotocopia

Atividades

Questões
- Se prohíbe su

1. Explique por que a valoração varia conforme o tempo ou o lugar em que vivem as pessoas.
2. Observando o mundo em que você vive, analise alguns valores que são desprezados e que, segundo
seu ponto de vista, não deveriam sê-lo. Justifique sua resposta.
3. Por que a reflexão a respeito dos valores é importante para o educador?
4. Anomia, heteronomia, autonomia: explique o significado desses conceitos como indicativos da evolu­
ção moral.
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

5. Por que no mundo de hoje é tão difícil ter urna vida autentica mente moral?
6. Critique a democracia brasileira a partir da noção de cidadania. Por que não podemos dizer que a
maioria é constituída por cidadãos de fato?
7. Qual é a importância dos valores estéticos na formação do estudante?
8. Por que é difícil exercer autoridade se não formos capazes de distinguir entre o aluno empírico e o
aluno concreto?

Análise de texto

Com base no dropes 1, responda às questões de 9 a 11.

9. Por que é pobre a concepção de liberdade a que Snyders se refere no início da citação?
10. Qual é o significado da frase de Marx?
11. Snyders destaca o papel dos adultos na formação dos valores da criança. Discuta o fato de não se
tratar de tarefa fácil e quais os perigos que podem colocar em risco a educação para a liberdade.

Tendo como base o dropes 2, responda às questões 12 e 13.

12. Explique porque Hannah Arendt não identifica a autoridade com a coerção nem com a persuasão.
13. Em que se sustentaria então a autoridade?

Baseando-se no dropes 3, responda às questões 14 e 15.

14. Releia o que discutimos sobre o sujeito social, a propósito da liberdade, e explique o que Merleau-
Ponty quer dizer com “nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo” (grifo
nosso).
15. A partir do que foi explicado a respeito da controvérsia entre os partidários do determinismo e os da
liberdade absoluta, explique o significado da frase “Nunca sou coisa e nunca consciência nua".

Baseado no texto abaixo, responda às questões 16 e 17.

Um grande pintor, tendo feito em algumas sessões o retrato de um freguês, teve que ouvir deste a
objeção de que o preço exigido era muito alto por algumas horas de trabalho. “Algumas horas”, respondeu
o artista, “mas toda a minha vida." (Gusdorf)

16. Explique o significado da resposta do pintor.


17. Transponha o exemplo do trabalho do pintor para a profissão de professor, refletindo sobre o que
significa “tornar-se professor".
18. Leia as frases a seguir (sugeridas pelo professor Saviani), identifique a que é reveladora de uma
postura autoritária e justifique sua resposta:
a) “Se meu filho não quer aprender, o professor tem de fazer com que ele queira.”
b) “Se meu filho não quer aprender, o professor tem de fazer com que ele aprenda mesmo que não
queira.”

126
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Com base no texto complementar, responda às questões 19 e 20.

19. O que significa currículo oculto? E atmosfera moraP


20. Observe a sua escola e:
a) identifique comportamentos típicos do currículo oculto;
b) cite características predominantes da atmosfera moral.

Redação

Tema 1: “A liberdade adolescente é uma adolescência da liberdade.” (Georges Gusdorf)


Tema 2: 'Todo professor é professor de moral, ainda que o ignore.” (Heboul)

127

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
75
75
C
O
>

£Z'
Q
Õ?

O
cn
O
õj'
Q_

m
Q_
£Z
n
Q)
o
QJ>
O
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>
O
>■ 5*
£Z'
Q
Õ?
3
o
O
x
O
õj'
Q_
0)
m —»
CL o
o< a C O
c G G
r> xC X s §■ fV
0) Ui Ç-. cl 3
O rs p
o> c c
a < 3
o y G r* Gx
'■J S- á'
r, d d' d
>—t d
pc tf C- '•'
G
2>3 pz G CL ■—•
n 3 X g- g 3
7 1 <* G
t? £ CL 1
x: cr 2 G-.
d r\

•y G_ '-r. G G < -O
tf d CD
O E, *5 c O G
2
Í a G G OO
< □
d G_ X G g n
Cl G G y g
o d CD* d P Q- X
G G- g X 7'
CD X d s' X G d *5,
X 7~
□c X' T3 X G O □ C
Gx o'
g X a G
G X l—i
G g d rd G d 3 G
-j |-t r-j Cfo & G
23 X5
“I =3
Õ* CL G> J3 g‘
C d tf B
Gx d O E3 23Í G G ■y.
3
Q o 2. O X G
tf X a 7í X 23 3 g Gx X CL
g X X 23 x G pz •X Gs
tf N o S: X rjõ' .. 3 d -j G
B- G d: G o —■ <
o 0 o O d> G X CD G
d x
<- G> 7 G- X' 7T d c~ G
3 G G n g g CJÇ
d O g' G d y
G CD 23 c c
CL tf 23 X G 2“ 7 G X
d' X G i—1 -Q
d x O X
G
23 O c Cl Ü g c
G d G G tf G
x S tf d G g
2 G X O X X C □ T3
G CL tf O C G G o a
c >—• p —t d 3 G
3 G> X c 23 -D d d' G G x
7 d” 2 d d G o
d O G d G 5
o 2
c X ttq' G G O G X5
3 S’ 2 G X 3 uG p XJ G X
g g’ o d Gx 23 CD y
o B d. Cl d G o G O
rt Ot
—■ y
-Cl JjÇ g G G
y
G’ X G pi O •X CL C n Gx x
-5 x/ T5 g n 23 G
G r. d" G O G d 2? ~ ■o tf
"Q X 23 G
n X d G
Gx Q_ 3' ÍB Xi 3
G O G N* d* t, g' í
G £ 3 5 X 3 Q d. 25 CD x
X G G —J g" 7 G
X G tf 2 x
hO d CL X G
sO G T O o Õ Q O 23x 23 x 1 Q
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

mérico, incerto, vago. Agora, a explicação dos Skinner aperfeiçoou os estudos do condicio­
fatos se reduziria aos seus termos reais, acessí­ namento clássico ou pavloviano e, a partir dc ex­
veis por meio da observação e da experimenta­ periências com pombos e ratos, estabeleceu as
ção, que permitem a descoberta das relações en­ leis do condicionamento instrumental (ou ope­
tre os fenômenos, ou seja, o estabelecimento das rante, também chamado skinneriano). Esse con­
leis invariáveis da natureza. Em última análise, dicionamento se dá na ‘'caixa de Skinner’'. na
segundo a concepção positivista, o conhecimen­ qual é colocado um animal faminto. Depois de
to científico se sobrepõe a outras formas dc co­ esbarrar casual mente em uma alavanca diversas
nhecimento, lais como a religião e a filosofia. vezes, o animal associa o esbarrão na alavanca
O empirismo e o positivismo caracterizam a com o alimento que cai dentro da caixa. Passa
tendência naturalista que marca foriemente o então a apertar a alavanca sempre que deseja o
início da constituição do método das ciências alimento.
humanas, no final do século XLX e no começo Ao aplicar esse princípio à aprendizagem hu­
do século XX. Trata-se de uma tentativa de em­ mana, Skinner inventa a instrução programada.
prestar o rigor do método experimental e da na qual o texto apresentado ao aluno em nível
matematização, típicos das ciências da natureza, crescente de dificuldade, tem uma série de espa­
adaptando-os à análise dos fenômenos humanos ços em branco, que devem ser preenchidos pelo
em ciências como a sociologia, a psicologia e a aluno. Sc um reforço for dado a cada passo do
economia. processo e imediatamente após o ato, o aluno
O sociólogo Durkheim, por exemplo, partiu poderá ir conferindo o erro ou o acerto de sua
do pressuposto metodológico de que os fatos so­ resposta. O processo foi desenvolvido com o in­
ciais deviam ser observados como se fossem coi­ tuito de se criar a ‘ máquina dc ensinar”, que po­
sas. Também a psicologia nascente se volta para deria substituir o professor em várias etapas da
o exame dos aspectos comportamentais que po­ aprendizagem.
dem ser verificados cxperímenlalmente. O ale­ Estamos nos alongando na exposição do
mão Wundt, por exemplo, se ocupa com o estu­ empirismo porque ele exerceu forte influência na
do da percepção sensorial, principalinente a vi­ pedagogia contemporânea, influência esta que
são, estabelecendo relações entre os fenômenos foi explícita em tendências como a tecnicista,
psíquicos e seu substrato orgânico, sobretudo ce­ aparecendo também de maneira não-tematizada
rebral. na atividade de muitos professores que nem se­
Outra corrente de psicologia que tem exerci­ quer suspeitam estar agindo segundo tais pressu­
do marcante influencia na pedagogia conícmpo- postos, como veremos adiante.
rânea é o behaviorismo (de behavioiir ou
behavior, conduta) ou psicologia compor- Tentativa de superação
tarncritalista. Oriunda da mais autêntica tendên­
cia naturalista e inspirando-se inicialmente nas Evidentemente, tanto as tendências aprio-
experiências com reflexo condicionado levadas rislas quanto as empiristas — que enfatizam, res-
a efeito pelo russo Paviov, teve seu primeiro re­ pectivamente, o sujeito ou o objeto como deter­
presentante americano em Watson (1878-1958) minantes do conhecimento — são insuficientes
e desenvolveu-sc com a contribuição de Skinner para explicar a complexidade do ato cognitivo,
(1904-1990). esbarrando várias vezes em problemas inso­
O princípio do condicionamento se baseia no lúveis.
associacionismo. Segundo essa teoria, a apren­ Vejamos um exemplo: se as idéias são ina­
dizagem se faz quando associamos dois estímu­ tas, devem ser intetnporais e, portanto, perma­
los, sendo que um deles funciona como refor­ nentes. Como explicar a sua mudança no tempo
çado r de uma resposta2. c no espaço? O próprio Locke já criliçava a
idéia cartesiana de Deus, ponderando que al­
guns povos não têm representação de Deus ou,
2. Consultai M. 1.. A, Aranha e M. H. P. Martins. Filosofan­ pelo menos, não a sua representação como um
do; introdução à ílkwfia, p. 169. ser perfeito.

130

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Por outro lado, se os cmpiristas partem da ex­ de significados. O mundo é sempre um mundo
periência, como considerar que as sensações in­ para uma consciência. Daí a importância dada
dividuais c, portanto, particulares c subjetivas ao sentido, à rede dc significações que envolve
podem nos levar a um conhecimento universal? os objetos percebidos. Por exemplo, a fenome-
Ao contrário, seria preciso admitir que tudo c re­ nologia contrapõe o símbolo, que faz parte do
lativo ou até cair no ceticismo, segundo o qual a mundo do sentido (tipicamente humano), à rela­
razão humana c incapaz de conhecer a realidade. ção mecânica estímulo-resposta da psicologia
Por esse nioli vo. outros teóricos se ocuparam behaviorista. que se baseia nos sinais (típicos do
na busca de uma compreensão mais elaborada do mundo animal).
problema, a fim de superar as duas posições an­ A Gestalt, ou psicologia da forma, é herdeira
tagônicas. Entre eles. Lcibniz e Kant, no século dos pressupostos da fenomenología c como tal
XVIII. e Hegel e Marx, no século XIX, levaram critica as psicologias assoeiacionistas. Para os
a efeito estudos nesse sentido. No século XX, a gestaltislas, corno Kõhlere Koffka, por exemplo,
questão mereceu a atenção de Husserl, represen­ não há excitação sensorial isolada. Por isso o ob­
tante da fenonienologia. Esta corrente filosófica, jeto não c percebido em suas partes para, depois,
por sua vez, influenciou a Psicologia da Forma ser organizado mcntalmente por meio de percep­
(ou Gesiall) e a filosofia dc Mcrlcau-Poniy. ções e idéias, como frequentemente se pensa. Ao
Estas concepções são bastante diferentes, mas contrário, percebemos inicialmente totalidades (a
têm em comum o fato dc considerar insuficien­ configuração, a forma — gestalt, cm alemão),
tes as posições unilaterais do empirismo e do nos ocupando posterionnente com os detalhes,
inatismo. Para superá-las, lançam mão de uma Isso parece claro quando, observando nuvens no
concepção mais dinâmica de verdade, bem como céu, sempre damos formas a elas: parecem um
buscam estabelecer uma relação intrínseca entre rosto, um gato, e assim por diante.
sujeito e objeto. A tendência do sujeito para organizar campos
A título dc exemplo, vejamos alguns aspec­ de percepção explica também o comportamento
tos da fenomenología, cujo postulado básico é a inteligente. Quando Kõliler fez experiências com
noção de intencionalidade. Dizer que a consci­ chimpanzés, a fim de observar a maneira pela
ência é intencional significa que, contrariamente qual esses animais resolvem o problema dc pe­
ao que afirmam os inalistas, não há pura consci­ gar uma fruta colocada fora de seu alcance, não
ência, separada do mundo, mas toda consciência usou a hipótese do ensaio e do erro, típica das
tende para o mundo, toda consciência é consci­ psicologias comportamentaíislas, mas sim a do
ência de alguma coisa. Contrariamente também insight (ou iluminação súbita), que resulta de
aos cmpiristas, os fenomenólogos afirmam que uma percepção instantânea de um campo único,
não há objeto em si, já que o objeto só existe para de uma totalidade, e não dos elementos separa­
um sujeita que lhe dá significado. dos (no caso, a fruta e o bambu para alcançá-la).
Com isso, a relação entre sujeito e objeto dei­ Veremos posterionnente como essas teorias
xa de ser dicotômica, o que se percebe pela aná­ têm pontos em comum com as tendências da pe­
lise do conceito de fenômeno, que em grego sig­ dagogia contemporânea, sobretudo as progressis­
nifica “o que aparece’': não há ser em si. um scr tas, que buscam uma fundamentação histórico-crí­
escondido atrás das aparências, mas o objeto do tica para a práxis pedagógica, e as construti vistas,
conhecimento é aquilo que se apresenta, que apa­ preocupadas com uma fundamentação episte-
rece para uma consciência. Esta desvela o objeto mológica baseada em estruturas dinâmicas.
progressivamente, por meio de seguidos perfis, As teorias progressistas de influência marxis­
de perspectivas as mais variadas. Por isso o co­ ta e o construti vi srno soviético (ver Capítulos 22
nhecimento é um processo que nunca acaba, é e 23) se utilizam da dialética, entendida corno a
uma exploração exaustiva do mundo. lógica da contradição. Enquanto a concepção
Como se vê. a fenomenología se contrapõe ao csscncialista do mundo exige a lógica formal tra­
positivismo, na medida em que não se encontra dicional, que parte do pressuposto do princípio
diante de fatos, de coisas, já que não percebe­ de identidade, a concepção dinâmica, na qual
mos o mundo como uni dado bruto, desprovido tudo está em constante processo, compreende o

131

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

real na sua contraditoricdadc, na oposição entre 6. O professor precisa saber qual é o estágio
lese e antítese. de desenvolvimento intelectual do aluno com o
A passagem do ser (tese) para o não-ser (an­ qual vai trabalhar, a fim de criar situações para
títese) não significa a destruição ou a negação do que ele aprenda por si próprio.
primeiro, mas o movi mento para a construção de
outra realidade, que surgirá no terceiro momento Os exemplos 1, 2. 3 c 4 se fundamentam na
da dialética, ou seja, na síntese, que é uma forma tendência ernpirista. porque partem do pressu­
de superação da contradição. posto de que o conhecimento c algo que vem de
Além da coniradiloriedade, outra caracterís­ fora, sendo que o sujeito o recebe de uma manei­
tica importante da dialética é a categoria de tota­ ra mais ou menos passiva, conforme o caso.
lidade, pela qual o lodo predomina sobre as par­ Expressões como transmitir e treinaf\ nos dois
tes que o constituem. Isso significa que as coisas primeiros exemplos, são bastante reveladoras do
estão cm constante relação recíproca e que ne­ caráter externo do processo. O terceiro exemplo c
nhum fenômeno da natureza ou do pensamento ernpirista também porque reforça a passividade do
pode ser compreendido isoladamente, separado sujeito, determinado pelo meio em que se insere,
dos fenômenos que o rodeiam. Os fatos não são fruto de um inundo externo hostil no qual ele está
átomos, mas pertencem a um todo dialético e. mal-alimentado e mal-informado. () empirismo
como tal, fazem parte de uma estrutura. do quarto exemplo apresenta ainda características
São essas categorias que nos permitem com­ típicas do behaviorismo, em que o ensino se ba­
preender o homem como ser histórico-social, as­ seia nos reforços positivos e negativos que fixam
sim como a dialética entre o social e o pessoal, a os reflexos condicionados.
teoria e a prática, o sujeito e o objeto, o deter­ Já o quinto exemplo tem uma característica
minismo e a liberdade. Voltaremos a essas ques­ própria do apriorismo, considerando o gasto de
tões nos Capítulos 22 e 23. conhecer um elemento inato, que precisaria ser
revelado, despertado.
O sexto exemplo caracteriza uma tentativa de
3. Pressupostos epistemológicos da superação das duas posições, na medida em que
práxrs pedagógica parte do pressuposto de que o conhecimento do alu­
no não é o mesmo para todos nem é estático, mas
Talvez o leitor ainda não esteja muito conven­ se faz por estágios; além disso, ele enfatiza o as­
cido da ligação intrínseca existente entre as ques­ pecto pessoal c dinâmico do processo de conhecer.
tões epistemo lógicas analisadas e a sua práxis cm Dados os exemplos, retomemos agora as teo­
sala de aula. rias do conhecimento aplicadas às tendências pe­
Por isso vamos dar alguns exemplos. Se per­ dagógicas.
guntarmos a um professor o que ele considera Vimos que as teorias aprioristas dão ênfase ao
importante fazer para que seu aluno aprenda de sujeito, que teria de antemão “formas”, idéias inalas
fato, ele pode dar as seguintes respostas: que funcionariam como condição de qualquer co­
nhecimento. A partir dessa perspectiva, a educação
1. É importante que o professor saiba trans­ surge como um processo de atualização, no sentido
mitir bem o conhecimento acumulado na cultura de tomar presente o que cada um tem em potência.
a que pertence. Caberia ao professor dar condições para que
2. O aluno precisa estudar bastante, treinando essas potencialidades venham à tona, paia que se
o suficiente para fixar o que aprendeu. desenvolvam as tendências, os dons inatos. Nesse
3. O esforço do professor é irrelevante diante caso, pode-se até explicar o fracasso de um aluno
de alunos carentes, mal-alimentados, vindos de “por não ler uma inteligência privilegiada" ou por
famílias sem tradição cultural. “não ser bom para o estudo da matemática". Ao
4. O professor deve premiar quem trabalha contrário, seria considerada boa a expectativa de
bem e punir com nota baixa quem não se esforça. aprendizagem no caso de uma criança “inteligen­
5. O bom professor é capaz de despeitar no te”. entendida a inteligência como algo que é dado
aluno o gosto pelo estudo. a priori c que precisaria ser desenvolvido.

132

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Nas teorias pedagógicas fundamentadas no les de fundamentação ora fenomenológica. ora


empirismo existe a primazia do objeto. Daí a im­ marxista.
portância do meio, da transmissão dos conheci­ Essa abordagem se diz inte.racion.ista porque
mentos acumulados e, portanto, do conhecimen­ o conhecimento é concebido como resultado da
to como “descoberta” de algo que já existe (c não ação que se passa entre o sujeito e um objeto. O
como resultado de uma construção). conhecimento não está, então, no sujeito, como
Segundo essa perspectiva o sujeito seria unia queriam os apriorisLas, nem no objeto, como di­
tabula rasa, de certa forma passivo, receptivo ao ziam os empiristas, mas resulta da interação en­
conhecimento, que viria de fora e só em um se­ tre ambos.
gundo momento seria incorporado pelo sujeito e Os pólos sujeito-objeto, homem-mundo, pro­
transformado cm conteúdo mental. fessor-aluno, que se achavam dicotomizados nas
Para o professor Fernando Becker, que se ocu­ perspectivas anteriores, encontram-se aqui inte­
pou com um trabalho de pesquisa sobre o assunto, grados, inter-relacionados, sem que se busque
a tendência cnipirista é a que caracteriza mais enfatizar um dos lados, já que ambos tem impor­
amplamente a epistemologia do professor. Ele tância no processo. Assim, os dois pólos não são
constata que o prolessor muitas vezes desconhece negados pura c simplesmente, porque em toda
esses pressupostos e, mesmo quando pensa estar superação conservam-se, dc certa forma, as qua­
partindo dc fundamentos diferentes, destacam-se lidades dc u in e de outro.
características empiristas na sua verbalização. Além disso, o ato de conhecer é dinâmico, já
Talvez isso se deva ao fato de que a tendência que o ser humano passa por estágios progressi­
empirista é uma das características do ensino tra­ vos de auto-organização nos quais as estruturas
dicional, além dc ser a que mais se aproxima do formadas se sucedem, alternando mobilidade e
senso comum, não exigindo, por isso, questio­ estabilidade.
namentos. Sob esse aspecto, confira: a valoriza­ O interacionismo valoriza o objeto, o mundo,
ção da aula expositiva enfatiza o ensino como o professor e. portanto, o conhecimento como
transmissão de conhecimento, o conhecimento produto acumulado pela humanidade e a autori­
como produto acabado, a memória como arqui­ dade do saber do mestre. Mas valoriza também o
vo. a aprendizagem como soma, acumulação sujeito, o aluno com sua experiência de vida e
quantitativa. sua capacidade dc construção do conhecimento.
Da mesma forma, as tendências compor- Ao mesmo tempo, nega que o saber do mestre
tamentalistas são empiristas por valorizarem o possa se exercer por si só. pela mera transmissão,
ensino individual, bem como o processo de as­ sem o contraponto do saber que o aluno já traz
sociação para a formulação do conhecimento, (ele não é uma tabula rasa), negando também o
dando destaque ao treinamento como instrumen­ absolutismo da educação centrada no aluno (não-
to dc mudança dc comportamento, por meio dc diretiva) e que despreza a ação do mestre.
programas que obedecem a etapas rigorosamen­ Posto o problema dessa forma, pode parecer
te estabelecidas dc antemão. que ainda estamos presos à maneira de pensar
As Lcorias pedagógicas cujos pressupostos tradicional. Por isso convém lembrar que não
epistemológicos pretendem superar as tendências existe, dc um lado, um sujeito constituído c, de
aprioristas e empirisLas são as conhecidas como outro, um objeto dado que se põem a interagir,
hiteracionistas e constnitivístas. Entre elas pode­ mas que é pela própria interação que se constitui
mos citar as inspiradas em Piaget, Paulo Freire, o sujeito e o objeto (ver dropes 1). Voltaremos a
Vygotsky, Gramsci, Wallon e outros, muitos de­ esse assunto no Capítulo 22.

Dropes
1
1

De uma parte, o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de
si mesmo nem de objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele se imporiam. O

133

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo,
portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma inditerenciação completa e não de
intercâmbio entre formas distintas. De outro lado, e, por conseguinte, se não há, no início, nem sujeito,
no sentido epistemológico do termo, nem objetos concebidos como tais, nem, sobretudo, instrumentos
invariantes de troca, o problema inicial do conhecimento será pois o de elaborar tais mediadores.
(Piaget)

Piaget define sua epistemologia: ...que é naturalista sem ser positivista, que põe em evidência
a atividade do sujeito sem ser idealista, que se apoia também no objeto sem deixar de considerá-lo
como um limite (existente, portanto, independentemente de nós, mas jamais completamente atingi­
do) e que, sobretudo, vê no conhecimento uma elaboração contínua.

Leitura complementar

[A epistemologia do professor]

Este texto foi extraído da “Conclusão" do livro ao conceito de treinamento. Dentre todas as qua­
A epistemologia do professor, em que o professor lidades antipedagógicas que o conceito — e a
Becker relata o resultado de diversas pesquisas, prática — de treinamento condensa, a mais ne­
realizadas na Universidade Federai do Rio Gran­ fasta é, sem sombra de dúvida, a do autori­
de do Sul, que tinham por objetivo a investigação tarismo. O autoritarismo não encontra apenas
da epistemologia subjacente ao trabalho docente campo propicio na epistemologia empirista; mui­
de professores de todos os níveis de ensino. to mais do que isso, o autoritarismo encontra no
empirismo a sua fundamentação e a sua
A primeira grande constatação que se deli­ legitimação teórica e prática.
neou, desde as primeiras análises foi a de O docente que professa esta epistemologia
que a epistemologia subjacente ao trabalho do­ manifesta, via de regra, uma arrogância didática.
cente é a empirista e a de que só em condições Ele acredita que seu ensino tem poder ilimitado
especiais o docente afasta-se dela, voltando a para produzir aprendizagem; se esta não ocorre,
ela assim que a condição especial tiver sido su­ a culpa é inequivocamente do aluno. Toda a ava­
perada. (...) liação escolar passa a ser processada à base
(...) Ouvimos e observamos docentes convictos desta fundamentação. O subproduto inevitável
de que procedem didaticamente segundo um de tal relação didático-pedagógica é a morte da
modelo pedagógico construtívista. Organizam criatividade. Não há lugar para a novidade em tal
ações e fazem seus alunos realizarem tais relação. (...)
ações. Mas, como sua concepção episte- Penso, por isso, que a simples mudança de
mológica não mudou, cobram ações de seus alu­ paradigma epistemológico não garante, neces­
nos com a finalidade única da reprodução: o alu­ sariamente, uma mudança de concepção peda­
no deve executar tais ações a fim de conseguir o gógica ou de prática escolar, mas sem esta mu­
objetivo já delineado pelo professor, e nada mais. dança de paradigma — superando o empirismo
Nem pensar num objetivo trazido pelo aluno. Não e o apriorismo — certamente não haverá mudan­
pode haver surpresas. (...) ça profunda na teoria e na prática docentes. A
A epistemologia empirista constitui, em larga superação do apriorismo e, sobretudo, do empi­
escala, e de forma quase totalmente inconscien­ rismo é condição necessária, embora não sufici­
te, o fundamento “teórico-filosófico” da peda­ ente, de avanços apreciáveis e duradouros na
gogia de repetição ou da reprodução. Esta peda­ prática docente.
gogia — e a didática pela qual ela se manifesta (Fernando Becker, A epistemologia do
— identifica-se com tudo aquilo que atribuímos professor, p. 331,333-335.)

134

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Atividades

Questões

1. No processo de conhecimento existem os pólos sujeito que conhece e objeto conhecido. Explique o
que é enfatizado pelo apriorismo. Faça o mesmo para o empirismo.
2. De que maneira a noção de intencionalidade da corrente filosófica fenomenológica tenta superar a
alternativa inatismo/empirismo?
3. Explique por que o construtivismo, como teoria pedagógica, parte de pressupostos diferentes daqueles
do inatismo e do empirismo?
4. Identifique a tendência (inatista. apriorista ou construtivista) que predomina nos exemplos a seguir:
a) O aluno tem mais sucesso na escola quando já tem facilidade para o trabalho intelectual. Da mesma
forma, outros têm dom para os trabalhos manuais e técnicos
b) Dê muitos trabalhos para seus alunos As notas estimulam e aceleram a aprendizagem.
c) A escola é o local onde se plasmam a mente e a alma do educando, ensinando-lhes o saber acumu­
lado e os costumes da cultura a que pertence.
d) Não é possível ensinar álgebra para a criança de 8 anos porque ela ainda não entrou no estágio que
permite compreender tal nível de abstração.
e) Sou uma pessoa metódica e, no começo das atividades, faço um planejamento rigoroso, que sigo
passo a passo no decorrer do ano.
f) É importante permitir a atividade espontânea da criança, a vida em grupo, a manipulação e a expe­
rimentação com materiais.

Análise de texto

5. Relacione os dropes 1 e 2 e explique em que sentido eles dizem a mesma coisa.

Com base no texto complementar, responda às questões de 6 a 8.

6. Qual é, segundo Fernando Becker, a epistemologia que está subjacente com mais freqüência na práti­
ca dos professores que foram objeto de sua pesquisa9
7. Quais são as justificativas do autor ao considerar autoritária a epistemologia empirista?
8. Por que ;em sido tão difícil para os professores aplicar as teorias construtívistas em sala de aula?

Redação

Tema: Conhecer é de certa forma reconstruir a realidade.

135

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
75
75
C
O
>
a T5 -Ci
Cü Q- S1
'j-.
a Q
O tn o •Z
'V. p s-. a
£Z'
Q 3
r: -j
Õ? P aCL.
■•-c C
C £
P H <5
O z G P
cn CL a»
O c o z a o
P<
CT O
õj' p
—t ,y> CD
Q_ rc r/ d o
O
QJ z 3
m O cl n >
Q_ z P
CL z 0
£Z Q
n C 2- "C P
QJ -C X c 3
o d
c
QJ> O
O z o 3 <c
c
ÜL 0 c
c‘
Q- 5 n
P 03 O z
& Z
P 3 G
a 3 Z •’
CD
o n' Cl n
p i 0 c
O-
c Õ. <
3 z i) p
B í a •X z
3 P z
I—■ a z z 7C n
CD C O
O-
a c ? 3 3 zr
CD <D O O c
G
3 3 d
Z n o
CD p
CC n S’ 3 P c -O 3
z. £
3 O G
z 3 p <• N
z z p_ P
CD Q ct z
P Z~-,
P z o
v- 3 3
0
CL C Z O z
n O c ,z C
p p E
O O z ’_j,
Ci p
pi p 3* P
C z
O
CL 0 s
cro p n OQ p
O zr O o z
c P p
3 0
CL c> Q_
z 2 03
3
z O Ç O
z r.
d Z Çj_
3
Z et p
z Z.
z O> <T> < rrc
Ctx a p c- z
p o z z
CL C z
P -Q
C/í P z
O p d
Vi a r;
3
a 7’ c fT
3 O
O I
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

meios de produção e a garantia dc funciona- existe a fim dc garantir a defesa dos direitos in­
mento da economia a partir do princípio do lu­ dividuais naturais c dar segurança para que cada
cro c da livre inicializa. A estimulação do co­ um desenvolva seus talentos e gerencie seus ne­
mercio c da indústria justifica o interesse pelo gócios.
desenvolvimento científico e tecnológico, tão A concepção dc mundo subjacente à teoria li­
bem representado pela Revolução Industrial do beral valoriza1:
século XVIII.
A exigência de não-intervenção do Estado se • o individualismo: a sociedade civil é for­
estende também ao poder da Igreja, muito forte mada pela aglutinação de indivíduos inicial -
durante a Idade Média. Em contraposição, o li­ mente separados no “estado de natureza"; quan­
beralismo burguês defende a existência do Es­ do se reúnem, o fazem para garantir a consecu­
tado laico, não identificado com religião algu­ ção de seus interesses individuais. Ainda mais:
ma, da mesma forma que valoriza o ideal de to­ o sucesso ou não de cada um depende de seu
lerância, pelo qual não deve interferir nas cren­ talento e resulta da competição entre os mem­
ças pessoais. bros da sociedade;
As mudanças econômicas preparam o cami­ • a liberdade vista como liberdade individual,
nho para que a burguesia se torne a classe “a liberdade de cada um vai até onde começa a
hegemônica. Isso ocorre quando, a partir das liberdade do outro1' c uma afirmação típica da
chamadas revoluções burguesas — a Revolução concepção liberal individualista. Em outras pa­
Gloriosa (Inglaterra. 1688) c a Revolução Fran­ lavras, espera-se que o sucesso de cada indiví­
cesa (1789) . ela assume o poder político. duo seja garantia para o crescimento da socieda­
Os principais teóricos do liberalismo econô­ de como um todo;
mico foram Adam Smith c David Ricardo, no • a propriedade: no sentido amplo de que
século X V11. No período que vai do século XV11 todo indivíduo é proprietário de sua vida, de seu
ao XIX, o liberalismo político teve como repre­ corpo, dc seu trabalho e. no sentido estrito, de
sentantes Locke, Montcsquieu. Kant, Humboldt, seus bens e patrimônio. Encontra-se no libera­
Stuart Mi 11 e Tocqueville. lismo uma característica que Macpherson cha­
ma dc “individualismo possessivo1': “a essên­
cia humana é ser livre da dependência das von­
3. Um novo homem tades alheias, e a liberdade existe como exercí­
cio dc posse11;
Um novo modo dc pensar surge das mudan­ • a /gMí/ZíWí', entendida como igualdade ci­
ças levadas a efeito pelo liberalismo nos campos vil: não se admite a servidão, como na Idade
econômico, político e social. Média, nem se suportam os privilégios da nobre­
Esses novos princípios ficam claros na filo­ za, que tanto irritavam os burgueses; todos seri­
sofia do inglês John Locke (1632-1704), que. à am iguais perante a lei e a todos seria oferecida
semelhança dc outros filósofos de seu tempo, igualdade dc oportunidades;
desenvolve uma teoria eoniratua lista para expli­ • a segurança: baseada em uma nova con­
car a origem do poder de forma racional e laica cepção de justiça, centrada na valorização da
(não religiosa). O poder não mais se justificará lei, em detrimento do arbítrio. Essa segurança
pela intervenção divina — corno no caso do di­ era fundamental para a garantia da proteção e
reito divino dos reis, típico do absolutismo —, da conservação da pessoa, dos direitos e da-»
passando a ser legitimado pelo contrato social: é propriedades.
o próprio homem que dá o consentimento para a
instauração do poder, reafirmando assim o valor No entanto, à medida que a ideologia burgue­
do indivíduo c do cidadão. sa se fortalece, esses princípios passam a se con-
Locke parte da análise dos “direitos naturais
do indivíduo" (a vida, a liberdade e a proprie­
dade). para cuja garantia estabelece um pacto 1. Consultar Luiz Antônio Cunha. Educação e. desenwlv:-
que dá origem ao Estado. Portanto, o governo tnenla xociat nn Brasil. pp. 28 ss.

137

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

figurar como valores fornais e não de fato. Não torna um bem reservado à elite. Mesmo no final
se estendem à sociedade como um todo, mas de­ do século XIX, quando o proletariado, amparado
terminam a divisão em classes, separando aque­ pelos movimentos socialistas, começa a exercer
les que têm a posse dos meios de produção (os maior pressão e a conquistar benefícios, tais
capitalistas) daqueles que só possuem a força de como o sufrágio universal e a expansão da rede
trabalho (os proletários). escolar, a escolarização permanece como um pri­
Embora aspirasse pela democracia, o libera­ vilégio de classe.
lismo desde o início se apresenta elitista, porque A escola não-democrática tem persistido na
a igualdade defendida é de natureza abstrata, ge­ sociedade liberal devido a inúmeros fatores, mas
ral c puramente formal, não excluindo a convic­ convém não esquecer que uma das funções prin­
ção de que as pessoas são diferentes nos talen­ cipais da escola liberal costuma ser a legitimação
tos, o que justificaria o sucesso desigual entre os da ordem económica e social.
membros da sociedade. Dessa forma, quando no século XIX o libera­
Dessa fornia, embora todos fossem “livres e lismo clássico, fundado na livre concorrência,
proprietários” e igual mente pertencentes à so­ entra em crise, surge o neocapitalismo, baseado
ciedade civil, apenas os proprietários de fortu­ no capitalismo monopolista, que supõe a retoma­
na teriam capacidade (conhecimento c da do Estado intervencionista. Acentuam-se as
racionalidade) para decidir os destinos da co­ exigências, entre outras, de benefícios sociais
munidade, ou seja, o liberalismo político, no tais como a escola nacional leiga e gratuita, ofe­
seu início, defende o voto censitário, o que de­ recida pelo Estado.
monstra que só os ricos são considerados ple­ No entanto, a ampliação da rede escolar não
namente cidadãos. significou a equalização de oportunidades.
A importância dada à propriedade gera um Porque, à medida que o desenvolvimento do
eixo determinante pelo qual a política é condici­ comércio e da indústria exige maior esco­
onada pela economia. Consequentemente, o Es­ larização, as crianças proletárias frequentam
tado se coloca a serviço da classe hegemônica, escolas que em tudo diferem daquelas reserva­
protegendo-a por meio de uma legislação espe­ das às classes dominantes. Na escola dualista,
cífica. que salvaguarda Os interesses dos propri­ os jovens de acordo com a origem social são
etários em uma sociedade mercantil. encaminhados para a formação global, para a
estrita profissionalização técnica ou, ainda,
para a simples iniciação no ler. escrever e
4. A educação liberal contar.
E bem verdade que uma vertente do pensa­
Na Unidade V analisaremos com mais deta­ mento liberal — representada desde o século
lhes as diversas expressões da educação liberal, XVil por Coinênio, passando por Diderot e
sobretudo nos capítulos em que são abordadas a Condorcet, no século XVI1T. c culminando, no
escola tradicional, a escola nova, a tendência século XX, com Dcwcy — preocupou-se com
tecnicistae algumas das teorias antiautoritárias. a questão da reconstrução social, com os fins
De maneira geral podemos dizer que a educa­ sociais da educação, na tentativa de superar a
ção liberal reflete os ideais do homem burguês, tendência individualista da educação burguesa
anteriormente analisados, enfatizando o indivi­ e orientar-se numa linha dc maior democrati­
dualismo e o espírito de liberdade. A valoriza­ zação.
ção do homem e da sua capacidade de autono­ Esses objetivos darão corpo aos ideais da es­
mia e de conhecimento racional foram expressos cola nova, uma tendência modemizadora da
nos ideais iluministas, reveladores de um otimis­ educação liberal que se coloca em oposição a
mo em relação à possibilidade da razão humana certos vícios da escola tradicional. No entanto,
de transformar o mundo. como veremos nos próximos capítulos, a fun­
Aqui nos interessa realçar que, em face da ção equalizadora da escola se mostrou ilusória,
existência de um antagonismo de interesses no na medida em que não atingiu os fins dc maior
seio da sociedade liberal, também a educação se mobilidade social.

138

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dropes

Uma educação perfeita é para mim simbolizada por uma árvore plantada perto de águas fertili­
zantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades é
colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia
na semente e na raiz. O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as facul­
dades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida: os órgãos do seu ser gradualmente se formam,
em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus. (Pestalozzi)

A educação, mais do que qualquer outro instrumento de origem humana, é a grande ígualadora
das condições entre os homens — o eixo de equilíbrio da maquinaria social (...). Dá a cada homem a
independência e os meios de resistir ao egoísmo dos outros homens. Faz mais do que desarmar os
pobres de sua hostilidade para com os ricos: impede-os de ser pobres. (Horace Mann)

Leitura complementar

[A luta dentro da escola]

As escolas constituem um campo de conflito zem parte de um Estado ao mesmo tempo de­
porque têm o duplo papel de preparar trabalha­ mocrático e capitalista, e essa dicotomia, por si
dores e cidadãos. O preparo que a cidadania exi­ só, dá origem a uma importante luta. Como as
ge numa sociedade democrática, baseada em escolas se situam dentro do Estado, elas refle­
igualdade de oportunidades e em direitos huma­ tem essa luta. Contudo, isso não significa que as
nos, é muitas vezes incompatível com o preparo influências das duas forças opostas estejam
que requer o desempenho em serviço num siste­ sempre em equilíbrio. Ao contrário, em cada pe­
ma empresarial de trabalho Por um lado, as es­ ríodo histórico há uma tendência a que uma des­
colas devem preparar os cidadãos para conhe­ sas dinâmicas tenha primazia sobre a outra. Isso
cer seus direitos legais, bem como sua obriga­ pode estimular uma nova etapa da luta, em que
ção de exercer esses direitos por meio da parti­ a dinâmica em oposição adquire a primazia, num
cipação política. Por outro lado, as escolas de­ ciclo permanente e periódico.
vem preparar os trabalhadores com as qualifica­ As escolas são instituições conservadoras.
ções e as características de personalidade que Na ausência de pressões externas pela mudan­
lhes possibilitem atuar num regime de trabalho ça, elas tendem a preservar as relações sociais
autoritário. Isso exige a negação daqueles mes­ existentes. Mas as pressões externas em favor
mos direitos políticos que favorecem os bons ci­ da mudança sempre interferem nas escolas, até
dadãos. mesmo sob a forma de preferências populares.
O fato de se atribuir ao sistema educacional Nos períodos históricos em que os movimentos
essas duas responsabilidades cria, dentro dele, sociais são fracos e a ideologia empresarial é for­
as sementes do conflito e da contradição. A luta te, as escolas tendem a fortalecer sua função de
subsequente, entre os defensores dos dois dife­ reproduzir trabalhadores para as relações do lo­
rentes princípios, pelos respectivos objetivos e cal de trabalho capitalista e para a divisão desi­
ações, contribui para dar forma à escola que, ne­ gual do trabalho. Quando aparecem movimentos
cessariamente, atenderá de maneira imperfeita sociais para contestar essas relações, as esco­
às exigências de seus dois senhores. las se deslocam em outro sentido, para igualar
No correr do tempo, as tensões entre essas as oportunidades e ampliar os direitos humanos.
duas dinâmicas têm-se situado dentro do contex­ (...) Sem dúvida nenhuma, a mensagem
to do conflito social mais amplo. As escolas fa­ mais importante deste nosso estudo é a de que

139

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

as lutas democráticas são importantes para a forças democráticas que estabelece limites à
consecução dos tipos de escola e de economia opressão e aumenta os custos da batalha para
que atendam às necessidades mais amplas de o outro lado.
nossa sociedade e cidadania: (...) é a tomada (Marli n Carnoy e Henry M. Levin, Escola e
de posição pelos movimentos sociais e pelas trabalho no Estado capitalista, p.281 -282 e 301.)

Atividades

Questões

1. Por que não podemos dizer que a educação é “neutra” politicamente?


2. Quais são as principais características do liberalismo econômico? E do liberalismo político9
3. Sob que aspectos o individualismo pode representar bem uma característica da pedagogia liberal?
4. Por que, embora se dizendo democrático, o liberalismo é de fato elitista?

Análise de texto

5. Com base no dropes 1 f responda: em que sentido a comparação entre o plantio da semente de uma
árvore e a educação é reveladora de algumas características típicas da educação liberal?
6. No dropes 2 Horace Mann expressa uma das mais caras esperanças da escola nova Explique qual é
ela.

Baseando-se no texto complementar, responda às questões de 7 a 10.

7. Por que, para os autores, a incumbência de formar trabalhadores e cidadãos revela uma contradição
intrínseca?
8. Em que sentido podemos dizer que no sistema capitalista predomina o regime de trabalho autoritário?
Dê exemplos de características de personalidade necessárias para se atuar nesse regime.
9. Segundo os autores, o que determina que o pêndulo oscile mais para um lado que para outro?
10. Os autores se referem a klforças externas1 que seriam contrapostas ao poder ideológico das empresas.
Que forças são estas9 Dê também exemplos concretos a partir de sua vivência pessoal.

Redação

Tema'. A escola liberal e o desafio da educação popular.

140

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Parte II

Tendência socialista
1. As idéias socialistas aquelas forças. Segundo o marxismo, não é pos­
sível existir um Robinson Crusoé desenvolven­
O liberalismo se configurou desde sua ori­ do-se. solitariamente, à margem da sociedade.
gem como a teoria política c econômica da Compreende-se assim a crítica feita por Marx
burguesia, cm oposição aos privilégios da no­ ao idealismo burguês: não são as idéias que ino­
breza. No entanto, os benefícios conquistados vem o mundo, mas as idéias (formas de pensar,
pelas revoluções burguesas não foram distrb valores) c que são determinadas pelas condições
buídos com igualdade na sociedade, que se materiais da existência humana.
manteve dividida entre proprietários e não- Segundo o materialismo marxista, então, as
proprietários. relações do homem com a natureza no esforço
No século XIX, o proletariado se encontra re­ de produzir a própria existência e as relações dos
legado a uma situação de penúria e exploração. homens entre si (proprietários e não-proprietá­
São conhecidas as exigências de que crianças, rios) explicam formas de pensar como a moral, o
homens c mulheres trabalhem em condições pre­ direito, a filosofia, a ciência, a educação, c assim
cárias de higiene, numa jornada de 14 a 16 ho­ por diante.
ras. recebendo ínfima remuneração. Dessa forma, a educação (e outras expressões
Para fazer frente ao poder da burguesia, o pro­ da superestrutura2), se encontra, também sob o
letariado precisaria tomar consciência dessa si­ ponto de vista do materialismo marxista, na de­
tuação. buscando a expressão de sua própria ide­ pendência das forças econômicas vigentes na so­
ologia. A produção teórica dos socialistas uiópi- ciedade. Por isso seria ilusório pensar que pode­
cos Proudhon, Fourier. Saint-Sinion e Owcn e o mos mudar as estruturas sociais por meio da edu­
socialismo científico dc Marx e Engels foram im­ cação. O homem novo só seria possível após a
portantes no sentido de conscientizar o proletari­ revolução social e política, ou seja, pela implan­
ado. promovendo sua aglutinação em movimen­ tação de uma sociedade nova, na qual não hou­
tos efetivos de contestação. vesse divisão de classes.
Karl Marx (1818-1883) c Friedrich Engels Ao mesmo tempo. Marx diz que se por um
(1820-1895), quando concebem sua utopia, as­ lado é preciso mudar as condições sociais para
piram por uma classe operária revolucionária se criar um novo sistema de ensino, por outro fal­
que seria capaz de destruir o Estado burguês e ta uma educação nova, que proporcione mudan­
de criar uma sociedade pos-inercantil (que re­ ças nas condições sociais vigentes. A educação
jeita o capital e o mercado) a partir da supres­ deve, então, acompanhar o processo revolucio­
são da propriedade privada dos meios de pro­ nário, preparando por meio da conscientização
dução. aqueles que querem destruir a velha sociedade e
Criticam a ideologia burguesa por ser indi­ instaurar a nova.
vidualista c idealista. Em oposição às teses li­ Dessa forma, o marxismo confere às discus­
berais do contrato social, não concebem o ho­ sões sobre a educação uni caráter político c social
mem “em estado de natureza", considerando até então inexistente.
que o ser do homem é construído nas relações Questões sobre o marxismo referentes ao mé­
de trabalho e. corno tal, ele é antes de tudo um todo dialético foram abordadas no capítulo ante­
ser social. rior. sobre a cpistemologia.
isso significa que, num primeiro momento, a
subjetividade resulta das forças sociais que agem
sobre o indivíduo, de modo que seus desejos, as­ 2. Para a compreensão do conceito de wperestruíuni, côn­
pirações, valores e idéias são determinados por sul Le o Capítulo 20, p. 190.

141

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

2. Socialismo e educação_________ gia nos leva à questão geral da transformação da


energia, às questões de geografia econômica e
Ao recusar o individualismo burguês, o soci­ política do país e do mundo, "incluindo-se a luta
alismo rejeita também a concepção de liberdade, imperialista pela divisão do mundo na base da
igualmentc individualista, substituindo o espíri­ distribuição da energia”.
to de competição pelos ideais de solidariedade e Makarenko (1888-1939) escreveu o livro
cooperação. Poema pedagógico. no qual relata suas experi­
Na busca de uma igualdade efetiva, o socia­ ências em um instituto de reabilitação de adoles­
lismo critica a sociedade dividida cm classes e centes marginais. Para instaurar a prioridade do
preconiza a escola unitária, na qual todos te­ coletivo, Makarenko usa de uma autoridade que
nham o mesmo tipo de escolarização c não haja em várias circunstâncias resvala cm autori­
a separação entre trabalho intelectual c trabalho tarismo, recorrendo inclusive a castigos físicos.
manual. Makarenko argumenta que o choque entre as
Logo após a Revolução Russa de 1917, o mi­ individualidades gera conflitos nos quais impera
nistro da Educação Lunaicharski, juntamenle a lei do mais forte, o que pode prejudicai’ a ins­
com Krupskaía (companheira de Lênin) c, mais tauração da comunidade de interesses. Isso justi­
tarde. Makarenko e Pistrak, lula pela univer­ ficaria o caráter provisório da violência usada,
salização da escola elementar, gratuita e obriga­ porque, nesse caso, a autoridade do professor não
tória, ao mesmo tempo que introduz profundas seria arbitrária, na medida em que visa reeducar
alterações nas concepções pedagógicas ao apli­ para a vida em uma coletividade cujos valores
car os princípios da escola do trabalho. principais são o trabalho, a disciplina e o senti­
Segundo essa orientação, o trabalho é impor­ mento do dever.
tante como expressão de um valor moral funda­ Anlonio Gramsci (1891-1937) foi um dos
mental. Daí a necessidade de superação da mais importantes teóricos marxistas italianos. No
dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho cárcere, onde foi mantido durante onze anos pela
manual, típica da escola tradicional burguesa, a ditadura fascista de Mussolíni, escreve inúmeros
fim de assegurar a todos a compreensão integral livros em que, entre diversos assuntos, critica o
do processo produtivo. dogmatismo do marxismo oficial.
A nova pedagogia valoriza também a ligação Uma contribuição original foi o conceito de
entre escola e vida, necessária para se formar o hegemonia. Elimologicamenlc, essa palavra sig­
novo cidadão que a sociedade revolucionária nifica dirigir, guiar, conduzir. Segundo Gramsci.
precisava. Por isso dá destaque ao trabalho cole­ uma classe é hegemônica não só quando exerce
tivo. fazendo com que as formas individualistas a dominação por meio do poder coercitivo, mas
e competitivas evoluam em direção à coopera­ também quando o faz pelo consenso, pela persu­
ção. ao apoio mútuo c à auto-organização dos asão. Daí a importância dos intelectuais na ela­
estudantes. boração de um sistema convincente de idéias, por
Pistrak enfatiza a necessidade de um trabalho meio das quais se conquista a adesão até da clas­
real, não simbólico. Daí a importância da oficina se dominada.
profissional nas escolas: as crianças menores A escola burguesa, cl assista, além de prepa­
trabalham com tecido, papel c papelão, e as mai­ rar seus intelectuais, se infiltra nas classes popu­
ores trabalham com metais ou madeira. Pistrak lares, a fim de cooptar os melhores elementos
observa que no manuseio das ferramentas, por que, uma vez assimilados, aderem aos valores
exemplo, o aluno compreende melhor a mecâni­ burgueses. A classe dominada, por sua vez, não
ca, o que evidencia a não separação entre traba­ organizando sua própria visão dc mundo, perma­
lho intelectual e trabalho manual. nece desestruturada e passiva, incapaz de tornar
Pistrak defende que a partir do 2a grau ocorra eficazes as eventuais rebeliões.
a participação da escola no trabalho de fábrica, Dessa forma, bem antes dos teóricos crítico
não na execução de tarefas mecânicas, mas como reprodutivistas — que não veem saída para a
condição de “porta aberta para o mundo’'. As­ educação diante do impacto da ideologia domi­
sim, o estudo da força motriz ou da fonte de ener­ nante — Gramsci já tinha esperanças de que a

142

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

sociedade civil (corri suas inúmeras instituições, Além disso, a ênfase dada ao coletivo, no afã
inclusive a escola) pudesse se tornar o lugar pos­ de superar o individualismo e o egoísmo burguês,
sível da livre circulação das ideologias. muitas vezes resultou na incapacidade dc permitir
Para Gramsci, os elementos populares deve­ o pensamento divergente, a dissidência, provo­
riam continuar organicamente ligados à sua clas­ cando a expressão de formas de intolerância e
se, de modo a elaborar, coerente e criticamenic, doutrinação.
a experiência proletária. Só assim a classe domi­ Em 1985, quando Gorbatchev deu início à
nada teria intelectuais orgânicos capazes de peresíroika (reestruturação da economia), bus­
compreender as contradições que permeiam a cando quebrar a rigidez do planejamento estatal
sociedade dividida cm classes. por meio da introdução de elementos de
A partir dos grupos de pressão formados na regulação de mercado, c à glasnost (abertura po­
sociedade civil, como o partido da classe traba­ lítica), visando a renovação dos quadros, forma­
lhadora c os sindicatos, por exemplo, a consci­ dos pela velha e autoritária elite burocrática diri­
ência de classe, geradora de uma contra-ideolo­ gente, acelerou a implosão do mundo socialista.
gia, poderia ser desenvolvida. Sc, por um lado, as pessoas estavam asfixia­
Destacamos, cm alguns dos capítulos que se das pelo poder e muitos eram os críticos que de­
seguem, a influência socialista em uma pane das nunciavam os excessos e exigiam a liberdade de
teorias antíautoritárias (ver Capítulo 19, no qual pensamento havia muito tempo, por outro lado a
analisamos a contribuição dos anarquistas), em rápida deterioração do chamado "socialismo
alguns dos teóricos crílico-reprodutivistas (Capí­ real'' culminou com o esfacelamento das repú­
tulo 20) c nas teorias progressistas (Capítulo 23), blicas socialistas, que, retomando á economia dc
mercado, perderam os benefícios sociais que
desfrutavam, incluindo aí a educação.
3. Depois do muro de Berlim Esses acontecimentos não devem, todavia,
nos enganar. Os desacertos do “socialismo real”
A educação considerada prioridade máxima não avalizam o capitalismo como defensor da
dos governos revolucionários e implantada com democracia e da liberdade. O pensador italiano
rigor, logo frutificou nos países socialistas. Os Bobbio ponderava bem antes da queda do muro
níveis dc analfabetismo baixaram drasticamen­ dc Berlim que, se o socialismo criou o Estado dc
te, atingindo índices próximos do zero. não-liberdade, o capitalismo é, em contraparti­
Algumas das demais metas apresentaram difi­ da, o Estado da não-justiça.
culdades, como, por exemplo, a implantação da Em outras palavras, o malogro do “socialis­
polilccnia: em um mundo no qual ocorrem rápidas mo real” não garante o sucesso do liberalismo,
transformações científicas e tecnológicas, é sempre que continua gerando os excluídos da riqueza: os
problemático atrelar a escola ao funcionamento das países subdesenvolvidos c a grande massa de
atividades no campo, na fábrica c nos serviços. pobres c miseráveis analfabetos.

Dropes
1

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que
é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A
classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos
meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em
média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. (Karl Marx)

O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e
trabalho industrial não apenas na escofa, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso,

143

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

refletir-se-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo


conteúdo. (Gramsci)

Uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas, mas uma sociedade onde a
questão da justiça permanece constantemente aberta. (Cornelius Castoriadis)

Leitura complementar

[O coletivo infantil]

Nossa tese fundamental é a seguinte: se a da que se deve dar às chanças para que cresçam
auto-organização das crianças na escola soviéti­ e assumam sua própria educação, reduzindo-se
ca não se basear na existência do coletivo infan­ simplesmente à “influência" educativa do
til, será uma disposição abortiva. pedagogo sobre uma determinada criança.
Mas, perguntará o leitor, qual é a escola “onde Voltamos, assim, ao ponto já analisado várias
não há coletivo infantil?”. (...) vezes através de outros caminhos, ou seja, à idéia
Mas uma certa quantidade de crianças, um de que escola deve não somente formar, mas sus­
simples agrupamento quantitativo, uma reunião citar os interesses das crianças, organizá-los,
acidental, não formam ainda um coletivo. (...) ampliá-los, formulá-los e fazer deles interesses
As crianças e também os homens em geral for­ sociais. Poderíamos mesmo formular o raciocínio
mam um 'coletivo” quando estão unidos por de­ da seguinte forma: a escola deve transformar os
terminados interesses, dos quais têm consciência interesses individuais, as emoções das crianças,
e que lhes são próximos, Se quisermos criar na em fatos sociais, cimentando com base nisso o
escola um coletivo infantil, seremos obrigados a coletivo infantil,
desenvolver estes interesses entre as crianças, A necessidade do coletivo infantil deriva da
inspirando-lhes interesses novos. (...) A escola só necessidade fundamental de inculcar nas crian­
permitirá um amplo desenvolvimento e uma coe­ ças a atividade, a iniciativa coletiva, a responsa­
são íntima do coletivo das crianças no momento bilidade correspondente à sua atividade. O cole­
em que for o lugar (e o centro) da vida infantil, e tivo das crianças criará, pelo próprio fato de exis­
não apenas o lugar de sua formação; nós nem tir, a autoorganização.
chegaremos a dizer que ela deve ser o lugar de (Pistrak, Fundamentos da escola do
sua formação, se esta palavra não exprimir a aju­ trabalho, p 136-138.)

Atividades

Questões

1. O que o socialismo contrapõe ao individualismo burguês?


2. Por que para o socialismo marxista a educação por si só não tem um caráter revolucionário?
3. Explique o que significa a escola unitária preconizada pelos socialistas.
4. Segundo Gramsci, como a escola poderia auxiliar no desenvolvimento de uma contra-ideologia9

Análise de texto

Com base no dropes 1 da Parte II, responda à questão seguinte:

5. Para aplicar o enunciado de Marx ao contexto da escola, reescreva-o com suas palavras; utilizando os
conceitos de capitalista e proletário e identificando educação com produção espiritual.

144

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

6. Tendo como base o dropes 1 da Parte I (texto de Pestaiozzr), comente como ele podería ser criticado
por um teórico da educação socialista.
7. Baseando-se no dropes 2, explique por que a relação entre trabalho manual e trabalho intelectual
permeia ao mesmo tempo a questão escolar e a social.
8. Baseado no dropes 3, utilize o argumento de Castoriadis para criticar o “socialismo real”.

Com base no texto complementar, responda às questões de 9 a 11.

9. Para Pistrak, o ' coletivo infantil” não se confunde com um simples “agrupamento quantitativo” de crian­
ças. Explique por quê
10. Em que sentido o conceito de coletivo infantil está enraizado na concepção socialista de educação?
Qual é a crítica à educação burguesa?
11. Neste trecho o autor começa e termina se referindo à auto-organização das crianças. Como ela se
toma possível?

Redação

Tema: Indivíduo e sociedade, como conciliar esses dois pólos contraditórios na educação?

145

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

15. Educação e pedagogia


16. A escola tradicional
17. A escola nova
18. A tendência tecnicista
19. Teorias antiautôiífáriás
20. Teorias crítico-reprodutivistas
21. Desesçolarização da sociedade

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>

£Z'
Q
Õ?

O
cn
O
õj'
Q_
0)
m
Q_
£Z
n
0)
vO
qj>
o
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A crítica à abordagem metafísica da pedago­ No século XIX são importantes os trabalhos


gia não desvalorizao enfoque filosófico, que deve de Herbart (ver Capítulo 16) e, no início do sé­
estar sempre presente na filosofia da educação. O culo XX, Binei estabelece uma escala métrica da
que buscamos com essa crítica é delimitar os cam­ inteligência que se tornou famosa. Pesquisas são
pos teóricos distintos, pois uma coisa é a filosofia, desenvolvidas c inúmeros psicólogos das mais
outra é a pedagogia propriamente dita. variadas tendências metodológicas contribuem
para o aperfeiçoamento da pedagogia.
Há os que privilegiam experiências no campo do
3. Ciências e pedagogia___________ comportamento, como, por exemplo, Watson,
Skinner c Thomdike (ver Capítulo 13). A psicanáli­
O século XVII se destacou pela busca do rigor se de Freud. a psicologia genética de Piaget e a análi­
metodológico, seja na filosofia, seja na ciência. se histórica e cultural levada a efeito por Vygotsky
São conhecidos os esforços empreendidos nesse dão destaque às relações interpessoais (ver Capítulo
sentido por Descartes, Bacon e Galileti, entre mui­ 22). Alguns partem da filosofia fenomenológica.
tos outros. Também na pedagogia surge o interes­ como os gestaltistas Koffka c Kõhler, ou ainda do
se pela metodologia e pelo rigor da teoria quando pragmatismo, como William Jamcs e Dewey.
relacionada com a prática. Comênio foi uni pre­
cursor nesse assunto, propondo métodos de ensi­ A perspectiva sociológica
no mais elaborados, que pudessem superar o sim­
ples empirismo cm educação. O desenvolvimento da sociologia amplia a
A preocupação com os métodos se reflete no compreensão da escola como grupo social com­
aperfeiçoamento das ciências nascentes, também plexo e da educação como processo dc perpetua­
voltadas para a busca do rigor na investigação de ção e desenvolvimento da sociedade. Na passa­
seu objeto de estudo. gem do século XIX para o XX, o sociólogo fran­
cês Émile Durklieim analisa pela primeira vez o
A psicologia caráter social da educação, desenvolvendo uma
abordagem científica não mais centrada no con­
No século XVÍU, Rousscau destaca a impor­ ceito, mas no fato concreto da educação.
tância de se conhecer bem aquele que se quer A sociologia aplicada à educação privilegia a
educar. Nesta linha, seguem Pestalozzi e Frocbel, atitude descrilivu e volta-se para o exame dos ele­
convencidos de que a educação se tomaria mais mentos reais, tais como a análise da inserção da
eficaz, com maiores chances de se formar um escola em determinado campo da realidade, os
adulto feliz, se houvesse o desenvolvimento har­ instrumentos utilizados, o caráter das instituições
monioso e sem coações do psiquismo infantil. escolares, a herança social (tradições, idéias,
Como a psicologia se encontra, nesse período, técnicas etc.), a interação entre quem recebe e
cm estado incipiente como ciência, tais esforços quem transmite a educação, e assim por diante.
não passam de tentativas bem-intencionadas, não Durkheim, como sociólogo, aplica sua ciên­
apresentando muito rigor na sua fundamentação. cia no estudo dos fatos da educação, enfatizando
Somente a partir do final do século XIX as ciên­ a origem social desta. Daí sua clássica definição:
cias humanas (psicologia, sociologia, economia “A educação é a ação exercida pelas gerações
etc.) começam real mente a se separar da filosofia, adultas sobre as gerações que não se encontram
delimitando objeto e método próprios. Torna-se, ainda preparadas para a vida social; tem por ob­
então, possível à pedagogia a superação do conhe­ jeto suscitar c desenvolver, na criança, certo nú­
cimento superficial e, segundo Claparède, “passar mero dc estados físicos, intelectuais e morais,
das opiniões às certezas”. reclamados peia sociedade política no seu con­
A psicologia aplicada à educação, por exem­ junto e pelo meio especial a que a criança, parti­
plo, contribui para esclarecer certos fenômenos a cularmente, se destine”1
partir de experiências para avaliar questões como
nível de dificuldade, ritmo de aquisição de conhe­
cimentos, controle e distúrbio de aprendizagem. ' Educação e sociologia, p. 40.

149

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Portanto, para Durkheim, “a educação satis­ tam com o desenvolvimento do comércio e, pos­
faz, antes de tudo, a necessidades sociais" e "sal­ teriormente. no século XX, com o início da in­
ta aos olhos que toda educação consiste num es­ dustrialização,
forço contínuo para impor à criança maneiras de E de especial importância para a reflexão so­
ver, de sentir e de agir às quais a criança não te­ bre a pedagogia a contribuição do estudo da histó­
ria espontaneamente chegado”. ria da educação. O interesse pelo passado não é o
O mérito da nova abordagem está no fato de resultado de simples preocupação erudita ou mera
ter acentuado o caráter social dos fins da educa­ curiosidade. A realidade presente só pode ser bem
ção e instituído a pedagogia como uma discipli­ compreendida quando analisamos o passado. Com
na autônoma, desligada da filosofia, da moral e esses elementos, podemos viabilizar um projeto
da teologia. Além disso, Durkheim considera a de mudança que não seja visionário e ingênuo, ou
pedagogia uma "‘teoria prática” da educação que, que, ao contrário, não esteja contaminado pelo
fundamentando suas principais noções na socio­ pessimismo gerado pelas repetidas crises.
logia e na psicologia, torna-se capaz de guiar e São recentes os trabalhos de síntese histórica
esclarecer a prática. no Brasil, e muitos campos estão ainda a exigir
Os limites da abordagem durkheimiana estão premente investigação, para que se desenhe um
em ser ela também parcial, na medida em que, perfil mais nítido da educação brasileira. Só as­
ao enfatizar o processo externo, descuida-se do sim será bem fundamentada uma análise crítica
processo interno da educação. Além disso, que proporcione mudanças efetivas.
absolutiza o poder da sociedade sobre o indiví­ Ainda entre as ciências humanas, a antropo­
duo. retirando dele todo o poder de contestação. logia, a geografia humana e a linguística têm tra­
Mesmo considerando os diversos segmentos que zido importantes contribuições para a pedagogia,
compõem a sociedade, não analisa os conflitos além da cibernética, que tem revolucionado os
nela existentes, conflitos esses que determinam métodos pedagógicos.
o caráter ideológico da educação. Trata-se de Quanto às demais ciências, merece destaque
uma concepção de certa forma conservadora, especial a biologia, que mantém estreita ligação
pois vê a educação como forma de manutenção com a educação por meio do estudo do desen­
da estrutura de uma determinada sociedade. volvimento fisiológico, da interação corpo-men­
Muitos foram os sociólogos que trouxeram te, da genética etc.
contribuições importantes para a pedagogia. No
Capítulo 20 examinaremos o impacto das análises
feitas pelas duplas francesas Bourdieu/Passeron e 4. A teoria geral da educação
Baudelot/Establct, que denunciaram a função
reprodutora da escola na sociedade de classes. Mostramos até aqui que a filosofia é muito
importante para a pedagogia, mas não se confun­
Outras ciências de com ela, assim como o reconhecimento da re­
levante contribuição das ciências da educação (a
Partir da análise dos modelos econômicos pode psicologia da educação, a sociologia da educa­
auxiliar no estudo das relações entre a economia ção ctc.) não nos leva a colocá-las no lugar da
do país e os fluxos de demanda de escolarização. pedagogia.
Nesse sentido, são fecundas as análises feitas a As tendências contemporâneas da pedagogia
propósito dos níveis de desenvolvimento econô­ visam superar análises parciais — individualista
mico dos países, o que tem servido, inclusive, para ou social —, na busca de uma abordagem
melhor compreender as contradições existentes dialética da educação que possa equacionar de­
nas regiões subdesenvolvidas. vidamente os pólos opostos indivíduo-socieda­
No Brasil, por exemplo, o modelo agrário de de, reflexão-ação, teoria-prática, particular-geral.
economia, característico do primeiro período de Pretende-se superar, com isso, a concepção da
nossa história (que vai do século XVI até a vinda pedagogia como ‘Tilha” da filosofia e também o
da família real para o Brasil, em 1808), c acom­ risco do psicologismo ou do sociologismo. Isso
panhado por uma escola cujas exigências aumen­ não significa desprezar o importante papel de-

150

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

sempenhado pela filosofia, que acompanha refle- teoria ou porque não sabe como integrá-la à práti­
xivamente os problemas educacionais, c a con­ ca efetiva. A realidade concreta, que se resume no
tribuição dada pelas ciências cm geral para que a convívio com os alunos, é sempre um desafio
análise dos fatos se torne mais objetiva. quando o professor não assimilou bem as teorias.
O pedagogo precisa equilibrar as diversas Vejamos alguns exemplos. Pensemos cm uma
contribuições teóricas que enriquecem sua teoria escola dc 22 grau que oferece, a cada semana, dez
e lhe dão rigor c objetividade, mas deve evitar o aulas de química, uma de história e nenhuma de
que o professor Luiz B. Lacerda Orlandi deno­ filosofia; cm uma sala de primário cm que as car­
mina “flutuações da consciência pedagógica"■■. O teiras estão fixadas no chão; cm um professor que
risco dos “ismos" só será evitado se a educação prefere estimular os trabalhos em grupo e outro
for o ponto de partida e de chegada dessas análi­ que privilegia a exposição oral; em alguém que
ses. Explicando: o ponto de partida da pedago­ lamenta o fato de não se ensi nar mais latim no co­
gia é sempre um problema apresentado pela rea­ légio; em outro que exige leituras extraclasse; em
lidade educacional. Busca-se, em seguida, a con­ um que faz chamada oral com freqíiência e outro
tribuição das ciências auxiliares da educação, que não dá valor às avaliações.
para só então atingir o ponto de chegada, que é, Todos esses aspectos resultam de concepções —■
de novo, a realidade educacional. Assim, não se tematizadas ou não — que revelam, primeiramente,
deve perder a especificidade da pedagogia como a seguinte questão: que homem se quer formar? Para
teoria distinta daquelas ciências, não rejeitando, que tipo de sociedade? A partir da elucidação da base
ao mesmo tempo, sua contribuição. antropológica, passamos para a seleção dos conteú­
Com isso, a pedagogia delimita o próprio dos a serem transmitidos. O que ensinar para formar
campo e estabelece seu caminho, podendo então aquele tipo de homem? Só então se colocam ques­
ser compreendida como teoria geral da educa­ tões metodológicas: como ensinar?
ção. capaz de transformar a educação em uma Portanto, a escolha dos conteúdos e do méto­
atividade intencional e eficaz, do não é casual» mas se enraíza — quer o profes­
A partir da consciência dos problemas educa' sor saiba, quer não — em uma determinada con­
cionais de seu tempo, o pedagogo estabelece ob­ cepção de homem e de sociedade, concepção esta
jetivos realizáveis, busca os meios para atingi-los, que não é neutra, estando impregnada da visão
verifica a sua eficácia, revê os processos utiliza­ política que a anima.
dos, e assim por diante. Só dessa forma a educa­ Dessa forma, os procedimentos específicos
ção se tornará instrumento real de transformação. usados em sala de aula adquirem sentido a partir
do esclarecimento dos pressupostos antropológi­
cos, bem como da constatação a respeito da coe­
5. A importância da pedagogia_____ rência (ou incoerência) com o método e o con­
teúdo escolhidos.
Qualquer atividade educacional que se queira Vejamos, como exemplo, a escola tradicio­
intencional e eficaz tem claros os pressupostos nal, que parte de uma concepção de natureza
teóricos que orientam a ação. Ao elaborar leis, humana universal que precisa ser “trazida à luz’’
fundar uma escola, preparar o planejamento es­ pela educação. Para “atualizar" as potencia­
colar ou enfrentar dificuldades específicas em lidades, busca-se transmitir a maior quantidade
sala de aula, é preciso ter clareza a respeito da possível de conhecimentos (ênfase no conteú­
teoria que permeia as decisões. do) e de valores desta sociedade relativamente
No entanto, é comum observarmos o estável. Para tanto, usa-se o recurso do método
“espontaneísmo”, resultado da indevida dicotomia expositivo, por meio de procedimentos especí­
entre teoria e prática, gerada porque o professor ficos como a exposição oral, feita peio profes­
não foi adequadamente informado a respeito da sor, ou a exposição escrita dos manuais escola­
res. Na avaliação da aprendizagem, utilizam-se
procedimentos tais como exercícios de fixação
2. O problema da pesquisa cm educação e algumas de suas e provas periódicas, nas quais se exige a repro­
implicações. Revista n. 2. mar. 1969. dução do conhecimento.

151

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

É evidente que na escola renovada ou na es­ Destacaremos três aspectos importantes na


cola tccnicista parte-se de outra concepção de formação do professor:
homem, escolhem-se diferentes conteúdos (tan­
to do ponto de vista qualitativo corno quantitati­ • qualificação: o professor deve adquirir os
vo) e privilegiani-sc outros métodos, selecionan­ conhecimentos científicos indispensáveis para o
do diferentes procedimentos de ensino. ensino de um conteúdo específico;
Ora, se as diversas etapas não estiverem cla­ • formação pedagógica: a atividade de ensi­
ras para o professor, o processo pedagógico pode nar deve superar os níveis do senso comum, tor­
resultar em insucesso com relação aos fins pro­ nando-se uma atividade sistematizada;
postos ou, ainda, em incoerência na ação. • formação ética e política: o professor deve
Essa incoerência existe, por exemplo, quan­ educar a partir de valores e lendo em vista um
do um professor pensa estar adotando o mundo melhor.
construtivismo mas baseia suas aulas na exposi­
ção oral, buscando nas avaliações o ”retorno” do No primeiro aspecto, busca-se garantir a com­
que foi ensinado. Neste caso, os procedimentos petência do professor por meio do domínio do
contradizem a teoria. conteúdo dentro da área escolhida — história,
geografia, matemática etc. —, já que ninguém
ensina o que não sabe.
6. Educar o educador_________ ___ O segundo aspecto nos mostra que não basta
ser bem informado. É fundamental que se saiba
Quando examinamos a história da educação, selecionar o conteúdo a partir dos objetivos con­
constatamos que nem sempre se cuidou adequa­ cebidos de antemão, visando garantir a eficácia da
damente da importante questão da formação do ação. Nesse caso, o professor precisa ter acesso às
professor. Há uma ideia corrente de que vocação contribuições das ciências auxiliares da educação,
e desprendimento generoso bastam para que a da fi losofía da educação e da história da educa­
pessoa se encaminhe para essa profissão. Esta ção. Deve dominar também, alem dos aspectos
crença gera a ilusão de que ela não precisa de teóricos, os recursos técnicos, desenvolvendo as
preparo especializado. habilidades que viabilizem a atividade docente.
Aqui vamos discutir não só a importância de O último aspecto diz respeito ao fato de que o
se educar o educador quanto também a premente professor desenvolve um trabalho intelectual
necessidade de sua adequada profissionalização. transformador: ele não só quer mudar o compor­
tamento do aluno, como também educa para um
A formação do professor inundo melhor, que está para ser construído. A
educação está inserida em um contexto maior —
A revalorização da profissão de magistério social, económico e político. Por isso o profes­
deve começar pelos cuidados com a formação do sor não pode estar alienado dos acontecimentos
professor. Tornar os cursos de magistério mo­ de seu tempo, devendo ser capaz de realizar
mentos efetivos de reflexão sobre a educação é juízos de valor a respeito dos comportamentos
condição para a superação da atividade mera­ coletivos e individuais, sempre atento aos valo­
mente burocrática em que mergulham muitos res políticos c morais.
desses cursos. Afinal, não basta ser químico para Só assim o professor poderá desenvolver nos
ser um bom professor de química nem “ter jeito alunos a capacidade de questionamento e promo­
para lidar com crianças” para dar aulas no pré- ver a desmistificação da cultura. Embora não
primário. atue de forma tão revolucionária quanto sonha­
Os cursos de magistério, pedagogia e licenci­ ram os escolanovistas, não resta dúvida de que a
atura devem proporcionar uma compreensão sis­ escola desempenha importante papel no proces­
tematizada da educação, a fim de que o trabalho so de conscientizar as novas gerações com rela­
pedagógico se desenvolva para além do senso ção aos problemas a serem enfrentados.
comum e se torne real mente uma atividade in­ Além disso, a formação ética e política per­
tencional. mite uma melhor compreensão a respeito do que

152

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ê relevante ensinar e de como fazê-lo, a fim de brar a desde sempre existente “feminização” do
não se cair no enciclopedismo, no academicismo magistério. Não é a vocação o motivo pelo qual
ou no tecnicismo. Nesse caso, é sempre bom predominam as mulheres na função docente, so­
lembrar: mesmo quando existe um falso bretudo a primária. O desprestígio e a baixa re­
apoliticismo e a crença de que se está desenvol­ muneração destinam essas atividades ao segmen­
vendo uma atividade neutra, encontramos bem to feminino, também desvalorizado profissional­
escondidos os interesses do grupo que se acha mente na sociedade sexista.
no poder. Quer queira, quer não, as convicções A expressão “sacerdócio” nos faz lembrar
do professor a respeito da clica e da política apa­ abnegação, total dedicação a uma atividade vil­
recem na forma como os conflitos surgidos em mente remunerada, levando à convicção dc que
ciasse são trabalhados por meio daquilo que ele a “grandeza espiritual” do empreendimento de
diz, assim como por meio daquilo que silencia. educar estaria na razão inversa da exigência dc
Convem que o professor se posicione diante um salário justo.
do mundo, o que não significa, em absoluto, as­ Aliás, é sempre interessante observar como são
sumir atitudes de proselitismo, perniciosas por­ tratadas em todos os tempos as “obras de pensa­
que visam doutrinar o aluno, abusando de sua mento”. As pessoas tendem a considerar que, para
receptividade intelectual. Assumir posições sig­ os intelectuais, dar uma aula, fazer uma conferên­
nifica estar comprometido com o mundo e dis­ cia, escrever um artigo ou livro3, dispondo, para
posto a participar, lutando contra o trabalho de­ isso, de suas idéias, não lhes custa nada e que po­
gradante, a submissão política, a alienação da deriam oferecer seus préstimos como dádivas. A
consciência, as exclusões injustas e as diversas mesma atitude seria impensável nas situações em
formas de preconceito. que precisamos de um técnico para consertar a tor­
neira ou um médico para nos extrair a vesícula...
A profissionalização do educador O professor é um profissional e, como tal.
além de uma boa formação, deve buscar garantir
Chamar a professora de “tia” ou exclamar, condições mínimas para um trabalho decente:
com reverência, que “o magistério é um sacerdó­ condições materiais adequadas, reuniões pedagó­
cio'’ são formas semelhantes de depreciação do gicas, reciclagem para atualização permanente,
trabalho do mestre. plano de carreira, além de salários mais dignos.
O tom falsamcntc afetivo dessas expressões Essas modificações não dependem dos indi­
descaracteriza o cunho profissional da atividade víduos isolados, só serão possíveis caso os pro­
docente, que merece ser respeitada principal men­ fessores tomem consciência política da sua situ­
te sob o aspecto do trabalho realizado, e não como ação e estejam dispostos a se mobilizar sempre
ocupação desinteressada, amorosa ou mística. que necessário. Para tanto, c preciso que eles es­
A expressão “tia”, alem de conferir um “ar tejam engajados em associações representativas
domestico” à atividade profissional, nos faz lem­ de classe que defendam seus interesses.

Dropes
1

Em reuniões que tive nos últimos anos com muitos companheiros em congressos, conferências,
cursos, debates etc., sempre observei um mesmo fenômeno: o professor primário procura avida­
mente respostas detalhadas a uma porção de questões práticas, metodológicas, didáticas e outras:
“Como agir neste caso?”, “Como aplicar esta ou aquela parte do programa?”, “Como organizar na
escola este ou aquele trabalho?" etc.

3. Você já notou corno as pessoas fazem, com frequência, cópias reprográ ficas (xerox, por exemplo) de qualquer livro, sem
lembrar que esião cometendo um crime, ou seja, o roubo do direito autoral! A Associação Brasileira de Direitos Reprográficos
(ABDR) foi criada para o esclarecimento público da questão, buscando garantir os direitos do Autor c do Editor.

153

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Estudando centenas de perguntas feitas por escrito aos relatores em diferentes lugares, perce-
be-se facilmente que a massa dos professores se apaixona principalmente por questões práticas;
mas a teoria deixa os professores indiferentes, frios, para não falar de estados de espírito ainda
menos receptivos. (Pistrak)

Na burocracia, na obediência cega, que confunde (...) autoridade com autoritarismo e segue a
ordem pela ordem, está um dos pioneiros germes da dissolução do social, que é o germe do fascis­
mo e do nazismo. Numa sociedade autoritária, ditatorial, a opressão é fundada basicamente na roti­
na e na burocracia. São aqueles que obedecem até o ponto de torturar e matar os outros. Quando se
passa a obedecer cegamente, você perde o sentimento do que é a lei, na medida em que as regras
são frutos da discussão pública. As leis mudam, somos nós que as fazemos e elas são sempre
melhores em função do interesse comum. Se não as discutimos, e advogamos que qualquer lei é lei,
então estamos ao lado da marginalidade e somos capazes de desprezar as regras e instaurar nossa
própria lei. (Jurandir Freire Costa)

Leitura complementar

[A importância do professor]

A tentativa de resolver problemas políticos e Assim como a dona-de-casa trabalha “no lar”,
pedagógicos da escola mediante introdução de educa os filhos e zela pelo bem-estar de todos de
novas tecnologias constitui o velho e repetido erro graça, sem nenhuma recompensa ou facilidade fi­
de todas as iniciativas de reforma do ensino, pro­ nanceira, assim também se espera que as profes­
movidas em nível municipal, estadual e mesmo soras, vistas de certa forma como ^substitutas da
federal, nas últimas décadas. Não é o satélite, a mãe11 na escola, tenham dedicação semelhante,
TV Educativa ou o computador que conseguirão sem que lhes sejam oferecidos salários dignos e
alfabetizar os 20 milhões de brasileiros até agora justos. Enquanto não houver uma reconsideração
excluídos de toda e qualquer educação formal do Estado em sua avaliação do magistério, recom-
Não são eles que vão evitar as taxas de evasão e pensando-o com salários justos, pouca utilidade
reprovação escolar nas primeiras séries. Não será têm as caríssimas campanhas publicitárias para
através deles que o ensino de 3- grau poderá vol­ convencer a população do valor da educação. No
tar a ter níveis efetivamente “acadêmicos1, de pa­ momento em que o Estado der o primeiro passo,
drão qualitativo internacional. As soluções mais valorizando, mediante salários adequados, o tra­
próximas, óbvias e corretas são em geral aquelas balho docente, a valorização da educação na so­
nas quais somente se pensará quando todas as ciedade será difundida pelo próprio professor na
outras, mais distantes e dispendiosas, já tiverem escola e pelo “produto” que dela sai: a criança efe­
fracassado. Em todas as reformas de ensino dos tivamente alfabetizada, informada, politizada,
últimos anos, pensou-se em reestruturar os níveis conscientizada do seu valor e de sua responsabi­
de ensino, passar do modelo francês ao america­ lidade no mundo moderno, capaz de trabalhar e
no, introduzir moderna tecnologia, alterar o siste­ construir uma sociedade mais justa. As outras ini­
ma de avaliação, propor novas metodologias de ciativas poderão ser úteis, na medida em que
ensino, sugerir novos métodos didáticos. Somen­ complementarem e enriquecerem o trabalho do
te não se pensou na valorização do professor, professor. Boas bibliotecas, laboratórios, compu­
pagando-lhe melhores salários, qualificando-o e tadores, livros didáticos, material escolar e mes­
reciclando-o. As professoras primárias ganham, mo a merenda escolar só farão sentido e servirão
via de regra, salários que não chegam ao de um como elemento de transmissão de cultura, de for­
auxiliar de construção, um lixeiro ou qualquer ser­ mação de personalidade, de valor educacional, se
vente com salário mínimo. Este fato revela um forem competentemente usados e introduzidos
desprezo profundo pela educação e, possivel­ pelo professor em sala de aula. Além da conside­
mente, por este trabalho remunerado da mulher. ração do valor do professor e de sua qualificação,

154

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
que constitui a única chance de melhorar também tradição emancipatória e de autonomia (Kant.
o nível de qualificação do aluno, considero de ex­ Humboldt) se reforçar o estudo e aperfeiçoamen­
trema importância, dando-lhe talvez prioridade to dessas áreas humanísticas.
número um (antes de qualquer inovação tecno­ A experiência do nazismo na Alemanha e a
lógica), reintroduzir disciplinas humanísticas nos vivência do risco atômico, criadas pelas super­
currículos de 1° e 2o graus, reforçar o estudo de potências, são referências suficientes para justi­
línguas estrangeiras e promover o desenvolvi­ ficar essas medidas e alertar para o fato de que
mento artístico e a sensibilidade estética dos alu­ a tecnologia, por si só, sem uma orientação polí­
nos. Nesse sentido, considero muito oportunas as tica nobre, baseada nos princípios mais valiosos
iniciativas de certas Secretarias de Estado que que a humanidade produziu, pode ser desvirtua­
reativaram o estudo da filosofia, propuseram-se a da por qualquer aventureiro, tornando-se instru­
introduzir um currículo de sociologia e reforçaram mento diabólico que ameaça a sobrevivência da
o estudo das línguas estrangeiras, com suas res- humanidade.
pectivas literaturas, sem negligenciar o vernácu­ (Barbara Freitag, Política educacional e
lo. A educação moderna somente conservará ou indústria cultural, São Paulo, Cortez.
conquistará traços humanísticos e preservará sua 1987, p. 80-82.)

Atividades

Questões

1. Como poderíamos responder àqueles para os quais basta '‘bom senso” para ser um bom professor?
2. Como a pedagogia pode garantir sua especificidade teórica sem cair nos “ismos” (psicologismo,
socíologismo etc.)?
3. Quais são os três aspectos importantes na formação do professor?

Pesquisa_______________________________________________________________

Faça um levantamento de aspectos da atividade docente a partir de tópicos abordados em diversos


capítulos deste livro. Apenas para citar alguns, veja o Capítulo 2 (As relações de trabalho), o presente
capítulo e o final (Possibilidades e limites da educação). Em seguida, redija uma dissertação.

Análise de texto_________________________________________________________________

Com base no dropes 1, responda às questões 4 e 5.

4. Sob que aspecto Pistrak coloca a questão da relação entre teoria e prática na práxis educativa?
5. Quais as conseqüências do desinteresse pela teoria?

Com base no dropes 2, responda às questões 6 e 7.

6. Quando o professor confunde autoridade e autoritarismo?


7. Por que exigir a obediência cega do aluno é um risco9 Responda, explicando qual é a relação
estabelecida pelo autor entre obediência cega e arbitrariedade.

Observe que o texto de Barbara Freitag (leitura complementar) foi escrito assim que saímos da ditadu­
ra militar, período em que se tentou implantar uma determinada tendência na educação Daí a crítica feita
aos “erros das reformas de ensino”. Responda então às questões de 8 a 12.

8. Por que, para a autora, a mais alta tecnologia não resolveria o problema da educação brasileira?
9. Explique por que a autora, ao se referir à importância do estudo das humanidades, lembra a experiên­
cia do nazismo e da vivência do risco atômico.

155

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Para responder às três questões seguintes, consulte o Capítulo 19.

10. A que reforma, especificamente, a autora se refere ao citar a passagem do modelo francês para o
americano?
11. A autora se refere a '‘reativação1’ do estudo de filosofia. O que aconteceu com as disciplinas
humanísticas durante a citada reforma?
12. Qual foi a conseqüência desta reforma nos cursos de magistério?

Redação

Tema: O professor é um intelectual ou um técnico?

156

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O diabo a laca as crianças c cias não o combatem.


{Por! Royal)

Não c por sadismo que a escola tradicional exige silêncio e imobilidade, que
faz colocar os alunos em filas e que concede lanla importância ao aprendizado
das regras, inclusive ortográficas c gramaticais. F porque se apóia sobre uma peda­
gogia da disciplina, da antinatureza. E, mais profunda mente ainda, porque consi­
dera a natureza da criança originalmente corrompida.
(bernard Charloti

1. Origem da escola tradicional à exigência de uma disciplina severa, cujo me­


lhor exemplo está na escola jesuítica.
É difícil o desafio de delimitar um conceito Outra forte tendência se configura na rejeição
Ião extenso quanto o de “escola tradicional”. Sob da escola medieval, de inspiração religiosa e ex­
essa denominação articulam-se as mais diversas cessivamente contemplativa, e na reivindicação
tendências no decorrer de pelo menos quatro ou de urna escola realista, adaptada ao mundo mo­
cinco séculos (desde o século XVI ate o século derno, que se encontra em transformação. As ne­
XX). período em que a escola tradicional sofreu cessidades da burguesia em ascensão exigem
inúmeras transformações. outro tipo de educação, mais voltada para a vida
Em face das justas críticas feitas a cia pela e com o olhar no futuro.
escola nova, cosiuma-se caracterizar de forma A partir da Revolução Industrial (século
negativa a totalidade da escola tradicional, vista XVIII) a ampliação da rede escolar se torna ainda
com desprezo e muitas vezes de forma caricatu­ maior, uma vez que o operário das fábricas, mais
rada. A fim de evitar o risco de uma análise su­ do que o camponês, precisa pelo menos saber ler.
perficial, que nos levaria a posições simplistas e escrever e contar. Quanto aos níveis superiores de
grosseiras, vamos fazer um brevíssimo retros­ escolarização, surge a necessidade de transmissão
pecto dessa tendência multifacetada. dos conhecimentos advindos das novas ciências,
A escola se institucionaliza de maneira mais bem como o estímulo para novas descobertas, a
complexa a partir do Renascimento e da Idade fim de que a tecnologia se desenvolva ainda mais.
Moderna, quando exige o confinainento dos alu­ No século XVIII e sobretudo no XIX a legis­
nos em internatos, a separação por idades, a gra­ lação de diversos países revela o interesse do Es­
duação em séries, a organização de currículos e tado em assumir a educação, tornando-a leiga e
o recurso dos manuais didáticos. Essas mudan­ gratuita. No entanto, nessa época a escola tradi­
ças levaram a uma maior produção teórica dos cional passa a ser alvo de diversas críticas. Mui­
pedagogos (rever Capítulo 7). tas delas resultam das descobertas cientificas, so­
Em um primeiro momento, a atenção dada à bretudo nas áreas da biologia e das ciências hu­
escola é fruto dos interesses da burguesia nas­ manas .... como a psicologia e a sociologia — .
cente. que começa a ver a família c a criança de que trouxeram subsídios para uma análise mais
maneira diferente, buscando “proteger” seus fi­ rigorosa da educação. A partir dessas descober­
lhos dos desvios do mundo c dando-lhes uma tas, é dada uma maior atenção às diferenças indi­
educação sólida, voltada para o passado. A visão viduais, buscando-se também técnicas inais efi­
da criança como frágil, sujeita à corrupção, leva cazes de aprendizagem.

157

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Diante da dificuldade em analisar de forma dar o que será avaliado”, não em “estudar para
homogênea o que seria a “escola tradicional”, saber”, simplesmente. Se de um lado o professor
veremos em primeiro lugar o que chamamos ge­ “dá a lição”, de outro o exercício ou a prova re­
nericamente de características gerais, mesmo presentam o momento de “restituição”, cm que
correndo o risco das simplificações, para em se­ ele “toma a lição”.
guida fazer um breve histórico que possibilite Como o processo de verificação da aprendiza­
introduzir algumas nuanças nessa abordagem. gem se torna artificial, ela passa a ser estimulada
por meio de prêmios e punições, assim como há
uma valorização da competição entre os alunos,
2. Características gerais submetidos a um sistema classificatório.
A institucionalização da escola surgiu sob o
Quanto à relação entre professor e aluno, a signo da hierarquia e da vigilância. Assim, para
educação tradicional é magistrocêntrica, isto é, ser “protegida”, a criança se submete a um siste­
centrada no professor e na transmissão dos conhe­ ma disciplinar paternalista, autoritário e dogmá­
cimentos. O mestre detém o saber e a autoridade, tico. Rigidamente estipuladas, as normas garan­
dirige o processo de aprendizagem e se apresenta, tem a submissão do aluno, para quem a obediên­
ainda, corno um modelo a ser seguido. cia se torna a virtude primeira.
Essa relação vertical, porque hierárquica, tem A manutenção da disciplina e da ordem é ga­
como conscqücncia, nos casos extremos, a pas­ rantida frequentemente por meio do castigo cor­
sividade do aluno, reduzido a simples receptor poral, prática pela qual se mantinha a ordem pela
da tradição cultural. intimidação e que até bem pouco tempo atrás era
O conteúdo visa a aquisição de noções, dan­ considerada normal.
do-se ênfase ao esforço intelectual de assimila­
ção dos conhecimentos. Daí derivam o caráter
abstrato do saber, o verbalismo c a preocupação
em transmitir o saber acumulado. A valorização
do passado é inevitável, assim como o destaque
ao estudo das “obras-primas”. O exagero desses
aspectos leva a um distanciamento com relação
à vida e aos problemas cotidianos e atuais.
Quanto à metodologia, é valorizada a aula
exposítiva, centrada no professor, com destaque
para situações em sala de aula nas quais são fei­
tos exercícios de fixação, como leituras repeti­
das c cópias. Submetidos a horários e currículos
rígidos, os alunos são considerados um bloco
único e homogêneo, não havendo qualquer preo­
Neste sinete de uma escola inglesa do século XVI lê-se;
cupação com as diferenças individuais. “Quem poupa a vara odeia a criança'’. A frase ilustra o
Todas essas características evidenciam a posi­ recurso à violência física para a imposição da disciplina.
ção empirista, que dá ênfase à assimilação, por
parte do aluno, do conhecimento que lhe é exter­
no e deve ser adquirido por meio de transmissão, 3. As muitas faces da escola
sem a exigência de maiores elaborações pessoais. tradicional_____________________
A avaliação valoriza os aspectos cognitivos
(de aquisição de conhecimentos transmitidos), Renascimento e Idade Moderna
superestimando a memória e a capacidade de
“restituir" o que foi assimilado. As provas assu­ Como já dissemos, a escola tradicional é
mem um papel central entre os instrumentos de multifacetada c adapla-se às exigências históri­
avaliação, chegando a determinai- o comporta­ cas ao longo do tempo, como também tem sido a
mento do aluno, sempre preocupado cm “estu­ implantação do liberalismo.

158

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
Em uin primeiro momento, durante os sécu­ No século XVII. os oratorianos se opõem à
los XVI e XVII, os colégios são organizados so­ linha dos jesuítas c, dentro do espírito moderno,
bretudo pelas ordens religiosas, interessadas voltam-se para as novas ciências e para o pensa­
também no processo de evangelização. Destaca- mento cartesiano; ensinam francês e outras lín­
se a ação dos jesuítas, cuja importância advém guas modernas, alem do latim; estudam história
inclusive da expansão da cultura européia para c geografia com o uso de mapas; encorajam a
as terras recém-descobertas. curiosidade científica e utilizam um sistema dis­
Rigorosos na disciplina, os jesuítas desenvol­ ciplinar brando.
vem cuidadosa prática pedagógica para orientar A tendência realista na educação teve seus
a atuação dos professores. Privilegiam a tradição principais adeptos, no entanto, na vertente leiga
clássica, preferem o ensino do latim às línguas que defendia a secidarização do pensamento,
vernáculas e. indiferentes às críticas feitas à filo­ bem ao gosto do movimento humanista, volta­
sofia medieval, permanecem fiéis ao pensamen­ do para a superação da visão religiosa do mun­
to filosófico de Aristóteles e de Santo Tomás de do. No Renascimento, destacam-se o pensa­
Aquino. Alheios à disputa entre racionalistas e mento de Erasmo, de Rabelais e de Montaigne.
empiristas. recusam-se a tratar das descobertas No século XVII. vários teóricos se preocupa­
científicas de Galileu e Kepler. Eles ignoram e ram com a questão metodológica, o que se re­
condenam Descartes, que aliás foi um de seus flete nas indagações a respeito da pedagogia: sc
ilustres alunos. Dão pouca importância à histó­ há método para conhecer corretamente, existe
ria, à geografia e à matemática, enfatizando a re­ método para ensinar de forma mais rápida e
tórica e os exercícios de erudição. mais segura.
Configuram-se aí as linhas mais rígidas da cha­ E nesse sentido que se dirige o esforço de
mada escola tradicional, que cria um universo ex­ João A mós Comênio (1592-1670), autor de í)í-
clusivamente pedagógico, separado da vida c pre­ dática Magna, para quem o ponto de partida da
servado do mundo. Temperada pela clausura, pela aprendizagem deve ser sempre o conhecido. Par­
renúncia e pelo sacrifício, a disciplina é imposta tir das próprias coisas, valorizar a experiência,
por meio da vigilância total. O esforço individual educar os sentidos são passos de uma educação
é estimulado por atividades competitivas, como que se faz pela ação e voltada para a ação: “só
torneios intelectuais c emulações constantes, in­ fazendo aprendemos a fazer1’ é um dos lemas de
centivadas por prêmios e punições. Comênio.
Paralelamente, embora a maior parte das es­ Essa mudança de orientação enuncia de certa
colas permaneça efetivam ente nas mãos dos je­ forma as preocupações da escola ativa, e Comênio
suítas. uma tendência mais realista se delineia, inova quando detende a escola única, universal e
tentando resgatar o contato com o vivido, em di­ a cargo do Estado. Porém, é um típico represen­
reção a um saber mais ativo. tante da escola tradicional na sua busca pela or­
O realismo pedagógico, por considerar que a dem, que se revela no cuidado com o método que
educação deve partir da compreensão das coisas estipula os passos da aprendizagem. Com isso,
e não das palavras, exigirá uma nova didática. valoriza o papel do professor como controlador do
Nesse trabalho de instauração da nova escola se processo.
empenham educadores leigos, mas também reli­ Segundo Georges Snyders, “Comênio, ao
giosos. mesmo tempo que instituí a escola tradicional, a
Entre os religiosos, Lutero (1483-1546), por ultrapassa por certos aspectos de sua obra e de
exemplo, iniciador da Reforma Protestante, de­ seu pensamento. E, nos livros escolares que es­
fende inlensamente a implantação da escola pri­ creveu, já podemos ver uma como síntese feliz
mária para lodos e, de acordo com o espírito do entre dois aspectos da pedagogia”1.
humanismo, repudia os castigos físicos c o
verbalismo oco da escolástica, a filosofia medie­
val. Propõe jogos, exercícios físicos, música, va­ 1. Georges Snyders. A pedagogia em França nos séculos
loriza os conteúdos literários e recomenda o es­ XVII c XV UI. ui Debesse e Mi alarei, Tculudo das ciências-
tudo de história e de matemática. f>edagâgica$, v. 2, p. 307.

159

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O inglês John Locke (1632-1704) é conheci­ da consciência moral que o homem rege sua vida
do, na política, pela elaboração do pensamento prática, partindo dc certos princípios racionais.
liberal e, na teoria do conhecimento, pela defesa No entanto, o homem não realiza espontanea­
das teses empiristas. mente a lei moral, fundada no dever, mas a
Ao criticar as idéias inatas de Descartes, moralidade resulta da lula interior entre a lei uni­
Locke desenvolve uma nova concepção da men­ versal e as inclinações individuais.
te infantil c. consequentemente, de educação, Portanto, a moral formal, que se constrói a
enfatizando o papel do mestre em proporcionar partir do postulado da liberdade e se baseia na
experiências fecundas que auxiliem a criança a autonomia, exige a aprendizagem do controle do
fazer uso correto da razão. desejo pela disciplina, a fim de que o homem
Na linha dos principais críticos da velha tra­ atinja seu próprio governo c seja capaz de auto­
dição medieval, Locke lamenta a excessiva pre­ determinação.
ocupação com o latim c o descaso com a língua A educação, ao desenvolver a faculdade da ra­
vernácula c o cálculo. Como bom representante zão. leva à formação do caráter moral. Por isso,
dos interesses burgueses, considera importante o quando Kant diz “Mandamos, cm primeiro lugar,
estudo dc contabilidade e de escrituração comer­ as crianças à escola, não na intenção dc que nela
cial, visando a preparação mais ampla para a vida aprendam alguma coisa, mas a fim de que se habi­
prática. Sua pedagogia realista recusa a retórica tuem a observar pontualmente o que se lhes orde­
c os excessos da lógica, propondo o estudo de na”, não pretende levar a criança à passividade da
história, geografia, geometria e ciências naturais. obediência, mas sim que ela aprenda a agir com
No entanto, ainda que as idéias realistas planos c pela submissão às regras. Kant busca a
permeiem as teorias pedagógicas do século “obediência voluntária”, fruto do reconhecimento
XVII, nem sempre se fazem presentes efetiva­ pessoal de que as exigências são razoáveis e supe­
mente, predominando de fato o ensino acadêmi­ riores aos caprichos momentâneos.
co e intelectu alista.
A escola tradicional no século XIX
O ideal iluminista de educação
O sucesso da industrialização e o desenvolvi­
O século XV111 é conhecido como Século das mento das ciências trazem algumas preocupa­
Luzes, Iluminismo, Ilustração ou Aufklamng. ções específicas à escola tradicional do século
Luzes significam, nesse contexto, o poder da ra­ XIX. Por um lado, accntua-sc o dualismo esco­
zão humana para interpretar e reorganizar o mun­ lar, que consiste no falo dc existir unia escola
do. Tal otimismo com respeito à razão vinha se para a elite e outra para o segmento popular ope­
revelando, desde o Renascimento, no processo rário. Por outro, surge a necessidade dc não pri­
de secularização da consciência, antes impreg­ vilegiar, na formação dos jovens, apenas as hu­
nada dc religiosidade. manidades, mas estimular o estudo das ciências.
Foi importante o esforço dos franceses La Nesse intuito, dcstacou-sc o papel dos
Chalotais. Condorcet e Lepelletier. Autores de positivistas interessados na “formação do espíri­
projetos apresentados à Assembléia Legislativa, to científico”. Augusto Comlc, fundador do
tinham por objetivo tomar a escola leiga c fun­ positivismo, estava convencido de que cada ho­
ção do Estado. mem passa, durante sua vida, pelas mesmas eta­
Para Kant (1724-1804), um dos maiores pen­ pas percorridas pela humanidade. Dessa forma,
sadores iluministas, a Aufklarung “é a saída do o pensamento fetichista da criança deveria ser
homem de sua menoridade, da qual ele é o pró­ superado pela concepção metafísica na adoles­
prio responsável”. Esse caminho novo é expres­ cência, sendo o estado positivo (ou científico)
so no lema da Ilustração, Sapere ande! (“Tenha fruto da maturidade.
coragem dc usar seu próprio entendi mento’”). Essa tendência é responsável pelo cien-
As reflexões dc Kant a respeito da moral se tificismo que marcou muitas vezes a escolha dos
tomam fecundas para a pedagogia tradicional, na currículos escolares. Sc lembrarmos a influência
sua busca dc laicização. Segundo ele, é por meio positivista no ideário republicano brasileiro, po-

160

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

dcretnos reconhecer aí a preocupação com a de maior clarificação das representações e do


transmissão de um conteúdo enciclopédico, na crescimento das idéias na mente da criança.
tentativa de dar conta da imensa contribuição das Com tal finalidade, ele propõe os cinco pas­
ciências, sobretudo das ciências da natureza (ver sos formais que propiciam o desenvolvimento do
dropes 2). aluno:
No que se refere às ciências humanas, des­
tacam-se o pensamento do alemão Herbart • preparação — o mestre recorda o já sabido;
(1776-1841) e sen projeto de educação da von­ •apresentação — o conhecimento novo é
tade. Ele oferece uma importante contribuição apresentado ao aluno:
para o desenvolvimento da pedagogia quando • assimilação (associação ou comparação) —
propõe uma abordagem realista, baseada na o aluno é capaz de comparar o novo com o ve­
busca de maior rigor dos métodos, cujas linhas lho. percebendo semelhanças c diferenças;
principais são dadas pela psicologia. Podemos • generalização (sistematização) — além das
dizer que Herbart e o iniciador, ou pelo menos experiências concretas, o aluno é capaz de abs­
o precursor, de uma psicologia experimental trair, chegando a concepções gerais;
aplicada à pedagogia. • aplicação — por meio de exercícios, o alu­
A pedagogia social c ética tem por finalidade no mostra que sabe aplicar o que aprendeu em
a formação do caráter morai por meio de uma exemplos novos.
vontade esclarecida, que se alcança pela instru­
ção. Por isso, é enorme a importância do profes­ Examinamos até agora dois procedimentos
sor, que educa os sentimentos c os desejos dos básicos da conduta pedagógica: o governo c a
alunos mediante o controle de suas ideias. instrução. Resta analisar a disciplina, procedi­
Dessa forma. Herbart assume uma posição mento pelo qual se mantem firme a vontade
íntclectualista que privilegia o conhecimento, educada no propósito da virtude. Enquanto o go­
considerando o sentir e o querer funções se­ verno é exterior c heterônomo, sendo, por isso,
cundárias u derivadas do processo idea ti vo. mais usado com crianças pequenas, a disciplina
Convicto de que a educação tradicional ensina supõe a autodeterminação, característica do ania-
muita coisa inútil para a ação, cie julga impor­ durccímento moral que leva a verdadeira forma­
tante a tuilização rigorosa do método. A con­ ção do caráter.
duta pedagógica deve, então, seguir três pro­ Numa rápida avaliação de seu trabalho, é pre­
cedimentos básicos: o governo, a instrução c a ciso reconhecer que Herbart conseguiu elaborar,
disciplina. pela primeira vez. uma pedagogia que se propu­
O governo é a forma de controle da agitação nha como verdadeira ciência da educação, apre­
infantil, aplicado injciaJmcnte pelos pais e de­ sentando caráter do objetividade na análise, ten­
pois pelos mestres, visando submeter a criança tativa de psicometria, rigor dos passos seguidos
às regras do mundo adulto e tornando possível e tentativa de sistematização. Sc, no entanto, sua
o início da instrução. Se necessário, recorre-se psicologia sofre diversas restrições, isso não im­
a proibições, ameaças, punições e vigilância pede que tenha exercido grande influência no
constante, desde que sejam evitados os exces­ pensamento pedagógico.
sos contraproducentes. Para tanto, é preciso A maior crítica feita a ele posteriormente, so­
combinar autoridade e amor e manter a criança bretudo pela escola nova, deve-se ao caráter ex­
sempre ocupada. cessivamente intelectual ista de seu projeto, que
A instrução é o procedimento principal da leva a considerar, inclusive, a possibilidade do
educação e baseia-se no desenvolvimento dos controle do sentir c do querer, o que não deixa de
interesses. Para Herbart. a instrução é compreen­ ser um exagerado otimismo quanto ao poder da
dida como construção (aliás, é esse o sentido educação. Por outro lado, esse mesmo poder signi­
etimológico do termo), pois não se separa a ins­ fica, sob certo ponto de vista, a diminuição do cam­
trução intelectual da morai, sendo uma condição po de atuação livre do educando, o que nos levaria
da outra. Formar moral mente uma criança é edu­ a indagar se tanto controle poderia ainda tornar viá­
car sua vontade, c isso só pode ser leito por meio vel a passagem do governo paia a disciplina...

161

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

4. Críticas cessário para a aprendizagem, desprezou o rele­


vante papel do professor e descuidou da trans­
O século XX nasce sob o impacto das idéias missão dc conteúdos. Ora, a criança gosta do de­
escolanovistas, mas a educação tradicional con­ safio porque c por meio dele que nos tomamos
tinua existindo cm grande parte das escolas. con­ adultos, e o esforço, mesmo que penoso, não dis­
vivendo com diversas outras tendências. pensa a alegria da consecução do resultado.
Isso se deve a inúmeras causas. Como vere­ A esse propósito. Chateau lamenta que as re­
mos no próximo capítulo, a implantação da es­ formas signifiquem de fato o “triunfo da facili­
cola nova trazia exigências como a formação es­ dade”. A mesma idéia aparece na advertência de
pecífica dos professores e a reorganização ade­ Alain: “Não aprenderá violino quem apenas se
quada do espaço da escola, dos laboratórios etc., diverte com ele”.
o que tornou esse empreendimento altamente A produção teórica desses dois pensadores me­
elitizado. restrito a poucos. receu a leitura atenta de Georgcs Snydcrs, criador
A dificuldade de assimilação das novas teorias da tendência progressista (ver Capítulo 23). que o
pedagógicas com frcqüência cria um professor fez não para negar as contribuições inovadoras da
“híbrido ', que pensa estar aplicando técnicas no­ pedagogia contemporânea, mas na tentativa de re­
vas, mas sc encontra preso a concepções tradici­ cuperar o que a escola tradicional oferece de me­
onais. que se refletem na sua maneira de ver o lhor, superando o ranço das criticas ligeiras e cari­
mundo. caturadas que a ela costumam ser feitas.
Além dessa persistência com relação à práti­ Criticar o intelectualismo da escola antiga não
ca, também na questão teórica alguns pensado­ significa descuidar da transmissão de conteúdos;
res conlinuaram defendendo determinados valo­ negar o enciclopcdismo não implica desprezar a
res tradicionais. É o caso do filósofo francês aquisição de informação dosada e necessária; re­
Alain (1868-1951) — cujo nome verdadeiro era cusar o autoritarismo do mestre não é deixar dc
Émile Cliartier que foi professor de Jean reconhecer a importância de sua autoridade c a
Chateau (1908). Para eles, certas inovações par­ assimetria com relação ao aluno; acusá-la dc
tem dc mal-entendidos, pelo fato, por exemplo, passadista c dc estar a reboque dos acontecimen­
de resultarem com frequência dc estudos feitos tos não significa abandonar o estudo dos clássi­
por médicos ou psicólogos clínicos interessados cos e toda a herança cultural.
inicialmente em crianças inadaptadas, problemá­ Com isso, não se pretende retornar à escola
ticas ou até neurologicamente comprometidas c tradicional, mas sim avaliá-la sem preconceitos,
que, ao estender suas análises à criança normal, a fim de evitar uma abordagem superficial e fal­
mais fizeram confundir a educação e desviá-la sa, incapaz de reconhecer o que ainda interessa
dc pontos importantes. conservar. Afinal, muitos dos valores da escola
A ênfase posta na espontaneidade e na tradicional são valores iluministas que ainda
criatividade infantis fez esquecer o esforço ne­ não foram realizados na escola contemporânea.

Dropes
*1 - .............

Sobre as “pequenas escolas” de Port-Royal: “Acreditando ser a natureza humana intrinseca­


mente má, acharam necessário construir um muro de isolamento ao redor de cada indivíduo, de
modo que a natureza maligna interna não tivesse oportunidade de expressão e crescimento e para
impedir os outros de o induzirem a males ainda piores. O número de alunos era mantido intencional­
mente pequeno, de modo que os meninos nunca pudessem ficar, de dia ou de noite, sem a supervi­
são do tutor. (...) Não mais de seis meninos eram destinados a um mestre, e estes dormiam em seu
quarto e jamais estavam tora de suas vistas durante o dia”. (Frederíck Eby)

162

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
2

Sobre a Reforma Republicana do Ensino Público Paulista, na última década do século XIX: “A
crença no poder educativo das ciências levou à adoção de um plano de estudo enciclopédico que
incluía, desde a escola elementar, todo o elenco de noções científicas. (...) Acreditava-se que pelo
domínio do conhecimento científico, pela posse das verdades reveladas pela ciência, formar-se-ia o
homem perfeito e o cidadão completo. (...) O ano escolar compreendia mais de dez meses letivos,
com cinco horas diárias de aulas. O rigoroso sistema de exames procurava, por sua vez, assegurar
a seleção dos mais capazes. Data de então o equívoco da educação elementar paulista. Ao mesmo
tempo que era destinada a todos, criava-se um sistema seletivo que excluía da escola, pela
repetência e pela consequente evasão, considerável parcela da população escolar’'. (Casemiro dos
Reis Filho)

Sobre os pedagogos reformadores: “Eles esqueceram as sábias advertências de Alain, para


quem uma pedagogia ativa é também uma pedagogia severa. Da mesma forma, escutaram muito os
médicos que, para corrigir os inadaptados, tiveram necessidade de lhes fazer recuperar o entusias­
mo (élan) que lhes falta: para a criança normal, ao contrário, não é em absoluto isso que lhe falta,
mas sim as estruturas que, ao canalizá-lo, lhe conferem eficácia". (Jean Chateau)

Leituras complementares

1. [A disciplina]

A disciplina é uma técnica de exercício de Europa um grande progresso da alfabetização,


poder que foi não inteiramente inventada, mas aparecem essas novas técnicas de poder que
elaborada em seus princípios fundamentais du­ são uma das grandes invenções do século
rante o século XVIII. Historicamente as discipli­ XVIII.
nas existiam há muito tempo, na Idade Média e Tomando como exemplos o exército e a es­
mesmo na Antiguidade. Os mosteiros são um cola, o que se vê aparecer nesta época?
exemplo de região, domínio no interior do qual 1Q) Uma arte de distribuição espacial dos indi­
reinava o sistema disciplinar. A escravidão e as víduos. No exército do século XVII, os indivíduos
grandes empresas escravistas existentes nas estavam amontoados. O exército era um aglome­
colônias espanholas, inglesas, francesas, ho­ rado de pessoas com as mais fortes e mais há­
landesas etc. eram modelos de mecanismos beis na frente, nos lados e no meio as que não
disciplinares. Pode-se recuar até a Legião Ro­ sabiam lutar, eram covardes, tinham vontade de
mana e, lá, também encontrar um exemplo de fugir. A força de um corpo de tropa era o efeito da
disciplina. Os mecanismos disciplinares são, densidade desta massa. A partir do século XVIII,
portanto, antigos, mas existiam em estado iso­ ao contrário, a partir do momento em que o solda­
lado, fragmentado, até os séculos XVII e XVIII, do recebe um fuzil, se é obrigado a estudar a dis­
quando o poder disciplinar foi aperfeiçoado tribuição dos indivíduos e a colocá-los correta­
como uma nova técnica de gestão dos homens. mente no lugar em que sua eficácia seja máxima.
Fala-se, freqüentemente, das invenções técni­ A disciplina do exército começa no momento em
cas do século XVIII — as tecnologias químicas, que se ensina o soldado a se colocar, se deslocar
metalúrgicas etc. —, mas, erroneamente, nada e estar onde for preciso. Nas escolas do século
se diz da invenção técnica dessa nova maneira XVII, os alunos também estavam aglomerados e
de gerir os homens, controlar suas multiplici­ o professor chamava um deles por alguns minu­
dades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito tos, ensinava-lhe algo, mandava-o de volta, cha­
útil de seu trabalho e sua atividade, graças a mava outro etc. Um ensino coletivo dado simulta­
um sistema de poder suscetível de controlá-los. neamente a todos os alunos implica uma distribui­
Nas grandes oficinas que começam a se formar, ção espacial. A disciplina é, antes de tudo, a aná­
no exército, na escola, quando se observa na lise do espaço. É a individualização pelo espaço,

163

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

a inserção dos corpos em um espaço individuali­ mente e com gestos melhor adaptados. Apare­
zado. classificatório, combinatório. ce, no exército, o suboficial e com ele os exercí­
2-) A disciplina exerce seu controle não sobre cios. as manobras e a decomposição dos gestos
o resultado de uma ação, mas sobre seu desen­ no tempo. O famoso Regulamento da Infantaria
volvimento. No século XVII, nas oficinas de tipo Prussiana, que assegurou as vitórias de
corporativo, o que se exigia do companheiro ou Frederico da Prússia, consiste em mecanismos
do mestre era que fabricasse um produto com de gestão disciplinar dos corpos.
determinadas qualidades. A maneira de fabricá- 3Q) A disciplina é uma técnica de poder que im­
lo dependia da transmissão de geração em ge­ plica uma vigilância perpétua e constante dos indi­
ração O controle não atingia o próprio gesto. Do víduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o
mesmo modo, se ensinava o soldado a lutar, a que fizeram é conforme à regra. £ preciso vigiá-los
ser mais forte do que o adversário na luta indivi­ durante todo o tempo da atividade e submetê-los a
dual da batalha. A partir do século XVIII, se de­ uma perpétua pirâmide de olhares. É assim que no
senvolve uma arte do corpo humano. Começa- exército aparecem sistemas de graus que vão, sem
se a observar de que maneira os gestos são fei­ interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado,
tos, qual o mais eficaz, rápido e melhor ajustado. como também os sistemas de inspeção, revistas,
É assim que nas oficinas aparece o famoso e si­ paradas, desfiles etc., que permitem que cada indi­
nistro personagem do contramestre, destinado víduo seja observado permanentemente.
não só a obser/ar se o trabalho foi feito, mas (Michel Foucault, Microfísica do poder, Rio
como é feito, como pode ser feito mais rapida­ de Janeiro, Graal, 1979, p. 105-106.)

2. [A educação pelo esforço]

Não tenho muita confiança nesses jardins de fazer com que as crianças saboreiem as ciências
infância e outras invenções por meio dos quais e as artes como saboreamos os doces de frutas.
procura-se instruir divertindo. O método já nâo é O homem se forma pelo esforço; seus verdadei­
excelente para os homens. Poderia citar pessoas ros prazeres, ele deve ganhá-los, merecê-los.
que são consideradas instruídas e que se Deve dar antes de receber. É a lei
entediam lendo La Chartreuse de Parme ou Lys O ofício de distrair é solicitado e bem pago, e,
dans la Vallée*. Tais pessoas só lêem obras de no fundo, secretamente desprezado. Que pensar
valor secundário, nas quais tudo está disposto dessas vazias revistas semanais, cheias de ima­
para agradar à primeira vista: mas, entregando- gens, nas quais todas as artes e todas as ciências
se a prazeres fáceis, perdem um prazer mais alto são postas ao alcance do olhar mais distraído?
que teriam adquirido por meio de um pouco de Viagens, rádio, aeroplanos, política, economia,
coragem e de atenção. medicina, biologia, tudo reunido; e os autores ti­
Não há experiência que eduque melhor um ram também todos os espinhos. Esse magro pra­
homem que a descoberta de um prazer superior, zer desgosta: produz um enfado das coisas do
que ele teria ignorado para sempre se não tives­ espírito, que são severas no início, mas delicio­
se se esforçado, um pouco, inicialmente. sas. Citei há pouco dois romances que não são
Montaigne é difícil: é que é preciso inicialmente mais lidos. Quantos prazeres ignorados e que as
conhecê-lo, orientar-se em sua obra, identificar- pessoas poderiam obter com a condição de terem
se com ela; somente depois disso é que é possí­ um pouco de coragem! Ouvi contar que uma cri­
vel descobri-lo. Do mesmo modo, a geometria ança muito amada, que ganhara um teatro de ma­
por cartões reunidos pode agradar; mas os pro­ rionetes como presente de aniversário, instalava-
blemas mais rigorosos produzem também um se na orquestra como um velho senhor rico, en­
prazer mais vivo. Assim é que o prazer de ler quanto sua mãe se esforçava para fazer com que
uma obra ao piano não pode ser percebido nas os personagens se movessem e inventava
primeiras lições; é preciso sabermos suportar o estórias. Com semelhante regime, o pensamento
aborrecimento inicial. Eis por que não se pode engorda como uma galinha. Prefiro um pensa­
mento magro, que caça a sua presa.
Principal mente às crianças, que têm tanto fres­
* Rcspcctivamente, A Cartuxa de Parma. de Siendhal,
cor, tanta força, tanta curiosidade ávida, não que­
o O Lirío do Vale., de Balzac, autores preferidos de ro que se ofereça assim a noz descascada. Toda
Alain. a arte de instruir consiste em conseguir-se, pelo

164

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

contrário, que a criança se esforce e se erga ao gem, longe de tomá-la insensível, eu a desejaria
estado de homem. (...) Há, sem dúvida, uma frivo­ marcada e solene. A criança nos será reconheci­
lidade da criança, uma necessidade de movimen­ da por ter sido forçada; mas desprezar-nos-á se
to e de ruído; é a parte dos jogos; mas é também tiver sido adulada.
necessário que a criança se sinta crescer, quan­ (Alain (Émile Chartier), Reflexões sobre a
do passa do jogo ao trabalho. Esta bela passa­ educação, São Paulo, Saraiva, 1978, p.11-12.)

Atividades
Questões

1. Explique por que podemos dizer que a escola tradicional é filha do liberalismo.
2. Que concepção a respeito da natureza humana se encontra inicialmente subjacente ao ideário da
escola tradicional?
3. Lembrando o que foi visto no Capítulo 13, quais são os pressupostos epistemológicos da escola tradi­
cional? Para tanto, observe também os passos do método de Herbart.
4. Porque a escola tradicional assume características diferentes ao longo de sua trajetória?
5. Explique o que é tradicional e o que é novo na pedagogia de Herbart.
6. Apesar das justas críticas feitas à escola tradicional, há elementos positivos que poderiam ser nela
resgatados?

Análise de texto

Com base no dropes 1 e nas duas epígrafes do capítulo, responda às questões 7 e 8.

7. Identifique o período a que as citações se referem e a característica da infância e da educação aí


destacada.
8. A partir da citação de Charlot, como poderíamos compreender essa tendência?

Com base no dropes 2, responda às questões 9 e 10.

9. Que características da escola tradicional o texto revela?


10. Em face do caráter enciclopédico da referida reforma, que corrente filosófica se encontra a ela
subjacente?

Com base no dropes 3, responda às questões 11 e 12.

11. Ao criticar os médicos, que tendência pedagógica Chateau pretende atingir?


12. Que elemento da escola tradicional está presente na fala de Chateau?

Com base no texto complementar de Foucault, responda às questões de 13 a 16.

13. Segundo Foucault, o que distingue a disciplina imposta no século XVIII das demais existentes ao longo
da história?
14. Segundo o autor, o que há de comum entre a escola, a fábrica e o exército?
15. Como podemos relacionar essas mudanças com o desenvolvimento do capitalismo?
16. Por que a disciplina tornou-se importante na escola tradicional?

Com base no texto complementar de Alain, responda às questões de 17 a 19.

17. Em que sentido seria correto dizer que Alain defende a ‘pedagogia da dificuldade ?
18. Qual é, para Alain, o significado pedagógico da transposição das dificuldades conseguida pela criança?
19. Explique por que, ao se referir a “um pensamento magro, que caça a sua presa", Alain descaracteriza
a crítica de passividade frequentemente atribuída ao aluno da escola tradicional.

165

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia

Redação

Tema. Faça uma dissertação identificando as características da escola tradicional a partir desta frase
de Alain: ‘Chego à conclusão de que os trabalhos escolares são provas para o caráter, e não para a
inteligência. Seja na ortografia, na tradução ou no cálculo, trata-se de superar o humor, trata-se de apren­
der a querer”.

166

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>

CZ'
Q
Õ?

O
cn
O

õj'

Q_
QJ
m
Q_
£Z
n
QJ
o
QJ>
O

(T c- y n O y CL ft-
X a y Tj X
y S 2 r- Q
y’ E r? y y' •y
3’
Cl Q
F 3 —• • O F>
CL
£5 cr 5 C- c.
ÜC3 ÍT1 .f-j C
□ ftM S 3 C rt fj a
a Q Cl lí £3
y G p’

-A
d r/ C;
c
a
CL ■6 <—•,
o <
n O rr
Q TJ" Z3 “r
= £' p. d
O £3
O 3 3 <T 3 Cl ÍL y “O
-O [3 Cl <z> §. y
CL i r. “T
£3 fi ~7 Cl ■í á y
O TJ
o‘ a> n> fp _.
y o C >
Q F>
y
3 y •D
' 3 O sr
3
“c
c y
O p F □ c !T>
<P 3 cr < c (T
o p‘ O n —
x; 3. £3 5 Q. y 3 •T * C -
o <D o y i
i o íu a 1
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Conteúdo fessor. Por isso, representa apenas uma das eta­


pas de aprendizagem, não o seu centro. Despoja­
Segundo a escala nova, as noções gerais não da do terror que a mistifica, não visa apenas os
seriam transmitidas pelo professor, pois a abs­ aspectos intelectuais, mas também as atitudes e
tração deve resultar da experiência do próprio a aquisição de habilidades. O sistema de prêmios
aluno, Se o processo do conhecimento c mais é condenado, e a competição é substituída pela
importante do que o produto, o conteúdo que é cooperação e pela solidariedade.
objeto de aprendizagem precisa ser compreendi­
do, não decorado. Disciplina
Daí a crítica à escola acadêmica c livresca,
que privilegia a transmissão de conteúdos, em Numa sociedade em mutação, é preciso edu­
detrimento dos processos de descoberta do co­ car para o improvável, para o novo; daí ser ne­
nhecimento. cessário preparar para a autonomia. O afrouxa­
mento das normas rígidas tem por objetivo esti­
Metodologia mular a responsabilidade e a capacidade de críti­
ca e estabelecer a disciplina voluntária. Por isso
A fim de superar o estreito intelectualismo da são estimuladas discussões que permitam ao alu­
escola tradicional, a escola nova tem por princí­ no a compreensão do signifcado e da necessida­
pio o “aprender fazendo". O objeto da educação de das normas coletivas.
é o homem integral, constituído não só de razão,
mas de sentimentos, emoções e ação.
A escola não está voltada apenas para o intelec­ 3. Ideário escolanovista
to. (.) corpo também é valorizado, por meio das ati­
vidades de educação física c do desenvolvimento Antecedentes
da motricidade. O psicólogo suíço Piaget bem mos­
trou como a atividade mental da criança é inicial­ Compreende-se o ideário escolanovista a par­
mente sensório-motorae, cm seguida, predominan­ tir da situação social e econômica em que foi ge­
temente intuitiva, o que exige maior atenção aos rado. Nesse sentido, a escola nova é típica repre­
movimentos e à estimulação da percepção. sentante da pedagogia liberal.
Devido à influência da psicologia c ao fato de Com o advento (lo capitalismo e o seu forta­
muitas escolas novas terem surgido a partir do lecimento, a partir da Revolução Industrial, fo­
acompanhamento de crianças anormais, há uma ram realçados valores corno a livre concorrên­
constante preocupação com a individualização cia. a competição, a aceitação do desafio do
das atividades, embora não sejam desprezados os novo, a afirmação da individualidade (e do indi­
trabalhos cm grupo, importantes para a sociali­ vidualismo!) c a liberdade de pensamento (rever
zação das experiências. Capítulo 14. Parte 1).
Programas e horários tornam-se maleáveis, a A crescente industrialização da sociedade
fim de atender os ritmos individuais. Como é im­ contemporânea, com suas rápidas transforma­
portante partir do concreto para o abstrato, pesqui­ ções. requer a ampliação da rede escolar, bem
sas e experiências são estimuladas. Privilegiar a como uma escola que prepare para o novo;
pedagogia da ação significa equipar a escola com além do mais, as esperanças de superação das
laboratórios, oficinas, hortas c até imprensa, con­ desigualdades sociais encontram na adequa­
forme a metodologia predominante. Também os da escolarização urna promessa de mobilida­
jogos não se opõem ao trabalho; antes, constituem de social.
atraentes facilitadorcs da aprendizagem. Os antecedentes do movimento de inovação
encontram-se já no Renascimento, como as críti­
Avaliação cas feitas por R abei ais à escola autoritária c as
experiências de Feltre na Casa Giocosa. Na Ida­
A avaliação é compreendida como um pro­ de Moderna são importantes as contribuições de
cesso válido para o próprio aluno, não para o pro­ Ratke e de Comcnio.

168

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


G p

> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
75
75

o
>
PJ G y G kj ■d- n CL frq 3 -o G T3 CfQ 3 CL G
G ? 2. — = E? 3 G d P >< £ CO “ G
P c G C 3 o < C G p P G -5'
n - CL g' y Q
8 O “ O
G d P 71 y G P Z?
n - Z y (71 X a c - Q P o
Z p C- G G < 3
c- G G N C d y c G 3 G G ■y c
■3 G y y y = P ’=i y Cl G x;
Q y. r“-, CL G y y O T3 —! d
O G G y G 3 y
G G y _o y G y 3 y
G G O y y P ? G G
õ? y ■o G 7 CL y y 3 G y O ■w» O CL 3 G y
g G G O CL P ■—5
G y G B G y G -3 w y G
c p G —í y r P 3 •O G y d y
2 y n C O G> G G /** c
G P 3 CL G
G G O y y.
Q- G O ■y. 3 3 CL "
y O" d 3 <-• 3 3 G p
< G P P O3 y C O> rf <-• —j y P G a
O G 3 C G G, 3 G
y y G ri O G —t g G y G r/C' p G y
cn y r• P- d CL G P' y E G o P c
G- G y y G d t~-. ■a P _. -G Os P O
O G 5 3 □" 2 y •y "O X C (Z < G
y G 3 CL y p y 3 P 71 c o CP d c G
P CL Gx 3 d y G G X C
"3 c —3j G C y y> cl G y P P y C CL s O 2. G ri
G G G G y y P G 3 G
cl y y G G N, y y CL
-n CL y G y G. P G 2 G > O n Gx
y G G y 2 XG P CL n y y
G P y 3 £= y G P P 3 ^G- X y c_ Pt
y G O X o‘ 3 Pi G G G G C- X
G g y G V- O ■O P G-. d 3 y g“ "ã
G “O 71 < -o d -Q; o P 2. T3 G y G O
3 c G G d g’ N O O G p G d y
<
G —i y Cl G C O G y P X G' y. C
y ri p^ 7: P CL 'd y R 3 n]
r3'. G 3 G ,G Q_ C
P G G G y G g' G G y C G y 2*
3 CL G G cr o' X G> G. C G
O P c s X G ” 3
g CL G= y CL i G P y G < P G
y ?r a y o y y
3 y G P G Q y X g 2. 2. X G y p CL O
G Pt 3 p G
■o G o G Õ y, P G y C- p ’ *2' X G q Q ■’ õ!
p G 75 P ' 5
C n y p d
n y. *G < d d G P
2<
cr r* TJ 3 y “ E. y
y 3 d N Ct p p
p C cr 73
a c y G G y d Gs CL
c -o 3« G P C>
g 5" y CL Cl G o G C-
O I__ P p y ■o G c' G y
"O 3 CL oç d P Cl "O u G
p £ G Q üf: P ” o y
Q G P p y O O y
3* O s 2 P; G' G CL Q. CL
■o G P X G. y
G y 7“' G y y dz o* y r? Q. P G O P G G
E Q" O r'., z 3 G Pt O . , G — c
G G -t 3 ;_ y y - c O y CL G o
G g' Cl y T3 G y O . PI —. y G c 3 g
G P G g -§ 0* 20 y CF •y O
O P “2 G O G G P Cl O O d g 3 X G‘ y P
X d -c N y o •y Q Gx
nri 3 P 3 P ’ P> Cl O O y y y 3 2
■o G c G o y- y C G G- y •y “O y •o G
n, Ul * 3 CL dZ p O G
G y y CL P> •-t s O G < G CL CL G
G 2- CL G C P CL “n 3
G G G y y
O G G y y y G P T != O G 1
i II?
•70 P Ti S>
G CL 3 c
2 G 3 Gx G O G,
5 G r\. X
y O 3 y E
O C y
3 p G G y
y« C G CL
p
o G G> G
O B y
y d G
G Q- y
G rr?
O ’—. 3 G
y G, p^
G P
G G O
O y
P 3 c
y y c
2 3 y ■o
d CL & G
G- G
■y 3
3 3 P G g'
P
G y 3 P
Cl, 3 CL
y CL G
y OÍ
y- CL
O 3 G G
y P
G y G
G y
O •o
■3 y p C CL O
O G
O O
p CL
P
P 2
G ri p
"3 y G
G '-j y G P
ri
r. Q G
3 < G Cl
G 3
2 ■—5 r;
O O O
o y T y y O *-■<
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

partir daí o destaque às atividade manuais e físi­ todos esses projetos de educação, persistem mui­
cas. bem como o estímulo ao espírito de iniciati­ tas vezes diferenças de orientação, sendo, por
va c à independência do aluno. exemplo, explícita a divergência entre Mon­
Do ponto de vista cpisteinológico (ver Capí­ tessori e Dewey.
tulo 13), é clara, em um primeiro momento, a in­ No Brasil, o movimento da escola nova só
fluência da tendência empirista, que valoriza os começou no século XX, na década de 20, com
elementos resultantes da experiência. Diferente­ diversas reformas esparsas do ensino público.
mente da escola tradicional, no entanto, Dewey Suas idéias expressaram-se de maneira clara em
não reserva à escola o destino de simples 1932, no Manifesto dos pioneiros da educação
transmissora da experiência da humanidade, mas nova, cujos principais signatários foram
realça também o papel ativo do aluno. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lou-
E nesse sentido que ele define tecnicamente a renço Filho. Esse manifesto foi muito importan­
educação como “uma reconstrução ou reorgani­ te na história da pedagogia brasileira porque re­
zação da experiência, que esclarece e aumenta o presentou a tomada de consciência da defasa-
sentido desta e também a nossa aptidão para gem cxistcnLc entre a educação e as exigências
dirigirmos o curso das experiências subse­ do desenvolvimento.
quentes”1 (o grifo é nosso). O manifesto surgiu cm uma época de conflito
Com isso, Dewey dá destaque aos dois pó­ entre os adeptos da escola renovada e os católicos
los de influência no processo de conhecimento. conservadores, que detinham o monopólio da edu­
O sujeito que conhece c o objeto conhecido são cação elitista e tradicional. No período do Estado
igual mente importantes, já que *'a experiência Novo, o movimento renovador entra em recesso,
consiste primariamente cm relações ativas en­ ressurgindo na década de 50 com a participação
tre um ser humano e seu ambiente natural e so­ dos já citados pedagogos, entre outros. Embora a
cial" e, conseqücntemente. “a educação prati­ polêmica entre os defensores da escola leiga e os
cada intencional mente (ou escolar) deveria da escola confessional ainda existisse, alguns co­
apresentar um ambiente cm que essa interação légios religiosos abandonam os métodos tradicio­
proporcionasse a aquisição daquelas significa­ nais c começam a aderir ao eseolanovismo.
ções que são tão importantes, que se tornam por Novas teorias, tais como as de Piagel e de
sua vez instrumentos para a ulterior aquisição Brunner, foram incorporadas ao ideário
de conhecimentos"2. escolanovista, até que na década de 60, por oca­
sião do golpe militar, se deu a tentativa de implan­
tação da tendência tecnicista (ver Capítulo 18).
4. Principais representantes _____

Além de ter sido um destacado teórico da es­ 5. As ilusões da escola nova_______


cola nova, Dewey desenvolveu, no final do sé­
culo XIX. uma curta experiência concreta, com A escola nova estava convencida de que a ver­
a fundação de uma escola experimental junto à dadeira democracia seria instaurada pela “escola
Universidade de Chicago. Um de seus mais im­ redentora", na qual todos poderiam garantir l'um
portantes seguidores foi Kilpatríck. que se preo­ lugar ao sol” a partir de seu talento e esforço.
cupou sobretudo com a formação para a demo­ Segundo Dewey, o desenvolvimento tec­
cracia em uma sociedade em constante mutação. nológico c a vida democrática tinham na escola um
Na Europa destacam-se Claparcdc. O vide instrumento ideal, por meio do qual os benefícios
Decroly, Maria Montessori, Hclcne Lubicnska, da educação seriam estendidos a todos, índistinta­
Georg Kerschensteiner e Célestin Ercinct. E evi­ mente. A escola teria a função democratizadora de
dente que. apesar das semelhanças existentes cm equalizar as oportunidades. Eis aí, segundo alguns
teóricos, o chamado “otimismo pedagógico" ou,
ainda, a “ilusão liberal” da escola nova.
1. Johu Dewey. Dcuiocruviu e eãneaçâo. p. 83.
Embora tenhamos de reconhecer os aspectos
2. Id.. IbicL p. 301. inovadores da contribuição de Dewey. sobretu-

170

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
do quanto à oposição à escola tradicional, essa dúvida — não reconhece a assimetria da relação
pedagogia ainda se inscreve no horizonte dos professor-aluno c descamba cm ausência de disci­
ideais liberais c. corno tal, se funda na aceitação, plina; a ênfase dada ao processo (e não ao produto i
não no questionamento, dos valores burgueses. é confundida com o aligeiramcnto do conteúdo.
Nesse sentido, a sociedade como tal não c co­ Outra dificuldade está no risco do puerilismo.
locada em questão em momento algum, como ou seja, a supci valorização da criança e a conse-
acontece nas teorias de inspiração socialista, em qüente depreciação do adulto. Como resultado,
que, por exemplo, a noção de trabalho passa pelo pode ocorrer a minimização do papel do profes­
crivo da análise ideológica. sor, ou a sua quase ausência nas formas extre­
Como veremos no Capítulo 20, a aparente mas de não-diretividade. O medo da ação coerci­
equalização de oportunidades na verdade dissi­ tiva tem levado muitos professores a se demiti­
mula a reprodução do sistema, isto é, são dadas rem de seu papel.
poucas chances reais para os filhos de operários A má assimilação dos princípios da escola
deixarem de ser proletários, o que se verifica pe­ nova se acha também na confusão entre ensino e
los altos índices de evasão e repetência, que in­ pesquisa. O escolanovista critica a valorização da
dicam o afastamento precoce das crianças com transmissão de conteúdos na escola tradicional,
relação ã escola. Os testes vocacionais, aparen­ enfatizando, ao contrário, a importância da expe­
temente neutros, como podemos ver na leitura riência, da descoberta pessoal.
complementar 1 do Capítulo 8, revelam de fato E sempre um risco, no entanto, tentar reprodu­
um comprometimento com a origem do aluno zir em sala de aula, de forma artificial, os passos
avaliado, de modo que só os filhos da elite se da humanidade nas descobertas científicas. Além
encaminham para os cursos superiores. de impossível, seria no mínimo ingênuo, porque a
Contraditoriamente, o ideário da escola nova pesquisa científica segue procedimentos específi­
contribuiu para urna maior elitização do ensino, cos que exigem rigor, tempo e conhecimentos.
sobretudo no Brasil. Ao dar enfase à qualidade c A rtifici alizar tais processos em sala de aula é des­
à exigência de escolas aparelhadas e professores cuidar de um dos aspectos importantes da função
altamente qualificados, colocou a escola pública da escola: a apropriação do já conhecido. A esse
em posição inferiorizada, pois incapaz de intro­ propósito, diz o professor Derme vai Saviani:
duzir as novidades didáticas. “Qualquer pesquisador sabe muito bem que nin­
l ais desacertos dificultam a implantação da guém chega a ser cientista, se ele não domina os
democracia porque o rebaixamento da qualidade conhecimentos já existentes na área cm que se
da escola pública, destinada ao povo, concorre propõe a ser investigador1.
para o agravamento da marginalização do maior Com tais críticas, não desmerecemos as muitas
segmento da sociedade, tornando a educação conquistas da escola nova, sobretudo quando ela
mais elitista. questiona as formas esclcrosadas da escola tradici­
Além disso, prejuízos resultaram da assimila­ onal. Muitas foram as experiências fecundas que
ção inadequada das novas idéias e da tentativa de trouxeram novas luzes para a educação e que preci­
sua implantação sem critérios. Por exemplo, a críti­ sam ser redimensionadas, a fim de se perceber com
ca ao autoritarismo da velha escola —justa, sem mais clareza o seu alcance c os seus limites.

Dropes

Repreenderam-nos — naturalmente — por deixar as crianças “fazerem tudo o que querem”.


Mas não há mal em deixar a criança fazer tudo o que quer, se tudo o que quiser estiver certo! (...)
Prefiro, porém, inventar uma fórmula, e dizer que, na Casa dos Pequeninos, deseja-se que as crian­
ças queiram tudo o que fazem. (Claparède)

171

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
2

Na escola» a criança que trabalha não só se apropria das coisas aprendidas, mas ainda as
assimila. A escola nova, evitando dispersar a atenção para multíplices objetos a todas as horas do
dia ou da semana; acostumando o estudante a cumprir seus deveres com calma, sem precipitação;
reservando horas especiais para o trabalho manual e dando ocasião para tratar todas as matérias;
despertando, finalmente, na criança o desejo de recolher, elaborar mentalmente e utilizar para a
ciência e para a vida os documentos tangíveis, proporciona resultados infinitamente superiores aos
que possa dar a leitura de centenas de livros insossos, ainda que escritos e aprovados por todos os
inspetores acadêmicos do mundo. (Ferrière)

Leituras complementares

1. O mundo infantil

A criança vive em um mundo em que tudo é assoberbadas pelos longos séculos da história
contato pessoal. Dificilmente penetrará no de todos os povos.
campo da sua experiência qualquer coisa que Além disso a vida da criança é integral e
não interesse diretamente seu bem-estar ou o unitária: é um todo único. Se ela passa, a cada
de sua família e amigos. O seu mundo é um momento, de um objeto para outro, como de
mundo de pessoas e de interesses pessoais, um lugar para outro, fá-lo sem nenhuma cons­
não um sistema de fatos ou leis. Tudo é afei­ ciência de quebra ou transição. Não há isola­
ção e simpatia, não havendo lugar para a ver­ mento consciente, nem mesmo distinção cons­
dade, no sentido de conformidade com o fato ciente. A unidade de interesses pessoais e so­
externo. ciais que dirigem sua vida mantém coesas to­
Opondo-se a isso, o programa de estudos das as coisas que a ocupam. Para ela aquilo
que a escola apresenta estende-se, no tempo, que prende seu espírito constitui, no momen­
indefinidamente para o passado, e prolonga-se, to, todo o universo, que é assim fluido e fugidio,
sem termo, no espaço. A criança é arrancada do desfazendo e refazendo-se com espantosa ra­
seu pequeno meio físico familiar — um ou dois pidez.
quilômetros quadrados de área, se tanto — e ati­ Esse, afinal, é que é o mundo infantil Tem
rada dentro do mundo inteiro, até aos limites do a unidade e a integridade da própria vida da
sistema solar. A pequena curva de sua memória criança.
pessoal e a sua pequena tradição véem-se (J. Dewey, Vida e educação, p. 138.)

2. A renovação do sistema educativo

Tem-se considerado como um ponto culmi­ ram e que por ela entraram em circulação, como
nante no movimento de renovação educacional pela fermentação de idéias que provocou e pelo
no Brasil a reforma de 1928 no Distrito Federal, estado social que estabeleceu, de trepidação dos
que se tornou o foco mais intenso de irradiação espíritos, de sôfregas impaciências e de aspira­
das novas idéias e técnicas pedagógicas. Alguns ções ardentes. Nenhuma outra, de fato, até
historiadores da educação não hesitaram mes­ 1930, imprimiu ao nosso sistema de educação
mo em afirmar que, com a reforma consubstan­ uma direção social, tanto quanto nacionalista,
ciada no decreto n° 3.281, de 23 de janeiro de mais vigorosa, nem levou mais em conta, no con­
1928, se entrou resolutamente numa fase nova junto como nos seus detalhes, a função social
da história da educação nacional. Seja qual for, da escola: nenhuma outra atendeu mais ao enri­
porém, o ponto de vista que se tenha de adotar quecimento interno da escola e ao alargamento
na apreciação dessa reforma, é certo que, se­ de seu raio de ação; nenhuma outra procurou
gundo o julgamento de autoridades nacionais e articular mais estreitamente as atividades esco­
estrangeiras, ela marcou, nos domínios da edu­ lares com a família, com os meios profissionais
cação, um período revolucionário, não só pelas interessados, com a vida nacional e as necessi­
idéias francamente renovadoras que a inspira­ dades e condições do mundo moderno. Atribuin-

172

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

do novos fins, nacionais, sociais e democráticos, variedade das exigências sociais e das necessi­
ao sistema de educação, procedeu o reformador dades e aptidões individuais, ou, para empregar
à renovação das técnicas e dos processos que as suas palavras, “o panorama de uma vida mais
deviam variar, como instrumentos, em função ampla e rica para o homem, em geral, uma vida
dos objetivos que se propunha atingir e que atu­ de maior liberdade e de iguais oportunidades
avam sobre todo o conjunto, e se esforçou por para todos, a fim de que cada um possa desen­
fornecer, pela reforma, às escolas de todos os volver-se e alcançar tudo o que possa chegar a
graus e tipos uma base concreta, de serviços téc­ ser”. A vigorosa afirmação dos princípios funda­
nicos e administrativos, para uma educação mais mentais por que se norteou essa reforma; as po­
eficiente e que realmente se estendesse a todos lêmicas apaixonadas que se levantaram em tor­
Assim, pois, aliviando a escola do peso morto do no dela e o movimento de idéias que suscitou,
ensino tradicional; reagindo contra os fins pura­ produzindo uma ruptura da unidade do pensa­
mente individualistas da escola antiga; erguendo mento pedagógico, dominante desde o Império,
ao primeiro plano de suas preocupações os prin­ deram-lhe um tal impulso e tão grande poder de
cípios da ação, solidariedade e cooperação soci­ desenvolvimento que pôde repercutir fortemen­
al; quebrando, para articulá-los uns com os ou­ te, colhendo-os no seu raio de influência, sobre
tros, as barreiras que separavam os diversos diversos Estados da União. Na tempestade de
ensinos, e introduzindo novas idéias e técnicas protestos e aplausos, na corrente de entusiasmo
pedagógicas, a reforma de 1928. no Distrito Fe­ ou na avalancha de críticas que levantou por
derai, inaugurava efetivamente uma nova políti­ toda parte, não se pode deixar de reconhecer
ca de educação no Brasil. antes o choque de conflitos ideológicos do que
O que, por essa reforma, baseada numa con­ uma simples reação diante de uma reforma com
cepção democrática da existência e no respeito que o Brasil se integrava no movimento de reno­
da pessoa humana, se pretendeu alcançar, na vação escolar que se vinha desenvolvendo em
capital do país, era aquela “educação universal” alguns países europeus e americanos.
a que se refere J. Dewey e que põe ao alcance (Fernando de Azevedo, A cultura brasileira,
de todos as suas vantagens e satisfaz à imensa p. 655-657.)

Atividades
Questões

1. Do ponto de vista social e econômico, como se justifica a critica feita pela escola nova à escola tradici­
onal?
2. Faça um esquema comparando a escola tradicional (ver capítulo anterior) e a escola nova a partir das
características abordadas nos dois capítulos (aluno e professor, conteúdo, metodologia, avaliação e
disciplina).
3. Em que consiste a "ilusão liberal" da escola nova? Sob este aspecto, quais são as críticas feitas a ela?
4. Destaque e comente algumas das principais virtudes da escola nova
5. Justifique as raízes liberais (burguesas) da escola nova.
6. A pedagogia de Dewey também é conhecida como instrumentalísmo ou, ainda, como pedagogia pro­
gressiva. Explique como essas denominações fazem sentido na sua teoria

Pesquisa

7. Organizem-se em grupos de trabalho. Cada grupo deve escolher um educador da escola nova, cujas
teorias e experiências deverão examinar com mais detalhes.

Análise de texto

Com base no dropes 1 (Claparède), responda às questões 8 e 9.

8. Explique a diferença vista por Claparède entre as duas frases citadas.


9. Em que a posição de Claparède avançou, com relação à escola tradicional?

173

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
Com base no dropes 2 (Ferrière), responda às questões de 11 a 13.

10. Que crítica Ferrière faz à velha escola quando diz: “(...) não só se apropria das coisas aprendidas, mas
ainda as assimila ?
11. Localize o trecho que revela preocupação com a psicologia.
12. O que o autor quer dizer com '‘documentos tangíveis”?
13. Em que sentido a educação livresca merece críticas? Como seria possível recuperar a importância do
livro?

Com base no texto complementar de Dewey, responda ás questões de 14 a 16.

14. Que crítica Dewey faz à escola tradicional?


15. Como poderíamos entender esse texto a partir da noção de “revolução copernicana1’?
16. Com base nas dificuldades indicadas pelo autor, analise o desafio de um programa de história ou de
geografia para os pequeninos: por onde começar?

Com base no texto complementar de Fernando de Azevedo, responda às questões de 17 a 19.

17. Pesquise a respeito de quem foi Fernando de Azevedo e sua importância na pedagogia brasileira.
18. Porque, segundo o autor, a reforma de 1928 revela importante preocupação social com a educação?
19. Sob que aspecto a posição do autor coincide com a citação de Dewey?

Redação

Tema: Escola e vida: um desafio.

174

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

(...) para as próprias funções dc reitores c diretores da universidade, assim


como a de qualquer das suas entidades, poderão ser convocados valores humanos
que, embora alheios à carreira do magistério, possuam alto tirocínio da vida pú­
blica ou empresarial.
(Grupo de Trabalho da Reforma Universitária/1968)

1. O modelo empresarial O conteúdo a ser transmitido sc baseia cm


informações objetivas que proporcionem, mais
No século XX. a escola tradicional tem sofri­ tarde, a adequada adaptação do indivíduo ao
do inúmeras críticas, cujos enfoques são os mais trabalho. E nítida a preocupação com a apropri­
diversos. A partir da década de 60 surgem pro­ ação do saber científico, exigido pela moderna
postas de inspiração tecnicista, baseadas na con­ tecnologia.
vicção de que a escola só se tornaria eficaz se O método usado para a transmissão dos co­
adotasse o modelo empresarial. Isso significa nhecimentos e o taylorista. que supõe a divisão
aplicar na escola o modelo de racionalização tí­ de tarefas entre os diversos técnicos de ensino
pico do sistema de produção capitalista. que estão incumbidos do planejamento racional
No Capítulo 2 vimos como esse modelo, im­ do trabalho educacional, cabendo ao professor a
plantado na indústria, passou a ser conhecido execução cm sala de aula daquilo que foi proje­
como taylorismo e sc baseia na especialização de tado fora dela.
funções. A principal consequência de sua im­ Para tanto, há reuniões de planejamento nas
plantação foi a separação entre o setor de plane­ quais os objetivos instrucionais c operacionais
jamento e o de execução do trabalho. são rigorosamente esmiuçados, estabclecendo-sc
A tendência tecnicísta aplicada à educação um ordenamento sequencial das metas a serem
surge nos EUA. Em seguida, seus teóricos e téc­ cumpridas. Os objetivos instrucionais. que, como
nicos passam a influenciar os países latino-ame­ sabemos, se referem às mudanças compor-
ricanos cm via de desenvolvimento. tamentais esperadas, especificam a competência
No Brasil, após o golpe de 64. que instau­ que o aluno deve adquirir e demonstrar. Dessa
rou a ditadura militar, foram realizados diver­ forma, busca-se evitar "objetivos vagos", que
sos projetos, sigilosos inícíalinentc c tornados deem margem a interpretações diversas, desta­
públicos em 1966: eram os acordos MEC- cando-se aqueles que podem levar a uma clara
USAÍD. Voltaremos a esse assunto no final do identificação da aprendizagem.
capítulo. A definição dos objetivos facilitaria, posteri­
ormente. a avaliação dos trabalhos dos alunos,
baseada na verificação passo a passo do cumpri­
2. Características gerais mento ou não dos objetivos propostos, com o
devido destaque para os critérios mensuráveis da
O objetivo de uma escola estruturada a partir avaliação “objetiva".
do modelo empresarial c adequar a educação às São valorizados os meios didáticos da avan­
exigências da sociedade industrial c tecnológica. çada tecnologia educacional, como a utilização
Daí a ênfase dada à preparação de recursos hu­ de filmes, slides, máquinas dc ensinar, tclensino
manos. ou seja, de mão-de-obra qualificada para (“ensino a distância’’), módulos de ensino, com­
a indústria. putadores etc.

175

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Sob essa perspectiva, o professor é um técni­ as propostas tayloristas têm sua fundamentação
co que, assessorado por outros técnicos c teórica no positivismo, encontrando na tendên­
intermediado por recursos técnicos, transmite um cia tecnicista sua adequada expressão.
conhecimento técnico c objetivo. Como é de se
esperar, a relação entre professor e aluno exige
distanciamento afetivo e não está voltada para a 4. Críticas_______
abertura de discussões e debates.
/A tendência tecnicista na educação se inse­
re cm uma estrutura maior, na qual se desenro­
3. Pressupostos teóricos la o que podemos chamai dc crise da razão
contemporânea.
Embora a prática pedagógica tecnicista não te­ Se lembrarmos as reflexões do filósofo
nha se preocupado com a análise de seus pressu­ Habermas. o mundo contemporâneo é marcado
postos teóricos, é importante que o façamos. pela razão instrumental, que submete c coloniza
Constatamos então a influência da filosofia a razão comunicativa. ou seja, a primeira, pie-
positivista e da psicologia americana behaviorista. dominantemente técnica, c usada na organização
Como vimos no Capítulo 13. para o posi­ das forças produtivas e não tem a mesma lógica
tivismo. corrente filosófica que surgiu no sécu­ que preside a razão vital, existente no mundo das
lo XIX c leve Augusto Comle como principal experiências pessoais c da comunicação entre as
representante, o objeto da ciência se restringe pessoas.
ao positivo. Entende-se por conhecünento posi­ Não se deve negar a importância da razão ins­
tivo aquele que está sujeito ao método de trumental. válida sobretudo para o desenvolvi­
observação c experimentação, forma de anali­ mento da técnica, mas ela torna-se preocupante
sar os fatos considerada objetiva c que leva à na medida cm que se expande c interfere em
descoberta de suas leis. campos que não lhe são próprios e que deveriam
Portanto, o positivismo é herdeiro da tendên­ ser regidos pela razão comunicativa. Ao tealizar
cia empirista, que, ao analisar o ato do conheci­ essa indevida “colonização’', descaracteriza e
mento, enfatiza o objeto conhecido, não o sujei­ desumaniza setores como o da educação, por
to que conhece. Em outras palavras, o conheci­ exemplo.
mento é compreendido como "descoberta'5 de Em outras palavras, o tecnicismo dá uma res­
algo que se acha fora do sujeito (não resulta de posta simplista a uma questão muito mais com­
uma construção). Coerente com esse princípio, o plexa, pois apresenta uma solução rcducionista
ensino busca a mudança de comportamento do — como aliás é reducionista o positivismo, que
aluno mediante treinamento, a fim de desenvol­ constitui um de seus pressupostos. Por mais que
ver habilidades. a ciência e a tecnologia possam auxiliar o traba­
Herdeira do cicnli fieis mo, a tendência lho do pedagogo, isso nào significa que a educa­
tecnicista busca no behaviorismo. teoria psicoló­ ção resulte apenas dc uma técnica bem aplicada
gica também dc base positivista, os procedimen­ ou mesmo que não existam outras formas possí­
tos experimentais necessários para a aplicação do veis dc compreensão da realidade educacional
condicionamento c o controle do comportamen­ fora do conhecimento científico.
to. Daí a preocupação com a avaliação a partir A tendência tecnicista c tributária de uma vi­
dos aspectos observáveis c mensuráveis da con­ são tccnocrálica e cientificista que orienta o pen­
duta e o cuidado com o uso da tecnologia educa­ samento contemporâneo. O cicnli licismo se fun­
cional, não só quanto à utilização dos recursos da na exaltação da ciência e no desprezo de ou­
avançados da técnica, mas também quanto ao tras formas possíveis de conhecimento do mun­
planejamento racional, que tem em vista alcan­ do. Decorre daí uma distorção que leva ao mil o
çares objetivos propostos com economia de tem­ do especialista e à justificação da tecnocracia.
po, esforços e custo. A valorização excessiva do especialista ocor­
Como se vê. os ideais dc racionalidade, orga­ reu cm função da fragmentação do saber em di­
nização, objetividade e eficiência que permeiam versos campos das ciências particulares, o que dei-

176

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
xou para cada especialista a investigação rigorosa Dcvelopment). O Brasil passou, então, a receber
de uma pequena parte da realidade. Ao se assistência técnica e cooperação financeira que
aprofundar no campo que investiga, em nome de resultaram nas Leis 5.540/68 (ensino universitá­
um discurso competente. o especialista passa a ser rio) e 5.692/71 (ensino de 1- e 2Q grau).
considerado o único capaz de compreender a rea­ Essas reformas foram antecedidas pelos estu­
lidade e, mais ainda, de indicar diretrizes de ação. dos que constam no Relatório Meira Matos, cuja
Como consequência dessa noção de especia­ comissão foi criada no final de 1967 e teve conti­
lização desenvolve-se o mito da tecnocracia nuidade no Grupo de Trabalho da Reforma Uni­
{craciu = poder). Passamos a viver num mundo versitária (ver epígrafe do capítulo e dropes 3).
em que a última palavra é sempre dada aos técni­ E bom lembrar que nunca houve, de fato, ple­
cos e aos administradores competentes. na implantação da reforma porque os professo­
Ao enfatizar a especialização, a tendência res continuaram, de certa maneira, imbuídos da
lecnicisia descuida da visão do todo, ao mesmo tendência tradicional ou das idéias esro/ano-
tempo que desenvolve uma concepção autoritá­ vistas. Tiveram, porém, de adotar muitas das im­
ria, pois, sob a ótica da especialização, o poder posições decorrentes dos decretos-leis, e os
pertence a quem possui o saber. Dessa forma, o alunos sofreram as conscqüências funestas das
não-especialista seria consequentemente “in­ mutilações a que submeteram o currículo, na fra­
competente” c... não leria poder algum! cassada tentativa de reformulação das discipli­
Faz sentido que nas reformas educacionais nas, como veremos adiante.
promovidas sob a orientação tecnicista a ênfase A burocratização do ensino foi intensificada,
tenha recaído sobre as disciplinas pragmáticas, afogando os professores em papéis nos quais de­
enquanto foi bastante descuidada a formação crí­ viam ser detalhados os objetivos de cada passo
tica. Basta ver a exclusão da filosofia, a do programa. Houve inferiorizaçao das funções
minimização da literatura, da história, da geogra­ do professor, que se tornou simples executor de
fia humana e das artes. ordens vindas do setor de planejamento, a cargo
de técnicos em educação que, por sua vez, não
pisavam em sala de aula.
5. A implantação do tecnicismo Nesse período, a educação elementar esteve
no Brasil bastante abandonada e a pretendida reforma do
2- grau, com a implantação do ensino pro­
Vejamos algumas causas e consequências da fissionalizante, redundou em absoluto fracasso.
implantação do tecnicismo no Brasil. A inclusão de disciplinas técnicas no currículo
Nos anos 60. a educação no país foi marcada teve por conseqücncia a exclusão de outras
por uma crise caracterizada por diversos movi­ (como a filosofia) e a diminuição da carga ho­
mentos estudantis que pressionavam o governo rária de algumas (geografia c história, por
por mais vagas nas escolas, bem como por sua exemplo).
adequação às novas necessidades. A queda do nível de ensino repercutiu de for­
De fato, desde a década de 50, com a implan­ ma mais drástica na escola pública, obrigada a
tação da indústria de base, o Brasil sofreu acele­ atender a lei ao pé da letra, enquanto as escolas
rada industrialização, com o consequente cresci­ particulares de certa forma “contornavam” as
mento do setor de serviços. No entanto, o siste­ exigências oficiais, assumindo apenas a nomen­
ma educacional vigente não tinha condições de clatura dos cursos e oferecendo os conteúdos tra­
oferecer os recursos humanos exigidos pela ex­ dicionais. Isso aumentou a seletividade de nossa
pansão econômica. Daí a crise que se arrastou educação, fazendo com que o ensino superior se
por toda a década de 60. destinasse cada vez mais aos filhos da elite.
Com o golpe militar de 64, a ajuda estrangei­ Quanto à escola pública, o que se conseguiu,
ra para a implantação das reformas veio dos de fato, foi a formação de mão-de-obra barata,
EU A, por meio dos acordos MEC-USAID (fir­ não-qualificada, pronta para engrossar o “exér­
mados entre o Ministério da Educação e Cultura cito de reserva'' — trabalhadores disponíveis
e a United States Agency for International para empregos dc baixa remuneração.

177

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
Na universidade, além de ler ocorrido per­ vidade dcscompromissada com a política. No
da de autonomia, a ênfase recaiu nos progra­ entanto, isso é uma ilusão. A administração c o
mas de pós-graduação. Na graduação, o sis­ planejamento “despolitizados” na verdade camu­
tema de créditos destruiu as antigas “classes” flam e fortalecem estruturas de poder, substitu­
de atunos, dificultando a formação de grupos indo a participação democrática — tão funda­
estáveis. A própria estrutura universitária foi mental cm qualquer projeto humano, sobretudo
fragmentada cm departamentos, visando pedagógico — pela decisão de poucos. Portanto,
“maior produtividade". foi uma reforma fundamental mente política.
Baseadas na tendência tecnocrática. essas re­ A tendência tecnicista mereceu a crítica dos
formas se apresentam sob unia pretensa neutra­ teóricos crítico-reprodutivislas c das pedagogias
lidade técnica, como se resultassem de uma ati­ progressistas (ver Capítulos 20 c 23).

Dropes

“Estudante é para estudar, trabalhador para trabalhar’: a ditadura coloca fora da lei as organi­
zações consideradas subversivas, como o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e a UNE (União
Nacional dos Estudantes). O controle se estende às escolas de nível médio, com a transformação
dos grêmios estudantis em Centros Cívicos, sob a direta orientação do professor de educação moral
e cívica (cargo ocupado apenas por pessoas “de confiança" da direção da escola).

Segundo o professor Dermeval Saviani, a situação do professor no Brasil, na década de 70,


era a seguinte: “Imbuído do ideário escolanovista (tendência humanista’ moderna), ele é obrigado a
trabalhar em condições tradicionais (tendência 'humanista’ tradicional), ao mesmo tempo que sofre,
de um lado, a pressão da pedagogia oficial (tendência tecnicista) e, de outro, a pressão das análises
sócio-estruturais da educação (tendência ‘crítico-reprodutivista’)”.

É condição fundamental para o bom funcionamento de qualquer empresa a existência de uma


estrutura adequada à sua finalidade. A estrutura empresarial deve oferecer uma organicidade lógica,
criando escalões sucessivos de direção técnica e de administração, tudo no sentido de assegurar a
fluição material das ordens e diretrizes, a sua apreciação por setores especializados, a
intercomunicação entre esses setores, a coordenação administrativa e técnica e o fácil trânsito verti­
cal de cima para baixo e de baixo para cima. (Peter D. Drucker, citado no Relatório Meira Matos)

Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito
do processo, o elemento decisivo e decisório; se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o
aluno —situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação
interpessoal, intersubjetiva —; na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organiza­
ção racional dos meios, ocupando professor e aluno posição secundária, relegados que são à condi­
ção de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a
cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do
processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do profes­
sor e maximizando os efeitos de sua intervenção. (Dermeval Saviani)

178

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Leitura complementar
Rumo à proietarizaçào do magistério

O treinamento de futuros professores é um dentes é estrítamente técnico, voltado principal­


campo no qual o domínio da racionalidade técni­ mente para produzir uma função entre a teoria
ca tem se manifestado. Como Kleibard, Zeichner, organizacional e os princípios de um “saudável"
Giroux e outros salientaram, os programas de gerenciamento de negócios. Inerente a tal treina­
educação de professores, nos Estados Unidos, mento, está a noção de que os sistemas comple­
têm sido, há muito tempo, dominados por uma xos de linguagem, os controles de gerenciamento
orientação behaviorista, em que se persegue a e os sistemas de quantificação colocam-se além
especialização e o refinamento metodológicos da capacidade de entendimento de professores e
como bases para o desenvolvimento da compe­ de pessoas leigas, comuns. A consciência tecno-
tência do professor. (...) crática, incorporada nessa abordagem, não está
Dentro desse modelo behaviorista de educa­ somente em desacordo com o conceito de contro­
ção, os professores são considerados mais como le descentralizado e com os princípios da demo­
obedientes servidores civis, desempenhando or­ cracia participativa, mas apresenta também uma
dens ditadas por outros, e menos como pessoas visão a-histórica e despolitizada da administração
criativas e dotadas de imaginação que podem escolar. A escola não é considerada como espa­
transcender a ideologia dos métodos e meios a fim ço de luta quanto a diferentes ordens de repre­
de avaliar criticamente o propósito do discurso e da sentação, ou como espaço que incorpora configu­
prática em educação. Muito frequentemente, os rações particulares de poder, que formam e
programas de formação de professores perdem a estruturam as atividades da sala de aula. Ao con­
visão da necessidade de educar os estudantes trário, a mesma fica reduzida à lógica estéril de
para se tornarem profissionais críticos, mas desen­ gráficos de fluxos, à crescente separação entre
volvem cursos que focalizam os problemas imedi­ professores e administradores e a uma tendência
atos da escola e que substituem, pelo discurso do cada vez maior à burocratização. A mensagem
gerenciamento e da eficiência, a análise crítica das aqui oculta diz respeito à utilidade da lógica da
condições subjacentes à estrutura da vida escolar. racionalidade tecnocrática para evitar que os do­
Ao invés de ajudar o estudante a pensar sobre centes participem de uma maneira crítica da pro­
quem é, sobre o que deve fazer na sala de aula, dução e da avaliação dos currículos escolares.
sobre suas responsabilidades no questionamento Por exemplo, a forma tomada pelo conhecimento
dos meios e íins de uma política escolar específica, escolar e a pedagogia usada para legitimá-lo tor­
os alunos são frequentemente treinados para com­ nam-se subordinadas aos princípios da eficiência,
partilhar técnicas e para dominar a disciplina da da hierarquia e do controle. Uma conseqüência
sala de aula, para ensinar um assunto eficiente­ disso está no fato de que são subtraídas, da influ­
mente e organizar o melhor possível as atividades ência coletiva dos professores, as decisões e as
diárias, A ênfase do currículo de formação do pro­ questões sobre os seguintes temas: o que vale
fessor está em descobrir o que funciona (...) como conhecimento, o que é importante ensinar,
Se os futuros professores são frequentemente a forma como se julga o objetivo e a natureza do
treinados para se tornarem técnicos espe­ ensino, a forma como se vê o papel da escola na
cializados, os futuros administradores escolares sociedade e a consequente compreensão dos in­
são formados segundo a imagem do especialista teresses sociais e culturais que modelam todos
em ciências econômicas. Richard Bates e William os níveis da vida escolar.
Foster salientaram que muito do treinamento de (Henry Giroux, Escola crítica e política
administradores escolares, diretores e superinten­ cultural, p. 13-16.)

Atividades
Questões

1. Em que consiste otaylorismo na administração empresarial?


2. Como o modelo empresarial é aplicado na escola?
3. Discuta os aspectos da educação tecnicista que se fundamentam no positivismo.

179

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

4. Em que sentido pode-se dizer que o tecnicismo é um reducionismo?


5. O que foram os acordos MEC-USAID?
6. Quais foram as consequências da tentativa de implantação da escola tecnicista para a educação brasi­
leira?

Pesquisa

7. Compare, a partir dos aspectos tratados nos capítulos anteriores (método, objetivo, conteúdo), as dife­
renças entre a escola tradicional, a escola nova e a escola tecnicista.

Análise de texto

Com base no dropes 1, responda às questões de 8 a 10.

8. Analise o caráter ideológico da frase: “Estudante é para estudar, trabalhador para trabalhar”.
9. Discuta a importância das organizações representativas dos estudantes e indique suas possíveis fun­
ções.
10. Qual é a relação entre a introdução da disciplina educação moral e cívica e o contexto da ditadura
militar?

Com base no dropes 2, responda às questões 11 e 12.

11. A partir do texto, discuta a importância de uma ampla formação pedagógica do professor.
12. Discuta a relação entre educação e política e a decorrente necessidade de o professor se informar a
respeito dos pressupostos subjacentes às reformas educacionais.
13. Com base no dropes 3 e na epígrafe do capítulo, identifique as características do tecnicismo.

Com base no texto do dropes 4, responda às questões de 14 a 17.

14. Identifique as três pedagogias às quais o texto se refere e a posição ocupada pelo professor em cada
uma delas.
15. Comparando a organização escolar na pedagogia tecnicista e o taylorismo, explique como se dá na­
quele modelo a dicotomia concepção-execução
16. Explique o que o autor quer dizer com 'supostamente neutros”.
17. Em que sentido o modelo analisado leva fatalmente a uma desvalorização do professor? Por que essa
fragmentação é incompatível com a natureza do trabalho do professor?

Com base no texto complementar, responda às questões de 18 a 20.

18. Segundo o autor, quando os professores se tornam “obedientes servidores civis”?


19. Que elementos do texto refletem a identificação entre tecnocracia e autoritarismo?
20. Quais seriam as decisões apropriadas a um professor numa escola não-tecnocrática?

Redação

Tema í: A tecnocracia é inimiga da democracia.


Tema 2\ O professor é um técnico especializado?

180

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

(.) maior segredo da educação reside precisamente nisso, de que não cumpro
educar.
(Fílen Key)

1. Contra a autoridade lecer o equilíbrio entre as forças antagônicas do


íí/ e do superego. a fim de adequá-las ao “princí­
Uma das mais radicais críticas feitas à escola pio da realidade**.
tradicional talvez esteja na denúncia do seu cará­ No entanto, nem sempre esse processo trans­
ter autoritário, A escola hierarquizada, magis- corre de modo saudável. Quando o superego se
trocêntrica, esclerosada em modelos, impregna­ fortalece demais, cm função de uma educação
da de dogmas e regras é identificada de forma excessivamente severa, por exemplo, dá-sc um
pejorativa a uma “escola-quartel". processo de ocullamento das forças pulsionais.
A partir daí, muitos pedagogos, desejosos de consideradas “vergonhosas*', o que favorece a
dar outra orientação para a escola, voltam-se repressão e a consequente formação da persona­
menos para a questão dos métodos e processos lidade neurótica. Por issoé importante não cegar
de ensinar, enfatizando a recusa do exercício do as fontes de energia, mas dar ocasião para que
poder: a educação deve ser realizada em liberda­ elas sejam livremente canalizadas para a maturi­
de e para a liberdade. dade sadia.
Nessa linha se posicionam pedagogos das Já o movimento anarquista ou libertário se
mais diversas tendências: liberais, marxistas, pauta explicitamente pela recusa de qualquer tipo
anarquistas, muitos deles influenciados pelas de autoridade. Embora tenha raízes antigas, o
correntes da psicologia, sobretudo a psicanálise anarquismo surge de forma mais consistente com
de Freud, outros tendo realizado trabalhos com Proudhon (1809-1865), Bakunin (1814-1876) e
crianças problemáticas, mas todos preocupados Kropólkin (1842-1912).
em centrar o processo de aprendizagem no alu­ Contemporâneos de Marx, partilham as mes­
no. não no professor. mas críticas à sociedade capitalista e desejam a
Embora Freud (1856-1939) não tenha sc ocu­ abolição da propriedade privada dos meios de
pado com a pedagogia nem possa ser considera­ produção, mas divergem quanto à forma de im­
do propriamente um teórico antiautoritário, sua plantação da sociedade comunista, pois negam
análise da formação das neuroses dá elementos toda forma autoritária dc poder.
para se compreender como a atuação de pais e Os anarquistas recusam o Estado, a Igreja ou
mestres na educação das crianças pode ser qualquer instituição que coloque empecilhos
repressora (criando adultos doentes) ou para a emancipação humana. Sendo naturalmen­
libertadora (educando para a autonomia). te capaz dc viver em paz com seus semelhantes,
Segundo Freud. a energia que preside os atos o homem poderia realizar “a ordem na anarquia”,
humanos é de natureza pulsional e encontra-se pois essa é a ordem natural, enquanto nas insti­
em uma instância psíquica denominada id. Para tuições a ordem é artificial e. por isso, geradora
viver em sociedade, o homem precisa aprender a de hierarquia e dominação.
controlar essas forças, papel reservado ao As organizações anarquistas, fundadas na co­
superego. que sc constitui a partir da influência operação voluntária e na aulodisciplina. são. por­
externa da cultura e determina a formação da tanto, não-coercitivas. Para que a autogestão se
consciência moral. Cabe ao ego maduro estabe­ torne possível, é estimulada a forma direta de re-

181

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

lação, em que as decisões são tomadas nos ní­ responsabilidade. Com isso são descartados
veis mais simples e só depois ampliadas para ins­ também os procedimentos burocráticos, abomi­
tâncias mais amplas. Com relação à política, por nados pelos libertários como sendo instrumen­
exemplo, as discussões começariam no local de tos de poder.
trabalho e nos bairros, nunca se delegando pode­ A disciplina resulta da autonomia c nunca é
res a representante algum. imposta externamente; nada de prêmios, castigos
Vejamos como essas diversas tendências po­ ou qualquer tipo de sanção artificial.
dem Ler influenciado, direta ou indireta mente, as
teorias pedagógicas não-autoritárias.
3. Principais representantes
2. Características gerais Dentre as diversas tendências antiautoritárias,
alguns pedagogos se restringem a uma visão ba­
Quanto às relações entre aluno e professor, a seada na psicologia, enquanto outros, preocupa­
educação centrada no aluno, típica da escola re­ dos com aspectos sociais e políticos, estendem
novada, c levada até as últimas consequências. suas críticas também à sociedade a que perten­
() professor não comanda o processo de aprendi­ cem, havendo ainda quem concilie psicanálise e
zagem, mas é antes um “facilitador” da atividade marxismo. Enquanto uns são típicos representan­
do aluno. Embora haja diferenças entre as diver­ tes da pedagogia liberal, outros partein de pres­
sas propostas, predomina a supostos socialistas e, mais que reformar a esco­
pela qual o mestre não dirige, mas cria as condi­ la, assumem a tarefa revolucionária de liberação
ções de atuação da criança. Com isso, quer sc das classes oprimidas.
evitar toda e qualquer hierarquia que propicie o
exercício do poder. As pedagogias não-diretivas
O conteúdo não pode ser dogmático, no sen­
tido de expressar verdades “doadas” externamen­ Cari Rogers (1902-1987), psicólogo clínico
te. nem resultar de exposição “magistral” (do americano versado cm psicanálise, aplica na edu­
professor), mas precisa ter ressonância nos inte­ cação os procedimentos da terapia.
resses dos alunos, isto é. não pode estar desliga­ Segundo ele, o homem é capaz de resolver
do de sua experiência de vida. por si só seus problemas, bastando que tenha
A metodologia, coerente com o que já foi autocompreensão ou percepção do eu. Como
dito, não resulta de caminhos pré-estipulados esta não se faz automaticamente, é necessário
pelo professor, mas se baseia na autogestão. Se que o educador não propriamente dirija, mas
uma das críticas feitas ao ensino tradicional está crie condições para que o sujeito seja capaz de
em que existe uma grande distância entre o que o se guiar por conta própria.
professor ensina e o que o aluno aprende de fato, Valoriza no processo pedagógico aspectos
aqui é importante apenas a aprendizagem auto- importantes na terapia, tais como a empatia e a
iniciada e autoconsumada. confiança. Ao contrário da escola tradicional,
Daí a valorização das “comunidades de Rogers considera o ato educativo essencial men­
aprendizagem”, cuja direção é dada pelo próprio te relacional e não individual, daí a importância
grupo em discussões, encontros c assembléias, de se colocar ênfase nos intercâmbios, para que
considerados meios para aumentar a coesão do o grupo, com seu professor, sc transforme ern
grupo, bem como para trabalhar os conflitos. uma “comunidade de aprendizagem”.
Com relação à avaliação desprezam-se os C. Rogers desenvolveu os T-group {training
seus clássicos instrumentos (exames, qualifica­ group, dinâmica dc grupo), ern que dez a quinze
ções, notas), mesmo porque, não havendo “ma­ pessoas interagem sob a observação de um
téria transmitida”, não há como “tomar a lição”, monitor, que intervém o mínimo possível. Sua
entendido esse processo como forma de exercí­ função é dissolver as relações dc autoridade que
cio de dominação. Prefere-se a auto-avaliação, surgem como decorrência da compulsão que as
que parte da aprendizagem da autocrítica e da pessoas têm de mandar ou obedecer.

182

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Nesses grupos, o professor não dá preleções, A escola libertária de Ferrer


mas fala ou avalia trabalhos quando solicitado
pelos alunos. Ele c apenas um *Tacilitador" do O espanhol Francisco Ferrer Guardia
processo e, como tal. oferece recursos, como li­ (1859-1909) foi um apaixonado defensor da
vros, artigos, meios audiovisuais. liberdade. Sofreu influência dos pensadores
Recusando as acusações de espontaneísmo, anarquistas, dc Godwin a Kropólkin. passan­
Rogers diz que. apesar dc tudo, há limites para a do por Bakunin e pelos socialistas utópicos.
liberdade, limites estes impostos pelas exi­ Herdou do racionalismo iluminista a espe­
gências mesmas da vida. como, por exemplo, o rança de construir um mundo sem supersti­
fato dc um medico precisar aprender química, ção e dogmas e do positivismo o reconheci­
um engenheiro, Tísica etc. mento da importância da ciência no inundo
A. S. Neill (1883 1973) foi um inglês que contemporâneo.
durante meio século dirigiu a famosa escola dc À diferença do reformismo e do individualis­
SummcrhilL que, fundada em 1927, recebeu cri­ mo da escola renovada, Ferrer pode ser conside­
anças do mundo inteiro c continuou funcionando rado um revolucionário ao destacar o papel social
após a sua morte. da escola no projeto mais amplo das transforma­
Em Liberdade sem medo, seu livro mais co­ ções políticas e ao se dedicar a incansável
nhecido. relata a experiência efetuada nessa es­ militância, o que de resto provocou a repulsa de
cola, frequentada por não mais que setenta alu­ setores reacionários, que culminou com seu
nos ao todo c na qual são abolidos os exames e a fuzilamento.
obrigatoriedade de se assistir às aulas. A li, as Criticava a atuação do Estado c da Igreja na
questões de disciplina se resolvem na assembleia educação e, para implantar suas idéias, fundou a
geral, em que os próprios alunos decidem as re­ Escola Moderna de Barcelona, na qual gostava
gras da comunidade. de receber ricos e pobres (cobrava conforme as
Neill tem muito clara a idéia de que a escola posses de seus alunos), vindos de famílias das
tradicional, por ser fruto do sistema capitalista, é mais diversas ideologias.
repressora e usa de autoritarismo para obrigar a Ao contrário das demais tendências anti-
criança a se adaptar a uma sociedade doente, autorítárias, Ferrer defendia que a atuação do
marcada pela divisão entre ricos e pobres. professor fosse mais efetiva nos primeiros anos,
Leitor de Wilhelm Reich. cuja teoria conci­ para só depois se tornar menos diretiva. Diante
lia Freud e Marx. está alento às formas de re­ do desafio da formação do corpo docente, fun­
pressão da vida sexual, às restrições que a soci­ dou uma escola para orientar quanto aos novos
edade autoritária faz aos instintos, impedindo métodos e conteúdos c montou a biblioteca da
pelo medo o desenvolvimento dos mecanismos escola com livros especial mente escritos, tradu­
dc auto-regulação. Leitor de Freud, está convic­ zidos ou adaptados.
to dc que a educação não deve reprimir as emo­
ções e que c preciso preparar as crianças para As pedagogias institucionais
serem adultos felizes. Aliás, estudos feitos com
ex-alunos quando já adultos mostraram que cies Os principais representantes da chamada pe­
nem sempre prosseguiam nos estudos, mas ge­ dagogia institucional são Míchel Lobrot. Fernand
ralmente se tornavam pessoas tolerantes, espon­ Oury e A ida Vásquez.
tâneas e sinceras. Quando falamos cm instituição. entendemos
Preocupado com a liberdade e o amor, mais logo de pronto as formas sociais enquanto assu­
com o coração do que com a cabeça, Neill dá mem uma organização duradoura, como a esco­
pouca importância às aulas, sempre optativas, la, o casamento, a família, o direito, e assim por
nunca obrigatórias. Para ele, constranger uma diante. No entanto, esse sentido está muito dis­
criança a estudar alguma coisa tem a mesma for­ tante daquele que evidentemente interessaria a
ça autoritária dc um governo que obriga a adotar um pedagogo antiautoritário.
uma religião. Se educarmos as emoções, o inte­ O termo instituição também pode ser enten­
lecto se cuidará por si. dido a partir do caráter dinâmico de qualquer

183

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


3

> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>
1— Q □_ CL O o -J'.
G c 3
03 n' ■-5
u o P> o o
A O p ■3 Q
T3 o Ot cT
•—t õ' rro c
CZ' c CD> Q- ct y;
Os </>
Q o □0 CL G_ Q
Õ? íT CL O G
“3 F —t G
G rr... 3

O
cn
O

õj'
Q_
QJ
m
Q_
£Z «o CD X fS G ít
SJt Q TJ “1 O G
n x
QJ o o CD L? CL
CL Pi
o G <5 Q
QJ> CD P' g
o

75
et
■O

rt

3
5

p o‘ Oi
3 O* O
<Z>
Q -s ■o
c Vi
“í C g^ N
< ~i 3 g
CD y:
^4 V
< t: r;
O G G>
3 ç F r'
O
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
vcis acontecimentos de maio de 68 na França. O Alguns autores, no entanto, veem com reser­
conflito leve início tias instalações dos estudan­ vas certas práticas educativas por igualarem ina­
tes da Sorbonnc c assumiu proporções mundiais, dequadamente professor c aluno e por descuida­
alastrando-se pelos quatro cantos e passando a rem da transmissão da cultura acumulada. Um
significar unia crítica profunda à instituição es­ destes severos críticos é Gcorges SnydersT que
colar e à civilização contemporânea. aborda a questão em diversos livros.
As ideias anarquistas permeavam as denún­ As tendências não-diretivas de orientação li­
cias do afastamento do homem comum dos cen­ beral são criticadas pelo excessivo pcdocentrismo
tros de decisão, e as maiores reinvídicações vi­ e por não evitar o individualismo. Onde predomi­
nham acompanhadas das palavras-chave auto­ na a análise psicológica, recriniina-se o descuido
nomia, diálogo e nas causas sociais das diferenças de classe.
As teorias antíautoritárias são importantes Mesmo quando essas preocupações sociais
para o questionamento do exercício do poder, existem, haveria uni risco em deixar os alunos às
que muitas vezes adquire formas sutis, camuflan­ suas inclinações imediatas, aos seus desejos ou
do a repressão c transformando a escola em ins­ àquilo que poderíamos chamar de sua experiên­
trumento de doutrinação. É louvável o esforço cia empírica. Nem sempre eles saberão livrar-se
em favor de encaminhar as crianças para a felici­ sozinhos da rede de pressupostos e preconceitos
dade. superando as relações marcadas pelo medo que caracterizam a ideologia, necessitando da
e pela opressão. atuação efetiva do professor.

Dropes [j
1

(...) Não temos necessidade de alguns “sábios”. Temos necessidade de que o maior número
adquira e exerça a sabedoria — o que por sua vez exige uma transformação radical da sociedade
como sociedade política, instaurando não somente a participação formal, mas também a paixão de
todos petas questões comuns. Ora, seres humanos sábios é a última coisa que a cultura atual pro­
duz.
“•— Então, o que você quer? Mudar a humanidade?
— Não. alguma coisa mais modesta: que a humanidade se transforme, como ela mesma já fez
duas ou três vezes.” (Cornelius Castoriadis)

Tenho grandes reticências quanto à pedagogia não-diretiva; não é por ela ser demasiado revo­
lucionária, mas sim porque, querendo ser revolucionária, não o consegue e mantém-se no confor­
mismo; pois, se tomarmos como fio condutor o desejo da criança, as crianças que vivem num meio
onde ninguém ou quase ninguém se interessa, digamos, pela leitura de livros, devido às condições
de vida, à super-exploração, às condições do trabalho etc., essas crianças hão-de vir a ter pouca
vontade de ler. (Georges Snyders)

Ajudar os alunos a converter-se em indivíduos que sejam capazes de ter iniciativas próprias
para a ação e de ser responsáveis de suas ações: que sejam capazes de uma direção e
autodireção inteligentes; que aprendam criticamente, com a capacidade de avaliar as contribui­
ções que fazem os demais; que tenham adquirido conhecimentos relevantes para a resolução de

3. Consultar Capítulo 23. inclusive leitura complementar 2.

185

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

problemas; que, fundamentalmente, sejam capazes de adaptar-se flexível e inteligentemente a


situações problemáticas novas; que tenham internalizado uma modalidade adaptativa de aproxi’
mação aos problemas, utilizando toda a experiência pertinente de uma maneira livre e criadora;
que sejam capazes de cooperar eficazmente com os demais nessas diversas atividades; que tra­
balhem não para obter a aprovação dos demais, senão em termos de seus próprios objetivos
socializados. (Cari Rogers)

Leitura complementar

[Homens preguiçosos]

“Mas o que fazer com o homem preguiçoso, (...) Pois tal é a natureza humana: a eficiên­
com o homem que não quer trabalhar?”, pergun­ cia para realizar certas tarefas significa que há
ta um amigo. uma inclinação e uma capacidade especial para
Esta é, sem dúvida, uma pergunta interessan­ desempenhá-la; disposição para o trabalho sig­
te e você provavelmente ficará surpreso quando nifica interesse. E é por isso que há tanta pregui­
eu disser que na verdade não existe essa coisa ça e tanta incompetência no mundo atual. Pois
a que chamamos preguiça. Um homem pregui­ na verdade, quem ocupa hoje o lugar certo?
çoso é quase sempre um tarugo quadrado num Quem trabalha naquilo que realmente desperta
buraco redondo, ou seja, um homem certo no lu­ o seu interesse?
gar errado. E acabaremos descobrindo que, Nas atuais condições, o homem comum não
sempre que um camarada está no lugar errado, tem oportunidade de escolher o tipo de trabalho
ele será incompetente e lerdo. Pois a chamada que melhor se adapta às suas aptidões e prefe­
preguiça, bem como grande parte da incompe­ rências. O acidente do nascimento e do nível so­
tência, é apenas um sinal de falta de aptidão, de cial é que irão geralmente determinar a sua futu­
inadaptação. Se alguém é obrigado a fazer exa­ ra profissão. Dificilmente o filho de um financista
tamente aquilo que não lhe agrada, por inclina­ se tornará lenhador, mesmo que seja muito mais
ção ou temperamento, certamente será um in­ hábil no manejo dos toros de madeira do que nas
competente; se for forçado a trabalhar em coisas cifras das contas bancárias. A classe média man­
que não despertam o seu interesse, terá pregui­ da seus filhos para as universidades que os
ça de fazê-las. transformarão em médicos, advogados ou enge­
Qualquer pessoa que já tenha administrado nheiros. Mas, se tivesse nascido numa família de
uma empresa com muitos empregados pode operários sem condições de permitir que prosse­
confirmar o que acabo de dizer. A vida numa pri­ guisse seus estudos, é provável que você acei­
são* é uma prova especialmente convincente da tasse o primeiro emprego que lhe fosse ofereci­
verdade da minha afirmação — e afinal, para a do ou que decidisse ingressar numa profissão
maioria das pessoas, a vida moderna não passa que lhe desse a oportunidade de um período de
de uma grande prisão. Qualquer carcereiro po­ aprendizado prático. É a situação particular de
derá dizer que os prisioneiros obrigados a de­ cada um, e não suas inclinações, habilidades e
sempenhar tarefas para as quais não têm nenhu­ preferências, que irá determinara sua profissão.
ma habilidade ou interesse são sempre pregui­ (...) Só a necessidade de ganhar a vida e a espe­
çosos e submetidos a constantes castigos. Mas, rança de obter vantagens materiais mantêm as
tão logo esses prisioneiros rebeldes são desig­ pessoas presas à profissão errada.
nados para funções que satisfazem as suas in­ (Alexander Berkman, O que é comunismo
clinações, tornam-se “modelos”, no dizer dos anarquista, in George Woodcock, Os grandes
carcereiros. escritos anarquistas, p. 301-303.)

" Alexander Berkman (1870-1936), anarquista russo,


cumpriu pena de vinte anos de prisão por lentativa do
assassinato.

186

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Atividades

Questões

1. Quais as principais críticas que a pedagogia antiautoritária faz à sociedade?


2. Quais são as dificuldades para a implantação de práticas não-diretivas?
3. Dentre os teóricos analisados, identifique aqueles em que predomina o enfoque psicológico e os que
acentuam o enfoque sociológico.
4. Em que sentido as pedagogias institucionais se utilizam do conceito de instituição?
5. Por que a burocracia é alvo de críticas por parte das tendências antiautoritárias?

Análise de texto

6. A partir do dropes 1. interprete usando os conceitos da pedagogia institucional de Lobrot.

Com base no dropes 2, responda às questões 7 e 8

7. Segundo Snyders, qual é o risco de se atender ao desejo infantil?


8. Por que para Snyders as pedagogias não-diretivas são conservadoras e não revolucionárias? Em que
medida seriam revolucionárias?

Com base no texto complementar, responda às questões de 9 a 11.

9. Em que sentido não existe homem preguiçoso para Berkman?


10. Como poderíamos argumentar que não existe "aluno preguiçoso"?
11.0 autor não separa trabalho de divisão social injusta. Como poderíamos fazer a mesma associação
com relação à escola?

Redação

Tema' 'Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a
virtude original do homem ” (Oscar Wilde)

187

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>

£Z'
Q
Õ?

O
cn
O
õj'
Q_
0)
m
Q_
£Z
n
0)
vO
qj>
o
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
pensar de unia determinada maneira imposta, É bastante frequente a explicação de que as
sem se darem conta de que agem e pensam sob desigualdades com relação ao sucesso escolar
coação. Nesse sentido, a cultura e os sistemas são o resultado de “desigualdades naturais”. Se­
simbólicos cm geral podem se tornar instrumen­ gundo essa hipótese, o sucesso dos bons alunos
tos de poder quando legitimam a ordem vigente se deve a qualidades inerentes, como aptidões,
c tornam homogêneo o comportamento social. talentos, dotes, mérito pessoal.
Para os autores, a escola constitui um instru­ No entanto, para os reprodutivistas, esse tipo
mento de violência simbólica porque reproduz de justificativa representa uma forma dc mistifi­
os privilégios existentes na sociedade, benefi­ cação e de mascarai nen to das verdadeiras causas
ciando os já social mente favorecidos. O acesso à do insucesso escolar. O que essa "ideologia dos
educação, o sucesso escolar, a possibilidade de dotes" dissimula é a imposição da cultura da
escolaridade prolongada até a universidade es- classe dominante sobre classe dominada, leva­
tão reservados àqueles cujas famílias pertencem da a efeito pela ação pedagógica.
à classe dominante, ou seja, aos herdeiros de sis­ Tal imposição só é possível porque a autorida­
temas privilegiados. Não cabe à escola promo­ de pedagógica tem o poder de aplicar sanções, o
ver a democratização e possibilitar a ascensão que determina o reconhecimento da cultura domi­
social \ ao contrário, ela reafirma os privilégios nante. Daí a importância do iraba lho pedagógico.
existentes. A escola limita-se a confirmar e re­ pelo qual c inculcada a pretensa “universalidade"
forçar um habilus de classe. Habitus significa, dos modos dc pensar, agir e sentir dc um grupo.
para Bourdieu e Passeron, "uma formação durá­ Segundo os autores, é a existência de um sis­
vel e transportável, isto é, [um conjunto de| es­ tema dc ensino institucionalizado, burocratizado,
quemas comuns dc pensamento, de percepção, que permite a eficácia da ação pedagógica. A
de apreciação c dc ação"1. “objetividade” do sistema exige fórmulas apa­
Os habitus são inculcados desde a infância por rentemente neutras dc avaliação, tais como as
um trabalho pedagógico realizado primeiro pela provas e os exames, por meio dos quais se ex­
família e, postei iormente, pela escola, de modo cluem “os menos dotados”. Aqueles que são ex­
que as normas de conduta que a sociedade espera cluídos reconhecem a si mesmos como “incom­
de cada indivíduo sejam interiorizadas por cie. petentes”. O exame, aparentemente democrático,
Ora, as crianças vindas das classes privilegia­ oculta os laços entre o sistema escolar e a estru­
das recebem unia educação familiar muito pró­ tura das relações de classe.
xima daquela que receberão na escola, isto c,
seus hábitos familiares são semelhantes aos há­
bitos e ritos escolares. São crianças acostumadas 3. Althusser: a teoria da escola como
a viagens, visitas a museus, contato com livros, aparelho ideológico de Estado
discussões, além de ter o domínio da linguagem
que c adotada na escola. Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês
Por outro lado, as crianças das classes influenciado pela corrente estruturalista e pelo
desfavorecidas pertencem a outro universo de ex­ marxismo2, considera que a função da escola
periências e expressam-se de maneira diferente. deve ser compreendida não de forma isolada,
O 'falar vulgar" c discriminado em relação ao “fa­ mas enquanto inserida no contexto da sociedade
lar burguês” a partir dc índices como correção, capitalista. Desenvolve, então, a noção dc apa­
sotaque, tom e facilidade dc elocução. É natural relho ideológico de Estado em seu pequeno li­
que este estudante fique desambientado. perplexo vro Ideologia e aparelhos ideológicos de Esta­
mesmo, diante da descontinuidade entre o ambi­ do. lançado cm 1969.
ente familiar c o escolar. A consequência dessas Partindo do pensamento de Marx, Althusser
discrepâncias c o insucesso frequente dos estudan­ reconhece que toda produção precisa assegurar
tes vindos das classes pobres (ver dropes). a reprodução de suas condições materiais. Qual-

I. .4 reproduçiio, p. 259. 2. Ver vocabulário.

189

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
quer empresa — por exemplo, uma tecela­ • a superestrutura corresponde à estrutura
gem —, para continuar funcionando, precisa jurídico-política (Estado, Direito etc.) e à estru­
reproduzir sua matéria-prima, suas máquinas e tura ideológica (formas de consciência social).
sua força de trabalho. Por isso, fora da empre­ A superestrutura compreende as instituições
sa, há o criador de carneiros, que fornece a lã, a criadas para organizar as relações entre os ho­
metalúrgica, que fabrica as máquinas etc. Mas mens. hem corno se revela no modo de conce­
onde ocorreria a reprodução qualificada (diver­ ber o mundo, expresso nas obras da literatura,
sificada) da força de trabalho? Althusser res­ da filosofia, dos códigos, dos costumes, das
ponde: “através do sistema escolar capitalista c concepções políticas etc.
outras instâncias e instituições''.
Dessa forma, ao mesmo tempo que ensina No entanto, não é tranquila a relação entre
um saber prático, voltado para a qualificação da senhores e escravos (na Antiguidade) e entre se­
força de trabalho, a escola reproduz a ideologia nhores e servos (na Idade Média), já que os inte­
dominante. resses que permeiam tais relações são antagôni­
cos, gerando conditos inevitáveis.
A função da ideologia O mesmo se dá na Idade Moderna, com o de­
senvolvi mento do modo de produção capitalista,
Ao transformar a natureza em cultura, media­ no qual se revelam duas forças opostas represen­
do pelo trabalho, o homem produz coisas, mas tadas pelas classes sociais: a classe dominante, a
também idéias. Ora, quando estudamos história, burguesia detentora do capital c proprietária dos
aprendemos que os homens tiveram diversas for­ meios de produção (fábricas, máquinas), e a clas­
mas de orgowzopw do trabalho e que também a se dominada, o proletariado produtor (que só
maneira de pensar variou de acordo com o tem­ possui a força de trabalho). Os interesses dessas
po e o lugar. classes, sendo divergentes, antagônicos mesmo,
Conhecemos a maneira de pensar dos diver­ só se sustentam mediante a dominação de uma
sos povos por meio de seus mitos, das obras de classe sobre outra.
seus poetas, filósofos e dramaturgos, do legado Segundo Marx, a infra-estrutura determina a
do direito e da morai. Essa produção intelectual superestrutura, ou seja, a base material e eco­
é muito diferente na Grécia antiga, na Idade Mé­ nômica influencia a maneira de pensar e querer
dia e na Idade Moderna, por exemplo. dos indivíduos. Mas, como se trata de uma so­
Paralela mente, também podemos constatar ciedade dividida, predominam as idéias da clas­
algumas diferenças na organização das relações se dominante.
de trabalho, Na Grécia antiga, a maneira de pro­ Como é possível que a classe dominada
duzir os bens necessários à subsistência se ca­ permaneça fiel aos interesses da classe domi­
racterizava pela mão-de-obra escrava. Na Idade nante, não se rebelando? Retomando o esque­
Media, a escravidão c pratica mente substituída ma acima, se admitirmos que a superestrutura
pela servidão. Já na Idade Moderna, com o ad­ reflete a infra-estrutura, concluiremos que as
vento do sistema capitalista, a relação de traba­ formas de pensar e as instituições criadas a
lho passa a se caracterizar pelo contrato median­ partir do modo de produção capitalista serão
te pagamento de salário. formas de pensar c instituições burguesas (e
Para Marx, esses dois níveis de realidade são não proletárias).
explicados pelos seguinte conceitos: Ainda mais: a dominação de uma classe so­
bre outra se deve à ideologia (ver Capítulo 3).
• a ou estrutura material da Por meio da ideologia, a exploração é mascara­
sociedade é a base econômica, isto c, as formas da e os valores da burguesia passam a ser con­
pelas quais os homens produzem material mente siderados “universais* — não mais valores de
os bens necessários à sua vida; no exemplo aci­ uma determinada classe—, podendo ser assi­
ma, a infra-estrutura é constituída pela mão-dc- milados pelo proletário, o que dificulta o desen­
obra escrava na Antiguidade e pela servidão na volvimento do pensar próprio e autônomo do
Idade Média; trabalhador.

190

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
A ideologia exerce um papel importante na re­ ♦ AIE escolar (o sistema das diferentes “esco­
produção das condições de produção capitalista, las" públicas e particulares);
sendo, no entanto, necessário recorrera uni elemen­ ♦ AIE familiar;
to da superestrutura, o Estado, a fim de garantir por ♦ AIE jurídico;
mais tempo a manutenção da ordem vigente. ♦ AIE político (o sistema político, os diferen­
tes partidos);
Os aparelhos ideológicos de Estado ♦ AIE sindical;
♦ AIE de informação (a imprensa, o rádio, a
Lembrando a nomenclatura acima, o Estado televisão etc.);
constitui um dos elementos da superestrutura e, ♦ AIE cultural (letras, belas-artes, esportes etc.).
como tal, representa, nos países capitalistas, os
interesses da burguesia. Se voltarmos agora à questão inicial proposta
Dessa forma, para Marx, o Estado não c ga­ por Althusser — como é assegurada a reprodu­
rantia do bem comum, um valor “acima dos inte­ ção das relações de produção? —, já c possível
resses das classes"', como se costuma dizer. Ao responder que esta reprodução é garantida pela
contrário, na sociedade dividida os interesses não superestrutura jurídico-política e ideológica. E
são comuns, mas divergentes. Por isso o Estado mais: é “assegurada pelo exercício do poder do
é justamente um instrumento de repressão que Estado nos aparelhos de Estado, o Aparelho (re­
assegura a dominação de uma classe sobre outra. pressivo) do Estado, por um lado, e os Apare­
Segundo Althusser, o Estado c composto de lhos Ideológicos do Estado, por outro"43. *
dois tipos de aparelho que viabilizam a imposi­ O autor considera ainda que, entre os AIE, a
ção da ideologia: escola desempenha incontestavelmente um papel
dc destaque (as justificativas para essa posição
• aparelho repressivo de Estado — compre­ são analisadas na leitura complementar deste ca­
ende o Governo, a Administração, o Exército, a pítulo). Para o autor, a classe trabalhadora é mar­
Polícia, os Tribunais, as prisões etc. Chama-se ginalizada quando a escola não oferece chances
repressivo porque funciona "pela violência", isto iguais para todos, mas, ao contrário, determina
c, o cidadão não cumpridor das leis é submetido de antemão a reprodução da divisão das classes
a coerção (desde multa até prisão, e, eni alguns sociais. Além disso, pela abrangência dc sua
países, até a pena de rnorlc). Na verdade, nem ação, inculca a ideologia dominante e impede a
todos são punidos da mesma forma, porque, se é expressão dos anseios da classe dominada.
a classe dominante que legisla e aplica a lei, con­ Althusser reconhece que a escola também c
clui-se que ela tende a favorecer essa classe. um local de luta de classes, rcfcrindo-sc aos pro­
• aparelhos ideológicos de Estado — em­ fessores como “heróis” no esforço pela desmis-
bora sc situem ao lado do aparelho de Estado, tificação da ideologia, o que tenderia a minimizar
não sc confundem com ele. Trata-se de uma a influência da classe dominante na educação.
pluralidade de instituições distintas e especiali­ Apesar disso, ao afirmar que são raros aqueles
zadas pertencentes ao domínio privado (socieda­ realinentc capazes dessa lucidez, termina por
de civil) c que funcionam não mais predominan­ enfatizar o poder da ideologia e a incapacidade
temente pela repressão (como o aparelho repres­ dc reagir das classes dominadas.
sivo de Estado), mas "pela ideologia”.

Althusser assim classifica os aparelhos ideo­ 4. Baudelot e Establet: a teoria da


lógicos dc Estado (AlEp: escola dualista
• AJL religioso (o sistema das diferentes Igre­ Os franceses Roger Establet c Christian
jas); Baudelot escreveram, cm 1971, A escola capita-

3. Aparelhos ideológicos de Estudo, p. 68. 4, Aparelhos ideológicos de Estado, p. 73.

191

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

lista na França, partindo de pressupostos teóricos escola, nas diversas organizações dc operários.
marxistas, mais propriamente maoístas, sob a in­ Por isso, cabe à escola não só inculcar a ideolo­
fluência da Revolução Chinesa de Mao Tsetung. gia burguesa, mas também recalcar c disfarçar a
Retomam de Althusser o conceito de escola nascente ideologia do proletariado.
como aparelho ideológico e criticam em Bourdicu
e Passcron o fato de não terem enfatizado a con­
tradição real entre classe dominante e classe do­ 5. Os representantes brasileiros
minada nem terem levado cm conta a força laten­
te da ideologia do proletariado. Apoiados nas teorias crítico-reprodutivistas,
Para Establet e Baudelot. se vivemos em uma vários teóricos brasileiros fazem uma releitura do
sociedade dividida em classes, não é possível ha­ fracasso escolar que ocorre no Brasil e criticam
ver uma “escola única". Existem na verdade duas a ilusão liberal da escola nova, bem como as ten­
escolas radical mente diferentes quanto ao número dências tccnicistas que influenciaram a educação
de anos de escolaridade, aos itinerários, aos fins durante a ditadura militar.
da educação. Mais ainda: trata-se não apenas de Não convém enquadrar definitivamente esses
duas escolas diferentes, mas opostas, heterogêne­ teóricos na tendência reproduti vista, pois suas
as, antagonistas. As duas grandes redes dc escola­ reflexões tiveram sentido no momento histórico
ridade são a SS (secundária superior) c a PP (pri­ em que foram levadas a efeito.
mária profissional), que correspondem à divisão Assim, partindo de Althusser c G ram sei,
da sociedade em burguesia e proletariado. Barbara Freilag analisou a educação brasileira dc
A rede primária profissional (PP) diz respeito 1964 a 1975. Maria dc Lourdes Deiró Nosella fez
às séries finais dos estudos primários, tendo con­ uma análise dos livros didáticos, buscando a ideo­
tinuidade com as aulas práticas em colégios téc­ logia a cies subjacente. Luiz Antônio Cunha criti­
nicos ou de aprendizagem no próprio local de tra­ cou a escola liberal, sobretudo a esco/a nova, de­
balho. A rede secundária superior (SS) prosse­ nunciando a política educacional que leva à dis­
gue no segundo ciclo c conduz ao bacharelado. criminação e à falência educacional no Brasil.
A divisão em redes não se dá no final da
escolarização, como se poderia supor, pois desde
o começa os filhos dos proletários estão destina­ 6. Repercussões
dos a nâo atingir níveis superiores, encaminhan­
do-se para as atividades manuais. Aliás, é esta a É necessário reconhecer a importância da
função da escola primária, “é ela que, definitiva­ análise feita pelos autores crítico-icprodulivistas
mente, decide a orientação dos indivíduos para para a compreensão dos mecanismos da escola
uma ou outra rede”. Portanto, a escola tem a fun­ na sociedade dividida em classes.
ção dc reproduzir as divisões sociais já existentes. Levar essa crítica às ultimas consequências,
Desse modo, observa-se que a escola reafir­ no entanto, poderia resultar cm um pessimismo
ma a divisão entre trabalho intelectual (rede SS) imobilista. Se considerarmos a escola mera
e trabalho manual (rede PP), já que nessa dico­ reprodutora das desigualdades sociais, não tere­
tomia repousa a possibilidade material de ma­ mos como exercer a ação pedagógica sem misti­
nutenção da estrutura capitalista. Como apa­ ficações, a menos que a exploração de classe seja
relho ideológico, a escola tem a função de con­ politicamente superada.
tribuir para a formação da força dc trabalho, Bourdicu e Passeron, na medida em que não
mas, sendo o proletariado uma força ativa e “pe­ enfatizaram o embate de forças contraditórias den­
rigosa”, no sentido de ter interesses antagôni­ tro da sociedade, não observam o fato de que, afi­
cos aos da burguesia, c preciso contê-lo e do­ nal, sc a classe dominante precisa impor seus valo­
miná-lo. Daí a segunda função da escola: incul­ res como legítimos, isto significa que a classe do­
car a ideologia burguesa. minada não sc submete assim tão passivamente.
Diferente mente de Bourdicu c Passeron, O filósofo e educador francês Georges Snydcrs
Establet e Baudelot consideram que o proletaria­ diz que. se o operário não atinge de imediato uma
do possui uma ideologia que sc origina fora da consciência lúcida da realidade social, também

192

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

não sc reduz a um alvo passivo de mistificação. tornar a escola um dos campos dessa luta, o que
“A partida não sc joga unicamente entre alunos redunda em pessimismo e impotência.
ludibriados e professores cúmplices do sistema.’" No entanto, tais questões são polêmicas. O
Completa, dizendo que a separação entre es­ professor Luiz Antônio Cunha não concorda com
cola e mundo descrita por Baudelol c Establet pa­ a acusação de que essas teorias sejam pessimis­
rece muito ultrapassada, presa a uma caricatura da tas e geradoras de impotência, ponderando que,
escola tradicional, não levando cm conta as con­ “sc algum problema existe, está na onipotência
tribuições da pedagogia contemporânea. Alem dos educadores, não nas teorias que pretendem
disso, exageram quando afirmam que 'Iodas as desvelar a ilusão da mudança da sociedade a par­
práticas escolares são práticas de inculcaçao ideo­ tir da educação escolar”. E completa dizendo
lógica”, não admitindo que os conhecimentos ad­ que, cm vez de “levarem à suposta impotência,
quiridos na escola possibilitam a elaboração de por nada restar aos docentes senão conformar-se
uma sabedoria autêntica. Embora enfatizem a lula com a reprodução da sociedade, elas permitem,
de classes, parecem descartar a possibilidade de isto sim, orientar sua ação”5.

I___ Dropes

Taxas de acesso á universidade

Para ilustrar o fenômeno do insucesso escolar das classes desfavorecidas, Bourdieu e


Passeron consultam os dados estatísticos dos anos 1965/66 (na educação francesa) e constatam
que as probabilidades de acesso à universidade são de 2,7% para os filhos dos assalariados agríco­
las, 8% para os agricultores, 3,4% para os operários, 16,2% para os empregados, 23,2% para os
patrões da indústria e do comércio, 71,5% para os industriais, 35,4% para os quadros médios e
58,7% para as profissões liberais e quadros superiores.

Taxas de analfabetismo x renda familiar

No Brasil, em 1989, a taxa de analfabetismo entre os jovens de 10 a 14 anos com renda fami­
liar per capita de mais de 2 salários mínimos era de 2,6%. Esse índice aumenta 14 vezes entre os
jovens de renda familiar per capita de até 1/4 de salário mínimo, ou seja, neste caso a taxa de
analfabetismo atinge 36,3%. (IBGE-PNAD. in Crianças & Adolescentes: indicadores sociais, v. 3,
1989, p. 52.)

Taxas de escolarização x renda familiar

Em 1988, mais da metade das crianças e adolescentes vivia em famílias com rendimento de
até 1/2 salário mínimo.
(...j Quando se analisam as taxas de escolarização a partir da renda familiar, verifica-se que
há uma nítida associação positiva entre ambas. No Brasil, para o ano de 1988, a taxa mais baixa é

5. Luiz Antônio Cunha. A atuação de Dermeva! Saviani na educação brasileira: um depoimento. In: Dermeval Saviani e a
educação brasileira < p. 52-53.

193

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia

encontrada nas classes de rendimento mensal familiar per capita de até 1/4 de salário mínimo —
72,5% para a população de 7 a 14 anos. A partir deste nível de renda, há um crescimento contínuo
desta taxa, que atinge quase 98% na classe de rendimento superior a 2 salários mínimos per capita.
(...) Cabe observar ainda que, dentre todas as regiões, é o Nordeste que apresenta a taxa de
escolarização mais baixa, e o Sudeste, a mais elevada. (Adaptado de IBGE-PNAD, in Crianças &
Adolescentes: indicadores sociais, v. 2,1988, p. 19 e 39.)

Leitura complementar
- Se
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Síempre debe ser debldamente referenciado

[O AIE escolar] *

(...) Todos os aparelhos ideológicos de Estado, “profissional”, “moral", “cívica”, “nacional" e


quaisquer que sejam, concorrem para o mesmo apolítica altamente “desenvolvida”); papel de
fim: a reprodução das relações de produção, agente da exploração (saber comandar e dirigir-
isto é, das relações de exploração capitalistas. se aos operários: as “relações humanas"), de
(...) Este concerto é regido por uma única parti­ agentes da repressão (saber comandar, fazer-se
tura, por vezes perturbada por contradições (as obedecer “sem discussão", ou saber manipular a
do restante das antigas classes dominantes, as demagogia da retórica dos dirigentes políticos),
dos proletários e suas organizações): a Ideolo­ ou de profissionais da ideologia (saber tratar as
gia da classe atualmente dominante. (...) consciências com o respeito, ou seja, o despre­
(...) Portanto, neste concerto, um aparelho ideo­ zo, a chantagem, a demagogia que convém, com
lógico do Estado desempenha o papel dominan­ as ênfases na Moral, na Virtude, na “Trans­
te. muito embora não escutemos sua música a cendência”, na Nação, no papel da França no
tal ponto ela é silenciosa! Trata-se da Escola. Mundo, etc,).
Ela se encarrega das crianças de todas as Certamente muitas destas Virtudes (modés­
classes sociais desde o Maternal, e desde o Ma­ tia, resignação, submissão de uma parte, cinis­
ternal ela lhes inculca, durante anos, precisa­ mo, desprezo, segurança, altivez, grandeza, o fa­
mente durante aqueles em que a criança é mais lar bem, habilidade) se aprendem também nas
“vulnerável”, espremida entre o aparelho de Es­ Famílias, na Igreja, no Exército, nos Belos Livros,
tado familiar e o aparelho de Estado escolar, os nos filmes, e mesmo nos estádios. Porém ne­
saberes contidos na ideologia dominante (o fran­ nhum aparelho ideológico do Estado dispõe du­
cês, o cálculo, a história natural, as ciências, a rante tantos anos da audiência obrigatória (e, por
literatura), ou simplesmente a ideologia dominan­ menos que isso signifique, gratuita...), 5 a 6 dias
te em estado puro (moral, educação cívica, filo­ num total de 7. numa média de 8 horas por dia,
sofia). Por volta do 16- ano, uma enorme massa da totalidade das crianças da formação social ca­
de crianças entra 'na produção”: são os operá­ pitalista.
rios ou os pequenos camponeses. Uma outra É pela aprendizagem de alguns saberes con­
parte da juventude escolarizável prossegue: e, tidos na inculcação maciça da ideologia da clas­
seja como for, caminha para os cargos dos pe­ se dominante que, em grande parte, são repro­
quenos e médios quadros, empregados, funcio­ duzidas as relações de produção de uma forma­
nários pequenos e médios, pequenos burgueses ção social capitalista, ou seja, as relações entre
de todo tipo. Uma última parcela chega ao final exploradores e explorados e entre explorados e
do percurso, seja para cair num semi-desempre- exploradores. Os mecanismos que produzem
go intelectual, seja para fornecer, além dos “inte­ esse resultado vital para o regime capitalista são
lectuais do trabalhador coletivo”, os agentes da naturalmente encobertos e dissimulados por uma
exploração (capitalistas, gerentes), os agentes ideologia da Escola universalmente aceita, que
da repressão (militares, policiais, políticos, admi­ é uma das formas essenciais da ideologia bur-
nistradores) e os profissionais da ideologia (pa­
dres de toda espécie, que em sua maioria são
'leigos" convictos). " O trecho for extraído dc um pequeno livro de
Cada grupo dispõe da ideologia que convém Althusscr que ele fez questão de irtitular Atotas para
ao papel que ele deve preencher na sociedade uma pesquisa c que serviriam corno introdução à dis­
de classe: papel de explorado (a consciência cussão do assunto.

194
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

guesa dominante: uma ideologia que representa alimentar esta representação ideológica da
a Escola como neutra, desprovida de ideologia escola, que faz da Escola hoje algo tão "natu­
(uma vez que é leiga), onde os professores, res­ ral” e indispensável, e benfazeja a nossos con­
peitosos da “consciência" e da “liberdade" das temporâneos como a Igreja era "natural”, indis­
crianças que lhes são confiadas (com toda confi­ pensável e generosa para nossos ancestrais de
ança) pelos "pais" (que por sua vez são também alguns séculos atrás.
livres, isto é, proprietários de seus filhos), condu- De fato, a Igreja foi substituída pela Escola
zem-nas à liberdade, à moralidade, à responsa­ em seu papel de Aparelho Ideológico de Estado
bilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimen­ dominante. Ela forma com a Família um par, as­
tos, literatura e virtudes “libertárias". sim como outrora a Igreja o era. Podemos então
Peço desculpas aos professores que, em afirmar que a crise, de profundidade sem prece­
condições assustadoras, tentam voltar contra a dentes, que abala por todo o mundo o sistema
ideologia, contra o sistema e contra as práticas escolar de tantos Estados, geralmente acompa­
que os aprisionam as poucas armas que podem nhada por uma crise (já anunciada no Manifes­
encontrar na história e no saber que “ensinam”. to*) que sacode o sistema familiar, ganha um
São uma espécie de heróis. Mas eles são raros, sentido político se considerarmos a Escola (e o
e muitos (a maioria) não têm nem um princípio par Escola-Família) como o Aparelho Ideológico
de suspeita do “trabalho” que o sistema (que os de Estado dominante, Aparelho que desempe­
ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, o nha um papel determinante na reprodução das
que é pior, põem todo seu empenho e relações de produção de um modo de produção
engenhosidade em fazê-lo de acordo com a ameaçado em sua existência pela luta mundial
última orientação (os famosos métodos novos!). de classes.
Eles questionam tão pouco que contribuem, (Louis Althusser, Aparelhos ideológicos de
pelo seu devotamento mesmo, para manter e Estado, p. 78-81)

Atividades

Questões

1. Qual é a crítica que os reprodutivistas fazem à escola tradicional e à escola nova?


2. O que é violência simbólica? Dê exemplos diferentes dos que aparecem no texto.
3. Por que a ideologia facilita a dominação de uma classe sobre outra?
4. Por que a escola é considerada por Althusser o AIE mais importante?
5. Em que consiste a escola dualista? Quats são as duas redes de escolaridade? Por que elas são anta­
gônicas?
6. Quais são os limites das teorias crítico-reprodutivistas?

Análise de texto

Leia os dois fragmentos de texto abaixo e responda às questões 7 e 8.

a) A escola, de início aparelho aristocrático para aperfeiçoar e ilustrar os que tinham dinheiro e tempo
para freqüentá-la, passou a ser aparelho de nivelamento político e econômico, destinado a preparar os
homens para produzirem economicamente; e agora visa, ambiciosamente, tornar-se o aparelho de
equalização de oportunidades econômicas e sociais de cada indivíduo. Sociedade nova e democrática
como a brasileira, não a poderia considerar senão neste último aspecto. A escola não está a serviço de
nenhuma classe, seja a dos consumidores privilegiados da vida, seja a dos produtores ou industriais;
mas a serviço do indivíduo, procurando, graças ao processo de educação, habilitá-lo a participar da
vida na medida e proporção dos seus valores intrínsecos. Neste sentido, a escola é a grande regulado­
ra sociai, e seu programa inclui a correção da maior parte das iniquidades da atual ordem social e o

* O autor se refere ao Manifesto comunista dc Marx c Engels.

195

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

preparo de uma nova ordem mais estável e mais justa. Isso não é extremismo, nem nenhum
partidarismo sectário, mas reconhecimento da função social hoje proposta às escolas públicas. (Anísio
Teixeira)

b) O Estado atribui ao ensino primário (na nomenclatura antiga) o caráter de aberto. Construímos, então,
um esquema de análise para medir o grau de abertura do ensino primário. Utilizamos uma grande
quantidade de dados oficiais e verificamos que o ensino primário está longe de ser aberto e que esta
situação não tem sofrido melhoria substanciai nos últimos anos.
Os setores de mais baixa renda da sociedade brasileira têm menos chances de entrar na escola;
quando entram, o fazem mais tardiamente e em escolas de mais baixa qualidade. Isso faz com que
seu desempenho seja mais baixo e, em conseqüência, sejam reprovados mais freqü ente mente. Por
isso, e devido, também, à migração e ao trabalho “precoce’’, evadem com maior freqüência. Todos
esses fatores determinam uma profunda desigualdade no desempenho escolar das crianças e de jo­
vens das diversas classes sociais. (Luiz Antônio Cunha)

7. Anísio Teixeira foi pessoa de destaque na pedagogia brasileira. Faça o levantamento de alguns dados
a respeito.
8. Identifique a posição dos autores dos dois fragmentos de texto acima e analise em que sentido eles
representam posições divergentes.

Com base nos três dropes, responda à questão seguinte.

9. Analise os dados oferecidos a partir do ponto de vista defendido pelos crítico-reprodutivistas.

Baseado no texto complementar de Althusser, responda às questões de 10 a 13

10. Como a ideologia inculca em algumas pessoas o papel de explorado e em outras o de agente da
exploração? Quais são as virtudes adequadas a cada papel?
11. Que crítica o autor faz ao setor de 'relações humanas” das empresas e fábricas?
12. Que critica é feita aos professores?
13. A que corrente pedagógica o autor se refere ao ironizar “os famosos métodos novos”?

Redação

Tema'. Faça uma dissertação fundamentando com argumentos pró e contra a seguinte frase de
Baudelot e Establet: "Tudo o que acontece na escola só pode ser explicado através do que ocorre fora dos
muros escolares”.

196

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

A Nova Igreja do Mundo c a indústria do conhecimento, ao mesmo tempo


fornecedora de ópio c lugar de trabalho durante um número sempre maior de
anos na vida de uma pessoa. A dcsescolarização está, pois, na raiz de qualquer
movimento que vise à libertação humana.
(Ivan íllich)

1. Crítica à escola _____________ submetidos a instituições criadas para “proteger'


e "orientar”, mas que na verdade cerceiam as
Ternos analisado as diversas faces que a es­ ações humanas. Saúde, nutrição, educação, trans­
cola adquiriu no correr da história, ate o presente porte. bem-estar, equilíbrio psicológico, comu­
inorncnro. Vivemos uma crise muito séria e nos nicação foram colocados nas mãos dos especia­
preocupamos em saber qual será o destino da ins­ listas e tecnocratas, retirando-se dos indivíduos
tituição escolar. a capacidade de decidir por si mesmos.
Vimos que a escola nova pretendeu revolu­ Dessa forma, a separação estabelecida entre
cionar os métodos vitalizando a escola tradicio­ os "competentes” e os “incompetentes” de certo
nal. por demais petrificada, csclerosada e modo infantiliza o homem, sempre dependente
cl assista. No entanto, seu ideal de democratiza­ de especialistas e incapaz, ele mesmo, de gerir
ção não foi atingido, pois, segundo os teóricos sua própria vida, de educar seus filhos e até de
crítico-reproduti vistas, a escola reproduz as for­ consertar qualquer engenhoca de que se utiliza
mas de dominação social. no seu mundo repleto de máquinas.
A década de 70 foi fértil em críticas à escola Mais ainda, o progresso estaria provocando o
e propostas para alterar esse quadro sombrio. Fa­ consumo desordenado, resultado da criação ili­
zendo coro com essa tendência, Ivan íllich apre­ mitada de novas necessidades. Todas as exigên­
senta uma proposta aparentemente mais radical: cias naturais são transformadas cm procura de
por que não “desescolarizar” a sociedade? Para produtos manufaturados e, portanto, artificiais:
ele a solução da crise não estaria em promover hoje em dia ter sede é precisar de coca-cola... O
reformas de métodos ou currículos, nem simples­ automóvel, esperança de economia de tempo,
mente cm denunciar o elitismo, mas cm questio­ gerou os engarrafamentos das grandes cidades c
nar o fato aceito universal mente de que a escola a poluição do ar. Sufocado pelas máquinas que
é o único c melhor meio de educação. Melhor ele próprio ajudou a criar, o homem é um “apren­
seria se ela fosse destruída. diz de feiticeiro” que não consegue mais contro­
Ivan Íllich. nascido na Áustria em 1926, foi lar os eleitos da "mágica” desencadeada.
padre por um tempo, tendo abandonado a vida Em um mundo marcado peio controle das ins­
eclesiástica para evitar sanções do Santo Ofício. tituições. a escola escraviza mais que a família,
Viveu em Nova York. foi vice-reitor em Porto devido à estrutura sistemática e organizada, à hie­
Rico e, final mente, fixou-se em Cuernavaca, no rarquia, aos rituais das provas e ao mito do diplo­
México, onde fundou uma universidade livre. ma. Uma sociedade assim estruturada descon­
Escreveu inúmeros artigos e livros, entre os quais sidera o autodidata, encarando com desconfiança
Sociedade sem escolas (1970). aquele que quer aprender por si próprio.
Para íllich. um dos grandes mitos de nossa A escola agrupa pessoas segundo a idade,
época está na crescente institucionalização: lo­ fundamentando-se em três premissas conside­
dos os nossos passos se acham enquadrados e radas inquestionáveis: o lugar das crianças é

197

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

na escola; as crianças aprendem na escola; só portante desmístificar o ideal de progresso e de


se pode ensinar as crianças na escola1. Ora. consumo insaciável.
aqueles que pensam assim esquecem que o sis­ O símbolo do homem que afronta o destino é
tema escolar é um fenômeno moderno, como Prometeu, um dos titãs da mitologia grega que rou­
também o conceito de “ser criança” (ver Capí­ bou o fogo dos deuses e o ofereceu aos homens.
tulo 6), Portanto, a infância “artificial” é uma Nesse mito, o fogo simboliza a técnica ou a capaci­
consequência da escolaridade obrigatória e dade humana de transformar a natureza. Ora, para
prolongada. Illich c importante abolir o homem promclcico.
Segundo Illich, não é verdade que as crianças Que o homem ambicioso limite suas necessida­
aprendem na escola. Ao contrário, os alunos rea­ des, reduza as aspirações e não afronte tanto a na­
lizam a maior parte de seu aprendizado fora dela. tureza, respeitando a ordem nela inscrita.
“Aprendemos a falar, pensar, amar, sentir, brin­ Para isso é preciso destruir a megamáqtiina.
car. praguejar, lazer política e trabalhar sem in­As pessoas poderiam, por exemplo, viver bem
terferência de professor algum.'’12 sem o automóvel, preferindo a bicicleta, que c
Por fim. quando se diz que só se pode ensinar mais saudável e mais fácil de consertar, não po­
na escola, são criadas expectativas prejudiciais, lui o ar c permite que a paisagem seja mais bem
já que a escola promete o que não é capaz de apreciada.
cumprir. Afastada do mundo da produção, vive Evidentemente, ao fazer a crítica às socieda­
o paradoxo de querer preparar para o mundo ao des industrializadas avançadas. Illich bem sabe
mesmo tempo que corta os contatos com ele. que elas não teriam como reverter esse quadro per­
Encarceradas nas escolas pela exigência da fre- verso. No entanto, pensa ser possível advertir os
qüência obrigatória, as crianças ficam à mercê dois terços do globo que ainda não foram plena­
do poder arbitrário dos professores. Aí elas se mente industrializados, a fim de evitar os male­
curvam à obediência cega, desenvolvem uma ati­ fícios da destruição da natureza, da sociedade e da
tude servil e o respeito pelo relógio. É a aprendi­
imaginação. Por isso suas esperanças se dirigem
zagem perversa da hierarquia. aos países em via de desenvolvimento.
Ao criticar nossa sociedade, produtivista e Embora reconheça que a vida em sociedade
burocratizada, em que o indivíduo fica reduzido seria impossível sem as instituições, faz uma ní­
a consumidor passivo, Illich acusa a escola de tida distinção entre as muniputativas e as convi­
ser cúmplice desse estado de coisas. Ela ajuda a viais. As primeiras são as que merecem suas crí­
alimentar o mito do progresso, da competência, ticas. pois não estão mais a serviço do homem,
do consumo. Ainda mais: ao mesmo tempo que mas contra ele, constituindo-se “falsos serviços
públicos" voltados para os interesses econômi­
cria nas pessoas o anseio de atingir os altos esca­
lões da hierarquia escolar simbolizados pelo di­ cos de alguns privilegiados. As segundas seriam
ploma, exclui a maioria delas, perpetuando as interativas, permitindo o intercâmbio entre as
desigualdades sociais. A enorme massa que não pessoas com a condição dc que todas mantenham
tem acesso à escola se acha inferiorizada c des­ sua autonomia.
pojada de sua auto-estima. Ao simplificar a forma de vida, as instituições
conviviais proporcionariam melhor interação fa­
miliar, criando autenticas comunidades. Illich cha­
2. Sociedade sem escolas ma dc convivialidade a criação dc “redes dc co­
municações culturais'’ que facilitariam o encontro
O que, afinal. Illich propõe como substitui­ de pessoas interessadas no mesmo assunto.
ção à escola que ele quer destruir? Ao constatar Então, o inverso da escola sc tomaria possível.
que o vertiginoso desenvolvimento tecnológico Essas redes não seriam escolas — por não lerem
levou o homem à alienação. Illich considera im­ programas preestabelecidos nem reconstituírem a
figura do professor — e proporcionariam apenas
a troca dc experiências, com base na aprendiza­
1. Ivíjii illich. Sociedade sef» escalos, p. 58. gem auloinolivada. “Dcscsuolarizar significa abo­
2. lí/.. ibid., p. 62. lir o poder de uma pessoa de obrigar outra a fre-

198

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
qüenlar uma reunião. Também significa ü direito A crítica de lilich sc destina à escola estrita­
de qualquer pessoa, de qualquer idade ou sexo, de mente tradicional, mas é tão exagerada que pare­
convocar uma reunião/'3 4 ce ignorar as contribuições progressistas que
O recurso ao computador seria indispensável, vêm ocorrendo desde o final do século passado.
pois facilitaria a localização dos parceiros a par­ Além disso, sc por um lado é pertinente a crí­
tir de interesses revelados. Haveria também o tica antitecnocrática c antiburocrática feita às
auxílio do sistema de correios, bem como de uma instituições por elas Lerem se tornado csclcro-
rede de boletins informativos ou anúncios classi­ sadas, deixando mesmo de servir aos fins pro­
ficados de jornais. postos, por outro lado lilich não consegue expli­
lilich se refere a quatro diferentes abordagens car bem como deve ser feita a reversão para a
que permitem ao estudante Ler acesso a qualquer convivialidade. recorrendo a conceitos pouco
recurso educacional: definidos e às vezes superficiais. Falta ao seu
projeto uma fundamentação teórica mais bem
• serviço de consulta a objetos educacionais definida, c sua crítica não é propriamente políti­
armazenados cm bibliotecas, laboratórios, mu­ ca, na medida em que ele não questiona as cau­
seus. teatros, ou ainda nas fábricas, aeroportos sas das divisões sociais que tornam perversas a
ou fazendas; técnica e as instituições.
■ intercâmbio de habilidades (o que permite Tal ausência de aprofundamento se agrava por­
às pessoas oferecer seus serviços); que lilich sc restringe a uma análise apenas for­
• encontro de colegas (parceiros interessados mal das instituições, sem rellclír sobre o seu con­
no mesmo tipo de pesquisa); teúdo. A esse respeito, díz o espanhol Jesus
• serviço de consulta a educadores cm geral, Palacios: “Não pensamos que o problema deva si­
agora despojados de seu autoritarismo e limita­ tuar-se em nível de supressão das instituições —
dos ao importante papel de aconselhamento e que é o nível formal —, mas sim de um novo tipo
orientação. de relações que devem instaurar-se no seio dessas
instituições e em nível do novo papel que as insti­
tuições devem exercer na vida social. Nesse senti­
3. Avaliação da proposta do, a proposta desescolarizadora nos parece idea­
lista e sem perspectiva política. (...) Como assina­
A desesuolarização foi um projeto provocador laram alguns autores, a desesuolarização é um
demais, merecendo a atenção dos educadores con­ slogan vazio e a ‘escola’ sonhada por lilich é jus-
temporâneo* . I llich não inova ao criticar a escola; lamcnte uma ‘escola sem sociedade* '5.
seu grande mérito resulta da solução que apresen­ Podemos concordar com Tllieh quanto ao
ta ao problema. Nesse sentido, produz uma teoria "mito da competência”, por meio do qual o saber
de impacto que instiga a imaginação c a rebeldia do especialista retira a iniciativa das pessoas c
contra o que aí está. O que ele pôs cm dúvida foi resulta cm forma de poder e manipulação das
justamente a escola como instituição, perguntan­ massas. Mas é preciso reconhecer que o saber
do-se se. da maneira como está constituída, ainda especializado pode aliviar o estorço do homem e
seria o melhor meio de educação. Respondendo que a ciência e a técnica, quando bem utilizadas,
negativamente, considera a escola uma instituição só podem ajudá-lo a sair da privação e da penú­
“manipulativa" e. portanto, dispensável. ria. Afinal, pela primeira vez na história da hu­
Não deixa de ser interessante a ênfase dada à manidade vislumbrou-se a possibilidade de
multiplicação dos contatos do estudante com o emancipação dos homens por meio da técnica.
mundo, por meio das redes de cunvivialidade, o Não se (rata, então, de rejeitá-la devido aos ris­
que sugere urna sociedade global mente educativa. cos de alienação, mas sim de utilizá-la mais ade­
No entanto, alguns reparos podem ser feitos-1. quadamente. em seu benefício. Se é verdade que

3. Ivan lilich, Sociedade sern escolas. p. 153. 5. La cuestiõn escolar, críticas y alternativas, Barcelona.
4. Consultar G. Snyders. rZtwc' e luta de classes. Editorial Laia. 197H. p 629.

199

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

também Illich pensa assim, a solução que pro­ Ora, o ideal de convivialidade, segundo o qual a
põe não deixa de ser ingênua, já que desvin­ desigualdade existente no nosso sistema de
culada da referida perspectiva política. escolarização seria substituída pelo ensino em
Por isso, a principal critica à proposta de rede igualitária, repousa na ingenuidade de su­
Illich sc refere à dimensão individualista de seu por que o sistema de redes escaparia à pressão e
projeto, que despreza uma análise mais profun­ às contradições dos interesses estabelecidos.
da dos conflitos sociais. Na verdade, ele propõe O grande risco do não-diretivismo c do ideal
uma revolução moral, empenhada cm conscien­ de convivialidade está em que os alunos sc en­
tizar os indivíduos para a mudança c cm con­ contrariam abandonados a formas conservadoras
verter cada um. de pensar e viver, impregnadas da ideologia da
É nesse sentido que Illich, temendo os riscos classe dominante. Para evitar isso, apenas um
do autoritarismo do professor, propõe uma não- corpo docente crítico e experiente teria condi­
diretividade na qual as pessoas estariam entre­ ções dc provocar um questionamento profundo e
gues às forças espontâneas de seu auto-interesse. radical, muitas vezes doloroso e demorado.

Dropes

A escola é irrelevante. (Marshall McLuhan)


A escola educa para o obsoleto. (Norbert Wiener)
A escola não desenvolve a inteligência. (Jerome Brunner)
A escola está baseada no medo. (John Holt)
A escola evita a promoção de aprendizagens significantes. (Cari Rogers)
A escola castiga a imaginação criadora e a independência do espírito. (Edgar Friedenberg)

Num mundo sem escolas só restaria o clã familiar para a educação dos jovens ou os jovens se
dispersariam numa sociedade de massa. Bem se vê que Illich não é um educador e nunca conviveu
nas escolas com os jovens. Sua “sociedade sem escolas” é uma sociedade geriátrica, uma república
de Platão gerida pelos sábios que “se encontram” ocasionalmente em seus simpósios... O fato de a
escola não ser um "foyer”* de comunicação e de criatividade é, apenas, um defeito histórico supera-
vel e é para obter esta mudança processual que os educadores refletem e experimentam! Não se
destroem as constituições e os códigos dos direitos do homem porque o código de processo civil é
emperrado ou porque estas normas são violadas na prática forense... (Lauro Oliveira Lima)

Leitura complementar
u... ■ ■■ • •• • • • •• •;■■ ■ .z

[Um exemplo de instrução não-ortodoxa]

Surgiu, em 1956, a necessidade de ensinar por uma rádio espanhola que precisava de
rapidamente espanhol a várias centenas de pessoas do Harlem que falassem espanhol. No
professores, assistentes sociais e ministros de dia seguinte havia uma fila de aproximadamen­
religião na Arquidiocese de Nova York para te duzentos adolescentes diante de seu escri­
que pudessem comunicar-se com os porto- tório e ele escolheu quarenta e oito — muitos
riquenhos. Meu amigo Gerry Morris anunciou dos quais haviam abandonado a escola antes
de concluírem o curso fundamental obrigatório.
Treinou-os no uso do Manual de Espanhol pu­
* Foyer: no contexto, significa “centro”, "sacie'1. blicado pelo Instituto de Serviço aos Estrangei-

200

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ros (FSI) dos Estados Unidos e indicado para Spellman pôde anunciar que havia 127 paró­
uso de lingüistas com treinamento superior, e quias em que ao menos três membros do
dentro de uma semana estavam funcionando “staff” sabiam comunicar-se em espanhol. Ne­
— cada um cuidando de quatro nova-iorquinos nhum programa escolar teria obtido esses re­
que desejavam aprender a língua. Em seis sultados.
meses a missão estava realizada. O Cardeal (Ivan lllich, Sociedade sem escolas, p. 41.)

Atividades

Questões

1. Quais são as críticas que lllich e outros teóricos fazem à escola?


2. O que lllich propõe como substituição à desescolarizacâo da sociedade?
3. Qual é a crítica que lllich faz às instituições em geral? Em que aspectos você concorda com ele e em
que aspectos discorda?
4. Em contraposição a lllich, por que é insubstituível a ação do professor?

Pesquisa

5. Faça uma crítica à proposta de desescolarização com base no dropes 2 deste capítulo, no conceito de
ideologia no Capítulo 3 e na leitura complementar do Capítula 23.
6. Informe-se a respeito das vantagens decorrentes da ampliação de adesões à Internet. Investigue tam­
bém sobre as preferências de certos grupos por temas pornográficos, racistas que previ legiem o incita­
mento a outras formas de violência. Em seguida, analise criticamente os dados segundo a perspectiva
de educação das novas gerações.

Análise de texto

7. Baseado no texto complementar, explique por que o exemplo dado não pode ser generalizado para
justificar a extinção da escola.

Redação

Tema-. “A escolaridade não promove nem a aprendizagem nem a justiça, porque os educadores insis­
tem em embrulhar a instrução com diplomas”. (Ivan lllich)

201

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>
ro 3 73 g g
g g G x'
O a 3 G c"
ro O vC X Ju di
d x t o X
£Z' G X ■» o
X *3 o
Q X g G G -d X X
Í2, 3 x O' O
Õ? X P. i—► 3 rr
o 3 m> G •— t
G x g' G
'j-. 7 G 3 o
G G G C_ X-
O s.
x G G x 3" ’ <—1 G
p x C o G G
O X < , X
G G 3 G
x 3“ p' G* 3
õj' d 2 X g' o G 3
G G JD 3 G
g —1 F 3 G O
Q_ < G c P c
0) o 3 3 G X G g’
“5 G X cr X x Cu 3
m G X X G
3 &:■ O
Q_ c *n s G G
G ►d r.- X ru-
£Z x
d o G C_
n G — 'G
X f? X G
0) g Zf- M O
O g (Jq. G n C
n 5' G G
qj> X
o - '-r- 3
□ G ■3“ G x G O
G X 3
g C
■.-n 3"
•X MG G
dJ Pt P'
x g x —x
2 □
g G C
X È5 X
3 X 3 a G> 3
G CU 3 G
a. O G
3 g
G
G
£Z
r- T5 G 3
KJ
G <x cu
g'
O G 3
3
-l' c o G > —i CU
ri P /•*
5 fJl < b
c- 7- "g,
tZ G G <7’
3
ao s*
G
G cr
i—h Gs 2
G
QC
o_
X O o
G G O
d G CS.
G 3 5*
G- G G QC
G O
O
cro
O G (T
x
x □
O x

G
2-'
X õ’ 731484
X5 c O O SU
3
3 O ’
G P
•X
<
C <
x G 2 o a«
3 c
X 3 — • -t
<s-
d G G - 2
X -<
G
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

blicações datam da década de 20, e tiveram logo depois, a criança evolui para o egocentrismo,
viva repercussão. apenas superável na vida adulta, quando atinge a
Além de ter realizado diversos estudos com reciprocidade e a cooperação;
crianças em idade escolar, Piaget e sua mulher • a consciência moral: da anomia inicial (au­
observaram com cuidado o desenvolvimento da sência de leis), passa pela heteronomia (aceita­
inteligência e a construção do real nos seus pró­ ção da norma externa) e atinge a autonomia ou
prios filhos. capacidade de autodeterminação, caminho per­
O encaminhamento das pesquisas para a dis­ corrido pelo desejo até a construção da vontade,
cussão de questões cpistemológicas levaram-no à que indica a superação da moral infantil.
elaboração da psicologia genética, que investiga
o desenvolvimento cognitivo, dividido por ele em A compreensão desse processo ajuda o
quatro estágios: sensório-motor (de 0 a 2 anos), pedagogo a saber em que estágio o aluno tem
intuitivo ou simbólico (de 2 a 7 anos), das opera­ predisposição para assimilar determinada in­
ções concretas (de 7 a 14) e das operações formais formação —- por exemplo, entender mapas de
ou hipotético-dedutivo (a partir da adolescência). seu bairro—, podendo acomodá-la cm novas
A passagem de um estágio para outro é possí­ formas de organização do conhecimento. O mes­
vel por meio dos mecanismos de organização e mo vale para a afetividade c para a construção da
adaptação, conceitos que Piaget aproveita de vida moral, presentes nas diversas formas de
seus conhecimentos de biologia. “Do ponto de interação no grupo.
vista biológico [e psicológico| a organização é
inseparável da adaptação: são dois processos
complementares de um único mecanismo, o pri­ 3. Psrcogênese da escrita
meiro sendo o aspecto interno do ciclo do qual a
adaptação constitui o aspecto exterior”. A psicopcdagoga Emilia Ferreiro, argentina
A adaptação, por sua vez, supõe dois proces­ radicada no México, estudou com Piaget na Suí­
sos interligados, a t/xwHÍ/açâo e a ça. A teoria construtivista do mestre acrescentou
Pela assimilação, a realidade externa é interpre­ seus estudos no terreno da linguística, a hm de
tada por meio de algum tipo de significado já compreender como a criança realiza a construção
existente na organização cognitiva do indivíduo, da linguagem escrita. As reflexões de Emilia Fer­
ao mesmo tempo que a acomodação realiza a al­ reiro foram desenvolvidas, no final da década de
teração desses significados já existentes. 70, em conjunto com Ana Teberosky, de Barcelo­
Como se vê. são funções opostas mas comple­ na, e os resultados dessas pesquisas têm sido am-
mentares. Mais propriamente, trata-se de uma es­ plamenie difundidos e incorporados nas escolas,
trutura concebida como urna totalidade em equi­ modificando as técnicas de alfabetização.
líbrio em que as partes, lendo relação umas com De início existe uma preocupação com a su­
as outras, provocam transformações constantes, peração das dificuldades enfrentadas por crian­
sendo que cada mudança particular altera o lodo. ças com problemas de aprendizagem, sobretudo
As mudanças mais significativas ocorrem na diante da realidade da América Latina, em que
passagem de um estágio para outro, quando se os setores marginalizados da população padecem
desfaz o equilíbrio instável e busca-se nova de altos índices de repetência e exclusão.
equilibração. Assim, os quatro estágios represen­ De maneira geral, alfabetiza-se “de fora para
tam o desenvolvimento da inteligência (da lógi­ dentro”, a partir do pressuposto de que a crian­
ca), da afetividade c da consciência moral: ça nada sabe. Daí os educadores explicarem os
insucessos da alfabetização ora pela insuficiên­
■ a inteligência: da simples motricidade, a cia dos próprios mestres, ora pela ineficácia dos
criança passa para as formas intuitivas e para o métodos, ora ainda pela inadequação do mate­
pensamento concreto, até chegar ao pensamento rial didático.
abstraio, à possibilidade de reilexão: Para Emilia Ferreiro, no entanto, se a inven­
• a afetividade’, de início, predomina a indi­ ção da escrita alfabética resultou de um longo
ferenciação entre o bebê c o mundo que o cerca; processo histórico, pode-se concluir que também

203

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

para a criança não é fácil compreender com rapi­ Uma alternativa para a psicologia
dez a natureza da escrita. Por isso, a alfabetiza­
ção levanta, antes de tudo, um problema epis- Vygotsky orienta suas reflexões na busca de
temológico fundamental: “Qual é a natureza da uma alternativa para as teorias comportamentais
relação entre o real e a sua representação?’* de tendência naturalista que predominavam no
Essa questão provoca uma revolução concei­ seu tempo. Sabemos que a psicologia como ci­
tuai na alfabetização. Ao investigar a psico- ência apareceu na Alemanha no final do século
gênese da escrita, Emilia Ferreiro descobre que a XIX, a partir do estudo dc fenômenos psíquicos
criança dc fato “reinventa” a escrita e, por isso, o ligados à física e à fisiologia.
professor precisa estar atento ao que a criança já Um de seus fundadores, o medico Wilhehn
sabe. À diferença da tradição, começa-se pela Wundt, desenvolvera em laboratório experiências
investigação de como a criança interpreta os si­ relativas aos fenômenos de percepção, estabele­
nais que a rodeiam, já que. antes mesmo de inici­ cendo critérios para generalizar c quantificar a re­
ar o ensino formal da escrita, constrói interpreta* lação entre as mudanças dc estímulo e os efeitos
ções, elaborações internas que não dependem do sensoriais correspondentes. Sob essa perspectiva,
ensino adulto e não devem ser entendidas como volta-se principal mente para o estudo da visão,
confusões perceptivas, ou seja, as garatujas não estabelecendo relações entre os fenômenos psíqui­
são simples rabiscos sem nexo, mas significam cos e seu substrato orgânico, sobretudo cerebral.
uma determinada interpretação pessoal. Na mesma linha, o médico russo Ivan Pavlov,
Percebe-se aí o caráter não-empirista dessa a partir da observação dos fenômenos de diges­
teoria, que acentua o papel do sujeito no proces­ tão e salivação, encaminhou-se para o estudo da
so de alfabetização. Cabe ao professor a função aprendizagem, explicando pela primeira vez o
de observar e interpretar atentamente as interven­ mecanismo dos reflexos condicionados, baseado
ções da criança, para com ela interagir. na unidade estímulo-resposta. A partir desses
pressupostos, o norte-americano Watson, con­
temporâneo de Vygotsky, desenvolve o beha-
4. Pensamento e linguagem viorismo.
As discussões a respeito da consciência, inclu­
I >ev Semenovich Vygotsky nasceu na Rússia sive os temas relativos às atividades psíquicas
czarista. no final do século XIX. e morreu de tu­ mais complexas (como pensamento, linguagem e
berculose, cm 1934, com 37 anos. Mesmo assim, comportamento volitivo). são abandonadas, como
foi grande sua produção teórica, acompanhada se fossem impróprias para a abordagem experi­
pelos colaboradores Luria e Leontiev, que deram mental. considerada a única científica.
continuidade ao seu trabalho após sua morte. No A essa tendência naturalista se opõe a psicolo­
entanto, essas obras só começaram a ser tra­ gia da Gestalt. (psicologia da forma), que não acei­
duzidas nos EUA nos anos 60 e. no Brasil, ape­ ta as explicações empiristas. segundo as quais as
nas na década de 80. idéias se formam por associação, a partir de sen­
Em 1917. ano da Revolução Russa, graduou- sações e percepções. Vygotsky tomou conheci­
se em Direito, mas sua formação foi ampla, mento dessa corrente e das experiências feitas pelo
abrangendo filosofia, filologia, literatura, peda­ alemão Kôhlcr com macacos antropóides c, em­
gogia e psicologia, o que o levou a sc dedicar ao bora reconhecesse a importância da crítica que
ensino, à pesquisa e a organizar o Laboratório de eles fizeram ao naturalismo, considerava ainda
Psicologia para Crianças Deficientes. Sempre insuficientes as explicações dadas.
preocupado com o estudo das anomalias físicas O esforço de Vygotsky no sentido de com­
e mentais, Vygotsky cursou também medicina. preender os aspectos tipicamente humanos do
Viveu intensamente a implantação das idéi­ comportamento, sobretudo aqueles que se refe­
as revolucionárias que transformaram a Rússia rem aos processos superiores — como o pensa­
em União Soviética, sendo marcante a influên­ mento abstrato, a atenção voluntária, a me­
cia marxista no seu pensamento e método morização ativa, as ações intencionais—, pode
dialético. ser mais bem avaliado à luz dos pressupostos te-

204

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado Se prohíbe su venta o fotocopia

o-

3 5- £
p
x> o r. v? “i
r~- _
p S3 sé Q- 3 11
p
rt■ a 3
G ■Q Pi ã g .. 3 G M c K
o O •-s -C 3 X X P
□ _> ■n
*6 3 Qv p r•
53 ■r-
õ ã►> - g
P 3 B* P yj c
y 5.
O
1 T3 Cl
r. 5 y ã>' o o r? O
P 3 P
p £ 6
3 G Cl o 3
C C- *3 Cl
3 ~ p O O * O
3 c rt G r> o Cl p
I-; c/>
P £3 5 n> P X tTQ O
■"3 £ < CT r<
O wG Q g 3 X 5
K> -p Q. füí fb g V G Li
(rç‘
C
O Cl’ G 3 cr 3" "3_ X pí
P1 G P Z3 —i
(_n i p i P a>
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Segundo Vygotsky, “a verdadeira comunica­ Atento à questão, Vygotsky observou que cri­
ção humana pressupõe uma atitude gcncra- anças consideradas de mesmo nível mental (de­
lizante, que constitui um estágio avançado do senvolvimento real) apresentavam aproveita­
desenvolvimento do significado da palavra. As mento diferente quando se partia da segunda hi­
formas mais elevadas da comunicação humana pótese, isto é, quando sc oferecia algum tipo dc
somente são possíveis porque o pensamento do auxílio. Chamou então a essa diferença de zona
homem reflete unia realidade conceituaiizada”. de desenvolvimento proximal, que é “a distância
Mais ainda: esses conceitos não são fixos, entre o nível de desenvolvimento real, que se
mas construídos a partir de uma dialética indi- costuma determinar através da solução indepen­
víduo/socicdade. sofrendo constantes transfor­ dente de problemas, e o nível dc desenvolvimen­
mações conforme o grupo e o tempo. “Os signi­ to potencial, determinado através da solução de
ficados das palavras são formações dinâmicas, problemas sob a orientação dc um adulto ou em
e não estáticas. Modíficam-se à medida que a colaboração com companheiros mais capazes”-.
criança se desenvolve; e também de acordo com Esta zona define as funções que ainda não
as várias formas pelas quais o pensamento fun­ amadureceram, mas estão em processo de
ciona.” maturação, o que é importante para entender o
Se a linguagem surge inicialmente como um curso interno do desenvolvimento. Dada a di­
meio de comunicação entre as crianças c as pes­ mensão prospectiva (voltada para o futuro) des­
soas em seu ambiente, ao se converter em “fala sa zona, ela se torna um instrumento poderoso
interior” organiza o pensamento, transformando- que pode ajudar a resolver rnais eficaz mente
se em função mental interna. O próprio Vygotsky problemas educacionais, justamente porque o
se refere a PiagcV’ ao concordar com a importân­ bom aprendizado não é o que vai a reboque do
cia da discussão entabulada entre as crianças desenvolvimento “de ontem” mas o que a ele sc
como forma de desenvolvimento da fala interior adianta.
e do pensamento reflexivo. Além disso, é dado destaque justamcnlc ao
Em todos os níveis de mediação é grande a trabalho coletivo. A atividade da criança é esti­
importância dada ao outro, seja ele o adulto ou o mulada enquanto interage com pessoas de sua
companheiro dc brincadeira, o que pode ser mais convivência e em cooperação com seus compa­
bem avaliado no conceito de desenvolvimento nheiros, para só depois internalizar esses proces­
proximal, analisado a seguir. sos. Com isso, Vygotsky reavalia o papel da imi­
tação no aprendizado, tão desprezada pela peda­
Zona de desenvolvimento proximal gogia que valoriza apenas a atividade indepen­
dente da criança.
Quando falamos dc nível dc desenvolvi­ Analisa também a função do brinquedo, por
mento das funções mentais da criança, geral­ meio do qual a criança vai além do comporta­
mente nos referimos ao desenvolvimento real mento cotidiano, sc projeta nas atividades dos
como resultado de certos ciclos já completa­ adultos, ensaiando regras, valores e futuros pa­
dos, ou seja, aquilo que a criança consegue fa­ péis a serem desempenhados na sua cultura —
zer por si mesma. E esLc o objetivo dos testes por exemplo, quando brinca de mãe. professor
psicológicos. ou comerciante — e. dessa forma, cria uma zona
No entanto. Vygotsky se surpreende pelo fato de desenvolvimento proximal.
de não ser dada a devida importância à resolução Em resumo, com esse conceito pode-se me­
de problemas quando são fornecidas pistas, o lhor entender a transformação de um processo
professor inicia a solução ou esta é alcançada interpessoal — entre pessoas e. portanto, so­
com a colaboração de outras crianças. cial — em direção a um processo intrapessoal,
ou seja, de internaiização pessoal e. portanto,
rumo à independência intelectual c afetiva.

2. Vygotsky leu c comenioii as primeiras obras dc Piaget.


que, por sua vez, só leve conhecimento disso muito tempo
depois da morte de seu colega russo. 3. Vygolsky, A /òriwrçw sncial da mente, p. 97.

206

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

5. Repercussões A introdução das teorias coiistru ti vistas nas


escolas nos últimos tempos tem enfrentado os
A teoria de Piaget vem influenciando há al­ problemas de sempre. Sabemos a respeito das
gum tempo as práticas pedagógicas no mundo e dificuldades de formação dos professores, difi­
no Brasil. tendo inclusive se amalgamado a tcn- culdades essas que se agravam diante da exigên­
dênci as escol ano vistas. cia de reciclagem e atualização.
Nos EL A. foi importante o desenvolvimento Dessa forma, com muita freqüência as esco­
dc suas teses, levadas a efeito por Kohlberg. que las assumem as novas práticas sem que os pro­
se ocupou, sobretudo, com a questão da constru­ fessores estejam adequadamente informados so­
ção da moral (ver Capítulo 12). bre a teoria. Mesmo quando estão, ainda há o ris­
Como vimos, na década de 70 o constru- co de não se conseguir superar rapidamente as
tivismo piagetíano serviu dc base para as pesqui­ sedimentações decorrentes das antigas práticas.
sas dc Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Esses “resíduos” persistem, por exemplo,
escrita, com destaque para a preocupação com as quando o docente, imbuído dos valores da es­
populações carentes da América Latina. cola de tendência magistrocêntrica, tem dificul­
Por essa época e na década seguinte, o cons- dade em superar o autoritarismo, o dirigismo e
trutivismo desenvolveu a dimensão social, sobre­ o empirismo tradicional. Outra dificuldade para
tudo a partir da influência do marxismo, como se a implantação das novas idéias se encontra na
observa em Vygotsky. que teve contato com a própria organização da escola: tamanho das
obra de Piaget e, embora a elogie em muitos as­ classes, exigências de programas, problemas le­
pectos, também critica, por não ter dado a devi­ gais de avaliação, promoção de alunos, e assim
da importância à situação social e ao meio. por diante.

Dropes

É necessário imaginação pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de


interagir com a linguagem escrita. É necessário formação psicológica para compreender as respos­
tas e as perguntas das crianças. É necessário entender que a aprendizagem da linguagem escrita é
muito mais que a aprendizagem de um código de transcrição: é a construção de um sistema de
representação. (Emilia Ferreiro)

O fato de que ao longo da história o homem tenha desenvolvido novas funções não significa
que cada uma dessas funções depende do surgimento de um novo grupo de células nervosas ou do
aparecimento de novos “centros” de funções nervosas superiores, tal como os neurologistas do final
do século XIX buscavam com tanta ansiedade. O desenvolvimento de novos “órgãos funcionais’
ocorre através da formação de novos sistemas funcionais, que é a maneira pela qual se dá o desen­
volvimento ilimitado da atividade cerebral. O córtex cerebral humano, graças a esse princípio, torna-
se um órgão da civilização, no qual estão ocultas possibilidades ilimitadas e que não requer novos
aparelhos morfológicos cada vez que a história cria a necessidade de uma nova função. (Luria)

Chamamos de internalizaçãoa reconstrução interna de uma operação externa, Um bom exem­


plo desse processo pode ser encontrado no desenvolvimento do gesto de apontar. Inicial mente, este
gesto não é nada mais do que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa, um movimento
dirigido para um certo objeto, que desencadeia a atividade de aproximação. (...)

207

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seu movimento indica alguma coisa, a
situação muda fundamentalmente. O apontar torna-se um gesto para os outros. A tentativa
malsucedida da criança engendra uma reação não do objeto que ela procura, mas de uma outra
pessoa. Conseqüentemente, o significado primário daquele movimento malsucedido de pegar é es­
tabelecido por outros. Somente mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à
situação objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse movimento como
um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma mudança naquela função do movimento: de um
movimento orientado pelo objeto, torna-se um movimento dirigido para uma outra pessoa, um meio
de estabelecer relações. O movimento de pegar transforma-se no ato de apontar. (Vygotsky)

Leitura complementar

A história natural da operação com signos


Embora o aspecto indireto (ou mediado) das mental do desenvolvimento, que não conhece ex­
operações psicológicas constitua uma caracte­ ceções, e surgem ao longo do curso geral do de­
rística essencial dos processos mentais superio­ senvolvimento psicológico da criança como resul­
res, seria um grande erro, como já assinalei em tado do mesmo processo dialético, e não como
relação ao início da tala, acreditar que as opera­ algo que é introduzido de fora ou de dentro.
ções indiretas surgem como resultado de uma Se incluirmos essa história das funções psi­
lógica pura. Elas não são inventadas ou desco­ cológicas superiores como um fator de desenvol­
bertas pela criança na forma de um súbito rasgo vimento psicológico, certamente chegaremos a
de discernimento ou de uma adivinhação rápida uma nova concepção sobre o próprio processo
como um raio (a assim chamada reação do de desenvolvimento. Podem-se distinguir, den­
“aha”). A criança não deduz, de forma súbita e tro de um processo geral de desenvolvimento,
irrevogável, a relação entre o signo e o método duas linhas qualitativamente diferentes de de­
de usá-lo. Tampouco ela desenvolve intuitiva­ senvolvimento, diferindo quanto ã sua origem: de
mente uma atitude abstrata, originada, por assim um lado, os processos elementares, que são de
dizer, “das profundezas da mente da própria cri­ origem biológica; de outro, as funções psicológi­
ança1'. Esse ponto de vista metafísico, segundo cas superiores, de origem sócio-cultural. A histó­
o qual esquemas psicológicos inerentes existem ria do comportamento da criança nasce do en­
anteriormente a qualquer experiência, leva inevi­ trelaçamento dessas duas linhas. A história do
tavelmente a uma concepção apriorística das desenvolvimento das funções psicológicas supe­
funções psicológicas superiores. riores seria impossível sem um estudo de sua
Nossa pesquisa levou-nos a conclusões com­ pré-história, de suas raízes biológicas e de seu
pletamente diferentes. Observamos que as ope­ arranjo orgânico. As raízes do desenvolvimento
rações com signos aparecem como o resultado de duas formas fundamentais, culturais, de com­
de um processo prolongado e complexo, sujeito a portamento surgem durante a infância: o uso de
todas as leis básicas da evolução psicológica. Isso instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, co­
significa que a atividade de utilização de signos loca a infância no centro da pré-história do de­
nas crianças não é inventada e tampouco ensina­ senvolvimento cultural.
da pelos adultos-, ao invés disso, ela surge de algo A potencialidade para as operações comple­
que originalmente não é uma operação com sig­ xas com signos já existe nos estágios mais preco­
nos, tomando-se uma operação desse tipo so­ ces do desenvolvimento individual. Entretanto, as
mente após uma série de transformações qualita­ observações mostram que entre o nível inicial
tivas. Cada uma dessas transformações cria as (comportamento elementar) e os níveis superio­
condições para o próximo estágio e é, em si mes­ res (formas mediadas de comportamento) existem
ma, condicionada pelo estágio precedente; dessa muitos sistemas psicológicos de transição. Na his­
forma, as transformações estão ligadas como es­ tória do comportamento, esses sistemas de tran­
tágios de um mesmo processo e são, quanto à sição estão entre o biologicamente dado e o cul­
sua natureza, históricas. Com relação a isso, as turalmente adquirido. Referimo-nos a esse pro­
funções psicológicas superiores não constituem cesso como a história natural do signo.
exceção á regra gerai aplicada aos processos ele­ (L. S. Vygotsky, A formação social
mentares; elas também estão sujeitas à lei funda­ da mente, p. 51-52.)

208

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

r Atividades

Questões

1. Do ponto de vista epistemológico, o que significa ser construtivista?


2. Piaget utiliza na psicologia os conceitos biológicos de organização, assimilação e acomodação. Com­
pare o que é dito sobre o conhecimento com o processo de alimentação.
3. Para Piaget. a discussão verdadeira “começa a partir do momento em que os interlocutores limitam-
se a afirmar suas opiniões contrárias, ao invés de contrariar, criticar ou ameaçar’. Explique por que
nessa frase podemos identificar o desenvolvimento próprio do quarto estágio (reflexão, discussão e
autonomia).
4. Qual é a grande novidade introduzida por Emilia Ferreiro ao analisar as dificuldades da alfabetização?
5. Qual é a crítica feita por Vygotsky à psicologia de tendência naturalista?
6. O que significa o processo de internalização?
7. Explique o que é zona de desenvolvimento proximal de acordo com a frase de Vygotsky: “Essas funções
poderiam ser chamadas de brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento, ao invés de ‘frutos’ do desenvolvimento71.
3. Segundo a teoria do desenvolvimento de Vygotsky, não seria bom separar em classe à parte as crian­
ças consideradas “mais fracas”. Justifique esta afirmação a partir da análise do papel da imitação.
9. Explique o que Vygotsky quer dizer com esta frase: “No brinquedo é como se ela [a criança] fosse
maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as
tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de de­
senvolvimento1'.
10. Em um de seus livros, Vygotsky usa como epígrafe o verso do poeta Osip Mandelstam: “Esqueci a
palavra que pretendia dizer, e meu pensamento, privado de sua substância, volta ao reino das som­
bras”. Explique o significado do verso utilizando argumentos de Vygotsky.

Análise de texto

11. Com base nos dropes 1 e 2 do Capítulo 13, explique o que diz Piaget nas citações.
12. Com base no dropes 1 deste capítulo, explique o que disse Emilia Ferreiro

Baseado no dropes 2, responda às questões 13 e 14.

13. O que significa para Luria dizer que o córtex cerebral humano torna-se um órgão da civilização?
14. Para ilustrar o que se afirma na citação, compare a atividade intelectual reflexiva do homem das civili­
zações urbanas contemporâneas com a consciência mítica do homem tribal.4

Baseado no dropes 3, responda às questões 15 e 16

15. Usando o conceito de mediação (pelo instrumento e pelo signo), explique por que o gesto de apontar
resulta de um processo de internalização.
16. Neste trecho (e também na epígrafe do capítulo) a referência à atuação do outro na construção dos
signos remete a um conceito fundamental da teoria de Vygotsky. Explique qual é este conceito.

Baseado no texto complementar, responda às questões de 17 a 20.

17. Explique por que o aspecto indireto ou mediado é uma característica essencial dos processos mentais
superiores.

A. Veja p. 104 o 105. Se necessário, consulto M. L A. Aranha e M. H. P. Martins. Filosofando: introduçãc s-


tilosofia, Capítulo 6 — A consciência mítica.

209

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

18. Vygotsky começa o texto criticando os aprioristas e os empiristas. Explique isso.


19. Por que as transformações psicológicas pelas quais passa a criança são de natureza histórica?
20. Explique como se entrelaçam as duas linhas de desenvolvimento (a de origem biológica e a
sociocultural).

Redação

Tema. Faça uma dissertação sobre a noção de equilíbrio nas teorias construtivistas a partir da seguin­
te frase de Piaget. “Um estado de equilíbrio não é um estado de repouso final, mas constitui um novo ponto
de partida”.

210

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta acadêmica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohibe su venta o fotocopia
75
75
C
O
>

£Z'
Q
Õ?

O
cn
O

õj'
Q_

m
Q_
£Z
n
Q)
o
QJ>
O

hO
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

sido sistematicamente negada às camadas pobres, A proposta de integração do trabalho à esco­


o que se verifica pelos altos índices de exclusão, la não se apresenta dc forma homogênea na
evasão, repetência e, ainda, pelo dualismo esco­ teorização dos diversos representantes da ten­
lar, em que aos ricos c oferecida a formação inte­ dência progressista. Para alguns, é clara a ne­
lectual, com abertura para formação superior, e cessidade dc implantação de oficinas nas esco­
aos pobres a escola profissionalizante, sem a teo­ las, desde que sejam representativas do estágio
ria que possibilite a compreensão da prática. em que se encontra a tecnologia, isto é, não se
A conseqüêncía dessa política tem sido a propõe a montagem de oficinas artesanais. mas
milenar ruptura entre trabalho intelectual e tra­ sim das que sirvam como modelo dos proces­
balho manual, entre teoria e prática. A fim de sos de produção, a partir dos quais os alunos
superar a dicotomia, recusando tanto a educação poderão estabelecer a ponte entre a ciência c a
humanista tradicional, que visa a aquisição de técnica, o trabalho intelectual c o trabalho ma­
uma cultura supérflua, “de adorno”, para os ri­ nual. O objetivo não c primordial mente a pre­
cos, quanto a sonegação da cultura erudita aos paração de mão-de-obra qualificada, mas a
pobres, a educação progressista quer formar o compreensão. pelo aluno, do processo do fazer
homem pelo e para o trabalho. utilizado nas técnicas atuais. Esse c um dos ob­
Só assim se tornaria possível um saber vincu­ jetivos da politecnia.
lado ao vivido, portanto não abstrato, e uma atu­ Outros teóricos, porém, não acham exe­
ação inserida na prática social global. Portanto, a quível esse projeto, ou então não o enfatizam,
decisão sobre o que saber. o que fazer e para que preferindo reservai para a escola o papel pre­
Jazer está na dependência da compreensão das dominantemente intelectual, ressalvando-se
necessidades sociais vívidas, sempre a partir da que não se trata de um saber abstrato, mas de­
situação histórica dada. cididamente voltado à compreensão das prá­
O destaque dado pela pedagogia progressista ticas sociais nas quais o homem de hoje está
ao trabalho é de natureza muito diferente dos inserido.
dois sentidos que mobilizam mais frequen­ O saber necessário, sobretudo para a classe
temente a atenção dos pedagogos. Por um lado, trabalhadora, é o saber consistente e clareador a
muitas escolas tem ourivesaria, marcenaria, hor­ respeito do mundo físico e social. Para tanto, é
tas, oficinas de arte e de atividades artesanais cm importante que a educação dada ao povo não
geral que se orientam para o desenvolvimento seja superficial e “aligeirada”, mas que propi­
das habilidades manuais, a fim de que o aluno, cie a transmissão dos conteúdos necessários
ocupado predominante mente com a atividade in­ para se atingir a consciência crítica a respeito
telectual, possa diversificar seus talentos, ocupar das práticas sociais, por meio das quais o mun­
o tempo de lazer e descansar do esforço mental. do é construído. Nesse caso, todos Leriam iguais
Nesse caso, o trabalho manual aparece como ati­ oportunidades de acesso ao saber acumulado
vidade paralela, acessória, e diríamos, ate com pela tradição.
um certo exagero, de “distração". De outro lado Se conseguíssemos integrar o trabalho à es­
estão as escolas profissionalizantes, destinadas a cola (de fato, como querem alguns, ou a partir
formar mão-de-obra qualificada c que reduzem a de sua análise crítica, como querem outros),
atividade de trabalho à aquisição de técnicas, também seria possível superar a dicotomia en­
Não são essas as concepções da pedagogia tre cultura erudita c cultura popular (ver Capí­
progressista, para a qual o trabalho constitui a tulo 4), em direção à construção de uma cultura
atividade essencial da formação humana. Como nacional.
vimos no Capítulo 1, ao trabalhar, o homem Como compreender a escola como espaço
transforma a natureza e a si mesmo. Para não possível de luta em busca da superação das desi­
permanecer à margem da cultura (e da vida), a gualdades sem negar ingenuamente sua força
educação precisa integrar o trabalho à escola reprodutora, tão bem demonstrada pelos teóricos
como atividade existencial humana fundamental, crítico-reproduti vistas? Afinal, não c a escola
não como passatempo acessório ou simples uma peça da engrenagem social? Como instau­
aprendizagem técnica. rar uma contra-ideologia?

212

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia

Os teóricos progressistas recusam a postura própria sociedade civil, meios alternativos dc


idealista que ve a escola como solução dos pro­ expressão que, de certa forma, contrabalancem a
blemas sociais, mas também se negam a cruzar inércia dos governos.
os braços: é preciso lutar por uma escola mais
crítica. E o que diz a educadora Guiomar Namo
de Mello: “Nesse sentido, seria na sua eficiência 3. Principaisjepresentantes
em conseguir garantir às camadas populares a
aquisição dc conhecimentos que favoreçam sua No início deste capítulo indicamos as dificul­
inserção na dinâmica mais geral de mudança que dades diante da tentativa de enquadramento dos
- Se

a escola cumpriria a parte que lhe cabc nessa pedagogos na teoria progressista. Alguns dos te­
mudança. Em termos muito simples, seria ensi­ óricos que poderiam estar sendo aqui discutidos
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

nando — c bem — a ler, escrever, calcular, falar já tiveram seu pensamento abordado em outros
c transmitindo conhecimentos básicos do mundo capítulos.
físico e social que a educação escolar poderia ser Para orientação do leitor, lembramos que uma
útil às camadas populares. Não como promotora forma de aproximação entre os diversos repre­
da igualdade, já que a sociedade ú estrutural men­ sentantes é o exame dos pressupostos filosóficos
te desigual. Nem como força revolucionária, já dessas teorias.
que isso vai além do seu movimento possível Dc maneira geral, as bases teóricas da peda­
nessa sociedade. Mas como estratégia de melho­ gogia progressista encontram-se na literatura
ria de vida e pré-requisito para a organização marxista, que fornece o instrumento da lógica
política”1. dialética, bem como os elementos conceituais
Daí a extrema importância da formação do que possibilitam a crítica ao liberalismo, na ten­
professor e de sua conscientização a respeito da tativa de superar a sociedade dividida em classes
educação como prática social transformadora e as consequentes dificuldades para a democrati­
(uma entre várias possíveis). Que o professor le­ zação da educação. Já examinamos essas ques­
nha, aliado à competência técnica., um compro­ tões nos Capítulos 13 e 14.
misso político a orientá-lo na escolha das priori­
dades em educação, não só quanto ao conteúdo Uma extensa lista
transmitido, mas também quanto à maneira de
ensinar, tendo em vista objetivos que não se se­ Entre os pioneiros da tendência progressista
param da realidade concreta vivida. se encontram os pedagogos soviéticos Maka-
Se a ação dos professores é importante dentro renko c Pistrak, bem como o italiano Antonio
da sala de aula, também é necessário que eles se Gramsci. os três já analisados no Capítulo 14.
aglutinem, para que a discussão dos problemas Também é importante a contribuição do fran­
não se dilua cm casuísmos, perdendo-sc a visão cês Céleslin Freinet na busca de uma pedagogia
do lodo. Essa comunidade se expressa nas reu­ popular e democrática e sua influência sobre as
niões pedagógicas e educacionais, nos cursos de correntes antiauloritárias de base socialista, tais
reciclagem e no engajamento nas associações de como as de Lobrot. Oury. Vásquez, aos quais já
classe. nos referimos no Capítulo 19. Aí também vimos o
Nestas últimas, a ação dos professores se am­ espanhol Francisco Fcrrcrc os representantes bra­
plia pela participação política na sociedade, no sileiros Maurício Tragtcnberg e Miguel Gonzales
sentido, por exemplo, de denunciar o desinteres­ Arroyo.
se dos governos e defender a necessidade de va­ Outros nomes significativos são os dos cons-
lorização da escola pública. Ao mesmo tempo trutivistas soviéticos Vygotsky e Leonúcv (Ca­
que essas organizações exigiriam a atuação mais pítulo 22), que apresentam alguns pontos em co­
efetiva dos órgãos públicos e o cumprimento das mum. Há ainda muitos outros, como o francos
obrigações do Estado, procurariam, dentro da Bernard Charlol, que sc preocupou com os pro­
cessos ideológicos das teorias educacionais;
Henry Giroux. representante da teoria crítica de
I. Edm.a^do. paixão, pensamento c práiica, p. 77-78. inspiração frankfurtiana; o polonês Suchodolski,

213
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
que desenvolveu elucidativa distinção entre pe­ tradicional se define antes de tudo por meio dc
dagogias essencialistas e existencialistas, bus­ modelos, “mas não conseguiu dar vida a esses
cando uma superação a partir da análise da natu­ modelos, daí a hipertrofia da noção de exercício
reza social do homem. e alguma coisa de infinilamente morno que se
Entre os brasileiros, convém lembrar a impor­ espalha através da escola'". Por outro lado, “a
tância dos movimentos populares da década de 60 educação nova propõe atitudes sedutoras e mes­
(ver Capítulo 4) e, sobretudo, o trabalho pioneiro mo fecundas, de participação, de iniciativa, dc
e inovador de Paulo Freire, ao criar um método de atividade1', mas. ao desprezar os modelos, essas
alfabetização de adultos que mereceu a atenção de atitudes perdem sua consistência e voltam-se
pedagogos de várias partes do mundo. contra o próprio projeto.
A pedagogia libertadora dc Paulo Freire, Para superar o impasse, Snyders propõe situar
também conhecida como pedagogia do oprimi­ o ponto de partida nos conteúdos do ensino. No
do, consiste na educação voltada para a consci­ entanto, é preciso considerar os modelos enquan­
entização da opressão, que permitiria a conse- to se referem ao nosso mundo, ao mundo da cri­
qiicnLc ação transformadora. Seu bem-sucedido ança, não como abstrações. E que as atitudes de
projeto de alfabetização de adultos no Nordeste participação ativa introduzam vivacidade e ener­
brasileiro foi desmantelado pela ditadura militar, gia precísamcnte nessa relação com os modelos.
e ele foi obrigado a exilar-se por quatorze anos. Sc a escola tradicional não conseguiu dar vida a
Muacir Gadolli, trilhando caminhos seme­ seus modelos é porque partia de uma concepção
lhantes, desenvolve a pedagogia do conflito, ba­ csscncialista c a-histórica do homem, o que Snyders
seada na concepção dialética da educação. supera com a perspectiva histórico-social. Dessa
Wagner Gonçalves Russi, Carlos Rodrigues forma, os modelos de moral, por exemplo, não
Brandão e tantos outros fazem parte, a partir da independem da história, mas são engendrados a
década dc 70. da já fértil produção teórica sobre a partir dela e, ainda, mudam conforme a classe so­
educação brasileira. cial a que se pertence. No mundo capitalista, have­
A seguir, vamos abordar cspccificamcntc o ria uma moral proletária diferente da moral burgue­
francês Snyders e, no Brasil, a pedagogia histó­ sa, a menos que predomine a força da ideologia.
rico-crítica. cujo principal representante é No entanto, na sociedade dividida em classes,
Dermeval Saviani. que já conta com inúmeros embora a cultura erudita só seja acessível à elite
colaboradores. dominante, tal produção não deixa de interessar
ao proletariado, que deveria utilizar as obras cul­
A pedagogia de Snyders turais da burguesia e enriquecer sua formação. Diz
Snyders: “Só há idéias burguesas no que a escola
O pedagogo francês Georges Snyders (1916) da burguesia divulga. É burguês catapultar Victor
foi o primeiro a usar a expressão pedagogia pro­ Hugo cm ‘pára-quedas’ para crianças que nin­
gressista, título de um livro no qual se propôs a guém preparou para acolher, é burguês interpretar
pensar uma teoria que superasse a escola tradi­ Victor Hugo de maneira puramente formalista
cional e a escola nova. deixando na sombra as suas tomadas de posição
Como sabemos, toda síntese é. do ponto de essenciais: já não é burguês iniciar as crianças em
vista dialético, uma realidade nova que resulta Victor Hugo levando-as pouco a pouco a ir além
de uma superação em que tese e ímzztoí? são ne­ do seu Tintim' habitual. E é a melhor das oportu­
gadas. mas ao mesmo tempo conservadas. As­ nidades para que final mente sejam eles próprios a
sim, são negados os aspectos conservadores da extrair, quer dos seus livros, quer da sua experiên­
escola tradicional, bem como os excessos da es­ cia, aquilo que irá alimentar uma tomada dc cons­
cola nova, sendo depois recuperados em nível ciência criadora do mundo de hoje. (...) A cultura
superior. Por exemplo2, sabemos que a escola

* Historietas infanto-juvenis muito conhecidas na França, de


2. Exemplo dado por Snyders cm seu livro Pédagogie autoria dc Hcrgc, pseudônimo do belga Georges Remi, trans­
prugressiste, p. 130. formadas em histórias em quadrinhos e filmes.

214

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Q_ '-O P- G 3 O Z <
íz? “5 3 c 3?. C O 3 3 B’ G
3 B’ G 3» 3 o ã
CL Cl 3 ' G G
*< y O —t crc y G~
<-■, G pí G > g- y
Cl c 3 3 (fQ y ff rs P>
tr P O C 2. •y
G Pi
3 7D 7D
Pa G o G G- 3 Í
y [ | 3 2 9: c -e <2, G
<^i 3 c 3 £' n 3 5^ ■< O y
3 '-í g S o ™ y iG C <2
G G pj_ 3
8* 2_
n d G Cl Õ
G f' C 22 3 G -* o _ 3
3 c- O
P1 o Z G ™ 2 y 5 BJ
3 G
3 -O c 3“- O pí
5 O g y
O c 3 .G y CL
O V- XD 5. y g’ G
3 3 y G
CL O' C
o 5 CP 3 u O O
C g' C G Q —t O
° 3’ 3 y çr Pi
3 CD L' O ' CL y ■•”'
—» G O C jg ■ O
o-.
G P ■-i 3 G 3 p 3
3 Z G 3' G
Bi r~-., y O c JJ 73 3
G. o - s W-J G O O_
3-> G B G
O (KJ X O 4D n
3 3 3 y B P y G
õ DO O G tíõ C P c
E- r—► y y ’—t
O y B GD jc 2 r> C y’ 73
"O
=J 7D P G 3 G v- £
a g 5 - 2- G G s G CL Pi
Cl 3 Z G 3 ■f. y p
g G 3. G> p 3 Q. (D p O O pi
o O -C GT r-» -! G
g c 3 Cl O Pi CL
3< C < G r> G y
7D I-* cl 2. G — O' p: |-t
C/i cl Z? CL fc\ O G
l—i Pil _O
3 3 <
CD 3 3 p> 3 1 3 C .J—'
o O O FJ 3 O y 3
Cl “3 rs cl 1 O" u G G n 7. =1
o 3< y 00 c G G
c_ o 71 •72 P rs P
£ CD E 5 3 O £ y c
y T3 3* G £ kG y 3
CD’ O 3 O G G 3 o Ç r—
3 Z <G 3- g' £►
£J G g G 3 C G "S 3 3 7D
2. 3 3 Pi y -i
3~ C cr. 3 3 S G
Q _ 5’ r+ G Ó 3 -i 3 y c c
G Pi f-* G y
3 3 y 3 B <— 3 O g y " ■§ 3
fy» ÃT y
3. G O 5 1*^ . 3 t—i- G a G z 7^ O"
O o £ o rz. y CL 3'
DO y. Ç T o y Q
3 O y: i G < G

•^2 [Z2
n*
S‘ <
&
e c ■ B'
o 3
G 3 r~- n‘
G y C
i— -C
pT “O G. 3
kG y Q >—t
§' G G n- G P
£L Pi &
ps ■y >”t
c Pi P 3
G y
L 3* B 'O
-d 3

y R’
y 3 3 G CL
y y c G
3>
2*. 3- cF £
rio ri c Cg O
3 -n’ CL O ■ 3
Pi O, c
oT 3 3
y cr 3
ND JO y O s
o G. Êl
C —t
G 3 * i 1 3
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

internas c externas (por inadequação à realidade nal mente nos alunos o que a sociedade produziu
brasileira). Como consequência. a LDB c ino­ coletivamente no decorrer do tempo, a sua he­
perante, por não ser capaz de realizar as transfor­ rança cultural: a ciência, as artes, a religião, a fi­
mações necessárias. losofia, as técnicas etc.
Enquanto os demais países conseguiram, a par­ A atividade nuclear da escola é, portanto, a
tir do século XIX. implantar sistemas nacionais transmissão dos instrumentos que permitam al­
dc educação, e outros o fizeram recentemente, cançar o saber elaborado. Sendo a mediadora
como o Japão e a Coréia, permanecemos desorga­ entre o aluno c a realidade, a escola se ocupa
nizados e com altas taxas de analfabetismo. As re­ com a aquisição dc conteúdos, a formação de
formas educacionais constantes fragmentam e de­ habilidades, hábitos e convicções. Isso não sig­
formam ainda mais nossas precárias leis, nas quais nifica que a proposta progressista se identifique
também não existe articulação entre graus e cur­ com os métodos tradicionais, porque o caráter
sos. Uma danosa dcscontinuidade de programas histórico-social da pedagogia progressista exi­
prejudica o trabalho educativo, que exige, ao con­ ge a constante vinculação entre educação c so­
trário. tempo para que as habilidades e os concei­ ciedade. entre educação e transformação da so­
tos sejam assimilados pelos alunos. ciedade. ou seja, o ponto dc partida e o de che­
A tarefa da pedagogia histórico-crítica con­ gada do processo educativo é sempre a prática
siste na tentativa de reverter esse quadro, bus­ social.
cando construir uma teoria pedagógica a partir Por isso, o saber objetivo transformado em
da compreensão de nossa realidade histórica e saber escolar não interessa por si mesmo, mas
social, a fim de tornar possível o papel mediador sim como meio para o crescimento dos alunos, a
da educação no processo dc transformação so­ fim de que “não apenas assimilem o saber obje­
cial. Não que a educação possa por si só produ­ tivo enquanto resultado, mas aprendam o proces­
zir a democratização da sociedade, mas a mudan­ so de sua produção, bem como as tendências de
ça se faz de forma mediatizada, ou seja, por meio sua transformação”5.
da transformação das consciências. A fim de desfazer confusões, Saviani destaca
Que não se veja aí uma proposta idealista a diferença entre elaboração do saber e produ­
de mudança, mesmo porque esse projeto peda­ ção do saber. Esta última é social c se dá no inte­
gógico se funda em pressupostos materialistas rior das relações sociais, só alcançando o nível
e dialéticos. De fato, Saviani começa sua aná­ de elaboração aqueles que possuem o domínio
lise a partir da categoria do trabalho, por exce­ dos instrumentos de sistematização. Nas socie­
lência a forma pela qual o homem produz sua dades divididas, só a classe dominante atinge
própria existência, transformando a natureza essa etapa. Daí a importância da educação for­
cm cultura. mal, pois, “ se a escola não permite o acesso a
O fazer que tem como resultado um produto esses instrumentos, os trabalhadores ficam blo­
material, no entanto, não se separa do trabalho queados c impedidos de ascenderem ao nível da
“não-material”, que consiste na produção de elaboração do saber, embora continuem, pela sua
idéias, conceitos, valores, ou seja, na produção atividade prática real, a contribuir para a produ­
do saber. Essa produção espiritual (conhecimen­ ção do saber”6.
to sensível ou intelectual, prático ou teórico, ar­ A tendência progressista histórico-crítica
tístico, axiológico, religioso, e assim por diante) constitui um projeto pedagógico cm construção
varia dc acordo com os povos, e cada pessoa pre­ do qual participam inúmeros educadores. Pode­
cisa sc inteirar deles para sua humanização. mos distinguir, além de Dermeval Saviani, José
“Para saber pensar c sentir, para saber querer, Carlos Libâneo, Carlos Roberto Jamil Cury,
agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica Guiomar Namo de Mello, entre muitos outros.
o trabalho educativo.”
Dessa forma, a escola promove a socializa­
5. Dermeval Saviani, Pedagogia hiMóríco-rrítiea: primeiras
ção do saber por meio da apropriação do conhe­
aproximações, p, 20.
cimento produzido histórica e social mente, ou 6. Dermeval Saviani, Pedagogia hislánco-cnticit: primeiras
seja, pelo trabalho educativo produz-se intencio­ aproximações, p. 100.

216

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
4. Os riscos do processo Não se trata de insensibilidade diante desse
quadro precário que, sem dúvida, exige provi­
O politicismo pedagógico dencias. O problema está no fato de a escola as­
sumir um papel que não é propriamente da área
A teoria progressista parte do pressuposto de da educação, mas incumbência de outros setores
que não existe educação neutra, e não estar aten­ do Estado, deixando de executar o projeto espe-
to a esse fato pode levar à ideologia (ver Capítu­ cificamente pedagógico, que consiste em tornar
lo 3). Isso porque, sob a aparente neutralidade de acessível aos pobres os conhecimentos que só os
unta educação “apolítica”, sempre se esconde ricos alcançam, a fim de evitar maior disparidade
uma determinada política de educação. Toda entre as diversas camadas da população.
educação viva não se isola do contexto social e
político c, por isso, os pólos educação epolítica A falsa democracia na sala de aula
são complementares c indissociáveis.
A ênf ase dada à necessidade de ação política, As propostas progressistas orientam-se não só
no entanto, pode provocar distorções. Uma delas em direção a uma democratização das oportuni­
é descuidar do próprio trabalho pedagógico, pri­ dades de ensino, mas lambem supõem que o tra­
vilegiando a ação política, o que, afinal, “ideo- balho exercido na escola não seja autoritário.
logiza” a educação. O que a pedagogia progres­ Cabe ao professor a sensibilidade de não des­
sista pretende é compreender a educação como merecer a visão de mundo do aluno c suas neces­
dependente da política, mas não com ela sidades fundamentais, preocupando-se sempre
identificada nem a ela subordinada. O trabalho em partir dessa realidade dada.
do professor é especificamentc pedagógico, mas Tais premissas não levam à recusa do papel
ele precisa ter clareza quanto ao processo políti­ organizador do professor, que efetivamente se
co no qual está inserido, justamente para não su­ encontra cm posição assimétrica à do aluno, na
cumbir à ideologia. medida cm que existe unia desigualdade inicial
entre os dois. Isso não justifica qualquer arbitra­
A educação compensatória riedade do professor, mas é suficiente para ex­
plicar que a percepção dos fins da educação e o
Outra distorção da teoria se dá com o que po­ próprio conteúdo do que é ensinado se encon­
deríamos chamar de educação compensatória. tram mais clara e objetívamente presentes no
Ao constatar que as dificuldades das camadas professor competente.
populares para terem acesso à cultura dominante Dessa forma seriam superados tanto o
muitas vezes decorrem de deficiências nas áreas autoritarismo da escola tradicional como a não-
de saúde, nutrição c psicomotricidade, a própria diretividade que decorre da educação renovada.
escola utiliza as verbas públicas destinadas à É nesse sentido que Derme vai Savíani se refere
educação para atender essas necessidades, ofere­ à "democracia como possibilidade no ponto de
cendo merenda escolar, atendimento médico c partida e a democracia como realidade no ponto
dentário e assistência psicológica. de chegada" (ver leitura complementar 1).

I Dropes
1

(. ..) há uma greve recente [1984] que deveria ser mencionada. Talvez a maior de todos os
tempos na educação brasileira: a greve do magistério público do Estado de São Paulo, que teve
assembléias com cerca de cem mil professores numa categoria de 180 mil. O movimento cresceu
rapidamente. Foram dezessete dias de greve com duas assembléias por semana, toda quarta e
sábado. Foi um movimento crescente pela valorização do trabalho do professor. (...) Esse movimen­
to marcou profundamente a escola pública no Estado de São Paulo porque conquistou uma grande
qualidade: a união de várias entidades. (...) Pois bem, apesar da sábia medida do então secretário

217

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia
da Educação Paulo de Tarso de deixar a critério das escolas a reposição ou não das aulas, o interes­
sante é o argumento que Gumercindo Milhomem Neto, presidente da Apeoesp [Associação dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], utilizou para não repor as aulas: os profes­
sores tinham dado lições durante aqueles dezessete dias — “lições de democracia” (Moacir Gadotti)

Seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, seres históricos e necessa­
riamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu
próprio movimento.
Se

Por isto mesmo é que, qualquer que seja a situação em que alguns homens proibam aos
outros que sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importam os meios
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

usados para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a
outro ou a outros. (Paulo Freire)

Diante das objeções de que oferecer sistematicamente obras-primas para os alunos poderia
ser contrário ao desenvolvimento de sua autonomia, por se tratar da transmissão de produtos acaba­
dos, obras concluídas, objetos alheios, exteriores, Snyders contrapõe os argumentos de Picasso.
“A resposta de Picasso a essas objeções banais é magnífica: neste exemplo, o quadro é um
nu; ao mesmo tempo ele foi inteiramente realizado pelo artista e cada um pode compô-lo: ‘É preciso
que você dê a quem olha as condições para que ele próprio faça o nu, com os seus olhos; [é preciso
que] ele tenha à mão todas as coisas das quais necessite para fazer um nu. Então ele mesmo as
porá no lugar com os olhos dele. Cada um fará o nu que quiser com o nu que eu tiver feito para ele’.
A relação do espectador com o quadro é bem a síntese do obrigatório e da autonomia: a partir
de dados impostos, é ele que monta o quadro, e esse quadro restituído é um Picasso; a prova de que
a síntese foi bem-sucedida é a alegria sentida "

Leituras complementares

1. Escola e democracia

Se é razoável supor que não se ensina demo­ põe a questão de sua realização no ponto de che­
cracia através de práticas pedagógicas antide­ gada. Com isto o processo educativo fica sem
mocráticas, nem por isso se deve inferir que a de­ sentido. Veja-se o paradoxo em que desemboca
mocratização das relações internas à escola a Escola Nova; a contradição interna que atraves­
é condição suficiente de democratização da soci­ sa de ponta a ponta a sua proposta pedagógica:
edade. Mais do que isso: se a democracia supõe de tanto endeusar o processo, de tanto valorizá-lo
condições de igualdade entre os diferentes agen­ em si e por si, acabou por transformá-lo em algo
tes sociais, como a prática pedagógica pode ser místico, uma entidade metafísica, uma abstração
democrática já no ponto de partida? Com efeito, esvaziada de conteúdo e sentido Ora, com isso
se, como procurei esclarecer, a educação supõe perdeu-se de vista que o processo jamais pode
a desigualdade no ponto de partida e a igualdade ser justificado por si mesmo. Ele é sempre algum
no ponto de chegada, agir como se as condições tipo de passagem (de um ponto a outro); uma cer­
de igualdade estivessem instauradas desde o iní­ ta transformação (de algo em outra coisa). É, en­
cio não significa, então, assumir uma atitude de fim, a própria catarse (elaboração-transformação
fato pseudodemocrática? Não resulta, em suma, da estrutura em superestrutura na consciência
num engodo? Acrescente-se, ainda, que essa dos homens).
maneira de encarar o problema educacional aca­ Entendo, pois, que o processo educativo é
ba por desnaturar o próprio sentido do projeto pe­ passagem da desigualdade à igualdade. Portan­
dagógico. Isto porque, se as condições de igual­ to, só é possível considerar o processo educati­
dade estão dadas desde o início, então já não se vo em seu conjunto como democrático sob a con-

218

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

dição de se distinguir a democracia como possi­ antever com uma certa clareza a diferença entre
bilidade no ponto de partida e a democracia o ponto de partida e o ponto de chegada, sem o
como realidade no ponto de chegada. Conse­ que não será possível organizar e implementar
quentemente, aqui também vale o aforismo: de­ os procedimentos necessários para se transfor­
mocracia é uma conquista; não um dado. Este mar a possibilidade em realidade. Diga-se de
ponto, porém, é de fundamental importância. passagem que esta capacidade de antecipar
Com efeito, assim como a afirmação das condi­ mentalmente os resultados da ação é a nota dis­
ções de igualdade como uma realidade no ponto tintiva da atividade especificamente humana.
de partida torna inútil o processo educativo, tam­ Não sendo preenchida essa exigência cai-se no
bém a negação dessas condições como uma espontaneísmo. E a especificidade da ação
possibilidade no ponto de partida inviabiliza o tra­ educativa se esboroa.
balho pedagógico Isto porque, se eu não admito Em síntese, não se trata de optar entre rela­
que a desigualdade real é uma igualdade possí­ ções autoritárias ou democráticas no interior da
vel, isto é, se não acredito que a desigualdade sala de aula, mas de articular o trabalho desen­
pode ser convertida em igualdade pela media­ volvido nas escolas com o processo de demo­
ção da educação (obviamente não em termos cratização da sociedade. E a prática pedagógica
isolados, mas articulada com as demais modali­ contribui de modo específico, isto é, propriamen­
dades que configuram a prática social global), te pedagógico para a democratização da socie­
então não vale a pena desencadear a ação pe­ dade na medida em que se compreende como
dagógica. E neste ponto vale lembrar que, se se coloca a questão da democracia relativamen­
para os alunos a percepção dessa possibilidade te à natureza própria do trabalho pedagógico.
é sincrética, o professor deve compreendê-la em (Dermeval Saviani, Escola e democracia,
termos sintéticos. Isto porque o professor deve p. 80-82.)

2. [Não se educa inocentemente]*

Eu mantenho que o que considero essencial cem-me comportamentos de fuga, que evitam
na escola é a apropriação de certos conteúdos ao professor põr-se questões fundamentais, tal
pelos alunos. E que a reforma, a revolução da como: que esperança tenho eu em relação aos
escola para mim é a modificação dos conteúdos, meus alunos?
sendo que os problemas de método não consti­ Não se educa inocentemente. O sonho de
tuem a coisa primeira, mas a consequência dos muitos professores seria criar simplesmente con­
conteúdos. Neste momento, objetam-me, por dições favoráveis ao desenvolvimento dos alu­
certo, e eu próprio o objeto a mim mesmo, que nos e o professor não pesaria sobre a sua liber­
com isso se caí no doutrinamento, que a aula se dade. O professor deixaria simplesmente ao alu­
vai transformar em lugar de propaganda, que vai no desenvolver o que se designa por espírito crí­
haver divisão e oposição entre os alunos e o pro­ tico, a curiosidade, o sentido da observação; e
fessor. E eu não sei bem como responder a tal não o doutrinaria. É o sonho de muitos professo­
questão. (...) res, mas eu penso que isso é uma ilusão. Por­
Para mim, o drama de ser professor — e há que, há que reconhecê-lo, os nossos silêncios
algo de dramático em se ser professor —, é efe­ falam quase tanto como as nossas palavras...
tivamente eu arriscar-me a conduzir os alunos Vou buscar os meus exemplos ao racismo e à
numa má direção. Ou, pelo menos, o não conse­ xenofobia. E continuarei a ser maldoso dizendo
guir fazer dele o tipo de homem que desejaria que em França, como todos sabem, hâ muitas cri­
que fosse. É o risco que define a função docen­ anças portuguesas; de uma maneira geral, as
te: será que fiz tudo para fazer dos meus alunos crianças mais malvistas são as argelinas, mas
os homens que eu desejaria que eles fossem? imediatamente a seguir vêm as portuguesas. Em
Que eu considere meu dever fazer de meus alu­ contrapartida, às crianças amarelas, às asiáticas,
nos, digamos, homens de esquerda, homens tecem-se grandes elogios. (...) Ora, se o profes-
progressistas, irei ter alunos e pais de direita que
não ficarão satisfeitos.
Direi com alguma maldade que considero * Este texto tem características de exposição oral por
que muitas das pedagogias ditas modernas, e se tratar dc debate após seminário realizado pelo au­
não excluo talvez o ‘trabalho autônomo”, pare­ tor, em Portugal.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

sor, na aula, não diz nada — e é a importância do por um meio comunista; quando digo racistas de
silêncio —ou diz simplesmente: “José, 2 em 20”, crianças de 10 anos, digo a mesma coisa: são as
sem qualquer comentário, nem agradável, nem crianças influenciadas por um meio racista.
desagradável ele confirma aos olhos do pequeno Para mim, a reforma da escola não é funda­
Dupont que as crianças portuguesas são “estúpi­ mentalmente uma reforma de métodos. O méto­
das”. Para lutar contra esta idéia é preciso dizer do é uma consequência dos conteúdos. E a gran­
que o José não estuda na sua língua, tem um de dificuldade numa sociedade pluralista como a
meio difícil e país superexplorados. (. . .) nossa — e eu sinto-me feliz por ela ser plura­
Ora, o meu desejo, o meu sonho, seria fazer lista —, é encontrar suficientes pontos de con­
da escola não o lugar do partido comunista, ou vergência para que a escola seja viva. Natural­
socialista, ou radical, nem também um lugar onde mente, diz-se, os professores de Ciências têm
não se diria nada sobre nada, mas um lugar de menos dificuldades que os professores de Histó­
congregação; por exemplo, e é o meu exemplo ria ou de Literatura, mas isso não é muito verda­
capital: seria o lugar de congregação de todos os deiro. Quando eles explicam como funciona um
que quisessem lutar contra o racismo e a xenofo­ motor elétrico, há um acordo assaz grande, mas
bia. (...) É preciso dar argumentos científicos — desde que eles se interroguem sobre a confian­
não creio haver nenhuma ciência que demonstre ça que se pode ler na ciência, como nos servir­
que os portugueses são mais “estúpidos” que os mos da ciência para aumentar a felicidade dos
outros —, sendo preciso por conseguinte explicar homens, e sobretudo a confiança que se pode
as dificuldades dos imigrados, dar às crianças o ter na razão científica dos homens, aí encontram-
hábito de trabalhar com os Josés e os Moha- se perante as mesmas dificuldades. E os alunos
medes; é preciso fazer-lhes sentir não só as dife­ esperam de nós não somente que lhes ensine­
renças, mas amar as diferenças, o valor criador mos a resolver uma equação do 2- grau, mas
das diferenças: dar portanto a possibilidade a José também em que medida o progresso da razão
de fazer progressos, como os mais, mas dar-lhe a humana ajuda a humanidade a progredir, ou
possibilidade também de mostrar a sua originali­ melhor: que há a fazer para que o progresso das
dade, pela sua própria experiência da vida. É, re­ ciências seja acompanhado do progresso do
pito-o, não um discurso para ser feito uma vez, conjunto dos homens.
mas é um esforço de todo o ano, simultaneamen­ Isto significa que todos os professores são
te para dizer coisas aos alunos e para os fazer confrontados com os problemas para mim essen­
viver, para os fazer organizar-se, direi, de um ciais da educação: como dizer aos alunos as coi­
modo acolhedor. Ora, se há um "doutrinamento” sas essenciais que esperam de nós, sem abusar
— e com isso eu vou desagradar às pessoas que da nossa posição. Dizemo-nos sempre que se
são racistas ou xenófobas e que pensam que os não formos nós a falar do Amor, da Morte, e do
estrangeiros o melhor era ficarem na sua terra —, Destino Humano adotarão as idéias que circu­
vou descontentar pessoas; mas não vou fazer lam em torno deles a partir da televisão, e dos
uma propaganda comunista ou socialista, ou cris­ jornais de grande tiragem.
tã, mas vou tentar reunir cristãos, comunistas, so­ Fico-me por aqui, pois tudo isto é demasiado
cialistas e sem partido, que têm vontade de se difícil...
abrir aos outros e às suas diferenças. Repare-se: (Georges Snyders, As pedagogias não-
quando digo “comunistas” em relação a crianças diretivas, in Correntes atuais da pedagogia,
de 10 anos, digo crianças que são influenciadas p. 28-33.)

Atividades
Questões

1. Em que aspectos as teorias progressistas se assemelham e em que se distinguem das teorias crítico-
reprodutivistas?
2. Em que sentido o conceito de trabalho nas teorias progressistas é diferente daquele usado nas diver­
sas teorias pedagógicas que costumam recorrer a esse tipo de atividade'?
3. Que papel as teorias progressistas reservam aos professores?
4. Qual é, para a teoria progressista, a função da escola na sociedade capitalista?
5. Em que sentido a valorização dos modelos pode não significar adesão à escola tradicional?

220

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
6. Identifique alguns pressupostos socialistas da teoria histórico-crítica
7. Por que ainda não se pode falar em “sistema educacional nacional" em relação ao Brasil?
8. Explique quais são as relações entre educação e política e quais são os riscos de uma abordagem
política da educação.
9. Posicione-se diante do recurso da educação compensatória: defenda-o ou recuse-o, usando argu­
mentos.

Análise de texto

10. Com base no dropes 1, explique como se justificaria a afirmação de que os professores em greve
teriam dado ‘lições de democracia”.

Baseado no dropes 2, responda às questões de 11 a 14.

11. A que tipo de violência o autor se refere?


12. Qual é a diferença fundamental entre homem-objeto e homem-sujeito?
13. Dê exemplos de como nossa sociedade ‘'proíbe" que muitos sejam sujeitos de sua busca.
14. Em que sentido não se pode falar em autêntica democracia onde persiste uma educação dualista, ou
seja, não-unitária?

Baseado no texto complementar 1, responda às questões de 15 a 18.

15. O que significa a seguinte afirmação: “a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a
igualdade no ponto de chegada”?
16. Que crítica o autor faz à escola nova?
17. Que tipo de percepção o professor deve ter para que possa desencadear o processo de passagem a
que o texto se refere?
18. Dê alguns exemplos concretos de atitudes supostamente autoritárias quando analisadas sob o ângulo
do ponto de partida, mas democráticas quanto ao ponto de chegada. Dê um exemplo referente à
situação inversa.

Baseado no texto complementar 2, responda às questões de 19 a 23.

19. Com a expressão "Não se educa inocente mente", Snyders se refere à impossibilidade de neutralidade
na educação. Explique isto.
20. Explique o que o autor quis dizer com “(...) os nossos silêncios falam quase tanto como as nossas
palavras...”
21. Como enfrentar em sala de aula manifestações de racismo e xenofobia?
22. Qual é a importância do professor como veiculador de valores? Como cumprir essa tarefa sem o risco
de doutrinação?
23. O autor estabelece uma relação entre métodos e conteúdos. Explique em que medida essa postura é
representativa das teorias progressistas.

Redação

Tema T. “A inteligência dos alunos não é um vaso que se tem de encher; é uma fogueira que é preciso
manter acesa” (Plutarco). A partir da citação, faça uma dissertação a propósito da ênfase dada pelas
teorias progressistas aos conteúdos.
Tema 2. Educação e transformação da sociedade: possibilidades e limites.

221

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

O mundo não somenle o nosso eslá íragmenlada. Porém não cai aos
pedaços. Refletir me parece uma das principais tarefas da filosofia dos nossos dias.
(Corneiius Castoriadis)

1. Saber para quê? propedêutica, bem como formação acadêmica e


“desinteressada”, enquanto os proletários são en­
Neste capítulo, muitos dos temas abordados caminhados para a formação técnica, transforma­
ao longo do livro serão retomados de fornia re­ da em simples profissionalização.
sumida, com a finalidade de destacar alguns pon­ Em outras palavras, na escola unitária todos
tos considerados mais importantes c que certa­ são preparados para o trabalho, o que não signi­
mente indicarão o fio condutor que nos guiou fica formar mão-de-obra para o mercado. Sem
nesse percurso. dúvida essa é uma das funções da escola, mas
Partimos da noção de trabalho como categoria reduzi-la a isso c sucumbir a um imedialismo
que caracteriza fundamental mente o homem. Vi­ imobilizante e empobrecedor.
mos que o trabalho é uma práxis, ou seja, a ação Cabe à escola dar urn saber para o trabalho
humana pressupõe a relação dialética entre a teo­ e também um saber sobre o trabalho. Saber so­
ria e a prática, o pensar e o agir. Então, à pergunta bre o trabalho significa discutir os fundamen­
“Saber para quê?'* responderíamos enfaticamen­ tos do trabalho, explicitar as formas pelas quais
te: “para transformar o mundo e a si mesmo”. E o homem, neste momento concreto, transforma
sob esta ótica que pensamos a escola, como o mundo em que vive, bem como os tipos dc
transmissora do saber acumulado em uma deter­ relação humana decorrentes da divisão do tra­
minada sociedade e também como loeal de recria­ balho.
ção e crítica do saber. Só assim a escola superaria as dicotomias que
Para tanto, a escola não poderia estar separa­ têm deformado o homem: trabalho intelectual X
da, à parte do mundo da produção, mas consti­ trabalho manual, ciência X produção e cultura
tuir o momento em que essa mesma produção é erudita X cultura popular. Tais dicotomias são o
colocada cm questão c pode ser explicitada. Ain­ resultado de uma sociedade também dividida en­
da mais: numa sociedade democrática, a escola tre os que mandam c os que obedecem.
seria local dc fácil acesso a todos que a ela dese­ Vimos que as mudanças nesse sentido depen­
jassem chegar. dem de transformações políticas e que a escola
No entanto, nas sociedades ern que existe de­ não pode, por si só, promovê-las. mas reconhe­
sigual repartição dos bens, o que gera privilégios, cemos na educação um espaço possível de cons­
a escola não atinge os objetivos dc univer­ cientização e encaminhamento das mudanças. A
salização do saber. Basta estudarmos um pouco eficácia da atuação da escola dependerá da ma­
dc história da educação para constatarmos a ex­ neira como formos capazes dc enfrentar certos
clusão, o não acesso ao saber pela maioria. problemas fundamentais.
Não compreender os mecanismos pelos quais Daí a importância da ação conjunta de profis­
a ideologia mascara as formas de poder é permi­ sionais do ensino, de alunos, de pais dc alunos e
tir a perpetuação dessa situação. Para que haja a de associações de diversos tipos — partidos po­
real democratização da escola é preciso torná-la líticos, grupos diversos da sociedade civil —, to­
universal e gratuita, superando a escola dualista. dos empenhados cm esclarecer os objetivos a se­
segundo a qual a elite recebe instrução geral c rem alcançados pela escola e em exercer pressão

224

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
sobre os órgãos públicos, para que cumpram o (bem como a ausência de clara definição dos ob­
que lhes compete. jetivos em cada um), e a conseqüente defasagem
A legislação é um dos focos de atenção; por entre a oferta de vagas escolares e as necessida­
isso os grupos interessados na real transforma­ des do sistema econômico.
ção da escola precisam procurar maneiras de evi­ Acrescente-se a esse quadro sombrio a au­
tar que se continue legislando autoritariamente, sência de uma política educacional efetiva,
a partir de decisões tomadas “de cima para bai­ uma vez que a legislação sempre espelhou os
xo”, sem a prévia discussão com os envolvidos interesses das classes representadas no poder.
no processo. Isso perpetuou a escola dualista e a eterna luta
Outra importante questão é a do financia­ entre escola pública e escola particular, o que
mento da educação, sobretudo quanto à dis­ tem frustrado os anseios de democratização da
tribuição das verbas públicas, que devem ga­ educação.
rantir prioridades realmente educacionais. E O professor Derme vai Saviani demonstra, a
que se evite ainda o atrelamento de nossas re­ partir do estudo de nossas leis, a inexistência de
formas educacionais aos interesses estrangei­ um sistema educacional no Brasil. Para ele, o
ros. como ocorreu durante os acordos MEC- homem é capaz de educar de modo sistematiza­
USA1D. do apenas quando “toma consciência da situa­
Outras questões serão examinadas a seguir, ção (estrutura) educacional, capta os seus pro­
especificamente no que se refere à educação blemas, reflete sobre eles, formula-os cni ter­
brasileira. mos de objetivos realizáveis, organiza meios
para alcançar os objetivos, instaura um proces­
so concreto que os realiza c mantem inin­
2. A educação no Brasil de hoje terrupto o movimento dialético ação-reflexão-
ação. Este último requisito resume todo o pro­
A implantação de um sistema cesso, sendo condição necessária para garantir
educacional sua coerência, bem como sua articulação corn
processos ulteriores’’1.
Se analisarmos as reformas educacionais Como se vê, está para ser elaborada a teoria
ocorridas no Brasil, veremos que elas estiveram da educação brasileira e nem existe ainda um
carregadas de vícios que dificultaram a execu­ sistema educacional para o Brasil. Essa é uma
ção dos projetos. tarefa que não só os teóricos, mas todos os edu­
Temos sido for temente influenciados por cadores, tom de enfrentar.
modelos estrangeiros, inadequados à nossa rea­
lidade. Ainda mais: na verdade, teríamos que O desafio do 1-grau
conhecer melhor os nossos problemas, o que só
recenremente vem ocupando os estudiosos em O ensino elementar representa o principal de­
educação. safio, o mais urgente e crucial problema da edu­
Até a década de 30 as reformas eram um cação no Brasil.
amontoado de leis esparsas que privilegiavam Embora a percentagem de analfabetos tenha
ora um, ora outro grau do ensino, com a agra­ diminuído, o seu número absoluto aumentou
vante de serem reformas regionais e não na­ devido ao crescimento da população, Se exami­
cionais. Nessa ação pendular o ensino funda­ narmos criticamentc os índices, questionando o
mental sempre foi desprezado, o mesmo ocor­ que se considera ser alfabetizado, veremos que
rendo com o ensino técnico e de formação de nem sempre os critérios adotados refletem o
professores. problema na sua real dimensão. São critérios
Quando se tentou legislar sobre os diversos bastante diferentes se restringir à constatação da
níveis e no âmbito nacional, persistiram inúme­ capacidade de apenas saber escrever o próprio
ros vícios, como a ausência de relação entre a
elaboração da lei c a realidade, a desarticulação
e a falta de integração entre os graus de ensino I. Educação brasileira'. estrutura e sistema. p. 78.

225

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

nome e a habilidade de ler e escrever com certa ciplina do trabalho (intelectual e manual), bem
fluência. Na segunda hipótese, o aluno precisa como o desenvolvimento da sociabilidade, pois
se aplicar seguramente durante mais de um ano nesse momento a criança estará se esforçando,
a fim de fixai o hábito. não para reprimir seus desejos, mas para apren­
Avaliando a situação a partir desse último cri­ der o controle autônomo deles, condição moral
tério, chegaríamos a conclusões muito mais pes­ de qualquer vivência em comunidade.
simistas. pois descobriríamos o enorme contin­
gente de semi-alfabetizados. Este fato configura O 2° grau e a politecnia
o quadro de seletividade e elitismo de nossa es­
cola, marcada por exclusão, evasão, repetência e Dos três graus de ensino, o 2- grau é o que
baixo índice de escolarização superior, com a mais tem oscilado quanto à definição e. por
agravante de que neste nível predominam os alu­ conseqücncia, quanto aos objetivos.
nos vindos das classes dominantes. Por tradição, o ensino secundário sempre foi
Por isso, a primeira consideração a ser feita acadêmico, no sentido de proporcionar formação
em relação ao I- grau é que ele se torna univer­ geral '‘desinteressada”, visando a cultura “de
sal e gratuito, eliminando-se as distorções que adorno”, sobretudo para os filhos das classes di­
expulsam desde cedo as crianças da escola. A rigentes. Também tem um caráter propedêutico,
segunda se refere ao conteúdo a ser transmiti­ já que se propõe a preparar osjovens para o aces­
do. Levar em conta a herança cultural que o pró­ so ao ensino superior. Devido a alta seletividade,
prio aluno traz consigo supõe a aceitação c a é também elitista.
não-discriminação de sua linguagem e de seu Se por um lado predomina o 2- grau acadê­
saber, Isso não significa, no entanto, que ele mico, propedêutico e elitista, por outro lado o de­
permaneça nesse nível; o educando deve ser le­ senvolvimento industrial exige a formação de
vado a dominar a norma culta, bem como Ler técnicos, o que tem feito aumentar a oferta de
acesso ao saber acumulado pela humanidade. cursos profissionalizantes de nível médio. Por
Só assim o povo poderá organizar de forma co­ isso podemos perceber, no estudo da legislação,
erente o seu saber difuso. as oscilações que ora acentuam o caráter de for­
Tendo cm vista o patamar atual atingido pela mação geral, ora o de profissionalização, sem
indústria e pela tecnologia moderna, são as se­ que se tenha conseguido superar a dicotomia da
guintes as exigências para o Ia grau; escola dualista.
A nossa experiência tem mostrado que a op­
• alfabetizar, proporcio­ ção por um dos dois pólos em questão c insufi-
nando o real domínio da lei­
tura e da escrita;
• ensinar matemática, a
linguagem das ciências;
• ensinar as leis das ciên­
cias da natureza, que possibi­
litam sua transformação:
♦ensinar as ciências so­
ciais, para que o educando
venha a saber como os ho­
mens, ao trabalhar, estabele­
cem relações de poder, ocu­
pam os espaços, criam insti­
tuições, determinam direitos
e deveres.

A escola dualista é discriminadora porque, de acordo com a origem social,


No 1- grau é importante a encaminha os jovens para a formação global ou para a estrita pro­
formação do hábito e da dis- fissionalização técnica.

226

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ciente e prejudicial, ainda mais se lembrarmos des particulares, geral mente na arca de ciências
que a faixa etária dos jovens que frequentam o humanas, fáceis de instalar c dc baixo custo, mas
2-grau vai dos 15 aos 18 anos. Torna-se urgente que nem sempre oferecem cursos de qualidade.
a superação dessas duas tendências, buscando-se Para elas se encaminham os excluídos das prin­
a escola unitária e politécnica, que dê a todos o cipais universidades que, ao terminar o curso (o
mesmo tipo de educação, no qual não se separe que nem sempre ocorre), lançam-se uo mercado
trabalho intelectual c trabalho manual. com o prejuízo de uma formação inadequada.
Como já vimos no Capítulo 23, a politecnia Se denunciamos o caráter elitista da forma­
não se confunde com o ensino de determinada ção superior, é apenas no sentido dc que o aces­
técnica, mas supõe a compreensão dos funda­ so a ela tem sido barrado aos jovens das classes
mentos das diferentes técnicas constitutivas do pobres. No entanto, em tese, trata-se de um nível
trabalho tal como ele se apresenta no estado atu­ de ensino que sempre será procurado por pou­
al de desenvolvimento tecnológico. Devido ao cos, devido ao caráter de extrema especialização
nível de abstração dc que c capaz o aluno do 2- e exigência dc rigor na formação intelectual.
grau, é possível estabelecer a relação entre ciên­ Em outras palavras, nem todos os jovens de­
cia e produção. sejarão cursar a universidade, e seria bom que
Por fim, se considerarmos que na faixa etária essa escolha fosse pessoal, não resultando da in­
em que se encontram os alunos do 2Q grau está justa seletividade econômica. Aliás, essa injusti­
em processo a formação do caráter, acrescenta- ça se faz de duas formas: aqueles que desejam e
se à compreensão da relação cicncia-produção a têm condições intelectuais de cursar a universi­
convicção de que qualquer ação transformadora dade são barrados, enquanto jovens pouco inte­
sobre o mundo e os outros exige responsabilida­ ressados pelo trabalho intelectual são a ela con­
de moral c política. duzidos, a reboque da exigência social dc se ter
Lslão aí os crimes ecológicos praticados cm um diploma de nível superior.
nome do "progresso”, a corrupção c a violência Por isso, diante do caráter de especialização
para provar que o homem ainda lem muito a da educação superior, deveria haver, dentro da
aprender. Portanto, como já foi visto no Capítulo sociedade, mecanismos que permitissem a difu­
12, é importante que se cuide da formação inte­ são das conquistas da pesquisa superior.
gral do jovem, atentando para a educação da sen­ Para tanto, o professor Derme vai Saviani diz
sibilidade. para sua autonomia moral e para o ser necessária a viabilização de Centros dc Cul­
exercício da cidadania. tura Superior, '"com o objetivo de possibilitar a
toda a população a difusão e discussão dos
O 3- grau e a comunidade grandes problemas que afetam o homem con­
temporâneo'*, ressaltando que "essa proposta é
A falta de uma adequada definição dos pro­ bem diversa da atual função da extensão uni­
pósitos do 2a grau tem prejudicado o acesso ao versitária. Não se trata dc estender à população
nível superior, ora porque a autonomia intelec­ trabalhadora, enquanto receptora passiva, algo
tual do aluno não se acha encaminhada de for­ próprio da atividade universitária. Prata-se, an­
ma satisfatória, ora porque os instrumentos de tes. dc evitar que os trabalhadores caiam na pas­
controle do acesso ao nível superior (como os sividade intelectual, evitando-se ao mesmo tem­
exames vestibulares) se tornam artificiais e po que os universitários caiam no academi-
ineficazes. cismo”- (ver leitura complementar).
Esse estado de coisas tem penalizado mais Parece que se fecha, assim, o circulo aberto
uma vez os alunos vindos das classes des­ pela necessidade de integração do trabalho in-
favorecidas, uma vez que os jovens bem-pre pa­
rados pela escola particular ocupam as vagas das
melhores universidades, que são as públicas.
2, Perspectivas de expansão e qualidade para o ensino dc 2-
Esta perversa inversão elitiza ainda mais a
grau: repensando a relação trabalho-es cola. In: Seminário de
educação, provocando outra distorção: desde a ensino de 2 ogratt: perspectivas. Anais. São Paulo, Faculda­
década dc 70 lêm sido criadas inúmeras faculda­ de de kducaçíío da USP, maio de 1988.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

tclcctual com o trabalho manual. A implanta­ 3. Rumo ao século XXI


ção da escola unitária levaria à construção dc
uma sociedade na qual aqueles que se dedicam Antes de fechar este livro, gostaríamos de lan­
ao trabalho intelectual não perderiam o contato çar um olhar prospcctivo para o milênio que se
com os trabalhadores manuais, nem estes exer­ aproxima, cujo esboço sc delineia nas contradi­
ceriam mecanicamente suas funções, mas te­ ções pelas quais estamos passando.
riam ocasião dc refletir sobre o seu fazer no Analisamos ate aqui questões que mostram
contexto mais amplo do mundo em que vivem. a crise da educação brasileira ante os avanços
Com isso, o trabalhador manual recuperaria a dos países desenvolvidos. No entanto, existem
dimensão moral e política indispensável ao problemas que ultrapassam esse nível de dis­
exercício da cidadania. cussão. pois têm em vista a própria crise da so­
ciedade contemporânea, na gestação de novos
A valorização do professor tempos.
Algumas considerações já foram feitas no
No correr da história da educação, tem vari­ Capítulo 2, quando nos referimos à sociedade
ado a imagem do professor a partir da expecta­ pós-modema. assunto retomado na Parte II do
tiva a respeito do papei por ele assumido em Capítulo 6, a propósito da revolução introduzida
cada sociedade. pela informática e pelos meios dc comunicação
Vimos em outros capítulos como essa osci­ de massa.
lação vai desde a sua supcrvalorização na edu­ De fato, têm sido tão grandes as transforma­
cação tradicional magistrocêntrica até a extre­ ções no final do século XX — a ponto de se falar
ma não-dirctividade, onde sua atuação é sobre­ em pós-modern idade, em oposição aos tempos
maneira minimizada. A representação mais chamados modernos —, que sc toma impossível
drástica da perda de espaço se configura na teo­ pensar a educação do futuro sem levar em conta
ria de desescolarização dc Ivan Illicli. a possibilidade de desestruturação dos antigos
Quaisquer que tenham sido as funções reser­ modelos.
vadas ao professor e as que ainda lhe caberão, c
um truísmo insistir na necessidade de valoriza­ O que é pós-moderno?
ção de seu trabalho. E necessário, sim, direcionar
de maneira mais justa e racional as verbas desti­ São muitos os teóricos que hoje se debru­
nadas ao ensino, gastando menos com constru­ çam sobre a questão da pós-modernidade, não
ções monumentais e projetos abortados, para in­ havendo um consenso cm torno desse concei­
vestir de uma vez por todas na formação dos pro­ to. Se a partícula pós sc refere ao que “vem
fessores, criando boas escolas de magistério e depois", comecemos então pelo que veio an­
pedagogia, implementando o plano de carneira c tes: a modernidade,
promovendo a reciclagem constante do corpo A Idade Moderna começa no século XVII,
docente. com a esperança de colher os frutos da ra­
O que se vê, infelizmente, é a crescente desva­ cionalidade humana depurada dc crendices, su­
lorização da profissão c o empobrecimento dos perstições e mitos. Os novos tempos se es­
mestres. As perdas salariais, decorrentes dc uma pelham no sucesso da classe que emerge da bur­
política de descaso pela educação, têm obrigado o guesia capitalista, nos ideais de tolerância reli­
professor a verdadeiras maratonas em diversas es­ giosa e de liberdade, na filosofia de Descartes,
colas, o que prejudica a preparação de aulas, a ava­ Bacon e Locke c no novo método científico de­
liação dos alunos c a sua própria integridade como senvolvido por Galilcu, Kepler e Newton, que
pessoa. Mais ainda: tem-se verificado o êxodo dc possibilitou a revolução científica e tecno­
bons profissionais para outras áreas, nas quais se­ lógica.
rão mais bem remunerados. O movimento intelectual europeu conhecido
Portanto, uma política de reestruturação da como Ilustração, que ocorreu no século XV1IL
educação tem dc passar inevitavelmente pela expressou de forma ímpar esses ideais da
revalorização do magistério. modernidade, centrados na valorização da razão.

228

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

da ciência e da tecnologia c que acalentam os 2. todos os discursos totalízantes (sociais e


sonhos íluministas de liberdade c do progresso. políticos) são considerados reveladores de for­
Politicamente, teorias globalizantes, como o mas de poder e dominação; nesse sentido, até a
liberalismo e, posterior mente, o socialismo, bus­ boa intenção do professor em liberar o aluno das
caram por meio de argumentos coerentes e con­ mistificações da ideologia seria sinal de desejo
vincentes mapear as relações humanas a partir de de onipotência, alem de significar um esforço
critérios baseados na clareza e na certeza que, por pretensioso e ilusório;
sua vez, possibilitassem a atuação efetiva —e 3. aceitação da diferença, da pluralidade ine­
revolucionária — para a implantação desses va­ vitável do mundo, sem a intenção de que todos
lores. Entre esses inúmeros movimentos, desta­ “falem a mesma língua” ou que sejam reduzidos
camos as revoluções burguesas do século XVIII à similaridade.
c, no começo do século XX, a Revolução Russa. Ao analisar essas três idéias, c possível que o
Vimos que as correntes pedagógicas refle­ professor, em um primeiro momento, sc sinta
tem os embales ideológicos entre liberais e so­ desnorteado, impotente, ou, se apegado aos va­
cialistas» que defendem, cada um à sua moda, o lores modernos, simplesmente as recuse como
livre pensamento, a tolerância, a autonomia, a prejudiciais e destrutivas.
liberdade, a democracia, a sociedade justa e até Essas questões são importantes para que o
igualitária. professor possa questionar os elementos da crise
Nesse sentido, os professores progressistas que vivemos, cuja explicação a partir dos anti­
querem educar para a superação da consciência gos paradigmas já não c suficiente. Segundo
ingênua, visando a formação da consciência crí­ Henry Giroux, "contestar o modernismo signifi­
tica e da responsabilidade social. É preciso reco­ ca redesenhar e remapear a própria natureza de
nhecer que foi esse o percurso destacado por nós nossa geografia social, política e cultural. Basta­
neste livro. E são esses valores que o pós-moder- ria essa razão para que a contestação atualmente
nismo critica, recusa ou ignora, como veremos. feita pelos vários discursos pós-modernistas fos­
Pedimos agora ao leitor que retome os Capí­ se considerada e examinada pelos educadores".
tulos 2 e 6 (não esquecendo também a leitura Se vivemos hoje o mal-estar da mo­
complementar do Capítulo 6) para melhor enten­ dernidade, em decorrência das promessas abor­
der o que significa a subversão provocada pela tadas da racionalidade expressa na ciência, na
informática e pelos meios de eoinunicacão de técnica, na ilusão do progresso, à qual sc con­
massa na maneira de sentir, pensar, desejar e agir trapõem de maneira cruel duas guerras mundi­
do homem contemporâneo. ais, Auschwitz, Hiroshima. o desequilíbrio eco­
As mudanças que têm se processado de ma­ lógico e a ameaça de aniquilação atômica, nào
neira vertiginosa trouxeram insegurança em di­ há por que sc refugiar no irracional is mo.
versos níveis, no sentido de que os mais caros Por isso, contestar a modernidade não signi­
valores da modernidade foram contestados. Em­ fica necessariamente recusá-la, mas sim repensá-
bora não haja consenso entre as diversas análises la. É isso que faz Habcrmas ao reconhecer que.
do fenômeno pós-moderno. podemos destacar se as esperanças do lluminismo não se concreti­
três idéias comuns': zaram, cabe a nós resgatá-las, a Hm de comple­
1. rejeição dos absolutos; não há nem ra­ tar o projeto truncado.
cionalidade nem moralidade única, nenhuma Mais do que sucumbir à desrazão, cumpre
teoria totalizante (como o marxismo ou o cris­ denunciar os desvios da razão enlouquecida. E
tianismo) que possa nos garantir convicções aí a educação recupera uma de suas funções
que sirvam como pressupostos para a ação; mais importantes.

3. O texto se baseia no livro Teoria educacional crítica cm


tempo* põs-modenio.\. sobretudo nos anigo* 2, de H Girou x;
4. de S. Shapiro; 5. dc Tomaz Tadeu da Silva: e 7. de N.
Burbules e S. Rico.

229

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dropes

Apropriação de renda pelos 10% mais ricos e pelos 50% mais pobres
da População Economicamente Ativa (PEA) do Brasil — 1980-1991

Fonte; IBGE, D reter-a de Pesquisas, Departamento de Emurego e Rendimento.

Na última década houve um agravamento da pobreza relativa no Brasil: os 10% mais ricos se apropriam de quase
metade (48%) do total de rendimentos. Com isso, configura-se um dos mais perversos perfis de distribuição de
renda do mundo.

Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade, segundo


o grau de instrução e os anos de estudo — 1987
Proporção de pessoas de / 0 anos
Grau de instrução e anos de estudo
ou mais de idade (%)

Total 100,0

Sem instrução e com menos de um 19,7


ano de estudo

1° grau incompleto (1 a 7 anos de estudo) 57,1

1- grau completo (8 anos de estudo) 6,7

2- grau completo e incompleto 11,1


(9 a 11 anos de estudo)

Superior (12 ou mais anos de estudo) 5,2

Anos de estudo não determinados 0,2

Furile: iBGt (excluindo se c população de 10 anos ou niais üâ ares rural da Região Norte) ln: Olga Lcpes da Cru7, FducdÇâO; indicôdaes
SíX.w, Riu de Janeiro, iBGE, Departsnerto de E-Jtetsticas e :ndir.adores Socais. 1990.. p. 9fi.

230

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
3

Quadro comparativo de indicadores


educacionais interpaíses latino-americanos — 1990
Taxa dc analfa­ Percentual de matrículas Repetência no Sobrevivência no grau
Países escolares da população T-grau (%) Até a 4a série A té o final
betismo (%) de 4 a 24 anos

Argentina 4,5 72,9 — — —

Bolívia 22,4 53,7 — — —

Brasil 18,7 53,3 20 47 22

Chile 6,5 60,7 7 97 85

Cuba 5,7 60,7 8 96 91

México 12,6 61,1 10 80 69

Fonte: IBGE, Dreiora de Pesquisas, Departamento de indicadores Sociais, Unesco In; Jane Souto de Oliveira forg.), O traço dd desij^lda-
df. social no tfási!. Rio de Janeiro, IBGE, 1993, p. 41

Leituras complementares

1. [As academias]

Problema da nova função que poderão as­ trabalho científico, para os quais poderão cola­
sumir as un versidades e as academias. Estas borar e nos quais encontrarão todos os subsídi­
duas instituições são, atualmente, independen­ os necessários para qualquer forma de ativida­
tes uma da outra; as academias são o símbolo de cultural que pretendam empreender.
ridicularizado frequentemente, com razão, da A organização acadêmica deverá ser reor­
separação existente entre a alta cultura e a vida, ganizada e vivificada de alto a baixo. Territo­
entre os intelectuais e o povo. (...) rialmente, possuirá uma centralização de com­
Em um novo contexto de relações entre vida petências e de especializações: centros nacio­
e cultura, entre trabalho intelectual e trabalho in­ nais que se agregarão às grandes instituições
dustrial, as academias deverão se tornar a or­ existentes, seções regionais e provinciais e cír­
ganização cultural (de sistematização, expan­ culos locais urbanos e rurais. Dividir-se-á por
são e criação intelectual) dos elementos que, especializações científico-culturais, que serão
após a escola unitária, passarão para o traba­ representadas em sua totalidade nos centros
lho profissional, bem como um terreno de en­ superiores, mas só parcialmente nos círculos
contro entre estes e os universitários. Os ele­ locais. Unificar os vários tipos de organização
mentos sociais empregados no trabalho profis­ cultural existentes: academias, institutos de
sional não devem cair na passividade intelec­ cultura, círculos filológicos etc., integrando o
tual, mas devem ter à sua disposição (por inici­ trabalho acadêmico tradicional — que se ex­
ativa coletiva e não de indivíduos, como função pressa principalmente na sistematização do
social orgânica reconhecida como de utilidade saber passado ou em buscar fixar uma média
e necessidade públicas) institutos especia­ do pensamento nacional como guia da ativida­
lizados em todos os ramos de investigação e de de intelectual — às atividades ligadas à vida

231

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
coletiva, ao mundo da produção e do trabalho. Seria útil possuir a lista completa das acade­
Controlar-se-ão as conferências industriais, a mias e das outras organizações culturais hoje
atividade da organização científica do trabalho, existentes, bem como dos assuntos tratados em
os gabinetes experimentais das fábricas etc. seus trabalhos e publicados em suas “Atas”: em
Construir-se-á um mecanismo para selecionar grande parte, trata-se de cemitérios da cultura,
e desenvolver as capacidades individuais da embora elas desempenhem uma função na psi­
massa popular, que são hoje sacrificadas e cologia da classe dominante.
definham em erros e tentativas sem perspecti­ A colaboração entre estes organismos e as
va. Cada círculo local deveria possuir neces­ universidades deveria ser muito estreita, bem
sariamente a seção de ciências morais e políti­ como sua colaboração com todas as escolas
cas, e organizar paulatinamente as outras se­ superiores especializadas de qualquer tipo (mi­
ções especiais para discutir os aspectos técni­ litares, navais etc.). A finalidade consiste em
cos dos problemas industriais, agrários, de or­ obter uma centralização e um impulso da cultu­
ganização e de racionalização do trabalho in­ ra nacional que fossem superiores aos da Igre­
dustrial r agrícola, burocrático etc. Congressos ja Católica.
periódicos de diversos níveis fariam com que (Antonio Gramsci, Os intelectuais e a
os mais capazes fossem conhecidos. organização da cultura, p. 125-127.)

2. [Determinações constitutivas do conceito de democracia]

(...) são determinações constitutivas do con­ ções. É uma sociedade na qual a informação cir­
ceito de democracia as idéias de conflito, abertu­ cula íivremente, percorre todos os níveis da ativi­
ra e rotatividade. Quando o conflito perde sua di­ dade social, enriquecendo-se ao circular, isto é,
mensão reaí, qual seja a da contradição, para con­ numa circulação que não é consumo, mas pro­
verter-se em oposição, a democracia se reduz à dução da própria informação. No entanto, não é
capacidade para rotmízar conflitos, em lugar de a liberdade da informação que define a abertura
trabalhá-los ou de pôr-se em movimento para democrática, mas uma outra idéia do espaço pú­
superá-los e, assim, efetuar-se como sociedade blico que não se confunde com o da mera opi­
histórica. A democracia é difícil, subversiva, como nião pública. É a elevação de toda a cultura à
dizia Bobbio, quando não cessa de pôr em ques­ condição de coisa pública. Isto não significa que
tão suas instituições. Esse questionamento per­ a ciência, a filosofia, as artes e as técnicas se
manente do instituído, pelo qual a sociedade de­ tornem transparentes e imediatamente acessí­
mocrática é plenamente histórica (e não o fim da veis (isto é o ideal da televisão e da gratificação
história), é o que se entende por admissão da re­ imediata do consumidor); não significa que dei­
alidade dos conflitos. Dizer que o conflito é con­ xem de ser, em suas expressões mais rigorosas,
tradição e não oposição significa dizer que ele ins­ impenetráveis para os não-iniciados. Significa,
taura uma forma de sociabilidade sempre ques­ apenas, que é bastante diverso considerá-las
tionável e questionada; significa, também, reco­ como de direito acessíveis a todos que desejem
nhecer que as divisões sociais não serão abolidas dedicar-se a elas, do que considerá-las privilégio
numa sociedade futura, mas que, por existirem, de uns poucos. Uma coisa é usar a impene­
nem por isso serão legitimadas e legalizadas por trabilidade imediata de certos produtos da cultu­
mecanismos que as dissimulem. Não se trata de ra para justificá-los como coisas privadas; outra,
supor que a sociedade se tornará transparente, bastante diversa, é afirmá-los como coisas públi­
mas sim que não poderá dissimular seus confli­ cas pelo igual direito de acesso não apenas ao
tos. Precisará trabalhá-los e recriar-se. É isto que seu consumo, mas sobretudo à possibilidade de
a faz livre ou autodeterminada. produzi-los. Há duas maneiras igualmente
O caráter aberto da democracia não se con­ antidemocráticas de lidar com a cultura e com a
funde com a utopia de uma igualdade indife­ informação: fazê-las privilégio de uns poucos, em
renciada que é, antes, sinônimo de coletivização nome da divisão “natural” das aptidões, ou
do que o de socialização. A abertura democráti­ vulgarizá-las, escamoteando tanto a divisão so­
ca não significa a existência de uma sociedade cial do trabalho quanto a realidade do privilégio
transparente que se comunica consigo mesma para produzi-las.
de ponta a ponta, sem opacidade e sem ruído, Enfim, no que respeita á rotatividade, é preci­
uma sociedade onde todos se comunicam com so recuperar o significado real e simbólico daqui­
todos numa circulação imediata das informa­ lo que aparece na utopia da cozinheira-ministra

232

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

de Estado de Lénin. Uma sociedade democráti­ do com seus ocupantes porque a vacância reve­
ca (é tão óbvio!) supõe que as funções de deci­ la sua origem, a sociedade soberana. Nesta
são e direção não são propriedade exclusiva de perspectiva, a idéia de representação pode ad­
um grupo nem de uma classe. Enquanto a idéia quirir sentido concreto. Assim, a idéia e a prática
de representação estiver vinculada à de proprie­ da democracia direta, longe de ser uma alterna­
dade privada do poder, a democracia não é um tiva para a democracia representativa, é sua con­
logro por ser representativa, pois em tal contexto dição. Quando se vai além da democracia libe­
ela não é nem pode ser representativa. Somente ral e quando se tem presente o significado da
numa democracia real é possível compreender o indiferenciação ou identificação totalitária entre
significado prático-simbólico das eleições: nes­ poder, sociedade e Estado é que se pode avali­
tas não se exprime tanto o direito legítimo de ar em que um projeto democrático pode ou não
manifestação da pluralidade de interesses e de ser um projeto de transformação social e em
opiniões, mas a própria idéia de soberania popu­ que pode ou não apelar internamente para o so­
lar (o Krathós do demos), pois durante o período cialismo.
eleitoral, por um breve lapso de tempo, o poder (Marilena Chaui, Cultura e democracia,
aparece como desocupado, como não identifica­ p. 156-159.)

Atividades

Questões

1. Como é entendida, no texto, a importância do trabalho na educação?


2. Por que a escola unitária seria uma condição de democratização da escola?
3. Por que não se pode considerar que o Brasil tem propriamente um sistema educacional?
4. Qual a importância de se privilegiar em educação os esforços em tomo do 1° grau?
5. Quais têm sido as oscilações do 2? grau?
6. Comente algumas das distorções do 3- grau.
7. Qual é a importância da formação do professor no quadro de desvalorização da educação no Brasil?
8. Destaque algum tipo de transformação sofrida pela educação nos chamados tempos pós-modernos.
9. Explique qual das características do pós-modernismo pode ser compreendida a partir da frase espiri­
tuosa de Neil Smith: “O lluminismo está morto, o marxismo está morto, o movimento da classe traba­
lhadora está morto... e o autor também não se sente muito bem’’.

Análise de texto

10. Baseando-se nos dados dos dropes 1, 2 e 3, explique em que medida o afunilamento do acesso à
educação pode estar relacionado com a distribuição de renda.
11. Consulte o dropes 3 e, a partir dos índices de analfabetismo, escolarização, repetência e evasão,
compare a situação brasileira com a dos outros países citados.

Baseado no texto de Gramsci, responda às questões de 12 a 17.

12. Em que sentido as Academias de Letras poderiam se adequar às críticas feitas por Gramsci?
13. Qual é o sentido pejorativo da palavra "acadêmico”?
14. Se nem todos os estudantes procuram o curso superior, qual tem sido o seu destino intelectual até
agora e qual é a proposta de Gramsci?
15. Explique em que sentido a sugestão de Gramsci não desvaloriza a escola e de que forma poderia ser
contraposta à 'desescolarização” defendida por Ivan lllich (Capítulo 21).
16. Como é possível que essa proposta a respeito das universidades e academias possa superar a
dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual?
17. Explique como, ao se referir à cultura nacional no final do texto, Gramsci deixa subentendida a supera­
ção da oposição entre cultura erudita e cultura popular.

233

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Baseado no texto complementar de Marilena Chaui, responda às questões de 18 a 23.

18. Em que sentido a democracia é subversiva?


19. Qual é a diferença entre dizer que o conflito é contradição e que não é oposição';’
20. Qual é a diferença entre as divisões sociais em uma democracia verdadeira e as divisões sociais em
uma sociedade de classes?
21. Explique de que maneira a circulação da informação — uma das prerrogativas da democracia — não
tem se cumprido adequadamente na sociedade em que vivemos.
22. Em que sentido a democracia se sustenta na rotatividade do poder?
23. Relacione o texto de Marilena Chaui com o de Gramsci, indicando os pontos em comum.

Redação

Tema T. Faça uma dissertação sobre os caminhos possíveis para a democratização da educação no
Brasil.
Tema 2: Faça uma narração imaginando como seria a educação no terceiro milênio.

234

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


fotocopia

VOCABULÁRIO
- Se prohíbe su venta o

Abstração, Ato de abstrair, ou seja, isolar men­ mem livre, distintas das artes do homem ser­
tal rncntc para considerar à parle o elemento vil, que eram as artes mecânicas. Na Idade
de uma representação que não é dado sepa­ Média, constituem o trivium (gramática, re­
radamente na realidade. Por exemplo, o con­ tórica C dialética) e o quadrivium (geome­
ceito de homem é resultado de uma abstra­ tria, aritmética, astronomia e música).
ção: considera o que é comum a todos os
homens, deixando de lado as características Ascetismo. IDo latim ascesis. “exercício”.| A
ascese constitui o exercício prático que possi­
texto es utilizado parcialmente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

de cada homem individual.


bilita a realização da virtude por meio da mor­
Alienação. A alienação surge na vida econômi­ tificação da sensibilidade; desvalorização dos
ca quando o operário, ao vender sua força de aspectos sensíveis e corpóreos do homem.
trabalho, perde o que ele próprio produziu.
Axiología. IDo grego axios. “que tem valor”.]
A conseqüência é a fragmentação de sua
'Teoria dos valores. Ver Capítulo 12.
consciência, que também deixa de lhe per­
tencer; a pessoa não mais é o centro de si
mesma, passando a ser “comandada” de
Behaviorisnw. [Do inglês behaviour. ■compor­
fora. Perda da individualidade; perda da
tamento”.] Psicologia objetiva que, inicia­
consciência crítica. Ver Capítulos 2 e 3.
da por Watson c desenvolvida por Skinncr,
Amoraiismo. Ausência de princípios morais: o baseia-se exclusivamente nos dados obser­
alo amoral é o que se realiza à margem de váveis do comportamento exterior, com ex­
qualquer consideração a respeito das normas clusão dos dados da consciência. O com­
morais. Não confundir com o alo imoral. que portamento é explicado pelas relações en­
supõe a existência de normas morais, no tre estímulo e resposta, a partir do fenôme­
caso, transgredidas. no do reflexo condicionado. Ver Capítulos
13 e 15.
Analogia. Raciocínio por semelhança; c uma
indução parcial ou imperfeita na qual passa­
mos de um ou de alguns fatos singulares não Ceticismo ou Cepticismo. [Do grego skeptornai,
a uma conclusão universal, mas a uma outra “examino”.] Doutrina segundo a qual o es­
enunciação singular ou particular que inferi­ pírito humano nada pode conhecer com cer­
mos cm virtude de uma semelhança. teza; conclui pela suspensão do juízo e pela
duvida permanente. Oposição: dogmatismo
Anarquia. No sentido vulgar, significa confu­
(ver).
são, ausência de governo. \er anarquismo.
Cientificismo. Forma de pensar derivada do
Anarquismo. [Do grego an-archon. "sem
positivismo por meio da qual o único conhe­
governante”.! Doutrina política que rejeita
cimento adequado é o científico: concepção
toda forma de coerção e preconiza a supres­
deformada da ciência que consiste em tomá-
são da instituição do Estado; também conhe­
la como sistema fccliado e definitivo e como
cido como comunismo libertário.
solução dc todos os problemas. Ver Capítu­
A posteriori. Posterior; conhecimento adquirido los 13 c 15.
graças à experiência. Ver Capítulo 19.
Comunismo. Organização política c econômica
A priori. Anterior a toda experiência. que torna comuns os bens de produção. Se­
gundo Marx. é a fase final do processo ini­
Artes liberais. Na Grécia antiga, constituem as ciado com a socialização, quando então não
chamadas sete artes liberais, as artes do ho­ haverá mais Estado. Ver Capítulo 14.

235
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Conceito. Idéia abstrata e geral; representação Ser absoluto ou Idéia. Para Engels, é a ciên­
intelectual de um objeto; apreensão abstrata cia das leis gerais do movimento, tanto do
de um objeto. mundo externo quanto do pensamento hu­
mano. Engels aproveita a dialética de Hegel,
Concreto. São concretas as representações que mas transforma o idealismo hegeliano em
manifestam o objeto tal como ele c dado na materialismo.
intuição sensorial (exemplos: sensação, ima­
gem, percepção). Portanto, a representação Dogmatismo. Doutrina filosófica que parte do
concreta é singular, individual; ao contrário, pressuposto de que o homem é capaz de atin­
a representação abstrata é geral (exemplo: gir verdades certas e absolutas. Nesse senti­
idéia). do, o conceito se opõe a ceticismo (ver). Para
Kant, posição dos filósofos que admitem a
Construtivismo. Segundo as teorias cons- capacidade da razão de conhecer sem antes
truti vistas ou interacionistas, o conhecimen­ fazer a crítica da faculdade de conhecer. No
to resulta de uma construção contínua que sentido comum, atitude de quem tende a im­
se processa mediante a interação entre sujei­ por doutrina ou valores sem provas suficien­
to e objeto; essas teorias pretendem superar tes e sem admitir discussões.
tanto o iiiatisino quanto u empirismo. Ver
Capítulos 13 e 22. Doutrina. Conjunto de princípios, de idéias que
servem de base a um sistema religioso, polí­
C r íti co- reprodu tivistas (teorias). São teorias tico, filosófico ou científico.
pedagógicas que criticam a ilusão liberal da
escola como instância de democratização,
concluindo que, ao contrário, a escola re­
produz as diferenças sociais e perpetua o Ecletismo. Método filosófico que consiste em
s tatus quo. Ver Capítulo 20. reunir doutrinas de vários sistemas, elabo­
rando um sistema próprio.

Empírico. Baseado na experiência comum, não


Dedução. Operação lógica na qual se passa de metódica. Não confundir com experimenta­
uma ou mais proposições a uma outra, que é ção (ver).
a consequência; raciocínio que vai do geral
ao particular ou ao geral menos conhecido. Empirismo. Doutrina filosófica moderna (sécu­
A dedução lógica por excelência é chamada lo XVII) segundo a qual o conhecimento
por Aristóteles de silogismo. procede principal mente da experiência. Prin­
cipais representantes: Bacon. Locke. Hume.
Determinismo. Conjunto das condições neces­ Doutrina oposta ao racional ismo (ver). Ver
sárias de um fenômeno. Princípio da ciência Capítulo 13.
experimental segundo o qual tudo o que
existe tem uma causa, isto é, as leis são as Enciclopedismo. [Do grego enkyclios. “geral”.!
relações constantes e necessárias entre os fe­ Educação geral; a ampla gama dc conheci­
nômenos. Segundo essa teoria, se tudo é de­ mentos exigidos na formação do homem cul­
terminado. inclusive as decisões da vontade, to, Em sentido pejorativo, ensino com exces­
não há, portanto, liberdade humana. so de informações superficiais, que estão
além da necessidade do educando ou dc sua
Dialética. [Do grego dialéktiké, “que diz respei­ possibilidade dc assimilação.
to à discussão”.] Arte de discutir; tensão en­
tre opostos. Em educação, uma das sete ar­ Epistcmologia. |Do grego episíeme. “ciência”. |
tes liberais (ver) e uma das disciplinas do Estudo do conhecimento científico do ponto
trivium. Em Hegcl. significa a marcha do de vista crítico, isto é, do seu valor; crítica
pensamento que procede por tese, antítese e da ciência; teoria do conhecimento. Ver Ca­
síntese c reproduz o próprio movimento do pítulo 13,

236

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Escola nova. O escolanovismo foi um movimen­ saber verdadeiro. Em Husscrl, trata-se de um


to que surgiu em oposição à escola tradicio­ novo método que procura apreender, através
nal, magistrocêntrica e voltada para a trans­ dos acontecimentos e dos fatos empíricos, as
missão de conteúdos, A escola nova, ao con­ essências, ou seja, as significações ideais,
trário. é pedocêntrica e mais preocupada com percebidas dirctamcnte pela intuição. Ver
o processo do que com o produto do conheci­ Capítulo 13.
mento, urna vez que tem por objetivo a for­
mação do homem para uma sociedade em
mudança. A escola nova representa o pensa­
GestaJL |Do alemão GestalL “forma’".] Conhe­
mento liberal burguês. Ver Capítulo 17.
cida também como psicologia da forma,
Escolástica. Escola filosófica da Idade Média considera, em reação às teorias associa-
cu jo principal representante é Santo Tomás de cionistas, que a vida psíquica não é constitu­
Aquino. No sentido pejorativo, que decorre ída pela agregação de elementos simples,
da escolástica decadente, o termo escolástico como sensações e imagens, mas sim por for­
se refere a todo pensamento formal, verbal, mas, estruturas, conjuntos. Ver Capítulo 13.
estagnado nos quadros tradicionais.

Essência. O que faz com que uma coisa seja o


Humanismo. Movimento cultural dos séculos
que é, e não outra coisa; conjunto de deter­
XV e XVI que recuperou os valores da An­
minações que definem uni objeto de pensa­
tiguidade greco-latina, buscando uma ima­
mento; conjunto dos constitutivos básicos.
gem de homem que superasse o leocen-
Por exemplo, a essência de uma mesa é o que
trismo medieval. O estudo de humanidades
faz com que ela seja uma mesa, e não outra
consiste na predominância da língua e da
coisa, deixando de lado as características se­
literatura clássicas (greco-romana), contra­
cundárias e acidentais, como cor, tamanho,
pondo-se ao estudo das ciências reais (ci­
estilo etc. Ver Pedagogia da essência.
ências da natureza).
Ética. [Do grego ethos, “costume"*.] Parte da fi­
losofia que se ocupa com a reflexão a res­
peito das noções c dos princípios que funda­
Idealismo. No sentido popular, consiste na ati­
mentam a vida moral. Ver Capítulo 12.
tude de subordinar atos e pensamentos a
Existencialismo. Corrente filosófica que põe o um ideal moral ou intelectual. Do ponto de
primado do existir sobre a essência e toma vista da teoria do conhecimento, idealis­
corno objeto de análise a existência humana mo c o nome genérico dos diversos siste­
concreta e vivida. mas por meio dos quais o ser ou a realida­
de são determinados pela consciência.
Experimentação. Método científico que con­ “Ser" significa “ser dado na consciência".
siste cm provocar observações em condi­ Ver Capítulo 13.
ções especiais, com vistas a controlar uma
hipótese. Ideologia. No sentido amplo, é o conjunto de
doutrinas e idéias ou o conjunto de conheci­
mentos destinados a orientar a ação. Do pon­
to de vista político, é o conjunto de idéias da
Fenomeiiología. No sentido geral, c o estudo
classe dominante estendido à classe domina­
descritivo de um conjunto de fenômenos tais
da e que visa a manutenção da dominação.
como se manifestam no tempo ou no espa­
Ver Capítulos 3 e 20.
ço, em oposição às leis abstratas e fixas des­
ses fenômenos. Em Hegel, a fenomenologia Tluminismo (Ilustração, filosofia das Luzes ou
do Espírito é o estudo das etapas percorridas Aufkldrung). Movimento racionalista do sé­
pelo Espírito, do conhecimento sensível ao culo XVIIl (representado pelo alemão Kant

237

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

e pelos enciclopedistas franceses) que con­ a crítica do Estado burguês. A teoria marxis­
siste na crença no poder da razão de reorga­ ta compõe-se de uma teoria científica, o ma­
nizar o mundo humano. terialismo histórico, e de uma filosofia, o
materialismo dialético. Ver materialismo e
Inatismo. Concepção segundo a qual as idéias Capítulo 14.
ou os princípios já existem na mente dos in­
divíduos, pertencem à natureza humana e. Massificação. Ato de influenciar o indivíduo
portanto, não surgem de fora para dentro. por meio da comunicação de massa ou ori­
Ver Capítulo 13. entar o indivíduo no sentido dc estereoti­
par-lhe as reações e a conduta. Ver Capítu­
Indução. Operação lógica em que, de dados sin­ los 4 e 6.
gulares suficientemente enumerados, inferi­
mos uma verdade universal. É o raciocínio Materialismo. No sentido moral. designa a ori­
que chega a uma conclusão a partir dos da­ entação da vida em busca do gozo c dos
dos particulares. bens materiais. No sentido psicológico. é a
negação da existência da alma como prin­
Instinto. Atividade automática, existente sobre­ cípio espiritual, reduzindo os fatos da cons­
tudo no animal, caracterizada por um con­ ciência a epifenônienos da matéria. 13o pon­
junto de reações bem determinadas, heredi­ to dc vista da teoria do conhecimento. o
tárias, específicas, idênticas na espécie. Não dado material é considerado anterior ao es­
confundir com intuição (ver). Ver também piritual e o determina. Segundo o materia­
Capítulo 1. lismo histórico e dialético (século XIX.
Marx e Engels), as idéias derivam das con­
Intuição. Conhecimento imediato, sem interme­
dições materiais: não é a consciência dos
diários; visão súbita.
homens que determina o seu ser, mas é o
seu ser social que determina sua consciên­
cia. Ver Capítulo 14.
Laicização. Ato de tornar algo ou alguém leigo
(laico), isto é, não mais religioso. Diz-se Metafísica. Parte da filosofia que estuda o “ser
também secularização (ver). enquanto ser", isto c. o ser independente­
mente de suas determinações particulares;
Liberal (pedagogia). Pedagogia própria da soci­ estudo do ser absoluto e dos primeiros prin­
edade capitalista. Ver liberalismo. cípios. E para Aristóteles a ciência primei­
ra, na medida em que fornece a todas as
Liberalismo. Teoria política e económica
outras o fundamento comum, isto é, o obje­
surgida no século XV11 que exprime os
to ao qual iodas se referem e os princípios
anseios da burguesia. Defende os direitos
dos quais dependem. Exemplos de proble­
da iniciativa privada, restringindo o mais
mas metafísicos: a essência do universo
possível as atribuições do Estado e opon-
(cosmologia racional); a existência da alma
do-se vigorosamente ao absolutismo. Ver
(psicologia racional); a existência dc Deus
Capítulo 14.
(teologia racional ou teodicéia). Ver Capí­
Lógica. Parte da filosofia que trata do estudo tulos 11 e 15.
normativo das condições da verdade (da
Moral. Conjunto dos costumes e juízos morais
conseqüência e da verdade da argumen­
de um indivíduo ou de uma sociedade que
tação).
possui caráter normativo (regras do com­
portamento das pessoas no grupo); conjun­
to de regras que visa orientar a ação huma­
Marxismo. Doutrina econômica e filosófica ini­ na, submetendo-a ao dever, tendo em vista
ciada por Marx e Engcls (século XÍX) que o bem e o mal; conjunto dc normas livre e
se contrapõe ao sistema capitalista, fazendo conscientemente aceitas que visam organi-

238

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

zar as relações dos indivíduos na socieda­ ou vago: “‘Somente são reais os conheci­
de. Ver Capítulo 12, mentos que repousam sobre fatos obser­
vados".
Não-diretividade. Tendência radical das teo­
rias pedocêntricas. que minimizam a ação e Pragmático. Que se refere à ação, ao sucesso ou
a autoridade do mestre e enfatizam a atua­ à prática; também significa útil, eficaz. Opo­
ção do aluno. sição: teórico, especulativo.

Pragmatismo. [Do gregopragma. “ação”.] Sis­


tema filosófico de William Jamcs, subordi­
Objeto. O que se apresenta à vista, coisa perce­
na a verdade à utilidade e reconhece a pri­
bida; também o que é pensado, representado
mazia da ação sobre o pensamento. Para
no espírito: o que está posto diante do espíri­
Sanders Peirce, a verdade de uma idéia re­
to. Ver Capítulo 13.
sulta de suas conseqüências práticas. O ter­
Ontologia. Parte mais geral da metafísica; às ve­ mo pragma indica a valorização dada ao
zes, o conceito de ontologia é usado como concreto, ou seja, uma proposição é consi­
sinônimo de metafísica (ver). derada verdadeira quando funciona, quando
permite orientarmo-nos na realidade e leva-
nos de uma experiência a outra. Ver Capítu­
lo 17.
Pedagogia. [Do grego pais. paidos, “criança", e
agogé, "conduzir”.] Teoria geral da educa­
Práxis. Os gregos chamavam práxis à ação de
ção. Ver Capítulo 15.
levar a cabo alguma coisa; lambem designa
Pedagogia da essência. Concepção que atribui a ação moral; significa ainda o conjunto de
à educação a função de realizar o que o ho­ ações que o homem pode realizar e, neste
mem deve ser, antepondo (a priori) o ideal sentido, a práxis se contrapõe à teoria. No
de homem a ser alcançado. Ver pedagogia marxismo, também conhecido como filoso­
da existência e Capítulo 15. fia da práxis. o termo adquire sentido mais
preciso e não se identifica propriamente
Pedagogia da existência. Opõe-se à pedagogia com a prática, porque é a unido dialética
da essência, recusando-se a impor a priori da teoria e da prática: ao mesmo tempo
um ideal à ação pedagógica; considera ne­ que a consciência é determinada pelo modo
cessário que a educação se adapte à evolu­ como os homens produzem a sua existên­
ção interior do ser ou à evolução histórica cia, também a ação humana é projetada, re­
do homem. Ver Capítulo 15. fletida, consciente.

Positivismo. Filosofia de Augusto Comtc Progressista (teoria). Também conhecida corno


(século XIX). que considera o estado po­ teoria crítica da educação, pedagogia críti­
sitivo (ver) o último c mais perfeito es­ co-social dos conteúdos, ou pedagogia his­
tado atingido pela humanidade. Valori­ tórico-crítica, pretende superar as limita­
za a ciência como a forma mais adequa­ ções da escola tradicional para além do oti­
da de conhecimento, donde deriva o mismo da escola nova ou do pessimismo
clentificismo (ver). Ver também Capítu­ das teorias crítico-reprodutivistas, tornando
los 13 e 15. a escola o local de socialização do conheci­
mento elaborado. Ver Capítulo 23.
Positivo. O que c real, palpável; dado da ex­
periência: baseado nos fatos. Para Com­ Psicanálise. Método, teoria e forma de trata­
tc. depois de icr superado as formas teo­ mento psicológico. Iniciada porFreud. sua
lógicas e metafísicas de explicação do principal novidade se acha na descoberta
mundo, o homem atinge o estado positi­ do inconsciente e da natureza sexual da
vo, que se opõe a tudo o que c quimérico conduta.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Quadrivium. Ver artes liberais. Sofistas. [Do grego sophistés, “sábio”.] Filóso­
fos do século V a.C. Inicialmente, sofista de­
signava qualquer filósofo, mas a partir de
Platão e Aristóteles adquiriu um sentido pe­
Raciocínio. Operação discursiva do pensamento
jorativo, qualificando a pessoa cuja sabedo­
que consiste cm encadear logicamente juízos
ria é aparente e que argumenta com sofismas
e deles tirar uma conclusão. Em lógica, cha­
(ver). Somente no século XIX iniciou-se a
ma-se argumentação.
reabilitação dos sofistas.
Racionalismo. Doutrina filosófica moderna (sé­
culo XVII) que admite a razão como única
fome de conhecimento válido; superestima
Taylorismo (de Frederick Taylor). Método ci­
o poder da razão. Principais representantes:
entífico de racionalização da produção que,
Descartes. Leibniz. Doutrina oposta ao
por meio da supressão de gestos desnecessá­
empirismo (ver). Ver também Capítulo 13.
rios e comportamentos supérfluos no interior
Razão. Em sentido geral, é a faculdade de co­ do processo produtivo, visa o aumento da
nhecimento intelectual; entendimento (em produtividade e a economia de tempo. O
oposição a sensibilidade). Faculdade de pen­ processo de trabalho parcelado acentua a
samento discursivo, feito por meio de argu­ dicotomia entre a concepção c a execução do
mentos e de abstrações; faculdade de racio­ trabalho. Ver Capítulos 2 e 18.
cinar; faculdade dc alcançar o conhecimento
Tecnieista (pedagogia). A tendência tecnicista
do universal. de ascender às idéias.
surgiu nos EUA a partir da tentativa de inse­
Reflexão. Ato de conhecimento que se volta so­ rir a escola no modelo de racionalização c
bre si mesmo, tomando por objeto seu pró­ produtividade típicas do sistema de produ­
prio ato; ato de pensar o próprio pensamento. ção capiLalista. Utiliza procedimentos do
taylorismo (ver) e do fc/Mnwrijm# (ver).
Ver também Capítulo 18.
Secularízação. Ato dc tornar secular (isto é, do Teologia. Estudo da existência, da natureza c dos
século, do mundo); deixar de ser religioso atributos dc Deus, assim como de sua rela­
ou sagrado. Diz-se também laicização (ver). ção com o mundo. Chama-se teologia racio­
nal ou teodicéia a parte da metafísica que se
Signo. Alguma coisa que está no lugar de outra,
ocupa desse assunto usando cxclusivamentc
sob algum aspecto.
a razão. Chama-se teologia sobrenatural ou
Símbolo. [Do grego .vywZw/tfH. “marca, sinal dc re­ revelada a que baseia suas afirmações, cm
conhecimento”. | Qualquer representação dc última instância, na revelação sobrenatural
uma realidade por outra. A linguagem humana, procedente de Deus.
por exemplo, é simbólica enquanto representa a
Teoria. [Do grego théoreim “contemplar” c
realidade de forma analógica ou convencional.
theoria, “visão dc um espetáculo”.! Cons­
Socialismo. Nome genérico das doutrinas que trução especulativa do espírito; construção
pretendem substituir o capitalismo por um intelectual para justificar ou explicar algu­
sistema planificado que conduza a resultados ma coisa. Em oposição à prática, a teoria é
mais equitativos c mais favoráveis ao pleno um conhecimento independente das aplica­
desenvolvimento do ser humano. Designação ções; no entanto, isso não significa que a
de correntes e movimentos políticos da classe teoria esteja separada da prática, pois ela
operária que visam a propriedade coletiva dos nasce da prática e está sempre sujeita à crí­
meios dc produção. Ver Capítulo 14. tica a partir dos acontecimentos. Em oposi­
ção ao conhecimento vulgar, a teoria é uma
Sofisma. Falso raciocínio. etapa do método científico, c uma conccp-

240

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

cão melódica e sistematicamente organiza­ Trivium. Ver artes liberais.


da sobre determinado assunto. Também
chamada hipótese gerai, reúne diversas leis
particulares numa explicação mais abran­ Lnesco. Organização das Nações Unídas para a
gente (exemplo: teoria da relatividade). Te­ Educação, a Ciência e a Cultura (United
oria do conhecimento é a parte da filosofia Nalions Educational. Scientific and Cultural
que estuda as relações entre sujeito e obje­ Organizaiion). Instituição especializada da
to no ato de conhecer. O conceito de teoria ONU (Organização das Nações Unidas),
c também usado, no sentido pejorativo, constituída cm 1946 para proteger as liber­
como construção racional artificial e utópi­ dades humanas c incentivar o desenvolvi­
ca. incapaz de explicar a realidade. mento cultural.

Totalitarismo. Sistema político no qual todas as Utopia. [Do grego u-topos\ “nenhum lugar". |
atividades do ser humano estão submetidas Que não existe cm lugar nenhum; descrição
ao Estado. de uma sociedade ideal; refere-sc a um ideal
de vida proposto. Pode ser lambem a expres­
Transcendência. Ato de ultrapassar, de ir além são da esperança, pois, graças ao projeto utó­
de; superação. Na teoria do conhecimento, pico — como antecipação teórica daquilo
diz-se do objeto como real mente distinto da que “ainda não é" —, torna-se possível criar
consciência (caso não se admita a transcen­ condições para a reforma social. No sentido
dência do objeto, mantém-se uma concepção pejorativo, refere-se a um ideal irrealizável.
idealista do conhecimento).

241

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

ÍNDICE de nomes
ADORNO, Theodor, 18, 61,71 COMÊNIO, João Amós, 94, 98, 138,159, 168
ALAIN (Émile Chartier), 162, 164, 165,166 COMPAYRÉ, Jules-Gabriel, 80
ALTHUSSER, Louis, 189, 191,192, 194, 195 COMTE, Augusto, 129, 160, 176
AQUINO, Santo Tomás de, 148, 159 CONDORCET, Marquês de, 94, 99, 138, 160
ARENDT, Hannah, 44, 66, 124 COSTA, Jurandir Freire, 154
ARIÈS, Phílippe, 58, 59 COULANGES, Foustel de, 98
ARISTÓTELES, 105, 112, 159 CUNHA, Luiz Antônio, 82, 84, 137, 192, 193,
ARROYO, Miguel Gonzales, 184, 213 196
AZEVEDO, Fernando de, 170,173 CURY, Carlos Roberto Jamil, 216

DECROLY, Ovide, 170


BACON, Francis, 113, 149, 228
DÉMIA, Charles, 80
BAKUNIN, Mikhail Aleksandrovitch, 181,183
DESCARTES, René, 113, 129, 149, 159, 160,
BARTHES, Roland, 36, 53
228
BASEDOW, Johann Bernhard, 169
DEWEY, John, 51, 81, 138, 149, 167, 169, 170,
BAUDELOT, Christian, 150, 191, 192, 193, 196 172, 173
BEAUVOIR, Simone de, 90, 91, 99 DIDEROT, Denis, 80, 138
BECKER, Fernando, 128, 133,134 DURKHEIM, Émile, 130, 149, 150
BELOTTI, Elena Gianini, 90, 93
BENJAMIN, Walter, 65, 69 EBY, Frederick, 162
BERKMAN, Alexander, 186 ECO, Umberto, 34, 37, 42
BEST, Francine, 55 ELIOT, Charles, 87
BINET, Alfred, 149, 202 ENGELS, Friedrich, 94, 141, 195
BOOKCHIN, Murray, 20 ESPINOSA, Baruch, 75
BOSI, Alfredo, 43 ESTABLET, Roger, 150, 191, 192,193, 196
BOURDIEU, Pierre, 150,188, 189, 192
BRANDÀO, Carlos Rodrigues, 14, 29, 214 FELTRE, Vittorino da, 168
BRUNNER, Jerome, 170, 200 FÉNELON, François, 94, 98
FERNANDES, Florestan, 46
CÂNDIDO, Antonio, 39, 121, 125 FERREIRO, Emilia, 202, 203, 204, 207
CARNOY, Martin, 87,140 FERRER GUARDIA, Francisco, 183, 184, 213
CASSIRÈR, Ernst, 19 FERRIÈRE, Adolphe, 172
CASTORIADIS, Cornelius, 144, 185, 224 FILANGIERI, Cario, 80
CHARLOT, Bernard, 37, 38, 76, 115, 116, 136, FILHO, Casemiro dos Reis, 163
157,213 FOUCAULT, Michel, 164
CHATEAU, Jean, 162,163 FOURIER, Charles, 141
CHAUI, Marilena, 72,233 FREINET, Célestin, 170, 184, 213
CIRIGLIANO, Gustavo F. G.,52 FREIRE, Paulo, 28, 64, 100, 101, 116, 133, 214,
CLAPARÈDE, Edouard, 149, 170, 171, 202 218

242

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

FREITAG, Barbara, 22, 125, 155, 192 KOSIK, Karel, 215


FREUD, Sigmund, 57, 63, 149, 169, 181, 183, KROPÓTKIN, Pierre A., 181, 183
184, 202
FROEBEL, Friedrich, 149,169
LA BOÉTIE, Étienne de, 96
FURTER, Pierre, 109, 119
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, 131
LEONTIEV, A. N„ 202, 204,213
GADOTTI, Moacir, 83, 88, 214, 218
LEPELLETIER, Michel, 160
GALILEU GALILEI, 105, 113, 149, 159, 228 LÉVÉQUE, Raphael, 55
GARCÍA MORENTE, Manuel, 118
LEVIN, Henry, 87, 140
GIROUX, Henry, 28, 36, 179, 213, 229
LIBÂNEO, José Carlos, 50, 51, 216
GODWIN, William, 183
LOBROT, Michel, 183,184, 213
GÓES, Moacir de, 45
LOCKE, John, 113, 129, 130,137, 160, 228
GOUGES, Olympe de, 94
LOURENÇO FILHO, Manuel, 170
GRAMSCI, Antonio, 41, 107, 110, 112, 133,
LUBIENSKA, Hélène, 170
142,143,144,213,215, 232
LURIA, Alexander Romanovich, 202, 204, 207
GUSDORF, Georges, 123, 126, 127
LUTERO, Martinho, 79, 159

HABERMAS, Jiirgen, 176, 229 LUTZ, Bertha, 96

HARDMAN, Francisco Foot, 78


HARPER, Babette, 116 MACPHERSON, C. B., 137
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, 114, 131 MAINTENON, Madamede, 94
HERBART, Johann Friedrich, 149, 161 MAKARENKO, Anton Semiónovitch, 142, 213
HESÍODO, 57, 62 MANN, Horace, 80, 139
HOMERO, 67 MARX, Karl, 21, 30, 31, 32, 94, 114, 131, 141,
HORKHEIMER, Max, 18,61 143, 181, 183,189, 190, 191, 195, 215

HUMBOLDT, Wilhelm von, 137 MATOS, Olgária, 42

HUME, David, 129 McLUHAN, Marshall, 67, 200

HUSSERL, Edmund, 131 MELANCHTHON, Philipp Schwarzerd, 79


MELLO, Guiomar Namo de, 213, 216
ILLICH, Ivan, 197,198, 199, 200, 201,228 MERLEAU-PONTY, Maurice, 115, 125,131
MILANESJ, Luís, 39, 43, 46
JAMES, William, 149, 169 MILL, John Stuart, 94,137
JULIANO, imperador, 79 MONTAIGNE, Michel de, 17, 159
MONTESSORI, Maria, 170
KANT, Immanuel, 113,118, 131, 137, 148, 160
KERSCHENSTEINER, Georg, 170 NAGLE, Jorge, 85
KIERKEGAARD, Sòren, 114, 169 NEILL, A. S„ 183
KILPATRICK, William Heard, 81, 170 NEWTON, Isaac, 113,228
KOFFKA, 149, 131 NIETZSCHE, Friedrich, 114,169
KOHLBERG, Lawrence, 119, 125, 207 NOSELLA, Maria de Lourdes Chagas Deiró,
KÕHLER, Wolfgang, 131, 149, 204 34, 37, 192

243

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

OITICICA, José, 184 SHAPIRO, S„ 229


OLIVEIRA LIMA, Lauro, 200 SILVA, Franklin Leopoldo e, 129
OLIVEIRA, Miguel Darcy de, 54 SILVA, Tomaz Tadeu da, 229
OLIVEIRA, Rosiska Darcy de, 54 SKINNER, Burrhus Frederic, 113, 130, 149
ORLANDI, Luiz B. Lacerda, 151 SMITH, Adam, 137
OURY, Fernand, 183,213 SNYDERS, Georges, 38, 39, 43, 45, 75, 124,
OWEN, Robert, 141 159, 162, 185, 192, 199, 211,214,215,218,
220
SÓCRATES, 148
PALACIOS, Jesús, 184
STIRNER,Max, 114
PASSERON, Jean-Claude, 150, 188, 189, 192
SUCHODOLSKI, Bogdan, 54, 113, 148, 213,
PAVLOV, Ivan, 130, 204
215
PEIRCE, Charles Sanders, 169
SULLIVAN, Anne, 19
PESTALOZZI, Johann Heinrich, 139,149, 169
PIAGET, Jean, 120, 133, 134, 149, 168, 170,
TALES,105
202, 203, 206, 207
TAYLOR, Frederick, 24
PISTRAK, 142,144, 148, 154,184, 213
PITÁGORAS, 105 TAYLOR, Harriet, 94
TEBEROSKY, Ana, 203, 207
PLATÃO, 105, 112,118, 148
TEIXEIRA, Anísio Spínola, 170, 196
POMBAL, Marquês de, 81
THORNDIKE, Edward Lee, 149
PROUDHON, Pierre Joseph, 141,181
TRAGTENBERG, Maurício, 184, 213
TSETUNG, Mao, 192
RABELAIS, François, 159, 168
RATKE (ou Ratichius), Wolfgang, 168
VÁSQUEZ, Aida, 183,213
REBOUL, Olivier, 119,124, 127
VIEIRA PINTO, Álvaro, 215
REICH, Wilhelm, 183
VIVES, Juan Luis, 94
RIBEIRO, Maria Luísa Santos, 82
VOLTAI RE, 80
ROGERS, Cari, 182, 183, 184,186, 200
VYGOTSKY, Lev Semenovich, 133, 149, 202,
ROSSI, Wagner Gonçalves, 214
204, 205, 206, 208,213
ROUANET, Sérgio Paulo, 109
ROUSSEAU, Jean-Jacques, 94, 99, 113, 114,
WALLON, Henri, 133, 202
149, 169
WATSON, John B., 130, 149, 204
WILDE, Oscar, 187
SAFFIOTI, Heleieth, 97
WOODCOCK, George, 20, 186
SAINT-SIMON, Conde de, 141
WUNDT, Wilhelm, 130, 204
SANTOS, Jair Ferreira dos, 68, 70
SARTRE, Jean-Paul, 66, 100,115
SAUSSURE, Ferdinand de, 188
SAVIANI, Dermeval, 25, 27, 33, 35, 38, 43, 51,
75, 104, 107, 108, 116, 123, 126, 171, 178,
193, 214, 215, 216, 217, 219, 225, 227
SEVERINO, Antonio Joaquim, 110

244

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialm ente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

IND1CAÇAO BIBLIOGRÁFICA

Introdução à filosofia

ARANHA. M. L. A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2. cd. rev. atual. São


Paulo. Moderna. 1993.

. Temas de filosofia. São Paulo. Moderna. 1992.

CASSIRER. Ernst. Antropologia filosófica. São Paulo, Mestre Jou, 1972.

CIIALT, Marilena c outros. Primeira filosofia: lições introdutórias. São Paulo, Brasiliensc, 1984
(ver a atual, em 2 v.).

. Convite à filosofia. São Paulo, Ática. 1994.

CORBISIER, R. C. de A. Introdução ã filosofia. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1983.

GlLES, T. R. Inírodução à filosofia. Sao Paulo, EPU/Edusp. 1979.

HLTSMAN, D. e VERGEZ. A. Compêndio moderno de filosofia. Rio de Janeiro, Freitas Baslos.


1968. 2 v.

JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo. Cultrix. 1971.

MAR í AS. J. Introdução à filosofia. São Paulo, Duas Cidades. 1960.

MORENTE, M. G. Fundamentos de filosofia - Lições preliminares. 2. ed. São Paulo, Mestre Jou, 1966.

REZENDE. Antonio (org.). Curso de filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar/Seaf. 1986.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo, Cortez. 1992.

História da filosofia

BOCIIENSKI, 1. M. A filosofia contemporânea ocidental. 2. ed. São Paulo. Herder. 1962.

BRÉH1ER, Émile. História da filosofia. São Paulo. Mestre Jou. 1977-198!.

CHÂTELET. F. História da filosofia — Idéias, doutrinas. Rio de Janeiro, Zaliar, 1973-1983. 8 v.

HEIMSOETH, H. A filosofia no século XX. São Paulo, Saraiva, 1938 (Col. Studium).

H1RSCHBERGER. J. História da filosofia. São Paulo, Herder. 4 v.

HU1SMAN. D. c VERGEZ, A. História dos filósofos ilustrada pelos textos. Rio de Janeiro, Freitas
Bastos, 1970.

SCIACCA. M. F. História da filosofia. São Paulo. Mestre Jou, 1966. 3 v.

245

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Dicionários de filosofia

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1970.

BRUGGER, W. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo, Herder, 1969.

CUV1LL1ER, A.-J. Pequeno vocabulário da língua filosófica. 2. ed. São Paulo. Nacional, 1969.

JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 1989.

JOL1VET, R. Vocabulário de filosofia. Rio de Janeiro, Agir, 1975.

LALANDF, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo, Martins Pontes, 1993.

LOPES DE MATTOS, C. Vocabulário filosófico. São Paulo, Edições Leia. 1957,

MORA, J. F. Dic ionário de filosofia. Lisboa, Dom Quixote, 1978.

Dicionários de pedagogia

CORMARY, Hcnry (dirj. Drcíowdno Lisboa, Verbo, 1980.

DUARTE, Sérgio Guerra. Dicionário brasileiro de educação. Rio de Janeiro. Ed. Autores/Nobcl.
1986.

FOULQU1É, Paul. Diccionario de pedagogia. Barcelona, Oikostau, 1976.

LAENG, Mauro. Dicionário de pedagogia. Trad. H. Rodrigues. Lisboa, Dom Quixote, 1973.

LE1F. J. Vocabulário técnico e crítico da pedagogia e das ciências da educação. Lisboa, Notícias.
1976.

LUZURTAGA, L. c MEDI NA, Lorcnzo. Diccionario de pedagogia. Buenos Aires, Losada,


1960.

História da educação

ABBAGNANO, N. c V1SALBERGII1, A. História da pedagogia. Trad. Glicínia Quartin. Lisboa.


Livros Horizonte, 1981-1982. 4 v.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. 2. ed, rev. atual. São Paulo, Moderna.
1996.

EBY, Frederick. Z/Afdria da educação moderna; teoria, organização e prática educacionais. Trad.
Maria Ângela Vinagre de Almeida, Nclly Aleotti Maia, Mal vi na Cohen Zaide. Porto Alegre,
Globo, 1962 (Fundo de Cultura Geral, 14).

246

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

HUBERT, René. História da pedagogia. 3. ed. Trad. Luiz Damasco Penna e J. B. Damasco Penna.
São Paulo, Nacional. 1976 (Atualidades Pedagógicas. 66).

LARROYO. Francisco. História geral da pedagogia. Trad. Luiz A. Caruso, São Paulo. Mestre Jou.
v. I: 2, ed., 1982: v. 2: 4. cd. atual., 1974 (com apêndice de Célio Cunha, “A educação no
Brasil'’).

LUZURÍAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. 4. cd. Trad. Luiz Damasco Penna e
J. B. Damasco Penna. São Paulo. Nacional. 1969 (Atualidades Pedagógicas, 59).

LUZURÍAGA, L. e MEDINA, Lorenzo. História da educação pública. Trad. Luiz Damas­


co Penna c .L B. Damasco Penna. São Paulo, Nacional, 1969 (Atualidades Pedagógicas.
71).

. A pedagogia contemporânea. Trad. Tdcl Becker. São Paulo, Ed. Nacional, 1951 (Atualida­
des Pedagógicas, S. 3, 53).

MARROU, Henri-Irénce. História da educação na Antiguidade. São Paulo, EPU/Edusp, 1973.

MONROE, Paul. História da educação. 16. cd. Trad. Idel Becker. São Paulo, Nacional, 1984 (Atu­
alidades Pedagógicas, 34).

PONC1L Aníbal. Educação e luta de classes. 7. ed. Trad. e pref. J. Severo de Camargo Pereira. Sao
Paulo, Cortez e Autores Associados, 1986 (Educação Contemporânea).

RIBEIRO, M. Luísa Santos. História da educação brasileira; a organização escolar. 6. ed. São Pau­
lo, Moraes, 1986.

ROMANELLI. Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil; 1930-1973. 9. ed. Petrópolis,


Vozes. 1987.

ROSA, Maria da Glória de. A história da educação através dos textos. São Paulo, Cultrix,
s.d.

XAVIER, Maria Elizabete e outras. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo, ETD, 1994
(Col. Aprender & Ensinar).

Revistas

CADERNOS DO CEDES. Campinas, Cedes Campinas. São Paulo, Cortez. Trimestral.

CADERNOS DE PESQUISAS. São Paulo, Fund. Carlos Chagas.

EDUCAÇÃO & SOCIEDADE. São Paulo, Cedes/Cortez. Quadrimestral.

EDUCAÇÃO HOJE. São Paulo, Brasiliense.

FÓRUM EDUCACIONAL. Instituto de Estudos Avançados em Educação. Rio de Janeiro, F. Getú-


lio Vargas.

REVISTA DA ANDES. São Paulo, Associação Nacional de Educação. Semestral.

247

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


prohíbe su venta o fotocopia

Coleções

ATUALIDADES PEDAGÓGICAS. São Paulo, Nacional.

LOGOS. São Paulo, Moderna.

OS PENSADORES. São Paulo. Abril Cultural.


- Se

POLÉMICA. São Paulo, Moderna.


texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado

POLÊMICAS DO NOSSO TEMPO. São Paulo, Cortez.

PRIMEIROS PASSOS. São Paulo, Brasil iense.

PRIMEIROS VÔOS. São Paulo. Brasiliense.

TUDO Ê HISTÓRIA. São Paulo, Brasil iense.

Orientação para trabalhos

SEVERINO. Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 12. ed. rcv. ampl. São Paulo,
Cortez. 1985.

. Métodos de estudos para o 2Ô grau. São Paulo, Cortez/Autores Associados. 1984.

248
Este

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado Se prohíbe su venta o fotocopia
73
73
C
O
>
co
m
n

73
TI
r.
3

CL

s
55

õ
o
>
“TI
Cl
>
C
O
CL m
Cl 73
>
T
G

•75

< &
N õ‘
cr> Q.
Cl

ro sC
4^
O
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Damasco Pcnnae J. B. Damasco Penna. São Paulo, Ed. Nacional 1974-1977. 5 v. (Atualidades
Pedagógicas, 1 13-1 17).

DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 4, ed. Trad.


Godofredo Rangel e Anísio Spínola Teixeira. São Paulo, Ed. Nacional, 1979 (Atualidades
Pedagógicas, 21).

DURKHEIM, Emilc. Educação e sociologia. 6. ed. Trad. Lourenço Filho. São Paulo, Melhoramen­
tos, 1965.

ECO, Umberto e BONAZZI. Marisa. Mentiras que parecem verdades. Trad. Giacomina Faldini.
São Paulo. Summus, 1980 (Novas Buscas, 6).

ESTABLET, Rogei; A escola. Trad. Lourenço Filho. Tempo Brasileiro, n. 35, out.-dez., 1973, p. 93-
125 ed.

ESTABLET. Roger e BAUDELOT, Christian. Decole capitaUste en France. Paris, Maspero,


1971.

FARIA, Ana Lúcia G. de. no livro didático. São Paulo, Cortez e Autores Associados.
1984 (Polêmicas do Nosso Tempo, 7).

FESTER, Antonio Carlos Ribeiro (org.). Direitos humanos e... São Paulo, Brasiliense, 1989.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler, em 3 artigos que se completam. 2. ed. São Paulo,
Cortez. 1982 (Polêmicas do Nosso Tempo, 4).

. Educação como prática da Uberdade. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 197 I (Ecumenismo
c Humanismo, 5).

. /Wffgrzgró do oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980 (O Mundo, Hoje, 21).

FREIRE, P. e oulros. Vivendo e aprendendo', experiências do 1DAC cm educação popular. 8. ed. São
Paulo, Brasiliense, 1985.

FR El TA G, Barbara. Escola, Estado á sociedade. São Paulo, Moraes, 1980.

. O indivíduo em formação. São Paulo, Cortez, 1994.

. de Antígona: a questão da moralidade. Campinas, Papirus. 1992.

FURTER. Picrre. Educafãtf e reflexão. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1972 (Educação c Tempo Pre­
sente, 1).

...... Educação e vida. Petrópolis, Vozes, 1972 (Educação e Tempo Presente, 3).

Juventude e tempo presente: fundamentos de uma pedagogia. Trad. Paulo Rosas. Petrópolis,
Vozes, 1975.

GADOTT1, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 2. ed. São Paulo,
Cortez, 1983 (Educação Contemporânea).

. Educação epoder: introdução à pedagogia do conflito. 3. ed. São Paulo, Cortez, 1982 (Edu­
cação Contemporânea),

. Pensamento pedagógico brasileiro. São Paulo, Atiça. 1987 (Fundamentos, 19).

250

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

GADOTTL M. e outros. Pedagogia: diálogo e conflito. São Paulo, Cortez, 1985 (Educação Con­
temporânea).

GILliS, Thomas Ranson. Filosofia da educação. São Paulo. EPU. 1983.

GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. Trad. Dagmar M. L. Zibes. São Paulo, Cortez e
Autores Associados. 1987 (Polêmicas do Nosso Tempo, 20).

GRAMSC1. Antonio. Concepção dialética da história. 6. ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro. Civilização Brasileira, 1986.

. Os intelectuais e a organização da cultura. 5. ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1985 (Perspectivas do Homem. 48).

. Literatura e vida nacional. 3. ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro. Civiliza­
ção Brasileira, 1986.

GUSDORF, Georgcs. A fala. Porto, Despertar, s.d.

HARPER, Babette e outros. Cuidado escola!; desigualdade, domesticação e algumas saídas. 11.
Trad. Lctícia Cotrim. Aprcs. Paulo Freire. São Paulo. Brasiliense, s.d.

ILLICH. Ivan. Sociedade sem escolas. 2. ed. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Ortb. Petrópolis, Vozes, 1973.

JAP1ASSU, H. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro, Imago, 1975.

. Nascimento e morte das ciências humanas. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1978.

KNELLER. George F. Introdução àfilosofia da educação. 8. ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janei­
ro. Zahar, 1984.

LA TAILLE. Yves de e outros. Piaget, Vygotsky. Wallon: teorias psicogenélicas ern discussão. São
Paulo. Summiis, 1992.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública; a pedagogia crítico-social dos conteú­
dos. São Paulo. Loyola, 1985 (Educação, 1).

MELLO. Guiomar Namo de. Cidadania e competitividade. 2. ed. São Paulo. Cortez. 1994.

Educação: paixão, pensamento e prática. São Paulo. Cortez. 1986.

MILANESI. Lliís. A casa da invenção. São Paulo, Siciliano, 1991.

MIZUKAMI. Maria da Graça Nicolelti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo, EPU.
1986.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo, EPU/Edusp, 1974.

NE1LL, A. S. Liberdade sem medo (Summerhill). 2. ed. Prel. Erich Frornin. Nair Lacerda. São Pau­
lo, Ibrasa, 1965 (Bibl. Temas Modernos, 20).

NOSELLA, Maria de Lourdes Chagas Deiró. Ai belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos
didáticos. 5. ed. São Paulo. Moraes. 1981.

OI JVEIRA LIMA, Lauro. Mutações em educação segundo McLuhan. 6. ed. Petrópolis, Vozes, 1973
(Cosmovisão. 1).

251

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta fotocopia
75
75
C
O
>
to
cn
to
£Z'
Q
Õ?

O
cn
O
õj'

Q_

m
CL
c
r>
Q)
qj>
co. São Paulo, Scipionc, 1993.

o
OLIVEIRA, Marta Kohi dc. Vygofsky: aprendizado e desenvolvimento; um processo sócio-históri­
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

SEVER1NO. Antonio Joaquim. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo, EPU, 1986.

Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo, FTD, 1994.

SILVA. Sônia Aparecida Ignacio. Valores em educação; o problema da compreensão e da


operacional ização dos valores na prática educativa. Petrópolis, Vozes, 1986.

SILVA, Tomas Tadeu da (org.). Teoria educacional critica em tempos modernos. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1993.

S1LV,'\ JÚNIOR, Celestino Alves da (org./ Derme vai Saviani e a educação brasileira: o simpósio
de Marília. Vários aurores. São Paulo. Cortez, 1994.

SNYDERS. Georgcs. Alunos felizes: rellexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.

. A pedagogia em França nos séculos XVII e XVIII. In DEBESSE, M. c MIALARET. G.


Tratado das ciências pedagógicas, v. 2: História da pedagogia.

. Pedagogia progressista. Coimbra, Altnedina, 1974.

. Escola, classe e luta de classes. 2. ed. Trad. Maria Helena Albarran. Lisboa, Moraes. 1981.

SNYDERS, Georgcs e outros. Correntes atuais da pedagogia. Lisboa, Livros Horizonte, 1984 (Bi­
blioteca do Educador Profissional, 85).

SUCHODOLSKL Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas. 3. cd. Trad. Liliana


Rombert Soe iro. Lisboa, Livros Horizonte, 1984 (Biblioteca do Educador Profissional,
18).

TEIXEIRA. Anísio Spínola. Educação não éprivilégio. 4. ed. São Paulo. Nacional. 1977 (Atualida­
des Pedagógicas, 130).

. introdução ã filosofia da educação. 7. ed. Sao Paulo, Nacional, 1975.

VALLE, Edesio c QUEIROZ, Josc J. (org.). A cultura do povo. São Paulo, Cortez e Moraes, 1979.

VIEIRA PINTO, Álvaro. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. Rio de
Janeiro, Paz u Terra, 1969 (Rumos da Cultura Moderna, 20).

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. Sâo Paulo, Martins Fontes. 1991.

. Pensamento e linguagem. Sao Paulo, Martins Fontes, 1993.

XAVIER. Maria Elizabete S. P. Poder político e educação de elite. 3. ed. São Paulo, Cortez. 1992.

253

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação


Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia

Filosofia
da Educação
Em edição revista e ampliada

Nesta edição revista e ampliada procedé­


mos à atualização de alguns temas e à refor­
mulação de outros, com a finalidade de me­
lhor encaminhar as discussões a respeito dos
problemas que a realidade educacional nos
apresenta e das principais teorias pedagógi­
cas contemporâneas.
Para tanto, partimos do exame das rela­
ções estabelecidas entre os homens ao pro­
duzirem sua existência, e chegamos à com­
preensão crítica dos pressupostos filosóficos
que estão subjacentes às formas de pensar e
agir. Com os fundamentos antropológicos,
axiológicos, epistemológicos e políticos toma-
se possível alcançar maior rigor conceituai na
análise crítica das teorias pedagógicas.

ARRUDA Ma. Lúcia. Filosofia da Educação

Você também pode gostar