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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E

TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL, CAMPUS


VACARIA

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

RENATA AMARAL MENIN

VACARIA/RS

2023/01
RESENHA: LAHIRE, B. (1997). Sucesso escolar nos meios populares. As razões
do improvável.
São Paulo: Editora Ática, p. 11-70 e 334-358.

Prelúdios é a seção que inicia o texto, Lahire inicia a obra com uma breve
descrição da família de uma das crianças entrevistadas, contextualizando, assim, a
subsequente apresentação de suas perguntas de pesquisa.

Uma família que acumula tantas “deficiências” poderia levar uma criança a ter
“sucesso” na escola?
As famílias não totalmente desprovidas de recursos, possuem filhos com enormes
dificuldades escolares, ao passo que outras cuja características objetivas levariam a pensar
que a escolaridade dos filhos poderia ser custosa, possuem crianças com boa situação
escolar.
Esse estudo visa compreender as posições escolares de crianças da 2 série e 1 grau
em relação à sua situação ao cruzamento de configurações familiares específicas e do
espaço escolar. Estudar os fenômenos de dissonâncias e de consonâncias entre
configurações familiares e o universo escolar através do desempenho e comportamento
escolar de uma criança de 8 anos.
Ele se questiona, como é possível que configurações familiares engendrem
socialmente crianças com níveis de adaptação escolar diferentes? Quais as diferenças
internas nos meios populares suscetíveis de justificar variações ás vezes consideráveis,
na escolaridade das crianças? O que pode esclarecer o fato de que uma parte delas tem
probabilidade muito grande de repetir o ano no curso primário, consegue escapar desse
risco e ocupar lugares melhores na escola?
Preocupou-se em estudar e coletar dados sociológicos de famílias, através de
entrevista, para então a pesquisa ser conduzida de maneira reflexiva sobre os momentos
passados em cada relatório.

Moradores da periferia de uma grande cidade, os pais desta criança tiveram onze
filhos, são imigrantes, analfabetos e possuem parcos conhecimentos da língua francesa e
do sistema escolar (funcionamento, desempenho dos filhos, disciplinas etc.). A criança é
boa aluna, como isso é possível, tendo em vista esse contexto? Lahire (1997) nos recorda
que esses dados poderiam fazer parte de alguma pesquisa estatística que objetiva explicar
desempenhos escolares a partir de um conjunto de indicadores objetivos (local de
residência, escolaridade/situação profissional dos pais, número de filhos etc.).

Lahire (1997) argumenta que crianças de famílias não totalmente desprovidas de


recursos (capital escolar, principalmente) podem apresentar grandes dificuldades na
escola, enquanto outras, de famílias mais carentes, podem constituir exemplos de sucesso.
Por outro lado, famílias com níveis de renda/escolaridade semelhantes podem engendrar
crianças com desempenhos escolares muito distintos, apesar desta similaridade de
capitais. O entendimento dessas situações pode, portanto, representar um verdadeiro
desafio sociológico para pesquisadores que levam em conta somente dados estatísticos
relativos a indicadores como, por exemplo, renda e escolaridade. Para o autor (1997),
determinadas diferenças “secundárias” entre as famílias, podem ser chaves importantes
para a compreensão dessas situações atípicas.
Ressalta a importância de estabelecer uma articulação entre o plano da reflexão
macrossociológica, baseada em dados estatísticos, e aquele da descrição etnográfica de
objetos singulares; sugerindo que as abordagens estatísticas deveriam ser alternadas com
outras, capazes de interligar as variáveis em tecidos sociais específicos ou configurações
sociais singulares.

O autor critica o fato de que as abordagens estatísticas podem reunir realidades


muito distintas numa mesma categoria, sacrificando, portanto, a sua singularidade, que
pode ser importante para a compreensão do problema. Segundo Lahire, os dados são
abstraídos de seus contextos, e as situações sociais, que possuem uma lógica própria
acabam se transformando segundo a lógica do quantificável/mensurável, por meio da
utilização de critérios e variáveis objetivantes (LAHIRE, 1997).

No primeiro capítulo, “O ponto de vista do conhecimento”, pode-se observar que


desenvolve com mais precisão, a sua visão teórica e prática. O autor inicia o capítulo com
a sua concepção de criança, estabelecendo que seus comportamentos, ações, reações e
personalidade são incompreensíveis fora das relações sociais familiares; seus esquemas
comportamentais/cognitivos são gradualmente construídos por meio da particular
configuração de relações de interdependência na qual a criança está inserida. Não se trata,
porém, de uma reprodução direta das formas de agir da família, mas de um processo
baseado no espaço de comportamentos/representações que se apresentam como possíveis
para a criança, delimitado de maneira não consciente pelos adultos, por meio de suas
atuações cotidianas. Os traços de personalidade da criança são, portanto, produto de sua
socialização passada, mas permanecem em constante atualização no presente.
No capítulo 2, “Fracasso” e “Sucesso”, traz informações sobre o longo processo
de escolha e constituição da população entrevistada (27 alunos selecionados dentre 139),
o qual foi baseado num conjunto de escolhas teoricamente construídas. Também discorre
mais a fundo sobre a questão do sucesso/fracasso e sobre a autonomia dos alunos, tão
desejada pelos professores e relacionada ao conjunto de disposições/competências
adequadas à cultura escolar. Para o autor, essa autonomia é consequência de um ethos
capaz de reconhecer imediatamente as regras do jogo escolar.

O autor finaliza a obra ressaltando que a noção de incorporação de estruturas


sociais é apenas uma metáfora. As estruturas mentais/cognitivas são elaboradas
socialmente, por meio de práticas de linguagem e formas de relações sociais específicas:
“dizer isso constitui o único meio de não tornar o processo de ‘interiorização da
exterioridade’ (...) algo misterioso e que não pode ser analisado em si mesmo” (LAHIRE,
1997, p. 354).

Enfim, pode-se observar é uma obra muito rica e relevante, capaz de propiciar
muito aprendizado e reflexões diversas. A obra transcende muito a pesquisa apresentada
e a própria temática da educação escolar, já que Bernard Lahire aproveitou seus achados
empíricos para embasar discussões mais amplas, relativas a questões metodológicas e
epistemológicas muito importantes para as Ciências Sociais.

Referências
LAHIRE, B. (1997). Sucesso escolar nos meios populares. As razões do improvável.
São Paulo: Editora Ática, p. 11-70 e 334-358.

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