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A Arte Mágica
A Arte Mágica
INTERNACIONAL
DA MÁSCARA
mágica
MEMÓRIAS ARTÍSTICAS
A mlelo Sartori
artísticas 1 129
As tormas da invençdo - Memórias
XVI-XVII, até o in- Portanto, o problema
(lell'Artcitaliana dos séculos
surgiu, natural- refazer as máscaras seria,hoje
teiro Goldoni. A certa altura, scgundo
a
gMfica histórica,
relativaa cadatradição
apaixonou devido às enormes obra
e a novidade do ponto de vista, dificuldades
Panta- sentaria), mas o dc rever
profundamente; isso: os vários Zanni, isso
parcccrann-nnc tório iconográfico com completamente
leão, Arlequim, Briguela, etc., cognição o
c
identificados dc modo sennpre muito aproxi- modernas. Em outros
termos,seria
ou tentar refazer uma tolo
mativo e com caracteres iconográficos c psico- máscara
dcArlequim
lógicos apenas grosseiramente definidos. mais semelhante possívcl
à usadapor
Uma investigaçãomaisaprofundada revelou- que ou Fiorilli ou ainda
por um
-me, sucessi\amente,a existência de toda uma Companhia de Flaminio Scala; da
Arlequim
mas
tipologiaiconográficaconsequente em sentido o caráter particular clo identificar
Amleto Sartori em seu
Arlequim dc
estúdio-ateliê. umade.
Pádua, Istituto d'Arte "Pietro
históricoe relatisa a cada um destes persona- terminada comédia e realizá-losegundo
Selvatico", 1950. gens;sem levar em conta, além disso, a questão sensibilidade moderna. Irá se
tratar,enfim,
relativa ao ator que assumia o papel da máscara. construir uma máscara que, mesmo
possuindo
bre a qual o couro era estendido e modelado, e Dois Palrões para as turnês do Piccolo Teatrode
o testemunho escrito sobre a existência de cer- Milão pela América do Sul e Europa setentri(h
tos "moldes em chumbo usados para máscaras" nal. Outra interessantíssima contribuiçãopara
(Biblioteca Marciana, Veneza). Daqui veio o o meu aprofundamento técnico foi o conheci-
ponto de partida. Quanto ao resto, por um lon- mento direto das máscaras teatraisjaponesas
go período de experimentação em que provei em Veneza por meio da CompanhiadoTeatro
muitíssimostipos de materiais e infinitas per- Imperial de Tóquio na representação dealguns
cepçôes, em grande parte, confiei no bom sen- espetáculos Nô (1955).
so. Com a ajuda de amigos técnicos em couro, Tratava-se de uma série de máscarasemma-
posso dizer hoje que obtive resultados inespe- deira esculpida, pintada e laqueadade beleza
rados se se pensar que consegui obter máscaras
excepcional e fruto de desconcertanteperícia
de fortíssimo relevo com couro curtido e
cores técnica. Disto tive ampla confirmaçãona su-
naturais, e depois com couro curtido
especial pramencionada coleção do Museu Scala,no
branco, e depois pintado.
Museu de Arte Oriental de Veneza,no Museu
Os materiais de que a técnica
me permitiram sistemas de
atual dispõe Chiossone cle Gênova, no Museu Guimetem
impermeabilização Paris e no Volksmuseum de Viena.
e dc fixação das cores,
para ter uma máscara em de
couro, cujas características Com a laca, iniciei há tempos uma série
de leveza e elastici-
dade são inimitáveise experimentos em larga escala, com a finalida-
permitem-me hoje a rea-
lizaçâode peças cujo brilho e de de obter exemplares em madeira esculpida
fa-
são galantidos e inalterabilidade e laqueada. Por mais imprudente que seja
absolutamente superiores
ponto de vista técnico) (do lar de sucessos,tenho a impressãode ter
aos exemplares
camente ilustres que
até hoje nos
artisti- tido resultados técnicos muito satisfatólios•
de
chegaram.
O recente
arrolamento da especialmente no que se refere à exigência
caras pertencentes coleção de más- novos
a Renato Simoni vultos completos. Já estou preparando
scala de Milão no Museu de mate
permitiu-me examinar experimentos, inclusive com tipos e
peças riais particularíssimos e outrora inexistentes;
132 | A Arie
Mágica
adequadosà importância capital do
espero,
elenwntomáscaülno teatro moderno.
causado pelas minhas más-
0 entusiasmo
como Barrault,
em amigos valorosos
Lecoq, Axel, De Bosio, etc., fez-me
strelller,
compreender claramente que a necessidade
estética das máscaras, ob-
deumaroa101izaçâo
medianteuma elaboração séria, poderá
tid,ms
o públicoe os homens de teatro a uma,
diremosassim,redescoberta do valor funda-
mentaldo elemento máscara, trazendo com
umacontribuiçãoválida para que o teatro
isso
a
continue uma profunda e vigorosa.
Naquelepeúodo, o mimo Jacques Lecoq
de Paris para ensinar mimo e im-
foichamado
e tornamo-nos amigos. Foi para
prmisaçâo,
mimuma coisa importante, pela abertura a 34 7)
ummundopor mim ignorado. Depois Jacques
transferiu-se
para Milão.
NaUniversidade
de Pádua pude encontrar-
-metambémcom Ludovico Zorzi, hoje reco-
nhecido
comoo mais eminente estudioso do
grande
comediógrafoda Pádua quinhentista:
Ruzante.
Foi com ele e por seu mérito que
pudemeaprofundar em muitos problemas re-
a Ruzantee ao teatro renascentista vêne- Europa e pela Annérica do Sul. Discutiu-se longa- Arlecchino
máscara de Amleto Sartori
toe penetrarem infinitos e fascinantes temas. mente a propósito do caráter das máscaras.De-
Commedia delCArte, direção de
Minhas máscarasforam vistas por Strehler, cidiu-se fazê-las em couro. Começou então uma Jean-Louis Barrault
quemandoume chamar. Encontramo-nos em luta surda para alcançar uma perícia técnica e papel machê pintado
Paris, Teatro Marigny. 1951.
Veneza.
Quasehouve uma briga, mas nos enten- recavar da obscuridade de uma tradição perdida
(lemosRil)idmnente.Comecei a trabalhar com os personagens da Commediadell'Artena essência
0 Piccolo
de Milãofazendo de início máscaras que, mais que qualquer investigaçãoou estudo,
neutras
paraa escola e depois as primeiras em Moretti revelara-me com a sua vememilagrosa.
Papel
machépara L'Amante Militare [O Amante Mobilizei todos os meios de que dispunha e fiz as
Militar)
de Goldoni. Conheci, máscaras. Todos se entusiasmaram. Não poderia
então, Marcello
Moretti
e, após um
embate, tornamo-nos amigos. dizer com exatidão quantas fiz desde então. Cer-
Depois
de alguns meses tamente muitas, e a cada vez com a sensação de
fui chamado a Bolo-
dpelodoutor
Grassipara me encontrar com quem dá um salto no escuro nelas reencontran-
Strehler
r
para aquele festival
de prosa o Piccolo do os tipos conhecidos ao longo de uma vida es-
(vprcsenta\a
OPIil,Noi Vivitono! [Opa, Estamos ticada como uma corda, ou entrevistos em meio
de Toller. aos tênues limites que separam o sono da vigflia
Projetava-se a retomada do
debois
Patu;es,em função da tumê pela ou a consciência fluida dos delírios.
artísticas1 137
invenção - Memórias
As formas da
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Arte
M
…
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nos levar a Mestre, economizando
um lon
arco de estrada. Só que, de sua
infânciaaté
tão, vários anos haviam passado; e logo
nos
correndo sobre sendas ásperas que
margea\am
os campos e acabavam quase sempre
em
farvaclos. Corremos até noite alta para
conseguir
sair dali. Antes, porém, fomos tomados de
assalto
por um bando de cachorros vira-latase
tivemos
que nos defender com torrões e pedras.
Depois
foi a vez de uma horda de gansosgigantescos
que literalmente nos cercaram próximoa um
casario rural. Ele desceu da vespa e começoua
imitá-los correndo, e os gansos a segui-lo;depois
voltava correndo, com o andar deles, e os gansos
a fugir com muito barulho. Parecia uma cenade
Brueghel. Lembro que não conseguisegurara
vespa e deixei que caísse por terra, sentandoem
cima dela e desatando em risadascomopoucas
vezes me aconteceu. Marcello interpretavapara
si e para mim um trecho de Commedia dell'Afte
que saía espontaneamente de seu sangue antigo,
encharcado no sal da civilizaçãovêneta.
Dentre minhas mais gratas lembranças
encontra-se uma visita nossa feita a uma vila
chamada "La deliziosa", em Montegaldella,
localidade próxima à Riviera dei Berici,não
muiuto longe de Vicenza. Uma vila estupen-
e
da, projetada, parece, pelo próprio Palladio,
que é ornada por um singularjardinete situado
atrás do corpo principal; impossívelalcançá-lo
se não se conhece. Em tal jardinete, realizado
segundo os mais reconhecidos cânones do cha-
mado "jardim à italiana", estão preciosamente
instaladas estátuas, em tamanho natural,es-
até a última guerra, partiam os pequenos barcos culpidas admiravelmente por uma mão que,
a vapor, que, cortando as profundezas da lagu- mesmo sem ser de primeira grandeza,era,cer-
na, chegavam a Veneza, na degli Schiavoni. tamente, de um ótimo estatuário dono de ofici-
Reencontramos aspectosde um mundo ligado na: Orazio Marinali de Vicenza. Estasestátuas,
a sua e a minha infância; e o desfrutamos como da
únicas no género, representam as máscaras
Amleto Sartori. Modelopara dois estudantes em férias.
Commediadell'Arte.Entre elas há um Arlequim.
roupa de Arlecchtno. Quando decidimos voltar era quase noite. esta
Arlecctuno Servitore dl Due Padroni Para quem conheceu Marcello, ver
Com segurança, indicou-me uma estradinha
(Arlequim. Servidor de DOIS PatrOesl que estátua seú certamente uma coisa impressi(Y
carvao sobre pape14nantoga. 1950. entrava pelo campo e que, segundo ele, roupa
deveria nante. Menor que as outras, com uma
artísticas 1 141
As lormas da invenção - Memórias
Estavam comigo, além do
pároco
giano Fernando Cardcllin (Giga),
o •
chefe de Solesino e o partigiano Pano
chefe Marcello
Olivi (Ronco). De repente, fomos
avisados
a casa estava cercada pelas SS. Não que
tempo para nos mover. Logo depois, tivemos
atravésda
vidraça opaca do aposento, reconheci
a notafi.
gura do tenente Trentanove. Ele e outras
duas
ou três figuras irromperam na salae
levaram.
para fora separando uns dos outros.
De.
pois de uma sumária revista dos documentos
os outros foram soltos e eu levadoao Palazzo
Giusti: sofri um duro interrogatório a respeito
dos motivos pelos quais estava em contatocom
o pároco. Fui acusado e ameaçado\iolenta-
mente pelo Corradeschi, pelo MarioChiaretto
e pelo Trentanove. Neguei qualqueracusação
e aleguei a justificativa de trabalhos de escultu-
ra que estava fazendo para a igreja.Nãoapa-
nhei. A noite fui solto.
A segunda prisão aconteceu aproximada-
Arnleto Sartori, Grotesco não falar a ninguém sobre seu mal. Ocorre-me mente um mês depois. Eu estavano átriodo
Pádua, Museo Civico, 1928.
frequentemente pensá-lo vivo; acontece sem Instituto de Arte "Pietro Selvatico",ondeensi-
querer, e muitas vezes me pego deixando de no, por volta das nove e meia da manhã.Sem
lado alguma coisa (dias atrás um livro) que ele
se fazer notar entrou um homem comumja-
queria conhecer. Depois vem a realidade, e não
quetão de couro que me pareceujá ter\isto
consigo me convencer; é atroz, mas chegou
em outro lugar. Tratava-se do Cecchi;quando
para mim a hora de sentir-me muito mais
só. o reconheci, o zelador já havia me indicado
a ele. Cecchi pediu que o acompanhasse por-
O laboratórioda humilhação que, disse, "o major Carità precisa de algumas
Fui preso duas vezes. A primeira, informações suas". Só tive tempo de pegar
de doze de fevereiro de 1945,
por volta sobretudo e avisar um amigo para quefosse
aproximadamen- dado o alarme.
te às dez da manhã. Estava
na casa paroquial de
da Igreja de São Prosdócimo Fomos ao Palazzo Giusti a pé. Depois
onde eu tinha um fui
encontro marcado com o mais ou menos uma hora e meia de espera
pároco dom Antonio
Varotto para combinarmos levado a uma sala (a última à direitaentrall'
a distribuição de tenente
volantes e a fabricação de do pelo salão da escadaria), onde o
documentos para os falando
Trentanove sentava à escrivaninha
depois
animadamente com um "tipo" que essoas,
be ser o Squilloni. Havia ainda outrasp
7 - que partilha uma
po; que pertence a ideia, uma
um grupo armado, facção ou gru-
guenilha contra os que
invasoresdo próprio participa da
um governo considerado país ou contra de
ilegítimo; durante Guerra Mundial, pertencente a um moümento
a Segunda
tência contra os nazifascistas. (N. T.)
142 1 A Arie
Mágica
na hora e
lem-
r econheceu-me
frentanovc
ofendidoque eu fizera quando
0 doar alegando minha ino-
rimeitaprisão,
esfregavaas mãos e bebia go-
sqllilloni
uma garrafa.
pingas de
-de começou com uma cor-
interrogatório
0 portanto suspeita. Repen-
sagcrada,
teiac por conta de minhas sucessivas
tinannente,
Squilloni enfureceu; tirou da gaveta
titilto
de Farmacologia Universidade de sos engenhos, das sofisticarias,
pesquisava obs- modelo em bronze para
minhas experiências de
Pádua foio centrode tinadamente os valores da arte. Dizia
detestar
o monumentoa Ruzante
"desnaturalida-
justamente em contraste com a
experiênciaem
pelos rostos dos personagens de Beolco; de- de" do primeiro Ruzante. Uma
já àscon-
senhava-oscontinuadamente, e uma preciosa sentido contrário (que dedico desde
realizei
série está contida nas duas edições paduanas, versações de um tempo com Amleto) da
encenação
de 1953 e 1954, de Anconitana e Vaccaria,or- junto de Luzzati e de Cali com a
procurei
ganizadas por Ludovico Zorzi. Amleto ficaria ópera nova de Azio Corghi Gargantua:
rabelaisiano
tão feliz se os personagens de Ruzante tivessem restituir, com as máscaras, o senso carna-
\isáo
Amleto Sartori. Estudo para a
vestido a máscara, as suas máscaras! Eu estava da cultura cómica popular como
programaticamente irredutível frente a este so- bakhtiniana
roupa do Pai. 1952 valesca do mundo, a concepção camposdl-
nho seu, não queria cobrir os rostos dos atores,
Sei Personaggi in Cerca d'Autore
do corpo grotesco. Mas estamos em
que do
COITO
[Seis Personagens à Procura de um deveriam conquistar de dentro, na açáo cénica,
Autor) de Luigi Arandello versos dos do teatro de Ruzante, fantasma•
a mesma peremptoriedade das expressões de
têmpera sobre papel "de açúcar" de- grotesco faz essencialmente tema
Ia Indicar azul-escuro). senhadas por Amleto: "Vamos fazer com camponês.
que goria por parte do personagem
152 | A Arte
Mágica
| 153
espelho de vida
- Máscara
da invençáo
As lormas
A GEOMETRIA A SERVIÇO DA
EMOÇÃO
Jacques Lecoq
encontro com
Amleto Sartori máscara neutra". Era derivada
O meu
das experi- Jacques Lecoq
ências feitas na escola do interpreta uma máscara expressiva
em Pádua em 1948 para ensinar Vieux-Colombier
Cheguei por Jacques Copeau, de quem Jean dos Sartori
e impro\isaçãoaos atores do teatro Dasté foi Paris. École Internationale de
1110\imcnto aluno e continuador. A máscara, privada
daquela cidade. O grupo de jovens de Théâtre, 1970.
Illiivcfritário expressões particulares, de aspecto vagamen-
foi uma das companhias piloto na
profissionais te orientalizante (Copeau era fascinado pelo
do pós-guerra,trazendo à luz obras de
Itália teatro Nó) representava aquilo que homens e
e de Ruzante, representando
Brecht L'eccezione
mulheres têm em comum, mesmo que a más-
[A Exceção e a Regra} e La Mosche-
claRegola cara utilizada pelos homens fosse diferente da
ta[AComédiaMosqueta]. Com a trupe pude destinada às mulheres.
umamímica aberta ao teatro, diferente
elaborar Ao chegar a Pádua, naturalmente, quis con-
formale estética, que na França estava
daquela, tinuar a experiênciacom a máscara,que me
em um verdadeiro gueto, e desenvol-
encenada influenciara tão profundamente, fazendo com
vero usoda máscara silenciosa e falante. que cada ator construísse sua própria máscara
experiênciacom a máscara teve iní-
Minha neutra. Precisava encontrar alguém que pu-
cioem1945com a Companhia dos Comédiens desse nos ajudar neste campo. Gianfranco De
deGrenobledirigida por Jean Dasté, primeiro Bosio, diretor da companhia, conhecia um
experimento de descentralização dramática na escultor que havia trabalhado para um espe-
Havíamospreparado uma figuração mí-
França. táculo sobre poesia negra e que realizara para
micaintituladaL 'Esodo[O Êxodo] que evocava a ocasião máscaras em madeira esculpida figu-
odramados camponeses obrigados a abando- rando grandes rostos negros. As máscaras não
narsuas\ilas e fugir pelas estradas na tentativa haviam sido feitas para serem vestidas, eram
deescaparao invasor. A guerra acabara de ter- usadas como elemento decorativo pelos atores
minare todos ainda sentiam fortemente estes que, colocando-as ao lado, plantadas sobre um
problemas. O espetáculo foi apresentado tam- bastão, criavam um espaço significativoapro-
I)émnosvilarejosde montanha onde o públi- priado à leitura poética.
jamaishaviaassistidoa uma representação Aconteceu assim o meu encontro com Am-
um
teatR11,
masaceitou sem problemas a conven- leto Sartori. Encontramo-nos em cima de
longo do
damáscara,a representação silenciosa e as andaime, a cinco metros de altura, ao
Pedrocchi, onde
\áriasmetamorfoses
a que nos submetíamos ao muro lateral do célebre Caffe
liostR111sformar, um novo afresco que
de vez em vez, em campone- Amlcto estava concluindo
ses, arruinado.
animais, multidão. substituía o antigo, completamente
jornal em forma de barca
Naquelaépoca utilizávamos uma másca- Usava um chapéu de
ra
queentão de gesso.Artista e arte-
chamávamos "máscara nobre", e uma blusa manchada
lhas
que em seguida de sua cidade.
preferi definir como são no espaço aberto
protegíamos com um verniz opaco para
refraçáo da luz dos projetores. A coisa
maisdi.
ficil, no entanto, era a modelação da terra
para
a máscara neutra. O resultado não foi muito
tisfatório. As máscaras neutras de neutro
tinham
apenas o nome; protuberâncias arrojadase bor_
das pontiagudas impediam separá-la da matrize
uma vez colocadas em nossos rostos,impediam
as emoções. Sartori observava nossosesforços
com muito respeito e um pouco de compaixão.
Depois, quando chegou o dia em que sede.
via ir para a cena representar a minha primeira
pantomima mascarada Porto di IVIare[Porto de
Mar] , inspirada no porto de Chioggia,Amleto
decidiu com autoridade e competência queas
máscaras seriam feitas por ele, as nossaseram
muito feias. Ninguém ousou opor-se a suade-
Neutra masculina Expliquei o projeto e ele, com entusiasmo, cisão; eu não esperava outra coisa,havíamos
máscara dos Sartori
introduziu-nos em seu lab01atório na escola nos livrado de um grande peso. Assim,com
Ia-espetáculo Tout Bouge
"Selvatico".Toda a companhia pôs-sea traba- as máscaras neutras de papel machê colado,
de e com Jacques Lecoq
Paris. 1970. lhar; cada um de nós procurava a máscara neu- teve início para Sartori sua aventura comas
tra sob o olhar curioso de Amleto. Preparamos máscaras, e para mim a história de uma longa
a terra, depois o gesso, e enfim a cola e o papel colaboração e de uma grande amizade.
seguindo a técnica que Jean Dasté me ensinara. Em 1951, deixei Pádua e fui a Milão,cha-
Ela preciso construir uma forma em terra para mado por Giorgio Strehler e Paolo Gassipara
dali extrair uma matriz em gesso, cujo interior criar a Escola do Piccolo Teatro e dirigiro
era borñfado com glicerina para evitar que a coro da Elettra [Electra] de Sófoclesno Teatro
máscara ficassecolada no momento de se des- Olimpico de Vicenza. Foi em um cafépróxi-
tacar. Eram construídas com dez camadas de mo ao teatro desta cidade, num dia de sole
papel de jornal cortado em pedacinhos, cola- à sombra das pedras,l que apresentei Sartori
dos uns sobre os outros com cola de amido, e a Strehler falando-lhe das máscaras que até
entre elas eram interpostos três extratos de tar- então havia realizado. O Piccolo Teatrojá ha-
latana: no início, no meio e no fim. Tudo isso via apresentado o Arlecchino, Semitoredi Due
era deixado a secar, depois, retirado da matriz, Padroni [Arlequim, Servidor de DoisPatróesl
era recoberto com um extrato de gesso inerte,
de Goldoni com o sucesso que todosconhe-
mistumdo a torrões de açúcar: um segredo que
cemos. Marcello Moretti, Arlequim genial,
Dasté conse:vavadesde os tempos do Vieux-
que marcou este papel com a sua personali-
-Colombiermas do qual não se sabia muito
a dade inventiva, ainda não usava a máscarae
utilidade, dizia-seque servia para evitar
extrato não gretasse depois de seco.
que o preferia uma maquiagem preta que criassesua
Respeitava escmpulosamente
este rito. Em No original, " (...) all'ombra delle pietre". Remeteàspe
seguida, com papel vitñficado dras dos monumentos de Vicenza. A passagemreapare
fino, lixáva-
mos a superficieque pintávamos cerei,como citação, no texto de Donato Sartori,A Cmadó
de marrom e
Máscaras,neste volume. (N. T.)
Ulnanváscara pode ser tecnicamente bem que se possa utilizá-la. Procurou, por muito
leita,belaaos olhos, Inas impossível de ser tempo ainda, a máscara neutra feminina, pas-
operada.F,precisoque a sua forma encontre sando sucessivamente da camponesa paduana
lidagmças ao corpo e ao movimento do ator. à jovem maravilhada, antes de se firmar sobre
"pode"exprimir tudo sozinha, precisa a mulher de todas as mulheres.
colocada Inovimento. Sartori chamou Seu filho, Donato Sartori, também ele es-
Motettia seu laboratório de Pádua várias ve- cultor que prossegue a obra do pai com o
e, poucoa pouco, trabalhando juntos, a acréscimo de suas pesquisas pessoais, teve a
do Arlequinn-\loretti ganhou vida. gentileza de doar-me a forma de madeira ori-
Antesde iniciara realização de unia másca- ginal da máscara neutra, matriz das máscaras
época.
Allilctoestuda\aa obra teatral, procurava que a minha escola utiliza desde aquela
Apenas os que vestiram uma miscara podem
icsti-la,
procuravacolher o objetivo da conhecer a emoção que ela encerra e quão
!
Cl)lcscntaçáo
e as capacidades da pessoa. En- profundamente isso nos toca. E como possuir
se revelar. Amleto,
"'lltlou
couronracioe resistente. Tratou este um segredo muito difícil de
uldttlial máscaras expressi-
de Iliodoa que não deformasse em em seguida, fez numerosas
'lato particularmente em selhos
0 suor do ator. Buscava melhorar vas inspirando-se
de Pádua e em
t"l'hnuaddlnente,
Uln dia decidiu fazer ulna professores da Uni\CISidade
Encontr¿e.anaque-
neutra couro para mim, Ia•sou políticos daquela época.
níseis, urna amálgama de
experiências, media les vultos, em vários
U em estado de alegtc
c eu ia experilnentá-la
em seu Ia- paixões que o colocavam par.
1956soltei a Pan»
ou grudada na pele que eu pro\ocagáo
I
A
As
comi- Tais experiências levaram-me a utilizar máscaras
Dcmonstraçôes mímicas fundar a minha escola de teatro levando
Commedia larvárias, vultos muito simples que apresentam
de Jacques Lecoq, go toda a série básica das máscaras da
máscaras da Commedia dell'Arte
dell'Arte,presente de Amleto em minha partida
um caráter preciso das formas cortantes,pun-
dos Sartori
couro patinado da Itália. Estas máscaras em seguida serviriam gentes, comprimidas... que funcionamcomo
'ádua. Teatro dell'Università, 1950. de modelo para numerosos outros criadores instrumentos e evocam semblantes animais.De-
de máscara na França e no exterior, e inspira- pois foram as "arquiteturas portáteis" (iniciadas
riam numerososespetáculosde meus alunos. com os arquitetos da Escola Nacional Superior
Elas ajudam-nos a compreender uma Commedia de Belas Artes em 1969) , grandes estruturasem
dell'AHemais próxima de Ruzante que de Gol- madeira, metal ou material plásticocarregados
doni, mais imediatamente inspirada naquela nos braços e manobrados no espaçocomoum
multidão que se apinha pelos mercados de Pá- veículo dinâmico provido de motor.
dua que na reconstruçãopseudo-históricade Os objetos movem-senuma representação
uma italianidade de museu. Comédia onde o abstrata sem se referir a qualquerfiguração
homem que precisa sobreviverberra seus me- humana. Encontram origem nas sensações fi-
dos, sua miséria, sua fome, e seus amores e se Sicas percebidas pelo corpo mímico no jogo
arranja"numa hierarquia social onde não há
das paixões (medo, ciúme, cólera...).
mais revolta,com um senso trágico do
irrisó-
rio que desnuda as fraquezas humanas.
Aqui,
a Commedia dell'AHe deixa a Itália para tornar-se Discurso sobre o uso da máscara
comédia humana e conquista, atore
dadeiro significado.
assim, o seu ver- A máscara coloca em relevo a açáo do
ao
Apósmeu peúodo italiano leva o caráter do personagem e da situação
prossegui as ex- tom
peñências com as máscaras essencial. Precisa os gestos do corpo e o fil-
trabalhando parale-
voz. Levando o texto para além do cotidiano,
lamentetambémsobre o boa
espaço:era o próprio
espaço a ser colocado diretamente tra o essencial e elimina o anedótico.
em jogo. expressi0
máscara é uma máscara que muda de
158 1 A Arle Mágica
Se permanece igual mesmo veste e do espaço que a circunda. As máscaras
semove.
ator mud a
de atitude, então é uma podem ser muito diferentes na forma e no espí-
do o
A máscara não deve fixar a ex-
morta.
rito, mas cada máscara teatral válida e bela tem
Illíscara não se pocle conceber
deummomento: em comum com as outras a capacidade de re-
transmitir a profundidade da essência humana.
muito tempo, tornar-se-ia
emcena por
manear
E neste nível que se assemelham uma máscara
Nê)e uma máscara da Commediadell'Arte,uma
não basta analisar seus
deumamáscaxa máscara africana e uma indonésia. O jogo da
atmvésde um discruso de significado,
símbolos máscara não é uma ciência exata, mas uma arte
conhecer seu comportamento por
preciso exata. Um discurso profundo sobre esse tema
dasucessãodos que ela su- não pode não ser poético (lá onde as palavras
Umamáscaülque seja apenas simbólica disparatam). A parte não dita é a maior, como
éumamáscan de representação, é apenas em todas as artes. Sem operar o termo "mági-
imóvelde uma ideia fixa.
amíscala co" que daria um tom misteriosoao tema, direi
neutra é a máscara de base que
Amáscara trata-se sobretudo de um deslocamento da geo-
estánocentrode todas as outras máscaras. Ela metria a seniço da emoção.
à calma que servirá para colher
referência
l'\áliaspaixõese estados dramáticos; não car- (De D. Sartori e B. Lanata (org.), Arte della
rega anteriores, está disponível a qual-
conflitos Maschera nella Commedia dell'AHe [Arte da
quer açáo.Agecomo uma pessoa em equilfl)rio. Máscara na Commediadell'Arte]. Florença, La
\'áosepodeseparar a máscara daquele que a Casa Usher, 1983, p. 163-66.)