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Nathan Salgado Lana: Renato Pensabem TH554 - História Do Brasil II
Nathan Salgado Lana: Renato Pensabem TH554 - História Do Brasil II
Renato Pensabem
INTRODUÇÃO
1
A dissertação sofreu algumas alterações, sendo uma delas um maior escopo cronológico, que passou
de 1868-1889 a 1850-1889. A década de cinquenta é o período em que a elite entra na política e o
marco de 68 o momento de reconfigurações partidárias com o fim da chamada Conciliação — o que
tornou mais fixa as bases ideológicas e programáticas. Ver em VARGAS, Jonas Moreira. Entre a
Paróquia e a Corte: os mediadores e as estratégias familiares da elite política do Rio Grande do Sul
(1850-1889). Santa Maria: UFSM, 2010. p. 29.
2
Estado em formação, e quando o pesquisador volta-se para essa dinâmica, é possível
compreender melhor “este gigante aparentemente tão conhecido por fora, mas pouco
observado por dentro”. 2 Noutras palavras, a construção e o funcionamento do sistema
político imperial, pouco privilegiado numa ótica menos centralizadora, representativa da
historiografia brasileira, especialmente na constituição do Império, com o lento progresso da
burocracia estatal e o surgimento dos cargos administrativos, em vista de dar conta do
território, da crescente complexificação social e seu desenvolvimento socioeconômico.3 Não
só, implantava-se agora um sistema representativo bicameral, a partir do qual novas leis
seriam propostas e as elites políticas das províncias se vinculariam ao governo.
Respectivamente, esta organização político-administrativa reuniria um exército de
magistrados dependentes dos ministros de Estado e novos protagonistas influindo na Corte
na figura dos parlamentares, eleitos nas províncias e interessados em proteger as agendas
particulares de suas regiões e a extensa clientela que lá controlavam e de onde tiravam seu
apoio.
Na contramão, têm-se os autores Nestor Duarte, Caio Prado Júnior e Nelson Wernek
Sodré, representantes de uma linha interpretativa do fazendeiro soberano em sua
propriedade, controlador da máquina estatal, uma ferramenta para atingir seus interesses. 5
Grande semelhança com os atores medievais, a ordem privada esmagava a ordem pública.
No entanto, logo se seguiu uma geração de pesquisadores afastados das dicotomias, ao
2
Op. cit. A citação encontra-se na sinopse do livro.
3
Op. cit. p. 19.
4
Op. cit. p. 22.
5
Ibidem.
3
relativizarem a existência de um único projeto de país e revelarem novos papéis das elites
políticas brasileiras. José Murilo de Carvalho considerou, assim como Evaldo Cabral de
Mello e Gladys Sabina, nas suas peculiaridades da linha de pesquisa, a implantação do
governo monárquico no Brasil independente como uma escolha entre outras possíveis;
necessitava-se manter a unidade, segundo ele, do território, ao contrário do arquipélago de
repúblicas vizinhas. 6 Ainda cita uma elite política homogeneizada e treinada para agir,
descolada da sociedade (visão que se repete), em função do projeto monárquico-centralista.
A participação do Estado ainda legava uma tradição demasiadamente centralizadora e as
elites ou são fatalmente reduzidas ao grupo saquarema, principalmente os cafeicultores
fluminenses, ou homogeneizadas em detrimento da miríade de perfis sociopolíticos no
Brasil. Por esse caminho, identifica-se as contribuições historiográficas de Ilmar Rohloff de
Mattos, discordante da homogeneidade da elite política como determinante na unificação e
no modelo político brasileiro. 7 Magistralmente, ele foi capaz de aproximar classe senhorial
e a direção construtiva do Estado imperial, com a complexificação das relações entre os
muitos protagonistas. Ainda assim, este se concentrou nos cafeicultores fluminenses, os
saquaremas, projetados sobre as elites provinciais, as quais tensionaram a cooptar e impor o
projeto centralista. O que, erroneamente, não levou em conta as conjunturas locais, algumas
identificadas com a centralização emergente.
Richard Graham, Maria Fernanda Vieira Martins e Miriam Dolhnikoff, trazem novos
referenciais teóricos calcados no entendimento de uma participação ativa das elites
provinciais no processo de construção do Estado. Particularmente, Graham conecta governo
central e proprietários de terras nas províncias por meio de uma ampla rede clientelística. 8
E, embora contribua com novos atores no palco político-social, ele toma os fazendeiros, diz
Vargas, “no mesmo pé de igualdade”, a ignorar as diferenças naturais de cada localidade e
até o grau de ingerência dos locais na Corte. Martins, por sua vez, foca as famílias dos
membros da elite política, no que ela identifica a importância dos vínculos estabelecidos,
por exemplo, entre os integrantes do Conselho de Estado e os proprietários de terras
negociantes locais — nunca isolados, envolvidos num jogo de alianças parentais e
clientelares que ia além dos cafezais fluminenses e penetrava as várias regiões do país. 9
6
Op. cit. p. 22.
7
Op. cit. p. 22-23.
8
Op. cit. p. 23.
9
Op. cit. p. 23-24.
4
Visão essa que, no livro de Jonas, tem vital importância e mais se aproxima a seu
entendimento, porém segue um caminho inverso (da paróquia à Corte) e, obviamente,
contrário as dicotomias tradicionais e a generalização de Graham.
OBJETIVOS
10
Op. cit. p. 24.
11
Op. cit. p. 53, 61 e 54, respectivamente.
5
peculiaridades identificadas quando comparados às elites da Bahia e do Ceará e dos seus
companheiros do sul que não conseguiram alçar voo até a Corte (os deputados provinciais).
No capítulo seguinte, agora quem estreia nas páginas são os “políticos de aldeia” e
as várias dependências mútuas firmadas no ambiente paroquial. O principal argumento de
Vargas visa deixar ao leitor explícito como a elite política e a cúpula desta, enredadas pelos
assuntos da Corte, estavam sempre cientes e plenamente envolvidos nas atividades locais.
Em torno deles, um verdadeiro séquito os orbitavam, não só nas listas de qualificação de
votantes, mas também na função de mão de obra e milícia. E é nisso que o terceiro e o último
capítulo toca sintomaticamente: a questão das relações Centro-Local e em alguns
pressupostos historiográficos quanto à mecânica imperial, na qual um conjunto de homens
são cooptados e recebem títulos nobiliárquicos em troca pelos seus serviços prestados.12 Na
construção de mais um perfil político e socioeconômico, Vargas repete o procedimento feito
com a elite política provincial, ao estabelecer as características comuns dessa nobreza,
largamente ligada aos parlamentares da Corte, quando eles próprios não davam início ao
projeto familiar de interferência política com o investimento em um parente. Só que desta
vez, a investigação se dá de forma mais ampliada, com o simples objetivo de reforçar o que
já foi dito antes. Daí seu esforço de microanálise da família Ribeiro de Almeida, forte
potentado na região da campanha e seu membro Severino Ribeiro Carneiro Monteiro,
formado em Direito na Academia de São Paulo e em pouco tempo mediador político entre a
paróquia e a Corte. 13 Numa constante escalada de complementação, cooperação e conflito,
muito distante de um antagonismo esquemático entre os locais e o Império, o autor traça
uma narrativa ampliada para dar corpo aos exercícios de estratégias familiares postos em
movimento; o objetivo primário aqui era mostrar como a elite estudada e plenamente
envolvida no Local e no Centro, buscava moldar um melhor acesso aos recursos materiais e
imateriais através da mediação.
METODOLOGIA E FONTES
12
Op. cit. p. 191-192.
13
Op. cit. p. 234.
6
abordadas. A primeira é sobre um processo contra um popular chamado
Antônio Lourenço da Silva e Castro, condenado a cumprir trinta dias de cadeia
e uma multa de vinte mil réis, por ser um indivíduo que causa desordem e
turbulência. Quanto a segunda fonte, ficará em evidência os livros de atas da
apuração eleitoral de uma região da campanha, em que figuram o processo de
votação e como as famílias se comportavam no decorrer dele, além das
estratégias montadas por elas e o que as fortalecia ou enfraquecia ao tentarem
emplacar seus candidatos.14 Na justaposição de duas famílias rivais e antigas
aliadas, Vargas estabelece um paralelo comum às elites que vêm sendo
analisadas até aqui.
Processo n. 2921, maço 57, 1° Cartório do Civil e Crime, São Leopoldo, 1855
(APERS)
14
O processo se encontra nos Registros Diversos, Primeiro Tabelionato de Alegrete, Fundo 2,
Estante 24, Livros 9 ao 12 (Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul).
7
proeminentes e que tinham atingido o ambiente da Corte; por outro, era constantemente
atacado por vereadores da Câmara e outros chefes locais.
Cabe apontar, ainda, a agenda abolicionista de Caldre e Fião e o fato de Antônio ter
construído uma capelinha para a sede da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (padroeira
dos negros). O réu envolveu-se num processo de discussão e ameaça a um açougueiro, o
qual deixou “uma negra ir embora sem levar a sua carne”, 15 noutra acusou um fazendeiro de
maus tratos, e também insistentemente em requerimentos ao presidente de Província buscou
se qualificar como votante. Logo, é possível concluir um forte vínculo do réu com os negros
e populares da localidade, protegendo-os ou alimentando uma convivência cotidiana.
8
Percebe-se, finalmente, que tais disputas micropolíticas eram a base da influência
local, e do mesmo modo que Antônio concentrava um apoio entre o baixo da população e
enfrentava as facções rivais, o mediador político na figura do doutor trazia para dentro
advogados em sua defesa e informações do mundo da alta política. Em troca, Antônio
poderia retribuir ao participar das votações, num ambiente eleitoral em que qualificar-se
significava se valorizar enquanto indivíduo, elevar seu status, possibilitar ganhos e
condicionar alianças com um advogado que um homem pobre provavelmente não poderia
pagar.
Nesses pleitos, o autor localiza e expõe ao leitor alguns aspectos do processo e logo
realiza algumas conclusões quanto ao senso comum e uma visão historiográfica errônea
compartilhados. Uma média de três eleições por ano se deram, significativo para quem
tomou o processo eleitoral como meramente um projeto dos gabinetes, o que levaria poucas
pessoas a votar. Na verdade, foi possível concluir que o projeto era próprio dessas famílias,
as quais não se reservaram a influir na alta política mas também nos cargos paroquiais, nos
quais os juízes de paz eram essenciais, pois ter o cargo na mão de um membro da parentela
significava serem responsáveis por fornecer os comprovantes de domicílio aos indivíduos
que pretendiam qualificar-se como votantes. O juiz de paz também organizava a eleição e
servia de mesário no dia dos pleitos, o que podia decidir uma eleição.
9
província, vê-se também que os principais líderes eram escoltados por sua parentela, o que
corrobora as assinaturas sequenciais e não mera organização dos responsáveis pela mesa. Ou
seja, o ato de votar simbolizava um negócio de família, uma estratégia coletiva em vista de
todos obter ganhos. E elas eram igualmente afetadas em conjunto quando sofriam as perdas
pessoais e políticas (raramente separáveis). Tais práticas destrinchadas estendiam-se aos
Nunes de Miranda e, por tudo o que foi estudado no livro, às famílias do topo da elite política;
Vargas nota e não deixa de abordar a ausência dos Nunes, que desaparecem dos pleitos entre
1883 e 1886, quando o “patriarca” da família morre, o general Vasco Alves Pereira. A
liderança e o carisma pessoal mostravam-se essenciais, e demonstram ser fatores decisivos
na vitória de uma facção sobre a outra. Daí, concluiu-se que muitos participavam dos pleitos
sem requerer recompensas. Na eleição de 1884 para deputado provincial, o autor lembra que
apenas 53 eleitores votaram, quando a média era entre 160 e 180. Este exercício comparativo
revela também duas importantes ausências da concorrência: o doutor Severino e o liberal
Egídio Itaqui (os candidatos que captavam o maior número de votos à época).
CONCLUSÃO
10
A conclusão feita por Vargas é redigida com o golpe de 89 no pano de fundo,
realizado tão facilmente quanto o abandono daquelas famílias dos seus ideais monárquicos.
Então, famílias como os Tavares, os Osório, os Ribeiro de Almeida, dentre outras,
permaneceram com um poder político significativo mesmo depois da instauração da
República, pois os próprios jovens republicanos estavam compromissados com muitas
dessas, quando não eram membros delas, e o que mudou efetivamente foi a forma do corpo
político, não o modo de fazer política. Depreende-se, assim, uma permanência dos mesmos
jogadores exclusivistas nas novas corridas eleitorais, profissionais políticos, de famílias
abastadas e com uma larga relação (da paróquia à Corte) entre eles próprios, os principais
organizadores do comportamento político do Rio Grande do Sul. Infelizmente, não foi
possível encontrar uma resenha sobre a tese de mestrado em questão.
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BIBLIOGRAFIA
MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo:
Hucitec, 2004.
RIBEIRO, Gladys Sabina. O desejo da liberdade e a participação dos homens livres pobres
e “de cor” na Independência do Brasil. Cad. Cedes, v. 22, n. 58, p. 21-45, 2022.
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