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Nathan Salgado Lana

Renato Pensabem

TH554 – História do Brasil II


Roteiro do livro “Entre a Paróquia e a Corte: os mediadores
políticos e as estratégias familiares da elite política do Rio Grande do Sul
(1850-1889)”.

INTRODUÇÃO

O livro em questão é uma tese de mestrado do professor Jonas Moreira Vargas,1


produzida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde ele se graduou em História
e realizou projetos de iniciação científica acerca da história de alguns municípios da
Província no Extremo Sul brasileiro. Também realizou o doutorado em História Social na
Universidade de Lisboa, organizou e participou de eventos sobre micro-história italiana,
escreveu uma gama bibliográfica sobre clientelismo e relações políticas, sociais e
econômicas no século XIX e XX. Atualmente, pesquisa sobre elites sociais e políticas,
mediação e estratégias familiares em Pelotas, focado na segunda metade do oitocentos e
primeira metade do século XX. Outros temas estão focados nos potentados regionais e na
região fronteiriça meridional na construção do Estado no Brasil, num recorte cronológico de
1811-1865.

Enquanto pesquisador e docente associado à Universidade Federal de Pelotas e ao


seu Programa de Pós-Graduação, Vargas mostrou-se interessado nas coisas regionais e
cuidadosamente preocupado com a dinâmica entre o Local e o Centro. No livro Entre a
Paróquia e a Corte, o autor buscou demonstrar como uma elite política provincial, separada
física e temporalmente do centro decisório do Império, influiu paulatinamente nos espaços
parlamentares e de Estado, através de amplas redes clientelares, para as quais este grupo tão
restrito agia como mediador entre dois diferentes universos, o que sustentava e reproduzia a
condição dele de elite. Tal conjuntura permeava cada engrenagem e movimento desse novo

1
A dissertação sofreu algumas alterações, sendo uma delas um maior escopo cronológico, que passou
de 1868-1889 a 1850-1889. A década de cinquenta é o período em que a elite entra na política e o
marco de 68 o momento de reconfigurações partidárias com o fim da chamada Conciliação — o que
tornou mais fixa as bases ideológicas e programáticas. Ver em VARGAS, Jonas Moreira. Entre a
Paróquia e a Corte: os mediadores e as estratégias familiares da elite política do Rio Grande do Sul
(1850-1889). Santa Maria: UFSM, 2010. p. 29.

2
Estado em formação, e quando o pesquisador volta-se para essa dinâmica, é possível
compreender melhor “este gigante aparentemente tão conhecido por fora, mas pouco
observado por dentro”. 2 Noutras palavras, a construção e o funcionamento do sistema
político imperial, pouco privilegiado numa ótica menos centralizadora, representativa da
historiografia brasileira, especialmente na constituição do Império, com o lento progresso da
burocracia estatal e o surgimento dos cargos administrativos, em vista de dar conta do
território, da crescente complexificação social e seu desenvolvimento socioeconômico.3 Não
só, implantava-se agora um sistema representativo bicameral, a partir do qual novas leis
seriam propostas e as elites políticas das províncias se vinculariam ao governo.
Respectivamente, esta organização político-administrativa reuniria um exército de
magistrados dependentes dos ministros de Estado e novos protagonistas influindo na Corte
na figura dos parlamentares, eleitos nas províncias e interessados em proteger as agendas
particulares de suas regiões e a extensa clientela que lá controlavam e de onde tiravam seu
apoio.

A relação nascente supracitada foi alvo de diversos estudos, conforme Vargas,


tradicionalmente imbuídos de uma visão dualista do tipo Centro versus Local. Expoentes
como Faoro viam uma luta travada entre a Monarquia e os grandes fazendeiros, na qual o
Estado rolo compressor sairia vitorioso e sedimentaria sua autoridade, bem como a
4
consolidação do Estado imperial. Jonas vê tal tese como difícil de comprovar
empiricamente, em que, continua Faoro, o Estado herdaria um modelo português de
administração, no qual o “estamento burocrático” — instrumento de domínio do rei, isto é,
seus ministros e a larga massa de empregados públicos — ganhou um nível de eficiência
que saiu do controle do monarca. Desse estrato, descolado da sociedade, seriam retirados os
membros da elite política do Brasil.

Na contramão, têm-se os autores Nestor Duarte, Caio Prado Júnior e Nelson Wernek
Sodré, representantes de uma linha interpretativa do fazendeiro soberano em sua
propriedade, controlador da máquina estatal, uma ferramenta para atingir seus interesses. 5
Grande semelhança com os atores medievais, a ordem privada esmagava a ordem pública.
No entanto, logo se seguiu uma geração de pesquisadores afastados das dicotomias, ao

2
Op. cit. A citação encontra-se na sinopse do livro.
3
Op. cit. p. 19.
4
Op. cit. p. 22.
5
Ibidem.

3
relativizarem a existência de um único projeto de país e revelarem novos papéis das elites
políticas brasileiras. José Murilo de Carvalho considerou, assim como Evaldo Cabral de
Mello e Gladys Sabina, nas suas peculiaridades da linha de pesquisa, a implantação do
governo monárquico no Brasil independente como uma escolha entre outras possíveis;
necessitava-se manter a unidade, segundo ele, do território, ao contrário do arquipélago de
repúblicas vizinhas. 6 Ainda cita uma elite política homogeneizada e treinada para agir,
descolada da sociedade (visão que se repete), em função do projeto monárquico-centralista.
A participação do Estado ainda legava uma tradição demasiadamente centralizadora e as
elites ou são fatalmente reduzidas ao grupo saquarema, principalmente os cafeicultores
fluminenses, ou homogeneizadas em detrimento da miríade de perfis sociopolíticos no
Brasil. Por esse caminho, identifica-se as contribuições historiográficas de Ilmar Rohloff de
Mattos, discordante da homogeneidade da elite política como determinante na unificação e
no modelo político brasileiro. 7 Magistralmente, ele foi capaz de aproximar classe senhorial
e a direção construtiva do Estado imperial, com a complexificação das relações entre os
muitos protagonistas. Ainda assim, este se concentrou nos cafeicultores fluminenses, os
saquaremas, projetados sobre as elites provinciais, as quais tensionaram a cooptar e impor o
projeto centralista. O que, erroneamente, não levou em conta as conjunturas locais, algumas
identificadas com a centralização emergente.

Richard Graham, Maria Fernanda Vieira Martins e Miriam Dolhnikoff, trazem novos
referenciais teóricos calcados no entendimento de uma participação ativa das elites
provinciais no processo de construção do Estado. Particularmente, Graham conecta governo
central e proprietários de terras nas províncias por meio de uma ampla rede clientelística. 8
E, embora contribua com novos atores no palco político-social, ele toma os fazendeiros, diz
Vargas, “no mesmo pé de igualdade”, a ignorar as diferenças naturais de cada localidade e
até o grau de ingerência dos locais na Corte. Martins, por sua vez, foca as famílias dos
membros da elite política, no que ela identifica a importância dos vínculos estabelecidos,
por exemplo, entre os integrantes do Conselho de Estado e os proprietários de terras
negociantes locais — nunca isolados, envolvidos num jogo de alianças parentais e
clientelares que ia além dos cafezais fluminenses e penetrava as várias regiões do país. 9

6
Op. cit. p. 22.
7
Op. cit. p. 22-23.
8
Op. cit. p. 23.
9
Op. cit. p. 23-24.

4
Visão essa que, no livro de Jonas, tem vital importância e mais se aproxima a seu
entendimento, porém segue um caminho inverso (da paróquia à Corte) e, obviamente,
contrário as dicotomias tradicionais e a generalização de Graham.

Por fim, as duas tradições ecoam no trabalho de Dolhnikoff, em que a autora


argumenta a consolidação da monarquia pela constante negociação com as famílias
provinciais, sendo que apenas assim o projeto pôde firmar pés. Mas a autora cai justamente
na armadilha dual dos historiadores anteriores ao conceber uma luta de interesses entre o o
provincial e o Local (as elites paroquiais, neste caso). 10 A elite provincial, forjada nas
Câmaras, distanciava-se das localidades e desconectava-se dos interesses regionais. Esta tese
apresenta, na verdade, uma interconexão entre essas diferentes e semelhantes esferas de
poder, amarradas pelos mesmos interesses, organizadas e projetadas para se aproximarem e
influírem uns sobre os outros.

OBJETIVOS

Entre a Paróquia e a Corte é um trabalho que objetiva não limitar as definições


espaciais nem conceituais da historiografia, uma vez que as localidades centrais muito
dependiam do poder de influência e da mobilidade dos indivíduos e de suas redes de relações.
E estes, por seu turno, dependiam dos favores do centro do país. Nessa cadeia de ganhos
mútuos, reproduzia-se a desigualdade social e econômica, cada vez mais mantenedora de
uma parcela restrita da sociedade nos espaços eletivos, executivos e administrativos do
Estado, em grande parte ocupados pelos acadêmicos do país em função de uma estratégia
familiar de formação do mediador político, responsável em parte por estabelecer conexões
parentais, seja por sangue ou por compadrio — sem falar nas relações construídas e mantidas
por anos nas escolas superiores, nos campos de batalha e no próprio contato com as elites da
Corte.11

No capítulo primeiro, o objetivo geral do autor está centrado na construção de um


modelo da elite política rio-grandense, de forma a demonstrar as características e
condicionantes que singularizavam um conjunto sócio-político de 34 indivíduos e que
permitiam sua condição de ponte entre dois mundos, com as devidas semelhanças e

10
Op. cit. p. 24.
11
Op. cit. p. 53, 61 e 54, respectivamente.

5
peculiaridades identificadas quando comparados às elites da Bahia e do Ceará e dos seus
companheiros do sul que não conseguiram alçar voo até a Corte (os deputados provinciais).

No capítulo seguinte, agora quem estreia nas páginas são os “políticos de aldeia” e
as várias dependências mútuas firmadas no ambiente paroquial. O principal argumento de
Vargas visa deixar ao leitor explícito como a elite política e a cúpula desta, enredadas pelos
assuntos da Corte, estavam sempre cientes e plenamente envolvidos nas atividades locais.
Em torno deles, um verdadeiro séquito os orbitavam, não só nas listas de qualificação de
votantes, mas também na função de mão de obra e milícia. E é nisso que o terceiro e o último
capítulo toca sintomaticamente: a questão das relações Centro-Local e em alguns
pressupostos historiográficos quanto à mecânica imperial, na qual um conjunto de homens
são cooptados e recebem títulos nobiliárquicos em troca pelos seus serviços prestados.12 Na
construção de mais um perfil político e socioeconômico, Vargas repete o procedimento feito
com a elite política provincial, ao estabelecer as características comuns dessa nobreza,
largamente ligada aos parlamentares da Corte, quando eles próprios não davam início ao
projeto familiar de interferência política com o investimento em um parente. Só que desta
vez, a investigação se dá de forma mais ampliada, com o simples objetivo de reforçar o que
já foi dito antes. Daí seu esforço de microanálise da família Ribeiro de Almeida, forte
potentado na região da campanha e seu membro Severino Ribeiro Carneiro Monteiro,
formado em Direito na Academia de São Paulo e em pouco tempo mediador político entre a
paróquia e a Corte. 13 Numa constante escalada de complementação, cooperação e conflito,
muito distante de um antagonismo esquemático entre os locais e o Império, o autor traça
uma narrativa ampliada para dar corpo aos exercícios de estratégias familiares postos em
movimento; o objetivo primário aqui era mostrar como a elite estudada e plenamente
envolvida no Local e no Centro, buscava moldar um melhor acesso aos recursos materiais e
imateriais através da mediação.

METODOLOGIA E FONTES

Com o objetivo de melhor expor a dinâmica que dá nome à obra, duas


fontes representativas do mundo paroquial (e seus efeitos na Corte) serão

12
Op. cit. p. 191-192.
13
Op. cit. p. 234.

6
abordadas. A primeira é sobre um processo contra um popular chamado
Antônio Lourenço da Silva e Castro, condenado a cumprir trinta dias de cadeia
e uma multa de vinte mil réis, por ser um indivíduo que causa desordem e
turbulência. Quanto a segunda fonte, ficará em evidência os livros de atas da
apuração eleitoral de uma região da campanha, em que figuram o processo de
votação e como as famílias se comportavam no decorrer dele, além das
estratégias montadas por elas e o que as fortalecia ou enfraquecia ao tentarem
emplacar seus candidatos.14 Na justaposição de duas famílias rivais e antigas
aliadas, Vargas estabelece um paralelo comum às elites que vêm sendo
analisadas até aqui.

Processo n. 2921, maço 57, 1° Cartório do Civil e Crime, São Leopoldo, 1855
(APERS)

Muitos testemunhos pintam uma imagem de Antônio como um homem propenso ao


conflito, ao cometimento sistemático de calúnias e difamações, além de não ter uma
ocupação para suprir sua subsistência. Contudo, este mesmo popular sem maiores posses e
bem mal visto na vizinhança de São Leopoldo pôde contar com a ajuda de um advogado
porto-alegrense chamado Luis de Freitas e Castro. Na defesa feita por ele, fica claro que
Antônio ocupou diversos cargos, tendo sido o réu membro da Guarda Nacional (na Junta
Qualificadora), inspetor de quarteirão e suplente de delegado de polícia (cargos de confiança
dos políticos paroquiais). E teve quem testemunhou a seu favor, atestando sua honra,
inocência e caráter cristão. Um dos testemunhos pertencia, significativamente, ao médico
formado na Corte José Antônio do Valle Caldre e Fião, natural de Porto Alegre e eleito
deputado-geral junto com o advogado Freitas e Castro. Aliás, ambos encontravam-se em
exercício do mandato quando socorreram Antônio, o que, aliado aos cargos que este ocupou,
demonstra a sua importância naquele município, e as divergências entre as testemunhas
revelam um intenso clima de facções. Antônio tinha, por um lado, a proteção de figuras

14
O processo se encontra nos Registros Diversos, Primeiro Tabelionato de Alegrete, Fundo 2,
Estante 24, Livros 9 ao 12 (Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul).

7
proeminentes e que tinham atingido o ambiente da Corte; por outro, era constantemente
atacado por vereadores da Câmara e outros chefes locais.

Cabe apontar, ainda, a agenda abolicionista de Caldre e Fião e o fato de Antônio ter
construído uma capelinha para a sede da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário (padroeira
dos negros). O réu envolveu-se num processo de discussão e ameaça a um açougueiro, o
qual deixou “uma negra ir embora sem levar a sua carne”, 15 noutra acusou um fazendeiro de
maus tratos, e também insistentemente em requerimentos ao presidente de Província buscou
se qualificar como votante. Logo, é possível concluir um forte vínculo do réu com os negros
e populares da localidade, protegendo-os ou alimentando uma convivência cotidiana.

Para construir isso, o autor inicia um método de verdadeiro “quebra-cabeça” na


montagem dessa história. Ele persegue muitos outros processos onde o réu estrela, para além
do aqui citado (se vê também consultas a cartas, lista de votantes e biografias), e introduz o
personagem-réu a partir de um exercício de contextualização e introdução, que Vargas
empreende em todo livro. Primeiro, uma citação de Numa e a Ninfa, de Lima Barreto, com
o objetivo de ilustrar aquele popular que “não era propriamente um político, mas fazia parte
da política [...]”. Num desses outros processos, uma citação direta do advogado de Antônio
é apresentada, de onde o autor descobre muitos dos cargos paroquiais ocupado por esse
homem não-político, o que lhe dava uma certa notoriedade. A população de São Leopoldo
era de quatro mil habitantes, e essas proezas, conflitos e processos certamente se
notabilizavam. Tais fatos, além da curiosa proteção política, envolviam algumas questões,
as quais Vargas não se isenta de colocá-las, ora: quem eram esses patronos? Da mais alta
estirpe, o que queriam com a proteção desse qualquer? O que ele representava naquela
“aldeia”? Por que tanto queria votar? E outras mais. A trajetória de Antônio, ao se pensar
nesses questionamentos, serve para relativizar algumas concepções remanescentes de parte
da historiografia, como quem votava nas eleições. No processo em questão, na defesa do
réu, fica claro a tentativa de desqualificá-lo, como pessoa e votante, inclusive a mulher dele,
professora e de quem o réu tirava o principal requisito para se qualificar nas listas, a saber,
a renda.

15VARGAS, Jonas Moreira. Entre a Paróquia e a Corte: os mediadores e as estratégias familiares


da elite política do Rio Grande do Sul (1850-1889). Santa Maria: UFSM, 2010.

8
Percebe-se, finalmente, que tais disputas micropolíticas eram a base da influência
local, e do mesmo modo que Antônio concentrava um apoio entre o baixo da população e
enfrentava as facções rivais, o mediador político na figura do doutor trazia para dentro
advogados em sua defesa e informações do mundo da alta política. Em troca, Antônio
poderia retribuir ao participar das votações, num ambiente eleitoral em que qualificar-se
significava se valorizar enquanto indivíduo, elevar seu status, possibilitar ganhos e
condicionar alianças com um advogado que um homem pobre provavelmente não poderia
pagar.

Registros Diversos, Primeiro Tabelionato de Alegrete, Fundo 2, Estante 24, Livros


9 ao 12 (APERS).

Os Ribeiro de Almeida e os Nunes Miranda, duas famílias antes aliadas no Partido


Conservador, passaram a entrar em conflito e militar em facções opostas, o que aparece
claramente nos livros de atas de apuração eleitoral de Alegrete entre 1881 e 1888. Neles,
estão anotadas 24 eleições para os mais altos e baixos postos, o nome dos eleitores presentes
e ausentes sequencialmente, a apuração final dos votos, os membros da mesa e as
reclamações, protestos ou observações feitas.

Nesses pleitos, o autor localiza e expõe ao leitor alguns aspectos do processo e logo
realiza algumas conclusões quanto ao senso comum e uma visão historiográfica errônea
compartilhados. Uma média de três eleições por ano se deram, significativo para quem
tomou o processo eleitoral como meramente um projeto dos gabinetes, o que levaria poucas
pessoas a votar. Na verdade, foi possível concluir que o projeto era próprio dessas famílias,
as quais não se reservaram a influir na alta política mas também nos cargos paroquiais, nos
quais os juízes de paz eram essenciais, pois ter o cargo na mão de um membro da parentela
significava serem responsáveis por fornecer os comprovantes de domicílio aos indivíduos
que pretendiam qualificar-se como votantes. O juiz de paz também organizava a eleição e
servia de mesário no dia dos pleitos, o que podia decidir uma eleição.

Na análise das atas e os resultados registrados nelas, Vargas rapidamente aponta a


hegemonia conservadora em Alegrete, o que desmitifica uma ideia da historiografia de que
o Partido Liberal representava os interesses da campanha. Ele ainda aponta nas listas de
presença as assinaturas em sequência, o que o induz a pensar nas famílias indo votar
conjuntamente; conjugando as atas a uma carta de um juiz de direito ao presidente de

9
província, vê-se também que os principais líderes eram escoltados por sua parentela, o que
corrobora as assinaturas sequenciais e não mera organização dos responsáveis pela mesa. Ou
seja, o ato de votar simbolizava um negócio de família, uma estratégia coletiva em vista de
todos obter ganhos. E elas eram igualmente afetadas em conjunto quando sofriam as perdas
pessoais e políticas (raramente separáveis). Tais práticas destrinchadas estendiam-se aos
Nunes de Miranda e, por tudo o que foi estudado no livro, às famílias do topo da elite política;
Vargas nota e não deixa de abordar a ausência dos Nunes, que desaparecem dos pleitos entre
1883 e 1886, quando o “patriarca” da família morre, o general Vasco Alves Pereira. A
liderança e o carisma pessoal mostravam-se essenciais, e demonstram ser fatores decisivos
na vitória de uma facção sobre a outra. Daí, concluiu-se que muitos participavam dos pleitos
sem requerer recompensas. Na eleição de 1884 para deputado provincial, o autor lembra que
apenas 53 eleitores votaram, quando a média era entre 160 e 180. Este exercício comparativo
revela também duas importantes ausências da concorrência: o doutor Severino e o liberal
Egídio Itaqui (os candidatos que captavam o maior número de votos à época).

No entanto, a ambição e os vínculos amarrados pela obtenção de favores e cargos


nem sempre resultavam em trocas de lado. Os Freitas Valle, estancieiros e militantes
conservadores em Alegrete, figuram como uma terceira parte, ilustrativa e comparativa; foi
identificado que eles não estiveram presentes em seis eleições nas quais o líder dos Ribeiro
era vivo e candidato para deputado-geral. No que o autor questiona explicitamente como
explicar tal comportamento, tendo em vista que o falecimento do líder conservador abriu
caminho para o retorno dos Valle. Fato que se deu por uma nomeação esperada pelos Freitas
e não cumprida pelos Ribeiro, isto é, a mágoa causava dissidências faccionais na mesma
medida e estas manifestavam-se em abstenções, quando outros viravam a casaca (uma
resposta que provavelmente seria seguida por outros rápido demais, portanto, estaria
equivocada, sem levar em conta que esse séquito não deixou de ir nas eleições para cargos
de vereadores e juiz de paz). O ato de votar, enquanto prática simbólica, tinha enorme peso
e, comparativamente, ajuda o historiador a compreender uma sociedade não tão rígida na
relação tensa entre a paróquia e a Corte, sejam os protagonistas liberais ou conservadores.

CONCLUSÃO

10
A conclusão feita por Vargas é redigida com o golpe de 89 no pano de fundo,
realizado tão facilmente quanto o abandono daquelas famílias dos seus ideais monárquicos.
Então, famílias como os Tavares, os Osório, os Ribeiro de Almeida, dentre outras,
permaneceram com um poder político significativo mesmo depois da instauração da
República, pois os próprios jovens republicanos estavam compromissados com muitas
dessas, quando não eram membros delas, e o que mudou efetivamente foi a forma do corpo
político, não o modo de fazer política. Depreende-se, assim, uma permanência dos mesmos
jogadores exclusivistas nas novas corridas eleitorais, profissionais políticos, de famílias
abastadas e com uma larga relação (da paróquia à Corte) entre eles próprios, os principais
organizadores do comportamento político do Rio Grande do Sul. Infelizmente, não foi
possível encontrar uma resenha sobre a tese de mestrado em questão.

Em suma, a obra analisada tem um valor metodológico e historiográfico ímpar, bem


representado por dois modos de fazer pesquisa e, magistralmente, conjugados na pesquisa:
o método prosoográfico e a microhistória. Deles, foi possível traçar um entendimento e uma
visualização profícuos da elite política rio-grandense, bem como suas contradições e
exceções fulcrais à relativização da historiografia tradicional.

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BIBLIOGRAFIA

MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo:
Hucitec, 2004.

MELLO, Evaldo Cabral. A outra independência: o federalismo pernambucano, de 1821 a


1824. São Paulo: Todavia, 2022.

RIBEIRO, Gladys Sabina. O desejo da liberdade e a participação dos homens livres pobres
e “de cor” na Independência do Brasil. Cad. Cedes, v. 22, n. 58, p. 21-45, 2022.

VARGAS, Jonas Moreira. Entre a Paróquia e a Corte: os mediadores e as estratégias


familiares da elite política do Rio Grande do Sul (1850-1889). Santa Maria: UFSM, 2010.

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