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- Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro

O objetivo principal da obra é investigar as estruturas da sociedade da época e


suas influências na formação do Código Civil Brasileiro.
'Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro' mostra o
descompasso entre o Direito escrito influenciado por normas de países
industrializados desenvolvidos e a realidade social de nosso país. Em 'Marx e
Kelsen', traça as inconciliáveis concepções marxista e kelseniana do Direito,
deixando para os leitores a decisão sobre a que coletividade de adeptos pertencer
- se à dos que pregam a eliminação de qualquer tendência ideológica na
concepção normativa ou se à dos que pregam a influência ideológica no Direito,
que refletiria a realidade social.
Orlando Gomes baseou-se em Braga Cruz, Clóvis Bevilaqua, Coelho Rodrigues,
Ferreira Coelho, Guerreiro Ramos, Martins Júnior, Nestor Duarte, Oliveira
Viana, Paulo de Lacerda, Gilberto Amado, Silvio Romero e Teixeira de Freitas.
Orlando Gomes principia lembrando a singularidade de nosso direito civil,
marcado pela ininterrupta vigência das Ordenações Filipinas entre nós, por mais
de três séculos. Em 1867 os portugueses conheceram o primeiro código civil
daquele país, abandonando a barafunda normativa das Ordenações. 
Orlando Gomes insistia no conservantismo na disciplina das relações de família.
No mesmo caminho, observava, a adoção da comunhão universal de bens como
regime legal e a disciplina optativa da separação de bens. 
Era um código carregado de sugestões patriarcais e capitalistas, ainda que,
olhando-se hoje com o benefício do retrospecto. Orlando Gomes constatou uma
tensão entre os setores predominantes das camadas sociais mais abastadas.
Ao ensejo do segundo ano do aniversário do Código, apontou Orlando
Gomes, proclamaram solenemente, no Tratado de Versalhes, direitos dos
trabalhadores. Entre nós, o Código não fazia referência ao tema dos acidentes de
trabalho.
Não vejo outra explicação para a conciliação entre os óleos inconciliáveis da
sistematização e proteção do patrimônio e alguma proteção e sistematização em
favor de quem vende suas horas de serviço. Um desafio para os estudiosos da
história das ideias jurídicas no Brasil.

Orlando Gomes foi direto no ponto. Creio que essa visão realista da construção
do Código Civil tenha afastado o professor de Salvador dos núcleos mais
conservadores de São Paulo.

CITAÇÕES E COMENTÁRIOS
Citações Comentários
p. 11) “O Brasil permanece fiel à Essa situação demonstra o atraso
tradição, enquanto Portugal se deixa no desenvolvimento jurídico-civil
influir pelas idéias francesas a ponto de do Código brasileiro, amarrado por
consagrar inovações chocantes no seu suas estruturas sociais vigentes à
Código de 1867. É que a estrutura social época.
do Brasil, nessa época, não comportava
essa influência alienígena. Sobre o vasto
Império projetavam-se os tentáculos da
sociedade colonial baseada no trabalho
escravo.”

p. 18) “Até ter sido abolida a escravidão, Aqui, as influências do modo


pouco antes, por conseguinte, de ser social, dos modelos patriarcais e
iniciada a elaboração do Código Civil, a das raízes segregacionistas se
estrutura de nossas sociedades, no mostraram influentes ainda nas
conceito de Sérgio Buarque de Holanda, ideias iniciais, no primitivo do
tem a sua base fora das cidades. A Código Civil brasileiro nos
influência da organização social do primeiros anos de sua concepção.
Brasil Colônia faz-se sentir até ao fim do
século XIX, e é nos primeiros anos do
século XX que começa a discussão do
projeto de Código Civil elaborado por
Clóvis Beviláqua. Natural, assim, que
repercutisse, na sua preparação, aquele
primitivismo patriarcal que caracterizou
o estilo de vida da sociedade colonial.”
p. 22) “No período de elaboração do Nesse momento, vemos também as
Código Civil, o divórcio entre a elite diferenciações de estamentos
letrada e a massa inculta perdurava quase sociais enraizados que também não
inalterado. A despeito de sua ilustração a permitiram aos menos abastados
aristocracia de anel representava e terem voz no período de elaboração
racionalizava os interesses básicos de do Código Civil. As massas, pouco
uma sociedade ainda patriarcal, que não representadas e sem voz nas
perdera o seu teor privatista, nem se decisões de suas próprias
libertara da estreiteza do arcabouço necessidades.
econômico, apesar de seu sistema de
produção ter sido golpeado 1888.

P. 27) No plano político, isto é, de Responsável por discutir e produzir


dominação da máquina do Estado, o o Código Civil
controle dos dois setores mais Ligada à Burguesia Mercantil
importantes da burguesia, especial e Apesar de ligada à BM, na
notadamente da burguesia rural, se formulação do Código, teve que
exercia pela deformação do sistema ceder aos
representativo, sob a forma da política de interesses da classe dominante
clientela eleitoral.  (BA)

P. 33) Verifica-se que no período de Além das diversas mudanças


elaboração do Código Civil, algumas legislativas em torno da questão
tentativas para introduzir a legislação social, como a criação de leis de
social foram feitas através de projetos proteção ao trabalhador e
legislativos sobre a matéria de acidentes assistência social, questionava-se o
do trabalho, nos quais perpassa o sopro formalismo jurídico como uma
das novas idéias que conquistaram forma de legitimar o Estado
terreno nos países mais adiantados da Liberal.
Europa. Mas esse movimento não
exerceu qualquer influência no Código
Civil que se elaborava
simultaneamente.  
P. 44) Embora a alteração só tenha sido O individualismo do Código Civil,
iniciada, entre nós, depois de 1930, ainda em particular, mostra que a elite
assim o individualismo do Código Civil, cultural do país, ofuscada pelos
no particular, mostra que a elite cultural interesses conservadores, não soube
do país, ofuscada como estava por se libertar. 
interesses conservadores, dos quais não
soube se libertar, não teve, no particular,
a  necessária visão histórica, tratando as
relações de produção com espírito
estreito.

CONSIDERAÇÕES

Primeiramente porque exerceu notável função educativa. O idealismo da elite


tem sido, entre nós, como foi na elaboração do código civil, de irrecusável
utilidade para o próprio desenvolvimento do país.
Na evolução legislativa do direito privado brasileiro, há essa discrepância entre o
direito escrito e o social.
O código civil colocou-se acima da realidade incorporando as ideias e aspirações
dos das camadas esclarecidas da população.
Orlando Gomes foi um intelectual engajado. Esse livro, já longevo de mais de 60
anos, ainda é leitura fundamental para uma tentativa de compreensão de nossa
tradição jurídica, de nossos arranjos e de nossa identidade.

CONCLUSÃO:

O livro "Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro" oferece uma


investigação profunda e esclarecedora sobre as influências das estruturas
sociais da época na formação do Código Civil Brasileiro. O autor, Orlando
Gomes, desvela as complexas relações entre a sociedade e o código legal,
evidenciando um descompasso entre o direito escrito e a realidade social do
Brasil.
A obra mergulha nas circunstâncias que moldaram o cenário da época,
ressaltando o legado da vigência das Ordenações Filipinas por mais de três
séculos e a influência do código português de 1867 sobre o processo de
codificação brasileiro. Gomes enfatiza que o Brasil, permeado pela estrutura
social baseada no trabalho escravo, estava em um contexto muito distinto
daqueles países industrializados e desenvolvidos cujas normas influenciaram o
código.
Um ponto crucial levantado por Gomes é a tensão entre diferentes concepções
do Direito, exemplificadas na dicotomia entre as visões marxista e kelseniana. A
pergunta sobre se o Direito deve ser desprovido de tendências ideológicas ou se
deve refletir e incorporar as realidades sociais é um dilema intrincado, muitas
vezes evidenciado nas discussões sobre o Código Civil.
O autor também destaca como as relações familiares e os arranjos de
propriedade eram influenciados por um caráter conservador, patriarcal e
capitalista, refletindo a dinâmica da sociedade brasileira da época. As
hierarquias sociais e o conservantismo na disciplina das relações familiares
demonstram o quanto o código era permeado por essas características.
O Código Civil, apesar de aspirar à universalidade e à imparcialidade, muitas
vezes se afastava das necessidades das camadas menos privilegiadas da
sociedade. A ausência de referências aos direitos dos trabalhadores e às
questões sociais, como acidentes de trabalho, exemplifica essa desconexão
entre o código e a realidade das massas menos representadas.
Orlando Gomes, com sua visão realista e crítica, contribui significativamente
para a compreensão da tradição jurídica brasileira. Seu livro permanece como
uma fonte essencial para quem busca entender como as raízes históricas, as
estruturas sociais e as influências ideológicas moldaram o Código Civil Brasileiro.
Ao desafiar as bases sobre as quais o código foi construído, ele incita os
estudiosos a questionar a suposta imparcialidade do direito em relação à
realidade social, consolidando seu trabalho como um marco na análise da
identidade jurídica do Brasil.

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