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TRAUMA DE ORELHA: REVISÃO DA LITERATURA E

SÉRIE DE CASOS.
EAR TRAUMA: LITERATURE REVIW AND CASES REPORT.
IVAN MALUF JUNIOR1, BRUNO CESAR LEGNANI2, ADRIANA SAYURI KUROGI1, MARLON AUGUSTO CAMARA LOPES1,
RENATO DA SILVA FREITAS3

RESUMO INTRODUÇÃO

A amputação traumática do pavilhão A amputação traumática do pavilhão


auricular, seja total ou sub-total, acarreta sérios auricular, seja total ou sub-total, acarreta
problemas estético-funcionais de difícil manejo sérios problemas estético-funcionais de difícil
para o cirurgião plástico, e apresenta um aumento manejo para o cirurgião plástico, e apresenta
importante da incidencia na última década. um aumento importante da incidencia na última
O objetivo deste artigo é relatar uma série de década. Isto é um reflexo do aumento da
casos atendidos no serviço de Cirurgia Plástica violência na sociedade urbana. A orelha, após
e Reparadora do Hospital de Clínicas da UFPR o nariz, ocupa a a posição mais proeminente
e fazer uma breve revisão de literatura. A sutura e desprotegida da face tornando-a mais
primária de amputações parciais de orelha tem suscetível à injúrias. (1; 2; 3; 4) A maneira como é
a vantagem de ser um método simples, rápido conduzido o primeiro atendimento tem grande
e de baixo custo. Conclusão:Observamos que importância na obtenção do resultado(6). A
com medidas simples como limpeza adequada orelha possui uma estrutura complexa de difícil
da lesão e fechamento primário sem tensão reconstrução, com uma cartilagem elástica
conseguimos obter bons resultados, quando estes delicada e um envelope cutâneo fino . Diante
procedimentos são bem indicados. disso, a reconstituição desta unidade anatômica
requer muito da imaginação do cirurgião, da sua
DESCRITORES: 1. Trauma; experiência pessoal e conhecimento técnico.
2. Orelha; 3. Pode-se dividir os traumas auriculares em
3. Reconstrução. 2 tipos: a. amputação da orelha sem pedículo
vascular; e b. amputação da orelha com pedículo
vascular. As técnicas de reimplante podem ser
ABSTRACT separadas em dois grandes grupos: as técnicas
microcirúrgicas e as não-microcirúrgicas. Os
The traumatic amputation of the ear, either reimplantes microcirúrgicos estão indicados
total or subtotal, causes severe aesthetic and para pacientes com amputações totais de
functional problems and are difficult to manage orelha, onde não há nenhum pedículo vascular
for the plastic surgeon, and presents a major mantenedor, ou naqueles casos onde se
increase in incidence over the last decade. The evidencia de imediato a má vascularização,
objective of this paper is to report a series of indicando a reanastomose dos vasos.(2; 5) Orelhas
cases seen in the service of Plastic Surgery at the têm rede vascular importante e extensamente
Hospital de Clinicas da Universidade Federal do anastomótica, proveniente de um ramo da
Paraná and make a brief review of literature. The artéria temporal superficial e ramos da artéria
primary suture of partial ear amputation has the auricular posterior, esta última fornecendo o
advantage of being a simple, fast and inexpensive. maior suprimento. A vascularização da hélice é
Conclusion: We found that with simple measures feita por uma rede formada entre o ramo para a
such as proper cleaning of the lesion and primary fossa triangular, da artéria temporal superficial,
closure without tension can get good results, when e a artéria do lóbulo, presente em 100% das
these procedures are well indicated. orelhas, ramo da artéria auricular posterior.
(6)
Sendo assim, mesmo estreitos pedículos
KEYWORDS: 1. Trauma; vasculares podem ser capazes de suprir uma
2. Ear; orelha quase totalmente decepada. Se houver
3. Reconstruction sangramento nas bordas do segmento ferido,
é válida a tentativa de ressutura. Pequenos
segmentos amputados poderão “pegar” como
1. Médico Residente em Cirurgia Plástica - HCUFPR enxertos compostos. Entretanto, a noção de que
2. Cirurgião Geral orelhas totalmente seccionadas poderão ser
3. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do HCUFPR reimplantadas, se transportadas em condições

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de assepsia e refrigeração, só é válida se CASO 2
a vítima for encaminhada a hospitais com Paciente Feminina, 9 anos, vítima de
recursos de microcirurgia. Reimplante total de mordedura canina em orelha esquerda, apresenta
orelha, sem anastomose vascular, está fadado amputação traumatica de polo superior com
ao insucesso. (4; 6) manutenção de pedículo em terço médio. Foi
admitida duas horas após o trauma no Pronto
Socorro do Hospital do Trabalhador.
O procedimento foi realizado sob anesteisa
geral com desbridamento conservador do tecido
inviável e sutura da pele com nylon 5-0 sem tensão.
Foi utilizado cefazolina no início da cirurgia. E
mantivemos cefalexina via oral ao dia, e creme
OBJETIVO de sulfadiazina de prata 1%, por 5 dias. Evoluiu
com boa viabilidade da orelha com pequena area
O objetivo deste artigo é relatar uma série de de epidermólise.
casos atendidos no serviço de Cirurgia Plástica e
Reparadora do Hospital de Clínicas da UFPR e
fazer uma breve revisão de literatura.

MÉTODOS

RELATO DE CASOS
CASO 1
Paciente masculino de 33 anos, não
tabagista, foi atendido no pronto socorro do
Hospital do Trabalhador (UFPR), com amputação
quase completa da orelha direita com 5 horas
de evolução, permanecendo pediculada apenas
pelo lóbulo (Figuras 1 e 2). Foi submetido a
bloqueio anestésico dos nervos auricular maior
e aurículotemporal com Xylocaína a 2% sem
vasoconstrictor, sem infiltrações na lesão. Após
limpeza com soro fisiológico 0.9% e clorhexidine,
foi realizado o desbridamento mínimo do tecido
inviável e sutura da pele com nylon 5-0 sem
tensão. Como antibioticoterapia foi utilizado
cefazolina no início da cirurgia. Indicou-se
cefalexina, ácido acetil-salicílico 300 mg via oral
ao dia, e creme de sulfadiazina de prata 1%, por
5 dias. Evoluiu com viabilidade total da orelha Caso 3
sem pontos de isquemia ou necrose. Paciente masculino 53 anos, vítima de
trauma corto contuso após queda de objeto de
grande porte (portão de metal) com amputação
de polo superior da orelha esquerda, mantendo
um pedículo fino em contato com terço médio de
orelha. Foi admitido uma hora após o trauma no
Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador.
Foi realizado bloqueio anestésico dos nervos
auricular maior e aurículotemporal com Xylocaína
a 2% sem vasoconstrictor. O procedimento foi
realizado com desbridamento conservador do
tecido inviável e sutura da pele com nylon 5-0 sem
tensão. Evoluiu com viabilidade total da orelha
sem pontos de isquemia ou necrose.

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Em casos de laceração e avulsão deve
ser realizado debridamento conservador, e
fechamento da pele para feridas limpas. A sutura
de cartilagem não é recomendada e se houver
avulsão de pele parcial pode ser reposicionada
se o pericondrio estiver presente. Fragmentos
pequenos de orelha amputadas devem ser
suturados se limpos e com tempo inferior a 6
horas, principalmente em crianças.(9)
O reimplante da cartilagem amputada na
parede abdominal para posterior reconstrução
causa total deformidade da mesma.(9)
A técnica a ser escolhida para a reparação
dependerá do tamanho da orelha, do tamanho da
lesão e de sua localização. . Em defeitos de até
1/3 da orelha, em sua parte média, retalho de pele
da mastóide, complementado por segmento de
cartilagem conchal, costuma ser suficiente. Para
DISCUSSÃO o lóbulo sutura direta ou retalhos locais estão
indicados. O uso de cartilagem costal deve ser
A literatura é extensa e controversa no usado em perdas maiores do que 1/3, sobretudo
tratamento e reimplantação da orelha, mas o se a parte superior da orelha tiver sido afetada. Só
atendimento emergencial é fundamental. A sutura a cartilagem costal tem condições de ser modelada
primária de amputações parciais de orelha tem para reproduzir os contornos complexos da
a vantagem de ser um método simples, rápido metade superior da orelha. As situações clínicas
e de baixo custo. Através de uma grande rede apresentadas não necessitaram de reconstruções
anastomótica de vasos provenientes da artéria mais elaboradas pelo fato de não haver grandes
carótida externa (3 ramos anteriores da artéria perdas de substância.(6)
aurículo-temporal e 3 ramos posteriores da artéria Em casos de laceração e avulsão deve ser
auricular posterior), pequenos pedículos teciduais realizado debridamento conservador, e fechamento
podem na maioria das vezes oferecer suprimento da pele para feridas limpas. A sutura de cartilagem
vascular a toda orelha. Devido a isto, deve-se não é recomendada e se houver avulsão de pele
tentar o reimplante da orelha, sempre que houver parcial pode ser reposicionada se o pericondrio
um pedículo cutâneo. (8) estiver presente. Fragmentos pequenos de orelha
Casos de amputação total, sem nenhum amputadas devem ser suturados se limpos e
pedículo cutâneo, o tratamento padrão consiste com tempo inferior a 6 horas, principalmente em
no reimplante microcirúrgico da orelha. Existe crianças. O reimplante da cartilagem amputada
uma grande dificuldade do procedimento devido na parede abdominal para posterior reconstrução
ao diâmetro dos vasos e a possibilidade de lesão causa total deformidade da mesma.(9)
da íntima dos vasos pelo estiramento.
Na reconstrução microcirúrgica pode ser CONCLUSÃO
feita com artéria auricular pôsterior, onde se
preserva a vascularização da fáscia temporal, ou Os casos apresentados mostram a importância
com a artéria temporal superficial. Um obstáculo da abordagem inicial no trauma auricular. E
seria a diferença do calibre dos vasos que observamos que com medidas simples como
dificulta a anastomose, porém podem ser feita limpeza adequada da lesão e fechamento primário
términolateral. Outros fatores complicadores sem tensão conseguimos obter bons resultados,
são o estado da orelha amputada e o tempo de quando estes procedimentos são bem indicados.
isquemia. A reconstrução microcirúrgica é uma
opção possível, mas raramente possível devido
às lesões venosas. (5) REFERÊNCIAS
A mordedura (humana ou canina) deve
1 - ABD-ALMOKTADER, M. A. Nonmicrosurgical single-
ser manejada com debridamento conservador
stage auricular replantation of amputated ear. Ann
e iniciar o uso de antibióticos imediatamente. O
Plast Surg, v. 67, n. 1, p. 40-3, Jul 2011. ISSN 1536-
uso de Amoxacilina com clavulanato serve para 3708. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.
as 2 situações. No trauma fechado a principal gov/pubmed/21467912.
complicação é o hematoma que deve ser drenado 2 - BODANESE, T. et al. CONDUTA NA AMPUTAÇÃO
e feito curativo compressive para evitar recidiva TRAUMÁTICA DE ORELHA. Arquivos Catarinens-
e posterior infecção. Deformidade de orelha em es de Medicina, v. 38, n. Suplemento 01, p. 230,
couve-flor ocorre apos hematoma subpericondral 2009.
o qual desvasculariza cartilagem.(9)

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3 - CHUKUEZI, A.; NWOSU, J. Ear Trauma in Orlu, Ni-
geria: A Five-Year Review. Indian Journal of Otolar-
yngology and Head & Neck Surgery, p. 1-4, 2011.
ISSN 0019-5421.
4 - OTTAT, M. R. Partial reconstruction of the external
ear after a trauma: simple and efficient techniques.
Braz J Otorhinolaryngol, v. 76, n. 1, p. 7-13, 2010
Jan-Feb 2010. ISSN 1808-8686. Disponível em: <
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20339682.
5 - COSTA-FERREIRA, A. et al. ‘Non-microsurgical’ear
replantation–Baudet\'s technique revisited. Journal
of plastic, reconstructive & aesthetic surgery, v. 60,
n. 3, p. 325-7, 2007. ISSN 1748-6815.
6 - FRANCO, T.; FRANCO, D. Trauma de orelha: quan-
do reconstruir com cartilagem costal. Rev Bras Cir
Craniomaxilofac 2010; 13(3): 143-8.
7 - STILLER, M. B. et al. Anteriorly Pedicled Retroau-
ricular Flap for Repair of Auricular Defects. Aes-
thetic Plast Surg, Nov 2011. ISSN 1432-5241.
Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
pubmed/22101987.
8 - Janis, Jeffrey E. Essentials of Plastic Surgery - A Ut
Southwestern Medical Center Handbook ; 2007.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA


Av Silva Jardim, 2833 - Curitiba - PR
CEP: 080024002
E-mail: ivanmalufjr@yahoo.com.br

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