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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

Departamento de Arquitetura
Curso de pós-graduação Lato Sensu em
Design de Assentamentos Sustentáveis e Ecovilas

Tamyse Campos Bueno Norberto

AGROECOLOGIA DE DENTRO PRA FORA, educação em


Assentamento da RA: o caso do Egidio Brunetto de Lagoinha - SP

Taubaté
2022
Tamyse Campos Bueno Norberto

AGROECOLOGIA DE DENTRO PRA FORA, educação em


Assentamento da Reforma Agrária: o caso do Egidio Brunetto de
Lagoinha - SP

Trabalho de Conclusão de Curso de pós-


graduação Lato Sensu em Design de
Assentamentos Sustentáveis e Ecovilas
do Departamento de Arquitetura da
Universidade de Taubaté, elaborado
sob orientação do/a Prof. Dr. Ademir
Pereira dos Santos

Taubaté
2022
Ficha catalográfica elaborada pelo
SIBi – Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU

N824a Norberto, Tamyse Campos Bueno


Agroecologia de dentro pra fora: educação em assentamento da RA:
o caso do Egídio Brunetto I de Lagoinha SP. / Tamyse Campos Bueno
Norberto. -- 2022.
86 f.: il.

Monografia (especialização) - Universidade de Taubaté, Pró- reitoria


de Pesquisa e Pós-graduação, Taubaté, 2022.
Orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos, Departamento de
Arquitetura.

1. Reforma agrária popular. 2. Escola de Agroecologia. 3.


Agroecologia. 4. Escola popular. 5. Educação decoIonial. Universidade
de Taubaté. Pró- reitoria de Pesquisa e Pós-graduação. II.Título.

CDD – 720

Elaborada pela Bibliotecária (a) Angelita dos Santos Magalhães – CRB-8/6319


DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos companheiros do


Assentamento do MST Egídio Brunetto I –
Lagoinha-SP, que tornaram possível a
concepção deste trabalho sonhando juntos a
materialização de uma escola popular.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador Ademir Pereira dos Santos, figura incrível que tive o prazer de
encontrar em minha jornada acadêmica e contribuiu com meu amadurecimento junto ao
universo acadêmico.

À Profª Postdoc Fabiana Felix do Amaral e Silva, que me iniciou no mundo da pesquisa,
pessoa a quem tenho imenso carinho e permanece caminhando junta na construção do
conhecimento e desconstrução de uma educação limitadora.

Aos demais professores que contribuíram carinhosamente para minha construção acadêmica e
a formação de quem sou hoje: Prof. Dr. Eduardo Venanzone, Prof. Dr. Leonardo Lima, Prof.
Postdoc. José Ricardo Flores, Profª Da. Rosana Sbruzzi, Prof. Postdoc. Paulo Romano
Reschillian, Prof. Luís Eduardo Cecílio e os Prof. Me. Gilson Domingues e Prof. Me. Luís
Felipe Xavier que integraram a banca examinadora.

A minha mãe Joana D’Arc Campos e irmãs Cecília Bueno Norberto e Tainá Campos Costa,
cujo laço familiar e amor deram suporte para que eu pudesse trilhar o caminho da erudição,
tão inacessível aos que vieram da periferia, principalmente mulheres, e principalmente negras.

Ao meu companheiro Fabio Borges Henrique, um gênio brilhante oculto ao universo


acadêmico como tantos gênios que optaram pelo conhecimento empírico em oposição a
cercas excludentes e limitadoras da academia. E as companheiras de luta Mariana Pimentel
Pereira e Daniela Ferreira (assentamento Egídio Brunetto – Lagoinha-SP), Mara Galvão
(assentamento Nova Esperança – São José dos Campos) e Deise Alves (Assentamento
Conquista – Tremembé-SP), mulheres guerreiras que me ensinaram a lutar e sonhar sem
limites com um “outro mundo possível”.
“Nossa escola precisa ser plantada da nossa
própria semente, para que nasça com as
características da terra onde foi semeada”.

Joelson Ferreira
RESUMO

AGROECOLOGIA DE DENTRO PRA FORA, educação em Assentamento da RA: o


caso do Egidio Brunetto de Lagoinha - SP

A agroecologia surge como alternativa para amortecer os impactos ambientais e, com muita
sorte e conscientização massiva da humanidade, reverter os processos destrutivos no planeta,
causados pela economia pautada na acumulação do capital. O projeto aqui presente traz uma
proposta para a criação de uma escola de agroecologia dentro de um Pré-Assentamento da
Reforma Agrária denominado Egídio Brunetto I, localizado em Lagoinha-SP, onde discute
não somente questões relacionadas à agricultura por meio dos sistemas de agroflorestas e
princípios sintrópicos, como também discute a questão política socioambiental e a
decolonização da educação eurocêntrica. Para isso elaborou-se um currículo pedagógico
abrangendo a agroecologia e toda sua rede de complexidade no que diz respeito à
colaboração, vida em comunidade, trocas materiais e culturais, conscientização da relação
com o meio, produção, filosofia, política, cultura e arte, aliado a uma metodologia de ensino
que permeia a construção do saber popular contextualizada a realidade camponesa, assim
como a elaboração de um macroplano de infraestrutura para a instalação da referida escola.

Palavras-chave: Reforma Agrária Popular. Escola de Agroecologia. Agroecologia. Escola


Popular. Educação decolonial.
ABSTRACT
AGROECOLOGY FROM INSIDE OUT, education in Agrarian Reform settlement: the
case of Egidio Brunetto de Lagoinha - SP

Agroecology emerges as an alternative to mitigate environmental impacts and, with great luck
and massive awareness of humanity, reverse the destructive processes on the planet, caused
by the economy based on the accumulation of capital. The project aims to brings a proposal
for the creation of a school of agroecology within a Pre-Settlement of Agrarian Reform called
Egídio Brunetto I, located in Lagoinha-SP, where it discusses not only issues related to
agriculture through agroforestry systems and syntropic principles, but also discusses the
socio-environmental political issue and the decolonization of Eurocentric education. For this,
a pedagogical curriculum was elaborated covering agroecology and its entire network of
complexity with regard to collaboration, community life, material and cultural exchanges,
awareness of the relationship with the environment, production, philosophy, politics, culture
and art, allied to a teaching methodology that permeates the construction of popular
knowledge contextualized to the peasant reality, as well as the elaboration of an infrastructure
macroplan for the installation of that school.

Keywords: Popular Agrarian Reform. School of Agroecology. Agroecology. Popular School.


Decolonial education.
Figura 1. Localização do Pré-assentamento no Estado de São Paulo ................................. 14

Figura 2. Localização do Pré-Assentamento no município de Lagoinha-SP ........................... 16

Figura 3. Mapa Separação de lotes e preservação ambinetal ................................................... 16

Figura 4. Mapa do recurso hídrico. Cartografia social elaborada pela comunidade – 2019 .... 47

Figura 5. Histórico do processo de assentamento .................................................................... 49

Figura 6. Roda de conversa cultura e meio ambiente no encontro Piraquaras – 2017 ..... 51

Figura 7. Troca de sementes e mudas. ................................................................................... 52

Figura 8. palestra sobre meio ambiente na I semana de agroecologia (2018) .................. 52

Figura 9. Palestra sobre sistemas agroflorestais na I semana de agroecologia (2018) ............. 53

Figura 10. Festa da semente crioula e biodinâmicas do sul de minas ...................................... 53

Figura 11. Projeto “Sim eu posso” de alfabetização da Escola Popular de Agroecologia Ana
Primavesi. ......................................................................................................................... 54

Figura 12. Participação na Feira Nacional da Reforma Agrária – 2018................................... 54

Figura 13. Feira Agroecológica no município de Lagoinha – 2019 ......................................... 55

Figura 14. Inauguração da biblioteca Joel Gama. .................................................................... 55

Figura 15. Primeira biblioteca. ................................................................................................. 56

Figura 16. Festival Eco cultural 2019....................................................................................... 57

Figura 17. Reunião do projeto “ideias e ações para um novo tempo”...................................... 57

Figura 18. Oficina de construção de uma fossa de evapotranspiração - 2019.......................... 58

Figura 19. Oficina de pastagem agroecológica - II semana de agroecologia 2019 ................. 58

Figura 20. Oficina de preservação de nascentes na II semana agroecologica 2019 ................. 59

Figura 21. Oficina de coleta de semente na II semana de agroecologia de 2019 ..................... 59

Figura 22. Feira da agrobiodiversidade na II semana de agroecologia 2019 ........................... 60

Figura 23. Plantio de nativas no dia da árvore - 2020 .............................................................. 60

Figura 24. Oficina de modelagem em argila no Ecocultural 2020. .......................................... 62

Figura 25. Formatura do curso de apicultura 2020 ................................................................... 63

Figura 26. Vivência Agroecológica Sem Terra – 2022. ........................................................... 64


Figura 27. II Vivência Agroecológica Sem Terra – 2022 ........................................................ 64

Figura 28. Curso de Agrofloresta com professor Namastê. ..................................................... 65

Figura 29. III Vivência de Agroecologia Sem Terra – 2022 .................................................... 65

Figura 30. Reunião do CONTUR – 2022 ................................................................................. 66

Figura 31. Levantamento Fotográfico. ..................................................................................... 72

Figura 32. Levantamento Fotográfico. ..................................................................................... 73

Figura 33. Mapa lugares do saber. ............................................................................................ 72

Figura 34. Tabela dos Eixos Temáticos.................................................................................. 729

Figura 35. Macroplano de Infraestrutura. ................................................................................. 86


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1.1 Tema ........................................................................................................................... 12

1.2 Objeto e problema ...................................................................................................... 12

1.3 Objetivos..................................................................................................................... 13

1.3.1 Objetivo Geral ............................................................................................................ 13

1.3.2 Objetivo Específico .................................................................................................... 13

1.4 Recorte Territórial ...................................................................................................... 14

2. REVISÃO DA LITERATURA: A NATUREZA DA (DES) NATUREZA ................. 18

2.1. Natureza: dentro, fora e sob o domínio do homem .................................................... 18

2.2. Alimentação e Alienação ............................................................................................ 20

2.3. O Agro e outros negócios ........................................................................................... 23

3. DA REVOLUÇÃO VERDE AO VERDE REVOLUCIONÁRIO ............................... 27

3.1. Territórios, Desterritorialização e Reterritorialização ................................................ 27

3.2. Proletário rural e Movimentos de Contracorrente ...................................................... 30

3.3. Reforma Agrária Popular contra o Agronegócio ........................................................ 32

4. EDUCAÇÃO E SUBVERSÃO ........................................................................................ 35

4.1. Decolonizando a Educação......................................................................................... 35

4.2. Emancipação Intelectual no campo ............................................................................ 38

4.3. Fundamentos da Agroecologia ................................................................................... 42

5. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................. 45

6. RESULTADOS ................................................................................................................. 47

6.1. Lagoinha, cenário rural ............................................................................................... 47

6.2. Histórico de Ocupação Egídio Brunetto ..................................................................... 48

6.3. Sobre Egídio Brunetto ................................................................................................ 50

6.4. Agroecologia do Egídio Brunetto I: passado, presente, futuro .................................. 51


7. EPA! ANA PRIMAVESI ................................................................................................. 67

7.1. Sobre Ana Primavesi .................................................................................................. 67

7.2. Conceito e filosofia da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi .................. 67

8. EPA! FILOSOFIA E CONSTRUÇÃO .......................................................................... 71

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 81

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83

APÊNDICE ............................................................................................................................. 86
1. INTRODUÇÃO

1.1 Tema

O objeto aqui proposto trata-se de uma Escola Popular de Agroecologia a ser inserida no
Pré-Assentamento Egídio Brunetto I, em Lagoinha-SP. A proposta discute a possibilidade
de uma educação decolonizadora para a inserção da referida escola e prevê a elaboração
de um designer de infraestrutura para sua instalação, visto que a comunidade do Pré-
Assentamento incuba este sonho desde sua ocupação. A proposta revela-se pertinente,
primeiramente, por ser uma demanda que surge de baixo para cima, e em segundo
plano, e não menos importante, por se tratar de uma necessidade global a construção do
conhecimento popular no contexto do campo, e a perpetuação dos conhecimentos em
agroecologia em combate aos impactos causados pelo agronegócio.

1.2 Objeto e problema

O Brasil assentou-se em uma urbanização tardia, cujas bases patrimonialistas ainda são
refletidas em sua política de terras e produção do espaço. As regiões sede dos ciclos
econômicos desenvolvidas na formação do mercado brasileiro, por meio dos latifúndios
da elite dominante, foram possibilitadas pela entrada do capital estrangeiro no Brasil
(NORBERTO, 2018). Assim, os laços com essa estrutura de produção provocou
esvaziamento do campo retardando a Reforma Agrária e formando um quadro de
camponeses produtores de agricultura familiar, negros e povos indígenas excluídos do
campo moderno. Em paralelo, a Revolução Verde, por meio dos “pacotes verdes”1,
fomentava a produção em larga escala para o agronegócio. Esse processo resultou em
graves problemas: prejuízos à saúde dos produtores e dos consumidores, grilagem de
terras, assassinato de lideranças, concentração fundiária e desequilíbrio no ecossistema
são alguns desses problemas, que ainda hoje se agravam (FERREIRA NETO, 2018).

1
Conjunto de procedimentos com a retórica da otimização da produção agrícola, permitindo a produção em larga
escala por meio da substituição da mão de obra humana por máquinas, quimicização dos nutrientes
artificializados inseridos para adubação do solo, uso de agrotóxicos e transgenia (FERREIRA NETO,
2018).

12
O MST surge oficialmente em 1984 e, em 2014 um debate acerca dos impactos causados
pelo agronegócio deu início à luta pela agroecologia (NORBERTO, 2021), que surge como
movimento mundial a fim de reparar os danos causados pelos “pacotes verdes”. A
agroecologia, portanto, surge em paralelo aos movimentos ambientalistas cujo conceito
abarca a reprodução, em pequena escala, do processo de sucessão da vegetação, do
estagio pioneiro ao estagio avançado, em uma floresta.

A compreensão da agroecologia na perspectiva da Reforma Agraria Popular, está


estritamente relacionada à promoção da educação decolonial que se debruça na
construção do conhecimento popular reconhecendo outros meios de construir o saber
que não, por meio do sistema hierárquico eurocêntrico de transmissão dos
conhecimentos, utilizado atualmente no sistema educacional brasileiro.

Nesse sentido, a Escola Popular de Agroecologia inserida dentro de uma comunidade


rural estabelece um papel importante para a construção do saber de forma coletiva e
conexão entre campo e cidade, vida do pequeno trabalhador rural e no combate à fome
no Brasil de maneira saudável e protocooperativa, pois as bases da agroecologia se
debruçam na sustentabilidade ambiental, justiça social, soberania alimentar,
democratização do direito à terra, à água e aos recursos naturais, além das próprias
estruturas de produção do conhecimento (SCHMITT, Cláudia; MONTEIRO, Denis;
LONDRES, Flávia; PACHECO, Maria Emília, 2018).

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

O projeto tem por objetivo a elaboração de um designer de infraestrutura na escala macro, o


qual a partir daqui chamaremos de Macroplano de Infraestrutura para a inserção de uma
Escola Popular de Agroecologia dentro de um pré-assentamento da reforma agrária, a ser
realizado com base na educação decolonial e saberes populares construídos de forma
participativa.

1.3.2 Objetivo Específico

Pretende-se discutir uma educação emancipadora que valoriza o camponês dentro de seu
contexto rural. A discussão Será realizada por meio de uma revisão bibliográfica acerca da

13
problematização, tendo em vista a relevância da proposta, processos históricos que
fundamentam a escolha do tema e estado da arte.

1.4 Recorte Territórial

O Pré-Assentamento Egídio Brunetto I está localizado na cidade de Lagoinha-SP, dentro da


RMVP e Litoral Norte (Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte), na região
da cabeceira do rio Paraitinga, que conflue com o rio Paraibuna desaguando no rio Paraíba do
Sul, responsável pelo abastecimento das cidades do Vale do Paraíba do Sul.

Figura 1. Localização do Pré-assentamento no Estado de São Paulo

FONTE: Executado pela autora

A Região ainda abriga remanescente da mata Atlântica, hoje em risco de extinção.


Atualmente as 55 famílias residentes do Egídio Brunetto I encontram-se em situação de Pré-
Assentamento nos respectivos lotes que somam uma área de 1.659,626 ha, sendo 637,049 ha.
de Área de Reserva Legal; 232,102 ha. de Área de Preservação Permanente; e 790,474 ha. de
Área cultivável dividida entre os 55 lotes.

Além de estar situado na cabeceira do rio Paraitinga, rio que conflue com o rio Paraibuna, a
região abriga remanescentes da floresta atlântica, de grande importância para a conservação,
sabendo que este bioma encontra-se em grande risco de extinção.

Lagoinha possui 4.841 habitantes, segundo o IBGE (2021), enquanto o Pré-Assentamento


possui aproximados 200 habitantes. Ainda com base nos dados do IBGE (2021) a densidade
demográfica do município é de 18,95 habitantes/km², possuindo um território de 255.472,0

14
ha. cuja área urbana é representada pela dimensão de 435 ha., apenas 0,17% da área total do
município.

15
Figura 2. Localização do Pré-Assentamento
Pré Assentamento no município de Lagoinha-SP
Lagoinha

FONTE: Executado pela autora

A área em que se assenta a comunidade do Egídio Brunetto I possui 1.659 ha. A comunidade
do Egídio Brunetto teve início em 2010, quando ocorreu seu primeiro acampamento, que
sofreu uma reintegração de posse, e então somente em 2015 aconteceu o segundo
acampamento que permanece até hoje em desobediência civil.

Figura 3. Mapa Separação de lotes e preservação ambinetal

FONTE: Pré-Assentamento Egídio Brunetto I

A importância do Assentamento para a agroecologia e preservação do meio ambiente se


debruça no fato de estar localizado na região da cabeceira do rio Paraitinga,
Paraitinga que conflui com o
16
rio Paraibuna desaguando no rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento das cidades
do “Vale do Paraíba do Sul”. A região ainda abriga remanescentes da Mata Atlântica, hoje em
risco de extinção sendo urgente o reflorestamento desse bioma.

17
2. REVISÃO DA LITERATURA: A NATUREZA DA (DES) NATUREZA

2.1. Natureza: dentro, fora e sob o domínio do homem

A “natureza” que descrevemos nostalgicamente na contemporaneidade é uma “natureza”


inventada. Não existe barreira entre nós e a “natureza”, não existe dissociação. Nós somos a
“natureza”. A ideia de separatividade do ser humano com a “natureza”, ou “oikós”, palavra de
origem latina pronunciada hoje como “eco”, que traz significado à palavra “casa”
(FERREIRA NETO, 2018), portanto, a separatividade entre nós e a ”casa”, é um desalento
que deriva no descaso com a, mais popularmente conhecida, “natureza”.

Pfullingen (1954), por meio do filósofo Heidgger afirmava ser o homem (aqui abordado no
sentido de ser humano e não no sentido de gênero), elemento impensável fora de uma
(denominada pelo filósofo) quadratura. Seria essa quadratura a harmonia entre céu, terra,
mortal e divindade. O autor poetizou ao dizer que:

Os mortais habitam a medida que acolhem o céu como céu. Habitam quando
permitem ao sol e à lua sua peregrinação, às estrelas a sua via, às estações dos
anos suas bênçãos e seu rigor, sem fazer da noite dia e do dia uma agitação
açulada.

Percebemos que Pfullingen (1954) concorda que o ser humano e a “natureza” não existem um
sem o outro e que habitamos este “espaço terreno” à medida que deixamos a “natureza” ser
em si. Sem que desejemos dominá-la ou domesticá-la.

Por meio de Krenak (2020) conseguimos compreender, brevemente, o que os povos


originários entendem por “natureza”. Para eles, nada se sobrepõe à vida, e a “natureza” é a
vida acontecendo. Toda a Terra é sustentável. Ela é regenerativa. O autor relata que, apesar
dessa loucura do capital sobre os recursos naturais, sente alívio quando olha para a montanha
que guarda sua aldeia e nela vê a vida atravessando. Para o autor, a vida atravessa tudo, ela “é
esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial. [...] Vida é
transcendência, está para além do dicionário, não tem definição”.

“Natureza” é uma palavra vinda do latim nasci, pode também ser interpretada como “ser
nato”. Na língua portuguesa, palavras como “gênese”, “gene”, “gênero”, “generosidade”,
“gênio”, vem da raiz indogermânica gen (KESSELRING, 2000). Com base nos estudos de
Kesselring (2000), podemos concluir que a “natureza” tem sua conceituação debruçada nas
raízes que definem a criação, o início, o gen. É um mistério e uma tarefa complexa até hoje,
definir o que é “natureza”. O ser humano e sua razão, ao tentar simplificar, complexificou
18
ainda mais a “natureza”, pois anterior à ascensão do pensamento humano, a “natureza” não
era. Foi a necessidade da alma buscadora que a trouxe à luz do conhecimento por meio da
ciência.

Kesselring (2000) revisa os períodos da conceitução da “natureza” e nos conta que, no mundo
antigo, a natureza tinha paradigma orgânico, denominado physis. Tudo se tratava de um
organismo. A “natureza” era vista como um processo circular, uma dança da vida em que as
“coisas” surgiam e se desvaneciam. Portanto, para os gregos, a “natureza” era eterna e não
criada. Ainda na idade antiga, os pensadores começaram a questionar a “natureza humana”, e
assim surge a physika. Esse paradigma pensa em um elemento que poderíamos chamar de
“alma”. A partir deste momento a “natureza” vai se subdividindo e subtraindo o ser humano.
Surge então a ciência ta physika, a ciência ta matematika, e a ta meta ta physika. Ou seja, a
ciência das coisas mutáveis, os fenômenos e transmutações da “natureza"; a ciência das coisas
imutáveis, medidas e calculadas por meio dos números; e a ciência improvável, que não é fixa
e nem mutável, a metafísica.

Já na idade média, o conceito de “natureza” trazido por Kesselring (2000), se opõe totalmente
às ideias do mundo antigo. Neste período a “natureza” é o princípio da criação, mas deus não
está nela, ele torna-se o próprio criador, e portanto, controlador da “natureza”. A “natureza”
se divide em natureza fora do homem e natureza dentro do homem. Um grande filósofo desse
período foi Aristóteles que definia “natureza” como princípio interno do movimento e
repouso. Entretanto, para que sua ideia fosse aceita neste período, foi acrescido o fato de que
deus foi responsável por atribuir ao ser sua determinação individual.

Na conceituação moderna sobre a “natureza”, o autor supracitado, aponta que as influências


da teologia ainda se arrastaram por um longo período, mantendo a ideia de que deus está fora
da “natureza” e detém o poder sobre todas as coisas. Nesse período, e talvez, por herança da
ta matematika, ocorreu a ascensão da experimentação. O ser humano começa a dominar a
“natureza” e quantificá-la nos moldes numéricos. A descoberta do mundo antigo no século
XV, segundo aponta Kesselring (2000), também exerceu grande influência na concepção da
“natureza”, que deu à luz a ciência moderna. A cisão entre ser humano e deus, embora este
último ainda seja criador da “natureza”, coloca o homem acima de deus, agora com controle
sobre a “natureza”. O ser humano passa a uma posição de quase deus. Com a “natureza”
bipartida em res extensa (mundo dos corpos materiais) e res cogitans (mundo do pensamento)
é sustentada pelo determinismo que coloca o homem em um conflito: ou ele é objeto das leis

19
naturais e, estando sujeito a elas, não está livre; ou é sujeito dela, porem, morando fora, não
pode dominá-la.

Nesse sentido, podemos concordar com Demange (2019), quando a autora afirma que a
sociedade tomou uma distância da “natureza” com o advento do cartesianismo, pois filósofos
pré-modernistas contribuíram com esse distanciamento sob o discurso de que a “natureza” é
composta de fenômenos mensuráveis. Descartes acredita que a “natureza” não passa de mera
matéria e, portanto, desvinculada de deus. Assim, a imagem do próprio deus passa a ser
relativizada. A autora ainda coloca que, se em um dado momento, pré cartesiano, a “natureza”
era sagrada e dotada de alma e os homens seriam seus filhos, após a revolução industrial, tal
distanciamento, debruçado em uma alienação de desconscientização dos processos naturais da
terra, contribuiu com a acumulação do capital, que se apropriou do individualismo oriundo
desse processo para tornar o produto objeto de desejo egoístico e ferramenta de alienação por
meio do consumismo.

2.2. Alimentação e Alienação

É observável que o ser humano está “dando voltas em torno do rabo” enquanto sociedade. Ao
que parece, ainda não descobrimos qual nossa função na natureza. Isso ocorre talvez porque
não descobrimos nossa função enquanto natureza. Porque não nos compreendemos como
natureza. Demange (2019) afirma que o cartesianismo tratou de separar o homem da natureza,
esse evento resultou na banalização da nossa relação com o meio. Nesse sentido, não
conseguimos compreender os feedbacks negativos que a natureza tem nos enviado
(aquecimento global, pandemia, derretimento das calotas polares, etc.). Nosso caminho segue
rumo à destruição.

Krenak (2020), em seu livro “A vida não é útil”, ‘brinca falando sério’ quando diz: “É incrível
que esse vírus que está aí esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra fantástica do
organismo da Terra tirar a teta da nossa boca e dizer: ‘respirem agora, quero ver’. Isso
denuncia o artifício do tipo de vida que nós criamos”. No mesmo raciocínio, Bacon (1979)
coloca que, a natureza não se curva às nossas investidas a não ser que esta seja uma regra da
natureza. Entende-se com essa afirmação que não há causas e efeitos na natureza, há o fluir
com a natureza, ou como coloca o filósofo, “[...] o que à contemplação apresenta-se como
causa é regra na prática”. Bacon também é um filósofo que contribuiu para ascensão do
pensamento separativista entre natureza e ser humano, entretanto, sua afirmação deixa

20
explícito que, se a humanidade não viver de acordo com as regras da natureza, estaremos
sempre em desequilíbrio.

Nesse sentido fluir com a natureza requer compreender-se como natureza, e se o homem não
está dissociado da natureza, não podemos “preservar o meio ambiente” sem pensarmos em
desigualdades sociais. Demange (2019) diz que impactos ambientais avançam de forma cada
vez mais acelerada, obrigando grupos de cientistas a reunirem-se para clamarem por uma
reconexão com a natureza. Apelando inclusive, para as instâncias religiosas. O que parece
uma preocupação real com nossa oikós (casa), ou planeta terra, trata-se na verdade, de uma
preocupação com a finitude dos recursos naturais e a possibilidade de perder o domínio sobre
os “recursos e decisões quanto à natureza”.

Para Limonad (2007) a ideia de que os recursos da natureza são finitos é um discurso
difundido por uma hegemonia que coloca o valor de troca sobre a terra e seus recursos acima
do valor de uso. Pois o que não é difundido é que a limitação dos recursos naturais é
produzida pela exploração e dominação da hegemonia para sustentar a lógica do capital. A
autora faz uma reflexão sobre o que é natureza na contemporaneidade partindo da concepção
de alguns filósofos, dentre eles, Henry Lefebvre, apontando que dado momento, a natureza foi
considerada o local onde o ser humano não penetrara ainda e, portanto, habitava apenas o
imaginário do ser humano. Entretanto a autora coloca que, com o mundo capitalista, em que a
lógica do mercado penetra qualquer campo, meio ou nação, e devido aos efeitos dessa lógica,
é possível que não haja mais local impenetrado pelo ser humano. Mesmo os locais mais hostis
da Terra, ainda são tocados pela poluição da atmosfera, chuvas ácidas, climas
desequilibrados, etc. Nesse sentido, segundo a autora, o uso tão difundido em todos os
campos do conhecimento e em todas as instancias (acadêmicas, políticas, institucionais)
conhecido como sustentabilidade, seria na verdade uma apropriação do capital, que segundo
Harvey (2005), tende a incorporar novas tendências e se reinventar para manter a
(ironicamente) sustentabilidade da sua existência. Assim, a “preservação da natureza”, seja a
natureza como for interpretada, e o conceito de “desenvolvimento sustentável”, trata-se mais
de “preservação da lógica capitalista”.

Portanto, o conceito de sustentabilidade impele a “preservação da natureza” por meio de


legislações excludentes em que alguns direitos de uso do espaço são privilegiados em
detrimento a outros, obviamente, os interesses do mercado são preservados em detrimento ao
direito de uso, caracterizando uma fetchização da natureza, em que ela passa a ser
desnaturalizada (LIMONAD, P.10, 2007). Tomamos como exemplo, a liberação de créditos

21
para a agroindústria produtora de insumos a base de agrotóxicos a serem exportados,
comprovadamente agressivos ao solo e ao meio ambiente, em detrimento ao direito de plantar
alimento agroecológico para subsistência e economia local rural, pleiteado pelo Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra por meio da Reforma Agrária Popular.

Krenak (2020) fala de forma simples que a economia é algo inventado. Para ele, trata-se de
um fantasma que serve para aterrorizar a humanidade com discursos de que o dólar subiu e
que a bolsa vai cair. Termos que camadas mais populares nem compreendem na integra e
repetem por ai como se fossem conclusões de suas próprias reflexões. O que significa o
colapso da bolsa de valores? Significa que grandes corporações irão falir e nos permitir
apropriar da terra, dos espaços (que hoje estão cada vez mais cercados pelo turismo e
especulação imobiliária) pelo seu valor de uso? Quando o autor diz: “o dólar que se exploda,
o mercado que se coma!” referindo se a um suposto colapso do planeta, fica claro que para os
povos originários, não se preserva a natureza promovendo desigualdades, promovendo leis
que permitam a exploração da Terra para satisfazer desejos e necessidades de um pequeno
grupo da humanidade. Um grupo que decide sobre a produção do espaço. Preservar a natureza
é preservar a dignidade dos povos, permitir igualdade social.

Krenak (2020) ainda coloca que o “progresso” é outra retórica de que “estamos indo para
algum lugar”, e o que não progride, sobra. Sobra os povos originários, sobra os trabalhadores
sem-terra que não concordam e não são aceitos no sistema dominador e exploratório que é o
sistema capitalista, e tencionam o poder hegemônico por meio da resistência.

O líder indígena observa que a concentração de riqueza chega próximo ao seu limite. E vemos
o organismo da Terra nos avisando sobre isso. Nada pode se concentrar tanto, discordando de
outros autores defensores da incrível capacidade do capital transformar crise em
concentração. Pois até mesmo a lei da física mostra que nada pode se concentrar tanto assim.

Podemos refletir se esse divórcio do ser humano com a natureza não nos arrastou, ao longo
dos séculos, para longe do conhecimento de nós mesmos. É normal não sabermos o que faz
bem e o que não faz bem para nosso organismo? Não saber de onde vem a batata e que alface
tem flor? Perdemos a noção dos processos do nosso corpo e não sabemos o que estamos
enfiando pra dentro dele. Krenak (2020) afirma que precisamos parar de procurar um culpado
para as coisas e começar a despertar nosso poder interior. O autor sugere que deixemos de
esperar o governo nos alimentar, ou as fábricas, ou os supermercados e cuidar das nossas
sementinhas, ver nascer nossa comida. Saber o que estamos ingerindo. Pois a maioria das
pessoas:
22
[...] não só comem coisas aparentemente envenenadas, tipo morangos e
tomates, como também consome muita coisa que nem sabe o que é. Tem uma
composição lá qualquer, cheia de nomes que não sabemos o que significam.
Ora, como é que você vai acreditar naquilo? Podem ter processado qualquer
lixo e estarem te dando para comer. (KRENAK, p. 21, 2020)

Portanto, é em nome da acumulação do capital que a sociedade, principalmente a camada de


baixa renda, é deixada à margem das informações. Sendo alienada por meio das mídias com
propagandas de produtos que não são essenciais para a existência na Terra, e que, por muitas
vezes, seu fábrico, é prejudicial à existência da Terra. Há um monopólio da comida que nos
afasta da Terra, seja promovendo um preconceito contra o caipira, seja inferiorizando a Terra
como suja, seja nos afastando da prática de plantar, ou nos afastando do contato com ela,
produzindo cidades de concreto.

2.3. O Agro e outros negócios

No início da segunda metade do século XX, os avanços na área da química deu origem à
Revolução Verde possibilitando a industrialização do campo que irá culminar no atualmente
conhecido como, agronegócio: economia intimamente ligada à modernização conservadora,
que tratou de equipar o campo por meio dos pacotes tecnológicos, ou pacotes verdes,
transformando assim, o bucólico campo tradicional em uma indústria de agro exportação.
Portanto, a economia industrial, tardiamente instalada no Brasil, por meio de um capital
emprestado dos países centrais, se sobrepõe ao meio de produção rural impondo sua lógica
capitalista no campo. O agronegócio nesse sentido é o dínamo do neoliberalismo e um eco do
processo de modernização conservadora cujos impactos vão do meio ambiente às questões
sociais, que se pese a expropriação dos meios de subsistência e seus territórios, os
descendentes dos negros escravos, camponeses migrantes do período colonial, povos
quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais.

Ouvimos falar na mídia que o “Agro” é pop, que o “Agro” é tech, o Agro é tudo. “Agro” é a
abreviação de “Agronegócio”, que trata do principal modelo de economia brasileira pautado
na produção de monoculturas possibilitadas pela adição de agrotóxicos em grandes áreas
particulares industrializadas que chamamos de latifúndios. Na mídia aparecem imagens de
tomates, frutas, legumes e verduras lindas e viçosas, nos passando a nebulosa mensagem de
que o “Agro” produz o alimento do nosso país, entretanto, a produção de enorme monocultura
do “Agro” (majoritariamente cultura de soja) é dedicada à exportação, muita produção é
destinada à alimentação de animais. O “Agro” pode ser tech, pode ser tudo para os

23
latifundiários proprietários de enormes parcelas de Terras do nosso país, mas não é pop. O
agronegócio não é popular, não é para o povo. O agronegócio é um meio de manter um status
quo de uma hegemonia que domina e decide a economia brasileira, a produção do espaço e o
que as camadas populares irão comer. No caso, veneno. O “Agro” não é tudo, mas conforme
salienta Krenak (2020), tudo virou “Agro”: “Minério é agro, assalto é agro, roubo do planeta é
agro, e tudo é pop.” O autor fala da aceleração das extrações de minério pela Vale, BHP,
Samarco.

O agronegócio surge nos EUA, conforme aponta Fernandes (2020), após segunda grande
guerra mundial como um complexo de compra e distribuição de suprimentos agrícolas e
produtos acabados, possibilitado pelo avanço técnico-científico (que deu origem ao termo
Revolução Verde) e a disponibilidade de terra em grandes extensões do país. A fim de evitar a
vinculação com as organizações político-econômicas socialista, os EUA enviou à Europa um
alto fluxo de alimentos com pagamento a longo prazo e juros baixos. Segundo De Carli
(2020), na década de 1970, grandes empresas, por meio de incentivo do governo militar, a fim
de diversificar os setores de investimentos da economia, compravam terras no Brasil,
ocupando grandes parcelas no cerrado e Amazônia com a finalidade agro mineradora, como a
Vale do Rio Doce que expandiu suas atividades na Serra dos Carajás. As transnacionais
compravam terras baratas com subsídios governamentais e isenção de impostos como meras
reservas de mercado, tendo-a como garantia do patrimônio do banco em caso de perda
colossal do valor do papel moeda.

Em 1990 o agronegócio começa a ser difundido como modelo reestabelecedor da agricultura


comercial exportadora por Collor e Itamar após a crise de 80’s, por meio de agentes
financeiros internacionais. De Carli (2020) aponta que nessa década, o Brasil passa a controlar
o mercado de Terra e há o crescimento da indústria da carne.

A expansão territorial do agronegócio vem crescendo até hoje. A apropriação do território


pelo agronegócio se vê, não só pelos contratos de grandes empresas com pequenos
produtores, como nos contratos com grandes capitalistas também. As crises do capitalismo
favorecem as empresas mais fortes a engolirem outras empresas que não resistem, e revela
uma preocupante concentração fundiária, revelando caráter globalizatório já que a
concentração não se limita ao campo, mas também se estende ao urbano, uma vez que as
cadeias produtivas necessitam das cidades para arregimentar as relações de incorporação
humana no trabalho (Fernandes, 2020). Segundo De Carli (2020), a concentração fundiária,

24
provocou o adensamento das cidades, desempregos, contaminação do solo, dos alimentos e da
água, desmatamento e desastres ambientais.

Fernandes (2020) afirma que o agronegócio sustenta o neoliberalismo, possuidor de caráter


hedonista, pautado no individualismo, em que o trabalho e o lucro vem perdendo os limites de
suas proporções, dando margem à especulação financeira, parasitismo econômico e político
nos recursos públicos. Segundo o autor, o neoliberalismo obtém sucesso por meio de seu
hedonismo, tirando vantagem individual, cuja exploração atinge os menos abastados e traz
como consequência condições precárias de habitação, saúde, educação e cultura. Pois os
produtores corporativos se reúnem para defender seus interesses junto ao Estado, inserindo-os
no orçamento público, reconfigurando o espaço em função da lógica produtiva, garantindo a
ampliação do controle do mercado. A implantação de um complexo produtivo no território
tendencia a um uso monofuncional do espaço, visto que as empresas do agronegócio, além de
apropriarem se da cadeia produtiva da soja, milho e cana de açúcar, se apropria da
infraestrutura de transporte público, educação e saúde. “[...] A relação de dominação se
amplia com o interesse expancionista das empresas, que, [...] acaba concentrando as
propriedades de forma absoluta” (Fernandes, 2020).

Alentejano (2020) coloca que:

Para este crescimento do agronegócio [2010] contribuiu, decisivamente, a


adoção de um conjunto de políticas trabalhistas, que promoveram a
flexibilização das relações de trabalho; ambientais, cujos marcos regulatórios
foram revisados; de infraestrutura, sobretudo escoamento de produção; de
ordenamento territorial e regularização fundiária; e de financiamento”.

Nesse momento o crédito rural tem forte presença na política de ampliação do agronegócio e
quem tem acesso não são os agricultores de produção familiar. Tal processo dificulta ainda
mais a política de reforma agrária.

Alentejano (2020) acredita que a maior expressão da ampliação do fortalecimento do


agronegócio seria o poder da bancada ruralista no parlamento brasileiro, que não deu trégua
nem nos governos de esquerda de Lula e Dilma. Na atual conjuntura, segundo o autor, o
agronegócio passa a visar não somente terras barateadas pela incapacidade de produção dos
empresários endividados, como também assentamentos consolidados. Portanto, o agronegócio
fere diretamente os povos originários da terra e os trabalhadores rurais e urbano-industriais.

Nesse sentido, o agro e outros negócios, como a mineração e a indústria da carne, é o modelo
de vida que atravessa a cultura não só brasileira, como latino-americana, por meio do mercado
transnacional. Esse atravessamento rompe com a subjetividade de nossas culturas que só tem
25
como alternativa curvarem-se as vontades do mercado financeiro ou lutar e resistir. Assim,
além de atender os interesses da lógica da acumulação do capital sobre violência e exploração,
o agronegócio trata de uma eficiente campanha de criminalização dos movimentos sociais de
luta pela terra e território, taxados de terroristas e inimigos do progresso.

Diante desse modelo de economia, neoliberalista e excludente, surgem em face à Revolução


Verde, os movimentos contracorrentes, que dá origem ao MST, consolidado na década de
1980.

26
3. DA REVOLUÇÃO VERDE AO VERDE REVOLUCIONÁRIO

3.1. Territórios, Desterritorialização e Reterritorialização

Para compreendermos a desterritorialização, compreendamos primeiro o que é território e


territorialização. Segundo Haesbaert (2004), o território é especificamente de domínio
político, vinculado à dominação e apropriação do espaço, que confere sentido de poder, e não
necessariamente de propriedade. A territorialidade na explicação do autor trata-se de um
território dotado de significados, onde se desenvolvem as culturas a partir da apropriação do
espaço pelas comunidades. Essa apropriação carrega sentido material (extração de recursos
naturais, e sentido subjetivo, onde se estabelece relações, se utiliza o espaço como abrigo e se
desenvolvem pertença sobre ele).

Podemos classificar os territórios em dois usos: território funcional e território simbólico. No


funcional, encontramos a apropriação do espaço para fins de recursos naturais, destacando o
valor de troca, hoje priorizado pela lógica do capital, que levou a luta pela terra ao patamar
que vislumbramos na contemporaneidade. No uso simbólico, destacamos o valor de uso
arraigado de sentido e memória das experiências vividas. O uso do território pelo valor de
troca torna-o um espaço unifuncional, em que todas as ações e apropriações são manejadas
em função do mercado e acumulação (HAESBAERT, 2014).

Obviamente, o autor pontua que, empiricamente é impossível o território funcional não ser
dotado de significados, mesmo que as experiências não sejam agradáveis. Todo território
carrega múltiplas funções e estabelece significado. O autor supracitado diz:

A diferença é que, se o espaço social aparece de maneira difusa por toda


sociedade e pode, assim, ser trabalhado de forma genérica, o território e os
processos de desterritorialização devem ser distinguidos através dos sujeitos
que efetivamente exercem poder, que de fato controlam esse(s) espaço(s) e
consequentemente, os processos sociais que o(s) compõe(m).

Assim, o controle do território está cruelmente vinculado ao controle social.


Territorialidade, portanto, está relacionado ao modo como as pessoas utilizam a terra. O termo
desterritorialização, aqui é abordado como expropriação de povos originários de seus
territórios, dotados de valores simbólicos onde se desenvolve a cultura e o sentimento de
pertença, no caso deste trabalho, povos camponeses. O adensamento das cidades evidenciados
nas décadas de 1950 e 1960 tem como propulsor a industrialização do campo que culminou
no êxodo rural, quando os camponeses de produção pequena e familiar não conseguiram
adquirir máquinas e insumos agrícolas para aderirem ou competirem com o agronegócio.
27
Nesse sentido, tiveram seus territórios apropriados pela lógica da produção de agricultura de
exportação, sendo impelidos a trabalhar de forma assalariada nos centros urbanos, ou, em
muitos casos, nas terras de grandes latifundiários vendendo sua força de trabalho.

Santos (2014), afirma que a territorialização do agronegócio tende a mudar a paisagem dos
territórios agrícolas, que, para as famílias da reforma agrária representa autonomia e
emancipação social. A autonomia da qual aponta o autor “[...] está relacionada a participação
do Estado no provimento de garantias de gestão do processo produtivo, direcionado ao
mercado e a ampliação do raio de decisões em relação à terra como patrimônio conquistado”.

O aumento da produção de mercadorias agrícolas, a fim de sustentar o crescimento do


capitalismo, garantindo apropriação da renda da terra do campo implica em prejuízos às
comunidades tradicionais que tem seus territórios ameaçados pela expansão do agronegócio
(SANTOS, 2014). Conforme afirma o autor, os territórios são formados por sua criação,
refluxo e destruição, representada pela desterritorialização. Esse processo é conhecido como
territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Nesse contexto, visualizamos a
migração forçada, tendo os camponeses que abdicar de sua vida/ território, e, como já foi dito,
vender sua força de trabalho.

A entrada do capital estrangeiro, a industrialização do campo, modernização conservadora e


posição semiperiférica do país tem berço e, este se faz no processo de colonização, não do
Brasil por Portugal, mas da América Latina pela Europa. Esse processo histórico e estrutural
atravessou os povos originários, que, conforme teoriza Quijano (2005), foram taxados como
“povos primitivos”, cuja civilização era trazida pelos europeus, a estabelecer nas Américas.
Sob argumento de processo civilizatório, mais da metade dos povos indígenas, das mais
diversificadas tribos foram escravizados, dizimados e reduzidos, todos a “índios”, tendo suas
culturas e subjetividades apagadas pela cultura mercadológica e branca vinda da Europa.
Crenças, danças, comidas, linguagem foram apagadas e substituídas permitindo o surgimento
do conceito de raça, cujos latinos americanos, “índios” e “incivilizados” compunham a raça
inferior (QUIJANO, 2005).

O autor acima coloca que a constituição histórica da América se pautou em todas as formas de
controle e exploração do trabalho articuladas em torno do capital e mercado mundial. Esse
cenário apresentou algo novo, nunca ocorrido na América ainda, porque foram estabelecidas
em função da produção de mercadorias para as relações comerciais internacionais. Desse
modo, o novo padrão de dominação permitiu a expansão do mercado mundo sobre a
aniquilação dos processos e relações territoriais de um continente inteiro, dando origem ao
28
que hoje chamamos de países centrais e países periféricos, ou semiperiféricos.
Paulatinamente, ao decorrer dos séculos, a ideia de inferiores, primitivos e “não europeus” foi
sendo aceita e conformada entre os povos domesticados e destituídos de suas origens e
ancestralidade.

Quijano (2005) aponta que a Europa alcançou posição privilegiada nas relações de mercado
mundial devido sua vantajosa localização na vertente do atlântico por onde escoavam os
metais preciosos extraídos das terras latinas, permitindo aos europeus o controle da vasta rede
pré-existente de intercambio, reforçado posteriormente pela dominação de diversas
populações mundiais.

Um novo padrão de poder e intersubjetividade mundial surgia. Quijano (2005) diz que:

Já em sua condição de centro do capitalismo mundial, a Europa não somente


tinha o controle do mercado mundial, mas pôde impor seu domínio colonial
sobre todas as regiões e populações do planeta, incorporando-as ao “sistema
mundo” que assim se constituía, e a seu padrão específico de poder. Para tais
regiões e populações, isso implicou um processo de re-identificação histórica,
pois da Europa foram atribuídas novas identidades geoculturais”.

No processo de territorialização, desterritorialização e reterritorialização exemplificada por


Haesbaert (2014), esta última é conquistada pela luta e resistência. Para Ferreira (2021), a
Reforma Agrária enquanto reparo de algo, já não contempla mais a luta por território. Em sua
visão, é preciso democratizar o acesso a terra, desvinculando a noção de terra enquanto
mercadoria a ser vendida ou comprada, ganhada ou doada. A reterritorialização, ou, na
concepção de Ferreira (2021), o acesso a terra e território, se faz por meio dos cuidados com
nossos recursos naturais e soberania alimentar para que a autonomia seja alcançada. Em
outros termos, em vez de esperar que o governo “paternalista” garanta direito a terra e
domínio dos próprios meios de produção, é preciso colocar a mão na massa e mostrar que
somos capazes de controlar nossos meios de produção e entregar para a população carente e
com fome, o que o Estado, inimigo da dignidade e igualdade social, não consegue (ou não
quer) entregar.

A autonomia se faz com coisas simples. Então, temos que aprender a viver como
floresta, ela é um sistema em que todos os seres vivos temos tudo em
abundância. Por isso, temos que construir os sistemas agroflorestais, temos que
produzir o nosso alimento, temos que deixar uma parte para os outros seres
que vivem nesse sistema, temos que fazer a oferenda para a nossa mãe terra.
(FERREIRA, 2021).

29
O autor ainda coloca que a [reterritorialização] será feita com o povo conquistando as terras
porque o simbolismo esta concernido na luta que transformará a terra em território. “Estamos
falando de transformar pastos em florestas, fazer brotar água onde estava seco, fazer os rios
correrem por onde as represas os proibiam de passar”.

3.2. Proletário rural e Movimentos de Contracorrente

Em resposta aos incentivos a territorialização do agronegócio, possibilitado pela revolução


verde, que colocou as famílias de pequena produção para fora do campo, sendo submetidas ao
êxodo rural, uma vez que grandes empresas engoliram os pequenos camponeses, surge em
meados de 1980, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, pleiteando a Reforma Agrária
como forma de reparo pela distribuição de terras de forma desigual iniciada pela coroa
portuguesa em seu processo de ocupação do Brasil.

Insegurança alimentar, miséria no campo e na cidade, exclusão social, expropriação do


camponês e povos tradicionais, grilagem de terras, latifúndio, degradação do solo e
ecossistema, desaparecimento das nascentes e contaminação dos lençóis freáticos,
aquecimento global e outros incontáveis efeitos colaterais do agronegócio fez fortalecer os
movimentos sociais que se iniciaram na primeira metade do século XX. Em 1984, mais
precisamente, surge o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), pleiteando Reforma
Agrária como opção de luta pelos direitos dos expropriados do capital.

Segundo Stedile (2004), o Brasil perdeu várias oportunidades de realizar a Reforma Agrária.
Primeiro quando decide optar pela permanência do modelo de produção agroexportadora em
vez de fomentar o mercado interno de produtos industriais, tal como fez a Europa e EUA;
segundo, na crise do capitalismo na década de 1960, quando Celso Furtado sugere uma
industrialização voltada para o mercado interno, aliada à Reforma Agrária. Em vez disso, “As
classes dominantes brasileiras resolveram o problema da crise (...) gerando uma estranha
aliança com os militares e o capital estrangeiro” (Martins, 2016).

A última oportunidade que o Brasil perdeu em realizar a Reforma Agrária está contida, como
aponta Martins (2016), no governo de Lula e Dilma (PT), já no início do século XXI, visto
que o partido apostou em uma política neodesenvolvimentista, ampliando o poder de compra
do trabalhador urbano em detrimento ao trabalhador rural, reforçando o adensamento da
cidade que resultará em um novo processo de migração do campo para a cidade. Esse
processo atingiu diretamente os movimentos pela Reforma Agrária.

30
Pra Ianni (2005), o que permitiu o surgimento do proletário rural foi separação da força de
trabalho do meio de produção, transformando o camponês em vendedor de sua força de
trabalho (único meio de subsistência) por consequência do processo de industrialização do
campo que promove a ampliação da produção e rouba do agricultor, seu espaço para cultura
de subsistência e tempo para cultivá-la, mantendo o proletário rural refém dos alimentos
ofertados pelo mercado a preços relativamente altos se comparados ao “salário obtido em
compensação pela perda do direito a ter suas próprias culturas” (Ianni, 2005).

Ianni (2005) explica que, para o 2º e 3º setor produzir um excedente (instrumento da


acumulação do capital) depende do 1º setor produzir um excedente. Essa dinâmica se dá por
meio de pouca informação sobre o mercado e matéria prima, empresas e bancos
internacionais atuando no setor industrial, sistema bancário vinculado a empresas industriais
nacionais e estrangeiras, sistema de comercialização de produtos agrários (gêneros
alimentares, produtos tropicais, matérias-primas). Portanto, o segundo e terceiro setor, por
mais que seja independente do setor rural, estabelece uma relação de complementaridade.
Stedile (2005) aponta que a troca entre os dois setores se dá de forma desigual devida as
diferenças existentes entre a força de trabalho do proletário urbano e do proletário rural, e pela
prática de monopólio controlada pelos grupos econômicos (nacionais e estrangeiros). Esse
processo também influencia, obviamente, a interdependência da sociedade agrária com a
sociedade urbana e industrial (IANNI, 2005). Essa relação dá sentido a palavra periferia,
aplicada tanto para a relação de mercado mundial, classificando os países entre centrais,
semiperiféricos e periféricos, como para as relações sociais dentro da cidade, denominando os
que moram fora do núcleo urbano.

A história de luta pela Reforma Agrária é longa e acompanha as transformações e adaptações


que a classe dominante atravessa. O primeiro documento que expressa uma tese política sobre
a Reforma Agrária surge em 1946, apresentado na Constituinte pela bancada do PCB (Partido
Comunista Brasileiro): Primeira Proposta para Reforma Agrária da bancada do PCB. Luiz
Carlos Prestes faz uma comparação de concentração de Terras entre Brasil e França,
apontando que o país europeu, com população igual e território menor, possuía 5 milhões de
proprietários enquanto o Brasil possuía 1 milhão. Já a igreja católica, dentro de uma visão
conservadora, teve a iniciativa de organizar os assalariados e camponeses contra exploração,
escrevendo sua tese em 1950: Primeira Proposta de Reforma Agrária da Igreja Católica do
Brasil. Em 1955, uma tese é escrita pela igreja conservadora.

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Os anos 60’s foram marcados por diversas teses defendendo a Reforma Agrária no Brasil,
mas o principal documento realizado neste período foi a primeira lei de Reforma Agrária do
Brasil produzida pelo governo militar, o Estatuto da Terra, que apesar de ter sido concebido
em um governo opressor, apresentava propostas progressistas. Mas nada mudou. A reforma
agrária não foi feita e somente após 20 anos de supressão dos movimentos pela ditadura
militar, com o processo de redemocratização do país, foi realizado o 3° Congresso Nacional
da Contag em 1979, em que críticas ao governo militar fez retomar as discussões sobre
Reforma Agrária. (STEDILE, 2005).

A partir de 1984, segundo o mesmo autor, o MST surge oficialmente e leva a público sua tese
para a Reforma Agrária definindo quem se caracterizava como sem terra; princípios da luta,
como combate ao capitalismo e apropriação da terra como valor de uso; princípios práticos
que trazia estratégias para reforçar a luta; e as terras a serem reivindicadas. A partir de então
PT e MST seguiram apoiando um ao outro nas apresentações de revisões de suas propostas
para Reforma Agrária. Vale Lembrar a campanha do PT em 2002 que lança junto com sua
proposta o Programa Vida Digna no Campo. O último documento do MST foi o Projeto de
Reforma Agrária Popular, reconhecendo que a luta pela reforma agrária não se fará sem uma
aliança com o poder público e a sociedade civil. Neste momento a Agroecologia entra nas
discussões dos assentamentos como linha de política para promover a Reforma Agrária
Popular. Uma das propostas discutidas no V Congresso do MST que deu origem a insígnia
Reforma Agrária Popular, foi o compromisso com preservação das sementes nativas e
crioulas e luta contra os transgênicos (NUNES et al, 2015).

3.3. Reforma Agrária Popular contra o Agronegócio

O Brasil é o país que mais concentra terra na história da humanidade. Os levantamentos


realizados por Oliveira (2004) revelam que a maioria da terra que exerce função social está
concentrada entre as pequenas propriedades. 70% das terras foram classificadas como
improdutivas. O autor também revela que as pequenas propriedades produzem maior volume,
geram mais empregos, consomem mais tecnologias agrícolas, geram mais renda, compram
mais fertilizantes e acessam menos créditos para agricultura. Os dados apontam inúmeras
oportunidades que favorecem a soberania alimentar na cidade e no campo.

As lutas empreendidas pelo MST compreendem hoje, uma dimensão que extrapola os direitos
constituintes por terra. A agroecologia entra com maior destaque nas pautas do movimento a

32
partir do V Congresso Nacional em 2005, tendo consolidação somente em 2014, quando
percebeu que alimentação saudável e restauração ambiental conformava um forte instrumento
contra o agronegócio.

Do Congresso surgiu uma nova insígnia: Reforma Agrária Popular, pautada nos princípios da
agroecologia, promovendo uma organização da agricultura voltada aos interesses da
população e desenvolvendo plenamente a função social da terra (MARTINS, 2016). A
agroecologia na Reforma Agrária Popular é um instrumento que, alem de contribuir com a
equidade social nos assentamentos e a criação de uma nova forma de estar no espaço (SILVA
e MACIEL, 2021), contribui com a reparação dos danos caudados pelo agronegócio.

Segundo Nunes (2015), a Reforma Agrária Popular é uma conquista que será alcançada por
meio de uma união entre campo e cidade contra uma estrutura exploratória e dominante,
visando a democratização do acesso a Terra e uma população que atenda economicamente a
massa.

Os assentamentos, via de regra, são implantados em áreas improdutivas e de solos degradados


(CHRISTOFFOLI, 2012), como é o caso do Pré-Assentamento Egídio Brunetto I. A fazenda
onde se instalou a comunidade teve seu solo e a mata ciliar do rio Paraitinga (que corta a o
pré-assentamento) degradados pela prática agropecuária (ABRA, 2017). A proposta
apresentada aos órgãos de preservação foi de recuperar a área, protegendo as reservas
naturais, APA’s e APP’s, as águas e produzir água por meio da agroecologia.

Christoffoli (2012) coloca que a discussão com o poder público da cidade se faz importante
também devido necessidade de infraestrutura que deve ser oferecida aos assentamentos, tais
como luz e estradas. Porem essa conquista não configura o fim da luta. Após instalados, a luta
se volta para os créditos para a produção e competição no mercado capitalista. É aí que a
alternativa cooperativa entra em questão. A Reforma Agrária Popular, nesse sentido almeja
alcançar um sistema de cooperação que visa o controle social da produção e seus resultados
por meio de formação de cooperativas iniciando assim um processo de desvinculo com o
agronegócio (MARTINS, 2016) e domínio dos meios de produção.

Na discussão da Reforma Agrária Popular por meio da linha política da agroecologia, temos
em 2015 muitos assentamentos do Estado de São Paulo iniciando experiências na produção
agroecológica e transição da agricultura tradicional para a agroecologia, processos de
certificação, cursos e encontros de formação (Nunes et al, 2012).

33
O pré-assentamento Egídio Brunetto I possui um coletivo de produção denominado “Coletivo
Agroecologia e Resistência” que produz alimentos agroecológicos para entrega em 3 cidades
do Vale do Paraíba (Ubatuba, Taubaté e Ilha Bela). São 10 unidades de produção. Os
coletivos do pré-assentamento Egídio Brunetto I se organizam por afinidades. Assim temos o
coletivo de coletores de sementes e o coletivo de apicultura, ainda não oficializados. Há
também na comunidade as práticas já realizadas pela escola popular de agroecologia, que só
existe na prática educacional coletiva.

34
4. EDUCAÇÃO E SUBVERSÃO

4.1. Decolonizando a Educação

A educação moderna considera o conhecimento verdadeiro, com base no discurso científico


epistêmico, como o único conhecimento aceitável, sendo qualquer outro conhecimento fora de
sua lógica, errado. O ego moderno, segundo Junior e Oliveira (2021), não reconhece outras
inteligibilidades que não passe pelo crivo da ciência racional, tendo este conhecimento como
verdade absoluta e, em consequência, criando exclusão e injustiça social. Mas isso não é
novidade. O conhecimento a que somos treinados tem origem europeia e, como tudo, o
pensamento e produção do conhecimento latino americano, também foi colonizado.

Ribeiro (2012) aponta que as escolas são instituições estratégicas para a reprodução do saber
científico eurocêntrico a fim de fabricar o ser humano necessário ao funcionamento e
manutenção da sociedade capitalista. Nesse sentido, Junior e Oliveira (2021), afirma que a
escola é legitimada como o espaço de transmissão da ciência como conhecimento verdadeiro,
único e universal. Esse modelo de transmissão do conhecimento é pautado no critério
cartesiano e rejeita o diálogo como processo educacional. Para os autores, esta lógica do
conhecimento configura um solipcismo de dialética negativa que legitima a colonialidade do
saber pela violência ou arrogância na negação da alteridade (Junior e Oliveira, 2021).

Na discussão traçada por Ribeiro (2012) pode ser observada a diferença entre colonização e
colonialidade. Enquanto uma relaciona-se com o processo historio estruturante empreendido
pela colônia na América Latina, o outro fala da continuidade da dominação pelo poder, saber
e ser por meio da modernidade. Podemos traduzir para “a colonialidade do poder, do saber e
do ser”, que serve a estrutura de dominação imposta pela lógica de mercado mundial, tendo a
Europa como centro de poder.

Para os povos ameríndios, o conhecimento é produzido pelo elo histórico e cultural não
escolarizado, cujos saberes populares envolvem o corpo-razão. Assim, por evocarem os
critérios cartesianos hegemônicos, são desvalorizados (Junior e Oliveira, 2021). Os mesmos
autores citam Paulo Freire afirmando que sua concepção revela-se um “giro decolonial”2

2
Giro decolonial” é um termo cunhado originalmente por Nelson Maldonado-Torres em 2005 e que
basicamente significa o movimento de resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da
35
visto que considera o educando, produtor de conhecimento, em vez de meros depósitos de
saberes. Amaral (2015) sustenta que são muitas as formas de colonialidade e que para propor
alternativas a elas, é preciso conhecê-las e considerar importante, as experiências vividas
pelos sujeitos marcados pela colonialidade para assim, entender também as formas modernas
de poder.

A modernidade, expressão do progresso e avanço social, que traz a civilidade e racionalidade


ao ser primitivo, esconde em seu boje o significado de dominação que revela um upgrade da
colonização. Sendo assim, a colonização é a nova forma de colonizar os povos subalternos a
fim de manter a estrutura de poder perversa e hedonista. Desse modo, segundo a ponta
Ribeiro (2012), a Europa teria seu desenvolvimento assegurado antes mesmo da configuração
de mundo capitalista, o que o permitiu estabelecer as formas de ser e estar no mundo
afirmando a superioridade da identidade masculina, heterossexual e branca em detrimento a
identidade indígena, negra, feminina, homossexual ou, de qualquer forma, transgressora.
Chamamos de eurocentrismo a visão difundida que os europeus são os únicos capazes de
produzir conhecimento válido, ou tudo que é válido. O eurocentrismo está pautado no
iluminismo do século XVIII que imprimiu a Europa o caráter de superioridade difundindo a
ideia de que as outras nações seriam atrasadas e primitivas (Ribeiro, 2012).

O que é ignorado é que antes da colonização a produção do conhecimento entre os povos


originais já existiam e se faziam de maneira empírica por meio das experiências vividas e
transferidas das mais diversas maneiras pelos ancestrais. Assim, ao se deparar com
conhecimentos sensoriais e essências, sentidos e não falados ou escritos, foram estes
conhecimentos tomados como obstáculos a serem superados, aponta Ribeiro (2012).

A colonização do poder, do saber e do ser considera o modelo de existência válido, o linear, o


mundial. Tudo que foge a essa regra, o saber local ou regional não é considerada uma
alternativa viável. Ribeiro (2012) comenta o por que os indígenas não se enquadram no
padrão mundo de ser, o que nos leva a pensar que, talvez, por esse motivo, ele tenha sido
dizimados e perseguidos até hoje, pois os povos ameríndios se recusavam a dominação.

modernidade/colonialidade. A decolonialidade aparece, portanto, como o terceiro elemento da


modernidade/colonialidade. (Ballestrin, 2013, p. 105)

36
Essa colonialidade é o artifício que mantém a hierarquia entre central e periférico, modelo
econômico neoliberalista. Assim, se anos de sujeição e inferiorização mantiveram a
colonialidade do poder, saber e ser, e tendo, portanto, a formação dos educadores latino-
americanos pautada no saber linear, monocultural da ciência cartesiana europeia, a autora
supracitada levanta a questão: como pensar alternativas para uma educação decolonial? A
mesma responde que a esperança se debruça nos movimentos contracorrente negro,
quilombola, feminista, indígena, pacifista, ecologista, que desde seus surgimento vem
lutando, resistindo e promovendo formas de modificar a realidade social e cognitiva.

Esses movimentos antissistêmicos exercem um pensamento decolonial porque pensam a partir


de línguas e das categorias do pensamento que não foram incluídas nos fundamentos do
pensamento ocidental. Os movimentos pensam suas identidades em termos de política, quer
dizer, não permanecem na política imperial de identidades, mas afirmam suas identidades e o
seu direito à diferença” (Ribeiro, 2012).

Decolonizar o conhecimento não se trata de eliminar o saber cientifico cartesiano implantado


pela colonialidade, mas sim somar saberes ancestrais e empíricos dos povos originários ao
conhecimento já estabelecido. Ribeiro (2012), por meio de Santos (2011), apresenta o
conceito da “ecologia dos saberes” que reconhece que todo conhecimento carrega em seu bojo
a ignorância, já que nenhum saber consegue abarcar o total, sendo assim, que os saberes de
diferentes naturezas se complementem. Decolonizar a educação não se limita em incluir o
outro saber apenas. Decolonizar a educação requer também ter o reconhecimento da diferença
colonial epistêmica, ética e política por parte do Estado.

Assim, decolonizar a educação nos coloca a questionar, não somente a forma de ensinar/
aprender e qual conhecimento é útil ou inútil para ser transmitidos ao educando, mas
questionar tão igualmente, os “lugares do saber”, as maneiras e modelos pelos quais o
conhecimento será transmitido, discutido e vivenciado, o formato da escola e sua necessidade
de existir. Por exemplo: somente na escola é possível aprender? No caso aplicado a este
trabalho, a realidade camponesa requer uma edificação quadrada em alvenaria com
iluminação artificial e quadro negro (ou branco) para experienciar o saber? A rebeldia e a
mudança começam no questionamento.

37
4.2. Emancipação Intelectual no campo

No Brasil, haviam mais de 80 mil escolas destinadas a educação no campo segundo o Censo
escolar (2009), já em 2018, o censo aponta aproximadas 56 mil escolas, apresentando um
quadro de redução das instituições educacionais voltadas para o campo. O INEP e o INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) realizou uma pesquisa em 2004
apontando que 8.679 dessas instituições atendiam alunos residentes em assentamentos da
reforma agrária. A educação voltada para o campo é limitada e essa limitação cresce quando
se trata de alunos Sem Terra, pois ao nível que os alunos vão aumentado de idade, a educação
fica mais escassa. Pois a educação profissional somente é oferecia por 0,2% das escolas rurais
e 0,3% são destinadas à ensino profissionalizante de nível técnico. Diante desse quadro, os
assentamentos contam com iniciativa de ONGs e parceiros para preencher essa lacuna
deixada pelo poder público (Pereira, 2021). Segundo a historiadora e também assentada no
Assentamento Egídio Brunetto Pereira (2021), os jovens necessitam se deslocar de suas casas,
suas raízes até as cidades em busca de uma formação educacional, o que contribui para a não
permanecia desses jovens no campo. É preciso uma educação que contextualize a realidade
camponesa mirando a emancipação intelectual do jovem camponês com bases na reforma
agrária popular e contra hegemonia.

Os dados apontados fomentam o argumento que defende a construção de escolas populares a


fim de resgatar conhecimentos ancestrais e construir saberes por meio da experiência vivida
em comunidade, como é o caso da proposta da Escola Popular de Agroecologia Ana
Primavesi.

Apresenta-se um desafio imenso para as comunidades agricultoras de produção familiar


vinculadas a reforma agrária, tanto quanto para outros povos que lutam por terra e território
(povos indígenas, quilombolas e caiçaras), estabelecer uma educação contra-hegemônica,
visto que o resgate completo dos saberes ancestrais encontram-se impossibilitados pelo
apagamento da cultura latino americana como forma de estratégia de dominação dos povos
originários e seus territórios para formação do sistema de mercado mundial pautado na
acumulação do capital que veio a transformar um continente inteiro em trabalhadores
explorados sob estado de pacividade conformada e ignorantização pela falta de informação. É
por isso que recriar as formas de se relacionar e estar no espaço enquanto comunidade e
recriar o território, a cultura e a forma de construir conhecimento é um ato de subversão que
inaugura uma educação decolonial. Conhecer novos saberes, aliado a resquícios dos saberes
ancestrais e um pouco do conhecimento científico que nos possibilita, afinal, conceber

38
materiais como esta pesquisa, é a alternativa para ruir de dentro pra fora o sistema histórico-
estrutural que utiliza a educação científica cartesiana como matriz de transmissão de
conhecimento eurocêntrico que tem aprisionado nossos povos dentro dessa lógica predatória e
insustentável.

É nobre reconhecer que até os latifundiários capitalistas e neoliberalistas, pelo menos parte
deles, desconhece a gravidade desse sistema para a vida humana por terem sido, também,
atravessados pela educação hegemônica eurocentrista que não deixou rastros de outra
alternativa para desenvolver a vida no planeta. Recriar a educação e descolonizá-la, nesse
sentido, requer diálogo com a comunidade, sistematizar a forma de construir conhecimento,
tendo em mente que nenhum sistema é fixo e sim orgânico e mutável, reconhecer que os
saberes populares compõe o conhecimento empírico que a academia tem dificuldade de
sistematizar e aceitar e por isso, o atual sistema de educação o desvaloriza.

A partir da minha experiência como assentada no pré-assentamento Agroecológico da


Reforma Agrária Popular Egídio Brunetto I, há dois anos, embora chegada posterior a
concepção do sonho de ter uma escola popular, pude constatar um déficit que obstaculiza o
avanço da construção da EPA (Escola Popular de Agroecologia) Ana Primavesi. Seria este
obstáculo, a ausência de diálogo entre toda a comunidade. As intenções são as melhores,
todos têm sugestões e interesses diversificados para a escola. São muitos os acadêmicos
assentados expondo suas propostas mais bem intencionadas com suas técnicas e metodologias
– metodologias estas, formadas a partir do conhecimento científico-acadêmico – apresentando
dificuldade em estabelecer uma metodologia participativa de fato, que sistematize o diálogo
para a construção da escola com metodologia e currículo pautado no saber popular.

Para que os saberes sejam construídos e não transmitidos, todos devem contribuir,
desconstruindo a ideologia comum de que só os formados do alto escalão acadêmicos detém
saber para formar educandos e educadores, pois, na ecologia do saber ou educação decolonial,
todos os saberes são igualmente importantes, desde os acadêmicos aos vivenciados
cotidianamente. Como estabelecer este diálogo é outro método que deve ser construído em
coletividade, pois o conhecimento não é fixo, as experiências são mutáveis e construir o saber
requer a sagacidade de compreender e aceitar que mudanças requer criatividade para se
adaptar diariamente.

No Chile, uma organização popular foi criada em 2013, com o nome de organização Caracol
se reuniu com outras sete organizações para formar a primeira escola de sistematização de
experiências e produção de saberes na cidade de Santiago. Dessa reunião, que foi constatada
39
algumas conclusões construtivas: a experiência organizativa é fonte de saber; os saberes
surgem da prática de saberes que se encontram velados em organizações, sem que haja troca
dos saberes; é importante a acessória de agentes externos para a construção teórica; os saberes
são neutros (sem intencionalidade); as experiências vividas ao longo desses anos nos afetaram
como povo explorando e dominando; vamos nos libertando a medida que vamos recuperando
a capacidade de criar, transformar e incidir em nossa realidade. Em 2012 a organização
realizou seis oficinas de autoformação para educadores e educadoras populares. Essa
experiência foi registrada na revista Caracol, que criaram após as reuniões a fim de
compartilhar o conhecimento e a sistematização construída coletivamente. As oficinas
abordaram sete eixos temáticos:

- Autogestão e financiamento

- Sistematização de experiências

- Planejamento de oficinas

- Metodologia com crianças

- Estratégias de comunicação territorial e virtual

- Serigrafia instantânea

As oficinas, basicamente foram organizadas em três partes com duração estimada de 3h e


meia cada. Obviamente a tentativa de estipular limites de horário teve insucesso, pois quando
se trata de oportunidade de lugar de fala, as pessoas se apropriam extensivamente desse
espaço. Entretanto, ainda há o desafio de conciliar o tempo para as oficinas com os afazeres
cotidianos dos participantes. Na primeira parte da oficina, com duração de aproximada 1 hora,
foi realizada a apresentação das organizações, seus trabalhos realizados e participantes; a
segunda parte, que durava em torno de 45 minutos, era organizado GT’s (Grupos de
Trabalhos) com a finalidade de estabelecer discussões sobre alguns temas pré-estabelecidos e
outros que surgiriam durante as discussões; a terceira e ultima parte tratava-se de uma
plenária com durabilidade de aproximados 40 minutos para que as discussões e propostas
traçadas fossem apresentadas para os demais grupos e estabelecida uma nova discussão geral.

A metodologia aplicada pelo Coletivo Caracol não difere da metodologia utilizada pela
organização do MST. A exposição da experiência com o coletivo Caracol nos mostra que a
realidade e tentativa do giro decolonial não é uma exclusividade do Brasil e que é possível
traçar estratégias de sistematização dos saberes populares a fim de construir autonomia e

40
confiança entre as comunidades para romper com as estruturas patrimonialistas estabelecidas
em nossos territórios.

É muito frequente ouvir entre o senso comum a frase “enquanto as pessoas pensarem com o
estômago o país não vai pra frente” ou “pobre só pensa em comida”. A verdade é que o senso
comum destituído da construção do próprio saber contribui na difusão do pensamento
desvalorizante e criminalizatório acerca da classe popular e dos movimentos sociais
exatamente por falta de uma educação que propicie a emancipação intelectual do pensar em
vez de aceitar o acumulo de conhecimento transmitido pela metodologia hegemônica. O fato é
que, com fome não há espaço para pensar em emancipação intelectual. O que é mais
importante, se manter vivo ou adquirir uma boa leitura? Manter-se vivo para então adquirir
uma boa leitura seria a resposta plausível neste caso.

Segundo aponta Pereira (2021), “Por meio da educação percorrem-se os caminhos para a
formação e transformação da pessoa humana e, consequentemente, a construção de outros
mundos possíveis” e salienta: “os princípios filosóficos e ideológicos contidos na proposta
pedagógica das sociedades estão diretamente ligados ao padrão cultural que se estabelece e ao
modo de ser, estar, de viver”.

A educação no campo, pautada na educação construída a partir do saber popular, incentivando


a autonomia do pensar e do modo de existir no espaço, com o aporte da Reforma Agrária
Popular, que instrumentaliza a agroecologia como ferramenta contra fome e estrutura
hegemônica, é a alternativa para romper com a prisão invisível em que foi submetida a classe
trabalhadora e povos originários, estabelecida e sustentada pela educação atual eurocêntrica
pós colônia.

Assim, a educação decolonial é a educação construída a partir dos povos e não a educação
aceita de fora. A Reforma Agrária Popular tenciona e enfrenta o neoliberalismo que (re) existe
por meio do agronegócio, propondo a soberania alimentar e desestabilizando o monopólio dos
supermercados sobre o consumo de alimento a valores elevados e injustos com a classe
trabalhadora. Além de se tratar de um sistema injusto, é ofertado à sociedade um alimento
envenenado e desprovido de nutrientes.

Percebemos que, o que possibilita a manutenção desse sistema é a promoção e permanência


da fome entre a população e só por meio da soberania alimentar combateremos essa lógica.

41
4.3. Fundamentos da Agroecologia

A Agroecologia trata-se de um conceito que utiliza métodos agrícolas não agressivos ao meio
ambiente, tais como: adubação verde em consorcio com a produção de alimentos, preservação
das sementes crioulas e os SAF’s (Sistema Agroflorestais) que trata da reprodução, em
pequena escala, do processo de sucessão natural da vegetação, do estágio pioneiro ao estágio
avançado, em uma floresta, produzindo toneladas de alimentos saudáveis e saborosos,
recuperando áreas degradadas, devolvendo as águas a nascentes perdidas, promovendo o
sequestro de carbono e reconstituição da fauna.

Trata-se de um sistema de produção que ao mesmo tempo que produz toneladas de alimentos
saudáveis e saborosos e recupera áreas degradadas, devolve as águas a nascentes perdidas, e
traz de volta nossas florestas. Fundamentado pelos princípios de Ernst Götsch (importante
nome nas experiências em agrofloresta), Rebello (2018) afirma que a sintropia aplicada à
agricultura trata-se de uma “teia de vida” que nos permite entender a capacidade que a vida no
planeta possui de equilibrar o organismo macro que é a terra realizando sua função, conhecida
como homeostase na fisiologia animal.

Nesse sentido, os princípios da sintropia, embora organizados por uma sequência, não possui
hierarquia, sendo todos eles igualmente necessários e importantes para o equilíbrio da vida no
planeta. Na ausência, falha ou enfraquecimento de qualquer princípio, seria como “um buraco
por onde pode escapar a energia que complexifica a vida” (REBELLO, 2018).

Caporal (2011) define agroecologia por:

“um manejo ecológico dos recursos naturais, através de formas de ação social
coletiva que apresentam alternativas à crise de modernidade, mediante
proposta de desenvolvimento participativo desde os ambitos da produção e da
circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de
produção e de consumo que contribuam para o enfrentamento da crise
ecológica e social e, desta maneira, possam ajudar a restaurar o curso alterado
da coevolução social e ecológica”.

A agroecologia, é uma educação popular capaz de enfrentar a hegemonia do agronegócio e


fortalecer a reforma agrária popular por meio da democratização do acesso à terra e da
construção do conhecimento popular encerrado na população brasileira subjulgada pela lógica
eurocentrista em benefício de todas as formas de vida (Pereira, 2021).

O aquecimento global é uma questão urgente na atualidade. A Revolução Industrial trouxe


transformações irreversíveis para o nosso planeta e sociedade. O modo de produção pautado

42
na acumulação do capital apropria-se de uma dinâmica exploratória insustentável que
necessita de todo um sistema para dar-lhe suporte. Aglomeração urbana, consumo e
transposição do espaço-tempo pelo meio de transporte (HARVEY, 2005), fazem parte de um
sistema que sustenta o modelo econômico do país.

Essa dinâmica provoca o acumulo de descartes materiais, orgânicos e poluentes gasosos,


como o monóxido de carbono (CO), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2),
material particulado (MP) e ozônio (O3). Esses gases são os principais responsáveis pela
poluição da atmosfera. Boa parte do ozônio é benéfica aos seres vivos por localizar-se em
uma camada distante da terra, formando uma camada protetora contra raios solares nocivos,
no entanto, o ozônio que se aloja em uma camada mais próxima é prejudicial aos seres vivos e
provoca desequilíbrio ao ecossistema (FERREIRA; ZOBATO; e PERIOTO, 2021).

O problema acerca do meio ambiente no Brasil perpassa por questões que expandem os
limites do aquecimento global. Falamos de desigualdade social, exclusão e injustiça
desencadeadas de um processo histórico que debruça na luta pela terra. De um lado os pacotes
verdes, e do outro lado, na contramão, a agroecologia.

A inaceitabilidade dos grandes latifundiários quanto a Reforma Agrária provoca danos, como
já comentado, não só no meio ambiente como na sociedade e comunidades de pequenos
agricultores. Crimes são praticados contra comunidades indígenas, pequenos agricultores de
produção familiar e quilombolas.

Silva e Maciel (2021) afirmam que as experiências dos movimentos sociais indicam pratica de
ressignificação e criação de novas relações sociais, pois diante da atual conjuntura, tem
ultrapassado o pleitear a participação nas políticas públicas e empreendido ações que
configuram uma descolonização da cultura imposta pelos colonizadores europeus.

A exemplo da eficiência da agroecologia, o Projeto Agroflorestar, gestado, coordenado e


assessorado pela Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo e
Adrianópolis – Cooperafloresta, juntamente com o Projeto Flora gestado e coordenado pelo
Instituto Contestado de Agroecologia, foi um projeto selecionado em edital e patrocinado pela
Petrobrás através do Programa Petrobrás Socioambiental, que promoveu a implantação de
SAF’s e educação agroecológia em consonância com famílias agricultoras da Reforma
Agrária nos Assentamentos Contestado, Lapa/PR e Assentamento Mario Lago, Ribeirão
Preto/SP.

43
O propósito era criar multiplicadores e ampliar a prática da agroecologia e agrofloresta nos
assentamentos da reforma agrária e famílias de pequenos agricultores além de promover a
recuperação do solo nos assentamentos em questão. Após dois anos de projeto e pesquisa, foi
constatado um grande aumento de biomassa no solo agroflorestado sobre o solo não
agroflorestado, o benefício da prática, segundo Corrêa, Messerschmidt et. al. (2016), foi o
aumento do pH do solo, que indica diminuição da acidez e, portanto, fertilidade para plantar.
Em todos os casos houve a recuperação do solo e a emancipação e autonomia econômica dos
povos da reforma agrária.

44
5. MATERIAL E MÉTODOS

A presente pesquisa foi construída tendo em vista sete capítulos construídos da seguinte
forma: no CAPÍTULO 1 é apresentada a introdução composta pelos objetivos e justificativa;
os capítulos 1,2,3 e 4 são destinados à construção referencial que fomenta a discussão acerca
do tema escola e reforma agrária em seu contexto político por meio de uma revisão
bibliográfica. Nesse sentido ficam assim dispostos os capítulos: o CAPÍTULO 2 dedica-se a
conceituação da natureza por meio de Krenak (2020) e Kesselring (2000) e os meios que a
desconstrói no percorrer da história; discute-se sobre alimentação no Brasil e no mundo e a
desconexão da sociedade com seu meio de produção apoiando-se na bibliografia de Limonad
(2017); e uma discussão acerca da atuação do agronegócio e sua relação com a natureza,
povos originários da Terra e economia é realizada tomando por base os autores Fernandes
(2020) e De Carli (2020). No CAPÍTULO 3 aborda-se a questão da reforma agrária e é
realizada uma discussão com base histórica sobre a revolução verde por meio de Stedile
(2004) e Ianni (2005); aborda-se o tema territorialização utilizando a bibliografia de
Haesbaert (2004), contextualizando-a com as ações do agronegócio por meio de Martins
(2016) e Christofolli (2015); e por fim aborda-se a reforma agrária popular conceituada pelo
MST com apoio das bibliografias de Junior e Oliveira (2021) e Ribeiro (2012). O CAPÍTULO
4 adentra o tema da educação na perspectiva decolonial cuja bibliografia utilizada foi Pereira
(2021) e Resvista Caracol (2022); discorre-se a emancipação intelectual com base nos autores
Pereira (2021) e a revista Caracol (2022); e o tema agroecologia e seus fundamentos é
abordado com a contribuição de Rebello 2018 e Ferreira at. al. (2021).

No CAPÍTULO 5 apresenta-se os materiais e métodos. Assim, a partir do CAPÍTULO 6


inicia-se os resultados da pesquisa por meio da contextualização da cidade cuja a escola
popular pretende ser instalada, utilizando-se fonte secundária e revisão bibliográfica sob o
material concebido por Pereira (2021) e o memorial descritivo do assentamento Egídio
Brunetto I, disponibilizado pela ABRA (2017) e INCRA; relata-se breve histórico sobre a
figura de Egídio Brunetto e por fim é apresentado o relatório histórico das ações do
assentamento no âmbito da agroecologia, utilizando documentação de fonte secundária. O
CAPÍTULO 6 inicia-se a discussão dos resultados da pesquisa em questão. Inicia-se com um
breve relato sobre a personalidade Ana Primavesi; propõe-se uma revisão da conceituação
filisófica sobre o habitar que fornece subsidio para a compreensão da filosofia da Escola
Popular de Agroecologia Ana Primavesi por meio da bibliografia de Pfullingen (1954),

45
Pallasma (2017) e Schulz (1965). O CAPÍTULO 7, ainda na seção de resultados, aborda-se e
expõe-se uma perspectiva da filosofia da EPA com a contribuição da bibliografia e o
conhecimento empírico da pesquisadora deste trabalho, enquanto assentada no pré-
assentamento, apropriando-se da conceituação de fenomenologia do lugar discutida no item
anterior. Assim é traçado alguns eixos temáticos para a construção das oficinas de formação
de educadores popular, dando origem também a uma rede curricular, cujo termo opõe-se a
grade curricular compondo a filosofia da EPA; e por fim, uma mapa localizando os “lugares
do saber” é realizado por meio de fontes primárias, constituindo assim o espaço da escola, a
ser visualizado em anexo

46
6. RESULTADOS

6.1. Lagoinha, cenário rural

Conta-nos Pereira (2021) que a região onde está localizado o assentamento revela de alta
importância devido a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, que banha a região. Aponta a
autora que a cidade de Lagoinha recebe o nome justamente por sua posição diante dos
afluentes desta bacia.
“O rio Paraitinga, importante afluente do rio Paraíba do Sul, corta com suas
águas o assentamento e pelo território é possível verificar inúmeras nascentes.
Infelizmente, boa parte delas encontra-se degradada pela pecuária extensiva
praticada por bastante tempo na fazenda, pela supressão da vegetação nativa,
pelo uso predatório do modelo de agricultura hegemônico. A seguir pode-se ver
um mapa dos recursos hídricos do Assentamento produzido pelos moradores
participantes de uma oficina ofertada pelo INCRA” (Pereira, 2021).

Figura 4. Mapa do recurso hídrico. Cartografia social elaborada pela comunidade – 2019

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Lagoinha, assim como a todo o Vale do Paraíba teve sua formação em função da passagem
dos tropeiros pela região dos ciclos do café e ouro. Para atender o fluxo de pessoas iniciou as
atividades como agricultura e agropecuária (Pereira, 2021). A autora conta que hoje a cidade
de Lagoinha possui intensa atividade pecuária extensiva, tendo aproximados 70% de seu
território destinado a essa atividade cuja atividade leiteira se apresenta a principal. A
silvicultura do eucalipto também tem sido de forte presença no território. Diante desse quadro
de devastação e com o apoio da Reforma Agrária Popular, o assentamento Egídio Brunetto
assumiu a responsabilidade de cuidar do território:

47
“[...] restaurando as áreas de APP (Área de Preservação Permanente),
desenvolvendo uma agricultura regenerativa, que produza alimentos saudáveis,
livres de agrotóxicos e que promova bem-estar social e ambiental, como
proposto e defendido no “Programa Agrário do MST”” (Pereira, 2021).

6.2. Histórico de Ocupação Egídio Brunetto

Segundo a ABRA (2017), a indústria de celulose provocou reais impactos para a região onde
se insere o pré-assentamento Egídio Brunetto I, desmatando a vegetação nativa e danificando
o solo, o que resulta em impactos também na produção natural das águas. Outra atividade
nociva para o bioma natural da região é a atividade da agropecuária ainda largamente
praticada na região. O memorial do projeto de assentamento apresentado pela ABRA em 2017
para o Egídio Brunetto I afirma que, a fim de invalidar o processo de desapropriação da
fazenda Bella Vista, atual pré-assentamento em questão, o antigo proprietário arrendou as
terras para criação de gado no intuito de alegar produtividade, felizmente já havia um laudo
comprovando improdutividade. A prática ampliou os impactos ambientais na área visto que
não foi previsto proteção da mata ciliar do rio permitindo que o gado avançasse para as
margens assoreando os rios de forma descontrolada.
A inaceitabilidade dos grandes latifundiários quanto a Reforma Agrária provoca danos, como
já comentado, não só no meio ambiente como na sociedade e comunidades de pequenos
agricultores. Crimes são praticados contra comunidades indígenas, pequenos agricultores de
produção familiar e quilombolas, como o que foi colocado no documentário do Cerrado,
citado acima. Na comunidade do Egídio Brunetto I, em 2017 segundo Memorial do
acampamento, o antigo proprietário empreendeu inúmeras práticas contra a desapropriação do
imóvel, em que uma delas foi o ato de atear fogo nos morros da fazenda e fazendo boletins
contra os acampados para incriminá-los. Em contraposição, os acampados iniciaram
atividades agroecologicas e diversos SAF’s (Sistemas de Agrofloresta) promovendo a
recuperação dos solos, produção e troca de sementes crioulas, e plantando água, como dizem
os “agrofloresteiros”. Silva e Maciel (2021) afirmam que as experiências dos movimentos
sociais indicam pratica de resignificação e criação de novas relações sociais, pois diante da
atual conjuntura, tem ultrapassado o pleitear a participação nas políticas públicas e
empreendido ações que configuram uma decolonização da cultura imposta pelos
colonizadores europeus.

48
Figura 5. Histórico do processo de assentamento

Fonte: Executado pela autora a partir de imagem do acervo do Egídio Brunetto I

Em 2010 a ocupação no Assentamento Egídio Brunetto I foi realizada por militantes do MST
que fazem a luta nos escritórios, os chamados “mão finas”. Segundo moradores do Egídio
Brunetto havia uma intenção, por parte da Direção Estadual do movimento, de realizar no
local um Assentamento de Formação de Militantes. Dois anos depois, em 2012, a União
reconhece a terra como improdutiva e a declara para fins de Reforma Agrária. Após mais dois
anos acontece uma Reintegração de Posse e a ocupação é desfeita, no entanto, no mesmo ano
de 2014, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) consegue a posse
da terra da fazenda Boa Vista, onde se localiza o Assentamento Agroecológico Egídio
Brunetto I.

Uma Ação Cautelar foi solicitada pelo antigo Fazendeiro no mesmo ano, impedindo o
andamento do processo de homologação da terra e o INCRA perde a posse da fazenda. O ex-
proprietário então, entra com pedido de Ação de Nulidade para impedir a entrada de novos
ocupantes e reaver as terras. Diante do impasse, em 2015, uma nova ocupação é feita na
fazenda, desta vez, por “mãos grossas” (trabalhadores rurais). Esta formação de acampamento
sofreu com ameaças por parte de jagunços da fazenda, vivendo assim, dia e noite de vigília.
No ano de 2016 os acampados conseguem um a Licença Preliminar e juntamente, um pouco
de paz. Em 2018, num ato de desobediência, os acampados decidem avançar na fazenda e
ocupar os lotes pré-determinados pelo INCRA, devido ao medo de uma nova reintegração de
posse, e nova ocupação pelos “mãos finas”, pois a Licença Prévia estava por vencer.

49
Assim, diante de entraves burocráticos do INCRA, os acampados conseguiram uma
prorrogação da Licença Prévia. Em 2020 os acampados se uniram para providenciar,
finalmente, a documentação necessária para pedido de Licença de Instalação do
Assentamento, com a ajuda do INCRA. Por fim, em 2021 a CETESB (Companhia Estadual
de Tecnologia de Saneamento Básico e Controle de Poluição das Águas) recebe a
documentação para fins de avaliação e realiza a primeira vistoria no Assentamento (ABRA,
2018).

Em 2010 ocorreu a grande enchente do rio Paraitinga, pelo qual arrasou a cidade de São Luiz
do Paraitinga. Os acampados na beira do rio na fazenda “Bela Vista” onde hoje se encontra os
“pré-assentados do Egídio Brunetto, sofreram coma enchente. A ocupação de seu pelo fato da
fazenda apresentar, além de dívidas com a união, histórico de crimes ambientais, trabalhos
análogos a escravidão, dividas trabalhistas e improdutividade, conforme nos conta Pereira
(2021).

Segundo o artigo 186 da Constituição Federal, a propriedade atende a função social da terra
quando a aproveita de forma racional e adequada, o que sinceramente, se apresenta vago em
sua compreensão, utiliza de forma adequada os recursos naturais e preserva o meio ambiente,
atende a regulamentação trabalhista, que vamos concordar, hoje não está contribuindo com a
classe trabalhadora nem do rural e nem do urbano, e por fim, explora de modo a favorecer
tanto o proprietário quanto o trabalhador. Acontece que para os sem terra, cujo pleito é a
reforma agrária popular, “explorar” a terra já revela um conceito errado, visto que a militância
promove a agricultura regenerativa que em vez de explorar, contribui com o trabalho das
floresta. E ainda a exploração, ou como preferimos, manejo florestal, nunca será igualitário se
houver hierarquia de classe como proprietário e trabalhador.

6.3. Sobre Egídio Brunetto

Nascido em 1956, obteve sua consciência social desde jovem, assim, engajou-se na Pastoral
da Terra em Xexerê-SC, e foi um dos fundadores do MST na década de 1980. Seu legado
contempla o Encontro Estadual de Jovens em 1997 na universidade do Mato Grosso do Sul,
pra onde se mudou a fim de somar com a luta que se acirrava em período de pós ditadura,
durante esse evento Egídio Brunetto discursou sobre o acolhimento dos excluídos no MST,
nos ensinou a compreender que somos todos excluídos do sistema, todos da classe
trabalhadora; e sua grande defesa da América Latina junto a união do campesinato

50
denunciando o imperialismo. Contribuiu com a construção da Via Campesina e da
Coordenadoria Latino-americana de organizações camponesas. Egídio Brunetto faleceu em 28
de novembro de 2011 em um acidente de carro. Morreu lutando, a caminho de uma conversa
sobre o milho crioulo no assentamento Itamaraty em Ponta Porã (MS) (Procópio, 2020).

6.4. Agroecologia do Egídio Brunetto I: passado, presente, futuro

O assentamento Egídio Brunetto desde sua expansão em 2017, ano da expansão do território
em que tirou as famílias da condição de acampados, vem realizando práticas do saber por
meio de trabalhos coletivos, vivências e trocas de experiências com a sociedade civil. Foram
inúmeras as manifestações educativas empreendidas pela comunidade com intuito de difundir
a ideologia da agroecologia e trazer luz ao significado da reforma agrária popular.
Em 2017 foi realizado o evento Piraquaras, que durou vários dias composto por palestras,
cursos, rodas de conversas e manifestações culturais:

Figura 6. Roda de conversa cultura e meio ambiente no encontro Piraquaras – 2017

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Outra manifestação pautada na agroecologia que o Assentamento empreendeu foi a troca de


sementes na praça de Lagoinha.

51
Figura 7. Troca de sementes e mudas.

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Em 2018 a comunidade segue realizando seus compromissos educativos no campo da


agroecologia por uma construção do conhecimento popular. A I semana da agroecologia foi
um dos maiores eventos promovidos pelo assentamento mesmo sem infraestrutura física,
recebendo um grande número de visitantes que chegavam interessados nas palestras e
conhecimentos que o movimento tinha (e ainda tem) para compartilhar e discutir.

Figura 8. palestra sobre meio ambiente na I semana de agroecologia (2018)

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

52
Figura 9. Palestra sobre sistemas agroflorestais na I semana de agroecologia (2018)

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Não somente vivencias e cursos foram realizados, como uma festa para comemorar as
sementes crioulas.
Figura 10. Festa da semente crioula e biodinâmicas do sul de minas

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Em 2018 foram realizadas as iniciativas voltadas para a construção da Escola Ana Primavesi
ao ser deparado com um obstáculo que impedia a evolução da escola no âmbito da educação
voltada para a agroecologia, que seria o analfabetismo presente na comunidade, pois como
seria possível transmitir conhecimentos técnicos sem o respaldo da base curricular que é a
alfabetização? Assim, o coletivo da educação iniciou um programa de alfabetização apoiado

53
na metodologia do “Sim eu Posso” desenvolvido para jovens e adultos pelo Instituto
Pedagógico Latino-Americano e Caribenho de Cuba (IPLA) (Pereira, 2021).

Figura 11. Projeto “Sim eu posso” de alfabetização da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi.

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto


A comunidade também esteve presente em eventos fora do assentamento, como revela a
imagem a seguir:

Figura 12. Participação na Feira Nacional da Reforma Agrária – 2018

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

54
E também atuou na busca por uma construção junto a sociedade civil do município de
Lagoinha.

Figura 13. Feira Agroecológica no município de Lagoinha – 2019

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Ainda em 2018, outra ação a fim de fomentar a EPA (Escola Popular de Agroecologia) foi
realizada:
Figura 14. Inauguração da biblioteca Joel Gama.

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Conforme aponta Pereira (2021), a primeira biblioteca do Assentamento foi construída em


lona ainda no espaço do acampamento na beira do rio. O ENERA (Encontro Nacional de

55
Educadores da Reforma Agrária) foi o primeiro doador de livros para o assentamento que deu
início ao sonho de construir a escola pela qual nos referimos. A autora conta que a batalha
para manter os livros em boas condições foi grande, pois na beira do rio sob barraco de lona, a
unidade insistia em apropriar-se dos exemplares.

Figura 15. Primeira biblioteca.

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

A primeira biblioteca, segundo Pereira (2021), foi no antigo paiol da fazenda que constituía
um espaço edificado, entretanto, sem iluminação e ventilação adequada, a biblioteca
continuou a apresenta o mesmo problema com a umidade.

Em 2019, companheiros do Egídio Brunetto aceitaram compor uma mesa de debate no


Festival Eco Cultural que aconteceu na cidade de Cruzeiro, onde a pesquisadora proponente
deste trabalho nasceu e residia ate sua união junto ao movimento do MST, a qual também
participou de uma roda de conversa no evento mencionado.

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Figura 16. Festival Eco cultural 2019

Fonte: @ecoculturalcruzeiro - instagram

O assentamento recebeu o projeto “ideias e ações para um novo tempo” em 2019, que
promoveu uma reunião sobre agroecologia e processos participativos.

Figura 17. Reunião do projeto “ideias e ações para um novo tempo”.

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Mais uma vez o Assentamento sediou o evento de agroecologia do Vale do Paraíba na II


semana de agroecologia do Vale do Paraíba – 2019

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Figura 18. Oficina de construção de uma fossa de evapotranspiração - 2019

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Figura 19. Oficina de pastagem agroecológica - II semana de agroecologia 2019

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

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Figura 20. Oficina de preservação de nascentes na II semana agroecologica 2019

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Figura 21. Oficina de coleta de semente na II semana de agroecologia de 2019

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

59
Figura 22. Feira da agrobiodiversidade na II semana de agroecologia 2019

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Outra iniciativa que esteve diretamente vinculada com a EPA foi o plantio de espécies nativas
no assentamento, em que as crianças escreveram o nome delas em placas para colocar junto as
espécies a fim de que acompanhem o crescimento das árvores.

Figura 23. Plantio de nativas no dia da árvore - 2020

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

60
61
A comunidade Egídio Brunetto voltou a participar do EcoCultural 2° edição em 2020 com
uma oficia de cerâmica ministrada pelo companheiro Fábio Borges que encabeça também o
projeto de uma oficina cerâmica dentro do assentamento para a construção do saber popular e
reconexão com as origens da existência por meio do contato com o barro.

Figura 24. Oficina de modelagem em argila no Ecocultural 2020.

Fonte: @tamysecampos arquitetura – instagram

Compondo mais uma prática educativa, em 2020 foi realizada a formatura do curso de
apicultura ministrado pela professora Mara Galvão do Assentamento da Reforma Agrária do
MST “Nova Esperança” em São José dos Campos, com o subsídio do sindicato dos químicos
da mesma cidade. O qual fui formanda e abriu as portas para que eu me aliasse ao movimento.

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Figura 25. Formatura do curso de apicultura 2020

Fonte: tamysecampos arquitetura - instagram

Assim, tivemos um ano de recesso nas atividades por conta da pandemia que se faz presente
em março de 2020, retomando as atividades somente noperiodo de respiro da pandemia, este
ano de 2022. Assim tivemos quatro grandes eventos construtivos para o saber popular da
comunidade e sociedade agrofloresteiras: a I Vivencia de Agroecologia Sem Terra no Lar dos
abacateiros, onde foi realizada uma oficina de implantação de SAF em janeiro, o Carnabarro
que incrementou a II Vivência de Agroecologia Sem Terra em fevereiro durante o carnaval,
que abarcou a construção de duas unidades familiares no CAC Andrea Guaraciane; o curso de
agrofloresta do professor Namastê, discípulo do maior disseminador da cultura de
agroflorestas, Ernest Götch, e por fim a mais recente III Vivencia de Agroecologia Sem Terra
que realizou oficinas de agricultura biodinâmica e confecção de compostos biodinâmicos para
as culturas.

63
Figura 26. Vivência Agroecológica Sem Terra – 2022.

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Figura 27. II Vivência Agroecológica Sem Terra – 2022

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

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Figura 28. Curso de Agrofloresta com professor Namastê.

Fonte: Acervo do Egídio Brunetto

Figura 29. III Vivência de Agroecologia Sem Terra – 2022

Fonte: Acervo Egídio Brunetto

Os projetos para o futuro abarcam a continuidade das Vivências Agroecologicas Sem Terra,
que vem circulando entre os lotes dos companheiros contribuindo para a construção do saber
popular tanto para a comunidade sem terra quanto para os companheiros visitantes que
agregam seus conhecimentos, e também para a consolidação de infraestrutura nos lotes. No
próximo mês (julho) deste ano, está sendo preparada uma vivencia de bioconstrução para
difundir o saber da construção alternativa que rompe com a lógica do sistema capitalista de
construção civil aliada à uma roda de conversa sobre luta pela terra e território com a
participação de outros povos originários, tais como os indígenas e quilombolas.
Ainda contribuindo para traçar um panorama de projetos futuros para a construção do saber
no assentamento Egídio Brunetto, a pesquisadora proponente desta pesquisa integrou-se ao

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Conselho de Turismo de Lagoinha (CONTUR Lagoinha SP) com intuito de incorporar o
Assentamento Egídio Brunetto no circuito turístico da cidade que está sendo traçado com a
finalidade de orientar o Plano Diretor Turístico, atualmente sendo elaborado. A intenção é
promover o turismo com base comunitária como forma de espalhar a ideologia da Reforma
Agrária Popular atingir a sociedade civil estendendo o conhecimento popular para além das
cercas da Reforma Agrária.

Figura 30. Reunião do CONTUR – 2022

Fonte: Acervo do CONTUR Lagoinha SP

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7. EPA! ANA PRIMAVESI

7.1. Sobre Ana Primavesi

Nascida em 1920, Ana Primavesi foi reconhecida como Engenheira Agrônoma pioneira na
preservação de solo e recuperação de áreas degradadas em 2012 com o prêmio One Word
Award. Suas contribuições para agroecologia foram imensas, tendo a engenheira, escrito
diversos livros sobre o assunto. Ana é considerada precursora da agroecologia no Brasil e
tamanha é sua importância que, em sua homenagem, ganhou foi determinado “O Dia
Nacional da Agroecologia” em 3 de outubro de 2018, e com o prêmio Ana Primavesi para
iniciativas de produção agroecológica. Falecida em 2015, deixou o registros de suas
experiências para as futuras gerações em seus livros valiosos para a construção da
agroecologia e manejo. A cartilha da terra foi uma de suas produções e posteriormente a sua
morte tornou-se um livro publicado em 2020 pela editora Expressão Popular. A cartilha era
uma apostila escrita para os alunos a fim de orienta-los a reconhecer o solo degradado
(CENTENÁRIO ANA PRIMAVESI, 2022).

7.2. Conceito e filosofia da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi

Pfullingen (1954) traz a epistemologia do habitar por meio da filosofia de Heidegger,


apontando que para o filósofo o habitar tem em seu significado o construir, que por sua vez,
não se resume apenas a confeccionar ou edificar algo e sim, tem juntamente o sentido de
cultivar. Portanto, habitar tem em si, o construir e o cultivar. O autor aponta que a edificação
no sentido de construir não encerra em si apenas um objeto, mas sim, consiste em uma
“coisa” (palavra que sintetiza “reunião integradora”). A “coisa”, nesse sentido, simplifica a
integração entre céu e terra, divindade e mortal, que não podem e não são pensadas
separadamente. Tudo que é no espaço, inclusive o espaço, é essa reunião integradora entre
essa quadratura. Portanto, o espaço é o intervalo em que repousa o lugar edificado que
receberá a construção de cultivo/ cultura, onde repousa o habitar. Percebe-se que, construir,
cultivar e habitar, todos simplificam o ser, ou seja, existir sobre a terra e sob o sol enquanto
mortal e mediante a divindade. Nesse sentido, o lugar é um abrigo da quadratura e uma
morada (Pfullingen, 1954).

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“As coisas construídas preservam a quadratura. São coisas que, a seu modo,
resguardam [cuidam, salvam] a quadratura. Resguardar a quadratura, salvar a terra,
acolher o céu, aguardar as divindades, acompanhar os mortais, esse resguardo de
quatro faces é a essência simples do habitar” (Pfullingen, 1954).

Por esta frase compreendemos que o lugar carrega consigo significados mais profundos que
objeto construído, estático. Encerra em si o sentido de habitar em quatro faces. Dada esta
compreensão, conceber lugares incide em dar sentido a sua (do lugar) existência, ou seja,
habita-lo, que não necessariamente significa, tomá-lo como abrigo, habitação, e sim ocupar
com hábitos, resguardando a quadratura usando o lugar para seu fim, ou algum fim, deixando
a natureza ser em si.

O autor afirma que:

“Ambos os modos de construir – construir como cultura em latim, colere, cultura, e


construir como edificar construções, aedificare – estão contidos no sentido próprio
de bauem3, isto é, no habitar. No sentido de habitar, ou seja no sentido de ser e estar
sobre a terra, construir permanece, para a experiência cotidiana do homem, aquilo
que desde sempre é, como a linguagem diz de forma tão bela, “habitual”.

O entendimento de lugar e habitar se revelam importantes nessa pesquisa para


compreendermos o sentido espaços concebidos de forma orgânica dentro de uma comunidade
e como sua apropriação imprime significado maior ao seu destino quando o “lugar” é possuir
de “alma”. Uma reunião em Québec,em outubro de 2008 na 16° Assembleia geral da
ICOMOS elaborou um documento considerando o aspecto subjetivo de um patrimônio, o que
chamamos de patrimônio imaterial. O documento concebido na reunião classifica “patrimônio
intangível (lugar, sitio, paisagens, prédios, objetos) e patrimônio intangível (memórias,

3 “O que diz então construir? A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer construir, "buan", significa
habitar. Diz: permanecer, morar. O significado próprio do verbo bauen (construir), a saber, habitar,
perdeu-se. Um vestígio encontra-se resguardado ainda na palavra "Nachbar", vizinho. O Nachbar
(vizinho) é o "Nachgebur", o "Nachgebauer", aquele que habita a proximidade. Os verbos buri, büren,
beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e circunstâncias do habitar. Sem dúvida, a
antiga palavra buan não diz apenas que construir é propriamente habitar, mas também nos acena como
devemos pensar o habitar que aí se nomeia. [...] Bauen,buan, bhu, beo é, na verdade, a mesma palavra
alemã "bin"” (Pfullingen, 1954).
68
crenças, rituais, festejos, artesanatos, sabores, cores, canções, narrativas, pertença, tradição,
entre outras subjetividades)”. A preocupação na assembleia era com a preservação do
“espírito do lugar”, para que seja considerado nas legislações acerca de patrimônio cultural e
projetos de preservação. Segundo o conselho, o “espírito do lugar” é a essência de vida, social
e espiritual do lugar, reconhecendo a inseparabilidade do lugar e o “espírito do lugar”, e
incentivando a integração de ambos.

Ainda na linha de raciocínio acerca do espírito do lugar e o habitar, Pallasma (2017) afirma
que habitar confere significados mais profundos e subjetivos do que meramente ter/ estar em
uma casa. O autor faz ode à casa, dizendo que a arquitetura a afastou do sentido de habitar na
ascensão do modernismo apoiando-se somente na “forma/ função”. Para Pallasma (2017), “o
ato de habitar é o modo básico de alguém se relacionar com o mundo”, nesse sentido
compreendemos que habitar não se limita a ter/ estar em uma residência edificada, mas sim, a
prática dos hábitos correlacionados ao lugar conferindo o, digamos, “espírito do lugar”.

Já para Schullz (1965), o lugar é mais que uma localização abstrata, é a soma de coisas
concretas e suas substancias (cor, forma, cheiro, textura, etc.) formando uma totalidade, uma
atmosfera em que o homem habita. Assim, o arquiteto afirma que o lugar não pode ser
definido nem pelo seu caráter físico nem subjetivo, e tão pouco pode ser definido pelo viés
científico, que tende a abstrair o que é dado para obter um conhecimento neutro e objetivo. O
viés científico, na concepção de Schultz (1965), tende a ignorar o mundo-da-vida cotidiana.
Esse “mundo-da-vida cotidiana” é o que confere o que o autor chama de genius loci ou
espírito do lugar.

A estrutura do lugar, como conceitua o autor supracitado, é definida pelo “espaço”


(organização tridimensional dos elementos que formam o lugar) e “caráter” (atmosfera do
lugar). A reunião desses conceitos nos dá o “espaço vivido”, assinalando que caráter e espaço
são interdependentes. Ainda tenta definir espaço por meio de sua abstração que oferece o
“espaço concreto” (espaço vivido mais experiência cotidiana), e por meio de Paolo
Portoghesi, que define espaço por meio de um sistema de lugares. Assim, Schullz discorre
sobre os limites de dentro e fora, afirmando que assentamentos se diferem de paisagens por
seus elementos limitadores, como cercas, fronteiras, assim, tanto assentamento como
paisagem deixariam de ser lugares, se desconecto um do outro.

Resumidamente o arquiteto coloca que lugar é lugar quando seu “espírito do lugar trazem
identidade e/ou pertença aos mortais, e o faz por meio de seu caráter, respeitando a paisagem,
integrando-se a ela, permitindo ser em comunhão com a quadratura. A arquitetura na se faz
69
eficiente e boa se fere seu contexto, a paisagem. Ela se arquitetura se contempla a quadratura,
permitindo-se ser um habitat. Assim, a arquitetura pode ser definida como lugar. Scullz
(1965) descreve de forma poética que:

“A criança cresce em espaços verdes, marrons ou brancos; passeia ou brinca na


areia, na terra na pedra ou no musgo, sob o céu nublado ou sereno; agarra e levanta
as coisas duras e macias, ouve ruídos, como o som do vento balançando as folhas de
uma certa espécie de arvore; tem experiências do calor e do frio. É assim que a
criança toma conhecimento do ambiente e elabora esquemas perceptuais que
determinam todas as suas futuras experiências.”

Portanto, a importância da construção do “lugar” por meio das experiências vividas se tornam
valiosas para consolidar pertença e “espírito do lugar” no espaço do habitar e, no caso da
nossa proposta, do saber. O Schullz (1965) ainda afirma que atrelamos o que e quem somos
ao lugar de onde viemos/ moramos. Isso se dá, segundo o autor, pelo fato de termos na
memória a ambiência que estrutura nossas experiências, formando nossa identidade. Ou seja,
sendo parte da quadratura, nos identificamos com onde habitamos.

A escola também é uma instituição importante no processo de colonização/ modernização que


na America Latina, tem função de fabricar trabalhadores para alimentar o sistema capitalista.
Antes da concepção de “edifício escolar” no continente, acredita-se que a educação entre os
povos originários era estabelecida por meio das experiências vividas, visto que não temos
registros documentais dos conhecimentos dos povos da região. A construção do conhecimento
era estabelecida, dessa forma, por meio dos trabalhos em coletivo nos lugares habitados pela
comunidade.

70
8. EPA! FILOSOFIA E CONSTRUÇÃO

Com base na fenomenologia do lugar e conceituação do espaço e do habitar, foi traçada uma
filosofia a fim de romper com a lógica da escola física, herança imposta pela colonização
europeia, que debruça sua transferência do saber em estruturas arquitetônicas denominadas
salas de aulas. Como a educação decolonial tem por objetivo desconstruir as estruturas
deixadas pela colônia e traçar uma educação popular do campo contextualizada com nossa
realidade, optou-se por estabelecer nosso espaço educacional de construção do conhecimento
em lugares já consolidados pela comunidade pela apropriação do uso. Chamamos de “lugares
do saber”.

São os lugares do saber:


• A piscina das vacas
• Viveiro de mudas no lote 11
• A pedra do rio no lote 11
• O morro da lua
• Mirante Lavandário
• O Bosque da sede
• Casinha da árvore
• A biblioteca Joel Gama
• A casinha
• Lar de agroecologia dos abacateiros
• O campinho de futebol
• O SAF (Sistema de Agrofloresta) coletivo
• A cachoeira
• O acampamento
• O CAC (Casa de Agroecologia e Cultura) Andrea Guaraciane
• A grota das fadas
• O Espaço La Cuna

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Figura 31. Levantamento Fotográfico.

Piscina das Vacas Viveiro de mudas - Pedra do rio – lote 11


lote 11

Morro da Lua Mirante do Lavandário Bosque da sede

Casinha da árvore Biblioteca Joel Gama A casinha

Lar de Agroecologia dos Campinho de Futebol SAF Coletivo


Abacateiros

Fonte: Acervo Pessoal

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Imagem 32. Levantamento Fotográfico

Acampamento CAC Andréa Guaraciane


Cachoeira

Grota das Fadas Espaço La Cuna

Fonte: Acervo Pessoal

Cada “lugar do saber” carrega sua história e o significado de seu nome. Cada espaço
selecionado encerra um sentido especial para a comunidade que se apropriou, no sentido do
valor de uso, dos “lugares” conferindo a eles, o espírito do lugar. O morro da Lua, por
exemplo, é o lugar que as mulheres do assentamento escolheram para fazer encontros ao luar,
compartilhar suas experiências de luta enquanto mulheres e saberes cotidianos em volta de
uma fogueira; a piscina das vacas é o local onde o gado do antigo proprietário, ainda existente
no início da ocupação, tomava água e descansava. Trata-se de um poço formado por uma
nascente que corre até desaguar no rio Paraitinga, atualmente livre das vacas; o bosque da
sede é o local mais utilizado para roda de conversas, já que fica nos limites da sede onde
acontecem os principais encontros da comunidade; o campinho é outro lugar que carrega
muito espírito e sentido para a comunidade, pois neste local os companheiros iniciam partidas
de futebol após o almoço coletivo de cada manejo do SAF realizado; o lar agrecológico dos

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abacateiros, CAC e espaço La Cuna são lugares dentro dos limites de alguns dos lotes em que
os companheiros decidiram disponibilizar para experiências e aprendizado coletivo

Figura 33. Mapa lugares do saber.

Fonte: Executado pela autora

A companheira Mariana Pimentel Pereira, historiadora e especialista em educação ambiental e


transição para sociedades sustentáveis, também assentada na comunidade em questão, é uma
das idealizadoras da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi desde 2017, momento
em que ocorreu a expansão do assentamento enquanto projeto de ocupação. A companheira
já vinha contribuindo no âmbito da educação e elaboração dos documentos para o processo de
homologação do assentamento, e enquanto acadêmica concebeu uma dissertação voltada para
fomentar a construção do sonho, o qual me aliei, também na condição de acadêmica e
militante do movimento. Em seu projeto a companheira Mariana (faço questão de citar seu
primeiro nome em protesto a tradição patriarcal de destacar o ultimo nome do ser acadêmico,
que coincidentemente costuma ser o nome da família dos maridos, no caso das mulheres

74
casadas, apagando da história a visibilidade de mulheres que construíram conhecimento
dentro das academias), reconhece a necessidade da formação dos educadores populares, uma
vez que, essa educação subversiva e emancipatória não possuem sistematização e postulado
nas academias. Assim, o coletivo de educação do projeto de assentamento realizou em 2018 e
2019 consecutivas reuniões a fim de traçar estratégias para a consolidação dessas oficinas de
formação. A intenção era desenhar um perfil filosófico da escola cuja filosofia fosse
absorvida pelos educadores de maneira contextualizada com a realidade do campo e, mais
especificamente, do camponês pautado na reforma agrária.

Outra etapa foi traçada a fim de mapear afinidades e potencialidades do coletivo em formação
e dos assentados. E por fim, estabeleceram como estratégia, a aliança com instituições que
viessem a contribuir com o processo formativo (PEREIRA, 2021). Outra atividade do coletivo
de educação da EPA é o diagnostico das áreas degradadas para que seja traçado um plano de
manejo agroecologico e restauração a fim de elaborar, juntamente, um plano produtivo para
cada lote e sua unidade familiar. A partir desse projeto de formação objetiva-se a construção
de um PPP (Projeto Político Pedagógico) para a criação da identidade da escola, a qual este
trabalho virá a contribuir. A elaboração do projeto da escola, bem como sua efetivação irá
contribuir no processo de homologação do assentamento que apresenta-se em andamento e
em situação delicada de inaceitabilidade por parte do antigo latifundiário.

Este ano, retomamos o projeto de nivelamento no assentamento para que contribua com o
projeto da escola. Assim, estão sendo ministradas aulas preparatórias para a avaliação do EJA
(Educação de Jovens e Adultos) que formalizará a conclusão do ensino médio possibilitando
esses Jovens e adultos a ingressarem em cursos técnicos e graduações.

O projeto de formação de educadores, segundo ilustra Pereira (2021), está prevista para ser
aplicado no “tempo escola” e “tempo comunidade”, traçado pela pedagogia da alternância, em
que durante o “tempo escola”, os educadores em formação terão as oficinas e no “tempo
comunidade” o conhecimento será multiplicado com a comunidade. A autora aponta que
“Tempo Escola Envolverá: aulas teóricas, aulas práticas, mutirões agroecológicos, oficinas e
rodas de conversa. Tempo Comunidade: construção do diagnóstico ambiental de cada lote,
elaboração de plano de manejo agroecológico do lote, levantamento de propostas para as
áreas coletivas, levantamento de sonhos e demandas para a Escola”. Os temas apontados por
Pereira (2021) são: Educação no campo, questão agrária, escola agroecológica (por que? pra
que? e como?), Projeto Político Pedagógico, legislação ambiental, diagnóstico rural, plano de
manejo agroecológico, plano de restauração do assentamento.

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Como membro do coletivo de educação do assentamento Egídio Brunetto e elaboradora deste
material que fomentará a construção da escola, concebido com base no material gerado pela
companheira Mariana Pereira (2021), vejo-me em posição de apontar minhas conclusões
acerca deste projeto descrito pela autora e companheira, uma vez que a construção do saber
popular se faz de forma coletiva e em diálogo. É comum que o profissional de sua área
estabeleça olhar restrito a sua formação, bem como o trabalho aqui presente se manifestaria de
cunho estritamente arquitetônico de minha parte, devido minha formação, se não me fosse
possível o acesso ao material elaborado e disponibilizado pela companheira. Nesse sentido, os
eixos temáticos presentes na proposta disponibilizada por Pereira (2021), abarcam o nicho da
agroecologia, que obviamente é a temática central da escola que carrega em seu título
“agroecologia”, inclusive. Entretanto, muitos são os saberes populares e acadêmicos que
temos disponíveis para a construção da escola popular de agroecologia. Assim, é importante
que agreguemos conhecimentos que extrapolem a agroecologia e sistemas de agrofloresta.

A permacultura, por exemplo, é um setor que aborta a agroecologia e considera importante


também a infraestrutura desde o corpo, passando pela casa e se expandindo por todo o
território. Ela elabora os cuidados no meio rural de forma autossuficiente separando os setores
em cinco ou seis zonas de manejo; a bioconstrução também é uma temática importante que
subsidia a organização das moradas e infraestrutura para trabalho no campo, é trata-se de uma
técnica alternativa que rompe com os padrões do conhecimento da hegemonia dominadora;
além das questões físicas construtivas, temos o âmbito subjetivo que aborda questões culturais
e da saúde física e mental em que podemos tratar de manifestações festivas e costumes, além
atividades físicas e lúdicas que estimulam a criatividade, a autonomia, autoconfiança e a
introspecção, já que atividades de manejo no campo envolvem atividades de natureza externa.

Assim ficaram traçados os eixos temáticos para compor as oficinas de formação de


educadores populares propostas por Pereira (2021):

Agroecologia (território, solo, biodiversidade, água, floresta, adubação verde, sucessão


ecológica, consórcios, agroflorestal).

- Questão Agrária (história da agricultura; história do campesinato; história da luta pela

terra).

- Alternativas ao desenvolvimento (plano de manejo rural sustentável / agroecológico /


agroflorestal; capitalismo, socialismo, ecossocialismo, bem viver; circuitos produtivos
ecológicos/sustentáveis).

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- Meio Ambiente (diagnóstico ambiental, legislação ambiental). Educação do Campo
(história da Educação do Campo no Brasil; Agroecologia e Educação Ambiental; MST e
Educação do Campo; Pedagogia do Movimento; Projeto Político Pedagógico).

- Mergulho em si: inspirada na metodologia da OCA, desenvolver momento lúdicos,


vivências e experiências práticas que proporcionem o aprofundamento do
autoconhecimento, da sensibilidade e da arte.

E os temas incluídos por meio da elaboração do presente trabalho:

- Cultura: envolve o reconhecimento, resgate, elaboração e discussão sobre festas, rituais,


costumes, alimentação, relação com a comunidade e mutirões;

- Política: história da reforma agrária, emancipação intelectual do camponês, epistemologias


decoloniais, responsabilidade com a militância e formação na organicidade do MST;

- Permacultura: aborda bioconstrução, infraestrutura, conceitos de economia, relações e


espiritualidade, autonomia dos recursos hídricos, energéticos e alimentares, designer do sítio
agroecológico, destinação de resíduos;

- Economia: princípios da economia circular e propostas e discussões de arrecadação de renda


autônoma e estatal;

- Psicodesenvolvimento: realização pessoal e desenvolvimento do autoconhecimento,


psicologia e filosofia, manifestações de atividades lúdicas e introspectivas como dança,
pintura e música.

Assim ficou traçado os eixos temáticos a serem discutidos na formação de educadores


populares depois de conversa com o coletivo de educação de forma geral:

1. Agroecologia – território, solo, biodiversidade, água, floresta, adubação verde,


sucessão ecológica, consórcios, agrofloresta e princípios da agroecologia sintrópica.
2. Designer de Assentamento e desenvolvimento – plano de manejo rural sustentável/
agroecológico/ agroflorestal, certificação, permacultura (bioconstrução, infraestrutura,
conceitos de economia, relações e espiritualidade, autonomia dos recursos hídricos,
energéticos e alimentares, designer do sítio agroecológico, destinação de resíduos).
3. Formação Militante – história da agricultura, história do campesinato, história da
formação do território brasileiro, como fazer revolução, luta por terra e território,
reforma agrária popular, emancipação intelectual do camponês, epistemologias
decoloniais, responsabilidade com a militância e formação na organicidade do MST.

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4. Política – fundamentos do capitalismo, socialismo, ecossocialismo, o que é
neoliberalismo, bem estar populista e bem estar popular, marcos regulatórios da
propriedade privada, políticas públicas para o campo.
5. Economia – circuitos produtivos ecológicos/ sustentáveis, princípios da economia
circular e propostas e discussões de arrecadação de renda autônoma e estatal.
6. Meio ambiente – diagnostico ambiental, legislação ambiental.
7. Educação no campo – história da educação no campo no Brasil e no mundo,
agroecologia e educação ambiental, MST e formação militante, pedagogia do
movimento, Projeto Político Pedagógico.
8. Cultura – festas, rituais, costumes, alimentação, relação com a comunidade e mutirões.
9. Psicodesenvolvimento – realização pessoal e desenvolvimento do autoconhecimento,
psicologia e filosofia, manifestações de atividades lúdicas e introspectivas como
dança, pintura e música.

A fim de gerar material que subsidie a construção desse sonho tão bem delineado e
consistente em que sonha coletivamente a comunidade do Egídio Brunetto I, foi pensado em
uma rede curricular (foi utilizado a nomenclatura “rede” para desconstruir a ideologia de
“grade curricular” que remete a diretrizes engessadas e aprisionadas em uma cela sem
liberdade de alterações e reformulações. Assim, a nomenclatura “rede” nos remete à uma
construção, em que os seus diversos nós, representam as disciplinas a serem abordadas,
realizada por todos e todas de forma participativa e horizontal cuja falta de qualquer nó
compromete a rede e portanto as disciplinas conversam entre si e forma multidisciplinar), a
partir da proposta de eixos temáticos para formação de educadores populares, a fim de
orientar os temas relevantes a serem abordados na EPA Ana Primavesi. Essa rede pré-
estabelecida não conforma a decisão última desta construção, consistindo assim em material
prévio a fim de fomentar a discussão a ser realizada em coletividade junto à comunidade. Os
seguintes eixos temáticos revelam-se importantes para a rede curricular a ser discutida. Nesse
sentido surgiram as seguintes disciplinas que poderão ser abordadas de modo orgânico.

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Figura 34. Tabela dos Eixos Temáticos.

AGROECOLOGIA DESIGNER DE FORMAÇÃO POLÍTICA ECONOMIA


ASSENTAMENTOS MILITANTE
Princípios da Plano de manejo História da Regimes políticos Circuitos
agroecologia e agroecológico e agricultura** (capitalismo, produtivos
agricultura sustentável socialismo, ecológicos
sintrópica ** anarquismo,
comunismo,
ecossocialista)
Agrofloresta** Princípios da História do Princípios do Economia
Permacultura** campesinato** neoliberalismo circular**
Relação da PDC** História da Marcos regulatórios Obtenção de
agroecologia com formação do da política de terras subsídios
territórios** território
brasileiro**
Manejo de Designar de Reforma agrária História dos Alternativas de
agrofloresta** assentamentos popular** movimentos geração de renda
sociais** (pratica e teoria)**
Reconhecimento e Bioconstrução** Organicidade do O que é política**
diagnostico de solos movimento**
degradados**
Legislação** Engenhocaria** Epistemologias
decoloniais**
Economia aplicada Emancipação
à agrofloresta** intelectual do
camponês

MEIO AMBIENTE CULTURA PSICODESENVOLVIMENTO


Diagnóstico Reconhecimento da construção cultural de Construção filosófica **
ambiental povos colonizados**
Legislação ambiental Organização de festas e rituais** Dança **
Manejo de Produção de alimentos agroecológicos** Música e canto**
recuperação de áreas
degradadas**
Recuperação de Reconhecimento e culinária com pancas** Teatro e construção de mística**
nascente**
Organização e filosofia dos mutirões** Técnica de desenho e pintura**
Medicina alternativa** Confecção de instrumentos musicais a
partir de elementos da natureza**
Miscigenação ** Cerâmica
Igualdade de Gênero** Confecção de manda La
Educação sexual** Encadernação
Línguas latino-americanas
Fonte: Elaborado pela autora
LEGENDA:
Disciplinas teóricas
Disciplinas mistas
Disciplinas práticas
** Aplicáveis à adultos e crianças

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Outras disciplinas traçadas poderão atender somente as crianças, tais como:

- matemática aplicada ao campo

- português aplicado ao campo

- geografia aplicada ao campo

- história aplicada ao campo

- ciências aplicadas ao campo

- química aplicada ao campo

- física aplicada ao campo

- inglês

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conceber uma escola popular cuja educação é pautada na decolonização, não é tarefa fácil,
pois o saber popular não é algo a ser acessado e sim, construído. Portanto, a medida em que
concebemos a escola, o saber nela, a ser aprendido irá surgindo, visto que nenhum saber
encerra em si, verdade absoluta ou completa. Mais difícil se torna tendo em vista que fomos
todos educados dentro de uma metodologia eurocentrista que promove a pacividade e não
incentiva a autonomia do pensar, uma vez que transmite conhecimento dentro de uma
estrutura hierárquica em que o professor detém o conhecimento e o aluno, a ignorância.

O processo de higienização empreendido no início da urbanização do Brasil, endossado por


Monteiro Lobato em suas obras do Jeca Tatu, disseminou o preconceito contra o camponês
em nome da modernização e do progresso, lançando o caipira em um limbo de preconceitos,
experimentado até os dias de hoje. Esse preconceito só tende a crescer com o agronegócio que
o reafirma, promovendo a criminalização dos movimentos de luta por Terra e território a fim
de expandir a concentração fundiária por meio da expropriação dos povos originários da
Terra.

Vimos que esse preconceito revela-se estratégia para manter o trabalho no campo a baixo
custo, possibilitando a acumulação do capital por meio da exploração do trabalhador rural.
Portanto é compreendido que, somente por meio da emancipação intelectual do camponês,
esse sistema será combatido. E essa emancipação intelectual é pauta da Reforma Agrária
Popular que considera o resgate da ancestralidade da Terra latino americana, ferramenta para
a autonomia. Por isso a importância da decolonização do pensamento, do ser e do estar na
Terra.

O camponês, diante desse contexto econômico e estrutural, não se vê contemplado nas escolas
urbanas, cuja realidade tende a sustentar a estrutura econômica e eurocêntrica instaurada no
país, formando cidadãos “trabalhadores” para compor o mercado de trabalho que fomenta a
desigualdade social e a exploração do pobre. Assim, este trabalho, vem a subsidiar a
construção da Escola Popular de Agroecologia Ana Primavesi, com intuito de disseminar a
semente da emancipação intelectual do camponês e romper com a educação tradicional,
mostrando que existem várias formas de saber, várias formas de estar no espaço e território, e
mostrando que a agroecologia pode restaurar os danos provocados pelo agronegócio.

81
O macroplano da EPA Ana Primavesi, anexado a este trabalho, é pensado de modo a
desconstruir até mesmo o espaço educacional propondo os lugares do saber e as estruturas
recíprocas, rompendo com a “grade curricular” em compreensão de que o conhecimento não é
fragmentado e sim transdisciplinar. O próprio conceito de disciplina rompe com a liberdade
do criar e inibe a autonomia.

Para a educação popular, o saber se faz por meio de discussões que estimulam o aluno a
construir respostas em vez de recebê-las. Assim, a educação popular promove a autoestima, a
confiança do aluno e poder de criatividade, o que se faz importante para reprodução da vida.

Por fim, ensinar é ajudar a construir autonomia para que todos pesem juntos e construam o
saber. O que vemos no mundo é exatamente o oposto. A promoção da dependência
intelectual, nos levando a esperar que o Estado nos alimente e nos entregue água, luz, escola,
etc. podemos fazer isso. Deveríamos esperar que o Estado nos ajudasse e incentivasse a
construir nossos territórios e captar nossos recursos de modo adequado a realidade de cada
povo. Quando me dizem: “Ah, mas não vamos voltar a ser índios!” eu penso exatamente o
oposto. Somente voltando a ser “índio” (correto é usar o termo indígena ou povos originários,
pois o termo “índio” é taxativo, cunhado pelos colonizadores), iremos desconstruir a estrutura
econômica mundial capitalista injusta embasada no agronegócio e recuperar o planeta Terra.

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APÊNDICE

O Macroplano está anexado ao arquivo separadamente por se tratar de um desenho


conformado em folha A1, no formato PDF.

Figura 35. Macroplano de Infraestrutura.

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