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Os premiados com o

NOBEL DE ECONOMIA
Uma coletânea da#EconTwit dos
laureados de 1969 até 2022
E-BOOK NOBEL

N os últimos anos temos fortalecido


bastante a comunidade de economistas
nas redes sociais. Professores, estudantes
e demais profissionais estão cada vez
mais em contato, compartilhando conhecimento.
Apesar de estarem presentes em quantidade cada
vez mais numerosa, também se identifica que, tal
qual no debate acadêmico, muitos embates dão a
sensação de que existem muitas discordâncias e
quase nenhum consenso.
No Twitter, convencionou-se denominar de
EconTwitter as discussões de economistas (e
não economistas) sobre os variados temas que
abrangem o estudo da ciência econômica. É neste
ambiente que muitas ideias acabam sendo trocadas
de maneira aberta.

Aproveitando essa presença cada vez mais ampla


na rede, pensamos em um projeto para aprofundar
a disseminação de conhecimento na área, sobretudo
os avanços mais importantes. A melhor proxy para
isso seria justamente tratar das pesquisas que
resultaram em Prêmios Nobel.

A ideia é bastante direta: através de artigos escritos


por economistas de diferentes áreas e diversas visões,
foi realizado um levantamento ano a ano, no período
entre 1959 e 2022, de todas as pessoas que foram
laureadas com o Nobel de Economia, bem como um
breve histórico sobre suas áreas de pesquisa e, claro,
quais as motivações da premiação.

Vale lembrar que o Nobel de Economia é denominado


de Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências
Econômicas em Memória de Alfred Nobel, mas é
encarado na prática como um Nobel e os critérios
para a sua escolha são semelhantes ao das outras
categorias, como o da Paz, Química, Física, Medicina
e Literatura.

Outro ponto que entra na conta de “sim, podemos


chamar de Nobel de Economia mesmo”, é o fato
de que o elencar histórico de todos os vencedores
consta no site oficial de registros do The Nobel Prize.

2 Introdução
E-BOOK NOBEL

Cada história e pesquisa por trás de um Prêmio Nobel é contada nesse Ebook e, como gostamos
de frisar ao longo do tempo, é fundamental olhar mais para as ideias do que para as pessoas, pois
boas políticas podem surgir de diferentes espectros políticos. Ao reunir uma gama de economistas
de visões diferentes, esse material tem de evidenciar as enormes contribuições de cada premiado
e suas teses para a evolução da ciência econômica em todo o mundo.

Em uma verdadeira viagem ao redor de como a teoria econômica foi se desenvolvendo com o
passar das décadas, as pessoas que decidirem encarar a empreitada que é a leitura deste material
irão entender de maneira bastante razoável uma verdade que o Terraço Econômico tanto preconiza
há anos: a economia está mais perto das pessoas do que elas inicialmente imaginam e vai muito,
mas muito além do que se vê no noticiário.

Trata-se de um projeto que fica para a historiografia econômica como uma contribuição em formato
de coleção que, caso as sementes aqui plantadas dêem frutos mais adiante, poderão servir para
uma próxima geração não apenas mais interessada na economia como ciência e aplicação prática
como também para uma discussão mais aprofundada de temas relevantes do mundo.

A partir de agora deixamos você que nos lê mergulhar no que mais teve destaque quando o
assunto é a ciência econômica nas últimas décadas. Esperamos que a experiência seja tão positiva
e agregadora quanto foi a construção desse material.

Boa leitura!

3 Introdução
E-BOOK NOBEL

Organizadores e
colaboradores especiais

Organizadores:

Arthur Lula Mota


Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), Bacharel em Economia
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Senior Economist & Strategist do BTG Pactual,
com passagens por LCA Consultores, FIESP e Bradesco BBI. Especialista em macroeconomia e
quantfinance, com conhecimento em modelagem econométrica, aplicações de séries de tempo e
Machine Learning.

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues


Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-
RP/USP), MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Durante a passagem pela graduação, colaborou
com projeto de pesquisa sobre a historiografia econômica do BNDES entre 2012 e 2013, momento
em que o Banco completava 60 anos de criação. Head de Conteúdo do Terraço Econômico, além de
gestor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo.

Cláudio Ribeiro de Lucinda


Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.

Gabriel Brasil
Mestre em Economia Política Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), economista
graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com passagem pelo programa de
economia e negócios da HEC Liège (Bélgica). Analista senior de riscos ESG e de transição energética
em Londres para a consultoria Control Risks, com passagens por Speyside, EloGroup, GlobalTrevo
Consulting e Investor Avaliações.

4 Organizadores e colaboradores especiais


E-BOOK NOBEL

Guilherme Tinoco
Economista formado pela UFMG (2007) e mestre em teoria econômica pela FEA/USP (2011). Foi um
dos ganhadores do Prêmio SEAE de 2006 e do Prêmio Tesouro
Nacional em 2011. É economista do BNDES, onde atuou por diversos anos no Departamento de
Pesquisa Econômica (DEPEC) e atualmente está cedido para o governo do estado de São Paulo,
onde trabalha como assessor do Secretário da Fazenda e Planejamento. É especialista em finanças
públicas, publicou artigos acadêmicos na Revista do BNDES, capítulos de livros, textos para discussão
e também artigos jornalísticos em veículos como Valor Econômico, Estadão, Folha e O Globo.

Lucas Iten Teixeira


PhD em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com passagem como visiting scholar na
Regional Economics Applications Laboratory da University of Illinois Urbana-Champaign, Mestre em
Economia pela FGV, Bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é
analista pleno do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central do Brasil,
onde é servidor desde 2010.

Colaboradores:

Arthur Solowiejczyk
Graduado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), com pós-graduação em Business
Analytics e Big Data, também pela FGV. Cofundador do Terraço Econômico, trabalha com educação
financeira e criação de conteúdo focada em economia e política.

Lucas Adriano Silva


Doutorando em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde também é
Mestre em Ciências Econômicas e fez seu Bacharelado. Diretor do Observatório de Ponte Nova.
Colaborador de conteúdos do Terraço Econômico.
Sávio Coelho
Graduado em ciências econômicas na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), onde também é
pesquisador. Estagiário da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI).
Colaborador de conteúdos do Terraço Econômico.

5 Organizadores e colaboradores especiais


E-BOOK NOBEL

Índice
Nobel 1969 | Ragnar Frisch e Jan Tinbergen 008
Nobel 1970 | Paul A. Samuelson 018
Nobel 1971 | Simon Kuznets 023
Nobel 1972 | John R. Hicks 028
Nobel 1972 | Kenneth Arrow 032

Nobel 1973 | Wassily Leontief 036

Nobel 1974 | Gunnar Myrdal 042

Nobel 1974 | Friedrich August von Hayek 047


Nobel 1975 | Koopmans e Kantorovich 052
Nobel 1976 | Milton Friedman 057
Nobel 1977 | Bertil Ohlin e James Meade 062
Nobel 1978 | Herbert A. Simon 068
Nobel 1979 | Theodore Schultz e Sir Arthur Lewis 074
Nobel 1980 | Lawrence Klein 080
Nobel 1981 | James Tobin 085
Nobel 1982 | George J. Stigler 092
Nobel 1983 | Gerard Debreu 097
Nobel 1984 | Richard Stone 102
Nobel 1985 | Franco Modigliani 106
Nobel 1986 | James M. Buchanan Jr. 112
Nobel 1987 | Robert M. Solow 116
Nobel 1988 | Maurice Allais 121
Nobel 1989 | Trygve Haavelmo 128
Nobel 1990 | Harry M. Markowitz, Merton Miller & William Sharpe 131
Nobel 1991 | Ronald H. Coase 136

Nobel 1992 | Gary S. Becker 141


Nobel 1993 | Robert Fogel 146

Nobel 1993 | Douglass C. North 151


Nobel 1994 | John C. Harsanyi, John F. Nash Jr. e Reinhard Selten 156
Nobel 1995 | Robert Lucas Jr 159

Nobel 1996 | James A. Mirrlees e William Vickrey 165

6 Índice
E-BOOK NOBEL

Nobel 1997 | Robert C. Merton e Myron S. Scholes 177


Nobel 1998 | Amartya Sen 183
Nobel 1999 | Robert A. Mundell 190
Nobel 2000 | James Heckman 197
Nobel 2000 | Daniel Kahneman & Vernon L. Smith 202
Nobel 2001 | Akerlof, Spence e Stiglitz 207
Nobel 2002 | Daniel Kahneman & Vernon L. Smith 211
Nobel 2003 | Robert F. Engle III e Clive W. J. Granger 215
Nobel 2004 | Edward C. Prescott e Finn E. Kydland 224
Nobel 2005 | Robert Aumann e Thomas Schelling 231
Nobel 2006 | Edmund Phelps 240
Nobel 2007 | Leonid Hurwicz, Eric Maskin e Roger Myerson 245
Nobel 2008 | Paul Krugman 254
Nobel 2009 | Elinor C. Ostrom e Oliver E. Williamson 259
Nobel 2010 | Peter Diamond, Mortensen & Christopher Pissarides 269
Nobel 2011 | Thomas J. Sargent & Christopher A. Sims 273
Nobel 2012 | Alvin Roth e Lloyd Shapley 276
Nobel 2013 | Fama, Hansen e Shiller 279
Nobel 2014 | Jean Tirole 284
Nobel 2015 | Angus Deaton 288
Nobel 2016 | Bengt Holmström e Oliver Hart 292
Nobel 2017 | Richard Thaler 294
Nobel 2018 | William Nordhaus & Paul M. Romer 303
Nobel 2019 | Banerjee, Duflo e Kremer 307
Nobel 2020 | Paul Milgrom e Robert Wilson 313
Nobel 2021 | Card, Angrist e Imbens 323
Nobel 2022 | Bernanke, Diamond e Dybvig 328

Textos Complementares 333


Coleção Economistas: Nobel, o início de um projeto 334
O prêmio Nobel: A medalha que pauta a Economia 336
A hora dos economistas 340
A participação FEMININA na carreira em economia 346

7 Índice
E-BOOK NOBEL

1969
NOBEL DE ECONOMIA

O início da econometria moderna


Ragnar Frisch e Jan Tinbergen
por João Gabriel Caetano Leite

8
E-BOOK NOBEL

A
economia como ciência é
relativamente jovem. Se até
a década de 1890 o termo
Economia Política, cadeira
herdeira da ética, imperava, apenas na
década de 1910 o termo economia superou
o termo economia política em livros. De
fato, subsequentes revoluções teóricas e
históricas permitiram que a economia se
consolidasse como uma ciência digna de
um Nobel. É justo, portanto, que os dois
primeiros economistas laureados estejam
dentro dos pioneiros a transformar a
economia na ciência que conhecemos
hoje, principalmente ao deixar mais claro
o seu papel empírico e fazer dela uma
ciência social aplicada.

Frisch e Tinbergen estão entre os pais da econometria, o campo que busca usar ferramentas
estatísticas para explicar as relações entre variáveis econômicas. O que parece bruxaria para muitos e
um calvário para graduandos em todo o mundo nem sempre foi uma matéria corrente, com manuais
como o de Wooldridge e Guaraci reinando entre os estudantes.

Apesar das dificuldades, ambos estabeleceram técnicas e agendas de pesquisa que influenciaram toda
a economia aplicada nos últimos 80 anos. Para compreender sua relevância, temos que entender o
contexto histórico em que sua pesquisa se insere, os avanços teóricos e também como eles inovaram
no escopo de atuação do economista como profissional.

1. Anos de alta teoria


1.1 Belle Époque e Crise

N
as duas gerações compreendidas entre 1870 e 1930 houve um surto de criatividade
na produção de teoria econômica. Ainda que pensemos tradicionalmente na
revolução marginalista e depois na revolução keynesiana, este período compreendeu
revoluções em quase todos os campos de estudo dentro da economia. Além disto,
avanços estruturais na economia global, como sucessivos ciclos de crises, e avanços
em técnicas estatísticas contribuíram para um cenário em que novas questões e perspectivas
explodiam em diversidade. Neste contexto nasceram e se formaram Frisch e Tinbergen.

Frisch nasceu em março de 1895 em Oslo, na Noruega. Filho de um ourives, cresceu como
aprendiz dentro do ofício que marcava sua família desde 1630, mas, por incentivo de sua mãe,
entrou na Universidade de Oslo, adquirindo seu diploma em economia em 1919. No ano seguinte,
seguiu em viagem pela Europa e em 1926 adquiriu seu PhD em estatística e matemática na
Universidade de Oslo, sendo alçado ao posto de professor titular em 1931.
9 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

Tinbergen, ligeiramente mais novo, nasceu Sob influência de Paul Ehrenfest, seu mentor
em abril de 1903, em Haia, na Holanda. na graduação, Tinbergen continuou em
Filho mais velho de cinco irmãos, ele nasceu Leiden para se preparar para o doutorado,
em uma família que incentivava atividades mas foi selecionado para serviço militar.
intelectuais. Seu pai era um diretor escolar Como não queria servir, acabou transferido
e sua mãe, professora. Seu irmão Nikolaas para o CBS em Haia. Sua experiência ali foi
também foi laureado com o Prêmio Nobel fundamental e o presidente da instituição o
em 1973 em fisiologia pelos seus estudos em convenceu a continuar permanentemente
etnologia, até hoje o único caso de irmãos em 1928, permitindo que ele tivesse tempo
com prêmio Nobel. para completar sua tese de doutorado, que
entregou em 1929. Em sua tese, Tinbergen
Tinbergen era considerado um ótimo aluno, inovou ao traduzir técnicas de modelagem
tendo estudado na prestigiosa Hogere de minimização da física para a economia.
Bugerschool em Haia, onde teve contato
especial com ciências naturais. Em 1921, Fica claro, por esta breve análise biográfica
entrou na Universidade de Leiden para dos dois autores, que eles se formaram
estudar física, ainda que intencionasse mudar em uma época em que o conhecimento
para matemática após o término do curso, econômico se consolidava, mas que, muito
e teve contato com físicos que moldariam em breve, seria abalado. A crise de 29
o século XX. Também teve intenso contato mobilizou quase todos os economistas a
com a política, se aproximando a visão pensar a crise e repensar a teoria econômica,
social-democrata do Partido Trabalhista, em sendo o fato motivador de adentrarem no
especial por influência de sua futura esposa estudo dos Ciclos de Negócios.
e dos relatos de horror da Primeira Guerra
Mundial. Já nos anos 1921-22 publicou uma
série de artigos sobre os efeitos da recessão
sobre o desemprego.

1.2 O Ciclo de Negócios

A
partir do século XIX, economistas passaram a se preocupar com a flutuação da
economia, sendo uma das razões a relativa frequência de crises econômicas que
traziam mazelas enormes para as sociedades, ainda sem extensos programas de
proteção social. Somente entre 1813 e 1929, foram cerca de 20 crises financeiras e
econômicas na Europa e Estados Unidos.

Neste sentido, muito em parte pelas análises de Marx de que haveria uma tendência natural
para a crise das economistas capitalistas, passou-se a investigar o porquê de existirem
flutuações da atividade econômica em torno de uma tendência de crescimento.

A ciclicidade e padrão das ondas de crescimento e crise se transformaram em razão de


ansiedade para os economistas e políticos, de forma que teorias de ondas começaram a surgir.
Entender o processo de formação dos ciclos e o porquê de eles existirem era fundamental
(ver gráfico abaixo). Dentro de uma economia analisada sob uma perspectiva neoclássica, não
haveria razão para tal: o poder gravitacional do equilíbrio não deveria permitir sua existência.

10 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

Gráfico 1: Ciclo de Negócios

Ainda que John Maynard Keynes seja o autor mais conhecido por se debruçar sobre o
problema de força extensa, havia diversas teorias vigentes antes de 1929, como a de Irving
Fischer (flutuações na oferta de ouro e endividamento), Schumpeter (choques de inovação),
Pigou (ciclo de produção e mudanças psicológicas de otimismo e pessimismo), Hayek
(descompasso entre poupança e consumo), dentre outros.

2. Avanços na econometria
2.1 Ciclos de Negócios e o nascimento da econometria

C
omo exposto previamente, diversas explicações teóricas buscaram decifrar o
mistério de porque a economia flutuava, mas outra questão que tomou relevância
foi a capacidade de prever os ciclos. A implicação prática desta capacidade
preditiva era tentadora demais para ser ignorada, pois quem possuísse o melhor
método preditivo teria a chave para retornos enormes no mercado financeiro. Do
lado de policy, permitiria evitar crises e aumentar a prosperidade.

Um dos primeiros a procurar estabelecer uma relação causal estatística foi William Jevons,
um dos líderes da revolução marginalista, com sua análise de manchas solares e ciclos de
Vênus. Ainda que a hipótese pareça um tanto estapafúrdia, foi a primeira vez em que se
empregou diversas séries temporais simultaneamente buscando eventos que implicassem

11 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

uma mudança estrutural ou relação de causalidade. O esforço, que levou quase uma década
e envolveu diversas técnicas que hoje se assemelhariam ao uso de proxies e instrumentos, de
forma rudimentar, influenciaria diversos autores subsequentes.

Essa onda representou o primeiro esforço de integrar análise estatística com teoria
econômica, e permitiu a entrada de estatísticos e físicos no debate. Vale ressaltar
que não havia dados disponíveis, métodos computacionais e até técnicas estatísticas
disponíveis à época como hoje, e meteorologia e astrofísica eram os campos que
mais dominavam estatística de séries temporais.

Enquanto a econometria nascia, houve um surto na década de 1920 de centros de


pesquisa, think tanks e consultorias que exploravam exclusivamente o estudo de
séries temporais e ciclos de negócios. Instigados pelas inovações na estatística, no
surto de atividade do mercado financeiro e pela maior disponibilidade de dados,
cresceu a demanda pelo centro ou cientista que melhor pudesse prever as flutuações
da economia.

2.2 Choques, erros e ciclos

É
universalmente reconhecido pelo Federal Reserve.
que economistas costumam
estragar festas. Econometristas, Outro desafio enorme veio do economista
no entanto, costumam ser os Eugen Slutsky, em 1927, ao postular que
piores convidados os possíveis. a simples hipótese de erros de medida
Em 1901, R. H. Hooker inovou na história era conservadora: sua ideia era a de que
da econometria ao mostrar que apenas ciclos poderiam ser apenas resultado de
correlação não era o suficiente para a análise acumulação de processos completamente
de fenômenos econômicos. Em muitos aleatórios.
aspectos, estamos falando de uma época
em que economistas tentavam determinar Neste contexto entra a primeira grande
as causas dos Ciclos de Negócios sem ter contribuição de um dos nossos intépridos
professores martelando que correlação não Nobéis. Ragnar Frisch, que ao longo da
é causalidade. década de 1920 já era considerado um dos
maiores econometristas vivos, em parte
Para piorar a situação, já na década de por desmistificar e apontar os erros nos
1920, começou-se a desafiar as práticas de principais métodos preditivos usados, se
aferimento dos barômetros da economia. dedicou a desenvolver seu próprio método
O engenheiro George Yule, por diversos de análises de séries temporais, com base
testes, mostrava que diversas das principais apenas em ciclos. Ele procurou criar um
correlações usadas pelos economistas eram sistema em que fosse possível analisar de
espúrias, podendo gerar erros de análise forma completa as flutuações econômicas,
ao longo do tempo. Tais métodos, que com componentes cíclicos, tendências e
garantiam retornos altos, acabaram gerando choques complexos.
grandes perdas com o choque financeiro em
1929. Mais tarde, em 1969, Milton Friedman e Sua primeira proposta iconoclasta foi de
Anne Schwartz reforçariam o argumento de abandonar os periodogramas usados à
Yule ao considerar que a Crise de 1929 havia época, porque eles usavam ciclos definidos
sido causada pelo uso errado de modelos de forma fixa. Os modelos anteriores
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E-BOOK NOBEL

propunham que os ciclos se distribuíam de forma fixa ao longo do tempo, e Frisch foi o
primeiro a ponderar que na realidade os fenômenos econômicos eram fundamentalmente
heterogêneos. No entanto, restava ainda provar o porquê de serem heterogêneos.

Para tal, ele propôs inicialmente que um processo cíclico nada mais era que a composição
de diversas tendências. Esta noção é fundamental para a economia contemporânea,
especialmente para o que os econometristas chamam de filtros, isto é, entender uma série
como um processo cumulativo de processos geradores de forma que se possa eliminar o
ruído até chegar à tendência que seja efetiva à análise.

Esta ideia pode parecer simples agora, mas, na época, sem computadores, parecia uma
conjectura complexa demais de se tratar, e para tal, Frisch desenvolveu métodos de
decomposição por equações diferenciais e algoritmos. Em seu paper de 1931, este método foi
visto por Frisch como suficiente, mas ele estava suscetível ao mesmo problema do modelo
de Mitchell, onde cada processo gerador era individualmente relacionado à série e não com
os outros. A realidade imposta pela Crise de 1929 o forçaria a mudar de hipótese.

2.3 Modelos dinâmicos

C
omo consequência da Grande Depressão, diversos avanços de política econômica
e teoria foram feitos entre 1929 e 1936, data da publicação da Teoria Geral de
Keynes. Se na década de 1920 o objetivo era entender a direção do crescimento
da economia, em 1930 passou a ser entender porque ela estava em crise tão
intensa e porque não reagia. Uma das novas linhas de pesquisa foi a que buscava
compreender modelos econômicos de forma dinâmica.

Neste sentido, Frisch, que é o responsável pela criação dos termos macroeconomia e
microeconomia, deu o primeiro passo em com seu “Rocking Horse” em 1933, modelo de
pequeno porte que buscava capturar os efeitos reais em uma economia, levando em conta
todas as relações entre ciclos de produção e conseguindo refletir os dados observados.

13 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

De acordo com o próprio Frisch, Wicksell foi quem o inspirou a criar um modelo em que a
economia se comportasse de forma errática, a partir de suas análises análogas a processos
de transmissão de energia. O ponto aqui passa a ser que um processo gerador pode afetar
um ciclo econômico de forma diferente e irregular. Ele determinou a economia como uma
composição de três séries: consumo, investimento em capital e atividade de carry-on,
cada qual composta por parâmetros próprios. Por meio de sistemas de equação, através
de parâmetros estruturais, determinava-se o efeito de uma variável na outra. A grande
genialidade de Frisch foi introduzir a possiblidade de choque randômicos em cada série.
Assim, um choque no consumo poderia afetar o investimento e a produção e vice-versa, e
com diferentes magnitudes.

A partir deste modelo, Frisch passou a se concentrar no processo gerador de impulsos, isto
é, o quanto um choque em uma variável afetava a outra. É importante notar que o modelo
“rocking-horse” foi um exercício estatístico e Frisch usou parâmetros teóricos para a solução
de seu modelo ao invés de dados reais, de forma que estabeleceu o primeiro passo teórico
para a classe de modelos que chamamos de estruturais. Até hoje, um dos principais objetivos
de modelos complexos macroeconômicos, como Structural Vector Autoregressions (SVAR),
é encontrar a função de resposta ao impulso, e entender como o choque de uma variável
afeta as outras ao longo do tempo.

Isto não quer dizer que à época Frisch não estivesse preocupado com considerações e dilemas
empíricos do debate econométrico. Em Statistical Confluence Analysis by Means of Complete
Regression Systems de 1934, por exemplo, ele chamou atenção para o problema de incluir
muitas variáveis em um sistema de regressões, em especial se dois ou mais subconjuntos de
variáveis são altamente correlacionados. Problema que afeta diversas pesquisas até hoje.

2.4 O primeiro modelo nacional

T
Tinbergen terminou o doutorado comércio de pequeno porte, era editor do
em 1929, mas já tinha contato com boletim holandês de conjuntura e ciclos
o debate econômico de ponta. de negócios. Além disso, era familiarizado
Em 1930, foi membro fundador da com todo o trabalho no assunto, pois fora
Econometric Society, junto com comissionado pela Econometric Society
Frisch, e evidência epistolar mostra que para fazer a primeira revisão dos estudos
ambos estavam em contato constante e que econométricos do Ciclo de Negócios,
Tinbergen foi intensamente influenciado publicada na Econometrica em 1935.
por Frisch em seu projeto de construir
um modelo que capturasse a dinâmica da A oportunidade de criar tal modelo
economia dentro dos preceitos teóricos, finalmente veio em outubro de 1936,
mas que refletisse dados de uma economia quando Tinbergen fora comissionado pela
real. associação de economistas holandeses a
escrever um artigo que detalhasse suas
Não é por acaso que Tinbergen tenha propostas para aliviar os efeitos da Grande
sido o primeiro a montar um modelo Depressão.
macroeconométrico nacional. Como aponta
Mary Morgan (1990), ele passou a década Em seu modelo da economia holandesa
de 1920 trabalhando com modelos de havia 22 equações e 31 variáveis. A maior

14 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

parte das equações eram relações simples polêmica à época, e, a partir do debate
de uma ou duas variáveis e parâmetros de surgiu a forma como se conduziu a política
erros que capturassem choques randômicos macroeconômica ao longo de metade do
pequenos. Ele deixava claro que era uma Século XX.
versão estilizada da economia, uma vez que
via a necessidade implícita de simplificação Para além dos grandes avanços em testes
ainda que ao custo de perda de “realismo”. estatísticos de modelos macroeconômicos
Estava longe de ser ateórico, longe disto, esboçados por Tinbergen no relatório, em boa
era um modelo que envolvia um processo parte o incômodo foi gerado pela sugestão
iterativo de hipóteses e testes estatísticos. de abandono das teorias “literárias” de ciclos
de negócios. Para Tinbergen, uma teoria teria
Ainda que, em comparação aos modelos de valor se tivesse respaldo estatístico e não
Ciclos de Negócios com rigidez, equilíbrio por sua consistência interna e, em ambos os
geral, choques estocásticos e dinâmicos relatórios, trabalhando com econometristas
atuais, o modelo de Tinbergen para a como Tjalling Koopmans, avançou-se a
Holanda pareça rudimentar, para a época passos largos a macroeconomia empírica, o
foi revolucionário. Não só estabeleceu que incomodou boa parte da geração que
o método mais eficiente para estimar dominava o debate econômico.
um sistema econômico nacional, como
desenvolveu técnicas econométricas que John Maynard Keynes, o economista mais
perduram até hoje, a ponto de se falar de uma famoso de sua geração, se tornou um crítico
Tradição de Tinbergen. De fato, o modelo ferrenho do método de Tinbergen. Em 1939,
de Tinbergen não só se tornou a base da no artigo Professor Tinbergen’s Method,
condução da política macroeconômica na Keynes questiona diversos aspectos da
Holanda pelos próximos 40 anos, como nascente macroeconometria, gerando
influenciou a criação de diversos modelos um intenso debate que traria ao centro
nacionais e eventualmente os modelos do da disputa econometristas e economistas
FMI. O próprio Tinbergen ainda no período como Jacob Marshak, Oskar Lange e próprio
entreguerras desenvolveria modelos para a Frisch.
economia norte-americana e inglesa.
Keynes era um ávido leitor de teoria da
probabilidade, membro do conselho
da Econometric Society e do corpo
2.5 O debate editorial da Econometrica. mas seus
Keynes-Tinbergen conhecimentos estatísticos esbarravam
em seu desinteresse na metodologia

É
corrente. Parte das críticas feitas por Keynes
Tinbergen, entre 1936 e 1938, acabaram sendo inapropriadas, mas, para
seria comissionado pela Liga das muitos que não estavam familiarizados
Nações para avaliar a maior parte com o relatório de Tinbergen, tais críticas
dos modelos e teorias dos Ciclos pareciam devastadoras e influenciaram
de Negócios. O resultado seria diversos pós-keynesianos quanto ao papel
a publicação de dois relatórios em 1939: o da econometria, o que, em parte, explica
primeiro detalhava testes econométricos e o parte da confusão no debate posterior, em
que poderia ser obtido com três estudos de especial no Brasil.
caso e o segundo demonstraria um modelo
macroeconométrico para os EUA. Se o Em essência, Keynes, para além de
modelo holandês não havia gerado muito críticas metodológicas sem muito sentido,
debate fora da Holanda, seus relatórios rejeitava a possibilidade da econometria ter
para a Liga das Nações gerariam intensa capacidade de efetivamente testar teoria.

15 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

Ele via o esforço de Tinbergen como um exercício de acomodação e fitting de uma curva e
descrição do processo, sem capacidade de descrever um caminho ou o que poderia acontecer
em sequência (apesar de que, como exposto anteriormente, Tinbergen desenvolveu métodos
preditivos). No entanto, cumpre destacar que algumas críticas de Keynes eram de fato
bastante válidas, como, por exemplo, o alerta de que a capacidade de previsão do modelo
dependia da homogeneidade dos períodos, o que realmente se verificava na prática.

Vale ainda notar que Oskar Lange e Jacob Marshak publicam, em 1940, no artigo Mr Keynes
on the Statistical Verification of Business Cycle Theories, uma defesa extensa de Tinbergen
contra Keynes porque viam valor no uso de econometria e estatística para testar teorias e
condução de política econômica.

Por fim, outro autor que merece destaque neste debate é Haavelmo. Defende Tinbergen
na perspectiva de que econometria seria fundamental para testar qualquer corpo teórico
econômico. No entanto concede que Keynes tinha razão em parte ao afirmar que faltava algo
na análise vigente, especialmente na capacidade preditiva. Na década de 1940 iniciaria sua
revolução ao introduzir a perspectiva probabilística que caracteriza a econometria moderna.

3. Economistas e agentes públicos


O trabalho teórico de Frisch e Tinbergen está longe de terminar ou estar contido apenas no
debate dos Ciclos de Negócios, mas certamente esta literatura é a mais influente de ambos e que
lhes concedeu o Nobel. No entanto, há outro componente que é interessante ressaltar na figura de
ambos: estiveram na fronteira da mudança do perfil de atuação dos economistas.

Frisch esteve na formação da Cowles Comission e era consultor de diversas agências estatísticas.
Além disso, foi o principal membro fundador da Econometric Society e do periódico Econometrica,
ambas instituições que moldam o debate econômico de fronteira. Jan Tinbergen por outro lado,
para além da carreira acadêmica prolífica, foi o primeiro grande economista consultor de agências
internacionais como Liga das Nações e FMI, além de ter criado o órgão oficial de política econômica
na Holanda e ter sido membro fundador de diversos think tanks. A importância de ambos na
formação da política econômica no século XX é tão grande que não têm como mensurar.

Se Keynes inaugura a macroeconomia como corpo teórico, Frisch e Tinbergen inauguram como
profissão e ciência aplicada. Ainda que a mensuração e identificação de ciclos de negócios ainda
seja uma agenda vibrante e complexa (NAKAMURA & STEINSSON, 2018), é inegável que a maior
compreensão dos ciclos de negócios e sua subsequente domesticação foi fundamental para
diminuir sua volatilidade e melhorando políticas de estabilização (BERNANKE, 2004). Assim, a
herança de Frisch e Tinbergen está em cada macroeconomista empírico e técnico lutando para a
diminuição de perda de bem-estar e pelo aumento de prosperidade.

João Caetano Leite


Mestrando em Economia Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Bacharel
em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Monitor em
Tópicos de Economia Política pela UERJ e bolsista de mestrado da CAPES, conta com passagens
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), LCA Consultores, International Finance Corporation, Centro
Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e BCP Securities.

16 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

Notas:
BERNANKE, Ben S., The Great Moderation, Remarks at the meetings of the Eastern Economic Association,
Washington, DC, February 20, 2004.

CHATTERJEE, Satyajit. From cycles to shocks: Progress in business cycle theory. Business Review 3 (2000):
27-37

DHAENE, G., & BARTEN, A. P. (1989). When it all began. Economic Modelling, 6(2), 203–219.

DUPRAZ, Stephane; NAKAMURA, Emi, STEINSSON, Jón. A Plucking Model of Business Cycles. 15 de Junho
de 2020, disponível em https://eml.berkeley.edu/~enakamura/papers/plucking.pdf

HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society American Economic Review. Vol. 35, n. 4, 1945. Pp.
519-30

HENDRY, David F. & MORGAN, Mary S. The Foundations od Econometric Analysis. Cambridge: Cambridge
University Press, 1995. 558 pps.

KEYNES, John Maynard. Review of Professor Tinbergen’s Method, vol.1 Economic Journal, Vol 49, 1939.
Pp.558-68

LEESON, Robert. “The Ghosts I Called I Can’t Get Rid of Now”: The Keynes-Tinbergen-Friedman-Phillips
Critique of Keynesian Macroeconometrics. History of Political Economy 1 March 1998; 30 (1): 51–94.

NAKAMURA, Emi & STEINSSON, Jón. Identification in Macroeconomics. Journal Of Economic Perspectives
Vol. 32, No. 3, Summer 2018 (Pp. 59-86)

MORGAN, Mary S. History of Econometric Ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. 290 pps.

SCHUMPETER, Joseph Alois. History of Economic Analysis. Nova York: Oxford University Press, 1954. Pp.
6-14

SLUTSKY, Eugen. The summation of random causes as the source of cyclic processes. Econometrica: Journal
of the Econometric Society (1937): 105-146.

SCREPANTI, Ernesto & ZAGMANI, Stefano An Outline of the History of Economic Thought. Segunda Edição.
Nova York: Oxford University Press, 2005. Pps: 196-316.

Ragnar Frisch – Biographical. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Fri. 10 Jul 2020. https://www.nobelprize.
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RORTY, Malcolm Churchill. – Some problems in current economics. AW Shaw Company, 1922

J Tinbergen, Jan R Magnus and Mary S Morgan, The ET Interview: Professor J Tinbergen, Econometric
Theory 3 (1) (1987), 117-142.

J Tinbergen, Interview, NRC-Handelsblad (10 November 1987).

O’CONNOR, John J.; ROBERTSON, Edmund F., “Jan Tinbergen”, MacTutor History of Mathematics archive,
University of St Andrews. https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Tinbergen/

17 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1970
Paul A. Samuelson e uma nova
ciência econômica no século XX
Paul A. Samuelson
por Pedro Garcia Duarte

P
aul Anthony Samuelson (1915 – 2009) foi um economista
norte-americano que contribuiu sobremaneira para a
reformulação da ciência econômica a partir da segunda
guerra mundial e no período da guerra fria, quando os
Estados Unidos consolidaram sua posição não apenas
de liderança geopolítica mundial como também acadêmica.
Samuelson viveu bastante e produziu muito. Tal como colocado
por seu aluno Stanley Fischer (2008), ele fez “contribuições
fundamentais a praticamente todas as áreas da teoria econômica”.
O próprio Samuelson se considerava, “nesta era de especialização”,
“o último generalista em economia”, com interesses desde
economia matemática até jornalismo econômico, passando por
economia do bem-estar, programação linear, economia dinâmica,
economia keynesiana, finanças, economia internacional, finanças
públicas, teoria da escolha e microeconomia (Samuelson em
Lindbeck 1992). A extensa produção de artigos por Samuelson
nestas áreas começou inclusive a ser editada em seus Collected
Scientific Papers a partir de 1966, quando Samuelson tinha apenas
51 anos de idade, e geraram uma série de sete grandes volumes
encerrada postumamente, em 2011.

18 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL

Mas Samuelson fez muito mais. Recebeu a pela primeira vez em 1948 e reeditado
prestigiosa honraria da American Economic inúmeras vezes devido ao sucesso de vendas
Association, a John Bates Clark Medal, logo alcançado ao longo de mais de sessenta
no primeiro ano desta premiação, em 1947, anos (com dezenove edições). Além disto,
e o “Prêmio do Banco Central Sueco em foi um comentarista econômico ativo por
Economia em Memória a Alfred Nobel” em vários anos em revistas como a Newsweek
1970, no segundo ano deste novo prêmio. A (onde teve colunas quinzenais, tal como o
academia sueca o considerou merecedor do economista de Chicago, Milton Friedman),
prêmio “por seu trabalho científico pelo qual foi conselheiro econômico dos presidentes
desenvolveu economia estática e dinâmica norte-americanos John F. Kennedy (1961-
e por ter contribuído ativamente a elevar o 1963) e Lyndon B. Johnson (1963-1969), além
nível da análise na ciência econômica”. de consultor a diversas áreas do governo.

Institucionalmente, Samuelson ajudou a Samuelson iniciou seus estudos em


refundar o departamento de economia do economia na Universidade de Chicago
MIT (Massachusetts Institute of Technology, em 1932, em meio à Grande Depressão,
Cambridge, MA, EUA) tendo sido contratado concluindo em 1935. Obteve uma bolsa de
para participar da criação, em 1941, do estudos que exigia que ele fizesse sua pós-
programa de Ph.D. em economia em um graduação em outra universidade e dados
departamento que tinha curso de graduação seus interesses por economia da competição
apenas desde os anos 1930 (ao contrário imperfeita que estava sendo desenvolvida
das universidades de Harvard e Chicago) na Universidade de Harvard, Samuelson fez
e mestrado desde 1937. Ademais, tratava- lá sua pós-graduação, obtendo os graus
se de um departamento marginalizado em de Master of Arts em 1936 e Ph.D. em 1941.
uma escola eminentemente de engenharia, Sua tese de doutorado foi tida como a
situação esta que ele ajudou a mudar a melhor daquele ano, que o fez receber o
partir dos anos 1940 com a atração de prêmio David A. Wells do departamento de
novos e destacados economistas e a criação economia desta universidade. Durante sua
do programa de Ph.D. que transformaram o estadia em Harvard, Samuelson foi colega
departamento em uma referência mundial de Abram Bergson (que foi para Harvard
na área (ver artigos em Weintraub 2014 e em 1933 e fez contribuições à economia
Backhouse 2017). E neste departamento do bem-estar), e aluno de economistas
Samuelson permaneceu toda sua carreira importantes como Alvin Hansen (com
(iniciada como professor assistente aos 25 quem interagiria proximamente), Joseph
anos e posteriormente como full professor Schumpeter, Wassily Leontief e o físico e
aos 32 anos de idade), tendo sido professor economista matemático E. B. Wilson.
de várias gerações de economistas (com
vários de seus alunos também agraciados Sua tese de doutorado de 1941 foi
com o Nobel) e influente na contratação de posteriormente transformada em um
muitos de seus colegas, como seu vizinho de importante livro publicado apenas após o fim
sala e colaborador próximo, Robert Solow da segunda guerra mundial, o Foundations
(Nobel em 1987). of Economic Analysis (Samuelson 1947).
Neste livro Samuelson deu tratamento
Não bastassem todos estes feitos deste definitivo à estrutura matemática básica
wunderkind, devidamente celebrados que ele argumentou estar na base de
por seus colegas e alunos em várias várias questões econômicas, composta
ocasiões, Samuelson também contribuiu de dois princípios básicos: que os agentes
para reformular por completo o ensino de econômicos têm comportamento
economia no mundo todo através de seu maximizador (consumidores maximizando
livro introdutório, Economics, publicado utilidade e produtores maximizando lucros),

19 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL

e que o equilíbrio econômico resultante é estável sob certas circunstâncias. Samuelson


estabeleceu nesta obra conceitos claros de estática e dinâmica que se tornaram dominantes
em substituição aos diversos entendimentos então existentes: equilíbrio estático é o obtido de
condições que independem do tempo, e o equilíbrio dinâmico é o resultante de um conjunto
de forças que o fazem ser estacionário (não se altera no tempo porque forças diferentes
o puxam em direções diferentes sendo nula a força resultante). Com base nesta estrutura
básica (estática vs. dinâmica), que proveria uma teoria geral das teorias econômicas de
acordo com o autor, ele analisa questões relativas às decisões individuais (microeconomia)
na primeira parte do livro, e questões sobre o funcionamento da economia como um todo e
as flutuações econômicas (macroeconomia) na parte dois.

Para melhor entender a importância das contribuições de Samuelson e a premiação com o


Nobel por suas contribuições à economia matemática e por elevar o nível da análise econômica,
é preciso ter clareza das enormes diferenças na forma de pensar dos economistas no século
XX com os intelectuais que discutiram questões econômicas nos séculos anteriores. Se nos
séculos XVIII e XIX as questões econômicas eram pensadas como sujeitas às leis naturais
que regiam todas as outras dimensões da vida humana e do mundo natural, os economistas
a partir da segunda metade do século XIX começaram a pensar o mundo econômico como
tendo certa autonomia do mundo natural. Mas é apenas no século XX que se consolida a
ideia da “economia” (real) como um conjunto de relações sujeitas à deliberação humana (e
não mais à leis naturais), na qual podemos intervir e controlar até certo ponto.

Além desta enorme transformação que ocorreu gradualmente, no século XX houve duas
outras transformações fundamentais para entendermos a ciência econômica praticada
hoje, que recebeu de Samuelson importantes contribuições. A primeira delas foi a segunda
guerra mundial: uma guerra científica exigiu o recrutamento de cientistas e representou
uma grande excepcionalidade que justificava para a sociedade norte-americana, avessa ao
intervencionismo estatal e cética quanto à contribuição da ciência para o bem-estar coletivo,
o aparato estatal montado como parte do esforço para combater os inimigos.

20 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL

Os economistas não foram recrutados de início, mas durante a guerra foram vistos como
cientistas que poderiam contribuir ao trazer suas ideias de escassez e alocação de recursos
escassos entre fins alternativos e competitivos. E da interação próxima que eles tiveram
com matemáticos aplicados e engenheiros durante a guerra eles aprenderam várias
técnicas matemáticas e estatísticas ao passo que ensinaram aos demais cientistas ideias de
otimização e escolha. O aparato estatal da grande ciência montado para a segunda guerra
não foi imediatamente desmontado com o fim do conflito, mas perpetuou-se, mesmo que
em formato um pouco diferente, durante o período da guerra fria. Os economistas saíram da
guerra com novas ferramentas e técnicas matemáticas e estatísticas que eles paulatinamente
foram utilizando para estudar questões agora não mais ligadas ao esforço de guerra,
transformando por completo a maneira de se fazer ciência econômica desde então.

A segunda transformação no século XX foi a consolidação do uso de modelos para pensarmos


as questões econômicas. Muito embora economistas já tenham feito “modelos” desde pelo
menos o século XVIII estes artefatos passaram a fazer parte central do vocabulário dos
economistas e de sua ciência somente após os anos 1930 quando a junção de economia,
matemática e estatística deu origem à área de econometria (Morgan 2008 e 2012). No
período após a segunda guerra mundial o uso de modelos passou a ser a metodologia
dominante em economia. E modelos de um tipo particular passaram a dominar: modelos
matemáticos e relativamente abstratos, cada vez mais baseado na escolha explícita por parte
dos agentes econômicos (modelados, no caso dos consumidores, como maximizadores de
utilidade sujeita à restrição orçamentária).

As muitas e variadas contribuições de Paul Samuelson à economia seguiram e consolidaram a


maioria destas tendências. Ele acreditava que a matemática é uma linguagem poderosíssima
que evita as armadilhas e confusões da linguagem falada e escrita e se propôs a traduzir
os problemas econômicos em modelos matemáticos que envolviam em grande parte a
tomada de decisão racional dos agentes econômicos envolvidos. E ele se dedicou a estudar
as propriedades matemáticas das soluções destes problemas e de derivar as implicações
qualitativas de modo preciso. Mas ele não era necessariamente adepto da ortodoxia posterior
que advogava que um problema que não pudesse ser colocado em termos de maximização
condicionada pelos agentes não era suficientemente rigoroso. Ademais, ele fez parte de um
grupo de economistas que usavam a análise utilitarista para as decisões individuais, mas que
acreditavam que, principalmente no curto prazo, existiam importantes falhas de mercado
que requeriam intervenções do governo na economia (economistas que eram keynesianos
no curto prazo e neoclássicos – ou utilitaristas – no longo prazo, quando tais falhas deixavam
de existir graças à ação governamental).

Tanto em seus trabalhos mais técnicos como em seu livro-texto Samuelson deu importante
contribuição para o processo de traduzir as ideias de John Maynard Keynes para o contexto
norte-americano, juntamente com outros economistas como Alvin Hansen (conhecido como
“o Keynes norte-americano”) e John Kenneth Galbraith, ambos professores da Universidade
de Harvard, e James Tobin (aluno de Harvard, tendo obtido seu Ph.D. em 1939). Mais tarde,
em colunas quinzenais para a Newsweek, ele continuou a influenciar as ideias da sociedade
norte-americana sobre a relevância de políticas econômicas e o papel do estado em uma
economia de mercado.

Pedro Garcia Duarte


Senior Research Fellow, INSPER

21 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL

Notas:
Backhouse, Roger E. (2017). Founder of Modern Economics: Paul A. Samuelson: Volume 1: Becoming
Samuelson, 1915-1948. Oxford: Oxford University Press.

Fischer, Stanley (2008). Samuelson, Paul Anthony (1915–2009). Em: Steven N. Durlauf e Lawrence E. Blume
(eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics. 2a ed. Palgrave Macmillan, 2008.

Lindbeck, Assar (ed.) (1992). Nobel Lectures, Economics 1969-1980. Singapore: World Scientific Publishing.
Disponível como “Paul A. Samuelson – Biography”, Nobelprize.org: https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/1970/samuelson/lecture/ (consultado em 08 de junho de 2020).

Morgan, Mary S. (2008). Models. Em: Steven N. Durlauf e Lawrence E. Blume (eds.), The New Palgrave
Dictionary of Economics. 2a ed. Palgrave Macmillan, 2008.

Morgan, Mary S. (2012). The World in the Model: How Economists Work And Think. Cambridge: Cambridge
University Press.

Samuelson, Paul A. (1947). Foundations of Economic Analysis. Cambridge, MA: Harvard University Press.

Samuelson, Paul A. (1948). Economics. 1a ed. New York: McGraw-Hill.

Samuelson, Paul A. (1966-2011). The Collected Scientific Papers of Paul A. Samuelson. 7 vols. Cambridge,
Mass: MIT Press. Vols I-II ed. J. E. Stiglitz, 1966; Vol. III ed. R. C. Merton, 1970; Vol. IV ed. H. Nagatani e K.
Crowley, 1977; Vol. V. ed. K. Crowley, 1986; Vol. VI-VII ed. J. Murray, 2011.

Weintraub, E. Roy (2014). MIT and the Transformation of American Economics. Suplemento anual da History
of Political Economy, vol. 46. Durham: Duke University Press.

22 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1971
O Nobel para as Contas Nacionais
Simon Kuznets
por Daniel Duque

S
imon Kuznets ganhou o Prêmio Nobel no ano de 1971
por sua contribuição empírica ao campo do crescimento
econômico, que permitiu uma nova e aprofundada visão
da estrutura econômica das sociedades. Além disso, seus
estudos empíricos mostraram grandes relações econômicas até
hoje discutidas, como a chamada “Curva de Kuznets”.

Se hoje é possível discutir desenvolvimento, crises e conjuntura


econômica, em grande parte isso se deve aos trabalhos realizados
por Kuznets. Antes de sua contribuição à área, medidas de Produto
Interno Bruno (o famoso PIB) eram suposições construídas
muitas vezes sem rigor metodológico, e frequentemente com
metodologias distintas entre os trabalhos. Não havia uma
instituição governamental para coletar dados que servisse para o
cálculo do PIB ou de quaisquer Contas Nacionais, e mesmo no
setor privado não havia tal levantamento sistemático. Foi com o
trabalho iniciado na década de 1930, e estendido por décadas, que
Kuznets calculou a renda nacional em 1869, agrupando-a por setor,
produto final e uso.

23 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL

Kuznets era conhecido por ter realizado um dos trabalhos mais abrangente e meticuloso em
relação a Contas Nacionais, a ponto de estabelecer o padrão no campo. No entanto, além de
seu trabalho ter contribuído de forma determinante para a mensuração da própria economia
dos países, Kuznets também cunhou o que ficou conhecido como um dos que identificou
uma nova era econômica – que ele cunhou de “crescimento econômico moderno” – que
começou na Inglaterra na última metade do século XVIII, se espalhando para o sul e para o
leste – principalmente França e Alemanha – e, no final do século XIX, chegara à Rússia e ao
Japão. Nesta era, a renda per capita aumentava cerca de 15% ou mais a cada década, algo que
não havia acontecido nos séculos anteriores.

Simon Kuznets: Vida e Carreira

S imon Smith Kuznets nasceu em 1901, em


Pinsk, no território atual de Belarus, mas
cresceu em Kharkov, na atual Ucrânia
– ambos territórios até então Império
Russo. Ele imigrou para os Estados Unidos em
1922, seguindo seu pai, que tinha migrado 15
Kuznets foi também Presidente do Comitê
de Crescimento Econômico do Conselho de
Pesquisa em Ciências Sociais (1949-1968),
tendo trabalhado com a análise quantitativa
comparativa do crescimento econômico das
nações. Apresentando as estatísticas que ele
anos antes. Iniciou seus estudos universitários mesmo havia formulado, desafiou o consenso
na Rússia, mas os terminou (realizando econômico vigente ao mostrar quão pouco
sua graduação, mestrado e doutorado) na do crescimento do PIB poderia realmente ser
Universidade de Columbia, tendo recebido o atribuído à acumulação de trabalho e capital
título de PhD em 1926. – até então as causas do desenvolvimento
segundo a teoria econômica.
No ano de 1927, Kuznets ingressou no National
Bureau of Economic Research (NBER) no qual Na extensão de sua tese de Doutorado
trabalharia por mais de 30 anos, realizando em Columbia, o livro “Secular Movements
diversos trabalhos com seu fundador, Wesley in Production and Prices: Their Nature and
Mitchell. Ele também foi professor de economia Their Bearing Upon Cyclical Fluctuations”
na Universidade da Pensilvânia (1930-1954),
(1930), Kuznets identificou a relação
Johns Hopkins University (1954-1960) e
dos ciclos de negócios a certos ciclos de
Harvard University (1960-1971), tendo sido
ainda presidente da Associação Econômica longo prazo, cunhados pelo economista
Americana em 1954. como ‘movimentos seculares secundários
‘ (atualmente denominados de “ciclos de
Enquanto estudioso de metodologia Kuznets”). Sua principal contribuição foi
econômica, Kuznets era crítico a modelos descrever o processo de propagação de
simples usados na época baseados, por ciclos e localizar sua geração e continuação
exemplo, em uma fase da experiência histórica. em defasagens e descontinuidades na
O economista argumentava que os dados resposta de um setor da economia a
do tema deveriam incluir informações sobre mudanças. Kuznets também propôs como
estrutura populacional, tecnologia, qualidade
fator chave de tais ciclos o crescimento
do trabalho, estrutura governamental, comércio
da população, até então considerada uma
e mercados, para serem capazes de fornecer
um modelo preciso – o que sofria diversos variável meramente endógena, destacando
desafios metodológicos à época. sua relação com consumo, investimento,
formação de capital, imigração e comércio.

24 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL

Um dos trabalhos mais influentes de Kuznets, no entanto, foi o livro “Long-Term Changes
in the National Income of the United States of America since 1870” (1951), que apresentava
um grande compilado de estimativas acerca de grandes tendências sócio econômicas nos
Estados Unidos. Foi a partir das extensões deste trabalho que o economista apresentou
um dos conceitos até hoje mais discutidos sobre desenvolvimento econômico: a Curva de
Kuznets.

A Curva de Kuznets nasceu a partir da análise de uma série de 1913-1948 sobre o percentual de
apropriação da renda dos mais ricos dos EUA, que o economista tinha acabado de construir
e publicar em um livro volumoso e inovador (Kuznets, 1953). Anteriormente a este trabalho
empírico, apesar de a distribuição de renda ter sido objeto de estudo teórico central no
pensamento econômico, não havia ainda uma série de distribuição homogênea cobrindo um
período tão longo.

A série apresentada mostrava um declínio acentuado da desigualdade nos EUA no período


de 1913 a 1948. Ainda que não houvesse dados para antes da criação do Imposto de Renda
Federal, em 1913, havia uma premissa de que a desigualdade havia aumentado durante o
século 19. Assim, surgiu a curva inversa em U, apresentada abaixo.

Kuznets postulava, portanto, a partir


dos dados apresentados, que haveria
uma relação de alta, seguida de queda
da desigualdade conforme um país
crescia. Para sustentar tal hipótese,
além dos dados apresentados, o
economista se apoiava em um modelo
de dois setores: o agropecuário e o
urbano/industrial.

O desenvolvimento de um país se inicia,


segundo Kuznets, com o aumento
de produtividade dos trabalhadores
quando migram do primeiro setor –
atrasado e pouco tecnológico – para
o segundo, mais moderno. Nesse primeiro momento, a disparidade de produtividade e
rendimentos entre essas duas parcelas da população aumentaria a desigualdade, puxada
pelo avanço das disparidades entre duas regiões populosas.

No entanto, conforme a maior parte dos trabalhadores no setor agropecuário teria migrado
para o setor urbano/industrial, com o país adentrando um nível médio de renda, os salários
passariam a se homogeneizar, principalmente no segundo setor. Assim, o país continuaria
crescendo, conforme os trabalhadores industriais continuariam experimentando ganhos
de produtividade e, sem novos influxos do setor agropecuário, poderia ter seus salários
crescendo e se homogeneizando entre estes. Como as disparidades setoriais importariam
cada vez menos para a desigualdade total, uma vez que uma parcela cada vez menor da
população permaneceria do setor agropecuário, a desigualdade começaria a cair.

25 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL

49 anos depois: Como a Ciência avançou

A
inda que a contribuição de numerosos momentos do desenvolvimento
Kuznets para as Contas Nacionais econômico levariam a pressões altistas e
seja indiscutível na literatura baixistas sobre esta variável.
econômica – com uso generalizado
dos conceitos definidos por ele até hoje –, Uma última extensão da Curva de Kuznets
a hipótese da Curva de Kuznets foi muito foi a sua transposição para a relação entre
discutida e também criticada. Piketty (2005), desenvolvimento e meio ambiente. Tal hipótese
um de seus maiores críticos, argumenta que sustenta que o desenvolvimento econômico
há duas falhas no argumento de Kuznets: inicialmente leve a uma deterioração do
primeiramente, argumenta-se que a queda meio ambiente, mas após um certo nível de
da desigualdade ocorrida nos países crescimento econômico, a sociedade começa
desenvolvidos na primeira metade do século a melhorar sua relação com o meio ambiente
XX teria sido devida mais significativamente e reduz os níveis de degradação ambiental.
a choques de capital, principalmente com o Ainda que sofra de críticas tal como a primeira,
aumento da carga tributária sobre os mais essa ainda é uma das relações mais discutidas
ricos, destinado a financiar esforços de guerra. na economia.

Piketty ainda pontua que, mesmo que o Finalmente, poucos negam o grande impacto
componente tecnológico/estrutural da de Kuznets sobre as ciências econômicas e
economia possa ter grande impacto sobre os estudos de desenvolvimento. Não apenas
a desigualdade, tal fator teria grande sua conceituação metodológica de diversos
interação com as instituições dos países, que indicadores, como o PIB, das Contas Nacionais
pode impedir ou potencializar as pressões foram determinantes para toda formação
altistas e baixistas sobre a desigualdade. O dos estudos macroeconômicos posteriores.
economista ainda pontua que, para os países Além disso, suas estimativas históricas dos
em desenvolvimento, os dados são muito agregados econômicos permitiu inéditas
mais limitados e, quando existe, mostram uma análises sobre dados de longo prazo do
relação entre desigualdade e crescimento desenvolvimento, levando a conceituação,
muito mais inconclusiva. por parte do próprio economista, de diversos
conceitos sobre ciclos e relações entre
Já Milanovic (2016) propõe uma ideia de diferentes variáveis. Não por outra razão que,
extensão da Curva de Kuznets, no que ele quase 50 anos depois, seus argumentos ainda
cunhou como “Ondas de Kuznets”. Segundo são discutidos em diversos debates sobre o
o autor, não haveria apenas um movimento desenvolvimento sócio econômico.
de alta e baixa da desigualdade, mas de fato

Daniel Duque
Mestre em ciências econômicas pela UFRJ, cursando PhD em economia na Norwegian School of
Economics (NWE), membro de equipe de pesquisa na FGV, Assessor técnico CLP e Pesquisador
associado Livres.

26 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL

Notas:
KUZNETS, Simon. Secular Movements in Production and Prices. Houghton-Mifflin, Boston and New York,
1930

KUZNETS, Simon. “Long-Term Changes in the National Income of the United States of America since 1870”,
in Income and Wealth of the United States: Trends and Structure. International Association for Research in
Income and Wealth, Income and Wealth, Series II, Bowes & Bowes, Cambridge (England), 1951

KUZNETS, Simon. Modern Economic Growth: Rate, Structure, and Spread, Yale University Press, New Haven,
1966

MILANOVIC, Branko. Global inequality: A new approach for the age of globalization. Harvard University
Press, 2016

PIKETTY, Thomas. “The Kuznets curve: Yesterday and tomorrow“, in Understanding poverty, p. 63-72, 2005.

Links Recomendados

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1971/press-release/

https://www.britannica.com/biography/Simon-Kuznets

https://www.econlib.org/library/Enc/bios/Kuznets.html

http://piketty.pse.ens.fr/files/oldfichiers051211/public/Piketty2005c.pdf

27 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1972
John R. Hicks
por João Pedro F. G.

E
m 1972, John R. Hicks recebeu o prêmio
Nobel de Economia por suas contribuições
para a teoria do equilíbrio geral e do bem-
estar [1]. Hicks talvez não seja um nome tão
reconhecido dentre os diversos laureados, contudo,
suas contribuições permeiam diversas partes da
economia moderna. Neste texto, convido-te a
conhecer um pouco sobre o trabalho e a vida desse
fascinante economista.

John R. Hicks nasceu em 1904, na cidade de Warwick,


no Reino Unido, teve uma trajetória acadêmica ilustre,
passando por instituições como Cambridge, Oxford e
a London School of Economics(LSE).

Durante seu período como professor-assistente na LSE, Hicks realizou contribuições substanciais, como
a invenção da elasticidade de substituição e a identificação do espectro de liquidez. Posteriormente,
em seu período em Cambridge, ele finalizou o livro “Valor e Capital” [2], no qual trouxe diversas
inovações para a microeconomia, principalmente para a teoria da demanda do consumidor e do
equilíbrio geral. Neste mesmo período, Hicks publicou duas resenhas da Teoria Geral de Keynes.
Mais contribuições para a teoria keynesiana ocorreriam nos anos seguintes, quando ele passou por
instituições como Oxford e Manchester University.

28 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

Tudo o que foi comentado até agora consiste na trajetória do economista britânico até 1956
e constitui as contribuições de um Hicks mais jovem. Nos anos posteriores, ele teve uma
grande mudança de ênfase no seu pensamento econômico, tanto que, em 1977, alguns anos
após receber seu Nobel, Hicks disse o seguinte: “Tive sentimentos mistos ao ser honrado por
trabalhos os quais eu me considero superado.”. As contribuições do Hicks mais velho foram
em diversas áreas, desde causalidade às teorias do crescimento econômico [3][4][5][6].

Ao longo deste texto, os trabalhos de Hicks sobre o equilíbrio geral e sobre Keynes, em
especial, a criação do modelo IS-LM serão explorados em maior detalhe.

Uma das primeiras que surgem quando pensamos em economia é o gráfico de oferta e
demanda. Esse modelo, em um primeiro contato, não nos diz muito além do fato de que os
preços são determinados no ponto de interseção das curvas, com a demanda se igualando
à oferta. Para além disso, em uma análise mais cuidadosa, pode-se dizer que as curvas
representam uma posição estacionária de um processo dinâmico, ou seja, os ajustes dos
preços e quantidades do mercado. O que foi descrito até agora é chamado de equilíbrio
parcial, isto é, o equilíbrio em um único mercado ceteris paribus (tudo o mais constante).

Entendido o que é equilíbrio parcial, é possível


partir para o conceito de equilíbrio geral.
Como o próprio o nome indica, esse modelo
irá tratar da economia como um todo, ou seja,
analisa-se a interação entre os mercados, não
apenas um único mercado artificialmente
isolado [7]. Todavia, esse conceito levanta
alguns questionamentos, dentre eles, há um
sobre estabilidade: sob quais circunstâncias
uma economia competitiva converge para
o equilíbrio e, caso isso ocorra, quão rápido
ocorre [8]?

Uma das grandes contribuições de Hicks


para a teoria do equilíbrio geral se relaciona
fortemente à pergunta acima. Utilizando-se
de análise estática comparativa[1], ele definiu
Gráfico de Oferta e Demanda. Em Azul, a curva de oferta, em vermelho, dois conceitos de estabilidade: a perfeita e a
a de demanda. No eixo X, a quantidade e no Eixo Y, o preço. Referência:
Gráfico elaborado pelo autor. imperfeita.

A estabilidade imperfeita ocorre quando há estabilidade em um dado mercado apenas se


todos os outros mercados estão em equilíbrio, ou seja, o equilíbrio é restaurado apenas depois
que os ajustes dos preços em todos outros mercados ocorrem. Já a estabilidade perfeita
ocorre quando um movimento para fora do equilíbrio de mercado gera uma força que tende
a restaurar o equilíbrio, não importando o estado de outros mercados. Além disso, uma das
condições para essas estabilidades seria um cenário no qual um aumento nos preços fizesse
a oferta maior que a demanda, isto é, a curva de excesso de demanda teria de ter inclinação
negativa [1].

29 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

Nas linhas da formalização das condições de estabilidade equilíbrio geral, Hicks também realizou
a formalização de aspectos de uma interpretação da Teoria Geral de Keynes. Isso ocorreu por
meio da criação do modelo IS-LM, um dos mais utilizados quando se estuda a macroeconomia
do curto prazo. Ele consiste em duas curvas: a curva IS, que expressa o equilíbrio no mercado
de bens, e a LM, que expressa o equilíbrio nos mercados financeiros.

A IS vem de duas funções: uma que determina o valor da taxa de investimento(I) para qualquer
valor de taxa de juros (r). Já a outra determina qual o valor de renda do país (y) será necessário
para igualar a taxa de investimento a taxa de poupança (S).

A curva LM vem da função do mercado de dinheiro, que determina quais os efeitos da renda
e da taxa de juros sobre a quantidade de dinheiro disponível. A curva LM tem uma inclinação
positiva, já que um aumento na renda do país tende a aumentar a demanda por dinheiro (como
houve crescimento, há maior consumo), já um aumento na taxa de juros tende a diminuir essa
demanda, visto que os juros representam, essencialmente, o valor do dinheiro.

Assim, tendo-se compreendido as duas curvas, pode-se desenhar o seguinte gráfico:

No ponto de interseção dessas curvas,


determina-se, simultaneamente, o
nível de equilíbrio da renda e da taxa
de juros. Assim, mostrando um grau
de interdependência entre essas duas
variáveis macroeconômicas [1].

Esse modelo pode ser utilizado


para descrever como os níveis de
equilíbrio supracitados se alteram em
face a mudanças nas preferências de
mercado. Sendo assim, o IS-LM se
mostra uma ferramenta extremamente
interessante para se analisar fenômenos
macroeconômicos, como crises [10][11].

Essas não foram as únicas contribuições


do economista britânico, como já foi
Gráfico IS-LM. No eixo Y, temos a renda do país e no eixo I temos a taxa de juros. comentado anteriormente. Contudo,
Referência: IS-LM – Policonomics
elas mostram o brilhantismo e o rigor
matemático de Hicks ao lidar com
problemas econômicos, características
que permearam toda a sua obra.

João Pedro F. G.
Estudante de ensino médio técnico integrado com Desenvolvimento de Sistemas no COLTEC-
UFMG. Alumnus da Olimpíada Brasileira de Economia.

30 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

Notas:
[1] Press Release – 1972 Nobel

[2] Regis Mateus and Tácito Farias and Fábio Moura. Valor e capital: uma revisita à Hicks.

[3] J. R. Shackleton and Gareth Locksley. Twelve Contemporary Economists. London: The Macmillan Press.
1983.

[4] John Hicks – Biographical

[5] Prize Lecture – John Hicks

[6] Econlib – John Hicks

[7] Ross M. Starr. General Equilibrium Theory An Introduction. Cambridge: Cambridge University Press. 2011

[8] Franklin M. Fisher. The Stability of General Equilibrium: What do We Know and Why is it important?

[9] Timothy J. Kehoe. Comparative Statics.

[10] IS-LM Model

[11] Olivier Blanchard. Macroeconomia. São Paulo: Pearson Education do Brasil. 2017.

31 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1972
Kenneth Arrow
por Mauro Rodrigues

K
enneth Arrow (1921-2017) foi um dos
principais nomes da Economia no século
20. Suas contribuições, principalmente para
a área de microeconomia, são gigantescas e
revolucionaram a profissão.

Se eu fosse falar de todas as contribuições de


Kenneth Arrow para a Economia, teria que escrever
um tratado. Por isso resolvi focar no principal:
equilíbrio geral. Antes disso, falarei um pouco de
equilíbrio parcial, que nada mais é que a análise do
comportamento das forças de oferta e demanda em
um mercado, quando ele é tomado de forma isolada.

Pense no mercado de bananas. Aqui há dois lados: os produtores (o lado da oferta), que querem
vender bananas, e os consumidores (o lado da demanda), que querem comprar bananas. Produtores
gostariam de preços elevados, pois assim poderiam lucrar mais; só que consumidores querem pagar
o preço mais baixo possível. Se o preço for demasiadamente alto, muita gente gostaria de produzir
bananas, mas pouca gente gostaria de comprar. Se o preço for baixo demais, pouca gente quer
produzir, mas muita gente quer comprar.

32 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

O equilíbrio é a situação em que as decisões de consumidores do quanto comprar são coerentes


com as decisões de produtores do quanto vender. O preço não seria nem muito alto, evitando
que houvesse muita produção para poucas vendas, e nem muito baixo, evitando a situação de
muita demanda para pouco produto disponível.

Com base nisso, podemos entender como o mercado se ajusta a uma mudança no ambiente.
Suponha que se descobriu que a banana tem propriedades medicinais únicas, que melhoram
a vida das pessoas. Nesse mundo, os consumidores querem mais bananas. Para adequar a
produção a essa nova demanda, os preços têm que subir, configurando um novo equilíbrio. Como
o próprio nome diz, isso faz com que o mercado se reequilibre: preços mais altos incentivam a
produção ao mesmo tempo em que seguram um pouco o ímpeto do consumo, reduzindo, assim,
a diferença entre a oferta e a demanda induzida pela mudança.

É difícil, entretanto, pensar em um mercado em isolamento. Em diversas situações, por uma


conveniência técnica e para facilitar a explicação, utilizamos argumentos de equilíbrio parcial,
em que estão em ação apenas as forças de oferta e demanda daquele produto ou serviço em
particular. Mas, em outras ocasiões, essa aproximação não é tão boa assim. Pense em um país
em que bananas respondem por 70% das exportações. E o mundo inteiro agora quer comprar
mais banana por causa de suas propriedades medicinais recém-descobertas. Uma mudança
como essa incentivará a produção de bananas, o que demandará mais terra para a plantação, e
mais trabalhadores para o cultivo, processamento, transporte etc. Como o setor é relevante na
economia do país, é muito provável que isso afete os mercados de trabalho e terra. Os salários
devem aumentar, e o preço da terra, subir.

Isso puxa para cima os custos de outras atividades no país. Por exemplo: o preço maior da terra
deve onerar a produção de feijão, arroz, carne etc. A mão de obra mais cara afeta o setor de
serviços, o que se traduz em preços mais altos. O custo de vida deve subir. As pessoas, com mais
dinheiro nas mãos, desejarão mais espaço para suas famílias, o que deve levar a uma escalada
nos preços dos imóveis. E assim por diante.

O que se percebe no raciocínio acima é que os mais diversos mercados de uma economia se
influenciam mutuamente. Uma coisa que aconteceu no mercado de bananas acaba afetando
outros mercados. E podemos esperar efeitos secundários no próprio mercado de bananas. Note
que aqui estamos fazendo uma análise de equilíbrio geral, na medida em que envolve a interação
de diversos mercados na economia.

Não basta mais um único preço para equilibrar o mercado de bananas. Temos agora de determinar
diversos preços, para os mais variados insumos e produtos, que fazem com que o conjunto de
mercados se equilibre simultaneamente.

Esse problema foi colocado por Léon Walras, ainda no século 19. Só que ninguém conseguia
provar que de fato existia um conjunto de preços que fosse capaz de equilibrar todos os mercados
de uma economia. Demorou mais de 70 anos, a partir das contribuições de Walras, para alguém
conseguir demonstrar tal resultado. E essa pessoa foi Kenneth Arrow.

Na mesma época, o economista francês Gerard Debreu, outro gigante da profissão, também
conseguiu completar a prova. Debreu recebeu o prêmio Nobel de 1983.

33 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

O Primeiro Teorema do Bem- Estar

O
Outro desdobramento fundamental sapatos. Sapateiros ficariam com poucos pães,
da prova da existência de equilíbrio e padeiros com poucos sapatos, o que é ruim
geral foi o estabelecimento dos para todo mundo. Se baixarmos um pouco
teoremas do bem-estar. Em esse preço, ambos podem ganhar: sapateiros
particular, o Primeiro Teorema do conseguem mais pães em troca de sapatos,
Bem-Estar aborda a questão da eficiência do e padeiros podem comprar mais sapatos
equilíbrio de mercado. O conceito de eficiência (raciocínio análogo vale se o preço do sapato
é tomado emprestado do filósofo italiano relativamente ao do pão fosse mais baixo que o
Vilfredo Pareto. Especificamente, precisamos preço de equilíbrio).
responder à seguinte pergunta: no equilíbrio de
mercado, é possível melhorar a vida de alguém Esses ganhos se exaurem justamente no preço
sem prejudicar outras pessoas? de equilíbrio. Nesse ponto, as quantidades
desejadas por compradores e vendidas por
Se a resposta for “sim”, quer dizer que os produtores são exatamente iguais para ambos
mecanismos de mercado não conseguem gerar os bens, e não há mais trocas que poderiam
o máximo de bem-estar na sociedade. Haveria, beneficiar ambos. Em outras palavras, o
neste caso, espaço para que a intervenção equilíbrio de mercado é eficiente: não é mais
governamental complemente a ação dos possível melhorar a vida de alguém sem piorar
mercados. Mas o Primeiro Teorema do Bem- a de outra pessoa.
Estar nos diz que a resposta é não, ou seja, a
solução de mercado é eficiente no sentido de Os resultados encontrados por Arrow se
Pareto. Não há muito espaço para intervenção referem a uma economia caracterizada por
governamental com vistas a aumentar a concorrência perfeita. Ou seja, ninguém
eficiência dessa economia. tem poder de mercado: não há consumidor
gigantesco capaz de sozinho influenciar os
Para entender isso, pense em um exemplo bem preços, e também não nenhuma firma grande
simples: um mundo em que há apenas padeiros capaz de individualmente mexer nesses preços.
e sapateiros. E essas pessoas querem consumir Além disso, não há externalidades, ou seja,
tanto pães quanto sapatos, o que significa que a decisão de consumir ou produzir de um
sapateiros venderão sapatos a padeiros, que indivíduo não impacta outras pessoas que não
venderão pães aos primeiros. O equilíbrio geral têm nada a ver com isso.
determinará preços de modo a equilibrar os
dois mercados – de sapatos e pães. Você pode estar pensando: os resultados
de Arrow valem para uma situação bastante
Esse equilíbrio vai ser tal que a quantidade de irrealista. No mundo real há empresas com
pães que padeiros querem vender seja igual à considerável poder de monopólio, capazes
quantidade de pães que os sapateiros querem de influenciar significativamente o preço em
comprar; e a quantidade de sapatos que os seu mercado. Adicionalmente, externalidades
sapateiros desejam vender é igual à quantidade abundam por aí: quando uma pessoa acende um
de sapatos que os padeiros querem comprar. cigarro, afeta indiretamente outros indivíduos
Se o preço do sapato (relativamente ao do que não estão interessados em fumar; quando
pão) fosse mais alto do que o de equilíbrio, uma empresa joga detritos em um rio, mexe na
então sapateiros desejariam vender muito vida de pessoas que nem sequer conhecem seu
sapato em troca de pães, porém padeiros produto.
não estarão dispostos a pagar tão caro por

34 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

Para que serve tudo isso então?

N a verdade, o equilíbrio geral descrito por Arrow nos fornece uma situação ideal. A partir
dela podemos entender como uma falha de mercado (como o poder de monopólio ou
uma externalidade) nos afasta de tal situação. Isso nos dá uma referência e ilumina a
discussão sobre políticas públicas, indicando-nos como a intervenção governamental
(e que tipo de intervenção) pode ajudar a nos aproximar desse mundo ideal.

Arrow tem outras contribuições seminais em economia do bem-estar, economia política,


economia da informação e até crescimento econômico. Por seu trabalho em equilíbrio geral,
recebeu o prêmio Nobel de Economia em 1972, quando tinha apenas 51 anos. A premiação
daquele ano foi dividida com o economista britânico John Hicks.

Mauro Rodrigues
Professor Titular, Departamento de Economia, FEA/USP. Economista do porque.com.br /
mrodrigues@usp.brfessor Titular, Departamento de Economia, FEA/USP. Economista do porque.
com.br / mrodrigues@usp.br

35 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1973
Wassily Leontief
por Débora Freire

E
m 1973, o russo Wassily Leontief recebeu o prêmio Nobel de
economia. Na nominação ao prêmio, ao PhD em economia e então
professor de Harvard foi atribuído o feito de “desenvolvimento
do método de Insumo-Produto e de sua aplicação a importantes
problemas econômicos”. Ainda segundo a nominação, “o professor
Leontief é o único e incontestado criador da técnica de Insumo-Produto.
Essa importante inovação deu às ciências econômicas um método
empiricamente útil para destacar a interdependência geral no sistema de
produção de uma sociedade. Em particular, o método fornece ferramentas
para uma análise sistemática das transações interindustriais em uma
economia”.

A pesquisa e o desenvolvimento do método de Insumo-Produto (IP), nas

palavras de Leontief em sua biografia, publicada no advento do recebimento do Nobel, partiram da


insatisfação do pesquisador em relação à incapacidade da chamada análise parcial em fornecer uma
base suficientemente ampla para a compreensão fundamental da estrutura e operação dos sistemas
econômicos. Assim, Leontief se propôs, em 1931, a formular uma teoria geral do equilíbrio capaz de
implementação empírica.

A análise de IP trata-se da junção de uma ferramenta (a matriz) e um modelo (o modelo de IP ou


Leontief), inspirados na obra de fisiocratas como Willian Petty, Richard Cantillon e Francois Quesnay
(com a Le Tableau économique) e nos fundamentos teóricos da análise de equilíbrio geral de Walras.
36 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

Leontief propôs a organização das informações tecnológicos constantes, inexistência de


econômicas na forma de matrizes balanceadas ilusão monetária, retornos constantes à
e formulou as concepções de um modelo escala e preços relativos fixos e constantes,
teórico baseado no fluxo circular da renda e ao o que implica oferta infinitamente elástica
problema da sua distribuição entre as classes
de fatores (Miller e Blair, 2009). Além disso,
envolvidas dentro do processo produtivo. A
pode ser considerado um modelo do tipo
partir do seu desenvolvimento, a análise de IP
ganhou espaço como importante ferramenta demand-led, assumindo-se que a demanda
para o entendimento das questões sistêmicas final é exógena e gera a produção e os
na economia e o planejamento de políticas rendimentos necessários para atendê-la.
públicas.
Nas palavras de Leontief, “A análise de
A matriz de insumo-produto (MIP) pode Insumo-Produto é uma extensão prática da
ser entendida como uma fotografia da teoria clássica de interdependência geral
estrutura econômica em um determinado que vê a economia total de uma região, um
momento do tempo, na qual podem ser país ou mesmo do mundo todo como um
observados os fluxos entre diferentes sistema simples, e parte para descrever e
setores produtivos e desses com a para interpretar a sua operação em termos
demanda final e o valor adicionado. As de relações estruturais básicas observáveis”
relações demonstradas na MIP são apenas (Leontief, 1987, p. 860). Essa preocupações
contábeis, formuladas para demonstrar o aparecem em seu artigo de 1928, “Die
equilíbrio (ex-post) entre oferta e demanda Wirstschaft Als Kreislauf” (Leontief, 1928),
em uma economia. Para uma análise a baseado no seu trabalho de doutorado
respeito do grau de encadeamento, do e que foi parcialmente traduzido para o
grau de complementariedade produtiva, inglês em Leontief (1991), “The Economy as
bem como dos impactos sistêmicos de a Circular Flow”, assim como no seu célebre
uma determinada política pública é preciso artigo de 1936, “Quantitative Input-Output
aplicar um modelo teórico sobre os fluxos Relations in the Economic System of the
da MIP, o qual é denominado modelo de United States” (Leontief, 1936).
insumo-produto, também conhecido como
modelo de Leontief. O trabalho reportado em Leontief (1936),
que pode ser considerado o trabalho
O modelo de IP possibilita acessar o impacto seminal do professor e pesquisador e o que
de variações na demanda final de um o levou ao Nobel, foi desenvolvido a partir
setor específico no valor da produção dos de um financiamento recebido em 1932 para
setores da economia, bem como no valor da a construção da primeira matriz de insumo-
produção total da economia. Isto é, dadas as produto para a economia norte americana
interdependências setoriais, uma alteração (para os anos de 1919 e 1929). Segundo
na demanda final de um determinado setor Leontief: “O estudo apresentado […] pode
impacta a produção do próprio setor e dos ser melhor definido como uma tentativa
demais setores de forma encadeada, de de construir, com o material estatístico
modo que um novo vetor do valor bruto da disponível, um Tableau Économique dos
produção para os setores da economia é Estados Unidos para 1919 e 1929” Leontief
gerado (LEONTIEF, 1986). Trata-se de um (1936, p.105). Vale realçar que a construção
modelo linear com as seguintes hipóteses: de matrizes IP e a aplicação do modelo
equilíbrio geral da economia com um de Leontief envolve uma ampla gama de
determinado nível de preços, coeficientes informações e manipulações matemáticas
37 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

(como inverter uma ampla matriz) e que, naquele tempo, não havia computadores.
Então, podemos dizer, sem desmerecer a sofisticação e a utilidade do método criado,
que o grande esforço braçal na organização dessas informações em matrizes e na
aplicação do modelo já valeria à Leontief um prêmio. O próprio Leontief reporta
em sua biografia que começou a usar uma máquina de computação mecânica em
larga escala em 1935 e o Mark I (o primeiro computador eletrônico em larga escala)
em 1943.

Leontief também se destaca por ter 1925 na Universidade de Leningrado,


trabalhado no desenvolvimento de se formando em economia. Fez o seu
programação linear para solucionar doutorado na Universidade de Berlim
e estudar questões econômicas e sob a supervisão de von Bortkiewicz. De
também é conhecido pelo “Paradoxo 1927 a 1930 trabalhou na Universidade
de Leontief”, que contrasta de de Kiel. Em 1928/1929 trabalhou na
forma empírica a teoria de que as China como consultor do Ministério das
exportações de um país refletem seu Estradas de Ferro. Em 1931 se mudou
fator mais abundante – trabalho ou para os EUA, indo trabalhar no National
capital, analisando as informações para Bureau of Economic Research, Nova
os Estados Unidos. Como Leontief Iorque. Em 1932, se tornou professor
apontou, embora os EUA fosse mais no departamento de economia da
abundante em capital do que a maioria Universidade de Harvard, EUA, onde
das outras nações, a maior parte de começa a construção das primeiras
suas exportações era de bens intensivos matrizes de insumo-produto para a
em trabalho; por outro lado, a maioria economia americana. Estas matrizes,
das suas importações eram de bens juntamente com o modelo matemático,
intensivos em capital. são publicadas em 1936 e 1937.
Leontief foi professor na Universidade
Deixando um pouco de lado os aspectos de Harvard até 1975, tendo recebido o
metodológicos e econômicos, merece prêmio Nobel de economia em 1973.
atenção alguns aspectos pessoais No período de 1975 a 1999 foi professor
da vida do nosso Nobel: Wassily no Departamento de economia da
Leontief nasceu em 05/08/1906 em New York University, vindo a falecer em
São Petersburgo, estudou de 1921 a 05/02/1999 (GUILHOTO, 2011).
38 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

Fato que também deve ser comentado é que multiplicadores e a abordagem de Campo de
Leontief foi orientador de mais quatro prêmios Influencia (Sonis e Hewings, 1991). Esses índices
Nobel: Paul Samuelson (1970), Robert Solow são importantes na identificação de setores
(1987), Vernon L. Smith (2002) e Thomas chave para o crescimento das economias,
Schelling (2005). Assim, podemos dizer que fornecendo subsídios para a formulação de
Leontief, além de um pesquisador digno de políticas públicas no âmbito setorial e também
Nobel, também era um excelente orientador. Ou, regional.
melhor não, já que pela lei geral da estatística e
que rege a Ciência Econômica, correlação não Vale a nota que a aplicação de Hirschman (1958)
é causalidade. da análise de IP para fundamentar a teoria do
crescimento desequilibrado disseminou esta
Voltando aos méritos de Leontief que o levaram ferramenta como instrumento de identificação
a ser laureado com o Nobel, conforme Baumol de setores propulsores do crescimento
(2000), o trabalho de Leontief “é na verdade econômico e, portanto, para o planejamento
um salto para frente, e não simplesmente uma de políticas públicas. Este autor vislumbra
mera extensão daqueles que são chamados na intervenção estatal via investimentos
de seus predecessores. A contribuição de coordenados uma estratégia de superação
Leontief é revolucionária, não incremental. Ela do subdesenvolvimento, visualizando as
transforma abstrações de aplicação duvidosa complementaridades interindustriais como
num instrumento analítico operacional e elemento motivador do crescimento. As
amplamente utilizável” (BAUMOL (2000, p. contribuições de Leontief, e, a partir do seu
142). instrumental, de Hirschman, foram e ainda são
largamente utilizadas para o planejamento em
Entre os economistas contemporâneos de economias em desenvolvimento.
Leontief que se preocuparam com a teoria
da produção, acumulação e distribuição A análise de IP tem sido aplicada a uma
(fluxo circular), e que de alguma forma têm o ampla gama de temas e para o planejamento
seu trabalho relacionado com o de Leontief, econômico em vários aspectos, como análises
podemos citar John Richard Hicks (1904-1989), de impacto de pacotes de investimentos
Piero Sraffa (1898-1983), John von Neumann (público e privado), gastos públicos, políticas
(1903-1957), e Nicolas Georgescu-Roegen de transferência de renda, modificações
(1906-1994). Entre outros economistas de tributárias, meio ambiente e recursos naturais e,
importância no século XX e que tiveram o seu mais recentemente, em estudos sobre emissões
trabalho relacionado com o de Leontief: Alfred de gases de efeito estufa (GEE). Outra aplicação
Kähler (1900-1981), Paul Anthony Samuelson recorrente é o uso das matrizes IP como base
(1915-2009), John Richard Nicholas Stone de dados para as matrizes de contabilidade
(1913-1991) e Luigi L. Pasinetti (1930-) (LAGER, social e para os modelos de equilíbrio geral
2000). computável.

A análise de IP vem sendo extremamente Podemos dizer que a importância da obra de


útil para quantificar os impactos de políticas Leontief para a Ciência Econômica e que faz
públicas e mudanças no cenário econômico, jus à láurea que recebeu se confirma pelo fato
especialmente em um contexto ex-ante, isto de que, ainda hoje, passados 84 anos do seu
é, de planejamento. Além disso, é a base para primeiro trabalho publicado com o instrumental,
a mensuração de uma série de indicadores o método e a teoria ainda sejam extensamente
econômicos estruturais, também muito úteis utilizados para análises de planejamento
para o planejamento de políticas públicas. São econômico. Sem sombra de dúvidas, Leontief
exemplos os Índices de Rasmussen-Hirschman cumpre com os requisitos para um prêmio
(Rasmussen, 1956; Hirschman, 1958) os Índices Nobel: o de contribuição perene de sua obra.
Puros de Ligação (Sonis et al., 1995), os

39 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

No banquete da premiação do Nobel, em 1973, Leontief finalizou seu discurso:

“ Dizem-nos que os espíritos malignos


ameaçam diminuir as luzes, mas tenha
certeza de que não terão sucesso. En-
quanto estava vindo do Grand Hotel
para cá, olhei para cima e vi as es-
trelas brilhantes; elas estão extraor-
dinariamente brilhantes hoje à noite”.

Que a Ciência Econômica seja agraciada com novas estrelas brilhantes que lancem
luz aos caminhos do planejamento econômico, instrumento tão necessário nesses
tempos sombrios, assim como foi Wassily Leontief.

Débora Freire
Professora e Pesquisadora do Cedeplar/UFMG.

40 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

Notas:
Baumol, W.J. (2000). “Leontief’s Great Leap Forward: Beyond Quesnay, Marx and von Bortkiewicz”.
Economic Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 141-152.

Guilhoto, J. J. M. (2011). Análise de insumo-produto: teoria e fundamentos.

Hirschman, A. O. (1958). The strategy of economic development (No. 04; HD82, H5.).

Lager, C. (2000). “Production, Prices and Time: a Comparison of Some Alternative Concepts”. Economic
Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 231-253.

Leontief, W. (1928). “Die Wirstschaft als Kreislauf”. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozilpolitik. 60, pp.
577-623.

Leontief, W. (1936). “Quantitative Input-Output Relations in the Economic Systems of the United States”.
Review of Economics and Statistics, 18, pp. 105-25.

Leontief, W. (1986). Input-Output Economics. Segunda Edição. New York: Oxford University Press.

Leontief, W. (1987). “Input-Output Analysis”. em Eatwell, J., M. Milgate, e P. Newman (eds. ). The New Palgrave.
A Dictionary of Economics, vol. 2., pp.860-64.

Leontief, W. (1991). “The Economy as a Circular Flow”. Structural Change and Economic Dynamics, 2, pp.
177-212.

Miller, R. E., & Blair, P. D. (2009). Input-output analysis: foundations and extensions. Cambridge university
press.

Rasmussen, P. N. (1956). Studies in inter-sectoral relations (Vol. 15). E. Harck.

Sonis, M., & Hewings, G. J. (1992). Coefficient change in input–output models: theory and applications.
Economic Systems Research, 4(2), 143-158.

Sonis, M., Guilhoto, J., Hewings, G. J., & Martins, E. (1995). Linkages, key sectors and structural change: some
new perspectives. The Developing Economies, 32(3), 233-270.

41 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1974
Gunnar Myrdal
por Pedro Amaral

O economista sueco Gunnar Myrdal


dividiu em 1974 o Prêmio Nobel de
Economia com Friedrich von Hayek.
A contribuição de seu trabalho que o
levou à premiação foi, conforme anúncio oficial, sua
pesquisa sobre as inter-relações entre processos
econômicos, sociais e políticos. É interessante
ressaltar que a própria vida de Myrdal representa
uma intensa inter-relação entre a economia, as
questões sociais, como problemas raciais e o
subdesenvolvimento, e a política.

Seu posto acadêmico mais longevo foi de professor de economia na Stockholms Högskola. Durante
esse período, Mydal foi também membro eleito do parlamento sueco pelo Partido Social Democrata
e posteriormente ocupou o cargo de Ministro do Comércio. Em 1938, Myrdal coordenou um
estudo sobre a questão racial nos Estados Unidos que resultou em seu trabalho mais conhecido
internacionalmente: ‘An American Dilemma: the Negro problem and modern democracy’. Trata-se
de trabalho fortemente multidisciplinar, examinando fatores econômicos, políticos, institucionais,
demográficos, históricos, educacionais e de saúde, e que teve grande impacto social. Foi inclusive
citado no famoso caso Brown vs. Board of Education na Suprema Corte dos Estados Unidos, caso
esse que culminou com a declaração de que segregação racial em instituições públicas naquele país
era inconstitucional [1]. Myrdal atuou ainda como Secretário Executivo da Comissão Econômica para a
Europa da Organização das Nações Unidas (ONU) e estudou profundamente o subdesenvolvimento,
principalmente na Ásia, e suas causas.

42 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

Os anos iniciais da carreira acadêmica de A teoria sobre regiões subdesenvolvidas


Myrdal são reconhecidos principalmente por de Myrdal nasce de sua inquietação com a
uma crítica à tendência da teoria econômica constatação da existência de um grande número
convencional de incorporar julgamentos de países pobres no mundo em relação a um
implícitos de valor em sua estrutura conceitual. pequeno número de países ricos. Enquanto a
Myrdal questionou enfaticamente a mistura feita teoria econômica preconizava que as forças de
pelos economistas tradicionais, ou mainstream, mercado, estimuladas pelos retornos desiguais,
entre aspectos positivos, ou seja, a realidade levariam a economia mundial ao equilíbrio,
como ela é, com aspectos normativos, ou Myrdal argumentava que eram essas mesmas
como eles achavam que deveria ser. Em suas forças de mercado as responsáveis por exercer
palavras, “um estudo da realidade empírica efeitos regressivos que tornavam os países ricos
não permite uma compreensão do summum mais ricos, e os pobres mais pobres. Ou seja, as
bonum, ou seja, um julgamento de valor social desigualdades econômicas teriam tendência a
objetivo verdadeiro” [2]. Essa crítica englobou aumentar, não a reduzir.
conceitos centrais da economia como equilíbrio,
ponto ótimo e maximização, fazendo com que Aproveitando de seus relevantes estudos sobre
a obra de Myrdal fosse rechaçada à época a questão racial americana, Myrdal exemplifica
como um trabalho que virava suas costas à essa causação cumulativa com o problema
economia [3]. Cabe ainda ressaltar a ênfase de da pobreza concentrada na população negra.
Myrdal sobre a necessidade de se considerar os A realidade de pobreza e piores condições
aspectos distributivos do sistema tributário e de vida dessa parcela da população gera
seus impactos sobre o sistema de preços. Para preconceito por parte da parcela branca, o
ele, as implicações distributivas da tributação que limita o acesso dos negros ao mercado de
deveriam vir em primeiro plano. As implicações trabalho e, consequentemente, reforça ainda
produtivas seriam secundárias. Em suas mais sua condição de pobreza, fechando um
palavras: “a tributação é um instrumento muito ciclo vicioso cumulativo de mais pobreza e
flexível e eficaz, mas também um perigoso mais preconceito.
instrumento de reforma social” [4].
Essa mesma causação cumulativa pode
Myrdal é ainda reconhecido por sua enfática explicar ainda a diferença nos níveis de
defesa do papel central do Estado e dos gastos desenvolvimento entre países. Independente
públicos em períodos de crise econômica. do motivo pelo qual um país tenha atingido
Todavia, sua principal obra sobre o tema, um nível de desenvolvimento superior aos
Monetary Equilibrium, apesar de ter sido demais, esse nível superior permite à economia
publicada em 1932, antes da famosa Teoria desenvolvida potencializar seus ganhos. Um
Geral de Keynes, de 1936, só foi traduzida nível maior de produção permite maiores
para o inglês em 1939, custando ao autor o ganhos por economias de escala, ou seja, a
protagonismo de muitas das ideias comuns possibilidade de reduzir o custo médio ao se
entre ambos autores. aumentar o nível de produção. Esse aumento
de produção permite ainda ganhos externos às
Uma das obras mais estudadas de Myrdal nos firmas, como maior troca de informações entre
cursos de economia do Brasil é ‘Economic as empresas, melhores condições de compras
Theory and Underdeveloped Regions’, de insumos, infraestrutura para escoamento da
publicada em 1957, traduzida como ‘Teoria produção, dentre outras vantagens, ampliando
econômica e regiões subdesenvolvidas’ [5] a produtividade desses centros.
em 1972. Nela, Myrdal se propõe a apresentar
“uma visão da teoria geral do desenvolvimento
e subdesenvolvimento”, baseada em seu
conceito de “causação circular de um processo
acumulativo”, ou causação cumulativa.

43 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

A disparidade no nível de desenvolvimento é ainda reforçada por migração de mão-de-


obra, capital e comércio, uma vez que os centros mais desenvolvidos apresentam melhores
oportunidade de emprego, renda e lucros, e a concentração da produção tende a gerar um
realinhamento do comércio. Desse modo, a disparidade no nível de desenvolvimento entre os
países gera efeitos regressivos que explicam a ampliação do hiato entre os países.

Myrdal apresenta ainda o conceito de efeitos propulsores, que são responsáveis por reduzirem
o impacto dos efeitos regressivos, por meio de maior disponibilidade de infraestrutura de
transportes e comunicações também para a regiões atrasadas, comunicações, etc. Mas, nas
palavras do autor, “em nenhuma circunstância os efeitos propulsores permitem estabelecer os
pressupostos para uma análise do equilíbrio” [7]. Tais efeitos propulsores ou a própria mitigação
dos efeitos regressivos só seria possível pela atuação de instituições fortes e pelo papel do
Estado. As instituições representam, em sua análise, todos os fatores não econômicos, como
estrutura política e social, instituições e atitudes, enfim, todas as relações interpessoais. Já o
Estado e as políticas públicas possuem papel anticíclico central para que os efeitos regressivos
sejam minimizados e os propulsores potencializados. Em suas palavras:

“ e as forças do mercado não fossem controladas por uma política intervencion-


ista, a produção industrial, o comércio, os bancos, os seguros, a navegação e,
de fato, quase todas as atividades econômicas que, na economia em desen-
volvimento, tendem a proporcionar remuneração bem maior do que a média,
e, além disso, outras atividades como a ciência, arte, a licenciatura, a educação
e a cultura superior se concentrariam em determinadas localidades e regiões,
deixando o resto do país de certo modo estagnado” [8].

44 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

O papel central que Myrdal atribui ao Estado e sonolento quando me ligaram de manhã cedo
as fortes críticas que faz à teoria neoclássica, nos EUA [para comunicar da premiação],
ao liberalismo econômico e aos pressupostos eu a teria recusado” [10]. Em seu memorial,
ideológicos escondidos em teorias econômicas a própria filha de Myrdal reconheceu que a
ditas apolíticas tornam tanto quanto irônica a divisão do Nobel entre ambos teria sido “um
divisão de seu Prêmio Nobel com o economista banho de água fria”. “Muitos de seus colegas
austríaco Hayek, um dos principais expoentes até supuseram que a escolha refletisse uma
do liberalismo e grande crítico das intervenções piada condescendente por parte dos membros
estatais. Ao anunciar a premiação, a Royal do establishment econômico sueco” [11].
Swedish Academy of Science enfatizou que
“uma qualidade que Myrdal e von Hayek têm O cerne de muitas das críticas feitas por
em comum é a capacidade bem documentada Myrdal à teoria econômica e ao tratamento
de encontrar maneiras novas e originais de político da questão racial nos Estados Unidos
fazer perguntas e apresentar novas ideias sobre se mantêm absolutamente atuais. “Por quase
causas e políticas. Essa característica muitas 40 anos, Myrdal argumentou sua tese de
vezes os tornou um tanto controversos” [9]. que os economistas refletem seus próprios
preconceitos sociais e tendem a errar ao reduzir
Todavia, a reação de Myrdal à premiação indica a economia a números abstratos” [12]. Qualquer
o quanto suas diferenças com Hayek eram semelhança com parte do atual debate
bem mais relevantes que os pontos levantados econômico brasileiro não é mera coincidência.
pela Academia: “Se eu não estivesse um pouco

Pedro Amaral
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e Fellow do Center for
Spatial Data Science (University of Chicago). Ph.D. pela University of Cambridge, co-editor dos
journals Spatial Economic Analysis, Journal of Spatial Econometrics e Regional Studies, Regional
Science. Embaixador da Regional Studies Association no Brasil e bolsista de produtividade em
pesquisa do CNPq.

45 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

Notas:
[1] BARBER, W. Gunnar Myrdal: An Intellectual Biography, Houndmills: Palgrave Macmillan, 2008.

[2] MYRDAL, G. The Political Element in the Development of Economic Theory, p. 24. Tradução livre.

[3] HICKS, J. Review of The Political Element in the Development of Economic Theory. The Economic Journal,
Vol. 64, No. 256, 1954, p. 796.

[4] MYRDAL, G. The Political Element in the Development of Economic Theory, p. 188. Tradução livre.

[5] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972.

[6] COSTA, K. Gunnar Myrdal e o princípio da causação circular cumulativa: uma análise a partir dos trabalhos
de Allyn Young, Nicholas Kaldor e Thorstein Veblen. X Congresso Brasileiro de História Econômica, Juiz de
Fora, 2013.

[7] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972, p. 59.

[8] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972, p. 51-2.

[9] BARBER, W. Gunnar Myrdal: An Intellectual Biography, Houndmills: Palgrave Macmillan, 2008, p. 163.
Tradução livre.

[10] SWEDBERG, R., ‘Introduction to the Transaction Edition,’ The Political Element in the Development of
Economic Theory. New Brunswick: Transaction Publishers, 1990, p. vii, apud BARBER (2008).

[11] BOK, S. Alva Myrdal: A Daughter’s Memoir. Reading: Addison-Wesley Publishing Co., 1991, p. 305, apud
BARBER (2008).

[12] New York Times, Gunnar Myrdal, analyst of race crisis, dies. 1987. Disponível em: https://www.nytimes.
com/1987/05/18/obituaries/gunnar-myrdal-analyst-of-race-crisis-dies.html

46 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1974
Friedrich August von Hayek
por Roberto Ellery Jr.

O Escrever sobre Friedrich August von


Hayek não é tarefa fácil. A primeira
coisa que pensei ao ser convidado
para falar sobre o ganhador do Prêmio
Nobel em Economia em 1974, The Sveriges Riksbank
Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred
Nobel para os preciosistas, foi recursar o convite. A
verdade é que no Brasil existem vários economistas
mais capacitados do que eu para tratar da obra de
Hayek. A Escola Austríaca no Brasil vai bem além dos
memes de internet, inclusive com representantes
respeitados na academia. Acabei aceitando não por acreditar que sou o mais indicado para contribuir
no entendimento da obra de Hayek, mas por ser um admirador de Hayek que não pertence à Escola
Austríaca e, portanto, estou em boa posição para mostrar como Hayek é fundamental para a dita
economia ortodoxa ou mainstream.

Hayek ganhou o Prêmio Nobel junto com Gunnar Myrdal pela contribuição pioneira para a teoria da
moeda e flutuações econômicas e pela análise profunda da interdependência entre os fenômenos
sociais, econômicos e as instituições. Só isso já seria suficiente para ocupar muito mais que o espaço
que tenho para esse texto, mas é ainda mais complicado. Em 1974 foi confirmado que dois pensadores
podem ganhar o Nobel em Economia no mesmo ano por dizerem o oposto um do outro. Talvez a
divisão no Nobel com Myrdal tenha aliviado a pressão de receber o Nobel no economista que, no
discurso de agradecimento, afirmou não concordar com a existência de um Nobel para Economia
porque o prêmio confere ao vencedor uma autoridade que nenhum homem deveria ter.
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E-BOOK NOBEL

Hayek nasceu em 1899 em Viena, então capital principais: lousa em branco vs aprendizado
do Império Austro-Húngaro e importante pela história, bem-estar da nação vs bem-
polo intelectual e acadêmico da Europa. estar do indivíduo e desenho consciente vs
Percebendo o crescimento do totalitarismo soluções espontâneas.
na Áustria, refletido na perseguição a vários
amigos e colegas judeus, em 1933 Hayek vai
O primeiro confronto trata da existência de
para a London School of Economics puxando
uma grande lista de intelectuais e acadêmicos soluções prontas que podem ser aplicadas
que deixaram a Europa Central por conta a qualquer país ou se as soluções devem
do nazismo. Na sequência teve passagens ser específicas às condições históricas
de destaque na Universidade Chicago e na de cada sociedade, não deixa de ser
Universidade de Freisburg. irônico que os neoliberais da década de
1990 representados pelo consenso de
O testemunho da ascensão do nazismo Washington tenham sido acusados de ter
na Áustria marca profundamente na uma receita de desenvolvimento pronta
obra de Hayek com a preocupação da para todos os países. O segundo ponto,
defesa do indivíduo diante do poder extremamente caro aos liberais, contrapõe
do estado. Não por acaso um dos livros o bem-estar dos indivíduos ao bem-estar da
mais conhecidos do autor, “The Road to nação ressaltando que nem sempre esses
Serfdom” (publicado originalmente em objetivos andam juntos. O terceiro ponto,
1944), apresente um contraponto à tese talvez o mais famoso, coloca a questão
até hoje muito prestigiada que nazismo e se o desenvolvimento resulta de soluções
comunismo estão nos extremos oposto conscientes dadas por especialistas para
do espectro político e defende que o os diversos problemas ou de soluções não
embate político ocorre entre indivíduo e o planejadas que indivíduos encontram para
coletivo (a tribo) e que o liberalismo está os problemas que vão aparecendo.
em uma ponta e tanto o fascismo como o
comunismo estão na outra ponta.. Além de Como trabalho com crescimento
intelectual, Hayek foi um ativista pela causa econômico eu fico tentado a usar o resto
liberal onde, entre outras ações, destaca- do espaço para tratar dessas questões,
se a fundação da Mont Pelerin Society mas isso seria injusto com Hayek e com
juntamente com Karl Popper, Ludwing von os leitores interessados na obra de Hayek.
Mises, Milton Friedman e outros nomes que Desta forma, passo para outra questão
se destacaram em defesa do liberalismo. fundamental em Hayek, qual seja, o sistema
de preços. Como pode funcionar uma ordem
Essa verdadeira obsessão com a defesa espontânea com milhões de indivíduos
do indivíduo perante a tribo explica a tomando decisões que impactam uns ao
diferença entre o pensamento de Hayek e o outros? Como as soluções improvisadas
social-democrata sueco Gunnar Myrdal. O para cada problemas podem formar um
debate que nunca ocorreu, na expressão de quadro de geração de riquezas? A resposta
Willian Easterly usada no livro “The Tyranny de Hayek para essas perguntas está nos
of Experts: Economists, Dictators, and the preços. A leitura obrigatória para entender
Forgotten Rights of the Poor”, contrapunha a importância do sistema de preços em
uma visão tecnocrática e uma visão de um sistema econômico é o artigo “The Use
ordem espontânea para o desenvolvimento of Knowledge in Society” publicado na
econômico. Willian Easterly no livro American Economic Review em 1945 onde
citado divide esse debate m três pontos Hayek argumenta que a grande função

48 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

do sistema de preços é permitir que os indivíduos tomem decisões corretas mesmo


possuindo um conhecimento muito pequeno sobre a economia como um todo, ou seja,
sistema de preços economiza a necessidade de conhecimentos.

Ao funcionar simultaneamente como informação e mecanismo de incentivos os preços


permitem que cada indivíduo possa tomar decisões sem possuir toda a informação
sobre custos e preferências que, por exemplo, um economista necessita para calcular
preços e quantidades de equilíbrio. Se o padeiro sabe que ganha mais produzindo bolo
de chocolate do que bolo de laranja ele tem a informação necessária e o incentivo
adequado para produzir mais bolos de chocolate do que de laranja mesmo sem
conhecer as funções de utilidade ou a renda de todos os seus possíveis clientes. O papel
fundamental do sistema de preços em “organizar” a ordem espontânea faz com que
intervenções nesse sistema sejam vistas por Hayek como perigosas e potencialmente
desastrosas.

É certo que os temas relativos a preços, informações e incentivos levantados por Hayek
tiveram influência decisiva no desenrolar da microeconomia nos anos seguintes, mas é
na análise do papel da política monetária no ciclo econômico que a teoria dos preços
apareceu com mais destaque na obra do autor. A Teoria Austríaca do Ciclo Econômico
(TACE), que teve em Hayek um dos seus principais autores era uma abordagem de oferta
e com base no comportamento de firmas e famílias. Muito diferente da abordagem
keynesiana com base na demanda agregada que dominou a macroeconomia nos anos
50, 60 e 70, a TACE é uma espécie de avó da macroeconomia com microfundamentos
que apareceu na década de 70 passou a dominar a literatura nas décadas de 80 e 90.

Para os interessados recomendo os livros “Prices and Production and Other Works: F.A.
Hayek on Money, the Business Cycle, and the Gold Standard” e “The Austrian Theory of the
Trade Cycle and Other Essays”. Nesse texto vou me limitar a fazer um pequeno rascunho
da teoria dos ciclos com objetivo de completar a cadeia entre ordem espontânea, preços
e ciclos bem como fazer pontes com as modernas teorias de ciclo econômico.

49 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

Para Hayek a entrada de mais moeda na uma política monetária expansionista leva a má
economia alterava o sistema de preços relativos. alocação de capital e trabalho.
Existem várias explicações para esse fenômeno, Crises econômicas ocorrem por conta da
uma delas consiste em pensar que os primeiros necessidade de liberar capital destinado a
a receberam a nova moeda, talvez os clientes uma produção que visava atender a demanda
de bancos que terão acesso à nova moeda na artificial e alocar esse capital nas atividades cuja
forma de empréstimos, comprem os bens que demanda é consistente com as preferências
desejam sinalizando para os produtores desse das pessoas. Esse processo envolve falências,
bem um aumento da demanda que não é real. desemprego e o que alguns macroeconomistas
A má alocação de capital e trabalho destinados chamam de capacidade ociosa. Naturalmente
à produção desses bens ficará clara quando é possível pensar em outras políticas que
o Banco central parar de colocar moeda na distorcem preços relativos e induzem a má
economia acabando com a demanda criada alocação de capital e trabalho, é o caso de
artificialmente. subsídios, direcionamento de crédito por parte
de bancos oficiais ou mesmo intervenções
Uma outra maneira de observar o mesmo diretas por meio de empresas estatais.
fenômeno é pensar que a nova moeda equivale
a uma poupança artificial. Um aumento da O uso de tecnologias e preferências para
taxa de poupança está relacionado com maior explicar o ciclo econômico voltou à cena com os
uso de bens usados na produção em relação a modelos de ciclos reais de negócios na linha de
bens destinados a consumo final. Desta forma, Kydland e Prescott, laureados com o Nobel de
o aumento na poupança aumenta o gasto em Economia em 2004. Porém, como o modelo de
bens intermediários como proporção do gasto ciclos reais é um modelo agregado, as alterações
em consumo. Para quem está acostumado a na estrutura de produção e a má alocação de
pensar em termos de valor agregado, como é fatores saíram de cena e acabaram substituídas
o caso de quase todos os macroeconomistas por um choque de produtividade aleatório
modernos, esse é um argumento confuso, talvez não explicado pelos autores. A questão da má
seja melhor pensar em um aumento do uso de alocação de capital voltou a cena com artigo
capital por conta da poupança maior. O preço “Misallocation and Manufacturing TFP in China
que sinaliza para a mudança nessa proporção anda India” publicado no Quarterly Journal of
é a taxa de juros que fica maior por conta da Economics em 2009 e escrito pelo Chang-Tai
maior oferta de fundos emprestáveis. Hsieh e pelo Peter Klenow. O foco dos autores
é explicar diferenças de produtividade, mas,
Para Hayek o aumento da moeda em circulação para um leitor de Hayek que trabalhou muito
gera um efeito semelhante ao do aumento com os modelos de RBC na linha de Kydland e
da poupança, inclusive na queda da taxa de Prescott, é impossível não fazer a ponte entre a
juros, mas com uma diferença fundamental: má-alocação e produtividade e produtividade
enquanto o aumento da poupança decorre de e ciclos de negócios. Uma ponte que pode
uma mudança nas preferências das pessoas explicar a conclusão do Gonzalo Córdoba
o aumento da moeda resulta de uma decisão e do Timothy Kehoe de que se os efeitos
do governo. Por ser artificial no sentido de não sobre a produtividade das políticas públicas
representar o desejo das pessoas a mudança na desenhadas para combater uma crise são
estrutura de produção causada pelo aumento forem considerados no longo prazo estaremos
da moeda e a redução artificial dos juros não é todos em uma grande depressão.
compatível com a estrutura de preferências da
sociedade. Tão logo mude a política monetária A contribuição de Hayek se expande para
a locação de fatores induzida pela moeda que outras áreas como ciências sociais, metodologia
entrou na economia deixa de ser ótima, ou seja, científica, psicologia e direito. Mesmo no campo

50 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

estritamente econômico as contribuições de Hayek vão além do que os limites desse espaço
e de meus conhecimentos permitem analisar. As referências que citei nesse texto são um bom
começo para os que querem conhecer mais profundamente as questões que aqui levantei bem
como outras que deixei. Para além desses tópicos recomendo “Law, Legislation and Liberty” e
“The Constitution of Liberty”, os que estão interessados em uma abordagem introdutória podem
gostar do livro “The Essential Hayek” escrito por Donald Boudreaux e publicado pelo Fraser
Institute. Aqui encerro essa rápida apresentação da obra de Hayek, espero não ter incomodado
os que conhecem o autor e ter estimulado a curiosidade de quem não conhecia o trabalho de
um dos principais autores da Escola Austríaca.

Roberto Ellery Jr.


Professor do Departamento de Economia da UnB

51 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1975
Programação linear e teoria da
alocação ótima de recursos
Koopmans e Kantorovich
por Matheus Assaf

T jalling Koopmans e Leonid Kantorovich


dividiram o prêmio Nobel de economia
em 1975 por suas contribuições para a
teoria da alocação ótima de recursos. Os
dois viveram em mundos separados pela política
do século XX. O holandês Koopmans realizou seu
trabalho com suporte financeiro do setor militar
dos Estados Unidos, enquanto Kantorovich teve
na burocracia soviética apoio para sua pesquisa.
Embora em mundos distintos, os dois lidaram com
problemas comuns ao capitalismo do pós guerra e
do socialismo soviético. A história dos vencedores do prêmio de 1975 nos ajuda a observar como a
fabricação da teoria econômica no pós guerra é composta por enredos entre ciência, sociedade e
seu tempo histórico específico.

A programação linear lida com problemas que estão presentes em todo lugar na teoria econômica.
Rigorosamente, ela soluciona problemas que maximizam uma função linear restrita a um conjunto
convexo de soluções. Isto é, ela calcula como ter um melhor resultado para um determinado
programa tendo em vista os recursos escassos necessários para efetivá-lo. Koopmans e Kantorovich
foram levados para esse tipo de problema abstrato tendo em vista demandas reais de busca de
eficiência durante o planejamento da II Guerra Mundial e da Guerra Fria nos Estados Unidos e na
União Soviética. O avanço da programação linear, em particular no Ocidente, decorreu de um esforço
conjunto da matemática e da economia que amalgamou as duas disciplinas e as transformou na
segunda metade do século.

52 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL

Os vencedores do prêmio
Tjalling Koopmans

K
oopmans nasceu em 1910. Iniciou seus estudos no período anterior à guerra na
Universidade de Leiden como físico e matemático. A partir de 1936, seus interesses
em pesquisa com economia e econometria se aprofundaram. Trabalhou na Liga das
Nações em Genebra analisando séries temporais e colaborando com o planejamento
ótimo do transporte marítmo de mercadorias. Essa experiência lhe serviu para imigrar
para os Estados Unidos ainda antes do Eixo tomar o controle da Europa Continental, com um
emprego em Washington no planejamento do transporte marítmo de suprimentos para a Europa.
Através do seu contato com o economista Jacob Marschak, Koopmans se juntou à Cowles
Comission em 1944. O instituto de pesquisa, ligado à Universidade de Chicago e depois a Yale,
foi de grande importância para o desenvolvimento da teoria econômica de equilíbrio geral e
econometria no pós guerra. Membros do instituto nesse período incluem outros vencedores do
prêmio Nobel: Kenneth Arrow, Gerard Debreu, Herbert Simon entre outros. Koopmans substituiu
Marschak como diretor do instituto em 1949. O espaço da Cowles foi fundamental para as
inovações em programação linear.

A estrutura militar montada para a II Guerra pelo exército americano incluiu a formação de diversos
setores de pesquisa focados em resolver problemas complexos de alocação de recursos para a
economia de guerra. A demanda por esse tipo de pesquisa manteve-se em meio à Guerra Fria.
Em 1948, a União Soviética bloqueou os acessos à Berlim Ocidental como forma de pressionar
os Estados Unidos e aliados a deixarem a cidade. O governo americano reagiu enviando
suprimentos para a cidade usando sua força aérea, em uma operação de muito alto custo. A
demanda de um planejamento científico que pudesse otimizar os custos levaram à criação em
outubro daquele ano do Project for the Scientific Computation of Optimum Programs (SCOOP).
O matemático-chefe do projeto foi o americano George Dantzig. A otimização, estudada há
séculos na matemática, tranformaria-se em parte de uma “matemática aplicada”.

Lionel Robbins escreveu em 1932 que a economia era a ciência que estudava o comportamento
humano como relação entre fins e meios escassos com usos alternativos. Como esse era
fundamentalmente o problema que tinha em mãos, Dantzig foi à Cowles Comission em 1947,
em busca de uma solução dada pelos economistas para esse problema matemático. Na Cowles,
Dantzig conheceu Koopmans, que embora não tivesse resposta pronta para seu problema,
entusiasmou-se com o projeto de pesquisa de notável similaridade com seus problemas de
transporte ótimo de mercadorias com que havia trabalhado por anos durante o esforço de
guerra. Em dezembro de 1948, no encontro da American Economic Association ambos juntaram-
se aos matemáticos Albert Tucker e Harold Kuhn e os economistas Oskar Morgenstern e Wassily
Leontief para planejar uma conferência focada na teoria da programação linear que tornaria-se
seminal para a economia do pós-guerra.

A conferência Activity Analysis of Production and Allocation foi realizada em Junho de 1949
na Cowles Comission. Esse encontro de matemáticos e economistas introduziu uma série de
elementos novos para a teoria econômica: além da programação linear, suas aplicações em
teoria dos jogos e pesquisa operacional, e técnicas matemáticas como uso de conjuntos
convexos, hiperplanos separadores e teoremas de ponto-fixo. Entre os participantes, além dos
53 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL

organizadores mencionados anteriormente (com exceção a Leontief), estavam Arrow, Simon,


Paul Samuelson e David Gale. A conferência também foi fundamental para transformar a
matemática, criando a nova área da programação (ou otimização) matemática.

Após as contribuições na conferência seminal de activity analysis, Koopmans manteve seu


interesse na teoria da alocação de recursos. A consolidação da aplicação da programação
linear na teoria econômica veio em seu livro publicado em 1957, Three Essays on the State of
Economic Science. Ainda nesse tema, pensando em problemas de otimização intertemporal de
programas, Koopmans expandiu seu interesse para modelos de crescimento ótimo, dessa vez
em parceria próxima com o economista francês Edmond Malinvaud. O modelo de crescimento
ótimo de Koopmans, publicado em 1963 em uma conferência realizada no Vaticano, foi um
dos vetores (junto com o trabalho de David Cass) para o resgate do modelo de Ramsey. O
modelo de crescimento ótimo, conhecido também como Ramsey-Cass-Koopmans, é um pilar
da macroeconomia contemporânea, em modelos de real business cycles (RBC) ou DSGE.

Leonid Kantorovich

K antorovich nasceu em uma família


burguesa de origem judaica em
São Petesburgo em 1912. Mostrando
aptidão matemática desde jovem,
entrou na universidade da então Leningrado
aos 14, tornando-se professor com 22 anos. Na
como defensores do capitalismo ocidental
e alguns dos mais famosos teóricos como
Nikolai Kondratiev e Grigory Feldman foram
perseguidos e executados nos anos 1930.
Entretanto, os métodos de programação
linear e otimização foram de grande valia
primeira metade da década de 1930, antes dos para o planejamento industrial e para o setor
anos mais fechados da União Soviética sob militar soviético e Kantorovich permaneceu
a influência de Josef Stalin e os efeitos da II protegido enquanto matemático puro, embora
Guerra Mundial, Kantorovich esteve em contato sob escrutínio.
com matemáticos ocidentais como John Von
Neumann e Albert Tucker. O início da carreira Em 1937, Kantorovich foi contratado pelo
do matemático soviético foi marcada pelo seu laboratório da indústria soviética de madeira
interesse em tópicos de análise funcional, em compensada para enfrentar um problema de
especial a teoria dos espaços semiordenados. corte ótimo dos insumos de produção, de
A partir do fim da década, com a necessidade forma a minimizar o desperdício. Sua solução
de guerra de regrar o planejamento da para tal problema em 1939 foi publicada
produção, Kantorovich debruçou-se sobre como Working Paper na Universidade de
tópicos de planejamento ótimo, otimização Leningrado, mas circulou pouco, mesmo na
intertemporal e economia matemática. União Soviética. Seus principais trabalhos
foram feitos ainda durante a guerra, antes
Não foi através do interesse da política das soluções de Koopmans e Dantzig no
soviética em usar métodos matemáticos para ocidente. Seu trabalho entretanto só circulou
planejar a economia que o levou ao tópico. após a queda do stalinismo. Aplicado com
Em parte pela falta de apoio dos modelos ao sucesso à indústria, os métodos de otimização
seu plano de coletivização agrícola no início de Kantorovich foram também utilizados
da década, Stalin denunciou os economistas com sucesso pelo exército soviético para
e planejadores econômicos e foi um apoiador solucionar problemas como o corte ótimo
do desenvolvimento de uma nova teoria de chapas de aço para produzir tanques ou
econômica particular ao sistema econômico distribuição ótima de explosivos em um campo
soviético. Economistas sob Stalin eram vistos minado – o que fazia também os resultados

54 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL

de Kantorovich segredos bem guardados de Estado. Kantorovich recebeu o Prêmio Stalin em


ciência e engenharia em 1949.

Após a morte de Stalin e a denúncia dos seus atos por Khrushchev no Congresso do Partido
Comunista em 1956, Kantorovich e a economia matemática saíram de um ostracismo na
União Soviética e passaram a contar com apoio oficial. Em um embate com a ortodoxia da
economia política soviética, diversos institutos foram criados para o estudo dos métodos de
otimização. Ao lado do economista Vasily Nemchinov, Kantorovich formou um laboratório de
estudos na cidade siberiana de Novosibirsk aberto em 1960. A abertura do laboratório contou
com a presença de diversos matemáticos soviéticos como Kolmogorov, Lyapunov, Pontryagin
e Markov. Kantorovich criticou a ortodoxia econômica soviética por sua descrença em métodos
matemáticos e defendeu o uso das ferramentas de otimização no planejamento econômico
socialista. Com a flexibilização do bloqueio entre os mundos, Koopmans e Kantorovich puderam
intercambiar os seus trabalhos através da cortina de ferro a partir da segunda metade dos
anos 1950. A solução de Kantorovich publicada em 1939 foi traduzida e publicada em inglês em
1960. Em 1965, mais uma vez Kantorovich foi reconhecido pelo governo soviético recebendo
o Prêmio Lenin. A partir de 1971, passou a trabalhar diretamente junto ao Gosplan, divisão de
planejamento econômico central da URSS. Nos anos 1980, um dos economistas do laboratório
siberiano de Kantarovich, Abel Aganbegyan, foi um dos líderes da Perestroika realizada sob o
governo de Gorbachev.

Teoria Econômica e Sociedade


Em 1975, Herbert Scarf escreveu na Science sobre os vencedores do prêmio Nobel de economia naquele
ano: “As técnicas de activity analysis (aperfeiçoadas por Koopmans e Kantorovich) exemplificam
a teoria pura da tomada de decisões, e dessa forma, são notavelmente indiferentes a instituições
econômicas e formas organizacionais.” A matemática aplicada da otimização era a mesma nos dois
mundos da Guerra Fria, sendo verdadeira nos dois lugares. Entretanto, o desenvolvimento das duas
teorias abstratas também foi estimulada por problemas reais vividos pelos dois sistemas econômicos
em ampla competição pela eficiência durante e depois da II Guerra Mundial. Nesse enredo de ciência
e sociedade, problemas teóricos puros e soluções práticas determinadas por questões de um tempo
específico modularam a economia matemática desenvolvida na década de 1950 e que até hoje
constitui pilar da economia contemporânea, tanto na macroeconomia quanto na microeconomia. As
contribuições de Koopmans e Kantorovich vistas sob uma ótica histórica nos ajudam a compreender
a formação da teoria econômica em conjunto com uma história geral do período em que ela foi
desenvolvida.

Matheus Assaf
Mestre e Doutor em economia pela USP, professor auxiliar de graduação na FGV e analista de políticas
públicas e gestão governamental da Prefeitura de São Paulo

55 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL

Notas:
Bockman, Johanna e Michael Bernstein. Scientific Community in a Divided World: Economists, Planning, and
Research Priority during the Cold War. Comparative Studies in Society and History 50, vol 3, 2008.

Düppe, Till e E. Roy Weintraub. Siting the New Economic Science: The Cowles Comission’s Activity Analysis
Conference of June 1949. Science in Context 27, issue 3, 2014.

Erickson, Paul, Judy Klein e outros autores. How Reason Almost Lost its Mind: The Strange Career of Cold
War Rationality. University of Chicago Press, 2013.

Gardner, Roy. L. V. Kantorovich: The Price Implications of Optimal Planning. Journal of Economic Literature
28, n. 2, 1990.

56 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1976
Milton Friedman
por Fábio Terra

1. Introdução

H umanos que somos, cheio de desejos, sobretudo


de poder, sempre estamos muito tentados a
escolher o melhor, o pior, o maior, a mais bela.
Ao invés do artigo definido, no que virá opto
pelo indefinido, mais democrático e aberto à escolha, dois
resultados de um valor muito caro a Friedman: a liberdade.
Como presidente da Associação Keynesiana Brasileira tomei,
então, a liberdade de escolher Friedman nesta homenagem
aos laureados com o Prêmio Nobel de Economia, por ele ser
um dos maiores intelectuais e, por óbvio, um dos maiores
economistas do século XX.

Friedman foi um intelectual completo, pois desenvolveu


ideias novas, sistematizou-as em teorias, ensinou-as em
sala de aula, debateu-as em público e engajou-se na vida
pública para as tornar realidade. Deste modo, este breve
texto objetiva apresentar em poucas páginas a vida e a obra
de Milton Friedman. Para isso, na próxima seção apresento
sua vida. Na terceira, suas principais contribuições à ciência
econômica (e inclusive fora dela). Por fim, trago as conclusões.

57 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL

2. Vida

M
ilton Friedman nasceu no bairro do Brooklin, em Nova York, em 31 de julho de 1912. Filho
de pais imigrantes húngaros, Friedman teve infância e adolescência bastante humildes.
Porém, destacou-se desde cedo em sua argúcia intelectual, o que o levou a conseguir
uma bolsa de estudos na Rutgers – Universidade Estadual de Nova Jersey, em Nova
Jersey, onde ele tirou seus bacharelados em matemática e economia, em 1932.

Em 1933, Friedman mudou-se para a Universidade de Chicago para realizar seu mestrado em
economia. Mais do que se tornar mestre naquele que seria seu futuro e notório local de trabalho,
a Universidade de Chicago, foi lá que Milton conheceu Rose Director, com quem se casara e viveu
até sua morte, em 16 de novembro de 2006. O casal teve dois filhos, David Friedman, economista e
conhecido autor do anarcocapitalismo, e Jan Friedman, jurista e famosa jogadora de bridge.

Entre 1933 e 1943, já mestre, mas não doutor, Friedman trabalhou no serviço público norteamericano,
como membro da bucocracia do New Deal, destacando-se o National Bureau of Economic Research
(1937-1940) e, durante o esforço de guerra americano, foi para o Departamento do Tesouro (1941-
1943). Em 1943, Friedman iniciou seu doutoramento na Universidade Columbia, em Nova York,
orientado por Simon Kuznets. Sua tese foi defendida em 1946.

Ao terminar o doutorado, Friedman começou a trabalhar em sua antiga escola, a Universidade de


Chicago, onde ficou – com um que outro leave – até 1977, ajudando a formar a base daquilo que se
tornou conhecido como The Chicago School. Da costa leste americana, Rose e Milton se mudaram
para a oeste após a aposentadoria de ambos. Milton preferia as montanhas de New England, mas
Rose gostaria de morar perto do mar. Companheiros de sempre, dividiram partes de suas vidas
em cada um destes locais. Na Califórnia, Friedman assumiu uma posição no Hoover Institution da
Universidade de Stanford.

3. A obra

F riedman se destacou por sua atuação


enquanto teórico econômico, mas não
somente. Começo por três contribuições
suas aparte da teoria econômica. Como
funcionário do Tesouro americano no esforço de
guerra, Friedman foi um dos criadores do imposto
voluntária. Assim, as forças armadas deveriam
competir pelos jovens com as outras carreiras
profissionais, atraindo os realmente interessados
em prestar o serviço militar, que seriam a ele
mais fiéis desta forma.

cobrado por retenção na fonte, mecanismo mais Outra incursão de Friedman fora da teoria
eficaz de recolhimento tributário, pois independe econômica, mas com repercussões sobre ela, era
da declaração de rendimento do pagador. a forma pela qual ele compreendia que os gastos
públicos educacionais deveriam ser feitos. Ao
Ademais, Friedman foi um forte opositor ao invés de o Estado custear a escola na educação
draft, sistema obrigatório de serviço militar pública pré-universitária, ele deveria ofertar um
americano. Libertário e afeito à visão de voucher aos estudantes que, então, escolheriam
que a concorrência melhora toda e qualquer suas escolas a partir do que entendessem
instituição em que ocorre, a ideia de Friedman ser a melhor. Isso faria com que as escolas
era a de que a apresentação militar deveria ser concorressem para conseguir os vouchers e,
58 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL

portanto, as verbas públicas, o que melhoraria corrente do pensamento monetário critica


o sistema educacional como um todo. Claro que Keynes e a hipótese dele de a moeda não
esta é uma ideia que envolve economia, mas cuja ser neutra.
finalidade é um melhor sistema educacional e a
liberdade de escolha dos estudantes.
Na perspectiva monetarista, surgida em fins
dos anos 1960, três elementos são centrais, as
Por sua vez, as contribuições econômicas expectativas adaptativas, a Curva de Philips
de Friedman são várias e plurais. Aqui versão Friedman-Edmund Phelps e a taxa
ressalto quatro: a teoria do consumo, a natural de desemprego. A ideia, bastante
história monetária, a teoria monetária e a conhecida, é a de que choques monetários
metodologia econômica. A Teoria da Renda apenas afetam a economia no curto prazo,
Permanente lançada em 1957 por Friedman pois os agentes têm expectativas adaptativas,
é um avanço à lógica de Irving Fisher dos isto é, apenas formam uma noção do hoje
determinantes do consumo. Diferente de olhando para o ontem (expectativas do tipo
Keynes, lançador da função consumo, e em backward-looking).
que este é dependente apenas da renda
presente, os avanços posteriores assumem Desta forma, quando há um choque
o consumo como decorrendo da renda no monetário feito pelo Banco Central hoje, os
tempo e não apenas do rendimento corrente. agentes não conheciam esta informação.
Eles percebem sua renda monetária
Friedman, em sua contribução, separa aumentando, porém não veem pari passu
a renda individual em duas partes, uma o aumento dos preços de sua cesta de
temporária e outra permanente. A renda consumo, que se processa enquanto os
permanente leva em conta uma média da empresários contratam os trabalhadores aos
renda recebida, que o indivíduo calcula a maiores salários. O pagamento dos maiores
bem de tornar o seu consumo o mais estável salários está viabilizado justamente porque
possível ao longo do tempo. Choques de os preços a que os empregadores vendem
renda (ganhos eventuais ou redução de seus produtos estão aumentando. Tudo
gastos com impostos, por exemplo) são isso, contudo, é uma inflação de demanda,
concebidos como temporários e não afetam causada pela maior renda disponível pelo
o consumo, apenas se, passado o tempo, choque monetário ocorrido. Ao final, moeda,
a renda aumentada tornar-se permanente, renda e preços aumentaram equanimemente,
permitindo então o aumento do consumo. sem qualquer resultado real de longo prazo.
Em termos da história monetária, Friedman No curto prazo, o trade-off inflação versus
e Anna Schwartz publicaram em 1963 o desemprego da Curva de Phillips se processou
famoso “A Monetary History of The United por conta das expectativas adaptativas dos
States, 1867-1960”, que analisa histórica indivíduos, que permitem que eles sofram a
e estatisticamente a história monetária ilusão monetária, não percebendo que mais
americana. Com este livro, os autores moeda não era um aumento da renda real
reavivaram a teoria quantitativa da moeda, que eles possuíam. Esta renda real, no longo
que havia restado combalida após a Teoria prazo, é dada pelas condições técnicas de
Geral de Keynes. Do conjunto das análises produção e pelas imperfeições existentes
do livro resultam, nos anos 1960, a teoria no mercado de trabalho, que delimitam a
monetária de Friedman: o monetarismo. Tal taxa natural de desemprego, ponto real de
qual a sua função consumo, esta importante equilíbrio de emprego e produto de longo
59 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL

prazo, além do qual nenhum choque monetário consegue levar a economia.

Apenas mudanças concretas na capacidade de oferta de uma economia e na flexibilidade


do mercado de trabalho modificam a taxa natural de desemprego. Ela, aliás, não significa
desemprego nulo, mas pleno emprego dada a capacidade máxima de produção de um país.
Contudo, qualquer desemprego involuntário, causado por fricções de mercado e/ou por
mudança estrutural da forma de produção, não seria permanente. Ele decorreria do tempo
necessário para a requalificação e/ou relocalização dos trabalhadores, e/ou resolução das
imperfeições do mercado de trabalho.
Por fim, a política monetária deveria ser
conduzida sem choques. Por isso, Friedman
sugeriu as chamadas metas monetárias, um
regramento monetário que limita e explicita
o quanto haverá de expansão monetária em
um determinado período de tempo. Claro, a
expansão da oferta de moeda não deve ser
superior à expansão do produto do país, para
que não se tenha inflação e não se estimulem
decisões erradas dos agentes, tornando
ineficiente a alocação de recursos na economia.

Outra contribuição de Friedman que merece


menção é em metodologia econômica. Em
“Metodologia da Economia Positiva”, de 1953,
ele argumentou que o importante na teorização
econômica não eram as hipóteses que
sustentavam o modelo, mas sua capacidade
de predição dos fenômenos da realidade. Esta
lógica instrumental da ciência era controvertida, mas foi bem aceita, sobretudo na Escola
de Chicago. Para Friedman, a teoria precisava ser simples em sua formatação, e frutífera
em predizer os fenômenos e em permitir o surgimento de novas pesquisas. A simplicidade,
inclusive, era o que viabilizava o irrealismo das hipóteses de um modelo, permitindo que elas,
ao invés de descrever a realidade, atinassem-se aos elementos cruciais a uma boa predição
do mundo.

Por conta de suas contribuições, Friedman recebeu todos os prêmios econômicos relevantes.
Cito-os: a medalha John Bates Clark, em 1951, a Medalha Presidencial da Liberdade, e a
Medalha Nacional de Ciências, ambas em 1988, o ingresso na Academia Nacional de Ciências
em 1973 e, claro, o Prêmio Nobel de Economia de 1976 – este, por conta de seus avanços
na teoria do consumo, nas história e teoria monetária, e na formulação de prescrição para a
política monetária e de estabilização.

60 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL

4. Conclusão

A o longo de toda a sua vida Friedman destacou-se por se dedicar no engajamento de suas
crenças. Prova é que viajou o mundo todo para divulgar seu projeto Free to Choose, que
continha uma série de televisão, produzida e apresentada por ele para a divulgação de suas
ideias, além de um livro de mesmo nome, publicado em 1980, escrito com sua esposa, Rose.
Contudo, a luta contra o serviço militar obrigatório já seria um exemplo deste referido engajamento,
tão caro a intelectuais completos.

Houve críticas, todavia, sobre a ida de Friedman ao Chile em 1975, durante o regime ditatorial de
Augusto Pinochet. Como se sabe, o Chile foi o país mais notório de aplicação das políticas de
liberalização econômica e da redução da participação estatal na economia inspiradas na Escola
de Chicago. Não por menos, os ex-alunos da Universidade que conduziram a implantação destas
políticas foram chamados de Chicago Boys. A ida ao Chile rendeu a Friedman críticas quando
recebeu o Prêmio Nobel em 1976 por parte de estudantes suecos, inclusive na própria cerimônia de
recepção do Prêmio. Em sua defesa, Friedman explicou que recusou diversas comendas oferecidas
no Chile, e também que não foi consultor daquele Governo, embora admita ter encontrado Augusto
Pinochet. Sua ida ao Chile, segundo ele, foi para fins acadêmicos. Curioso e sempre a fim de debater
suas ideias, Friedman esteve também China, no final dos anos 1980, mas não foi criticado por isso.
Enfim, ele foi um homem que lutou para ser notado e conseguiu o feito: seja para ser seguido, seja
para ser criticado.

Fábio Terra
Professor da UFABC e do PPGE-UFU, Pesquisador do CNPq e Presidente da
Associação Keynesiana Brasileira.

61 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1977
Bertil Ohlin e James Meade
por Henrique Castilho e Renan Torres

O s laureados com Prêmio Nobel


são reconhecidos por quebrarem
paradigmas da economia, avançarem
em frentes de estudos acadêmicos e
impactarem na vida de bilhões de pessoas em
todo o globo.

Assim, a medida em que os estudos avançam e


vão se tornando consenso entre os acadêmicos,
eles passam a inspirar não somente a academia:
eles influenciam a formatação de políticas
públicas em diversos países.

Foi então que, no ano de 1977, Bertil Ohlin e


James Edward Meade foram laureados com o
Prêmio de Ciências Econômicas em Memória
de Alfred Nobel por pesquisas de impacto nas
áreas da teoria do comércio internacional e
movimento de capital entre diferentes países.

62 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

O comércio internacional e os economistas

E m 2018, o mundo todo produziu bens


e serviços valendo cerca de US$ 86
trilhões a preços correntes. Desse total,
35% foram vendidos cruzando fronteiras
nacionais: o comércio mundial de bens e serviços
excedeu os US$ 30 trilhões.
grande modelo na tentativa de entender o
comércio entre diferentes países. O modelo
de Ricardo, então, é baseado em uma ideia
central: às vantagens comparativas. Embora
esse conceito seja simples, a experiência mostra
que ele é surpreendentemente difícil para muitas
pessoas entenderem.
Vale ressaltar, porém, que os estudos em
comércio internacional não são de hoje. Desde Contudo, a teoria do comércio internacional de
a época dos pensadores clássicos, David Hume, Ricardo passou a ser questionada entre o final do
Adam Smith e David Ricardo foram os primeiros século XIX e meados do século XX. As principais
a nortearam o debate nessa área, durante os questões estavam relacionadas à ausência de
séculos XVII e XVIII. explicação para as diferenças tecnológicas e
quando o processo produtivo também envolve
Foi Ricardo, porém, que desenvolveu o primeiro o capital.

O divisor de águas: o modelo


Heckscher-Ohlin

A pesar de ser um modelo relativamente simples, Ricardo contribuiu para construção de uma
base sólida para o estudo do comércio internacional. Não à toa, suas contribuições servem
de insumo para inúmeras teorias mais recentes acerca dessa área.

Nesse sentido, dois economistas suecos foram revolucionários à época. Em 1919, Eli Heckscher,
publicou um artigo intitulado The Effect of Foreign Trade on the Distribution of Income (1919), no
qual apresentou o esboço do que se tornaria a “teoria moderna do comércio internacional”.

O artigo passou despercebido por vários anos, até Bertil Ohlin, afiliado a Escola de Economia de
Estocolmo e ex- aluno de Heckscher, trabalhar e desenvolver novas conjecturas acerca do artigo de
seu professor. Assim, em 1933, Ohlin publicou seu artigo “Interregional and International Trade”.

O produto dessa publicação foi, então, o que conhecemos hoje por modelo (ou teorema) de
Heckscher-Ohlin. Como qualquer outro modelo, a construção de Heckscher-Ohlin utiliza-se de
algumas hipóteses simplificadas. Para isso, o modelo é considerado do tipo 2x2x2: isto é, dois países,
dois fatores de produção (capital e trabalho) e dois bens.

O resultado básico do modelo Heckscher-Ohlin mostra que uma nação exportará o bem que requer
o uso intensivo de seus recursos relativamente abundantes e dos fatores mais baratos, dentro de seu
território.

63 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

Por outro lado, a tendência é que ele importe demonstrou que país com um capital maior por
os bens cuja a produção requer uso intensivo trabalhador tem uma relação capital por trabalho
dos recursos menos abundantes e aplicação dos menor nas exportações do que nas importações.
fatores caros em sua economia. Mas o que os Essa relação ficou conhecida como o Paradoxo
dados e evidências têm a dizer sobre o teorema? de Leontief.

Antes de tudo, é importante ressaltar que os Contudo, outros testes demonstraram que
testes empíricos para o modelo são limitados. os resultados são heterogêneos. Observou-
Na prática, isso não significa que as diferenças se, então, que um dos principais pontos de
na abundância dos fatores não ajudam a explicar previsibilidade desse modelo se encaixa no
os padrões de comércio entre os países, mas comércio entre países desenvolvidos e em
que atualizações em relação aos pressupostos desenvolvimento.
melhoram a capacidade preditiva para o modelo.
A principal contribuição de Ohlin para a economia
Wassily Leontief, economista laureado com o é sem dúvida o seu modelo do comércio
prêmio Nobel em 1973, é responsável por um internacional. Contudo, o economista sueco
dos testes mais importantes em relação a esse também contribuiu para outros ramos, como
modelo. Ele detectou que nem sempre o teorema a macroeconomia. Em várias publicações, por
é válido. exemplo, ele antecipou algumas das idéias que
formaram os alicerces da revolução keynesiana
Usando alguns dados da economia americana no pensamento macroeconômico.
após a Segunda Guerra Mundial, Leontief

James Meade: a política econômica e


o movimento internacional de capital

A ntes de James Meade, era comum analisar que o pleno emprego com estabilidade e equilíbrio
de preços na balança de pagamentos poderia ser alcançado por meio de mecanismos de
ajuste automáticos.

Nesse cenário, o economista inglês, afiliado a Cambridge, foi um dos principais responsáveis por
mudar essa perspectiva de análise de ajustes automáticos para políticas de ajuste. Algumas delas
são: políticas fiscal, monetária e controles diretos sobre tarifas e fluxos de capital internacional.

Nesse sentido, as influências de John M. Keynes sob Meade são notória e ele é conhecido como um
dos primeiros a formalizar a Teoria Geral keynesiana. Como os mecanismos de ajuste automático
podem gerar efeitos não muito desejáveis para a economia, em certos casos, as políticas de ajuste
compõe um papel importante para estabelecer o equilíbrio interno e externo de uma economia.

Dessa forma, os objetivos dessa política são focadas no pleno emprego e na estabilidade de preços
(equilíbrio interno). Por outro lado, o equilíbrio eterno faz referência a políticas de ajuste no balanço
de pagamento.

Nesse contexto, James Meade trabalhou em uma de suas pesquisas mais importantes, que teve
como resultado a obra The Theory of International Economic Policy, publicada em dois volumes The
Balance of Payments (1951) e Trade and Welfare (1955).
64 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

No primeiro volume, Meade sintetizou a Teoria Geral keynesiana, com aplicações dos métodos
neoclássicos, num modelo que avaliou os efeitos da política monetária e fiscal sobre o balanço de
pagamentos.

Já no segundo volume, o economista britânico se concentrou nos efeitos de vários tipos de política
comercial sobre bem-estar econômico, fornecendo uma análise detalhada na regulamentação do
comércio.

Sendo assim, a contribuição principal de James Meade para a economia foi na área de economia
internacional. Com o ferramental da economia keynesiana e do modelo neoclássico de equilíbrio
geral, o britânico estendeu a teoria tradicional do balanço de pagamentos e incluiu os movimentos
internacionais de capital.

Analisando a relação entre o equilíbrio interno (pleno emprego) e equilíbrio externo (equilíbrio
da balança geral de pagamentos), Meade demonstrou a necessidade de usar dois instrumentos,
a demanda agregada e a taxa de câmbio, a fim de atingir os dois objetivos de equilíbrio interno e
externo.

Meade também fez várias outras contribuições para o campo da economia internacional, incluindo
o desenvolvimento de uma representação geométrica do comércio internacional usando curvas de
oferta em uma extensão do trabalho do economista canadense Jacob Viner, que tomou como base
a influências de uniões aduaneiras na criação e nos desvios do comércio.

De forma geral, seus trabalhos promoveram uma base forte e fértil para a teoria das trocas
internacionais e política econômica. Contudo, apesar de ser conhecido pelas suas contribuições na
área da economia internacional, Meade, como um bom cientista, também cooperou em inúmeras
outras áreas.

Entre as áreas, estão a teoria do crescimento econômico, economia do bem-estar e elaboração das
contas nacionais de “dupla entrada” com Richard Stone, laureado com o Nobel de Economia em 1984.

65 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

O passado e o futuro da
economia internacional

C omo toda ciência, a teoria econômica,


naturalmente, evolui com o tempo. Essa
evolução, contudo, certamente não diminui
as contribuições dos grandes economistas.

O Teorema de Stolper-Samuelson, aplicado ao


modelo de Hecksher-Olhin, é um grande exemplo.
Esse teorema diz que, com o comércio internacional,
os fatores de produção relativamente abundantes
verão seus rendimentos aumentarem, enquanto que
os fatores de produção relativamente escassos verão
seus rendimentos diminuírem.

Na prática, essa ideia, formulada por Paul Samuelson,


Nobel em 1970, mostrou formalmente que nem todos
saem ganhando com o comércio internacional. Um
exemplo ainda mais atual está no economista Paul
Krugman, Nobel em 2008: o comércio intra-indústria,
isto é, o comércio que ocorre entre bens de um mesmo setor explica grande parte do comércio
internacional.

Assim, se pensamos hoje em nomes de grandes economistas na área de comércio internacional e no


avanço metodológico e ferramental dessa área, certamente devemos isso a economistas do passado
como Ohlin e Meade.

Henrique Castilho e Renan Torres


Co-fundadores do Minuto Econômico
66 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

Notas:
VANE, Howard R.; MULHEARN, Chris. The Nobel Memorial laureates in economics: an introduction to their
careers and main published works. Edward Elgar Publishing, 2005.

SALVATORE, Dominick. Introduction to international economics. Wiley, 2012.

OBSTFELD, Maurice; KRUGMAN, Paul R. International Economics: Theory and Policy. Pearson Education,
Inc, 2003.

67 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1978
Herbert A. Simon
por Gerson Caner

S imon é considerado por muitos o pai da Economia


Comportamental. O conceito de racionalidade limitada,
que marcou sua obra, é apenas uma das múltiplas
contribuições que deu para a melhor compreensão do
comportamento humano e suas implicações na economia.

Vamos acompanhar um pouco de sua trajetória:

Herbert Alexander Simon nasceu em Milwaukee em 15 de junho


de 1916. Seu pai, Arthur Simon (1881-1948), era um engenheiro
elétrico alemão que tinha vindo para os Estados Unidos em
1903 depois de obter seu diploma de engenharia, além de um
inverterado, inventor para quem foi concedida várias dezenas
de patentes. Sua mãe, Edna Marguerite Merkel, foi um pianista
cujos antepassados tinham vindo de Praga. Seus avós tinham
sido fabricantes de piano,e ourives. O pai de Simon era judeu e
sua mãe veio de uma família com origens judaicas, luteranas e
católicos. A despeito das origens, Simon chamou a si mesmo
um ateu e agnóstico convicto.

68 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

Simon foi educado em escolas da rede pública econômica, Simon tornou-se mais conhecido
de Milwaukee, onde desenvolveu um notório por sua teoria da decisão da empresa em seu
interesse em ciência. Ao contrário de muitas livro Conduta Administrativa . Neste livro, ele
crianças, Simon foi exposto à idéia de que o baseou seus conceitos com uma abordagem
comportamento humano pode ser estudado que reconhece múltiplos fatores que contribuem
cientificamente em uma idade relativamente para a tomada de decisão. Sua organização
jovem, devido à influência do tio, do irmão mais e profundo interesse no ensino lhe permitiram
novo de sua mãe, Harold Merkel, que estudou não só servir três vezes como presidente do
economia na Universidade de Wisconsin. Através departamento de Economia universidade, mas
de livros de seu tio em economia e psicologia, ele também desempenhou um papel importante
Simon descobriu as ciências sociais. na criação do Programa de Cooperação
Econômica em 1948, chefiando ampla equipe
Em 1933, aos 17 anos, Simon ingressou na administrativa que administrava ajuda ao Plano
Universidade de Chicago, onde deu sequência Marshall para o governo dos Estados Unidos,
a suas primeiras influências, estudando ciências servindo diretamente ao presidente Lyndon
sociais e matemática. Seu mentor mais Johnson, bem como a Academia Nacional de
importante foi Henry Schultz, econometrisca Ciências. Devido a tudo isso, o seu trabalho
renomado nos anos 30 do século passado . pode ser encontrado em um número de obras
Simon recebeu tanto seu BA (1936) e seu Ph.D. literárias econômicas, fazendo contribuições
(1943) em Ciências Políticas, da Universidade para áreas como economia matemática,
de Chicago, onde imediatamente se tornou incluindo o teorema, a racionalidade humana,
assistente de pesquisa, após sua graduação. Seus estudo comportamental de empresas, teoria da
estudos o levaram para o campo da organização ordenação ocasional, e a análise do problema de
da tomada de decisão, o que seria o tema de sua identificação de parâmetros em econometria.
tese de doutorado.

De 1942 a 1949, Simon foi professor de ciência


política e também serviu como presidente do
departamento de Illinois Institute of Technology.
De 1949 a 2001, Simon foi professor na Carnegie
Mellon University, nas cátedras de Economia,
Psicologia e Ciências da Computação .

De 1950 a 1955, Simon estudou economia


matemática e durante este tempo, juntamente
com David Hawkins descobriu e provou o
teorema de Hawkins-Simon sobre as “condições
para a existência de vetores positivos de solução
para matrizes de insumo-produto”. Ele também
desenvolveu teoremas em near-decomposability
e agregação. Tendo começado a aplicar estes
teoremas para as organizações, em 1954 Simon
determinou que a melhor maneira de estudar
resolução de problemas foi simular-lo com
programas de computador, o que levou ao
seu interesse por simulação computacional da
cognição humana.

Destinada a substituir a abordagem clássica


altamente simplificada para modelagem
69 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

Tomando uma decisão

C onduta Administrativa , publicado pela


primeira vez em 1947, e atualizado ao
longo dos anos foi baseado na tese de
doutorado de Simon. Ele serviu como
base para o trabalho de sua vida. A peça central
deste livro é analisar e pesquisar o fato de que os
processos comportamentais e cognitivas dos seres
humanos não necessariamente fazerem escolhas
racionais, isto é, a racionalidade, ao contrário do
Três estágios de Simon no Rational Tomada de Decisão:
Inteligência, projeto, Choice (IDC). que pressupõe a teoria tradicional, é limitada.

Simon reconheceu que a teoria da administração é em grande parte uma teoria da tomada de
decisão humana, e como tal deve ser baseado em ambos economia e na psicologia.

Ele afirma: “Sem considerar a (ir)racionalidade humana, a teoria administrativa e econômica


seria estéril. “

Ao contrário do ” homo economicus estereótipo”, Simon argumentou que as alternativas e as


consequências podem ser apenas parcialmente conhecidos, e meios e fins imperfeitamente
diferenciada, incompletamente relacionados, ou mal detalhado.

Conduta Administrativa aborda uma grande variedade de comportamentos humanos, habilidades


cognitivas, técnicas de gestão, políticas de pessoal, metas e procedimentos de treinamento,
papéis especializados, critérios para avaliação da precisão e eficiência, e todas as ramificações
de processos de comunicação. Simon é particularmente interessado em saber como esses
fatores influenciam a tomada de decisões, tanto direta como indiretamente.

Simon viu dois elementos universais de comportamento social humano como chave para criar a
possibilidade de comportamento organizacional em indivíduos humanos: Authority (abordadas
no Capítulo VII-O papel da Autoridade) e em lealdades e Identificação (abordadas no Capítulo
X: Loyalties e Identificação Organizacional ).

Autoridade é uma marca bem estudada, primária do comportamento organizacional,


diretamente definida no contexto organizacional como a capacidade e direito de um indivíduo
de maior pontuação para orientar as decisões de um indivíduo de baixa patente. As ações,
atitudes e relacionamentos dos indivíduos dominantes e subordinados constituem componentes
do comportamento papel que podem variar amplamente em forma, estilo e conteúdo, mas
não variam na expectativa de obediência pela de status superior, e vontade de obedecer do
subordinado.

Lealdade foi definido por Simon como o “processo pelo qual o indivíduo substitui objetivos
organizacionais (objetivos de serviço ou objetivos de conservação) para seus próprios objetivos
como o valor principal que determina as suas decisões organizacionais”. Isso implicou avaliar
opções alternativas em termos das suas consequências para o grupo, em vez de apenas para si.

70 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

Simon tem sido crítico de compreensão elementar economia tradicional de tomada de decisão,
e argumenta que ‘é demasiado rápido para construir uma imagem idealista, irrealista do
processo de tomada de decisão e, em seguida, prescrever com base em tal quadro irrealista’.
Suas contribuições para a pesquisa na área da tomada de decisões administrativas se tornaram
cada vez mais utilizadas na comunidade empresarial.

Além disso, Simon enfatizou que os psicólogos invocam uma definição “processual” de
racionalidade, ao passo que os economistas utilizam uma definição “substantiva”. Argumentou
que o conceito de racionalidade processual não tem uma presença significativa no campo
da economia e nunca teve quase tanto peso como o conceito de racionalidade limitada. No
entanto, em um artigo anterior, Bhargava (1997) observou a importância dos argumentos de
Simon e enfatizou que existem várias aplicações da definição “processual” de racionalidade em
análises econométricas de dados sobre a saúde. Em particular, os economistas devem empregar
“suposições auxiliares” que refletem o conhecimento nas áreas biomédicas relevantes, e orientar
a especificação de modelos econométricos para os resultados de saúde.

A despeito de sua notória contribuição para o campo de conhecimento que se tornaria conhecido
como Economia Comportamental, sua contribuição para diversas áreas de conhecimento, como
Inteligência artificial, psicologia, administração, pedagogia e ciências da computação, foi tão
significativa, que o Nobel de Economia é apenas um de múltiplos prêmios recebidos por Herbert
Simon ao longo de sua prolífica carreira.

Honras e prêmios

E
Ele recebeu muitas honras de nível superior na vida, incluindo tornar-se membro da
Academia Americana de Artes e Ciências em 1959; eleição para a Academia Nacional de
Ciências em 1967; Prêmio APA para contribuições científicas Distintos para Psychology
(1969); a ACM ‘s Turing Award para fazer ‘contribuições básicas para a inteligência
artificial, a psicologia do ser humano cognição , e lista de processamento’(1975); o
Prêmio Nobel de Economia “por sua pesquisa pioneira sobre o processo de tomada de decisão
dentro das organizações econômicas” (1978); a Medalha Nacional de Ciência (1986); a APA ‘s
Award for Contribuições Lifetime pendentes para Psychology (1993); ACM colegas (1994); e
Prêmio IJCAI para a Investigação Excellence (1995).
• Doutorado honorário, Escola de Lund de Economia e Gestão de 1968.
• Grau honorário, Universidade de Pavia, 1988.
• Honorário de Doutor em Leis(LL.D.) grau de Universidade de Harvard em 1990.
• Grau honorário, Universidade de Buenos Airesde 1999.

Publicações selecionadas

S
imon foi um escritor prolífico e autor de 27 livros e quase mil artigos. A partir de 2016,
Simon foi a pessoa mais citada na inteligência artificial e psicologia cognitiva no Google
Scholar . Com quase mil publicações altamente citadas, ele foi um dos mais influentes
cientistas sociais do século XX.

71 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

Livros
• Conduta Administrativa : Um Estudo dos processos de tomada de decisão na Organização
Administrativa .
– 4ª ed. em 1997, a imprensa livre

• Todos os modelos de Man . John Wiley. Apresenta modelos matemáticos do comportamento


humano.
• De 1958 (com James G. Março e a colaboração de Harold Guetzkow). Organizações . New
York: Wiley. a fundação da teoria da organização moderna
• As ciências do artificial . MIT Press, Cambridge, Mass, 1ª edição. Feita a idéia fácil de entender:
“Objetos (reais ou simbólicos) no ambiente da influência escolha tomador de decisões,
tanto quanto as capacidades de processamento de informações intrínsecas do tomador de
decisão”; Explicou que “os princípios da modelagem de sistemas complexos, em particular o
sistema de processamento de informação humana que chamamos de mente.”
– 2ª ed. em 1981, MIT Press. Como se afirma no Prefácio, a segunda edição desde que o autor
uma oportunidade “para alterar e alargar [sua] tese e aplicá-la a vários campos adicionais” além
teoria da organização, economia, ciência da administração e psicologia que foram cobertos na
edição anterior .

– 3rd ed. em 1996, MIT Press.

• 1972 (com Allen Newell). Resolução de Problemas humana . Prentice Hall, Englewood Cliffs,
NJ, (1972). “o livro mais importante sobre o estudo científico do pensamento humano no
século 20.”
• Todos os modelos de Descoberta: e outros tópicos nos métodos da ciência . Dordrecht,
Holanda: Reidel.
• Todos os modelos de pensamento, Vols. 1 e 2 . Yale University Press. Seus artigos sobre
processamento de informação humana e resolução de problemas.
• Todos os modelos de Racionalidade Limitada, Vols. 1 e 2 . MIT Press. Seus trabalhos sobre
economia.
– Vol. 3. em 1997, MIT Press. Seus trabalhos sobre a economia desde a publicação da Vols. 1 e 2
em 1982. Os trabalhos agrupados sob a categoria “A Estrutura de Sistemas Complexos” – lidando
com questões como a ordenação causal, decomposability, agregação de variáveis, o modelo de
abstração são de interesse geral na modelagem de sistemas, não apenas na economia.

• Razão nas Relações Humanas , Stanford University Press. A 115pp legível. livro sobre humana
tomada de decisão e processamento de informação, baseado em palestras que ele deu em
Stanford em 1982. A apresentação popular de seu trabalho técnico.
• 1987 (com P. Langley, G. Bradshaw, e J. Zytkow). Descoberta Científica: explorações numérica
dos processos criativos. MIT Press.
• Todos os modelos de minha vida . Basic Books, Sloan Series Foundation. Sua autobiografia.
• Uma base empírica Microeconomia . Cambridge University Press. Um resumo compacto e
legível de suas críticas da microeconomia convencionais “axiomática”, com base em uma
série de palestras.
• 2008 (a título póstumo). Economia, Racionalidade Limitada ea Revolução Cognitiva. Edward
Elgar Publishing, ISBN 1847208967 . reimprimir alguns de seus artigos não lidos pelos
economistas.

72 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

Artigos
• 1938 (com Clarence E. Ridley). Medindo actividades municipais: estudo de critérios propostos
e formas para avaliar Administration relatórios.
• Aspectos Fiscais da Metropolitan Consolidação .
• A Técnica da Administração Municipal , 2d ed.
• “Um modelo comportamental da escolha racional” , Quarterly Journal of Economics , vol. 69,
99-118.
• “Resposta: Surrogates para Problemas de Decisão incerto” , o Office of Naval Research,
janeiro 1956.
• – Reproduzido em 1982, In: HA Simon, os modelos de Racionalidade Limitada, Volume 1,
Análise Econômica e Política Pública, Cambridge, Mass, MIT Press, 235-44..

• De 1958 (com Allen Newelle JC Shaw ). Elementos de uma teoria de resolução de problemas
humanos
• “Motivacional e controles emocionais de cognição” , Psychological Review , vol. 74, 29-39,
reimpressa em modelos de pensamento Vol 1.
• “Teorias da Racionalidade Limitada” , capítulo 8 em CB McGuire e R. Radner, eds, decisão e
Organização, Amsterdam:. Norte-Holland Publishing Company.
• 1980 (com Anders Ericsson). “Verbal relata como dados” , Psychological Review , vol. 87,
215-251.
• 1985 “Human Nature in Politics: O Diálogo de Psicologia com Ciência Política”, The American
Political Science Review , vol. 79, no. 2 (Jun., 1985), pp. 293-304
• 1995 (com Peter C.-H. Cheng). “A descoberta científica e do raciocínio criativo com diagramas”,
em SM Smith, TB Ward & RA Finke (Eds.), A abordagem criativa Cognition (pp. 205-228).
Cambridge, MA: MIT Press.
• 1998 (com John R. Anderson, Lynne M. Reder, K. Anders Ericsson, e Robert Glaser). “Radical
Construtivismo e Psicologia Cognitiva” , Brookings Papers on Política de Educação , não. 1,
227-278.
• 2000 (com John R. Anderson e Lynne M. Reder). “Aplicações e má aplicação da psicologia
cognitiva para a educação matemática”, Texas Education Review , vol. 1, n. 2, 29-49.

Gerson Caner
Mestre em Administração com ênfase em Finanças Comportamentais e graduado em Economia
pela Universidade de São Paulo (FEA-USP, 1992). Possui MBA em Finanças (USP) e diversos
cursos de especialização realizados no Brasil e Exterior (FGV, Insper, Universidade Nova de Lisboa,
London School of Economics). Atuou como economista do Grupo Votorantim e como diretor de
Fusões e Aquisições e Mercados Emergentes na consultoria Ernst & Young, onde foi responsável
pelo programa Empreendedor do Ano. Atualmente é professor de Finanças Corporativas,
palestrante de Educação Financeira e Finanças Pessoais e consultor de Investimentos (possui
certificação ANCORD). Também é pai do pequeno Theo, o que só aumentou seu interesse por
Educação Financeira e Finanças Pessoais.

73 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1979
Entre os Prêmios Nobel, os pais do
desenvolvimento econômico
Theodore Schultz e Sir Arthur Lewis
por Karina Bugarin

D
ou início a este breve relato sobre os
trabalhos acadêmicos de Sir Arthur Lewis
e Theodore W. Schultz utilizando uma frase
de George Orwell: “Todos os animais são
iguais, mas alguns animais são mais iguais
que os outros”, de seu livro A Revolução dos Bichos.
Theodore Schultz e Sir Arthur Lewis demonstraram
em suas vidas, tanto acadêmicas quanto profissionais,
uma profunda inquietação com o porquê de “alguns
animais (serem) mais iguais que os outros”.

Em um contexto irrefutavelmente marcado pela


heterogeneidade da recuperação econômica dos
países pós-Segunda Guerra Mundial, os autores
buscaram identificar fatores que impulsionavam ou limitavam o crescimento econômico, não
apenas sobre uma ótica de fatores tradicionais de produção. Vale ressaltar que o contexto dos
anos 50 (“Golden Age of Capitalism”) trouxe desafios pungentes: hiato crescente entre economias
industrializadas (tidas como modernas) e economias em desenvolvimento (tidas como periféricas),
expansão populacional e menor disponibilidade de alimentos em países em desenvolvimento,
difundida pobreza, entre outros.

74 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

Com suas experiências práticas e empíricas, Os aportes de Lewis e Schultz, da década de 50,
os autores exploram, à luz da teoria servem para o Brasil de 2020. Com produtividade
econômica clássica, fatores mais sutis do estancada há mais de três décadas, pressões
crescimento econômico, fundamentando crescentes no aumento de desigualdade de
o que posteriormente viríamos chamar de oportunidades no acesso aos serviços básicos
Desenvolvimento Econômico. Theodore Schultz, de qualidade (educação, saúde e segurança
filho de fazendeiros, desenvolve o que chamamos pública), situação agravada pelo retrocesso em
hoje de investimento em capital humano para uma década de produção e emprego ocasionados
alavancar o crescimento econômico. Sir Arthur pela pandemia do COVID-19, parece que ainda
Lewis, negro e nascido em colônia britânica, não conseguimos internalizar a importância
aponta para a rigidez e constância da pobreza de capital humano e os efeitos limitantes da
em países em desenvolvimento como resultado pobreza em nossas políticas públicas. A frase
de baixa produtividade. A união de suas ideias do humorista Millôr Fernandes parece carregar
e modelos teóricos induziu um refinamento da os ensinamentos de Schultz e Lewis e nossa
teoria de crescimento econômico, considerando incapacidade de internalizá-los: “o Brasil tem um
elementos institucionais, históricos e de enorme passado pela frente”.
formação de capital humano.

Theodore Schultz

N ascido em South Dakota (EUA) em 1902, durante a presidência de Theodore Roosevelt,


cresceu num estado onde a atividade agrícola era o principal setor produtivo no início do
século XX. Com uma trajetória profundamente marcada pela empatia aos fazendeiros,
iniciou sua carreira em economia observando os efeitos deletérios da insolvência sobre
os fazendeiros e iniciando a discussão do rol do capital humano na atividade produtiva.

Sua mente, inquieta e curiosa, não foi posta a poucos desafios. Com o choque da Primeira Guerra
Mundial, Schultz foi obrigado a suspender seu ensino formal. Retomando os estudos a partir de 1919,
com a conclusão do conflito, ele passou rapidamente por Iowa State University, onde fez um curso
de extensão (“minor degree”) em Agricultura. O modelo heterodoxo da Universidade de Wisconsin
à época instigou Schultz a perseguir sua graduação e seu doutorado em Economia. A conclusão de
seu doutorado em 1930 coincide com o período da grande depressão nos EUA e retorna à sua alma
mater, Iowa State University, agora como professor. Em 1943, após 13 anos nessa instituição, Schultz
assume posição docente na Universidade de Chicago, onde permaneceu até sua aposentadoria em
1972.

No momento de auge das teorias keynesianas, voltadas a efeitos de curto prazo da expansão de
gastos públicos diretos sobre o nível de atividade econômica, em particular sobre o desemprego,
Schultz aprofundou sua análise sobre a necessidade de focalizar a análise econômica no campo das
políticas públicas. Após a Segunda Guerra Mundial, a heterogeneidade nas trajetórias de retomada de
crescimento econômico entre países instiga Schultz a investigar o porquê da recuperação da alemã-
japonesa ser tão diferente da inglesa. A conclusão, com uma análise institucional e histórica alinhada
com a estritamente econômica clássica, indicou que o ponto crítico para a reação econômica à crise
vinha do capital humano: escolaridade, nutrição, competências.

75 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

Empirista, curioso sobre abordagens econômicas docente em Iowa State University (nos anos 30 e
desde que atreladas a uma possível melhoria de início de 40), as situações contextuais históricas
bem-estar social, Schultz não formalizou um e de vivência, Schultz redireciona seu escopo
modelo de crescimento econômico. Ao invés ideológico para a vertente de liberalismo clássico,
disso, dedicou-se a desagregar a produtividade chamando atenção às distorções geradas pelas
total dos fatores a partir de constatações factuais intervenções dos governos. Em 1941, após o
para fundamentar como se promove o acúmulo escandaloso episódio “Oleomargarine” [1],
de capital humano para alavancar produtividade Schultz sai e assume posição executiva em um
e promover ganhos (inclusive aos mais pobres) grupo (do qual Milton Friedman também era
em produção agregada. membro) para promover discussões acadêmicas
sobre a maximização da liberdade individual em
Com a contribuição de Solow em 1957 sobre uma sociedade moderna, concomitantemente
mudanças tecnológicas e a função de produção assumindo posição de docente na Universidade
agregada, Schultz questiona a hipótese de de Chicago.
retornos crescentes a escala. Salienta que se
apenas metade do crescimento de produção Schultz encontra evidências de que o excesso
nacional pode ser explicado por horas de intervencionismo estatal prejudica e
trabalhadas e capital físico, a causa para o potencializa a pobreza rural em países periféricos
crescimento parecia estar no que chamaram de (subdesenvolvidos ou pobres), observando
“resíduo” e na qualidade dos recursos produtivos. como os governos obstruíam incentivos de
Com retornos constantes de escala, mantendo mercado e avanços tecnológicos, muitas vezes
constante a taxa marginal de substituição entre estabelecendo preços artificiais e sobretaxando
capital e trabalho, o aumento da produção os produtores rurais. Schultz entende que a
agregada deve refletir um investimento desse atividade empreendedora de fazendeiros em
produto na forma de insumo de produção ou perceber, interpretar e responder às novas
melhoria da qualidade dos fatores produtivos oportunidades não poderia ser realizada pelo
capital físico e trabalho. Assim, o aumento de governo, sendo o último a principal causa de
produção agregada seria um reflexo do aumento incentivos econômicos não ótimos.
da qualidade dos recursos produtivos.
As extensões temáticas na Economia dos
Seu argumento segue a lógica de investimento. A trabalhos de Schultz são evidentes: economia
alocação de recursos de produção para aprimorar da educação e da saúde; teoria da decisão
a qualidade dos insumos pode ser caracterizada (deriva do entendimento de que todo agente
como investimento. Schultz, então, indaga como econômico age racionalmente, respondendo
se mensura os efeitos de escolaridade e saúde a incentivos, mesmo que sem escolaridade);
e seu impacto nos retornos sobre investimento. pobreza e capital humano; entre outros. O cerne
Esta sequência temporal simplifica o processo da linha de argumentação de Schultz está na
de inserção de investimento em capital humano necessidade de investimento em educação e
como fator determinante de crescimento saúde para aumentar a produtividade, reduzindo
econômico. Vale destacar que desde o início de consequentemente a pobreza, com pouca
sua carreira, Schultz remete a características dos ou nenhuma intervenção governamental no
indivíduos na produção agrícola e a importância processo produtivo em si.
de pesquisa para alavancar o retorno sobre
investimento, tanto em termos de capital humano Schultz viveu quase integralmente o século
quanto em inovação do meio de produção. XX, tendo falecido em 1998, aos 95 anos de
idade em Evanston, Illinois. Continuou ativo
O papel do governo é discutido ao longo de toda academicamente até 1990 quando, por motivos
sua produção acadêmica. Iniciando com visão de saúde, parou sua diligência acadêmica.
fortemente intervencionista no seu período como

76 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

Sir Arthur Lewis

N
ascido em 1915 na ilha de Santa Banco Central da Jamaica e membro de diversos
Lucia no Caribe, Sir Arthur conselhos (Conselho Econômico Consultivo das
Lewis marcou sua presença na Colônias, Política Nacional de Combustíveis na
formação de teoria econômica pela Inglaterra, Grupo de Especialistas da ONU, entre
elegância na formalização de seu outros).
modelo e a aderência à realidade dos países
em desenvolvimento, particularmente nas A principal pergunta que motivava Lewis era “por
colônias britânicas. Também notório por ser que crescimento econômico não impede que
o primeiro aluno e, posteriormente, professor as pessoas sejam pobres automaticamente?”.
negro na London School of Economics (LSE) Estendendo modelos neoclássicos de
e em Princeton, o primeiro negro a ter posto crescimento, Lewis publica em 1954 o seu artigo
nas Nações Unidas, primeiro Nobel negro em seminal “Economic Development with Unlimited
Economia, entre outras posições de destaque Supplies of Labour”. O seu modelo inicia
internacional. Lewis formalizou porque pessoas com uma abstração genial pela simplicidade:
permanecem pobres mesmo na presença de iniciando em uma economia fechada com
crescimento econômico. Pode-se dizer que abriu dois setores (A;B), sendo A agricultura e B
o caminho para a discussão de poverty traps. indústria. Em economias periféricas (“backward
economies”, conforme denominado por Lewis),
Em sua vida, consistentemente manteve um existe excesso de oferta de trabalho em A, onde
nível de destaque. Recebeu bolsa para cursar a produtividade marginal do trabalho é irrisória
o ensino fundamental em Saint Mary’s College (zero ou até mesmo negativa). Sendo assim, o
(Santa Lucia), sendo aprovado no Cambridge setor B absorve a mão-de-obra com salários de
Junior Exam aos 12 anos, e recebendo o subsistência do setor A.
Cambridge School Certificate com honra ao
mérito, completando seus estudos aos 14 anos. A formação de capital e o avanço tecnológico
Em 1933, foi aceito no programa de graduação aumentam o lucro relativo à renda nacional,
em comércio (Bachelor in Commerce Degree) mas não necessariamente induzem um aumento
na LSE, sendo concedida a única bolsa de salarial. O setor capitalista (B ou industrial)
estudos para o conjunto das colônias britânicas. expande à medida que formação de capital ocorre
Em 1937, conclui a graduação aos 22 anos com (por crédito e lucro), absorvendo mão-de-obra
a maior nota geral da história da LSE. Em 1940, do setor agrícola (A) até que o excesso de mão-
finalizou seu doutorado em Economia Industrial de-obra disponível seja absorvido integralmente.
pela LSE. Foi o primeiro professor negro da LSE Neste momento, salários começam a crescer
com contrato de apenas um ano, não permitindo acima do nível de subsistência.
orientação de alunos. Em 1948, quando tinha
apenas 33 anos, foi lecionar em Manchester. A importação de capital externo apenas se
No fim da década seguinte, Lewis assumiu traduz em crescimento de salário real na medida
como chefe do Departamento de Economia na em que a produtividade do trabalho cresce. Por
Universidade das Índias Ocidentais. Já em 1963, isso, Lewis destaca a ineficiência de produção
ele virou professor em Princeton (tendo apenas agrícola em países periféricos faz com que
um breve interregno de três anos que começou suas commodities sejam relativamente baratas
em 1971). e os salários de subsistência. Naturalmente, o
crescimento econômico não seria traduzido
Fora da academia, foi diretor da Cooperação de em redução de pobreza (não haveria aumento
Desenvolvimento Colonial, Presidente do Banco salarial e a taxa marginal de produtividade de
de Desenvolvimento do Caribe, Diretor do trabalhadores do setor A, mesmo migrando a B,

77 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

se manteria irrisória).

O principal mecanismo pela qual o crescimento econômico leva ao aumento dos salários reais,
reduzindo assim o estado de subsistência da maioria da população em países periféricos, é um
aumento de produtividade. A permanência de uma economia em um estado de subdesenvolvimento,
inadequadamente denominado de “poverty trap”, no contexto Lewisiano, deriva da baixa produtividade
acoplada a um excesso de mão-de-obra do setor A (agrícola) menos desenvolvido.

As extensões do modelo bissetorial de Lewis ao longo da teoria econômica são diversas e evidentes:
adição de custos de transição de mão-de-obra (seja entre setores, seja entre países); identificação de
conjunto de competências diferentes entre setores que condicionam a possibilidade de fluxo setorial
da mão-de-obra; restrição no consumo dos bens produzidos no curto prazo; reinvestimento parcial
do lucro para a expansão da produção; impacto do fluxo de mão-de-obra na presença de choques
tecnológicos; entre outros.

Lewis faleceria aos 76, apenas doze anos depois de conquistar o Nobel de Economia. Foi enterrado
em Saint Lucian Community College em sua terra natal, onde sua memória puja no novo nome da
faculdade: Sir Arthur Lewis Community College.vv

Uma reflexão para o Brasil

O Os autores convergem
importância de produtividade como
principal elemento de propulsão do
crescimento econômico com ganhos
sociais. Os autores coerentemente mostraram
que não era necessário um novo modelo para
na

analisar os países periféricos, algo que à época


ressoava nos ambientes acadêmicos. Bastaria
utilizar o modelo neoclássico com destaque
a elementos históricos e institucionais para
compreender a heterogeneidade da retomada
do crescimento econômico e o persistente
retardamento de economias periféricas.

No caso de Schultz, produtividade derivava


de investimento em saúde e educação. A
produtividade seria responsável pela maior
qualidade dos fatores de produção agregada
e reduz a pobreza. Para Lewis, produtividade
garantia o aumento dos salários dos
trabalhadores como consequência do aumento
do capital. Ambos entendem a produtividade
como chave para o Desenvolvimento
Econômico. Uma rápida análise do Brasil nos
permite voltar as frases de Orwell e Millôr
apresentadas no início desta exposição. Com

78 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

a produtividade do trabalho estancada, a busca por um desenvolvimento econômico parece um


exercício de narrativas bonitas sem efeitos reais.

A crescente importância dada ao ensino técnico, inclusive com a inclusão da modalidade no novo
currículo do Ensino Médio, sinaliza que queremos impulsionar nosso capital humano. A crescente
preocupação com tudo 4.0, da agricultura à indústria, sinaliza que queremos aumentar a produtividade
por trabalhador. Mas a evidente desconexão do mundo das boas intenções traduzidas em políticas
públicas com o dia a dia e as necessidades dos cidadãos limitam a efetividade da atuação do setor
público no Brasil.

Produtividade já se apresentava como ponto crítico para o desenvolvimento econômico, resultando


em dois Nobel de Economia no final da década de 70. Espero que o reviver das vidas e das teorias dos
grandes mestres possa iluminar a criticidade do debate. É preciso, tão logo este dramático período
sanitário seja superado, soluções integradas adotadas para alavancar a produtividade do país.

Karina Bugarin
Graduada INSPER e mestrado Univ. Tsukuba (Japão).

Notas:
[1] Iowa State publica um relatório que defende a suspensão das restrições na fabricação e venda de
margarina, que seria um bom substituto para manteiga (tanto em gosto quanto em valor nutricional).
O relatório enfrenta uma série de repercussões políticas liderada pelo lobby dos produtores de
laticínios. A administração de Iowa State tentou impedir a impressão de folhetos com os resultados
da pesquisa, e o reitor careceu de apoio a Schultz. O episódio culmina no pedido de demissão de
Schultz e sua ida para Chicago University.

79 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1980
Lawrence R. Klein e a formulação
científica de política macroeconômica
Lawrence Klein
por Pedro Garcia Duarte

L awrence Robert Klein (1920 – 2013) recebeu em 1980


o “Prêmio do Banco Central Sueco em Economia em
Memória a Alfred Nobel” por seu esforço de criar
modelos econométricos para aplica-los na análise de
ciclos econômicos e de política econômica. Este seu trabalho,
que marcou toda sua carreira, começou a ser desenvolvido
no final dos anos 1940, anos depois que ele concluiu sua tese
de doutorado no MIT sob a orientação de Paul Samuelson
—Klein foi o primeiro orientando de Samuelson e o primeiro
doutor em economia no MIT (programa de doutorado criado
apenas nos anos 1940), com a tese The Keynesian Revolution
defendida em 1944 (tese esta que virou um livro de grande
sucesso publicado em 1947). Além do Prêmio do Banco
Central Sueco, Klein, como seu orientador, também recebeu
a prestigiosa honraria da American Economic Association, a
John Bates Clark Medal, em 1959.

Para entender a importância dos modelos econométricos


de Klein e outros autores, é preciso fazer um apanhado de

80 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL

como se deu o desenvolvimento da economia defendida em 1946 na Universidade de Oslo).


no século XX. Embora estudos empíricos em Anteriormente, os economistas derivavam
economia, tanto de ciclos econômicos como de de suas teorias relações exatas entre
estimação de demanda, tenham longa história variáveis econômicas de interesse (expressas
(Morgan 1990), é apenas em 1930 que um grupo
por equações), que eram então medidas
internacional de economistas das mais diversas
empiricamente (com uso de estatística)
matizes teóricas cria a Econometric Society: uma
sociedade para estimular estudos em economia e julgadas se eram representações boas
que juntassem economia com matemática e ou não. Haavelmo traz uma abordagem
estatística. Para Ragnar Frisch, esta junção probabilística para a economia: os dados
era a marca da então nascente “econometria”, econômicos são fruto de alguma distribuição
rompendo a dicotomia da matemática usada em de probabilidade e cabe ao econometrista
economia (no século XIX) de modo abstrato e especificar corretamente os principais
dedutivo e da estatística usada de modo indutivo. determinantes de uma dada variável de
A combinação de matemática com estatística interesse, sabendo que há fatores residuais,
e economia se apresentava como uma nova não modelados, que acabam compondo o
forma de pensar as questões econômicas, mais
termo de erro de uma relação econômica
científica, que ganhou o apoio de economistas
—que é, portanto, probabilística. Esta nova
tão diversos como Frisch (Noruega), Joseph
Schumpeter e Friedrich Hayek (Áustria), Irving forma de caracterizar as relações econômicas
Fisher, Harold Hotelling e Charles Roos (EUA), iniciou a fase moderna da econometria, que
John Maynard Keynes e Arthur L. Bowley vem até nossos dias.
(Inglaterra), François Divisia (França), Luigi
Amoroso e Corrado Gini (Itália), e Jan Tinbergen Haavelmo desenvolveu este trabalho nos
(Holanda), dentre muitos outros. Estados Unidos, onde foi um bolsista
da Rockefeller Foundation (1940-42) e
Em 1937 Tinbergen produz o primeiro modelo estatístico no departamento em Nova York
macroeconométrico: ele representou e da Norwegian Shipping and Trade Mission
estimou as e quações que caracterizariam (Nortraship) (1942-44). Após um ano como
o funcionamento da economia holandesa. adido comercial na embaixada da Noruega
Logo em seguida a Liga das Nações em Washington, DC, ele torna-se pesquisador
o contratou para produzir um modelo da Cowles Commission for Research in
macroeconométrico da economia norte- Economics em 1946-47, quando retorna para
americana. Usando dados de 1919 a 1932, a Noruega, finda a Segunda Guerra Mundial.
Tinbergen estimou 22 equações que A Cowles Commission foi uma fundação de
continham 31 variáveis. Trata-se de um pesquisa criada em 1932 pelo economista
feito excepcional para uma época em que e magnata Alfred Cowles III, que também
inexistiam computadores! era entusiasta da econometria e apoiou
financeiramente a revista acadêmica que a
Em 1944, o economista norueguês Trygve Econometric Society começou a publicar
Haavelmo, que estava também interessado em 1933, chamada Econometrica.
no uso de modelos econômicos como guia
para políticas econômicas, publicou um Assim, retornamos a Lawrence Klein. Após a
longo artigo que mudou a maneira com nova abordagem probabilística de Haavelmo,
que os economistas faziam modelos (que o modelo macroeconométrico de Tinbergen
serviu de base para sua tese de doutorado precisava seriamente ser revisto e atualizado.

81 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL

Então a Cowles Commission atribui a Klein esta tarefa, no final dos anos 1940. Em 1950, Klein
publica Economic Fluctuations in the United States 1921–1941, que é seu primeiro esforço
de construir um modelo macroeconométrico tendo por base os trabalhos de Tinbergen e
de Haavelmo. Nele, está clara a metodologia de Klein e dos modelos que sucederam seu
trabalho, com dois princípios: primeiro, modelos macroeconométricos são para serem
revistos, atualizados, expandidos de tempos em tempos; segundo, a desagregação do
modelo é pautada pela disponibilidade de (bons) dados.

Mas é na Universidade de Michigan que Klein orienta Arthur Goldberger e os dois constroem
um modelo médio (que em sua primeira versão continha 15 equações estruturais para se
estimar e 5 identidades macroeconômicas) para a economia norte-americana. Este modelo
tem inspiração na teoria keynesiana e é publicado no livro An Econometric Model of the
United States 1929–1952, tornando-se a base para grande parte dos modelos subsequentes.
O famoso modelo Klein-Goldberger tinha como objetivo tanto fazer previsões anuais sobre
a atividade econômica como também discutir políticas econômicas alternativas através de
simulações.

A partir da década de 1960 o mundo assiste uma enorme proliferação de modelos


macroeconométricos, também usados pela iniciativa privada para previsões econômicas.
Os modelos vão se tornando maiores e mais complexos e nasce a nova organização de sua
produção, com grandes times de pesquisadores e a participação de inúmeros alunos de
doutorado que tipicamente trabalhavam em partes específicas do modelo macroeconométrico.
Lawrence Klein, então na Universidade da Pennsylvania, fica no centro de uma vasta rede de
colaboradores.

Na década de 1960, já com a disseminação dos computadores, dois importantes modelos


foram desenvolvidos. O primeiro foi o modelo usado pelo banco central norte-americano
(Fed), o chamado modelo “MPS” que começou a ser elaborado na segunda metade da
década de 1960 e foi implementado pelo Fed em 1970. MPS se refere às instituições das
pessoas envolvidas no seu desenvolvimento: MIT (onde estava Franco Modigliani), University
of Pennsylvania (onde estava Albert Ando), e o Social Science Research Council (agência
financiadora); no Fed havia uma equipe de economistas, com destaque para Frank de Leeuw.
Este modelo, na sua primeira versão, continha 60 equações retratando o funcionamento de
uma economia fechada (sem comércio com outros países). O segundo importante modelo
foi o chamado modelo Brookings, que tem por base o primeiro modelo trimestral feito por
Klein que aparece no início dos anos 1960, com 37 equações. Klein então junta esforços com
James Duessenberry (Universidade de Harvard) e inicia um gigantesco projeto na Brookings
Institution para construir um grande modelo macroeconométrico trimestral. Os dois dirigiam
um time de notáveis acadêmicos em diferentes universidades e o modelo Brookings nasce
com 200 equações (com cerca de 150 delas sendo estimadas econometricamente). Com
o passar do tempo mais dados toraram-se disponíveis permitindo maior desagregação do
modelo que então chega à impressionante marca de mais de 400 equações (utilizando uma
amostra temporalmente curta, de 1949 a 1960, com dados trimestrais).

Da Universidade de Pennsylvania, Klein inicia em 1967-68, como parte de discussões de um

82 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL

comitê da Social Science Research Council, um projeto ainda mais ambicioso: de trazer para
a discussão sobre estabilidade doméstica em uma economia a ligação internacional com
outras economias. Nasceu assim o Projeto LINK, que estudava o mecanismo de transmissão
internacional de fluxos de comércio (exportação e importação) entre países. LINK era um
sistema de modelos: ele agrupava modelos econométricos de cada país, com as variáveis
internacionais que são dadas para um país isoladamente sendo determinadas conjuntamente
pela economia global. Isto foi possível tanto por Klein liderar grupos de pesquisadores
em diferentes países, e também no Fundo Monetário Internacional, que faziam modelos
macroeconométricos, como também por decidir não padronizar os diferentes modelos.
No início dos anos 1970, o Projeto LINK continha modelos de 13 economias desenvolvidas
(Bélgica, Canadá, França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Inglaterra,
EUA, Áustria, Austrália, Finlândia), um modelo da União Soviética, modelos de economias
em desenvolvimento (agrupadas em 5 categorias), e um modelo para o restante do mundo.

Os modelos macroeconométricos de Klein e nele inspirados tiveram longa vida em bancos


centrais, em institutos de pesquisa, organismos internacionais (como o FMI) e empresas.
Seus usuários acreditavam ter ferramentas muito poderosas para pensar as relações (macro)
econômicas e prever variáveis de interesse. A trajetória de Klein coroa os esforços iniciais de
Tinbergen e Haavelmo. Dos anos 1940 aos dias atuais, muitos economistas desenvolveram
os modelos macroeconométricos para poderem aperfeiçoar substancialmente a arte da
formulação de políticas econômicas, transformando-a mais em ciência do que arte. Os
desenvolvimentos econométricos e computacionais transformaram o computador no
laboratório que os economistas tanto almejaram: com seus modelos macroeconométricos os
economistas podiam simular as consequências de políticas econômicas alternativas antes de
interferir de fato na economia de um dado país. Claro que há limitações importantes nestes
exercícios, e os economistas tinham consciência disto, buscando sempre rever os modelos
tentando aprimora-los, na medida do possível. Hoje em muitos países os bancos centrais
utilizam modelos que são tecnicamente distintos dos que vimos aqui, mas que seguem o
espírito de Klein de construir ferramentas para a formulação e análise científicas de políticas
macroeconômicas.

Pedro Garcia Duarte


Senior Research Fellow, INSPER

83 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL

Notas:
Boumans, Marcel; Duarte, Pedro Garcia (2019). The History of Macroeconometric Modeling. Número especial
da History of Political Economy, v. 51, no. 3.

Duarte, Pedro Garcia (2011). A contribuição da econometria para o debate macroeconômico. Em: Duarte,
Pedro Garcia; Silber, Simão; Guilhoto, Joaquim, orgs.O Brasil e a Ciência Econômica em Debate: O estado da
arte em economia (vol.2).São Paulo: Saraiva, 2011, p. 229-251.

Haavelmo, Trygve (1944). The Probability Approach in Econometrics. Econometrica, 12 (supl.): 1-115.

Klein, Lawrence (1950). Economic Fluctuations in the United States 1921–1941. Cowles Commission
Monograph, no. 11.

Klein, Lawrence (1976). Project LINK: Linking National Economic Models. Challenge, v. 19, no. 5.

Klein, Lawrence; Goldberger, Arthur S. (1955). An Econometric Model of the United States, 1929-1952.
Amsterdam: North Holland Publishing.

Morgan, Mary S. (1990). The History of Econometric Ideas. Cambridge: Cambridge University Press.

84 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1981
James Tobin
por Adriana Dupita

U ma mente como uma esponja…


à frente em seu campo por uma
larga distância”.
Assim o autor Herman Wouk descreve, em seu livro The
Caine Mutiny, um personagem chamado Tobit – inspirado
de maneira nada discreta em seu colega no serviço naval
durante o período da Segunda Guerra Mundial. O colega era
o economista James Tobin, e a descrição faz jus a uma mente
incansável, de ideias notáveis, algumas até hoje batizadas
pelo seu nome.

No anúncio da premiação de James Tobin em 1981, o Sveriges


Riskbank apontou como motivação do prêmio “sua análise de
mercados financeiros e suas relações com decisões de gastos,
emprego, produção e preços”. A paternidade de algumas
ideias é óbvia no nome dos conceitos e métodos usados até

85 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

hoje: q de Tobin, Tobin tax, modelo Tobit (sim, Guerra Mundial – e seguiu como Junior Fellow
como o personagem do livro). Mas suas pegadas da instituição até 1950. Entre seu ingresso e sua
se espalham pelas trilhas da macroeconomia, saída de Harvard, a teoria econômica passaria
que percorreu em mais de 500 artigos ao longo por grandes mudanças.
de mais de meio século de pesquisa, de maneira
que “sua influência na teoria macroeconômica é Até a Depressão, prevalecia na academia a
tão pervasiva (…) que muitos economistas mais noção clássica de que os mercados se ajustam
jovens frequentemente sequer têm noção de sozinhos através da movimentação dos preços:
que são as suas ideias que eles estão elaborando, por exemplo, havendo uma recessão, os
testando, criticando, refutando ou reinventando”. preços caem até que, estando suficientemente
baixos, haja demanda pelos bens e serviços
Não são apenas os jovens economistas que e a economia volte a rodar normalmente. Da
esbarram nas ideias de Tobin: o noticiário mesma forma, acreditava-se que, em caso de
econômico discute muitas delas cotidianamente. alta do desemprego, os salários cairiam até um
Por exemplo: por que se espera que, quando o ponto em que voltasse a haver demanda por
Copom corta a taxa básica de juros, a economia trabalhadores, reduzindo assim o desemprego.
vá responder aumentando investimento – não
o investimento financeiro, mas o investimento A Grande Depressão mostrou que o ajuste
em produção? O que os governos devem fazer não era tão rápido e automático quanto os
numa recessão: devem aumentar gasto público e economistas da época acreditavam, e motivou
cortar juros, ou devem aguardar que a economia uma agenda de pesquisa relevante até os dias de
“se cure” sozinha? Como as economias podem se hoje. Os economistas de então se debruçaram
proteger dos especuladores? O trabalho de Tobin sobre como evitar novos episódios como este
ajudou a definir a maneira como os economistas e garantir que a economia estivesse tão perto
pensam a respeito destes problemas. quanto possível do chamado pleno emprego:
a situação em que todo mundo que deseja
Sua contribuição é ainda mais importante encontra emprego ao salário vigente. Tobin
porque ele faz parte da primeira leva de foi um dos primeiros e maiores contribuidores
macroeconomistas da história, e foi testemunha desta agenda, tanto em Harvard como em Yale,
ocular de um dos momentos mais desafiadores da para onde migrou em 1950 e ficou pelo resto de
história econômica recente. Ele é filho intelectual sua carreira. Além da carreira acadêmica, Tobin
do pós-Grande Depressão: nascido em 1918 nos serviu como membro do Council of Economic
quintais metafóricos da Universidade de Illinois, Advisors do Presidente John F. Kennedy entre
filho de um jornalista e de uma assistente social, 1962 e 1963, e seguiu como consultor do Tesouro
James Tobin juntou-se a Harvard em 1935 para e do Federal Reserve mesmo após seu retorno
cursar (com bolsa) a graduação, obteve seu à universidade, alimentando o debate público
doutorado em 1947 – após um afastamento sobre
de quatro anos para participar da Segunda

Fisher e Keynes

O trabalho de James Tobin se inspira em dois economistas influentes. Um é Irving Fisher,


seu antecessor e um dos fundadores da Cowles Commission for Economic Research, que
mais tarde deu origem à Cowles Foundation, um centro dedicado ao estudo da teoria
e da mensuração em economia que Tobin dirigiu entre 1955 e 1965. O outro foi John
Maynard Keynes, a cuja recém-publicada obra foi apresentado logo nos primeiros anos de Harvard.
De Fisher, Tobin herda o rigor analítico e a obsessão pela clareza; de Keynes, o talento para identificar

86 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

os assuntos mais relevantes de sua época e a objetividade na discussão das implicações para política
econômica.

A influência de Fisher e Keynes vai além de uma questão de estilo e abordagem. Fisher deu grandes
contribuições à estatística econômica, à teoria monetária e à discussão sobre escolha intertemporal,
um tema tão central a finanças. Uma parcela significativa do trabalho de Tobin é dedicada a explicar
como os preços dos ativos – que refletem estas escolhas intertemporais – influencia a flutuação da
própria economia.

A obra de Keynes praticamente inaugurou a macroeconomia – isto é, a forma de ver a economia


de forma agregada, como um todo. Em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda,
Keynes se ancorou em quatro blocos analíticos: a relação entre salários e emprego, a propensão a
consumir, a preferência por liquidez e a demanda por moeda, e a indução ao investimento. Tobin
se debruçou sobre cada um deles ao longo da carreira, mas suas contribuições mais importantes
são relacionadas aos dois últimos. Ele se dedicou a dar uma base mais sólida à teoria algo abstrata
de Keynes, avançando em seus fundamentos teóricos, contrapondo-os aos dados e esclarecendo
suas implicações para política fiscal e monetária. O também Nobel Paul Krugman assim resumiu a
contribuição de Tobin: “tomou o keynesianismo cru e mecanicista que prevalecia nos anos 40 e o
transformou em uma doutrina muito mais sofisticada, que se concentrava nos cálculos de ganhos e
perdas que os investidores precisavam realizar entre o risco, o retorno e a liquidez.”

“Money matters – but it


is not all that matters”

P
or que você decide ter dinheiro na carteira (ou parado numa conta corrente) ao invés de
investir em algo que possa gerar rendimento? Parece uma pergunta trivial, mas entender
como esta decisão é tomada pelas pessoas é fundamental para entender as consequências
de decisões como alterações nos juros, por exemplo.

Quando uma pessoa recebe uma determinada soma de dinheiro – um salário mensal, por exemplo –
que vai custear despesas ao longo de um período próximo, ela tem uma escolha a fazer: pode ficar
com todo o dinheiro em moeda ou na conta corrente, ou pode aplicar os recursos para ir ganhando
algum rendimento enquanto as despesas não se concretizam. O fato de que as pessoas insistiam
em manter uma parte dos seus recursos em moeda – a chamada “preferência pela liquidez” – era
interpretado por Keynes como sinal de uma certa “motivação especulativa”. Ele argumentava que as
pessoas evitavam colocar todo o dinheiro em títulos na expectativa de que os juros viessem a subir
no futuro: afinal, uma alta dos juros reduziria o valor dos títulos e causaria perda de capital da parte
dos recursos aplicada.

Insatisfeito com esta explicação, Tobin ofereceu duas linhas de raciocínio mais sólidas para a preferência
por liquidez e a sensibilidade da demanda por dinheiro à taxa de juros. A primeira explicação seria
que a escolha da quantidade de moeda versus títulos se dá por uma decisão racional, em que o custo
de oportunidade de ficar com o dinheiro em mãos — os juros que se deixa de ganhar – é comparado
aos custos (taxas, tempo perdido, esforço) de ir descontando os títulos a cada vez em que se precisa
dos recursos para comprar mercadorias ou pagar um serviço.

87 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

A segunda explicação oferecida por Tobin para a relação entre a demanda por moeda e a taxa de
juros está associada à aversão ao risco: as pessoas preferem liquidez, e esta preferência é tão maior
quanto menor seja a taxa de juros, não porque elas têm expectativa de perda de capital (como dizia
Keynes), mas porque elas a temem. Ou seja, a decisão de ter uma parte de seus recursos em moeda,
ou em um ativo livre de risco, refletiria a aversão ao risco de cada um. Esta ideia está na origem do
chamado teorema da separação, um dos pilares sobre os quais a maior parte da teoria moderna de
finanças se assenta – inclusive o Capital Asset Pricing Model (CAPM), modelo que, apesar de seus
muitos problemas, é muito difundido em finanças ainda hoje.

Esta aparente obsessão pela resposta da demanda por dinheiro à taxa de juros tem explicação. Por
volta da década de 1950, vinha emergindo uma escola de pensamento – os monetaristas — que
argumentava que a velocidade de circulação da moeda não era sensível à taxa de juros. Para os
monetaristas, estímulos fiscais – aumento de gastos públicos ou cortes de impostos – não seriam
capazes de influenciar a demanda agregada, a menos que fossem acompanhados pela criação de
dinheiro. É como se os monetaristas dissessem que a moeda fosse a única variável que importa na
economia.

Tobin acreditava na relevância da moeda mas discordava que fosse a única variável de ajuste possível
– e passou boa parte da sua carreira em um “duelo acadêmico” com o monetarista Milton Friedman
sobre o efeito das políticas monetárias e fiscal. A discussão entre eles não ficava limitada a este tema,
claro – e perpassou temas como a forma como o governo afetava a liberdade dos indivíduos. Sobre
este tema, o último parágrafo de uma carta enviada por ele a Friedman em 1964 parece ter sido
escrito… ontem. Dizia Tobin: “É na questão de liberdade de expressão que eu tenho mais dificuldade
para compreender seu ponto de vista. Minha leitura da história e do cenário atual seria que as principais
ameaças à liberdade de dissenso têm quase nada a ver com o tamanho econômico do governo em
nosso tipo de sociedade. As principais ameaças vêm dos sabe-nada, Mitchell Palmers, McCarthys,
Klu Kluxers e quetais. Não é um governo federal grande que intimida bibliotecários, autores de livros-
texto, jornalistas, advogados de direitos civis no Sul, etc. Eu não tenho conhecimento de casos em
que a democracia tenha virado totalitarismo ao aumentar gradualmente o tamanho e o escopo da
atividade do governo. Mas eu conheço casos, como a República de Weimar, em que o fracasso de
governos conservadores em usar seus poderes para fins econômicos e sociais acabou por entregar
o país todo a um ditador totalitarista”.

Ao contrário do que pode parecer, a defesa de Tobin de um governo


atuante não implicava que defendesse um governo “gastão”. Ele
e seus colegas no Council of Economic Advisors recomendaram
para o Presidente Kennedy uma política bastante equilibrada: um
orçamento disciplinado que gerasse superávit quando a economia
estivesse rodando a pleno emprego, e juros baixos o suficiente para
que este superávit fosse canalizado para investimentos produtivos.

Difícil decidir se é interessante ou triste a constatação de que


seguem em debate, mais de meio século depois, tanto a tese de
que “Governo Grande significa menos liberdade” como a defesa (ou
oposição) sistemática a gastos públicos independentemente das
circunstâncias. É interessante constatar o quanto Tobin se envolveu
em questões relevantes, e triste perceber que o pensamento – ao
menos o manifestado no debate público – não ganhou muito em
conteúdo e nuances desde então, e ainda repisa questões que
poderiam estar já superadas.

88 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

O q de Tobin

O
Os estudos de Tobin foram para a empresa emitir ações e usar os recursos
importantes na construção de uma para aumentar seus investimentos: como o preço
teoria macroeconômica integrada da ação está alto, a empresa pode vender uma
a um modelo geral de mercados de pequena parte de sua propriedade e arrecadar
ativos. Keynes definia curto prazo recursos mais que suficientes para custear um
como o período em que investimentos não novo investimento. A lógica pode ser aplicada,
alteravam de modo significativo o estoque com ajustes, às decisões de investimentos de
de capital, e portando o capital poderia ser famílias e a outros tipos de ativos.
tomado como fixo. Tobin desenvolveu modelos
que reconheciam que os fluxos de investimento O q de Tobin fornece, desta forma, um elo
e emissão monetária afetavam o estoque de entre as decisões do banco central, o mercado
investimento e dívida pública, levando a um financeiro (representado no numerador) e o
desenho mais fidedigno de como a economia lado real da economia (denominador). Um corte
funcionava. de juros pelo banco central tende a aumentar
o valor de mercado de uma empresa, elevando
Um dos elos teóricos entre o mercado de ativos o q e aumentando o incentivo ao investimento.
e o lado real da economia seria representado por Ainda hoje – décadas após sua proposição –
um indicador popularizado por Tobin e batizado testes e formulações do q de Tobin fazem parte
em sua homenagem. O q de Tobin é a razão entre da agenda de pesquisa em macroeconomia
o valor de mercado de um ativo (por exemplo, e finanças, em alguns casos em aplicações e
uma empresa) e seu custo de reprodução (o entendimentos distintos dos formulados pelo
custo de aquisição de seus equipamentos e autor.
instalações). Uma razão alta torna vantajoso

Tobin tax

A ideia de Tobin mais conhecida é também bastante controversa e um tanto mal compreendida.
Nos anos 1970, o sistema monetário internacional passava por uma profunda transformação.
Nas décadas que se seguiram ao acordo de Bretton Woods em 1944 (que contou com
a participação de Keynes), as economias vinham atrelando suas moedas ao dólar em
paridades fixas, enquanto os Estados Unidos mantinham suas reservas em ouro (o chamado padrão
dólar-ouro). Mas em 1971, os EUA abandonaram a conversibilidade do dólar em ouro e as principais
moedas, ao invés de manter uma paridade fixa em relação ao dólar, passaram a ser flutuantes.

Neste contexto, James Tobin lança uma proposta de reforma monetária internacional. Para ele, o
problema do novo regime estava na excessiva mobilidade internacional do capital privado. Países
que viam grandes fluxos (de entrada ou saída) de capitais perdiam a habilidade de buscar seus
próprios objetivos com as políticas monetária e fiscal, e frequentemente tinham que passar por
ajustes dolorosos diante de grandes movimentos de capital – independentemente de se seus regimes
eram de câmbio fixo ou flutuante. Tobin enxergava duas soluções possíveis: uma completa integração
internacional, migrando para uma moeda global única; ou uma maior segmentação dos mercados,
dando aos BCs nacionais maior autonomia na política econômica.

Apesar de preferir a integração, Tobin a considerava inexequível no futuro previsível, e por isso,

89 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

com algum desgosto, propunha “jogar areia alta o suficiente para superar o custo do imposto
nas engrenagens dos nossos excessivamente nas conversões de moeda.
eficientes mercados cambiais internacionais”.
Esta “areia” viria na forma de um imposto Pelas décadas seguintes, Tobin viu sua ideia ser
internacional, proporcional ao volume da distorcida e abraçada por grupos com quem
operação, cobrado a cada conversão de moedas. tinha diferenças profundas de visão. Em 2001 –
A ideia – inspirada em uma proposta de Keynes quase trinta anos depois de falar no imposto pela
décadas antes e conhecida até hoje como Tobin primeira vez – Tobin ainda tinha que esclarecer,
tax – serviria para desencorajar fluxos de capitais em entrevistas, que a ideia dele visava limitar a
de curto prazo, que passariam apenas a ocorrer especulação, e não combater a globalização.
se a expectativa de retorno em poucos dias fosse

O modelo Tobit e outras contribuições

A As ideias de Tobin se concentravam na discussão sobre moeda, mas não se limitavam a ela.
Sua tese de doutorado, com orientação de Joseph Schumpeter, investigou os determinantes
do consumo de bens de consumo duráveis a partir de pesquisas de orçamentos familiares.
A variável a ser investigada – se a família havia ou não adquirido bens de consumo durável,
e se sim em que valor – era uma variável “truncada”, diferente das variáveis contínuas normalmente
usadas em economia, e também diferente de variáveis qualitativas que tinham apenas “sim” ou
“não” como respostas possíveis. Como não havia uma boa técnica estatística para tratar este tipo
de variável, Tobin desenvolveu o método que mais tarde ficou conhecido como Tobit. Este trabalho
também foi um dos primeiros a lidar com os chamados estudos de painel, em que diversas unidades
de análise (as famílias) são observadas ao longo de vários momentos no tempo.

Ao longo da carreira, o economista discutiu outros temas que seguem em pauta até hoje. O
combate à desigualdade era um dos temas sobre os quais se posicionava com frequência:
Tobin apoiava o imposto de renda negativo como forma de combater a pobreza e escreveu
sobre como melhorar a posição dos negros na economia americana, por exemplo. Quase
quatro décadas atrás – muito antes de sustentabilidade entrar na pauta do dia — Tobin e
William Nordhaus já propunham que os objetivos de política econômica fossem definidos
em função de uma medida de bem-estar econômico, mais ampla que o número frio do PIB,
que incorporasse o valor do lazer, do trabalho não remunerado e os danos ao ambiente
causados pelo consumo e produção.

James Tobin faleceu em 2002, em New Haven, cidade onde viveu a maior parte da sua vida.
Ele acreditava que “as decisões mais importantes que um acadêmico toma são sobre quais
os problemas que ele vai se dedicar”. Suas muitas contribuições, relevantes até hoje, mostram
que tomou essas decisões com sabedoria e um senso impecável do que era importante para
a sociedade.

Adriana Dupita
Economista da Bloomberg, graduada em Economia pela USP e mestre pela London School of
Economics and Political Science (LSE/University of London). Agradeço – mas isento totalmente de
culpa! – Cristiano Souza, Everton Gomes e Rodrigo Silva pelos comentários e pelo apoio moral.

90 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

Notas:
Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel (1981), disponível em https://www.
nobelprize.org/prizes/economic-sciences/. Livre tradução.

Buiter, W (2013). James Tobin: An Appreciation of his Contribution to Economics. NBER Working Paper No.
9753, June 2003. Livre tradução.

Quando recebeu o Nobel, Tobin justificou, em sua nota autobiogrática, sua inclinação pela área dizendo que
economia “oferecia a esperança, como ainda oferece, de que um melhor entendimento possa melhorar a
situação da humanidade. (…) Os tristes fracassos das economias capitalistas na Grande Depressão foram
causas centrais dos desastres sociais e políticos em todo o mundo. A depressão também gerou crise para
uma ortodoxia econômica incapaz de explicar os eventos ou de prescrever remédios”. A nota completa
está disponível em https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1981/tobin/biographical/). Livre
tradução.

Buiter (2003).

Breit, W e Spencer, R. W. (1986) Lives of the Laureates, Seven Nobel Economists – James Tobin, Cowles
Foundation, disponível em https://cowles.yale.edu/sites/default/files/files/pub/misc/tobin-laureate-86.pdf.

Krugman, P. (2003). “Na época de Tobin, debate econômico era mais honesto”. Artigo publicado originalmente
no New York Times e republicado, em versão traduzida, pela Folha de S. Paulo. Disponível em https://www1.
folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1303200212.htm.

Nas primeiras formulações deste tema, tanto Keynes como Tobin tratavam a decisão como um escolha
entre apenas duas possibilidades: moeda sem risco e sem rendimento, e um ativo com expectativa de
rendimento mas cujo valor poderia oscilar (ou seja, com risco). Este ativo era chamado genericamente de
“título”. Posteriormente, Tobin expande a teoria para incorporar uma gama mais amplos de ativos.

A mesma ideia foi formulada por William Baumol à mesma época, e por isso está representada no chamado
modelo Baumol-Tobin (embora os próprios autores reconhecessem que Maurice Allais tinha apresentado
esta ideia antes deles).

Carta de James Tobin para Milton Friedman sobre a liberdade, enviada em 1964, cujo texto está disponível
em https://www.irwincollier.com/yale-james-tobin-on-freedom-to-friedman-in-1964/. Tradução livre.

De forma simplificada, sem considerar mudanças em nenhuma outra variável, um corte de juros tende a
aumentar o valor de mercado de uma empresa seja porque aumenta a perspectiva de crescimento de lucros
futuros (na medida em que a economia tende a crescer mais), seja porque reduz a taxa à qual o fluxo de
juros futuros é trazido a valor presente.

O conceito definido por Tobin não é de mensuração muito simples, e por isso diversos autores propuseram
estratégias diferentes para computá-lo, nem sempre muito fiéis ao espírito do conceito. Dois textos
que discutem possíveis distorções são Barlett e Partnoy (2018), “The Misuse of Tobin’s Q”, e o trabalho
apresentado por Bruna Pereira e co-autores no XIV Congresso de Controladoria e Contabilidade da USP
(2014), “Tobin Pergunta: O Que Aconteceu Com o Meu Q?”.

A ideia foi lançada inicialmente por Tobin em 1972, formalizada em artigo em 1974 e depois rediscutida em
um Discussion Paper da Cowles Foundation em 1978, disponível em https://cowles.yale.edu/sites/default/
files/files/pub/d05/d0506.pdf.

“Eles abusam do meu nome” (tradução do Google para o original “Die missbrauchen meinen Namen”),
entrevista concedida à revista Der Spiegel em 3 de setembro de 2001, disponível em https://www.spiegel.
de/spiegel/print/d-20017795.html.

91 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1982
O primeiro Prêmio Nobel para
Organização Industrial
George J. Stigler
por Claudio Lucinda

L George Stigler ganhou o Prêmio Nobel no ano de 1982


por seus estudos seminais de estruturas industriais,
o funcionamento dos mercados e causas e efeitos
da regulação pública, de acordo com a Academia de
Ciências da Suécia. Este não é apenas um prêmio oferecido
para uma área específica da Ciência Econômica, mas também é
um dos prêmios para um método específico de se fazer ciência
econômica – a chamada “Teoria dos Preços” (ou “Teoria dos
Preços de Chicago”). Vamos falar dos dois neste texto.

Para que possamos entender completamente as contribuições


de Stigler à área de Organização Industrial, primeiro precisamos
entender a evolução da área até os anos 50 e 60, a época das
principais contribuições de George Stigler. Muitos economistas
costumam afirmar que a forma moderna de análise do
funcionamento dos mercados se iniciou com os livros de Alfred
Marshall, Principles of Economics e Industry and Trade. Nestes
livros, é apresentado o que hoje conhecemos como o “modelo
de competição perfeita”, e o autor afirma que este modelo é
capaz de explicar boa parte do comportamento de mercado.

92 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL

A primeira edição do Industry and Trade é de enfrentada pelas empresas seria mais elástica
1919, já no final da vida do autor; logo depois para aumentos de preços e menos elástica para
começam a aparecer algumas contribuições já redução de preços o que, para eles, seria uma
questionando esta premissa. A primeira delas, motivação para estabilidade dos preços ao
de Piero Sraffa, “The Laws of Returns under longo do tempo.
Competitive Conditions” (SRAFFA, 1926),
apresenta um resultado hoje conhecido de Não era mais possível imaginar que o modelo
alunos de Organização Industrial: em condições de competição perfeita seria capaz de explicar
de retornos crescentes de escala, não é possível o comportamento de mercado, mesmo com
a obtenção de um equilíbrio em competição ressalvas. A partir do final dos anos 30, a
perfeita. chamada “Escola de Harvard” (associadas
aos nomes de Edward Mason e Joe Bain) se
Em 1933, dois livros criticam ainda mais a ideia organiza em torno da seguinte ideia. Uma
que a competição perfeita seja capaz de explicar vez que, à época, parecia ser impossível o
o comportamento de mercado, o The Economics desenvolvimento de um paradigma teórico que
of Imperfect Competition de Joan Robinson e pudesse substituir o modelo de competição
o The Theory of Monopolistic Competition de perfeita para organizar o pensamento sobre o
Edward Chamberlin. Os dois livros questionam comportamento das empresas no mercado, os
outro ponto: em muitos casos, as empresas são economistas deveriam se focar em documentar
capazes de influenciar as condições segundo as fatos estilizados sobre os diferentes setores, que
quais vendem seus produtos. depois poderiam servir de base para a elaboração
de teorias. Essa abordagem acabou levando
Em 1939, dois artigos, (HALL e HITCH, 1939 ao chamado Paradigma Estrutura-Conduta-
e SWEEZY, 1939) criticam outra premissa Desempenho. Neste contexto, começam a surgir
fundamental do modelo de concorrência as contribuições mais importantes de George
perfeita: as empresas não parecem agir de Stigler à área de Organização Industrial.
acordo com uma demanda contínua. A demanda

George Stigler: Vida e Carreira

N
Nascido em 1911, George Stigler fez seus estudos de graduação e Doutorado na Universidade
de Chicago, onde defendeu sua tese, em 1938 orientada por Frank Knight. Após seu
doutoramento, durante a Segunda Guerra Mundial ele trabalhou com pesquisa para o
esforço de guerra norte americano na Columbia University e, de 1947 a 1958, foi membro
do corpo docente da mesma Universidade.

A partir de 1958 e até sua morte em 1991, George Stigler foi Professor da Universidade de Chicago,
com um elevado grau de envolvimento institucional, sendo editor do Journal of Political Economy,
criando uma série de workshops em Organização Industrial e, em 1977, inaugurando o Center for the
Study of the Economy and State (hoje Stigler Center for the Study of the Economy and State).

Lá ele também se tornou um dos principais membros da chamada “Escola de Chicago”, que entre
outras características se definida metodologicamente pelo uso da “Teoria dos Preços” – tão fortemente
identificada com este centro de pesquisa que é conhecida também como “Teoria dos Preços de
Chicago”.

Um paper recente (Weyl, 2019), propôs a definição de “Teoria dos Preços” como sendo um tipo

93 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL

de análise econômica que tenta simplificar um modelo complexo, ainda que não completamente
detalhado, em vetores de “preços” que podem responder um problema alocativo específico.

Um exemplo deste tipo de abordagem está em seu artigo The Economics of Information (Stigler,
1961), que começa com uma questão bastante simples: por que observamos dispersão de preços
(ou seja, preços diferentes para produtos idênticos aos olhos dos consumidores)? Stigler começa
assumindo este vetor de preços sumariza um comportamento bastante complexo de vendedores e
compradores na busca e fornecimento de informação. A partir daí, e com um arcabouço matemático
avançado para a época, é capaz de derivar conclusões poderosas sobre onde podemos esperar
maior e menor dispersão.

Com o uso da “Teoria dos Preços”, Stigler começou a criticar o ponto de vista dominante em
Organização Industrial, o chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho mencionado
anteriormente. Nesta crítica, três pontos foram essencialmente importantes:

1 A certeza que a teoria neoclássica (interpretada pela “Teoria dos Preços de Chicago”)
podia explicar a realidade com sucesso,

2 Os casos polares das estruturas de mercado (monopólio e competição perfeita) podiam


explicar bastante do comportamento das empresas no mercado

3 Um tom ácido em suas contribuições, entendido pelos amigos como humor, e por outros,
como ataques pessoais mal disfarçados.

Como diz o press release do Prêmio Nobel, ele conseguiu mostrar que fenômenos tais como rigidez
de preços, recursos sub utilizados e o uso de filas para racionamento, coisas que são encontradas
regularmente em economias de mercado, conseguem ser explicados de forma consistente dentro
de um arcabouço neoclássico. Ou seja, não seriam limites da teoria neoclássica e nem haveria a
necessidade de intervenção governamental.

Ao estudar o funcionamento do mercado, Stigler também se deparou com um aspecto que condiciona
em muitas dimensões a ação das empresas e consumidores: a ação governamental.

Aqui também esses aspectos da abordagem stigleriana se sobressaíram. A principal diferença de


foco foi partir do princípio que devemos entender por que essa intervenção ocorre, e não porque
essa intervenção deveria ocorrer.

E ao se fazer esta pergunta, Stigler termina concluindo que algumas regulações acabam protegendo
grupos específicos de produtores ao invés do público em geral, o qual estas regulações deveriam
proteger. Além disso, já nos anos 40, Stigler também mostra que a intervenção governamental na
economia (como por exemplo, em leis que limitam o valor dos aluguéis) pode ter efeitos importantes
diferentes dos pretendidos pelos seus idealizadores. Estes dois aspectos – a regulação poder ser o
resultado da ação dos agentes regulados e a ela pode ter efeitos colaterais adversos sérios – são
contribuições que pautam pesquisas na área até os dias atuais, na chamada Teoria Econômica da
Regulação.

94 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL

38 anos depois: Como a Ciência avançou

A
crítica da Escola de Chicago e da “Teoria começo dos anos 80, observamos com a “Nova
dos Preços” afetou profundamente a Organização Industrial Empírica”, esforços em
forma com que a área de Organização estimar parâmetros estruturais dos modelos
Industrial enfrenta seus desafios, ainda usados para explicar o comportamento das
que a “Teoria dos Preços” não seja mais empresas.
o paradigma dominante na área de Organização
Industrial, como aponta Weyl (2019). Uma segunda abordagem, surgiu também em
parte como resposta às conclusões da Escola
Atualmente, existem duas linhas de análise em de Chicago. No entanto, a resposta dessa linha
Organização Industrial, que em grande medida conceitual partiu por abandonar o paradigma
estão associadas com diferentes formas de se neoclássico e se baseiam em modelos
responder ao desafio colocado pela Escola de evolucionários como em Nelson e Winter (2009)
Chicago e a “Teoria dos Preços”. e Dosi (1981).

A primeira delas, que é predominante nos Empiricamente, esta abordagem se caracteriza


principais periódicos de Economia, respondeu pelo desenvolvimento de Modelos Baseados em
ao desafio da Escola de Chicago com modelos Agentes (Agent Based Modelling), construindo
também formalizados e, a partir do final dos modelos em que agentes, operando de acordo
anos 70 e começo dos anos 80, utilizando cada com regras bastante simples, conseguem
vez mais intensivamente o ferramental de Teoria replicar fatos estilizados do mercado.
dos Jogos.
De qualquer maneira, como afirma Weyl (2019),
Esta formalização teve dois efeitos. O primeiro a partir dos anos 90 o paradigma de Teoria dos
deles é que algumas conclusões derivadas de Preços acaba por ser eclipsado nas contribuições
modelos baseados em “Teoria dos Preços” podiam ao pensamento econômico, tanto no campo
ser matizadas ou até revertidas; o segundo teórico quanto empírico. Mesmo na dimensão
reduziu a própria necessidade da utilização da empírica a importância das contribuições de
“Teoria dos Preços” para a análise de fenômenos Teoria dos Preços ficou sendo cada vez menor,
econômicos. Ou seja, com a melhora na com a divisão do campo em duas áreas. Uma
qualidade do instrumental econômico, reduziu- delas, mais focada em “inferência crível”, se
se a necessidade de utilizar estatísticas sumárias afastou da utilização de medidas sumárias dos
como os preços para aproximar os resultados de dados como formas de validação de modelos
modelos parcialmente especificados. mal especificados , enquanto a outra, chamada
“econometria estrutural” parte de modelos
No campo teórico em Organização Industrial, mais completamente especificados para buscar
o esforço passou a ser em modelos mais parâmetros destes modelos.
completamente especificados, mas com poucas
variáveis de decisão e cujo equilíbrio pode ser Concluindo, o que a história deste prêmio
completamente especificado – o maior exemplo nos mostra é a importância do pensamento
desta abordagem é outro ganhador do Prêmio econômico formalizado na disputa de ideias em
Nobel, Jean Tirole. economia; a Escola de Chicago e a Teoria dos
Preços ganhou seu espaço nos anos 60 e 70
Além disso, a disponibilidade maior de dados por isso e, a partir dos anos 80, passa a perder
permitiu uma análise empírica mais aprofundada espaço também por causa disso.
das conclusões dos modelos. A partir do

95 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL

Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.

Notas:
DOSI, Giovanni et al. Technical change and survival: Europe’s semiconductor industry. LEM Book Series, 1981.

Hall, R. and Hitch, C. 1939. “Price Theory and Business Behaviour” Oxford Economic Papers Vol. 2, pp. 12-45

NELSON, Richard R e WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. harvard university press,
2009.

SRAFFA, Piero. The laws of returns under competitive conditions. The economic journal, v. 36, n. 144, p. 535-
550, 1926.

STIGLER, George J. The economics of information. Journal of political economy, v. 69, n. 3, p. 213-225, 1961.

Sweezy, P. 1939. “Demand Under Conditions of Oligopoly” The Journal of Political Economy Vol. 47, pp. 568-
573

WEYL, E. Glen. Price theory. Journal of Economic Literature, v. 57, n. 2, p. 329-84, 2019.

Links Recomendados

https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1982/press-release/

https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm

http://nasonline.org/publications/biographical-memoirs/memoir-pdfs/stigler-george.pdf

http://wwwbusiness.murdoch.edu.au/econs/wps/177.html

https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jel.20171321

96 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1983
Gerard Debreu
por Caio Augusto

U ma contribuição para a economia relevante o suficiente


para conceder a alguém um Nobel é enorme. Geralmente,
das duas, uma: ou se iniciou uma nova área dentro dessa
ciência ou então alguma grande mudança dentro de
alguma área já existente foi colocada em prática.

No caso deste laureado em 1983, trata-se de uma importante


contribuição feita a uma área já existente: a adição de métodos
analíticos novos para a ciência econômica e também uma reformulação
ampla da Teoria de Equilíbrio Geral.

97 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL

Uma história em que a Segunda


Guerra foi personagem

N
ascido em 1921 em Calais, na França, maior.
passou por um momento bastante Em 1941 entrou para a École Normale Superiéure,
específico e complicado em sua tendo estudado e vivido ali até 1944. Chegou
vida: estava em seu país natal nas a afirmar certa vez que o ambiente era
proximidades do início da Segunda academicamente denso, sendo a entrada de
Guerra Mundial, e lá esteve acumulando novos alunos limitada a 20 por turma e com a
conhecimento mesmo neste período. tensão de viver em uma Paris dominada pelos
alemães.
Esteve no ano acadêmico de 1939-1940
estudando matemática em Ambert, mas com a A ideia era que concluísse os estudos em 1944,
guerra tendo começado a dividir a França em mas com o Dia D os planos foram alterados: se
áreas diferentes em 1940, se mudou e continuou alistou no exército francês, foi mandado para
os estudos, aprofundando-os na mesma área, uma missão na Argélia e acabou concluindo
mas nesse ano em Grenoble. A primeira parte aqueles estudos apenas no início de 1946.
envolvia estudos preparatórios em matemática
e a segunda tratava-se de um aprofundamento

O amor pela economia e a


transição da matemática

A
pós esse breve hiato pelo motivo da guerra, acabou tendo contato com a economia e se
apaixonou. Isso aconteceu quando se deparou com os aspectos matemáticos da teoria
de equilíbrio geral. Essa teoria, que havia sido iniciada por León Walras no período entre
1874-1877, constava em um livro de Maurice Allais, de 1943, de nome A la Recherche d’une
Discipline Économique. Passou então dois anos e meio em uma verdadeira migração de
áreas: da já conhecida matemática para a em transformação economia.

Em 1948 passou várias semanas na Salzburg Seminar in American Studies, onde teve contato com
Wassily Loentief (laureado Nobel de Economia em 1973, dez anos do que aconteceria com ele mesmo
no futuro). E ainda em 1948 uma mudança muito importante aconteceu em sua trajetória: ele virou
Fellow da Rockfeller Fellowship, o que o permitiu passar um tempo em Universidades como Harvard,
da California em Berkeley, de Chicago e Columbia em 1949 e, ainda nos primeiros meses de 1950,
esteve como visitante nas Universidades de Uppsala e Oslo.

Durante esse período de portas abertas em função da Rockfeller Fellowship, acabou tendo contato
com desenvolvimento na ciência economia que seus tempos na França não haviam permitido até
então, o que o fez ainda mais interessado pela área. Ainda em 1949, durante o período na Universidade
de Chicago, aceitou uma proposta para ser pesquisador associado na Comissão Cowles para Pesquisa
em Economia, onde acabou tendo ligação por onze anos a partir de junho de 1950.

98 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL

Anos 1950-1970: o período de


maior produção de Debreu

O
ambiente como pesquisador existência de um equilíbrio geral, o que ficou
associado dessa Comissão Cowles foi pronto em 1962. Em 1963 publicou um paper
bastante propício para o avanço de com Herbert Scarf, também sobre equilíbrio
seus estudos em ótimo de Pareto, na geral. Tendo contato em 1964 com um artigo de
existência de um equilíbrio econômico Robert Aumann a respeito da teoria da medição
geral e também na teoria sobre utilidade. Em de espaços de agentes econômicos, passou a se
1953, enquanto estava em uma licença de seis interessar consideravelmente por este tema.
meses na Électricité de France em Paris, teve
contato com um trabalho de Kenneth Arrow Entre o final dos anos 1960 e o início dos anos
sobre commodities e, em 1959, isso culminou em 1980, esteve em diversos centros de pesquisa,
sua Teoria do Valor (capítulo final de um trabalho como por exemplo a Universidade de Louvain
publicado naquele ano). (1968-1969), a Churchill College de Londres
(1972), mais uma vez a Cowles Foundation de
Em 1955 a Comissão Cowles mudou da Yale (1976), a Universidade de Bonn (1977) e o
Universidade de Chicago para a Universidade CEPREMAP de Paris (1980).
de Yale e, com a mudança, Debreu finalizou um
artigo sobre uma análise axiomática da teoria de Tendo abordado sempre temas com um olhar
equilíbrio econômico geral. mais matemático e cercado de axiomas dessa
natureza, Debreu seguiu com suas contribuições
No biênio 1960-61, estava no Centro de Estudos dentro do campo do equilíbrio geral da
Avançados em Ciências Comportamentais de economia por décadas. Debreu era professor da
Stanford, período em que focou completamente Universidade da California em Berkeley quando
em provar um teorema geral a respeito da foi laureado.

O prêmio, em 1983

E ntão professor em Berkeley, Debreu foi laureado por sua pesquisa seminal em equilíbrio dos
mercados. Na descrição apresentada quando da explicação sobre os porquês da premiação,
foram destacadas contribuições diversas, sobretudo presentes nos anos 1950 junto a Arrow
em equilíbrio geral dos mercados, mas também fala-se de suas contribuições em na utilização
eficiente de recursos e sobre a estabilidade do equilíbrio econômico.

O caminho da contribuição é, em termos resumidos, o seguinte: Adam Smith trouxe com sua teoria
original que as pessoas, movidas por seu interesse próprio, moviam os mercados através da demanda,
sendo os produtores responsáveis por posicionar a oferta do mercado e permitir que o equilíbrio
ocorresse; ao final do século 19, León Walras formulou essa hipótese matematicamente, chegando
ao equilíbrio dos mercados com matemática, mas o que faltava era uma análise sobre os efeitos
econômicos daquelas equações.

A grande contribuição de Debreu neste campo foi provar a existência desse equilíbrio e do fato de
que ele criava os preços. O diferencial presente nos trabalhos de Debreu e Arrow era mostrar como

99 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL

ocorria a maximização de lucros por parte dos produtores ao comporem a oferta, enquanto a demanda
seguia seu movimento observando esses preços do outro lado. Através dessas movimentações nos
preços, Debreu e Arrow provaram que as intuições de Smith e as equações de Walras faziam mesmo
sentido econômico.

O trabalho de Debreu de nome Teoria do Valor, de 1959, fundou uma nova base de pensamento dentro
da teoria de equilíbrio de mercados. Para se ter uma ideia, até mesmo o que seria a definição de um
bem e como os consumidores reagiam de acordo com os tipos de bens foram questões colocadas
em discussão nesta obra, que suscitou muitas reflexões adicionais nos anos que se seguiram.

Sobre as outras duas áreas que receberam destaque em sua premiação, temos que: a respeito do uso
eficiente de recursos, foram analisadas condições pelas quais a “mão invisível do mercado” realmente
movia os recursos de maneira eficiente, ainda que com a existência de desperdício; já a respeito do
equilíbrio dos mercados, Debreu apresentou a contribuição de que, em uma economia com muitos
agentes, como não valeria ficar fora do contato com os mercados, haveria então um equilíbrio (de
manutenção de agentes dentro desses mercados). Além de todas essas contribuições, Debreu ainda
pode contribuir também para a teoria de comportamento do consumidor.

Gerard Debreu faleceu em 31 de dezembro de 2004, após décadas de contribuição que se desdobraram
e ainda se desdobram em discussões que remontam ao período atual.

Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.

100 Nobel - 1983


E-BOOK NOBEL

Notas:
Referencias Bibliográficas

Artigo construído com base em registro biográfico feito por Gerard Debreu https://www.nobelprize.
org/prizes/economic-sciences/1983/summary/ e também no Press Release da academia que concede a
premiação https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1983/press-release/

DEBREU, Gerard. Theory of value: An axiomatic analysis of economic equilibrium. Yale University Press,
1959.

101 Nobel - 1983


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1984
Richard Stone
por Claudio Lucinda

R
ichard Stone ganhou o Prêmio Nobel de Economia do ano de 1984
pelas suas contribuições para o sistema de contas nacionais e,
portanto, melhorando as bases para análise econômica empírica,
segundo a Academia de Ciências da Suécia.

Economista britânico nascido em 1913, Stone fez sua graduação na


Universidade de Cambridge, inicialmente em Direito mas posteriormente
atraído por Economia. Um elemento importante nesta atração foi o trabalho
de seu professor Colin Clark, que à época se dedicava à mensuração
e definição do conceito de Renda Nacional. Ainda que a ideia de Renda
Nacional não seja nova (poucas ideias em Economia o são e o próprio Stone
em sua palestra ao receber o Prêmio Nobel reconhece vários antecedentes,
começando por William Petty em 1664), o tema começa a ganhar importância
prática e acadêmica no início dos anos 30 do século XX.

Com o início da Segunda Guerra Mundial o governo inglês convoca John Maynard Keynes para
analisar a economia britânica, para que os seus recursos possam ser utilizados no esforço de guerra
da forma mais eficiente. Para isso Keynes coordenou um esforço para a construção de um sistema
de contas nacionais, com uma equipe composta por dois futuros Prêmios Nobel: Richard Stone e
James Meade. Tal sistema foi publicado como o livro de 1944 National Income and Expenditure, de
Richard Stone e James Meade.

102 Nobel - 1984


E-BOOK NOBEL

Keynes recomenda ao final da Segunda Guerra o estudo das relações correspondentes à matriz
Mundial que a Universidade de Cambridge associada à conta de produção da economia.
crie um Departamento de Economia Aplicada, Tais desagregações inclusive ganharam um
dirigido por Stone, cujo trabalho na construção nome próprio, Sistema de Contabilidade Social.
do sistema de contas nacionais o impressionou
bastante. E assim, em 1945 Richard Stone As principais utilidades do Sistema de Contas
se tornou professor em Cambridge e diretor Nacionais são, em primeiro lugar, a capacidade
desse novo departamento. A Universidade de de se avaliar o estado de uma economia de uma
Cambridge foi seu domicílio acadêmico desde forma organizada e logicamente consistente
1945 até sua aposentadoria em 1980. a partir da análise destas contas. Além disso,
a comparação das Contas Nacionais ao longo
Em termos de contribuição acadêmica, a do tempo também permite que monitoremos o
contribuição de Richard Stone criando o Sistema desempenho da economia ao longo do tempo,
de Contas Nacionais não pode ser minimizada, levando-se em conta a mudança no poder de
é também uma linguagem e parte da forma de compra da moeda ao longo do tempo.
pensar do economista moderno. Termos como
Produto Interno Bruto, Consumo do Governo, Tais vantagens fizeram com que a metodologia
Balanço de Pagamentos, que são comuns no do Sistema de Contas Nacionais tenha sido
debate público em economia são entendidos empregada por organismos internacionais como
hoje num contexto do Sistema de Contas a Organização das Nações Unidas (que publicou
Nacionais. o Sistema de Contas Nacionais de Stone em
1953), o Banco Mundial, o FMI e a OCDE. Tais
O Sistema de Contas Nacionais é essencialmente organizações foram fundamentais para a
uma aplicação do método de Partidas Dobradas disseminação e padronização internacional
para o registro das atividades de cada um dos deste sistema, usado por todos os países do
setores que compõem a economia – famílias, mundo atualmente.
empresas, governo e residentes no exterior.
Em sua versão original de 1953, esses registros A influência do Sistema de Contas Nacionais não
eram compostos por quatro contas: produção, é restrita ao aspecto da mensuração; a forma de
consumo, acumulação e relação com o exterior. se escrever e pensar sobre macroeconomia se
beneficiou enormemente do Sistema de Contas
Em cada uma das contas, temos entradas e Nacionais. Para alguns casos, o Sistema de Contas
saídas registradas de forma integrada: uma Nacionais já é algo muito próximo de um modelo:
entrada em uma conta têm que corresponder a uma matriz insumo-produto é, ao mesmo tempo,
uma saída em outra conta. A vantagem desse um registro de transações entre os diferentes
sistema é que ele é integrado – ou seja, o sistema setores e, também, uma representação da
garante a sua consistência interna. tecnologia de produção da sociedade. Ao forçar
uma definição precisa e consistente de termos
Stone sempre preferiu a apresentação desse como “Consumo”, “Investimento” e “Gastos do
sistema em uma forma matricial, com as Governo”, o Sistema de Contas Nacionais fez
contas de entrada representadas em linhas e com que o debate acadêmico deixasse de se
as contas de saída em colunas. Nessa forma perder em aspectos semânticos e de definições,
de apresentação, os conceitos como Produto algo muito presente na literatura da virada do
Interno Bruto, Consumo ou Balança Comercial século XX.
também aparecem, mas também é possível
visualizar as inter-relações entre os setores da Finalmente, Richard Stone tem contribuições
economia. A análise de Insumo-Produto de relevantes na área de modelos empíricos
Wasily Leontief, por exemplo, pode ser vista como de demanda, ainda que não diretamente

103 Nobel - 1984


E-BOOK NOBEL

mencionadas pelo Comitê do Prêmio Nobel. Nesta área, a principal contribuição foi o desenvolvimento
do Linear Expenditure System, um modelo de demanda que (i) podia ter seus parâmetros estimados
com os dados e computadores disponíveis nos anos 50 do século XX, (ii) era consistente com a
teoria econômica, significando que os parâmetros estimados representariam o processo de escolha
de um consumidor representativo. Hoje em dia considerado simples e exageradamente restritivo,
este modelo foi a base da grande parte da literatura subsequente na área – inclusive do Almost Ideal
Demand System de Angus Deaton, outro Prêmio Nobel.

Em resumo, o Sistema de Contas Nacionais, além de ser um tema a que milhares de alunos de
graduação em economia são apresentados no início de sua carreira – com diferentes graus de
entusiasmo – foi e é um elemento na forma de se pensar e se comunicar a Macroeconomia. E por isso
nossas contas registram um débito com Richard Stone.

Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.

104 Nobel - 1984


E-BOOK NOBEL

Notas:
Referencias:

Stone, John Richard Nicholas (1913-1991) – Capítulo no The New Palgrave Dictionary of Economics. Disponível
em https://www.princeton.edu/~deaton/downloads/Deaton_STONE_JOHN_RICHARD.pdf

The Accounts of Society – Richard Stone Nobel Lecture. Disponível em

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1984/stone/lecture/

Essays of an Information Scientist, Vol:8, p.469-479, 1985 Current Contents, #49, p.3-13, December 9, 1985
– disponível em http://garfield.library.upenn.edu/essays/v8p469y1985.pdf

105 Nobel - 1984


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1985
O ítalo-americano que mudou
a macroeconomia e as finanças
Franco Modigliani
por Henrique Rodrigues da Mota

Samuelson:
Quem é o economista mais famoso da Itália?
Modigliani:
Eu não sei, não importa.
Samuelson:
Como não sabe? Não seria Franco Modigliani?
Modigliani:
Ah, mas este é o economista mais famoso do mundo.

Paul Samuelson
(Relato presente no obituário de Modigliani
no jornal The Guardian)

F
ranco Modigliani (18 de junho de 1918- 25 de
setembro de 2003) foi vencedor do Prêmio
Nobel em 1985 pelas suas contribuições à
macroeconomia e às finanças. Assim como
muitos de seus contemporâneos de profissão,
Modigliani, judeu nascido em Roma, é mais um entre
tantos imigrantes europeus que fugiram do fascismo

106 Nobel - 1985


E-BOOK NOBEL

e da Guerra na virada dos anos 30 para os 40 em direção aos Estados Unidos. Tendo saído da Itália
logo após a aprovação das Leis Raciais de 1938, viria para os Estados Unidos em 1939, onde seguiria
na sua vida acadêmica sob um ambiente acadêmico pulsante e imaginativo, até sua morte.

Na América, estudou ou lecionou na New School of Social Research (1939-1944), na Universidade


de Illinois (1948-1952), em Carnegie Mellon (1952-1962) e no MIT (1962-2003). Neste último, lecionou
para influentes pesquisadores e personalidades, como Mário Draghi, Robert Shiller, Olivier Blanchard
e Albert Ando. Foi também um grande parceiro de faculdade e amigo pessoal dos brilhantes Paul
Samuelson e Robert Solow.

Em entrevista para Barnett e Solow (2000), Modigliani diria que o período em Carnegie Mellon
seria certamente seu período mais produtivo enquanto pesquisador. Ali escreveu seus papers mais
relevantes, com seus orientandos Richard Brumberg e Merton Miller. Com estes, respectivamente, fez
os seguintes trabalhos que lhe renderam o Nobel:

• A Hipótese do Ciclo da Vida (Life-Cycle Hypothesis) que transformou radicalmente a forma


como os economistas racionalizam decisões de poupança dos indivíduos, considerando que os
indivíduos fazem decisões de consumo e poupança pensando sua renda total ao longo da vida e
se aposentam em algum momento.

• O Teorema Modigliani-Miller, o qual determina que, sob determinadas condições de racionalidade,


de completude dos mercados, ausência de custos de transação, problemas de agência e de
tributação não-distorciva, o valor de uma firma (de suas ações) não depende da sua estrutura de
financiamento (dívida ou equity).

A Hipótese do Ciclo da Vida: Origens,


Formulação Original e Situação Atual

O s anos 40 e 50 foram anos de intenso debate na academia norte-americana em torno da


consolidação das ideias de Keynes e seu diálogo com os clássicos (Síntese Neoclássica).
Um dos grandes debates era compreender melhor o comportamento do consumo dos
agentes e como este se relacionava com a renda. Keynes elaborara na Teoria Geral uma
hipótese simplificadora: o consumo crescia a uma proporção menor do que a renda, de modo que,
quanto mais ricos são os indivíduos, mais eles tendem a poupar. Mas isto não era observado na
relação de nível PIB per capita e poupança doméstica (Kuznets, 1946).

Em sua palestra na ocasião da conquista do Nobel, Modigliani (1986), nota a contribuição fundamental
de Margaret Reid, que teve o insight de que a renda permanente e não a renda corrente era o que
determinava o consumo corrente. Se houvesse choques transitórios na renda, estes se manifestariam
em mais ou menos poupança, pois o consumo estava associado à renda média permanente dos
indivíduos.

Esta foi a pedra fundamental para uma revolução na teorização sobre poupança, dada pelas Hipóteses
do Ciclo da Vida de Modigliani e Brumberg (1954,1979) e da Renda Permanente (Permanent Income
Hypothesis) de Milton Friedman (1957). Enquanto a primeira considerava agentes que nasciam,
trabalhavam, se aposentavam e morriam, a segunda considerava uma economia com um agente

107 Nobel - 1985


E-BOOK NOBEL

representativo que jamais morria ou se aposentava e tomava decisões até um tempo infinito.

A Hipótese do Ciclo da Vida, em sua formulação pura, prescreve que o consumo dos indivíduos tende
a ser constante e depende da renda média total ao longo da vida, enquanto que o que determina as
taxas de poupança de uma pessoa são a sua faixa etária. Mais jovens, os indivíduos consumem menos
do que ganham em renda, de modo a acumular patrimônios que possibilitam sua aposentadoria.
Quando aposentados, a renda cai e os agentes praticam “poupança negativa”, exaurindo seus
patrimônios. O quadro abaixo fornece uma intuição deste comportamento.

Os indivíduos consomem de modo constante, conforme a média de sua renda. Poupam até se
aposentar, lapidando seu patrimônio até zero, com o fim da sua vida. Quadro de Modigliani (1986).

Esta micro-fundamentação das decisões de consumo se deu inicialmente em Modigliani e Brumberg


(1954). Modigliani e Brumberg (1979) adapta esta discussão para um modelo macroeconômico.
Como relata Modigliani (1986), mesmo com hipóteses bastante limitadas, se extraia conclusões da
economia como um todo, que tinham bom respaldo nos dados da época:

1. A taxa de poupança independe do PIB per capita (nível).


2. Países podem diferir nas taxas de poupança ainda que tenham o mesmo comportamento individual
(por estrutura demográfica e de crescimento da produtividade).
3. A taxa de poupança agregada cresce quanto maior o crescimento de longo prazo.
4. A razão patrimônio-renda é decrescente com o crescimento.
5. Países podem acumular grandes níveis de patrimônio sem heranças.
6. O parâmetro mais importante para determinação de poupança e da relação patrimônio-renda é
o tempo médio de aposentadoria que predomina na economia.

Como relata Deaton (2005), a hipótese de Modigliani teve o papel essencial de harmonizar uma série
de evidência empíricas, possibilitando uma narrativa mais coesa sobre os determinantes do consumo
nas sociedades modernas. O fenômeno, considerado por Keynes, de que os ricos poupavam mais,
derivaria do fato de que as classes ricas tem uma composição grande de temporariamente ricos,
estes utilizam-se dessa renda extra, mas não permanente, para poupar.

108 Nobel - 1985


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Isto também era visto na Hipótese da Renda Permanente, mas esta era incapaz, por exemplo, de captar
efeitos positivos de crescimento em poupança observados nos dados. No modelo de Friedman, se a
renda cresce ao longo do tempo e as pessoas vivem para sempre, não há porque poupar mais e sim
menos. Esta relação positiva entre crescimento e poupança era o que Modigliani mais valorizava de
sua hipótese (Barnett e Solow, 2000)

Para Modigliani, a dimensão demográfica do modelo era essencial para o agregado: se a economia
está crescendo por crescimento populacional, os jovens, que poupam mais, tendem a ser mais
prevalentes do que os idosos, que sacam suas poupanças (assim, a poupança é maior para os países
em que a população cresce mais rápido). Um raciocínio parecido é dado para a produtividade: há
mais poupança agregada nas gerações jovens e este efeito não é totalmente reduzido pelos saques
dos aposentados, que consomem menos por terem tido rendas menores ao longo da vida.

Algumas das previsões empíricas da hipótese de Modigliani não parecem ter resistido ao teste do
tempo. Kotlikoff e Summers (1981) afirmam que 80% do patrimônio se explicava por heranças nos anos
60-70 e não pelas hipóteses do ciclo da vida (poupanças para se aposentar), embora Modigliani (1986)
contestasse seus métodos. Alvaredo, Garbinti e Piketty (2017) propõe uma posição intermediária:
Modigliani estava certo (ainda que exagerado) para o período imediato do pós-guerra (1960-1980),
onde as poupanças de aposentadoria parecem ter determinado a dinâmica dos patrimônios, mas as
heranças guiaram as flutuações de patrimônio em todo o restante da história.

Mais importante, contudo, do que previsões específicas, Modigliani e Brumberg (1954, 1979) criaram
uma nova forma de teorizar as decisões de consumo individuais e de que maneira elas impactam
agregados a nível macroeconômico. Questões como a transferência de heranças para gerações
posteriores, como nota Deaton (2005), já eram abordadas nos artigos de Modigliani. Da mesma
maneira, é possível facilmente adaptar a micro-fundamentação pura do ciclo da vida para não só
abarcar heranças, mas também decisões de idade para se aposentar e ter filhos, e incertezas sobre
o momento da morte.

Nesse sentido, mesmo que as previsões de Modigliani não estivessem inteiramente corretas, sua
influência teórica para a macroeconomia é inegável: decisões de consumo e de herança devem ser
pensadas como decisões tomadas ao longo da vida e a dinâmica demográfica pode ser fator muito
importante para explicar fenômenos macroeconômicos. Esta influência é bastante perceptível, por
exemplo, nos modelos de gerações sobrepostas.

O Teorema Modigliani-Miller

A
segunda grande contribuição de Modigliani foi no campo das finanças. Como descreve
Modigliani em Barnett e Solow (2000), o foco das finanças corporativas, antes de sua
chegada, era na ideia de que fosse possível ter uma estrutura ótima do capital, alterando a
composição da dívida e ações. Modigiliani e Miller (1958) estabelecem que com mercados
eficientes e indivíduos racionais e não havendo impostos, custos de falência, problemas de
agente e principal e assimetria de informação, o valor da firma não depende da forma como ela se
financia.

Para um leigo compreender o racional por trás desta proposição, Miller (1991 APUD Villamil, 2008)
oferece-nos uma metáfora simples: se você é um produtor de leite integral e quiser vender o produto

109 Nobel - 1985


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separadamente como nata e leite desnatado, e não há custos para fazer esta separação ou subsídios
do governo para fazer a separação, o valor da nata combinado com o do leite desnatado é o mesmo
do leite integral. Se você possui uma firma, portanto, e aumenta seu endividamento (com os credores
abocanhando mais do seu fluxo de caixa), o valor do seu equity tem que ser necessariamente menor,
de modo que o valor dívida + equity é constante.

Embora contestado em termos de sua validade para o mundo real, a elaboração de Modigliani-Miller
estabeleceu uma nova forma de se pensar nas finanças. O debate centrou-se em compreender o
que ocorria quando as hipóteses do modelo imaginado pelos dois eram relaxadas (Villamil, 2008).
O próprio Modigliani, no final da vida, acreditava que era possível ter alguma vantagem em se
financiar com instrumentos diferentes apesar dos impostos, mas concordava com Miller que isto era
essencialmente pouco relevante no sistema tributário americano (Barnett e Solow, 2000).

Conclusão

M
odigliani teria outras contribuições em diversas áreas. Seu artigo “Liquidity Preference
and the Theory of Interest on Money” (Modigliani, 1944) é considerado seminal para
Síntese Neoclássica. Ele ainda ajudou a elaborar um dos primeiros modelos macro
econométricos, o MPS. Era uma mente brilhante, inventiva e diligente em responder
perguntas interessantes e solucionar problemas empíricos ou teóricos complexos.
Na ocasião de sua morte, Paul Samuelson afirmou que partia “o maior macroeconomista vivo”. Na
realidade, algo maior ocorreu: partiu, em 2003, uma das mentes mais brilhantes do século passado,
que revolucionou o mundo das finanças e que apresentou um novo estilo de pensar como os agentes
tomam decisões de consumo.

Henrique Rodrigues da Mota


Mestre em economia pela PUC-Rio, foi assistente de pesquisa pela PUC-Rio e pela Universidade de
Oxford e atualmente é predoctoral research professional no Development Innovation Lab

110 Nobel - 1985


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Notas:
ALVAREDO, Facundo; GARBINTI, Bertrand; PIKETTY, Thomas. On the share of inheritance in aggregate
wealth: Europe and the USA, 1900–2010. Economica, v. 84, n. 334, p. 239-260, 2017.

BARNETT, William A.; SOLOW, Robert. An interview with Franco Modigliani. Macroeconomic Dynamics, v.
4, n. 2, p. 222-256, 2000.

DEATON, Angus. Franco Modigliani and the life cycle theory of consumption. SSRN 686475, 2005.

FRIEDMAN, Milton. Introduction to ‘A Theory of the Consumption Function’. In: A theory of the consumption
function. Princeton university press, 1957, p.1-6.

KOTLIKOFF, Laurence J.; SUMMERS, Lawrence H. The role of intergenerational transfers in aggregate capital
accumulation. Journal of political economy, v. 89, n. 4, p. 706-732, 1981.

KUZNETS, Simon. National income. New York: National Bureau of Economic Research, 1946.

MODIGLIANI, Franco. Life cycle, individual thrift, and the wealth of nations. Science, v. 234, n. 4777, p. 704-
712, 1986.

MODIGLIANI, Franco. Liquidity preference and the theory of interest and money. Econometrica, Journal of
the Econometric Society, p. 45-88, 1944.

MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility analysis and the consumption function: An interpretation
of cross-section data. Franco Modigliani, v. 1, n. 1, 1954, p. 388-436.

MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility Analysis and Aggregate Consumption Functions: An
Attempt at Integration. Collected Papers of France Modigliani, v.2, 1979.

VILLAMIL, Anne P. The Modigliani-Miller Theorem. In: (Ed.) DURLAUF, Steven; BLUME, Lawrence. The New
Palgrave Dictionary of Economics, 2. ed. Palgrave Macmillan, v. 6, 2008.

111 Nobel - 1985


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NOBEL DE ECONOMIA

1986
James M. Buchanan Jr.
por Paulo Silveira

E m 1986 o professor chicaguista (ah, a valência do adjetivo fica por


sua conta), James M. Buchanan Jr., recebeu o Prêmio do Banco da
Suécia para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel…
Mais um? Não, dessa vez é diferente. Vamos deixar o romance
de lado. Buchanan foi laureado por “desenvolver as bases contratuais e
constitucionais das tomadas de decisão políticas e econômicas”, ou seja, dar
o pontapé inicial naquilo que ficou conhecido na literatura como teoria da
escolha pública.

Basicamente, estamos no limiar das ciências política e econômica, uma teoria


que trata de problemas políticos e constrói seus argumentos numa perspectiva
econômica. É assim que Buchanan subiu aos ombros de Knut Wicksell
para provocar vocês (nós?) economistas: deixem de oferecer conselhos de
política econômica como se os políticos que as aplicassem fossem indivíduos
particularmente benevolentes. Não é assim que o jogo funciona. Makes sense to me!

Antes de qualquer coisa, seria necessário entender as restrições políticas impostas aos participantes
do jogo e somente após isso se deveria oferecer alguma prescrição de política econômica. Se a palavra
“restrição” soa um tanto quanto “microeconômica” pra você, devo dizer que está acompanhando
bem o raciocínio até aqui.

112 Nobel - 1986


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A teoria da escolha pública, lupa pela qual renda política). (…) Isso não significa que os
estudamos tais restrições políticas, descansa políticos sejam mal-intencionados e piores
sobre três pilares fundamentais: i) individualismo que o resto da sociedade. São como os
metodológico; ii) homo economicus; iii) política outros, bem melhores, nem piores, procuram
enquanto troca. Recorro ao manual A Ciência
o próprio benefício antes do benefício dos
da Política (hat tip, Adriano Gianturco) para
outros.”
elaborar acerca desses pilares:

A teoria da escolha pública, lupa pela Embora o que vimos até aqui seja
qual estudamos tais restrições políticas, razoavelmente familiar (para os
descansa sobre três pilares fundamentais: ortodoxamente inclinados, pelo menos), o
i) individualismo metodológico; ii) homo mundo político se descola por completo “do
economicus; iii) política enquanto troca. mercado” no seguinte ponto: na política, não
Recorro ao manual A Ciência da Política (hat existe mão invisível.
tip, Adriano Gianturco) para elaborar acerca
desses pilares: Minhas interações com o açougueiro, o
cervejeiro e o padeiro resultam numa
Primeiro, individualismo metodológico bela e farta mesa de jantar em razão da
significa que toda e qualquer análise é feita estrutura de incentivos ali posta. Enquanto
na perspectiva do indivíduo: “só eles têm indivíduo, não pautei minhas ações numa
interesses, vontades, e só eles agem. Entes expectativa de melhor distribuição de pães
coletivos, como estados, partidos, grupos, na sociedade ou menor taxação do barril de
movimentos, sociedades, países, não agem, cerveja, mas no interesse próprio que, nesse
não têm interesses, não têm vontades. (…) contexto, gera o melhor resultado coletivo.
São sempre e só a aglomeração de indivíduos No mundo político, a estrutura de incentivos
diferentes; quando os membros de um implica que o indivíduo dispute e assegure,
determinado grupo mudam, os interesses e coletivamente, seus interesses privados.
ações podem mudar.”
Numa ilustração, se moro no interior de
Segundo, homo economicus porque São Paulo e desejo que uma ponte para
“agentes políticos são pessoas como travessia de um rio seja construída, não é
as outras, logo, são interessados (têm possível simplesmente recorrer ao mercado.
interesses), racionais e maximizadores. Isso Obedecendo às restrições dadas e incentivos
não significa que sejam mal-intencionados, ali postos, os agentes políticos impactados
egoístas, corruptos, etc. (…) mesmo que eles pela obra (políticos, lobistas, eleitores, etc)
sejam bem-intencionados e benevolentes, negociariam suas respectivas parcelas no
tentar fazer o bem comum, salvar o planeta, custeio (econômico, político, etc) da mesma.
etc., é interesse individual deles e (…) para
fazer isso querem e precisam tomar o poder Dessa forma, inúmeros desdobramentos
político e mantê-lo ao longo do tempo. seriam possíveis: o prefeito poderia
manipular a data de entrega da obra para
Terceiro, política enquanto troca porque maximizar suas chances na próxima eleição,
“se empreendedores, vendedores e a construtora pode oferecer algum tipo de
consumidores visam o lucro, os políticos benefício ao responsável pela licitação para
também visam o lucro (lucro econômico e que obtenha o direito de conduzir o projeto,

113 Nobel - 1986


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os eleitores poderiam rejeitar um eventual


aumento de impostos para o financiamento
da ponte… A obra era sobre o que mesmo?

Pensar dessa forma desperta certo vazio,


não é mesmo? O resultado coletivo do
processo político é muito mais “revelado”
que “intencionalmente alcançado”. Não
somente isso, mas o processo é constituído
por regras cuja própria criação ou alteração
depende do mesmo processo. Se as regras
são as mesmas, os incentivos são os mesmos
e… Ah, deixa pra lá.

James M, Buchanan Jr. encerrou seu


discurso de recepção do prêmio com a
pergunta: “como podemos viver juntos em
paz, prosperidade, e harmonia, enquanto
mantemos nossas liberdades enquanto
indivíduos autônomos que podem, e devem,
criar seus próprios valores?” Essa é fácil,
fazendo o possível! A política não é isso, a
arte do possível?

Paulo Silveira
Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo
sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado
pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra ‘Princípios de Economia
Política e Tributação’ de David Ricardo.

114 Nobel - 1986


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Notas:
The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 1986

The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, James M. Buchanan and Gordon
Tullock. Páginas: 1 – 20.

A Ciência da Política, Adriano Gianturco. Capítulo 3: Public Choice.

115 Nobel - 1986


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NOBEL DE ECONOMIA

1987
Por suas contribuições para a teoria
do crescimento econômico.
Robert M. Solow
por Luciano Sobral

O homem e suas
circunstâncias

P
Pode-se aplicar à vida e carreira de Robert M. Solow,
um dos grandes arquitetos de modelos econômicos
do século XX, um modelo filosófico da mesma
época, da obra do espanhol José Ortega y Gasset:
‘Sou eu e minhas circunstâncias’.

O “eu” de Solow inclui uma capacidade intelectual, se não


maior que a de seus pares, notadamente voltada à clareza,
à aplicação de teoria a problemas práticos e a comunicar
seus resultados para fora dos muros da academia. Para isso,
ele dedicou-se a manter seus modelos ‘simples e focados,
respondendo uma questão simples com um modelo forte’
e a desenvolver-se como ‘o escritor mais gracioso da nossa
área’, nas palavras de outra economista exigente e virtuosa
com as palavras, Deirdre McCloskey.

116 Nobel - 1987


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Já as circunstâncias foram dadas pelo seu tempo: judeu nascido


no Brooklyn em 1924; infância atravessando a Grande Depressão
nos Estados Unidos e a ascensão do nazifascismo na Europa
(‘posso dizer com certeza que todo mundo no Brooklyn nos
anos 1930 era interessado em economia … Era um fato óbvio da
vida que nossa sociedade estava funcionando mal politicamente
e economicamente e ninguém sabia realmente como explicar
ou o que fazer a respeito’); juventude de estudos em Harvard
interrompida, em 1941, por três anos como voluntário do exército
na Segunda Guerra Mundial, passados entre o norte da África e
a Itália. De volta à universidade, em 1945, foi incentivado por seu
tutor, o russo Wassily Leontief (Nobel de Economia em 1973), a
estudar matemática e a encarar economia como um ‘assunto com
uma estrutura teórica e empírica disciplinada’. Em 1950, mesmo
antes de terminar a tese de doutorado, já havia sido contratado
pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) como professor
de estatística no Departamento de Economia e Ciências Sociais.

Harrod-Domar e o crescimento
no fio da navalha

N
os anos de formação de Solow, crescimento econômico era um tópico recente. O “Grande
Enriquecimento” do mundo capitalista, caracterizado por décadas seguidas de melhora
ininterrupta na condição de vida de milhões de pessoas, havia se iniciado há menos de
um século. A contabilidade moderna de economias nacionais, que culmina na definição
do Produto Interno Bruto, havia sido desenvolvida nos Estados Unidos ao longo dos anos
de 1930 e apresentada ao Congresso em 1934 por Simon Kuznets (outro brilhante economista fugido
da União Soviética, Nobel em 1971). Já o estudo acadêmico de crescimento econômico apoiava-se
num modelo desenvolvido independentemente por Roy Harrod e Evsey Domar em, respectivamente,
1939 e 1946.

No modelo Harrod-Domar, o crescimento econômico é função direta do acúmulo de capital, via


poupança e investimento. Não há substituição entre capital e trabalho, é sempre possível crescer
acumulando mais capital e o crescimento está sempre, na expressão do próprio Solow, “no fio da
navalha”: se, ano após ano, a taxa de poupança nacional não for igual ao produto da relação capital-
produto e do crescimento da força de trabalho, há desemprego em massa (e recessão) ou falta de
mão-de-obra (e inflação) – instabilidade é o corolário inevitável do modelo.

Nos anos de 1950 já se sabia, porém, que economias nacionais, apesar de sujeitas a flutuações,
crescem a ritmo relativamente estável no longo prazo. Economias nacionais bem-sucedidas, na
verdade, crescem a ritmo espantosamente estável no longo prazo: num de seus exemplos favoritos,
Lant Pritchett, ex-aluno de Solow no MIT e hoje professor em Oxford, mostra que, em 1916, teria sido
possível prever, com menos de 1% de erro, o PIB per capita da Dinamarca em 2010 sabendo apenas
seu valor à época e extrapolando sua taxa de crescimento anual desde 1890 (1,9% ao ano). Solow
foi, então, “levado a modificar o modelo apenas para fazer com que ele produza uma trajetória que
pudesse parecer, de forma mais plausível, com o que de fato se observa nas séries históricas.”

117 Nobel - 1987


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Construindo um Nobel: o modelo


de Solow-Swan e seus resultados

N Em fevereiro de 1956, Solow publicou no The Quarterly Journal of Economics “A


Contribution to the Theory of Economic Growth”, um dos artigos mais influentes da
história do pensamento econômico (o Google Scholar conta, hoje, 31.137 citações a ele). O
modelo apresentado, que ficou conhecido como Solow–Swan (também em 1956, de forma
independente, o australiano Trevor Swan desenvolveu um trabalho similar), trouxe várias inovações
que o mantiveram relevante por décadas.

No modelo Solow-Swan, o produto é função dos tradicionais fatores de produção capital e trabalho,
multiplicados por um fator atribuído à tecnologia ou conhecimento acumulado: Y = A(t)F(K,L). Em
contraste a Harrod-Domar, os fatores são substituíveis entre si e não é possível crescer continuamente
apenas sempre aumentando o estoque de capital: cada investimento adicional produz retornos
menores que o anterior, até que apenas a depreciação do estoque passado seja compensada. A
taxa de crescimento da economia é dada pela soma das taxas de crescimento da força de trabalho
e do estoque de capital por trabalhador. No longo prazo, com o fim dos retornos para o capital
incremental, o PIB cresce apenas à taxa de crescimento da população – ou seja, não há crescimento
per capita. A saída da estagnação está no avanço tecnológico, já que os resultados acima são obtidos
assumindo-se produtividade dos fatores constante ao longo do tempo: relaxando-se essa premissa,
o PIB per capita passaria a crescer junto com o nível de tecnologia.

Esses são resultados obtidos a partir um modelo dinâmico, descrevendo, com equações diferenciais
relativamente simples, um sistema em movimento que converge para um equilíbrio, sem explosões
ou depressões, construído ao redor de uma função de produção neoclássica – podendo, portanto,
ser integrado ao que se fazia em microeconomia e testado contra os dados macroeconômicos que
começavam cada vez mais a aparecer. Rei morto, rei posto: Harrod-Domar virou uma relíquia histórica
e a economia do crescimento começou a gravitar em torno de Solow-Swan.

No ano seguinte, num artigo de oito páginas, Solow criou o que se convencionou chamar de
“contabilidade de crescimento”: analisar dados históricos à luz do modelo de 1956 e atribuir a cada
fator uma parcela de crescimento do PIB observado . Usando dados dos Estados Unidos de 1909 a
1949, Solow concluiu que apenas do crescimento per capita no período poderia ser explicado por
acúmulo de capital. O restante passou a ser conhecido como “resíduo de Solow” ou “produtividade
total dos fatores”, descrito vagamente no artigo original como “mudança tecnológica” – ou, de
forma menos generosa por Moses Abramowitz, outro grande economista judeu do Brooklyn, como
“uma medida de ignorância”. A perplexidade com esse resultado abriu mais uma grande agenda de
pesquisa, que segue rendendo frutos.

De Solow até hoje

P or suas simplicidade e sofisticação, o modelo Solow-Swan é, até hoje, o “burro de carga”


da teoria do crescimento, uma extraordinária ferramenta didática a partir de onde diversos
conceitos fundamentais para a macroeconomia contemporânea podem ser introduzidos –
um “trampolim para modelos mais ricos”, como colocado por Daron Acemoglu, um de seus
grandes herdeiros intelectuais no MIT. A relevância perene de Solow para a disciplina, evidentemente,
vai além disso. Destaco dois pontos, de tantos outros possíveis.
118 Nobel - 1987
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Primeiro, anos de pesquisa e melhoria na coleta e tratamento dos dados provaram que a teoria
de crescimento de Solow estava essencialmente certa: simplesmente acumular capital não leva
a crescimento sustentável (vide a experiência soviética e tantos outros exemplos frustrados de
industrialização forçada), e o “mistério do crescimento” está no resíduo – como capital e trabalho
são organizados de forma a aumentar a produtividade de tarefas já existentes e, sobretudo, a criar
novos produtos e serviços. A busca por modelos de crescimento endógeno, ou seja, nos quais
tecnologia e conhecimento fazem parte da dinâmica de crescimento descrita pelas equações, não
dependendo de fatores externos, mobilizou muitas outras grandes mentes do ofício e desembocou
no reconhecimento de Paul Romer pelo Nobel, em 2018.

Segundo, a clareza de Solow em seus métodos e objetivos, desde o trabalho pioneiro de 1956, segue
guiando a profissão. Ele abre o célebre artigo daquele ano dizendo que ‘Toda teoria depende de
suposições que não são exatamente verdadeiras … Uma suposição “crucial” é aquela das quais as
conclusões dependem de forma sensível, e é importante que suposições cruciais sejam razoavelmente
realistas.’ O passo seguinte é testar o modelo contra a realidade, como feito no trabalho de 1957. Essa
combinação de teorização rigorosa e aplicação a dados é o arroz-com-feijão da profissão hoje, o que
a faz aspirar à condição de “ciência”.

Solow, porém, vai além dessa objetividade, na linha da descrição de John Maynard Keynes do “master
economist”, que combina talentos de matemático, historiador, estadista e filósofo. O que faz da
economia uma ciência humana é a necessidade desse conhecimento além do puramente especializado
e de julgamento pessoal, já que fatos econômicos, como definidos pelo próprio Solow, não podem
se limitar a preços e quantidades – ‘nós só podemos fazer progresso aumentando a classe de fatos
elegíveis para incluir, digamos, as opiniões e generalizações casuais de especialistas e participantes
do mercado, pesquisas de atitudes, regularidades institucionais, mesmo nossos próprios julgamentos
de plausibilidade.’ Deixo por conta do leitor decidir se Solow joga (e vence) sob suas próprias regras
ou se estas representam um ideal da profissão; sua influência, porém, é inegável e praticamente sem
par entre economistas vivos: tente achar outro que tenha sido orientador de doutorado de outros
quatro ganhadores do Nobel (George Akerlof, Joseph Stiglitz, Peter Diamond e William Nordhaus).

Luciano Sobral
Bacharel em economia pela USP, Master of Public Administration (MPA) pela Harvard Kennedy School,
Economista chefe e sócio na Neo Investimentos

119 Nobel - 1987


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Notas:
Acemoglu, Daron. Introduction to modern economic growth. Princeton University Press, 2009.

Costanza, Robert, Maureen Hart, Ida Kubiszewski, John Talberth. “A Short History of GDP: Moving Towards
Better Measures of Human Well-being.” The Solutions Journal, vol. 5, No. 1, 2014, pp. 91-97.

De Vroey, Michel. A History of Macroeconomics from Keynes to Lucas and Beyond. Cambridge University
Press, 2016.

Easterly, William. “The Ghost of Financing Gap: How the Harrod-Domar Growth Model Still Haunts
Development Economics.” The World Bank Policy Research Working Paper 1807, 1997.

Helpman, Elhanan. The Mystery of Economic Growth. Harvard University Press, 2010.

Holmes, Oliver, “José Ortega y Gasset”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2017 Edition),
Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/win2017/entries/gasset/>.

Keynes, John Maynard. “Alfred Marshall, 1842-1924.” The Economic Journal, vol. 34 no. 135, 1924, pp. 311-372.

McCloskey, Deirdre. How to be human—though an economist. The University of Michigan Press, 2000.

McCloskey, Deirdre. “The great enrichment: a humanistic and social scientific account.” Scandinavian
Economic History Review, vol. 64, no 1, 2016, pp. 6-18.

Press release. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Sun. 21 Jun 2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/1987/press-release/>

Pritchett, Lant e Lawrence H. Summers. “Asiaphoria Meets Regression to the Mean. NBER Working Paper
No. 20573, 2014.

Sandmo, Agnar. Economics evolving: a history of economic thought. Princeton University Press, 2011.

Spencer, Roger W. e David A. Macpherson (ed.). Lives of the laureates: twenty-three Nobel economists
(sixth edition). The MIT Press, 2014.

Solow, Robert M. “A Contribution to the Theory of Economic Growth.” The Quarterly Journal of Economics,
vol. 70, no. 1, 1956, pp. 65-94.

Solow, Robert M. “Technical Change and the Aggregate Production Function.” The Review of Economics
and Statistics, vol. 39, no. 3, 1957, pp. 312-320.

Solow, Robert M. “Prize Lecture.” NobelPrize.org, Nobel Media, 1987. URL = <https://www.nobelprize.org/
prizes/economic-sciences/1987/solow/lecture/>

Warsh, David. Knowledge and the Wealth of Nations: A Story of Economic Discovery. W.W. Norton, 2006.

120 Nobel - 1987


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NOBEL DE ECONOMIA

1988
Maurice Allais
por Bruna Cataldo

“ O ponto de vista que expresso é o de um teórico


liberal e socialista. Ambos são inseparáveis em
minha mente porque sua oposição me parece
​​

falsa, artificial. O ideal socialista é focar na


equidade da redistribuição de riqueza, enquan-
to os verdadeiros liberais preocupam-se com a
eficiência da produção dessa mesma riqueza.
Na minha opinião, eles constituem dois aspec-
tos complementares da mesma doutrina. E, pre-
cisamente como liberal, me permito criticar as
posições repetidas dos grandes organismos in-
ternacionais a favor do livre comércio aplicado
cegamente.”

121 Nobel - 1988


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A vida

M aurice Allais nasceu em Paris,


na França, em 31 de maio de
1911. Cresceu em meio à classe
trabalhadora francesa, com pais
produtores e vendedores de queijo. Teve
uma infância difícil após a morte do pai na
após se aposentar formalmente em 1980.
Allais trabalhou até o fim da vida e, após
sua morte, uma fundação foi criada em
seu nome por sua filha para propagar seu
legado e promover a pesquisa econômica
criando, inclusive, um prêmio nomeado em
Primeira Guerra Mundial. Allais afirmou sobre homenagem ao autor.
o evento: “Minha juventude, na verdade toda
a minha vida, foi profundamente marcada por Apesar de menos conhecido e celebrado
isso, direta e indiretamente.” . Foi à despeito que outros laureados, a filha de Allais tinha
dessas dificuldades que Allais seguiu seus motivo para desejar manter o legado do
estudos, alcançando a celebrada École pai vivo: foram 14 prêmios entre 1933 e
Polytechnique e se formando primeiro da 1987, incluindo a maior honraria da ciência
turma em 1933. Ele ficou um ano no serviço francesa, a medalha de ouro do C.N.R.S. O
militar e dois na École Nationale Supérieure prêmio não diferencia por áreas e todos os
des Mines de Paris. Ao fim desse ciclo e com cientistas concorrem entre si. Allais foi o
os títulos de Físico e Matemático, entrou no primeiro a recebe-la por economia em 1978.
serviço público francês como engenheiro O feito é tão representativo que apenas mais
em 1936 e atuou tanto em serviços um pesquisador o igualou e somente 29
administrativos como no front durante os anos depois: Jean Tirole, vencedor do Nobel
anos da Segunda Guerra Mundial. Também de 2014, ganhou a medalha por sua pesquisa
nesse período começou a publicar seus em economia em 2007.
primeiros trabalhos em economia. O final
da década de 1930 e início da 1940 foram A condição de vida do autor foi preponderante
fundamentais para estabelecer seu futuro para sua obra porque foi o que o aproximou
na área: até então um físico e matemático da economia em primeiro lugar. A paixão
trabalhando como engenheiro, a Grande por história, a perda do pai para a guerra
Depressão e convulsões sociais na França e sua própria vivência em uma enquanto
o levaram a estudar economia como ocupava cargos no serviço público foram,
autodidata a fim de pensar como seria de acordo com o próprio, determinantes:
possível reconstruir uma sociedade depois “(…) minha vocação como economista não
de crises como as que estava vendo. foi determinada pela minha educação, mas
pelas circunstâncias. O objetivo era procurar
Em 1948, foi liberado de todas as funções estabelecer as bases sobre as quais uma
e pôde se dedicar exclusivamente à vida política econômica e social poderia ser
acadêmica. Em seu currículo de professor e validamente construída.”. Sendo assim, Allais
pesquisador constam múltiplas instituições, fez de suas experiências de vida a inspiração
mas duas se destacam: a École Nationale de seus trabalhos e visão política e por isso
Supérieure des Mines de Paris e o Centre estabeleceu como questão fundamental da
de la Recherce Scientifique (C.N.R.S), onde economia encontrar formas de promover
continuou a desenvolver atividades mesmo o máximo de eficiência possível que fosse

122 Nobel - 1988


E-BOOK NOBEL

compatível com um nível aceitável de distribuição de renda. O tema era de tal importância
em sua vida que passaria toda ela defendendo um liberalismo social e que o liberalismo
não poderia ser reduzido ao “laissez-fairismo”. É quase literal dizer que passou toda a vida
defendendo essa visão: em 2009, apenas um ano antes de sua morte, escreveu uma carta
aos franceses de onde a epígrafe deste perfil foi retirada. Ele tinha 98 anos no momento.

A obra e contribuição:

A
A obra de Allais teve um impacto de grande proporção, principalmente
considerando que não ficou no imaginário público como outros laureados. Ele
influenciou diretamente grandes nomes que ganharam o Nobel antes dele, como
Paul Samuelson e Gérard Debreu. O primeiro chegou a explicitamente reconhecer
a importância de Allais afirmando – dentre outras coisas – que deveria ter ganho o
prêmio antes e que “Se os primeiros escritos de Allais tivessem sido em inglês, uma geração
de teoria econômica teria tomado um rumo diferente.”. Gérard Debreu, outro queridinho da
profissão, foi pupilo de Allais. Essas menções já indicam a importância do autor para o futuro
da economia não só pela sua própria produção, mas pela influência a outros grandes nomes.

A obra de Allais é ampla e cobre diversos temas. Ele ganhou o Nobel pela contribuição para
teorias do mercado e utilização eficiente de recursos a partir do uso rigoroso de formulações
matemáticas. A frase já evidencia as duas frentes em que Allais transformou a ciência que
aprendeu sozinho porque almejava mudar a sociedade que via ao seu redor: avançou a teoria
de mercados e eficiência e foi um dos pioneiros a aplicar a visão que economia é uma ciência
para qual métodos quantitativos e de modelagem contribuíam em larga escala desde que
acompanhados de sólida teoria e interdisciplinaridade com a sociologia, psicologia, ciências
políticas e história.

Começando pela sua obra teórica, o desenvolvimento dos trabalhos se deu em 5 frentes
principais: equilíbrio geral e eficiência social dos mercados, teoria do capital, teoria do
risco, moeda e juros, e indexação da dívida. Como é muito extensa, aqui estão apenas
alguns destaques. O ponto de partida foi o livro de 1943: “A la recherche d’une discipline
économique. L’economie pure”, que foi inspirado por grandes economistas que Allais
considerava suas principais influências: Leon Walras, Vilfredo Pareto e Irving Fisher. O
autor chegou a afirmar que o livro é de um amador, dado que estudou economia por conta
própria, mas considerava isto uma vantagem porque amadores não estão presos a verdades
estabelecidas ensinadas nas universidades e possuem o olhar sem preconceitos. Já na obra
inicial, trouxe importantes contribuições ao descrever o comportamento do consumo, da
produção e do sistema econômico alcançado a partir da relação entre os dois. Foi neste livro
que se tornou o primeiro a demonstrar com rigor matemático e generalidade que qualquer
estado de equilíbrio de uma economia de mercado é uma maximização de eficiência e que a
recíproca é verdadeira (teoremas de equivalência). No processo, conseguiu mostrar o caráter
arbitrário da distribuição de renda e a formulação dos valores descontados como condição
para maximizar eficiência.

123 Nobel - 1988


E-BOOK NOBEL

Outra obra importante foi o livro, “Economie começou a operacionalizar algo que se
et Interêt”, publicado em 1947. A inspiração tornaria celebrado na economia do século
para o livro foram as teorias do capital de XXI e daria a diversos pesquisadores seus
Bohm-Bawerk e Jevons assim como de Fisher próprios prêmios Nobel: o uso experimentos.
e Hayek. Aqui, Allais moveu a fronteira ao Buscou criar algum que pudesse mostrar
criar uma teoria do estoque ótimo de capital os erros da teoria da utilidade esperada
e taxa de juros ótima seguindo a definição de e o processo gerou as publicações “La
Pareto do termo, que chamava de eficiência psychologie de l’homme rationnel devant
social máxima. Neste livro, desenvolveu um le risque. La théorie et l’expérience” e “Le
conceito que seria posteriormente atribuído Comportement de l’homme rationnel devant
a Samuelson: o de gerações sobrepostas, ou le risque: critique des postulats et axiomes
seja, que diferentes gerações coexistem na de l’école américaine”.
mesma economia e que suas características
não serão as mesmas em termo de renda e O paradoxo de Allais, resultado dos dois
riqueza nem no tempo presente e nem depois. trabalhos mencionados, funciona como
Allais também concluiu neste trabalho que a um contra exemplo da teoria da utilidade
taxa de juros ótima na economia estacionária esperada e parte de duas perguntas. Na
é zero, desenvolvendo em seguida que para primeira, uma pessoa deve optar entre um
economias em crescimento a taxa de juros lucro garantido de 100 reais (opção A1)
“pura” deveria ser igual a de crescimento. e uma aposta que oferece 89% de chance
Esta foi a primeira menção ao que seria de ganhar 100, 10% de ganhar 500 e 1% de
posteriormente chamado de “regra de ouro” não ganhar nada (opção A2). Na segunda
e mais associado ao trabalho de Phelps. Allais pergunta, a pessoa deve escolher entre uma
ainda formulou no livro de 1947 uma versão aposta com 89% de chance de ganhar zero e
inicial do modelo transacional da moeda 11% de chance de ganhar 100 (opção B1), ou
que seria associado a Baumol em 1952. uma com 90% de chance de zero vitória, mas
Em produções posteriores, inclusive, Allais 10 % de ganhar 500 (B2). Os testes foram
fez o esforço de associar seus resultados repetidos milhares de vezes em condições
sobre estoque ótimo de capital com teorias de e os resultados foram considerados
monetárias para gerar uma contribuição robustos: entre 66% e 75% dos entrevistados
mais geral que a de Hayek sobre flutuações escolhia A1 na primeira pergunta e B2 na
econômicas. segunda e o simples fato de que as duas
escolhas eram feitas pela mesmo pessoa ao
Na mesma época, Allais escreveu trabalhos mesmo tempo era apontado como suficiente
sobre teoria do risco e desenvolveu o conceito para invalidar a regra da utilidade esperada.
que receberia seu nome – o Paradoxo de Desse resultado surgiram desenvolvimentos
Allais – tendo sido o único contemporâneo importantes de outros autores, mas apenas
de Von Neumann e Morgenstern a contrapor após a publicação do artigo “Expected
suas ideias. Ele se opunha veementemente utility hypotheses and the Allais paradox”
à concepção de racionalidade por trás da em 1979. Esta publicação gerou uma escola
teoria da maximização da utilidade esperada de pensamento para buscar alternativas
e buscou mostrar que o sistema de axiomas melhores que a teoria da utilidade esperada
não era condizente com o comportamento e abriu espaço para o desenvolvimento
observado no mundo real. Em 1948, Allais da economia experimental e inclusão da

124 Nobel - 1988


E-BOOK NOBEL

quem movimenta a economia é a busca,


exploração e realização de excedentes,
cuja definição não depende das hipóteses
restritivas mencionadas. O desenvolvimento
deste raciocínio gerou pelo menos 7
demonstrações fundamentais para o futuro
da área.

A realidade é que a contribuição de Allais


é ainda mais extensa que a aqui descrita e
não caberia em um perfil tão curto. O fato
de ter publicado boa parte da carreira em
francês fez com que seu trabalho fosse
menos conhecido que o dos economistas
ensinados e influenciados por ele, mas
muitas das inovações que determinaram as
psicologia na compreensão de fenômenos rotas da economia no século XX e até no
econômicos, área que seria desenvolvida século XXI tiveram sua influência direta ou
por Daniel Kahneman e o traria o Nobel de indireta. Uma de suas contribuições que teria
economia em 2002. feito muita diferença se mais disseminada é
a visão da economia enquanto ciência. Allais
Nos anos 1960, em diversas publicações, sempre defendeu a importância do rigor
Allais também desenvolveu a teoria geral matemático (o que lhe garantiu o Nobel) e da
dos excedentes do consumidor. Já em 1943 interdisciplinaridade (que gerou o conceito
desenvolveu os conceitos de excedente que leva seu nome). Considerava ambos
e perda, mas a relação que estabeleceu indissociáveis. É uma visão que contribui
posteriormente entre estes e equilíbrio que para um debate extremamente atual, já
o levou a uma generalização original do que economistas vêm enfrentando críticas
modelo de comportamento econômico. sobre a capacidade de realizar pontes com
Seu ponto de partida foi a dificuldade em outras ciências sociais por conta da visão
calcular os custos marginais em estudos excessivamente focada em modelos e
de mobilidade. Ele criou uma fábula experimentos. Talvez seja necessário olhar
chamada o “Viajante de Callais” para mais para a vida e obra de Allais para pensar
questionar as hipóteses de preço único e (e mostrar) como trabalhar as duas coisas
convexidade geral das funções de custo juntas. Sua visão é bem delineada por duas
total e marginal que sustentavam o equilíbrio de suas frases: “Nenhuma solução pode ser
Walrasiano. Segundo Allais, economistas se encontrada para problemas econômicos
concentravam demais na existência de um recorrendo exclusivamente à teoria
equilíbrio e suas consequências. Para ele, o econômica e aos aspectos quantitativos
foco deveria estar nos processos pelos quais da vida na sociedade“ e “(…) a análise
o equilíbrio econômico é ou não alcançado. das sociedades exige manifestamente
Afirmou que a dinâmica econômica é uma uma síntese de todas as ciências sociais:
série de desequilíbrios até que um equilíbrio economia, direito, sociologia, história,
seja – talvez – alcançado e definiu que geografia e política”.

125 Nobel - 1988


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Allais era um opositor importante da matematização da economia enquanto um fim em


si mesmo. Defendia que a matemática é apenas uma ferramenta, ainda que importante, e
que o central do trabalho deveria ser sempre a interpretação social. Opunha-se também à
sofisticação excessiva, defendendo que modelos complexos deveriam ser evitados a não
ser que fossem indispensáveis. Além disso, afirmava que mesmo os modelos matemáticos
mais perfeitos não serviriam ao propósito da economia se sua construção e postulados
não fossem adequados à natureza real do fenômeno observado. O mesmo autor que foi
responsável por tantos avanços quantitativos da economia também foi um grande defensor
da sabedoria e parcimônia em seu uso. Um físico e matemático, ou seja, um homem com
origem nas ciências duras que tantos economistas almejam reproduzir, dedicou parte da
carreira a lembrar que nossa ciência é social por natureza, interdisciplinar por natureza, que
não somos só matemáticos aplicados. Entre muitas teses e antíteses, Allais se mostrou um
homem de síntese: buscou mostrar a compatibilidade entre liberalismo e socialismo com o
mesmo vigor que entre rigor matemático e interdisciplinaridade.

Ele também usou seu espaço para defender que não se pode sucumbir à tirania das ideias
dominantes, principalmente quando o observado no mundo questiona as premissas sobre
as quais elas estão construídas, usando frases fortes como: “Qualquer que seja o preço que
ele possa pagar em sua carreira, o cientista nunca deve orientar seu curso de acordo com
as modas do dia, ou com a aprovação ou desaprovação de seus contemporâneos”. Allais
foi, portanto, um homem muito à frente de seu tempo e cujo trabalho um texto de algumas
páginas jamais fará jus. Economistas que inovadores estão sempre em ombros de muitos
gigantes. Ele é um dos menos conhecidos, mas está lá. Suas contribuições teóricas e as
agendas de pesquisa que levantou estão vivas até hoje. Sua contribuição metodológica e
sobre a economia enquanto ciência alimentam o debate mais atual que a profissão vem
enfrentando. Allais ainda tem muito o que dizer em 2020.

Bruna Cataldo
Doutoranda do PPGE/UFF.

126 Nobel - 1988


E-BOOK NOBEL

Notas:
Allais, M. (1997) [1989]. An Outline of My Main Contributions to Economic Science. In Nobel Lectures: Economic
Sciences, 1981-1990, ed. Karl-Göran Mäler,233-252. Singapore: World Scientific Publishing Company.

Allais, M. (1989). Autobiography. In Les Prix Nobel: The Nobel Prizes 1988, ed. Tore Frängsmyr. Stockholm:
Nobel Foundation.

Fondation Maurice Allais. (2020). Introduction to Maurice Allais’s work as an economist global vision and
seeds of renewal. Recuperado em 5 de julho de 2020, de: http://www.fondationmauriceallais.org/the-
economist/?lang=en

Fondation Maurice Allais. (2020). General economic equilibrium, Social efficiency and the Economy of
markets. Recuperado em 5 de julho de 2020, de: http://www.fondationmauriceallais.org/the-economist/
general-economic-equilibrium-social-efficiency-and-the-economy-of-markets/?lang=en

Fondation Maurice Allais. (2020). The theory of capital. Recuperado em 8 de julho de 2020, de: http://www.
fondationmauriceallais.org/the-economist/the-theory-of-capital/?lang=en

Fondation Maurice Allais. (2020). The theory of risk. Recuperado em 8 de julho de 2020, de: http://www.
fondationmauriceallais.org/the-economist/theory-of-risk/?lang=en

International Statistical Institute. (2020). Maurice Allais. Recuperado em 5 de julho de 2020, de:https://www.
isi-web.org/index.php/about-isi/who-is-isi/members/in-memoriam/29-joinustag/491-2010-maurice-allais

Klein, D., Daza, R., Mead, H. (2013). Ideological Profiles of the Economics Laureates. Econ Journal Watch.
10(3), 264-267

Alguns trabalhos de Maurice:

Allais, M. (2006) [1999]. Globalization, Unemployment and the Imperatives of Humanism. Momagri (Paris).
[Translation of presentation at Un Siècle de Prix Nobel: Science et Humanisme, UNESCO (Paris), April 10,
1999.

Allais, Maurice. (1992) [1989]. An Outline of My Main Contributions to Economic Science. In Nobel Lectures:
Economic Sciences, 1981-1990, ed. Karl-Göran Mäler,233-252. Singapore: World Scientific Publishing
Company.

Allais, M. (1989). Autobiography. In Les Prix Nobel: The Nobel Prizes 1988, ed. Tore Frängsmyr. Stockholm:
Nobel Foundation.

Allais, M., Hagen, O. (1979). Expected utility hypotheses and the Allais paradox. Dordrecht: Springer

Allais, M. (1959). Manifesto for a Free Society. (Manifeste pour une Société Libre).Paris: Secrétariat Général
du Mouvement.

Allais, M. (1953). Le Comportement de l’Homme Rationnel devant le Risque: Critique des Postulats et
Axiomes de l’Ecole Americaine. Econometrica, 21(4), 503-546. doi:10.2307/1907921

Allais, M. (1953). La psychologie de l’homme rationnel devant le risque : la théorie et l’expérience. Journal de
la société française de statistique. 94, 47-73.

Allais, M. (1943). A la recherche d’une discipline économique : l’economie pure. Paris.

127 Nobel - 1988


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1989
Trygve Haavelmo
por Lucas Adriano Silva

D
esde o ano de 1969, um seleto grupo dos mais destacados
pesquisadores, responsáveis por contribuições inovadoras
de enorme impacto na ciência econômica, têm sido
homenageados com o Prêmio Nobel em Economia. O
prêmio já foi entregue aos melhores economistas da
história, idealizadores de obras de grande influência e renome, tanto
dentro quanto fora da academia.

Parte dos laureados pelo Nobel costumam ser sempre lembrados,


sendo citados nos mais diferentes meios de comunicação (televisão,
rádio, redes sociais), tornando-se grandes personalidades públicas,
alguns até mesmo de maneira póstuma. Mas, nem todos atingiram
esse grau de popularidade, mesmo que também tenham sido
responsáveis por contribuições revolucionárias no estudo da
economia, a exemplo do proeminente economista Trygve Magnus
Haavelmo, laureado com o Nobel de Economia em 1989.
Haavelmo nasceu na Noruega, em uma cidade perto de Oslo chamada Skedsmo, no ano de
1911. Em 1930, ingressou na Universidade de Oslo no curso de Economia, tendo se formado
em 1933. Sobre esse período, é interessante observar a sua relação com Ragnar Frisch,
outro laureado pelo Nobel, que teria recomendado que Haavelmo ingressasse no curso
de economia. Anos depois, Haavelmo, em sua dissertação “The Probabililty Approach in
Econometrics”, fez a aplicação de uma base probabilística na análise de relações econômicas.
128 Nobel - 1989
E-BOOK NOBEL


As principais contribuições de Haavelmo Starting with some existing society,
foram no campo da econometria, com
trabalhos importantes que forneceram uma we could conceive of it as a struc-
boa base para o desenvolvimento de métodos ture of rules and regulations within
econométricos modernos. Com profundos which the members of society have
interesses teóricos, especialmente em
to operate”
macroeconomia aplicada, publicou o livro “A
Study in the Theory of Economic Evolution“, Haavelmo, 1992
lançado em 1954, considerado como
uma inovação em termos de abordagem Apesar das suas contribuições, até hoje
metodológica de questões relacionadas ao parece haver certa resistência às suas
desenvolvimento econômico. contribuições inovadoras. Essa resistência
Assim, em relação ao Nobel, as principais pode ser entendida, ao menos em parte, na
descobertas que o fizeram ser laureado ainda presente dificuldade de se encontrar
em 1989, foram descobertas acerca dos relações (de fato) causais em eventos
fundamentos da teoria da probabilidade em sociais. É que, não raras vezes, diferentes
econometria e por análises de estruturas análises que se propõem a analisar uma
econômicas simultâneas. Haavelmo relação causal, acabam não encontrando
aproximou a econometria, aparentemente resultados robustos (pelo menos em termos
seca e abstrata, de problemas mais de causalidade).
práticos, principalmente ligados ao estado
de bem-estar. É que desde o início do que Haavelmo chegou a falar a respeito disso em
convencionou se chamar de pensamento palestras, destacando as dificuldades que
econômico, desde a chamada economia envolvem a correta estimação de relações
política, ricas e profundas reflexões foram causais. A principal dificuldade seria lidar
realizadas. Mas, o grande problema com com a correlação espúria, que levaria a
essas reflexões, é que estas careciam de conclusões equivocadas sobre o efeito causal
um arcabouço mais quantitativo. O trabalho entre duas ou mais variáveis ​​econômicas.
de Haavelmo foi ao encontro dessa lacuna,
preenchida pela aplicação de métodos Não obstante, houve um colossal avanço nos
econométricos. métodos econométricos nos últimos anos, de
maneira póstuma a Haavelmo (falecido em
Era de seu grande interesse estabelecer a 1999), inclusive quando o assunto envolve
capacidade dos modelos econométricos a correta verificação de relações causais.
para auxiliar políticas públicas, algo até Talvez, este seja um ótimo momento para
então pioneiro para a época, com isso sendo que a brilhante contribuição acadêmica de
realizado a partir de um procedimento Haavelmo possa ser melhor compreendida,
matemático que considera um modelo tornando este brilhante economista mais
arbitrário. O resultado seria a produção reconhecido nos dias atuais.
de respostas quantitativas para questões
relacionadas a políticas.

Lucas Adriano Silva


Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)

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E-BOOK NOBEL

Notas:
Haavelmo, Trygve. 1992. Econometrics and the Welfare State. In Nobel Lectures: Economic Sciences 1981–
1990, ed. Karl-Göran Mäler. Singapore: World Scientific Publishing Co.

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NOBEL DE ECONOMIA

1990
Harry M. Markowitz, Merton Miller &
William Sharpe
por Pedro Lula Mota e Victor Duran

D
Harry Markowitz, economista americano nascido
em 1927 é, com certeza, um dos sobrenomes mais
conhecidos no mundo das finanças. De origem
polonesa, Markowitz é considerado um dos grandes pais
das finanças modernas, responsável por transformar
o estudo de finanças em uma verdadeira ciência, com método,
rigor e análise.

Graduado em economia pela Universidade de Chicago, teve


contato com grandes nomes do mundo da economia como Milton
Friedman, Koopmans e Savage. Tais influências foram essenciais
para a sua formação e posterior formulação de teorias.

Influenciado por seus professores, decidiu então aplicar métodos


matemáticos ao mercado de ações. O que hoje é uma obviedade
(ou, pelo menos, deveria ser), na época ainda era algo pouco
explorado. Durante suas pesquisas notou que o famoso trabalho
do present value model de Jonh Burr Williams estava incompleto
em um aspecto: não levava em consideração o risco dos ativos
financeiros. Essa constatação foi a primeira sinalização de uma
nova teoria, o que viria a ser entendido como construção de
portfólios em ambiente de incerteza. Seu artigo mais famoso e
mais respeitado foi publicado no Journal of Finance, em 1952,
conhecido como Portfolio Selection.

131 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

Vale comentar que em 1952 Markowitz trabalhou na RAND Corporation, onde conheceu George
Dantzig, famoso matemático da área da computação, tendo contribuições determinantes no
processo de formulação do algoritmo de otimização de média-variância, que logo serviria de
base para a tese de doutorado de Markowitz.

Ao ser laureado com o Nobel de Economia em 1990, Markowitz foi reconhecido pela
contribuição em três grandes áreas i) teoria moderna dos portfólios ii) Sparse matrix methods
e iii) criação da linguagem de simulações (SIMSCRIPT), linguagem largamente utilizada para
simulações em manufaturas, transportes, computadores e jogos de guerra.

Nesse artigo, entramos mais a fundo em sua maior contribuição: a Moderna Teoria de
Portfólios.

A Moderna Teoria de Portfolios

A
No seu trabalho seminal publicado em 1952, Markowitz, então com 25 anos, formaliza
o processo de escolha de um portfólio otimizado. Partindo sempre do pressuposto
de que a diversificação é uma estratégia que não pode ser desconsiderada no
processo de composição de um portfólio, distancia-se da concepção corrente de
que a maximização do retorno é uma boa métrica para a construção de portfólios.
Isso porque o máximo retorno é obtido por um portfólio inteiramente concentrado no ativo
de maior retorno esperado, movimento contrário à diversificação e portanto, não poderia
descrever uma filosofia de investimento adequada.

Markowitz enfatiza no artigo o que define como o segundo estágio de construção de portfólios,
que já pressupõe a escolha dos ativos e a identificação (ou estimação) dos parâmetros de
retorno esperado e covariância entre eles. A metodologia descrita por Markowitz tenta
estimar a melhor forma de compor um portfólio. Ou seja, qual a proporção de cada um
dos ativos que fazem parte do portfólio. E mais importante, qual métrica esse processo de
estimação dessas proporções deve buscar otimizar.

A grande sacada do trabalho consiste em perceber que é preciso encontrar um equilíbrio


entre o retorno esperado (mean) e a volatilidade (variance) do portfólio, conhecido como o
algoritmo MVO – mean variance optimization.

O modelo original fundamenta-se em premissas, tais como os investidores são avessos ao


risco e racionais; os ativos são infinitamente divisíveis, ou seja, é possível a compra de uma
fração de uma ação; e, além disso, os custos de transação são irrelevantes. Todas essas são
aproximações em relação à realidade do mercado, mas são importantes para a modelagem
como um todo. Lembrando que o retorno de um ativo (e por consequência do portfólio como
um todo) sempre será tratado como uma variável aleatória, incapaz de ser efetivamente
reconhecida até sua observação.

132 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

Nesse sentido, o avanço de Markowitz Parte do que explica a ubiquidade da


é no sentido de não analisar apenas um formulação de Markowitz pode estar associada
ativo, e sim construir, de forma sistemática, à facilidade de lidar matematicamente com
como diversos ativos se relacionam, e por o que ele formalizou.
consequência, compõem um portfólio. Em
sua formalização matemática, um portfólio é Dada uma variável aleatória X a sua variância
uma carteira de ativos, onde o peso de cada é dada por:
ativo representa uma fração dessa carteira.
Dito isso, o retorno esperado de um portfólio
é dado por:
Onde: é a média de X, e E[.]é o operador
que produz a esperança matemática.

A variância do portfólio de N ativos é um


Onde N é a quantidade de ativos que pouquinho mais complicada, e é dada pela
compõem o portfólio,wi o peso de cada ativo expressão:
e por último o Ri é o retorno esperado para
cada ativo. Então, o somatório dos retornos
ponderados pelos seus respectivos pesos é
equivalente ao retorno do portfólio.
Em que é o coeficiente de correlação
Os pesos atribuídos a cada ativo do portfólio entre o par de ativos. Ele mensura o quanto
precisam atender às seguintes restrições: que os ativos tendem a caminhar juntos, de
maneira intuitiva (e levemente imprecisa),

1 ou seja, a soma total dos


pesos deve ser igual a 1, e
quando um deles varia para cima ou para
baixo (em relação à sua média), quanto que
o outro varia na mesma direção.
2
ou seja, os ativos não serão vendidos a
descoberto.

Paralelamente, a definição de risco é dada Onde os outros termos já são velhos


pela variância, conhecida de longas datas da conhecidos nossos e COV(X, Y) é a
estatística. covariância entre as duas variáveis aleatórias,
dada por:
Embora um construto teórico que não
explica totalmente a natureza do risco
(variabilidade positiva deveria ter o mesmo
peso de variabilidade negativa? Variância Que lembra bastante a definição de variância,
mede risco de default?), a variância possui mas aplicada a duas variáveis. E a origem
uma série de vantagens no âmbito de sua da explicação intuitiva anterior sobre variar
tratabilidade algébrica que não podem ser conjuntamente em relação à média fica um
desprezadas (derivar função quadrática é pouco mais clara. Além disso, entendemos
uma beleza!). porque que COV(X, X) =VAR(X).

133 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

A incorporação da concepção de correlação (também expressa na covariância) foi outra


grande contribuição de Markowitz para a técnica de escolha de portfólios. Estudos
contemporâneos a ele falavam no papel da Lei dos Grandes Números para a redução do
risco de um conjunto de ativos comprados simultaneamente. Mas, como foi corretamente
apontado por Markowitz em 1952, a Lei dos Grandes Números pressupõe independência
entre observações. A covariância/correlação são formas de medir a dependências entre
variáveis, e atestam o grau em que a Lei dos Grandes Números não é capaz de eliminar ruído.
Ou seja, ativos muito correlacionados não contribuem tanto para a redução da variância de
um portfólio.

Dito de outra forma, Markowitz formaliza a diferença entre diversificação ingênua e


diversificação inteligente, ou sistemática.

Realizando um estudo das propriedades algébricas das funções que definem o retorno e a
volatilidade esperados de um portfólio, Markowitz consegue definir onde estaria situada a
fronteira eficiente de portfólios, ou seja, aquele conjunto de carteiras que, para cada nível
de risco, maximiza o retorno. Ou a mesma coisa dita de outra forma, para um dado retorno
esperado, minimiza o risco.

A fronteira eficiente, velha conhecida dos atuantes do mercado financeiro, seria então uma
curva em um gráfico da relação risco-retorno, em que, todos os portfólios ali situados seriam
considerados “ótimos”.

O processo utilizado para encontrar esses portfólios é um processo de otimização, que pode
ser alcançado, após um longo processo combinatório entre as milhares de composições
possíveis de portfólios; ou usando algoritmos de otimização que acabavam de se tornar mais
acessíveis por volta da década de 50.

134 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

O que chama a atenção na produção de Markowitz é a ausência de predecessores teóricos


no qual ele poderia ter se baseado. A formalização da concepção de risco foi um passo
muito importante dado por ele e que iniciou uma revolução nas finanças. Nenhum trabalho
anterior tratou o risco de um portfólio de ativos da mesma forma, e poucos trabalhos desde
então tratam o risco de maneira diferente. É Impossível elaborar uma tese sobre portfolios
sem citar Markowitz.

Além das contribuições mais evidentes e trabalhadas em detalhe neste artigo, o texto original
ainda apresenta discussões sobre a separação entre erro idiossincrático e sistemático dos
ativos e a utilização de estratégias híbridas (expertise humana e estatística) de estimação
dos retornos, como é feito nos modelos de Black-Litterman.

Outra consequência natural das formulações de markowitz foi o CAPM (Capital Asset Pricing
Model), o modelo básico principal usado universalmente para estabelecer a relação entre
risco e retorno esperado de um determinado ativo, considerando seu risco sistêmico, risco
de mercado e taxa livre de risco. O CAPM, por si, foi também predecessor dos modelos de
Fama-French, que por sua vez deram origem a toda a indústria de fatores de risco.

No entanto, diversas críticas ou ressalvas ao modelo seminal, especialmente com relação à


sensibilidade aos inputs do modelo, ou seja, a otimização descrita é muito poderosa, contudo,
muito se discute sobre a variabilidade dos portfólios resultantes em função de pequenas
alterações nos parâmetros de retorno, variância e covariância esperados dos ativos.

O algoritmo padrão tende a sobrerrepresentar ativos com características mais atrativas – alto
retorno e baixo risco – impactando na distribuição de pesos dos ativos na carteira otimizada,
trazendo muito da vezes soluções de canto (totalmente comprado em apenas um ativo, por
exemplo).

Como comentado, o próprio autor preparou o terreno para os novos métodos que viriam,
como Black Litterman, paridade de risco e tanto outros. Contudo, nenhum modelo alternativo
foi capaz de provar de forma contundente a superioridade absoluta em relação aos outros
em termos de eficiência da otimização.

Pedro Lula Mota


Economista pela Unicamp (com passagens pela Universidade do Porto e pela EM Strasbourg
Business School)

Victor Duran
Mestre em estatística pela UFBA e Quant Research Specialist at Asset Management no NuBank

O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido do que nas
biografias de todos os vencedores.

135 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1991
Algumas dicas para seu pequeno
negócio de entrega de marmitas
Ronald H. Coase
por Claudio D. Shikida

R
onald Harry Coase, mais conhecido como Ronald
H. Coase, recebeu o Prêmio Nobel em Economia
no ano de 1991 [1]. Para os que não conhecem bem
a história de Coase, pode parecer curioso que o
economista britânico lecionasse na University of
Chicago Law School, e não no departamento de economia
da famosa universidade. Afinal, ainda é uma prática – nunca
explicitamente dita, mas frequentemente utilizada – nas
instituições de ensino superior (IES) alocar professores
supostamente menos importantes em disciplinas de
Economia em outros departamentos [2].

O comitê do Prêmio justificou o Nobel para Coase com as


seguintes palavras: “(…) for his discovery and clarification of
the significance of transaction costs and property rights for
the institutional structure and functioning of the economy”
[3]. Em bom português, Coase mereceu o prêmio por sua
descoberta e explicação acerca da importância dos custos
de transação e dos direitos de propriedade para a estrutura
institucional e o funcionamento da economia.

136 Nobel - 1991


E-BOOK NOBEL

Os termos sublinhados no parágrafo Outro conceito importante é o que chamamos


anterior merecem destaque. São conceitos de direitos de propriedade e o que os amigos
importantes e não meras palavras soltas. do Direito chamam de direitos subjetivos
Tentarei explicá-los com um único exemplo [6]. Já que falamos de um restaurante
supondo que o leitor queira complementar familiar, vejamos o que isso significa. Você
sua renda (durante a pandemia?) com um começou a cozinhar em casa e a atender
novo – e extraordinário (dirá seu anúncio) – mais telefonemas do que antes. Suponha
negócio de entrega de marmitas. que você more em uma casa pequena e há
apenas um vizinho próximo (pode-se pensar
Vejamos o primeiro conceito, os custos de naquelas casas geminadas). Bem, você
transação. Ao pensar em complementar sua começa a fazer muito barulho com seu –
renda vendendo marmitas na pandemia, agora próspero [7] – negócio.
você precisa estimar seu custo-benefício.
Um custo importante é o custo de Seu vizinho acha que você o incomoda
produção. Que insumos serão necessários muito. Como você, ele não tem ainda
para que você produza marmitas? Um dinheiro suficiente para comprar o imóvel
fogão adicional? Um ajudante? Custos de e alugou a casa ao lado, achando que você
transporte também são importantes. Um não seria um vizinho barulhento. Você pode
automóvel? Uma motocicleta? Ou você não saber, mas ele escreve para um blog de
contratará um motorista? Entretanto, esta Economia e precisa de um certo silêncio para
operação toda necessita ser contratada. Há se concentrar [8]. Temos aí um problema
o contrato de abertura do restaurante (a potencialmente perigoso [9].
burocracia para isto pode levar dias, não?),
o contrato do auxiliar de cozinha e, claro, A questão é que o problema não é você –
o contrato do motorista de aplicativo de como você pensa – e nem ele – como ele
celular (e, portanto, a escolha do aplicativo, pensa – mas sim um problema conjunto. Você
já que os custos podem variar). Estes são precisa cozinhar e entregar suas marmitas e
os custos de se organizar a transação. Em ele precisa escrever seus textos. Ocorre que
um país pouco burocrático, eles podem ser vocês moram muito próximos um do outro.
desprezíveis, mas o leitor provavelmente Qual a solução?
nasceu e mora no Brasil.
Caso não existam custos de transação, vocês
Parece óbvio, mas não era na época em podem transacionar o direito de propriedade
que Coase explicou o conceito para Milton ao barulho. Parece complicado, mas não é.
Friedman, em um famoso jantar na casa Pessoas fazem isto o tempo todo em suas
de Aaron Director [4]. Pergunte-se sobre o vidas. São apenas duas pessoas (logo, o
quanto vale, para você, abrir seu negócio se o custo de transação é muito baixo, para não
tempo empregado para obter permissões da dizer nulo) e é possível que negociem o
prefeitura, do governo estadual, do governo direito de propriedade sobre o barulho entre
federal, assinar documentos exigidos na si (como a transação é voluntária, em caso
contratação do ajudante de cozinha, etc. de sucesso, ambos ficam felizes, certo?).
Conforme for, inclusive, pode ser que você
mesmo cozinhe tudo e entregue as marmitas, Assim, pode acontecer de você pagar ao
não é? Este é o insight central do conceito vizinho uma quantia tal que ele possa se
de custos de transação que está em seu, mudar ou o contrário. Para que tudo isso
hoje clássico, The Nature of Firm [5]. funcione, claro, é preciso que o direito

137 Nobel - 1991


E-BOOK NOBEL

de propriedade ao barulho possa ser negociado, ou seja, que ele esteja bem definido. A
solução privada, da negociação, emerge sem a necessidade de intervenção governamental.
Basicamente, é este o Teorema de Coase.

O barulho é a famosa externalidade e as soluções pré-Coase envolviam sempre a intervenção


do governo. Na verdade, se custos de transação não forem desprezíveis, podemos imaginar
um feixe de soluções que vão das soluções privadas à governamental. Caso tivéssemos um
condomínio de casas, talvez o comitê do condomínio tivesse de interferir na discussão. Caso
fossem vários restaurantes e vários escritores, provavelmente o prefeito e os vereadores
tivessem que intervir [10].

Aliás, quanto mais escasso se torna um recurso, maior a demanda das pessoas pelo
estabelecimento formal dos direitos de propriedade sobre o mesmo e esta é outra forma de
se exemplificar a relação entre custos de transação e direitos de propriedade. A colonização
de um novo terreno, com baixa densidade populacional, faz com que, inicialmente, as soluções
privadas prevaleçam e os direitos de propriedade sejam informalmente respeitados.

Contudo, o aumento da população sobre o mesmo terreno aumenta os custos de transação


e o respeito informal aos direitos de propriedade passam a exigir maior formalização dos
mesmos. Passa-se do respeito à tradição para o respeito ao xerife e deste para o respeito das
leis escritas e assim por diante. É assim que chegamos ao último conceito citado acima, o de
instituições. Aqui, Coase, curiosamente, antecipa o Nobel que Douglass C. North receberia
dois anos depois, em 1993, já que a definição mais comum de instituições é aquela devida a ele
(North). Em outras palavras, instituições são as regras do jogo desenhadas pelos indivíduos
para estruturar as interações políticas, econômicas e sociais [11]. Não é difícil perceber que
a discussão das instituições está ligada à discussão da diversidade de arranjos de direitos
de propriedade cuja introdução na Ciência Econômica é, em grande parte, mérito de Coase.

138 Nobel - 1991


E-BOOK NOBEL

Por fim, embora não tenha citado acima, existe uma outra contribuição de Coase, interessante,
que é a conjectura de Coase. O problema aparece em alguns livros de Organização Industrial
[12], e é uma interessante decisão microeconômica a ser tomada por um monopolista que, ao
invés de um bem não-durável (hipótese básica, geralmente implícita, durante a maior parte
dos cursos de microeconomia básicos), tem um bem durável. Já que falamos de restaurante,
que tal pensarmos que você ampliou seu negócio e agora comprou umas chopeiras?

Suponha também que, na sua região de atendimento, apenas você tem as chopeiras. O
interessante é que a maximização passa a ser intertemporal e envolve a comparação de duas
estratégias: alugar as chopeiras ou vendê-las. O problema faz sentido, já que consumidores
sabem que, se você vender parte de suas chopeiras hoje, terá menos para vender depois já
que são bens duráveis e consumidores não compram chopeiras como compram bananas.
Como bem coloca Bryan (2013), o monopolista com bens duráveis tem um problema: ele não
consegue ganhar a renda de monopólio com a venda do bem [13].

O leitor que chegou até aqui deve ter notado que Coase fez contribuições sensacionais no
que convencionou-se chamar de Microeconomia. É sempre dito, com razão, que ampliou
nosso entendimento sobre a teoria da firma, sobre externalidades. Terá contribuído para seu
negócio de marmitas? Arrisco a dizer que sim [14].

Claudio D. Shikida
Claudio D. Shikida (Claudio Shikida) é doutor em Economia pelo PPGE-UFRGS. Pesquisador do
PPGOM-UFPel e, atualmente, Coordenador-Geral de Pesquisa na Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP), em Brasília. Ele agradece o convite para colaborar com esta série de textos e deixa
claro aos que queiram saber mais sobre ele que, por sua conta e risco, consultem: http://cdshikida.
net e http://wp.ufpel.edu.br/cdshikida.

139 Nobel - 1991


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Notas:
[1] Coase morreu em 2013, com 101 anos. Talvez o mais longevo Nobel de Economia.

[2] É, até certo ponto, curioso que nunca tenha sido publicado um artigo analisando o custo-benefício deste
tipo de prática. Afinal, se aqueles que possuem maior inclinação para o raciocínio econômico optam pelo
curso de Ciências Econômicas, o ganho marginal de se aprender princípios básicos de Economia seria maior
justamente em disciplinas fora do curso. A alocação de professores geralmente é decidida por um diretor
auxiliado (ou não) por um corpo diretivo (o “colegiado”), o que nos remete a problemas de ação coletiva,
para dizer o mínimo. Talvez algum dia, alguém analise as atas das reuniões de departamentos de economia
no Brasil e publique um artigo interessantes sobre as decisões tomadas nos departamentos de economia, as
restrições institucionais que são realmente binding nestes casos, os problemas de ação coletiva envolvidos,
etc.

[3] Ver: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/press-release/.

[4] A história é contada, por exemplo, aqui: https://www.econlib.org/library/Enc/bios/Coase.html.

[5] Coase, Ronald H. The Nature of the Firm Economica 4, November, 1937, p.386-405.

[6] A explicação está no ótimo trabalho de Ivo Gico Jr e a confusão conceitual tem sido uma barreira ao
diálogo interdisciplinar entre as duas áreas, a despeito dos esforços de muitos estudiosos do tema no Brasil
(reunidos, em grande parte, na Associação Brasileira de Direito e Economia, ABDE). Ver Gico Jr, Ivo. A Tragédia
do Judiciário: subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização do Judiciário. Tese de Doutorado, PPG-
ECO, UnB, 2012. (http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/13529/1/2012_IvoTeixeiraGicoJunior.pdf).

[7] Estou torcendo por você!

[8] Suponhamos que seu vizinho até encomende suas marmitas de vez em quando. Assim podemos supor
que ele também torce por você, mas está incomodado com o barulho.

[9] A violência pode aumentar durante a pandemia? Aguardemos os estudos. Enquanto isto, mais do que
nunca, keep calm and study Economics.

[10] A discussão de Coase sobre as externalidades está em Coase, R.H. (1960) The Problem of Social Cost.
Journal of Law and Economics, v.3, n.1, p.1-44.

[11] Ver North (1991). Institutions. Journal of Economic Perspectives, v.5, n.1, Winter 1991, p.97-112.

[12] Por exemplo: Shy (1995) [Shy, O. (1995). Industrial Organization. MIT Press] e Tirole (1988) [Tirole, J.
(1988). Industrial Organization. MIT Press]. Deixando de lado a modéstia, a nota didática de Shikida (2018)
expõe, com um exemplo numérico, o problema. Ver Shikida (2018) O que Picasso e chopeiras têm em
comum? – A Conjectura de Coase (versão revisada) https://gustibuseconomia.com/2020/06/11/uma-nota-
de-aula-antiga-revisada-coase-picasso-e-o-chopp/.

[13] Seu breve texto está aqui: https://voxeu.org/article/economic-ideas-ronald-coase.

[14] Obviamente, meu texto não é tão claro e didático quanto os artigos de Coase. Desnecessário dizer que
recomendo fortemente a leitura dos mesmos. Há também o ótimo: Coase (1995) [Coase, R.H. Essays on
Economics and Economists. University of Chicago Press, 1995.

140 Nobel - 1991


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1992
Gary S. Becker
por Lucas Iten Teixeira

M uitos dos laureados descritos neste importante projeto


de difusão da ciência econômica foram conhecidos
por grandes contribuições em campos específicos
da economia. Definitivamente, este não foi o caso
de Gary S. Becker (1930-2014), cuja motivação para o prêmio foi
“ampliar o domínio da análise microeconômica a uma ampla gama
de comportamento humano e interações entre indivíduos (tradução
livre)”. Ou seja, ele foi relevante para variadas áreas de estudo (o
que pode ser evidenciado pelo farto material bibliográfico ao final
desse texto). Além do Prêmio Nobel de Economia em 1992, Becker
ganhou a John Bates Clark Medal, destinado a economistas com
menos de 40 anos com iminente contribuição à ciência econômica;
foi membro da American Academy of Arts and Sciences e ganhou
em 2000 a National Medal of Science no campo de Behavioral
and Social Science, demonstrando sua importância para todas as
ciências sociais.
Gary Becker nasceu na Pensilvânia, numa pequena cidade onde predominava a extração de
carvão mineral, e foi filho de pais imigrantes que abandonaram a escola no fim do ensino
fundamental. Ainda na infância se mudou para Nova York, onde permaneceu até a graduação
em Princeton. Seu interesse em economia se baseou na união entre a matemática e as questões
sociais.

Becker ajudou a desenvolver (e a responder) inúmeras questões ligadas ao indivíduo;


algumas delas serão detalhadas a seguir. Na Universidade de Chicago, onde passou

141 Nobel - 1990


E-BOOK NOBEL

quase toda a vida acadêmica, definitivamente não pertenceu à suposta prevalência


monetarista do seu departamento econômico, atuando em questões de comportamento
humano e do bem-estar do indivíduo. No entanto, segundo o próprio laureado, foram as
aulas de microeconomia com Milton Friedman que renovaram suas ambições de pesquisa,
utilizando a teoria econômica para responder a perguntas práticas envolvendo o mundo real.

Para se notar a relevância e o pioneirismo de Gary Becker para o debate atual, sua tese de
doutorado na Universidade de Chicago em 1955 estudou discriminação racial, o que culminou
no livro The Economics of Discrimination dois anos depois. É necessário deixar claro que
a modelagem da discriminação não tem como objetivo justificá-la, e sim demonstrar os
malefícios gerados no mercado de trabalho. Pelo contrário, o modelo construído mostrava
que a barreira artificial imposta a minorias pela discriminação gerava ineficiência a todos.
A ineficiência do racismo para a sociedade aumentava conforme o grau de monopólio ou
existência de reserva de mercado em favor à empresa racista. Na década de 1970, outro
laureado (Kenneth Arrow) adicionou assimetria de informação nesse modelo, contribuindo
para a ainda incipiente literatura sobre discriminação racial na ciência econômica.

Após dez anos lecionando na Columbia University (começou a lecionar com menos de 30
anos!), e logo após ganhar a Clark Medal (1967), ele retornou à Universidade de Chicago,
onde permaneceu pelo resto de sua vida acadêmica.

Um grande mérito de Becker foi exatamente focar no indivíduo e em suas decisões referentes
à própria vida. Outro ponto foi o rigor matemático originário da graduação em Princeton,
produzindo modelos quantitativos que pudessem explicar as ações dos indivíduos e seus
impactos. A adição da racionalidade no comportamento humano abrange um campo da
ciência econômica chamada de Economia do Desenvolvimento que ultrapassou as fronteiras
desta ciência, impactando nos estudos de demografia, sociologia e direito, mesmo antes
da difusão de microdados sobre o indivíduo existentes atualmente em Censos e pesquisas.
Dessa forma, temas politicamente incorretos mas tão relevantes para o indivíduo poderiam
ser pensados da mesma forma que problemas relacionados à firma na microeconomia. Seu
arcabouço teórico possibilitou vários estudos empíricos quando o avanço da informática levou

142 Nobel - 1992


E-BOOK NOBEL

a disponibilidade de dados dos indivíduos. Human Capital (1964) demonstra que os


Um dos estudos desse campo são as investimentos em educação podem ser mais
decisões familiares, como número de filhos relevantes para o crescimento econômico
e a alocação de estudo, lazer e trabalho que investimentos realizados em máquinas
de todos os membros da família. O livro e equipamentos.
A Treatise on the Family (1991) vai nesse
ponto, dando início à literatura de diferenças A união da questão do investimento em
de mercado de trabalho entre gêneros. capital humano com as decisões familiares
Essa discussão também abrangeu decisões leva a soluções heterogêneas. Por isso o
de casamento, assimetrias de informação modelo de investimentos em crianças pode
relacionadas ao divórcio e altruísmo com a levar em conta, por exemplo, a restrição a
publicação do artigo A Theory of Marriage crédito para a produção de capital humano ou
nos anos 1970. Segundo o próprio Becker, o a possibilidade dos filhos terem habilidades
objetivo não era avaliar os determinantes do distintas. Existe também a possibilidade
divórcio e do número de filhos, mas sim seus de transmissão intergeneracional do
efeitos sobre a desigualdade e o crescimento status socioeconômico entre famílias. Isto
econômico. é evidenciado pelos estudos de indicam
impacto da educação dos pais sobre a
Uma outra decisão do indivíduo se refere à educação e renda dos filhos. No Brasil,
sua própria alocação de tempo. Theory of por exemplo, infelizmente se observou
the Allocation of Time (1965) avalia que os correlação positiva entre trabalho infantil
indivíduos são ao mesmo tempo produtores de filhos e pais. Nesse sentido, a mobilidade
e consumidores de seus ativos, como horas econômica pode ser impactada pela decisão
de trabalho e gastos (de tempo e dinheiro) de fertilidade e de capital humano das
com transporte. Assim, o equilíbrio geral famílias. Becker e Thomes publicaram em
da vida do indivíduo se baseia tanto em 1986 o artigo Human Capital and the Rise and
maximizar sua utilidade, como um salário Fall of Families, mostrando a importância do
adequado e disponibilidade para lazer, como capital humano para explicar desigualdade
na minimização de custos, envolvendo a dentre famílias e entre gerações através de
questão da produtividade. A relevância do modelos quantitativos.
artigo de Becker foi introduzir a questão do
“salário” fora do trabalho, ou seja, no custo As decisões individuais e familiares
de oportunidade se de investir em outras descritas acima também são impactadas
coisas além do trabalho. pela expectativa de quanto tempo de vida
o indivíduo terá. Com o avanço da saúde
No ponto da produtividade, o indivíduo durante o século XX e a evolução de condições
escolhe a quantidade (e qualidade) de estudo básicas de saneamento básico, diminuiu-se a
que ele irá buscar para sua vida, de maneira mortalidade infantil e a expectativa de vida
similar ao dilema familiar entre número de aumentou para toda a população. Um de dos
filhos e a alocação de capital humano sobre orientandos de Gary Becker na Universidade
os filhos. Não se trata de uma decisão trivial, de Chicago foi o brasileiro Rodrigo Soares,
pois envolve um futuro que não é claro para com quem escreveu o artigo The Quantity
a cabeça das pessoas. E em determinado and Quality of Life and the Evolution of
momento da vida, como o ensino superior, World Inequality na American Economic
pode estar em sentido oposto aos ganhos Review (1995), mostrando o impacto das
oriundos do trabalho. O Investment in decisões dos indivíduos sobre a economia e

143 Nobel - 1992


E-BOOK NOBEL

a desigualdade entre países.


Novamente, aí se percebe que os estudos de Becker abrangem não apenas a quantidade do
bem individual produzido, mas também da qualidade, uma vez que o próprio indivíduo (ou
sua família) poderá consumir esse bem. E nesse ponto podem ser exacerbadas a desigualdade
de condições entre as pessoas. A pandemia da Covid-19 talvez deixe claro o impacto que a
desigualdade de saúde pode gerar na população, algo que Becker já modelava há mais de
meio século.

Becker também estudou sobre Economia do Crime, alcançando a área do direito. Novamente,
o laureado se baseia da racionalidade do indivíduo: há incentivos que possam fazer com que
alguém cometa um crime, como possíveis receitas, custos relacionados à probabilidade e
tempo de punição, além da aversão ao risco. Ou seja, um problema de maximização de lucros
similar ao de outras firmas. Becker até explicou lobby político sob o prisma microeconômico
(A theory of competition among pressure groups for political influence, 1983), dentre outras
interações entre indivíduos.

Em volta com as discussões recentes sobre desigualdade, saúde e discriminação racial, e em


vias da substituição de pessoas por robôs no mercado de trabalho, talvez a audácia de Gary
Becker em estudar temas relevantes para a sociedade (e não necessariamente para o mundo
acadêmico no momento), aliada ao seu rigor matemático e científico, deva ser cada vez mais
lembrada para que a ciência econômica consiga resolver os reais problemas dos indivíduos.

Lucas Iten Teixeira


É mestre e doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo – Fundação Getúlio Vargas

144 Nobel - 1992


E-BOOK NOBEL

Notas:
Becker, Gary S. (1957). The Economics of Discrimination. University of Chicago Press, 178p.

Becker, Gary S. (1964). Human Capital: A Theoretical and Empirical Analysis, with Special Reference to
Education.

Becker, G.S. (1965). A Theory of the Allocation of Time. Economic Journal, 75(299), 493-517.

Becker, G.S. (1973). A Theory of Marriage: Part I. Journal of Political Economy Vol. 81, No. 4 (Jul. – Aug., 1973),
pp. 813-846.

Becker, G.S. (1974), “Crime and punishment: an economic approach”, Essays in the economics of crime and
punishment, New York: National Bureau of Economic Research distributed by Columbia University Press,
pp. 1–54,

Becker, G.S. (August 1983). “A theory of competition among pressure groups for political influence”. Quarterly
Journal of Economics. 98 (3): 371–400.

Becker, G.S. and N. Tomes (1986). Human Capital and the Rise and Fall of Families. Journal of Labor
Economics, 4(3), Part 2, S1-S39.

Becker, G.S. and R.J. Barro (1988). A Reformulation of the Economic Theory of Fertility. Quarterly Journal of
Economics, 103(1), 1-25.

Becker, G.S., K.M. Murphy and R. Tamura (1990). Human Capital, Fertility, and Economic Growth. Journal of
Political Economy, 98(5), Part 2, S12-S37.

Becker, G.S. (1991). The Demand for Children. Chapter 5 in: G.S. Becker. A Treatise on the Family. Cambridge,
Harvard University Press, Enlarged Edition, 135-154.

Becker, G.S. (1991). Family Background and the Opportunities of Children. Chapter 6 in: Becker, Gary S. A
Treatise on the Family. Cambridge, Harvard University Press, Enlarged Edition, 155-178.

Becker, G.S., T.J. Philipson and R.R. Soares (2005). The Quantity and Quality of Life and the Evolution of
World Inequality. American Economic Review, 95(1), 277-291.

Links Recomendados

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1992/becker/biographical/

https://terracoeconomico.com.br/gary-becker-o-homem-que-transformou-tudo-em-economia/

https://en.wikipedia.org/wiki/Gary_Becker

https://www.economist.com/schools-brief/2017/08/05/gary-beckers-concept-of-human-capital

145 Nobel - 1992


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1993
Robert Fogel
por Thales Zamberlan Pereira

R Robert Fogel ganhou o Nobel de 1993, em conjunto


com Douglass North, por ter “renovado a pesquisa
em história econômica aplicando teoria econômica
e métodos quantitativos para explicar mudanças
econômicas e institucionais.” Fogel e North trilharam um
caminho comum em sentidos opostos no desenvolvimento da
“nova história econômica”, posteriormente conhecida como
cliometria. North usou o passado para entender o presente.
A economia institucional foi uma proposta para entender
dinâmicas de longo prazo, a prosperidade das nações.
Fogel fez o caminho inverso, usou a teoria econômica do
presente para reinterpretar o passado. Assim como outros
economistas de Chicago durante as décadas de 1960 e 1970,
Fogel buscou utilizar a teoria microeconômica como uma
teoria social, aplicando conceitos como o de racionalidade
a uma série de problemas fora do seu escopo tradicional,
como o estudo da escravidão.

Fogel não foi o criador da nova história econômica, mas


foi provavelmente seu maior divulgador. Conhecido por
apresentar resultados de uma forma provocativa, era um
mestre em gerar controvérsias que davam visibilidade ao
seu trabalho. Em 1983, publicou Which Road to the Past?
Two Views of History com o historiador Geoffrey Elton e

146 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

nomeou o seu capítulo, de forma não sútil, de “história


‘científica’ e história tradicional”. A mensagem do livro
era conciliatória – estabelecer a coexistência de formas
distintas de se estudar história – mas ao longo de sua
carreira Fogel sempre advogou uma visão específica do
que deveria ser considerado “boa” história econômica.
[i] Parte dessa visão veio de Simon Kuznets, orientador
de Fogel no doutorado. Kuznets, na primeira edição
do Journal of Economic History, em 1941, escreveu que
existiam diversos indícios que historiadores econômicos
estavam se “conscientizando da necessidade de maior
ênfase no uso de dados estatísticos e de análises
estatísticas”. Essa tendência se consolidou na década
de 1950, com os estudos sobre escravidão de Alfred
Conrad e John Meyer, que também defenderam o uso
de teoria econômica e inferência estatística em história
econômica. A necessidade do uso da teoria, segundo
eles, decorria do fato que a única forma de estabelecer
causalidade em estudos históricos era a utilização
explícita de hipóteses teóricas.[ii] Afinal, historiadores
não se preocupam apenas em coletar fatos ou
declarações sobre o passado, mas sim encontrar
relações causais entre eventos.
O uso da teoria econômica neoclássica como ferramenta para interpretar o passado rapidamente
gerou uma série de controvérsias, especialmente entre historiadores. Estes tacharam a metodologia
da nova história econômica como “antiempirista” e “antipositivista”, porque consideravam modelos
teóricos inverificáveis na prática.[iii] O foco dessas críticas era o uso de contrafactuais (“e se
determinado evento não tivesse ocorrido?”), tidos como especulações intrusivas e fictícias dentro
de uma disciplina empírica. Os defensores da nova história econômica, no entanto, argumentavam
que posicionamentos contrafactuais eram de uso frequente por parte da historiografia tradicional.
Segundo Fogel, os historiadores, ao fazerem julgamentos sobre supostos erros históricos (exemplo:
Napoleão errou ao invadir a Rússia), assumiam uma posição de conhecimento sobre o “curso dos
eventos em situações que nunca ocorreram”.[iv] Logo, afirmações históricas sobre processos que
envolvem mudanças também assumiriam uma posição contrafactual, mesmo que de forma implícita.
[v] Ao defender a inevitabilidade do uso de histórias alternativas, o que era relevante para Fogel
nesse debate era como estabelecer critérios para determinar se os argumentos utilizados para os
contrafactuais eram válidos ou, pelo menos, razoáveis. A teoria, portanto, seria necessária para
disciplinar as possibilidades introduzidas pelo uso de contrafactuais.

O primeiro trabalho de Fogel utilizando contrafactuais questionou a interpretação historiográfica


tradicional sobre o impacto das ferrovias no crescimento econômico dos Estados Unidos. Fruto da
sua tese de doutorado, o livro Railroads and American Economic Growth: Essays in Econometric
History (1964) contestou a visão de que as ferrovias foram importantes para o crescimento dos
Estados Unidos durante o século 19. Fogel analisou como seria a utilização de canais e rodovias
na ausência do sistema ferroviário e estimou que o produto nacional bruto (PNB) dos Estados
Unidos seria “apenas” 5% inferior ao observado em 1890. Esse resultado indicava que não existiam
setores que, sozinhos, fossem responsáveis pela maior parte do desenvolvimento econômico dos
países, o que era bastante controverso na época. O alvo de Fogel eram análises como o modelo de
“decolagem” (take-off) de Walt Rostow, que caracterizava o desenvolvimento econômico como um
processo descontínuo, fruto de grandes investimentos em novas tecnologias que possibilitariam as
economias alcançarem novos estágios de desenvolvimento.
147 Nobel - 1993
E-BOOK NOBEL

A reação ao resultado que “ferrovias não de mão de obra escrava na agricultura era
importavam” foi imediata. Assim como menos eficiente que com trabalhadores
aconteceria em outros momentos da sua livres, 4) escravidão era incompatível com
carreira, o impacto da pesquisa de Fogel um sistema industrial, 5) a economia do sul
decorria mais do debate que sua pesquisa do Estados Unidos estava estagnando antes
gerava do que do que propriamente de da década de 1860.
seus resultados. Assim como seu colega de
Chicago, Milton Friedman, a característica Ao se perguntar como os historiadores
de polemista de Fogel tinha a capacidade poderiam estar “tão errados” sobre uma
de transformar suas pesquisas em algo das instituições mais importantes do
impossível de ignorar. Isso talvez explique século 19, Fogel provocou a fúria dos seus
por que o resultado de Fogel ficou mais opositores. Além disso, ao defender que as
conhecido que a pesquisa de Albert condições materiais (não psicológicas) dos
Fishlow, American Railroads and the escravos eram “mais favoráveis” do que as
Transformation of the Ante-bellum Economy dos trabalhadores livres no setor industrial,
(1965), que encontrou, utilizando o mesmo Fogel foi acusado de ser um apologista
método, um efeito três vezes maior para a da escravidão. A crítica era claramente
ausência das ferrovias nos Estados Unidos. injusta (a esposa de Fogel, Enid, era afro-
Posteriormente, John Coatsworth e William americana), mas a repercussão negativa
Summerhill mostraram que, em países com gerou questionamentos se o livro não
menor disponibilidade de transporte fluvial, tinha manchado sua reputação mesmo
como Brasil e México, as ferrovias foram no departamento de Chicago.[vi] Fogel
mais importantes para o desenvolvimento respondeu a maior parte das críticas e o
econômico em comparação aos resultados debate foi posteriormente publicado no
de Fogel para os Estados Unidos. importante livro The Slavery Debates (1952-
1990). Além disso, Fogel publicou em 1989
A maior das controvérsias, no entanto, veio o livro Without Consent or Contract, no
com os estudos sobre a escravidão. O ponto de qual discutiu temas como o problema moral
partida desse projeto, realizado em conjunto da escravidão e amenizou algumas das
com Stanley Engerman, foi a pesquisa prévia conclusões mais estridentes de Time on the
de Conrad e Meyer demonstrando que a Cross. Ao final, mesmo com toda turbulência,
utilização de escravos na produção agrícola Fogel triunfou ao transformar o debate sobre
dos Estados Unidos era mais eficiente que escravidão nos Estados Unidos.
o uso de trabalhadores livres. O produto
mais conhecido dessa pesquisa foi Time on O sucesso da cliometria para a
the Cross, publicado em 1974, que reuniu os reinterpretação da história norte-americana
principais resultados da dupla e tinha como durante a década de 1960 resultou no
objetivo ser um livro de divulgação para um reconhecimento. mesmo dos mais severos
público mais amplo que o acadêmico. Fogel críticos. que as novas ferramentas trouxeram
e Engerman questionaram interpretações importantes contribuições e revitalizaram o
tradicionais sobre os aspectos econômicos debate histórico. O historiador econômico
da escravidão como 1) sua irracionalidade Alexander Gerschenkron afirmou na época
econômica (escravos eram um investimento que estava convencido que a Nova História
altamente lucrativo), 2) a escravidão era Econômica era “de longe a melhor coisa que
um sistema moribundo economicamente já aconteceu à disciplina por muito tempo”.
no período da Guerra Civil, 3) a utilização [vii] Contudo, contemporâneos ao debate

148 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

reconheceram que existia uma forte tendência a supor que só era “necessário aplicar a
teoria econômica e as técnicas quantitativas à história para revelar novas verdades”.[viii]
Essas críticas começaram a surgir porque os trabalhos cliométricos focavam excessivamente
em relações econômicas, não reconhecendo plenamente o impacto de aspectos políticos
para o desenvolvimento econômico, algo que era central na historiografia tradicional. Sob
a hipótese de mercados perfeitos, as relações econômicas eram caracterizadas por trocas
sem custos de transação, informação completa e sem externalidades. O mercado político, no
entanto, apresentava características certamente opostas.[ix] Essa situação sinalizava que a
teoria econômica utilizada seria insuficiente para a progressão da nova história econômica.
Nesse momento é que a pesquisa sobre instituições de Douglass North buscou avançar por
uma trilha diferente da de Fogel.

Assim como outros grandes acadêmicos, Robert Fogel buscou revolucionar a disciplina em
que atuava. Esse objetivo nunca foi velado e, no início da década de 1970, Fogel editou um
livro com Stanley Engerman chamado The Reinterpretation of American Economic History. O
objetivo sempre foi mudar substancialmente a interpretação do passado e deixar um legado.
Foi bem sucedido e, além dos livros, orientou os principais historiadores econômicos da
geração seguinte. Poucos professores tiveram no currículo orientandos como Claudia Goldin,
Michael Bordo, Richard Steckel, Robert Margo, Kenneth Sokoloff, John Komlos e Dora Costa.
Após o Nobel, Fogel continuou inovando e ampliou sua linha de pesquisa sobre questões
demográficas. O projeto, chamado originalmente de “tendências seculares na nutrição”,
buscou analisar o progresso da potencialidade humana ao longo da história e resultou
em dois livros: The Escape from Hunger and Premature Death, 1700-2100 e The Changing
Body. Ao estudar tendências seculares de altura e nutrição em diferentes sociedades, Fogel
de alguma forma manteve ideias que sempre estiveram presentes no seu trabalho. Assim
como no seu primeiro livro, sobre ferrovias, Fogel mostrou que o fator fundamental para o
desenvolvimento econômico não envolve simplesmente a adoção de tecnologias, envolve
expandir o potencial do ser humano.

Thales Zamberlan Pereira


Doutor em economia pela FEA/USP, professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV/EESP) e,
certa vez, companheiro de almoço de Robert Fogel.

Publicações: thaleszp.com

149 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

Notas:
[i]Eric Hilt, “Revisiting Time on the Cross After 45 Years: The Slavery Debates and the New Economic History,”
Capitalism: A Journal of History and Economics 1, no. 2 (July 29, 2020): 456–83, https://doi.org/10.1353/
cap.2020.0000.

[ii]John R. Meyer and Alfred H. Conrad, “Economic Theory, Statistical Inference, and Economic History,” The
Journal of Economic History 17, no. 4 (1957): 528.

[iii]Robert William Fogel, “The New Economic History. I. Its Findings and Methods,” The Economic History
Review 19, no. 3 (1966): 642–56, https://doi.org/10.2307/2593168.

[iv]Robert William Fogel, “Historiography and Retrospective Econometrics,” History and Theory 9, no. 3
(1970): 256, https://doi.org/10.2307/2504408.

[v]Thomas C. Cochran, “Economic History, Old and New,” The American Historical Review 74, no. 5 (1969):
1568, https://doi.org/10.2307/1841325.

[vi]David Mitch, “The Contributions of Robert Fogel to Cliometrics,” in Handbook of Cliometrics, ed. Claude
Diebolt and Michael Haupert (Cham: Springer International Publishing, 2019), 51, https://doi.org/10.1007/978-
3-030-00181-0_49.

[vii]Alexander Gerschenkron, “History of Economic Doctrines and Economic History,” The American
Economic Review 59, no. 2 (1969): 2.

[viii]Lance Davis, “The New Economic History. II. Professor Fogel and the New Economic History,” The
Economic History Review 19, no. 3 (1966): 662, https://doi.org/10.2307/2593169.

[ix]Joseph D. Reid, “Understanding Political Events in the New Economic History,” The Journal of Economic
History 37, no. 2 (1977): 302–28.

150 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1993
Douglass C. North
por Thomas H. Kang

C onforme um colaborador de longa


data, Douglass North (1920-2015)
tinha uma “poderosa intuição acerca
da pergunta [de pesquisa] que
deveria ser formulada em seguida”. Professor
da Washington University, St. Louis desde 1983,
North não recebeu o Nobel (1993) por conta de um
trabalho considerado um divisor de águas, como
no caso de diversos vencedores da distinção.
Pelo contrário, North construiu gradativamente
uma teoria sobre a relação entre instituições
e desempenho econômico, reformulando sua
teoria a partir das lacunas deixadas por sua
pesquisa anterior. Uma analogia cinematográfica
pode ajudar: a premiação de North não se
deveu a uma atuação, mas ao conjunto de sua
obra. Com suas contribuições, o pesquisador
norte-americano foi um dos responsáveis por
revitalizar a interdisciplinaridade e o papel da
narrativa analítica na Economia. Embora tenha
sido um dos grandes historiadores econômicos
da segunda metade do século XX, seus estudos
ganharam destaque em campos muito além de
sua área original de pesquisa.

151 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

North era um historiador econômico conhecido já no final da década de 1950, principalmente por conta
de seus influentes estudos sobre base exportadora, agricultura e crescimento econômico regional
nos Estados Unidos. Entre 1961 e 1966, North foi um dos editores da Journal of Economic History
(JEH), período em que a revista aumentou substancialmente a publicação de estudos vinculados
à New Economic History (NEH). Essa corrente de pesquisa, cujo principal expoente era Robert
Fogel, enfatizou o emprego de teoria econômica convencional e métodos quantitativos em estudos
de história econômica. Entretanto, North se deu conta que a NEH era insuficiente para responder
perguntas fundamentais sobre crescimento no longo prazo. Para tratar disso, North desenvolveu sua
própria teoria a partir dos custos de transação de Ronald Coase.

Três conceitos são fundamentais para se entender o arcabouço teórico de Douglass North: custos
de transação, instituições e crenças. Em primeiro lugar, é preciso definir os custos de transação de
Coase: tratam-se dos custos de definição, enforcement e comercialização de direitos de propriedade.
Os resultados neoclássicos de equilíbrio ótimo são obtidos sob a ausência de custos de transação,
mas esses custos são altos na economia real. Ao visitar um museu marítimo nos Países Baixos, North
se deu conta que os avanços tecnológicos não tinham sido o principal fator na queda do custo do
frete. Ao perceber que a quantidade de armamentos carregados pelas embarcações diminuíra ao
longo do tempo, North concluiu que o declínio da pirataria tinha reduzido os custos em termos de
defesa e seguros. Tornara-se claro que a literatura subestimava os efeitos dos custos de transação
sobre o desempenho econômico.

A fim de tratar dos custos de transação, North


lançou mão de um segundo conceito crucial no início
da década de 1970: as instituições. Por meio de
uma analogia esportiva, North definiu instituições
como “as regras do jogo” da sociedade em seu
famoso livro Institutions, institutional change
and economic performance (1990). Essas regras
incluem aspectos formais (como leis) ou restrições
informais (como convenções culturais, códigos de
conduta, etc.). A história importa no arcabouço de
North, uma vez que escolhas passadas moldam as
instituições que delimitam o conjunto de escolhas
possíveis no presente, ou seja, há dependência de
trajetória (path dependence). As organizações
são, por sua vez, os jogadores: grupos específicos
que incluem desde órgãos políticos estatais até
associações de bairro. Ao diminuir incertezas e,
assim, os custos de transação, a interação entre
instituições e organizações têm papel fundamental
no desempenho econômico. Mais tarde, North
e coautores incorporaram também a influência
de instituições e organizações no controle da
violência. A relação entre custos de transação
e instituições é a característica definidora da
chamada Nova Economia Institucional (NEI), que
tem Douglass North como um de seus principais
expoentes ao lado de pelo menos três agraciados
pelo Nobel: Ronald Coase, Oliver Williamson e
Elinor Ostrom.

152 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

Uma passagem de The Rise of the Western complexos problemas em um contexto de


World (1973) marca a incorporação das incerteza knightiana. Esses modelos são
instituições como aspecto central em sua em parte herdados do sistema de crenças e
pesquisa: “os fatores que listamos (inovação, das experiências vividas dos indivíduos. As
economias de escala, educação, acumulação crenças, por meio de seu papel na formação
de capital, etc.) não são causas do dos modelos mentais, informam a escolha
crescimento; eles são o crescimento”. Ainda de instituições. Em diversas situações, as
que identificassem as causas imediatas, os instituições herdadas são ineficientes para
modelos convencionais eram insuficientes lidar com os novos problemas sociais, mas
para explicar as causas fundamentais do persistem ao longo do tempo.
crescimento econômico. No mesmo estudo,
North e Thomas destacaram o papel das A partir das contribuições da literatura
diferenças institucionais na Idade Média: novo-institucionalista, a pesquisa sobre
a chamada Peste Negra reforçou os laços persistência institucional ganhou impulso
feudais no Leste Europeu, mas levou ao na virada do século. Engerman e Sokoloff,
declínio da servidão na Europa Ocidental. em conhecido trabalho na área de história
Dito de outro modo, um mesmo choque de econômica, resgataram ideias semelhantes
preços relativos sob diferentes instituições às de Caio Prado Jr. referentes a padrões
teria levado a resultados opostos. Entretanto, de colonização. Eles destacaram o papel
North ainda não tinha uma explicação das dotações iniciais de fatores sobre as
consistente para a persistência de instituições instituições criadas em distintas partes das
ineficientes. Em Structure and Change in Américas, o que explicaria a divergência em
Economic History (1981), North ressaltou níveis de renda per capita no continente.
o papel do poder político na definição Ainda que North e coautores tenham
das estruturas de direitos de propriedade: criticado parte do argumento, sem dúvida
as elites escolheriam regras a seu favor o pensamento de North teve um papel
em detrimento do resto da sociedade. importante no desenvolvimento dessa
Em Institutions, North argumentou que linha de pesquisa. Em outros dois estudos
a persistência de instituições ineficientes que tiveram enorme impacto na Economia,
tinham a ver com problemas informacionais Acemoglu, Johnson e Robinson inauguraram
e limitações cognitivas dos agentes, o que uma bem-sucedida linha de pesquisa
nos leva ao terceiro ponto. empírica relacionando instituições e
desempenho no longo prazo. Esses trabalhos
O papel das crenças já aparece em Structure são amplamente conhecidos e, portanto,
and Change, em particular na sua teoria não necessitam de maior escrutínio aqui.
neoclássica do Estado. Em Institutions, O importante é destacar que esses autores
North aprofunda a questão e critica diversos fazem tributo ao trabalho anterior de North.
pressupostos da teoria da escolha racional. Vale destacar o alerta de Wallis sobre a
Ainda nessa obra, ele se concentra naquilo ênfase dessa literatura na persistência e não
que o aproxima de Herbert Simon e Daniel na mudança institucional. É difícil tratar do
Kahneman: a complexidade do mundo e as último ponto, mas a mudança é também a
limitações cognitivas. A investigação sobre questão crucial.
cognição e crenças dá um passo adiante
em Understanding the Process of Economic Tendo em vista a mudança institucional,
Change (2005). Segundo North, as pessoas North teve grande influência na literatura
criam modelos mentais para lidar com os sobre as causas da Revolução Industrial.

153 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

Conforme North e Weingast (no artigo mais citado na história da JEH), a Revolução Gloriosa
de 1688 resultou em mudanças profundas nas instituições formais, com o fim do absolutismo
monárquico e o aumento do poder do Parlamento. Diante da decorrente queda do risco de
expropriação, as taxas de juros da dívida soberana britânica teriam diminuído substancialmente
ao longo do século XVIII. Os autores dão a entender que essa mudança nas instituições
formais teria pavimentado o caminho para a Revolução Industrial. Por outro lado, Joel Mokyr
e Deirdre McCloskey enfatizaram o papel de crenças e da cultura no advento do crescimento
econômico moderno. Para Mokyr, o Iluminismo teria significado uma profunda mudança de
crenças na sociedade, o que teria permitido a invenção e a adoção de tecnologias novas
durante a Revolução Industrial. Ainda que haja grande debate sobre o tema, não é possível
ignorar os argumentos institucionalistas. A dificuldade empírica de lidar com as crenças
é um obstáculo considerável, mas não impediu o desenvolvimento de linhas de pesquisa
relevantes baseadas no conceito.

Por fim, vale destacar os últimos escritos de North, nos quais se tratou do problema da
violência. Em Violence and Social Orders (2009), North, Wallis e Weingast apresentam mais
dois conceitos: as ordens de acesso limitado (limited-access) e de acesso aberto (open-
access). A primeira é também chamada de “estado natural”, por ser a mais prevalente na
história registrada. Algumas sociedades passaram do “estado natural” para ordens de acesso
aberto. Nessas sociedades, para evitar conflitos entre facções das elites, privilégios das
elites foram estendidos para os demais segmentos e se tornaram direitos. No entanto, nada
garante que não possa haver uma reversão ao “estado natural”. Esses conceitos contrariam
a tese de Acemoglu e Robinson, para quem somente ameaças às elites por parte de outros
segmentos sociais levam à mudança institucional.

Diante de tudo isso, é evidente que North exerceu um papel fundamental na reincorporação
da história e da política na pesquisa econômica. Embora seu principal objeto de pesquisa
tenha sido o crescimento no longo prazo, a teoria institucional também pode ser aplicada
para outros aspectos relacionados a bem-estar. História, crenças e instituições também são
fundamentais para explicar outros resultados sociais como educação e desigualdade, apenas
para citar alguns exemplos. Há espaços inexplorados nessa agenda, em que pesem suas
dificuldades. Ao invés de evitar as perguntas difíceis, North procurou justamente enfrentá-las,
contribuindo para entendermos melhor as causas da persistência e da mudança institucional.
As instituições que temos, ironicamente, não incentivam pesquisas que busquem responder
de forma rigorosa às perguntas menos tratáveis, porém fundamentais.

Thomas H. Kang
Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestre em Economia
pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-
USP). Professor adjunto da UFRGS, conta com passagens por Fundação Getúlio Vargas (FGV), ESPM
e Fundação de Economia e Estatística (FEE).

154 Nobel - 1993


E-BOOK NOBEL

Notas:
[2] Wallis, J. J. (2014), “Persistence and change in institutions: the evolution of Douglass North”, in Galiani, S. e Sened, I.
Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 30.
[3] North, D. C. (1955). “Location theory and regional economic growth”. The Journal of Political Economy, 63(3), 243–258.;
North, D. C. (1959). “Agriculture in regional economic growth”. Journal of Farm Economics, 41(5), 943–951.
[4] Diebolt, C. e Haupert, M. (2018), “A cliometric counterfactual: what if there had been neither Fogel nor North?”, Cliometrica
12, p. 407-434.
[5] Coase, R. (1960), “The problem of social cost”. The Journal of Law and Economics 3, p. 1-44.
[6]Menard, C. e Shirley, M. (2014), “The contribution of Douglass North to New Institutional Economics”, in Galiani, S. e
Sened, I. Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 19.

[7]Davis, L. e North, D. (1971), Institutional change and American economic growth. Cambridge: Cambridge University Press.

[8]Embora North tenha enfatizado principalmente as instituições formais no início, ele passou a dar mais atenção às
instituições informais ao longo de sua pesquisa.

[9] Vale ressaltar que instituições para North não são o que habitualmente as pessoas entendem pelo termo (“instituições
democráticas, como o STF e o Congresso”). O STF e o Congresso seriam organizações (jogadores) para North. Agradeço
a Rafael Spengler pela sugestão.

[10] North, D. (1990), Institutions, institutional change and economic performance, Cambridge: Cambridge University Press,
p. 3-5.

[11] North, D., Wallis, J. J. e Weingast, B. (2009), Violence and social orders: a conceptual framework for interpreting human
history. New York: Cambridge University Press, p. 15-6.

[12] North, D. e Thomas, R. P. (1973), The rise of the western world: a new economic history, New York: Cambridge University
Press, p. 76.

[13] North, D. (1981), Structure and change in economic history. New York: Norton.

[14] Aqui North se aproxima inclusive de outro laureado, Amartya Sen, ao mencionar altruísmo e restrições autoimpostas
como motivações dos agentes (ainda que sem citá-lo). Ver Sen, A. (1977), “Rational fools: a critique of the behavioral
foundations of economic theory”, Philosophy and Public Affairs 6 (4), p. 317-344.

[15] Simon, H. A. “From substantive to procedural rationality.” 25 years of economic theory. Boston: Springer, p. 65-86;
Kahneman, D. (2011), Thinking fast and slow. New York: FSG.

[16]Engerman e Sokoloff (2002), “Factor endowments, inequality and paths of development among New World economies”,
Economia 3, p. 41-109. Ver também Monasterio e Ehrl (2007), “Colônias de povoamento versus colônias de exploração: de
Heeren a Acemoglu”, 37 (72), p. 213-39.

[17]North, D.; Summerhill, W. e Weingast, B. (2000), “Order, disorder and economic change: Latin America vs. North America”
in Bueno de Mesquita, B. and Root, H., Governing for prosperity, New Haven: Yale University Press, p. 17-58.

[18]Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2001), “The colonial origins of comparative development: an empirical
investigation”, American Economic Review 91 (5), p. 1369-1401; Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2002), “Reversal of
fortune: geography and institutions in the making of the modern world income distribution”, Quarterly Journal of Economics,
117, p. 1231-1294.

[19]Wallis, J. J (2014).

[20]North, D. e Weingast, B. (1989), “Constitutions and commitment: the evolution of institutions governing public choice in
17th century England. Journal of Economic History 49, p. 803-842.

[21]Vários autores contestaram a visão de North e Weingast, mas ela continua tendo papel importante no debate.

[22]Mokyr, J. (2009), The enlightened economy, New. Haven: Yale University Press; McCloskey, D. (2006), The bourgeois
virtue: ethics for an age of commerce. Chicago: Chicago University Press.

[23]Acemoglu, D. e Robinson, J. (2006), The economic origins of dictatorship and democracy. Cambridge: Cambridge
University Press.
155 Nobel - 1993
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1994
John C. Harsanyi, John F. Nash Jr. e
Reinhard Selten
por Michael Sousa

O Equilíbrio de Nash e a Teoria dos Jogos

R
John Forbes Nash Jr. (1928 – 2015) foi um matemático norte-americano que fez contribuições
fundamentais para, pelo menos, a Teoria dos Jogos e o campo da Geometria Diferencial.
Realizou a maior parte de suas pesquisas enquanto era Matemático Sênior de Investigação
na Universidade de Princeton. Seu trabalho forneceu informações e ampliou a compreensão
sobre os estudos do acaso e seus efeitos, sobre o estudo das tomadas de decisões e
entendimento sobre os sistemas complexos com aplicabilidade em todas as ciências, mas seus
estudos são antes de tudo amplamente usados na Ciência Econômica.

156 Nobel - 1994


E-BOOK NOBEL

Além de laureado com o Nobel, Nash também hoje região da Polônia. Estudou matemática
compartilhou o Prêmio Abel com Louis na Universidade Goethe de Frankfurt. Em
Nirenberg por seus estudos em equações 1961 recebeu seu doutorado em matemática,
diferenciais parciais não-lineares. também em Frankfurt, com uma tese sobre
a avaliação dos N-Player Games. Laureado
Sua história ficou conhecida após ter sido com o Nobel por suas contribuições para o
retratada no livro de Sylvia Nasar, A Beautiful entendimento dos Jogos Não-Cooperativos
Mind, e após no filme do mesmo nome, e Teoria dos Jogos.
vencedor de quatro Oscars, com Nash sendo
interpretado por Russell Crowe. No livro e no John Charles Harsanyi (1920 – 2000)
filme vemos ser apresentada a genialidade foi um economista húngaro-americano.
de Nash e sua luta contra a esquizofrenia no Conhecido por suas contribuições para a
decorrer dos anos. ciência econômica, especificamente por
desenvolver complexas análises dos jogos
Nash faleceu em 23 de maio de 2015, aos 86 de informações incompletas, os chamados
anos, em um acidente de carro que também Jogos Bayesianos. Os estudos de Harsanyi
levou sua esposa, Alicia Nash. foram importantes para o uso da Teoria dos
Jogos e do raciocínio econômico na filosofia
Reinhard Justus Reginald Selten (1930 – política e estudos da moralidade social,
2016) foi um economista alemão, conhecido tão como na Ética Utilitária para o estudo
por seus estudos em Limitação da da seleção do equilíbrio. Também laureado
Racionalidade, sendo considerado como pela sua contribuição geral com a Teoria dos
um dos pais fundadores da Economia Jogos.
Experimental. Selten nasceu em Breslávia,

A Teoria dos Jogos

A
teoria dos jogos é o estudo da interação das tomadas de decisões racionais e suas
estratégias possíveis, amparadas em modelos matemáticos. Possui aplicações
em todos os campos das ciências sociais, tanto como nas ciências biológicas e
computação, lógica, e nos estudos dos sistemas complexos. É altamente aplicável
em estudos de relações comportamentais e é base para a compreensão da ciência da
tomada de decisão, lógica e estratégica nas interações sociais e humanas, comportamento
de animais e espécies, em ecossistemas, redes neurais, estatística, alta computação e outras
ciências mais.

Seu objetivo é, basicamente, compreender a lógica dos processos de decisão, ajudando


a assimilar os princípios de cooperação ou não-cooperação, entender o comportamento
dos indivíduos em ambientes diferentes, com ganhos (ou punições) diferentes, o nível de
influência da racionalidade nessas escolhas e quais influências o meio tem para aumentar a
colaboração e máximo retorno entre os indivíduos no “jogo”.

Através da consistência da matemática e de uma busca complexa por padrões de


comportamento a Teoria dos Jogos procura entender melhor os conflitos de interesse
que acontecem na sociedade e, a partir dessa compreensão, encontrar modos de diminuir
ao máximo esses conflitos, maximizar os ganhos e o bem-estar social e, até, garantir um
desenvolvimento e integrações o mais pujante e constantes possível.
157 Nobel - 1994
E-BOOK NOBEL

O Equilíbrio de Nash

O
Equilíbrio de Nash, levando o nome de John Forbes Nash Jr., é uma solução de
um jogo não-cooperativo, envolvendo dois ou mais jogadores, no qual partimos
da premissa de que cada jogador conhece as estratégias dos outros e nenhum
jogador tem nada a ganhar se mudar somente a sua própria estratégia.

Se cada jogador escolheu sua própria estratégia, baseada no que sabe até agora sobre o
jogo e como as coisas funcionam, e nenhum jogador pode aumentar seu retorno esperado
se alterar sua estratégia enquanto os outros jogadores mantém a sua estratégia inalterada,
então as opções de estratégia que temos constitui um Equilíbrio de Nash. Isso é muito bem
explorado no famoso Dilema do Prisioneiro. Todo jogo que é matematicamente finito possui
um Equilíbrio de Nash, ou seja, uma estratégia máxima para cada indivíduo em que se houver
mudança de estratégia utilizada poderá acarretar uma perda para ele ou para o grupo.

Os estrategistas modernos e os teóricos dos jogos utilizam o equilíbrio de Nash para analisar
o resultado da interação estratégica de vários cenários usados na Teoria da Decisão. Em uma
real interação estratégica, o resultado para cada agente de decisão depende não só das suas
próprias decisões e estratégias, mas também das decisões e estratégias dos demais.

O cerne do conceito de Nash fundamenta-se no fato de que não se pode prever as escolhas
de vários tomadores de decisão quando analisamos suas decisões isoladamente. Em vez
disso, é necessário perguntar o que cada jogador faria, analisando o ambiente de forma mais
abrangente, também levando em consideração o que ele espera que os outros façam. Uma
premissa fundamental para o Equilíbrio é que as escolhas dos agentes sejam consistentes
e nenhum jogador deseje desfazer sua decisão, mesmo considerando as estratégias que os
outros estão traçando no decorrer do jogo.

Os estudos da Teoria dos Jogos são fundamentais para aprimorar o entendimento que temos
sobre como os sistemas funcionam e como suas interações acontecem. A compreensão
dessas forças, como nos influenciam, como alterá-las e como optimizar todos os processos
que as cercam são fundamentais para melhorar as relações e interações, tanto nas ciências
sociais, nas teorias econômicas e da administração, quanto na compreensão da natureza e
da matemática em si, e John C. Harsanyi, John Forbes Nash e Reinhard Selten, sem dúvidas,
ampliaram nossos horizontes em relação à compreensão do mundo e de como melhorá-lo
em diversos níveis, através do entendimento das decisões, os processos para tomá-las e
como entender ou não isso afeta nossas vidas e a sociedade como um todo.

Michael Sousa
Mestre em Comércio Internacional pela Escuela de Negocios Europea de Barcelona, MBA em Gestão
Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic
Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS.
Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-
se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de
Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando
desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das
nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
158 Nobel - 1994
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1995
Robert Lucas Jr
por Bruno de Paula Rocha

R Robert Lucas Jr possui uma enorme importância


para o debate macroeconômico. Muitas das
discussões contemporâneas em macroeconomia
são influenciadas pela pesquisa iniciada pelo autor
na virada dos anos 60 e começo da década seguinte. Ao
se discutir política monetária, por exemplo, é impossível
escapar dos elementos relacionados às expectativas dos
agentes econômicos para o entendimento dos impactos
reais da política, custos e efetividade no controle da inflação
ou sobre a melhor forma de condução de um regime
monetário. Em todos os casos, os insights produzidos pelo
autor mostram-se relevantes para o tratamento desses
tópicos, ou pela influência que tiveram em contribuições de
destaque de outros economistas que lidaram com o assunto,
como Gordon (1978), Kydland e Prescott (1977), e Sargent e
Wallace (1981).

Lucas foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia


(Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory
of Alfred Nobel) em 1995, “for having developed and applied
the hypothesis of rational expectations, and thereby having
transformed macroeconomic analysis and deepened our
understanding of economic policy“. Com efeito, Lucas foi
responsável por uma revolução na teoria macroeconômica,
impactando profundamente a forma como os economistas
atuavam nessa área.
159 Nobel - 1995
E-BOOK NOBEL

Lucas é a principal figura da macroeconomia relevante para conferir rigidez no ajuste de


novo-clássica. Junto com outros importantes preços da economia, sendo central para os
nomes, como Robert Barro, Edward Prescott resultados de eficácia de política econômica
e Thomas Sargent, esses dois últimos derivados dos modelos keynesianos que
também vencedores do Prêmio, Lucas adotam tal concepção para a formulação
apresentou um forte ataque ao pensamento das expectativas.
prevalecente à macroeconomia da época,
questionando a falta de fundamentação Com a introdução das expectativas
microeconômica dos modelos da Síntese racionais, os economistas da escola novo-
Neoclássica e o tratamento inadequado clássica trouxeram maior variedade aos
dado às expectativas tanto por keynesianos possíveis efeitos de mudanças nos níveis
quanto por monetaristas. de demanda agregada. Um pouco antes do
estabelecimento da escola novo-clássica,
Uma de suas contribuições centrais, Muth (1961) apresentara em seu artigo o
reconhecida na descrição do Prêmio, foi a conceito de expectativas racionais como
adoção da hipótese de expectativas racionais “previsões informadas” sobre o futuro, tendo
como forma de modelagem das expectativas como base as predições estabelecidas pelo
subjetivas formuladas pelos agentes em um modelo teórico relevante. A popularização
modelo. Antes de Lucas desenvolver seu da hipótese de expectativas racionais viria
trabalho, a área era dominada por modelos ocorrer, porém, apenas com a adoção do
com expectativas estáticas ou do tipo princípio pelos autores da escola novo-
adaptativas, em que a expectativa corrente clássica, sobretudo com a sequência de
sobre o valor de uma variável econômica de trabalhos de Lucas em 1972 e 1973.
interesse é ajustada em relação à expectativa
feita no passado, dependendo de quão De forma simplificada, trata-se do uso
efetiva foi essa expectativa. Assim, suponha, eficiente da informação disponível ao agente,
por exemplo, que, no período anterior, a conforme o modelo econômico considerado.
expectativa para a taxa de inflação havia A expectativa subjetiva do agente com
sido de 5% e o valor efetivo para a taxa respeito a uma variável econômica será
de inflação acabou se confirmando um dada pela expectativa condicional objetiva
patamar um pouco acima, digamos 8%. da mesma, de acordo com a informação
Neste cenário, a próxima expectativa para a disponível no modelo relevante. Pensando no
taxa de inflação seria adaptada em relação à processo inflacionário descrito anteriormente,
taxa esperada anteriormente, incorporando suponha que, no modelo analisado, a taxa de
uma fração do erro de 3 p.p. cometido. Na inflação seja determinada de acordo com a
prática, esse procedimento considera apenas taxa de expansão monetária. Neste contexto,
a trajetória passada da variável, ignorando todo componente sistemático da política
as possíveis causas desse nível inflacionário. de condução monetária será considerado
Se esse quadro persistir, a expectativa seria para a formulação da expectativa da taxa
subestimada e parcialmente ajustada para de inflação. Não importa quão acertada
cima durante algum período de tempo. tenha sido a expectativa no passado, se há
Mesmo se houver seguidas demonstrações nova informação sobre a taxa de expansão
de que a trajetória de inflação não condiz com monetária, o agente levará tal fato em
o esperado, os agentes seguiriam errando consideração ajustando a sua expectativa
sistematicamente as suas expectativas aos novos parâmetros.
para baixo. Este padrão de adaptação é

160 Nobel - 1995


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É importante notar que isso não quer dizer que o agente faça previsões necessariamente
acertadas (perfect foresight) e que não cometa erros. Nas palavras de Lucas, “rational
expectations is the principle that the agents in an economic model use the correct conditional
expectations, given their information” (Snowdon et. al, 1994, pp.222). Comportamentos não
sistemáticos por parte das autoridades competentes ou choques, que desviem do equilíbrio
estabelecido pelo modelo considerado “correto” pelo agente, podem levar a erros nas
expectativas.

Com essas contribuições dos teóricos novos-clássicos, as expectativas racionais ganham


nova roupagem e são responsáveis por trazer uma nova gama de possibilidades teóricas e
de resultados de prescrição de política econômica. Em particular, a adoção da hipótese de
expectativas racionais trouxe um novo entendimento em termos de prescrições dos efeitos
de políticas econômicas de expansão de demanda.

O clássico modelo apresentado por Lucas em 1972 é um importante exemplo dessa mudança.
Nesse artigo, Lucas formula uma economia do tipo gerações sobrepostas com indivíduos
localizados em mercados informacionalmente isolados. O autor, então, supõe a existência de
dois choques: um choque com efeitos locais (relativos) sobre os preços e um choque geral
de preços. Como o indivíduo não é capaz de separar perfeitamente os choques a partir das
informações disponíveis, uma elevação geral de preços acaba por impactar as decisões de
oferta de trabalho. Com esse resultado, Lucas deriva uma curva de Phillips, em que choques
gerais, puramente monetários, causam flutuações no emprego.

O modelo de Ilhas de Lucas, como ficou conhecido, resume alguns dos resultados canônicos
da escola novo-clássica, no que se refere à prescrição de política econômica e possibilidades
de emprego do tradeoff da Curva de Phillips. Por um lado, apenas políticas não-antecipadas
pelos agentes são eficazes em afetar o nível de emprego da economia. Qualquer mudança
de preços que seja parte do componente sistemático da condução de política será

161 Nobel - 1995


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prontamente incorporada pelo agente como que geraria uma mudança na inclinação da
uma mudança geral em todos os preços curva de oferta de longo prazo, visto que os
da economia, resultando em efeitos nulos indivíduos alterariam a forma como reagem
sobre as suas decisões de oferta de trabalho. às mudanças não-esperadas de preços.
Nesse ambiente com falhas informacionais, Neste novo cenário, a persistência no uso
mudanças não-esperadas no preço serão dessas políticas resultaria em resultados
interpretadas, ao menos parcialmente, menos efetivos sobre o nível de produto.
como advindas de uma mudança relativa Em modelos com expectativas racionais,
de preços, em uma estratégia de hedge, e os parâmetros dos modelos dependem das
implicará uma alteração na oferta de trabalho. expectativas e, por consequência, da forma
Posteriormente, o agente poderá verificar como os agentes percebem as políticas
se a mudança de preços foi efetivamente governamentais. Com isso, mudanças nas
resultado de uma mudança geral ou relativa políticas serão percebidas pelos agentes,
de preços. A persistência no uso de choques, o que impacta as relações relevantes do
que provoquem mudanças gerais nos preços modelo e os resultados possíveis da própria
como forma de influenciar a atividade política implementada.
econômica, será percebida pelo agente
racional, fazendo com que a eficácia de Essa é a essência da chamada “Crítica de
novas tentativas de políticas expansionistas Lucas”, desenvolvida em Lucas (1976). Nesse
fique reduzida. importante trabalho, Lucas apresenta uma
crítica ao uso, comum à época, de modelos
Esses resultados são bastante distintos macroeconométricos de grande escala
daqueles apresentados pelos modelos para a avaliação dos impactos de políticas
keynesianos que eram majoritários à época. econômicas. O principal problema com esses
Friedman (1968) e Phelps (1968) introduziram modelos é que eles se baseiam na hipótese
a hipótese de taxa de desemprego natural, de que os parâmetros estimados se mantêm
o que trouxe mais complexidade para inalterados após as mudanças de política.
a relação entre inflação e desemprego. Lucas argumenta que esta invariância de
Na versão aceleracionista da Curva de parâmetros pode não ser verificada, dado
Phillips apresentada por esses autores, a que os indivíduos tendem a ajustar o seu
tentativa de manutenção de uma taxa de comportamento às novas políticas. A Crítica
desemprego abaixo da taxa de desemprego de Lucas teve um profundo impacto sobre
natural resultaria em uma elevação da taxa a formulação de avaliação de políticas
de inflação, o que precipitaria um ajuste de públicas, e a sua intuição ainda segue útil,
expectativas, tornando a taxa de inflação com a prescrição de que estas análises
crescente ao longo do tempo. devem ser derivadas de modelos dotados
de parâmetros estruturais invariantes às
Ainda que a inclusão desse processo de ajuste mudanças de política.
de expectativas tenha sido importante para
o entendimento dos efeitos das políticas de A contribuição de Lucas para a teoria
demanda, apenas com o modelo de Lucas macroeconômica não deve ser subestimada.
passamos a ter uma formalização teórica Além de ter sido figura central dentro do
para os efeitos de curto e longo prazo em debate de ciclos econômicos na virada
bases mais satisfatórias. Além disso, como dos anos sessenta e setenta, Lucas teve
dito acima, o uso de políticas de demanda importantes contribuições em outras áreas,
aumentaria a variabilidade de preços, o como a teoria de investimento (Lucas e

162 Nobel - 1995


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Prescott, 1971), asset pricing (Lucas, 1978) e crescimento econômico (Lucas, 1988). Este último
trabalho, em especial, vale menção. Nos anos 80, os estudos em crescimento econômico
ocupavam um espaço secundário dentro da agenda de pesquisa macroeconômica. O quadro
se altera com uma série de trabalhos baseados na ideia de externalidades e crescimento
endógeno. Nesse contexto, Lucas (1988) desenvolve um influente modelo com a inclusão
de capital humano, em que a alocação de recursos à ampliação de habilidades aumenta a
taxa de crescimento de longo prazo, contribuindo de forma decisiva para a expansão desse
campo.

Nas últimas décadas, os estudos em macroeconomia têm convergido metodologicamente


para o uso de modelos que combinem uma abordagem dinâmica, em ambientes com
incerteza e equilíbrio geral. Os modelos de Equilíbrio Geral, Estocásticos e Dinâmicos (DSGE)
constituem hoje a base fundamental para a o tratamento teórico em macroeconomia, em
uma contribuição herdada da escola de Ciclos Reais de Negócios (RBC). Nessa perspectiva,
equações comportamentais agregadas seriam substituídas por condições de primeira ordem
derivadas dos problemas intertemporais enfrentados por agentes dotados de expectativas
racionais. Mesmo os populares modelos novos-keynesianos apoiam-se em uma estrutura
do tipo DSGE, adicionando elementos de falhas de mercado, como a possibilidade de
competição imperfeita e ajustamento incompleto de preços (Galí, 2008).

A contribuição de Lucas para a construção de modelos agregativos em equilíbrio é um dos


pilares da abordagem RBC, sendo, dessa forma, parte importante na construção dos modelos
empregados na fronteira da macroeconomia. Em nível teórico, Lucas e Rapping (1969)
descrevem o mecanismo de escolha intertemporal básico para a formulação de uma oferta de
trabalho em modelos macroeconômicos. Lucas estabelece, ainda, um marco metodológico
ao propor as bases para o uso de modelos macroeconômicos micro-fundamentados. Nessa
linha, o autor defende o uso de modelos teórico como abstrações ou pequenas “economias
artificiais”, que deveriam imitar o comportamento das variáveis das economias reais em
certas dimensões (Lucas, 1977). Dentro desse pensamento, as propriedades quantitativas dos
modelos macroeconômicos seriam exploradas com a calibração de parâmetros e simulações,
a partir das quais diferentes opções de políticas poderiam ser avaliadas.

O programa metodológico de Lucas influenciou fortemente a geração de economistas


engajados na pesquisa de ciclos econômicos nos anos 80. Sua contribuição segue influente e
com impacto em diferentes campos, fazendo do autor, sem dúvida, um dos macroeconomistas
mais influentes do século passado.

Bruno de Paula Rocha


Professor da UFABC.

163 Nobel - 1995


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Notas:
Friedman, M. (1968). “The Role of Monetary Policy”. American Economic Review. 58:1-17.

Galí, J. (2008). Monetary Policy, Inflation, and the Business Cycle: An Introduction to the New Keynesian
Framework. Princeton University Press.

Gordon, R. (1978). “What Can Stabilization Achieve”. American Economic Review. 68: 335-341.

Kydland, F. e Prescott, E. (1977). “Rules Rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans”. Journal
of Political Economy. 85: 473-492.

Lucas, R.E. (1972). “Expectations and the Neutrality of Money”. Journal of Economic Theory. 4: 103-124.

______. (1973). “Some International Evidence on Output-Inflation Tradeoffs”. American Economic Review.
63: 326-334.

______. (1975). “An Equilibrium Model of the Business Cycle”. Journal of Political Economy. 83: 1113-1144.

______. (1976). “Econometric Policy Evaluation: A Critique”. Carnegie-Rochester Conference Series on


Public Policy. 1: 19-46.

______. (1977). “Understanding Business Cycles”. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy.
5: 7-29.

______. (1980) “Methods and problems in business cycle theory”. Journal of Money, Credit and Banking, 12:
696-715.

______. (1978). “Asset Prices in an Exchange Economy”. Econometrica. 46: 1429- 1445.

______. (1988). “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics. 22: 3-42.

Lucas, R.E.; E.C. Prescott (1971). “Investment under Uncertainty”. Econometrica. 39: 659-681.

Muth, J.F. (1961). “Rational Expectations and the Theory of Price Movements”. Econometrica. 29: 315-335.

Phelps, E. S. (1968). “Money Wage Dynamics and Labor Market Equilibrium”. Journal of Political Economy,
76: 687-711.

Sargent, T.; Wallace, N. (1981). “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic”. Federal Reserve Bank of Minneapolis
Quarterly Review. 5: 1-17.

Snowdon, B.; Vane, H.; Wynarczyk, P. (1994). A modern Guide to Macroeconomics: An Introduction to
Competing Schools of Thought. Edward Elgar, UK.

The Royal Swedish Academy of Sciences (1995), The Scientific Contributions of Robert E. Lucas, Jr.

The Royal Swedish Academy of Sciences (1995), The Scientific Contributions of Robert E. Lucas, Jr.

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NOBEL DE ECONOMIA

1996
Impostos e Leilões: O Legado
de Mirrlees e Vickrey à Economia
dos Incentivos
James A. Mirrlees e William Vickrey
por Caio Paes Leme Lorecchio

“ (…) for their fundamental contri-


butions to the economic theory
of incentives under asymmetric
information”
(The Sveriges Riksbank Prize in
Economic Sciences in Memory of
Alfred Nobel, 1996.)

V ocê provavelmente tem uma fatia da sua renda do trabalho recolhida todo mês
pela Receita Federal. E quanto você ganha afeta progressivamente quanto você é
tributado. Sistemas tributários progressivos evocam certa ideia de justiça distributiva.
Afinal, as pessoas mais pobres devem gastar uma parcela maior da renda com bens de
subsistência, ao passo que pessoas mais ricas devem gastar uma parcela maior com consumo
frívolo. Ademais, os recursos coletados via tributação financiam programas de seguridade social,
que beneficiam os mais pobres. Entretanto, um sistema progressivo que desconte bastante
rendas mais altas pode ser ineficiente, caso as pessoas que ganhem muito dinheiro sejam também

165 Nobel - 1996


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as muito produtivas. Isto porque a tributação mencionadas: a teoria dos incentivos quando
excessiva pode desencorajá-las a prover o há assimetria de informações. Eu sei; ela
esforço adicional necessário para obter a mesma tem um nome bonito, mas se você é leigo
renda sem o imposto[1]. Nesse caso, é possível em Economia, não tem ideia sobre o que
que a renda total disponível para redistribuição
ela é. Muito menos ouviu falar sobre James
diminua, penalizando indiretamente os mais
Mirrlees e Wiliam Vickrey, dois laureados
pobres. Qual grau de progressividade seria
desejável em um sistema tributário? É possível com o Prêmio Nobel de Economia, em 1996,
que esse sistema concilie equidade e eficiência? pelas contribuições pioneiras à teoria. Mas,
tal como é mais fácil compreender o frio
Você provavelmente também observa o pelas propriedades do seu oposto, é mais
resultado de um leilão várias vezes ao dia. didático explicar a teoria dos incentivos – e
Quando você realiza uma busca no Google, o legado de Mirrlees e Vickrey – explicando
a plataforma identifica palavras e expressões primeiro onde ela não se aplica.
para as quais existem anunciantes dispostos
a pagar por algumas posições na lista de links A maioria das pessoas associa teoria
que você observa. Cada anunciante comunica econômica ao estudo da interação entre
à plataforma o máximo que gostaria de pagar preços, demanda e oferta de bens e serviços.
por possíveis cliques no link anunciado. O Se ainda há no imaginário popular a crença
algoritmo do Google então usa esse valor de que a mão invisível do mercado sempre
máximo de cada anunciante, combinado com traz bem-estar à sociedade, parte disso
uma medida de qualidade de cada anúncio, tem a ver com a revolução no pensamento
para determinar os vencedores[2]. Microsoft, econômico nas primeiras décadas do
Yahoo! e Facebook determinam os lances período pós-guerra. Nessa época, a teoria
vencedores de forma similar. Entretanto, do equilíbrio geral provou que, quando
o que cada vencedor do leilão paga difere muitos compradores e vendedores auto-
entre as plataformas. Em algumas delas, o interessados interagem em um mercado
vencedor com o maior lance pega a posição competitivo, o preço de equilíbrio que resulta
mais visível, mas paga o lance do vencedor dessa interação agrega todas as informações
com o segundo maior lance; o vencedor privadas dos participantes. Não que essa
com o segundo maior lance pega o segundo teoria econômica não reconheça que um
anúncio mais visível, mas paga o lance do produtor sabe mais sobre a qualidade do seu
vencedor com o terceiro maior lance e por produto que um comprador, por exemplo.
aí vai. Em outras, para cada lance vencedor, Nem que um trabalhador não sabe mais sobre
o algoritmo computa, 1) descartando esse a sua produtividade que um empregador[3].
lance, a soma do que seriam os lances Mas sim que, em mercados competitivos, as
vencedores; 2) mantendo esse lance, a soma informações privadas pouco importam.
dos outros lances vencedores. O anunciante
responsável por esse lance vencedor paga A teoria do equilíbrio geral também provou
então a diferença entre as somas descritas que todo equilíbrio de mercado competitivo
cada vez que alguém clica no anúncio. é eficiente, no sentido de ser impossível
Por que as plataformas empregam esses melhorar a situação de alguém sem prejudicar
mecanismos complexos? a situação de outrem[4]. Ainda, qualquer
que seja a alocação eficiente de consumo
Surpreendentemente, uma única teoria e lucros entre os agentes econômicos que
econômica ajuda a responder as questões julguemos ser socialmente desejável, um
mercado competitivo pode atingi-la, desde

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que seja possível transferir recursos prévia e apropriadamente[5]. As implicações desses


resultados são poderosas. Primeiro, por meio de taxações e transferências de renda, um
governo pode promover bem-estar social sem abrir mão da eficiência. Isso acontece porque
a redistribuição de recursos não afeta as decisões de consumo e produção dos agentes, pelo
menos não sob as hipóteses que regem a teoria do equilíbrio geral. Segundo, para promover
bem-estar social, esse mesmo governo não precisa se preocupar com informações privadas
dos cidadãos. O quão progressiva a taxação deve ser do ponto de vista social, isso depende,
dentre outras coisas, do peso social que o governo dá a cada faixa de renda.

Em suma, não há espaço para se falar de informação estratégica – assimétrica ou não – se


temos razões para supor que pessoas interagem por meio de mercados competitivos. Mas
nem todas as interações econômicas ocorrem em mercados perfeitamente competitivos.
Quando você vai à feira, por exemplo, é bem provável que barganhe com um vendedor
de tomates o preço abaixo daquele observado na plaquinha da barraca. Você sabe a sua
disposição a pagar por uma dúzia de tomates; o vendedor não. Você gostaria de convencê-
lo que a sua disposição a pagar é menor que do que realmente é; ele tem como objetivo
extrair de você o valor correto dessa informação privada. Quando um empregador monitora
o trabalho de um empregado, esse empregado gostaria de demonstrar uma produtividade
alta, esforçando-se bastante em uma tarefa; maior até que a sua real produtividade. Para o
empregador, tão logo ele identifique os trabalhadores com baixa produtividade, melhor.

A teoria econômica dos incentivos quando há assimetria de informações versa basicamente


sobre interações entre poucos agentes, sendo que alguns deles têm informações privadas
e incentivos para não revelá-las. As partes não informadas propõem então um contrato ou
qualquer outro mecanismo que dê incentivos corretos para que partes informadas ou revelem
corretamente o que sabem, ou tomem decisões benéficas para as partes não-informadas.
Claro, as partes informadas precisam querer participar desses contratos ou mecanismos[6].

Um leilão é um exemplo de mecanismo. Um vendedor quer colocar um produto unitário à


venda, mas desconfia que consumidores têm disposições a pagar muito diferentes. Como
só há uma unidade, ele gostaria de vender para o consumidor com a maior disposição. Mas
ele não sabe quem é esse consumidor. Ele pode colocar um preço fixo próximo ao que ele
acredita ser a disposição média; assim, é provável que ele venda ao primeiro consumidor
que aparecer em sua loja. Ou ele pode organizar um leilão e permitir que os interessados
comuniquem quanto estariam dispostos a pagar pelo bem. Se os lances corresponderem de
fato à disposição a pagar de cada licitante, ele consegue identificar a venda que maximiza
sua receita. Mas há incentivos para que os licitantes não revelem a disposição privada; afinal,
o consumidor que mais se dispõe a pagar só precisa oferecer um pouco mais que o segundo
consumidor mais disposto.

Um sistema tributário também é um mecanismo, ainda que não tão óbvio. Um governo
institui um imposto sobre os rendimentos laborais dos cidadãos. Mas os cidadãos diferem
na habilidade de converter horas trabalhadas em resultados para empregadores; e os
empregadores gostariam de remunerar os trabalhadores mais produtivos. Se o governo
pudesse observar perfeitamente a produtividade dos trabalhadores, e quisesse maximizar o
bem-estar social, ele poderia taxar sobretudo os mais habilidosos e transferir recursos para

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os menos habilidosos[7]. Mas o governo não pode e os cidadãos sabem disso. A depender da
progressividade do imposto em função do rendimento observável, os mais habilidosos têm
incentivos para se passarem por menos habilidosos, produzindo menos mas retendo mais
do valor da produção para eles mesmos, após a dedução tributária. Tudo mais constante, o
resultado social é uma renda nacional menor para ser redistribuída; algo ineficiente.

William Vickrey, em 1945, foi um dos primeiros economistas a apontar o potencial conflito
entre eficiência e equidade que um sistema tributário poderia causar. A formalização do
argumento só viria em 1971, quase 30 anos depois, com um artigo de James Mirrlees. Durante
esse tempo, a teoria do equilíbrio geral dominava as discussões da comunidade acadêmica
– e ditava a elaboração de políticas tributárias. Vickrey também foi o primeiro a sistematizar
o problema dos incentivos em leilões, em 1961 e 1962.

Nas próximas seções, explicarei as contribuições teóricas desses economistas para o desenho
ótimo de sistemas tributários e de leilões. Responderei às perguntas iniciais sobre taxação
progressiva e leilões lucrativos à luz da teoria dos incentivos que os dois economistas
ajudaram a desenvolver. Mas saiba que o legado de Mirrlees e Vickrey ultrapassa esses dois
tópicos. Mirrlees expandiu a compreensão e a aplicação da teoria econômica dos incentivos
para o estudo de sistemas previdenciários (1978; 1985) e a análise custo-benefício de políticas
públicas (1974; 1990), por exemplo. Vickrey estudou e incentivou o uso de tarifas dinâmicas
em metrôs, estradas ou centros urbanos, como forma de evitar congestionamentos (1955).
Cidades como Nova Iorque e Londres aplicam políticas públicas baseadas nos estudos de
Vickrey sobre preços de congestionamento.

1.Impostos

E conomistas – sobretudo teóricos – recorrem


a modelos para descrever ou
comportamentos sociais. Modelos econômicos
prever

são como fábulas(Cartwright, 2010; Rubinstein,


2012) que desenvolvem narrativas a partir de metáforas
para apresentar alguma lição[8]. Ao longo da história do
pensamento econômico, existem duas metáforas que
permeiam as análises do problema da taxação ótima. A
primeira é dos agentes maximizadores de utilidade, isto
é, cidadãos que fazem escolhas conscientes (racionais)
em busca de maior satisfação pessoal (utilidade). A
segunda é a do planejador central, isto é, um governo
ou instituição que faz escolhas conscientes em busca
da satisfação de alguma agregação de pessoas.

A fábula econômica dominante das primeiras décadas


do século XX era a seguinte. Um planejador central
observa as rendas do trabalho de cada agente. Essas

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rendas dão utilidade aos agentes, pois among the population. […] The question of
permitem que eles comprem aquilo que the ideal distribution of income, and hence
lhes deem satisfação. Mais renda equivale a of the proper progression of the tax system,
mais utilidade, mas a utilidade de pequenos becomes a matter of compromise between
incrementos na renda (chamamos isso de equality and incentives”. (Vickrey, 1945; p.
utilidade marginal) é menor quando o nível 330.)
de renda já é alto. O planejador valoriza o
bem-estar de cada agente da mesma forma Nesse mesmo artigo, ele formulou a base de
e procura implementar um sistema tributário um novo modelo que só ganharia a devida
que maximize a soma das utilidades atenção em 1971. A renda dos agentes vêm
individuais. A lição tirada é que o planejador da remuneração pelo esforço. O planejador
deveria escolher um sistema que igualasse central pode até observar as rendas
as utilidades marginais dos agentes após a individuais, mas não o esforço; sobretudo,
redistribuição. Caso ele tenha razões para a conversão do esforço em renda – a
supor que agentes tenham a mesma função produtividade. O máximo que o planejador
utilidade, o sistema tributário ótimo deveria consegue observar é alguma distribuição de
buscar a igualdade de renda, taxando produtividades entre a população. Como os
pesadamente os mais ricos. agentes escolhem quanto esforço fazem e
como o planejador taxa o valor produtivo do
Nesse modelo, não há conflito entre eficiência esforço, a escolha tributária afeta a decisão
e equidade no problema de taxação ótima individual de esforço – e a renda total a ser
de renda. Desde que o planejador central redistribuída.
conheça as preferências dos agentes e
encare a renda total a ser redistribuída Havia um problema: o conhecimento
como algo fora de seu controle, é possível matemático para obter resultados mais
pensar em um esquema tributário que substantivos do modelo não existia na
iguale utilidades marginais, não desperdice época. E o artigo de Vickrey não recebeu a
recursos e seja socialmente desejável. A atenção devida, em parte também porque
questão fundamental é quanta informação a teoria do equilíbrio geral dominou a
um planejador central realmente tem sobre discussão acadêmica dos anos 60 [9].
os agentes. Vickrey foi um dos primeiros Associada a ela, a ideia de que informação
a estudar essa questão e evidenciar quais assimétrica sobre os pagadores de impostos
conflitos de interesse surgem daí. Para ele, – e problemas de incentivos advindos daí –
a escolha do sistema redistributivo deveria não atrapalham seriamente a execução de
impactar a própria quantidade total de políticas tributárias dos governos. A taxação
riquezas que o planejador central teria para das grandes rendas era o norte principal dos
distribuir. Dessa forma, as rendas individuais governos americanos entre as décadas de
que o planejador teria para redistribuição 50 e 60, por exemplo, variando entre 70%
mudam de acordo com a sua escolha de e 90% para as faixas mais altas (Piketty and
política pública. Em 1945, Vickrey escreveria Saez, 2007).
que
Mirrlees, em 1971, formalizou a intuição de
“It is generally considered that if individual Vickrey sobre o problema de taxação ótima
incomes were made substantially com assimetria de informações. Mais ainda,
independent of individual effort, production a formalização permitiu obter novas lições.
would suffer and there would be less to divide Um planejador central observa as rendas do

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trabalho de cada agente. As rendas dão utilidade aos agentes porque permitem o consumo
do que lhes dão prazer. Mas para obter renda, os agentes precisam trocar horas de lazer –
algo satisfatório – por horas de trabalho – algo dispendioso. Ademais, os agentes diferem na
conversão das horas trabalhadas em renda (produtividade) e essa informação é privada[10].
Dada qualquer política tributária imposta, os agentes escolhem quanto trabalhar e consumir
para maximizar suas utilidades. Portanto, a política imposta influencia a renda total a ser
redistribuída.

Suponha primeiro que não há nenhum esquema de redistribuição atuando sobre uma
economia. Se o planejador central soubesse a produtividade de cada agente, saberia o
consumo e o lazer ótimos para cada nível de produtividade. Ele poderia então ordenar que
cada um produzisse uma certa quantidade em troca de um certo consumo, caso o agente
produza o recomendado. A escolha recomendada de consumo e renda deveria equalizar as
utilidades marginais no consumo, se o objetivo do planejador é o bem-estar social. Como
os mais produtivos contribuem mais para a renda total, deveriam ser os mais taxados. Isso é
formalmente similar a um esquema de taxação progressivo, da mesma forma que discutimos
anteriormente.

Mas o planejador não pode observar produtividade. E se ele anunciasse uma política tributária
tal como se ele conhecesse a produtividade de cada agente, os mais produtivos teriam
incentivos para burlar o sistema, trabalhando menos mas retendo mais da renda após a
dedução do imposto[11]. O planejador central teria menos renda total para redistribuir do
que ele esperava. Como consequência, o bem-estar social que ele buscasse atingir com a
política seria inviável.

A lição crucial é que, no fim das contas (com o perdão do trocadilho), os incentivos importam
ao orçamento público. E porque importam, o objetivo não deve ser igualar taxas marginais
de utilidade entre os agentes. É preciso que os agentes mais habilidosos (geralmente os que
têm maior renda) sejam taxados marginalmente menos[12]; tenham utilidades marginais um
pouco mais altas, para que recursos potenciais não sejam perdidos[13]. Isso implica que há
um conflito entre eficiência e equidade na escolha da política tributária.

Como seria então a política tributária ótima? A resposta a essa pergunta depende da
distribuição de produtividades e da utilidade dos agentes. E infelizmente essas coisas não
são fáceis de estimar na população. Mas algumas recomendações são válidas para uma
diversidade de cenários. Primeiro, a política tributária deve ser simples para faixas médias
de renda. Por simples, quero dizer o imposto cobrado deve crescer com a renda observada
de forma linear (ou próxima disso) longe das caudas da distribuição de renda antes do
desconto tributário. Isso é surpreendente, já que taxação linear é uma política relativamente
fácil de implementar. Segundo, ainda que o imposto médio para as faixas de renda alta
deva ser alto, os incrementos tributários nessas faixas devem ser quase nulo[14]. Terceiro,
subsídios – impostos negativos – aos agentes nas faixas mais baixas de renda não são apenas
socialmente desejáveis, mas também necessários para a eficiência da política tributária[15].

170 Nobel - 1996


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2.Leilões

Q
uando falamos de leilões, geralmente a seguinte cena vem à mente. Vários
compradores apinham-se em uma sala, de frente para o bem anunciado e para o
leiloeiro. Ele determina um lance mínimo inicial e logo alguém dá um lance maior.
No início, os lances ainda estão baixos e vários compradores estão disputando o
bem. Mas os lances vão ficando maiores e mais compradores vão abrindo mão
de continuar na disputa. Até que restam apenas dois competidores. Não há mais razão
para alguém deles dar um lance muito maior que o preço em ordem (considerando o valor
incremental mínimo definido pelo leiloeiro). Afinal, mesmo que um comprador seja o que
mais queira o bem, ele só precisa descobrir o quanto o outro está disposto a pagar e oferecer
um pouco a mais. O processo segue com incrementos pequenos de lance até que um dos
compradores silencia. O leiloeiro então bate o martelo e o bem vai para o último comprador
a cobrir a oferta.

Leilões não são invenções modernas. Existem relatos de leilões na Babilônia do século 500
A.C., por exemplo. E diversos formatos foram usados ao longo dos anos. O mais comum é
o descrito acima: aberto – licitantes observam os lances uns dos outros – e ascendente – os
lances vão aumentando e os concorrentes precisam cobrir a oferta se quiserem se manter na
competição. Esse formato é conhecido como leilão inglês, talvez porque registros históricos
da Inglaterra do século XVIII descrevem a prática desse formato no país. Outro formato
comum é o leilão descendente – o leiloeiro vai reduzindo o preço até que um dos licitantes
anuncia a disposição a pagar pelo valor anunciado. Esse formato é conhecido como leilão
holandês, porque que era usado na Holanda do século XVII. Ademais, o leilão de flores de
Amsterdã segue esse formato até hoje[16]. Existem ainda leilões fechados – os lances são
feitos simultaneamente e nenhum licitante sabe o lance do outro. A maioria dos leilões de
concessão opera dessa maneira.

Entretanto, antes dos artigos de Vickrey de 1961 e 1962, havia pouco interesse acadêmico por
esses mecanismos[17]. Nesses artigos, Vickrey estabeleceu a base da teoria econômica dos
leilões, que é uma sub-área da teoria dos incentivos na presença de assimetria de informações.
Ele foi responsável por interpretar um leilão como um problema de alocação de um bem
escasso entre agentes heterogêneos. A fonte da heterogeneidade entre eles estaria no valor
que cada um dá ao bem. Mesmo que um planejador central tenha poder para determinar
para quem e como o bem será alocado, a escolha dele depende da informação que ele
solicita aos agentes, já que ele não conhece os valores individuais que cada agente dá ao
bem. Os agentes têm consciência da ignorância do planejador, portanto têm incentivos para
manipular a informação privada em favor próprio.

Nos leilões, um único bem precisa ser alocado entre vários compradores. O planejador
central – o leiloeiro – gostaria de alocar o bem ao comprador que tenha a maior disposição
a pagar. Dito de outra forma, o leiloeiro gostaria que o leilão fosse eficiente. Isso seria mais
fácil se o leiloeiro pudesse garantir que todos os compradores dessem um lance exatamente
igual às disposições privadas a pagar. Vickrey provou a existência de um leilão fechado que
atinge eficiência e dá os incentivos corretos para que os compradores não mintam: o leilão

171 Nobel - 1996


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de segundo preço. Em leilões de segundo lucro esperado. Isto porque no leilão inglês,
preço, o vencedor paga o equivalente ao o último licitante a fazer uma oferta só
segundo maior lance. O motivo pelo qual esse precisa que ela seja igual ou um pouco maior
leilão acerta nos incentivos é que ele replica que o penúltimo licitante[19]. O leiloeiro
para leilões fechados a observação feita no então recebe o valor esperado da segunda
primeiro parágrafo sobre leilões ingleses. maior disposição a pagar. Comparando o
Isto é, o vencedor só precisa oferecer um leilão holandês com o leilão fechado de
pouco mais que o segundo licitante com primeiro preço, os dois também resultam
maior disposição a pagar. na mesma receita esperada[20], ainda
que não necessariamente os compradores
Aqui vai a intuição desse resultado. Suponha deem lances iguais às disposições a pagar.
que um comprador dê um lance abaixo da sua E – sob algumas condições[21], Vickrey
real disposição a pagar em um leilão fechado. mostrou que o leilão de segundo preço dá
Lembre-se que ele não sabe a disposição a ao leiloeiro a mesma receita esperada que
pagar dos outros licitantes. Ao mentir, ele o leilão de primeiro preço. Portanto, todos
corre o risco de um segundo competidor esses formatos têm o mesmo resultado para
oferecer um valor maior, porém ainda abaixo o leiloeiro. Essa lição ficaria posteriormente
da disposição a pagar do primeiro. Nesse conhecida como teorema de equivalência de
caso, o comprador mentiroso não leva o bem receitas.
pra casa. Ele poderia ter dado esse mesmo
lance do seu competidor e ter ao menos uma A teoria dos leilões discutida até aqui lida
chance de arrematar o bem por um valor com um único bem. Mas existem vários outros
menor que a sua disposição a pagar[18]. tipos de leilão que lidam com a alocação
de múltiplos bens. A venda de anúncios
Suponha agora que esse comprador publicitários nas plataformas digitais é um
mentiroso dê um lance acima da sua exemplo de leilão múltiplo: os bens são
disposição real a pagar. Ele corre o risco de as posições reservadas à publicidade nos
algum outro competidor dar um lance abaixo resultados de busca. A plataforma precisa
do seu, mas acima da sua real disposição escolher uma forma de alocar as posições
a pagar. Nesse caso, ele até arremata o com base nas disposições a pagar por cliques
produto, mas incorre em prejuízo, já que reportadas. Dois formatos de leilão são
o preço pago é o lance do segundo maior comuns: o leilão generalizado de segundo
competidor. Melhor seria se ele desse um preço (GSP, sigla em inglês) e o leilão de
lance igual à sua disposição a pagar, já que Vickrey-Clarke-Groves (VCG). Microsoft,
pelo menos evitaria uma vitória amarga. Yahoo! e Google usam ou já usaram o
primeiro formato. Facebook usa o segundo
No leilão fechado de segundo preço, portanto, formato. Os dois derivam das contribuições
a melhor coisa que cada licitante pode fazer é de Vickrey à teoria econômica dos leilões.
dar lances iguais às reais disposições a pagar.
Quando o leiloeiro observa os lances, já não O leilão GSP tem as seguintes regras
há mais assimetria de informações. Mas seria básicas. Compradores dão um único lance
esse leilão o formato que dá mais receita pela palavra ou frase ofertada para vínculo
para o leiloeiro? Afinal, o leiloeiro recebe o pago. O comprador com o maior lance (ou o
valor do segundo maior lance. Comparando maior valor de uma função do lance) recebe
o leilão de segundo preço com o leilão inglês a primeira posição disponível e paga o valor
por exemplo, os dois resultam no mesmo do segundo maior lance; o segundo maior

172 Nobel - 1996


E-BOOK NOBEL

lance recebe a segunda posição e paga o valor do terceiro maior lance e por aí vai. Ainda
que esse mecanismo pareça generalizar o leilão de segundo preço de Vickrey, Edelman et
al. (2007) mostram que a estratégia em que os compradores falam a real disposição a pagar
não é ótima.

O leilão VCG é mais complexo. Para cada licitante, o algoritmo primeiro computa os maiores
lances, ponderados por medidas de qualidade do anúncio. Assim como no leilão GSP, esses
serão os vencedores. Mas para cada vencedor, o algoritmo computa a diferença entre 1)
soma dos lances vencedores caso esse vencedor seja removido do leilão e 2) a soma dos
outros lances vencedores, considerando esse lance vencedor. Esse será o valor pago por
clique. A intuição é que os vencedores pagam os custos que seus lances causam aos outros
competidores. Tal como no leilão de segundo preço para um único bem, nesse mecanismo
a melhor estratégia para os compradores é anunciar a real disposição a pagar. A base para
esse resultado foi primeiramente discutida no artigo de Vickrey de 1961.

Qual desses leilões múltiplos gera a maior receita esperada para as plataformas? Novamente,
sob algumas hipóteses técnicas, o teorema de equivalência é válido nesse contexto (Garg and
Narahari, 2009). Mas uma série de dilemas práticos torna a escolha entre o GSP e o VCG um
problema difícil. Por um lado, no leilão VCG, a melhor estratégia é falar a verdade, portanto a
escolha do lance de cada anunciante é mais fácil. Por outro lado, as regras do leilão VCG são
mais difíceis de explicar aos participantes, o que pode gerar desconfiança dos participantes
para com a plataforma. Ademais, quando as condições técnicas de equivalência não existem,
o leilão GSP pode gerar maior arrecadação à plataforma (Edelman et al., 2007).

Caio Paes Leme Lorecchio


Escola de Economia de São Paulo – FGV, e-mail: caio.lorecchio@gmail.com.

173 Nobel - 1996


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Notas:
[1] Ou desencorajá-las a reportar os rendimentos reais. Ao reportar rendas mais baixas, as pessoas mais
ricas teriam menos da sua riqueza taxada, o que ainda implica em renda total menor a ser redistribuída.

[2] O lance a ser considerado então é o produto do valor máximo anunciado pela medida de qualidade do
anúncio. Você pode checar como essa medida de qualidade é computada aqui.

[3] O mercado de trabalho é de fato um mercado, onde se compra e se vende horas trabalhadas, tendo o
salário como preço.

[4] Talvez você já tenha ouvido falar desse resultado como o primeiro teorema do bem-estar.

[5] Este resultado também é conhecido como o segundo teorema do bem-estar.

[6] Em economês, é uma sub-área da teoria dos jogos de informação incompleta na qual um principal
(parte desinformada) têm a possibilidade de desenhar as regras do jogo, sob a restrição de que os agentes
(parte informada) precisam querer participar.

[7] Nessa narrativa simples, tenha sempre em mente que estou desconsiderando outras questões – não
menos importantes – que afetam a distribuição observada de salários. Ao meu ver, a contribuição de Mirrlees
e Vickrey para o problema de taxação ótima deve ser encarada mais como uma formalização do porquê
incentivos devem importar aos formuladores de política pública, menos como um receituário do que deva
ser a política tributária.

[8] Não há demérito em tratar teorias econômicas como fábulas e hipóteses como metáforas. Na realidade,
o pensamento científico é notadamente metafórico (Lakoff and Johnson, 2008). Economistas usam as lições
que os modelos econômicos trazem para raciocinar sobre uma realidade, para expandir nosso conhecimento
sobre algum fenômeno ou para clarificar os pontos de discórdia com outras narrativas. E podemos testar
as lições de alguns modelos. Gilboa et al. (2014) é uma boa referência para o valor epistemológico dos
modelos econômicos.

[9] Especificamente, o ingrediente que faltava era o princípio de Pontryagin (Pontryagin et al., 1962). Arrow
e Debreu (1954; 1959) foram responsáveis por desenvolver a teoria moderna do equilíbrio geral.

[10] Novamente, é importante dizer que a narrativa é silenciosa acerca de outras questões igualmente
importantes que afetam a distribuição observada de renda. O próprio Mirrlees alerta ao longo do artigo que
os resultados ali eram ainda muito preliminares para que se pensasse em aplicações imediatas.

[11] Como o governo não observa as horas efetivamente trabalhadas nesse modelo, tipos mais produtivos
podem escolher trabalhar menos e produzir o suficiente para se passarem por tipos menos produtivos. Esses
tipos terão menor renda produzida, mas terão menos da renda descontada pelo planejador, de acordo com
a sua política ingênua de tributação.

[12] Isto não significa que, dada rendas mais altas, o imposto aplicado deve ser menor, mas que o incremento
tributário deve ser menor para rendas mais altas. O modelo advoga impostos altos para os mais ricos, mas
o incremento tributário por renda adicional já alta deve ser baixo.

[13] Na teoria dos incentivos, essa utilidade marginal extra ficou conhecida como renda informacional.

[14] A intuição é a seguinte. Um agente mais habilidoso precisa receber incentivos para se esforçar um
pouco mais e não tentar imitar agentes menos habilidosos. Mas se um segundo agente um pouco mais
habilidoso tiver um imposto marginal maior, ele pode querer se passar pelo primeiro.

[15] Para os leitores economistas, cabe ressaltar que o ferramental que Mirrlees usou para resolver o
problema da taxação ótima contribuiu para o avanço da teoria dos incentivos. Em termos matemáticos,
esse é um problema complicado de otimização, porque têm várias restrições a se considerar. Mirrlees

174 Nobel - 1996


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Notas:
reduziu a complexidade do problema ao 1) reformulá-lo como uma recomendação de renda e consumo ao
agentes, sujeita à restrição que eles a acatem (conhecido posteriormente como princípio da revelação) e 2)
demonstrar condições necessárias e suficientes para se trabalhar com uma única restrição de participação
(conhecido posteriormente como first-order approach).

[16] Cassady (1967) é uma ótima referência sobre história dos leilões.

[17] Friedman (1956) investigou leilões fechados de primeiro preço, entretanto, ainda que sob uma ótica
diferente.

[18] Pense que, caso haja empate entre os dois maiores licitantes, a escolha do vencedor é aleatória.

[19] Assumindo que os licitantes são livres para dar incrementos de lance tão pequenos quanto queiram,
claro.

[20] No leilão holandês, cada licitante, dado cada disposição privada a pagar, precisa pensar antes do leilão
começar qual será o valor mínimo a partir do qual ele está disposto a arrematar o bem, caso ninguém tenha
arrematado ainda. O vencedor então é o que tem o máximo desses valores mínimos. Dito de outra forma,
quem tem de fato a maior disposição a pagar. No leilão fechado de primeiro preço, quem der o maior lance
também leva. Não há razões para que um comprador dê um lance acima da sua disposição a pagar; afinal,
ele pode incorrer em prejuízo. O vencedor pode dar um lance abaixo da sua disposição a pagar, entretanto.

[21] Maschler, Solan e Zamir (2013, cap. 12) é uma boa referência sobre o teorema de equivalência e as
condições necessárias.

Referências bibliográficas
Arrow, K. J. and G. Debreu (1954). Existence of an equilibrium for a competitive economy.
Econometrica: Journal of the Econometric Society, 265–290.
Cartwright, N. (2010). Models: Parables v fables. In Beyond Mimesis and Convention,
pp. 19–31. Springer.
Cassady, R. (1967). Auctions and auctioneering. University of California Press.
Debreu, G. (1959). Theory of value: An axiomatic analysis of economic equilibrium.
Number 17. Yale University Press.
Diamond, P. and J. Mirrlees (1978). A model of social insurance with variable retirement.
Journal of Public Economics, 10 (3), 295–336.
Diamond, P. A. and J. Mirrlees (1985). Insurance aspects of pensions. In Pensions, Labor,
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Edelman, B., M. Ostrovsky, and M. Schwarz (2007). Internet advertising and the generalized
second-price auction: Selling billions of dollars worth of keywords. American economic
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Friedman, L. (1956). A competitive-bidding strategy. Operations research 4(1), 104–112.
Garg, D. and Y. Narahari (2009). An optimal mechanism for sponsored search auctions
on the web and comparison with other mechanisms. IEEE Transactions on Automation
Science and Engineering 6(4), 641–657.

175 Nobel - 1996


E-BOOK NOBEL

Notas:
Gilboa, I., A. Postlewaite, L. Samuelson, and D. Schmeidler (2014). Economic models as
analogies.
The Economic Journal 124 (578), F513–F533.
Lakoff, G. and M. Johnson (2008). Metaphors we live by. University of Chicago press.
Little, I. M. and J. A. Mirrlees (1974). Project appraisal and planning for developing countries.
Little, I. M. D. and J. A. Mirrlees (1990). Project appraisal and planning twenty years on. The
World Bank Economic Review 4(suppl_1), 351–382.
Maschler, Michael; Solan, E. Z. S. (2013). Game theory. Cambridge University Press.
Mirrlees, J. A. (1971). An exploration in the theory of optimum income taxation. The Review
of Economic Studies 38(2), 175–208.
Piketty, T. and E. Saez (2007). How progressive is the us federal tax system? a historical
and international perspective. Journal of Economic Perspectives 21(1), 3–24.
Pontryagin, L., V. Boltyanskij, R. Gamkrelidze, and E. Mishchenko (1962). The mathematical
theory of optimal processes john Wiley & sons. New York.
Rubinstein, A. (2012). Economic fables. Open book publishers.
Vickrey, W. (1945). Measuring marginal utility by reactions to risk. Econometrica:
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The American Economic Review 45(2), 605–620.
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Journal of finance 16(1), 8–37.
Vickrey, W. (1962). Auction and bidding games. Recent Advances in Game Theory, Princeton
University Press, 15–27.

176 Nobel - 1996


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1997
Robert C. Merton e Myron S. Scholes
por Caio Augusto

R Derivativos são títulos do mercado financeiro que tratam da variação ou acompanhamento


de preços de algum outro ativo originário. O que pode parecer algo muito complicado e
geralmente ganha diversas definições pouco triviais nos mercados financeiros, apesar de
ser bastante popular nas últimas décadas, passou por contribuição bastante relevante
de Robert C. Merton e Myron S. Scholes.

A contribuição majoritária dos dois, que levou a premiação de maior destaque na ciência
econômica, foi justamente a teoria de determinação dos valores dos derivativos.

177 Nobel - 1997


E-BOOK NOBEL

Merton, norte-americano

N Nascido em New York no último dia


de julho de 1944, filho do meio entre
duas irmãs e cujo pai foi professor
de Sociologia na Universidade
de Columbia e a mãe cuidou dos afazeres
domésticos e da criação dos filhos e de muitos
A ideia de Merton em uma mudança tão grande
era a de que conseguiria entregar conhecimento
relevante em economia principalmente levando
em conta a base matemática que o acompanhava.
Outro aspecto que acabava contribuindo era
que, ainda na infância, aos oito anos, tinha tanto
gatos (chegaram a ser 25 em um certo momento). interesse pelo mercado financeiro que chegou a
Foi criado na comunidade de nome Hastings-on- criar bancos fictícios, tomava conta das contas de
Hudson. casa por sua mãe e comprou sua primeira ação
(da General Motors) com pouco mais de dez anos
Apesar de não ter se considerado grande aluno, de idade. Durante a faculdade acompanhava e
estudou na escola com algumas pessoas que operava nos mercados de maneira próxima e,
foram laureadas Nobeis em áreas diferentes com todas essas experiências (chegava a ir em
quando esteve em idade escolar: os filhos de casas de corretagem apenas para acompanhar
Leo James Rainwater (Nobel em Física em 1975) os mercados por algumas horas antes de ir para
e Jack Steinberger (Nobel em Física em 1988) as aulas), acabou aumentando a base mental
estudaram com ele. Outros moradores célebres que tinha sobre o interesse nos mercados e a
de Hastings, região onde foi criado, são o Nobel experiência lidando com eles de alguma forma.
de Medicina em 1951 Max Theiler, o Nobel de
Economia de 1996 William Vickrey e o escultor Chegando ao MIT, Merton teve contato com quem
Jacques Lipchitz. foi responsável por sua aceitação lá: o estatístico
e membro do departamento de economia Harold
Sua paixão por matemática e carros acabou Freeman, que lhe recomendou ter aulas com
contribuindo bastante para a escolha de caminhar Paul Samuelson. Além de ter tido aulas, escreveu
academicamente pela Escola de Engenharia alguns trabalhos e acabou virando pesquisador
da Columbia College, onde se preparava para assistente de Samuelson em seguida.
o ensino superior justamente podendo focar
mais nessa área que tanto tinha interesse. Em A pesquisa com Samuelson na precificação de
Columbia, cursou a disciplina de Civilização garantias levou Merton a avançar bastante em
Contemporânea, na qual teve contato com a sua pesquisa, sobretudo em utilidade máxima
economia através da obra Economics, de Paul esperada e seleção de portfólios otimizados em
Samuelson, laureado Nobel de Economia em um framework estático. O desenvolvimento não
1970. parou por aí e levou em conta períodos ampliados
e a relação entre eles, chegando até a seleção de
Após concluir os estudos em Columbia foi para portfólios ao longo do tempo e sob incertezas.
o PhD em matemática no California Institute Tudo isso ocorreu na segunda metade dos anos
of Technology (também conhecido como Cal 1960.
Tech), no biênio entre 1966 e 1967. Nesse breve
período, adicionou bastante conteúdo à sua Ao fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 teve
base matemática, mas, nesse segundo ano, uma indicação de Junior Fellow em Harvard feita
decidiu abandonar a Cal Tech (e a matemática) por Samuelson, mas recusada por eles. Então
para estudar economia. Tentou se inscrever procurou uma outra ocupação: por indicação
em diversos locais, mas o único que o aceitou de Franco Modigliani (Nobel de Economia em
foi o Massachusetts Institute of Technology (o 1985), começou a dar aulas de finanças na MIT
famigerado MIT). Sloan School of Management, onde acabou se
fixando posteriormente. A relação com Franco

178 Nobel - 1997


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foi tão forte que Merton discursou quando este primeiro foi laureado Nobel em 1985 e, assim que o
segundo recebeu o prêmio internacional da Academia Nazionale del Lincei, em Roma, o primeiro foi
até Roma apresentar o prêmio.

Merton conheceu Myron Scholes, com quem dividiu o prêmio de 1997, quando estava em processo
de entrevista para entrar na MIT Sloan. Lá, Merton passou 18 anos e, como fato curioso, gostava de
entregar aos alunos as notas de aula (para que não perdessem tempo copiando o que ele passava e
assim pudessem contribuir mais ativamente nas discussões durante as aulas).

Os períodos de atenção sobre a produção acadêmica de Merton são três: entre 1968 e 1977, quando
construiu uma boa base em pesquisa em modelos de consumo por todo o período de vida, seleção
de portfólios, precificação de ativos em equilíbrio e precificação de contingentes; 1977 a 1987, quando
avançou nas aplicações desses modelos teóricos; e de 1988 em diante, que passou a ser professor
na Universidade de Harvard.

Scholes, o canadense

N ascido em Ontario, no Canadá, no


primeiro dia de julho de 1941, filho de
um dentista que havia se mudado
para a região buscando uma condição
de vida melhor durante o período da grande
depressão (pós crise de 1929) e de uma mulher
em ouvir.
Através de relações familiares acabou se
interessando em economia e, particularmente,
em finanças. Em diversas possibilidades lidou
com dinheiro desde a juventude: foi tesoureiro de
vários clubes da região, trabalhou em negócios
que tinha com o irmão uma pequena rede familiares, se envolvia em operações de compra e
de loja de departamentos. A morte de seu tio venda com amigos e até se envolveu no mercado
desencadeou uma briga de família que colocou de apostas para entender em meios práticos
o futuro laureado em contato com seu primeiro sobre probabilidades e riscos. Durante o ensino
problema de agência e de contratos. médio e também na faculdade operava na bolsa
e se sentia fascinado pelos determinantes dos
Pouco antes dos 16 anos, sua mãe faleceu de níveis de preços das ações.
câncer e, em seguida, ele descobriu um problema
de visão. Este problema foi aliviado dez anos Após o falecimento de sua mãe decidiu ficar na
depois com um transplante de córnea, mas região onde estava e fazer os estudos antes da
enquanto não conseguia ler por muito tempo graduação na universidade local, a McMaster. Lá,
acabou desenvolvendo uma habilidade melhor teve o professor McIver, que tendo se formado

179 Nobel - 1997


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pela Universidade de Chicago em economia, Tendo terminado o PhD em 1968, virou professor
apresentou a ele os estudos de George Stigler assistente de Finanças na Sloan School of
(Nobel de Economia em 1982) e Milton Friedman Management do MIT, onde acabou encontrando
(Nobel de Economia em 1976). Pensou em cursar Merton um ano depois, como já apontamos na
Direito, mas acabou convencido que a Economia parte daquele que dividiu a premiação Nobel de
era seu lugar, e acabou na Universidade de Economia com este em 1997. Logo no primeiro ano
Chicago para sua graduação. conheceu também Fischer Black e o trio formado
por Scholes, Black e Merton desenvolveu muitos
Logo no início em Chicago, Scholes decidiu trabalhos em conjunto quando o assunto são a
importantes coisas para sua vida: não iria precificação de ativos e de derivativos. Inclusive,
retornar para ajudar seu tio na cadeia de lojas um modelo bastante famoso de precificação de
de departamento e, mesmo sem ter nunca opções, conhecido como Black&Scholes, surgiu
programado na vida, assumiu o cargo de de uma dessas parcerias.
programador de computadores junior com ajuda
do diretor Robert Graves. Acabou passando Durante o período entre 1973 e 1980, Scholes ficou
quatro meses e meio, para entender sobre a bastante envolvido com o Centro de Pesquisa
missão que havia topado, entendendo sobre de Preços Securitizados da Universidade
programação e se apaixonando por isso (tendo de Chicago, trazendo para a realidade uma
cogitado inclusive, tempos depois, ter virado um quantidade substancial de pesquisa com dados
Cientista da Computação caso Chicago tivesse diários de títulos securitizados.
essa possibilidade naquela época).
Em 1981 virou professor visitante na Universidade
Porém, um amor tomou ainda mais espaço de Stanford, tendo virado membro permanente
em sua mente: o pela economia e pesquisa das escolas de Negócios e Direito em 1983. Neste
econômica, também naquele início em Chicago. período, na companhia de diversos colegas
Após ter tido contato com diversos professores como o William Sharpe, James Van Horne e
de maneira direta em como faziam suas Michael Gibbons, desenvolveu trabalhos em
pesquisas, achou aquilo tudo muito interessante planejamento de pensão, investment banking,
e passou a sugerir melhorias sobre aquelas incentivos e até planejamento tributário – este
pesquisas. Nomes Lester Telser, Peter Pashigan, último acabou culminando na obra Taxes and
Merton Miller e Eugene Fama (este último Nobel Business Strategy: A Planning Approach, de
de Economia em 2013) estavam entre pessoas 1992.
que trocaram ideias com ele a respeito disso.
Inclusive foi Merton Miller quem sugeriu que ele Durante os anos 1990 mudou sua área de
entrasse para o PhD. interesses para o papel dos derivativos e da
intermediação financeira. Nessa época se tornou
A entrada para o PhD em Chicago se dava em uma consultor especial do Solomon Brothers e era
recente área da economia: a economia financeira. um dos responsáveis pela área de trading e
Desde o início demonstrou interesse por estudar derivativos de renda fixa do banco, tudo isso
preços relativos e também como o fenômeno enquanto conduzia pesquisas e dava aulas
da arbitragem evitava que agentes econômicos na Universidade de Stanford. Em 1994 criou,
tivessem ganhos anormais em mercados de bens com alguns colegas que também haviam
securitizados. Sua contribuição foi a de trazer deixado o Solomon Brothers, uma empresa
uma curva desses títulos, levando em conta de investimentos de nome Long-Term Capital
uma abordagem diferente do que até então Management. Com tudo isso, acabou entendendo
era preponderante, que era fazer isso título a colocando o ferramental de finanças na prática
título. Outra área de pesquisa, associada a isso, e entendendo ainda mais profundamente sobre
foi ter pesquisado com Merton Miller o efeito o funcionamento e relação de instituições
do diferencial de risco sobre os retornos de um financeiras e os mercados em que se inserem.
título.

180 Nobel - 1997


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O prêmio, em 1997

N
o momento em que receberam a premiação, Robert Merton estava na Universidade de
Harvard e Myron Scholes estava na Universidade de Stanford. O motivo direto pelo qual
receberam o prêmio é a nova metodologia na determinação dos valores dos derivativos.
Ambos, junto do já falecido (em 1996) Fischer Black, desenvolveram uma fórmula de
avaliação de opções de ações. Essa fórmula serviu como base de muitos estudos em
economia financeira e permitiram vários avanços sobre os meios de gestão de risco que conhecemos
atualmente.

Existiam, desde o início dos anos 1900, diversas tentativas de se chegar a uma precificação
adequada de ativos e derivativos, mas sempre sem sucesso. O que faltava e o trio trouxe de efetivo
foi a consideração de uma nova abordagem sobre o prêmio de risco e como ele integrava essa
precificação ao longo do tempo, entre o momento presente e a maturidade daquele título que se
estava observando: era possível considerar que esse prêmio de risco estava no preço da ação, não
sendo necessário calculá-lo (o que era complicado e fazia com que todas as tentativas anteriores não
fossem bem sucedidas).

A metodologia criada por eles pode ser descrita por um breve exemplo que será apresentado a
seguir.

Considere a chamada opção de compra europeia que dá o direito de comprar uma ação de uma
determinada empresa a um preço de exercício de $50, daqui a três meses. O valor dessa opção
obviamente depende não apenas do preço de exercício, mas também do preço da ação hoje: quanto
maior o preço da ação hoje, maior a probabilidade de ela ultrapassar $50 em três meses, caso em
que compensa exercer a opção. Como um exemplo simples, vamos supor que se o preço da ação
subir $2 hoje, a opção subirá $1. Suponha também que um investidor possua um número de ações da
empresa em questão e queira reduzir o risco de mudanças no preço das ações. Ele pode realmente
eliminar esse risco completamente, vendendo duas opções para cada ação que possui. Como a
carteira assim criada é livre de risco, o capital investido deve render exatamente o mesmo retorno
que a taxa de juros de mercado livre de risco de uma letra do tesouro de três meses. Se não fosse
esse o caso, a negociação de arbitragem começaria a eliminar a possibilidade de obter um lucro livre
de risco. À medida que o tempo de vencimento se aproxima, no entanto, e o preço da ação muda, a
relação entre o preço da opção e o preço da ação também muda. Portanto, para manter uma carteira
de opções de ações livre de risco, o investidor precisa fazer mudanças graduais em sua composição.

Pode-se usar este argumento, juntamente com algumas suposições técnicas, para escrever uma
equação diferencial parcial. A solução para esta equação é precisamente a fórmula de Black-Scholes.
A avaliação de outros títulos derivados prossegue em linhas semelhantes.

Levando em conta esse modelo de precificação, diversas outras possibilidades passaram a ser
estudadas e colocadas à prova justamente com essa mesma base. Assim sendo, a contribuição destes
laureados para a chamada economia financeira é enorme e bastante presente até os dias atuais.

Apesar de uma fórmula complicada, hoje você pode colocá-la em prática virtualmente, por exemplo
com essa calculadora aqui.

Robert C. Merton atualmente tem 77 anos e Myron Scholes tem 80 anos.

181 Nobel - 1997


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Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.

Notas:
Referencias Bibliográficas

Artigo construído com base em registro biográfico feito por Robert C. Merton https://www.
nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/merton/biographical/ , outro feito por Myron M.
Scholes https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/scholes/biographical/ e
também no Press Release da academia que concede a premiação https://www.nobelprize.org/
prizes/economic-sciences/1997/press-release/

182 Nobel - 1997


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

1998
Amartya Sen
por Ana Luiza Pessanha

E m 1998 a Royal Swedish Academy of Sciences decidiu conceder


o prêmio mais cobiçado entre os economistas ao ex-professor
de Cambridge Amartya Sen. Indiano nascido em uma família
de acadêmicos de classe média baixa, Sen presenciou a
Grande Fome de Bengala em 1943, quando tinha apenas nove anos
de idade. Tal acontecimento foi um dos responsáveis por despertar o
seu interesse por desenvolvimento econômico, pobreza e desigualdade
(Klamer, 1989, p. 136). Após ter sido orientado por Joan Robinson no
seu doutorado na Universidade de Cambridge, Amartya Sen construiu
uma longa carreira de contribuições em três principais áreas: i)
incorporação de aspectos filosóficos e éticos no campo da economia
tradicional; ii) criação de uma nova teoria de escolha social no campo
da economia do bem-estar; iii) aplicação do conceito de capacidades
na mensuração de pobreza e desigualdade, na análise dos períodos de
fome, na estimação de desigualdade de gênero e na distinção entre
crescimento edesenvolvimento econômico.
Sen foi professor de Harvard, London School of Economics e Oxford, possui quase 40 doutorados
honorários, atua no conselho editorial de 15 periódicos, publicou mais de 20 livros e 300 artigos e já
foi presidente de diversas associações de economia (Pressman, 2000).

Este artigo pretende destacar as principais contribuições de Sen que o levaram a ganhar o prêmio
Nobel de economia. Para isso, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. A
primeira seção traz uma revisão da literatura de economia do bem-estar e as lacunas teóricas que
levaram o autor a escrever suas principais obras. A segunda seção ressalta as contribuições de Sen à
economia do bem-estar. As aplicações da sua teoria são expostas na terceira seção. Por fim, a quarta
seção traz as conclusões.

183 Nobel - 1998


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Utilitarismo e a economia
do bem-estar tradicional

O
campo da Escolha Social tem por dos outros membros no mínimo inalterada;
objetivos derivar preferências ii) Propriedades de completude (indivíduos
sociais a partir das preferências dos conseguem ordenar todas as opções disponíveis)
indivíduos e comparar os níveis de e transitividade das preferências individuais e
bem-estar entre diferentes arranjos coletivas; iii) Existência de não-ditadura, no qual
sociais. A partir de 1789, a teoria do bem-estar um determinado ranking individual não pode
começa a seguir uma tradição pautada na dominar o ranking dos outros indivíduos; iv)
representação das preferências individuais em Independência de alternativas irrelevantes, isto é,
suas respectivas utilidades. A visão utilitarista a escolha dos indivíduos entre duas alternativas
do bem-estar social surge com Jeremy Bentham não depende de nenhuma outra alternativa.
e consiste na derivação do bem-estar social Então, Arrow (1950) demonstra que não existe
como função da soma das diferenças de todas uma função de bem-estar social que satisfaça
as utilidades individuais (Sen, 1974). De acordo essas quatro condições concomitantemente.
com essa abordagem teórica, uma alternativa
A é preferida em relação a B se a soma das O teorema da impossibilidade de Arrow expõe
diferenças de utilidade de todos os indivíduos ao as limitações da teoria de escolha social baseada
mudarem de A para B é positiva. Nesse sentido, no utilitarismo. Mais especificamente, o critério
uma transferência de renda de uma pessoa i Paretiano desconsidera aspectos distributivos,
para uma pessoa j só deve ocorrer se o ganho uma vez que elimina a possibilidade de haver
de utilidade da pessoa j for superior a perda uma situação na qual um indivíduo melhora e
de utilidade da pessoa i (Sen, 1974). O aspecto outro piora. Para além da preocupação com
distributivo do utilitarismo sustenta-se então equidade, Sen destaca outros dois motivos pelos
em dois princípios fundamentais. Primeiro, de quais concepções pautadas na regra da maioria
ordem moral, é a sua característica welfarista não seriam as mais adequadas para representar
pautada no conceito de utilidade como único uma teoria de escolha social. Primeiro, grupos de
critério para a comparação de arranjos sociais. O indivíduos (como minorias sociais, por exemplo)
segundo princípio, por sua vez, baseia-se na ideia podem não ser ativos politicamente, de forma
de que variações marginais de renda devem ser que os seus interesses pessoais não seriam
alocadas naqueles indivíduos que usufruem de representados em decisões sociais. A segunda
maior utilidade marginal. crítica consiste no fato de que não temos como
comparar o bem-estar resultante de diferentes
A disciplina da escolha social consolida-se em um políticas, ainda que todos os membros
outro patamar, mais formalizado e estruturado, a participassem da vida política da sociedade por
partir da década de 1950 com as contribuições meio do voto. Isso ocorre porque cada indivíduo
de Kenneth Arrow (1950). Partindo da mesma ordena diferentes alternativas de maneira tal que
tradição individualista e utilitarista que seus não é possível extrair comparações interpessoais
precursores, Arrow destacou um impasse dessas ordenações utilizando apenas a base
teórico na construção de funções de bem-estar informacional dos votos (Sen, 1998). Dessa
social. Pautado nos conceitos de utilidade e forma, Sen argumenta que o principal entrave
na regra da maioria, o famigerado Teorema da à teoria da escolha social de seus antecessores
Impossibilidade consiste em quatro condições: não consiste na resolução do teorema da
i) Critério Paretiano de bem-estar, no qual uma impossibilidade per se, mas em encontrar
determinada política só aumenta o bem-estar regras que forneçam espaços informacionais
da sociedade se o nível de utilidade de alguns mais amplos e permitam a comparabilidade
indivíduos aumentarem mantendo a utilidade interpessoal a partir de critérios objetivos.

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Teoria da escolha social de


Sen e o conceito de capacidades

A obra Collective Choice and Social Welfare (1970) de Sen revoluciona o estudo da teoria
da escolha social por meio da expansão da base informacional na qual as decisões
coletivas podem ser construídas. Uma das principais contribuições do autor consiste na
incorporação de propriedades cardinais e comparações interpessoais parciais, tornando
possível a formalização de uma teoria de bem-estar que tenha resultados positivos e aplicáveis a
problemas sociais, como veremos na seção seguinte. Sen, no entanto, não foi o único autor a rejeitar
a abordagem utilitarista da economia do bem-estar. John Rawls (1971) construiu sua teoria de escolha
social a partir de seus dois princípios de justiça. O primeiro deles consiste na substituição da utilidade
por um índice de “bens sociais primários” como direitos, liberdades, renda e riqueza que, segundo o
autor, qualquer pessoa racional gostaria de possuir (Rawls, 1971, p.60-65). O “princípio da diferença”,
por sua vez, traduz-se na regra maximin, na qual o nível de bem-estar (definido pelo índice de bens
sociais primários) da pessoa em pior situação é o único critério a ser considerado ao comparar
alternativas. De acordo com essa estrutura teórica, uma transferência da pessoa i para a pessoa j
só deve ocorrer se o primeiro indivíduo tiver maior nível de bem-estar e o segundo for a pessoa em
pior situação (Sen, 1974). Rawls reformula sua teoria e altera o seu posicionamento no livro “Political
Liberalism” de 1993, mas tal modificação vai além da proposta desse texto.

Todavia, Sen argumenta que tanto o utilitarismo como a regra maximin de Rawls desconsideram
aspectos distributivos relevantes. No primeiro caso, não há nenhum tipo de comparação interpessoal,
dado que utilidades focam exclusivamente nas reações de prazer ou desprazer que um indivíduo
experencia com a aquisição de um bem. Por outro lado, a abordagem de Rawls não só considera
apenas o extremo inferior da distribuição como negligencia o fato de que indivíduos possuem
necessidades distintas de acordo com suas respectivas localidades, profissões, condições de saúde
e muitos outros aspectos. Nesse sentido, Sen classifica o conceito de bens primários como sendo
orientado por uma concepção “fetichista” pautada na ideia de que tais bens possuem um valor
intrínseco ao invés de considerar o valor que eles trazem para o indivíduo (Sen, 1979).

Considerando as lacunas expostas por esses autores, Sen desenvolve uma teoria alternativa de bem-
estar social, a partir do conceito de capacidades. O termo original capabilities constitui uma junção
de duas concepções fundamentais para a teoria de Sen: capacities e abilities. As capacidades de
um indivíduo consistem nas “liberdades substantivas de escolher uma vida que se tem razão para
valorizar” (Sen, 2000, p.83). Nesse contexto, a principal diferença para a abordagem de Rawls é que
Sen concentra sua análise na “conversão de bens primários na capacidade de a pessoa promover
seus objetivos” (Sen, 2000, p.83). Ou seja, o conceito de capacidades leva em consideração que
pessoas diferem em relação a seus interesses e factibilidade na conversão de bens em aquilo que
elas valoram. Por exemplo, uma pessoa física ou mentalmente incapacitada muito provavelmente
não conseguirá usufruir da vida que deseja com a mesma cesta de bens primários que uma pessoa
saudável. A concepção de abilities, por sua vez, diz respeito a condição de agente ou autonomia que
os indivíduos têm em escolher suas capacidades. Dito de outra forma, é a possibilidade de agir “de
acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também
segundo algum critério externo” (Sen, 2000, p.26).

Nesse âmbito, o aspecto inovador de Sen para a economia do bem-estar consiste na introdução da
liberdade de escolha e da igualdade de oportunidades como fatores que aumentam o bem-estar. A
partir da perspectiva das capacidades, Sen distingue crescimento de desenvolvimento econômico.

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Enquanto crescimento diz respeito à produção de bens, desenvolvimento envolve o processo de


expansão das capacidades dos indivíduos (Sen, 1984b). O autor também não negligencia a necessidade
de conceber uma aplicação prática do conceito de capacidades para finalidades avaliatórias, uma
vez que este é o objetivo principal de qualquer teoria de escolha social. Nesse aspecto, Sen enfatiza
“a necessidade de atribuir explicitamente pesos avaliatórios a diferentes componentes da qualidade
de vida (ou do bem-estar) e então submeter os pesos escolhidos ao debate público e averiguação
crítica” (Sen, 2000, p.90). Tais pesos podem ser utilizados tanto para suplementar comparações
interpessoais de renda com algumas capacidades como grau de instrução, nutrição e outros, como
também para calcular “rendas ajustadas”. Independente da medida escolhida, Sen ressalta que a
abordagem pragmática das capacidades inevitavelmente deve levar em consideração aspectos
democráticos.

Aplicações empíricas

A
s contribuições teóricas de Amartya (Pressman, 2000).
Sen para a economia do bem-estar Sen também revolucionou a literatura sobre
podem ser aplicadas a quatro áreas: os grandes períodos históricos de fome ao
pobreza, análise dos períodos de argumentar que a principal causa para a fome em
fome, desigualdade de renda e massa não era a insuficiência de alimento, como
disparidade de gênero como parte integrante do muitos acreditavam, mas a distribuição desigual
desenvolvimento econômico. de alimentos devido à carência de recursos
monetários para os adquirir. Por meio dos seus
No que tange à literatura de pobreza, Sen trabalhos empíricos sobre o período de fome na
(1976c) criou um índice que considerasse não Irlanda nos anos 1840, em Bengal no ano de 1943
apenas a proporção de pessoas abaixo de uma e em Bangladesh e Etiópia nos anos 1970, Sen
determinada linha de pobreza como também a e Drèze (1989, Sen 1981) concluíram que baixos
desigualdade entre os pobres, medida pelo Índice salários e desemprego eram as principais causas.
de Gini. De acordo com essa mensuração, políticas
eficazes de combate à pobreza precisariam Em relação à desigualdade de renda, Sen
agir sobre os mais pobres dentre os pobres. desenvolveu uma medida de bem-estar, pautada
Para além do cálculo da pobreza, Sen também no princípio de que os pesos atribuídos as rendas
ressaltou a importância de considerar a pobreza de uma determinada distribuição são baseados
como um fenômeno multidimensional e mais na ordenação dos níveis de bem-estar. Dessa
abrangente do que a ótica da renda per capita maneira, o autor cria um indicador definido
pode capturar. Nesse sentido, pobres seriam como a renda média de um país ponderada pela
aqueles cujas rendas per capita são insuficientes desigualdade representada pelo Índice de Gini
para garantir as suas capacidades, seja por (Atikson, 1999). Derivado a partir de diversos
motivos de doença, composição demográfica axiomas, tal indicador representa a ideia de que
dentro do domicílio, localidade etc. Além disso, as cestas de bens são, na verdade, uma expressão
Sen foi um dos primeiros autores a introduzir multidimensional fundamentada na concepção
o debate acerca da distribuição de recursos de que o mesmo bem pode gerar níveis de
dentro dos domicílios. Considerando que a bem-estar distintos para diferentes pessoas, de
maioria dos domicílios não exibem uma dinâmica acordo com as suas respectivas capacidades.
cooperativa, a alocação de recursos pode
muitas vezes beneficiar desproporcionalmente Outra importante contribuição de Sen consiste
aquele que detém maior poder (normalmente o no trabalho seminal sobre como a preferência
homem), fazendo com que o nível de bem-estar parental por filhos homens em países como
não seja igual para todos os membros da família China e Índia leva a menor alocação de recursos

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domiciliares para as filhas, como investimento em de desenvolvimento a partir do conceito de


capital humano e cuidados médicos adequados capacidades, contrapondo-se aos indicadores de
(Sen, 1989;1990;1992). A partir da ótica do viés renda tradicionais como o Produto Interno Bruto
de gênero em mortalidade, o autor estima que se (PIB). Inicialmente, Sen foi cético em relação
não houvesse discriminação contra às mulheres ao mérito de se condensar múltiplos aspectos
dentro do domicílio haveria 100 milhões a mais do desenvolvimento de uma sociedade em um
de mulheres no mundo. Considerando tais único número – crítica relativamente comum em
evidências, Sen argumenta que políticas de relação à criação de índices de componentes
desenvolvimento não podem ser neutras em heterogêneos. Porém, tanto Mahbub como
relação ao gênero e precisam focar em como Amartya foram convencidos de que o IDH
garantir maior liberdade e oportunidade para as seria relevante pois, caso contrário, o público
mulheres. continuaria utilizando o PIB por questões de
conveniência. “Precisamos de uma medida do
Por fim, a aplicação empírica do conceito de mesmo nível de vulgaridade que o PIB -apenas
capacidades provavelmente mais conhecida um número- mas uma medida que não seja tão
foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cega para os aspectos sociais da vida humana
da Organização das Nações Unidas, criado quanto o PIB”, disse Mahbub. Sen ainda aponta
por Mahbub ul Haq com a colaboração de que a defesa de Mahbub sobre a importância do
Amartya Sen. Considerando componentes de IDH o fez recordar o seguinte trecho do poema
renda, saúde e educação, o objetivo da criação de T.S. Eliot chamado Burnt Norton: “Human
do IDH foi o de oferecer uma medida sintética Kind/cannot bear very much reality” .

Conclusão

E
m suma, todas as contribuições
empíricas de Amartya Sen citadas nesse
texto possuem um elo conceitual em
comum: o foco em mensurar e analisar
os fenômenos sociais sob a ótica das
capacidades. Apesar de não terem influenciado a
premiação do Nobel, algumas obras recentes do
autor também contribuíram para a literatura de
economia do bem-estar e justiça social. Em 2009,
Sen inaugurou o livro “A ideia de justiça”, no qual
ele reformula aspetos filosóficos relacionados
a justiça social e altera significativamente a
sua crítica em relação a abordagem de Rawls.
Partindo da crítica à filosofia política tradicional,
que busca encontrar instituições perfeitamente
justas, Sen enfatiza a necessidade de criar
princípios de justiça pautados nas liberdades
das pessoas envolvidas, utilizando as instituições
como instrumento para arranjos sociais mais
justos (e não perfeitamente justos). Já em 2015,
Amartya Sen lançou um livro junto com Jean
Drèze que trata sobre como a democracia pode
contribuir para a expansão das capacidades e

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redução das desigualdades, utilizando a trajetória político-econômica da Índia como pano de fundo.

No entanto, as contribuições de Sen excedem a economia do bem-estar e justiça social. Crítico da


economia tradicional, Sen contribuiu também para a literatura sobre a inadequação do conceito
de maximização e racionalidade em diversos contextos envolvendo escolha individual (Sen, 1977),
desenvolveu trabalhos analisando mercados de trabalho e técnicas de produção eficientes para o
desenvolvimento econômico (Sen, 1960) e contribuiu para a teoria de poupança ótima (Sen, 1961;1967).

Sen é um economista multifacetado que tornou a ciência econômica mais humana ao se dedicar
a questões sociais relevantes para o desenvolvimento das potencialidades de uma sociedade, sem
abdicar do rigor matemático. Sen ressignificou a economia tradicional ao criticar a predominância
da eficiência da alocação de recursos em relação a uma distribuição mais equitativa que levasse
em consideração não a quantidade de bens materiais, mas a possibilidade de os indivíduos serem
igualmente livres para usufruírem daquilo que cada um deles valora. Ao incorporar aspectos filosóficos
e éticos ao campo da economia, Sen reformulou o significado de desenvolvimento e o papel dos
economistas na criação de um mundo melhor.

Ana Luiza Pessanha


Economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Email: luizacp.mendonca@gmail.com). A
autora agradece os comentários de Flavio Comim e Daniel Duque.

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Notas:
Atkinson, A.B. (1999) The contributions of Amartya Sen to Welfare Economics, Scandinavian
Journal of Economics 101(2), pp. 173-90.

Arrow, K.J. (1950) A difficulty in the concept of social welfare, Journal of Political Economy 58 (4),
pp .328-46.

Drèze,J. and Sen,A.K. (1989) Hunger and Public Action, Oxford University Press.

Klamer, A. (1989) A conversation with Amartya Sen, Journal of Economic Perspectives, 3(1), pp.
135-150.

Pressman,S. and Summerfield,G. (2000) The Economic Contributions of Amartya Sen, Review of
Political Economy, 12:1, pp.89-113.

Rawls, J. (1971) A theory of justice, Cambridge, MA: Harvard University Press.

Sen, A.K. (1960) Choice of Techniques,Oxford, Basil Blackwell.

Sen, A.K. (1961) On optimizing the rate of saving, Economic Journal, 71, pp. 479-496.

Sen, A.K. (1967) Isolation, assurance and the social rate of discount, Quarterly Journal of Economics,
81, pp. 112-124.

Sen, A.K. (1970) Collective Choice and Social Welfare, San Francisco.

Sen,A. (1974) Rawls versus Bentham: an axiomatic examination of the pure distribution problem,
Theory and Decision (4), pp. 301-309.

Sen,A.K. (1976c) Poverty: an ordinal approach to measurement, Econometrica 44(2), pp.219-31.

Sen, A.K. (1977) Rational Fools: A critique of the behavioral foundations of economic theory,
Philosophy and Public Affairs, 6 (4), pp. 317-344.

Sen, A.K. (1979) Equality of what, The tanner lecture on human values, Stanford University.

Sen, A.K. (1981c) Ingredients of famine analysis: availability and entitlements, Quarterly Journal of
Economics, 95, pp. 433-464.

Sen,A.K. (1984b) The living standard, Oxford Economics Papers 36, pp.74-90.

Sen, A.K. (1989) Women’ s survival as a development problem, Bulletin of the American Academy
of Arts and Sciences, 43.

Sen, A.K. (1990) Gender and cooperative conflict, in: I. Tinker (Ed) Persistent Inequalities (New
York, Oxford University Press), pp. 123-149.

Sen, A.K. (1992) Missing women, British Medical Journal, 304(6827), pp. 587-588.

Sen, A.K. (1998) The possibility of Social Choice, Nobel Lecture.

Sen, A.K. (2000) Desenvolvimento como liberdade, 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras.

189 Nobel - 1998


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NOBEL DE ECONOMIA

1999
Um prêmio para a
economia internacional
Robert A. Mundell
por Guilherme Tinoco1

O canadense Robert A. Mundell foi o


vencedor do Prêmio Nobel de 1999 por
seus trabalhos seminais em economia
internacional. Famoso pelo modelo
Mundell-Fleming, ele também se destacou pelos
trabalhos pioneiros sobre áreas monetárias comuns,
por isso sendo muitas vezes chamado de “pai do
euro”. Tais trabalhos remetem principalmente aos
anos 60, no início de sua carreira e período em
que fez suas maiores contribuições acadêmicas,
que rapidamente transformaram a pesquisa em
economia internacional. Nas décadas seguintes, ele
acabou se notabilizando mais por seu engajamento
em discussões menos acadêmicas e mais
controversas, em particular na agenda de corte
de impostos (Supply-Side Economics), o que lhe
rendeu a alcunha de “grande excêntrico” pela revista
britânica The Economist. Neste pequeno texto,
exploramos mais um pouco da vida e da carreira do
laureado de 1999.

1 Graduado em economia pela UFMG e mestre em Economia pela FEA/USP.

190 Nobel - 1999


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1. Mini Biografia

N ascido em 1932, no Canadá, Mundell


graduou-se em 1953 pela Universidade
de British Columbia, cursou o mestrado
na Universidade de Washington e
completou seu PhD no MIT em 1956, depois de
ter passado um ano na LSE, onde foi trabalhar
com nomes como Milton Friedman, George
Stigler, Harry Johnson, dentre outros, e de onde
saíram vários pesquisadores que seguiram sua
linha, como Rudi Dornbusch, Michael Mussa e
Jacob Frankel3.

em sua tese sob a supervisão de James Meade Em 1974 chegou à Universidade de Columbia,
(Prêmio Nobel em 1977). No MIT, foi influenciado, onde é professor até hoje. Vale dizer que Mundell
dentre outros, por Paul Samuelson e Charles sempre gostou de lecionar em diversas partes
Kindleberger, seu orientador. do mundo ao mesmo tempo. Entre 1965 e 1975,
ele passava temporadas regulares na Europa,
Após seu doutorado, passou por vários lugares, onde foi professor de verão na Universidade
dentre eles Chicago (pós-doutorado), Stanford de Genebra. Nas décadas seguintes, continuou
e John Hopkins University (Bologna), até chegar dando aulas em diferentes países, incluindo a
para uma temporada no FMI, onde foi recrutado China.
pelo chefe do departamento de pesquisa,
Jacques Polak, que tinha bastante interesse Ao longo da carreira, foi consultor de diversos
em suas pesquisas em economia internacional. governos, empresas e organizações, como
Laura Wallace2 conta que Polak lembrava de ter Nações Unidas, FMI, Banco Mundial, Comissão
feito um grande esforço para contratar Mundell, Europeia, Fed e Tesouro americano, dentre
a quem ele considerava bastante corajoso por outros.
estudar taxas de câmbio flexíveis quando o
tópico era considerado um grande tabu. No FMI, Academicamente, as principais contribuições de
Mundell ficou de 1961 a 1963. Mundell, e aquelas que lhe deram o Nobel, datam
dos anos 60, época de grande pesquisa e muitas
Entre 1965 e 1971, Mundell esteve no publicações, e se concentram especialmente no
departamento econômico da Universidade de estudo de políticas econômicas em economia
Chicago, participando de um período intenso em aberta e de áreas monetárias comuns, como
pesquisa e atividades intelectuais e que contava veremos a seguir.

2. Políticas econômicas
em economia aberta

Q
ualquer estudante de graduação conhece o modelo Mundell-Fleming, ou IS-LM-
BP. Desenvolvido nos anos 60, ele continua presente na maioria dos livros-texto de
macroeconomia e economia internacional. A grande inovação desse modelo foi estender
o clássico modelo IS-LM, de economia fechada, para pequenas economias abertas
(comércio e fluxos de capital), com o objetivo de avaliar os efeitos de curto prazo de
políticas econômicas (monetária e fiscal) sob diferentes regimes cambiais (taxas fixas ou
flexíveis).

2 Wallace (2006).
3 Dornbusch (2001) faz um relato interessante sobre o ambiente acadêmico na Universidade de Chicago nos anos 60, caracterizando-o como “one of the
great times in economics”.

191 Nobel - 1999


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Para compreender a importância do modelo, é preciso


entender o contexto da época. Naquele tempo, o modelo
IS-LM era uma das principais ferramentas para a análise
macroeconômica, mas se restringia a economias fechadas.
Tal característica não era tão prejudicial, uma vez que
as economias nacionais eram de fato muito fechadas,
especialmente no que se refere a mobilidade de capitais. O
regime monetário internacional também era muito diferente:
as taxas de câmbio operavam alinhadas através de um
sistema global de taxas fixas, no contexto de Bretton Woods.
No início dos anos 60, portanto, o modelo parecia mais uma
curiosidade acadêmica de Mundell, inspirada em parte por
conta sua origem canadense 4.
As principais conclusões do modelo indicavam que os efeitos das políticas econômicas dependiam
crucialmente do regime de câmbio: com alta mobilidade de capital, sob regime de câmbio flutuante, a
política fiscal seria inócua para aumentar o produto e, sob regime de câmbio fixo, a política monetária
seria ineficaz. A partir disso, originou-se o famoso conceito de trindade impossível: um país não
conseguiria ter política monetária independente sob câmbio fixo e livre mobilidade de capitais.

Cumpre notar que estamos falando do início dos anos 60, então o modelo é bastante simples para
os dias de hoje, com hipóteses simplificadas (rigidez de preço completa no curto prazo, formação
de expectativas nos mercados financeiros) e sem microfundamentações (o que é um problema
especialmente para a política fiscal). Essas limitações foram sendo endereçadas ao longo do tempo,
muito por conta de seus alunos, como Dornbusch, e alunos de seus alunos, como Obstfeld e Rogoff5.
Mesmo assim, em muitas casos as conclusões seguiram similares, fazendo com que, dessa forma,
o modelo Mundell-Fleming continuasse como o work-horse da disciplina, muito por conta de sua
clareza e simplicidade.

A título de curiosidade, ressalta-se que o modelo foi criado de maneira independente por Mundell e
Fleming, que coincidentemente também era do Fundo Ambos tiveram algum contato no FMI, mas
não trabalharam juntos no modelo, que só veio a ter esse nome anos depois6. O próprio Mundell
conta a história do modelo e de sua relação com Fleming (Mundell, 2001 e Vane, 2006).

O modelo Mundell-Fleming preocupava-se mais com o curto prazo, mas Mundell não ficou só nisso.
A dinâmica monetária foi um tema importante de sua pesquisa, incluindo a abordagem monetária
do balanço de pagamentos, um tema em que Jacques Polak havia sido pioneiro. A abordagem,
posteriormente desenvolvida por muitos de seus alunos em Chicago (Rudi Dornbusch, Jacob Frenkel
e Michael Mussa), foi considerada por muito tempo como uma referência de longo prazo para análise
de políticas de estabilização7.

Ainda dentro da agenda das políticas monetária e fiscal, vale notar o papel de sua pesquisa no debate
público. No início dos anos 60, havia uma discussão acalorada em relação à política econômica do
Presidente Kennedy, na qual a maior parte dos economistas defendia um orçamento equilibrado,

4 Como cidadão do Canadá, país vizinho e com a economia bastante interligada com a dos EUA, Mundell desde cedo foi estimulado a pensar sobre aspectos
de economia internacional, o que certamente inspirou sua pesquisa. Vale ainda notar que durante os anos 50, o Canadá era o único país, dentre os que hoje
formam o G7, a ter a taxa de câmbio flexível.
5 Ambos orientandos de Dornbusch e que tem um livro clássico de economia internacional, Foundations of International Macroeconomics, de 1996.
6 Segundo Boughton (2002), em Working Paper do FMI, que conta a história do modelo, a denominação Mundell-Fleming foi provavelmente utilizada pela
primeira vez por Dornbusch (1976) e popularizada a partir do livro texto de Dornbusch de 1980. Fleming morreu em 1976.
7 Esta seria, segundo o próprio Mundell, uma abordagem teórica alternativa à abordagem keynesiana para o balanço de pagamentos, como conta Wallace
(2006).

192 Nobel - 1999


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pelo lado da política fiscal, e baixas taxas de juros, pelo lado da política monetária. Mundell, em um
trabalho de 1962, (Appropriate Use of Monetary and Fiscal Policy for Internal and External Stability
– IMF staff paper), inovou ao defender o contrário: sob regime de câmbio fixo, a política monetária
deveria se ocupar do equilíbrio externo, enquanto a política fiscal deveria ser utilizada para estimular
a economia. Uma das consequências desse debate foi a mudança no mix de política econômica, com
o corte de impostos sendo adotado em 19648-9.

A maioria de seus artigos no tópico políticas econômicas em uma economia aberta estão em seus
livros International Economics (1968) e Monetary Theory (1971).

Áreas monetárias comuns

É também na área de economia


internacional que vem a segunda grande
contribuição de Mundell. Trata-se de sua
pesquisa seminal sobre áreas monetárias
comuns. Em que circunstâncias países poderiam
ter uma moeda comum?
moeda europeia em 196910. Por conta desses
fatores, muitas vezes o chamam de “o pai do
Euro”, moeda lançada em 1999. De fato, Mundell
foi e ainda é um grande entusiasta da moeda
europeia.

Apesar disso, uma questão curiosa é que, sem


Por um lado, a adoção de uma moeda única contar com livre mobilidade do fator trabalho,
poderia trazer grandes vantagens: reduzir custos a zona do Euro não deveria ser uma área
de transação, incluindo o custo de conversão monetária ótima, ao menos segundo a teoria de
das moedas, reduzir a incerteza cambial e de Mundell. Haveria alguma contradição? Mundell já
preços relativos. Por outro lado, quando países foi perguntado sobre isso diversas vezes e em
compartilham a moeda, eles acabam abdicando uma delas respondeu que não: “labor mobility is
da política monetária e cambial. Seria mais difícil an important escape valve, but it isn’t the end-all
alcançar o pleno emprego quando choques of the theory of optimum currency areas. Even
demandassem a redução de salários em uma if every European were completely immobile,
região particular, uma vez que o país não poderia rooted in one place, it wouldn’t mean that Europe
desvalorizar sua moeda. should have 300 million currencies, one currency
for each person!“11.
Esse último problema, contudo, estaria
parcialmente resolvido em regiões onde A partir de seus trabalhos seminais, Mundell
houvesse ampla mobilidade do fator trabalho. se debruçou no debate público sobre regimes
Essa seria, portanto, a condição básica que monetários internacionais e, ao longo dos
favoreceria a adoção de uma moeda comum e a anos, passou a defender sistemas globais mais
principal conclusão da análise. coordenados. Para ele, o regime de Bretton
Woods funcionava de maneira satisfatória e
Mundell foi pioneiro nessa agenda de pesquisa. não deveria ter sido descartado totalmente. Em
Além disso, ele fez o primeiro plano para uma algum momento dos anos 80, quando a inflação

8 A publicação do paper pelo FMI foi, de certa maneira, controversa, uma vez que trazia uma visão contrária tanto em relação ao mix de políticas do governo
americano como também em relação às recomendações gerais do FMI. Ver Vane e Mulhearn (2006).
9Essa separação de políticas e objetivos define o princípio do “effective market classification”, no qual Mundell afirmava que os intrumentos devem cuidar das
variáveis nas quais tem mais impacto/eficiência. Valeria também a regra: cada instrumento, uma meta. Essas ideias estão na origem dos regimes modernos de
política monetária e metas de inflação, em que o BC se ocupa basicamente com a estabilidade de preços.
10 A proposta foi publicada em 1973, sob o título “A Plan for a European Currency”.
11 Wallace (2006)

193 Nobel - 1999


E-BOOK NOBEL

alcançou dois dígitos, chegou a defender a volta do padrão-ouro. Também chegou a advogar pela
criação de algo próximo a uma moeda global.

Nesse tópico, vale ressaltar que Mundell tinha a visão oposta de seu colega em Chicago, Milton
Friedman, que defendia um regime de taxas flexíveis. Ambos travaram interessantes discussões em
torno disso12.

Supply-Side Economics

N os anos 70, Mundell foi progressivamente mudando o foco de sua agenda, em direção ao
debate público e a temas mais aplicados. Dois assuntos sobressaíram: Sistema Monetário
Internacional (já discutido acima) e o Supply-Side Economics.

O Supply-Side Economics poder ser brevemente definido como uma corrente de pensamento que,
dentre outras coisas, aborda o problema do crescimento pelo lado da oferta e tem como principal
bandeira o corte de impostos. No começo dos anos 70, com a produtividade desacelerando (e com
a estagflação trazendo novos desafios teóricos), seus defensores argumentavam que a taxação
desencorajava o investimento e que a solução passaria por corte drástico de impostos, trazendo
investimento, produtividade, crescimento e emprego.
Essa agenda acabou tendo uma grande influência inflação, seguindo suas recomendações. Mas
sobre o programa do partido Republicano e, em foi logo depois que o Supply-Side Economics
especial, ao governo de Ronald Reagan. Mundell começou a ganhar força, especialmente a partir
não só participou do movimento, como foi um de 1974, quando o conceito foi introduzido pelo
dos seus principais nomes, o que fez dele um colunista do Wall Street Journal, Jude Wanniski.
tipo de guru, além de uma espécie de conselheiro Wanniski, vale dizer, foi um dos principais
informal da administração Reagan, que assumiu difusores da corrente e o criador do conceito da
em 1981. curva de Laffer15. Durante os anos 80, durante o
governo Reagan, a escola atingiu o seu auge, com
Em realidade, ainda no final dos anos 60 e início a implementação de amplo programa de corte
dos anos 70, Mundell já defendia o corte de de impostos. Os desequilíbrios fiscais, contudo,
impostos como forma de combater a recessão13. fizeram com que parte dos cortes tenha sido
Tentou influenciar a administração de Richard revertida com o tempo.
Nixon, mas não teve sucesso naquele momento:
sofreu oposição até mesmo de seu aliado Vale lembrar que o Prêmio Nobel de Mundell foi
Friedman, no que foi chamado de “Chicago dado por “his analysis of monetary and fiscal
Split” por jornais da época, segundo ele mesmo policy under different exchange rate regimes
conta14. and his analysis of optimum currency areas”. Não
incorporou, portanto, sua atuação e trabalhos no
Em seguida, Mundell conseguiu influenciar a âmbito do Supply Side Economics, ainda que
política econômica no Canadá, quando em 1973 alguns tenham tentado associar o prêmio a esta
o governo de lá ajustou as faixas de imposto pela corrente de ideias16.

12 Exemplo: “Nobel Money Duel: Do We Want a World Currency?” Milton Friedman with Robert Mundell. National Post (Canada), December, 2000
13 Appelbaum (2019) conta em seu livro um episódio ocorrido em Bologna, em 1971, durante um encontro que reuniu alguns dos principais economistas do
mundo para discutir a estagflação (desemprego com inflação). Enquanto keynesianos estavam intrigados com um fenômeno que não era compatível com a
curva de Phillips, monetaristas defendiam uma política monetária austera para combater a inflação. Mundell deu uma palestra, escutado por vários dos mais
importantes economistas do mundo, e propunha a solução para os dois problemas (inflação e desemprego) de uma vez só, através de um grande programa
de corte de impostos. Os dois lados receberam incrédulos e concordaram que não fazia sentido.
14 Ver Vane e Mulhearn (2006).
15 Arthur Laffer passou uma fase em Chicago enquanto terminava seu PhD e comparecia regularmente aos seminários de economia internacional de Mundell.
Com o tempo, ficaram bons amigos e se tornaram os principais nomes do Supply-Side Economics.
16 Krugman (1999) conta que o Wall Street Journal, em 1999, chamou, de forma “patética”, de “supply-side” Nobel.

194 Nobel - 1999


E-BOOK NOBEL

Considerações finais

N
este texto, buscou-se apresentar o principais legados da carreira do economista Robert
Mundell. Como pode ser percebido, sua carreira profissional foi marcada por duas fases
muito claras. Na primeira, contribuições seminais no campo da economia internacional,
incrivelmente à frente de seu tempo. Paul Krugman17 escreveu que seu trabalho foi tão
central para o field, tão seminal, que em muitas controvérsias teóricas, suas ideias formam
a base para os dois lados do debate.

Na segunda fase da carreira, mais controversa, a maioria de suas posições não foi abraçada por seus
pares. Ele se tornou um guru do Supply-Side Economics, ao mesmo tempo em que foi chamado
diversas vezes de “great eccentric” pela imprensa18. Vale notar que, no final dos anos 60, Mundell
comprou um castelo na Toscana (Itália), o “Palazzo Mundell”, com mais de 65 quartos, onde não
só começou a passar temporadas, como também costumava organizar seminários fora do circuito
acadêmico tradicional.

O prêmio, como já falado, foi para o jovem Mundell, cuja pesquisa estimulou a pensar em problemas
que só tornariam quentes muitos anos depois. Certa vez, um de seus orientandos, Michael Mussa, foi
perguntado se havia alguma inconsistência no fato de Mundell, ao mesmo tempo, ter sido um dos
pioneiros da macroeconomia internacional moderna e ter apoiado tantas ideias fora do mainstream
econômico. A resposta foi que não havia contradição: “Bob has always been an enormously stimulating
and unorthodox thinker. So there has been a consistency. His contributions were related partly to his
willingness to think outside the box.”19

Guilherme Tinoco
Graduado em economia pela UFMG e mestre em Economia pela FEA/USP.

17 Krugman (1999)
18 Ver, como exemplo, New York Times (1986) e The Economist (1999).
19 Wallace (2006).

195 Nobel - 1999


E-BOOK NOBEL

Notas:
Appelbaum, B. The Economist´s hour. Cap.4. Ed. Little, Brown and Company. 2019

Boughton, J. On the origins of the Fleming-Mundell Model. IMF Working Paper, 2002.

Dornbusch, R. The Chicago School in the 1960s. Policy Options, 2001.

The Economist. The Man of the hour. 14/10/1999

Krugman, P. A neglected nation gets its Nobel. 1999

Mundell, R. On the History of the Mundell-Fleming Model. IMF Staff Paper Vol. 47 Special Issue.
2001

New York Times. Eccentric economist: Robert A. Mundell – Supply-Side’s Intellectual guru.
12/01/1986

Rose, A. A Review of Some of the Contributions of Robert A. Mundell, Winner of the 1999 Nobel
Memorial Prize in Economics. Scandinavian Journal of Economics, 2000.

Salvatore, D. Three Brilliant Ideas, One Nobel. Journal of Policy Modeling. Editorial. 2000

Vane, H. e Mulhearn, C. Interview with Robert A. Mundell. Journal of Economic Perspectives, v.20,
2006.

Wallace, L. Ahead of his time. Finance & Development N.3, V. 43. International Monetary Fund,
September 2006.

196 Nobel - 1999


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2000
James Heckman
por Rodrigo Oliveira e Vinícius Mendes

Vida

Q uando se fala da Escola de Chicago em economia, sempre se


associada às contribuições no campo da macroeconomia,
onde se faz uma forte defesa do livre mercado e das
ideias liberais. Tendo como figura mais proeminente
Milton Friedman, a escola formou diversos profissionais,
os Chicago Boys, e influenciou o pensamento econômico em todo o
mundo. Contudo, outra revolução acontecia na Escola de Chicago, a
revolução empírica na microeconomia aplicada, que liderada por Gary
Becker e posteriormente James Heckman, foco deste artigo.

James J. Heckman é o Henry Schultz Distinguished Service Professor


of Economics na Universidade de Chicago. Com graduação em
matemática e doutorado em economia pela Universidade de Princeton em 1971, James Heckan se
tornou uma das maiores referências no campo da microeconomia aplicada, recebendo o prêmio
Nobel no ano de 2000, em conjunto com Daniel McFadden. Além disto, ele é o atual editor do
Journal of Political Economy, é membro da National Academy of Sciences, da Econometric Society,
da Society of Labor Economics and the American Statistical Association, e associado da American
Academy of Art and Sciences.

Suas publicações mais antigas, a partir de 1974, permeavam tanto contribuições à econometria
teórica, debatendo modelos com truncagem, quando não se observa dados de uma parte da
população, seleção amostral, economia do trabalho tanto com foco na oferta de trabalho, quanto

197 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

em capital humano e equação de Mincer. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Heckman contribui
para a literatura de inferência causal e suas aplicações, numa área denominada por economistas
de microeconomia aplicada, seu uso da microeconometria e consolidação da área de avaliação de
políticas. Há suas contribuições para a literatura de demografia econômica, com artigos sobre ciclo
de vida, fecundidade e um capítulo sobre análise longitudinal em um livro sobre análise de coortes
e modelos de idade-período-coorte. A partir da década de 2000, Heckman, além de manter suas
contribuições para a literatura econométrica, inaugura a agenda de pesquisa de desenvolvimento
humano, com artigo clássico sobre habilidade cognitivas e não cognitivas (socioemocionais). Esta
lupa no potencial humano pode ser acompanhada pelo site heckmanequation.org. A equação de
Heckman é sintetizada em:

CONTRIBUIÇÃO E PRÊMIO NOBEL: A SELEÇÃO DE HECKMAN

A premiação de Heckman e Daniel MacFadden nos anos 2000 marca o reconhecimento da


microeconomia aplicada como um dos importantes campos da ciência econômica moderna, campo
este que atualmente é um dos que mais se desenvolve e que também resultou no prêmio Nobel de
Economia em 2019. Como escreve o próprio Heckman, nas notas de aula baseadas em seu discurso
do Prêmio Nobel:

“ A área da microeconometria surgiu nos últimos 40 anos para ajudar os econo-


mistas a fornecer descrições mais precisas da economia, no desenho e avaliação
de políticas públicas e em testar teorias econômicas estimatimando parâmetros
definidos em modelos econômicos. É uma área científica dentro da economia que
conecta a teoria do comportamento individual aos dados individuais, onde os in-
divíduos podem ser empresas, pessoas ou famílias.”

E mais importante ainda para o que conhecemos e como trabalhamos atualmente em economia


aplicada, Heckman destaca:

Pesquisa em microeconometria é baseada em dados. A disponibilidade de novas


formas de dados levantou desafios e oportunidades que estimularam todos os
desenvolvimentos importantes na área e mudaram a forma como os economistas
pensam sobre a realidade econômica.”

198 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

Isso mostra como o pensamento de James ser observada, é capturada no erro. O que isto
Heckman já estava a frente do seu tempo. quer dizer? No geral, indivíduos mais habilidosos
Contudo, apesar de seu conjunto da obra já torna- tendem a ser mais educados. Mas suponha que
lo apto à esta honraria, sua grande contribuição dois indivíduos com baixa escolaridade tenham
foi a famosa Equação de Correção de Heckman. dois comportamentos diferentes. Um é muito
Na pesquisa em microeconomia aplicada o habilidoso com vendas e mesmo sendo pouco
grande desafio é lidar com o que chamamos de educado, consegue vender um produto com
viés de variáveis não observadas, que em alguns muita facilidade. O outro não tem habilidade
casos podem ser chamados de viés de seleção. com vendas. Assim, conseguiríamos ver na
Isso decorre do fato de que muitas vezes prática dois indivíduos com mesma educação,
observamos apenas parte dos dados que explica mas com salários diferentes e esta diferença é
nosso problema. Mais precisamente, imagine explicada pela habilidade. Na nossa primeira
a decisão de entrar no mercado de trabalho. equação, quem estaria explicando esta diferença
Sabemos que diversos fatores que conseguimos de salários entre estes dois indivíduos seria o Erro
observar explicam essa decisão, como idade, (1), ou seja, uma vez não observada, a habilidade
nível de escolaridade, gênero, raça, etc. Contudo, estaria neste erro.
existem outros fatores que não são observados
que também afetam essa decisão, como por No entanto, esta mesma habilidade pode
exemplo o fato de as mulheres dentro de uma simplesmente influenciar na participação no
sociedade patriarcal acabarem assumindo mais mercado de trabalho. Suponha que o dono da
funções dentro do lar e da família. Esta ideia loja precise demitir um de seus funcionários.
pode ser pensada por um pequeno modelo com Ele olha para os dois funcionários, o que tem
duas equações: habilidade com vendas e o que não tem tal
habilidade, e decide demitir o menos habilidoso.
Observe que nesta economia há, agora, uma
seleção em nossa amostra: o indivíduo mais
habilidoso, que vende mais, é mais produtivo
e recebe o maior salário continua trabalhando
A primeira equação relaciona salário com enquanto o indivíduo menos habilidoso, menos
educação. Se 1 for 0,10, então os dados desta produtivo e que recebe o menor salário saiu de
economia sugerem que ao se tomar a decisão de nossa amostra. Logo, existe um viés de seleção
estudar um ano a mais, o indivíduo receberá um amostral!
prémio no salário com um aumento de 10%. A
segunda equação é uma equação de participação Qual foi a contribuição do Heckman então?
e, em nosso exemplo, seria uma equação de Uma vez que habilidade influencia tanto o erro
participação no mercado de trabalho. Como na equação 1 (mais habilidoso, maior salário)
observamos o salário (wi) apenas de indivíduos quanto o erro na equação 2 (mais habilidoso,
que estão no mercado de trabalho ( ocupado=1) maior probabilidade de estar empregado), estes
e não observamos os salários dos indivíduos erros estão correlacionados por esta habilidade
que estão desempregados (ocupado=0), a não observada. Assim, a chamada Correção
segunda equação tem como papel fundamental de Heckman sugere que os pesquisadores
explicar, através de informações observadas precisam primeiro modelar a participação.
pelos pesquisador (idade, por exemplo) e de Literalmente estimar qual é a probabilidade
informações não observadas pelo pesquisador de estar empregado no mercado de trabalho.
(erro) o que determina um indivíduo estar Observe que neste primeiro momento, todos
empregado ou não no mercado de trabalho. entram na conta, o indivíduo que continua
Suponha que um fator muito importante nesta trabalhando e aquele que foi demitido. Após se
história toda seja habilidade e esta habilidade calcular a probabilidade de estar empregado,
não é observada pelo pesquisador. Habilidade usa-se este cálculo na segunda etapa quando
impacta nos salários dos indivíduos e, por não usamos apenas uma parcela de nossa amostra,

199 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

aquela parcela de indivíduos empregados e que conseguimos observar seus respectivos salários. Os
resultados encontrados na primeira etapa são usados na segunda etapa para “corrigir” este viés de
seleção da nossa amostra.

Considerações finais

A pesar de sua já vasta contribuição, tanto no desenvolvimento de métodos, como na


aplicação dos mesmos, Heckman passou a dedicar bastante tempo do seu trabalho ao
estudo da economia da educação e, mais particularmente, a políticas voltadas à primeira
infância. Os estudos sobre desenvolvimento na primeira infância são interdisciplinares, com
pesquisadores da neurociência, psicologia e economia chegando a conclusões que se complementam.
Em suma, os estudos apontam que é na primeira infância que o cérebro é mais maleável, se
desenvolvendo de forma rápida e com alta capacidade de absorção. Na economia Heckman é, sem
sombra de dúvida, a maior referência.

O que os estudos de Heckman e seus coautores tem nos ensinado é que além das condições
genéticas, condições do ambiente social, da família e das experiências que as crianças são expostas
são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Se argumento mais conhecido é que políticas
educacionais focadas na primeira infância terão retornos muito mais elevados que políticas aplicadas
em outras fases da vida. Nas palavras do autor:

“ Investir em crianças mais vulneráveis é uma rara política pública que promove
justiça social e aos mesmo tempo promove o aumento da produtividade da econo-
mia e da sociedade em larga escala. Intervenções na primeira infância com foco
nas crianças vulneráveis possuem retorno muito maior do que intervenções em
idades mais avançadas, como redução de tamanhos de classe, educação profis-
sional, programas de reabilitação, etc. No atual nível de recursos, sociedades inve-
stem mais do que deveriam em políticas de correção/melhorias de habilidades e
subinvestem nos estágios iniciais.”

(Science, 2006)

A partir dos estudos de Heckman, como as avaliações de impacto de programas americanos


referência na primeira infância como o Head Start e o Perry Program, bem como suas proposições de
políticas com o argumento de que os investimentos na primeira infância são eficientes e distributivos,
diversos pesquisadores e formuladores de políticas públicas em todo o mundo tem defendido
políticas direcionadas às crianças, como programas de creches, políticas de transferências de renda
condicionadas, pré-escolas, etc. Certamente, se em algum momento os estudos sobre a primeira
infância derem origem a outro laureado, Heckman certamente será responsável por um pouquinho
deste prêmio.

200 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

Rodrigo Oliveira
Mestre e PhD em economia pela UFPE, atualmente é pesquisador associado na United Nations
University World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER)

Vinicius Mendes
Mestre em economia pela UFMG, Doutor em economia pela FEA/USP, professor e pesquisador do
Departamento de Economia da UFBA

Notas:
Cameron & Trivedi (Microeconometrics Methods and Applications). Cambridge University Press;
unknown Edition (May 9, 2005)

Flavio Cunha & James J. Heckman & Susanne M. Schennach, 2010. “Estimating the Technology
of Cognitive and Noncognitive Skill Formation,” Econometrica, Econometric Society, vol. 78(3),
pages 883-931, May.

Heckman, J.; “Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged Children,” Science,
312 (5782): 1900-1902. 2006.

Heckman, James J, 1979. “Sample Selection Bias as a Specification Error,” Econometrica,


Econometric Society, vol. 47(1), pages 153-161, January.

James J. Heckman, 2000. “Causal Parameters and Policy Analysis in Economics: A Twentieth
Century Retrospective,” The Quarterly Journal of Economics, Oxford University Press, vol. 115(1),
pages 45-97.

James J. Heckman, 2001. “Micro Data, Heterogeneity, and the Evaluation of Public Policy: Nobel
Lecture,” Journal of Political Economy, University of Chicago Press, vol. 109(4), pages 673-748,
August.

Heckman, James J., 2014. “Private Notes on Gary Becker,” IZA Discussion Papers 8200, Institute
of Labor Economics (IZA).

Jeffrey M. Wooldridge: Introdução à Econometria – Uma abordagem moderna. Cengage Learning,


2016.

Jeffrey M. Wooldridge: Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. The MIT Press;
second edition (October 1, 2010).

The Royal Swedish Academy of Sciences. The Scientific Contributions of James Heckman and
Daniel McFadden (2000).

201 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2000
Daniel L. McFadden
por Rafael Mello

D esemprego e informalidade no mercado de trabalho;


desigualdade social; impactos socioeconômicos da
educação; avaliação de políticas públicas… Podemos
afirmar, sem grande risco de provocar polêmicas, que
o debate público nunca esteve tão atento a questões da
esfera microeconômica quanto nos últimos anos. Boa parte dessa
disseminação pode ser atribuída a desenvolvimentos técnicos e
metodológicos ocorridos nas últimas 5 décadas.

Até o fim dos anos 60, praticamente não existiam bases de dados
que permitissem a análise empírica robusta de comportamentos em
nível individual, seja de pessoas ou empresas. O desenvolvimento e
popularização dos computadores aumentou a capacidade tanto de
armazenamento de informações, o que viabilizou a construção de
bases maiores e mais detalhadas, quanto de processamento de dados,
possibilitando a análise e tratamento dessas novas bases.

A profusão de novos dados acabou levantando problemas e desafios metodológicos até então pouco
discutidos e tratados no âmbito da ciência econômica, dando origem a um novo campo de estudo,
a microeconometria. O reconhecimento definitivo do campo veio com o Prêmio Nobel de 2000,
dividido entre dois dos precursores da área, James Heckman e Daniel McFadden. E é sobre a vida e
as contribuições deste segundo que vamos nos aprofundar nos próximos parágrafos.

202 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

Da América Profunda à Costa Dourada

D aniel Little McFadden nasceu em


29 de julho de 1937, na cidade de
Raleigh, capital da Carolina do Norte.
Sua infância foi em uma fazenda,
localizada em uma região remota da zona rural
do estado. Quase sem vizinhos próximos, sua
departamentos de economia dos EUA, incluindo
os da Universidade da Califórnia em Berkeley, da
Universidade de Yale e do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (o famigerado M.I.T.). Durante
estas passagens, pode interagir com outros
ganhadores do Nobel, como Peter Diamond,
diversão principal era a leitura. Por se sentir Gerard Debreu, Paul Samuelson, Robert Solow
limitado pela escola pública local, recorreu ao e Franco Modigliani, além de ter orientado o
estudo por correspondência para se desenvolver renomado autor e atual economista-chefe do
mais em álgebra e geometria. Google Hal Varian, dentre outros.

Aos 16, Daniel entrou na Universidade de Em 1991, Daniel decidiu retornar a Berkeley
Minnesota, onde três anos depois obteve o B.S. para fundar o Laboratório de Econometria,
(equivalente americano ao bacharelado) em dedicado a aperfeiçoar métodos em estatística
Física. Durante a graduação, trabalhou como computacional aplicados à economia, e lá
programador em uma pesquisa que aplicava permaneceu pelo restante da sua carreira. Até
testes psicológicos, o que despertou seu hoje seu nome consta da lista de professores
interesse em psicometria e o levou a continuar eméritos do departamento de economia.
seus estudos no campo de Behavioral Science.
Interessado em se aprofundar nos modelos Além do Nobel, McFadden obteve diversos outros
matemáticos de escolha, acabou direcionando reconhecimentos por sua carreira acadêmica.
o tema de seu Ph.D. para a economia, sendo Dentre os principais, destacam-se a Medalha
fortemente influenciado pelos professores John John Bates Clark, concedida pela Associação
Chipman e Leonid Hurwicz (que também viria Americana de Economia para destacados
ganhar o Nobel, em 2007). economistas americanos com menos de 40 anos,
recebida em 1975; e a Medalha Frisch, concedida
Após concluir seu Ph.D. em 1962, McFadden pela Sociedade de Econometria, em 1986.
foi professor em alguns dos principais

Modelando escolhas

O
ficialmente, o Prêmio Nobel de Economia foi concedido a Daniel McFadden por suas
contribuições para o desenvolvimento teórico e metodológico na análise de escolhas
discretas, ou seja, escolhas em que há um número relativamente pequeno de alternativas.
Como exemplo de situações desse tipo, podemos citar diversas decisões individuais
relativamente corriqueiras: Cursar uma faculdade ou antecipar a entrada no mercado de
trabalho? Qual transporte utilizar para se locomover pela cidade? Casar-se ou não? Ou, buscando
resolver simultaneamente duas questões, casar ou comprar uma bicicleta?

Antes dos desenvolvimentos metodológicos de McFadden, casos como os descritos acima eram
tratados seguindo a análise microeconômica mais tradicional, em que se supõe que as decisões
podem ser adequadamente representadas por uma variável contínua. Além disso, pouco havia sido
feito para modelar teoricamente o comportamento em contextos de escolha discreta.

Na abordagem teórica adotada por McFadden, conhecida como “modelo de utilidades aleatórias”,
cada indivíduo escolhe, dentre as opções disponíveis, a alternativa que maximiza sua utilidade. A

203 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

utilidade obtida com cada alternativa depende tanto de características observáveis como de atributos
não-observáveis, que são representados como variáveis aleatórias. Isso justificaria por que, em geral,
há variações entre as escolhas de indivíduos com as mesmas características observáveis.

A partir dessa estrutura teórica, McFadden adaptou e desenvolveu métodos econométricos que
permitem estimar, por exemplo, a probabilidade de que um determinado indivíduo escolha uma
alternativa (casar?) em detrimento de outra (comprar uma bicicleta?), com base nas características
observáveis disponíveis.

Seu trabalho mais influente, intitulado “Conditional Logit Analysis of Qualitative Choice Behavior”, foi
publicado em 1973, quase simultaneamente a outros artigos descrevendo aplicações empíricas do
modelo na demanda por transporte público urbano (The Measurement of Urban Travel Demand, de
1974; Urban Travel Demand: A Behavioral Analysis, em coautoria com Tom Domencich, de 1975; e The
Revealed Preferences of a Government Bureaucracy: Empirical Evidence, publicado em 1976).

Um dos resultados mais conhecidos desses artigos é relativo à adesão da população ao sistema de
transporte da região de São Francisco, conhecido como Bay Area Rapid Transit (BART). McFadden
aplicou seu modelo aos dados disponíveis antes da construção do sistema, e comparou suas
estimativas às previsões oficiais, que estimavam adesão de 15% da população. Segundo seu modelo,
apenas 6,3% dos usuários iriam utilizar o BART. O dado real, após a implantação, foi 6,2%.

Ao longo das décadas seguintes, McFadden continuou desenvolvendo o arcabouço da escolha


discreta. Seus esforços se deram tanto no âmbito metodológico — apresentando generalizações do
modelo inicial que relaxam algumas de suas premissas (como o logit multinomial aninhado) e novas
abordagens de estimação (como o método de momentos simulados) — quanto no âmbito empírico,
com aplicações em temas como demanda por energia elétrica residencial, serviços telefônicos e
habitação para a terceira idade.

Apesar dos modelos logit multinomiais já serem conhecidos anteriormente, sua modelagem do
comportamento de escolha fundamentada na teoria microeconômica foi bastante inovadora e teve
impacto imediato na comunidade econométrica. A partir de então, a abordagem empírica na análise
de decisões em nível individual foi completamente alterada, tornando-se rapidamente uma das mais
relevantes da econometria moderna.

Outros temas: Produção, Finanças


Públicas, Meio ambiente, Saúde

A
ntes mesmo de se dedicar ao desenvolvimento dos modelos de escolha discreta, McFadden
fez algumas contribuições significativas no campo da teoria da produção. No entanto, boa
parte destes trabalhos só veio a ser publicada em 1978, na obra Production Economics: A
Dual Approach to Theory and Applications, em coautoria com Melvyn Fuss.

Outro exemplo de produção relevante, também pouco associada à pesquisa que o tornou mais
conhecido, é um trabalho em colaboração com Peter Diamond (Some Uses of the Expenditure
Function in Public Finance, de 1974), bastante influente no campo da economia pública moderna.

A partir da década de 90, alguns de seus principais trabalhos foram em economia ambiental. Dois

204 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

artigos de destaque se propuseram a analisar a “disposição a pagar” por recursos naturais (Contingent
Valuation and Social Choice, de 1994) e as perdas de bem estar provocadas por danos a este tipo de
recurso no Alaska (Assessing Recreational Use Losses due to Natural Resource Damage, de 1995).

Nos últimos anos, a pesquisa de McFadden direcionou-se para o campo da economia da saúde, com
foco especial na terceira idade e na regulação do mercado de seguridade. Uma das pesquisas de
maior repercussão aborda a escolha de planos de saúde por parte dos consumidores, no âmbito do
programa Medicare (Plan Selection in Medicare Part D: Evidence from Administrative Data, de 2013,
com coautores). Seus resultados indicaram que menos de 10% dos indivíduos escolhem os planos
com menor custo total, considerando seu perfil de uso.

O principal aspecto que permeia todos os trabalhos de Daniel McFadden, independentemente do


tema abordado, é sua habilidade em desenvolver e utilizar métodos estatísticos sofisticados para
combinar robusta fundamentação teórica à aplicabilidade prática, buscando sempre soluções para
problemas da vida real.

A influência de suas contribuições é amplamente sentida até os dias atuais, mesmo para além da
microeconometria. Aplicações das técnicas desenvolvidas por McFadden difundiram-se para áreas
tão distintas quanto a pesquisa de marketing, em que é usada para analisar o comportamento de
compra dos clientes, e a ciência política, aplicada na avaliação dos votos dos eleitores.

Por conta de tudo isso, nada mais justo que este discreto (!!) senhor seja lembrado como um dos
patronos da microeconometria moderna, e um dos precursores da revolução empírica vivida pela
ciência econômica nas últimas décadas.

Rafael Mello
Formado em Administração, posteriormente foi atraído pelo lado lúgubre da Força.
Mestre em Economia.

205 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

Notas:
McFadden D., The Path to Discrete-Choice Models, ACCESS Magazine, NUMBER 20, SPRING 2002

Manski, C.F. (2001). Daniel mcfadden and the econometric analysis of discrete choice. The
Scandinavian Journal of Economics 103, 217–229

Carolyn J. Heinrich & Jeffrey B. Wenger (2002) The Economic Contributions of James J. Heckman
and Daniel L. McFadden, Review of Political Economy, 14:1, 69-89

Trabalhos selecionados:

McFadden, D. (1973) Conditional Logit Analysis of Qualitative Choice Behavior. In: Zarembka, P.,
Ed., Frontiers in Econometrics, Academic Press, 105-142.

McFadden D. (1974), The Measurement of Urban Travel Demand, Journal of Public Economics 3,
303–328.

Diamond P. and D. McFadden (1974), Some Uses of the Expenditure Function in Public Finance,
Journal of Public Economics 3, 3–21

Domencich T. and D. McFadden (1975), Urban Travel Demand: A Behavioral

Analysis, North-Holland.

McFadden D. (1976), The Revealed Preferences of a Government Bureaucracy: Empirical Evidence,


The Bell Journal of Economics Vol. 7, No. 1, 55-72

McFadden D. (1977), Modelling the Choice of Residential Location, No 477, Cowles Foundation
Discussion Papers, Cowles Foundation for Research in Economics, Yale University

Fuss M. and D. McFadden (eds.) (1978), Production Economics: A Dual Approach to Theory and
Applications, vols I & II, North-Holland.

McFadden D. (1989), A Method for Simulated Moments for Estimation of Discrete Response Models
without Numerical Integration, Econometrica 57, 995–1026.

McFadden D. (1994), Contingent Valuation and Social Choice, American Journal of Agricultural
Economics 74, 689–708.

Hausman J., G. Leonard and D. McFadden (1995), A Utility-Consistent, Combined Discrete Choice
and Count Data model: Assessing Recreational Use Losses due to Natural Resource Damage,
Journal of Public Economics 56, 1–30.

Heiss, F., A. Leive, D. McFadden, and J. Winter (2013), Plan selection in Medicare Part D: Evidence
from administrative data, Journal of Health Economics 32(6): 1325-1344

Links:

https://www.econlib.org/library/Enc/bios/McFadden.html

https://www.britannica.com/biography/Daniel-McFadden

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2000/summary/

206 Nobel - 2000


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2001
Akerlof, Spence e Stiglitz
por Pedro Fernando Nery

1. Introdução

O s vencedores do Prêmio Nobel de 2001 são conhecidos não só pelos marcantes avanços
na microeconomia que foram reconhecidos naquele ano, mas também pelo seu papel
no debate público, em parte decorrente do status do próprio Prêmio. Isto é saliente em
particular para o caso de Joseph Stiglitz, muitas vezes citado como exemplo da chamada
“síndrome do Nobel”, pelo espaço que ocupa com opiniões que seriam menos rigorosas do que o
trabalho acadêmico que o premiou. Mas que trabalhos sobre mercados foram reconhecidos no Nobel
de 2001? Qual a importância que têm na chamada nova economia? E quais foram as contribuições
seguintes desses agraciados, e a atuações que levam à crítica da síndrome do Nobel?

207 Nobel - 2001


E-BOOK NOBEL

George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz Pessoas com condições crônicas de saúde
foram laureados em 2001 “por suas análises de naturalmente tendem a se interessar mais por
mercados com informação assimétrica.” Este é, planos de saúde, e podem tentar omitir a sua
portanto, um Nobel mais “popular”, no sentido condição para conseguir uma mensalidade mais
de que a literatura relevante já é mencionada, vantajosa. Caso muitos participantes estejam
por exemplo, em cursos de graduação. A nessa situação, os custos do plano podem
informação assimétrica está presente quando, ficar proibitivos pelos gastos com tratamentos,
entre os participantes de uma transação, um inviabilizando-o ou levando a aumento de
tem mais informação do que o outro. A ausência mensalidades. E assim expulsam os usuários
de informação assimétrica é considerada um que acham que o plano não vale a pena quando
requisito para o bom funcionamento do mercado: consideram o custo e a possibilidade de uso.
sua presença caracteriza, portanto, uma falha de
mercado – demandando por exemplo atuação Outro exemplo de seleção adversa é o caso
estatal. de um banco que aumenta seus juros para
fazer frente à inadimplência nos pagamentos,
O trabalho seminal de Akerlof é O mercado expulsando justamente os bons pagadores que
para “limões”: incerteza sobre qualidade e o não consideram viável um empréstimo nessas
mecanismo de mercado. Neste caso, o limão condições, mas atraindo os maus pagadores que
é uma expressão da língua inglesa para um não se importam com o custo do empréstimo,
automóvel cheio de problemas imperceptíveis à pois não pretendem pagá-lo. Os dois mercados
primeira vista (em português está mais próximo citados podem não prosperar porque os
dos termos “um abacaxi”, “um pepino”). No consumidores possuem informações que os
mercado de carros usados, haveria tanto bons vendedores não têm (doenças preexistentes,
carros quanto limões. Há informação assimétrica: disposição ao calote).
os compradores têm dificuldade de distinguir
com facilidade se estão comprando um carro Já Michael Spence tem como trabalho
bom ou um carro que irá apresentar problemas. seminal Sinalização no mercado de trabalho.
Já o vendedor do carro usado sabe se está ou Ele descreve o esforço que postulantes no
não repassando um “limão”. mercado de trabalho têm em sinalizar suas
habilidades aos empregadores. Afinal, os
A sabida existência de limões no mercado reduz empregadores possuem menos informação
o preço que os compradores estão dispostos a do que os candidatos, por exemplo, sobre seu
pagar em um carro usado. O preço menor afasta talento ou a dedicação que pretendem exercer.
os vendedores de bons carros, mas não dos carros Caberia aos candidatos sinalizar que serão
ruins, que enxergam na venda um bom negócio. bons funcionários, comprovando esforços
O incentivo para saída dos bons produtos e a que não teriam sido empreendidos por outros
entrada dos produtos ruins nesse mercado é um candidatos, já que envolvem tempo e dinheiro.
caso de seleção adversa. É uma situação em que Um curso de mestrado, por exemplo, ainda que
a atração dos “piores” participantes é tal que não fosse capaz de aumentar a produtividade do
eles predominam, potencialmente destruindo o trabalhador, poderia valer a pena pelo seu papel
próprio mercado. O exemplo do paper de Akerlof como sinal.
já foi resumido no Terraço Econômico.
A sinalização difere da triagem (screening),
Veja que a informação assimétrica, e a própria iniciativa contra a seleção adversa tomada pela
seleção adversa, podem ocorrer também parte com menos informação (ex: o empregador
quando são os compradores que possuem mais usar o mestrado em economia como pré-
informação – não os vendedores. requisito para uma vaga). Aqui está um artigo
seminal do terceiro vencedor do Nobel de 2001,
Casos emblemáticos de informação assimétrica Joseph Stiglitz: A teoria da triagem, educação e
e seleção adversa incluem os mercados de a distribuição de renda.
planos de saúde e os de empréstimos bancários.
208 Nobel - 20001
E-BOOK NOBEL

Podemos imaginar para os dois exemplos anteriores soluções parciais de screening e de sinalização
(carência para usar um plano de saúde, autorização para integrar cadastro positivo de bons pagadores).

Em verdade, o trabalho mais citado de Stiglitz é justamente um sobre racionamento de crédito em


um contexto de informação assimétrica.

2. Vida e morte da informação assimétrica

O
Sabemos que o avanço da tecnologia permitiu
que novos mercados florescessem. Mas parte
desse êxito parece se relacionar com a própria
capacidade da tecnologia de responder ao
problema da informação assimétrica. Por que
você entra em carros de desconhecidos para te levar a
um lugar? Ou pede comida de restaurantes que você
não sabe onde é e nem nunca lhe foram recomendados?
Ou ainda, por que faz pagamentos com a expectativa de
receber um produto de um desconhecido que mora a
milhares de quilômetros de distância?

Plataformas, ao adotar mecanismos como a avaliação


dos usuários, parecem contornar o problema da
informação assimétrica descrito por Akerlof, Spence e
Stiglitz. Permite que você veja uma nota para uma nova
hamburgueria e que maus vendedores ou prestadores
de serviço sejam excluídos de um mercado.

De fato, a teoria da informação assimétrica é frequentemente relacionada às novas tecnologias.


A inteligência artificial, ao processar imensas quantidades de dados, pode diminuir informação
assimétrica? Podemos esperar que leve a mercados com produtos melhores?

Hal Varian, autor de um popular livro-texto de microeconomia e economista-chefe da Google, é


um dos que associa o avanço tecnológico com efeitos positivos sobre os mercados via melhora na
informação. Sangeet Choudary, empreendedor especializado na economia digital, chega a falar em
“morte da informação assimétrica”.

Cookies de navegadores como fonte de informação assimétrica ou a sua presença no mercado de


videogames são algumas aplicações da teoria microeconômica a novos mercados que uma exploração
rápida revela.

Mas da mesma forma que novas plataformas poderiam ampliar a informação nos mercados que
intermediam, podem elas próprias se beneficiarem de novas fontes de informação assimétrica? Afinal,
muitas têm enorme poder de mercado e convivem com um paradoxo: aumentam a competição entre
vendedores que usam a plataforma, mas enfrentam elas próprias pouca competição.

Choudary – o da morte da informação assimétrica – aparece menos otimista em um relatório da


Organização Internacional do Trabalho (OIT): “Plataformas podem reduzir a informação assimétrica
entre trabalhadores e consumidores, mas aumentam a informação assimétrica entre a plataforma e
seus trabalhadores.”
209 Nobel - 2001
E-BOOK NOBEL

3. Síndrome do Nobel?
Akerlof e Stiglitz são ainda hoje economistas muito influentes no próprio debate público, para muito
além do trabalho sobre informação assimétrica. No caso de Stiglitz, que manifesta com clareza suas
preferências políticas, há frequentemente a evocação da “síndrome do Nobel” – um questionamento
que não é limitado aos prêmios Nobel em economia.

A expressão é usada por críticos a laureados que externam opiniões, consideradas equivocadas,
sobre temas que estariam fora da sua especialidade. Stiglitz chamou atenção no debate de política
econômica brasileiro em anos recentes: disse ter boa percepção sobre a economia brasileira, apenas
meses antes dela entrar em uma profunda recessão no final de 2014. Posteriormente, criticou o ajuste
fiscal de Joaquim Levy – naturalmente não sem controvérsia.

Em minha avaliação, tanto Akerlof quanto Stiglitz têm tido contribuições bastante relevantes em
assuntos distintos dos que foram premiados, ainda que menos rigorosas. Akerlof, além de um trabalho
teórico influente em economia do trabalho (salários de eficiência), chamou atenção ultimamente
pelo que chama de “economia da identidade”. Faz pontes com a sociologia para explicar como
normas sociais afetam escolhas de grupos como mulheres e negros, avançando nas explicações para
desigualdade de gênero e desigualdade racial e nas medidas para combatê-las.

Já Stiglitz atua com destaque fora da academia desde antes do próprio prêmio: chefiou o conselho
de assessores econômicos da Casa Branca no governo Clinton. É particularmente interessante seus
esforços na construção de medidas alternativas ao PIB para avaliar progresso, em particular pelas
quanto à desigualdade, insegurança econômica, sustentabilidade ambiental e bem-estar: “O que
você mede afeta o que você faz”, diz. Stiglitz liderou, com o também Nobel Amartya Sen, uma
comissão designada pelo governo francês para evoluir no tema – uma agenda que continua gerando
publicações e tem influenciado países desenvolvidos.

Atualmente, no ranking da base IDEAS (RePEc), Stiglitz aparece atrás somente de James Heckman
como o Nobel de economia de maior impacto. É o 4º economista da lista: Akerlof também integra
o top 100. Estudar o trabalho dos laureados de 2001 ajuda a compreender os próprios avanços na
economia.

Pedro Fernando Nery


Mestre e Doutor em economia pela UnB, assessor legislativo em economia do trabalho, renda e social
security do Senado Federal, professor do IDP e colunista do Estadão

210 Nobel - 2001


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2002
Daniel Kahneman & Vernon L. Smith
por Gabriel Brasil

R Reforçando a tão ensejada


multidisciplinariedade da ciência
econômica, em 2002 o laureado
do prêmio Nobel de economia foi
um psicólogo – ao menos em se
considerando seu treinamento formal original.
Daniel Kahneman, israelense nascido em 1934,
se graduou com um major em psicologia e um
minor em matemática pela Hebrew University,
de Jerusalém, e depois concluiu seu PhD em
psicologia pela University of California, Berkley,
nos Estados Unidos. Entre as décadas de 1970
e 2000, se dedicou a explorar temas que o
ajudaram a desenvolver o ainda incipiente
campo da economia comportamental – da
qual se tornou seu principal expoente ao lado de nomes como Richard Thaler e Amos Tversky, este
sendo seu principal parceiro de pesquisa.

Por suas provocações robustas e disruptivas com relação às premissas associadas à racionalidade dos
agentes, a economia comportamental se tornou, desde então, um campo com implicações diretas
e significativas em outras áreas da economia, incluindo macroeconomia e finanças. Os trabalhos de
Kahneman, especificamente, jogaram luz aos múltiplos vieses e subjetividades dos processos de
decisão que fazem parte da economia, reforçando a – muitas vezes surpreendente – irracionalidade
invisível que permeia o nosso cotidiano.

211 Nobel - 2002


E-BOOK NOBEL

A Teoria da Perspectiva

E Especificamente, o prêmio Nobel foi concedido a Kahneman em reconhecimento da relevância


da sua Teoria da Perspectiva. Como demonstrado por ele e por Tversky através de múltiplos e
consistentes experimentos, nem sempre os agentes econômicos agem de forma a maximizar
sua utilidade – ainda que não façam ideia disso. No geral, seu comportamento está em boa
medida sujeito a subjetividades que dependem de perspectivas multivariadas. Por exemplo, os autores
mostram como que, no geral, perdas financeiras exercem impactos emocionais maiores às pessoas
em comparação a ganhos financeiros equivalentes – por mais contra-intuitivo que isso soe sob uma
perspectiva utilitarista. Essa teoria explica, entre outros comportamentos, o fenômeno da aversão
ao risco – trazendo, por exemplo, distorções irracionais nos processos de decisão de investimentos,
sejam eles financeiros ou não.

Segundo o próprio Kahneman, sua principal epifania para o desenvolvimento desta pesquisa
veio de um episódio do tempo em que trabalhava para o exército israelense. Ao participar de um
treinamento para paraquedistas, Kahneman fez uma palestra sobre o papel de incentivos e punições
na performance das pessoas – ensinando que, em geral, recompensas são mais efetivas do que as
reprimendas. Foi confrontado, então, por um instrutor sênior presente no treinamento, que disse
que, pela sua experiência, o contrário parecia muito mais crível – em geral, ao serem punidos após
uma performance ruim, seus cadetes apresentavam resultados claramente melhores nas próximas
tentativas. Foi aí que Kahneman identificou a forma como um fenômeno estatístico hoje em dia bem
documentado – o da regressão à média – exercia um efeito psicológico significativo na forma como
as pessoas percebiam a dinâmica de incentivos à qual estavam imersas. Mesmo diantes de uma
amostra e uma frequência significativa de certos eventos – como no caso do instrutor sênior com
seus alunos paraquedistas – incorremos em vieses cognitivos sistemáticos prejudiciais às nossas
decisões que oriundam da nossa racionalidade limitada diante de certos contextos.

Rápido e Devagar

U m best-seller tanto para economistas e não-


economistas, o principal livro de Kahneman é um
marco monumental na compreensão e divulgação
da economia comportamental. Thinking, fast and
slow, no inglês original, traz um compilado poderoso dos
achados de Kahneman e Tversky com foco em discutir o que os
autores chamam de “dois sistemas” – os frameworks distintos
através dos quais tomamos decisões na nossa vida cotidiana.
Por um lado, através do “Sistema 1 – rápido”, somos capazes
de fazer deduções rápidas e automáticas – mas nem sempre
consistentes, transitivas e racionais. Estas ficam, em tese, a
cargo do nosso “Sistema 2 – devagar”, que é através do qual
exercemos nossa capacidade analítica e fazemos inferências
elaboradas sobre a realidade. Tal divisão – considerada fictícia,
porém útil, por Kahneman – nos permite compreender as
particularidades da mente humana, e, em particular, suas
inconsistências provenientes do conflito entre os dois sistemas.

212 Nobel - 2002


E-BOOK NOBEL

Um exemplo trazido no livro que se tornou famoso é o chamado “Problema de Linda”, que ilustra
bem tal panorama. Participantes do experimento foram apresentados a uma personagem fictícia –
Linda – que é caracterizada como solteira, brilhante e que, quando jovem, sempre foi profundamente
preocupada com temas como discriminação e justiça social. Na sequência eles deveriam escolher a
opção mais provável: (A) Linda era uma atendente de um banco; ou (B) Linda era atendente de um
banco e ativa no movimento feminista. A absoluta maioria dos respondentes (brilhantes graduandos
da prestigiada Stanford University) selecionou a segunda opção como a mais provável – ainda que
isso represente, claro, uma agressão brutal às leis da probabilidade (dado que, afinal, a chance de
Linda ser bancária está contida na probabilidade de ela ser bancária E membra ativa do movimento
feminista). Esse experimento – que é complementado e endossado por muitos outros, igualmente
lúdicos e intrigantes, conduzidos por Kahneman – é uma ilustração didática e provocativa dos
vieses comportamentais e de narrativa aos quais estamos expostos, ensejados pela nossa utilização
automática do nosso precipitado “Sistema 1”.

Legado

E Desde Kahneman, a economia comportamental tem se tornado crucial para cientistas


sociais no entendimento de fenômenos multivariados – que vão desde falhas de mercado
a frustrações financeiras pessoais. A forma de se enxergar a economia neo-clássica, muito
associada a premissas de racionalidade estrita, em particular, provavelmente nunca mais foi
a mesma. Implicações em policy também têm se tornado cada vez mais relevantes – em particular
na esteira da Nudge Theory, um conceito propagado principalmente por Thaler (influenciado
diretamente por Kahneman) que, com base em princípios da economia comportamental, favorece o
desenvolvimento de mecanismos de arquitetura da escolha com impacto potencial significativo em
hábitos (por exemplo de consumo) sem que precise ser materializada em uma regulação hostil. É
inequívoca, em muitos sentidos, a relevância das contribuições de Kahneman para o nosso tempo.
Acima de tudo, seu trabalho nos reforça a importância de sermos céticos acerca das nossas próprias
convicções – o que, desde Sócrates, é um valor muito caro à ciência e à filosofia.

Tão multidisciplinar como sua própria presença no hall de laureados do Nobel de economia, o sólido
trabalho de Kahneman é uma contribuição disruptiva, elegante e certamente duradoura para a
ciência econômica. Amigável para economistas e não-economistas, é hoje uma leitura obrigatória
para curiosos em geral.

Gabriel Brasil
É economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em economia política internacional
pela Universidade de São Paulo. Atualmente trabalha como analista de risco político na consultoria
britânica Control Risks.

O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores

213 Nobel - 2002


E-BOOK NOBEL

Notas:
Kahneman, Daniel. “Biographical”. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Disponível em: https://
www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2002/kahneman/biographical/

Kahneman, Daniel. “Maps of Bounded Rationality: Psychology for Behavioral Economics.” The
American Economic Review 93 (2003): 1449-1475.

Kahneman, Daniel. “Thinking, fast and slow”. Macmillan, 2011.

214 Nobel - 2002


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2003
Prêmio pela revolução na
análise de séries temporais
Robert F. Engle III e Clive W. J. Granger
por Victor Cobucci

O Robert F. Engle III e Clive W. J. Granger ganharam


o Prêmio Nobel de Economia de 2003 por
suas contribuições, principalmente durante
as décadas de 1970 e 1980, que resultaram em
novos métodos revolucionários na análise de séries temporais
econômicas. A Real Academia de Ciências da Suécia premiou
Engle por “seus métodos de análise econômica em série
temporal com volatilidade da variação temporal (Modelo
ARCH)”, enquanto Granger foi premiado por “seus métodos
de análise econômica em série temporal com as mesmas
tendências (cointegração)”. Embora tenham sido premiados
por distintas contribuições à econometria, houve também grande cooperação entre os dois, como foi
o caso nos famosos estudos que realizaram conjuntamente sobre cointegração em séries temporais.

Suas obras deixaram bases fundamentais na análise de dados temporais. Onde quer que se trabalhe
com dados em séries temporais e com modelos preditivos, se deve ter atenção aos problemas
para os quais Engle e Granger ofereceram eficientes soluções. Seus métodos estatísticos e aqueles
que derivaram de suas ideias originais têm, hoje, ampla aplicação, indo desde a previsão de risco
e rentabilidade de ativos financeiros, passando pela tomada de decisões de políticas públicas e
seguindo até campos mais distantes da economia, como a biologia e a engenharia.

215 Nobel - 2003


E-BOOK NOBEL

Os motivos apresentados pela banca sueca para justificar a premiação, claro, não exaurem todas
as importantes contribuições que os laureados de 2003 deram à ciência econômica ao longo de
suas carreiras. No entanto, para que se entenda por que esses dois brilhantes pesquisadores se
tornaram tão notáveis e, por fim, eternizados na galeria do Nobel, esse texto explorará seus trabalhos
que obtiveram mais destaque, além de contar um pouco da vida, da carreira e da contextualização
acadêmica de cada um.

Robert Fry Engle III


A vida de Engle

R Robert F. Engle III, americano,


nasceu em 1942, na cidade de
Syracuse (NY). Por que Engel III?
Bom, porque seu avô e seu pai
eram, respectivamente, Robert F. Engle e
Robert F. Engle Jr. Ainda jovem foi viver na
quântica com o Nobel de física Hans
Bethe. Porém, desencantou-se com a física
durante o programa de doutorado. Engle
queria causar impacto na vida das pessoas,
e não via um bom trilho para isso de onde
estava. Mudou para o doutorado em
Pennsylvania, lugar de origem de seus pais, economia, também em Cornell, mas, ainda
e ali ficou até seus estudos secundários, nos assim, obteve o título de mestre em física
quais já demonstrava um grande interesse enquanto buscava diminuir sua defasagem
em física e matemática. em disciplinas de economia. Até então,
o contato de Engle com o campo que o
Graduou-se como físico em 1964, no consagrou, a econometria, era incipiente,
Williams College, em Massachusetts. Porém, mas ele não demorou para ganhar destaque
ao acompanhar as conversas e debates entre os colegas. Curiosamente, ainda no
de seus companheiros de acomodação, doutorado, Engle teve o primeiro contato
que cursavam economia, Engle começou a com uma obra de Granger sobre bandas
desenvolver um interesse pelo assunto. Por espectrais, que usou como referência para
fim, seus colegas acabaram por influenciá- seu primeiro trabalho com séries temporais.
lo a tomar uma cadeira de introdução à
economia como eletiva e, a partir dali, Em 1968, numa viagem com amigos
começou sua paixão por economia. O ao Colorado, conheceu Marianne Eger,
próprio Engle revela em sua autobiografia imigrante eslovaca que tinha acabado
para o Nobel, disponível no website oficial da de graduar-se na Califórnia e que,
premiação, que, não fosse pela interferência coincidentemente, iniciaria seus estudos de
dos roommates, aos quais devemos doutorado em Cornell. Em 1969, se casaram
agradecer muito, teria feito eletivas de no mesmo dia em que Engle recebeu seu
religião no lugar. título de PhD.

Engle, porém, seguiu os estudos em física. De Ithaca, seguiram para Boston. Engle
Foi aceito em Cornell e UC Berkeley, mas tinha conseguido seu primeiro emprego
optou por ficar mais perto de suas origens e acadêmico, no MIT. Depois de alguns
por estudar na alma mater de seu pai, PhD anos, sentiu que não poderia desenvolver
em química por Cornell. Como doutorando adequadamente seu interesse em séries
em física, realizou estudos com física em temporais ali. Se aproximou de Granger
baixíssimas temperaturas e mecânica pelos interesses comuns em congressos

216 Nobel - 2003


E-BOOK NOBEL

e, através dele, recebeu em 1975 a oferta Ficou em San Diego até 2003, e foi enquanto
de uma vaga em UC San Diego, onde esteve por lá que viu seu trabalho impactar
Granger lecionava. Engle aceitou. Logo, o mundo, como sonhava fazer desde jovem.
estreitou ainda mais os laços com Granger Seu trabalho criou toda uma nova área de
e ali desenvolveu satisfatoriamente suas investigação e um subcampo que, hoje, é
pesquisas com séries temporais. Na sua conhecido como econometria financeira.
primeira década em UCSD, nasceram sua Atualmente, Engle é professor emérito
filha, seu filho e sua maior obra acadêmica, da UCSD e também leciona no mestrado
o modelo ARCH. Também nesse período, se de gestão de risco financeiro na Stern
interessou pela pesquisa de Granger sobre Business School (New York University),
cointegração, em que Engle também viria a onde ainda segue desenvolvendo trabalhos
ser um colaborador de grande destaque. sobre séries temporais, ainda que não tão
profuso como antes.

O legado de Engle
O legado de Engle se estende pelos campos da estatística e da econometria, com destaque
ao desenvolvimento e unificação de teorias sobre testes de especificação de modelos
regressivos, ao trabalho sobre band spectrum regressions, ao desenvolvimento de melhores
teorias sobre exogeneidade econométrica e sua relação com causalidade e, claro, às suas
obras consideradas seminais acerca da tendência comum (cointegração) e da volatilidade
da variância em séries temporais (modelo ARCH, sigla do inglês Autoregressive Conditional
Heteroskedasticity).

Seu papel no desenvolvimento de teorias sobre cointegração é central e culminou no


famoso artigo “Co-integration and error correction: Representation, estimation and testing”
(1987), publicado na Econometrica. Esta publicação se tornou um texto canônico para
qualquer economista e, atualmente, é um dos papers mais citados na história da ciência
econômica. Este artigo foi realizado em parceria com Granger, e, embora o papel de Engle
não possa ser negligenciado, foi seu colega que acabou mais reconhecido pelos estudos
sobre cointegração e, portanto, deixaremos para comentar quando falarmos sobre Granger.

Foi seu trabalho sobre volatilidade em séries temporais aquele responsável por tê-lo levado
ao Olimpo dos economistas.

A grande obra de Engle: Modelo ARCH


Engle foi um dos grandes responsáveis pelo amadurecimento da econometria como ciência
a partir dos anos 1970, sendo grande parte disso devido ao seu desenvolvimento de sólidas
teorias sobre a volatilidade da dispersão em séries temporais. Mas, o que isso quer dizer
exatamente?

Até meados da década de 1970, havia grande concentração dos estudos em econometria ao
redor de aspectos dinâmicos das séries temporais associados à média esperada condicionada
aos dados passados, isto é, à tendência central de uma série. Mas, como logo se aprende nos
cursos de introdução à estatística, a tendência central não é a única propriedade que um
conjunto de dados estatísticos carrega. Muito além, consigo vêm outras informações como
a dispersão (quão espremida ou esticada é a distribuição de probabilidade, comumente

217 Nobel - 2003


E-BOOK NOBEL

medida pela variância ou desvio-padrão), a assimetria e a curtose, entre muitas outras. E é


com a dispersão que a obra mais proficiente de Engle tem a ver.

Antes de Engle, para se trabalhar com choques temporais aleatórios, independentes e


identicamente distribuídos (iid) sem incorrer em correlação serial, algo desejado para atender
o teorema da decomposição (Wold, 1938), muitos economistas assumiam uma abordagem
Gaussiana para suas análises, considerando que as inovações temporais iid de seus modelos
lineares seriam ruídos brancos, de distribuição Gaussiana. Esta escolha era simplificadora e
garantia que o valor esperado de um processo temporal variasse conforme se avançasse no
tempo condicionado às informações passadas, ou seja, a média esperada seria condicional,
o que é natural e esperado para muitos dados do mundo real. Entretanto, havia o impiedoso
contratempo dessa escolha, que era a variância condicionada à informação passada ser
constante em qualquer ponto do tempo, ou seja, não haveria volatilidade da dispersão
nesse tipo de modelagem, uma característica conhecida como homocedasticidade.

Desta maneira, não havia um bom ajuste desses modelos quando aplicados a dados
financeiros ou macroeconômicos, pois não condizia com as observações empíricas de
presença de heterocedasticidade, isto é, da dispersão dos dados variando no tempo; de
dispersão condicionada à informação passada e, ainda mais além, do padrão de volatilidade
em clusters, ou seja, períodos extensos de baixa volatilidade e outros de alta, como já era
bem notado em Mandelbrot (1963). Por exemplo, em períodos de instabilidade econômica
ou política, observamos os índices de bolsa ou o câmbio variando pra baixo e pra cima com
maior intensidade.

O desenvolvimento do modelo ARCH resolveu esse problema central da análise moderna


de séries temporais. Após iniciar a busca por uma resolução ainda nos anos 1970, Engle
apresenta ao mundo, em 1982, uma refinada e eficiente solução para o problema, usando,
elegantemente, estimativas de variância da inflação para o Reino Unido como plano de
fundo para a apresentação de sua teoria. Engle considerava importante ir além em suas
demonstrações teóricas e buscava, sempre que possível, apresentá-las aplicadas a dados
reais, frequentemente explorando a dinâmica do nível de preços ou de dados financeiros
(Engel, 1983; Engle, Granger e Robins, 1986). O artigo foi publicado na Econometrica com
o rebuscado título “Autoregressive Conditional Heterocedasticity with Estimates of the
Variance of United Kingdom Inflation”. Nele, se apresentava uma solução para a variância
condicional com uma proposta sóbria e funcional de introduzir heterocedasticidade
dinâmica e condicionada aos dados passados, de modo que as variâncias pudessem variar
no tempo sem apresentar correlação serial. O modelo ARCH mantinha viável o uso de

218 Nobel - 2003


E-BOOK NOBEL

modelos lineares simples no contexto de séries temporais.


A obra foi prontamente celebrada pela comunidade acadêmica e pelo setor financeiro, com
suas ideias rapidamente sendo adotadas e trabalhadas por diversos pesquisadores. Foi
uma verdadeira revolução estatística, de relevância imediata, e que segue, ainda hoje, como
um dos artigos mais citados da história da econometria.

Engle abriu uma janela para uma enxurrada de pesquisas, com a publicação sendo seguida
de novas investigações empíricas e adaptações teóricas da ideia original. Pesquisadores de
toda parte desenvolveram novos conceitos com base no modelo ARCH, incluindo o próprio
Engle, que esteve muito ativo até a década de 2000 se ocupando com extensões de seu
modelo. Entre os desenvolvimentos posteriores, destacam-se o modelo GARCH (Bollerslev,
1986), criado por um ex-aluno de Engle e que se trata de uma generalização de processos
ARCH de ordem finita que facilita muito seu uso empírico; o modelo com assimetrias de
volatilidade (Engle e Ng, 1993); o modelo IGARCH (Bollerslev e Engle, 1986), usado em
contextos de persistência de altíssima volatilidade; entre muitos outros desenvolvimentos
com diversas aplicações, principalmente no mercado financeiro, onde as ideias de Engle
resultaram em modelos para precificação de opções, prêmios de risco, valor da volatilidade
e estrutura da curva de juros.

Clive William John Granger


A trajetória de Granger

R Nascido em 1934 em Swansea, o


galês Clive W. J. Granger teve uma
vida repleta de eventos fortuitos
que o trilharam ao Nobel, como
o mesmo descreve em sua autobiografia
do Nobel. Ainda pequeno, mudou-se para
para ajudar em uma pesquisa. Assim
conheceu sua futura esposa, Patricia, que
era assistente de pesquisa de Chamber.

Havia um interesse natural em economia


em Granger, o que o levou a investigar
Lincoln, no interior da Inglaterra, e depois muitos dados econômicos durante seus
para Nottingham. Sua família tinha origens estudos em estatística. Se interessou
humildes e, inicialmente, Granger não tinha particularmente pela análise de séries
grandes aspirações acadêmicas, apesar de temporais de dados econômicos, o que o
se destacar em matemática. Por influência conduziu ao tema de sua tese de doutorado,
de amigos que aplicavam para entrar em na qual abordou testes estatísticos para
universidades, Granger decidiu segui-los. Foi não-estacionariedade.
aprovado na Nottingham University para o
curso conjunto de matemática e economia, Após completar o doutorado, aplicou para
porém logo mudou para um curso integral diversas universidades do Reino Unido
de matemática. Ao completar a graduação, e dos EUA. Foi convidado por Oscar
continuou na Nottingham University para Morgenstern, que liderava um projeto em
um PhD em estatística. Com apenas 23 análise de séries temporais, para integrar
anos, já era conferencista em estatística sua equipe por um ano em Princeton.
pela universidade. Granger era contatado Granger aceitou o convite. Teve contato
por pesquisadores de muitas áreas da com grandes econometristas nos EUA,
universidade, como foi o caso do historiador como John Tuker e Michio Hatanaka, que o
econômico David Chambers, que o chamou ajudaram a evoluir nas suas investigações

219 Nobel - 2003


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de séries temporais. de ares seria benéfica para expandir sua


pesquisa. Chegou em San Diego em 1974, e
Voltou para Nottingham para ser professor por lá viu seus trabalhos ganharem o mundo
e foi, no período em que esteve lecionando acadêmico. Sua persistência em encontrar
ali, que publicou seu reconhecido trabalho soluções eficazes para o problema da
sobre causalidade. Granger se tornava cointegração foi premiada com o Nobel
notável e se lançava na franja da discussão em 2003, ano em que também decidiu
acadêmica de estatística da década de 1970. se aposentar, após 31 anos lecionando na
Chamou a atenção do departamento de universidade californiana, onde continuou
economia da UC San Diego, que o convidou com o título de professor emérito até seu
para integrar seu quadro docente. Granger falecimento, em 2009, deixando seus dois
estava satisfeito com a vida em Nottingham, filhos, Mark e Claire, e a esposa que esteve
porém já se somavam 22 anos que estava ao seu lado durante toda sua brilhante
ali considerando graduação, doutorado e trajetória.
professorado. Entendeu que a mudança

O legado de Granger
Granger foi um dos grandes responsáveis por construir as bases modernas da econometria.
Sua primeira grande contribuição foi sua formalização de causalidade (Granger, 1969),
tornando este conceito estatisticamente funcional e testável. Relações entre variáveis
econômicas são naturalmente inexatas, sendo natural que as formulações em economia
tenham componentes estocásticos. O toque de genialidade de Granger foi usar este fator
para estabelecer relações causais através das distribuições de probabilidades conjuntas
entre as variáveis observadas. A “causalidade de Granger”, como ficou conhecida, foi seguida
de outros desenvolvimentos com base em sua teoria e se tornou uma peça importante em
estudos empíricos dentro da macroeconomia, fornecendo maneiras práticas de estabelecer
causalidade num vasto mundo de relações dinâmicas entre variáveis econômicas.

Outras contribuições relevantes de Granger se estenderam pela econometria, mas a mais


importante de todas foi o desenvolvimento dos métodos para lidar com séries cointegradas.
Mas, de onde vem a cointegração afinal? Para analisar séries temporais por métodos lineares
clássicos, como o de mínimos quadrados ordinários, se assume que média e variância são
constantes no tempo, ou seja, que se trata de um processo estacionário. No entanto, essa
hipótese não é razoável para muitos processos, que são, efetivamente, não-estacionários.
A definição do que é uma série integrada deriva do mínimo de iterações de diferença
para transformar uma série não-estacionária em estacionária, assim facilitando o uso de
regressões lineares. Para entender melhor o que seriam essas diferenças, imagine uma
série não-estacionária yt. Agora, imagine a série yt=yt–yt-1. Se a série yt é estacionária,
quer dizer que yt é integrada de primeira ordem, denotada I(1), isto é, requer somente
uma diferenciação para se atingir a estacionariedade. Duas ou mais séries individualmente
integradas vão ser cointegradas se existe alguma combinação linear dessas séries que seja
de uma ordem inferior à menor ordem de integração dentre as séries, de forma individual.
Por exemplo, se uma série é I(1) e outra é I(2) e existe uma combinação de vetores de
coeficientes dessas séries que é I(0), então elas são cointegradas.

Para chegar na forma final da descoberta da cointegração, Granger trilhou, como é


comum nas descobertas científicas, um caminho longo e, por vezes, tortuoso. A análise
de tendências comuns em séries temporais não nasceu com Granger. Yule (1897, 1926) já
formalizava o conceito de regressão espúria e introduziu diferenças de séries como método

220 Nobel - 2003


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para atingir formas não-integradas. Hooker (1901) já discutia sobre efeitos discriminados
entre tendência e oscilações periódicas em séries não-estacionárias. Entretanto, a evolução
dos métodos acerca do tema evoluiu muito lentamente. Até a década de 1970, economistas
abusavam de modelos estáticos rebuscados para séries temporais que, frequentemente,
tinham capacidade preditiva ruim. Granger e Newbold (1974) observam que a escolha
dos modelos, geralmente, se baseava em medidas pouco precisas de bondade de ajuste,
como o R2, mesmo no contexto de séries não-estacionárias. Ademais, argumentam que
não se pode ignorar as propriedades dinâmicas dos dados e destacam a importância de
se testar os modelos como uma boa prática. Sugerem, então, um teste para verificar a
presença de regressão espúria, que seria sempre que se verificasse R2>DW (estatística de
Durbin-Watson), e reiteram que o uso de diferenças poderia atenuar o problema da não-
estacionariedade de maneira satisfatória. No entanto, seguiram-se desenvolvimentos de
outros testes de detecção de regressão espúria e de soluções mais simples e eficientes
para a questão, como em Hendry (1977), em que se demonstra que a inclusão de variáveis
defasadas na regressão já tratava de maneira eficaz o problema da regressão espúria.
O entendimento geral, ao final de década de 1970, era de que a solução por diferenças
defendida por Granger matava o paciente em vez da doença, uma vez que para muitas
relações econômicas era mais simples e intuitivo observar as variáveis em nível. Era um
contratempo para Granger, que não se deixou abater.

Entre os desenvolvimentos alternativos surgidos, uma classe de modelos, particularmente,


começou a ganhar destaque a partir de meados da década de 1970. Para o caso específico,
porém comum, de homogeneidade, em que a soma dos coeficientes de uma regressão se
iguala a 1, os modelos de correção de equilíbrio estavam estabelecidos como opção mais
viável para dados não-estacionários. Granger não concordava e criticou as fortes hipóteses
estacionárias que se faziam e a insuficiência de testes para verificar a estacionariedade dos
dados, advogando pelo maior emprego da famosa estatística apresentada em Dickey e Fuller
(1981). Granger (1981) apresenta uma solução por sistemas de equações que continha tanto
variáveis em nível como em diferença, sendo uma abordagem mais intuitiva e prática, mas
ainda sem apresentar testes para a verificação de cointegração em não-estacionariedade.
Só vai fazê-lo em Granger e Weiss (1983), quando sua teoria começa a se tornar realmente
operacional.

A obra que sacramenta sua grande teoria, que o


encaminha para o Nobel, vem a público em 1987.
Engle e Granger (1987) propõem uma técnica de
estimação em duas etapas que permite estimar
relações cointegradas de maneira adequada e
precisa, além de manter uma estrutura prática
e simplificada. Sua teoria foi amplamente aceita
e, rapidamente, uma série de aperfeiçoamentos
começou a surgir (Johansen, 1988, 1995;
Philips e Ouliaris, 1990). Muito embora hoje os
desenvolvimentos posteriores sejam o padrão
de uso, é extensamente reconhecido que os
avanços só foram possíveis devido ao grande
resultado alcançado por Granger, conseguido
graças à sua persistência em encontrar uma
solução satisfatória para lidar com tendências
comuns em séries temporais.

221 Nobel - 2003


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Conclusão
Nos últimos 60 anos, a análise de séries temporais saiu de uma fase rudimentar e evoluiu para um
estágio de grande maturidade. É impossível falar desse amadurecimento sem citar os nomes de
Engle e Granger. Os dois souberam aliar com maestria o rigor científico à praticidade, um importante
fator que fez com que seus trabalhos fossem bem recebidos e adotados amplamente não só no
âmbito acadêmico, mas também no mundo dos negócios e da política pública. Suas teorias souberam
unificar relações econômicas de equilíbrio de longo prazo com processos dinâmicos de curto prazo,
fazendo a conexão de dois mundos obviamente conectados, mas que não se comunicavam tão
bem na literatura acadêmica. Seus trabalhos foram ainda as pedras fundamentais para a criação
do subcampo hoje reconhecido como econometria financeira, um pilar essencial para sustentar um
sistema financeiro global robusto. Por décadas, ainda veremos uma grande evolução da econometria
graças ao impulso dado pelos dois.

A premiação para Engle e Granger foi mais do que justa. Foi precisa e humana por ter premiado
dois pesquisadores que foram além da teoria ao fazerem a ciência avançar objetivamente no sentido
de impactar positivamente a vida de milhões de pessoas. O mundo pós-Engle e pós-Granger é,
seguramente, um lugar melhor.

Victor Cobucci
Graduado em economia pela PUC-Rio, mestre em economia pela Barcelona Graduate School of
Economics (UPF) e gestor de risco financeiro em um grande banco da Espanha.

222 Nobel - 2003


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Notas:
Bollerslev, T. (1986), “Generalized Autoregressive Conditional Heteroskedasticity”; Journal of Econometrics,
31, 307-327.

Bollerslev, T. e Engle, R.F. (1986), “Modeling the Persistence of Conditional Variances”, Econometric Reviews,
5, 1-50.

Dickey, D. A., e Fuller, W. A. (1981), “Likelihood Ratio Statistics for Autoregressive Time Series with a Unit
Root”, Econometrica, 49, 1057–1072.

Diebold, Francis S. (2004), “The Nobel Memorial Prize for Robert F. Engle”, Scandinavian Journal of
Economics, v106(2), 165-185.

Engle, R.F. (1982), “Autoregressive Conditional Heteroskedasticity with Estimates of the Variance of U.K.
Inflation”, Econometrica, 50, 987-1008.

Engle, R.F. (1983), “Estimates of the Variance of U.S. Inflation Based on the ARCH Model”, Journal of Money,
Credit and Banking, 15, 286-301.

Engle, R.F. e Granger, C.W.J. (1987), “Co-Integration and Error Correction: Representation, Estimation and
Testing”, Econometrica, 55, 251-276.

Engle, R.F., Granger, C.W.J. e Robins, R. (1986), “Wholesale and Retail Prices: Bivariate Modeling with
Forecastable Variances”, em D. Belsley e E. Kuh (eds.), Model Reliability. Cambridge: MIT Press.

Engle, R.F. e Ng, V.K. (1993), “Measuring and Testing the Impact of News on Volatility”, Journal of Finance,
48, 1749-1778.

Granger, C. W. J. (1969), “Investigating Causal Relations by Econometric Models and Cross-Spectral Methods”,
Econometrica, 37, 424–438.

Granger, C. W. J. (1981), “Some Properties of Time Series Data and Their Use in Econometric Model
Specification”, Journal of Econometrics, 16, 121–130.

Granger, C. W. J., e Newbold, P. (1974), “Spurious Regressions in Econometrics”, Journal of Econometrics, 2,


111–120.

Granger, C.W. J., e Weiss, A. A. (1983), “Time Series Analysis of Error-Correction Models”, em Karlin, S.,
Amemiya, T., e Goodman, L. A. (eds.), Studies in Econometrics, Time Series, and Multivariate Statistics, pp.
255–278. New York: Academic Press.

Hendry, D. F. (1977), “On the Time Series Approach to Econometric Model Building”, em Sims, (ed.), New
Methods in Business Cycle Research, Minneapolis: Federal Reserve Bank of Minneapolis, pp. 183–202.

Hooker, R. H. (1901), “Correlation of the Marriage Rate with Trade”. Journal of the Royal Statistical Society”,
64, 485–492.

Johansen, S. (1988), “Statistical Analysis of Cointegration Vectors. Journal of Economic Dynamics and
Control”, 12, 231–254.

Johansen, S. (1995), “Likelihood-Based Inference in Cointegrated Vector Autoregressive Models”, Oxford:


Oxford University Press.

Mandelbrot, B. (1963), “The Variation of Certain Speculative Prices”, Journal of Business, 36, 394-419.

Phillips, P. C. B. e Ouliaris, S. (1990), “Asymptotic Properties of Residual Based Tests for Cointegration”,
Econometrica, 58, 165–193.

Wold, H.O. (1938), “The Analysis of Stationary Time Series”, Uppsala: Almquist and Wicksell.

Yule, G. U. (1897), “On the Theory of Correlation”, Journal of the Royal Statistical Society, 60, 812–838.

Yule, G. U. (1926), “Why do We Sometimes Get Nonsense-Correlations between Time-Series? A Study in


Sampling and the Nature of Time Series”, Journal of the Royal Statistical Society, 89, 1–64.
223 Nobel - 2003
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NOBEL DE ECONOMIA

2004
Prescott e Kydlan:
Regras e discricionariedade
Edward C. Prescott e Finn E. Kydland
por Arthur Lula Mota

T
alvez escutar o termo metas de inflação
seja algo completamente usual para
quem acompanha a economia e os
mercados hoje em dia. Isso é muito
bom e tem como suporte teórico
o desenvolvimento lógico de dois grandes
economistas de nosso tempo: Edward C.
Prescott e Finn E. Kydland, por acaso os dois
prêmios Nobel de Economia em 2004. Esses
grandes economistas ainda criaram um legado
de contribuição para a RBC (Real Business
Cycle Theory) e toda área de estudo de ciclos
econômicos.

O trabalho em conjunto de título “Rules Rather


than Discretion: The Inconsistency of Optimal
Plans” publicado em 1977 na The Journal of
Political Economy é uma das obras de arte
tanto pela elegância quanto pela completude
do assunto.

224 Nobel - 2004


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Finn Kydland
O economista nasceu em 1943 no sudoeste da Noruega, tendo uma educação liberal mesmo numa
época de extremos e se interessado por matemática desde cedo. Fez seu bacharelado em economia
na Norwegian School of Economics (NHH) e conquistou seu PhD na Carnegie Mellon em 1973. Seu
orientador foi justamente seu futuro parceiro de conquistas, Ed Prescott, e sua tese tem como título
“Decentralized Macroeconomic Planning “.

Edward C. Prescott
O economista nova-iorquino nasceu em 1940, pouco antes de seu parceiro, se formando inicialmente
em matemática na Swarthmore College (inclusive outros 5 Nobels passaram por lá). Seu mestrado
foi defendido em Case Western Reserve University em Pesquisa Operacional (em especial Métodos
Analíticos Avançados) e seu PhD também na Carnegie Mellon em 1967. Deu aulas na University of
Pennsylvania entre 1966 e 1971 até voltar para Carnegie neste último ano e se defrontar com Finn
Kydland.

Contextualização e impacto em teorias


Desde a saída de grande depressão até o baseado em decisões que incorporam novas
começo da década de 1970, as ideias que informações sobre a economia e a próprias
beberam da teoria keynesiana dominavam o expectativas sobre o que estaria por vir.
incipiente cenário macroeconômico, apontando
que política monetária, por exemplo, teria total Prescott foi um dos jovens economistas que
sucesso e capacidade de atuar como ferramental foi impactado pelas ideias e pela presença de
de estabilização da economia, sobretudo Lucas em Carnegie Mellon, depois influenciando
atacando o desemprego. Kydland.

Bem, a década de 70 colocou em dúvidas Como síntese dessa mudança de ares que a
diversas certezas até então inabaláveis, com academia sofria, fica mais claro a ineficácia
uma combinação perversa de recessão, alto da política monetária em afetar o produto e o
desemprego, inflação e juros alto. Nesse meio emprego no curto e no longo prazo; os custos de
tempo, críticas à teoria keynesiana começavam desinflação que incidem sobre a atividade real; o
a ganhar coro, dentre elas, a famosa Crítica de problema de inconsistência temporal nas políticas
Lucas (que possivelmente será tratada em outro discricionárias; a importância da reputação e da
artigo de Nobel). credibilidade para a autoridade monetária e suas
políticas. Nesses últimos pontos que temos bela
Além de problemas técnicos envolvendo os contribuição dos autores.
parâmetros dos modelos, por trás de toda essa
conversa estava a ideia de que uma análise de
policy, como a da política monetária, precisava
mudar. Era necessário levar em conta a mudança
de comportamento no nível micro, dos indivíduos,

225 Nobel - 2004


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Regra, discricionariedade e
inconsistência dinâmica
A ideia que estava sendo debatida era: o que é de intensificar a política expansionista (redução
mais eficiente para a política monetária, um policy do juro), buscando reduzir o desemprego à custo
baseada em regras, bem estabelecidas e que os de uma expectativa de inflação baixa.
agentes tenham como um norte para mapear a
Autoridade, ou então a velha discricionariedade, Num primeiro momento pode parecer vantajoso
em que a Autoridade poderia atuar no mercado se aproveitar das expectativas, mas o mercado
da forma como julgar necessária a partir dos reajusta na segunda rodada desse jogo,
instrumentos disponíveis. aumentando as projeções dado uma política
monetária mais frouxa e sem necessariamente
Do lado da discricionariedade os formuladores melhorar as expectativas de produto e
identificam determinada situação e decidem a desemprego. O tiro sai pela culatra.
maneira mais adequada de agir sobre ela, mas há
um certo incentivo e aumento de probabilidade No final da história, a possibilidade dos
para a chamada inconsistência dinâmica. policymakers de operarem uma política
discricionária resulta em uma inflação (e
No artigo de 1977, Kydland e Prescott mostraram expectativa) maior adicional sem que haja
que num primeiro momento a Autoridade pode nenhum aumento de produto. Como o próprio
se comprometer com uma taxa de inflação baixa, artigo ressalta: “discretionary policy for which
o que tem impacto nas expectativas de inflação. policymakers select the best action, given the
Nesse momento, o policymaker pode ver uma current situation, will not typically result in the
janela de oportunidade e responder ao incentivo social objective function being maximized”.

Erguendo as mangas e
indo para a parte formal
Acredito que o conhecimento produzido é de tal sorte tão rico que vale a pena algumas descrições
mais técnicas (talvez contrariando alguns artigos do Coleção Economistas: Nobel), sobretudo em
2020, ano em que há um forte aumento de discricionariedade e mudança na condução da política
monetária do Federal Reserve, o Banco Central americano.

No artigo original há uma formalização teórica bastante interessante de como pode ocorrer
inconsistência nas decisões de política, independente de qual for, mas que têm mais de um período.
Vamos considerar um exemplo genérico em que temos uma sequência de policies para o período 1
ao T dada por e as correspondentes decisões dos agentes dado por
Dito isso, considere também uma função de objetivo social dada por . No caso
em que T=2, o policy ótima deve maximizar

Sujeito à e

226 Nobel - 2004


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O que nos mostra como as decisões dos agentes em T=2 depende das policies de T=1 e T=2, além
das reações dos próprios agentes em T=1. Dito isso, assumindo as propriedades necessárias para S(.)
e maximizando dado as restrições, temos que

Ou seja, há um certo desprezo pelo efeito de em x1. Assim sendo, a condição de primeira ordem é tal
que (eu sei, parece grego, mas sinta-se provocado)

Desta forma, se ou se a expressão dentro da chave for zero, então a consistência da policy será
ótima, do contrário não. Há toda uma consideração em Pollak (1968), do qual os autores beberam
água, que sugere que isso ocorre quando uma regra de policy é conhecida.

Regra vs discricionariedade
na política monetária
Indo para a vaca-fria do problema da política no qual sugere que o Banco Central não aprecia
monetária, começamos inicialmente pela famosa inflação comparativamente ao desemprego.
curva de Phillips, que aponta o trade-off entre Esse problema pode ser conduzido pela ótica
inflação e desemprego. discricionária ou de regras.

No caso dicionário, o Banco Central escolhe


uma dada taxa de inflação assumindo a
inflação esperada como dada. Desta forma,
em que é o desemprego, é o desemprego
com base na inflação esperada e na inflação
natural, 
π a inflação, e a inflação futura
efetiva, o desemprego passa a ser determinado.
(esperada), e é uma constante positiva. De certa
Substituindo a curva de Phillips na função perda
forma, a relação mostra que uma inflação acima
do banco central temos que
da esperada gera um desemprego abaixo do
nível natural.
Depois de alguma manipulação, a inflação que
Até aquela oportunidade, o Banco Central
minimiza essa função de perda é dada por
“benevolente” assume que a inflação acima
de um determinado patamar ( *) tem custo
elevado, e que o próprio custo marginal da
inflação é crescente com o aumento desta. Por Como nesse framework estamos trabalhando
outro lado, a Autoridade também dá valor para com agentes racionais, eles fazer uma leitura de
uma baixa taxa de desemprego. Dito isso, há mercado e dos movimentos do Banco Central e
uma conhecida função de perda de bem-estar assumem que a taxa assumida pela Autoridade
que deve ser minimizada, sendo dada por: é exatamente essa que minimiza a função de
perda, ou seja, , logo

227 Nobel - 2004


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Guarde essa expressão na cabeça. Ela sugere que quanto mais a Autoridade se preocupar com
a inflação (sensibilidade dado pelo parâmetro beta), menor a inflação de equilíbrio. Por sua vez,
quanto maior for o trade-off entre inflação e desemprego (dado por alfa) maior será a inflação de
equilíbrio, dado que o Banco Central terá incentivos para buscar desemprego baixo a custas de uma
expectativa de inflação baixa.

Por sua vez, no caso em que a política segue alguma regra, o Banco Central se compromete com um
nível determinado de inflação e os agentes acreditam nisso. Dessa forma, a economia estará bem
ajustada pois

implicando que . Substituindo na função de perda L temos que a inflação que minimiza a função
de perda é justamente

Dessa forma, fica claro que no caso dicionário há um viés que sugere que a inflação será maior
nesse regime. Esse viés acontece refletindo o fato de que a taxa de desemprego desejada pela
sociedade é usualmente menor do que a taxa de desemprego natural da economia.
Como dito, há um incentivo para “enganar” (talvez essa não seja a melhor palavra) os agentes ao
escolher uma taxa de inflação de tal sorte que gera uma taxa de desemprego menor que a natural.
Se os agentes são de fato racionais, esse equilíbrio não “dá certo” e então resultando no viés
encontrado e em nenhuma alteração efetiva de desemprego abaixo do natural ou aumento de produto.
Esse movimento pode custar a credibilidade da Autoridade e interferir de forma determinante na
condução das expectativas nas rodadas seguintes da política monetária, ou seja, uma inconsistência
temporal.

Por fim, a parte discricionária converge para o sistema de regras quando o Banco Central é muito
avesso à inflação (alto), o que reduz o viés. Mas ainda assim pode não ser tão bom quanto o caso
alternativo.

Toda essa análise pode ser feita por Teoria dos Jogos e por backward induction, mas aí é mais fácil
ler o paper original do que acreditar nesse mero escriba.

Nem tudo são flores no sistema de regras


Mesmo dentro da política de regras havia uma enormidade de sugestões. A regra era a oferta de
moeda? Para o juro? Para o que?

Por exemplo, os monetaristas apontavam uma regra em que o Banco Central deveria manter a oferta
de moeda crescendo num ritmo conhecido e estável, o que deveria preços estáveis, baixa oscilação
do produto e do emprego.

O problema era que se a velocidade da moeda (para quem se lembra da MV=PY) não for estável, o
crescimento da oferta de moeda num ritmo conhecido não estabilizará a demanda agregada. Bom,
e é justamente isso que acontece quando a economia sofre algum tipo de choque.

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Imagine uma situação (tipo uma pandemia?) em que a demanda por moeda aumente. Como o Banco
Central deveria atuar dado que ele assumiu um compromisso com uma regra na etapa anterior?

Nesse sentido, há outro tipo de regra que consegue acomodar um pouco melhor os choques: a
meta de inflação. Essa outra opção é mais conhecida pelo óbvio motivo de ser o modelo seguido
pelo nosso Banco Central. Dado uma meta de inflação anunciada previamente, a Autoridade ajusta
a oferta de moeda (ou o juro) para atingir o seu objetivo, isolando a economia das variações da
velocidade da moeda, além de ser mais fácil de explicar para os agentes econômicos.

Conclusão
A contribuição de Kydland e Prescott foi mostrar que há uma certa incapacidade da política
discricionária superar de forma clara aquelas regidas por regras, e que tem um especial carinho
dentro das teorias e ensinamentos da política monetária. O compromisso declarado da busca por
uma taxa de inflação baixa pelos formuladores de políticas pode criar expectativas de taxas de
inflação e desemprego baixas. Se a política monetária for alterada (de forma discricionária) e as
taxas de juros forem reduzidas – por exemplo, para dar um impulso de curto prazo ao emprego – a
credibilidade da Autoridade será perdida e as condições pioradas por conta do regime escolhido.
Nesse sistema, estabelecer regras formais parece ser uma alternativa preferível e de menor custo.

Arthur Lula Mota


Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia
pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de
operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

229 Nobel - 2004


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Notas:
KYDLAND, F.; PRESCOTT, E.; “Rules Rather Than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans”; Journal of
Political Economy; vol 85; 1977.

MONTES, G. C.; “Reputation, Credibility and Monetary Policy Effectiveness”; Estud. Econ. Vol 39; 2009

POLLAK, R. A. “Consistent Planning.”; Rev. Econ. Studies 35, 1968.

230 Nobel - 2004


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NOBEL DE ECONOMIA

2005
Robert Aumann e Thomas Schelling
por Maria Oaquim de Medeiros

“ O evento mais espetacular da última


metade do século passado é um que
não ocorreu. ”
(Thomas Schelling, An Astonishing Sixty Years:

O
the Legacy of Hiroshima, 2005)

que levou a União Soviética e os Estados


Unidos a terem acumulado um grande
arsenal nuclear sem isso acarretar em
uma Guerra nuclear? Poderiam as ações
desses países, que mais pareciam um
suicídio global, serem entendidas como racionais?
Seriam as guerras atos racionais? Robert Aumann
defende que, se assim a entendermos, talvez
seja mais fácil encontrar uma alternativa a ela
(Aumann, 2005).
O matemático israelense-americano Robert J. Aumann e o economista americano Thomas C.
Schelling dedicaram sua carreira a estudar a ação estratégica de diferentes agentes sob a ótima
da racionalidade. Foi devida à contribuição de ambos para a compreensão dos conflitos e da
cooperação, por meio da teoria dos jogos, que os mesmos foram premiados pela Real Academia
Sueca de Ciências com o prêmio Nobel de Economia em 2005.

231 Nobel - 2005


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Robert Aumann nasceu no ano de 1930 em Frankfurt, na Alemanha e, aos oito anos, mudou-se com
sua família para Nova Iorque. Ele completou seu Phd em matemática no MIT em 1955 e, no mesmo
ano, ingressou em um centro afiliado à Universidade de Princeton onde trabalhou com aplicações
matemáticas a questões industriais e militares. No ano seguinte, ele mudou-se para Israel e tornou-se
professor do Instituto de Matemática da Hebrew University onde lecionou até usa aposentadoria no
ano 2000 (Neymann, 2006).

Thomas Schelling nasceu em 1921 na Califórnia, Estados Unidos. Graduou-se na Universidade da


Califórnia (Berkeley) e obteve seu Phd em 1951 pela Universidade de Harvard. Antes da carreira
acadêmica, Schelling trabalhou no Departamento de Orçamento dos EUA (1945–46), na elaboração
do Plano Marshall (1948-50) e no escritório executivo da presidência dos Estados Unidos (1951-53).
Já em 1953 retornou à academia como professor da Universidade de Yale onde permaneceu até
1958, quando mudou-se para Harvard. Schelling também trabalhou para a RAND Corporation onde
desenvolveu sua análise da corrida nuclear que culminou na publicação de sua obra mais conhecida
“The Strategy of Conflict”. O economista também assessorou o governo de Kennedy na crise de
Berlim no ano de 1961. Nos anos 90, Schelling ingressou como professor na Universidade de Maryland
onde lecionou até sua morte no ano de 2016.

Ação Racional e Teoria dos Jogos

A
ntes de expor a contribuição de cada autor, vou dedicar essa introdução a falar um
pouco sobre como entendemos racionalidade dentro da economia. Aumann define que
o comportamento de um indivíduo é considerado racional se é do seu melhor interesse,
dadas as informações disponíveis (Aumann, 2005). Em um mundo sem incerteza, a ação
racional se baseia em selecionar dentro de um conjunto de alternativas factíveis aquela cuja
consequência é a preferida em termos da sua utilidade. Já em um mundo com incerteza, o agente
maximiza sua utilidade esperada, ou seja, ponderada pelas probabilidades, objetivas ou subjetivas,
que atribui aos estados. A teoria econômica é fundamentada na ideia que os agentes (consumidores,
firmas etc) se comportam de maneira racional. Com esse ferramental teórico, os economistas são
capazes de realizar previsões sobre quais ações serão tomadas.

Contudo, o que ocorre quando as consequências de nossas ações também dependem das ações de
outros indivíduos? Para modelar decisões estratégicas, os economistas usam da Teoria dos Jogos.
Ela aplica a mesma lógica de ação racional que foi apresentada acima, porém se é considerado a
melhor decisão que um agente pode tomar dada a ação de outro agente (Alisson & Zelikow, 1999).

Acredito que a maneira mais didática de apresentar a Teoria dos Jogos a quem não está familiarizado
com o conceito seja apresentando um exemplo. Um dos jogos mais famosos na literatura é o do
“Dilema dos Prisioneiros”. Ele consiste em um jogo simultâneo, onde os agentes jogam uma vez e
ao mesmo tempo. Nele, dois prisioneiros, comparsas em um crime, presos em celas diferentes e sem
poder se comunicar, devem tomar uma decisão: confessar ou negar o crime. Se ambos confessam,
os dois devem cumprir uma pena de 3 meses; se um confessa e outro não, o que confessou estaria
livre, enquanto aquele que não confessou seria condenado a 6 meses de prisão. Se ambos negam,
eles ficariam presos por 1 mês. Para visualizar melhor, o jogo pode ser representado pela seguinte
matriz de pay-offs:

232 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

Como apontamos, uma maneira de prosseguir para a “solução do jogo” é considerar que o agente
deve maximizar sua utilidade dada a decisão do outro agente. Caso o prisioneiro 2 confesse, para
o prisioneiro 1 também será melhor confessar, pois a sentença de 3 meses é melhor que a de 6. Se
o prisioneiro 2 nega, seu comparsa no crime estaria melhor confessando, já que assim ele estaria
livre. Vemos, então, que independente da escolha do jogador 2, a melhor resposta para jogador 1
é confessar. A mesma lógica se aplica para a escolha do jogador 2 dado o que o jogador 1 faria.
Dizemos então que ambos confessarem é um Equilíbrio de Nash. Contudo, ambos estariam melhor
se eles negassem, pois assim eles passariam só um mês na prisão. Assim, se existisse a possibilidade
de coordenação, ambos tomariam a decisão de negar.

Um aspecto crucial para a cooperação não ser adotada em equilíbrio é a característica do jogo de
ocorrer uma única vez. Em jogos repetidos, é possível “punir” desvios da cooperação. Contudo,
isso dependerá se o jogo ocorre um número finito ou infinito de vezes. Muitas vezes quando há um
número finito, na última rodada, ambos jogadores tem incentivo a desviar pois não haverá mais
possibilidade de punição. Contudo, se ambos sabem que ao final não irão cooperar, como punir
desvios na penúltima rodada? Essa mesma lógica se aplica a todas rodadas anteriores e não é
possível garantir cooperação nesses jogos finitos. Já em jogos infinitos, a cooperação é possibilitada
pois, sem o horizonte do final do jogo, a ameaça de punição do desvio é crível.

Uma observação importante: quando lidamos com jogos dinâmicos, é necessário considerar que
jogadores podem ser mais ou menos impacientes. Quando um jogador valoriza muito o presente, ter
um resultado alto agora pode ser preferível a resultados de cooperação em um período infinito de
tempo. Logo, se um indivíduo é muito impaciente, o resultado de cooperação pode não se manter
(Aumann, 2005).

Em realidade, para os jogadores cooperarem, o jogo não precisa possuir infinitas rodadas, mas sim ser
jogado um número indefinido de vezes. Até que um horizonte final não seja antecipado, a ameaça de
punição ainda mantém os jogadores cooperando. Essas são variações do que é conhecido como um
superjogo, ou seja, repetições infinitas/indefinidas de um jogo em particular. Um teorema importante
que se baseia na ideia que acabei de expor é chamado Teorema Popular (Folk Theorem).

Teorema Popular: O resultado cooperativo do jogo G coincide com o equilíbrio do superjogo

Após essa brevíssima introdução, podemos seguir com a explicação dos jogos desenvolvidos pelos
vencedores do Nobel de 2005.

233 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

Robert Aumann

A
pesar de conhecido desde o começo ele não estaria pior em comparação se não a
da década de 50 pelos teoristas dos punisse?
jogos, o Teorema Popular não havia Caso você permaneça em equilíbrio após
sido formalizado até Aumann (1959, punir, ou seja, não há incentivo para desviar da
1960, 1961) escrever uma extensa punição, dizemos que estamos diante de um
análise dos jogos infinitamente repetidos (Hart, caso de Equilíbrio Perfeito. Uma das importantes
2006). contribuições de Aumann foi desenvolver o
Teorema Popular Perfeito (Perfect Folk Theorem).
Para compreender melhor a contribuição de
Robert Aumann para a teoria dos jogos, vejamos Teorema Popular Perfeito: Os resultados
um outro exemplo de Jogo proposto pelo cooperativos do jogo G coincidem com os
matemático (Aumann, 2005). Dois jogadores, resultados de equilíbrio perfeito do seu
Rowena e Collin, devem decidir o quanto superjogo
receberem. Rowena tem a opção de dividir,
igualitariamente, de maneira que ela e Collin Esse Teorema se sustenta, pois Collin não precisa
ganhem 10 cada um ou, ela pode optar por punir Rowena para sempre, ele pode punir até
receber 10 vezes mais (100) enquanto Collin que a opção de desviar não seja mais lucrativa
receberia 10 vezes menos (1). Simultaneamente, para ela. Para além disso, Rowena dividir de
Collin decide se ele pune Rowena e, assim, ambos maneira gananciosa é em si uma “punição”
não recebem nada ou se ele concorda com a por Collin não puní-la. Diante disso, Collin tem
divisão. A matriz de pay off é tal que: incentivos a optar pela punição. A opção por
não desviar também é mantida quando, em vez
de dois indivíduos jogando, temos um grupo
de indíviduos. Se eles não conseguem obter
benefícios ao não cooperar temos o resultado do
Teorema Popular Forte (Strong Folk Theorem).

Na segunda metada da década de 60, Robert


Aumann, Michael Maschler e Richard Stearns
(1966, 1967, 1968) desenvolveram, através de
uma pesquisa sobre a dinâmica das negociações
do controle de armas, as bases da Teoria dos
O melhor resultado para Rowena é ser gananciosa Jogos Repetidos com Informação Incompleta.
e conseguir um pagamento de 100. Já para Quando falamos em informação incompleta
Collin é melhor ele aceitar o acordo. Desse queremos dizer que um jogador não possui
modo, quando as decisões ocorrem de maneira todas as informações relevantes para tomada
simultânea e o jogo não se repete, a divisão de decisão. A exemplo, um país pode não ter
igualitária não se mantem em equilíbrio. Contudo, conhecimento do arsenal militar de seu rival.
quando jogo é repetido, Collin pode ameaçar Nesse caso, como o país melhor informado pode
punir Rowena se ela desvia da divisão igualitária. usar dessa vantagem? Quando temos um jogo de
Assim, em um jogo repetido infinitamente, a somente um período é trivial pensar que a parte
estratégia que ambos irão adotar é: Rowena melhor informada iria usar dessa informação
divide igualitariamente e Collin aceita até que para obter o maior ganho possível. Contudo, em
Rowena seja gananciosa. Caso isso ocorra, ele jogos repetidos, essa escolha é mais complexa.
a pune daquele momento em diante. Contudo, Por um lado, a parte melhor informada pode
poderíamos nos questionar até que ponto tal usar dessa informação para obter ganhos de
ameaça de punição de Collin é crível. Se Rowena curto prazo, mas corre o risco de revelar essa
desvia e Collin a pune desse período em diante,

234 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

informação através de suas ações. Assim, o jogador bem informado quer usufruir ao máximo dessa
informação privada, revelando-a o mínimo possível. Aumann, Maschler e Stearns contribuíram a esse
dilema propondo um teorema onde, de maneira elegante, revelam precisamente a quantidade de
informação ótima a ser revelada.

Os teoremas propostos por Robert Aumann ajudam a explicar diversos resultados que foram
provados empiricamente como, por exemplo, que é mais difícil sustentar cooperação quando há
muitos jogadores, quando os jogadores interagem com menor frequência e quando há um horizonte
de término para aquela interação (BANK OF SWEDEN, 2005).

Thomas Schelling

T homas Schelling, em sua obra mais famosa, “The Strategy of Conflict”, faz um estudo das
estratégias de dissuasão na tensão nuclear entre EUA e URSS. O economista argumenta
que, com a capacidade destrutiva do arsenal bélico dos países durante a Guerra Fria, não
estaríamos mais diante de um “Jogo de Soma Zero”, ou seja, jogos onde o total da perda
de um agente equivale ao ganho do outro. Em vez disso, o conflito se apresentava como uma
dependência mútua dos agentes (no sentido que ambos tinham a capacidade de destruir seu rival)
e, assim, nas palavras de Schelling, criava-se uma “parceria precária” (Schelling, 1960)

As situações de conflito também são entendidas como situações de barganha pelo autor, ou seja,
cada parte geralmente busca um acordo que seja o mais favorável possível para si, ponderando que
ter um acordo é melhor do que ter nenhum acordo. Para explicar melhor como o uso da teoria dos
jogos pode ser aplicado a questões de conflitos militares e abordar as contribuições de Schelling,
vejamos o seguinte jogo, da classe dos “jogos da galinha”:

Dois países discordam acerca do direito a um território. Diante dessa tensão eles devem escolher
se mobilizam tropas ou não. Caso ambos países mobilizem suas forças, a probabilidade de guerra
(um resultado indesejado) é alta. Já se ambos se abstêm de um avanço militar, a probabilidade de
chegarem a um acordo pacífico sobre a divisão territorial (um resultado melhor que a guerra) é alta.
Vejamos então a matriz de pay-offs para ajudar a ilustrar o jogo:

Onde A>B>C>0, ou seja, o melhor resultado


é conquistar o território sem guerra, seguido
de um acordo pacifico de divisão e depois
perder o território mas não entrar em guerra.
Por último, a pior consequência para ambos
países seria a guerra. Um leitor poderia fazer
a observação aqui, que a guerra poderia
ser preferível ao seu rival obter o território
enquanto seu país não mobiliza as forças. O
país poderia passar por uma humilhação caso adotasse o comportamento “covarde”, de “galinha”.
Isso é verdade em diversos casos, mas para esse jogo específico, queremos mostrar qual vai ser a
decisão dos países quando a guerra fornece um resultado muito ruim (pense no potencial suicida de
uma guerra nuclear entre EUA e URSS)

Qual é a solução desse jogo? Colocando-se na posição do país 1, se o país 2 avança é melhor
para o país 1 se abster de mobilizar suas tropas. Contudo, se o outro país se abstivesse, era

235 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

melhor para ele avançar. Essa regra de jogada Uma outra importante contribuição de
dada a ação de outro jogador constitui uma Schelling para a teoria estratégica moderna
estratégia que irá nos levar a dois equilíbrios são seus estudos sobre a dissuasão.
de Nash em Estratégias Puras: (mobilizar, Suponha que o país 1 se comprometa,
abster), (abster, mobilizar). Já quando com probabilidade suficientemente alta, a
atribuímos probabilidades à escolha de cada mobilizar suas tropas caso o país 2 também
estratégia, teremos um equilíbrio de Nash mobilize. Essa ameaça garante então um
em estratégias mistas onde a probabilidade “equilíbrio do terror”, pois a melhor resposta
de guerra é positiva. para os países será se abster de avançar. Uma
das proposições mais relevantes de Schelling
Vamos voltar à discussão de racionalidade no estudo de conflitos é como a Guerra
levantada no início do texto. Ao proceder Nuclear seria evitada com a estabilidade do
para encontrar o Equilíbrio de Nash (EN) em “equilíbrio do terror”, ou seja, se ao atacar um
um jogo, adotamos uma hipótese forte que país, sou incapaz de destruir a capacidade
os agentes têm crenças corretas acerca das dele contra-atacar (Alisson & Zelikow, 1999).
estratégias dos rivais. Em especial diante de
um caso de Equilíbrios de Nash múltiplos, Agora imaginemos que estamos diante de
como no exemplo acima, deve haver mais um jogo de informação incompleta onde
elementos que fornecem justificativas à o país 1 não sabe se o pay-off da guerra é
possibilidade de ancorar uma expectativa. preferível ao da negociação para o país 2.
Assim, alguns mecanismos que permitem a Assim, o país 1 ainda iria se comprometer a
coordenação podem surgir. mobilizar tropas se o país 2 as mobilizassem?
Trazendo essa pergunta ao contexto da
O conceito de Ponto Focal foi introduzido Guerra Fria, como fazer uma ameaça crível
na Teoria dos Jogos por Thomas Schelling de iniciar uma guerra que pode acarretar em
no seu livro “The Strategy of Conflict”. Ele uma destruição mútua? Schelling argumenta
é caracterizado por algum conhecimento que a estratégia ótima para o país 1 seria fazer
comum ou elemento cultural que permite ameaças que envolvam uma probabilidade
convergência para um Equilíbrio de Nash de mobilização menor que 1. A ameaça de
específico quando o jogo possui múltiplos uma guerra nuclear pode não ser crível, mas
EN. A exemplo, imagine que dois jogadores o aumento do risco de uma guerra pode
devem escolher entre uma categoria de obter credibilidade.
Nobel tendo, assim, 6 Equilíbrios de Nash
em Estratégias Puras (Física, Química, Schelling defende que para deter então a
Fisiologia/ Medicina, Literatura, Paz e mobilização do inimigo o país deveria adotar
Economia). Somente se os dois escolherem a estratégia de brinkmanship, ou seja, a
a mesma categoria ganham um valor “criação deliberada de um risco reconhecido
positivo. Se os dois jogadores são leitores e não totalmente controlável”. Uma vez que
desse texto não seria provável pensar que o país 2 tomasse consciência que o país 1
eles escolheriam o Nobel de Economia? No não tem mais controle da situação, a guerra
contexto do jogo estudado, podemos pensar é evitada somente com o país 2 se abstendo
que se perturbarmos o jogo de modo que da mobilização.
um país tenha mais a ganhar que outro com
a mobilização, tornamos o Equilíbrio de Nash Um caso histórico que serviu como um teste
Puro (um avança e outro abstém) “focal”. empírico para as formulações de Schelling
foi a Crise dos Mísseis de Cuba, evento no

236 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

qual a União Soviética e os Estados Unidos chegaram muito próximos a um conflito direto.
Em outubro de 1962, os Estados Unidos obtiveram provas mais contundentes da instalação
de mísseis balísticos soviéticos no país caribenho. Frente a tal ameaça nuclear, o alto escalão
político/militar dos Estados Unidos chegou a planejar uma invasão a Cuba, mas o governo
de Kennedy optou por um bloqueio ao país caribenho a fim de impossibilitar a chegada
de mais armamentos soviéticos à ilha. Caso um navio ultrapassasse o limite estabelecido
pelo bloqueio, os EUA tinham se compromissado com a possibilidade de interceptá-los por
meio do uso da força. Contudo, ainda permanecia o dilema de como lidar com os mísseis
já instalados na ilha. O governo dos Estados Unidos optou por demandar que eles fossem
desmantelados e se comprometeram, em um anúncio público, que, se os mísseis soviéticos
fossem usados contra os Estados Unidos, eles iriam retaliar (Alisson & Zelikow, 1999). Assim,
alguns analistas defendem que as ações dos EUA seguiram uma estratégia de brinkmanship
para resolução da Crise dos Mísseis.

No dia 28 de Outubro, Nikita Khrushchev anunciou a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba.
O episódio da Crise dos Mísseis incentivou Thomas Schelling a pensar em uma série de
medidas para evitar a repetição de um jogo fadado a terminar em desastre, o que parecia ser
o caso da Guerra Fria. Uma das sugestões de Schelling que veio a ser adotada pelo governo
Kennedy foi estabelecimento de uma linha telefônica direta entre a Casa Branca e o Kremlin,
o que ficou popularmente conhecido como o “telefone vermelho. ”

Críticas

U
ma crítica comum feita à abordagem de ambos vencedores do Nobel de 2005
versa acerca da hipótese fundamental dos agentes serem racionais. Em verdade,
quando trabalhamos com modelos teóricos em economia, nós adotamos uma
simplificação da realidade. Como dizia o estatístico George Box (1956), “todos
os modelos estão errados, mas alguns são úteis. ” No final, o julgamento de um
modelo deveria se basear menos nas suas hipóteses per se e mais se são adequados para
certas aplicações. Uma outra crítica feita é a falta de dados para comprovação empírica das
análises de Schelling. À exceção de uma análise da Crise dos Mísseis de Cuba, os argumentos
do economista estavam mais baseados em ilustrações e anedotas (Jordan, 2015).

Após os laureados de 2005 terem sido anunciados, a Real Academia Sueca recebeu uma
petição assinada por mais de mil intelectuais de diversas nacionalidades criticando a entrega
do prêmio para Robert Aumann e Thomas Schelling por suas posições políticas e pelas
consequências de sua teoria. Aumann defendeu, por meio do ferramental da Teoria dos Jogos,
a manutenção dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza a fim de que os Palestinos
fizessem maiores concessões futuras. A política de assentamentos é amplamente criticada
pela comunidade internacional e considerada uma quebra dos direitos de autodeterminação
dos povos e soberania do povo palestino sobre seu território (UN, 2004). Já com relação a
Schelling, a crítica foi no sentido da sua teoria defender o uso coercitivo da força militar e
ter, assim, inspirado ações do governo americano como o bombardeamento do Vietnam do
Norte a fim de pressionar Ho Chi Minh a retirar o apoio aos VietCongs.

237 Nobel - 2005


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Conclusão

S
Sob abordagens distintas, os dois vencedores do Nobel de 2005 trouxeram uma
grande contribuição científica à análise de interações humanas por meio da teoria
dos jogos. Aumann, por teoremas matemáticos e forte formalização, ajudou
principalmente na compreensão de interações sociais de longo prazo através dos
jogos não cooperativos. Já o destaque de Schelling não vinha da prova matemática de
estratégias de conflito, mas sim da aplicação de uma teoria de racionalidade a situações da
vida real (BANK OF SWEDEN, 2005). Apesar das críticas feitas às possíveis consequências
negativas das análises de Schelling, muitos cientistas sociais defendem que seus estudos
sobre as estratégias de dissuasão contribuíram para evitar a escalada nuclear durante o
período da Guerra Fria.

Maria Oaquim de Medeiros


Formada em Economia pela PUC-Rio e mestranda em Economia pela mesma universidade.

238 Nobel - 2005


E-BOOK NOBEL

Notas:
ALLISON, Graham; ZELIKOW, Philip. Essence of Decision: Explaning the Cuban Missile Crisis. 2nd Edition.
1999

AUMANN R.J, MASCHLER, M (1966, 1967, 1968): “Game theoretic aspects of gradual disarmament”, “Repeated
games with incomplete information: A survey of recent results”, and “Repeated games of incomplete
information, the zero-sum extensive case”, Reports ST-80, 116 and 143, Mathematica Inc., Princeton, NJ.

AUMANN, R. J. (1959), Acceptable Points in General Cooperative n-Person Games, in A. W. Tucker and R. D.
Luce (eds.), Contributions to the Theory of Games IV, Annals of Mathematics Study 40, Princeton University
Press, Princeton, NJ, 287–324.

AUMANN, R. J. (1960), Acceptable Points in Games of Perfect Information, Pacific Journal of Mathematics
10, 381–417.

AUMANN, R. J. (1961), The Core of a Cooperative Game without Side Payments, Transactions of the American
Mathematical Society 98, 539–552.

AUMANN, R. J., MASCHLER M.(with the collaboration of R. Stearns) (1995): Repeated Games with Incomplete
Information, MIT Press.

AUMANN, R.J., MASCHLER, M., STEARNS R. (1968): “Repeated games of incomplete information: an
approach to the non-zero sum case”, in Report of the U.S. Arms Control and Disarmament Agency ST-143,
Chapter IV, 117-216.

AUMANN, Robert. War and Peace .Prize Lecture1, December 8, 2005.

BANK OF SWEDEN, Robert Aumann’s and Thomas Schelling’s Contributions to Game Theory: Analyses of
Conflict and Cooperation. 10 October 2005

BOX, George (1976), “Science and statistics” (PDF), Journal of the American Statistical Association, 71 (356):
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HART, Sergiu. Robert Aumann’s Game and Economic Theory. Scandinavian Journal of Economics. 108
(2006),2,185-211.

JORDAN, Richard. An Essay on Thomas Schelling’s Arms and Influence. 2015

NEYMAN, Abraham. Aumann Awarded Nobel Prize. Notices of the AMS. volume 53, NUMBER 1, January
2006

SCHELLING T.C. (1960): The Strategy of Conflict, Harvard University Press, Cambridge MA.

SCHELLING, Thomas – BIOGRAPHICAL. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Sat. 15 Aug 2020 <https://
www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2005/schelling/biographical/>

SCHELLING, Thomas. AN ASTONISHING SIXTY YEARS: THE LEGACY OF HIROSHIMA. Prize Lecture,
December 8, 2005

UNITED NATIONS, General Assembly, Status of the Occupied Palestinian Territory, including East
Jerusalem. A/RES/58/292(17 May 2004). Available from: <https://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/
A2C2938216B39DE485256EA70070C849>

VARIAN, Hal. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9ª EDIÇÃO

239 Nobel - 2004


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2006
Edmund Phelps
por Rafaela Vitória

I knew that my method lacked the beauty of stochastic ra-


tional expectations equilibrium. But I liked its pragmatic
and concrete qualities.

Edmund Phelps

N
ão poderia ser mais atual revisar o trabalho de
pesquisa premiado em 2006 pela sua contribuição
na análise dos impactos intertemporais de políticas
macroeconômicas. Edmund Phelps, 87 anos, é um
economista americano professor pela Universidade
de Columbia nos EUA e fundador do Centro de Capitalismo
e Sociedade. Entre suas principais contribuições estão os
fundamentos microeconômicos da macroeconomia (“micro-
macro”), a taxa natural de desemprego e a regra de ouro da taxa
de poupança.
Phelps é considerado um economista altamente criativo e sua pesquisa sobre os temas desemprego,
inflação e taxa de poupança teve grande impacto na macroeconomia e no desenvolvimento de
políticas econômicas. Phelps nasceu em 1933, se formou em economia pela Amrest e aos 26 anos já
tinha PhD por Yale. Na década de 60, foi professor visitante em MIT, trabalhando com Robert Solow,
Paul Samuelson e Franco Modigliani, todos, futuros ganhadores do Nobel. Desde 1971 é professor da
Universidade de Columbia, em Nova York. Seu trabalho pode ser descrito como um projeto de colocar
na teoria econômica as pessoas como elas são, tomadoras de decisões sem o total conhecimento de
informações, se baseando muitas vezes em expectativas.

240 Nobel - 2006


E-BOOK NOBEL

Entre os anos 60 e 80, Phelps trabalhou nas processos inflacionários como em uma
fundações microeconômicas das teorias dívida pública crescente e baixa taxa de
de emprego e inflação, apontando que poupança, impactando o crescimento na
trabalhadores, consumidores e empresas década seguinte.
tomam decisões sem acesso a toda a
informação e, nesse contexto, Phelps se O estudo de Phelps sobre a relação entre
dedicou ao estudo da determinação de renda, emprego e inflação tem como base a curva
da margem das empresas e recuperações de Phillips original, pano de fundo do debate
econômicas lentas ou em excessos. Seus entre keynesianos e monetaristas, que
estudos serviram como base para sustentar definiram na de década de 50 as relações
o princípio keynesiano que uma redução entre o nível de salário nominal e a taxa de
na oferta monetária não irá simplesmente desemprego. Na ausência de expectativas,
resultar em queda de preços e renda sem a curva de Phillips é uma relação inversa
efeito prolongado no nível de emprego. entre salários e desemprego. O crescimento
Nos anos 80 e 90, Phelps deixou de lado as da demanda agregada reduz a taxa de
análises monetaristas de curto prazo para desemprego, resultando em um aumento
desenvolver a macroeconomia estruturalista. da inflação apenas em um momento. Phelps
Se afastando das teorias keynesianas sobre questionou essa visão, porque inflação não
as deficiências na demanda, se dedicou a depende apenas de nível de desemprego mas
determinar que havia desemprego estrutural também das expectativas, desenvolvendo a
na economia, resultado da redução no curva de Philips acelerativa: o aumento da
investimento e desaceleração dos ganhos expectativa de inflação causa também um
de produtividade. aumento da inflação corrente. Expectativas
do tipo backward looking determinadas de
Uma das questões mais importantes na forma estática ou adaptativa, ao transmitirem
política econômica é atingir vários objetivos o passado para o presente e futuro, podem
ao mesmo tempo, como inflação baixa, pleno levar a processos aceleracionistas da
emprego e consumo crescente. Balancear inflação, pois choques de oferta que causam
inflação e emprego é um grande desafio e inflação hoje podem ser usados amanhã
torna fundamental a análise de conflitos entre para formar as novas expectativas, e assim
os objetivos de políticas de curto prazo e de sucessivamente.
longo prazo. Assim como determinar a troca
do consumo entre gerações do presente e Essa moderna visão sobre a expectativa
do futuro se faz essencial na implementação da inflação é hoje usada por diversas
de políticas de bem estar social ao longo autoridades monetária em seu processo de
do tempo. O conflito está justamente em elaboração de políticas. Aqui no Brasil, um
determinar o que pode ser alcançado hoje dos importantes componentes da análise
em contrapartida ao que podemos ter no de inflação feita pelo Comitê de Política
futuro, muitas vezes um em detrimento do Monetária é a expectativa de inflação, que o
outro. Podemos aqui fazer um paralelo com Banco Central coleta na sua pesquisa semanal
políticas econômicas adotadas no Brasil com os agentes de mercado. Inversamente
nos últimos anos. Estímulos ao consumo e ao processo aceleracionista, expectativas
gastos crescentes do setor público tiveram bem ancoradas podem conter choques de
resultados positivos de curto prazo, com oferta na inflação presente, contribuindo
o crescimento momentâneo da economia para a definição de uma política monetária
e da renda média no final dos anos 2000, mais eficiente.
mas no longo prazo, resultaram tanto em
241 Nobel - 2006
E-BOOK NOBEL

Essa reformulação da curva de Philips parece simples mas teve consequências fundamentais.
Porque implica que no longo prazo, à medida que os agentes conhecem a taxa de inflação, a
economia tenderá para o equilíbrio da taxa de desemprego, que depende do funcionamento
do mercado de trabalho e não da taxa de inflação. Dessa forma, não se pode reduzir o
desemprego aumentando a demanda agregada, porque a taxa de desemprego abaixo do
equilíbrio vai produzir inflação. (O conceito de taxa natural de desemprego foi desenvolvido
por Milton Friedman na década de 60, que depois foi expandido por Franco Modigliani na
década de 70 para a NAIRU, non-accelerating inflation rate of unemployment, ou seja a taxa
de desemprego de equilíbrio que não causa aceleração de inflação.)

Também fazendo um paralelo com o cenário brasileiro atual, temos uma alta taxa de
desemprego e, apesar de termos condições de mercado de trabalho que implicam em
uma taxa de desemprego de equilíbrio bem mais elevada que outras economias, o atual
patamar permite medidas monetárias expansionistas sem impactar a inflação, ancoradas
nas expectativas. Entre as principais contribuições da pesquisa de Phelps é esclarecer o
que as políticas monetárias podem e o que não podem fazer, introduzindo o conceito de
informação imperfeita na economia, e por isso, ressalta a importâncias da transparência das
autoridades monetárias nas suas análises e decisões, melhorando a credibilidade e aplicação
de políticas.

A segunda grande contribuição de Phelps que lhe valeu o prêmio Nobel de 2006 foi seu
estudo sobre a taxa de poupança: quanto deve ser consumido hoje e quanto deve ser
investido para incrementar produção e consumo no futuro? Essa relação está diretamente
ligada à questão de como se distribui o bem estar social entre as gerações. Phelps chamou de
regra de ouro a taxa de poupança ótima que possibilita a geração atual padrão de consumo
o suficiente para não comprometer as gerações futuras. (Uma curiosidade, o termo regra de
ouro vem da referência bíblica, faça com os outros o que espera que façam com você.)

Além de estudar a taxa de poupança e a formação de capital, Phelps também teve um


olhar para o capital humano, a difusão da tecnologia e o maior retorno da educação em
momentos de rápida evolução tecnológica, ligando mais tarde a relação entre crescimento
econômico e nível de educação. Um dos diferenciais da pesquisa de Phelps é seu olhar para a
microeconomia, como as decisões dos empreendedores são tomadas. Em muitos momentos,
contrapondo teorias anteriores de expectativas racionais, “as pessoas não podem formar
expectativas racionais sobre a distribuição de probabilidade futura quando o futuro está
sendo criado por novas ideias e consequentemente, planos de empreendedores são incertos
para o público”. O trabalho de Phelps teve continuidade no estudo do capitalismo e sua
tolerância à diversidade de visão, que permite que participantes tomem decisões e novas
direções, antes, consideradas impossíveis. As inovações podem ser novas carreiras, novas
estratégias de investimento, novas empresas em novos mercados pioneiros. As chances
de ganhos, motivam empreendedores a pensar grande e de maneira inovadora, enquanto o
corporativismo e outros grupos de interesse podem reduzir o dinamismo econômico.

242 Nobel - 2006


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Se a nossa concepção das economias desenvolvidas é centrada não em torno do
consumo e lazer, mas sim das recompensas do empreendedorismo – resolução de
problemas, descoberta e desenvolvimento de talentos e as potenciais realizações –
então não é surpreendente que esses parâmetros de política, embora importantes
na perspectiva neoclássica geralmente adotada por analistas do lado da oferta, não
afetam desemprego – contanto que permaneçam na faixa histórica. Torna-se difícil
ver por que as preocupações neoclássicas com a substituição do trabalho e lazer
deveriam estar no centro das atenções. Reduzir os ajustes do estado social, cortar
gastos públicos ou aumentar os investimentos não tornará empregos mais recom-
pensadores. Apenas resultados modestos podem ser razoavelmente esperados.”

Phelps, 2006

A pesquisa de Phelps nos lembra que o trabalho do economista não é somente descrever
o mundo, mas trabalhar para melhorá-lo. Para isso, precisamos firmar os princípios das
diferenças intertemporais.

Rafaela Vitória
MBA pela Wharton School na Universidade da Pennsylvania e Doutora em finanças pela UFMG, Head
de Research no Banco Inter, professora de pós-graduação na PUC Minas e no Mestrado Skema/
Fundação Dom Cabral

243 Nobel - 2006


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Notas:
Phelps, E. (1967) “Phillips Curve, Expectations of Inflation and Optimal Unemployment Over Time” Economica,
Vol. 34, No. 135

Phelps, E., Cagan, P. (1984) “The trouble with ‘rational expectations’ and the problem of inflation stabilization”.
Cambridge University Press.

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244 Nobel - 2006


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2007
Hurwicz, Mayerson, Maskin
e os fundamentos do Desenho
de Mecanismos
Leonid Hurwicz, Eric Maskin
e Roger Myerson
por Maurício S. Bugarin


Dicebat Bernardus Cartonensis nos esse quasi nanos, gigantium humeris in-
cidentes, ut possimus plura eis et remotiora uidere, non utique proprii uisus
acumine, aut eminentia corporis, sed quia in altum subuehimur et extollimur
magnitudine gigantea” [2]

João de Salisbúria – Metalogicon, Liber Tertius, cap. IV, 1159.

245 Nobel - 2007


E-BOOK NOBEL

E
Em 12 de outubro de 2020 o Professor Göran K. Hansson, Secretário Geral da
Academia Real de Ciências da Suécia anunciou que o Prêmio Nobel de Economia
desse ano seria outorgado aos professores Robert Wilson e Paul Milgrom por seus
desenvolvimentos em teoria dos leilões e pela invenção de novos formatos de
leilões [3]. Assim como a frase atribuída a Bernard de Chartres no século 12, e
depois tornada famosa por Isaac Newton [4] no século 17, as grandes contribuições de
Wilson e Milgrom foram possíveis por estarem sentados sobre os ombros dos gigantes John
Harsanyi, John Nash, Reinhard Selten, Leonid Hurwicz, Roger Myerson e Eric Maskin.

Se Nash, Selten e Harsanyi estabeleceram os fundamentos de Teoria dos Jogos, que lhes
renderam o Prêmio Nobel de Economia de 1994, Hurwicz, Myerson e Maskin utilizaram essa
teoria para estabelecer os fundamentos da Teoria de Desenho de Mecanismos, que lhes
valeu o Prêmio Nobel de 2007. Este ensaio primeiramente apresenta a Teoria do Desenho de
Mecanismos e, em seguida, discute duas aplicações práticas dessa teoria.

Teoria: Desenho de Mecanismos [5]

D e forma geral, a Teoria de Desenhos


de Mecanismos busca entender os
incentivos com os quais se defrontam
os agentes tomadores de decisão
(sejam eles consumidores, empresas, países,
organizações não governamentais, políticos etc.)
A teoria por trás desse e de outros exemplos foi
desenvolvida especialmente a partir da década
de 1960 por um grande número de pesquisadores,
em um programa de pesquisa que teve seu
caminho iluminado pelas contribuições dos três
acadêmicos agraciados com o prêmio Nobel
e, levando em conta esses incentivos, construir de Economia em 2007: Leonid Hurwicz, Roger
regras de alocação de recursos, de forma a Myerson e Eric Maskin.
atingir um objetivo previamente estabelecido,
como a maximização das receitas, no caso de Em sua formulação abstrata, um mecanismo
um leilão. consiste em uma regra de comunicação entre
dois ou mais indivíduos. Um deles, chamado
As aplicações dessa teoria são amplas, desde “principal”, tem algum objetivo e, para alcançá-
as mais sofisticadas, como os leilões de lo, busca estimular o(s) outro(s), chamado(s)
radiofrequências que justificaram o Prêmio “agente(s)” a se envolver(em) em alguma
Nobel de 2020, até as mais cotidianas, como tarefa específica. Ocorre que existe algum
o conhecido problema da divisão do bolo. tipo de assimetria de informação que impede
Suponha que você queira dividir um bolo de que o principal garanta que o(s) agente(s)
chocolate entre seus dois filhos. Cada um quer executará(ão) o serviço na forma desejada. O
a maior parcela possível da iguaria, e você quer mecanismo é o conjunto de incentivos que faz
evitar que as crianças se desentendam, além de com que o(s) agente(s) atue(m) de forma a
desejar induzir uma partilha equitativa do bolo. maximizar a utilidade do principal. No exemplo
O que fazer? do bolo, a mãe (principal) tem o objetivo de evitar
brigas entre os filhos e contrata um agente (filho
Que tal o seguinte mecanismo: um dos filhos 1) para que parta o bolo e o outro agente (filho
corta o bolo em dois pedaços, e o outro, em 2) para escolher seu pedaço. O mecanismo, no
seguida, escolhe que pedaço ele quer? Dessa caso, é a regra: quem parte escolhe por último.
forma, o primeiro filho será incentivado a cortar No problema de venda de radiofrequência, o
o bolo exatamente pela metade, pois, caso governo (principal) tem o objetivo de oferecer
contrário, ficará necessariamente com o menor o melhor serviço e arrecadar mais recursos. A
pedaço. forma de estimular os agentes (concessionárias
246 Nobel - 2007
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de serviços de telecomunicação) a trabalharem A fundamental contribuição de Hurwicz foi


de forma a atingir o objetivo do governo é por chamar a atenção para o fato de que as pessoas
meio do leilão de concessões (mecanismo). Por respondem a incentivos, ou seja, tomam suas
envolverem principais e agentes, os desenhos de decisões de forma estratégica. No exemplo
mecanismo são parte do que se denomina teoria dos três amigos, se o amigo A tiver uma boa
do principal-agente. estimativa de quanto vale a TV para os demais
amigos (e achar que eles comunicarão seus
A questão fundamental dessa teoria é que verdadeiros valores), então pensará: “a soma dos
tipo de decisão se deseja implantar com o valores dos demais amigos é R$ 1200+900= R$
mecanismo. Quando um governo decide leiloar 2,1 mil, portanto, se eu disser que a TV vale R$ 900
uma concessão, como a operação de um para mim, a TV será comprada e terei que pagar
aeroporto ou de uma rodovia, o governo pode apenas R$ 750 no lugar de R$ 1250. Vale a pena
buscar a maior receita possível, de forma reduzir economizar esses 500 reais!” Isso levará o amigo
seu déficit fiscal, por exemplo (maximização A a mentir sobre quanto vale para ele a TV. Mas,
de receitas). Pode ainda estar preocupado em se o amigo B também pensar assim, dirá que a TV
que a concessão seja atribuída à empresa que vale para si 3000-1500+900=600 reais e, então,
conseguirá operá-la ao menor custo possível mesmo que C diga a verdade, a TV não será
(eficiência). Mas pode, alternativamente, estar comprada, pois 900+600+900=2400<3000.
preocupado em minimizar o custo final para os
consumidores (maximização da utilidade dos O que ocorre é que esse simples e natural
usuários), dentre outros possíveis objetivos. mecanismo não é compatível com os incentivos,
ou seja, não induz os jogadores a comunicarem
Considere, por exemplo, três amigos (A, B e C) verdadeiramente seus valores. Uma consequência
que alugam um apartamento em conjunto e desse mecanismo é a possível perda de eficiência:
devem decidir sobre a compra de uma TV que a TV não é comprada, apesar de o benefício que
custa R$ 3 mil. Um possível mecanismo para ela traz para os três amigos ser maior que seu
decidir se compram ou não a televisão, chamado custo. Esse fenômeno é comum e explica por
de mecanismo proporcional, é perguntar a cada que a provisão de serviços públicos é, em geral,
amigo quanto vale para ele ter a TV. Se a soma insuficiente: todos querem os serviços, mas
dos três valores informados atingir pelo menos preferem que outros paguem por eles [6].
R$ 3 mil, então a TV é comprada, e cada amigo
paga uma quantia proporcional ao valor que Pode-se argumentar que o mau funcionamento
atribui à TV. Por exemplo, se o amigo A atribuir do mecanismo acima se deve à regra de
o valor R$ 1500, o amigo B atribuir o valor R$ comunicação utilizada. Talvez, se a pergunta
1200 e o amigo C, R$ 900, então a soma é R$ fosse “quantas horas por dia você assistirá à
3,6 mil, que é maior que o custo da TV. Logo, TV?”, então o problema seria resolvido? Uma
se cada amigo informar sinceramente o valor da contribuição fundamental de Myerson foi provar,
TV para si, o aparelho é comprado, o amigo A de forma bastante geral, o chamado Princípio
paga (1500/3600)x3000=R$ 1250, o amigo B da Revelação, que garante que, para determinar
paga (1200/3600) x 3000= R$ 1000, enquanto se existe um mecanismo que implementa um
o amigo C paga (900/3600) x 3000= R$ 750. resultado desejado (como a decisão eficiente, no
caso dos amigos), basta estudar os mecanismos
A decisão que se quer implantar, nesse caso, é diretos reveladores. Nesses mecanismos,
a decisão eficiente, qual seja, comprar a TV se, pergunta-se aos agentes diretamente a
e somente se, o benefício agregado para os três informação de interesse (também chamada ‘tipo’
amigos for pelo menos igual ao custo da TV. do agente, no exemplo, um tipo de agente é o
Nesse exemplo, se os três amigos comunicarem valor que ele atribui à televisão) e se constrói a
a verdade sobre o valor da TV para cada um regra de tomada de decisão de forma que cada
deles, a decisão eficiente de comprar o aparelho agente tenha incentivo a responder a verdade,
será tomada. revelando seu verdadeiro tipo, garantindo assim

247 Nobel - 2007


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a compatibilidade de incentivos. Esse resultado simplifica sobremaneira a procura do mecanismo


ótimo. Ademais, a metodologia usada por Myerson (Myerson, 1981) fundamentou grande parte dos
estudos sobre leilões que se seguiram.

No exemplo dos amigos, um mecanismo revelador pergunta a cada um quanto vale para ele a TV, e o
aparelho é comprado sempre que o valor agregado for maior que seu custo, como antes. No entanto,
o pagamento de cada amigo será definido como a diferença entre h=R$ 3,4 mil e a soma dos valores
da TV para os demais amigos. Ao desvincular o pagamento de um agente do valor que ele comunica,
o mecanismo cria um incentivo para que ele diga a verdade, tornando-o compatível com os incentivos.
No novo mecanismo, o amigo A paga 3400-1200+900= R$1300, o amigo B paga 3400-1500+900=
R$100, e o amigo C paga 3400-1500+1200= R$700. Para este exemplo, construímos um mecanismo
do tipo Vickrey-Clark-Groves ou VCG (Vickrey, 1961; Clarke, 1971; Groves, 1973) e o montante R$ 3,4
mil foi determinado de forma a garantir que as contribuições dos três amigos atinjam exatamente
o valor necessário para a compra da TV. De fato, em geral, esse mecanismo, ainda que induza a
revelação sincera do valor da TV para os amigos, não terá a propriedade de arrecadar exatamente o
valor necessário para a compra da TV [7].

Um mecanismo direto revelador determina um tipo de equilíbrio (tecnicamente, denominado equilíbrio


de Nash bayesiano) em que todos os jogadores dizem a verdade, e uma decisão ótima é gerada. No
entanto, podem existir comportamentos alternativos dos agentes envolvidos (outros equilíbrios) que
levem a outras decisões, não necessariamente ótimas. Uma das principais contribuições de Maskin
para a área foi determinar uma condição (batizada de monotonicidade de Maskin) que essencialmente
determina sob que condições é possível desenhar mecanismos para os quais todos os equilíbrios
existentes induzem uma decisão ótima, em cujo caso, dizemos que o mecanismo implementa essa
decisão (Maskin, 1978; Dasgupta, Hammond & Maskin, 1979). Nesse sentido, pode-se dizer que Maskin
é um dos fundadores da Teoria da Implementação. Esse resultado tem importantes ramificações nas
mais variadas áreas da economia e vem ajudando mercados e instituições privadas e governamentais
no mundo inteiro a funcionarem melhor.

Duas Aplicações da Teoria de


Desenho de Mecanismos

E
m entrevista dada ao blog Serious Science em 8 de outubro de 2014 [8], o prof. Eric Markin
afirmou que “qualquer área da vida econômica na qual o livre mercado não implementa
nossos objetivos sociais, está madura para o uso da teoria de desenho de mecanismos.[9]”
Nesta parte do texto apresentamos brevemente duas aplicações da teoria à vida real.

O maior leilão de todos os tempos [10]

A
té o final dos anos 1980, as licenças para o uso das ondas eletromagnéticas para
telecomunicações nos Estados Unidos eram atribuídas por meio de um sistema denominado
“beauty contest”, ou “concurso de beleza”, em que os concorrentes apresentavam suas
propostas à agência reguladora (o FCC: Federal Communications Commission), que então
avaliava qual proposta melhor representava o “interesse público” e a ela outorgava a licença.
Naturalmente, esse sistema gerava incentivos perversos ao lobby e à tomada de decisão baseada na
influência de poderosos conglomerados de telecomunicações, tendo seus resultados frequentemente
questionados na Justiça pelos perdedores. Percebendo esse incentivo adverso, e vendo a demanda
248 Nobel - 2007
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por outorgas aumentando significativamente nos suas mentes brilhantes surgiu o desenho do leilão
anos 1980 com o surgimento da telefonia celular, simultâneo ascendente de múltiplas rodadas, o
optou-se, em 1983 pelo mecanismo mais simples SAA (Simultaneous Ascending Auction: Milgrom,
das loterias, ou seja, a empresa que receberia o 2000). Nesse leilão, em cada rodada todos os
direito de uso de certa faixa de radiofrequência participantes podem dar lances simultâneos
era escolhida de forma totalmente aleatória para qualquer uma das faixas de radiofrequência
dentre as concorrentes. Esse novo mecanismo sendo leiloada. Existe uma regra de atividade
minimizou o problema do lobby e de reclamações para que um participante ainda continue com
judiciais, mas, por outro lado, trouxe consigo o direito de dar lances em um segmento, de
grande potencial de ineficiência, uma vez que forma que, se deixar de dar lances para esse
a empresa selecionada muito provavelmente segmento por um número elevado de rodadas,
não seria a mais bem preparada para receber o participante perde o direito de concorrer por
essa licença. Além disso, licenças que geravam esse segmento. Ademais, existe uma regra de
imenso volume de receitas recebiam a outorga aumento mínimo do valor dos lances entre duas
praticamente gratuitamente [11]. rodadas consecutivas. O primeiro leilão nesse
formato ocorreu em julho de 1994, teve a duração
Diante dessa realidade, e considerando a de 47 rodadas e gerou 617 milhões de dólares à
crescente pressão da dívida pública americana, época com a venda das 10 licenças oferecidas.
em 1993 o Congresso estadunidense autorizou
a FCC a vender licenças de telecomunicações A partir de então, o padrão se consolidou e foi
por meio de leilões competitivos. Licenças seguido, com devidos ajustes, tanto nos leilões
de telecomunicações têm uma característica subsequentes nos Estados Unidos como em
especial que tomam qualquer mecanismo de muitos outros países (Binmore & Klemperer,
venda extremamente complexo: a sinergia. A 2002). Mais recentemente, Milgrom foi novamente
sinergia se refere ao fato de o valor da licença convocado para desenhar um leilão ainda mais
referente a uma área depende fortemente da rede complexo, o “Leilão de Incentivos” (Incentive
que uma empresa consegue formar. Por exemplo, Auction) em que o governo comprou frequências
considerando os tamanhos e a interligação entre de redes de TV e simultaneamente leiloou essas
os mercados de São Paulo e do Distrito Federal, frequências para o uso da telecomunicação móvel
uma licença para operar no DF vale muitíssimo (Milgrom, 2019). O leilão, que Milgrom descreveu
mais a uma empresa que consiga também a com “[..]the most excited thing I’ve ever done”
outorga para operar em São Paulo. Portanto, o (Christopher, 2016) foi realizado 29 de março
mecanismo de leilão a ser implementado, se de 2016 a 30 de março de 2017, reposicionou
buscar eficiência e receita para o governo, deve 84 mega-hertz de radiofrequência e gerou 19,8
favorecer o aproveitamento das sinergias, que bilhões de dólares em receitas, sendo 7 bilhões
dependem de cada empresa participante. para o Tesouro americano (FCC, 2017) [12].

Foi então que o mundo real se voltou para os A nova revolução tecnológica no mundo das
acadêmicos de Teoria dos Jogos, tanto o FCC, telecomunicações já está colocada: trata-se do
que contratou o professor John McMillan, como uso da tecnologia 5G, que permitirá velocidades
as empresas interessadas, que contrataram de comunicação de dados até pouco impensáveis
um “dream team” de pesquisadores incluindo, ao alcance de todos. Segundo o Ministro das
dentre outros, Charles Plott, Jeremy Bulow, Barry Comunicações Fábio Faria, o leilão de frequência
Nalebuff, Preston McAfee, Robert Weber, David para a implantação de 5G no Brasil acontecerá
Porte, John Ledyard e, destacadamente, Robert “com certeza” entre abril e maio de 2021 [13]. O
Wilson e Paul Milgrom (McMillan, 1994). ensinamento dos mestres Robert Wilson e Paul
Milgrom nesses últimos anos será de grande valia
Quando Milgrom foi contactado pela concorrente e seu aproveitamento fará toda a diferença entre
Pacific Bell, sua primeira reação foi: “Eu sou um mecanismo de sucesso que gerará bilhões
apenas um economista teórico! Nada sei sobre de reais aos cofres públicos, ou um resultado
isso!” (Christopher, 2016). Apesar do choque pífio para o país.
inicial, Milgrom e Wilson aceitaram o desafio e de
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Quem guarda o guarda? O triste caso


do Ministro Marco Aurélio Mello.

E m sua palestra de recebimento do Prêmio


Nobel de 2007, intitulada “But who will
guard the guardian?” Leonid Hurwicz
volta à antiguidade para citar o poeta
romano Décimo Júnior Juvenal [14]. Segundo o
autor, seria impossível a um marido controlar sua
9/10/2020 e ainda que, atendendo a um pedido
da Procuradoria-Geral da República, o Presidente
do STF Ministro Luiz Fux tenha suspendido a
decisão em 10/10/2020, o criminoso encontra-
se foragido até o momento da redação deste
trabalho. O governador de São Paulo estimou um
esposa colocando guardas para acompanhá-la, custo de 2 milhões de reais a cada 120 dias com
uma vez que os guardas também deveriam ser a força-tarefa para recapturar André do Rap [16].
guardados.
Posteriormente, em 15/10/2020 o STF derrubou
A preocupação sobre diferentes níveis de a decisão monocrática do ministro Marco
hierárquicos de monitoramento e a necessidade Aurélio Mello por 9 votos a 1 (o voto do próprio
de se controlar aquele cuja função é controlar, ministro), confirmando sem sobre de dúvidas o
é uma constante no desenho de qualquer erro daquela decisão.
mecanismo, seja ele teórico ou prático. É assim
que surgem as figuras dos corregedores nas A pergunta que todo cidadão de bem do
forças policiais e do próprio Conselho Nacional Brasil se faz é: “Como pôde o ministro cometer
de Justiça, por exemplo. tamanha absurdidade sem ser controlado por
nenhuma outra instância? [17]” De fato, houve
Em 2 de agosto de 2020, enquanto a nata da uma acertada tentativa de controle por parte do
intelectualidade internacional se preparava para presidente do Supremo, referendada pelo pleno
anunciar mais um Prêmio Nobel em Economia da casa, mas não se mostrou eficaz, uma vez
dedicado à área de desenho de mecanismos, que o criminoso já estava foragido quando esse
o Ministro da Suprema Corte brasileira, Marco controle foi exercido.
Aurélio Mello, proferia habeas corpus para a
soltura de um dos mais perigosos criminosos Uma análise cuidadosa baseada nos incentivos
do Brasil, André de Oliveira Macedo, o “André criados por nossa legislação revelaria uma série
do Rap”, um dos chefões do PCC (Primeiro de incentivos adversos. Este texto, no entanto, se
Comando da Capital), traficante de drogas restringe a discutir um instrumento presente na
internacional condenado em segunda instância Constituição Japonesa, inspirado em instrumento
em dois processos que totalizam mais de 25 semelhante existente na Constituição do Estado
anos de prisão [15]. Americano de Missouri, que podemos chamar de
“Recall” de um ministro da corte suprema. De
A decisão de soltura do criminoso se baseou fato, o artigo 79 da Constituição Japonesa prevê
no parágrafo único do artigo 316 do Código de que qualquer nomeação de ministro da corte
Processo Penal, promulgado pelo presidente suprema seja revista pelo voto popular quando da
Bolsonaro recentemente, que prevê que a prisão primeira eleição da “House of Representatives”
em processo não transitado em julgado somente (Câmara dos Deputados) imediatamente após
poderia ser prorrogada, a cada 90 dias, mediante a nomeação, e sendo revista novamente a cada
solicitação fundamentada pelo juiz de primeira 10 anos. O objetivo explícito desse instrumento
instância ou pelo ministério público. Como o é garantir que a Corte Suprema seja controlada
prazo havia-se esgotado, o Ministro ordenou sua democraticamente (Tsuji, 2017). O instrumento é
soltura. André do Rap foi solto na sexta-feira implementado de forma extremamente simples.

250 Nobel - 2007


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Na cédula de votação para a Câmara dos Deputados é incluída a questão: “Escreva um X na caixa ao
lado do nome do juiz se avalia que ele deve pedir demissão. Não escreva nada na caixa se avalia que
ele não deve pedir demissão”.

Ainda que existam muitas controvérsias relacionadas à questão do “recall” de ministros da Corte
Suprema, não resta dúvidas de que esse instrumento tem o potencial, senão de “controlar o controlador”,
pelo menos de expelir da mais alta Corte de Justiça da Nação aqueles que descaradamente desprezam
a segurança, as finanças e a moralidade pública.

Maurício S. Bugarin
PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da
Universidade de Brasília e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG/CNPq. E-mail:
bugarin.mauricio@gmail.com; URL: www.bugarinmauricio.com.

251 Nobel - 2007


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Notas:
[1] PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de
Brasília e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG/CNPq. E-mail: bugarin.mauricio@gmail.com; URL:
www.bugarinmauricio.com.

[2] “Somos como anões em ombros de gigantes, pois podemos ver mais coisas do que eles e coisas mais distantes, não
devido à acuidade da nossa vista ou à altura do nosso corpo, mas porque somos mantidos e elevados pela estatura de
gigantes.” Bernardo de Chartres, referido por João de Salisbúria, Metalogicon III, cap. 4, ano de 1159.

[3] “for improvements to auction theory and invention of new auction formats”. https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/2020/prize-announcement/

[4] “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” Em carta escrita para Robert Hooke datada de 5 de
fevereiro de 1676.

[5] Esta parte é uma versão revisada e expandida de Bugarin (2007).

[6] Deixo ao leitor curioso o seguinte desafio. Considere o mecanismo comum de um condomínio: os três amigos
votam pela compra ou não da TV e se a maioria votar pela compra, o custo e dividido igualmente entre os presentes.
Mostre que, no exemplo, a TV será comprada, mas o amigo 3 sairá desse mecanismo pior do que entrou, pois o custo
da TV para ele (1 mil reais) é inferior ao benefício. Dizemos, nesse caso, que o mecanismo não respeitou a condição de
Racionalidade Individual. Mostre ainda, alterando os valores da TV para os amigos, que é possível que a TV seja comprada
mas que o benefício agregado seja inferior ao seu custo, por exemplo, se a TV valer 1100 reais para os amigos A e B, mas
apenas 500 reais para o amigo C. Nesse caso, dizemos que o mecanismo não é Eficiente. Note que tanto no mecanismo
do condomínio como no mecanismo proporcional, se a decisão for comprar a TV, os pagamentos dos amigos serão
suficientes para cobrir o preço da TV; dizemos que esses mecanismos respeitam o Equilíbrio Orçamentário.

[7] O leitor curioso poderá verificar que se o valor de referência for , então o mecanismo arrecadará mais do que o
necessário para a compra da TV, sendo ainda do interesse dos amigos participarem dele. Se temos a situação extrema em
que cada amigo é indiferente a participar ou não do mecanismo. Se os amigos preferem não participar do mecanismo e,
finalmente, se será necessário um subsídio externo para a compra da TV, uma vez que o valor arrecadado será inferior
ao preço da TV.

[8] http://serious-science.org/eric-maskin-mechanism-design-theory-1833

[9] “any area of economic life in which free markets are not fully successful, i.e. in which they do not implement our
social goals, is ripe for mechanism design theory”.

[10] O texto deste exemplo foi retirado de Bugarin (2020). O título vem da reportagem no New York Times: “The
greatest auction ever” (Safire, 1995).

[11] Um caso famoso foi do ator Ernest Borgnine, que chegou a ganhar uma licença de telefonia sem ter qualquer
experiência prévia na área, tendo posteriormente vendido essa licença com grande lucro (Christopher, 2016).

[12] Veja Carrasco (2020) para maior detalhamento sobre o Leilão de Incentivos.

[13] https://www.tecmundo.com.br/mercado/177591-leilao-5g-brasil-abril-maio-2021-diz-ministro.htm

[14] Décimo Júnio Juvenal viveu nos séculos I e II, entre 55 e 127, tendo sua principal obra sido uma coleção de poemas
satíricos, as Sátiras, em que critica a decadência da Roma antiga. Consta na sátira 10 do livro IV a famosa frase: “Mente
sã num corpo sadio” (Mens sana in corpore sano).

[15] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54549497

[16] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/16/doria-diz-que-forca-tarefa-para-tentar-recapturar-andre-
do-rap-custa-r-2-milhoes-a-sp.ghtml

[17] O Estadão revelou que a polícia procura pelo menos outros 20 criminosos foragidos que foram soltos em condições
semelhantes pelo ministro Marco Aurélio Mello.

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252 Nobel - 2007


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Tsuji, Y. (2017). Independence of the Judiciary and Judges in Japan. Revista Forumul Judecatorilor 2, 88-99.

Vickrey, W. (1961): “Counterspeculation, Auctions and Competitive Sealed Tenders,” Journal of Finance, 16, 8-37.

253 Nobel - 2007


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2008
Nova Teoria de
Comércio Internacional e Nova
Geografia Econômica
Paul Krugman
por Ana Maria Bonomi Barufi

Introdução

O norte-americano Paul Krugman foi vencedor do Prêmio Nobel de


Economia em 2008 por sua pesquisa em comércio internacional
e geografia econômica. Uma de suas principais contribuições
à literatura foi integrar economias de escala em modelos de
equilíbrio geral, ampliando o entendimento dos fluxos de comércio e da
localização da produção em uma economia cada vez mais globalizada.

Nova teoria de comércio


internacional (NTT)

O
modelo tradicional de comércio internacional se baseava na teoria das vantagens
comparativas, que remonta a David Ricardo, posteriormente aprofundada por Heckscher
e Ohlin. O padrão do comércio seria fundamentado nas diferenças entre os países
(tecnologia ou acesso a fatores de produção). De maneira geral, esta teoria parecia ser
capaz de explicar a maior parte do comércio internacional, mas ao longo do século XX, o
aumento do comércio intrasetorial, principalmente entre países desenvolvidos, levou a uma redução
de seu poder explicativo. Nesse sentido, um país poderia importar e exportar ao mesmo tempo bens
similares.

254 Nobel - 2008


E-BOOK NOBEL

Em 1979, Krugman publicou um artigo seminal acesso a mercados mais amplos, o que lhes
em que apresentou uma nova teoria de comércio permite ampliar a produção e obter economias
internacional, baseada nas hipóteses de de escala. Elas também ficam também expostas
economias de escala e de que os consumidores à competição externa, o que reduz sua margem,
desejam ter diversidade em seu consumo. levando algumas empresas a não resistir. Ainda
assim, no final das contas o consumidor terá
Alguns anos antes, Dixit e Stiglitz (1977) tinham mais opções para escolher, e as vantagens do
apresentado um modelo para analisar as comércio surgem não devido à especialização,
preferências dos consumidores por variedade. mas sim em função de economias de escala,
Com isso, cada produtor, trabalhando com maior competição e da possibilidade de obter
retornos crescentes de escala, se tornaria um maior variedade de bens.
tipo de monopolista de sua própria marca, mas
competiria com as demais marcas. Firmas teriam Custos de transporte decrescentes foram
incentivos para produzir grande variedade de importantes para o crescimento do comércio, e
bens, mas o custo de iniciar a produção faria Krugman (1980) os incorporou ao seu modelo
com que, ao aumentar a produção, elas tivessem de comércio internacional, no formato de custos
custos médios decrescentes, e, portanto, poucas de iceberg (uma fração dos produtos enviados
variedades persistiriam no mercado. “derrete” no caminho). Custos de transporte
elevados geram um efeito do mercado doméstico,
Krugman observou que isso poderia explicar que leva firmas a se concentrarem em mercados
porque países com características idênticas proporcionalmente maiores.
comercializam entre si, inclusive dentro do
mesmo setor. Faz sentido para cada país se A Nova Teoria do Comércio gera predições
especializar na produção de certa marca (com acuradas sobre o impacto da liberalização do
as vantagens das economias de escala), e os comércio em padrões de comércio, a localização
consumidores ao redor do mundo se aproveitam da produção e a remuneração de fatores. Ela
dos consequentes preços mais baixos e da maior pode também ser utilizada para análises de
diversidade. bem-estar.

No contexto do comércio internacional, conforme


barreiras ao comércio caem, as firmas ganham

Nova Geografia Econômica (NEG)

A
geografia econômica lida com a decisão do local em que cada bem é produzido, e também
com a distribuição de capital e trabalho entre países e regiões. Krugman trouxe a hipótese
de economias de escala para esse contexto, propiciando o surgimento da Nova Geografia
Econômica.

Ainda em seu artigo sobre comércio internacional, Krugman apontou que se dois países são
exatamente iguais, possuirão nível semelhante de bem-estar, mas se eles diferirem apenas em relação
ao tamanho da população, aquele com maior população deverá se beneficiar mais de economias de
escala, e gerará maior remuneração do trabalho, atraindo mais consumidores e trabalhadores para
esta região.

Em 1991, Krugman adaptou esses conceitos ao contexto de uma teoria de localização de trabalhadores
e firmas entre regiões. Os principais elementos de seu modelo são que o comércio é possível, mas os
custos de transporte o obstruem. Já o trabalho pode se mover entre as regiões, e deve se deslocar

255 Nobel - 2008


E-BOOK NOBEL

para o local com maiores salários reais e maior diversidade de bens. Por fim, as empresas tomam a
decisão de se localizar de acordo com o trade-off entre economias de escala e o quanto elas poupam
em custos de transporte.

Economistas demoraram muito tempo para trazer explicações de como disparidades espaciais podem
surgir, dadas as limitações do arcabouço utilizado anteriormente, baseado em retornos constantes
de escala. Starret (1978) apontou em seu Teorema da Impossibilidade Espacial que no modelo de
Arrow-Debreu (1954), com retornos constantes de escala, número finito de agentes e locais, espaço
homogêneo e transporte com custo, não há equilíbrio competitivo envolvendo troca entre diferentes
locais. Desigualdades espaciais e especialização regional só ocorreriam se ao menos uma dessas
hipóteses não valesse.

Fujita (1988) já considerava a possibilidade de diferenciação de produtos e economias de escala


no nível da firma para explicar a formação endógena da estrutura interna das cidades, mas sem
possibilitar desbalanceamentos entre regiões. Na competição imperfeita, as decisões de preço das
empresas dependem da distribuição espacial de consumidores e de outras empresas. O modelo
também prevê retornos à escala no nível da planta, e o transporte tem custo, de forma que a decisão
locacional não é trivial.

A decisão locacional das empresas pode ser afetada pela competição de preços, que é um fator de
dispersão, mas conforme elas produzem bens diferenciados, tal fenômeno perde força. As firmas
buscam o mercado com custos de transporte mais baixos e maior demanda (efeito de mercado
doméstico). Este último elemento poderia significar que as pessoas não poderiam migrar. O modelo
do centro-periferia de Krugman resolve esta questão.

O modelo centro-periferia começa com elementos semelhantes à NTT: competição monopolística,


retornos crescentes e preferência por variedade. Além disso, considera a livre migração de
trabalhadores qualificados no espaço e entre setores, e leva em conta custos de transporte do tipo
iceberg. Seu objetivo é descrever a distribuição no espaço da população e da atividade econômica,
considerando duas regiões (a princípio). Firmas e trabalhadores acabam sendo atraídos para o
mesmo lugar para reduzir custos de transporte e de envio de bens (corça centrípeta), mas as pessoas
também são atraídas por insumos naturais (força centrífuga).

O modelo parte da ideia de que a migração de certos tipos de trabalhadores afeta o bem-estar global
e altera a atratividade relativa das regiões, com externalidades sobre o tamanho do mercado de
consumo e sobre o mercado de trabalho de ambos os locais.

Além disso, supõe a existência de duas regiões e dois setores, a indústria operando em competição
monopolística (à la Dixit-Stiglitz) e a agricultura sob competição perfeita. Existem dois fatores de
produção, um regionalmente imóvel usado na agricultura, e o outro regionalmente móvel e usado na
indústria.

Krugman identifica um processo cumulativo que ocorre pelo tamanho do mercado e seu efeito no
custo de vida. O tamanho do mercado leva à concentração da indústria em uma região, e conforme
esta região cresce, atrai mais demanda e por consequência motiva a entrada de mais produtores da
indústria (efeito do mercado local), promovendo aglomeração deste setor em um único local (com
causação circular de efeitos de ligação para frente e para trás, uma força centrípeta). Por outro lado,
mercado mais concentrado aumenta a competição por preços, gerando uma força de dispersão
(efeito de mercado lotado).

256 Nobel - 2008


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Os custos de transporte acabam se tornando o fator-chave para determinar a distribuição espacial


da indústria. Se eles forem suficientemente baixos, a firma não precisa se localizar no local com
maior mercado para conseguir vender no mesmo, e ocorre menor aglomeração. Já se os custos
de transporte forem muito elevados, haverá maior incentivo à aglomeração. Portanto, o modelo do
centro-periferia traz fatores de convergência, mas também divergência.

Posteriormente, Krugman (1993) estendeu o modelo para múltiplas regiões, e Fujita e Krugman
(1995) foram precursores na explicação de como padrões de uso da terra urbanos e para agricultura
emergem de forma endógena.

Conclusão

O De maneira geral, Fujita e


Thisse (2008) destacam
que nem tudo o que
Krugman trouxe era novo,
mas que ele foi capaz de esclarecer
os fundamentos microeconômicos
por trás das aglomerações e
disparidades regionais no nível
nacional e internacional, combinando
os elementos de competição
imperfeita, retornos crescentes e
custos de transporte de maneira
nova.

Ana Maria Bonomi Barufi


Mestre e PhD em economia pela USP, Research and Innovation manager no Bradesco

257 Nobel - 2008


E-BOOK NOBEL

Notas:
Referências

Arrow, K. and G. Debreu (1954), Existence of an equilibrium for a competitive


economy, Econometrica, 22, pp. 265-290.

Dixit, A.K., Stiglitz, J.E. (1977), Monopolistic competition and optimum product diversity. American Economic
Review 67, 297–308.

Fujita, M. (1988), A monopolistic competition model of spatial agglomeration: Differentiated product


approach, Regional Science and Urban Economics, 18, 87–124.

Fujita, M. and P. Krugman, (1995), When is the economy monocentric? von Thü-
nen and Chamberlin unified, Regional Science and Urban Economics, 25, 505–528

Fujita, M.; Thisse, J.F. (2008), New Economic Geography: an appraisal on the occasion of Paul Krugman’s
2008 Nobel Prize in Economic Sciences. Regional Science and Urban Economics, 29, 109-119.

Krugman , P. (1979), Increasing returns, monopolistic competition and international trade, Journal of
International Economics, 9, 469-479.

Krugman, P. (1980), Scale economies, product differentiation and the pattern of


trade, American Economic Review, 70, 950–959.

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Krugman, P. (1993), First nature, second nature, and metropolitan location, Journal of Regional Science, 33,
129–144.

Starrett, D. (1978), Market allocations of location choice in a model with free


mobility, Journal of Economic Theory, 17, 21–37.

258 Nobel - 2008


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2009
Elinor C. Ostrom e Oliver E. Williamson
por Sávio Coelho

Elinor C. Ostrom:
A Tragédia da
Tragédia dos
Comuns

O
O Prêmio Nobel de Economia de 2009 foi
particularmente interessante, pois foi um
dos mais irônicos desde o partilhado entre
Gunnar Myrdal e F.A Hayek em 1974.

Os laureados daquele ano eram Elinor Ostrom e Oliver Williamson; por suas contribuições ao
entendimento econômico da governança e sua aplicação. Ambos os autores investigaram a forma
como as regras moldavam os mais diferentes ordenamentos sociais e suas implicações na eficiência
econômica dos mesmos, porém eles partiram de perspectivas diferentes. Enquanto Williamson deu
importância ao papel das hierarquias na governança das instituições, Ostrom foi no exato caminho
oposto.

Muito mais do que ter sido a primeira mulher a ganhar um prêmio nobel de economia, Elinor foi
fundamental para mudar nossa visão acerca das instituições e seu estudo.

259 Nobel - 2009


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A visão que se tinha ( e muitos no Brasil ainda institucionalistas, como Émile Durkheim, Max
tem) das instituições em seu sentido econômico Weber e John R. Commons. Para eles, as
é moldada pela clássica definição dada por normas sociais eram regras de delimitação do
Douglas North (1990). Segundo North, as comportamento individual que eram dadas por
instituições são as regras do jogo, tanto as um contexto social específico e moldadas por
formais ( delimitadas pelas autoridades) como condições ambientais específicas; como guerras,
as informais ( dadas por convenções sociais, geografia, clima, interação com outros grupos,
como no caso da cultura) e também as suas etc.
características de eficiência. Juntas, essas regras
definem a forma como o jogo econômico é Essas regras não eram necessariamente
jogado, como as escolhas são delimitadas pelos conhecidas pelos indivíduos, mas elas eram
agentes econômicos racionais. incorporadas em seu comportamento por meio
das diferentes interações de “solidariedade
Todavia, a definição de North, apesar de didática, orgânica e mecânica” presentes dentro da
é falha ao se notar o fato de que o jogo econômico sociedade; como as relações familiares, comércio
pode acontecer na ausência de regras. Segundo e relações de trabalho. Por meio dessas normas a
a definição clássica, se as regras do jogo não sociedade criava uma ordem social orgânica em
estiverem claras, se os agentes não tiverem constante mudança à medida que as condições
conhecimento perfeito sobre elas, então não iniciais fossem mudando ou, na linguagem dos
existiria atividade econômica, pois a incerteza marxistas, conforme a mudança dos processos
resultante elevaria os custos de transação dos de produção.
direitos de propriedade para além de seus
benefícios marginais. Para mostrar a aplicação dessa sua visão das
instituições, Ostrom investigou o problema
Essa não era a visão que Ostrom tinha das de coordenação social colocado pelo biólogo
instituições. Para ela as instituições têm duas americano Garrett Hardin (1968) chamado de “A
dimensões que não podem ser ignoradas. Tragédia dos Comuns”.
A primeira é que elas são configuracionais,
dependentes do contexto socio-econômico Em sociedades tradicionais, sem um grande
em que surgem, e não podem ser tomadas desenvolvimento de instituições normativas
isoladamente. Segundo é que instituições não como o estado de direito ocidental, muitas vezes
são regras seguidas a risca. As instituições não o custo de proteção de direitos de propriedade
afetam diretamente o comportamento, mas sim é maior do que os benefícios auferidos da
a estrutura que delimitará os possíveis resultados manutenção desses direitos e os custos de
que irão emergir das interações entre os agentes. transação positivos derivados disso fazem com
O estudo e definição individual das instituições, que propriedades sejam deixadas livres para uso
retiradas do sistema socio-econômico que público (Barzel 1997). Na Idade Média europeia
integram, não é efetivo na medida em que um exemplo disso eram os campos comuns ( do
a consequência de qualquer regra depende inglês common fields); terras que geralmente
do tipo de ambiente em que ela está inserida ficavam nas fronteiras dos domínios feudais e
e, como regras especificam o conjunto de que eram consideradas custosas demais pelo
resultados possíveis, há regras que proíbem senhorio para protegê-las eram deixadas para
e outras que permitem uma dada ação em uso público. Nessas terras os plebeus podiam
diferentes circunstâncias. Assim, a delimitação plantar, colher, caçar e criar animais de maneira
do comportamento ocorre ex post a delimitação livre ( Clark e Clark 2001). Todavia, essas terras
da ação (Ostrom 1987) configuravam um clássico problema de definição
de direitos de propriedade sobre a utilização
Em certo sentido o que Elinor fez foi resgatar de um dado recurso, como definido por Coase
a linha de pensamento dos sociólogos (1960).

260 Nobel - 2009


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Para ilustrar esse problema vamos tomar um Contudo, essa não era a visão de Elinor Ostrom.
experimento mental. Imagine uma sociedade Em seus estudos de campo em sociedades
primitiva. Nela existe duas pessoas e ambas tradicionais, como aquelas da Inglaterra medieval,
utilizam um lago comum para pesca. Vamos ela registrou que a administração dos Commons
dizer que ambos vão expandir suas atividades não era ineficiente como prevista pela tragédia
até o máximo que conseguirem; ou seja até que dos comuns. Segundo Ostrom (1990), os direitos
exista um equilíbrio entre maximização de peixes de propriedade sobre dados recursos não
pescada entre ambos os indivíduos. precisavam ser definidos por uma autoridade
externa em um processo de privatização, pois
Porém ai um dos indivíduos quer, mesmo nesse eles já eram bem definidos pelas normas sociais
cenário, pescar mais peixes. Uma vez que a dessas comunidades. Cada indivíduo nascido
quantidade de peixes é limitada, cada ganho nessas sociedade aprendia tacitamente, por
marginal do indivíduo que pescar mais é um custo meio das relações com os outros, os limites das
marginal para o outro. Caso o custo marginal propriedades de cada um, a quem pertencia
causado para o outro indivíduo supere o benefício o que e como as relações eram estabelecidas.
líquido conseguido com a pesca adicional, Mesmo sem regras claras, cada um agia sabendo
então esse sistema é socialmente instável, pois como deveria agir.
as trocas econômicas nessa situação não são
ótimas. O indivíduo estaria ganhando às custas Elinor mostrou que para a criação de uma ordem
do outro sem sofrer os custos de sua ação. social estável, de instituições funcionais, não
era necessário estabelecer relações verticais
A forma ótima da solução desse problema é hierarquizadas, com uma judicialização de todas
geralmente a delimitação da propriedade dos as relações sociais por meio do estado intervindo
recursos e o estabelecimento de direitos de na delimitação da propriedade de tudo e servindo
propriedade claros. Uma vez que os indivíduos como árbitro de todos os problemas. As relações
possuam conhecimento claro sobre quem poderiam se dar de forma horizontal, com as
é proprietário sobre os recursos, será mais pessoas negociando de igual para igual com
fácil a transação de direitos de uso sobre essa base em tradições comuns de sua comunidade.
propriedade e a proteção dessa propriedade. Se As pessoas podem se organizar, formar laços e
o lago e seus peixes pertencem a um indivíduo estabelecer regras elas mesmas que gerem uma
X, então um outro indivíduo Y poderá pagar coordenação ótima na alocação de recursos.
para poder pescar naquele lago compensando
X pelos eventuais custos marginais da pesca. Como Weber já tinha colocado antes dela, a
Caso Y tente violar a propriedade e pescar no intervenção judicial nas relações sociais, como
lago jogando os custo de seu uso para X, então na delimitação de direitos de propriedade, só
esse poderá reclamar seu direito de propriedade é necessária quando uma sociedade está em
com as autoridades legais e essas poderão um processo de decadência de suas normas
arbitrar claramente o conflito ao saber a quem sociais ( tradições e cultura). Com o aumento
os recursos pertencem legalmente, impondo da complexidade de certas relações ( formas de
uma sanção sobre o infrator. produção mais complexas), as pessoas deixam
gradualmente a solidariedade orgânica e passam
Assim, a solução clássica para a tragédia dos a interagir mais por solidariedade mecânica (
comuns é a privatização da propriedade pública. Weber 1905).
Isso ocorreu na Grã-Bretanha, onde os commons
foram privatizados e tornados nos enclosures ( Mas relações orgânicas ainda podem atuar de
cercamentos) para a produção de insumos para forma eficiente em nível local e o pressuposto de
indústria nascente e o estado de direito inglês que é necessário intervenção estatal em todos
adquiriu corpo para a proteção dessas novas os casos pode causar problemas ainda maiores,
propriedades. na medida em que irá alocar os direitos de

261 Nobel - 2009


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propriedade de uma forma a discriminar pessoas de maneira não ótima. Ostrom e Whitaker (1973),
por exemplo, mostram que polícias locais estão em melhor controle da comunidade e tendem a
utilizar a forças de maneira mais eficiente do que quando a polícia é federalizada, uma vez que
essa possui o incentivo perverso de não ter que prestar contas diretamente à comunidade que está
protegendo. Um policial federal que mata um membro inocente de uma comunidade não sofrerá os
mesmos custos por essa morte do que um policial que mora naquela comunidade e nem terá a moral
para impor a sanção quando ele for culpado.

Ostrom reintroduziu a cultura e o estudo sociológico de campo de volta na economia. Não era somente
um bom estado de direito com uma força policial eficiente que poderia constituir uma ordem social
eficiente, mas também as sociedades indígenas na Amazônia ou mesmo as outrora menosprezadas
sociedades feudais. Para os recursos serem utilizados de maneira ótima, sem desperdício e com
uma utilização racional, não era mais necessário privatizá-los ou entregá-los para empresas estatais.
Os nativos locais sabem como preservar seus recursos melhor do que qualquer tecnocrata em uma
cidade distante, que dificilmente sabe da totalidade das condições daquele local.

De certa forma, essa perspectiva colocou um grande desafio às tentativas de um planejamento


de desenvolvimento econômico. Para um seguidor de Ostrom, nenhum planejador central teria
conhecimento para saber as condições envolvidas na administração de um recurso em um local
específico ou para moldar uma comunidade segundo um plano diretor ou algo do tipo. As tentativas
de fazer isso geralmente criariam instituições informais ineficientes e perversas, como conflitos entre
grupos étnicos diferentes por recursos ou colapso de ligações sociais; como no caso da intervenção
humanitária nas Ilhas Nicobar.

Mas ela também mostra a riqueza e singularidade de cada civilização. A maior lição que pode ser
tirada das obras de Ostrom é que toda instituição é eficiente, por mais moralmente errada que seja, e
possui um papel dentro de sua sociedade. Como Leeson (2017) mostrou, mesmo instituições bizarras
aos nossos olhos, como a venda de esposas na Inglaterra vitoriana ou a prisão de baratas na Itália
renascentista, tem sua racionalidade econômica. Outros, como Harris (2018), mostraram que mesmo
casos de ordens sociais que seriam consideradas ineficientes por problemas como o free ride (como
no caso dos sites de pirataria na internet; e.g Libgen), ainda assim elas sobrevivem e continuam
existindo graças a suas regras informais; contrariando a lógica comum, uma vez que dado o free ride
logo os indivíduos parariam de contribuir com essa dada relação por falta de benefícios líquidos.

262 Nobel - 2009


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Oliver E. Williamson:
A Importância das Organizações

N o dia 21 de Maio de 2020, o prêmio


nobel de economia Oliver E.
Williamson faleceu em decorrência
de uma pneumonia. Sua morte foi
uma perda gigantesca não somente para a
economia, mas para todas as ciências sociais.
são alocados de setor para setor de uma mesma
empresa ou como o processo de alocação e
produção é organizado. Ela é apenas uma função
de produção que, de alguma forma, age dentro
dos mercado transformando inputs em outputs.

Williamson foi até não muito tempo atrás o Segundo essa teoria, dado um mundo onde os
cientista social mais citado do mundo, com empreendedores possuem informação perfeita,
contribuições desde as ciências administrativas as relações de contrato ou outras forma de
até sociologia política e o direito. Ele foi um dos transação dentro da firma seriam insignificantes
responsáveis pelo desenvolvimento do que viria para análise, pois os contratos sempre seriam
a ser a Nova Economia Institucional, foi um dos cumpridos.
fundadores do Ronald Coase Institute para esse
fim e modificou radicalmente a forma como os Os gestores têm conhecimento acerca de todos
economistas vêem o mercado. os aspectos do comportamento de fornecedores
e trabalhadores, de forma que falhas contratuais
Todavia, no Brasil sua obra ainda é pouco seriam impossíveis. Dado tecnologias presentes,
explorada. Muitos desconhecem suas preço de insumos, preferências de consumo e
contribuições fundamentais para nossa etc, a firma simplesmente usaria tais dados para
compreensão do funcionamento da sociedade. maximizar seu lucro dado uma linha de restrição
Por essa razão, irei explicar brevemente a razão orçamentária. Assim, a firma não seria mais que
de Williamson ser tão admirado. um conjunto de equações de dotação de fatores
e custos em um simples problema de cálculo.
Contudo, para explicar sua contribuição temos Contudo, isso é algo bem distante do mundo real
que entender a forma como os economistas e foi justamente isso que Williamson criticou.
até então enxergavam o funcionamento dos
mercados, particularmente a forma como eles Sua crítica começa ao se analisar a visão de
viam as firmas. racionalidade de Herbert Simon. Segundo
Simon, o pressuposto de racionalidade completa
A teoria neoclássica da firma é um construto da economia neoclássica deveria ser substituído
mental segundo o qual o funcionamento e a pelo de racionalidade limitada, segundo o qual
estrutura organizacional interna das instituições os agentes econômicos tentam ser racionais,
podem ser negligenciados. O economista mas apenas o conseguem de modo limitado. O
neoclássico não se interessa pelo arranjo interno agir econômico estaria delimitado pelos limites
das instituições, mas sim pelo que ocorre nos da capacidade de conhecimento humana e
mercados externos a ela. suas limitações na obtenção e decodificação de
informações.
Assim, o economista neoclássico busca entender
como recursos são alocados entre mercados, A principal consequência da adoção do
mas não como os mesmos são alocados dentro pressuposto da racionalidade limitada de Simon
das firmas. Ele não se interessa por como se dá é o reconhecimento de que contratos complexos
as relações contratuais entre empregadores e (como contratos financeiros ou contratos de
trabalhadores, como insumos são negociados trabalho) são, inevitavelmente, incompletos.
com fornecedores, como esses mesmos insumos Mesmo se fosse possível se atribuir conhecimento

263 Nobel - 2009


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equitativo das partes de um contrato, como um ante no contrato, inserir salvaguardas contratuais
contrato de trabalho, acerca do contrato em si, e, em último caso, optar por alguma forma de
ainda assim tal não impediria o surgimento de hierarquização.
problemas pós-contratuais.
A reação natural de muitos é pensar que a melhor
As partes contratantes estão sujeitas a problemas forma de se lidar com o oportunismo contratual
de assimetria de informação e racionalidade é se estabelecer uma salvaguarda hierárquica
limitada no momento de formulação contratual; externa às partes, um árbitro. Seguindo a linha
um credor, por exemplo, não sabe de todos os de raciocínio de Akerlof e Arrow, uma vez que
aspectos da vida da pessoa para quem ele está não haveria possibilidade de se estabelecer um
emprestando seu dinheiro e suas reais condições conhecimento equitativo entre as partes do
de pagamento futuro, de forma que ele não tem contrato, a melhor solução seria colocar um
como medir o risco real de um dado empréstimo. agente externo ao processo de produção do
Surge então o que Williamson definiu como o contrato para monitorar o cumprimento dos
Problema do Oportunismo. termos estabelecidos. O governo, por exemplo,
atuaria como árbitro externo e hierarquicamente
Devido às falhas na formulação de todos os superior às partes e decidiria um caso de conflito
termos de um contrato (impossibilidade de se caso esse emergisse do processo. Assim, a reação
prever em momento de formulação todas as automática caso algo dê errado é a correção
nuances da transação ali firmada) e em face de dos desvios por vias de novas regras e controles
choques imprevisíveis para os quais contratos impostos de cima para baixo.
incompletos não conseguem se adaptar de
maneira prévia, as partes do contrato afastam-se
daqueles termos firmados previamente e passam
a ser guiados não mais pelos princípios das
normas contratuais estabelecidas anteriormente,
mas por considerações pragmáticas e de
interesse pessoal.

Um credor que vê seu capital aparentemente


ameaçado nas mãos de um mutuário
irresponsável, pode solicitar sua falência sem
saber previamente qual seu plano empresarial de
maneira completa; aquela suposta ameaça pode
ser somente uma consequência temporária de
um plano empresarial que dê frutos em longo
prazo. Em face desse problema de oportunismo,
os custos de transação tendem a aumentar e a
degenerar a estrutura contratual erguida ex ante.

Os agentes, tendo em isso em mente, seja devido


à transmissão de informações entre terceiros ou
por experiência própria, irão tentar solucionar
esse problema de oportunismo para diminuir os
custos de transação e tentar tornar o contrato
viável. De tal forma, as partes contratuais tendem a
identificar possíveis riscos contratuais, modificar
os mecanismos que regem tais riscos, elaborar
os novos mecanismos que serão inseridos ex

264 Nobel - 2009


E-BOOK NOBEL

não pretendidas”, colocadas como uma


Porém, isso segundo Williamson é uma impossibilidade do estabelecimento de controles
solução extremamente simplista e irreal dado o hierárquicos diretos nas relações institucionais,
problema de racionalidade limitada enfrentado não significa que as organizações estejam imersas
por firmas e outras instituições. Caso tal solução em caos. Todas as organizações possuem falhas.
fosse empregada, uma empresa precisaria de Algumas podem ser extremamente rígidas em
monitores contratuais para cada uma de suas suas relações de trabalho, outras fragmentadas
transações. Ela precisaria judicializar cada uma ao ponto de perder certos controles e outras
de suas relações e precisaria de um árbitro para terem culturas corporativas que são estranhas a
cada uma delas. Contudo isso não ocorre, a maior olhos externos.
parte das relações das firmas não precisam de
uma monitoria ou judicialização na grande parte Mas isso se deve ao fato de que cada organização
do tempo e, se tal fosse empregado, seria sub- ser em si mesma uma forma alternativa de
ótimo uma vez que o empreendedor precisaria governança. Cada firma se organiza segundo
despender recursos( como tempo) resolvendo uma série de fatores próprios a ela; o tipo de
questões puramente burocráticas quando ele ambiente de negócios em que ela vive, o tipo de
não precisaria fazer isso. trabalhador que ela emprega, o tipo de insumo
que trabalha, o tipo de fornecedor com que ela
A solução de resolver os problemas institucionais negocia, as ideias do proprietário, etc.
por meio de um árbitro externo, como o governo,
ignora a possibilidade de resposta não servil dos Como na teoria da evolução de Charles Darwin,
outros seres humanos; eles podem agir de formas cada ser que surge desse conjunto de fatores
a não atender as especificações da autoridade únicos é especial e insubstituível à sua maneira,
hierárquica externa, pois tal não é eficiente para cada qual com suas vantagens e desvantagens
eles naquele dado momento. Isso é o que Adam naturais devido sua estruturação. Um peixe
Smith chamou de Falácia das Peças de Xadrez. pode ser inapto para voar quando comparado
a uma águia, mas ele é perfeito para nadar e
Ela também falha em perceber que, devido ao se movimentar em correntezas aquáticas. Suas
problema da racionalidade limitada, é impossível diferenças não são necessariamente defeitos,
a um agente definir um repertório completo de mas apenas diferenças; derivadas de processos
respostas, segundo a qual existe apenas uma evolutivos diferentes.
única solução ótima e objetiva. Ou seja, ela falha
em notar que eventos estocásticos no modelo A mesma coisa se aplica às “células” das firmas:
mecânico impositivo fragilizarão ainda mais os seu capital e seus insumos. Na teoria neoclássica,
processos de decisão. Ao tentar, por exemplo, o capital é considerado um fator homogêneo e
solucionar possíveis conflitos trabalhistas por indiferenciável. Dentro da equação de produção,
meio da criação de normas que pressuponha é considerado que o capital se comporta como
certos conflitos ex ante, a justiça do trabalho se fosse uma “massa de modelar” que pode ser
criar um código sólido, mas que não pode prever amassado e modificado livremente sem perder
como cada firma irá se organizar ou como sua essência. Assim, não existe propriamente
cada relação de trabalho será estruturada. Ela um lugar nessa teoria para a questão de como
tentar estabelecer uma solução definitiva para as firmas se organizam. Como o capital é
todos os problemas, mas o código é redigido homogêneo, ele pode ser alocado livremente
com conhecimento limitado acerca de todos e não existe custos de transação para essa
os nuances de como as firmas realmente estão alocação.
funcionando. O mesmo erro da teoria neoclássica
da firma repetido em lei. Mas isso, como pontua Williamson, é
completamente irreal. Máquinas não podem ser
Segundo Williamson, essas “consequências livremente alocadas ou usadas para qualquer

265 Nobel - 2009


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fim, como se fosse uma massa de modelar que pudesse virar qualquer coisa. Ela é um ativo específico
para um fim determinado e com alocação limitada. Dessa forma, o capital de uma firma é composto
por diversas peças que possuem seu papel específico dentro do plano empresarial de produção, não
podendo se encaixar ou serem alocados entre si.

Assim como as células de seu corpo, eu não posso fazer uma hemácia desempenhar o papel de um
glóbulo branco e não posso fazer o tecido adiposo desempenhar as funções do tecido cardíaco. Da
mesma forma na firma cada estágio de produção, cada segmento e forma de estruturação desse
capital na firma é único para cada dado plano empresarial. Dessa forma, o capital não é uma unidade
amorfa e que pode ser utilizada sem especificação em uma função de produção, mas sim algo
heterogêneo e que se estrutura em etapas subjetivas na cabeça do empreendedor.

As organizações têm, por isso, uma forma de vida própria e mostram a importância de se considerar
os efeitos das regularidades do desenho institucional ex ante. É necessário se considerar que cada
modo de organização é definido por uma síndrome de atributos internamente consistentes.

As instituições contratuais são importantes no suporte dos modos de governança. A instituição


contratual máxima das organizações é a hierarquia. Enquanto a justiça estatal pode lidar bem com
disputar entre firmas, ela lida de modo extremamente imperfeito com disputas entre duas divisões
de uma firma por causa de seu conhecimento imperfeito. Apenas os administradores daquela firma
possuem o conhecimento, muitas vezes tácito, para lidar com tais problemas. Sem a possibilidade de
se recorrer à justiça, a hierarquia é a única forma de se resolver conflitos.

Portanto, a teoria da firma de Williamson pode ser definida como: um trabalho a partir do cenário
de contratos incompletos no qual acidentes ocorrem entre partes bilateralemente dependentes
quando as situações reais envolvidas no processo contratual desviam dos termos estabelecidos
anteriormente por desequilíbrios gerados por incertezas, conflitos e mudanças de ambiente, onde
consequentemente as partes são levadas a barganhar seus direitos de propriedade sobre os bens
transacionados em contratos várias e várias vezes. Tais transações múltiplas impõem custos de
transação altos para os participantes, que terão que negociar várias vezes, de forma que tal cria
incentivo para o desenvolvimento evolutivo de instituições de cooperação adaptativa.

266 Nobel - 2009


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Mas não pense que a teoria da firma de Williamson se aplica unicamente a empresas e o mundo
corporativo. Ela se aplica a todas as instituições humanas.

Pense em uma civilização, por exemplo. Os membros de uma dada sociedade convivem entre si e
estabelecem diversas relações ao longo de seu curso de vida. Mas essa relações são estabelecidas
por meios simples ou complexos? Eu poderia facilmente pensar em uma sociedade em que todos
simplesmente trocas coisas livremente e vivem suas vidas da maneira que quiserem, sem violar uns
aos outros. Mas como garantir que tais relações seriam estáveis? Eu poderia questionar se o objeto
que você me entregou atende mesmo às especificidades que queria ou que você me prometeu.
Poderia questionar se seu muro está invadindo minha propriedade ou não. Como saber que tem
razão e quem não? Como resolver o conflito?

A resposta natural seria pensar em se criar um governo. O estado, com seu monopólio territorial
do uso da força, monitorar contratos, criar órgãos para arquivar cópias deles e olhar quando fosse
necessário, criar sistemas de delimitação de propriedade e punições para caso de sua violação. Ele
poderia vigiar a tudo e todos e fazer com que, regra por regra, a sociedade tendesse a um projeto
ideal estabelecido por um plano mental de justiça ou outras ideias normativas. Mas que sociedade
funciona assim? Existe alguma sociedade em que o estado interfira em todas as esferas das relações
humanas e não tenha degenerado em um ambiente social insustentável? Não, as sociedade humanas
não funcionam assim.

As relações humanas são reguladas em grande parte por formas mais primais de hierarquias. Dado
os fatores que o cercam( ambiente, clima, relações com outras tribos, etc), os humanos desenvolvem
regras e hierarquias orgânicas para coordenar suas sociedades de maneira totalmente natural.

Assim, diferentes sociedades estabelecem diferentes normas sociais e tradições culturais, cada uma
estruturada em tecidos sociais ( civilizações) únicos. Cada uma possui sua organização hierárquica,
suas instituições, selecionada de maneira evolutiva pelos diversos fatores em que ela vive. Cada
norma social, cada elemento cultural, possui uma função dentro de uma dada sociedade e, mesmo
que possa parecer irracional para observadores externos, ele possui um sentido, mesmo que tácito,
para os membros dela. Assim, por mais que se possa achar os costumes dos nativos tribais africanos
bárbaros, eles possuem sua razão de existir.

Assim, por mais que muitos desejem impor códigos centralizados de governança a toda uma
sociedade, para que essa se torne aquilo idealizado pelos legisladores, muitas vezes regras informais
( tradições e hábitos) são melhores reguladores que leis. Quando se tenta modificar uma sociedade
de cima para baixo, o planejador central muitas vezes aniquila certas instituições, que ele muitas
vezes nem sabia que existiam ou sua função dentro de dada comunidade, que levam ao colapso
daquela sociedade. As vezes é melhor deixar as pessoas se auto-organizarem e admitir que ninguém
tem conhecimento suficiente para dizer que isso ou aquilo é melhor que a maneira delas levarem a
vida.

Sávio Coelho
Graduando em ciências econômicas na Universidade de Fortaleza (Unifor), gosta de estudar história
econômica, com foco em história fiscal e monetária, e é simpatizante da Mainline Economics.

267 Nobel - 2009


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Notas:
Referências

— WILLIAMSON, Oliver E. The theory of the firm as governance structure: from choice to contract. Journal
of economic perspectives, v. 16, n. 3, p. 171–195, 2002;

— WILLIAMSON, Oliver. Contract and economic organization. Revue d’economie industrielle, v. 92, n. 1, p.
55–66, 2000;

— WILLIAMSON, Oliver E. The economics of organization: The transaction cost approach. American journal
of sociology, v. 87, n. 3, p. 548–577, 1981;

— RIORDAN, Michael H.; WILLIAMSON, Oliver E. Asset specificity and economic organization. International
Journal of Industrial Organization, v. 3, n. 4, p. 365–378, 1985;

— WILLIAMSON, Oliver E. Economic institutions: spontaneous and intentional governance. Journal of Law,
Economics, & Organization, v. 7, p. 159–187, 1991;

— WILLIAMSON, Oliver E. Markets and hierarchies. New York, v. 2630, 1975;

— AKERLOF, George A. The market for “lemons”: Quality uncertainty and the market mechanism. In:
Uncertainty in economics. Academic Press, 1978. p. 235–251;

— ELLICKSON, Robert C. The Aim of Order without Law. Journal of Institutional and Theoretical Economics
(JITE)/Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft, v. 150, n. 1, p. 97–100, 1994;

— WEBER, Max. Economia e Sociedade–Volume I. Brasília: UNB,[1913], 2009;

— NORTH, Douglass. Institutions, institutional change and economic performance Cambridge University
Press. New York, 1990;

— OSTROM, Elinor. An agenda for the study of institutions. Public choice, v. 48, n. 1, p. 3–25, 1986;

— OSTROM, Elinor. Governing the commons: The evolution of institutions for collective action. Cambridge
university press, 1990;

— OSTROM, Elinor; WHITAKER, Gordon. Does local community control of police make a difference? Some
preliminary findings. American journal of political science, p. 48–76, 1973;

— GARRETT, Hardin. The tragedy of the commons. Science, v. 162, n. 3859, p. 1243–1248, 1968;

— BARZEL, Yoram. Economic analysis of property rights. Cambridge university press, 1997;

— CLARK, Gregory; CLARK, Anthony. Common rights to land in England, 1475–1839. Journal of Economic
History, p. 1009–1036, 2001;

— WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: texto integral. Martin Claret, 2001;

— LEESON, Peter T. WTF?!: An economic tour of the weird. Stanford University Press, 2017;

— HARRIS, Colin. Institutional solutions to free-riding in peer-to-peer networks: a case study of online pirate
communities. Journal of Institutional Economics, v. 14, n. 5, p. 901–924, 2018.

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NOBEL DE ECONOMIA

2010
Peter Diamond, Mortensen &
Christopher Pissarides
por Juan Rios

P eter Diamond é um economista do setor público


norte-americano com contribuições seminais em
ineficiências dinâmicas, taxação ótima, economia
do trabalho e em análises da previdência pública.
Em 2010, ele recebeu o prêmio Nobel de Economia por
suas diversas contribuições em mercados com fricções de
procura.

Diamond cursou graduação em economia em Yale e seu


PhD no MIT nos anos 60. Ele foi então contratado como
professor na universidade de Berkeley entre 63 e 65,
retornando a sua Alma Mater (MIT) em 66. Em Cambridge,
Diamond orientou gerações de brilhantes economistas,
dentre os quais dois receptores da medalha Bates-Clark:
Emmanuel Saez e Andrei Schleifer [1]. Seu percurso
acadêmico chamou atenção do governo americano. No
mesmo ano em que Diamond recebeu o Prêmio Nobel,
ele foi nomeado pelo então presidente, Barack Obama, a
uma posição no Federal Reserve Board. Mas em agosto
do mesmo ano, o Senado, majoritariamente republicano,
negou suma nominação. O presidente voltou a nomeá-
lo em setembro, mas o economista retirou seu nome da
nomeação, criticando o processo por ser polarizado em
um artigo no New York Times. Nos parágrafos seguintes,
discuto cinco das maiores contribuições deste economista.

269 Nobel - 2010


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Economia do Trabalho

E m 1982, Diamond publicou um artigo que apresentava um modelo onde os agentes não
encontravam as trocas desejadas instantaneamente. Na conclusão deste artigo, o economista
apresenta um exemplo que transmite a ideia principal do modelo. O exemplo consiste em
uma ilha com coqueiros. Por conta de uma superstição, os habitantes da ilha só consomem
os cocos de outras pessoas após uma troca. Como subir nos coqueiros é arriscado, os habitantes
só colherão os cocos, se acreditarem que existem outros habitantes fazendo o mesmo na ilha.
Se eles acreditam nessa atividade econômica, haverá muitas trocas e os habitantes terão muitos
cocos para seu próprio consumo. A principal implicação deste modelo e que o nível de atividade
econômica depende das expectativas dos agentes em relação ao funcionamento da economia.
Uma interpretação frequente dessa conclusão é que existem diferentes níveis de taxas naturais de
desemprego em torno das quais diferentes economias oscilam. Por exemplo, em uma economia onde
os indivíduos acreditam no bom funcionamento econômico, mais trocas ocorreriam por conta desse
otimismo. O efeito disso no longo prazo seria uma menor taxa natural de desemprego, apesar desta
economia também apresentar ciclos econômicos em torno de tal taxa.

Diamond-Mirrlees

N Em 1971, junto com Mirrlees (outro


laureado
público),
economista
Diamond
do setor
desenvolveu
outro modelo que até hoje serve
de benchmark para policy-makers. O modelo
parte de uma economia competitiva com duas
Tal resultado tem três implicações importantes
para a estrutura tributária ótima. Em primeiro
lugar, não deve haver taxação de bens
intermediários (usados na produção). Esse
resultado é a principal justificativa para impostos
de valor adicionado (IVA). Em segundo, os setores
imperfeições de mercado: (i) o governo precisa público e privado devem apresentar os mesmos
arrecadar uma certa quantia para prover algum preços relativos. Isso quer dizer, por exemplo,
bem público, e (ii) o governo não pode fazer que um professor de uma escola pública deveria
uma taxação lump-sum (que evita distorções) ganhar o mesmo que o de uma escola privada.
[2]. Como a economia é perfeita nas outras Finalmente, o modelo implica que capital físico
dimensões, não existem lucros. Caso contrário e humano (educação) não devem ser taxados
mais indivíduos entrariam no setor lucrativo até porque são bens intermediários para produção
que o lucro acabasse. Além disso, o setor de futura. Apesar de algumas das hipóteses do
produção e consumo estão separados, uma vez modelo não serem realistas, ele funciona como
que consumidores não recebem renda do setor um benchmark útil para o desenho de taxação
produtivo fora do seus salários (dado que o lucro até hoje.
é zero). O principal resultado deste modelo é
que o governo não deve taxar o setor produtivo,
mas apenas o consumo. Isso ocorre porque um
imposto sobre o consumo não distorce o setor
produtivo por conta da separação entre os
setores. Por outro lado, um imposto sobre o setor
produtivo poderia provocar lucros e prejuízos
sobre o setor produtivo que acabaria afetando
os consumidores.

270 Nobel - 2010


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Taxação Ótima e Estatística Suficiente

E m 1998, Diamond publicou um artigo


(meu favorito) onde descrevia o
imposto ótimo para redistribuição como
função de parâmetros recuperáveis
empiricamente. Apesar do resultado sobre o
imposto ótimo ter sido derivado em 1971 por
de economistas. Este trabalho foi responsável
pelo nascimento da área mais ativa em economia
do setor público (e de algumas outras áreas em
economia) nas décadas seguintes: a estatística
suficiente. Este método consiste em rederivar
resultados teóricos como função de parâmetros
Mirrlees, Diamond foi o primeiro economista a que podem ser estimados nos dados [3]. Através
escrever a fórmula do imposto ótimo como uma deste método, economistas como Raj Chetty,
função de elasticidades de oferta de trabalho. Emmanuel Saez e Martin Feldstein demonstraram
Esta elasticidade mede o quanto trabalhadores que os resultados provados nos anos 70 e 80
aumentam sua oferta de trabalho quando o do setor público podem ser usados para guiar
salário líquido de impostos aumenta em 1%. É políticas públicas com o auxilio das estimações
importante notar que tais elasticidades podem empíricas de economistas aplicados em
ser medidas com dados administrativos e trabalhos mais recentes. Como estes resultados
métodos econométricos. Apesar do modelo ser são mais gerais do que modelos estruturais que
mais restrito do que o de Mirrlees, este artigo é dominaram a economia aplicada até então, este
um dos primeiros exemplos em que os resultados método se tornou o foco de grande parte da
teóricos são conectados com o trabalho empírico pesquisa econômica recente.

Outras Contribuições:
Ineficiências Dinâmicas e
Políticas Previdenciárias

D iamond presenteou a economia


com diversas outras contribuições.
Destaco aqui outras duas. Em
um artigo publicado em 1965, ele
incorporou o setor produtivo no modelo de
gerações sobrepostas (um modelo dinâmico
clássico em economia). O principal resultado
é que, apesar de um equilíbrio descentralizado
ser ineficiente ex-ante, ele pode ser
dinamicamente eficiente. O economista
também possui inúmeras contribuições
relacionadas ao sistema de seguridade social
estadounidense. Em geral, suas análises deste
sistema sugerem aumentos de contribuições
previdenciárias como forma de ajuste ao
aumento da expectativa de vida.

Juan Rios
PhD em Economia pela universidade de Stanford.

O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores
271 Nobel - 2010
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Notas:
Referências

[1] Esta medalha é o prêmio com mais prestígio em economia, dada ao economista com menos
de 40 anos com as contribuições mais significativas para a área.

[2] A taxação de lump-sum é um tributo fixo imposto sobre todos os indivíduos da economia.
Como não há forma de evitar o tributo, ele não gera distorções. Este tipo de imposto não existe
na prática porque seria politicamente inviável implementá-lo.

[3] Para uma exposicao detalhada sobre esses desenvolvimentos, confira os videos do meu canal
do youtube https://www.youtube.com/channel/UCQD9mPO2PK-zsUHUQmzLIEw.

272 Nobel - 2010


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NOBEL DE ECONOMIA

2011
Thomas J. Sargent & Christopher A. Sims
por Renata Velloso

T homas “Tom” John Sargent

O ganhador do prêmio Nobel de


economia de 2011 eu escolhi a dedo para
participar do projeto Nobel do Terraço.
Tom é aquele economista que não foge da treta e
estuda os assuntos quentes da macroeconomia.
No seu discurso de aceitação do prêmio Nobel,
por exemplo, ele se propôs a responder as
seguintes perguntas: Os governos devem pagar
suas dívidas, ou é melhor dar calote? Os governos
centrais devem socorrer estados endividados?

Para responder essas e outras perguntas cruciais


de política econômica, seus estudos procuram
relações de causa e efeito na macroeconomia.
Suas ferramentas? Bases de dados cada vez maiores e boa matemática. Muita matemática.

“Matemática é o que eu faço” ele disse no discurso de aceitação. A ideia por trás da sua teoria é que
expectativas importam e que é possível fazer previsões em cima dessas expectativas.

Tom conseguiu provar, por exemplo que a política monetária não tem efeito no desemprego. “Se o
problema é falta de trabalho, a resposta não está no Banco Central, ele diz”. Em outras palavras, não
adianta forçar os juros para baixo para criar emprego.

Para ilustrar seus modelos econômicos ele recorre a história. É um ótimo professor que consegue
simplificar equações matemáticas aparentemente complicadas com exemplos práticos.
273 Nobel - 2011
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Para responder essas e outras perguntas cruciais Os Estados porém, continuaram podendo
de política econômica, seus estudos procuram emitir dívida para financiar seus projetos de
relações de causa e efeito na macroeconomia. infraestrutura. Havia a ideia (quem nunca
Suas ferramentas? Bases de dados cada vez escutou esse argumento de algum político?),
maiores e boa matemática. Muita matemática. que esses projetos se pagariam através de
aumento de produtividade e desenvolvimento
“Matemática é o que eu faço” ele disse no discurso econômico. Algo como, – me empresta dinheiro
de aceitação. A ideia por trás da sua teoria é que para construir essa ferrovia que ela vai gerar
expectativas importam e que é possível fazer tanto desenvolvimento e se pagar sozinha.
previsões em cima dessas expectativas.
A gente sabe que nem sempre isso funciona
Tom conseguiu provar, por exemplo que a política e por volta de 1840 muitos Estados estavam
monetária não tem efeito no desemprego. “Se o quebrados novamente. Dessa vez, o Governo
problema é falta de trabalho, a resposta não está Federal resolveu não resgatar.
no Banco Central, ele diz”. Em outras palavras,
não adianta forçar os juros para baixo para criar O argumento que prevaleceu foi que a dívida
emprego. da guerra tinha sido assumida porque era uma
“causa gloriosa”, mas não era justo que todos
Para ilustrar seus modelos econômicos ele os pagadores de impostos assumissem projetos
recorre a história. É um ótimo professor que desastrados dos outros.
consegue simplificar equações matemáticas
aparentemente complicadas com exemplos Resultado, segundo Tom: “toda crise fiscal acaba
práticos. gerando uma revolução política, no caso, a foi
Guerra Civil Americana”. E ironiza, a Revolução
Para demonstrar a importância do ambiente Francesa também nasceu de uma crise fiscal. “A
institucional, da confiança e da reputação de guilhotina foi um instrumento de política fiscal
quem está pedindo dinheiro emprestado na na França”.
definição das taxas de juros (alô Teto de Gastos)
ele usa a história da Independência dos EUA. O importante é acertar a dose e saber a hora
de parar. Ele explica. “Se você fica resgatando
Logo após a Independência em 1976, as antigas os estados toda a hora, você pode evitar uma
13 colônias estavam endividadas, não havia uma revolução, mas incentiva a gastança”.
política fiscal ou monetária coordenada. Cada
Estado definia seus impostos e todos podiam “As pessoas reagem a incentivos, inclusive
emitir moeda. Resumindo, uma farra. as pessoas que você quer ajudar” explica ao
criticar programas muito generosos de auxílio-
Resultado: altas taxas de juros. desemprego.

Depois de 1790, após a nova Constituição, o Num mundo em transformação tecnológica cada
arranjo institucional ficou mais sólido. Para isso vez mais acelerada ele defende que é preciso
houve uma grande barganha entre o Governo investir em treinamento e capacitação para ter
Federal e os entes federados. O governo central mais flexibilidade no mercado de trabalho. Mas o
assumiu as dívidas dos Estados que em troca incentivo para a pessoa se reciclar e melhorar a
deram mais poder ao governo central. A política sua empregabilidade diminui se ele já está com a
monetária passou a ser centralizada e só o vida ganha bancado pelo governo
governo federal teria o poder definir os impostos
sobre importação (os mais importantes na Ele próprio vive segundo esses valores. Além de
época). Com isso, a confiança aumentou e as ser um professor querido e muito bem avaliado
taxas de juros caíram. por seus alunos e um dos economistas mais

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citados ainda em 2020, Tom continua criando coisas novas. Em 2016, pro exemplo, ajudou a criar
a ONG QuantEcon, dedicada ao desenvolvimento e open source de ferramentas computacionais
modernas para economia, econometria e tomada de decisão.

Famoso por seus discursos curtos e direto ao ponto, Tom só foge da pergunta que atormenta todos
os economistas e estudantes de economia. Ao participar de um comercial para o banco Ally um
apresentador pergunta ao prêmio Nobel – Você sabe me dizer quanto vai estar a taxa de juros daqui
a 2 anos?

E ele responde: Não.


Para assitir o discurso de aceitação do Nobel que Tom dividiu com o colega Christopher A. Sims,
clique no link.
https://www.youtube.com/watch?v=Cl0QYkez-BE

Abaixo o comercial com nosso homenageado.


https://www.youtube.com/watch?v=Khn1ZqysON0

Renata Velloso
Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em
Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo
Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu
abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além
de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na
Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e
adolescentes.

O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores

275 Nobel - 2011


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NOBEL DE ECONOMIA

2012
Alvin Roth e Lloyd Shapley
por Pedro Cava

Q
ual é o poder explicativo do nosso modelo tradicional de mercado quando falamos de
mercados sem um sistema de preços explícitos como o de casamento? E se estamos
transacionando um vínculo ao invés de um bem, como no mercado de trabalho? Matching
Theory é a agenda de pesquisa que se preocupa em responder algumas dessas questões,
a microeconomia do pareamento.

Elas foram abordadas pela primeira vez da maneira como hoje conhecemos no começo dos anos 60
por David Gale e Lloyd Shapley. De lá para cá matching theory passou de uma curiosidade matemática
para uma secção central da microeconomia moderna, com vastas aplicações no mundo real. De
alocação de quartos em dormitórios à novas regras para transplantes de rim.

276 Nobel - 2012


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Os laureados

É difícil superestimar o legado intelectual


de Lloyd Shapley. Nascido em 1923 no
CEP onde ficam instituições como a
Universidade de Harvard e o Instituto
de Tecnologia de Massachusetts, Lloyd Shapley
era filho de um casal de astrônomos. Com 20
David Gale. O período em Princeton formaria
laços acadêmicos importantes. Em 53, mesmo
ano em que concluiu o doutorado e Neumann
e Morgenstern publicam A Theory of Economic
Games and Behavior, fez a sua primeira de muitas
contribuições teóricas. The value of a n-person
anos, no meio da graduação em Matemática game introduziu o conceito de Valor de Shapley,
em Harvard, foi recrutado pelo Exército para uma medida do quão lucrativo é engajar em uma
servir na II Guerra Mundial. Acabou indo parar na coalizão, é um dos trabalhos seminais em teoria
China, e como tantos outras mentes brilhantes de jogos cooperativos.
na época, trabalhou com criptografia e logística.
Ainda em 53 também introduziu o conceito
Se formou em 48 e foi trabalhar na RAND de Núcleo de um jogo, o um equivalente
Corporation – que junto com o Escritório de cooperativo à Eficiência de Pareto. Com Milnor,
Pesquisa Naval americano (NRO) e a Cowles em 61, explorou jogos oceânicos, em que
Comission na Universidade de Chicago formavam jogadores individuais são irrelevantes, fundações
uma espécie de consórcio informal de pesquisa que seriam aproveitadas pelo também laureado
para matemáticos e economistas que durante Robert Aumann na sua formulação de jogos
a guerra tinham estabelecido as fundações não-atômicos. A lista de contribuições de peso à
da muito prolífica relação entre Otimização Teoria dos Jogos poderia seguir por mais muitas
Matemática e Teoria Econômica. páginas. Em 62 uma delas com David Gale
chama a atenção.
Nessa rede de instituições passaram também
outros laureados como Ken Arrow, Tjalling Alvin Roth tem origens diferentes. Filho de
Koopmans e Harry Markowitz, além de uma dúzia judeus e do Baby Boom, graduou em Pesquisa
de nomes. Foi um dos centros onde se consolidou, Operacional na Universidade de Columbia,
nas palavras de um se seus pais Lionel McKenzie, para depois concluir mestrado e doutorado na
teoria clássica de equilíbrio geral. Um resultado mesma área na Universidade de Stanford. Iniciou
em particular, algum teorema de existência de a carreira de docente em 1975.
equilíbrio geral com condições suficientemente
fracas era uma espécie de santo graal da teoria Ao longo dos próximos anos iria trocar de
econômica à época. Uma série de problemas universidade, casar, ter filhos e eventualmente
matemáticos estavam no caminho disso e é com tocar no mesmo problema que interessou Gale e
esse zeitgeist que Shapley começa a carreira. Shapley nos anos 60. Roth trabalhou no sistema
americano de alocação de vagas de residência
Em 49 ingressou no programa de doutorado médica e viu funcionar o primeiro laboratório a
em matemática em Princeton, onde conheceu céu aberto de experimentação com pareamento.
gigantes como Herbert Scarf, John Milnor e

A ideia

C
ollege Admissions and the Stability of Marriage é uma leitura muito agradável. Não há uma
equação e os argumentos, mesmo que matemáticos, são intuitivos. O que a princípio é
um problema clássico de combinatória, quando introduzidas preferências, gera uma nova
área de microeconomia.

277 Nobel - 2012


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Imagine dois casais: A pareia com B, C pareia com D. Essa situação seria dita instável se A prefere D
a B e C prefere B a D. Nesse caso bastariam os membros dos casais trocarem para implementar uma
alocação melhor. A pergunta é: existem alocações estáveis? Estável, entenda, no sentido de que não
há uma troca de casais que melhoraria a situação dos dois casais, apenas de um.

A ideia do mecanismo é realizar rodadas. Em cada uma um lado qualquer do mercado envia suas
propostas. Os indivíduos que receberem propostas rejeitam a menos desejada, liberando uma proposta
para a próxima rodada. Repetindo esse processo iterativo, eventualmente todos os participantes
acham pares e como o lado que recebe as propostas rejeita a menos desejada em cada passo, a
situação final, qualquer que seja, é estável.

Esse tipo de algoritmo iterativo é chamado de Aceitação Deferida, e foi exatamente a mesma ideia
que Roth aplicou no processo de seleção de residentes médicos americanos. Dos anos 80 para cá as
aplicações apenas crescem. Em 2003 foi a vez da rede pública de educação de Nova Iorque aplicar
o algoritmo na escolha de escolas para pais. Em 2005, Boston adotou o mesmo procedimento.

Em 2008 começaram as trocas de rins informadas pela teoria. Ao invés de procurar parceiros exatos,
forma-se uma dupla A de paciente e doador. O doador A não necessariamente precisa ser compatível
com o paciente A. É mais fácil encontrar outra dupla B de paciente e doador, onde o doador B seja
compatível com o paciente A, e o paciente B seja compatível com o doador A.

Pedro “Cava” Cavalcante


É Cientista de Dados em uma fintech e nas horas vagas luta para concluir a graduação em Economia
na UFF. Gosta especialmente de economia da educação, estratégias de identificação espertas e tem
uma quedinha não-correspondida por matemática

278 Nobel - 2012


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NOBEL DE ECONOMIA

2013
Fama, Hansen e Shiller
por Rodrigo De Losso da Silveira Bueno

E
m 2013 Real Academia Sueca de Ciências resolveu prestigiar o campo da economia financeira,
premiando com o Nobel os economistas Eugene Fama, Lars Hansen, ambos da Universidade
de Chicago, e Robert Shiller, da Universidade de Yale, pela “análise empírica dos preços dos
ativos”.

Pretendo escrever sobre Fama e Shiller primeiro, enfatizando suas principais contribuições e me
vou concentrar em Hansen, por último. Os dois primeiros foram muito mais prestigiados na época
da premiação que Hansen. Isso não é surpreendente, Fama e Shiller são mais famosos, enquanto o
trabalho de Hansen é tecnicamente mais denso, por isso mais difícil de entender. Em particular, Shiller
se destaca por ter previsto o estouro da bolha de preços dos imóveis nos EUA, o que o fez naturalmente
mais demandado para entrevistas. Entretanto, faltou-lhe concentração para eventualmente prever
outras crises como a de 2008.

279 Nobel - 2013


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1. Fama e Shiller

F
ama e Shiller são complementares entre si no seguinte sentido: enquanto Shiller tem um foco
em economia mais comportamental, Fama se destacou ao conceituar mercados eficientes
e testar esses conceitos no mercados financeiros. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que
Fama tem um caráter mais ortodoxo e Shiller, mais alternativo. Isso é normal para o avanço
da ciência e é comum ver a incorporação das críticas aos modelos mais ortodoxos.

1.1 Eugene Fama

E
ugene Fama é o mais antigo dos pesquisadores, nascido em 1939, fez seu doutorado
em Chicago em 1964 e lá tem sido professor há muito anos. Em 1970 publicou artigo
definindo o conceito de mercados eficientes ou Hipótese de Mercados Eficiente –
EMH, que, basicamente, pode ser entendido assim: os preços dos ativos financeiros
(ações, títulos, certificados etc.) resumem (ou sintetizam) a totalidade de informações
disponíveis aos agentes econômicos (grosso modo, consumidores e produtores), que agem
racionalmente – ou seja, tomam decisões procurando maximizar benefícios e minimizar custos
(lucro, por exemplo) [1]. Esse conceito já estava implícito em sua tese de doutorado defendida
em 1965, mas foi formalizado posteriormente.

Na prática ele subdividiu as ideias de eficiência em forte, semi-forte e fraca. Esses conceitos
estão associados ao conjunto de informação disponível. No caso da eficiência fraca, o conjunto
de informação refere-se ao histórico passado de preços. No caso da semi-forte, o conjunto de
informações nos diz que os preços devem refletir todas as informações públicas disponíveis.
No caso da forte, os preços devem refletir as informações públicas e privadas disponíveis.
Esse último caso é interessante, pois nos diz que um insider trading não consegue obter lucro
extraordinário, justamente porque sua informação já está refletida nos preços.

As implicações práticas são relevantes. Se as expectativas são racionais, então, a melhor previsão
para o preço de um ativo amanhã – imaginemos, no caso, ações – é seu preço hoje. Quer dizer,
é impossível dizer se o preço de amanhã vai subir ou descer em relação ao preço de hoje. Caso
fosse possível dizer que o preço de amanhã é, em média, o preço de hoje somado a uma fração
da variação de preços entre hoje e ontem, o preço de amanhã seria parcialmente previsível. Se
assim fosse, o mercado seria, então, ineficiente em sua função de propagar informações e lucros
extraordinários seriam possíveis.

Entretanto, mesmo sendo impossível prever o preço dos ativos, sabemos de antemão que
ativos com mais riscos (ações, por exemplo) devem ter maiores retornos que aqueles de menor
risco (como a poupança). Com base nessa ideia, o norte-americano William Sharpe (Nobel de
1990) desenvolveu o CAPM (sigla, em inglês, para modelo de precificação de ativos financeiros),
amplamente usado nos mercados financeiros.

Por isso, mais tarde, Fama redefiniu esse conceito de mercados eficientes. Ele, em coautoria
com o norte-americano Kenneth French, mostrou que os retornos dos ativos financeiros estão
sujeitos a três fatores de risco: i) o risco da carteira de mercado, ou seja, o desempenho médio das
cotações das ações; ii) o risco do tamanho da empresa, pois as menores sofrem riscos maiores;
iii) o risco da discrepância entre o valor contábil (valor dos recursos no balanço da empresa) e
o valor de mercado (cotação de sua ações na bolsa). Nesse caso, empresas com valor contábil

280 Nobel - 2013


E-BOOK NOBEL

relativamente maior que o de mercado tendem a ter retornos maiores. Nessas condições, para
Fama, o mercado seria eficiente se os preços esperados dos ativos não fossem consistentemente
maiores (ou menores) que aqueles indicados pelos fatores de risco. Do contrário, diz-se haver
alguma anomalia nos preços [2].

Essa literatura sobre fatores de risco, inaugurada por Fama e French, evoluiu muito, havendo hoje
um infinidade de fatores de risco, a ponto de se dizer que se trata de um zoológico de fatores
de risco, cuja significância estatística de seus coeficientes passam por sérios questionamentos
[3]. Pelos seus trabalhos seminais, Fama talvez seja o premiado de 2013 com mais citações de
sua obra.

1.2 Robert Shiller

E
Robert J. Shiller é nascido em 1946, fez doutorado no MIT em 1972 e tem sido professor
em Yale desde 1982.

Enquanto o trabalho de Fama procurava explicar os preços regulares, Shiller tentou


explicar os casos de anormalidade do mercado, isto é, em que os preços subiam ou
caíam de forma ‘irracional’. Nesse sentido, as contribuições de Shiller e Fama não estão em
oposição, mas em complementaridade. Mas, o fato é que seu artigo de 1981 desafiava a hipótese
de eficiência de mercado, ao concluir que a volatilidade do mercado de ações era muito maior
do que a hipótese de expectativas racionais sobre o futuro poderia justificar [4]. Nesse artigo ele
estudou o desempenho do mercado acionário norte-americado desde a década de 1920.

Posteriormente, sua fama foi consolidada ao prever o estouro na bolha do mercado acionário
em 1987, reforçando a hipótese de que os agentes não são exatamente racionais como
pressupunha a hipótese de mercados eficientes. Nesse sentido, Shiller foi o pioneiro a criar
índices de sentimentos dos agentes, o que sustentava sua ideia sobre o comportamento dos
agentes desviando-se do que os modelos de expectativas racionais presumiam. Em particular,
criou um índice de vendas de imóveis para o mercado norte-americano que tem sido usado até
hoje como indicador de tendência.

2. Lars Peter Hansen

L
ars Hansen nasceu em 1952 e concluiu seu doutorado na Universidade de Minnesota em
1978. Tornou-se professor em Chicago no início da década de 80, onde está até hoje. Talvez
seja o ganhador de 2013 mais emblemático, vez que sua obra é muito diferente dos outros
ganhadores, por ser extremamente mais técnica e aplicar-se a outros campos da economia.

A década de 1970 assistiu ao desenvolvimento da teoria de expectativas racionais, que deu o


Nobel aos norte-americanos Robert Lucas Jr. (1995) e Thomas Sargent e Christopher Sims (2011),
este orientador de Hansen no doutorado e aquele seu coautor mais habitual. Porém, as predições
econômicas desses modelos eram difíceis de serem testadas empiricamente. Essas dificuldades
começaram a ser tratadas por Sims e Sargent, mas foi Hansen quem deu a solução definitiva, a partir
de um curso de econometria ministrado por Sims.

Hansen desenvolveu uma forma revolucionária de testar modelos em diversas áreas da economia
– sobretudo, obviamente, no campo da economia financeira. Trata-se do método generalizado dos

281 Nobel - 2013


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momentos – mais conhecido pela sigla GMM Acredito que os dois últimos artigos tenham sido
–, que mudou a forma até então de se fazer a razão de sua premiação em 2013, pois foram
econometria (estatística e matemática aplicadas importantes para determinar os fundamentos de
à teoria econômica), ao tornar os demais apreçamento dos ativos, razão pela qual Hansen
métodos existentes seus casos particulares. acabou sendo incluído na premiação com os
Com base nesse método, define-se uma outros pesquisadores.
conexão direta (e intuitiva) entre as predições
dos modelos econômicos e a forma de testá-las O GMM se aplica também a modelos econômicos
empiricamente [5]. em cenários nos quais a informação é limitada.
Nem sempre o econometrista tem as mesmas
Por exemplo, uma predição usual de modelos informações que o agente econômico que toma
financeiros diz que o retorno futuro de um ativo decisões. Surge daí o problema de adaptar os
financeiro qualquer trazido para o valor presente métodos empíricos para levar em consideração
pelo fator estocástisco de desconto da economia a diferença entre o conjunto de informação do
é um, em média. O GMM permite testar essa agente que toma decisão e do econometrista
hipótese facilmente. A formalização teórica que avalia o processo decisório. A teoria
do fator estocástico de desconto foi feita com de expectativas racionais somada ao GMM
Richard, em que os autores explicam o papel soluciona o problema – antes, isso era ignorado
da informação para para deduzir implicações frequentemente, mas as implicações práticas
testáveis em apreçamento de ativos [6]. mostraram-se importantes.

Mais tarde, Hansen e Jagannathan [7] Outra área de contribuição de Hansen,


desenvolveram o que ficou conhecido como a normalmente em parceria com Thomas Sargent,
Fronteira desses dois autores, em referência à é teórica a respeito de uma função utilidade
fronteira eficiente de Markowitz. De fato, essa cujo agente toma decisão sob incerteza quanto
contribuição permitiu entender os limites do já à verdadeira função utilidade que o caracteriza.
mencionado fator de desconto da economia a Eles desenvolveram uma enorme literatura
partir da distribuição empírica dos retornos de sobre o assunto, microfundamentada apenas
ativos. posteriormente, chamada de Preferência por
Robustez [8].

3. Conclusão

É
Dinâmica.
É curioso que Hansen tenha dividido o prêmio Nobel com alguém e que tenha sido premiado
por suas contribuições em Economia Financeira.
A contribuição de Hansen não se restringe a Economia Financeira, mas inclui Econometria
com um novo método de estimação amplamente utilizado em outras área e Macroeconomia

Os demais ganhadores têm contribuições fundamentais mais aderentes ao campo de Economia


Financeira, mas as contribuições de Fama e Shiller são em perspectiva bem mais restritas que as do
terceiro ganhador, embora igualmente importantes.
Nesse sentido, talvez a Academia Sueca tenha cometido uma injustiça ao não conceder o prêmio
Nobel apenas para Hansen.
De qualquer forma, o campo de Economia Financeira já merecia há anos uma reconsideração em
função de sua importância e representatividade no campo da Economia.

Rodrigo De Losso da Silveira Bueno


Professor Titular da FEA-USP, Ph.D Chicago: delosso@usp.br

282 Nobel - 2013


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Notas:
Referências

[1] FAMA, Eugene F. Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work. Journal of
Finance, n.o 2, vol. 25, p.p. 383-417, 1970.

[2] FAMA, Eugene F.; FRENCH, Kenneth R. Common Risk Factors in the Returns on Stocks and
Bonds. Journal of Financial Economics. Vol. 33, n.o 1, p.p. 3–56, 1993.

[3] HARVEY, Campbell R.; LIU, Yan; ZHU, Heqing. … and the Cross-Section of Expected Returns.
Review of Financial Studies, vol. 29, n.o 1, p.p. 5-68, 2016.

[4] SHILLER, Robert J. Do Stock Prices Move Too Much to Be Justified by Subsequent Changes in
Dividends?”. American Economic Review, vol. 71, n.o 3, p.p. 421–436, 1981.

[5] HANSEN, Lars P. Large Sample Properties of Generalized Methods of Moments Estimators.
Econometrica, vol. 50, page 1029-1054, 1982.

[6] HANSEN, Lars; RICHARD, Scott F. The Role of Conditioning Information in Deducing Testable
Restrictions Implied by Dynamic Asset Pricing Models. Econometrica, vol. 55, n.o 3, p.p. 587-613,
1987.

[7] HANSEN, Lars P.; JAGANNATHAN, Ravi. Implications of Security Market Data for Models of
Dynamic Economies. Journal of Political Economy, vol. 99, n.o 2, p.p. 225–262, 1991.

[8] HANSEN, Lars P.; SARGENT, Thomas J. Robustness. Princeton: Princeton University Press,
2007.

283 Nobel - 2013


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NOBEL DE ECONOMIA

2014
Jean Tirole
por Caio Augusto

Coincidências do destino e
como cheguei a conhecer a
produção do autor

E
O ano era 2013, finalizava a participação como estagiário
de um projeto de pesquisa entre a faculdade em que
fazia graduação (a FEA-RP/USP) e o BNDES, em um
projeto que buscava levantar a historiografia econômica
e setorial do Banco, que havia completado 60 anos de
existência no ano anterior. Nesta mesma época, estava em vigor
a famigerada política da Campeãs Nacionais – que, sabemos
hoje, não teve efeitos consideráveis de adição sobre a taxa de
investimento do país.

Naquela época a política recebia elogios de pelo menos parte dos


economistas do país. Com a famosa capa da Economist já ficando
distante no horizonte, aparentemente havíamos descoberto um
meio de crescer indefinidamente. Era só adicionar ano a ano
mais recursos, de preferência naquelas empresas selecionadas
que iriam se tornar grandes vitoriosas mundo a fora.

284 Nobel - 2014


E-BOOK NOBEL

Diante desse cenário de dinheiro em alto montante gerando concentração de mercado, surgiu o
interesse em estudar mais sobre um setor em específico, o de telecomunicações. Deste, nasceu uma
Iniciação Científica que, mais adiante, virou um TCC – trabalhos esses realizados sobre a orientação
do notável Julio Manuel Pires. E foi justamente na virada entre um trabalho para o outro (pouco após
o meio do ano de 2014) que uma feliz coincidência ocorreu: o francês Jean Tirole, com trabalhos
relevantes justamente no campo da regulação em setores com poucas empresas, acaba sendo
laureado com o Nobel de Economia naquele ano.

Este que vos escreve agora não é o assunto principal deste artigo, mas fica aqui o breve histórico
do porquê, como um dos coordenadores da Coleção Economistas: Nobel, fiz sem pensar nem dois
minutos a escolha por este autor para escrever sobre. Cabe também dizer que foi nessa mesma
época relatada acima que fiquei mais próximo de outro organizador deste projeto, o grande Claudio
Ribeiro de Lucinda.

Dada a introdução, vamos ao que você realmente veio ler neste artigo.

A vida de Tirole

F
ilho de um médico e de uma professora de letras, o francês Jean Tirole cursou a École
Polytechnique – destacável escola de engenharia na Europa – por uma inclinação desde
muito jovem ao campo da abstração matemática. Aos 21 descobre a economia e se fascina
pela intersecção presente entre as ciências humanas e sociais e a matemática. O poder de
compreensão do mundo com esse par de óculos acabou fisgando-o.

Em 1978 cursou doutorado no celebrado Massachusetts Institute of Technology. O time que lecionava
lá contava com estrelas laureadas com o Nobel já naquele momento, como Paul Samuelson (vencedor
em 1970) e também com outros nomes que seriam premiados mais adiante, como Franco Modigliani
(em 1985) e Robert Solow (em 1987).

Atualmente Tirole segue lecionando na Escola de Economia de Toulouse e é Professor Permanente


do MIT.

Em uma extensa entrevista disponível no site dos laureados pelo Nobel Tirole conta mais detalhes de
sua trajetória. É notável elencar que ele direciona ser a pesquisa sua grande paixão e motivação, que
acha o ambiente acadêmico revigorante e, além disso, que um de seus mais notáveis trabalhos, em
parceria com Jean-Jacques Laffont (que será apresentado mais adiante), nasceu justamente durante
um ano sabático, 1991 (sendo publicado dois anos depois).

O campo de contribuição do
autor e os livros de destaque

E
m âmbito geral, a contribuição do autor concentra-se sobre a regulação de mercados em que,
por condições específicas, verifica-se a presença de poucos agentes econômicos. Levando
em conta que uma ausência total de regulação desencadearia em um um apropriar do
excedente dos consumidores, seria preciso colocar em teste meios de evitar que a presença
de poucos agentes fosse motivo para que isso viesse a ocorrer. Ou, de maneira mais direta:

285 Nobel - 2014


E-BOOK NOBEL

a contribuição de Tirole que o trouxe até essa se expandir por exemplo para a ciência política.
lista foi a de tratar da regulação de setores com
poucas e poderosas empresas. Chegando ao ano de 1993 vem o trabalho que
acabou definindo sua carreira como sendo
Dentre suas obras de destaque, está o livro realmente inovadora – e o que inclusive o fez, 21
Dynamic Models of Oligopoly, de 1986, escrito anos depois, entrar para essa lista -: A Theory
com Drew Fudenberg, tratando justamente de of Incentives In Procurement and Regulation.
como seria possível definir alguns dos modelos Escrito junto a seu parceiro Jean-Jacques
de oligopólio, como identificar adequadamente Laffont, apresenta todo um arcabouço teórico
os monopólios naturais – que são as situações em relacionado a regulação que, tem como um de
que não é possível simplesmente “multiplicar” as seus maiores méritos, a capacidade de traduzir
redes disponíveis (porque os custos fixos para os para alunos de graduação um ferramental
novos entrantes são imensos, ainda que os custos técnico sólido a respeito da regulação de
variáveis sejam baixos, como na instalação de monopólios naturais tais quais o transporte
redes de telecomunicações) – e como verificar a público, as companhias de saneamento e as
existência de colusão tácita entre os agentes do contratações militares. Em uma estrutura que se
mercado. mantém do primeiro ao último capítulo, tem-se
uma construção lógica e bem encadeada sobre
Em 1988 temos outra contribuição notável: Tirole a importância dessa regulação e, ao final, indica
escreveu The Theory of Industrial Organization, caminhos futuros a serem trilhados neste campo.
trabalho que praticamente colocou de pé essa
área dentro da economia. Nesta obra, dividida Para além de contribuições mais amplas como
em duas partes, ele inicia apresentando uma as apresentadas até então, Tirole também fez
moderna teoria dos monopólios, com detalhes inserções detalhadas sobre setores específicos,
inclusive sobre firmas mono e multiprodutos como nas obras The Prudential Regulation
e estratégias de precificação utilizadas em of Banks, publicada em 1994 com Mathias
termos de discriminação. Já na segunda parte Dewatripont, a respeito da regulação sobre
ele discorre sobre a interação estratégica entre empresas do campo da intermediação financeira
empresas de um mesmo setor e como isso pode a fim de dirimir a assimetria informacional entre
levar a um oligopólio tácito (tal qual apresentou quem detém os títulos e quem os compra e
na obra do parágrafo anterior, mas com um Competition in Telecommunications, também
aprofundamento maior). Interessante apontar com o parceiro Jean-Jacques Laffont, mas
que a obra, mesmo sendo de 1988, segue sendo em 1999, que trata de apresentar de maneira
o livro texto de referência em Organização didática (servindo como guia para formuladores
Industrial em nível de Pós Graduação. de políticas públicas e consultores, por exemplo)
como o encarar do setor de telecomunicações
No ano de 1991, em nova parceria com Fudenberg, como monopólio natural poderia induzir a erros
escreve Game Theory, que é praticamente um nos incentivos colocados neste mercado.
manual para quem gostaria de se aprofundar
na Teoria dos Jogos. Aqui, diferentemente das As contribuições diversas de Jean Tirole então
duas outras obras, o foco são as situações em vão desde aspectos setoriais diretos como
que não há cooperação entre as empresas telecomunicações e bancos até mesmo a teoria
participantes do mercado, ou seja, nas ações dos jogos, organização industrial, finanças
tomadas pelas diferentes firmas quando há corporativas, a verificação de bolhas de mercado,
mais interesse próprio em prosperar do que em economia comportamental e também a busca
haver qualquer tipo de conluio com quem está por ativos de mais liquidez (esse último tópico
no mercado para poder absorver os excedentes rendeu a publicação de um livro, em 2011, escrito
dos consumidores. Convém dizer que, tal qual com Bengt Holmström, chamado Inside and
apresentado nesta obra, estes conhecimentos Outside Liquidity).
não se resumem ao campo da economia, podem

286 Nobel - 2014


E-BOOK NOBEL

Mais recentemente, em 2017, o autor também teve como publicação um livro que traz para o universo
de muitas questões que têm ganhado relevância cada vez maior nos últimos anos do dia a dia
(tais quais a inovação, o pós crise de 2008, o desemprego e o aquecimento global) uma visão de
como a economia poderia ser útil para que, em termos mais amplos, pudéssemos alcançar um bem-
comum social. Essa que pode ser considerada uma nova agenda para a economia e sua relação com
a sociedade está apresentada em Economics for the Common Good.

Economia não fica presa


ao campo teórico!
Dentre as externalidades positivas que a extensa atuação de Jean Tirole apresenta, está o fato de
que, diferentemente do que pode ser encarado inicialmente, a economia não é um campo que
esteja distante das relações sociais nem mesmo é algo que fica restrita a modelos que nunca terão
aplicabilidade prática. A regulação tem relação direta com a realidade dos países e com como,
sobretudo em setores com poucos agentes, as regras do jogo podem tornar os serviços prestados
mais eficientes.

O didatismo com o qual o autor apresenta os conhecimentos acaba tornando-o ainda mais próximo
também de quem se interessa pela economia em níveis acadêmicos mais iniciais, como a graduação.
O quase “traduzir do economês” que suas obras apresentam mostram que o ferramental técnico
sólido importa muito, mas não precisa servir de símbolo a torres de marfim ou aos deuses do Olimpo
econômico.

Em uma última mas breve inserção pessoal, este que aqui escreve gostaria de dedicar o presente
artigo a Maurício Jorge Pinto de Souza, por ter sido este o coordenador direto no projeto de estágio
FEA-RP/USP-BNDES que, dentre tantas outras coincidências neste vasto mundo, culminou por
estimular o interesse em escrever e pesquisar sobre economia e, desta maneira, permitiu com que
muito viesse a seguir – inclusive este artigo. Sua passagem jamais será esquecida!

Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.

287 Nobel - 2014


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2015
Angus Deaton
por Claudio Lucinda

A
ngus Deaton ganhou o Prêmio Nobel de Economia
do ano de 2015 pelos seus estudos sobre consumo,
pobreza e bem-estar. Ainda que estes temas sejam
relevantes o suficiente para merecer este (e outros)
Prêmios Nobel em Economia, é também um prêmio
para um modo específico de usar dados para responder
perguntas econômicas. Como a evolução da área onde as
contribuições de Deaton está ligada às suas contribuições,
iremos começar com a trajetória pessoal do premiado.

Nascido em 1945 em Edimburgo na Escócia, fez a graduação no


Fitzwilliam College, na Universidade de Cambridge, onde Deaton
também obteve seu Doutorado em Economia. Um aspecto
interessante da formação de Deaton foi a limitada quantidade
de matérias de Economia, tanto na graduação quanto na pós-
graduação. Segundo ele:


For many years, I regretted my lack of formal training, envying my peers who had taken
tough courses, and who understood things that I did not know existed, but feel now that
those regrets were misplaced. When I learn something that I want to learn, and do it my
own way, I often make mistakes and it is usually slow, but when it is done, it tends to stick
(like taking square roots), and there is always the chance that I find something that is not
so well known after all.”

DEATON, 2016 – Ensaio Autobiográfico, p. 6)

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E-BOOK NOBEL

A chave em sua formação como pesquisador foi Review (An Almost Ideal Demand System) [1][2].
ter sido orientado por Richard Stone, o Prêmio Este modelo incorpora as seguintes contribuições
Nobel de Economia de 1984. Em 1975, Deaton seminais. Em primeiro lugar, ele pode ser linear
consegue seu primeiro posto acadêmico formal, nos parâmetros, coisa importante dados os
com a Cátedra em Econometria na Universidade limitados recursos computacionais dos anos 80.
de Bristol, onde ficou até 1983. A partir deste ano Em segundo lugar, os parâmetros estimados
ele cruzou o Atlântico, se tornando professor em podem ser correspondentes às preferências
Princeton, sua principal afiliação acadêmica até (racionais) de um indivíduo representativo e,
os dias de hoje. finalmente, permite uma estimação flexível dos
efeitos marginais de preço e renda.
Se tivesse que escolher um aspecto que resume
a trajetória de Angus Deaton, seria o estudo Tais aspectos são relevantes porque permitem
do consumo. Uma vez que o consumo é um caracterizar efeitos contrafactuais de política,
determinante central do bem-estar das famílias indo além de avaliar se uma política específica
e dos indivíduos, entender o consumo das funciona ou não para responder perguntas sobre
pessoas vai fornecer insights sobre o bem estar como seriam os resultados se a política fosse
das famílias e dos indivíduos. Além do mais, diferente.
a evolução do consumo agregado também
é importante para a Macroeconomia. Sua A segunda contribuição central de Deaton
dinâmica é responsável por parte importante da é mais aplicada, envolvendo a avaliação do
variação da atividade econômica e, por meio das consumo, pobreza e bem-estar em países
identidades da Contabilidade Social, influencia o em desenvolvimento. Uma das formas de
volume de Poupança e Investimento agregados. atuação dele foi junto ao Banco Mundial para a
Três contribuições se destacam. coleta e padronização de bancos de dados de
consumo e padrão de vida individual – projeto
A primeira delas é de caráter metodológico. Desde LSMS. Academicamente, suas contribuições
os anos 50, os economistas buscavam entender acadêmicas Deaton e Muellbauer (1986) sobre
o comportamento e a evolução do consumo com escalas de equivalência – formas mais precisas
sistemas de equações. Tais sistemas precisavam de se medir como a composição do domicílio
ser parametrizados a partir de modelos afeta o consumo e a pobreza. Em segundo lugar,
microeconômicos – similares aos usualmente Deaton (1988) mostra uma forma pela qual se
encontrados em manuais de Microeconomia pode levar em conta as diferenças de qualidade
em nível de graduação. As estimativas destes e preços enfrentados pelos domicílios na forma
parâmetros deveriam, então, atender restrições de se medir a pobreza.
que são derivadas destes mesmos modelos. O
problema é que tais restrições nem sempre são A terceira grande contribuição de Deaton
apoiadas pelos dados. envolve a interface entre Microeconomia e
Macroeconomia, começando no final dos anos
Em dois artigos nos anos 70, Deaton mostra que 80. Em 1989, Deaton e Campbell mostram um
a rejeição destas restrições pode ser devida à má- fato que acabou sendo conhecido como “o
especificação do modelo (ou seja, são impostas Paradoxo de Deaton”: as propriedades das séries
restrições que não são refletidas pelos dados), de tempo de renda eram tais que o componente
ou que não se compreende direito o mecanismo permanente da renda era mais volátil que a renda
que relaciona os parâmetros estimados ao total. Ora, se o Consumo Agregado dependia
comportamento das pessoas cujo consumo do componente permanente da renda, isso
se reflete nos dados (o chamado problema da implicaria que ele seria mais volátil que a renda –
agregação). algo contradito pelos dados.

A seguir, em 1980, Deaton publica um dos seus Deaton aponta três possibilidades de
artigos mais citados na American Economic resolução deste paradoxo. A primeira delas, os

289 Nobel - 2015


E-BOOK NOBEL

consumidores não são tão racionais quanto a teoria assume, e a segunda é que o paradoxo é um
resultado de problemas de agregação – a série de consumo agregado não é adequada para este
teste de racionalidade. Finalmente, a terceira é que os consumidores podem enfrentar restrições (de
crédito, por exemplo) que não estão presentes nos modelos mais simples.

Deaton (1991) mostrou que o comportamento de consumo individual, quando modelado por um
processo com componentes agregados e idiossincráticos, combinado com restrições de crédito,
consegue aproximar os padrões observados nas séries existentes de consumo.

Além desses temas, Angus Deaton possui várias contribuições que ficam em segundo plano. Mas elas
têm alguns aspectos em comum e que ilustram a forma pela qual o premiado trabalha. O primeiro
deles é sempre ter teoria e os dados trabalhando juntos. E por isso ele é crítico constante da ideia
que se pode “deixar os dados falarem por si sós”. Um exemplo está nesse debate com Abhjit Banerjee
(Prêmio Nobel de 2019), com participação especial do jogo “Angry Birds”:

O segundo ponto, é relacionado com o primeiro, é o cuidado com o processo de agregação – o


processo pelo qual os dados refletem as escolhas de indivíduos ou domicílios em particular, e o que
exatamente se está estimando quando estes dados são utilizados na análise empírica.

Concluindo, o que a história desse prêmio nos mostra é que teoria e dados precisam andar de mãos
dadas se queremos chegar em conhecimento acionável em termos de política pública.

Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.

290 Nobel - 2015


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Notas:
[1] Na opinião do presente autor, uma das mais infelizes siglas que alguém poderia imaginar no
começo dos anos 80 (AIDS).

[2] Uma pesquisa da American Economic Review coloca este artigo entre os 100 mais citados do
século XX.

Bibliografia

Angus Deaton: Ensaio Autobiográfico

https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/deaton/files/nobel_autobiography_final_2_3_16.
pdf

Deaton, A. (1988), “Quality, Quantity and Spatial Variation in Price”, American Economic Review
78(3), 418-430.

Deaton, A. (1991), “Savings and Liquidity Constraints”, Econometrica 59(5), 1221-1248.

Deaton, A. e J. Campbell (1989), Why Is Consumption So Smooth?”, Review of Economic Studies,


56(3), 357-373.

Deaton, A. e J. Muellbauer (1980), “An Almost Ideal Demand System”, American Economic Review
70(3), 312-326.

Deaton, A. e J. Muellbauer (1986), “On Measuring Child Costs: With Applications to Poor Countries”,
Journal of Political Economy 94(4), 720-744.

291 Nobel - 2013


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2016
Bengt Holmström e Oliver Hart
por Victor Candido

H oje pela manhã fomos acordados com


a notícia de quem são os vencedores
do prêmio Nobel de Economia de 2016.
Como já tem sido uma tendência, pelo
menos nos últimos anos, o prêmio foi novamente
para a microeconomia, dessa vez para a teoria dos
contratos. Bengt Holmström e Oliver Hart são os
laureados da vez, pela importante contribuição no
design de contratos eficientes e no desenho de
incentivos para executivos.

O trabalho de ambos não especifica o que é um


bom contrato, uma vez que isso depende das
circunstância em que o contrato é escrito, mas
ajuda as partes envolvidas a pensarem claramente
sobre o desenho dos incentivos embutidos. Alguns
contratos são de difícil monitoramento, como
por exemplo a condição de um preso em uma penitenciária privada, um evento complicado de se
antecipar no momento da “celebração” do contrato.

Outra importante aplicação é no campo do incentivo para executivos, principalmente na questão


dos bônus pagos em relação a ganhos no preço das ações da empresa. Um modelo equivocado
pode gerar incentivos para que o executivo divirja do real objetivo de seu cargo: melhorar a empresa.
Sob incentivos errados, o corpo executivo pode simplesmente focar em ações de curto prazo que
gerem resultados que reflitam no próximo trimestre e assim inflar o seu bônus, enquanto coloca
o desempenho de longo prazo da firma na berlinda. Holmström diz que esse problema pode ser
292 Nobel - 2016
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minimizado caso se compare a performance de sinistro. Peguemos um exemplo: o caso


da firma em questão com seus pares setoriais, do rompimento da barragem de Mariana,
se todas as firmas do setor tiveram ganhos quando existiam duas empresas controlando
parecidos, então os executivos dos setores não uma terceira firma. Deveria haver no contrato
receberão um gordo bônus. Mas se a firma A
qual empresa ficaria encarregada de tomar
do setor X vai bem, enquanto o resto da firmas
as medidas necessárias em caso de um
do mesmo setor não foram tão bem, então é
justo que se pague um bônus para o executivo desastre ambiental, o que pouparia um
da firma A. tempo precioso, uma vez que eliminaria a
coordenação preliminar entre as empresas.
Ainda nos incentivos à remuneração, a teoria
apresenta resultados atuais como no caso do Outro exemplo interessante é no caso de um
Uber, no qual os motoristas são pagos pela empréstimo bancário a um empreendedor.
sua performance, quanto mais corridas, mais A melhor forma para que ele pague é que o
recebem. É um típico caso de setor que não banco tenha certo poder dentro da empresa,
existe muita assimetria informacional entre e conforme o empréstimo vai sendo pago, o
o motorista e o Uber: ambos conhecem banco vai perdendo esse poder, ou seja, existe
muito bem o seu papel e sua performance um incentivo para que o empreendedor utilize
é facilmente observada. Já em setores com os recursos de forma eficiente e consiga
muitas assimetrias informacionais entre gerar receita suficiente para ir honrando o
empregador e empregado, ou seja, quando seu contrato de empréstimo.
é difícil observar o efeito gerado pelo
trabalhador na performance da firma, a teoria O bom desenho de contratos, independente
recomenda que exista uma remuneração fixa da área, gera incentivos corretos para as
para o empregado. partes envolvidas, eliminando ineficiências
que são geradas pela assimetria informacional
A educação também não ficou de fora, e melhoram o ambiente de negócios, uma
em casos em que os professores recebem vez que a incerteza de se fazer negócios,
bônus por performance de seus estudantes pagar funcionários e até mesmo a eficácia
em testes padronizados. O incentivo gerado do sistema de educação pública dependem
pode levar o professor a preparar os de contratos bem feitos e devidamente
alunos especificamente para esses testes, executados.
sacrificando o incentivo a outras habilidades
não medidas em um exame padrão, como Como bem ressaltou o Financial Times em
por exemplo a criatividade. sua matéria sobre o prêmio de hoje, boa
parte da teoria dos contratos vem do bom
Já o coração do trabalho de Hart são senso, que foi analiticamente esmiuçado e
contratos nos quais podem acontecer estudado por Holmström e Hart. E como
eventos não previstos. O dispositivo para citou Paul Krugman em sua conta do Twitter:
resolução se baseia em determinar no “O trabalho deles é tão importante, que até
contrato que vai tomar as decisões em caso achei que já tinham ganhado”.

Victor Candido
Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista
do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora
de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.
293 Nobel - 2016
E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2017
Richard Thaler
por Pedro Ruas

A tualmente professor na Universidade de


Chicago, Richard Thaler desde sua pós-
graduação na University of Rochester,
já demonstrava interesse sobre as
divergências entre o comportamento real das
pessoas com os descritos pela teoria econômica.
Inicialmente sem evidência empírica, Thaler concebeu
uma série evidências anedóticas que descreviam o
comportamento das pessoas de forma desviante dos
resultados de um comportamento racional previsto
na teoria econômica padrão. Apenas anedotas não
eram suficientes para a produção de um artigo, mas
a partir de seu contato com a produção de Daniel
Kahneman e Amos Tversky, Thaler teve acesso
a uma abordagem poderosa que possibilitou o
desenvolvimento de trabalhos posteriores na área da
economia comportamental. Em 2017 o professor foi
laureado com o prêmio Nobel de economia por suas
contribuições na área da economia comportamental
ao incorporar suposições mais realistas da psicologia
comportamental, as análises econômicas explorando
as consequências da racionalidade limitada,
preferências sociais e o autocontrole.

294 Nobel - 2017


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O ponto de partida de Richard Thaler

T haler associa seu contato com as teorias


dos psicólogos israelenses Kanheman
(Nobel de economia em 2002) e Tversky
como sua passagem de uma visão
narrativa para uma abordagem cientifica (Thaler,
2017). Ele dá destaque a dois artigos publicados
incorporando parte dos seus achados anteriores
a microeconomia. Os autores defendem a
necessidade de dois tipos de teorias, a normativa
do que é considerado uma escolha racional e
uma descritiva que simplesmente preveem e
descrevem o que as pessoas efetivamente vão
por eles, “Judgment under Uncertainty: Heuristics fazer em determinadas situações.
and Biases” de 1974 e o artigo de 1979 “Prospect
Theory: An Analysis of Decision Under Risk”. Thaler faz um destaque importante no artigo
Esses estudos demonstraram que as pessoas “Toward a positive theory of consumer choice,
diante de problemas complexos julgam e fazem Journal of Economic Behavior & Organization”
previsões a partir de regras simples, heurísticas também defendo as mesmas ideias.
que diferem de uma ação racional e podem
ser vistas como vieses cognitivos. Esses vieses “A lição aqui não é que devemos descartar as
levam a erros sistemáticos e previsíveis. Essa teorias neoclássicas. Eles são essenciais tanto
informação era inovadora. Alguns economistas para caracterizar as escolhas ótimas quanto para
podiam aceitar a suposição de uma racionalidade servir como benchmarks sobre os quais construir
limitada, porém, se os erros forem aleatórios eles teorias descritivas. Em vez disso, a lição é que, ao
em média se cancelam no final e não impactam tentar construir modelos para entender como as
nos modelos. Se os erros são previsíveis os pessoas realmente se comportam, precisávamos
desvios e anomalias dos modelos de escolha de uma nova geração de teorias descritivas
racional também são, o que implica que seria projetadas especificamente para essa tarefa.”
possível melhorar a capacidade explicativa e (Thaler, 1980)
preditiva deles. (Thaler, 2018)
Nesse artigo Thaler já traz parte do que será
O segundo artigo faz uma crítica à teoria da sua linha de pesquisa nos próximos anos. No
utilidade esperada como modelo descritivo e decorrer desse texto será resumido parte das
propõe um modelo alternativo denominado contribuições do autor que o levaram a ser
“teoria do prospecto” ou “teoria da perspectiva” premiado com o Nobel.

Autocontrole

N em sempre seguimos o que é melhor para nós, muitas vezes sabemos qual decisão nos
traria maior retorno e mesmo assim seguimos na direção errada como quando decidimos
procrastinar ou consumir algo que só trará prazer no curto prazo. Outras vezes planejamos
para que isso não aconteça e criamos formas de evitar esse desvio. Para evitar uma escolha
irracional podemos limitar as escolhas possíveis para não cair em tentação. Por exemplo, limitar
nossas escolhas para evitar consumir algo ou para não assumir o custo psíquico de ter que decidir e
incorrer no risco de se arrepender. Esses comportamentos estão ligados ao nosso autocontrole, uma
das lacunas da teoria da escolha que Richard Thaler contribuiu para responder.

Na Teoria dos Sentimentos Morais (1759), Adam Smith caracteriza os problemas de autocontrole
como uma luta entre nossas “paixões” e nosso “expectador imparcial”. Seguindo os mesmos passos
Richard Thaler em parceria com Hersh Shefrin modelaram o autocontrole dos indivíduos como
organizações com dois componentes: um “Planejador” de visão longa e um “Executor” focado nas
paixões de curto-prazo.

295 Nobel - 2017


E-BOOK NOBEL

O planejador tem duas ferramentas para manter o executor na linha. Ele pode empregar estratégias
de compromisso estabelecendo certas regras antecipadamente ou criar culpa. Essa abordagem se
baseia no modelo de agente principal onde há um conflito de interesse entre o chefe (principal) e os
agentes (trabalhadores). Dessa forma, os problemas envolvendo autocontrole são mais importantes
para as atividades que envolvem uma dimensão de tempo.

Os problemas de autocontrole podem ser superados restringindo as escolhas possíveis e criando


algum pré-comprometimento.

“o ato de escolher ou mesmo apenas o conhecimento de que existe escolha induz custos, e esses
custos podem ser reduzidos ou eliminados restringindo-se a escolha previamente definida.” (Thaler,
1980)

“consideramos um motivo para reduzir a escolha, que é um tipo especial de custo de tomada de
decisão. Aqui, o ato de escolher ou mesmo apenas o conhecimento de que existe escolha induz
custos, e esses custos podem ser reduzidos ou eliminados restringindo-se a escolha previamente
definida. Esses custos se enquadram na categoria geral de arrependimento” (Thaler, 1980)

Os exemplos desses casos são infinitos. Uma pessoa pode escolher não comprar certos alimentos
para ter em casa evitando assim perder o controle de uma dieta e incorrer em um custo de culpa
e arrependimento. O mesmo vale para alguém viciado em álcool que quer evitar seu consumo. A
dificuldade em guardar dinheiro e planejar aposentadoria também se encaixa nesse problema.

Há também casos que ilustram como as pessoas evitam o custo de ter que escolher, tal como a
preferência por um Resort com tudo pago previamente, dado que dessa forma não há o custo psíquico
de ter que decidir o quanto gastar em cada coisa. A característica dos serviços de streaming em
cobrar um preço fechado independente do quanto se consome também funciona de maneira similar.
Na área de seguros de saúde onde se paga previamente pelos custos médicos mesmo que estes não
sejam usados, também se evita o custo psíquico de ter que decidir pelo uso de um procedimento
médico, por exemplo um exame para uma doença rara. Mesmo com baixa probabilidade de ter a
doença, não usar pode gerar um custo de arrependimento caso efetivamente esteja doente, usar
e saber que não era nada pode gerar arrependimento por ter pagado o custo do exame. Pagando
previamente esse custo deixa de existir.

Muitas das suposições da economia neoclássica


conflitam com os conceitos apresentados por Thaler
como as ideias defendidas por Friedman de que as
preferências de um indivíduo são sempre melhor
conhecidas por ele próprio, o conceito de “preferência
revelada” de Samuelson (1938) que afirma que “as
preferências são definidas pelo que essencialmente
escolhemos” (Thaler, 2018) e que levou Becker e
Murphy (1988) a concluírem que pessoas viciadas em
drogas, por fazerem essa escolha, indicam que sua
preferência é por continuarem viciadas em drogas, o
que ignora justamente o conflito entre planejamento
de curto e longo-prazo. Além disso, pelos axiomas da
teoria da escolha racional, escolhas adicionais quase
sempre deixam alguém em melhor situação, dado que
não se considera o custo em haver mais opções, de
arrependimento e o autocontrole.

296 Nobel - 2017


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Sunk Costs ou Custos Irrecuperáveis

A teoria econômica tradicional considera


que apenas custos e benefícios
incrementais afetam a decisão, custos
históricos irrecuperáveis não. Isso
significa que um investimento por exemplo
deve levar em conta apenas o retorno do que
diante dessas evidências os governos da Inglaterra
e França permaneceram investindo nisso, o que
incorreu num prejuízo maior, algumas pessoas
associam ao efeito de sunk costs. O mesmo já
aconteceu em investimentos em usinas nucleares
economicamente inviáveis que permaneciam
ainda será investido nele e não o que já foi tendo investimentos (De Bondt e Makhija, 1988).
investido e não tem mais retorno. Isso indica Um exemplo mais cotidiano aparece quando
que continuar investindo em algo unicamente permanecemos no cinema mesmo ao perceber
porque já foi investido dinheiro nele é irracional que o filme é ruim, apesar do custo do ingresso
se esse investimento é irrecuperável, porém ser irrecuperável e não haver mais retorno em
isso acontece em várias situações, inclusive em continuar assistindo o filme. Em um experimento
governos que insistem em investir em projetos Arkes e Blumer (1985) demonstraram que os
que já se provaram economicamente inviáveis. clientes que pagaram mais por uma série de
teatros assistiram a mais peças durante 6 meses
Dois exemplos disso, o investimento no avião e sugerem que seria uma evidência do mesmo
concorde se mostrou um fracasso, mas mesmo efeito.

Contabilidade Mental

A contabilidade mental é uma das estratégias usadas pelas pessoas e mesmo firmas que
também foge do que seria esperado dentro de um comportamento racional na perspectiva
neoclássica, o que leva a prejuízos. Nela uma mesma quantidade de dinheiro é avaliada de
forma diferente com base em critérios subjetivos.

As famílias podem dividir seu dinheiro com base em critérios como despesas para comida, lazer,
aposentadoria etc. Em tese o comportamento racional faria com que esse dinheiro fosse transacionado
entre essas áreas com base no que traz melhor retorno, mas não é o que acontece. Um exemplo claro
se dá quando ao mesmo tempo um indivíduo tem uma dívida com juro alto no cartão de crédito e
um dinheiro guardado para aposentadoria rendendo a um juro baixo. A racionalidade esperada é que
esse recurso fosse gasto para sanar a dívida dado o juro mais alto, porém o fato de o recurso estar
contabilizado para aposentadoria cria um viés no qual o indivíduo tem mais dificuldade de usar ele
pois sobrevaloriza o fato de ter destinado aquele montante para aposentadoria.

“Se alguém colocar rótulos em categorias de orçamento específicas e adicionar regras de que o
dinheiro de uma conta não pode ser usado para algo que pertence a outra categoria, a suposição de
fungibilidade é destruída. Este não é um assunto menor. Teorias tão básicas para a teoria econômica
quanto a hipótese do ciclo de vida de Modigliani começa com a premissa de que as pessoas estão
reduzindo o consumo de um estoque vitalício de riqueza, ponto final. Nesse modelo, a riqueza não
tem categorias. Mas pessoas e organizações criam categorias.” (Thaler, 2018)

O conhecimento desse comportamento é fundamental para entender como as pessoas estão


alocando seus recursos, o que possibilita prever diversas anomalias, erros sistemáticos que os agentes
comentem ao investir e planejar sua vida financeira.

297 Nobel - 2017


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Efeito Dotação e Aversão a Perda

T Outros critérios subjetivos que


determinam o valor observado é o efeito
dotação e aversão a perda. Esses efeitos
criam uma diferença fundamental entre
a teoria da perspectiva e a teoria da utilidade
esperada, pois as pessoas passam a observar o
disposto a vender um objeto por $20, mas não
estaria disposto a pagar mais do que $10 para
adquiri-lo. O valor do objeto se torna subjetivo
ao fato dele pertencer ou não a ele.

Um exemplo ilustrativo que Thaler frequentemente


valor não de forma absoluta, mas relativa a certas utiliza é:
perspectivas. Thaler destaca que “em primeiro
lugar, as funções de ganho e perda exibem “O presidente do departamento de economia
sensibilidade decrescente. A diferença entre $ 10 da Universidade de Rochester (e um de meus
e $ 20 parece maior do que a diferença entre $ conselheiros), Richard Rosett, era um amante
1.010 e $ 1.020. Em segundo lugar, a função de de vinhos que começou a comprar e coletar
perda é mais íngreme do que a função de ganho; vinhos na década de 1950. Ele comprou algumas
as perdas prejudicam mais do que os ganhos” garrafas de escolha por apenas $5, que agora
o que pode ser classificado como uma aversão poderia vender a um revendedor local por $100.
a perda (Thaler 2017). Olhando para o gráfico Rosett tinha uma regra contra pagar mais de US$
isso fica claro, uma perda de $10 no gráfico tem 30 por uma garrafa de vinho, mas ele não vendia
um valor negativo em magnitude maior que nenhuma de suas garrafas antigas. Em vez disso,
uma ganho de $10. Ou seja, as perdas têm um ele os bebia em ocasiões especiais. Em resumo,
impacto psicológico maior que os ganhos de ele apreciaria suas garrafas velhas no valor de
mesma magnitude. US$ 100 cada, mas não compraria nem venderia
por esse preço.” (Thaler, 2018).

Pela teoria da utilidade esperada teríamos


que considerar que a garrafa tem um valor
simultaneamente maior e menor que 100. Com
a teoria da perspectiva o entendimento desse
comportamento passa a fazer mais sentido.

“Thaler (1980) chamou esse padrão – o fato


de que as pessoas muitas vezes exigem muito
mais para desistir de um objeto do que estariam
dispostas a pagar para adquiri-lo – o efeito
dotação. O exemplo também ilustra o que
Samuelson e Zeckhauser (1988) chamam de
viés do status quo, uma preferência pelo estado
atual que viesa o economista contra a compra
e venda de seu vinho. Essas anomalias são uma
Essa curva parece explicar o efeito dotação. manifestação de uma assimetria de valor que
Esse efeito consiste no fato de que os indivíduos Kahneman e Tversky (1984) chamam de aversão
tendem a valorizar mais o que já tem do que o à perda – a desutilidade de desistir de um objeto
que ainda não pertence a eles. Pela teoria padrão é maior do que a utilidade associada a adquiri-
um mesmo objeto tem um único valor, porém lo” Kahneman, Knetsch e Thaler 1991
o que os testes indicam é que o fato do objeto
pertencer ao indivíduo faz com que ele o veja Isso acontece porque o ato de se desvencilhar
com um valor maior do que o mesmo objeto que de um objeto é visto como uma perda, enquanto
não o pertence. Ou seja, o indivíduo pode estar a compra do mesmo objeto é vista como um

298 Nobel - 2017


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ganho. Como o agente tem o viés de valorizar mais as perdas que os ganhos, ele tende a cobrar um
valor maior para vender o objeto que o pertence do que ele mesmo estaria disposto a gastar para
comprar o objeto. Vários estudos demonstraram a existências desse viés como o publicado por
Kahneman, Knetsch e Thaler em 1991.

Justiça

A
s pesquisas sobre justiça marcam algumas das contribuições que Thaler deu em trabalhos
junto a Kahneman em 1984-85 quando o visitou na Universidade de Columbia. O objetivo
não era responder o que era justiça, mas sim criar um modelo descritivo de justiça baseado
no que os cidadãos consideram como justo. Ao entender como as pessoas viam as ações
das empresas, ficava mais claro que tipo de ações elas viam como perdas.

Um exemplo dessas ações está na imposição de uma taxa para uso do cartão de crédito. “Impor
uma sobre taxa para o uso é considerado mais injusto do que oferecer descontos para quem paga
no dinheiro” Thaler 2017. A princípio poderia parecer que as duas tem o mesmo custo, mas a forma
como é feita altera a percepção dos clientes e isso pode ter impacto nas decisões das empresas.

Em outro exemplo da pesquisa, Thaler menciona sobre o fato de as pessoas entenderem como injusto
um aumento de preço em certos produtos em momentos de desastres ambientais, como o aumento
de preço em pás de neve durante uma nevasca. Apesar de parecer intuitivo, economicamente faz
sentido que as empresas aumentem os preços quando a demanda aumenta e geralmente não se
leva em conta que estas vão internalizar o que os consumidores enxergam como justo. No entanto,
Thaler destaca alguns exemplos onde a percepção de justiça afeta a decisão das empresas. Grandes
varejistas como Walmart e Home Depot, após desastres naturais como no caso de furacões, “oferecem
suprimentos emergenciais como água e madeira compensada a preços promocionais (ou grátis) na
região afetada. Eles estão jogando de forma inteligente um jogo longo; manter uma reputação de
negociação justa após a crise garantirá que eles recebam uma boa parte dos negócios que virão
quando o processo de reconstrução começar” (Thaler, 2017).

Em outro caso a empresa Uber foi processada pelo procurador do estado de Nova York por aumentar
os preços excessivamente durante uma tempestade de neve. A empresa entrou em acordo para
limitar o aumento de preços em momentos de emergência. Dado os problemas regulatórios que a
empresa enfrentava para entrar no mercado, a decisão inicial de aumentar os preços ignorando a
percepção de justiça não foi uma decisão ótima, mesmo que do ponto de vista econômico tradicional
parecesse ser a decisão racional.

Outro experimento feito junto a Kahneman e Knetsch que ficou bastante conhecido foi o “jogo
do ditador”. O jogo consiste em dois jogadores um proponente que recebe uma quantia, nesse
experimento $10, que pode ser dividida da forma como quiser pelo proponente com um outro jogador
desconhecido. O proponente decide o quanto dar, porém só pode ficar com a quantia restante se
o outro jogador aceitar a oferta. Se não for aceita os dois jogadores ficam sem nada. Considerando
indivíduos maximizando como prevê a ideia do homo economicus, o esperado é que o proponente
de a menor quantia possível e o outro jogador aceite, esse seria resultado do jogo. No entanto, o que
eles observaram é que propostas abaixo de $2 não eram aceitas, a princípio esse resultado não faria
sentido dado que o jogador sairia ganhando mais se aceitasse a proposta. O que fica claro é que a
percepção do que é justo pelas pessoas interfere na negociação.

299 Nobel - 2017


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A ideia de justiça interfere na forma como nos relacionamos e como algumas pesquisas indicam é
uma variável a ser levado em conta quando queremos prever os resultados das interações entre as
pessoas como em negociações e na forma como as empresas interagem com o público.

Nudges: Paternalismo Libertário


e Arquitetura das Escolhas.

D esde o início um dos objetivos de Thaler


era criar formas de ajudar nas políticas
públicas, porém deliberadamente
evitou esse tema por medo de parecer
que os estudos de economia comportamental
tinham um viés mais políticos que científico. Seu
quiser. Por isso o termo paternalismo libertário,
paternalismo porque induz a pessoa a tomar
as melhores decisões e libertário porque não
impede que a pessoa tome decisões diferentes
desta, não há uma coerção que a obrigue a fazer
algo.
medo era a resistência de alguns economistas
mais críticos ao intervencionismo econômico Quando se admite existência da racionalidade
com a aplicabilidade dos resultados. limitada e que as pessoas agem a partir de
heurísticas, vieses que muitas vezes as afastam
Efetivamente os conhecimentos sobre economia de uma decisão racional, que não só as opções
comportamental são de grande utilidade na em si, mas o ambiente onde as escolhas são feitas
formulação de políticas públicas, com uma influenciam as decisões das pessoas, faz todo
definição mais realista sobre o comportamento sentido que esses ambientes sejam pensados de
humano na forma como as pessoas planejam forma a superar essas limitações que prejudicam
e fazem escolhas, toda política pública pode os próprios indivíduos.
ser pensada de forma diferente. Entre essas
contribuições está o conceito de “nudges”, Entre alguns exemplos de Nudges estão:
popularizado por Richard Thaler e seu colega da
Faculdade de Direito de Chicago Cass susstein
no livro “Nudge: Improving Decisions About Taxa de Poupança
Health, Wealth and Happiness”. Os nudges são
As atividades que envolvem uma dimensão
baseados em dois princípios, a arquitetura das
temporal em muitos casos enfrentam problemas
escolhas e o paternalismo libertário.
de autocontrole. Como dito antes, há um conflito
de interesse entre os desejos de curto e longo-
Nudge pode ser traduzido para o português
prazo. Esse é justamente o problema enfrentado
como empurrão e significa estratégias
para o planejamento de uma aposentadoria.
cognitivas que induzem o indivíduo a fazer
Como ajudar as pessoas a fazerem a melhor
algo específico. A arquitetura das escolhas é o
escolha?
ambiente onde o indivíduo faz essas escolhas. A
partir do conhecimento sobre vieses cognitivos
Thaler junto de seu ex-aluno Shlomo Benartzi
podemos desenhar esse ambiente de forma a
criaram um plano. Primeiro eles consideraram 3
incentivar, a dar um “empurrão” em uma direção
pontos sobre o comportamento das pessoas.
específica, como na maximização do bem-estar
dos indivíduos. Basicamente ajudar as pessoas
• Procrastinação e Autocontrole. As pessoas
a fazerem as melhores escolhas possíveis caso
têm mais autocontrole com coisas planejadas
estivessem bem-informadas, isso sem impedir
para o futuro do que com comportamentos
que a pessoa tome decisões contrárias, ela
imediatos. O planejamento de economizar
continua tendo liberdade de escolher o que

300 Nobel - 2017


E-BOOK NOBEL

mais seria mais aceito marcando seu início geralmente se considera que ela não é doadora.
para um momento futuro que imediatamente. A opção padrão pode ser alterada considerando
que quem deixou de se registrar na verdade é um
• Pelo viés de aversão a perda há uma doador e caso a pessoa discorde basta alterar o
resistência a economizar mais dado que registro.
percebem uma redução no seu salário como Essa estratégia de “default subscrition” ou
uma perda. Assim foi ajustado para que a “assinatura por omissão” ou “assinatura padrão”
taxa de poupança aumentasse quando o é comum em serviços de streaming que
salário aumentasse, dessa forma o individuo geralmente oferecem um período gratuito e caso
não sentiria a mudança. não cancele a assinatura, o consumidor passa a
pagar por ela automaticamente. Os países que
• Há uma inércia no comportamento dos consideram doadores todos os que não deixaram
poupadores. Assim que entram em um plano explícitos que não são tiveram uma quantidade
tendem a não os alterar. Então assim que de doadores potencial acima de 80%, já os que a
o trabalhador aderisse a um programa ele opção default é de que sem registro considera-
permaneceria em vigor até que optasse por se não doador, o número de doadores efetivos
sair ou atingisse sua meta. fica em média abaixo de 20%. (Johson, 2003)

O plano foi aplicado e uma pequena empresa


de Chicago, 80% das pessoas aderiram ao plano
que alterou a taxa de poupança de 3,5% para
Conclusão
13,6%. Esses resultados foram apresentados no As contribuições de Richard Thaler trouxeram
artigo “Using Behavioral Economics to Increase avanços para diversas áreas da economia desde
Employee Saving” de 2004. campos mais teóricos como da microeconomia
e diretamente no setor financeiro, em políticas
públicas, nos estudos sobre regulação e no setor
Doação de Órgãos de saúde. Atrelando novas descobertas sobre
o comportamento humano Thaler foi capaz
Nos EUA 85% dos americanos aprovam a doação de melhorar diversos modelos econômicos
de órgão, mas apenas 28% são registrados sempre em contribuição junto a diversos outros
como doadores. O mesmo padrão aparecia na economista, psicólogos e especialistas no direito
Alemanha, Espanha e Suécia. [] Um dos motivos o que mostra bem a importância da integração
que podem explicar esse fenômeno é que a opção com diversos campos do conhecimento. O debate
“default” ou opção padrão. Quando alguém deixa com os economistas neoclássicos foi essencial
de se registrar como doador a opção padrão é para que o campo entendesse onde havia
de que ele não quer ser doador de órgão. Talvez limitações e como fazer avanços, o que permitiu
pela burocracia ou custo psicológico de ter que uma rápida evolução no nosso conhecimento
decidir sobre isso, a pessoa mesmo aceitando ser mesmo em áreas onde havia paradigmas bem
doadora não deixa isso registrado. Uma forma de estabelecidos. Dessa forma, o prêmio nobel
alterar isso é mudando a opção padrão, quando de economia de 2017 vem enaltecer de forma
alguém deixar de se registrar se é doador ou não, merecida todas essas contribuições históricas.

Pedro Ruas
Economista formado pela Universidade Federal Fluminense.

301 Nobel - 2017


E-BOOK NOBEL

Notas:
Referências:

Johnson, Eric J. and Goldstein, Daniel G. (2003). Do Defaults Save Lives? Science, Vol. 302, pp.
1338-1339.

Illiashenko, Pavlo. (2017). Book Review. Misbehaving: The Making of Behavioral Economics by
Richard H. Thaler.

Thaler, Richard H. (2018). From Cashews to Nudges: The Evolution of Behavioral Economics,
American Economic Review, 108 (6): 1265-87.

Thaler, Richard H. (1980). Toward a positive theory of consumer choice, Journal of Economic
Behavior & Organization, Volume 1, Issue 1, 1980, Pages 39-60, ISSN 0167-2681.

Kahneman, Daniel, Jack L. Knetsch, and Richard H. Thaler. (1991). “Anomalies: The Endowment
Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias.” Journal of Economic Perspectives, 5 (1): 193-206.

De Bondt, Werner F. M. and Makhija, Anil K. (1988). Throwing good money after bad?: Nuclear
power plant investment decisions and the relevance of sunk costs, Journal of Economic Behavior
& Organization, 10, issue 2, p. 173-199.

Hal R Arkes, Catherine Blumer. (1985). The psychology of sunk cost, Organizational Behavior and
Human Decision Processes, Volume 35, Issue 1, 1985, Pages 124-140, ISSN 0749-5978.

https://www.investopedia.com/terms/m/mentalaccounting.asp

302 Nobel - 2017


E-BOOK NOBEL

NOBEL DE ECONOMIA

2018
William Nordhaus & Paul M. Romer
por Lucas Warwar


We understand the science, we understand
the effects of climate change. But we don’t
understand how to bring countries together.”
William Nordhaus

N
No dia 8 de outubro de 2018, em Incheon na
Coreia do Sul, a ONU divulgou um relatório
emblemático sobre mudança climática: de
acordo com o IPCC (Intergovernamental
Panel on Climate Change), grupo de cientistas,
especialistas e políticos que assessora a ONU no tema,
as previsões anteriores sobre o impacto do aquecimento
global estavam subestimadas. O novo documento anunciava um cenário muito mais catastrófico do
que o imaginado anteriormente para a economia mundial nas próximas décadas, com o aumento
da temperatura no planeta provocando escassez de alimentos, desastres ambientais e aumento da
pobreza. A única solução seria a “transformação da economia mundial em uma velocidade e escala
sem precedentes na história”.

No mesmo dia, apenas algumas horas mais tarde em Estocolmo na Suécia, a Royal Swedish Academy
fazia outro anúncio importante: o prêmio Nobel em Economia daquele ano seria dividido entre Paul
Romer e William Nordhaus. Este último, por “integrar a mudança climática na análise macroeconômica
de longo prazo”. A coincidência com o evento da ONU não passou despercebida. Muitos viram a
decisão do comitê do Nobel como uma posição política, em resposta ao crescente negacionismo
climático ao redor do mundo, sobretudo nos Estados Unidos – onde o presidente Donald Trump
tem reduzido restrições à poluição, além de ter retirado o país do Acordo de Paris. Em oposição,
Nordhaus era laureado com o Nobel por mostrar que “o remédio mais eficiente para os grandes
problemas causados pela mudança climática é a cooperação entre países”.
303 Nobel - 2018
E-BOOK NOBEL

A declaração do IPCC provocou espanto mas, de incluir os recursos naturais da economia


embora o crescimento do negacionismo climático na contabilidade nacional, e introduziu o
seja um fenômeno recente, o aquecimento global primeiro modelo econômico que considerava a
e a mudança climática são fatos conhecidos sustentabilidade ambiental. Nas considerações
há muito tempo. Na verdade, desde a década finais do artigo, Nordhaus e Tobin declaravam
de 1970, inúmeros cientistas, biólogos, físicos, que catástrofes ecológicas e o aquecimento
geógrafos, meteorologistas, economistas e global viriam a se tornar problemas graves, e
outros especialistas têm reforçado a urgência portanto mereceriam maior esforço de pesquisa.
do problema. Nordhaus é uma dessas pessoas, e
dedica boa parte de sua vida à questão climática Sendo assim, em 1974 Nordhaus se mudou
e ambiental. Há anos que ele se esforça para para Viena, a fim de estudar o tema com mais
compreender e modelar as interações entre o profundidade no International Institute of
clima e o sistema econômico e, com isso, tentar Applied System Analysis (IIASA), participando
influenciar as decisões de políticos e governantes. de um grupo de pesquisa com cientistas,
Tal esforço rendeu muitos frutos (inclusive, um meteorologistas e físicos de ponta, além do
prêmio Nobel!) e merece ser conhecido em mais economista Tjalling Koopmans – laureado com o
detalhe. Nobel em 1975. O resultado do trabalho conjunto
desses especialistas foi a primeira modelagem
Nordhaus nasceu em 1941 no Novo México, e se econômica do aquecimento global, publicada
formou e obteve seu Mestrado em Economia na em 1977.
Universidade de Yale, onde foi aluno do também
Nobel James Tobin e foi membro da sociedade No entanto, o modelo elaborado no IIASA era
secreta Skull & Bones. Em seguida, ingressou no extremamente simplificado e não permitia
programa de doutorado do MIT, onde trabalhou análises muito profundas. Nordhaus voltou
em conjunto com outros dois futuros laureados para Yale e, junto com diversos colaboradores,
com o Nobel: Robert Solow e Paul Samuelson. passou os próximos 25 anos se esforçando para
O foco de pesquisa do grupo era o processo introduzir os detalhes complexos da ciência
de inovação, o que fez Nordhaus ter o primeiro climática na análise do sistema econômico, e
contato com modelos de mudança tecnológica modelar as relações de interdependência entre
endógena, nos quais externalidades positivas os dois. Em 1992 foi divulgada a versão inicial
da inovação geram crescimento econômico. E do DICE (Dynamic Integrated Climate-Economy
de fato, a maioria da produção acadêmica de model), o primeiro modelo dinâmico de
Nordhaus desde então usa modelos endógenos equilíbrio geral que integrava a economia com
e o conceito de externalidades, porém de o clima, considerando a produção de energia,
forma diferente: a atividade econômica traz emissões de gases estufa e o ciclo do carbono.
externalidades negativas que impactam o meio O DICE – cujo nome propositalmente sugere que
ambiente, que por sua vez modificam o clima e estamos “jogando dados” com o futuro do nosso
prejudicam a economia. planeta – tornou possível a mensuração dos
custos econômicos da mudança climática, como
O turning point na agenda de pesquisa de perdas agrícolas e desastres ambientais. Em
Nordhaus se deu no início dos anos 1970, no 1996, Nordhaus introduziu uma versão regional
contexto maior da “environmental revolution”. e mais detalhada do modelo, o RICE (Regional
Nessa época, os primeiros estudos sobre gases Integrated Climate-Economy model).
do efeito estufa, aquecimento global e mudança O passo seguinte foi incrementar a resolução
climática fizeram com que a sociedade civil e espacial desses modelos. Em suas primeiras
a classe política se atentasse cada vez mais a versões, tais modelos eram agregados a nível
questões ambientais, o que chamou a atenção nacional. Por exemplo, todas as características
de Nordhaus. Sua primeira abordagem ao tema climáticas e econômicas de um país eram
foi um artigo publicado em conjunto com seu ex- estimadas como valores médios distribuídos
professor, James Tobin: “Is Growth Obsolete?”, igualmente pelo território. Embora tal
publicado em 1972, propunha uma maneira abordagem possa ser útil em algumas aplicações,

304 Nobel - 2018


E-BOOK NOBEL

é imensamente limitante para uma análise mais ao receber o Nobel, Nordhaus não deu muito
robusta. A fim de entender o porquê, basta espaço para otimismo:
pensar no caso brasileiro: com esse método, as
coordenadas geográficas referentes a um pólo “The policies are lagging very, very far — miles,
industrial em São Paulo, uma plantação de Soja miles, miles behind the science and what needs
em Mato Grosso ou uma reserva indígena na to be done (…) We understand the science, we
Amazônia eram computados com os mesmos understand the effects of climate change. But
valores para variáveis como PIB, população, we don’t understand how to bring countries
temperatura média, entre outros. together.”

Da necessidade de resolver esse problema Atualmente, o DICE é utilizado por pesquisadores,


surgiu o G-Econ Project, outra iniciativa ousada instituições e organizações governamentais
de Nordhaus, que tem como objetivo compilar no mundo inteiro, sendo a principal ferramenta
dados de atividade econômica e características para compreender as interações entre clima
climáticas para cada grau de latitude e longitude e economia. Além de estimar os impactos do
do planeta. Isso significa que para cada aquecimento global, a ferramenta criada por anos
quadrado de 100 quilômetros de comprimento de trabalho de Nordhaus e seus colaboradores é
do globo, o G-Econ detalha dados econômicos usada para calcular o custo social do carbono,
e outras importantes variáveis demográficas os impactos de um imposto sobre a emissão de
e geofísicas, como clima, atributos físicos e gases estufa, entre muito outros.
luminosidade. Nordhaus e sua equipe em Yale Nas palavras do comitê do Nobel, “as
performaram o esforço imenso de conseguir
dados granularizados de renda e produto
para cada país do planeta, tratando cada caso
individualmente. Esse processo de obtenção
dos dados teve inúmeras dificuldades – desde
criar literalmente do zero uma base histórica de
contas nacionais para a Somália, até disputas
diplomáticas para ter acesso a dados Ucranianos
e Chineses. Após 10 anos, em 2006 o G-Econ 1.0
foi publicado, e hoje em dia qualquer pessoa do
planeta pode acessar o site do projeto e fazer
o download de todos os dados compilados por
Nordhaus e sua equipe, que são atualizados
recorrentemente.

Após finalmente conseguir uma resolução


espacial fina, Nordhaus alimentou o DICE com
os dados do G-Econ para calcular estimativas do
aquecimento global na produtividade agrícola,
custos de produção da indústria e na atividade
econômica como um todo. Os resultados obtidos
indicavam que estimativas anteriores eram
subestimadas, e desde então, em praticamente
toda atualização do modelo os impactos
estimados da mudança climática se tornam
maiores. Contudo, apesar dos avisos constantes
– não só de Nordhaus, mas de milhares de
cientistas e especialistas ao redor do mundo -,
estamos fazendo pouco (ou quase nada) para
evitar esse futuro catastrófico. Em seu discurso

305 Nobel - 2018


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contribuições de Nordhaus são metodológicas, oferecendo ideias fundamentais para entender as


causas e consequências da mudança climática”. O DICE abriu o caminho para o desenvolvimento de
uma série de modelos estruturais da interação entre o clima e a economia, e o trabalho colaborativo
de Nordhaus formou uma geração de pesquisadores qualificados e talentosos nas áreas de economia
climática e ambiental. Ademais, os dados abertos do GEcon possibilitam um universo imenso de
análises, e o número de artigos científicos que os utilizam cresce a cada ano.

De fato, Nordhaus forneceu poucas respostas ao longo da sua carreira acadêmica mas, como um
bom economista, soube fazer as perguntas certas. Há quase 50 anos Nordhaus se preocupa com
as interações entre o clima e a economia, e tem como legado ferramentas e informações essenciais
para que o mundo saiba, e se prepare, para as inevitáveis mudanças climáticas. Se até agora fizemos
pouco para remediar isso, ainda há tempo para ouvir os avisos e honrar o trabalho de Nordhaus e
tantos outros cientistas, que dedicaram a vida a prover ferramentas para o combate à mudança
climática.

Lucas Warwar
Mestre em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Bacharel em Economia
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Research Assistant pela Università Bocconi,
conta com passagens por IPEA e INTL FCStone. Foi bolsista Santander Universidades na Alemanha.

O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores

306 Nobel - 2018


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NOBEL DE ECONOMIA

2019
Banerjee, Duflo e Kremer
por Juliana Santos Oliveira


Economia é uma ciência social,
então empobrecemos muito se
todos nós tivermos a mesma
aparência.”

Esther Duflo, 2020

N Qual é a aparência de um economista? Se você pesquisar no Google, o resultado não


é nada inesperado: um homem, branco, vestindo roupa social. Caso pergunte no grupo
da sua família, uma imagem semelhante será descrita – a não ser que uma das suas tias
cite o Gil do Vigor. Passeando pelos escritórios da Avenida Faria Lima, em São Paulo, a
percepção é a mesma.

Mas estamos em um século que se iniciou trazendo consideráveis mudanças. Assuntos como
diversidade, inclusão e representatividade estampam colunas de grandes jornais, painéis em grandes
eventos, agenda de reguladores e reuniões nas equipes de RH, gestão e comunicação das grandes
empresas.

307 Nobel - 2019


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E o que tudo isso tem a ver com o Nobel? Em 2019, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de
Alfred Nobel foi concedido a um trio de economistas: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer.
Dos 86 economistas já laureados, Esther Duflo foi a pessoa mais jovem e apenas a segunda mulher,
após Elionor Ostrom, a receber o maior prêmio de Economia do mundo. Concomitantemente, Abhijit
Banerjee se tornou o segundo homem indiano (após Amartya Sen) a ser laureado. Michael Kremer,
por sua vez, é um norte-americano descendente de imigrantes judeus – tornando esse trio um tanto
diverso.

O motivo da premiação também está alinhado com esse assunto. Os três professores foram premiados
por sua “abordagem experimental para aliviar a pobreza global”[2], construída através de estudos
empíricos realizados em países em desenvolvimento. A metodologia utilizada pelo trio é composta
pelos denominados “ensaios controlados randomizados”, que procuram aplicar métodos estatísticos
para a resolução de problemas sociais. Ao divergir das óticas tradicionais, Duflo, Banerjee e Kremer
contribuem para a redução das desigualdades, tanto pela diversificação dos métodos de pesquisa
econômica, quanto por seus esforços para promover a redução da pobreza em todo o mundo.

Ensaios controlados randomizados (RCT)

O
s ensaios controlados randomizados (randomized controlled trial, RCT) surgem na área da
saúde, ao final do século XIX, mas sua popularização e maior utilização se dá apenas após
a segunda metade do século XX, ainda no campo da medicina.

Mesmo sendo um método composto por critérios estatísticos rigorosos, que garantem o
poder estatístico, i.e., permitem que o resultado seja atribuído a um efeito específico e não ao simples
acaso, a intuição dos RCTs não é complexa.

A partir da população total, seleciona-se o público elegível ao tratamento, ou seja, aquele que poderá
receber determinado tipo de intervenção. Dentro deste grupo, de maneira aleatória, é realizado um
sorteio da amostra na qual o estudo será aplicado — lembre-se, existem custos envolvidos e nem
sempre toda população elegível poderá participar da pesquisa. Na sequência, dentro da amostra,
um novo sorteio é realizado, dividindo os indivíduos entre o “grupo de tratamento” e o “grupo de
controle” (que não recebe a intervenção). Com isso, o pesquisador é capaz de mensurar os resultados
dos dois grupos e produzir uma comparação.

308 Nobel - 2019


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Na medicina, quando abordamos estudos randomizados, a compreensão de como mensura-se o


impacto é bastante intuitiva. Por exemplo: ao medicar o grupo de tratamento e administrar um
placebo (substância sem efeito algum) na outra parcela da amostra — sem que nenhum dos grupos
tenha conhecimento se está recebendo uma substância ou a outra; é possível aferir o funcionamento
do medicamento, comparando os resultados dos dois grupos. Já nas ciências sociais, essa percepção
é mais difícil. A checagem se os efeitos encontrados aconteceram por conta da intervenção ou
foram causados por outro fator qualquer não é tão simples e exige distintas variáveis de controle no
experimento.

Quando utilizado corretamente, contudo, o ensaio controlado randomizado é capaz de auxiliar


na mensuração de benefícios, efeitos colaterais, rentabilidade e outros aspectos de um programa
social[3]. Para contornar as dificuldades de implementação do experimento, Duflo (2019) salienta
o fator de maior importância: fazer as perguntas de pesquisa corretas – “uma vez que você tiver
perguntas muito bem definidas, você pode elaborar um experimento muito parecido quando você
testa a eficácia de um remédio em medicina”[4].

Experimentos aleatórios para


redução da pobreza

M ichael Kremer relata que a sua primeira


vivência no uso de experimentos
aleatórios foi em meados dos anos
90, com um trabalho no Quênia, em
apoio à International Child Support (ICS), onde
se buscava mensurar o impacto de um programa
Jameel Poverty Action Lab (J-PAL), um centro
de pesquisa com objetivo de “transformar a
forma como o mundo vê os desafios da pobreza
global”. O primeiro grupo de afiliados contou com
cinco professores (entre eles, Michael Kremer).
Atualmente, possuem cerca de 260 professores
de apadrinhamento em distintas escolas da afiliados, responsáveis por realizarem mais de
região. 1.000 experimentos aleatorizados em todo o
mundo[5].
Ao final dos anos 90, Kremer se associou
a Banerjee, e posteriormente a Duflo, para Essa abordagem mudou radicalmente a vida
conduzir estudos na Índia utilizando ensaios cotidiana de muitos economistas. Ela ampliou
randomizados. Através do aprimoramento dos a concepção do que economistas fazem,
métodos de avaliação aleatória, o trio encontrou desde analisar dados e escrever modelos,
possibilidades de novos olhares para a realidade até conversar com fazendeiros e inspecionar
de grupos que anteriormente não foram o centro latrinas. O conhecimento que aprendemos
dos estudos na teoria econômica. está ajudando a melhorar a vida de centenas
de milhões de pessoas em todo o mundo em
A partir de 2000, os trabalhos realizados por eles desenvolvimento.
tornaram-se conhecidos em ONGs e institutos
em todo o mundo. O grupo de pesquisadores (KREMER, 2013) [6]
utilizando esse tipo de abordagem — os
quais foram denominados posteriormente Um apanhado dos trabalhos dos experimentos
de “randomistas”, também se expandiu randomizados realizados por Duflo, Banerjee,
gradativamente. Kremer e centenas de pesquisadores do J-PAL
pode ser encontrado no livro Poor Economics
Em 2003, Duflo, Banerjee e Sendhil Mullainathan, (2011).
professores do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), fundaram o Abdul Latif

309 Nobel - 2019


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Poor Economics

M
esmo sendo compostos por métodos estatísticos e objetivarem replicar experimentos
clínicos, algo não pode ser controlado nos RCTs voltados para ciências humanas: o
comportamento dos beneficiários das intervenções. Esse é o tema de Poor Economics,
livro de Banerjee e Duflo, que aborda como pessoas pobres se comportam.

Com objetivo de auxiliar na solução de problemas, e não necessariamente descobrir os porquês de eles
existirem, Duflo e Banerjee dão luz ao comportamento de pessoas pobres sob diferentes incentivos
— por que após um aumento de renda eleva-se o consumo de calorias e não de comida ingerida?
Por que mesmo sob vulnerabilidade econômica as famílias gastam com festas e televisões? O que
leva uma família optar por enviar seu filho para escola ou não? Ao prover determinada quantidade
de água para uma família, ela a utilizará para beber, cozinhar ou para o banho? Ou seja, para os
autores, apenas compreendendo o comportamento dos beneficiários boas políticas públicas podem
ser elaboradas.

Para isto, Poor Economics reúne estudos randomizados abordando distintos aspectos da vida
de pessoas em países em desenvolvimento: o comportamento de agricultores com acesso à
fertilizantes[7], os reais impactos dos microcréditos de Muhammad Yunus[8] e até mesmo políticas
de prevenção ao HIV[9]. Também passa por análises de programas de estímulo à vacinação e
transferência de renda. Por meio de um olhar acurado para os impactos dos variados programas,
Banerjee e Duflo identificam numerosos casos de programas com incentivos inadequados, nos quais
os formuladores das políticas e os beneficiários possuíam óticas distintas e expectativas divergentes
para os resultados dos programas. Se não havia expectativa dos pobres de que os projetos sociais
iriam funcionar e melhorarem suas vidas, por que se comportariam como os formuladores de políticas
esperavam quando desenharam tais projetos?

Através dos experimentos e da observação comportamental dos beneficiários, a mensagem de


Duflo e Banerjee é clara: existem formas mais e menos eficazes de se trazer informações e formar
expectativa de pessoas mais pobres. Muitas ideias “geniais” são incríveis no papel, mas na prática
não necessariamente funcionam. Dessa forma, apenas por meio das observações, operacionalizadas
pelos experimentos aleatórios, é possível melhor desenhar programas sociais e econômicos para
redução da pobreza e das desigualdades sociais.

“Na medida em que saibamos como remediar a pobreza, não há razão para tolerar o desperdício
de vidas e de talentos que a pobreza arrasta consigo.”
(BANERJEE; DUFLO, 2021, p. 342)[10]

Quem são?
Michael Kremer
é norte-americano, filho de judeus imigrantes. Formou-se em Estudos Sociais em Harvard (1985), onde
também se tornou Doutor em Economia (1992). Atuou como professor visitante na Universidade de
Chicago em 1993 e professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre 1993 e 1999. Em
1999, Kremer retornou a Harvard, onde lecionou até 2020. Atualmente é professor no Departamento
de Economia da Universidade de Chicago.

310 Nobel - 2019


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Abhijit Banerjee
é indiano, naturalizado norte-americano. Filho de economistas, Banerjee se formou em Economia
na Universidade de Calcutá (1981), se tornou Mestre na Universidade de Jawaharlal (1983) e Doutor
em Harvard (1988). Atuou como professor em Princeton (1988-1992), professor visitante em Harvard
(1991) e desde 1993 é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Casou-se com Esther
Duflo em 2005.

Esther Duflo
é francesa, naturalizada norte-americana. Formou-se em História e em Economia na Ecole Normale
Supérieure (1992), tornou-se Mestre em Economia na Escola de Economia de Paris (1995) e Doutora
pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology (1999), onde é professora até hoje. Também foi
professora visitante em Princeton (2001) e na Escola de Economia de Paris (2007 e 2017).

Contribuições gerais

O
Os estudos randomizados são permeados de críticas e polêmicas. Em “Field Experiments
and the Practice of Economics”, Banerjee (2020)[11] responde questionamentos acerca
da metodologia – principalmente as críticas relacionadas a falta de generalização dos
estudos com RCT e o excesso de estatística na atuação econômica dele e dos demais
randomistas.

Contudo, sob uma ótica mais positiva, os estudos randomizados para redução da pobreza carregam
a perspectiva de criação de soluções para problemas reais no mundo real. As obras de Duflo,
Banerjee, Kremer e das centenas de economistas que trabalham com esta abordagem transportam
uma mensagem simples: a mudança do mundo não é sobre soluções mágicas e teorias mirabolantes.
Não existe uma fórmula que irá resolver todos os problemas. Fazendo aplicações em microespaços
e avaliando os impactos das intervenções chegamos mais perto para mudanças significativas da
redução da pobreza.

“Esse prêmio não é um prêmio apenas para nós e para o nosso trabalho, é um prêmio para todo
um movimento de pessoas que têm feito coisas incríveis”
(BANERJEE, 2019)[12]

Juliana Santos Oliveira


Bacharel em Ciências e Humanidades e Graduanda em Economia na Universidade Federal do ABC.

Com agradecimento a leitura e revisão de Igor Luiz de Oliveira.

311 Nobel - 2019


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Notas:
[1]DUFLO, Esther. Apresentação em painel no evento “Expert XP 2020”.

[2]NOBEL PRIZE. The Prize in Economic Sciences 2019. Disponível em: <https://www.nobelprize.
org/prizes/economic-sciences/2019/summary/>

[3]GIBSON, Michael. SAUTMANN, Anja. Introduction to randomized evaluations, 2021. Disponível


em: <https://www.povertyactionlab.org/resource/introduction-randomized-evaluations>.

[4]DUFLO, Esther. Interview with the 2019 Laureate in Economic Sciences Esther Duflo. 6 December
2019.

[5]J-PAL. About Us. Disponível em: <https://www.povertyactionlab.org/about-j-pal>.

[6]KREMER, Michael. The Origin and Evolution of Randomized Evaluations in Development.


Apresentação em painel do 10º aniversário do J-PAL, 2013.

[7]DUFLO, Esther. KREMER, Michael. ROBINSON, Jonathan. Nudging Farmers to Use Fertilizer:
Evidence from Kenya. American Economic Review 101 (6): 2350-2390, October 2011.

[8]DUFLO, Esther. BANERJEE, Abhijit; GLENNERSTER, Rachel, et. al. The Miracle of Microfinance?
Evidence from a Randomized Evaluation. American Economic Journal: Applied Economics, Vol. 7,
No. 1, (pp.22-53), January 2015.

[9]DUFLO, Esther; DUPAS, Pascaline; KREMER, Michael, et. al. Education and HIV/AIDS Prevention
: Evidence from a Randomized Evaluation in Western Kenya. Policy Research Working Paper; No.
4024. World Bank, Washington, DC.

[10] BANERJEE, Abhijit; DUFLO, Esther. A economia dos pobres. Temas e Debates. Edição Circulo
de Leitores, Lisboa, 2012.

[11]BANERJEE, Abhijit Vinayak. Field Experiments and the Practice of Economics. American
Economic Review, 110(7), 2020.

[12]DUFLO, Esther. BANERJEE, Abhijit. Interview with Esther Duflo and Abhijit Banerjee, Prize in
Economic Sciences 2019.

312 Nobel - 2019


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NOBEL DE ECONOMIA

2020
A construção de mercados no mundo
real: Paul R. Milgrom colocando em
prática Teoria de Leilões
Paul Milgrom e Robert Wilson
por Vinicius Carrasco

E conomia é a ciência que estuda o


desempenho de instituições em implantar
ganhos de troca (amplamente definidos).
Poupadores têm recursos que podem
ser úteis para que empreendedores invistam,
executivos têm habilidades e capacidade de gerir
que são úteis às empresas, um fabricante de carro
precisa de fornecedores de pneus, um país pode
ser competitivo produzindo carros, enquanto
outro pode ser competitivo produzindo vinhos.

Em todos esses exemplos, há ganhos de troca a


serem realizados. Com o recurso do poupador, o

empreendedor terá condições de gerar resultados que permitam simultaneamente o pagamento


(com juros) do recurso e a geração de lucro. Em troca de salários e bônus, um executivo pode trabalhar
numa empresa e aumentar a riqueza de seus acionistas. Sem pneus, uma montadora não consegue
produzir. Os cidadãos do primeiro país certamente quererão tomar vinho e os do segundo quererão
se locomover. Economia estuda as formas pelas quais essas transações podem ser viabilizadas.

Neste texto, estudaremos uma forma de ganho de troca específica. O quanto uma economia pode
ofertar de bens e serviços depende da forma pela qual insumos são utilizados. Para uma dada

313 Nobel - 2020


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quantidade de insumos, a forma pela qual uma economia consegue combiná-los resultará em mais
ou menos produção. Quando economistas falam em produtividade, no fundo, eles têm em mente
a forma pela qual insumos são combinados num processo produtivo. Tudo o mais constante, um
ativo de infraestrutura gerará mais e melhores serviços se alocado ao agente mais apto a operá-lo.
Segue dessa constatação que “descobrir” a quem alocar ativos físicos que provejam serviços de
infraestrutura é de primeira ordem de importância. A tarefa não parece trivial. Que mecanismo usar?
Uma tarefa não menos árdua é a de se descobrir preços pelos direitos de uso desses ativos, para os
quais muitas vezes não há mercados organizados.

Nosso objetivo é descrever, da primeira leva de leilões dos anos 90 até o mais recente Leilão de
Incentivos realizado neste ano, as formas pelas quais a teoria econômica ajudou na alocação de
faixas de espectro nos EUA e, simultaneamente, na obtenção de montantes relevantes de receita
para o governo americano.

A mais importante
instituição econômica:

D e todas as instituições econômicas, talvez a mais relevante (certamente a mais estudada


por economistas) é o mercado. A discussão sobre o papel e o sucesso de mercados em
coordenar, através de preços, as decisões de agentes econômicos que atuam de maneira
descentralizada e auto-interessada é das mais antigas em Economia. Desde ao menos a
menção de Adam Smith à mão invisível do mercado, economistas tentavam entender de maneira
formal as propriedades dos resultados induzidos por mercados competitivos (isto é, mercados
para os quais nenhum agente individualmente possa afetar preços). Mais precisamente, tentavam
responder a duas perguntas: i) sob quais condições haverá preços que induzam igualdade entre
oferta e demanda? Ou, no jargão dos economistas, sob quais condições a existência de um equilíbrio
pode ser assegurada? e ii) esse equilíbrio gerará alocações eficientes (“socialmente desejáveis”) [1]?

Por incrível que pareça, de Adam Smith até as respostas às perguntas, houve um período de quase
dois séculos. Na década de 1950, Kenneth Arrow e Gerard Debreu, de maneira independente e com
argumento tão geral quanto simples, provaram que, se houver mercados competitivos para todos os
bens relevantes [2], esses mercados gerarão alocações eficientes sob condições bastante razoáveis.
Arrow e Debreu, de maneira independente mas em comunicação, e Lionel Mckenzie, de maneira
independente dos dois primeiros, provaram a existência de equilíbrio sob certas condições técnicas
[3,4,5]. Para além das curiosidades intelectuais dos economistas, qual a relevância prática de se
entender as propriedades de versões abstratas e simplificadas dos mercados estudados por Arrow
e Debreu? Um exemplo de aplicação prática que afeta nossa vida cotidiana está relacionado ao
fato de modelos de equilíbrio geral serem a base do que se estuda em macroeconomia nos dias de
hoje; qualquer banco central tem um modelo de equilíbrio geral para fazer suas previsões e guiá-lo
nas decisões de política monetária. Mas há mais: na tradição de Arrow e Debreu (e fazendo uso de
conhecimento na área de desenho de mecanismos e teoria dos jogos), economistas têm ajudado
a desenhar mercados no mundo real; especialmente, em situações para as quais não haja mercado
organizados. Um exemplo: não há um mercado centralizado para a venda dos direitos de exploração
de blocos de petróleo.

314 Nobel - 2020


E-BOOK NOBEL

Ken Arrow, Paul Milgrom e demais


revolucionários e o desenho de
mercados no mundo real:

E m 1993, o presidente americano Bill


Clinton assinou uma lei que autorizava
a Federal Communications Commission
(FCC) a alocar direitos de uso de espectro
eletromagnético (“vias” transmissoras
informação, como os sinais de telefonia celular)
de
Bem, na verdade, o Teorema de Coase nos diz que
isso prevalecerá “ausentes custos de transação”.
Ilya Segal, numa brilhante interpretação, diz que o
Teorema de Coase é uma forma de se definir, por
meio de sua contrapositiva, custos de transação:
sempre que a barganha entre grupos não gerar
por meio de leilões e exigia que o primeiro leilão uma alocação eficiente, há um custo de transação.
se desse num prazo de um ano. Curiosamente, Num dos resultados mais impressionantes da
antes dessa nova legislação, os direitos de uso teoria econômica, o prêmio Nobel de Economia
de espectro eram alocados por meio de sorteio. Roger Myerson e Mark Satterthwaite provam
Sim, uma loteria decidia quem seria o primeiro um Teorema de Impossibilidade: se a barganha
a ter direito de uso! O qualificador “primeiro” é entre os grupos se der com alguma assimetria
importante porque é improvável que um sorteio de informação, não haverá nenhum mecanismo
aloque ativos de espectro (ou, na verdade, que simultaneamente i) induza participação de
quaisquer ativos) aos mais aptos a operá-los, de vendedores e compradores, ii) obtenha eficiência
modo que, se esse mecanismo for usado, haverá (isto é, que faça com que os ativos sejam alocados
um mercado secundário ativo (embora ilíquido, aos mais aptos a operá-los com probabilidade
uma vez que se trata de ativo específico). um) e iii) não gere déficit (isto é, não necessite de
recursos para cobrir a diferença entre o que os
Mas há alguma justificativa econômica razoável compradores pagam e os vendedores recebem).
para se usar sorteios para alocar ativos? Em Colocando de maneira diferente, como é
princípio, um argumento à la Escola de Chicago indispensável numa transação que compradores
do meio do século XX pode ser dado e está e vendedores queiram participar de maneira
intimamente relacionado à possibilidade de um voluntária e, em geral, espera-se superávit (os
mercado secundário existir. Um dos mais belos governos esperam obter receitas com as vendas
resultados (mas é um resultado?) da Teoria de ativos), o Teorema de Myerson e Satterthwaite
Econômica, o chamado Teorema de Coase, nos – ao qual voltaremos em breve – sugere que não
diz que “ausentes custos de transação, a barganha há formas de as partes chegarem a uma alocação
entre pequenos grupos de agentes econômicos eficiente num mercado secundário de espectro.
resultará em uma alocação eficiente desde que Era, portanto, importante tentar aproximar o
direitos de propriedade estejam bem definidos”. resultado eficiente de cara. Para isso, uma loteria
Pois bem, o sorteio inicial define de maneira era um péssimo mecanismo.
precisa e inequívoca direitos de propriedade.
O Teorema de Coase sugere que, de alguma A nova lei exigia mudanças. Os objetivos
forma, os agentes econômicos barganharão de implícitos eram garantir uma alocação eficiente
maneira a garantir que, qualquer que tenha sido (dar o direito de uso aos que mais o valorassem)
o destino inicial dos direitos a uso de espectro, e, em segundo lugar, gerar uma receita decente
os ativos terminem nas mãos de quem mais os para o governo. A legislação então aprovada por
valora. “Direitos de propriedade bem definidos Bill Clinton propunha leilão como o mecanismo.
e a liberdade para que agentes barganhem é Mas qual leilão?
suficiente para que se obtenha uma alocação
eficiente”, respira aliviado o economista da Pelo resultado de Arrow e Debreu, mercados
“Velha Chicago”. Ele está certo? competitivos induzem alocações eficientes.

315 Nobel - 2020


E-BOOK NOBEL

Em princípio, isso sugere que, em aplicações percebidos como substitutos para uma empresa
práticas, deveríamos tentar desenhar mercados se a seguinte condição vigora: se a empresa
— em particular, os de espectro — à imagem quer recrutar X quando seu salário é e o de Y
e semelhança dos de Arrow e Debreu. Como é ,a empresa continuará querendo recrutar X se
proceder? Possíveis passos iniciais seriam i) seu salário se mantiver em e o de Y aumentar
definir quais eram as licenças a serem leiloadas para um valor . Basicamente, o fato de Y ter se
(os bens relevantes, no caso) e criar um mercado tornado mais caro para a empresa não reduz a
para cada um deles; em outras palavras, assim “vontade” da empresa de recrutar X. Embora
como em Arrow e Debreu um consumidor pareça razoável, a hipótese nem sempre vigora.
decide sobre as compras de manteiga e Pense no caso em que X e Y precisam trabalhar
margarina simultaneamente, as licenças juntos para produzir algo. Nesse caso, X e Y são
deveriam ser leiloadas de maneira simultânea complementares, ao invés de substitutos…
e ii) criar mecanismos para que os agentes se
comportassem de maneira competitiva. O processo de ajuste de salário que Kelso e
Crawford consideram é feito por uma espécie de
Esses passos, no entanto, não eram suficientes. leiloeiro que aumenta salários de trabalhadores
Por duas razões, a Teoria de Equilíbrio Geral de que sejam disputados por mais de uma firma. A
Arrow e Debreu não é uma teoria de formação hipótese de substitutabilidade faz com que, em
de preços. Colocado de outra forma, a Teoria de resposta, a aumentos de salários de um dado
Arrow Debreu é silenciosa a respeito de como trabalhador, as empresas passem a demonstrar
se chegar aos preços de equilíbrio dos bens. Era interesses por outros para os quais salários não
preciso, então, pensar num mecanismo de ajuste aumentaram. Em outras palavras, se há excesso
de preços que levasse aos preços de equilíbrio. de demanda pelo trabalhador X e excesso de
Em segundo lugar, as condições derivadas por oferta de trabalho do trabalhador Y, o salário de
Arrow, Debreu e Mackenzie (ADM) para que X aumentará e isso fará com que as empresas
um equilíbrio existisse não se aplicavam: nos passem a ter interesse em Y. Em outras palavras,
modelos de ADM as escolhas são perfeitamente os mercados tenderão a se equilibrar. De fato,
divisíveis (um consumidor pode decidir comprar supondo que as empresas e trabalhadores
um setenta e cinco avos de um bem), enquanto tomam o processo de ajuste como dado (não
as licenças eram indivisíveis [6]! Era preciso afetem preço), Kelso e Crawford mostram que o
entender, portanto, se a busca por preços de processo de ajuste leva a uma situação na qual
equilíbrio não estava fadada ao insucesso. Era oferta é igual à demanda: o processo converge
preciso avançar em relação ao já monumental para um equilíbrio competitivo [7].
avanço que a contribuição de Arrow trouxe.
Para o primeiro conjunto de licenças, parecia
Curiosamente, um artigo teórico em Matching razoável supor que interessados a tratavam
de Alexander Kelso e Vincent Crawford, “Job como substitutas. Um processo de ajuste de
Matching, Coalition Formation and Gross preços como o de Kelso e Crawford parecia ser
Substitutes”, publicado na Econometrica em 1982, o mecanismo a ser adotado para os mercados
tinha a resposta para os dois pontos. O artigo, cujas induzidos pela definição de licença: de fato,
duas primeira palavras são os nomes de Arrow e o leilão deveria se dar para todas as licenças
Debreu, estuda como empresas e trabalhadores simultaneamente em estágios (rounds) nos quais
são pareados num modelo em que salários os preços iam subindo para licenças em excesso
vão se ajustando para equilibrar a demanda de demanda. O nome dado ao mecanismo,
por trabalhadores das firmas com a oferta de desenvolvido pelos economistas Paul Milgrom,
trabalho destes. A suposição fundamental do Robert Wilson e Preston McAfee, foi “Leilão
artigo é que empresas consideram trabalhadores Ascendente Simultâneo”.
como sendo “substitutos”. Para entender o
que isso quer dizer, suponha que haja dois Faltava algo fundamental. No modelo de Arrow
trabalhadores X e Y. Os trabalhadores X e Y são e Debreu, os agentes se comportam de maneira

316 Nobel - 2020


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competitiva (não afetam preços). O desenho de comunicação entre competidores arrefece


do “Leilão Ascendente Simultâneo” deveria competição. O incremento exógeno, portanto,
fazer com que os agentes se comportassem de reduzia as possibilidades de comunicação (e
maneira mais próxima possível de competitiva de comportamento estratégico). Em segundo
(ou seja, que não tivessem incentivos a ser lugar, foi adotada a imposição de uma “regra de
estratégicos). A área de desenho de mecanismos, atividade”: um participante só poderia qualificado
cujos principais resultados positivos (um deles o para expressar vontade de ter uma dada licença
já citado Mecanismo de Externalidade Esperada, no estágio n, se o tivesse feito em n-1[8]. A razão
devido a Arrow e outros economistas) se deram de ser da regra é simples: ausente a imposição,
pelo entendimento, derivado do Teorema os participantes poderiam só expressar interesse
da Impossibilidade, de que é preciso impor em estágios futuros e, com isso, afetar o processo
estrutura nas preferências dos indivíduos para de ajuste de preços, pagando – caso levassem –
que possamos avançar, teve seu papel nesse preços menores. A regra de atividade tinha por
sentido. Dois aspectos foram introduzidos ao objetivo impedir que os agentes manipulassem
desenho dos leilões simultâneos. Primeiramente, demanda, ou seja, fazer com que agissem de
os interessados não davam lances eles mesmos: o maneira competitiva.
aumento nos preços das licenças em excesso de
demanda era dado por um incremento exógeno. Este, em suma, é o “Simultaneous Ascending
Por quê? Se os agentes pudessem dar lances, eles Auction” que foi o desenho utilizado pela FCC.10 O
poderiam tentar usá-los para se comunicar. Por resultado? O que o New York Times chamou “The
exemplo, em resposta a um lance mais agressivo Greatest Auction Ever”, com receita de alguns
feito pela empresa A pela licença de número 16, bilhões de dólares em 1994, e que impulsionou
a empresa B pode retaliar A fazendo um lance o uso de leilões em várias aplicações práticas
agressivo por outra licença de interesse de A ao redor do mundo — seja na venda de direitos
(digamos, a licença de número 13) que contenha de uso de faixas de espectro, seja na construção
16 centavos. A mensagem será: “faço este lance de mercados no setor de energia, seja pelo uso
agressivo pela licença 13 em retaliação ao lance de um leilão holandês (em vez do procedimento
que V. fez pela licença 16”. Há inúmeros exemplos padrão de bookbuilding) na oferta pública inicial
práticos nos quais isso de fato ocorreu. É algo de ações do Google.
sabido por economistas que a possibilidade

Leilão de Incentivos: sobre o uso de


economia e ciência da computação
para se desenhar mercados.

A
o longo dos anos, a crescente necessidade de investimento em infraestrutura sem fio
para a internet – é difícil imaginar alguém que não esteja virtualmente cem por cento do
tempo conectado à grande rede — tem requerido cada vez mais o uso de frequências de
espectro. Como tudo na vida, há oferta limitada de frequências de espectro. No entanto,
concomitantemente ao aumento da demanda por seu uso para serviços de wifi, há a
redução da demanda de usuários por serviços de transmissão de televisão. De fato, shows, séries,
filmes, programas jornalísticos têm sido cava vez menos assistidos pela TV e mais pela internet, por
meio de telefones e tablets ou mesmo televisão. Desenhar um mercado que realocasse espectro de
canais de TV para companhias provedoras de serviços de internet foi a tarefa dada a Paul Milgrom e
Ilya Segal, economistas de Stanford.

317 Nobel - 2020


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Myerson e Satterthwaite, o
Teorema de Equivalência de
Pagamentos e as dificuldades:

O desafio não era pequeno. Em primeiro


lugar, os canais de TV tinham direito
de propriedade sobre o espectro
usado. Em outras palavras, o status-
quo lhes dava o direito de continuar transmitindo
como operadoras de TV. A sutileza é que esse
prevalecer para que eficiência prevaleça
(isto é, transferência de faixa sempre que
operador de internet valorar mais seu uso que
a rede transmissora de TV). Em princípio, caso
haja uma transação, os preços pagos pelos
operadores podem ser distintos dos recebidos
direito de propriedade não implicava que, pelo operador de TV que cede a faixa. Na
mantido o status-quo, a transmissão se desse verdade, para que haja eficiência com certeza,
na faixa de espectro que correntemente usava. é indispensável que os preços sejam diferentes.
Era possível movê-lo para outra faixa se isso A razão é simples. Suponha, por exemplo, que o
ajudasse nas transações. De qualquer forma, era preço seja o mesmo e tal que os ganhos de troca
necessário fazer com que as operadoras de TV sejam igualmente repartidos entre comprador e
participassem voluntariamente das transações. produtor. Nesse caso, o mercado (mecanismo)
Obviamente, a participação dos operadores deve gerar como preço a média do quanto o
de internet também devia ser voluntária. Em comprador e vendedor (anunciam o quanto)
segundo lugar, idealmente, sempre que o valor valoram o ativo. Obviamente, o vendedor terá
de operar internet numa dada faixa de espectro incentivos a reportar que sobrevaloriza o ativo,
fosse maior que o valor de se operar TV, a enquanto o comprador terá incentivo a reportar
realocação deveria ocorrer. Por fim, e não menos que subvaloriza o ativo. Esses incentivos, que não
importante, a realocação deveria ocorrer sem são particulares da suposição de igual divisão
a necessidade de se aportar recursos de fora. dos ganhos de troca, impedirão que a transação
No jargão dos economistas, o mercado não ocorra em alguns casos. Quando se força que
deveria ser deficitário (e tanto melhor de fosse os preços pago e recebido sejam os mesmos,
superavitário, de modo a gerar receita para o haverá dois efeitos a se considerar em relação ao
governo). alinhamento de comprador e vendedor: por um
lado e como sempre, há o interesse comum em
Como já mencionamos, o Teorema de Myerson e fazer com que a transação ocorra sempre que
Satterthwaithe afirma ser impossível satisfazer os haja ganhos de troca. Por outro, há desalinho
três requisitos (quando não há certeza do melhor com relação à apropriação dos ganhos de troca.
uso do ativo em questão – no exemplo, se para Cada parte quererá abocanhar mais desses
TV ou internet). Para entender o Teorema, note- ganhos (o vendedor puxando o preço para cima,
se, em primeiro lugar, que como a participação e o comprador fazendo o contrário), o que pode
é voluntária, sempre que não houver transação, inviabilizar a transação.
nenhuma das partes fará (ou receberá)
pagamentos. De fato e como exemplo, se não Se o mesmo preço para comprador e vendedor
houver transação e o candidato a comprador não implanta eficiência, quais preços o fazem?
for chamado a fazer um pagamento, ele ficará De maneira independente William Vickrey,
numa situação pior do que se não participasse. Edward Clarke e Theodore Groves propuseram
Portanto, pagamentos só podem ocorrer caso um mecanismo simples para gerar resultados
haja transação; não há como se obter receita por eficientes. O mecanismo requer que cada parte
meio, por exemplo, de taxa de entrada ou o que numa transação receba (ou faça) pagamento
o valha. igual à sua contribuição para o bem-estar bruto
gerado à outra parte. Um exemplo é útil aqui.
Pensemos, então, nos preços que devem Considere o caso da venda de um ativo. Caso o

318 Nobel - 2020


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vendedor não existisse, não haveria transação e Desenho de Mecanismos, também derivado por
o payoff do comprador seria zero. Sua existência Roger Myerson: o Teorema de Equivalência de
faz com que, em havendo transação, o benefício Pagamentos. Basicamente, no contexto deste
bruto ao comprador seja sua valoração pelo artigo, o resultado diz que qualquer mecanismo
bem. Portanto, o mecanismo de Vickrey, Clarke que implante a alocação eficiente requererá
e Groves (VCG) impõe que o vendedor receba (em média) o mesmo montante líquido de
como pagamento a valoração do comprador pagamentos entre as partes que o demandado
pelo ativo. Vejamos agora o caso do comprador. por um VCG. Uma forma simples de entender a
Se não existisse, a transação não ocorreria e o razão disso é a seguinte. Para que uma alocação
vendedor manteria o ativo em sua posse. Como eficiente prevaleça, é necessário um alinhamento
existe, havendo transação, ele impõe um custo entre os interesses individuais e os coletivos.
bruto ao vendedor igual ao valor que este atribui Numa transação em que as valorações sejam
ao ativo. Portanto, o comprador deve fazer um informação privativa, isso requer que, na margem,
pagamento igual à valoração do vendedor pelo ambas as partes se apropriem de todo o benefício
ativo. da troca: se os ganhos de troca forem de um real,
o vendedor e o comprador se apropriem desse
Duas características são notáveis no VCG. Em real, o que é claramente impossível, a menos que
primeiro lugar, o fato de os participantes não haja aporte do real extra.
quererem manipular o mecanismo. Isso porque
o preço pago (recebido) pelo comprador não Como satisfazer a tríade “participação voluntária,
depende de sua valoração. Não há, portanto, ausência de déficit e eficiência” é impossível, algo
como tentar manipular o preço pago (recebido) tem que ser deixado de lado. Como as transações
fingindo, no caso do comprador (vendedor), devem ser voluntárias e um dos objetivos é
valorar pouco (muito) o ativo. No linguajar de sempre obter receita (e não gastar mais), o
Teoria dos Jogos, é uma estratégia dominante desenhador está fadado a ter que admitir alguma
para os participantes proceder sem tentar ineficiência. No caso da venda de um único ativo,
manipular a valoração que reportam. Como isso requer admitir a chance (probabilidade) de
vimos, esse seria um incentivo que ocorreria caso não haver transação. Com várias unidades, como
preços pagos e recebidos fossem os mesmos; no caso da realocação, a ineficiência envolvia
o comprador teria incentivo a dizer que não admitir que algumas faixas de espectro que
se interessa pelo ativo para reduzir seu preço, tivessem mais valor sendo usadas para internet
enquanto o vendedor tem incentivo a exagerar fossem mantidas por canais de TV. Ou seja,
o valor que atribui ao ativo para aumentar seu evitar que haja déficit correspondia a reduzir o
preço. O VCG elimina esses incentivos. A segunda número de faixas de espectro que seria vendida.
característica notável é, repetindonos, que o O Desenho:
mecanismo requer que o comprador pague a
valoração do vendedor e este receba a valoração O desenho escolhido envolveu tratar vendedores
do comprador. Ora, sempre que há transação, e compradores de maneira algo separada. Os
a valoração do vendedor é menor que a do vendedores ofertavam suas faixas de espectro
comprador. Portanto, num VCG, o comprador em um leilão reverso — no qual o governo
paga menos do que o vendedor recebe. Em comprava faixas de espectro utilizada para
outras palavras, o mecanismo é deficitário e TV — e os compradores faziam lances para o
requer aporte de fora! governo pelo direito de uso dessas faixas em
outro. Obviamente, era preciso que esses leilões
Como em geral os governos esperam receber conversassem de alguma forma: a cada faixa
pela venda (ou realocação) de ativos, o VCG é de vendida no leilão reverso deveria corresponder
fato inviável. Haveria outros mecanismos capazes uma comprada no outro leilão. Ausentes outras
de implantar eficiência e que não necessitassem dificuldades, o desenho mais simples – e que
de aporte de fora? A resposta é não e deriva foi adotado — envolve um “clock auction” para
de outro resultado bastante importante de cada um dos lados do mercado. Na verdade,

319 Nobel - 2020


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uma sequência de leilões reversos e de compra possibilidades de realocação desses canais em


tomou lugar. Isso porque a quantidade final a faixas alocadas para TV após o leilão, o número
ser realocada devia satisfazer duas condições: de possíveis combinações de canais x faixa era
igualar oferta e demanda e garantir uma receita- enorme. Para ilustrar a ordem de grandeza, Paul
alvo (positiva) para o governo. Milgrom e Ilya Segal usa o número de átomos
O leilão de compra foi um leilão ascendente. no universo: as possíveis combinações canais x
Para uma dada quantidade-candidata fixa de faixa eram ordens de magnitude maiores que o
faixas ofertada pelo governo, preços iniciais para número de átomos do universo. Como resultado,
cada faixa eram baixos e eram aumentados para as possíveis interferências eram, na prática (isto
as faixas com excesso de demanda até que a é computacionalmente), ilimitadas e o problema
quantidade demandada se igualasse à oferta. de eliminar interferências insolúvel de fato. Para
Como os preços não eram “chamados” pelos reduzir o problema, a FCC permitiu grau máximo
compradores, era dominante para eles continuar de interferência entre faixas, que não prejudicasse
demandando a faixa sempre que o preço fosse de maneira relevante a audiência das diferentes
menor que operadoras de TV e, ao mesmo tempo, tornasse
sua valoração. factível o cômputo do efeito das realocações de
operadoras de TV sobre interferências.
A quantidade-candidata fixa do leilão de compra Como o mecanismo funcionava? Preços
tinha que ser obtida no leilão reverso. Nele, preços individuais para cada faixa começavam altos.
para todas as faixas começavam altos. A preços
altos, os incentivos a vender naturalmente são Com preços altos, a oferta de faixa é alta e deve
altos. Os preços, então, iam caindo de maneira exceder a demanda. Uma redução do preço de
a, simultaneamente, i) igualar oferta à demanda uma dessas faixas tem dois efeitos: o primeiro é
(dada pela quantidade-candidata) e ii) garantir ajudar a equilibrar o mercado, fazendo com que,
que uma restrição física que descreveremos ao preço menor, o vendedor deixe de ofertar sua
em detalhe abaixo fosse satisfeita. Com i) e ii) faixa. Isso é um benefício do ponto de vista da
vigorando, restava verificar se iii) a receita obtida alocação. Mas pode haver um custo (“sombra”):
no leilão de compra era suficiente para pagar o vendedor que deixou de ofertar a faixa deve,
a aquisição pelo governo das faixas no leilão e dado seu direito de propriedade, ser alocado
reverso e gerar a receita-alvo. Caso não fosse, a para alguma faixa que permita que ele e outros
quantidade-alvo era reduzida (é preciso lembrar façam suas transmissões sem interferência
que, pelo Teorema de Myerson e Satterthwaite, relevante. Em cada estágio de redução de preço,
a obtenção de receita líquida positiva requeria o leilão tinha que computar a factibilidade
realocar menos faixas que o “desejável”). O de uma operadora deixar de ser vendedora e
procedimento era iterado até que i), ii) e iii) passar a exercer seu direito status-quo. Esse
vigorassem. cômputo tinha que ser feito em tempo hábil, de
forma a não paralisar o leilão, um imenso desafio
As restrições físicas e o leilão reverso: Como computacional.
já mencionado, as operadoras de TV tinham o
direito de continuar a transmitir em alguma faixa, O desenho, então, prescrevia que, sempre que
não necessariamente na que correntemente houvesse excesso de oferta, preços caiam para
usavam. Embora isso desse alguma flexibilidade faixas que pudessem ser realocadas sem violar
ao desenho, ainda havia restrições relevantes. a restrição de interferência. Caso isso não fosse
De fato, o direito de continuar a transmitir possível, manter o status de vendedora para
implicava que, na possível realocação de uma aquela faixa era indispensável. O prelo ali ficava
operadora de TV de um canal para outro, isso constante e induzia-se, por meio de redução
não gerasse interferências relevantes sobre o de seus preços, que outras faixas (aquelas que
sinal da audiência de outras operadoras, de pudessem ser realocadas sem violar a restrição
modo a não prejudicar suas transmissões. Dados de interferência) deixassem de ser vendedoras.
os números de canais de TV que havia e as O problema não era muito distinto daquele com

320 Nobel - 2020


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o qual um viajante se depara a fazer sua mala. Fazer o cálculo preciso do quê ou não levar é difícil.

Ao falta espaço, mantém-se o que é indispensável e retira-se o que é, ao menos tempo, relativamente
menos relevante e que gerará maior ganho de espaço. Nesse sentido, era útil ajustar os preços
individuais iniciais das faixas ao custo-sombra de realoca-las. De fato: eles foram multiplicados por
um fator “volume”. Faixas para as quais a realocação era mais custosa — por mais verossímil de afetar
a restrição de interferência (devido, por exemplo, ao fato de estar em região muito populosa e ter
número grande potenciais canais nos quais causasse interferência) quais gera ter audiência muito
grande –, os preços eram maiores para induzir sua venda. Isso é o equivalente de darmos, tudo o mais
constante, menos prioridade na mala a maiores volumes; procedendo assim, tentarmos incorporar os
custos-sombra da restrição de espaço na mala.

Resultados:

O
leilão de incentivos terminou em janeiro de 2017, depois do quarto estágio interativo. Nele,
garantiu-se i) igualdade entre oferta e demanda, ii) a satisfação de todas as restrições
de interferência, e iii) receita positiva. Faixas foram realocadas de operadoras de TV para
operadores de internet sem fio e mais de set bilhões de dólares foram gerados em receita
para o Tesouro americano.

O leilão é um exemplo poderoso do uso de Teoria Econômica abstrata, combinada com ciência da
computação, para desenhos de mercado no mundo real. Evidencia o papel do economista como
engenheiro, como diz Alvin Roth, agraciado com o prêmio Nobel de Economia por suas contribuições
em teoria de pareamento e responsável por desenhar mercados que casam médicos e hospitais,
advogados candidatos a juízes e tribunais de justiça, alunos e escolas. Seu sucesso é exemplo das
inúmeras possibilidades da aplicação de ideias correlatas nos inúmeros leilões porvindouros no país,
que busquem aumentar a eficiência de nossa economia e ajudar na dimensão fiscal.

Vinicius Carrasco
Mestre em economia pela PUC-Rio, PhD em economia pela Universidade de Stanford, Professor de
economia na PUC-Rio e Entrepreneur na Stone Inc

321 Nobel - 2020


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Notas:
[1]O critério de eficiência utilizado por economistas é o critério de Pareto. Uma alocação é eficiente no
sentido de Pareto se não existe uma alocação alternativa que seja factível (i.e., que respeite as restrições
físicas da economia) que melhora estritamente uma pessoa sem piorar as outras. Esse critério faz sentido.
Independentemente dos pesos que uma sociedade atribua a seus membros, se há uma mudança que
melhora uma pessoa sem piorar as outras, ela deveria ser adotada.

[2]Como nos ensinaram Arrow e Gerard Debreu, um bem é descrito não só por seus atributos físicos, mas
também pelos estados da natureza e períodos nas quais são consumidos. Um guarda-chuva quando está
chovendo é diferente de um guarda-chuva quando faz sol. Consumir hoje é diferente de consumir daqui a
um mês. É preciso indexar bens a contingências e períodos nos quais são consumidos. A distinção temporal
já existia antes da formulação de Arrow e Debreu e é devida a Sir John Hicks, que dividiu o Prêmio Nobel
com Ken Arrow em 1972.

[3]Para uma história da busca pela prova da existência de equilíbrio e de como Lionel Mackenzie foi deixado
de lado na descoberta, veja o grande artigo “Lionel W. Mackenzie and the Proof of the Existence of a
CompetitiveEquilibrium”, de Roy Weintraub.

[4]Preferências, conjuntos de escolha e tecnologia devem ser convexos e os problemas dos agentes devem
ser “contínuos” (restrições orçamentárias devem ser hemicontínuas superior e inferior e suas utilidades
contínuas).

[5]Arrow e Debreu também demonstraram que, sob condições de convexidade, qualquer alocação eficiente
pode ser obtida por meio de preços competitivos de equilíbrio, desde que políticas de redistribuição (que
não afetem as decisões dos agentes) sejam implantadas. O resultado, chamado de Segundo Teorema do
Bem-Estar Social, provê fundamentação teórica para a separação da discussão de políticas redistributivas
de políticas de intervenção em mercados. Embora demande condições estritas, o mesmo princípio se aplica
de maneira mais ampla (ver, por exemplo, o artigo “Reassessing The Diamond/Mirlees Efficiency
Theorem, de Peter Hammond).

[6]Formalmente, indivisibilidades geram não convexidades.

[8]Essa é uma descrição imperfeita da regra de atividade. Para uma melhor descrição, veja o
artigo “Putting Auction Theory to Work”, de Paul Milgrom, publicado no Journal of Political
Economy em 2000.

322 Nobel - 2020


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NOBEL DE ECONOMIA

2021
Card, Angrist e Imbens
por Maria Oaquim e Vitor Possebom

A A Real Academia Sueca de Ciências premiou David Card, Joshua Angrist e Guido
Imbens com o prêmio Nobel de Economia de 2021. Enquanto o primeiro foi laureado
por “contribuições empíricas à economia do trabalho”, os outros dois foram “por suas
contribuições metodológicas para a análise de relações causais”. Card, Angrist e Imbens,
conjuntamente com Alan Krueger, economista falecido em 2019 (que muito provavelmente teria
dividido esse prêmio caso estivesse vivo), foram economistas centrais na “Revolução de Credibilidade
da Economia”, movimento que se desenvolveu ao longo dos anos 90.

Para entendermos a contribuição desses economistas, faremos um breve resumo de como o campo
da Economia estudava relações causais. Cientistas dizem que uma variável Y é causada por uma
variável X se Y é afetada ao manipularmos X, enquanto mantemos todas as outras variáveis fixas. Por
exemplo, se pudéssemos aumentar a quantidade de educação de uma pessoa enquanto mantemos
fixa suas outras habilidades, o que aconteceria com o salário dessa pessoa? Ou, se pudéssemos
aumentar o salário-mínimo em uma cidade enquanto mantemos constantes todas as outras condições
do mercado de trabalho, o que aconteceria com a taxa de desemprego local?

323 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

A abordagem mais tradicional no campo da Economia antes dos anos 80 era estudar relações causais
através de modelos de equações estruturais, ou seja, um sistema de equações que capturava o
comportamento dos agentes. O principal desafio de uma análise estrutural que se propõe a investigar
relações causais é a necessidade da estrutura estar corretamente especificada (Bank of Sweden,
2021). A complexidade de modelar o comportamento humano e as instituições apresentam desafios
a essa abordagem. Uma outra abordagem, apesar de ser menos popular na época do que hoje em
dia, era através de Experimentos Randomizados Controlados (RCT, na sigla em inglês), considerado
o método ouro na análise de relações causais. Entretanto, por questões práticas e éticas, nem todas
as perguntas conseguiam ser investigadas através desse método.

Como apontado por Angrist e Pischke (2010), é difícil dizer quando exatamente se iniciou a
revolução empírica na economia. Contudo, um dos marcos desse movimento foi o artigo de Lalonde
(1986). Ele demostrou como resultados de avaliação de programas de treinamento de emprego
eram sistematicamente diferentes, se o método empregado era experimental ou não. Durante esse
período, outros artigos como Ashenfelter (1978) e Ashenfelter and Card (1985), concluíram que o
uso de dados longitudinais que não tinham a estrutura de quase-experimentos levava a estimativas
pouco robustas para avaliação de programas de treinamento de emprego.

Foi especialmente a partir dos anos 90 que os economistas se voltaram a experimentos naturais para
responderem diversas questões, em especial no campo de economia do trabalho. Não é à toa que
o prêmio Nobel desse ano elegeu premiar conjuntamente os avanços empíricos em economia do
trabalho e estudo de relações causais. Enquanto Card foi autor de diversos artigos em economia do
trabalho que usavam experimentos naturais para análise causal de políticas públicas,

Angrist e Imbens desenvolveram técnicas estatísticas para analisar diversas perguntas por meio de
experimentos naturais.

Um experimento natural é semelhante a um experimento aleatório controlado: uma variável X é


manipulada enquanto todas as outras variáveis são mantidas fixas. Contudo, ele se diferencia dos
experimentos controlados devido à fonte que está por trás dessa manipulação. Enquanto um
pesquisador artificialmente randomiza os valores da variável X em experimentos controlados, a
“natureza” aleatoriza os valores da variável X em experimentos naturais. Por exemplo, para entender
o impacto do serviço militar obrigatório (variável X) em salários na carreira civil (variável Y), podemos
utilizar as loterias de convocação para a Guerra do Vietnã (Angrist, 1990). Nessas loterias, a “natureza”
aleatoriamente escolhe quem servirá no Exército, enquanto todas as outras habilidades profissionais
da pessoa são mantidas constantes.

O trabalho de Angrist e Imbens nos permitiu entender que tipo de pessoa é impactada por experimentos
aleatórios. Eles provaram, matematicamente, que esses experimentos naturais desvendam o efeito
da variável X para aquelas pessoas que mudam o seu comportamento por causa da aleatorização
feita pela “natureza”. No experimento natural anteriormente citado, as loterias da Guerra do Vietnã
nos permitem entender apenas o efeito do serviço militar no grupo que entrou no Exército por
obrigação, o que seria diferente do impacto do serviço militar para os voluntários do Exército.

Enquanto Angrist e Imbens foram fundamentais para o desenvolvimento metodológico sobre


experimentos naturais, Card escreveu artigos que são considerados marcos na aplicação desses
métodos para diferentes questões em economia do trabalho. Um dos seus artigos mais influentes
analisou os impactos do aumento do salário-mínimo (SM) no emprego (Card e Krueger, 1994).
Anteriormente a esse artigo, o consenso entre economistas era que o salário-mínimo seria responsável
por efeitos negativos sobre o emprego, assim como previsto nos modelos de competição perfeita.
Nesse modelo, a imposição de um mínimo acima do salário pago em equilíbrio (ou seja, o salário
324 Nobel - 2021
E-BOOK NOBEL

compatível com o equilíbrio entre oferta e


demanda por trabalho), resultaria em uma
diminuição na demanda por trabalho (dado o
aumento no custo do trabalho) e um aumento na
oferta (dado que mais pessoas vão querer ofertar
trabalho uma vez que salários aumentam). A
consequência, portanto, seria um aumento do
desemprego compatível com a diferença entre
oferta e demanda por trabalho.

Para entender os efeitos causais do salário-


mínimo em emprego em um estado que
aumentou o salário-mínimo, nós, idealmente,
gostaríamos de observar o seu contrafactual,
ou seja, o que teria acontecido caso o salário-
mínimo não tivesse aumentado no estado
que estamos analisando. Assim, poderíamos
comparar os resultados desses dois estados: o
verdadeiro estado que observou um aumento Um método que conseguiu aliviar parte dos
de salário-mínimo e o estado contrafactual que problemas da análise de séries temporais foi o
não observou esse aumento. Contudo, esse método de análise de dados em painel, onde
contrafactual é impossível de ser observado. é possível ajustar por tendências comuns a
todos estados em certo período (Card, 1992a;
Anteriormente a Card e Krueger (1994), a maioria Card, 1992b). Entretanto, heterogeneidades
das análises empíricas sobre salário-mínimo não observadas entre estados naquele ano
usavam métodos de séries de tempo e focavam em específico ainda podem estar levando a
no emprego de adolescentes[1]. Esses estudos estimativas equivocadas do efeito do salário-
encontravam elasticidades de salário-emprego mínimo em emprego. Esse problema aconteceria,
entre -0.1 e -0.3, ou seja, um aumento de 10% do por exemplo, se estados com diferentes políticas
valor do salário-mínimo levaria a uma queda de de salário-mínimo fossem expostos a diferentes
emprego entre 1 e 3% para os adolescentes (Brown choques no mercado de trabalho. Se, no ano
et al, 1982). O que a metodologia anterior fazia de aumento do salário-mínimo, um estado com
era correlacionar aumentos do salário-mínimo aumento mais generoso também experimentou
com emprego entre adolescentes, buscando um choque negativo no emprego, isso poderia
ajustar por outras variáveis além do mínimo que levar a uma superestimação do efeito do SM na
poderiam afetar o emprego dos adolescentes no queda de empregos.
ano em questão. O problema central de análises
desse tipo é que outros fatores não observáveis Em 1992, New Jersey aumentou o salário-
relacionados à decisão de aumento de salário- mínimo de $4.25 por hora para $5.05. Contudo,
mínimo podem impactar o emprego. Por a Pennsylvania, estado vizinho, não implementou
exemplo, em momentos de crise, normalmente tal aumento. O artigo de Card e Krueger (1994)
observamos queda no emprego paralelamente usa esse experimento natural para analisar
a menor crescimento de salários, em especial o efeito do SM em empregos em cadeias de
para os trabalhadores na parte inferior da restaurante, onde muitos trabalhadores eram
distribuição de renda. Se isso motiva o aumento pagos com o salário-mínimo. Essa metodologia
do salário-mínimo, análises de séries de tempo conseguiu contornar algumas das questões
erroneamente poderiam concluir que aumentos anteriormente apontadas ao analisar duas
do mínimo levam a menor emprego, quando, na áreas muito próximas, mas separadas por uma
verdade, poderia ser a queda do emprego que fronteira estadual e, dessa forma, sujeitas a
está levando ao aumento do salário-mínimo. diferentes legislações de salário-mínimo. Assim,

325 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

choques no mercado de trabalho que poderiam Brasil, o desafio da estimação dos impactos do
determinar o salário-mínimo não deveriam variar SM sobre emprego são maiores (ver Haanwinckel
entre essas regiões muito próximas. Em outras e Soares, 2021).
palavras, a ideia é que a Pennsylvania funcionasse
como um contrafactual para o que teria ocorrido Contudo, Card e Krueger (1994) foram um
em New Jersey se o salário-mínimo não tivesse marco para a literatura de salário-mínimo,
aumentado. tanto pela metodologia usada, quanto pelos
questionamentos ao antigo consenso de que
Os resultados foram surpreendentes em mercados de trabalho funcionam como em
relação ao que o modelo competitivo previa: os modelos perfeitamente competitivos. A própria
empregos na Pennsylvania caíram, enquanto em literatura teórica/estrutural em salário-mínimo e
New Jersey, estado que experimentou o aumento mercados não competitivos avançou bastante nos
do SM, cresceram. É importante pontuar que últimos tempos e nos permite entender melhor
esse resultado não é uma aberração em relação em que contextos os efeitos do SM em emprego
a previsões teóricas. As empresas podem podem ser maiores ou menores. Além disso,
repassar o aumento de custos de trabalho para artigos empíricos mais recentes, que empregam
preços, mitigando os efeitos deletérios do SM métodos mais robustos, têm clara inspiração
em emprego [2]. Além disso, como os custos nele. Um exemplo é Dube et al (2010), onde os
do trabalho não são compostos somente por autores exploram descontinuidade geográficas
salário, as firmas poderiam “compensar” com no salário-mínimo (usando counties próximos,
redução em outros custos. Uma outra explicação mas em diferentes estados) e investigam efeitos
é que em um contexto em que certas empresas em empregos no setor de restaurantes. Os
dominam o mercado de trabalho local, o que resultados indicam que elasticidade não é mais
em economia denominamos monopsônio (um negativa que -0.147 ao nível de confiança de 90%.
único empregador) ou oligopsônio (poucos
empregadores), é possível que as empresas O salário-mínimo é somente um dos exemplos
tenham o poder de estabelecer salários abaixo da grande influência que os estudos usando
do que seria o salário no modelo competitivo. experimentos naturais tiveram na compreensão
Nesse caso, o estabelecimento do salário- de diversas políticas públicas. Outros exemplos
mínimo estimularia mais trabalhadores a ofertar são os estudos sobre impactos da imigração
emprego enquanto as firmas não reduziriam sua no mercado de trabalho (Card, 1990; Altonji
demanda por trabalho, pois elas poderiam arcar e Card,1991) e efeitos de investimento em
com o aumento de custos. Assim, em modelos educação nos rendimentos futuros no mercado
de mercado não-competitivos, o aumento de de trabalho (Card e Krueger; 1992). Graças
salário-mínimo pode resultar em aumento de aos trabalhos de Card, Angrist e Imbens, os
emprego. economistas atualmente têm uma melhor
compreensão das ferramentas necessárias para
É importante pontuar que o artigo de Card e responder questões de grande importância para
Krueger (1994) não colocou um ponto final nossa sociedade.
na questão dos impactos do SM no emprego.
O próprio artigo recebeu críticas válidas Maria Oaquim
como a de Neumark e Wascher (2000), que é Bacharel e Mestranda em Economia pela
apontaram erros de medida na variável de PUC-Rio.
salário. Reestimando o artigo com dados
administrativos (em vez de dados de pesquisa), Vitor Possebom
eles encontraram elasticidades mais compatíveis é Bacharel e Mestre em Economia pela
com o que a literatura previamente apontava. A EESP-FGV e Doutorando em Economia pela
controvérsia do salário-mínimo permanece para Universidade de Yale.
os Estados Unidos e outros países. Ademais, em
um contexto com alta informalidade como o

326 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

Notas:
[1] A restrição para empregos de adolescentes era devido ao fato que muitos ganhavam um
salário-mínimo e, portanto, quando o mínimo é aumentado, esse grupo é mais impactado.

[2] Um ótimo artigo que investiga empiricamente essa questão na Hungria é Harasztosi e Linder
(2019) e, para os Estados Unidos, Renkin, Montialoux e Siegenthaler, 2020

Referências

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https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/261805

327 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

2022
NOBEL DE ECONOMIA

Bernanke, Diamond e Dybvig


por Sávio Coelho

328
E-BOOK NOBEL

O O Prêmio Nobel de Economia de 2022 laureou Ben Bernanke, Douglas Diamond e Phillip
Dybvig por suas contribuições para o entendimento do papel dos bancos nas economias
e de como ocorre a disseminação de crises financeiras por meio do sistema bancário.

O presente artigo tem por objetivo olhar com maiores detalhes para as contribuições específicas de
Diamond e Dybvig.

Nenhuma surpresa no prêmio


para Diamond e Dybvig

O
Nobel já era bastante esperado para essa dupla infame. O paper de Diamond e Dybvig
de 1983, “Bank Runs, Deposit Insurance and Liquidity”, é de longe o trabalho acadêmico
mais citado em toda economia monetária com suas 14195 citações; superando mesmo o
clássico “A Monetary History of United States” de Milton Friedman e Anna Schwartz (com
suas 11272 citações).

Razões não faltam para a tamanha importância desse trabalho, pois ele foi a base para o nascimento do
que viria a ser conhecido como microeconomia bancária. Foi graças ao entendimento microeconômico
dado ao setor bancário feito por Diamond e Dybvig que questões sobre o funcionamento do setor
bancário deixaram de ser um campo de estudo exclusivo da macroeconomia e microfundamentos
de economia monetária puderam ser finalmente construídos. Além disso, toda uma série de políticas
públicas, sobretudo na forma de regulações bancárias, surgiram espelhando o modelo teórico
formado pelos autores.

A contribuição dos autores evoluiu ao longo dos anos com base nesse importante trabalho pioneiro.
Douglas Diamond em particular continuou a dar contribuições extremamente importantes para o
entendimento que os economistas tem de como os bancos funcionam. Em Diamond e Rajan (2000),
por exemplo, ele nos presenteou com um modelo teórico sobre como funciona a estrutura de capital
dos bancos à luz das finanças neoclássicas (particularmente o Teorema Modigliani-Miller) e suas
consequências para políticas regulatórias.
Contudo, obviamente, o modelo não está isento de críticas. O objetivo do presente artigo será
sintetizar o argumento central do paper clássico de Diamond e Dybvig e apresentar pontos críticos
em relação a sua contribuição.

329 Nobel - 2022


E-BOOK NOBEL

A Natureza e a Ruína dos Bancos

O A contribuição central do Modelo


Diamond-Dybvig é em sua análise
sobre a natureza das operações
bancárias. Para que serve os bancos?
Segundo os autores, a principal função dos
bancos é atuar como intermediário de fundos
podem servir como base para empréstimos aos
plantadores menos afortunados a um retorno
pelo menos igual ao valor da produção futura
de batatas do depositante inicial. Dessa forma,
os bancos permitem uma melhor alocação de
recursos e gestão de riscos ao facilitar o contato
emprestáveis entre agentes ao longo do tempo. entre depositantes e agentes deficiários.
Imagine que você tem uma economia onde
as pessoas produzem em três períodos de Todavia, nem tudo são flores. Existe uma
produção: verão, inverno e outono. Considerando instabilidade inerente a um sistema assim.
que essa economia tenha N consumidores
dotados de quantidades iguais de um bem; Segundo o Modelo Diamond-Dybvig, existe
como batatas, por exemplo. Vamos dizer que um uma assimetria de informação fundamental
hectare plantado no Inverno gera uma renda R entre intermediários e seus clientes. Os bancos
> 1; com 1 sendo o valor de um hectare, no Verão, possuem informação privada a respeito da
mas apenas uma renda de 1 no Outono. Vamos qualidade de seus empréstimos e, portanto, os
dizer que as pessoas enfrentam dificuldades no depositantes não tem como ter certeza acerca
Outono. Nesse caso, o investimento na plantação da segurança de suas reservas. Em resumo, as
de batatas é arriscado. Os desafortunados pessoas não tem como saber para onde seus
indivíduos “tipo Outono” terão que liquidar depósitos estão sendo alocados dado que os
seus investimentos em batata prematuramente, bancos mantém sigilo sobre seus portfólios de
obtendo um retorno líquido de zero em seus empréstimos.
investimentos.
Devido esse problema de assimetria, os
Por outro lado, os indivíduos sortudos do “tipo depositantes não tem como discriminar
Verão” podem se dar ao luxo de adiar o consumo adequadamente entre bancos solventes e
até a colheita, desfrutando de um retorno positivo insolventes. Tal condição implica que, quando
em suas plantações. Logo, o racional seria esperar rumores surgem no mercado acerca da
até o Verão para colher os frutos do investimento, insolvência de um banco, isso pode levar os
certo? Não exatamente. Os indivíduos não indivíduos a suspeitarem da solvência de
sabem no Inverno se suas plantações darão qualquer banco. Como consequência, elas podem
renda no Outono ou no Verão, de forma que ser levadas a liquidar seus depósitos. Seguindo o
podem escolher por liquidar seus investimentos raciocínio anterior, isso implicaria em um cenário
prematuramente. De acordo com Diamond e onde pessoas que só deveriam converter seus
Dybvig, um banco é um dispositivo que permite depósitos no Verão irão converter no Outono
o compartilhamento de risco entre os indivíduos para assegurar suas rendas; reduzindo assim a
ao agrupar investimentos e dividir os retornos disponibilidade de fundos emprestáveis. Como
previstos entre eles. Assumindo que a fração, t, consequência, os bancos serão forçados a
de indivíduos do tipo Outono é menor que um, liquidar seus ativos para garantir os depósitos.
o compartilhamento de risco assume a forma de Entretanto, os ativos de depósitos bancários
contratos de depósito (não transacionáveis) que muitas vezes estão na forma de empréstimos
dão direito aos depositantes de adiantar rendas e contratos que só são executáveis em longo
em igual valor a sua produção futura dado um prazo, de forma que eles não podem ser
depósito inicial. Assim, segundo Diamond e convertidos em liquidez no momento presente.
Dybvig, um indivíduo que tenha a sorte de ter Logo, os bancos teriam que lidar com o exigível
uma boa plantação de batatas pode depositar de passivos de curto prazo ao mesmo tempo
seus valores junto aos bancos e esse depósitos que não poderiam liquidar perfeitamente ativos

330 Nobel - 2022


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de longo prazo; gerando assim um problema de Em meio a esse cenário, a recomendação de


liquidez no balanço bancário. Diamond e Dybvig é clara: instituir regulações
bancárias mais sólidas e, sobretudo, instituir um
Esse problema gera então o segundo ponto seguro de depósito. Esse seguro é uma forma
do Modelo de Diamond e Dybvig: os saques de seguro governamental, que garante a liquidez
sequenciais. Nesse cenário, considerando que os dos depósitos bancários e impede que os bancos
agentes do sistema possuem direitos uns sobre quebram durante pânicos bancários. No Brasil,
os outros, os bancos, ao enfrentar o pânico de essa proposta tomou forma física por meio do
saques por parte do público, irá demandar a parte famoso Fundo Garantidor de Crêdito (FGC).
de suas reservas que estão na forma de passivos
de outros bancos, que por sua vez demandará Contudo, essa modelo está realmente correto? O
de outro banco e assim por diante. Assim, os que dizem as evidências?
saques sequenciais irão drenar os vários bancos
de suas reservas e poderão transformar um
pânico bancário em uma financeira sistêmica.

Críticas contra Diamond e Dybvig


O Modelo Diamond-Dybvig de crises bancárias certamente foi um marco na ciência econômica,
isso não pode ser negado. Mesmo seus críticos reconhecem seu valor em introdução a economia
monetária a uma nova forma de pensamento. Contudo, ele não está imune a críticas.

Primeiramente, do ponto de vista teórico, Wallace (1988) demonstrou que o problema de saques
sequenciais colocado por Diamond e Dybvig não poderia ser solucionado por meio de uma ação
governamental de injeção de liquidez , pois o próprio governo estaria sujeito a esse problema
também. Para que uma solução de seguro de depósitos funcionasse, por exemplo, seria necessário
que o governo coletasse os fundos necessários para garantir os depósitos em momento de pânico
antes que esses mesmos depósitos fossem convertidos, sendo que o governo não tem como saber
quando isso irá ou não ocorrer. Como resultado, poderia ocorrer um problema onde o governo tributa
desnecessariamente os bancos para garantir os fundos do seguro depósito e aloca esses mesmos
fundos em momentos em que eles não são realmente necessários.

Uma vez que os próprios bancos possuem melhores conhecimentos sobre suas restrições e riscos, é
mais provável que o próprio mercado interbancário gere soluções de auto-regulação para o problema
dos saques sequenciais do que o governo.

Outra crítica que se pode fazer é que o Modelo Diamond-Dybvig foi criado para espelhar o setor
bancário americano no século XX. Desde o século XIX até 1993 os Estados Unidos possuíam diversas
leis estaduais que limitavam ou impossibilitaram os bancos de abrirem agências! Como resultado,
os bancos ficavam restritos a número reduzido de depositantes e possibilidades de empréstimos de
uma área geográfica. Em zonas agrícolas, por exemplo, isso significava que os bancos tinham que
alocar os depósitos de agricultores que poderiam necessitar deles a qualquer momento devido uma
safra ruim para empréstimos em safras agrícolas que poderiam ou não gerar retornos capazes de
cobrir esses depósitos.

Como observaram Calomiris e Gorton (1991), se um pânico bancário tiver a possibilidade de ser
solucionado por meio do próprio sistema de empréstimos interbancário, pelos saldos das agências
fora daquela localidade ou por mecanismos de comunicação parcial entre os agentes do mercado,
as consequências do Modelo Diamond-Dybvig não serão mantidas.

331 Nobel - 2022


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Por fim, o Modelo Diamond-Dybvig ignora que o seguro depósito tem como consequência a criação
de um risco moral. Uma vez que os depósitos estão assegurados pelo governo, por qual razão deveria
o banco se importar com o risco de seus empréstimos e outros ativos que compõem seu portfólio?

Alston, Grove e Wheelock (1994), estudando o caso dos bancos americanos durante a década de
1920, observaram que a maioria das falências ocorria devido a maioria dos bancos estarem restritos
a áreas rurais e a maioria deles tomarem risco moral devido a existência de seguros de depósito nos
estados onde atuavam. Como resultado, os seguros acabaram por incentivar a tomada de risco com
empréstimos rurais que, posteriormente, seria a causa da quebra de vários deles durante a Crise de
1929.

Essas são algumas considerações sobre a obra desses dois gênios das ciências econômicas e espero
que ilumine um pouco o caminho para quem queira se aventurar pelo debate sobre microeconomia
bancária e microfundamentos da economia monetária.

Esse artigo focou nas contribuições de dois laureados pelo Prêmio Nobel de Economia de 2022.
Para uma visão geral, incluindo os trabalhos de Ben Bernanke – o terceiro premiado com esse
reconhecimento – sugerimos os dois textos a seguir, ambos escritos por Caio Augusto, Head de
Conteúdo do Terraço:

Artigo no Guia Financeiro (Guide Investimentos): https://www.oguiafinanceiro.com.br/textos/nobel-


de-economia-2022/

Artigo no Brazil Journal: https://braziljournal.com/o-nobel-de-ben-bernanke/

Sávio Coelho
Graduado em ciências econômicas na UNIFOR (onde também foi pesquisador), estagiário CASSI

332 Nobel - 2022


E-BOOK NOBEL

Textos
Complementares
333 Introdução
E-BOOK NOBEL

Coleção Economistas:
Nobel, o início de um projeto
Organizadores: Guilherme Tinoco, Caio Augusto, Arthur
Lula, Lucas Iten, Gabriel Brasil e Cláudio Lucinda

E m 1968, para comemorar o seu 300º aniversário, Banco Nacional da Suécia criou o prêmio
de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel, que confere, anualmente, o prêmio
de aproximadamente US$ 1 milhão para os vencedores. Popularmente conhecido como
Prêmio Nobel de Economia, é o único dos prêmios (6 no total) que não foi criado pelo
magnata sueco, mas, apesar disso, seu prestígio é indiscutível, tendo premiado economistas que
tiveram grandes contribuições à evolução da ciência econômica.

O primeiro ano de premiação foi 1969 e, desde então, foi agraciado 51 vezes para 84 acadêmicos
(podem ser premiados até 3 pesquisadores por edição). Na sua primeira edição, o prêmio ficou com
a dupla de economistas europeus Jan Tinbergen (Holanda) e Ragnar Frisch (Noruega), que levaram
o mérito pela contribuição na área dos modelos macroeconômicos.

Ao longo dos anos, foram premiadas pesquisas das mais variadas áreas e temas, moldando o modo
de pensar e de pesquisar da profissão. Esse impacto ocorre anos antes da premiação (por vezes
décadas), com a comunidade acadêmica digerindo e questionando as contribuições, sendo o Nobel
a joia da coroa de tal processo.

Na edição mais recente até a abertura deste projeto, de 2019, o prêmio ficou com um trio de
economistas: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, que levaram o prêmio por seus
trabalhos de abordagem experimental para ajudar no combate à pobreza global. Vale notar ainda
que Esther Duflo, além de ser a segunda mulher agraciada com o Nobel de Economia, foi a mais
nova a ganhar o prêmio na história do Nobel em Economia (46 anos).

334 Introdução
E-BOOK NOBEL

Dada a importância do prêmio, estudar a pesquisa Desde promissores estudantes de graduação,


dos laureados passou a ser excelente forma de passando por talentosos mestrandos e
acompanhar a evolução da ciência econômica. doutorandos, até chegar a profissionais da
Pensando nisso, e aproveitando o crescente mais alta qualidade, seja na academia ou fora
interesse que a economia vem despertando na dela, teremos aqui nesta coluna contribuições
sociedade em geral, apresentamos o projeto das mais diversas, o que enriquece o trabalho
Coleção Economistas: Nobel, que estamos e reforça o laço entre economistas do país.
lançando agora com muita satisfação aqui no Isso é particularmente importante no momento
site do Terraço Econômico. atual, onde precisaremos cada vez mais buscar
convergências para que o país implemente
O objetivo principal do projeto é fortalecer a reformas e políticas públicas bem desenhadas
disseminação de conhecimento da nossa tão com o objetivo de finalmente alcançarmos
amada Economia e o meio que encontramos para o desenvolvimento que nos permita não ter
fazer isso foi através da divulgação das ideias mais décadas perdidas, mas sim décadas de
dos premiados a cada ano. Buscamos alcançar crescimento econômico, redução da pobreza
um público amplo, que inclui desde estudantes, e desigualdades e melhoria das oportunidades
jornalistas até os próprios economistas, para a população brasileira.
difundindo a importância e despertando o
interesse para a pesquisa vencedora e para o Vamos, portanto, ao que interessa: os textos
premiado. começarão a ser publicados no dia 21/07,
na ordem cronológica, sendo que todas as
Para fazer isso, aproveitamos o processo de publicações ocorrerão nas terças e quintas.
fortalecimento da comunidade de economistas Haverá algumas surpresas ao longo do caminho
nas redes sociais, observada nos últimos anos. e temos certeza de que os leitores irão apreciar.
Professores, estudantes e demais profissionais Agradecemos imensamente aos colaboradores,
estão cada vez mais em contato, compartilhando que investiram seu tempo para entregar textos
conhecimento. Por isso, convidamos economistas excepcionais, e ao apoio fundamental do Terraço
em diferentes estágios da carreira para fazer a Econômico. Espero que gostem!
colaboração.

335 Introdução
E-BOOK NOBEL

O prêmio Nobel: A medalha


que pauta a Economia
Por Tomás Aguirre

E conomia” é uma palavra frequente em nossos cotidianos. Desde pequenos, nós ouvimos na
televisão sobre o aumento de desemprego, a redução dos juros ou uma nova proposta de
reforma econômica. Todo dia, são publicadas inúmeras notícia de como está a economia
ou sobre como a situação política vai afetá-la. Ao mesmo tempo, a ciência econômica é
frequentemente vista como uma disciplina fria e dedicada a estudar o mercado financeiro e o dinheiro.
Apelidada de “ciência sombria”, para muitos a Economia é míope aos problemas contemporâneos e
perdida em seus modelos irrealistas.

Mesmo que esses estereótipos guardem alguma verdade, a Economia é muito mais do que apenas
isso. O objeto de estudo dessa ciência é, antes de tudo, como pessoas e organizações tomam
decisões, nas mais diferentes esferas da vida. Não se restringe, de forma alguma, às relações de
mercado e ao dinheiro. Ela é, na verdade, uma ciência que, entre inúmeras outras coisas, também
estuda as relações de mercado e o dinheiro. E, cada vez mais, a economia é uma ciência dinâmica,
interdisciplinar e atenta aos problemas do cotidiano.

A atual cara da ciência econômica é fruto de inúmeras revoluções dentro do campo nas últimas
décadas. O prêmio Nobel de Economia foi instituído em 1968 justamente para reconhecer os grandes
pesquisadores responsáveis por essas revoluções. Pensadores visionários, que desenvolveram novos
métodos e propuseram questões que antes nem conseguíamos conceber.

O prêmio Nobel de Economia é o irmão mais novo (e bastardo, alguns diriam) dos outros prêmios
Nobel. O inventor Alfred Nobel não havia colocado a disciplina na lista de áreas em seu testamento

336 Introdução
E-BOOK NOBEL

para a criação da medalha. O prêmio de Economia foi criado por iniciativa do banco central sueco
quase 70 anos depois dos prêmios de Medicina, da Paz, da Física, da Química e da Literatura terem
sua primeira edição.

Desde então, o prêmio pauta a Economia e ajuda a definir como a história do campo é desenhada.
No entanto, até laureados do Nobel de Economia se opuseram a criação do famoso prêmio. Friedrich
Hayek (1899-1992), por exemplo, disse no banquete de celebração ao prêmio em 1974 que, caso
houvesse sido consultado, seria contrário a criação do prêmio pelo banco sueco pois acreditava que
ninguém deveria ter tamanha autoridade nas ciências econômicas. Tendo ou não razão em sua crítica,
Hayek certamente estava correto em algo: O Nobel de Economia não apenas ajuda a sedimentar o
que é visto como o mais alto nível da Economia contemporânea, como também é capaz de mudar
os rumos dessa ciência.

Às vezes, a Economia pode ser auto-centrada demais, confinada em sua própria forma de entender
o mundo. Mas ela também é uma disciplina que se alimenta de conhecimentos de outros campos e
também contribuí para eles. Gary Becker (1930-2014), por exemplo, em seu célebre livro A abordagem
econômica para o comportamento humano usou da metodologia econômica para entender questões
como por que as pessoas cometem crimes e como as famílias se organizam. Usando da modelagem
matemática tipicamente e de bases de dados empíricas, Becker usou a ideia de que as pessoas
agem sempre em prol de seu bem-estar para responder questões que antes eram reservadas a
outros campos, como a sociologia e criminologia. Assim, o Homo Economicus, esse agente racional
que sempre tenta maximizar o seu próprio bem-estar, foi colocado em novos contextos que não o
estritamente econômico. Em reconhecimento a suas contribuições, Becker ganhou o prêmio Nobel
de 1992.

A Economia Comportamental, em contrapartida, é um filhote da psicologia com a economia clássica


que colocou em xeque muito do que se acreditava a respeito desses agentes racionais. Ajudou a
desmentir partes do Homo Economicus e a sofisticar outras, para que ele se aproximasse mais do
que é de fato o Homo Sapiens. A economia comportamental estuda como vieses cognitivos afetam
as nossas tomadas de decisão no dia a dia, desde porque tendemos a ignorar novas evidências que
contrariam suas crenças prévias a porque procrastinamos a fazer obrigações. Em 2002, o psicólogo
israelense Daniel Kahneman (1936-) ganhou o Nobel em reconhecimento a suas contribuições à
economia comportamental, alcançadas junto do também psicólogo Amos Tversky (1937-1996).

Mas, independente do tema, é onipresente na Economia a questão: o que causa o quê? Como saber,
por exemplo, se mais vigilância policial realmente diminui a taxa de criminalidade? Ou como estimar se
penas mais duras para crimes seriam mais eficazes para isso? Para responder esse tipo de questão, a
econometria foi desenvolvida. Ela é uma área que aplica e desenvolve métodos estatísticos para tratar
problemas empíricos da Economia. Em 1969, o primeiro prêmio Nobel de Economia foi entregue a
dois dos pais da econometria, Frisch e Tinbergen, que desenvolveram métodos de como usar dados
observacionais das economias nacionais a responder questões sobre as flutuações econômicas. Eles
procuravam entender como usar a estatística para responder o que, afinal, causa recessões e booms
econômicos em torno de uma tendência geral de crescimento de longo prazo.

Para responder o problema da causalidade, a Economia também usa de testes randomizados


controlados (RCT, em sua sigla em inglês), que surgiram anteriormente na medicina. Através de um
sorteio, os pesquisadores determinam um grupo de indivíduos que recebem certo tratamento e outro
grupo, chamado de grupo de controle, é apenas observado para fins de comparações. Usando de
RCTs, é possível isolar causa e consequência com mais segurança. Para muitos, esse é o padrão-ouro

337 Introdução
E-BOOK NOBEL

da inferência causal. Esther Duflo (1972-), Abhijit ou do que se vê no noticiário, a economia é uma
Banerjee (1961-) e Michael Kremer (1964-), três ciência que estuda como as pessoas fazem
dos mais influentes adeptos dessa abordagem, escolhas nas mais diversas esferas da vida. A
ganharam o Nobel de 2019, o que sinaliza a Economia se torna cada vez mais uma ciência
caminhada que a Economia está fazendo para interdisciplinar e empírica. Apesar de às vezes
ser tornar uma ciência mais empírica. Com RCTs, se mover a passos lentos, a ciência econômica
tais pesquisadores respondem questões que está cada vez mais atenta aos problemas
antes nem como econômicas seriam vistas, desde latentes da sociedade, das mudanças climáticas
como batidas policiais aleatorizadas diminuem e desigualdades passando por pandemias e fake
crimes até como mensagens de celular feitas por news. Para conhecer um pouco mais sobre os
famosos podem influenciar pessoas a usarem grandes pesquisadores que definiram e definem
máscaras durante a pandemia do coronavírus. o rumo da Economia, convidamos você, caro
leitor, para que leia os outros textos do Projeto
Muito além do mero estudo do mercado financeiro Nobel, deste Terraço Econômico.

Tomás Aguirre
Graduando em Economia na FEA-USP e membro da comissão organizadora da Olimpíada Brasileira
de Economia

338 Introdução
E-BOOK NOBEL

Notas:
Banerjee, Abhijit and Alsan, Marcella and Breza, Emily and Chandrasekhar, Arun G and Chowdhury,
Abhijit and Duflo, Esther and Goldsmith-Pinkham, Paul and Olken, Benjamin A.

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Von Hayek, Friedrich August. Banquet speech. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug
2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1974/hayek/speech/>

339 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

A hora dos economistas


por João Villaverde

T udo começa com uma ideia. Diante de um salto sustentado da inflação, um Banco Central
pode decidir elevar as taxas de juros, apoiado no entendimento de que a supressão financeira
reduzirá a demanda agregada e, com isso, descomprimir uma pressão importante sobre
os preços. Ok. Mas este entendimento está baseado em um conjunto teórico que, por sua
vez, começou com uma ideia de como as coisas funcionam e como elas podem ser moldadas.

Isso vale para a política monetária (caso do exemplo acima), mas vale também sobre a melhor
forma de garantir competição na telefonia celular. Ou como uma alteração na estrutura de impostos
pode eventualmente aumentar a contratação de mão de obra. Ou como um governo pode definir
os critérios para mulheres e homens se aposentarem. Seja o que for, tudo começa com uma ideia.

A ideia pode ser boa e depois se revelar um desastre. Ela pode nascer de forma bonita, ganhar
grande repercussão em revistas prestigiadas do mundo acadêmico, mas simplesmente não ser
aprovada pela maioria dos eleitores em um país de regime democrático. Outra ideia pode nascer
de um brainstorm despretensioso e funcionar perfeitamente bem por anos a fio.

Mas para uma ideia virar uma política pública, ela precisa passar pelo debate público e perseverar
na cabeça dos agentes. Vale para qualquer ideia, em qualquer tempo. É preciso convencer e, para
isso, é preciso ter bons argumentos.

Binyamin Appelbaum, repórter especial e colunista de economia do jornal americano The New
York Times, escreveu um precioso livro justamente sobre isso: como um conjunto de ideias de
como as coisas deveriam funcionar nos Estados Unidos nasceu na academia e em algumas salas
de repartições públicas e algumas empresas e, ganhando aos poucos o debate público, virou do
avesso a política econômica americana a partir de meados dos anos 1970. Estavam envolvidos
diversos economistas que ganhariam prêmios Nobel.

340 Introdução
E-BOOK NOBEL

O livro, The Economists Hour, traz uma narrativa absolutamente envolvente, que tende a capturar
economistas, claro, mas também aquelas e aqueles ligados ao Direito, à Administração Pública, à
Ciência Política e ao Jornalismo. Ele traz histórias de vida e, principalmente, de ação de homens e
mulheres que revolucionaram a forma de fazer política econômica. Nem todos os resultados dessa
revolução intelectual foram positivos. Em muitos casos, as mudanças foram para pior.

É possível convencer policy makers a seguir um determinado caminho, sustentado em argumentos


robustos e lógicos – mas errados. Nem toda política econômica do presente é correta ou adequada.
O status quo não é necessariamente o único caminho possível. Ele é apenas o resultado de um
convencimento prévio. Mas até que algo danoso seja corrigido (o que é resultado de novos
convencimentos…) muita gente não consegue conceber uma mudança.

O livro de Appelbaum conta muito bem como diversas batalhas intelectuais foram travadas. As
cicatrizes dos anos 1970 e 1980 ainda estão vivas.

Li o livro na última viagem que fiz: em meados de fevereiro, à trabalho, para a costa leste dos
Estados Unidos. Fascinado pela leitura, escrevi uma breve thread no Twitter logo antes de voltar
ao Brasil, a 16 de fevereiro. Ali começou o diálogo com o autor. Quando fui abordado pelo amigo
Guilherme Tinoco para contribuir para esta série sobre economistas vencedores do Nobel, pensei
que, afinal, seria rico conversar com Appelbaum e trazer uma entrevista com ele. Tudo começa
com uma ideia. Ele gentilmente topou e o resultado do papo de uma hora, feito por telefone e
gravado, está logo abaixo, devidamente traduzido para o português.

João Villaverde: Gerações e gerações de economistas, no mundo todo, foram formadas com
arcabouços teóricos que se provaram insuficientes ou simplesmente errados, como o caso da
dramática expansão monetária por anos a fio desde 2009 sem que a inflação tenha sequer se
movido nos países ricos. Isso parece ter sido agravado neste 2020, o ano da pandemia, quando os
bancos centrais mundo afora dobraram a aposta na larga emissão de moeda. O mesmo vale para
a curva de Phillips, inviabilizada pelas evidências: o mercado de trabalho nos EUA testou o pleno
emprego por anos consecutivos até o início de 2020 e nada de inflação. Quer dizer, a realidade
prática acabou negando, ou ao menos tornou nublada, a aceitação cega a achados teóricos de
economistas muito relevantes, alguns dele vencedores do Nobel, inclusive. Como você acha que
evoluirá o pensamento dos economistas a partir de agora?

Binyamin Appelbaum: Me parece claro que os economistas serão mais humildes, ao menos um
pouco mais, a partir de agora. Exatamente como você descreveu, os economistas transformaram
suas hipóteses em verdades absolutas, tendo em seguida levando suas conclusões a manuais
de política econômica. Francamente, algumas dessas ideias não tinham uma fundamentação
por evidências muito robusta. O mundo teórico supera em muito as evidências da realidade. Mas
acho que o pressuposto mais importante que assistimos nos últimos anos é o de que existe uma
macroeconomia cujos instrumentos podem ser facilmente administrados. Como se os economistas
fossem os astronautas que olham para a Terra. Quero dizer: se você está olhando para aquilo, você
pensa que pode manipulá-la. Esse pressuposto levou a uma explosão de teorias econômicas, a
maior parte delas tendo sido expressadas com grande confiança por seus fundadores e seguidores.
Houve então o surgimento de teorias impressionantes, ditando como precisamente a política
econômica deve ser conduzida, com a teoria servindo de evangelho, sendo que pouco – muitas
vezes nada! – é confirmado por dados e evidências. A Curva de Phillips é um dos exemplos. Ela
dominou a teoria econômica e mesmo a política monetária praticada pela maior parte dos bancos
centrais, a despeito do teórico ter dados de um único país e a partir deste extrapolado para todos
os demais. É surpreendente como rapidamente os economistas acreditam em teorias com muitos

341 Introdução
E-BOOK NOBEL

poucos dados subjacentes. Nos últimos anos, governo autoritário, que viola direitos humanos.
o avanço tremendo da organização de dados Mas o que mais me incomoda é quando há, na
e levantamento de informações tem feito com história e mesmo no presente, economistas
que todos nós entendêssemos melhor como que entendem ter autoridade para colocar de
uma economia realmente funciona. Esse período pé uma política econômica incompatível com a
pedagógico tem derrubado muitas das teorias democracia.
que considerávamos indiscutíveis.
JV: Como assim?
JV: Em seu livro, você cita uma série de
economistas, muitos dele com prêmio Nobel na BA: Veja, o que ocorreu no Chile durante
área, que foram determinantes para o debate a ditadura Pinochet é revelador. A política
nos anos 1960 e 1970 e a partir dos anos econômica colocada em vigor naqueles anos já
1980 ganharam o primeiro plano de política tinha sido apresentada como plataforma eleitoral
econômica nos países ricos e também nos mais em diversas campanhas no país e ela fora sempre
pobres. Alguns deles toparam auxiliar, direta ou derrotada pelo eleitorado chileno. Então quando
indiretamente, ditaduras e regimes autocratas, os economistas, sob Pinochet, se aproveitam de
à esquerda e à direita. O caso mais conhecido um estado de exceção para colocar em marcha
aqui na América do Sul é a associação direta que aquelas ideias, eles estão usufruindo de uma
gabaritados economistas americanos, muitos situação não-democrática. Repare que não estou
ligados à Universidade de Chicago, tiveram com julgando o mérito das ideias, mas sim o fato de
a ditadura do general Augusto Pinochet, no que elas não respeitaram a democracia. Não foi
Chile. Este, aliás, é o tema de um dos capítulos apenas no Chile, dado que na Indonésia ocorreu
mais interessantes de seu livro. Você poderia algo parecido. Esses são casos radicalmente
comentar um pouco sobre essa associação distintos do que ocorreu na Inglaterra sob o
entre economistas que aceitam trabalhar para governo de Margaret Thatcher (que assumiu em
governos anti-liberais, anti-democráticos? 1979). Ela venceu as eleições e tinha, portanto,
liberdade democrática para implementar a
BA: Esta é uma ótima pergunta. Me leva a pensar política econômica vitoriosa.
sobre a responsabilidade moral dos economistas.
Aqueles que aceitam prestar serviço à governos JV: Por todo o seu livro fica claro o papel que
populistas ou simplesmente nefastos, sem o debate público ofereceu aos economistas,
dividir o pensamento com a linha geral do especialmente nos Estados Unidos. Stigler,
governo, o fazem por acreditar ser possível se Friedman e tantos outros, buscaram
engajar tecnicamente, sem ter grau algum de incessantemente convencer a sociedade e os
responsabilidade pelo que o governo que paga policy makers em particular sobre suas ideias
seu salário faz em outras áreas, como ambiental, e teorias. Muitos anos antes, ainda na década
sanitária, educacional e tantas outras. Entendo de 1920, isso já estava claro para Keynes, que
que muitos economistas pensam ter agido como publicou um conjunto de ensaios sob o título
técnicos, simplesmente técnicos. Nos casos que “Ensaios sobre Persuasão”, quando ele deixa
estudei, economistas se engajaram na política claro seu interesse em formar percepção, em
econômica de governos populistas ou mesmo convencer. Então te pergunto, Appelbaum,
de ditaduras acreditando ser possível tornar uma à luz do seu livro sobre o papel das ideias de
situação ruim em algo um pouco melhor. Eles economistas influenciando políticas públicas
buscaram uma justificativa moral para aquela e também a sua prática como jornalista no
decisão. No entanto, me parece claro que isso New York Times, qual foi o papel dos meios de
não pode ser feito de forma neutra. Você não comunicação para os economistas?
pode servir de conselheiro de um governo ou,
mais que isso, trabalhar para um governo, sem BA: Essa é uma pergunta interessante. Aliás,
ser co-responsabilizado pelo que o governo este tem sido o principal ponto das interações
faz. Você simplesmente não deve auxiliar um que tenho tido com economistas aqui nos EUA

342 Introdução
E-BOOK NOBEL

depois que publiquei o livro. Muitos dizem que seu papel no debate público não é o de moldar a
realidade, não é de influenciar a política econômica, mas tão somente o de oferecer aconselhamento
sobre boas práticas. Pode ser que sim, mas minha pesquisa sobre aquele momento transformador, de
quando o debate vaza da academia americana, nos anos 1950 e 1960, para a política pública, a partir
da década de 1970, tem papel preponderante dos meios de comunicação. Veja: é muito difícil para
um governo se engajar em uma determinada política se ela não estiver subscrita pelos economistas
no debate público. Isso é verdade aqui nos EUA e me parece ser o caso em boa parte do mundo
hoje em dia. Há áreas de políticas públicas, por exemplo, que foram totalmente terceirizadas para os
economistas, como a política monetária. Em outras, como política fiscal, o papel dos políticos como
intermediadores ainda permanece forte, mas mesmo aí as vozes dos economistas no debate público
têm muita relevância.

JV: Aliás, sobre isso, me chamou muito a atenção no seu livro a forma como alguns republicanos
fizeram para votar pelo aumento de impostos em outubro de 1990, no governo George H. Bush: de
forma escondida, quase que sorrateira, porque já havia naquele momento a dificuldade eleitoral de
ser visto votando junto dos Democratas e porque esse tema tributário já estava prestes a virar um
dogma para os Republicanos…

BA: Sim. Aqui nos EUA, a política tributária tem um partido que há trinta anos cerra fileiras nessa
bandeira de redução de impostos. Em muitos casos, a posição é puramente ideológica, tem
pouca justificativa técnica. Neste sentido, os economistas que oportunisticamente defendem algo
semelhante acabam servindo de anteparo intelectual para uma posição que é, na realidade, apenas
política, dogmática até.

JV: Você traz frases geniais do Stigler, como aquela sobre a primazia de modelos (na página 139
da edição original, em inglês). Este, inclusive, é um debate muito vivo no campo, especialmente
economistas que vivem de pesquisa acadêmica ou aplicada e aqueles que trabalham com políticas
públicas ou no setor produtivo privado.

BA: Os críticos dos economistas costumam dizer que eles são idiotas que acreditam que os mercados
são totalmente racionais e que o consumidor comum é absolutamente racional. Economistas como
Stigler e Friedman (dois prêmios Nobel) sabiam muito bem que as pessoas não atuam de forma
perfeitamente racional. Eles sabiam disso. Mas argumentavam que era possível obter melhor resultado
de seus modelos se fossem assumidos como premissa de que sim, pessoas e mercados são racionais.
Eles e as gerações de seguidores não estavam errados em usar essa abordagem, mas sim por terem

343 Introdução
E-BOOK NOBEL

levado longe demais. Os mercados nem sempre políticas públicas em várias áreas (primeiro em
são eficientes. Você faz um trabalho melhor regulação, depois em política monetária, gastos
como economista assumindo que são ou que militares, chegando em educação, política
não são? Não é claro qual rota é preferível. Temos comercial e outros segmentos) passaram por
aprendido cada vez mais sobre o funcionamento uma verdadeira revolução conforme aumentava
das coisas. Mas acho importante ter em conta o envolvimento dos economistas com elas. Seja
que há real valor em como esses economistas de forma direta, com economistas virando policy
que mencionamos fizeram seus trabalhos. makers, seja indireta, a partir da interação dos
economistas com o mundo do Direito, da Ciência
JV: Você conta em determinado momento de seu Política e da Administração Pública. Seu livro
livro uma história do Paul Volcker (ex-presidente mostra casos de sucesso e casos de fracassos
do Fed, falecido meses atrás) envolvendo o retumbantes. Como fazer para que teorias
economista William Sharpe (prêmio Nobel sabidamente erradas, políticas obviamente
de Economia). Volcker conta que certa vez fracassadas, não sejam repetidas em um futuro
conversava com Sharpe sobre os derivativos próximo?
no mercado financeiro. Eis então que aquele
perguntou a Sharpe se, afinal, os derivativos e o BA: Isso me inquieta também, João. É mais
conjunto de inovações financeiras adicionavam difícil mudar mentes do que personalidades.
alguma coisa ao crescimento econômico. “Nada”, O comunismo, por exemplo, foi um desastre
respondeu Sharpe, adicionando que “eles são absoluto para todos aqueles que viveram sob
mesmo muito divertidos”. Tomo esse ponto para regimes comunistas em qualquer lugar do
destacar como às vezes o cidadão médio é instado mundo. Mas o mesmo comunismo acabou
a acreditar que essa miríade de instrumentos beneficiando aqueles que viviam em sociedades
financeiros não é apenas isso, instrumentos capitalistas. Porque, goste ou não, o comunismo
financeiros, mas que também exercem grande – e especialmente a propaganda comunista –
importância para o desenvolvimento econômico. forçava administrações em países capitalistas
a trabalharem melhor, perseguindo sociedades
BA: Sem dúvida, sem dúvida. Devo dizer que melhores. O fim do comunismo certamente foi
gastei muitas horas de minha vida com Volcker, positivo, novamente, para aqueles que viviam
que renderam grandes e boas conversas. Ele sob a chaga desses regimes, mas por outro lado,
era uma pessoa fascinante. Sobre este ponto ele reduziu em muito a pressão sobre os países
que você destacou, ele estava deixando claro capitalistas. A perda de medo de uma alternativa,
que os derivativos financeiros, essa invenção já dado que ela deixou de existir na prática, acabou
muito antiga, trazem embutido um risco elevado. levando a intensificação de movimentos muito
É até incrível que nós temos que dizer isso, né? negativos para a maior parte das pessoas
Inovações financeiras não são necessariamente em países ricos. Um conjunto de políticas foi
boas. Existem criminosos inteligentes. Não desarticulado, levando a maior concentração
podemos nos esquecer nunca disso. Aquela visão de renda e a questionamentos muito profundos.
preponderante no pré-2008, de que o mercado Nós temos que encontrar um jeito de aumentar
financeiro era tão eficiente que simplesmente a competição no mercado de ideias.
tornava quase impossível a prática de atos
errados, é embaraçosa. Para dizer o mínimo. Era, JV: Neste sentido, Appelbaum, seu capítulo
aliás, a visão professada por Alan Greenspan [ex- sobre Taiwan e Chile me vem à cabeça.
presidente do Fed e personagem importante
do livro de Appelbaum]. É vergonhoso que BA: Exatamente. Aquela “competição” foi
Greenspan tenha se engajado nessa visão importante. É digno de nota que Taiwan tenha,
Poliana. mais ou menos na mesma época do Chile sob
Pinochet, adotado uma mudança de eixo em
JV: Seu livro traz grandes insights sobre a sua política econômica. Mas enquanto o Chile
evolução do pensamento econômico e como ditatorial adotou aquele conjunto de políticas

344 Introdução
E-BOOK NOBEL

que conversamos há pouco, Taiwan adotou uma estratégia de política econômica totalmente distinta.
E eles conseguiram resultados melhores, sob qualquer ponto de vista, do que os chilenos. Quero
dizer: não podemos pensar que estamos presos a uma forma de fazer as coisas, a um punhado de
teorias que não podem ser questionadas.

JV: Perfeito. Minha última pergunta, Appelbaum,


é quanto a sua motivação para escrever The
Economists Hour. O que te levou a escrever este
livro?

BA: Bem, eu escrevo sobre economia há mais de 15


anos. Tempos atrás, eu li “Prophets of Regulation”,
de Thomas McGraw, que traça a evolução das ideias
sobre como o governo deve agir em regulação de
setores econômicos. O livro narra essa evolução
do pensamento, dominado por advogados, mas
tendo como eixo a política pública de regulação.
Houve uma revolução mesmo na forma como os
governos passaram a encarar a regulação, a partir
dos anos 1970. A regulação de aviação civil, de
telecomunicações, de energia e minérios e assim
por diante. Eu, até então, não tinha dado muita
importância a essas mudanças e, principalmente,
como era o estado de coisas antes dos anos 1970
e como propriamente aquelas mudanças foram
discutidas na sociedade e implementadas. Então
comecei a ler mais, a estudar e depois a pesquisar,
organizar o pensamento. Fui para outras áreas
de políticas públicas, chegando mais próximo da
macroeconomia. Como os economistas passaram a
se envolver com diferentes áreas de atuação, com
políticas públicas e com o debate político. O livro é
resultado dessa inquietação.

João Villaverde
É jornalista e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV-SP. Foi pesquisador visitante na
Universidade de Columbia (Nova York). É autor do livro-reportagem Perigosas Pedaladas (Geração
Editorial, 2016), sobre o impeachment de Dilma Rousseff.

345 Introdução
E-BOOK NOBEL

A participação FEMININA
na carreira em economia
Por Fabiana Rocha, Maria Dolores Diaz e Paula Pereda

A pesar da maior inserção de mulheres no ensino superior ao longo das últimas décadas, a
participação de mulheres na carreira em Economia é ainda baixa. Enquanto as mulheres
representam 57% dos universitários no Brasil, elas são 38% dos estudantes de Economia
em 2019. No Brasil, a fração de mulheres que escolhem o curso de Economia é inferior
à de mulheres que escolhem Química, Matemática e Estatística. Em áreas que são
conhecidamente mais dominadas por homens, como Engenharia, a parcela de mulheres cresceu
na última década, o mesmo não ocorrendo com a área de Economia. Diante desses números, duas
importantes perguntas emergem:

1 - Por que as mulheres não se interessam tanto por estudar Economia?; e


2 - Por que ter mais mulheres estudando Economia é desejável?

Para responder à primeira pergunta, precisamos levantar alguns dados adicionais sobre a progressão
na carreira. Nesse sentido, desde 2018, o grupo das EconomistAs-USP realiza uma pesquisa anual
com os centros de pós-graduação em Economia do Brasil para entender a participação das mulheres
nos vários estágios da carreira acadêmica em Economia (EconomistAs, 2019; EconomistAs, 2020).
Com base nos dados da última pesquisa, sabemos que temos um percentual menor de professoras
(27,5%), principalmente lecionando em faculdades privadas (22,7%). Quando olhamos para a
progressão na carreira, o percentual de professoras titulares é de 20,8%, frente a 30,5% de professoras
assistentes. Existe uma literatura incipiente que mostra que as mulheres têm mais dificuldade em
progredir na carreira acadêmica em Economia, fenômeno esse conhecido por “leaky pipeline”. Será
essa a explicação para a baixa representatividade de mulheres na área? Isto porque as explicações
comuns para a desvantagem de mulheres na academia, como as responsabilidades domésticas

346 Introdução
E-BOOK NOBEL

e a aversão à matemática, não explicam o por estudando Economia (em geral) e em todas
quê da economia ficar para trás de outras áreas as áreas de especialização (em particular)? A
em termos de participação de mulheres, de importância da diversidade vai muito além da
persistência na carreira e de probabilidade de questão de igualdade. Perspectivas mais amplas
promoção (Lundberg e Stearns, 2018). trazidas pela maior diversidade de gênero, e
também racial, afetam o que é ensinado em
Assim, para complementar a análise da sala de aula, ampliam o leque de perguntas que
carreira, podemos também olhar para os os pesquisadores fazem e, também, afetam as
dados de participações em congressos de escolhas de políticas públicas implementadas.
economia. A participação em congressos é um Sobre este último ponto, muitos estudos
importante indicador de sucesso na carreira mostram que as mulheres, quando em posições
acadêmica e promove uma competição entre os de liderança política, tomam decisões diferentes
pesquisadores para terem seus artgos aceitos. (Chattopadhyay e Duflo, 2004; Alesina e La
Em estudo recente do grupo das Economistas Ferrara, 2005). Em países em desenvolvimento,
(Pereda et al, 2020), mostramos que as mulheres a maior representatividade de mulheres na
desistem mais do que os homens de participarem política melhoram a provisão de bens públicos,
do principal encontro brasileiro de Economia privilegiando investimentos em saúde, educação
(ANPEC) frente à rejeição em edições anteriores. e questões relacionadas à maternidade, como
Essa evidência está em linha com outros estudos maior provisão de creches públicas, por exemplo
que mostram que as mulheres desistem mais (Svaleryd, 2009; Clots-Figuera, 2012; Clayton
do que os homens em competições (Niederle e e Zetterberg, 2018). Para o Brasil, Brollo e
Vesterlund, 2011; Flory et al, 2018). Os efeitos são Troiano (2016) ainda mostram que as prefeitas,
mais relevantes para as jovens pesquisadoras em comporação com os prefeitos, têm menos
de centros com menor nota pela CAPES. Uma probabilidade de se envolver em corrupção,
das explicações para esse comportamento pode contratam menos funcionários temporários; eles
vir de diferenças culturais e institucionais, uma mostram também que a menor propensão a se
vez que alguns estudos mostram que mulheres envolver em comportamento estratégico piora
educadas em sociedades mais conservadoras o desempenho eleitoral das mulheres em uma
tendem a ser menos competitivas (Gneezy et al, potencial reeleição. Outros estudos também
2009; Both et al, 2019). mostram que a maior participação política
feminina está relacionada a menores indicadores
Para além do diferencial de competitividade de corrupção (Dollar et al, 2001; Debski et al,
entre homens e mulheres, o que encontramos 2018).
ao olhar para os dados de congressos é que
também existe um diferencial da participação Assim sendo, a baixa participação de mulheres
de mulheres por área de especialização. Existe na carreira de economia pode afetar o ensino,
um viés de preferência das mulheres por áreas a pesquisa e as políticas que estão em debate
de Microeconomia Aplicada, em especial e, em última instância, suas implementações.
Educação, Saúde e Demografia, enquanto que Como Lundberg e Stearns (2018) bem colocam,
Macroeconomia, Finanças e Teoria Econômica o progresso para a maior igualdade de gênero
são áreas que contam com as menores na profissão tem que partir do reconhecimento
participações de mulheres. dessas barreiras junto com um esforço de
remover o viés em processos de contratação e
Aí, voltamos para a nossa segunda pergunta promoção.
inicial: Por que é desejável termos mais mulheres

Fabiana Rocha - Professora Titular FEA-USP


Maria Dolores Dias - Professora Titular FEA-USP
Paula Carvalho Pereda - Professora Associada FEA-USP. As primeiras duas participam do grupo de
pesquisa EconomistAs [Brazilian Women in Economics]

347 Introdução
E-BOOK NOBEL

Notas:
ALESINA, A., AND E. LA FERRARA (2005): “Preferences for redistributions in the land of
opportunities,” Journal of Public Economics, 89, 897–931.

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CHATTOPADHYAY, R., E. DUFLO (2004): “Women as policy makers: evidence from a randomized
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CLAYTON, A., AND P. ZETTERBERG (2018): “Quota shocks: Electoral gender quotas and
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CLOTS-FIGUERAS, I. (2012): “Are female leaders good for education? Evidence from India,”
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ECONOMISTAS – BRAZILIAN WOMEN IN ECONOMICS (2019) As mulheres nos diferentes estágios


da carreira acadêmica em Economia no Brasil. Relatório 2018.

ECONOMISTAS – BRAZILIAN WOMEN IN ECONOMICS (2020) As mulheres nos diferentes estágios


da carreira acadêmica em Economia no Brasil. Relatório 2019.

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Political Economy, 25, 186–198.

348 Nobel - 2021


E-BOOK NOBEL

Esse e-book é resultado do trabalho colaborativo de economistas que,


apesar de pensarem de formas distintas sobre as mesmas questões,
entenderam que esse material tinha enorme potencial para colaborar com
o entendimento de vários conceitos da ciência econômica - e de como
essas ideias foram sendo discutidas ao longo das décadas.

O Terraço agradece imensamente a cada um que doou o seu tempo para


que isso fosse possível.

E claro, a você leitor, que prossegue conosco nessa jornada de aprendizado


que temos construído juntos desde a fundação do Terraço.

Caso você identifique um erro no e-book, por favor contate o Terraço


Econômico por meio das redes sociais ou pelo email:
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349 Nobel - 2022


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