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E Book Ganhadores Do Nobel de Economia Terraco Economico kQ7S LVQPKMJ
E Book Ganhadores Do Nobel de Economia Terraco Economico kQ7S LVQPKMJ
NOBEL DE ECONOMIA
Uma coletânea da#EconTwit dos
laureados de 1969 até 2022
E-BOOK NOBEL
2 Introdução
E-BOOK NOBEL
Cada história e pesquisa por trás de um Prêmio Nobel é contada nesse Ebook e, como gostamos
de frisar ao longo do tempo, é fundamental olhar mais para as ideias do que para as pessoas, pois
boas políticas podem surgir de diferentes espectros políticos. Ao reunir uma gama de economistas
de visões diferentes, esse material tem de evidenciar as enormes contribuições de cada premiado
e suas teses para a evolução da ciência econômica em todo o mundo.
Em uma verdadeira viagem ao redor de como a teoria econômica foi se desenvolvendo com o
passar das décadas, as pessoas que decidirem encarar a empreitada que é a leitura deste material
irão entender de maneira bastante razoável uma verdade que o Terraço Econômico tanto preconiza
há anos: a economia está mais perto das pessoas do que elas inicialmente imaginam e vai muito,
mas muito além do que se vê no noticiário.
Trata-se de um projeto que fica para a historiografia econômica como uma contribuição em formato
de coleção que, caso as sementes aqui plantadas dêem frutos mais adiante, poderão servir para
uma próxima geração não apenas mais interessada na economia como ciência e aplicação prática
como também para uma discussão mais aprofundada de temas relevantes do mundo.
A partir de agora deixamos você que nos lê mergulhar no que mais teve destaque quando o
assunto é a ciência econômica nas últimas décadas. Esperamos que a experiência seja tão positiva
e agregadora quanto foi a construção desse material.
Boa leitura!
3 Introdução
E-BOOK NOBEL
Organizadores e
colaboradores especiais
Organizadores:
Gabriel Brasil
Mestre em Economia Política Internacional pela Universidade de São Paulo (USP), economista
graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com passagem pelo programa de
economia e negócios da HEC Liège (Bélgica). Analista senior de riscos ESG e de transição energética
em Londres para a consultoria Control Risks, com passagens por Speyside, EloGroup, GlobalTrevo
Consulting e Investor Avaliações.
Guilherme Tinoco
Economista formado pela UFMG (2007) e mestre em teoria econômica pela FEA/USP (2011). Foi um
dos ganhadores do Prêmio SEAE de 2006 e do Prêmio Tesouro
Nacional em 2011. É economista do BNDES, onde atuou por diversos anos no Departamento de
Pesquisa Econômica (DEPEC) e atualmente está cedido para o governo do estado de São Paulo,
onde trabalha como assessor do Secretário da Fazenda e Planejamento. É especialista em finanças
públicas, publicou artigos acadêmicos na Revista do BNDES, capítulos de livros, textos para discussão
e também artigos jornalísticos em veículos como Valor Econômico, Estadão, Folha e O Globo.
Colaboradores:
Arthur Solowiejczyk
Graduado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), com pós-graduação em Business
Analytics e Big Data, também pela FGV. Cofundador do Terraço Econômico, trabalha com educação
financeira e criação de conteúdo focada em economia e política.
Índice
Nobel 1969 | Ragnar Frisch e Jan Tinbergen 008
Nobel 1970 | Paul A. Samuelson 018
Nobel 1971 | Simon Kuznets 023
Nobel 1972 | John R. Hicks 028
Nobel 1972 | Kenneth Arrow 032
6 Índice
E-BOOK NOBEL
7 Índice
E-BOOK NOBEL
1969
NOBEL DE ECONOMIA
8
E-BOOK NOBEL
A
economia como ciência é
relativamente jovem. Se até
a década de 1890 o termo
Economia Política, cadeira
herdeira da ética, imperava, apenas na
década de 1910 o termo economia superou
o termo economia política em livros. De
fato, subsequentes revoluções teóricas e
históricas permitiram que a economia se
consolidasse como uma ciência digna de
um Nobel. É justo, portanto, que os dois
primeiros economistas laureados estejam
dentro dos pioneiros a transformar a
economia na ciência que conhecemos
hoje, principalmente ao deixar mais claro
o seu papel empírico e fazer dela uma
ciência social aplicada.
Frisch e Tinbergen estão entre os pais da econometria, o campo que busca usar ferramentas
estatísticas para explicar as relações entre variáveis econômicas. O que parece bruxaria para muitos e
um calvário para graduandos em todo o mundo nem sempre foi uma matéria corrente, com manuais
como o de Wooldridge e Guaraci reinando entre os estudantes.
Apesar das dificuldades, ambos estabeleceram técnicas e agendas de pesquisa que influenciaram toda
a economia aplicada nos últimos 80 anos. Para compreender sua relevância, temos que entender o
contexto histórico em que sua pesquisa se insere, os avanços teóricos e também como eles inovaram
no escopo de atuação do economista como profissional.
N
as duas gerações compreendidas entre 1870 e 1930 houve um surto de criatividade
na produção de teoria econômica. Ainda que pensemos tradicionalmente na
revolução marginalista e depois na revolução keynesiana, este período compreendeu
revoluções em quase todos os campos de estudo dentro da economia. Além disto,
avanços estruturais na economia global, como sucessivos ciclos de crises, e avanços
em técnicas estatísticas contribuíram para um cenário em que novas questões e perspectivas
explodiam em diversidade. Neste contexto nasceram e se formaram Frisch e Tinbergen.
Frisch nasceu em março de 1895 em Oslo, na Noruega. Filho de um ourives, cresceu como
aprendiz dentro do ofício que marcava sua família desde 1630, mas, por incentivo de sua mãe,
entrou na Universidade de Oslo, adquirindo seu diploma em economia em 1919. No ano seguinte,
seguiu em viagem pela Europa e em 1926 adquiriu seu PhD em estatística e matemática na
Universidade de Oslo, sendo alçado ao posto de professor titular em 1931.
9 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL
Tinbergen, ligeiramente mais novo, nasceu Sob influência de Paul Ehrenfest, seu mentor
em abril de 1903, em Haia, na Holanda. na graduação, Tinbergen continuou em
Filho mais velho de cinco irmãos, ele nasceu Leiden para se preparar para o doutorado,
em uma família que incentivava atividades mas foi selecionado para serviço militar.
intelectuais. Seu pai era um diretor escolar Como não queria servir, acabou transferido
e sua mãe, professora. Seu irmão Nikolaas para o CBS em Haia. Sua experiência ali foi
também foi laureado com o Prêmio Nobel fundamental e o presidente da instituição o
em 1973 em fisiologia pelos seus estudos em convenceu a continuar permanentemente
etnologia, até hoje o único caso de irmãos em 1928, permitindo que ele tivesse tempo
com prêmio Nobel. para completar sua tese de doutorado, que
entregou em 1929. Em sua tese, Tinbergen
Tinbergen era considerado um ótimo aluno, inovou ao traduzir técnicas de modelagem
tendo estudado na prestigiosa Hogere de minimização da física para a economia.
Bugerschool em Haia, onde teve contato
especial com ciências naturais. Em 1921, Fica claro, por esta breve análise biográfica
entrou na Universidade de Leiden para dos dois autores, que eles se formaram
estudar física, ainda que intencionasse mudar em uma época em que o conhecimento
para matemática após o término do curso, econômico se consolidava, mas que, muito
e teve contato com físicos que moldariam em breve, seria abalado. A crise de 29
o século XX. Também teve intenso contato mobilizou quase todos os economistas a
com a política, se aproximando a visão pensar a crise e repensar a teoria econômica,
social-democrata do Partido Trabalhista, em sendo o fato motivador de adentrarem no
especial por influência de sua futura esposa estudo dos Ciclos de Negócios.
e dos relatos de horror da Primeira Guerra
Mundial. Já nos anos 1921-22 publicou uma
série de artigos sobre os efeitos da recessão
sobre o desemprego.
A
partir do século XIX, economistas passaram a se preocupar com a flutuação da
economia, sendo uma das razões a relativa frequência de crises econômicas que
traziam mazelas enormes para as sociedades, ainda sem extensos programas de
proteção social. Somente entre 1813 e 1929, foram cerca de 20 crises financeiras e
econômicas na Europa e Estados Unidos.
Neste sentido, muito em parte pelas análises de Marx de que haveria uma tendência natural
para a crise das economistas capitalistas, passou-se a investigar o porquê de existirem
flutuações da atividade econômica em torno de uma tendência de crescimento.
10 Nobel - 1969
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Ainda que John Maynard Keynes seja o autor mais conhecido por se debruçar sobre o
problema de força extensa, havia diversas teorias vigentes antes de 1929, como a de Irving
Fischer (flutuações na oferta de ouro e endividamento), Schumpeter (choques de inovação),
Pigou (ciclo de produção e mudanças psicológicas de otimismo e pessimismo), Hayek
(descompasso entre poupança e consumo), dentre outros.
2. Avanços na econometria
2.1 Ciclos de Negócios e o nascimento da econometria
C
omo exposto previamente, diversas explicações teóricas buscaram decifrar o
mistério de porque a economia flutuava, mas outra questão que tomou relevância
foi a capacidade de prever os ciclos. A implicação prática desta capacidade
preditiva era tentadora demais para ser ignorada, pois quem possuísse o melhor
método preditivo teria a chave para retornos enormes no mercado financeiro. Do
lado de policy, permitiria evitar crises e aumentar a prosperidade.
Um dos primeiros a procurar estabelecer uma relação causal estatística foi William Jevons,
um dos líderes da revolução marginalista, com sua análise de manchas solares e ciclos de
Vênus. Ainda que a hipótese pareça um tanto estapafúrdia, foi a primeira vez em que se
empregou diversas séries temporais simultaneamente buscando eventos que implicassem
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uma mudança estrutural ou relação de causalidade. O esforço, que levou quase uma década
e envolveu diversas técnicas que hoje se assemelhariam ao uso de proxies e instrumentos, de
forma rudimentar, influenciaria diversos autores subsequentes.
Essa onda representou o primeiro esforço de integrar análise estatística com teoria
econômica, e permitiu a entrada de estatísticos e físicos no debate. Vale ressaltar
que não havia dados disponíveis, métodos computacionais e até técnicas estatísticas
disponíveis à época como hoje, e meteorologia e astrofísica eram os campos que
mais dominavam estatística de séries temporais.
É
universalmente reconhecido pelo Federal Reserve.
que economistas costumam
estragar festas. Econometristas, Outro desafio enorme veio do economista
no entanto, costumam ser os Eugen Slutsky, em 1927, ao postular que
piores convidados os possíveis. a simples hipótese de erros de medida
Em 1901, R. H. Hooker inovou na história era conservadora: sua ideia era a de que
da econometria ao mostrar que apenas ciclos poderiam ser apenas resultado de
correlação não era o suficiente para a análise acumulação de processos completamente
de fenômenos econômicos. Em muitos aleatórios.
aspectos, estamos falando de uma época
em que economistas tentavam determinar Neste contexto entra a primeira grande
as causas dos Ciclos de Negócios sem ter contribuição de um dos nossos intépridos
professores martelando que correlação não Nobéis. Ragnar Frisch, que ao longo da
é causalidade. década de 1920 já era considerado um dos
maiores econometristas vivos, em parte
Para piorar a situação, já na década de por desmistificar e apontar os erros nos
1920, começou-se a desafiar as práticas de principais métodos preditivos usados, se
aferimento dos barômetros da economia. dedicou a desenvolver seu próprio método
O engenheiro George Yule, por diversos de análises de séries temporais, com base
testes, mostrava que diversas das principais apenas em ciclos. Ele procurou criar um
correlações usadas pelos economistas eram sistema em que fosse possível analisar de
espúrias, podendo gerar erros de análise forma completa as flutuações econômicas,
ao longo do tempo. Tais métodos, que com componentes cíclicos, tendências e
garantiam retornos altos, acabaram gerando choques complexos.
grandes perdas com o choque financeiro em
1929. Mais tarde, em 1969, Milton Friedman e Sua primeira proposta iconoclasta foi de
Anne Schwartz reforçariam o argumento de abandonar os periodogramas usados à
Yule ao considerar que a Crise de 1929 havia época, porque eles usavam ciclos definidos
sido causada pelo uso errado de modelos de forma fixa. Os modelos anteriores
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propunham que os ciclos se distribuíam de forma fixa ao longo do tempo, e Frisch foi o
primeiro a ponderar que na realidade os fenômenos econômicos eram fundamentalmente
heterogêneos. No entanto, restava ainda provar o porquê de serem heterogêneos.
Para tal, ele propôs inicialmente que um processo cíclico nada mais era que a composição
de diversas tendências. Esta noção é fundamental para a economia contemporânea,
especialmente para o que os econometristas chamam de filtros, isto é, entender uma série
como um processo cumulativo de processos geradores de forma que se possa eliminar o
ruído até chegar à tendência que seja efetiva à análise.
Esta ideia pode parecer simples agora, mas, na época, sem computadores, parecia uma
conjectura complexa demais de se tratar, e para tal, Frisch desenvolveu métodos de
decomposição por equações diferenciais e algoritmos. Em seu paper de 1931, este método foi
visto por Frisch como suficiente, mas ele estava suscetível ao mesmo problema do modelo
de Mitchell, onde cada processo gerador era individualmente relacionado à série e não com
os outros. A realidade imposta pela Crise de 1929 o forçaria a mudar de hipótese.
C
omo consequência da Grande Depressão, diversos avanços de política econômica
e teoria foram feitos entre 1929 e 1936, data da publicação da Teoria Geral de
Keynes. Se na década de 1920 o objetivo era entender a direção do crescimento
da economia, em 1930 passou a ser entender porque ela estava em crise tão
intensa e porque não reagia. Uma das novas linhas de pesquisa foi a que buscava
compreender modelos econômicos de forma dinâmica.
Neste sentido, Frisch, que é o responsável pela criação dos termos macroeconomia e
microeconomia, deu o primeiro passo em com seu “Rocking Horse” em 1933, modelo de
pequeno porte que buscava capturar os efeitos reais em uma economia, levando em conta
todas as relações entre ciclos de produção e conseguindo refletir os dados observados.
13 Nobel - 1969
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De acordo com o próprio Frisch, Wicksell foi quem o inspirou a criar um modelo em que a
economia se comportasse de forma errática, a partir de suas análises análogas a processos
de transmissão de energia. O ponto aqui passa a ser que um processo gerador pode afetar
um ciclo econômico de forma diferente e irregular. Ele determinou a economia como uma
composição de três séries: consumo, investimento em capital e atividade de carry-on,
cada qual composta por parâmetros próprios. Por meio de sistemas de equação, através
de parâmetros estruturais, determinava-se o efeito de uma variável na outra. A grande
genialidade de Frisch foi introduzir a possiblidade de choque randômicos em cada série.
Assim, um choque no consumo poderia afetar o investimento e a produção e vice-versa, e
com diferentes magnitudes.
A partir deste modelo, Frisch passou a se concentrar no processo gerador de impulsos, isto
é, o quanto um choque em uma variável afetava a outra. É importante notar que o modelo
“rocking-horse” foi um exercício estatístico e Frisch usou parâmetros teóricos para a solução
de seu modelo ao invés de dados reais, de forma que estabeleceu o primeiro passo teórico
para a classe de modelos que chamamos de estruturais. Até hoje, um dos principais objetivos
de modelos complexos macroeconômicos, como Structural Vector Autoregressions (SVAR),
é encontrar a função de resposta ao impulso, e entender como o choque de uma variável
afeta as outras ao longo do tempo.
Isto não quer dizer que à época Frisch não estivesse preocupado com considerações e dilemas
empíricos do debate econométrico. Em Statistical Confluence Analysis by Means of Complete
Regression Systems de 1934, por exemplo, ele chamou atenção para o problema de incluir
muitas variáveis em um sistema de regressões, em especial se dois ou mais subconjuntos de
variáveis são altamente correlacionados. Problema que afeta diversas pesquisas até hoje.
T
Tinbergen terminou o doutorado comércio de pequeno porte, era editor do
em 1929, mas já tinha contato com boletim holandês de conjuntura e ciclos
o debate econômico de ponta. de negócios. Além disso, era familiarizado
Em 1930, foi membro fundador da com todo o trabalho no assunto, pois fora
Econometric Society, junto com comissionado pela Econometric Society
Frisch, e evidência epistolar mostra que para fazer a primeira revisão dos estudos
ambos estavam em contato constante e que econométricos do Ciclo de Negócios,
Tinbergen foi intensamente influenciado publicada na Econometrica em 1935.
por Frisch em seu projeto de construir
um modelo que capturasse a dinâmica da A oportunidade de criar tal modelo
economia dentro dos preceitos teóricos, finalmente veio em outubro de 1936,
mas que refletisse dados de uma economia quando Tinbergen fora comissionado pela
real. associação de economistas holandeses a
escrever um artigo que detalhasse suas
Não é por acaso que Tinbergen tenha propostas para aliviar os efeitos da Grande
sido o primeiro a montar um modelo Depressão.
macroeconométrico nacional. Como aponta
Mary Morgan (1990), ele passou a década Em seu modelo da economia holandesa
de 1920 trabalhando com modelos de havia 22 equações e 31 variáveis. A maior
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E-BOOK NOBEL
parte das equações eram relações simples polêmica à época, e, a partir do debate
de uma ou duas variáveis e parâmetros de surgiu a forma como se conduziu a política
erros que capturassem choques randômicos macroeconômica ao longo de metade do
pequenos. Ele deixava claro que era uma Século XX.
versão estilizada da economia, uma vez que
via a necessidade implícita de simplificação Para além dos grandes avanços em testes
ainda que ao custo de perda de “realismo”. estatísticos de modelos macroeconômicos
Estava longe de ser ateórico, longe disto, esboçados por Tinbergen no relatório, em boa
era um modelo que envolvia um processo parte o incômodo foi gerado pela sugestão
iterativo de hipóteses e testes estatísticos. de abandono das teorias “literárias” de ciclos
de negócios. Para Tinbergen, uma teoria teria
Ainda que, em comparação aos modelos de valor se tivesse respaldo estatístico e não
Ciclos de Negócios com rigidez, equilíbrio por sua consistência interna e, em ambos os
geral, choques estocásticos e dinâmicos relatórios, trabalhando com econometristas
atuais, o modelo de Tinbergen para a como Tjalling Koopmans, avançou-se a
Holanda pareça rudimentar, para a época passos largos a macroeconomia empírica, o
foi revolucionário. Não só estabeleceu que incomodou boa parte da geração que
o método mais eficiente para estimar dominava o debate econômico.
um sistema econômico nacional, como
desenvolveu técnicas econométricas que John Maynard Keynes, o economista mais
perduram até hoje, a ponto de se falar de uma famoso de sua geração, se tornou um crítico
Tradição de Tinbergen. De fato, o modelo ferrenho do método de Tinbergen. Em 1939,
de Tinbergen não só se tornou a base da no artigo Professor Tinbergen’s Method,
condução da política macroeconômica na Keynes questiona diversos aspectos da
Holanda pelos próximos 40 anos, como nascente macroeconometria, gerando
influenciou a criação de diversos modelos um intenso debate que traria ao centro
nacionais e eventualmente os modelos do da disputa econometristas e economistas
FMI. O próprio Tinbergen ainda no período como Jacob Marshak, Oskar Lange e próprio
entreguerras desenvolveria modelos para a Frisch.
economia norte-americana e inglesa.
Keynes era um ávido leitor de teoria da
probabilidade, membro do conselho
da Econometric Society e do corpo
2.5 O debate editorial da Econometrica. mas seus
Keynes-Tinbergen conhecimentos estatísticos esbarravam
em seu desinteresse na metodologia
É
corrente. Parte das críticas feitas por Keynes
Tinbergen, entre 1936 e 1938, acabaram sendo inapropriadas, mas, para
seria comissionado pela Liga das muitos que não estavam familiarizados
Nações para avaliar a maior parte com o relatório de Tinbergen, tais críticas
dos modelos e teorias dos Ciclos pareciam devastadoras e influenciaram
de Negócios. O resultado seria diversos pós-keynesianos quanto ao papel
a publicação de dois relatórios em 1939: o da econometria, o que, em parte, explica
primeiro detalhava testes econométricos e o parte da confusão no debate posterior, em
que poderia ser obtido com três estudos de especial no Brasil.
caso e o segundo demonstraria um modelo
macroeconométrico para os EUA. Se o Em essência, Keynes, para além de
modelo holandês não havia gerado muito críticas metodológicas sem muito sentido,
debate fora da Holanda, seus relatórios rejeitava a possibilidade da econometria ter
para a Liga das Nações gerariam intensa capacidade de efetivamente testar teoria.
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E-BOOK NOBEL
Ele via o esforço de Tinbergen como um exercício de acomodação e fitting de uma curva e
descrição do processo, sem capacidade de descrever um caminho ou o que poderia acontecer
em sequência (apesar de que, como exposto anteriormente, Tinbergen desenvolveu métodos
preditivos). No entanto, cumpre destacar que algumas críticas de Keynes eram de fato
bastante válidas, como, por exemplo, o alerta de que a capacidade de previsão do modelo
dependia da homogeneidade dos períodos, o que realmente se verificava na prática.
Vale ainda notar que Oskar Lange e Jacob Marshak publicam, em 1940, no artigo Mr Keynes
on the Statistical Verification of Business Cycle Theories, uma defesa extensa de Tinbergen
contra Keynes porque viam valor no uso de econometria e estatística para testar teorias e
condução de política econômica.
Por fim, outro autor que merece destaque neste debate é Haavelmo. Defende Tinbergen
na perspectiva de que econometria seria fundamental para testar qualquer corpo teórico
econômico. No entanto concede que Keynes tinha razão em parte ao afirmar que faltava algo
na análise vigente, especialmente na capacidade preditiva. Na década de 1940 iniciaria sua
revolução ao introduzir a perspectiva probabilística que caracteriza a econometria moderna.
Frisch esteve na formação da Cowles Comission e era consultor de diversas agências estatísticas.
Além disso, foi o principal membro fundador da Econometric Society e do periódico Econometrica,
ambas instituições que moldam o debate econômico de fronteira. Jan Tinbergen por outro lado,
para além da carreira acadêmica prolífica, foi o primeiro grande economista consultor de agências
internacionais como Liga das Nações e FMI, além de ter criado o órgão oficial de política econômica
na Holanda e ter sido membro fundador de diversos think tanks. A importância de ambos na
formação da política econômica no século XX é tão grande que não têm como mensurar.
Se Keynes inaugura a macroeconomia como corpo teórico, Frisch e Tinbergen inauguram como
profissão e ciência aplicada. Ainda que a mensuração e identificação de ciclos de negócios ainda
seja uma agenda vibrante e complexa (NAKAMURA & STEINSSON, 2018), é inegável que a maior
compreensão dos ciclos de negócios e sua subsequente domesticação foi fundamental para
diminuir sua volatilidade e melhorando políticas de estabilização (BERNANKE, 2004). Assim, a
herança de Frisch e Tinbergen está em cada macroeconomista empírico e técnico lutando para a
diminuição de perda de bem-estar e pelo aumento de prosperidade.
16 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL
Notas:
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HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society American Economic Review. Vol. 35, n. 4, 1945. Pp.
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LEESON, Robert. “The Ghosts I Called I Can’t Get Rid of Now”: The Keynes-Tinbergen-Friedman-Phillips
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NAKAMURA, Emi & STEINSSON, Jón. Identification in Macroeconomics. Journal Of Economic Perspectives
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SCHUMPETER, Joseph Alois. History of Economic Analysis. Nova York: Oxford University Press, 1954. Pp.
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SCREPANTI, Ernesto & ZAGMANI, Stefano An Outline of the History of Economic Thought. Segunda Edição.
Nova York: Oxford University Press, 2005. Pps: 196-316.
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RORTY, Malcolm Churchill. – Some problems in current economics. AW Shaw Company, 1922
J Tinbergen, Jan R Magnus and Mary S Morgan, The ET Interview: Professor J Tinbergen, Econometric
Theory 3 (1) (1987), 117-142.
O’CONNOR, John J.; ROBERTSON, Edmund F., “Jan Tinbergen”, MacTutor History of Mathematics archive,
University of St Andrews. https://mathshistory.st-andrews.ac.uk/Biographies/Tinbergen/
17 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1970
Paul A. Samuelson e uma nova
ciência econômica no século XX
Paul A. Samuelson
por Pedro Garcia Duarte
P
aul Anthony Samuelson (1915 – 2009) foi um economista
norte-americano que contribuiu sobremaneira para a
reformulação da ciência econômica a partir da segunda
guerra mundial e no período da guerra fria, quando os
Estados Unidos consolidaram sua posição não apenas
de liderança geopolítica mundial como também acadêmica.
Samuelson viveu bastante e produziu muito. Tal como colocado
por seu aluno Stanley Fischer (2008), ele fez “contribuições
fundamentais a praticamente todas as áreas da teoria econômica”.
O próprio Samuelson se considerava, “nesta era de especialização”,
“o último generalista em economia”, com interesses desde
economia matemática até jornalismo econômico, passando por
economia do bem-estar, programação linear, economia dinâmica,
economia keynesiana, finanças, economia internacional, finanças
públicas, teoria da escolha e microeconomia (Samuelson em
Lindbeck 1992). A extensa produção de artigos por Samuelson
nestas áreas começou inclusive a ser editada em seus Collected
Scientific Papers a partir de 1966, quando Samuelson tinha apenas
51 anos de idade, e geraram uma série de sete grandes volumes
encerrada postumamente, em 2011.
18 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL
Mas Samuelson fez muito mais. Recebeu a pela primeira vez em 1948 e reeditado
prestigiosa honraria da American Economic inúmeras vezes devido ao sucesso de vendas
Association, a John Bates Clark Medal, logo alcançado ao longo de mais de sessenta
no primeiro ano desta premiação, em 1947, anos (com dezenove edições). Além disto,
e o “Prêmio do Banco Central Sueco em foi um comentarista econômico ativo por
Economia em Memória a Alfred Nobel” em vários anos em revistas como a Newsweek
1970, no segundo ano deste novo prêmio. A (onde teve colunas quinzenais, tal como o
academia sueca o considerou merecedor do economista de Chicago, Milton Friedman),
prêmio “por seu trabalho científico pelo qual foi conselheiro econômico dos presidentes
desenvolveu economia estática e dinâmica norte-americanos John F. Kennedy (1961-
e por ter contribuído ativamente a elevar o 1963) e Lyndon B. Johnson (1963-1969), além
nível da análise na ciência econômica”. de consultor a diversas áreas do governo.
19 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL
Além desta enorme transformação que ocorreu gradualmente, no século XX houve duas
outras transformações fundamentais para entendermos a ciência econômica praticada
hoje, que recebeu de Samuelson importantes contribuições. A primeira delas foi a segunda
guerra mundial: uma guerra científica exigiu o recrutamento de cientistas e representou
uma grande excepcionalidade que justificava para a sociedade norte-americana, avessa ao
intervencionismo estatal e cética quanto à contribuição da ciência para o bem-estar coletivo,
o aparato estatal montado como parte do esforço para combater os inimigos.
20 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL
Os economistas não foram recrutados de início, mas durante a guerra foram vistos como
cientistas que poderiam contribuir ao trazer suas ideias de escassez e alocação de recursos
escassos entre fins alternativos e competitivos. E da interação próxima que eles tiveram
com matemáticos aplicados e engenheiros durante a guerra eles aprenderam várias
técnicas matemáticas e estatísticas ao passo que ensinaram aos demais cientistas ideias de
otimização e escolha. O aparato estatal da grande ciência montado para a segunda guerra
não foi imediatamente desmontado com o fim do conflito, mas perpetuou-se, mesmo que
em formato um pouco diferente, durante o período da guerra fria. Os economistas saíram da
guerra com novas ferramentas e técnicas matemáticas e estatísticas que eles paulatinamente
foram utilizando para estudar questões agora não mais ligadas ao esforço de guerra,
transformando por completo a maneira de se fazer ciência econômica desde então.
Tanto em seus trabalhos mais técnicos como em seu livro-texto Samuelson deu importante
contribuição para o processo de traduzir as ideias de John Maynard Keynes para o contexto
norte-americano, juntamente com outros economistas como Alvin Hansen (conhecido como
“o Keynes norte-americano”) e John Kenneth Galbraith, ambos professores da Universidade
de Harvard, e James Tobin (aluno de Harvard, tendo obtido seu Ph.D. em 1939). Mais tarde,
em colunas quinzenais para a Newsweek, ele continuou a influenciar as ideias da sociedade
norte-americana sobre a relevância de políticas econômicas e o papel do estado em uma
economia de mercado.
21 Nobel - 1970
E-BOOK NOBEL
Notas:
Backhouse, Roger E. (2017). Founder of Modern Economics: Paul A. Samuelson: Volume 1: Becoming
Samuelson, 1915-1948. Oxford: Oxford University Press.
Fischer, Stanley (2008). Samuelson, Paul Anthony (1915–2009). Em: Steven N. Durlauf e Lawrence E. Blume
(eds.), The New Palgrave Dictionary of Economics. 2a ed. Palgrave Macmillan, 2008.
Lindbeck, Assar (ed.) (1992). Nobel Lectures, Economics 1969-1980. Singapore: World Scientific Publishing.
Disponível como “Paul A. Samuelson – Biography”, Nobelprize.org: https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/1970/samuelson/lecture/ (consultado em 08 de junho de 2020).
Morgan, Mary S. (2008). Models. Em: Steven N. Durlauf e Lawrence E. Blume (eds.), The New Palgrave
Dictionary of Economics. 2a ed. Palgrave Macmillan, 2008.
Morgan, Mary S. (2012). The World in the Model: How Economists Work And Think. Cambridge: Cambridge
University Press.
Samuelson, Paul A. (1947). Foundations of Economic Analysis. Cambridge, MA: Harvard University Press.
Samuelson, Paul A. (1966-2011). The Collected Scientific Papers of Paul A. Samuelson. 7 vols. Cambridge,
Mass: MIT Press. Vols I-II ed. J. E. Stiglitz, 1966; Vol. III ed. R. C. Merton, 1970; Vol. IV ed. H. Nagatani e K.
Crowley, 1977; Vol. V. ed. K. Crowley, 1986; Vol. VI-VII ed. J. Murray, 2011.
Weintraub, E. Roy (2014). MIT and the Transformation of American Economics. Suplemento anual da History
of Political Economy, vol. 46. Durham: Duke University Press.
22 Nobel - 1969
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1971
O Nobel para as Contas Nacionais
Simon Kuznets
por Daniel Duque
S
imon Kuznets ganhou o Prêmio Nobel no ano de 1971
por sua contribuição empírica ao campo do crescimento
econômico, que permitiu uma nova e aprofundada visão
da estrutura econômica das sociedades. Além disso, seus
estudos empíricos mostraram grandes relações econômicas até
hoje discutidas, como a chamada “Curva de Kuznets”.
23 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL
Kuznets era conhecido por ter realizado um dos trabalhos mais abrangente e meticuloso em
relação a Contas Nacionais, a ponto de estabelecer o padrão no campo. No entanto, além de
seu trabalho ter contribuído de forma determinante para a mensuração da própria economia
dos países, Kuznets também cunhou o que ficou conhecido como um dos que identificou
uma nova era econômica – que ele cunhou de “crescimento econômico moderno” – que
começou na Inglaterra na última metade do século XVIII, se espalhando para o sul e para o
leste – principalmente França e Alemanha – e, no final do século XIX, chegara à Rússia e ao
Japão. Nesta era, a renda per capita aumentava cerca de 15% ou mais a cada década, algo que
não havia acontecido nos séculos anteriores.
24 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL
Um dos trabalhos mais influentes de Kuznets, no entanto, foi o livro “Long-Term Changes
in the National Income of the United States of America since 1870” (1951), que apresentava
um grande compilado de estimativas acerca de grandes tendências sócio econômicas nos
Estados Unidos. Foi a partir das extensões deste trabalho que o economista apresentou
um dos conceitos até hoje mais discutidos sobre desenvolvimento econômico: a Curva de
Kuznets.
A Curva de Kuznets nasceu a partir da análise de uma série de 1913-1948 sobre o percentual de
apropriação da renda dos mais ricos dos EUA, que o economista tinha acabado de construir
e publicar em um livro volumoso e inovador (Kuznets, 1953). Anteriormente a este trabalho
empírico, apesar de a distribuição de renda ter sido objeto de estudo teórico central no
pensamento econômico, não havia ainda uma série de distribuição homogênea cobrindo um
período tão longo.
No entanto, conforme a maior parte dos trabalhadores no setor agropecuário teria migrado
para o setor urbano/industrial, com o país adentrando um nível médio de renda, os salários
passariam a se homogeneizar, principalmente no segundo setor. Assim, o país continuaria
crescendo, conforme os trabalhadores industriais continuariam experimentando ganhos
de produtividade e, sem novos influxos do setor agropecuário, poderia ter seus salários
crescendo e se homogeneizando entre estes. Como as disparidades setoriais importariam
cada vez menos para a desigualdade total, uma vez que uma parcela cada vez menor da
população permaneceria do setor agropecuário, a desigualdade começaria a cair.
25 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL
A
inda que a contribuição de numerosos momentos do desenvolvimento
Kuznets para as Contas Nacionais econômico levariam a pressões altistas e
seja indiscutível na literatura baixistas sobre esta variável.
econômica – com uso generalizado
dos conceitos definidos por ele até hoje –, Uma última extensão da Curva de Kuznets
a hipótese da Curva de Kuznets foi muito foi a sua transposição para a relação entre
discutida e também criticada. Piketty (2005), desenvolvimento e meio ambiente. Tal hipótese
um de seus maiores críticos, argumenta que sustenta que o desenvolvimento econômico
há duas falhas no argumento de Kuznets: inicialmente leve a uma deterioração do
primeiramente, argumenta-se que a queda meio ambiente, mas após um certo nível de
da desigualdade ocorrida nos países crescimento econômico, a sociedade começa
desenvolvidos na primeira metade do século a melhorar sua relação com o meio ambiente
XX teria sido devida mais significativamente e reduz os níveis de degradação ambiental.
a choques de capital, principalmente com o Ainda que sofra de críticas tal como a primeira,
aumento da carga tributária sobre os mais essa ainda é uma das relações mais discutidas
ricos, destinado a financiar esforços de guerra. na economia.
Piketty ainda pontua que, mesmo que o Finalmente, poucos negam o grande impacto
componente tecnológico/estrutural da de Kuznets sobre as ciências econômicas e
economia possa ter grande impacto sobre os estudos de desenvolvimento. Não apenas
a desigualdade, tal fator teria grande sua conceituação metodológica de diversos
interação com as instituições dos países, que indicadores, como o PIB, das Contas Nacionais
pode impedir ou potencializar as pressões foram determinantes para toda formação
altistas e baixistas sobre a desigualdade. O dos estudos macroeconômicos posteriores.
economista ainda pontua que, para os países Além disso, suas estimativas históricas dos
em desenvolvimento, os dados são muito agregados econômicos permitiu inéditas
mais limitados e, quando existe, mostram uma análises sobre dados de longo prazo do
relação entre desigualdade e crescimento desenvolvimento, levando a conceituação,
muito mais inconclusiva. por parte do próprio economista, de diversos
conceitos sobre ciclos e relações entre
Já Milanovic (2016) propõe uma ideia de diferentes variáveis. Não por outra razão que,
extensão da Curva de Kuznets, no que ele quase 50 anos depois, seus argumentos ainda
cunhou como “Ondas de Kuznets”. Segundo são discutidos em diversos debates sobre o
o autor, não haveria apenas um movimento desenvolvimento sócio econômico.
de alta e baixa da desigualdade, mas de fato
Daniel Duque
Mestre em ciências econômicas pela UFRJ, cursando PhD em economia na Norwegian School of
Economics (NWE), membro de equipe de pesquisa na FGV, Assessor técnico CLP e Pesquisador
associado Livres.
26 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL
Notas:
KUZNETS, Simon. Secular Movements in Production and Prices. Houghton-Mifflin, Boston and New York,
1930
KUZNETS, Simon. “Long-Term Changes in the National Income of the United States of America since 1870”,
in Income and Wealth of the United States: Trends and Structure. International Association for Research in
Income and Wealth, Income and Wealth, Series II, Bowes & Bowes, Cambridge (England), 1951
KUZNETS, Simon. Modern Economic Growth: Rate, Structure, and Spread, Yale University Press, New Haven,
1966
MILANOVIC, Branko. Global inequality: A new approach for the age of globalization. Harvard University
Press, 2016
PIKETTY, Thomas. “The Kuznets curve: Yesterday and tomorrow“, in Understanding poverty, p. 63-72, 2005.
Links Recomendados
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1971/press-release/
https://www.britannica.com/biography/Simon-Kuznets
https://www.econlib.org/library/Enc/bios/Kuznets.html
http://piketty.pse.ens.fr/files/oldfichiers051211/public/Piketty2005c.pdf
27 Nobel - 1971
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1972
John R. Hicks
por João Pedro F. G.
E
m 1972, John R. Hicks recebeu o prêmio
Nobel de Economia por suas contribuições
para a teoria do equilíbrio geral e do bem-
estar [1]. Hicks talvez não seja um nome tão
reconhecido dentre os diversos laureados, contudo,
suas contribuições permeiam diversas partes da
economia moderna. Neste texto, convido-te a
conhecer um pouco sobre o trabalho e a vida desse
fascinante economista.
Durante seu período como professor-assistente na LSE, Hicks realizou contribuições substanciais, como
a invenção da elasticidade de substituição e a identificação do espectro de liquidez. Posteriormente,
em seu período em Cambridge, ele finalizou o livro “Valor e Capital” [2], no qual trouxe diversas
inovações para a microeconomia, principalmente para a teoria da demanda do consumidor e do
equilíbrio geral. Neste mesmo período, Hicks publicou duas resenhas da Teoria Geral de Keynes.
Mais contribuições para a teoria keynesiana ocorreriam nos anos seguintes, quando ele passou por
instituições como Oxford e Manchester University.
28 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
Tudo o que foi comentado até agora consiste na trajetória do economista britânico até 1956
e constitui as contribuições de um Hicks mais jovem. Nos anos posteriores, ele teve uma
grande mudança de ênfase no seu pensamento econômico, tanto que, em 1977, alguns anos
após receber seu Nobel, Hicks disse o seguinte: “Tive sentimentos mistos ao ser honrado por
trabalhos os quais eu me considero superado.”. As contribuições do Hicks mais velho foram
em diversas áreas, desde causalidade às teorias do crescimento econômico [3][4][5][6].
Ao longo deste texto, os trabalhos de Hicks sobre o equilíbrio geral e sobre Keynes, em
especial, a criação do modelo IS-LM serão explorados em maior detalhe.
Uma das primeiras que surgem quando pensamos em economia é o gráfico de oferta e
demanda. Esse modelo, em um primeiro contato, não nos diz muito além do fato de que os
preços são determinados no ponto de interseção das curvas, com a demanda se igualando
à oferta. Para além disso, em uma análise mais cuidadosa, pode-se dizer que as curvas
representam uma posição estacionária de um processo dinâmico, ou seja, os ajustes dos
preços e quantidades do mercado. O que foi descrito até agora é chamado de equilíbrio
parcial, isto é, o equilíbrio em um único mercado ceteris paribus (tudo o mais constante).
29 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
Nas linhas da formalização das condições de estabilidade equilíbrio geral, Hicks também realizou
a formalização de aspectos de uma interpretação da Teoria Geral de Keynes. Isso ocorreu por
meio da criação do modelo IS-LM, um dos mais utilizados quando se estuda a macroeconomia
do curto prazo. Ele consiste em duas curvas: a curva IS, que expressa o equilíbrio no mercado
de bens, e a LM, que expressa o equilíbrio nos mercados financeiros.
A IS vem de duas funções: uma que determina o valor da taxa de investimento(I) para qualquer
valor de taxa de juros (r). Já a outra determina qual o valor de renda do país (y) será necessário
para igualar a taxa de investimento a taxa de poupança (S).
A curva LM vem da função do mercado de dinheiro, que determina quais os efeitos da renda
e da taxa de juros sobre a quantidade de dinheiro disponível. A curva LM tem uma inclinação
positiva, já que um aumento na renda do país tende a aumentar a demanda por dinheiro (como
houve crescimento, há maior consumo), já um aumento na taxa de juros tende a diminuir essa
demanda, visto que os juros representam, essencialmente, o valor do dinheiro.
João Pedro F. G.
Estudante de ensino médio técnico integrado com Desenvolvimento de Sistemas no COLTEC-
UFMG. Alumnus da Olimpíada Brasileira de Economia.
30 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
Notas:
[1] Press Release – 1972 Nobel
[2] Regis Mateus and Tácito Farias and Fábio Moura. Valor e capital: uma revisita à Hicks.
[3] J. R. Shackleton and Gareth Locksley. Twelve Contemporary Economists. London: The Macmillan Press.
1983.
[7] Ross M. Starr. General Equilibrium Theory An Introduction. Cambridge: Cambridge University Press. 2011
[8] Franklin M. Fisher. The Stability of General Equilibrium: What do We Know and Why is it important?
[11] Olivier Blanchard. Macroeconomia. São Paulo: Pearson Education do Brasil. 2017.
31 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1972
Kenneth Arrow
por Mauro Rodrigues
K
enneth Arrow (1921-2017) foi um dos
principais nomes da Economia no século
20. Suas contribuições, principalmente para
a área de microeconomia, são gigantescas e
revolucionaram a profissão.
Pense no mercado de bananas. Aqui há dois lados: os produtores (o lado da oferta), que querem
vender bananas, e os consumidores (o lado da demanda), que querem comprar bananas. Produtores
gostariam de preços elevados, pois assim poderiam lucrar mais; só que consumidores querem pagar
o preço mais baixo possível. Se o preço for demasiadamente alto, muita gente gostaria de produzir
bananas, mas pouca gente gostaria de comprar. Se o preço for baixo demais, pouca gente quer
produzir, mas muita gente quer comprar.
32 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
Com base nisso, podemos entender como o mercado se ajusta a uma mudança no ambiente.
Suponha que se descobriu que a banana tem propriedades medicinais únicas, que melhoram
a vida das pessoas. Nesse mundo, os consumidores querem mais bananas. Para adequar a
produção a essa nova demanda, os preços têm que subir, configurando um novo equilíbrio. Como
o próprio nome diz, isso faz com que o mercado se reequilibre: preços mais altos incentivam a
produção ao mesmo tempo em que seguram um pouco o ímpeto do consumo, reduzindo, assim,
a diferença entre a oferta e a demanda induzida pela mudança.
Isso puxa para cima os custos de outras atividades no país. Por exemplo: o preço maior da terra
deve onerar a produção de feijão, arroz, carne etc. A mão de obra mais cara afeta o setor de
serviços, o que se traduz em preços mais altos. O custo de vida deve subir. As pessoas, com mais
dinheiro nas mãos, desejarão mais espaço para suas famílias, o que deve levar a uma escalada
nos preços dos imóveis. E assim por diante.
O que se percebe no raciocínio acima é que os mais diversos mercados de uma economia se
influenciam mutuamente. Uma coisa que aconteceu no mercado de bananas acaba afetando
outros mercados. E podemos esperar efeitos secundários no próprio mercado de bananas. Note
que aqui estamos fazendo uma análise de equilíbrio geral, na medida em que envolve a interação
de diversos mercados na economia.
Não basta mais um único preço para equilibrar o mercado de bananas. Temos agora de determinar
diversos preços, para os mais variados insumos e produtos, que fazem com que o conjunto de
mercados se equilibre simultaneamente.
Esse problema foi colocado por Léon Walras, ainda no século 19. Só que ninguém conseguia
provar que de fato existia um conjunto de preços que fosse capaz de equilibrar todos os mercados
de uma economia. Demorou mais de 70 anos, a partir das contribuições de Walras, para alguém
conseguir demonstrar tal resultado. E essa pessoa foi Kenneth Arrow.
Na mesma época, o economista francês Gerard Debreu, outro gigante da profissão, também
conseguiu completar a prova. Debreu recebeu o prêmio Nobel de 1983.
33 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
O
Outro desdobramento fundamental sapatos. Sapateiros ficariam com poucos pães,
da prova da existência de equilíbrio e padeiros com poucos sapatos, o que é ruim
geral foi o estabelecimento dos para todo mundo. Se baixarmos um pouco
teoremas do bem-estar. Em esse preço, ambos podem ganhar: sapateiros
particular, o Primeiro Teorema do conseguem mais pães em troca de sapatos,
Bem-Estar aborda a questão da eficiência do e padeiros podem comprar mais sapatos
equilíbrio de mercado. O conceito de eficiência (raciocínio análogo vale se o preço do sapato
é tomado emprestado do filósofo italiano relativamente ao do pão fosse mais baixo que o
Vilfredo Pareto. Especificamente, precisamos preço de equilíbrio).
responder à seguinte pergunta: no equilíbrio de
mercado, é possível melhorar a vida de alguém Esses ganhos se exaurem justamente no preço
sem prejudicar outras pessoas? de equilíbrio. Nesse ponto, as quantidades
desejadas por compradores e vendidas por
Se a resposta for “sim”, quer dizer que os produtores são exatamente iguais para ambos
mecanismos de mercado não conseguem gerar os bens, e não há mais trocas que poderiam
o máximo de bem-estar na sociedade. Haveria, beneficiar ambos. Em outras palavras, o
neste caso, espaço para que a intervenção equilíbrio de mercado é eficiente: não é mais
governamental complemente a ação dos possível melhorar a vida de alguém sem piorar
mercados. Mas o Primeiro Teorema do Bem- a de outra pessoa.
Estar nos diz que a resposta é não, ou seja, a
solução de mercado é eficiente no sentido de Os resultados encontrados por Arrow se
Pareto. Não há muito espaço para intervenção referem a uma economia caracterizada por
governamental com vistas a aumentar a concorrência perfeita. Ou seja, ninguém
eficiência dessa economia. tem poder de mercado: não há consumidor
gigantesco capaz de sozinho influenciar os
Para entender isso, pense em um exemplo bem preços, e também não nenhuma firma grande
simples: um mundo em que há apenas padeiros capaz de individualmente mexer nesses preços.
e sapateiros. E essas pessoas querem consumir Além disso, não há externalidades, ou seja,
tanto pães quanto sapatos, o que significa que a decisão de consumir ou produzir de um
sapateiros venderão sapatos a padeiros, que indivíduo não impacta outras pessoas que não
venderão pães aos primeiros. O equilíbrio geral têm nada a ver com isso.
determinará preços de modo a equilibrar os
dois mercados – de sapatos e pães. Você pode estar pensando: os resultados
de Arrow valem para uma situação bastante
Esse equilíbrio vai ser tal que a quantidade de irrealista. No mundo real há empresas com
pães que padeiros querem vender seja igual à considerável poder de monopólio, capazes
quantidade de pães que os sapateiros querem de influenciar significativamente o preço em
comprar; e a quantidade de sapatos que os seu mercado. Adicionalmente, externalidades
sapateiros desejam vender é igual à quantidade abundam por aí: quando uma pessoa acende um
de sapatos que os padeiros querem comprar. cigarro, afeta indiretamente outros indivíduos
Se o preço do sapato (relativamente ao do que não estão interessados em fumar; quando
pão) fosse mais alto do que o de equilíbrio, uma empresa joga detritos em um rio, mexe na
então sapateiros desejariam vender muito vida de pessoas que nem sequer conhecem seu
sapato em troca de pães, porém padeiros produto.
não estarão dispostos a pagar tão caro por
34 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
N a verdade, o equilíbrio geral descrito por Arrow nos fornece uma situação ideal. A partir
dela podemos entender como uma falha de mercado (como o poder de monopólio ou
uma externalidade) nos afasta de tal situação. Isso nos dá uma referência e ilumina a
discussão sobre políticas públicas, indicando-nos como a intervenção governamental
(e que tipo de intervenção) pode ajudar a nos aproximar desse mundo ideal.
Mauro Rodrigues
Professor Titular, Departamento de Economia, FEA/USP. Economista do porque.com.br /
mrodrigues@usp.brfessor Titular, Departamento de Economia, FEA/USP. Economista do porque.
com.br / mrodrigues@usp.br
35 Nobel - 1972
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1973
Wassily Leontief
por Débora Freire
E
m 1973, o russo Wassily Leontief recebeu o prêmio Nobel de
economia. Na nominação ao prêmio, ao PhD em economia e então
professor de Harvard foi atribuído o feito de “desenvolvimento
do método de Insumo-Produto e de sua aplicação a importantes
problemas econômicos”. Ainda segundo a nominação, “o professor
Leontief é o único e incontestado criador da técnica de Insumo-Produto.
Essa importante inovação deu às ciências econômicas um método
empiricamente útil para destacar a interdependência geral no sistema de
produção de uma sociedade. Em particular, o método fornece ferramentas
para uma análise sistemática das transações interindustriais em uma
economia”.
(como inverter uma ampla matriz) e que, naquele tempo, não havia computadores.
Então, podemos dizer, sem desmerecer a sofisticação e a utilidade do método criado,
que o grande esforço braçal na organização dessas informações em matrizes e na
aplicação do modelo já valeria à Leontief um prêmio. O próprio Leontief reporta
em sua biografia que começou a usar uma máquina de computação mecânica em
larga escala em 1935 e o Mark I (o primeiro computador eletrônico em larga escala)
em 1943.
Fato que também deve ser comentado é que multiplicadores e a abordagem de Campo de
Leontief foi orientador de mais quatro prêmios Influencia (Sonis e Hewings, 1991). Esses índices
Nobel: Paul Samuelson (1970), Robert Solow são importantes na identificação de setores
(1987), Vernon L. Smith (2002) e Thomas chave para o crescimento das economias,
Schelling (2005). Assim, podemos dizer que fornecendo subsídios para a formulação de
Leontief, além de um pesquisador digno de políticas públicas no âmbito setorial e também
Nobel, também era um excelente orientador. Ou, regional.
melhor não, já que pela lei geral da estatística e
que rege a Ciência Econômica, correlação não Vale a nota que a aplicação de Hirschman (1958)
é causalidade. da análise de IP para fundamentar a teoria do
crescimento desequilibrado disseminou esta
Voltando aos méritos de Leontief que o levaram ferramenta como instrumento de identificação
a ser laureado com o Nobel, conforme Baumol de setores propulsores do crescimento
(2000), o trabalho de Leontief “é na verdade econômico e, portanto, para o planejamento
um salto para frente, e não simplesmente uma de políticas públicas. Este autor vislumbra
mera extensão daqueles que são chamados na intervenção estatal via investimentos
de seus predecessores. A contribuição de coordenados uma estratégia de superação
Leontief é revolucionária, não incremental. Ela do subdesenvolvimento, visualizando as
transforma abstrações de aplicação duvidosa complementaridades interindustriais como
num instrumento analítico operacional e elemento motivador do crescimento. As
amplamente utilizável” (BAUMOL (2000, p. contribuições de Leontief, e, a partir do seu
142). instrumental, de Hirschman, foram e ainda são
largamente utilizadas para o planejamento em
Entre os economistas contemporâneos de economias em desenvolvimento.
Leontief que se preocuparam com a teoria
da produção, acumulação e distribuição A análise de IP tem sido aplicada a uma
(fluxo circular), e que de alguma forma têm o ampla gama de temas e para o planejamento
seu trabalho relacionado com o de Leontief, econômico em vários aspectos, como análises
podemos citar John Richard Hicks (1904-1989), de impacto de pacotes de investimentos
Piero Sraffa (1898-1983), John von Neumann (público e privado), gastos públicos, políticas
(1903-1957), e Nicolas Georgescu-Roegen de transferência de renda, modificações
(1906-1994). Entre outros economistas de tributárias, meio ambiente e recursos naturais e,
importância no século XX e que tiveram o seu mais recentemente, em estudos sobre emissões
trabalho relacionado com o de Leontief: Alfred de gases de efeito estufa (GEE). Outra aplicação
Kähler (1900-1981), Paul Anthony Samuelson recorrente é o uso das matrizes IP como base
(1915-2009), John Richard Nicholas Stone de dados para as matrizes de contabilidade
(1913-1991) e Luigi L. Pasinetti (1930-) (LAGER, social e para os modelos de equilíbrio geral
2000). computável.
39 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL
Que a Ciência Econômica seja agraciada com novas estrelas brilhantes que lancem
luz aos caminhos do planejamento econômico, instrumento tão necessário nesses
tempos sombrios, assim como foi Wassily Leontief.
Débora Freire
Professora e Pesquisadora do Cedeplar/UFMG.
40 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL
Notas:
Baumol, W.J. (2000). “Leontief’s Great Leap Forward: Beyond Quesnay, Marx and von Bortkiewicz”.
Economic Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 141-152.
Hirschman, A. O. (1958). The strategy of economic development (No. 04; HD82, H5.).
Lager, C. (2000). “Production, Prices and Time: a Comparison of Some Alternative Concepts”. Economic
Systems Research. Vol. 12, N. 2, Junho, pp. 231-253.
Leontief, W. (1928). “Die Wirstschaft als Kreislauf”. Archiv für Sozialwissenschaft und Sozilpolitik. 60, pp.
577-623.
Leontief, W. (1936). “Quantitative Input-Output Relations in the Economic Systems of the United States”.
Review of Economics and Statistics, 18, pp. 105-25.
Leontief, W. (1986). Input-Output Economics. Segunda Edição. New York: Oxford University Press.
Leontief, W. (1987). “Input-Output Analysis”. em Eatwell, J., M. Milgate, e P. Newman (eds. ). The New Palgrave.
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Leontief, W. (1991). “The Economy as a Circular Flow”. Structural Change and Economic Dynamics, 2, pp.
177-212.
Miller, R. E., & Blair, P. D. (2009). Input-output analysis: foundations and extensions. Cambridge university
press.
Sonis, M., & Hewings, G. J. (1992). Coefficient change in input–output models: theory and applications.
Economic Systems Research, 4(2), 143-158.
Sonis, M., Guilhoto, J., Hewings, G. J., & Martins, E. (1995). Linkages, key sectors and structural change: some
new perspectives. The Developing Economies, 32(3), 233-270.
41 Nobel - 1973
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1974
Gunnar Myrdal
por Pedro Amaral
Seu posto acadêmico mais longevo foi de professor de economia na Stockholms Högskola. Durante
esse período, Mydal foi também membro eleito do parlamento sueco pelo Partido Social Democrata
e posteriormente ocupou o cargo de Ministro do Comércio. Em 1938, Myrdal coordenou um
estudo sobre a questão racial nos Estados Unidos que resultou em seu trabalho mais conhecido
internacionalmente: ‘An American Dilemma: the Negro problem and modern democracy’. Trata-se
de trabalho fortemente multidisciplinar, examinando fatores econômicos, políticos, institucionais,
demográficos, históricos, educacionais e de saúde, e que teve grande impacto social. Foi inclusive
citado no famoso caso Brown vs. Board of Education na Suprema Corte dos Estados Unidos, caso
esse que culminou com a declaração de que segregação racial em instituições públicas naquele país
era inconstitucional [1]. Myrdal atuou ainda como Secretário Executivo da Comissão Econômica para a
Europa da Organização das Nações Unidas (ONU) e estudou profundamente o subdesenvolvimento,
principalmente na Ásia, e suas causas.
42 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
43 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
Myrdal apresenta ainda o conceito de efeitos propulsores, que são responsáveis por reduzirem
o impacto dos efeitos regressivos, por meio de maior disponibilidade de infraestrutura de
transportes e comunicações também para a regiões atrasadas, comunicações, etc. Mas, nas
palavras do autor, “em nenhuma circunstância os efeitos propulsores permitem estabelecer os
pressupostos para uma análise do equilíbrio” [7]. Tais efeitos propulsores ou a própria mitigação
dos efeitos regressivos só seria possível pela atuação de instituições fortes e pelo papel do
Estado. As instituições representam, em sua análise, todos os fatores não econômicos, como
estrutura política e social, instituições e atitudes, enfim, todas as relações interpessoais. Já o
Estado e as políticas públicas possuem papel anticíclico central para que os efeitos regressivos
sejam minimizados e os propulsores potencializados. Em suas palavras:
44 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
O papel central que Myrdal atribui ao Estado e sonolento quando me ligaram de manhã cedo
as fortes críticas que faz à teoria neoclássica, nos EUA [para comunicar da premiação],
ao liberalismo econômico e aos pressupostos eu a teria recusado” [10]. Em seu memorial,
ideológicos escondidos em teorias econômicas a própria filha de Myrdal reconheceu que a
ditas apolíticas tornam tanto quanto irônica a divisão do Nobel entre ambos teria sido “um
divisão de seu Prêmio Nobel com o economista banho de água fria”. “Muitos de seus colegas
austríaco Hayek, um dos principais expoentes até supuseram que a escolha refletisse uma
do liberalismo e grande crítico das intervenções piada condescendente por parte dos membros
estatais. Ao anunciar a premiação, a Royal do establishment econômico sueco” [11].
Swedish Academy of Science enfatizou que
“uma qualidade que Myrdal e von Hayek têm O cerne de muitas das críticas feitas por
em comum é a capacidade bem documentada Myrdal à teoria econômica e ao tratamento
de encontrar maneiras novas e originais de político da questão racial nos Estados Unidos
fazer perguntas e apresentar novas ideias sobre se mantêm absolutamente atuais. “Por quase
causas e políticas. Essa característica muitas 40 anos, Myrdal argumentou sua tese de
vezes os tornou um tanto controversos” [9]. que os economistas refletem seus próprios
preconceitos sociais e tendem a errar ao reduzir
Todavia, a reação de Myrdal à premiação indica a economia a números abstratos” [12]. Qualquer
o quanto suas diferenças com Hayek eram semelhança com parte do atual debate
bem mais relevantes que os pontos levantados econômico brasileiro não é mera coincidência.
pela Academia: “Se eu não estivesse um pouco
Pedro Amaral
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG e Fellow do Center for
Spatial Data Science (University of Chicago). Ph.D. pela University of Cambridge, co-editor dos
journals Spatial Economic Analysis, Journal of Spatial Econometrics e Regional Studies, Regional
Science. Embaixador da Regional Studies Association no Brasil e bolsista de produtividade em
pesquisa do CNPq.
45 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
Notas:
[1] BARBER, W. Gunnar Myrdal: An Intellectual Biography, Houndmills: Palgrave Macmillan, 2008.
[2] MYRDAL, G. The Political Element in the Development of Economic Theory, p. 24. Tradução livre.
[3] HICKS, J. Review of The Political Element in the Development of Economic Theory. The Economic Journal,
Vol. 64, No. 256, 1954, p. 796.
[4] MYRDAL, G. The Political Element in the Development of Economic Theory, p. 188. Tradução livre.
[5] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972.
[6] COSTA, K. Gunnar Myrdal e o princípio da causação circular cumulativa: uma análise a partir dos trabalhos
de Allyn Young, Nicholas Kaldor e Thorstein Veblen. X Congresso Brasileiro de História Econômica, Juiz de
Fora, 2013.
[7] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972, p. 59.
[8] MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: SAGA, 1972, p. 51-2.
[9] BARBER, W. Gunnar Myrdal: An Intellectual Biography, Houndmills: Palgrave Macmillan, 2008, p. 163.
Tradução livre.
[10] SWEDBERG, R., ‘Introduction to the Transaction Edition,’ The Political Element in the Development of
Economic Theory. New Brunswick: Transaction Publishers, 1990, p. vii, apud BARBER (2008).
[11] BOK, S. Alva Myrdal: A Daughter’s Memoir. Reading: Addison-Wesley Publishing Co., 1991, p. 305, apud
BARBER (2008).
[12] New York Times, Gunnar Myrdal, analyst of race crisis, dies. 1987. Disponível em: https://www.nytimes.
com/1987/05/18/obituaries/gunnar-myrdal-analyst-of-race-crisis-dies.html
46 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1974
Friedrich August von Hayek
por Roberto Ellery Jr.
Hayek ganhou o Prêmio Nobel junto com Gunnar Myrdal pela contribuição pioneira para a teoria da
moeda e flutuações econômicas e pela análise profunda da interdependência entre os fenômenos
sociais, econômicos e as instituições. Só isso já seria suficiente para ocupar muito mais que o espaço
que tenho para esse texto, mas é ainda mais complicado. Em 1974 foi confirmado que dois pensadores
podem ganhar o Nobel em Economia no mesmo ano por dizerem o oposto um do outro. Talvez a
divisão no Nobel com Myrdal tenha aliviado a pressão de receber o Nobel no economista que, no
discurso de agradecimento, afirmou não concordar com a existência de um Nobel para Economia
porque o prêmio confere ao vencedor uma autoridade que nenhum homem deveria ter.
47 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
Hayek nasceu em 1899 em Viena, então capital principais: lousa em branco vs aprendizado
do Império Austro-Húngaro e importante pela história, bem-estar da nação vs bem-
polo intelectual e acadêmico da Europa. estar do indivíduo e desenho consciente vs
Percebendo o crescimento do totalitarismo soluções espontâneas.
na Áustria, refletido na perseguição a vários
amigos e colegas judeus, em 1933 Hayek vai
O primeiro confronto trata da existência de
para a London School of Economics puxando
uma grande lista de intelectuais e acadêmicos soluções prontas que podem ser aplicadas
que deixaram a Europa Central por conta a qualquer país ou se as soluções devem
do nazismo. Na sequência teve passagens ser específicas às condições históricas
de destaque na Universidade Chicago e na de cada sociedade, não deixa de ser
Universidade de Freisburg. irônico que os neoliberais da década de
1990 representados pelo consenso de
O testemunho da ascensão do nazismo Washington tenham sido acusados de ter
na Áustria marca profundamente na uma receita de desenvolvimento pronta
obra de Hayek com a preocupação da para todos os países. O segundo ponto,
defesa do indivíduo diante do poder extremamente caro aos liberais, contrapõe
do estado. Não por acaso um dos livros o bem-estar dos indivíduos ao bem-estar da
mais conhecidos do autor, “The Road to nação ressaltando que nem sempre esses
Serfdom” (publicado originalmente em objetivos andam juntos. O terceiro ponto,
1944), apresente um contraponto à tese talvez o mais famoso, coloca a questão
até hoje muito prestigiada que nazismo e se o desenvolvimento resulta de soluções
comunismo estão nos extremos oposto conscientes dadas por especialistas para
do espectro político e defende que o os diversos problemas ou de soluções não
embate político ocorre entre indivíduo e o planejadas que indivíduos encontram para
coletivo (a tribo) e que o liberalismo está os problemas que vão aparecendo.
em uma ponta e tanto o fascismo como o
comunismo estão na outra ponta.. Além de Como trabalho com crescimento
intelectual, Hayek foi um ativista pela causa econômico eu fico tentado a usar o resto
liberal onde, entre outras ações, destaca- do espaço para tratar dessas questões,
se a fundação da Mont Pelerin Society mas isso seria injusto com Hayek e com
juntamente com Karl Popper, Ludwing von os leitores interessados na obra de Hayek.
Mises, Milton Friedman e outros nomes que Desta forma, passo para outra questão
se destacaram em defesa do liberalismo. fundamental em Hayek, qual seja, o sistema
de preços. Como pode funcionar uma ordem
Essa verdadeira obsessão com a defesa espontânea com milhões de indivíduos
do indivíduo perante a tribo explica a tomando decisões que impactam uns ao
diferença entre o pensamento de Hayek e o outros? Como as soluções improvisadas
social-democrata sueco Gunnar Myrdal. O para cada problemas podem formar um
debate que nunca ocorreu, na expressão de quadro de geração de riquezas? A resposta
Willian Easterly usada no livro “The Tyranny de Hayek para essas perguntas está nos
of Experts: Economists, Dictators, and the preços. A leitura obrigatória para entender
Forgotten Rights of the Poor”, contrapunha a importância do sistema de preços em
uma visão tecnocrática e uma visão de um sistema econômico é o artigo “The Use
ordem espontânea para o desenvolvimento of Knowledge in Society” publicado na
econômico. Willian Easterly no livro American Economic Review em 1945 onde
citado divide esse debate m três pontos Hayek argumenta que a grande função
48 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
É certo que os temas relativos a preços, informações e incentivos levantados por Hayek
tiveram influência decisiva no desenrolar da microeconomia nos anos seguintes, mas é
na análise do papel da política monetária no ciclo econômico que a teoria dos preços
apareceu com mais destaque na obra do autor. A Teoria Austríaca do Ciclo Econômico
(TACE), que teve em Hayek um dos seus principais autores era uma abordagem de oferta
e com base no comportamento de firmas e famílias. Muito diferente da abordagem
keynesiana com base na demanda agregada que dominou a macroeconomia nos anos
50, 60 e 70, a TACE é uma espécie de avó da macroeconomia com microfundamentos
que apareceu na década de 70 passou a dominar a literatura nas décadas de 80 e 90.
Para os interessados recomendo os livros “Prices and Production and Other Works: F.A.
Hayek on Money, the Business Cycle, and the Gold Standard” e “The Austrian Theory of the
Trade Cycle and Other Essays”. Nesse texto vou me limitar a fazer um pequeno rascunho
da teoria dos ciclos com objetivo de completar a cadeia entre ordem espontânea, preços
e ciclos bem como fazer pontes com as modernas teorias de ciclo econômico.
49 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
Para Hayek a entrada de mais moeda na uma política monetária expansionista leva a má
economia alterava o sistema de preços relativos. alocação de capital e trabalho.
Existem várias explicações para esse fenômeno, Crises econômicas ocorrem por conta da
uma delas consiste em pensar que os primeiros necessidade de liberar capital destinado a
a receberam a nova moeda, talvez os clientes uma produção que visava atender a demanda
de bancos que terão acesso à nova moeda na artificial e alocar esse capital nas atividades cuja
forma de empréstimos, comprem os bens que demanda é consistente com as preferências
desejam sinalizando para os produtores desse das pessoas. Esse processo envolve falências,
bem um aumento da demanda que não é real. desemprego e o que alguns macroeconomistas
A má alocação de capital e trabalho destinados chamam de capacidade ociosa. Naturalmente
à produção desses bens ficará clara quando é possível pensar em outras políticas que
o Banco central parar de colocar moeda na distorcem preços relativos e induzem a má
economia acabando com a demanda criada alocação de capital e trabalho, é o caso de
artificialmente. subsídios, direcionamento de crédito por parte
de bancos oficiais ou mesmo intervenções
Uma outra maneira de observar o mesmo diretas por meio de empresas estatais.
fenômeno é pensar que a nova moeda equivale
a uma poupança artificial. Um aumento da O uso de tecnologias e preferências para
taxa de poupança está relacionado com maior explicar o ciclo econômico voltou à cena com os
uso de bens usados na produção em relação a modelos de ciclos reais de negócios na linha de
bens destinados a consumo final. Desta forma, Kydland e Prescott, laureados com o Nobel de
o aumento na poupança aumenta o gasto em Economia em 2004. Porém, como o modelo de
bens intermediários como proporção do gasto ciclos reais é um modelo agregado, as alterações
em consumo. Para quem está acostumado a na estrutura de produção e a má alocação de
pensar em termos de valor agregado, como é fatores saíram de cena e acabaram substituídas
o caso de quase todos os macroeconomistas por um choque de produtividade aleatório
modernos, esse é um argumento confuso, talvez não explicado pelos autores. A questão da má
seja melhor pensar em um aumento do uso de alocação de capital voltou a cena com artigo
capital por conta da poupança maior. O preço “Misallocation and Manufacturing TFP in China
que sinaliza para a mudança nessa proporção anda India” publicado no Quarterly Journal of
é a taxa de juros que fica maior por conta da Economics em 2009 e escrito pelo Chang-Tai
maior oferta de fundos emprestáveis. Hsieh e pelo Peter Klenow. O foco dos autores
é explicar diferenças de produtividade, mas,
Para Hayek o aumento da moeda em circulação para um leitor de Hayek que trabalhou muito
gera um efeito semelhante ao do aumento com os modelos de RBC na linha de Kydland e
da poupança, inclusive na queda da taxa de Prescott, é impossível não fazer a ponte entre a
juros, mas com uma diferença fundamental: má-alocação e produtividade e produtividade
enquanto o aumento da poupança decorre de e ciclos de negócios. Uma ponte que pode
uma mudança nas preferências das pessoas explicar a conclusão do Gonzalo Córdoba
o aumento da moeda resulta de uma decisão e do Timothy Kehoe de que se os efeitos
do governo. Por ser artificial no sentido de não sobre a produtividade das políticas públicas
representar o desejo das pessoas a mudança na desenhadas para combater uma crise são
estrutura de produção causada pelo aumento forem considerados no longo prazo estaremos
da moeda e a redução artificial dos juros não é todos em uma grande depressão.
compatível com a estrutura de preferências da
sociedade. Tão logo mude a política monetária A contribuição de Hayek se expande para
a locação de fatores induzida pela moeda que outras áreas como ciências sociais, metodologia
entrou na economia deixa de ser ótima, ou seja, científica, psicologia e direito. Mesmo no campo
50 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
estritamente econômico as contribuições de Hayek vão além do que os limites desse espaço
e de meus conhecimentos permitem analisar. As referências que citei nesse texto são um bom
começo para os que querem conhecer mais profundamente as questões que aqui levantei bem
como outras que deixei. Para além desses tópicos recomendo “Law, Legislation and Liberty” e
“The Constitution of Liberty”, os que estão interessados em uma abordagem introdutória podem
gostar do livro “The Essential Hayek” escrito por Donald Boudreaux e publicado pelo Fraser
Institute. Aqui encerro essa rápida apresentação da obra de Hayek, espero não ter incomodado
os que conhecem o autor e ter estimulado a curiosidade de quem não conhecia o trabalho de
um dos principais autores da Escola Austríaca.
51 Nobel - 1974
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1975
Programação linear e teoria da
alocação ótima de recursos
Koopmans e Kantorovich
por Matheus Assaf
A programação linear lida com problemas que estão presentes em todo lugar na teoria econômica.
Rigorosamente, ela soluciona problemas que maximizam uma função linear restrita a um conjunto
convexo de soluções. Isto é, ela calcula como ter um melhor resultado para um determinado
programa tendo em vista os recursos escassos necessários para efetivá-lo. Koopmans e Kantorovich
foram levados para esse tipo de problema abstrato tendo em vista demandas reais de busca de
eficiência durante o planejamento da II Guerra Mundial e da Guerra Fria nos Estados Unidos e na
União Soviética. O avanço da programação linear, em particular no Ocidente, decorreu de um esforço
conjunto da matemática e da economia que amalgamou as duas disciplinas e as transformou na
segunda metade do século.
52 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL
Os vencedores do prêmio
Tjalling Koopmans
K
oopmans nasceu em 1910. Iniciou seus estudos no período anterior à guerra na
Universidade de Leiden como físico e matemático. A partir de 1936, seus interesses
em pesquisa com economia e econometria se aprofundaram. Trabalhou na Liga das
Nações em Genebra analisando séries temporais e colaborando com o planejamento
ótimo do transporte marítmo de mercadorias. Essa experiência lhe serviu para imigrar
para os Estados Unidos ainda antes do Eixo tomar o controle da Europa Continental, com um
emprego em Washington no planejamento do transporte marítmo de suprimentos para a Europa.
Através do seu contato com o economista Jacob Marschak, Koopmans se juntou à Cowles
Comission em 1944. O instituto de pesquisa, ligado à Universidade de Chicago e depois a Yale,
foi de grande importância para o desenvolvimento da teoria econômica de equilíbrio geral e
econometria no pós guerra. Membros do instituto nesse período incluem outros vencedores do
prêmio Nobel: Kenneth Arrow, Gerard Debreu, Herbert Simon entre outros. Koopmans substituiu
Marschak como diretor do instituto em 1949. O espaço da Cowles foi fundamental para as
inovações em programação linear.
A estrutura militar montada para a II Guerra pelo exército americano incluiu a formação de diversos
setores de pesquisa focados em resolver problemas complexos de alocação de recursos para a
economia de guerra. A demanda por esse tipo de pesquisa manteve-se em meio à Guerra Fria.
Em 1948, a União Soviética bloqueou os acessos à Berlim Ocidental como forma de pressionar
os Estados Unidos e aliados a deixarem a cidade. O governo americano reagiu enviando
suprimentos para a cidade usando sua força aérea, em uma operação de muito alto custo. A
demanda de um planejamento científico que pudesse otimizar os custos levaram à criação em
outubro daquele ano do Project for the Scientific Computation of Optimum Programs (SCOOP).
O matemático-chefe do projeto foi o americano George Dantzig. A otimização, estudada há
séculos na matemática, tranformaria-se em parte de uma “matemática aplicada”.
Lionel Robbins escreveu em 1932 que a economia era a ciência que estudava o comportamento
humano como relação entre fins e meios escassos com usos alternativos. Como esse era
fundamentalmente o problema que tinha em mãos, Dantzig foi à Cowles Comission em 1947,
em busca de uma solução dada pelos economistas para esse problema matemático. Na Cowles,
Dantzig conheceu Koopmans, que embora não tivesse resposta pronta para seu problema,
entusiasmou-se com o projeto de pesquisa de notável similaridade com seus problemas de
transporte ótimo de mercadorias com que havia trabalhado por anos durante o esforço de
guerra. Em dezembro de 1948, no encontro da American Economic Association ambos juntaram-
se aos matemáticos Albert Tucker e Harold Kuhn e os economistas Oskar Morgenstern e Wassily
Leontief para planejar uma conferência focada na teoria da programação linear que tornaria-se
seminal para a economia do pós-guerra.
A conferência Activity Analysis of Production and Allocation foi realizada em Junho de 1949
na Cowles Comission. Esse encontro de matemáticos e economistas introduziu uma série de
elementos novos para a teoria econômica: além da programação linear, suas aplicações em
teoria dos jogos e pesquisa operacional, e técnicas matemáticas como uso de conjuntos
convexos, hiperplanos separadores e teoremas de ponto-fixo. Entre os participantes, além dos
53 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL
Leonid Kantorovich
54 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL
Após a morte de Stalin e a denúncia dos seus atos por Khrushchev no Congresso do Partido
Comunista em 1956, Kantorovich e a economia matemática saíram de um ostracismo na
União Soviética e passaram a contar com apoio oficial. Em um embate com a ortodoxia da
economia política soviética, diversos institutos foram criados para o estudo dos métodos de
otimização. Ao lado do economista Vasily Nemchinov, Kantorovich formou um laboratório de
estudos na cidade siberiana de Novosibirsk aberto em 1960. A abertura do laboratório contou
com a presença de diversos matemáticos soviéticos como Kolmogorov, Lyapunov, Pontryagin
e Markov. Kantorovich criticou a ortodoxia econômica soviética por sua descrença em métodos
matemáticos e defendeu o uso das ferramentas de otimização no planejamento econômico
socialista. Com a flexibilização do bloqueio entre os mundos, Koopmans e Kantorovich puderam
intercambiar os seus trabalhos através da cortina de ferro a partir da segunda metade dos
anos 1950. A solução de Kantorovich publicada em 1939 foi traduzida e publicada em inglês em
1960. Em 1965, mais uma vez Kantorovich foi reconhecido pelo governo soviético recebendo
o Prêmio Lenin. A partir de 1971, passou a trabalhar diretamente junto ao Gosplan, divisão de
planejamento econômico central da URSS. Nos anos 1980, um dos economistas do laboratório
siberiano de Kantarovich, Abel Aganbegyan, foi um dos líderes da Perestroika realizada sob o
governo de Gorbachev.
Matheus Assaf
Mestre e Doutor em economia pela USP, professor auxiliar de graduação na FGV e analista de políticas
públicas e gestão governamental da Prefeitura de São Paulo
55 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL
Notas:
Bockman, Johanna e Michael Bernstein. Scientific Community in a Divided World: Economists, Planning, and
Research Priority during the Cold War. Comparative Studies in Society and History 50, vol 3, 2008.
Düppe, Till e E. Roy Weintraub. Siting the New Economic Science: The Cowles Comission’s Activity Analysis
Conference of June 1949. Science in Context 27, issue 3, 2014.
Erickson, Paul, Judy Klein e outros autores. How Reason Almost Lost its Mind: The Strange Career of Cold
War Rationality. University of Chicago Press, 2013.
Gardner, Roy. L. V. Kantorovich: The Price Implications of Optimal Planning. Journal of Economic Literature
28, n. 2, 1990.
56 Nobel - 1975
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1976
Milton Friedman
por Fábio Terra
1. Introdução
57 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL
2. Vida
M
ilton Friedman nasceu no bairro do Brooklin, em Nova York, em 31 de julho de 1912. Filho
de pais imigrantes húngaros, Friedman teve infância e adolescência bastante humildes.
Porém, destacou-se desde cedo em sua argúcia intelectual, o que o levou a conseguir
uma bolsa de estudos na Rutgers – Universidade Estadual de Nova Jersey, em Nova
Jersey, onde ele tirou seus bacharelados em matemática e economia, em 1932.
Em 1933, Friedman mudou-se para a Universidade de Chicago para realizar seu mestrado em
economia. Mais do que se tornar mestre naquele que seria seu futuro e notório local de trabalho,
a Universidade de Chicago, foi lá que Milton conheceu Rose Director, com quem se casara e viveu
até sua morte, em 16 de novembro de 2006. O casal teve dois filhos, David Friedman, economista e
conhecido autor do anarcocapitalismo, e Jan Friedman, jurista e famosa jogadora de bridge.
Entre 1933 e 1943, já mestre, mas não doutor, Friedman trabalhou no serviço público norteamericano,
como membro da bucocracia do New Deal, destacando-se o National Bureau of Economic Research
(1937-1940) e, durante o esforço de guerra americano, foi para o Departamento do Tesouro (1941-
1943). Em 1943, Friedman iniciou seu doutoramento na Universidade Columbia, em Nova York,
orientado por Simon Kuznets. Sua tese foi defendida em 1946.
3. A obra
cobrado por retenção na fonte, mecanismo mais Outra incursão de Friedman fora da teoria
eficaz de recolhimento tributário, pois independe econômica, mas com repercussões sobre ela, era
da declaração de rendimento do pagador. a forma pela qual ele compreendia que os gastos
públicos educacionais deveriam ser feitos. Ao
Ademais, Friedman foi um forte opositor ao invés de o Estado custear a escola na educação
draft, sistema obrigatório de serviço militar pública pré-universitária, ele deveria ofertar um
americano. Libertário e afeito à visão de voucher aos estudantes que, então, escolheriam
que a concorrência melhora toda e qualquer suas escolas a partir do que entendessem
instituição em que ocorre, a ideia de Friedman ser a melhor. Isso faria com que as escolas
era a de que a apresentação militar deveria ser concorressem para conseguir os vouchers e,
58 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL
Por conta de suas contribuições, Friedman recebeu todos os prêmios econômicos relevantes.
Cito-os: a medalha John Bates Clark, em 1951, a Medalha Presidencial da Liberdade, e a
Medalha Nacional de Ciências, ambas em 1988, o ingresso na Academia Nacional de Ciências
em 1973 e, claro, o Prêmio Nobel de Economia de 1976 – este, por conta de seus avanços
na teoria do consumo, nas história e teoria monetária, e na formulação de prescrição para a
política monetária e de estabilização.
60 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL
4. Conclusão
A o longo de toda a sua vida Friedman destacou-se por se dedicar no engajamento de suas
crenças. Prova é que viajou o mundo todo para divulgar seu projeto Free to Choose, que
continha uma série de televisão, produzida e apresentada por ele para a divulgação de suas
ideias, além de um livro de mesmo nome, publicado em 1980, escrito com sua esposa, Rose.
Contudo, a luta contra o serviço militar obrigatório já seria um exemplo deste referido engajamento,
tão caro a intelectuais completos.
Houve críticas, todavia, sobre a ida de Friedman ao Chile em 1975, durante o regime ditatorial de
Augusto Pinochet. Como se sabe, o Chile foi o país mais notório de aplicação das políticas de
liberalização econômica e da redução da participação estatal na economia inspiradas na Escola
de Chicago. Não por menos, os ex-alunos da Universidade que conduziram a implantação destas
políticas foram chamados de Chicago Boys. A ida ao Chile rendeu a Friedman críticas quando
recebeu o Prêmio Nobel em 1976 por parte de estudantes suecos, inclusive na própria cerimônia de
recepção do Prêmio. Em sua defesa, Friedman explicou que recusou diversas comendas oferecidas
no Chile, e também que não foi consultor daquele Governo, embora admita ter encontrado Augusto
Pinochet. Sua ida ao Chile, segundo ele, foi para fins acadêmicos. Curioso e sempre a fim de debater
suas ideias, Friedman esteve também China, no final dos anos 1980, mas não foi criticado por isso.
Enfim, ele foi um homem que lutou para ser notado e conseguiu o feito: seja para ser seguido, seja
para ser criticado.
Fábio Terra
Professor da UFABC e do PPGE-UFU, Pesquisador do CNPq e Presidente da
Associação Keynesiana Brasileira.
61 Nobel - 1976
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1977
Bertil Ohlin e James Meade
por Henrique Castilho e Renan Torres
62 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL
A pesar de ser um modelo relativamente simples, Ricardo contribuiu para construção de uma
base sólida para o estudo do comércio internacional. Não à toa, suas contribuições servem
de insumo para inúmeras teorias mais recentes acerca dessa área.
Nesse sentido, dois economistas suecos foram revolucionários à época. Em 1919, Eli Heckscher,
publicou um artigo intitulado The Effect of Foreign Trade on the Distribution of Income (1919), no
qual apresentou o esboço do que se tornaria a “teoria moderna do comércio internacional”.
O artigo passou despercebido por vários anos, até Bertil Ohlin, afiliado a Escola de Economia de
Estocolmo e ex- aluno de Heckscher, trabalhar e desenvolver novas conjecturas acerca do artigo de
seu professor. Assim, em 1933, Ohlin publicou seu artigo “Interregional and International Trade”.
O produto dessa publicação foi, então, o que conhecemos hoje por modelo (ou teorema) de
Heckscher-Ohlin. Como qualquer outro modelo, a construção de Heckscher-Ohlin utiliza-se de
algumas hipóteses simplificadas. Para isso, o modelo é considerado do tipo 2x2x2: isto é, dois países,
dois fatores de produção (capital e trabalho) e dois bens.
O resultado básico do modelo Heckscher-Ohlin mostra que uma nação exportará o bem que requer
o uso intensivo de seus recursos relativamente abundantes e dos fatores mais baratos, dentro de seu
território.
63 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL
Por outro lado, a tendência é que ele importe demonstrou que país com um capital maior por
os bens cuja a produção requer uso intensivo trabalhador tem uma relação capital por trabalho
dos recursos menos abundantes e aplicação dos menor nas exportações do que nas importações.
fatores caros em sua economia. Mas o que os Essa relação ficou conhecida como o Paradoxo
dados e evidências têm a dizer sobre o teorema? de Leontief.
Antes de tudo, é importante ressaltar que os Contudo, outros testes demonstraram que
testes empíricos para o modelo são limitados. os resultados são heterogêneos. Observou-
Na prática, isso não significa que as diferenças se, então, que um dos principais pontos de
na abundância dos fatores não ajudam a explicar previsibilidade desse modelo se encaixa no
os padrões de comércio entre os países, mas comércio entre países desenvolvidos e em
que atualizações em relação aos pressupostos desenvolvimento.
melhoram a capacidade preditiva para o modelo.
A principal contribuição de Ohlin para a economia
Wassily Leontief, economista laureado com o é sem dúvida o seu modelo do comércio
prêmio Nobel em 1973, é responsável por um internacional. Contudo, o economista sueco
dos testes mais importantes em relação a esse também contribuiu para outros ramos, como
modelo. Ele detectou que nem sempre o teorema a macroeconomia. Em várias publicações, por
é válido. exemplo, ele antecipou algumas das idéias que
formaram os alicerces da revolução keynesiana
Usando alguns dados da economia americana no pensamento macroeconômico.
após a Segunda Guerra Mundial, Leontief
A ntes de James Meade, era comum analisar que o pleno emprego com estabilidade e equilíbrio
de preços na balança de pagamentos poderia ser alcançado por meio de mecanismos de
ajuste automáticos.
Nesse cenário, o economista inglês, afiliado a Cambridge, foi um dos principais responsáveis por
mudar essa perspectiva de análise de ajustes automáticos para políticas de ajuste. Algumas delas
são: políticas fiscal, monetária e controles diretos sobre tarifas e fluxos de capital internacional.
Nesse sentido, as influências de John M. Keynes sob Meade são notória e ele é conhecido como um
dos primeiros a formalizar a Teoria Geral keynesiana. Como os mecanismos de ajuste automático
podem gerar efeitos não muito desejáveis para a economia, em certos casos, as políticas de ajuste
compõe um papel importante para estabelecer o equilíbrio interno e externo de uma economia.
Dessa forma, os objetivos dessa política são focadas no pleno emprego e na estabilidade de preços
(equilíbrio interno). Por outro lado, o equilíbrio eterno faz referência a políticas de ajuste no balanço
de pagamento.
Nesse contexto, James Meade trabalhou em uma de suas pesquisas mais importantes, que teve
como resultado a obra The Theory of International Economic Policy, publicada em dois volumes The
Balance of Payments (1951) e Trade and Welfare (1955).
64 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL
No primeiro volume, Meade sintetizou a Teoria Geral keynesiana, com aplicações dos métodos
neoclássicos, num modelo que avaliou os efeitos da política monetária e fiscal sobre o balanço de
pagamentos.
Já no segundo volume, o economista britânico se concentrou nos efeitos de vários tipos de política
comercial sobre bem-estar econômico, fornecendo uma análise detalhada na regulamentação do
comércio.
Sendo assim, a contribuição principal de James Meade para a economia foi na área de economia
internacional. Com o ferramental da economia keynesiana e do modelo neoclássico de equilíbrio
geral, o britânico estendeu a teoria tradicional do balanço de pagamentos e incluiu os movimentos
internacionais de capital.
Analisando a relação entre o equilíbrio interno (pleno emprego) e equilíbrio externo (equilíbrio
da balança geral de pagamentos), Meade demonstrou a necessidade de usar dois instrumentos,
a demanda agregada e a taxa de câmbio, a fim de atingir os dois objetivos de equilíbrio interno e
externo.
Meade também fez várias outras contribuições para o campo da economia internacional, incluindo
o desenvolvimento de uma representação geométrica do comércio internacional usando curvas de
oferta em uma extensão do trabalho do economista canadense Jacob Viner, que tomou como base
a influências de uniões aduaneiras na criação e nos desvios do comércio.
De forma geral, seus trabalhos promoveram uma base forte e fértil para a teoria das trocas
internacionais e política econômica. Contudo, apesar de ser conhecido pelas suas contribuições na
área da economia internacional, Meade, como um bom cientista, também cooperou em inúmeras
outras áreas.
Entre as áreas, estão a teoria do crescimento econômico, economia do bem-estar e elaboração das
contas nacionais de “dupla entrada” com Richard Stone, laureado com o Nobel de Economia em 1984.
65 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL
O passado e o futuro da
economia internacional
Notas:
VANE, Howard R.; MULHEARN, Chris. The Nobel Memorial laureates in economics: an introduction to their
careers and main published works. Edward Elgar Publishing, 2005.
OBSTFELD, Maurice; KRUGMAN, Paul R. International Economics: Theory and Policy. Pearson Education,
Inc, 2003.
67 Nobel - 1977
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1978
Herbert A. Simon
por Gerson Caner
68 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL
Simon foi educado em escolas da rede pública econômica, Simon tornou-se mais conhecido
de Milwaukee, onde desenvolveu um notório por sua teoria da decisão da empresa em seu
interesse em ciência. Ao contrário de muitas livro Conduta Administrativa . Neste livro, ele
crianças, Simon foi exposto à idéia de que o baseou seus conceitos com uma abordagem
comportamento humano pode ser estudado que reconhece múltiplos fatores que contribuem
cientificamente em uma idade relativamente para a tomada de decisão. Sua organização
jovem, devido à influência do tio, do irmão mais e profundo interesse no ensino lhe permitiram
novo de sua mãe, Harold Merkel, que estudou não só servir três vezes como presidente do
economia na Universidade de Wisconsin. Através departamento de Economia universidade, mas
de livros de seu tio em economia e psicologia, ele também desempenhou um papel importante
Simon descobriu as ciências sociais. na criação do Programa de Cooperação
Econômica em 1948, chefiando ampla equipe
Em 1933, aos 17 anos, Simon ingressou na administrativa que administrava ajuda ao Plano
Universidade de Chicago, onde deu sequência Marshall para o governo dos Estados Unidos,
a suas primeiras influências, estudando ciências servindo diretamente ao presidente Lyndon
sociais e matemática. Seu mentor mais Johnson, bem como a Academia Nacional de
importante foi Henry Schultz, econometrisca Ciências. Devido a tudo isso, o seu trabalho
renomado nos anos 30 do século passado . pode ser encontrado em um número de obras
Simon recebeu tanto seu BA (1936) e seu Ph.D. literárias econômicas, fazendo contribuições
(1943) em Ciências Políticas, da Universidade para áreas como economia matemática,
de Chicago, onde imediatamente se tornou incluindo o teorema, a racionalidade humana,
assistente de pesquisa, após sua graduação. Seus estudo comportamental de empresas, teoria da
estudos o levaram para o campo da organização ordenação ocasional, e a análise do problema de
da tomada de decisão, o que seria o tema de sua identificação de parâmetros em econometria.
tese de doutorado.
Simon reconheceu que a teoria da administração é em grande parte uma teoria da tomada de
decisão humana, e como tal deve ser baseado em ambos economia e na psicologia.
Simon viu dois elementos universais de comportamento social humano como chave para criar a
possibilidade de comportamento organizacional em indivíduos humanos: Authority (abordadas
no Capítulo VII-O papel da Autoridade) e em lealdades e Identificação (abordadas no Capítulo
X: Loyalties e Identificação Organizacional ).
Lealdade foi definido por Simon como o “processo pelo qual o indivíduo substitui objetivos
organizacionais (objetivos de serviço ou objetivos de conservação) para seus próprios objetivos
como o valor principal que determina as suas decisões organizacionais”. Isso implicou avaliar
opções alternativas em termos das suas consequências para o grupo, em vez de apenas para si.
70 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL
Simon tem sido crítico de compreensão elementar economia tradicional de tomada de decisão,
e argumenta que ‘é demasiado rápido para construir uma imagem idealista, irrealista do
processo de tomada de decisão e, em seguida, prescrever com base em tal quadro irrealista’.
Suas contribuições para a pesquisa na área da tomada de decisões administrativas se tornaram
cada vez mais utilizadas na comunidade empresarial.
Além disso, Simon enfatizou que os psicólogos invocam uma definição “processual” de
racionalidade, ao passo que os economistas utilizam uma definição “substantiva”. Argumentou
que o conceito de racionalidade processual não tem uma presença significativa no campo
da economia e nunca teve quase tanto peso como o conceito de racionalidade limitada. No
entanto, em um artigo anterior, Bhargava (1997) observou a importância dos argumentos de
Simon e enfatizou que existem várias aplicações da definição “processual” de racionalidade em
análises econométricas de dados sobre a saúde. Em particular, os economistas devem empregar
“suposições auxiliares” que refletem o conhecimento nas áreas biomédicas relevantes, e orientar
a especificação de modelos econométricos para os resultados de saúde.
A despeito de sua notória contribuição para o campo de conhecimento que se tornaria conhecido
como Economia Comportamental, sua contribuição para diversas áreas de conhecimento, como
Inteligência artificial, psicologia, administração, pedagogia e ciências da computação, foi tão
significativa, que o Nobel de Economia é apenas um de múltiplos prêmios recebidos por Herbert
Simon ao longo de sua prolífica carreira.
Honras e prêmios
E
Ele recebeu muitas honras de nível superior na vida, incluindo tornar-se membro da
Academia Americana de Artes e Ciências em 1959; eleição para a Academia Nacional de
Ciências em 1967; Prêmio APA para contribuições científicas Distintos para Psychology
(1969); a ACM ‘s Turing Award para fazer ‘contribuições básicas para a inteligência
artificial, a psicologia do ser humano cognição , e lista de processamento’(1975); o
Prêmio Nobel de Economia “por sua pesquisa pioneira sobre o processo de tomada de decisão
dentro das organizações econômicas” (1978); a Medalha Nacional de Ciência (1986); a APA ‘s
Award for Contribuições Lifetime pendentes para Psychology (1993); ACM colegas (1994); e
Prêmio IJCAI para a Investigação Excellence (1995).
• Doutorado honorário, Escola de Lund de Economia e Gestão de 1968.
• Grau honorário, Universidade de Pavia, 1988.
• Honorário de Doutor em Leis(LL.D.) grau de Universidade de Harvard em 1990.
• Grau honorário, Universidade de Buenos Airesde 1999.
Publicações selecionadas
S
imon foi um escritor prolífico e autor de 27 livros e quase mil artigos. A partir de 2016,
Simon foi a pessoa mais citada na inteligência artificial e psicologia cognitiva no Google
Scholar . Com quase mil publicações altamente citadas, ele foi um dos mais influentes
cientistas sociais do século XX.
71 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL
Livros
• Conduta Administrativa : Um Estudo dos processos de tomada de decisão na Organização
Administrativa .
– 4ª ed. em 1997, a imprensa livre
• 1972 (com Allen Newell). Resolução de Problemas humana . Prentice Hall, Englewood Cliffs,
NJ, (1972). “o livro mais importante sobre o estudo científico do pensamento humano no
século 20.”
• Todos os modelos de Descoberta: e outros tópicos nos métodos da ciência . Dordrecht,
Holanda: Reidel.
• Todos os modelos de pensamento, Vols. 1 e 2 . Yale University Press. Seus artigos sobre
processamento de informação humana e resolução de problemas.
• Todos os modelos de Racionalidade Limitada, Vols. 1 e 2 . MIT Press. Seus trabalhos sobre
economia.
– Vol. 3. em 1997, MIT Press. Seus trabalhos sobre a economia desde a publicação da Vols. 1 e 2
em 1982. Os trabalhos agrupados sob a categoria “A Estrutura de Sistemas Complexos” – lidando
com questões como a ordenação causal, decomposability, agregação de variáveis, o modelo de
abstração são de interesse geral na modelagem de sistemas, não apenas na economia.
• Razão nas Relações Humanas , Stanford University Press. A 115pp legível. livro sobre humana
tomada de decisão e processamento de informação, baseado em palestras que ele deu em
Stanford em 1982. A apresentação popular de seu trabalho técnico.
• 1987 (com P. Langley, G. Bradshaw, e J. Zytkow). Descoberta Científica: explorações numérica
dos processos criativos. MIT Press.
• Todos os modelos de minha vida . Basic Books, Sloan Series Foundation. Sua autobiografia.
• Uma base empírica Microeconomia . Cambridge University Press. Um resumo compacto e
legível de suas críticas da microeconomia convencionais “axiomática”, com base em uma
série de palestras.
• 2008 (a título póstumo). Economia, Racionalidade Limitada ea Revolução Cognitiva. Edward
Elgar Publishing, ISBN 1847208967 . reimprimir alguns de seus artigos não lidos pelos
economistas.
72 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL
Artigos
• 1938 (com Clarence E. Ridley). Medindo actividades municipais: estudo de critérios propostos
e formas para avaliar Administration relatórios.
• Aspectos Fiscais da Metropolitan Consolidação .
• A Técnica da Administração Municipal , 2d ed.
• “Um modelo comportamental da escolha racional” , Quarterly Journal of Economics , vol. 69,
99-118.
• “Resposta: Surrogates para Problemas de Decisão incerto” , o Office of Naval Research,
janeiro 1956.
• – Reproduzido em 1982, In: HA Simon, os modelos de Racionalidade Limitada, Volume 1,
Análise Econômica e Política Pública, Cambridge, Mass, MIT Press, 235-44..
•
• De 1958 (com Allen Newelle JC Shaw ). Elementos de uma teoria de resolução de problemas
humanos
• “Motivacional e controles emocionais de cognição” , Psychological Review , vol. 74, 29-39,
reimpressa em modelos de pensamento Vol 1.
• “Teorias da Racionalidade Limitada” , capítulo 8 em CB McGuire e R. Radner, eds, decisão e
Organização, Amsterdam:. Norte-Holland Publishing Company.
• 1980 (com Anders Ericsson). “Verbal relata como dados” , Psychological Review , vol. 87,
215-251.
• 1985 “Human Nature in Politics: O Diálogo de Psicologia com Ciência Política”, The American
Political Science Review , vol. 79, no. 2 (Jun., 1985), pp. 293-304
• 1995 (com Peter C.-H. Cheng). “A descoberta científica e do raciocínio criativo com diagramas”,
em SM Smith, TB Ward & RA Finke (Eds.), A abordagem criativa Cognition (pp. 205-228).
Cambridge, MA: MIT Press.
• 1998 (com John R. Anderson, Lynne M. Reder, K. Anders Ericsson, e Robert Glaser). “Radical
Construtivismo e Psicologia Cognitiva” , Brookings Papers on Política de Educação , não. 1,
227-278.
• 2000 (com John R. Anderson e Lynne M. Reder). “Aplicações e má aplicação da psicologia
cognitiva para a educação matemática”, Texas Education Review , vol. 1, n. 2, 29-49.
Gerson Caner
Mestre em Administração com ênfase em Finanças Comportamentais e graduado em Economia
pela Universidade de São Paulo (FEA-USP, 1992). Possui MBA em Finanças (USP) e diversos
cursos de especialização realizados no Brasil e Exterior (FGV, Insper, Universidade Nova de Lisboa,
London School of Economics). Atuou como economista do Grupo Votorantim e como diretor de
Fusões e Aquisições e Mercados Emergentes na consultoria Ernst & Young, onde foi responsável
pelo programa Empreendedor do Ano. Atualmente é professor de Finanças Corporativas,
palestrante de Educação Financeira e Finanças Pessoais e consultor de Investimentos (possui
certificação ANCORD). Também é pai do pequeno Theo, o que só aumentou seu interesse por
Educação Financeira e Finanças Pessoais.
73 Nobel - 1978
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1979
Entre os Prêmios Nobel, os pais do
desenvolvimento econômico
Theodore Schultz e Sir Arthur Lewis
por Karina Bugarin
D
ou início a este breve relato sobre os
trabalhos acadêmicos de Sir Arthur Lewis
e Theodore W. Schultz utilizando uma frase
de George Orwell: “Todos os animais são
iguais, mas alguns animais são mais iguais
que os outros”, de seu livro A Revolução dos Bichos.
Theodore Schultz e Sir Arthur Lewis demonstraram
em suas vidas, tanto acadêmicas quanto profissionais,
uma profunda inquietação com o porquê de “alguns
animais (serem) mais iguais que os outros”.
74 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
Com suas experiências práticas e empíricas, Os aportes de Lewis e Schultz, da década de 50,
os autores exploram, à luz da teoria servem para o Brasil de 2020. Com produtividade
econômica clássica, fatores mais sutis do estancada há mais de três décadas, pressões
crescimento econômico, fundamentando crescentes no aumento de desigualdade de
o que posteriormente viríamos chamar de oportunidades no acesso aos serviços básicos
Desenvolvimento Econômico. Theodore Schultz, de qualidade (educação, saúde e segurança
filho de fazendeiros, desenvolve o que chamamos pública), situação agravada pelo retrocesso em
hoje de investimento em capital humano para uma década de produção e emprego ocasionados
alavancar o crescimento econômico. Sir Arthur pela pandemia do COVID-19, parece que ainda
Lewis, negro e nascido em colônia britânica, não conseguimos internalizar a importância
aponta para a rigidez e constância da pobreza de capital humano e os efeitos limitantes da
em países em desenvolvimento como resultado pobreza em nossas políticas públicas. A frase
de baixa produtividade. A união de suas ideias do humorista Millôr Fernandes parece carregar
e modelos teóricos induziu um refinamento da os ensinamentos de Schultz e Lewis e nossa
teoria de crescimento econômico, considerando incapacidade de internalizá-los: “o Brasil tem um
elementos institucionais, históricos e de enorme passado pela frente”.
formação de capital humano.
Theodore Schultz
Sua mente, inquieta e curiosa, não foi posta a poucos desafios. Com o choque da Primeira Guerra
Mundial, Schultz foi obrigado a suspender seu ensino formal. Retomando os estudos a partir de 1919,
com a conclusão do conflito, ele passou rapidamente por Iowa State University, onde fez um curso
de extensão (“minor degree”) em Agricultura. O modelo heterodoxo da Universidade de Wisconsin
à época instigou Schultz a perseguir sua graduação e seu doutorado em Economia. A conclusão de
seu doutorado em 1930 coincide com o período da grande depressão nos EUA e retorna à sua alma
mater, Iowa State University, agora como professor. Em 1943, após 13 anos nessa instituição, Schultz
assume posição docente na Universidade de Chicago, onde permaneceu até sua aposentadoria em
1972.
No momento de auge das teorias keynesianas, voltadas a efeitos de curto prazo da expansão de
gastos públicos diretos sobre o nível de atividade econômica, em particular sobre o desemprego,
Schultz aprofundou sua análise sobre a necessidade de focalizar a análise econômica no campo das
políticas públicas. Após a Segunda Guerra Mundial, a heterogeneidade nas trajetórias de retomada de
crescimento econômico entre países instiga Schultz a investigar o porquê da recuperação da alemã-
japonesa ser tão diferente da inglesa. A conclusão, com uma análise institucional e histórica alinhada
com a estritamente econômica clássica, indicou que o ponto crítico para a reação econômica à crise
vinha do capital humano: escolaridade, nutrição, competências.
75 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
Empirista, curioso sobre abordagens econômicas docente em Iowa State University (nos anos 30 e
desde que atreladas a uma possível melhoria de início de 40), as situações contextuais históricas
bem-estar social, Schultz não formalizou um e de vivência, Schultz redireciona seu escopo
modelo de crescimento econômico. Ao invés ideológico para a vertente de liberalismo clássico,
disso, dedicou-se a desagregar a produtividade chamando atenção às distorções geradas pelas
total dos fatores a partir de constatações factuais intervenções dos governos. Em 1941, após o
para fundamentar como se promove o acúmulo escandaloso episódio “Oleomargarine” [1],
de capital humano para alavancar produtividade Schultz sai e assume posição executiva em um
e promover ganhos (inclusive aos mais pobres) grupo (do qual Milton Friedman também era
em produção agregada. membro) para promover discussões acadêmicas
sobre a maximização da liberdade individual em
Com a contribuição de Solow em 1957 sobre uma sociedade moderna, concomitantemente
mudanças tecnológicas e a função de produção assumindo posição de docente na Universidade
agregada, Schultz questiona a hipótese de de Chicago.
retornos crescentes a escala. Salienta que se
apenas metade do crescimento de produção Schultz encontra evidências de que o excesso
nacional pode ser explicado por horas de intervencionismo estatal prejudica e
trabalhadas e capital físico, a causa para o potencializa a pobreza rural em países periféricos
crescimento parecia estar no que chamaram de (subdesenvolvidos ou pobres), observando
“resíduo” e na qualidade dos recursos produtivos. como os governos obstruíam incentivos de
Com retornos constantes de escala, mantendo mercado e avanços tecnológicos, muitas vezes
constante a taxa marginal de substituição entre estabelecendo preços artificiais e sobretaxando
capital e trabalho, o aumento da produção os produtores rurais. Schultz entende que a
agregada deve refletir um investimento desse atividade empreendedora de fazendeiros em
produto na forma de insumo de produção ou perceber, interpretar e responder às novas
melhoria da qualidade dos fatores produtivos oportunidades não poderia ser realizada pelo
capital físico e trabalho. Assim, o aumento de governo, sendo o último a principal causa de
produção agregada seria um reflexo do aumento incentivos econômicos não ótimos.
da qualidade dos recursos produtivos.
As extensões temáticas na Economia dos
Seu argumento segue a lógica de investimento. A trabalhos de Schultz são evidentes: economia
alocação de recursos de produção para aprimorar da educação e da saúde; teoria da decisão
a qualidade dos insumos pode ser caracterizada (deriva do entendimento de que todo agente
como investimento. Schultz, então, indaga como econômico age racionalmente, respondendo
se mensura os efeitos de escolaridade e saúde a incentivos, mesmo que sem escolaridade);
e seu impacto nos retornos sobre investimento. pobreza e capital humano; entre outros. O cerne
Esta sequência temporal simplifica o processo da linha de argumentação de Schultz está na
de inserção de investimento em capital humano necessidade de investimento em educação e
como fator determinante de crescimento saúde para aumentar a produtividade, reduzindo
econômico. Vale destacar que desde o início de consequentemente a pobreza, com pouca
sua carreira, Schultz remete a características dos ou nenhuma intervenção governamental no
indivíduos na produção agrícola e a importância processo produtivo em si.
de pesquisa para alavancar o retorno sobre
investimento, tanto em termos de capital humano Schultz viveu quase integralmente o século
quanto em inovação do meio de produção. XX, tendo falecido em 1998, aos 95 anos de
idade em Evanston, Illinois. Continuou ativo
O papel do governo é discutido ao longo de toda academicamente até 1990 quando, por motivos
sua produção acadêmica. Iniciando com visão de saúde, parou sua diligência acadêmica.
fortemente intervencionista no seu período como
76 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
N
ascido em 1915 na ilha de Santa Banco Central da Jamaica e membro de diversos
Lucia no Caribe, Sir Arthur conselhos (Conselho Econômico Consultivo das
Lewis marcou sua presença na Colônias, Política Nacional de Combustíveis na
formação de teoria econômica pela Inglaterra, Grupo de Especialistas da ONU, entre
elegância na formalização de seu outros).
modelo e a aderência à realidade dos países
em desenvolvimento, particularmente nas A principal pergunta que motivava Lewis era “por
colônias britânicas. Também notório por ser que crescimento econômico não impede que
o primeiro aluno e, posteriormente, professor as pessoas sejam pobres automaticamente?”.
negro na London School of Economics (LSE) Estendendo modelos neoclássicos de
e em Princeton, o primeiro negro a ter posto crescimento, Lewis publica em 1954 o seu artigo
nas Nações Unidas, primeiro Nobel negro em seminal “Economic Development with Unlimited
Economia, entre outras posições de destaque Supplies of Labour”. O seu modelo inicia
internacional. Lewis formalizou porque pessoas com uma abstração genial pela simplicidade:
permanecem pobres mesmo na presença de iniciando em uma economia fechada com
crescimento econômico. Pode-se dizer que abriu dois setores (A;B), sendo A agricultura e B
o caminho para a discussão de poverty traps. indústria. Em economias periféricas (“backward
economies”, conforme denominado por Lewis),
Em sua vida, consistentemente manteve um existe excesso de oferta de trabalho em A, onde
nível de destaque. Recebeu bolsa para cursar a produtividade marginal do trabalho é irrisória
o ensino fundamental em Saint Mary’s College (zero ou até mesmo negativa). Sendo assim, o
(Santa Lucia), sendo aprovado no Cambridge setor B absorve a mão-de-obra com salários de
Junior Exam aos 12 anos, e recebendo o subsistência do setor A.
Cambridge School Certificate com honra ao
mérito, completando seus estudos aos 14 anos. A formação de capital e o avanço tecnológico
Em 1933, foi aceito no programa de graduação aumentam o lucro relativo à renda nacional,
em comércio (Bachelor in Commerce Degree) mas não necessariamente induzem um aumento
na LSE, sendo concedida a única bolsa de salarial. O setor capitalista (B ou industrial)
estudos para o conjunto das colônias britânicas. expande à medida que formação de capital ocorre
Em 1937, conclui a graduação aos 22 anos com (por crédito e lucro), absorvendo mão-de-obra
a maior nota geral da história da LSE. Em 1940, do setor agrícola (A) até que o excesso de mão-
finalizou seu doutorado em Economia Industrial de-obra disponível seja absorvido integralmente.
pela LSE. Foi o primeiro professor negro da LSE Neste momento, salários começam a crescer
com contrato de apenas um ano, não permitindo acima do nível de subsistência.
orientação de alunos. Em 1948, quando tinha
apenas 33 anos, foi lecionar em Manchester. A importação de capital externo apenas se
No fim da década seguinte, Lewis assumiu traduz em crescimento de salário real na medida
como chefe do Departamento de Economia na em que a produtividade do trabalho cresce. Por
Universidade das Índias Ocidentais. Já em 1963, isso, Lewis destaca a ineficiência de produção
ele virou professor em Princeton (tendo apenas agrícola em países periféricos faz com que
um breve interregno de três anos que começou suas commodities sejam relativamente baratas
em 1971). e os salários de subsistência. Naturalmente, o
crescimento econômico não seria traduzido
Fora da academia, foi diretor da Cooperação de em redução de pobreza (não haveria aumento
Desenvolvimento Colonial, Presidente do Banco salarial e a taxa marginal de produtividade de
de Desenvolvimento do Caribe, Diretor do trabalhadores do setor A, mesmo migrando a B,
77 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
se manteria irrisória).
O principal mecanismo pela qual o crescimento econômico leva ao aumento dos salários reais,
reduzindo assim o estado de subsistência da maioria da população em países periféricos, é um
aumento de produtividade. A permanência de uma economia em um estado de subdesenvolvimento,
inadequadamente denominado de “poverty trap”, no contexto Lewisiano, deriva da baixa produtividade
acoplada a um excesso de mão-de-obra do setor A (agrícola) menos desenvolvido.
As extensões do modelo bissetorial de Lewis ao longo da teoria econômica são diversas e evidentes:
adição de custos de transição de mão-de-obra (seja entre setores, seja entre países); identificação de
conjunto de competências diferentes entre setores que condicionam a possibilidade de fluxo setorial
da mão-de-obra; restrição no consumo dos bens produzidos no curto prazo; reinvestimento parcial
do lucro para a expansão da produção; impacto do fluxo de mão-de-obra na presença de choques
tecnológicos; entre outros.
Lewis faleceria aos 76, apenas doze anos depois de conquistar o Nobel de Economia. Foi enterrado
em Saint Lucian Community College em sua terra natal, onde sua memória puja no novo nome da
faculdade: Sir Arthur Lewis Community College.vv
O Os autores convergem
importância de produtividade como
principal elemento de propulsão do
crescimento econômico com ganhos
sociais. Os autores coerentemente mostraram
que não era necessário um novo modelo para
na
78 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
A crescente importância dada ao ensino técnico, inclusive com a inclusão da modalidade no novo
currículo do Ensino Médio, sinaliza que queremos impulsionar nosso capital humano. A crescente
preocupação com tudo 4.0, da agricultura à indústria, sinaliza que queremos aumentar a produtividade
por trabalhador. Mas a evidente desconexão do mundo das boas intenções traduzidas em políticas
públicas com o dia a dia e as necessidades dos cidadãos limitam a efetividade da atuação do setor
público no Brasil.
Karina Bugarin
Graduada INSPER e mestrado Univ. Tsukuba (Japão).
Notas:
[1] Iowa State publica um relatório que defende a suspensão das restrições na fabricação e venda de
margarina, que seria um bom substituto para manteiga (tanto em gosto quanto em valor nutricional).
O relatório enfrenta uma série de repercussões políticas liderada pelo lobby dos produtores de
laticínios. A administração de Iowa State tentou impedir a impressão de folhetos com os resultados
da pesquisa, e o reitor careceu de apoio a Schultz. O episódio culmina no pedido de demissão de
Schultz e sua ida para Chicago University.
79 Nobel - 1979
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1980
Lawrence R. Klein e a formulação
científica de política macroeconômica
Lawrence Klein
por Pedro Garcia Duarte
80 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL
81 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL
Então a Cowles Commission atribui a Klein esta tarefa, no final dos anos 1940. Em 1950, Klein
publica Economic Fluctuations in the United States 1921–1941, que é seu primeiro esforço
de construir um modelo macroeconométrico tendo por base os trabalhos de Tinbergen e
de Haavelmo. Nele, está clara a metodologia de Klein e dos modelos que sucederam seu
trabalho, com dois princípios: primeiro, modelos macroeconométricos são para serem
revistos, atualizados, expandidos de tempos em tempos; segundo, a desagregação do
modelo é pautada pela disponibilidade de (bons) dados.
Mas é na Universidade de Michigan que Klein orienta Arthur Goldberger e os dois constroem
um modelo médio (que em sua primeira versão continha 15 equações estruturais para se
estimar e 5 identidades macroeconômicas) para a economia norte-americana. Este modelo
tem inspiração na teoria keynesiana e é publicado no livro An Econometric Model of the
United States 1929–1952, tornando-se a base para grande parte dos modelos subsequentes.
O famoso modelo Klein-Goldberger tinha como objetivo tanto fazer previsões anuais sobre
a atividade econômica como também discutir políticas econômicas alternativas através de
simulações.
82 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL
comitê da Social Science Research Council, um projeto ainda mais ambicioso: de trazer para
a discussão sobre estabilidade doméstica em uma economia a ligação internacional com
outras economias. Nasceu assim o Projeto LINK, que estudava o mecanismo de transmissão
internacional de fluxos de comércio (exportação e importação) entre países. LINK era um
sistema de modelos: ele agrupava modelos econométricos de cada país, com as variáveis
internacionais que são dadas para um país isoladamente sendo determinadas conjuntamente
pela economia global. Isto foi possível tanto por Klein liderar grupos de pesquisadores
em diferentes países, e também no Fundo Monetário Internacional, que faziam modelos
macroeconométricos, como também por decidir não padronizar os diferentes modelos.
No início dos anos 1970, o Projeto LINK continha modelos de 13 economias desenvolvidas
(Bélgica, Canadá, França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Inglaterra,
EUA, Áustria, Austrália, Finlândia), um modelo da União Soviética, modelos de economias
em desenvolvimento (agrupadas em 5 categorias), e um modelo para o restante do mundo.
83 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL
Notas:
Boumans, Marcel; Duarte, Pedro Garcia (2019). The History of Macroeconometric Modeling. Número especial
da History of Political Economy, v. 51, no. 3.
Duarte, Pedro Garcia (2011). A contribuição da econometria para o debate macroeconômico. Em: Duarte,
Pedro Garcia; Silber, Simão; Guilhoto, Joaquim, orgs.O Brasil e a Ciência Econômica em Debate: O estado da
arte em economia (vol.2).São Paulo: Saraiva, 2011, p. 229-251.
Haavelmo, Trygve (1944). The Probability Approach in Econometrics. Econometrica, 12 (supl.): 1-115.
Klein, Lawrence (1950). Economic Fluctuations in the United States 1921–1941. Cowles Commission
Monograph, no. 11.
Klein, Lawrence (1976). Project LINK: Linking National Economic Models. Challenge, v. 19, no. 5.
Klein, Lawrence; Goldberger, Arthur S. (1955). An Econometric Model of the United States, 1929-1952.
Amsterdam: North Holland Publishing.
Morgan, Mary S. (1990). The History of Econometric Ideas. Cambridge: Cambridge University Press.
84 Nobel - 1980
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1981
James Tobin
por Adriana Dupita
85 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
hoje: q de Tobin, Tobin tax, modelo Tobit (sim, Guerra Mundial – e seguiu como Junior Fellow
como o personagem do livro). Mas suas pegadas da instituição até 1950. Entre seu ingresso e sua
se espalham pelas trilhas da macroeconomia, saída de Harvard, a teoria econômica passaria
que percorreu em mais de 500 artigos ao longo por grandes mudanças.
de mais de meio século de pesquisa, de maneira
que “sua influência na teoria macroeconômica é Até a Depressão, prevalecia na academia a
tão pervasiva (…) que muitos economistas mais noção clássica de que os mercados se ajustam
jovens frequentemente sequer têm noção de sozinhos através da movimentação dos preços:
que são as suas ideias que eles estão elaborando, por exemplo, havendo uma recessão, os
testando, criticando, refutando ou reinventando”. preços caem até que, estando suficientemente
baixos, haja demanda pelos bens e serviços
Não são apenas os jovens economistas que e a economia volte a rodar normalmente. Da
esbarram nas ideias de Tobin: o noticiário mesma forma, acreditava-se que, em caso de
econômico discute muitas delas cotidianamente. alta do desemprego, os salários cairiam até um
Por exemplo: por que se espera que, quando o ponto em que voltasse a haver demanda por
Copom corta a taxa básica de juros, a economia trabalhadores, reduzindo assim o desemprego.
vá responder aumentando investimento – não
o investimento financeiro, mas o investimento A Grande Depressão mostrou que o ajuste
em produção? O que os governos devem fazer não era tão rápido e automático quanto os
numa recessão: devem aumentar gasto público e economistas da época acreditavam, e motivou
cortar juros, ou devem aguardar que a economia uma agenda de pesquisa relevante até os dias de
“se cure” sozinha? Como as economias podem se hoje. Os economistas de então se debruçaram
proteger dos especuladores? O trabalho de Tobin sobre como evitar novos episódios como este
ajudou a definir a maneira como os economistas e garantir que a economia estivesse tão perto
pensam a respeito destes problemas. quanto possível do chamado pleno emprego:
a situação em que todo mundo que deseja
Sua contribuição é ainda mais importante encontra emprego ao salário vigente. Tobin
porque ele faz parte da primeira leva de foi um dos primeiros e maiores contribuidores
macroeconomistas da história, e foi testemunha desta agenda, tanto em Harvard como em Yale,
ocular de um dos momentos mais desafiadores da para onde migrou em 1950 e ficou pelo resto de
história econômica recente. Ele é filho intelectual sua carreira. Além da carreira acadêmica, Tobin
do pós-Grande Depressão: nascido em 1918 nos serviu como membro do Council of Economic
quintais metafóricos da Universidade de Illinois, Advisors do Presidente John F. Kennedy entre
filho de um jornalista e de uma assistente social, 1962 e 1963, e seguiu como consultor do Tesouro
James Tobin juntou-se a Harvard em 1935 para e do Federal Reserve mesmo após seu retorno
cursar (com bolsa) a graduação, obteve seu à universidade, alimentando o debate público
doutorado em 1947 – após um afastamento sobre
de quatro anos para participar da Segunda
Fisher e Keynes
86 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
os assuntos mais relevantes de sua época e a objetividade na discussão das implicações para política
econômica.
A influência de Fisher e Keynes vai além de uma questão de estilo e abordagem. Fisher deu grandes
contribuições à estatística econômica, à teoria monetária e à discussão sobre escolha intertemporal,
um tema tão central a finanças. Uma parcela significativa do trabalho de Tobin é dedicada a explicar
como os preços dos ativos – que refletem estas escolhas intertemporais – influencia a flutuação da
própria economia.
P
or que você decide ter dinheiro na carteira (ou parado numa conta corrente) ao invés de
investir em algo que possa gerar rendimento? Parece uma pergunta trivial, mas entender
como esta decisão é tomada pelas pessoas é fundamental para entender as consequências
de decisões como alterações nos juros, por exemplo.
Quando uma pessoa recebe uma determinada soma de dinheiro – um salário mensal, por exemplo –
que vai custear despesas ao longo de um período próximo, ela tem uma escolha a fazer: pode ficar
com todo o dinheiro em moeda ou na conta corrente, ou pode aplicar os recursos para ir ganhando
algum rendimento enquanto as despesas não se concretizam. O fato de que as pessoas insistiam
em manter uma parte dos seus recursos em moeda – a chamada “preferência pela liquidez” – era
interpretado por Keynes como sinal de uma certa “motivação especulativa”. Ele argumentava que as
pessoas evitavam colocar todo o dinheiro em títulos na expectativa de que os juros viessem a subir
no futuro: afinal, uma alta dos juros reduziria o valor dos títulos e causaria perda de capital da parte
dos recursos aplicada.
Insatisfeito com esta explicação, Tobin ofereceu duas linhas de raciocínio mais sólidas para a preferência
por liquidez e a sensibilidade da demanda por dinheiro à taxa de juros. A primeira explicação seria
que a escolha da quantidade de moeda versus títulos se dá por uma decisão racional, em que o custo
de oportunidade de ficar com o dinheiro em mãos — os juros que se deixa de ganhar – é comparado
aos custos (taxas, tempo perdido, esforço) de ir descontando os títulos a cada vez em que se precisa
dos recursos para comprar mercadorias ou pagar um serviço.
87 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
A segunda explicação oferecida por Tobin para a relação entre a demanda por moeda e a taxa de
juros está associada à aversão ao risco: as pessoas preferem liquidez, e esta preferência é tão maior
quanto menor seja a taxa de juros, não porque elas têm expectativa de perda de capital (como dizia
Keynes), mas porque elas a temem. Ou seja, a decisão de ter uma parte de seus recursos em moeda,
ou em um ativo livre de risco, refletiria a aversão ao risco de cada um. Esta ideia está na origem do
chamado teorema da separação, um dos pilares sobre os quais a maior parte da teoria moderna de
finanças se assenta – inclusive o Capital Asset Pricing Model (CAPM), modelo que, apesar de seus
muitos problemas, é muito difundido em finanças ainda hoje.
Esta aparente obsessão pela resposta da demanda por dinheiro à taxa de juros tem explicação. Por
volta da década de 1950, vinha emergindo uma escola de pensamento – os monetaristas — que
argumentava que a velocidade de circulação da moeda não era sensível à taxa de juros. Para os
monetaristas, estímulos fiscais – aumento de gastos públicos ou cortes de impostos – não seriam
capazes de influenciar a demanda agregada, a menos que fossem acompanhados pela criação de
dinheiro. É como se os monetaristas dissessem que a moeda fosse a única variável que importa na
economia.
Tobin acreditava na relevância da moeda mas discordava que fosse a única variável de ajuste possível
– e passou boa parte da sua carreira em um “duelo acadêmico” com o monetarista Milton Friedman
sobre o efeito das políticas monetárias e fiscal. A discussão entre eles não ficava limitada a este tema,
claro – e perpassou temas como a forma como o governo afetava a liberdade dos indivíduos. Sobre
este tema, o último parágrafo de uma carta enviada por ele a Friedman em 1964 parece ter sido
escrito… ontem. Dizia Tobin: “É na questão de liberdade de expressão que eu tenho mais dificuldade
para compreender seu ponto de vista. Minha leitura da história e do cenário atual seria que as principais
ameaças à liberdade de dissenso têm quase nada a ver com o tamanho econômico do governo em
nosso tipo de sociedade. As principais ameaças vêm dos sabe-nada, Mitchell Palmers, McCarthys,
Klu Kluxers e quetais. Não é um governo federal grande que intimida bibliotecários, autores de livros-
texto, jornalistas, advogados de direitos civis no Sul, etc. Eu não tenho conhecimento de casos em
que a democracia tenha virado totalitarismo ao aumentar gradualmente o tamanho e o escopo da
atividade do governo. Mas eu conheço casos, como a República de Weimar, em que o fracasso de
governos conservadores em usar seus poderes para fins econômicos e sociais acabou por entregar
o país todo a um ditador totalitarista”.
88 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
O q de Tobin
O
Os estudos de Tobin foram para a empresa emitir ações e usar os recursos
importantes na construção de uma para aumentar seus investimentos: como o preço
teoria macroeconômica integrada da ação está alto, a empresa pode vender uma
a um modelo geral de mercados de pequena parte de sua propriedade e arrecadar
ativos. Keynes definia curto prazo recursos mais que suficientes para custear um
como o período em que investimentos não novo investimento. A lógica pode ser aplicada,
alteravam de modo significativo o estoque com ajustes, às decisões de investimentos de
de capital, e portando o capital poderia ser famílias e a outros tipos de ativos.
tomado como fixo. Tobin desenvolveu modelos
que reconheciam que os fluxos de investimento O q de Tobin fornece, desta forma, um elo
e emissão monetária afetavam o estoque de entre as decisões do banco central, o mercado
investimento e dívida pública, levando a um financeiro (representado no numerador) e o
desenho mais fidedigno de como a economia lado real da economia (denominador). Um corte
funcionava. de juros pelo banco central tende a aumentar
o valor de mercado de uma empresa, elevando
Um dos elos teóricos entre o mercado de ativos o q e aumentando o incentivo ao investimento.
e o lado real da economia seria representado por Ainda hoje – décadas após sua proposição –
um indicador popularizado por Tobin e batizado testes e formulações do q de Tobin fazem parte
em sua homenagem. O q de Tobin é a razão entre da agenda de pesquisa em macroeconomia
o valor de mercado de um ativo (por exemplo, e finanças, em alguns casos em aplicações e
uma empresa) e seu custo de reprodução (o entendimentos distintos dos formulados pelo
custo de aquisição de seus equipamentos e autor.
instalações). Uma razão alta torna vantajoso
Tobin tax
A ideia de Tobin mais conhecida é também bastante controversa e um tanto mal compreendida.
Nos anos 1970, o sistema monetário internacional passava por uma profunda transformação.
Nas décadas que se seguiram ao acordo de Bretton Woods em 1944 (que contou com
a participação de Keynes), as economias vinham atrelando suas moedas ao dólar em
paridades fixas, enquanto os Estados Unidos mantinham suas reservas em ouro (o chamado padrão
dólar-ouro). Mas em 1971, os EUA abandonaram a conversibilidade do dólar em ouro e as principais
moedas, ao invés de manter uma paridade fixa em relação ao dólar, passaram a ser flutuantes.
Neste contexto, James Tobin lança uma proposta de reforma monetária internacional. Para ele, o
problema do novo regime estava na excessiva mobilidade internacional do capital privado. Países
que viam grandes fluxos (de entrada ou saída) de capitais perdiam a habilidade de buscar seus
próprios objetivos com as políticas monetária e fiscal, e frequentemente tinham que passar por
ajustes dolorosos diante de grandes movimentos de capital – independentemente de se seus regimes
eram de câmbio fixo ou flutuante. Tobin enxergava duas soluções possíveis: uma completa integração
internacional, migrando para uma moeda global única; ou uma maior segmentação dos mercados,
dando aos BCs nacionais maior autonomia na política econômica.
Apesar de preferir a integração, Tobin a considerava inexequível no futuro previsível, e por isso,
89 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
com algum desgosto, propunha “jogar areia alta o suficiente para superar o custo do imposto
nas engrenagens dos nossos excessivamente nas conversões de moeda.
eficientes mercados cambiais internacionais”.
Esta “areia” viria na forma de um imposto Pelas décadas seguintes, Tobin viu sua ideia ser
internacional, proporcional ao volume da distorcida e abraçada por grupos com quem
operação, cobrado a cada conversão de moedas. tinha diferenças profundas de visão. Em 2001 –
A ideia – inspirada em uma proposta de Keynes quase trinta anos depois de falar no imposto pela
décadas antes e conhecida até hoje como Tobin primeira vez – Tobin ainda tinha que esclarecer,
tax – serviria para desencorajar fluxos de capitais em entrevistas, que a ideia dele visava limitar a
de curto prazo, que passariam apenas a ocorrer especulação, e não combater a globalização.
se a expectativa de retorno em poucos dias fosse
A As ideias de Tobin se concentravam na discussão sobre moeda, mas não se limitavam a ela.
Sua tese de doutorado, com orientação de Joseph Schumpeter, investigou os determinantes
do consumo de bens de consumo duráveis a partir de pesquisas de orçamentos familiares.
A variável a ser investigada – se a família havia ou não adquirido bens de consumo durável,
e se sim em que valor – era uma variável “truncada”, diferente das variáveis contínuas normalmente
usadas em economia, e também diferente de variáveis qualitativas que tinham apenas “sim” ou
“não” como respostas possíveis. Como não havia uma boa técnica estatística para tratar este tipo
de variável, Tobin desenvolveu o método que mais tarde ficou conhecido como Tobit. Este trabalho
também foi um dos primeiros a lidar com os chamados estudos de painel, em que diversas unidades
de análise (as famílias) são observadas ao longo de vários momentos no tempo.
Ao longo da carreira, o economista discutiu outros temas que seguem em pauta até hoje. O
combate à desigualdade era um dos temas sobre os quais se posicionava com frequência:
Tobin apoiava o imposto de renda negativo como forma de combater a pobreza e escreveu
sobre como melhorar a posição dos negros na economia americana, por exemplo. Quase
quatro décadas atrás – muito antes de sustentabilidade entrar na pauta do dia — Tobin e
William Nordhaus já propunham que os objetivos de política econômica fossem definidos
em função de uma medida de bem-estar econômico, mais ampla que o número frio do PIB,
que incorporasse o valor do lazer, do trabalho não remunerado e os danos ao ambiente
causados pelo consumo e produção.
James Tobin faleceu em 2002, em New Haven, cidade onde viveu a maior parte da sua vida.
Ele acreditava que “as decisões mais importantes que um acadêmico toma são sobre quais
os problemas que ele vai se dedicar”. Suas muitas contribuições, relevantes até hoje, mostram
que tomou essas decisões com sabedoria e um senso impecável do que era importante para
a sociedade.
Adriana Dupita
Economista da Bloomberg, graduada em Economia pela USP e mestre pela London School of
Economics and Political Science (LSE/University of London). Agradeço – mas isento totalmente de
culpa! – Cristiano Souza, Everton Gomes e Rodrigo Silva pelos comentários e pelo apoio moral.
90 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
Notas:
Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel (1981), disponível em https://www.
nobelprize.org/prizes/economic-sciences/. Livre tradução.
Buiter, W (2013). James Tobin: An Appreciation of his Contribution to Economics. NBER Working Paper No.
9753, June 2003. Livre tradução.
Quando recebeu o Nobel, Tobin justificou, em sua nota autobiogrática, sua inclinação pela área dizendo que
economia “oferecia a esperança, como ainda oferece, de que um melhor entendimento possa melhorar a
situação da humanidade. (…) Os tristes fracassos das economias capitalistas na Grande Depressão foram
causas centrais dos desastres sociais e políticos em todo o mundo. A depressão também gerou crise para
uma ortodoxia econômica incapaz de explicar os eventos ou de prescrever remédios”. A nota completa
está disponível em https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1981/tobin/biographical/). Livre
tradução.
Buiter (2003).
Breit, W e Spencer, R. W. (1986) Lives of the Laureates, Seven Nobel Economists – James Tobin, Cowles
Foundation, disponível em https://cowles.yale.edu/sites/default/files/files/pub/misc/tobin-laureate-86.pdf.
Krugman, P. (2003). “Na época de Tobin, debate econômico era mais honesto”. Artigo publicado originalmente
no New York Times e republicado, em versão traduzida, pela Folha de S. Paulo. Disponível em https://www1.
folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1303200212.htm.
Nas primeiras formulações deste tema, tanto Keynes como Tobin tratavam a decisão como um escolha
entre apenas duas possibilidades: moeda sem risco e sem rendimento, e um ativo com expectativa de
rendimento mas cujo valor poderia oscilar (ou seja, com risco). Este ativo era chamado genericamente de
“título”. Posteriormente, Tobin expande a teoria para incorporar uma gama mais amplos de ativos.
A mesma ideia foi formulada por William Baumol à mesma época, e por isso está representada no chamado
modelo Baumol-Tobin (embora os próprios autores reconhecessem que Maurice Allais tinha apresentado
esta ideia antes deles).
Carta de James Tobin para Milton Friedman sobre a liberdade, enviada em 1964, cujo texto está disponível
em https://www.irwincollier.com/yale-james-tobin-on-freedom-to-friedman-in-1964/. Tradução livre.
De forma simplificada, sem considerar mudanças em nenhuma outra variável, um corte de juros tende a
aumentar o valor de mercado de uma empresa seja porque aumenta a perspectiva de crescimento de lucros
futuros (na medida em que a economia tende a crescer mais), seja porque reduz a taxa à qual o fluxo de
juros futuros é trazido a valor presente.
O conceito definido por Tobin não é de mensuração muito simples, e por isso diversos autores propuseram
estratégias diferentes para computá-lo, nem sempre muito fiéis ao espírito do conceito. Dois textos
que discutem possíveis distorções são Barlett e Partnoy (2018), “The Misuse of Tobin’s Q”, e o trabalho
apresentado por Bruna Pereira e co-autores no XIV Congresso de Controladoria e Contabilidade da USP
(2014), “Tobin Pergunta: O Que Aconteceu Com o Meu Q?”.
A ideia foi lançada inicialmente por Tobin em 1972, formalizada em artigo em 1974 e depois rediscutida em
um Discussion Paper da Cowles Foundation em 1978, disponível em https://cowles.yale.edu/sites/default/
files/files/pub/d05/d0506.pdf.
“Eles abusam do meu nome” (tradução do Google para o original “Die missbrauchen meinen Namen”),
entrevista concedida à revista Der Spiegel em 3 de setembro de 2001, disponível em https://www.spiegel.
de/spiegel/print/d-20017795.html.
91 Nobel - 1981
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1982
O primeiro Prêmio Nobel para
Organização Industrial
George J. Stigler
por Claudio Lucinda
92 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL
A primeira edição do Industry and Trade é de enfrentada pelas empresas seria mais elástica
1919, já no final da vida do autor; logo depois para aumentos de preços e menos elástica para
começam a aparecer algumas contribuições já redução de preços o que, para eles, seria uma
questionando esta premissa. A primeira delas, motivação para estabilidade dos preços ao
de Piero Sraffa, “The Laws of Returns under longo do tempo.
Competitive Conditions” (SRAFFA, 1926),
apresenta um resultado hoje conhecido de Não era mais possível imaginar que o modelo
alunos de Organização Industrial: em condições de competição perfeita seria capaz de explicar
de retornos crescentes de escala, não é possível o comportamento de mercado, mesmo com
a obtenção de um equilíbrio em competição ressalvas. A partir do final dos anos 30, a
perfeita. chamada “Escola de Harvard” (associadas
aos nomes de Edward Mason e Joe Bain) se
Em 1933, dois livros criticam ainda mais a ideia organiza em torno da seguinte ideia. Uma
que a competição perfeita seja capaz de explicar vez que, à época, parecia ser impossível o
o comportamento de mercado, o The Economics desenvolvimento de um paradigma teórico que
of Imperfect Competition de Joan Robinson e pudesse substituir o modelo de competição
o The Theory of Monopolistic Competition de perfeita para organizar o pensamento sobre o
Edward Chamberlin. Os dois livros questionam comportamento das empresas no mercado, os
outro ponto: em muitos casos, as empresas são economistas deveriam se focar em documentar
capazes de influenciar as condições segundo as fatos estilizados sobre os diferentes setores, que
quais vendem seus produtos. depois poderiam servir de base para a elaboração
de teorias. Essa abordagem acabou levando
Em 1939, dois artigos, (HALL e HITCH, 1939 ao chamado Paradigma Estrutura-Conduta-
e SWEEZY, 1939) criticam outra premissa Desempenho. Neste contexto, começam a surgir
fundamental do modelo de concorrência as contribuições mais importantes de George
perfeita: as empresas não parecem agir de Stigler à área de Organização Industrial.
acordo com uma demanda contínua. A demanda
N
Nascido em 1911, George Stigler fez seus estudos de graduação e Doutorado na Universidade
de Chicago, onde defendeu sua tese, em 1938 orientada por Frank Knight. Após seu
doutoramento, durante a Segunda Guerra Mundial ele trabalhou com pesquisa para o
esforço de guerra norte americano na Columbia University e, de 1947 a 1958, foi membro
do corpo docente da mesma Universidade.
A partir de 1958 e até sua morte em 1991, George Stigler foi Professor da Universidade de Chicago,
com um elevado grau de envolvimento institucional, sendo editor do Journal of Political Economy,
criando uma série de workshops em Organização Industrial e, em 1977, inaugurando o Center for the
Study of the Economy and State (hoje Stigler Center for the Study of the Economy and State).
Lá ele também se tornou um dos principais membros da chamada “Escola de Chicago”, que entre
outras características se definida metodologicamente pelo uso da “Teoria dos Preços” – tão fortemente
identificada com este centro de pesquisa que é conhecida também como “Teoria dos Preços de
Chicago”.
Um paper recente (Weyl, 2019), propôs a definição de “Teoria dos Preços” como sendo um tipo
93 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL
de análise econômica que tenta simplificar um modelo complexo, ainda que não completamente
detalhado, em vetores de “preços” que podem responder um problema alocativo específico.
Um exemplo deste tipo de abordagem está em seu artigo The Economics of Information (Stigler,
1961), que começa com uma questão bastante simples: por que observamos dispersão de preços
(ou seja, preços diferentes para produtos idênticos aos olhos dos consumidores)? Stigler começa
assumindo este vetor de preços sumariza um comportamento bastante complexo de vendedores e
compradores na busca e fornecimento de informação. A partir daí, e com um arcabouço matemático
avançado para a época, é capaz de derivar conclusões poderosas sobre onde podemos esperar
maior e menor dispersão.
Com o uso da “Teoria dos Preços”, Stigler começou a criticar o ponto de vista dominante em
Organização Industrial, o chamado Paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho mencionado
anteriormente. Nesta crítica, três pontos foram essencialmente importantes:
1 A certeza que a teoria neoclássica (interpretada pela “Teoria dos Preços de Chicago”)
podia explicar a realidade com sucesso,
3 Um tom ácido em suas contribuições, entendido pelos amigos como humor, e por outros,
como ataques pessoais mal disfarçados.
Como diz o press release do Prêmio Nobel, ele conseguiu mostrar que fenômenos tais como rigidez
de preços, recursos sub utilizados e o uso de filas para racionamento, coisas que são encontradas
regularmente em economias de mercado, conseguem ser explicados de forma consistente dentro
de um arcabouço neoclássico. Ou seja, não seriam limites da teoria neoclássica e nem haveria a
necessidade de intervenção governamental.
Ao estudar o funcionamento do mercado, Stigler também se deparou com um aspecto que condiciona
em muitas dimensões a ação das empresas e consumidores: a ação governamental.
E ao se fazer esta pergunta, Stigler termina concluindo que algumas regulações acabam protegendo
grupos específicos de produtores ao invés do público em geral, o qual estas regulações deveriam
proteger. Além disso, já nos anos 40, Stigler também mostra que a intervenção governamental na
economia (como por exemplo, em leis que limitam o valor dos aluguéis) pode ter efeitos importantes
diferentes dos pretendidos pelos seus idealizadores. Estes dois aspectos – a regulação poder ser o
resultado da ação dos agentes regulados e a ela pode ter efeitos colaterais adversos sérios – são
contribuições que pautam pesquisas na área até os dias atuais, na chamada Teoria Econômica da
Regulação.
94 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL
A
crítica da Escola de Chicago e da “Teoria começo dos anos 80, observamos com a “Nova
dos Preços” afetou profundamente a Organização Industrial Empírica”, esforços em
forma com que a área de Organização estimar parâmetros estruturais dos modelos
Industrial enfrenta seus desafios, ainda usados para explicar o comportamento das
que a “Teoria dos Preços” não seja mais empresas.
o paradigma dominante na área de Organização
Industrial, como aponta Weyl (2019). Uma segunda abordagem, surgiu também em
parte como resposta às conclusões da Escola
Atualmente, existem duas linhas de análise em de Chicago. No entanto, a resposta dessa linha
Organização Industrial, que em grande medida conceitual partiu por abandonar o paradigma
estão associadas com diferentes formas de se neoclássico e se baseiam em modelos
responder ao desafio colocado pela Escola de evolucionários como em Nelson e Winter (2009)
Chicago e a “Teoria dos Preços”. e Dosi (1981).
95 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL
Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.
Notas:
DOSI, Giovanni et al. Technical change and survival: Europe’s semiconductor industry. LEM Book Series, 1981.
Hall, R. and Hitch, C. 1939. “Price Theory and Business Behaviour” Oxford Economic Papers Vol. 2, pp. 12-45
NELSON, Richard R e WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. harvard university press,
2009.
SRAFFA, Piero. The laws of returns under competitive conditions. The economic journal, v. 36, n. 144, p. 535-
550, 1926.
STIGLER, George J. The economics of information. Journal of political economy, v. 69, n. 3, p. 213-225, 1961.
Sweezy, P. 1939. “Demand Under Conditions of Oligopoly” The Journal of Political Economy Vol. 47, pp. 568-
573
WEYL, E. Glen. Price theory. Journal of Economic Literature, v. 57, n. 2, p. 329-84, 2019.
Links Recomendados
https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1982/press-release/
https://www.hetwebsite.net/het/profiles/stigler.htm
http://nasonline.org/publications/biographical-memoirs/memoir-pdfs/stigler-george.pdf
http://wwwbusiness.murdoch.edu.au/econs/wps/177.html
https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jel.20171321
96 Nobel - 1982
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1983
Gerard Debreu
por Caio Augusto
97 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL
N
ascido em 1921 em Calais, na França, maior.
passou por um momento bastante Em 1941 entrou para a École Normale Superiéure,
específico e complicado em sua tendo estudado e vivido ali até 1944. Chegou
vida: estava em seu país natal nas a afirmar certa vez que o ambiente era
proximidades do início da Segunda academicamente denso, sendo a entrada de
Guerra Mundial, e lá esteve acumulando novos alunos limitada a 20 por turma e com a
conhecimento mesmo neste período. tensão de viver em uma Paris dominada pelos
alemães.
Esteve no ano acadêmico de 1939-1940
estudando matemática em Ambert, mas com a A ideia era que concluísse os estudos em 1944,
guerra tendo começado a dividir a França em mas com o Dia D os planos foram alterados: se
áreas diferentes em 1940, se mudou e continuou alistou no exército francês, foi mandado para
os estudos, aprofundando-os na mesma área, uma missão na Argélia e acabou concluindo
mas nesse ano em Grenoble. A primeira parte aqueles estudos apenas no início de 1946.
envolvia estudos preparatórios em matemática
e a segunda tratava-se de um aprofundamento
A
pós esse breve hiato pelo motivo da guerra, acabou tendo contato com a economia e se
apaixonou. Isso aconteceu quando se deparou com os aspectos matemáticos da teoria
de equilíbrio geral. Essa teoria, que havia sido iniciada por León Walras no período entre
1874-1877, constava em um livro de Maurice Allais, de 1943, de nome A la Recherche d’une
Discipline Économique. Passou então dois anos e meio em uma verdadeira migração de
áreas: da já conhecida matemática para a em transformação economia.
Em 1948 passou várias semanas na Salzburg Seminar in American Studies, onde teve contato com
Wassily Loentief (laureado Nobel de Economia em 1973, dez anos do que aconteceria com ele mesmo
no futuro). E ainda em 1948 uma mudança muito importante aconteceu em sua trajetória: ele virou
Fellow da Rockfeller Fellowship, o que o permitiu passar um tempo em Universidades como Harvard,
da California em Berkeley, de Chicago e Columbia em 1949 e, ainda nos primeiros meses de 1950,
esteve como visitante nas Universidades de Uppsala e Oslo.
Durante esse período de portas abertas em função da Rockfeller Fellowship, acabou tendo contato
com desenvolvimento na ciência economia que seus tempos na França não haviam permitido até
então, o que o fez ainda mais interessado pela área. Ainda em 1949, durante o período na Universidade
de Chicago, aceitou uma proposta para ser pesquisador associado na Comissão Cowles para Pesquisa
em Economia, onde acabou tendo ligação por onze anos a partir de junho de 1950.
98 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL
O
ambiente como pesquisador existência de um equilíbrio geral, o que ficou
associado dessa Comissão Cowles foi pronto em 1962. Em 1963 publicou um paper
bastante propício para o avanço de com Herbert Scarf, também sobre equilíbrio
seus estudos em ótimo de Pareto, na geral. Tendo contato em 1964 com um artigo de
existência de um equilíbrio econômico Robert Aumann a respeito da teoria da medição
geral e também na teoria sobre utilidade. Em de espaços de agentes econômicos, passou a se
1953, enquanto estava em uma licença de seis interessar consideravelmente por este tema.
meses na Électricité de France em Paris, teve
contato com um trabalho de Kenneth Arrow Entre o final dos anos 1960 e o início dos anos
sobre commodities e, em 1959, isso culminou em 1980, esteve em diversos centros de pesquisa,
sua Teoria do Valor (capítulo final de um trabalho como por exemplo a Universidade de Louvain
publicado naquele ano). (1968-1969), a Churchill College de Londres
(1972), mais uma vez a Cowles Foundation de
Em 1955 a Comissão Cowles mudou da Yale (1976), a Universidade de Bonn (1977) e o
Universidade de Chicago para a Universidade CEPREMAP de Paris (1980).
de Yale e, com a mudança, Debreu finalizou um
artigo sobre uma análise axiomática da teoria de Tendo abordado sempre temas com um olhar
equilíbrio econômico geral. mais matemático e cercado de axiomas dessa
natureza, Debreu seguiu com suas contribuições
No biênio 1960-61, estava no Centro de Estudos dentro do campo do equilíbrio geral da
Avançados em Ciências Comportamentais de economia por décadas. Debreu era professor da
Stanford, período em que focou completamente Universidade da California em Berkeley quando
em provar um teorema geral a respeito da foi laureado.
O prêmio, em 1983
E ntão professor em Berkeley, Debreu foi laureado por sua pesquisa seminal em equilíbrio dos
mercados. Na descrição apresentada quando da explicação sobre os porquês da premiação,
foram destacadas contribuições diversas, sobretudo presentes nos anos 1950 junto a Arrow
em equilíbrio geral dos mercados, mas também fala-se de suas contribuições em na utilização
eficiente de recursos e sobre a estabilidade do equilíbrio econômico.
O caminho da contribuição é, em termos resumidos, o seguinte: Adam Smith trouxe com sua teoria
original que as pessoas, movidas por seu interesse próprio, moviam os mercados através da demanda,
sendo os produtores responsáveis por posicionar a oferta do mercado e permitir que o equilíbrio
ocorresse; ao final do século 19, León Walras formulou essa hipótese matematicamente, chegando
ao equilíbrio dos mercados com matemática, mas o que faltava era uma análise sobre os efeitos
econômicos daquelas equações.
A grande contribuição de Debreu neste campo foi provar a existência desse equilíbrio e do fato de
que ele criava os preços. O diferencial presente nos trabalhos de Debreu e Arrow era mostrar como
99 Nobel - 1983
E-BOOK NOBEL
ocorria a maximização de lucros por parte dos produtores ao comporem a oferta, enquanto a demanda
seguia seu movimento observando esses preços do outro lado. Através dessas movimentações nos
preços, Debreu e Arrow provaram que as intuições de Smith e as equações de Walras faziam mesmo
sentido econômico.
O trabalho de Debreu de nome Teoria do Valor, de 1959, fundou uma nova base de pensamento dentro
da teoria de equilíbrio de mercados. Para se ter uma ideia, até mesmo o que seria a definição de um
bem e como os consumidores reagiam de acordo com os tipos de bens foram questões colocadas
em discussão nesta obra, que suscitou muitas reflexões adicionais nos anos que se seguiram.
Sobre as outras duas áreas que receberam destaque em sua premiação, temos que: a respeito do uso
eficiente de recursos, foram analisadas condições pelas quais a “mão invisível do mercado” realmente
movia os recursos de maneira eficiente, ainda que com a existência de desperdício; já a respeito do
equilíbrio dos mercados, Debreu apresentou a contribuição de que, em uma economia com muitos
agentes, como não valeria ficar fora do contato com os mercados, haveria então um equilíbrio (de
manutenção de agentes dentro desses mercados). Além de todas essas contribuições, Debreu ainda
pode contribuir também para a teoria de comportamento do consumidor.
Gerard Debreu faleceu em 31 de dezembro de 2004, após décadas de contribuição que se desdobraram
e ainda se desdobram em discussões que remontam ao período atual.
Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.
Notas:
Referencias Bibliográficas
Artigo construído com base em registro biográfico feito por Gerard Debreu https://www.nobelprize.
org/prizes/economic-sciences/1983/summary/ e também no Press Release da academia que concede a
premiação https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1983/press-release/
DEBREU, Gerard. Theory of value: An axiomatic analysis of economic equilibrium. Yale University Press,
1959.
NOBEL DE ECONOMIA
1984
Richard Stone
por Claudio Lucinda
R
ichard Stone ganhou o Prêmio Nobel de Economia do ano de 1984
pelas suas contribuições para o sistema de contas nacionais e,
portanto, melhorando as bases para análise econômica empírica,
segundo a Academia de Ciências da Suécia.
Com o início da Segunda Guerra Mundial o governo inglês convoca John Maynard Keynes para
analisar a economia britânica, para que os seus recursos possam ser utilizados no esforço de guerra
da forma mais eficiente. Para isso Keynes coordenou um esforço para a construção de um sistema
de contas nacionais, com uma equipe composta por dois futuros Prêmios Nobel: Richard Stone e
James Meade. Tal sistema foi publicado como o livro de 1944 National Income and Expenditure, de
Richard Stone e James Meade.
Keynes recomenda ao final da Segunda Guerra o estudo das relações correspondentes à matriz
Mundial que a Universidade de Cambridge associada à conta de produção da economia.
crie um Departamento de Economia Aplicada, Tais desagregações inclusive ganharam um
dirigido por Stone, cujo trabalho na construção nome próprio, Sistema de Contabilidade Social.
do sistema de contas nacionais o impressionou
bastante. E assim, em 1945 Richard Stone As principais utilidades do Sistema de Contas
se tornou professor em Cambridge e diretor Nacionais são, em primeiro lugar, a capacidade
desse novo departamento. A Universidade de de se avaliar o estado de uma economia de uma
Cambridge foi seu domicílio acadêmico desde forma organizada e logicamente consistente
1945 até sua aposentadoria em 1980. a partir da análise destas contas. Além disso,
a comparação das Contas Nacionais ao longo
Em termos de contribuição acadêmica, a do tempo também permite que monitoremos o
contribuição de Richard Stone criando o Sistema desempenho da economia ao longo do tempo,
de Contas Nacionais não pode ser minimizada, levando-se em conta a mudança no poder de
é também uma linguagem e parte da forma de compra da moeda ao longo do tempo.
pensar do economista moderno. Termos como
Produto Interno Bruto, Consumo do Governo, Tais vantagens fizeram com que a metodologia
Balanço de Pagamentos, que são comuns no do Sistema de Contas Nacionais tenha sido
debate público em economia são entendidos empregada por organismos internacionais como
hoje num contexto do Sistema de Contas a Organização das Nações Unidas (que publicou
Nacionais. o Sistema de Contas Nacionais de Stone em
1953), o Banco Mundial, o FMI e a OCDE. Tais
O Sistema de Contas Nacionais é essencialmente organizações foram fundamentais para a
uma aplicação do método de Partidas Dobradas disseminação e padronização internacional
para o registro das atividades de cada um dos deste sistema, usado por todos os países do
setores que compõem a economia – famílias, mundo atualmente.
empresas, governo e residentes no exterior.
Em sua versão original de 1953, esses registros A influência do Sistema de Contas Nacionais não
eram compostos por quatro contas: produção, é restrita ao aspecto da mensuração; a forma de
consumo, acumulação e relação com o exterior. se escrever e pensar sobre macroeconomia se
beneficiou enormemente do Sistema de Contas
Em cada uma das contas, temos entradas e Nacionais. Para alguns casos, o Sistema de Contas
saídas registradas de forma integrada: uma Nacionais já é algo muito próximo de um modelo:
entrada em uma conta têm que corresponder a uma matriz insumo-produto é, ao mesmo tempo,
uma saída em outra conta. A vantagem desse um registro de transações entre os diferentes
sistema é que ele é integrado – ou seja, o sistema setores e, também, uma representação da
garante a sua consistência interna. tecnologia de produção da sociedade. Ao forçar
uma definição precisa e consistente de termos
Stone sempre preferiu a apresentação desse como “Consumo”, “Investimento” e “Gastos do
sistema em uma forma matricial, com as Governo”, o Sistema de Contas Nacionais fez
contas de entrada representadas em linhas e com que o debate acadêmico deixasse de se
as contas de saída em colunas. Nessa forma perder em aspectos semânticos e de definições,
de apresentação, os conceitos como Produto algo muito presente na literatura da virada do
Interno Bruto, Consumo ou Balança Comercial século XX.
também aparecem, mas também é possível
visualizar as inter-relações entre os setores da Finalmente, Richard Stone tem contribuições
economia. A análise de Insumo-Produto de relevantes na área de modelos empíricos
Wasily Leontief, por exemplo, pode ser vista como de demanda, ainda que não diretamente
mencionadas pelo Comitê do Prêmio Nobel. Nesta área, a principal contribuição foi o desenvolvimento
do Linear Expenditure System, um modelo de demanda que (i) podia ter seus parâmetros estimados
com os dados e computadores disponíveis nos anos 50 do século XX, (ii) era consistente com a
teoria econômica, significando que os parâmetros estimados representariam o processo de escolha
de um consumidor representativo. Hoje em dia considerado simples e exageradamente restritivo,
este modelo foi a base da grande parte da literatura subsequente na área – inclusive do Almost Ideal
Demand System de Angus Deaton, outro Prêmio Nobel.
Em resumo, o Sistema de Contas Nacionais, além de ser um tema a que milhares de alunos de
graduação em economia são apresentados no início de sua carreira – com diferentes graus de
entusiasmo – foi e é um elemento na forma de se pensar e se comunicar a Macroeconomia. E por isso
nossas contas registram um débito com Richard Stone.
Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.
Notas:
Referencias:
Stone, John Richard Nicholas (1913-1991) – Capítulo no The New Palgrave Dictionary of Economics. Disponível
em https://www.princeton.edu/~deaton/downloads/Deaton_STONE_JOHN_RICHARD.pdf
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1984/stone/lecture/
Essays of an Information Scientist, Vol:8, p.469-479, 1985 Current Contents, #49, p.3-13, December 9, 1985
– disponível em http://garfield.library.upenn.edu/essays/v8p469y1985.pdf
NOBEL DE ECONOMIA
1985
O ítalo-americano que mudou
a macroeconomia e as finanças
Franco Modigliani
por Henrique Rodrigues da Mota
Samuelson:
Quem é o economista mais famoso da Itália?
Modigliani:
Eu não sei, não importa.
Samuelson:
Como não sabe? Não seria Franco Modigliani?
Modigliani:
Ah, mas este é o economista mais famoso do mundo.
Paul Samuelson
(Relato presente no obituário de Modigliani
no jornal The Guardian)
F
ranco Modigliani (18 de junho de 1918- 25 de
setembro de 2003) foi vencedor do Prêmio
Nobel em 1985 pelas suas contribuições à
macroeconomia e às finanças. Assim como
muitos de seus contemporâneos de profissão,
Modigliani, judeu nascido em Roma, é mais um entre
tantos imigrantes europeus que fugiram do fascismo
e da Guerra na virada dos anos 30 para os 40 em direção aos Estados Unidos. Tendo saído da Itália
logo após a aprovação das Leis Raciais de 1938, viria para os Estados Unidos em 1939, onde seguiria
na sua vida acadêmica sob um ambiente acadêmico pulsante e imaginativo, até sua morte.
Em entrevista para Barnett e Solow (2000), Modigliani diria que o período em Carnegie Mellon
seria certamente seu período mais produtivo enquanto pesquisador. Ali escreveu seus papers mais
relevantes, com seus orientandos Richard Brumberg e Merton Miller. Com estes, respectivamente, fez
os seguintes trabalhos que lhe renderam o Nobel:
Em sua palestra na ocasião da conquista do Nobel, Modigliani (1986), nota a contribuição fundamental
de Margaret Reid, que teve o insight de que a renda permanente e não a renda corrente era o que
determinava o consumo corrente. Se houvesse choques transitórios na renda, estes se manifestariam
em mais ou menos poupança, pois o consumo estava associado à renda média permanente dos
indivíduos.
Esta foi a pedra fundamental para uma revolução na teorização sobre poupança, dada pelas Hipóteses
do Ciclo da Vida de Modigliani e Brumberg (1954,1979) e da Renda Permanente (Permanent Income
Hypothesis) de Milton Friedman (1957). Enquanto a primeira considerava agentes que nasciam,
trabalhavam, se aposentavam e morriam, a segunda considerava uma economia com um agente
representativo que jamais morria ou se aposentava e tomava decisões até um tempo infinito.
A Hipótese do Ciclo da Vida, em sua formulação pura, prescreve que o consumo dos indivíduos tende
a ser constante e depende da renda média total ao longo da vida, enquanto que o que determina as
taxas de poupança de uma pessoa são a sua faixa etária. Mais jovens, os indivíduos consumem menos
do que ganham em renda, de modo a acumular patrimônios que possibilitam sua aposentadoria.
Quando aposentados, a renda cai e os agentes praticam “poupança negativa”, exaurindo seus
patrimônios. O quadro abaixo fornece uma intuição deste comportamento.
Os indivíduos consomem de modo constante, conforme a média de sua renda. Poupam até se
aposentar, lapidando seu patrimônio até zero, com o fim da sua vida. Quadro de Modigliani (1986).
Como relata Deaton (2005), a hipótese de Modigliani teve o papel essencial de harmonizar uma série
de evidência empíricas, possibilitando uma narrativa mais coesa sobre os determinantes do consumo
nas sociedades modernas. O fenômeno, considerado por Keynes, de que os ricos poupavam mais,
derivaria do fato de que as classes ricas tem uma composição grande de temporariamente ricos,
estes utilizam-se dessa renda extra, mas não permanente, para poupar.
Isto também era visto na Hipótese da Renda Permanente, mas esta era incapaz, por exemplo, de captar
efeitos positivos de crescimento em poupança observados nos dados. No modelo de Friedman, se a
renda cresce ao longo do tempo e as pessoas vivem para sempre, não há porque poupar mais e sim
menos. Esta relação positiva entre crescimento e poupança era o que Modigliani mais valorizava de
sua hipótese (Barnett e Solow, 2000)
Para Modigliani, a dimensão demográfica do modelo era essencial para o agregado: se a economia
está crescendo por crescimento populacional, os jovens, que poupam mais, tendem a ser mais
prevalentes do que os idosos, que sacam suas poupanças (assim, a poupança é maior para os países
em que a população cresce mais rápido). Um raciocínio parecido é dado para a produtividade: há
mais poupança agregada nas gerações jovens e este efeito não é totalmente reduzido pelos saques
dos aposentados, que consomem menos por terem tido rendas menores ao longo da vida.
Algumas das previsões empíricas da hipótese de Modigliani não parecem ter resistido ao teste do
tempo. Kotlikoff e Summers (1981) afirmam que 80% do patrimônio se explicava por heranças nos anos
60-70 e não pelas hipóteses do ciclo da vida (poupanças para se aposentar), embora Modigliani (1986)
contestasse seus métodos. Alvaredo, Garbinti e Piketty (2017) propõe uma posição intermediária:
Modigliani estava certo (ainda que exagerado) para o período imediato do pós-guerra (1960-1980),
onde as poupanças de aposentadoria parecem ter determinado a dinâmica dos patrimônios, mas as
heranças guiaram as flutuações de patrimônio em todo o restante da história.
Mais importante, contudo, do que previsões específicas, Modigliani e Brumberg (1954, 1979) criaram
uma nova forma de teorizar as decisões de consumo individuais e de que maneira elas impactam
agregados a nível macroeconômico. Questões como a transferência de heranças para gerações
posteriores, como nota Deaton (2005), já eram abordadas nos artigos de Modigliani. Da mesma
maneira, é possível facilmente adaptar a micro-fundamentação pura do ciclo da vida para não só
abarcar heranças, mas também decisões de idade para se aposentar e ter filhos, e incertezas sobre
o momento da morte.
Nesse sentido, mesmo que as previsões de Modigliani não estivessem inteiramente corretas, sua
influência teórica para a macroeconomia é inegável: decisões de consumo e de herança devem ser
pensadas como decisões tomadas ao longo da vida e a dinâmica demográfica pode ser fator muito
importante para explicar fenômenos macroeconômicos. Esta influência é bastante perceptível, por
exemplo, nos modelos de gerações sobrepostas.
O Teorema Modigliani-Miller
A
segunda grande contribuição de Modigliani foi no campo das finanças. Como descreve
Modigliani em Barnett e Solow (2000), o foco das finanças corporativas, antes de sua
chegada, era na ideia de que fosse possível ter uma estrutura ótima do capital, alterando a
composição da dívida e ações. Modigiliani e Miller (1958) estabelecem que com mercados
eficientes e indivíduos racionais e não havendo impostos, custos de falência, problemas de
agente e principal e assimetria de informação, o valor da firma não depende da forma como ela se
financia.
Para um leigo compreender o racional por trás desta proposição, Miller (1991 APUD Villamil, 2008)
oferece-nos uma metáfora simples: se você é um produtor de leite integral e quiser vender o produto
separadamente como nata e leite desnatado, e não há custos para fazer esta separação ou subsídios
do governo para fazer a separação, o valor da nata combinado com o do leite desnatado é o mesmo
do leite integral. Se você possui uma firma, portanto, e aumenta seu endividamento (com os credores
abocanhando mais do seu fluxo de caixa), o valor do seu equity tem que ser necessariamente menor,
de modo que o valor dívida + equity é constante.
Embora contestado em termos de sua validade para o mundo real, a elaboração de Modigliani-Miller
estabeleceu uma nova forma de se pensar nas finanças. O debate centrou-se em compreender o
que ocorria quando as hipóteses do modelo imaginado pelos dois eram relaxadas (Villamil, 2008).
O próprio Modigliani, no final da vida, acreditava que era possível ter alguma vantagem em se
financiar com instrumentos diferentes apesar dos impostos, mas concordava com Miller que isto era
essencialmente pouco relevante no sistema tributário americano (Barnett e Solow, 2000).
Conclusão
M
odigliani teria outras contribuições em diversas áreas. Seu artigo “Liquidity Preference
and the Theory of Interest on Money” (Modigliani, 1944) é considerado seminal para
Síntese Neoclássica. Ele ainda ajudou a elaborar um dos primeiros modelos macro
econométricos, o MPS. Era uma mente brilhante, inventiva e diligente em responder
perguntas interessantes e solucionar problemas empíricos ou teóricos complexos.
Na ocasião de sua morte, Paul Samuelson afirmou que partia “o maior macroeconomista vivo”. Na
realidade, algo maior ocorreu: partiu, em 2003, uma das mentes mais brilhantes do século passado,
que revolucionou o mundo das finanças e que apresentou um novo estilo de pensar como os agentes
tomam decisões de consumo.
Notas:
ALVAREDO, Facundo; GARBINTI, Bertrand; PIKETTY, Thomas. On the share of inheritance in aggregate
wealth: Europe and the USA, 1900–2010. Economica, v. 84, n. 334, p. 239-260, 2017.
BARNETT, William A.; SOLOW, Robert. An interview with Franco Modigliani. Macroeconomic Dynamics, v.
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DEATON, Angus. Franco Modigliani and the life cycle theory of consumption. SSRN 686475, 2005.
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function. Princeton university press, 1957, p.1-6.
KOTLIKOFF, Laurence J.; SUMMERS, Lawrence H. The role of intergenerational transfers in aggregate capital
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KUZNETS, Simon. National income. New York: National Bureau of Economic Research, 1946.
MODIGLIANI, Franco. Life cycle, individual thrift, and the wealth of nations. Science, v. 234, n. 4777, p. 704-
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MODIGLIANI, Franco. Liquidity preference and the theory of interest and money. Econometrica, Journal of
the Econometric Society, p. 45-88, 1944.
MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility analysis and the consumption function: An interpretation
of cross-section data. Franco Modigliani, v. 1, n. 1, 1954, p. 388-436.
MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility Analysis and Aggregate Consumption Functions: An
Attempt at Integration. Collected Papers of France Modigliani, v.2, 1979.
VILLAMIL, Anne P. The Modigliani-Miller Theorem. In: (Ed.) DURLAUF, Steven; BLUME, Lawrence. The New
Palgrave Dictionary of Economics, 2. ed. Palgrave Macmillan, v. 6, 2008.
NOBEL DE ECONOMIA
1986
James M. Buchanan Jr.
por Paulo Silveira
Antes de qualquer coisa, seria necessário entender as restrições políticas impostas aos participantes
do jogo e somente após isso se deveria oferecer alguma prescrição de política econômica. Se a palavra
“restrição” soa um tanto quanto “microeconômica” pra você, devo dizer que está acompanhando
bem o raciocínio até aqui.
A teoria da escolha pública, lupa pela qual renda política). (…) Isso não significa que os
estudamos tais restrições políticas, descansa políticos sejam mal-intencionados e piores
sobre três pilares fundamentais: i) individualismo que o resto da sociedade. São como os
metodológico; ii) homo economicus; iii) política outros, bem melhores, nem piores, procuram
enquanto troca. Recorro ao manual A Ciência
o próprio benefício antes do benefício dos
da Política (hat tip, Adriano Gianturco) para
outros.”
elaborar acerca desses pilares:
A teoria da escolha pública, lupa pela Embora o que vimos até aqui seja
qual estudamos tais restrições políticas, razoavelmente familiar (para os
descansa sobre três pilares fundamentais: ortodoxamente inclinados, pelo menos), o
i) individualismo metodológico; ii) homo mundo político se descola por completo “do
economicus; iii) política enquanto troca. mercado” no seguinte ponto: na política, não
Recorro ao manual A Ciência da Política (hat existe mão invisível.
tip, Adriano Gianturco) para elaborar acerca
desses pilares: Minhas interações com o açougueiro, o
cervejeiro e o padeiro resultam numa
Primeiro, individualismo metodológico bela e farta mesa de jantar em razão da
significa que toda e qualquer análise é feita estrutura de incentivos ali posta. Enquanto
na perspectiva do indivíduo: “só eles têm indivíduo, não pautei minhas ações numa
interesses, vontades, e só eles agem. Entes expectativa de melhor distribuição de pães
coletivos, como estados, partidos, grupos, na sociedade ou menor taxação do barril de
movimentos, sociedades, países, não agem, cerveja, mas no interesse próprio que, nesse
não têm interesses, não têm vontades. (…) contexto, gera o melhor resultado coletivo.
São sempre e só a aglomeração de indivíduos No mundo político, a estrutura de incentivos
diferentes; quando os membros de um implica que o indivíduo dispute e assegure,
determinado grupo mudam, os interesses e coletivamente, seus interesses privados.
ações podem mudar.”
Numa ilustração, se moro no interior de
Segundo, homo economicus porque São Paulo e desejo que uma ponte para
“agentes políticos são pessoas como travessia de um rio seja construída, não é
as outras, logo, são interessados (têm possível simplesmente recorrer ao mercado.
interesses), racionais e maximizadores. Isso Obedecendo às restrições dadas e incentivos
não significa que sejam mal-intencionados, ali postos, os agentes políticos impactados
egoístas, corruptos, etc. (…) mesmo que eles pela obra (políticos, lobistas, eleitores, etc)
sejam bem-intencionados e benevolentes, negociariam suas respectivas parcelas no
tentar fazer o bem comum, salvar o planeta, custeio (econômico, político, etc) da mesma.
etc., é interesse individual deles e (…) para
fazer isso querem e precisam tomar o poder Dessa forma, inúmeros desdobramentos
político e mantê-lo ao longo do tempo. seriam possíveis: o prefeito poderia
manipular a data de entrega da obra para
Terceiro, política enquanto troca porque maximizar suas chances na próxima eleição,
“se empreendedores, vendedores e a construtora pode oferecer algum tipo de
consumidores visam o lucro, os políticos benefício ao responsável pela licitação para
também visam o lucro (lucro econômico e que obtenha o direito de conduzir o projeto,
Paulo Silveira
Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo
sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado
pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra ‘Princípios de Economia
Política e Tributação’ de David Ricardo.
Notas:
The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel 1986
The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, James M. Buchanan and Gordon
Tullock. Páginas: 1 – 20.
NOBEL DE ECONOMIA
1987
Por suas contribuições para a teoria
do crescimento econômico.
Robert M. Solow
por Luciano Sobral
O homem e suas
circunstâncias
P
Pode-se aplicar à vida e carreira de Robert M. Solow,
um dos grandes arquitetos de modelos econômicos
do século XX, um modelo filosófico da mesma
época, da obra do espanhol José Ortega y Gasset:
‘Sou eu e minhas circunstâncias’.
Harrod-Domar e o crescimento
no fio da navalha
N
os anos de formação de Solow, crescimento econômico era um tópico recente. O “Grande
Enriquecimento” do mundo capitalista, caracterizado por décadas seguidas de melhora
ininterrupta na condição de vida de milhões de pessoas, havia se iniciado há menos de
um século. A contabilidade moderna de economias nacionais, que culmina na definição
do Produto Interno Bruto, havia sido desenvolvida nos Estados Unidos ao longo dos anos
de 1930 e apresentada ao Congresso em 1934 por Simon Kuznets (outro brilhante economista fugido
da União Soviética, Nobel em 1971). Já o estudo acadêmico de crescimento econômico apoiava-se
num modelo desenvolvido independentemente por Roy Harrod e Evsey Domar em, respectivamente,
1939 e 1946.
Nos anos de 1950 já se sabia, porém, que economias nacionais, apesar de sujeitas a flutuações,
crescem a ritmo relativamente estável no longo prazo. Economias nacionais bem-sucedidas, na
verdade, crescem a ritmo espantosamente estável no longo prazo: num de seus exemplos favoritos,
Lant Pritchett, ex-aluno de Solow no MIT e hoje professor em Oxford, mostra que, em 1916, teria sido
possível prever, com menos de 1% de erro, o PIB per capita da Dinamarca em 2010 sabendo apenas
seu valor à época e extrapolando sua taxa de crescimento anual desde 1890 (1,9% ao ano). Solow
foi, então, “levado a modificar o modelo apenas para fazer com que ele produza uma trajetória que
pudesse parecer, de forma mais plausível, com o que de fato se observa nas séries históricas.”
No modelo Solow-Swan, o produto é função dos tradicionais fatores de produção capital e trabalho,
multiplicados por um fator atribuído à tecnologia ou conhecimento acumulado: Y = A(t)F(K,L). Em
contraste a Harrod-Domar, os fatores são substituíveis entre si e não é possível crescer continuamente
apenas sempre aumentando o estoque de capital: cada investimento adicional produz retornos
menores que o anterior, até que apenas a depreciação do estoque passado seja compensada. A
taxa de crescimento da economia é dada pela soma das taxas de crescimento da força de trabalho
e do estoque de capital por trabalhador. No longo prazo, com o fim dos retornos para o capital
incremental, o PIB cresce apenas à taxa de crescimento da população – ou seja, não há crescimento
per capita. A saída da estagnação está no avanço tecnológico, já que os resultados acima são obtidos
assumindo-se produtividade dos fatores constante ao longo do tempo: relaxando-se essa premissa,
o PIB per capita passaria a crescer junto com o nível de tecnologia.
Esses são resultados obtidos a partir um modelo dinâmico, descrevendo, com equações diferenciais
relativamente simples, um sistema em movimento que converge para um equilíbrio, sem explosões
ou depressões, construído ao redor de uma função de produção neoclássica – podendo, portanto,
ser integrado ao que se fazia em microeconomia e testado contra os dados macroeconômicos que
começavam cada vez mais a aparecer. Rei morto, rei posto: Harrod-Domar virou uma relíquia histórica
e a economia do crescimento começou a gravitar em torno de Solow-Swan.
No ano seguinte, num artigo de oito páginas, Solow criou o que se convencionou chamar de
“contabilidade de crescimento”: analisar dados históricos à luz do modelo de 1956 e atribuir a cada
fator uma parcela de crescimento do PIB observado . Usando dados dos Estados Unidos de 1909 a
1949, Solow concluiu que apenas do crescimento per capita no período poderia ser explicado por
acúmulo de capital. O restante passou a ser conhecido como “resíduo de Solow” ou “produtividade
total dos fatores”, descrito vagamente no artigo original como “mudança tecnológica” – ou, de
forma menos generosa por Moses Abramowitz, outro grande economista judeu do Brooklyn, como
“uma medida de ignorância”. A perplexidade com esse resultado abriu mais uma grande agenda de
pesquisa, que segue rendendo frutos.
Primeiro, anos de pesquisa e melhoria na coleta e tratamento dos dados provaram que a teoria
de crescimento de Solow estava essencialmente certa: simplesmente acumular capital não leva
a crescimento sustentável (vide a experiência soviética e tantos outros exemplos frustrados de
industrialização forçada), e o “mistério do crescimento” está no resíduo – como capital e trabalho
são organizados de forma a aumentar a produtividade de tarefas já existentes e, sobretudo, a criar
novos produtos e serviços. A busca por modelos de crescimento endógeno, ou seja, nos quais
tecnologia e conhecimento fazem parte da dinâmica de crescimento descrita pelas equações, não
dependendo de fatores externos, mobilizou muitas outras grandes mentes do ofício e desembocou
no reconhecimento de Paul Romer pelo Nobel, em 2018.
Segundo, a clareza de Solow em seus métodos e objetivos, desde o trabalho pioneiro de 1956, segue
guiando a profissão. Ele abre o célebre artigo daquele ano dizendo que ‘Toda teoria depende de
suposições que não são exatamente verdadeiras … Uma suposição “crucial” é aquela das quais as
conclusões dependem de forma sensível, e é importante que suposições cruciais sejam razoavelmente
realistas.’ O passo seguinte é testar o modelo contra a realidade, como feito no trabalho de 1957. Essa
combinação de teorização rigorosa e aplicação a dados é o arroz-com-feijão da profissão hoje, o que
a faz aspirar à condição de “ciência”.
Solow, porém, vai além dessa objetividade, na linha da descrição de John Maynard Keynes do “master
economist”, que combina talentos de matemático, historiador, estadista e filósofo. O que faz da
economia uma ciência humana é a necessidade desse conhecimento além do puramente especializado
e de julgamento pessoal, já que fatos econômicos, como definidos pelo próprio Solow, não podem
se limitar a preços e quantidades – ‘nós só podemos fazer progresso aumentando a classe de fatos
elegíveis para incluir, digamos, as opiniões e generalizações casuais de especialistas e participantes
do mercado, pesquisas de atitudes, regularidades institucionais, mesmo nossos próprios julgamentos
de plausibilidade.’ Deixo por conta do leitor decidir se Solow joga (e vence) sob suas próprias regras
ou se estas representam um ideal da profissão; sua influência, porém, é inegável e praticamente sem
par entre economistas vivos: tente achar outro que tenha sido orientador de doutorado de outros
quatro ganhadores do Nobel (George Akerlof, Joseph Stiglitz, Peter Diamond e William Nordhaus).
Luciano Sobral
Bacharel em economia pela USP, Master of Public Administration (MPA) pela Harvard Kennedy School,
Economista chefe e sócio na Neo Investimentos
Notas:
Acemoglu, Daron. Introduction to modern economic growth. Princeton University Press, 2009.
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Warsh, David. Knowledge and the Wealth of Nations: A Story of Economic Discovery. W.W. Norton, 2006.
NOBEL DE ECONOMIA
1988
Maurice Allais
por Bruna Cataldo
A vida
compatível com um nível aceitável de distribuição de renda. O tema era de tal importância
em sua vida que passaria toda ela defendendo um liberalismo social e que o liberalismo
não poderia ser reduzido ao “laissez-fairismo”. É quase literal dizer que passou toda a vida
defendendo essa visão: em 2009, apenas um ano antes de sua morte, escreveu uma carta
aos franceses de onde a epígrafe deste perfil foi retirada. Ele tinha 98 anos no momento.
A obra e contribuição:
A
A obra de Allais teve um impacto de grande proporção, principalmente
considerando que não ficou no imaginário público como outros laureados. Ele
influenciou diretamente grandes nomes que ganharam o Nobel antes dele, como
Paul Samuelson e Gérard Debreu. O primeiro chegou a explicitamente reconhecer
a importância de Allais afirmando – dentre outras coisas – que deveria ter ganho o
prêmio antes e que “Se os primeiros escritos de Allais tivessem sido em inglês, uma geração
de teoria econômica teria tomado um rumo diferente.”. Gérard Debreu, outro queridinho da
profissão, foi pupilo de Allais. Essas menções já indicam a importância do autor para o futuro
da economia não só pela sua própria produção, mas pela influência a outros grandes nomes.
A obra de Allais é ampla e cobre diversos temas. Ele ganhou o Nobel pela contribuição para
teorias do mercado e utilização eficiente de recursos a partir do uso rigoroso de formulações
matemáticas. A frase já evidencia as duas frentes em que Allais transformou a ciência que
aprendeu sozinho porque almejava mudar a sociedade que via ao seu redor: avançou a teoria
de mercados e eficiência e foi um dos pioneiros a aplicar a visão que economia é uma ciência
para qual métodos quantitativos e de modelagem contribuíam em larga escala desde que
acompanhados de sólida teoria e interdisciplinaridade com a sociologia, psicologia, ciências
políticas e história.
Começando pela sua obra teórica, o desenvolvimento dos trabalhos se deu em 5 frentes
principais: equilíbrio geral e eficiência social dos mercados, teoria do capital, teoria do
risco, moeda e juros, e indexação da dívida. Como é muito extensa, aqui estão apenas
alguns destaques. O ponto de partida foi o livro de 1943: “A la recherche d’une discipline
économique. L’economie pure”, que foi inspirado por grandes economistas que Allais
considerava suas principais influências: Leon Walras, Vilfredo Pareto e Irving Fisher. O
autor chegou a afirmar que o livro é de um amador, dado que estudou economia por conta
própria, mas considerava isto uma vantagem porque amadores não estão presos a verdades
estabelecidas ensinadas nas universidades e possuem o olhar sem preconceitos. Já na obra
inicial, trouxe importantes contribuições ao descrever o comportamento do consumo, da
produção e do sistema econômico alcançado a partir da relação entre os dois. Foi neste livro
que se tornou o primeiro a demonstrar com rigor matemático e generalidade que qualquer
estado de equilíbrio de uma economia de mercado é uma maximização de eficiência e que a
recíproca é verdadeira (teoremas de equivalência). No processo, conseguiu mostrar o caráter
arbitrário da distribuição de renda e a formulação dos valores descontados como condição
para maximizar eficiência.
Outra obra importante foi o livro, “Economie começou a operacionalizar algo que se
et Interêt”, publicado em 1947. A inspiração tornaria celebrado na economia do século
para o livro foram as teorias do capital de XXI e daria a diversos pesquisadores seus
Bohm-Bawerk e Jevons assim como de Fisher próprios prêmios Nobel: o uso experimentos.
e Hayek. Aqui, Allais moveu a fronteira ao Buscou criar algum que pudesse mostrar
criar uma teoria do estoque ótimo de capital os erros da teoria da utilidade esperada
e taxa de juros ótima seguindo a definição de e o processo gerou as publicações “La
Pareto do termo, que chamava de eficiência psychologie de l’homme rationnel devant
social máxima. Neste livro, desenvolveu um le risque. La théorie et l’expérience” e “Le
conceito que seria posteriormente atribuído Comportement de l’homme rationnel devant
a Samuelson: o de gerações sobrepostas, ou le risque: critique des postulats et axiomes
seja, que diferentes gerações coexistem na de l’école américaine”.
mesma economia e que suas características
não serão as mesmas em termo de renda e O paradoxo de Allais, resultado dos dois
riqueza nem no tempo presente e nem depois. trabalhos mencionados, funciona como
Allais também concluiu neste trabalho que a um contra exemplo da teoria da utilidade
taxa de juros ótima na economia estacionária esperada e parte de duas perguntas. Na
é zero, desenvolvendo em seguida que para primeira, uma pessoa deve optar entre um
economias em crescimento a taxa de juros lucro garantido de 100 reais (opção A1)
“pura” deveria ser igual a de crescimento. e uma aposta que oferece 89% de chance
Esta foi a primeira menção ao que seria de ganhar 100, 10% de ganhar 500 e 1% de
posteriormente chamado de “regra de ouro” não ganhar nada (opção A2). Na segunda
e mais associado ao trabalho de Phelps. Allais pergunta, a pessoa deve escolher entre uma
ainda formulou no livro de 1947 uma versão aposta com 89% de chance de ganhar zero e
inicial do modelo transacional da moeda 11% de chance de ganhar 100 (opção B1), ou
que seria associado a Baumol em 1952. uma com 90% de chance de zero vitória, mas
Em produções posteriores, inclusive, Allais 10 % de ganhar 500 (B2). Os testes foram
fez o esforço de associar seus resultados repetidos milhares de vezes em condições
sobre estoque ótimo de capital com teorias de e os resultados foram considerados
monetárias para gerar uma contribuição robustos: entre 66% e 75% dos entrevistados
mais geral que a de Hayek sobre flutuações escolhia A1 na primeira pergunta e B2 na
econômicas. segunda e o simples fato de que as duas
escolhas eram feitas pela mesmo pessoa ao
Na mesma época, Allais escreveu trabalhos mesmo tempo era apontado como suficiente
sobre teoria do risco e desenvolveu o conceito para invalidar a regra da utilidade esperada.
que receberia seu nome – o Paradoxo de Desse resultado surgiram desenvolvimentos
Allais – tendo sido o único contemporâneo importantes de outros autores, mas apenas
de Von Neumann e Morgenstern a contrapor após a publicação do artigo “Expected
suas ideias. Ele se opunha veementemente utility hypotheses and the Allais paradox”
à concepção de racionalidade por trás da em 1979. Esta publicação gerou uma escola
teoria da maximização da utilidade esperada de pensamento para buscar alternativas
e buscou mostrar que o sistema de axiomas melhores que a teoria da utilidade esperada
não era condizente com o comportamento e abriu espaço para o desenvolvimento
observado no mundo real. Em 1948, Allais da economia experimental e inclusão da
Ele também usou seu espaço para defender que não se pode sucumbir à tirania das ideias
dominantes, principalmente quando o observado no mundo questiona as premissas sobre
as quais elas estão construídas, usando frases fortes como: “Qualquer que seja o preço que
ele possa pagar em sua carreira, o cientista nunca deve orientar seu curso de acordo com
as modas do dia, ou com a aprovação ou desaprovação de seus contemporâneos”. Allais
foi, portanto, um homem muito à frente de seu tempo e cujo trabalho um texto de algumas
páginas jamais fará jus. Economistas que inovadores estão sempre em ombros de muitos
gigantes. Ele é um dos menos conhecidos, mas está lá. Suas contribuições teóricas e as
agendas de pesquisa que levantou estão vivas até hoje. Sua contribuição metodológica e
sobre a economia enquanto ciência alimentam o debate mais atual que a profissão vem
enfrentando. Allais ainda tem muito o que dizer em 2020.
Bruna Cataldo
Doutoranda do PPGE/UFF.
Notas:
Allais, M. (1997) [1989]. An Outline of My Main Contributions to Economic Science. In Nobel Lectures: Economic
Sciences, 1981-1990, ed. Karl-Göran Mäler,233-252. Singapore: World Scientific Publishing Company.
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Fondation Maurice Allais. (2020). General economic equilibrium, Social efficiency and the Economy of
markets. Recuperado em 5 de julho de 2020, de: http://www.fondationmauriceallais.org/the-economist/
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Allais, M. (1953). La psychologie de l’homme rationnel devant le risque : la théorie et l’expérience. Journal de
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NOBEL DE ECONOMIA
1989
Trygve Haavelmo
por Lucas Adriano Silva
D
esde o ano de 1969, um seleto grupo dos mais destacados
pesquisadores, responsáveis por contribuições inovadoras
de enorme impacto na ciência econômica, têm sido
homenageados com o Prêmio Nobel em Economia. O
prêmio já foi entregue aos melhores economistas da
história, idealizadores de obras de grande influência e renome, tanto
dentro quanto fora da academia.
“
As principais contribuições de Haavelmo Starting with some existing society,
foram no campo da econometria, com
trabalhos importantes que forneceram uma we could conceive of it as a struc-
boa base para o desenvolvimento de métodos ture of rules and regulations within
econométricos modernos. Com profundos which the members of society have
interesses teóricos, especialmente em
to operate”
macroeconomia aplicada, publicou o livro “A
Study in the Theory of Economic Evolution“, Haavelmo, 1992
lançado em 1954, considerado como
uma inovação em termos de abordagem Apesar das suas contribuições, até hoje
metodológica de questões relacionadas ao parece haver certa resistência às suas
desenvolvimento econômico. contribuições inovadoras. Essa resistência
Assim, em relação ao Nobel, as principais pode ser entendida, ao menos em parte, na
descobertas que o fizeram ser laureado ainda presente dificuldade de se encontrar
em 1989, foram descobertas acerca dos relações (de fato) causais em eventos
fundamentos da teoria da probabilidade em sociais. É que, não raras vezes, diferentes
econometria e por análises de estruturas análises que se propõem a analisar uma
econômicas simultâneas. Haavelmo relação causal, acabam não encontrando
aproximou a econometria, aparentemente resultados robustos (pelo menos em termos
seca e abstrata, de problemas mais de causalidade).
práticos, principalmente ligados ao estado
de bem-estar. É que desde o início do que Haavelmo chegou a falar a respeito disso em
convencionou se chamar de pensamento palestras, destacando as dificuldades que
econômico, desde a chamada economia envolvem a correta estimação de relações
política, ricas e profundas reflexões foram causais. A principal dificuldade seria lidar
realizadas. Mas, o grande problema com com a correlação espúria, que levaria a
essas reflexões, é que estas careciam de conclusões equivocadas sobre o efeito causal
um arcabouço mais quantitativo. O trabalho entre duas ou mais variáveis econômicas.
de Haavelmo foi ao encontro dessa lacuna,
preenchida pela aplicação de métodos Não obstante, houve um colossal avanço nos
econométricos. métodos econométricos nos últimos anos, de
maneira póstuma a Haavelmo (falecido em
Era de seu grande interesse estabelecer a 1999), inclusive quando o assunto envolve
capacidade dos modelos econométricos a correta verificação de relações causais.
para auxiliar políticas públicas, algo até Talvez, este seja um ótimo momento para
então pioneiro para a época, com isso sendo que a brilhante contribuição acadêmica de
realizado a partir de um procedimento Haavelmo possa ser melhor compreendida,
matemático que considera um modelo tornando este brilhante economista mais
arbitrário. O resultado seria a produção reconhecido nos dias atuais.
de respostas quantitativas para questões
relacionadas a políticas.
Notas:
Haavelmo, Trygve. 1992. Econometrics and the Welfare State. In Nobel Lectures: Economic Sciences 1981–
1990, ed. Karl-Göran Mäler. Singapore: World Scientific Publishing Co.
NOBEL DE ECONOMIA
1990
Harry M. Markowitz, Merton Miller &
William Sharpe
por Pedro Lula Mota e Victor Duran
D
Harry Markowitz, economista americano nascido
em 1927 é, com certeza, um dos sobrenomes mais
conhecidos no mundo das finanças. De origem
polonesa, Markowitz é considerado um dos grandes pais
das finanças modernas, responsável por transformar
o estudo de finanças em uma verdadeira ciência, com método,
rigor e análise.
Vale comentar que em 1952 Markowitz trabalhou na RAND Corporation, onde conheceu George
Dantzig, famoso matemático da área da computação, tendo contribuições determinantes no
processo de formulação do algoritmo de otimização de média-variância, que logo serviria de
base para a tese de doutorado de Markowitz.
Ao ser laureado com o Nobel de Economia em 1990, Markowitz foi reconhecido pela
contribuição em três grandes áreas i) teoria moderna dos portfólios ii) Sparse matrix methods
e iii) criação da linguagem de simulações (SIMSCRIPT), linguagem largamente utilizada para
simulações em manufaturas, transportes, computadores e jogos de guerra.
Nesse artigo, entramos mais a fundo em sua maior contribuição: a Moderna Teoria de
Portfólios.
A
No seu trabalho seminal publicado em 1952, Markowitz, então com 25 anos, formaliza
o processo de escolha de um portfólio otimizado. Partindo sempre do pressuposto
de que a diversificação é uma estratégia que não pode ser desconsiderada no
processo de composição de um portfólio, distancia-se da concepção corrente de
que a maximização do retorno é uma boa métrica para a construção de portfólios.
Isso porque o máximo retorno é obtido por um portfólio inteiramente concentrado no ativo
de maior retorno esperado, movimento contrário à diversificação e portanto, não poderia
descrever uma filosofia de investimento adequada.
Markowitz enfatiza no artigo o que define como o segundo estágio de construção de portfólios,
que já pressupõe a escolha dos ativos e a identificação (ou estimação) dos parâmetros de
retorno esperado e covariância entre eles. A metodologia descrita por Markowitz tenta
estimar a melhor forma de compor um portfólio. Ou seja, qual a proporção de cada um
dos ativos que fazem parte do portfólio. E mais importante, qual métrica esse processo de
estimação dessas proporções deve buscar otimizar.
Realizando um estudo das propriedades algébricas das funções que definem o retorno e a
volatilidade esperados de um portfólio, Markowitz consegue definir onde estaria situada a
fronteira eficiente de portfólios, ou seja, aquele conjunto de carteiras que, para cada nível
de risco, maximiza o retorno. Ou a mesma coisa dita de outra forma, para um dado retorno
esperado, minimiza o risco.
A fronteira eficiente, velha conhecida dos atuantes do mercado financeiro, seria então uma
curva em um gráfico da relação risco-retorno, em que, todos os portfólios ali situados seriam
considerados “ótimos”.
O processo utilizado para encontrar esses portfólios é um processo de otimização, que pode
ser alcançado, após um longo processo combinatório entre as milhares de composições
possíveis de portfólios; ou usando algoritmos de otimização que acabavam de se tornar mais
acessíveis por volta da década de 50.
Além das contribuições mais evidentes e trabalhadas em detalhe neste artigo, o texto original
ainda apresenta discussões sobre a separação entre erro idiossincrático e sistemático dos
ativos e a utilização de estratégias híbridas (expertise humana e estatística) de estimação
dos retornos, como é feito nos modelos de Black-Litterman.
Outra consequência natural das formulações de markowitz foi o CAPM (Capital Asset Pricing
Model), o modelo básico principal usado universalmente para estabelecer a relação entre
risco e retorno esperado de um determinado ativo, considerando seu risco sistêmico, risco
de mercado e taxa livre de risco. O CAPM, por si, foi também predecessor dos modelos de
Fama-French, que por sua vez deram origem a toda a indústria de fatores de risco.
O algoritmo padrão tende a sobrerrepresentar ativos com características mais atrativas – alto
retorno e baixo risco – impactando na distribuição de pesos dos ativos na carteira otimizada,
trazendo muito da vezes soluções de canto (totalmente comprado em apenas um ativo, por
exemplo).
Como comentado, o próprio autor preparou o terreno para os novos métodos que viriam,
como Black Litterman, paridade de risco e tanto outros. Contudo, nenhum modelo alternativo
foi capaz de provar de forma contundente a superioridade absoluta em relação aos outros
em termos de eficiência da otimização.
Victor Duran
Mestre em estatística pela UFBA e Quant Research Specialist at Asset Management no NuBank
O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido do que nas
biografias de todos os vencedores.
NOBEL DE ECONOMIA
1991
Algumas dicas para seu pequeno
negócio de entrega de marmitas
Ronald H. Coase
por Claudio D. Shikida
R
onald Harry Coase, mais conhecido como Ronald
H. Coase, recebeu o Prêmio Nobel em Economia
no ano de 1991 [1]. Para os que não conhecem bem
a história de Coase, pode parecer curioso que o
economista britânico lecionasse na University of
Chicago Law School, e não no departamento de economia
da famosa universidade. Afinal, ainda é uma prática – nunca
explicitamente dita, mas frequentemente utilizada – nas
instituições de ensino superior (IES) alocar professores
supostamente menos importantes em disciplinas de
Economia em outros departamentos [2].
de propriedade ao barulho possa ser negociado, ou seja, que ele esteja bem definido. A
solução privada, da negociação, emerge sem a necessidade de intervenção governamental.
Basicamente, é este o Teorema de Coase.
Aliás, quanto mais escasso se torna um recurso, maior a demanda das pessoas pelo
estabelecimento formal dos direitos de propriedade sobre o mesmo e esta é outra forma de
se exemplificar a relação entre custos de transação e direitos de propriedade. A colonização
de um novo terreno, com baixa densidade populacional, faz com que, inicialmente, as soluções
privadas prevaleçam e os direitos de propriedade sejam informalmente respeitados.
Por fim, embora não tenha citado acima, existe uma outra contribuição de Coase, interessante,
que é a conjectura de Coase. O problema aparece em alguns livros de Organização Industrial
[12], e é uma interessante decisão microeconômica a ser tomada por um monopolista que, ao
invés de um bem não-durável (hipótese básica, geralmente implícita, durante a maior parte
dos cursos de microeconomia básicos), tem um bem durável. Já que falamos de restaurante,
que tal pensarmos que você ampliou seu negócio e agora comprou umas chopeiras?
Suponha também que, na sua região de atendimento, apenas você tem as chopeiras. O
interessante é que a maximização passa a ser intertemporal e envolve a comparação de duas
estratégias: alugar as chopeiras ou vendê-las. O problema faz sentido, já que consumidores
sabem que, se você vender parte de suas chopeiras hoje, terá menos para vender depois já
que são bens duráveis e consumidores não compram chopeiras como compram bananas.
Como bem coloca Bryan (2013), o monopolista com bens duráveis tem um problema: ele não
consegue ganhar a renda de monopólio com a venda do bem [13].
O leitor que chegou até aqui deve ter notado que Coase fez contribuições sensacionais no
que convencionou-se chamar de Microeconomia. É sempre dito, com razão, que ampliou
nosso entendimento sobre a teoria da firma, sobre externalidades. Terá contribuído para seu
negócio de marmitas? Arrisco a dizer que sim [14].
Claudio D. Shikida
Claudio D. Shikida (Claudio Shikida) é doutor em Economia pelo PPGE-UFRGS. Pesquisador do
PPGOM-UFPel e, atualmente, Coordenador-Geral de Pesquisa na Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP), em Brasília. Ele agradece o convite para colaborar com esta série de textos e deixa
claro aos que queiram saber mais sobre ele que, por sua conta e risco, consultem: http://cdshikida.
net e http://wp.ufpel.edu.br/cdshikida.
Notas:
[1] Coase morreu em 2013, com 101 anos. Talvez o mais longevo Nobel de Economia.
[2] É, até certo ponto, curioso que nunca tenha sido publicado um artigo analisando o custo-benefício deste
tipo de prática. Afinal, se aqueles que possuem maior inclinação para o raciocínio econômico optam pelo
curso de Ciências Econômicas, o ganho marginal de se aprender princípios básicos de Economia seria maior
justamente em disciplinas fora do curso. A alocação de professores geralmente é decidida por um diretor
auxiliado (ou não) por um corpo diretivo (o “colegiado”), o que nos remete a problemas de ação coletiva,
para dizer o mínimo. Talvez algum dia, alguém analise as atas das reuniões de departamentos de economia
no Brasil e publique um artigo interessantes sobre as decisões tomadas nos departamentos de economia, as
restrições institucionais que são realmente binding nestes casos, os problemas de ação coletiva envolvidos,
etc.
[5] Coase, Ronald H. The Nature of the Firm Economica 4, November, 1937, p.386-405.
[6] A explicação está no ótimo trabalho de Ivo Gico Jr e a confusão conceitual tem sido uma barreira ao
diálogo interdisciplinar entre as duas áreas, a despeito dos esforços de muitos estudiosos do tema no Brasil
(reunidos, em grande parte, na Associação Brasileira de Direito e Economia, ABDE). Ver Gico Jr, Ivo. A Tragédia
do Judiciário: subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização do Judiciário. Tese de Doutorado, PPG-
ECO, UnB, 2012. (http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/13529/1/2012_IvoTeixeiraGicoJunior.pdf).
[8] Suponhamos que seu vizinho até encomende suas marmitas de vez em quando. Assim podemos supor
que ele também torce por você, mas está incomodado com o barulho.
[9] A violência pode aumentar durante a pandemia? Aguardemos os estudos. Enquanto isto, mais do que
nunca, keep calm and study Economics.
[10] A discussão de Coase sobre as externalidades está em Coase, R.H. (1960) The Problem of Social Cost.
Journal of Law and Economics, v.3, n.1, p.1-44.
[11] Ver North (1991). Institutions. Journal of Economic Perspectives, v.5, n.1, Winter 1991, p.97-112.
[12] Por exemplo: Shy (1995) [Shy, O. (1995). Industrial Organization. MIT Press] e Tirole (1988) [Tirole, J.
(1988). Industrial Organization. MIT Press]. Deixando de lado a modéstia, a nota didática de Shikida (2018)
expõe, com um exemplo numérico, o problema. Ver Shikida (2018) O que Picasso e chopeiras têm em
comum? – A Conjectura de Coase (versão revisada) https://gustibuseconomia.com/2020/06/11/uma-nota-
de-aula-antiga-revisada-coase-picasso-e-o-chopp/.
[14] Obviamente, meu texto não é tão claro e didático quanto os artigos de Coase. Desnecessário dizer que
recomendo fortemente a leitura dos mesmos. Há também o ótimo: Coase (1995) [Coase, R.H. Essays on
Economics and Economists. University of Chicago Press, 1995.
NOBEL DE ECONOMIA
1992
Gary S. Becker
por Lucas Iten Teixeira
Para se notar a relevância e o pioneirismo de Gary Becker para o debate atual, sua tese de
doutorado na Universidade de Chicago em 1955 estudou discriminação racial, o que culminou
no livro The Economics of Discrimination dois anos depois. É necessário deixar claro que
a modelagem da discriminação não tem como objetivo justificá-la, e sim demonstrar os
malefícios gerados no mercado de trabalho. Pelo contrário, o modelo construído mostrava
que a barreira artificial imposta a minorias pela discriminação gerava ineficiência a todos.
A ineficiência do racismo para a sociedade aumentava conforme o grau de monopólio ou
existência de reserva de mercado em favor à empresa racista. Na década de 1970, outro
laureado (Kenneth Arrow) adicionou assimetria de informação nesse modelo, contribuindo
para a ainda incipiente literatura sobre discriminação racial na ciência econômica.
Após dez anos lecionando na Columbia University (começou a lecionar com menos de 30
anos!), e logo após ganhar a Clark Medal (1967), ele retornou à Universidade de Chicago,
onde permaneceu pelo resto de sua vida acadêmica.
Um grande mérito de Becker foi exatamente focar no indivíduo e em suas decisões referentes
à própria vida. Outro ponto foi o rigor matemático originário da graduação em Princeton,
produzindo modelos quantitativos que pudessem explicar as ações dos indivíduos e seus
impactos. A adição da racionalidade no comportamento humano abrange um campo da
ciência econômica chamada de Economia do Desenvolvimento que ultrapassou as fronteiras
desta ciência, impactando nos estudos de demografia, sociologia e direito, mesmo antes
da difusão de microdados sobre o indivíduo existentes atualmente em Censos e pesquisas.
Dessa forma, temas politicamente incorretos mas tão relevantes para o indivíduo poderiam
ser pensados da mesma forma que problemas relacionados à firma na microeconomia. Seu
arcabouço teórico possibilitou vários estudos empíricos quando o avanço da informática levou
Becker também estudou sobre Economia do Crime, alcançando a área do direito. Novamente,
o laureado se baseia da racionalidade do indivíduo: há incentivos que possam fazer com que
alguém cometa um crime, como possíveis receitas, custos relacionados à probabilidade e
tempo de punição, além da aversão ao risco. Ou seja, um problema de maximização de lucros
similar ao de outras firmas. Becker até explicou lobby político sob o prisma microeconômico
(A theory of competition among pressure groups for political influence, 1983), dentre outras
interações entre indivíduos.
Notas:
Becker, Gary S. (1957). The Economics of Discrimination. University of Chicago Press, 178p.
Becker, Gary S. (1964). Human Capital: A Theoretical and Empirical Analysis, with Special Reference to
Education.
Becker, G.S. (1965). A Theory of the Allocation of Time. Economic Journal, 75(299), 493-517.
Becker, G.S. (1973). A Theory of Marriage: Part I. Journal of Political Economy Vol. 81, No. 4 (Jul. – Aug., 1973),
pp. 813-846.
Becker, G.S. (1974), “Crime and punishment: an economic approach”, Essays in the economics of crime and
punishment, New York: National Bureau of Economic Research distributed by Columbia University Press,
pp. 1–54,
Becker, G.S. (August 1983). “A theory of competition among pressure groups for political influence”. Quarterly
Journal of Economics. 98 (3): 371–400.
Becker, G.S. and N. Tomes (1986). Human Capital and the Rise and Fall of Families. Journal of Labor
Economics, 4(3), Part 2, S1-S39.
Becker, G.S. and R.J. Barro (1988). A Reformulation of the Economic Theory of Fertility. Quarterly Journal of
Economics, 103(1), 1-25.
Becker, G.S., K.M. Murphy and R. Tamura (1990). Human Capital, Fertility, and Economic Growth. Journal of
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Becker, G.S. (1991). The Demand for Children. Chapter 5 in: G.S. Becker. A Treatise on the Family. Cambridge,
Harvard University Press, Enlarged Edition, 135-154.
Becker, G.S. (1991). Family Background and the Opportunities of Children. Chapter 6 in: Becker, Gary S. A
Treatise on the Family. Cambridge, Harvard University Press, Enlarged Edition, 155-178.
Becker, G.S., T.J. Philipson and R.R. Soares (2005). The Quantity and Quality of Life and the Evolution of
World Inequality. American Economic Review, 95(1), 277-291.
Links Recomendados
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1992/becker/biographical/
https://terracoeconomico.com.br/gary-becker-o-homem-que-transformou-tudo-em-economia/
https://en.wikipedia.org/wiki/Gary_Becker
https://www.economist.com/schools-brief/2017/08/05/gary-beckers-concept-of-human-capital
NOBEL DE ECONOMIA
1993
Robert Fogel
por Thales Zamberlan Pereira
A reação ao resultado que “ferrovias não de mão de obra escrava na agricultura era
importavam” foi imediata. Assim como menos eficiente que com trabalhadores
aconteceria em outros momentos da sua livres, 4) escravidão era incompatível com
carreira, o impacto da pesquisa de Fogel um sistema industrial, 5) a economia do sul
decorria mais do debate que sua pesquisa do Estados Unidos estava estagnando antes
gerava do que do que propriamente de da década de 1860.
seus resultados. Assim como seu colega de
Chicago, Milton Friedman, a característica Ao se perguntar como os historiadores
de polemista de Fogel tinha a capacidade poderiam estar “tão errados” sobre uma
de transformar suas pesquisas em algo das instituições mais importantes do
impossível de ignorar. Isso talvez explique século 19, Fogel provocou a fúria dos seus
por que o resultado de Fogel ficou mais opositores. Além disso, ao defender que as
conhecido que a pesquisa de Albert condições materiais (não psicológicas) dos
Fishlow, American Railroads and the escravos eram “mais favoráveis” do que as
Transformation of the Ante-bellum Economy dos trabalhadores livres no setor industrial,
(1965), que encontrou, utilizando o mesmo Fogel foi acusado de ser um apologista
método, um efeito três vezes maior para a da escravidão. A crítica era claramente
ausência das ferrovias nos Estados Unidos. injusta (a esposa de Fogel, Enid, era afro-
Posteriormente, John Coatsworth e William americana), mas a repercussão negativa
Summerhill mostraram que, em países com gerou questionamentos se o livro não
menor disponibilidade de transporte fluvial, tinha manchado sua reputação mesmo
como Brasil e México, as ferrovias foram no departamento de Chicago.[vi] Fogel
mais importantes para o desenvolvimento respondeu a maior parte das críticas e o
econômico em comparação aos resultados debate foi posteriormente publicado no
de Fogel para os Estados Unidos. importante livro The Slavery Debates (1952-
1990). Além disso, Fogel publicou em 1989
A maior das controvérsias, no entanto, veio o livro Without Consent or Contract, no
com os estudos sobre a escravidão. O ponto de qual discutiu temas como o problema moral
partida desse projeto, realizado em conjunto da escravidão e amenizou algumas das
com Stanley Engerman, foi a pesquisa prévia conclusões mais estridentes de Time on the
de Conrad e Meyer demonstrando que a Cross. Ao final, mesmo com toda turbulência,
utilização de escravos na produção agrícola Fogel triunfou ao transformar o debate sobre
dos Estados Unidos era mais eficiente que escravidão nos Estados Unidos.
o uso de trabalhadores livres. O produto
mais conhecido dessa pesquisa foi Time on O sucesso da cliometria para a
the Cross, publicado em 1974, que reuniu os reinterpretação da história norte-americana
principais resultados da dupla e tinha como durante a década de 1960 resultou no
objetivo ser um livro de divulgação para um reconhecimento. mesmo dos mais severos
público mais amplo que o acadêmico. Fogel críticos. que as novas ferramentas trouxeram
e Engerman questionaram interpretações importantes contribuições e revitalizaram o
tradicionais sobre os aspectos econômicos debate histórico. O historiador econômico
da escravidão como 1) sua irracionalidade Alexander Gerschenkron afirmou na época
econômica (escravos eram um investimento que estava convencido que a Nova História
altamente lucrativo), 2) a escravidão era Econômica era “de longe a melhor coisa que
um sistema moribundo economicamente já aconteceu à disciplina por muito tempo”.
no período da Guerra Civil, 3) a utilização [vii] Contudo, contemporâneos ao debate
reconheceram que existia uma forte tendência a supor que só era “necessário aplicar a
teoria econômica e as técnicas quantitativas à história para revelar novas verdades”.[viii]
Essas críticas começaram a surgir porque os trabalhos cliométricos focavam excessivamente
em relações econômicas, não reconhecendo plenamente o impacto de aspectos políticos
para o desenvolvimento econômico, algo que era central na historiografia tradicional. Sob
a hipótese de mercados perfeitos, as relações econômicas eram caracterizadas por trocas
sem custos de transação, informação completa e sem externalidades. O mercado político, no
entanto, apresentava características certamente opostas.[ix] Essa situação sinalizava que a
teoria econômica utilizada seria insuficiente para a progressão da nova história econômica.
Nesse momento é que a pesquisa sobre instituições de Douglass North buscou avançar por
uma trilha diferente da de Fogel.
Assim como outros grandes acadêmicos, Robert Fogel buscou revolucionar a disciplina em
que atuava. Esse objetivo nunca foi velado e, no início da década de 1970, Fogel editou um
livro com Stanley Engerman chamado The Reinterpretation of American Economic History. O
objetivo sempre foi mudar substancialmente a interpretação do passado e deixar um legado.
Foi bem sucedido e, além dos livros, orientou os principais historiadores econômicos da
geração seguinte. Poucos professores tiveram no currículo orientandos como Claudia Goldin,
Michael Bordo, Richard Steckel, Robert Margo, Kenneth Sokoloff, John Komlos e Dora Costa.
Após o Nobel, Fogel continuou inovando e ampliou sua linha de pesquisa sobre questões
demográficas. O projeto, chamado originalmente de “tendências seculares na nutrição”,
buscou analisar o progresso da potencialidade humana ao longo da história e resultou
em dois livros: The Escape from Hunger and Premature Death, 1700-2100 e The Changing
Body. Ao estudar tendências seculares de altura e nutrição em diferentes sociedades, Fogel
de alguma forma manteve ideias que sempre estiveram presentes no seu trabalho. Assim
como no seu primeiro livro, sobre ferrovias, Fogel mostrou que o fator fundamental para o
desenvolvimento econômico não envolve simplesmente a adoção de tecnologias, envolve
expandir o potencial do ser humano.
Publicações: thaleszp.com
Notas:
[i]Eric Hilt, “Revisiting Time on the Cross After 45 Years: The Slavery Debates and the New Economic History,”
Capitalism: A Journal of History and Economics 1, no. 2 (July 29, 2020): 456–83, https://doi.org/10.1353/
cap.2020.0000.
[ii]John R. Meyer and Alfred H. Conrad, “Economic Theory, Statistical Inference, and Economic History,” The
Journal of Economic History 17, no. 4 (1957): 528.
[iii]Robert William Fogel, “The New Economic History. I. Its Findings and Methods,” The Economic History
Review 19, no. 3 (1966): 642–56, https://doi.org/10.2307/2593168.
[iv]Robert William Fogel, “Historiography and Retrospective Econometrics,” History and Theory 9, no. 3
(1970): 256, https://doi.org/10.2307/2504408.
[v]Thomas C. Cochran, “Economic History, Old and New,” The American Historical Review 74, no. 5 (1969):
1568, https://doi.org/10.2307/1841325.
[vi]David Mitch, “The Contributions of Robert Fogel to Cliometrics,” in Handbook of Cliometrics, ed. Claude
Diebolt and Michael Haupert (Cham: Springer International Publishing, 2019), 51, https://doi.org/10.1007/978-
3-030-00181-0_49.
[vii]Alexander Gerschenkron, “History of Economic Doctrines and Economic History,” The American
Economic Review 59, no. 2 (1969): 2.
[viii]Lance Davis, “The New Economic History. II. Professor Fogel and the New Economic History,” The
Economic History Review 19, no. 3 (1966): 662, https://doi.org/10.2307/2593169.
[ix]Joseph D. Reid, “Understanding Political Events in the New Economic History,” The Journal of Economic
History 37, no. 2 (1977): 302–28.
NOBEL DE ECONOMIA
1993
Douglass C. North
por Thomas H. Kang
North era um historiador econômico conhecido já no final da década de 1950, principalmente por conta
de seus influentes estudos sobre base exportadora, agricultura e crescimento econômico regional
nos Estados Unidos. Entre 1961 e 1966, North foi um dos editores da Journal of Economic History
(JEH), período em que a revista aumentou substancialmente a publicação de estudos vinculados
à New Economic History (NEH). Essa corrente de pesquisa, cujo principal expoente era Robert
Fogel, enfatizou o emprego de teoria econômica convencional e métodos quantitativos em estudos
de história econômica. Entretanto, North se deu conta que a NEH era insuficiente para responder
perguntas fundamentais sobre crescimento no longo prazo. Para tratar disso, North desenvolveu sua
própria teoria a partir dos custos de transação de Ronald Coase.
Três conceitos são fundamentais para se entender o arcabouço teórico de Douglass North: custos
de transação, instituições e crenças. Em primeiro lugar, é preciso definir os custos de transação de
Coase: tratam-se dos custos de definição, enforcement e comercialização de direitos de propriedade.
Os resultados neoclássicos de equilíbrio ótimo são obtidos sob a ausência de custos de transação,
mas esses custos são altos na economia real. Ao visitar um museu marítimo nos Países Baixos, North
se deu conta que os avanços tecnológicos não tinham sido o principal fator na queda do custo do
frete. Ao perceber que a quantidade de armamentos carregados pelas embarcações diminuíra ao
longo do tempo, North concluiu que o declínio da pirataria tinha reduzido os custos em termos de
defesa e seguros. Tornara-se claro que a literatura subestimava os efeitos dos custos de transação
sobre o desempenho econômico.
Conforme North e Weingast (no artigo mais citado na história da JEH), a Revolução Gloriosa
de 1688 resultou em mudanças profundas nas instituições formais, com o fim do absolutismo
monárquico e o aumento do poder do Parlamento. Diante da decorrente queda do risco de
expropriação, as taxas de juros da dívida soberana britânica teriam diminuído substancialmente
ao longo do século XVIII. Os autores dão a entender que essa mudança nas instituições
formais teria pavimentado o caminho para a Revolução Industrial. Por outro lado, Joel Mokyr
e Deirdre McCloskey enfatizaram o papel de crenças e da cultura no advento do crescimento
econômico moderno. Para Mokyr, o Iluminismo teria significado uma profunda mudança de
crenças na sociedade, o que teria permitido a invenção e a adoção de tecnologias novas
durante a Revolução Industrial. Ainda que haja grande debate sobre o tema, não é possível
ignorar os argumentos institucionalistas. A dificuldade empírica de lidar com as crenças
é um obstáculo considerável, mas não impediu o desenvolvimento de linhas de pesquisa
relevantes baseadas no conceito.
Por fim, vale destacar os últimos escritos de North, nos quais se tratou do problema da
violência. Em Violence and Social Orders (2009), North, Wallis e Weingast apresentam mais
dois conceitos: as ordens de acesso limitado (limited-access) e de acesso aberto (open-
access). A primeira é também chamada de “estado natural”, por ser a mais prevalente na
história registrada. Algumas sociedades passaram do “estado natural” para ordens de acesso
aberto. Nessas sociedades, para evitar conflitos entre facções das elites, privilégios das
elites foram estendidos para os demais segmentos e se tornaram direitos. No entanto, nada
garante que não possa haver uma reversão ao “estado natural”. Esses conceitos contrariam
a tese de Acemoglu e Robinson, para quem somente ameaças às elites por parte de outros
segmentos sociais levam à mudança institucional.
Diante de tudo isso, é evidente que North exerceu um papel fundamental na reincorporação
da história e da política na pesquisa econômica. Embora seu principal objeto de pesquisa
tenha sido o crescimento no longo prazo, a teoria institucional também pode ser aplicada
para outros aspectos relacionados a bem-estar. História, crenças e instituições também são
fundamentais para explicar outros resultados sociais como educação e desigualdade, apenas
para citar alguns exemplos. Há espaços inexplorados nessa agenda, em que pesem suas
dificuldades. Ao invés de evitar as perguntas difíceis, North procurou justamente enfrentá-las,
contribuindo para entendermos melhor as causas da persistência e da mudança institucional.
As instituições que temos, ironicamente, não incentivam pesquisas que busquem responder
de forma rigorosa às perguntas menos tratáveis, porém fundamentais.
Thomas H. Kang
Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestre em Economia
pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-
USP). Professor adjunto da UFRGS, conta com passagens por Fundação Getúlio Vargas (FGV), ESPM
e Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Notas:
[2] Wallis, J. J. (2014), “Persistence and change in institutions: the evolution of Douglass North”, in Galiani, S. e Sened, I.
Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 30.
[3] North, D. C. (1955). “Location theory and regional economic growth”. The Journal of Political Economy, 63(3), 243–258.;
North, D. C. (1959). “Agriculture in regional economic growth”. Journal of Farm Economics, 41(5), 943–951.
[4] Diebolt, C. e Haupert, M. (2018), “A cliometric counterfactual: what if there had been neither Fogel nor North?”, Cliometrica
12, p. 407-434.
[5] Coase, R. (1960), “The problem of social cost”. The Journal of Law and Economics 3, p. 1-44.
[6]Menard, C. e Shirley, M. (2014), “The contribution of Douglass North to New Institutional Economics”, in Galiani, S. e
Sened, I. Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 19.
[7]Davis, L. e North, D. (1971), Institutional change and American economic growth. Cambridge: Cambridge University Press.
[8]Embora North tenha enfatizado principalmente as instituições formais no início, ele passou a dar mais atenção às
instituições informais ao longo de sua pesquisa.
[9] Vale ressaltar que instituições para North não são o que habitualmente as pessoas entendem pelo termo (“instituições
democráticas, como o STF e o Congresso”). O STF e o Congresso seriam organizações (jogadores) para North. Agradeço
a Rafael Spengler pela sugestão.
[10] North, D. (1990), Institutions, institutional change and economic performance, Cambridge: Cambridge University Press,
p. 3-5.
[11] North, D., Wallis, J. J. e Weingast, B. (2009), Violence and social orders: a conceptual framework for interpreting human
history. New York: Cambridge University Press, p. 15-6.
[12] North, D. e Thomas, R. P. (1973), The rise of the western world: a new economic history, New York: Cambridge University
Press, p. 76.
[13] North, D. (1981), Structure and change in economic history. New York: Norton.
[14] Aqui North se aproxima inclusive de outro laureado, Amartya Sen, ao mencionar altruísmo e restrições autoimpostas
como motivações dos agentes (ainda que sem citá-lo). Ver Sen, A. (1977), “Rational fools: a critique of the behavioral
foundations of economic theory”, Philosophy and Public Affairs 6 (4), p. 317-344.
[15] Simon, H. A. “From substantive to procedural rationality.” 25 years of economic theory. Boston: Springer, p. 65-86;
Kahneman, D. (2011), Thinking fast and slow. New York: FSG.
[16]Engerman e Sokoloff (2002), “Factor endowments, inequality and paths of development among New World economies”,
Economia 3, p. 41-109. Ver também Monasterio e Ehrl (2007), “Colônias de povoamento versus colônias de exploração: de
Heeren a Acemoglu”, 37 (72), p. 213-39.
[17]North, D.; Summerhill, W. e Weingast, B. (2000), “Order, disorder and economic change: Latin America vs. North America”
in Bueno de Mesquita, B. and Root, H., Governing for prosperity, New Haven: Yale University Press, p. 17-58.
[18]Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2001), “The colonial origins of comparative development: an empirical
investigation”, American Economic Review 91 (5), p. 1369-1401; Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2002), “Reversal of
fortune: geography and institutions in the making of the modern world income distribution”, Quarterly Journal of Economics,
117, p. 1231-1294.
[19]Wallis, J. J (2014).
[20]North, D. e Weingast, B. (1989), “Constitutions and commitment: the evolution of institutions governing public choice in
17th century England. Journal of Economic History 49, p. 803-842.
[21]Vários autores contestaram a visão de North e Weingast, mas ela continua tendo papel importante no debate.
[22]Mokyr, J. (2009), The enlightened economy, New. Haven: Yale University Press; McCloskey, D. (2006), The bourgeois
virtue: ethics for an age of commerce. Chicago: Chicago University Press.
[23]Acemoglu, D. e Robinson, J. (2006), The economic origins of dictatorship and democracy. Cambridge: Cambridge
University Press.
155 Nobel - 1993
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1994
John C. Harsanyi, John F. Nash Jr. e
Reinhard Selten
por Michael Sousa
R
John Forbes Nash Jr. (1928 – 2015) foi um matemático norte-americano que fez contribuições
fundamentais para, pelo menos, a Teoria dos Jogos e o campo da Geometria Diferencial.
Realizou a maior parte de suas pesquisas enquanto era Matemático Sênior de Investigação
na Universidade de Princeton. Seu trabalho forneceu informações e ampliou a compreensão
sobre os estudos do acaso e seus efeitos, sobre o estudo das tomadas de decisões e
entendimento sobre os sistemas complexos com aplicabilidade em todas as ciências, mas seus
estudos são antes de tudo amplamente usados na Ciência Econômica.
Além de laureado com o Nobel, Nash também hoje região da Polônia. Estudou matemática
compartilhou o Prêmio Abel com Louis na Universidade Goethe de Frankfurt. Em
Nirenberg por seus estudos em equações 1961 recebeu seu doutorado em matemática,
diferenciais parciais não-lineares. também em Frankfurt, com uma tese sobre
a avaliação dos N-Player Games. Laureado
Sua história ficou conhecida após ter sido com o Nobel por suas contribuições para o
retratada no livro de Sylvia Nasar, A Beautiful entendimento dos Jogos Não-Cooperativos
Mind, e após no filme do mesmo nome, e Teoria dos Jogos.
vencedor de quatro Oscars, com Nash sendo
interpretado por Russell Crowe. No livro e no John Charles Harsanyi (1920 – 2000)
filme vemos ser apresentada a genialidade foi um economista húngaro-americano.
de Nash e sua luta contra a esquizofrenia no Conhecido por suas contribuições para a
decorrer dos anos. ciência econômica, especificamente por
desenvolver complexas análises dos jogos
Nash faleceu em 23 de maio de 2015, aos 86 de informações incompletas, os chamados
anos, em um acidente de carro que também Jogos Bayesianos. Os estudos de Harsanyi
levou sua esposa, Alicia Nash. foram importantes para o uso da Teoria dos
Jogos e do raciocínio econômico na filosofia
Reinhard Justus Reginald Selten (1930 – política e estudos da moralidade social,
2016) foi um economista alemão, conhecido tão como na Ética Utilitária para o estudo
por seus estudos em Limitação da da seleção do equilíbrio. Também laureado
Racionalidade, sendo considerado como pela sua contribuição geral com a Teoria dos
um dos pais fundadores da Economia Jogos.
Experimental. Selten nasceu em Breslávia,
A
teoria dos jogos é o estudo da interação das tomadas de decisões racionais e suas
estratégias possíveis, amparadas em modelos matemáticos. Possui aplicações
em todos os campos das ciências sociais, tanto como nas ciências biológicas e
computação, lógica, e nos estudos dos sistemas complexos. É altamente aplicável
em estudos de relações comportamentais e é base para a compreensão da ciência da
tomada de decisão, lógica e estratégica nas interações sociais e humanas, comportamento
de animais e espécies, em ecossistemas, redes neurais, estatística, alta computação e outras
ciências mais.
O Equilíbrio de Nash
O
Equilíbrio de Nash, levando o nome de John Forbes Nash Jr., é uma solução de
um jogo não-cooperativo, envolvendo dois ou mais jogadores, no qual partimos
da premissa de que cada jogador conhece as estratégias dos outros e nenhum
jogador tem nada a ganhar se mudar somente a sua própria estratégia.
Se cada jogador escolheu sua própria estratégia, baseada no que sabe até agora sobre o
jogo e como as coisas funcionam, e nenhum jogador pode aumentar seu retorno esperado
se alterar sua estratégia enquanto os outros jogadores mantém a sua estratégia inalterada,
então as opções de estratégia que temos constitui um Equilíbrio de Nash. Isso é muito bem
explorado no famoso Dilema do Prisioneiro. Todo jogo que é matematicamente finito possui
um Equilíbrio de Nash, ou seja, uma estratégia máxima para cada indivíduo em que se houver
mudança de estratégia utilizada poderá acarretar uma perda para ele ou para o grupo.
Os estrategistas modernos e os teóricos dos jogos utilizam o equilíbrio de Nash para analisar
o resultado da interação estratégica de vários cenários usados na Teoria da Decisão. Em uma
real interação estratégica, o resultado para cada agente de decisão depende não só das suas
próprias decisões e estratégias, mas também das decisões e estratégias dos demais.
O cerne do conceito de Nash fundamenta-se no fato de que não se pode prever as escolhas
de vários tomadores de decisão quando analisamos suas decisões isoladamente. Em vez
disso, é necessário perguntar o que cada jogador faria, analisando o ambiente de forma mais
abrangente, também levando em consideração o que ele espera que os outros façam. Uma
premissa fundamental para o Equilíbrio é que as escolhas dos agentes sejam consistentes
e nenhum jogador deseje desfazer sua decisão, mesmo considerando as estratégias que os
outros estão traçando no decorrer do jogo.
Os estudos da Teoria dos Jogos são fundamentais para aprimorar o entendimento que temos
sobre como os sistemas funcionam e como suas interações acontecem. A compreensão
dessas forças, como nos influenciam, como alterá-las e como optimizar todos os processos
que as cercam são fundamentais para melhorar as relações e interações, tanto nas ciências
sociais, nas teorias econômicas e da administração, quanto na compreensão da natureza e
da matemática em si, e John C. Harsanyi, John Forbes Nash e Reinhard Selten, sem dúvidas,
ampliaram nossos horizontes em relação à compreensão do mundo e de como melhorá-lo
em diversos níveis, através do entendimento das decisões, os processos para tomá-las e
como entender ou não isso afeta nossas vidas e a sociedade como um todo.
Michael Sousa
Mestre em Comércio Internacional pela Escuela de Negocios Europea de Barcelona, MBA em Gestão
Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic
Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS.
Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-
se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de
Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando
desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das
nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
158 Nobel - 1994
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
1995
Robert Lucas Jr
por Bruno de Paula Rocha
É importante notar que isso não quer dizer que o agente faça previsões necessariamente
acertadas (perfect foresight) e que não cometa erros. Nas palavras de Lucas, “rational
expectations is the principle that the agents in an economic model use the correct conditional
expectations, given their information” (Snowdon et. al, 1994, pp.222). Comportamentos não
sistemáticos por parte das autoridades competentes ou choques, que desviem do equilíbrio
estabelecido pelo modelo considerado “correto” pelo agente, podem levar a erros nas
expectativas.
O clássico modelo apresentado por Lucas em 1972 é um importante exemplo dessa mudança.
Nesse artigo, Lucas formula uma economia do tipo gerações sobrepostas com indivíduos
localizados em mercados informacionalmente isolados. O autor, então, supõe a existência de
dois choques: um choque com efeitos locais (relativos) sobre os preços e um choque geral
de preços. Como o indivíduo não é capaz de separar perfeitamente os choques a partir das
informações disponíveis, uma elevação geral de preços acaba por impactar as decisões de
oferta de trabalho. Com esse resultado, Lucas deriva uma curva de Phillips, em que choques
gerais, puramente monetários, causam flutuações no emprego.
O modelo de Ilhas de Lucas, como ficou conhecido, resume alguns dos resultados canônicos
da escola novo-clássica, no que se refere à prescrição de política econômica e possibilidades
de emprego do tradeoff da Curva de Phillips. Por um lado, apenas políticas não-antecipadas
pelos agentes são eficazes em afetar o nível de emprego da economia. Qualquer mudança
de preços que seja parte do componente sistemático da condução de política será
prontamente incorporada pelo agente como que geraria uma mudança na inclinação da
uma mudança geral em todos os preços curva de oferta de longo prazo, visto que os
da economia, resultando em efeitos nulos indivíduos alterariam a forma como reagem
sobre as suas decisões de oferta de trabalho. às mudanças não-esperadas de preços.
Nesse ambiente com falhas informacionais, Neste novo cenário, a persistência no uso
mudanças não-esperadas no preço serão dessas políticas resultaria em resultados
interpretadas, ao menos parcialmente, menos efetivos sobre o nível de produto.
como advindas de uma mudança relativa Em modelos com expectativas racionais,
de preços, em uma estratégia de hedge, e os parâmetros dos modelos dependem das
implicará uma alteração na oferta de trabalho. expectativas e, por consequência, da forma
Posteriormente, o agente poderá verificar como os agentes percebem as políticas
se a mudança de preços foi efetivamente governamentais. Com isso, mudanças nas
resultado de uma mudança geral ou relativa políticas serão percebidas pelos agentes,
de preços. A persistência no uso de choques, o que impacta as relações relevantes do
que provoquem mudanças gerais nos preços modelo e os resultados possíveis da própria
como forma de influenciar a atividade política implementada.
econômica, será percebida pelo agente
racional, fazendo com que a eficácia de Essa é a essência da chamada “Crítica de
novas tentativas de políticas expansionistas Lucas”, desenvolvida em Lucas (1976). Nesse
fique reduzida. importante trabalho, Lucas apresenta uma
crítica ao uso, comum à época, de modelos
Esses resultados são bastante distintos macroeconométricos de grande escala
daqueles apresentados pelos modelos para a avaliação dos impactos de políticas
keynesianos que eram majoritários à época. econômicas. O principal problema com esses
Friedman (1968) e Phelps (1968) introduziram modelos é que eles se baseiam na hipótese
a hipótese de taxa de desemprego natural, de que os parâmetros estimados se mantêm
o que trouxe mais complexidade para inalterados após as mudanças de política.
a relação entre inflação e desemprego. Lucas argumenta que esta invariância de
Na versão aceleracionista da Curva de parâmetros pode não ser verificada, dado
Phillips apresentada por esses autores, a que os indivíduos tendem a ajustar o seu
tentativa de manutenção de uma taxa de comportamento às novas políticas. A Crítica
desemprego abaixo da taxa de desemprego de Lucas teve um profundo impacto sobre
natural resultaria em uma elevação da taxa a formulação de avaliação de políticas
de inflação, o que precipitaria um ajuste de públicas, e a sua intuição ainda segue útil,
expectativas, tornando a taxa de inflação com a prescrição de que estas análises
crescente ao longo do tempo. devem ser derivadas de modelos dotados
de parâmetros estruturais invariantes às
Ainda que a inclusão desse processo de ajuste mudanças de política.
de expectativas tenha sido importante para
o entendimento dos efeitos das políticas de A contribuição de Lucas para a teoria
demanda, apenas com o modelo de Lucas macroeconômica não deve ser subestimada.
passamos a ter uma formalização teórica Além de ter sido figura central dentro do
para os efeitos de curto e longo prazo em debate de ciclos econômicos na virada
bases mais satisfatórias. Além disso, como dos anos sessenta e setenta, Lucas teve
dito acima, o uso de políticas de demanda importantes contribuições em outras áreas,
aumentaria a variabilidade de preços, o como a teoria de investimento (Lucas e
Prescott, 1971), asset pricing (Lucas, 1978) e crescimento econômico (Lucas, 1988). Este último
trabalho, em especial, vale menção. Nos anos 80, os estudos em crescimento econômico
ocupavam um espaço secundário dentro da agenda de pesquisa macroeconômica. O quadro
se altera com uma série de trabalhos baseados na ideia de externalidades e crescimento
endógeno. Nesse contexto, Lucas (1988) desenvolve um influente modelo com a inclusão
de capital humano, em que a alocação de recursos à ampliação de habilidades aumenta a
taxa de crescimento de longo prazo, contribuindo de forma decisiva para a expansão desse
campo.
Notas:
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NOBEL DE ECONOMIA
1996
Impostos e Leilões: O Legado
de Mirrlees e Vickrey à Economia
dos Incentivos
James A. Mirrlees e William Vickrey
por Caio Paes Leme Lorecchio
V ocê provavelmente tem uma fatia da sua renda do trabalho recolhida todo mês
pela Receita Federal. E quanto você ganha afeta progressivamente quanto você é
tributado. Sistemas tributários progressivos evocam certa ideia de justiça distributiva.
Afinal, as pessoas mais pobres devem gastar uma parcela maior da renda com bens de
subsistência, ao passo que pessoas mais ricas devem gastar uma parcela maior com consumo
frívolo. Ademais, os recursos coletados via tributação financiam programas de seguridade social,
que beneficiam os mais pobres. Entretanto, um sistema progressivo que desconte bastante
rendas mais altas pode ser ineficiente, caso as pessoas que ganhem muito dinheiro sejam também
as muito produtivas. Isto porque a tributação mencionadas: a teoria dos incentivos quando
excessiva pode desencorajá-las a prover o há assimetria de informações. Eu sei; ela
esforço adicional necessário para obter a mesma tem um nome bonito, mas se você é leigo
renda sem o imposto[1]. Nesse caso, é possível em Economia, não tem ideia sobre o que
que a renda total disponível para redistribuição
ela é. Muito menos ouviu falar sobre James
diminua, penalizando indiretamente os mais
Mirrlees e Wiliam Vickrey, dois laureados
pobres. Qual grau de progressividade seria
desejável em um sistema tributário? É possível com o Prêmio Nobel de Economia, em 1996,
que esse sistema concilie equidade e eficiência? pelas contribuições pioneiras à teoria. Mas,
tal como é mais fácil compreender o frio
Você provavelmente também observa o pelas propriedades do seu oposto, é mais
resultado de um leilão várias vezes ao dia. didático explicar a teoria dos incentivos – e
Quando você realiza uma busca no Google, o legado de Mirrlees e Vickrey – explicando
a plataforma identifica palavras e expressões primeiro onde ela não se aplica.
para as quais existem anunciantes dispostos
a pagar por algumas posições na lista de links A maioria das pessoas associa teoria
que você observa. Cada anunciante comunica econômica ao estudo da interação entre
à plataforma o máximo que gostaria de pagar preços, demanda e oferta de bens e serviços.
por possíveis cliques no link anunciado. O Se ainda há no imaginário popular a crença
algoritmo do Google então usa esse valor de que a mão invisível do mercado sempre
máximo de cada anunciante, combinado com traz bem-estar à sociedade, parte disso
uma medida de qualidade de cada anúncio, tem a ver com a revolução no pensamento
para determinar os vencedores[2]. Microsoft, econômico nas primeiras décadas do
Yahoo! e Facebook determinam os lances período pós-guerra. Nessa época, a teoria
vencedores de forma similar. Entretanto, do equilíbrio geral provou que, quando
o que cada vencedor do leilão paga difere muitos compradores e vendedores auto-
entre as plataformas. Em algumas delas, o interessados interagem em um mercado
vencedor com o maior lance pega a posição competitivo, o preço de equilíbrio que resulta
mais visível, mas paga o lance do vencedor dessa interação agrega todas as informações
com o segundo maior lance; o vencedor privadas dos participantes. Não que essa
com o segundo maior lance pega o segundo teoria econômica não reconheça que um
anúncio mais visível, mas paga o lance do produtor sabe mais sobre a qualidade do seu
vencedor com o terceiro maior lance e por produto que um comprador, por exemplo.
aí vai. Em outras, para cada lance vencedor, Nem que um trabalhador não sabe mais sobre
o algoritmo computa, 1) descartando esse a sua produtividade que um empregador[3].
lance, a soma do que seriam os lances Mas sim que, em mercados competitivos, as
vencedores; 2) mantendo esse lance, a soma informações privadas pouco importam.
dos outros lances vencedores. O anunciante
responsável por esse lance vencedor paga A teoria do equilíbrio geral também provou
então a diferença entre as somas descritas que todo equilíbrio de mercado competitivo
cada vez que alguém clica no anúncio. é eficiente, no sentido de ser impossível
Por que as plataformas empregam esses melhorar a situação de alguém sem prejudicar
mecanismos complexos? a situação de outrem[4]. Ainda, qualquer
que seja a alocação eficiente de consumo
Surpreendentemente, uma única teoria e lucros entre os agentes econômicos que
econômica ajuda a responder as questões julguemos ser socialmente desejável, um
mercado competitivo pode atingi-la, desde
Um sistema tributário também é um mecanismo, ainda que não tão óbvio. Um governo
institui um imposto sobre os rendimentos laborais dos cidadãos. Mas os cidadãos diferem
na habilidade de converter horas trabalhadas em resultados para empregadores; e os
empregadores gostariam de remunerar os trabalhadores mais produtivos. Se o governo
pudesse observar perfeitamente a produtividade dos trabalhadores, e quisesse maximizar o
bem-estar social, ele poderia taxar sobretudo os mais habilidosos e transferir recursos para
os menos habilidosos[7]. Mas o governo não pode e os cidadãos sabem disso. A depender da
progressividade do imposto em função do rendimento observável, os mais habilidosos têm
incentivos para se passarem por menos habilidosos, produzindo menos mas retendo mais
do valor da produção para eles mesmos, após a dedução tributária. Tudo mais constante, o
resultado social é uma renda nacional menor para ser redistribuída; algo ineficiente.
William Vickrey, em 1945, foi um dos primeiros economistas a apontar o potencial conflito
entre eficiência e equidade que um sistema tributário poderia causar. A formalização do
argumento só viria em 1971, quase 30 anos depois, com um artigo de James Mirrlees. Durante
esse tempo, a teoria do equilíbrio geral dominava as discussões da comunidade acadêmica
– e ditava a elaboração de políticas tributárias. Vickrey também foi o primeiro a sistematizar
o problema dos incentivos em leilões, em 1961 e 1962.
Nas próximas seções, explicarei as contribuições teóricas desses economistas para o desenho
ótimo de sistemas tributários e de leilões. Responderei às perguntas iniciais sobre taxação
progressiva e leilões lucrativos à luz da teoria dos incentivos que os dois economistas
ajudaram a desenvolver. Mas saiba que o legado de Mirrlees e Vickrey ultrapassa esses dois
tópicos. Mirrlees expandiu a compreensão e a aplicação da teoria econômica dos incentivos
para o estudo de sistemas previdenciários (1978; 1985) e a análise custo-benefício de políticas
públicas (1974; 1990), por exemplo. Vickrey estudou e incentivou o uso de tarifas dinâmicas
em metrôs, estradas ou centros urbanos, como forma de evitar congestionamentos (1955).
Cidades como Nova Iorque e Londres aplicam políticas públicas baseadas nos estudos de
Vickrey sobre preços de congestionamento.
1.Impostos
rendas dão utilidade aos agentes, pois among the population. […] The question of
permitem que eles comprem aquilo que the ideal distribution of income, and hence
lhes deem satisfação. Mais renda equivale a of the proper progression of the tax system,
mais utilidade, mas a utilidade de pequenos becomes a matter of compromise between
incrementos na renda (chamamos isso de equality and incentives”. (Vickrey, 1945; p.
utilidade marginal) é menor quando o nível 330.)
de renda já é alto. O planejador valoriza o
bem-estar de cada agente da mesma forma Nesse mesmo artigo, ele formulou a base de
e procura implementar um sistema tributário um novo modelo que só ganharia a devida
que maximize a soma das utilidades atenção em 1971. A renda dos agentes vêm
individuais. A lição tirada é que o planejador da remuneração pelo esforço. O planejador
deveria escolher um sistema que igualasse central pode até observar as rendas
as utilidades marginais dos agentes após a individuais, mas não o esforço; sobretudo,
redistribuição. Caso ele tenha razões para a conversão do esforço em renda – a
supor que agentes tenham a mesma função produtividade. O máximo que o planejador
utilidade, o sistema tributário ótimo deveria consegue observar é alguma distribuição de
buscar a igualdade de renda, taxando produtividades entre a população. Como os
pesadamente os mais ricos. agentes escolhem quanto esforço fazem e
como o planejador taxa o valor produtivo do
Nesse modelo, não há conflito entre eficiência esforço, a escolha tributária afeta a decisão
e equidade no problema de taxação ótima individual de esforço – e a renda total a ser
de renda. Desde que o planejador central redistribuída.
conheça as preferências dos agentes e
encare a renda total a ser redistribuída Havia um problema: o conhecimento
como algo fora de seu controle, é possível matemático para obter resultados mais
pensar em um esquema tributário que substantivos do modelo não existia na
iguale utilidades marginais, não desperdice época. E o artigo de Vickrey não recebeu a
recursos e seja socialmente desejável. A atenção devida, em parte também porque
questão fundamental é quanta informação a teoria do equilíbrio geral dominou a
um planejador central realmente tem sobre discussão acadêmica dos anos 60 [9].
os agentes. Vickrey foi um dos primeiros Associada a ela, a ideia de que informação
a estudar essa questão e evidenciar quais assimétrica sobre os pagadores de impostos
conflitos de interesse surgem daí. Para ele, – e problemas de incentivos advindos daí –
a escolha do sistema redistributivo deveria não atrapalham seriamente a execução de
impactar a própria quantidade total de políticas tributárias dos governos. A taxação
riquezas que o planejador central teria para das grandes rendas era o norte principal dos
distribuir. Dessa forma, as rendas individuais governos americanos entre as décadas de
que o planejador teria para redistribuição 50 e 60, por exemplo, variando entre 70%
mudam de acordo com a sua escolha de e 90% para as faixas mais altas (Piketty and
política pública. Em 1945, Vickrey escreveria Saez, 2007).
que
Mirrlees, em 1971, formalizou a intuição de
“It is generally considered that if individual Vickrey sobre o problema de taxação ótima
incomes were made substantially com assimetria de informações. Mais ainda,
independent of individual effort, production a formalização permitiu obter novas lições.
would suffer and there would be less to divide Um planejador central observa as rendas do
trabalho de cada agente. As rendas dão utilidade aos agentes porque permitem o consumo
do que lhes dão prazer. Mas para obter renda, os agentes precisam trocar horas de lazer –
algo satisfatório – por horas de trabalho – algo dispendioso. Ademais, os agentes diferem na
conversão das horas trabalhadas em renda (produtividade) e essa informação é privada[10].
Dada qualquer política tributária imposta, os agentes escolhem quanto trabalhar e consumir
para maximizar suas utilidades. Portanto, a política imposta influencia a renda total a ser
redistribuída.
Suponha primeiro que não há nenhum esquema de redistribuição atuando sobre uma
economia. Se o planejador central soubesse a produtividade de cada agente, saberia o
consumo e o lazer ótimos para cada nível de produtividade. Ele poderia então ordenar que
cada um produzisse uma certa quantidade em troca de um certo consumo, caso o agente
produza o recomendado. A escolha recomendada de consumo e renda deveria equalizar as
utilidades marginais no consumo, se o objetivo do planejador é o bem-estar social. Como
os mais produtivos contribuem mais para a renda total, deveriam ser os mais taxados. Isso é
formalmente similar a um esquema de taxação progressivo, da mesma forma que discutimos
anteriormente.
Mas o planejador não pode observar produtividade. E se ele anunciasse uma política tributária
tal como se ele conhecesse a produtividade de cada agente, os mais produtivos teriam
incentivos para burlar o sistema, trabalhando menos mas retendo mais da renda após a
dedução do imposto[11]. O planejador central teria menos renda total para redistribuir do
que ele esperava. Como consequência, o bem-estar social que ele buscasse atingir com a
política seria inviável.
A lição crucial é que, no fim das contas (com o perdão do trocadilho), os incentivos importam
ao orçamento público. E porque importam, o objetivo não deve ser igualar taxas marginais
de utilidade entre os agentes. É preciso que os agentes mais habilidosos (geralmente os que
têm maior renda) sejam taxados marginalmente menos[12]; tenham utilidades marginais um
pouco mais altas, para que recursos potenciais não sejam perdidos[13]. Isso implica que há
um conflito entre eficiência e equidade na escolha da política tributária.
Como seria então a política tributária ótima? A resposta a essa pergunta depende da
distribuição de produtividades e da utilidade dos agentes. E infelizmente essas coisas não
são fáceis de estimar na população. Mas algumas recomendações são válidas para uma
diversidade de cenários. Primeiro, a política tributária deve ser simples para faixas médias
de renda. Por simples, quero dizer o imposto cobrado deve crescer com a renda observada
de forma linear (ou próxima disso) longe das caudas da distribuição de renda antes do
desconto tributário. Isso é surpreendente, já que taxação linear é uma política relativamente
fácil de implementar. Segundo, ainda que o imposto médio para as faixas de renda alta
deva ser alto, os incrementos tributários nessas faixas devem ser quase nulo[14]. Terceiro,
subsídios – impostos negativos – aos agentes nas faixas mais baixas de renda não são apenas
socialmente desejáveis, mas também necessários para a eficiência da política tributária[15].
2.Leilões
Q
uando falamos de leilões, geralmente a seguinte cena vem à mente. Vários
compradores apinham-se em uma sala, de frente para o bem anunciado e para o
leiloeiro. Ele determina um lance mínimo inicial e logo alguém dá um lance maior.
No início, os lances ainda estão baixos e vários compradores estão disputando o
bem. Mas os lances vão ficando maiores e mais compradores vão abrindo mão
de continuar na disputa. Até que restam apenas dois competidores. Não há mais razão
para alguém deles dar um lance muito maior que o preço em ordem (considerando o valor
incremental mínimo definido pelo leiloeiro). Afinal, mesmo que um comprador seja o que
mais queira o bem, ele só precisa descobrir o quanto o outro está disposto a pagar e oferecer
um pouco a mais. O processo segue com incrementos pequenos de lance até que um dos
compradores silencia. O leiloeiro então bate o martelo e o bem vai para o último comprador
a cobrir a oferta.
Leilões não são invenções modernas. Existem relatos de leilões na Babilônia do século 500
A.C., por exemplo. E diversos formatos foram usados ao longo dos anos. O mais comum é
o descrito acima: aberto – licitantes observam os lances uns dos outros – e ascendente – os
lances vão aumentando e os concorrentes precisam cobrir a oferta se quiserem se manter na
competição. Esse formato é conhecido como leilão inglês, talvez porque registros históricos
da Inglaterra do século XVIII descrevem a prática desse formato no país. Outro formato
comum é o leilão descendente – o leiloeiro vai reduzindo o preço até que um dos licitantes
anuncia a disposição a pagar pelo valor anunciado. Esse formato é conhecido como leilão
holandês, porque que era usado na Holanda do século XVII. Ademais, o leilão de flores de
Amsterdã segue esse formato até hoje[16]. Existem ainda leilões fechados – os lances são
feitos simultaneamente e nenhum licitante sabe o lance do outro. A maioria dos leilões de
concessão opera dessa maneira.
Entretanto, antes dos artigos de Vickrey de 1961 e 1962, havia pouco interesse acadêmico por
esses mecanismos[17]. Nesses artigos, Vickrey estabeleceu a base da teoria econômica dos
leilões, que é uma sub-área da teoria dos incentivos na presença de assimetria de informações.
Ele foi responsável por interpretar um leilão como um problema de alocação de um bem
escasso entre agentes heterogêneos. A fonte da heterogeneidade entre eles estaria no valor
que cada um dá ao bem. Mesmo que um planejador central tenha poder para determinar
para quem e como o bem será alocado, a escolha dele depende da informação que ele
solicita aos agentes, já que ele não conhece os valores individuais que cada agente dá ao
bem. Os agentes têm consciência da ignorância do planejador, portanto têm incentivos para
manipular a informação privada em favor próprio.
Nos leilões, um único bem precisa ser alocado entre vários compradores. O planejador
central – o leiloeiro – gostaria de alocar o bem ao comprador que tenha a maior disposição
a pagar. Dito de outra forma, o leiloeiro gostaria que o leilão fosse eficiente. Isso seria mais
fácil se o leiloeiro pudesse garantir que todos os compradores dessem um lance exatamente
igual às disposições privadas a pagar. Vickrey provou a existência de um leilão fechado que
atinge eficiência e dá os incentivos corretos para que os compradores não mintam: o leilão
de segundo preço. Em leilões de segundo lucro esperado. Isto porque no leilão inglês,
preço, o vencedor paga o equivalente ao o último licitante a fazer uma oferta só
segundo maior lance. O motivo pelo qual esse precisa que ela seja igual ou um pouco maior
leilão acerta nos incentivos é que ele replica que o penúltimo licitante[19]. O leiloeiro
para leilões fechados a observação feita no então recebe o valor esperado da segunda
primeiro parágrafo sobre leilões ingleses. maior disposição a pagar. Comparando o
Isto é, o vencedor só precisa oferecer um leilão holandês com o leilão fechado de
pouco mais que o segundo licitante com primeiro preço, os dois também resultam
maior disposição a pagar. na mesma receita esperada[20], ainda
que não necessariamente os compradores
Aqui vai a intuição desse resultado. Suponha deem lances iguais às disposições a pagar.
que um comprador dê um lance abaixo da sua E – sob algumas condições[21], Vickrey
real disposição a pagar em um leilão fechado. mostrou que o leilão de segundo preço dá
Lembre-se que ele não sabe a disposição a ao leiloeiro a mesma receita esperada que
pagar dos outros licitantes. Ao mentir, ele o leilão de primeiro preço. Portanto, todos
corre o risco de um segundo competidor esses formatos têm o mesmo resultado para
oferecer um valor maior, porém ainda abaixo o leiloeiro. Essa lição ficaria posteriormente
da disposição a pagar do primeiro. Nesse conhecida como teorema de equivalência de
caso, o comprador mentiroso não leva o bem receitas.
pra casa. Ele poderia ter dado esse mesmo
lance do seu competidor e ter ao menos uma A teoria dos leilões discutida até aqui lida
chance de arrematar o bem por um valor com um único bem. Mas existem vários outros
menor que a sua disposição a pagar[18]. tipos de leilão que lidam com a alocação
de múltiplos bens. A venda de anúncios
Suponha agora que esse comprador publicitários nas plataformas digitais é um
mentiroso dê um lance acima da sua exemplo de leilão múltiplo: os bens são
disposição real a pagar. Ele corre o risco de as posições reservadas à publicidade nos
algum outro competidor dar um lance abaixo resultados de busca. A plataforma precisa
do seu, mas acima da sua real disposição escolher uma forma de alocar as posições
a pagar. Nesse caso, ele até arremata o com base nas disposições a pagar por cliques
produto, mas incorre em prejuízo, já que reportadas. Dois formatos de leilão são
o preço pago é o lance do segundo maior comuns: o leilão generalizado de segundo
competidor. Melhor seria se ele desse um preço (GSP, sigla em inglês) e o leilão de
lance igual à sua disposição a pagar, já que Vickrey-Clarke-Groves (VCG). Microsoft,
pelo menos evitaria uma vitória amarga. Yahoo! e Google usam ou já usaram o
primeiro formato. Facebook usa o segundo
No leilão fechado de segundo preço, portanto, formato. Os dois derivam das contribuições
a melhor coisa que cada licitante pode fazer é de Vickrey à teoria econômica dos leilões.
dar lances iguais às reais disposições a pagar.
Quando o leiloeiro observa os lances, já não O leilão GSP tem as seguintes regras
há mais assimetria de informações. Mas seria básicas. Compradores dão um único lance
esse leilão o formato que dá mais receita pela palavra ou frase ofertada para vínculo
para o leiloeiro? Afinal, o leiloeiro recebe o pago. O comprador com o maior lance (ou o
valor do segundo maior lance. Comparando maior valor de uma função do lance) recebe
o leilão de segundo preço com o leilão inglês a primeira posição disponível e paga o valor
por exemplo, os dois resultam no mesmo do segundo maior lance; o segundo maior
lance recebe a segunda posição e paga o valor do terceiro maior lance e por aí vai. Ainda
que esse mecanismo pareça generalizar o leilão de segundo preço de Vickrey, Edelman et
al. (2007) mostram que a estratégia em que os compradores falam a real disposição a pagar
não é ótima.
O leilão VCG é mais complexo. Para cada licitante, o algoritmo primeiro computa os maiores
lances, ponderados por medidas de qualidade do anúncio. Assim como no leilão GSP, esses
serão os vencedores. Mas para cada vencedor, o algoritmo computa a diferença entre 1)
soma dos lances vencedores caso esse vencedor seja removido do leilão e 2) a soma dos
outros lances vencedores, considerando esse lance vencedor. Esse será o valor pago por
clique. A intuição é que os vencedores pagam os custos que seus lances causam aos outros
competidores. Tal como no leilão de segundo preço para um único bem, nesse mecanismo
a melhor estratégia para os compradores é anunciar a real disposição a pagar. A base para
esse resultado foi primeiramente discutida no artigo de Vickrey de 1961.
Qual desses leilões múltiplos gera a maior receita esperada para as plataformas? Novamente,
sob algumas hipóteses técnicas, o teorema de equivalência é válido nesse contexto (Garg and
Narahari, 2009). Mas uma série de dilemas práticos torna a escolha entre o GSP e o VCG um
problema difícil. Por um lado, no leilão VCG, a melhor estratégia é falar a verdade, portanto a
escolha do lance de cada anunciante é mais fácil. Por outro lado, as regras do leilão VCG são
mais difíceis de explicar aos participantes, o que pode gerar desconfiança dos participantes
para com a plataforma. Ademais, quando as condições técnicas de equivalência não existem,
o leilão GSP pode gerar maior arrecadação à plataforma (Edelman et al., 2007).
Notas:
[1] Ou desencorajá-las a reportar os rendimentos reais. Ao reportar rendas mais baixas, as pessoas mais
ricas teriam menos da sua riqueza taxada, o que ainda implica em renda total menor a ser redistribuída.
[2] O lance a ser considerado então é o produto do valor máximo anunciado pela medida de qualidade do
anúncio. Você pode checar como essa medida de qualidade é computada aqui.
[3] O mercado de trabalho é de fato um mercado, onde se compra e se vende horas trabalhadas, tendo o
salário como preço.
[4] Talvez você já tenha ouvido falar desse resultado como o primeiro teorema do bem-estar.
[6] Em economês, é uma sub-área da teoria dos jogos de informação incompleta na qual um principal
(parte desinformada) têm a possibilidade de desenhar as regras do jogo, sob a restrição de que os agentes
(parte informada) precisam querer participar.
[7] Nessa narrativa simples, tenha sempre em mente que estou desconsiderando outras questões – não
menos importantes – que afetam a distribuição observada de salários. Ao meu ver, a contribuição de Mirrlees
e Vickrey para o problema de taxação ótima deve ser encarada mais como uma formalização do porquê
incentivos devem importar aos formuladores de política pública, menos como um receituário do que deva
ser a política tributária.
[8] Não há demérito em tratar teorias econômicas como fábulas e hipóteses como metáforas. Na realidade,
o pensamento científico é notadamente metafórico (Lakoff and Johnson, 2008). Economistas usam as lições
que os modelos econômicos trazem para raciocinar sobre uma realidade, para expandir nosso conhecimento
sobre algum fenômeno ou para clarificar os pontos de discórdia com outras narrativas. E podemos testar
as lições de alguns modelos. Gilboa et al. (2014) é uma boa referência para o valor epistemológico dos
modelos econômicos.
[9] Especificamente, o ingrediente que faltava era o princípio de Pontryagin (Pontryagin et al., 1962). Arrow
e Debreu (1954; 1959) foram responsáveis por desenvolver a teoria moderna do equilíbrio geral.
[10] Novamente, é importante dizer que a narrativa é silenciosa acerca de outras questões igualmente
importantes que afetam a distribuição observada de renda. O próprio Mirrlees alerta ao longo do artigo que
os resultados ali eram ainda muito preliminares para que se pensasse em aplicações imediatas.
[11] Como o governo não observa as horas efetivamente trabalhadas nesse modelo, tipos mais produtivos
podem escolher trabalhar menos e produzir o suficiente para se passarem por tipos menos produtivos. Esses
tipos terão menor renda produzida, mas terão menos da renda descontada pelo planejador, de acordo com
a sua política ingênua de tributação.
[12] Isto não significa que, dada rendas mais altas, o imposto aplicado deve ser menor, mas que o incremento
tributário deve ser menor para rendas mais altas. O modelo advoga impostos altos para os mais ricos, mas
o incremento tributário por renda adicional já alta deve ser baixo.
[13] Na teoria dos incentivos, essa utilidade marginal extra ficou conhecida como renda informacional.
[14] A intuição é a seguinte. Um agente mais habilidoso precisa receber incentivos para se esforçar um
pouco mais e não tentar imitar agentes menos habilidosos. Mas se um segundo agente um pouco mais
habilidoso tiver um imposto marginal maior, ele pode querer se passar pelo primeiro.
[15] Para os leitores economistas, cabe ressaltar que o ferramental que Mirrlees usou para resolver o
problema da taxação ótima contribuiu para o avanço da teoria dos incentivos. Em termos matemáticos,
esse é um problema complicado de otimização, porque têm várias restrições a se considerar. Mirrlees
Notas:
reduziu a complexidade do problema ao 1) reformulá-lo como uma recomendação de renda e consumo ao
agentes, sujeita à restrição que eles a acatem (conhecido posteriormente como princípio da revelação) e 2)
demonstrar condições necessárias e suficientes para se trabalhar com uma única restrição de participação
(conhecido posteriormente como first-order approach).
[16] Cassady (1967) é uma ótima referência sobre história dos leilões.
[17] Friedman (1956) investigou leilões fechados de primeiro preço, entretanto, ainda que sob uma ótica
diferente.
[18] Pense que, caso haja empate entre os dois maiores licitantes, a escolha do vencedor é aleatória.
[19] Assumindo que os licitantes são livres para dar incrementos de lance tão pequenos quanto queiram,
claro.
[20] No leilão holandês, cada licitante, dado cada disposição privada a pagar, precisa pensar antes do leilão
começar qual será o valor mínimo a partir do qual ele está disposto a arrematar o bem, caso ninguém tenha
arrematado ainda. O vencedor então é o que tem o máximo desses valores mínimos. Dito de outra forma,
quem tem de fato a maior disposição a pagar. No leilão fechado de primeiro preço, quem der o maior lance
também leva. Não há razões para que um comprador dê um lance acima da sua disposição a pagar; afinal,
ele pode incorrer em prejuízo. O vencedor pode dar um lance abaixo da sua disposição a pagar, entretanto.
[21] Maschler, Solan e Zamir (2013, cap. 12) é uma boa referência sobre o teorema de equivalência e as
condições necessárias.
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Vickrey, W. (1961). Counter-speculation, auctions, and competitive sealed tenders. The
Journal of finance 16(1), 8–37.
Vickrey, W. (1962). Auction and bidding games. Recent Advances in Game Theory, Princeton
University Press, 15–27.
NOBEL DE ECONOMIA
1997
Robert C. Merton e Myron S. Scholes
por Caio Augusto
A contribuição majoritária dos dois, que levou a premiação de maior destaque na ciência
econômica, foi justamente a teoria de determinação dos valores dos derivativos.
Merton, norte-americano
foi tão forte que Merton discursou quando este primeiro foi laureado Nobel em 1985 e, assim que o
segundo recebeu o prêmio internacional da Academia Nazionale del Lincei, em Roma, o primeiro foi
até Roma apresentar o prêmio.
Merton conheceu Myron Scholes, com quem dividiu o prêmio de 1997, quando estava em processo
de entrevista para entrar na MIT Sloan. Lá, Merton passou 18 anos e, como fato curioso, gostava de
entregar aos alunos as notas de aula (para que não perdessem tempo copiando o que ele passava e
assim pudessem contribuir mais ativamente nas discussões durante as aulas).
Os períodos de atenção sobre a produção acadêmica de Merton são três: entre 1968 e 1977, quando
construiu uma boa base em pesquisa em modelos de consumo por todo o período de vida, seleção
de portfólios, precificação de ativos em equilíbrio e precificação de contingentes; 1977 a 1987, quando
avançou nas aplicações desses modelos teóricos; e de 1988 em diante, que passou a ser professor
na Universidade de Harvard.
Scholes, o canadense
pela Universidade de Chicago em economia, Tendo terminado o PhD em 1968, virou professor
apresentou a ele os estudos de George Stigler assistente de Finanças na Sloan School of
(Nobel de Economia em 1982) e Milton Friedman Management do MIT, onde acabou encontrando
(Nobel de Economia em 1976). Pensou em cursar Merton um ano depois, como já apontamos na
Direito, mas acabou convencido que a Economia parte daquele que dividiu a premiação Nobel de
era seu lugar, e acabou na Universidade de Economia com este em 1997. Logo no primeiro ano
Chicago para sua graduação. conheceu também Fischer Black e o trio formado
por Scholes, Black e Merton desenvolveu muitos
Logo no início em Chicago, Scholes decidiu trabalhos em conjunto quando o assunto são a
importantes coisas para sua vida: não iria precificação de ativos e de derivativos. Inclusive,
retornar para ajudar seu tio na cadeia de lojas um modelo bastante famoso de precificação de
de departamento e, mesmo sem ter nunca opções, conhecido como Black&Scholes, surgiu
programado na vida, assumiu o cargo de de uma dessas parcerias.
programador de computadores junior com ajuda
do diretor Robert Graves. Acabou passando Durante o período entre 1973 e 1980, Scholes ficou
quatro meses e meio, para entender sobre a bastante envolvido com o Centro de Pesquisa
missão que havia topado, entendendo sobre de Preços Securitizados da Universidade
programação e se apaixonando por isso (tendo de Chicago, trazendo para a realidade uma
cogitado inclusive, tempos depois, ter virado um quantidade substancial de pesquisa com dados
Cientista da Computação caso Chicago tivesse diários de títulos securitizados.
essa possibilidade naquela época).
Em 1981 virou professor visitante na Universidade
Porém, um amor tomou ainda mais espaço de Stanford, tendo virado membro permanente
em sua mente: o pela economia e pesquisa das escolas de Negócios e Direito em 1983. Neste
econômica, também naquele início em Chicago. período, na companhia de diversos colegas
Após ter tido contato com diversos professores como o William Sharpe, James Van Horne e
de maneira direta em como faziam suas Michael Gibbons, desenvolveu trabalhos em
pesquisas, achou aquilo tudo muito interessante planejamento de pensão, investment banking,
e passou a sugerir melhorias sobre aquelas incentivos e até planejamento tributário – este
pesquisas. Nomes Lester Telser, Peter Pashigan, último acabou culminando na obra Taxes and
Merton Miller e Eugene Fama (este último Nobel Business Strategy: A Planning Approach, de
de Economia em 2013) estavam entre pessoas 1992.
que trocaram ideias com ele a respeito disso.
Inclusive foi Merton Miller quem sugeriu que ele Durante os anos 1990 mudou sua área de
entrasse para o PhD. interesses para o papel dos derivativos e da
intermediação financeira. Nessa época se tornou
A entrada para o PhD em Chicago se dava em uma consultor especial do Solomon Brothers e era
recente área da economia: a economia financeira. um dos responsáveis pela área de trading e
Desde o início demonstrou interesse por estudar derivativos de renda fixa do banco, tudo isso
preços relativos e também como o fenômeno enquanto conduzia pesquisas e dava aulas
da arbitragem evitava que agentes econômicos na Universidade de Stanford. Em 1994 criou,
tivessem ganhos anormais em mercados de bens com alguns colegas que também haviam
securitizados. Sua contribuição foi a de trazer deixado o Solomon Brothers, uma empresa
uma curva desses títulos, levando em conta de investimentos de nome Long-Term Capital
uma abordagem diferente do que até então Management. Com tudo isso, acabou entendendo
era preponderante, que era fazer isso título a colocando o ferramental de finanças na prática
título. Outra área de pesquisa, associada a isso, e entendendo ainda mais profundamente sobre
foi ter pesquisado com Merton Miller o efeito o funcionamento e relação de instituições
do diferencial de risco sobre os retornos de um financeiras e os mercados em que se inserem.
título.
O prêmio, em 1997
N
o momento em que receberam a premiação, Robert Merton estava na Universidade de
Harvard e Myron Scholes estava na Universidade de Stanford. O motivo direto pelo qual
receberam o prêmio é a nova metodologia na determinação dos valores dos derivativos.
Ambos, junto do já falecido (em 1996) Fischer Black, desenvolveram uma fórmula de
avaliação de opções de ações. Essa fórmula serviu como base de muitos estudos em
economia financeira e permitiram vários avanços sobre os meios de gestão de risco que conhecemos
atualmente.
Existiam, desde o início dos anos 1900, diversas tentativas de se chegar a uma precificação
adequada de ativos e derivativos, mas sempre sem sucesso. O que faltava e o trio trouxe de efetivo
foi a consideração de uma nova abordagem sobre o prêmio de risco e como ele integrava essa
precificação ao longo do tempo, entre o momento presente e a maturidade daquele título que se
estava observando: era possível considerar que esse prêmio de risco estava no preço da ação, não
sendo necessário calculá-lo (o que era complicado e fazia com que todas as tentativas anteriores não
fossem bem sucedidas).
A metodologia criada por eles pode ser descrita por um breve exemplo que será apresentado a
seguir.
Considere a chamada opção de compra europeia que dá o direito de comprar uma ação de uma
determinada empresa a um preço de exercício de $50, daqui a três meses. O valor dessa opção
obviamente depende não apenas do preço de exercício, mas também do preço da ação hoje: quanto
maior o preço da ação hoje, maior a probabilidade de ela ultrapassar $50 em três meses, caso em
que compensa exercer a opção. Como um exemplo simples, vamos supor que se o preço da ação
subir $2 hoje, a opção subirá $1. Suponha também que um investidor possua um número de ações da
empresa em questão e queira reduzir o risco de mudanças no preço das ações. Ele pode realmente
eliminar esse risco completamente, vendendo duas opções para cada ação que possui. Como a
carteira assim criada é livre de risco, o capital investido deve render exatamente o mesmo retorno
que a taxa de juros de mercado livre de risco de uma letra do tesouro de três meses. Se não fosse
esse o caso, a negociação de arbitragem começaria a eliminar a possibilidade de obter um lucro livre
de risco. À medida que o tempo de vencimento se aproxima, no entanto, e o preço da ação muda, a
relação entre o preço da opção e o preço da ação também muda. Portanto, para manter uma carteira
de opções de ações livre de risco, o investidor precisa fazer mudanças graduais em sua composição.
Pode-se usar este argumento, juntamente com algumas suposições técnicas, para escrever uma
equação diferencial parcial. A solução para esta equação é precisamente a fórmula de Black-Scholes.
A avaliação de outros títulos derivados prossegue em linhas semelhantes.
Levando em conta esse modelo de precificação, diversas outras possibilidades passaram a ser
estudadas e colocadas à prova justamente com essa mesma base. Assim sendo, a contribuição destes
laureados para a chamada economia financeira é enorme e bastante presente até os dias atuais.
Apesar de uma fórmula complicada, hoje você pode colocá-la em prática virtualmente, por exemplo
com essa calculadora aqui.
Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.
Notas:
Referencias Bibliográficas
Artigo construído com base em registro biográfico feito por Robert C. Merton https://www.
nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/merton/biographical/ , outro feito por Myron M.
Scholes https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/scholes/biographical/ e
também no Press Release da academia que concede a premiação https://www.nobelprize.org/
prizes/economic-sciences/1997/press-release/
NOBEL DE ECONOMIA
1998
Amartya Sen
por Ana Luiza Pessanha
Este artigo pretende destacar as principais contribuições de Sen que o levaram a ganhar o prêmio
Nobel de economia. Para isso, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. A
primeira seção traz uma revisão da literatura de economia do bem-estar e as lacunas teóricas que
levaram o autor a escrever suas principais obras. A segunda seção ressalta as contribuições de Sen à
economia do bem-estar. As aplicações da sua teoria são expostas na terceira seção. Por fim, a quarta
seção traz as conclusões.
Utilitarismo e a economia
do bem-estar tradicional
O
campo da Escolha Social tem por dos outros membros no mínimo inalterada;
objetivos derivar preferências ii) Propriedades de completude (indivíduos
sociais a partir das preferências dos conseguem ordenar todas as opções disponíveis)
indivíduos e comparar os níveis de e transitividade das preferências individuais e
bem-estar entre diferentes arranjos coletivas; iii) Existência de não-ditadura, no qual
sociais. A partir de 1789, a teoria do bem-estar um determinado ranking individual não pode
começa a seguir uma tradição pautada na dominar o ranking dos outros indivíduos; iv)
representação das preferências individuais em Independência de alternativas irrelevantes, isto é,
suas respectivas utilidades. A visão utilitarista a escolha dos indivíduos entre duas alternativas
do bem-estar social surge com Jeremy Bentham não depende de nenhuma outra alternativa.
e consiste na derivação do bem-estar social Então, Arrow (1950) demonstra que não existe
como função da soma das diferenças de todas uma função de bem-estar social que satisfaça
as utilidades individuais (Sen, 1974). De acordo essas quatro condições concomitantemente.
com essa abordagem teórica, uma alternativa
A é preferida em relação a B se a soma das O teorema da impossibilidade de Arrow expõe
diferenças de utilidade de todos os indivíduos ao as limitações da teoria de escolha social baseada
mudarem de A para B é positiva. Nesse sentido, no utilitarismo. Mais especificamente, o critério
uma transferência de renda de uma pessoa i Paretiano desconsidera aspectos distributivos,
para uma pessoa j só deve ocorrer se o ganho uma vez que elimina a possibilidade de haver
de utilidade da pessoa j for superior a perda uma situação na qual um indivíduo melhora e
de utilidade da pessoa i (Sen, 1974). O aspecto outro piora. Para além da preocupação com
distributivo do utilitarismo sustenta-se então equidade, Sen destaca outros dois motivos pelos
em dois princípios fundamentais. Primeiro, de quais concepções pautadas na regra da maioria
ordem moral, é a sua característica welfarista não seriam as mais adequadas para representar
pautada no conceito de utilidade como único uma teoria de escolha social. Primeiro, grupos de
critério para a comparação de arranjos sociais. O indivíduos (como minorias sociais, por exemplo)
segundo princípio, por sua vez, baseia-se na ideia podem não ser ativos politicamente, de forma
de que variações marginais de renda devem ser que os seus interesses pessoais não seriam
alocadas naqueles indivíduos que usufruem de representados em decisões sociais. A segunda
maior utilidade marginal. crítica consiste no fato de que não temos como
comparar o bem-estar resultante de diferentes
A disciplina da escolha social consolida-se em um políticas, ainda que todos os membros
outro patamar, mais formalizado e estruturado, a participassem da vida política da sociedade por
partir da década de 1950 com as contribuições meio do voto. Isso ocorre porque cada indivíduo
de Kenneth Arrow (1950). Partindo da mesma ordena diferentes alternativas de maneira tal que
tradição individualista e utilitarista que seus não é possível extrair comparações interpessoais
precursores, Arrow destacou um impasse dessas ordenações utilizando apenas a base
teórico na construção de funções de bem-estar informacional dos votos (Sen, 1998). Dessa
social. Pautado nos conceitos de utilidade e forma, Sen argumenta que o principal entrave
na regra da maioria, o famigerado Teorema da à teoria da escolha social de seus antecessores
Impossibilidade consiste em quatro condições: não consiste na resolução do teorema da
i) Critério Paretiano de bem-estar, no qual uma impossibilidade per se, mas em encontrar
determinada política só aumenta o bem-estar regras que forneçam espaços informacionais
da sociedade se o nível de utilidade de alguns mais amplos e permitam a comparabilidade
indivíduos aumentarem mantendo a utilidade interpessoal a partir de critérios objetivos.
A obra Collective Choice and Social Welfare (1970) de Sen revoluciona o estudo da teoria
da escolha social por meio da expansão da base informacional na qual as decisões
coletivas podem ser construídas. Uma das principais contribuições do autor consiste na
incorporação de propriedades cardinais e comparações interpessoais parciais, tornando
possível a formalização de uma teoria de bem-estar que tenha resultados positivos e aplicáveis a
problemas sociais, como veremos na seção seguinte. Sen, no entanto, não foi o único autor a rejeitar
a abordagem utilitarista da economia do bem-estar. John Rawls (1971) construiu sua teoria de escolha
social a partir de seus dois princípios de justiça. O primeiro deles consiste na substituição da utilidade
por um índice de “bens sociais primários” como direitos, liberdades, renda e riqueza que, segundo o
autor, qualquer pessoa racional gostaria de possuir (Rawls, 1971, p.60-65). O “princípio da diferença”,
por sua vez, traduz-se na regra maximin, na qual o nível de bem-estar (definido pelo índice de bens
sociais primários) da pessoa em pior situação é o único critério a ser considerado ao comparar
alternativas. De acordo com essa estrutura teórica, uma transferência da pessoa i para a pessoa j
só deve ocorrer se o primeiro indivíduo tiver maior nível de bem-estar e o segundo for a pessoa em
pior situação (Sen, 1974). Rawls reformula sua teoria e altera o seu posicionamento no livro “Political
Liberalism” de 1993, mas tal modificação vai além da proposta desse texto.
Todavia, Sen argumenta que tanto o utilitarismo como a regra maximin de Rawls desconsideram
aspectos distributivos relevantes. No primeiro caso, não há nenhum tipo de comparação interpessoal,
dado que utilidades focam exclusivamente nas reações de prazer ou desprazer que um indivíduo
experencia com a aquisição de um bem. Por outro lado, a abordagem de Rawls não só considera
apenas o extremo inferior da distribuição como negligencia o fato de que indivíduos possuem
necessidades distintas de acordo com suas respectivas localidades, profissões, condições de saúde
e muitos outros aspectos. Nesse sentido, Sen classifica o conceito de bens primários como sendo
orientado por uma concepção “fetichista” pautada na ideia de que tais bens possuem um valor
intrínseco ao invés de considerar o valor que eles trazem para o indivíduo (Sen, 1979).
Considerando as lacunas expostas por esses autores, Sen desenvolve uma teoria alternativa de bem-
estar social, a partir do conceito de capacidades. O termo original capabilities constitui uma junção
de duas concepções fundamentais para a teoria de Sen: capacities e abilities. As capacidades de
um indivíduo consistem nas “liberdades substantivas de escolher uma vida que se tem razão para
valorizar” (Sen, 2000, p.83). Nesse contexto, a principal diferença para a abordagem de Rawls é que
Sen concentra sua análise na “conversão de bens primários na capacidade de a pessoa promover
seus objetivos” (Sen, 2000, p.83). Ou seja, o conceito de capacidades leva em consideração que
pessoas diferem em relação a seus interesses e factibilidade na conversão de bens em aquilo que
elas valoram. Por exemplo, uma pessoa física ou mentalmente incapacitada muito provavelmente
não conseguirá usufruir da vida que deseja com a mesma cesta de bens primários que uma pessoa
saudável. A concepção de abilities, por sua vez, diz respeito a condição de agente ou autonomia que
os indivíduos têm em escolher suas capacidades. Dito de outra forma, é a possibilidade de agir “de
acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também
segundo algum critério externo” (Sen, 2000, p.26).
Nesse âmbito, o aspecto inovador de Sen para a economia do bem-estar consiste na introdução da
liberdade de escolha e da igualdade de oportunidades como fatores que aumentam o bem-estar. A
partir da perspectiva das capacidades, Sen distingue crescimento de desenvolvimento econômico.
Aplicações empíricas
A
s contribuições teóricas de Amartya (Pressman, 2000).
Sen para a economia do bem-estar Sen também revolucionou a literatura sobre
podem ser aplicadas a quatro áreas: os grandes períodos históricos de fome ao
pobreza, análise dos períodos de argumentar que a principal causa para a fome em
fome, desigualdade de renda e massa não era a insuficiência de alimento, como
disparidade de gênero como parte integrante do muitos acreditavam, mas a distribuição desigual
desenvolvimento econômico. de alimentos devido à carência de recursos
monetários para os adquirir. Por meio dos seus
No que tange à literatura de pobreza, Sen trabalhos empíricos sobre o período de fome na
(1976c) criou um índice que considerasse não Irlanda nos anos 1840, em Bengal no ano de 1943
apenas a proporção de pessoas abaixo de uma e em Bangladesh e Etiópia nos anos 1970, Sen
determinada linha de pobreza como também a e Drèze (1989, Sen 1981) concluíram que baixos
desigualdade entre os pobres, medida pelo Índice salários e desemprego eram as principais causas.
de Gini. De acordo com essa mensuração, políticas
eficazes de combate à pobreza precisariam Em relação à desigualdade de renda, Sen
agir sobre os mais pobres dentre os pobres. desenvolveu uma medida de bem-estar, pautada
Para além do cálculo da pobreza, Sen também no princípio de que os pesos atribuídos as rendas
ressaltou a importância de considerar a pobreza de uma determinada distribuição são baseados
como um fenômeno multidimensional e mais na ordenação dos níveis de bem-estar. Dessa
abrangente do que a ótica da renda per capita maneira, o autor cria um indicador definido
pode capturar. Nesse sentido, pobres seriam como a renda média de um país ponderada pela
aqueles cujas rendas per capita são insuficientes desigualdade representada pelo Índice de Gini
para garantir as suas capacidades, seja por (Atikson, 1999). Derivado a partir de diversos
motivos de doença, composição demográfica axiomas, tal indicador representa a ideia de que
dentro do domicílio, localidade etc. Além disso, as cestas de bens são, na verdade, uma expressão
Sen foi um dos primeiros autores a introduzir multidimensional fundamentada na concepção
o debate acerca da distribuição de recursos de que o mesmo bem pode gerar níveis de
dentro dos domicílios. Considerando que a bem-estar distintos para diferentes pessoas, de
maioria dos domicílios não exibem uma dinâmica acordo com as suas respectivas capacidades.
cooperativa, a alocação de recursos pode
muitas vezes beneficiar desproporcionalmente Outra importante contribuição de Sen consiste
aquele que detém maior poder (normalmente o no trabalho seminal sobre como a preferência
homem), fazendo com que o nível de bem-estar parental por filhos homens em países como
não seja igual para todos os membros da família China e Índia leva a menor alocação de recursos
Conclusão
E
m suma, todas as contribuições
empíricas de Amartya Sen citadas nesse
texto possuem um elo conceitual em
comum: o foco em mensurar e analisar
os fenômenos sociais sob a ótica das
capacidades. Apesar de não terem influenciado a
premiação do Nobel, algumas obras recentes do
autor também contribuíram para a literatura de
economia do bem-estar e justiça social. Em 2009,
Sen inaugurou o livro “A ideia de justiça”, no qual
ele reformula aspetos filosóficos relacionados
a justiça social e altera significativamente a
sua crítica em relação a abordagem de Rawls.
Partindo da crítica à filosofia política tradicional,
que busca encontrar instituições perfeitamente
justas, Sen enfatiza a necessidade de criar
princípios de justiça pautados nas liberdades
das pessoas envolvidas, utilizando as instituições
como instrumento para arranjos sociais mais
justos (e não perfeitamente justos). Já em 2015,
Amartya Sen lançou um livro junto com Jean
Drèze que trata sobre como a democracia pode
contribuir para a expansão das capacidades e
redução das desigualdades, utilizando a trajetória político-econômica da Índia como pano de fundo.
Sen é um economista multifacetado que tornou a ciência econômica mais humana ao se dedicar
a questões sociais relevantes para o desenvolvimento das potencialidades de uma sociedade, sem
abdicar do rigor matemático. Sen ressignificou a economia tradicional ao criticar a predominância
da eficiência da alocação de recursos em relação a uma distribuição mais equitativa que levasse
em consideração não a quantidade de bens materiais, mas a possibilidade de os indivíduos serem
igualmente livres para usufruírem daquilo que cada um deles valora. Ao incorporar aspectos filosóficos
e éticos ao campo da economia, Sen reformulou o significado de desenvolvimento e o papel dos
economistas na criação de um mundo melhor.
Notas:
Atkinson, A.B. (1999) The contributions of Amartya Sen to Welfare Economics, Scandinavian
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Pressman,S. and Summerfield,G. (2000) The Economic Contributions of Amartya Sen, Review of
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NOBEL DE ECONOMIA
1999
Um prêmio para a
economia internacional
Robert A. Mundell
por Guilherme Tinoco1
1. Mini Biografia
em sua tese sob a supervisão de James Meade Em 1974 chegou à Universidade de Columbia,
(Prêmio Nobel em 1977). No MIT, foi influenciado, onde é professor até hoje. Vale dizer que Mundell
dentre outros, por Paul Samuelson e Charles sempre gostou de lecionar em diversas partes
Kindleberger, seu orientador. do mundo ao mesmo tempo. Entre 1965 e 1975,
ele passava temporadas regulares na Europa,
Após seu doutorado, passou por vários lugares, onde foi professor de verão na Universidade
dentre eles Chicago (pós-doutorado), Stanford de Genebra. Nas décadas seguintes, continuou
e John Hopkins University (Bologna), até chegar dando aulas em diferentes países, incluindo a
para uma temporada no FMI, onde foi recrutado China.
pelo chefe do departamento de pesquisa,
Jacques Polak, que tinha bastante interesse Ao longo da carreira, foi consultor de diversos
em suas pesquisas em economia internacional. governos, empresas e organizações, como
Laura Wallace2 conta que Polak lembrava de ter Nações Unidas, FMI, Banco Mundial, Comissão
feito um grande esforço para contratar Mundell, Europeia, Fed e Tesouro americano, dentre
a quem ele considerava bastante corajoso por outros.
estudar taxas de câmbio flexíveis quando o
tópico era considerado um grande tabu. No FMI, Academicamente, as principais contribuições de
Mundell ficou de 1961 a 1963. Mundell, e aquelas que lhe deram o Nobel, datam
dos anos 60, época de grande pesquisa e muitas
Entre 1965 e 1971, Mundell esteve no publicações, e se concentram especialmente no
departamento econômico da Universidade de estudo de políticas econômicas em economia
Chicago, participando de um período intenso em aberta e de áreas monetárias comuns, como
pesquisa e atividades intelectuais e que contava veremos a seguir.
2. Políticas econômicas
em economia aberta
Q
ualquer estudante de graduação conhece o modelo Mundell-Fleming, ou IS-LM-
BP. Desenvolvido nos anos 60, ele continua presente na maioria dos livros-texto de
macroeconomia e economia internacional. A grande inovação desse modelo foi estender
o clássico modelo IS-LM, de economia fechada, para pequenas economias abertas
(comércio e fluxos de capital), com o objetivo de avaliar os efeitos de curto prazo de
políticas econômicas (monetária e fiscal) sob diferentes regimes cambiais (taxas fixas ou
flexíveis).
2 Wallace (2006).
3 Dornbusch (2001) faz um relato interessante sobre o ambiente acadêmico na Universidade de Chicago nos anos 60, caracterizando-o como “one of the
great times in economics”.
Cumpre notar que estamos falando do início dos anos 60, então o modelo é bastante simples para
os dias de hoje, com hipóteses simplificadas (rigidez de preço completa no curto prazo, formação
de expectativas nos mercados financeiros) e sem microfundamentações (o que é um problema
especialmente para a política fiscal). Essas limitações foram sendo endereçadas ao longo do tempo,
muito por conta de seus alunos, como Dornbusch, e alunos de seus alunos, como Obstfeld e Rogoff5.
Mesmo assim, em muitas casos as conclusões seguiram similares, fazendo com que, dessa forma,
o modelo Mundell-Fleming continuasse como o work-horse da disciplina, muito por conta de sua
clareza e simplicidade.
A título de curiosidade, ressalta-se que o modelo foi criado de maneira independente por Mundell e
Fleming, que coincidentemente também era do Fundo Ambos tiveram algum contato no FMI, mas
não trabalharam juntos no modelo, que só veio a ter esse nome anos depois6. O próprio Mundell
conta a história do modelo e de sua relação com Fleming (Mundell, 2001 e Vane, 2006).
O modelo Mundell-Fleming preocupava-se mais com o curto prazo, mas Mundell não ficou só nisso.
A dinâmica monetária foi um tema importante de sua pesquisa, incluindo a abordagem monetária
do balanço de pagamentos, um tema em que Jacques Polak havia sido pioneiro. A abordagem,
posteriormente desenvolvida por muitos de seus alunos em Chicago (Rudi Dornbusch, Jacob Frenkel
e Michael Mussa), foi considerada por muito tempo como uma referência de longo prazo para análise
de políticas de estabilização7.
Ainda dentro da agenda das políticas monetária e fiscal, vale notar o papel de sua pesquisa no debate
público. No início dos anos 60, havia uma discussão acalorada em relação à política econômica do
Presidente Kennedy, na qual a maior parte dos economistas defendia um orçamento equilibrado,
4 Como cidadão do Canadá, país vizinho e com a economia bastante interligada com a dos EUA, Mundell desde cedo foi estimulado a pensar sobre aspectos
de economia internacional, o que certamente inspirou sua pesquisa. Vale ainda notar que durante os anos 50, o Canadá era o único país, dentre os que hoje
formam o G7, a ter a taxa de câmbio flexível.
5 Ambos orientandos de Dornbusch e que tem um livro clássico de economia internacional, Foundations of International Macroeconomics, de 1996.
6 Segundo Boughton (2002), em Working Paper do FMI, que conta a história do modelo, a denominação Mundell-Fleming foi provavelmente utilizada pela
primeira vez por Dornbusch (1976) e popularizada a partir do livro texto de Dornbusch de 1980. Fleming morreu em 1976.
7 Esta seria, segundo o próprio Mundell, uma abordagem teórica alternativa à abordagem keynesiana para o balanço de pagamentos, como conta Wallace
(2006).
pelo lado da política fiscal, e baixas taxas de juros, pelo lado da política monetária. Mundell, em um
trabalho de 1962, (Appropriate Use of Monetary and Fiscal Policy for Internal and External Stability
– IMF staff paper), inovou ao defender o contrário: sob regime de câmbio fixo, a política monetária
deveria se ocupar do equilíbrio externo, enquanto a política fiscal deveria ser utilizada para estimular
a economia. Uma das consequências desse debate foi a mudança no mix de política econômica, com
o corte de impostos sendo adotado em 19648-9.
A maioria de seus artigos no tópico políticas econômicas em uma economia aberta estão em seus
livros International Economics (1968) e Monetary Theory (1971).
8 A publicação do paper pelo FMI foi, de certa maneira, controversa, uma vez que trazia uma visão contrária tanto em relação ao mix de políticas do governo
americano como também em relação às recomendações gerais do FMI. Ver Vane e Mulhearn (2006).
9Essa separação de políticas e objetivos define o princípio do “effective market classification”, no qual Mundell afirmava que os intrumentos devem cuidar das
variáveis nas quais tem mais impacto/eficiência. Valeria também a regra: cada instrumento, uma meta. Essas ideias estão na origem dos regimes modernos de
política monetária e metas de inflação, em que o BC se ocupa basicamente com a estabilidade de preços.
10 A proposta foi publicada em 1973, sob o título “A Plan for a European Currency”.
11 Wallace (2006)
alcançou dois dígitos, chegou a defender a volta do padrão-ouro. Também chegou a advogar pela
criação de algo próximo a uma moeda global.
Nesse tópico, vale ressaltar que Mundell tinha a visão oposta de seu colega em Chicago, Milton
Friedman, que defendia um regime de taxas flexíveis. Ambos travaram interessantes discussões em
torno disso12.
Supply-Side Economics
N os anos 70, Mundell foi progressivamente mudando o foco de sua agenda, em direção ao
debate público e a temas mais aplicados. Dois assuntos sobressaíram: Sistema Monetário
Internacional (já discutido acima) e o Supply-Side Economics.
O Supply-Side Economics poder ser brevemente definido como uma corrente de pensamento que,
dentre outras coisas, aborda o problema do crescimento pelo lado da oferta e tem como principal
bandeira o corte de impostos. No começo dos anos 70, com a produtividade desacelerando (e com
a estagflação trazendo novos desafios teóricos), seus defensores argumentavam que a taxação
desencorajava o investimento e que a solução passaria por corte drástico de impostos, trazendo
investimento, produtividade, crescimento e emprego.
Essa agenda acabou tendo uma grande influência inflação, seguindo suas recomendações. Mas
sobre o programa do partido Republicano e, em foi logo depois que o Supply-Side Economics
especial, ao governo de Ronald Reagan. Mundell começou a ganhar força, especialmente a partir
não só participou do movimento, como foi um de 1974, quando o conceito foi introduzido pelo
dos seus principais nomes, o que fez dele um colunista do Wall Street Journal, Jude Wanniski.
tipo de guru, além de uma espécie de conselheiro Wanniski, vale dizer, foi um dos principais
informal da administração Reagan, que assumiu difusores da corrente e o criador do conceito da
em 1981. curva de Laffer15. Durante os anos 80, durante o
governo Reagan, a escola atingiu o seu auge, com
Em realidade, ainda no final dos anos 60 e início a implementação de amplo programa de corte
dos anos 70, Mundell já defendia o corte de de impostos. Os desequilíbrios fiscais, contudo,
impostos como forma de combater a recessão13. fizeram com que parte dos cortes tenha sido
Tentou influenciar a administração de Richard revertida com o tempo.
Nixon, mas não teve sucesso naquele momento:
sofreu oposição até mesmo de seu aliado Vale lembrar que o Prêmio Nobel de Mundell foi
Friedman, no que foi chamado de “Chicago dado por “his analysis of monetary and fiscal
Split” por jornais da época, segundo ele mesmo policy under different exchange rate regimes
conta14. and his analysis of optimum currency areas”. Não
incorporou, portanto, sua atuação e trabalhos no
Em seguida, Mundell conseguiu influenciar a âmbito do Supply Side Economics, ainda que
política econômica no Canadá, quando em 1973 alguns tenham tentado associar o prêmio a esta
o governo de lá ajustou as faixas de imposto pela corrente de ideias16.
12 Exemplo: “Nobel Money Duel: Do We Want a World Currency?” Milton Friedman with Robert Mundell. National Post (Canada), December, 2000
13 Appelbaum (2019) conta em seu livro um episódio ocorrido em Bologna, em 1971, durante um encontro que reuniu alguns dos principais economistas do
mundo para discutir a estagflação (desemprego com inflação). Enquanto keynesianos estavam intrigados com um fenômeno que não era compatível com a
curva de Phillips, monetaristas defendiam uma política monetária austera para combater a inflação. Mundell deu uma palestra, escutado por vários dos mais
importantes economistas do mundo, e propunha a solução para os dois problemas (inflação e desemprego) de uma vez só, através de um grande programa
de corte de impostos. Os dois lados receberam incrédulos e concordaram que não fazia sentido.
14 Ver Vane e Mulhearn (2006).
15 Arthur Laffer passou uma fase em Chicago enquanto terminava seu PhD e comparecia regularmente aos seminários de economia internacional de Mundell.
Com o tempo, ficaram bons amigos e se tornaram os principais nomes do Supply-Side Economics.
16 Krugman (1999) conta que o Wall Street Journal, em 1999, chamou, de forma “patética”, de “supply-side” Nobel.
Considerações finais
N
este texto, buscou-se apresentar o principais legados da carreira do economista Robert
Mundell. Como pode ser percebido, sua carreira profissional foi marcada por duas fases
muito claras. Na primeira, contribuições seminais no campo da economia internacional,
incrivelmente à frente de seu tempo. Paul Krugman17 escreveu que seu trabalho foi tão
central para o field, tão seminal, que em muitas controvérsias teóricas, suas ideias formam
a base para os dois lados do debate.
Na segunda fase da carreira, mais controversa, a maioria de suas posições não foi abraçada por seus
pares. Ele se tornou um guru do Supply-Side Economics, ao mesmo tempo em que foi chamado
diversas vezes de “great eccentric” pela imprensa18. Vale notar que, no final dos anos 60, Mundell
comprou um castelo na Toscana (Itália), o “Palazzo Mundell”, com mais de 65 quartos, onde não
só começou a passar temporadas, como também costumava organizar seminários fora do circuito
acadêmico tradicional.
O prêmio, como já falado, foi para o jovem Mundell, cuja pesquisa estimulou a pensar em problemas
que só tornariam quentes muitos anos depois. Certa vez, um de seus orientandos, Michael Mussa, foi
perguntado se havia alguma inconsistência no fato de Mundell, ao mesmo tempo, ter sido um dos
pioneiros da macroeconomia internacional moderna e ter apoiado tantas ideias fora do mainstream
econômico. A resposta foi que não havia contradição: “Bob has always been an enormously stimulating
and unorthodox thinker. So there has been a consistency. His contributions were related partly to his
willingness to think outside the box.”19
Guilherme Tinoco
Graduado em economia pela UFMG e mestre em Economia pela FEA/USP.
17 Krugman (1999)
18 Ver, como exemplo, New York Times (1986) e The Economist (1999).
19 Wallace (2006).
Notas:
Appelbaum, B. The Economist´s hour. Cap.4. Ed. Little, Brown and Company. 2019
Boughton, J. On the origins of the Fleming-Mundell Model. IMF Working Paper, 2002.
Mundell, R. On the History of the Mundell-Fleming Model. IMF Staff Paper Vol. 47 Special Issue.
2001
New York Times. Eccentric economist: Robert A. Mundell – Supply-Side’s Intellectual guru.
12/01/1986
Rose, A. A Review of Some of the Contributions of Robert A. Mundell, Winner of the 1999 Nobel
Memorial Prize in Economics. Scandinavian Journal of Economics, 2000.
Salvatore, D. Three Brilliant Ideas, One Nobel. Journal of Policy Modeling. Editorial. 2000
Vane, H. e Mulhearn, C. Interview with Robert A. Mundell. Journal of Economic Perspectives, v.20,
2006.
Wallace, L. Ahead of his time. Finance & Development N.3, V. 43. International Monetary Fund,
September 2006.
NOBEL DE ECONOMIA
2000
James Heckman
por Rodrigo Oliveira e Vinícius Mendes
Vida
Suas publicações mais antigas, a partir de 1974, permeavam tanto contribuições à econometria
teórica, debatendo modelos com truncagem, quando não se observa dados de uma parte da
população, seleção amostral, economia do trabalho tanto com foco na oferta de trabalho, quanto
em capital humano e equação de Mincer. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Heckman contribui
para a literatura de inferência causal e suas aplicações, numa área denominada por economistas
de microeconomia aplicada, seu uso da microeconometria e consolidação da área de avaliação de
políticas. Há suas contribuições para a literatura de demografia econômica, com artigos sobre ciclo
de vida, fecundidade e um capítulo sobre análise longitudinal em um livro sobre análise de coortes
e modelos de idade-período-coorte. A partir da década de 2000, Heckman, além de manter suas
contribuições para a literatura econométrica, inaugura a agenda de pesquisa de desenvolvimento
humano, com artigo clássico sobre habilidade cognitivas e não cognitivas (socioemocionais). Esta
lupa no potencial humano pode ser acompanhada pelo site heckmanequation.org. A equação de
Heckman é sintetizada em:
E mais importante ainda para o que conhecemos e como trabalhamos atualmente em economia
“
aplicada, Heckman destaca:
Isso mostra como o pensamento de James ser observada, é capturada no erro. O que isto
Heckman já estava a frente do seu tempo. quer dizer? No geral, indivíduos mais habilidosos
Contudo, apesar de seu conjunto da obra já torna- tendem a ser mais educados. Mas suponha que
lo apto à esta honraria, sua grande contribuição dois indivíduos com baixa escolaridade tenham
foi a famosa Equação de Correção de Heckman. dois comportamentos diferentes. Um é muito
Na pesquisa em microeconomia aplicada o habilidoso com vendas e mesmo sendo pouco
grande desafio é lidar com o que chamamos de educado, consegue vender um produto com
viés de variáveis não observadas, que em alguns muita facilidade. O outro não tem habilidade
casos podem ser chamados de viés de seleção. com vendas. Assim, conseguiríamos ver na
Isso decorre do fato de que muitas vezes prática dois indivíduos com mesma educação,
observamos apenas parte dos dados que explica mas com salários diferentes e esta diferença é
nosso problema. Mais precisamente, imagine explicada pela habilidade. Na nossa primeira
a decisão de entrar no mercado de trabalho. equação, quem estaria explicando esta diferença
Sabemos que diversos fatores que conseguimos de salários entre estes dois indivíduos seria o Erro
observar explicam essa decisão, como idade, (1), ou seja, uma vez não observada, a habilidade
nível de escolaridade, gênero, raça, etc. Contudo, estaria neste erro.
existem outros fatores que não são observados
que também afetam essa decisão, como por No entanto, esta mesma habilidade pode
exemplo o fato de as mulheres dentro de uma simplesmente influenciar na participação no
sociedade patriarcal acabarem assumindo mais mercado de trabalho. Suponha que o dono da
funções dentro do lar e da família. Esta ideia loja precise demitir um de seus funcionários.
pode ser pensada por um pequeno modelo com Ele olha para os dois funcionários, o que tem
duas equações: habilidade com vendas e o que não tem tal
habilidade, e decide demitir o menos habilidoso.
Observe que nesta economia há, agora, uma
seleção em nossa amostra: o indivíduo mais
habilidoso, que vende mais, é mais produtivo
e recebe o maior salário continua trabalhando
A primeira equação relaciona salário com enquanto o indivíduo menos habilidoso, menos
educação. Se 1 for 0,10, então os dados desta produtivo e que recebe o menor salário saiu de
economia sugerem que ao se tomar a decisão de nossa amostra. Logo, existe um viés de seleção
estudar um ano a mais, o indivíduo receberá um amostral!
prémio no salário com um aumento de 10%. A
segunda equação é uma equação de participação Qual foi a contribuição do Heckman então?
e, em nosso exemplo, seria uma equação de Uma vez que habilidade influencia tanto o erro
participação no mercado de trabalho. Como na equação 1 (mais habilidoso, maior salário)
observamos o salário (wi) apenas de indivíduos quanto o erro na equação 2 (mais habilidoso,
que estão no mercado de trabalho ( ocupado=1) maior probabilidade de estar empregado), estes
e não observamos os salários dos indivíduos erros estão correlacionados por esta habilidade
que estão desempregados (ocupado=0), a não observada. Assim, a chamada Correção
segunda equação tem como papel fundamental de Heckman sugere que os pesquisadores
explicar, através de informações observadas precisam primeiro modelar a participação.
pelos pesquisador (idade, por exemplo) e de Literalmente estimar qual é a probabilidade
informações não observadas pelo pesquisador de estar empregado no mercado de trabalho.
(erro) o que determina um indivíduo estar Observe que neste primeiro momento, todos
empregado ou não no mercado de trabalho. entram na conta, o indivíduo que continua
Suponha que um fator muito importante nesta trabalhando e aquele que foi demitido. Após se
história toda seja habilidade e esta habilidade calcular a probabilidade de estar empregado,
não é observada pelo pesquisador. Habilidade usa-se este cálculo na segunda etapa quando
impacta nos salários dos indivíduos e, por não usamos apenas uma parcela de nossa amostra,
aquela parcela de indivíduos empregados e que conseguimos observar seus respectivos salários. Os
resultados encontrados na primeira etapa são usados na segunda etapa para “corrigir” este viés de
seleção da nossa amostra.
Considerações finais
O que os estudos de Heckman e seus coautores tem nos ensinado é que além das condições
genéticas, condições do ambiente social, da família e das experiências que as crianças são expostas
são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Se argumento mais conhecido é que políticas
educacionais focadas na primeira infância terão retornos muito mais elevados que políticas aplicadas
em outras fases da vida. Nas palavras do autor:
“ Investir em crianças mais vulneráveis é uma rara política pública que promove
justiça social e aos mesmo tempo promove o aumento da produtividade da econo-
mia e da sociedade em larga escala. Intervenções na primeira infância com foco
nas crianças vulneráveis possuem retorno muito maior do que intervenções em
idades mais avançadas, como redução de tamanhos de classe, educação profis-
sional, programas de reabilitação, etc. No atual nível de recursos, sociedades inve-
stem mais do que deveriam em políticas de correção/melhorias de habilidades e
subinvestem nos estágios iniciais.”
(Science, 2006)
Rodrigo Oliveira
Mestre e PhD em economia pela UFPE, atualmente é pesquisador associado na United Nations
University World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER)
Vinicius Mendes
Mestre em economia pela UFMG, Doutor em economia pela FEA/USP, professor e pesquisador do
Departamento de Economia da UFBA
Notas:
Cameron & Trivedi (Microeconometrics Methods and Applications). Cambridge University Press;
unknown Edition (May 9, 2005)
Flavio Cunha & James J. Heckman & Susanne M. Schennach, 2010. “Estimating the Technology
of Cognitive and Noncognitive Skill Formation,” Econometrica, Econometric Society, vol. 78(3),
pages 883-931, May.
Heckman, J.; “Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged Children,” Science,
312 (5782): 1900-1902. 2006.
James J. Heckman, 2000. “Causal Parameters and Policy Analysis in Economics: A Twentieth
Century Retrospective,” The Quarterly Journal of Economics, Oxford University Press, vol. 115(1),
pages 45-97.
James J. Heckman, 2001. “Micro Data, Heterogeneity, and the Evaluation of Public Policy: Nobel
Lecture,” Journal of Political Economy, University of Chicago Press, vol. 109(4), pages 673-748,
August.
Heckman, James J., 2014. “Private Notes on Gary Becker,” IZA Discussion Papers 8200, Institute
of Labor Economics (IZA).
Jeffrey M. Wooldridge: Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. The MIT Press;
second edition (October 1, 2010).
The Royal Swedish Academy of Sciences. The Scientific Contributions of James Heckman and
Daniel McFadden (2000).
NOBEL DE ECONOMIA
2000
Daniel L. McFadden
por Rafael Mello
Até o fim dos anos 60, praticamente não existiam bases de dados
que permitissem a análise empírica robusta de comportamentos em
nível individual, seja de pessoas ou empresas. O desenvolvimento e
popularização dos computadores aumentou a capacidade tanto de
armazenamento de informações, o que viabilizou a construção de
bases maiores e mais detalhadas, quanto de processamento de dados,
possibilitando a análise e tratamento dessas novas bases.
A profusão de novos dados acabou levantando problemas e desafios metodológicos até então pouco
discutidos e tratados no âmbito da ciência econômica, dando origem a um novo campo de estudo,
a microeconometria. O reconhecimento definitivo do campo veio com o Prêmio Nobel de 2000,
dividido entre dois dos precursores da área, James Heckman e Daniel McFadden. E é sobre a vida e
as contribuições deste segundo que vamos nos aprofundar nos próximos parágrafos.
Aos 16, Daniel entrou na Universidade de Em 1991, Daniel decidiu retornar a Berkeley
Minnesota, onde três anos depois obteve o B.S. para fundar o Laboratório de Econometria,
(equivalente americano ao bacharelado) em dedicado a aperfeiçoar métodos em estatística
Física. Durante a graduação, trabalhou como computacional aplicados à economia, e lá
programador em uma pesquisa que aplicava permaneceu pelo restante da sua carreira. Até
testes psicológicos, o que despertou seu hoje seu nome consta da lista de professores
interesse em psicometria e o levou a continuar eméritos do departamento de economia.
seus estudos no campo de Behavioral Science.
Interessado em se aprofundar nos modelos Além do Nobel, McFadden obteve diversos outros
matemáticos de escolha, acabou direcionando reconhecimentos por sua carreira acadêmica.
o tema de seu Ph.D. para a economia, sendo Dentre os principais, destacam-se a Medalha
fortemente influenciado pelos professores John John Bates Clark, concedida pela Associação
Chipman e Leonid Hurwicz (que também viria Americana de Economia para destacados
ganhar o Nobel, em 2007). economistas americanos com menos de 40 anos,
recebida em 1975; e a Medalha Frisch, concedida
Após concluir seu Ph.D. em 1962, McFadden pela Sociedade de Econometria, em 1986.
foi professor em alguns dos principais
Modelando escolhas
O
ficialmente, o Prêmio Nobel de Economia foi concedido a Daniel McFadden por suas
contribuições para o desenvolvimento teórico e metodológico na análise de escolhas
discretas, ou seja, escolhas em que há um número relativamente pequeno de alternativas.
Como exemplo de situações desse tipo, podemos citar diversas decisões individuais
relativamente corriqueiras: Cursar uma faculdade ou antecipar a entrada no mercado de
trabalho? Qual transporte utilizar para se locomover pela cidade? Casar-se ou não? Ou, buscando
resolver simultaneamente duas questões, casar ou comprar uma bicicleta?
Antes dos desenvolvimentos metodológicos de McFadden, casos como os descritos acima eram
tratados seguindo a análise microeconômica mais tradicional, em que se supõe que as decisões
podem ser adequadamente representadas por uma variável contínua. Além disso, pouco havia sido
feito para modelar teoricamente o comportamento em contextos de escolha discreta.
Na abordagem teórica adotada por McFadden, conhecida como “modelo de utilidades aleatórias”,
cada indivíduo escolhe, dentre as opções disponíveis, a alternativa que maximiza sua utilidade. A
utilidade obtida com cada alternativa depende tanto de características observáveis como de atributos
não-observáveis, que são representados como variáveis aleatórias. Isso justificaria por que, em geral,
há variações entre as escolhas de indivíduos com as mesmas características observáveis.
A partir dessa estrutura teórica, McFadden adaptou e desenvolveu métodos econométricos que
permitem estimar, por exemplo, a probabilidade de que um determinado indivíduo escolha uma
alternativa (casar?) em detrimento de outra (comprar uma bicicleta?), com base nas características
observáveis disponíveis.
Seu trabalho mais influente, intitulado “Conditional Logit Analysis of Qualitative Choice Behavior”, foi
publicado em 1973, quase simultaneamente a outros artigos descrevendo aplicações empíricas do
modelo na demanda por transporte público urbano (The Measurement of Urban Travel Demand, de
1974; Urban Travel Demand: A Behavioral Analysis, em coautoria com Tom Domencich, de 1975; e The
Revealed Preferences of a Government Bureaucracy: Empirical Evidence, publicado em 1976).
Um dos resultados mais conhecidos desses artigos é relativo à adesão da população ao sistema de
transporte da região de São Francisco, conhecido como Bay Area Rapid Transit (BART). McFadden
aplicou seu modelo aos dados disponíveis antes da construção do sistema, e comparou suas
estimativas às previsões oficiais, que estimavam adesão de 15% da população. Segundo seu modelo,
apenas 6,3% dos usuários iriam utilizar o BART. O dado real, após a implantação, foi 6,2%.
Apesar dos modelos logit multinomiais já serem conhecidos anteriormente, sua modelagem do
comportamento de escolha fundamentada na teoria microeconômica foi bastante inovadora e teve
impacto imediato na comunidade econométrica. A partir de então, a abordagem empírica na análise
de decisões em nível individual foi completamente alterada, tornando-se rapidamente uma das mais
relevantes da econometria moderna.
A
ntes mesmo de se dedicar ao desenvolvimento dos modelos de escolha discreta, McFadden
fez algumas contribuições significativas no campo da teoria da produção. No entanto, boa
parte destes trabalhos só veio a ser publicada em 1978, na obra Production Economics: A
Dual Approach to Theory and Applications, em coautoria com Melvyn Fuss.
Outro exemplo de produção relevante, também pouco associada à pesquisa que o tornou mais
conhecido, é um trabalho em colaboração com Peter Diamond (Some Uses of the Expenditure
Function in Public Finance, de 1974), bastante influente no campo da economia pública moderna.
A partir da década de 90, alguns de seus principais trabalhos foram em economia ambiental. Dois
artigos de destaque se propuseram a analisar a “disposição a pagar” por recursos naturais (Contingent
Valuation and Social Choice, de 1994) e as perdas de bem estar provocadas por danos a este tipo de
recurso no Alaska (Assessing Recreational Use Losses due to Natural Resource Damage, de 1995).
Nos últimos anos, a pesquisa de McFadden direcionou-se para o campo da economia da saúde, com
foco especial na terceira idade e na regulação do mercado de seguridade. Uma das pesquisas de
maior repercussão aborda a escolha de planos de saúde por parte dos consumidores, no âmbito do
programa Medicare (Plan Selection in Medicare Part D: Evidence from Administrative Data, de 2013,
com coautores). Seus resultados indicaram que menos de 10% dos indivíduos escolhem os planos
com menor custo total, considerando seu perfil de uso.
A influência de suas contribuições é amplamente sentida até os dias atuais, mesmo para além da
microeconometria. Aplicações das técnicas desenvolvidas por McFadden difundiram-se para áreas
tão distintas quanto a pesquisa de marketing, em que é usada para analisar o comportamento de
compra dos clientes, e a ciência política, aplicada na avaliação dos votos dos eleitores.
Por conta de tudo isso, nada mais justo que este discreto (!!) senhor seja lembrado como um dos
patronos da microeconometria moderna, e um dos precursores da revolução empírica vivida pela
ciência econômica nas últimas décadas.
Rafael Mello
Formado em Administração, posteriormente foi atraído pelo lado lúgubre da Força.
Mestre em Economia.
Notas:
McFadden D., The Path to Discrete-Choice Models, ACCESS Magazine, NUMBER 20, SPRING 2002
Manski, C.F. (2001). Daniel mcfadden and the econometric analysis of discrete choice. The
Scandinavian Journal of Economics 103, 217–229
Carolyn J. Heinrich & Jeffrey B. Wenger (2002) The Economic Contributions of James J. Heckman
and Daniel L. McFadden, Review of Political Economy, 14:1, 69-89
Trabalhos selecionados:
McFadden, D. (1973) Conditional Logit Analysis of Qualitative Choice Behavior. In: Zarembka, P.,
Ed., Frontiers in Econometrics, Academic Press, 105-142.
McFadden D. (1974), The Measurement of Urban Travel Demand, Journal of Public Economics 3,
303–328.
Diamond P. and D. McFadden (1974), Some Uses of the Expenditure Function in Public Finance,
Journal of Public Economics 3, 3–21
Analysis, North-Holland.
McFadden D. (1977), Modelling the Choice of Residential Location, No 477, Cowles Foundation
Discussion Papers, Cowles Foundation for Research in Economics, Yale University
Fuss M. and D. McFadden (eds.) (1978), Production Economics: A Dual Approach to Theory and
Applications, vols I & II, North-Holland.
McFadden D. (1989), A Method for Simulated Moments for Estimation of Discrete Response Models
without Numerical Integration, Econometrica 57, 995–1026.
McFadden D. (1994), Contingent Valuation and Social Choice, American Journal of Agricultural
Economics 74, 689–708.
Hausman J., G. Leonard and D. McFadden (1995), A Utility-Consistent, Combined Discrete Choice
and Count Data model: Assessing Recreational Use Losses due to Natural Resource Damage,
Journal of Public Economics 56, 1–30.
Heiss, F., A. Leive, D. McFadden, and J. Winter (2013), Plan selection in Medicare Part D: Evidence
from administrative data, Journal of Health Economics 32(6): 1325-1344
Links:
https://www.econlib.org/library/Enc/bios/McFadden.html
https://www.britannica.com/biography/Daniel-McFadden
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2000/summary/
NOBEL DE ECONOMIA
2001
Akerlof, Spence e Stiglitz
por Pedro Fernando Nery
1. Introdução
O s vencedores do Prêmio Nobel de 2001 são conhecidos não só pelos marcantes avanços
na microeconomia que foram reconhecidos naquele ano, mas também pelo seu papel
no debate público, em parte decorrente do status do próprio Prêmio. Isto é saliente em
particular para o caso de Joseph Stiglitz, muitas vezes citado como exemplo da chamada
“síndrome do Nobel”, pelo espaço que ocupa com opiniões que seriam menos rigorosas do que o
trabalho acadêmico que o premiou. Mas que trabalhos sobre mercados foram reconhecidos no Nobel
de 2001? Qual a importância que têm na chamada nova economia? E quais foram as contribuições
seguintes desses agraciados, e a atuações que levam à crítica da síndrome do Nobel?
George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz Pessoas com condições crônicas de saúde
foram laureados em 2001 “por suas análises de naturalmente tendem a se interessar mais por
mercados com informação assimétrica.” Este é, planos de saúde, e podem tentar omitir a sua
portanto, um Nobel mais “popular”, no sentido condição para conseguir uma mensalidade mais
de que a literatura relevante já é mencionada, vantajosa. Caso muitos participantes estejam
por exemplo, em cursos de graduação. A nessa situação, os custos do plano podem
informação assimétrica está presente quando, ficar proibitivos pelos gastos com tratamentos,
entre os participantes de uma transação, um inviabilizando-o ou levando a aumento de
tem mais informação do que o outro. A ausência mensalidades. E assim expulsam os usuários
de informação assimétrica é considerada um que acham que o plano não vale a pena quando
requisito para o bom funcionamento do mercado: consideram o custo e a possibilidade de uso.
sua presença caracteriza, portanto, uma falha de
mercado – demandando por exemplo atuação Outro exemplo de seleção adversa é o caso
estatal. de um banco que aumenta seus juros para
fazer frente à inadimplência nos pagamentos,
O trabalho seminal de Akerlof é O mercado expulsando justamente os bons pagadores que
para “limões”: incerteza sobre qualidade e o não consideram viável um empréstimo nessas
mecanismo de mercado. Neste caso, o limão condições, mas atraindo os maus pagadores que
é uma expressão da língua inglesa para um não se importam com o custo do empréstimo,
automóvel cheio de problemas imperceptíveis à pois não pretendem pagá-lo. Os dois mercados
primeira vista (em português está mais próximo citados podem não prosperar porque os
dos termos “um abacaxi”, “um pepino”). No consumidores possuem informações que os
mercado de carros usados, haveria tanto bons vendedores não têm (doenças preexistentes,
carros quanto limões. Há informação assimétrica: disposição ao calote).
os compradores têm dificuldade de distinguir
com facilidade se estão comprando um carro Já Michael Spence tem como trabalho
bom ou um carro que irá apresentar problemas. seminal Sinalização no mercado de trabalho.
Já o vendedor do carro usado sabe se está ou Ele descreve o esforço que postulantes no
não repassando um “limão”. mercado de trabalho têm em sinalizar suas
habilidades aos empregadores. Afinal, os
A sabida existência de limões no mercado reduz empregadores possuem menos informação
o preço que os compradores estão dispostos a do que os candidatos, por exemplo, sobre seu
pagar em um carro usado. O preço menor afasta talento ou a dedicação que pretendem exercer.
os vendedores de bons carros, mas não dos carros Caberia aos candidatos sinalizar que serão
ruins, que enxergam na venda um bom negócio. bons funcionários, comprovando esforços
O incentivo para saída dos bons produtos e a que não teriam sido empreendidos por outros
entrada dos produtos ruins nesse mercado é um candidatos, já que envolvem tempo e dinheiro.
caso de seleção adversa. É uma situação em que Um curso de mestrado, por exemplo, ainda que
a atração dos “piores” participantes é tal que não fosse capaz de aumentar a produtividade do
eles predominam, potencialmente destruindo o trabalhador, poderia valer a pena pelo seu papel
próprio mercado. O exemplo do paper de Akerlof como sinal.
já foi resumido no Terraço Econômico.
A sinalização difere da triagem (screening),
Veja que a informação assimétrica, e a própria iniciativa contra a seleção adversa tomada pela
seleção adversa, podem ocorrer também parte com menos informação (ex: o empregador
quando são os compradores que possuem mais usar o mestrado em economia como pré-
informação – não os vendedores. requisito para uma vaga). Aqui está um artigo
seminal do terceiro vencedor do Nobel de 2001,
Casos emblemáticos de informação assimétrica Joseph Stiglitz: A teoria da triagem, educação e
e seleção adversa incluem os mercados de a distribuição de renda.
planos de saúde e os de empréstimos bancários.
208 Nobel - 20001
E-BOOK NOBEL
Podemos imaginar para os dois exemplos anteriores soluções parciais de screening e de sinalização
(carência para usar um plano de saúde, autorização para integrar cadastro positivo de bons pagadores).
O
Sabemos que o avanço da tecnologia permitiu
que novos mercados florescessem. Mas parte
desse êxito parece se relacionar com a própria
capacidade da tecnologia de responder ao
problema da informação assimétrica. Por que
você entra em carros de desconhecidos para te levar a
um lugar? Ou pede comida de restaurantes que você
não sabe onde é e nem nunca lhe foram recomendados?
Ou ainda, por que faz pagamentos com a expectativa de
receber um produto de um desconhecido que mora a
milhares de quilômetros de distância?
Mas da mesma forma que novas plataformas poderiam ampliar a informação nos mercados que
intermediam, podem elas próprias se beneficiarem de novas fontes de informação assimétrica? Afinal,
muitas têm enorme poder de mercado e convivem com um paradoxo: aumentam a competição entre
vendedores que usam a plataforma, mas enfrentam elas próprias pouca competição.
3. Síndrome do Nobel?
Akerlof e Stiglitz são ainda hoje economistas muito influentes no próprio debate público, para muito
além do trabalho sobre informação assimétrica. No caso de Stiglitz, que manifesta com clareza suas
preferências políticas, há frequentemente a evocação da “síndrome do Nobel” – um questionamento
que não é limitado aos prêmios Nobel em economia.
A expressão é usada por críticos a laureados que externam opiniões, consideradas equivocadas,
sobre temas que estariam fora da sua especialidade. Stiglitz chamou atenção no debate de política
econômica brasileiro em anos recentes: disse ter boa percepção sobre a economia brasileira, apenas
meses antes dela entrar em uma profunda recessão no final de 2014. Posteriormente, criticou o ajuste
fiscal de Joaquim Levy – naturalmente não sem controvérsia.
Em minha avaliação, tanto Akerlof quanto Stiglitz têm tido contribuições bastante relevantes em
assuntos distintos dos que foram premiados, ainda que menos rigorosas. Akerlof, além de um trabalho
teórico influente em economia do trabalho (salários de eficiência), chamou atenção ultimamente
pelo que chama de “economia da identidade”. Faz pontes com a sociologia para explicar como
normas sociais afetam escolhas de grupos como mulheres e negros, avançando nas explicações para
desigualdade de gênero e desigualdade racial e nas medidas para combatê-las.
Já Stiglitz atua com destaque fora da academia desde antes do próprio prêmio: chefiou o conselho
de assessores econômicos da Casa Branca no governo Clinton. É particularmente interessante seus
esforços na construção de medidas alternativas ao PIB para avaliar progresso, em particular pelas
quanto à desigualdade, insegurança econômica, sustentabilidade ambiental e bem-estar: “O que
você mede afeta o que você faz”, diz. Stiglitz liderou, com o também Nobel Amartya Sen, uma
comissão designada pelo governo francês para evoluir no tema – uma agenda que continua gerando
publicações e tem influenciado países desenvolvidos.
Atualmente, no ranking da base IDEAS (RePEc), Stiglitz aparece atrás somente de James Heckman
como o Nobel de economia de maior impacto. É o 4º economista da lista: Akerlof também integra
o top 100. Estudar o trabalho dos laureados de 2001 ajuda a compreender os próprios avanços na
economia.
NOBEL DE ECONOMIA
2002
Daniel Kahneman & Vernon L. Smith
por Gabriel Brasil
Por suas provocações robustas e disruptivas com relação às premissas associadas à racionalidade dos
agentes, a economia comportamental se tornou, desde então, um campo com implicações diretas
e significativas em outras áreas da economia, incluindo macroeconomia e finanças. Os trabalhos de
Kahneman, especificamente, jogaram luz aos múltiplos vieses e subjetividades dos processos de
decisão que fazem parte da economia, reforçando a – muitas vezes surpreendente – irracionalidade
invisível que permeia o nosso cotidiano.
A Teoria da Perspectiva
Segundo o próprio Kahneman, sua principal epifania para o desenvolvimento desta pesquisa
veio de um episódio do tempo em que trabalhava para o exército israelense. Ao participar de um
treinamento para paraquedistas, Kahneman fez uma palestra sobre o papel de incentivos e punições
na performance das pessoas – ensinando que, em geral, recompensas são mais efetivas do que as
reprimendas. Foi confrontado, então, por um instrutor sênior presente no treinamento, que disse
que, pela sua experiência, o contrário parecia muito mais crível – em geral, ao serem punidos após
uma performance ruim, seus cadetes apresentavam resultados claramente melhores nas próximas
tentativas. Foi aí que Kahneman identificou a forma como um fenômeno estatístico hoje em dia bem
documentado – o da regressão à média – exercia um efeito psicológico significativo na forma como
as pessoas percebiam a dinâmica de incentivos à qual estavam imersas. Mesmo diantes de uma
amostra e uma frequência significativa de certos eventos – como no caso do instrutor sênior com
seus alunos paraquedistas – incorremos em vieses cognitivos sistemáticos prejudiciais às nossas
decisões que oriundam da nossa racionalidade limitada diante de certos contextos.
Rápido e Devagar
Um exemplo trazido no livro que se tornou famoso é o chamado “Problema de Linda”, que ilustra
bem tal panorama. Participantes do experimento foram apresentados a uma personagem fictícia –
Linda – que é caracterizada como solteira, brilhante e que, quando jovem, sempre foi profundamente
preocupada com temas como discriminação e justiça social. Na sequência eles deveriam escolher a
opção mais provável: (A) Linda era uma atendente de um banco; ou (B) Linda era atendente de um
banco e ativa no movimento feminista. A absoluta maioria dos respondentes (brilhantes graduandos
da prestigiada Stanford University) selecionou a segunda opção como a mais provável – ainda que
isso represente, claro, uma agressão brutal às leis da probabilidade (dado que, afinal, a chance de
Linda ser bancária está contida na probabilidade de ela ser bancária E membra ativa do movimento
feminista). Esse experimento – que é complementado e endossado por muitos outros, igualmente
lúdicos e intrigantes, conduzidos por Kahneman – é uma ilustração didática e provocativa dos
vieses comportamentais e de narrativa aos quais estamos expostos, ensejados pela nossa utilização
automática do nosso precipitado “Sistema 1”.
Legado
Tão multidisciplinar como sua própria presença no hall de laureados do Nobel de economia, o sólido
trabalho de Kahneman é uma contribuição disruptiva, elegante e certamente duradoura para a
ciência econômica. Amigável para economistas e não-economistas, é hoje uma leitura obrigatória
para curiosos em geral.
Gabriel Brasil
É economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em economia política internacional
pela Universidade de São Paulo. Atualmente trabalha como analista de risco político na consultoria
britânica Control Risks.
O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores
Notas:
Kahneman, Daniel. “Biographical”. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Disponível em: https://
www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2002/kahneman/biographical/
Kahneman, Daniel. “Maps of Bounded Rationality: Psychology for Behavioral Economics.” The
American Economic Review 93 (2003): 1449-1475.
NOBEL DE ECONOMIA
2003
Prêmio pela revolução na
análise de séries temporais
Robert F. Engle III e Clive W. J. Granger
por Victor Cobucci
Suas obras deixaram bases fundamentais na análise de dados temporais. Onde quer que se trabalhe
com dados em séries temporais e com modelos preditivos, se deve ter atenção aos problemas
para os quais Engle e Granger ofereceram eficientes soluções. Seus métodos estatísticos e aqueles
que derivaram de suas ideias originais têm, hoje, ampla aplicação, indo desde a previsão de risco
e rentabilidade de ativos financeiros, passando pela tomada de decisões de políticas públicas e
seguindo até campos mais distantes da economia, como a biologia e a engenharia.
Os motivos apresentados pela banca sueca para justificar a premiação, claro, não exaurem todas
as importantes contribuições que os laureados de 2003 deram à ciência econômica ao longo de
suas carreiras. No entanto, para que se entenda por que esses dois brilhantes pesquisadores se
tornaram tão notáveis e, por fim, eternizados na galeria do Nobel, esse texto explorará seus trabalhos
que obtiveram mais destaque, além de contar um pouco da vida, da carreira e da contextualização
acadêmica de cada um.
Engle, porém, seguiu os estudos em física. De Ithaca, seguiram para Boston. Engle
Foi aceito em Cornell e UC Berkeley, mas tinha conseguido seu primeiro emprego
optou por ficar mais perto de suas origens e acadêmico, no MIT. Depois de alguns
por estudar na alma mater de seu pai, PhD anos, sentiu que não poderia desenvolver
em química por Cornell. Como doutorando adequadamente seu interesse em séries
em física, realizou estudos com física em temporais ali. Se aproximou de Granger
baixíssimas temperaturas e mecânica pelos interesses comuns em congressos
e, através dele, recebeu em 1975 a oferta Ficou em San Diego até 2003, e foi enquanto
de uma vaga em UC San Diego, onde esteve por lá que viu seu trabalho impactar
Granger lecionava. Engle aceitou. Logo, o mundo, como sonhava fazer desde jovem.
estreitou ainda mais os laços com Granger Seu trabalho criou toda uma nova área de
e ali desenvolveu satisfatoriamente suas investigação e um subcampo que, hoje, é
pesquisas com séries temporais. Na sua conhecido como econometria financeira.
primeira década em UCSD, nasceram sua Atualmente, Engle é professor emérito
filha, seu filho e sua maior obra acadêmica, da UCSD e também leciona no mestrado
o modelo ARCH. Também nesse período, se de gestão de risco financeiro na Stern
interessou pela pesquisa de Granger sobre Business School (New York University),
cointegração, em que Engle também viria a onde ainda segue desenvolvendo trabalhos
ser um colaborador de grande destaque. sobre séries temporais, ainda que não tão
profuso como antes.
O legado de Engle
O legado de Engle se estende pelos campos da estatística e da econometria, com destaque
ao desenvolvimento e unificação de teorias sobre testes de especificação de modelos
regressivos, ao trabalho sobre band spectrum regressions, ao desenvolvimento de melhores
teorias sobre exogeneidade econométrica e sua relação com causalidade e, claro, às suas
obras consideradas seminais acerca da tendência comum (cointegração) e da volatilidade
da variância em séries temporais (modelo ARCH, sigla do inglês Autoregressive Conditional
Heteroskedasticity).
Foi seu trabalho sobre volatilidade em séries temporais aquele responsável por tê-lo levado
ao Olimpo dos economistas.
Até meados da década de 1970, havia grande concentração dos estudos em econometria ao
redor de aspectos dinâmicos das séries temporais associados à média esperada condicionada
aos dados passados, isto é, à tendência central de uma série. Mas, como logo se aprende nos
cursos de introdução à estatística, a tendência central não é a única propriedade que um
conjunto de dados estatísticos carrega. Muito além, consigo vêm outras informações como
a dispersão (quão espremida ou esticada é a distribuição de probabilidade, comumente
Desta maneira, não havia um bom ajuste desses modelos quando aplicados a dados
financeiros ou macroeconômicos, pois não condizia com as observações empíricas de
presença de heterocedasticidade, isto é, da dispersão dos dados variando no tempo; de
dispersão condicionada à informação passada e, ainda mais além, do padrão de volatilidade
em clusters, ou seja, períodos extensos de baixa volatilidade e outros de alta, como já era
bem notado em Mandelbrot (1963). Por exemplo, em períodos de instabilidade econômica
ou política, observamos os índices de bolsa ou o câmbio variando pra baixo e pra cima com
maior intensidade.
Engle abriu uma janela para uma enxurrada de pesquisas, com a publicação sendo seguida
de novas investigações empíricas e adaptações teóricas da ideia original. Pesquisadores de
toda parte desenvolveram novos conceitos com base no modelo ARCH, incluindo o próprio
Engle, que esteve muito ativo até a década de 2000 se ocupando com extensões de seu
modelo. Entre os desenvolvimentos posteriores, destacam-se o modelo GARCH (Bollerslev,
1986), criado por um ex-aluno de Engle e que se trata de uma generalização de processos
ARCH de ordem finita que facilita muito seu uso empírico; o modelo com assimetrias de
volatilidade (Engle e Ng, 1993); o modelo IGARCH (Bollerslev e Engle, 1986), usado em
contextos de persistência de altíssima volatilidade; entre muitos outros desenvolvimentos
com diversas aplicações, principalmente no mercado financeiro, onde as ideias de Engle
resultaram em modelos para precificação de opções, prêmios de risco, valor da volatilidade
e estrutura da curva de juros.
O legado de Granger
Granger foi um dos grandes responsáveis por construir as bases modernas da econometria.
Sua primeira grande contribuição foi sua formalização de causalidade (Granger, 1969),
tornando este conceito estatisticamente funcional e testável. Relações entre variáveis
econômicas são naturalmente inexatas, sendo natural que as formulações em economia
tenham componentes estocásticos. O toque de genialidade de Granger foi usar este fator
para estabelecer relações causais através das distribuições de probabilidades conjuntas
entre as variáveis observadas. A “causalidade de Granger”, como ficou conhecida, foi seguida
de outros desenvolvimentos com base em sua teoria e se tornou uma peça importante em
estudos empíricos dentro da macroeconomia, fornecendo maneiras práticas de estabelecer
causalidade num vasto mundo de relações dinâmicas entre variáveis econômicas.
para atingir formas não-integradas. Hooker (1901) já discutia sobre efeitos discriminados
entre tendência e oscilações periódicas em séries não-estacionárias. Entretanto, a evolução
dos métodos acerca do tema evoluiu muito lentamente. Até a década de 1970, economistas
abusavam de modelos estáticos rebuscados para séries temporais que, frequentemente,
tinham capacidade preditiva ruim. Granger e Newbold (1974) observam que a escolha
dos modelos, geralmente, se baseava em medidas pouco precisas de bondade de ajuste,
como o R2, mesmo no contexto de séries não-estacionárias. Ademais, argumentam que
não se pode ignorar as propriedades dinâmicas dos dados e destacam a importância de
se testar os modelos como uma boa prática. Sugerem, então, um teste para verificar a
presença de regressão espúria, que seria sempre que se verificasse R2>DW (estatística de
Durbin-Watson), e reiteram que o uso de diferenças poderia atenuar o problema da não-
estacionariedade de maneira satisfatória. No entanto, seguiram-se desenvolvimentos de
outros testes de detecção de regressão espúria e de soluções mais simples e eficientes
para a questão, como em Hendry (1977), em que se demonstra que a inclusão de variáveis
defasadas na regressão já tratava de maneira eficaz o problema da regressão espúria.
O entendimento geral, ao final de década de 1970, era de que a solução por diferenças
defendida por Granger matava o paciente em vez da doença, uma vez que para muitas
relações econômicas era mais simples e intuitivo observar as variáveis em nível. Era um
contratempo para Granger, que não se deixou abater.
Conclusão
Nos últimos 60 anos, a análise de séries temporais saiu de uma fase rudimentar e evoluiu para um
estágio de grande maturidade. É impossível falar desse amadurecimento sem citar os nomes de
Engle e Granger. Os dois souberam aliar com maestria o rigor científico à praticidade, um importante
fator que fez com que seus trabalhos fossem bem recebidos e adotados amplamente não só no
âmbito acadêmico, mas também no mundo dos negócios e da política pública. Suas teorias souberam
unificar relações econômicas de equilíbrio de longo prazo com processos dinâmicos de curto prazo,
fazendo a conexão de dois mundos obviamente conectados, mas que não se comunicavam tão
bem na literatura acadêmica. Seus trabalhos foram ainda as pedras fundamentais para a criação
do subcampo hoje reconhecido como econometria financeira, um pilar essencial para sustentar um
sistema financeiro global robusto. Por décadas, ainda veremos uma grande evolução da econometria
graças ao impulso dado pelos dois.
A premiação para Engle e Granger foi mais do que justa. Foi precisa e humana por ter premiado
dois pesquisadores que foram além da teoria ao fazerem a ciência avançar objetivamente no sentido
de impactar positivamente a vida de milhões de pessoas. O mundo pós-Engle e pós-Granger é,
seguramente, um lugar melhor.
Victor Cobucci
Graduado em economia pela PUC-Rio, mestre em economia pela Barcelona Graduate School of
Economics (UPF) e gestor de risco financeiro em um grande banco da Espanha.
Notas:
Bollerslev, T. (1986), “Generalized Autoregressive Conditional Heteroskedasticity”; Journal of Econometrics,
31, 307-327.
Bollerslev, T. e Engle, R.F. (1986), “Modeling the Persistence of Conditional Variances”, Econometric Reviews,
5, 1-50.
Dickey, D. A., e Fuller, W. A. (1981), “Likelihood Ratio Statistics for Autoregressive Time Series with a Unit
Root”, Econometrica, 49, 1057–1072.
Diebold, Francis S. (2004), “The Nobel Memorial Prize for Robert F. Engle”, Scandinavian Journal of
Economics, v106(2), 165-185.
Engle, R.F. (1982), “Autoregressive Conditional Heteroskedasticity with Estimates of the Variance of U.K.
Inflation”, Econometrica, 50, 987-1008.
Engle, R.F. (1983), “Estimates of the Variance of U.S. Inflation Based on the ARCH Model”, Journal of Money,
Credit and Banking, 15, 286-301.
Engle, R.F. e Granger, C.W.J. (1987), “Co-Integration and Error Correction: Representation, Estimation and
Testing”, Econometrica, 55, 251-276.
Engle, R.F., Granger, C.W.J. e Robins, R. (1986), “Wholesale and Retail Prices: Bivariate Modeling with
Forecastable Variances”, em D. Belsley e E. Kuh (eds.), Model Reliability. Cambridge: MIT Press.
Engle, R.F. e Ng, V.K. (1993), “Measuring and Testing the Impact of News on Volatility”, Journal of Finance,
48, 1749-1778.
Granger, C. W. J. (1969), “Investigating Causal Relations by Econometric Models and Cross-Spectral Methods”,
Econometrica, 37, 424–438.
Granger, C. W. J. (1981), “Some Properties of Time Series Data and Their Use in Econometric Model
Specification”, Journal of Econometrics, 16, 121–130.
Granger, C.W. J., e Weiss, A. A. (1983), “Time Series Analysis of Error-Correction Models”, em Karlin, S.,
Amemiya, T., e Goodman, L. A. (eds.), Studies in Econometrics, Time Series, and Multivariate Statistics, pp.
255–278. New York: Academic Press.
Hendry, D. F. (1977), “On the Time Series Approach to Econometric Model Building”, em Sims, (ed.), New
Methods in Business Cycle Research, Minneapolis: Federal Reserve Bank of Minneapolis, pp. 183–202.
Hooker, R. H. (1901), “Correlation of the Marriage Rate with Trade”. Journal of the Royal Statistical Society”,
64, 485–492.
Johansen, S. (1988), “Statistical Analysis of Cointegration Vectors. Journal of Economic Dynamics and
Control”, 12, 231–254.
Mandelbrot, B. (1963), “The Variation of Certain Speculative Prices”, Journal of Business, 36, 394-419.
Phillips, P. C. B. e Ouliaris, S. (1990), “Asymptotic Properties of Residual Based Tests for Cointegration”,
Econometrica, 58, 165–193.
Wold, H.O. (1938), “The Analysis of Stationary Time Series”, Uppsala: Almquist and Wicksell.
Yule, G. U. (1897), “On the Theory of Correlation”, Journal of the Royal Statistical Society, 60, 812–838.
NOBEL DE ECONOMIA
2004
Prescott e Kydlan:
Regras e discricionariedade
Edward C. Prescott e Finn E. Kydland
por Arthur Lula Mota
T
alvez escutar o termo metas de inflação
seja algo completamente usual para
quem acompanha a economia e os
mercados hoje em dia. Isso é muito
bom e tem como suporte teórico
o desenvolvimento lógico de dois grandes
economistas de nosso tempo: Edward C.
Prescott e Finn E. Kydland, por acaso os dois
prêmios Nobel de Economia em 2004. Esses
grandes economistas ainda criaram um legado
de contribuição para a RBC (Real Business
Cycle Theory) e toda área de estudo de ciclos
econômicos.
Finn Kydland
O economista nasceu em 1943 no sudoeste da Noruega, tendo uma educação liberal mesmo numa
época de extremos e se interessado por matemática desde cedo. Fez seu bacharelado em economia
na Norwegian School of Economics (NHH) e conquistou seu PhD na Carnegie Mellon em 1973. Seu
orientador foi justamente seu futuro parceiro de conquistas, Ed Prescott, e sua tese tem como título
“Decentralized Macroeconomic Planning “.
Edward C. Prescott
O economista nova-iorquino nasceu em 1940, pouco antes de seu parceiro, se formando inicialmente
em matemática na Swarthmore College (inclusive outros 5 Nobels passaram por lá). Seu mestrado
foi defendido em Case Western Reserve University em Pesquisa Operacional (em especial Métodos
Analíticos Avançados) e seu PhD também na Carnegie Mellon em 1967. Deu aulas na University of
Pennsylvania entre 1966 e 1971 até voltar para Carnegie neste último ano e se defrontar com Finn
Kydland.
Bem, a década de 70 colocou em dúvidas Como síntese dessa mudança de ares que a
diversas certezas até então inabaláveis, com academia sofria, fica mais claro a ineficácia
uma combinação perversa de recessão, alto da política monetária em afetar o produto e o
desemprego, inflação e juros alto. Nesse meio emprego no curto e no longo prazo; os custos de
tempo, críticas à teoria keynesiana começavam desinflação que incidem sobre a atividade real; o
a ganhar coro, dentre elas, a famosa Crítica de problema de inconsistência temporal nas políticas
Lucas (que possivelmente será tratada em outro discricionárias; a importância da reputação e da
artigo de Nobel). credibilidade para a autoridade monetária e suas
políticas. Nesses últimos pontos que temos bela
Além de problemas técnicos envolvendo os contribuição dos autores.
parâmetros dos modelos, por trás de toda essa
conversa estava a ideia de que uma análise de
policy, como a da política monetária, precisava
mudar. Era necessário levar em conta a mudança
de comportamento no nível micro, dos indivíduos,
Regra, discricionariedade e
inconsistência dinâmica
A ideia que estava sendo debatida era: o que é de intensificar a política expansionista (redução
mais eficiente para a política monetária, um policy do juro), buscando reduzir o desemprego à custo
baseada em regras, bem estabelecidas e que os de uma expectativa de inflação baixa.
agentes tenham como um norte para mapear a
Autoridade, ou então a velha discricionariedade, Num primeiro momento pode parecer vantajoso
em que a Autoridade poderia atuar no mercado se aproveitar das expectativas, mas o mercado
da forma como julgar necessária a partir dos reajusta na segunda rodada desse jogo,
instrumentos disponíveis. aumentando as projeções dado uma política
monetária mais frouxa e sem necessariamente
Do lado da discricionariedade os formuladores melhorar as expectativas de produto e
identificam determinada situação e decidem a desemprego. O tiro sai pela culatra.
maneira mais adequada de agir sobre ela, mas há
um certo incentivo e aumento de probabilidade No final da história, a possibilidade dos
para a chamada inconsistência dinâmica. policymakers de operarem uma política
discricionária resulta em uma inflação (e
No artigo de 1977, Kydland e Prescott mostraram expectativa) maior adicional sem que haja
que num primeiro momento a Autoridade pode nenhum aumento de produto. Como o próprio
se comprometer com uma taxa de inflação baixa, artigo ressalta: “discretionary policy for which
o que tem impacto nas expectativas de inflação. policymakers select the best action, given the
Nesse momento, o policymaker pode ver uma current situation, will not typically result in the
janela de oportunidade e responder ao incentivo social objective function being maximized”.
Erguendo as mangas e
indo para a parte formal
Acredito que o conhecimento produzido é de tal sorte tão rico que vale a pena algumas descrições
mais técnicas (talvez contrariando alguns artigos do Coleção Economistas: Nobel), sobretudo em
2020, ano em que há um forte aumento de discricionariedade e mudança na condução da política
monetária do Federal Reserve, o Banco Central americano.
No artigo original há uma formalização teórica bastante interessante de como pode ocorrer
inconsistência nas decisões de política, independente de qual for, mas que têm mais de um período.
Vamos considerar um exemplo genérico em que temos uma sequência de policies para o período 1
ao T dada por e as correspondentes decisões dos agentes dado por
Dito isso, considere também uma função de objetivo social dada por . No caso
em que T=2, o policy ótima deve maximizar
Sujeito à e
O que nos mostra como as decisões dos agentes em T=2 depende das policies de T=1 e T=2, além
das reações dos próprios agentes em T=1. Dito isso, assumindo as propriedades necessárias para S(.)
e maximizando dado as restrições, temos que
Ou seja, há um certo desprezo pelo efeito de em x1. Assim sendo, a condição de primeira ordem é tal
que (eu sei, parece grego, mas sinta-se provocado)
Desta forma, se ou se a expressão dentro da chave for zero, então a consistência da policy será
ótima, do contrário não. Há toda uma consideração em Pollak (1968), do qual os autores beberam
água, que sugere que isso ocorre quando uma regra de policy é conhecida.
Regra vs discricionariedade
na política monetária
Indo para a vaca-fria do problema da política no qual sugere que o Banco Central não aprecia
monetária, começamos inicialmente pela famosa inflação comparativamente ao desemprego.
curva de Phillips, que aponta o trade-off entre Esse problema pode ser conduzido pela ótica
inflação e desemprego. discricionária ou de regras.
Guarde essa expressão na cabeça. Ela sugere que quanto mais a Autoridade se preocupar com
a inflação (sensibilidade dado pelo parâmetro beta), menor a inflação de equilíbrio. Por sua vez,
quanto maior for o trade-off entre inflação e desemprego (dado por alfa) maior será a inflação de
equilíbrio, dado que o Banco Central terá incentivos para buscar desemprego baixo a custas de uma
expectativa de inflação baixa.
Por sua vez, no caso em que a política segue alguma regra, o Banco Central se compromete com um
nível determinado de inflação e os agentes acreditam nisso. Dessa forma, a economia estará bem
ajustada pois
implicando que . Substituindo na função de perda L temos que a inflação que minimiza a função
de perda é justamente
Dessa forma, fica claro que no caso dicionário há um viés que sugere que a inflação será maior
nesse regime. Esse viés acontece refletindo o fato de que a taxa de desemprego desejada pela
sociedade é usualmente menor do que a taxa de desemprego natural da economia.
Como dito, há um incentivo para “enganar” (talvez essa não seja a melhor palavra) os agentes ao
escolher uma taxa de inflação de tal sorte que gera uma taxa de desemprego menor que a natural.
Se os agentes são de fato racionais, esse equilíbrio não “dá certo” e então resultando no viés
encontrado e em nenhuma alteração efetiva de desemprego abaixo do natural ou aumento de produto.
Esse movimento pode custar a credibilidade da Autoridade e interferir de forma determinante na
condução das expectativas nas rodadas seguintes da política monetária, ou seja, uma inconsistência
temporal.
Por fim, a parte discricionária converge para o sistema de regras quando o Banco Central é muito
avesso à inflação (alto), o que reduz o viés. Mas ainda assim pode não ser tão bom quanto o caso
alternativo.
Toda essa análise pode ser feita por Teoria dos Jogos e por backward induction, mas aí é mais fácil
ler o paper original do que acreditar nesse mero escriba.
Por exemplo, os monetaristas apontavam uma regra em que o Banco Central deveria manter a oferta
de moeda crescendo num ritmo conhecido e estável, o que deveria preços estáveis, baixa oscilação
do produto e do emprego.
O problema era que se a velocidade da moeda (para quem se lembra da MV=PY) não for estável, o
crescimento da oferta de moeda num ritmo conhecido não estabilizará a demanda agregada. Bom,
e é justamente isso que acontece quando a economia sofre algum tipo de choque.
Imagine uma situação (tipo uma pandemia?) em que a demanda por moeda aumente. Como o Banco
Central deveria atuar dado que ele assumiu um compromisso com uma regra na etapa anterior?
Nesse sentido, há outro tipo de regra que consegue acomodar um pouco melhor os choques: a
meta de inflação. Essa outra opção é mais conhecida pelo óbvio motivo de ser o modelo seguido
pelo nosso Banco Central. Dado uma meta de inflação anunciada previamente, a Autoridade ajusta
a oferta de moeda (ou o juro) para atingir o seu objetivo, isolando a economia das variações da
velocidade da moeda, além de ser mais fácil de explicar para os agentes econômicos.
Conclusão
A contribuição de Kydland e Prescott foi mostrar que há uma certa incapacidade da política
discricionária superar de forma clara aquelas regidas por regras, e que tem um especial carinho
dentro das teorias e ensinamentos da política monetária. O compromisso declarado da busca por
uma taxa de inflação baixa pelos formuladores de políticas pode criar expectativas de taxas de
inflação e desemprego baixas. Se a política monetária for alterada (de forma discricionária) e as
taxas de juros forem reduzidas – por exemplo, para dar um impulso de curto prazo ao emprego – a
credibilidade da Autoridade será perdida e as condições pioradas por conta do regime escolhido.
Nesse sistema, estabelecer regras formais parece ser uma alternativa preferível e de menor custo.
Notas:
KYDLAND, F.; PRESCOTT, E.; “Rules Rather Than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans”; Journal of
Political Economy; vol 85; 1977.
MONTES, G. C.; “Reputation, Credibility and Monetary Policy Effectiveness”; Estud. Econ. Vol 39; 2009
NOBEL DE ECONOMIA
2005
Robert Aumann e Thomas Schelling
por Maria Oaquim de Medeiros
O
the Legacy of Hiroshima, 2005)
Robert Aumann nasceu no ano de 1930 em Frankfurt, na Alemanha e, aos oito anos, mudou-se com
sua família para Nova Iorque. Ele completou seu Phd em matemática no MIT em 1955 e, no mesmo
ano, ingressou em um centro afiliado à Universidade de Princeton onde trabalhou com aplicações
matemáticas a questões industriais e militares. No ano seguinte, ele mudou-se para Israel e tornou-se
professor do Instituto de Matemática da Hebrew University onde lecionou até usa aposentadoria no
ano 2000 (Neymann, 2006).
A
ntes de expor a contribuição de cada autor, vou dedicar essa introdução a falar um
pouco sobre como entendemos racionalidade dentro da economia. Aumann define que
o comportamento de um indivíduo é considerado racional se é do seu melhor interesse,
dadas as informações disponíveis (Aumann, 2005). Em um mundo sem incerteza, a ação
racional se baseia em selecionar dentro de um conjunto de alternativas factíveis aquela cuja
consequência é a preferida em termos da sua utilidade. Já em um mundo com incerteza, o agente
maximiza sua utilidade esperada, ou seja, ponderada pelas probabilidades, objetivas ou subjetivas,
que atribui aos estados. A teoria econômica é fundamentada na ideia que os agentes (consumidores,
firmas etc) se comportam de maneira racional. Com esse ferramental teórico, os economistas são
capazes de realizar previsões sobre quais ações serão tomadas.
Contudo, o que ocorre quando as consequências de nossas ações também dependem das ações de
outros indivíduos? Para modelar decisões estratégicas, os economistas usam da Teoria dos Jogos.
Ela aplica a mesma lógica de ação racional que foi apresentada acima, porém se é considerado a
melhor decisão que um agente pode tomar dada a ação de outro agente (Alisson & Zelikow, 1999).
Acredito que a maneira mais didática de apresentar a Teoria dos Jogos a quem não está familiarizado
com o conceito seja apresentando um exemplo. Um dos jogos mais famosos na literatura é o do
“Dilema dos Prisioneiros”. Ele consiste em um jogo simultâneo, onde os agentes jogam uma vez e
ao mesmo tempo. Nele, dois prisioneiros, comparsas em um crime, presos em celas diferentes e sem
poder se comunicar, devem tomar uma decisão: confessar ou negar o crime. Se ambos confessam,
os dois devem cumprir uma pena de 3 meses; se um confessa e outro não, o que confessou estaria
livre, enquanto aquele que não confessou seria condenado a 6 meses de prisão. Se ambos negam,
eles ficariam presos por 1 mês. Para visualizar melhor, o jogo pode ser representado pela seguinte
matriz de pay-offs:
Como apontamos, uma maneira de prosseguir para a “solução do jogo” é considerar que o agente
deve maximizar sua utilidade dada a decisão do outro agente. Caso o prisioneiro 2 confesse, para
o prisioneiro 1 também será melhor confessar, pois a sentença de 3 meses é melhor que a de 6. Se
o prisioneiro 2 nega, seu comparsa no crime estaria melhor confessando, já que assim ele estaria
livre. Vemos, então, que independente da escolha do jogador 2, a melhor resposta para jogador 1
é confessar. A mesma lógica se aplica para a escolha do jogador 2 dado o que o jogador 1 faria.
Dizemos então que ambos confessarem é um Equilíbrio de Nash. Contudo, ambos estariam melhor
se eles negassem, pois assim eles passariam só um mês na prisão. Assim, se existisse a possibilidade
de coordenação, ambos tomariam a decisão de negar.
Um aspecto crucial para a cooperação não ser adotada em equilíbrio é a característica do jogo de
ocorrer uma única vez. Em jogos repetidos, é possível “punir” desvios da cooperação. Contudo,
isso dependerá se o jogo ocorre um número finito ou infinito de vezes. Muitas vezes quando há um
número finito, na última rodada, ambos jogadores tem incentivo a desviar pois não haverá mais
possibilidade de punição. Contudo, se ambos sabem que ao final não irão cooperar, como punir
desvios na penúltima rodada? Essa mesma lógica se aplica a todas rodadas anteriores e não é
possível garantir cooperação nesses jogos finitos. Já em jogos infinitos, a cooperação é possibilitada
pois, sem o horizonte do final do jogo, a ameaça de punição do desvio é crível.
Uma observação importante: quando lidamos com jogos dinâmicos, é necessário considerar que
jogadores podem ser mais ou menos impacientes. Quando um jogador valoriza muito o presente, ter
um resultado alto agora pode ser preferível a resultados de cooperação em um período infinito de
tempo. Logo, se um indivíduo é muito impaciente, o resultado de cooperação pode não se manter
(Aumann, 2005).
Em realidade, para os jogadores cooperarem, o jogo não precisa possuir infinitas rodadas, mas sim ser
jogado um número indefinido de vezes. Até que um horizonte final não seja antecipado, a ameaça de
punição ainda mantém os jogadores cooperando. Essas são variações do que é conhecido como um
superjogo, ou seja, repetições infinitas/indefinidas de um jogo em particular. Um teorema importante
que se baseia na ideia que acabei de expor é chamado Teorema Popular (Folk Theorem).
Após essa brevíssima introdução, podemos seguir com a explicação dos jogos desenvolvidos pelos
vencedores do Nobel de 2005.
Robert Aumann
A
pesar de conhecido desde o começo ele não estaria pior em comparação se não a
da década de 50 pelos teoristas dos punisse?
jogos, o Teorema Popular não havia Caso você permaneça em equilíbrio após
sido formalizado até Aumann (1959, punir, ou seja, não há incentivo para desviar da
1960, 1961) escrever uma extensa punição, dizemos que estamos diante de um
análise dos jogos infinitamente repetidos (Hart, caso de Equilíbrio Perfeito. Uma das importantes
2006). contribuições de Aumann foi desenvolver o
Teorema Popular Perfeito (Perfect Folk Theorem).
Para compreender melhor a contribuição de
Robert Aumann para a teoria dos jogos, vejamos Teorema Popular Perfeito: Os resultados
um outro exemplo de Jogo proposto pelo cooperativos do jogo G coincidem com os
matemático (Aumann, 2005). Dois jogadores, resultados de equilíbrio perfeito do seu
Rowena e Collin, devem decidir o quanto superjogo
receberem. Rowena tem a opção de dividir,
igualitariamente, de maneira que ela e Collin Esse Teorema se sustenta, pois Collin não precisa
ganhem 10 cada um ou, ela pode optar por punir Rowena para sempre, ele pode punir até
receber 10 vezes mais (100) enquanto Collin que a opção de desviar não seja mais lucrativa
receberia 10 vezes menos (1). Simultaneamente, para ela. Para além disso, Rowena dividir de
Collin decide se ele pune Rowena e, assim, ambos maneira gananciosa é em si uma “punição”
não recebem nada ou se ele concorda com a por Collin não puní-la. Diante disso, Collin tem
divisão. A matriz de pay off é tal que: incentivos a optar pela punição. A opção por
não desviar também é mantida quando, em vez
de dois indivíduos jogando, temos um grupo
de indíviduos. Se eles não conseguem obter
benefícios ao não cooperar temos o resultado do
Teorema Popular Forte (Strong Folk Theorem).
informação através de suas ações. Assim, o jogador bem informado quer usufruir ao máximo dessa
informação privada, revelando-a o mínimo possível. Aumann, Maschler e Stearns contribuíram a esse
dilema propondo um teorema onde, de maneira elegante, revelam precisamente a quantidade de
informação ótima a ser revelada.
Os teoremas propostos por Robert Aumann ajudam a explicar diversos resultados que foram
provados empiricamente como, por exemplo, que é mais difícil sustentar cooperação quando há
muitos jogadores, quando os jogadores interagem com menor frequência e quando há um horizonte
de término para aquela interação (BANK OF SWEDEN, 2005).
Thomas Schelling
T homas Schelling, em sua obra mais famosa, “The Strategy of Conflict”, faz um estudo das
estratégias de dissuasão na tensão nuclear entre EUA e URSS. O economista argumenta
que, com a capacidade destrutiva do arsenal bélico dos países durante a Guerra Fria, não
estaríamos mais diante de um “Jogo de Soma Zero”, ou seja, jogos onde o total da perda
de um agente equivale ao ganho do outro. Em vez disso, o conflito se apresentava como uma
dependência mútua dos agentes (no sentido que ambos tinham a capacidade de destruir seu rival)
e, assim, nas palavras de Schelling, criava-se uma “parceria precária” (Schelling, 1960)
As situações de conflito também são entendidas como situações de barganha pelo autor, ou seja,
cada parte geralmente busca um acordo que seja o mais favorável possível para si, ponderando que
ter um acordo é melhor do que ter nenhum acordo. Para explicar melhor como o uso da teoria dos
jogos pode ser aplicado a questões de conflitos militares e abordar as contribuições de Schelling,
vejamos o seguinte jogo, da classe dos “jogos da galinha”:
Dois países discordam acerca do direito a um território. Diante dessa tensão eles devem escolher
se mobilizam tropas ou não. Caso ambos países mobilizem suas forças, a probabilidade de guerra
(um resultado indesejado) é alta. Já se ambos se abstêm de um avanço militar, a probabilidade de
chegarem a um acordo pacífico sobre a divisão territorial (um resultado melhor que a guerra) é alta.
Vejamos então a matriz de pay-offs para ajudar a ilustrar o jogo:
Qual é a solução desse jogo? Colocando-se na posição do país 1, se o país 2 avança é melhor
para o país 1 se abster de mobilizar suas tropas. Contudo, se o outro país se abstivesse, era
melhor para ele avançar. Essa regra de jogada Uma outra importante contribuição de
dada a ação de outro jogador constitui uma Schelling para a teoria estratégica moderna
estratégia que irá nos levar a dois equilíbrios são seus estudos sobre a dissuasão.
de Nash em Estratégias Puras: (mobilizar, Suponha que o país 1 se comprometa,
abster), (abster, mobilizar). Já quando com probabilidade suficientemente alta, a
atribuímos probabilidades à escolha de cada mobilizar suas tropas caso o país 2 também
estratégia, teremos um equilíbrio de Nash mobilize. Essa ameaça garante então um
em estratégias mistas onde a probabilidade “equilíbrio do terror”, pois a melhor resposta
de guerra é positiva. para os países será se abster de avançar. Uma
das proposições mais relevantes de Schelling
Vamos voltar à discussão de racionalidade no estudo de conflitos é como a Guerra
levantada no início do texto. Ao proceder Nuclear seria evitada com a estabilidade do
para encontrar o Equilíbrio de Nash (EN) em “equilíbrio do terror”, ou seja, se ao atacar um
um jogo, adotamos uma hipótese forte que país, sou incapaz de destruir a capacidade
os agentes têm crenças corretas acerca das dele contra-atacar (Alisson & Zelikow, 1999).
estratégias dos rivais. Em especial diante de
um caso de Equilíbrios de Nash múltiplos, Agora imaginemos que estamos diante de
como no exemplo acima, deve haver mais um jogo de informação incompleta onde
elementos que fornecem justificativas à o país 1 não sabe se o pay-off da guerra é
possibilidade de ancorar uma expectativa. preferível ao da negociação para o país 2.
Assim, alguns mecanismos que permitem a Assim, o país 1 ainda iria se comprometer a
coordenação podem surgir. mobilizar tropas se o país 2 as mobilizassem?
Trazendo essa pergunta ao contexto da
O conceito de Ponto Focal foi introduzido Guerra Fria, como fazer uma ameaça crível
na Teoria dos Jogos por Thomas Schelling de iniciar uma guerra que pode acarretar em
no seu livro “The Strategy of Conflict”. Ele uma destruição mútua? Schelling argumenta
é caracterizado por algum conhecimento que a estratégia ótima para o país 1 seria fazer
comum ou elemento cultural que permite ameaças que envolvam uma probabilidade
convergência para um Equilíbrio de Nash de mobilização menor que 1. A ameaça de
específico quando o jogo possui múltiplos uma guerra nuclear pode não ser crível, mas
EN. A exemplo, imagine que dois jogadores o aumento do risco de uma guerra pode
devem escolher entre uma categoria de obter credibilidade.
Nobel tendo, assim, 6 Equilíbrios de Nash
em Estratégias Puras (Física, Química, Schelling defende que para deter então a
Fisiologia/ Medicina, Literatura, Paz e mobilização do inimigo o país deveria adotar
Economia). Somente se os dois escolherem a estratégia de brinkmanship, ou seja, a
a mesma categoria ganham um valor “criação deliberada de um risco reconhecido
positivo. Se os dois jogadores são leitores e não totalmente controlável”. Uma vez que
desse texto não seria provável pensar que o país 2 tomasse consciência que o país 1
eles escolheriam o Nobel de Economia? No não tem mais controle da situação, a guerra
contexto do jogo estudado, podemos pensar é evitada somente com o país 2 se abstendo
que se perturbarmos o jogo de modo que da mobilização.
um país tenha mais a ganhar que outro com
a mobilização, tornamos o Equilíbrio de Nash Um caso histórico que serviu como um teste
Puro (um avança e outro abstém) “focal”. empírico para as formulações de Schelling
foi a Crise dos Mísseis de Cuba, evento no
qual a União Soviética e os Estados Unidos chegaram muito próximos a um conflito direto.
Em outubro de 1962, os Estados Unidos obtiveram provas mais contundentes da instalação
de mísseis balísticos soviéticos no país caribenho. Frente a tal ameaça nuclear, o alto escalão
político/militar dos Estados Unidos chegou a planejar uma invasão a Cuba, mas o governo
de Kennedy optou por um bloqueio ao país caribenho a fim de impossibilitar a chegada
de mais armamentos soviéticos à ilha. Caso um navio ultrapassasse o limite estabelecido
pelo bloqueio, os EUA tinham se compromissado com a possibilidade de interceptá-los por
meio do uso da força. Contudo, ainda permanecia o dilema de como lidar com os mísseis
já instalados na ilha. O governo dos Estados Unidos optou por demandar que eles fossem
desmantelados e se comprometeram, em um anúncio público, que, se os mísseis soviéticos
fossem usados contra os Estados Unidos, eles iriam retaliar (Alisson & Zelikow, 1999). Assim,
alguns analistas defendem que as ações dos EUA seguiram uma estratégia de brinkmanship
para resolução da Crise dos Mísseis.
No dia 28 de Outubro, Nikita Khrushchev anunciou a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba.
O episódio da Crise dos Mísseis incentivou Thomas Schelling a pensar em uma série de
medidas para evitar a repetição de um jogo fadado a terminar em desastre, o que parecia ser
o caso da Guerra Fria. Uma das sugestões de Schelling que veio a ser adotada pelo governo
Kennedy foi estabelecimento de uma linha telefônica direta entre a Casa Branca e o Kremlin,
o que ficou popularmente conhecido como o “telefone vermelho. ”
Críticas
U
ma crítica comum feita à abordagem de ambos vencedores do Nobel de 2005
versa acerca da hipótese fundamental dos agentes serem racionais. Em verdade,
quando trabalhamos com modelos teóricos em economia, nós adotamos uma
simplificação da realidade. Como dizia o estatístico George Box (1956), “todos
os modelos estão errados, mas alguns são úteis. ” No final, o julgamento de um
modelo deveria se basear menos nas suas hipóteses per se e mais se são adequados para
certas aplicações. Uma outra crítica feita é a falta de dados para comprovação empírica das
análises de Schelling. À exceção de uma análise da Crise dos Mísseis de Cuba, os argumentos
do economista estavam mais baseados em ilustrações e anedotas (Jordan, 2015).
Após os laureados de 2005 terem sido anunciados, a Real Academia Sueca recebeu uma
petição assinada por mais de mil intelectuais de diversas nacionalidades criticando a entrega
do prêmio para Robert Aumann e Thomas Schelling por suas posições políticas e pelas
consequências de sua teoria. Aumann defendeu, por meio do ferramental da Teoria dos Jogos,
a manutenção dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza a fim de que os Palestinos
fizessem maiores concessões futuras. A política de assentamentos é amplamente criticada
pela comunidade internacional e considerada uma quebra dos direitos de autodeterminação
dos povos e soberania do povo palestino sobre seu território (UN, 2004). Já com relação a
Schelling, a crítica foi no sentido da sua teoria defender o uso coercitivo da força militar e
ter, assim, inspirado ações do governo americano como o bombardeamento do Vietnam do
Norte a fim de pressionar Ho Chi Minh a retirar o apoio aos VietCongs.
Conclusão
S
Sob abordagens distintas, os dois vencedores do Nobel de 2005 trouxeram uma
grande contribuição científica à análise de interações humanas por meio da teoria
dos jogos. Aumann, por teoremas matemáticos e forte formalização, ajudou
principalmente na compreensão de interações sociais de longo prazo através dos
jogos não cooperativos. Já o destaque de Schelling não vinha da prova matemática de
estratégias de conflito, mas sim da aplicação de uma teoria de racionalidade a situações da
vida real (BANK OF SWEDEN, 2005). Apesar das críticas feitas às possíveis consequências
negativas das análises de Schelling, muitos cientistas sociais defendem que seus estudos
sobre as estratégias de dissuasão contribuíram para evitar a escalada nuclear durante o
período da Guerra Fria.
Notas:
ALLISON, Graham; ZELIKOW, Philip. Essence of Decision: Explaning the Cuban Missile Crisis. 2nd Edition.
1999
AUMANN R.J, MASCHLER, M (1966, 1967, 1968): “Game theoretic aspects of gradual disarmament”, “Repeated
games with incomplete information: A survey of recent results”, and “Repeated games of incomplete
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AUMANN, R. J. (1959), Acceptable Points in General Cooperative n-Person Games, in A. W. Tucker and R. D.
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AUMANN, R. J. (1960), Acceptable Points in Games of Perfect Information, Pacific Journal of Mathematics
10, 381–417.
AUMANN, R. J. (1961), The Core of a Cooperative Game without Side Payments, Transactions of the American
Mathematical Society 98, 539–552.
AUMANN, R. J., MASCHLER M.(with the collaboration of R. Stearns) (1995): Repeated Games with Incomplete
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AUMANN, R.J., MASCHLER, M., STEARNS R. (1968): “Repeated games of incomplete information: an
approach to the non-zero sum case”, in Report of the U.S. Arms Control and Disarmament Agency ST-143,
Chapter IV, 117-216.
BANK OF SWEDEN, Robert Aumann’s and Thomas Schelling’s Contributions to Game Theory: Analyses of
Conflict and Cooperation. 10 October 2005
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HART, Sergiu. Robert Aumann’s Game and Economic Theory. Scandinavian Journal of Economics. 108
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NEYMAN, Abraham. Aumann Awarded Nobel Prize. Notices of the AMS. volume 53, NUMBER 1, January
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NOBEL DE ECONOMIA
2006
Edmund Phelps
por Rafaela Vitória
Edmund Phelps
N
ão poderia ser mais atual revisar o trabalho de
pesquisa premiado em 2006 pela sua contribuição
na análise dos impactos intertemporais de políticas
macroeconômicas. Edmund Phelps, 87 anos, é um
economista americano professor pela Universidade
de Columbia nos EUA e fundador do Centro de Capitalismo
e Sociedade. Entre suas principais contribuições estão os
fundamentos microeconômicos da macroeconomia (“micro-
macro”), a taxa natural de desemprego e a regra de ouro da taxa
de poupança.
Phelps é considerado um economista altamente criativo e sua pesquisa sobre os temas desemprego,
inflação e taxa de poupança teve grande impacto na macroeconomia e no desenvolvimento de
políticas econômicas. Phelps nasceu em 1933, se formou em economia pela Amrest e aos 26 anos já
tinha PhD por Yale. Na década de 60, foi professor visitante em MIT, trabalhando com Robert Solow,
Paul Samuelson e Franco Modigliani, todos, futuros ganhadores do Nobel. Desde 1971 é professor da
Universidade de Columbia, em Nova York. Seu trabalho pode ser descrito como um projeto de colocar
na teoria econômica as pessoas como elas são, tomadoras de decisões sem o total conhecimento de
informações, se baseando muitas vezes em expectativas.
Entre os anos 60 e 80, Phelps trabalhou nas processos inflacionários como em uma
fundações microeconômicas das teorias dívida pública crescente e baixa taxa de
de emprego e inflação, apontando que poupança, impactando o crescimento na
trabalhadores, consumidores e empresas década seguinte.
tomam decisões sem acesso a toda a
informação e, nesse contexto, Phelps se O estudo de Phelps sobre a relação entre
dedicou ao estudo da determinação de renda, emprego e inflação tem como base a curva
da margem das empresas e recuperações de Phillips original, pano de fundo do debate
econômicas lentas ou em excessos. Seus entre keynesianos e monetaristas, que
estudos serviram como base para sustentar definiram na de década de 50 as relações
o princípio keynesiano que uma redução entre o nível de salário nominal e a taxa de
na oferta monetária não irá simplesmente desemprego. Na ausência de expectativas,
resultar em queda de preços e renda sem a curva de Phillips é uma relação inversa
efeito prolongado no nível de emprego. entre salários e desemprego. O crescimento
Nos anos 80 e 90, Phelps deixou de lado as da demanda agregada reduz a taxa de
análises monetaristas de curto prazo para desemprego, resultando em um aumento
desenvolver a macroeconomia estruturalista. da inflação apenas em um momento. Phelps
Se afastando das teorias keynesianas sobre questionou essa visão, porque inflação não
as deficiências na demanda, se dedicou a depende apenas de nível de desemprego mas
determinar que havia desemprego estrutural também das expectativas, desenvolvendo a
na economia, resultado da redução no curva de Philips acelerativa: o aumento da
investimento e desaceleração dos ganhos expectativa de inflação causa também um
de produtividade. aumento da inflação corrente. Expectativas
do tipo backward looking determinadas de
Uma das questões mais importantes na forma estática ou adaptativa, ao transmitirem
política econômica é atingir vários objetivos o passado para o presente e futuro, podem
ao mesmo tempo, como inflação baixa, pleno levar a processos aceleracionistas da
emprego e consumo crescente. Balancear inflação, pois choques de oferta que causam
inflação e emprego é um grande desafio e inflação hoje podem ser usados amanhã
torna fundamental a análise de conflitos entre para formar as novas expectativas, e assim
os objetivos de políticas de curto prazo e de sucessivamente.
longo prazo. Assim como determinar a troca
do consumo entre gerações do presente e Essa moderna visão sobre a expectativa
do futuro se faz essencial na implementação da inflação é hoje usada por diversas
de políticas de bem estar social ao longo autoridades monetária em seu processo de
do tempo. O conflito está justamente em elaboração de políticas. Aqui no Brasil, um
determinar o que pode ser alcançado hoje dos importantes componentes da análise
em contrapartida ao que podemos ter no de inflação feita pelo Comitê de Política
futuro, muitas vezes um em detrimento do Monetária é a expectativa de inflação, que o
outro. Podemos aqui fazer um paralelo com Banco Central coleta na sua pesquisa semanal
políticas econômicas adotadas no Brasil com os agentes de mercado. Inversamente
nos últimos anos. Estímulos ao consumo e ao processo aceleracionista, expectativas
gastos crescentes do setor público tiveram bem ancoradas podem conter choques de
resultados positivos de curto prazo, com oferta na inflação presente, contribuindo
o crescimento momentâneo da economia para a definição de uma política monetária
e da renda média no final dos anos 2000, mais eficiente.
mas no longo prazo, resultaram tanto em
241 Nobel - 2006
E-BOOK NOBEL
Essa reformulação da curva de Philips parece simples mas teve consequências fundamentais.
Porque implica que no longo prazo, à medida que os agentes conhecem a taxa de inflação, a
economia tenderá para o equilíbrio da taxa de desemprego, que depende do funcionamento
do mercado de trabalho e não da taxa de inflação. Dessa forma, não se pode reduzir o
desemprego aumentando a demanda agregada, porque a taxa de desemprego abaixo do
equilíbrio vai produzir inflação. (O conceito de taxa natural de desemprego foi desenvolvido
por Milton Friedman na década de 60, que depois foi expandido por Franco Modigliani na
década de 70 para a NAIRU, non-accelerating inflation rate of unemployment, ou seja a taxa
de desemprego de equilíbrio que não causa aceleração de inflação.)
Também fazendo um paralelo com o cenário brasileiro atual, temos uma alta taxa de
desemprego e, apesar de termos condições de mercado de trabalho que implicam em
uma taxa de desemprego de equilíbrio bem mais elevada que outras economias, o atual
patamar permite medidas monetárias expansionistas sem impactar a inflação, ancoradas
nas expectativas. Entre as principais contribuições da pesquisa de Phelps é esclarecer o
que as políticas monetárias podem e o que não podem fazer, introduzindo o conceito de
informação imperfeita na economia, e por isso, ressalta a importâncias da transparência das
autoridades monetárias nas suas análises e decisões, melhorando a credibilidade e aplicação
de políticas.
A segunda grande contribuição de Phelps que lhe valeu o prêmio Nobel de 2006 foi seu
estudo sobre a taxa de poupança: quanto deve ser consumido hoje e quanto deve ser
investido para incrementar produção e consumo no futuro? Essa relação está diretamente
ligada à questão de como se distribui o bem estar social entre as gerações. Phelps chamou de
regra de ouro a taxa de poupança ótima que possibilita a geração atual padrão de consumo
o suficiente para não comprometer as gerações futuras. (Uma curiosidade, o termo regra de
ouro vem da referência bíblica, faça com os outros o que espera que façam com você.)
“
Se a nossa concepção das economias desenvolvidas é centrada não em torno do
consumo e lazer, mas sim das recompensas do empreendedorismo – resolução de
problemas, descoberta e desenvolvimento de talentos e as potenciais realizações –
então não é surpreendente que esses parâmetros de política, embora importantes
na perspectiva neoclássica geralmente adotada por analistas do lado da oferta, não
afetam desemprego – contanto que permaneçam na faixa histórica. Torna-se difícil
ver por que as preocupações neoclássicas com a substituição do trabalho e lazer
deveriam estar no centro das atenções. Reduzir os ajustes do estado social, cortar
gastos públicos ou aumentar os investimentos não tornará empregos mais recom-
pensadores. Apenas resultados modestos podem ser razoavelmente esperados.”
Phelps, 2006
A pesquisa de Phelps nos lembra que o trabalho do economista não é somente descrever
o mundo, mas trabalhar para melhorá-lo. Para isso, precisamos firmar os princípios das
diferenças intertemporais.
Rafaela Vitória
MBA pela Wharton School na Universidade da Pennsylvania e Doutora em finanças pela UFMG, Head
de Research no Banco Inter, professora de pós-graduação na PUC Minas e no Mestrado Skema/
Fundação Dom Cabral
Notas:
Phelps, E. (1967) “Phillips Curve, Expectations of Inflation and Optimal Unemployment Over Time” Economica,
Vol. 34, No. 135
Phelps, E., Cagan, P. (1984) “The trouble with ‘rational expectations’ and the problem of inflation stabilization”.
Cambridge University Press.
Phelps, E. (2007) “Macroeconomics for a Modern Economy”, The American Economic Review Vol 97, 33.
Samuelson, P. Phelps, Edmund S. (2009) “Edmund Phelps, Insider-Economists”, Princeton University Press.
Stiglitz, Joseph (2008) “Edmund Phelps: American Economic Association Luncheon Speech
Honoring the 2006 Nobel Laureate in Economics,” Capitalism and Society: Vol. 3: Iss. 3.
NOBEL DE ECONOMIA
2007
Hurwicz, Mayerson, Maskin
e os fundamentos do Desenho
de Mecanismos
Leonid Hurwicz, Eric Maskin
e Roger Myerson
por Maurício S. Bugarin
“
Dicebat Bernardus Cartonensis nos esse quasi nanos, gigantium humeris in-
cidentes, ut possimus plura eis et remotiora uidere, non utique proprii uisus
acumine, aut eminentia corporis, sed quia in altum subuehimur et extollimur
magnitudine gigantea” [2]
E
Em 12 de outubro de 2020 o Professor Göran K. Hansson, Secretário Geral da
Academia Real de Ciências da Suécia anunciou que o Prêmio Nobel de Economia
desse ano seria outorgado aos professores Robert Wilson e Paul Milgrom por seus
desenvolvimentos em teoria dos leilões e pela invenção de novos formatos de
leilões [3]. Assim como a frase atribuída a Bernard de Chartres no século 12, e
depois tornada famosa por Isaac Newton [4] no século 17, as grandes contribuições de
Wilson e Milgrom foram possíveis por estarem sentados sobre os ombros dos gigantes John
Harsanyi, John Nash, Reinhard Selten, Leonid Hurwicz, Roger Myerson e Eric Maskin.
Se Nash, Selten e Harsanyi estabeleceram os fundamentos de Teoria dos Jogos, que lhes
renderam o Prêmio Nobel de Economia de 1994, Hurwicz, Myerson e Maskin utilizaram essa
teoria para estabelecer os fundamentos da Teoria de Desenho de Mecanismos, que lhes
valeu o Prêmio Nobel de 2007. Este ensaio primeiramente apresenta a Teoria do Desenho de
Mecanismos e, em seguida, discute duas aplicações práticas dessa teoria.
No exemplo dos amigos, um mecanismo revelador pergunta a cada um quanto vale para ele a TV, e o
aparelho é comprado sempre que o valor agregado for maior que seu custo, como antes. No entanto,
o pagamento de cada amigo será definido como a diferença entre h=R$ 3,4 mil e a soma dos valores
da TV para os demais amigos. Ao desvincular o pagamento de um agente do valor que ele comunica,
o mecanismo cria um incentivo para que ele diga a verdade, tornando-o compatível com os incentivos.
No novo mecanismo, o amigo A paga 3400-1200+900= R$1300, o amigo B paga 3400-1500+900=
R$100, e o amigo C paga 3400-1500+1200= R$700. Para este exemplo, construímos um mecanismo
do tipo Vickrey-Clark-Groves ou VCG (Vickrey, 1961; Clarke, 1971; Groves, 1973) e o montante R$ 3,4
mil foi determinado de forma a garantir que as contribuições dos três amigos atinjam exatamente
o valor necessário para a compra da TV. De fato, em geral, esse mecanismo, ainda que induza a
revelação sincera do valor da TV para os amigos, não terá a propriedade de arrecadar exatamente o
valor necessário para a compra da TV [7].
E
m entrevista dada ao blog Serious Science em 8 de outubro de 2014 [8], o prof. Eric Markin
afirmou que “qualquer área da vida econômica na qual o livre mercado não implementa
nossos objetivos sociais, está madura para o uso da teoria de desenho de mecanismos.[9]”
Nesta parte do texto apresentamos brevemente duas aplicações da teoria à vida real.
A
té o final dos anos 1980, as licenças para o uso das ondas eletromagnéticas para
telecomunicações nos Estados Unidos eram atribuídas por meio de um sistema denominado
“beauty contest”, ou “concurso de beleza”, em que os concorrentes apresentavam suas
propostas à agência reguladora (o FCC: Federal Communications Commission), que então
avaliava qual proposta melhor representava o “interesse público” e a ela outorgava a licença.
Naturalmente, esse sistema gerava incentivos perversos ao lobby e à tomada de decisão baseada na
influência de poderosos conglomerados de telecomunicações, tendo seus resultados frequentemente
questionados na Justiça pelos perdedores. Percebendo esse incentivo adverso, e vendo a demanda
248 Nobel - 2007
E-BOOK NOBEL
por outorgas aumentando significativamente nos suas mentes brilhantes surgiu o desenho do leilão
anos 1980 com o surgimento da telefonia celular, simultâneo ascendente de múltiplas rodadas, o
optou-se, em 1983 pelo mecanismo mais simples SAA (Simultaneous Ascending Auction: Milgrom,
das loterias, ou seja, a empresa que receberia o 2000). Nesse leilão, em cada rodada todos os
direito de uso de certa faixa de radiofrequência participantes podem dar lances simultâneos
era escolhida de forma totalmente aleatória para qualquer uma das faixas de radiofrequência
dentre as concorrentes. Esse novo mecanismo sendo leiloada. Existe uma regra de atividade
minimizou o problema do lobby e de reclamações para que um participante ainda continue com
judiciais, mas, por outro lado, trouxe consigo o direito de dar lances em um segmento, de
grande potencial de ineficiência, uma vez que forma que, se deixar de dar lances para esse
a empresa selecionada muito provavelmente segmento por um número elevado de rodadas,
não seria a mais bem preparada para receber o participante perde o direito de concorrer por
essa licença. Além disso, licenças que geravam esse segmento. Ademais, existe uma regra de
imenso volume de receitas recebiam a outorga aumento mínimo do valor dos lances entre duas
praticamente gratuitamente [11]. rodadas consecutivas. O primeiro leilão nesse
formato ocorreu em julho de 1994, teve a duração
Diante dessa realidade, e considerando a de 47 rodadas e gerou 617 milhões de dólares à
crescente pressão da dívida pública americana, época com a venda das 10 licenças oferecidas.
em 1993 o Congresso estadunidense autorizou
a FCC a vender licenças de telecomunicações A partir de então, o padrão se consolidou e foi
por meio de leilões competitivos. Licenças seguido, com devidos ajustes, tanto nos leilões
de telecomunicações têm uma característica subsequentes nos Estados Unidos como em
especial que tomam qualquer mecanismo de muitos outros países (Binmore & Klemperer,
venda extremamente complexo: a sinergia. A 2002). Mais recentemente, Milgrom foi novamente
sinergia se refere ao fato de o valor da licença convocado para desenhar um leilão ainda mais
referente a uma área depende fortemente da rede complexo, o “Leilão de Incentivos” (Incentive
que uma empresa consegue formar. Por exemplo, Auction) em que o governo comprou frequências
considerando os tamanhos e a interligação entre de redes de TV e simultaneamente leiloou essas
os mercados de São Paulo e do Distrito Federal, frequências para o uso da telecomunicação móvel
uma licença para operar no DF vale muitíssimo (Milgrom, 2019). O leilão, que Milgrom descreveu
mais a uma empresa que consiga também a com “[..]the most excited thing I’ve ever done”
outorga para operar em São Paulo. Portanto, o (Christopher, 2016) foi realizado 29 de março
mecanismo de leilão a ser implementado, se de 2016 a 30 de março de 2017, reposicionou
buscar eficiência e receita para o governo, deve 84 mega-hertz de radiofrequência e gerou 19,8
favorecer o aproveitamento das sinergias, que bilhões de dólares em receitas, sendo 7 bilhões
dependem de cada empresa participante. para o Tesouro americano (FCC, 2017) [12].
Foi então que o mundo real se voltou para os A nova revolução tecnológica no mundo das
acadêmicos de Teoria dos Jogos, tanto o FCC, telecomunicações já está colocada: trata-se do
que contratou o professor John McMillan, como uso da tecnologia 5G, que permitirá velocidades
as empresas interessadas, que contrataram de comunicação de dados até pouco impensáveis
um “dream team” de pesquisadores incluindo, ao alcance de todos. Segundo o Ministro das
dentre outros, Charles Plott, Jeremy Bulow, Barry Comunicações Fábio Faria, o leilão de frequência
Nalebuff, Preston McAfee, Robert Weber, David para a implantação de 5G no Brasil acontecerá
Porte, John Ledyard e, destacadamente, Robert “com certeza” entre abril e maio de 2021 [13]. O
Wilson e Paul Milgrom (McMillan, 1994). ensinamento dos mestres Robert Wilson e Paul
Milgrom nesses últimos anos será de grande valia
Quando Milgrom foi contactado pela concorrente e seu aproveitamento fará toda a diferença entre
Pacific Bell, sua primeira reação foi: “Eu sou um mecanismo de sucesso que gerará bilhões
apenas um economista teórico! Nada sei sobre de reais aos cofres públicos, ou um resultado
isso!” (Christopher, 2016). Apesar do choque pífio para o país.
inicial, Milgrom e Wilson aceitaram o desafio e de
249 Nobel - 2007
E-BOOK NOBEL
Na cédula de votação para a Câmara dos Deputados é incluída a questão: “Escreva um X na caixa ao
lado do nome do juiz se avalia que ele deve pedir demissão. Não escreva nada na caixa se avalia que
ele não deve pedir demissão”.
Ainda que existam muitas controvérsias relacionadas à questão do “recall” de ministros da Corte
Suprema, não resta dúvidas de que esse instrumento tem o potencial, senão de “controlar o controlador”,
pelo menos de expelir da mais alta Corte de Justiça da Nação aqueles que descaradamente desprezam
a segurança, as finanças e a moralidade pública.
Maurício S. Bugarin
PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da
Universidade de Brasília e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG/CNPq. E-mail:
bugarin.mauricio@gmail.com; URL: www.bugarinmauricio.com.
Notas:
[1] PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de
Brasília e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG/CNPq. E-mail: bugarin.mauricio@gmail.com; URL:
www.bugarinmauricio.com.
[2] “Somos como anões em ombros de gigantes, pois podemos ver mais coisas do que eles e coisas mais distantes, não
devido à acuidade da nossa vista ou à altura do nosso corpo, mas porque somos mantidos e elevados pela estatura de
gigantes.” Bernardo de Chartres, referido por João de Salisbúria, Metalogicon III, cap. 4, ano de 1159.
[3] “for improvements to auction theory and invention of new auction formats”. https://www.nobelprize.org/prizes/
economic-sciences/2020/prize-announcement/
[4] “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” Em carta escrita para Robert Hooke datada de 5 de
fevereiro de 1676.
[6] Deixo ao leitor curioso o seguinte desafio. Considere o mecanismo comum de um condomínio: os três amigos
votam pela compra ou não da TV e se a maioria votar pela compra, o custo e dividido igualmente entre os presentes.
Mostre que, no exemplo, a TV será comprada, mas o amigo 3 sairá desse mecanismo pior do que entrou, pois o custo
da TV para ele (1 mil reais) é inferior ao benefício. Dizemos, nesse caso, que o mecanismo não respeitou a condição de
Racionalidade Individual. Mostre ainda, alterando os valores da TV para os amigos, que é possível que a TV seja comprada
mas que o benefício agregado seja inferior ao seu custo, por exemplo, se a TV valer 1100 reais para os amigos A e B, mas
apenas 500 reais para o amigo C. Nesse caso, dizemos que o mecanismo não é Eficiente. Note que tanto no mecanismo
do condomínio como no mecanismo proporcional, se a decisão for comprar a TV, os pagamentos dos amigos serão
suficientes para cobrir o preço da TV; dizemos que esses mecanismos respeitam o Equilíbrio Orçamentário.
[7] O leitor curioso poderá verificar que se o valor de referência for , então o mecanismo arrecadará mais do que o
necessário para a compra da TV, sendo ainda do interesse dos amigos participarem dele. Se temos a situação extrema em
que cada amigo é indiferente a participar ou não do mecanismo. Se os amigos preferem não participar do mecanismo e,
finalmente, se será necessário um subsídio externo para a compra da TV, uma vez que o valor arrecadado será inferior
ao preço da TV.
[8] http://serious-science.org/eric-maskin-mechanism-design-theory-1833
[9] “any area of economic life in which free markets are not fully successful, i.e. in which they do not implement our
social goals, is ripe for mechanism design theory”.
[10] O texto deste exemplo foi retirado de Bugarin (2020). O título vem da reportagem no New York Times: “The
greatest auction ever” (Safire, 1995).
[11] Um caso famoso foi do ator Ernest Borgnine, que chegou a ganhar uma licença de telefonia sem ter qualquer
experiência prévia na área, tendo posteriormente vendido essa licença com grande lucro (Christopher, 2016).
[12] Veja Carrasco (2020) para maior detalhamento sobre o Leilão de Incentivos.
[13] https://www.tecmundo.com.br/mercado/177591-leilao-5g-brasil-abril-maio-2021-diz-ministro.htm
[14] Décimo Júnio Juvenal viveu nos séculos I e II, entre 55 e 127, tendo sua principal obra sido uma coleção de poemas
satíricos, as Sátiras, em que critica a decadência da Roma antiga. Consta na sátira 10 do livro IV a famosa frase: “Mente
sã num corpo sadio” (Mens sana in corpore sano).
[15] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54549497
[16] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/16/doria-diz-que-forca-tarefa-para-tentar-recapturar-andre-
do-rap-custa-r-2-milhoes-a-sp.ghtml
[17] O Estadão revelou que a polícia procura pelo menos outros 20 criminosos foragidos que foram soltos em condições
semelhantes pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Referências Bibliográficas:
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Notas:
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NOBEL DE ECONOMIA
2008
Nova Teoria de
Comércio Internacional e Nova
Geografia Econômica
Paul Krugman
por Ana Maria Bonomi Barufi
Introdução
O
modelo tradicional de comércio internacional se baseava na teoria das vantagens
comparativas, que remonta a David Ricardo, posteriormente aprofundada por Heckscher
e Ohlin. O padrão do comércio seria fundamentado nas diferenças entre os países
(tecnologia ou acesso a fatores de produção). De maneira geral, esta teoria parecia ser
capaz de explicar a maior parte do comércio internacional, mas ao longo do século XX, o
aumento do comércio intrasetorial, principalmente entre países desenvolvidos, levou a uma redução
de seu poder explicativo. Nesse sentido, um país poderia importar e exportar ao mesmo tempo bens
similares.
Em 1979, Krugman publicou um artigo seminal acesso a mercados mais amplos, o que lhes
em que apresentou uma nova teoria de comércio permite ampliar a produção e obter economias
internacional, baseada nas hipóteses de de escala. Elas também ficam também expostas
economias de escala e de que os consumidores à competição externa, o que reduz sua margem,
desejam ter diversidade em seu consumo. levando algumas empresas a não resistir. Ainda
assim, no final das contas o consumidor terá
Alguns anos antes, Dixit e Stiglitz (1977) tinham mais opções para escolher, e as vantagens do
apresentado um modelo para analisar as comércio surgem não devido à especialização,
preferências dos consumidores por variedade. mas sim em função de economias de escala,
Com isso, cada produtor, trabalhando com maior competição e da possibilidade de obter
retornos crescentes de escala, se tornaria um maior variedade de bens.
tipo de monopolista de sua própria marca, mas
competiria com as demais marcas. Firmas teriam Custos de transporte decrescentes foram
incentivos para produzir grande variedade de importantes para o crescimento do comércio, e
bens, mas o custo de iniciar a produção faria Krugman (1980) os incorporou ao seu modelo
com que, ao aumentar a produção, elas tivessem de comércio internacional, no formato de custos
custos médios decrescentes, e, portanto, poucas de iceberg (uma fração dos produtos enviados
variedades persistiriam no mercado. “derrete” no caminho). Custos de transporte
elevados geram um efeito do mercado doméstico,
Krugman observou que isso poderia explicar que leva firmas a se concentrarem em mercados
porque países com características idênticas proporcionalmente maiores.
comercializam entre si, inclusive dentro do
mesmo setor. Faz sentido para cada país se A Nova Teoria do Comércio gera predições
especializar na produção de certa marca (com acuradas sobre o impacto da liberalização do
as vantagens das economias de escala), e os comércio em padrões de comércio, a localização
consumidores ao redor do mundo se aproveitam da produção e a remuneração de fatores. Ela
dos consequentes preços mais baixos e da maior pode também ser utilizada para análises de
diversidade. bem-estar.
A
geografia econômica lida com a decisão do local em que cada bem é produzido, e também
com a distribuição de capital e trabalho entre países e regiões. Krugman trouxe a hipótese
de economias de escala para esse contexto, propiciando o surgimento da Nova Geografia
Econômica.
Ainda em seu artigo sobre comércio internacional, Krugman apontou que se dois países são
exatamente iguais, possuirão nível semelhante de bem-estar, mas se eles diferirem apenas em relação
ao tamanho da população, aquele com maior população deverá se beneficiar mais de economias de
escala, e gerará maior remuneração do trabalho, atraindo mais consumidores e trabalhadores para
esta região.
Em 1991, Krugman adaptou esses conceitos ao contexto de uma teoria de localização de trabalhadores
e firmas entre regiões. Os principais elementos de seu modelo são que o comércio é possível, mas os
custos de transporte o obstruem. Já o trabalho pode se mover entre as regiões, e deve se deslocar
para o local com maiores salários reais e maior diversidade de bens. Por fim, as empresas tomam a
decisão de se localizar de acordo com o trade-off entre economias de escala e o quanto elas poupam
em custos de transporte.
Economistas demoraram muito tempo para trazer explicações de como disparidades espaciais podem
surgir, dadas as limitações do arcabouço utilizado anteriormente, baseado em retornos constantes
de escala. Starret (1978) apontou em seu Teorema da Impossibilidade Espacial que no modelo de
Arrow-Debreu (1954), com retornos constantes de escala, número finito de agentes e locais, espaço
homogêneo e transporte com custo, não há equilíbrio competitivo envolvendo troca entre diferentes
locais. Desigualdades espaciais e especialização regional só ocorreriam se ao menos uma dessas
hipóteses não valesse.
A decisão locacional das empresas pode ser afetada pela competição de preços, que é um fator de
dispersão, mas conforme elas produzem bens diferenciados, tal fenômeno perde força. As firmas
buscam o mercado com custos de transporte mais baixos e maior demanda (efeito de mercado
doméstico). Este último elemento poderia significar que as pessoas não poderiam migrar. O modelo
do centro-periferia de Krugman resolve esta questão.
O modelo parte da ideia de que a migração de certos tipos de trabalhadores afeta o bem-estar global
e altera a atratividade relativa das regiões, com externalidades sobre o tamanho do mercado de
consumo e sobre o mercado de trabalho de ambos os locais.
Além disso, supõe a existência de duas regiões e dois setores, a indústria operando em competição
monopolística (à la Dixit-Stiglitz) e a agricultura sob competição perfeita. Existem dois fatores de
produção, um regionalmente imóvel usado na agricultura, e o outro regionalmente móvel e usado na
indústria.
Krugman identifica um processo cumulativo que ocorre pelo tamanho do mercado e seu efeito no
custo de vida. O tamanho do mercado leva à concentração da indústria em uma região, e conforme
esta região cresce, atrai mais demanda e por consequência motiva a entrada de mais produtores da
indústria (efeito do mercado local), promovendo aglomeração deste setor em um único local (com
causação circular de efeitos de ligação para frente e para trás, uma força centrípeta). Por outro lado,
mercado mais concentrado aumenta a competição por preços, gerando uma força de dispersão
(efeito de mercado lotado).
Posteriormente, Krugman (1993) estendeu o modelo para múltiplas regiões, e Fujita e Krugman
(1995) foram precursores na explicação de como padrões de uso da terra urbanos e para agricultura
emergem de forma endógena.
Conclusão
Notas:
Referências
Dixit, A.K., Stiglitz, J.E. (1977), Monopolistic competition and optimum product diversity. American Economic
Review 67, 297–308.
Fujita, M. and P. Krugman, (1995), When is the economy monocentric? von Thü-
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NOBEL DE ECONOMIA
2009
Elinor C. Ostrom e Oliver E. Williamson
por Sávio Coelho
Elinor C. Ostrom:
A Tragédia da
Tragédia dos
Comuns
O
O Prêmio Nobel de Economia de 2009 foi
particularmente interessante, pois foi um
dos mais irônicos desde o partilhado entre
Gunnar Myrdal e F.A Hayek em 1974.
Os laureados daquele ano eram Elinor Ostrom e Oliver Williamson; por suas contribuições ao
entendimento econômico da governança e sua aplicação. Ambos os autores investigaram a forma
como as regras moldavam os mais diferentes ordenamentos sociais e suas implicações na eficiência
econômica dos mesmos, porém eles partiram de perspectivas diferentes. Enquanto Williamson deu
importância ao papel das hierarquias na governança das instituições, Ostrom foi no exato caminho
oposto.
Muito mais do que ter sido a primeira mulher a ganhar um prêmio nobel de economia, Elinor foi
fundamental para mudar nossa visão acerca das instituições e seu estudo.
A visão que se tinha ( e muitos no Brasil ainda institucionalistas, como Émile Durkheim, Max
tem) das instituições em seu sentido econômico Weber e John R. Commons. Para eles, as
é moldada pela clássica definição dada por normas sociais eram regras de delimitação do
Douglas North (1990). Segundo North, as comportamento individual que eram dadas por
instituições são as regras do jogo, tanto as um contexto social específico e moldadas por
formais ( delimitadas pelas autoridades) como condições ambientais específicas; como guerras,
as informais ( dadas por convenções sociais, geografia, clima, interação com outros grupos,
como no caso da cultura) e também as suas etc.
características de eficiência. Juntas, essas regras
definem a forma como o jogo econômico é Essas regras não eram necessariamente
jogado, como as escolhas são delimitadas pelos conhecidas pelos indivíduos, mas elas eram
agentes econômicos racionais. incorporadas em seu comportamento por meio
das diferentes interações de “solidariedade
Todavia, a definição de North, apesar de didática, orgânica e mecânica” presentes dentro da
é falha ao se notar o fato de que o jogo econômico sociedade; como as relações familiares, comércio
pode acontecer na ausência de regras. Segundo e relações de trabalho. Por meio dessas normas a
a definição clássica, se as regras do jogo não sociedade criava uma ordem social orgânica em
estiverem claras, se os agentes não tiverem constante mudança à medida que as condições
conhecimento perfeito sobre elas, então não iniciais fossem mudando ou, na linguagem dos
existiria atividade econômica, pois a incerteza marxistas, conforme a mudança dos processos
resultante elevaria os custos de transação dos de produção.
direitos de propriedade para além de seus
benefícios marginais. Para mostrar a aplicação dessa sua visão das
instituições, Ostrom investigou o problema
Essa não era a visão que Ostrom tinha das de coordenação social colocado pelo biólogo
instituições. Para ela as instituições têm duas americano Garrett Hardin (1968) chamado de “A
dimensões que não podem ser ignoradas. Tragédia dos Comuns”.
A primeira é que elas são configuracionais,
dependentes do contexto socio-econômico Em sociedades tradicionais, sem um grande
em que surgem, e não podem ser tomadas desenvolvimento de instituições normativas
isoladamente. Segundo é que instituições não como o estado de direito ocidental, muitas vezes
são regras seguidas a risca. As instituições não o custo de proteção de direitos de propriedade
afetam diretamente o comportamento, mas sim é maior do que os benefícios auferidos da
a estrutura que delimitará os possíveis resultados manutenção desses direitos e os custos de
que irão emergir das interações entre os agentes. transação positivos derivados disso fazem com
O estudo e definição individual das instituições, que propriedades sejam deixadas livres para uso
retiradas do sistema socio-econômico que público (Barzel 1997). Na Idade Média europeia
integram, não é efetivo na medida em que um exemplo disso eram os campos comuns ( do
a consequência de qualquer regra depende inglês common fields); terras que geralmente
do tipo de ambiente em que ela está inserida ficavam nas fronteiras dos domínios feudais e
e, como regras especificam o conjunto de que eram consideradas custosas demais pelo
resultados possíveis, há regras que proíbem senhorio para protegê-las eram deixadas para
e outras que permitem uma dada ação em uso público. Nessas terras os plebeus podiam
diferentes circunstâncias. Assim, a delimitação plantar, colher, caçar e criar animais de maneira
do comportamento ocorre ex post a delimitação livre ( Clark e Clark 2001). Todavia, essas terras
da ação (Ostrom 1987) configuravam um clássico problema de definição
de direitos de propriedade sobre a utilização
Em certo sentido o que Elinor fez foi resgatar de um dado recurso, como definido por Coase
a linha de pensamento dos sociólogos (1960).
Para ilustrar esse problema vamos tomar um Contudo, essa não era a visão de Elinor Ostrom.
experimento mental. Imagine uma sociedade Em seus estudos de campo em sociedades
primitiva. Nela existe duas pessoas e ambas tradicionais, como aquelas da Inglaterra medieval,
utilizam um lago comum para pesca. Vamos ela registrou que a administração dos Commons
dizer que ambos vão expandir suas atividades não era ineficiente como prevista pela tragédia
até o máximo que conseguirem; ou seja até que dos comuns. Segundo Ostrom (1990), os direitos
exista um equilíbrio entre maximização de peixes de propriedade sobre dados recursos não
pescada entre ambos os indivíduos. precisavam ser definidos por uma autoridade
externa em um processo de privatização, pois
Porém ai um dos indivíduos quer, mesmo nesse eles já eram bem definidos pelas normas sociais
cenário, pescar mais peixes. Uma vez que a dessas comunidades. Cada indivíduo nascido
quantidade de peixes é limitada, cada ganho nessas sociedade aprendia tacitamente, por
marginal do indivíduo que pescar mais é um custo meio das relações com os outros, os limites das
marginal para o outro. Caso o custo marginal propriedades de cada um, a quem pertencia
causado para o outro indivíduo supere o benefício o que e como as relações eram estabelecidas.
líquido conseguido com a pesca adicional, Mesmo sem regras claras, cada um agia sabendo
então esse sistema é socialmente instável, pois como deveria agir.
as trocas econômicas nessa situação não são
ótimas. O indivíduo estaria ganhando às custas Elinor mostrou que para a criação de uma ordem
do outro sem sofrer os custos de sua ação. social estável, de instituições funcionais, não
era necessário estabelecer relações verticais
A forma ótima da solução desse problema é hierarquizadas, com uma judicialização de todas
geralmente a delimitação da propriedade dos as relações sociais por meio do estado intervindo
recursos e o estabelecimento de direitos de na delimitação da propriedade de tudo e servindo
propriedade claros. Uma vez que os indivíduos como árbitro de todos os problemas. As relações
possuam conhecimento claro sobre quem poderiam se dar de forma horizontal, com as
é proprietário sobre os recursos, será mais pessoas negociando de igual para igual com
fácil a transação de direitos de uso sobre essa base em tradições comuns de sua comunidade.
propriedade e a proteção dessa propriedade. Se As pessoas podem se organizar, formar laços e
o lago e seus peixes pertencem a um indivíduo estabelecer regras elas mesmas que gerem uma
X, então um outro indivíduo Y poderá pagar coordenação ótima na alocação de recursos.
para poder pescar naquele lago compensando
X pelos eventuais custos marginais da pesca. Como Weber já tinha colocado antes dela, a
Caso Y tente violar a propriedade e pescar no intervenção judicial nas relações sociais, como
lago jogando os custo de seu uso para X, então na delimitação de direitos de propriedade, só
esse poderá reclamar seu direito de propriedade é necessária quando uma sociedade está em
com as autoridades legais e essas poderão um processo de decadência de suas normas
arbitrar claramente o conflito ao saber a quem sociais ( tradições e cultura). Com o aumento
os recursos pertencem legalmente, impondo da complexidade de certas relações ( formas de
uma sanção sobre o infrator. produção mais complexas), as pessoas deixam
gradualmente a solidariedade orgânica e passam
Assim, a solução clássica para a tragédia dos a interagir mais por solidariedade mecânica (
comuns é a privatização da propriedade pública. Weber 1905).
Isso ocorreu na Grã-Bretanha, onde os commons
foram privatizados e tornados nos enclosures ( Mas relações orgânicas ainda podem atuar de
cercamentos) para a produção de insumos para forma eficiente em nível local e o pressuposto de
indústria nascente e o estado de direito inglês que é necessário intervenção estatal em todos
adquiriu corpo para a proteção dessas novas os casos pode causar problemas ainda maiores,
propriedades. na medida em que irá alocar os direitos de
propriedade de uma forma a discriminar pessoas de maneira não ótima. Ostrom e Whitaker (1973),
por exemplo, mostram que polícias locais estão em melhor controle da comunidade e tendem a
utilizar a forças de maneira mais eficiente do que quando a polícia é federalizada, uma vez que
essa possui o incentivo perverso de não ter que prestar contas diretamente à comunidade que está
protegendo. Um policial federal que mata um membro inocente de uma comunidade não sofrerá os
mesmos custos por essa morte do que um policial que mora naquela comunidade e nem terá a moral
para impor a sanção quando ele for culpado.
Ostrom reintroduziu a cultura e o estudo sociológico de campo de volta na economia. Não era somente
um bom estado de direito com uma força policial eficiente que poderia constituir uma ordem social
eficiente, mas também as sociedades indígenas na Amazônia ou mesmo as outrora menosprezadas
sociedades feudais. Para os recursos serem utilizados de maneira ótima, sem desperdício e com
uma utilização racional, não era mais necessário privatizá-los ou entregá-los para empresas estatais.
Os nativos locais sabem como preservar seus recursos melhor do que qualquer tecnocrata em uma
cidade distante, que dificilmente sabe da totalidade das condições daquele local.
Mas ela também mostra a riqueza e singularidade de cada civilização. A maior lição que pode ser
tirada das obras de Ostrom é que toda instituição é eficiente, por mais moralmente errada que seja, e
possui um papel dentro de sua sociedade. Como Leeson (2017) mostrou, mesmo instituições bizarras
aos nossos olhos, como a venda de esposas na Inglaterra vitoriana ou a prisão de baratas na Itália
renascentista, tem sua racionalidade econômica. Outros, como Harris (2018), mostraram que mesmo
casos de ordens sociais que seriam consideradas ineficientes por problemas como o free ride (como
no caso dos sites de pirataria na internet; e.g Libgen), ainda assim elas sobrevivem e continuam
existindo graças a suas regras informais; contrariando a lógica comum, uma vez que dado o free ride
logo os indivíduos parariam de contribuir com essa dada relação por falta de benefícios líquidos.
Oliver E. Williamson:
A Importância das Organizações
Williamson foi até não muito tempo atrás o Segundo essa teoria, dado um mundo onde os
cientista social mais citado do mundo, com empreendedores possuem informação perfeita,
contribuições desde as ciências administrativas as relações de contrato ou outras forma de
até sociologia política e o direito. Ele foi um dos transação dentro da firma seriam insignificantes
responsáveis pelo desenvolvimento do que viria para análise, pois os contratos sempre seriam
a ser a Nova Economia Institucional, foi um dos cumpridos.
fundadores do Ronald Coase Institute para esse
fim e modificou radicalmente a forma como os Os gestores têm conhecimento acerca de todos
economistas vêem o mercado. os aspectos do comportamento de fornecedores
e trabalhadores, de forma que falhas contratuais
Todavia, no Brasil sua obra ainda é pouco seriam impossíveis. Dado tecnologias presentes,
explorada. Muitos desconhecem suas preço de insumos, preferências de consumo e
contribuições fundamentais para nossa etc, a firma simplesmente usaria tais dados para
compreensão do funcionamento da sociedade. maximizar seu lucro dado uma linha de restrição
Por essa razão, irei explicar brevemente a razão orçamentária. Assim, a firma não seria mais que
de Williamson ser tão admirado. um conjunto de equações de dotação de fatores
e custos em um simples problema de cálculo.
Contudo, para explicar sua contribuição temos Contudo, isso é algo bem distante do mundo real
que entender a forma como os economistas e foi justamente isso que Williamson criticou.
até então enxergavam o funcionamento dos
mercados, particularmente a forma como eles Sua crítica começa ao se analisar a visão de
viam as firmas. racionalidade de Herbert Simon. Segundo
Simon, o pressuposto de racionalidade completa
A teoria neoclássica da firma é um construto da economia neoclássica deveria ser substituído
mental segundo o qual o funcionamento e a pelo de racionalidade limitada, segundo o qual
estrutura organizacional interna das instituições os agentes econômicos tentam ser racionais,
podem ser negligenciados. O economista mas apenas o conseguem de modo limitado. O
neoclássico não se interessa pelo arranjo interno agir econômico estaria delimitado pelos limites
das instituições, mas sim pelo que ocorre nos da capacidade de conhecimento humana e
mercados externos a ela. suas limitações na obtenção e decodificação de
informações.
Assim, o economista neoclássico busca entender
como recursos são alocados entre mercados, A principal consequência da adoção do
mas não como os mesmos são alocados dentro pressuposto da racionalidade limitada de Simon
das firmas. Ele não se interessa por como se dá é o reconhecimento de que contratos complexos
as relações contratuais entre empregadores e (como contratos financeiros ou contratos de
trabalhadores, como insumos são negociados trabalho) são, inevitavelmente, incompletos.
com fornecedores, como esses mesmos insumos Mesmo se fosse possível se atribuir conhecimento
equitativo das partes de um contrato, como um ante no contrato, inserir salvaguardas contratuais
contrato de trabalho, acerca do contrato em si, e, em último caso, optar por alguma forma de
ainda assim tal não impediria o surgimento de hierarquização.
problemas pós-contratuais.
A reação natural de muitos é pensar que a melhor
As partes contratantes estão sujeitas a problemas forma de se lidar com o oportunismo contratual
de assimetria de informação e racionalidade é se estabelecer uma salvaguarda hierárquica
limitada no momento de formulação contratual; externa às partes, um árbitro. Seguindo a linha
um credor, por exemplo, não sabe de todos os de raciocínio de Akerlof e Arrow, uma vez que
aspectos da vida da pessoa para quem ele está não haveria possibilidade de se estabelecer um
emprestando seu dinheiro e suas reais condições conhecimento equitativo entre as partes do
de pagamento futuro, de forma que ele não tem contrato, a melhor solução seria colocar um
como medir o risco real de um dado empréstimo. agente externo ao processo de produção do
Surge então o que Williamson definiu como o contrato para monitorar o cumprimento dos
Problema do Oportunismo. termos estabelecidos. O governo, por exemplo,
atuaria como árbitro externo e hierarquicamente
Devido às falhas na formulação de todos os superior às partes e decidiria um caso de conflito
termos de um contrato (impossibilidade de se caso esse emergisse do processo. Assim, a reação
prever em momento de formulação todas as automática caso algo dê errado é a correção
nuances da transação ali firmada) e em face de dos desvios por vias de novas regras e controles
choques imprevisíveis para os quais contratos impostos de cima para baixo.
incompletos não conseguem se adaptar de
maneira prévia, as partes do contrato afastam-se
daqueles termos firmados previamente e passam
a ser guiados não mais pelos princípios das
normas contratuais estabelecidas anteriormente,
mas por considerações pragmáticas e de
interesse pessoal.
fim, como se fosse uma massa de modelar que pudesse virar qualquer coisa. Ela é um ativo específico
para um fim determinado e com alocação limitada. Dessa forma, o capital de uma firma é composto
por diversas peças que possuem seu papel específico dentro do plano empresarial de produção, não
podendo se encaixar ou serem alocados entre si.
Assim como as células de seu corpo, eu não posso fazer uma hemácia desempenhar o papel de um
glóbulo branco e não posso fazer o tecido adiposo desempenhar as funções do tecido cardíaco. Da
mesma forma na firma cada estágio de produção, cada segmento e forma de estruturação desse
capital na firma é único para cada dado plano empresarial. Dessa forma, o capital não é uma unidade
amorfa e que pode ser utilizada sem especificação em uma função de produção, mas sim algo
heterogêneo e que se estrutura em etapas subjetivas na cabeça do empreendedor.
As organizações têm, por isso, uma forma de vida própria e mostram a importância de se considerar
os efeitos das regularidades do desenho institucional ex ante. É necessário se considerar que cada
modo de organização é definido por uma síndrome de atributos internamente consistentes.
Portanto, a teoria da firma de Williamson pode ser definida como: um trabalho a partir do cenário
de contratos incompletos no qual acidentes ocorrem entre partes bilateralemente dependentes
quando as situações reais envolvidas no processo contratual desviam dos termos estabelecidos
anteriormente por desequilíbrios gerados por incertezas, conflitos e mudanças de ambiente, onde
consequentemente as partes são levadas a barganhar seus direitos de propriedade sobre os bens
transacionados em contratos várias e várias vezes. Tais transações múltiplas impõem custos de
transação altos para os participantes, que terão que negociar várias vezes, de forma que tal cria
incentivo para o desenvolvimento evolutivo de instituições de cooperação adaptativa.
Mas não pense que a teoria da firma de Williamson se aplica unicamente a empresas e o mundo
corporativo. Ela se aplica a todas as instituições humanas.
Pense em uma civilização, por exemplo. Os membros de uma dada sociedade convivem entre si e
estabelecem diversas relações ao longo de seu curso de vida. Mas essa relações são estabelecidas
por meios simples ou complexos? Eu poderia facilmente pensar em uma sociedade em que todos
simplesmente trocas coisas livremente e vivem suas vidas da maneira que quiserem, sem violar uns
aos outros. Mas como garantir que tais relações seriam estáveis? Eu poderia questionar se o objeto
que você me entregou atende mesmo às especificidades que queria ou que você me prometeu.
Poderia questionar se seu muro está invadindo minha propriedade ou não. Como saber que tem
razão e quem não? Como resolver o conflito?
A resposta natural seria pensar em se criar um governo. O estado, com seu monopólio territorial
do uso da força, monitorar contratos, criar órgãos para arquivar cópias deles e olhar quando fosse
necessário, criar sistemas de delimitação de propriedade e punições para caso de sua violação. Ele
poderia vigiar a tudo e todos e fazer com que, regra por regra, a sociedade tendesse a um projeto
ideal estabelecido por um plano mental de justiça ou outras ideias normativas. Mas que sociedade
funciona assim? Existe alguma sociedade em que o estado interfira em todas as esferas das relações
humanas e não tenha degenerado em um ambiente social insustentável? Não, as sociedade humanas
não funcionam assim.
As relações humanas são reguladas em grande parte por formas mais primais de hierarquias. Dado
os fatores que o cercam( ambiente, clima, relações com outras tribos, etc), os humanos desenvolvem
regras e hierarquias orgânicas para coordenar suas sociedades de maneira totalmente natural.
Assim, diferentes sociedades estabelecem diferentes normas sociais e tradições culturais, cada uma
estruturada em tecidos sociais ( civilizações) únicos. Cada uma possui sua organização hierárquica,
suas instituições, selecionada de maneira evolutiva pelos diversos fatores em que ela vive. Cada
norma social, cada elemento cultural, possui uma função dentro de uma dada sociedade e, mesmo
que possa parecer irracional para observadores externos, ele possui um sentido, mesmo que tácito,
para os membros dela. Assim, por mais que se possa achar os costumes dos nativos tribais africanos
bárbaros, eles possuem sua razão de existir.
Assim, por mais que muitos desejem impor códigos centralizados de governança a toda uma
sociedade, para que essa se torne aquilo idealizado pelos legisladores, muitas vezes regras informais
( tradições e hábitos) são melhores reguladores que leis. Quando se tenta modificar uma sociedade
de cima para baixo, o planejador central muitas vezes aniquila certas instituições, que ele muitas
vezes nem sabia que existiam ou sua função dentro de dada comunidade, que levam ao colapso
daquela sociedade. As vezes é melhor deixar as pessoas se auto-organizarem e admitir que ninguém
tem conhecimento suficiente para dizer que isso ou aquilo é melhor que a maneira delas levarem a
vida.
Sávio Coelho
Graduando em ciências econômicas na Universidade de Fortaleza (Unifor), gosta de estudar história
econômica, com foco em história fiscal e monetária, e é simpatizante da Mainline Economics.
Notas:
Referências
— WILLIAMSON, Oliver E. The theory of the firm as governance structure: from choice to contract. Journal
of economic perspectives, v. 16, n. 3, p. 171–195, 2002;
— WILLIAMSON, Oliver. Contract and economic organization. Revue d’economie industrielle, v. 92, n. 1, p.
55–66, 2000;
— WILLIAMSON, Oliver E. The economics of organization: The transaction cost approach. American journal
of sociology, v. 87, n. 3, p. 548–577, 1981;
— RIORDAN, Michael H.; WILLIAMSON, Oliver E. Asset specificity and economic organization. International
Journal of Industrial Organization, v. 3, n. 4, p. 365–378, 1985;
— WILLIAMSON, Oliver E. Economic institutions: spontaneous and intentional governance. Journal of Law,
Economics, & Organization, v. 7, p. 159–187, 1991;
— AKERLOF, George A. The market for “lemons”: Quality uncertainty and the market mechanism. In:
Uncertainty in economics. Academic Press, 1978. p. 235–251;
— ELLICKSON, Robert C. The Aim of Order without Law. Journal of Institutional and Theoretical Economics
(JITE)/Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft, v. 150, n. 1, p. 97–100, 1994;
— NORTH, Douglass. Institutions, institutional change and economic performance Cambridge University
Press. New York, 1990;
— OSTROM, Elinor. An agenda for the study of institutions. Public choice, v. 48, n. 1, p. 3–25, 1986;
— OSTROM, Elinor. Governing the commons: The evolution of institutions for collective action. Cambridge
university press, 1990;
— OSTROM, Elinor; WHITAKER, Gordon. Does local community control of police make a difference? Some
preliminary findings. American journal of political science, p. 48–76, 1973;
— GARRETT, Hardin. The tragedy of the commons. Science, v. 162, n. 3859, p. 1243–1248, 1968;
— BARZEL, Yoram. Economic analysis of property rights. Cambridge university press, 1997;
— CLARK, Gregory; CLARK, Anthony. Common rights to land in England, 1475–1839. Journal of Economic
History, p. 1009–1036, 2001;
— WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: texto integral. Martin Claret, 2001;
— LEESON, Peter T. WTF?!: An economic tour of the weird. Stanford University Press, 2017;
— HARRIS, Colin. Institutional solutions to free-riding in peer-to-peer networks: a case study of online pirate
communities. Journal of Institutional Economics, v. 14, n. 5, p. 901–924, 2018.
NOBEL DE ECONOMIA
2010
Peter Diamond, Mortensen &
Christopher Pissarides
por Juan Rios
Economia do Trabalho
E m 1982, Diamond publicou um artigo que apresentava um modelo onde os agentes não
encontravam as trocas desejadas instantaneamente. Na conclusão deste artigo, o economista
apresenta um exemplo que transmite a ideia principal do modelo. O exemplo consiste em
uma ilha com coqueiros. Por conta de uma superstição, os habitantes da ilha só consomem
os cocos de outras pessoas após uma troca. Como subir nos coqueiros é arriscado, os habitantes
só colherão os cocos, se acreditarem que existem outros habitantes fazendo o mesmo na ilha.
Se eles acreditam nessa atividade econômica, haverá muitas trocas e os habitantes terão muitos
cocos para seu próprio consumo. A principal implicação deste modelo e que o nível de atividade
econômica depende das expectativas dos agentes em relação ao funcionamento da economia.
Uma interpretação frequente dessa conclusão é que existem diferentes níveis de taxas naturais de
desemprego em torno das quais diferentes economias oscilam. Por exemplo, em uma economia onde
os indivíduos acreditam no bom funcionamento econômico, mais trocas ocorreriam por conta desse
otimismo. O efeito disso no longo prazo seria uma menor taxa natural de desemprego, apesar desta
economia também apresentar ciclos econômicos em torno de tal taxa.
Diamond-Mirrlees
Outras Contribuições:
Ineficiências Dinâmicas e
Políticas Previdenciárias
Juan Rios
PhD em Economia pela universidade de Stanford.
O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores
271 Nobel - 2010
E-BOOK NOBEL
Notas:
Referências
[1] Esta medalha é o prêmio com mais prestígio em economia, dada ao economista com menos
de 40 anos com as contribuições mais significativas para a área.
[2] A taxação de lump-sum é um tributo fixo imposto sobre todos os indivíduos da economia.
Como não há forma de evitar o tributo, ele não gera distorções. Este tipo de imposto não existe
na prática porque seria politicamente inviável implementá-lo.
[3] Para uma exposicao detalhada sobre esses desenvolvimentos, confira os videos do meu canal
do youtube https://www.youtube.com/channel/UCQD9mPO2PK-zsUHUQmzLIEw.
NOBEL DE ECONOMIA
2011
Thomas J. Sargent & Christopher A. Sims
por Renata Velloso
“Matemática é o que eu faço” ele disse no discurso de aceitação. A ideia por trás da sua teoria é que
expectativas importam e que é possível fazer previsões em cima dessas expectativas.
Tom conseguiu provar, por exemplo que a política monetária não tem efeito no desemprego. “Se o
problema é falta de trabalho, a resposta não está no Banco Central, ele diz”. Em outras palavras, não
adianta forçar os juros para baixo para criar emprego.
Para ilustrar seus modelos econômicos ele recorre a história. É um ótimo professor que consegue
simplificar equações matemáticas aparentemente complicadas com exemplos práticos.
273 Nobel - 2011
E-BOOK NOBEL
Para responder essas e outras perguntas cruciais Os Estados porém, continuaram podendo
de política econômica, seus estudos procuram emitir dívida para financiar seus projetos de
relações de causa e efeito na macroeconomia. infraestrutura. Havia a ideia (quem nunca
Suas ferramentas? Bases de dados cada vez escutou esse argumento de algum político?),
maiores e boa matemática. Muita matemática. que esses projetos se pagariam através de
aumento de produtividade e desenvolvimento
“Matemática é o que eu faço” ele disse no discurso econômico. Algo como, – me empresta dinheiro
de aceitação. A ideia por trás da sua teoria é que para construir essa ferrovia que ela vai gerar
expectativas importam e que é possível fazer tanto desenvolvimento e se pagar sozinha.
previsões em cima dessas expectativas.
A gente sabe que nem sempre isso funciona
Tom conseguiu provar, por exemplo que a política e por volta de 1840 muitos Estados estavam
monetária não tem efeito no desemprego. “Se o quebrados novamente. Dessa vez, o Governo
problema é falta de trabalho, a resposta não está Federal resolveu não resgatar.
no Banco Central, ele diz”. Em outras palavras,
não adianta forçar os juros para baixo para criar O argumento que prevaleceu foi que a dívida
emprego. da guerra tinha sido assumida porque era uma
“causa gloriosa”, mas não era justo que todos
Para ilustrar seus modelos econômicos ele os pagadores de impostos assumissem projetos
recorre a história. É um ótimo professor que desastrados dos outros.
consegue simplificar equações matemáticas
aparentemente complicadas com exemplos Resultado, segundo Tom: “toda crise fiscal acaba
práticos. gerando uma revolução política, no caso, a foi
Guerra Civil Americana”. E ironiza, a Revolução
Para demonstrar a importância do ambiente Francesa também nasceu de uma crise fiscal. “A
institucional, da confiança e da reputação de guilhotina foi um instrumento de política fiscal
quem está pedindo dinheiro emprestado na na França”.
definição das taxas de juros (alô Teto de Gastos)
ele usa a história da Independência dos EUA. O importante é acertar a dose e saber a hora
de parar. Ele explica. “Se você fica resgatando
Logo após a Independência em 1976, as antigas os estados toda a hora, você pode evitar uma
13 colônias estavam endividadas, não havia uma revolução, mas incentiva a gastança”.
política fiscal ou monetária coordenada. Cada
Estado definia seus impostos e todos podiam “As pessoas reagem a incentivos, inclusive
emitir moeda. Resumindo, uma farra. as pessoas que você quer ajudar” explica ao
criticar programas muito generosos de auxílio-
Resultado: altas taxas de juros. desemprego.
Depois de 1790, após a nova Constituição, o Num mundo em transformação tecnológica cada
arranjo institucional ficou mais sólido. Para isso vez mais acelerada ele defende que é preciso
houve uma grande barganha entre o Governo investir em treinamento e capacitação para ter
Federal e os entes federados. O governo central mais flexibilidade no mercado de trabalho. Mas o
assumiu as dívidas dos Estados que em troca incentivo para a pessoa se reciclar e melhorar a
deram mais poder ao governo central. A política sua empregabilidade diminui se ele já está com a
monetária passou a ser centralizada e só o vida ganha bancado pelo governo
governo federal teria o poder definir os impostos
sobre importação (os mais importantes na Ele próprio vive segundo esses valores. Além de
época). Com isso, a confiança aumentou e as ser um professor querido e muito bem avaliado
taxas de juros caíram. por seus alunos e um dos economistas mais
citados ainda em 2020, Tom continua criando coisas novas. Em 2016, pro exemplo, ajudou a criar
a ONG QuantEcon, dedicada ao desenvolvimento e open source de ferramentas computacionais
modernas para economia, econometria e tomada de decisão.
Famoso por seus discursos curtos e direto ao ponto, Tom só foge da pergunta que atormenta todos
os economistas e estudantes de economia. Ao participar de um comercial para o banco Ally um
apresentador pergunta ao prêmio Nobel – Você sabe me dizer quanto vai estar a taxa de juros daqui
a 2 anos?
Renata Velloso
Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em
Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo
Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu
abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além
de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na
Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e
adolescentes.
O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores
NOBEL DE ECONOMIA
2012
Alvin Roth e Lloyd Shapley
por Pedro Cava
Q
ual é o poder explicativo do nosso modelo tradicional de mercado quando falamos de
mercados sem um sistema de preços explícitos como o de casamento? E se estamos
transacionando um vínculo ao invés de um bem, como no mercado de trabalho? Matching
Theory é a agenda de pesquisa que se preocupa em responder algumas dessas questões,
a microeconomia do pareamento.
Elas foram abordadas pela primeira vez da maneira como hoje conhecemos no começo dos anos 60
por David Gale e Lloyd Shapley. De lá para cá matching theory passou de uma curiosidade matemática
para uma secção central da microeconomia moderna, com vastas aplicações no mundo real. De
alocação de quartos em dormitórios à novas regras para transplantes de rim.
Os laureados
A ideia
C
ollege Admissions and the Stability of Marriage é uma leitura muito agradável. Não há uma
equação e os argumentos, mesmo que matemáticos, são intuitivos. O que a princípio é
um problema clássico de combinatória, quando introduzidas preferências, gera uma nova
área de microeconomia.
Imagine dois casais: A pareia com B, C pareia com D. Essa situação seria dita instável se A prefere D
a B e C prefere B a D. Nesse caso bastariam os membros dos casais trocarem para implementar uma
alocação melhor. A pergunta é: existem alocações estáveis? Estável, entenda, no sentido de que não
há uma troca de casais que melhoraria a situação dos dois casais, apenas de um.
A ideia do mecanismo é realizar rodadas. Em cada uma um lado qualquer do mercado envia suas
propostas. Os indivíduos que receberem propostas rejeitam a menos desejada, liberando uma proposta
para a próxima rodada. Repetindo esse processo iterativo, eventualmente todos os participantes
acham pares e como o lado que recebe as propostas rejeita a menos desejada em cada passo, a
situação final, qualquer que seja, é estável.
Esse tipo de algoritmo iterativo é chamado de Aceitação Deferida, e foi exatamente a mesma ideia
que Roth aplicou no processo de seleção de residentes médicos americanos. Dos anos 80 para cá as
aplicações apenas crescem. Em 2003 foi a vez da rede pública de educação de Nova Iorque aplicar
o algoritmo na escolha de escolas para pais. Em 2005, Boston adotou o mesmo procedimento.
Em 2008 começaram as trocas de rins informadas pela teoria. Ao invés de procurar parceiros exatos,
forma-se uma dupla A de paciente e doador. O doador A não necessariamente precisa ser compatível
com o paciente A. É mais fácil encontrar outra dupla B de paciente e doador, onde o doador B seja
compatível com o paciente A, e o paciente B seja compatível com o doador A.
NOBEL DE ECONOMIA
2013
Fama, Hansen e Shiller
por Rodrigo De Losso da Silveira Bueno
E
m 2013 Real Academia Sueca de Ciências resolveu prestigiar o campo da economia financeira,
premiando com o Nobel os economistas Eugene Fama, Lars Hansen, ambos da Universidade
de Chicago, e Robert Shiller, da Universidade de Yale, pela “análise empírica dos preços dos
ativos”.
Pretendo escrever sobre Fama e Shiller primeiro, enfatizando suas principais contribuições e me
vou concentrar em Hansen, por último. Os dois primeiros foram muito mais prestigiados na época
da premiação que Hansen. Isso não é surpreendente, Fama e Shiller são mais famosos, enquanto o
trabalho de Hansen é tecnicamente mais denso, por isso mais difícil de entender. Em particular, Shiller
se destaca por ter previsto o estouro da bolha de preços dos imóveis nos EUA, o que o fez naturalmente
mais demandado para entrevistas. Entretanto, faltou-lhe concentração para eventualmente prever
outras crises como a de 2008.
1. Fama e Shiller
F
ama e Shiller são complementares entre si no seguinte sentido: enquanto Shiller tem um foco
em economia mais comportamental, Fama se destacou ao conceituar mercados eficientes
e testar esses conceitos no mercados financeiros. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que
Fama tem um caráter mais ortodoxo e Shiller, mais alternativo. Isso é normal para o avanço
da ciência e é comum ver a incorporação das críticas aos modelos mais ortodoxos.
E
ugene Fama é o mais antigo dos pesquisadores, nascido em 1939, fez seu doutorado
em Chicago em 1964 e lá tem sido professor há muito anos. Em 1970 publicou artigo
definindo o conceito de mercados eficientes ou Hipótese de Mercados Eficiente –
EMH, que, basicamente, pode ser entendido assim: os preços dos ativos financeiros
(ações, títulos, certificados etc.) resumem (ou sintetizam) a totalidade de informações
disponíveis aos agentes econômicos (grosso modo, consumidores e produtores), que agem
racionalmente – ou seja, tomam decisões procurando maximizar benefícios e minimizar custos
(lucro, por exemplo) [1]. Esse conceito já estava implícito em sua tese de doutorado defendida
em 1965, mas foi formalizado posteriormente.
Na prática ele subdividiu as ideias de eficiência em forte, semi-forte e fraca. Esses conceitos
estão associados ao conjunto de informação disponível. No caso da eficiência fraca, o conjunto
de informação refere-se ao histórico passado de preços. No caso da semi-forte, o conjunto de
informações nos diz que os preços devem refletir todas as informações públicas disponíveis.
No caso da forte, os preços devem refletir as informações públicas e privadas disponíveis.
Esse último caso é interessante, pois nos diz que um insider trading não consegue obter lucro
extraordinário, justamente porque sua informação já está refletida nos preços.
As implicações práticas são relevantes. Se as expectativas são racionais, então, a melhor previsão
para o preço de um ativo amanhã – imaginemos, no caso, ações – é seu preço hoje. Quer dizer,
é impossível dizer se o preço de amanhã vai subir ou descer em relação ao preço de hoje. Caso
fosse possível dizer que o preço de amanhã é, em média, o preço de hoje somado a uma fração
da variação de preços entre hoje e ontem, o preço de amanhã seria parcialmente previsível. Se
assim fosse, o mercado seria, então, ineficiente em sua função de propagar informações e lucros
extraordinários seriam possíveis.
Entretanto, mesmo sendo impossível prever o preço dos ativos, sabemos de antemão que
ativos com mais riscos (ações, por exemplo) devem ter maiores retornos que aqueles de menor
risco (como a poupança). Com base nessa ideia, o norte-americano William Sharpe (Nobel de
1990) desenvolveu o CAPM (sigla, em inglês, para modelo de precificação de ativos financeiros),
amplamente usado nos mercados financeiros.
Por isso, mais tarde, Fama redefiniu esse conceito de mercados eficientes. Ele, em coautoria
com o norte-americano Kenneth French, mostrou que os retornos dos ativos financeiros estão
sujeitos a três fatores de risco: i) o risco da carteira de mercado, ou seja, o desempenho médio das
cotações das ações; ii) o risco do tamanho da empresa, pois as menores sofrem riscos maiores;
iii) o risco da discrepância entre o valor contábil (valor dos recursos no balanço da empresa) e
o valor de mercado (cotação de sua ações na bolsa). Nesse caso, empresas com valor contábil
relativamente maior que o de mercado tendem a ter retornos maiores. Nessas condições, para
Fama, o mercado seria eficiente se os preços esperados dos ativos não fossem consistentemente
maiores (ou menores) que aqueles indicados pelos fatores de risco. Do contrário, diz-se haver
alguma anomalia nos preços [2].
Essa literatura sobre fatores de risco, inaugurada por Fama e French, evoluiu muito, havendo hoje
um infinidade de fatores de risco, a ponto de se dizer que se trata de um zoológico de fatores
de risco, cuja significância estatística de seus coeficientes passam por sérios questionamentos
[3]. Pelos seus trabalhos seminais, Fama talvez seja o premiado de 2013 com mais citações de
sua obra.
E
Robert J. Shiller é nascido em 1946, fez doutorado no MIT em 1972 e tem sido professor
em Yale desde 1982.
Posteriormente, sua fama foi consolidada ao prever o estouro na bolha do mercado acionário
em 1987, reforçando a hipótese de que os agentes não são exatamente racionais como
pressupunha a hipótese de mercados eficientes. Nesse sentido, Shiller foi o pioneiro a criar
índices de sentimentos dos agentes, o que sustentava sua ideia sobre o comportamento dos
agentes desviando-se do que os modelos de expectativas racionais presumiam. Em particular,
criou um índice de vendas de imóveis para o mercado norte-americano que tem sido usado até
hoje como indicador de tendência.
L
ars Hansen nasceu em 1952 e concluiu seu doutorado na Universidade de Minnesota em
1978. Tornou-se professor em Chicago no início da década de 80, onde está até hoje. Talvez
seja o ganhador de 2013 mais emblemático, vez que sua obra é muito diferente dos outros
ganhadores, por ser extremamente mais técnica e aplicar-se a outros campos da economia.
Hansen desenvolveu uma forma revolucionária de testar modelos em diversas áreas da economia
– sobretudo, obviamente, no campo da economia financeira. Trata-se do método generalizado dos
momentos – mais conhecido pela sigla GMM Acredito que os dois últimos artigos tenham sido
–, que mudou a forma até então de se fazer a razão de sua premiação em 2013, pois foram
econometria (estatística e matemática aplicadas importantes para determinar os fundamentos de
à teoria econômica), ao tornar os demais apreçamento dos ativos, razão pela qual Hansen
métodos existentes seus casos particulares. acabou sendo incluído na premiação com os
Com base nesse método, define-se uma outros pesquisadores.
conexão direta (e intuitiva) entre as predições
dos modelos econômicos e a forma de testá-las O GMM se aplica também a modelos econômicos
empiricamente [5]. em cenários nos quais a informação é limitada.
Nem sempre o econometrista tem as mesmas
Por exemplo, uma predição usual de modelos informações que o agente econômico que toma
financeiros diz que o retorno futuro de um ativo decisões. Surge daí o problema de adaptar os
financeiro qualquer trazido para o valor presente métodos empíricos para levar em consideração
pelo fator estocástisco de desconto da economia a diferença entre o conjunto de informação do
é um, em média. O GMM permite testar essa agente que toma decisão e do econometrista
hipótese facilmente. A formalização teórica que avalia o processo decisório. A teoria
do fator estocástico de desconto foi feita com de expectativas racionais somada ao GMM
Richard, em que os autores explicam o papel soluciona o problema – antes, isso era ignorado
da informação para para deduzir implicações frequentemente, mas as implicações práticas
testáveis em apreçamento de ativos [6]. mostraram-se importantes.
3. Conclusão
É
Dinâmica.
É curioso que Hansen tenha dividido o prêmio Nobel com alguém e que tenha sido premiado
por suas contribuições em Economia Financeira.
A contribuição de Hansen não se restringe a Economia Financeira, mas inclui Econometria
com um novo método de estimação amplamente utilizado em outras área e Macroeconomia
Notas:
Referências
[1] FAMA, Eugene F. Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work. Journal of
Finance, n.o 2, vol. 25, p.p. 383-417, 1970.
[2] FAMA, Eugene F.; FRENCH, Kenneth R. Common Risk Factors in the Returns on Stocks and
Bonds. Journal of Financial Economics. Vol. 33, n.o 1, p.p. 3–56, 1993.
[3] HARVEY, Campbell R.; LIU, Yan; ZHU, Heqing. … and the Cross-Section of Expected Returns.
Review of Financial Studies, vol. 29, n.o 1, p.p. 5-68, 2016.
[4] SHILLER, Robert J. Do Stock Prices Move Too Much to Be Justified by Subsequent Changes in
Dividends?”. American Economic Review, vol. 71, n.o 3, p.p. 421–436, 1981.
[5] HANSEN, Lars P. Large Sample Properties of Generalized Methods of Moments Estimators.
Econometrica, vol. 50, page 1029-1054, 1982.
[6] HANSEN, Lars; RICHARD, Scott F. The Role of Conditioning Information in Deducing Testable
Restrictions Implied by Dynamic Asset Pricing Models. Econometrica, vol. 55, n.o 3, p.p. 587-613,
1987.
[7] HANSEN, Lars P.; JAGANNATHAN, Ravi. Implications of Security Market Data for Models of
Dynamic Economies. Journal of Political Economy, vol. 99, n.o 2, p.p. 225–262, 1991.
[8] HANSEN, Lars P.; SARGENT, Thomas J. Robustness. Princeton: Princeton University Press,
2007.
NOBEL DE ECONOMIA
2014
Jean Tirole
por Caio Augusto
Coincidências do destino e
como cheguei a conhecer a
produção do autor
E
O ano era 2013, finalizava a participação como estagiário
de um projeto de pesquisa entre a faculdade em que
fazia graduação (a FEA-RP/USP) e o BNDES, em um
projeto que buscava levantar a historiografia econômica
e setorial do Banco, que havia completado 60 anos de
existência no ano anterior. Nesta mesma época, estava em vigor
a famigerada política da Campeãs Nacionais – que, sabemos
hoje, não teve efeitos consideráveis de adição sobre a taxa de
investimento do país.
Diante desse cenário de dinheiro em alto montante gerando concentração de mercado, surgiu o
interesse em estudar mais sobre um setor em específico, o de telecomunicações. Deste, nasceu uma
Iniciação Científica que, mais adiante, virou um TCC – trabalhos esses realizados sobre a orientação
do notável Julio Manuel Pires. E foi justamente na virada entre um trabalho para o outro (pouco após
o meio do ano de 2014) que uma feliz coincidência ocorreu: o francês Jean Tirole, com trabalhos
relevantes justamente no campo da regulação em setores com poucas empresas, acaba sendo
laureado com o Nobel de Economia naquele ano.
Este que vos escreve agora não é o assunto principal deste artigo, mas fica aqui o breve histórico
do porquê, como um dos coordenadores da Coleção Economistas: Nobel, fiz sem pensar nem dois
minutos a escolha por este autor para escrever sobre. Cabe também dizer que foi nessa mesma
época relatada acima que fiquei mais próximo de outro organizador deste projeto, o grande Claudio
Ribeiro de Lucinda.
Dada a introdução, vamos ao que você realmente veio ler neste artigo.
A vida de Tirole
F
ilho de um médico e de uma professora de letras, o francês Jean Tirole cursou a École
Polytechnique – destacável escola de engenharia na Europa – por uma inclinação desde
muito jovem ao campo da abstração matemática. Aos 21 descobre a economia e se fascina
pela intersecção presente entre as ciências humanas e sociais e a matemática. O poder de
compreensão do mundo com esse par de óculos acabou fisgando-o.
Em 1978 cursou doutorado no celebrado Massachusetts Institute of Technology. O time que lecionava
lá contava com estrelas laureadas com o Nobel já naquele momento, como Paul Samuelson (vencedor
em 1970) e também com outros nomes que seriam premiados mais adiante, como Franco Modigliani
(em 1985) e Robert Solow (em 1987).
Em uma extensa entrevista disponível no site dos laureados pelo Nobel Tirole conta mais detalhes de
sua trajetória. É notável elencar que ele direciona ser a pesquisa sua grande paixão e motivação, que
acha o ambiente acadêmico revigorante e, além disso, que um de seus mais notáveis trabalhos, em
parceria com Jean-Jacques Laffont (que será apresentado mais adiante), nasceu justamente durante
um ano sabático, 1991 (sendo publicado dois anos depois).
O campo de contribuição do
autor e os livros de destaque
E
m âmbito geral, a contribuição do autor concentra-se sobre a regulação de mercados em que,
por condições específicas, verifica-se a presença de poucos agentes econômicos. Levando
em conta que uma ausência total de regulação desencadearia em um um apropriar do
excedente dos consumidores, seria preciso colocar em teste meios de evitar que a presença
de poucos agentes fosse motivo para que isso viesse a ocorrer. Ou, de maneira mais direta:
a contribuição de Tirole que o trouxe até essa se expandir por exemplo para a ciência política.
lista foi a de tratar da regulação de setores com
poucas e poderosas empresas. Chegando ao ano de 1993 vem o trabalho que
acabou definindo sua carreira como sendo
Dentre suas obras de destaque, está o livro realmente inovadora – e o que inclusive o fez, 21
Dynamic Models of Oligopoly, de 1986, escrito anos depois, entrar para essa lista -: A Theory
com Drew Fudenberg, tratando justamente de of Incentives In Procurement and Regulation.
como seria possível definir alguns dos modelos Escrito junto a seu parceiro Jean-Jacques
de oligopólio, como identificar adequadamente Laffont, apresenta todo um arcabouço teórico
os monopólios naturais – que são as situações em relacionado a regulação que, tem como um de
que não é possível simplesmente “multiplicar” as seus maiores méritos, a capacidade de traduzir
redes disponíveis (porque os custos fixos para os para alunos de graduação um ferramental
novos entrantes são imensos, ainda que os custos técnico sólido a respeito da regulação de
variáveis sejam baixos, como na instalação de monopólios naturais tais quais o transporte
redes de telecomunicações) – e como verificar a público, as companhias de saneamento e as
existência de colusão tácita entre os agentes do contratações militares. Em uma estrutura que se
mercado. mantém do primeiro ao último capítulo, tem-se
uma construção lógica e bem encadeada sobre
Em 1988 temos outra contribuição notável: Tirole a importância dessa regulação e, ao final, indica
escreveu The Theory of Industrial Organization, caminhos futuros a serem trilhados neste campo.
trabalho que praticamente colocou de pé essa
área dentro da economia. Nesta obra, dividida Para além de contribuições mais amplas como
em duas partes, ele inicia apresentando uma as apresentadas até então, Tirole também fez
moderna teoria dos monopólios, com detalhes inserções detalhadas sobre setores específicos,
inclusive sobre firmas mono e multiprodutos como nas obras The Prudential Regulation
e estratégias de precificação utilizadas em of Banks, publicada em 1994 com Mathias
termos de discriminação. Já na segunda parte Dewatripont, a respeito da regulação sobre
ele discorre sobre a interação estratégica entre empresas do campo da intermediação financeira
empresas de um mesmo setor e como isso pode a fim de dirimir a assimetria informacional entre
levar a um oligopólio tácito (tal qual apresentou quem detém os títulos e quem os compra e
na obra do parágrafo anterior, mas com um Competition in Telecommunications, também
aprofundamento maior). Interessante apontar com o parceiro Jean-Jacques Laffont, mas
que a obra, mesmo sendo de 1988, segue sendo em 1999, que trata de apresentar de maneira
o livro texto de referência em Organização didática (servindo como guia para formuladores
Industrial em nível de Pós Graduação. de políticas públicas e consultores, por exemplo)
como o encarar do setor de telecomunicações
No ano de 1991, em nova parceria com Fudenberg, como monopólio natural poderia induzir a erros
escreve Game Theory, que é praticamente um nos incentivos colocados neste mercado.
manual para quem gostaria de se aprofundar
na Teoria dos Jogos. Aqui, diferentemente das As contribuições diversas de Jean Tirole então
duas outras obras, o foco são as situações em vão desde aspectos setoriais diretos como
que não há cooperação entre as empresas telecomunicações e bancos até mesmo a teoria
participantes do mercado, ou seja, nas ações dos jogos, organização industrial, finanças
tomadas pelas diferentes firmas quando há corporativas, a verificação de bolhas de mercado,
mais interesse próprio em prosperar do que em economia comportamental e também a busca
haver qualquer tipo de conluio com quem está por ativos de mais liquidez (esse último tópico
no mercado para poder absorver os excedentes rendeu a publicação de um livro, em 2011, escrito
dos consumidores. Convém dizer que, tal qual com Bengt Holmström, chamado Inside and
apresentado nesta obra, estes conhecimentos Outside Liquidity).
não se resumem ao campo da economia, podem
Mais recentemente, em 2017, o autor também teve como publicação um livro que traz para o universo
de muitas questões que têm ganhado relevância cada vez maior nos últimos anos do dia a dia
(tais quais a inovação, o pós crise de 2008, o desemprego e o aquecimento global) uma visão de
como a economia poderia ser útil para que, em termos mais amplos, pudéssemos alcançar um bem-
comum social. Essa que pode ser considerada uma nova agenda para a economia e sua relação com
a sociedade está apresentada em Economics for the Common Good.
O didatismo com o qual o autor apresenta os conhecimentos acaba tornando-o ainda mais próximo
também de quem se interessa pela economia em níveis acadêmicos mais iniciais, como a graduação.
O quase “traduzir do economês” que suas obras apresentam mostram que o ferramental técnico
sólido importa muito, mas não precisa servir de símbolo a torres de marfim ou aos deuses do Olimpo
econômico.
Em uma última mas breve inserção pessoal, este que aqui escreve gostaria de dedicar o presente
artigo a Maurício Jorge Pinto de Souza, por ter sido este o coordenador direto no projeto de estágio
FEA-RP/USP-BNDES que, dentre tantas outras coincidências neste vasto mundo, culminou por
estimular o interesse em escrever e pesquisar sobre economia e, desta maneira, permitiu com que
muito viesse a seguir – inclusive este artigo. Sua passagem jamais será esquecida!
Caio Augusto
Economista formado em Economia Empresarial e Controladoria (com ênfase em Políticas Públicas)
pela FEA-RP/USP em 2015, MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Head de Conteúdo do Terraço
Econômico.
NOBEL DE ECONOMIA
2015
Angus Deaton
por Claudio Lucinda
A
ngus Deaton ganhou o Prêmio Nobel de Economia
do ano de 2015 pelos seus estudos sobre consumo,
pobreza e bem-estar. Ainda que estes temas sejam
relevantes o suficiente para merecer este (e outros)
Prêmios Nobel em Economia, é também um prêmio
para um modo específico de usar dados para responder
perguntas econômicas. Como a evolução da área onde as
contribuições de Deaton está ligada às suas contribuições,
iremos começar com a trajetória pessoal do premiado.
“
For many years, I regretted my lack of formal training, envying my peers who had taken
tough courses, and who understood things that I did not know existed, but feel now that
those regrets were misplaced. When I learn something that I want to learn, and do it my
own way, I often make mistakes and it is usually slow, but when it is done, it tends to stick
(like taking square roots), and there is always the chance that I find something that is not
so well known after all.”
A chave em sua formação como pesquisador foi Review (An Almost Ideal Demand System) [1][2].
ter sido orientado por Richard Stone, o Prêmio Este modelo incorpora as seguintes contribuições
Nobel de Economia de 1984. Em 1975, Deaton seminais. Em primeiro lugar, ele pode ser linear
consegue seu primeiro posto acadêmico formal, nos parâmetros, coisa importante dados os
com a Cátedra em Econometria na Universidade limitados recursos computacionais dos anos 80.
de Bristol, onde ficou até 1983. A partir deste ano Em segundo lugar, os parâmetros estimados
ele cruzou o Atlântico, se tornando professor em podem ser correspondentes às preferências
Princeton, sua principal afiliação acadêmica até (racionais) de um indivíduo representativo e,
os dias de hoje. finalmente, permite uma estimação flexível dos
efeitos marginais de preço e renda.
Se tivesse que escolher um aspecto que resume
a trajetória de Angus Deaton, seria o estudo Tais aspectos são relevantes porque permitem
do consumo. Uma vez que o consumo é um caracterizar efeitos contrafactuais de política,
determinante central do bem-estar das famílias indo além de avaliar se uma política específica
e dos indivíduos, entender o consumo das funciona ou não para responder perguntas sobre
pessoas vai fornecer insights sobre o bem estar como seriam os resultados se a política fosse
das famílias e dos indivíduos. Além do mais, diferente.
a evolução do consumo agregado também
é importante para a Macroeconomia. Sua A segunda contribuição central de Deaton
dinâmica é responsável por parte importante da é mais aplicada, envolvendo a avaliação do
variação da atividade econômica e, por meio das consumo, pobreza e bem-estar em países
identidades da Contabilidade Social, influencia o em desenvolvimento. Uma das formas de
volume de Poupança e Investimento agregados. atuação dele foi junto ao Banco Mundial para a
Três contribuições se destacam. coleta e padronização de bancos de dados de
consumo e padrão de vida individual – projeto
A primeira delas é de caráter metodológico. Desde LSMS. Academicamente, suas contribuições
os anos 50, os economistas buscavam entender acadêmicas Deaton e Muellbauer (1986) sobre
o comportamento e a evolução do consumo com escalas de equivalência – formas mais precisas
sistemas de equações. Tais sistemas precisavam de se medir como a composição do domicílio
ser parametrizados a partir de modelos afeta o consumo e a pobreza. Em segundo lugar,
microeconômicos – similares aos usualmente Deaton (1988) mostra uma forma pela qual se
encontrados em manuais de Microeconomia pode levar em conta as diferenças de qualidade
em nível de graduação. As estimativas destes e preços enfrentados pelos domicílios na forma
parâmetros deveriam, então, atender restrições de se medir a pobreza.
que são derivadas destes mesmos modelos. O
problema é que tais restrições nem sempre são A terceira grande contribuição de Deaton
apoiadas pelos dados. envolve a interface entre Microeconomia e
Macroeconomia, começando no final dos anos
Em dois artigos nos anos 70, Deaton mostra que 80. Em 1989, Deaton e Campbell mostram um
a rejeição destas restrições pode ser devida à má- fato que acabou sendo conhecido como “o
especificação do modelo (ou seja, são impostas Paradoxo de Deaton”: as propriedades das séries
restrições que não são refletidas pelos dados), de tempo de renda eram tais que o componente
ou que não se compreende direito o mecanismo permanente da renda era mais volátil que a renda
que relaciona os parâmetros estimados ao total. Ora, se o Consumo Agregado dependia
comportamento das pessoas cujo consumo do componente permanente da renda, isso
se reflete nos dados (o chamado problema da implicaria que ele seria mais volátil que a renda –
agregação). algo contradito pelos dados.
A seguir, em 1980, Deaton publica um dos seus Deaton aponta três possibilidades de
artigos mais citados na American Economic resolução deste paradoxo. A primeira delas, os
consumidores não são tão racionais quanto a teoria assume, e a segunda é que o paradoxo é um
resultado de problemas de agregação – a série de consumo agregado não é adequada para este
teste de racionalidade. Finalmente, a terceira é que os consumidores podem enfrentar restrições (de
crédito, por exemplo) que não estão presentes nos modelos mais simples.
Deaton (1991) mostrou que o comportamento de consumo individual, quando modelado por um
processo com componentes agregados e idiossincráticos, combinado com restrições de crédito,
consegue aproximar os padrões observados nas séries existentes de consumo.
Além desses temas, Angus Deaton possui várias contribuições que ficam em segundo plano. Mas elas
têm alguns aspectos em comum e que ilustram a forma pela qual o premiado trabalha. O primeiro
deles é sempre ter teoria e os dados trabalhando juntos. E por isso ele é crítico constante da ideia
que se pode “deixar os dados falarem por si sós”. Um exemplo está nesse debate com Abhjit Banerjee
(Prêmio Nobel de 2019), com participação especial do jogo “Angry Birds”:
Concluindo, o que a história desse prêmio nos mostra é que teoria e dados precisam andar de mãos
dadas se queremos chegar em conhecimento acionável em termos de política pública.
Claudio Lucinda
Professor Titular na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP). É
Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV, tem Pós-Doutorado pelas Universidade de
Chicago e pela University of Southern California, e Livre-Docente em Economia pela FEA-RP/USP.
Foi Professor na EAESP-FGV, EESP-FGV e Ibmec-SP, e possui ampla experiência acadêmica, com
vários artigos publicados na área de antitruste e regulação, além de atuar como consultor na área.
Suas especialidades são Organização Industrial, Economia Urbana e Economia do Transporte, com
foco em Métodos Quantitativos Aplicados. Sua pesquisa ganhou o Prêmio Haralambos Simeonidis
por melhor pesquisa acadêmica publicada em Economia no ano de 2013.
Notas:
[1] Na opinião do presente autor, uma das mais infelizes siglas que alguém poderia imaginar no
começo dos anos 80 (AIDS).
[2] Uma pesquisa da American Economic Review coloca este artigo entre os 100 mais citados do
século XX.
Bibliografia
https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/deaton/files/nobel_autobiography_final_2_3_16.
pdf
Deaton, A. (1988), “Quality, Quantity and Spatial Variation in Price”, American Economic Review
78(3), 418-430.
Deaton, A. e J. Muellbauer (1980), “An Almost Ideal Demand System”, American Economic Review
70(3), 312-326.
Deaton, A. e J. Muellbauer (1986), “On Measuring Child Costs: With Applications to Poor Countries”,
Journal of Political Economy 94(4), 720-744.
NOBEL DE ECONOMIA
2016
Bengt Holmström e Oliver Hart
por Victor Candido
Victor Candido
Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista
do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora
de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.
293 Nobel - 2016
E-BOOK NOBEL
NOBEL DE ECONOMIA
2017
Richard Thaler
por Pedro Ruas
Autocontrole
N em sempre seguimos o que é melhor para nós, muitas vezes sabemos qual decisão nos
traria maior retorno e mesmo assim seguimos na direção errada como quando decidimos
procrastinar ou consumir algo que só trará prazer no curto prazo. Outras vezes planejamos
para que isso não aconteça e criamos formas de evitar esse desvio. Para evitar uma escolha
irracional podemos limitar as escolhas possíveis para não cair em tentação. Por exemplo, limitar
nossas escolhas para evitar consumir algo ou para não assumir o custo psíquico de ter que decidir e
incorrer no risco de se arrepender. Esses comportamentos estão ligados ao nosso autocontrole, uma
das lacunas da teoria da escolha que Richard Thaler contribuiu para responder.
Na Teoria dos Sentimentos Morais (1759), Adam Smith caracteriza os problemas de autocontrole
como uma luta entre nossas “paixões” e nosso “expectador imparcial”. Seguindo os mesmos passos
Richard Thaler em parceria com Hersh Shefrin modelaram o autocontrole dos indivíduos como
organizações com dois componentes: um “Planejador” de visão longa e um “Executor” focado nas
paixões de curto-prazo.
O planejador tem duas ferramentas para manter o executor na linha. Ele pode empregar estratégias
de compromisso estabelecendo certas regras antecipadamente ou criar culpa. Essa abordagem se
baseia no modelo de agente principal onde há um conflito de interesse entre o chefe (principal) e os
agentes (trabalhadores). Dessa forma, os problemas envolvendo autocontrole são mais importantes
para as atividades que envolvem uma dimensão de tempo.
“o ato de escolher ou mesmo apenas o conhecimento de que existe escolha induz custos, e esses
custos podem ser reduzidos ou eliminados restringindo-se a escolha previamente definida.” (Thaler,
1980)
“consideramos um motivo para reduzir a escolha, que é um tipo especial de custo de tomada de
decisão. Aqui, o ato de escolher ou mesmo apenas o conhecimento de que existe escolha induz
custos, e esses custos podem ser reduzidos ou eliminados restringindo-se a escolha previamente
definida. Esses custos se enquadram na categoria geral de arrependimento” (Thaler, 1980)
Os exemplos desses casos são infinitos. Uma pessoa pode escolher não comprar certos alimentos
para ter em casa evitando assim perder o controle de uma dieta e incorrer em um custo de culpa
e arrependimento. O mesmo vale para alguém viciado em álcool que quer evitar seu consumo. A
dificuldade em guardar dinheiro e planejar aposentadoria também se encaixa nesse problema.
Há também casos que ilustram como as pessoas evitam o custo de ter que escolher, tal como a
preferência por um Resort com tudo pago previamente, dado que dessa forma não há o custo psíquico
de ter que decidir o quanto gastar em cada coisa. A característica dos serviços de streaming em
cobrar um preço fechado independente do quanto se consome também funciona de maneira similar.
Na área de seguros de saúde onde se paga previamente pelos custos médicos mesmo que estes não
sejam usados, também se evita o custo psíquico de ter que decidir pelo uso de um procedimento
médico, por exemplo um exame para uma doença rara. Mesmo com baixa probabilidade de ter a
doença, não usar pode gerar um custo de arrependimento caso efetivamente esteja doente, usar
e saber que não era nada pode gerar arrependimento por ter pagado o custo do exame. Pagando
previamente esse custo deixa de existir.
Contabilidade Mental
A contabilidade mental é uma das estratégias usadas pelas pessoas e mesmo firmas que
também foge do que seria esperado dentro de um comportamento racional na perspectiva
neoclássica, o que leva a prejuízos. Nela uma mesma quantidade de dinheiro é avaliada de
forma diferente com base em critérios subjetivos.
As famílias podem dividir seu dinheiro com base em critérios como despesas para comida, lazer,
aposentadoria etc. Em tese o comportamento racional faria com que esse dinheiro fosse transacionado
entre essas áreas com base no que traz melhor retorno, mas não é o que acontece. Um exemplo claro
se dá quando ao mesmo tempo um indivíduo tem uma dívida com juro alto no cartão de crédito e
um dinheiro guardado para aposentadoria rendendo a um juro baixo. A racionalidade esperada é que
esse recurso fosse gasto para sanar a dívida dado o juro mais alto, porém o fato de o recurso estar
contabilizado para aposentadoria cria um viés no qual o indivíduo tem mais dificuldade de usar ele
pois sobrevaloriza o fato de ter destinado aquele montante para aposentadoria.
“Se alguém colocar rótulos em categorias de orçamento específicas e adicionar regras de que o
dinheiro de uma conta não pode ser usado para algo que pertence a outra categoria, a suposição de
fungibilidade é destruída. Este não é um assunto menor. Teorias tão básicas para a teoria econômica
quanto a hipótese do ciclo de vida de Modigliani começa com a premissa de que as pessoas estão
reduzindo o consumo de um estoque vitalício de riqueza, ponto final. Nesse modelo, a riqueza não
tem categorias. Mas pessoas e organizações criam categorias.” (Thaler, 2018)
ganho. Como o agente tem o viés de valorizar mais as perdas que os ganhos, ele tende a cobrar um
valor maior para vender o objeto que o pertence do que ele mesmo estaria disposto a gastar para
comprar o objeto. Vários estudos demonstraram a existências desse viés como o publicado por
Kahneman, Knetsch e Thaler em 1991.
Justiça
A
s pesquisas sobre justiça marcam algumas das contribuições que Thaler deu em trabalhos
junto a Kahneman em 1984-85 quando o visitou na Universidade de Columbia. O objetivo
não era responder o que era justiça, mas sim criar um modelo descritivo de justiça baseado
no que os cidadãos consideram como justo. Ao entender como as pessoas viam as ações
das empresas, ficava mais claro que tipo de ações elas viam como perdas.
Um exemplo dessas ações está na imposição de uma taxa para uso do cartão de crédito. “Impor
uma sobre taxa para o uso é considerado mais injusto do que oferecer descontos para quem paga
no dinheiro” Thaler 2017. A princípio poderia parecer que as duas tem o mesmo custo, mas a forma
como é feita altera a percepção dos clientes e isso pode ter impacto nas decisões das empresas.
Em outro exemplo da pesquisa, Thaler menciona sobre o fato de as pessoas entenderem como injusto
um aumento de preço em certos produtos em momentos de desastres ambientais, como o aumento
de preço em pás de neve durante uma nevasca. Apesar de parecer intuitivo, economicamente faz
sentido que as empresas aumentem os preços quando a demanda aumenta e geralmente não se
leva em conta que estas vão internalizar o que os consumidores enxergam como justo. No entanto,
Thaler destaca alguns exemplos onde a percepção de justiça afeta a decisão das empresas. Grandes
varejistas como Walmart e Home Depot, após desastres naturais como no caso de furacões, “oferecem
suprimentos emergenciais como água e madeira compensada a preços promocionais (ou grátis) na
região afetada. Eles estão jogando de forma inteligente um jogo longo; manter uma reputação de
negociação justa após a crise garantirá que eles recebam uma boa parte dos negócios que virão
quando o processo de reconstrução começar” (Thaler, 2017).
Em outro caso a empresa Uber foi processada pelo procurador do estado de Nova York por aumentar
os preços excessivamente durante uma tempestade de neve. A empresa entrou em acordo para
limitar o aumento de preços em momentos de emergência. Dado os problemas regulatórios que a
empresa enfrentava para entrar no mercado, a decisão inicial de aumentar os preços ignorando a
percepção de justiça não foi uma decisão ótima, mesmo que do ponto de vista econômico tradicional
parecesse ser a decisão racional.
Outro experimento feito junto a Kahneman e Knetsch que ficou bastante conhecido foi o “jogo
do ditador”. O jogo consiste em dois jogadores um proponente que recebe uma quantia, nesse
experimento $10, que pode ser dividida da forma como quiser pelo proponente com um outro jogador
desconhecido. O proponente decide o quanto dar, porém só pode ficar com a quantia restante se
o outro jogador aceitar a oferta. Se não for aceita os dois jogadores ficam sem nada. Considerando
indivíduos maximizando como prevê a ideia do homo economicus, o esperado é que o proponente
de a menor quantia possível e o outro jogador aceite, esse seria resultado do jogo. No entanto, o que
eles observaram é que propostas abaixo de $2 não eram aceitas, a princípio esse resultado não faria
sentido dado que o jogador sairia ganhando mais se aceitasse a proposta. O que fica claro é que a
percepção do que é justo pelas pessoas interfere na negociação.
A ideia de justiça interfere na forma como nos relacionamos e como algumas pesquisas indicam é
uma variável a ser levado em conta quando queremos prever os resultados das interações entre as
pessoas como em negociações e na forma como as empresas interagem com o público.
mais seria mais aceito marcando seu início geralmente se considera que ela não é doadora.
para um momento futuro que imediatamente. A opção padrão pode ser alterada considerando
que quem deixou de se registrar na verdade é um
• Pelo viés de aversão a perda há uma doador e caso a pessoa discorde basta alterar o
resistência a economizar mais dado que registro.
percebem uma redução no seu salário como Essa estratégia de “default subscrition” ou
uma perda. Assim foi ajustado para que a “assinatura por omissão” ou “assinatura padrão”
taxa de poupança aumentasse quando o é comum em serviços de streaming que
salário aumentasse, dessa forma o individuo geralmente oferecem um período gratuito e caso
não sentiria a mudança. não cancele a assinatura, o consumidor passa a
pagar por ela automaticamente. Os países que
• Há uma inércia no comportamento dos consideram doadores todos os que não deixaram
poupadores. Assim que entram em um plano explícitos que não são tiveram uma quantidade
tendem a não os alterar. Então assim que de doadores potencial acima de 80%, já os que a
o trabalhador aderisse a um programa ele opção default é de que sem registro considera-
permaneceria em vigor até que optasse por se não doador, o número de doadores efetivos
sair ou atingisse sua meta. fica em média abaixo de 20%. (Johson, 2003)
Pedro Ruas
Economista formado pela Universidade Federal Fluminense.
Notas:
Referências:
Johnson, Eric J. and Goldstein, Daniel G. (2003). Do Defaults Save Lives? Science, Vol. 302, pp.
1338-1339.
Illiashenko, Pavlo. (2017). Book Review. Misbehaving: The Making of Behavioral Economics by
Richard H. Thaler.
Thaler, Richard H. (2018). From Cashews to Nudges: The Evolution of Behavioral Economics,
American Economic Review, 108 (6): 1265-87.
Thaler, Richard H. (1980). Toward a positive theory of consumer choice, Journal of Economic
Behavior & Organization, Volume 1, Issue 1, 1980, Pages 39-60, ISSN 0167-2681.
Kahneman, Daniel, Jack L. Knetsch, and Richard H. Thaler. (1991). “Anomalies: The Endowment
Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias.” Journal of Economic Perspectives, 5 (1): 193-206.
De Bondt, Werner F. M. and Makhija, Anil K. (1988). Throwing good money after bad?: Nuclear
power plant investment decisions and the relevance of sunk costs, Journal of Economic Behavior
& Organization, 10, issue 2, p. 173-199.
Hal R Arkes, Catherine Blumer. (1985). The psychology of sunk cost, Organizational Behavior and
Human Decision Processes, Volume 35, Issue 1, 1985, Pages 124-140, ISSN 0749-5978.
https://www.investopedia.com/terms/m/mentalaccounting.asp
NOBEL DE ECONOMIA
2018
William Nordhaus & Paul M. Romer
por Lucas Warwar
“
We understand the science, we understand
the effects of climate change. But we don’t
understand how to bring countries together.”
William Nordhaus
N
No dia 8 de outubro de 2018, em Incheon na
Coreia do Sul, a ONU divulgou um relatório
emblemático sobre mudança climática: de
acordo com o IPCC (Intergovernamental
Panel on Climate Change), grupo de cientistas,
especialistas e políticos que assessora a ONU no tema,
as previsões anteriores sobre o impacto do aquecimento
global estavam subestimadas. O novo documento anunciava um cenário muito mais catastrófico do
que o imaginado anteriormente para a economia mundial nas próximas décadas, com o aumento
da temperatura no planeta provocando escassez de alimentos, desastres ambientais e aumento da
pobreza. A única solução seria a “transformação da economia mundial em uma velocidade e escala
sem precedentes na história”.
No mesmo dia, apenas algumas horas mais tarde em Estocolmo na Suécia, a Royal Swedish Academy
fazia outro anúncio importante: o prêmio Nobel em Economia daquele ano seria dividido entre Paul
Romer e William Nordhaus. Este último, por “integrar a mudança climática na análise macroeconômica
de longo prazo”. A coincidência com o evento da ONU não passou despercebida. Muitos viram a
decisão do comitê do Nobel como uma posição política, em resposta ao crescente negacionismo
climático ao redor do mundo, sobretudo nos Estados Unidos – onde o presidente Donald Trump
tem reduzido restrições à poluição, além de ter retirado o país do Acordo de Paris. Em oposição,
Nordhaus era laureado com o Nobel por mostrar que “o remédio mais eficiente para os grandes
problemas causados pela mudança climática é a cooperação entre países”.
303 Nobel - 2018
E-BOOK NOBEL
é imensamente limitante para uma análise mais ao receber o Nobel, Nordhaus não deu muito
robusta. A fim de entender o porquê, basta espaço para otimismo:
pensar no caso brasileiro: com esse método, as
coordenadas geográficas referentes a um pólo “The policies are lagging very, very far — miles,
industrial em São Paulo, uma plantação de Soja miles, miles behind the science and what needs
em Mato Grosso ou uma reserva indígena na to be done (…) We understand the science, we
Amazônia eram computados com os mesmos understand the effects of climate change. But
valores para variáveis como PIB, população, we don’t understand how to bring countries
temperatura média, entre outros. together.”
De fato, Nordhaus forneceu poucas respostas ao longo da sua carreira acadêmica mas, como um
bom economista, soube fazer as perguntas certas. Há quase 50 anos Nordhaus se preocupa com
as interações entre o clima e a economia, e tem como legado ferramentas e informações essenciais
para que o mundo saiba, e se prepare, para as inevitáveis mudanças climáticas. Se até agora fizemos
pouco para remediar isso, ainda há tempo para ouvir os avisos e honrar o trabalho de Nordhaus e
tantos outros cientistas, que dedicaram a vida a prover ferramentas para o combate à mudança
climática.
Lucas Warwar
Mestre em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Bacharel em Economia
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Research Assistant pela Università Bocconi,
conta com passagens por IPEA e INTL FCStone. Foi bolsista Santander Universidades na Alemanha.
O artigo optou por focar na figura de um dos laureados e em apresentar os motivos do prêmio concedido
do que nas biografias de todos os vencedores
NOBEL DE ECONOMIA
2019
Banerjee, Duflo e Kremer
por Juliana Santos Oliveira
“
Economia é uma ciência social,
então empobrecemos muito se
todos nós tivermos a mesma
aparência.”
Mas estamos em um século que se iniciou trazendo consideráveis mudanças. Assuntos como
diversidade, inclusão e representatividade estampam colunas de grandes jornais, painéis em grandes
eventos, agenda de reguladores e reuniões nas equipes de RH, gestão e comunicação das grandes
empresas.
E o que tudo isso tem a ver com o Nobel? Em 2019, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de
Alfred Nobel foi concedido a um trio de economistas: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer.
Dos 86 economistas já laureados, Esther Duflo foi a pessoa mais jovem e apenas a segunda mulher,
após Elionor Ostrom, a receber o maior prêmio de Economia do mundo. Concomitantemente, Abhijit
Banerjee se tornou o segundo homem indiano (após Amartya Sen) a ser laureado. Michael Kremer,
por sua vez, é um norte-americano descendente de imigrantes judeus – tornando esse trio um tanto
diverso.
O motivo da premiação também está alinhado com esse assunto. Os três professores foram premiados
por sua “abordagem experimental para aliviar a pobreza global”[2], construída através de estudos
empíricos realizados em países em desenvolvimento. A metodologia utilizada pelo trio é composta
pelos denominados “ensaios controlados randomizados”, que procuram aplicar métodos estatísticos
para a resolução de problemas sociais. Ao divergir das óticas tradicionais, Duflo, Banerjee e Kremer
contribuem para a redução das desigualdades, tanto pela diversificação dos métodos de pesquisa
econômica, quanto por seus esforços para promover a redução da pobreza em todo o mundo.
O
s ensaios controlados randomizados (randomized controlled trial, RCT) surgem na área da
saúde, ao final do século XIX, mas sua popularização e maior utilização se dá apenas após
a segunda metade do século XX, ainda no campo da medicina.
Mesmo sendo um método composto por critérios estatísticos rigorosos, que garantem o
poder estatístico, i.e., permitem que o resultado seja atribuído a um efeito específico e não ao simples
acaso, a intuição dos RCTs não é complexa.
A partir da população total, seleciona-se o público elegível ao tratamento, ou seja, aquele que poderá
receber determinado tipo de intervenção. Dentro deste grupo, de maneira aleatória, é realizado um
sorteio da amostra na qual o estudo será aplicado — lembre-se, existem custos envolvidos e nem
sempre toda população elegível poderá participar da pesquisa. Na sequência, dentro da amostra,
um novo sorteio é realizado, dividindo os indivíduos entre o “grupo de tratamento” e o “grupo de
controle” (que não recebe a intervenção). Com isso, o pesquisador é capaz de mensurar os resultados
dos dois grupos e produzir uma comparação.
Poor Economics
M
esmo sendo compostos por métodos estatísticos e objetivarem replicar experimentos
clínicos, algo não pode ser controlado nos RCTs voltados para ciências humanas: o
comportamento dos beneficiários das intervenções. Esse é o tema de Poor Economics,
livro de Banerjee e Duflo, que aborda como pessoas pobres se comportam.
Com objetivo de auxiliar na solução de problemas, e não necessariamente descobrir os porquês de eles
existirem, Duflo e Banerjee dão luz ao comportamento de pessoas pobres sob diferentes incentivos
— por que após um aumento de renda eleva-se o consumo de calorias e não de comida ingerida?
Por que mesmo sob vulnerabilidade econômica as famílias gastam com festas e televisões? O que
leva uma família optar por enviar seu filho para escola ou não? Ao prover determinada quantidade
de água para uma família, ela a utilizará para beber, cozinhar ou para o banho? Ou seja, para os
autores, apenas compreendendo o comportamento dos beneficiários boas políticas públicas podem
ser elaboradas.
Para isto, Poor Economics reúne estudos randomizados abordando distintos aspectos da vida
de pessoas em países em desenvolvimento: o comportamento de agricultores com acesso à
fertilizantes[7], os reais impactos dos microcréditos de Muhammad Yunus[8] e até mesmo políticas
de prevenção ao HIV[9]. Também passa por análises de programas de estímulo à vacinação e
transferência de renda. Por meio de um olhar acurado para os impactos dos variados programas,
Banerjee e Duflo identificam numerosos casos de programas com incentivos inadequados, nos quais
os formuladores das políticas e os beneficiários possuíam óticas distintas e expectativas divergentes
para os resultados dos programas. Se não havia expectativa dos pobres de que os projetos sociais
iriam funcionar e melhorarem suas vidas, por que se comportariam como os formuladores de políticas
esperavam quando desenharam tais projetos?
“Na medida em que saibamos como remediar a pobreza, não há razão para tolerar o desperdício
de vidas e de talentos que a pobreza arrasta consigo.”
(BANERJEE; DUFLO, 2021, p. 342)[10]
Quem são?
Michael Kremer
é norte-americano, filho de judeus imigrantes. Formou-se em Estudos Sociais em Harvard (1985), onde
também se tornou Doutor em Economia (1992). Atuou como professor visitante na Universidade de
Chicago em 1993 e professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre 1993 e 1999. Em
1999, Kremer retornou a Harvard, onde lecionou até 2020. Atualmente é professor no Departamento
de Economia da Universidade de Chicago.
Abhijit Banerjee
é indiano, naturalizado norte-americano. Filho de economistas, Banerjee se formou em Economia
na Universidade de Calcutá (1981), se tornou Mestre na Universidade de Jawaharlal (1983) e Doutor
em Harvard (1988). Atuou como professor em Princeton (1988-1992), professor visitante em Harvard
(1991) e desde 1993 é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Casou-se com Esther
Duflo em 2005.
Esther Duflo
é francesa, naturalizada norte-americana. Formou-se em História e em Economia na Ecole Normale
Supérieure (1992), tornou-se Mestre em Economia na Escola de Economia de Paris (1995) e Doutora
pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology (1999), onde é professora até hoje. Também foi
professora visitante em Princeton (2001) e na Escola de Economia de Paris (2007 e 2017).
Contribuições gerais
O
Os estudos randomizados são permeados de críticas e polêmicas. Em “Field Experiments
and the Practice of Economics”, Banerjee (2020)[11] responde questionamentos acerca
da metodologia – principalmente as críticas relacionadas a falta de generalização dos
estudos com RCT e o excesso de estatística na atuação econômica dele e dos demais
randomistas.
Contudo, sob uma ótica mais positiva, os estudos randomizados para redução da pobreza carregam
a perspectiva de criação de soluções para problemas reais no mundo real. As obras de Duflo,
Banerjee, Kremer e das centenas de economistas que trabalham com esta abordagem transportam
uma mensagem simples: a mudança do mundo não é sobre soluções mágicas e teorias mirabolantes.
Não existe uma fórmula que irá resolver todos os problemas. Fazendo aplicações em microespaços
e avaliando os impactos das intervenções chegamos mais perto para mudanças significativas da
redução da pobreza.
“Esse prêmio não é um prêmio apenas para nós e para o nosso trabalho, é um prêmio para todo
um movimento de pessoas que têm feito coisas incríveis”
(BANERJEE, 2019)[12]
Notas:
[1]DUFLO, Esther. Apresentação em painel no evento “Expert XP 2020”.
[2]NOBEL PRIZE. The Prize in Economic Sciences 2019. Disponível em: <https://www.nobelprize.
org/prizes/economic-sciences/2019/summary/>
[4]DUFLO, Esther. Interview with the 2019 Laureate in Economic Sciences Esther Duflo. 6 December
2019.
[7]DUFLO, Esther. KREMER, Michael. ROBINSON, Jonathan. Nudging Farmers to Use Fertilizer:
Evidence from Kenya. American Economic Review 101 (6): 2350-2390, October 2011.
[8]DUFLO, Esther. BANERJEE, Abhijit; GLENNERSTER, Rachel, et. al. The Miracle of Microfinance?
Evidence from a Randomized Evaluation. American Economic Journal: Applied Economics, Vol. 7,
No. 1, (pp.22-53), January 2015.
[9]DUFLO, Esther; DUPAS, Pascaline; KREMER, Michael, et. al. Education and HIV/AIDS Prevention
: Evidence from a Randomized Evaluation in Western Kenya. Policy Research Working Paper; No.
4024. World Bank, Washington, DC.
[10] BANERJEE, Abhijit; DUFLO, Esther. A economia dos pobres. Temas e Debates. Edição Circulo
de Leitores, Lisboa, 2012.
[11]BANERJEE, Abhijit Vinayak. Field Experiments and the Practice of Economics. American
Economic Review, 110(7), 2020.
[12]DUFLO, Esther. BANERJEE, Abhijit. Interview with Esther Duflo and Abhijit Banerjee, Prize in
Economic Sciences 2019.
NOBEL DE ECONOMIA
2020
A construção de mercados no mundo
real: Paul R. Milgrom colocando em
prática Teoria de Leilões
Paul Milgrom e Robert Wilson
por Vinicius Carrasco
Neste texto, estudaremos uma forma de ganho de troca específica. O quanto uma economia pode
ofertar de bens e serviços depende da forma pela qual insumos são utilizados. Para uma dada
quantidade de insumos, a forma pela qual uma economia consegue combiná-los resultará em mais
ou menos produção. Quando economistas falam em produtividade, no fundo, eles têm em mente
a forma pela qual insumos são combinados num processo produtivo. Tudo o mais constante, um
ativo de infraestrutura gerará mais e melhores serviços se alocado ao agente mais apto a operá-lo.
Segue dessa constatação que “descobrir” a quem alocar ativos físicos que provejam serviços de
infraestrutura é de primeira ordem de importância. A tarefa não parece trivial. Que mecanismo usar?
Uma tarefa não menos árdua é a de se descobrir preços pelos direitos de uso desses ativos, para os
quais muitas vezes não há mercados organizados.
Nosso objetivo é descrever, da primeira leva de leilões dos anos 90 até o mais recente Leilão de
Incentivos realizado neste ano, as formas pelas quais a teoria econômica ajudou na alocação de
faixas de espectro nos EUA e, simultaneamente, na obtenção de montantes relevantes de receita
para o governo americano.
A mais importante
instituição econômica:
Por incrível que pareça, de Adam Smith até as respostas às perguntas, houve um período de quase
dois séculos. Na década de 1950, Kenneth Arrow e Gerard Debreu, de maneira independente e com
argumento tão geral quanto simples, provaram que, se houver mercados competitivos para todos os
bens relevantes [2], esses mercados gerarão alocações eficientes sob condições bastante razoáveis.
Arrow e Debreu, de maneira independente mas em comunicação, e Lionel Mckenzie, de maneira
independente dos dois primeiros, provaram a existência de equilíbrio sob certas condições técnicas
[3,4,5]. Para além das curiosidades intelectuais dos economistas, qual a relevância prática de se
entender as propriedades de versões abstratas e simplificadas dos mercados estudados por Arrow
e Debreu? Um exemplo de aplicação prática que afeta nossa vida cotidiana está relacionado ao
fato de modelos de equilíbrio geral serem a base do que se estuda em macroeconomia nos dias de
hoje; qualquer banco central tem um modelo de equilíbrio geral para fazer suas previsões e guiá-lo
nas decisões de política monetária. Mas há mais: na tradição de Arrow e Debreu (e fazendo uso de
conhecimento na área de desenho de mecanismos e teoria dos jogos), economistas têm ajudado
a desenhar mercados no mundo real; especialmente, em situações para as quais não haja mercado
organizados. Um exemplo: não há um mercado centralizado para a venda dos direitos de exploração
de blocos de petróleo.
Em princípio, isso sugere que, em aplicações percebidos como substitutos para uma empresa
práticas, deveríamos tentar desenhar mercados se a seguinte condição vigora: se a empresa
— em particular, os de espectro — à imagem quer recrutar X quando seu salário é e o de Y
e semelhança dos de Arrow e Debreu. Como é ,a empresa continuará querendo recrutar X se
proceder? Possíveis passos iniciais seriam i) seu salário se mantiver em e o de Y aumentar
definir quais eram as licenças a serem leiloadas para um valor . Basicamente, o fato de Y ter se
(os bens relevantes, no caso) e criar um mercado tornado mais caro para a empresa não reduz a
para cada um deles; em outras palavras, assim “vontade” da empresa de recrutar X. Embora
como em Arrow e Debreu um consumidor pareça razoável, a hipótese nem sempre vigora.
decide sobre as compras de manteiga e Pense no caso em que X e Y precisam trabalhar
margarina simultaneamente, as licenças juntos para produzir algo. Nesse caso, X e Y são
deveriam ser leiloadas de maneira simultânea complementares, ao invés de substitutos…
e ii) criar mecanismos para que os agentes se
comportassem de maneira competitiva. O processo de ajuste de salário que Kelso e
Crawford consideram é feito por uma espécie de
Esses passos, no entanto, não eram suficientes. leiloeiro que aumenta salários de trabalhadores
Por duas razões, a Teoria de Equilíbrio Geral de que sejam disputados por mais de uma firma. A
Arrow e Debreu não é uma teoria de formação hipótese de substitutabilidade faz com que, em
de preços. Colocado de outra forma, a Teoria de resposta, a aumentos de salários de um dado
Arrow Debreu é silenciosa a respeito de como trabalhador, as empresas passem a demonstrar
se chegar aos preços de equilíbrio dos bens. Era interesses por outros para os quais salários não
preciso, então, pensar num mecanismo de ajuste aumentaram. Em outras palavras, se há excesso
de preços que levasse aos preços de equilíbrio. de demanda pelo trabalhador X e excesso de
Em segundo lugar, as condições derivadas por oferta de trabalho do trabalhador Y, o salário de
Arrow, Debreu e Mackenzie (ADM) para que X aumentará e isso fará com que as empresas
um equilíbrio existisse não se aplicavam: nos passem a ter interesse em Y. Em outras palavras,
modelos de ADM as escolhas são perfeitamente os mercados tenderão a se equilibrar. De fato,
divisíveis (um consumidor pode decidir comprar supondo que as empresas e trabalhadores
um setenta e cinco avos de um bem), enquanto tomam o processo de ajuste como dado (não
as licenças eram indivisíveis [6]! Era preciso afetem preço), Kelso e Crawford mostram que o
entender, portanto, se a busca por preços de processo de ajuste leva a uma situação na qual
equilíbrio não estava fadada ao insucesso. Era oferta é igual à demanda: o processo converge
preciso avançar em relação ao já monumental para um equilíbrio competitivo [7].
avanço que a contribuição de Arrow trouxe.
Para o primeiro conjunto de licenças, parecia
Curiosamente, um artigo teórico em Matching razoável supor que interessados a tratavam
de Alexander Kelso e Vincent Crawford, “Job como substitutas. Um processo de ajuste de
Matching, Coalition Formation and Gross preços como o de Kelso e Crawford parecia ser
Substitutes”, publicado na Econometrica em 1982, o mecanismo a ser adotado para os mercados
tinha a resposta para os dois pontos. O artigo, cujas induzidos pela definição de licença: de fato,
duas primeira palavras são os nomes de Arrow e o leilão deveria se dar para todas as licenças
Debreu, estuda como empresas e trabalhadores simultaneamente em estágios (rounds) nos quais
são pareados num modelo em que salários os preços iam subindo para licenças em excesso
vão se ajustando para equilibrar a demanda de demanda. O nome dado ao mecanismo,
por trabalhadores das firmas com a oferta de desenvolvido pelos economistas Paul Milgrom,
trabalho destes. A suposição fundamental do Robert Wilson e Preston McAfee, foi “Leilão
artigo é que empresas consideram trabalhadores Ascendente Simultâneo”.
como sendo “substitutos”. Para entender o
que isso quer dizer, suponha que haja dois Faltava algo fundamental. No modelo de Arrow
trabalhadores X e Y. Os trabalhadores X e Y são e Debreu, os agentes se comportam de maneira
A
o longo dos anos, a crescente necessidade de investimento em infraestrutura sem fio
para a internet – é difícil imaginar alguém que não esteja virtualmente cem por cento do
tempo conectado à grande rede — tem requerido cada vez mais o uso de frequências de
espectro. Como tudo na vida, há oferta limitada de frequências de espectro. No entanto,
concomitantemente ao aumento da demanda por seu uso para serviços de wifi, há a
redução da demanda de usuários por serviços de transmissão de televisão. De fato, shows, séries,
filmes, programas jornalísticos têm sido cava vez menos assistidos pela TV e mais pela internet, por
meio de telefones e tablets ou mesmo televisão. Desenhar um mercado que realocasse espectro de
canais de TV para companhias provedoras de serviços de internet foi a tarefa dada a Paul Milgrom e
Ilya Segal, economistas de Stanford.
Myerson e Satterthwaite, o
Teorema de Equivalência de
Pagamentos e as dificuldades:
vendedor não existisse, não haveria transação e Desenho de Mecanismos, também derivado por
o payoff do comprador seria zero. Sua existência Roger Myerson: o Teorema de Equivalência de
faz com que, em havendo transação, o benefício Pagamentos. Basicamente, no contexto deste
bruto ao comprador seja sua valoração pelo artigo, o resultado diz que qualquer mecanismo
bem. Portanto, o mecanismo de Vickrey, Clarke que implante a alocação eficiente requererá
e Groves (VCG) impõe que o vendedor receba (em média) o mesmo montante líquido de
como pagamento a valoração do comprador pagamentos entre as partes que o demandado
pelo ativo. Vejamos agora o caso do comprador. por um VCG. Uma forma simples de entender a
Se não existisse, a transação não ocorreria e o razão disso é a seguinte. Para que uma alocação
vendedor manteria o ativo em sua posse. Como eficiente prevaleça, é necessário um alinhamento
existe, havendo transação, ele impõe um custo entre os interesses individuais e os coletivos.
bruto ao vendedor igual ao valor que este atribui Numa transação em que as valorações sejam
ao ativo. Portanto, o comprador deve fazer um informação privativa, isso requer que, na margem,
pagamento igual à valoração do vendedor pelo ambas as partes se apropriem de todo o benefício
ativo. da troca: se os ganhos de troca forem de um real,
o vendedor e o comprador se apropriem desse
Duas características são notáveis no VCG. Em real, o que é claramente impossível, a menos que
primeiro lugar, o fato de os participantes não haja aporte do real extra.
quererem manipular o mecanismo. Isso porque
o preço pago (recebido) pelo comprador não Como satisfazer a tríade “participação voluntária,
depende de sua valoração. Não há, portanto, ausência de déficit e eficiência” é impossível, algo
como tentar manipular o preço pago (recebido) tem que ser deixado de lado. Como as transações
fingindo, no caso do comprador (vendedor), devem ser voluntárias e um dos objetivos é
valorar pouco (muito) o ativo. No linguajar de sempre obter receita (e não gastar mais), o
Teoria dos Jogos, é uma estratégia dominante desenhador está fadado a ter que admitir alguma
para os participantes proceder sem tentar ineficiência. No caso da venda de um único ativo,
manipular a valoração que reportam. Como isso requer admitir a chance (probabilidade) de
vimos, esse seria um incentivo que ocorreria caso não haver transação. Com várias unidades, como
preços pagos e recebidos fossem os mesmos; no caso da realocação, a ineficiência envolvia
o comprador teria incentivo a dizer que não admitir que algumas faixas de espectro que
se interessa pelo ativo para reduzir seu preço, tivessem mais valor sendo usadas para internet
enquanto o vendedor tem incentivo a exagerar fossem mantidas por canais de TV. Ou seja,
o valor que atribui ao ativo para aumentar seu evitar que haja déficit correspondia a reduzir o
preço. O VCG elimina esses incentivos. A segunda número de faixas de espectro que seria vendida.
característica notável é, repetindonos, que o O Desenho:
mecanismo requer que o comprador pague a
valoração do vendedor e este receba a valoração O desenho escolhido envolveu tratar vendedores
do comprador. Ora, sempre que há transação, e compradores de maneira algo separada. Os
a valoração do vendedor é menor que a do vendedores ofertavam suas faixas de espectro
comprador. Portanto, num VCG, o comprador em um leilão reverso — no qual o governo
paga menos do que o vendedor recebe. Em comprava faixas de espectro utilizada para
outras palavras, o mecanismo é deficitário e TV — e os compradores faziam lances para o
requer aporte de fora! governo pelo direito de uso dessas faixas em
outro. Obviamente, era preciso que esses leilões
Como em geral os governos esperam receber conversassem de alguma forma: a cada faixa
pela venda (ou realocação) de ativos, o VCG é de vendida no leilão reverso deveria corresponder
fato inviável. Haveria outros mecanismos capazes uma comprada no outro leilão. Ausentes outras
de implantar eficiência e que não necessitassem dificuldades, o desenho mais simples – e que
de aporte de fora? A resposta é não e deriva foi adotado — envolve um “clock auction” para
de outro resultado bastante importante de cada um dos lados do mercado. Na verdade,
o qual um viajante se depara a fazer sua mala. Fazer o cálculo preciso do quê ou não levar é difícil.
Ao falta espaço, mantém-se o que é indispensável e retira-se o que é, ao menos tempo, relativamente
menos relevante e que gerará maior ganho de espaço. Nesse sentido, era útil ajustar os preços
individuais iniciais das faixas ao custo-sombra de realoca-las. De fato: eles foram multiplicados por
um fator “volume”. Faixas para as quais a realocação era mais custosa — por mais verossímil de afetar
a restrição de interferência (devido, por exemplo, ao fato de estar em região muito populosa e ter
número grande potenciais canais nos quais causasse interferência) quais gera ter audiência muito
grande –, os preços eram maiores para induzir sua venda. Isso é o equivalente de darmos, tudo o mais
constante, menos prioridade na mala a maiores volumes; procedendo assim, tentarmos incorporar os
custos-sombra da restrição de espaço na mala.
Resultados:
O
leilão de incentivos terminou em janeiro de 2017, depois do quarto estágio interativo. Nele,
garantiu-se i) igualdade entre oferta e demanda, ii) a satisfação de todas as restrições
de interferência, e iii) receita positiva. Faixas foram realocadas de operadoras de TV para
operadores de internet sem fio e mais de set bilhões de dólares foram gerados em receita
para o Tesouro americano.
O leilão é um exemplo poderoso do uso de Teoria Econômica abstrata, combinada com ciência da
computação, para desenhos de mercado no mundo real. Evidencia o papel do economista como
engenheiro, como diz Alvin Roth, agraciado com o prêmio Nobel de Economia por suas contribuições
em teoria de pareamento e responsável por desenhar mercados que casam médicos e hospitais,
advogados candidatos a juízes e tribunais de justiça, alunos e escolas. Seu sucesso é exemplo das
inúmeras possibilidades da aplicação de ideias correlatas nos inúmeros leilões porvindouros no país,
que busquem aumentar a eficiência de nossa economia e ajudar na dimensão fiscal.
Vinicius Carrasco
Mestre em economia pela PUC-Rio, PhD em economia pela Universidade de Stanford, Professor de
economia na PUC-Rio e Entrepreneur na Stone Inc
Notas:
[1]O critério de eficiência utilizado por economistas é o critério de Pareto. Uma alocação é eficiente no
sentido de Pareto se não existe uma alocação alternativa que seja factível (i.e., que respeite as restrições
físicas da economia) que melhora estritamente uma pessoa sem piorar as outras. Esse critério faz sentido.
Independentemente dos pesos que uma sociedade atribua a seus membros, se há uma mudança que
melhora uma pessoa sem piorar as outras, ela deveria ser adotada.
[2]Como nos ensinaram Arrow e Gerard Debreu, um bem é descrito não só por seus atributos físicos, mas
também pelos estados da natureza e períodos nas quais são consumidos. Um guarda-chuva quando está
chovendo é diferente de um guarda-chuva quando faz sol. Consumir hoje é diferente de consumir daqui a
um mês. É preciso indexar bens a contingências e períodos nos quais são consumidos. A distinção temporal
já existia antes da formulação de Arrow e Debreu e é devida a Sir John Hicks, que dividiu o Prêmio Nobel
com Ken Arrow em 1972.
[3]Para uma história da busca pela prova da existência de equilíbrio e de como Lionel Mackenzie foi deixado
de lado na descoberta, veja o grande artigo “Lionel W. Mackenzie and the Proof of the Existence of a
CompetitiveEquilibrium”, de Roy Weintraub.
[4]Preferências, conjuntos de escolha e tecnologia devem ser convexos e os problemas dos agentes devem
ser “contínuos” (restrições orçamentárias devem ser hemicontínuas superior e inferior e suas utilidades
contínuas).
[5]Arrow e Debreu também demonstraram que, sob condições de convexidade, qualquer alocação eficiente
pode ser obtida por meio de preços competitivos de equilíbrio, desde que políticas de redistribuição (que
não afetem as decisões dos agentes) sejam implantadas. O resultado, chamado de Segundo Teorema do
Bem-Estar Social, provê fundamentação teórica para a separação da discussão de políticas redistributivas
de políticas de intervenção em mercados. Embora demande condições estritas, o mesmo princípio se aplica
de maneira mais ampla (ver, por exemplo, o artigo “Reassessing The Diamond/Mirlees Efficiency
Theorem, de Peter Hammond).
[8]Essa é uma descrição imperfeita da regra de atividade. Para uma melhor descrição, veja o
artigo “Putting Auction Theory to Work”, de Paul Milgrom, publicado no Journal of Political
Economy em 2000.
NOBEL DE ECONOMIA
2021
Card, Angrist e Imbens
por Maria Oaquim e Vitor Possebom
A A Real Academia Sueca de Ciências premiou David Card, Joshua Angrist e Guido
Imbens com o prêmio Nobel de Economia de 2021. Enquanto o primeiro foi laureado
por “contribuições empíricas à economia do trabalho”, os outros dois foram “por suas
contribuições metodológicas para a análise de relações causais”. Card, Angrist e Imbens,
conjuntamente com Alan Krueger, economista falecido em 2019 (que muito provavelmente teria
dividido esse prêmio caso estivesse vivo), foram economistas centrais na “Revolução de Credibilidade
da Economia”, movimento que se desenvolveu ao longo dos anos 90.
Para entendermos a contribuição desses economistas, faremos um breve resumo de como o campo
da Economia estudava relações causais. Cientistas dizem que uma variável Y é causada por uma
variável X se Y é afetada ao manipularmos X, enquanto mantemos todas as outras variáveis fixas. Por
exemplo, se pudéssemos aumentar a quantidade de educação de uma pessoa enquanto mantemos
fixa suas outras habilidades, o que aconteceria com o salário dessa pessoa? Ou, se pudéssemos
aumentar o salário-mínimo em uma cidade enquanto mantemos constantes todas as outras condições
do mercado de trabalho, o que aconteceria com a taxa de desemprego local?
A abordagem mais tradicional no campo da Economia antes dos anos 80 era estudar relações causais
através de modelos de equações estruturais, ou seja, um sistema de equações que capturava o
comportamento dos agentes. O principal desafio de uma análise estrutural que se propõe a investigar
relações causais é a necessidade da estrutura estar corretamente especificada (Bank of Sweden,
2021). A complexidade de modelar o comportamento humano e as instituições apresentam desafios
a essa abordagem. Uma outra abordagem, apesar de ser menos popular na época do que hoje em
dia, era através de Experimentos Randomizados Controlados (RCT, na sigla em inglês), considerado
o método ouro na análise de relações causais. Entretanto, por questões práticas e éticas, nem todas
as perguntas conseguiam ser investigadas através desse método.
Como apontado por Angrist e Pischke (2010), é difícil dizer quando exatamente se iniciou a
revolução empírica na economia. Contudo, um dos marcos desse movimento foi o artigo de Lalonde
(1986). Ele demostrou como resultados de avaliação de programas de treinamento de emprego
eram sistematicamente diferentes, se o método empregado era experimental ou não. Durante esse
período, outros artigos como Ashenfelter (1978) e Ashenfelter and Card (1985), concluíram que o
uso de dados longitudinais que não tinham a estrutura de quase-experimentos levava a estimativas
pouco robustas para avaliação de programas de treinamento de emprego.
Foi especialmente a partir dos anos 90 que os economistas se voltaram a experimentos naturais para
responderem diversas questões, em especial no campo de economia do trabalho. Não é à toa que
o prêmio Nobel desse ano elegeu premiar conjuntamente os avanços empíricos em economia do
trabalho e estudo de relações causais. Enquanto Card foi autor de diversos artigos em economia do
trabalho que usavam experimentos naturais para análise causal de políticas públicas,
Angrist e Imbens desenvolveram técnicas estatísticas para analisar diversas perguntas por meio de
experimentos naturais.
O trabalho de Angrist e Imbens nos permitiu entender que tipo de pessoa é impactada por experimentos
aleatórios. Eles provaram, matematicamente, que esses experimentos naturais desvendam o efeito
da variável X para aquelas pessoas que mudam o seu comportamento por causa da aleatorização
feita pela “natureza”. No experimento natural anteriormente citado, as loterias da Guerra do Vietnã
nos permitem entender apenas o efeito do serviço militar no grupo que entrou no Exército por
obrigação, o que seria diferente do impacto do serviço militar para os voluntários do Exército.
choques no mercado de trabalho que poderiam Brasil, o desafio da estimação dos impactos do
determinar o salário-mínimo não deveriam variar SM sobre emprego são maiores (ver Haanwinckel
entre essas regiões muito próximas. Em outras e Soares, 2021).
palavras, a ideia é que a Pennsylvania funcionasse
como um contrafactual para o que teria ocorrido Contudo, Card e Krueger (1994) foram um
em New Jersey se o salário-mínimo não tivesse marco para a literatura de salário-mínimo,
aumentado. tanto pela metodologia usada, quanto pelos
questionamentos ao antigo consenso de que
Os resultados foram surpreendentes em mercados de trabalho funcionam como em
relação ao que o modelo competitivo previa: os modelos perfeitamente competitivos. A própria
empregos na Pennsylvania caíram, enquanto em literatura teórica/estrutural em salário-mínimo e
New Jersey, estado que experimentou o aumento mercados não competitivos avançou bastante nos
do SM, cresceram. É importante pontuar que últimos tempos e nos permite entender melhor
esse resultado não é uma aberração em relação em que contextos os efeitos do SM em emprego
a previsões teóricas. As empresas podem podem ser maiores ou menores. Além disso,
repassar o aumento de custos de trabalho para artigos empíricos mais recentes, que empregam
preços, mitigando os efeitos deletérios do SM métodos mais robustos, têm clara inspiração
em emprego [2]. Além disso, como os custos nele. Um exemplo é Dube et al (2010), onde os
do trabalho não são compostos somente por autores exploram descontinuidade geográficas
salário, as firmas poderiam “compensar” com no salário-mínimo (usando counties próximos,
redução em outros custos. Uma outra explicação mas em diferentes estados) e investigam efeitos
é que em um contexto em que certas empresas em empregos no setor de restaurantes. Os
dominam o mercado de trabalho local, o que resultados indicam que elasticidade não é mais
em economia denominamos monopsônio (um negativa que -0.147 ao nível de confiança de 90%.
único empregador) ou oligopsônio (poucos
empregadores), é possível que as empresas O salário-mínimo é somente um dos exemplos
tenham o poder de estabelecer salários abaixo da grande influência que os estudos usando
do que seria o salário no modelo competitivo. experimentos naturais tiveram na compreensão
Nesse caso, o estabelecimento do salário- de diversas políticas públicas. Outros exemplos
mínimo estimularia mais trabalhadores a ofertar são os estudos sobre impactos da imigração
emprego enquanto as firmas não reduziriam sua no mercado de trabalho (Card, 1990; Altonji
demanda por trabalho, pois elas poderiam arcar e Card,1991) e efeitos de investimento em
com o aumento de custos. Assim, em modelos educação nos rendimentos futuros no mercado
de mercado não-competitivos, o aumento de de trabalho (Card e Krueger; 1992). Graças
salário-mínimo pode resultar em aumento de aos trabalhos de Card, Angrist e Imbens, os
emprego. economistas atualmente têm uma melhor
compreensão das ferramentas necessárias para
É importante pontuar que o artigo de Card e responder questões de grande importância para
Krueger (1994) não colocou um ponto final nossa sociedade.
na questão dos impactos do SM no emprego.
O próprio artigo recebeu críticas válidas Maria Oaquim
como a de Neumark e Wascher (2000), que é Bacharel e Mestranda em Economia pela
apontaram erros de medida na variável de PUC-Rio.
salário. Reestimando o artigo com dados
administrativos (em vez de dados de pesquisa), Vitor Possebom
eles encontraram elasticidades mais compatíveis é Bacharel e Mestre em Economia pela
com o que a literatura previamente apontava. A EESP-FGV e Doutorando em Economia pela
controvérsia do salário-mínimo permanece para Universidade de Yale.
os Estados Unidos e outros países. Ademais, em
um contexto com alta informalidade como o
Notas:
[1] A restrição para empregos de adolescentes era devido ao fato que muitos ganhavam um
salário-mínimo e, portanto, quando o mínimo é aumentado, esse grupo é mais impactado.
[2] Um ótimo artigo que investiga empiricamente essa questão na Hungria é Harasztosi e Linder
(2019) e, para os Estados Unidos, Renkin, Montialoux e Siegenthaler, 2020
Referências
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2022
NOBEL DE ECONOMIA
328
E-BOOK NOBEL
O O Prêmio Nobel de Economia de 2022 laureou Ben Bernanke, Douglas Diamond e Phillip
Dybvig por suas contribuições para o entendimento do papel dos bancos nas economias
e de como ocorre a disseminação de crises financeiras por meio do sistema bancário.
O presente artigo tem por objetivo olhar com maiores detalhes para as contribuições específicas de
Diamond e Dybvig.
O
Nobel já era bastante esperado para essa dupla infame. O paper de Diamond e Dybvig
de 1983, “Bank Runs, Deposit Insurance and Liquidity”, é de longe o trabalho acadêmico
mais citado em toda economia monetária com suas 14195 citações; superando mesmo o
clássico “A Monetary History of United States” de Milton Friedman e Anna Schwartz (com
suas 11272 citações).
Razões não faltam para a tamanha importância desse trabalho, pois ele foi a base para o nascimento do
que viria a ser conhecido como microeconomia bancária. Foi graças ao entendimento microeconômico
dado ao setor bancário feito por Diamond e Dybvig que questões sobre o funcionamento do setor
bancário deixaram de ser um campo de estudo exclusivo da macroeconomia e microfundamentos
de economia monetária puderam ser finalmente construídos. Além disso, toda uma série de políticas
públicas, sobretudo na forma de regulações bancárias, surgiram espelhando o modelo teórico
formado pelos autores.
A contribuição dos autores evoluiu ao longo dos anos com base nesse importante trabalho pioneiro.
Douglas Diamond em particular continuou a dar contribuições extremamente importantes para o
entendimento que os economistas tem de como os bancos funcionam. Em Diamond e Rajan (2000),
por exemplo, ele nos presenteou com um modelo teórico sobre como funciona a estrutura de capital
dos bancos à luz das finanças neoclássicas (particularmente o Teorema Modigliani-Miller) e suas
consequências para políticas regulatórias.
Contudo, obviamente, o modelo não está isento de críticas. O objetivo do presente artigo será
sintetizar o argumento central do paper clássico de Diamond e Dybvig e apresentar pontos críticos
em relação a sua contribuição.
Primeiramente, do ponto de vista teórico, Wallace (1988) demonstrou que o problema de saques
sequenciais colocado por Diamond e Dybvig não poderia ser solucionado por meio de uma ação
governamental de injeção de liquidez , pois o próprio governo estaria sujeito a esse problema
também. Para que uma solução de seguro de depósitos funcionasse, por exemplo, seria necessário
que o governo coletasse os fundos necessários para garantir os depósitos em momento de pânico
antes que esses mesmos depósitos fossem convertidos, sendo que o governo não tem como saber
quando isso irá ou não ocorrer. Como resultado, poderia ocorrer um problema onde o governo tributa
desnecessariamente os bancos para garantir os fundos do seguro depósito e aloca esses mesmos
fundos em momentos em que eles não são realmente necessários.
Uma vez que os próprios bancos possuem melhores conhecimentos sobre suas restrições e riscos, é
mais provável que o próprio mercado interbancário gere soluções de auto-regulação para o problema
dos saques sequenciais do que o governo.
Outra crítica que se pode fazer é que o Modelo Diamond-Dybvig foi criado para espelhar o setor
bancário americano no século XX. Desde o século XIX até 1993 os Estados Unidos possuíam diversas
leis estaduais que limitavam ou impossibilitaram os bancos de abrirem agências! Como resultado,
os bancos ficavam restritos a número reduzido de depositantes e possibilidades de empréstimos de
uma área geográfica. Em zonas agrícolas, por exemplo, isso significava que os bancos tinham que
alocar os depósitos de agricultores que poderiam necessitar deles a qualquer momento devido uma
safra ruim para empréstimos em safras agrícolas que poderiam ou não gerar retornos capazes de
cobrir esses depósitos.
Como observaram Calomiris e Gorton (1991), se um pânico bancário tiver a possibilidade de ser
solucionado por meio do próprio sistema de empréstimos interbancário, pelos saldos das agências
fora daquela localidade ou por mecanismos de comunicação parcial entre os agentes do mercado,
as consequências do Modelo Diamond-Dybvig não serão mantidas.
Por fim, o Modelo Diamond-Dybvig ignora que o seguro depósito tem como consequência a criação
de um risco moral. Uma vez que os depósitos estão assegurados pelo governo, por qual razão deveria
o banco se importar com o risco de seus empréstimos e outros ativos que compõem seu portfólio?
Alston, Grove e Wheelock (1994), estudando o caso dos bancos americanos durante a década de
1920, observaram que a maioria das falências ocorria devido a maioria dos bancos estarem restritos
a áreas rurais e a maioria deles tomarem risco moral devido a existência de seguros de depósito nos
estados onde atuavam. Como resultado, os seguros acabaram por incentivar a tomada de risco com
empréstimos rurais que, posteriormente, seria a causa da quebra de vários deles durante a Crise de
1929.
Essas são algumas considerações sobre a obra desses dois gênios das ciências econômicas e espero
que ilumine um pouco o caminho para quem queira se aventurar pelo debate sobre microeconomia
bancária e microfundamentos da economia monetária.
Esse artigo focou nas contribuições de dois laureados pelo Prêmio Nobel de Economia de 2022.
Para uma visão geral, incluindo os trabalhos de Ben Bernanke – o terceiro premiado com esse
reconhecimento – sugerimos os dois textos a seguir, ambos escritos por Caio Augusto, Head de
Conteúdo do Terraço:
Sávio Coelho
Graduado em ciências econômicas na UNIFOR (onde também foi pesquisador), estagiário CASSI
Textos
Complementares
333 Introdução
E-BOOK NOBEL
Coleção Economistas:
Nobel, o início de um projeto
Organizadores: Guilherme Tinoco, Caio Augusto, Arthur
Lula, Lucas Iten, Gabriel Brasil e Cláudio Lucinda
E m 1968, para comemorar o seu 300º aniversário, Banco Nacional da Suécia criou o prêmio
de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel, que confere, anualmente, o prêmio
de aproximadamente US$ 1 milhão para os vencedores. Popularmente conhecido como
Prêmio Nobel de Economia, é o único dos prêmios (6 no total) que não foi criado pelo
magnata sueco, mas, apesar disso, seu prestígio é indiscutível, tendo premiado economistas que
tiveram grandes contribuições à evolução da ciência econômica.
O primeiro ano de premiação foi 1969 e, desde então, foi agraciado 51 vezes para 84 acadêmicos
(podem ser premiados até 3 pesquisadores por edição). Na sua primeira edição, o prêmio ficou com
a dupla de economistas europeus Jan Tinbergen (Holanda) e Ragnar Frisch (Noruega), que levaram
o mérito pela contribuição na área dos modelos macroeconômicos.
Ao longo dos anos, foram premiadas pesquisas das mais variadas áreas e temas, moldando o modo
de pensar e de pesquisar da profissão. Esse impacto ocorre anos antes da premiação (por vezes
décadas), com a comunidade acadêmica digerindo e questionando as contribuições, sendo o Nobel
a joia da coroa de tal processo.
Na edição mais recente até a abertura deste projeto, de 2019, o prêmio ficou com um trio de
economistas: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, que levaram o prêmio por seus
trabalhos de abordagem experimental para ajudar no combate à pobreza global. Vale notar ainda
que Esther Duflo, além de ser a segunda mulher agraciada com o Nobel de Economia, foi a mais
nova a ganhar o prêmio na história do Nobel em Economia (46 anos).
334 Introdução
E-BOOK NOBEL
335 Introdução
E-BOOK NOBEL
E conomia” é uma palavra frequente em nossos cotidianos. Desde pequenos, nós ouvimos na
televisão sobre o aumento de desemprego, a redução dos juros ou uma nova proposta de
reforma econômica. Todo dia, são publicadas inúmeras notícia de como está a economia
ou sobre como a situação política vai afetá-la. Ao mesmo tempo, a ciência econômica é
frequentemente vista como uma disciplina fria e dedicada a estudar o mercado financeiro e o dinheiro.
Apelidada de “ciência sombria”, para muitos a Economia é míope aos problemas contemporâneos e
perdida em seus modelos irrealistas.
Mesmo que esses estereótipos guardem alguma verdade, a Economia é muito mais do que apenas
isso. O objeto de estudo dessa ciência é, antes de tudo, como pessoas e organizações tomam
decisões, nas mais diferentes esferas da vida. Não se restringe, de forma alguma, às relações de
mercado e ao dinheiro. Ela é, na verdade, uma ciência que, entre inúmeras outras coisas, também
estuda as relações de mercado e o dinheiro. E, cada vez mais, a economia é uma ciência dinâmica,
interdisciplinar e atenta aos problemas do cotidiano.
A atual cara da ciência econômica é fruto de inúmeras revoluções dentro do campo nas últimas
décadas. O prêmio Nobel de Economia foi instituído em 1968 justamente para reconhecer os grandes
pesquisadores responsáveis por essas revoluções. Pensadores visionários, que desenvolveram novos
métodos e propuseram questões que antes nem conseguíamos conceber.
O prêmio Nobel de Economia é o irmão mais novo (e bastardo, alguns diriam) dos outros prêmios
Nobel. O inventor Alfred Nobel não havia colocado a disciplina na lista de áreas em seu testamento
336 Introdução
E-BOOK NOBEL
para a criação da medalha. O prêmio de Economia foi criado por iniciativa do banco central sueco
quase 70 anos depois dos prêmios de Medicina, da Paz, da Física, da Química e da Literatura terem
sua primeira edição.
Desde então, o prêmio pauta a Economia e ajuda a definir como a história do campo é desenhada.
No entanto, até laureados do Nobel de Economia se opuseram a criação do famoso prêmio. Friedrich
Hayek (1899-1992), por exemplo, disse no banquete de celebração ao prêmio em 1974 que, caso
houvesse sido consultado, seria contrário a criação do prêmio pelo banco sueco pois acreditava que
ninguém deveria ter tamanha autoridade nas ciências econômicas. Tendo ou não razão em sua crítica,
Hayek certamente estava correto em algo: O Nobel de Economia não apenas ajuda a sedimentar o
que é visto como o mais alto nível da Economia contemporânea, como também é capaz de mudar
os rumos dessa ciência.
Às vezes, a Economia pode ser auto-centrada demais, confinada em sua própria forma de entender
o mundo. Mas ela também é uma disciplina que se alimenta de conhecimentos de outros campos e
também contribuí para eles. Gary Becker (1930-2014), por exemplo, em seu célebre livro A abordagem
econômica para o comportamento humano usou da metodologia econômica para entender questões
como por que as pessoas cometem crimes e como as famílias se organizam. Usando da modelagem
matemática tipicamente e de bases de dados empíricas, Becker usou a ideia de que as pessoas
agem sempre em prol de seu bem-estar para responder questões que antes eram reservadas a
outros campos, como a sociologia e criminologia. Assim, o Homo Economicus, esse agente racional
que sempre tenta maximizar o seu próprio bem-estar, foi colocado em novos contextos que não o
estritamente econômico. Em reconhecimento a suas contribuições, Becker ganhou o prêmio Nobel
de 1992.
Mas, independente do tema, é onipresente na Economia a questão: o que causa o quê? Como saber,
por exemplo, se mais vigilância policial realmente diminui a taxa de criminalidade? Ou como estimar se
penas mais duras para crimes seriam mais eficazes para isso? Para responder esse tipo de questão, a
econometria foi desenvolvida. Ela é uma área que aplica e desenvolve métodos estatísticos para tratar
problemas empíricos da Economia. Em 1969, o primeiro prêmio Nobel de Economia foi entregue a
dois dos pais da econometria, Frisch e Tinbergen, que desenvolveram métodos de como usar dados
observacionais das economias nacionais a responder questões sobre as flutuações econômicas. Eles
procuravam entender como usar a estatística para responder o que, afinal, causa recessões e booms
econômicos em torno de uma tendência geral de crescimento de longo prazo.
337 Introdução
E-BOOK NOBEL
da inferência causal. Esther Duflo (1972-), Abhijit ou do que se vê no noticiário, a economia é uma
Banerjee (1961-) e Michael Kremer (1964-), três ciência que estuda como as pessoas fazem
dos mais influentes adeptos dessa abordagem, escolhas nas mais diversas esferas da vida. A
ganharam o Nobel de 2019, o que sinaliza a Economia se torna cada vez mais uma ciência
caminhada que a Economia está fazendo para interdisciplinar e empírica. Apesar de às vezes
ser tornar uma ciência mais empírica. Com RCTs, se mover a passos lentos, a ciência econômica
tais pesquisadores respondem questões que está cada vez mais atenta aos problemas
antes nem como econômicas seriam vistas, desde latentes da sociedade, das mudanças climáticas
como batidas policiais aleatorizadas diminuem e desigualdades passando por pandemias e fake
crimes até como mensagens de celular feitas por news. Para conhecer um pouco mais sobre os
famosos podem influenciar pessoas a usarem grandes pesquisadores que definiram e definem
máscaras durante a pandemia do coronavírus. o rumo da Economia, convidamos você, caro
leitor, para que leia os outros textos do Projeto
Muito além do mero estudo do mercado financeiro Nobel, deste Terraço Econômico.
Tomás Aguirre
Graduando em Economia na FEA-USP e membro da comissão organizadora da Olimpíada Brasileira
de Economia
338 Introdução
E-BOOK NOBEL
Notas:
Banerjee, Abhijit and Alsan, Marcella and Breza, Emily and Chandrasekhar, Arun G and Chowdhury,
Abhijit and Duflo, Esther and Goldsmith-Pinkham, Paul and Olken, Benjamin A.
Becker, Gary S. The Economic Approach to Human Behavior. Chicago: University of Chicago Press,
1976. Print.
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Duflo & Michael Kremer). NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug 2020. <https://www.
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Nobel Foundation. The Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel
1969 (Ragnar Frisch & Jan Tinbergen). NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Tue. 4 Aug 2020.
<https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1969/summary/>
Kahneman, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.
Von Hayek, Friedrich August. Banquet speech. NobelPrize.org. Nobel Media AB 2020. Mon. 3 Aug
2020. <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1974/hayek/speech/>
T udo começa com uma ideia. Diante de um salto sustentado da inflação, um Banco Central
pode decidir elevar as taxas de juros, apoiado no entendimento de que a supressão financeira
reduzirá a demanda agregada e, com isso, descomprimir uma pressão importante sobre
os preços. Ok. Mas este entendimento está baseado em um conjunto teórico que, por sua
vez, começou com uma ideia de como as coisas funcionam e como elas podem ser moldadas.
Isso vale para a política monetária (caso do exemplo acima), mas vale também sobre a melhor
forma de garantir competição na telefonia celular. Ou como uma alteração na estrutura de impostos
pode eventualmente aumentar a contratação de mão de obra. Ou como um governo pode definir
os critérios para mulheres e homens se aposentarem. Seja o que for, tudo começa com uma ideia.
A ideia pode ser boa e depois se revelar um desastre. Ela pode nascer de forma bonita, ganhar
grande repercussão em revistas prestigiadas do mundo acadêmico, mas simplesmente não ser
aprovada pela maioria dos eleitores em um país de regime democrático. Outra ideia pode nascer
de um brainstorm despretensioso e funcionar perfeitamente bem por anos a fio.
Mas para uma ideia virar uma política pública, ela precisa passar pelo debate público e perseverar
na cabeça dos agentes. Vale para qualquer ideia, em qualquer tempo. É preciso convencer e, para
isso, é preciso ter bons argumentos.
Binyamin Appelbaum, repórter especial e colunista de economia do jornal americano The New
York Times, escreveu um precioso livro justamente sobre isso: como um conjunto de ideias de
como as coisas deveriam funcionar nos Estados Unidos nasceu na academia e em algumas salas
de repartições públicas e algumas empresas e, ganhando aos poucos o debate público, virou do
avesso a política econômica americana a partir de meados dos anos 1970. Estavam envolvidos
diversos economistas que ganhariam prêmios Nobel.
340 Introdução
E-BOOK NOBEL
O livro, The Economists Hour, traz uma narrativa absolutamente envolvente, que tende a capturar
economistas, claro, mas também aquelas e aqueles ligados ao Direito, à Administração Pública, à
Ciência Política e ao Jornalismo. Ele traz histórias de vida e, principalmente, de ação de homens e
mulheres que revolucionaram a forma de fazer política econômica. Nem todos os resultados dessa
revolução intelectual foram positivos. Em muitos casos, as mudanças foram para pior.
O livro de Appelbaum conta muito bem como diversas batalhas intelectuais foram travadas. As
cicatrizes dos anos 1970 e 1980 ainda estão vivas.
Li o livro na última viagem que fiz: em meados de fevereiro, à trabalho, para a costa leste dos
Estados Unidos. Fascinado pela leitura, escrevi uma breve thread no Twitter logo antes de voltar
ao Brasil, a 16 de fevereiro. Ali começou o diálogo com o autor. Quando fui abordado pelo amigo
Guilherme Tinoco para contribuir para esta série sobre economistas vencedores do Nobel, pensei
que, afinal, seria rico conversar com Appelbaum e trazer uma entrevista com ele. Tudo começa
com uma ideia. Ele gentilmente topou e o resultado do papo de uma hora, feito por telefone e
gravado, está logo abaixo, devidamente traduzido para o português.
João Villaverde: Gerações e gerações de economistas, no mundo todo, foram formadas com
arcabouços teóricos que se provaram insuficientes ou simplesmente errados, como o caso da
dramática expansão monetária por anos a fio desde 2009 sem que a inflação tenha sequer se
movido nos países ricos. Isso parece ter sido agravado neste 2020, o ano da pandemia, quando os
bancos centrais mundo afora dobraram a aposta na larga emissão de moeda. O mesmo vale para
a curva de Phillips, inviabilizada pelas evidências: o mercado de trabalho nos EUA testou o pleno
emprego por anos consecutivos até o início de 2020 e nada de inflação. Quer dizer, a realidade
prática acabou negando, ou ao menos tornou nublada, a aceitação cega a achados teóricos de
economistas muito relevantes, alguns dele vencedores do Nobel, inclusive. Como você acha que
evoluirá o pensamento dos economistas a partir de agora?
Binyamin Appelbaum: Me parece claro que os economistas serão mais humildes, ao menos um
pouco mais, a partir de agora. Exatamente como você descreveu, os economistas transformaram
suas hipóteses em verdades absolutas, tendo em seguida levando suas conclusões a manuais
de política econômica. Francamente, algumas dessas ideias não tinham uma fundamentação
por evidências muito robusta. O mundo teórico supera em muito as evidências da realidade. Mas
acho que o pressuposto mais importante que assistimos nos últimos anos é o de que existe uma
macroeconomia cujos instrumentos podem ser facilmente administrados. Como se os economistas
fossem os astronautas que olham para a Terra. Quero dizer: se você está olhando para aquilo, você
pensa que pode manipulá-la. Esse pressuposto levou a uma explosão de teorias econômicas, a
maior parte delas tendo sido expressadas com grande confiança por seus fundadores e seguidores.
Houve então o surgimento de teorias impressionantes, ditando como precisamente a política
econômica deve ser conduzida, com a teoria servindo de evangelho, sendo que pouco – muitas
vezes nada! – é confirmado por dados e evidências. A Curva de Phillips é um dos exemplos. Ela
dominou a teoria econômica e mesmo a política monetária praticada pela maior parte dos bancos
centrais, a despeito do teórico ter dados de um único país e a partir deste extrapolado para todos
os demais. É surpreendente como rapidamente os economistas acreditam em teorias com muitos
341 Introdução
E-BOOK NOBEL
poucos dados subjacentes. Nos últimos anos, governo autoritário, que viola direitos humanos.
o avanço tremendo da organização de dados Mas o que mais me incomoda é quando há, na
e levantamento de informações tem feito com história e mesmo no presente, economistas
que todos nós entendêssemos melhor como que entendem ter autoridade para colocar de
uma economia realmente funciona. Esse período pé uma política econômica incompatível com a
pedagógico tem derrubado muitas das teorias democracia.
que considerávamos indiscutíveis.
JV: Como assim?
JV: Em seu livro, você cita uma série de
economistas, muitos dele com prêmio Nobel na BA: Veja, o que ocorreu no Chile durante
área, que foram determinantes para o debate a ditadura Pinochet é revelador. A política
nos anos 1960 e 1970 e a partir dos anos econômica colocada em vigor naqueles anos já
1980 ganharam o primeiro plano de política tinha sido apresentada como plataforma eleitoral
econômica nos países ricos e também nos mais em diversas campanhas no país e ela fora sempre
pobres. Alguns deles toparam auxiliar, direta ou derrotada pelo eleitorado chileno. Então quando
indiretamente, ditaduras e regimes autocratas, os economistas, sob Pinochet, se aproveitam de
à esquerda e à direita. O caso mais conhecido um estado de exceção para colocar em marcha
aqui na América do Sul é a associação direta que aquelas ideias, eles estão usufruindo de uma
gabaritados economistas americanos, muitos situação não-democrática. Repare que não estou
ligados à Universidade de Chicago, tiveram com julgando o mérito das ideias, mas sim o fato de
a ditadura do general Augusto Pinochet, no que elas não respeitaram a democracia. Não foi
Chile. Este, aliás, é o tema de um dos capítulos apenas no Chile, dado que na Indonésia ocorreu
mais interessantes de seu livro. Você poderia algo parecido. Esses são casos radicalmente
comentar um pouco sobre essa associação distintos do que ocorreu na Inglaterra sob o
entre economistas que aceitam trabalhar para governo de Margaret Thatcher (que assumiu em
governos anti-liberais, anti-democráticos? 1979). Ela venceu as eleições e tinha, portanto,
liberdade democrática para implementar a
BA: Esta é uma ótima pergunta. Me leva a pensar política econômica vitoriosa.
sobre a responsabilidade moral dos economistas.
Aqueles que aceitam prestar serviço à governos JV: Por todo o seu livro fica claro o papel que
populistas ou simplesmente nefastos, sem o debate público ofereceu aos economistas,
dividir o pensamento com a linha geral do especialmente nos Estados Unidos. Stigler,
governo, o fazem por acreditar ser possível se Friedman e tantos outros, buscaram
engajar tecnicamente, sem ter grau algum de incessantemente convencer a sociedade e os
responsabilidade pelo que o governo que paga policy makers em particular sobre suas ideias
seu salário faz em outras áreas, como ambiental, e teorias. Muitos anos antes, ainda na década
sanitária, educacional e tantas outras. Entendo de 1920, isso já estava claro para Keynes, que
que muitos economistas pensam ter agido como publicou um conjunto de ensaios sob o título
técnicos, simplesmente técnicos. Nos casos que “Ensaios sobre Persuasão”, quando ele deixa
estudei, economistas se engajaram na política claro seu interesse em formar percepção, em
econômica de governos populistas ou mesmo convencer. Então te pergunto, Appelbaum,
de ditaduras acreditando ser possível tornar uma à luz do seu livro sobre o papel das ideias de
situação ruim em algo um pouco melhor. Eles economistas influenciando políticas públicas
buscaram uma justificativa moral para aquela e também a sua prática como jornalista no
decisão. No entanto, me parece claro que isso New York Times, qual foi o papel dos meios de
não pode ser feito de forma neutra. Você não comunicação para os economistas?
pode servir de conselheiro de um governo ou,
mais que isso, trabalhar para um governo, sem BA: Essa é uma pergunta interessante. Aliás,
ser co-responsabilizado pelo que o governo este tem sido o principal ponto das interações
faz. Você simplesmente não deve auxiliar um que tenho tido com economistas aqui nos EUA
342 Introdução
E-BOOK NOBEL
depois que publiquei o livro. Muitos dizem que seu papel no debate público não é o de moldar a
realidade, não é de influenciar a política econômica, mas tão somente o de oferecer aconselhamento
sobre boas práticas. Pode ser que sim, mas minha pesquisa sobre aquele momento transformador, de
quando o debate vaza da academia americana, nos anos 1950 e 1960, para a política pública, a partir
da década de 1970, tem papel preponderante dos meios de comunicação. Veja: é muito difícil para
um governo se engajar em uma determinada política se ela não estiver subscrita pelos economistas
no debate público. Isso é verdade aqui nos EUA e me parece ser o caso em boa parte do mundo
hoje em dia. Há áreas de políticas públicas, por exemplo, que foram totalmente terceirizadas para os
economistas, como a política monetária. Em outras, como política fiscal, o papel dos políticos como
intermediadores ainda permanece forte, mas mesmo aí as vozes dos economistas no debate público
têm muita relevância.
JV: Aliás, sobre isso, me chamou muito a atenção no seu livro a forma como alguns republicanos
fizeram para votar pelo aumento de impostos em outubro de 1990, no governo George H. Bush: de
forma escondida, quase que sorrateira, porque já havia naquele momento a dificuldade eleitoral de
ser visto votando junto dos Democratas e porque esse tema tributário já estava prestes a virar um
dogma para os Republicanos…
BA: Sim. Aqui nos EUA, a política tributária tem um partido que há trinta anos cerra fileiras nessa
bandeira de redução de impostos. Em muitos casos, a posição é puramente ideológica, tem
pouca justificativa técnica. Neste sentido, os economistas que oportunisticamente defendem algo
semelhante acabam servindo de anteparo intelectual para uma posição que é, na realidade, apenas
política, dogmática até.
JV: Você traz frases geniais do Stigler, como aquela sobre a primazia de modelos (na página 139
da edição original, em inglês). Este, inclusive, é um debate muito vivo no campo, especialmente
economistas que vivem de pesquisa acadêmica ou aplicada e aqueles que trabalham com políticas
públicas ou no setor produtivo privado.
BA: Os críticos dos economistas costumam dizer que eles são idiotas que acreditam que os mercados
são totalmente racionais e que o consumidor comum é absolutamente racional. Economistas como
Stigler e Friedman (dois prêmios Nobel) sabiam muito bem que as pessoas não atuam de forma
perfeitamente racional. Eles sabiam disso. Mas argumentavam que era possível obter melhor resultado
de seus modelos se fossem assumidos como premissa de que sim, pessoas e mercados são racionais.
Eles e as gerações de seguidores não estavam errados em usar essa abordagem, mas sim por terem
343 Introdução
E-BOOK NOBEL
levado longe demais. Os mercados nem sempre políticas públicas em várias áreas (primeiro em
são eficientes. Você faz um trabalho melhor regulação, depois em política monetária, gastos
como economista assumindo que são ou que militares, chegando em educação, política
não são? Não é claro qual rota é preferível. Temos comercial e outros segmentos) passaram por
aprendido cada vez mais sobre o funcionamento uma verdadeira revolução conforme aumentava
das coisas. Mas acho importante ter em conta o envolvimento dos economistas com elas. Seja
que há real valor em como esses economistas de forma direta, com economistas virando policy
que mencionamos fizeram seus trabalhos. makers, seja indireta, a partir da interação dos
economistas com o mundo do Direito, da Ciência
JV: Você conta em determinado momento de seu Política e da Administração Pública. Seu livro
livro uma história do Paul Volcker (ex-presidente mostra casos de sucesso e casos de fracassos
do Fed, falecido meses atrás) envolvendo o retumbantes. Como fazer para que teorias
economista William Sharpe (prêmio Nobel sabidamente erradas, políticas obviamente
de Economia). Volcker conta que certa vez fracassadas, não sejam repetidas em um futuro
conversava com Sharpe sobre os derivativos próximo?
no mercado financeiro. Eis então que aquele
perguntou a Sharpe se, afinal, os derivativos e o BA: Isso me inquieta também, João. É mais
conjunto de inovações financeiras adicionavam difícil mudar mentes do que personalidades.
alguma coisa ao crescimento econômico. “Nada”, O comunismo, por exemplo, foi um desastre
respondeu Sharpe, adicionando que “eles são absoluto para todos aqueles que viveram sob
mesmo muito divertidos”. Tomo esse ponto para regimes comunistas em qualquer lugar do
destacar como às vezes o cidadão médio é instado mundo. Mas o mesmo comunismo acabou
a acreditar que essa miríade de instrumentos beneficiando aqueles que viviam em sociedades
financeiros não é apenas isso, instrumentos capitalistas. Porque, goste ou não, o comunismo
financeiros, mas que também exercem grande – e especialmente a propaganda comunista –
importância para o desenvolvimento econômico. forçava administrações em países capitalistas
a trabalharem melhor, perseguindo sociedades
BA: Sem dúvida, sem dúvida. Devo dizer que melhores. O fim do comunismo certamente foi
gastei muitas horas de minha vida com Volcker, positivo, novamente, para aqueles que viviam
que renderam grandes e boas conversas. Ele sob a chaga desses regimes, mas por outro lado,
era uma pessoa fascinante. Sobre este ponto ele reduziu em muito a pressão sobre os países
que você destacou, ele estava deixando claro capitalistas. A perda de medo de uma alternativa,
que os derivativos financeiros, essa invenção já dado que ela deixou de existir na prática, acabou
muito antiga, trazem embutido um risco elevado. levando a intensificação de movimentos muito
É até incrível que nós temos que dizer isso, né? negativos para a maior parte das pessoas
Inovações financeiras não são necessariamente em países ricos. Um conjunto de políticas foi
boas. Existem criminosos inteligentes. Não desarticulado, levando a maior concentração
podemos nos esquecer nunca disso. Aquela visão de renda e a questionamentos muito profundos.
preponderante no pré-2008, de que o mercado Nós temos que encontrar um jeito de aumentar
financeiro era tão eficiente que simplesmente a competição no mercado de ideias.
tornava quase impossível a prática de atos
errados, é embaraçosa. Para dizer o mínimo. Era, JV: Neste sentido, Appelbaum, seu capítulo
aliás, a visão professada por Alan Greenspan [ex- sobre Taiwan e Chile me vem à cabeça.
presidente do Fed e personagem importante
do livro de Appelbaum]. É vergonhoso que BA: Exatamente. Aquela “competição” foi
Greenspan tenha se engajado nessa visão importante. É digno de nota que Taiwan tenha,
Poliana. mais ou menos na mesma época do Chile sob
Pinochet, adotado uma mudança de eixo em
JV: Seu livro traz grandes insights sobre a sua política econômica. Mas enquanto o Chile
evolução do pensamento econômico e como ditatorial adotou aquele conjunto de políticas
344 Introdução
E-BOOK NOBEL
que conversamos há pouco, Taiwan adotou uma estratégia de política econômica totalmente distinta.
E eles conseguiram resultados melhores, sob qualquer ponto de vista, do que os chilenos. Quero
dizer: não podemos pensar que estamos presos a uma forma de fazer as coisas, a um punhado de
teorias que não podem ser questionadas.
João Villaverde
É jornalista e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV-SP. Foi pesquisador visitante na
Universidade de Columbia (Nova York). É autor do livro-reportagem Perigosas Pedaladas (Geração
Editorial, 2016), sobre o impeachment de Dilma Rousseff.
345 Introdução
E-BOOK NOBEL
A participação FEMININA
na carreira em economia
Por Fabiana Rocha, Maria Dolores Diaz e Paula Pereda
A pesar da maior inserção de mulheres no ensino superior ao longo das últimas décadas, a
participação de mulheres na carreira em Economia é ainda baixa. Enquanto as mulheres
representam 57% dos universitários no Brasil, elas são 38% dos estudantes de Economia
em 2019. No Brasil, a fração de mulheres que escolhem o curso de Economia é inferior
à de mulheres que escolhem Química, Matemática e Estatística. Em áreas que são
conhecidamente mais dominadas por homens, como Engenharia, a parcela de mulheres cresceu
na última década, o mesmo não ocorrendo com a área de Economia. Diante desses números, duas
importantes perguntas emergem:
Para responder à primeira pergunta, precisamos levantar alguns dados adicionais sobre a progressão
na carreira. Nesse sentido, desde 2018, o grupo das EconomistAs-USP realiza uma pesquisa anual
com os centros de pós-graduação em Economia do Brasil para entender a participação das mulheres
nos vários estágios da carreira acadêmica em Economia (EconomistAs, 2019; EconomistAs, 2020).
Com base nos dados da última pesquisa, sabemos que temos um percentual menor de professoras
(27,5%), principalmente lecionando em faculdades privadas (22,7%). Quando olhamos para a
progressão na carreira, o percentual de professoras titulares é de 20,8%, frente a 30,5% de professoras
assistentes. Existe uma literatura incipiente que mostra que as mulheres têm mais dificuldade em
progredir na carreira acadêmica em Economia, fenômeno esse conhecido por “leaky pipeline”. Será
essa a explicação para a baixa representatividade de mulheres na área? Isto porque as explicações
comuns para a desvantagem de mulheres na academia, como as responsabilidades domésticas
346 Introdução
E-BOOK NOBEL
e a aversão à matemática, não explicam o por estudando Economia (em geral) e em todas
quê da economia ficar para trás de outras áreas as áreas de especialização (em particular)? A
em termos de participação de mulheres, de importância da diversidade vai muito além da
persistência na carreira e de probabilidade de questão de igualdade. Perspectivas mais amplas
promoção (Lundberg e Stearns, 2018). trazidas pela maior diversidade de gênero, e
também racial, afetam o que é ensinado em
Assim, para complementar a análise da sala de aula, ampliam o leque de perguntas que
carreira, podemos também olhar para os os pesquisadores fazem e, também, afetam as
dados de participações em congressos de escolhas de políticas públicas implementadas.
economia. A participação em congressos é um Sobre este último ponto, muitos estudos
importante indicador de sucesso na carreira mostram que as mulheres, quando em posições
acadêmica e promove uma competição entre os de liderança política, tomam decisões diferentes
pesquisadores para terem seus artgos aceitos. (Chattopadhyay e Duflo, 2004; Alesina e La
Em estudo recente do grupo das Economistas Ferrara, 2005). Em países em desenvolvimento,
(Pereda et al, 2020), mostramos que as mulheres a maior representatividade de mulheres na
desistem mais do que os homens de participarem política melhoram a provisão de bens públicos,
do principal encontro brasileiro de Economia privilegiando investimentos em saúde, educação
(ANPEC) frente à rejeição em edições anteriores. e questões relacionadas à maternidade, como
Essa evidência está em linha com outros estudos maior provisão de creches públicas, por exemplo
que mostram que as mulheres desistem mais (Svaleryd, 2009; Clots-Figuera, 2012; Clayton
do que os homens em competições (Niederle e e Zetterberg, 2018). Para o Brasil, Brollo e
Vesterlund, 2011; Flory et al, 2018). Os efeitos são Troiano (2016) ainda mostram que as prefeitas,
mais relevantes para as jovens pesquisadoras em comporação com os prefeitos, têm menos
de centros com menor nota pela CAPES. Uma probabilidade de se envolver em corrupção,
das explicações para esse comportamento pode contratam menos funcionários temporários; eles
vir de diferenças culturais e institucionais, uma mostram também que a menor propensão a se
vez que alguns estudos mostram que mulheres envolver em comportamento estratégico piora
educadas em sociedades mais conservadoras o desempenho eleitoral das mulheres em uma
tendem a ser menos competitivas (Gneezy et al, potencial reeleição. Outros estudos também
2009; Both et al, 2019). mostram que a maior participação política
feminina está relacionada a menores indicadores
Para além do diferencial de competitividade de corrupção (Dollar et al, 2001; Debski et al,
entre homens e mulheres, o que encontramos 2018).
ao olhar para os dados de congressos é que
também existe um diferencial da participação Assim sendo, a baixa participação de mulheres
de mulheres por área de especialização. Existe na carreira de economia pode afetar o ensino,
um viés de preferência das mulheres por áreas a pesquisa e as políticas que estão em debate
de Microeconomia Aplicada, em especial e, em última instância, suas implementações.
Educação, Saúde e Demografia, enquanto que Como Lundberg e Stearns (2018) bem colocam,
Macroeconomia, Finanças e Teoria Econômica o progresso para a maior igualdade de gênero
são áreas que contam com as menores na profissão tem que partir do reconhecimento
participações de mulheres. dessas barreiras junto com um esforço de
remover o viés em processos de contratação e
Aí, voltamos para a nossa segunda pergunta promoção.
inicial: Por que é desejável termos mais mulheres
347 Introdução
E-BOOK NOBEL
Notas:
ALESINA, A., AND E. LA FERRARA (2005): “Preferences for redistributions in the land of
opportunities,” Journal of Public Economics, 89, 897–931.
BOOTH, A., FAN, E., MENG, X., ZHANG, D. (2019). Gender Differences in Willingness toCompete:
The Role of Culture and Institutions. The Economic Journal, 129(618), 734–764.
BROLLO, F., AND U. TROIANO (2016): “What happens when a woman wins a close election?
Evidence from Brazil,” Journal of Development Economics, 122, 28–45.
CHATTOPADHYAY, R., E. DUFLO (2004): “Women as policy makers: evidence from a randomized
experiment in India,” Econometrica, 72, 1409–43.
CLAYTON, A., AND P. ZETTERBERG (2018): “Quota shocks: Electoral gender quotas and
government spending priorities worldwide,” The Journal of Politics, 80(3).
CLOTS-FIGUERAS, I. (2012): “Are female leaders good for education? Evidence from India,”
American Economic Journal: Applied Economics, 4, 212–44.
DEBSKI, J., M. JETTER, S. MOESLE, D. STADELMANN (2018): “Gender and corruption: The neglected
role of culture,” European Journal of Political Economy, 55, 526–537.
DOLLAR, D., R. FISMAN, R. GATTI (2001): “Are women really the ’fairer’ sex? Corruption and women
in government,” Journal of Economic Behavior and Organization, 46, 423–429.
FLORY, J. A., GNEEZY, U., LEONARD, K. L., LIST, J. A. (2018). Gender, age, and competition: A
disappearing gap? Journal of Economic Behavior & Organization,150, 256–276.
GNEEZY, U., LEONARD, K. L., & LIST, J. A. (2009). Gender Differences in Competition: Evidence
From a Matrilineal and a Patriarchal Society. Econometrica, 77(5), 1637–1664
LUNDBERG, S.; STEARNS, J. “Women in Economics: Stalled Progress.” IZA Discussion Papers No.
11974, 2018.
NIEDERLE, M.; VESTERLUND, L. (2011). Gender and competition. Annual Review of Economics,
3(1), 601-630.
PEREDA, P. C.; MATSUNAGA, L.; DIAZ, M.D.; BORGES, B.; MENA-CHALCO, J.; ROCHA, F.; NARITA,
R.; BRENCK, C. (2020) “Are women less persistent? Evidence from submissions to a nationwide
meeting of Economics” Working paper, Department of Economics, University of Sao Paulo.
Esse livro é protegido pelo direito autoral e não pode ser reproduzido sem a prévia e
expressa autorização do Terraço Econômico, salvo se para uso pessoal por estudantes,
uso por professores na sala de aula e para trabalhos de pesquisa de cunho acadêmico e/
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