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RICHARD GOTT Tradugao: Renato Aguiar JORGE ZAHAR EDITOR Rio de Janeiro A Revolucao de Castro toma forma = 1953-1961 » 0 ataque de Castro ao quartel de Moncada, 26 de julho de 1953 Da praca central de Santiago, a distancia de automével até a fortaleza de Moncada épequena. Na década de 1950, o forte se situava nas cercanias da cidade. Outrora cinza, 0 quartel de dois andares com ameias agora esta pintado de amarelo-claro com detalhes em branco, ¢ 0 acesso 4 entrada acima do nivel do chao se dé por um lance de degraus de concreto. Segundo maior quartel do pais nos anos 1950, ‘menor apenas do que Camp Columbia em Havana, o prédio foi originalmente projetado para alojar a Guarda Rural durante a ocupagao apos 1898, e subseqiien- temente amitide encarado como simbolo da repressdo governamental. Cem anos depois, seus grandes patios sio compartilhados por varias salas de aula e um mu- seu poeirento, pois os revoluciondrios dos anos 1950 haviam prometido que asinstalagbes de quartéis desse tipo seriam transformadas em escolas. As celas eas Salas de interrogatério permanecem como eram, um sombrio testemunho das atrocidades do pasado. Em 26 de julho de 1953, houve um ataque armado ao quartel de Moncada, li- erado por Fidel Castro, a imponente figura, entao com 26 anos, que iria dominar “Politica ea historia de Cuba por mais de meio século. O assalto ao Moncada ¢ im Movimento simultineo contra o quartel em Bayamo destinavam-se a tomar mas do arsenal, mas o seu propdsito subjacente era derrubar 0 governo Batista, fibelecido ap6s o golpe de Estado do ano anterior. A agao em si mostrou-se um vam sst4050, ouco mais do que um golpe mal preparado, como ee aldo °S comunistas; ela nao representou mais interesse na tra igao ae ca Pais do que as agdes perpetradas nos anos 1930. Contudo, Moncada for ws esa vwanizacio revol- Cog? Febime, e permaneceria como fundamento de uma organizagao revo ido em toda a ilha. ia i *: © Movimento 26 de Julho, que tomaria o poder me tarde. Q,, Oataque também tornou o nome de seu lider conhec m ay Castro era visto na época como uma figura proeminente de sua Bera, astro era visto na Ao, tudante e orador brilhante, atleta bem-sucedido e um homem destinado a poli ca desde a tenra juventude. Nascido em 26 de agosto, filho de Ange Casey imigrante colonizador branco da Galicia e sua segunda esposa, Lina Rug, aig snulher de Pinar del Rio, Angel Castro tornara-se um rico proprietirio de teal em Oriente tvera varios filhos, mas apenas 0 irmao mais novo de Fidel, Radi ria um papel maior na obra de toda a sua vida. Eles passaram a infincia na prope. dade do pai em Birdn e em torno dela, em Oriente, perto de Mayari e da Baia de Nipe.' Castro foi educado no colégio jesuita e formou-se advogado na Universi. dade de Havana. Em 1948, casou-se com Mirta Diaz Balart, irma de um amigo es. tudante, filha de uma familia rica.’ Ele parecia feito para uma carreira politic tradicional, e estava se preparando para as eleigdes de 1952 como possivel candi dato ao Congreso pelo Partido Ortodoxo, quando seus planos foram interrom- pidos pelo golpe de Batista. Fidel Castro tornou-se uma das figuras politicas mais extraordindrias do sé culo XX, € a historia de Cuba por muito tempo seria dominada por ele. A sua bem-sucedida revolugao fez as manchetes do mundo em 1959 e criow a nagio cu: bana, dando um significado as lutas do passado ¢ transformando uma agitada, mas essencialmente periférica ilha caribenha, num ator do cenario mundial. Sob a sua lideranga, 0 povo cubano “se levantou” — na vivida expressio de Mao ‘Tsé-tung ~e compreendeu pela primeira vez quem realmente era. Como princi- pal presenga internacional por mais de 40 anos, Castro lidou em termos de igual: dade com sucessivos presidentes das duas superpoténcias nucleares. Como ollie mais carismatico do Terceiro Mundo durante além das costas da uma atragio magnética dinossauro dos livros de nario vibrante, © seu apogeu, a sua influéncia ert ha. De barba grisalha na velhice, ele continua exeree Por onde quer que viaje, com platéias tao fascinadas pel historia quanto outrora o foram pelo agitador revolusi Os russos foram seduzidos por Castro desde 0 comego (Nikita Krusche’ ¢ AnasasMikoyan em Particular), intelectuais europeus (Jean-Paul Sartre Sit Ben Bea Kena mecou a fluir lentamente—da Venezuela e dos Estados Unidos, e da propria Cuba. Em maio, ele tinha dinheiro bastante para alugar uma fazendaaa cerca de 32 quild metros ao sul da Cidade do México, onde os recrutas poderiam ser reunidos &” segredo, Os simpatizantes de Castro, alguns deles veteranos de Moncada, cheg ram de Cuba em pequenos grupos, ¢ Castro garantiu os servigos de Alberto Bayo, outrora oficial republicano na luta contra Franco durante a Guerra Civil nhola, para treind-los na arte da guerra de guerrilha. Mesmo no amistoso México, nao era facil organizar uma forga guettilhel® de estrangeiros em segredo, e tanto Castro como Guevara foram presos emjunho a fazenda tendo sido invadida de surpresa, A intervengao do ex-presidente Mo cano Lazaro Cardenas garantiu a libertagio deles, mas treinamentos militares fu tates tiversai deer tranefetidlod paraipartesmiais(aistantertiolne! Nea politicas dificeis com mensageiros do ex-presidente Prio Socarras finalment® ue rantiram fundos significativos, possibilitando a Castro comprar um pequene 10 que vivia em Tuxpan, na cost atl * do México, Perto do final de novembro, ele reuniu os seus combatentes ue com motor, 6 Granma, de um ameri ‘ARevolucao de Castro toma forma 179 rosem Tuxpan e eles embarcaram, Logo estavam navegando pelo Golfo do Méxi- co -rumo a Cuba. 0 desembarque do Granma e a guerra revoluciondria, 1956-1958 Perto do mangue ao sul de Playa Las Coloradas, no extremo sudeste da provincia de Oriente, hd um pequeno museu ea réplica de um pequeno iate, Um caminho passa pelo manguezal até a praia arenosa onde a embarcagao original -o Granma -encalhou num recife, perto da praia, na manha de 2 de dezembro de 1956. Na historia dos desembarques clandestinos em Cuba, aquele foi um dos mais desas- trosos, ainda que um dia fosse finalmente celebrado como o mais épico, uma vez que Castro era 0 capitao daquela velha embarcacao, cheia de frestas por onde en- trava agua. Homem sempre conscio dos paralelos histéricos, Castro estava plena- mente avisado de que José Marti tinha desembarcado no extremo leste de Oriente cerca de 61 anos antes, envolyido numa tarefa semelhante. Ele acreditava estar completando o trabalho de Marti, A estratégia geral de Castro ndo havia mudado significativamente desde 1953. O desembarque do Granma destinava-se a atear uma insurreicao popular em todo 0 pais para a derrubada do ditador. Apesar de um inicio desfavoravel, foi um acontecimento importante nao s6 na histéria de Cuba, mas também na da América Latina. Durante os 25 anos seguintes, homens e mulheres jovens de to- dos os pontos do continente sonharam em repetir a experiéncia cubana, e plane- jaram fazé-lo, imaginando que uma guerrilha nas Areas rurais pudesse facilmente acender a centelha de uma rebeliao irresistivel. A maioria dos cubanos, estimu- lada por Che Guevara, o seu primeiro e mais elogiiente tedrico revoluciondrio, acreditava firmemente que o modelo cubano pudesse ser repetido. Somente anos mais tarde, tornou-se claro que os revolucionarios nas cidades cubanas tinham desempenhado um papel igualmente importante na organizacao da insurreicao finalmente bem-sucedida, esclarecimento freqtientemente ignorado na América Latina. O Granma ea sua carga de 82 voluntérios guerrilheiros tinham zarpado de Tuxpan uma semana antes. A longa viagem de cerca de 1.200 milhas em mar agi- {ado pelo Golfo do México deixou a maioria dos tripulantes mareados e despre- Parados para o que os esperava adiante. O plano era que uma pequena forca “Statia esperando por eles na praia deserta, e de Ié partiriam em grupo, ilha aden- ‘to até Bayano e Santiago. O desembarque fora programado para coincidir com um levante em Santiago, um novo ataque contra o quartel de Moncada e 0 quar- eae da policia. A ago distrairia as forgas locais de Batista e permitiria aos 'ns de Castro chegar as montanhas sem resisténcias mais sérias. Cuba: uma nova histori - storia nto inicial nao tinha espago para 0s caprichos do clin, no mar encapelado, 0 Granma chegou dois dias Bs OBte, dingo Te Trank Pais, o competent jover lider do Movimento 25 de wo sretiag, havia desencadeado a rebelio em 30 de novembro, como cr ho en Seale homens mantiveram o controle de grande parte da cidade ei aaa patcas do desembarque de Castro, € em face do volento one das tropas do governo, eles se retiraram para as montanhas, e os ae gueestavam esperando pelo barcode Castro na Playa Las Coloradas ae ram obrigados a se retirar. c Para tornar as coisas ainda piores, o desembarque do Granma nao p esperctbido pelas autoridades. Poucas horas depois de chegas0 grupo a theiro embrionério estava sob ataque aéreo e terrestre, Varios guertlheirs foray mortos, a0 passo que 22 foram capturados e posteriormente julgados. Os lamen. tdveis remanescentes debateram-se pelos brejos em desordem e apenas 12 sobre. viveram, embora o numero biblico seja subestimado, Reagrupando-se tes dis depois numa propriedade chamada Alegria del Pino, eles cafram numa emboss. dae varios outros foram mortos. Os sobreviventes vagaram sem rumo, exaust, esfomeados e perdidos, e dez dias se passaram antes que eles conseguissem encom trar resistencia interna. seu primeiro contato foi com Crescencio Pérez, um lider camponts prs crito que controlava a maior parte do lado ocidental da Sierra Maestra. Herdeo das tradicoes dos palenques em Oriente—os assentamentos negros € indigenasile- gais que datavam dos primeiros anos da conquista-, Pérez seria uma figura ruc no recrutamento dos camponeses e bandidos locais para a causa da guetta Acestratégia de guerra de guerrilha prolongada na Sierra Maestra nao its sido planejada por Castros ele havia visitado as montanhas quando jover eramuito pouco familiarizado com os detalhes de sua geografia. “As inicas ess que sabfamos sobre a Sierra Maestra eram 0 que tinhamos estudado nos livrosde geografia® recordaria Castro, mais tarde, Fidel teria preferido um golPe eee cedido, na linha do ataque ao quartel de Moncada. Uma guerra protons campo, no entanto, deve ter sido sempre uma alternativa possiveh Po” So possula um conhecimento intimo das prolongadas guerras de indSP Tes século anterior. “Nos nao temos pressa”, escreveu elea Frank Pals, posses nas montanhas. “Continuaremos lutando pelo tempo que fo Assim como Castro tinha consciéncia das lendas associad: f ae autoridades de Batista também estavam familiarizadas ee 6 col” ano Weyler, o general espanhol que esmagara a resistencia ¢! sso eee. nas cidades. Bebendo na fonte de wor Seiad are a “reconcentrar” os camponeses nas €M' imp! i Tetirando-os das suas casas e dos seus campos P? Oplanejamer dindo lentamente A Revolucao de Castro toma forma 181 aderir 2 causa dos guerrilheiros. Qualquer pessoa encontrada nas Areas desobs- truidas seria alvejada sem aviso prévio, Num aprimoramento da velha estratégia novecentista, 0s camponeses podiam ser bombardeados pelo ar. Batista também recriou os voluntarios d s anos 1860, sob a forma de grupos paramilitares liderados por Rolando Masferrer, um ex-partidério da esquerda quese tornou abertamente organizador do movimento fascista nos anos de Batis- ta, Usando bonés de beisebol brancos, os esquadrées da morte de Masferrer, nhecidos como Los Tigres, seriam a ponta de co- nga da repressdo em Santiago e nas reas rurais circundantes. Reagrupados nas montanhas, os sobreviventes remanescentes do desembar- que do Granma acostumaram-se as rotinas da guerra de guerrilha, Eles atacavam oladas perto da costa para obter armas e munigdes, e se re- tiravam para as alturas impenetraveis das montanhas, Logo eles conseguiram es- tabelecer contato com a rede urbana do Movimento 26 de Julho, e Frank Pais fez a jornada de Santiago ao quartel-general de Castro em fevereiro de 1957. Planos foram elaborados para garantir que um suprimento constante de homens ¢ ar- mas fosse encaminhado para as montanhas e para que a guerra de propaganda nao fosse negligenciada. Pais retornou mais tarde, naquele mesmo més, com Her- bert Matthews, correspondente estrangeiro veterano do New York Times, que en- viou para o mundo exterior a noticia da existencia de um exército rebelde. A experiéncia de Matthews vinha da invasio da Abissinia pela Itilia, em 1936, eda Guerra Civil espanhola, e agora ele contava aos leitores do New York Ti- ‘mesa guerra “na fortaleza escarpada quase impenetravel de Sierra Maestra”, onde “Fidel Castro, o lider rebelde da juventude cubana, esta ativo e lutando com fir- meza ¢ €xito”." Como no século XIX, os cubanos sabiam muito bem da necessida- de de garantir 0 apoio da imprensa norte-americana, e os relatos de Matthews ajudaram a criar, tanto em Cuba como no estrangeiro, a imagem duradoura de um lider carismético e invencivel: guarnigdes militares i Apersonalidade do homem € irresistivel. £ facil ver que os seus homens 0 adoram, ¢ também que ele captou a imaginacdo da juventude de Cuba em toda a ilha. Eis um homem educado, fanaticamente dedicado, um homem de ideais, de coragem, e com qwalidades notaveis de lideranca. Matthews o descreveria mais tarde como “a figura mais notavel e romanti- da historia recente de Cuba, desde José Mart?” Pafs e Matthews chegaram a Sierra Maestra com varios membros da lideran- f urbana do Movimento, inclusive Faustino Pérez Herndndez, que estivera no Santa 2088 de desempenhar o papel de organizador em Havana, e Haydée “mnaria, uma veterana de Moncada. Esse nticleo fidelista teve discusses deta- “Scom Castro depois que Matthews saiu. Eles fizeram planos para reforcar a ca... Bs Cuba: uma nova historia [ay forca guertilheira existente, expandir as operagdes para novas dreas e forma milicia urbana em cada provincia cubana. No front politico, concordaram a ganizar um “movimento de resistencia civica” em escala nacional, e se prepa rem para uma “greve geral revoluciondria” a fim de derrubar 0 govern, 3 movimento se estabeleceu em Havana, encabecado por Enrique Oltuski, apoian, do-se nos militantes e simpatizantes existentes do Movimento 26 de Julho, em conjunto com os ortodoxos da classe média, como Ratil Chibas. Estava plantada a semente para uma divisao importante relativa ao progra- ma de agdo, tatica e estratégia — que finalmente surgiria entre 0s rebeldes de Sierra e os ativistas das cidades. A rebelido de Castro era herdeira das divisOes existentes no movimento de independéncia do século XIX. As reivindicag6es politicas dos guerrilheiros de Sierra tornaram-se sem dtivida mais radicais a medida que os meses se passaram. Como lider guerrilheiro cada vez mais indispensével, a in- fluéncia politica de Che Guevara também comegou a crescer. Nao obstante,asua hostilidade contra 0 “imperialismo” e 0 governo dos Estados Unidos nao era compartilhada por muitos lideres da rede urbana, que conseryaram a opiniaotra- dicionalmente pré-norte-americana das classes médias de Cuba — e certamente esperavam 0 apoio dos EUA contra Batista.” Frank Pais era entio o Ifder reconhecido do Movimento fora de Sietr com uma ampla gama de responsabilidades. Nascido numa familia crista batis em Santiago, em 1930, Pais planejara ser mestre-escola, mas o golpe de Batistae”? 1952 0 transformara num ativista da resisténcia em tempo integral. Inicialment®, com 0 seu proprio grupo, e depois, apés 1955, como “chefe de agao e sabotage do Movimento em Oriente, Pais era um organizador e um negociador polite) inspitado, Encontrou-se com Castro pela primeira vez no México em agostot! 1956 ¢ juntos planejaram a rebeliao em Santiago, coincidindo com 0 desembat- que do Granma. Em 1957, com Castro isolado nas montanhas, os esforgos de Pats para aT! suprimentos de armas e munigées, bem como de alimentos e remédios Ge 5 i serials para/a sobrevivéucia dos guerrlheiros) Pats também|era TRG olan, encaminhar jornalistas a Sierraypara divulgara guertay Amnedida een) policial aumentou nas cidades, sua tarefa tornou-se cada vez mais Perigo Tao importante quanto a logistica da guerra de guerrilha era @ nae ca politica de garantir o acordo entre 0s varios movimentos de oposis@0 ao a de Batista, Eles se dividiam entre os velhos partidos politicos, que Pe. ds um resultado eleitoral final — ou possivelmente um golpe militar > © aque gerages mais jovens, que apoiavam a resisténcia armada, Os ortodoxos® a mi ticos, €as suas varias cisdes e subgrupos, eram pouco atraentes Para OS ioe i juntavam um certo nimero de quadros politicos com capacidade ongan ep e experiéncia, ¢ eles tinham acesso a considerdveis somas em dinhelr- A Revolugao de Castro toma forma 183 sidente Prio Socarras, exil deu dinheiro tanto par ido em Miami, estava ansioso para retornar ao poder, € Castro como para outros grupos, na esperanca de que ages armadas pudessem apressar a derrubada do ditador. Agrupados com os “velhos partidos’, e sob a desconfianga dos partidérios mais jovens do Movimento 26 de Julho, havia o Partido Socialista Popular (PSP), o partido comunista cubano, dirigido desde os expurgos de 1934 por seu secreté- rio-geral, Blas Roca, o sapateiro de Manzanillo, e por seu presidente, Juan Mari- nello. As liderangas do Partido se destacavam na politica desde entao, ea antipatia que suscitavam no seio do Movimento remontava em grande parte ao periodo em que os estudantes revolucionarios mantinham-se afastados de lealdades par- tidérias. Por outro lado, a desconfianga em relacao a agitadores estrangeiros e ju- deus grassava na esquerda do mesmo modo que na direita. O programa politico dos comunistas sempre foi radical, eles tinham um apoio considervel entre tra~ balhadores e negros e atraiam muitos intelectuais, mas simplesmente nao goza- vam da confianca dos grupos de esquerda que vinham de outras tradicoes. Como os partidos mais conservadores, o PSP sempre foi hostil a ago armada. E,evocando as suas diferencas com Antonio Guiteras durante a revolucao de 1933, era particularmente avesso ao tipo de sabotagem e de subversao— sem falar da guer- tade guerrilha—defendido pelo Movimento 26 de Julho. Nao era 0 estilo comunis- ta. Bem enraizado na classe trabalhadora cubana, o PSP era objeto da desconfianca edo desdém de grandes parcelas da classe média. Os radicais nao gostavam porque nao esqueciam 0 papel que o Partido desempenhara em 1933, e por causa da sua colaboracao esporadica com Batista ao longo dos 20 anos anteriores. A atmosfera anticomunista da era da Guerra Fria também trabalhava contra o PSP. Os lideres comunistas ao longo dos anos foram politicos sofisticados e inteli- gentes, negociando com o poder sempre que a oportunidade se apresentava e Spondo-se a velha tradicao de organizar revoltas armadas toda vez que ocorres- sem frustragoes politicas. Dados os repetidos fracassos liberais, a posigao deles era honrada e moderna, adequada ao século XX, nao lhes faltavam argumentos para defender a idéia. Muitos, no entanto, pensavam que a sua posigao era débil e inefi- Os comunistas tinham apoiado a grande greve contra Machado em 1933, mas Feconsideraram ao pensar que a sua derrubada poderia provocar uma interven- S40 dos Estados Unidos. Eles tinham participado da greve contra Mendieta em 195, mas foram acusados de té-la apoiado tarde demais. E tinham ficado anima ‘com Batista em 1937, quando, ap6s anos de operagao na ilegalidade, ele os au- "oriz0u a se organizarem como um partido politico. Em 1938, eles tinham comegado a publicar um jornal didrio, Hoy, editado Por Anjbal Escalante, e rapidamente tornaram-se os mais proximos aliados de Hista. A confederagao sindical controlada pelos comunistas, a Contederacion Trabajadores de Cuba (CYC), colaborara com o Ministério do ‘Trabalho, Dois Pa Cuba:ume nova histéria Br, comunistas, Juan Marinello e Carlos Rafael Rodriguer, fizeram parte do gabiney de Batista em 1942, enquanto Lazaro Pena, o lider negro dos operatios do tabacy © freqiientava intimamente. A alianga com 0 ditador nao sobreviveu nos anos dq pos-guerra, ¢ os comunistas foram expurgados do movimento sindical em 1947 mas a memoria da sua colaboragao continuou viva. O fato de Eusebio Mujal oj der anticomunista da CTC que colaborou com Batista nos anos 1950, ser um ex-comunista nao colaborou em nada paraa reputagao do Partido. A respostaco. munista ao golpe de Batista em 1952 foi, na melhor das hipoteses, ambigua, eg sua lideranga tinha denunciado o ataque de Castro ao quartel de Moncada como uma “tentativa de golpe”. Tecnicamente, a descri¢ao pode ser considerada corre- ta, masa anilise nao valorizou o Partido aos olhos dos simpatizantes de Castro, Em 1957, a lideranca do Partido se ops publicamente ao governo de Batista, mas Marinello continuou a sonhar com uma frente popular que organizasse gre- ves e manifestagées e participasse de eleicdes, e o Partido permaneceu hostil aos grupos que apoiavam a estratégia de insurrei¢ao armada. Entre eles, o Movimen- to 26 de Julho era o mais bem conhecido, mas tinha pelo menos trés importantes rivais nas cidades e metropoles de toda Cuba, os quais vinham atuando na luta contra a ditadura nos anos desde o golpe de Batista. Um deles, o Movimiento Nacional Revolucionario (MNR), liderado por Ra- fael Garcia Barcena, professor de filosofia que fora um importante lider estudantil nos anos 1930, teve 0 apoio consideravelmente precoce das classes profissionais O MNR tinha tentado, ainda que sem éxito, atacar uma base militar em Havana no domingo de Pascoa de 1953, poucos meses antes do ataque ao quartel de Moncada, e Garcfa Barcena fora preso. Faustino Pérez e Enrique Oltuski foram partidarios do MNR, mas subseqiientemente ambos entraram nas fileiras do Mo- vimento 26 de Julho, assim como Armando Hart Davalos, um advogado que sé casaria com Haydée Santamaria. Um segundo grupo, a Organizacién Auténtica (AO), fundada por Prio S- carrés, era o braco armado dos auténticos. Eles tinham organizado uma peque™® forca guerrilheira, também treinada por Alberto Bayo, no México, a qual desem- barcou em Oriente a leste de Mayari em maio de 1957. Denunciados ao exerci por camponeses locais, poucos sobreviveram."" A esperanca de Prio de api" uma alternativa a Castro morreu com eles. Os guerrilheiros auténticos tinham trabalhado muito estreitamente com U terceiro grupo, liderado por José Antonio Echeverria, oriundo da Federacao 4° Estudantes Universitarios (FEU) em Havana. Orador e organizador talento” 50, mais jovem do que Castro, Echeverria era partidario dos auténticos e repre” tava, na tradi¢io revoluciondria de Cuba, uma linha mais ligada ao ABO * organizacao fascista dos anos 1930. Echeverria tinha formado 0 Directorio Rev” lucionario Estudiantil (DRE), uma organizagao terrorista dedicada ao assassin? ‘A Revolugao de Castro toma forma 185 easabotagem, cujo nome pretendia evocar o Directorio da década de 1930. Ele ti maha estado com Castro duas vezes no México em 1956, para examinar maneiras como o seu Directorio poderia cooperar com 0 Movimento 26 de Julho, mas os dois homens nao concordaram inteiramente. A aversao de Castro pelos terroris- tas urbanos de Echeverria foi reforcada quando eles se recusaram a apoiar o de- sembarque do Granma. Eles tinham os seus préprios planos. Com a Organizacin Auténtica, o Directorio trabalhou num plano para to- mar 0 palacio presidencial em Havana e assassinar Batista. Em marco de 1957, dois grupos de 150 homens abriram caminho para dentro do edificio, enquanto Echeverria assumia o controle da principal estacao de radio, Sua tentativa de gol- pe, brava mas mal planejada, acabou em desastre. Os atacantes tomaram a entra- da do palacio, mas nao conseguiram localizar Batista, ¢ a maior parte deles foi morta durante a a¢ao. Sem saber do que havia acontecido, Echeverria anunciou, da radio capturada, que o presidente estava morto, e convocou uma greve geral. Alguém desligara um botao e suas palavras nao foram ao ar. Ao retornar, de carro, aos prédios da universidade em Velado, encontrou uma patrulha da policia e foi morto na troca de tiros. Quem substituiu Echeverria como Ider do Directorio foi Fauré Chomén Mediavilla, antes seu comandante militar e depois ministro do governo de Castro. Odrama do palacio deu a Echeverria um lugar na longa lista de mértires de Cuba, mas enfraqueceu a organizacao do Directorio e levou a um endurecimento da re- pressio. Todos os rivais de Castro estavam gravemente enfraquecidos ou haviam sido destruidos em meados de 1957, e 0 seu mimisculo exército guerrilheiro na Sierra ~ ainda de apenas uma centena de homens em maio — tornou-se entao a tinica forca insurgente vidvel em toda a ilha. Um ataque foi langado no final de maio Contra uma guarnicao militar remota, em El Uvero, na costa meridional de Orien- te, eainda que morressem homens de ambos os lados, foi uma oportuna propa- ganda de vitéria para 0 Movimento 26 de Julho, revelando que a sua forca guerrilheira ainda estava em campo. Assim como os rebeldes do século XIX, os revoluciondrios dos anos 1950 também mantiveram contatos com representantes dos Estados Unidos. Frank Pais tinha encontros regulares em 1957 no consulado dos EUA em Santiago, as ve- 2esacompanhado por Armando Hart e Haydée Santamaria, bem como por Vilma Espin,a filha do advogado da Bacardi, firma que produzia o rum na cidade. Vilma “studava engenharia no MIT, nos Estados Unidos, e fora mensageira dos irmaos (80 no México em 1956. Um funcionario burocratico da CIA observou que Sua equipe era inteiramente fidelista’."° Um dos t6picos discutidos era a preocu- Pasao de Washington com a futura estabilidade do pais. Num refrao comum da teria cubana, Pais disse a Castro que “os americanos temiam que Cuba se tor- fa Cuba: uma nova historia nasse um outro Haiti”, um reflexo menos da preocupasto racsta do séeulo x3y com a emergéncia de outro Estado dominado por negros no Caribe e mais gg perspectiva de Cuba imitar a crénica instabilidade haitiana, A telagao com o consulado dos Estados Unidos pode ter persuadido Pais necessidade de fazer contato com os politicos civis do Partido Ortodoxo, eeledey pachou Haydée Santamaria para Havana a fim de ver se era possivel trazé-osq bordo da fragil barca do Movimento 26 de Julho. As discussdes de Haydée deta, fruto, e Pais trouxe um grupo a Sierra em julho, para discutir com relacdo com 0 Movimento. Entre eles estava Ratil Chibas; Felipe Pa tro a Futura S)antigo di- retor do Banco Nacional de Cuba e veterano da revolucao estudantil dos anos 1930; Roberto Agramonte, filho do lider dos ortodoxos; e Enrique Barrosa, da ala jovem do partido. Com Castro, o grupo de ortodoxos forjou um manifesto, o “Pac. to de Sierra’, que convocava a formacao de uma “frente civica revolucionéria® para forcar a saida de Batista do poder e realizar novas eleigdes. Fotografias de Castro com esses politicos eminentes logo foram publicadas nas revistas de Hava- na, um golpe de publicidade comparavel aquele causado pela visita de Herbert Matthews seis meses antes Esta foi a ultima cartada de Pais. Ao retornar de Sierra, no fim do més, ele foi abatido a tiros nas ruas de Santiago. Um imenso funeral-manifestacao na cidade foi seguido por uma greve geral que durou cinco dias e se espalhou de Santiago para grande parte da ilha. Amorte de Pais foi um sério golpe no Movimento 26 de Julho, mas variasini- ciativas ja estavam em andamento. Uma tentativa de golpe naval foi empreendida em Cienfuegos em setembro, organizada por um grupo de jovens oficiais lidera- dos por Dionisio San Roman, e coordenada por Emilio Aragonés, organizador do Movimento na cidade. Tratava-se de uma conspiracao bem organizada e de am plo alcance, com conexées em outros portos navais. Os rebeldes controlaram 4 base naval e tomaram grande parte da cidade por um dia, mas 0 feroz tra-ataque das forgas de Batista, equipadas com armas recém-fornecidas pelos Estados Unidos, teve finalmente éxito. Aragonés conseguiu escapar, mas Sa Ro” min foi capturado, torturado e morto. “ O Directorio estudantil também estava ativo novamente, ¢ um grupo sue” Iheiro liderado por Faure Chomén desembarcou na costa norte perto dé Nusa em fevereiro de 1958, empreendendo o caminho parao sul, para as montanhas a Escambray, acima de Trinidad. Eles acharam a situacao muito dura por 4¢l089 r a retiraram para Havana, mas outros grupos de guerrilheiros independentes™™ guiram continuar em operacao na regiao, if A guerrilha de Castro em Sierra Maestra sentiu-se entao confiante © eae para estender as suas operacoes, e Ratil Castro deixou o acampamento PH” A Revolugao de Castro toma forma 187 em marco com 65 homens para estabelecer uma segunda frente na Sierra Cristal, nacosta norte de Oriente, No mesmo més, Juan Almeida abriu uma terceira fren- teao norte de Santiago. No comeco de 1958, o Partido Comunista finalmente concordou em usar a sua influéncia a favor de Castro. Alguns poucos membros do seu movimento jo- yem tinham estado em Sierra no ano anterior, incorporados a coluna de Che Gue- vara. Entre eles estava Pablo Rivalta, um membro do quadro revolucionario negro que havia visitado a China. Carlos Rafael Rodrigues j4 havia feito contato antes com Haydée Santamaria, apés a morte de Pais, mas s6 viera para a Sierra em julho, onde permaneceu, exceto por breves visitas, até o fim da guerra, para levar infor- mes a seu comité central. Ele, no entanto, nao estava presente nas importantissi- mas discussGes sobre a organizacao de uma greve geral. Desde os primeiros dias em Sierra, sempre que se discutia 0 colapso final do regime de Batista, a nogao de uma greve geral revolucionéria era muito privilegia~ da, Segundo a meméria popular, era esse o tipo de greve que derrubara Machado em 1933. A greve ndo seria apenas uma paralisagao de trabalho, mas envolveria uma ampla gama de atividades anti-regime, incluindo sabotagens, assassinatos seletivos e eclosdes de violencia generalizada, as quais se desdobrariam numa in- surreigao urbana.” Uma greve desse tipo seria inevitavelmente mais prioritaria para 0 Movi. mento nas cidades (nos Ianos) do que para a guerrilha de Castro nas montanhas (a sierra), e a maneira como seria organizada constituiu, inevitavelmente, um foco de tensao entre os dois grupos. Faustino Pérez, lider do Movimento e da “re- sisténcia civica” em Havana, veio ao acampamento de Castro, em marco, para dis- cutir os problemas associados ao projeto. Pérez achava que as condigoes estavam maduras, Castro nao tinha tanta certeza. A organizagdo da insurreicao apresenta- ¥a problemas sérios. A desconfianga do Movimento em relago aos comunis- £8, 6 recentemente convertidos & causa, ainda era grande, e os organizadores de Havana tinham deixado de incluir 0 Partido Comunista, com o seu amplo movi- mento operdrio, nos seus preparativos. O acesso, no entanto, do proprio Mo- Vimento a outras organizagoes de trabalhadores era pequeno. Tratados com desdém em Havana, 0s comunistas ficaram tao preocupados coma possibilidade dea greve ser um fracasso que um membro da sua alta hierarquia foi d Sierra dizer Castro que os lideres da greve estavam superestimando a propria forga.* Castro achou que nao tinha escolha, exceto seguir adiante, apesar das adver- fEncias e da sua propria relutancia, Ele e Pérez assinaram um manifesto, “Guerra ‘Total Contra a'Tirania” que conclamava a greve e declarava quea luta contra Batista “Sntrara em “sua etapa final”. O pais “deve considerar-se em guerra total contra ti- a “Toda A nag esta determinada a ser livre ou morrer” A greve geral revolucio- > *Secundada pela ago militar’ seria 0 golpe final que derrubaria o governo.” faa Cube: wma nova histéria Ea O manifesto resumia os planos politicos elaborados para o periodo pés.R, tista. O presidente provisério seria Manuel Urrutia Lled, um advogado de Santi. go jé sondado por Castro para a posigao. Urrutia era 0 tipo certo de liberal anticomunista para ganhar amplo apoio em Cuba ~ ¢ para ser bem aceito pelos Estados Unidos. Ele havia viajado para Washington poucos meses antes para con. seguir a simpatia do governo americano. Sempre expressara simpatia pelo Moyi mento 26 de Julho e em maio de 1957 atuou como juiz num proceso em que 15] homens eram acusados de atividades antigovernamentais, 22 dos quais haviam 2. Urrutia determinou que os prisio- retencao ilegal do po- der por Batista ¢ seus seguidores, os acusados agiram dentro dos seus direitos sido capturados no desembarque do Gr neiros fossem libertados, argumentando que em vista da ‘ constitucionais”. A data da greve geral foi estabelecida em 9 de abril, com bombas explodindo em Havana ao longo do més anterior para preparar o espirito de caos incipiente. O Movimento realizou uma acao na véspera de uma importante corrida de auto- méveis em Havana, sequestrando Juan Manuel Fangio, o piloto argentino cam- pedo mundial ¢ libertando-o em seguida com alarido publicitario. A Frente Estudantil Nacional do Movimento, liderada por Ricardo Alarcén, garantiu o fe- chamento de todas as escolas publicas.” A “resisténcia civica” tinha claramente capacidade de desempenhar aces espetaculares debaixo do nariz da policia. A sorte estava langada. “Hoje €0 dia da libertacao”, anunciou na manha de 9 de abril uma estagao de ridio tomada pelo Movimento. “Em toda Cuba comegou, neste exato momento, luta final para derrubar Batista.” AsapreensOes de Castro mostraram-se bem fundadas. Os trabalhadores nao, estavam preparados, a policia e 0 exército estavam armados e prontos. Os ativistas urbanos do Movimento nao dispunham de armas suficientes para levar a cabo 0S seus esquemas diversionistas. A milicia se dispersou. A ago insurrecional dest nadaa derrubar 0 regime acabou quase antes de comecar. Castro tentou encarar@ situagao pelo lado mais promissor, escrevendo para Celia Sanchez, sua Jeal cola- boradora em Santiago, chamando a atengao para o fato de que “uma batalha fore perdida, mas nao a guerra’. Contudo, ele mal podia conter a sua raiva, ecomhe cendo as dimensoes do desastre ocorrido, “Eu sou o suposto lider deste MO mento, € aos olhos da historia tenho de assumir a responsabilidade pela est¥P* de outros, mas sou um merda que nao pode decidir coisa nenhuma.”™ ‘ Geen enn ee ‘neo estram prentes Guevara Er onl dncaeo ease eae does fonginizadored{ dated ee aa » acusando-os de “sectarismo’, POF incluido os comunistasnos seus planos, ede incompeténcia militar —te34° ree ‘A Revolugao de Castro toma forma 189 nizado a milicia sem “treinamento ou animo de combate” ou sem um “processo rigoroso de selecao”.”” Mudancas foram feitas nas liderangas dos Ilanos, e varios gos seus membros, inclusive Faustino Pérez, foram transferidos para a Sierra. Com o fracasso da greve, Batista fez outro esforco determinado para desalo- jars guerrilheiros de Sierra Maestra. Cerca de 10 mil soldados foram mandados em maio contra a base de Castro nas montanhas meridionais, e operagdes de bombardeio foram langadas contra as colunas de Ratil ao norte. A ofensiva durou mais de dois meses, mas os guerrilheiros conseguiram resistir. “Cada uma das en- tradas para a Sierra Maestra € como 0 desfiladeiro da Termépilas”, disse Castro aos jornalistas visitantes.” A vitéria sobre os soldados que tentaram tomar a Sierra foi um momento de- cisivo da guerra, um triunfo para os guerrilheiros que compensou o fracasso da greve, Castro nao deixou passar, entdo, a oportunidade de planejar a fase final do embate. Tinha chegado a hora de organizar a invasao da parte ocidental de Cuba, ede seguir os passos de Gomez e Maceo em 1896. Che Guevara recebeu ordens de rumar para a provincia central de Las Villas, enquanto Camilo Cienfuegos deveria seguir para a provincia ocidental de Pinar del Rio, reafirmando a autoridade de Castro sobre a guerrilha de Escambray no caminho. Eles partiram juntos no final de agosto com uma forga conjunta de 230 homens, e Guevara chegou nas monta- nhas de Las Villas em outubro. Castro desceu de seu reduto nas montanhas um més depois e comecou a marcha para Santiago, enquanto Ratil avangava a partir do norte. A luta continuou em todas as frentes ao longo do outono e Urrutia aterrissou_ na pista de pouso de Sierra Maestra no comego de dezembro, pronto para 0 mo- mento final. Cienfuegos ignorou Havana e deslocou-se na diregao de Pinar del Rio, Guevara capturou a cidade central de Santa Clara no final daquele més. Apés apenas dois anos nas montanhas, Castro tinha dominado os seus rivais m outras partes e estava a um passo da vitéria. Ele fora muito feliz com os seus comandantes, dois anos antes um mero bando de amadores. Guevara, Cienfuegos ¢Ratil Castro mostraram qualidades excepcionais de liderangae visao estratégica, © tinham sido recompensados pela afeicao ¢ a lealdade de seus homens. Castro também tivera a sorte, ou talvez a habilidade de garantir quea politica dos Estados Unidos em relacdo ao seu grupo de guerrilheiros permanecesse dividida e incerta. 4 opiniao liberal norte-americana, exemplificada pelo New York Times e pelos clementos progressistas dentro da CIA, encarava Castro favoravelmente, 20 passo {ue o governo Eisenhower, tanto por inércia como por conservadorismo ou anti- “omunismo, continuou satisfeito em. apoiar Batista, ainda que com crescente falta deconviccao. Ado mesmo tempo que seguiu fornecendo armas ao ditador, nunca o fexem quantidades suficientes para permitir-Ihe a vitoria militar, nem tampouco iba: ut histori ae Cuba: uma nova historia o exército e a forca aérea de Batista estavam tecnicamente equipados para lida, com a chegada de armas mais sofisticadas. [A medida que a vitria de Castro tornou-se cada vez: mais provavel, os nor. m ser antagonistas do eventual futuro governante,ain. te-americanos nao quiseral da que nao desencorajassem os britinicos e nem os iugostavos, que continuaram fornecendo armas a Batista até o tiltimo momento. Os americanos acreditavam que nao tinham muito temer de uma vitoria de Castro, jd que esta certamente faria seguir pela mesma anarquia e disputa politica que ocorrera ap6sa revolugig de 1933. Pouca coisa na historia de Cuba sugeria que av ‘itoria de Castro resultaria em meio século de relativa estabilidade. © general Batista se retirou na véspera do Ano-Novo, voando da base de Camp Columbia para fora do pais coma familia ¢ amigos. Eles esperavam cruzar as aguas entre Havana e Santo Domingo, governado pelo amigo de Batista, Leon das Trujillo. O sargento mulato que havia dominado a politica de Cuba por um quarto de século fez asua humilhante saida final. O homem que outrora admirara Franklin Roosevelt, e que tinha um busto de Abraham Lincoln na sua escrivani- nha, fora abandonado pelos seus amigos americanos. No comeso da década, ele imaginara ser 0 homem que resolveria a crise sistémica de Cuba dando um golpe politica, Fracassara desanimadora- para acabar com a corrupgao da velha cla: mente, ¢ s6 conseguira tornar as coisas ainda piores. Agora era a vez de Fidel. A aurora da Revolucao: janeiro de 1959 Em 2 de janeiro de 1959, de uma varanda em Santiago de Cuba, em frente ao ele gante Parque Céspedes, Fidel Castro fez.o seu primeiro discurso a aurora da Revo- lugao. Ele tinha escolhido a cidade em reconhecimento a participagao na luta em’ Sierra Maestra, e para deixar claro quea humilhacao infligida a Cuba em 1898 pe- los desembarques norte-americanos ao longo da costa nao se repetiriam. “A Re- volusao comega agora’, anunciou: “Desta vez nao sera como em 1898, quando 05 norte-americanos vieram e tomaram conta do nosso pais. Desta fez, felizmenté # Revolugao ird realmente chegar ao poder.” Logo no primeiro dia, o lider revoluciondrio desafiou os Estados Unidos~ embora jantasse naquela noite com o consul norte-americano e sua espost &™ Santiago. Via-se outrora uma revolucado como aculminagao dos males da sociedade, resultado inevitavel de uma série de desastres que teriam tornado um eventual ancien régime impraticavel. A memoria da Cuba pré-revoluciondria que prevale: ceu nos primeiros anos da Revolugao era de estagnacao econdmica a0 longo muitas décadas, de malogro politico, corrupgdo, incompeténcia burocratich gangsterismo, violéncia € colapso social. Assim, revolugao e/ou socialismos ©? ‘ARevolugao de Castro toma forma 191 forme o gosto, eram percebidos como resultados naturais de uma situagao insu- el. Ea tarefa da Revolucao era reordenar a sociedade e suturar as suas port feridas. Cuba nao era, no entanto, um pais pobre em 1959, com um povo pisoteado rebelando-se contra a sua condicao de atraso. O pais era relativamente rico, des- frutando a segunda renda per capita da América Latina nos anos 1950, atras so- mente da Venezuela, cuja renda era distorcida pelas receitas do petréleo.” Cuba estava entre os cinco primeiros da América Latina numa gama de outros indica- dores. socioecondmicos —urbaniza¢ao, alfabetizacao, mortalidade infantil, expec- tativa de vida.” A introdugao da assisténcia médica universal é freqiientemente considerada um dos maiores triunfos da Revolucao. Mas a Cuba pré-revolucionaria nao era atrasada no que dizia respeito a prestacao de servicos de satide. Os indices de sati- deeram um dos mais positivos das Américas, nao muito atras dos Estados Unidos e do Canada. Cuba estava entre os lideres tanto em expectativa de vida neonatal quanto na relagao médicos por mil habitantes. Antes de 1959, Cuba ocupava a 11’ posicio mundial em termos de médicos por pessoa, na frente da Gra-Bretanha, da Franca, da Holanda e do Japao. Na América Latina, figurava em terceiro lugar, atras do Uruguai e da Argentina.” Os ntmeros, é claro, tinham um pesado viés urbano, pois a maior parte dos médicos de Cuba estava em Havana e nas grandes cidades regionais. As condigoes nas areas rurais, notadamente em Oriente, eram certamente dificeis — poucos médicos, poucas estradas, poucas escolas e emprego regular diminuto —, ao passo que muitos habitantes de Havana eram comparati- vamente présperos. Grande parte de reavaliagao da histéria pré-revoluciondria vem dos exilados cubanos, ¢ exilados freqiientemente tendem a ser mais sentimentais sobre o pas- sado. Uma profusio de ficgao romantizada sobre a vida cubana nos anos 1940 foi publicada nos Estados Unidos na década de 1990, e o renascimento de bandas como 0 Buena Vista Social Club — logo um fenomeno popular global — seenguiae dra nessa perspectiva, Seria surpreendente se 0 estudo da historia fosse imune ao Zeitgeist. Pode-se até considerar que um sentido desenvolvido de nostalgia seja um aspecto importante da vida nacional cubana, derivado da ancestralidade de seu povo vindo de praias tao distantes — como escravos que evocam 0 mundo pré-escravidao na Africa, e como colonizadores brancos com as suas memorias opacas da Europa, Na propria Cuba revolucionaria nos anos 1960, um filme como Memérias do subdesenvolvimento, de Tomas Gutiérrez Alea, de 1968, foi capaz de tocar de forma profunda os sentimentos, com a sua evocacao da Cuba de outrora. O filme mostrava a angustia de um burgués, membro da classe que vive de rendi- mentos, que tendo permanecido em Havana ap6s a Revolugio tornou-se obceca- do pelo pesar do que havia sido perdido. “ Cuba: uma nova historia as Quaisquer que tenham sido as diividas sobre o estado exato da crise ecgny mica e social na Cuba dos anos 1950, a repres de que provocava clamores de vinganga, bem como exigéncias de um futyy melhor. A luta contra o ditador, para a maior parte dos ativistas do Movimento 4 de Julho, era tao motivada pelo desejo de livrar-se de um opressor infame quan pela esperanca de uma sociedade melhor. Foi por isso que Castro recebeu log ng inicio um apoio tao amplo que permeava todas as profundas divises da Socieda. de cubana. Ao visitar a Universidade Princeton em abril de 1959, Fidel atribuiy 5 sucesso da Revolugao “ao medo ¢ ao ddio [disseminados] pela polfcia secreta de Batista’, bem como ao fato de os rebeldes “nao terem pregado a luta de classes” ‘A ditadura de Batista era amplamente percebida como cruel e vingativa, » que certamente era (embora nao na escala desenfreada dos paises do cone sul d ‘América Latina nas décadas de 1970 ¢ 1980). Contudo, muitas das ages repress- vas do regime foram causadas pela necessidade de combater o terrorismo urbano ea guerra de guerrilha. O elemento crucial a trazer as pessoas para o lado de Ca. tro foi a sua sobrevivencia nas montanhas, e seus sucessos militares subseqientes. Se Batista estivesse ganhando a guerra em 1958, ou se pelo menos nao a estivesse perdendo tao visivelmente, a opinido popular em Cuba poderia facilmente ter pendido para o lado dele. Na expectativa de ver o fim da guerra e da opressio,a maioria da populacao cubana se alinhava com 0 lado vencedor, como as pessoas tendem a fazer nessas situagoes. Na confusao e na incerteza que cercam os primeiros dias de todas as revolu {g0es, 05 soldados rebeldes de Castro completaram a sua vitoria num vacuo polit co, Nao havia qualquer governo em Havana ao longo de todo o dia do Ano- Now tendo os funciondrios do primeiro escalao de Batista pesado as suas chances con tra 0 avango do exército rebelde sobre as duas maiores cidades do pais. Els compreenderam imediatamente stia inferioridade numérica e qualitativa. As/e tividades do feriado nacional tradicional, combinadas com a proclamagao dagre ve geral, acabaram com toda e qualquer tentativa de criar um regime Batista se Batista. 1 dos anos Batista era uma realy lida. Castro entrou marchando em Santiago em 2 de janeiro. Vindo de Sant Cruz, Cienfuegos chegou no mesmo dia a Havana, dirigindo-se para @ base de Camp Columbia, recém-evacuada por Batista; Guevara chegou aoraiandogm dejaneiro, para assumiro seu posto ema Cabania;a fortaleza catradac am Havana, Os dois comandantes rebeldes, percebidos como as figuras mais hero carismndticas e romAnticas do exército de Castro, agora controlavam 0s dois =F tis militares que dominayam a capital. Com sentido de teatralidade, e uma intuigao de que as paixdes incitadas vit6ria deviam ser admitidas por alguns dias antes de abrandarem-sC8t tiu numa grandiosa peregrinagto de Santiago até Havana, do tipo que #s4™ gqemmmmal A Revolugo de Castro toma forma 193 geragbes de conquistadores espanhéis tinham o habito de fazer. Viajou toda acx- tensto da ilha a0 longo de uma semana, as vezes em jipe aberto, as veres em cima deum tangue, parando freqiientemente para saudar multidées entusiasmadas, A sua jornada triunfal foi registrada em preto-e-branco pelas televisoes da nacio, das quais quase 500 mil haviam chegado a Cuba no fim da década de 1950. Fidel s6 chegou a Havana em 8 de janeiro, avangando ao longo de ruas em festa, embandeiradas para Camp Columbia, onde, consciente da enorme diversi- dade por tras da coalizao que o apoiava, falou a uma imensa platéia sobre a neces- sidade de unidade revolucionéria. Ao final do discurso ~incidente lembrado por todos os que o testemunharam — duas pombas brancas vieram pousar em seus ombros, um inesperado, porém otimista, simbolo para marcar o ini io de uma nova era na histéria cubana.” Havana desfrutou uma festa prolongada, Para Giangiacomo Feltrini, o editor radical que chegou nas primeiras semanas da Revolugdo, Havana era uma cidade magnifica e cadtica, repleta de hispanicos, negros e chineses, ¢ fervilhante de vida ede cor. Os rebeldes das montanhas gozavam de notoriedade, e “de ver em quan- do, dispersos aqui e ali, era possivel cruzar com guerrilheiros barbados, a farda complementada por pistolas e metralhadoras. Eles guardavam os edificios publi- cos do inimigo, ociosamente instalados em grandes poltronas’,” Barbas e boinas tornaram-se os simbolos da Revolucao. Castro fez as suas primeiras manobras politicas de desarmamento nomean- do Manuel Urrutia presidente, conforme prometido, ¢ José Mir6 Cardona primei- to-ministro. Urrutia era um homem de educagao puritana, e a sua preocupagao imediata foi fechar os cassinos e bordéis de Havana. Cardona era um advogado li- beral que fora professor de Castro. Somente trés membros do novo gabinete vi- nham do exército guerrilheiro, e apenas um do Movimento 26 de Julho, O Proprio Castro permaneceu na chefia do exército rebelde, agora chamado Forgas Atmadas Rebeldes, e adquiriu um novo titulo, de Comandante-em-Chefe Militar, numa indicagao de onde o novo poder realmente estava. Era oportuno ter liberais no governo, pois a euforia inicial com quea Revolu- 40 foi saudada no exterior rapidamente cedeu lugar a uma sombria compreen- S40 de que revolusées cobram um prego daqueles que outrora lhe fizeram °Posicao. Varias centenas de policiais, torturadores e antigos colaboradores de Batista foram mottos por pelotdes de fuzilamento depois de processos perfunct6- 0s. Descritos como “um banho de sangue” na imprensa dos Estados Unidos, es- sSSacertos de conta pos-guerra nao chegavam a ser um fendmeno incomum na "storia cubana, As paixdes aticadas durante a guerra tinham raizes profundas, e Sentos semelhantes haviam ocorrido e faziam parte da memoria viva daquela so- Gledade. “Trinta anos antes, aqueles que estavam a soldo do regime de Machado e ram considerados culpados de crimes semelhantes acabaram simplesmente Cuba: uma nova historia 198 sendo descobertos pela multidio ¢ mortos”, recordou-se Philip Bonsal, 6 nov embaixador norte-americano, em suas memérias." O governo argumentou que todos os condenados tinham sido levados a julgamento sob a legislacao prom}. gada em Sierra Maestra, mas para muitos forasteiros as execu¢des tiraram o bri. tho da Revolugio A ma publicidade ficou ainda pior por causa da decisao de realizar os julga- mentos dos criminosos de guerra no estadio de Havana, com exibicao ao vivo pela televisao. A visto de multidées fervorosas exigindo justica revolucionaria abateu muitos correspondentes estrangeiros na cidade. Paradoxalmente, foi Allen Dulles, © chefe da CIA, que deu alguma perspectiva aquelas cenas, explicando a comissio de relagdes exteriores do Senado as realidades da revolta politi Quando ha uma revolugao, inimigos sdo mortos. Houve muitos casos de crueldadee repressio pelo exército cubano, ¢ eles sabem coisas incriminadoras sobre algumas daquelas pessoas. Agora provavelmente haverd muitos julgamentos. E, provavelmen te, eles irao longe demais, mas eles tém de passar por isso. Ratil Castro, o comandante militar de Oriente, e Che Guevara, em La Caba fa, eram percebidos como homens duros. Guevara assinou pessoalmente pelo menos 50 penas de morte, enquanto alega-se que Rauil teria supervisionado aexe= cugao em massa de 70 soldados de Batista, mortos a tiros de metralhadora dianté de uma vala aberta. Sempre tido por radical, com uma obstinagao que beirav4? brutalidade, a reputagao de militarista de Rati foi publicamente confirmada pel sex irmao mais velho, Apontando-o como o segundo homem do Movimento 2° de Julho, o homem que deveria sucedé-lo se ele tivesse de morrer, Fidel ces multidao em janeiro que nao precisava ter medo de ameagas de assassinate- 0 ‘i hi destino dos povos nao deve depender de um homem’, disse ele, “atrés de ™!™ outros mais radicais que eu; me ass. » Bscolhi la Deft» nar s6 fortaleceria a Revolusao- al de Fidel, Raul também passou a ser ministo di vel pela organizagao do novo exército cubano. do como sucessor ofi respons : ’ je que Haul Castro deveria manter-se no vértice do poder em Cuba pot mais dea t10 décadas, Mais jovem dos quatro irmios C mio na escola jesuita em Havana, atletismo, abandonou a su, ~, ps dour astro, ele tinha seguido 0s passer" Jigito porém, sem aptidoes para a rellBhY ey, i prop de a formagao ¢ buscou refdgio no escritorio da POP de rural do pai, Convencido por Fidel a voltar para Havana, estudou Direlto 1 a 'artido Comunista, Aos 18 anos, Raut 1O18 “ i108 Muito CUrioso, cuurioso sobre O CONN ra tome pista) we do versidade e sentiu-se atraido pelo P, pelo cunhado como um homem * preocupado com a justiga’ ¢ conhecimento, uma fome de deram tudo.” O proprio Rail Muito Interessado em sociologia, “Ele 8 Tesolver a situagao como um todo, ¢ 08 : f afirmnou que o seu radicalismo inicial fol Fe A Revolugao de Castro toma forma 195 sua descoberta, ao retornar para casa de umas férias, que entre “milhares de cam- poneses, 0S tinicos que podiam estudar eram os da minha familia”. Aderit ao movimento da juventude comunista, como era comum na Améri- ca Latina, representava a oportunidade de viajar ao estrangeiro, e Rail partiu de navio para a Europa, em fevereiro de 1953, para o Festival Mundial da Juventude, em Sofia, visitando ainda Bucareste e Praga. Contatos feitos entao lhe seriam titeis bem mais tarde e, no navio de volta a Havana, fez amizade com Nikolai Leonov, um jovem diplomata soviético, posteriormente da KGB, que fora indicado para a embaixada no México. Eles se encontraram ld em 1955, e Leonoy foi conveniente- mente indicado para Havana em 1960. As sementes da futura relacdo intima entre Ratil ea Unido Soviética ja haviam sido plantadas, com conseqiténcias importan- tes para 0 curso da Revolucao. Ratil tornou-se um dos comandantes mais poderosos durante a guerra de guerrilha. Enviado para estabelecer um quartel-general rebelde em Sierra Cristal, organizou as forgas semibandoleiras que operavam na érea, transformando-as numa forga disciplinada, da qual muitos membros deveriam formar a oficialida- de do novo exército cubano. Buscando apoio camponés, Ratil fez contatos em Sierra com os lideres da Associagao Nacional de Pequenos Agricultores, uma or- ganizacao camponesa patrocinada pelo Partido Comunista, e realizou “congres- Sos camponeses” para garantir 0 seu apoio. Foi o primeiro nas montanhas a dar, em julho de 1958, boas-vindas a Carlos Rafael Rodriguez, 0 cérebro politico do Partido. Aameaga de que Ratil pudesse assumir na auséncia de Fidel alarmou os mui- tos anticomunistas fervorosos do Movimento 26 de Julho. Carlos Franqui, um jornalista fidelista, mas anticomunista, que depois fugiu para o exilio, tinha inten- Saaversdo pelo irmao mais novo, descrevendo-o como “um Hitler de opereta”. As Pessoas 0 rejeitavam por instinto, escreveu, “e Fidel reforou essa imagem negati- va ao dizer que Ratil é que era mau; que eles se complementavam perfeitamente, como Laurel e Hardy.” Os oficiais e os homens nas Forgas Armadas, nao obstan- ‘,tinham consideravel afeigao por seu chefe. Ratil casou-se com Vilma Espin em janeiro de 1959. Mulher atraente e talen- ‘osa, ela fora uma das lideres do movimento revoluciondrio em Santiago. O casal Aeveria separar-se mais tarde, mas Espin manteve 0 controle de sua base, a Fede- "agio de Mulheres Cubanas, principal organizagio de mulheres da ilha, Fidel era tim defensor insistente da moralidade burguesa, ¢ esperava que os guerrilheiros Sue haviam feito amantes em Sierra Maestra durante a guerra regularizassem os S€us relacionamentos em tempos de paz. Rati foi um dos primeiros; Guevara se~ Bull logo atras, casando-se com Aleida March, vestida de noiva, em maio. Apenas BBE Sie pecmaniéderiden nicimmpldetde novos lacosiniatcimoniaistzlelerercabas com a Revolucao, disse. ‘a Cuba: uma nova historia sy novo regime revoluciondrio agiu rapido nos pr imeiros seis meses para a fim de beneficiar seus partidarios nos setores usar a velha maquina do governo instituigdes. As suas pri. mais pobres da populagao. Onde necessirio, criow nov meiras ages em janeiro, a cruzada pessoal do presidente Urrutia, tiveram forte conotagdo moral e marcaram uma clara ruptura com 0 passado imediato de Cuba: bordéis,antros de jogo ea loteria nacional deveriam ser fechados.A medida criou resisténcias imediatas de prostitutas, crupiés, gargons ¢ outros profissionais do entretenimento. Na primeira das suas muitas intervengoes, Castro solicitouo adiamento de execucao, argumentando que 0 povo nao podia ficar sem trabalho de uma hora para outra sem que empregos alternativos tivessem sido encontra- dos.” Uma decisao de Castro ainda menos bem recebida por Urrutia dizia respei- to aos ministros de Estado, que deveriam aceitar uma redugao de saldrio. O salirio de Urrutia era de 100 mil pesos cubanos por ano, o mesmo de Batista, ele queria conservé-lo naquele nivel. Os juizes tiveram os saldrios reduzidos em feverer, bros inferiores da burocracia do Estado receberam aumentos. érios novos foram criados, dos quais o mais imediatamente po- instituigao dirigida mas os mem! Varios minist iio Ministério da Recuperagao de Bens Malversados, por Faustino Pérez, designada para lidar com as propriedades ¢ companhias de Batista ede seus amigos exilados. Foram criados dois ministérios sociais, o Minis tério do Bem-Estar Social e o Ministério da Habitagao. As primeiras medidas in- cluiam a reducao de aluguéis de casas e apartamentos, em alguns casos pela ‘netade, e um corte nas taxas hipotecdrias. Os senhorios foram proibidos de despejar seus inquilinos e os proprietarios de terras urbanas, obrigados a vender os espacos vazios a baixo preco para alguém que estivesse planejando consti pular fo uma casa, O governo manteve a pressdo em prol de mudangas répidas. © controle de pesos da telefonia e do fornecimento de energia foi introduzido em marso,¢™", tas companhias prestadoras de servicos puiblicos foram objeto de “intervenss0> notadamente a filial local da International Telephone and Telegraph Companyde propriedade norte-americana. Os pregos da telefonia e dos remédios foram edu zidos em abril. Foi criado um salério minimo para os cortadores de Came agicar. A euforia popular continuou alta e ninguém no governo pergum'os e onde viria 0 dinheiro. Os detalhes da tao longamente esperada reforma agraria foram finalmente nimaciadoe numa cetmnin em aio ein Siena aectal Casto) saa camponeses reunidos do infcio de uma “nova era” A nova lei acabaval e grandes propriedades, como ele anunciara em seu discurso apés © ataqve ® ‘ate de Moncada em 1959, Os propricntios de tena inka mreuna gaae servar 402 hectares (1.000 acres) das suas antigas propriedades, mas#safe2" a dente estavam sueltas a expropriagaa." Uni certo nimer de randall ‘A Revolucao de Castro toma forma 197 de gado foi isento, assim como algumas plantagdes de agiicar e de tabaco reco- nhecidas pela sua produtividade excepcional. Algumas das propriedades isentas chegavama 1.375 hectares (3.333 acres). Grande parte da terra expropriada, cerca de 40% das terras agricultaveis da ilha, deveria ser dividida em pequenos lotes de ag hectares, ao passo que fazendas e plantagoes maiores deveriam ser geridas por cooperativas agricolas. ‘Alei tinha a vocacao de ser popular entre os camponeses sem terra, e um fu- turo radiante lhes foi oferecido. “De agora em diante”, disse Castro a gente da re~ giao de Santa Clara em junho, “os filhos dos camponeses terao escolas, instalagoes esportivas e assisténcia médica, e os camponeses contardo pela primeira vez com um elemento essencial da nagao,” Em 26 de julho, em Havana, nas celebragdes co- memorativas do ataque ao quartel de Moncada, milhares de camponeses vieram & cidade montados em seus cavalos—alguns foram transportados de onibus— para ouvir o discurso de Castro sobre a nova reforma. Para dar peso & ocasido, Lazaro Cardenas, o velho presidente revolucionario do México na década de 1930, estava do seu lado no palanque. A teforma agraria em si foi moderada, s6 a retorica era revolucionaria, Con- tudo, foi percebida pela poderosa classe dos proprietérios de terra de Cuba e em toda a América Latina como a borda fina da cunha. A lei causou especial preocu- pacao nos Estados Unidos, pois uma cléusula afirmava que, no futuro, s6 os cuba- nos poderiam ter a posse da terra. Era um golpe para os proprietarios de terra estrangeiros, cuja maioria era norte-americana. Havia uma promessa de indeni- zaca0, mas aos olhos de muitos a lei confirmava a crenca de que Castro era comu- nista, e ele comecou a ser rotulado como tal, tanto fora como dentro de Cuba. A luta politica no seio do governo tornou-se mais aguda. Uma nova instituicao foi criada para organizar a reforma agraria, o Instituto Nacional da Reforma Agraria (Inra), que logo se tornaria 0 quartel-general do go- verno revolucionario, Situado no prédio que antes havia sido a prefeitura de Ba- tista, o Inra deu origem a um Departamento da Industria, conduzido por Che Guevara, a uma milicia de 100 mil homens, comandada por Ratil Castro, ea um Departamento do Comércio. Por defini¢ao, o Inra se interessava por tudo que dis- Sesse respeito a reforma agréria, o que rapidamente abrangeu a construcao de es- tradas e de habitacoes, expandindo-se para cobrir as areas de satide e de educacao ~ede defesa, Castro assumiu como diretor a chefia do Inra, com Antonio Nufiez Jiménez, © principal autor da lei de reforma agraria. Nufiez Jiménez era um economista e 8e6grafo marxista, mas talvez mais significativamente um revolucionério roman- ae foi posteriormente descrito por René Dumont, agronomo francés que ee lou um periodo em Cuba, como “mais apto a organizar uma manifestacao, ’ntar num cavalo, com bandeiras ao vento, para ocupar o territério da Uni- ra Cuba: uma nova historia Bee ted Fruit Company, do que para organizar, racionalmente, 0 setor socialist gy agricultura”.” A lei da reforma agraria foi a seus membros eram hostis as suas disposic@ O presidente Urrutia e outros moderados passaram entao a se definir como ant}. sinada por todo o gabinete, ma S muitos dos considerando-as “comunizante: comunistas, néo por causa de qualquer preocupagao com a Unio Soviética, mas em fungao da posigao forte que os membros do Partido Comunista tinham con. quistado no circulo direto dos irmaos Castro. O primeiro protesto sério veio de publicamente das “aulas Pedro Diaz Lanz, chefe da Forga Aérea. Queixande de doutrinag4o” ministradas aos militares, ele partiu em junho para Miaminum | pequeno barco. O préximo da lista foi o presidente Urrutia, que em julho foi for- ado por Castro a renunciar, depois de ter resumido as suas opinides anticomu- nistas em varias entrevistas publicadas. A nova escolha de Castro para presidir o pais foi Osvaldo Dorticés, advogado e comodoro do Yacht Club, que nao era anti- patico aos comunistas. Ele havia sido secretario de Juan Marinello, que por longo tempo serviu como testa-de-ferro do Partido. Auta interna no seio do governo era reflexo da hostilidade crescente da ant- gaclite social e politica do pais a direcao da Revolugao. Ao expressar as suas criti- cas a reforma agraria, a velha classe politica de Cuba, entre cujos membros havia muitos grandes proprietarios de terra ou beneficidrios do velho sistema econémi- co, comecou a agir do mesmo modo que os seus antepassados nos tiltimos 60 anos. Tao profundamente enraizada estava a meméria da Cuba da Emenda Platt (quando a ajuda norte-americana podia ser evocada sempre que a ilha era amea- ada por outras forcas sociais) que eles supuseram que os Estados Unidos poderiam ser chamados novamente a protestar em seu nome e beneficio. A velha elite sentiu-se economicamente ameagada, mas também estava alar- mada pelo modo como a Revolugao permitira a populacao negra, até entdo am- plamente invisivel, emergir no cenério. Muitos brancos nao poderiam perdoat Castro por ter defendido a causa dos negros. Os negros na Revolucéo, 1959 Numa manha de marco de 1959, o guarda-costas negro de Che Guevara fo! com amigosa um clube no balneario de Tarard, a leste de Havana, Guevara estavase1= cuperando por ki apés os esforgos da campanha de guerrilha, ¢ 0 govern0 7 dou-se efetivamente para o balnedrio para estar com ele, © seu guarda-cos> Harry Villegas, alcunhado Pombo, combateria mais tarde no Congo e na Bol Ele lembrou anos depois o que tinha acontecido quando visitou o clube em r4, onde a entrada de negros era tradicionalmente proibida.

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