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| Lic6es de ‘Histoéria do ‘Direito Romano Peaster: | Eduardo Vera-Cruz Pinto 2020 4.4 REIMPRESSAO. Indice Introdugio .... 9 I. O Direito Romano e as fontes de Direito actual...... 15 x. O Direito Gus) como fonte das actuais “fontes de Direito” .... 35 2. A regra juridica de criagao jurisprudencial como a fonte de Direito..... 20 3. Ajustic¢a como finalidade da soluga 22 4.A accao autoral do jurisprudente e a pessoa humana como fonte e destinatdria de Direito.... nad 5. O Estado de Direito através das regras juridicas . 25 6. A diferenca entre norma legal e a regra juridica... 28 7. 86 pelo Direito Romano se pode diferenciar a regra juridica da norma legal. 31 IL. O Direito Romano. 35 1. A definicao de Direito Romano. + 35 2. O conceito de Direito Romano 36 3. As fontes de conhecimento do Direito Romano. 38 4.0 Direito Romano e a juridicidade das regras de Direito.... een] 41 5- O Direito Romano é uma ars iuris 43 213 Digitalizada com CamScanner RDUARDO VERA-CRUZ PINTO 6, O Dirvito positive inspirado no Dircito Romano pode ser uma sefentia iuris, deonroesee 48 7 O Direito Romano é jurisprudencial e tem esséncia privatistica ... sssseeeee 59 IIL. A Histéria do Direito Romano.. x. O que a Histéria do Direito Romano? 2. Sinteses de Historia Politica de Roma para 0 estudo do Direito Romano . 2.1. As origens da cidade 2.2. Monarquia... 2,3. A Repiblica. 2.4. O Principado... 2.5. O Dominad 3. Arecusa de uma periodificacao juridica historicamente continuada ... 53 IV. Os momentos fundamentais da Histéria do Direito Romano .. - 89 x. A Lei das XII Tabuas (451 a.C.) e 0 inicio do direito jurisprudencial pontificio 89 2. ius flavianum como elemento criador original do jus jurisprudencial secularizado.. 3. A turisprudentia como elemento existenci: do Direito Romano... 3X. O direito jurisprudencial como parte do ius ci 3-2. Quem eram e como era exercida a actividade dos 104 iurisprudentes? woe 112 3.3. O formalismo juridico: da acgao fisica 4 expressio técnica... «118 3-4. De verborum Significatione: os contetdos juridicos eas formas de comunicé-los.... + 9 3-5. Interpretagao de palavras e sentido literal das palavra: 123 4 Digitalizada com CamScanner LAGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 4. Ans publica como sistema politico adequado a existéncia do Direito de origem jurisprudencial. 41. As magistraturas.... 15 125 4.2. As caracteristicas identitdrias essenciais da Repiblica 1130 5. O ius publice respondendi de Augusto como inicio do fim da iurisprudentia ..... + 133 6.0 desprestigio e a instrumentalizacao da jurisprudentia com Adriano .. + 139 7- O fim da iurisprudentia com a reintroducao da monarquia (Dominado).. oo 142 8. A codificacéo como epitafio do Direito até Justiniano. 146 8.1. As primeiras codificagée 146 8.2, A Lei das Citacoes.. 150 8.3. O Cédigo Teodosiano. 154, 8.4. O ensino oficial do Direito nas Escolas de Beirute e de Constantinopla .. 156 8.5. A obra codificadora de Justiniano: 0 Corpus Iuris Civilis.. 162 V.Acristianizagiio do Direito Romano legal. . 171 1. Arelagao entre os poderes religioso e politic 2, As normas legais da Igreja € o Direito Romano imperial... 3. A influéncia do cristianismo nos contetidos juridico- -normativos do Direito Romano... Guifio de estudo com bibliografia complementar........ 183 as Digitalizada com CamScanner I. ODmerro RoMANO E AS FONTES DO DireEIvTo ACTUAL 1. ODireito Gus) como fonte das actuais “fontes de Direito” No mundo antigo os romanos foram os primeiros a criar um conjunto de condigées politicas, sociais e culturais que possibilitaram a criagdo de regras e a construgao de solugdes por jurisprudentes que, no seu conjunto, foi designado por sus / derectum. Apalavra derectum s6 se comega a impor por volta do século TV quando o ius ja havia desaparecido de Roma pela extingao da fonte jurisprudencial que lhe garantia a existénci: O derectum passa, entdo, a designar 0 conjunto de normas criadas pelo poder politico, enquanto legislador; e de sentengas que aplicam essas leis, impropriamente designadas, no seu conjunto, como jurisprudéncia. No entanto, sé no século VI a palavra ius é substituida nos textos pelo termo derectum e no século IX deixa mesmo de ser usada a palavra ius vulgarizando-se definitivamente 0 termo derectum. Aquilo que deveria ser uma designagéo do conjunto de regras a aplicar a conflitos visando a justica da solucdo (derectum como o prumo da balanga da justiga que é recto e vertical) Passa a ser uma designacdo para as normas legais feitas pelos governantes, justas ou nfo. 5 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO Assente num sistema de impedimentos, equilibrios ¢ limitagdes a Repiiblica romana entregou a solucdo dos conflitos intersubjectivos a um grupo profissionalizado de pessoas (juris prudentes) com um saber - construido pela experiéncia ¢ consolidado pela cultura da justica - socialmente reconhecido (auctoritas) que formulavam regras, excepgées e solucées. O tema da autonomia do saber juridico face aos demais, pela profissionalizagio dos jurisprudentes, é controverso e dificil, mas incontorndvel na Histéria do Direito Romano, Ligados & tradicao, & mentalidade pratica e ao agir por formulas os jurisprudentes romanos exercem uma arte especifica visando a Justiga do caso concreto. Isso mesmo os separa de oradores, advogados, juizes, gramaticos, poetas, fildsofos... O mesmo se passa com a influéncia do pensamento filoséfico grego no método, no pensamento ¢ sua exposigio € na terminologia usada pelos jurisprudentes romanos. Nao podemos aqui desenvolver o tema, mas importa lembrar como foi descaracterizadora e dissolvente a crescente natureza especulativo-filoséfica na narrativa jurisprudencial. Era a propria identidade da iurisprudentia que estava em causa com a helenizaco de Roma. Apés a conquista da Grécia por Roma, Fébio Pictor escreve - em 202 a.C. — em lingua grega, a Histéria de Roma; Plauto revela a profunda crise da familia fundada no pater familias e de decadéncia da sociedade romana assente em velhas trades, usando modelos gregos de satira e comédia; 0 poeta Enio compée, inspirado na Grécia, os seus Anais; a estadia de uma delegacao grega composta por filésofos estdicos (Pané causou grande impressio na elite romana, sobretudo a ideia de concordia ordinum; as ideias gregas sobre a justiga também comecaram a ser difundidas; a transferéncia das bibliotecas gregas para Roma disponibiliza a leitura dos classicos gregos a um maior nimero de romanos, 16 Digitalizada com CamScanner LIGORS DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I A identidade romana assente nos mores maiorum ¢ na 10 arreigada do ius da civitas comunitéria comega a mudar ‘0 para a inovagaio especulativa e o individualismo. Prova de uma profunda fractura com a romanidade anterior vivida pela sociedade romana de meados do século II a.C., sujeita 2 influéncia grega crescente, vitoriosa e avassaladora é a reac¢ao nacionalista pelo lado do passado de Roma e dos romanos que Catio, o censor, deixa no seu Origens. Foi na Republica que se colocou, pela helenizacao, o problema da retorizagéo do Direito. Os retéricos tratavam o direito a partir de pensamentos especulativos, categorias abstractas e generalizacdes universalizantes. Tudo isso era contrério a tradico jurisprudencial romana de criagao de regras juridicas e de solugées justas para os conflitos. E preciso salientar que o ambiente politico da Republica permitia manter o método origindrio da iurisprudentia secular romana, que a tradigéo mantinha constantemente adaptado a realidade a que se aplicava, com toda a potencialidade argumentativa que visava a persuaséo ou o convencimento das partes para acatarem a solu¢ao encontrada. A tecnicidade requerida na actividade jurisprudencial contendia com a especulacao requerida pelos retéricos que queriam cuidar de assuntos juridicos, tradi de padi Os juizes, escolhidos ou consentidos pelas partes, sem saber juridico especifico, fixavam a solugdo encontrada pelos juris prudentes declarando 0 direito aplicavel (ius dicere). juiz romano que faz seu 0 litigio que é chamado a resolver (judex qui litem suam fecit - Gaio D. 44.7.5.4 € 50.13.6 € Institutiones 4.5; Ulpiano D. §.1.15.1) muda com 0 processo das formulas, devido a intervengao limitadora do pretor. O juiz passa a ser nomeado pelo pretor (a partir de uma escolha feita pelas partes com base em uma lista de nomes fornecida pelo pretor) na formula que lhe dirige, onde consta também: a pretensiio do demandante; a posigio do demandado; 7 Digitalizada com CamScanner RDUARDO VIERA-CRUZ PINTO 6s factos a serem provados; ¢ 0 direito a ser aplicado no caso de haver condenagio, A partir do processo formulario o juiz recebe do pretor 0 dever (munus) de julgar o caso. B um dever civico e uma honra pessoal para o juiz ter sido indicado. A sua actividade gira em torno da prova dos factos que fundam a causa. Julgada a causa o juiz cessa a fungaio (Ulpiano D. 42.155). Na Republica, indubitavelmente, o direito (jus) é a arte do bom ¢ do Justo (ius est ars boni et aegui — Celso D. 1.1.1 pr). Bonum no sentido de uma moral que permita a justiga; e aequum no sentido de justo. Como o processo estava aberto para acolher as novas solug6es dadas pelos jurisprudentes com fundamento nas regras juridicas, o ius estava constantemente a ser adaptado a realidade através das solugdes, sem conceder nas regras que alicercam a moral comum destinada a efectivar a justica. A equidade romana nio coincide, na época do direito prudencial, com a epikeia aristotélica. Em Roma a equidade (aequitas) é a efectivacao da regra juridica na solucdo do caso concreto; ndo uma interpretacéo da norma legal (geral € abstracta) que permita uma soluco mais justa para cada caso (uma equidade que corrige a lei). Porque ius est iustitia, 0 direito é 0 meio de “dar a cada um aquilo que é seu” (dar a cada um 0 que Ihe é devido) com uma “constante e perpétua vontade” de o fazer (Ulpiano D, 1.1.10 pr). Hoje ensina-se que as fontes de Direito sio: a lei, a doutrina, o costume ¢ a jurisprudéncia. Foi assim positivado no Cédigo Civil (artigos 1° a 4°) e tal enunciado legal atingiu jé 0 valor de um axioma juridico. Parece-nos, no entanto, que nao é assim. Nao porque tenhamos aderido a uma das muitas correntes doutrindrias criticas da teoria oficial das fontes de Direito, mas por o Direito Romano nos dar outra nogio de fonte de Direito ¢ outros critérios para aferir da sua juridicidade, 8 Digitalizada com CamScanner LIGORS DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I Logo, nio se trata apenas de uma critica ao que esté. uma radical mudanga das formas de criar, interpretar, aplicar € revogar o Direito actual que é proposta com 0 ensino do Direito Romano. Uma alteracio de raiz que parte da nogio e dos efeitos das fontes de juridicidade determinados pelos ensinamentos da jurisprudentia romana antiga que seguiu desfigurada na narrativa jurishistoriogréfica posterior, numa simplificagdo rudimentar a que se deu o nome de tradiga@o romanista. As fontes de Direito como fontes de juridicidade assentam numa ideia comum de justi¢a e numa espécie de mores maiorum que indicam a diferenga entre o bem e o mal, 0 justo e€ o injusto, o certo € 0 errado, o direito e 0 torto, expressos em regras que so conhecidas e aceites pela sociedade. Paraasuaaplicacao, sao desenvolvidas, alteradas, excepcio- nadas, afastadas, esquecidas e recriadas pelos jurisprudentes em cada sociedade. Sao estas regras juridicas (no seu conjunto, o Direito) as fontes de leis, de doutrinas, de sentencas e de costumes se tem pretensées de juridicidade. Sao elas (leis, sentengas, doutrinas € costumes) que devem expressar 0 Direito (séo formas de expresso do Juridico). Nao é a lei, a doutrina, a jurisprudéncia dos tribunais e os costumes que sao fonte de Direito; nao criam Direito. Sem rejeitar a nocao de Direito Romano como conjunto de regras que orientam os comportamentos das pessoas para a sua relacdo com as outras pessoas ¢ a vida em sociedade, a maioria dos historiadores do Direito Romano passou a considerar como fontes de Direito Romano: as leis; os senatusconsultos; as constituigées imperiais; os mores maiorum, 0 costume e os usos; os edictos do pretor, as sentencas dos juizes; e as opinides € respostas dos jurisprudentes. S6 que a definicao de leis, sentencas, doutrinas e costumes como fonte de Direito em Roma tem a ver com as definigdes € 19 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO. a visio classificatéria dos autores pandectistas da Histéria do Direito Romano que, em contextos codificadores, procuravam uma forma de compreensio do Direito Romano que legitimasse a op¢io pelo positivismo legalista de Estado saido das Constituigées das revolugées burguesas. Aceitando 0 imenso contributo da pandectistica para © desenvolvimento moderno da jurisromanistica, importa ~ volvido todo este tempo — introduzir alteragées resultantes de uma releitura das fontes em contexto de pluralismo juridico e de contributo das tecnologias digitais. Por isso, adoptamos aqui outro critério onde a fonte de Direito ou tem na base a liberdade criadora do jurisprudente com auctoritas e desprovido de imperium ou nao é fonte de Direito porque lhe faltam os elementos identitarios do Juridico, nomeadamente: liberdade criadora; independéncia do poder; autonomia de expresso; experiéncia na resolugao de conflitos; maturidade civica; cultura juridica; justiga do caso concreto; contraditério opinativo. 2. A regra juridica de criagdo jurisprudencial como a fonte de Direito O processo de criagdo de uma Tegra que possa ser aplicada na resolucao justa de um conflito entre pessoas ou entidades, para que a paz existent na sociedade no termine em violéncia entre as partes em litigio ou através de uma injustica imposta pelo mais forte ao mais fraco ou incapaz (outra forma de violéncia) — esta na origem (na fonte) do Direito. A criagéo de uma regra juridica resulta da identificagio de um conjunto de similitudes ou identidades entre solugdes dadas a casos iguais ou muito idénticos permitindo tragar uma linha recta (direita) entre elas (regu/ae), formulada através de um enunciado comum que dé unidade a todos eles. 20 4 Digitalizada com CamScanner LIGORS DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO L Acriagio de regras através de casos ¢ a aplicagao de regras a casos ¢ uma dialéctica que estrutura a base do Direito. $6 ha Derectum através das Regulae. Logo, a origem da regra esta na identidade de solugées dadas a casos iguais ou parecidos que permite uma formulagio unica para o que é comum. A juridicidade da regra est4 na sua capacidade para, aplicada, conduzir a uma solugio justa do litigio que op6e as partes. No entanto, a justiga do caso concreto (equidade) pode ser somente possivel pelo afastamento da regra potencialmente aplicavel ao caso. Ento, € preciso trabalhar uma solugao fundamentada para 0 caso concreto como excepgio 4 regra que deveria ser aplicada (logo, partindo dela no plano teérico; paraa afastar no plano concreto) a fim de chegar A justiga. A regra e a sua excep¢ao sao fontes de Direito, porque resultam do labor dos jurisprudentes com auctoritas visando a paz entre os litigantes ¢ na sociedade apés 0 conflito, pela efectivacao da justiga no caso concreto. © conjunto de regras assim criadas, excepcionadas ¢ aplicadas é vulgarmente designado como ius, hoje livremente traduzido por Direito. O Direito como conjunto harménico de regras juridicas (porque com potencialidades de justica na resolugao de litigios) visa a realizacéo da justi¢a em cada caso concreto. Todas as abstracg6es e generalizagdes normativas criadas pelos detentores de imperium, fora dos parametros definidos na cria¢ao e aplicagao de regras juridicas, nfo respeitam ao Direito. Podemos entao definir 0 Direito como o conjunto de regras criadas a partir da identidade de solugées dadas a casos iguais ou muito parecidos que, quando aplicadasa conflitos, permite (também pela construgdo de solugdes diversas requeridas pela justica do caso concreto e possiveis apés 0 afastamento argumentado da regra, em principio, aplicavel) uma solugao justa que mantenha ou restitua a paz entre as partes e na sociedade onde vivem, EN Digitalizada com CamScanner RDUARDO VERA-CRUZ PINTO. As regras juridicas juntas podem integrar-se num todo de forma ordenada por matérias ou dreas constituindo esse conjunto de regras um ordenamento, vulgarmente designado como ordenamento juridico; ou serem arrumadas e desenvolvidas de modo légico e articulado, através de um sistema — 0 sistema juridico. Mas quer o ordenamento quer o sistema so formas de apresentar 0 Direito - “conjunto de regras juridicas” - e nao de determinagao dos respectivos contetidos portadores de justica, logo de juridicidade. A justiga é a meta; a regra € 0 meio; o método é jurisprudencial; o autor é 0 jurisprudente; a pessoa é 0 motivo e a inspiragao do labor juridico, 3. A justica como finalidade da soluggo jurisprudencial A justica € dar a cada um aquilo que é seu; 0 seu de cada um € aquilo que ele merece; merece na medida em que dé; ¢ deve dar de acordo com as suas capacidades. Nao ha justi¢a quando o direito é criado pelos detentores do imperium; quando a regra juridica é substituida pela norma legal; quando o direito é exercido com abuso de quem o tem; quando a violago das regras néo é punida e se instala entre os poderosos um sentimento de impunidade e de auséncia de limite. Nem quando 0 julgador é apenas um aplicador de leis que correspondem aos programas ideolégicos dos partidos politicos que ganham as elei¢6es; ou entao o juiz é uma estrela mediitica a aplicar as suas proprias concepcées de justica, “em nome do povo”. Quando o sistema judiciario esta partidarizado e 0 juiz nao € ponderado e¢ equitativo, justo ¢ equilibrado ¢ executa 4 2 4 Digitalizada com CamScanner LIGOKS DE IMSTORIA DO DITO ROMANO L condenagio como uma vinganga (ou nfo condena por cobardia); & compensagio como uma simetria; ¢ a pena como um mero castigo - nao ha Justiga. A solugio justa, pelo Direito, tem de ser legitima, valida ¢ eficaz aos olhos da sociedade e corresponder a critérios de juridicidade jurisprudencialmente definidos. E 0 processo de aproximagao da solugao 4 justica através do método de aplicagio de uma regra preexistente por um jurisprudente, em quem as partes confiam e a comunidade também, para — conhecendo o caso concreto através das causas € dos efeitos do litigio ¢ das regras j4 criadas para solucionar casos idénticos — encontrar uma solugao justa, explicada com argumentos e razGes as partes, aos interessados e aos membros da comunidade politica (cidadaos). O mesmo se pode dizer, com as necessérias adaptacées, quando a regra aplicdvel tem de ser afastada porque levaria a uma solugio injusta do caso em apreciagio e € necessdrio excepcionar a regra criando ad novum uma solucao. Logo, avalidade da solugao est na justica que ela concretiza para solucionar um conflito. S6 é legitima uma regra que permite, quando aplicada, fazer justica; s6 é valida, como juridica, uma solugdo que seja justa. Autilidade e possibilidade da solugdo juridica de um litigio estd na eventualidade de aplicar uma regra a um conflito para o resolver com justi¢a; ou de afastar a regra aplicdvel através de uma excepcdo a essa regra efectivada numa solugio validada pela argumenta¢ao que afasta a regra e que constréi a solugéo em face das caracteristicas especificas e atipicas do caso a resolver. Por isso, na validade de qualquer solugao justa a aplicar pelo julgador est4 sempre uma finalidade de justica (conceito universal) concretizada na aplicagio de regras ou de excepcoes Por um método jurisprudencial, ‘Também, por isso, nfio se pode confundir a eficécia da solucio com a possibilidade da sua execugdo. Cabe ao Juiz 3 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO dar a solugio justa através da sentenga ¢ a sociedade criar ag condligées necessirias, através da acgtio do Estado, para que a sentenga possa ser aplicada com eficdcia. Paraisso ser possfvel cabe ao jurisprudente ocupar 0 espaco dda auctoritas - respeitando (e rejeitando) 0 lado do imperium (nao ‘0 invadindo) - e dizer 0 Direito (ius dicere) através das regras ¢ das soluges nelas fundadas. 4. Aacciio autoral do jurisprudente e.a pessoa humana como fonte e destinataria de Direito Depois de vermos como sao criadas as regras de Direito importa saber quem pode crié-las. Assim como os politicos eleitos para exercer 0 poder legislativo (porque se candidataram para tal) fazem leis parao governo da Cidade/Polis (que devem ser aplicadas pelo poder executivo através da Administracéo Publica); os jurisprudentes devem criar, aplicar, afastar, adaptar e excepcionar as Tegras de Direito. Os jurisprudentes so pessoas que tm um saber reconhecido Pela sociedade, assente na experiéncia e no conhecimento de Tegras juridicas, logo tém prestigio social ligado ao exercicio da justia, De tanto resolverem com justica conflitos entre as partes, com solugées aceites por elas e pela comunidade, 0 que as torna exequiveis ¢ prontamente aplicadas voluntariamente pelas Partes no seio de uma comunidade que as compreende e integra ~ tornam-se pessoas com autoridade, a que se recorre para solucionar os litigios, ‘Saio estas pessoas — dotadas de um saber (sapientia) assente na informagao, no conhecimento, na experiéncia € na persisténcia, dirigido a resolugio, com justiga, dos conflitos que podem fazet Perigar a paz (toda a injustica é uma violencia que, persistindo, 24 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIRU'TO ROMANO 1 leva A guerra — perda da paz) - que ligam a solugio dos casos concretos A cnunciagio de regras; ¢ as excepgGes que, persistindo ¢ aumentando, se tornam regras também, para atingirem a justi¢a concreta, Essa dinamica permite um Direito (de regras, excepgdes ¢ soluges) constantemente actualizado e perto das pessoas e dos destinatérios. Um Direito eficaz e pratico, sem casuismos atomistas, precedentes e abstracgées intiteis, sem burocracias e atrasos, sem excessos e abusos, permanentemente actualizado e conforme com a sociedade onde é criado e aplicado. Logo, a legitimidade para fazer e aplicar regras de Direito nao esta na elei¢éo, nem na designagdo por confianga politica; nem na titulagao académica de competéncias, mas na auctoritas dos jurisprudentes, que assenta sobretudo no reconhecimento pelas pessoas que estao em conflito e os procuram para obter uma solugao e na comunidade que ouve e segue a argumentacao que sustenta a aplicacao das regras e a sua excep¢o. Assim sendo, se regras e excepcdes sao a fonte primeira de expressio do Direito; 0 jurisprudente é 0 auctor, pois é ele que cria a regra que revela de Direito. Entdo a fonte primeira e 0 destinatério ultimo do Direito é a pessoa humana. Como escreveu Hermogeniano (D. 1.5.2): hominum causa omne ius constitutum sit — “seja todo o direito constituido por causa dos homens”. O ser humano nfo é uma cria¢ao do Direito. A pessoa humana como titular de direitos e de deveres, isto é, como sujeito de direitos, é uma criagdo do Direito. Pelo Direito o ser humano ¢ as outras formas de vida nao podem ser apenas coisas para passarem a ser sempre pessoas ¢ entidades vivas, Logo, a pessoa humana é uma criacdo do Direito. A sua personalidade com dignidade garantida por regras € solug6es é uma construgio juridica Gjurisprudencial) que esté assente num conjunto de direitos que so seus (desde a concep¢iio € 0 nascimento até A morte ¢ depois dela) e constituem deveres das outras pessoas ¢ das instituigdes. 35 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO. Bisto, em toda a sua plenitude, que cabe aos Estados que querem ser “de Direito”, nfio apenas reconhecer, mas garantir na pritica com normas € mecanismos eficazes, enfrentando todas as doutrinas ¢ idcologias, seja qual for a moda, a demagogia ou a maioria, que pretendam — com palavras, causas e bandeiras enganadoras - vulgarizar a pessoa humana e fragilizar o Direito que garante a sua dignidade. 5- OEstado de Direito através das regras juridicas A inversio da metodologia de criagado das regras juridicas Ievou a uma confusio com as normas legais. Como atras dissemos, nao sao leis, costumes, doutrinas e sentengas as fontes de Direito; é 0 Direito que é a fonte de leis, costumes, doutrinas € sentencas. Ademocracia néo é condi¢ao suficiente para a juridicidade das leis. Um Estado de Direito democratico e constitucional pode nao ser um Estado de Direito. O Direito est fora do Estado porque é criado por jurisprudentes com auctoritas e — condigao sine qua non — sem imperium, O Estado s6 € de Direito se o legislador e o governante aceitarem que a sua ac¢ao no exercicio do imperium est limitada pelas regras juridicas — jurisprudencialmente criadas, adaptadas, interpretadas e aplicadas — exteriores aos processos normativos € nao controladas por nenhuma das instituigdes de que sio titulares, Logo, num Estado de Direito a lei, para ser Direito, tem de corresponder as regras juridicas. As normas legais criadas pelo poder politico legitimo (democratico) que pretendam ser consideradas como “manifestagées normativas” do Juridico devem ter como fonte o Direito jurisprudencialmente criado. As sentengas dos tribunais (impropriamente designadas como jurisprudéncia) devem recorrer as regras juridicas e a0 26 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I método jurisprudencial para solucionar os litigios com sentengas justas, Mesmo submetidos 4s leis, os juizes devem interpreté-las de acordo com as regras juridicas como método (caminho) para a solucio justa, através do trabalho dos jurisprudentes. Embora sejam universos distintos: 0 dos juizes (imperium) € 0 dos jurisprudentes (auctoritas), importa que os primeiros se apoiem nos segundos para a juridicidade das suas sentencas; € os segundos atendam aos casos apresentados aos primeiros e compreendam as limitagdes da sua fungao judicial no labor jurisprudencial. O Direito criado pelos jurisprudentes € aplicado / concretizado pela adesao das pessoas as suas solugées, nao pelo exercicio do poder coercitivo do Estado através dos tribunais, das policias, da administragdo publica. O Direito nao requer a forca fisica, a ameaga estadual ou a sangio legal. As leis sim. Asolucio do jurisprudente, a que as partes voluntariamente recorreram aceitando a solugdo antes de a conhecerem — por ser uma solugdo argumentada, fundada numa regra (ou numa excep¢o) explicada e inserida nas chaves de compreensio da comunidade com um discurso partilhado com todos e por todos compreendido — porque confiam no jurisprudente (base do compromisso prévio de aceitacéo da sentenga), nao carece de nenhum poder coercitivo. Levamos tao longe a identifica¢do entre Direito e Lei, entre regra juridica e norma legal ¢ normalizamos na nossa vida colectiva ~ interiorizando na nossa cultura juridica — essa confusio, que nos esquecemos do ébvio. No limite, 0 Direito rejeita todas as formas de violéncia, inclusive a imposigio pela forga da solugao pelos poderes legitimos e competentes do Estado para tal. Uma solugio de um conflito pela aplicagio de uma lei imposta pela forga de quem tem o poder nao é uma soluco juridica. $6 a adesiio voluntaria das partes intervengiio de um 7 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO jurisprudente para dar a solugfio do litigio ¢ 0 compromisso prévio daaceitagio de tal solugao (fundado na confianga inerente ao modo de construgio jurisprudencial dessa solu¢ao) é que dig juridicidade a solugao. Porisso, avida de uma sociedade organizada sob a formade ‘um Estado de Direito deve manter separados Direito, Politicae Religido, Assim como tem de garantir consensos normativizados sob as formas de relacionamento e de colaborago entre eles, sem derrubar as barreiras juridicas que os separam e garantem a respectiva independéncia. Assim, as fontes de aplicagéo da regra de Direito pelo jurisprudente sao a adesdo voluntaria das partes a sua auctoritas, © seu compromisso e comprometimento com a solucdo por ele encontrada; e a proximidade entre a éurisprudentia e as pessoas de uma sociedade. O método de aplicacao do Direito é no sentido do caso concreto para a regra geral e desta para a solugao concreta justa e aplicadvel, ou para a sua excepso argumentada como exigéncia de equidade. No do caso concreto colocado em tribunal ¢ processualizado para a norma legal geral e abstracta e desta para a sentenca do juiz sem recurso a regra juridica. 6. Adiferencaentrenormalegalearegrajuridica A crise do Estado e da Constituigdo, que é a crise da lei e da confianga das pessoas nos politicos eleitos para as Tepresentar num sistema esgotado ¢ falido dominado por grupos de interesses fechados sobre si proprios e controlados por oligarquias corrompidas e dependentes de poderes empresariais instaladas nos partidos politicos, obriga-nos a repensar 0 modo de concretizar a justiga nas nossas sociedades. Todos sabemos que o totalitarismo da lei, da Fundamental 4 ordinaria, tem bom apoio politico ¢ académico. Ambos os 8 2 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I discursos promovem o sistema legal como “o melhor dos regimes politicos” ou a tinica forma de vivéncia democrdtica, No entanto, a quebra generalizada de confianga nas instituig6es pela sua inércia e desadequagéo aos problemas concretos das pessoas; e pela falta de honestidade e de credibilidade de alguns dos seus titulares e pelo bloqueio do sistema que os escolhe ja nao se pode esconder, A apatia civica, o imobilismo da sociedade civil, a fartura consumista dos paises ricos, o refazer dos laos comunitérios em torno de caracteristicas inatas em prejuizo das op¢ées politicas, o hermetismo dos partidos politicos, o entretenimento como cultura, o negécio comunicacional como liberdade de imprensa, a individualidade exacerbada sdo apenas sintomas de uma situag4o que requer reformas urgentes também nas fontes de direito. ‘A melhor forma de compreender 0 que se passa e de preparar alternativas vidveis e fidveis é recuar e procurar na Histéria causas e respostas. Voltar a estudar a Hist6ria de Roma e do Direito Romano. O contexto em que vivemos no ajuda. Os juristas nio tém, pelo ensino superior do Direito, meios para acompanhar os caminhos de renovacio radical das fontes do Direito. As elites politicas aliadas 4 “comunicagao social” fixam o socialmente aceitével, o que é moralmente censurivel e os programadores educativos fazem das Universidades, com autonomia sé formal, as escolas que formam nas suas ideias. A politica e 0 mediftico, sabendo o perigo que isso fepresenta, para si e para o sistema em que sio elite, impede por todos os meios (sem proibir) que se ensine, debata e proponha 0 Juridico a partir de Roma. O debate tem de ser feito a volta da Constituigao, dos Cédigos (e daquilo que convenientemente quiscram preservar de Roma) e de outros elementos que dominam ¢ esto na sua esfera de control, 29 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO. Aqui seguimos outro rumo numa proposta pedagégica que recoloca 0 conceito de Direito como conjunto de regras criadas e aplicadas por jurisprudentes em ligagdo A auctoritas dos jurisprudentes e & Histéria do Direito Romano, Ora, o que se propée aqui é voltar a diferenciacao entre a regra juridica e a norma legal, revelando a antitese existente entre ambas, sendo necessério partir desta para aquela como tinica forma de dar contetido a expresso “Estado de Direito”; e fazé-lo a partir da sua origem: o Direito Romano. Com efeito, o Direito tem a ver com a historicidade das regras € 0 saber de quem as interpreta fundado, na experiéncia da sua aplicago a casos concretos procurando solugées justas e exequiveis. O Direito pouco ou nada tem a ver com a aplicacao mecénica de normas legais inscritas em cédigos a casos através de Processos judicializados numa burocracia incapaz de Justica; em sentengas formalmente irrepreensiveis embora materialmente injustas e inaceitaveis. Continua vilido como preceito juridico prioritdrio € universal: procurar viver honestamente. Isso implica seguir trés Tegras: nao abusar dos seus direitos nem tirar os dos outros € cumprir os seus deveres exigindo os seus direitos (boneste vivere); nao prejudicar ninguém (alterum non laedere); dar a cada um aquilo que é seu (suum cuique tribuere), Estas so as regras fundamentais em que assenta 0 corpo do Direito: proibir a cada pessoa o abuso do Direito; limitar © exercicio ou uso do Direito sempre que isso prejudica sem Motivo um outro; respeitar o direito da outra pessoa. Por elas Podemos aferir a juridicidade de todas as outras regras. Entende-se, assim, que a jurisromanistica encontre na Historia do Direito Romano as razes para centrar a sua atengio no binémio regra juridica/norma legal, afastando-se das especulagdes estéreis de fildsofos, metodélogos e tedricos do Direito em torno dos “principios gerais de direito”, 30 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I Com longas exposiges sobre principios pré-juridicos ou morais como fundamentos reguladores ou critérios normativos afastam-se do Direito ¢ da Justia (formalismo, pragmatismo, realismo, legalismo, dedutivismo, jurisprudencialismo social, juridicismo literdrio, discricionarismo, teorias do reconhecimento, retorizacio). Ora, pelo estudo do Direito Romano entendemos como sé a historicidade é constitutiva do Juridico através das regras aplicadas a casos, centrando o objecto de estudo da jurishistoriografia romanistica. Superamos, assim, as controvérsias especulativas sobre os métodos de criacao e de realizacao do Direito ligando, no processo histérico do ius Romanum, a regra juridica ao meio processual como duas faces da mesma moeda. O topo axiolégico do Direito ¢ ocupado pelas regras; o método é jurisprudencial; a realizacao € processual. Os principios, sejam quais forem e em que dimensio sejam considerados (ratio, intentio, ius), ficam fora do universo juridico. Em conclusio: a regra de Direito é de criacdo jurisprudencial, fundada na auctoritas do autor (que néo pode ter imperium) a partir da casuistica na repeticao de solugdes para casos idénticos e visando a justia do caso concreto e a estabiliza¢ao das formas de resolver atenta a seguranga juridica; a norma legal é criada pelo poder piblico soberano, visando 0 governo da cidade (ivitas), a certeza e a seguranca publica. Os principios estao fora do universo do Juridico. 7. S86 pelo Direito Romano se pode diferenciar a regra juridica da norma legal O Direito romano foi um direito de regras e de juristas; nao um dircito de normas legais e de juizes. O direito, em Roma, foi criado, modificado e extinto pelos jurisprudentes na sua actividade de resolver conflitos com solugées justas, pela 3 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO aplicacio de regras jurfdicas, e a construgio argumentada de excepgdes, visando a justica do caso concreto. Por isso, 0 Direito Romano salta para fora do seu tempo, interrogando o presente, para resgatar o que de juridico nele se perdeu na “tradi¢fio romanista”, Foram os romanos que criaram o Direito (ius) como instrumento da justiga a realizar na resolugao de litigios entre pessoas. Para isso, retiraram enunciados generalizadores do que havia de comum na resolugio de casos em que se verificavam as mesmas condicées e circunstancias e surgiram as regras. O conjunto dessas regulae designou-se us /derectum (Direito), pois permitia seguir um percurso direito (sé a régua permite fazer riscos direitos). Nao podemos, por isso, ignorar que s6 pelas regras se pode chegar ao Direito; e s6 por este se pode fazer Justica. Pela aplicagdo de regras a casos, sempre aceitando a possibilidade da excepcao, é que se pode chegar a justiga na solucao do caso. A aplicagao por juizes burocratas de normas legais feitas Por politicos eleitos, seja qual for a criatividade do discurso que procura legitimar tal procedimento, nio é Direito; nem pode levar a Justica. S600 estudo da urisprudentia romana permite entender isso € s6 0 seu exemplo pode abrir mentalidades para — na ruptura necessria com os habitos ritualizados de hoje — reintroduzit regras juridicas na resolugo de conflitos, valorizando a sua interpretagao e a auctoritas daqueles que contribuem para, desse modo, encontrar as solugdes mais justas para cada caso. Essa atitude de estudo ¢ essa intengao de ruptura esbarram com um muro de indiferenca e ignordncia e outro de resisténcia erguido na defesa dos interesses de quem manda pela lei; de quem beneficia com as sentengas baseadas nela; na impunidade garantida por quem legitima o torto através da norma legal e da sentenga judicial; do ostracismo de quem lembra outra forma (t forma) de ser do Dircito; da ignorancia de quem afasta e rejeita tudo o que desconhece. R Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I $6 da rgula vem 0 Derectum, Logo da norma (esquadro) vem a organizagiio © do canon a medida. As regras, fixando principios em relagiio A justicga entre as pessoas numa sociedad ¢ a pessoa como sujeito dessas regras, hierarquiza os valores protegidos pelo Direito ¢ garante a Justiga. O mesmo quanto ao costume, pois nfo basta uma “pratica reiterada com convicgao de obrigatoriedade” para que exista um costume de Direito; é necessdrio que ele corresponda a ‘um comportamento reiterado que coloque em pratica, total ow parcialmente uma regra juridica (ou que, no minimo, nao a contrarie) ou vise a ideia de justica. Numa sociedade sé a justica efectivada pelas regras do Direito permite uma vivéncia social pacifica. A Paz vem da Justica pelas regras. A norma legal coercitivamente imposta pelo Estado impée a ordem, a seguranga e a tranquilidade piblicas; nio a paz, nem a harmonia. A forca, mesmo que legitimada pela lei, tem de estar aliada 4 razio jurisprudencial capaz de convencer quem perde; de fazer as partes aderir 4 solucdo contida na interpretagdo da regra aplicada na solugo do conflito. Se nao for assim € s6 técnica e imposicao néo-fundamentada juridicamente nem explicada a quem perde. A Justica do Estado afasta-se da Justi¢a do Direito e, assim, das pessoas a que se destina. Por isso, os romanos que inventaram 0 Direito como ius separaram-no da lei, entregando o Direito aos jurisprudentes € deixando a lei para os politicos. O ius é composto por regras que instituem o Derectum na sociedade humana. As regras estao no tempo sendo alteradas, pela interpretagio dos jurisprudentes, para se adaptarem 4 realidade existente (que é orientada para a Justiga) ¢ permitirem fundamentar solugGes justas para cada caso. Dai que a for¢a do Direito (vis) que impée a solugéo dada pela regra juridica nada tem a ver com a violéncia do Estado exercida a coberto da norma legal. O que legitima o uso da forga 3 Digitalizada com CamScanner Et EDUARDO VERA-CRUZ PINTO para fazer valer uma decisiio de um caso nfo é a lei; é a justica dy solugiio que lhe é dada; essa é aferida pela fundamentacao em regras juridicas aplicadas para o resolver. Os juizes tem de conhecer as regras e de saber interpreté-las para as aplicar; e néo de conhecerem as leis e a técnica seguida para a sua conversio em sentencas judiciais. Quem deveria aplicar as leis feitas pelos poderes executivo ¢ legislativo era a Administracio Publica, nao os tribunais ~ poder do Estado separado dos outros, e com a funcao de “fazer justica”. Num Estado de Direito caberia aos tribunais aplicar Tegras juridicas para a justiga do caso concreto, mesmo que nao positivadas em leis. Digitalizada com CamScanner I. ODierro Romano 1. Adefinicio de Direito Romano ODireito Romano é normalmente definido como o conjunto de normas, opiniées e decisdes que vigoraram e foram expressas ¢ aplicadas em Roma e aos romanos desde a sua funda¢do no século VIII a.C. (convencionalmente desde 754 a.C.) até 4 morte de Justiniano em 565. Todavia, este arco cronolégico contém rupturas juridicas fundamentais como a mudanca do proceso formulério, a institucionalizagao progressiva do poder monrquico (Principado /Dominado), a morte de Teodésio em 395 d.C. e a consequente divisio do Império ¢ a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. Porisso, qualquer definicao que abranja unitariamente todo longo tempo € o imenso ¢ variavel territério de Roma é fragile deve ser evitada, Ainda que se tenha consolidado no tempo uma nogo de Direito Romano que junte tudo no tempo € no espaco de forma geral, abstracta e anacr6nica, é preciso nao repetir esse erro. Esta definigéo que aceita limites temporais e uma delimitagio territorial varidvel (tempo e espaco) assenta num critério politico-cronolégico, que tem um termo inicial (terminus 4 quo), um termo final (terminus ad quem) ¢ um territério em xpansio ¢ depois em perda, o de Roma, 3% Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO Nio faz sentido aplicar a dicotomia personalidade/ territorialidade como pressuposto da definig¢ao de Direito Romano por nenhum destes sistemas abranger a totalidade complexa conhecida pela expressio “Direito Romano”. Enquanto expressio Direito Romano pode ter varios significados genéricos. Normalmente junta-se uma palavraa esta expresso para lhe dar um significado concreto: Direito romano vulgar; Direito romano justinianeu; Direito romano comum; Direito romano de Roma, etc. O Direito Romano tardio integra, no plano formal, varios conjuntos de regras, normas e decis6es designados — nas fontes que sintetizam, com intuitos didacticos, as formas de expresso do direito ~ como partes juris — D. 1.2.2. Aexpressio “Direito Romano” e as suas partes integrantes 0u os seus complementos designativos nZo nos interessam aqui. Importa-nos, sim, mais do que encontrar uma definicao de Direito Romano trabalhar na conceptualizagao dessa expressa “Direito Romano”. O mesmo € dizer, mais do que uma definicao, © Direito Romano deve ser compreendido por quem o estuda como um conceito. 2. Oconceito de Direito Romano O Direito Romano é o ius Romanum. Um conjunto de Tegras, criadas pelo Homem com o fim de garantir a liberdade da pessoa e a sua vida em sociedade através de decis6es justas para os conflitos que devem ser cumpridas pelo convencimento das partes, mas, se necessario, com recurso 4 forca (por isso o Direito justo — ius ~ tem uma forca legitima - vis— que o aplica quando é necessério usé-la). As regras aplicadas a casos concretos para resolver conflitos surgidos entre as pessoas levam a decisées devidamente fundamentadas em processos racionais que as explicam as 36 Digitalizada com CamScanner 8S DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 pessoas, As regras sfio seguidas e as sentengas sfo respeitadas por todos, porque estiio convencidos que sio as mais adequadas ¢ justas, Este Direito justo (fus) respeitado por todos e imposto, quando necessirio, pela forga (vis) aos que se opdem A justica das suas regras e solugées leva 4 paz na comunidade. Por isso, nao se pode confundir a forga do Direito (vis) com 0 actual conceito de coergao. A regra juridica no o € por ter coercibilidade ou ser dotada de coergao. Ao contrario, é a juridicidade da regra que legitima o uso da forca na sua aplicacao. Logo, 0 juridico que hd na regra precede a forca da lei do Estado (coer¢ao) na sua aplicagao. A inversao entre estes dois termos “juridico” e “coer¢4o” no ensino universitario do Direito tem provocado o uso ilegitimo do Direito pelos governos dos Estados, permitido pela associagio completa entre regra de Direito e norma legal (ver infra). Normas legais sem qualquer juridicidade sdo apresentadas como sendo Direito e, com essa legitimidade falsa, aplicadas coercitivamente contra o Direito, a Justic¢a e as pessoas. O Direito é um porqué continuo que acaba quando se chega 4 solucao justa do caso. Os jurisprudentes sabem que — para se chegar a solugao justa — a pergunta (mais que a resposta) nos aproxima do sentido do caso a resolver. E quando temos a resposta na solugao (sempre proviséria), ela transforma-se em pergunta. A pergunta liga o caso a regra; a parte ao todo; 0 texto ao contexto: o facto a solugao. Perguntar é a forma de conhecer dos jurisprudentes; ¢ 0 modo de agir para chegar A justica. Por isso, a viagem do Direito para chegar 4 Justi¢a nunca termina (nem se consolida imével nas letras das leis e nos textos dos cédigos). Ulpiano ensina-nos, logo no inicio do século III, que a Palavra ius vem da palavra justia e nfo faz sentido sem ela (em Roma o uso da palavra ius foi-se impondo como uma versio laica do fas - 0 que estd de acordo com a vontade dos deuses). 7 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO A palavra Direito vem de de rectum, logo simboliza 0 equilibrig (quando o fiel da balanga - que simboliza a justiga — esta direito), Celso (citado por Ulpiano em D. 1.1.1 pr) explica, no século I, que o Direito é “a arte do bom e do justo”, cabendo aos jurisprudentes separar com sabedoria o que é justo e o que € injusto. Ora, mais que uma techné (uma ciéncia especializada) para fazer essa separaco entre justo e injusto, o Direito é uma episteme, isto é, uma sabedoria empirica assente na experiéncia humana (no uma sophia, uma especulacao argumentativa). Em Roma foi-se sedimentando a ideia que sé pela aplicagao do ius expresso em regras se podia chegar a justiga das solugées dadas aos conflitos. Daf que os jurisprudentes fossem chamados para com “uma constante e perpétua vontade de dar a cada um © que € seu, 0 seu direito” (D, 1.1.10.pr) criarem e aplicarem o direito necessério a justeza das solugGes. O conceito de Direito Romano aqui adoptado é este de Celso ¢ de Ulpiano: um conjunto de regras que, pela mao dos jurisprudentes, est4 constantemente a ser adaptado, pela necessidade de dar solugdes justas a casos. Nao € 0 conceito de Direito como norma legal que surge imputado a Gaio, numa época jé degradada e helenizada (Antonino Pio / Marco Aurélio) em que o poder politico do imperador tinha aniquilado 0 Direito como ius visando a justitia e a iurisprudentia como labor de jurisprudentes, sacerdotes da Justiga, que jé estava morta, 3. _ As fontes de conhecimento do Direito Romano Como ja ficou referido sé a literatura juridica tardia faz um elenco das fontes de Direito Romano, revelando o que se passava no tempo em que foram escritas essas obras, de supremacia da lei sobre todas as outras fontes, nomeadamente a jurisprudéncis livre e independente da Republica. 38 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO I Referimo-nos aos fund populi Romani em Gaio, Commentarii Institutionum 1.2.7, € em Sexto Pompénio, Enchridion, D, 1.2.2.12. Superadas as idcias, cronologicamente situadas, da Escola Historica e do usus modernus pandectarum; e de uma pretensa cientificidade fundada apenas na literatura juridica tardia e em documentacao dispersa encontrada nos arquivos — podemos hoje conhecer o Direito Romano através de uma metodologia juridica interdisciplinar com recurso a tecnologias digitais e no contexto histérico em que foi criado e aplicado. O positivismo e 0 historicismo ditaram as regras sobre 0 que era ou no era fonte de Direito e isso foi transposto para a historiografia jurisromanista. O Direito Romano nfo se pode conhecer apenas pelas leis, escritos jurisprudenciais e codificagdes dos edictos do pretor. Hoje, o meio digital e os avancos na investigacao da histéria, da literatura, da guerra, da linguistica e dos costumes na Antiguidade Clissica permite aceder a outras fontes de conhecimento e corrigir ideias feitas. Oconceito de fonte juridica alargou-se e integra componentes de outras 4reas que tocam o fenédmeno juridico e que os investigadores nao podem afastar. Situar os textos nos periodos histéricos em que foram produzidos; analisar os seus contetidos com rigor critico atenta anatureza do documento em causa; contextualizar a informa¢io que dele se retira e integr4-la no acervo ja existente; interpretar levando em consideragao o trabalho de autores anteriores; utilizar um método comparado que permita compreender a inser¢ao temitica, etc. — séo cautelas que permitem credibilizar as narrativas sobre a Histéria do Direito Romano. Demasiado presa a “produgio normativa”, a historiografia jurisromanistica prestou mais atengao ao poder (imperium) que 4 auctoritas, Esta ultima a Gnica capaz de criar direito como ius. Dai a importancia dada pelos historiadores do Dit Romano aos imperadores, aos ciclos politicos, aos magistrados € 4s 39 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO. leis ¢ A organizaciio do poder. Uma Histéria externa, institu ional, de matriz politica que tem pouco de Direito e muito de Romano, Ora, 0 estudo jurfdico do Direito Romano impée que nag se dé relevo nem a politica, nem a religido, nem ao poder (a nao ser como formas complementares de entendimento), mas que se centre primeiro a atencGo nas condi¢6es criadas para que em Roma tenha surgido um direito que nao resulta do poder politico, religioso, econémico ou outro, mas da autoridade social de quem o cria. $6 af ha Direito. Pode chamar-se Direito ao que se quiser, como se tem feito, sem qualquer critério ou responsabilidade, designando como “direito” normas indecentes criadas pelos poderes instituidos, Mas, é preciso que os juristas digam néo a esse caminho de totalitarismo comunicacional que degrada a justiga e a credibilidade do Direito em sociedades tao necessitadas de uma e de outro. Daia importancia na conceptualizacio e seleccao das fontes € no modo como sao analisadas e interpretadas no ensino do Direito para que a informacdo nelas contida seja contextualizada e integrada numa narrativa historiogrdfica jurisromanista de natureza didactica. Ali (ex) éa expresso do poder (potestas) e os magistrados, como os cénsules e os pretores, so detentores do imperium (poder supremo) para efectivar as leis e outras determinagées (a lex publica € proposta pelos pretores e aprovada pelos destinatdrios (populus) reunidos em assembleias; quando nao ¢ aprovada por eles designa-se como /ex data. Os edicta dos pretores, uma espécie de programas de acc40 para o exercicio do cargo apresentado aos eleitores, com 0 tempo tornaram-se uma fonte de normagio (Cicero, II in Verrem 1.42 designa-os j4 como /ex annua). As leis e os edictos foram usados pelo poder politico para introduzir alterag6es ao ius usando a forga coercitiva do imperium. 40 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 Essas alteragées desrespeitaram os modos préprios (internos) de o Direito Romano se reformular e adaptar pela via jurisprudencial (a mais adequada) gerando incompreensio na sociedade e fragilizagao dos meios que garantiam aimparcialidade solugdes € a independéncia dos jurisprudentes. A cultura politica, dirigida 4 conquista e manutengao do poder, aproxima-se perigosamente da cultura juridica, confundindo-se com ela aos olhos do cidadao com senso comum. Ora, o Direito nio tem origem na lei, mas nas regras, excep¢ées e solugdes criadas pela jurisprudéncia com base nos mores maiorum (moral comum) e na ideia comum de justiga. Em Roma, as inova¢ées impostas pela realidade social € pelas adaptagGes a ideia de justica partilhada por todos, faziam-se através da interpretacdo dos jurisprudentes e na elasticidade das estruturas processuais (nao era necessaria a intervengdo da lei para tal; pelo contrério o legislador deveria permanecer fora deste campo). Por isso, no apenas as fontes de criacdo, mas também as fontes de conhecimento do Direito Romano esto sobretudo na jurisprudéncia e nas condigées de trabalho dos jurisprudentes; no tanto na actividade dos érgios politicos, nas leis, nos edictos dos pretores. 4. O Direito Romano e a juridicidade das regras de Direito Foram os romanos que criaram as regras como juridicas — m certo momento histérico, mas com potencialidades histéricas ¢ anespaciais — os meios para as aplicar e a forma¢ao das pessoas que resolvem os conflitos que fazem perigar a paz, através da justiga na resolugao de cada um deles. Por isso, s6 se deve designar como Direito 0 que foi assim criado ¢ é mantido com adaptag6es, no tempo e no espago, através da “tradigao romanista” que seja fiel ao método jurisprudencial. a Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO As regras, para serem jurfdicas, devem ter como finalidade, na sua aplicagiio aos casos em litigio, conseguir a resolugao justa dos conflitos entre as pessoas visando a paz nas sociedades humanas, Logo, para as normas que disciplinam a vida em comum das pessoas, vigentes numa sociedade, serem juridicas e assim, poderem designar-se como Direito, devem corresponder as regras juridicas criadas pelo mesmo método que os romanos utilizaram para criar 0 ius /derectum. Por isso, 0 Direito Romano est4 necessariamente na origem de qualquer conjunto de normas e de solugées destinadas a promover a pessoa humana e a dirimir conflitos entre pessoas, para a vida em paz nas sociedades humanas, que se pretenda “Direito”. E a justeza das regras jurisprudencialmente criadas e aplicadas, a racionalidade / adequabilidade das interpretages dos jurisprudentes e a justica concretizada nas solugdes que dio juridicidade as regras — que no seu conjunto so designadas como Direito. Foram os romanos que conceberam 0 mecanismo de vinculos aqui implicados, criaram o método e as condig6es para © seu funcionamento, colocaram as metas a atingir, fixaram as instituigdes e as caracteristicas dos respectivos titulares a partir de um cursus honorum. Os romanos juntaram ius e vis, separando leis e poderes de regras ¢ justiga dando superioridade a estas sobre aqueles na resolucao dos conflitos. A aceitacao social que leva as pessoas a obedecer as regras ¢ a aceitar as solugGes dadas pelos jurisprudentes com base nelas resulta da fundamentacio argumentada das interpretagées feitas e projectadas nas solugdes; e nao de mecanismos de convencimento préprios da propaganda politica, da retérica publicitaria, da comunicagio televisiva e da coergéo estadual. Foram os romanos os primeiros a separar na Antiguidade Clissica o direito (jus) da crenca, da supersticao e da irracionalidade. Através de um processo de autonomizagio do direito face 4 a Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 religiio (ortculos) cao poder (lei) onde estava dilufdo, 0s romanos ligaram as regras — cnunciadas com generalidade ¢ abstracgao a partir de casos - A justiga do caso concreto pela interpretacio dos jurisprudentes, fazendo-as aplicar, quando desrespeitadas, pelo imperium dos magistrados. Esse Direito que tem regras, método e finalidade préprios, de cuja especificidade depende a identidade - como Juridico - do conjunto, nfo se pode confundir com as normas legais, a constitui¢o e os cédigos que sao hoje comummente designados como Direito. Ensinar Histéria do Direito Romano na Universidade implica assumir 0 compromisso didactico de explicar 0 que é e como surgiu o Juridico na Histéria da Humanidade. Significa também lembrar a histéria da subordinacdo do Direito ao Politico, do Justo ao util, do Saber ao poder, da Verdade 4 conveniéncia e denunciar a faldcia e o erro de designar como Direito o legislado. A aceitacao social crescente, a conformacio politico- -constitucional a difusao pelo ensino superior universitdrio de nomear o conjunto das leis feitas pelos politicos para o governo da cidade como Direito tem dificultado a defesa do Juridico e da Justica na resolugao de litigios pelos juizes — poder do Estado; implica fazer concessdes terminoldgicas (nao de principios ou de conceitos). Podemos assim designar, por raz6es exclusivamente didaticas, 0 conjunto das leis como Direito positivo e 0 conjunto das regras juridicas como direito juridico. 5. ODireito Romano é uma ars iuris A iurisprudentia € 0 conhecimento das coisas divinas ¢ humanas ¢ a ciéncia do justo e do injusto (uris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniusti scientia - Ulpiano D, 1.1.10,2), a Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO. A iurisprudentia 6, por vezes, designada como “direito justo” ou “direito de juristas” diminuindo o seu papel criador de ius ¢ colocando-a ao nivel de uma das modalidades de direito ou um “grupo de presso” que influencia os contetdos normativos dos textos legais as sentencas dos juizes. Isso é um erro. Em Roma, no periodo republicano, os jurisprudentes criavam o direito que era depois normativizado pelos érgaos politicos e pelos magistrados e aplicado por juizes privados. Os jurisprudentes eram a fonte viva do Direito (com uma actividade fundada na tradi¢do, nos mores maiorum, no ius civile...), que tinha como principais destinatdrios os titulares dos érgios politicos, os magistrados ¢ os juizes que diziam o direito (us dicere), mas nao o criavam. Logo, 0 modo dos jurisprudentes de criar direito era a interpretagao das regras (regulae iuris) j4 existentes — e a fundamentacao de excepgoes a aplicacao dessas regras a casos concretos sempre que essa aplicacao resultasse numa injustiga — de forma a que isso fosse compreendido e pudesse ser aplicado pelas partes em litigio e pela sociedade. ‘A metodologia jurisprudencial integra também a criagdo de regras gerais ¢ abstractas assentes em repetidas excepgdes fundamentadas a regras anteriores potencialmente aplicaveis a casos concretos por ser essa a forma de chegar a solucdo mais justa e adequada. Essa discuss4o ou controvérsia sobre a regra a aplicar, a possibilidade da excepcao, a justeza da solugao (método dialéctico) assumia um cardcter problematizante e requeria o recurso a légica dedutiva e 4 retérica no alinhamento e hierarquizacgéo dos argumentos e na necessidade de convencer os outros da bondade € justeza da solugdo proposta. Esta casuistica jurisprudencial criadora e adaptadora de regras juridicas encontrava no processo formuldrio a abertura necessaria para fazer cumprir a solugo encontrada. Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 Eraum processo metodolégico pela equidade da jurisprudentia (do caso para a regra existente; se a regra existente nfo levasse a uma solugio justa, criava-se uma excepgfo para solucionar com justig¢a 0 caso, sempre com base no conjunto de regras j4 existentes € no sentido de justica que delas resultasse) que foi revelado por Labedo (Paulo D. 50.17.1: “non ex regula ius sumatur, sed ex iure quod est regula fiat” — 0 direito nao deriva da regra, mas é.a regra que surge do direito preexistente). Labedo defendia, j4 em época de ameaga de uma invasio legislativa do direito privado em prejuizo do labor rigoroso e competente dos jurisprudentes (final do século I a.C.), que a regra juridica s6 podia ser criada pelos jurisprudentes a partir dos casos que analisavam e dos conflitos que eram chamadas a resolver, mantendo a coeréncia do todo. A fonte jurisprudencial do Direito impde que a regra juridica nascga do caso concreto. S6 de um conjunto de casos semelhantes com solug6es idénticas se pode fazer um enunciado geral e abstracto a que se chama regra juridica. S6 a andlise do caso permite saber se ele se insere numa situagao tipica a que corresponde uma regra ja existente; ou se € um caso especifico que requer uma soluc4o nova construida como excep¢do a uma regra ja existente ou como proposta inédita a requerer confirmacao doutrinal, social e politica. A fundamentagio jurisprudencial das decisées casuisticas (rationes decidendi) ajuda a frxar critérios objectivos para a actividade de generalizacao e abstraccao implicada na criagdo de regras juridicas. Eoconhecimento das regras, do método, das instituigdes, dos conceitos e da moralidade juridica vigente que permite formar, no final de uma discussao entre opiniGes e doutrinas que se opdem Gus controversum) sobre a solugao mais justa a dar a um caso concreto, uma communis opinio sobre uma solucao justa ou uma regra criada. 45 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO A formulagiio geral ¢ abstracta de normas a priori pelo poder politico, colocadas em Cédigos, sem Ancora em casos coneretos, nfio é Direito, Nem se pode inverter 0 process metodolégico de criagio de Direito: primeiro a norma legal geral ¢ abstracta positivada pelo poder politico e depois 0 casoa que ela se aplica porque sim, porque assim é querido e imposto pela lei. A finalidade tltima do labor jurisprudencial é a justica material do caso concreto. O pendor pratico na interpretagao € criaco de regras pelos jurisprudentes para aplicar a conflitos que procuravam resolver resulta dessa necessidade de fazer justi¢a no caso concreto sem derivas subjectivistas e arbitrios decisérios. Ojurisprudente recorre a ficgdo, a légica racional dedutiva eA analogia, analisando normas dos edicta pretorianos ¢ responsa anteriores em casos semelhantes buscando meios processuais inovadores para solucées novas mais justas, permitidos pela natureza aberta do proceso formulério e, por isso, aceites pelos pretores e depois integrados nos seus edictos. Aars inveniendi que est na base da construcio jurisprudencial romana € o modo de agir, a forma de expressar a criatividade € 0 meio a seguir utilizados pelos jurisprudentes para chegar 4 solugao justa dada pelas regras em cada caso a resolver — que é 0 fim da sua ac¢do (importa nao traduzir, no plano conceptual, ars por arte, scientia por ciéncia e techne por técnica). Ouniverso da prudentia /iustitia de Roma est no personalismo € na civilidade dos sujeitos-pessoas (civitas); 0 da sopbrosyne / diké da Grécia esté na polis e no poder politico. Por isso, a prudentia no Direito Romano para a iustitia é muito mais que a jun¢ao da sophrosyne com a diké da filosofia politica dos gregos. Como atras dissemos, o Direito Romano é um conjunto de regras que, pela mio dos jurisprudentes, est constantemente a ser adaptado, pela necessidade de dar solugées justas a casos. 46 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 O Dircito Romano nfo é um conjunto de leis para o governo da polis, nem um ordenamento de normas que sao ordens, Logo, 0 conceito de Direito Romano afasta-se da no¢io de “um conjunto de normas juridico-legais que disciplinaram a sociedade de Roma antiga”; logo de um direito histérico, nao vigente; ou de uma referéncia histérico-cultural; ou de mero exemplo metodolégico, entre outros, de cria¢do do Direito. O Direito Romano por ser uma arte do bom e do justo nao pode ser uma ciéncia de leis. E um conjunto de regras juridicas visando a resolugio justa de casos; nfo um sistema de normas legais ou um ordenamento normativo destinado ao governo da cidade. Nada existe no Direito Romano, tal como aqui o concebemos, de certo e permanente ou definitivo; de verificagao constante e uniforme; de certeza como verdade. Nada aqui € ciéncia exacta. Nada, no saber juridico que dele (Direito Romano jurisprudencial) promana, é cientifico. Foi em Roma que o Juridico ganhou a sua autonomia como saber (sapientia iuris) separado dos demais, ainda que fortemente interligado a outras dreas do saber humano. Essa autonomia esté na construcdo jurisprudencial desse saber; nao na sua caracterizac¢4o como cientifico. Logo, o Direito é um saber préprio que procura o bome o justo visando a paz e isso nada tem a ver com 0 facto de ser uma Scientia iuris, Aidentidade do Juridico est entdo na iuris prudentia, nao na Scientia; no método, nas regras, nas opinides, nos conceitos, nas categorias, nas instituic6es, nas classificagGes, nas solugdes casuisticas que permitem chegar ao justo em cada caso; ndo no ordenamento normativo e na sistematizagio codificadora. A continuidade do Juridico assenta na transmissao destes contetdos, com adaptagées, inovagGes e caracteristicas sem Perda da origem romana e da identidade jurisprudencial; nfo na construcao de um sistema de normas que é causa € efeito de uma ciéncia juridica. 47 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO 6. ODireitopositivo inspirado no Direito Romano pode ser uma scientia iuris Em Roma existiu também, na fase derradeira do Império Romano, um Direito positivo que resultava das varias formas de expressiio legislativa do poder politico, dos costumes aceites pelo poder imperial, das sentengas dos juizes, das decisdes dos Pretores, etc, Foi assim que 0s juristas romanos tardios definiram o Direito: 0 conjunto de normas legais que regulam o comportamento das pessoas para a vida em sociedade. Foi este Direito Romano do Corpus Juris Civilis que renasceu na Europa medieval através das Escolas dos Glosadores e dos Comentadores. Se na Universidade 0 que se procurava ensinar era o contetido do Digesto (jurisprudentia), a didactica estava nas Institutiones de Justiniano. Se 0 Digesto era importante para dar uma base e um critério de legitimagao as solugées dos juristas medievais, foi a utilidade de um Direito Romano que servisse para a governacio dos reis que venceu. O Direito Romano da Idade Média, apesar da presenca via Digesto do direito jurfdico, era j4 0 Direito ordenamento normativo criado pelos detentores do poder politico (herdado do rumo orientalizante de Justiniano). Essa dupla vertente Gurisprudencial e legislativa) permitiu uma recepco pelo legislador posterior dos conceitos, institutos, classificagGes e categorias do Direito Romano justinianeu. Essa é a base de construgao dos modernos direitos europeus positivados em Constituigées e Cédigos a que a pandectistica permitiu acréscimos de legitimidade “juridica” através da cientificizagao. O Direito positivo de hoje é criado por politicos com legitimidade legislativa que obrigam os juizes, submetidos a0 principio da legalidade - sé juridicamente aplicavel 4 administragao Piiblica (poder executivo que cumpre as normas feitas pelo poder 48 Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO 1 legislativo; jamais poder judicial submetido a leis) -, a aplicar leis na resolugio de conflitos privados. As sentengas destes jufzes nunca serio iurisprudentia (mesmo que o totalitarismo legalista de Estado, como todos os totalitarismos, designe com um nome a realidade oposta ao que significa 0 designante). O modelo hierarquizado de criago de direito assente na Constitui¢ao (poder constituinte) e nas leis (poder legislativo) - que na realidade politica partidéria mistura e confunde os trés poderes de Estado que criou normativamente separados — nada tem de juridico, no sentido aqui adoptado. O facto de o poder legislativo ter parcialmente — e apenas como faculdade livremente exercida — recebido conceitos, normas, principios, classifica¢des com origem no Direito Romano, significa apenas isso: um “direito” feito pelo poder politico expresso em normas legais que recebe 0 que quer e como quer do Direito Romano. Um direito estadual / oficial (aprovado / sancionado pelas instituigdes politicas) imposto pelo poder soberano (imperium). Diferente seria se o Direito actual fosse caracterizado pelos elementos identitarios da juridicidade: criagdo, interpretacao de regras e sua aplicagdo a casos por jurisprudentes em busca de solugdes justas; ensino e transmissio de regras adaptadas as realidades das sociedades onde ocorrem os conflitos a resolver; transmisso da ideia de Justi¢a que permite a adesio as regras do Direito pelas pessoas numa sociedade. A legislago seria outra coisa e s6 teria juridicidade a norma legal que correspondesse a regras juridicas sufragadas pelos jurisprudentes ¢ aceites pelas pessoas nas sociedades a partir do comum sentido de justica. O direito juridico, fundado no conceito de Direito Romano aqui adoptado seria uma coisa, mais proxima da possibilidade de Justia. O direito positivado/legislado seria outra coisa ¢ esse sim, Poderia dar lugar a uma ciéncia juridica. 49 Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO 7 © Direito Romano é jurisprudencial e tem esséncia privatistica (D. 1.2.2.) O direito originario era direito privado. Em Roma eram Os cives, os patres os sujeitos desse direito. Era um direito de relagdes entre pessoas (intersubjectivo). A autonomia privada estava primeiro que a soberania colectiva; ¢ progressivamente a pessoa a frente da institui¢ao publica. Jhering (Geist II. 147) correu as fontes do Direito Romano para concluir que a pessoa humana e as relac6es dela com as demais so o centro da juridicidade romana, cria¢do exclusivamente humana em contextos religiosos fortissimos. Os padrées da sua criagio passam pela fides, a iustitia, a aequitas.. e da sua aplicagao pela estrutura do processo e requerem o trabalho livre, experiente, autorizado e competente dos jurisprudentes. A lide € fixada pelas partes ou com o seu acordo (itis contestatio); 0 juiz € privado, nao-profissional e escolhido pelas partes (ou com o seu acordo) porque imparcial e conhecedor dos valores e da cultura que o levam a seguir a opinido dos jurisprudentes (cuctoritas); 0 pretor (imperium) s6 intervém a titulo extraordindrio e para garantir o cumprimento de normas ou suprir lacunas, nao para dar a solug4o ou criar regras. ‘A-chave da mudanca para uma publicizacdo do direito privado em Roma est na altera¢ao do sistema processual e nas alteracdes do sistema politico e da legitimidade para governar. A trave adjectiva era a garantia de aplicacao privatistica de um direito jurisprudencialmente criado a partir de casos como conjunto de regras; a Reptblica o contexto politico imprescindivel para a sua consolidacao. O direito privado € criado jurisprudencialmente e tem amplitude, originalidade, coeréncia, continuidade histérica, culturalidade juridica, utilidade quotidiana e dinamica actualizadora propria. A sua fonte identitéria é 0 Direito Romano e o sev modus operandi assenta no binémio regra / acco em cada caso. 50. Digitalizada com CamScanner LIGOES DE HISTORIA DO DIREITO ROMANO T Por isso 0 direito privado s6 pode ter como critério ¢ fonte de juridicidade 0 Direito Romano (como direito jurfdico), Essa constatagio determina uma natureza accional (acgao / actio) na sua concretizagio nfo permitindo separar o direito substantivo do direito processual. Dai, no estudo do direito privado pelo critério romanistico, que € 0 nosso, nfo ser possivel estudar um sem 0 outro (0 que determina a nfo autonomizacao, aqui para efeitos didacticos, do direito processual civil romano). Que assim é revela o fragmento do Enchiridion de Pompénio reproduzido em D. 1.2.2. (ver Mario Bretone, “Motivi ideologici dell’Enchiridion di Pomponio”, in Labeo, 1964, pp. 1-4). Aqui fica bem expresso que o direito privado nao pode estar parado na norma aplicada pelo juiz; s6 com 0 uso da acco 0 jurisprudente pode intervir adaptando a regra (regula iris) & justica da resolugdo de cada conflito. S6 assim 0 direito pode manter-se vivo e ttil numa sociedade. O jurisprudente dé esséncia e contetido de juridicidade as solugdes € a aceitac4o social (mores maiorum | tradigao) a adesio de cada um no sentido de obrigatoriedade. Digitalizada com CamScanner II, A Histér1a po Direrro ROMANO 1. Oqueé aHistéria do Direito Romano? Nem toda a meméria do Direito de Roma é Histéria do Direito Romano. Muita dessa meméria que chegou até nés esté cheia de invenc6es interesseiras, falsidades conscientes e inteng6es ideolégicas. Numa palavra: uma trapalbada dificil de resolver, Por isso adoptamos na exposi¢ao das aulas um critério didactico minimalista: a Histéria do Direito Romano integra apenas as situagGes, os episddios e os factos referidos nas fontes de ius Romanum que possam dialogar com o nosso presente juridico numa perspectiva transformadora, isto é, de uma maior juridicizagao do direito no futuro. Diminuimos, assim, o risco de falar de uma realidade que no aconteceu, Por outro lado, a Histéria do Direito Romano njo pode ser uma narrativa histérica desenvolvida com uma inteng’o redentora da Justiga nos nossos dias. O passado que est nas fontes juridicas romanas nao pode ser ensinado pelo jurisromanista historiador que é professor através de um impulso poético, emotivo, sentimental que faz do Direito Romano uma porta de salvagio para os males juridicos do presente, Digitalizada com CamScanner EDUARDO VERA-CRUZ PINTO Quando assim é, a linguagem diddctica quase toca a religiosidade do objecto de estudo e a divinizagao da coisa profana que ¢ 0 direito ¢ o estilo narrativo desvia-se para o literdrio ¢ o gongérico. Entendemos, professando, que o passado do ius Romanum aensinar em aula nao pode ser uma reconstrucao artificial que da uniformidade a elementos dispersos recenseados nas fontes, sobretudo quando a intengao do professor-autor é a de legitimar, apoiando ou criticando, opgées legislativas e judiciais do nosso presente juridico. A proposta que aqui fazemos, é a de questionar — mais do que entender — 0 Direito actual pelo Direito Romano e a sua Hist6ria como um direito de jurisprudentes; e assim tomar consciéncia dos perigos para que os totalitarismos legalista e judicidrio estéo a conduzir a Humanidade. Isto poe em causa as certezas e as evidéncias dos juristas especialistas, a divisio compartimentada e estanque do Direito por especializagbes, as vis6es de particularismo culturalista da Justiga; 0 telativismo moral do multiculturalismo sem multiculturalidade; ea legitimacdo politico-sociolégica do Juridico. Abrir um espaco para a criago jurisprudencial do Direito e paraareconstrucaodaunidade do Juridicoéumaresponsabilidade que os professores de Direito nao podem recusar. Para alunos que s6 conhecem o passado mais recente das Constituigdes e dos cédigos (com 0 foco nos autores que legitimam o direito-lei), doutrinados no atomismo excludente multiculturalista ¢ globalizador e emersos em discursos Ppolitico- -ideolégicos que pretendem ser juridica a sua visio do mundo e da sociedade (0 direito nfo é a politica por outros meios), importa voltar 4 origem e ao passado que criou e consolidou 0 Direito fora do Estado e da religifo. Isto é, 4 Roma republicana. Para isso, s6 hé um caminho: voltar as fontes juridicas do Dircito Romano como fonte de conhecimento do que foi ¢ trilho seguro para a edificagao de um futuro mais justo através do Direito. 54 Digitalizada com CamScanner

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