Você está na página 1de 3

RESENHA DE GESTÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

Marketing no Serviço Público Brasileiro: uma análise dos artigos de da Silva & Calic,
Santos et al. e da Silva & Minciotti

Dentre os temas discutidos ao longo da disciplina de Gestão Pública Contemporânea


destaca-se o Marketing no âmbito do estado brasileiro. Abordado em três artigos (Santos, da Costa,
& Mondo, 2014, da Silva & Calic, 2013 e da Silva & Minciotti, 2021) o assunto emerge por sua
contemporaneidade e importância em meio a um ambiente de extrema competitividade e luta por
recursos orçamentários, especialmente no âmbito da administração pública. Sua importância é
sublinhada por Kotler & Levy (1969, p. 15): “A escolha daqueles que administram organizações
públicas não é sobre se farão marketing ou não, pois nenhuma organização pode evitar o marketing.
A escolha é na realidade se farão isso bem ou mal feito (...)”

Além disso, a crise fiscal brasileira e a discussão sobre o tamanho da máquina pública
trazem à baila a necessidade de as instituições provarem e divulgarem ao público qual de fato é o
nível de essencialidade das suas atuações, no limite, é colocado em xeque se de fato tal
organização deve existir e com qual intensidade. Nesse contexto a utilização do marketing torna-se
uma questão de sobrevivência para as instituições de estado.

O tema é abordado inicialmente no artigo “A compreensão do Marketing no Serviço Público:


Um estudo de caso no INSS” (Instituto Nacional do Seguro Social) de da Silva & Calic (2013), cuja
proposta é realizar entrevistas qualitativas com os responsáveis pela assessoria de comunicação
social do INSS para observar o que estes agentes entendem por Marketing e se concordam que é
possível a utilização do marketing no serviço público.

Os autores definem o marketing segundo a definição de Palmer1 e abordam seus principais


conceitos e ferramentas: “processo gerencial que identifica, antecipa e atende, de modo eficiente e
rentável, as exigências do cliente”. Com esse enfoque no cliente, os autores abordam os conceitos
dos 4P´s: produto, preço, praça e promoção.

Adaptando-se esses fundamentos ao cenário da administração pública os autores focam no


produto (a própria prestação de serviço público) e na precificação, ressalvando que “o preço pago
pelo produto, então, inclui o imposto recolhido e os custos não financeiros que serão “gastos” pelo
cidadão, como o tempo de permanência em filas ou avaliação da real necessidade do produto” (da
Silva, et al., 2013).

Da Silva, et al., (2021) também discorrem sobre os conceitos básicos do marketing no


segundo artigo: “Marketing Público como facilitador do processo de troca na Administração Pública”.
Os autores afirmam que a partir dos anos 80 e o movimento da “Nova Gestão Pública”, elementos
de gestão de marketing foram trazidos para o setor público, no entanto, com baixo nível de
profissionalismo e coordenação.

1
Palmer, Adrian. 2006. Introdução ao Marketing. São Paulo : Ática, 2006.
Na esfera pública não existe a figura do gerente ou diretor de marketing, ficando as funções
correlatas espalhadas pelas diversas unidades e coordenações das instituições públicas. Dessa
forma, apesar de os elementos de marketing da administração clássica poderem ser adaptados
para a esfera governamental, não há um núcleo central pensando formas de capturar e encantar os
cidadãos-clientes.

Incluindo a análise de Santos, et al. (2014), no artigo “Tipologia dos serviços públicos à luz
do marketing de serviços: uma proposição inicial”, podemos caracterizar a prestação de serviços
públicos no conceito de marketing de serviços, dessa forma são incluídos, além do conceito dos
4P´s, mais 3 elementos na análise: pessoas, processos e ambiente físico.

Os autores desenvolvem os conceitos e agregam as características do serviço que o


separam do marketing de bens: intangibilidade, percebilidade do resultado, perecibilidade do
resultado e simultaneidade de produção e consumo. Destaca-se que para o consumidor de serviços,
o funcionário que o atende é o próprio serviço, portanto há heterogeneidade na prestação e a
instantaneidade do consumo que aumentam a complexidade dessa relação, num ponto crítico que
da Silva, et al. (2021) identifica como “a hora da verdade”.

Nos três artigos, os autores defendem que esse ferramental teórico pode ser devidamente
adaptado e utilizado na administração pública de forma a melhorar sua cadeia de valor, aumentar
a satisfação, tendo sempre como alvo o foco no cliente. As contribuições de cada texto são
marcantes.

Da Silva, et al. (2013) mostrou através de um estudo de caso e entrevistas qualitativas que
profissionais do núcleo de comunicação do INSS já possuem um entendimento adequado e adotam
práticas de marketing para gerar valor e aumentar a satisfação dos cidadãos com a prestação do
serviço. Além disso destacaram a necessidade de engajar e focar o público interno no âmbito da
comunicação social, como mola propulsora da melhora da imagem externa, reconhecendo que
colaboradores motivados aumentar a qualidade da prestação de serviços públicos.

Da Silva, et al. (2021), após vasta pesquisa bibliométrica, indicou um referencial teórico
bastante rico, consubstanciado nos cinco principais textos referentes ao marketing público, num
quadro de tendências e através de um gráfico de correlação de assuntos. Dois dos artigos
indicados, Kotler, et al. (1969) e Eikenberry, et al. (2004), foram utilizados para a produção dessa
resenha.

Já Santos, et al. (2014) realizou uma extensa análise das classificações de serviços,
incluindo especialmente o enfoque jurídico apresentado pelo direito administrativo brasileiro,
chegando a uma proposição de classificação do ponto de vista do marketing público, identificando
os serviços prestados por seu tipo, forma de prestação, essencialidade, tipo de usuário e se
remunerado ou não. O autor também não perde de vista o príncipio da supremacia do cidadão sobre
o cliente, lembrando que às democracias cumpre essencialmente ser responsáveis e prover os
serviços garantidos pelo ordenamento jurídico, antes de satisfazer as necessidades individuais dos
“clientes”.
Os textos apresentados são extremamente relevantes e contemporâneos. O debate sobre o
tamanho do estado, em especial nos dias de hoje em que a informação é instantânea e chega de
maneira não controlada a cada cidadão, está cada vez mais disseminado na sociedade.
Considerando as lições aprendidas, cabe aos órgãos de estado desenvolver iniciativas de
marketing, em especial ações de engajamento de seu corpo funcional, divulgação tempestiva das
ações e projetos executados, e, especialmente, garantir que o cidadão-cliente esteja sempre bem
informado e encantado com a prestação de serviço público.

Nesse aspecto, considerando que a prestação de serviço é instantânea, perecível e


heterogenea, a gestão de marketing possibilita o desenvolvimento de ações de capacitação dos
recursos humanos de maneira a incutir a responsabilidade do agente público em sua “hora da
verdade” frente a frente com o contribuinte, cidadão, cliente: ele é o estado aos olhos das pessoas
e da sociedade e, portanto, não possui margem para erros.

Por fim, em que pese todos os pontos positivos aqui levantados, cabe ressalvar os aspectos
levantados por Eikenberry, et al. (2004): as organizações do estados não devem perseguir conceitos
de marketing de empresas com fins lucrativos a qualquer custo, sob o risco de perderem elementos
básicos fundados na democracia, como justiça, equidade e essencialidade. Em que pese alguns
serviços não retornarem capital político, social ou ecônomico, cabe ao estado executar o projeto
desenhado em sua lei maior: a constituição federal de 1988.

O Marketing Público é uma ferramenta poderosa e pouco explorada pela administração


pública como um todo, dispondo as bases que podem auxiliar no aumento do engajamento do corpo
funcional, no estreitamento de relacionamento junto a sociedade, na melhoria da satisfação com os
serviços públicos e, por fim, no próprio fortalecimento das instituições públicas, através do aumento
do suporte da opinião da sociedade e do incremento orçamentário na arena política. Há
necessidade de fortalecimento das coordenações, melhorando o desenho institucional de forma a
criar o equivalente à gerência de marketing e incumbi-lo de buscar meios para aumentar a
satisfação dos contribuinte com o estado. Sugere-se o aprofundamento das pesquisas no campo
da pesquisa de mercado para o serviço público, especialmente em como evitar que conceitos do
marketing para empresas com fins lucrativos acabem por prejudicar o espiríto público e o principio
da supremacia do cidadão sobre o cliente.

Bibliografia
da Silva, Cássia Carolina Borges e Calic, Carlos. 2013. A compreensão do Marketing no Serviço Público: um estudo de
caso no INSS. Tourism & Management Studies. 2013, pp. 238-248.

da Silva, Renato Emanuel Gomes e Minciotti, Silvio Augusto. 2021. Marketing Público como facilitador do processo de
troca na Administração Pública. Research, Society and Development. Maio de 2021.

Eikenberry, Angela e Kluver, Jodie Drapal. 2004. The Marketization of the Nonprofit Sector: Civil Society at Risk? Public
Administration Review. Março/Abril de 2004, Vol. 64, 2, pp. 132-140.

Kotler, Philip e Levy, Sidney. 1969. Broadening the Concept of Marketing. Journal of Marketing. 1969, pp. 10-15.

Santos, Aline Regina, da Costa, Jane Iara Pereira e Mondo, Tiago Savi. 2014. Tipologia dos Serviços Públicos à luz do
marketing de serviços: uma proposição inicial. Revista Eletrônica Ciências da Administração e Turismo. Dezembro de
2014, pp. 15-32.

Você também pode gostar