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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA/CAMPUS TOMÉ-AÇU


CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA
LITERATURA DA AMAZÔNIA I
Prof. Dr. José Francisco da Silva Queiroz

ANTOLOGIA POÉTICA
ARCADISMO Esse Herói, de quem falo, e que hoje forma
As delicias, e amor, e as maravilhas
Drama pela fundação da casa para depósito Do Pará, que governa, sábio e justo.
de pólvora no Rio Aurá Parece-me que vejo o teu semblante
Amazonas (Reparando para Amazonas)
Tutelar Gênio, que o Pará proteges, Dar sinais deste nome respeitável:
A que alto destino, e fim me ordenas Já te não é oculto?
Que deixando o meu doce domicílio,
A gruta fresca em que descanso há sec'los, Amazonas
Hoje venha pisar as duras margens Não te enganas;
Do Guajará, que só mortais habitam? Que sendo em outro tempo à guerra usada.
Entre os nobres exemplos, que contavam
Gênio Dos maiores guerreiros, esse nome
Amazonas sublime, que Senhora Ouvi que várias vezes repetiam,
És do grão Rio, a que teu nome deste, E que entre os claros, fortes lusitanos
Como sei que o Pará sempre estimaste, Eram dos mais ilustres e mais fortes:
Este Estado feliz, que fertilizas Respeito pois seu nome esclarecido.
Com tuas abundantes, doces águas;
Como sei que na sorte te interessas Gênio
Dos seus habitadores venturosos; Mais o respeitarás sabendo como,
E como enfim de todas as Deidades, Contando ainda menos de seis lustros,
Que há nesta Região imensa e rica, Seus dias tem ornado de virtudes;
És tu a maior delas, quiz agora Este mancebo Herói, recente Alcides,
Que o novo aumento com teus olhos visses, Das vis paixões as víboras decepa,
Que logra a gente que fiel dirijo, Das paixões que as melhores qualidades
E com tua presença quiz que honrasses Às vezes desfiguram: Ele ajunta
O público festejo, que este dia Ao vigor da florente mocidade
A superior Deusa da Justiça A prudência, que os anos dar costumam:
Ordena-me que faça, como em prêmio, Nutrido aos peitos da imortal Minerva,
Daquele Herói que tanto bem tem feito Ele foi conduzido por Mavorte,
Ao nosso amado povo paraense. Desde os mais tenros anos, e sabendo
Tu sabes que a justiça igual, e firme. A terrível ciência dos combates,
Assim como castiga ao delinquente. Em volúvel, e líquido elemento,
Assim ao benemérito coroa; Dirigir com mão destra esquadras fortes;
E em qualquer parte que o descubra, logo As artes entretanto não ignora
Cuida em dar-lhe a devida recompensa. De fazer aos humanos venturosos.
Reger Estados, governar os povos,
Amazonas Traçar, e executar projectos úteis:
E qual é esse Herói? Qual esse aumento? Não imagines, não, cara Amazona,
Qual o prêmio, que dar-lhe determina Que algum tempo lhe rouba o fatal ócio;
A incorrupta Virtude? Fiel ao seu dever, o desempenho
Deste lhe ocupa todos os momentos.
Gênio Neste o seu gosto, e seu prazer só acha;
Se no centro Em quanto uma das mãos activo emprega
De tua funda aquática morada Em fazer a Reinantes bons serviços.
O nome tem soado, como creio, Serviços importantes, aumentando
Dos famosos, dos ínclitos Coutinhos; O Régio patriotismo, por efeito
Sabe que deles é clara vergôntea D'uma próvida, e sábia economia;

1
Com outra o bem dos súbditos promove, Quero que dela escutes o que resta,
E satisfeita a tropa, a disciplina. Da ilustre fundação a breve história.
Dos Estados arrimo, estab'lecida, ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Obras do Literato
O povo forte, as Leis executadas. Amazonense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. 2ª ed.
Reprime o crime, anima a sã virtude, Lisboa: Typ. da Companhia Nacional Editora, 1889. [1850]. p.
A indústria, e o trabalho: estende os olhos 97-101.
Por toda essa Cidade que se of’rece1
Á tua vista: vê por toda a parte A um passarinho, quando o Autor sofria vexações
Em praças, ruas, máquinas soberbas. Soneto
Os efeitos que nela vão crescendo. Passarinho, que logras docemente
Das benéficas mãos do grão Coutinho; Os prazeres da amável inocência,
E vai, se queres mais, vai ver aquela Livre de que a culpada consciência
Ilustre Fundação, que só bastava Te aflija como aflige ao delinquente.
Para honrar o seu nome...
Fácil sustento, e sempre mui decente
Amazonas Vestido te fornece a Providencia;
Me perdoa, Sem futuros prever, tua existência
Sublime Génio, interromper-te; afirmo É feliz, limitando-se ao presente.
Que tais cousas me tem maravilhado!
Mas permite-me já que te pergunte, Não assim, ai de mim! porque sofrendo
Donde e quando mandou o Céu propício A fome, a sede, o frio, a enfermidade,
Tão grande Benfeitor á feliz margem Sinto também do crime o peso horrendo.
Do meu rio? Relata-me, e refere
A ilustre fundação que tanto louvas: Dos homens me rodeia a iniquidade,
A calúnia me oprime; e, ao fim tremendo,
Gênio Me assusta uma espantosa eternidade.
Satisfarei, Senhora, os teus intentos ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Obras do Literato
Em breve narração, porquanto vejo Amazonense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. 2ª ed.
Que já vai-se chegando o próprio tempo Lisboa: Typ. da Companhia Nacional Editora, 1889. [1850]. p.
Para o festejo destinado; sabe 47.
Que das margens do Tejo, cuja glória
Tem tornado mil vezes turvo, e brando Ao Sr. José Eugénio de Aragão e Lima, Professor de
O Indo, o Ganges, o Nilo, e mais o Eufrates, Filosofia, amigo do autor, quando ele foi perseguido,
E a quem tu mesma, posto que mais rica preso e desterrado
Em águas, e productos preciosos,
Tens rendido gostosa vassalagem, Soneto
Daquele Rio, de quem sabe o mundo Em quanto o mole Siberita treme
Ter virtudes, criar peitos briosos, Da desgraça co’o simples pensamento;
D’ali veio Coutinho, e foi mandado O Varão forte, sem perder o alento,
Pela dos Lusos imortal Rainha, De arrostar-se com ela não, não teme:
A cujo Império oferecem reverentes
As quatro partes seu tributo, a cujo Entre cadeias e grilhões, não geme;
Benigno Cetro deve tantas ditas Mas armado de heroico sofrimento.
Esta Província, que de ser se jacta Livre a alma, conserva o peito isento,
Do seu Império parte; e para prova Na fornalha, no potro, e na trirreme.
De que se não engana, Ela lhe manda
Em Coutinho um condigno Substituto, Tal Eugénio presado, tu, que unindo
Ornado assim do seu poder a força, Com a sã Filosofia a Cristandade,
Como de suas intenções sublimes. Dos jogos da fortuna te estás rindo.
Inda o Sol duas vezes não tem feito
Do Câncer sua volta ao Capricórnio, E das fezes da negra adversidade.
Tão pouco tempo há pois, que ao Pará chega Qual provido Mineiro, coligindo
O grande Herói, o sem igual Coutinho; Ricas virtudes, Sólida piedade.
ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Obras do Literato
E neste mesmo limitado tempo
Amazonense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. 2ª ed.
Tem feito tantas obras gloriosas! Lisboa: Typ. da Companhia Nacional Editora, 1889. [1850]. p.
Mas eis a ninfa do Aurá, que chega; 48.

1Apontando para a Cidade, cuja vista esta no fundo do Teatro como


se disse.

2
Aos gloriosos sucessos das Armas na E um segredo... ora um segredo...
restauração de Portugal, depois da Invasão Pelos modos que lhe vejo
dos Franceses, e pelos feitos dos briosos Quer o meu beijo de graça,
Paraenses na Conquista de Caiena. Um segredo por um beijo!?
— Quero dizer-te aos ouvidos
Soneto Que tu és uma rainha...
Os crimes inundavam toda a Terra, — Acha, pois? e o que tem isso?
E vários monstros no Averno concebidos, Quer ser rei, por vida minha?
Na Córsega e no Sena produzidos,
A todos os mortais faziam guerra. — Quem dera que tu quisesses...
— Não duvide, que o farei;
A impiedade, a perfídia, e o mais que encerra Meu senhor, case com ela,
Pandora nos seus Cofres denegridos. A rainha o fará rei...
Entre lúgubres ais, entre gemidos, — Casar-me? ... ainda sou tão moço...
Da face do Universo a paz desterra. — Como é criança esta ovelha!
Pois eu p’ra beijar crianças,
Porém, a tanto mal, o Céu, que é justo. Adeusinho, já sou velha.
Já põem termo, suscita mil Atlantes, SEABRA, Bruno. Moreninha. Lucrécias (?). Disponível em:
Lopes, Silveiras, Palafox2 sem susto. https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/autores/?id=11050

Suscita outros Heróis da Pátria amantes, O Branco e o Timbira


E faz que brilhem no Brasil adusto (Indígena Brasileiro)
Do Luso Invicto as Armas Triunfantes. O branco disse ao timbira:
ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Obras do - Não me inspiram, sertanejo,
Literato Amazonense Bento de Figueiredo Tenreiro Estes bosques, estas matas;
Aranha. 2ª ed. Lisboa: Typ. da Companhia Nacional - Nem eu vejo
Editora, 1889. [1850]. p. 50. De que te ufanes aqui:
Vem comigo – minhas terras
ROMANTISMO/SIMBOLISMO/PARNASI Tem mais lindas variedades,
ANISMO Vida, amor, ouro, prazeres,
Nas cidades
MORENINHA Tudo, enfim, terás – ali.
O timbira disse ao branco:
— Moreninha, dás-me um beijo - Cariúa, deixa a cidade,
— E o que me dá, meu senhor - Vem viver co’o sertanejo,
— Este cravo... - Aqui tens a liberdade.
— Ora, esse cravo! SEABRA, Bruno. O Branco e o Timbira. O Espelho, revista de
De que me serve uma flor? literatura, modas, indústria e artes, Rio de Janeiro, n 5, p. 09,
Há tantas flores nos campos! 1859.
Hei de agora, meu senhor,
Dar-lhe um beijo por um cravo? Fujamos
É barato; guarde a flor. Fujamos! minhas florestas
Tem mais risos, tem mais festas
— Dá-me o beijo, moreninha, Que as salas do cortezão;
Dou-te um corte de cambraia. - Querida, vamos querida,
— Por um beijo tanto pano! Viver toda a nossa vida
Compro de graça uma saia! Das florestas no sertão!
Olhe que perde na troca,
Como eu perdera co’a flor; Ali não reina a mentira,
Tanto pano por um beijo... Não tem vassalo o Timbira
Sai-lhe caro, meu senhor. Que todo o Timbira é rei;
— Anda cá... ouve um segredo... Nos reinos dos sertanejos
— Ai, pois quer fiar-se em mim? As leis se escrevem com beijos,
Deus o livre, eu falo muito, Liberdade—é nossa lei.
Toda mulher é assim...

2José de Palafox y Melzi (1775 – 1847), general espanhol que lutou


na guerra peninsular contra Napoleão.

3
Ao lar da nossa choupana aos duros tratos que oferece a ausência,
Tu serás como a sultana, depois que desta aldeia te partiste!
Eu serei como o sultão; E ai! coitado de mim, que na existência
Querida, vamos querida, não me resta, sequer, por companheiro
Viver toda a nossa vida - O Malhadinho, o teu fiel rafeiro!
Das florestas no sertão!
Não sei porque inda vivo! o que inda espero!
O nosso leito de amores Porque me bate ainda o coração!
Será de gramas, e flores Que posso eu desejar, se o que mais quero
Perfumosas—de umeri, quanto o desejo mais, mais quero em vão!...
Que bem dormirás querida,
...............................................................................
Ali— sorrindo com a vida,
Nos braços do teu Peri! Mas, oh! doce Liseta, oh! tão querida
primeira flor da minha mocidade!
Fujamos!... no sol da corte Alenta-se também, penando a vida,
Há sempre raios de morte, quem se arrima nos braços da saudade...
Há sempre luz de traição! Se para sempre te perdi, que espero?
Lá dos sertões na floresta Viver para chorar? – Chorar-te quero!
O sol as flores não cresta. SEABRA, Bruno Henriques de Almeida. Liseta. In: Flores &
Nunca mente o coração! Fructos (poesias). Rio de Janeiro: Garnier, 1862.

Fujamos!. . vamos querida, O Canto do Índio


Viver longe a nossa vida, (Imitação)
Desta vida cortesã; Nasci nestas selvas,
No regaço da ventura do vento aos anuídos,
Aonde as leis da impostura ouvindo os rugidos
Não dão leis – às de Tupã! da onça feroz;
SEABRA, Bruno. Fujamos. A Cantora Brasileira, sou livre, sou forte,
hinos, canções e lundus. Rio de Janeiro: Garnier, 1878. nas guerras potente,
p. 152-153. pois sou descendente
de ilustres avós!
Liseta
Depois que desta aldeia te partiste, Nasci nestas selvas;
nunca mais a alegria aqui voltou! Meu pai, que erra um bravo,
À porta dos casais que alegre viste, jamais como escravo
taciturna a tristeza se assentou. curvara a cerviz,
Não mais saltando vão, pelos outeiros, ao jugo infamante,
contentes, os rebanhos dos pastores. . . que traz a desgraça...
os próprios namorados bandoleiros pois fora da raça
já não porfiam mais nos seus amores! dos nobres Tupis!
A aurora, o dia, a tarde, a noite é triste
Morrendo, o guerreiro,
depois que desta aldeia te partiste!
Às pugnas afeito,
Sombrio é o céu, sombria a Natureza; Sentiu em seu peito
a Orchestra do pomar emudeceu... Secreto prazer
já não arreiam flores a devesa, Ao ver o seu filho,
o campanário nunca mais tangeu! Intrépido e forte,
Na choça, onde moraste, as andorinhas Diante da morte
nunca mais se aninharam como outrora; Sem nunca temer.
alegres pelo prado, as pastorinhas,
Aqui, nestas matas,
como dantes não cantam mais agora!
em vago impassível,
Em toda parte, aqui reina a aspereza:
qual onça invencível
Sombrio é o céu, sombria a Natureza.
de gesto feroz;
O Malhadinho, o teu fiel rafeiro, e fito mil presas,
deixou-se à fome definhar, morrer... (Nada há que me escape!)
Não mais deu sombra, à sesta, o cajueiro Co’o forte tacape,
que nunca mais tornou a florescer! Co’a seta veloz!
Só minh’alma, Liseta, inda resiste

4
Dormindo nas selvas, à estranha coorte
da noite ao relento, destroço mortal.
e ouvindo do vento
o embate cruel, Aqui nestas matas
só tendo por teto sou livre, sou bravo,
virentes palmeiras, nem nunca de escravo
formando altaneiras terei o grilhão;
risonho painel; pois antes que eu veja
cadeia cingida
Mui livre desfruto os pulsos, sem vida
Maior f’licidade meu peito verão!
Do que na cidade ALVES, Francisco Ferreira de Vilhena. Monodias: coleção de
Se pôde encontrar; poesias. São Luiz: Tipografia de B. de Mattos, 1868. p. 01-05.
Aqui mil venturas
Minh’alma respira, Nênia do Tupinambá
E a mente delira - Eis ali sem vida e alento
Com tanto gozar! guerreiro tupinambá!
de fama e glória sedento
Aqui não conheço não pulsa seu peito já!
senhor soberano, Essa fronte excelsa e augusta
que curve tirano, que tantas vezes, robusta,
minha alta cerviz: incutiu medo e terror;
Sou livre, sou forte, em que transluzia a chama
nas guerras potente, que o mareio furor derrama,
e sou descendente jaz fria, inerte, sem cor.
dos nobres Tupis.
Esses braços que levavam
Tupã tão somente
ao fero inimigo a morte,
por Deus adoramos
se vigorosos se alçavam
e a ele rogamos
para dar o mareio corte,
por tudo que há,
quando soltava-se o grito
que livre seus filhos
da guerra, que no infinito
da cólera horrível,
retumbava qual trovão,
do ódio temível
pendem sem forças; e agora
do fero Anhangá!
tal brado solte-se embora,
Aqui não invejo que jamais se moverão!
Mentida grandeza,
Nem alta nobreza Inda ontem, cheio de vida,
Das terras d’além; Em nossas filas guerreiras,
Aqui não se preza á turba da gente infida
Senão liberdade, lançava as frechas certeiras;
A mor f’licidade brandia o forte tacape
Que o mundo contém. e na cinta o enduape
se balançava gentil;
E se ousa essa gente cada golpe, que vibrava,
da raça imboaba era mais um que tombava
pisar nossa taba d'entre a chusma insana e vil!
com más intenções;
pesadas algemas Com bravura desmedida,
querendo lançar-nos, fogo dos olhos lançando,
e assim deslustrar-nos se atira em longa corrida
muito nobre ações; ao exército nefando!
Seu braço conduz a morte!
dos meus na vanguarda Mas, o poder de sua sorte
me posto sem medo, fê-lo depressa tombar!
qual vivo rochedo, Caiu, qual vivo rochedo,
terrível, fatal! sem que o palpite do medo
E as setas já levam, fosse-lhe o seio agitar!
ervadas de morte,

5
Ontem, leão furibundo no seu caminho fatal
em torno a morte espalhando; seguia como agitado
hoje, acabou-se-lhe o mundo, de um pensamento infernal:
p'ra sempre jaz repousando; muito além da atroz barreira,
ontem, sanhudo gigante, a vaga na ribanceira
do imigo a sorte inconstante bramia em longo fragor;
fechada tinha na mão; e os monstros que dormitavam,
hoje, cadáver apenas, nos seus antros despertavam
daquelas ínclitas cenas cheios de espanto e pavor!
famoso e ilustre padrão!
Muito embora a natureza,
Basta. P'ra sempre dormita, A este novo rei Saul,
guerreiro tupinambá! Mostrasse as matas floridas
Ingente gloria infinita E o céu a arquear-se azul,
concedeu-t'a o Deus Tupá! Oh! Nada, nada podia
Voe tua alma além dos Andes A funda mágoa sombria
eterna pátria dos grandes, Do gigante consolar;
eterna pátria de heróis, Que em frenéticos arrancos,
onde tudo é riso e flores, De encontro aos altos barrancos,
onde despedem fulgores Precipitava-se ao mar!
milhões de esplendidos sois.
Como um temário atleta,
ALVES, Francisco Ferreira de Vilhena. Monodias:
coleção de poesias. São Luiz: Tipografia de B. de Mattos, em terrível expansão
1868. p. 23-25. de furor, pisa raivoso
sobre a juba de um leão,
Inês de Castro tal o Amazonas delira,
Febre de amor envenenou-me a vida, tal contra os mares se atira
A mais feliz me fez e a mais mesquinha, em frente da larga foz!
Dum poderoso príncipe querida; e o velho leão do Oceano,
Ai! Que sorte, entretanto, foi a minha! murcho o senho soberano,
Viva, suspensa em ânsias, dolorida; se encolhe e rosna feroz...
Depois de morta, as pompas de rainha!
Desde a gênese da terra,
Rociaram meu colo de alabastro
toparam-se os dois rivais
Espadanas de sangue... Eu sou a Castro...
em luta de desespero,
mas com forças desiguais:
Se a minha história triste e lutuosa
ruge a aquórea majestade,
Ao mundo enterneceu e arrancou prantos,
convolve-se a imensidade
Se ao lado vivo de Hécuba chorosa,
no tremendo desafio...
Ai! Não no devo aos corporais encantos,
mas, ao fim da luta crua,
Foste tu que na lira sonorosa
é sempre o mar quem recua,
Minha dor de imortal tornaste em cantos,
vencedor é sempre o rio!
E me deste a beber da eterna taça!
- Salve, ó meigo poeta da desgraça! Sucumbe o saldo elemento;
MAGNO, Carlos Hipólito de Santa Helena. Inês de Castro. dos andes campeia o filho,
In: Revista Brazileira: homenagem a Luiz de Camões (10
mas uma sombra sinistra
de junho de 1880). Rio de Janeiro: N. Midósi, 1880. p. 04.
à glória lhe empana o brilho:
o velho oceano vencido,
A abertura do Amazonas rouquejando embravecido
O gigante das correntes, do seu vencedor aos pés,
o soberano dos rios, vibra-lhe o dardo de morte:
que Deus criou como um freio “que importa o seres mais forte?
do Atlântico aos desvarios, “eu sou livre, tu não és!
outrora, certa divisa,
certa terrível baliza “Vê: meus domínios imensos,
do seu domínio ao passar, em todas as direções,
como cem tigres feridos, sulcam livres as esquadras
com temerosos rugidos das mais longínquas nações.
soía a selva abalar. As riquezas do meu seio,
Depois, crispado, revolto, eu liberal as franqueio

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a quantos buscá-las vem; Autor e Actor
raças e tempos confundo,
pois pertenço a todo mundo, Ao amigo Moreira de Vasconcelos
e não pertenço a ninguém.
Quando teu gênio, às luzes da ribalta,
Mas a ti, rio orgulhoso, dos voos do condor transcende a altura,
de que te serve aguardar, brilham teus olhos que a paixão exalta:
como avaro egoísta, e tu és criador, e és criatura...
os teus tesouros sem par? brotam as urzes pelos dois caminhos;
descendo dos altos andes, sofres, eu sei, dobrados amargores...
regas domínios tão grandes; mas a vida do ator produz espinhos,
mas que val essa vaidade? que o talento ao autor converte em flores.
grandeza sem liberdade, BRITO, Paulino de. Cantos Amazônicos (poesias). Pará:
não é grandeza – é ilusão!” Alfredo Silva & Comp., 1900. p. 35.

Então, pela vez primeira,


Supremo
o ingênuo e forte gentio,
A essa que traz na luz serena do olhar, a sagrada Bíblia do meu
ouvindo chamar-se escravo, futuro.
nos pulsos grilhões sentiu.
quando deus livre o criara Os teus olhares feitos de carinho,
como ao mar que ele domara De Extrema-Unção, de místicos luares,
no seu arrojo de herói, Têm na expressão, ó santa dos Altares,
o homem por-lhe uma algema... A veludosa maciez do arminho.
oh! era a afronta suprema,
e a humilhação, que mais dói! E no doce brilhar – áureo caminho –
A profundeza intérmina dos mares…
Por isso irado, revolto,
Têm na expressão, ó Santa, os teus olhares
no seu caminho fatal,
A veludosa maciez do arminho.
seguia como agitado
de um pensamento infernal:
São puros como as Hóstias dos Sacrários,
muito além da atroz barreira,
têm o brilho divino de Estrelários,
a vaga na ribanceira
quando me fitam numa unção extrema.
soluça em longo fragor...
e os monstros, que dormitavam,
São rútilos santelmos guiadores,
nos seus antros despertavam
são as dúlias litúrgicas das dores,
repassados de pavor!
da minha Crença imácula e suprema!
Mas, no livro do Futuro, RIBEIRO, Flexa. Supremo. In: Cenáculo, ano 1, fasc. 3, p. 08,
o Eterno marcara o dia ago. 1900.
em que o vencedor do Oceano
irmão do Oceano seria: Tua voz
já das mais remotas plagas Ao Dr. Raymundo Faria
vêm baixeis sulcar as vagas Dolências sugestivas de mistério,
do colosso fluvial; - traz tua voz vibrante ao meu ouvido,
o Amazonas, livre e grande, como a harmonia dum luar etéreo
as forças concentra e expande derramado num campo adormecido...
no convívio universal.
Recordações de tempos apagados,
Cruzam-se as proas altivas, diluídos nos lânguidos poentes,
saúdam-se os pavilhões: no veludo do Som eternizados
já nessa artéria do mundo em vibrações nostálgicas, dolentes...
há de um mundo as pulsações.
Soa o hino do progresso Dormências fugitivas da Harmonia,
no mais profundo recesso nas ondas sonorosas esparzidas;
da floresta e do sertão! canto das aves ao nascer do dia,
Fez-se o sonho realidade: musicalizações indefinidas...
Ó grandeza! Ó liberdade!
Já não sois ilusão! Evocação da música das fadas
BRITO, Paulino de. Cantos Amazônicos (poesias). Pará: nos castelos medievos ao luar;
Alfredo Silva & Comp., 1900. p. 07-11. adejos de asas trêmulas, aladas
nas delícias suavíssimas do Ar...

7
Sons de guitarra ouvidos à distância,
através do silêncio da folhagem, E nesta vil tortura amarga, infinda,
vogando na volúpia da Fragrância vejo tudo o que amei e que amo ainda
e nos clarões dormentes da Paisagem... numa dança macabra de esqueleto.
RODRIGUES, Teodoro. A Morte de Juraci. Canções do
Canção dos astros do sidéreo azul, Norte (versos). Manaos: Editores Freitas, 1909. P. 113.
sonoro fulgurar do Setestrelo,
canto saudoso do Cruzeiro-Sul, Boêmio!
plangências musicais do violoncelo... Dessa vida que mata, onde fervilha
o gozo mau, que a bacanal propina,
Voz que flutua, tênue, pelo espaço, onde, a sorrir, se encontra Messalina,
como um Sonho que vai adormecido, - meu torturado coração partilha.
envolto no clarão tristonho e baço
do luar pelos ermos diluído... Viver assim, a muitos maravilha...
e na vida infernal que me assassina,
Voz ungida da luz do Misticismo – um boêmio – me chama a superfina
da Hóstia sacrossanta dos altares flor dos estroinas que me segue a trilha –
da nova Religião do Simbolismo,
- espiritualizada pelos ares... Boêmio, sim, de máscara, que finge ...
truão de feira que na arena morre,
Voz triste de mistérios insondáveis, riso nos lábios, a sentir travores.
vive perpetuada em meus ouvidos!
Voz de tonalidades variáveis, Boêmio, sim! buscando ser a esfinge
Emudece de vez os meus sentidos! da Ventura! que atrás do Prazer corre
RIBEIRO, Flexa. Tua voz. In: Folha do Norte, Belém, p. para espancar do coração as dores... Jacques Rolla
01, 1903. AZEVEDO, J. Eustáquio. Antologia Amazônica (poetas
paraenses). Belém: Casa Editora Pinto Barbosa, 1904. p. 183.
A morte de Juraci
Desce as águas do rio imenso e espumejante, Loucura
vogando à correnteza a pequenina igara, Diviso em teu olhar, ó meiga sensitiva,
a cabocla gentil, a invencível amante A luz que ainda me aquece o coração gelado!
desta terra que o sol ardentemente aclara. Ditosa! nem sequer suspeitas que se viva
Da luz dum teu olhar sereno, imaculado.
Na viva luz do olhar profundo e cintilante,
no colo rijo e nu, de uma beleza rara, Das trevas desse olhar um fluido se deriva
um misto singular de deusa e de bacante, Que me domina o ser... e fico acobardado,
sob o pequeno pé a certeira taquara. Quando olhas p'ra mim serenamente altiva
Tal como um domador o tigre acorrentado.
Ninguém sabe dizer que destino procura...
Nas tribos contam que, perdida de amargura Tantálico desejo assim como uma brasa
de um amor infeliz que há muito lhe fugiu, A queimar-me no peito o coração me abrasa
Numa febre infernal que embriaga a razão.
abandonou a taba, o palmeiral frondoso
e vai pedindo à morte o derradeiro pouso, E nesta embriaguez, pior que a do absinto,
descendo, nua e bela, a corrente do rio. Eu quisera poder, como um tigre faminto,
Teu corpo esfacelar, morder teu coração!
Suplício de Tântalo MACEDO, Antônio. Loucura. In: AZEVEDO, J. Eustáquio.
A Dor que freme e n’alma se agasalha Antologia Amazônica (poetas paraenses). Belém: Casa
e como um corvo aos poucos me devora, Editora Pinto Barbosa, 1904. p. 137.
vai-me talhando a funeral mortalha Dolor
de tantas ilusões que tive outrora. Nesse instante cruel da despedida
De onde vem o amargor que me retalha em que, abraçados, deste-me chorosa
e tanto a força me aquebranta agora? um dulçoroso beijo e, langorosa,
Por toda a parte cerca-me a muralha tremula murmuraste—Adeus! sentida,
do desengano. A vida me apavora.
turbando para sempre a minha vida,
A Dor não cansa de ferir-me nunca! senti que no meu peito a dolorosa
Ferra-me n’alma a sua garra adunca, saudade se cravava, impiedosa,
unhas recurvas de vampiros pretos. como um punhal rasgando uma ferida!

8
Ah! meu sonho de amor eu vi desfeito, Poeta do Norte
varou-me a dor o coração no peito Meu plectro de marfim acorda a lira e canta...
nesse instante cruel da despedida. E a alma enferma, a este canto, acorda e se refaz...
Canta o oceano, a montanha, o sol que se levanta,
como um tiro certeiro sobre um ninho, O caboclo bravio, o sertanejo audaz.
como um golpe de mar sobre um barquinho,
como um punhal rasgando uma ferida! Canta a flor, o perfil seráfico da santa,
LIMA, Natividade. Dolor. In: AZEVEDO, J. Eustáquio. A pedra áspera e nua, a pérola de Hedjaz,
Antologia Amazônica (poetas paraenses). Belém: Casa A ave canora que tem poemas na garganta,
Editora Pinto Barbosa, 1904. p. 143-144. A Tristeza, o Silêncio, a Solidão, a Paz...
No Amazonas Pouco importa a rudeza abrupta do alcantil!
Ruge caudal o rio, - o sem rival no mundo. Subirei. Subirás comigo, irmão e poeta,
As vagas atirando às pedras da beirada; A sonhar e a cantar, sem pão, sem um ceitil.
A canarana desce, em grupos enlaçada,
E melhor cantarei o céu de ouro e de azul,
E o cedro passa lesto e some-se no fundo.
E melhor cantarás a selva e a estrela inquieta,
Qual em dia invernoso, horrífico, iracundo, Justamente porque não nascemos no sul.
Solta rouco trovão horrenda gargalhada, SILVA, Severino. Poeta do Norte. A Província do Pará,
Tal, das águas à flor, de fauce escancarada, Belém, p. 01, 09 maio. 1920.
O enorme jacaré se mostra furibundo.
Terra Paraense
O esquivo peixe-boi oculta-se medroso... Repousa, peregrino, o teu cajado
Arremete-lhe o arpão, com próspera destreza, E fica... Se procuras a ventura,
O velho pescador que o espreita cuidadoso; Aqui a tens na paz e na fartura
Deste rincão do mundo, abençoado.
No entanto, o curumim, ali, na correnteza.
Feliz e sem temor, na igara jubiloso, Aqui depararás quanto procura
Conduz na sararaca a tartaruga presa. A tua angústia de homem torturado:
BELO, Fernandes. No Amazonas. In: AZEVEDO, J. Terra fecunda, o matagal, o prado,
Eustáquio. Antologia Amazônica (poetas paraenses). O ameno clima e a fonte d’água pura.
Belém: Casa Editora Pinto Barbosa, 1904. p. 52.
Entra agora, de manso, na floresta,
Manhã Amazônica Olha quanta riqueza, sem medida,
Vão-se perdendo ao longe, tristemente, Na flora tropical se manifesta.
Dos buritis as palmas desgrenhadas, Entra. Porém, com teu chapéu na mão,
Partem de terra as auras perfumadas Ergue tua alma a Deus, agradecida,
Beijando o mar na trêmula corrente. Beija o fecundo, hospitaleiro chão.
FERNANDEZ, Remígio. Terra Paraense. In: Sol de Outono.
A marinhagem canta alegremente Belém: J. B. dos Santos, 1922. p. 70-71.
Ao ver ao longe as serras elevadas.
Brisas do mar, — aragens saturadas Inferno Verde
De amor, cantai uma canção dolente! Sob a cúpula verde e sobranceira
Da mata virgem, milenária e vasta,
O sol já doira a verde canarana; O caudal d’água múrmura se arrasta
O tapuia já desce da choupana... Entre os barrancos e aningais da beira.
Corre no rio célere canoa;
Sobe, enlaça ao tronco, a trepadeira
E na ramagem trêmula se engasta;
E nos galhos da aurana da beirada
E a parasita imóvel e nefasta,
Saltita a “piaçoca” enamorada
Nos troncos e nos ramos se empoleira.
Do “mururé” em flor vagando à toa!
De toda parte, justapostos, broncos,
NEVES, Alcebíades. Manhã Amazônica. In: Anuário de Ao léu, da terra fértil e bizarra,
Belém em comemoração do Tricentenário, 1616-1916, Emergem matagais e rudes troncos.
Histórico, Literário e Comercial. Belém: Imprensa Oficial,
1915. p. 181. Olhas em vão! Por onde quer que sondes,
Atônito de espanto, o olhar esbarra
Na profusão das árvores e frondes.
FERNANDEZ, Remígio. Inferno Verde. In: Sol de Outono.
Belém: J. B. dos Santos, 1922. p. 72-73.

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