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LILITH: por mulheres que vejam sem véu

poema de Eliane Oliveira (25/07/21)


De repente, eu vi o demônio aqui.
Na minha casa.
Era meu pai, minha mãe, meus irmãos,
meus pares, meus amigos.
Lobos em pele de cordeiro.
Diziam-se de Deus.
E, em nome de Deus, faziam o mal.
Os homens eram algozes, mas se mostravam santos e heróis.
As mulheres estavam rendidas, anestesiadas, apequenadas,
e agora, depois de tudo, até desejavam o inferno.
Faziam bem seu papel no inferno.
Maquiavam o inferno.
Perfumavam o inferno.
O que podiam fazer?
É assim mesmo que é.
Caladas, medrosas, maracujá, Lexotan.
Até gritavam em rebeldia quando alguma lucidez as iluminava,
mas logo eram chamadas de “nervosas, histéricas e doentes”.
E, agora, elas mesmas, dormentes,
chamavam de “nervosa, histérica e doente” qualquer Lilith que viesse para despertá-las.
Desistiram de acordar (embora não se considerassem dormindo).
Assombradas, usam o manto sagrado da Mãe do Céu.
Virgem. Eva. Vênus. Santa. Maria.
Tradição família propriedade. Amém!
Eu vi o demônio bem de perto, e ele viu que eu vi.
O demônio, quando se sente visto, fica bravo.
Porque gosta é de comer pelas beiradas, sem ser incomodado.
É doce, é sedutor, é justiceiro, tem dinheiro, fala bonito.
Veste disfarces.
Mas, quando alguém o vê, fica bravo porque todo seu poder está somente na capa.
Tirando a capa, está nu.
É feio, perverso e feroz.
Cheira ruim.
Sem mais nada a perder, só lhe resta atacar.
Reúne cúmplices, fiéis e seguidores,
pois é covarde de encarar sozinho o olho que o vê.
Chantagem, intimidação, desprezo, menosprezo, violência velada e revelada, abandono,
silenciamento.
Foi quando chegou Lilith trazendo a maçã.
Disse ela: “Deixe que os mortos enterrem seus mortos,
e siga viva com os olhos bem abertos”.
Então, tive pena deles.
Pedi a Deus que os perdoasse: “Eles não sabem o que fazem”.
Eu, já não sei se posso.
Prefiro repartir a maçã.
Ainda resta um pouco dela pra dividir.

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