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A DIREÇÃO E O SENTIDO DA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

“Para quem não sabe aonde ir, qualquer caminho serve !”


(ditado popular)

Júlia Eugênia Gonçalves


Mestra em Educação,Doutoranda em Filosofia, pela Universidade de Léon, Espanha.
Psicopedagoga;membro do Conselho Nacional da ABPp; coordenadora do Núcleo Sul Mineiro
da ABPp;Presidente da Fundação Aprender para Educação, Cultura, Ciência e
Tecnologia,Varginha,MG.Julia@fundacaoaprender.org.br.

1-Direção e sentido são dois termos de natureza espacial:

O dicionário Houaiss1 esclarece que, no sentido lato, direção


significa ato ou efeito de dirigir(se), conduzir, imprimir rumo. Portanto, está
relacionada a um movimento corporal realizado por alguém. Quem se dirige vai
a algum lugar, desloca-se no espaço para atingir um ponto determinado, um
objetivo. Desta forma, direção é compatível com um sistema móvel, que implica
em mudanças. Eu posso estar me dirigindo para a direita e,por força de alguma
circunstância, mudar meu rumo, dobrando para a esquerda; posso andar para
frente ou retornar o caminho percorrido, voltando para trás. Direção está
relacionada com a lateralidade, porque supõe um conhecimento a respeito da
simetria presente no corpo humano, o que permite diferenciar um lado do
outro. Por isso, dizemos que o coração está localizado do lado esquerdo, que
somos destros ou canhestros, pois adquirimos ,com a maturação neurológica,
a capacidade de conservar estes conceitos, independentemente da posição em
que estejamos.

À FRENTE

1 HOUAISS,2001.p.1049
2

ESQUERDA DIREITA

ATRÁS
Sentido, segundo o mesmo autor,2 significa cada uma das direções
opostas em que algo pode se deslocar. Está relacionado a um sistema externo
de orientação, porque se situa fora do indivíduo, no ambiente. Por isso, refere-
se aos pontos cardeais, que são locais fixos no globo terrestre: o norte está
sempre no mesmo lugar, em oposição ao sul, assim como o leste em relação
ao oeste. Num sistema fixo com este, conhecer um elemento permite encontrar
os outros. Este é o mecanismo utilizado pela bússola, instrumento que permite
escolher o sentido do deslocamento a partir de uma direção dada.
Esta palavra pode adquirir também o significado de consciência
das coisas, discernimento, ponto de vista, o que não deixa de estar relacionado
com o primeiro significado. O sentido, sob o ponto de vista espacial, permite a
localização das coisas e das pessoas em relação á realidade exterior, situa o
indivíduo no mundo e, sob o ponto de vista de produção de significados, faz o
mesmo.
NORTE

OESTE LESTE

SUL

Direção e sentido referem-se sempre à capacidade humana de


orientação espacial. O próprio termo “orientação“ é curioso, porque metafórico.
Vem de “oriente” e foi cunhado numa época em que os movimentos de

2 HOUAISS,2001.p.2547
3

circulação de pessoas e mercadorias se davam no sentido ocidente/oriente. 3


Seu oposto, “desorientação” significa a perda do rumo. Desorientada é a
pessoa que não sabe para onde ir, que não tem objetivo.
Semelhante metáfora existe com a palavra norte. Geralmente se
diz: _ fulano está ”desnorteado” significando, da mesma forma, a perda do
sentido, do rumo, assim como é comum ouvir-se dizer: fulano encontrou seu
“norte”, significando que sabe para onde ir, que tem um objetivo.
Reflexões a respeito destas duas palavras levaram-nos a associá-
las com o campo de atuação do psicopedagogo, profissional que tem como
objeto de estudo o processo de aprendizagem humana.
Como aprendizagem é capacidade desenvolvida por meio da
mediação de outro ser humano, não pode ser concebida sem seu oposto, o
ensino.Barbosa chama nossa atenção para este fato, quando questiona o
parágrafo único do capítulo primeiro do Código de Ética elaborado pela ABPp-
Associação Brasileira de Psicopedagogia.
“Em 1996, o Conselho Nacional e Nato da ABPp reuniu-se para
reformular este Código de Ética...O parágrafo único diz o seguinte: “
A intervenção psicopedagógica é sempre da ordem do conhecimento
relacionado com o processo de aprendizagem.”...Na nossa cultura,
usamos o termo ensino com um significado específico que fala
daquele que transmite conhecimentos, muito mais numa via de mão
única do que numa relação de troca; e o termo aprendizagem como o
estabelecimento de conexões que ocorrem dentro de um
determinado indivíduo. Neste sentido, falarmos de Psicopedagogia
como uma área que se preocupará sempre com a aprendizagem,
desvinculando-a do ensino, com a preocupação de não invadir o
campo de ação da Educação, parece inviabilizar a constituição da
Psicopedagogia Institucional. Na instituição escola, convive-se com o
ensinar e com o aprender de uma forma muito dinâmica, não sendo
possível, na prática, haver uma intervenção que recaia somente
sobre o aprender.”4

A intervenção psicopedagógica, como um movimento de um


profissional que atua num espaço institucional ou clínico, teria uma direção e
um sentido ? Convidamos o leitor a nos acompanhar por este trajeto,
percorrendo conosco o caminho que nos permitiu a elaboração destas idéias.
Primeiramente, convém definirmos o que compreendemos por
intervenção. Como a palavra indica, significa uma ação entre pessoas, uma
3 No início da idade moderna, as cruzadas e as grandes navegações trilharam o sentido ocidente/
oriente.
4 BARBOSA,2001. p.22,23
4

mediação entre dois ou mais sujeitos que se estimulam reciprocamente, por


força da interação a que estão submetidos.
O trabalho psicopedagógico é sempre da ordem da intervenção. Não
é um ato solitário, mas solidário entre dois sistemas. Pressupõe um profissional
que estrutura um sistema de ajuda, para um sujeito ou um grupo que se
configura como um sistema cliente. A intervenção psicopedagógica não nasce
do desejo do psicopedagogo, mas da demanda do sistema cliente quando este
adquire consciência de uma necessidade relacionada com seu processo de
ensino X aprendizagem e configura uma “queixa”, que origina uma atuação.
Sendo assim, a intervenção psicopedagógica é um movimento
orientado para a conquista do equilíbrio do sistema cliente, que acontece num
determinado espaço (institucional ou clínico) e, por isso, podemos pensar em
sua direção e em seu sentido.

2-A direção :
Se direção, como dissemos, é um conceito relacionado com um sistema
móvel, porém interno, pensar a direção da intervenção psicopedagógica
compreende analisar sua especificidade e suas possibilidades.
Quanto ao primeiro aspecto, é preciso que fique clara a natureza da
atuação psicopedagógica definida no Código de Ética,documento que expressa
o consenso de determinada categoria profissional a respeito dos limites e
possibilidades de seu trabalho.
Reiteramos que a intervenção psicopedagógica é sempre da ordem do
processo de aprendizagem humana, o qual jamais está dissociado de
processos de ensino.
Como animais sociais, aprendemos sempre com nossos semelhantes.
Os outros animais não precisam aprender tanto porque possuem uma base
instintiva muito grande e, quando o fazem, isso jamais ocorre com outros de
sua mesma espécie: são adestrados pelos humanos e repetem sempre as
mesmas ações, sem potencial criativo.
Aprender é uma possibilidade inerente à espécie humana, que permite
a criação da cultura. Tratando a cultura em analogia aos sistemas de
5

processamento da informação, Mosterín5 diz que o organismo humano possui


dois sistemas desta natureza: um substanciado no genoma, e outro no cérebro.
O primeiro processa a informação de forma lenta, porém com um alto índice de
confiabilidade e é responsável pela manutenção e transformação das
características físicas resultantes do desenvolvimento filogenético da
humanidade; o segundo, processa a informação de forma mais rápida, ainda
que menos eficiente e confiável, registrando o desenvolvimento ontogenético
de cada indivíduo que compõe esta mesma humanidade. Como o genoma não
se mostrou eficiente o suficiente para conseguir processar informações de
forma rápida, originou um processo de autotransformação que culminou com o
surgimento do cérebro, capaz de cumprir esta função.
O autor ressalta que este órgão, além de ser capaz de processar a
informação rapidamente, adquiriu a capacidade de comunicar-se com outros da
mesma espécie, originando uma verdadeira rede de informações. Desdobra o
conceito de cultura, usualmente trabalhado pelas ciências humanas até chegar
aquele que considera mais adequado a seus objetivos:

“Mosterín comenta que la cultura puede caracterizarse como


herencia social, no genética, y hace una comparación entre ésta y la
naturaleza, diciendo que todo que el hombre hace tiene un substrato
orgánico que reside en el desenvolvimiento de sus capacidades, las
cuales constituyen su naturaleza, pero, todo lo que el organismo
sabe hacer es aprendido en sociedad, y esto es lo que constituye,
en su punto de vista, la cultura.”6

Com estes esclarecimentos o autor nos leva a concluir que a definição


de cultura se baseia em toda informação aprendida socialmente, o que o leva a
enfocar melhor os temas, informação e aprendizagem social.
Em relação à informação distingue três âmbitos: sintático, pragmático
e semântico. O primeiro se refere à forma ou estrutura da mensagem; o
segundo, à sua praticidade e o terceiro, ao seu significado. A informação é a
mensagem codificada e expressa por meio da linguagem. A cultura, na opinião
deste autor, surge do âmbito pragmático, que por sua vez pode ser de três
tipos: descritivo, prático e valorativo. Ela contem dados (informação descritiva),
técnicas (informação prática) e valores (informação valorativa).

5 MOSTERÍN,1993.
6 MOSTERÍN,1993
6

Para tratar o tema aprendizagem social, Mosterín parte do próprio


conceito de aprendizagem, definido por ele como :
“El proceso mediante el cual información (no hereditaria) es adquirida
por el organismo y almacenada en su memoria a largo plazo, de tal
modo que puede ser recuperada.”7 (28)

Este processo apresenta duas facetas: uma individual e outra social.


Aquela consiste na obtenção de informação por meios próprios, a partir de
condutas baseadas em ensaio e erro, intuição, condicionamento, etc. Esta
consiste na recepção e assimilação de informação transmitida por animais da
mesma espécie, obtida por meios não genéticos, tais como a imitação, a
comunicação, o ensino. A aprendizagem social acontece de diversas formas e
também pela comunicação tecnológica, e é a base formadora de cultura, em
sua opinião.
A cultura se caracteriza por experiências que têm uma conotação
coletiva, aceitas e vividas por um segmento significativo da sociedade e
transmitida de geração a geração por processos de aprendizagem social.

“Cultura es la información trasmitida (entre animales de la misma


especie) por aprendizaje social.”8

Partindo deste ponto de vista, a intervenção psicopedagógica se


reveste de crucial importância em nossos dias, na medida em que se dirige
para o desenvolvimento e potencialização de processos de aprendizagem,
assim como se ocupa do atendimento às pessoas que, porventura, tenham
dificuldades nesta área, o que justifica pensar em sua direção.
Qual seria ela, então ? Em nossa maneira de pensar o tema,
considerando que direção se refere a um sistema interno, porém móvel, que
contém a possibilidade de mudança, a direção da intervenção psicopedagógica
diz respeito às teorias, às técnicas e aos materiais utilizados pelo
psicopedagogo em seu trabalho.

2.1- Teorias:

7 MOSTERÍN,1993.p.28
8 MOSTERÍN,1993.p.32
7

As teorias psicopedagógicas, numa perspectiva histórica, evoluíram


como conhecimentos de natureza interdisciplinar. No momento atual, a
Psicopedagogia está comprometida com uma visão transdisciplinar. A
transdisciplinaridade é uma nova postura diante do conhecimento que
estabelece diálogo entre as disciplinas respeitando suas diferenças e
efetivando uma ligação entre saberes, produzindo novos campos epistêmicos.

“A visão transdisciplinar pode ser percebida através da práxis


psicopedagógica, porque é aí que vários conhecimentos atuam no
espaço e no tempo sobre o mesmo objeto (a aprendizagem)
assimilando-se e acomodando-se reciprocamente, transformando-se,
ao mesmo tempo em partes de um novo todo que não exclui nem
impede que os anteriores continuem com sua vida e
desenvolvimento próprios”.9

Tais teoria foram se estruturando e se constituindo pouco a pouco ,


construindo um campo de conhecimentos que se encontra, atualmente ,em
franco progresso teórico, em vários países. As referências à pesquisas e
trabalhos práticos desenvolvidos nesta área chegam tanto de regiões
européias, tais como Portugal, Espanha e França, como de regiões
americanas, tais como Estados Unidos, Argentina , Chile e Brasil.
A contribuição dos argentinos foi relevante para o progresso teórico
da Psicopedagogia no Brasil, como aponta Bossa:

“...encontramos trabalhos de autores argentinos na literatura


brasileira, os quais constituem os primeiros esforços no sentido de
sistematizar um corpo teórico próprio da Psicopedagogia. Vale
citar:Sara Pain (Diagnóstico e Tratamento das Dificuldades de
Aprendizagem,Psicopedagogia Operativa e A Função da
Ignorância),Jorge Visca (Clínica Psicopedagógica e
Psicopedagogia:Novas Contribuições),Alícia Fernández (A
Inteligência Aprisionada) e outros, com diversos artigos publicados
em revistas especializadas.” ·

Podemos distinguir três vertentes surgidas com estes autores:

1. Sara Pain propõe uma Psicopedagogia Operativa10 , segundo a qual a


posição reeducativa dos primórdios da psicopedagogia, deveria ser
substituída por um processo de educação diferencial para os portadores
9 SCOZ,1996.p.26
10 PAIN, 1987
8

de dificuldades de aprendizagem. Ela integra em sua proposta de


tratamento os aspectos objetivos e subjetivos do pensamento, segundo
os quais, em sua opinião, não é possível aprender. Como técnica para
trabalhar os aspectos subjetivos, ela propõe a utilização de atividades
artísticas, encaradas como uma das formas de linguagem. Para
fundamentar suas idéias utiliza conceitos da psicanálise, da
epistemologia genética e do materialismo histórico. Uma de suas
maiores contribuições foi a mudança da noção de “não aprendizagem”,
encarada como um processo diferente da aprendizagem, mas não o seu
oposto e também o novo enfoque atribuído à ignorância, cuja função
pode ser negativa ou positiva. Em relação ao processo de
aprendizagem, Sara Pain considera que este se baseia em quatro
estruturas: organismo, corpo, cognição e desejo.
2. Jorge Visca compõe uma teoria denominada Epistemologia
Convergente11, que é um marco teórico na construção do conhecimento
psicopedagógico por conter uma formulação conceitual original e formal
a respeito do processo de aprendizagem humana. Em suas bases
encontram-se as contribuições da psicanálise, da epistemologia genética
de Piaget e da psicologia social de Pichon Riviére. Suas propostas
visam a compreensão da aprendizagem levando em conta os aspectos
afetivos, cognitivos e sociais nela implicados. A Epistemologia
Convergente criada por Visca é uma teoria que pretende explicar as
relações entre a inteligência e a afetividade, a partir de investigação
empírica junto a indivíduos com dificuldades de aprendizagem e da
assimilação recíproca das teorias que lhe serviram de base, de tal forma
que cada uma enriquece e modifica a outra.
3. Alícia Fernández 12formula uma teoria que denomina de
Psicopedagogia Clínica. Em sua visão, clínica não se refere a um
espaço determinado, mas a uma postura terapêutica que o
psicopedagogo deve adquirir para trabalhar na instituição ou no âmbito
restrito de um consultório. Recebendo forte influência de Sara Pain,ela
realiza um trabalho muito importante para o campo teórico da

11 VISCA,1987
12 FERNÁNDEZ,1990
9

psicopedagogia na medida em que estrutura conceitos fundamentais


para o trabalho psicopedagógico, tais como os de “modalidade de
aprendizagem”, ”ensinante/aprendente” e “autoria de pensamento”. De
acordo com esta autora, para aprender são necessários dois
personagens(ensinante e aprendente) que estabelecem um vínculo
entre si e o conhecimento. O problema de aprendizagem se materializa
na trama vincular do grupo familiar e na forma como este grupo faz
circular o conhecimento entre seus membros.

Além dos argentinos não poderíamos deixar de registrar a contribuição


de Reuven Feuerstein13, de origem romena , radicado em Israel. Ele criou uma
teoria sobre a possibilidade de recuperação das dificuldades de aprendizagem
– Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural – e um Programa de
desenvolvimento do potencial de aprendizagem , o PEI – Programa de
Enriquecimento Instrumental - baseados na EAM- Experiência de
aprendizagem Mediada – a partir das idéias de plasticidade cerebral,
interação social e privação cultural. Seu Programa é muito utilizado por
psicopedagogos que atuam tanto na instituição como na clínica, tendo
aplicação na área empresarial e educacional.
A existência de tais correntes permite ao psicopedagogo escolher qual
a direção teórica que vai imprimir ao seu trabalho, buscando formação
específica em uma dela ou em mais de uma, a fim de ampliar suas
possibilidades de escolha do rumo da intervenção.
Não é nossa intenção aprofundar tais teorias, compará-las ou externar
um juízo de valor a respeito delas. O que nos parece importante é registrar a
existência, hoje, desta diversidade, denotando o crescimento do conhecimento
psicopedagógico e das possibilidades que se encontram à disposição dos que
atuam neste campo.

2.2. Técnicas :

13 BEYER,1996
1
0
Em relação às técnicas, em nossa opinião, elas também
imprimem a direção da intervenção psicopedagógica. Podem ser mais diretivas
ou mais informais, dependendo do caso; podem ser baseadas na utilização de
jogos, dinâmicas de grupo, materiais inestruturados, como trabalhos com
sucata ou caixa de areia e também podem incluir o psicodrama.
Os jogos são muito utilizados no trabalho psicopedagógico e devem
conter, pelo menos, estas três características:
1. Permitirem o desenvolvimento das estruturas cognitivas, que
possibilitam a flexibilidade do pensamento;
2. Permitirem a vivência de situações imaginárias que possibilitam o
desenvolvimento da linguagem em suas distintas modalidades e a
construção de valores morais;
3. Permitirem a interação entre os participantes, facilitando a
comunicação e as relações interpessoais.
Sua aplicação, com maior ou menor intensidade, vai depender do
sentido da intervenção, o que vamos analisar posteriormente.
O brincar é um recurso psicopedagógico que resgata o prazer de
aprender. É por meio de brincadeiras que nós, humanos, construímos nossa
visão acerca do mundo em que vivemos, da cultura em que estamos inseridos.
Os jogos, pela sua estrutura, representam situações em que se tem de
enfrentar limites. Não somente os limites das regras neles implícitas, mas
também nossos próprios limites, que devem ser superados para que
possamos ter êxito. Sua variedade é muito ampla, permitindo uma abrangência
de escolhas entre jogos individuais ou grupais, jogos cooperativos ou
competitivos. Os jogos de computador são uma opção à parte e não podem ser
deixados de lado numa sociedade tecnológica como a de hoje, assim como
não se pode abrir mão dos jogos tradicionais como bolinhas de gude, 5 Marias
ou amarelinha. Cada um tem suas possibilidades no trabalho psicopedagógico,
ligadas à construção de um cenário lúdico, de desafio, distinto da realidade
escolar tão impregnada de vínculos negativos para a criança com dificuldades
de aprendizagem.
As dinâmicas de grupo são muito utilizadas pelo psicopedagogo na
instituição. Na dinâmica de grupo não há a competição interpessoal. Mas
existe a cooperação grupal, que se apóia na solidariedade da micro-unidade.
1
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Além de motivadoras, as técnicas de dinâmicas de grupos contribuem para a
criatividade, desinibição , avaliação do processo, fixação de conhecimento ,
fortalecimento e formação da personalidade individual, na medida em que as
pessoas se inserem positivamente em um grupo de trabalho ou estudo.
O método geralmente empregado nesta técnica é aquele que se baseia
na aprendizagem vivenciada de dentro para fora. As dinâmicas de grupo
permitem ao psicopedagogo observar a capacidade do sujeito de adaptação às
novas situações, facilitam o processo ensino/aprendizagem e permitem que
sejam evidenciadas as características de personalidade, com menor influência
dos mecanismos de defesa.
Em relação às dinâmicas, não basta simplesmente utiliza-las sem que o
profissional saiba como proceder de forma a que possam produzir os efeitos
esperados nas pessoas. Um recurso fundamental associado à sua aplicação é
o CAV- Ciclo de Aprendizagem Vivencial – que consiste na elaboração do
trabalho realizado, conduzido pelo dinamizador. É recomendável que o
psicopedagogo procure adquirir conhecimentos nas técnicas de mediação de
dinâmicas de grupo, principalmente quando trabalha em instituições.
A caixa de areia e as miniaturas são recursos de origem psicoterápica,
que costumam ser utilizados por psicopedagogos tanto na avaliação quanto no
processo corretor. O trabalho geralmente é adaptado às necessidades da
intervenção dirigida para o processo de aprendizagem.Teve sua origem na
Inglaterra, com Margareth Lowenfeld, em 1935; no entanto, segundo Estelle
Weinrib (WEINRLB, 1993), o próprio Jung deve ter sido o primeiro a envolver-
se com esta terapia, em 1912. O material consiste numa caixa retangular rasa,
com dimensões variáveis, e cheia até a metade de areia de praia peneirada. O
fundo pode ser pintado de azul claro para facilitar a impressão de água: rio,
lago ou mar. As miniaturas são objetos simbólicos do mundo real e imaginário,
tais como: animais - selvagens, domésticos, pré-históricos, terrestres, aéreos,
aquáticos, vertebrados, invertebrados; meios de transporte - aéreos, terrestres
e aquáticos; vegetação; moradias; meios de comunicação; pedras, vidros,
madeiras; personagens de contos de fadas; super-heróis, guerreiros,
personagens de história em quadrinhos; figuras humanas e outros. Quanto
maior for a variedade de espécies, mais rica será a construção na caixa de
areia, ampliando a possibilidade de imaginação e criatividade.
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Todo o movimento realizado na caixa de areia é observado e
considerado importante: como a criança se aproxima, olha, explora, manipula,
escolhe, pega, cria. Observamos também a expressão, os sons e vozes -
onomatopaicos, diálogos, imitações, gritos ou silêncio, o limite da caixa, a
organização - seleção, distribuição, quantidade de miniaturas que o sujeito faz
etc. Enfim, o seu envolvimento com a atividade. As construções realizadas
podem ser registradas, ensejando produção de textos e outros trabalhos
relacionados com a leitura/escrita.
A técnica do psicodrama aplicada ao trabalho psicopedagógico foi
trabalhada por Alícia Fernández em seu livro “Psicodrama em
Psicopedagogia”14 . Ela não considera que o jogar/brincar seja competência
apenas da criança, mas conduta humana que permanece durante a
adolescência e a maturidade. Em sua opinião, o psicodrama possibilita a
recriação de cenas significativas na história das aprendizagens pessoais,
facilita o trabalho de desenvolvimento da autoria de pensamento, é um dos
modos de por em operação o recordar e permite a emergência da
agressividade criativa.
A escolha de uma linha teórica e de técnicas específicas, indica a
direção da intervenção psicopedagógica, pois permitem a mobilidade
necessária a este profissional dedicado a estudar e atuar sobre o processo de
aprendizagem, o qual possui um dinamismo inerente à condição humana.

3- O sentido :

Se o sentido é um conceito, como já dissemos, relacionado com um


sistema de referência fixo e externo ao indivíduo , como poderíamos
relaciona-lo com a intervenção psicopedagógica ?
Em nossa opinião, isso é possível se pensarmos nos objetivos e
finalidades implícitas no trabalho do psicopedagogo. Seja na instituição ou na
clínica, este profissional tem um foco para o qual dirige sua ação: a
aprendizagem. Isto precisa estar muito bem definido para ele próprio , para o
grupo ou para o indivíduo com o qual atua. Se não houver consciência clara

14 FERNÁNDEZ,2001
1
3
deste aspecto inerente ao seu trabalho, conflitos podem surgir na relação com
outros profissionais.
A intervenção psicopedagógica só tem sentido se dirigida para o processo
de aprendizagem, seja para potencializa-lo ou para corrigi-lo. Porém, é preciso
pensar onde se quer chegar, num âmbito ou no outro e isso vai depender de
cada caso em particular. Sendo assim, o sentido de toda e qualquer
intervenção precisa ser definido previamente pelo psicopedagogo: o que ele
pretende ? qual é sua intenção com este ou aquele tipo de trabalho ?
De maneira geral,o trabalho psicopedagógico está sempre comprometido
com a mudança, seja de comportamentos, atitudes, hábitos ou sentimentos.
Desta maneira, seu objetivo é promover espaços para que a mudança ocorra e
possa ser percebida pelo sujeito e ou o grupo.
Encarado como um terapeuta da aprendizagem, o psicopedagogo é aquele
que cuida, que se desvela em direção ao outro procurando aliviar-lhe os
sofrimentos resultantes de um processo de “não aprendizagem”. É aquele que
cuida, não o que cura. Ele está lá apenas para por o sujeito nas melhores
condições possíveis, a fim de que este venha a se curar. É também aquele que
honra, e que, portanto, é responsável por uma ética subjacente à sua atividade.
Sem esta compreensão, a práxis psicopedagógica carece de sentido e
pode se tornar a repetição de práticas utilizadas por professores, como se
fossem “aulas particulares”.
Já que aprender é função tanto cognitiva quanto afetiva, a intervenção
psicopedagógica não pode se fixar num aspecto ou no outro, mas transitar de
um lugar objetivo para um subjetivo, articulando inteligência e desejo, abrindo
espaços transicionais, posicionando-se nas intersecções entre jogo e trabalho,
de forma a cumprir seu objetivo maior, qual seja o resgate do prazer e da
criatividade.
O sentido da intervenção é seu norte, ou seja, o objetivo para o qual se
dirige. Precisa ser definido, pois é fundamental para o êxito do trabalho.
Entretanto, isso não significa que seja imutável. Muitas vezes, o profissional
necessita mudar o sentido que está imprimindo à intervenção em função de
novas hipóteses de trabalho que se apresentam no decorrer das atividades, ou
em função da reação obtida com a direção escolhida.
1
4
Se o psicopedagogo não é capaz de mudar de sentido, está inapto para
a tarefa psicopedagógica, pois esta é, essencialmente, dirigida para a
promoção de mudanças.
Toda práxis psicopedagógica é fruto da articulação teoria/prática e
constitui-se numa construção pessoal que faz parte da formação profissional
desta categoria. Geralmente inicia-se com o período de estágio supervisionado,
que deve acontecer ao final do curso de especialização. Desde as primeiras
atuações do estudante, a questão da direção e do sentido da intervenção deve
ser objeto de discussão com o supervisor, de tal forma que sua definição se
torne uma estratégia que garanta o sucesso do trabalho.

4- Conclusão :

O espaço é uma categoria construída perceptivamente por cada ser


humano. Nele nos orientamos, nos encontramos ou nos perdemos,
identificamos semelhanças e diferenças.
A intervenção psicopedagógica pode ocorrer num espaço institucional ou
num espaço clínico, pode acontecer em grupo ou individualmente. Seja como
for, o psicopedagogo competente não pode prescindir de eleger uma direção e
um sentido para sua proposta de trabalho, sob pena de se perder numa
sucessão de tentativas de ensaio e erro.
Definir estas questões é uma estratégia que precisa ser ensinada nos
cursos de especialização em Psicopedagogia, de forma a garantir o
atendimento eficiente da demanda social. O profissional que tem clareza da
intencionalidade de seu trabalho, que segue uma linha teórica coerente com
seu estilo e com sua formação e que conhece diversas técnicas para utilizar de
forma alternativa ou complementar, tem muito mais chances de conseguir
sucesso.
O reconhecimento da necessidade e da utilidade do trabalho do
psicopedagogo pela opinião pública, depende de ações objetivas e simples
como esta. Uma área de conhecimento e de atuação que ainda se encontra em
formação, é vulnerável no que diz respeito à análise crítica de seus
profissionais. Trilhar o caminho epistemológico de desenvolvimento no campo
científico, significa considerar para onde se quer ir e como lá chegar. O sentido
1
5
da intervenção, dita o objetivo; sua direção, a forma como ela se processa.
Sem isso, não se vai a lugar algum e a psicopedagogia corre o risco de se
banalizar.
Enquanto conhecimento, a psicopedagogia contribui com outros campos
do saber articulando informações e conceitos de forma a contribuir para o
progresso das ciências humanas.
Como área de atuação profissional, precisa se impor por meio de um
trabalho sério e coerente com as necessidades das comunidades nas quais se
encontra. Precisa descobrir seu caminho e trilhá-lo, tendo consciência do
sentido que está tomando, o que implica em considerar seu objeto de estudo e
o sujeito para o qual se dirige, definindo com clareza e transparência os
objetivos e finalidades de suas propostas.
Ao mesmo tempo, precisa ter a humildade para considerar o erro como
parte integrante deste trajeto e identificar suas causas de forma a poder mudar
de direção sempre que necessário, sem a sensação de que falhou, mas com a
crença de que todo ser humano é capaz de aprender e melhorar seu potencial
de aprendizagem.
A mudança é componente inevitável da vida. Está presente em todos os
reinos da natureza. Abrir espaços de mudança, promovendo a autonomia do
sujeito em relação ao seu próprio processo de aprendizagem, desenvolvendo a
meta-cognição, é a essência do trabalho psicopedagógico.
Precisamos cuidar para que nossa categoria encontre seu rumo, que
nosso trabalho tenha um sentido para a sociedade na qual vivemos e ajude a
imprimir novas direções para a humanidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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partir de Piaget e Vygotsky. Porto Alegre, Mediação,1996.
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