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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM DIREITO CONSTITUCIONAL
Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES


EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO


Matr. 0624436/0

Fortaleza
Agosto – 2009
1

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES


EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-
Graduação em Direito
Constitucional como
requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre
em Direito Constitucional,
sob a orientação de
conteúdo da Professora
Doutora Gina Marcílio Vidal
Pompeu.

Fortaleza - Ceará
2009
2

__________________________________________________________________________

C349r Castello Branco, Wilfa Campos.


A reprodução assistida e os embriões excedentes : tutela jurídica / Wilfa
Campos Castello Branco. - 2009.
205 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2009.


“Orientação: Profa. Dra. Gina Marcílio Vidal Pompeu.”

1. Biodireito. 2. Reprodução assistida. 3. Bioética. 4. Direito à vida.


I. Título.
CDU 342.7:57.08
__________________________________________________________________________
3

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES


EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

Data de aprovação em: ___/___/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________
Prof. Dra. Gina Marcílio Vidal Pompeu
Universidade de Fortaleza

________________________________________________________
Prof. Dr. Martonio Mont’ Alverne Barreto Lima
Universidade de Fortaleza

________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Vital da Rocha
Faculdade 7 de Setembro
4

Aos meus pais, Wilson e Fátima.

Ao meu marido, Eduardo.

Aos meus familiares e amigos.

A minha orientadora Gina.


5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Wilson Campos e Maria de Fátima Parente Campos, por me ensinarem a
ser forte diante das adversidades da vida sem deixar de lado a alegria e o entusiasmo
que são minhas notas distintivas, meu eterno agradecimento.

Ao meu marido, Eduardo Lago Castello Branco, pelo incentivo, atenção e compreensão
nos momentos difíceis. Por todas as vezes que se colocou a minha disposição. Enfim,
pelo amor incondicional que sempre demonstrou ter por mim.

A minha querida orientadora, Professora Doutora Gina Marcílio Vidal Pompeu, por todos
os momentos dedicados à orientação desta pesquisa e por servir de exemplo de
autenticidade, caráter e perseverança.

A Professora Núbia Maria Garcia Bastos e ao Professor José Bastos pela atenção e
presteza com que me receberam.

Ao Professor Pós-Doutor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima e à Professora Doutora


Maria Vital da Rocha, que muito me honram ao aceitarem compor a banca examinadora
desta dissertação.

Aos meus amigos Ivan Magalhães e Virginia Batista, Gilson Rios e Alice Becco, Ivan Dias
e Thereza Novais, João Henrique Dummar Antero e Talitha Vieira, Diego Capibaribe, por
acompanharem de perto o desenvolver deste estudo, por entenderem todas as vezes que
tive de dizer não aos seus convites e ainda assim me incentivarem a seguir adiante.

A minha amiga e colega do Mestrado em Direito Constitucional, Isabel Freitas, por


compartilhar comigo todas as alegrias e aflições que permearam a realização deste
trabalho.

A todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste


trabalho.
6

“C’est une experience éternelle


que tout homme qui a du puvoir,
est porté à en abuser; il va jusqu’à
ce qu’il trouve des limites”.
Monstesquieu, De l’esprit de lois,
XI, 4.
7

RESUMO

A busca pelo conhecimento acerca dos eventos naturais e do fenômeno da


criação da vida parece ter motivado o homem a seguir em direção ao contínuo e
acelerado desenvolvimento da ciência. Neste processo cada descoberta conduziu
a novos questionamentos, que o impulsionaram a seguir adiante. Com o avanço
da ciência e a sua consequente especificação, surgiu um ramo que se denominou
“ciência da vida”, que se dedica ao estudo do próprio ser humano. Era questão de
tempo até que o homem passasse a dominar certos processos que antes eram
considerados estritamente naturais. Como resultado desta inquietude, ele
conseguiu criar a vida humana em laboratório, com a finalidade de contornar a
esterilidade conjugal. O domínio destas técnicas de reprodução assistida fez
surgir muitos questionamentos de ordem ética, jurídica, psicológica e religiosa.
Este trabalho tem o objetivo de discutir algumas destas questões e contribuir para
ampliar o debate ético e jurídico dos temas nele abordados. Para tanto,
inicialmente é feita uma abordagem acerca de duas novas ciências que servirão
de base para a presente pesquisa, quais sejam: a Bioética, e os princípios que a
informam, e o Biodireito. Num segundo momento, são apresentadas as técnicas
de reprodução humana medicamente assistidas e, em seguida, passa-se a expor
a questão dos embriões excedentes daquelas técnicas, bem como os destinos
que lhes podem ser dados. Analisa-se, posteriormente, o problema da tutela
jurídica a ser destinada a esses embriões excedentários. Segue-se com a
apresentação das teorias que se dedicam a fixar o termo inicial da vida e propõe-
se que estes embriões sejam compreendidos como um novo status jurídico, que
necessita de especial proteção do ordenamento em estatuto jurídico próprio.
Comenta-se sobre o art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de
Biossegurança), no que diz respeito às pesquisas com células-tronco
embrionárias, a Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de 1992, do Conselho
Federal de Medicina, e os principais projetos de lei que tratam da reprodução
assistida. Por fim, promove-se uma análise crítica da decisão do Supremo
Tribunal Federal em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, de 30
de maio de 2005, julgada em 29 de maio de 2008, que autorizou as pesquisas
com células-tronco embrionárias. Conclui-se com a afirmação de que a vida
humana deve ser respeitada, com fundamento no princípio da dignidade humana
e no direito à vida, ainda que seja vida humana criada e mantida em laboratório,
nos casos em que se verifica a criopreservação.

Palavras-chave: Reprodução assistida. Embriões excedentes. Células-tronco.


Princípio da dignidade humana. Direito à vida.
8

ABSTRACT

The search for knowledge on natural events and the phenomenon of creation of
life seems to have motivated man to follow towards the continuous and rapid
development of science. In this process each discovery lead to new questions that
stimulated man to keep moving on. With the advances in science and its resulting
specification, was created a branch called "life science", dedicated to the study of
the human being. It was matter of time until man came to dominate certain
processes that were previously considered strictly natural. As a result of this
concern, man was able to create human life in a laboratory, in order to circumvent
the conjugal sterility. The field of assisted reproduction techniques has surficed
questions of ethical, legal, psychological and religious order. This work is aimed at
discussing some of these issues and help broaden the debate on ethical and legal
issues. Thus, an approach is initially taken about two new sciences as a basis for
the present research, namely: the Bioethics, and the principles that inform it, and
Biolaw. In a second moment, we present the techniques of medically assisted
human reproduction, then, an exposure on the issue of surplus embryos from
those techniques, as well as the destinations they can be given. We later analyze
the problem of legal protection aimed at those surplus embryos. Following, is the
presentation of the theories involved in setting the initial term of life and suggests
that these embryos are comprehended in a new legal status that needs special
protection status from the ordenment in proper juridic statute. Comments are
made to art. 5 of Law No. 11105 of March 24, 2005 (Law on Biosafety), regarding
research with embryonic stem cell, Resolution No 1358 of 11 November 1992, the
Federal Council of Medicine, and the major project bills dealing with assisted
reproduction. Finally, it promotes a critical analysis of the decision of the Supreme
Court at the Direct Action of Unconstitutionality No 3510 of 30 May 2005 which
authorized the studies with embryonic stem cells. Concludes with the assertion
that human life must be respected, based on the principle of human dignity and
the right to live, even human life created and maintained in the laboratory.

Keywords: Assisted reproduction. Surplus embryos. Stem cells. Principle of


human dignity. Right to live.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11
1 A BIOÉTICA E O BIODIREITO 21
1.1 A Bioética 22
1.1.1 O princípio da beneficência 25
1.1.2 O princípio da não-maleficência 27
1.1.3 O princípio da autonomia 28
1.1.4 O princípio da justiça 30
1.2 O Biodireito 33
2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES EXCEDENTES 37
2.1 A inseminação artificial – IA 39
2.2 A fecundação in vitro – FIV 41
2.3 A transferência intratubária de gametas – GIFT 46
2.4 A maternidade de substituição 47
2.5 A doação de embriões 48
2.6 Os embriões excedentes 49
3 A TUTELA JURÍDICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES 64
3.1 O início da vida 65
3.1.1 A doutrina concepcionista 67
3.1.2 A doutrina genético-desenvolvimentista 69
3.1.3 A doutrina natalista 72
3.2 A dignidade da pessoa humana e o respeito à vida 74
3.3 A personalidade no Código Civil 78
3.4 A questão do aborto 84
3.5 O embrião como um novo status jurídico 87
3.6 Lei de Biossegurança 90
3.7 Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina 93
10

3.8 Projetos de lei sobre a reprodução assistida 95


4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS PESQUISAS CIENTÍFICAS COM
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS 101
4.1 Voto do Relator 103
4.2 Votos dos demais Ministros 111
CONCLUSÃO 118
REFERÊNCIAS 127
ANEXOS 135
11

INTRODUÇÃO

A humanidade pôde comemorar ao longo da história grandes conquistas


nos mais diversos campos da ciência, notadamente naquele que se convencionou
denominar de “ciências da vida”, assim consideradas aquelas voltadas para o
estudo do próprio homem nos seus distintos planos de existência, seja ele
biológico, moral ou social.

A cada nova descoberta, o conhecimento adquirido faz renascer no homem


aquela inquietação que o impulsiona a saber mais, a ir cada vez mais fundo nas
questões que tratam da sua própria existência, do domínio da vida e da morte,
bem como da qualidade desta vida. O que antes pertencia exclusivamente aos
domínios da natureza, e só podia ser explicado pelos mitos, agora está à
disposição do homem, podendo ser explicado pela ciência.

Ocorre que juntamente com as conquistas trazidas pelas ciências da vida,


veio uma série de questionamentos ligados ao campo da ética, que terminou por
causar implicações na seara jurídica, em especial no que diz respeito à proteção
da vida e da dignidade da pessoa humana. Isto se dá porque o homem, na ânsia
de obter as respostas que procura, não reconhece limites, razão pela qual não
pode viver sem regras.

A ciência não pode ser considerada, por si só, como boa ou má. O que a
caracteriza como tal é o uso que lhe é empregado. É justamente neste ponto que
atua o Direito, impondo os limites necessários às atitudes do homem, em prol dos
interesses do próprio homem enquanto ser individual e social.
12

A pesquisa científica é de grande importância e deve ser protegida pelo


ordenamento jurídico, mas se devem pôr em perspectiva os limites aos quais ela
deve se submeter. Não se pode admitir que o homem seja vítima da sua própria
ciência, haja vista que esta só tem razão de existir em função dele, promovendo-
lhe uma melhor qualidade de vida. Deve-se questionar até que ponto é eticamente
possível a manipulação da vida humana sem que isso possa significar uma afronta
ao próprio ser humano. No mesmo sentido afirma Diniz (2006, p. XXIV):

Com essa nova faceta criada pela biotecnociência, que interfere na


ordem natural das coisas para ‘brincar de Deus’, surgiu uma vigorosa
reação da ética e do direito, que, aqui, procuramos ressaltar fazendo com
que o respeito à dignidade da pessoa humana seja o valor-fonte em
todas as situações, apontando até onde a manipulação da vida pode
chegar sem agredir.

Os novos conhecimentos trazidos do campo das ciências da vida colocaram


à disposição do homem inúmeras tecnologias, também conhecidas como
biotecnologias, dentre as quais podem ser citadas as transfusões de sangue, os
transplantes de órgãos e tecidos humanos, o diagnóstico de doenças, inclusive o
diagnóstico pré-natal, através de diversos exames com maior ou menor grau de
invasão, a mudança de sexo, entre outras. Mas foi na área da reprodução
humana, com a possibilidade de criar vida humana em laboratório, que teve início
um novo momento que revolucionou as idéias acerca da criação, levantando
questões até então inimagináveis.

No ano de 1978, o mundo acompanhou perplexo o nascimento do primeiro


bebê de proveta da história da humanidade, Louise Joy Brown, após 15 (quinze)
anos de pesquisa, sob os cuidados dos Drs. Patrick Setptoe e Robert Edwards,
em Oldham, na Inglaterra. A partir daí houve um rápido aperfeiçoamento destas
técnicas, que se desenvolveram e se difundiram a uma velocidade incrível, e, logo
em seguida, países do mundo inteiro começaram a anunciar seus primeiros bebês
de proveta.
13

O advento destas técnicas possibilitou que casais acometidos pela


infertilidade pudessem pôr em prática seu projeto parental, realizando seu sonho
de ter filhos. Assim, concorda-se com Franco Júnior e Pedrosa Neto (1998, p.
113), ao afirmar que “o determinismo biológico da reprodução e a satisfação do
casal com a chegada de um filho justificam plenamente a utilização das técnicas
de reprodução assistida”.

Todavia, o domínio das técnicas de reprodução humana assistida trouxe


consigo uma série de questionamentos éticos, jurídicos, psicológicos e religiosos.
Isto porque a reprodução pode ser feita, por exemplo, com material genético de
terceiro (doador de óvulo ou espermatozóide), estranho ao casal, dando margem a
questionamentos sobre a maternidade ou a paternidade, ou a ambos, bem como
sobre o sigilo do doador, ou, ainda, sobre os direitos do ser humano gerado, tais
como conhecimento de seus genitores, filiação completa, alimentos, direitos
sucessórios etc.

Outra situação que pode acontecer é o ser humano ser gerado no útero de
outra mulher, o que daria ensejo à dúvida sobre quem deverá ser considerada
mãe, a que gerou ou a que confiante aguarda o nascimento de um filho que talvez
não chegue aos seus braços? Seria possível a locação de um útero? Há ainda a
possibilidade de ser um dos cônjuges manipulado pelo outro a recorrer a uma ou
outra técnica por meio de chantagem ou de outro artifício, desconhecido pelo
médico, fazendo-se questionar se seria lícita a interrupção da gravidez nestes
casos.

Estas são apenas algumas das situações que podem surgir com a
utilização das técnicas de reprodução assistida. O fato é que, ainda hoje,
aproximadamente quarenta e um anos após o nascimento do primeiro bebê de
proveta, o Brasil ainda não tem uma lei que regulamente a reprodução humana
assistida, impondo limites a sua utilização, deixando a critério dos médicos e
14

usuários a decisão acerca do que é ou não é aceitável do ponto de vista da


salvaguarda do direito à vida e do princípio da dignidade humana.

Observa-se que o Direito não é capaz de prever, ou mesmo acompanhar,


os avanços científicos. Mas deve o legislador brasileiro sair da sua zona de
conforto e se colocar numa posição mais ativa, de modo a enfrentar as demandas
da sociedade de forma mais ágil, evitando maiores problemas que podem decorrer
da sua inércia.
A demora na regulamentação das técnicas de reprodução assistida, seja
ela proposital ou não, deixou nas mãos dos médicos e usuários o destino destas
técnicas. Tal fato teve seu preço. Uma das técnicas de reprodução assistida mais
utilizada é a fertilização in vitro, pela qual ocorre a manipulação em laboratório dos
gametas masculinos e femininos para a formação do embrião e posterior
implantação no útero materno. Na falta de lei que determinasse a quantidade de
embriões que poderiam ser formados, a prática médica, com o intuito de evitar
outros procedimentos para retirada de óvulos dada a sua pouca durabilidade,
começou a extraí-los de uma só vez e em grande quantidade, fecundando-os e
congelando os embriões que não foram implantados para posterior tentativa de
gravidez.

O resultado desta prática foi a sobra de vários embriões congelados que


por um motivo ou por outro não despertam mais o interesse dos seus genitores e
findaram por exceder ao projeto parental, não tendo qualquer perspectiva de
serem implantados. Esta situação, como já se pode antever, deu origem a novos
questionamentos, tais como: o que fazer com estes embriões? Deixá-los
congelados eternamente? Simplesmente desfazer-se deles? Poderiam eles ser
doados para outro casal? E para a pesquisa científica?

É precisamente sobre esses embriões excedentes das técnicas de


reprodução assistida que se debruçará a presente dissertação. Responder, ainda
que não seja de forma absoluta, aquelas questões e aos seus desdobramentos
15

éticos e jurídicos é o seu principal objetivo. Dentre elas uma merece especial
atenção, qual seja: a que se refere à doação do embrião excedente para pesquisa
científica.

Não obstante a inexistência de uma lei que trate da reprodução humana


assistida, o Brasil dispõe, desde 24 de março de 2005, da Lei n. 11.105, também
conhecida como Lei de Biossegurança, que prevê a utilização dos embriões
excedentes da reprodução assistida em pesquisas científicas, desde que
atendidos alguns requisitos. Ocorre que quando da sua entrada em vigor, os
artigos que tratam da utilização desses embriões para pesquisa foram atacados
pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510, cujo recém julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal, considerado histórico, será relembrado e analisado no
decorrer desta exposição.

Assim, este trabalho se dedica ao estudo de questões que têm como sujeito
o embrião excedente das técnicas de reprodução assistida. Procura-se, para
tanto, analisar: quais os efeitos causados no ordenamento pátrio pelos novos
paradigmas das ciências biotecnológicas, notadamente os das técnicas de
reprodução assistida que tem, na maioria das vezes, como produto final os
embriões excedentes? Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo Direito,
notadamente no que diz respeito à proteção desses embriões diante da
possibilidade da sua coisificação pelas pesquisas científicas? Como tornar
possível a assunção desses novos paradigmas com a finalidade ética do
ordenamento jurídico brasileiro?

O estudo do tema em questão revela sua importância, na medida em que o


fato de não dispor o Brasil de uma legislação específica que regule e limite o uso
das técnicas de reprodução assistida, tampouco que reconheça o embrião in vitro
como uma nova realidade jurídica, carente de um estatuto jurídico próprio, que o
proteja, assegurando-lhe e conferindo-lhe direitos, gera uma grande insegurança
16

jurídica e põe em risco os direitos e princípios fundamentais que são previstos


pela Constituição.

Assim, este trabalho tem como objetivo geral estudar a variação


comportamental do ordenamento jurídico brasileiro em face da problemática
advinda das técnicas de reprodução humana assistida, dos embriões excedentes
e das pesquisas científicas que envolvem a utilização destes, bem como,
especificamente, demonstrar a relação existente entre o estudo da Bioética,
entendida com ética da vida, e o tema escolhido, analisar os efeitos decorrentes
do uso das técnicas de reprodução assistida no universo jurídico, em especial no
que diz respeito a sua regulamentação e a proteção jurídica dos embriões
excedentes enquanto seres humanos, e apontar, ao final, algumas soluções
passíveis de compatibilizar os interesses da ciência com a finalidade ética do
ordenamento jurídico.

Quanto aos aspectos metodológicos, a investigação das hipóteses se deu


por meio de pesquisas bibliográfica e documental, com a análise de livros e artigos
sobre do tema em pauta, bem como da legislação vigente e da Ação Direta de
Inconstitucionalidade de n. 3510 proposta ao Supremo Tribunal Federal. No que
tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura,
visto o intuito de aumentar o conhecimento sobre o objeto da mesma. Quanto à
abordagem, é qualitativa, uma vez que há uma maior preocupação com o
aprofundamento e a abrangência do tema em estudo, não buscando critérios de
representatividade numérica. É descritiva e exploratória, segundo os objetivos,
posto que classifica, explica e interpreta os fatos, assumindo a forma bibliográfica,
com interferência da pesquisadora, o que se dá através do seu posicionamento
com relação às divergências doutrinárias apresentadas.

Para tanto, o trabalho foi dividido em quatro capítulos, dispostos da


seguinte forma: o primeiro – A Bioética e o Biodireito – atua como “pano de fundo”
para o estudo realizado, uma vez que é imprescindível o prévio conhecimento dos
17

princípios e do complexo jurídico que o norteia. A Bioética surge como uma


tentativa de minimizar, e quando possível evitar, as ameaças que as novas
biotecnologias representam para o homem. Trata-se de uma ética voltada para as
questões que dizem respeito não apenas à vida humana, mas uma vida com
dignidade. Com base nos princípios bioéticos da beneficência, da não
maleficência, da autonomia e da justiça, procura-se responder aos
questionamentos éticos que surgem com o progresso científico.

No entanto, a Bioética sozinha não é suficiente, já que não tem o condão de


impor condutas, mas apenas de lançar reflexões e propor caminhos que devem
ser observados tanto pelos profissionais da saúde quanto pelo Direito. É neste
contexto que tem lugar um novo ramo do conhecimento jurídico, o Biodireito.
Assim como ocorre com a Bioética, o Biodireito é voltado para as questões que
envolvem a vida. O direito à vida, o princípio da dignidade humana e os princípios
bioéticos devem ser entendidos como fundamento de uma legislação que preserve
o ser humano contra a arbitrariedade da ciência. Esta é a principal tarefa do
Biodireito, qual seja, promover um reencontro entre ética e Direito com o fim de
proteger o homem nestes novos tempos.

O segundo – As técnicas de reprodução assistida e os embriões


excedentes – demonstra os principais procedimentos utilizados naquelas técnicas,
bem como suas indicações. O conhecimento das técnicas de reprodução humana
assistida tem relevância para o estudo que ora se apresenta, já que não são todas
elas que têm como resultado final os embriões excedentes objeto deste trabalho.
Assim, abordam-se as seguintes técnicas: inseminação artificial, homóloga ou
heteróloga; a fecundação in vitro, com doação de óvulo, de esperma ou de ambos,
com injeção intracitoplasmática de esperma; a transferência intratubária de
gametas; a maternidade de substituição e a doação de embriões.

Conhecidas as técnicas de reprodução humana assistida e identificada a


que produz os embriões excedentes, demonstra-se a origem da existência e os
18

diversos destinos que podem lhes ser dados. Desta forma, ponderam-se os
seguintes temas: congelar ou não congelar, destruição, descarte direto ou
descarte simulado de embriões, doação de embriões de casal para casal ou para
fins de pesquisa científica.

O terceiro – A tutela jurídica dos embriões excedentes – apontam-se as


teorias científicas que tratam do início da vida. Referidas teorias têm o objetivo de
fixar a partir de que momento tem início a vida humana. Aqui, estudam-se as
teorias concepcionista, genético-desenvolvimentista e a natalista, com seus
eventuais desdobramentos.

Neste capítulo se apresentam o princípio da dignidade humana e o direito à


vida como direito fundamental do ser humano, ambos consagrados pela
Constituição Federal de 1988. O primeiro, previsto no artigo 1º, III, da
Constituição, é compreendido como fundamento da República Federativa do
Brasil. Enquanto o segundo, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição, foi
elevado à categoria de direito fundamental do indivíduo.
Pontua-se a inadequação da categorização oriunda do Direito Privado
clássico, ao evidenciar a necessidade de se definir o embrião in vitro como um
novo status jurídico, equiparando-o ao nascituro enquanto não houver legislação
própria, com o escopo de preservar-lhe a dignidade e o direito à vida, inerente
pela condição de ser humano. Trata da questão do aborto e propõe a elaboração
de um estatuto jurídico do embrião.

Abordam-se, ainda, os pontos mais relevantes da Lei nº 8.974, de 05 de


janeiro de1995, antiga Lei de Biossegurança, e o artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24
de março de 2005, atual Lei de Biossegurança, que foi objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.510, proposta em 30 de maio de 2005; a Resolução nº
1.358, de 19 de novembro de 1992, do Conselho Federal de Medicina; e os
principais projetos de lei sobre a reprodução assistida. Alerta-se para a
necessidade de um estudo de caráter interdisciplinar sobre o tema em tela, dada a
19

sua relevância e complexidade, sob pena de se aprovarem leis que promovam a


instrumentalização do ser humano, desrespeitando o sistema de valores previsto
na Constituição Federal de 1988.

No quarto e último capítulo – O Supremo Tribunal Federal e as pesquisas


com células-tronco embrionárias – procede-se à análise crítica dos votos
proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, que teve por objeto o artigo 5º da atual Lei de
Biossegurança.

Observa-se, por fim, que a todo instante deve-se buscar a preservação da


vida. O direito à vida digna é inerente à condição de ser humano, de forma que
não cabe ao Direito concedê-lo a um ou a outro, mas reconhecê-lo e protegê-lo.
Assim, as manipulações dos embriões excedentes das técnicas de reprodução
assistida que resultem em sua destruição devem ser abolidas por contrariar o
ordenamento jurídico.

Diante do exposto, infere-se a relevância jurídica do presente estudo


dedicado à questão dos embriões excedentes das técnicas de reprodução
humana assistida, principalmente no que diz respeito às pesquisas com células-
tronco embrionárias, que tem causado uma grande expectativa, propagando a
esperança da cura de diversas doenças às custas da destruição em massa
daqueles embriões. Conforme Rocha (2008, p. 01):

A despeito dessa auspiciosa expectativa, cumpre-nos destacar que, se


por um lado essas técnicas representam a esperança de cura de
inúmeras enfermidades, entre elas as doenças neurodegenerativas,
como o Mal de Parkinson e Alzheimer, por outro lado, os riscos que o
procedimento acarreta, tanto no que diz respeito à vida humana
individualmente considerada quanto no que concerne ao ser humano
como espécie a ser preservada não consubstanciam meras expectativas,
ao contrário, são reais e verificáveis- dentre os quais destacamos a
destruição da vida, a instrumentalização do ente humano, a alteração do
patrimônio genético, entre outras conseqüências que se revelam jurídica
e eticamente questionáveis.
20

Diante de qualquer situação em que se tenha que decidir pelo homem ou


pela ciência, decida-se pelo primeiro. O ser humano deve ser entendido como um
fim em si mesmo, não podendo ser instrumentalizado pela ciência, já que esta
deve estar a serviço da humanidade e não o contrário.
21

1 A BIOÉTICA E O BIODIREITO

O crescente desenvolvimento das ciências da vida fez surgir uma série de


questões que, nos últimos anos, promoveram uma aproximação entre a Ética e o
Direito, uma vez que permitiram ao homem interferir em processos que antes
eram exclusivamente naturais. De acordo com Barroso (2007, p. 247):

O encontro entre Direito e Ética se dá, em primeiro lugar, na Constituição,


onde os valores morais se convertem em princípios jurídicos. A partir daí
se irradiam pelo sistema normativo, condicionando a interpretação e
aplicação de todo o direito infraconstitucional.

Esta afirmação encontra reforço nas palavras de Conti (2004, p. 03), ao


definir a Ética como “o estudo do comportamento do homem em sociedade. É o
combustível que abastece a sobrevivência humana no planeta, com senso de
dignidade e da responsabilidade de uns para com os outros”. A dignidade referida
por Conti é aquela cujo valor se converteu em princípio jurídico de máxima
importância, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, reconhecida
como fundamento da República Federativa do Brasil, abaixo transcrito:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. (grifou-se).

Deste encontro entre Ética, Direito e avanços biotecnológicos surgiram


novos ramos do conhecimento humano: a Bioética e o Biodireito. O primeiro com o
objetivo de estudar o comportamento do homem frente aos avanços da ciência,
valorando-o. O segundo visa à elaboração de normas jurídicas que, pautadas nos
22

princípios da Bioética, regulamentem as pesquisas científicas, evitando condutas


que degradem a humanidade.

Conhecer o significado e a importância do estudo da Bioética e do Biodireito


é condição indispensável ao estudo dos desafios trazidos pelas novas conquistas
biotecnológicas, uma vez que seus valores e normas informarão os limites aos
quais a utilização destas estarão submetidas dentro de uma determinada
sociedade e da comunidade global.

1.1 A bioética

O termo bioética surgiu a partir da junção dos termos gregos bios e ethos,
que significam vida e ética, respectivamente. Foi utilizado pela primeira vez por
Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista norte-americano, da Universidade de
Wisconsin, em Madison, em sua obra intitulada Bioethics: a Bridge to the Future,
publicada em 1971. Nesta obra, a bioética foi compreendida como uma “ciência da
sobrevivência”, voltada para a ideia de uma ética global, relacionando-se com a
vida em geral (FABRIZ, 2003, p. 73). Era vista “como uma questão ou um
compromisso mais global frente ao equilíbrio e preservação da relação dos seres
humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta.” (COSTA; GARRAFA;
OSELKA, 1998, p. 15).

Contudo, foi somente com Andre Hellegers, fisiologista fetal holandês da


Universidade de Georgetown, que a bioética assumiu o caráter de uma ética
voltada para o âmbito da medicina e das ciências biológicas (FABRIZ, 2003, p.
74). Este sentido prevalece até os dias atuais e se coaduna com o entendimento
de ser a Bioética a ciência que se ocupa do estudo dos princípios e valores que
buscam a promoção da vida. Mas foi com a publicação da obra The Principles of
Bioethics, de Tom Beauchamp e James Childress, no ano de 1979, que a Bioética
se difundiu e se sedimentou no meio científico. (COSTA; GARRAFA; OSELKA,
1998, p. 15).
23

Conforme ensina Diniz (2006, p. 6):

Esse entrecruzamento da ética com as ciências da vida e com o


progresso da biotecnologia provocou uma radical mudança nas formas
tradicionais de agir dos profissionais da saúde, dando outra imagem à
ética médica e, conseqüentemente, originando um novo ramo do saber,
qual seja, a bioética.

Segundo Semião (2000, p. 165): “O debate atual, configurador da


denominada bioética, dá-se no campo da deontologia médica e jurídica, em
confronto com a dignidade do homem”.

Atualmente, os princípios da ética acerca da conduta aplicam-se a novas e


diversas questões que são suscitadas em decorrência da revolução
biotecnológica, que trouxe consigo diversas conquistas, dentre elas o domínio das
técnicas de reprodução assistida, que por sua vez deu ao homem a oportunidade
de interferir em um processo anteriormente regido apenas pelas leis da natureza,
qual seja, a criação da vida, fazendo com que a humanidade vivenciasse uma
nova sensibilidade ética. No mesmo sentido, para Oliveira (2008, p.45):

Não se trata de encontrar uma nova ética na bioética, mas sim, de


utilizar-se da velha ética aplicada a cada questão particular que vier a
surgir com o desenvolvimento das novas tecnologias [...]. A novidade das
questões não permitirá o abandono da ética geral e sua substituição por
uma nova ética, mas uma adaptação daquela às situações que se
apresentarem.

Já no século XVIII, Immanuel Kant afirmava que os seres humanos,


dotados de racionalidade, são chamados de pessoas porque sua natureza os
diferencia como fins em si mesmos, ou seja, jamais poderão ser entendidos como
meio. Assim, há uma clara limitação dos eventuais caprichos destes seres, visto
que toda pessoa deve ser respeitada como possuidora de valor e dignidade.
(KIPPER; CLOTET, 1998, p. 42).
24

Pode-se perceber que a preocupação com as questões éticas,


especialmente no que diz respeito ao ser humano, existe há muito tempo e que,
apesar da longa data, estão cada vez mais presentes em diversos temas da
atualidade, notadamente no que tange às novas descobertas biotecnológicas.
Emerge, então, diante desses avanços biotecnológicos, a necessidade de
uma avaliação sobre a conveniência e delimitação da utilização dessas novas
tecnologias, que sem a regulamentação necessária resultará no seu uso
indiscriminado, transformando o homem em um mero instrumento do seu próprio
conhecimento. Lembra Fabriz (2003, p. 94) que:

Os problemas bioéticos envolvem as dimensões do poder, que se


manifestam como produto da dominação humana sobre seres humanos e
coisas. O poderio tecnológico suscita riscos inteiramente inéditos e
inapreensíveis. Animado pelas várias e constantes descobertas,
encontra-se fadado ao inevitável ir adiante.

Deve-se ter em mente que nem tudo que é tecnologicamente possível seja
necessariamente ético e deva ser protegido pelo ordenamento jurídico. É
exatamente neste ponto que o estudo da Bioética se faz necessário, investigando,
questionando, analisando possibilidades, sejam elas relacionadas aos acertos e
erros, aos prós e contras, bem como quanto aos benefícios e malefícios,
decorrentes do uso indiscriminado dessas novas tecnologias, com o escopo de
alertar a sociedade quanto ao perigo da não regulamentação do uso dessas novas
técnicas. Cabe à Bioética realizar juízos de valor sobre essas novas
biotecnologias.

Assim, em um determinado momento foi necessário ir além das reflexões


trazidas pela Bioética, para que fosse possível discutir e formular princípios que
deveriam ser-lhe intrínsecos e ao mesmo tempo norteadores da conduta humana.
Desta forma, tiveram origem os princípios bioéticos.

Como dito, foi com a publicação da obra The Principles of Bioethics, de


Beauchamp e Childress, em 1979, que a Bioética encontrou seu lugar no meio
25

científico. Esses autores foram os precursores da corrente denominada


“principialismo”. (COSTA; GARRAFA; OSELKA, 1998, p. 15).

Segundo o principialismo, a bioética se desenvolve a partir de quatro


princípios essenciais, quais sejam: beneficência, não maleficência, autonomia e
justiça. (KIPPER; CLOTET, 1998, p. 41). Não se trata de princípios absolutos e
não existe entre eles qualquer hierarquia, devendo o caso concreto servir de
parâmetro para a aplicação de um ou de outro.

Desta forma, havendo colisão entre os princípios que informam a Bioética,


não haverá que se falar em exclusão definitiva de um princípio, mas da escolha de
um deles que, se adequando melhor ao caso em tela, resguarde tanto quanto
possível a dignidade da pessoa humana.

Passa-se, então, a apresentação dos princípios bioéticos da beneficência,


da não maleficência, da autonomia e da justiça.

1.1.1 Princípio da beneficência

É a beneficência o dever de fazer o bem, termo derivado da expressão


latina bonum facere. Deve o profissional de saúde praticar o bem em relação ao
seu paciente, procurando sempre a melhor forma de tratar o paciente como um
todo e não apenas a doença. Segundo Fabriz (2003, p. 107):

[...] o princípio da beneficência indica a obrigatoriedade do profissional da


saúde e do investigador de promover primeiramente o bem estar do
paciente.
O princípio da beneficência demonstra ser, em seus imperativos, de
extrema importância na delimitação de padrões de conduta. [...] Tal
princípio põe em pauta uma série de indicativos que devem ser levados
em consideração nas práticas ligadas à biociência.

Sobre referido princípio, manifesta-se Diniz (2006, p. 17):


26

O princípio da beneficência requer o atendimento por parte do médico ou


do geneticista aos mais importantes interesses das pessoas envolvidas
nas práticas biomédicas ou médicas, para atingir seu bem-estar,
evitando, na medida do possível, quaisquer danos. Baseia-se na tradição
hipocrática de que o profissional da saúde, em particular o médico, só
pode usar o tratamento para o bem do enfermo, segundo sua capacidade
e juízo, e nunca fazer o mal ou praticar a injustiça.

A benevolência, que seria uma forma genérica da beneficência, apresenta-


se como uma espécie de disposição emotiva de quem tenta fazer bem aos outros.
Caracteriza-se como uma virtude, algo que, de forma geral, todos os seres
humanos normais possuem. (KIPPER; CLOTET, 1998, p. 42).

A prática do bem é um dever que deve ser cumprido, não só pelo


profissional da saúde, mas por todos, independentemente da sua profissão. Para
Sá e Naves (2009, p. 33): “O princípio da beneficência impõe ao profissional da
saúde ou ao biólogo o dever de dirigir esforços no sentido de beneficiar o ser
pesquisado”.

Referido dever não tem, todavia, caráter absoluto, visto que pode ocorrer
de dois deveres iguais entrarem em conflito, ou ainda, que o dever de praticar o
bem conflite com um dever maior, situações que demonstram o caráter
condicional da beneficência. Por exemplo, manter alguém que se encontra em
estado vegetativo vivo por tempo indeterminado, com o auxílio de aparelhos,
somente para satisfazer a família, sem pensar no consequente sofrimento
experimentado pelo paciente.

Existe uma forma exacerbada de beneficência, conhecida por paternalismo.


Trata-se do resultado de uma relação desequilibrada entre o médico e o paciente,
na qual o primeiro, sob o prisma da beneficência, age de acordo com suas
convicções, desrespeitando ou simplesmente não perguntando qual a opinião do
paciente. O autoritarismo do médico acaba por anular o paciente. Tal conduta
deve ser refutada no meio médico, por não enxergar o paciente como um ser
humano digno e merecedor de respeito.
27

1.1.2 Princípio da não maleficência

O princípio da não maleficência, derivado da expressão latina primum non


nocere, assim como o princípio da beneficência, não tem caráter absoluto, pois
envolve, na maioria das vezes, a abstenção da prática de uma determinada
conduta, com vistas a não causar dano a alguém; ao contrário do que ocorre com
o princípio da beneficência, que é e requer ação. Em outras palavras: enquanto o
princípio da beneficência requer um fazer, o princípio da não maleficência requer
um não fazer, não sendo exigida a prática de qualquer conduta, uma vez que seu
principal objetivo é se abster para não lesar.

Para Fabriz (2003, p. 107), o princípio da beneficência engloba o da não


maleficência, sendo considerado por Diniz (2006, p. 18) um desdobramento
daquele. Todavia, devem ser entendidos como deveres independentes e não
absolutos, uma vez que enquanto o dever de não fazer o mal é imposto
efetivamente a todos, o de fazer o bem, na prática, acaba por ser menos
abrangente. Conforme Silva (2002, p. 174):

A bem da verdade, o princípio da beneficência, que corresponde à


obrigação hipocrática de fazer o bem (do latim bonum facere), e o
princípio da não-maleficência, que igualmente corresponde a uma
obrigação hipocrática, a de não causar o mal (do latim non nocere), nada
mais são do que desdobramentos do reconhecimento da dignidade da
pessoa humana no âmbito biomédico.

O “não causar danos” a que se refere o princípio em tela deve ser


interpretado segundo o interesse do paciente, uma vez que o sofrimento
experimentado pelo ser humano só encontra justificativa quando o mesmo é o
primeiro, senão o único, a ser beneficiado.
28

1.1.3 Princípio da autonomia

Questiona-se, atualmente, sobre qual deve ser a postura do médico no que


tange ao esclarecimento do paciente. Saber se deve contar-lhe tudo ou se deve o
médico omitir determinados fatos ao paciente, procurando para tanto um familiar
ou alguém que possa estar a par da real situação do paciente, decidindo junto ao
médico as condutas a serem seguidas. Para Diniz (2006, p. 16-17):

O princípio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a


vontade do paciente, ou de seus representantes, levando em conta, em
certa medida, seus valores e crenças religiosas. Reconhece o domínio do
paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua
intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo
daquele que está sendo submetido a um tratamento. Considera o
paciente capaz de autogovernar-se, ou seja, de fazer suas opções e agir
sob a orientação dessas deliberações tomadas, devendo, por tal razão,
ser tratado com autonomia.

À capacidade que o ser humano tem de decidir o que julga melhor para si,
dá-se o nome de autonomia. Relata Oliveira (2008, p. 48) que:

Este critério foi introduzido na ética médica nos anos 70, quando houve
uma revolução no relacionamento médico-paciente. Eis que emergiu
desse comportamento uma relação entre sujeitos, em que o paciente não
era mais percebido como objeto. É uma relação de sujeitos autônomos, e
que estabelecem relações entre si, compartilhando decisões em parceria
e no gozo de plenos direitos [...]

Ao tratar do princípio da autonomia, Sá e Naves (2008, p. 34) afirmam que:

A relação médico-paciente sofre substancial transformação com a


consideração desse princípio. A relação de autoridade perde espaço para
a consideração do paciente como sujeito partícipe do processo de
tratamento. Para tanto, o processo de intervenção deve ser transparente,
permitindo que o paciente tenha o máximo de informação antes de
decidir.

É pressuposto do ato autônomo, além da liberdade de opção, a liberdade


de ação (MUÑOZ; FORTES, 1998, p. 57). Isso significa que, embora na maioria
das vezes não se possa escolher o que irá acontecer, poder-se-á decidir como
29

agir diante de cada situação. Portanto, é dever do profissional da saúde informar e


esclarecer seu paciente sobre tudo que lhe diga respeito, para que não haja
cerceamento desta autonomia, visto que não há liberdade sem informação.
Leciona Fabriz (2003, p. 109) que:

Identificado como respeito à pessoa, o princípio da autonomia (autos, eu;


nomos, lei) denota que todos devem ser responsáveis por seus atos. A
responsabilidade, nesse sentido, implica atos de escolha. Devem-se
respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa.

O paciente tem o direito de ser ou não ser informado, de acordo com sua
convicção, sobre o seu diagnóstico, prognóstico, bem como sobre as condutas
diagnósticas e terapêuticas a serem utilizadas, visto que só assim poderá dar seu
consentimento livre e esclarecido para a realização daquelas condutas. Seguem o
mesmo entendimento Muñoz e Fortes (1998, p. 65):

A informação é a base das decisões autônomas do paciente, necessária


para que ele possa consentir ou recusar as medidas ou procedimentos
de saúde que lhe foram propostos.O consentimento esclarecido requer
adequadas informações, compreendidas pelos pacientes. A pessoa pode
ser informada, mas isto não significa que esteja esclarecida, caso ela não
compreenda o sentido das informações fornecidas, principalmente
quando as informações não forem adaptadas às circunstâncias culturais
e psicológicas.

E continuam os referidos autores (1988, p. 67):

A pessoa autônoma também tem o direito de ‘não ser informada’. Ser


informado é um direito e não uma obrigação do paciente. Ele tem o
direito de recusar ser informado. Nestes casos, os profissionais de saúde
devem questioná-lo sobre quais parentes ou amigos quer que sirvam
como canais de informação.

Para Silva (2008, p. 69):

O princípio da autonomia reclama a transmissão de informações ao


paciente, de modo que, a partir dos elementos apresentados pelo
profissional técnico, lhe seja possível escolher, com a assistência do
profissional da saúde, qual a melhor direção a ser seguida. Anote-se que
este princípio da Bioética,assim como os demais, se constitui em um
direito em favor do paciente.
30

Todavia, o princípio da autonomia não temo condão submeter o


profissional a emulações do paciente, mas, ao contrário, tem por escopo
propiciar desde que possível, uma linha de tratamento mais coerente com
as pretensões almejadas pelo destinatário da intervenção.

Observa-se corriqueiramente certa tendência médica em agir sob o prisma


exclusivo da beneficência, ou seja, de forma paternalista, tendo como resultado a
anulação da vontade do paciente, transformando de sujeito desta relação em
objeto. Para Fabriz (2003, p. 109): “O princípio da autonomia justifica-se como
princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do indivíduo
devem constar como fatores preponderantes, visto que tais elementos ligam-se
diretamente ao princípio da dignidade humana”.

Vale lembrar que o ser humano não nasce autônomo, ele se torna
autônomo, e essa autonomia não deve ser um direito absoluto. O que se garante é
o direito e proteção à vida, mas não a disposição sobre ela. Equipara-se o
significado dessa autonomia ao da capacidade para o exercício de direitos, ou
seja, todos nascem sujeitos de direito, contudo a capacidade para exercê-los vem
com o tempo e maturidade suficientes.

1.1.4 Princípio da justiça

A questão da justiça sempre suscitou inúmeros e apaixonados debates.


Desde a antiguidade à atualidade, muitos foram os filósofos que tentaram
responder à eterna indagação que tanto angustia a humanidade, a saber: o que é
a justiça? Contudo, nenhuma teoria foi capaz de respondê-la de forma definitiva,
tendo em vista a forte carga de subjetividade deste conceito. Sobre o tema,
manifesta-se Fabriz (2003, p. 118-119):

Não obstante e a despeito das divergências entre os vários


posicionamentos sobre a justiça, vale destacar que tal conceito, para ser
compreendido como sendo o mais adequado, deve-se manifestar como
produto de um consenso que se realiza pelas vias de uma democracia
pluralista.
31

Para o citado autor (2003, p. 111):

O princípio da justiça, no campo da Bioética, indica a obrigação de se


garantir uma distribuição justa, equitativa e universal dos bens e serviços
(dos benefícios) de saúde. Liga-se ao contexto da cidadania, implicando
uma atitude positiva do Estado, no que se refere ao direito à saúde.

O princípio, de que ora se trata, tem cunho eminentemente social. É meio


pelo qual a sociedade atua na relação médico-paciente. Corresponde ao princípio
da igualdade, e busca saber o que é justo ou injusto. Segundo Diniz (2006, p. 18):

O princípio da justiça requer a imparcialidade na distribuição dos riscos e


benefícios, no que atina à prática médica pelos profissionais da saúde,
pois os iguais deverão ser tratados igualmente.
Esse princípio, expressão da justiça distributiva, exige uma relação
equânime nos benefícios, riscos e encargos, proporcionados pelos
serviços de saúde ao paciente.

Tem-se observado que existe uma forte tendência, na atualidade, a se


legitimar decisões políticas que têm como finalidade a restrição de investimentos
na área da saúde, amparando-se, para tanto, nas mais variadas teorias de justiça,
que para as autoridades competentes tanto influenciam quanto fundamentam suas
argumentações.

Ocorre que os gastos com a saúde pública passam longe de ser suficientes
para o atendimento da demanda. Deveria haver um maior investimento na área da
saúde, porém, a quem cabe decidir não interessa a questão. Não se está pedindo
um nível de excelência em saúde pública digno de países de primeiro mundo, mas
que sejam atendidas as necessidades básicas, que seja garantido a todos um
atendimento com um mínimo de qualidade. Giovanni Berlinguer, em seu livro Ética
de la Salud (SIQUEIRA, 1998, p. 71), afirma que: “Ontem a ética tratava de
Justiça, do acesso aos serviços de saúde, dos direitos dos enfermos; hoje, fala-se
unicamente da racionalização dos tratamentos médicos”.

A saúde, além de um direito, é um bem que deve ser destinado a todos,


porque somente ao se garantir um nível de saúde adequado é que se poderá falar
32

em ética e em justiça. É no corpo de uma Constituição que podem ser percebidos


os princípios de justiça que regem uma determinada sociedade. No caso
específico da Constituição da República Federativa do Brasil, a saúde é erigida à
categoria de direito fundamental, conforme artigos 6º e 196, abaixo transcritos:

Art.6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,


o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(grifou-se).
[...]
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção e recuperação. (grifou-se).

Assim, segundo Sá e Naves (2008, p. 35):

O princípio da justiça refere-se ao meio e fim pelo qual se deve dar toda
intervenção biomédica, isto é, maximizar os benefícios com o mínimo
custo, Nesse ‘mínimo custo’, devem estar abrangidos não apenas os
aspectos financeiros, que quando bem equacionados permitem a
igualdade de acesso aos serviços de saúde, mas também os custos
sociais, emocionais e físicos. Ou seja, justa é a intervenção médica que
leva em conta os valores do paciente, bem como sua capacidade de
deliberação e unidade psicofísica.

Sobre os princípios que norteiam a Bioética, Fabriz (2003, p. 119) se


manifesta no sentido de que: “Da tríade de princípios que devem informar a prática
no campo das ciências da vida, o da justiça destaca-se como sendo o mais
elevado, visto que envolve valores que devem ser respeitados pelo conjunto da
sociedade”. 1

Quando se trata de tomada de decisões no âmbito das ciências


biomédicas, saber o que é certo e agir com prudência é tarefa difícil, mas nem por
isso deve deixar de ser intentada. Santos (1998, p. 55-56) lembra que:

1
Fabriz (2003) faz parte de uma corrente que entende existir uma trindade ou tríade de princípios
bioéticos, quais sejam: beneficência, autonomia e justiça. Segundo este autor, o princípio da não
maleficência é uma decorrência do princípio da beneficência.
33

Os princípios, por si sós, nunca decidem questões éticas, isto é,


podemos aderir a força moral dos princípios somente através do estudo
de como eles são aplicados e dentro de situações particulares. A
aceitação dos princípios citados não descarta a possibilidade de que
surjam discordâncias radicais quanto ao objeto de sua aplicação. [...]. Em
caso de conflito, serão a situação concreta e suas circunstâncias que
indicarão a precedência. Não podemos confundi-los comum simples
código deontológico.

Pode-se afirmar que os princípios bioéticos ora tratados visam à garantia do


direito à vida e à dignidade humana, sem as quais os demais direitos pouco ou
nada valerão. Assim, à luz do caso concreto e dos princípios informadores da
Bioética, deve o profissional da saúde procurar encontrar a melhor solução para
os envolvidos, buscando sempre a preservação da vida, da dignidade e o ideal da
justiça.

1.2 O Biodireito

Na busca por novos conhecimentos, o homem não reconhece a existência


de limites, sejam eles naturais, físicos, morais ou éticos. Esta afirmação se faz
mais patente quando se trata das novas descobertas da ciência e das novas
tecnologias relacionadas com a vida, uma vez que a ciência só deve existir em
função da promoção da vida, da saúde e do bem-estar do homem, de forma que
se afigura inadmissível a instrumentalização do ser humano.

Todavia, a cegueira provocada pelo saber demonstra a necessária


intervenção do Estado, criando normas jurídicas que regulamentem a atividade
científica e, quando necessário, o legitime a agir coercitivamente, tendo em vista
que as normas de caráter deontológico não têm qualquer obrigatoriedade. De
acordo com Conti (2004, p. 12):

As regulamentações alternativas existentes são ineficazes e muitos as


consideram injustas, pois não são uniformes em todos os países.
Acreditamos que uma legislação firme deve ser criada a fim de que
34

regulamente questões, que estão há muito tempo esperando


normatização.

O homem sempre deverá ser entendido como um fim em si mesmo, jamais


como uma meio posto à disposição da ciência. Segundo Vieira (1999, p. 18):

Percebemos que a ciência está caminhando mais rápido que a reflexão


ética por parte da sociedade. A humanidade ainda não encontrou
respostas para diversas questões éticas. Muitos requerem a discussão e
a elaboração de leis sobre a bioética para legitimar a sua prática ou para
proibir experiências julgadas abusivas. No entanto, com o progresso
veloz das pesquisas biológicas, corre-se o risco de já estarem defasadas
no momento da sua promulgação.

Da necessidade de regulamentação das questões trazidas pela Bioética e


da imposição de limites à realização dessas novas biotecnologias, é que surge o
Biodireito. Afirma Fabriz (2003, p. 287) que:

A regulamentação jurídica dos eventos que envolvem a Bioética constitui-


se um empenho necessário e de grande responsabilidade. A atividade
legiferante, nesse terreno, mesmo que ainda de forma acanhada, já vem
se manifestando. A liberdade científica não deve ser censurada, o que
não quer dizer que a sua atuação possa ir às raias da transgressão aos
princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Nesse
sentido, a importância do Direito na atuação conjunta com a Bioética.

De acordo com Oliveira (2008, p. 117): “O biodireito é desejado para


cumprir os princípios da bioética, ou corre-se o risco de haver norma jurídica que
venha a regulamentar estas atividades e que não leve em consideração seu objeto
principal que é o ser humano”.

Infere-se daí que o Biodireito é um novo segmento do saber jurídico, que tem
como objetivo a proteção da vida e da dignidade humana, através da elaboração
de teorias, legislação e jurisprudência sobre os constantes avanços das ciências
biotecnológicas. Para Hironaka (2003, p. 43):

O papel do Direito não é o ‘de cercear o desenvolvimento científico, mas


justamente o de traçar [...] exigências mínimas que assegurem a
compatibilização entre os avanços biomédicos que importam na ruptura
de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da
35

Humanidade enquanto tal, portadora de um quadro de valores que


devem se assegurados e respeitados.

No mesmo sentido, aduz Silva (2008, p. 75):

Destarte, o Biodireito, do ponto de vista principiológico,em consonância


com o art. 1º, inciso III,da Constituição da República, objetiva a
salvaguarda da dignidade da pessoa humana, em todas os seus
estágios, independentemente de condição social ou convicções
ideológicas.
Nesse sentido, verifica-se que o Biodireito, consoante diretriz presente
na Constituição Federal, assim como outros ramos do direito, ocupa-se
com o tratamento jurídico relacionado à vida humana, em especial, com
as novas técnicas de reprodução e suas conseqüências na rotina
forense.
Destacamos, contudo, que o Biodireito não tem como alvo a proibição do
avanço tecnológico, longe disso, o que se procura evitar é a pesquisa
descuidada, que não atenda aos valores ligados à garantia dos
fundamentos da República. (sic).

Lembra Hironaka (2003, p. 42) que cabe ao Biodireito “decidir qual a


humanidade que a atual geração quer para si e para as futuras gerações”, ou seja,
deve o Biodireito se posicionar sobre o uso daquelas novas biotecnologias, com o
intuito de preservar o homem não como indivíduo, mas como espécie a ser
preservada.

Algumas das maiores conquistas dessa nova era biotecnológica foram os


progressos oriundos da biologia, da genética e das técnicas destinadas à
reprodução medicamente assistida. De acordo com Conti (2004, p. 13):

Quando falamos em Biodireito, estamos falando no estudo da


engenharia genética, na inseminação medicamente assistida, nos
transplantes de órgãos, na eutanásia, no controle da dor e das más
formações congênitas, nas mães de substituição, na fecundação in
vitro, nos hospices, nas clonagens e em várias outras realidades da vida
sob a referência da Ética. (grifou-se).

Segundo o entendimento de Semião (2000, p. 165): “O biodireito e a bioética


invadiram a vida dos casais inférteis que desejam um filho ou, até mesmo, o
direito a um filho, no entendimento de alguns. Em contrapartida os legisladores de
todos os países têm hesitado em tomar medidas”.
36

É sobre o tema da reprodução medicamente assistida que se debruçará o


presente estudo, mais especificamente no que diz respeito às questões
pertinentes à existência dos embriões excedentes, ou seja, aqueles que por
alguma razão não foram implantados e que, por via de consequência, não
resultaram em uma gravidez, cujo destino faz suscitar os mais diversos
questionamentos éticos e jurídicos.
37

2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES


EXCEDENTES

Ao se estudar a história da humanidade, nota-se que a preocupação


acerca da fecundidade esteve sempre presente. O anúncio da chegada dos filhos
era recebido com muita alegria, sendo inclusive associado às “noções de fortuna,
riqueza, prazer, alegria, fartura, privilégio e dádiva divina.” (LEITE, 1995, p. 17). Ao
contrário do que ocorria com a esterilidade, que era rejeitada em qualquer tempo
da história, segmento social e civilização.

Graças aos avanços científicos na área da reprodução humana, a


esterilidade pode agora ser contornada. A genética devolveu ao homem algo que
a natureza lhe tirou: a condição de procriar. Convém salientar que os vocábulos
esterilidade e infertilidade são utilizados pela doutrina como sinônimos, apesar
disso cabe distingui-los segundo os ensinamentos de Nakamura, citado por Leite
(1995, p. 28):

Esterilidade conjugal ‘é a incapacidade de um ou dos dois cônjuges, por


causas funcionais ou orgânicas, fecundarem por um período conjugal,
de no mínimo, dois anos, sem o uso de meios contraceptivos eficazes e
com vida sexual normal. Chamamos de infertilidade, a incapacidade,
quer por causa (sic) orgânicas ou funcionais atuando no fenômeno da
fecundação, de produzir descendência’.

Infere-se daí que o domínio das técnicas de reprodução assistida devolve


ao casal com problemas de infertilidade a paz que lhe foi tirada pela esterilidade,
realizando seu desejo de ter filhos, permitindo que exerçam sua vocação natural
para a paternidade.
38

Todavia, ao lado da realização do sonho de dar início ao projeto parental,


as técnicas de reprodução medicamente assistidas trouxeram a possibilidade de
experimentação científica com embriões humanos. Segundo Sá e Naves (2009, p.
109-110):

O final do século XX foi palco de inúmeras e aceleradas transformações


advindas dos avanços biotecnológicos. E, nesse contexto, a reprodução
assistida trouxe consigo, além das avançadas técnicas que permitem a
realização do sonho de ter um filho, a possibilidade de efetivação de
experiências genéticas que envolvam embriões humanos.
As recentes descobertas relacionadas à Genética clínica colocam-nos
diante da possibilidade de abertura da ‘caixa de Pandora’, porquanto dos
fatos novos, novos e inquietantes conflitos emergem.

Os conflitos a que se referem os autores abrangem as mais diversas


ordens, sejam elas de cunho religioso, moral, ético, psicológico ou jurídico.
Questiona-se até que ponto esses experimentos podem avançar sem agredir o ser
humano. Pergunta-se se a liberdade científica prevista no art. 5º, inciso IV, da
Constituição Federal, prepondera sobre o direito à vida e à dignidade humana.
Sobre o tema, assevera Rocha (2008, p. 46) que:

[...] a reprodução assistida, além de poder ser utilizada como terapia


para superar a incapacidade, ou mesmo, a dificuldade física de ordem
natural do ser humano, também pode ser utilizada para fins espúrios.
Isso porque, por meio da reprodução humana assistida, é permitido ao
médico identificar o conteúdo genético das células germinativas e dos
embriões, sendo possível intervir geneticamente para evitar o
desenvolvimento de um feto portador de determinada doença genética,
bem como garantir a presença de certos fenótipos.

Segue o mesmo entendimento Conti (2004, p. 44), ao afirmar que:

As novas técnicas de reprodução assistida não só são utilizadas como


alternativas de esterilidade, mas a tecnologia genética abriu novas
perspectivas, permitindo aos cientistas a manipulação de óvulos com
fins diagnósticos, terapêuticos ou de engenharia genética, o que suscita
uma série de implicações e a adaptação do Direito a estas situações que
deverão ser norteadas pela dignidade humana e o bem comum. (sic).

Neste ponto específico, nota-se a importância dos princípios bioéticos e


da normatização a ser imposta pelo Biodireito para a preservação da espécie
39

humana. Diante das infinitas possibilidades trazidas pelos avanços nas técnicas
de reprodução humana, a exemplo do risco do descarte de embriões, da sua
utilização como objeto de pesquisas, da eugenia, da clonagem, entre tantas
outras, o Direito não pode quedar inerte.

Assim, para que se entenda como a ciência da reprodução humana levou


a tantas possibilidades de coisificação do ser humano, faz-se necessário o
conhecimento das técnicas de reprodução assistida e dos destinos que podem ser
dados aos embriões que excedem o projeto parental. É o que se faz a seguir.

2.1 A inseminação artificial – IA

A palavra inseminação provém do latim, inseminare, in que significa dentro


e semen que significa semente. A técnica consiste em depositar o esperma
anteriormente preparado dentro da vagina, dentro do colo ou dentro do próprio
útero. Na prática, as duas últimas são as mais utilizadas, uma vez que já não faz
tanto sentido reproduzir artificialmente o que se faz em ambiente natural.

No primeiro caso, intravaginal, a inseminação, embora artificial, pode ser


realizada pelo próprio casal. Com o auxílio de uma seringa plástica, todo o
esperma é inserido pelo marido na vagina da mulher, que ficará na posição
supina2 por um período de aproximadamente vinte minutos após o procedimento.

Já no segundo caso, dentro do colo do útero, a inseminação ocorre da


seguinte forma: o capilar3 que contém o esperma, anteriormente colhido e
preparado, é retirado do azoto4 líquido minutos antes da inseminação, passando
por um rápido reaquecimento; em seguida, há a introdução do capilar na seringa

2
Posição supina – Neste caso, o que será mantido elevado em relação ao corpo é o quadril.
3
Capilar – Tubo de plástico, de diâmetro interno muito pequeno, utilizado para a inserção dos
espermatozóides.
4
Azoto – Nitrogênio. Substância utilizada para o congelamento dos embriões.
40

de inseminação e posteriormente a introdução da seringa no canal cervical.5 Tal


procedimento tem duração média de dois minutos.

Quando se tratar de inseminação dentro do útero, o esperma é injetado


dentro da cavidade uterina com o auxílio do cateter de inseminação e da referida
seringa, assim como no procedimento anteriormente mencionado.

Quanto à origem do material genético utilizado, existem dois tipos de


inseminação artificial: a homóloga e a heteróloga, cada uma com características e
indicações que lhes são próprias, não sendo uma nem melhor nem pior que a
outra, apenas existindo a mais adequada para cada caso. Segundo Vasconcelos
(2006, p. 15):

Antes da tomada de qualquer decisão acerca da submissão à IA, é


importante que o paciente tenha acesso a todas as informações
concernentes ao procedimento, bem como da viabilidade do tratamento.
Fatores como etiologia e tempo de infertilidade, história obstétrica da
paciente, idade, características do espermograma, custo-benefício e
outros devem ser pesquisados para a indicação de um diagnóstico bem
preciso pelo médico.

Fala-se em inseminação artificial homóloga (IAC), também conhecida por


“auto-inseminação”, quando o sêmen que é utilizado na inseminação artificial é o
do cônjuge ou do companheiro. Normalmente este procedimento não suscita
grandes questões de ordem psicológica, exceto quando o casal passa a ver a
inseminação artificial “como uma medida corretiva para a inabilidade de
desempenho.” (LEITE, 1995, p. 34).

A inseminação artificial homóloga é indicada para o tratamento de


subfertilidade6, de perturbações sexuais ou de esterilidade secundária, ou seja,
aquela que resulta de um tratamento esterilizante, por exemplo, um tratamento de
quimioterapia.

5
Canal cervical – Porção interna do colo uterino.
6
Subfertilidade – fertilidade precária ou insuficiente.
41

É heteróloga a inseminação artificial (IAD), também chamada e “hetero-


inseminação”, quando o sêmen utilizado para o procedimento da inseminação
artificial é de terceiro estranho ao casal, que doa seu sêmen em caráter sigiloso ou
não.

Ao contrário do que ocorre com a inseminação artificial homóloga, a técnica


da inseminação artificial heteróloga suscita transtornos de variadas ordens, razão
pela qual se recorre a esta técnica em último caso, quando se constata
esterilidade masculina definitiva, doenças hereditárias, bem como por
incompatibilidade do fator RH do casal.

2.2 A fecundação in vitro – FIV

Data de 20 de julho de 1978 o nascimento do primeiro bebê de proveta da


história da humanidade, Louise Joy Brown, sob os cuidados dos Drs. Steptoe e
Edwards, após 15 anos de pesquisa, no General Hospital, na cidade de Oldham –
Inglaterra.

A técnica da fertilização in vitro reproduz “artificialmente o ambiente da


trompa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente e a clivagem7
prossegue até o estágio em que o embrião é transferido para o útero.” (LEITE,
1995, p. 41). Explica Vasconcelos (2006, p. 17) que:

Por essa técnica de procriação assistida, o médico, em laboratório,


numa ‘placa de petri’ ou em um tubo de ensaio – portanto,
extracorporeamente – promove a reunião do material genético feminino
e masculino com vistas à fusão e conseqüente formação do ovo ou
zigoto (óvulo já fecundado), que, por sua vez, será conduzido ao útero
da mulher tão logo for constatado o início da sua divisão celular.

Várias são as etapas que compõem a fertilização in vitro: indução da


ovulação, punção folicular, cultura os óvulos, coleta e preparação do esperma,
fertilização propriamente dita, cultura dos embriões e transferência dos mesmos.
7
Clivagem – Divisão celular.
42

A indução da ovulação objetiva uma superestimulação ovariana, que, por


via de consequência, aumenta o número de folículos por ciclo, aumentando
consideravelmente a quantidade e qualidade dos óvulos a serem coletados. Com
este procedimento, aumenta-se quantidade de óvulos fertilizados. Vale salientar
que antes de iniciar este processo de indução, é importante que seja realizada
uma avaliação clínica e ginecológica específica com a finalidade de afastar
patologias pré-existentes ou intercorrentes, visando à diminuição de riscos e
aumento das taxas de gravidez.

Superada a primeira fase, ocorre a coleta dos óvulos, que é feita mediante
punção. Consiste na aspiração por agulha de óvulos e fluido folicular, que são
imediatamente levados ao laboratório, onde o fluido é examinado para saber se
contém óvulos. Anteriormente feita por laparotomia8 ou por laparoscopia9, com
anestesia geral, hoje a maioria das punções é realizada sob controle ecográfico. A
ecografia fez com que a punção folicular se tornasse um procedimento menos
invasivo, diminuindo o tempo do procedimento e podendo ser realizada com uma
leve anestesia, que pode ser geral ou local. O mais moderno e seguro método de
punção é a sonda ecográfica vaginal.

Se encontrados, os óvulos são lavados em meios próprios, sendo


posteriormente colocados em tubos com meio de cultura. Os tubos são colocados
numa incubadora por aproximadamente 4 horas, para que se dê a sua maturação,
fator imprescindível para o sucesso da técnica.

Assim como os óvulos, os espermatozóides precisam de um tratamento


adequado quando da fecundação in vitro. Desta forma, após a coleta, o esperma é
colocado à temperatura ambiente por aproximados 20 minutos para que venham a
se liquefazer. Em seguida é feito um espermograma, para que seja analisada a

8
Laparotomia – Abertura cirúrgica do abdômen.
9
Laparoscopia – Exame endoscópico da cavidade peritoneal (membrana serosa que reveste
internamente a cavidade abdominal e pélvica, bem como os órgãos nela contidos).
43

qualidade dos espermatozóides, verificando o número, a mobilidade e a


morfologia dos mesmos. Os espermatozóides são colocados num meio de cultura
para que haja uma migração ascendente destes, de modo que os mais móveis
logo chegam ao nível superior, onde serão colhidos e levados á inseminação.

Vencidas as etapas de preparação dos gametas, passa-se a inseminação


propriamente dita. Separam-se os óvulos maduros, um a um, em tubos diferentes,
e em seguida se adiciona a suspensão do esperma, retornando à incubadora por
12 a 16 horas. Quando do término desse período, o óvulo é observado com o
auxílio de um microscópio, para verificar se houve ou não a fertilização.

Havendo a fecundação, o ovo é transferido para um novo tubo onde deverá


crescer e sofrer algumas divisões num meio de cultura. Cerca de dois dias após a
fecundação, os embriões se dividem, apresentando-se com 2 (duas), 4 (quatro) ou
mais células, momento em que deve ser transferido para o útero. Não havendo a
fertilização, o óvulo é colocado em um tubo para que seja tentada nova
fertilização, colocando de 10 a 10.000 espermatozóides.

Indicada para os casos de esterilidade tubária feminina, subfertilidade


masculina, endometriose10 ou esterilidade inexplicada, a fertilização in vitro pode
ser realizada através da união dos gametas fecundantes do casal, da doação, feita
por pessoas estranhas ao casal, de esperma, de óvulo ou de ambos.

Para que seja indicado uso desta técnica, é necessária a existência de dois
pressupostos, quais sejam: esterilidade tubária feminina e esterilidade masculina.
Em termos médicos, não há qualquer problema que inviabilize o uso desta técnica.
Contudo, a esterilidade masculina pode vir a se transformar em um grande
problema para o casal, mais especificamente para o homem, afastando a
possibilidade do uso da referida técnica. Ocorre que os homens tendem a rejeitar

10
Endometriose – Condição patológica em que são encontrados focos múltiplos de endométrio
ectópico - mucosa que reveste a cavidade uterina.
44

a fertilização in vitro com doação de esperma, em parte por se sentirem frustrados,


como se tivessem fracassado no seu dever de homem, o de procriar, em parte por
se sentirem traídos por suas mulheres, já que o sêmen utilizado não é o seu, mas
de um terceiro, estranho ou não ao casal.

Certo é que esse não é o pensamento de todos os homens. Há de se ter


em mente que não há contato físico entre o doador e a usuária da técnica, visto
que a manipulação dos gametas é feita em laboratório, por médicos, bem como a
identidade do doador é mantida em sigilo, sendo esta condição indispensável à
doação através de bancos de esperma. Vale lembrar que ser pai não se resume a
uma questão meramente biológica. Ser pai é, antes de tudo, amar. A verdade
biológica deve ser superada em detrimento da verdade socioafetiva neste tipo de
procedimento, assim como é na adoção.

A doação de óvulos é uma alternativa para as mulheres que desejam ter


filhos e não podem por ocasião de esterilidade por ausência de óvulos, doenças
hereditárias ou tratamento esterilizante. Desde que a implantação seja bem
sucedida, a mulher poderá levar a gravidez adiante como se natural fosse.

Ao contrário do que ocorre com a doação de esperma, a doação de óvulo


não suscita grandes questões de foro íntimo, até porque, ainda que o óvulo seja
doado, o embrião se desenvolve no ventre da mulher estéril. Não há como se
dizer que a criança que ali se desenvolve não é dela, uma vez que ela
experimenta todas as sensações e transformações que acompanham a gravidez,
bem como é ela que vivencia a experiência do parto.

Contudo, decorre desta técnica de fertilização in vitro com doação de óvulo


uma questão ética de grande importância, qual seja: saber se é correto submeter
uma mulher, que nada tem em comum com o projeto parental, a um tratamento de
indução ovariana, sabendo dos riscos inerentes a este tratamento. Surge como
opção para evitar o uso de tal prática, a utilização de óvulos excedentes de uma
45

doadora que já esteja passando por esse tratamento. Ocorre que nem sempre
isso será possível, mas se o fosse diminuiria consideravelmente a quantidade de
embriões excedentes, que têm na estimulação ovariana uma de suas principais
causas.

A injeção intracitoplasmática de esperma (ICSI) é uma fecundação in vitro


mais moderna. Enquanto a inseminação artificial é indicada para casais que
possuem uma quantidade de bons espermatozóides que variam de 5 (cinco) a 15
(quinze) milhões e a fertilização in vitro é indicada para casais que possuem de 1
(um) a 5 (cinco) milhões de bons espermatozóides, a injeção intracitoplasmática
de esperma tem lugar quando a quantidade de bons espermatozóides do casal é
inferior a 1 (um) milhão.

O procedimento é basicamente o mesmo da fertilização in vitro


convencional, exceto pelo fato de que na injeção intracitoplasmática de esperma o
espermatozóide deve ser colocado dentro de uma agulha finíssima e inserido
dentro do óvulo, ou seja, 1 (um) espermatozóide para cada óvulo. É o
procedimento de uma injeção intracitoplasmática de esperma que comumente é
veiculado nas reportagens que tratam do tema. Relata Vasconcelos (2006, p. 25)
que:

Embora a ICSI importe na transferência de até quatro embriões em cada


tratamento, clínicas inglesas e americanas já se especializaram no
sentido de obter maiores taxas de implantação e gravidez pela
transferência de apenas um único embrião por tentativa. Esta técnica
denomina-se SET (Single Embryo Transfer) e, de acordo com a última
Conferência Anual da Sociedade Européia de Embriologia e Reprodução
Humana, levada a efeito em 21 de junho de 2005 em Copenhague, na
Dinamarca, foram fornecidas provas científicas de que a SET produz
bebês mais saudáveis que aqueles nascidos da utilização de
implantações múltiplas.

Levando-se em conta existência desta nova técnica de transferência de um


único embrião, é possível crer que no futuro, com o domínio da mesma, seja
possível a redução do número de embriões excedentes das técnicas tradicionais
de fertilização in vitro.
46

2.3 A transferência intratubária de gametas - GIFT

Esta técnica surgiu como uma alternativa à fecundação in vitro, porém é


raramente utilizada nos dias de hoje. Consiste em transferir os gametas
fecundantes para as trompas de Falópio, ocorrendo desta forma uma fecundação
in vivo e não in vitro, como acontece na fertilização in vitro.

Os procedimentos da transferência intratubária de gametas são


praticamente os mesmos que os da fertilização in vitro. Há a estimulação da
ovulação, a punção folicular, que neste caso é feita através de laparoscopia com
anestesia geral, a coleta e preparação do esperma. Contudo, a maior diferença
reside no fato da fecundação ocorrer in vivo, ou seja, assim que os óvulos forem
colhidos, são introduzidos em finos cateteres com o esperma do cônjuge, sendo
transferidos de imediato para uma ou ambas as trompas. Os óvulos que sobrarem
serão fecundados in vitro e seus embriões congelados, com a finalidade de
conservá-los para uma posterior gravidez do casal.

A transferência intratubária de gametas é indicada nos tratamentos de


subfertilidade inexplicada do casal, hipofertilidade masculina ou endometriose.

Segundo Leite (1995, p. 50), o uso desta técnica tem maior aceitação pela
Igreja, mas para que haja uma total aprovação da técnica pelo Vaticano, seriam
necessárias duas medidas: que o esperma fosse coletado durante a relação
sexual, de modo que não fosse caracterizada nem a masturbação, nem a
contracepção; e que espermatozóides e óvulos fossem “separados por bolha de ar
no cateter de transferência, de tal forma que a fecundação ocorra in vivo”, motivo
pelo qual a transferência intratubária de gametas fosse denominada por alguns
críticos como “a bolha do papa”.
47

2.4 A maternidade de substituição

Na maternidade de substituição é feito um acordo em que uma mulher


carrega em seu ventre uma criança para entregá-la, logo após o seu nascimento,
a outra mulher. A doadora temporária deve pertencer à família, até o segundo
grau de parentesco, de acordo com a Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de
1992, do Conselho Federal de Medicina, seção VII, item 1: “As doadoras
temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, no
parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do
Conselho Regional de Medicina”.

É indicada para os casos de esterilidade feminina por impossibilidade de


gestação, quando a gravidez pode representar um risco para a mãe ou
esterilidade feminina por ausência de óvulos e impossibilidade de gestação.

No primeiro e segundo casos, o procedimento adotado é uma fertilização in


vitro a partir dos gametas do casal, ocorrendo tão somente o empréstimo do útero.
Já no terceiro caso, tem lugar a doação de óvulo e posterior inseminação artificial
com espermatozóide do casal. Neste caso a mesma mulher que empresta o útero
doa seus óvulos, sendo ao mesmo tempo genitora e gestante. Vale lembrar que
em todos os casos é possível a presença de um doador de esperma estranho ao
casal.

Há de se falar em empréstimo de útero ou em doação temporária de útero,


jamais em aluguel, como se pode constatar no item 2, seção VII, da Resolução nº
1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, que diz: “A doação temporária do
útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”. O aspecto comercial não é
compatível com o princípio da dignidade humana.
48

2.5 A doação de embriões

A doação de embriões surge da incapacidade de se dominar


completamente as técnicas de reprodução assistida. Teoricamente, cada óvulo
coletado, após a estimulação da ovulação, deveria ser fecundado e
posteriormente implantado, gerando um novo ser. Ocorre, porém, que a prática
reiterada daquelas técnicas de reprodução humana demonstrou o contrário.

O tratamento utilizado para indução da ovulação, além de caro, pode


acarretar danos à saúde da mãe, fazendo com que de uma vez só sejam
coletados diversos óvulos, que devem ser fecundados tão logo seja terminada a
preparação dos mesmos, visto que atualmente a técnica de congelamento e
descongelamento de óvulos sem o comprometimento de sua estrutura não é
completamente dominada, ao contrário do que ocorre com o congelamento dos
espermatozóides.

Ocorre que o item 6, seção I, da Resolução nº 1.358/1992, do Conselho


Federal de Medicina assim determina a quantidade de embriões a serem
implantados a cada tentativa: “O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem
transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não
aumentar os riscos já existentes de multiparidade”.

Como o número de embriões implantados ao mesmo tempo deve ser de até


4 (quatro), tem-se como resultado os embriões excedentes, que serão congelados
com a expectativa de serem utilizados posteriormente em um novo projeto
parental.

A doação de embriões é indicada nos casos de esterilidade feminina e


masculina por ausência de óvulos e de espermatozóides ou por doenças
hereditárias. É doação “bilateral, de casal para casal” (LEITE, 1995, p. 63),
49

tornando-se assim uma alternativa não só para os casais estéreis, mas para
aqueles cujo projeto parental, do qual esses embriões são provenientes, foi bem
sucedido e resta acabado, ou seja, não têm interesse em uma nova gravidez.

No Brasil, a Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, na


seção IV, referente à doação de gametas ou pré-embriões, em seus artigos 1º, 2º
e 3º, garante gratuidade e anonimato das doações, conforme se verifica abaixo:

1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.


2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-
versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos
doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em
situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação
médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos,
resguardando-se a identidade civil do doador.

Há de se fazer menção à impropriedade da terminologia adotada no que diz


respeito à “doação” de embrião, que conduz à falsa impressão de que o embrião
humano possa ser afastado de sua humanidade e reduzido à condição de coisa.
Melhor seria falar-se em adoção de embrião. O tema da adoção do embrião
excedente das técnicas de reprodução assistida será abordado de forma mais
detida ao final deste trabalho.

Várias são as questões em que figuram como sujeito os embriões


excedentes das reproduções assistidas, assim como vários são os destinos que
podem ser dados a eles. E é justamente sobre essa destinação que se trata a
seguir.

2.6 Os embriões excedentes

Como se afirmou outrora, o uso das técnicas de reprodução assistida, em


especial da fertilização in vitro, trouxe consigo um problema que tem suscitado
50

diversas questões nos meios médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos,


qual seja: os embriões excedentes.

São excedentes os embriões oriundos da fertilização in vitro que, por algum


motivo, não foram implantados no útero materno, seja porque não apresentam o
desenvolvimento adequado, porque ultrapassam a quantidade recomendada para
a implantação, ou porque os pais não demonstram interesse em levar adiante o
projeto parental.

A medicalização do desejo de ter filho, derivada das técnicas de reprodução


assistida, faz com que pais e mães em potencial não reconheçam limites no uso
das mesmas. Isso porque o desejo de experimentar a paternidade os leva a
transpor todas as barreiras, sejam elas éticas, políticas ou religiosas.

Entretanto, a questão é mais profunda do que se possa imaginar. Ao se


submeter a um projeto parental dessa grandeza, o casal inicia uma desgastante
“batalha”. Além de serem suscitadas inúmeras questões de foro íntimo, tais como
o sentimento de frustração em não poder satisfazer o desejo de ter filhos pelas
vias naturais, o casal se submete a uma rotina médica extremamente cansativa,
em especial para a mulher, que passa por uma verdadeira “revolução hormonal”,
quando da indução da ovulação.

Vale salientar que além de caros, chegando à quantia de R$ 10.000,00 (dez


mil reais), os procedimentos utilizados na fertilização in vitro podem representar
sérios riscos à saúde da “pretensa” mãe, em especial o procedimento da indução
da ovulação. Tal procedimento visa à obtenção de múltiplos folículos por ciclo,
através de estímulo hormonal, o que garantirá melhores resultados, não só
quando da punção e aspiração daqueles folículos, mas quando da fertilização
propriamente dita.
51

Na indução da ovulação, a paciente injeta diariamente ampolas de


hormônios, visando à obtenção de vários folículos que serão posteriormente
aspirados. Após a punção e aspiração dos folículos, os mesmos são levados
imediatamente ao laboratório, onde o fluido é examinado para saber se contém ou
não óvulos, passando, em seguida, por todas as etapas mencionadas na
fertilização in vitro, quais sejam: cultura dos óvulos, coleta e preparação do
esperma, fertilização, cultura dos embriões e transferência dos mesmos.

Ocorre que, entre a punção dos óvulos e a transferência de embriões,


muitos óvulos são descartados por não satisfazerem as condições necessárias à
fertilização. Explicando melhor: suponha-se que após a indução são coletados “n”
folículos, em cuja análise se observa que apenas 70% (setenta por cento) deles
contêm óvulos. Por sua vez, feita a cultura dos óvulos, aproximadamente 70%
(setenta por cento) deles passam para a fase seguinte, que é a fertilização, na
qual apenas 70% (setenta por cento) dos óvulos são fecundados, resultando em
“bons embriões”. Entenda-se por bons embriões aqueles que se desenvolveram
conforme o esperado, podendo ainda haver perdas quando da transferência.

Como foi dito, a indução da ovulação pode representar sérios riscos à


saúde da paciente, tais como insuficiência protéica, disfunção renal, trombose,
entre outros. O maior temor dos médicos é a síndrome de hiperestimulação
ovariana (SHO). Salvo raras exceções, a síndrome de hiperestimulação ovariana é
uma condição iatrogênica11 que, normalmente, acomete pacientes jovens e
saudáveis, podendo levá-las à morte.

A síndrome de hiperestimulação ovariana se caracteriza pelo aumento da


permeabilidade vaso-capilar, fazendo com que haja uma grande concentração de
líquidos na cavidade pélvica (quadro conhecido como ascite), tornando o abdômen
notadamente distendido e os ovários palpáveis por via abdominal. Decorrem
desse quadro várias outras complicações, tais como: dificuldade respiratória,

11
Iatrogênica – Alteração patológica no paciente decorrente de tratamento de qualquer natureza.
52

devido à pressão exercida sobre os pulmões; disfunção renal, visto que com a
diminuição significativa de sangue a passar pelos rins, menos sangue é filtrado,
com consequente diminuição do volume de urina; mudanças no volume
sanguíneo, entre outras tantas que podem levar à morte de pacientes jovens e
saudáveis.

Para os usuários das técnicas de reprodução assistida e para os médicos


que as realizam, o alto risco decorrente do tratamento de indução ovariana, por si
só, já seria suficiente para justificar a existência dos embriões excedentes como
consequência da fertilização in vitro. Aliado a este argumento, encontra-se o fato
de que nem sempre existe sucesso na primeira tentativa de gravidez, o que dá
ensejo a novas tentativas, bem como a possibilidade de que o mesmo casal pode
desejar uma nova gravidez, com a consequente utilização daqueles embriões
congelados, evitando que a paciente venha a se submeter novamente a um
tratamento de risco tão elevado quando a indução ovariana.

Contudo, o que se observa é que a quantidade de embriões excedentes é


tão grande que mesmo diante de novas tentativas ou de futura gravidez, que nem
sempre existem, ou até mesmo da chamada “doação” de embrião de casal para
casal, sobram embriões, o que leva à conclusão de que a reprodução assistida tal
como vem sendo praticada se desvirtuou da sua finalidade inicial e passou a
aprisionar seres humanos em laboratório. No mesmo sentido, Rocha (2008, p. 48-
49):

Entretanto, na prática as hipóteses acima vislumbradas para o


aproveitamento dos embriões concebidos não vêm sendo verificadas. O
que se tem de fato observado é que, alcançando-se êxito na utilização da
técnica e consumando-se a gravidez, os embriões produzidos em
excesso são freqüentemente, abandonados, esquecidos, deixados ao
largo nas clínicas de fertilização in vitro, sendo, após um determinado
período, sumariamente descartados.
Por tais razões é forçoso concluir que a técnica da fertilização in vitro
distanciou-se muito da sua finalidade original. Atualmente, especula-se
sobre a possibilidade de estarem sendo deliberadamente produzidos
embriões em número superior ao que seria necessário para atender ao
projeto parental, com o propósito único de destiná-los à pesquisa
científica.
53

Pode-se perceber que a mais importante questão com relação aos


embriões excedentes é saber qual o destino a ser dado a eles. No entanto, a
resposta a esta questão não é tão simples quanto em princípio possa parecer. É
que para se encontrar solução para esse dilema, uma série de outros
questionamentos deve ser preliminarmente resolvida, por exemplo, definir-se qual
o status jurídico do embrião, quais direitos devem ser reconhecidos e quais lhes
devem ser atribuídos pelo ordenamento jurídico. Antes de passar a esta análise
jurídica, cumpre verificar os destinos que podem ser dados àqueles embriões que
excederam ao projeto parental.

Como dito em outra oportunidade, vários são os destinos que podem ser
dados aos embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida, bem como
várias são as teorias que tentam dar suporte a cada um deles. Basicamente
existem 7 (sete) destinos para esses embriões, quais sejam: congelar, não
congelar, destruir, descarte direto ou descarte simulado, doar para casais e doar
para investigação científica.

Quando o casal decide participar de um programa de reprodução assistida,


deve assinar um termo de consentimento informado, no qual, além de constar
dados referentes aos aspectos médicos do uso daquelas técnicas,
detalhadamente expostos, devem conter “dados de caráter biológico, jurídico,
ético e econômico”, de acordo com a Resolução nº 1.358/1992, do Conselho
Federal de Medicina.

No momento do congelamento, deve o casal dispor sobre qual destino será


dado aos embriões criopreservados12 nos casos de divórcio, doenças graves,
morte de um ou ambos os cônjuges ou companheiros, bem como se desejam ou
não doá-los, e em que se situação o desejam (Resolução nº 1.358/1992, do
Conselho Federal de Medicina, seção V, item 3).

12
Criopreservação – Preservação da estrutura celular mediante técnica de congelamento.
54

Porém, na prática, a realidade é outra. O casal adere a um termo de


consentimento específico para a autorização do congelamento. Esse termo não
confere ao casal nenhum poder de decisão, até porque na falta de legislação
específica sobre o tema, vale o que preceitua a referida resolução, e esta impõe
limites claros proibindo a destruição dos embriões, permitindo, contudo a sua
doação. Para o casal, essa adesão, na maioria das vezes, não representa nenhum
problema, visto que o desejo de ter filhos justifica qualquer sacrifício, e a última
coisa em que se pensa é na possibilidade de existirem embriões excedentes.

A técnica de congelamento de embriões consiste em mantê-los


criopreservados em nitrogênio líquido, à temperatura de 196ºC negativos, com o
intuito de parar o seu desenvolvimento e preservar suas estruturas celulares, até
que os mesmos venham a ser novamente utilizados, no mesmo projeto parental
que lhes deu origem, em um novo projeto parental ou para uma futura “doação”
para outro casal.

O embrião pode ser mantido congelado indefinidamente, contudo não se


pode garantir que após anos de congelamento o embrião não esteja sujeito a
patologias decorrentes da ação do tempo.

As vantagens decorrentes do congelamento de embriões podem ser assim


sintetizadas: possibilita uma nova tentativa de gravidez, devido ao insucesso na
primeira tentativa no programa de fertilização in vitro; sua utilização em uma nova
gestação, ou seja, a realização de um novo projeto parental; em ambos os casos
sem os riscos inerentes a uma nova indução ovariana; e, se for o caso, uma
possível “doação” de embrião a um casal com problemas de infertilidade
masculina e feminina.

Os adeptos do não congelamento do embrião humano defendem que sejam


fertilizados o mínimo de óvulos indispensável ao sucesso da técnica para que não
55

haja sobras, destruindo os demais óvulos, uma vez que com o seu congelamento
não tem alcançado o desempenho almejado, ou a sua doação para uma receptora
acometida pela esterilidade.

Como se pode notar, os que seguem esta linha de raciocínio desprezam os


riscos decorrentes da indução ovariana, bem como todo o desgaste físico e
emocional experimentado pelo casal. Apesar dos inconvenientes para o casal, a
tese do não congelamento se adequa melhor à finalidade ética do ordenamento
jurídico brasileiro, visto que reconhece o embrião como ser humano merecedor de
dignidade como qualquer outro e não como um instrumento posto à disposição
dos seus genitores.

Defendem, ainda, que os embriões devem ser transferidos somente no


quinto dia após a fertilização, quando se encontram na fase do blastocisto13, o que
resultaria em uma otimização das taxas de gravidez. Essa otimização só é
possível porque o embrião pode ser observado por mais tempo antes da
transferência, tendo oportunidade de pôr à prova a sua capacidade de
desenvolvimento in vitro, que refletirá as possibilidades de sucesso do seu
desenvolvimento no útero materno. O aumento nas taxas de gravidez de embriões
transferidos nesta fase é quase o dobro das taxas de gravidez de embriões
implantados no terceiro dia após a fertilização, passa de 35% (trinta e cinco por
cento) para 60% (sessenta por cento).

Ocorre que embora a taxa de gravidez aumente de forma surpreendente


quando da transferência na fase do blastocisto, os embriões passam mais tempo
expostos, correndo maior risco de se deteriorarem, diminuindo a possibilidade de
êxito nos programas de fertilização.

13
Blastocisto – Esta fase se caracteriza pelo surgimento do blastócito, que é uma célula embrionária não
diferenciada.
56

A destruição de embriões consiste, como se diz no meio médico, em “jogar


os embriões excedentes no ralo da pia”, o que representa uma subversão dos
valores morais que informam a sociedade. É um ato desumano, uma vez que
todos os seres humanos foram, na sua gênese, embriões. Não há como afastar a
humanidade de um ser que deriva da união de gametas de um homem e de uma
mulher. Pensar de outra maneira seria admitir que em algum momento todos os
seres humanos foram uma coisa ou um animal qualquer, para depois adquirirem a
humanidade.

O mesmo entendimento é seguido por Mello (2005, p. 268): “Há seres


vivos, como o homem e seres brutos, como a pedra: é evidente que o pré-embrião
não é um ser bruto. Todos nós fomos pré-embriões e nenhum de nós jamais teve
natureza semelhante à de uma pedra”.

O descarte de embriões pode ocorrer de 2 (duas) formas: direta ou


simulada. No descarte direto utiliza-se o critério da seleção do bom e do mau
embrião. Consideram-se bons embriões aqueles que apresentam um bom
desenvolvimento logo nos 3 (três) primeiros dias após a fecundação, sendo os
outros descartados por não servirem ao projeto parental, tendo em vista que como
não apresentaram um desenvolvimento considerado satisfatório, provavelmente
não o farão no útero materno, diminuindo drasticamente a possibilidade de êxito
no programa de fertilização se fossem implantados.

Já o descarte simulado consiste em transferir os embriões em um dia ruim


do ciclo menstrual. Por exemplo, transferem-se os embriões excedentes no
primeiro ou segundo dia em que ocorreu a menstruação, sabendo-se que não há
nenhuma chance de fixação dos mesmos na cavidade uterina, uma vez que não
há o substrato necessário a essa fixação, o endométrio. 14

14
Endométrio – Mucosa que reveste a cavidade uterina.
57

Ao contrário do que acontece na redução embrionária, a destruição ou o


descarte de embriões não atendem a nenhuma finalidade que seja, no mínimo,
capaz de justificar a eliminação dos mesmos. A redução embrionária tem duas
finalidades, quais sejam: diminuir os riscos decorrentes das gestações múltiplas,
tanto para a gestante, quanto para os bebês. Pode acontecer, por exemplo, de 3
(três) embriões serem implantados, os 3 (três) se desenvolverem,
consequentemente aumentando as chances de um parto prematuro, o que
implica na internação dos bebês em UTI neonatal, expondo-os a infecções
hospitalares, causa de morte de muitos bebês prematuros. Há ainda o risco de
uma divisão dos embriões, dando origem a gêmeos univitelinos15, o que
aumentaria ainda mais os riscos de prematuridade e morte dos bebês e da mãe.

A redução embrionária é proibida pelo item 7, seção I, da Resolução nº


1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, que preceitua: “Em caso de
gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de
procedimentos que visem à redução embrionária”. Mas apesar desta proibição,
como será visto adiante, muito se assemelha ao aborto terapêutico, devendo por
este motivo ser repensada.

Qualquer forma de eliminação do embrião, excedente ou não, é condenada


pela Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, devendo os
embriões excedentes serem congelados, como pode ser verificado no item 2 da
seção V, da referida resolução: “2 - O número total de pré-embriões produzidos
em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-
embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado,
não podendo ser descartado ou destruído”.

Independentemente da forma, descarte direto ou simulado, o resultado é o


mesmo, qual seja: destruição do embrião humano, pelo simples fato de ter
excedido a um projeto parental. O que é destruído não é apenas um conjunto de 8

15
Gêmeos univitelinos – Que provêm de um mesmo ovo.
58

(oito) células, mas vida humana em fase inicial de desenvolvimento, pela qual
todos um dia passaram, portanto, merecedora de respeito e dignidade.

A doação de embrião surgiu como uma alternativa para solucionar o


problema do casal com esterilidade masculina e feminina que deseja ter filho, bem
como para diminuir o número de embriões excedentes das técnicas de reprodução
assistida, de modo que a um só tempo pode ser entendida como técnica de
reprodução assistida e como um destino a ser dado àqueles embriões que
excedem ao projeto parental originário.
Atualmente, doação de embrião pode ocorrer com vistas a duas finalidades
distintas, quais sejam: a doação embrionária de casal para casal, prevista na
Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, e a doação de
embriões excedentários das técnicas de reprodução assistida para fins de
pesquisa, notadamente para pesquisas com células-tronco embrionárias,
autorizada pelo artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, intitulada Lei
de Biossegurança, abaixo transcrito:

o
Art. 5 É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos
por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento,
atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de
congelamento.
o
§ 1 Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa
ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter
seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética
em pesquisa.
o
§ 3 É vedada a comercialização do material biológico a que se refere
este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no
9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (grifo do original).

A questão nesta seara não é tão simples quanto parece. Embora a doação
embrionária de casal para casal atenda a uma boa causa e seja feita de forma
altruísta, quando se fala em doação de embrião, o mesmo parece não passar de
uma coisa, que pode ser livremente disposta de acordo com a vontade das partes
59

envolvidas. Esta forma de pensar o embrião in vitro não pode ser aceita por se
mostrar contrária ao princípio da dignidade humana. O destino a ser dado a estes
embriões é nobre e condizente com a finalidade ética do ordenamento jurídico.
Apenas a nomenclatura é inadequada por não se estar tratando de coisas, mas de
seres humanos, razão pela qual se poderia falar, analogamente, em adoção de
embriões.

Antes de abordar o tema das pesquisas com células-tronco humanas,


convém explicar o que se entende por embrião, células-tronco totipotentes,
células-tronco multipotentes ou pluripotentes, células-tronco embrionárias e
células-tronco adultas. Para tanto, utilizam-se as palavras de Leão Junior (2005, p.
228-229):
Embrião é a designação dada ao ser humano do início de sua
existência, com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, até o final
da oitava semana. Nos primeiros dias, até a implantação no útero,
recebe também as designações de ‘zigoto’ (embrião unicelular), ‘mórula’
e ‘blastocisto’. [...] A partir da nona semana de vida, ocasião em que se
está terminada e possui todas as estruturas características do ser
humano em suas localizações habituais, passa a se denominar feto.
[...]
Células tronco são células pluripotentes ou multipotentes, que podem
replicar-se e diferenciar-se em células de diversos tecidos. Existem em
todos os nossos órgãos e repõem as células mortas: são as células
tronco adultas, encontradas em maior quantidade na medula óssea, no
cordão umbilical e na placenta. As primeiras células do embrião, a
começar da inicial, em que se encontra um código genético específico,
também são chamadas de células tronco, pois delas provêm todas as
demais células do organismo humano, recebendo as oito primeiras (2º
dia) a designação de ‘totipotentes’, e, as existentes no interior do
embrião até o oitavo dia, de pluripotentes ou multipotentes, pois têm a
capacidade de diferenciar-se em todos os tecidos que compõem o corpo
humano.
Têm sido designadas por células tronco embrionárias humanas,
células em situações substancialmente diversas (a) as células que
compõem o interior do embrião entre o 5º e o7º dia de vida em seu
processo vital natural de divisão celular [...]; (b) essas mesmas células
extraídas do interior do embrião, que é destruído ou morto,
cultivadas e mantidas indiferenciadas e reproduzindo-se em
laboratório, com a finalidade de pesquisa que objetiva terapia celular.
As células tronco adultas são células indiferenciadas, existentes em
todos os órgão e tecidos humanos, e em especial na medula óssea,
compondo seu sistema regenerativo natural e que podem ser
manipuladas objetivando a cura do próprio paciente. São
encontradas também em abundância na placenta e no cordão umbilical.
(grifou-se).
60

Note-se que independentemente da fase de desenvolvimento em que se


encontre o embrião (zigoto, mórula, blastocisto), trata-se do mesmo ser humano
merecedor de respeito e da dignidade que lhe é intrínseca por ser esta uma
característica inerente à espécie humana.

Para os defensores das pesquisas com células-tronco, não há o que se


discutir em relação aos benefícios trazidos pelo domínio desta técnica. Devido a
sua versatilidade, podem trazer grandes avanços para a medicina. Essas células
são capazes de se reproduzir indefinidamente em laboratório, podendo dar origem
a todas as 216 (duzentas e dezesseis) células que compõem o ser humano, sendo
usadas na reparação de tecidos que por algum motivo foram danificados, bem
como para curar doenças até então tidas por incuráveis.

O ponto conflitante que envolve a pesquisa com células-tronco é quanto ao


modo de obtenção das mesmas. Podem as células-tronco ser coletadas
basicamente de 5 (cinco) formas, quais sejam: no cordão umbilical do recém-
nascido; na medula óssea; em tecidos adultos, onde servirão para substituir
células envelhecidas; pela utilização de embriões excedentes em seus primeiros
estágios de vida, provocando sua destruição; e por clonagem terapêutica.16

As três primeiras modalidades de coleta de células-tronco não suscitam


questões éticas, visto que não envolvem procedimentos invasivos que vão de
encontro à dignidade humana. Cumpre informar que recentes descobertas
científicas demonstraram que existem mais células-tronco em tecidos adultos do
que se podia imaginar. (SCAVOLINI, 2004).

Ao tratar sobre o tema das pesquisas com células-tronco adultas e


embrionárias, Martins (2005, p. 33) afirma que:

16
Clonagem terapêutica – Técnica através da qual são criados embriões exclusivamente para a extração das
células-tronco.
61

As células-tronco do próprio paciente ou de cordão umbilical têm


permitido fantásticas e bem sucedidas experiências, em tratamento de
doenças degenerativas e recuperação de órgãos. As células
embrionárias têm gerado transtornos e rejeição. O fracasso das
investigações com células embrionárias é de tal ordem, que alguns
países, que as adotaram, não admitem que sejam realizadas com óvulos
retirados de cidadãs destes países, buscando, pois, as ‘cobaias’ dos
países subdesenvolvidos.

Já nos dois últimos casos, o que existe é um pseudo fim altruísta, que
preconiza a cura de diversas enfermidades através da destruição em massa de
embriões humanos, uma vez que para a obtenção destas células-tronco
embrionárias se faz necessária a morte dos mesmos. Não se trata de manipulação
do embrião para seu próprio bem, mas de sua destruição para uma possível cura
de enfermidade alheia. A instrumentalização do ser humano neste caso é notória e
não pode ser admitida pelo Direito, por afrontar diretamente o direito fundamental
à vida e o princípio da dignidade humana, ambos insculpidos no corpo da
Constituição Federal.

Os defensores da doação de embriões para fins de investigação científica


não reconhecem o embrião como ser humano desde a concepção. Vêem o
embrião como um “conjunto de oito células” ou “um amontoado de células”.
Criaram, inclusive, uma denominação própria na tentativa de contornar os
problemas éticos decorrentes desta nova tecnologia, qual seja: pré-embrião.17
Segundo Conti (2004, p.165):

Alguns cientistas fazem uma divisão entre embriões e pré-embrião.


Na realidade, esse termo pré-embrião não existe, porque nada existe
antes do embrião. Assim, antes do embrião existe apenas um óvulo e
um espermatozóide.
O óvulo ao ser fertilizado pelo espermatozóide se transforma em um
zigoto. Quando o zigoto se subdivide torna-se um embrião.

Assim, o pré-embrião não passa de uma tentativa de mascarar uma


realidade fática, qual seja: a eliminação de vida humana, em sua fase embrionária.

17
Pré-embrião – É o produto da fertilização, ou seja, o conjunto de células referente aos 14 (catorze)
primeiros dias da concepção. Convencionou-se chamar de pré-embrião pelo fato de antes desses 14 (catorze)
dias não existir nenhum esboço de estrutura nervosa.
62

Deve-se partir do pressuposto de que todos os seres humanos foram embriões.


Não há dúvida, portanto, quanto à humanidade desses seres. Sendo assim, sua
dignidade deve ser preservada e o seu direito à vida, respeitado.

As pesquisas com células-tronco embrionárias devem ser evitadas, pois, a


partir do momento em que há a fusão dos gametas masculinos e femininos, há
vida humana em pleno desenvolvimento. Tanto é verdade que em poucas horas
podem ser observadas as primeiras divisões celulares, que culminarão com o
nascimento de um novo ser humano. Já no momento exato da fecundação estão
presentes todas as informações genéticas que aquele ser humano carregará pela
vida inteira. De acordo com Flores, citado por Souza (2005, p. 161-162):

Inexiste dúvida de que, a partir da concepção e dos primeiros


desdobramentos celulares já existe vida. E esta vida carrega, naquele,
ainda informe, conglomerado de células, o código genético individual
que fará daquele ser um integrante único do gênero humano,
diferenciado, em maior ou menos grau, de todos os demais congêneres.
[...]
Ora, se na vida embrionária, encontramos já estabelecida a vida
humana, em toda a sua potencialidade e natureza, forçoso é reconhecer
presente, porque inata, a característica da dignidade humana.
Preocupante, portanto, a constatação que se faz da ampla realização de
experimentos com embriões humanos, como se liberados da barreira
ética relativa a sua realização com seres humanos.
A banalização do embrião humano resultado do descarte do excesso de
embriões utilizados nos métodos de concepção por implante
embrionário, conduz a sua coisificação que certamente viola a dignidade
humana.

É certo que o progresso das ciências biotecnológicas trouxe muitas


expectativas não só para a comunidade científica, mas para milhares de pessoas
que dependem dos avanços contra a esterilidade. Mas deve-se perguntar até que
ponto é permitido avançar nestas pesquisas sem que isso configure agressão à
humanidade e ao ordenamento jurídico brasileiro.

Existem diversos argumentos que tentam legitimar as experiências com os


embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida. Ainda que não se
tenha qualquer dúvida, do ponto de vista científico, de que o início da vida humana
63

ocorre no exato momento da fecundação, não faltam grupos interessados em


manipular a vida humana, buscando para tanto outros parâmetros para
caracterizar o seu início. (LEÃO JUNIOR, 2005, p. 220).

Deve-se lembrar que antes da edição da Lei nº 11.105/2005, intitulada Lei


de Biossegurança, era proibida no Brasil tanto a utilização dos embriões
excedentes dos programas de fertilização, quanto a clonagem terapêutica como
técnica para a obtenção de células-tronco. Esta proibição podia ser encontrada
tanto na Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, quanto na
antiga Lei de Biossegurança, Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que serão
abordadas em capítulo próprio.

Todavia, com a entrada em vigor da nova Lei de Biossegurança, Lei nº


11.105/2005, houve a revogação da Lei nº 8.974/1995, e as disposições contidas
na Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, se tornaram sem
efeito dado o seu caráter deontológico. Este acontecimento deve ser considerado
um retrocesso no cenário jurídico nacional, uma vez que ofende o direito
fundamental à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Retrocesso este
que deve ser superado.
64

3 A TUTELA JURÍDICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES

Para que se decida qual destino é o melhor para os embriões oriundos da


fertilização in vitro, faz-se necessário que seja analisada a situação jurídica desses
seres antes da nidação18, enquanto conservados em ambiente artificial, na estufa
ou criopreservados. Porém a questão de maior interesse no presente trabalho é a
que diz respeito aos embriões criopreservados, uma vez que são excedentes da
fertilização in vitro, enquanto os que se encontram na estufa já estão sendo
preparados para a implantação no útero materno.

Há de se ponderar qual a situação jurídica dos embriões criopreservados,


em qual categoria eles podem ou não ser inseridos. Pende analisar se os pais têm
direito de dispor sobre esses embriões excedentes por eles gerados através da
fertilização in vitro, a ponto de decidir pelo descarte ou de permitir que sejam
utilizados em pesquisas científicas, ou ainda se devem ser considerados sujeitos
de direito, em face do Direito atual.

O Direito, antes tido como uma ciência sólida, deparou-se com diversas
questões decorrentes da difusão e utilização das técnicas de reprodução assistida,
que culminaram com a quebra de paradigmas considerados imutáveis pelos
estudiosos daquela ciência, tais como: as presunções de que pater is est quem
justae nuptia demonstrat19 e que mater semper certa est20.

É cada vez mais evidente o descompasso de caráter temporal entre os


avanços da tecnologia e a normatização jurídica. Imprescindível, portanto, o

18
Nidação – Implantação do ovo na mucosa uterina.
19
Pater is est quem justae nuptia demonstrat – Pai é quem demonstra justas núpcias.
20
Mater semper certa est – Mãe é sempre certa.
65

estudo sobre o tema tendo como finalidade a existência de uma legislação


específica que abranja a questão de tantos ângulos quantos forem possíveis. A
falta de legislação sobre o tema em pauta demonstra o quão juridicamente
atrasado se encontra o Brasil em relação a países como Alemanha, Espanha e
Suécia, que já legislam sobre tão controversa questão.

Há quinze anos, Pompeu (1994, p. 21) já demonstrava sua preocupação


com a falta de legislação específica sobre as técnicas de reprodução assistida:

Além do congresso sexual normal, em razão dos avanços que


experimentam os campos da Medicina e da Genética, pode o casal gerar
filhos pelos métodos da reprodução assistida (RA).
O assunto adquire grande importância internacional. E nacionalmente,
conta o Brasil, atualmente, com 22 clínicas de reprodução assistida. Não
há, no entanto, nenhuma legislação sobre a matéria, exceto a Resolução
n° 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, que re gulamentou a
matéria, expedindo normas éticas para a utilização das técnicas de
reprodução assistida.

Somada à necessidade de uma legislação que regule o uso das técnicas de


reprodução humana, está a necessidade de um estatuto jurídico exclusivo para os
embriões, que os defina e proteja enquanto seres humanos que são. Desta forma,
procede-se à análise de teorias e dispositivos legais que versam sobre o tema,
direta ou indiretamente.

3.1 O início da vida

Determinar o início da vida é tarefa que compete à Biologia e à Medicina,


não ao Direito. A este último cumpre assegurar a plenitude da vida humana em
sociedade e para tanto, deve buscar em outras ciências as respostas às questões
que por ventura se imponham. A esta comunicação entre os diversos ramos da
ciência e o Direito dá-se o nome de interdisciplinaridade.
66

As respostas às questões impostas ao Direito pela utilização indiscriminada


das técnicas de reprodução humana devem partir desta relação interdisciplinar
entre o Direito e as ciências biomédicas, a fim de que se possa constatar com
precisão quando se verifica o início da vida humana, para que a partir do
estabelecimento desta premissa possa o Direito assumir o seu papel de guardião
da vida, mais do que isso, de uma vida com dignidade. Corrobora com este
argumento Mello (2005, p. 266):

Como a Constituição Federal ao garantir o direito à vida não definiu ‘vida’,


como em decorrência do postulado da racionalidade do Legislador ela
nada faz de inútil (não utiliza palavras inúteis), temos que recorrer à
Ciência para saber quando se inicia a vida e, com ela, a proteção
constitucional.

Assim, para que seja possível avaliar as teorias acerca do início da vida,
faz-se necessário o conhecimento do início biológico da vida. Sobre o tema
manifesta-se o geneticista francês Lejeune (apud VASCONCELOS, 2006, p. 37-
38):

Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na


fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com
os 23 cromossomos femininos, todos os dados genéticos que definem o
novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco inicial da
vida.
[...]
Se logo no início, justamente depois da concepção, dias antes da
implantação, retirássemos uma só célula do pequeno ser individual, ainda
com aspecto de amora poderíamos cultivá-la e examinar os seus
cromossomos. E se um estudante, olhando ao microscópio não pudesse
reconhecer o número, a forma e o padrão das bandas desses
cromossomos, e não podendo dizer, sem vacilações, se procede de um
chimpanzé ou de um ser humano, seria reprovado. Aceitar o fato de que
depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma
questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano
desde a sua concepção até a sua velhice não é uma disputa
metafísica. É uma simples evidência experimental. (grifou-se.)
67

Para a geneticista Azevedo (apud VASCONCELOS, 2006, p. 39):

É biologicamente inexistente e tecnicamente impossível promover-se a


geração de um ser humano a partir de outro momento qualquer do
desenvolvimento embrionário. O ponto inicial é a formação do zigoto; é o
estágio unicelular. Por mais tecnicamente arrojadas que sejam as
técnicas de fertilização in vitro, todas elas partem da fertilização,
conforme o próprio nome indica. Essas evidências levam à conclusão de
que a reprodução humana ou in vitro não oferece começos
alternativos; toda ela se inicia com uma única célula.
Conseqüentemente, o zigoto é vida humana em início. (grifou-se).

Em princípio, parece incontestável a afirmação de que a vida humana tem


início com a fertilização21. Contudo, como se pode inferir dos trechos acima,
existem outras teorias que tentam fixar um momento diverso para que a vida
possa ser juridicamente considerada. Referidas teorias têm como objetivo
desprover o embrião da dignidade que lhe é inerente, com o fito de instaurar uma
“cultura da morte” sob o argumento de pretensos fins humanitários.

São basicamente três as doutrinas que abordam o tema em pauta, quais


sejam: a doutrina concepcionista, que é dividida por alguns doutrinadores em
verdadeiramente concepcionista e concepcionista da personalidade condicional; a
doutrina genético-desenvolvimentista; e a doutrina natalista, todas com o escopo
de fixar o marco inicial da vida, determinando a partir de quando o ser humano
passa a merecer proteção do Estado.

3.1.1 A doutrina concepcionista

De acordo com a doutrina concepcionista, a vida humana começa no


momento da concepção, sendo o embrião desde então considerado sujeito de
direitos e, por esta razão, pessoa22. Para esta doutrina o embrião desde a
concepção é entendido como um ser com autonomia genético-desenvolvimentista

21
Fertilização será aqui compreendido como sinônimo de fecundação e concepção.
22
O vocábulo pessoa deve ser entendido como atributo ou qualidade inerente ao ser humano.
68

própria, que o distingue da mãe. Tal assertiva é comprovada pelo fato de que o
embrião, ainda na proveta, dá início por si só ao seu desenvolvimento. Fazendo
do ambiente uterino um fator extrínseco, que apenas contribui para o seu bom
crescimento, o que com o progresso científico poderá restar substituído por um
ambiente totalmente artificial. Ao tratar da doutrina concepcionista Vasconcelos
(2006, p. 37) afirma que:

Esta corrente reconhece o início da vida humana no exato momento da


fertilização do ovócito secundário pelo espermatozóide.
Enquanto a biologia molecular e a genética lecionam que os
antepassados estão ligados às gerações que lhes sucedem por um
material contínuo de ligação denominado DNA (ADN – ácido
desoxirribonucléico), portador do genoma, que, por sua vez, é transmitido
dos pais para os filhos através de suas células germinativas no momento
da concepção, a embriologia humana demonstra que é efetivamente a
partir deste momento, da fusão dessas duas células germinativas
altamente especializadas e programadas (provenientes de sistemas
diferentes), que começa a existência de um novo ser, com sistema
único e completamente diferente daqueles que lhe deram origem.
(grifou-se).

A partir da constatação de que um ser humano novo, completamente


distinto de seus genitores, existe desde o exato momento em que ocorre a
fecundação, Silva (2002, p. 99-100) afirma que:

A unidade substancial do zigoto e de seus desdobramentos vitais revela


uma continuidade substancial. Cada etapa sucessiva do desenvolvimento
humano mantém a sua unidade com a etapa antecedente, sem solução
de continuidade. Conforme antecedentemente afirmado, o zigoto não
pode tornar-se nenhum outro senão o próprio indivíduo humano que ele
já é. Posto que sejam relevantes os fatores externos, eles somente são
aproveitados nas etapas do ciclo vital na medida em que favorecem o
programa de desenvolvimento que o ser humano traz consigo em seu
genoma [...]. Fica evidente, assim, que o concepto não é um apêndice
passivo do organismo materno [...], mas é sujeito ativo de seu próprio
desenvolvimento, dependendo da mãe como um adulto depende do
mundo externo para a nutrição, a retribuição e a proteção.

Segue o mesmo entendimento Alonso (2005, p. 417):

Evidentemente, o zigoto é o primeiro momento da vida, mas não é a vida


toda. Com ele se inicia o processo de desenvolvimento contínuo, com
etapas que se sucederão no tempo e no espaço, durante o qual irão
emergindo as suas potencialidades.
69

Mas o zigoto é já uma pessoa, homem ou mulher, num avanço contínuo


para uma progressiva complexidade, que requer o meio intracelular, o
meio que representam as outras células do próprio organismo e, no seu
início, o meio materno, em que se desenvolve a vida intra-uterina, pois o
ser humano é ovíparo, sendo da sua natureza contar com a progenitora
como hospedeira. (sic).

Deve-se salientar que quando se estiver a falar em zigoto, mórula ou


blastocisto, trata-se de embrião, não importa se o mesmo se encontra ou não
implantado no útero materno, ou seja, não há que se diferenciar embrião in utero
ou in vitro, haja vista que o que importa é a sua condição de ser humano. O
mesmo ocorre com o emprego da expressão “desde a concepção”, a doutrina
concepcionista não exclui o embrião criopreservado, uma vez que para ser
considerado embrião é necessária a concepção. Tal fato faz com que o embrião,
implantado ou não, seja sujeito de direitos, e, portanto, deve ser protegido desde a
concepção.

A doutrina concepcionista se bipartiu em verdadeiramente concepcionista,


ou incondicional, e concepcionista da personalidade condicional. A primeira
sustenta o entendimento de que a personalidade começa desde a concepção; não
se sujeita a nenhuma condição. O nascimento com vida é necessário apenas para
que se observem alguns efeitos decorrentes dos seus direitos, por exemplo, os
direitos patrimoniais. Ao passo que, para a doutrina da personalidade condicional,
o ser humano só será considerado sujeito de direitos se nascer com vida, ou seja,
constatado o nascimento com vida, a pessoa é assim considerada desde a
concepção. Explica Zainaghi (2007, p. 51): “Na verdade essa [...] corrente atribui a
personalidade ao nascituro, porém a deixa condicionada ao fato futuro, que será o
nascimento do mesmo com vida”.

3.1.2 A doutrina genético-desenvolvimentista

Segundo os defensores da doutrina genético-desenvolvimentista, “o ser


humano passa por uma série de fases: pré-embrião, embrião e feto” (LEITE, 1995,
p. 384), não reconhecem a esses seres humanos em formação as características
70

que os individualizam, necessárias para que sejam compreendidos como pessoa.


Tratam da necessidade de se estabelecer critérios para a determinação dessas
características.

Defensor da doutrina concepcionista, o geneticista francês Lejeune (apud


VASCONCELOS, 2006, p. 37-43) critica a utilização da terminologia pré-embrião,
por entender que antes do embrião nada existe:

Cada ser humano tem um começo único, que ocorre no momento da


concepção. Embrião: ‘[...] Essa a mais jovem forma do ser...’ Pré-
embrião: essa palavra não existe. Não há necessidade de uma
subclasse de embrião a ser chamada de pré-embrião, porque nada existe
antes do embrião [...]. Desde a existência da primeira célula todos os
elementos individualizadores (tricks of the trade) para transformá-lo num
ser humano já estão presentes. Logo após a fertilização, no estágio de
três células, ‘um pequeno ser humano já existe’ Quando o óvulo é
fertilizado pelo espermatozóide, o resultado disso é a ‘mais especializada
das células sob o sol’; especializada do ponto de vista do indivíduo que
está sendo criado. [...] No momento em que é concebido, um homem é
um homem. (grifos do original).

Diversas teorias surgiram em decorrência da doutrina genético-


desenvolvimentista, todas com o intuito de determinar o momento a partir do qual
embrião pode considerado um ser humano individualizado, sendo-lhe então
atribuída a condição de sujeito de direitos. As duas teorias mais difundidas são: a
teoria do pré-embrião e teoria da nidação.

A teoria do pré-embrião, também conhecida como critério do 14º (décimo


quarto) dia, defende a tese de que somente a partir do 14º dia após a fecundação,
quando deixa de ser pré-embrião (ou embrião precoce) e passa a ser considerado
embrião, é possível o seu reconhecimento como ser humano. Isso porque, para os
adeptos desta teoria, é necessário o aparecimento, ainda que rudimentar, do
sistema nervoso central, responsável pela sensibilidade daquele ser humano. O
pré-embrião é visto apenas como “um aglomerado de células sem forma humana
reconhecível” (MEIRELLES, 2000, p. 122), o que torna possível a utilização
daqueles seres humanos para pesquisa dos mais variados fins. Nesta linha há,
71

ainda, os que julgam necessário o aparecimento da placa neural, o que só é


possível por volta do 18º (décimo oitavo) dia. Para Dworkin (2003, p. 123)
defensor da doutrina genético-desenvolvimentista:

[...] o desenvolvimento fetal é um processo de criação contínuo, um


processo que mal começou no instante em que ocorre a concepção. De
fato, uma vez que a individualização genética ainda não se consumou a
essa altura, poderíamos dizer que o desenvolvimento do ser humano
com características únicas só vai iniciar-se cerca de catorze dias mais
tarde, no momento da implantação. Depois desta, porém, à medida que
prossegue o crescimento do feto, o investimento natural que o aborto
poria a perder torna-se cada vez maior em mais significativo.

Segundo a teoria da nidação, só com a implantação já consolidada, o que


se dá por volta do 6º (sexto) dia após a fecundação, poderá o embrião ser
considerado pessoa, porque, só a partir daí, as células que se encontravam fase
do blastocisto passarão para um novo estágio, onde serão consideradas capazes
de gerar um ser humano distinto dos demais.

Contrários à teoria da nidação, Ellorrio e Scala (2005, p. 96-97) atestam


que o marco inicial da vida humana se dá na concepção e não na nidação:

Hoy es un lugar comúm que la vida humana comienza con la


fecundación, es decir la unión de los núcleos de las gametas femenina y
masculina. Este conocimiento es tan universal, que forma parte de la
curricula de las escuelas. Desde que es posible ‘fabricar’ in vitro seres
humanos, esto ha pasado a ser uma ‘verdad científica’ incontrastable. En
efecto, la fecundación extracorpórea es anterior a la anidación y,
cualquiera sea la técnica utilizada, luego de lograda la concepción, es
preciso implantar el embrión. Ningún técnico dedicado a la fecundación
artificial, se animaría a implantar un ser vivo que no fuera humano; y, a la
vez, ninguna mujer fertilizada artificalmente, dio a luz jamás un ser vivo
de outra especie, que la humana. Esto muestra empíricamente, que el
inicio dela vida humana está en la concepción, y no en la anidación.

Existem outros desdobramentos da teoria genético-desenvolvimentista que


tentam fixar quando haverá a caracterização do concebido como pessoa humana,
por exemplo: a teoria da configuração dos órgãos, a qual diz que deverá ser
constatada a forma humana e a existência de todos os seus órgãos plenamente
72

constituídos; a teoria da funcionalidade do cérebro; a teoria da viabilidade, oriunda


do Direito Romano, que informa ser necessário que se atinja maturidade suficiente
para a vida extra-uterina. Há ainda, segundo Sgreccia (apud MEIRELLES, 2000,
p. 131), estudos que tentam demonstrar o momento em que há a “infusão da alma
no corpo, a determinar a caracterização da pessoa humana”.

Ao refutar a tese defendida pela doutrina genético-desenvolvimentista, Silva


(2002, p. 89) assim se manifesta:

A principal tese dessa teoria é que o zigoto humano, ainda que


expressão da natureza humana, não é indivíduo humano em ato, mas
apenas uma célula progenitora humana dotada de potencialidade para
gerar um ou mais indivíduos da espécie humana. Trata-se de uma tese
de caráter ideológico, haja vista que promove a subordinação inconfessa
de uma posição teórica a uma postura prática, não tendo outro objetivo
senão autorizar a manipulação de seres humanos.

Como se pode constatar a doutrina genético-desenvolvimentista,


independente da teoria adotada, propõe uma gradação na valoração da vida e da
dignidade do ser humano, o que é moral e constitucionalmente inaceitável, uma
vez que a Constituição Federal não classifica a vida humana. Desta forma, ainda
que o embrião não seja considerado pessoa no sentido jurídico, para os que
defendem esta impossibilidade, trata-se de um ser humano desde a sua origem e,
por esta razão, deve ser protegido.

3.1.3 A doutrina natalista

A doutrina natalista entende o embrião como uma expectativa de pessoa,


com expectativas de direito, uma vez que só pode ser considerado como existente
desde a concepção para o que lhe for juridicamente proveitoso. (SEMIÃO, 2000,
p. 40). Para os partidários desta doutrina, só existe pessoa partir do nascimento
com vida, não são necessários os requisitos da viabilidade e da forma humana,
como ocorria no Direito Romano.
73

Esta corrente considera o embrião como uma víscera da mãe, um produto


do corpo humano, reconhece na placenta um órgão em comum entre a mãe e o
filho. Há de se entender que quando se fala em “víscera”, deve-se entender
nascituro, ou seja, o embrião já implantado no útero. Contudo, o que nesta
doutrina se aplica ao nascituro poderá se aplicar ao embrião in vitro.

Para os defensores desta teoria, nascituro e embrião in vitro não têm nem
nunca terão o mesmo significado, salvo se a lei assim o determinar. Até porque se
a lei não confere personalidade civil ao nascituro, que se encontra no útero
materno em pleno desenvolvimento, não a conferirá a um embrião que não se
encontra no ventre materno e que nem se sabe quando se encontrará.

Saliente-se a existência dos natalistas moderados e radicais. Os primeiros,


não obstante defendam o início da personalidade civil apenas com o nascimento
com vida, consideram o embrião desde sua gênese como ser humano, dotado de
valor e dignidade, com direito à vida e integridade física. Condenam a doação de
embrião para fins de investigação científica, o descarte, a destruição, entre outros
abusos que porventura incidam de forma prejudicial sobre a vida humana. Já a ala
dos radicais não lhes reconhece qualquer humanidade, comparando-os a órgãos
que podem ser doados ou extirpados a qualquer momento. Contrária à doutrina
natalista, Vasconcelos (2006, p. 45) explica que:

Referida doutrina é uma construção doutrinária decorrente da não


compreensão da autonomia biológica do concepto humano (hipótese
cientificamente comprovada hoje de que, desde a concepção, o indivíduo
gerado é autônomo, distinto do organismo materno e autogerenciador do
seu próprio desenvolvimento).

A veracidade do argumento de Vasconcelos pode ser confirmada quando


se observa a contradição no discurso de Semião (2000, p. 63) defensor da
doutrina natalista:
74

Não há dúvidas de que, no primeiro momento da fecundação, já há


biologicamente uma vida humana, dotada de todo um patrimônio
genético. Outrossim, a Igreja sempre o considerou pessoa, desde os
tempos mais remotos,influenciando os juristas de então de forma
iniludível. Assim, ontologicamente, ninguém tem dúvidas de que o filho do
homem, logo que concebido, tem vida humana. A discordância é quanto
ao fato de ser ele juridicamente pessoa, conceito diverso do conceito
filosófico puro de vida humana.

Difícil admitir o entendimento segundo o qual a lei pode estabelecer


categorias normativas completamente dissociadas da realidade fática. O Direito é
criação do homem, existe para garantir a convivência pacífica em sociedade. Ele
parte da realidade dos fatos, atribui-lhes valor e cria a norma. Assim, não há que
se falar em um Direito alheio aos acontecimentos no mundo dos fatos, de forma
que o ser humano deve ser compreendido como tal e protegido desde o momento
inicial da vida, que ocorre com a fecundação.

3.2 A dignidade da pessoa humana e o respeito à vida

Inicialmente, há de se ratificar o entendimento de que o embrião


criopreservado tem natureza humana e é vida, ainda que em estado de latência.
Portanto, deve ser tratado com igual respeito dispensado a qualquer indivíduo da
espécie humana, reconhecendo-se a necessidade de proteção desse novo ser.
Para Sarlet (2007, p. 240): “Precisamente o debate em torno de temas sensíveis e
complexos como é o caso da interrupção da gravidez, da eutanásia e das
questões suscitadas pela biotecnologia revela o quanto é importante evitar o que
já se designou de uma ‘tirania da dignidade’”.

O princípio da dignidade da pessoa humana23, elevado a fundamento da


República Federativa do Brasil, está previsto no inciso III da Constituição Federal
de 1988:

23
A partir deste momento dar-se-á preferência à utilização da expressão dignidade humana, ao
invés de dignidade da pessoa humana, por se filiar a autora à corrente que entende ser o vocábulo
pessoa um atributo do ser humano, de forma que seria redundante falar-se em pessoa humana,
haja vista que somente seres humanos podem ser considerados pessoas.
75

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político. (grifou-se).

A dignidade humana é, pois, fundamento de validade de toda a ordem


constitucional, verdadeiro supraprincípio que deve ser observado por todos,
Estado e sociedade, com vistas a promoção do bem-estar do ser humano
enquanto indivíduo e ser social. Segundo Nunes (2007, p. 45): “É ela, a dignidade,
o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço
da guarida dos direitos individuais [...]. É a dignidade que dá a direção, o comando
a ser considerado primeiramente pelo intérprete”. Segue o mesmo entendimento,
Andrade (2007, p. 163):

Destarte, seja o Estado-juiz, seja o Estado-legislador, seja o Estado-


administrador, bem como toda a sociedade, não poderão olvidar os seus
comando e alcance, pelos quais todas as políticas e ações públicas,
interpretações ou aplicações da regra de direito encontram-se atreladas
ao modelo que posiciona a dignidade humana no ápice de todo os
sistema.

Para Jacinto (2006, p. 37):

Em sua dimensão material, de vetor a ser exigido na prática das


relações humanas, a dignidade constrói-se a partir das considerações
acerca do agir humano, concretamente observado. Nessa arena, o
conteúdo e extensão da dignidade se elabora a partir da prática
observada em todos e em cada um. Em relação aos poderes
constituídos, a dignidade ora assume o papel de fronteira à sua atuação,
ora se identifica como objetivo da atuação destes.

Percebe-se no texto constitucional a preocupação de se resguardar o valor


da dignidade humana, o que pode ser percebido ao se observar que os direitos e
garantias individuais fundamentais foram erigidos à categoria de cláusulas
pétreas, que constituem o núcleo intocável da Constituição. Leciona Sarlet (2008,
p. 119) que:
76

[...] se da dignidade – na condição de princípio fundamental – decorrem


direitos subjetivos à sua proteção, respeito e promoção (pelo Estado e
pelos particulares), seja pelo reconhecimento de direitos fundamentais
específicos, seja de modo autônomo, igualmente haverá de se ter
presente que a dignidade implica também, em ultima ratio por força de
sua dimensão intersubjetiva, a existência de um dever geral de respeito
por parte de todos (e de cada um isoladamente) os integrantes da
comunidade de pessoas para com os demais e, para além disso e, de
certa forma, até mesmo em um dever das pessoas para consigo
mesmas.

A questão a ser analisada diz respeito à temática dos embriões excedentes


das técnicas de reprodução assistida, cujo núcleo é saber se esses princípios
norteadores do ordenamento jurídico brasileiro podem ou não ser aplicados aos
embriões conservados em laboratório. Para Martins (2003, p. 127):

A dignidade da pessoa humana se apresenta como uma fonte aberta de


proteção jurídica, não sendo casual o fato de que temas polêmicos
sejam discutidos sob a ótica de seu conteúdo. A rigor, pudemos verificar
que a incorporação da dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental na Constituição de 1988 representou um marco no
constitucionalismo brasileiro, que, assim, se abriu a novas possibilidades
hermenêuticas.

Não obstante o fato de que existam discussões acerca de ser ou não o


embrião criopreservado considerado sujeito de direitos, bem como não se poder
dizer que o mesmo é brasileiro, estrangeiro ou apátrida, uma vez que não nasceu,
o embrião é vida humana, é um ser humano desde o momento da concepção e
como tal deve ser protegido. Levando em consideração os ensinamentos de Dürig,
Sarlet (2006, p. 118) afirma que:

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é


algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na
medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e
dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na
possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que
lhe seja concedida a dignidade. (grifou-se).

Assim, por ser o princípio da dignidade humana uma fonte aberta de


proteção constitucional, verdadeiro vetor de interpretação das normas que
compõem o ordenamento jurídico brasileiro e por ser a dignidade uma qualidade
77

inerente ao ser humano, irrenunciável e inalienável, pode-se concluir que as novas


realidades trazidas pelos avanços científicos, ainda que não regulamentadas pelo
Direito, devem encontrar fundamento no princípio da dignidade humana.

Outro fundamento constitucional para a proteção do embrião é a


inviolabilidade do direito à vida, prevista no caput do artigo 5º da Constituição
Federal, que afirma que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.

A Constituição não impõe qualquer limite à proteção à vida, não define o


que é vida, até porque esta é uma tarefa que compete à Biologia e à Medicina.
Garante, no entanto, a “inviolabilidade do direito à vida”, não prevê qualquer
gradação entre os seres humanos, se assim não fosse não seria punível o crime
de aborto. Nesse sentido, Meirelles (2000, p. 163) julga inadmissível que o ser
humano venha a ser utilizado “como um mero instrumento na busca de finalidades
egoísticas ou aparentemente superiores”, quando deveriam ser vistos
“exclusivamente como um fim último em si mesmo”. Para Vari (2005, p. 172):

O direito à esperada vida, portanto, tem sua base na concepção. Atacar


este princípio traz conseqüências muito negativas para o conjunto da
sociedade. Isto já sabiam os romanos, tanto é verdade que há mais de
20 séculos o concebido (conceptus o qui in utero est) ou o embrião,
gozavam de uma ampla proteção por parte dos juristas romanos
(prudentes), os quais anteviam o direito baseando-se em princípios
(além das técnicas), enquanto hoje os ‘legisladores’ e juízes inserem
sufocadamente as questões tecnológicas, e, muitas vezes, perdem
de vista os princípios e o sistema. (grifou-se).

Complementa Zisman (2005, p. 34):

O próprio fato de pertencer ao gênero humano, por sua própria natureza,


antes mesmo da consagração dos direitos inerentes à dignidade em
qualquer postulado jurídico-positivo, confere ao indivíduo o direito ao
reconhecimento e preservação da vida digna. A pessoa tem dignidade
por ser pessoa, de modo que o princípio da dignidade é o primeiro de
todos na escala axiológica – vale mais que qualquer outro direito [...].
Por isso, o ordenamento jurídico interno de cada Estado soberano não
78

cria ou outorga os direitos de liberdades da pessoa, e sim os declara,


facilitando a sua proteção.

Não resta dúvida quanto à natureza humana do embrião criopreservado,


tampouco quanto à necessidade de sua proteção jurídica. Enquanto não existe
uma legislação que aborde de forma adequada o tema, devem o Estado e a
sociedade promover a proteção do embrião humano pré-implantatório ou não,
pautando sua conduta no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à
vida, aqui compreendido o direito de se desenvolver e nascer. Deve-se decidir
pela proteção à vida.

3.3 A personalidade no Código Civil

Preliminarmente, cumpre alertar para o fato de o presente trabalho não


pretender uma abordagem histórica acerca do instituto da personalidade civil. Ao
contrário, limita-se a tratar da proteção conferida pelo Código Civil aos embriões
excedentes das técnicas de reprodução medicamente assistida.

Preceitua o artigo 1º do Código Civil que: “Toda pessoa é capaz de direitos


e deveres na ordem civil”. A personalidade, segundo a doutrina brasileira
tradicional, é atributo da pessoa. Trata-se do reconhecimento da aptidão que todo
ser humano possui para ser sujeito de direitos e obrigações. Diferencia-se da
capacidade, entendida como possibilidade de exercício de direitos por si próprio.

Observa-se, pois, que toda relação jurídica tem por titular o ser humano.
Também os embriões excedentes oriundos da reprodução assistida devem ser
assim considerados, uma vez que lhes é inerente a qualidade de ser humano.
Entretanto não é isto que se observa na legislação brasileira. Segundo Meirelles
(2000, p. 47):

Vinculam-se personalidade e titularidade de tal forma que a codificação


civil brasileira, a partir desse entendimento clássico sobre sujeito de
direito (e, portanto, fundando-se na maior ou menor possibilidade – atual
79

ou futura – de ver caracterizado o titular de direitos e obrigações),


aponta para três categorias centrais: pessoa natural, nascituro e prole
eventual. (grifo do original).

Sá e Naves (2009, p. 111-112) seguem o mesmo entendimento ao afirmar


que:

As codificações brasileiras adotam o entendimento clássico de que


sujeito de direito é aquele que a ordem jurídica define como tal. Ao
vincular personalidade e titularidade, tanto o Código de 1916 quanto o
de 2002, apontam três categorias distintas: pessoa natural,
nascituro e prole eventual. Nada dizem sobre a condição do
embrião humano. (grifou-se).

A partir da constatação de que o Código Civil não faz referência ao embrião


humano dentro daquelas categorias clássicas, trata-se de demonstrar a
insuficiência das mesmas em face da nova realidade trazida pelo domínio das
técnicas de reprodução assistida, bem como da inviabilidade da extensão de
algumas daquelas categorias hodiernamente existentes aos embriões excedentes.

O Código Civil, em seu artigo 2º, afirma que: “A personalidade civil da


pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.” (grifou-se). Entende a doutrina civilista
tradicional que no Direito brasileiro para ser pessoa basta nascer com vida, não se
exigindo a viabilidade, diferente do que ocorre na França, tampouco a forma
humana, requisitos com raízes no Direito Romano.

Há, todavia, entendimentos em sentido contrário, na defesa de que o


conceito de pessoa pode ser aplicado ao embrião por se tratar de atributo do ser
humano. Para Montano (2005, p. 261 e 262):

El concepto de persona no es fundamental para asignar especial


dignidad a la vida humana. Es su consecuencia. La persona es um
atributo essencial de la vida humana. Es el atributo que mejor le
corresponde. Sin embrago, los ordenamientos jurídicos recientes no han
otorgado a la vidapor nacer el estatuto personal porque son normas
antiguas. Provienen de épocas en que la ciencia no era capaz de
demostrar su existencia. Su evolución se ve dificultada por las
80

vacilaciones científicas creadas por la disputa entre criterios pragmáticos


(importa su utilización) y criterios realistas u ontológicos (importa su ser).
Pero esta discussión no tiene sentido, no debe existir. Si existe duda,
cualquiera sea, hay que pronunciarse a favor de la vida. Este debe ser
un principio essencial de la bioética actual – derivado del primum non
nocere – y por conseguiente, del Derecho que se basa en ella.

Costuma-se afirmar que o Código Civil adotou a doutrina natalista em


detrimento das demais teorias sobre o início da vida. Todavia, esta opinião não é
unânime entre os estudiosos deste ramo do Direito. Em verdade, para fins de
proteção do ser humano, seja embrião, feto, nascituro ou já nascido, não importa a
teoria adotada, mas que o Direito cumpra o papel que lhe cabe, defender o ser
humano em qualquer fase de desenvolvimento. Sá e Naves (2009, p. 73)
concordam com este posicionamento:

As teorias biológicas que explicam o início da personalidade jurídica são


úteis em um discurso de justificação, pois a justificam moral, física ou
psicologicamente. Se o direito subjetivo não paira sobre nós, mas é
alcançado argumentativamente, não precisamos recorrer àquelas teorias
(natalista, personalidade condicional ou concepcionista) para atribuir
personalidade ao nascituro. Esse, como referencial de imputação, pode
participar de situações jurídicas, e é isso que lhe confere personalidade.

Beltrão (2005, p. 80) afirma que:

Não se pode, do ponto de vista biológico, duvidar que a vida se inicia


com a concepção e que a ordem jurídica protege o direito de nascer,
sancionando como crime o aborto.
Daí que a atribuição de direitos ao nascituro para um momento anterior
ao nascimento é o reconhecimento de que o nascituro é sujeito de
direitos, tendo então personalidade.

A doutrina civilista clássica, entretanto, firmou o entendimento que nascituro


é o ser humano que já se encontra nidado, fixado no útero materno. Para esta
corrente dizer que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro,
não é o mesmo que lhe conferir os direitos inerentes ao nascido. Argumentam
que, caso contrário, se o nascituro fosse considerado pessoa, não haveria a
necessidade de o legislador especificar um a um seus direitos, é o que se
denomina taxatividade dos direitos do nascituro. Até porque na “perspectiva
81

tradicional, somente são tuteladas pela ordem jurídica as relações expressamente


previstas no direito positivo”. (MEIRELLES, 2000, p. 56).

Assim, os direitos do nascituro seriam apenas os que se encontram


previstos em lei, por exemplo: o direito à vida pela punição do aborto criminoso
(arts. 124 a 127, CP); doação feita ao nascituro desde que aceita por seu
representante legal (art. 542, CC); capacidade de adquirir por testamento (art.
1.798, CC); entre outros. Contrário a este entendimento, Moreira (2005, p. 116):

Pouco importa, aqui, o modo pelo qual, no plano dogmático, se


justificará a atribuição de direitos a alguém que, nos termos da primeira
parte do dispositivo,ainda não tem personalidade. É assunto para
disquisições teóricas, sem dúvida importantes e sedutoras. Seja como
for, porém, nenhuma proposta nesse plano poderá minimizar, nem a
fortiori desprezar, o dado claro e inequívoco do texto legal: é de direitos
que se cuida, e não de qualquer outra figura jurídica. Visto que a lei
promete pôr ‘a salvo os direitos do nascituro’; a lógica mais elementar
impõe admitir que o nascituro tem direitos. Negá-lo é fazer tábua rasa de
disposição cristalina. As construções têm que partir desse ponto firme;
se não partem dele são construções erguidas sobre areia.

Ganha espaço entre os civilistas mais modernos o posicionamento que


considera nascituro o ser humano já concebido, aqui compreendido o embrião in
utero ou in vitro. Vasconcelos (2006, p. 73) ao tratar de uma suposta crise do
conceito de nascituro pondera:

[...] Ora, se a vida humana merece proteção desde a concepção, o termo


deve ser compreendido dentro do seu significado atual, ou seja, já
abarcando a hipótese de ocorrência in vitro!
A mesma regra deve ser aplicada ao conceito de nascituro. Se,
anteriormente, o termo compreendia o ser concebido in utero, por não se
visualizar a concepção em outro ambiente, uma vez demonstrada a
ampliação dessa possibilidade, importa tão-somente alargar a extensão
do conceito, acomodando-o às novas evidências desveladas pela
ciência médica, campo que já há muito contribui com o Direito de uma
forma interdisciplinar. (grifos do original).

Para a autora, é suficiente que o conceito de nascituro seja alargado para


comportar o embrião in vitro. Não se pretende adentrar na discussão se deve ou
não o conceito de nascituro compreender o conceito de embrião. O que se pode
afirmar é que, de acordo com Ferreira (1986, p. 1.181), o vocábulo nascituro vem
82

do latim “nascituru” e significa “1. Que há de nascer. [...] 2. Aquele que há de


nascer. 3. Jur. O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato
futuro certo”. (grifos do original).

Observa-se que etimologicamente não há nenhum motivo para se entender


o nascituro como sendo apenas o ser humano já nidado no útero materno. Esta
compreensão advém de uma época, precisamente a do Direito Romano, em que
não se imaginava outra possibilidade de concepção do ser humano que não no
ventre materno. Diante da nova realidade trazida pelos avanços na área da
reprodução humana, v. g. concepção extra-útero, deve o Direito optar pelo
alargamento da conceituação clássica de nascituro ou por dar ao embrião in vitro
uma tutela diferenciada, capaz de garantir-lhe a proteção jurídica necessária.

Entende-se por prole eventual aquela que ainda está para ser concebida.
Difere, portanto, do conceito de nascituro haja vista que este é ser humano já
concebido. Segundo o entendimento de Pontes de Miranda, citado por Meirelles
(2000, p. 54), “[...] a prole eventual constitui todo ente humano que pode vir a ser
concebido, é o nondum conceptus, o ente humano futuro”.

Prevê o Código Civil, a doação feita em contemplação de casamento a se


realizar, à filiação futura, bem como a aquisição, por testamento, de pessoa a ser
designada pelo testador e que venha a existir no momento da abertura da
sucessão, em seus artigos 546 e 1.799, I, respectivamente:

Art. 546 A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa


e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a
um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro,
não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se
o casamento não se realizar.
[...]
Art. 1799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a
suceder:
I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador,
desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.
83

Não há muito que se dizer sobre uma possível relação entre prole eventual
e embriões excedentes, não são sequer semelhantes. Todavia, uma ressalva
merece ser feita em favor da defesa dos direitos daqueles embriões. Se o Código
Civil protege os interesses de um ser que ainda não existe no mundo dos fatos,
com mais razão devem ser estendidas aos embriões excedentes as proteções
conferidas ao nascituro, haja vista se tratar de ser humano já concebido.

Ao tratar da presunção de filiação o Código Civil, no artigo 1.597, incisos III,


IV e V, fez menção aos embriões, excedentes ou não, das técnicas de reprodução
humana medicamente assistidas:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os


filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido
o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes da concepção artificial homóloga;
V – havidos, por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido. (grifou-se).

A inclusão dos embriões oriundos das técnicas de reprodução assistida no


rol do artigo 1.597 do Código Civil contribui para firmar o entendimento segundo o
qual os embriões excedentes ou não daquelas técnicas são sujeitos de direito na
ordem civil. Compreendê-los de forma diversa é contrariar o sistema jurídico.
Menezes sintetiza a questão da proteção a ser conferida ao embrião da seguinte
forma (2008, p. 207):

É certo que a personalidade jurídica surge, no momento em que a lei


autoriza, e no Brasil, isto ocorre do nascimento, com vida. Mas não é
menos certo que o sistema jurídico assegura proteção ao nascituro. É
pacífico entre os juscivilistas que estudam os direitos da personalidade, a
ocorrência de uma personalidade (ainda que mitigada) na fase humana
pré-natal. No entanto, a fertilização in vitro trouxe uma realidade
diversificada que não tem tratamento adequado – o embrião
excedentário. Concorda-se com Cifuentes, se não se tem aqui um
nascituro, tem-se uma vida, cuja tutela há que ser implementada.
84

Para Beltrão (2005, p. 78):

Os ideais jurídicos são ideais condicionados a uma determinada época


ou determinado momento político de um povo específico, que estão
condicionados a um determinado momento histórico.
[...]
Não é porque na história do direito positivo uma determinada lei atribuía
personalidade ao infante após 24 horas de nascido que devemos
entender que esse direito é o ideal a ser seguido.

Complementa-se o entendimento de Beltrão ao afirmar que o embrião in


vitro para fins de proteção jurídica, enquanto não houver um estatuto jurídico
próprio, deve ser considerado nascituro e, por esta razão, pessoa sob pena de
ofensa à dignidade que lhe é intrínseca; só não pode ser identificado como prole
eventual, uma vez que já se encontra concebido e conservado em laboratório.

3.4 A questão do aborto

Etimologicamente, o vocábulo aborto (do latim: ab, que significa privação, e


ortus, nascimento) significa privação do nascimento (GUIMARÃES, 1999, p. 06). É
entendido como a interrupção, natural ou não, da gravidez com a consequente
morte do feto ou produto da concepção. Embora o termo aborto seja bastante
difundido, inclusive no meio jurídico, a palavra abortamento é mais utilizada no
meio médico e traduz com maior precisão a conduta, pois se refere exatamente ao
próprio ato de abortar.

O Código Penal brasileiro trata do aborto nos artigos 124 a 128,


classificando-o em quatro tipos: natural; acidental ou culposo; legal ou permitido; e
criminoso ou doloso. No primeiro e segundo casos, o aborto não constitui crime,
uma vez que no aborto natural ocorre a expulsão espontânea do produto da
concepção, enquanto o acidental normalmente decorre de algum traumatismo.
85

Vários são os tipos de aborto legal conhecidos pela doutrina e pela


jurisprudência, entre eles: o aborto social ou econômico, que tem lugar quando se
trata de família numerosa, visando a não comprometer mais ainda a condição
econômica da mesma; o aborto eugênico, que tem a finalidade de evitar o
nascimento de uma criança que possa vir a ter alguma grave doença hereditária; o
aborto necessário ou terapêutico, indicado nos casos em que a gestante corre
risco de vida; e o aborto sentimental ou humanitário, permitido nos casos em que
a gravidez resulta de estupro. O Código Penal brasileiro só prevê a existência dos
dois últimos casos, em seu artigo 128, incisos I e II:

Art. 128 Não se pune o aborto provocado por médico:


I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.

Critica-se de forma veemente a impropriedade da classificação do crime de


aborto estar no Título “Dos Crimes Contra a Pessoa”, especialmente pelo fato de
que para ser caracterizado o crime de aborto é necessário que exista a figura do
nascituro ou do produto da concepção, mas, como se sabe, de acordo com a
doutrina tradicional, nascituro não tem personalidade civil, não sendo, portanto,
considerado pessoa. Contudo, não são suscitadas grandes questões em relação
ao capítulo no qual o crime de aborto se encontra inserido, qual seja: “Dos Crimes
Contra a Vida”. É pacífico o entendimento de que o aborto é um atentado contra a
vida do produto da concepção.

No que diz respeito aos embriões excedentes da fertilização in vitro, a


questão é saber se a destruição ou o descarte dos mesmos, a qualquer título,
pode ser considerado aborto. Em princípio, há de se partir do entendimento, da
doutrina tradicional, de que embrião criopreservado não é o mesmo que nascituro,
visto que não se encontra implantado no útero, tampouco em pleno
desenvolvimento, razão pela qual a destruição ou descarte daqueles não pode ser
86

considerado aborto. Contrariando este posicionamento, Chaves (2000, p. 74-75)


afirma que:

A lei penal brasileira pune o aborto provocado, mas não o define. A


doutrina dominante entende haver aborto, (etimologicamente: AB =
privação + ORTUS = nascimento), quando ocorre a morte do concepto.
Assim sendo, a destruição de um embrião, vida em formação ou
elaboração, no útero materno ou fora dele, importa em destruição de
uma vida humana, passível de sanção, porque ela existe em germe,
quer a chamemos de vida intra-uterina,biológica, fetal ou feto-placental
e, por isto, a legislação civil põe a salvo os direitos do nascituro e a
penal pune quem a interromper.

Trata-se, mais uma vez, da questão de elevar o embrião criopreservado a


um novo status jurídico, definindo-o, conferindo-lhe direitos, impondo limites à sua
manipulação. Atualmente, há quem fale em “embrionicídio” (MEIRELLES, 2000, p.
65), que seria a tipificação penal para o atentado à vida daquele ser. Sabe-se,
porém, que um dos princípios básicos do Direito Penal é o princípio da
anterioridade da lei penal, segundo o qual: não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal. Assim sendo, não haveria como
punir o “embrionicídio” por não haver expressa previsão na legislação penal.

Para não deixar o problema sem solução, enquanto não existe um estatuto
jurídico do embrião, melhor seria afastar da concepção clássica da doutrina, que
compreende o nascituro como o embrião já implantado no útero materno, para
conceituá-lo de acordo com a etimologia do termo, como aquele que está por
nascer, abrangendo assim o embrião em qualquer situação, esteja ele nidado ou
não. Da mesma maneira, a palavra aborto deve ser compreendida como a
privação do nascimento e não da gravidez, ao contrário do que pretendem a
doutrina tradicional. Posicionamento este que autoriza punição da destruição do
embrião como crime de aborto, sem qualquer impedimento legal.
87

3.5 O embrião como um novo status jurídico

Devido à dificuldade de superar os conceitos há muito cunhados pela


doutrina tradicional, para enquadrar o embrião excedente àquelas categorias
codificadas, propõe-se que o mesmo seja reconhecido como um novo status
jurídico, ou seja, deve o embrião criopreservado ser tratado de forma
individualizada pelo Direito, o qual deverá apresentar uma definição que atenda às
finalidades éticas do ordenamento jurídico. Concordam com este entendimento
Corrêa e Conrado (2008, p. 86-87):

[...] Nunca é demais observar que o direito não cria fenômenos naturais,
mas sua função é apenas regulamentá-los, seja a priori ou a posteriori,
como forma de gerar segurança à comunidade, por meio da pacificação
social.
No campo dos direitos do embrião, essa pacificação se faz urgente,
através da emanação de regras jurídicas próprias sobre a matéria,
enfeixadas em um instrumento que provisoriamente podemos denominar
por Estatuto do Embrião, e que visa criar instrumentos eficientes de
proteção e impedir os conflitos que vêm surgindo entre os cientistas, a
Igreja e a comunidade, em vista da discussão em torno do início da vida
e da dignidade da pessoa humana do conceptus. (grifos do original).

Segundo o entendimento de Semião (2000, p. 175), devem os juristas


“tentar convergir a lógica e o pensamento jurídico com os resultados das
experiências dos cientistas da biogenética, para adiante proporem a melhor
legislação a respeito”.

Propõe referido autor que o embrião mantido em laboratório seja definido


como “um status jurídico novo entre a pessoa e a coisa” (SEMIÃO, 2000, p. 183),
o que sem dúvida alguma legitimaria a manipulação da vida de seres humanos,
situação que se afigura inadmissível diante da proteção conferida ao ser humano
pela Constituição Federal. Embrião é ser humano, não está, nunca esteve, nem
nunca estará, pela sua própria natureza, a meio caminho entre homem e coisa.

É fato público e notório que as técnicas de reprodução assistida trouxeram


uma nova realidade que não pode ser deixada de lado: o embrião excedente. O
88

embrião, in vivo ou in vitro, tem natureza humana, até porque proveniente de


gametas humanos, não existindo qualquer possibilidade desses gametas uma vez
unidos se transformarem em algo diferente de um ser humano. Assim, deve ser
protegido desde o início do seu ciclo vital, que ocorre com a fecundação. Para
Corrêa e Conrado (2008, p. 89-90):

Os direitos do embrião devem ser protegidos independentemente da


forma de fertilização, visto que o art. 2º do Código Civil brasileiro fala em
proteção do nascituro desde a concepção.
Assim, todos os direitos elencados no ordenamento jurídico de proteção
ao nascituro, enquanto não estabelecido um Estatuto do Embrião,
podem e devem ser estendidos igualmente aos embriões in vivo e in
vitro, posto que eles devem ser vistos como pessoa e não como coisa
passível de transferência, alienação e destruição.
Ao embrião, além do direito à dignidade humana, também são
resguardados outros direitos, estendendo-lhe o direito à adoção e
ao não abandono, entre outros. Se não pela igualdade com o
nascituro, posto que vivem momentos diferentes, pelo menos pela
eqüidade tais direitos devem ser garantidos. (grifou-se).

Os direitos à adoção e ao não abandono, citados pelos autores, também


podem ser estendidos aos embriões excedentes e se mostram compatíveis com a
finalidade ética do ordenamento jurídico de proteção do ser humano em todas as
suas fases.

O direito à adoção de nascituro encontrava expressa previsão legal no


artigo 372 do Código Civil de 1916, nos seguintes termos: “Não se pode adotar
sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou
nascituro.” (grifou-se). Todavia, o novo Código Civil não prevê de forma expressa
este direito, o que não quer dizer que não seja possível a adoção do nascituro,
aqui compreendidos os embriões excedentes das técnicas de reprodução
assistida.

Segundo o disposto no artigo 1.621 do Código Civil: “A adoção depende de


consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar,
e da concordância deste, se contar mais de doze anos.” Observe-se que não há
qualquer limitação quanto à fase de desenvolvimento em que se encontra a
89

criança, salvo se maior de doze anos, quando se faz necessária a concordância


deste.

O Estado tem papel preponderante na efetivação da proteção do ser


humano. Acompanhadas de uma legislação reguladora das técnicas de
reprodução assistida, políticas públicas para a promoção da adoção de embriões
excedentes por casais acometidos pela infertilidade podem ser capazes de por fim
aos problemas éticos e jurídicos que são impostos pelo uso indiscriminado das
técnicas de reprodução humana.

Este entendimento pode ser encontrado no artigo 7º da Lei 8.069, de 13 de


julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, que
enuncia que: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento
e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”
(grifou-se).

O direito ao não abandono também pode ser estendido ao embrião in vitro.


Isso seria uma decorrência da presunção de filiação contida no artigo 1.597do
Código Civil, bem como o dever de guarda dos filhos. Não podem os embriões ser
abandonados à própria sorte, sob pena de cometerem seus genitores os crimes
de abandono material e o moral, previstos nos artigos 244 e 246 do Código Penal.

Tem-se, pois, que o ideal é a elaboração de um estatuto jurídico que confira


ao embrião humano, independentemente do modo pelo qual ocorreu a sua
fertilização, proteção jurídica adequada, que lhe resguarde a dignidade e lhe
garanta o direito à vida, aqui compreendido numa perspectiva mais ampla como o
direito de nascer, com ou sem vida. Para Haddad (2005, p. 437): “O direito ao
nascimento natural, com o sem vida, é uma conseqüência do direito à vida. O
direito à vida não é uma garantia à vida ou de vida, mas uma garantia de ter a
expectativa de viver, e por isso de nascer”.
90

Além dos direitos fundamentais conferidos ao ser humano existentes no art.


5º da Constituição de 1988, que lhe sejam resguardados ao embrião direitos
outros, como o de não ser abandonado e o de ser adotado, evitando assim a
utilização do termo doação, que depõe em sentido contrário, reificando o ser
humano.

3.6 Lei de Biossegurança

Em 5 de janeiro de 1995 entrou em vigor a Lei nº 8.974, também conhecida


como Lei de Biossegurança, determinando os mecanismos pelos quais seria
possível efetivar a limitação do uso das técnicas de reprodução humana para fins
exclusivos de procriação.

A chamada Lei de Biossegurança, embora não fosse a legislação adequada


para tratar sobre a questão dos embriões humanos, limitou o uso das técnicas de
reprodução humana para finalidades outras que não seja com intuito reprodutivo,
como pode se depreender da leitura do artigo 8º, incisos II, III e IV, Lei nº
8.974/1995:

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:


I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in
vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo
com as normas previstas nesta Lei:
II - a manipulação genética de células germinais humanas;
III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o
tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais
como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a
aprovação prévia da CTNBio;
IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servir como material biológico disponível.

Cumpre esclarecer o significado de OGM utilizado no caput do artigo 8º,


que é definido no próprio texto legal, como “organismo cujo material genético
91

(ADM/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”


(art. 3º, IV, Lei nº 8.974/1995). Referida lei define como crime a prática das
mesmas condutas vedadas no artigo 8º, em seu artigo 13, incisos I, II e III:

Art. 13 Constituem crimes:


I - a manipulação genética de células germinais humanas;
II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o
tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais
como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a
aprovação prévia da CTNBio;
Pena - detenção de três meses a um ano.
§ 1º Se resultar em:
a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
Pena - reclusão de um a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
Pena - reclusão de dois a oito anos.
§ 3º Se resultar em morte;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servirem como material biológico disponível;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.

Como se pode constatar, a Lei de Biossegurança inovou ao tratar sobre o


tema, abrindo espaço para que fosse elaborada uma legislação que, como aquela,
respeitasse a natureza humana daqueles embriões, reconhecendo sua dignidade
e que não abra espaço para a utilização dos mesmos com finalidades outras que
não a de atender a um projeto parental.
92

Todavia, configurando verdadeiro retrocesso, em 24 de março de 2005


entrou em vigor a Lei nº 11.105, revogando a Lei nº 8.974/1995, autorizando em
seu artigo 5º as pesquisas com células-tronco embrionárias, nos seguintes termos:

º
Art. 5 É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos
por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento,
atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de
congelamento.
o
§ 1 Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
o
§ 2 Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa
ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter
seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética
em pesquisa.
o
§ 3 É vedada a comercialização do material biológico a que se refere
o
este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n
9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (grifo do original).

Na tentativa de amenizar o desprezo pela vida humana desses embriões, a


nova Lei de Biossegurança impôs alguns requisitos para a sua utilização: 1) que
sejam produzidos por meio da fertilização in vitro e não utilizados naquele
procedimento; 2) sejam inviáveis (não definindo o que se entende por
inviabilidade) ou que sejam congelados há três anos ou mais; 3) consentimento
dos genitores, tratando-os como algo que está à livre disposição de seus
genitores; 4) submissão dos projetos de pesquisa aos comitês de ética em
pesquisa; e 5) a não comercialização daqueles embriões, que são tratados sob a
denominação de “material biológico”.

Este dispositivo da nova Lei de Biossegurança não foi recebido de forma


pacífica pela comunidade jurídica. Tanto que deu ensejo à propositura de Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, proposta perante o Supremo Tribunal
Federal, em 30 de maio de 2005, dois meses após sua entrada em vigor, pelo
então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles. Os argumentos da
referida ação e os votos dos Ministros serão objeto de capítulo próprio.
93

3.7 Resolução nº 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina

Anterior à Lei de Biossegurança, a Resolução nº 1.358, de 19 de novembro


de 1992, do Conselho Federal de Medicina estabelece normas éticas para a
utilização das técnicas destinadas à reprodução assistida. Trata-se, pois, de um
código deontológico a ser seguido pelos profissionais dedicados àquela área.

Ao tratar especificamente dos embriões excedentes, proíbe o uso dos


mesmos para fins que não sejam reprodutivos, bem como a utilização das
técnicas de reprodução assistida com a finalidade de escolha do sexo do embrião
ou qualquer outra característica biológica, exceto quando se tratar de doenças
relacionadas ao sexo (item 4, seção I) como, por exemplo, a hemofilia. Essa
proibição tem o escopo de evitar que se pratique a eugenia, técnica que visa ao
melhoramento da espécie através da seleção dos genes que determinam as
características dos seres humanos.

A clonagem terapêutica é terminantemente proibida pela Resolução nº


1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, quando a mesma, no item 5 da
seção I, proíbe a “fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade
que não seja a procriação humana”. No entanto, permite a doação de embriões
humanos realizada de um casal para outro, sem fins lucrativos ou comerciais (item
1, seção IV), o que, embora seja dotado de um caráter altruísta, pode conduzir ao
entendimento de que o embrião in vitro não passa de uma coisa que pode ser
disposta de acordo com a vontade dos genitores.

Proíbe a referida resolução qualquer possibilidade de destruição ou


descarte de embriões (item 2, seção V), inclusive quando se tratar de redução
embrionária, que tem lugar nos casos de gravidez múltipla (item 7, seção I).
Entretanto, de acordo com o item 3 da seção V, o casal deverá, no momento da
94

criopreservação, “expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será
dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou
de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los”. A
interpretação deste item deve, todavia, obedecer à regra de não ser possível a
destruição ou descarte do embrião, bem como àquela que proíbe sua manipulação
para outros fins que não os reprodutivos. Como se percebe, a única opção é
quanto à doação do embrião para um casal que deverá ser desconhecido dos
doadores (item 2, seção IV).

O posicionamento adotado pela Resolução nº 1.358/1992 do Conselho


Federal de Medicina demonstra seu interesse em proteger o embrião
criopreservado desde a concepção. Mesmo quando faz a distinção entre pré-
embrião e embrião, não tem o escopo de conduzir ao raciocínio da inexistência de
limites de manipulação durante a fase pré-embrionária. Ao contrário, tal distinção é
feita no sentido de se utilizar as técnicas de reprodução assistida em favor
daquele embrião:

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES


As técnicas de RA também podem ser utilizadas na prevenção e
tratamento de doenças genéticas e hereditárias, quando perfeitamente
indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.
1) Toda intervenção sobre pré-embriões “in vitro”, com fins diagnósticos,
não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou
detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento
informado do casal.
2) Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões “in vitro”,
não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua
transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o
consentimento informado do casal.

Apesar de proteger o embrião in vitro, não é esta Resolução o instrumento


adequado para tratar sobre o tema, uma vez que foi feita por médicos e para
médicos. Por se tratar de um código deontológico, não tem aplicabilidade nem
valor coercitivo na esfera jurídica, exceto nos casos de responsabilidade civil do
médico, razão pela qual se faz imprescindível a elaboração de uma lei que
95

regulamente o uso das técnicas de reprodução assistida, pondo fim à problemática


advinda da produção de embriões que terminam por exceder ao projeto parental.

3.8 Projetos de lei sobre a reprodução assistida

No Brasil não existe legislação específica sobre a reprodução assistida,


tampouco um estatuto jurídico do embrião. No entanto, existem alguns projetos de
lei que versam sobre o tema em pauta. A decisão de tratar o presente trabalho,
exclusivamente, do Projeto de Lei nº 90, de 9 de março de 1999, de autoria do
então Senador Lúcio Alcântara, e seus substitutivos, em detrimento dos outros
existentes acerca da reprodução assistida, dá-se pelo fato de ser este projeto tido
como o mais completo e o que mais se aproxima das normas estabelecidas pela
Resolução nº 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, especialmente
quando se verificam os seus substitutivos.

A crítica que se faz em relação àquele projeto, no que diz respeito,


exclusivamente, aos embriões excedentes da fertilização in vitro, é que não
obstante defina como humano o embrião que “resulta da união in vitro de gametas
humanos, qualquer que seja a idade do seu desenvolvimento” (art. 1º, caput), no
decorrer do projeto deixa de lado sua humanidade passando a tratá-lo como coisa,
conforme se verifica no artigo 6º do referido Projeto de Lei: “Será permitida a
doação de gametas e embriões, sob a responsabilidade dos estabelecimentos que
praticam a RA, vedada a remuneração dos doadores e a cobrança por esse
material, a qualquer título.” (grifou-se). Prevê, ainda, casos em que o mesmo deve
ser descartado, como se pode constatar da leitura do artigo 9º, §§ 4º e 6º, e do
artigo 10 do citado projeto de lei:

Art. 9º. Os estabelecimentos que praticam a RA ficam autorizados a


preservar gametas e embriões humanos, doados ou depositados
apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.
96

§ 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua


introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos
assegurados ao nascituro na forma da lei.
§ 2º O tempo máximo de preservação de gametas e embriões será
definido em regulamento.
§ 4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a
fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida
quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser
preservado, salvo disposição em contrário dos próprios usuários, que
poderão optar pelo descarte, a doação para terceiros ou a doação
para pesquisa.
§ 4º Os gametas e embriões depositados apenas para armazenamento
só poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante, sendo que,
neste último caso, conjuntamente aos dois membros do casal que
autorizou seu armazenamento.
§ 6º É obrigatório o descarte de gametas e embriões:
I - doados há mais de dois anos;
II - sempre que for solicitado pelos doadores;
III - sempre que estiver determinado no documento de consentimento
informado;
IV - nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes;
V - no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que
originaram embriões preservados.
Art. 10. Ressalvados os casos de material doado para pesquisa, a
intervenção sobre gametas ou embriões in vitro só será permitida com a
finalidade de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, no
caso de ser feita com fins diagnósticos, ou de tratar uma doença ou
impedir sua transmissão, no caso de ser feita com fins terapêuticos.
§ 1º A pré-seleção sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer nos
casos em que os usuários recorram à RA em virtude de apresentarem
hereditariedade para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao
sexo.
§ 2º As intervenções autorizadas no caput e no parágrafo anterior só
poderão ocorrer se houver garantias reais de sucesso.
§ 3º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será
definido em regulamento. (grifou-se).

Mencionado projeto não teve o cuidado de definir o embrião de forma


suficientemente clara, deixando margem a questionamentos de caráter ético por
todo o texto. Faz ainda menção à doação de embriões humanos para pesquisa
(artigos 9º e 10, caput, Projeto de Lei nº 90/1999), que se não for bem delimitada
não deixa de ser uma forma de destruí-los.

O Projeto de Lei nº 90/1999, trata a vida humana como um bem disponível,


o que é inadmissível tanto em nível ético quanto jurídico. É um texto com caráter
notadamente conservador, haja vista a não permissão da utilização das técnicas
97

de reprodução assistida por mulheres, cuja infertilidade decorra da passagem da


idade reprodutiva (art. 2º, III).

Em razão das críticas desferidas ao Projeto de Lei nº 90/1999, teve origem


um projeto substitutivo, no qual foram feitos ajustes. Trata-se do Projeto de Lei nº
90, de 2001, de autoria do Senador Tião Viana. As principais modificações que se
pode constatar dizem respeito à extensão do uso das técnicas de reprodução
assistida ao casal que vive em união estável (artigo. 1º, § único, I, Projeto de Lei
nº 90/2001), não permitindo, entretanto, que mulheres sozinhas possam fazer uso
daquelas técnicas de superação da infertilidade; e a inviabilização da doação de
embriões, haja vista limitar em três o número de embriões produzidos em cada
ciclo reprodutivo, devendo todos ser implantados a fresco, não podendo mais ser
congelados. Segundo o artigo 14 do referido projeto de lei:

Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida,


poderão ser produzidos e transferidos até três embriões, respeitada
a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões
obtidos, obedecido o critério definido no caput deste artigo.(grifou-se).

Observa-se aqui uma inovação no que diz respeito ao ônus da reprodução


humana assistida no sentido de ser transferido para a mulher que se submete
àquelas técnicas e não aos embriões que estariam congelados por tempo
indefinido, situação que faz suscitar questões de toda sorte, notadamente éticas e
jurídicas. O artigo 9º do Projeto Original foi convertido no artigo 15 no Projeto
Substituto, com alterações em seu texto:

Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente


Assistida ficam autorizados a preservar gametas humanos, doados
ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos
em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão
ser entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem
sua autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
98

I - sempre que for solicitado pelo doador ou depositante;


II - sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre
e esclarecido;
III - nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante,
ressalvada a hipótese em que este último tenha autorizado, em
testamento, a utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou
companheira. (grifou-se).

Neste ponto, a principal mudança trazida pelo Projeto Substituto é que por
ele só podem as clínicas que praticam a reprodução assistida manter
criopreservados os gametas femininos e masculinos, não mais os embriões, que
como se pode observar devem ser implantados a fresco.

As últimas mudanças referentes à reprodução assistida, que tem como


base o Projeto Original de autoria do Senador Lúcio Alcântara, podem ser
encontradas no Projeto de Lei nº 1.184, de 2003, de autoria do Senador Roberto
Requião. Dentre estas inovações observa-se que a mulher, seja ela solteira,
casada, separada, divorciada ou viúva, pode ser beneficiária das técnicas de
reprodução assistida, bem como os casais que podem viver em matrimônio ou em
união estável, já que o Projeto de Lei não faz qualquer referência ou classificação,
aduz apenas sobre mulheres e casais.

Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida


(RA)
para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos,
fertilizados in vitro, no organismo de mulheres receptoras.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I – embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas,
previamente à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja
o estágio de seu
desenvolvimento;
II – beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o
emprego da Reprodução Assistida;

No que diz respeito ao número de embriões produzidos por ciclo, também


houve modificação, mas permanece a obrigatoriedade de transferência a fresco de
todos os embriões, sem possibilidade de congelamento:
99

Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser


produzidos e transferidos até 2 (dois) embriões, respeitada a vontade
da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo.
§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões
obtidos, obedecido ao critério definido no caput deste artigo. (grifou-se).

Configurando verdadeiro retrocesso em relação aos projetos anteriores,


segundo o artigo 3º do Projeto de Lei nº 1.184/2003, fica proibida a gestação ou
maternidade de substituição, contrariando também a Resolução nº 1.358/1992, do
Conselho Federal de Medicina.

Por fim, em seus artigos 7º e 14, o Projeto de Lei nº 1.184/2003, mantém a


permissão da doação de gametas e confere autorização às clínicas para o seu
armazenamento, bem como cita os casos em que é obrigatório o seu descarte:

Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade


dos serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.
[...]
Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas
humanos, doados ou depositados apenas para armazenamento,
pelos métodos e prazos definidos em
regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão
entregues somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos
sem sua autorização. (grifou-se).
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I – quando solicitado pelo depositante;
II – quando houver previsão no documento de consentimento livre e
esclarecido;
III – nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver
manifestação de
sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e
esclarecido ou em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus
gametas.

Cumpre salientar que nenhum dos Projetos de Lei pode ser considerado
perfeito, mas na pior das hipóteses evitam diversos questionamentos de ordem
ética e jurídica que decorrem da utilização indiscriminada das técnicas de
reprodução assistida. A inversão do ônus destas técnicas para as pretensas mães
é algo inovador e digno de aplausos. Inobstante os riscos enfrentados pela mulher
100

quando da submissão ao tratamento de indução ovariana, deve ser ela a arcar


com eventuais danos e não o produto de sua concepção, o embrião.
101

4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS PESQUISAS


COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

O ano de 2008 foi marcado pelo histórico julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 3.510, pelo Supremo Tribunal Federal, proposta em 30 de
maio de 2005, pelo então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, em
face do art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que autoriza a utilização
de células-tronco embrionárias humanas para fins de pesquisa:

o
Art. 5 É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de
células-ronco embrionárias obtidas de embriões humanos
produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de
congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
o
§ 2 Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa
ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter
seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética
em pesquisa.
o
§ 3 É vedada a comercialização do material biológico a que se refere
o
este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n
9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Argumenta Fonteles (2005, p. 02) que o artigo 5º e parágrafos da Lei nº


11.105/2005, está eivado de inconstitucionalidade material por configurar ofensa
ao princípio da dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade do direito à vida,
ambos previstos na Constituição Federal, artigos 1º, III, e 5º, respectivamente:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
102

III – a dignidade da pessoa humana;


IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
[...]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida [...]. (grifou-se).

Fundamenta seu pedido trazendo diversos posicionamentos de médicos


embriologistas e geneticistas que são categóricos ao afirmar que o início da vida
humana ocorre com a concepção, dentre os quais se faz referência ao
posicionamento de Batista (apud FONTELES, 2005, p. 10):

No momento da fecundação, a partir da fusão do material genético


materno e paterno, a nova célula formada, chamada zigoto, reorganiza-
se, perde proteínas inicialmente ligadas ao DNA dos gametas, inicia um
novo programa ditado por esta nova combinação de genes, comanda de
forma autônoma todas as reações que o levarão a implantar-se no útero
materno. Inicia-se uma ‘conversa química’ entre esta célula e as células
do útero materno. Este programa é, além de autônomo, único, irrepetível,
harmônico e contínuo.
A partir da primeira divisão do zigoto, quando originam-se as duas
primeiras células,estas encontram-se predestinadas. Estudos
recentes [...] mostram clara e irrefutavelmente que toda e qualquer parte
do embrião ou feto é formada por células já predestinada nas primeiras
horas após a fertilização. Portanto, todo o desenvolvimento humano tem
como marco inicial a fecundação e, após este evento, tem-se um ser
humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado de
células com vida meramente ‘celular’. Trata-se, a partir deste evento, de
um indivíduo humano em um estágio de desenvolvimento específico e
bem caracterizado cientificamente. (grifou-se).

No Direito comparado, lembra que na Alemanha o embrião possui estatuto


jurídico próprio e que o reconhece como vida humana desde a fusão nuclear dos
gametas feminino e masculino, ou seja, desde a fertilização, protegendo-o.
Informa, ainda, que as pesquisas com células-tonco adultas têm se mostrado mais
promissoras que aquelas realizadas com as células-tronco embrionárias.
(FONTELES, 2005, p. 09-11).

Finaliza, requerendo que seja reconhecida e declarada a


inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005, pelos Ministros do
103

Supremo Tribunal Federal, bem como que seja realizada audiência pública,
prevista no artigo 9º, § 1º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, levando-se
em consideração a relevância e especificidade do tema em pauta. (FONTELES,
2005, p. 09-11).

Importante esclarecer que apesar de a referida Ação Direta de


Inconstitucionalidade ter sido julgada em 29 de maio de 2008, nem todos os
Ministros do Supremo Tribunal Federal puseram à disposição os seus votos, de
forma que o seu acórdão ainda não foi publicado, razão pela qual este capítulo se
restringe à análise dos votos que, apesar de não terem sido oficialmente
publicados, encontram-se disponíveis no sítio daquele Tribunal.

4.1 Voto do Relator

Distribuída no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 3.510/2005 teve como Relator o Ministro Carlos Augusto
Ayres de Freitas Britto (2008, p. 04), que determinou a realização de audiência
pública, considerado “notável mecanismo constitucional de democracia direta ou
participativa”, por entender que a questão a ser discutida “é de tal relevância social
que passa a dizer respeito a toda a humanidade”.

Realizou-se então a primeira audiência pública da história do Supremo


Tribunal Federal, instrumento que mostrou sua importância na medida em que
trouxe para o debate sobre a constitucionalidade ou não das pesquisas com
células-tronco embrionárias a opinião de renomados especialistas na área da
reprodução humana, embriologia, geneticistas, representantes da igreja e outros
segmentos da sociedade.

Como era esperado, o debate se deu em torno da tentativa de delimitar


quando se pode constatar o início da vida humana, Sobre o tema o Ministro
Relator assim se manifestou:
104

Não pode ser diferente. Não há outra matéria-prima da vida humana


ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar,
já em virtude de um intercurso sexual, já em virtude de um ensaio ou
cultura em laboratório. Afinal, o zigoto enquanto primeira fase do
embrião humano é isso mesmo: o germe de todas as demais células do
hominídeo (por isso que na sua fase de partida é chamado de ‘célula-ovo’
ou ‘célula-mãe’, em português, e de ‘célula-madre’, em castelhano).
Realidade seminal que encerra o nosso mais rudimentar ou
originário ponto de partida. (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 35-36).

Prossegue em seu voto, no mesmo sentido, ao afirmar que:

[...] não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com
o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um
espermatozóide masculino. Um gameta masculino (com seus 23
cromossomos) a se fundir com um gameta feminino (também portador de
igual número de cromossomos) para a formação da unitária célula em
que o zigoto consiste. (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 35).

Pelo que foi exposto, seria razoável imaginar que o Ministro Relator
desenvolveria todo o seu raciocínio com vistas à proteção do embrião
independentemente da forma como se deu a sua concepção ou a sua fase de
desenvolvimento. Todavia não foi isso que se pôde observar no decorrer do seu
voto.

A tendência à autorização das pesquisas com células-tronco embrionárias


foi ponto marcante no voto do Ministro Relator, bem como dos demais Ministros do
Supremo Tribunal Federal, como se observará no decorrer desta explanação.
Com vistas a este fim, o Ministro Relator deu início a uma tormentosa
interpretação da Constituição Federal, conforme se verifica da passagem abaixo
transcrita:

É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana.
Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal.
Quando fala da ‘dignidade da pessoa humana’ (inciso III do art. 1º), é da
pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico,
moral e espiritual (o Estado é confessionalmente leigo, sem dúvida, mas
há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma,
Constituição). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ (alínea
b do inciso VII do art. 34), ‘livre exercício dos direitos [...] individuais’
105

(inciso III do art. 85) e até dos ‘direitos e garantias individuais’ como
cláusula pétrea (inciso IV do § 4º do art. 60), está falando de direitos e
garantias do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém. De nacionalidade
brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e
que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade’, entre outros direitos e garantias
igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (art. 5º).
(grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 24-25).

De fato, a Constituição Federal não diz quando a vida humana começa,


tarefa que deve ser relegada às ciências médicas, privilegiando a
interdisciplinaridade das ciências, cabendo ao ordenamento jurídico a sua
proteção. Desta feita, dizer que quando a Constituição Federal confere a
inviolabilidade do direito à vida e a dignidade humana apenas àqueles que já
nasceram, é deturpar o sentido e alcance de suas normas. Tal limitação só pode
ser feita por ela mesma ou por sua expressa autorização, tal como ocorre com as
normas constitucionais de eficácia contida.

Persiste o Ministro Relator no mesmo equívoco ao afirmar que não importa


saber o início biológico da vida humana, mas saber a partir de que momento esta
vida passa a ser protegida pelo Direito infraconstitucional. Nas suas palavras:

[...] É como dizer: a Inviolabilidade de que trata o artigo 5º é


exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo (o inviolável é,
para o Direito, o que o sagrado é para a religião). E como se trata de uma
Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de
morte (permito-me o trocadilho), a questão não reside exatamente em
se determinar o início da vida do homo sapiens, mas em saber que
aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos
pelo Direito infraconstitucional e em que medida. (grifou-se).
(BRITTO, 2008, p. 26).

Atente-se para o fato de que o Ministro Relator percorreu caminho inverso


ao buscar na legislação infraconstitucional, e não na Constituição Federal, o
momento a partir do qual a vida humana passa a ter relevância e passa a ser
protegida pelo Direito. Este mecanismo fere o princípio da supremacia
constitucional, haja vista ser a Constituição Federal o fundamento último de
validade de todo o ordenamento jurídico.
106

No que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, entende


o Ministro Relator a sua importância para o Direito na medida em que admite o
seu transbordamento para alcançar as normas infraconstitucionais, estendendo
proteção a tudo que conduza ao “indivíduo-pessoa”:

[...] a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a


nossa Constituição que admite transbordamento. Transcendência ou
irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a
proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de
um processo que deságüe, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do
embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da
embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das
respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei
para colocar a salvo, ‘desde a concepção, os direitos do nascituro’ (do
latim ‘nasciturus’); que são direitos de quem se encontre a caminho
do nascimento. Se se prefere - considerado o fato de que o fenômeno
da concepção já não é exclusivamente intra-corpóreo -, direitos para
cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a
fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha
do nascimento. (BRITTO, 2008, p. 30-31).

Continua em seu voto o Ministro Relator:

Não estou a ajuizar senão isto: a potencialidade de algo para se tornar


pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-lo,
infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas, levianas ou
frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três
realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a
pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à
metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final dessa
metamorfose. (BRITTO, 2008, p. 34).

Ora, diante de tal afirmação, ainda que não se considerasse que há vida
humana no embrião humano desde a sua gênese, tão somente pelo fato de que
este conduz à formação de um “indivíduo-pessoa”, o mesmo seria merecedor de
proteção jurídica à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. O embrião
humano é ser humano no início da vida, não importa a fase em que se encontre e,
enquanto não houver um estatuto jurídico próprio, deve ser entendido e protegido
como nascituro, haja vista que nascituro deve ser entendido como “aquele que
está por nascer”, ou seja, já concebido, mas que ainda não nasceu.
107

A defesa pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco


embrionárias que até agora aparecia no voto do Ministro Relator de forma tímida,
quando tentou buscar fundamento no texto constitucional interpretando-o, começa
a ganhar outros contornos:

[...] não se trata sequer de interromper uma producente trajetória extra-


uterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio,
simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e
permanecer confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de
progressão reprodutiva. [...]. Daí o sentido irrecusavelmente
instrumental ou utilitário da Lei de Biossegurança em sede científico-
terapêutica [...]. (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 40-41).

O caráter instrumental ou utilitário da atual Lei de Biossegurança é posto


em relevo pelo Ministro Relator. Todavia, não atenta para o fato de que esta
instrumentalidade, como se depreende do próprio nome, importa na coisificação
do ser humano. Afirma, ainda, que não se está interrompendo uma vida, porque
seria este embrião insuscetível de dar continuidade ao seu processo evolutivo, em
outras palavras, seria inviável.

Sobre a viabilidade, afirmou o Ministro Relator que: “O embrião viável


(viável para reprodução humana, lógico), desde que obtido por manipulação
humana e depois aprisionado in vitro, empaca nos primeiros degraus do que seria
sua evolução genética.” (BRITTO, 2008, p. 42). No entanto, tal afirmativa não
condiz com a realidade. Deve-se compreender que referida evolução teve início
quando da fusão dos gametas masculino e feminino, que deu origem a um novo
ser humano, com características únicas, diferentes de todos os demais da
espécie. E que uma vez descongelado, o embrião dá continuidade ao seu
processo evolutivo natural, dependendo do meio externo na mesma medida que
todos os demais seres humanos dependem.

Em outro momento de seu voto, o Ministro Relator se questionou quanto à


fertilização medicamente assistida consistia em meio juridicamente hábil para se
108

pôr em prática o projeto parental de casais acometidos pela infertilidade, ao que


respondeu nos termos a seguir:

[...] Sendo certo que:


I - a fertilização in vitro é peculiarizado meio ou recurso científico a
serviço da ampliação da família como entidade digna da ‘especial
proteção do Estado’ (base que é de toda a sociedade);
II - não importa, para o Direito, o processo pelo qual se viabilize a
fertilização do óvulo feminino (se natural o processo, se artificial). O que
importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta
infertilidade, e, assim, contribuir para a perpetuação da espécie humana.
Experimentando, de conseguinte, o êxtase do amor-a-dois na
paternidade responsável. (BRITTO, 2008, p. 47-48).

A seguir, questionou-se se o casal estaria compelido à implantação de


todos os embriões que resultaram do procedimento da reprodução assistida,
posicionando-se negativamente, levando-se em consideração o que preceitua o
artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal:

[...] não se pode compelir nenhum casal ao pleno aproveitamento de


todos os embriões sobejantes (‘excedentários’) dos respectivos
propósitos reprodutivos. Até porque tal aproveitamento, à revelia do
casal, seria extremamente perigoso para a vida da mulher que passasse
pela desdita de uma compulsiva nidação de grande número de embriões
(a gestante a ter que aceitar verdadeira ninhada de filhos de uma só vez).
Imposição, além do mais, que implicaria tratar o gênero feminino por
modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito
fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição, literis:
‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante’. Sem meias palavras, tal nidação compulsória
corresponderia a impor às mulheres a tirania patriarcal de ter que gerar
filhos para os seus maridos ou companheiros, na contramão do notável
avanço cultural que se contém na máxima de que ‘o grau de civilização
de um povo se mede pelo grau de liberdade da mulher’. (BRITTO, 2008,
p. 50-51).

Concluindo o raciocínio acima apresentado, continua o Ministro Relator


apresentando três possíveis destinos para os embriões excedentários das
técnicas de reprodução assistida:

Remarco a tessitura do raciocínio: se todo casal tem o direito de procriar;


se esse direito pode passar por sucessivos testes de fecundação in vitro;
se é da contingência do cultivo ou testes in vitro a produção de embriões
em número superior à disposição do casal para aproveitá-los
procriativamente; se não existe, enfim, o dever legal do casal quanto a
109

esse cabal aproveitamento genético, então as alternativas que restavam


à Lei de Biossegurança eram somente estas: a primeira, condenar os
embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de
ensaio; a segunda, deixar que os estabelecimentos médicos de
procriação assistida prosseguissem em sua faina de jogar no lixo
tudo quanto fosse embrião não-requestado para o fim de procriação
humana; a terceira opção estaria, exatamente, na autorização que fez o
art. 5º da Lei. (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 58).

Inobstante o fato de não se poder compelir a mulher à implantação de todos


os embriões criopreservados, sob pena de submetê-la a tratamento desumano ou
degradante, não seriam estas as únicas opções. A Lei de Biossegurança poderia,
sim, obrigar os genitores a arcar com os custos do congelamento por tempo
indefinido, haja vista que, ao contrário do que se preferiu afirmar, o embrião pode
ser mantido congelado por muitos anos sem que isso lhe cause qualquer prejuízo,
ou facultar-lhes a possibilidade de dá-los em adoção a outro casal que sofresse do
mesmo mal da infertilidade, restando proibida qualquer forma de destruição dos
mesmos, aqui incluídos o descarte e a pesquisa com células-tronco embrionárias.

Alega, ainda, o Ministro Relator que a opção feita pela Lei nº 11.105/2005,
pela utilização dos embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida em
muito se assemelha à doação de órgãos e tecidos:

Há mais o que dizer. Trata-se de uma opção legal que segue na mesma
trilha da comentada Lei 9.434/97, pois o fato é que um e outro diploma
normativo se dessedentaram na mesma fonte: o § 4º do art. 199 da
Constituição Federal, assim literalmente posto:
‘A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção
de
órgãos, tecidos e substâncias para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e
seus derivados, vedado todo tipo de comercialização’. (grifos do original).
(BRITTO, 2008, p. 59).

Prossegue o Ministro Relator afirmando que:

O paralelo com o art. 5º Lei de Biossegurança é perfeito. Respeitados


que sejam os pressupostos de aplicabilidade desta última lei, o embrião
ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida virginalmente
nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras
terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro
humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro. Nem concluído
110

nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência, não existe nem


mesmo como potencialidade. (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 61).

Não há que se falar em “paralelo perfeito” como pretende o Ministro


Relator, haja vista o abismo existente entre a vida de um ser humano e um órgão
proveniente de um ser humano, este é parte daquele. Ademais, não existe meio
hábil para se constatar a “viabilidade” de um embrião humano nascer com vida,
pois tal não é possível nem com o feto já devidamente implantado e em estágio
avançado de desenvolvimento, ao contrário do que ocorre com a morte cerebral,
que pode ser detectada através dos mais variados exames e é considerada no
meio médico como irreversível.

Ao finalizar seu voto, o Ministro Relator, imbuído de um espírito de


romantismo, faz menção a uma “era do conhecimento” que deve se pôr a serviço
da humanidade, com vistas à solidariedade e à fraternidade entre os homens,
conforme se depreende do trecho a seguir:

‘Era do conhecimento’, ajunte-se, em benefício da saúde humana e


contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza,
num contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe
de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões in vitro,
significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se
desesperam nas ânsias de um infortúnio que muitas vezes lhes parece
maior que a ciência dos homens e a própria vontade de Deus. (BRITTO,
2008, p. 69-70).

Entretanto, ao contrário do que afirma o Ministro Relator, há flagrante


desprezo pelos embriões in vitro. Trata-se de seres humanos desde a sua gênese,
fato que impede que sejam mortos em favor de outros, ainda que seja para a
pretensa cura de uma enfermidade. Fala-se em pretensa cura, porque não há
qualquer certeza de que ela virá e, ainda que houvesse certeza, diante do texto da
Constituição Federal, nada justificaria esta postura.
111

4.2 Voto dos demais Ministros

Dando continuidade ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade


nº 3.510/2005, manifestou-se sobre um ponto de extrema relevância a Ministra
Ellen Gracie Northfleet (2008, p. 3-4): “Penso que o debate sobre a utilização dos
embriões humanos nas pesquisas de células-tronco deveria estar
necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse
excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da
infertilidade.”

A consideração feita pela Ministra Ellen Gracie ganha importância na medida


em que se pode constatar que se houvesse no Brasil legislação específica para a
reprodução medicamente assistida, regulamentando a quantidade máxima de
óvulos a serem fertilizados nestes procedimentos, seria provável que não
houvesse qualquer debate sobre o que fazer com os embriões excedentários
destas técnicas. Assim, foi a falta de legislação específica sobre o tema, aliada à
irresponsabilidade das clínicas, médicos e usuários destas técnicas, que deu
causa a este problema.

Todavia, a Ministra Ellen Gracie, ao tratar da questão da constitucionalidade


das pesquisas com células-tronco embrionárias, entendeu que não haveria
qualquer ofensa ao princípio da dignidade humana, especialmente pela
razoabilidade do tratamento conferido pela norma sob exame aos embriões
excedentários, que preferiu chamar de pré-embriões, bem como que não restaria
para aqueles embriões outro destino senão o descarte:

Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no


tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida, não
vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões
inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-
tronco, que não teriam outro destino que não o descarte. (NORTHFLEET,
2008, p. 8-9).
112

Este também foi o entendimento da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha


(2008, p. 46), ao proferir seu voto:

A ciência que pode matar, é certo, também pode salvar, é mais certo
ainda. E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que
viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado, não há razões
constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da
espécie humana. Entendo que a utilização da célula-tronco embrionária
para a pesquisa e, conforme o seu resultado, para o tratamento –
indicado a partir de terapias consolidadas nos termos da ética
constitucional e da razão médica honesta - não apenas não viola o direito
à vida. Antes, torna parte da existência humana o que vida não seria,
dispondo para os que esperam pelo tratamento a possibilidade real de
uma nova realidade de vida.

Segundo o Ministro Ricardo Lewandowski (2008, p. 20): “No plano


puramente jurídico-positivo, há fortes razões para adotar-se a tese de que a vida
tem início a partir da concepção.” Todavia, para o citado Ministro, a questão dos
embriões excedentes deve ser analisada sob outro enfoque que não o tratamento
a que eles teriam direito ou a partir de qual momento sua vida seria juridicamente
relevante, mas do direito à vida como um bem da coletividade. É o que se entende
do trecho a seguir:

Não obstante esse entendimento, penso que a discussão travada nestes


autos não deve limitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser
tratados de forma condigna, ou se possuem ou não direitos subjetivos na
fase préimplantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes
de sua introdução em um útero humano. Creio que o debate deve
centrar-se no direito à vida entrevisto como um bem coletivo,
pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo,
sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da
manipulação do código genético humano. (grifou-se). (LEWANDOWSKI,
2008, p. 23).

Ocorre que o indivíduo humano não pode ser massacrado em prol de um


suposto benefício para a coletividade, como no caso da destruição de embriões
humanos para fins de pesquisa científica por configurar ofensa à ordem
constitucional posta.

Na conclusão de seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski (2008, p. 55-56)


julgou parcialmente procedente o pedido constante da Ação Direta de
113

Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, para conferir, sem redução do texto dos


dispositivos atacados, uma interpretação que exclui qualquer outra, qual seja:

i) art. 5º, caput: as pesquisas com células-tronco embrionárias somente


poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo
após o início do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilizações
in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos
estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres
inférteis;
ii) inc. I do art. 5º: o conceito de ‘inviável’ compreende apenas os
embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por
ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e
quatro horas contados da fertilização dos oócitos;
iii) inc. II do art. 5º: as pesquisas com embriões humanos congelados
são admitidas desde que não sejam destruídos nem tenham o seu
potencial de desenvolvimento comprometido;
iv) § 1º do art. 5º: a realização de pesquisas com as células-tronco
embrionárias exige o consentimento ‘livre e informado’ dos genitores,
formalmente exteriorizado;
v) § 2º do art. 5º: os projetos de experimentação com embriões humanos,
além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e
serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos à prévia
autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados
na Lei 11.105, de 24 de março de 2005. (grifou-se).

Observa-se a frequente utilização do termo inviabilidade, que nas palavras


de Lewandowski encontrou um requisito indispensável a sua configuração: a
ausência de desenvolvimento espontâneo do embrião após a fertilização. No que
diz respeito à admissibilidade das pesquisas com embriões humanos desde que
não importem em sua destruição ou diminuam seu potencial de desenvolvimento,
deve-se entender que estariam afastadas as pesquisas com células-tronco
embrionárias, haja vista a necessidade de destruição das mesmas. Neste ponto,
verifica-se a contradição com a interpretação dada ao art. 5º, § 1º, da Lei de
Biossegurança, autorizando referidas pesquisas, com o consentimento dos pais,
como se os embriões congelados fossem objeto de direito de propriedade deles.

O Ministro César Peluso (2008, p. 44) julgou improcedente o pedido contido


na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, e confere interpretação
conforme para que seja enaltecida a impossibilidade de criação de embriões com
exclusivo fim de pesquisa ou intervenção genética; o caráter terapêutico da
pesquisa; a responsabilidade dos Comitês de Ética em Pesquisa; e a necessidade
114

de uma fiscalização externa destas atividades. Alegou o Ministro Peluso (2008, p.


30) que: “Se a lei subalterna não previsse, nos significados emergentes dos textos
normativos interpretados à luz da Constituição, estratégias eficazes para
resguardo da dignidade imanente aos embriões, seria inconstitucional.”

O Ministro Eros Roberto Grau (2008, p. 12-13) julgou improcedente o pedido,


reconhecendo a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, bem
como estabeleceu certos requisitos a serem observados quando da aplicação
daquela norma, quais sejam:

[i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º serão


empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de
ética e pesquisa do Ministerio da Saude [não apenas das próprias
instituições de pesquisa e serviços de saude, como disposto no § 2o do
artigo 5º];
[ii] a ‘fertilização in vitro’ referida no caput do artigo 5º corresponde a
terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de
reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética,
admitindo-se a fertilização de um numero Maximo de quatro óvulos por
ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um numero Maximo
de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos
fecundados são vedados;
[iii ] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados --- ou
embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5o,
caput --- será admitida somente quando dela não decorrer a sua
destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim
considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha
cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a
vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer
método de extração de células-tronco. (sic).

Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 35-36), o vácuo legislativo


deve ser evitado por se mostrar mais nocivo do que a manutenção da norma
impugnada no ordenamento jurídico, sugerindo que a prévia autorização de
órgãos competentes seria suficiente para sanar a questão sob o prisma da
proporcionalidade e da responsabilidade:

O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração


de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos
impugnados torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão
que exerça uma ‘função reparadora’ ou, como esclarece Blanco de
115

Morais, ‘de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão


de inconstitucionalidade’.
[...]
O art. 5º da Lei n° 11.105/2005 deve ser interpreta do no sentido de que a
permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias,
obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve
ser condicionada à prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão)
Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde.
Entendo, portanto, que essa interpretação com conteúdo aditivo pode
atender ao princípio da proporcionalidade e, dessa forma, ao princípio
responsabilidade.

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (2008, p. 07) julgou


improcedente o pedido por considerar constitucional o texto do artigo 5º da Lei n°
11.105/2005, fazendo referência à inviabilidade dos embriões congelados às
cláusulas acauteladoras daqueles embriões, que pretensamente o protegeriam, e
à necessidade de consentimento dos fornecedores do material genético original:

No caso concreto, não está envolvida a denominada viabilidade. Em


primeiro lugar, o artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 versa sobre o uso de
embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não cogitando de
aproveitamento daqueles fecundados naturalmente no útero. Em
segundo lugar, a lei contendo inúmeras cláusulas acauteladoras e até
mesmo proibitivas, como é o caso da referente à clonagem, condiciona a
pesquisa a embriões não utilizáveis no procedimento de inseminação. É
bem explícita ao considerar apenas os inviáveis e os congelados há três
anos, ao prever o consentimento dos fornecedores dos óvulos e dos
espermatozóides e ao proibir a comercialização, versando diversos tipos
penais. A viabilidade, ou não, diz diretamente com a
capacidade de desenvolver-se a ponto de surgir um ser humano.
(grifou-se).

Prossegue o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (2008, p. 11)


afirmando que a Lei de Biossegurança privilegia a solidariedade e o princípio da
dignidade da pessoa humana, na medida em que confere a possibilidade de cura
às pessoas portadoras de severas enfermidades:

Contrapõe-se à visão avessa à utilização dos embriões in vitro dado da


maior importância considerado até mesmo predicado que transparece em
desuso – a solidariedade. É fundamento da República a dignidade da
pessoa humana. Ora, o que previsto no artigo 5º da Lei nº 11.105/2005
objetiva, acima de tudo, avançar no campo científico visando a preservar
esse fundamento, a devolver às pessoas acometidas de enfermidade ou
às vítimas de acidentes uma vida útil razoavelmente satisfatória.
116

Pelo acima exposto, o Ministro Marco Aurélio ignora, ou prefere ignorar, o


fato de que há vida humana desde a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, e
que a viabilidade ou não do embrião excedentário jamais poderia dizer sobre a
sua condição humana, porque não há que se falar em se tornar humano, mas em
ser humano. Diante deste entendimento, não se deve cogitar a possibilidade de
instrumentalização de um ser humano em benefício de outro. Pensar diferente
seria admitir que todos os seres humanos tiveram um dia duas naturezas distintas.
Segundo Martins (2005, p. 24):

Trata-se, pois, desde a primeira célula, de um ser humano e não de um


ser animal. Se admitíssemos que ainda não fosse um ser humano,
apesar de toda a carga genética e seu mapa definitivo de ser humano já
estar plasmado no zigoto, teríamos que admitir que todos nós teríamos
sido animais nos primeiros anos de vida e só depois nos
transformando em seres humanos. Teríamos que declarar que os 11
ínclitos Ministros da Suprema Corte do Brasil, tiveram duas naturezas,
ou seja, foram, no início de suas vidas, onze animais, para depois se
tornarem 11 seres humanos. (grifou-se).

Todavia, nos votos proferidos no julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, pode-se perceber que existe uma tentativa de
justificar a destruição de embriões humanos excedentes das técnicas de
reprodução assistida, afastando-se de fundamentos científicos. Afirma Eça (2005,
p. 527) que:

Tenta-se atualmente justificar a morte de embriões e fetos com


argumentos despidos de fundamentos científicos tais como: - não
sabemos quando começa a vida do ser humano [...]. – o embrião é um
montinho de células. Mas que células! Se fossem só células comuns
certos pesquisadores não estariam tão interessados nelas. ‘Um monte
de células da pele’ por exemplo, se dividem e não possuem um
programa para evoluir para outro estágio, enquanto as ‘um monte de
células’ do blastocisto tem substâncias que sinalizam o programa da
evolução para formar o ser humano. Poderíamos dizer também que um
barco é um monte de tábuas. Mas estas tábuas estão montadas de tal
maneira a lhe dar uma finalidade. Afinal já desde os gregos é aceita a
teleologia (a finalidade dos conjuntos). – o embrião humano não tem
cérebro e é comparado com a morte cerebral. Comparação absurda pois
a morte cerebral é uma situação irreversível, não há maneira de
recuperar os neurônios mortos enquanto o embrião dispõe das células
pluripotentes que vão originar seu cérebro. – o embrião não tem
consciência porque não tem tecido neural. Este argumento decorre do
mecanismo descartiano que separou mente/alma do corpo. Fico
117

aguardando que outra justificativa usarão para utilizar o ser humano


como objeto de pesquisa.

Assim, tem-se que se a Constituição Federal se limitou a garantir a


inviolabilidade do direito à vida, sem, no entanto, explicitar a partir de que
momento ela começa, por se tratar de cláusula prétrea, prevista no artigo 60, §4º
da Constituição Federal, não cabe ao constituinte reformador, nem ao legislador
infraconstitucional, nem aos doutrinadores ou aos juízes fazê-lo.

Devem os operadores do Direito buscar na Biologia e na Medicina a resposta


para o questionamento sobre o início da vida humana. Somente a partir deste
conhecimento é possível a edição de normas que regulamentem a matéria, seja
por emenda à Constituição Federal, seja por norma infraconstitucional. Todavia,
na atual conjuntura, somente por meio da instauração de uma nova ordem
constitucional pode-se definir no corpo da Constituição outro momento que não o
da concepção para que se tenha por iniciada a vida e com ela a proteção pelo
Direito.
118

CONCLUSÃO

A Bioética surgiu na tentativa de introduzir uma noção de direitos humanos


na investigação científica, sob a ótica do princípio da dignidade humana, do
respeito à vida e à integridade física do ser humano. É a Bioética uma ciência que
se ocupa do estudo dos princípios e valores que informam a vida e buscam sua
promoção.

Não obstante ocupe-se a Bioética de levantar questões que têm como cerne
a importância do respeito à dignidade da vida humana, cabe ao Biodireito traçar as
exigências mínimas para que se efetive uma real compatibilização entre os
avanços na área biomédica, o que certamente representa a ruptura de paradigmas
e a continuidade da observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, já
que se pode inferir que nem tudo que é tecnologicamente possível é ética e
juridicamente aceitável.

Surge então o Biodireito “como conseqüência imediata da bioética e


mediata da biogenética, é um novo segmento de conhecimento jurídico que tem a
vida por seu objeto principal.” (sic). (SEMIÃO, 2000, p. 165).

O trabalho demonstrou que a preocupação com a fecundidade sempre


esteve presente na história da humanidade, desde os mais remotos tempos até os
dias atuais. Enquanto a fecundidade era bem-vinda, a infertilidade era repudiada.

Como visto, foi graças aos avanços obtidos na área da biogenética que
pôde o homem contornar a tão temida esterilidade. As pesquisas neste campo da
ciência deram vazão ao estudo de cada uma das técnicas atualmente utilizadas na
119

prática da reprodução assistida. O estudo que ora se conclui teve como foco a
técnica da fertilização in vitro, haja vista que somente por meio desta modalidade
de reprodução assistida se encontra a figura do embrião excedente.

Ponderou-se para o fato de que os embriões excedentes não são


considerados pelo meio médico apenas uma consequência, mas uma
necessidade direta da fertilização in vitro, seja por fatores econômicos ou clínicos.
No primeiro caso, põe-se em relevo o alto custo envolvido nos procedimentos de
fertilização in vitro, que muitas vezes ultrapassa a cifra de R$10.000,00 (dez mil
reais).

Entretanto, quando a justificativa para o excedente de embriões se dá por


fatores clínicos, os médicos levam em consideração o fato de que as usuárias
daquelas técnicas estão sujeitas a várias complicações de ordem médica. Ocorre
que o tratamento de indução ovariana, pode levá-las à morte se diagnosticada a
síndrome da hiperestimulação ovariana (SHO).

Para a classe médica este risco, por si só, é capaz de justificar a fertilização
de tantos óvulos quantos forem possíveis, ainda que ao final sejam congelados
aqueles embriões que excedem ao projeto parental. Não resta afastada, todavia, a
possibilidade de futura implantação dos mesmos, seja em função da primeira
tentativa não ter logrado êxito, seja em razão de um novo projeto parental.

Identificou-se os diversos destinos que podem ser dados àqueles embriões


criopreservados. Em princípio, tratou-se do congelamento de embriões, que
apresenta vantagens, com o único inconveniente de não se saber por quanto
tempo eles podem ser mantidos congelados sem que estejam sujeitos a
patologias decorrentes da ação do tempo.

Em segundo plano, analisou-se o não congelamento de embriões, em que


se defende que seja fertilizado o mínimo de óvulos indispensáveis ao sucesso
120

daquela técnica, ou melhor, para aquela tentativa, com o intuito de que não haja
sobras.

Passou-se, então, ao tema da destruição, do descarte direto e descarte


simulado de embriões, concluindo que qualquer que seja a modalidade, trata-se
de pôr termo à vida humana em estado latente de criopreservação.

Sobre a doação de embrião de casal para casal, considerou-se imprópria a


utilização da expressão, sob pena de rebaixar o ser humano à categoria de coisa,
preferindo-se assim a terminologia adoção, que se mostra mais adequada para o
tratamento dispensado a seres humanos.

Por último, pontuou-se a questão da doação de embrião para fins de


investigação científica. As células-tronco, devido a versatilidade que lhe é inerente,
podem se transformar em qualquer tecido do corpo humano. Todavia, por
poderem ser obtidas de outras formas que não a destruição de vida humana
embrionária, seja através do sangue contido no cordão umbilical ou em tecidos
adultos, devem ser repudiadas referidas pesquisas, haja vista que se trata de
utilização de vida humana mantida em laboratório como material genético
disponível.

Em relação aos destinos que eventualmente possam ser reservados aos


embriões excedentes há de se levar em conta sua condição de seres humanos
merecedores de respeito e dignidade. O congelamento de embriões associado à
utilização em um novo projeto parental ou à adoção de embriões se apresenta
como a melhor opção reservada aos embriões excedentes atualmente existentes.

O congelamento dos embriões, além de reduzir os custos daquelas


técnicas, evita novo procedimento de indução ovariana e torna praticamente
inexistente os riscos de uma nova tentativa de gravidez. As vantagens se aplicam
tanto ao casal que deu origem aos embriões, quanto àqueles casais que forem,
121

porventura, beneficiados com a adoção do embrião congelado. Ademais são estas


as únicas opções que atendem às finalidades éticas do ordenamento jurídico que
só existe em função da defesa do ser humano. E, embrião congelado é ser
humano.

Os progressos na área da biogenética, mais especificamente na reprodução


humana, fizeram com que o Direito se deparasse com uma nova realidade: a
concepção extrauterina e, como conseqüência dela, a existência de embriões in
vitro (MEIRELLES, 2000, p. 214). Ocorre que esta novidade se afasta
completamente dos moldes do sistema clássico do direito privado, modifica
realidades que antes eram tidas como incontestáveis, como a maternidade.

As doutrinas concepcionista, genético-desenvolvimentista e natalista


defendem um posicionamento diferente acerca do início da vida humana a ser
protegida pelo Direito. A primeira assevera que a vida começa desde a
concepção, posicionamento que favorece os embriões excedentes. A segunda se
caracteriza por dividir a fase embrionária em: pré-embrionária e embrionária.
Defende a teoria que o embrião só merece proteção quando alcançar determinada
fase do seu desenvolvimento. O problema é que surgiram várias ramificações
desta teoria e cada uma defende um grau de desenvolvimento diverso. A terceira
afirma que só há proteção jurídica após o nascimento com vida, antes disso, tudo
não passa de expectativa de direito, ressalvada a condição de nascituro.
Ponderou-se sobre a afirmação de que a doutrina natalista foi acolhida pelo
Código Civil. Argumentou-se que esta posição não é unânime entre os estudiosos
deste ramo do Direito.

Independentemente de se adentrar na discussão sobre qual teoria foi


adotada pelo Código Civil, a doutrina concepcionista apresenta-se como a mais
coerente com as finalidades éticas do ordenamento jurídico brasileiro, que tem no
seu ápice a Constituição Federal, de onde todas as demais normas devem buscar
fundamento de validade. O embrião in vivo ou in vitro é portador de um código
122

genético único que o diferencia de qualquer outro ser humano; desde a sua
origem se desenvolve com autonomia própria, sendo a mãe apenas um “ambiente
favorável” àquele desenvolvimento.

Há de se reconhecer, portanto, que o embrião in vitro é um ser humano e


não um aglomerado de células, como pretendem os defensores da utilização dos
embriões em pesquisas científicas, e que merece respeito. Faz-se necessária a
existência de um estatuto jurídico protetor do embrião, por ser ele um sujeito de
direitos. Deve o embrião ter resguardado o direito à vida, aqui compreendido o
direito de nascer, com ou sem vida. O embrião humano é um fim em si mesmo e
não um instrumento posto à disposição da ciência.

O Direito Civil brasileiro confere aos seres humanos nascidos com vida,
denominados pessoas naturais, uma gama de direitos e obrigações. Ele resguarda
os direitos do nascituro (aquele que está para nascer), assegura, ainda, vantagens
à prole eventual (seres humanos que ainda não foram concebidos). Evidenciou-se
que comumente se defende o fato do embrião in vitro não poder ser enquadrado
em nenhuma das categorias clássicas acima mencionadas, posto que entende a
doutrina tradicional que nascituro é aquele ser humano já implantado no útero
materno. Com o presente trabalho, por outro lado, defende-se que o embrião in
vitro deve ser tratado como nascituro, e por esta razão como pessoa, enquanto
não houver uma legislação que o proteja contra as arbitrariedades da biociência.

Sobre a questão do aborto mostrou-se que pela doutrina clássica não é


possível determinar a ocorrência do crime de aborto com a destruição dos
embriões excedentes, uma vez que não atendem à condição indispensável para a
configuração daquele tipo penal, qual seja estar implantado no útero materno.
Todavia, observou-se que pela etimologia da palavra, o aborto deve ser
compreendido como a privação do nascimento. Não é necessário, pois, determinar
em que meio se encontra o concepto, se in utero ou in vitro. Desta forma, tem-se
que deve ser punido como crime de aborto qualquer destino que importe na
123

destruição do embrião in vitro, aqui incluídas as pesquisas com células-tronco


embrionárias.

No corpo do trabalho, procedeu-se à análise da antiga e da atual Lei de


Biossegurança. Conclui-se que nenhuma delas pode ser considerada lei
específica sobre o tema da reprodução assistida, tampouco dos embriões
excedentes a estas técnicas. No que diz respeito à antiga Lei de Biossegurança
houve, no mínimo, uma proteção àqueles embriões, ao vedar e constituir crime a
manipulação genética de células germinativas humanas, a intervenção em
material genético humano in vivo, exceto quando objetivar o tratamento de
doenças genéticas, e a produção de embriões humanos, criopreservados ou
manipulados, com a finalidade de se tornarem material genético disponível. Ao
passo que a entrada em vigor da nova Lei de Biossegurança configurou um
retrocesso, na medida em que permitiu a utilização do embrião excedente para
pesquisas com suas células-tronco, dando início à reificação do ser humano.

Quanto à Resolução nº 1.358, de 19 de novembro de 1992, do Conselho


Federal de Medicina, que trata da temática da reprodução medicamente assistida,
observou-se que por ser documento de cunho deontológico não tem caráter
coercitivo, serve apenas de diretriz para uma conduta médica pautada na ética da
responsabilidade.

Já o Projeto de Lei do Senado nº 90, de 1999, de autoria do então Senador


Lúcio Alcântara, mostrou-se conservador, não atende às finalidades éticas do
ordenamento jurídico, uma vez que trata o embrião criopreservado como objeto,
afasta-lhe a natureza humana, dispõe sobre a vida daquele embrião, determina
quando sua destruição é obrigatória e permite, inclusive, sua manipulação em
pesquisas científicas; fato que não deixa de ser uma forma de destruição de vida
humana.
124

O Projeto de Lei nº 90, de 2001, de autoria do Senador Tião Viana,


representou um avanço em relação ao Projeto de Lei originário, especialmente
quanto à possibilidade de casais que vivem em união estável recorrerem às
técnicas de reprodução assistida como solução para a sua infertilidade. Pontuou-
se a limitação do número de embriões resultantes daquelas técnicas, que passou
a ser três, sendo obrigatória a implantação de todos os embriões a fresco, ou seja,
sem congelamento. Ponderou-se que esta opção legislativa inviabilizou a doação
de embriões para qualquer finalidade. Ressaltou-se, por fim, a possibilidade de
armazenamento e doação de gametas e não mais de embriões, com previsão de
descarte dos mesmos.

Quanto ao Projeto de Lei nº 1.184, de 2003, de autoria do Senador Roberto


Requião, as inovações implementadas foram em relação à possibilidade da
mulher, em qualquer estado civil, ser beneficiária dessas técnicas, à quantidade
de embriões oriundos das técnicas de reprodução assistida que caíram de três
para dois, mantendo-se as disposições sobre armazenamento, à doação e
descarte de gametas e à proibição da gestação de substituição.

Sob a alegação de que o vazio jurídico torna tudo possível, não se pode
pretender a aprovação de uma legislação em desconformidade com a realidade
das técnicas de reprodução humana hodiernamente disponíveis. É necessário um
estudo mais aprofundado sobre o tema, e que este não seja feito só por juristas ou
médicos, mas por uma equipe multidisciplinar, composta por juristas, médicos
especializados em reprodução humana, biólogos, psicólogos, sociológicos, entre
outros que se fizerem necessários à realização de um estudo completo sobre o
tema, por conseguinte de um projeto de lei mais completo e adequado.

Procedeu-se ainda à análise dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal


Federal em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, de 30 de maio
de 2005, proposta pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio
Fonteles, que tinha como objeto o artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de
125

2005, conhecida como Lei de Biossegurança, que permite a pesquisa com células-
tronco embrionárias humanas.

Observou-se que, por maioria, os Ministros do Supremo Tribunal Federal


decidiram pelo indeferimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
3.510/2005, declarando a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco
embrionárias humanas. Utilizaram para tanto os mais diversos argumentos,
contradisseram-se incontáveis vezes. O que ficou marcado naquele julgamento foi
o desmesurado esforço dos Ministros para fundamentar a decisão de considerar
constitucional uma lei notadamente inconstitucional.

A decisão do Supremo Tribunal Federal configurou verdadeira afronta ao


princípio constitucional da dignidade humana, da inviolabilidade do direito à vida, e
tantos outros que deles decorrem, haja vista que, para a realização de referidas
pesquisas, faz-se necessária a destruição daqueles embriões humanos. Contudo,
esta decisão não deve ser entendida como o fim da luta contra as pesquisas com
células-tronco embrionárias humanas. Ao contrário, ela está só no começo. Outras
leis podem ser editadas como intuito de dar preferência à vida desses seres
humanos e é isto que se deve buscar.

Convém ratificar o entendimento de que embrião excedente da reprodução


humana medicamente assistida tem vida própria, desde a sua gênese, seja ele
criopreservado ou não. Ainda que o Direito não tenha uma resposta imediata para
as questões inerentes aos embriões in vitro, deve-se decidir em favor da vida. O
desejo de ter filhos encontra limite na paternidade responsável. Assim, todos,
Estado e sociedade, devem sempre guardar respeito à vida e à dignidade
humanas.

A tutela jurídica dos embriões excedentes das técnicas de reprodução


humana medicamente assistidas deve ocorrer de forma rápida, clara e inequívoca.
Inobstante o fato de o Direito brasileiro ser capaz de conferir proteção jurídica a
126

esses seres humanos, esta se dá em meio a infindáveis discussões de cunho


doutrinário e jurisprudencial, que na maioria das vezes vão de encontro à
finalidade ética do ordenamento jurídico. Assim, faz-se necessária a elaboração
de leis específicas que se dediquem à regulamentação da utilização das técnicas
de reprodução assistida e da questão dos embriões, in vivo ou in vitro.

No primeiro caso, deve-se fixar, a título de exemplo, quem são os


destinatários daquelas técnicas de reprodução humana; o número de embriões
que podem ser formados a partir da manipulação dos gametas femininos e
masculinos por ciclo de estimulação ovariana; até quantos embriões podem ser
implantados por tentativa, com vistas a evitar o congelamento; a possibilidade ou
não de congelamento dos gametas, quando e em que circunstâncias estes devem
ser descartados; a proibição do descarte e da utilização de embriões em
experiências científicas, haja vista importar em destruição dos mesmos.

Já no estatuto jurídico que se dedicar à proteção dos embriões, deve-se


observar a conceituação desses seres humanos; a fixação da concepção como
marco inicial da vida e momento a partir do qual passam a ser reconhecidos como
sujeitos de direito; a enunciação dos direitos do embrião em caráter não taxativo,
tais como: os direitos à dignidade, à nidação, a nascer, à vida, à filiação, à adoção,
ao não abandono; a proibição de instrumentalização do embrião, e outros que
decorrerem do sistema jurídico.
127

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ordem jurídica. São Paulo: Cautela, 2007.

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135

ANEXOS
136

ANEXO A

LEI Nº 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995


137

LEI Nº 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995

Regulamenta os incisos II. e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal,


estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no
meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder
Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização


no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação,
transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte do organismo
geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem,
dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.

Art. 2º As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa científica,


desenvolvimento tecnológico e de produção industrial que envolvam OGM no
território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou
privado, que serão tidas como responsáveis pela obediência aos preceitos desta
Lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou
conseqüências advindas de seu descumprimento.

§ 1º Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no âmbito de


entidades como sendo aqueles conduzidos em instalações próprias ou os
desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica ou científica.

§ 2º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas


físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham
vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

§ 3º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou


internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos
referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da
plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às
normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão
exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata
o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais
efeitos advindos de seu descumprimento.

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, define-se:


138

I - organismo - toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir


material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser
conhecidas;

II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN) - material


genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários
transmissíveis à descendência;

III - moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas manipuladas fora das


células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou
sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de
ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos
de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV - organismo geneticamente modificado (OGM) - organismo cujo material


genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia
genética;

V - engenharia genética - atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN


recombinante.

Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de


técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material
hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN
recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro, conjugação, transdução,
transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural;

Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida através
das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como
receptor ou doador:

I - mutagênese;

II - formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;

III - fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser
produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;

IV - autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira


natural.

Art. 5º (VETADO)

Art. 6º (VETADO)
139

Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério


da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e
do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas
competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os
mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei:

I - (VETADO)

II - a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados


a OGM do Grupo II;

III - a emissão do registro de produtos contendo OGM ou derivados de OGM a


serem comercializados para uso humano, animal ou em plantas, ou para a
liberação no meio ambiente;

IV - a expedição de autorização para o funcionamento de laboratório, instituição ou


empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM;

V - a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto


contendo OGM ou derivado de OGM;

VI - manter cadastro de todas as instituições e profissionais que realizem


atividades e projetos relacionados a OGM no território nacional;

VII - encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico, todos os processos


relativos a projetos e atividades que envolvam OGM;

VIII - encaminhar para publicação no Diário Oficial da União resultado dos


processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão do
parecer técnico;

IX - aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts. 11 e 12.

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:

I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de


ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas
previstas nesta Lei:

II - a manipulação genética de células germinais humanas;

III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento


de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de
autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;
140

IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos


destinados a servir como material biológico disponível;

V - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos


em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa
científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais
como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação
prévia da CTNBio;

VI - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as


normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.

§ 1º Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou


industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no
Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de
fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de
outros países, quando disponíveis.

§ 2º Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo II conforme definido no


Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio
conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente.

§ 3º (VETADO)

Art. 9º Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética


deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio), além de indicar um
técnico principal responsável por cada projeto específico.

Art. 10. Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito de sua


Instituição:

I - manter informados os trabalhadores, de qualquer pessoa e a coletividade,


quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre todas as qüestões
relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em
caso de acidentes;

II - estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o


funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e
normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;

III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na


regulamentação desta Lei, visando a sua análise e a autorização do órgão
competente quando for o caso;

IV - manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto


em desenvolvimento envolvendo OGM;
141

V - notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às entidades de


trabalhadores, o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as
pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar
a disseminação de agente biológico;

VI - investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente


relacionados a OGM, notificando suas conclusões e providências à CTNBio.

Art. 11. Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou omissão que
importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos, com exceção dos §§ 1º
e 2º e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na desobediência às determinações de
caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.

Art. 12. Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir de 16.110,80
UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de fiscalização referidos no art. 7º,
proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes infrações:

I - não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança vigentes;

II - implementar projeto sem providenciar o prévio cadastramento da entidade


dedicada à pesquisa e manipulação de OGM, e de seu responsável técnico, bem
como da CTNBio;

III - liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua prévia aprovação,
mediante publicação no Diário Oficial da União;

IV - operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as normas de


biossegurança estabelecidas na regulamentação desta Lei;

V - não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os acidentes ocorridos no curso


de pesquisas e projetos na área de engenharia genética, ou não enviar relatório
respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da
data de transcorrido o evento;

VI - implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento individual;

VII - deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata, à CTNBio, e às


autoridades da Saúde Pública, sobre acidente que possa provocar a disseminação
de OGM;

VIII - não adotar os meios necessários à plena informação da CTNBio, das


autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e dos demais empregados da
instituição ou empresa, sobre os riscos a que estão submetidos, bem como os
procedimentos a serem tomados, no caso de acidentes;
142

IX - qualquer manipulação genética de organismo vivo ou manejo in vitro de


ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas
previstas nesta Lei e na sua regulamentação.

§ 1º No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 2º No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou


omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente
até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar
a atividade imediatamente e/ou interditar o laboratório ou a instituição ou empresa
responsável.

Art. 13. Constituem crimes:

I - a manipulação genética de células germinais humanas;

II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento


de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de
autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;

Pena - detenção de três meses a um ano.

§ 1º Se resultar em:

a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

Pena - reclusão de um a cinco anos.

§ 2º Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;
143

Pena - reclusão de dois a oito anos.

§ 3º Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos


destinados a servirem como material biológico disponível;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

IV - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos


em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa
científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais
como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação
prévia da CTNBio;

Pena - reclusão de três meses a um ano;

V - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as


normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.

Pena - reclusão de um a três anos;

§ 1º Se resultar em:

a) lesões corporais leves;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

e) dano à propriedade alheia;

f) dano ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a cinco anos.

§ 2º Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;
144

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

f) inutilização da propriedade alheia;

g) dano grave ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a oito anos;

§ 3º Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

§ 4º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio de


OGM for culposo:

Pena - reclusão de um a dois anos.

§ 5º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País de OGM


for culposa, a pena será aumentada de um terço se o crime resultar de
inobservância de regra técnica de profissão.

§ 6º O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor


ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao homem, aos
animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento desta Lei.

Art. 14. Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Disposições Gerais e Transitórias

Art. 15. Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da
data de sua publicação.

Art. 16. As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas por esta
Lei na data de sua publicação, deverão adequar-se às suas disposições no prazo
de cento e vinte dias, contados da publicação do decreto que a regulamentar, bem
como apresentar relatório circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou
projetos em andamento envolvendo OGM.
145

Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde do


homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio ambiente, a CTNBio
determinará a paralisação imediata da atividade.

Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da República

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Nelson Jobim
José Eduardo De Andrade Vieira
Paulo Renato Souza
Adib Jatene
José Israel Vargas
Gustavo Krause

ANEXO I

Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados classificam-se


da seguinte maneira:

Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes critérios:

A. Organismo receptor ou parental

- não-patogênico;

- isento de agentes adventícios;

- com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a incorporação de


barreiras biológicas que, sem interferir no crescimento ótimo em reator ou
fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos
negativos para o meio ambiente.

B. Vetor/inserto

- deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências nocivas


conhecidas;

- deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências genéticas


necessárias para realizar a função projetada;

- não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente;


146

- deve ser escassamente mobilizável;

- não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de


acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de forma natural.

C. Organismos geneticamente modificados:

- não-patogênicos;

- que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no


reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou multiplicação limitadas, sem
efeitos negativos para o meio ambiente.

D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se no


Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas no item C anterior:

- microorganismos construídos inteiramente a partir de um único receptor


procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou de um único receptor
eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo
os vírus) e organismos compostos inteiramente por seqüências genéticas de
diferentes espécies que troquem tais seqüências mediante processos fisiológicos
conhecidos.

Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I.

Publicada no D.O.U. de 06.01.95, seção I, pág. 337.


147

ANEXO B

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005


148

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.

Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o


do art. 225 da Constituição Federal,
estabelece normas de segurança e
mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente
modificados – OGM e seus derivados, cria
o Conselho Nacional de Biossegurança –
CNBS, reestrutura a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio,
dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança – PNB, revoga a Lei no
8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de
2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da
Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003,
e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de


fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o
transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a
pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o
descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados,
tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a
observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

§ 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada


em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de
obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e
seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a
manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o
149

armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus


derivados.

§ 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM


e seus derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata
do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da
comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo,
da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais.

Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados,


relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos
ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela
obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas
eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento.

§ 1o Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de


entidade os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade
administrativa, técnica ou científica da entidade.

§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas


físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo
empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

§ 3o Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão


requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio,
que se manifestará no prazo fixado em regulamento.

§ 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou


internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos
referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de
Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-
responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou
de sua regulamentação.

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir


material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;

II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material


genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários
transmissíveis à descendência;

III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora


das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou
150

sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas


de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os
segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas


de ADN/ARN recombinante;

V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material


genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia
genética;

VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade


autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;

VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de


gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas
descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;

VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida


artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização
de técnicas de engenharia genética;

IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção


de um indivíduo;

X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de


células-tronco embrionárias para utilização terapêutica;

XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a


capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.

§ 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que


impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que
não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM,
inclusive fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução
poliplóide e qualquer outro processo natural.

§ 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura,


quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não
contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante.

Art. 4o Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por
meio das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como
receptor ou doador:

I – mutagênese;
151

II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;

III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa


ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;

IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de


maneira natural.

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-


tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes
condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da


publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei,
depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou


terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos
à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este


artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de
fevereiro de 1997.

Art. 6o Fica proibido:

I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro


de seu acompanhamento individual;

II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de


ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas
previstas nesta Lei;

III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e


embrião humano;

IV – clonagem humana;

V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em


desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades
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de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei


e de sua regulamentação;

VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de


atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos
de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o
licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio
considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental,
ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o
processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua
regulamentação;

VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o


licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias


genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para
geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir
estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação
genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade
das plantas por indutores químicos externos.

Art. 7o São obrigatórias:

I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na


área de engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade
competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;

II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da


defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a
disseminação de OGM e seus derivados;

III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às


autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à
coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos
a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados
no caso de acidentes com OGM.

CAPÍTULO II

Do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS

Art. 8o Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado


à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da
República para a formulação e implementação da Política Nacional de
Biossegurança – PNB.
153

§ 1o Compete ao CNBS:

I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e


entidades federais com competências sobre a matéria;

II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e


oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação
para uso comercial de OGM e seus derivados;

III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em


manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades
referidos no art. 16 desta Lei, no âmbito de suas competências, sobre os
processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus
derivados;

IV – (VETADO)

§ 2o (VETADO)

§ 3o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade


analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e
fiscalização referidos no art. 16 desta Lei.

§ 4o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada,


encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente.

Art. 9o O CNBS é composto pelos seguintes membros:

I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que


o presidirá;

II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;

III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;

IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

V – Ministro de Estado da Justiça;

VI – Ministro de Estado da Saúde;

VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente;

VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores;


154

X – Ministro de Estado da Defesa;

XI – Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.

§ 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado


Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ou mediante provocação da
maioria de seus membros.

§ 2o (VETADO)

§ 3o Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter


excepcional, representantes do setor público e de entidades da sociedade civil.

§ 4o O CNBS contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil


da Presidência da República.

§ 5o A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de


seus membros e as decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria
absoluta.

CAPÍTULO III

Da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio

Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é


instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para
prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação,
atualização e implementação da PNB de OGM e seus derivados, bem como no
estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos
referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial
de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à
saúde humana e ao meio ambiente.

Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o


progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética
e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde
humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados


pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e
sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação
e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade
profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e
animal ou meio ambiente, sendo:
155

I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo


exercício profissional, sendo:

a) 3 (três) da área de saúde humana;

b) 3 (três) da área animal;

c) 3 (três) da área vegetal;

d) 3 (três) da área de meio ambiente;

II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos


respectivos titulares:

a) Ministério da Ciência e Tecnologia;

b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

c) Ministério da Saúde;

d) Ministério do Meio Ambiente;

e) Ministério do Desenvolvimento Agrário;

f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

g) Ministério da Defesa;

h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República;

i) Ministério das Relações Exteriores;

III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da


Justiça;

IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde;

V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio


Ambiente;

VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura,


Pecuária e Abastecimento;

VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do


Desenvolvimento Agrário;
156

VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do


Trabalho e Emprego.

§ 1o Os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão


escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades
científicas, conforme disposto em regulamento.

§ 2o Os especialistas de que tratam os incisos III a VIII do caput deste artigo


serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada pelas organizações da
sociedade civil, conforme disposto em regulamento.

§ 3o Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na


ausência do titular.

§ 4o Os membros da CTNBio terão mandato de 2 (dois) anos, renovável por


até mais 2 (dois) períodos consecutivos.

§ 5o O presidente da CTNBio será designado, entre seus membros, pelo


Ministro da Ciência e Tecnologia para um mandato de 2 (dois) anos, renovável por
igual período.

§ 6o Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância


estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de
questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou
pessoal, sob pena de perda de mandato, na forma do regulamento.

§ 7o A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14


(catorze) de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma
das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo.

§ 8o (VETADO)

§ 8o-A As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da


maioria absoluta de seus membros. (Incluído pela Lei nº 11.460, de 2007)

§ 9o Órgãos e entidades integrantes da administração pública federal


poderão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de
seu especial interesse, sem direito a voto.

§ 10. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter


excepcional, representantes da comunidade científica e do setor público e
entidades da sociedade civil, sem direito a voto.

Art. 12. O funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento desta


Lei.
157

§ 1o A CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva e cabe ao Ministério


da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo.

§ 2o (VETADO)

Art. 13. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de


saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá
constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem
submetidos ao plenário da Comissão.

§ 1o Tanto os membros titulares quanto os suplentes participarão das


subcomissões setoriais e caberá a todos a distribuição dos processos para
análise.

§ 2o O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões


setoriais e extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio.

Art. 14. Compete à CTNBio:

I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM;

II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos


relacionados a OGM e seus derivados;

III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e


monitoramento de risco de OGM e seus derivados;

IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a


atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados;

V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas


de Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao
ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção
industrial que envolvam OGM ou seus derivados;

VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de


funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades
relacionadas a OGM e seus derivados;

VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e


seus derivados, em âmbito nacional e internacional;

VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM


ou derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor;
158

IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de


pesquisa;

X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na


formulação da PNB de OGM e seus derivados;

XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o


desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório,
instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e
fiscalização referidos no art. 16 desta Lei;

XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e


seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM
e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de
biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao
uso;

XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e


os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso,
conforme as normas estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como
quanto aos seus derivados;

XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios


estabelecidos no regulamento desta Lei;

XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na


biossegurança de OGM e seus derivados;

XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua


competência;

XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de


prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso
dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante;

XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização,


referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM
e seus derivados;

XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos


dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem
submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em
Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas
das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as
informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim
consideradas pela CTNBio;
159

XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus


derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que
possam causar riscos à saúde humana;

XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou


por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em
fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à
biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;

XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da


biossegurança de OGM e seus derivados;

XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e


Tecnologia.

§ 1o Quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a


decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da
administração.

§ 2o Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua


análise, os órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em
caso de solicitação pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de
biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio.

§ 3o Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito


da atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e
entidades referidos no art. 16 desta Lei, para o exercício de suas atribuições.

§ 4o A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua


fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do
OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do
País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atribuições.

§ 5o Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o


derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado.

§ 6o As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do


processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto
geneticamente modificado que tenham obtido a liberação para uso comercial
estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo
decisão em contrário da CTNBio.

Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação


da sociedade civil, na forma do regulamento.
160

Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá


ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da
sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do
regulamento.

CAPÍTULO IV

Dos órgãos e entidades de registro e fiscalização

Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do


Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do
Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da
Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas
competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do
CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação:

I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;

II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;

III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso
comercial;

IV – manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis


técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados;

V – tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas;

VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei;

VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de


biossegurança de OGM e seus derivados.

§ 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de


avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão
pertinente:

I – ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as


autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e
seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e
áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta
Lei;

II – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e


registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados
161

a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a


legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;

III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as


autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e
seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a
legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o
licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o
OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;

IV – à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da


República emitir as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e
seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a
legislação em vigor e segundo esta Lei e seu regulamento.

§ 2o Somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do art. 8o e do


caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos casos em que a
CTNBio deliberar que o OGM é potencialmente causador de significativa
degradação do meio ambiente.

§ 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em


que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental,
bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental.

§ 4o A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental


referidos nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.

§ 5o A contagem do prazo previsto no § 4o deste artigo será suspensa, por


até 180 (cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos
ou esclarecimentos necessários.

§ 6o As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à


decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas
que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos
relacionados à biossegurança.

§ 7o Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a


liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e
fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao
CNBS, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da decisão
técnica da CTNBio.

CAPÍTULO V

Da Comissão Interna de Biossegurança – CIBio


162

Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia


genética ou realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma
Comissão Interna de Biossegurança - CIBio, além de indicar um técnico principal
responsável para cada projeto específico.

Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída:

I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade,


quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões
relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em
caso de acidentes;

II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o


funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e
normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;

III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na


regulamentação desta Lei, para efeito de análise, registro ou autorização do órgão
competente, quando couber;

IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou


projeto em desenvolvimento que envolvam OGM ou seus derivados;

V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização,


referidos no art. 16 desta Lei, e às entidades de trabalhadores o resultado de
avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como
qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente
biológico;

VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente


relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências
à CTNBio.

CAPÍTULO VI

Do Sistema de Informações em Biossegurança – SIB

Art. 19. Fica criado, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o


Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, destinado à gestão das
informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro,
monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus
derivados.

§ 1o As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que


alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança
163

de OGM e seus derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com


a entrada em vigor desses atos.

§ 2o Os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16


desta Lei, deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de
que trata esta Lei, processadas no âmbito de sua competência.

CAPÍTULO VII

Da Responsabilidade Civil e Administrativa

Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os
responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão,
solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da
existência de culpa.

Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole
as normas previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes.

Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma


estabelecida no regulamento desta Lei, independentemente das medidas
cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e
embargos de atividades, com as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa;

III – apreensão de OGM e seus derivados;

IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;

V – embargo da atividade;

VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou


empreendimento;

VII – suspensão de registro, licença ou autorização;

VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;

IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo


governo;

X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em


estabelecimento oficial de crédito;
164

XI – intervenção no estabelecimento;

XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5


(cinco) anos.

Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos


no art. 16 desta Lei, definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois
mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais),
proporcionalmente à gravidade da infração.

§ 1o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais


sanções previstas neste artigo.

§ 2o No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 3o No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da


ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada
diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da
atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou empresa responsável.

Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e
entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, da Saúde, do Meio Ambiente e da Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, referidos no art. 16 desta Lei,
de acordo com suas respectivas competências.

§ 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados


aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei,
que aplicarem a multa.

§ 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal


poderão celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a
execução de serviços relacionados à atividade de fiscalização prevista nesta Lei e
poderão repassar-lhes parcela da receita obtida com a aplicação de multas.

§ 3o A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à


CTNBio.

§ 4o Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda


Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão
competente para apuração das responsabilidades administrativa e penal.

CAPÍTULO VIII

Dos Crimes e das Penas


165

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o
desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto


humano ou embrião humano:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as


normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e
fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1o (VETADO)

§ 2o Agrava-se a pena:

I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;

II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;

III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza
grave em outrem;

IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.

Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias


genéticas de restrição do uso:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar


OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas
estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

CAPÍTULO IX
166

Disposições Finais e Transitórias

Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a
sua liberação comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e
comercializados, salvo manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60
(sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Lei.

Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização,


referidos no art. 16 desta Lei, deverão rever suas deliberações de caráter
normativo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a fim de promover sua adequação
às disposições desta Lei.

Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em


Biossegurança, comunicados e decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem
como, no que não contrariarem o disposto nesta Lei, os atos normativos emitidos
ao amparo da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995.

Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei
na data de sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de
120 (cento e vinte) dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar.

Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros


provisórios concedidos sob a égide da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de


cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no
Registro Nacional de Cultivares - RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.

Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada


tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra
2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção como semente. (Vide
Decreto nº 5.534, de 2005)

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá prorrogar a autorização de que


trata o caput deste artigo.

Art. 37. A descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei no 6.938, de 31 de


agosto de 1981, acrescido pela Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, passa
a vigorar com a seguinte redação:

"ANEXO VIII

Código Categoria Descrição Pp/gu


167

20 Uso de Silvicultura; exploração econômica da Médio


Recursos madeira ou lenha e subprodutos
Naturais florestais; importação ou exportação da
fauna e flora nativas brasileiras; atividade
de criação e exploração econômica de
fauna exótica e de fauna silvestre;
utilização do patrimônio genético natural;
exploração de recursos aquáticos vivos;
introdução de espécies exóticas, exceto
para melhoramento genético vegetal e
uso na agricultura; introdução de
espécies geneticamente modificadas
previamente identificadas pela CTNBio
como potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio
ambiente; uso da diversidade biológica
pela biotecnologia em atividades
previamente identificadas pela CTNBio
como potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio
ambiente.

Art. 38. (VETADO)

Art. 39. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei no 7.802,
de 11 de julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles
sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos.

Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo


humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou
derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme
regulamento.

Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 42. Revogam-se a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida


Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16
da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Márcio Thomaz Bastos
Celso Luiz Nunes Amorim
168

Roberto Rodrigues
Humberto Sérgio Costa Lima
Luiz Fernando Furlan
Patrus Ananias
Eduardo Campos
Marina Silva
Miguel Soldatelli Rossetto
José Dirceu de Oliveira e Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 28.3.2005.


169

ANEXO C

RESOLUÇÃO Nº 1.358/92 DO CONSELHO FEDERAL

DE MEDICINA
170

RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA


Nº 1358/92

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº
3.268 de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045 de 19
de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de


saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de
superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar


vários casos de infertilidade humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a


procriação em diversas circunstância em que isto não era possível pelos
procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os


princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do


Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;

Resolve:

Art. 1º - Adotar as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução


Assistida, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser
seguido pelos médicos.

Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

PUBLICADA NO D.O.U. DE 19/11/92 - SEÇÃO I PÁG. 16053.


171

ANEXO DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1358/92 - 11/11/92.

NORMAS ÉTICAS PARA UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO


ASSISTIDA

I - PRINCÍPIOS GERAIS

1) As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução


dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação
quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a
solução da situação atual de infertilidade.

2) As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva


de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o
possível descendente.

3) O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis


e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da
aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como
os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta.
As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético
e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário
especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do
casal infértil.

4) As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o


sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se
trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5) É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade


que não seja a procriação humana.

6) O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a


receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os
riscos já existentes de multiparidade.

7) Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida


a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
172

II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA

1) Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não
se afaste dos limites desta resolução, pode ser receptora das técnicas de RA,
desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de
consentimento informado.
2) Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge
ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM


TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são


responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio,
conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a
usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:

1) um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais


executados, que seja, obrigatoriamente, um médico.

2) um registro permanente (obtido através de informações observadas ou


relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações
de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA
aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na
manipulação de gametas e pré-embriões.

3) um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material


biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a
finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBIÕES

1) A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.

2) Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3) Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de


gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais,
as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
173

4) As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de


forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral,
características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

5) Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um


doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes,
numa área de um milhão de habitantes.

6) A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível


deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e
imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7) Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços,


nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços,
participarem como doadores nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS E PRÉ-EMBRIÕES

1) As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e


pré-embriões.

2) O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado


aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a
fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado
ou destruído.

3) No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem


expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-
embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de
falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na prevenção e tratamento


de doenças genéticas e hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com
suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.

1) Toda intervenção sobre pré-embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não
poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de
doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
174

2) Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões “in vitro”, não terá
outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com
garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do
casal.

3) O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões “in vitro” será de 14 dias.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO


ÚTERO)

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar


técnicas de RA para criarem situação identificada como gestação de substituição,
desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação
na doadora genética.

1) As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora


genética, no parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina.

2) A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

PUBLICADA D.O.U. DE 19/11/92 - SEÇÃO I PÁG. 16053.


175

ANEXO D

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 1999


176

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 1999

Dispõe sobre a Reprodução Assistida

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

SEÇÃO I

DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Art. 1º Constituem técnicas de Reprodução Assistida (RA) aquelas que importam


na implantação artificial de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor
de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:

I - embriões humanos aos produtos da união in vitro de gametas humanos,


qualquer que seja a idade de seu desenvolvimento;

II - usuários às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego de RA


com o objetivo de procriar;

III - criança ao indivíduo nascido em decorrência do emprego de RA;

IV - gestação ou maternidade de substituição ao caso em que uma doadora


temporária de útero tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução,
em seu aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de
gerar uma criança para os usuários.

Art. 2º A utilização da RA só será permitida, na forma autorizada pelo Poder


Público e conforme o disposto nesta Lei, para auxiliar na resolução dos casos de
infertilidade e para a prevenção e tratamento de doenças genéticas ou
hereditárias, e desde que:

I - tenha sido devidamente constatada a existência de infertilidade irreversível ou,


caso se trate de infertilidade inexplicada, tenha sido obedecido prazo mínimo de
espera, na forma estabelecida em regulamento;

II - os demais tratamentos possíveis tenham sido ineficazes ou ineficientes para


solucionar a situação de infertilidade;

III - a infertilidade não decorra da passagem da idade reprodutiva;


177

IV - a receptora da técnica seja uma mulher capaz, nos termos da lei, que tenha
solicitado ou autorizado o tratamento de maneira livre e consciente, em
documento de consentimento informado a ser elaborado conforme o disposto no
art. 3º;

V - exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de


saúde para a mulher receptora ou a criança;

VI - no caso de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias,


haja indicação precisa com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.

SEÇÃO II

DO CONSENTIMENTO INFORMADO

Art. 3º O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos cônjuges e


companheiros em união estável, em documento redigido em formulário especial,
no qual os usuários manifestem, pela aposição de suas assinaturas, terem dado
seu consentimento para a realização das técnicas de RA e terem sido
esclarecidos sobre o seguinte:

I - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das


técnicas de RA disponíveis, bem como os custos envolvidos em cada uma delas;

II - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de RA nas diferentes


situações, incluídos aqueles específicos do estabelecimento e do profissional
envolvido, comparados com os números relativos aos casos em que não se
recorreu à RA;

III - a possibilidade e probabilidade de incidência de acidentes, danos ou efeitos


indesejados para as mulheres e para as crianças;

IV - as implicações jurídicas da utilização da RA, inclusive quanto à paternidade da


criança;

V - todas as informações concernentes à licença de atuação dos profissionais e


estabelecimentos envolvidos;

VI - demais informações definidas em regulamento.

§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as


normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a serem
transmitidas, será extensivo aos doadores e seus cônjuges ou companheiros em
união estável.
178

§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir


todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida pela criança e, em alguns casos, de o
doador vir a ser obrigado a reconhecer a filiação dessa criança, em virtude do
disposto no art. 12.

§ 3º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos


envolvidos, vedada qualquer coação física ou psíquica, e o documento originado
deverá explicitar:

I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos usuários;

II - o destino a ser dado, no caso de divórcio ou separação do casal, aos embriões


excedentes que vierem a ser preservados na forma do §4º do art. 9º;

III - as circunstâncias em que os doadores autorizam ou desautorizam a utilização


de seus gametas e embriões.

§ 4º No caso de utilização da RA para a prevenção e tratamento de doenças


genéticas ou hereditárias, o documento deve conter a indicação precisa da doença
e as garantias de diagnóstico e terapêutica, além de mostrar claramente o
consentimento dos receptores para as intervenções a serem efetivadas sobre os
gametas ou embriões.

§ 5º O consentimento só será válido para atos lícitos e não exonerará os


envolvidos em práticas culposas ou dolosas que infrinjam os limites estabelecidos
nesta Lei e em seus regulamentos.

SEÇÃO III

DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS

Art. 4º Cabe a clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que aplicam


a RA a responsabilidade sobre:

I - o recebimento de doações, a coleta, o manuseio, o controle de doenças infecto-


contagiosas, a conservação, a distribuição e a transferência do material biológico
humano utilizado na RA, vedando-se a transferência a fresco de material doado;

II - o registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e aos


casos em que foi utilizada a RA, pelo prazo de vinte e cinco anos após o emprego
das técnicas em cada caso;
179

III - a obtenção do consentimento informado dos usuários de RA, doadores e


respectivos cônjuges ou companheiros em união estável, na forma definida no
artigo anterior.

Parágrafo único. As normas para o cumprimento do disposto neste artigo serão


definidas em regulamento.

Art. 5º Para obter sua licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e


demais estabelecimentos que aplicam RA devem cumprir os seguintes requisitos
mínimos:

I - funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente licenciado para


realizar a RA, que se responsabilizará por todos os procedimentos médicos e
laboratoriais executados;

II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as


necessidades científicas para realizar a RA;

III - dispor de registro permanente de todos os casos em que tenha sido


empregada a RA, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de vinte e cinco anos;

IV - dispor de registro permanente dos doadores e das provas diagnósticas


realizadas no material biológico a ser utilizado na RA com a finalidade de evitar a
transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo de vinte e cinco anos
após o emprego do material.

§ 1º A licença mencionada no caput, obrigatória para todos os estabelecimentos e


profissionais médicos que pratiquem a RA, será válida por dois anos e renovável
ao término de cada período, podendo ser revogada em virtude do descumprimento
de qualquer disposição desta Lei ou de seus regulamentos.

§ 2º O profissional mencionado no inciso I não poderá estar respondendo, na


Justiça ou no órgão de regulamentação profissional da categoria, a processos
éticos, civis ou penais relacionados ao emprego de RA.

§ 3º O registro citado no inciso III deverá conter, em prontuários, elaborados


inclusive para a criança, e em formulários específicos, a identificação dos usuários
e doadores, as técnicas utilizadas, os procedimentos laboratoriais de manipulação
de gametas e embriões, a ocorrência ou não de gravidez, o desenvolvimento das
gestações, os nascimentos, as mal-formações de fetos ou recém-nascidos e
outros dados definidos em regulamento.

§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deverá conter, em


prontuários individuais, a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, uma
foto acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de material
celular.
180

§ 5º As normas para o cumprimento deste artigo serão definidas em regulamento.

SEÇÃO IV

DAS DOAÇÕES

Art. 6º Será permitida a doação de gametas e embriões, sob a responsabilidade


dos estabelecimentos que praticam a RA, vedada a remuneração dos doadores e
a cobrança por esse material, a qualquer título.

§ 1º Os estabelecimentos que praticam a RA estarão obrigados a zelar pelo sigilo


da doação, impedindo que doadores e usuários venham a conhecer
reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações sobre a
criança nascida a partir de material doado.

§ 2º Apenas a criança terá acesso, diretamente ou por meio de um representante


legal, a todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive à identidade
civil do doador, nos casos autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento
responsável pelo emprego da RA a fornecer as informações solicitadas.

§ 3º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter


informações genéticas necessárias para sua vida ou sua saúde, as informações
relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico
solicitante.

§ 4º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade civil


do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores
informações sobre sua saúde.

§ 5º A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que


pratica a RA e deverá garantir, tanto quanto possível, semelhança fenotípica e
compatibilidade imunológica entre doador e receptor.

§ 6º Com base no registro de gestações, o estabelecimento que pratica a RA


deverá evitar que um mesmo doador venha a produzir mais de duas gestações de
sexos diferentes numa área de um milhão de habitantes.

§ 7º Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de equipe


do estabelecimento que pratica a RA ou seus parentes até quarto grau.

Art. 7º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não


remunerada conhecida como doação temporária do útero, nos casos em que
181

exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na usuária e


desde que haja parentesco até o segundo grau entre ela e a mãe substituta ou
doadora temporária do útero.

Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou


comercial, ficando vedada sua modalidade remunerada conhecida como útero ou
barriga de aluguel.

SEÇÃO V

DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 8º Na execução de técnica de RA, poderão ser transferidos no máximo quatro


embriões a cada ciclo reprodutivo da mulher receptora.

Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a RA ficam autorizados a preservar


gametas e embriões humanos, doados ou depositados apenas para
armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.

§ 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no


aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na
forma da lei.

§ 2º O tempo máximo de preservação de gametas e embriões será definido em


regulamento.

§ 4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a fecundação


in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos embriões serão
transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo disposição em
contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo descarte, a doação para
terceiros ou a doação para pesquisa.

§ 5º Os gametas e embriões depositados apenas para armazenamento só


poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante, sendo que, neste último
caso, conjuntamente aos dois membros do casal que autorizou seu
armazenamento.

§ 4º É obrigatório o descarte de gametas e embriões:

I - doados há mais de dois anos;

II - sempre que for solicitado pelos doadores;

III - sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado;

IV - nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes;


182

V - no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram


embriões preservados.

Art. 10. Ressalvados os casos de material doado para pesquisa, a intervenção


sobre gametas ou embriões in vitro só será permitida com a finalidade de avaliar
sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, no caso de ser feita com fins
diagnósticos, ou de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, no caso de ser
feita com fins terapêuticos.

§ 1º A pré-seleção sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer nos casos


em que os usuários recorram à RA em virtude de apresentarem hereditariedade
para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao sexo.

§ 2º As intervenções autorizadas no caput e no parágrafo anterior só poderão


ocorrer se houver garantias reais de sucesso.

§ 3º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em


regulamento.

SEÇÃO VI

DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA

Art. 11. A criança terá assegurados todos os direitos garantidos aos filhos na
forma da lei.

Parágrafo único. Ressalvados os casos especificados nos §§ 2º e 3º do art. 12, os


pais da criança serão os usuários.

Art. 12. A criança nascida a partir de gameta ou embrião doado ou por meio de
gestação de substituição terá assegurado, se assim o desejar, o direito de
conhecer a identidade do doador ou da mãe substituta, no momento em que
completar sua maioridade jurídica ou, a qualquer tempo, no caso de falecimento
de ambos os pais.

§ 1º A prerrogativa garantida no caput poderá ser exercida, desde o nascimento,


em nome de criança que não possua em seu registro civil o reconhecimento de
filiação relativa a pessoa do mesmo sexo do doador ou da mãe substituta,
situação em que ficará resguardado à criança, ao doador e à mãe substituta o
direito de obter esse reconhecimento na forma da lei.
183

§ 2º No caso em que tenha sido utilizado gameta proveniente de indivíduo falecido


antes da fecundação, a criança não terá reconhecida a filiação relativa ao falecido.

§ 3º No caso de disputa judicial sobre a filiação da criança, será atribuída a


maternidade à mulher que deu à luz a criança, exceto quando esta tiver recorrido
à RA por ter ultrapassado a idade reprodutiva, caso em que a maternidade será
outorgada à doadora do óvulo.

§ 4º Ressalvado o disposto nos §§ 1º e 3º, não se aplica ao doador qualquer


direito assegurado aos pais na forma da lei.

SEÇÃO VII

DOS CRIMES

Art. 13. É crime:

I - praticar a RA sem estar previamente licenciado para a atividade;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

II - praticar RA sem obter o consentimento informado dos receptores e dos


doadores na forma determinada nesta Lei, bem como fazê-lo em desacordo com
os termos constantes do documento de consentimento assinado por eles;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

III - envolver-se na prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de usuário,


intermediário, receptor ou executor da técnica;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

IV - fornecer gametas ou embriões depositados apenas para armazenamento a


qualquer pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses
gametas e embriões sem a autorização deste;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

V - intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das


permitidas nesta Lei;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.


184

VI - deixar de manter as informações exigidas nesta Lei, na forma especificada, ou


recusar-se a fornecê-las nas situações previstas;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

VII - utilizar gametas ou embriões de doadores ou depositantes sabidamente


falecidos;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

VIII - implantar mais de quatro embriões na mulher receptora;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

IX - realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o disposto


nesta Lei;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

X - conservar gametas ou embriões doados por período superior a dois anos ou


utilizar esses gametas e embriões;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

§ 1º No caso de gametas ou embriões depositados por casal, incide no crime


definido no inciso IV a pessoa que os fornecer a um dos membros do casal
isoladamente.

§ 2º A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste artigo acarretará a


perda da licença do estabelecimento de reprodução assistida e do profissional
responsável, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

SEÇÃO VIII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 14 O Poder Público editará os regulamentos necessários à efetividade da Lei,


inclusive as normas especificadoras dos requisitos para a execução de cada
técnica de RA, concederá a licença aos estabelecimentos e profissionais que
praticam a RA e fiscalizará a atuação de ambos.

Art. 15 Esta Lei entrará em vigor cento e oitenta dias após sua publicação.
185

Art. 16 Revogam-se todas as disposições em contrário.


186

ANEXO E

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 2001


187

PROJETO DE LEI Nº 90 (SUBSTITUTIVO), DE 1999

Dispõe sobre a Procriação Medicamente Assistida

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

SEÇÃO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 1º Esta Lei disciplina o uso das técnicas de Procriação Medicamente


Assistida (PMA) que importam na implantação artificial de gametas ou embriões
humanos, fertilizados in vitro, no aparelho reprodutor de mulheres receptoras.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:

I - beneficiários aos cônjuges ou ao homem e à mulher em união estável,


conforme definido na Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que tenham
solicitado o emprego de Procriação Medicamente Assistida;

II - gestação de substituição ao caso em que uma mulher, denominada genitora


substituta, tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução, em seu
aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de gerar uma
criança para os beneficiários, observadas as limitações do art. 3º desta Lei;

III - consentimento livre e esclarecido ao ato pelo qual os beneficiários são


esclarecidos sobre a Procriação Medicamente Assistida e manifestam
consentimento para a sua realização.

Artigo 2º A utilização da Procriação Medicamente Assistida só será permitida, na


forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifica
infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde
que:
188

I - exista, sob pena de responsabilidade, conforme estabelecido no art. 38 desta


Lei, indicação médica para o emprego da Procriação Medicamente Assistida,
consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, e não se incorra
em risco grave de saúde para a mulher receptora ou para a criança;

II - a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei,
que tenha solicitado o tratamento de maneira livre e consciente, em documento a
ser elaborado conforme o disposto nos arts. 4º e 5º desta Lei;

III - a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação


que leve em conta sua idade cronológica e outros critérios estabelecidos em
regulamento.

§ 1º Somente os cônjuges ou o homem e a mulher em união estável poderão ser


beneficiários das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.

§ 2º Caso não se diagnostique causa definida para a situação de infertilidade,


observar-se-á, antes da utilização da Procriação Medicamente Assistida, prazo
mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a
idade da mulher receptora.

Artigo 3º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não-


remunerada, nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contra-
indique a gestação na beneficiária e desde que haja parentesco até o segundo
grau entre os beneficiários e a genitora substituta.

Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou


comercial, ficando vedada a modalidade conhecida como útero ou barriga de
aluguel.

SEÇÃO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
189

Artigo 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os


beneficiários, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será
formalizado por instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes
esclarecimentos:

I - a indicação médica para o emprego de Procriação Medicamente Assistida, no


caso específico;

II - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das


modalidades de Procriação Medicamente Assistida disponíveis, bem como os
custos envolvidos em cada uma delas;

III - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de Procriação


Medicamente Assistida nas diferentes situações, incluídos aqueles específicos do
estabelecimento e do profissional envolvido, comparados com os números
relativos aos casos em que não se recorreu à Procriação Medicamente Assistida;

IV - a possibilidade e a probabilidade de incidência de danos ou efeitos


indesejados para as mulheres e para os nascituros;

V - as implicações jurídicas da utilização da Procriação Medicamente Assistida;

VI - todas as informações concernentes à capacitação dos profissionais e


estabelecimentos envolvidos;

VII - demais informações estabelecidas em regulamento.

§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as


normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a serem
transmitidas, será exigido do doador e de seu cônjuge, ou da pessoa com quem
viva em união estável.
190

§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir


todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida.

Artigo 5º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos


envolvidos, e o documento originado deverá explicitar:

I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o


número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 14
desta Lei;

II - as circunstâncias em que doador ou depositante autoriza ou desautoriza a


utilização de seus gametas.

SEÇÃO III
DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS QUE REALIZAM A
PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

Art. 6º Clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que realizam a


Procriação Medicamente Assistida são responsáveis:

I - pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e


oportunidade para a realização da técnica de Procriação Medicamente Assistida;

II - pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de


doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material
biológico humano utilizado na Procriação Medicamente Assistida, vedando-se a
transferência a fresco de material doado;

III - pelo registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e
aos casos em que foi utilizada a Procriação Medicamente Assistida, pelo prazo de
cinqüenta anos após o emprego das técnicas em cada situação;
191

IV - pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de


Procriação Medicamente Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou
companheiros em união estável, na forma definida na Seção II desta Lei;

V - pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados.

Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem


outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.

Art. 7º Para obter a licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e demais


estabelecimentos que aplicam Procriação Medicamente Assistida devem cumprir
os seguintes requisitos mínimos:

I - funcionar sob a direção de um profissional médico;

II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as


necessidades científicas para realizar a Procriação Medicamente Assistida;

III - dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a


Procriação Medicamente Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de
cinqüenta anos;

IV - dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas no


material biológico a ser utilizado na Procriação Medicamente Assistida com a
finalidade de evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo
de cinqüenta anos após o emprego do material;

V - informar o órgão competente, a cada ano, sobre suas atividades concernentes


à Procriação Medicamente Assistida.

§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo, obrigatória para todos os


estabelecimentos que pratiquem a Procriação Medicamente Assistida, será válida
por no máximo três anos e renovável ao término de cada período, podendo ser
192

revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de


seu regulamento.

2º Exigir-se-á do profissional mencionado no inciso I deste artigo e dos demais


médicos que atuam no estabelecimento prova de capacitação para o emprego de
Procriação Medicamente Assistida.

§ 3º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter, por meio de
prontuários, elaborados inclusive para a criança, e de formulários específicos, a
identificação dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção
sexual, quando imprescindível, na forma do art. 17 desta Lei, a ocorrência ou não
de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações
de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.

§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá


conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das
características fenotípicas e amostra de material celular.

§ 5º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos
casos especificados nesta Lei.

§ 6º No caso de encerramento das atividades, os estabelecimentos de que trata


esta Seção deverão transferir os registros mencionados nos incisos III e IV deste
artigo para o órgão competente do Poder Público.

SEÇÃO IV
DAS DOAÇÕES

Art. 8º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos


estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida, vedadas a
remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.

§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
193

§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:

I - para quais estabelecimentos já realizou doação;

II - as doenças de que tem conhecimento ser portador.

§ 3º A regulamentação desta Lei poderá estabelecer idade limite para os


doadores, com base em critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas
doados.

Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida


estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação e das informações sobre a criança
nascida a partir de material doado.

Art. 10 Excepciona-se o sigilo estabelecido no artigo anterior nos casos


autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento responsável pelo emprego
da Procriação Medicamente Assistida a fornecer as informações solicitadas.

§ 1º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter


informações genéticas necessárias para sua vida ou saúde, as informações
relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico
solicitante.

§ 2º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade civil


do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores
informações sobre sua saúde.

Art. 11 A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que


pratica a Procriação Medicamente Assistida e deverá garantir, tanto quanto
possível, semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador e
receptor.

Art. 12 Haverá um registro central de doações e gestações, organizado pelo


Poder Público com base nas informações periodicamente fornecidas pelos
194

estabelecimentos que praticam Procriação Medicamente Assistida, o qual será


obrigatoriamente consultado para garantir que um mesmo doador só origine
descendentes para um único par de beneficiários.

Art. 13 Não poderão ser doadores, exceto na qualidade de beneficiários, os


dirigentes, funcionários e membros, ou seus parentes até o quarto grau, de equipe
de qualquer estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida e
os civilmente incapazes.

SEÇÃO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida, poderão


ser produzidos e transferidos até três embriões, respeitada a vontade da mulher
receptora, a cada ciclo reprodutivo.

§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,


obedecido o critério definido no caput deste artigo.

§ 2º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no


aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na
forma da lei.

Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida


ficam autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados apenas
para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.

§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão ser


entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua
autorização.

§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:


195

I - sempre que for solicitado pelo doador ou depositante;

II - sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre e


esclarecido;

III - nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante, ressalvada a


hipótese em que este último tenha autorizado, em testamento, a utilização
póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira.

Art. 16 Serão definidos em regulamento os tempos máximos de:

I - preservação de gametas depositados apenas para armazenamento;

II - desenvolvimento de embriões in vitro.

Art. 17 A pré-seleção sexual só poderá ocorrer nos casos em que os beneficiários


recorram à Procriação Medicamente Assistida em virtude de apresentarem
probabilidade genética para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao
sexo, mediante autorização do Poder Público.

SEÇÃO VI
DA FILIAÇÃO

Art. 18 Será atribuída aos beneficiários a condição de pais da criança nascida


mediante o emprego das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.

Parágrafo único. É assegurado ao doador e à criança de que trata este artigo o


direito recíproco de acesso, extensivo a parentes, a qualquer tempo, por meio do
depositário dos registros concernentes à procriação, observado o disposto no
inciso III do art. 6º, para o fim de consulta sobre disponibilidade de transplante de
órgãos ou tecidos, garantido o anonimato.

Art. 19 O doador e a genitora substituta, e seus parentes biológicos, não terão


qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em
196

relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Procriação


Medicamente Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais.

Art. 20 As conseqüências jurídicas do uso da Procriação Medicamente Assistida,


quanto à filiação, são irrevogáveis a partir do momento em que houver embriões
originados in vitro ou for constatada gravidez decorrente de inseminação artificial.

Art. 21 A morte dos beneficiários não restabelece o pátrio poder dos pais
biológicos

Art. 22 O Ministério Público fiscalizará a atuação dos estabelecimentos que


empregam técnicas de Procriação Medicamente Assistida, com o objetivo de
resguardar os direitos do nascituro e a saúde e integridade física das pessoas,
aplicando-se, no que couber, as disposições do Capítulo V da Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990.

SEÇÃO VII
DOS CRIMES

Art. 23 Praticar a redução embrionária:

Pena - reclusão de um a quatro anos.

Parágrafo único. Não se pune a redução embrionária feita por médico se não
houver outro meio de salvar a vida da gestante.

Art. 24 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem estar previamente


capacitado para a atividade:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Art. 25 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem obter o consentimento


livre e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta
197

Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos constantes do documento de


consentimento assinado por eles

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 26 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de


beneficiário, intermediário ou executor da técnica:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 27 Fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer


pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses gametas
sem a autorização deste:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 28 Deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, deixar de


fornecê-las nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não
autorizados, consoante as determinações desta Lei:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa

Art. 29 Utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos,


salvo na hipótese em que o depositante tenha autorizado, em testamento, a
utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa

Art. 30 Implantar mais de três embriões na mulher receptora:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa

Art. 31 Realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o


disposto nesta Lei:
198

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 32 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de


genitora substituta:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Art. 33 Produzir embriões além da quantidade permitida:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Art. 34 Armazenar, destruir, ou ceder embriões, ressalvados os casos previstos


nesta Lei:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Art. 35 Deixar de implantar na mulher receptora os embriões produzidos, exceto


no caso de contra-indicação médica:

Pena - detenção de dois a seis anos, e multa

Art. 36 Utilizar gameta:

I - doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe de qualquer


estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida ou seus
parentes até o quarto grau, e pelo civilmente incapaz;

II - de que tem ciência ser de um mesmo doador para mais de um par de


beneficiários;

III - a fresco ou sem que tenha sido submetido ao controle de doenças infecto-
contagiosas:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre:


199

I - o médico que usar o seu próprio gameta para realizar a Procriação


Medicamente Assistida, exceto na qualidade de beneficiário;

II - o doador que omitir dados ou fornecer informação falsa ou incorreta sobre


qualquer aspecto relacionado ao ato de doar.

Art. 37 Realizar a procriação medicamente assistida em pessoas que não sejam


casadas ou não vivam em união estável:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre o homem ou a mulher que solicitar o


emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não o
cônjuge ou a companheira ou o companheiro.

Art. 38 A prática de qualquer uma das condutas arroladas nesta seção acarretará
a perda da licença do estabelecimento de procriação medicamente assistida, sem
prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

Art. 39 O estabelecimento e os profissionais médicos que nele atuam são, entre


si, civil e penalmente responsáveis pelo emprego da Procriação Medicamente
Assistida.

SEÇÃO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 40 O Poder Público regulamentará esta Lei, inclusive quanto às normas


especificadoras dos requisitos para a execução de cada técnica de Procriação
Medicamente Assistida, competindo-lhe também conceder a licença aos
estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida e fiscalizar
suas atuações.
200

Art. 41 Os embriões congelados existentes até a entrada em vigor da presente Lei


poderão ser utilizados, com o consentimento das pessoas que os originaram, na
forma permitida nesta Lei.

§ 1º Presume-se autorizada a utilização, para reprodução, de embriões originados


in vitro existentes antes da entrada em vigor desta Lei, se, no prazo de sessenta
dias a contar da data da publicação desta Lei, os depositantes não se
manifestarem em contrário.

§ 2º Incorre na pena prevista no crime tipificado no art. 34 aquele que descartar


embrião congelado anteriormente à entrada em vigor desta Lei.

Art. 42 A União poderá celebrar convênio com os Estados, com o Distrito Federal
e com os Municípios para exercer, em conjunto ou isoladamente, a fiscalização
dos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida.

Art. 43 Esta Lei entrará em vigor no prazo de um ano a contar da data de sua
publicação.
201

ANEXO F

PROJETO DE LEI Nº 1.184, DE 2003


202

Dispõe sobre a Reprodução Assistida.

O Congresso Nacional decreta:

CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida (RA)
para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in vitro,
no organismo de mulheres receptoras.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:
I – embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente à
sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu
desenvolvimento;
II – beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego da
Reprodução Assistida;
III – consentimento livre e esclarecido: ao ato pelo qual os beneficiários são
esclarecidos sobre a Reprodução Assistida e manifestam, em documento,
consentimento para a sua realização, conforme disposto no Capítulo II desta Lei.
Art. 2º A utilização das técnicas de Reprodução Assistida será permitida, na forma
autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifique
infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde
que:
I – exista indicação médica para o emprego da Reprodução Assistida,
consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, segundo o
disposto em regulamento;
II – a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei,
que tenha solicitado o tratamento de maneira livre, consciente e informada, em
documento de consentimento livre e esclarecido, a ser elaborado conforme o
disposto no Capítulo II desta Lei;
203

III – a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação


que leve em conta sua idade e outros critérios estabelecidos em regulamento;
IV – o doador seja considerado apto física e mentalmente, por meio de exames
clínicos e complementares que se façam necessários.
Parágrafo único. Caso não se diagnostique causa definida para a situação de
infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Reprodução Assistida, prazo
mínimo de 2 espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a
idade da mulher receptora.
Art. 3º É proibida a gestação de substituição.

CAPÍTULO II
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Art. 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os


beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em
união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será
formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes
esclarecimentos:
I – a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso
específico, com manifestação expressa dos beneficiários da falta de interesse na
adoção de criança ou adolescente;
II – os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das
modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em cada
uma delas;
III – os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no
serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;
IV – os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e prevalência
dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em geral e no
serviço de saúde onde esta será realizada;
V – as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;
204

VI – os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de


embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 13 desta Lei;
VII – as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus
gametas, inclusive postumamente;
VIII – demais requisitos estabelecidos em regulamento.
§ 1º O consentimento mencionado neste artigo será também exigido do doador e
de seu cônjuge ou da pessoa com quem viva em união estável e será firmado
conforme as normas regulamentadoras, as quais especificarão as informações
mínimas que lhes serão transmitidas.
§ 2º No caso do § 1º, as informações mencionadas devem incluir todas as
implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a
identificação do doador vir a ser conhecida.

CAPÍTULO III
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E PROFISSIONAIS

Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida são


responsáveis:
I – pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e
oportunidade para o emprego da técnica de Reprodução Assistida;
II – pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de
doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material
biológico humano utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se a transferência
de sêmen doado a fresco;
III – pelo registro de todas as informações relativas aos doadores e aos casos em
que foi utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;
IV – pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de
Reprodução Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em
união estável, na forma definida no Capítulo II desta Lei;
V – pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados;
205

VI – pela obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança junto ao órgão


competente;
VII – pela obtenção de licença de funcionamento a ser expedida pelo órgão
competente da administração, definido em regulamento.
Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem
outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.
Art. 6º Para obter a licença de funcionamento, os serviços de saúde que realizam
Reprodução Assistida devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:
I – funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente capacitado
para realizar a Reprodução Assistida, que se responsabilizará por todos os
procedimentos médicos e laboratoriais executados;
II – dispor de equipes multiprofissionais, recursos técnicos e materiais compatíveis
com o nível de complexidade exigido pelo processo de Reprodução Assistida;
III – dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a
Reprodução Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;
IV – dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas, pelo
prazo de 50 (cinqüenta) anos após o emprego do material biológico;
V – encaminhar relatório semestral de suas atividades ao órgão competente
definido em regulamento.
§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo será válida por até 3 (três) anos,
renovável ao término de cada período, desde que obtido ou mantido o Certificado
de Qualidade em Biossegurança, podendo ser revogada em virtude do
descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.
§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter a identificação dos
beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual, quando
imprescindível, na forma do art. 15 desta Lei, a ocorrência ou não de gravidez, o
desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações de fetos ou
recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.
§ 3º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá
conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das
características fenotípicas e uma amostra de material celular.
206

§ 4º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos
casos especificados nesta Lei.
§ 5º No caso de encerramento das atividades, os serviços de saúde transferirão
os registros para o órgão competente do Poder Público, determinado no
regulamento.

CAPÍTULO IV
DAS DOAÇÕES

Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos serviços


de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a remuneração e a
cobrança por esse material, a qualquer título.
§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do
doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.
§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:
I – não haver doado gameta anteriormente;
II – as doenças de que tem conhecimento ser portador, inclusive os antecedentes
familiares, no que diz respeito a doenças genético-hereditárias e outras.
§ 3º Poderá ser estabelecida idade limite para os doadores, com base em critérios
que busquem garantir a qualidade dos gametas doados, quando da
regulamentação desta Lei.
§ 4º Os gametas doados e não-utilizados serão mantidos congelados até que se
dê o êxito da gestação, após o quê proceder-se-á ao descarte dos mesmos, de
forma a garantir que o doador beneficiará apenas uma única receptora.
Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão
obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e beneficiários
venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das
informações sobre a pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 9º O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados
nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da
207

Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas, mantido o segredo


profissional e, quando possível, o anonimato.
§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a
qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que
manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações
sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se
o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os
segredos profissional e de justiça.
§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida ou
a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para
oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas ao
doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o
devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir a
celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma da
legislação civil.
§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no § 2º, resguardar-se-á a
identidade civil do doador mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter
maiores informações sobre sua saúde.
Art. 10. A escolha dos doadores será de responsabilidade do serviço de saúde
que pratica a Reprodução Assistida e deverá assegurar a compatibilidade
imunológica entre doador e receptor.
Art. 11. Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de
equipes, ou seus parentes até o quarto grau, de serviço de saúde no qual se
realize a Reprodução Assistida.
Parágrafo único. As pessoas absolutamente incapazes não poderão ser doadoras
de gametas.
Art. 12. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a
comunicar ao órgão competente previsto no art. 5º, incisos VI e VII, até o dia 10 de
cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo
da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.
208

§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do


Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar esse fato ao referido
órgão no prazo estipulado no caput deste artigo.
§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações
inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais a
multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e dezessete centavos)
a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e cinco
centavos), na forma do regulamento.
§ 3º A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para cadastramento
de óbito, conforme modelo aprovado em regulamento.
§ 4º Deverão constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes informações
relativas à pessoa falecida:
I – número de inscrição do PIS/Pasep;
II – número de inscrição do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se
contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário - NB, se a pessoa
falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS;
III – número do CPF;
IV – número de registro de Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor;
V – número do título de eleitor;
VI – número do registro de nascimento ou casamento, com informação do livro, da
folha e do termo;
VII – número e série da Carteira de Trabalho.

CAPÍTULO V
DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser produzidos


e transferidos até 2 (dois) embriões, respeitada a vontade da mulher receptora, a
cada ciclo reprodutivo.
209

§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,


obedecido ao critério definido no caput deste artigo.
§ 2º Os embriões originados in vitro, anteriormente à sua implantação no
organismo da receptora, não são dotados de personalidade civil.
§ 3º Os beneficiários são juridicamente responsáveis pela tutela do embrião e seu
ulterior desenvolvimento no organismo receptor.
§ 4º São facultadas a pesquisa e experimentação com embriões transferidos e
espontaneamente abortados, desde que haja autorização expressa dos
beneficiários.
§ 5º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em
regulamento.
Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos,
doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos
definidos em regulamento.
§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues
somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização.
§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:
I – quando solicitado pelo depositante;
II – quando houver previsão no documento de consentimento livre e esclarecido;
III – nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação de
sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em
testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.
Art. 15. A pré-seleção sexual será permitida nas situações clínicas que
apresentarem risco genético de doenças relacionadas ao sexo, conforme se
dispuser em regulamento.

CAPÍTULO VI
DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA

Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da


criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
210

§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais


biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão
acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter
informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo
profissional e, sempre que possível, o anonimato.
§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do
doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito
ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a
partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos
matrimoniais elencados na legislação civil.
Art. 18. Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-se,
sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em
regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de resguardar a
saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se, no que couber,
as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente).

CAPÍTULO VII
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES

Art. 19. Constituem crimes:


I – praticar a Reprodução Assistida sem estar habilitado para a atividade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
II – praticar a Reprodução Assistida sem obter o consentimento livre e esclarecido
dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta Lei ou em
desacordo com os termos constantes do documento de consentimento por eles
assinado:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa;
211

III – participar do procedimento de gestação de substituição, na condição de


beneficiário, intermediário ou executor da técnica:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IV – fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer
pessoa que não o próprio depositante, ou empregar esses gametas sem sua
prévia autorização:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
V – deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, não as
fornecer nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não
autorizados, consoante as determinações desta Lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VI – utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos, salvo na
hipótese em que tenha sido autorizada, em documento de consentimento livre e
esclarecido, ou em testamento, a utilização póstuma de seus gametas:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VII – implantar mais de 2 (dois) embriões na mulher receptora:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
VIII – realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o
disposto nesta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IX – produzir embriões além da quantidade permitida:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
X – armazenar ou ceder embriões, ressalvados os casos em que a implantação
seja contra-indicada:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XI – deixar o médico de implantar na mulher receptora os embriões produzidos,
exceto no caso de contra-indicação médica:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XII – descartar embrião antes da implantação no organismo receptor:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
XIII – utilizar gameta:
212

a) doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe do serviço de saúde em


que se realize a Reprodução Assistida, ou seus parentes até o quarto grau;
b) de pessoa incapaz;
c) de que tem ciência ser de um mesmo doador, para mais de um beneficiário;
d) sem que tenham sido os beneficiários ou doadores submetidos ao controle de
doenças infecto-contagiosas e a outros exames complementares:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Ao aplicar as medidas previstas neste artigo, o juiz considerará a
natureza e a gravidade do delito e a periculosidade do agente.
Art. 20. Constituem crimes:
I – intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das
permitidas nesta Lei:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa;
II – utilizar o médico do próprio gameta para realizar a Reprodução Assistida,
exceto na qualidade de beneficiário:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa;
III – omitir o doador dados ou fornecimento de informação falsa ou incorreta sobre
qualquer aspecto relacionado ao ato de doar:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;
IV – praticar o médico redução embrionária, com consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de
vida para a mulher:
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos;
V – praticar o médico redução embrionária, sem consentimento, após a
implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de
vida para a mulher:
Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Parágrafo único. As penas cominadas nos incisos IV e V deste artigo são
aumentadas de 1/3 (um terço), se, em conseqüência do procedimento redutor, a
receptora sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, pela
mesma causa, lhe sobrevém a morte.
213

Art. 21. A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste Capítulo
acarretará a perda da licença do estabelecimento de Reprodução Assistida, sem
prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

CAPÍTULO VIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22. Os embriões conservados até a data de entrada em vigor desta Lei
poderão ser doados exclusivamente para fins reprodutivos, com o consentimento
prévio dos primeiros beneficiários, respeitados os dispositivos do Capítulo IV.
Parágrafo único. Presume-se autorizada a doação se, no prazo de 60 (sessenta)
dias, os primeiros beneficiários não se manifestarem em contrário.
Art. 23. O Poder Público promoverá campanhas de incentivo à utilização, por
pessoas inférteis ou não, dos embriões preservados e armazenados até a data de
publicação desta Lei, preferencialmente ao seu descarte.
Art. 24. O Poder Público organizará um cadastro nacional de informações sobre a
prática da Reprodução Assistida em todo o território, com a finalidade de organizar
estatísticas e tornar disponíveis os dados sobre o quantitativo dos procedimentos
realizados, a incidência e prevalência dos efeitos indesejados e demais
complicações, os serviços de saúde e os profissionais que a realizam e demais
informações consideradas apropriadas, segundo se dispuser em regulamento.
Art. 25. A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, passa a vigorar acrescida do
seguinte art. 8º-A:
“Art. 8º-A. São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de
clonagem radical através de qualquer técnica de genetecnologia.”
Art. 26. O art. 13 da Lei nº 8.974, de 1995, passa a vigorar acrescido do seguinte
inciso IV, renumerando-se os demais:
“Art. 13. ......................................................................................................................
IV – realizar experimentos de clonagem humana radical através de qualquer
técnica de genetecnologia; ..............................................................................” (NR)
214

Art. 27. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias a partir da data de sua
publicação.
Senado Federal, em de junho de 2003
Senador José Sarney
Presidente do Senado Federal

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