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Giovanna Abadessa, Isabel Amarante, Marco Bueno e Rebecca Hanna

Seminário "Ao Sondar o Abismo" – Gertrude Himmelfarb


Capítulo 4: Liberdade: "um princípio simples"?

Liberdade: "um princípio simples"? é o título de um dos ensaios de Gertrude


Himmelfarb que compõem o livro "Ao Sondar o Abismo", no qual a autora busca explorar o
conceito de liberdade e suas relações com as noções de responsabilidade individual e
moralidade. A autora começa o ensaio trazendo para os tempos atuais a suposta "nova
problemática" do liberalismo que, de acordo com ela, está presente desde sua origem – a
problemática da liberdade não sob a perspectiva política de tirania que oprime o coletivo,
mas a configuração da liberdade individual diante do coletivo.
Para isso, Himmelfarb parte do ensaio "A Liberdade" de John Stuart Mill, onde o
autor expõe em uma retórica "simples" e direta o "princípio bastante simples, capaz de
governar absolutamente as relações da sociedade com o indivíduo no que diz respeito à
compulsão e o controle": o princípio de que a autoproteção seria a única finalidade pela qual
se justificaria a interferência – individual ou coletiva – na liberdade de ação de qualquer um.
Nesse sentido, o único propósito de se exercer poder legitimamente – por meio de
força física sob forma de penalidades ou coerção moral da opinião pública – sobre um
indivíduo, contra a sua vontade, à medida que a ação individual tenha o potencial de causar
mal ou dano a outrem. Para além disso, onde não apresenta esse potencial de dano ao
coletivo, a liberdade individual se configura como absoluta, e sobre sua própria vontade, o
indivíduo é soberano.
De acordo com a autora, a retórica do autor é extremamente reveladora, no sentido
de estar contido nesse ensaio – que se tornou um clássico desde o momento de seu
lançamento – o princípio de liberdade que se configurou como um pilar fundamental do
pensamento liberal: a ação individual, apesar de sujeita à uma qualificação de "dano a
outrem", é inviolável, pela individualidade ser, em si mesma, um bem absoluto.
Nessa retórica de Mill, tal como a autora explora, estão contidas uma série de
adjetivações que colocam o indivíduo como o detentor de características quase que
inteiramente positivas, em oposição à coletividade, que aparece caracterizada quase
sempre de forma negativa em sua relação com o indivíduo. Além disso, apresenta uma
noção que se distancia e desafia do que havia sido estabelecido por seus predecessores,
tal como Espinosa, Locke, Montesquieu, Kant, destacando uma liberdade de ação individual
sem restrições ou condições, e estabelecendo também a base e os termos dos debates
atuais.
PARTE GIOVANNA
Para Gertrude, o texto de Mill foi radical para a própria época, mas é ainda mais
radical agora, uma vez que ele valida ideais contemporâneos sobre a liberdade. Segundo
ela, um dos argumentos de Mill para esse conceito, é de que a liberdade absoluta é
necessária para que a verdade apareça. Mill, dá a entender em sua obra que todas as
ideias, verdadeiras e falsas deveriam ser igualmente sujeitas a serem validadas pela
sociedade – ou seja, que a verdade necessita da liberdade de discussão –, uma vez que a
sociedade não deveria julgar a verdade e a falsidade, apesar disso, ele não é um relativista
e acredita que existe uma verdade. A autora explica que os pós-modernos negam a
verdade absoluta e acreditam que para obter a liberdade absoluta, é necessário se libertar
da verdade, o que vai contra o que Mill falava.
A autora passa a discutir sobre a relativização da moralidade na perspectiva de Mill.
Para ele, a moralidade também necessita do máximo de individualidade, não devendo
existir qualquer sanção legal ou social para promover a moralidade ou desencorajar a
imoralidade. Só deveria existir uma condenação moral, caso haja alguma violação que falte
com o dever para com os demais. Então sanções sociais, e não legais, deveriam existir
caso os atos individuais sejam danosos a outrem, desde que não violem legalmente os
"direitos constituídos"de alguém. Porém, quando os atos individuais afetam somente o
próprio indivíduo, ele teria liberdade social e legal para fazer o que quiser.
Em "A Liberdade" de Mill ele se mostra bastante otimista em relação a natureza
humana, diferente de filósofos e teólogos antes dele, que acreditavam que a natureza
humana tinha o potencial da bondade e da maldade, fazendo se assim necessário controlar
os impulsos, sendo racional. Porém esse otimismo nem sempre fez parte das obras do
autor, já que em um ensaio anterior, "Natureza", Mill dizia acreditar que os impulsos
humanos tenderiam a ser majoritariamente maus do que bons e que a virtude seria algo
antinatural, o que vai contra o que ele escreve em "A Liberdade". Gertrude diz que Mill
acreditava que as pessoas iriam continuar sendo obrigadas a viver numa "disciplina
eminentemente artificial", funcionando como um corretivo moral da natureza e que as
virtudes adquiridas por meio da religião e tradição continuariam sendo estimuladas.
Gertrude acredita, que em "A Liberdade", existe uma certa hostilidade em relação à
religião e à moralidade sancionada por elas, quando decide o que é moral e o que não é e
perseguem quem age contra as virtudes delas. Ela acrescenta que mesmo na época em
que Mill escreveu a obra, já começava a existir um declínio dos frequentadores das Igrejas
e que estava por vir um grande movimento secularista e antirreligioso.
PARTE MARCO
Baseada na discussão de Mill a respeito da religião, Gertrude encontra a primeira
contradição a respeito da prática de atividades religiosas e crenças, que é o paradoxo entre
o público e o privado. Quando praticada num contexto privado, a liberdade é ilimitada; o
mesmo se aplica a contextos públicos, contato que não infrinja ou viole terceiros. Outro
caso apontado pela autora é referente a má conduta pessoal, essa que cabe unicamente ao
indivíduo que a exerce, não podendo sofrer intervenções — novamente, ela se constitui
como prática legal contanto que não cause dano a outrem. Mas limitar a liberdade não é por
si só um ato contra a liberdade individual?
Outra contradição levantada por Himmelfarb é acerca da distinção entre legalidade e
moralidade nas questões públicas. É possível legislar a moral, algo tão subjetivo e inerente
a cada indivíduo? Sendo correto ou não, é o que ocorre. Leis que proibem a segregação
racial, de gênero e orientação sexual, por exemplo, configuram-se como leis morais. Mas
num contexto onde as leis não poderiam atuar, a moral formada pela sociedade é que
assume tal papel público — mas para Mill, a lei e a moral não deveriam andar lado a lado.
Tal papel atuante da sociedade na esfera moral é muito presente no liberalismo
contemporâneo, em contrapartida, na esfera econômica, o Estado tem um controle
soberano — categorizado pelo jurista inglês lorde Devlin: "paternalismo físico e
individualismo moral." Como solução para esse paradoxo, Mill se faz claro em seu texto,
expondo como propósito a limitação do papel do governo, tanto em razão da conveniência
como da liberdade.

PARTE BECCA
Trazendo diferentes perspectivas do Liberalismo, a obra se destrincha em uma
variação de conceitos através do tempo e espaço, que exploram a relação entre liberdade e
justiça social. O autor argumenta que o princípio da liberdade não pode se desvincular da
política, partindo do pressuposto de que ele próprio possui consequências políticas e
éticas, responsáveis por uma ruptura com um modo primitivo de Liberalismo. Tal
pensamento limitava-se às ideias de individualidade - e liberdade - como parte de um
bem comum e coletivo, conciliando a moral e o individual, com a sociedade e política,
originando a "virtude republicana", que se resume a uma concordância social.
Sendo assim, pode-se afirmar que tal modo de pensamento não se relaciona apenas
a como o indivíduo se comporta, mas também como a sociedade é organizada, tal como a
decisão de seus representantes políticos, feita através do povo que deve escolher
homens de virtude e sabedoria. Ou seja, há a presença da liberdade civil mas não em
excesso e sempre conjugada com a virtude, inclusive em seu poder de escolha.
Entretanto, Tocqueville apresenta as primeiras turbulências em relação à
individualidade excessiva e a própria democracia que, de acordo com o autor, precisam
da presença de associações privadas para cumprir o papel de mediador entre os
interesses individuais, estatais e religiosos. Em contraste com Mill, Tocqueville via a
religião como uma aliada, partindo do pressuposto de que elas se baseiam no crer sem
discutir ou questionar, anulando o vício norte americano de apenas utilizarem de si
mesmo como padrões de seu julgamento e sendo reconhecida como a primeira das
instituições políticas.
Sendo assim, pode-se encontrar uma modalidade de liberalismo que precede A
Liberdade e atua como um possível corretivo a ela. O próprio Mill assume uma segunda
linha de pensamento - o "outro mill" - que nega que os assuntos sociais possam ser
compreendidos dentro de um princípio único e simples. Portanto, o homem deve usar
do seu próprio julgamento mas não apenas confiar no seu próprio juízo. Para isso, o
indivíduo deve ser tirado de um estágio de independência selvagem, adquirindo uma
moralidade proveniente da educação, opinião, leis e organizações sociais,
reafirmando o conceito de que o governo apenas existe com a finalidade de
aprimoramento do homem como ser moral e inteligente.
Em adição, o autor afirma que o erro dos filósofos estava relacionado a uma
necessidade de anular qualquer reverência que o homem possua por algo que fosse
superior a ele e eliminando o fato de que tais limites que o costume impunha, serviriam
como ferramenta regulatória das fantasias e inclinações do próprio homem. Além
disso, deixaram de notar que a própria sociedade constrói-se em uma série de influências
civilizadoras e restritivas, que se derivam de um sistema de educação iniciado na infância e
que segue por toda a vida, tornando possível que o indivíduo subordine seus impulsos e
anseios e, dessa forma, mantendo vivo os sistemas de governança.
A ascensão do nazismo e do comunismo provocaram um sentimento
comunitário de que a única resolução contra um regime absolutista seria o princípio de
liberdade absoluto, onde assim, o totalitarismo só poderia ser combatido com uma ideologia
tão intensa quanto a própria. Sendo assim, qualquer tipo de ação não justificada por tal
liberdade absoluta é considerado um ato de tirania que, de acordo com os Liberais,
representa um golpe à liberdade de expressão. Em adição, defende-se o próprio
distanciamento da Igreja em relação ao Estado e assim, evitando que subsídios
governamentais sejam utilizados para obras, por exemplo, de caráter cristão.
Entretanto, surge-se uma contradição relacionada ao caráter Liberal: a anulação das
liberdades particulares em razão de um conceito absolutista da palavra. Dessa maneira,
inválida-se os princípios que constroem este caráter particular, tais como leis, costumes e
caráter, adquirindo a responsabilidade de privar liberdades específicas, não atuando como
uma forma moderada de liberdade, mas sim, como uma fonte imoderada de controle
governamental. Além disso, outro efeito da ascensão de um caráter liberal absolutista é a
ilegitimidade de sociedades liberais no sentido tradicional, lógica que automaticamente
relaciona tais ideais políticos com a tirania. Para Václav Havel - presidente da
Tchecoslováquia - o conceito de liberdade que antes restringia os próprios cidadãos a vícios
e tendências comportamentais (algo que fora apoiado de maneira sucinta, visando sua
utilização para operações diárias do regime totalitário), fora rompido, abrindo-se para uma
ordem que limitasse mas não explorasse tais vícios, baseando-se na responsabilidade
individual, mas que não consegue se firmar, justamente por demorar anos para sua
implantação.
Sendo assim, ao colocar o indivíduo em uma relação antagônica com a sociedade e
com o Estado, tal conceito de liberdade torna-se um perigo para o próprio Liberalismo, já
que não respeita o senso moral de comunidade e sendo incompatível com as demandas
legítimas da sociedade.

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