12.4 Carreiras e Remuneração No Serviço Público

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Carreiras e remuneração no serviço público1

Maria Sylvia Zanella Di Pietro


Professora titular (aposentada) de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo. Advogada e consultora.

Sumário: 1 Introdução – 2 Carreira – 3 O desprestígio da organiza- d) estabeleceu limites para o provimento de


ção em carreiras no serviço público – 4 Remuneração – 5 Remune-
ração do servidor efetivo nomeado para cargo em comissão – 6 A
cargos em comissão e funções de confiança, só
questão do teto salarial – 7 Irredutibilidade de vencimentos e direito possível para as atribuições de chefia, direção e as-
adquirido – 8 Vedação de vinculação e equiparação, para fins de sessoramento (art. 37, V);
remuneração – 9 Princípio da paridade de vencimentos – 10 A ques-
tão da expectativa de direito e do direito adquirido
e) impôs exigências para a contratação de
servidores temporários, que ficou limitada às hipó-
teses de necessidade temporária de excepcional in-
teresse público (art. 37, IX);
1 Introdução1
f) estabeleceu o teto salarial para todos os
Os temas pertinentes ao servidor público apre- servidores.
sentam sempre a dificuldade de envolverem maté- No entanto, por diferentes fatores, tem-se re-
rias inseridas na competência legislativa de cada velado a tendência no sentido do desmonte desse
ente federativo. Cada qual tem sua legislação espe- modelo: (i) por meio de emendas constitucionais;
cífica sobre o assunto, respeitadas as normas da (ii) pelo crescimento da terceirização sob a forma
Constituição Federal, que são obrigatórias para to- de fornecimento de mão de obra; (iii) pelo desvir-
dos. Por isso, o tema será analisado sob o ângulo tuamento das regras sobre contratação temporária
constitucional. de servidores; (v) pelo desrespeito às exigências
A Constituição de 1988 idealizou modelo de constitucionais estabelecidas para o provimen-
regime jurídico a ser instituído, em cada esfera de to de cargos em comissão; (vi) pelo inchaço da
governo, para os servidores públicos, calcado em Administração Pública com cargos em comissão; (v)
determinados critérios, em que o princípio da isono- pela prática administrativa; (vi) pelas deficiências
mia desempenhou papel fundamental: do controle.
a) prestigiou o princípio da isonomia com a Alguns desses aspectos serão tratados na ex-
previsão de: posição do tema proposto.
- regime jurídico único para os servidores da Note-se que a Constituição contém muitas re-
administração direta, autarquias e funda- gras sobre remuneração e pouquíssimas regras so-
ções públicas (art. 39, caput); bre carreira.
- isonomia de vencimentos para cargos de
atribuições iguais ou assemelhadas do 2 Carreira
mesmo Poder ou entre servidores dos três
A carreira corresponde ao escalonamento dos
Poderes (art. 39, §1º);
cargos públicos em níveis crescentes de responsa-
- isonomia entre vencimentos de servidores
bilidade e complexidade. Embora esse seja o con-
em atividade, proventos de aposentadoria e
ceito normalmente utilizado pela doutrina, muitas
pensão dos dependentes do servidor faleci-
vezes o que prevalece, na passagem de um nível a
do (art. 40, §§7º e 8º);
outro, é a elevação da remuneração ou a mudança
- revisão anual de remuneração, sempre na
do local de trabalho, sem mudanças nas atribuições
mesma data e sem distinção de índices
ou no nível de complexidade e responsabilidade.
(art. 37, X);
Quando a promoção se dá para funções de chefia
b) exigiu concurso público para investidura em
e direção, aí sim o servidor passa a exercer, com
cargos e empregos públicos, o que também garante
a promoção, atribuições de maior complexidade e
a isonomia entre todos os possíveis interessados
responsabilidade.
que satisfaçam os requisitos legais (art. 37, II);
A carreira é definida em lei. A passagem de um
c) previu a criação de planos de carreira para
nível a outro, mais elevado, é feita por concurso de
os servidores da administração direta, autarquias e
promoção.
fundações públicas (art. 39, caput);
A cada nível corresponde remuneração diver-
sa, que se eleva na medida em que o servidor vai
1
Este texto corresponde, com pequenas alterações, a palestra
proferida em Brasília, no 14º Fórum Brasileiro de Contratação e
passando de um cargo para outro, de nível mais ele-
Gestão Pública, organizado pela Editora Fórum. vado. Se assim não fosse, não haveria sentido em

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Carreiras e remuneração no serviço público

prever-se a organização em carreira nem a promo- provas de conhecimento. Normalmente a promoção


ção. A organização em carreira constitui uma forma se faz por critérios alternados de mérito e antiguida-
de estimular o servidor a buscar o aperfeiçoamen- de, conforme disciplinado por legislação infracons-
to, a dedicação, a assiduidade, já que o critério do titucional.
mérito é levado em consideração no concurso de Não tem fundamento jurídico, no direito bra-
promoção. sileiro, a passagem do servidor de uma carreira a
A Constituição, na redação original, previu, no outra, de conteúdo ocupacional diverso. Isto era cha-
artigo 39, o regime jurídico único e a instituição de mado de ascensão no artigo 8º da Lei nº 8.112/92
planos de carreira para os servidores da administra- (que estabelece o regime jurídico único para os ser-
ção direta, autarquias e fundações públicas. vidores da União, autarquias e fundações públicas).
A Emenda Constitucional nº 19/98 alterou a No Estado de São Paulo era chamado de transposi-
redação do dispositivo, que não fala mais em pla- ção. A passagem de uma carreira para outra era fei-
nos de carreira nem em regime jurídico único. Mas ta por concurso interno aberto somente para quem
continua a prever, implicitamente, a organização em já tinha o status de servidor público.
carreira, ao assim determinar, no artigo 39, §1º, No entanto, o Supremo Tribunal Federal enten-
inciso I: deu inconstitucional esse tipo de ascensão, tendo
em vista que a Constituição, no artigo 37, II, exige
§1º A fixação dos padrões de vencimento e dos concurso público, ou seja, concurso aberto a todos
demais componentes do sistema remuneratório ob- os interessados que satisfaçam os requisitos do
servará:
edital.
I – a natureza, o grau de responsabilidade e a com-
Além desses concursos internos, era e conti-
plexidade dos cargos componentes de cada carreira;
nua sendo comum a previsão, em leis de reestru-
(...)
turação de carreiras, de passagem do servidor de
E no §2º do mesmo dispositivo fala em promo- uma carreira a outra, por meio de institutos deno-
ção na carreira, nos seguintes termos: minados de reenquadramento, transformação, apro-
veitamento e outras designações semelhantes.
§2º A União, os Estados e o Distrito Federal mante- O que o Supremo Tribunal Federal aceita como
rão escolas de governo para a formação e o aperfei- válido, nessas leis, é o enquadramento em outra
çoamento dos servidores públicos, constituindo-se carreira, desde que as atribuições sejam iguais ou
a participação nos cursos um dos requisitos para assemelhadas e que em ambas as carreiras haja o
a promoção na carreira, facultada, para isso, a ce-
mesmo nível de escolaridade. Por exemplo: na ADin
lebração de convênios ou contratos entre os entes
federados. nº 3.720/SP, julgada em 31.10.2007, em que foi
relator o Ministro Marco Aurélio, entendeu-se possí-
Essa redação dada pela Emenda Constituição vel, com a criação da Defensoria Pública no Estado
nº 19/98 foi suspensa, liminarmente, por incons- de São Paulo, que Procuradores do Estado optas-
titucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, na sem pela nova carreira. A justificativa foi a de que
ADin-2.135/DF. Com isso, o artigo 39 voltou a apli- a Defensoria Pública absorveu atividades que antes
car-se com sua redação original, voltando a prever o eram da Procuradoria Geral do Estado, sendo seus
regime jurídico único e os planos de carreira. integrantes sujeitos ao mesmo concurso de ingresso.
De qualquer forma, seja na redação original, Se as atribuições forem diversas e se a inte-
seja na redação dada pela Emenda Constitucional gração na nova carreira exigir nível de escolaridade
nº 19/98, a organização em carreira tem fundamen- diverso, não é possível o provimento sem concur-
to constitucional. so público. Vários acórdãos foram proferidos pelo
Além disso, a Constituição, em vários disposi- Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto,
tivos, prevê a organização em carreira dos membros como ocorreu nas ADins nºs 1591/5-RS (Relator
da Magistratura (art. 93), do Ministério Público (art. Ministro Gallotti), 2335/SC (Relator Ministro Gilmar
128, §1º), da Advocacia Geral da União (art. 131, Mendes), 3582/PI (Relator Ministro Sepúlveda
§2º), das Procuradorias dos Estados (art. 132) e da Pertence).2
Defensoria Pública (art. 134, parágrafo único). Depois de várias decisões, o Supremo Tribunal
A mesma organização em carreira, com níveis Federal editou a Súmula 685, nos seguintes ter-
diferenciados de remuneração, existe para os ser- mos:
vidores que estão no regime de subsídios, definido
pelo §4º do artigo 39. A parcela única a que fazem
jus refere-se a cada nível da carreira.
A passagem de um nível a outro é feita em con- A respeito do assunto, proferimos pareceres publicados no livro
2

Direito Administrativo – Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2015,


curso de promoção, que independe da realização de p. 101-117 e 118-126.

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro

É inconstitucional toda modalidade de provimen- nesta categoria os autônomos, estagiários, voluntá-


to que propicie ao servidor investir-se, sem prévia rios e cedidos por outras entidades”.3
aprovação em concurso público destinado ao seu Além disso, muitos cargos em comissão e
provimento, em cargo que não integra a carreira na
funções de confiança são criados para atribuições
qual anteriormente investido.
outras que não as de chefia, direção e assessora-
mento, com afronta ao artigo 37, V, da Constituição.
3 O desprestígio da organização em Esses dados revelam que a organização do
carreiras no serviço público pessoal da Administração Pública está muito longe
A organização em carreira, o ingresso mediante do modelo idealizado pela Constituição de 1988,
concurso público, a promoção pelo critério de mérito, com regime jurídico único, ingresso por concurso pú-
foram idealizados para um modelo de Administração blico, organização em carreira, prestígio do mérito,
Pública burocrática, baseada nos ideais de profissio- da impessoalidade, do profissionalismo.
nalismo, impessoalidade, isonomia, mérito. Outro fator que atrapalha a organização em
Dentro dessa forma de organização, o que se carreira é a terceirização sob a forma de forneci-
prega é o ingresso no cargo inicial da carreira me- mento de mão de obra, em substituição a cargos,
diante concurso púbico e a ascensão na carreira empregos e funções providos por servidores públi-
mediante critério de mérito. cos. Pessoas muitas vezes despreparadas passam
No entanto, por diversas formas, essa siste- a atuar dentro da Administração Pública, sem a exi-
mática tem sido parcialmente abandonada, por se gência de concurso público e sem sofrerem as mes-
entender que o modelo burocrático de organização mas restrições salariais aplicáveis aos servidores.
administrativa gera a ineficiência no serviço público. Essa sistemática de terceirização, com ou sem
O servidor, conquistando a estabilidade, acomoda-se respeito às restrições estabelecidas pela Justiça do
no exercício de suas funções, sem muita preocupa- Trabalho, por meio da Súmula 331, está consagra-
ção com os resultados. da na Administração Pública de todas as esferas
Foi o que se alegou ao propor-se, no Governo de governo, nos três Poderes do Estado e até nos
Fernando Henrique Cardoso, a instituição da chama- Tribunais de Contas.
da Administração Pública gerencial, que exige maior Isto constitui um desincentivo à organização
responsabilidade dos gestores públicos e maior pre- em carreira e um desincentivo aos servidores con-
ocupação com o controle de resultados. Passou-se cursados. Já tive conhecimento de servidores que
a prestigiar os modelos privados de formação do se afastaram de seus cargos, temporariamente,
quadro de pessoal. para atuarem como empregados terceirizados, em
Mas não foi só isso. Outros fatores também busca de melhor remuneração.
contribuíram para o abandono parcial da organiza- Para o poder público pode parecer interessan-
ção em carreira. te a terceirização como forma de reduzir as despe-
De um lado, o inchaço da Administração Pú­ sas com a folha de pagamento e com os encargos
sociais. Mas é evidente que as empresas que forne-
blica com cargos em comissão e funções de con-
cem mão de obra incluem tais encargos no preço do
fiança, que não são organizados em carreira e não
contrato. Além disso, em grande parte dos casos,
estão sujeitos à aprovação em concurso público. É
não recolhem os encargos devidos à previdência so-
forma de provimento que favorece o nepotismo e
cial, em prejuízo do trabalhador, com pesados ônus
o apadrinhamento, além de, na maior parte dos ca-
para o erário, que acaba tendo que responder sub-
sos, remunerar melhor o servidor, tornando-se espe- sidiariamente.
cialmente atraente, seja para o servidor que ocupa O fato é que a terceirização é um dos fato-
cargo efetivo, seja para o cidadão que pode, sem res que tem contribuído para reduzir consideravel-
qualquer exigência de mérito, ser nele investido. mente as carreiras públicas, que acabam ficando
Em trabalho publicado no site do CONJUR, em reduzidas praticamente às atividades exclusivas do
9.7.2015, com o título “A Administração com muitos Estado, exercidas por membros da Magistratura,
cargos de confiança não é confiável”, Fabrício Motta Ministério Público, Advocacia Pública, controle, fis-
aponta que o Governo Federal tem 23.941 cargos calização, polícia, regulação, diplomacia.
dessa natureza. E que “a administração direta dos
Estados brasileiros possui um total de 83.927 ser-
vidores comissionados e outros 435.551 agentes
‘sem vínculo permanente’, sendo assim considera-
dos pela pesquisa os que trabalham ‘por prestação
3
O governo provisório de Michel Temer tem anunciado que pretende
de serviços, sem vínculo empregatício e sem cartei- extinguir entre 4.000 e 5.000 cargos em comissão e funções de
ra de trabalho assinada’. Também foram incluídos confiança.

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Carreiras e remuneração no serviço público

4 Remuneração Se não houver a previsão legal de incorporação,


o servidor volta a perceber o valor correspondente
No que diz respeito à remuneração, sabe-se
ao cargo efetivo, já que a regra da irredutibilidade de
que necessariamente ela é fixada por lei específica,
vencimentos, para o servidor ocupante de cargo pú-
conforme previsto no artigo 37, X, da Constituição
blico, diz respeito ao padrão de cada cargo e às van-
Federal. Essa lei é de iniciativa do Chefe do Poder
tagens já incorporadas. É o que está expresso no
Executivo (art. 61, II, “a”), da Câmara dos Deputados
artigo 41, §3º, da Lei nº 8.112/92, assim redigido:
(art. 51, IV), do Senado Federal (art. 52, XIII), do
Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores §3º - O vencimento do cargo efetivo, acrescido das
e dos Tribunais de Justiça (art. 96, II, “b”), do vantagens de caráter permanente, é irredutível.
Ministério Público (art. 127, §2º) e dos Tribunais de
Contas (art. 73, combinado com o art. 96).4 Quando o servidor se aposenta, as vantagens
Não é dado ao Poder Legislativo, por sua pró- já incorporadas, que integram a remuneração, são
pria iniciativa, fixar ou reajustar vencimentos dos incluídas no valor dos proventos, conforme se de-
servidores públicos, nem conceder vantagens, sem duz do art. 40, §2º, da Constituição (alterado pela
respeitar a iniciativa de cada Poder ou órgão a que a Emenda Constitucional nº 20/98), in verbis:
Constituição confere essa competência. Se o fizer,
a lei estará sujeita a impugnação por via de ação §2º Os proventos de aposentadoria e as pensões,
direta de inconstitucionalidade. por ocasião de sua concessão, não poderão exce-
Evidentemente, o Chefe do Poder Executivo der a remuneração do respectivo servidor, no cargo
efetivo em que se deu a aposentadoria ou que ser-
pode exercer o poder de veto por razões de interes-
viu de referência para a concessão da pensão.
se público ou de inconstitucionalidade, com funda-
mento no artigo 66, §1º, e 84, V, da Constituição. Desse modo, se o servidor não incorporou a
Os cargos, funções e empregos públicos da diferença referente ao cargo em comissão, os pro-
administração direta e autárquica têm que ser cria-
ventos serão calculados pelo valor da remuneração
dos por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo,
do cargo efetivo.
com fundamento no artigo 61, §1º, II, “b”, da
Existem diferentes formas de designar a con-
Constituição. Quando a lei cria o cargo, já o insere
tribuição pecuniária a que faz jus o servidor, defini-
em determinada carreira escalonada em diferentes
das pela legislação estatutária de cada esfera de
níveis de complexidade e responsabilidade, e, inclu-
governo.
sive, de remuneração.
A Constituição ora fala em vencimento (art.
37, XII, XV, e art. 39, §1º), ora fala em remuneração
5 Remuneração do servidor efetivo (art. 37, X, XI, 39, §§5º, 6º e 8º, art. 40, §§2º e 3º,
nomeado para cargo em comissão dentre outros).
O servidor efetivo que é nomeado para cargo Na esfera federal, como se viu, a Lei nº
em comissão passa a receber a remuneração cor- 8.112/92 fala em vencimento, no artigo 40, e em
respondente a este último, a menos que a lei permi- remuneração, no artigo 41, dando os respectivos
ta a opção pela remuneração do cargo efetivo. conceitos, já referidos.
Quando é exonerado do cargo em comissão, Enquanto está no exercício de cargo em comis-
o servidor volta a receber os vencimentos do cargo são ou função de confiança, o servidor passa a re-
efetivo, ainda que o valor seja menor. Mas é muito ceber a respectiva remuneração, salvo quando haja
comum a legislação prever a incorporação, total ou possibilidade de optar pela remuneração do cargo
parcial, da diferença salarial depois de determinado efetivo.
tempo no exercício desse cargo ou função. Essa di-
ferença incorpora-se ao padrão e passa a compor a 6 A questão do teto salarial
remuneração do servidor, tal como definida no arti-
go 41 da Lei nº 8.112/92. Depois de definir o venci- O artigo 37, inciso XI, da Constituição de 1988
mento, no artigo 40, como “a retribuição pecuniária previu o teto salarial para os servidores públicos de
pelo exercício de cargo público, com valor fixado em todas as esferas de governo e dos três Poderes
lei”, o artigo 41 define remuneração como “o ven- do Estado, independentemente do regime jurídico
cimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens a que se vincule. Abrange as vantagens pecuniá-
pecuniárias permanentes estabelecidas em lei”. rias de qualquer natureza, somente se excluindo as
de caráter indenizatório. Esse dispositivo já sofreu
Nas esferas estaduais e municipais, igual competência é exercida
4 duas alterações, sendo a primeira pela Emenda
pela Assembleia Legislativa e pela Câmara Municipal, conforme Constitucional nº 20/98 e a segunda pela Emenda
estabelecido em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas
Municipais. Constitucional nº 41/2003.

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Pela redação atual, o teto é diferente para da Constituição. No entanto, o entendimento que
cada esfera de governo: (i) na União, o teto é repre- vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal é
sentado pelo subsídio dos Ministros do Supremo no sentido de respeitar a norma do artigo 17 do Ato
Tribunal Federal; para os Estados e Distrito Federal, das Disposições Constitucionais Transitórias.
o teto é representado pelo subsídio do Governador, O resultado da norma do teto é que hoje há
dos Deputados Estaduais e Distritais e pelo subsí- uma tendência muito forte à criação de vantagens
dio do Prefeito, conforme se trate, respectivamente, pecuniárias com caráter indenizatório, como auxílio-­
de servidores federais, estaduais ou municipais. moradia, auxílio-alimentação, auxílio-paletó e outras.
Esse critério produz profundas desigualdades Elas não se incluem no teto. Sobre elas não incide
remuneratórias, pois servidores que exercem idên- a contribuição previdenciária. Em consequên­cia, não
ticas atribuições recebem remuneração diferente. A se incluem no cálculo dos proventos e pensões.
desigualdade é reforçada porque nem todos os ór-
gãos e entidades públicas cumprem a norma sobre 7 Irredutibilidade de vencimentos e direito
o teto. Inclusive em caso de acumulação remunera- adquirido
da, nem sempre é observado o teto salarial, porque
o dispositivo da Constituição não foi regulamentado Já foi visto no item anterior que, por força do
e os órgãos e entidades da Administração Pública artigo 17 do ADCT, combinado com o artigo 9º da
não têm os dados pertinentes às outras esferas de Emenda Constitucional nº 41/2003, o artigo 37, XI,
governo. Além disso, não se sabe qual teto aplicar com a redação dada por esta última emenda, tem
em caso de acumulação. aplicação imediata, não sendo respeitado o direito
O Supremo Tribunal Federal tem rechaçado a adquirido de quem recebia valor superior em decor-
tese de que determinadas vantagens ficam acima rência da redação anterior do dispositivo pertinente
do teto. Também tem afastado a tese do direito ao teto.
adquirido ao teto fixado anteriormente à Emenda A mesma situação ocorre em relação à for-
Constitucional nº 41/03. E ainda a tese de que ma de cálculo das vantagens pecuniárias, previs-
quem já acumulava cargos antes da fixação do teto ta no inciso XIV do artigo 37. Na redação original,
teria o direito de continuar a receber o valor cor- apenas as vantagens correspondentes a tempo de
respondente à soma das duas remunerações, sem serviço (adicionais e sexta-parte dos vencimentos)
aplicação do teto. Isto em decorrência da norma do eram alcançadas pelo dispositivo. Com a redação
artigo 9º da EC 41/03, assim redigido: dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, todas
as vantagens pecuniárias passaram a ser alcança-
Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Dispo­ das pelo dispositivo, significando que todas devem
sições Constitucionais Transitórias aos vencimen- ser calculadas sobre o padrão do cargo, vedado o
tos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cálculo cumulativo.
cargos, funções e empregos públicos da administra-
O artigo 17 do ADCT também é aplicado, afas-
ção direta, autárquica e fundacional, dos membros
tando qualquer alegação de direito adquirido. A
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de Constituição exige aplicação imediata do inciso XIV
mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os do artigo 37, impondo o recálculo das vantagens
proventos, pensões ou outra espécie remuneratória pecuniárias. A norma tem sido reiteradamente des-
percebidos cumulativamente ou não, incluídas as respeitada pela maioria dos órgãos e entidades da
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. Administração Pública.

Por sua vez, o artigo 17 do Ato das Disposições


8 Vedação de vinculação e equiparação,
Constitucionais Transitórias assim determina, no
caput:
para fins de remuneração
O inciso XIII do artigo 37 da Constituição veda
Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os a vinculação ou equiparação de qualquer espécie
adicionais, bem como os proventos de aposenta-
remuneratória para o efeito de remuneração de pes-
doria que estejam sendo percebidos em desacordo
com a Constituição serão imediatamente reduzidos
soal do serviço público.
aos limites dela decorrentes, não se admitindo, O dispositivo tem pelo menos dois significa-
neste caso, invocação de direito adquirido ou per- dos:
cepção de excesso a qualquer título. a) os reajustes de remuneração dos servidores
públicos não podem ficar vinculados a qualquer tipo
O dispositivo foi bastante criticado e objeto de de índice que acarrete revisão automática, como sa-
controvérsias, pelo fato de desrespeitar o princípio lário mínimo, índice da Fundação Getulio Vargas ou
do direito adquirido, consagrado no artigo 5º, XXXVI, outro qualquer;

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Carreiras e remuneração no serviço público

b) não pode haver equiparação de cargos pú- Executivo, que existem em quantidade muito maior
blicos para fins de remuneração, de tal modo que, do que nos demais Poderes, recebem remuneração
havendo reajuste de vencimentos em um deles, a inferior. Para aplicar o limite imposto pelo inciso XII
remuneração do outro se altere automaticamente, do artigo 37, teria que haver um congelamento tem-
na mesma proporção. porário dos vencimentos dos servidores dos demais
A justificativa está no fato de que a Adminis­ Poderes, até que se alcançasse a paridade.
tração Pública, para pagar seus servidores, depen- Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal
de de recursos orçamentários e sofre limitações, adotou, na ADin 603-7, em que foi Relator o Ministro
especialmente a do artigo 169 da Constituição. O Eros Grau (DJ de 6.10.2006), entendimento segun-
caput desse dispositivo estabelece que “a despesa do o qual “o inciso XII, artigo 37, da Constituição
com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, cria um limite, não uma relação de igualdade. Ora,
do Distrito Federal e dos Municípios não poderá ex- esse limite reclama, para implementar-se, interven-
ceder os limites estabelecidos em lei complemen- ção legislativa, uma vez que já não havendo parida-
tar”. Esse limite é definido pelo artigo 19 da Lei de de, antes do advento da Constituição, nem estando,
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, desse modo, contidos os vencimentos, somente
de 4.5.2000). por redução dos que são superiores aos pagos pelo
Por sua vez, o §1º do artigo 169 da Constituição Executivo, seria alcançável a parificação prescrita”.
somente permite a concessão de qualquer vanta- Tal entendimento contribuiu para que o dispositivo
gem ou aumento de remuneração, a criação de car- constitucional continue sendo desrespeitado, em
gos, empregos e funções ou alteração de estrutura desprestígio do princípio da isonomia.
de carreiras, bem como a admissão ou contratação
de pessoal, a qualquer título, se observados os se- 10 A questão da expectativa de direito e
guintes requisitos: “I – se houver prévia dotação or- do direito adquirido
çamentária suficiente para atender às projeções de
despesa de pessoal e aos acréscimos dela decor- Embora essa questão não constitua obje-
rentes; II – se houver autorização específica na lei to específico do tema proposto, é oportuna a sua
de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empre- menção, tendo em vista as controvérsias que está
sas públicas e as sociedades de economia mista”. suscitando.
Em função disso, o Supremo Tribunal Federal Com efeito, muito se tem discutido a diferen-
editou a Súmula 681, depois transformada na ça entre expectativa de direito e direito adquirido,
Súmula Vinculante nº 42, assim redigida: por conta de nova reforma previdenciária, anunciada
pelo Governo Michel Temer, como um dos instru-
É inconstitucional a vinculação de reajuste de ven- mentos cabíveis para ajustar as contas públicas. O
cimento de servidores estaduais ou municipais a objetivo é o de estabelecer novos requisitos para a
índices federais de correção monetária. aposentadoria, especialmente para os empregados
vinculados ao regime geral de previdência social.
E também aprovou a Súmula Vinculante nº 4, Dentre os requisitos, seria ampliada a idade mínima
in verbis: para aposentadoria (já exigida para os servidores
públicos desde a Emenda Constitucional nº 20/98,
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salá-
rio mínimo não pode ser usado como indexador de
que deu nova redação ao artigo 40 da Constituição).
base de cálculo de vantagem de servidor público Também há a intenção de igualar os requisitos para
ou de empregado, nem ser substituído por decisão homens e mulheres ou, pelo menos, o de reduzir a
judicial. diferença hoje existente.
A questão do direito adquirido surge sem-
9 Princípio da paridade de vencimentos pre que há alteração das normas legais que re-
gem determinado instituto. O artigo 5º, inciso
O inciso XII do artigo 37 da Constituição esta- XXXVI, da Constituição, seguindo a sistemática das
belece que “os vencimentos dos cargos do Poder Constituições anteriores, consagrou o princípio do
Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser respeito ao direito adquirido. O dispositivo veda que
superiores aos pagos pelo Poder Executivo”. a lei prejudique o direito adquirido, o ato jurídico per-
Trata-se do chamado princípio da paridade de feito e a coisa julgada.
vencimentos entre os servidores dos três Poderes, A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-
servindo os pagos pelo Poder Executivo de limite lei nº 4.657, de 4.9.42), hoje denominada Lei de
para os demais. Essa norma já vem da Constituição Introdução às Normas do Direito (conforme altera-
de 1967, porém não tem sido cumprida. Talvez pelo ção feita pela Lei nº 12.376/2010), define o direito
fato de que, em regra geral, os servidores do Poder adquirido no artigo 6º, §2º:

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos
titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aque- segurados do regime geral de previdência social,
les cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou bem como aos seus dependentes, que, até a data
condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de ou- da publicação desta Emenda, tenham cumprido os
trem.
requisitos para a obtenção destes benefícios, com
base nos critérios da legislação então vigente”.
Vale dizer que somente se pode falar em di-
Por sua vez, a Emenda Constitucional nº
reito adquirido quando o servidor, à época da al- 41/2003 incluiu novas exigências, porém também ga-
teração legislativa, já tenha cumprido os requisitos rantiu todos os direitos adquiridos até a data de sua
para aquisição do direito, ou quando a aquisição do publicação, com base na legislação então vigente.
direito estiver sujeita a termo ou condição preesta- Disso resulta que existem diferentes situa-
belecidos. ções respeitadas pelo ordenamento constitucional,
Por exemplo, se a lei garante o direito à licen- no que diz respeito à aposentadoria, conforme o
ça-prêmio ou ao adicional por tempo de serviço, a servidor tenha ingressado no serviço público antes
cada cinco anos de exercício em cargo público, e se da Emenda Constitucional nº 41/2003, o que in-
vier lei nova extinguindo tais direitos, não há possi- gressou após essa emenda, ou que ingressou an-
bilidade de serem atingidos os direitos cujos requi- tes da Emenda Constitucional nº 20/98.
sitos foram cumpridos na vigência da lei anterior. A Na realidade, embora nas várias situações o
licença-prêmio já conquistada (ainda que não usu- servidor ainda não tivesse completado os requisitos
fruída) e os adicionais por tempo de serviço já incor- para a aposentadoria, as emendas constitucionais,
porados ao patrimônio do servidor não podem ser que decorrem de poder constituinte derivado, res-
afetados pela lei nova que extinga tais benefícios. peitaram a expectativa de direito dos que já esta-
Mas outros direitos de igual natureza não poderão vam no serviço público, desde que observados os
vir a ser adquiridos a partir do momento em que a requisitos estabelecidos.
Considera-se justa a expectativa de direito
lei os extinguiu.
pelo fato de ter o servidor ingressado no serviço
Quando as alterações são feitas pela Cons­
público com a expectativa de que iria aposentar-se
tituição, o Supremo Tribunal Federal, desde longa
segundo as regras do regime previdenciário vigente
data, consagrou o entendimento de que perante a
à época de seu ingresso no serviço público. Embora
Constituição não existem direitos adquiridos. Como se trate de mera expectativa, o legislador, muitas
a Constituição decorre de poder constituinte originá- vezes, opta por respeitá-la. Mas tem que haver nor-
rio, incondicional, ilimitado, em princípio, ela pode ma expressa nesse sentido. No silêncio da norma
tudo, inclusive acabar com direitos adquiridos ante- constitucional, não poderia haver respeito a tais si-
riormente à sua entrada em vigor. tuações, que não se configurariam como direitos
No entanto, na tradição do direito brasileiro, adquiridos, mas como expectativas de direito.
têm sido respeitados os direitos adquiridos com Só se pode falar em direito adquirido quando
fundamento em Constituição anterior. Assim, se em os requisitos para sua aquisição já tenham sido
Constituição anterior a aposentadoria voluntária se atendidos antes das alterações introduzidas pela
dava com o só cumprimento do requisito de 30 anos alteração legislativa. Se os requisitos não foram
de serviço e, com a nova Constituição, essa exigên- atingidos, fala-se apenas em expectativa de direito.
cia se ampliou com a previsão de novos requisitos Desse modo, os atuais trabalhadores, vincu-
(tempo maior de serviço, idade mínima, contribuição lados ao regime geral de previdência social, e os
previdenciária), ela não afetou o direito dos servi- servidores públicos, vinculados ao regime próprio
dores que já haviam completado os requisitos para de previdência social, têm mera expectativa de
a aposentadoria com base na Constituição anterior. direito de que a sua aposentadoria vai poder ser
No entanto, no que diz respeito ao teto salarial obtida com observância dos requisitos atualmente
e à nova fórmula de cálculo das vantagens pecuniá­ estabelecidos. Em caso de novas alterações serem
rias, a Constituição de 1988 exigiu que se aplicas- introduzidas na sistemática vigente, é o legislador
sem imediatamente as novas disposições, sem a constituinte que vai definir se respeita ou não, e em
possibilidade de ser invocado o direito adquirido que medida respeita, as expectativas de direito. Se
(art. 17 do ADCT). o fizer, será por meio de normas de transição.
Já no que diz respeito às exigências para apo-
sentadoria, profundamente alteradas pelas Emendas
Constitucionais nº 20/98 e nº 41/03, o legislador Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
constituinte não só respeitou os direitos adquiridos,
como prestigiou as expectativas de direito. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Carreiras e remuneração no ser-
viço público. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 16,
O artigo 3º da Emenda Constitucional nº 20 as- n. 186, p. 76-82, ago. 2016.
segurou “a concessão de aposentadoria e pensão,

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