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A fé Bíblica e a História Americana – R. J. Rushdoony


Willian Po rto

O Passado
A f é Bíblica, primeiro que tudo, começa com o Deus
soberano Que, em Sua graça e misericórdia, redime ao
homem por meio da obra expiatória de Jesus Cristo. Visto
que Deus é soberano, Sua obra de salvação é um ato de
graça soberana. Qualquer coisa que careça disto não é
bíblico: é outra religião, não importa sua f orma
aparentemente cristã. Jesus não pode ser nosso
Salvador se Ele não é nosso Senhor.

Segundo, visto que Deus é o Deus total e soberano,


nossa f é não pode ser somente um assunto espiritual. O
Deus totalmente soberano é Senhor sobre cada aspecto
da vida. Todas as coisas são criadas, predestinadas,
governadas e julgadas por Ele. Como resultado, a Bíblia
legisla sobre cada área da vida, igreja, estado, escola,
f amília, ciências, artes, economia, vocações, coisas
espirituais e coisas materiais. Contudo, o neoplatonismo,
considerava o mundo material como inf erior e irrelevante
à religião. Assim, cada vez que o neoplatonismo evidencia-se, a f é Cristã é reduzida a
uma religião espiritual.
Neoplatonismo na igreja

Santo Agostinho, a quem a Igreja deve muito por sua ênf ase na predestinação de Deus, f oi
inconsistente quando se af astou de Deus para o mundo. Seu neoplatonismo tomou o controle, e
entregou nas mãos do inimigo o mundo e a história. A obra de Cristo f oi substancialmente reduzida
a uma, salvar almas. Como escreveu Tuveson sobre Agostinho, “Ele entendia essencialmente a
religião como uma experiência individual, um contato transf ormador imediato da alma com a verdade
e a graça divina [1]“. Esta ênf ase, em Agostinho e em todos seus sucessores até o presente, trouxe
uma releitura da Bíblia como um livro de consolo espiritual para a alma. Seja interpretando as leis de
Êxodo, Levítico e Deuteronômio, ou o Livro de Apocalipse, tudo f oi espiritualizado e transf ormado em uma
mensagem para a alma. As cores usadas no tabernáculo, e os números citados nas prof ecias, trouxeram
mensagens espirituais de grande importância, enquanto os signif icados mais simples eram considerados
(e passados por alto) como carnais e destinados a uma geração carnal.

A inf luência de Agostinho na escatologia prevaleceu por mil anos, e está novamente conosco. Com a
decadência do neoplatonismo, houve um avivamento do pós-milenismo. Uma de suas consequências f oi a
grande era da exploração. Há muitas indicações de que os Americanos f oram “descobertos” repetidas
vezes ao longo dos séculos, por Europeus e Asiáticos, por Fenícios e Árabes do Oriente Médio, por
Chineses, Escandinavos e quem sabe outros Europeus. Nada surgiu destes “descobrimentos”. O
pensamento dos tempos não f azia de uma nova terra algo signif icativo. Somente quando o pos-milenismo
começou a aparecer, e com o novo sentido da Grande Comissão, os homens, verdadeiramente,
propuseram-se a explorar e exercer domínio. A maior parte dos exploradores, desde Colombo, qualquer
que f ossem seus def eitos, tinham uma motivação pos-milenista e missionária, bem como econômica. O
interesse econômico, de f ato, era um aspecto de um sentido renovado do mandamento da criação de
exercer domínio e subjugar a terra.
Todas as áreas da vida começavam a ser vistas nos termos Bíblicos. No início da história da igreja, o
f ortemente Helênico Orígenes tinha se castrado para escapar da carne, somente para descobrir que a
luxuria reside na mente e no coração do homem. Na Idade Média, o Cantar dos Cantares de Salomão f oi
espiritualizado e convertido em um sem sentido. Teólogos Puritanos como Willian Gouge e outros
ref eriam-se a ele como uma f onte de instrução do perf eito amor dentro do marco do matrimônio. Um texto
Puritano f avorito era Gênesis 26:8, que conta sobre Isaque acariciando sua esposa Rebeca. Os Puritanos
usavam este texto para atacar a abstinência estoica e o celibato sacerdotal, do qual Gouge disse que era,
“Uma disposição de nenhuma maneira ordenada pela Palavra”. T homas Gatker, em um sermão matrimonial
de 1620, atacou a ideia de que a f é Bíblica é indif erente às coisas f ísicas ou que está desinteressadas nos
deleites matrimoniais. Este quadro f also da f é Bíblica, declarava ele, é:

Uma ilusão de Satanás, com a qual geralmente persuade às Gregas f elizes do mundo: Que se dedicam-se
ao Serviço de Jesus Cristo, então, devem dar uma eterna despedida a toda alegria e deleite; que então,
todos seus dias de f elicidade terão ido; que no reino de Cristo; não há nada exceto suspirar e lamentar, e
jejuar e orar. Mas aqui há o oposto: também no reino de Cristo, e em sua Casa, há matrimônio e entrega
em matrimônio, beber vinho, celebração e regozijo sobre a mesma f ace de Cristo [2].

Erasmo f alou do matrimônio como ref inando-se por meio da abstinência das relações sexuais. O
proeminente Puritano Elizabethiano Henry Smith declarou que 1 Corintios 7:3 é “[Um] mandamento para
renunciar a este direito [as relações sexuais], e é legal proclamá-lo como um mandamento; e não f azê-lo é
um não cumprimento do mandamento.” William Whately disse que nem o marido nem a esposa poderiam
“negá-lo sem grave peado” quando o outro desejasse à relação. Gouge f alou do sexo conjugal como “um
dos atos mais próprios e essenciais do matrimônio.” Em Massachussets, na Corte do Candado de
Middlesex em 1966, Edmund Pinson queixava-se de que Richard Dexter tinha o dif amado ao dizer que
Pinson quebrou o coração de sua esposa com muita dor porque “estaria separado dela por três semanas
completas enquanto ele estava em casa, e que nunca se aproximaria, e coisas similares. [3]”

Apenas algumas gerações anteriores, a abstinência no matrimônio era uma marca de santidade, agora era
uma calúnia ser acusado disto. A mudança f oi grande e dramática. Contudo, a mudança não esteve limitada
ao matrimônio. Em todas as áreas da vida, o homem deveria deleitar-se na salvação de Deus, os gozos da
vida do pacto, f ísica e espiritual, e de avançar com conf iança para exercer domínio e subjugar a terra. O
mundo material agora era importante porque Deus o criou, e porque Deus exigiu que o homem o
subjugasse, que exercesse domínio sobre ele, e que regozijasse nele perante ao Senhor.

A Missão dos Puritanos Americanos

Desta maneira, o Puritanismo Americano conscientemente deu-se à taref a de estabelecer a Nova Sião de
Deus sobre a terra, e f azer da América a base de onde o mundo ia ser conquistado. Um resultado f oi o
grande movimento missionário do século dezenove e a primeira parte do vinte. Em 1954, o Capitão Edward
Johnson publicou em Londres sua Uma História da Nova Inglaterra, ou a Maravilhosa Providência do
Salvador de Sião com o propósito de recrutar Cristãos para colonizar o novo mundo, declarando:

Jesus Cristo, com a intenção de manifestar seu Oficio Real para suas Igrejas muito mais
plenamente do que viram até agora os Filhos dos Homens, incita seus servos como Arautos de
um Rei para fazer esta Proclamação por Voluntários da Seguinte maneira.

Oh, Sim! Oh, Sim! Todos vocês, o povo de Cristo, que estais aqui oprimidos, aprisionados e
caluniosamente difamados, reuni-vos, vossas esposas e vossos pequenos, em resposta a seus
muitos nomes, que são enviados para seu serviço, no Mundo Ocidental, e mais
especificamente, para plantar as Colonias unidas da nova Inglaterra; onde vocês se ocuparão
no serviço do Rei dos Reis, na divulgação desta Proclamação pelos seus Arautos em armas.

Poderia, César, ter listas tão rapidamente de novas forças para mobilizar da Europa a Asia?
Quanto mais Cristo que criou todo o poder, convocará por sua vontade esta liga Oceânica
formada por 900 pessoas, instrumentos que ele pensa reunir para fazer uso deste lugar. Sabe-
se que este é o lugar onde o Senhor criará um novo Céu, e uma nova Terra, em novas Igrejas,
e juntas uma nova Comunidade [4].

Os puritanos tinham um projeto para o “novo Céu, e uma Nova Terra, em novas Igrejas e uma nova
Comunidade” que o Senhor planejava construir na América. Este projeto era a Bíblia. Tuveson observou:

Os ingleses, disseram que, verdadeiramente, são o povo de um livro: a Bíblia. O resultado, não
menos importante, de sua preocupação com a Palavra, foi que eles, o mesmo que seus
companheiros Protestantes em outros países, chegaram a ter um estreito contato com uma
filosofia da história muito mais sofisticada, muito mais universal e ainda mais flexível que
qualquer um que tenha fornecido algumas das grandes tradições clássicas [5].

Ainda mais, os Americanos converteram-se no povo do livro, e na tremenda energia expansiva de ambos
povos, Ingleses e Americanos. A vitalidade escatológica de ambos vinha da f é pos-milenista que, por um
tempo, dominara o pensamento em ambos os países.

O Novo Modelo

Portanto, não f oi surpreendente, visto a dedicação Puritana à Escritura, que olhavam à Bíblia em busca de
um novo modelo, não somente para a igreja, mas também para o estado. A partir deste mesmo princípio, as
colônias, especialmente na Nova Inglaterra, f ixaram seus olhos na Bíblia em busca de suas leis. Pelo
senhorio real, no que concernia aos estatutos coloniais, uma certa quantidade de lei real Inglesa também
f oi retira para evitar conf litos com a roa. Mas os puritanos queriam essencialmente um novo modelo, um
baseado na Escritura, para todas as áreas da ida; temos o Novo Modelo do Exército de Cromwell; temos
igrejas com novos modelos; caso após caso, as coisas f oram remodeladas nos termos da Escritura.

Segundo uma f alácia moderna, criada pelo antinomianismo, a Escritura é lei somente parcialmente, e essa
lei pode ser dividida em cerimonial, civil e moral. Tal distinção, primeiro que tudo, deixa muito pouco da Bíblia
como lei. Segundo, a divisão é artif icial. A assim chamada lei cerimonial é intensamente moral: trata com o
f ato do pecado e o plano de expiação de Deus; a lei civil também é moral como qualquer lei pode ser, já que
trata com o roubo, o assassinato, o f also testemunho, o adultério, o crime e o castigo em todas as
f ormas.

Esta f alácia tem suas raízes em alguns Puritanos antinominianos, mas a opinião mais comum dos
Puritanos era ver toda a Escritura como a lei de Deus. Eles assumiam corretamente que o único tipo de
palavra que o Deus soberano pode f alar é uma palavra soberana, uma palavra-lei, já que é uma palavra
com caráter obrigatório. Um Deus soberano não pode f alar uma palavra incerta ou hesitante. Como
resultado, os Puritanos examinavam a Escritura em busca de direção em todas as áreas da vida, pois a
Escritura para eles era, na verdade, a palavra obrigatória e inf alível de Deus.

Assim, não devemos nos surpreender que voltaram para e usaram a lei Bíblica. Foi [assim] até que os
Platonistas de Cambridge introduziram o neoplatonismo no Puritanismo, minando-o assim, que cessaram
de mostrar interesse na lei Bíblica. Era o meio ordenado por Deus para edif icar Sua Nova Sião na América e
de usar a América como um meio para conquistar o mundo inteiro.

O pregador Medieval buscava alegorias na Escritura, e signif icados não históricos e espirituais. O Puritano
buscava leis para viver, mandamentos para a vida pessoal, f amiliar, a vida na igreja, estado, área vocacional
e social. Seu propósito era tanto prático como teológico, para estabelecer a Nova Sião de deus na
América.

Como resultado, uma acusação característica começou a marcar o púlpito Americano desde a segunda
geração nascida na Nova Inglaterra até toda América nos dias de hoje, a lamúria. A lamúria é o lamentar-se
de que a nação é inf iel para com o Senhor . Assume uma responsabilidade particular, por parte do povo
Americano, de ser f iel para com o Senhor, por terem sido particularmente abençoados por Ele. Enquanto na
França a apelação à renovação nacional é humanista e cita “a glória da França” como o impeto, na América
o ímpeto é muito mais, normalmente, religioso, e é teológico em seu interesse e ênf ase.

Assim, o marco da vida Americana f oi teológico. Podemos encontrar def eitos no desenvolvimento dessa
teologia, e desvios dela, mas o contexto teológico da América é muito real. De maneira que, qualquer coisa
que possamos dizer sobre O Hino de Batalha da República, este verá claramente a missão da América,
incluindo, se não é que enf aticamente, a justiça e o juízo de Deus. A chegada dos Exércitos é identif icada
com a chegada do Senhor em juízo. Seu coro é um hino triunf ante de louvor, uma doxologia: “Glória, glória,
Aleluia, Nosso Senhor marchando está!”. No século vinte, também os não Cristãos f alavam
voluntariamente e livremente sobre “a missão da América”. A corrente Puritana é ainda f orte, ainda que,
entre eles, a rejeitem.

O Presente
Não podemos começar a entender a condição presente dos Estados Unidos separada da decadência da
Fé Ref ormada. A guerra de Independência f oi um triunf o para o pós-milenismo Puritano, mas também f oi
um f ator importante para sua decadência. A f é Puritana sof reu em dois sentidos. Primeiro, pela guerra
estar identif icada tão proximamente com o Puritanismo, e especialmente com os Presbiterianos
Escoceses-Irlandeses, todos os pastores Puritanos, de qualquer af iliação eclesiástica, estiveram muito
ativos na capelania. As igrejas sof reram, em algum grau, por esta perda. Segundo, e mais importante,
muitas de suas igrejas f oram destruídas, queimadas deliberadamente pelas f orças Escocesas. Isto
constituiu uma perda importante e devastadora para um povo algumas vezes já empobrecido. O
Puritanismo nunca se recobrou plenamente deste revés. Em vez de aparecer diante do povo em tempos de
paz com uma posição imponente, o Puritanismo surgiu da guerra com perdas desastrosas e em
organização.

Ao mesmo tempo, enquanto a f é Agostiniana no decreto de deus estava declinando, estava f lorescendo
um desespero Agostiniano. Em vez da esperança na conf iança de que o reino de Deus prevaleceria, existia
uma nova crença, f ortalecida pela Revolução Francesa, que o homem, o homem ímpio, antes que Cristo,
teria o comando nas nações. Como resultado, a ideia medieval de que a igreja é a única esperança do
homem este mundo, e que a igreja deve ser um convento ou monastério que os Cristãos se retiram,
capturaram a América. O resultado f oi o avivamentalismo [6].

O flagelo do avivamento

Com o avivamentalismo aconteceram mudanças dramáticas. Alexandre Hamilton, vendo a inércia da ênf ase
cristã, planejou antes da sua morte começar uma nova entidade política chamada Partido Constitucional
Cristão. Com o novo espírito monástico tal ideia f oi impossível. Deixou-se a política aos políticos; os
Cristãos estavam decididos em secularizar a ordem política. Os sermões sobre eleições e o antigo
interesse Puritano com o governo civil, transf ormaram-se, agora, em algo obsoleto, e, também, vistos
como evidência de mundanalidade.

O mesmo termo mundanalidade assumiu um signif icado monástico. Não signif icava um interesse ímpio no
mundo, mas qualquer interesse genuíno no mundo.

Uma mudança similar e de amplos alcances aconteceu na educação. Anteriormente, toda educação tinha
sido Cristã; somente existiam escolas e colégios Cristãos. Após alguns anos, depois que começara o
avivamentalismo, encontrava-se já no caminho o movimento pelo controle estatal da educação. Alguns
pregadores e prof essores de avivamentos denunciaram as escolas Cristãs como ímpias e insuportáveis.
Sustentaram que as escolas Cristãs tinham substituído a experiência de avivamento com conhecimento e
preparação para a regeneração. Sustentavam que ocorria uma experiência mais clara de conversão se a
mente de uma pessoa não estava atestada com o conhecimento das Escrituras. Devemos recordar que, o
movimento de avivamento inaugurado por Charles G. Finney, também considerava que a leitura da Bíblia
nas reuniões de avivamento tinha um ef eito ruim, de resf riamento ou como água f ria, sobre aqueles que
estavam presentes.

O termo e a ênf ase chave era salvar almas. Mas isto não é tudo. Os pregadores de avivamentos atuavam
como se virtualmente não houvesse almas salvas até que eles apareceram, como se todos os que haviam
precedido não f oram pastores ou guias espirituais, mas lobos. Além disso, o mesmo termo, salvar vidas,
assumiu um novo signif icado. A alma na Escritura signif ica de maneira comum a vida de um homem, de
maneira que a salvação da alma nos termos Bíblicos enf oca a vida e o ser total do homem, e a salvação do
alma signif ica a regeneração do homem total. A salvação estava agora, por implicação, limitada a um lado
do homem, sua alma ou espírito, e a salvação tinha um signif icado interno em vez de um signif icado total e
cósmico.

O resultado f oi um retiro do mundo, e da vida total do homem, essa alma interior redef inida. Jesus Cristo
como Salvador estava, agora, limitado em Sua f unção de ser simplesmente um salvador da alma. Não é de
se surpreender que, para o século vinte, o Rev. Carl McIntire insistira logicamente em negar o mandamento
da criação, e que a Universidade Bob Jones negara o Senhorio de Jesus antes do reino milenar. A lógica do
Arminianismo requeria uma rendição do reinado de Cristo e uma redução de Seu papel àquele de um
Salvador. Também este papel era diminuído pela negação da graça soberana. O homem era, de f ato, o
salvador; o homem escolhia ou negava a Cristo; o homem tomou a decisão e o decreto. A predestinação
f oi transf erida de Deus para homem.

O flagelo do Arminianismo

Assim, pois, o Arminianismo transf eriu o governo dos homens de Cristo ao dos homem. Isto signif ica que
não há evangelismo Bíblico para a sociedade, mas apenas um evangelho humanista ou social. O
modernismo era um produto do avivamentalismo, e alguns eruditos Arminianos estão f elizes de mostrou
que o avivamentalismo produziu o nascimento do evangelho social. O f undamentalismo Arminiano e o
evangelho social modernistas são nascidos de uma linhagem comum, a negação da graça soberana. Não
surpreende, pois, que exista uma crescente receptividade do f undamentalismo Arminiano para com o
evangelho social.

Quando Pilatos disse a Jesus: “A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim.”, sendo
Ele seu rei (João 18:33-35), Jesus deixou claro que Ele não era um Rei cujo reinado vinha dos homens:
“Meu reino não é desde mundo” (João 18:36), p.ex., não se deriva deste mundo, mas está sobre este
mundo, e é “Meu reino”.

O arminianismo coloca o reino de Cristo ou no f uturo (o milênio) ou f ora deste mundo. Os Barthianos, por
exemplo, insistem em trabalhar por uma ordem socialista, mas são enf áticos ao declarar que Deus é
“totalmente Outro”, totalmente longe e f ora deste mundo, de maneira que não tem nenhuma relevância
real para nosso mundo hoje. O pregador de avivamentos olha para o reino somente no milênio, ou no
mundo mais longe da Segunda Vinda.

Os resultados da tal teologia encontram-se aqui conosco. Em um país onde mais da metade das pessoas
são membros de igrejas, esta atitude conventual ou monástica sobre o reinado de Cristo conduziu a uma
rendição do mundo ao homem. O problema real nos Estados Unidos é o Arminianismo, que é uma f orma de
incredulidade modif icada. O arminianismo propõe a crença em Jesus Cristo, mas atua baseando-se na
crença no homem. O resultado de tal prof issão [de f é] é exatamente o que temos hoje nos Estados
Unidos.

Assim, nosso problema central não é o ateísmo aberto ou o humanismo aberto, ainda que ambos são,
claramente, sérios problemas. É a f alsa teologia, o Arminianismo. Na maior parte dos países Ocidentais o
humanismo aberto é operante ou é religião nominal com humanismo tácito. Nos Estados Unidos, é o
Arminianismo; ainda que o Arminianismo é semelhante e pertence a f amília do humanismo, é ainda
dif erente, e apresenta uma f achada Cristã. É importante que desde a década de 50 até a década de 70, o
homem nos Estados Unidos que seguiu sendo a f igura pública mais signif icativa e sumamente considerada
é o pregador do avivamento [7], o Rev. Billy Graham. Durante esses mesmos anos, quando um ministro
recebeu o status nacional mais alto em Washington, D.C, que jamais f oi concedido a algum ministro, os
Estados Unidos também sof reram a mais desintegração moral. Legalizou-se o aborto, a pena de morte f oi
virtualmente abolida, a revolução sexual segue em caminho, o socialismo está adquirindo o controle
rapidamente, a ideia da benef icência social segue veloz, e o hedonismo é corrente.

A coincidência destes dois f atores não é acidental. Onde os homens adotam uma redenção tão organizada
dos direitos reais do Rei Jesus sobre o mundo, necessariamente isto deve ter consequências práticas. A
redenção do mundo coincide com o crescimento de uma f alsa espiritualidade.

A Constituição dos Estados Unidos, em suas cláusulas monetárias, mostra claramente a inf luência do Rev.
John Witherspoon, cujo dinheiro sólido, os princípios padrões do outro deixaram sua marca na América.
Hoje, alguns pastores denunciam o interesse no ouro ou na prata, no campo econômico, como algo não
espiritual. A brecha entre Withrspoon e o presente é muito grande, e a razão daquela brecha é o
Arminianismo.

O único remédio, portanto, é a Fé Ref orma, a proclamação de Deus soberano, Sua graça soberana, e Sua
lei soberana.

Parte 3 : O Futuro
No início do século vinte, os radicais Americanos, agudamente conscientes da irrelevância das igrejas,
caricaturaram f erozmente seu papel e sua mensagem, e algumas vezes a f izeram de maneira blasf ema. A
mais popular de tais caricaturas f oi o hino, “No Doce Adeus”, que converteu-se em ” Bolos no Céu, Adeus,
Adeus”. Os f undamentalistas, unicamente, tornaram-se mais monásticos, enquanto que os modernistas
adaptaram mais o socialismo dos radicais.

O resultado líquido f oi que a Fé Bíblica f oi negada por ambos, e a Fé f oi f eita algo irreal. As igrejas
cresceram numericamente, mas, enquanto isto, declinavam tanto em f orça quanto em ef etividade. A
mudança entre os f inais das décadas de 40 e 70 f oi ilustrada dramaticamente por uma enf ermeira, que
depois de alguns anos de ausência da prof issão, regressou ao hospital onde tinha começado sua carreira.
Estava em uma cidade do sul, bem no Cinturão da Bíblia, onde quase todos f requentam à Igreja, e a maior
parte das igrejas são f undamentalistas. Em princípio, os pacientes da emergência que vinham ao hospital
oravam e solicitavam a presença do pastor. Nas décadas de 70, depois de dois anos de experiência,
descobriu que somente uma pessoa mencionou ao menos uma vez ao Senhor no momento de crise. O
resto estava satisf eito com o dia seguinte quando seu pastor chamava, mas sua f é prof essada não era
essencial para eles. Visto que Deus é soberano e absoluto, nossa f é n’Ele irá governar cada área da vida,
do pensamento e ser, ou f inalmente Ele será negado em todas. Não podemos ter a metade de Deus: a
religião Bíblica é uma proposição de tudo ou nada. Mas os homens querem a f orma de piedade, mas não a
Deus. Tentar usar a igreja como um esconderijo de Deus. São Paulo adivertiu a Timóteo sobre tais
pessoas, que são homens ”Tendo aparência de piedade, mas negando a ef icácia dela. Destes af asta-te.”
(2 Timóteo 3:5). Contudo, a igreja moderna, modernistas e f undamentalistas, está empenhada em
satisf azer os tais em vez de se af astarem deles.

O resultado é a religião barata, a religião muito popular, pois promete ao homem o céu sem nenhum custo.
É religião antinomiana: não exige produção de f ruto para o Senhor, não há dízimo, não crescimento,
unicamente uma “decisão” por Cristo, que é esperada agradecida e conscientemente do homem, o
soberano. Tal religião é como a semente semeada em terreno pedregoso, que a tribulação ou a
perseguição destrói com rapidez (Mt 13:18-22). Tem um presente muito promissor, mas não tem f uturo.

Então, qual é o f uturo da f é Cristã na América? A crescente crise nos Estados Unidos, um aspecto da
maior crise mundial que o mundo conheceu, é a crise do humanismo e sua irmã, o Arminianismo. A crise
criada pelo humanismo e o Arminianismo agora começa a destruí-los. Os homens trabalham para adiar o
juízo, para criar soluções provisórias e colocar f itas adesivas sobre o câncer da civilização, mas isto
nunca f uncionará.
Ou o mundo entrará miseravelmente em uma Era Obscura de caráter selvagem, ou será conquistado pela
Fé Bíblica. Não há outras alternativas.

Esta crise coloca uma grande responsabilidade sobre os campeões da graça soberana. Sua f é deve ser
mais que igrejismo: pelo contrário, deve ser a declaração dos direitos reais do Rei Jesus em todas áreas
da vida. Cristo, o Rei, deve governar a pessoa, a igreja, o estado, a escola, a f amília, as vocações, as
artes e as ciências, e todas as demais coisas. Ele deve ser servido pelo homem onde quer que esteja e
com todo seu coração, mente e ser.

Isto é possível? Podem os pequenos números de homens da graça soberana triunf ar f rente a um inimigo
tão grande? A resposta simplesmente é esta: é impossível para o Deus soberano não conquistar. Seu
propósito em todas estas coisas é abalar todas as coisas que podem ser abaladas, de maneira que
somente permaneça o que não pode ser abalado (Hb 12:25-29).

Além disto, as Escrituras são claras em [dizer] que o poder do inimigo, apesar de ser aparentemente
grande e estar bem enraizado, é um assunto de curto prazo. Davi, que viu os malvados prosperaram e
persegui-lo como se f osse um animal selvagem, ainda assim podia declarar, “O ímpio tem muitas dores,
mas àquele que conf ia no Senhor a misericórdia o cercará.” (Salmos 32:10). Novamente declara, “Pois os
braços dos ímpios se quebrarão, mas o Senhor sustém os justos” (Salmos 37:17). Certamente, “os
mansos herdarão a terra, e se deleitarão na abundância de paz” (Salmos 37:11, cf . v.10).

Asaf e declara, “Pois eis que os que se alongam de ti, perecerão; tu tens destruído todos aqueles que se
desviam de ti” (Salmos 73:27). Salomão deixa clara o propósito de Deus:

Porque os retos habitarão a terra, e os íntegros permanecerão nela.


Mas os ímpios serão arrancados da terra, e os aleivosos serão dela exterminados.
Provérbios 2:21-22

Nosso Senhor conclui Seu Sermão do Monte declarando que toda “casa”, ou seja, pessoa, vida,
instituição, igreja ou nação, que estiver edif icada sobre a areia perecerá nos juízos que Deus de maneira
regular envia à terra, enquanto que somente as pessoas, instituições e nações que estejam estabelecidas
sobre a Rocha, o mesmo Jesus Cristo, resistirá aos abalos e as provas (Mt. 7:24-27).

Nos estamos enf rentando um tempo de julgamento. Todas as outras casas cairão e serão varridas pelos
ventos da história e das correntes do juízo. Somente aqueles que edif iquem sobre Cristo, o Senhor, irão
perdurar.

Então, este é um tempo para edif icar, para edif icar sobre o f undamento de Jesus Cristo. As escolas
Cristãs, as igrejas, os seminários, as agências políticas, as empresas econômicas, as operações
vocacionais e muitas, muitas outras devem ser iniciadas, de maneira sábia e cuidadosa, mas também com
entusiasmo como uma oportunidade para apresentar e estabelecer os direitos reais de Cristo, o Rei.

Isto já começou. Somente em uma área o mundo está assustado por nosso êxito. As escolas Cristãs
estão crescendo em um ritmo constante e se tornando destaques inclusive para os não crentes. Aqueles
que há poucos anos criam que a Fé Ref ormada estava morta, agora, estão sendo desaf iados por ela em
todos os ângulos. Estão aparecendo novas igrejas, e a causa da graça soberana está se expandindo
rapidamente. Estamos à beira do maior crescimento tanto em alcance como em poder, da Fé
verdadeiramente Bíblica que o mundo jamais viu.

O lema do Estado de Nevada é adequado para nossa causa: “Nascido para a Batalha”. Na parábola do
semeador, o calor do sol e da adversidade, f azem que a f alsa semente pereça, pelo terreno pedregoso de
seu ser. A adversidade f ortalece unicamente ao piedoso. Nascidos na batalha, crescem na adversidade e
voltam homens f ortes em Cristo. Assim, o f uturo é nosso em Cristo, pois “Do SENHOR é a terra e a sua
plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Salmos 24:1). Estamos pelejando em terreno conhecido
sob Cristo, o Rei. Com São Paulo devemos dizer, “ Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos
8:31)

Rev. R. J. Rushdoony
Novembro, Dezembro 2001. Janeiro 2002

Fonte em Espanhol: Contra-Mundum

1- Ernest Lee Tuveson, Millennium and Utopia (Gloucester, MA: Peter Smith [1964], 1972), 15.

2 – T homas Gataker y William Bradshaw, Dois Sermões sobre o Matrimônio(Londres, 1620), 14, citados
por Roland M. Frye, “O Ensino do Puritanismo Clássico sobre o Amor Conjugal,” em Arnold Stein, ed., Sobre
a Poesia de Milton (Greenwich, CT: Fawcett Publications, 1970), 104.

3- ibid., 105ss.

4 – Albert Bushnell Hart, A História Americana relatada por seus contemporâneos, vol. 1 (Nueva York:
Macmillan,1897), 366ss.

5 – Tuveson, op. cit., 4.

6 – Nota do Tradutor: Por “avivamentalismo” deve-se entender o movimento centrado no homem e apenas
em sua conversão, sendo assim, não há relações com os movimentos puritanos que obtiveram grande
êxito como Jonathan Edwards.
A Importância da Lei
monergismo.com /v1/

por Rousas John Rushdoony

Quando Wyclif escreveu de sua Bíblia em inglês que “Esta Bíblia é para o governo do povo, pelo povo,
e para o povo”, sua declaração não atraiu nenhuma atenção até onde dizia respeito sua ênfase sobre
a centralidade da lei bíblica. Que a lei deveria ser a lei de Deus era mantido por todos; Wyclif afastou-
se da opinião aceita ao dizer que o próprio povo deveria não somente ler e conhecer essa lei, mas
também em algum sentido governar bem como ser governado por ela. Nesse ponto, Heer está correto
ao dizer que “Wyclif e Hus foram os primeiros a demonstrar à Europa a possibilidade de uma aliança
entre a universidade e o anelo das pessoas por salvação. Foi a liberdade de Oxford que sustentou
Wyclif”.[1] A preocupação era menos com a Igreja ou Estado do que com o governo pela lei-palavra de
Deus.

Brin disse, sobre a ordem hebraica social, que ela difere de todas as outras pelo fato de considerar-se
fundamentada e governada pela lei de Deus, que a deu especificamente para o governo do homem.[2]
Não menos que o Israel antigo, o cristianismo acredita ser o reino de Deus porque é governado pela
lei de Deus como apresentada na Escritura. Há afastamentos dessa lei, variações dela, e lassidão na
fidelidade a ela, mas o cristianismo se vê como o novo Israel de Deus e não menos sujeito à Sua lei.

Quando a Nova Inglaterra começou sua existência como entidade legal, sua adoção da lei bíblica foi
tanto um retorno à Escritura como um retorno ao passado da Europa. Foi um novo começo em termos
dos antigos fundamentos. Não foi um começo fácil, visto que muitos dos servos que vieram com os
puritanos mais tarde estavam em plena revolta contra a fé e ordem bíblica.[3] Todavia, foi um retorno
resoluto aos fundamentos do cristianismo. Dessa forma, os registros da colônia de New Haven
mostram que a lei de Deus, sem qualquer sentido de inovação, tornou-se a lei da colônia:

2 de março de 1641/2: E conforme o acordo fundamental, realizado e publicado por consentimento


pleno e geral, quando iniciou-se a plantação e o governo foi estabelecido, de que a lei judicial de Deus
dada por Moisés e exposta em outras partes da Escritura, visto ser um limite e uma cerca para a lei
moral, e não ter nenhuma referência cerimonial ou típica à Canaã, tem uma equidade eterna nela, e
deve ser a regra dos procedimentos da colônia.[4]

3 de abril de 1644: Ordenou-se que as leis judiciais de Deus, como entregues por Moisés… sejam a
regra para todos os tribunais nesta jurisdição em seus procedimentos contra ofensores…”.[5]

Thomas Shepard escreveu, em 1649, “Pois todas as leis, quer cerimoniais ou judiciais, podem ser
remetidas ao decálogo, como apêndices a ele, ou aplicações dele, e assim abranger todas as outras
leis como seu resumo”. [6]

É uma ilusão sustentar que tais opiniões eram simplesmente uma aberração puritana, e não uma
prática verdadeiramente bíblica e um aspecto da vida persistente do cristianismo. É uma heresia
moderna a que sustenta que a lei de Deus não tem nenhum significado ou nenhuma força obrigatória
para o homem de hoje. É um aspecto da influência do pensamento humanista e evolucionário sobre a
igreja, e ele postula um deus que evolui e se desenvolve. Esse deus “dispensacionalista” se
expressou na lei numa época antiga, então mais tarde se expressou pela graça somente, e agora
talvez se expresse de alguma outra maneira. Mas esse não é o Deus da Escritura, cuja graça e lei
permanecem a mesma em todas as épocas, pois ele, como o Senhor soberano e absoluto, não muda,
nem precisa mudar. A força do homem é a perfeição do seu Deus.

Tentar estudar a Escritura sem estudar a sua lei é negar a Escritura. Tentar entender a civilização
ocidental à parte do impacto da lei bíblica dentro dela e sobre ela é procurar uma histórica fictícia e
rejeitar vinte séculos e todo o seu progresso.

As Institutas da Lei Bíblica tem como seu propósito uma inversão da tendência atual. Ela é chamada
“Institutas” no significado antigo dessa palavra, i.e., princípios fundamentais, neste caso, da lei, pois a
intenção é ser um começo, instituindo uma consideração dessa lei que deve governar a sociedade, e
que governará a sociedade sob Deus.

[1] Friedrich Heer, The Intellectual History of Europe (Cleveland: The World Publishing Co., 1966), p.
184.

[2] Joseph G. Brin, “The Social Order Under Hebrew Law,” The Law Society Journal, vol. VII, no. 3
(August, 1936), pp. 383-387.

[3] Henry Bamford Parkes, “Morals and Law Enforcement in Colonial England,” The New England
Quarterly, vol. 5 (July, 1932), pp. 431-452

[4] Charles Hoadly, ed., Records of the Colony and Plantation of New Haven from 1638 to 1649
(Hartford: for the Editor, 1857), p. 69.

[5] Ibid., p. 130.

[6] John A. Albro, ed., The Works of Thomas Shepard , III, Theses Sabbatical (1649) (Boston: Doctrinal
Tract and Book Society, 1853; New York: AMS Press, 1967), p. 49.

Fonte: Extraído da introdução do excelente livro The Institutes of Biblical Law, Volume
1.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – maio/2011


1

A Lei Marxista
Rousas John Rushdoony

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

A doutrina marxista da lei é uma grande força no século 20.2 Para Marx
e Lenin, o fato básico é visto como a negação da verdade. O Marxismo é
relativista; ele nega que haja qualquer verdade absolta, qualquer certo ou
errado fundamental no universo. Ao invés de Deus como o fundamento da
verdade e da lei, o Marxismo insiste que todas as idéias de verdade e lei
simplesmente refletem a vontade de uma classe governante. Assim, para o
comunismo a lei é simplesmente a vontade da classe governante declarada
como estatutos e requerimentos legais, de forma que a lei meramente espelhe
as políticas da classe governante à medida que essa funciona mediante o
Estado. Como resultado, para o Marxismo não existe nenhuma verdade em
alguma lei; nenhuma lei tem qualquer relacionamento com qualquer certo ou
errado absoluto, pois nenhum certo ou errado absoluto existe. Isso significa
que a lei comunista não é mais verdadeira que a lei capitalista; isto é, que a lei
soviética e a lei da China comunista não são mais verdadeiras em nenhum
sentido absoluto que a Constituição dos Estados Unidos. A única diferença
que os marxistas fazem é esta: a Constituição supostamente representa, não o
povo, mas a vontade de uma classe governante capitalista, enquanto a lei
marxista é mais democrática; ela supostamente representa a vontade do
proletariado. E, visto que o Marxismo é humanismo econômico, o homem é o
seu único padrão de valor; portanto, a vontade do proletariado é relativamente
melhor que a vontade dos capitalistas, pois existem mais proletariados no
mundo. Albert Weisbord, um marxista proeminente, atacou a Constituição
dos Estados Unidos, não porque fosse verdadeira ou falsa, mas porque ele cria
que a mesma era anti-democrática, anti-proletariado e em seu estudo, The
Conquist of Power (A Conquista do Poder), ele viu a Convenção Constitucional
de 1787 como parte de “uma conspiração secreta” contra o povo (vol. I, p.
71). A Constituição, sem dúvida, afirma implicitamente a supremacia da lei
sobre todas as classes e povos, e, como Edward S. Corwin apontou, ela
pressupõem uma “lei superior”, a lei de Deus (Edward S. Corwin, The “Higher
Law” Background of the American Constitucional Law, 1928, Ithaca: Cornell, 1955).
Mas, para o Marxismo, todo discurso sobre Deus e a lei de Deus é uma ilusão
e engano usado por uma classe governante para suprimir o pobre.
Para o Marxismo, a lei é simplesmente a vontade do Estado. Ela não
tem nenhuma referência a qualquer certo ou errado absoluto, nem existe
alguma lei superior além do Estado. A lei é simplesmente um sistema de
1
E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em setembro/2007.
2
Nota do tradutor: O presente texto foi escrito entre 1966 e 1967.

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2

regras prescritivas e obrigatórias que expressam a vontade totalitária e coerciva


do Estado. Essa teoria marxista foi desenvolvida adicionalmente por Andrey
Vishinsky, que aplicou sua teoria tanto como Procurador-geral da União
Soviética no Grande Expurgo3 dos anos 1930, e novamente como o chefe da
delegação soviética à Organização das Nações Unidas. Para Vishinsky, e como
um resultado dos Estados Comunistas, a lei é uma arma para ser usada contra
o inimigo na luta pelo socialismo e um instrumento para reconstruir a
sociedade humana sobre uma base socialista. Assim, ela é uma ferramenta
política.
A partir disso, duas coisas já se tornaram aparentes. Primeiro, a lei
marxista nega qualquer verdade absoluta, qualquer certo e errado final, e
segundo, a lei é uma arma política para ser usada na destruição de inimigos e na
reconstrução de seus subjugados.
Um terceiro aspecto da lei marxista é igualmente evidente. Ele é
resumido no slogan do sistema soviético: “Todo poder pertence aos
soviéticos”. Isso é totalitarismo, a ditadura do proletariado. O comunismo não
é oposto ao totalitarismo como tal. Ele é meramente oposto a todos os
Estados totalitários não-comunistas, mas é definitivamente a favor de sua
própria forma de totalitarismo.
Um quarto aspecto da lei marxista é o seu uso de tribunais. Visto que a
lei não tem nenhuma referência a um certo e errado absoluto, nem podem os
tribunais serem conformados a uma justiça absoluta. Os tribunais não têm
nada a ver com justiça; eles simplesmente salvaguardam os interesses do
Estado Soviético e trabalharam para destruir todos os seus inimigos. Portanto,
os tribunais não podem tolerar nenhum apelo à justiça absoluta. Eles
funcionam em termos do que é chamada “justiça soviética”, isto é, a vontade
do Estado.
Quinto, como é claramente aparente, a lei soviética não tolera qualquer
divisão de poderes, pois isso é por sua própria definição totalitário. Como
resultado, os tribunais não têm nenhuma independência. Lenin e Vishinsky
insistem que os tribunais, como o exército, e a administração do Estado como
um todo, têm uma função, promover o socialismo e destruir os seus inimigos.
Sexto, o Marxismo nega que algo que não promova o socialismo possa
ser chamado de lei. Como resultado, todos os sistemas cristãos de lei são
chamados de fraudes, pois por definição lei é a ação correta do Estado
socialista. Como resultado, o Marxismo luta para desacreditar cada outro
sistema de lei e trazer o seu colapso, para substituí-lo com a “justiça” socialista
e revolucionária, isto é, a destruição dos capitalistas, das igrejas, dos grupos
independentes e de todas as coisas hostis ao comunismo.

3
Nota do tradutor: O Grande Expurgo foi uma ação persecutória movida pelo ditador soviético Josef
Stalin (1879-1953) contra seus opositores políticos, verdadeiros ou não, entre os anos de 1934 e 1939.

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3

Sétimo, isso significa que para os marxistas os únicos crimes reais são
crimes contra o socialismo, isto é, oposição ao totalitarismo marxista. Assim
sendo, novos crimes são inventados e ouvimos agora o termo “crimes contra
a paz” livremente usado. Um crime contra a paz é qualquer tipo de guerra
contra o Marxismo. Esse é um conceito novo e perigoso, pois envolve uma fé
que o Marxismo é o único deus verdadeiro, e qualquer oposição a ele é um
pecado mortal. Não tem havido nenhum desafio a esse conceito marxista; ele
foi apenas desenvolvido mais plenamente. As únicas reclamações reais contra
Stalin por seus sucessores eram por ofensas a marxistas governantes, não por
suas ofensas contra a justiça verdadeira. Milovan Djilas, em seu livro
Conversations With Stalin (Conversações com Stalin), disse: “Enquanto por um
lado os sucessores de Stalin estão se lamentando, por outro lado, vítimas
individuais do governo arbitrário entre 1937 e 1955 não fazem senão falar
sobre os milhões de vítimas da perseguição bolchevista entre os camponeses,
as classes médias e a elite intelectual russa; não podemos crer que eles se
apartaram honesta e sinceramente dos métodos de opressão violenta e de
terror”.
Isso nos traz a um oitavo aspecto do sistema soviético de lei. Porque ele
é lei totalitária e política, assegura um Estado perpétuo de guerra civil. De
fato, ele cria uma dupla guerra civil. Primeiro, cria uma guerra civil dentro dos
comunistas governantes. A União Soviética tem sido uma longa guerra civil,
primeiro, entre os sucessores de Lenin, depois, entre os sucessores de Stalin, e
a cena presente está longe de ser quieta. Os comunistas da China Comunista
estão no meio de uma guerra civil entre os assassinos governantes, e o triunfo
de uma parte ou outra não findará o problema. O segundo tipo de guerra civil
criada pela lei marxista é entre o Estado e o povo, e as guerras do Estado
contra seu próprio povo como um inimigo. Porque o Estado comunista
sempre considera seus sujeitos como um inimigo, que deve ser re-feito por
lavagem cerebral e força bruta, ou esmagado pelo terror e violência, paz entre
o partido e o povo é uma impossibilidade. Porque o Estado soviético é o
poder totalitário e absoluto, ele não pode cometer nenhum erro, e as pessoas
são, portanto, por definição erradas se não se submetem totalmente ao
Estado. Além do mais, as pessoas também estão no erro mesmo quando se
submetem. Quando o comunismo comete um engano, ele recusa aceitar a
culpa, pois é por definição o sistema perfeito. Alguém deve ser feito o bode
expiatório, e o bode expiatório se torna porções do Partido Comunista, ou
então o povo, ou ambos. Esse alguém deve ser então punido. Como
resultado, o comunismo, porque não é e nem pode ser perfeito ou livre de
falhas, deve com toda falha fazer guerra civil contra si mesmo e o seu povo.
Isso significa que o comunismo nunca pode trazer paz, pois sua teoria
marxista de lei garante a guerra civil perpétua. Assim, a lei marxista ao invés de
ser lei, é uma garantia de guerra perpétua e a destruição daquilo que a lei é
suposta assegurar – justiça e ordem.

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4

Ora, nenhuma sociedade pode existir sem lei, e quando um sistema de


lei torna-se anti-lei, ele assegura que ao invés de sociedade haverá anarquia e
caos. Os Webbs chamaram a União Soviética de uma nova civilização; ao
invés de uma nova civilização ela é um triste substituto para a civilização, a
guerra civil ao invés da cultura. Ao invés do governo da lei, substitui o
governo do terror e da força bruta. Em nome do homem, em nome do
humanismo, o Marxismo alega oferecer à humanidade uma nova esperança
para substituir a revelação cristã (Hermann Raschhofer, Political Assassination,
Tubenjen: Fritz Schlichtenmayer, 1964). O que ele oferece em vez disso são
os piores horrores da experiência da humanidade, terror absoluto e guerra civil
perpétua. Isso é a lógica do humanismo levada à sua conclusão, e sua lógica é
suicida. Como nosso Senhor, falando como Sabedoria, disse há muito tempo:
“Mas o que peca contra mim violenta a própria alma. Todos os que me
aborrecem amam a morte” (Pv. 8:36).

Fonte: Law and Liberty, R. J. Rushdoony, 99-102.

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Ateísmo, Moralidade, Lei e Estado Por R.J.Roushdoony


O presente artigo faz parte do livro “ Cristianismo e Estado”, de Rousas John Rushdoony, a ser publicado em breve
pela Editora Monergismo. Tradução de Fabrício Tavares de Moraes, co-editor do blog Bereianos.

ATEÍSMO, MORALIDADE, LEI E ESTADO

A ascensão do antinomianismo nas fileiras da igreja possibilitou a ascensão do estado humanista. Visto que toda
moralidade e lei se assentam sobre premissas religiosas, para a igreja, o colapso da aplicação universal da lei de
Deus resultou na sua total irrelevância nas questões de ordem social; na negação do poder soberano de Deus
sobre todas as instâncias, incluindo a lei e o estado; e, por fim, no recuo para o politeísmo prático. Nos Estados
Unidos, 50 milhões de membros de igrejas evangélicas que deveriam ser defensores dos direitos reais do Senhor
sobre o governo civil são completamente indiferentes à realeza de Cristo. Por conseguinte, o governo civil espelha
antes os princípios do ateísmo do que os da fé bíblica.

Ora, tanto os evangélicos quantos os modernistas colaboram na afirmação do antinomianismo. Andrew Jackson
Young, no período em que atuou como embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas, expressou, numa
entrevista, a seguinte “confissão de fé”:

“Para mim, a moralidade é raciocinar claramente através das alternativas e assim fazer uma decisão
que é a melhor para o maior número de pessoas... Aprendi minha política externa nas aulas de
teologia, e não na igreja. Eu estava lendo Reinhold Niebuhr, Paul Tilich, Dietrich Bonhoeffer... Meu
entendimento acerca de Jesus Cristo é que Ele veio para cumprir a lei. E tu estás a falar com base
na lei moral, na qual eu não creio.”

Ora, somos salvos pela graça de Deus na e por meio da expiação de Cristo; todavia, não somos salvos a fim de
sermos desregrados, mas, sim, fiéis à retidão ou justiça de Deus tal como estabelecidas em Sua lei. A lei é, pois,
nosso meio de santificação.

As raízes históricas do humanismo se estendem nas profundezas da história; na verdade, sua primeira declaração
se encontra em Gênesis 3:5 – cada homem como seu próprio deus, conhecendo ou determinando o bem e o mal
para si mesmo. O ateísmo é um desenvolvimento lógico e tardio na história do humanismo. Embora tenha sido
uma tendência um tanto vaga na história ocidental, foi somente no século XIX, ou nos fins do século XVIII, que se
tornou um movimento aberto e manifesto.

Foi em Ludwig Feuerbach (1804-1872) que o ateísmo encontrou seu filósofo e sua clássica expressão. Ora,
Feuerbach considerava a ideia de Deus como uma objetificação das ideias e ideais humanos. Destarte, para ele, a
ideia de Deus era um produto da experiência humana. Aquilo que o homem diz acerca de Deus revela aquilo que
sente com relação a si próprio; desse modo, quando a teologia afirma: “Deus é amor”, tudo que temos aqui é uma
revelação de quão importante é o amor para o ser humano. Portanto, para Feuerbach, todas as afirmações
teológicas eram manifestações psicológicas. Para Karl Marx, valendo-se de Feuerbach, as afirmações teológicas
eram expressões da mitologia exploradora das classes dominantes, de maneira que, segundo seu entendimento, a

1/4
religião era o ópio do povo.

Para os philosophes franceses, a crítica da religião era o ponto de partida da filosofia. O homem autônomo
somente poderia ser livre com a morte de Deus. Bakunin, o anarquista, defendia: “Se há um Deus, o homem é um
escravo; todavia, o homem é livre, portanto, não há Deus”. Partindo da premissa da inexistência de Deus e da
autonomia e liberdade do homem, Feuerbach reduziu a ideia de Deus à experiência humana. Tal redução colocou a
psicologia humana na linha de frente, como se fosse a chave interpretativa da vida; e, com Freud, por seu turno, a
psicologia substituiu a filosofia e a religião como força cultural central.

Com o ateísmo, a lógica do humanismo veio claramente à tona. Benjamim Franklin foi um dos primeiros defensores
da moralidade humanista; seu famoso provérbio, “a honestidade é a melhor política”, sumariza essa nova fé.
Assim, a honestidade agora se assenta não no mandamento divino, mas na utilidade humana. O fator chave é a
melhor política; para Franklin, a honestidade, de fato, era a melhor política, mas para Nietzsche, todavia, a
desonestidade veio substituí-la como uma forma moral, isto é, como a melhor política. O resultado foi o triunfo das
leis humanistas, que assumiram o lugar da lei de Deus, e a ascensão das razões de estado como a base lógica da
lei. O estado moderno legisla, atua e planeja como se não existisse Deus; sua premissa básica e implícita é que
Deus e o cristianismo estão ambos mortos.

Como resultado, temos, então, um novo estabelecimento da religião que subjaz à lei, a saber, o estado humanista
e ateísta. Ao mesmo tempo, o ateísmo como força organizada retrocedeu[1], visto que seu êxito estonteante tornou
desnecessária qualquer causa ateísta formal. Suas premissas fazem parte agora da igreja, do estado e da escola.

A era vitoriana rompeu com o cristianismo, embora dissimuladamente demonstrasse respeito a ele mediante a
observância superficial das formas morais. Seus objetivos religiosos eram helenistas, e sua pátria espiritual era
antes a Grécia e Atenas antigas do que Israel e Jerusalém. Desde então, paulatinamente, as formas superficiais de
cristianismo também foram desaparecendo, até que, conforme MacIntyre assinalou, “chegasse ao ponto no qual a
física e a política – usando aqui ambos os termos no seu sentido mais lato – definissem um mundo no qual não há
lugar algum para o teísmo”. O homem autônomo agora cria suas próprias leis; declara sua liberdade com relação a
Deus, bem como sua liberdade em aceitá-Lo ou rejeitá-Lo. A ênfase arminiana no livre-arbítrio apoia e coexiste
pacificamente com o ateísmo. Citando MacIntyre novamente:

Mas caso se exclua a possibilidade de opção por crenças em verdades de tipo factual, segue-se que
é impossível que tal crença excluída tenha, como seu objeto, verdades de tipo factual.
Consequentemente, se a moderna teologia cristã considera a crença cristã como uma dessas
crenças que não são passíveis de opção, por conseguinte, as verdades da ortodoxia cristã devem
ser tomadas como algo outro que não do tipo factual.

Os líderes eclesiásticos paulatinamente diluíram o conteúdo do cristianismo, de maneira que é justo afirmar que,
“cada vez menos, os teístas estão oferecendo aos ateus algo em que não acreditar”.

Nos dias atuais, a lei tem sido divorciada de Deus, tornando-se, assim, essencialmente ateísta; afinal, ela
pressupõe um homem soberano, e não o Deus soberano. Por meio de sua aceitação da lei não-bíblica
contemporânea, os ministros cristãos têm assentido ao ateísmo como religião da sociedade. O resultado disto é o
desaparecimento virtual do ateísmo como um movimento organizado, visto que nossas igrejas antinomianas
advogam precisamente aquilo que o ateísmo se esforçou por implantar, isto é, a substituição da lei bíblica
teocrática pela lei estadista-humanista. O ateísmo no século XX conquistou a igreja, o estado e a escola – sua
visão de uma ordem social despojada da lei de Deus foi, afinal, concretizada.

2/4
Entretanto, o fato mais lastimável de tudo isto é que o antinomianismo pietista foi o maior aliado do ateísmo. Os
teólogos da igreja despojaram o mundo da glória e governo de Deus. Frequentemente tais homens me dizem que a
ideia de um estado cristão é teológica e escatologicamente impossível. Na “era do Evangelho”, afirmam eles, o
mundo está sob o domínio de Satanás. Conforme Arend J. ten Pas demonstra, em The Lordship of Christ [O
senhorio de Cristo], trata-se de uma escola de pensamento a qual nega que, nesta era, Cristo possa ser Senhor, ou
sequer ser assim chamado.

Nossa atual dificuldade se encontra em desenvolvimento há três séculos, de modo que não desaparecerá da noite
para o dia. Ora, há, no pensamento contemporâneo, uma perniciosa falácia que nos foi legada pela Grécia,
nomeadamente, o conceito do deus ex machina, isto é, o deus proveniente de máquina. Para os gregos antigos, o
universo gerou a si próprio a partir do caos. Os deuses, portanto, não controlavam todas as coisas, mas eram eles
próprios governados pelo destino. Como seres superiores, os deuses poderiam, no máximo, interromper por vezes
a história e, fora de contexto, resgatar os homens e causas. Destarte, Páris foi arrebatado da morte certa no campo
de batalha, sendo transladado para o quarto de Helena e, desse modo, para um encontro mais feliz. Não raro os
cristãos anseiam por um resgate semelhante, o qual faz violência ao universo e história providenciais de Deus. Ora,
nas Escrituras, não há conflito entre o sobrenatural e o natural, posto que ambos são criação de Deus. Seu modo
de atuação com relação a nós, com a história, e com todas as demais coisas se dá geralmente como ensinado em
Isaías 28:10: “Preceito sobre preceito, preceito e mais preceito; regra sobre regra, regra e mais regra; um pouco
aqui, um pouco ali”. Neste universo de Deus, as paredes são erguidas a partir de sua fundação . Esperar algo
diferente é pecado.

Os humanistas, nossos gregos modernos, também sustentam o conceito deus ex machina[2], mas destituído de
deuses. Para esses pensadores, a intervenção súbita e salvífica na história se dá por parte do homem, o que
significa por meio da revolução. Para Karl Marx, a revolução é o deus grego cuja intervenção ex machina na
história corrigirá todos os erros. Os resultados dessa fé foram a servidão e a morte, e não a salvação.

Vários líderes eclesiásticos compartilham dessa fé. Eles estão inclinados a pensar em resistência armada quando
nem sequer trabalharam com base na lei de Deus, nem se valeram dos meios legais que lhes estão disponíveis.
Com efeito, Deus não honra esse atalho humanista.

_
Notas:
[1] É necessário ter em mente o momento histórico no qual Rushdoony teceu essas conclusões. Afinal,
diferentemente de seu diagnóstico da situação, atualmente nos deparamos com o chamado “Ateísmo Militante” ou
“Neoateísmo”, um movimento cujas raízes e motivações são antes de natureza emocional (ou política) do que
necessariamente intelectual. As obras de críticos da religião como Sam Harris, Richard Dawkins, Christopher
Hitchens e Daniel Dennett (os chamados “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”) são extremamente populares, não
obstante, com exceção talvez de Dennett, não existir nelas quase nenhum embasamento filosófico ou teológico
sólido. É interessante notar que tais pensadores e suas críticas receberam atenção no contexto cultural e midiático
mundial especialmente a partir dos atentados terroristas do 11 de setembro de 2011, os quais, conforme sabemos,
foram levados a cabo por razões geopolíticas e principalmente religiosas. Destarte, a religião passou desde então
a ser ojerizada e considerada, especialmente pelo meio acadêmico científico, como um elemento essencialmente
causador de distúrbios, violência e conflito. Para uma crítica e refutação desses autores, ver: A morte da razão , de
Ravi Zacharias; A verdade sobre o cristianismo , de Dinesh D’Souza; Progresso e Religião, de Christopher Dawson;
e O livro que fez o seu mundo , de Vishal Mangalwadi (Nota do Tradutor).
[2] Deus ex machina, ou deus proveniente de máquina, era um recurso utilizado pelos dramaturgos gregos,
especialmente nas tragédias, a fim de proporcionar o desenlace de uma situação que havia se enredado a tal
ponto, que nenhuma solução ou alternativa possível (tomando em consideração a estrutura narrativa interna) se lhe
apresentava. Destarte, quando destes nós narrativos indesatáveis, os dramaturgos, mediante máquinas e
engrenagens, literalmente faziam descer ao palco uma figura representando alguma divindade, a qual, imediata e
3/4
prontamente, resolvia todos os conflitos de modo maneira miraculosa. Aristóteles, em sua Poética, critica a
utilização desse recurso, visto que não somente rompe com o princípio da verossimilhança, mas também
demonstra a precariedade da técnica narrativa do autor: “Tanto nos caracteres como na estrutura dos
acontecimentos, deve-se procurar sempre ou o necessário ou o verosímil de maneira que uma personagem diga ou
faça o que é necessário ou verossímil e que uma coisa aconteça depois de outra, de acordo com a necessidade ou
a verossimilhança. É claro que o desenlace dos enredos deve resultar do próprio enredo e não de uma
intervenção ex machina, como na Medeia ou como na Ilíada na altura do embarque” (ARISTÓTELES, 2008, p. 68).
Ana Maria Valente, em seu comentário ao trecho acima, explica: “A expressão consagrada ex machina resulta do
uso de uma espécie de plataforma (mechane) para pôr em cena uma divindade (ou mais), geralmente para
anunciar a resolução do conflito e inaugurar um culto. Na tragédia de Eurípides, aqui citada, é Medeia que, não
obstante ter acabado de sacrificar os próprios filhos, aparece no carro do Sol (ou Hélios, pai de seu pai), com os
cadáveres dos filhos, dizendo que nele irá para a terra de Erecteu, defendendo-se assim de mãos inimigas. Agindo
como um deus ex machina, anuncia ainda a instituição do culto dos filhos em Corinto. Quanto à Miada (11.110-
206), trata-se de uma situação diversa: quando os soldados se preparavam para a retirada a que Agamémnon os
incitara, apenas para os pôr à prova, Atena inspira a Ulisses um discurso que os leva a perseverar no cerco de
Tróia” (nota de rodapé 76). Edição consultada: ARISTÓTELES. Poética. 3.ed. Tradução e notas Ana Maria Valente.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. No presente caso, Rushdoony critica a esperança pietista que, em
vez de se lançarem num esforço produtivo e bíblico em prol da verdade e da manifestação do Reino de Deus,
espera, de maneira ociosa e ingênua, uma intervenção divina direta, que ignora a ação providencial de Deus no
cosmo (Nota do Tradutor).

Autor: Rousas John Rushdoony


Fonte: Christianity and the State
Tradução: Fabrício Tavares de Moraes
Divulgação: Bereianos

4/4
Uma Visão Reformada
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CRIACIONISMO E PSICOLOGIA
por R. J. Rushdoony.

A psicologia humanista nos dá uma doutrina do homem em desacordo radical com as Escrituras. Para
os clérigos, tornou-se rotina olhar para psicologias humanistas como guias para o aconselhamento
pastoral, e livros aplicando essas psicologias para os problemas pastorais têm tido um mercado
receptivo e uma ampla influência. O resultado tem sido a constante infiltração nociva do humanismo
em círculos cristãos e a erosão paulatina das doutrinas bíblicas do homem e da salvação.

Ao analisarmos a doutrina bíblica do homem e da psicologia do homem, é necessário, em primeiro


lugar, reconhecer que do homem é declarado ser uma criatura, criado pelo ato soberano de Deus no
sexto dia da criação (Gênesis 1: 26-31 ). Este fato nos dá um quadro radicalmente diferente do homem
do que o fornecido pela evolução. Ao invés de emergir do caos e de uma ancestralidade animal, o
homem é o trabalho direto e imediato de Deus.

Isto significa, em segundo lugar, que o homem tem uma história curta, não um passado longo e
desconhecido. Essa história curta é muito amplamente documentada pela Escritura, bem como pelos
registros do próprio homem. O homem é, portanto, sujeito à explicação por um registro documentado,
não um passado longo e hipotético. Este registro documentado faz toda desculpa e evasão menos
sustentável, enquanto um passado desconhecido corrói a responsabilidade e introduz confusão e
incerteza. Assim, para o cristão, a psicologia do homem é um registro documentado.

Em terceiro lugar, em virtude do fato da criação seguir um padrão, o eterno propósito e conselho de
Deus, (e à sua imagem), a psicologia do homem não é um fato em evolução, mas uma realidade fixa.
O homem é mais do que um ser existente que está em processo de elaboração e definição de si
mesmo; ele já foi feito e definido por Deus. Assim, a psicologia do homem posta por Freud, [1] ou por
Sartre, [2] e outros, é falaciosa. A natureza do homem não é fixada por um passado evolutivo, nem por
uma questão em aberto a ser determinada pelo homem. É um fato dado por Deus.

Em quarto lugar, o homem foi criado um ser maduro, não uma criança. Este é um fato de importância
central. Nós, portanto, não podemos fazer psicologia infantil como base para a compreensão do
homem. De acordo com Jastrow,

"O que podemos aceitar é o princípio de que a criança é uma autêntica encarnação da
mais antiga, racialmente mais velha, mais persistente, mais autêntica natureza, guardiã
da psicologia comportamentalista (behaviorista) natural." [3]

A psicologia humanista olha para trás, para um passado primitivo, a fim de explicar o homem, ao
passo que a psicologia bíblica não olha nem para a criança nem para um passado primitivo para
explicar o homem, mas para uma criatura madura, Adão, e para o propósito de Deus na criação do
homem. Se o homem em sua origem é um produto de um passado evolutivo longo, o homem é, então,
melhor compreendido em termos do animal, o selvagem e a criança. No entanto, desde que o homem
era em sua origem uma criação madura, sua psicologia é melhor compreendida em termos de fato. Os
pecados e falhas do homem não representam um primitivismo persistente ou uma reversão para a
infância, mas uma deliberada revolta contra a maturidade e contra os requisitos da maturidade.
Atribuir ao homem, como psicologias humanistas fazem, um substrato básico de primitivismo e
infantilidade racial, é dar a essa revolta contra a maturidade uma justificativa ideológica; a estudada e
desenvolvida imaturidade do homem é incentivada e justificada de forma madura. Se o homem é
lembrado, sim, de que foi criado em Adão para a maturidade e responsabilidade e que sua revolta é
contra a maturidade e responsabilidade, sua auto-justificação é quebrada. Tornou-se comum para as
pessoas procurarem aconselhamento para discutir, não o seu problema, mas sua infância, seus pais e
seu ambiente, a fim de "explicar" a sua presente "situação", isto é, o seu fracasso. O fato de uma
criação madura é um dos fatos básicos e mais importantes de uma psicologia bíblica. É um fato de
importância incalculável.

Em quinto lugar, o homem foi criado um ser maduro nos termos do propósito soberano de Deus, de
modo que o sentido da vida do homem transcende o homem. O homem nunca pode ser entendido em
termos de si mesmo, mas apenas por referência ao propósito soberano de Deus. A psicologia
humanista sempre nega essa transcendência e, portanto, nega ao homem o sentido da sua existência.
O Existencialismo é mais honesto aqui do que a maioria das filosofias e psicologias humanistas; mas
ele nem define o homem nem atribui um significado à vida e do homem: "O homem é." Para o
Existencialismo, se o homem é qualquer coisa, é porque o homem molda e define a si mesmo. Esta
auto-definição é essencialmente um processo anarquista, em que cada homem é seu próprio universo
e o deus daquele universo privado. Segundo as Escrituras, entretanto, o homem foi criado, e todo
homem nasce dentro de um já definido universo feito por Deus, e cada um tem uma responsabilidade
específica para com o Deus Triúno e aos homens e ao universo feito por Deus. Não apenas a
existência do homem é um fato criado e definido, mas as condições de sua vida também são. Em
nenhum ponto de sua vida ou a imaginação pode o homem pular fora de ordem ordenada de Deus
para um reino de liberdade humanista ou liberdade feita pelo homem. A liberdade do homem é em si
uma condição da Criação de Deus. Cada fio de cabelo na cabeça do homem, toda a imaginação de
seu coração, e cada fibra de sua vida e experiência, é um aspecto da Criação de Deus e de Seu
propósito soberano.

Em sexto lugar, o homem foi criado à Imagem de Deus. Como Van Til apontou,

"Ele é portanto como Deus em tudo em que uma criatura pode ser como Deus. Ele é
como Deus no fato de que ele também é uma personalidade. Isto é o que queremos
dizer quando falamos da Imagem de Deus no sentido mais geral e mais amplo. Em
seguida, quando queremos enfatizar o fato de que o homem se assemelha a Deus
especialmente no esplendor de seus atributos morais, dizemos que quando o hoemem
tinha conhecimento verdadeiro quando foi criado, verdadeira justiça e verdadeira
santidade. Esta doutrina é baseada no fato de que nos é dito no Novo Testamento que
Cristo veio para nos restaurar ao verdadeiro conhecimento, justiça e santidade
(Colossenses 3: 10; Ef. 4: 24). Chamamos isso de Imagem de Deus no sentido mais
restrito. Estes dois sentidos não podem ser completamente separados um do outro.
Seria realmente impossível pensar que o homem foi criado apenas com a Imagem de
Deus no sentido mais amplo; cada ato do homem primeiramente tem que ser um ato
moral, um ato de escolha contra ou a favor de Deus. Portanto, o homem, em cada ato
de conhecimento, deveria mesmo manifestar verdadeira justiça e santidade verdadeira.
Então, depois de enfatizar que o homem era como Deus e na natureza do caso, tinha
que ser como Deus, devemos salientar o ponto de que o homem deve ser sempre
diferente de Deus. O homem foi criado à Imagem de Deus. Nós vimos que alguns dos
atributos de Deus são incomunicáveis. O homem nunca pode em qualquer sentido
superar sua condição de criatura. Isso coloca uma conotação definida na expressão de
que o homem é como Deus. Ele é como Deus, com certeza, mas sempre em uma
escala de criatura. Ele nunca pode ser como Deus em asseidade, imutabilidade,
infinitude e unidade. Por essa razão, a Igreja tem encravada no coração de suas
confissões a doutrina da incompreensibilidade de Deus. O Ser e o conhecimento de
Deus são absolutamente abrangentes; tal conhecimento é maravilhoso demais para o
homem; ele não pode alcançá-lo. O homem não foi criado com conhecimento
abrangente. O homem era finito e sua finitude não era originalmente fardo algum para
ele. Nem poderia o homem jamais esperar atingir um conhecimento abrangente no
futuro. Não podemos esperar ter um conhecimento abrangente, mesmo no céu. É
verdade que muito que agora é mistério para nós nos será revelado, mas na natureza
do caso, Deus não pode revelar-nos aquilo que como criaturas nós não podemos
compreender; teríamos de ser nós mesmos Deus, a fim de entender Deus na
profundidade do seu ser." [4]

O homem foi criado bom, porque ele foi criado à Imagem de Deus. Portanto, justiça, santidade,
conhecimento e domínio são normativos para o homem. Pecado não é natural, é uma deformação da
natureza do homem, um câncer e uma doença até a morte. "Assim, nós sustentamos que o homem
apareceu originalmente com uma consciência moral perfeita." [5] O homem, criado à imagem de
Deus, "teve que viver por revelação." Desde que o homem é criatura de Deus, todas as condições de
vida do homem e cada fibra do seu ser deve responder à Palavra lei de Deus para a sua saúde.

"Essa é, então, a diferença básica e fundamental entre epistemologia cristã e não-


cristã, na medida em que tem uma influência direta sobre questões de ética, que, no
caso da atividade moral do homem de pensamento não-cristão é considerada como
criativamente construtiva, enquanto no caso do pensamento cristão a atividade moral
do homem é considerada como sendo receptivamente reconstrutiva. De acordo com o
pensamento não-cristão, não há personalidade moral absoluta a quem o homem seja
responsável e de quem ele tenha recebido sua concepção do bem, enquanto de acordo
com o pensamento cristão, Deus é a personalidade moral infinita que revela ao homem
a verdadeira natureza da moralidade." [6]

Em sétimo lugar, tendo Deus criado o homem à Sua Imagem, ordenou-lhe que exercesse domínio e
subjugasse a terra. Este é o chamado básico do homem e um aspecto básico de sua natureza. Assim,
não só a natureza do homem é criada por Deus, mas a vocação do homem para o domínio está
escrita na natureza do homem. Inevitavelmente, o homem é aquela criatura que foi criada para
exercer domínio sobre a terra e sujeitá-la, para criar ferramentas e instituições cujo propósito é
capacitar o homem para trazer todas as coisas ao seu desenvolvimento apropriado no Reino de Deus.
O homem foi criado maduro para que ele pudesse exercer domínio com sua primeira respiração, e a
vocação para o domínio é uma parte do seu sangue vital. "Fazes com que ele tenha domínio sobre as
obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés" (Sl 8:6). Este fato do domínio condiciona a
vida do homem, sua obediência, bem como sua desobediência. Não pode haver compreensão da
psicologia do homem fora de uma consciência dessa inescapável vocação ao domínio, o que, no
homem pecador, torna-se uma forma de guerra contra Deus. Nenhuma psicologia pode começar a
compreender o homem fora deste aspecto da natureza do homem, o chamado para o domínio. O fato
é, porém, que as psicologias humanistas negam a criação do homem em maturidade e deixam de
reconhecer o significado da sua vocação para o domínio. Como resultado, eles não só não
conseguem entender o homem, mas eles também dão uma falsa ilustração do próprio homem.

Em oitavo lugar, somos informados de que "homem e mulher os criou" (Gn 1:27). O caráter sexual de
homens e mulheres não é um produto cego e acidental da evolução, mas o propósito de Deus e base
para qualquer entendimento do homem. As tentativas de negar a validade dos regulamentos sexuais
bíblicos, para interpretar a homossexualidade como uma expressão de um desenvolvimento primitivo
ou como outra forma de livre expressão sexual do homem, ou para negar as diferenças psicológicas
entre um homem e uma mulher, são, portanto, moralmente, bem como psicologicamente erradas. Os
fatos da masculinidade e da feminilidade são básicos e constitutivos do propósito de Deus para a
humanidade, e qualquer psicologia que nega-os é assim estéril e carente de entendimento.
Ironicamente, os humanistas, que condenam os padrões bíblicos como puritanos e repressores, são
eles próprios culpados dos piores repressões em sua negação das diferenças sexuais e de sua
validade psicológica. O igualitarismo de psicologias humanistas provoca uma castração básica da
natureza sexual do homem e da mulher e é uma grande força repressora na sociedade moderna.

Em nono lugar, básico para a psicologia do homem é o mandato da Criação, "Sede fecundos,
multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a" (Gn 1:28). Este mandamento é precedido, no mesmo
versículo pela declaração: "E Deus os abençoou." O mandamento em si é uma bênção, e o ato de
obediência a todos os mandamentos de Deus é, em si, uma fonte de bênção.

Básico para a natureza do homem criado por Deus, originalmente totalmente bom, é o desejo de ser
fecundo e multiplicar. A psicologia do homem como criado por Deus é, portanto, regulada pelo
presente motivo, e, ainda que pervertido, este motivo não pode ser destruído sem destruir o homem. A
hostilidade à esta fertilidade marcará assim uma era suicida.

O mandamento deixa claro que esta fertilidade é um aspecto do domínio do homem: "Enchei a terra e
sujeitai-a." Das crianças, o Salmo 127: 3 diz que elas "são herança do Senhor." Uma herança significa
duas coisas: Qualquer coisa recebida dos pais ou predecessores, e também o estado ou condição em
que nascemos. Como uma "herança do Senhor" as crianças são, portanto, a nossa herança de Deus,
bem como uma condição feliz da vida na Aliança. "Bem-aventurado é o homem que enche deles a sua
aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta" (Sl 127: 5). Não só a
Escritura, mas a experiência da história deixa claro que a fertilidade tem sido vista como um aspecto
de domínio e como um aspecto da glória do homem.

Em décimo lugar, é duas vezes indicado no relato da Criação (Gn 1: 26, 28) que um aspecto do
domínio do homem é sobre o mundo animal, "sobre toda coisa vivente." O homem foi criado, assim,
com um relacionamento com os animais estabelecido como normativo para sua psicologia saudável. A
relação do homem para com os animais não é, portanto, de guerra, mas de domínio. O fato de que
homens pecadores têm tratado animais meramente como um obstáculo a ser destruído não
conseguiu apagar eficazmente a vocação do homem para um domínio normativo sobre eles. Os
homens têm domesticado e aproveitado animais, utilizados como animais de estimação, protetores, e
servos, e eles têm muitas vezes reconhecido que os animais selvagens têm uma função dada por
Deus para trazer a terra sob o domínio.

Em décimo primeiro lugar, o homem foi criado para viver em um mundo perfeito e para cultivá-lo e
mantê-lo (Gn 2:15). Assim, a psicologia do homem tem como básica uma relação com a própria terra,
que é reforçada pelo fato de que o homem foi formado a partir do "pó da terra" (Gênesis 2:7) e depois
feito alma vivente. O homem é portanto ligado à terra, física e psicologicamente. A terra é a área do
seu domínio, o lugar para que sua fertilidade seja manifestada, e seu tesouro para desenvolver a
ordem que Deus exige dele.

Estes são alguns dos aspectos elementais e elementares da psicologia do homem. O homem foi
criado na maturidade, e seu pecado é uma tentativa resoluta e fútil de fugir da maturidade. No
entanto, enquanto o homem pode falhar em cumprir suas responsabilidades, ele nunca pode escapar
delas.

(Artigo extraído de "Revolt Against Maturity ", de Rushdoony. Págs. 5-12)

1. Ver RJ Rushdoony: Freud. Philadelphia: Presbyterian & Reformed Publ. Co., 1965. [Publicado no
Brasil pela Editora Monergismo]
2. Jean-Paul Sartre: Being and Nothingness. New York: Philosophical Library, 1956.
3. Joseph Jastrow, "The Reconstruction of Psychology," in The Psychological Review, #3, 1927, p.
169, cited in Cornelius Van Til: Psychology in Religion, p. 58. Philadelphia: Westminster Theological
Seminary, 1935.
4. Cornelius Van Til: The Defense of the Faith, p. 29f. Philadelphia: Presbyterian and Reformed
Publishing Co., 1955.
5. Ibid., p. 70.
6. Idem.

Rev. R. J. Rushdoony (1916-2001) foi o fundador do Chalcedon e um teólogo influente, especialista


na relação entre Igreja e Estado, e autor de numerosos trabalhos relacionados à aplicação da Lei
Bíblica na sociedade.

Tradução por Antonio Vitor.

Essa tradução foi autorizada por Mark Rushdoony, filho de Rousas John Rushdoony.
Rousas J. Rushdoony

O capitalismo é supremamente um produto do


Cristianismo e, em particular, do Puritanismo que,
mais que qualquer outra fé, tem promovido a
capitalização.

CRISTIANISMO
& CAPITALISMO
Cristianismo
&
Capitalismo

Rousas J. Rushdoony
(originalmente publicado na década de 1960)

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Monergismo - www.monergismo.com
Dezembro/2008
Recompensas e Castigos

U
HENDIT lAMET VE

ma opinião comum em anos recentes sustenta que recompensas e castigos


representam um meio prejudicial de lidar com crianças ou adultos. Somos
informados que recompensas produzem motivos errados naqueles que
ganham e que são traumáticas para aqueles que perdem. É dito também que o castigo
é meramente uma vingança. Sobre essas premissas, alguns educadores têm eliminado
a atribuição de notas, bem como outras formas de recompensa e castigo. Esse ódio
por recompensa e castigo é uma forma de ataque sobre os conceitos inter-relacionados
de competição e disciplina. Quer na esfera espiritual, com respeito ao céu, ou no mundo
acadêmico por notas, ou no mundo dos negócios por lucros, castigos e recompensas (ou
penalidades) motivam as pessoas (Sl 19.11; 58.11; 91.8; Mt 5.11; etc.). Essa motivação leva
à competição, e a competição requer disciplina, autodisciplina, disciplina sob a lei civil e
criminal, e disciplina sob Deus (Hb 12.1-11). E um resultado da competição honesta é o
caráter.
Mas, algumas pessoas objetam, por que não por cooperação? Não é a cooperação um
método superior à competição? Mas, como declarado por Campbell, Potter e Adam em
Economics and Freedom [Economia e Liberdade], “num mercado livre, a cooperação volun-
tária e a competição são nomes para o mesmo conceito econômico”. Historicamente, a
competição do mercado livre tem sido apenas possível onde uma cultura comum e uma
fé comum levam indivíduos a cooperarem uns com os outros. Os homens competem
por cooperação na confiança que outros respeitem a qualidade, e eles constantemente
melhoram seus produtos e serviços para conseguir essa cooperação. A cooperação morre
se a competição morrer, pois então a “tração”, compulsão e a força substituem as ativi-
dades livres e cooperativas do mercado.
Fundamentalmente, recompensas e castigos pressupõem duas coisas. Primeiro,
pressupõem Deus, que estabeleceu certos retornos na forma de recompensas e penali-
dades na própria natureza do universo, bem como em sua lei moral (Ex 20.5, 6; Jd 5.20).
Assim, qualquer ataque sobre a idéia de recompensas e castigos é um ataque sobre a
ordem de Deus. Segundo, recompensas e castigos pressupõem liberdade como básica
para a condição do homem. O homem é livre para se esforçar, competir, trabalhar por
recompensas e sofrer penalidades. Dessa forma, qualquer ataque sobre esses conceitos
é também um ataque sobre a liberdade; é uma insistência que nivelar a igualdade com
total controle é uma condição melhor para o homem do que a liberdade é ou possa ser.
S. Paulo declarou, “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17). Deus e
liberdade são inseparáveis. E a liberdade pressupõe e requer a atividade livre; ela tem seu
esforço, suas recompensas e castigos, seu céu e inferno, seu êxito e fracasso. Essas são
as condições necessárias da liberdade. A alternativa é a escravidão. A escravidão oferece
uma forma muito real de segurança, mas isso o faz também a morte e um cemitério (Dt
30.15-20). Respeitar recompensas e castigos, competição e disciplina, é respeitar a própria
vida, e valorizar o caráter e a autodisciplina. Isso significa, simplesmente, escolher a vida:
“escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt 30.19).
Liberdade sob Deus

U m dos grandes fundadores do sistema americano foi o Rev. John Cot-

MONERGISMO
ton (1584-1658), que tornou básica para o governo colonial a premissa
que a lei e ordem piedosa significam poder limitado e liberdade limitada.
Nem o homem, nem o seu governo civil têm o direito moral ao poder ilimitado ou
à liberdade ilimitada. Em todos os tempos deve haver poder e liberdade sob a lei, e,
ultimamente, sob Deus (Dt 17.14-20; Pv 8.15, 16; 1Rs 2.1-4, etc.).
Mas hoje temos exigências para tanto poder como liberdade ilimitada, que são
idéias mutuamente contraditórias. Temos também a crescente afirmação que a liber-
dade não é sob a lei e sob Deus, mas fora da lei. Há aqueles que crêem que podem
ser livres somente negando as afirmações de todas as leis e afirmando que os verda-
deiros direitos e a verdadeira liberdade significam uma liberdade da lei.
A fé bíblica e essa lei verdadeira é um dom de Deus e o fundamento da liberdade
do homem (Dt 16.20). A lei é a condição da vida do homem: assim como o homem
fisicamente respira o ar para viver, assim social e pessoalmente seu meio-ambiente
de vida é a lei, a qual a graça de Deus o capacita a ter e guardar (Sl 119; Pv 6.23). O
homem não pode viver sem lei, assim como não pode viver sem comer. O propósito
da lei de Deus é a vida; como Moisés declarou, “o SENHOR nos ordenou que cum-
príssemos todos estes estatutos… para nos guardar em vida” (Dt 6.24). O homem
foi criado e é salvo por Deus para viver pela lei, pois sua disciplina é “o caminho da
vida” (Pv 6.23).
Aqui temos a grande divisão. Os americanos, educados durante algumas gera-
ções na perspectiva bíblica, têm visto a liberdade como vida sob a lei de Deus, mas
muitos hoje estão afirmando que a liberdade é escapar da lei.
As alternativas à liberdade sob Deus, liberdade sob a lei, foram declaradas clara-
mente por Karl Marx. Elas são duplas. Primeiro, alguém pode ter anarquia, todo
homem uma lei para si mesmo, com nenhuma lei, e uma “liberdade” total de qualquer
responsabilidade para com alguém. Segundo, alguém pode trocar Deus pelo Estado,
e a lei total do Estado substitui a lei de Deus. A liberdade então desaparece e o Es-
tatismo ou comunismo total para o “bem-estar” do homem toma lugar. Isso é uma
negação da liberdade como um ideal “burguês”, e uma substituição da liberdade pelo
bem-estar planejado pelo Estado como a verdadeira felicidade do homem.
Toda tentativa, portanto, de remover essa república do “sob Deus” significa que
o anarquismo ou comunismo será certamente o resultado, quer planejado ou não
por aqueles que atacam o lugar de Deus na vida americana. Essa é uma alternativa
inescapável.
Para restaurar a verdadeira liberdade, devemos restaurar a verdadeira lei (Is 8.20).
A Bíblia fala da “lei perfeita da liberdade” (Tg 1.25; 2.12), pois ela vê a lei de Deus
como a própria fonte e fundamento da liberdade do homem. Devemos abandonar a
idéia perigosa que liberdade significa um escape da lei: isso pode ser verdade somente
se o escape for do comunismo, que não é lei verdadeira, mas sim tirania. A palavra
tirania vem de uma antiga palavra grega com um significado simples: significa go-
verno secular ou humano no lugar da lei, no lugar da verdadeira liberdade sob Deus.
O sistema americano não é anarquia nem tirania, mas liberdade sob Deus.

A Riqueza é Algo Moral?

M uitos escritores atuais inferem que Jesus e a Bíblia falam contra a riqueza
como algo imoral. É verdade que a Parábola do Homem Rico (Lc 16.19-
31) nos mostra o homem rico no inferno e o pobre Lázaro no céu, mas a
condenação do homem injusto vem do rico Abraão no céu. Novamente, embora Jesus
tenha dito, “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um
rico no reino de Deus” (Mc 10.25; Mt 19.24), o mesmo capítulo deixa claro que Jesus
quis dizer que nenhum homem, rico ou pobre, pode salvar a si mesmo: “Aos homens é
isso impossível, mas a Deus tudo é possível” (Mt 19.26). Em outras palavras, a salvação
não é um trabalho “faça você mesmo” para ninguém, rico ou pobre; é obra e dom de
Deus. Muitos homens e mulheres ricas estavam entre os salvos que tinham um relacio-
namento próximo de Jesus (Lc 8.2-3; 19.1-19; 23.50-53).
A Bíblia condena a riqueza ganha de maneira fraudulenta, mas declara que a riqueza
honesta é uma bênção. Primeiro, portanto, a riqueza honesta deve ser desejada como
uma bênção de Deus. “A bênção do SENHOR é que enriquece [i.e., rico materialmente];
e não traz consigo dores” (Pv 10.22). A posse de riqueza é legal e protegida nos Dez Man-
damentos por dois mandamentos: “Não furtarás” e “Não cobiçarás” (Ex 20.15, 17; Dt
5.19, 21). Jesus confirmou isso e assumiu a legalidade da riqueza como um princípio
piedoso (Mt 25.14-30; Lc 19.12-27; 16.1-8). Jesus deixou claro que a riqueza moralmente
adquirida é uma bênção de e sob Deus: “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça,
e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.32s.; Lc 12.30s.), e não há nada errado
OMMY NONSE CORE

em desejá-la, se andamos em termos da prioridade da fé em, e obediência a, Deus.


Segundo, a riqueza é moralmente boa, mas é um bem subordinado, um meio para
uma vida melhor, e não um fim em si mesmo. E ela é muito incerta para ser o obje-
tivo da vida (Mt 6.19s.), e a riqueza pode co-existir com a pobreza de alma (Lc 12.16-
21;14:18s.; Mt 22.6s). Assim, a riqueza tem perigos morais quando ela se torna primária,
e não secundária na vida de um homem. Não é o dinheiro que é a raiz de todos os males,
mas “o amor ao dinheiro”, e a cobiça por dinheiro com esse amor pervertido é citado
como pecado por Paulo (1Tm 6.10). Os socialistas podem ser tão culpados de “amor ao
dinheiro” como qualquer outra pessoa. Dessa forma, riqueza e prosperidade podem ser
perigosas, se os homens fazem dela o objetivo da vida, se eles as idolatram.
O mal, então, não está na riqueza como tal, mas no coração dos homens, e falar de
riqueza como imoral é uma lógica falsa, uma insistência que as coisas são imorais, e não
o homem. Mas, como Paulo escreveu a Tito: “Todas as coisas são puras para os puros,
mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência
estão contaminados” (Tt 1.15). Dessa forma, embora homens imorais possam adquirir e
usar erroneamente riquezas, é o seu coração e ações que são imorais, e não a riqueza em
si. Em seu lugar devido, portanto, a riqueza não é somente moral, mas também bendita,
e pode ser honestamente desejada, adquirida e mantida, e é um benefício para toda a
sociedade.
Capitalização é o Produto de Trabalho e Parcimônia

C apitalização é o produto do trabalho e parcimônia, a acumulação de rique-


za e o uso sábio da riqueza acumulada.
Essa riqueza acumulada é investida em efeito no progresso, pois é
tornada disponível para o desenvolvimento dos recursos naturais e a comercializa-
ção de mercadorias e produtos.
A parcimônia que leva à economia ou acúmulo de riqueza, à capitalização, é um
produto do caráter (Pv 6.6-15).
A capitalização foi um produto em cada período da disposição Puritana, da ati-
tude de abrir mão de prazeres presentes para acumular certa riqueza para propósitos
futuros (Pv 14.23). Sem caráter, não há capitalização, mas sim descapitalização, a
exaustão contínua da riqueza.
Como resultado, o capitalismo é supremamente um produto do Cristianismo e, em par-
ticular, do Puritanismo que, mais que qualquer outra fé, tem promovido a capita-
lização.
Isso significa que antes que a descapitalização, quer na forma de socialismo ou
inflação, possa ocorrer, deve haver um colapso da fé e do caráter. Antes dos Estados
Unidos começar seu percurso no socialismo e na inflação, ele teve que abandonar
sua posição cristã. O povo passou a ver mais vantagem em gastar capital do que em
acumulá-lo, em desfrutar prazeres superficiais do que viver em termos dos prazeres
duradouros da família, fé e caráter.
Quando o socialismo e a inflação saem a caminho, tendo começado no declínio
da fé e do caráter, eles vêem como seu inimigo comum precisamente aquelas pes-

OMMY NONSE CORE


soas que ainda têm fé e caráter.
Como haveremos de nos defender? E como podemos ter um retorno ao capi-
talismo? O capitalismo revive somente se a capitalização reviver, e a capitalização
depende, em sua forma melhor e mais clara, daquele caráter produzido pelo Cris-
tianismo bíblico.
Isso é escrito por alguém que crê intensamente no Cristianismo ortodoxo e
em nossa liberdade e herança cristã histórica. É meu propósito promover aquela
capitalização básica da sociedade, da qual tudo o mais flui, o capital espiritual. Com o
capital espiritual de uma fé bíblica e centrada em Deus, nunca podemos nos tornar
espiritual e materialmente falidos (Pv 10.16).
Socialismo e Inflação Descapitalizam uma Economia

D escapitalização significa a destruição progressiva de capital, de forma que


uma sociedade tem progressivamente menos habilidade produtiva. Des-
capitalização é a dissipação da riqueza acumulada (Pv 14.23).
Capitalização é o acúmulo de riqueza por meio do trabalho e parcimônia. Uma eco-
nomia livre, o capitalismo, é uma impossibilidade sem capitalização (Pv 10.16).
Alguns dos países agrícolas potencialmente mais ricos são importadores de produ-
tos agrícolas, tais como a Venezuela e o Chile. As áreas de pesca da Costa Pacífica da
América do Sul são algumas das mais ricas conhecidas no mundo, ricas o suficiente para
alimentar os países daquela área:
“Pescadores chilenos não conseguem comercializar peixe apropriadamente, e atiram quanti-
dades incríveis de peixes capturados no mar, pois não tem armazenamento nem transporte
suficiente para levar os peixes aos mercados. Assim, não existe uma falta de trabalho nem uma
falta de mercado para os peixes, mas a capitalização necessária para fornecer as facilidades de
reunir trabalho, produto e mercado onde isso está faltando.”
Muito do mundo está na mesma situação difícil: tem o trabalho, os recursos na-
turais, e o comércio faminto por seus produtos, mas carece do capital necessário para
fazer o fluxo das mercadorias possível. O socialismo tenta resolver este problema, mas
somente o agrava, pois aumenta a pobreza de todos interessados. O socialismo e a infla-
ção realizam o mesmo propósito: eles descapitalizam uma economia.
A inflação acontece quando as pessoas têm latrocínio em seu coração, e o mesmo é
verdade do socialismo. O socialismo é latrocínio organizado; como a inflação, ele toma
de quem tem e dá a quem não tem. Ao destruir o capital, ele destrói o progresso e em-
OMMY NONSE CORE

purra a sociedade ao desastre.


À medida que os produtos da capitalização começam a se esgotar, não existe novo
capital para substituí-los, e o Estado não tem capital próprio: ele somente empobrece
o povo mais e, portanto, a si mesmo, tentando criar capital por cobrança de impostos.
Todo Estado socialista se descapitaliza progressivamente.
Ame Teu Próximo – O que isso Significa?

U m versículo bíblico familiar é frequentemente usado por muitos para


justificar o socialismo e atacar a defesa da propriedade como “egoís-
mo”. Mas o mandamento, “amarás o teu próximo como a ti mesmo”,
exige compartilhar a riqueza, para programas de bem-estar, e para uma unidade
mundial?
As principais passagens bíblicas explicando esse versículo são Levítico 19.15-
18, 33-37; Mateus 19.18, 19; 22.34-40; e Romanos 13.8-10. O que elas nos dizem?
Primeiro, quem é o meu próximo? Em Levítico 19.33-37, Moisés deixa claro que
nosso próximo significa qualquer um e todos com quem nos associamos, incluindo
nosso inimigo; e Jesus enfatizou isso na parábola do Bom Samaritano (Lc 10.29-37),
citando a misericórdia do samaritano para com um inimigo, um judeu.
Segundo, o que a Bíblia quer dizer por amor? A palavra amor hoje é um termo que
diz respeito a sentimento, um sentimento que é mais forte que os “laços” da lei. A
palavra bíblica amor “é o cumprimento da lei” (Rm 13.10). Além do mais, amor tem
referência primariamente ao cumprimento da lei de Deus; ele se relaciona à justiça
na Bíblia, e se refere à lei de Deus e ao tribunal da lei de Deus. O homem moderno
que quebra as leis sexuais ou de propriedade em nome do amor está, dessa forma,
carente de amor da perspectiva bíblica, pois amor “é o cumprimento da lei”.
Terceiro, quais leis estão envolvidas no amor para com o nosso próximo? De
acordo com Jesus (Mt 19.18-19), e novamente enfatizado por Paulo (Rm 13.8-10),
amar o nosso próximo significa guardar a segunda tábua dos Dez Mandamentos
na relação para com ele. Isso significa “não matarás”, ou não tomar a lei em nos-

OMMY NONSE CORE


sas próprias mãos, que você deve respeitar o direito à vida dado por Deus ao seu
próximo. “Não adulterarás”, significa que você deve respeitar a santidade do lar e
da família do nosso próximo. “Não furtarás”, significa que devemos respeitar o di-
reito à propriedade dado por Deus ao nosso próximo (ou inimigo). “Não levantarás
falso testemunho” significa que devemos respeitar sua reputação. E “não cobiçarás
requer uma obediência a essas leis em pensamento bem como em palavras e atos.
Dessa forma, “amarás o teu próximo como a ti mesmo” é a base da verdadeira
liberdade civil no mundo ocidental. Ele requer que nós respeitemos em todos os
homens e em nós mesmos os direitos à vida, ao lar, à prosperidade e à reputação, em
palavra, pensamento e ação. A palavra bíblica amor não tem nada a ver com amor
erótico, que é anti-lei. O amor bíblico “é o cumprimento da lei” em relação a todos
os homens. Ele não pede para que gostemos de todos os homens, ou que os introdu-
zamos em nossas famílias e círculos, nem que compartilhemos nossas riquezas com
eles. A Bíblia simplesmente diz: ame o amigo, o inimigo e a si mesmo, ao respeitar
e defender esses direitos dados por Deus à vida, lar, propriedade e reputação para
todos. Os “humanitaristas” modernos são, dessa forma, frequentemente culpados
de violar a lei de Deus em nome de um amor anarquista. O amor bíblico guarda a lei.
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Cristianismo x Humanismo
Rousas J. Rushdoony

O tema que irá dominar os anos que estão por vir é a batalha que
está se travando entre o cristianismo e o humanismo. É uma guerra até
a morte. O cristianismo é uma visão de mundo e de vida e uma fé, e
somente pode existir como tal. Ou é a Palavra de Deus para todas as
áreas ou não o é para nenhuma.
O cristianismo nasceu dessa mesma batalha. É somente o
abandono do cristianismo o que produziu um retorno ao início desta
antiga batalha dos séculos. No dia de Pentecostes a grande proclamação
de Pedro foi esta: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de
Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e
Cristo” (Atos 2:36). “Jesus é Senhor!” Esta é a regozijante e central
proclamação da igreja primitiva. É a declaração de Paulo (Fp. 2:9-11;
Rm. 10:9; 1Co. 12:3), e é a declaração regozijante de que em Cristo se
cumpriu a profecia de Isaías 45:23. Declarar que Jesus é Senhor significa
que Ele é o soberano do mundo, que governa de maneira absoluta todas
as esferas da vida e do pensamento. É obrigatório que cada área de
nossa vida seja cristã: a igreja, o Estado, a escola, a família, as
profissões, as artes e as ciências, e todas as demais coisas, devem servir
somente a Cristo, o Senhor.
Um problema para entender o alcance de nossa obra é o mau
emprego comum da palavra igreja. A palavra em inglês provém do
termo kyriakos, um adjetivo grego, como em kyriakon doma, ou kyriake
oika; nossa palavra igreja se refere a uma instituição de adoração, ao
ministério da Palavra, ou a um edifício. A palavra do Novo Testamento
traduzida como igreja é ecclesia, que dá o sentido de duas palavras
hebraicas: ´edhah (congregação) e qahl (assembléia). Ela pode se referir
a todas as pessoas redimidas, sua reunião para adorar, seu governo
civil, a família, ao exército temente a Deus, e mais: significa o Reino de
Deus. De modo que, onde a Escritura fala de igreja, significa o domínio
de Cristo em todas as áreas e esferas da vida. Todas as coisas hão de
ser postas debaixo do domínio de Cristo, o Senhor.
Na atualidade é o humanismo quem sujeitou todas as coisas,
incluindo a maioria das igrejas, sob o domínio do homem como senhor.
O propósito das escolas do Estado, tal como estabelecido por Horace
Mann, James G. Carter e outros, era duplo: primeiro, estabelecer o
centralismo, a prioridade do Estado sobre todas as áreas da vida, e,
segundo, eliminar a fé bíblica. Os fundadores da educação estatal nos
Estados Unidos criam num unitarismo, não no Deus trino. E criam, agora
corretamente, que o controle sobre a criança através das escolas era a
chave para controlar a sociedade. O controle sobre as escolas
determinará, em última instância, o controle sobre o Estado e a igreja.
O cristianismo e o humanismo são religiões diametralmente
opostas: uma é a adoração ao Deus trino e soberano, a outra é a
adoração ao homem. Analisemos brevemente alguns pontos básicos de
diferenciação entre o cristianismo e o humanismo e como estes afetam
a Educação. Isto está longe de ser uma análise exaustiva. Nosso
propósito é pontuar brevemente algumas das diferenças fundamentais:

CRISTIANISMO HUMANISMO

1. A soberania do Deus triúno é o 1. A soberania do homem e do Estado é


ponto de partida, e este Deus fala o ponto de partida, e é a palavra dos
através de sua Palavra infalível. homens da elite e da ciência que devem
ser ouvidas.

2. Devemos aceitar Deus como Deus. 2. O homem é o seu próprio deus,


Ele é o único Senhor. escolhendo ou determinando para si
mesmo aquilo que constitui o bem e o
mal (Gênesis 3:5).

3. A Pessoa e a Palavra de Deus é a 3. A verdade é pragmática e existencial:


Verdade. ela é o que nos for útil e aquilo que nós
queremos fazer.

4. A educação é de acordo com a 4. A educação é a auto-realização e o


verdade de Deus em cada área. auto-desenvolvimento da criança.

5. A educação é a disciplina em um 5. A educação é livre de restrição e de


conjunto da verdade. Este conjunto da qualquer idéia de verdade fora de nós.
verdade aumenta com pesquisa e Nós é que somos o padrão, e não coisa
estudo, mas a verdade é objetiva e alguma fora de nós.
dada por Deus. Nós iniciamos
pressupondo Deus e sua Palavra.

6. Padrões piedosos nos regem. 6. A escola e o mundo devem ditar as


Devemos nos guiar por eles. O necessidades do pupilo. O pupilo faz o
professor faz o pupilo. professor.

7. A vontade do homem e a da criança 7. A sociedade deve ceder e se amoldar


devem ceder ao propósito de Deus. O à vontade do homem, e a vontade da
homem deve ser refeito e renascido criança é sagrada.
pela graça de Deus.

8. O problema do homem é o pecado. 8. O problema do homem é a sociedade.


O homem deve ser recriado por Deus. A sociedade deve ser recriada pelo
homem.

9. A família é a instituição básica. 9. A família está obsoleta. O indivíduo e


o Estado são básicos.

As escolas cristãs devem ensinar todas as disciplinas a partir de


uma perspectiva centrada em Deus, ou do contrário estará ensinando
humanismo. A Matemática, por exemplo, não tem validade em um
universo de casualidades: ela repousa na pressuposição de um Deus
soberano e predestinador.1
O livro humanista de História não somente elimina a história
bíblica e o grande papel central da nossa fé cristã, mas também vê a
História como uma sucessão de lances de azar em lugar de ver
propósito nela. A História, para o humanista, na melhor das hipóteses,
está determinada pelo homem, contudo, para o cristão, ela está
determinada por Deus.
Nas ciências, devemos negar uma vez mais o “domínio” da
casualidade. O determinismo materialista não é melhor. A visão
newtoniana da casualidade entrou em colapso porque sua perspectiva
puramente naturalista é inadequada. Não existe uma causa única na
natureza. Ademais, a multiplicidade de causas não é suficiente para
explicar a ordem, o design e o significado. Somente a pressuposição do
Deus da Escritura pode sustentar a ciência de maneira apropriada.
Na Literatura devemos nos perguntar: o que é um clássico? A idéia
do que constitui um clássico varia de cultura para cultura. Assim o
grande épico vietnamita, O Conto de Kieu, é uma obra-prima do
humanismo. Alimenta a auto-compaixão, a acusação contra Deus, e a

1 Ver Vern S. Poythress, “Creation and Mathematics; or What Does God Have To Do With Numbers?”, in The
Journal of Christian Reconstruction, vol. I, no. 1, Verão de 1974, pp. 128-130; P.O. Box 158 Vallecito,
California 95251; e Vern S. Poythress, “Mathematics,” in Gary North, editor: Foundations of Christian
Scholarship, pp. 159-188. Vallecito, California: Ross House Books, 1976.
crença de que o homem, que tem em si a raiz da bondade, é a vítima de
Deus.2 Um clássico cristão deve refletir uma cosmovisão cristã; deve ver
o conflito como uma realidade moral, não metafísica e deve afirmar uma
harmonia total e básica, não um conflito de interesses.
No ensino de Língua devemos nos lembrar que a gramática e a
cultura estão interrelacionadas. Há uma premissa teológica para a
gramática. As culturas relativistas não podem desenvolver um
verdadeiro tempo futuro, nem um sentido apropriado do futuro. Além
disso, as palavras representam significados; são verdades proporcionais
em miniatura. A comunicação é possível onde prevalece uma cultura
comum. Quanto mais existencialista se torna uma cultura, mais difícil se
torna a comunicação, porque as palavras e os significados são
debilitados ou destruídos.
De modo que a fé cristã possui um ponto de interesse integral. As
escolas cristãs são uma necessidade, ou do contrário teremos escolas
anticristãs. Se o cristianismo ignora a educação, ou abandona as escolas
cristãs, está cometendo um ato suicida. Aqueles que fazem isto
negaram a Cristo e Seu Senhorio.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho


Fonte: The Philosophy of the Christian Curriculum, p. 171-174.

2 Huynh Sanh Thong, translator: The Tale of Kieu by Nguyen Du. New Cork: Random House, 1973.
Cristianismo x Humanismo
Rousas J. Rushdoony

O tema que irá dominar os anos que estão por vir é a batalha que
está se travando entre o cristianismo e o humanismo. É uma guerra até
a morte. O cristianismo é uma visão de mundo e de vida e uma fé, e
somente pode existir como tal. Ou é a Palavra de Deus para todas as
áreas ou não o é para nenhuma.
A cristandade nasceu nessa mesma batalha. É somente o
abandono do cristianismo que produz um retorno ao início desta antiga
batalha dos séculos. No dia de Pentecostes a grande proclamação de
Pedro foi esta: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel
de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo”
(Atos 2:36). “Jesus é Senhor!” Esta é a regozijante e central proclamação
da igreja primitiva. É a declaração de Paulo (Fp. 2:9-11; Rm. 10:9; 1Co.
12:3), e é a declaração regozijante de que em Cristo se cumpriu a
profecia de Isaías 45:23. Declarar que Jesus é Senhor significa que Ele é
o soberano do mundo, que governa de maneira absoluta todas as
esferas da vida e do pensamento. É obrigatório que cada área de nossa
vida seja cristã: a igreja, o Estado, a escola, a família, as profissões, as
artes e as ciências, e todas as demais coisas, devem servir somente a
Cristo, o Senhor.
Um problema para entender o alcance de nossa obra é o mau
emprego comum da palavra igreja. A palavra em inglês provém do
termo kyriakos, um adjetivo grego, como em kyriakon doma, ou kyriake
oika; nossa palavra igreja se refere a uma instituição de adoração, ao
ministério da Palavra, ou a um edifício. A palavra do Novo Testamento
traduzida como igreja é ecclesia, que dá o sentido de duas palavras
hebraicas: ´edhah (congregação) e qahl (assembléia). Ela pode se referir
a todas as pessoas redimidas, sua reunião para adorar, seu governo
civil, a família, ao exército temente a Deus, e mais: significa o Reino de
Deus. De modo que, onde a Escritura fala de igreja, significa o domínio
de Cristo em todas as áreas e esferas da vida. Todas as coisas hão de
ser postas debaixo do domínio de Cristo, o Senhor.
Na atualidade é o humanismo quem sujeitou todas as coisas,
incluindo a maioria das igrejas, sob o domínio do homem como senhor.
O propósito das escolas do Estado, tal como estabelecido por Horace
Mann, James G. Carter e outros, era duplo: primeiro, estabelecer o
centralismo, a prioridade do Estado sobre todas as áreas da vida, e,
segundo, eliminar a fé bíblica. Os fundadores da educação estatal nos
Estados Unidos criam num unitarismo, não no Deus trino. E criam, agora
corretamente, que o controle sobre a criança através das escolas era a
chave para controlar a sociedade. O controle sobre as escolas
determinará, em última instância, o controle sobre o Estado e a igreja.
O cristianismo e o humanismo são religiões diametralmente
opostas: uma é a adoração ao Deus trino e soberano, a outra é a
adoração ao homem. Analisemos brevemente alguns pontos básicos de
diferenciação entre o cristianismo e o humanismo e como estes afetam
a Educação. Isto está longe de ser uma análise exaustiva. Nosso
propósito é pontuar brevemente algumas das diferenças fundamentais:

CRISTIANISMO HUMANISMO

1. A soberania do Deus triúno é o 1. A soberania do homem e do Estado é


ponto de partida, e este Deus fala o ponto de partida, e é a palavra dos
através de sua Palavra infalível. homens da elite e da ciência que devem
ser ouvidas.

2. Devemos aceitar Deus como Deus. 2. O homem é o seu próprio deus,


Ele é o único Senhor. escolhendo ou determinando para si
mesmo aquilo que constitui o bem e o
mal (Gênesis 3:5).

3. A Pessoa e a Palavra de Deus é a 3. A verdade é pragmática e existencial:


Verdade. ela é o que nos for útil e aquilo que nós
queremos fazer.

4. A educação é de acordo com a 4. A educação é a auto-realização e o


verdade de Deus em cada área. auto-desenvolvimento da criança.

5. A educação é a disciplina em um 5. A educação é livre de restrição e de


conjunto da verdade. Este conjunto da qualquer idéia de verdade fora de nós.
verdade aumenta com pesquisa e Nós é que somos o padrão, e não coisa
estudo, mas a verdade é objetiva e alguma fora de nós.
dada por Deus. Nós iniciamos
pressupondo Deus e sua Palavra.

6. Padrões piedosos nos regem. 6. A escola e o mundo devem ditar as


Devemos nos guiar por eles. O necessidades do pupilo. O pupilo faz o
professor faz o pupilo. professor.

7. A vontade do homem e a da criança 7. A sociedade deve ceder e se amoldar


devem ceder ao propósito de Deus. O à vontade do homem, e a vontade da
homem deve ser refeito e renascido criança é sagrada.
pela graça de Deus.

8. O problema do homem é o pecado. 8. O problema do homem é a sociedade.


O homem deve ser recriado por Deus. A sociedade deve ser recriada pelo
homem.

9. A família é a instituição básica. 9. A família está obsoleta. O indivíduo e


o Estado são básicos.

As escolas cristãs devem ensinar todas as disciplinas a partir de


uma perspectiva centrada em Deus, ou do contrário estará ensinando
humanismo. A Matemática, por exemplo, não tem validade em um
universo de casualidades: ela repousa na pressuposição de um Deus
soberano e predestinador.1
O livro humanista de História não somente elimina a história
bíblica e o grande papel central da nossa fé cristã, mas também vê a
História como uma sucessão de lances de azar em lugar de ver
propósito nela. A História, para o humanista, na melhor das hipóteses,
está determinada pelo homem, contudo, para o cristão, ela está
determinada por Deus.
Nas ciências, devemos negar uma vez mais o “domínio” da
casualidade. O determinismo materialista não é melhor. A visão
newtoniana da casualidade entrou em colapso porque sua perspectiva
puramente naturalista é inadequada. Não existe uma causa única na
natureza. Ademais, a multiplicidade de causas não é suficiente para
explicar a ordem, o design e o significado. Somente a pressuposição do
Deus da Escritura pode sustentar a ciência de maneira apropriada.
Na Literatura devemos nos perguntar: o que é um clássico? A idéia
do que constitui um clássico varia de cultura para cultura. Assim o
grande épico vietnamita, O Conto de Kieu, é uma obra-prima do
humanismo. Alimenta a auto-compaixão, a acusação contra Deus, e a

1 Ver Vern S. Poythress, “Creation and Mathematics; or What Does God Have To Do With Numbers?”, in The
Journal of Christian Reconstruction, vol. I, no. 1, Verão de 1974, pp. 128-130; P.O. Box 158 Vallecito,
California 95251; e Vern S. Poythress, “Mathematics,” in Gary North, editor: Foundations of Christian
Scholarship, pp. 159-188. Vallecito, California: Ross House Books, 1976.
crença de que o homem, que tem em si a raiz da bondade, é a vítima de
Deus.2 Um clássico cristão deve refletir uma cosmovisão cristã; deve ver
o conflito como uma realidade moral, não metafísica e deve afirmar uma
harmonia total e básica, não um conflito de interesses.
No ensino de Língua devemos nos lembrar que a gramática e a
cultura estão interrelacionadas. Há uma premissa teológica para a
gramática. As culturas relativistas não podem desenvolver um
verdadeiro tempo futuro, nem um sentido apropriado do futuro. Além
disso, as palavras representam significados; são verdades proporcionais
em miniatura. A comunicação é possível onde prevalece uma cultura
comum. Quanto mais existencialista se torna uma cultura, mais difícil se
torna a comunicação, porque as palavras e os significados são
debilitados ou destruídos.
De modo que a fé cristã possui um ponto de interesse integral. As
escolas cristãs são uma necessidade, ou do contrário teremos escolas
anticristãs. Se o cristianismo ignora a educação, ou abandona as escolas
cristãs, está cometendo um ato suicida. Aqueles que fazem isto
negaram a Cristo e Seu Senhorio.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho


Fonte: The Philosophy of the Christian Curriculum, p. 171-174.

2 Huynh Sanh Thong, translator: The Tale of Kieu by Nguyen Du. New Cork: Random House, 1973.
Educação Cristã x Educação Humanística
R. J. Rushdoony
Este gráfico simples sumariza as diferenças básicas entre uma
educação biblicamente embasada e uma educação humanística. Os
cristãos devem checar suas escolas privadas e públicas, e mesmo o
currículo da educação em casa para determinar de que lado da tabela
ela melhor se ajusta. Deus honra aqueles que o honram. Repassemos
às nossas crianças a melhor educação bíblica possível.

CRISTIANISMO HUMANISMO
1. A soberania do Deus triúno é 1. A soberania do homem e do
o ponto de partida, e este Deus Estado é o ponto de partida, e é
fala através de sua Palavra a palavra dos homens da elite e
infalível. da ciência que devem ser
ouvidas.
2. Devemos aceitar Deus como 2. O homem é o seu próprio
Deus. Ele é o único Senhor. deus, escolhendo ou
determinando para si mesmo
aquilo que constitui o bem e o
mal (Gênesis 3:5).
3. A Pessoa e a Palavra de Deus 3. A verdade é pragmática e
é a Verdade. existencial: ela é o que nos for
útil e aquilo que nós queremos
fazer.
4. A educação é de acordo com 4. A educação é a auto-realização
a verdade de Deus em cada área. e o auto-desenvolvimento da
criança.
5. A educação é a disciplina em 5. A educação é livre de restrição
um conjunto da verdade. Este e de qualquer idéia de verdade
conjunto da verdade aumenta fora de nós. Nós é que somos o
com pesquisa e estudo, mas a padrão, e não coisa alguma fora
verdade é objetiva e dada por de nós.
Deus. Nós iniciamos
pressupondo Deus e sua Palavra.
Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)
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2

6. Padrões piedosos nos regem. 6. A escola e o mundo devem


Devemos nos guiar por eles. O ditar as necessidades do pupilo.
professor faz o pupilo. O pupilo faz o professor.
7. A vontade do homem e a da 7. A sociedade deve ceder e se
criança devem ceder ao amoldar à vontade do homem, e
propósito de Deus. O homem a vontade da criança é sagrada.
deve ser refeito e renascido pela
graça de Deus.
8. O problema do homem é o 8. O problema do homem é a
pecado. O homem deve ser sociedade. A sociedade deve ser
recriado por Deus. recriada pelo homem.
9. A família é a instituição 9. A família está obsoleta. O
básica. indivíduo e o Estado são básicos.

------------------------
Tradução: Márcio Santana Sobrinho.
Fonte: The Philosophy of the Christian Curriculum (Vallecito, Calif.: Ross House Books, 1981),
172-173. Citado em The Right Choice: Home Schooling, por Dr. Christopher J. Klicka (Noble
Publishing Associates), 421-422. Appendix A.

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Exagero e Negação
Rev. Rousas John Rushdoony

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Nota do tradutor: Há uma calúnia disseminada na internet dando conta que R. J.


Rushdoony negava o holocausto.

Esse tipo de calúnia causa perplexidade aos verdadeiros leitores das obras de
Rushdoony. E há uma razão para isso: o holocausto raramente é mencionado nos
escritos volumosos de Rushdoony. Ele nunca escreveu um livro sobre o assunto, e
nenhum artigo importante. Assim, o que alguns chamam de “os escritos sobre o
holocausto de Rushdoony” consiste na verdade de algumas poucas páginas num
único livro, que contém mais de 800 páginas.

Refiro-me ao seu livro Institutes of Biblical Law, volume I, página 585 em diante,
numa seção chamada The Lying Tongue [A Língua Mentirosa]. Nessa seção
Rushdoony aludia ao exagero acerca do mal, para torná-lo pior nas pessoas
moralmente embotadas. Ele incluía aqui tanto historiadores como céticos do
holocausto.

Nessa seção, Rushdoony de forma alguma negava o holocausto. Ele se referia a


algumas pessoas que exageravam o mal para fazê-lo parecer pior do que realmente
era. Ele falava sobre os conceitos de exagero e mentira!

A edição de setembro de 2000 da Chalcedon Report (agora Faith for All of Life), poucos
meses antes de Rushdoony falecer, havia sido totalmente dedicada ao tópico The
Racialist Heresy [A Heresia Racista]. Nessa edição Rushdoony escreveu sobre
“Exagero e Negação”, que é o texto traduzido abaixo.

Minha pergunta é a seguinte: como alguém que afirma o holocausto ― mas


observa a tendência de alguns em exagerar o número de mortes para tornar o mal
do holocausto ainda mais terrível ― pode ser alguém que nega o holocausto?

Minha recomendação a esses caluniadores é que eles consultem as fontes e não


dependam de consultas na internet e de frases descontextualizadas. Leiam o
comentário de Rushdoony sobre o nono mandamento ― sobre mentira e exagero, e
como isso é pecaminoso. Isso revelará o contexto apropriado para o que
Rushdoony escreveu no texto a seguir. Reitero: é pecado mentir e exagerar fatos
para tornar uma coisa pior do que ela realmente é.

Por fim, outra calúnia frequente contra o nosso autor é que ele era racista. Trata-se
de um absurdo, e mostra como essas pessoas desconhecem Rushdoony, sua história
e seus escritos, mas este é assunto para outro artigo.

1
E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em dezembro/2010.

Monergismo.com – “Ao Senhor pertence a salvação” (Jonas 2:9)


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O relativismo é central para o mito da neutralidade. Repórteres
modernos vão longe para tornar legítima a oposição a toda ideia ou ação, não
importa quão insana. A um pequeno punhado de piquetes será dado o mesmo
espaço de tempo de um batalhão de milhares deles, tal é o imperativo para
alguém parecer neutro e objetivo. Isso tem levado a um ciclo vicioso de
exagero e negação, ambos legitimados pelo desejo professo da mídia de
“apresentar os dois lados”.
Em anos recentes, a imprensa norte-americana exaltou o falecido
presidente croata Franjo Tudjman, homem cujos escritos tentaram empregar
princípios bíblicos para uma limpeza étnica. Posteriormente essas mesmas
agências de notícias recontariam “o genocídio em massa noticiado” por
sérvios contra albaneses étnicos.
É difícil imaginar que alguém possa negar a realidade do assassinato em
massa que caracterizou o século vinte, refira-se ele aos milhões de armênios
assassinados pelos turcos, aos milhões de judeus assassinados pelos nazistas
ou aos incontáveis milhões assassinados pelos comunistas na China, Rússia e
Camboja.
Em meu livro Institutes of Biblical Law [Institutas da Lei Bíblica], observei
que o alcance desse tipo de assassinato em massa havia entorpecido a tal
ponto a consciência moderna que o assassinato de um “mero” milhão ou
dezena de milhões não era mais motivo de choque, induzindo alguns a inflar o
alcance de atrocidades menores, com receio de que não estivessem parecendo
suficientemente horríveis.
Não era meu propósito entrar em um debate sobre números, se haviam
sido mortas milhões ou dezenas de milhões de pessoas, uma área que deve ser
deixada a outros com experiência em tais questões. Meu argumento então, e
também agora, é que em todas essas questões, o que o nono Mandamento
exige é a verdade, e não o exagero, independente da causa que se busca servir.
É tão errado exagerar com o objetivo de chocar, como aconteceu, resta agora
evidente, nos primeiros relatórios do “genocídio” sérvio, quanto é errado
negar a realidade do que fizeram os nazistas e, no caso dos comunistas, do que
ainda fazem.
O revisionismo histórico condena o futuro a agir pelas regras perigosas
do exagero e da negação. Como então observei, isso inevitavelmente levará a
horrores ainda maiores, na medida em que a barreira da capacidade de chocar
estiver continuamente se elevando. Este é o verdadeiro perigo do mito da
neutralidade, onde a lei de Deus é vista meramente como “um lado do
debate”.
2
Fonte: Extraído da revista Faith for All of Life, edição de
setembro de 2000 (A Heresia Racista).

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Família: O princípio da autoridade – R. J. Rushdoony


Willian Po rto

A educação estatista e a intervenção estatista na vida da


f amília conduz, pouco a pouco, ao colapso da f amília.
Não é atoa que o princípio da autoridade está em jogo na
f amília.

A f amília não é só o primeiro meio da criança, mas


também sua primeira escola, onde recebe sua educação
básica; sua primeira igreja, onde ensina-se suas primeiras
lições f undamentais sobre Deus e a vida; seu primeiro
estado, onde aprende os elementos da lei e ordem e os
obedecem; e sua primeira vocação, em que a criança
recebe trabalho para f azer, e responsabilidades nos
termos do mesmo. O mundo essencial de uma criança
pequena é a f amília, seu pai e mãe em particular. Meredith
resumiu o assunto de maneira correta: “Aos olhos de uma
criança pequena, o pai está no lugar do próprio Deus!
Pois o pai é o provedor, o protetor, o que o ama, o
prof essor e legislador da criança” [1].

Daqui é que os teólogos que através dos séculos


ensinaram obediência aos magistrados civis, e a todas as autoridades devidamente
constituídas, sob o encabeçamento do quinto mandamento. Já vimos quão
prof undamente ligada em toda autoridade está a autoridade dos pais. A destruição da
posição e autoridade da f amília é a destruição de toda sociedade e a introdução da anarquia.

Mas a introdução da anarquia radical é também o que segue sistematicamente o ataque contra a
f amília. A rebelião estudantil da década de 1960 tinha como base o anarquismo. Por isso Jorge
Immendorf f , de 23 anos, da Alemanha, pediu uma rebelião antes que uma ref orma, pois “não se
pode melhorar o lixo; assim a rebelião é a única resposta”. A necessidade é “começar do nada” com
somente um padrão: “a própria vida”. Anthony Duckworth, de 21 anos, da Inglaterra, declara que “em
Oxf ord e Cambridge os prof essores jovens querem determinar as normas administrativas, dizer
quanto a textos e cursos, dormitórios e comidas. Querem tomar as rédias”. Ainda mais, segundo John D.
Rockf eller III, de 62 anos, “em vez de preocupar-nos sobre como suprimir a rebelião juvenil; nós da
geração anterior devemos nos preocuparmos em sustentá-la”. Segundo Rockf eller , este “idealismo” juvenil
deve ser sustentado e promovido [2]. Mas, o que é que Rockf eller está pedindo que sustentemos e
aceitemos? Primeiro, a rebelião estudantil e juvenil tem uma premissa imoral: a af irmação de que os jovens
têm o direito de controlar e governar as propriedades de outros. Se uma universidade pertence ao estado,
a uma igreja, ou a uma corporação privada, o estudante pode receber uma educação em termos dessa
instituição. É livre para f ormar suas próprias instituições, mas, como estudante ou instrutor, está em uma
instituição em termos f ixados por aqueles cujos direitos de propriedade governam a instituição. Os
estudantes queixam-se de “coerção”, mas seus movimentos estão entre os mais coercivos do século. O
f ilho não tem direito de governar a seus pais, nem os alunos a sua instituição educativa, nem os
empregados a seu patrão. Segundo, a meta da rebelião estudantil é o poder amoral, não esperanças
“idealistas.

Fazer da “própria vida” o padrão quer dizer que não a padrão exceto a anarquia. Pedir que se “comece do
nada” é pedir a destruição de toda lei e ordem de modo que o anarquista possa aproveitar o que o dono
atual possui. Terceiro, este anarquismo é inevitável em uma geração de estudantes que não f oi ensinada a
obedecer seus pais nem toda autoridade devida, nem honrar a quem deve-se honrar. Para citar Meredith
novamente,

O mandamento original de “honrar” a pai e mãe aplica-se a todos nós por toda a vida. Mas
neste lugar, especificamente, é dito que obedeçam a seus pais “no Senhor” (Ef 6:1,2).
Devido a sua total falta de experiência e juízo, é absolutamente necessário que a criança seja
ensinada a OBEDECER a seus pais no mesmo instante e sem questionamento. Explicações e
razões para isto podem e devem dar à criança pouco a pouco. Mas no instante em que se dá
uma ordem paternal, pode ser que não tenha tempo nem oportunidade para explicar o porquê.
Consequentemente, é imperativo que a criança seja ensinada ao HÁBITO da obediência
inquestionável a seus pais. Pois, até que a criança pequena se desenvolva, seus pais estão
para ela em lugar de Deus. E Deus os considera RESPONSÁVEIS de ensinar e dirigir
apropriadamente ao filho. Por implicação direta, o pai está obrigado, pelo quinto mandamento,
a fazê-se honrável, Para que alguém tenha honra, alguém deve ser honrável. Todo pai deve se
dar conta de que para a criança ele representa Deus! [3]

O pai representa a Deus, pois representa a ordem-lei de Deus. Os juízes, na lei, são mencionados como
“deuses”, assim como também são os prof etas (Êx 21:6;22:8; Sl 82:1; Jn 10:35). Visto que os pais
representam a ordem-lei de Deus, devem, por um lado, serem obedientes a essa ordem-lei, e por outro
lado, devem obedecê-los como representantes desse reino.

Em Êxodo 21:6, a versão Reina Valera[4] duz juízes onde o hebraico diz Elohim, deuses; o mesmo é certo
em Êxodo 22:8. A Bíblia das Américas, e a versão do texto massorético [em inglês], diz: “deus” e uma nota
de rodapé “juízes”. Em 1 Samuel 28:13, a f eiticeira de Endor, ao ver Samuel, exclamou: “Vejo deuses que
sobem da terra”. É claro que se ref ere ao prof eta. No Salmo 82:1-6, às autoridades civis eram
mencionadas como “deuses”, uso conf irmado por Jesus Cristo (Jn 10:35). Por isso, visto que todas
autoridades representam a ordem-lei de Deus, o quinto mandamento f requentemente é associado com a
primeira tábua da lei, ou seja, com os que têm ref erência a nossas obrigações a Deus, em contraste com a
segunda tábua, os que tem ref erências a nossas obrigações para com nosso próximo. Existe validade
nesta divisão em duas tábuas, ainda que não se possa levá-las demasiadamente longe e até certo ponto
artif icial, já que todos os mandamentos têm ref erência a nossa obrigação a Deus.
Calvino considerou a incorporação deste mandamento na primeira tábua como loucura [5]. É curioso, mas
usou Romanos 13:9 a f avor de sua posição, assim como também Mateus 19:19, mas estas passagens não
são conclusivas neste assunto. Mais pertinente são as varias leis, previamente tratadas, que relacionam a
obediência aos pais à observância do sabbat e o f ugir da idolatria (cf . Lv 19:1-4).

Voltemos, pois, ao ponto mais importante: o assunto da obediência. A mentalidade humanística


normalmente alega que a obediência sem questionamento é destrutiva para a mente. A pessoa livre, dizem,
é produto de rebelião, de constante desaf ia à autoridade, e a verdadeira educação deve estimular às
crianças e adolescentes a romper com a autoridade e negar suas af irmações. A “cultura” da juventude hoje
é esta exigência de realização instantânea combinada com uma negação à autoridade. Ross Snyder, em
Young People and their Culture, escreve que “os jovens de nosso tempo estão muito convencidos de que
tudo é para agora mesmo, e em toda plenitude possível para eles em seu período de desenvolvimento” [5].
Esta exigência de realização instantânea é característica do inf antilismo. O neném chora com f rustração e
cólera quando a gratif icação não é instantânea. Não surpreende que uma geração criada de maneira
permissiva tenha uma alta aptidão para cólera destrutiva e revolucionária, f requentemente acompanhada
pelas ações de urinar e def ecar alegremente em público, e uma baixa aptidão para o trabalho e estudo
disciplinados. A essência da mentalidade revolucionária é a exigência da utopia instantânea, da gratif icação
instantânea, e uma cólera destrutiva, inf antil, contra toda ordem que não sustenta. Freud inventou aos
termos personalidade oral e anal; termos que não têm relevância em nenhuma idade de amadurecimento
nem para os homem amadurecidos; são aptos para descrever a personalidade ambivalente de uma idade
inf antil e permissiva e de suas pessoas.
Mas as raízes vão mais longe. John Locke f ormulou a psicologia sem raízes da f é humanística com seu
conceito de f icha limpa. A verdadeira educação, sustentava, requereria que se apagasse completamente da
mente todas as noções preconcebidas, implícitas no ensino dos pais, religião e sociedade. Nos termos do
conceito e da psicologia de Locke, a educação deve ser revolucionária. Acrescenta-se a isto o homem
natural de Rousseau, e todas as noções preconcebidas, todas as f ormas de herança do passado, viram
cadeias que devem ser rompidas. Marx e Freud derivaram as conclusões lógicas das f ilosof ias de Locke,
Rousseau y Darwin. Darwin, por sua f é evolucionista, reduziu todo o passado a um nível inf erior e mais
primitivo, e assim acrescentou a justif icação à exigência de uma mudança total, de uma revolução. Esta
hostilidade à disciplina e obediência invadiu quase todas as disciplinas no século XX. Na arte, a capacidade
de dominar e utilizar habilidades no uso de pinturas no desenho f ê-se f avorável da expressão
“espontânea” e “inconsciente” que carece de razão e f orma. Na religião, à experiência tem prioridade à
doutrina ou a substitui. Na política, a autoridade vem desde baixo, do nível mais baixo, e o líder
“carismático” é o demagogo que satisf az melhor às massas. Na música, o emocionalismo indisciplinado é o
galardão mais estimado, e assim por diante. A animosidade contra a obediência e a disciplina é geral e
prof unda.

Mas a mente que f unciona melhor é a mente obediente e disciplinada. A criança disciplinada e obediente
não é um adolescente servil, mas um homem livre. Em virtude da disciplina da obediência, [ele] tem melhor
domínio de si mesmo e pode dominar melhor seu campo de desempenho. O antigo humanismo, já que
cresceu no contexto de uma disciplina cristã, podia produzir uma mente disciplinada. Montaigne (n.1533),
ao dar conselhos sobre como educar ao f ilho, f alou sem nenhum sentido de novidade ao descrever a boa
educação de seu dia:

Uns poucos anos de vida estão reservados para a educação, não mais que os primeiros quinze
ou dezesseis; aproveita bem estes anos, adulto, se queres educar ao filho para um
amadurecimento correto. Deixe fora os assuntos supérfluos. Se queres fazer algo construtivo,
confronte a criança com discursos filosóficos, esses que não são demasiadamente
complicados, claro, e contudo que valem a pena serem explicados. Trate esses discursos em
detalhes; a criança é capaz de digerir este assunto desde o momento em que pode mais ou
menos tratar de si mesmo [Montaigne na verdade escreveu: "desde o momento em que é
desmamado", mas provavelmente não quis dizer demasiadamente literalmente]; a criança, em
todo caso, poderá receber discursos filosóficos muito melhor que um desejo de ensiná-lo a
escrever e ler; isto é melhor que espere um pouco [6].

Visto que no dia de Montaigne a criança não era desmamada tão apressadamente como em nossos dias,
não há razão para duvidar do enunciado de Montaigne. Nos Estados Unidos puritanos, eram as mães que
ensinavam aos f ilhos a ler, quando estes tinham entre dois e quatro anos.

Van de Berg cita dois exemplos de crianças maduras da era de Montaigne e posterior. Merecem que sejam
citados com algum detalhe:

Temos, realmente, alguma inf ormação sobre a natureza das crianças nos tempos de Montaigne: a vida de
Teodoro Agripa d’Aubigne, huguenote, amigo de Henrique IV, nascido em 1550. Montaigne nasceu em 1533,
assim que tinha alcançado a idade do discernimento quando d’Aubigne era ainda uma criança. Observando
a jovens contemporâneos deste d’Aubigne, Montaigne não notou nada quando o amadurecimento. De
d’Aubigne dizia-se que lia grego, latim e hebraico quando tinha seis anos, e que traduziu Platão para o
f rancês quando ainda não tinha oito anos.

Montaigne recomendava a leitura e explicação de discursos f ilosóf icos as crianças; pois bem; se uma
criança de oito anos pode traduzir Platão, que objeções podem existir para a leitura de uma versão
traduzida quando ela tem quatro anos?

Quando d’Aubigne tinha ainda oito anos, f oi a cidade de Ambiose, acompanhado de seu pai, pouco depois
que tinham executado um grupo de huguenotes. Viu os corpos decapitados; e a pedido de seu pai, jurou
vingá-los. Dois anos mais tarde f oi capturado pelos inquisidores; a reação do garoto de dez anos à ameça
de morte na f ogueira f oi bailar de alegria ante a f ogueira. O horror da missa tirou seu medo do f ogo, f oi
seu próprio comentário posterior,como se uma criança de dez anos pudesse saber o que queria dizer com
isso. E contudo, uma criança que tinha traduzido Platão e que tinha estado por quatro anos acostumado a
ler clássicos, não podia tal criança saber o que quer, e saber o que estava f azendo? Mas dif icilmente
poderia chamá-lo de criança. Uma pessoa que observa de maneira inteligente os ef eitos de uma execução,
que pronuncia um juramente ao que será f iel o resto de sua vida, que se dá conta, por si mesmo, do
signif icado da santa comunhão, e que imagina o horror da morte na f ogueira, não é uma criança, mas um
homem.

Quando Montaigne morreu, outra criança estava no umbral de grandes descobrimentos: Blase Pascal,
nasceu em 1623, escreveu quando tinha doze anos, sem nenhum ajuda, um tratado sobre o som que os
especialistas levaram a sério. Mais ou menos ao mesmo tempo aconteceu que ouviu a palavra matemática;
perguntou a seu pai o que queria dizer, e lhe f oi dada a seguinte resposta (incompleta, pois seu pai tinha
medo de que um interesse na matemática pudesse diminuir seu interesse em outras ciências): “Matemática,
sobre a qual direi mais tarde, é a ciência que se ocupa da construção das f iguras perf eitas e do
descobrimento das propriedades que contem”. O jovem Pascal mastigava esta resposta durante suas
horas livres, e sem ajuda, construiu círculos e triângulos que o levou ao descobrimento do tipo de
propriedades que seu pai deve ter querido dizer; por exemplo, que a soma dos ângulos de um triângulo é
igual a dois ângulos retos [7].

Devemos reconhecer que d’Aubigne e Pascal f oram homens destacados e crianças prodígio. Mas deve-se
acrescentar que na música, ciências e em muitos outros campos, as crianças prodígio eram muito mais
comuns então do que agora. Também devemos reconhecer que o nível intelectual, naquela época, era
muito alto inclusive entre as pessoas das classes simples. O nível de pregação é uma ampla evidência
disto. A capacidade dos membros da igreja para escutar sermões longos de, às vezes duas horas, e
reproduzir todos os trinta ou quarenta pontos f ielmente mais adiante na semana, e debatê-los e discuti-
los, está bem documentada. Não existia f alta de iniquidade nessa era, mas, também existia uma alta ordem
de disciplina, e esta disciplina promovia o uso da inteligência. Os homens que, nos primeiros séculos da era
cristã, e na era da Ref orma e posteriores, estabeleceram os f undamentos da civilização e liberdade
ocidentais, eram homens de f é e disciplina, homens instruídos na academia da obediência.

As Escrituras exigem um respeito santo pelo poder e autoridade como devidamente constituídos e
ordenados por Deus. Êxodo 22:28 declara: “A Deus não amaldiçoarás, e o príncipe dentre o teu povo não
maldirás”. De novo, a NVI [9] traduz “juízes” como “Deus” e no rodapé da página diz “juízes”. Calvino notou,
desta passagem, Levítico 19:32, Deuteronômio 16:18 e 20:9 que “no quinto mandamento está coberto por
sinédoque todos os superiores, os que estão em autoridade” [10].

Primeiro, é dito que devemos pensar e falar reverentemente dos juízes e outros que exercem o
ofício de magistrado; também não se deve questionar que, no uso ordinário do hebraico, Ele
repete o mesmo duas vezes; e consequentemente que as mesmas pessoas chamam-se
“deuses” e “governadores do povo”. O nome de Deus – em sentido figurado, mas de maneira
razoável - é aplicado aos magistrados, sobre quem Ele colocou uma marca de sua glória
como ministros de sua autoridade divina. Como vimos, honra deve ser dada aos pais, visto que
Deus os associou consigo mesmo na possessão do nome, e aqui essa mesma dignidade é
pedida, também, para os juízes, a fim de que as pessoas os reverenciem, pois são
representantes de Deus, seus subalternos e vicários. Cristo, o expositor mais seguro, explica
assim quando cita a passagem de Salmo 82:6: “Eu disse: Sois deuses?” (Jo 10:34), ou seja,
“Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida”, que deve ser
entendida, não da instrução geral dirigida a todos os filhos de Deus, mas do mandamento
especial para governar.

É sinal de exaltação dos magistrados que Deus não somente os considera em lugar dos pais,
mas que também nos apresenta dignificados pelo seu próprio nome, que também parece claro
que se deva obedecer não somente pelo temor ao castigo, “mas também por causa da
consciência” (Rm 13:5), e deve-se honrá-los com reverência, a fim de não menosprezar a Deus
neles. Se alguém objeta que seria incorreto abalar os vícios daqueles a quem percebemos que
abusam de seu poder, a resposta é fácil: ainda que temos que respeitar os juízes, mesmo que
não sejam os melhores, essa honra que estão investidos não são para encobrir seu vício. Nem,
também, Deus ordena que aplaudamos seus erros, mas que todas as pessoas deplorem com
tristeza em silêncio, em vez de levantar comoção em um espírito licencioso e sedicioso, e
assim subverter o governo político [11].

Que esta obediência santa não constitui apoio nem submissão ao mal é evidente de f orma abundante pela
história dos prof etas do Antigo Testamento, e la história da igreja cristã. Antes, a obediência santa é a
melhor base para resistir ao mal, pois se levanta primordialmente nos termos de uma obediência mais alta
a Deus e consequentemente é obediência independente e em resistência aos tiranos, obediente à
autoridade mais alta de Deus.

Mas em um ponto o comentário de Calvino ref lete (na primeira oração do segundo parágraf o que
antecede), não o pensamento bíblico, mas o romano, quando compara aos governantes com os pais e
lhes atribuiu autoridade paternal. O que é comum entre pais, governantes e senhores não é paternidade,
mas autoridade. É um erro sério atribuir poder paternal a um governante e ao estado. Os pais representam
ante a criança a autoridade de Deus nos termos de uma ordem-lei civil para os cidadãos: eles, pais e
governantes, têm autoridade em comum, não paternidade, e também, sobre a autoridade, é de classe
dif erente. A lei romana, já que divinizava ao estado, f ez do estado e seu governante, desta f orma, o deus
do povo, e do povo f ilhos desse deus. O imperador era o pai de sua nação, e isto é um sério aspecto da
teologia civil.

A educação f ortemente clássica dos eruditos medievais e da Ref orma f requentemente f ê-los errar. Um
versículo que às vezes é citado como evidência do papel paternal do Estado é Isaías 49:23. Mas este
versículo ref ere-se ao remanescente Israel, que seria restaurado a Jerusalém e restabelecido como
Estado sob a proteção de outros estados, que seriam como “enf ermeiros”. A ref erência é ao
restabelecimento da comunidade hebraica sob Neemias, com a proteção do Império médio-persa. As
imagens não tem nada a ver com um papel paternal do Estado e sim com o papel protetor superior de um
grande império para com uma ordem civil pequena que estava se reconstruindo.

A autoridade primordial e básica na ordei-lei de Deus é a f amília. Todas as demais autoridades devidas de
modo similar representam a ordem-lei de Deus, mas em dif erentes âmbitos. Se os f ilhos não obedecem
aos pais, não honrarão nem obedecerão a nenhuma outra autoridade. Portanto, a lei f ala da autoridade
chave nos termos daqueles cuja ordem de autoridade social persiste ou cai. Básico à autoridade em todo
campo é a representação da ordem-lei de Deus.

O Estado é assim estabelecido a f im de estender a justiça de Deus. Deuteronômio 16:18-20 diz:

Juízes e oficiais porás em todas as tuas cidades que o Senhor teu Deus te der entre as tuas
tribos, para que julguem o povo com juízo de justiça.Não torcerás o juízo, não farás acepção de
pessoas, nem receberás peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios, e perverte as
palavras dos justos.A justiça, somente a justiça seguirás; para que vivas, e possuas em
herança a terra que te dará o Senhor teu Deus.

Seria ridículo propor a paternidade como propósito desta lei; sua meta é a justiça civil. Básico para o
estabelecimento dessa justiça é a autoridade.
E o quinto mandamento, ao f alar dos pais, e por implicação de todas as autoridades ordenadas por Deus,
está estabelecendo, primeiramente, a autoridade de Deus. Deus sabe, af inal, que pais, governantes,
clérigos, prof essores e chef es são pecadores. Deus não está interessado em estabelecer pecadores: a
expulsão do Éden, e o constante castigo na história, é evidência eloquente disso. Mas a maneira de Deus
de desestabelecer aos pecadores e estabelecer sua ordem-lei é exigir que se obedeça a essas
autoridades. Esta obediência é prestada, primeiro, a Deus e é parte do estabelecimento da ordem de Deus.
O pecado conduz à anarquia revolucionária; a obediência santa conduz a uma ordem santa.

Notas

1 – Roderick C. Meredith, The Ten Commandments, p. 35.

2 «T he Student Rebels», em This Week Magazine (1 de Dezembro de 1968), pp. 1, 10.

3 – Meredith, op. cit., p. 35.

4- Nota do tradutor: Em Português, Almeida Corrigida e Revisada e Fiel, Almeida Revisada Imprensa Bíblica,
Nova Versão Internacional e Sociedade Britânica Internacional traduzem por “juízes”, enquanto a versão
católica traduz por “Deus”. Fonte: http://www.bibliaonline.com.br/nvi+vc/ex/21

5 – Calvino, Commentaries on the Four Last Books of Moses, III, 7.

6 – Citado em uma revisão de Religious Book Club Bulletin, vol. 41, no. 15 (dezembro de 1968), p. 2.

7 – J. H. van den Berg, The Changing Nature of Man (Dell, Nueva York, [1961], 1964), p. 21.

8 – Ibid., pp. 26-28. O autor, Jan Hendrick van den Berg, é prof essor de psicología na Universidade de
Leyden.

9 – N.T: A ACF (Almeida Corrigida e Fiel), mais paroximadamente com o texto de Rushdoony da NVI em sua
língua, diz: “A Deus não amaldiçoarás, e o príncipe dentre o teu povo não maldirás”.

10 - Calvino, op. cit., p. 17.

11 - Ibid., III, 17s.

Traduzido de Rushdoony, El Quinto mandamiento: La Instituicion de la Ley Bíblica


Fé e obediência: uma introdução à lei bíblica
Rousas John Rushdoony
Copyright © 2012 de Chalcedon Foundation,
Publicado originalmente em inglês sob o título
Faith & Obedience: An Introduction to Biblical Law
pela Chalcedon/Ross House Books.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
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Telefone: (61) 8116-7481 — Sítio: www.editoramonergismo.com.br

a
1 edição, 2016

Tradução: Paulo Caproni


Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rogério Portella
Capa: Raniere Menezes

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicação em contrário.
Sumário
Prefácio
A importância da lei
1. A validade da lei bíblica
2. A lei como revelação e tratado
3. A direção da lei
Sobre o autor
Prefácio

O estudo que se segue é a introdução escrita por meu pai ao monumental


primeiro volume das Institutes of Biblical Law [Institutas da lei bíblica]
(1973), trabalho que consistiu no berço do movimento teonomista moderno.
Como repetia o autor antes de morrer em 2001, a palavra teonomia significa
apenas “lei de Deus” e teocracia “governo de Deus”. Esses termos se referem
à soberania divina e à autoridade de sua Palavra revelada. Eles não indicam
que as autoridades humanas possam falar no lugar de Deus:
Falsas teocracias são governos humanos; a verdadeira teocracia é o governo da
lei de Deus sobre os homens. A verdadeira teocracia impõe limites à igreja e ao
Estado. Dar mais poder aos homens, em sentido institucional ou na iniciativa
privada, não pode substituir o poder do Deus triúno na vida dos homens.[1]
O propósito das Institutes, portanto, é engajar-se em um assunto
importantíssimo da Palavra de Deus: a lei. Pelo simples fato de tratar do
assunto como algo relevante, a obra trouxe uma resposta ao antinomismo
(que significa, literalmente “antilei”) prevalente no século XX, popularizado
pelas notas nas Bíblias redigidas por Cyrus Ingerson Scofield. Como
dispensacionalista, Scofield acreditava que Deus lida com a humanidade de
maneiras diversas em diferentes períodos — ou “dispensações”. Grande parte
da Bíblia, de veracidade inquestionável, era considerada por ele não
vinculante para o cristão que vivia, de acordo com esse autor, no período da
graça — não previsto nas dispensações anteriores nem revelado nas
Escrituras. Os cristãos, segundo Scofield, estariam vivendo em “um período
parentético”, denominado era da igreja. Alguns dispensacionalistas criam que
os evangelhos e grande parte do restante do Novo Testamento se referiam ao
futuro reino judaico, não se referindo, portanto, à era da igreja. Pelo fato de
considerarem a lei divina pertencente a uma era anterior, e a igreja a outra
era, os dispensacionalistas rejeitaram a obrigatoriedade da lei de Deus para os
crentes, daí o termo antinomista. Existem há muito tempo variantes do
antinomismo no pensamento cristão, mas sua manifestação moderna é quase
exclusivamente um corolário inevitável do dispensacionalismo. A publicação
e a influência das Institutas não foi, por razões óbvias, bem recebida nos
círculos dispensacionalistas. Para alguns, parecia herética por desafiar a
dicotomia artificial criada pelo dispensacionalismo — a dicotomia entre lei e
graça.

Lei e graça
O oposto da lei não é graça, é iniquidade. O oposto da graça — a
misericórdia de Deus imerecida pelos pecadores — é a ausência da graça, ou
seja, Deus executando a sentença de morte que os homens merecem por seus
pecados. A lei de Deus é a retidão (ou justiça) divina e nela os retos homens
de Deus devem ter seu “prazer” e “meditar de dia e de noite” (Sl 1.2).
Lei e graça têm o mesmo autor divino, e a graça não foi manifestada pela
primeira vez no Novo Testamento. O fato de a lei ter sido outorgada já é, em
si, um ato da graça divina para o povo. Abraão conhecia sua cultura bem o
suficiente para temer ser morto e ter a mulher tomada à força. Jacó não
contava com nenhum recurso legal contra a fraude de Labão. José sabia da
futilidade do brado “injustiça” quando foi levado escravo, e, mais tarde, toda
a tribo dos hebreus também foi escravizada à mercê de um tirano que alegava
ter nascido divino e que ordenaria a morte de bebês hebreus quando
desejasse. Tal era o sistema cruel antes da concessão da lei divina. Quando
Deus trouxe os hebreus para fora do Egito, outorgou-lhes não só um conjunto
de leis arbitrárias, mas a justiça no estado mais puro e divinamente ordenado.
A lei era, e ainda é, uma dádiva graciosa.
Assim, a graça também deve envolver a lei. A ideia do cristão sem lei é
um oximoro. Paulo afirmou: cogitar o pecado para a graça sobejar deve ser
repugnante (Rm 6.1ss). Em vez disso, vivemos em estado de graça conforme
a lei, e, como novas criaturas em Cristo, declaramos com Paulo: a lei é
“santa, justa e boa” (Rm 7.12).
A alternativa ao antinomismo dispensacionalista de acordo com as
Institutas da lei bíblica é a teologia do pacto, que enxerga só uma mensagem
de graça e redenção ao longo das Escrituras. O pacto entre Deus e o homem é
um contrato, embora não entre iguais, como em contratos comuns. Esse pacto
foi estabelecido entre o Criador soberano e criaturas pecadoras; portanto, foi
um presente concedido por Deus (um ato de graça). O pacto da graça deveria
ser interpretado em termos contratuais com força de lei, como nossos
contratos especificam a jurisdição civil, cujas leis devem ser usadas para
interpretar ou adjudicar suas provisões. Os termos do pacto outorgado pela
graça de Deus consistiam nos termos da própria lei divina.
Jesus ofereceu a nós seu “sangue da [nova] aliança” (Mc 14.24). Isso foi
feito na Páscoa, um dos dois sinais da antiga aliança. Jesus viu, obviamente,
uma transição. A nova aliança é a renovação do pacto — suas únicas
distinções reais consistem, em primeiro lugar, na consumação da expiação
anterior no sangue de Cristo, antes representada pelo sangue de animais; em
segundo lugar, na expansão do pacto para incluir judeus e gentios.

A lei é para a santificação, não para a justificação


Se um pai, marido ou pastor abusa da sua autoridade, esse ato não nega a
autoridade legítima dos líderes, nem o propósito estabelecido por Deus. Da
mesma forma, a lei pode ser, e tem sido, usada de modo abusivo, mas isso
não retira dela o propósito divinamente estabelecido. O fato de ninguém ser
capaz de obedecer à lei de forma perfeita é irrelevante na definição de sua
validade. Ela não foi concedida a homens perfeitos, mas a pecadores, para
lhes ensinar a alternativa (1Tm 1.9,10). A vontade própria pecaminosa pode
afetar nossas orações no futuro, mas, com certeza, isso não invalida orações
apropriadas. A lei jamais consistiu em um meio de salvação para homens sem
pecado, mas na revelação dos retos estatutos de Deus. Esse padrão não é
negado pelo pecado do homem.
Muitas vezes os fariseus eram escolhidos por Jesus pela representação da
consequência lógica do mau uso da lei pelos judeus (em grande parte). Uma
forma do abuso da lei pelos fariseus era considerarem suas próprias regras
iguais à lei de Deus, e até mesmo superiores a ela. (Dois exemplos podem ser
vistos em Mc 7.1-23.) Seu raciocínio era o seguinte: se eles estabelecessem
regras para proteger os limites da lei mais rígidas que a própria lei, jamais se
aproximariam da quebra da lei. Não raro, porém, suas “cercas” consistiam em
“uma boa maneira para pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de
obedecer às suas tradições”.
Na igreja moderna, esse modelo farisaico de fazer leis também é popular.
O que é tido como “cristão” ou “honroso a Deus” é, no geral, uma regra
subjetiva que pretende ser válida e vinculante a outros, destruindo, portanto, a
liberdade cristã. A razão óbvia para essa invenção de regras pietistas se deve
o enorme buraco deixado pelo antinomismo. Por isso, igrejas antinomistas
são, em geral, as mais flagrantemente culpadas da invenção de regras
farisaicas.
O segundo erro do farisaísmo era o uso da lei de forma hipócrita. Essa é
uma tendência de todo homem. Quando Jesus disse: “Não julgueis, para que
não sejais julgados” (Mt 7.1), ele se referia à forma hipócrita de julgamento
em que a pessoa se encontrava em um pecado maior (uma “trave” em seu
olho) que o pecado que condenava (o “argueiro” no olho do seu irmão). Não
raro, o que se ignora nessa passagem é o fato de Jesus ordenar a remoção do
nosso pecado, a fim de podermos enxergar com clareza “para tirar o argueiro
do olho” do irmão (Mt 7.5). O pecado era o julgamento hipócrita, não o
julgamento em si. Repetindo os requerimentos de Levítico 19.15 de julgar de
forma justa, Jesus comanda que não julguemos “segundo a aparência”, mas
que façamos julgamentos justos (Jo 7.24). E que padrão deve ser usado pelo
cristão para o julgamento justo? A tese das Institutas é que a lei de Deus foi
concedida como esse norte.
A tendência de utilizar a lei de forma errada esteve presente logo no início
da comunidade cristã também. Todo o livro de Gálatas foi escrito para refutar
o erro de um grupo de judaizantes que buscava requerer a conversão ao
antigo pacto da religião judaica a fim de tornar o cristianismo uma seita dessa
religião. Sua motivação era colocar o cristianismo sob as asas da religião
judaica, pelo simples fato de ela ter mantido o status legal por muito tempo.
Tal estratégia evitaria a perseguição do cristianismo por Roma (Gl 6.12,13).
Com essa motivação covarde, eles exigiam a circuncisão dos crentes como
ato de conversão à tradição judaica antes de incluí-los como membros da
igreja. Paulo caracterizou-o com correção como “justificação por obras da
lei”, por adicionar um ato (circuncisão) à fé em Jesus Cristo como
requerimento de membresia.
A teonomia é, algumas vezes, rotulada com falsidade como se consistisse
na heresia condenada por Paulo em Gálatas, embora seu conceito da lei não
tenha nenhuma relação com o dos judaizantes. A lei divina compreende o
padrão de obediência a Deus por parte do cristão, e não sua redenção. A lei é
parte e porção da Palavra divina. Pelo fato de ser a revelação da justiça e
retidão de Deus, ela toda integra a lei moral. Toda doutrina bíblica tem sido,
de certa forma, distorcida e explorada. A resposta deve compreender o
retorno às Escrituras e à ortodoxia nesses termos. Isso inclui a lei. Equívocos
e até abusos com relação à Palavra devem ser abordados, mas devemos
declarar, com Paulo, que “a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo
legítimo” (1Tm 1.8).
A Reforma Protestante resolveu o problema de sua época com correção: a
justificação é um ato da graça divina, recebida só pela fé para que ninguém se
glorie. As Institutas se posicionam de forma clara sobre esse fundamento.
Entretanto, os reformadores nunca resolveram a questão dos meios de
santificação. Qual é a resposta do cristão à graça de Deus? A teonomia se
baseia na convicção de que todas as cláusulas da Palavra de Deus, incluindo-
se a lei, são vinculantes hoje, exceto (como o livro de Hebreus esclarece) no
caso de terem sido aperfeiçoadas e completadas pela expiação e pelo
sacerdócio de Cristo, ou no caso de terem sido alteradas pela autoridade dos
apóstolos. A lei de Deus, em outras palavras, é a instrução do cristão para a
obediência, o crescimento na graça e o exercício de seus deveres pactuais no
Reino de Deus e de seu Cristo.

— Mark R. Rushdoony
25 de junho de 2012
A importância da lei

Quando Wycliff escreveu a respeito de sua versão bíblica em língua inglesa:


“Esta Bíblia é para o governo do povo, pelo povo e para o povo”, sua
declaração não chamou a atenção pela ênfase na centralidade da lei bíblica.
Todos afirmavam que essa lei deveria ser a lei de Deus; o afastamento de
Wycliff da opinião aceita consistia no fato de que as pessoas não só deveriam
ler e conhecer essa lei, mas também, em certo sentido governar com base
nela, e também ser governadas por ela. Neste ponto, Heer está certo ao
afirmar: “Wycliff e Hus foram os primeiros a demonstrar à Europa a
possibilidade da aliança entre a academia e o desejo de salvação das pessoas.
A liberdade de Oxford sustentou Wycliff”.[2] O interesse se focava menos na
igreja ou no Estado e mais no governo mediante a lei de Deus.
Brin mencionou que a ordem social dos hebreus diferia de todas as outras,
pois acreditava-se que ela se baseava na lei divina (concedida de modo
específico para o governo humano), e era governada por ela.[3] A cristandade
cria ser, ela mesma, o reino de Deus — não menos que o antigo Israel —, por
ser governada pela lei de Deus, segundo as Escrituras. Ocorreram desvios
dessa lei, variações dela e negligência da fidelidade que lhe era devida, mas a
cristandade considerava-se o novo Israel de Deus, e não menos sujeito à lei.
Quando a Nova Inglaterra passou a existir como Estado de direito, a
adoção da lei bíblica significou o retorno às Escrituras e a volta ao passado da
Europa. Era um novo começo nos termos dos antigos princípios. Não foi um
começo fácil, pelo fato de muitos servos que vieram com os puritanos
encontrarem-se mais tarde revoltados, em grande escala, contra qualquer fé e
ordem bíblica.[4] Mesmo assim, tratou-se do retorno resoluto aos fundamentos
da cristandade. Assim, os registros da colônia New Haven mostram que a lei
divina, sem nenhum senso de inovação, tornou-se a lei da colônia:
2 de março de 1641/2: Conforme o acordo fundamental, feito e publicado com
consentimento total e geral, assim que a colonização teve início e o governo foi
estabelecido, a lei judicial de Deus entregue por Moisés e exposta em outras partes
das Escrituras, enquanto proteção e limite para a lei moral, não sendo cerimonial nem
simbólica, nem tendo nenhuma referência a Canaã, tem, em si, equidade perpétua e
deveria regular seus procedimentos.[5]
3 de abril de 1644: Foi disposto que as leis judiciais de Deus, entregues por Moisés
[…] consistam na regra de todos os tribunais desta jurisdição na atuação contra os
criminosos.[6]
Thomas Shepard escreveu em 1649: “Pois todas as leis, cerimoniais ou
judiciais, podem fazer referência ao decálogo, como seus apêndices ou suas
aplicações, e assim compreender todas as outras leis como seu resumo”.[7]
É uma ilusão considerar essas opiniões apenas uma aberração puritana, e
não a prática verdadeiramente bíblica e a expressão da vida perseverante da
cristandade. A afirmação de que a lei de Deus não tem significado ou
qualquer força vinculante para o homem hoje é uma heresia moderna, uma
característica da influência do pensamento humanístico e evolutivo na igreja
— que preconiza um Deus em evolução, em desenvolvimento. Esse deus das
“dispensações” expressou-se por meio da lei no primeiro momento; mais
tarde, expressou-se só por meio da graça, e agora, talvez, ainda venha a se
manifestar de outra forma. Mas esse não é o Deus das Escrituras, cuja graça e
lei permanecem idênticas em todas as épocas, pois ele, o Senhor absoluto e
soberano, não muda, nem precisa mudar. A força do homem consiste no
poder absoluto do seu Deus.
Tentar estudar as Escrituras sem estudar a lei equivale a negar as
Escrituras. Tentar entender a civilização ocidental isolada do impacto da lei
bíblica dentro dela — e do impacto sobre a mesma — significa procurar uma
história fictícia e rejeitar 20 séculos e seu desenvolvimento.
As Institutes of Biblical Law [Institutas da lei bíblica] têm como propósito
a inversão da tendência atual. Elas chamam-se “institutas” no sentido mais
antigo da palavra: princípios fundamentais, neste caso, da lei, pois a intenção
é consistir na etapa inicial, na consideração da instituição da lei que deve
reger a sociedade, e que virá a governar a sociedade submissa a Deus.
1. A validade da lei bíblica

Uma característica central das igrejas, da pregação moderna e do ensino


bíblico é o antinomismo, a posição contrária à lei. O antinomista acredita que
a fé livra o cristão da lei, de modo que ele não se encontra fora da lei, mas
morto para a lei. Não há qualquer tipo de autoridade bíblica para o
antinomismo. A expressão “morrer para a lei” está, de fato, nas Escrituras (Gl
2.9; Rm 7.4), mas faz referência àquele que crê e à sua relação com a obra
expiatória de Cristo como seu representante e substituto; o crente está morto
para a lei sob a forma de acusação — a sentença de morte válida contra si —,
pois Cristo morreu por ele; mas o crente está vivo para a lei como justiça
divina. O propósito da obra de expiação realizada por Cristo era restaurar o
homem à condição de alguém que guarda a aliança em lugar de transgredi-la,
e habilitar o homem a guardar a lei, libertando-o “da lei do pecado e da
morte” (Rm 8.2), “a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós” (v. 4).
O homem é restaurado à posição de guardião da lei. A lei, portanto, conta
com a posição central na acusação do homem (sentença de morte contra o
homem pecador), na redenção do homem (pela morte de Cristo, que, apesar
de ser o perfeito guardião da lei — o novo Adão — morreu, como substituto
do homem) e na santificação do homem (no crescimento do homem em graça
e em sua capacidade de guardar a lei, pois a lei é o caminho para a
santificação).
O homem, ao transgredir a aliança, é “inimigo de Deus” (Rm 8.7) e está
sujeito à “lei do pecado e da morte” (Rm 8.2), enquanto o crente se encontra
sob a “lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus” (Rm 8.2). A lei é única: a lei
de Deus. Para o homem no corredor da morte de uma prisão, a lei é morte;
para o homem temente a Deus, a mesma lei (que coloca outro homem no
corredor da morte) é vida, no sentido que ela protege — a ele mesmo e à sua
propriedade — dos criminosos. Sem a lei, a sociedade desabaria em anarquia
e cairia nas mãos dos ímpios. A execução plena e fiel da lei significa a morte
do assassino e a vida do homem obediente a Deus. De modo semelhante, a lei
no juízo dos inimigos de Deus é morte; a lei em seu cuidado mantenedor e
bênçãos é sinônimo de princípio de vida para quem a cumpre.
Deus, ao criar o homem, ordenou que ele sujeitasse a terra e exercesse
domínio sobre ela (Gn 1.28). O homem, na tentativa de estabelecer domínio
independente e jurisdição autônoma sobre a terra (Gn 3.5), caiu em pecado e
morte. Deus, a fim de restabelecer seu Reino, convocou Abraão, e depois
Israel, para ser seu povo, para sujeitar a terra e exercer domínio em
submissão a si. A lei outorgada por meio de Moisés estabeleceu as leis para a
sociedade justa, com verdadeiro crescimento para o homem, submisso a
Deus, e os profetas repetidas vezes lembravam Israel desse propósito.
O propósito da vinda de Cristo foi dado nos mesmos termos do mandato
da Criação. Cristo, o novo Adão (1Co 15.45), cumpriu a lei com perfeição.
Por ser aquele que carrega os pecados dos eleitos, Cristo morreu, fazendo
expiação pelos pecados deles, a fim de os restaurar à sua posição de justiça
diante de Deus. Os redimidos são lembrados do propósito originário dos
homens: exercer domínio em submissão a Deus, guardar a aliança e cumprir
“o preceito da lei” (Rm 8.4). A lei permanece no centro do propósito divino.
O homem foi restaurado para atender ao propósito e ao chamado originais de
Deus. A justificação do homem decorre da graça de Deus em Jesus Cristo; a
santificação do homem decorre da lei de Deus.
Os cristãos, na qualidade de novo povo escolhido de Deus, são ordenados
a fazer o que Adão, no Éden, e Israel, em Canaã, não conseguiram realizar.
Ainda prevalece o mesmo e único pacto, sob administrações diferentes. O
homem foi convocado a criar a sociedade que Deus ordena. A determinação
do homem e da história procede de Deus, mas a referência da lei divina diz
respeito a este mundo. “A mentalidade do Espírito é vida e paz” (Rm 8.6,
NVI). Ter a mentalidade do Espírito não significa ser contra as coisas do
mundo, mas aplicar a ele as ordens da Palavra escrita sob orientação do
Espírito.
A cristandade sem lei é uma contradição de termos: ela é anticristã. O
propósito da graça não é deixar a lei de lado, mas cumprir a lei e habilitar o
homem a guardá-la. Se a lei era algo tão sério aos olhos de Deus a ponto de
tornar necessária a morte de Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, para
fazer expiação pelos pecados do homem, parece estranho que Deus, em
seguida, abandone essa lei! O objetivo da lei não é a transgressão da lei.
Tampouco é o propósito da graça o desprezo desregrado de quem concede a
graça.
O colapso crescente da lei e da ordem deve, em primeiro lugar, ser
atribuído às igrejas e a seu persistente antinomismo. Se as igrejas estão
relapsas em relação à lei, as pessoas não seguirão o exemplo? Ademais, a lei
civil não pode ser separada da lei bíblica, porque a doutrina bíblica da lei
inclui todas as leis: civis, eclesiásticas, sociais, familiares e das demais
formas. A ordem social que despreza a lei divina coloca a si mesma no
corredor da morte: está marcada para o juízo.
2. A lei como revelação e tratado

A origem religiosa da lei encontra-se em todas as culturas. Pelo fato de a lei


governar o homem e a sociedade, e pelo fato de ela estabelecer e declarar o
significado de justiça e de retidão, ela é inevitavelmente religiosa, pois
estabelece, de maneira prática, as competências definitivas da cultura. Dessa
maneira, a premissa fundamental e necessária em todo e qualquer estudo da
lei deve consistir, em primeiro lugar, no reconhecimento da natureza religiosa
da lei.
Em segundo lugar, deve-se reconhecer que em qualquer cultura a fonte da
lei é o deus dessa sociedade. Se a lei origina-se na razão humana, então a
razão é o deus da sociedade. Se a fonte é uma oligarquia, um tribunal, um
senado ou um governante, então essa fonte é o deus desse sistema. A lei da
cultura grega, dessa forma, era em essência um conceito religioso humanista.
Em contraste com todas as leis derivadas da revelação, o nomos, para os gregos,
originava-se na mente (nous). Assim, o nomos genuíno não era apenas a lei
obrigatória, mas algo a que uma entidade (válida em si mesma) descobre-se e à qual
se ajusta… “A ordem existente (desde os tempos antigos) é válida e colocada em
funcionamento”.[8]
Pelo fato de a mente, para os gregos, consistir em um só ser com a ordem
última das coisas, a mente do homem era, portanto, capaz de descobrir a lei
última (nomos) com recursos próprios, atravessando o labirinto do acaso e da
matéria, até encontrar as ideias fundamentais da existência. Como
consequência, a cultura grega tornou-se humanista — pois a mente humana
era algo definitivo — e também neoplatônica, asceta e hostil ao mundo da
matéria, porque, para que a mente fosse ela mesma, de verdade, deveria se
separar do que não era mente.
O humanismo moderno (a religião do Estado) fixa a lei no Estado e,
portanto, faz dele — ou das pessoas de expressão no Estado — o deus do
sistema. Como disse Mao Tsé-tung: “Nosso Deus não é nenhum outro senão
as massas do povo chinês”.[9] Na cultura ocidental, o foco da origem da lei se
afastou — de forma constante e progressiva — de Deus, para as pessoas (ou
para o Estado), apesar de a vitalidade e o poder histórico do Ocidente se
encontrarem na fé bíblica e no direito.
Em terceiro lugar, em qualquer sociedade, toda mudança na lei encontra-
se explícita ou implícita na religião. De fato, nada revela com mais clareza as
mudanças religiosas na sociedade que uma mudança radical na lei. Quando
os fundamentos legais embasados na lei bíblica são transferidos para o
humanismo, isso significa que a sociedade agora tem, como fonte de poder e
vitalidade, o humanismo, e não o teísmo cristão.
Quarto lugar: em nenhuma sociedade é possível ocorrer a extinção da
religião. Pode-se extinguir uma igreja, e uma religião específica pode ser
suplantada por outra, mas a mudança é apenas de uma religião para outra.
Pelo fato de os fundamentos das leis serem com inevitabilidade religiosos,
nenhuma sociedade existe sem uma base religiosa ou sem um sistema legal
que codifique a moralidade de sua religião.
Quinto lugar: não pode haver nenhuma tolerância, em um sistema legal,
para com outra religião. A tolerância é o mecanismo usado para introduzir
um novo sistema de leis, como prelúdio da nova intolerância. O direito
positivista, a fé humanista, é feroz na hostilidade em relação ao sistema de
leis bíblico, mesmo tendo alegado consistir em um sistema “aberto”. Mas
Cohen (em nenhum sentido, cristão), descreveu com competência os
positivistas lógicos como “niilistas” e sua fé como o “niilismo absolutista”.[10]
Todo sistema de leis deve manter sua existência sendo hostil para com todos
os outros sistemas e também em relação aos fundamentos religiosos alheios,
do contrário, comete suicídio.
Analisando, agora, a natureza da lei bíblica, é importante notar,
primeiramente, que, para a Bíblia, a lei é uma revelação. No hebraico, a
palavra para lei é torah, que significa instrução, direção por uma autoridade.
[11]
O conceito bíblico de lei é mais amplo que os códigos legais de
formulação mosaica. Ele se aplica à palavra e à instrução divina em sua
totalidade:
… Os profetas antigos também usam a Torá para designar a palavra divina
proclamada a eles (Is 8.16, 20; 30.9ss.; talvez também 1.10). Além disso, certas
passagens dos profetas antigos também usam a palavra torah para designar o
mandamento de Yahweh comunicado de forma escrita: Oseias 8.12. Além disso, há,
sem dúvida, exemplos não apenas de questões rituais, mas também de questões éticas.
Como consequência, em qualquer ponto desse período, a Torá mantinha o sentido de
instrução divina — escrita muito tempo atrás como lei e preservada e proclamada por
um sacerdote, recém-entregue pelo sacerdote (Lm 2.9; Ez 7.26; Ml 2.4), ou anunciada
para uma situação específica (Is 30.9) por um profeta comissionado por Deus.
Assim, a autoridade divina é objetivamente essencial à Torá, não a forma.[12]
A lei é a revelação de Deus e de sua justiça. Não há base na Escritura para
o desprezo da lei. Tampouco pode a lei ser relegada ao Antigo Testamento e
a graça ao Novo:
A antiga e consagrada distinção entre o AT como o livro da lei e o NT como o livro
da graça divina não tem nem razão nem fundamento. A graça e a misericórdia divinas
consistem no pressuposto da lei no AT; e a graça e o amor de Deus demonstrados nos
acontecimentos registrados no NT trazem para ele as obrigações legais da Nova
Aliança. Ademais, o AT contém evidências de uma longa história de desdobramentos
legais que devem ser afirmados antes de se entender com adequação o lugar da lei. As
polêmicas de Paulo quanto à lei em Gálatas e Romanos combatem um entendimento
da lei que não é, de maneira nenhuma, típico da totalidade do AT.[13]
Não há contradição entre lei e graça. A questão na Epístola de Tiago é
sobre fé e obras, não sobre fé e lei.[14] O judaísmo havia feito da lei o
mediador entre Deus e o homem, e entre Deus e o mundo. Essa interpretação
a respeito da lei — não derivada da própria lei — foi atacada por Jesus.
Sendo o próprio Mediador, Jesus rejeitou a lei como mediadora a fim de
restabelecê-la ao papel designado por Deus, como caminho de santidade. Ele
restabeleceu a lei ao distribuir perdão por ser aquele que outorga a lei,
apoiando de modo total a lei como a palavra de condenação que torna os
homens pecadores.[15] A rejeição da lei ocorreu só quando era considerada
mediadora e fonte de justificação.[16] Jesus reconhecia a lei por completo e lhe
era obediente. Ele rejeitava apenas as interpretações absurdas da lei. Além
disso,
Não temos autorização para inferir, com base nos ensinos de Jesus nos Evangelhos,
que ele realizou uma distinção formal entre a lei de Moisés e a lei de Deus. Sendo sua
missão a de não abolir, mas cumprir a lei e os Profetas (Mt 5.17), longe de dizer
qualquer palavra depreciativa sobre a lei de Moisés ou de encorajar seus discípulos a
assumir uma atitude de independência em relação a ela, ele, de forma expressa,
reconheceu a autoridade da lei de Moisés como tal, e a dos fariseus como seus
intérpretes oficiais (Mt 23.1-3).[17]
Tendo sido completado o trabalho de Cristo, o papel dos fariseus como
intérpretes teve fim, mas não a autoridade da lei. Na era do Novo Testamento,
só revelações recebidas pelos apóstolos poderiam embasar qualquer mudança
na lei. A autoridade da lei permaneceu inalterada:
O apóstolo Pedro, por exemplo, precisou de uma revelação especial antes de entrar na
casa do incircunciso Cornélio e admitir à igreja (por meio do batismo), o primeiro
gentio convertido (At 10.1-48) — um passo que não deixou de levantar oposição dos
que “eram da circuncisão” (cf. 11.1-18).[18]
A segunda característica da lei bíblica é que ela consiste em um tratado ou
um pacto. Kline demonstrou que a forma da concessão da lei, a linguagem do
texto, o preâmbulo histórico, a exigência do compromisso exclusivo com o
suserano — Deus, o pronunciamento de imprecações e bênçãos e muito mais:
tudo isso aponta para o fato de que a lei é um pacto estabelecido por Deus
com seu povo. De fato, “a revelação entregue nas duas tábuas era mais um
pacto ou uma aliança de suserania que um código legal”.[19] A síntese
completa do pacto, os Dez Mandamentos, foi registrada em cada uma das
duas tábuas de pedra, uma tábua — ou cópia da aliança — para cada parte do
pacto: Deus e Israel.[20]
As duas tábuas de pedra não devem, portanto, ser comparadas a uma estela contendo
um dentre meia dúzia de códigos legais mais antigos que Moisés (ou mais ou menos
contemporâneos a ele), como se Deus tivesse esculpido um corpo de leis nessas
tábuas. A revelação nelas contida não é nada menos que o epítome do pacto
concedido por Yahweh, o soberano Senhor dos céus e da terra, para seu servo —
eleito e redimido — Israel.
Não uma lei, mas um pacto. Isso deve ser afirmado quando procuramos uma categoria
suficientemente abrangente para fazer justiça à totalidade dessa revelação. Ao mesmo
tempo, a proeminência das cláusulas, refletidas no fato de “as dez palavras” serem o
elemento usado como pars pro toto (a parte pelo todo) dá sinais da centralidade da lei
nesse tipo de pacto. Talvez não haja nenhuma diretriz mais clara outorgada ao teólogo
bíblico para definir — com ênfase bíblica — o tipo de aliança adotada por Deus para
formalizar seu relacionamento com seu povo que a concedida na aliança conferida a
Israel (para ser, por ele, cumprido). Até mesmo “os dez mandamentos”. Essa aliança é
uma declaração do senhorio de Deus, ao consagrar um povo a si em uma ordem para a
vida decretada de forma soberana.[21]
Essa última frase precisa de mais ênfase: essa aliança é uma “ordem para a
vida decretada de forma soberana”. Deus, o soberano Senhor e Criador,
concede sua lei ao homem como um ato da graça soberana. É uma ação de
eleição, da graça eletiva (Dt 7.7ss.; 8.7; 9.4-6).
O Deus a quem pertence a Terra terá Israel como propriedade exclusiva (Êx 19.5). Só
com base na eleição e orientação graciosa de Deus os mandamentos divinos são dados
ao povo, e, dessa forma, o Decálogo (Êx 20.2) coloca a eleição à frente de tudo.[22]
Na lei, a vida do homem em sua totalidade é normatizada: “Não há uma
diferença fundamental entre a vida interior e a exterior; o santo chamado das
pessoas deve ser compreendido em ambas”.[23]
A terceira característica da lei bíblica, ou aliança, é que ela constitui um
plano de domínio em obediência a Deus. Deus chamou Adão para exercer
domínio nos termos da sua revelação: a lei (Gn 1.26ss.; 2.15-17). Esse
mesmo chamado, depois da queda, foi exigido da linhagem dos justos e
formalmente renovado em Noé (Gn 9.1-17). Confirmado mais uma vez com
Abraão, Jacó, Israel — na pessoa de Moisés, Josué, Davi, Salomão (cujos
provérbios refletem a lei), Ezequias e Josias e, por fim, com Jesus Cristo. O
sacramento da ceia do Senhor é a renovação da aliança: “Isto é o meu sangue,
o sangue da [nova] aliança”, de modo que o sacramento em si restabelece a
lei, desta vez com um novo grupo eleito (Mt 26.28; Mc 14.24; Lc 22.20;
1Co 11.25). O povo da lei é, agora, o povo de Cristo: os crentes redimidos
por seu sangue expiador e chamados por sua soberana eleição. Kline, na
análise de Hebreus 9.16, 17, em relação à administração do pacto, faz a
seguinte observação:
… a imagem sugerida seria a das crianças pertencentes a Cristo (cf. 2.13), herdeiras
do domínio universal como quinhão eterno (repare em 9.15b; v. tb 1.14; 2.5ss; 6.17;
11.7ss.). Tamanha é a maravilha do Mediador-Testador messiânico, que a herança
verdadeira de seus filhos — que vigora só por meio de sua morte — é, não obstante,
de corregência com o Testador ainda vivo! Pois, seguindo o direcionamento
tipológico dado por Hebreus 9.16, 17, de acordo com esta interpretação, Jesus é
Moisés (no momento de sua da morte) e Josué, o sucessor. Não só mera figura, mas o
Mediador real, verdadeiro, redivivo — que assegura a dinastia real ao suceder a si
mesmo no poder de sua ressurreição e na gloriosa ascensão.[24]
O propósito de Deus ao requerer que Adão exerça domínio sobre a terra
permanece sua eterna palavra pactual: o homem, criado à imagem divina e
tendo recebido a ordem de sujeitar a terra e exercer domínio sobre ela, em
nome de Deus, é chamado de novo à sua tarefa e ao seu privilégio por sua
redenção e regeneração.
Assim, a lei é para o homem cristão e para a sociedade cristã. Nada é mais
mortal ou denota maior descaso que a noção de que o cristão pode ficar à
vontade no que diz respeito ao tipo de lei que toma para si. João Calvino,
cujo humanismo eclesiástico ganha peso nesse ponto, disse, das leis dos
Estados, dos governos civis:
Falarei de passagem que tipo de leis o Estado pode servir-se santamente diante de
Deus, e os homens possam conduzir-se justamente. Deixaria de lado esse problema se
não visse perigosos erros serem cometidos nessa matéria. Alguns, de fato, negam que
um Estado possa ser bem governado se, abandonando as disposições políticas de
Moisés, for regido pelas leis comuns das demais nações. Deixo à consideração de
outros quão perigosa e sediciosa é essa opinião; basta-me provar que é falsa.[25]
Tais ideias, comuns em círculos calvinistas e luteranos (e quase em todas
as igrejas), ainda são disparates heréticos.[26] Calvino favoreceu “as leis
comuns das demais nações”. Mas as leis comuns das demais nações de sua
época consistiam na lei bíblica, apesar de extensivamente descaracterizada
pela lei romana. Essas “leis comuns das demais nações” evidenciavam, cada
vez mais, uma nova religião: o humanismo. Calvino queria o estabelecimento
da religião cristã; ele não o teve; tampouco poderia esse estabelecimento
durar por muito tempo em Genebra, sem a lei bíblica.
Dois estudiosos reformados, ao escreverem sobre o Estado, declararam:
“[o Estado] deve ser servo de Deus, para nosso bem-estar. Deve exercer a
justiça e detém o poder da espada”.[27] Entretanto, esses homens seguem
Calvino na rejeição da lei bíblica e se voltam às “leis comuns das demais
nações”. Mas, pode o Estado ser servo de Deus e passar ao largo da lei
divina? E, se o Estado “deve exercer justiça”, quem define esse conceito?
Deus, ou as nações? Há tantas ideias de justiça quanto há religiões.
Assim, a questão é: que lei deve ter o Estado? Deveria ser a lei positivista,
a lei das nações, uma lei relativista? De Jongste e Van Krimpen, após o
chamado à “justiça” no Estado, declaram: “A legislação estática, válida para
todos os tempos é uma impossibilidade”.[28] De fato! Então, o que fazer do
mandamento — ou da legislação bíblica, se me permite — “não matarás” e
“não furtarás”? Não há a intenção de que eles sejam válidos em todas as
épocas e em todas as ordens civis? Ao abandonarem a lei bíblica, esses
teólogos protestantes acabam caindo no relativismo moral e legal.
Estudiosos católicos romanos se valem da lei natural. As origens desse
conceito estão na lei e na religião romanas. Para a Bíblia, não há lei na
natureza, porque a natureza é caída e não pode consistir na norma. Ademais,
a fonte da lei não é a natureza, mas Deus. Não há lei na natureza, mas sobre a
natureza: a lei de Deus.[29]
Nem a lei positivista nem a lei naturalista poderiam refletir algo além do
pecado e da apostasia do homem: a lei revelada é a necessidade e o privilégio
da sociedade cristã. É o único meio pelo qual o homem pode cumprir o
mandato recebido na Criação de exercer domínio em submissão a Deus. Sem
a lei revelada, o homem não pode alegar estar sob o governo de Deus, mas
em rebelião contra Deus.
3. A direção da lei

Para entender a lei bíblica é preciso compreender também certas


características básicas da lei. Em primeiro lugar, declaram-se algumas
premissas abrangentes ou princípios amplos — as declarações da lei básica.
Os Dez Mandamentos nos fornecem essas declarações. Os Dez Mandamentos
não são, portanto, leis entre outras leis; eles constituem as leis básicas, das
quais as leis variadas são exemplos específicos. Um exemplo dessa lei básica
é Êxodo 20.15 (Dt 5.19): “Não furtarás”.
É importante notar, na análise do mandamento “Não furtarás”: a) Este é o
estabelecimento, de forma positiva, da propriedade privada, mesmo que, de
forma negativa, ele puna violações contra a propriedade. Os mandamentos,
assim, estabelecem e protegem uma área básica da vida. No entanto, ainda
mais importante que isso: b) O estabelecimento da propriedade provém, não
do Estado ou do homem, mas do soberano e onipotente Deus. Todos os
mandamentos têm origem em Deus, que, como Senhor soberano, provê a lei
para o governo de seu Reino. Ademais, segue-se: c) Pelo fato de Deus
conceder a lei, qualquer ofensa contra ela significa ofender a Deus. Quer a lei
faça referência à propriedade, pessoa, família, ao trabalho, capital, à igreja, ao
Estado ou a qualquer outra coisa, ela se reporta, em primeira instância, a
Deus. Em essência, a transgressão da lei representa a oposição plena a Deus,
pois todas as coisas e todas as pessoas integram a Criação. Além disso, Davi
afirmou, referindo-se a seus atos de adultério e assassinato: “Pequei contra ti,
contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos” (Sl 51.4). Isso
significa, portanto: d) Agir em oposição à lei também é pecado, ou seja,
qualquer ato social de desobediência civil, familiar, eclesiástica etc. —
também consiste em uma ofensa religiosa a não ser que a desobediência seja
requerida em razão da obediência primordial a Deus.
Ao manter em mente, que a lei estabelece, em primeiro lugar, princípios
amplos e básicos, examinemos a segunda característica da lei bíblica: a maior
parte da lei é constituída por jurisprudência, isto é, ilustrações do princípio
básico em termos de casos específicos. Muitas vezes eles consistem em
ilustrações do alcance de aplicação da lei; ou seja, ao citar um pequeno
modelo de caso, as jurisdições necessárias da lei são reveladas. Para evitar
qualquer desculpa para a incapacidade de compreensão do entendimento e da
utilização do conceito, a Bíblia nos concede sua interpretação da lei, e a
ilustração, apresentada pelo apóstolo Paulo, torna claro o embasamento
neotestamentário. Citamos até aqui, portanto, o princípio básico; depois, a
jurisprudência; e em terceiro lugar, a declaração paulina da aplicação da lei:
1. “Não matarás” (Êx 20.15). A lei básica; declaração de princípio.
2. “Não atarás a boca ao boi quando debulha” (Dt 25.4). Ilustração da lei
básica; jurisprudência.
3. “Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi,
quando pisa o trigo. Acaso, é com bois que Deus se preocupa? Ou é,
seguramente, por nós que ele o diz? Certo que é por nós que está escrito;
pois o que lavra cumpre fazê-lo com esperança; o que pisa o trigo faça-o
na esperança de receber a parte que lhe é devida. […] Assim ordenou
também o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho
(1Co 9.9,10,14; toda a passagem, 9.1-14, é uma interpretação da lei).
Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o trigo. E
ainda: O trabalhador é digno do seu salário (1Tm 5.18, cf. v. 17; a
ilustração serve para apoiar o requerimento de “honra” ou de “dupla
honra” para presbíteros ou anciãos, isto é, pastores da igreja). Ambas as
passagens ilustram o requerimento: “não furtarás” em termos de
jurisprudência específica, revelando até que ponto vão as implicações
daquele caso. Na epístola a Timóteo, Paulo também se refere à lei que
declara, com efeito, pela jurisprudência, que “o trabalhador é digno do
seu trabalho”. A referência é a Levítico 19.13: “Não oprimirás o teu
próximo, nem o roubarás; a paga do jornaleiro não ficará contigo até pela
manhã”; e Deuteronômio 24.14: “Não oprimirás o jornaleiro pobre e
necessitado, seja ele teu irmão ou estrangeiro que está na tua terra e na
tua cidade” (cf. 5.15). Jesus cita essa passagem em Lucas 10.7: “Digno é
o trabalhador do seu salário”.
Se é pecado privar um boi de seu sustento, então também é pecado privar
um homem de seu salário: ambos os casos são roubo. Se Deus classifica
como roubo uma ofensa contra um animal, quanto mais uma ofensa contra
um apóstolo e ministro de Deus? A implicação é, portanto, quão mais mortal
é roubar de Deus. Malaquias esclarece bem esse ponto:
Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos?
Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me
roubais, vós, a nação toda. Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja
mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não
vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida. Por vossa
causa, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa
vide no campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. Todas as nações vos
chamarão felizes, porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos Exércitos.
(Ml 3.8-12)
Esse exemplo de jurisprudência ilustra não apenas o significado da
jurisprudência nas Escrituras, mas também sua necessidade. Sem a
jurisprudência, a lei de Deus logo seria reduzida a um escopo de significado
extremamente limitado. Isso, claro, é justamente o que aconteceu. Como
consequência, quem nega a validade atual da lei, com exceção dos Dez
Mandamentos, tem uma definição muito limitada de roubo. Não raro, sua
definição é guiada pela lei civil e humanista de seu país, e não é muito
diferente das definições dadas por muçulmanos, budistas e humanistas. Mas,
diante da análise de casos de jurisprudência que ilustram a lei “não furtarás”,
podemos ver quão largo é o alcance de seu significado.
A lei, portanto, em primeiro lugar, estabelece princípios. Em segundo
lugar, cita casos reveladores das implicações desses princípios e, em terceiro
lugar, objetiva a direção e a restituição da ordem divina.
Esse terceiro aspecto é básico para a lei bíblica, e ilustra, mais uma vez, a
diferença entre a lei da Bíblia e a lei humanista. De acordo com certo
estudioso: “A justiça em seu sentido verdadeiro e apropriado é um princípio
de coordenação entre seres subjetivos”.[30] Esse conceito de justiça não é
apenas humanista, mas, também, subjetivo. Em vez de um mandato de justiça
objetivo, há uma mera condição emocional chamada “justiça”.
No sistema de leis humanista, a restituição e a reparação são possíveis e
ocorrem com frequência, mas não são a restauração da ordem fundamental de
Deus, mas da condição humana. A restituição, portanto, é feita inteiramente
ao homem.[31] A lei bíblica requer restituição à pessoa ofendida, mas a
demanda por restauração da ordem divina é ainda mais essencial. Não são
apenas os tribunais que operam em termos de restituição e de reparação. Para
a lei bíblica, a restituição deve, de fato: a) Ser requerida de todos os
criminosos pelos tribunais, e, mais ainda, deve; b) Ter, integralmente, como
propósito e orientação, a restauração da ordem divina; uma criação gloriosa e
boa que serve e glorifica ao seu Criador. Além disso, c) O tribunal soberano
de Deus e de sua lei operam em termos de reparação e restituição a todo
momento, amaldiçoando a desobediência e impedindo, dessa forma, sua
oposição à ordem divina e a destruição dessa ordem. A afirmação de
Malaquias a respeito do dízimo, retomando nossa ilustração, tem a seguinte
implicação — e, de fato, a declara de modo expresso: eles amaldiçoaram a si
mesmos e suas bênçãos por roubarem o dízimo de Deus. Portanto, seus
campos não são produtivos, uma vez que trabalham contra o propósito divino
da restituição. A obediência à lei divina do dízimo, o ato de honrar a Deus em
vez de roubá-Lo, inundará seu povo com bênçãos. A palavra “inundará” é
apropriada: a expressão “abrir as janelas do céu” lembra o Dilúvio (Gn 7.11)
— um importante exemplo de maldição. Mas o propósito das maldições é,
também, restituição e reparação: a maldição evita que o ímpio subverta a
ordem divina. Os homens da geração de Noé foram destruídos em suas
elucubrações malignas, ao conspirar contra a ordem de Deus (Gn 6.5), com o
fim de se instituir o processo de restauração através de Noé.
Mas, voltando à ilustração originária da lei bíblica: “Não furtarás”. O
Novo Testamento ilustra a restituição no caso de extorsão, na pessoa de
Zaqueu (Lc 19.2-9), na forma de taxação injusta. Zaqueu foi declarado um
homem salvo depois de pronunciar sua intenção de restituição de forma total.
A restituição tem uma clara relação com o sermão do Monte (Mt 5.23-26).
De acordo com certo estudioso:
Em Efésios 4.28, o apóstolo Paulo mostra como o princípio da restituição deve ser
estendido. Quem já foi ladrão, não deve deixar apenas o roubo, mas trabalhar com as
mãos para conseguir restaurar o que havia roubado em sua impiedade; se alguém que
ele tivesse prejudicado não fosse encontrado, a restituição deveria ser feita aos pobres.
[32]

Esse fato da restituição ou reparação é exposto, em relação a Deus, de três


formas: primeira, há a restituição ou restauração da soberana Palavra-lei de
Deus por sua proclamação. João Batista, por sua pregação, restaurou a
Palavra-lei à vida do povo de Deus. Jesus assim afirmou: “… De fato, Elias
virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e
não o reconheceram” (Mt 17.11,12). Há, então, em segundo lugar, a
restauração que vem no ato de se submeter todas as coisas a Cristo e de
estabelecer uma ordem divina sobre o mundo (Mt 28.18-20; 2Co 10.15;
Ap 11.15). Em terceiro lugar, haverá a restauração total e final com a
segunda vinda (e é em direção a ela que a história se move). A segunda vinda
é o ato total e culminante — e não só o ato dos “tempos da restauração”
(At 3.21).
A aliança divina com Adão requeria dele o exercício de domínio sobre a
terra e sua sujeição (Gn 1.36ss.) a Deus e de acordo com a Palavra-lei divina.
Esse relacionamento do homem com Deus era um pacto (Os 6.7; cp. leitura
marginal).
Todas as Escrituras se originam do fato de que o homem sempre está firmado no
relacionamento pactual com Deus. Todo o contato de Deus com Adão no paraíso
pressupõe essa relação, pois Deus falava com Adão e se revelava a ele, e Adão ouvia
sua voz na viração do dia. Além disso, a salvação sempre é apresentada como o
fundamento e a concretização da aliança divina. […] Essa relação pactual não deve
ser considerada algo acidental, como o meio para um fim, como uma relação
estabelecida por meio de um acordo, mas como um relacionamento fundamental que
Adão teve, diante de Deus, em virtude de sua criação.[33]
A restauração do relacionamento pactual consiste na obra de Cristo, sua
graça com seu povo eleito. O cumprimento desse pacto é a Grande Comissão:
sujeitar todas as coisas e todas as nações a Cristo e à sua Palavra-lei.
O mandato da Criação consistiu de modo exato na exigência de que o
homem sujeite a terra e exerça domínio sobre ela. Não há nenhuma palavra
nas Escrituras que indique ou que sugira a revogação desse mandato. Muitas
palavras nas Escrituras afirmam o cumprimento de fato desse mandato; a
“Escritura não pode ser quebrada”, segundo Jesus (Jo 10.35, NVI). Quem
tentar anulá-la, deve ser descartado.[34]
Sobre o autor

Rousas John Rushdoony (25/4/1916-8/2/2001) foi um célebre erudito


americano, escritor e autor de mais de trinta livros. Graduou-se pela
University of California (bacharelado e licenciatura plena em Artes Liberais)
e recebeu treinamento teológico na Pacific School of Religion. Ministro
ordenado, serviu como missionário entre os índios dos povos paiute e
shoshoni e também em duas igrejas na Califórnia. Criou a Chalcedon
Foundation, uma organização educacional dedicada à pesquisa, publicação e
comunicação persuasiva do saber distintivamente cristão para o mundo
inteiro. Seus escritos no Chalcedon Report e seus vários livros produziram
uma profícua geração de crentes ativos na reconstrução do mundo para a
glória de Jesus Cristo. Ele residia em Vallecito (Califórnia) e estava
comprometido com pesquisas, palestras e o auxílio de irmãos no
desenvolvimento de programas que colocassem a fé cristã em ação.

[1]
Rousas J. Rushdoony, Sovereignty. Vallecito: Ross House Books, 2007, p. 244.
[2]
Friedrich Heer, The Intellectual History of Europe. Cleveland: World Publishing Co., 1966,
p. 184.
[3]
Joseph G. Brin, “The Social Order Under Hebrew Law”, Law Society Journal 7, no. 3
(August 1936): 383-7.
[4]
Henry Bamford Parkes, “Morals and Law Enforcement in Colonial England”, New
England Quarterly 5 (July 1932): 431-52.
[5]
Charles Hoadly (org.), Records of the Colony and Plantation of New Haven from 1638
to 1649. Hartford: for the editor, 1857, p. 69.
[6]
Ibid., p. 130.
[7]
John A. Albro (org.), The Works of Thomas Shepard, vol. 3, Theses Sabbatical (1649). Boston:
Doctrinal Tract and Book Society, 1853; New York: AMS Press, 1967, p. 49.
[8]
Hermann Kleinknecht & W. Gutbrod, Law. London: Adam and Charles Black, 1962,
p. 21.
[9]
Mao Tse-Tung, The Foolish Old Man Who Removed Mountains. Peking: Foreign Languages
Press, 1966, p. 3.
[10]
Morris Raphael Cohen, Reason and Law. New York: Collier Books, 1961, p. 84-5.
[11]
Ernest F. Kevan, The Moral Law. Jenkintown: Sovereign Grace Publishers, 1963, p. 5-6.
S. R. Driver, “Law (in Old Testament),” in: James Hastings (org.), A Dictionary of
the Bible, vol. 3. New York: Charles Scribner’s Sons, 1919, p. 64.
[12]
Kleinknecht & Gutbrod, Law, p. 44.
[13]
W. J. Harrelson, “Law in the OT,” in The Interpreter’s Dictionary of the Bible. New York:
Abingdon Press, 1962, vol. 3, p. 77.
[14]
Kleinknecht & Gutbrod, Law, p. 125.
[15]
Ibid., p. 74, 81-91.
[16]
Ibid., p. 95.
[17]
Hugh H. Currie, “Law of God,” in: James Hastings (org.), A Dictionary of Christ and
the Gospels. New York: Charles Scribner’s Sons, 1908, vol. 2, p. 15.
[18]
Olaf Moe, “Law,” in: James Hastings (org.), A Dictionary of Christ and the Gospels.
New York: Charles Scribner’s Sons, 1919, vol. 1, p. 685.
[19]
Meredith G. Kline, Treaty of the Great King, The Covenant Structure of Deuteronomy: Studies and
Commentary. Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1963, p. 16. V. tb. J. A. Thompson, The
Ancient Near Eastern Treaties and the Old Testament. London: Tyndale Press, 1964.
[20]
Ibid., p. 19.
[21]
Ibid., 17.
[22]
Gustave Friedrich Oehler, Theology of the Old Testament . Grand Rapids: Zondervan, 1883,
p. 177.
[23]
Ibid., 182.
[24]
Treaty of the Great King, p. 41.
[25]
A instituição da religião cristã, Tomo II, Livros III e IV. São Paulo: UNESP, 2009.
Citação lo livro IV, capítulo XX, parágrafo 14, p. 888-9.
[26]
Veja H. de Jongste & J. M. van Krimpen, The Bible and the Life of the Christian.
Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1968, p. 66ss.
[27]
Ibid., p. 73.
[28]
Ibid., p. 75.
[29]
O próprio termo “natureza” é mítico. Veja Rousas J. Rushdoony, “The Myth of
Nature”, in: The Mythology of Science. Nutley: Craig Press, 1967, p. 96-8.
[30]
Giorgio del Vecchio, Justice: An Historical and Philosophical Essay, organização e
notas adicionais de A. H. Campbell. Edinburgh: Edinburgh University Press, [edição
italiana, 1924;1952; 1956]), p. 2.
[31]
Veja, para e estudo desse conceito, dr. Stephen Schafer, Restitution to Victims of
Crimes. London: Stevens and Sons; Chicago, IL: Quadrangle Books, 1960.
[32]
John Henry Blunt (org.), Dictionary of Doctrinal and Historical Theology. London:
Longmans, Green, 1891, p. 645.
[33]
Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics. Grand Rapids: Reformed Free Publishing
Association, 1966, p. 221-2.
[34]
H. de Jongste & J. M. van Krimpen, The Bible and the Life of the Christian, p. 27,
recognize this, “Esse mandato nunca foi revogado”, e depois prosseguiu em sua revogação
por seus pressupostos amilenistas que previam a revogação do mandato pelo triunfo do
Anticristo: “Não há espaço para otimismo: perto do fim, nos campos de Satanás e do
Anticristo, a cultura adoecerá, e a igreja desejará ser libertada de sua angústia” (p. 85). No
entanto, essa é uma definição mítica e não bíblica do Anticristo, que, de acordo com João, é
apenas alguém presente desde o início, que nega o Pai e o Filho (1Jo 2.22; 4.3; 2Jo 7).
Atribuir essas negações ao papel de domínio e poder final ocorre sem qualquer garantia
bíblica.
1

Lei e Governo
Rousas John Rushdoony

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Hoje em dia é difícil discutir governo porque a palavra governo tem


mudado radicalmente seu significado. Em meu livro, This Independent Republic,
apontei que originalmente a palavra governo nunca se aplicou nesse país ao
Estado. A palavra significava, em primeiro lugar, o auto-governo do cristão, o
governo básico em toda a história. Segundo, e muito relacionado e quase
inseparavelmente ligado com esse, governo significava a família. Toda família
é um governo; é a primeira igreja e primeira escola do homem, e é também o
seu primeiro Estado. O governo da família do cabeça apontado por Deus, o
homem, é básica para a sociedade. Terceiro, a igreja é um governo, com leis e
disciplinas. Quarto, a escola é um governo importante da vida de uma criança.
Quinto, trabalho ou vocação é uma área importante de governo. Nosso
trabalho claramente nos governa e nós governamos nosso trabalho. Sexto,
associações privadas, afiliações, organizações e semelhantes agem como um
governo sobre nós, visto que nos submetemos a esses padrões sociais e
governamos outros com as nossas expectativas sociais. Sétimo, o Estado é uma
forma de governo, e, originalmente, sempre foi chamado de governo civil em
distinção de todas essas outras formas de governo.
Mas, tragicamente, quando dizemos governo hoje queremos dizer o
Estado, o governo federal, ou alguma outra forma de governo civil. E, mais
tragicamente, o governo civil hoje reivindica ser o governo sobre o homem, não
um governo entre muitos, mas o governo acima de todos. O governo civil
reivindica jurisdição sobre nossas associações privadas, nosso trabalho ou
emprego, nossas escolas e igrejas, nossas famílias, e nós mesmos. A palavra
governo não mais significa auto-governo primária e essencialmente; significa o
Estado.
Mas, originalmente, em nossa herança cristã Americana, o governo não
significava o Estado. Alguns replicam que, embora isso seja verdade no
período colonial, o quadro mudou após a Guerra da Independência. A
resposta a isso é examinar um livro-texto usado nas universidades públicas e
em escolas normais2 antes da Primeira Guerra Mundial: Elements of Civil
Government (New York: American Book Company, 1891, 1903), de Alexander

1
E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em fevereiro/2007.
2
Nota do tradutor: Uma normal school era uma instituição educacional para instruir professores.

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2

L. Peterman. O autor desse livro era diretor e professor de governo civil na


Escola Normal da Faculdade Estadual de Kentucky e também um membro do
Senado Estadual de Kentucky. Note também que o título de Peterman fala de
governo civil.
O prefácio declara: “Esse livro-texto começa ‘em casa’. O ponto de
partida é a família, a primeira forma de governo com o qual a criança entra em
contato” (p. 5). De acordo com Peterman, “A família… é a primeira forma de
governo, estabelecida para o bem das próprias crianças, e o primeiro governo
que cada um de nós deve obedecer” (p. 18). O primeiro capítulo do livro-
texto de Peterman era devotado a “A Família”, seu propósito, membros,
direitos, deveres, ofícios e responsabilidades. É interessante ver que Peterman
escreve que “O ofício de um pai é um santo ofício, e requer sabedoria para a
execução própria dos seus deveres” (p. 19). A perspectiva de Peterman sobre
o governo civil era claramente uma de divisão de poderes e federalismo. Ele
definiu cinco áreas de governo civil: “o município ou distrito civil, a vila ou
cidade, o país, o Estado e os Estados Unidos” (p. 18). Mas, mais importante,
tão recente quanto a Primeira Guerra Mundial, o governo civil era uma área
menor de governo na vida americana; agora, o governo civil alega ser o
governo acima de todos na vida do homem. Essa reivindicação é a essência do
totalitarismo. Do auto-governo do cristão como a essência do governo
chegamos à idéia do Estado como o governo totalitário sobre o homem.
Quando levantamos a pergunta, “Como isso aconteceu?”, duas
respostas estão imediatamente disponíveis. Primeiro, podemos dizer que fomos
subvertidos por grupos revolucionários e totalitários, e, segundo, podemos dizer
que nossa delinqüência espiritual nos levou a essa triste condição. Claramente,
há verdade na primeira resposta. Temos sido o alvo de atividade subversiva
em toda área, e agentes altamente treinados e habilidosos têm estado
trabalhando em nosso meio por muitos anos. Contudo, nunca houve um
período na história Americana quando os subversivos não estivessem ativos,
nem houve uma civilização em toda a história sem a ameaça de forças hostis.
O fato importante a ser lembrado é que sempre seremos ameaçados por
algum tipo de subversão; a questão real é: Nós temos a saúde espiritual para
resistir à ameaça? Se somos espiritual e moralmente delinqüentes, somos
facilmente subvertidos. Em contraste com os milhões de americanos, as
forças subversivas são numericamente pequenas, mesmo que estimemo-las na
casa dos milhões. Nosso problema não é primeiramente o que os outros estão
tentando fazer para nós, mas o que temos feito para nós mesmos. Os
subversivos são reais e mortais, mas são inúteis contra um povo
espiritualmente forte.
Hoje, a maioria dos americanos perdeu sua fé em Cristo como
Salvador, e esperam que o governo civil seja o salvador deles. Eles não têm

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3

nenhum desejo pelas responsabilidades do auto-governo, e dizem assim para


os políticos: “Vocês nos governarão.” Ao invés de Jesus Cristo como o seu
bom pastor, eles elegem políticos para serem os seus pastores num programa
de segurança socialista para todos. É de admirar que fomos subvertidos?
Para se ter um governo civil livre é necessário ter em primeiro lugar
homens livres cujo maior desejo é o auto-governo responsável sob Deus. Não
muitos estão interessados nisso. Um professor, que deixou de ensinar logo
após a Segunda Guerra Mundial, palestrou a um grupo de estudantes numa
importante universidade Ocidental há uns poucos anos atrás sobre o declínio
da liberdade. Para sua surpresa, uma das primeiras perguntas levantada por um
estudante foi simplesmente essa: “Por que a liberdade é tão maravilhosa
assim? O que lhe faz pensar que ela é necessária ao homem?”. Para os
estudantes, a segurança era um objetivo social necessário; a liberdade não.
Alguns anos atrás, Lin Yutang registrou que, antes dele vir para os Estados
Unidos, ele pensava na América em termos das palavras de Patrick Henry:
“Dai-me a liberdade ou senão a morte”. Quando chegou aqui, descobriu que
o credo Americano moderno parecia ser: “Dai-me a segurança ou senão a
morte”. É porque estamos recusando governar a nós mesmos sob Deus e pela
graça e palavra de Deus que estamos sendo governados pelo Estado. Como
William Penn e Benjamin Franklin observaram há muito tempo, os homens
serão governados por Deus ou governados por tiranos. Os americanos estão
sendo subvertidos, e eles têm que culpar a si mesmos por isso.
Nosso colapso é secundariamente político; ele é primariamente
espiritual. Nossa subversão é secundariamente política; ela é primariamente
espiritual.
O governo básico do universo e do homem é o governo de Deus. Toda
pessoa, família, instituição, vocação, escola, igreja ou Estado que está em
rebelião contra o governo de Deus ou que ignore a sua palavra e lei está com
isso em rebelião contra a sua própria saúde, contra sua própria vida. De
acordo com S. Paulo, a lei de Deus foi ordenada para a vida, ou, como a
versão Berkeley traduz a passagem, a lei “objetivava dar vida” (Rm. 7:10), mas
o pecado do homem tornou-a uma sentença de morte. Jesus Cristo, falando
como a Sabedoria, disse há muito tempo: “Mas o que peca contra mim
violenta a própria alma. Todos os que me aborrecem amam a morte” (Pv.
8:36).
Sempre que um governo se aparta de Deus e da sua palavra, ele se
aparta da saúde e no final da vida. O governo de Deus é básico para o auto-
governo, para a família, igreja, sociedade, vocações e para o Estado. Seria
ridículo para um homem planejar uma vida e um futuro no qual o ar é
abolido, pois, obviamente, o homem precisa de ar para respirar, para
sobreviver, para viver; sua vida depende dele. Ainda mais fundamental, a vida

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do homem depende do governo de Deus; é essencial para a vida em toda


esfera de existência.
O auto-governo pressupõe liberdade, e não pode existir nenhuma
liberdade para o homem à parte de Jesus Cristo. Cristo é o nosso princípio de
liberdade, a fonte e poder da libertação do homem da escravidão do pecado e
da penalidade da morte. Jesus declarou: “Eu sou o caminho, a verdade e a
vida” (João 14:6). “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João
8:32). “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36)
Esse é o fundamento da liberdade e do verdadeiro auto-governo. À parte
desse fundamento, Jesus Cristo, nosso destino é a tirania e a escravidão. Em
Jesus Cristo somente a nossa liberdade é assegurada e o verdadeiro governo é
possível.

Fonte: Law and Liberty, Rousas John Rushdoony,


Ross House Books, pg. 59-62.

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O Amor ao Dinheiro
Rev. R. J. Rushdoony

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Em 1 Timóteo 6:10, S. Paulo escreve: “Porque o amor do dinheiro é raiz de todos


os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram (ou, sendo seduzidos) da fé e a si mesmos se
atormentaram com muitas dores”. Para entender o que Paulo nos diz, devemos evitar dois
erros. Primeiro, Paulo não diz que o dinheiro é a raiz de todos os males, mas sim que o amor
ao mesmo.2 Segundo, não devemos negligenciar entender o porquê o amor ao dinheiro é
declarado como sendo “a raiz de todos os males”. Afinal, de acordo com Gênesis 3:1-5, o
pecado original, a raiz de todos os males, foi o desejo do homem de ser seu próprio deus e
determinar o bem e o mal, a lei e a moralidade para si mesmo. Como isso está relacionado
com o amor ao dinheiro?

Observe que S. Paulo não diz que o amor à riqueza é a raiz de todos os males.
Riqueza tem várias definições. Um homem forte na fé é rico, pois tem riquezas que a
maioria dos homens carece. Além disso, no decorrer da história, a riqueza tem sido definida
em termos de uma família e clã forte. Em algumas culturas, um homem sem uma família
não pode encontrar trabalho e é considerado como um criminoso, visto que não tem
nenhuma família para avalizá-lo ou corrigir algum erro que cometa; um homem que deixa
sua família em tal sociedade é um criminoso.

O mesmo é verdadeiro quanto aos amigos. Para algumas culturas, uma rede de
amigos é riqueza e segurança; eles lhe ajudarão ou defenderão, assim como você a eles. A
força do feudalismo era o fato de que ele era uma rede de obrigações, deveres e vínculos.
Os homens não estavam sozinhos.

Na esfera material, a maior forma de riqueza na história tem sido a terra. A terra
fornece ao homem tanto um lar como uma fonte de alimento potencial. No decorrer dos
séculos, um homem com terras era um homem livre. (Nossa estrutura de impostos colocou
um fim nisso, e tal foi feito deliberadamente). Uma vez foi verdade que “a casa de um
homem é o seu castelo”, e a terra de um homem era imune à intrusão. Em meu tempo de
vida, mais que uns poucos vaqueiros do oeste mantinham que eles tinham o direito de
atirar num invasor. O pensamento deles tinha raízes antigas.

S. Paulo não fala contra nenhuma dessas formas de riqueza. Na verdade, essas são
totalmente bíblicas em caráter. Por que ele escolheu o dinheiro?

O dinheiro tem uma história curiosa. O dinheiro verdadeiro é ouro ou prata,


enquanto moedas comuns e papel-moeda representam a falsificação estatista do dinheiro.
Roma teve uma longa história de desvalorizar sua cunhagem.

Por que o dinheiro era tão perigosamente mal aos olhos de Paulo? A raiz de todos os
males é a vontade do homem de ser o seu próprio deus e seu próprio determinador da
1
E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em março/2007.
2
Nota do tradutor: A NIV é mais clara: “Pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males…”.

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realidade, do bem, mal e tudo o mais. O amor ao dinheiro tem o mesmo poder ilusório: ele
distorce ou destrói a realidade. Há dois anos, um clérigo bem conhecido tentou me dizer
que eu não tinha direito a uma opinião, me disse o quanto ele era digno, e perguntou: “E
você, quanto ganhou no último ano?”. Esse homem tinha sido seduzido da fé por seu amor
ao dinheiro: ele está sendo agora esvaziado de seu dinheiro, atormentado com muitas
dores, mas desprovido de uma tristeza piedosa. O amor ao dinheiro destrói a percepção da
realidade de um homem. Virtude, amigos, família e todas as outras formas de riqueza são
desprezadas em favor do dinheiro.

Além do mais, é interessante que, assim como a riqueza material tem se transferido
para o dinheiro no pensamento das pessoas, ela tem se transferido do dinheiro verdadeiro,
ouro e prata, para moedas falsificadas e papel-moeda. Há uma razão para isso. O papel-
moeda dá ao homem a oportunidade de brincar de deus, “criar” riqueza imprimindo notas
e suplantar a realidade de Deus com a nova ordem do homem.

Mas o papel-moeda se auto-destrói. Ele acaba destruindo seus criadores e usuários


e a falsa ordem social que eles criaram. A essência do pecado, a vontade de ser deus,
significa uma distorção radical e falsificação da realidade. Ele cria uma ordem social
inflacionária na qual o homem substitui a riqueza verdadeira e duradoura por suas
propriedades de papel criadas por ele.

As formas antigas de riqueza significavam uma rede de deveres e obrigações.


Significava uma consciência de que somos todos dependentes uns dos outros e da terra: “o
rei se serve (ou, prospera) do campo” (Eclesiastes 5:9).

Dinheiro como riqueza, ou papel-moeda como riqueza, não está sujeito apenas aos
caprichos de uma sociedade e à inflação, mas também esvazia um homem
progressivamente de todas as formas verdadeiras de riqueza, a menos que ele seja um
homem forte na fé e seriamente diligente para com as obrigações sociais de sua riqueza.

Um dos grandes amigos do Chalcedon herdou uma propriedade, que estava com a
família há 300 anos, com uma vila e muitos fazendeiros. Duas mortes, uma após a outra,
levou à perda dela por causa dos impostos sobre a morte. O povo da propriedade viu com
tristeza a transição deles de um cuidadoso e íntimo governo familiar para um Estado
socialista. Foi um desastre e tristeza!

Como mudamos tudo isso? Requer-se uma fé forte em Cristo como nosso Salvador
e Governante, e na lei-palavra de Deus como nosso alvará de liberdade. Requer-se que a
riqueza tenha uma nova definição pra nós, e comece com a nossa fé.

Quão rico você é?

Fonte: http://www.chalcedon.edu/

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1

O Mito da Neutralidade
Dr. Rousas John Rushdoony

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1

Um dos mitos mais perniciosos e malignos que praguejam a raça


humana é o mito da neutralidade. Ele é um produto do ateísmo e anti-
Cristianismo, pois pressupõe um cosmos de factualidade não-criada e sem
sentido, de fatos brutos ou sem sentido. Porque todo ato e fato do cosmos é
então sem sentido, e também sem relação com outro fato, todos os fatos são
neutros.

O Absurdo da Neutralidade
A palavra “neutro” é curiosa. Ela vem do latim “neuter”, significando
“nem um, nem outro”, e tem referência original ao gênero, isto é, nem macho
nem fêmea. Ela ainda tem esse significado: um homem neutralizado é um
eunuco, um castrado.
Ela tem agora o significado de não tomar partido e, supostamente, a lei
e os tribunais são “neutros”. Isso em si mesmo é absurdo. Nenhuma lei jamais
é neutra. A lei não é neutra sobre roubo, assalto, assassinato, estupro, ou
perjúrio: ela é enfaticamente contra essas coisas, ou deveria ser. Novamente,
nenhum tribunal ou juiz bom pode ser neutro sobre essas coisas sem destruir
a justiça.
Além do mais, nem a lei nem os tribunais podem ser neutros com
respeito a um homem acusado desses ou outros crimes. Antes, um bom
tribunal “suspende um julgamento” pendente de testemunho. A neutralidade
apresenta uma indiferença; um julgamento suspenso significa que qualquer
conclusão deve ser precedida por uma análise rigorosa de evidência.
O mito da neutralidade impede a justiça porque atribui à lei e aos
tribunais um caráter que está em muito conflito com a própria natureza delas.
Além do mais, é dado aos tribunais o poder de falsificar casos, como a
1
E-mail para contato: felipe@monergismo.com. Traduzido em maio/2008.

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2

Suprema Corte dos Estados Unidos habilmente o faz. Por exemplo, ao lidar
com casos educacionais, a Corte, que tinha declarado ser o humanismo uma
religião, não reconhecerá que a educação humanista, isto é, nosso sistema
educacional do Estado de hoje, não é religiosamente neutra. As escolas cristãs
são tidas como sendo “religiosas” e “não-neutras”, mas as escolas humanistas
do Estado são vistas como “neutras”.

A Maior Violação da Primeira Emenda


Há uma razão para essa cegueira deliberada. Admitir que a educação é
uma tarefa inescapavelmente religiosa, e é sempre não-neutra, significa que as
escolas do Estado violam a Primeira Emenda. Elas são estabelecimentos
religiosos que ensinam uma religião alheia a maioria dos cidadãos, e fazem isso
com fundos públicos. Poucas coisas nos Estados Unidos violam mais a
Primeira Emenda do que as escolas públicas. Desde o seu começo, a escola
pública ou do Estado tem sido destrutiva da liberdade civil e, crescentemente,
da fé bíblica.
Para que a Corte reconheça esse fato seria necessário uma re-direção
radical da vida na América. Requereria, além disso, uma mudança radical na
Corte. A Suprema Corte dos Estados Unidos se tornou o Sinédrio, o Vaticano
ou o Concílio Nacional do humanismo na América. Ela é uma agência
militante e fanática da religião humanista, e usa seu poder para suprimir e
punir os rivais da religião Federal. As sessões da Corte constituem uma versão
moderna da “guerra santa” contra o Cristianismo.
Ao mesmo tempo, o mito da neutralidade tem sido usado para castrar a
teologia e as igrejas. O American Educational Trust de Washington, D.C.
publicou recentemente um atlas e almanaque de John C. Kimball (The Arabs,
1983). Kimball escreve:
Os muçulmanos têm sempre crido fortemente que a religião diz
respeito não somente ao que uma pessoa crê, mas o que ela faz e
as inter-relações da sociedade. Diferente do pensamento cristão
que vê uma clara distinção entre a dimensão secular e religiosa da
vida, o pensamento muçulmano sustenta que idealmente o
secular e o espiritual pertencem à mesma esfera. (p. 5)

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3

Essa, sem dúvida, é a posição bíblica, que todas as coisas estão debaixo
da lei e do governo de Deus, e qualquer divisão da vida entre o religioso e o
não-religioso é falsa. Porque Deus é o Senhor e Criador de todas as coisas,
não existe nenhuma esfera da vida e pensamento fora de Sua jurisdição,
governo e lei. Sustentar que existe é negar Deus e afirmar o politeísmo. E isso
é precisamente o que muitos teólogos têm feito. A ressurgência do Islamismo
é devido ao reavivamento dessa premissa.

O Botão de Van Til


O mito da neutralidade é mais compatível com a natureza caída do
homem. O dr. Cornelius Van Til apontou que, se houvesse um botão em todo
o universo, o qual, se apertado, daria ao homem uma pequena esfera de
experiência fora de Deus e em liberdade de Deus, o homem caído sempre
estaria com o seu dedo nesse botão.
O fato trágico é que muitos pastores assumem a existência de tal botão!
Eles sustentam que a maior parte da vida está fora da lei de Deus, e até
mesmo negam a validade da lei de Deus. Eles crêem de fato que o homem
deve ser salvo na igreja, mas pode ser não-salvo fora da igreja na educação,
política, economia e todas as outras coisas. Eles literalmente assumem que a
maior parte do mundo é por natureza uma esfera ímpia, e assim deve
permanecer.
O Épico de Gilgamesh dos babilônios sustentava que apenas uma
pequena área da vida é a preocupação dos homens, que são inescapavelmente
ignorantes do bem e do mal porque os deuses “retém em suas próprias mãos”
o conhecimento da maioria das coisas sublimes. Essa era claramente uma
expressão de cinismo2 religioso. A teologia moderna vai mais adiante: ela vê
Deus como indiferente para a maior parte da vida, e limita a província do
sagrado a uma pequena esfera. Na Babilônia, as leis de “justiça” vinham do
rei, não dos deuses. Na civilização Ocidental moderna, as leis de “justiça” vêm
do homem, do Estado: Babilônia a Grande está em processo de construção.
Phillip Lee Ralph, em The Renaissance in Perspective (1973), disse:
“Juntamente com outros pensadores da época, Erasmo, More e Maquiavel
compartilhavam uma convicção que, sem alguma mudança na natureza

2
Doutrina filosófica grega fundada por Antístenes de Atenas (444-365 a.C.). (N. do T.)

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4

humana ou alguma alteração drástica das instituições, a ordem política poderia


ser feita para servir aos objetivos humanos desejáveis” (75 s.). Em outras
palavras, o mundo inteiro está fora de Deus e neutro para com Ele e,
portanto, a boa sociedade pode ser criada fora da salvação de Deus e Sua lei-
palavra, e em indiferença para com Ele. Nos Estados Unidos, essa é a
suposição de cada reunião do Presidente com o Congresso, e é a premissa da
política moderna em todos os lugares. Começando com a premissa que
existem esferas neutras fora de Deus, o homem termina declarando que Deus
é totalmente irrelevante para os homens. Somos informados que essa é uma
questão de neutralidade, quer ou não as pessoas creiam em Deus e em Sua lei.
Em todo esse pensamento, o homem está agindo sobre a suposição que, ao
apertar esse botão de neutralidade intelectual, as alegações de Deus são
eliminadas ou desaparecem.
Contudo, o fato é que Deus controla todos os botões! E Seu veredicto
sobre o mito da neutralidade e todos os seus aderentes pode ser apenas juízo.

Fonte: Faith for All of Life, Fev. 2004, p. 2-3.

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O Novo Racismo (por R. J. Rushdoony)
barrabaslivre.com /2015/05/o-novo-racismo-por-r-j-rushdoony.html

O racismo é um fato relativamente novo no cenário mundial. Em épocas anteriores, não raças, mas a
religião era a base da discriminação. Embora a história religiosa seja marcada pela desagradável
violência contra outros grupos religiosos, e a história da igreja cristã não seja exceção a isso, há um
fato notável que é muitas vezes esquecido. Religiões missionárias, e supremamente a cristandade,
normalmente procuram ganhar outros grupos, não oprimi-los, e este impulso missionário também
forneceu, em muitas eras, uma causa favorável a uma abordagem amigável.

Na era moderna, como a influência do cristianismo diminuiu, e a ciência começou a governar em


conjunto com o humanismo, a biologia veio a predominar sobre a teologia. As diferenças entre os
homens foram vistas cada vez mais como biológicas e raciais, em vez de religiosas. Os antropólogos
físicos anteriores fizeram estudos físicos muito precisos e detalhados de todos os povos, a fim de
estabelecer as diferenças físicas entre as raças.

A teoria da evolução alimentou esse racismo científico em desenvolvimento e ainda acrescentou um


outro fator importante. Muitas teorias começaram a defender uma origem múltipla para a raça
humana. Considerando que, na Escritura todos os homens são descendentes de Adão, no
pensamento evolucionista, todos os homens são, possivelmente, descendentes de fontes evolutivas
muito diferentes. Descendência comum em Adão significava uma criação comum, natureza e
responsabilidade sob Deus. A ideia de múltiplas origens se provou divisiva. A raça humana não era
mais a raça humana! Foi uma coleção de raças possivelmente humanas, uma doutrina muito diferente.

É importante reconhecer que o racismo era em origem de uma doutrina científica. Sempre que uma
doutrina científica é descartada, como por exemplo a ideia da herança adquirida de influências
ambientais, a velha doutrina científica, uma vez que perdura no pensamento popular, é culpa de
religião ou superstição popular! As origens do racismo estão em teóricos científicos altamente
respeitáveis. O fato de que homens como Houston Stewart Chamberlain (1855-1927), filho de um
almirante britânico e cunhado de Richard Wagner, tomaram esta literatura científica para desenvolver
o que se tornou a fundação do pensamento Nazista não elimina as suas origens científicas.

A derrota dos nazistas não acabaram com o racismo. Em vez disso, isso tornou-se novamente
respeitável e generalizado. Devemos lembrar que os estudos sobre a Alemanha de Hitler indicam que
seu apoio veio de liberais, democratas, socialistas e da comunidade intelectual. Estudiosos como Erik
von Kuehnelt-Leddihn tem habilmente exposto o mito de origem conservadora ou de direita para o
apoio de Hitler. O fato da antipatia de Hitler ao cristianismo ajudou a angariar apoio para ele.

O novo racismo é difundido e comum a muitos povos e a todos os continentes. Ela tornou-se também
parte do vocabulário religioso de muitos homens da igreja. Assim, em quase todos as seminário de
hoje, professores pomposos são contra um programa de missões que exporta "a mentalidade branca"
e modos europeus de pensamento. Qual é a mentalidade branca, e o que é o modo europeu de
pensamento, como contra o ser humano, comum a todos os homens? Se for especificamente branco
e europeu, deve ser comum para o Europeu pré-cristão como um fator racial. Os pré-cristãos saxões,
por exemplo, praticavam sacrifícios humanos, e muito mais. Muito mais poderia ser dito sobre o pré-
cristãos europeus, mas eu não tenho nenhum desejo de ser inundado com cartas iradas (que vou
descartar sem resposta). Nenhuma raça nascida de Adão tem uma boa história: esta é a verdade
bíblica, e o fato histórico.
A mente ocidental, comum à Europa e às Américas, é um produto não da raça, mas da cultura, a
cultura religiosa. Elementos dele, não muito bons, voltam para os povos bárbaros da Europa. Outros
aspectos são da filosofia grega, novamente não muito bons. (Os gregos descreviam todos os não-
gregos como bárbaros, por razões culturais, não racistas. Eles deram a escravos brilhantes e
inventivos um nome e status grego.) A mente e a cultura ocidental, em todos os seus avanços, é um
produto da religião bíblica. É um produto religiosa, não racial.

Uma geração atrás, um papa com intenções humanas disse: "Espiritualmente, somos todos semitas."
Apesar de suas intenções humanas, ele estava errado. Árabes são semitas, e não somos árabes em
nossa fé e cultura. Ele teria sido igualmente errado se dissesse Hebreus ou Judeus. A cultura do
Ocidente não é propriedade de qualquer raça ou pessoas em sua origem. É bíblico. É verdade, muito
pecado está presente na cultura ocidental. É verdade, tal pecado deve ser condenado. Mas a mente
ocidental carrega a marca da Bíblia. Não é compreensível em quaisquer outros termos.

Hoje, porém, os homens falam da mentalidade branca, a alma Asiática, e a mente Africana. Alguns
educadores insistem na necessidade de reconhecer e dar status nas escolas para o que eles chamam
de "Inglês negro".

Implícito em tudo isso está uma visão racista do homem. As raças são vistas como as fontes de tipos
variados da lógica e da razão. Negar a validade do conceito de uma mente branca, uma mente
Africana, ou uma mente asiática é visto como reacionário, imperialista, e maligno.

A mentalidade de um povo, no entanto, não é um produto da raça, mas da religião e a cultura daquela
religião. O fator chave é sempre a religião. Há um orgulho oculto mas insano entre aqueles que se
opõem a exportar a mentalidade branca. Embora esses homens nunca ousariam dizer isso
explicitamente, ou até mesmo pensar nisso, o que eles estão dizendo é que implicitamente outras
raças não estão aptas a compreender a mentalidade branca. (Um brilhante estudante negro me disse,
com humor irônico, que ele sempre podia contar com uma nota elevada para o trabalho mínimo de um
professor liberal branco. O homem iria considerá-lo como inferior, mas nunca teria a coragem de
admitir isso, e seria, concordaria em lhe dar uma boa nota!) Toda conversa de diferentes mentalidades
tem uma perspectiva paternalista; também diz que a raça, e não o pecado, é o problema de outros
povos e de suas culturas.

Por causa do novo racismo, temos agora um crescente corpo de literatura religiosa, dedicado a
estudante de seminário, pastor e missionário, que fala sobre a contextualização. Supostamente, a
única maneira de comunicar o evangelho a outras raças é dando prioridade ao contexto sobre a fé
bíblica e declarações confessionais. O impulso para a contextualização veio do Fundo de Educação
Teológica, criado em 1957 pela Fundação Rockefeller. Contextualização apela também para uma
ênfase na luta pela justiça, em termos de "teologia da libertação" (uma forma de marxismo) e
respostas existencialistas para o momento histórico no Terceiro Mundo. Contextualização coloca uma
forte ênfase na necessidade humana, em vez de infalível Palavra de Deus. Sua missão é, portanto,
contemporânea e social, não teológica e sobrenatural. Contextualistas de todos os matizes teológicos
mudam sua linguagem a partir da Escritura para o jargão gerado pelo Fundo de Educação Teológica.

Intimamente relacionado com esta na área de traduções da Bíblia é a teoria de equivalência dinâmica,
agora comum para a maioria das sociedades bíblicas e grupos de tradução. Esta doutrina, dos quais
Eugene A. Nida é um expoente, "traduz" a Bíblia em uma cultura e suas idéias. Isso pode significar
dar a um relato histórico um significado psicanalítico ou mitológico. Em vez de remodelar a cultura, a
Bíblia é "traduzida" para a cultura. (Tal doutrina faz a cultura de fato a palavra infalível, não a Bíblia. A
cultura corrige assim ou altera a Bíblia, e não a Bíblia à cultura). Como Jakob van Bruggen, em O
futuro da Bíblia, aponta, "a teoria da tradução de equivalência dinâmica deve a sua influência e efeito
à mistura de preconceitos teológicos modernos sobre a Bíblia com dados emprestados da teoria da
comunicação, a antropologia cultural, e da sociologia moderna em vez do discernimento da
linguística" (Thomas Nelson Inc., 1978, p. 151).

As implicações desse novo racismo são de longo alcance. Em vez de trabalhar para mudar um povo,
temos uma visão estática e racista de um povo e sua cultura. É a Bíblia e a missão que deve mudar,
não as pessoas! Devemos ensinar um "Inglês negro" se houver algum, e um cristianismo preto,
marrom ou amarelo, se houver algum. Leva apenas uma breve excursão pela "teologia da libertação",
contextualização e doutrinas semelhantes para perceber que não é o cristianismo em tudo o que é
ensinado, mas uma falsificação. Relevância é procurada, não ao Senhor e à Sua palavra, mas ao
homem caído e à sua herança racial. Tal coisa não é o Evangelho; é o novo racismo.

O novo racismo passa, no entanto, com essencial, o cristianismo relevante. É amplamente promovido
pelos seminários e organizações missionárias. Ela incentiva as raças, como indivíduos, a alardear o
slogan existencialista (e hippie): "Eu quero ser eu!" O objetivo é a realização histórica racial!
Providencialmente, os primeiros missionários na Europa, vindos do norte da África, Ásia Menor e do
mundo mediterrâneo em geral, não tinham essa consideração pela mente Europeia. Eles a
consideraram como não regenerada e na necessidade de ser quebrada e redimida. Todas as pragas e
os males do "espírito europeu" são produtos do homem caído e as relíquias de culturas bárbaras, não
de Cristo e Sua palavra. Tudo que é bom no "espírito europeu" é um resultado da cultura cristã, não
da raça.

As palavras de Paulo são uma forte reprovação a todos os que querem que os homens se gloriem em
seu sangue, raça, ou história: "Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido?
E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?" (1 Cor. 4:7).

(Escrito por R. J. Rushdoony em Julho de 1980)

Traduzido de:
http://americanvision.org/11824/the-new-racism-by-r-j-rushdoony/
O Retorno à Escravidão
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por Rousas John Rushdoony

Um dos erros mais prevalecentes é a tendência de considerar a escravidão como um aspecto


basicamente da história passada, sobrevivendo no século vinte apenas como uma relíquia. Mas a
escravidão, um fato importante em toda a história, não é um fato consumado. A escravidão é um fato
importante da condição humana, um fator contínuo, e um aspecto inescapável do presente cenário.

Três formas de escravidão devem ser distinguidas. Mas, antes dessas formas poderem ser
analisadas, é importante definir em primeiro lugar o que é escravidão. A definição comum é que
escravidão é “a propriedade do homem sobre o homem”. Essa definição, contudo, como John Murray
assinalou, é defeituosa; além do mais, casamento e paternidade, bem como os poderes de um Estado
sobre os seus cidadãos, envolve uma propriedade do homem sobre o homem. Mas a definição é
muito ampla, e evita o aspecto básico da escravidão, o trabalho. De acordo com Murray, “escravidão é
a propriedade do homem sobre o trabalho de outro”. Sob certas condições, tal propriedade no trabalho
de outro é apropriada e legítima. “Acaso vamos dizer que é impróprio o credor ter propriedade no
trabalho do devedor até que a dívida seja paga?” Além disso,

A propriedade de alguns homens sobre o trabalho de outros e a propriedade de


instituições no trabalho daqueles que estão associados com elas é algo do qual não
podemos nos livrar. O empregador tem propriedade sobre o trabalho de seus
empregados; a presença de contrato não elimina esse fato. Uma vez que o contrato é
celebrado, o trabalhador está obrigado a realizar o trabalho como contratado. O Estado
tem propriedade sobre o trabalho dos cidadãos. Nesse caso não é por contrato; é uma
necessidade inerente na instituição. Às vezes, um grande número de cidadãos são
compelidos, durante muito tempo, a prestar serviço e tempo integral ao Estado sob
condições muito mais rigorosas, e envolvendo muito mais risco à vida e à propriedade,
que as condições em que os escravos podem ser chamados a servir aos seus
senhores. Não é necessário multiplicar os exemplos. Propriedade sobre o nosso
trabalho por parte de outros é um fato da nossa estrutura social. E não devemos ser
ingênuos a ponto de pensar que podemos abstrair nosso trabalho das nossas pessoas.
Se outro tem propriedade sobre o nosso trabalho há um ponto em que, ou um aspecto
do qual isso deve ser considerado como propriedade sobre nossas pessoas. E
sabemos muito bem que isso não é violação do nosso ser, personalidade, direito ou
privilégio. É uma necessidade da nossa natureza e da organização social da raça
humana. Não há necessidade de pensar que a propriedade de outro sobre o nosso
trabalho ou, nesse ponto, sobre a pessoa envolvida nessa relação de serviço, seja uma
violação do que é intrínseco à personalidade, e somos capazes de ver a limitação que
o Novo Testamento faz, ditada pelos princípios dos quais a Escritura é o guia.[1]

Em termos dessa definição, examinemos as três formas de escravidão, em primeiro lugar, na forma
de propriedade privada de escravos.

Na forma bíblica, a escravidão era uma forma de serviço obrigatório. O termo “servo” ou “escravo” era
usado para descrever qualquer pessoa que devesse serviço a outra pessoa, permanente ou
temporariamente. Dessa forma, Davi e Daniel se descreveram como servos de Deus (Sl 27.9; Dn
9.17), e a virgem Maria descreveu-se como “a serva do Senhor” (Lucas 1.38). A escravidão bíblica era
uma forma de associação e proteção feudal. O roubo de homens para propósitos de venda era
estritamente proibido pela lei, de forma que aquilo que é popularmente conhecido como escravidão
era crime hediondo (Dt 24.7), e Paulo reafirmou essa condenação e associou os “roubadores de
homens” com os “devassos”, homossexuais, mentirosos, perjuros e hereges (1Tm 1.10). A menos que
o fugitivo fosse um ladrão, um escravo poderia deixar a casa do seu senhor e poderia permanecer
legalmente com qualquer pessoa em cuja casa ele tomasse refúgio (Dt 23.15, 16). O escravo tinha
que ser tratado com respeito e cuidado (Lv 25.39). O princípio bíblico, “Digno é o obreiro do seu
salário” (1Tm 5.18; Dt 25.4; 1Co 9.9; Lv 19.13; Dt 24.14s; Mt 10.10; Lucas 10.7), não é limitado
somente ao trabalho livre; ele aplica-se a todos, escravos ou livres.

Um hebreu se tornava um escravo em termos estritamente regulados que exigiam que um


companheiro de fé o tratasse como um irmão (Lv 25.39-43, 47-55). Um hebreu tornava-se um
escravo, se, por achar difícil manter-se como um cidadão independente, vendesse seu trabalho a
outro (Lv 25.39). Ele poderia tornar-se um escravo também por causa de roubo; a lei exigia restituição,
de duas a cinco vezes, e se um ladrão não pudesse cumprir esses requerimentos, então ele era
vendido por causa de seu roubo (Ex 22.3). Ele era então vendido como servo está que a restituição
designada pela lei fosse cumprida. Os filhos assumiam a condição dos pais, escravo ou livre (Ex
21.14). Os hebreus escravos eram libertados a cada ano sabático, ou a cada sete anos (Ex 21.2; Dt
15.12), e o servo tinha que receber certa compensação que o capacitasse a iniciar sua liberdade com
alguma posse (Dt 15.13, 18). A inobservância da lei do prazo sexenal era uma ofensa severa aos
olhos de Deus (Jr 34.13-17). Se o servo hebreu não tivesse nenhum desejo de ser liberto e
considerasse a casa do seu senhor como seu santuário, sua orelha era furada como sinal dessa
sujeição e ele permanecia um escravo ou servo (Ex 21.6; Dt 15.17). No jubileu, todos os escravos,
hebreus ou não, eram libertados, incluindo aparentemente aqueles com orelhas furadas (Lv 25.10).
Escravos não hebreus poderiam recuperar sua liberdade a qualquer momento, bem como escravos
hebreus, mediante resgate com dinheiro, ou se seu senhor os ferisse, mesmo que o golpe
simplesmente arrancasse um dente (Ex 21.6; Lv 19.20). O assassinato de qualquer homem, escravo
ou livre, era uma ofensa séria (Lv 24.17, 29; Nm 35.31-32). A lei bíblica, dessa forma, era tal que
torna-se compreensível o motivo pelo qual Lindsay prefere chamá-la de serviço obrigatório, e não
escravidão.[2]

A partir da perspectiva bíblica, portanto, a escravidão não é intrinsecamente má em si mesma; o


fracasso em viver como um homem livre, a dependência ou incompetência de uma mente escrava é,
contudo, considerada como um caminho inferior. O crente não pode se revoltar contra a sua situação,
mas ele não pode tornar-se um escravo em boa consciência, voluntariamente, pois qualquer forma de
escravidão é uma violação dos direitos plenos de Cristo sobre ele (1Co 7.22, 23).

A apropriação privada de trabalho escravo na América do Sul tem sido assunto de extensa distorção.
Os negros eram escravos de seus chefes tribais na África, ou escravos-prisioneiros de outras tribos. A
unidade monetária na África negra era o homem, o escravo. O negro passou de uma escravidão
especialmente severa, que incluía o canibalismo, para uma forma mais branda. Muito é dito sobre os
horrores dos navios escravos, muitos dos quais eram extremamente ruins, mas é importante lembrar
que os escravos eram uma carga valorosa e assim, uma propriedade normalmente manuseada com
consideração. Um membro da comissão canadense legislativa registrou em 1847 que os imigrantes
irlandeses estavam sendo transportados em navios carregados com o dobro de passageiros que o
navio deveria levar, encolhidos em baixo das plataformas, com pouquíssima água e comida, e em
condições “tão ruins quanto aquela do comércio escravo”.[3] A condição dos imigrantes irlandeses na
chegada foi muito pior do que a dos escravos: eles não tinham nenhum senhor para alimentá-los ou
vesti-los ou protegê-los. Os irlandeses mudaram de uma semi-escravidão na Irlanda para liberdade na
América apenas uns poucos anos antes dos negros conseguirem emancipação. Após um século e um
quarto, ou menos, os irlandeses eram um poder de liderança nos Estados Unidos, e os negros
permaneceram nas posições mais baixas. A diferença básica entre os irlandeses e os negros não foi a
cor: foi o caráter. Os negros exigiam maior cuidado, i.e., mais escravidão e assistência a escravos, e
se abrigavam em seus sofrimentos.[4] Os irlandeses por sua vez olhavam para o presente e o futuro e
ajudaram a modelar a América. Essa é uma diferença significante que não pode ser explicada
completamente por cor ou ambiente. Os chineses também chegaram aos Estados Unidos sob
circunstâncias muito difíceis e as sobrepujaram similarmente.

É importante observar também que os defensores sulistas da escravidão que precederam a Guerra
Civil tiveram parte também na esperança de uma nova colonização. Em outras palavras, eles
defendiam a legitimidade da escravidão americana enquanto esperavam terminá-la com emancipação
e nova colonização. Muitas dessas sociedades existiam no Sul. O título de um livro do período é
revelador: Bible Defense of Slavery; or the Origin, History, and Fortunes of the Negro Race [Defesa
Bíblica da Escravidão; História, e Destino da Raça Negra], de Josiah Priest, to which is added a Plan
of National Colonization, adequate to the entire remove of the free Blacks and all that may hereafter
become free [à qual é adicionada um Plano de Colonização Nacional, adequada para a remoção total
dos negros livres e de todos os que venham daqui em diante a se tornarem livres], de Rev. W. S.
Brown, 1853. Alexander H. Stephens, vice-presidente da Confederação, observou que ele tinha que
trabalhar para apoiar os seus escravos, alguns dos quais eram na verdade seus pensionistas e alvos
de suas obras de caridade.[5]

Um retrato da escravidão em suas piores formas é em geral uma descrição dos mundos africano e
muçulmano. Os abusos nessas áreas são muito reais.[6] Por outro lado, não poucos senhores são
governados por seus escravos mesmo nessas culturas. Dessa forma, Fortie observou:

Os idosos árabes gentis da África Oriental eram governados por seus escravos. Eles
aceitavam as repreensões e iras das suas mulheres bantus como visitações de Alá.
Essas mulheres eram frequentemente as mães dos seus filhos. Consideradas meros
campos arados que produziam uma descendência de sangue puro, elas eram seres
humanos adoráveis, que possuíam e despertavam sentimentos de ternura, de modo
que aquilo que era uma ficção expediente, na prática deu lugar às realidades de uma
longa vida em comum.[7]

O viajante que passa, ou o estudioso, vê os males óbvios; o homem que permanece vê os fatores
humanos que alteram todos os relacionamentos.

O direito de posse privada sobre o trabalho humano é menos comum e tem geralmente sido o
aspecto menor da escravidão humana. Nos Estados Unidos, o direito de posse privada foi abolida pela
Décima Terceira Emenda, em 1865, que declarava, na seção I, “Não haverá, nos Estados Unidos ou
em qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como
punição por um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”. Com essa lei, a posse
privada de escravos foi abolida, e com a Décima Sexta Emenda (1913), o Ato de Reserva Federal, e
pelas interpretações da Corte Suprema, a escravidão tornou-se um monopólio do Estado.[8]

Essa é a segunda forma de escravidão, posse do Estado, que é bem mais prevalecente hoje e em
cada era da história do que a primeira. As “glórias” do mundo antigo foram os produtos do trabalho
escravo do Estado. Hoje, os países comunistas tornam todos os cidadãos escravos. Visto que
escravidão é a propriedade sobre o trabalho do homem, sempre que essa propriedade sobre o
trabalho torna-se a força determinativa e necessária na vida das pessoas, temos uma escravidão. Em
quase todo o mundo hoje a cidadania está sendo substituída pelas obrigações da escravidão. Visto
que a servidão involuntária é definida pela Constituição como equivalente à escravidão, todo
empregador que é obrigado a manter livros e recolher impostos para o Governo Federal é dessa
forma forçado a realizar servidão involuntária ou trabalho escravo.

O Estado escravizador fala muito dos privilégios de ser uma “nação livre”. Os estados africanos
formados nas décadas de 1950 e 1960 estavam livres do colonialismo, mas, embora tenham se
tornado tecnicamente nações livres, elas cessaram de ser um povo livre: seus cidadãos tornaram-se
escravos do Estado.
O propósito da Constituição dos Estados Unidos era confirmar a liberdade do povo amarrando o novo
governo federal com as correntes da Constituição. O governo federal deveria ser acorrentados para
que o povo pudesse ser livre. Hoje, é o povo quem está sendo progressivamente escravizado.

A terceira forma básica de escravidão é a escravidão espiritual, escravidão ao pecado e a Satanás.


Satanás tem uma propriedade sobre o trabalho do pecador: é produtivo para ele e lhe serve. O
fundamento da liberdade é Jesus Cristo, que declarou, “se vós permanecerdes na minha palavra,
verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João
8.31, 32). As raízes da escravidão são espirituais: “Todo aquele que comete pecado é servo do
pecado” (João 8.34). Tais homens são interiormente escravos, escravos do pecado. Um verdadeiro
escravo sempre busca um senhor e a segurança de um senhor. A mente escrava deseja segurança,
uma vida livre de problemas, uma segurança do berço-à-sepultura ou do ventre-ao-túmulo,[9] e isso
exige um senhor que lhe forneçam tais coisas. Após a Guerra Civil e a emancipação, muitos negros
continuaram a exigir que os seus antigos mestres continuassem a cuidar deles. Uma família do Sul
mudou-se para Nova Jérsei, sendo seguidas até ali por seus antigos escravos. Até 1915, quando a
morte e a partida dos filhos desfizeram aquela família de Nova Jérsei, os antigos escravos e seus
filhos e netos continuaram a depender daquela família e a retornar a eles quando doentes ou
desempregados. Eles precisavam de um senhor. Hoje, milhões de negros, junto com milhões de
escravos brancos, estão exigindo que o governo federal torne-se o “senhor de escravo” deles e
forneça-lhes segurança e cuidado. A escravidão é uma economia do bem-estar; direito de posse
privada é uma economia do bem estar mantida privadamente, e isso não é economicamente uma
unidade sã de operação. Sob o direito de posse do Estado, a escravidão, uma estrutura de segurança
social, é uma economia do bem-estar que carece da necessidade de operação bem-sucedida que o
proprietário privado deve manter. O proprietário privado deve produzir lucro em algum lugar;
Alexander H. Stephens conseguiu o seu lucro na advocacia e sustentou os seus escravos desse
modo. Por sua vez, o Estado detentor de escravos sobrevive por meio de confiscação progressiva até
que a nação seja destruída.

Mentes escravas não são apenas mentes pecadoras, elas são culpadas também, movidas por culpa,
cheias de vergonha e, portanto, com fome de refúgio e segurança. A política da culpa cultiva a mente
escrava para escravizar os homens, e fazer com que o próprio povo exija um fim para a liberdade.
Escravos, verdadeiros escravos, desejam ser resgatados da liberdade; o seu maior temor é a
liberdade. A liberdade impõe um fardo impossível sobre eles. Carecendo da paz interior de uma boa
consciência, eles buscam em vez disso a paz doentia de aceitação e coexistência com todo tipo de
condição e mal.

O princípio da verdadeira liberdade é Jesus Cristo, que liberta os homens do poder do pecado e da
morte e do fardo de culpa e vergonha, para que os homens tenham uma boa consciência perante
Deus e uma independência em relação aos homens. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente
sereis livres” (João 8.36).

A libertação e salvação de Jesus Cristo é do pecado e da morte. A salvação de César é da liberdade. A


privilégio da vida em Cristo é a liberdade; o privilégio da vida sob César é a segurança. A segurança
do cristão está em Cristo e na liberdade sob a lei de Deus. A segurança do escravo está no Estado e
na escravidão. Mas o sistema de escravos não é seguro, nem permanente, pois “o servo não fica para
sempre em casa”; mas “o Filho fica para sempre”, e aqueles que são membros dele têm a segurança
eterna (João 8.35).

Básico à Escritura é a declaração repetida do direito de posse absoluto de Deus sobre o mundo, sobre
o homem, e sobre o trabalho do homem. “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles
que nele habitam” (Sl 24.1). O crente não pode tornar-se escravo dos homens, pois ele é propriedade
de Deus, e essa é a sua liberdade e vida. Ele não deve se revoltar, se está em cativeiro no tempo de
sua salvação, mas deve buscar a liberdade legitimamente (1Co 7.21-22). Mas ele não pode tornar-se
um escravo voluntariamente: “Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens”
(1Co 7.23). O cristão, tendo sido comprado com o preço do sangue expiatório de Jesus Cristo, não
pode permitir que o pecado, o homem, o Estado ou a Igreja o dominem ou o possuam. Somente o
cristão pode ser um verdadeiro libertariano, e ele está sob uma obrigação religiosa de sê-lo. A
escravidão para ele é um caminho de vida legítimo para o incrédulo: é a conclusão lógica da
incredulidade e da escravidão ao pecado. Mas a vida do cristão deve refletir aqui e agora, em cada ato
e instituição sua, “a gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8.21, NVI).

A escravidão permanece, contudo, um caminho de vida legítimo, mas um caminho de vida mais baixo.
A escravidão oferece certas penalidades bem como certas vantagens. Objetivamente, a penalidade é
a entrega da liberdade. Subjetivamente, o escravo não vê a entrega da liberdade como uma
penalidade, visto que ele deseja escapar da liberdade. Assim como uma criança receosa e medrosa
teme o escuro, assim também a mente escrava teme a liberdade: ela é cheia dos terrores do
desconhecido. Como resultado, a mente escrava apega-se à escravidão estadista ou do Estado, à
assistência social do berço-à-sepultura, assim como uma criança temerosa apega-se à sua mãe. A
vantagem da escravidão é precisamente isso, a segurança no senhor ou no Estado. O socialismo é
dessa forma um Estado escravagista, criado pelas exigências de um senhor pelos escravos. O
escravo tem a mentalidade do farisaísmo, pois quer viver por vista, pelas obras, obras manifestas e
visíveis que o assegurarão salvação. O escravo salva a si mesmo criando um Estado escravagista
que oferece garantia visível de salvação do ventre-ao-túmulo contra os perigos da virilidade e
liberdade.

A liberdade também oferece penalidades e vantagens. A penalidade central e essencial da liberdade é


a insegurança e os problemas disso. O homem livre vive num mundo de mercado livre, de tentativa e
erro, lucro e prejuízo, sucesso e fracasso. Ele deve estar preparado para arcar com as consequências
do fracasso bem como com a prosperidade do sucesso. Sua segurança não está nos sinais visíveis de
um Estado ou senhor guardião, mas na lei-ordem do Deus trino e invisível. Assim, o homem livre deve
andar por fé, na confiança que Provérbios e tudo da Escritura é verdadeiro, que a lei-ordem de Deus
vindica aqueles que andam pela fé, “como vendo o invisível” (Hb 11.27), que, crendo que Deus existe,
“e que é galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6), anda em fé, sabedoria, prudência e
responsabilidade. Não é fácil andar por fé, e o mercado livre não resistirá por muito tempo à parte de
um alicerce de fé. Então o empresário, operário e fazendeiro buscam a intervenção do Estado; eles
buscam os privilégios do socialismo e da escravidão. A penalidade da liberdade é a necessidade de
andar pela fé, mas é também um privilégio. Em última instância, nossa fé deve estar em Cristo ou em
César, e é muito melhor andar por fé em Cristo do que andar por vista sob César.

A vantagem da liberdade é a própria liberdade, a liberdade vinda da responsabilidade e da virilidade, e


a segurança da liberdade. Os homens ouestarão em serviço a Deus, ou estarão em serviço aos
homens, e o serviço a Deus é a liberdade do homem e do temor do homem.

É necessário que cada geração seja recordada de sua escolha: escravo ou livre? Essa é uma escolha
moral. Um homem deve escolher entre a segurança da escravidão e a segurança da liberdade.
Escravidão é um estilo de vida: se os homens preferem-na, então que sejam honestos e vivem em
termos de sua escolha. A liberdade também é um estilo de vida, e os homens que a desejam devem
estar preparados para assumir suas responsabilidades e penalidades, bem como seus privilégios. Os
homens não podem receber assistência social, passar pelo processo de falência, ou serem achados
culpados de atividade criminosa, e mesmo assim reivindicar legítima e moralmente os privilégios da
cidadania e o direito de participar no governo civil. Tais homens podem ser apreciados por muitos;
podem ser algumas vezes homens amáveis, bem-intencionados, e os tais devem ser tratados com
toda graça e caridade piedosas, mas eles não podem reivindicar moralmente os privilégios da
liberdade. Mesmo um bom escravo é um escravo.

E, para o cristão, o mandamento é expresso de forma muito clara: “Estai, pois, firmes na liberdade
com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão” (Gl 5.1). Toda
invasão da liberdade, quer por escravos ou pelo Estado, deve ser resistida, e toda tentação pessoal
em aceitar a segurança da escravidão deve ser vista como aquilo que é, pecado.
Fonte: Rousas John Rushdoony, Politics of Guilt and Pity (Vallecito, California: Ross
House Books, 1970), p. 22-31.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – maio/2011.

[1] John Murray: Principles of Conduct, Aspects of Biblical Ethics , pp. 97-99. Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, 1957.

[2] William Lindsay, “Slave, Slavery”, Patrick Fairbain, editor: Fairbairns’ Imperial Standard Bible
Encyclopedia, vol 6. pp. 190-193. 1891. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1957.

[3] Cecil Woodham-Smith: The Great Hunger, Ireland 1845-1849, p. 228. New York: Harper and Row,
1962.

[4] “Next: A ‘Marshall Plan’ for Negroes?” U. S. News & World Report, vol. LX, nº 10, 7 de março de
1996, p. 46s.

[5] Veja Myrta Lockett Avary, editor: Recollections of Alexander H. Stephens , His Diary Kept When a
Prisoner at Fort Warren, Boston Harbour, 1865, p. 226s. New York: Doubleday, Page, 1910.

[6] Veja Sean O’Callaghan: The Slave Trade Today, New York: Crown, 1961; Robin Maugham: The
Slaves of Timbuktu, New York: Harper, 1961. Pode ser adicionado, contudo, que o negro sempre foi
tratado de forma muito brutal por outros negros, e isso é tão verdadeiro antes como hoje. Dessa
forma, “na conferência de Casablanca dos chefes de Estado africanos em janeiro de 1961, um
delegado da República do Mali pediu ao representante da Líbia pela extradição de um chefe tribal de
Mali que era acusado de liderar sua tribo inteira numa ‘peregrinação’, vendendo-a na ‘Terra Santa’, e
então retirando-se para a Líbia a fim de viver uma vida pacífica com o dinheiro que tinha adquirido”;
Youssef El Masry: Daughters of Sin, p. 127. New York: Macfadden, 1963. Sobre a escravidão na
África, veja Gardiner G. Hubbard, “Africa, Its Past and Future”, The National Geographic Magazine,
vol. I, nº 2, 1889, págs. 99-124, um relatório muito agradável.

[7] Marius Fortie: Black and Beautiful, A Life in Safari Land , p. 72. Indianapolis: Bobbs-Merril, 1938.

[8] Estudos liberais insistem em ver somente a propriedade privada de escravos como escravidão. A
partir dessa perspectiva, o Estado então torna-se o salvador. Para uma análise liberal, veja David
Brion Davis: The Problem of Slavery in Western Culture, Ithaca, New York: Cornelll University Press,
1966; e Barnett Hollander: Slavery in America, Its Legal History , London: Bowes & Bowes, 1962.
Ambos são estudos competentes mas com uma visão simplista sobre escravidão.

[9] O autor usa um jogo de palavras aqui: “cradle-to-grave” e “womb-to-tomb”. [N. do T.]
O temor de Deus

- R. J. Rushdoony.

Ex. 20: 18-21:

“E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte fumegando; e o


povo, vendo isso retirou-se e pôs-se de longe.
E disseram a Moisés: Fala tu conosco, e ouviremos: e não fale Deus conosco, para que não
morramos.
E disse Moisés ao povo: Não temais, Deus veio para vos provar, e para que o seu temor esteja
diante de vós, a fim de que não pequeis.
E o povo estava em pé de longe. Moisés, porém, se chegou à escuridão, onde Deus estava.”

Com esses versos, nós tomamos a narrativa do relato do temor de Israel nos eventos
sobrenaturais que ocorreram no monte Sinai. A palavra “trovões” pode também ser traduzida
como “tochas”, “flahses” ou “bolas de fogo”.1

O escritor Robert L. Cate está certo ao afirmar que Deus aproximou-se de Israel com o objetivo
de prová-los ou testá-los, algo que é elementar em todo o livro de Êxodo2. Israel temeu, e temor
pode ser algo bom e saudável, mas pode também ser algo maligno. “O verdadeiro temor a Deus
é o desejo de evitar o pecado ao invés de evitar as consequências do pecado.” 3 Moisés se refere
a esta distinção com respeito ao temor no verso 20.

O povo pediu que Moisés fosse seu mediador com Deus. Eles não queriam uma confrontação
direta com Deus. Nisso, não existe nada de errado neste pedido, mas aparentemente ele era
motivado por um desejo de não estar tão próximo de Deus, “para que não morramos” (v19).
Novamente, isso poderia ter um significado favorável. Entretanto, os eventos posteriores
tornaram claro que eles preferiram o isolamento de Deus porque a aliança e a lei de Deus não
estavam em seus corações. Pois distantes estavam seus corações Dele e distante eles queriam
que Deus estivesse deles.

É nos dito por Moisés em Deuteronômio 5: 22-31 que Deus aprovou as palavras de Israel mas
reconheceu o que estava em seus corações.

O povo pediu a Moises para ser o mediador com Deus. Deus aprovou o pedido, com
conhecimento. Depois, Israel reclamaria prontamente e deliberadamente sobre o mediador de
Deus de um modo que eles não se atreveriam a dirigir ao próprio Deus. Pastores, em todas as
épocas, têm sido usados como bodes expiatórios por pessoas que estão realmente atacando Deus
quando acusam seus servos. Eles chutam o que está disponível a ser chutado e é religiosamente
impedido de atacar de volta. Seu temor de Deus é como o de Israel, superficial. Durante a
Segunda Guerra Mundial, um dito popular era: “Não existem ateus nas trincheiras” durante um
bombardeio. Um soldado de licença, ateu, riu enquanto ele falava das suas orações fervorosas
na trincheira durante a batalha: Suas orações cheias de medo não alteravam sua vida ou conduta.

Medo é um aspecto necessário na vida de um homem. Medo pode ser real ou imaginário, mas
um medo saudável é a consciência da realidade que nos cerca e de seus perigos. Um homem
que numa montanha traiçoeira age com pouco ou nenhum temor das consequências, é um tolo.
Logo depois da guerra, um colega de classe recebeu uma quitação honrosa da força aérea dos
EUA. Sem nenhum senso de temor, ele era perigoso em um avião por causa dos riscos que ele
tomava. Sua falta de medo o tornou perigoso. Ele não viveu muito tempo depois no chão.

O objeto central do medo diz muito sobre um homem. Ele teme mais ao homem ou a Deus? O
medo saudável não é produto do pensamento, mas é uma reação a um perigo sério que leva à
cautela, não à covardia. É um erro igualar covardia e medo, covardia vem de um tipo de
pensamento.

A Bíblia nos ensina que o temor possui um conteúdo moral, sendo bom ou mal. É nos ensinado
que o temor do Senhor é Bom e Santo.

Salmos 19,9: “O temor do SENHOR é limpo, e permanece eternamente; os juízos do SENHOR


são verdadeiros e justos juntamente”.

Salmos 34,11: “Vinde, meninos, ouvi-me; eu vos ensinarei o temor do SENHOR”.

Salmos 36,1: “A transgressão do ímpio diz no íntimo do meu coração: Não há temor de Deus
perante os seus olhos”.

Salmos 111,10: “O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria; bom entendimento têm todos
os que cumprem os seus mandamentos; o seu louvor permanece para sempre”.

Prov. 1,7: “O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a


sabedoria e a instrução”.

Prov. 14,26: “No temor do SENHOR há firme confiança e ele será um refúgio para seus
filhos”.

Prov. 14,27: “O temor do SENHOR é fonte de vida, para desviar dos laços da morte”.

Prov. 15,16: “Melhor é o pouco com o temor do SENHOR, do que um grande tesouro onde há
inquietação”.
Prov. 19,23: “O temor do SENHOR encaminha para a vida; aquele que o tem ficará satisfeito,
e não o visitará mal nenhum”.

É nos ensinado que o medo do Senhor é saudável; é um limite contra fazer o mal. Temer a Deus
é o princípio da sabedoria. É o temor do Senhor que nos dá a confiança para enfrentar o homem
com sua maldade e sermos confiantes na vitória derradeira. Tal temor tende a favorecer a vida.
E é, de fato, fonte de vida.

Um falso medo é uma coisa desagradável, para dizer no mínimo, e enfatiza nossa impotência,
enquanto o temor do Senhor nos faz conscientes de Seu absoluto poder e vitória assegurada. É
por isso que o medo do Senhor é descrito como limpo, ao contrário do medo de pesadelos, onde
a paralisia e impotência prevalecem.

O medo do homem nos coloca no reino dos pesadelos, porque, quando o medo do homem é
primordial, vemos nosso desamparo radical diante de um oceano de maldade. O homem
moderno sente fortemente uma sensação de medo porque ele está sem o temor de Deus. Do
medo do homem, é nos dito:

Salmos 53,5: “Ali se acharam em grande temor, onde não havia temor, pois Deus espalhou os
ossos daquele que te cercava; tu os confundiste, porque Deus os rejeitou”.

Prov. 29,25: “O temor do homem armará laços, mas o que confia no Senhor será posto em alto
retiro”.

A ascensão do existencialismo tornou o conceito de medo importante para o homem moderno,


porque o temor da vida e dos homens substituiu o temor de Deus entre tais pessoas. Enquanto o
temor de Deus nos capacita com confiança e coragem, o medo do homem é perigoso e
transforma nossa mente em um laço ou armadilha para nos destruir.

Escravos são governados pelo medo no homem, e, onde quer que o medo do homem substitua o
temor de Deus numa sociedade, a escravidão reaparece e cresce. Estamos perdidos no que é
definitivo e conclusivo no cosmos. Se nós sabemos que Deus é o princípio e o fim, que Deus é
Deus, então saberemos que estamos totalmente sob seu poder e que ele capacita seus escolhidos
para serem mais que vencedores, e triunfarem (Rom 8:37; I Jo 5:4).

Charles Buck (1771-1815) definiu o temor de Deus nessas palavras:

“O TEMOR DE DEUS, é aquela santa disposição ou hábito gracioso formado na alma pelo
Espírito Santo, pelo qual estamos inclinados a obedecer a todos os mandamentos de Deus; e
evidencia-se 1- Por um pavor de seu desagrado 2- Desejo de seu favor. 3- Respeito às suas
excelências. 4- Submissão da sua vontade. 5- Gratidão pelos seus benefícios 6- Sinceridade em
sua adoração; 7- Obediência consciente aos seus mandamentos (Prov. 8:13; Jó 28:28).”4

Em outras palavras, o temor do Deus capacita o homem a uma obediência ativa. No pensamento
rabínico antigo, esse aspecto era claramente visto, e a doutrina do temor do Senhor era baseada
em diversos versos. Especialmente Levítico 19:14:

“Não amaldiçoarás ao surdo, nem porás tropeço diante do cego; mas temerás o teu Deus. Eu
sou o SENHOR.”

O temor de Deus significa um reconhecimento que Deus é Todo-Poderoso e que ele vê a todos:

“E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes
aos olhos daquele com quem temos de tratar.” (Hebreus 4:13).

Isso é básico ao temor do Senhor, o fato que não existe nada despercebido ou pensamentos e
atos anônimos em toda a criação. Isso também é um motivo dos homens preferirem o governo
dos homens ao governo de Deus. Os homens são normalmente tirânicos, e sua lei má, mas num
mundo só de pessoas, atos e pensamentos anônimos são possíveis. A divisão entre público e
privado é muito importante ao ímpio por questões religiosas. Eles querem a liberdade de ser
públicos quando eles escolherem, mas também para serem privados à vontade. Isso é impossível
se Deus é realmente Deus. Em Seu governo, todas as coisas são públicas e abertas aos seus
olhos. Há mais de 50 anos atrás, eu escutei um professor dizer uma das coisas mais
desagradáveis no cristianismo era a ideia de um livro de anotações sendo abertos contendo toda
a vida do homem no dia do juízo final (Ap. 20:12). Mas para o cristão, existe a promessa:

“Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados
não me lembro.” (Is 43:25, 44,22; Jer 31:34).

Isso não é anonimato, mas graça e perdão. Regeneração e o apagamento de todas as nossas
transgressões.

É interessante notar, como conclusão, que durante a maior parte da história de civilização
ocidental, é reconhecido que sem o temor do Senhor, nenhuma sociedade pode durar. Quando o
homem acredita que pode ser anônimo, ele é mais livre para expressar a sua maldade.

1. R. Alan Cole, Exodus (Downer’s Grove, Illinois: Inter-Varsity Press, 1973), 162.
2. Robert L. Cate, Layman’s Bible Book Commentary, Exodus, vol. 2 (Nashville, Tennessee:
Broadman Press, 1979), 97.
3. Ibid., 98.
4. Charles Buck, A Theological Dictionary (Philadelphia, Pennsylvania: Joseph J. Woodward,
1826), 185.

Taken from Exodus: Volume II of Commentaries on the Pentateuch, pgs, 283-286


Rev. R.J. Rushdoony (1916-2001) was the founder of Chalcedon and a leading theologian,
church/state expert, and author of numerous works on the application of Biblical Law to society.

- Tradução: Túlio Yamada


m o vim e nt o re f o rm a.co m http://mo vimento refo rma.co m/o s-fundamento s-da-familia-rushdo o ny/

Os Fundamentos da Família – Rushdoony


Willian Po rto

O f undamento da f amília e do matrimônio no pensamento


contemporâneo é o amor romântico. O motivo que f az
com que duas pessoas se unam em matrimônio,
normalmente, é o amor romântico e em muitas vezes
nada mais.

O amor romântico como motivo de matrimônio não é uma


f orça nova na história. Existe toda uma história por trás.
Na história de Roma, e ainda mais explicitamente, no
século III da era cristã, o amor sexual era tido como a
melhor razão para alguém se casar. A partir deste ponto
de vista, esperava-se que o homem competisse com os
deuses como um grande amante, e da mulher esperava-
se que superasse Vênus. A técnica no matrimônio era tido
como o todo, e se alguém não estava interessado no
ref inamento sexual era desprezado como se f osse um
amador. Em vez de aumentar a f elicidade conjugal, esta
ênf ase romana no amor sexual, entretanto, intensif icava
a f alta de harmonia no matrimônio e provocava a ruptura
dele e da f amília.

Enquanto que era produzido este auge do amor sexual como base para o matrimônio,
existia um crescente desprezo e um ataque dos intelectuais contra a instituição da
f amília e do matrimônio. Os f elizes casados eram depreciados como pessoas tontas e inf elizes. Por
alguma razão, a af lição e os problemas eram associados com a sensibilidade da mente desses
intelectuais, e queriam mostrar suas tristezas e problemas, verdadeiros ou f ingidos, como um sinal
de superioridade.

Estas atitudes reapareceram repetidas vezes na cultura ocidental, no período medieval, no


Renascimento, no Iluminismo e hoje. A postura intelectual é, outro vez, de desdém. O Relatório
Kisney e outros estudos científ icos similares ilustram esta postura intelectual. Os intelectuais são,
claramente, anti-f amília, e, geralmente, são também estatistas. Sua solução, não somente quanto à f amília,
mas também para a maioria dos problemas, é o amor, o amor como panaceia, como uma cura para tudo.
Este amor pode ser aplicado, por coerção estatal ou por ação individual, mas a solução, segundo nos
dizem, é o amor.

Aplicado à f amília, isto quer dizer que a f amília pode ser estabelecida legitimamente se há amor, e pode
deixar de existir quando o amor acaba. Ao dizer isto, esses autoproclamados líderes sabem muito bem que
estão debilitando a estrutura da f amília, e manif estam que não desejam que a f amília exista sobre outra
base que não seja o amor. O esposo, a esposa e os f ilhos tem direito a esse algo maravilhoso que
chamam amor.

Agora, o amor tem seu lugar na f amília e na vida em geral, a Bíblia bem o reconhece, mas não permite que o
amor seja tão básico para a f amília ou para a vida. Mais que amor, uma f amília necessita da estrutura legal
santa, a ordem, a disciplina que brota do saber que a palavra de Deus é suprema em todas as coisas. Um
pai ou uma mãe podem amar seu f ilho com a alma, mas, de que serve esse amor, de que f orma ajuda, se o
pai não sustenta o f ilho ou é alcoólico? E, de que serve o amor de uma mãe se essa mãe não alimenta seu
f ilho como é devido regularmente, ou não o brinda com a necessária atenção, educação e cuidado?
O casulo em que a criança cresce e f loresce é estável, na qual, as necessidades de alimento, roupa,
moradia, disciplina, educação, f é e motivação da criança são satisf eitas consciente e f ielmente. Isto é o
que signif ica o amor para uma criança. A Bíblia claramente diz que “o cumprimento da lei é o amor”
(Romanos 13:10). O amor, então, é mais necessário que a paixão sexual e o apego emocional de que f ala
o romantismo. O amor é o cumprimento da lei, a lei de Deus. Assim, quando os intelectuais com seus
conceitos superf iciais nos apresentam o amor como alicerce do matrimônio, não estão f alando de amor,
mas de atração.

O amor não pode ser separado da lei. Quando o amor entra verdadeiramente no matrimônio, há respeito e
obediência à lei de Deus. Isto quer dizer que o matrimônio esta dentro da f é, com outro crente, para que o
esposo e a esposa estejam unidos, acima de tudo, nos termos de uma f é comum e obediência a Deus.

Neste sentido bíblico, o amor quer dizer, igualmente, que a base do matrimônio e da nova f amília não é
pessoal, mas cristã. No amor romântico, a f amília começa quando os sentimentos românticos unem um
homem e uma mulher, e termina com a morte desses sentimentos. O matrimônio torna-se para uma
aventura amorosa. Mas, a f amília é uma instituição divina e é a instituição social básica. Então, nenhuma
decisão ref erente à f amília pode ser puramente pessoal. Em todo momento, a f amília está sujeita à lei de
Deus, e seu princípio e f im devem ser nos moldes da obediência à lei de Deus.

Isto leva-nos a um f ato curioso. Estes intelectuais são predominantemente socialistas, e f alam, nas
maiorias das vezes, dos problemas acentuados da responsabilidade coletiva e das respostas coletivas.
Mas, quando entram em questões de religião, moralidade, matrimônio e f amília, nos dizem que são
questões pessoais, e não problemas sociais ou coletivos. Por que esta curiosa incongruência? A resposta
é que não são incongruentes. Seu propósito é abolir a religião e a moralidade bíblicas; por isso, as f azem
desaparecer da vida social e da sociedade, insistindo que são coisas pessoais e privadas. Ao colocar os
alicerces e bases do matrimônio, f amília e divórcio como assuntos puramente pessoais, na prática, estão
destruindo a f amília e negando seu papel social que a corresponde.

Seu menosprezo pela f amília acompanha seu desprezo da religião e moralidade. A ruptura com a f é é
também a ruptura com a f amília. A relação entre religião, moralidade e f amília é vital. Quando o estatismo
ataca à religião, moralidade e f amília, lança contra elas a f orça do anarquismo. A elite que domina o Estado
são homens f ora da lei que podem governar o mundo conf orme sua própria imaginação e concentrar o
poder em suas mãos para consegui-lo. Carle C. Z immerman, em Família e Civilização, nos deu (p. 639 em
inglês) uma reveladora história do mundo de Homero: “Os valores humanos que o homem comum agora
valoriza tanto são inexistentes em Homero. Os grandes de Homero são poucos nascidos trapaceiros que
dominam o restante da sociedade segundo seu desejo. Nenhum personagem de Homero importa-se com o
que acontece às pobres e indef esas massas”. Os líderes de nossos dias são mais sof isticados: f alam
desses valores mesmo quando os despojam; dizem que são homens que se preocupam mais pelos
problemas do homem, enquanto se valem insensivelmente deles para f azerem-se mais poderosos.

A f amília pode prosperar se seus alicerces são sólidos, e se seus verdadeiros alicerces repousam-se em
uma f é cristã f irme e solidamente enraizada nas Escrituras. E hoje, é a f amília que está desprezada e
descuidada em nossos ensinos. A f amília, a mais básica instituição, tem somente uma pequena parte em
nossa educação e nossos pensamentos.

Mas, ainda mais, na Bíblia a sexualidade somente está legitimamente associada com a f amília, enquanto
que para os pensadores contemporâneos, existe uma radical separação e dissociação entre o sexo e o
matrimônio. Por exemplo, no segundo Relatório Kisney, a f amília apenas é mencionada. Há uma ref erência
ou duas à f amília no início de um capítulo, mas somente como um prelúdio para f alar de sexo, não dá
f amília. Na única outra ref erência nos é dito que certos “animais viajam em grupos f amiliares ou manadas”,
assim, a ref erência é aos animais, não ao homem ou a f amília. Isto é bastante característico. Atualmente o
sexo é mantido em um isolador anárquico atomizador do casamento e da f amília, e essa é uma deliberada
e revolucionária dissociação. Existe um deliberado f omento de um individualismo anárquico e atomizador,
e é o indivíduo atomizador e anti-f amília o que mais tem simpatia com o coletivismo, porque, pelo menos,
está sob a lei em sua vida.

O anarquismo e o totalitarismo são destrutivos à lei e são triunf os do anarquismo.

A f amília cristã é algo básico na ordem legal de Deus para o homem. A f amília f oi estabelecida por Deus
para o bem-estar e f elicidade da humanidade. À f amília santa f oram prometidas numerosas bençãos nas
escrituras: vida longa, f ilhos, prosperidade e muito mais. Segundo a Bíblia, o homem vive, de verdade, em
comunidade. Os salmos 127 e 128 celebram a bem-aventurança da vida f amiliar piedosa, e muitos
provérbios ressoam com seu louvor.

Eis que assim será abençoado o homem que teme ao Senhor.


O Senhor te abençoará desde Sião, e tu verás o bem de Jerusalém em todos os dias da tua
vida.
E verás os filhos de teus filhos, e a paz sobre Israel.

Salmos 128:4-6
Trabalho e Domínio
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É um erro sério, mas comum considerar que o trabalho é um aspecto da maldição. A justificação para
essa crença é procurada em Gênesis 3.17-19. Contudo, fica claro nessa passagem que é Adão quem
está debaixo da maldição, juntamente com Eva. Porque ambos estão debaixo da maldição de Deus
por desobediência, cada aspecto de sua vida reflete essa maldição. Dessa forma, as duas grandes
alegrias de Eva deveriam ser, como para todas as mulheres, primeiro, seu deleite na proteção,
cuidado e senhorio do seu marido, e, segundo, os filhos. Mas essas duas tornaram-se uma fonte de
tristeza e perturbação pelo fato do pecado. Adão foi similarmente amaldiçoado; o trabalho e o domínio
era o seu chamado, alegria e privilégio. Agora isso tornou-se repleto de frustração e desapontamento.
Dessa forma, foram o labor ou chamado do homem e mulher que, por causa do pecado, os frustrou.
Esse trabalho e serviço que deveria ser a alegria e privilégio deles, tornou-se em vez disso um
desapontamento e tristeza para eles.

O trabalho era central para a criação e natureza do homem. “E tomou o SENHOR Deus o homem, e o
pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar “(Gn 2.15). A versão Berkeley traduz essa tarefa
como “… o cultivar e cuidar” e Moffatt como “… o arar e guardar”. Essa tarefa está inescapavelmente
vinculada ao mandato da criação para sujeitar a terra e exercer domínio sobre ela (Gn 1.16, 28). O
propósito da criação é estabelecer o homem em seu domínio sob Deus.

O trabalho do homem tem vários aspectos. Primeiro, lavrar a terra é um aspecto do chamado do
homem; isso significa sujeitar e desenvolver a terra e trazê-la sob o domínio e serviço do homem. Isso
tem implicações amplas. Inclui todo labor manual, agricultura e ciência. O homem exerce seu domínio
sobre o mundo sob Deus. Assim como o homem não pode tirar a vida à parte da lei de Deus, visto que
Deus somente é o Senhor da vida, assim o homem não pode usar a terra à parte da lei de Deus. Ele
deve ser um despenseiro fiel, não um ladrão ou assassino.

Segundo, em Gênesis 2.19 Adão tem um chamado para nomear ou chamar os animais, isto é,
entender e classificar a criação ao redor dele. Essa é claramente uma tarefa científica, pelo fato de
requerer um entendimento da natureza e classificação das coisas. É uma tarefa religiosa também,
visto que o homem deve ver sua relação com a criação animal, seu lugar dado por Deus, e a diferença
entre o homem e os animais. Os animais devem ser vistos em relação ao homem, e em relação a
Deus e os seus propósitos.

Terceiro, o homem recebeu sua ajudadora apenas após ter sido provado em seu trabalho. Dessa
forma, Adão foi considerado pronto para o casamento, não quando estava fisicamente maduro, mas
quando teve uma maturidade testada em termos de seu trabalho. Esse conceito foi refletido nos
requerimentos hebraicos e mais tarde judeus que o ofício público estava restrito a homens casados
que já tinham sido provados pelo trabalho e então pelo casamento. Isso aparece também no
requerimento do Novo Testamento que os presbíteros devem ser homens casados (1Tm 3.1-5; 4.3).

Quarto, como temos visto, o trabalho não foi apenas ordenado antes da queda, mas é o chamado do
povo de Deus na criação restaurada (Ap 22.3).

A queda significa que o homem, ao invés de exercer domínio sobre a terra, retorna à terra em
frustração e morte e torna-se ele mesmo pó ou terra (Gn 3.19). Tendo buscado ser deus por sua
rebelião (Gn 3.5), o homem torna-se novamente pó, retornando à terra que ele deveria ter governado
sob Deus.

O trabalho em si mesmo não é necessariamente de qualquer significância; o trabalho pode algumas


vezes ser usado para degradar e destruir o homem ao invés de promover o seu domínio. Dostoyevsky
descreve o efeito devastador do trabalho sem significado; prisioneiros podem ser desmoralizados e
humilhados ao exigir-se que eles façam algumas tarefas fúteis, tais como carregar rochas de um
amontado até outro, e então carregá-las de volta. O trabalho sem sentido é, dessa forma, alheio e
totalmente diferente ao propósito de labor sob Deus.

O trabalho sem sentido não ganha valor por ser um trabalho bem pago. Quando alguns dos mais bem
remunerados escritores soviéticos fugiram para a Inglaterra, eles deixaram uma situação de
eminência, prestígio e conforto por uma de relativa obscuridade. A recompensa material não podia
compensar uma posição desonesta e sem significado, uma aquiescência forçada a um regime odioso.
Não há nenhum sentido de domínio em tal trabalho.

Básico para o verdadeiro trabalho é que ele deve promover o chamado do homem para exercer
domínio sob Deus. Um homem deve se sentir mais homem por causa do seu trabalho; mais seguro
em seu status como cabeça de uma família, um membro da sociedade, e um homem diante de Deus.
O trabalho que é estéril em sua relação com o chamado do homem para exercer domínio reduzirá
grandemente o homem à impotência de várias formas.

A separação do trabalho do domínio é catastrófico para o homem e a sociedade. Isso leva à doença
espiritual do homem e ao declínio de sua cultura. Pode levar, em algumas culturas, à brutalização do
homem. À medida que o homem é degradado por seu pecado e sua sociedade pecadora num
escravo do trabalho, cujo trabalho é mais cativeiro do que libertação, o homem responde agravando o
seu pecado. A resposta do homem ao homem torna-se uma forma de motivos mútuos para degradar e
desonrar a outra pessoa.

Em outras ocasiões, a separação do trabalho do domínio leva a uma paralisia moral e religiosa. O
homem se torna uma alma doente, de quem todas as respostas é colorida pelo ódio doente de
impotência e seu desejo de destruir. Dessa forma, Sartre, em sua peça Le Diable et le bon Dieu ,
definiu amor como o “ódio do mesmo inimigo”.[1] Tal homem fala muito de amor e futuro, mas seu
amor é ódio, e seu futuro é tentativa de destruir o passado.

A separação de trabalho e domínio é inevitável numa sociedade que nega o Deus trino. Tendo negado
o seu Deus, tal sociedade tem seu trabalho amaldiçoado e seu desejo de domínio frustrado. Em vez
de domínio, ela busca expressão na destruição; em vez de promover a vida, encontra poder na morte.

O exercício de domínio sob Deus é o desenvolvimento do homem e da terra por meio do trabalho para
fortalecer, prosperar e elevar a vida e serviço do homem sob Deus. O verdadeiro trabalho e domínio
promove a vida e as potencialidades da vida. Material e espiritualmente, a vida do homem é
melhorada.

Sempre que o homem busca domínio fora de Deus e sob a maldição, seu trabalho produz morte e
destruição. O homem sob maldição trabalha para destruir outros homens e sociedades, e ele mesmo.
Ele trabalha destrutivamente também em seu relacionamento com a terra. Uma era que fala muito
sobre ecologia é a maior poluidora da terra, e aqueles mais culpados pela poluição falam em alta voz
sobre acabar com a poluição, restringir o crescimento da população e financiar tais esforços.[2] De
acordo com Burden, “na cidade de Nova Iorque, por exemplo, a despeito da preocupação evidente de
John Lindsay e os cartazes nas ruas, a própria cidade continua a ser o pior ofensor contra suas
próprias leis de poluição”.[3]

Dessa forma, o trabalho sem Deus é sem domínio e para a destruição. O trabalho sob Deus
estabelece o homem em seu domínio ordenado e fornece energia social construtiva. Não é surpresa
que a palavra energia venha da palavra grega ergon, a qual significa trabalho. A palavra para domínio
no grego é kratus, força, fortaleza, poder, e vem da raiz kra, aperfeiçoar, completar. Criador é
provavelmente uma palavra relacionada. Criar vem do latim creatus, creare, criar, e está relacionada
ao armênio serem, produzir.[4] O propósito e significado do domínio é produzir o significado e a
potencialidade do homem, sua sociedade, e da terra, e completar ou aperfeiçoar os propósitos da
criação ordenados por Deus.
Uma sociedade que busca, embora em vão, eliminar o trabalho criando um mundo livre de trabalho,
nem escapa da maldição nem ganha qualquer domínio por seus esforços. Em vez disso, tal atitude
intensificará a desintegração do homem, pois, embora o trabalho não seja a salvação do homem, o
homem cessa de ser homem se separado do trabalho. Não é surpreendente que os homens
geralmente morram uns poucos anos após a aposentadoria, não importa a idade com qual se
aposentem. Mesmo homens caídos, não importa quanto se irritem com a maldição que molesta seus
esforços e trabalho, ainda se preocupam em realizar sua masculinidade e domínio através do
trabalho. Separar homens do trabalho é separá-los do significado e da vida. A vida do homem não é
definida pela diversão, mas pelo trabalho e domínio. Quando o homem sente que o seu trabalho é
fútil, aí a desintegração do homem se torna manifesta.

O homem, contudo, não pode ser definido por sua função; dessa forma, ele não pode ser definido
como um animal trabalhador. O trabalho é a função do homem, mas o próprio homem é uma criatura
criada à imagem de Deus e, portanto, bem mais que sua função. Um aspecto central dessa imagem é
o domínio. O trabalho é o meio pelo qual o homem manifesta, estabelece e desenvolve seu domínio
sob Deus. Uma sociedade livre do trabalho será finalmente uma sociedade livre do homem.

A antiga associação Puritana e cristã de trabalho com a natureza do homem ainda sobrevive na
América. Um visitante da Inglaterra descreve com certa irritação “o padrão de cantada inicial” dos
homens americanos, quer num bar ou festa, ao encontrar desconhecidas; após as introduções serem
feitas e um drinque tomado, a conversação real começa com a pergunta: “E o que você faz?”.[5] Ao
responder essa pergunta, a estranha é identificada; o trabalho é visto como uma chave para conhecer
uma pessoa e classificá-la. A pergunta revela tanto a saúde remanescente da vida americana bem
como uma medida de declínio. Numa era antiga, a pergunta acompanhante teria averiguado no que o
homem acreditava, isto é, por sua fé e trabalho, ele seria identificado.

NOTAS:

[1] – Citado por Thomas Molnar: Sartre: Ideologue of Our Time, p. 12. New York: Funk & Wagnalls,
1968,

[2] – Veja James Ridgeway: The Politics of Ecology. New York: E. P. Dutton, 1970.

[3] – Curter Burden, “The Economics of Pollution”, Town and Country, vol. 125, no. 4578, Janeiro,
1971, p. 19.

[4] – W. E. Vine: An Expository Dictionary of New Testament Words, p. 332. Westwood, New Jersey:
Fleming H. Revell, 1940, 1966.

[5] – Nancy Hawks, “Those Swinging Singles”, em Norman Hill, editor: Free Sex: A Delusion, p. 69.
New York: Popular Library, 1971.

Fonte: Revolt Against Maturity , Rousas John Rushdoony, p. 17-21.

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto – 24 de maio de 2009


Sobre o Autor
R. J. Rushdoony
O Rev. R.J. Rushdoony (1916-2001), importante teólogo e filósofo calvinista, foi o fundador da
Chalcedon Foundation. Ele era especialista no assunto Igreja/Estado e escreveu inúmeras obras
sobre a aplicação da lei bíblica à sociedade.

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