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Lixo Marinho Ebook High
Lixo Marinho Ebook High
NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
i
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Autores
Alexander Turra
Marina Ferreira Mourão Santana
Andréa de Lima Oliveira
Lucas Barbosa
Rita Monteiro Camargo
Fabiana Tavares Moreira
Márcia Regina Denadai
Ilustrações
Douglas Vieira da Silva
Revisão técnica
Angelita de Souza Coelho (MMA)
Bruno Siqueira Abe Saber Miguel (MMA)
CMG Carlos Roberto Leite (SECIRM)
CF Ana Lúcia Costalunga (SECIRM)
Flávia Cabral Pereira (MMA)
Lúcio Costa Proença (MMA)
Miguel Bahiense Neto (PLASTIVIDA)
Silvia Piedrahita Rolim (PLASTIVIDA)
Revisão de texto
Denise Cristina Denadai
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Alexander Turra
Marina Ferreira Mourão Santana
Andréa de Lima Oliveira
Lucas Barbosa
Rita Monteiro Camargo
Fabiana Moreira
Márcia Regina Denadai
São Paulo
IOUSP
2020
© 2020 por Alexander Turra, Marina F. M. Santana, Andréa de L. Oliveira, Lucas Barbosa, Rita M.
Camargo, Fabiana T. Moreira, Márcia R. Denadai. Este livro está licenciado sob uma Licença
Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Para ver uma cópia dessa licença, visite
http://creativecommons.org/licences/by/4.0/
FICHA CATALOGRÁFICA
INSTITUTO OCEANOGRÁFICO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP
T958l Turra, Alexander, 1973
Lixo nos Mares: do entendimento à solução / Alexander Turra, Marina Ferreira Mourão
Santana, Andréa de Lima Oliveira, Lucas Barbosa, Rita Monteiro Camargo, Fabiana Tavares
Moreira, Márcia Regina Denadai. São Paulo: Instituto Oceanográfico da Universidade de
São Paulo: 2020.
124 p.: il. 20,0 x 27,0 cm
ISBN: 9788598729329
1. Lixo marinho. 2. Resíduos sólidos. 3. Poluição marinha. 4. Impacto ambiental. I. Santana, Marina
Ferreira Mourão II. Oliveira, Andréa de Lima III. Barbosa, Lucas IV. Camargo, Rita Monteiro V.
Moreira, Fabiana Tavares VI. Denadai, Márcia Regina
CDD: 333.72
vi
ÍNDICE
Lista de Abreviações ............................................................................ x
Prefácio .......................................................................................... xii
Carta ao Leitor ................................................................................. xiv
Apresentação ................................................................................. xviii
PARTE I
CARACTERÍSTICAS DOS RESÍDUOS ............................................................. 02
PARTE II
RESÍDUOS NO AMBIENTE MARINHO ............................................................ 24
viii
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
PARTE III
O QUE VEM SENDO FEITO ...................................................................... 38
PARTE IV
O QUE PODE SER FEITO ........................................................................ 68
ix
LISTA DE
ABREVIAÇÕES
Português
ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários
CNMA Conferência Nacional do Meio Ambiente
CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
GIGERCO Grupo Técnico de Integração do Gerenciamento Costeiro
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IDA Índice de Desempenho Ambiental
INEA Instituto Estadual do Ambiente (RJ)
IOUSP Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
MMA Ministério do Meio Ambiente
ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMI Organização Marítima Internacional
ONU Organização das Nações Unidas
OSC Organização da Sociedade Civil
PAF Plano de Ação Federal
PE polietileno
PET polietileno tereftalato
PLASTIVIDA Instituto Socioambiental do Plástico
PNGC Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PNRM Política Nacional para os Recursos do Mar
PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PPAPD Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados
PS poliestireno
SEA Secretaria Estadual do Ambiente (RJ)
UC Unidade de Conservação
UCS Universidade de Caxias do Sul
USP Universidade de São Paulo
ZEEC Zoneamento EcológicoEconômico Costeiro
x
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Inglês
FAO – United Nations Food and Agriculture Organization (Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura)
GPA Global Programme of Action for the Protection of the Marine Environment from
LandBased Activities (Programa de Ação Global para a Proteção do Ambiente Marinho de
Atividades Terrestres)
GPML Global Partnership on Marine Litter (Parceria Global sobre Lixo Marinho)
GPWM Global Partnership on Waste Management (Parceria Global sobre Gestão de
Resíduos)
IGR Intergovernmental Group Review of the Global Programme of Action for the
Protection of the Marine Environment from LandBased Activities (Grupo
Intergovernamental de Revisão do Programa de Ação Global para a Proteção do Ambiente
Marinho de Atividades Terrestres)
IMO International Maritime Organization (Organização Marítima Internacional)
MARPOL International Convention for the Prevention of Pollution from Ships (Convenção
Internacional para a Prevenção de Poluição por Navios)
NOAA National Oceanic and Atmospheric Administration (Administração Nacional do
Oceano e Atmosfera dos Estados Unidos da América)
OSPAR Oslo and Paris Commission (Comissão de Oslo e Paris)
UN United Nations (Nações Unidas)
UNCED United Nations Conference on Environment and Development (Conferência das
Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento)
UNCLOS United Nations Convention on the Law of the Sea (Convenção das Nações
Unidas sobre a Lei do Mar)
UNEP United Nations Environment Programme (Programa Ambiental das Nações Unidas)
xi
PREFÁCIO
Foi com muita satisfação que escrevemos esse prefácio. Por quê? Porque o mar é o
nosso quintal! Temos que cuidar muito bem dele. Desde a primeira volta ao mundo em
um veleiro, em 1984, foram três viagens pelas águas do planeta.
O livro aborda o papel dos setores público e privado, que são o carro‐chefe nesse
processo. Há necessidade urgente de desenvolver políticas eficazes junto à população:
não só nas regiões litorâneas, mas também naquelas que estão às margens dos rios, que
levam os detritos para o mar.
xii
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Aos leitores, fica a pergunta: só de garrafas plásticas, são produzidas mais de 26 bil‐
hões a cada ano. Onde armazená‐las? Se cada um de nós der a sua contribuição, exigindo
do poder público a coleta seletiva e a reciclagem, teremos um mundo melhor no futuro.
xiii
CARTA AO
LEITOR
Caro leitor,
Essa obra reúne informações que pretendem ajudar a compreender e combater o
problema do lixo nos mares, uma preocupação crescente da humanidade. Então, alguém
pode pensar: o que eu tenho a ver com isso, se não moro no litoral? Eu não sou respon‐
sável e isso não me afeta. E para aqueles que convivem diretamente com essa realidade,
fica a pergunta: como resolver um problema tão complexo? As soluções para essas ques‐
tões passam pelo entendimento das origens, características e impactos que esses resí‐
duos causam, temas que serão tratados aqui.
Mesmo longe do mar, podemos ser responsáveis pela chegada dos resíduos até ele.
Lembre‐se de que os rios, direta ou indiretamente, desaguam no mar. Um simples papel
de bala jogado na rua poderá chegar até o mar em algum momento, de alguma forma. É
claro que quando isso acontecer, dependendo da distância percorrida, provavelmente
não será mais um papel de bala, mas um fragmento dele, ou seja, um microlixo. Mesmo
resíduos jogados diretamente em alto mar também se fragmentam e geram uma quanti‐
dade crescente de itens de menores tamanhos. O mar acaba sendo o depósito final da
maioria desses resíduos. Muitos deles demoram para se degradar e possuem grande ca‐
pacidade de dispersão. Assim, a menos que haja ações voltadas para a prevenção da
perda de resíduos sólidos, por atividades humanas realizadas tanto na terra quanto no
mar, ou ainda a remoção daqueles já presentes no ambiente, os resíduos vão se acumu‐
lar cada vez mais no oceano.
O mar possui uma beleza sem igual, sendo o habitat de uma grande variedade de
formas de vida. Assim, o lixo nos mares causa problemas à biodiversidade, debilitando
ou levando animais à morte, por sufocamento, inanição e ferimentos. Aves marinhas,
tartarugas, golfinhos e peixes, além de inúmeras espécies de invertebrados, como mo‐
luscos, crustáceos e outros seres praticamente invisíveis, são afetados por esses resí‐
duos. É inadmissível pensar que esses organismos possam ser afetados pelos resíduos que
a sociedade usa e descarta de forma irresponsável e irregular.
O mar também é utilizado como fonte de renda para uma grande parcela da socie‐
dade, como as muitas famílias que dependem da pesca. Resíduos jogados no mar danifi‐
cam seus petrechos de pesca e reduzem a quantidade de pescado a ser capturada. Isso
afeta tanto os pescadores, que não terão renda para sustentar suas famílias, quanto
você, que poderá não ter peixes e frutos do mar para comer. Além disso, a contaminação
nos mares pelo lixo e outros poluentes pode afetar esses alimentos e colocar em risco a
saúde humana. Dessa forma, mesmo quem vive distante do mar também pode ser afeta‐
do.
xiv
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Um simples papel de bala pode percorrer um longo caminho antes de chegar ao ambiente marinho. Todos
nós somos responsáveis pela presença de lixo nos mares, mesmo morando longe do litoral.
xv
Você sabia que muitos municípios litorâneos dependem do turismo? Nessas localida‐
des, muitas famílias sobrevivem trabalhando em hotéis, restaurantes e quiosques à
beira‐mar. De fato, o turismo e outras atividades econômicas também são afetadas pela
presença de resíduos sólidos em praias, manguezais e ilhas, ou mesmo flutuando na su‐
perfície do mar, uma vez que tornam esses locais menos atrativos. Ninguém deseja fre‐
quentar uma praia, navegar ou mergulhar em um local cheio de lixo.
Assim, o oceano está presente em nossas vidas muito mais do que imaginamos.
Lembre‐se de que o oceano cobre três quartos da superfície do nosso planeta. Além de
possibilitar a realização de atividades de turismo e lazer e a produção de alimento, é do
oceano que vem parte dos combustíveis fósseis e minerais que utilizamos em nosso dia a
dia. O oceano é responsável por grande parte do transporte de cargas no mundo, por
meio dos navios e portos. Também é o oceano que regula o clima do planeta, promoven‐
do a retirada de gases do efeito estufa da atmosfera, como o gás carbônico, transfor‐
mando‐o em oxigênio pela fotossíntese, especialmente do fitoplâncton1. Portanto, o
oceano propicia as condições para que exista vida no planeta, além de ser responsável
por uma importante parcela da economia mundial.
Todos temos responsabilidades com relação aos resíduos sólidos que chegam nos
mares, direta ou indiretamente. Muitas atividades econômicas, como a pesca e o turis‐
mo praiano, são fontes de resíduos para o mar, além de todas aquelas que, de alguma
forma, despejam resíduos nos rios e córregos de todo o território nacional. Há várias
formas de atuar para reduzir a entrada e a quantidade dos resíduos nos mares. Algumas
dependem apenas de mudanças no nosso comportamento, como o consumo consciente,
a correta destinação dos nossos resíduos e a promoção da reciclagem dos mesmos, sem‐
pre que possível.
Outras ações dependem de exercermos a cidadania, atuando em prol de uma socie‐
dade melhor. Isso pode ser feito cobrando dos governantes uma gestão ambientalmente
adequada dos resíduos sólidos de nossos municípios. Podemos também atuar em ações
educativas, compartilhando boas práticas nas redes sociais, ou mesmo estimulando fa‐
miliares e amigos para que promovam a separação e reutilização dos resíduos reciclá‐
veis, além da correta destinação do resíduo orgânico e do resíduo não reciclável.
Um planeta sem lixo nos mares. Esse é uma meta que depende de todos nós!
1. Fitoplâncton: conjunto dos organismos aquáticos microscópicos que vivem na coluna d’água e que têm
grande capacidade fotossintética, consumindo gás carbônico e liberando a maior parte do oxigênio
disponível na atmosfera.
xvi
APRESENTAÇÃO
A relação entre o ser humano e o mar é muito antiga, mas durante séculos era co‐
mum a ideia de que o oceano e os mares fossem fontes inesgotáveis de recursos e possu‐
íssem infinita capacidade de receber e processar todo tipo de rejeito neles lançado.
Como resultado, hoje o oceano está sob ameaça e praticamente todo o planeta é influ‐
enciado por algum tipo de atividade humana2. Uma grande porção, mais de 40% do glo‐
bo, é altamente afetada por múltiplos tipos de impactos derivados das atividades
humanas, como a sobrepesca3 e a poluição, além dos efeitos das mudanças climáticas
globais. Como consequência dessa degradação, tem‐se a perda de benefícios promovidos
pelo oceano para a sociedade, impactando a qualidade de vida humana, tanto de quem
vive próximo ao mar quanto de quem vive distante dele.
Esse cenário começou a preocupar cientistas, sociedade e tomadores de decisão e
desencadeou uma série de ações internacionais, com o objetivo de minimizar esses im‐
pactos. De fato, até a década de 1970, não existiam tratados que regulamentassem o
despejo de resíduos nos mares. A Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por
Alijamento de Resíduos e Outras Matérias, realizada em Londres, em 1972, foi um mar‐
co, pois passou a regular o despejo de resíduos e outras substâncias potencialmente pre‐
judiciais ao meio marinho, reconhecendo claramente que “a capacidade de assimilar
resíduos e torná‐los inócuos é limitada”. Um ano depois da Convenção de Londres, foi
realizada a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, também
chamada de MARPOL, que tinha como objetivo minimizar a poluição nos mares e prote‐
ger o ambiente marinho de poluentes gerados por navios.
Apesar desses esforços mundiais, agências internacionais ainda consideram o lixo co‐
mo uma das maiores ameaças ao oceano4. Atualmente, grande parte dos resíduos encon‐
trados no ambiente marinho é composta por itens plásticos, o que está relacionado à sua
ampla utilização pela sociedade pós‐moderna, sua durabilidade, sua flutuabilidade no
oceano, mas principalmente pelo descarte e manejo inadequados dos resíduos sólidos
urbanos. Estimativas feitas em 2015 calculam entre 4,8 e 12,7 milhões de toneladas a
quantidade de plástico que entra no oceano anualmente5. Os custos aproximados dos
danos ambientais para os ecossistemas marinhos somam US$13 bilhões por ano, de acor‐
do com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA; do inglês, United
2. Halpern BS et al. (2008) A global map of human impact on marine ecosystems. Science, 319, 948‐952.
(https://web.stanford.edu/group/MicheliLab/pdf/30‐Halpernetal2008Science.pdf)
3. Trata‐se da atividade pesqueira, sobre uma espécie ou em uma região, que não é realizada de forma
sustentável, ou seja, o recurso é retirado do seu ambiente em quantidade excessivamente alta, impedindo
sua reposição natural.
4. Santos IR et al. (2008) Resíduos Sólidos. Em: Neto, JAB et al. Poluição Marinha. Rio De Janeiro:
Interciência, 309–334.
xviii
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura I. A onipresença do lixo nos mares: no giro do Pacífico Norte, na Baía da Guanabara, em praias e
prejudicando animais. (Fotos: I‐A ‐ NOAA Marine Debris Program, I‐B ‐ Viviane Rodrigues, I‐C ‐ NOAA
Marine Debris Program, I‐D ‐ Lucas Barbosa, Programa EnTenda o Lixo).
A B
C D
Nations Environment Programme ‐ UNEP)6. A enorme quantidade de resíduos e de conta‐
minantes no oceano não causa apenas danos estéticos, mas também afeta a saúde do
ambiente, a biodiversidade e o próprio ser humano (Figura I).
Comumente, regiões com alta vulnerabilidade social, onde quase sempre há carên‐
cia de saneamento básico, são as que mais contribuem na geração de resíduos para o
oceano. Uma vez que entram no ambiente marinho, os resíduos não encontram frontei‐
ras, sendo levados por correntes e se acumulando em diversos locais, desde áreas cos‐
teiras, como praias, recifes de coral e manguezais, até locais remotos, como ilhas, giros
oceânicos e mar profundo. Portanto, o acúmulo de resíduos sólidos nos mares é um pro‐
blema global, real, crítico e de responsabilidade compartilhada entre as nações e os vá‐
rios setores da sociedade. Seu entendimento e sua solução demandam uma visão ampla,
madura, conectada e sistêmica, assim como uma gestão integrada, por meio da ação
5. Jambeck JR et al. (2015) Plastic waste inputs from land into the ocean. Science, 347, 768‐771.
(https://www.iswa.org/fileadmin/user_upload/Calendar_2011_03_AMERICANA/Science‐2015‐Jambeck‐768‐
71__2_.pdf)
6. UNEP (2014) Valuing Plastics: The Business Case for Measuring, Managing and Disclosing Plastic Use in the
Consumer Goods Industry, 116 p. (http://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/9238)
xix
articulada de diferentes atores sociais. Sendo assim, é necessário que ações sejam rea‐
lizadas nos níveis global, regional, nacional e local, envolvendo amplamente os cida‐
dãos, o poder público, as organizações da sociedade civil, as universidades e a iniciativa
privada.
Em 2011, representantes de diversos países
O acúmulo de resíduos
e instituições assinaram o Compromisso de Ho‐
sólidos nos mares é um
nolulu7, que marcou uma nova abordagem co‐
problema global, real,
laborativa para reduzir a ocorrência de
crítico e de
resíduos sólidos no mar, bem como os danos
responsabilidade
que estes provocam no habitat marinho, na bi‐
compartilhada entre as
odiversidade e na economia local e global. O
nações e os vários setores
Compromisso de Honolulu visa melhorar o co‐
da sociedade.
nhecimento local e regional quanto à escala e
ao impacto desse poluente e estimular o compartilhamento de soluções técnicas, legais
e de mercado. Associado a esse compromisso, definiu‐se uma estratégia internacional
para abordar a questão, denominada Estratégia de Honolulu8.
Decorrente dessa iniciativa, a indústria plástica mundial, inclusive a brasileira, as‐
sinou a Declaração Global das Associações do Plástico sobre Soluções para o Lixo Mari‐
nho9, comprometendo‐se a investir esforços para buscar soluções que competem à
indústria, a fim de evitar a chegada de resíduos ao mar, assim como promover o reuso
e a reciclagem do material plástico produzido, promover a divulgação e a educação
para a busca de medidas ecoeficientes e colaborar com as políticas públicas implemen‐
tadas.
Especificamente no Brasil, dois marcos legais recentes têm efeito direto sobre a
questão dos resíduos sólidos nos mares. O primeiro é a promulgação da Lei Federal nº
11.445/2007 (regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.217/2010), que estabelece as di‐
retrizes nacionais para o saneamento básico, englobando os setores de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem
pluvial. O segundo é a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal
nº 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto Federal nº 7.404/2010). Ambos trazem
princípios, diretrizes, instrumentos e responsabilidades importantes referentes a tais se‐
tores, cuja estruturação, especialmente relacionada ao esgotamento sanitário e gestão
de resíduos sólidos, é essencial para reduzir as fontes de poluição nos mares. Na pers‐
pectiva de uma visão integrada do problema, destaca‐se ainda o Plano Nacional de Ge‐
renciamento Costeiro (PNGC; Lei Federal nº 7.661/1988, regulamentado pelo Decreto
Federal nº 5.300/2004), que dispõe sobre regras de uso e ocupação da zona costeira.
No entanto, é importante destacar que o lixo nos mares é apenas um dos aspectos
que afeta a qualidade do oceano. Uma gama de poluentes não visíveis, porém com con‐
sequências danosas ao meio ambiente e à saúde humana, também está presente. É o ca‐
so da matéria orgânica, gerada pelo lançamento irregular de esgoto das cidades, e dos
fertilizantes agrícolas que são levados pelos rios. No mar, levam à formação de zonas
mortas (sem vida), à proliferação de algas produtoras de toxinas, as chamadas marés
vermelhas, ou à disseminação de microrganismos patogênicos; resíduos de medicamen‐
tos liberados na urina para o esgoto, como antibióticos, antidepressivos e anticoncepcio‐
nais; poluentes orgânicos, como o petróleo cru, hidrocarbonetos resultantes da queima
de combustíveis; pesticidas e detergentes; compostos tóxicos presentes em tintas anti‐
incrustantes, utilizadas nos cascos de embarcações para evitar o crescimento de organis‐
mos; e também metais pesados, oriundos predominantemente de atividades industriais.
Além desses, outras ações humanas, como a supressão da área de manguezais e as fre‐
quentes dragagens para o aprofundamento do canal de navegação de portos, podem
causar erosão e aumentar a turbidez da coluna d’água, limitando a disponibilidade de
luz e diminuindo a produtividade primária. Todos esses fatores tornam visíveis as amea‐
ças a que o oceano está exposto, as quais possuem efeitos cumulativos, agravando os
impactos gerados pela presença de lixo no mar.
A imagem de um iceberg (Figura II) pode ser utilizada para indicar que há problemas
mais evidentes que outros no ambiente marinho, configurando que a poluição por plásti‐
cos é, sem dúvida, a mais visível, mas não necessariamente a única, se considerarmos
tudo que polui o oceano. Os resíduos sólidos e o esgoto estão entre os mais perceptíveis,
tanto visualmente quanto pelo mau cheiro, e motivam ações variadas na sociedade. Ou‐
tros, menos perceptíveis, porém não menos danosos, não têm sido amplamente discuti‐
dos e seus impactos são desconhecidos pela grande maioria das pessoas.
Cada um desses problemas apresenta causas e
consequências próprias, de forma que a busca pela Os resíduos sólidos
garantia ou melhoria na qualidade do oceano se co‐ correspondem a um
loca como uma tarefa ampla e complexa, remetendo dos problemas mais
a estratégias específicas para cada problema. Para a visíveis, porém não é
questão dos resíduos sólidos nos mares não é dife‐ o único a causar
rente, pois suas origens, destinos e impactos indicam danos ao oceano.
estratégias variadas e complementares para sua solu‐
ção. Entretanto, apesar desse não ser o único problema do oceano, a percepção que a
sociedade tem dos resíduos sólidos, bem como o apelo que estes têm para a sociedade,
abre uma janela de oportunidades para se discutir a qualidade do ambiente marinho co‐
mo um todo. A presença desses resíduos nos mares pode ser entendida como um indica‐
dor ou um sintoma da forma insustentável como a sociedade tem vivido, podendo ser
considerado estratégico para motivá‐la e mobilizá‐la em prol de ações para a conserva‐
ção do oceano, de forma mais ampla.
A motivação para a produção deste livro é resultado do conhecimento científico pro‐
duzido, principalmente após iniciativas que surgiram desde a década de 1960 sobre resí‐
duos sólidos nos mares e que culminaram na assinatura do Compromisso de Honolulu e
da Declaração Global das Associações do Plástico, por instituições de ensino e pesquisa,
xxi
Figura II. Impactos mais ou menos perceptíveis no oceano, destacando a importância dada aos resíduos
sólidos pela sociedade, visto sua maior evidência10.
10. Adaptado de: Biazon T (2016) Oceanos: contrastante império de riqueza e poluição. Revista ComCiência,
176. (http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=121&id=1472&tipo=0)
xxii
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura III. Temas que serão abordados sobre lixo nos mares nesse livro.
cado (Figura III), organizado em quatro partes. A Parte I aborda as principais característi‐
cas dos resíduos respondendo às perguntas: “O que é lixo marinho?” “De onde vem?”
“Para onde vai?”. A Parte II trata dos impactos dos resíduos no ambiente marinho, escla‐
recendo: “Quais problemas causam no mar?” “Lixo ou comida?”. A parte III aborda as ini‐
ciativas nacionais e internacionais para solucionar o problema, elucidando questões
como: “Quais ações internacionais buscam solucionar o problema?” “Quais as ações no
Brasil?”. Por fim, a Parte IV investiga sobre o que pode ser feito em relação aos resíduos
sólidos no mar, trazendo respostas para perguntas como: “Quais são os desafios para a
sociedade?” “A integração multissetorial é importante?” Além disso, faz uma provoca‐
ção: “Vamos combater o lixo nos mares?”. Com esse embasamento e as discussões que se
seguirão, pretende‐se criar um cenário crítico, proativo e colaborativo para estimular o
engajamento dos variados segmentos da sociedade na realização de ações para equacio‐
nar essa questão.
xxiii
PARTE I
CARACTERÍSTICAS DOS
RESÍDUOS
Capítulo 1
O que é lixo marinho?
Capítulo 2
De onde vem?
Capítulo 3
Para onde vai?
Capítulo 1
O que é lixo
marinho?
Definições e principais características tradução do inglês e deve ser entendido como
dos resíduos sólidos encontrados nos “qualquer tipo de resíduo sólido produzido pelo
mares ser humano, gerado em terra ou no mar, que, in‐
tencionalmente ou não, tenha sido introduzido
Para abordar a questão do lixo marinho, no ambiente marinho, incluindo o transporte
é importante ter clareza do que é “lixo”, isso desses materiais por meio de rios, drenagens,
com que lidamos diariamente e geramos a cada sistemas de esgoto ou vento, excluindo‐se os
produto que compramos e utilizamos. A palavra materiais orgânicos (como restos de alimento e
lixo vem do latim “lix” e significa cinza. No dici‐ vegetais)”13. Pelo fato de causar certa polêmica
onário11, encontra‐se a seguinte definição: “resí‐ na língua portuguesa, uma vez que o termo “lixo
duos provenientes de atividades domésticas, marinho” leva à imediata associação de origem
industriais, comerciais etc., que não prestam e marinha dos resíduos, sendo utilizado para no‐
são jogados fora; bagaço”. Para uma definição mear certos organismos (ex., cavalo‐marinho,
mais técnica, podemos citar a Política Nacional alga marinha, plâncton marinho etc.), é preferí‐
de Resíduos Sólidos ‐ PNRS12 (Lei Federal nº vel que seja utilizado o termo “lixo nos mares”.
12.305/2010), que define “resíduos sólidos” co‐
mo “material, substância, objeto ou bem descar‐ O entendimento Lixo nos mares é
tado resultante de atividades humanas em de que os resíduos sóli‐ todo resíduo
sociedade, a cuja destinação final se procede, se dos não são produzidos sólido processa‐
propõe proceder ou se está obrigado a proceder, pelo ambiente marinho, do, utilizado e
nos estados sólido ou semissólido, bem como mas sim que o invadem, descartado pelo
gases contidos em recipientes e líquidos cujas em função da forma ir‐ ser humano, que
particularidades tornem inviável o seu lança‐ responsável com que a entra no ambi‐
mento na rede pública de esgotos ou em corpos sociedade lida com seus ente marinho.
d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou resíduos, levou à inter‐
economicamente inviáveis em face da melhor pretação antropológica de que lixo nos mares é
tecnologia disponível”. uma “coisa fora do lugar”14, como pode ser per‐
Optou-se, nessa pu‐ Mas se lixo é lixo em todos cebido quando observamos a quantidade e a va‐
blicação, por utilizar, os lugares, não importa se riedade de resíduos em praias nos locais mais
predominantemente, está na rua, na lixeira, no remotos do Brasil e em diferentes locais ao redor
a terminologia “resí‐ aterro sanitário, no seu do mundo (Figura 1.1).
duos sólidos” ao invés bolso ou a 4.000 metros
de “lixo”, por ser as‐ de profundidade no mar
sim utilizada na legis‐ qual a necessidade de se
lação brasileira e, criar e utilizar o termo “li‐
portanto, disseminada xo marinho” ou, como
nos órgãos ambientais convencionado no Brasil,
controladores. “lixo nos mares”?
A definição de lixo marinho surgiu nos
Estados Unidos, no final da década de 1970,
quando os termos “marine litter” ou “marine de‐
bris” começaram a ser utilizados para denomi‐
nar os materiais que estavam sendo encontrados
em grande quantidade nos ecossistemas mari‐ Figura 1.1. Lixo marinho em praia de ilha oceânica
nhos. O termo “lixo marinho” é, portanto, uma do Havaí. (Susan White/USFWS, Flickr, https://crea‐
tivecommons.org/licenses/by/2.0/).
3
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
4
Figura 1.2. Tempo de decomposição15 e escala de riscos16 causados pelos principais itens que compõem o li‐
xo nos mares.
5
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
De fato, quanto menor o tamanho do re‐
Nem todo material biodegradável se síduo, menor o impacto visual e estético à paisa‐
degrada no meio ambiente, necessi‐ gem. De forma semelhante, devido ao seu
tando, para isso, de condições muito tamanho diminuto, causa menos problemas à
específicas de temperatura e umidade. navegação e não tende a emaranhar animais
Os materiais efetivamente biodegradá‐ marinhos. No entanto, quanto menores as partí‐
veis não devem ser lançados no ambi‐ culas, mais disponíveis ficam para a ingestão
ente pois, enquanto estiverem lá, por animais cada vez menores, como aqueles
causarão impactos. que vivem no plâncton ou entre os grãos de areia
do sedimento marinho. No caso dos animais
dos plásticos biodegradáveis disponíveis no maiores, como alguns peixes e baleias que fil‐
mercado é, na verdade, compostável, podendo tram a água do mar, torna‐se mais difícil a sepa‐
se decompor mais rapidamente em condições ração destes diminutos resíduos de seu alimento
como aquelas encontradas nos aterros sanitá‐ natural, levando à sua
rios. Essas condições, no entanto, não são as O tamanho do
ingestão acidental. Ou‐
que encontramos no mar. Nas últimas déca‐ resíduo importa:
tra dificuldade causada
das, uma série de inovações tecnológicas per‐ quanto menores os
pelo pequeno tamanho
mitiu o desenvolvimento de plásticos de fragmentos, mais
desses resíduos é sua
origem natural, como o amido termoplástico, organismos podem
remoção do ambiente,
que se degrada em ambiente natural e também ingeri-los.
que se torna impraticá‐
é compostável. Esse foi um avanço extraordi‐ vel. Além disso, quanto menores, maior é sua
nário, mas não é pelo fato de um determinado mistura com outros materiais, como sedimen‐
item ser feito desse tipo de material biodegra‐ tos, dificultando inclusive o seu estudo.
dável que seu lançamento no ambiente deve ser
permitido. Esse tipo de solução equivale a um Em função da importância do tamanho,
seguro, a uma forma de garantir que se o item os resíduos sólidos são classificados em uma es‐
for perdido para o ambiente, sua permanência cala de variados tamanhos. Especialmente para
lá será mais curta. Mas enquanto ele estiver lá, os itens plásticos, criaram‐se os termos micro‐
estará causando impactos. Assim, reforça‐se a plástico, para denominar os resíduos com tama‐
lógica de que qualquer tipo de resíduo não deva nhos inferiores a 5 milímetros; mesoplástico,
parar no ambiente e que, após seu uso, deva ser para resíduos com tamanhos entre 5 e 25 milí‐
reaproveitado ou reciclado para que a matéria, metros; macroplástico, para os itens com tama‐
a energia e o capital utilizados na sua produção nhos maiores que 2,5 centímetros; e
não sejam perdidos. megaplástico, para os itens maiores que 1,0 me‐
tro (Figura 1.3).
Alguns polímeros não‐biodegradáveis,
como o polietileno, podem receber aditivos22, re‐ Os microplásticos são ainda classifica‐
sultando em uma fragmentação mais rápida do dos em primários ou secundários. Os micro‐
plástico, conhecida como oxidegradação. No plásticos primários (ou pré‐consumo)
entanto, essa fragmentação pode acelerar a for‐ correspondem à matéria‐prima utilizada pela
mação de microplásticos e eventualmente dispo‐ indústria transformadora do plástico. Nessa
nibilizar mais facilmente seus aditivos ao meio categoria encontram‐se os grânulos plásticos
ambiente aquático. Portanto, esses compostos (também chamados de pellets) que equivalem
não são efetivamente biodegradáveis e acabam à forma como são comercializadas as resinas
gerando microplásticos de forma mais rápida no utilizadas para a produção de utensílios e em‐
ambiente. balagens de plástico. Correspondem a partícu‐
las entre 2 e 5 milímetros de diâmetro, que são
transportadas em sacos ou a granel (soltos)
em caminhões especiais, momentos nos quais
O tamanho do resíduo importa? podem acontecer pequenas ou, em casos aci‐
Nos ecossistemas marinhos encontra‐ dentais, grandes perdas.
mos itens de grandes dimensões provenientes de
naufrágios ou de eventos catastróficos, como Os microplásticos denominados se‐
tsunamis, terremotos e enchentes, mas também cundários (ou pós‐consumo), por sua vez, são
partículas minúsculas, imperceptíveis ao olho derivados de itens que foram produzidos para
humano. uma dada finalidade (embalagens de alimen‐
tos, canudos, garrafas) e que, por terem sido
6
Figura 1.3. Escala de classificação dos resíduos sólidos de acordo com o tamanho.23
descartados de forma inadequada, quando ambiente marinho e de combate ao problema.
chegam ao ambiente marinho são fragmenta‐ Os microplásticos secundários são resultado de
dos pela ação das ondas, sol ou microrganis‐ uma cadeia muito complexa e difusa, que envol‐
mos, gerando os microplásticos, compostos ve produtores, comerciantes, consumidores e a
por fragmentos de formatos variados. Os mi‐ própria gestão dos resíduos sólidos nos municí‐
croplásticos secundários podem também ser pios e seu combate deve envolver tanto a preven‐
gerados pelos tecidos sintéticos que, ao serem ção da chegada como a retirada dos resíduos do
lavados, liberam fibras que chegam aos rios e mar, antes que se fragmentem. Já os microplásti‐
mares. Também se enquadram nessa categoria cos primários envolvem ações ligadas mais dire‐
as esferas esfoliantes de plástico, com dimen‐ tamente à cadeia produtiva da indústria plástica,
sões de cerca de 10 micrômetros, utilizadas em além das atividades portuárias e comerciais, po‐
produtos de higiene e cosméticos como abrasi‐ dendo‐se equacionar a perda para o ambiente
vos e descartadas diretamente nas redes de es‐ com medidas simples de gestão e conscientiza‐
goto após o uso. Nesse último caso, o uso ção. As estratégias de combate ao lixo no mar se‐
plástico foi idealizado de forma a ser descarta‐ rão discutidas em detalhe adiante.
do logo após a sua utilização, remetendo a
uma lógica pouco sustentável. Microplásticos são praticamente im‐
possíveis de serem retirados do ocea‐
A importância dessa distinção entre mi‐
no e sua geração deve ser fortemente
croplásticos primários e secundários está associ‐
combatida.
ada às formas de entrada desses materiais no
7
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Notas
11. Michaelis. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. (https://michaelis.uol.com.br/moder‐
no‐portugues/busca/portugues‐brasileiro/lixo/)
12. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. (http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007‐2010/2010/Lei/L12305.htm)
13. UNEP/IOC (2009) Guidelines on survey and monitoring of marine litter. Regional Seas Reports
and Studies nº 186 and IOC Technical Series nº 83 (http://wedocs.unep.org/xmlui/handle/
20.500.11822/13604); MMA (2013) IV Conferência Nacional do Meio Ambiente. Texto Orienta‐
dor. 2ª edição. (http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80054/Livreto_CNMA_texto‐orienta‐
dor‐FINAL.pdf)
14. Dalama MA (2016) Os caiçaras da Ilha do Cardoso e a “coisa fora do lugar”. Dissertação de
mestrado, PROCAM/USP. (http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106132/tde‐
14072016‐173800/pt‐br.php)
15. Grippi S (2001) Lixo, reciclagem e sua história: guia para as prefeituras brasileiras. Interciên‐
cia.
16. São Paulo (Estado) ‐ SMA/CEA (2011) Guia Pedagógico do Lixo. 6ª edição. (http://arquivo.am‐
biente.sp.gov.br/cea/2014/11/12‐guia‐pedagogico‐do‐lixo.pdf) ‐ se baseia no tempo de de‐
gradação e nos efeitos que os materiais podem causar: baixo – até 2 impactos relacionados ao
material e tempo de degradação baixo; médio – mais de 2 impactos relacionados e tempo de
degradação médio; alto – mais de 3 impactos relacionados ao material e tempo de degrada‐
ção alto.
17. Espécies que colonizam habitações humanas e seus arredores, retirando vantagens em maté‐
ria de abrigo, acesso aos alimentos e à água e, em muitos casos, transmitindo doenças (Ex:
ratos, baratas e moscas).
18. Barnes DKA et al. (2009) Accumulation and fragmentation of plastic debris in global environ‐
ments. Phil. Trans. R. Soc. B. 364, 1985‐1998. (https://royalsocietypublishing.org/doi/pdf/
10.1098/rstb.2008.0205)
19. UNEP (2015). Biodegradable plastics and marine litter ‐ misconceptions, concerns and im‐
pacts on marine environments. Nairobi: United Nations Environment Programme (UNEP), 33
pp. (http://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/7468/‐Biodegradable_Plas‐
tics_and_Marine_Litter_Misconceptions%2c_concerns_and_impacts_on_marine_environments‐
2015BiodegradablePlasticsAndMarineLitter.pdf.pdf?sequence=3&isAllowed=y)
20. Pequena molécula que pode ligar‐se a outros monômeros, formando moléculas maiores deno‐
minadas polímeros.
21. Plásticos obtidos a partir de matérias‐primas vegetais.
22. Substâncias químicas que atribuem características aos plásticos, como plastificantes, lubrifi‐
cantes, agentes antiestéticos, retardantes de chama, agentes de expansão e espumantes, nu‐
cleantes, modificadores de impacto e pigmentos e corantes.
23. GESAMP (2015) Sources, Fate and Effects of Microplastics in the Marine Environment: A Glo‐
bal Assessment. 96 p. (http://ec.europa.eu/environment/marine/good‐environmental‐status/
descriptor‐10/pdf/GESAMP_microplastics full study.pdf)
8
Capítulo 2
De onde vem?
As diferentes origens dos resíduos tesanal e industrial e navios de turismo), assim
que chegam aos mares como atividades portuárias, transporte de car‐
gas e plataformas de petróleo, também podem
A origem dos resíduos sólidos nos mares
ser fontes de introdução direta de resíduos no
é uma questão discutida desde os primeiros re‐
oceano (Figura 2.1).
gistros desse tipo de poluição. Praticamente to‐
da atividade humana, em terra ou no mar, gera A identificação Todas as ativida‐
algum tipo de resíduo e, de alguma forma, parte da fonte dos resíduos des humanas, em
deles acaba chegando ao oceano. para o mar favorece a terra ou no mar,
discussão e o reconhe‐ são fontes potenci‐
Em grandes centros urbanos, a má ges‐
cimento de medidas ais de resíduos para
tão dos resíduos, que inclui a falta de coleta em
que possam ajudar a o oceano, caso não
certas áreas e de locais adequados para sua dis‐
minimizar ou eliminar tenham uma desti‐
posição final, é um fator que aumenta os riscos
sua entrada nesse am‐ nação adequada.
de sua entrada nos cursos d’água, podendo atin‐
biente. Tais fontes de
gir o oceano. Esse cenário é agravado pela pre‐
introdução podem ser divididas entre aquelas
cariedade de políticas de ordenamento territorial
provenientes de atividades humanas realizadas
na região costeira, com ocupações humanas em
em terra ou aquelas realizadas no mar.
áreas de risco e sem acesso a serviços públicos
de saneamento e coleta de resíduos.
Em cidades litorâneas, outro fator de in‐ Fontes terrestres
trodução de resíduos sólidos no ambiente mari‐
As atividades em terra são indicadas co‐
nho é a atividade turística, seja pela falta de
mo as principais responsáveis pela introdução
locais destinados ao correto acondicionamento
de resíduos sólidos no oceano. Estima‐se que
dos resíduos ou mesmo pelo comportamento
80% dos resíduos encontrados no ambiente ma‐
dos usuários, que os deixam nas praias, sem se
rinho sejam oriundos de fontes terrestres25. No
preocupar com as consequências negativas para
entanto, devido à dificuldade de se identificar a
o ambiente. Além disso, atividades náuticas,
origem da maioria dos itens encontrados nos
tanto recreativas quanto econômicas (pesca ar‐
Figura 2.1. Diferentes fontes de resíduos sólidos para o ambiente marinho, destacando‐se as fontes terres‐
tres e marinhas24.
9
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
10
Box 2.1. Lavagem doméstica de roupas sintéticas como
fonte de microplásticos para o mar.
Catástrofes ambientais, como enchen‐ gundo esse estudo, se assumirmos que
tes, deslizamento de encostas, tempestades ma‐ nenhuma melhoria seja feita na infraestrutura
rinhas (furacões e tufões), terremotos e para o correto tratamento desses resíduos, a
tsunamis, também podem contribuir fortemente quantidade de itens plásticos prevista para en‐
para a introdução de resíduos sólidos no ambi‐ trar no ambiente marinho no ano de 2025 pode‐
ente marinho. O terremoto e o tsunami que atin‐ rá ser de uma ordem de magnitude 10 vezes
giram o Japão em 2011, por exemplo, lançaram maior que o estimado para 2010. A Figura 2.5
ao mar milhões de toneladas de resíduos, que fo‐ ilustra os valores de geração de resíduos plásti‐
ram transportados a longas distâncias, chegan‐ cos terrestres estimados para alguns dos países
do ao Havaí e à costa oeste americana. Uma mais relevantes em termos globais, incluindo o
mancha flutuante de resíduos, com cerca de 700 Brasil, que em 2010 ocupava a 16ª posição.
mil m2, chegou à costa dos Estados Unidos qua‐
tro anos após o desastre33 (Figura 2.4).
Como exemplo do potencial de geração Fontes marinhas
de resíduos por fontes terrestres, a quantidade Os resíduos sólidos gerados por ativida‐
de resíduos plásticos que estaria chegando no des no mar estão relacionados aos navios mer‐
oceano foi estimada34, para o ano de 2010, em cantes que transportam cargas e mercadorias,
192 países costeiros, considerando o consumo,
a qualidade da gestão de resíduos sólidos e o ta‐
manho da população. As estimativas variaram
Grande parte do proble‐
de 4,8 milhões de to‐
ma do lixo nos mares
neladas, em uma con‐
(cerca de 80%) é cau‐
dição equivalente a
sada por fontes terres‐
15% do total do lixo
tres, devido a problemas
plástico, sendo mal
no gerenciamento de re‐
gerido, a 12,7 mi‐
síduos sólidos, coleta e
lhões de toneladas,
tratamento de esgoto,
em um cenário de
ocupações irregulares e
40% do total de lixo
comportamento irres‐
plástico inadequada‐ Figura 2.4. Acúmulo de destroços flutuantes no
mente manejado. Se‐ Oceano Pacífico, após o terremoto e o tsunami que
ponsável das pessoas. atingiram o Japão, em 2011. (Foto: US Navy)
11
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 2.5. Quantidade de resíduos plásticos mal geridos (toneladas/ano e kg/pessoa/dia) nos principais
países geradores de resíduos sólidos plásticos para o oceano34.
12
Box 2.2. Acidentes com navios de carga são fontes de resíduos para o mar.
Figura 2.9. Exemplos de itens encontrados na Praia da Juréia, Litoral Sul de São Paulo, e de microplásticos
primários (pellets) registrados na Baixada Santista, Litoral Central de São Paulo (Fotos: Marina Santana e
Alexander Turra).
Evidências da origem dos resíduos a Alguns itens encontrados em praias re‐
partir de estudos em praias brasileiras presentam um risco para a saúde pública, como
os relacionados a serviços de saúde e também
Segundo levantamentos realizados39
ao consumo de drogas (por ex., seringas, agu‐
em praias nos estados de São Paulo, Bahia e
lhas e eppendorffs ‐ frascos utilizados no tráfico
Alagoas, durante os anos de 2013 e 2014, os
de entorpecentes) (Figura 2.10d). Preservati‐
itens pós‐consumo predominam nos materi‐
vos de látex e suas embalagens também são co‐
ais identificados de origem terrestre e são nor‐
mumente encontrados (Figura 2.10d). Além
malmente compostos por embalagens de
desses itens, há outros resíduos para os quais a
alimento, tampas e garrafas plásticas, utensí‐
logística reversa40 é obrigatória, porém são en‐
lios de pesca e itens sanitários (Figura 2.9).
contrados com relativa frequência em todas as
Em algumas áreas estudadas, microplásticos
praias estudadas, como embalagens de óleo lu‐
primários (pré‐consumo) também foram bas‐
brificante, lâmpadas fluorescentes e eletroele‐
tante comuns, como os pellets plásticos (Figu‐
trônicos (Figura 2.10e).
ra 2.9), cuja origem pode ser tanto terrestre
quanto marinha. Nesse sentido, existem convenções, leis
e ações específicas voltadas à redução e contro‐
Os levantamentos citados acima tam‐
le, tanto para os resíduos oriundos de atividades
bém mostraram que, dependendo da localiza‐
em terra quanto no mar. O mesmo serve para os
ção e usos da praia, podem ser encontrados
diferentes tipos de resíduos, como domésticos,
itens relacionados a diferentes tipos de ativida‐
hospitalares, industriais e oriundos da pesca,
des, o que exige diferentes formas de lidar com
uma vez que é sabido que podem causar diferen‐
o problema. Por exemplo, alguns itens indicam
tes impactos para a biodiversidade, ecossiste‐
um uso recreativo ou turístico intenso da área,
mas marinhos e seres humanos.
com grande quantidade de garrafas e embala‐
gens de alimento recentemente descartadas, Outro aspecto importante relativo às
canudos para bebidas e bitucas de cigarro (Fi‐ fontes de resíduos diz respeito ao seu compor‐
gura 2.10a). Também é comum a ocorrência de tamento frente à dinâmica oceânica, ou seja,
itens relacionados à higiene pessoal e limpeza quais caminhos esses resíduos percorrem, uma
sanitária, tais como hastes flexíveis, que indi‐ vez que entram no ambiente marinho. Tal as‐
cam origem por meio do esgoto não tratado, e pecto dos resíduos sólidos será tratado detalha‐
embalagens de produtos de limpeza (Figura damente a seguir.
2.10b). Em áreas onde há atividade pesqueira
intensa, é comum a ocorrência de itens de pes‐
ca, como iscas luminosas, boias, cestos e redes
de pesca (Figura 2.10c).
14
A
E
Figura 2.10. Itens registrados em praias dos estados de São Paulo, Bahia e Alagoas: a. uso recreativo ou
turístico; b. higiene pessoal e limpeza; c. pesca e maricultura; d. saúde pública; e. itens de logística re‐
versa. (Fotos: Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha, Instituto Oceanográfico, Universi‐
dade de São Paulo).
15
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Notas
24. Adaptado de: Ryan et al. (2009) Monitoring the abundance of plastic debris in the marine en‐
vironment. Philosophical Transactions of the Royal Society B, 364, 1999‐2012. (https://royal‐
societypublishing.org/doi/pdf/10.1098/rstb.2008.0207)
25. GESAMP (1990) The State of the Marine Environment. Blackwell Scientific Publication, Ox‐
ford, 146 p. (http://www.gesamp.org/publications/the‐state‐of‐the‐marine‐environment)
26. Área em torno do porto, onde se estabelecem os armazéns que possuem vínculo com as ativi‐
dades portuárias.
27. Cabral FC (2014) Microplásticos no ambiente marinho: mapeamento de fontes e identificação
de mecanismos de gestão para minimização da perda de pellets plásticos. Dissertação de Mes‐
trado. Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. (http://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/21/21134/tde‐30032015‐150240/pt‐br.php)
28. Turra A et al. (2014) Three‐dimensional distribution of plastic pellets in sandy beaches: shif‐
ting paradigms. Scientific Reports, 4. (https://www.nature.com/articles/srep04435)
29. Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos ‐ ABIHPEC
(https://abihpec.org.br/)
30. Cesa, FS et al. (2020) Laundering and textile parameters influence fibers release in house‐
hold washings. Environmental Pollution, 257: 113553. (https://www.sciencedirect.com/sci‐
ence/article/pii/S026974911933355X?via%3Dihub)
31. Sistemas de disposição oceânica, destinados a lançar os esgotos sanitários no meio marinho,
afastando‐os da costa e visando aproveitar a grande capacidade de depuração do oceano, em
função de seu enorme volume de água.
32. Subtil EL (2012) Tratamento de águas residuárias, utilizando emissários submarinos: avaliação
do nível de tratamento para uma disposição oceânica ambientalmente segura. Tese de Douto‐
rado. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. (https://www.teses.usp.br/teses/dis‐
poniveis/3/3147/tde‐12062013‐170031/publico/Tese_Subtil_EduardoLucas.pdf)
33. Globo.com. “Ilha” de destroços do tsunami japonês ruma para o Havaí, diz pesquisa.
25/10/2011. (http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/10/ilha‐de‐destrocos‐do‐tsunami‐ja‐
pones‐ruma‐para‐o‐havai‐diz‐pesquisa.html)
34. Jambeck JR et al. (2015) Plastic waste inputs from land into the ocean. Science, 347, 768‐
771. (https://www.iswa.org/fileadmin/user_upload/Calendar_2011_03_AMERICANA/Science‐
2015‐Jambeck‐768‐71__2_.pdf). Supplementary Materials (https://science.sciencemag.org/
content/suppl/2015/02/11/347.6223.768.DC1)
35. Safety4Sea.com. Agreement on plastic pellet spill incident in Hong Kong waters.
14/04/2014. (http://www.safety4sea.com/agreement‐on‐plastic‐pellet‐spill‐incident‐in‐
hong‐kong‐waters/)
36. Estadão. Lixo jogado no mar vira árvore de Natal em Ubatuba. 23/12/2017 (https://sustenta‐
bilidade.estadao.com.br/noticias/geral,lixo‐jogado‐no‐mar‐vira‐arvore‐de‐natal‐em‐ubatu‐
ba,70002129366)
37. FAO (2009) Abandoned, lost or otherwise discarded fishing gear (http://www.fao.org/3/
i0620e/i0620e00.htm)
38. Jung RT et al. (2010) Practical engineering approaches and infrastructure to address the pro‐
blem of marine debris in Korea. Mar. Pollut. Bull.,60,1523‐1532. (https://www.sciencedi‐
rect.com/science/article/pii/S0025326X10001803)
39. Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha, Instituto Oceanográfico, Universida‐
de de São Paulo. (http://www3.io.usp.br:48080/manejo/index.php)
40. Logística Reversa (PNRS): instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado
por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restitui‐
ção dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em ou‐
tros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.
16
Capítulo 3
Para onde vai?
Figura 3.1.
Compartimen‐
tos de acúmulo
e processos en‐
volvidos na mo‐
vimentação dos
resíduos sólidos
no ambiente
marinho43.
Regiões costeiras, praias, costões rocho‐ giões. Desde a década de 1970, pesquisas repor‐
sos, manguezais, restingas e estuários são po‐ tam a presença de resíduos plásticos em oceano
tenciais zonas de acúmulo para os resíduos. Isso aberto44 e, mais recentemente, grandes zonas de
ocorre não só em função da proximidade de pos‐ acúmulo foram descritas no meio dos oceanos
síveis fontes (ex. cidades, portos, áreas de pesca Pacífico, Índico e Atlântico (Box 3.1). Essas
e maricultura), como também pela ação dos áreas correspondem aos giros subtropicais, re‐
ventos, das ondas e das marés. Em dias de tem‐ giões onde as correntes atuam de forma circular
pestades marinhas e ressacas do mar, a água e os ventos são naturalmente mais fracos, tor‐
chega a alcançar a restinga ou as dunas, deposi‐ nando o processo de transporte mais lento e le‐
tando os resíduos em locais mais distantes do vando ao aprisionamento dos resíduos. Isso faz
mar. Essa deposição é também favorecida pela com que materiais que chegam a essa região
ação dos ventos que carregam resíduos mais le‐ permaneçam ali por mais tempo, gerando uma
ves, como sacolas plásticas e fragmentos de iso‐ zona de acúmulo em seu centro (Figura 3.2).
por, para essas áreas. A força das ondas também Como a entrada de resíduos sólidos nos giros
movimenta a areia, podendo enterrar resíduos, subtropicais é contínua, esses acúmulos gigan‐
aumentando a sua persistência na região e, con‐ tescos se tornaram permanentes nos locais.
sequentemente, seus riscos para o ambiente.
Em estuários, o contrabalanço entre a força do Apesar da elevada quantidade de resí‐
rio em direção ao mar, bem como a da maré in‐ duos flutuantes no centro dos giros, esses não
vadindo o rio, proporciona condições favoráveis são avistados à distância por embarcações, uma
para o acúmulo de resíduos, que normalmente vez que não geram acúmulos acima da superfície
chegam ao mar, em grandes quantidades, em da água. Os itens permanecem dispersos e, em
períodos de chuvas fortes. função da turbulência da água, muitos ficam
abaixo da superfície, o que impede sua visualiza‐
Para se compreender Os resíduos ção por imagens de satélite ou coleta por meio de
o destino dos resíduos sólidos, flutuando na redes acopladas a embarcações de pesquisa. A
nos mares, é preciso superfície ou na colu‐ maioria dos itens encontrados nos giros é de ta‐
considerar o dinamis‐ na d’água, também manho pequeno, porém itens de maior porte (>5
mo do ambiente mari‐ podem ser levados cm), como redes de pesca, representam cerca de
nho e identificar os pelas correntes super‐ 75% da massa dos resíduos lá registrados46.
diversos fatores que ficiais e pelo vento,
atuam na movimenta‐ para o oceano aberto. As chamadas “ilhas de lixo” no meio
ção e degradação dos As correntes superfi‐ do oceano são, na verdade, regiões de
resíduos. ciais oceânicas são a acúmulo de resíduos, na sua maioria
resultante de uma plásticos.
série de fatores que atuam e dominam nessas re‐
18
Box 3.1. A grande mancha de lixo do Pacífico
Figura 3.2.
Correntes oce‐
ânicas e os giros
subtropicais in‐
dicam a locali‐
zação
aproximada das
grandes man‐
chas de resíduos
sólidos no ocea‐
no45.
Falhas na gestão dos resíduos, princi‐ cos, biocidas, produtos químicos, solventes or‐
palmente de fontes terrestres, ocasionam a en‐ gânicos, colas, resíduos industriais, dentre
trada massiva de resíduos no oceano por meio outros. Ainda não existem acordos transfron‐
de grandes rios, que atravessam longas exten‐ teiriços para os resíduos sólidos comuns, mas
sões continentais. As consequências disso são o tema do lixo no mar tem sido incorporado à
que, devido às correntes marítimas, muitas ve‐ agenda da Convenção.
zes os resíduos gerados em um país podem
atingir a região costeira de países vizinhos, ge‐ Outro destino importante dos resíduos
rando os resíduos transfronteiriços (Box 3.2). sólidos é o fundo do mar. Lá, os resíduos po‐
Da mesma forma, ilhas oceânicas localizadas dem ser cobertos pelo sedimento, enroscar em
distantes dos continentes também recebem re‐ rochas ou ser transportados pelas correntes
síduos sólidos trazidos pelas correntes oceâni‐ de fundo, que são normalmente mais lentas
cas a partir de fontes continentais (Box 3.3). que as de superfície. Além dos fatores de de‐
posição dos resíduos mencionados anterior‐
A Convenção de Basileia47, firmada sob mente, a presença de microplásticos no fundo
a égide da ONU, em 1989, trata sobre o con‐ marinho, devido à sedimentação das partícu‐
trole de movimentações transfronteiriças de las ou mesmo de fezes de organismos que os
resíduos perigosos e outros resíduos. Os resí‐ ingeriram nas áreas mais superficiais do ocea‐
duos considerados perigosos envolvem aqueles no, também é um processo já comprovado.
provenientes de cuidados médicos e clínicos, Depois que alcançam o fundo, os microplásti‐
da produção e preparo de produtos farmacêuti‐ cos também podem adentrar as camadas inte‐
19
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
20
Box 3.3. A chegada de resíduos
sólidos em ilhas oceânicas.
21
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Notas
41. Woodall LC et al. (2014) The deep sea is a major sink for microplastic debris. R. Soc. open
sci.1: 140317. (https://royalsocietypublishing.org/doi/pdf/10.1098/rsos.140317)
42. Stuparu D et al. (2015) Developing a transport model for plastic distribution in the North Sea.
E‐proceedings of the 36th IAHR World Congress. Delft – The Hague. (https://www.researchga‐
te.net/publication/280310634_DEVELOPING_A_TRANSPORT_MODEL_FOR_PLASTIC_DISTRIBUTI‐
ON_IN_THE_NORTH_SEA)
43. Adaptado: GESAMP (2016) Sources, fate and effects of microplastics in the marine environ‐
ment: part two of a Global Assessment. GESAMP, 93. 220 p. (http://www.gesamp.org/publi‐
cations/microplastics‐in‐the‐marine‐environment‐part‐2)
44. Carpenter EJ et al. (1972) Polystyrene spherules in coastal waters. Science, 178, 749‐750.
(https://science.sciencemag.org/content/sci/178/4062/749.full.pdf)
45. Adaptado: Maximenko N et al. (2012) Pathways of marine debris derived from trajectories of
Lagrangian drifters. Marine Pollution Bulletin, 65, 51‐62. (http://cleanership.org/reports/pa‐
thways‐of‐marine‐debris‐derived‐from‐trajectories‐of‐lagrangian‐drifters.pdf)
46. Lebreton L et al. (2018) Evidence that the Great Pacific Garbage Patch is rapidly accumulating
plastic. Scientific Reports, 8: 4666. (https://www.nature.com/articles/s41598‐018‐22939‐w)
47. UNEP (1992) Basel Convention on the control of transboundary movements of the hazardous
wastes and their disposal. 120 p. (http://www.basel.int/TheConvention/Overview/Textofthe‐
Convention/tabid/1275/Default.aspx)
48. Processo de revolvimento do sedimento do fundo marinho pelo movimento dos organismos que
vivem ali.
49. UNEP (2016) Marine Plastic Debris and Microplastics: Global Lessons and Research to Inspire
Action and Guide Policy Change, 252 p. (http://wedocs.unep.org/bitstream/handle/
20.500.11822/7720/‐Marine_plasctic_debris_and_microplastics_Global_lessons_and_resear‐
ch_to_inspire_action_and_guide_policy_change‐2016Marine_Plastic_Debris_and_Micropla.pdf?
sequence=3&isAllowed=y)
50. Ivar do Sul JA et al. (2011) Plastics in the Antarctic environment: are we looking at the tip of
the iceberg? Oecologia Australis, 15, 150‐170. (https://www.researchgate.net/publication/
258411860_Plastics_in_the_Antarctic_environment_Are_we_looking_only_at_the_tip_of_‐
the_iceberg)
51. Dados levantados pelo Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha do Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo. (http://www3.io.usp.br:48080/manejo/in‐
dex.php)
22
PARTE II
RESÍDUOS NO
AMBIENTE MARINHO
Capítulo 4
Quais problemas causam no mar?
Capítulo 5
Lixo ou Comida?
Capítulo 4
O que é lixo
marinho?
Impactos e ameaças causados pelos Impactos econômicos
resíduos sólidos nos mares Considerando os impactos econômicos
Os resíduos sólidos nos mares causam advindos dos resíduos sólidos no ambiente ma‐
impactos econômicos, de saúde e segurança pa‐ rinho, um estudo realizado pela ONU Meio Am‐
ra o ser humano, além de danos ambientais. A biente53 avaliou que há evidências de custos
magnitude desses impactos, por sua vez, está re‐ relacionados tanto à não‐ação, ou seja, não im‐
lacionada ao tipo de resíduo (características ou pedir que os resíduos sólidos cheguem ao mar,
propriedades), à sua abundância e às caracte‐ quanto à ação, a fim de evitar essa poluição. Es‐
rísticas do local onde ele se depositará no ocea‐ se tipo de abordagem é necessário para informar
no52. Resíduos flutuantes, por exemplo, podem a importância das ações e destacar quais instru‐
causar danos econômicos e de segurança às em‐ mentos serão mais eficazes e eficientes, coeren‐
barcações. Já quando afundam na coluna tes com outras políticas, e quais os valores que
d’água, os resíduos podem se depositar no fun‐ estão sendo perdidos nas diferentes atividades
do ou ficar presos em recifes de corais e costões econômicas.
rochosos, causando danos físicos e ecológicos I. Turismo e lazer
aos habitats. Se o resíduo for um petrecho de
pesca (fragmento de rede, corda, linha, armadi‐ A presença de resíduos sólidos em pai‐
lhas etc.), também pode causar o emaranha‐ sagens naturais compromete seus valores estéti‐
mento de animais, levando‐os à morte. cos, fundamentais para as atividades de turismo
e lazer. Os ambientes comumente afetados por
No contexto deste livro, a palavra “im‐ esse tipo de impacto são as praias, os recifes de
pacto” está relacionada às alterações econômi‐ corais e outros locais explorados por turistas
cas, sociais ou ambientais causadas por alguma (Figura 4.2). O turismo embarcado, a navega‐
atividade humana. Como em um “efeito domi‐ ção recreativa, a pesca esportiva, o mergulho e
nó”, tais alterações, interferências ou efeitos po‐ os cruzeiros marítimos também são prejudica‐
dem gerar consequências maiores, como dos por esse tipo de acúmulo, podendo inclusive
grandes prejuízos a um dado setor econômico causar danos às embarcações e ameaçar a segu‐
(ex. turismo ou pesca) e desequilíbrios ecológi‐ rança dos turistas.
cos, ressaltando a importância da prevenção e
do controle da ameaça do lixo nos mares. Especificamente, resíduos relacionados
às atividades sanitárias (papel higiênico, absor‐
Para uma melhor compreensão de quais ventes, hastes flexíveis, preservativos etc.), que
são esses impactos e suas consequências, estes remetem ao aporte de materiais contaminados,
serão tratados aqui, considerando‐se os efeitos bem como aqueles provenientes de serviços de
aos seres humanos (econômicos, de saúde e se‐ saúde (lixo hospitalar), merecem especial aten‐
gurança) e também aos organismos e ao ambi‐ ção, porque além de alterarem a paisagem, ge‐
ente marinho (Figura 4.1). Devido à quantidade ram riscos à saúde, afastando os turistas e os
de impactos diretos associados à ingestão de re‐ próprios moradores do local. Isso se torna um
síduos pelos organismos marinhos, esse assunto grande problema econômico se a área conside‐
será tratado posteriormente. rada for fortemente dependente do turismo. Es‐
pecialmente em ilhas oceânicas, como Fernando
de Noronha (Pernambuco), o custo de remoção
e destinação adequada dos resíduos é muito al‐
A presença de resíduos nos mares pode to, envolvendo o transporte embarcado para ou‐
causar diversos impactos ambientais, tras regiões, fato que dificulta as medidas de
econômicos e de saúde pública. controle.
25
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
26
Figura 4.2. A poluição por resíduos sólidos em praias impacta o turismo e a economia local
(Mumbai, Índia). (Foto: 36525019 © Federico Marsicano | Dreamstime.com )
27
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
ção, comprometendo tanto os juvenis como os exemplos de impactos que podem acontecer
adultos. Redes de pesca podem também emara‐ com qualquer embarcação. A embarcação tam‐
nhar‐se em recifes de coral e promover danos bém pode ficar sem propulsão e gerar um inci‐
aos organismos que formam os recifes ou que os dente de navegação, ameaçando a vida dos
habitam. tripulantes, além de prejuízos materiais. Quan‐
do os danos acontecem fora de áreas portuárias,
Outro impacto econômico dos resíduos a perda financeira ainda envolve o resgate da
da pesca é o emaranhamento dos artefatos pes‐ embarcação e da tripulação. Em regiões portuá‐
queiros às hélices dos motores das embarcações rias, os impactos associados à presença de resí‐
(Figura 4.3). Quando acidentes como esses duos sólidos na água são negligenciados,
acontecem, os pescadores arcam com custos mesmo sendo de grande risco. Essa displicência
elevados de reparo do equipamento, além de é um reflexo da complexidade logística e do alto
também serem prejudicados financeiramente, custo associado à limpeza de resíduos nesses
por ficarem impossibilitados de pescar enquan‐ ambientes. No entanto, o reparo de danos em
to o serviço é realizado. Quando os resíduos embarcações pode ser tanto demorado quanto
sólidos enroscam nas redes de pesca, o pesca‐ oneroso, ficando evidente a importância da pre‐
dor também pode ser prejudicado devido a ris‐ venção de tais impactos.
cos de ferimentos, danos às redes e dificuldades
em separar os organismos capturados dos resí‐
duos, aumentando o seu tempo de trabalho.
Além disso, os resíduos presos às redes podem Danos à saúde humana
aumentar o consumo de combustível, pois seu A presença de resíduos sólidos no mar
peso adicional pode exigir um aumento na tra‐ pode levar a impactos diretos e indiretos à saú‐
ção da embarcação. A possibilidade de peixes e de humana. Resíduos hospitalares, pilhas e ba‐
outros frutos do mar de interesse comercial in‐ terias, embalagens de substâncias químicas
gerirem resíduos também pode influenciar na perigosas, latas e fragmentos de vidro são
procura pelo pescado, diminuindo seu valor de exemplos de resíduos que provocam prejuízos à
mercado e impactando o setor pesqueiro e da saúde e segurança humana, por serem perfuro‐
maricultura. cortantes e/ou tóxicos. Além disso, assim como
os animais, banhistas, surfistas e mergulhado‐
res podem emaranhar‐se em redes de pesca e
III. Navegação outros artefatos que estejam flutuando na colu‐
na d’água ou presos ao fundo, levando ao risco
Além da pesca, outras atividades de na‐ de afogamento. Ambientes com acúmulo de re‐
vegação podem ser impactadas pela presença de síduos podem agir como criadouro de vetores
resíduos nos mares. O emaranhamento das héli‐ de doenças, como mosquitos, moscas, baratas e
ces de motores, colisões que podem causar da‐ ratos, degradando a paisagem e trazendo riscos
nos na estrutura ou o entupimento de de transmissão de doenças. Resíduos sólidos
tubulações (como as responsáveis pela captura podem ainda atuar como vetores de bactérias
de água de refrigeração para os motores) são patogênicas presentes no esgoto, com grande
probabilidade de ter sua dispersão aumentada
no ambiente marinho. Por fim, acidentes com
embarcações, causados por resíduos flutuantes,
podem representar um risco à navegação e,
consequentemente, à segurança da tripulação e
dos passageiros. Os possíveis impactos da in‐
gestão de microplásticos por humanos será tra‐
tado adiante.
28
I. Alteração de habitats Figura 4.5.
Colônia de co‐
Apesar de serem mais notáveis, os im‐ ral‐sol Tubas‐
pactos no ambiente marinho não se limitam ao trea sp.
período em que os resíduos sólidos estão flutu‐ incrustado em
ando na superfície ou coluna d’água. Resíduos plástico encon‐
que se depositam no fundo do mar, em ambien‐ trado em praia
do litoral norte
tes bentônicos55, podem prejudicar recifes de de São Paulo.
corais e costões rochosos, por exemplo, raspan‐ (Foto: Elisa van
do, quebrando, sufocando ou danificando, de al‐ Sluys Menck)
guma forma, corais, algas e outros organismos
sésseis56 (Figura 4.4).
Ambientes com fundos arenosos tam‐ por vezes, são encontradas nas praias, quando
bém podem ter sua estrutura de comunidades eventos climáticos e correntes as levam até lá. É
de organismos bentônicos alterada pelo movi‐ o caso da Tabastrea sp., um crustáceo séssil (Fi‐
mento de redes perdidas ou outros objetos de‐ gura 4.5). Um exemplar dessa espécie foi encon‐
positados. Itens com grandes superfícies (sacos trado em uma praia no Litoral Sul do Estado de
plásticos, papelões, redes, partes de embarca‐ São Paulo57, incrustado em um fragmento de
ções etc.) podem cobrir o leito marinho e torná‐ plástico que, provavelmente, percorreu uma lon‐
lo pobre em oxigênio e, consequentemente, su‐ ga distância até chegar à costa brasileira.
focar os organismos que vivem enterrados
(macrofauna) ou entre os grãos de sedimento Quando os organismos invasores apre‐
(meiofauna). sentam vantagens ecológicas sobre os organis‐
mos nativos, com os quais disputarão espaço e
Os habitats bentônicos servem como ba‐ alimento, podem acabar suprimindo‐os, causan‐
se para a manutenção de importantes ecossiste‐ do desequilíbrio ecológico. Bactérias patogênicas
mas, além de terem um papel fundamental para também são organismos potencialmente disper‐
o desenvolvimento de muitas espécies, impor‐ sados por resíduos flutuantes, podendo causar
tantes constituintes da base da cadeia alimentar impactos na estrutura dos ecossistemas, na pes‐
do oceano. Muitos organismos de interesse co‐ ca e na saúde humana. Além de causar uma série
mercial (lagostas, caranguejos, polvos e peixes) de impactos ambientais, a introdução de espécies
também dependem da qualidade desses habi‐ exóticas ainda apresenta remediações custosas,
tats, ressaltando novamente a importância de se podendo inviabilizar ações locais de combate ao
evitar esses impactos. problema.
II. Introdução de espécies exóticas III. Emaranhamento de animais
Um dos grandes problemas dos resíduos Diversos tipos de resíduos sólidos po‐
sólidos no oceano é a falta de barreiras que impe‐ dem emaranhar‐se em organismos marinhos,
çam que os resíduos se espalhem entre ecossiste‐ conferindo‐lhes uma série de riscos e normal‐
mas e continentes, pela ação das correntes mente levando‐os à morte. Artefatos de pesca,
oceânicas. Nesse sentido, os resíduos, sobretudo como linhas, cabos, redes e armadilhas, são os
os flutuantes, têm um papel importante na intro‐ principais causadores desse tipo de impacto.
dução de espécies exóticas, ou seja, aquelas que Depois de abandonados ou perdidos nos mares,
não pertencem originalmente a um determinado esses objetos continuam prendendo organismos
local. Por servirem como substrato, os resíduos e causando um fenômeno conhecido como “pes‐
são colonizados por diversos grupos de organis‐ ca fantasma” (Figura 4.6).
mos (bactérias, algas e invertebrados sésseis).
Pela facilidade de deslocamento, esses resíduos Com a expansão da atividade de pesca,
colonizados podem navegar de um ambiente pa‐ as redes e os petrechos tornaram‐se cada vez
ra outro, aumentando o risco de espécies nativas maiores e novos ambientes passaram a ser ex‐
de uma região serem introduzidas em outras, às plorados (ex. cânions submarinos). Esse fato
quais ainda não pertenciam. Algumas espécies ampliou a abrangência dos habitats alcançados
que ocorrem apenas em alto mar (plâncton azul) e a magnitude dos impactos causados pelos resí‐
são transportadas pelas correntes oceânicas e, duos de pesca. Além dos artefatos de pesca, ou‐
29
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 4.6. Organismos emaranhados por petrechos de pesca. (Fotos: NOAA ‐ caranguejo; e NOAA PIFSC ‐
tartaruga)
tros resíduos, como embalagens, elásticos, bar‐ como tartarugas, aves e mamíferos. Apesar de
bantes e anéis de embalagens de bebidas tam‐ poucos estudos quantificarem esse impacto, é
bém podem se prender em organismos, um problema já reconhecido como uma impor‐
causando cortes, estrangulamento e outros feri‐ tante causa de morte de animais marinhos.
mentos. O simples fato de estar emaranhado e,
dessa forma, ter seu movimento limitado, pode Para reduzir os impactos causados pelos
tornar o organismo mais vulnerável à predação e resíduos sólidos no oceano, medidas que impe‐
menos capaz de obter alimento, podendo morrer çam a entrada dos resíduos são preferíveis àque‐
por inanição. O emaranhamento também pode las tomadas após os resíduos já terem adentrado
levar ao surgimento de infecções pelos ferimen‐ o mar, pois enquanto estiverem lá, causarão al‐
tos que causa, além de sufocamento e afoga‐ gum tipo de impacto.
mento, no caso de vertebrados pulmonados,
Notas
52. GESAMP (2020) Proceedings of the GESAMP International Workshop on Assessing the Risks as‐
sociated with Plastics and Microplastics in the Marine Environment. Reports and Studies. 60
p. (http://www.gesamp.org/publications/gesamp‐international‐workshop‐on‐assessing‐the‐
risks‐associated‐with‐plastics‐and‐microplastics‐in‐the‐marine‐environment)
53. UN Environment (2017). Marine Litter Socio Economic Study, United Nations Environment Pro‐
gramme, Nairobi. Kenya. 113 p. (https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/
20.500.11822/26014/Marinelitter_socioeco_study.pdf?sequence=1&isAllowed=y)
54. Krelling, A. P., Williams, A. T., & Turra, A. (2017). Differences in perception and reaction of
tourist groups to beach marine debris that can influence a loss of tourism revenue in coastal
areas. Marine Policy, 85(87‐99). (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/
S0308597X17301689)
55. Próximos ou em contato com o fundo.
56. Organismos que vivem fixos ao substrato, incapazes de se locomover.
57. Conforme dados de monitoramento do Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Mari‐
nha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. (http://www3.io.usp.br:48080/
manejo/index.php)
30
Capítulo 5
Lixo ou comida?
Figura 5.1. Exemplos de organismos susceptíveis à ingestão de resíduos plásticos: peixes e organismos do
zooplâncton58 (Fotos: Algalita Marine Research Foundation ‐ peixe ‐ e Matthew Cole ‐ zooplâncton ‐ gentil‐
mente cedidas).
31
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
32
Depois de liberados, esses poluentes podem ser a ingestão de itens nessa escala de tamanho pos‐
transferidos para os tecidos dos organismos, pe‐ sui características próprias, que potencializam
netrar nas células e interagir quimicamente com alguns impactos e permitem a existência de ou‐
importantes moléculas biológicas, promovendo tros não causados pela ingestão de grandes itens.
efeitos tóxicos, inclusive para o DNA.
Além dos danos relacionados à ingestão
Esses poluentes têm efeitos fisiológicos de qualquer resíduo, plásticos nas escalas micro
bem estabelecidos, podendo causar estresse, dis‐ e nanométricas (1nm = 0,000001mm) são pe‐
funções endócrinas61, câncer e respostas imuno‐ quenos o bastante para serem transportados do
lógicas62. Fragmentos plásticos perdidos em tubo digestório para as células sanguíneas e, as‐
ambientes marinhos e contaminados com polu‐ sim, atingirem outros tecidos do indivíduo, po‐
entes orgânicos persistentes (POPs), hidrocar‐ dendo causar efeitos tóxicos devido aos aditivos
bonetos policíclicos aromáticos (HPAs), como e outros poluentes adsorvidos em sua superfície
aqueles derivados da queima de combustíveis (Figura 5.2). Sinais de inflamação e de estresse
fósseis, e metais pesados também já foram en‐ em invertebrados marinhos, devido à exposição
contrados em diversas partes do mundo, do Ja‐ e ingestão de microplásticos, já foram confirma‐
pão aos Estados Unidos e Europa, assim como dos pela existência de danos biológicos em ní‐
no Brasil, aumentando os riscos da contamina‐ veis celulares. Impactos celulares como esses
ção da biota por esses poluentes via ingestão dos podem alterar o desenvolvimento dos organis‐
plásticos. mos, por exemplo, diminuindo suas taxas de ali‐
mentação e influenciando no crescimento e na
Vale ressaltar, no entanto, que esse sobrevivência.
transporte de compostos químicos do plástico
para a biota não ocorre apenas em situações Os vários tipos de poluentes que já estão
em que o resíduo é ingerido. Já foi comprova‐ presentes na água e em substratos marinhos,
do63 que larvas de ouriço‐do‐mar incubadas como por exemplo os derivados de combustíveis
em água do mar contendo pellets plásticos vir‐ fósseis e outros poluentes orgânicos, também
gens64 e também pellets coletados em campo65 podem ter seus impactos potencializados pela
sofreram anomalias em seu desenvolvimento, ingestão de microplásticos, uma vez que esses
sem que ocorresse a ingestão. Portanto, os poluentes possuem afinidade química com as
efeitos observados foram decorrentes da con‐ resinas plásticas. Concentrações de outros polu‐
taminação das larvas pelos compostos quími‐ entes acumulados na superfície dos microplásti‐
cos liberados pelos pellets diretamente na água cos podem ser milhares de vezes maior que a da
do mar, sejam aditivos ou os compostos que água do mar, e essas substâncias podem ser lixi‐
foram adsorvidos pelos pellets em ambientes viadas para organismos que ingerem o plástico,
contaminados. No entanto, a ingestão de resí‐ como discutido anteriormente.
duos representa a principal maneira desse tipo
de contaminação ocorrer e, por isso, é a mais De maneira geral, os potenciais impac‐
pesquisada e entendida. tos dos plásticos (como a contaminação por po‐
luentes adsorvidos) aumentam à medida que o
II. Impactos associados aos microplásticos tamanho do resíduo diminui. Isso ocorre por‐
que, conforme o tamanho da partícula diminui,
Os microplásticos (menores ou iguais a 5 maior é a sua área superficial de contato com o
milímetros) estão numa escala tão diminuta de ambiente em relação ao seu volume e, dessa
tamanho, que se tornam pouco impactantes este‐ maneira, maior será a concentração relativa de
ticamente e as chances de emaranhar em animais compostos químicos adsorvidos em sua super‐
ou causar danos às atividades náuticas são prati‐ fície. Adicionalmente, a quantidade de partícu‐
camente nulas. No entanto, o tamanho pequeno las de microplástico ingeridas por um
aumenta a diversidade de organismos passíveis organismo tende a ser bem maior que a de ma‐
de ingeri‐los, assim como o tempo de permanên‐ croplásticos.
cia no trato gastrointestinal. Partículas com di‐
mensões micrométricas (1µm = 0,001mm),
como as utilizadas como abrasivos em cosméti‐ O tamanho do resíduo importa e alte‐
cos esfoliantes, podem ser ingeridas por organis‐ ra os impactos associados a eles.
mos marinhos como peixes, siris, mexilhões, Quanto menor o resíduo, maior sua
ostras, poliquetas, pepinos do mar, esponjas, biodisponibilidade e a variedade de
ascídias e, até mesmo, zooplâncton. Além disso, impactos associados.
33
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 5.2. Caminho dos micro e nanoplásticos ingeridos pelo mexilhão, bem como dos aditivos e poluen‐
tes adsorvidos, indicando seus efeitos biológicos.
34
Notas
58. Zooplâncton: conjunto de organismos aquáticos, normalmente com tamanhos diminutos, he‐
terotróficos (incapazes de produzir seu próprio alimento) e com pouca ou nenhuma capacida‐
de de locomoção. Os crustáceos constituem um importante grupo do zooplâncton em termos
de abundância. A ingestão do plástico pelo zooplâncton (na foto) foi observada em um estudo
experimental, no qual as partículas plásticas foram marcadas com fluorescência para possibi‐
litar a observação.
59. FAO (2017) Microplastics in fisheries and aquaculture. FAO Fisheries and Aquaculture Techni‐
cal Paper, 615. 126p. (http://www.fao.org/3/a‐i7677e.pdf)
60. Plastic Health Coalition (https://www.plastichealthcoalition.org/plastic‐health‐coalition/)
61. Mau funcionamento das glândulas produtoras de hormônios.
62. Alterações nas estruturas e processos biológicos que protegem os organismos contra agentes
infecciosos, como vírus e bactérias.
63. Nobre CR et al. (2015) Assessment of microplastic toxicity to embryonic development of the
sea urchin Lytechinus variegatus (Echinodermata: Echinoidea). Marine Pollution Bulletin,
92(1‐2). (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0025326X15000107?via=ihub)
64. Produto plástico na forma como saiu da indústria, com sua carga original de aditivos.
65. Pellets que, por estarem no ambiente há algum tempo, podem ter liberado os aditivos de fa‐
bricação na água do mar e podem ter adsorvido poluentes que já estavam na água.
35
PARTE III
O QUE VEM
SENDO FEITO
Capítulo 6
Quais ações internacionais buscam
solucionar o problema?
Capítulo 7
Quais as ações no Brasil?
Capítulo 6
Quais ações internacionais
buscam solucionar o problema?
Debates e acordos internacionais so‐ um meio ambiente de qualidade. Nesse mesmo
bre os resíduos sólidos nos mares ano, foi criado, pela própria ONU, o Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente
O acúmulo de resíduos no oceano come‐
(PNUMA; do inglês, United Nations Environ‐
çou a ter seus impactos identificados à luz das
ment Programme ‐ UNEP), que tem como obje‐
pesquisas sobre a dinâmica oceânica e sobre os
tivo facilitar a cooperação internacional no
processos físico‐químicos associados à perma‐
campo ambiental. Posteriormente, em 1992, a
nência dos resíduos sólidos no ambiente mari‐
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
nho. Esse conhecimento despertou o interesse
Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD; em
em compreender a dimensão dos danos causa‐
inglês, United Nations Conference on Environ‐
dos por essa poluição à vida marinha, aos ecos‐
ment and Development ‐ UNCED), mais conhe‐
sistemas e às atividades humanas. A partir dessa
cida como Rio 92, veio aperfeiçoar os
percepção, esforços internacionais conjuntos,
mecanismos de proteção ambiental internacio‐
principalmente por países integrantes da Orga‐
nal e reafirmou a Declaração de Estocolmo.
nização das Nações Unidas (ONU), vêm sendo
realizados, a fim de resguardar a qualidade do Vinte anos mais tarde, em 2012, a Con‐
ambiente marinho (Figura 6.1). ferência das Nações Unidas sobre Desenvolvi‐
mento Sustentável (Rio +20) teve o objetivo de
Foi na década de 1970, em fóruns de dis‐
renovar o compromisso político com o desen‐
cussão mais abrangentes sobre a poluição e ges‐
volvimento sustentável, tendo a economia verde
tão do meio ambiente marinho, que essa
e a estrutura institucional para o desenvolvi‐
problemática começou a ser abordada, inclusive
mento sustentável no centro das discussões.
com os primeiros encontros específicos sobre o
Durante esse processo, houve um amadureci‐
tema. A questão ambiental passou a ter maior vi‐
mento do entendimento da importância do oce‐
sibilidade no final da década de 1960, quando foi
ano, tanto para a regulação do clima quanto
fundado o Clube de Roma, em 1968, para discu‐
para a sustentabilidade da vida no planeta.
tir as relações do desenvolvimento econômico
com a saúde do planeta. A partir desses esforços, Dentre os diversos temas que emergi‐
em 1972, foi publicado o relatório “Os Limites ram ao longo dessas décadas, os resíduos sóli‐
do Crescimento”66 (do inglês, The Limits to dos ganharam destaque, em função da sua forte
Growth), que trazia perspectivas alarmantes percepção pela sociedade e pelos impactos que
quanto aos impactos do desenvolvimento econô‐ causam. Como resultado desse processo, a As‐
mico na manutenção de um meio ambiente sau‐ sembleia das Nações Unidas para o Meio Ambi‐
dável. ente (em inglês, United Nations Environmental
Assembly ‐ UNEA) reuniu‐se pela primeira vez
No mesmo ano, na Suécia, ocorria a
em 2014 e elencou o tema “resíduos nos mares"
Conferência de Estocolmo, realizada pela ONU.
como prioritário em suas discussões.
Essa reunião tinha como objetivo discutir os
efeitos da industrialização no meio ambiente e Nos últimos 50 anos, diversas iniciativas
foi um marco, quanto à inserção dos países, na abordaram, em nível global, questões pertinen‐
discussão sobre a questão ambiental. Como fru‐ tes aos resíduos sólidos. A seguir, abordaremos
to desse trabalho, foi firmada a Declaração da as ações e produtos gerados especificamente em
Conferência das Nações Unidas sobre Meio relação a esse tipo de poluente, divididos de
Ambiente Humano67. Seus princípios visavam acordo com as fontes, terrestres e marinhas, se‐
estender a Declaração Universal dos Direitos guidos por ações entendidas como transversais,
Humanos, como o primeiro documento do direi‐ por tratarem ambas as fontes indiscriminada‐
to internacional a reconhecer o direito humano a mente.
39
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 6.1. Histórico de debates e ações internacionais sobre resíduos nos mares.
40
Fontes marinhas acordo internacional para a eliminação da po‐
Em 1972, ocorreu, em Londres, a Con‐ luição por embarcações, a qual entrou em vigor
venção para a Prevenção da Poluição Marinha em 1983, porém, seu Anexo V, que trata da po‐
por Operações de Imersão de Detritos e Ou‐ luição por resíduos sólidos, entrou em vigor
tros, conhecida como Convenção de Londres68. apenas em 1988. A promulgação do anexo V
Em vigor desde 1975, essa convenção teve co‐ dessa convenção tornou estritamente proibido
mo objetivo a promoção do controle efetivo de o lançamento ao mar de qualquer tipo de resí‐
todas as fontes de poluição marinha e a adoção duo plástico gerado nas embarcações, sejam
de medidas possíveis para evitar a poluição do eles cabos, redes, sacolas ou cinzas de incinera‐
mar por lançamento de resíduos e outras subs‐ dores provenientes de produtos plásticos. De
tâncias. A fim de modernizar a Convenção de forma semelhante, proibiu o lançamento de
Londres e posteriormente substituí‐la, em 1996 qualquer tipo de resíduo, seja ele plástico ou
foi firmado o Protocolo de Londres69. Esse pro‐ não, com exceção de restos orgânicos tritura‐
tocolo, que entrou em vigor em 24 de março de dos, produzido em plataformas de exploração
2006, condenou todo tipo de lançamento de de recursos minerais (ex. petróleo) em alto‐
substâncias e resíduos no mar e pode ser enten‐ mar. O Anexo V foi revisado mais recentemente
dido como um avanço na proteção dos mares e e, a partir de 1º de janeiro de 2013, proíbe a
oceano, contando, atualmente, com 45 países descarga de todo tipo de resíduos no mar, exce‐
signatários. to restos de alimentos, resíduos de carga (con‐
tidos ou não em águas de lavagem e não
Com o aumento do tráfego marinho de prejudiciais ao meio ambiente), agentes de lim‐
embarcações, houve também um aumento dos peza e aditivos (contidos em águas de lavagem
resíduos gerados. Assim, em 1973, ocorreu a de porões de carga, pavimentos e superfícies) e
Convenção Internacional para a Prevenção da carcaças de animais (transportados como car‐
Poluição por Navios (em inglês, International ga), a qualquer distância da costa, em áreas
Convention for the Prevention of Pollution from não sujeitas à gestão especial (Figura 6.2).
Ships ‐ MARPOL)70. Essa convenção é consi‐
derada um marco histórico para a problemática Em 10 de dezembro de 1982, na Baía de
da poluição por embarcações, pois estabelece Montego, na Jamaica, a Convenção das Nações
regulamentações para prevenir e minimizar o Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM; em
lançamento deliberado, negligente ou acidental inglês, United Nations Convention on the Law of
de óleo, resíduos sólidos e outras substâncias the Sea ‐ UNCLOS)71 foi aprovada. Essa con‐
danosas, por navios. Com isso, firmou‐se um venção propôs um novo documento legal e mais
Figura 6.2. Restrições impostas pelo Anexo V da MARPOL (1988) e após recente atualização (2013), para o
despejo de dejetos por navios em áreas não sujeitas aos regramentos especiais.
41
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
43
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Devido à importância dada à preserva‐ de ações que controlem suas fontes marinhas e
ção da vida marinha, pelos Objetivos de Desen‐ terrestres e que diminuam a quantidade de resí‐
volvimento Sustentável, foi realizada, em 2017, duos já existentes no meio ambiente. A Estraté‐
a Conferência do Oceano, em Nova Iorque, no gia de Honolulu tem um papel fundamental
Dia Mundial do Oceano (8 de junho). Essa con‐ para o embasamento de soluções sustentáveis e
ferência teve, como meta, identificar formas e estruturantes para a presença de resíduos nos
meios de apoiar a implementação do ODS 14. mares e, portanto, será tratada mais detalhada‐
Mais de 1.600 compromissos voluntários já fo‐ mente adiante.
ram propostos por chefes de estado, empresas,
sociedade civil e outras partes interessadas, para Algumas ações regionais tiveram rele‐
essa finalidade88. Dentre os compromissos assu‐ vância no combate aos resíduos sólidos nos ma‐
midos, está o de acelerar ações para prevenir e res. No âmbito europeu, desde 1972, a
reduzir significativamente a poluição marinha Comissão de Oslo e Paris (em inglês, OSPAR
de todos os tipos, incluindo detritos marinhos, Commission) atua na identificação de ameaças
plásticos e microplásticos e petrechos de pesca para o ambiente marinho e na organização, em
perdidos, abandonados ou descartados de outra toda a sua área marítima, de programas e medi‐
forma. A Segunda Conferência do Oceano (Lis‐ das de combate a essas ameaças. Em dezembro
boa, 2021) está sendo considerada um marco de 2015, ocorreu a Conferência sobre Micro‐
para a busca dos Objetivos de Desenvolvimento plásticos (Roterdã, Holanda), com discussões
Sustentável. Essa conferência buscará impulsio‐ sobre a cadeia de valor do plástico e as medidas
nar soluções inovadoras, baseadas na ciência, para reduzir a entrada de microplásticos no am‐
necessárias para iniciar um novo capítulo da biente marinho. Soma‐se a essa iniciativa, no
ação global para o oceano. bloco europeu, a Conferência Internacional so‐
bre a Prevenção e Gestão de Lixo nos Mares Eu‐
A Administração Nacional do Oceano e ropeus (2013; Berlin, Alemanha), realizada no
Atmosfera (em inglês, National Oceanic and At‐ âmbito do Programa de Mares Regionais, com
mospheric Administration ‐ NOAA) é um exem‐ participantes de diversos segmentos da socieda‐
plo de agência governamental que assumiu a de. Organizada pela Agência Federal Ambiental
responsabilidade de discutir a temática dos resí‐ da Alemanha (UBA, sigla em alemão), teve co‐
duos nos mares, em escala global. Nos EUA, ela mo objetivo colocar em prática as obrigações
promove, desde a década de 1980, estudos sobre firmadas na Rio +20 e fazer com que os países
resíduos no ambiente marinho, apresentando os europeus contribuíssem para a Estratégia de
resultados em uma série de conferências inter‐ Honolulu.
nacionais denominadas Conferências Internaci‐
onais sobre o Lixo Marinho (em inglês, Ainda no âmbito da comunidade euro‐
International Marine Debris Conference). Tais peia, destacam‐se as Diretivas da Comunidade
conferências buscam uma melhor definição do Europeia, que correspondem a um ato legal, e
problema dos resíduos sólidos nos mares; iden‐ propõem objetivos a serem alcançados por to‐
tificar e recomendar ações para sua mitigação; dos os países da União Europeia, ainda que ca‐
compilar informações quanto à quantidade, dis‐ da país possa elaborar as suas próprias regras
tribuição e impactos dos resíduos nos mares; as‐ para cumpri‐los. Como exemplos relacionados
sim como propor soluções. ao tema dos resíduos nos mares, temos:
6. Desenvolver metas globais, regionais, nacionais e locais, para reduzir os resíduos nos
mares;
9. Incentivar o apoio financeiro para ações globais, regionais, nacionais e locais, que
contribuam para a implementação da Estratégia de Honolulu;
11. Participar de uma rede global de agentes comprometidos com o entendimento, pre‐
venção, redução e gestão dos resíduos nos mares, de uma maneira ambientalmente
sustentável;
45
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
ramento da qualidade do ambiente mari‐ Também em 2016, o GESAMP lançou “Lixo
nho, com vistas a atingir um estado sau‐ plástico marinho e microplásticos ‐ lições e pes‐
dável do ambiente até 2020, no qual os quisas globais para inspirar ações e guiar mu‐
resíduos nos mares figuram como um danças políticas”98, trazendo o entendimento de
dos descritores a serem analisados (Ane‐ uma perspectiva global do problema, bem como
xo 1 ‐ Descritor 10: “As propriedades e recomendações para mudanças no comporta‐
quantidade de lixo marinho não prejudi‐ mento de todos os atores envolvidos. Já em
cam o meio costeiro e marinho”). 2019, as “Diretrizes para o monitoramento e
avaliação de lixo plástico no oceano”99 preten‐
• Decisão 2010/477/UE, 201093 – Estabe‐ dem promover uma abordagem mais harmoni‐
lece critérios e normas metodológicas pa‐ zada, com a seleção de indicadores apropriados
ra avaliação do bom estado ambiental das para o estabelecimento de programas nacionais
águas marinhas, incluindo resíduos sóli‐ e regionais de monitoramento.
dos.
Outro importante marco na gestão dos
• Livro Verde: Sobre uma Estratégia Euro‐ resíduos sólidos nos mares foi a criação, du‐
peia para os Resíduos de Plásticos no rante a Rio +20, em 2012, da Parceria Global
Ambiente94 – Livro que propõe uma refle‐ sobre Lixo Marinho (em inglês, Global Part‐
xão profunda sobre possíveis respostas às nership on Marine Litter ‐ GPML100), pelo
questões que se colocam às políticas pú‐ GPA. De base multissetorial e voluntária, essa
blicas para os resíduos de plástico, não parceria tem como objetivo proteger a saúde
especificamente abordadas pela legisla‐ humana e ambiental, pela redução e gestão
ção da União Europeia, em matéria de re‐ dos resíduos. Seus apoiadores correspondem
síduos. a organismos internacionais, órgãos governa‐
O Grupo Conjunto de Especialistas so‐ mentais, iniciativa privada e sociedade civil
bre os Aspectos Científicos da Proteção Ambien‐ organizada, que contribuem financeiramente
tal Marinha (em inglês, Joint Group of Experts e/ou com conhecimentos técnicos. Essa par‐
on the Scientific Aspects of Marine Environmen‐ ceria visa fortalecer iniciativas que, com base
tal Protection ‐ GESAMP), criado em 1969, pos‐ na Estratégia e no Compromisso de Honolulu,
sui, como função, o aconselhamento técnico evitem a entrada de resíduos nos mares. A
junto à ONU, sobre essa temática. Os resíduos GPML está vinculada a outra iniciativa, a Par‐
nos mares correspondem a uma das frentes de ceria Global para a Gestão dos Resíduos Sóli‐
trabalho do GESAMP, por ser reconhecido como dos (em inglês, Global Partnership on Waste
um dos grandes problemas do oceano. Maior Management ‐ GPWM), com vistas a garantir
atenção é dada aos microplásticos, uma vez que que as estratégias e metas referentes aos resí‐
eles compõem uma parte preocupante e ainda duos nos mares estejam acopladas à redução e
pouco compreendida dos resíduos sólidos nes‐ à gestão de resíduos sólidos.
ses ambientes. A primeira Assembleia das Nações Uni‐
Em 2009, o GESAMP definiu uma linha das sobre Meio Ambiente (em inglês, United
de ação para o problema dos resíduos nos mares Nations Environmental Assembly ‐ UNEA;
e, em 2010, realizou a Reunião Inicial do Grupo 2014, Nairóbi, Quênia) teve origem na Rio +20
de Trabalho 40 da GESAMP (UNESCO‐IOC, e foi fruto de acordos entre líderes mundiais,
Paris, França), para a discussão do tema. Esse para que o PNUMA fosse fortalecido. Nesse
encontro reuniu a iniciativa privada, universida‐ primeiro evento foram abordadas diversas
des, organizações da sociedade civil e tomadores questões importantes, entre elas os resíduos
de decisão para examinarem o potencial dos mi‐ plásticos, incluindo os microplásticos, no am‐
croplásticos, como um vetor no transporte de biente marinho. Nessa sessão, representantes
substâncias tóxicas persistentes e bioacumula‐ de mais de 160 países aprovaram a Resolução
doras no oceano95. Em 2015, o Grupo de Traba‐ 1/6101 sobre resíduos plásticos nos mares. Essa
lho 40 publicou o relatório “Fontes, destinos e resolução toma, como pontos importantes, a
impactos dos microplásticos no ambiente mari‐ identificação das principais fontes de detritos
nho ‐ uma avaliação global”96, que traz uma de plásticos no ambiente marinho e de possí‐
série de recomendações para ações e melhorias veis medidas, ou seja, melhores técnicas e
para as futuras avaliações. Em 2016, uma se‐ práticas ambientais disponíveis, para evitar e
gunda parte desse documento97 foi publicada. mitigar o acúmulo de plásticos no ambiente
46
marinho. Como desdobramento, foi elaborado diferentes setores da sociedade, a implementa‐
um relatório técnico102 para embasar as discus‐ rem planos de ação para a prevenção da entrada
sões do segundo encontro da UNEA (2016, de resíduos sólidos e microplásticos no mar, em
Nairóbi, Quênia), durante o qual foi elaborada escalas nacionais e regionais, além de fortalecer
uma resolução para guiar os diferentes países cooperações internacionais, visando atingir a
em suas ações. meta 14.1 dos ODS até 2025.
Na Resolução 2/11103, os governos soli‐ Em complementação à Resolução 3/7,
citaram uma avaliação da eficácia das estraté‐ elaborou‐se uma lista de resoluções, decisões e
gias de governança internacional, regional e acordos relevantes, bem como relatórios do Pro‐
sub‐regional e abordagens para combater o lixo grama das Nações Unidas para o Meio Ambien‐
plástico e os microplásticos marinhos, levando te e outras organizações, Estados‐membros e
em consideração as regulamentações internacio‐ partes interessadas, para a informação dos par‐
nais, bem como a identificação de possíveis lacu‐ ticipantes, na primeira reunião do comitê do
nas e estratégias para resolvê‐las. Nesse sentido, grupo de especialistas em lixo marinho e micro‐
durante a UNEA 3 (2017, Nairóbi, Quênia), foi plásticos. Tais documentos estão disponíveis pa‐
elaborada uma avaliação da eficácia de estraté‐ ra consulta pública106. Essa resolução também
gias e abordagens de governança para o combate criou um Grupo de Especialistas Ad‐Hoc sobre
aos resíduos plásticos e microplásticos104, da Lixo no Mar e Microplásticos, para examinar
qual originou‐se uma lista de prioridades, para mais detalhadamente os desafios e as opções de
serem implementadas imediatamente, ou de cur‐ combate ao lixo plástico marinho e microplásti‐
to a longo prazo, pelas nações (Quadro 6.1). cos de todas as fontes, especialmente as terres‐
Também foi elaborada a Resolução 3/7105, que tres. Esse Grupo de Especialistas foi incumbido
convoca os Estados‐membros, considerando os de: (1) realizar um levantamento das atividades
Quadro 6.1. Sugestão de prioridades e prazos às governanças dos Estados‐membros da UNEA 3.
Efetividade Estratégias
• Identificar e banir produtos indesejáveis e desnecessários e produtos químicos
perigosos, em processos de produção e reciclagem (reduzir).
• Identificar oportunidades para o reuso, os componentes necessários para
possibilitar isso, os incentivos e a infraestrutura necessária (identificação,
Imediata coleta, classificação, desmontagem etc.), para projetar produtos
reutilizáveis.
• Iniciar a análise dos impactos ambientais do lixo para energia e quaisquer
incentivos perversos que isso pode criar (como, p. ex., menor priorização de
redução e reuso).
• Iniciar a análise da legislação nacional, no contexto da prevenção de todas as
fontes, mitigação e limpeza.
• Estabelecer órgãos governamentais que supervisionarão as políticas de gestão
de resíduos sólidos, implementação e monitoramento.
• Melhorar os serviços de coleta, transporte, armazenamento, classificação e
descarte, com o objetivo de reduzir a entrada de resíduos sólidos no oceano,
considerando todo o ciclo de vida dos componentes.
Curto prazo
• Vincular a poluição por plásticos aos padrões de qualidade do ar e da água,
particularmente no caso de microplásticos primários, aditivos, produtos
químicos usados para reciclagem, liberação de toxinas de incineradores.
• Definir metas nacionais de coleta, de redução de aterros, de reciclagem e de
quantidades de resíduos plásticos pós‐consumo, para diferentes tipos e
aplicações.
• Aumentar o apoio à pesquisa sobre reciclagem secundária e terciária.
47
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Ano/ Instituição
Iniciativa Insights
Período responsável
Escala Internacional
Grupo Conjunto de Fornece conhecimento científico
Especialistas sobre os multidisciplinar sobre o ecossistema
1969 Aspectos Científicos da ONU marinho e atividades humanas
Proteção Ambiental impactantes para uma governança
Marinha ‐ GESAMP sustentável.
Trouxe perspectivas alarmantes sobre os
Relatório “Os limites do Clube de Roma impactos do desenvolvimento econômico
crescimento” e MIT para a saúde ambiental.
Primeiro documento a reconhecer o
Declaração de Estocolmo ONU direito humano a um meio ambiente de
qualidade.
1972
Regula o despejo de resíduos e outras
Convenção de Londres IMO substâncias potencialmente prejudiciais
ao meio marinho.
Criação do PNUMA Catalisa a ação internacional e nacional
(UNEP) ONU para a proteção do meio ambiente, no
contexto do desenvolvimento sustentável.
49
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Discute problemas e soluções para a
Conferência das Nações melhoria da qualidade de vida humana, a
Unidas sobre o Meio ONU partir de um ambiente saudável. Lança o
Ambiente Humano Programa Mares Regionais, instituído em
1972 1974.
Comissão de Oslo e Paris Identifica ameaças ao ambiente marinho e
(OSPAR) OSPAR organiza programas e medidas para
combatê‐las.
Estabelece limites geográficos para a
1973 MARPOL IMO deposição de diferentes resíduos por
embarcações no mar.
Programa Mares Estabelece a colaboração entre países
1974 Regionais PNUMA vizinhos para combater a degradação
marinha.
Discute sobre a origem dos resíduos
Conferências sólidos no mar e propõe, a partir do
desde 1980 Internacionais sobre o NOAA levantamento de dados científicos,
Lixo Marinho soluções para o problema.
Estabelece os direitos do mar, com
definições e regras sobre o uso do
1982 CNUDM (UNCLOS) ONU ambiente marinho e seus recursos.
Destaca a prevenção, redução e controle
da poluição marinha de origem terrestre.
Trata da poluição por resíduos sólidos,
proibindo o lançamento ao mar de
1988 Anexo V ‐ MARPOL IMO qualquer tipo de resíduo plástico gerado
nas embarcações.
Estabelece a Agenda 21, compromisso
político mundial com o desenvolvimento
1992 Rio92 ONU sustentável, e lança a Carta da Terra, que
estabelece uma nova relação entre
economia, meio ambiente e sociedade.
Entende que as atividades realizadas em
terra podem gerar impactos ao oceano,
1995 GPA PNUMA por meio da conexão criada pelas bacias
hidrográficas.
Entrou em vigor em 2006 e condena o
1996 Protocolo de Londres IMO lançamento de substâncias e resíduos no
mar.
Objetivos de Compromisso para combater a extrema
2000 Desenvolvimento do PNUMA pobreza e outros problemas sociais até
Milênio 2015.
Fixa objetivos a serem alcançados por
Diretivas da Comunidade União todos os países da União Europeia, ainda
desde 2000 Europeia Europeia que cada país possa elaborar suas próprias
regras para cumpri‐los
50
Quadro 6.2. Continuação
2001 Avalia, periodicamente, a situação da
2006 IGR (Intergovernamental implementação do GPA e reforça o
Group Review) PNUMA comprometimento dos Estados‐membros
2012
com a proteção do oceano.
2018
Programa Discute dados gerados por 12 programas
Relatório “Lixo Marinho: Mares regionais, sobre resíduos sólidos no mar, e
2009
um Desafio Global” Regionais busca soluções para a questão.
Avalia o potencial dos microplásticos
Reunião Inicial do Grupo como vetor no transporte de substâncias
2010 GESAMP
de Trabalho 40 tóxicas persistentes e bioacumuladas no
oceano.
NOAA Pactua a intenção de diversos grupos de
Compromisso de
combater o problema dos resíduos nos
Honolulu UNEP mares.
2011
NOAA Instrumento de gestão para reduzir os
Estratégia de Honolulu impactos causados pelos resíduos sólidos
UNEP de fontes terrestres e marinhas.
Renovação do compromisso político, com
Rio+20 ONU destaque para os resíduos sólidos e para o
ambiente marinho.
2012
Integra atores e experiências, no combate
GPML GPA ao problema do lixo que chega ao mar.
Proíbe o descarte de qualquer tipo de
Revisão do MARPOL IMO resíduos no mar, exceto orgânicos, a
qualquer distância da costa.
2013 Conferência Internacional Agência
sobre a Prevenção e Federal Coloca em prática as obrigações firmadas
Gestão de Lixo nos Mares Ambiental da pelos países europeus na Rio +20
Europeus Alemanha
2014
2016 Edita resoluções para o fortalecimento e
UNEA PNUMA entendimento de uma abordagem
2017 integrada para combater o lixo nos mares.
2019
Cúpula das Nações Institui os 17 Objetivos de
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (ODS),
ONU dentre os quais o ODS 14 (“Vida na
Desenvolvimento
Sustentável água”), e a Agenda 2030.
2015 Relatório “Fontes,
destinos e impactos dos Grupo de Traz recomendações para futuras
microplásticos no Trabalho 40 ‐ avaliações sobre as fontes e impactos do
ambiente marinho ‐ uma GESAMP microplástico no ambiente marinho.
avaliação global”
51
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Conferência sobre Discute a cadeia de valor do plástico e as
OSPAR e
Microplástico formas de reduzir essa poluição no
Holanda
ambiente marinho
2015 Reforça e colabora com o GPA e GPML,
na construção e compartilhamento de
Plano de Ação do G7 G7 boas práticas e coordenação contínua
com as convenções dos Mares Regionais
Europeus.
“Lixo plástico marinho e
microplásticos ‐ lições e Busca o entendimento da perspectiva
Grupo de
pesquisas globais para global, com recomendações para a
2016 Trabalho 40 ‐
inspirar ações e guiar mudança de postura dos atores
GESAMP
mudanças políticas” envolvidos.
Amplia a discussão do ODS 14 e sua
internalização nos países, por meio da
Conferência do Oceano ONU proposição de mais de 1600
Compromissos Voluntários.
2017
Estabelece, através de uma Rede Global
Plano de Ação sobre Lixo Comprometida ‐ RGC, políticas de
G20
Marinho prevenção de poluição marinha por
resíduos sólidos.
Atualiza regulamentos, visando
Comitê de Proteção ao estabelecer novas medidas de combate ao
2018 IMO
Meio Ambiente Marinho lançamento de resíduos por embarcações.
“Diretrizes para o Promove a abordagem da concepção de
Grupo de
monitoramento e amostragem, selecionando indicadores
Trabalho 40 ‐
avaliação de lixo plástico apropriados para programas de
GESAMP
no oceano” monitoramento.
2019
Sugere a gestão de resíduos, de forma
Sexto Panorama UNEA 4/ abrangente e integrada, como um
Ambiental Global PNUMA caminho viável para a redução da
poluição marinha.
Década das Ciências
Impulsiona programas científicos para
Oceânicas para o
2021‐2030 UNESCO melhorar o gerenciamento dos recursos
Desenvolvimento
oceânicos e das zonas costeiras.
Sustentável
Esse capítulo abordou como o resíduo acordos estabelecidos, de forma a reduzir e eli‐
marinho, especialmente o resíduo plástico, pas‐ minar o lançamento de resíduos sólidos no mar.
sou a ser entendido como um problema ambien‐ Aqui não se pretende fazer um levantamento
tal e quais convenções e tratados consideraram exaustivo das ações existentes mundialmente,
o assunto historicamente. Isso permitiu que es‐ as quais estão elencadas em um relatório publi‐
tratégias, a nível de governança mundial, pudes‐ cado recentemente pela Universidade de Duke,
sem ser traçadas para a contenção do avanço Estados Unidos122. A seguir, serão abordadas as
dessa poluição. Assim, os países comprometi‐ ações que o Brasil vem tomando para tratar des‐
dos com a causa, inclusive o Brasil, vêm desen‐ sa questão.
volvendo esforços internos para cumprir os
52
Notas
66. Meadows D et al. (1972) The limits to growth: a report of the Rome’s Project on the predica‐
ment of mankind. New York: Universe Books, 205p. (https://clubofrome.org/publication/the‐
limits‐to‐growth/)
67. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo,
1972. (http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/meio‐ambiente/declaracao‐de‐esto‐
colmo‐sobre‐o‐ambiente‐humano.html)
68. IMO (1972) Convention on the Prevention of Marine Pollution by Dumping of Wastes and Other
Matter. 16 p. (http://www.imo.org/en/OurWork/Environment/LCLP/Documents/LC1972.pdf)
69. IMO (1996) Protocol to the Convention on the Prevention of Marine Pollution by Dumping of
Wasted and Other Matter, 25 p. (http://www.imo.org/en/OurWork/Environment/LCLP/Docu‐
ments/PROTOCOLAmended2006.pdf)
70. IMO (1972) International Convention for the Prevention of Pollution from Ships (MARPOL).
(http://www.imo.org/en/About/Conventions/ListOfConventions/Pages/International‐Conven‐
tion‐for‐the‐Prevention‐of‐Pollution‐from‐Ships‐(MARPOL).aspx)
71. UN (1982) United Nations Convention on the Law of the Sea, 208p. (https://www.un.org/
Depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_e.pdf)
72. IMO. Addressing marine plastic litter from ships – action plan adopted. (http://www.imo.org/
en/MediaCentre/PressBriefings/Pages/20‐marinelitteractionmecp73.aspx)
73. Regional Seas Programmes. (https://www.unenvironment.org/explore‐topics/oceans‐seas/
what‐we‐do/working‐regional‐seas/regional‐seas‐programmes)
74. The Global Programme of Action for the Protection of the Marine Environment from Land‐Ba‐
sed Activities.(https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/files/gpa_i‐
gr4_inf3_20_years_of_gpa_final.pdf)
75. O Brasil, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está envolvido com o GPA desde 1995,
quando foi adotado pela comunidade internacional. Em 2001, foi elaborado o Plano de Ação
Nacional para a Proteção do Ambiente Marinho das Atividades Terrestres (região do Atlântico
Sudoeste Superior), plano que não foi efetivamente implementado e que necessita de atuali‐
zações.
76. Montreal Declaration on the Protection of the Marine Environment from Land‐Based Activities.
(annex‐ 1 ‐ p. 70‐73) (https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/files/gpa_i‐
gr4_inf3_20_years_of_gpa_final.pdf)
77. Beijing Declaration on furthering the implementation of the Global Programme of Action for
the Protection of the Marine Environment from Land‐based Activities. (annex‐ 2 ‐ p. 74‐79)
(https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/files/gpa_igr4_inf3_20_years_of_g‐
pa_final.pdf)
78. Manila Declaration on Furthering the Implementation of the Global Programme of Action for
the Protection of the Marine Environment from Land‐based Activities. (annex‐ 3 ‐ p. 80‐83)
(https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/files/gpa_igr4_inf3_20_years_of_g‐
pa_final.pdf)
79. Bali Declaration on the Protection of the Marine Environment from Land‐based Activities.
(https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/files/k1900652.pdf)
80. Progress in the implementation of the Global Programme of Action for the Protection of the
Marine Environment from Land‐based Activities at the national, regional and international
levels during the period 2012–2018. (https://papersmart.unon.org/igr‐meeting/sites/default/
files/k1802555.pdf)
81. Fourth Intergovernamental Review Meeting ‐ Reference Documents (https://papersmart.u‐
non.org/igr‐meeting/Reference‐Documents)
53
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
54
102. UNEP (2014) Summary of the First UN Environment Assembly of the UN Environment Pro‐
gramme: 23‐27 June 2014. IISD Reporting Services for Environmental and Development Nego‐
tiations, 18 p. (http://enb.iisd.org/download/pdf/enb16122e.pdf)
103. UNEP (2016) Resolution 2/11. Marine plastic litter and microplastics. 4 p. (https://un‐
docs.org/pdf?symbol=en/unep/ea.2/res.11)
104. UNEP (2017) Combating marine plastic litter and microplastics: An assessment of the effec‐
tiveness of relevant international, regional and subregional governance strategies and ap‐
proaches. 197 p. (https://papersmart.unon.org/resolution/uploads/
unea‐3_mpl_assessment‐2017oct05_unedited_adjusted.pdf)
105. UNEP (2017) Resolution 3/7. Marine litter and microplastics, 4 p. (https://papersmart.u‐
non.org/resolution/uploads/k1800210.english.pdf)
106. UNEP (2018) List of relevant resolutions, decisions and agreements as well as reports by the
United Nations Environment Programme, other organizations, member States and stakehol‐
ders. 8 p. (https://papersmart.unon.org/resolution/uploads/unep_aheg_2018_1_inf1_rele‐
vant_agreements_edited.pdf)
107. UNEP (2019) Approach for the stocktaking of existing activities and actions towards long‐
term elimination of discharges into the oceans, to reduce marine plastic litter and micro‐
plastics by relevant contributors. 5 p. (https://papersmart.unon.org/resolution/uploads/
k1904552.pdf)
108. UNEP (2019) Identification of financial resources and mechanisms for supporting countries in
addressing marine plastic litter and microplastics. 3 p. (https://papersmart.unon.org/reso‐
lution/uploads/k1904570.pdf)
109. UNEP (2019) Draft approach for technology and innovation mapping. 4 p. (https://papers‐
mart.unon.org/resolution/uploads/k1904576.pdf)
110. UNEP (2019) Proposed methodology for analysis of the effectiveness of existing and potenti‐
al response options and activities in contributing towards long‐term elimination of dischar‐
ge of marine plastic litter and microplastics into the oceans. 4 p. (https://
papersmart.unon.org/resolution/uploads/k1904564.pdf)
111. UNEP (2019) Resolution 4/7. Marine plastic litter and microplastics, 4 p. (https://papers‐
mart.unon.org/resolution/uploads/k1900897.pdf)
112. UNEP (2019) Global Environment Outlook ‐ Geo‐6 ‐ Healthy Planet, Healthy People. 708 p.
(https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/27539/GEO6_2019.pdf?sequen‐
ce=1&isAllowed=y)
113. UNEP (2019) Sixth Global Environment Outlook: summary for policymakers. 27 p. (https://
wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/27652)
114. O Grupo dos Sete (G7) é composto pelos sete países (Alemanha, Canadá, Estados Unidos,
França, Itália, Japão e Reino Unido) com as economias mais avançadas do mundo, de acordo
com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
115. G7 (2015) Communiqué ‐ Meeting of the G7 Ministers of Science. 17 p. (http://www.g8.uto‐
ronto.ca/science/G7_Science_2015‐en.pdf)
116. G20 (2017) G20 Action Plan on Marine Litter. 7 p. (https://www.g20germany.de/Content/DE/
_Anlagen/G7_G20/2017‐g20‐marine‐litter‐en___blob=publicationFile&v=4.pdf)
117. O Grupo dos 20 (G20) é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos
centrais das dezenove maiores economias do mundo, mais a União Europeia. O Brasil faz
parte desse grupo.
118. Thompson, R & Maximenko, N (2016) Plastic pollution of the marine environment. In: Willi‐
amson, P; Smythe‐Wright, D; and Burkill, P. Eds. Future of the Ocean and its Seas: a non‐go‐
vernmental scientific perspective on seven marine research issues of G7 interest.
ICSUIAPSO‐IUGG‐SCOR, Paris. (http://www.iugg.org/policy/Report_FutureOce‐
an_G7_2016.pdf)
55
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
119. UNESCO (2019) A Ciência que precisamos para o oceano que queremos: Década das Nações
Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021‐2030). 23 p. (https://
unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000265198_por)
120. United Nations Decade of Ocean Science for Sustainable Development (https://www.ocean‐
decade.org/)
121. Década da Ciência Oceânica Brasil (http://decada.ciencianomar.mctic.gov.br/)
122. Nicholas Institution for Environmental Policy Studies (2020) 20 Years of Government Respon‐
ses to the Global Plastic Pollution Problem. Duke University. 308 p. (https://nicholasinstitu‐
te.duke.edu/sites/default/files/publications/20‐Years‐of‐Government‐Responses‐to‐the‐
Global‐Plastic‐Pollution‐Problem_final_reduced.pdf)
56
Capítulo 7
Quais as ações no
Brasil?
Histórico de como o Brasil vem lidan‐ ve seu afundamento intencional em águas sob
do com o problema dos resíduos sóli‐ jurisdição nacional”. E “lixo” foi definido como
dos nos mares “todo tipo de sobra de víveres e resíduos resul‐
tantes de faxinas e trabalhos rotineiros nos navi‐
Em complementação às ações no âmbi‐ os, portos organizados, instalações portuárias,
to internacional para a solução do problema dos plataformas e suas instalações de apoio”.
resíduos sólidos nos mares, serão tratadas, nes‐
se capítulo, de forma ilustrativa e não exaustiva, O grande diferencial dessa lei e do de‐
as políticas públicas brasileiras, em nível nacio‐ creto que a regulamenta, no que tange aos resí‐
nal, estadual e municipal, voltadas à gestão dos duos sólidos, é o estabelecimento de sanções em
resíduos. Essas iniciativas, em muitos casos, forma de multa para os infratores, que variam
derivam de acordos internacionais, dos quais o de sete mil a cinquenta milhões de reais, de
Brasil se tornou signatário. Enfoque será dado à acordo com a dimensão e as circunstâncias da
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) infração, além da identificação dos responsáveis
e ao Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar legais, que respondem judicialmente pelas in‐
(PNCLM), visto a amplitude, relevância e espe‐ frações.
cificidade das ações no combate ao problema.
Outro aspecto relevante é que a Lei de
Para tanto, a mesma lógica do capítulo anterior
Crimes Ambientais (Lei Federal nº
será seguida, considerando‐se as fontes mari‐
9.605/1998)125, em seu artigo 54, considera cri‐
nhas, terrestres e ações transversais.
me ambiental “causar poluição de qualquer na‐
tureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que pro‐
Fontes marinhas voquem a mortandade de animais ou a destrui‐
As leis brasileiras voltadas às fontes ma‐ ção significativa da flora”. É interessante
rinhas de resíduos sólidos são derivadas de atos ressaltar também o princípio do poluidor‐paga‐
e convenções internacionais que foram interna‐ dor, constante na Política Nacional do Meio Am‐
lizadas na legislação federal. Os desdobramen‐ biente (PNMA; Lei Federal n° 6.938/1981,
tos dessas convenções transparecem na Lei de artigo 4º)126, que prevê a imposição, ao polui‐
Combate à Poluição em Águas Jurisdicionais dor, de recuperar e/ou indenizar os danos causa‐
Brasileiras (Lei Federal nº 9.966/2000)123, que dos ao meio ambiente.
estabelece princípios para o controle e fiscaliza‐
Os portos e as autoridades portuárias
ção da poluição causada por óleo e outras subs‐
são essenciais no combate aos poluentes oriun‐
tâncias nocivas e perigosas, e no Decreto
dos de navios. Nesse sentido, a Agenda Ambi‐
Federal nº 4.136/2002124, que especifica as san‐
ental Portuária127 foi criada pela Comissão
ções aplicáveis às infrações e às regras previstas
Interministerial para os Recursos do Mar
na Lei Federal nº 9.966/2000. Esses documen‐
(CIRM), em 1998, e vem sendo coordenada pe‐
tos legais abrangem aspectos e definições da
la Agência Nacional de Transportes Aquaviá‐
MARPOL 73/78, convenção internacional que
rios (ANTAQ). Tal documento busca adequar
trata da prevenção de liberados por .
as atividades portuárias aos preceitos e regras
As definições adotadas pela MARPOL ambientais, para uma melhor gestão dos resí‐
foram adaptadas à realidade brasileira. Assim, o duos de fontes marinhas (Box 7.1). O setor por‐
termo “alijamento” passou a ser definido como tuário desenvolve ainda o Índice de
“todo despejo deliberado de resíduos e outras Desempenho Ambiental (IDA ‐ Resolução nº
substâncias, efetuado por embarcações, plata‐ 2650/2012)128, que avalia, por meio de indica‐
formas, aeronaves e outras instalações, inclusi‐ dores, a eficiência e a qualidade da gestão ambi‐
57
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
ental portuária, com destaque para os indicado‐ las por completo. Como resultado, parte dessas
res de gerenciamento de resíduos sólidos. A partículas diminutas acaba atingindo o ambien‐
ANTAQ é responsável pela fiscalização das ati‐ te marinho.
vidades desenvolvidas pelos portos organiza‐
dos, pelos operadores portuários e pelas Considerando‐se que há ainda, no Bra‐
arrendatárias ou autorizadoras de instalações sil, uma precariedade no atendimento à popu‐
portuárias e, dessa forma, controla a remoção, lação quanto aos serviços de esgotamento
armazenagem e destinação adequada dos resí‐ sanitário e gestão de resíduos sólidos, pode‐
duos dos portos e embarcações129. mos perceber o agravamento das condições
que geram resíduos nos mares. Uma das cau‐
sas para os problemas de falta de saneamento
básico, bem como o oferecimento de outros
Fontes terrestres serviços básicos no Brasil, é a forma como
O histórico de crescimento urbano de‐ ocorreu a expansão urbana. Esse processo foi
sordenado, sem investimento nas infraestrutu‐ resultado de um intenso êxodo rural e de dispa‐
ras básicas, entre elas as de saneamento, aliado ridades regionais de renda, potencializado, nas
às proporções continentais do país e à grande regiões litorâneas, pela implantação de gran‐
desigualdade no desenvolvimento territorial, des empreendimentos, forte pressão política e
tornam a universalização do saneamento básico, interesses econômicos, desencadeando a ocu‐
incluindo a gestão de resíduos sólidos, um desa‐ pação desordenada do território urbano.
fio de grandes dimensões no Brasil. Mesmo nos
sistemas de coleta e tratamento de esgoto exis‐ A ocupação desordenada ocorre não
tentes, há um grande desafio em lidar com resí‐ apenas no Brasil, mas também em muitas áreas
duos sólidos, que são irregularmente jogados periféricas das regiões metropolitanas de toda
pela população na rede coletora (e.g., vasos sa‐ América Latina, sem, no entanto, vir acompa‐
nitários). Parte desses resíduos é retirada nas es‐ nhada por uma ampliação adequada de infraes‐
tações de tratamento de esgoto, mas outra parte trutura básica de água, esgoto, drenagem, coleta
pode atingir o oceano. Isso ocorre especialmente e disposição de resíduos sólidos (Figura 7.1).
no caso de emissários submarinos, que contam Esse fenômeno está associado, muitas vezes, à
com um processo de tratamento simplificado. desigualdade social, provocada pela concentra‐
Além disso, as fibras sintéticas produzidas pela ção de renda e falta de condições adequadas de
lavagem de roupas, bem como as microesferas vida para grande parte da população, fato extre‐
plásticas presentes em cosméticos, são levadas mamente complexo e que necessita ser equacio‐
para as estações de tratamento de esgoto, que nado. Um dos caminhos para a solução dessa
não possuem tecnologia suficiente para eliminá‐ questão passa por uma política de ordenamento
territorial dos municípios. Um exemplo disso
58
Figura 7.1. Ocupações irregulares em encostas no Estado de São Paulo e palafitas invadindo as águas do
estuário de Santos, Litoral Centro do Estado de São Paulo (Fotos: Gabriel de Andrade Fernandes e Instituto
EcoFaxina).
são os Planos Diretores Municipais, previstos Costeira135 (PAF), que visa o planejamento de
na Constituição Federal que, além de serem res‐ ações estratégicas para a integração de políticas
ponsáveis pelo planejamento e ordenamento públicas incidentes na zona costeira, buscando
territorial, devem buscar a harmonização das di‐ responsabilidades compartilhadas de atuação.
versas temáticas relacionadas à qualidade de vi‐ O PAF é elaborado e revisado periodicamente
da da população, como o correto saneamento, pelo Grupo de Integração do Gerenciamento
incluindo a destinação dos resíduos coletados Costeiro (GI‐GERCO). Em suas quatro edições
no território municipal. (1998‐2005, 2005‐2014, 2015‐2016 e 2017‐
2019), o PAF abordou a temática do esgotamen‐
to sanitário e dos resíduos sólidos. O PAF 2015‐
Ações transversais 2016, com vistas aos direcionadores de “Uso
Sustentável e Harmônico de Recursos e do Es‐
Com abrangência nacional e grande re‐ paço Territorial Costeiro” e “Melhoria da Quali‐
levância para a zona costeira, o Plano Nacional dade Ambiental Costeira e Estuarina”,
de Gerenciamento Costeiro (PNGC), criado pela apresenta quatro, dentre as 16 ações prioriza‐
Lei Federal nº 7.661/1988130 e regulamentado das, mais diretamente ligadas à temática dos re‐
pelo Decreto Federal nº 5.300/2004131, foi ela‐ síduos sólidos: produzir diagnóstico de
borado para orientar a utilização dos recursos e saneamento por município costeiro; identificar e
a ocupação da zona costeira brasileira. Esses diagnosticar as insuficiências da gestão de resí‐
objetivos, previstos tanto pela Política Nacional duos sólidos e efluentes produzidos nas áreas
do Meio Ambiente132 (PNMA; Lei Federal nº portuárias e embarcações; efetivar o Plano de
6.938/1981) quanto pela Política Nacional para Gerenciamento de Resíduos Sólidos na ativida‐
os Recursos do Mar133 (PNRM; Decreto Federal de portuária; e promover a gestão integrada de
nº 5.377/2005), buscam contribuir para elevar a resíduos sólidos nos municípios da zona cos‐
qualidade de vida da população e a proteção do teira. Tais ações foram, de certa forma, aglutina‐
patrimônio natural, histórico, étnico e cultural. das ao PAF 2017‐2019 na ação de elaboração do
O controle sobre os agentes causadores Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, re‐
de poluição ou degradação ambiental, que ame‐ velando a priorização da temática na agenda na‐
acem a qualidade de vida na zona costeira, é um cional. De fato, a criação dessa ação do PAF foi
dos objetivos do PNGC. Nesse sentido, destaca‐ uma consequência direta do compromisso vo‐
se a importância do zoneamento ecológico‐eco‐ luntário assumido pelo Brasil na Conferência
nômico costeiro134 (ZEEC), que visa o ordena‐ das Nações Unidas para o Oceano (2017): “De‐
mento territorial, fundamental para conciliar as senvolvimento de uma estratégia nacional para
atividades socioeconômicas com as fragilidades combate ao lixo no mar”136.
e vulnerabilidades do território costeiro. Esse As Conferências Nacionais do Meio
instrumento deve ser elaborado pelos estados Ambiente (CNMA), iniciadas em 2003, marca‐
costeiros, como mecanismo de apoio às ações de ram a evolução das políticas ambientais brasi‐
monitoramento, licenciamento, fiscalização e leiras, pois abriram espaço para a participação
gestão. O PNGC também possui, entre seus ins‐ popular nas discussões. Esse processo fortale‐
trumentos, o Plano de Ação Federal para a Zona
59
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
ceu o movimento de criação da Política Nacio‐ A PNRS traz uma série de princípios
nal de Resíduos Sólidos (PNRS)137, que conta‐ (Figura 7.2) e instrumentos em sintonia com os
va com mais de 100 projetos de lei vinculados. parâmetros internacionais para a questão dos
Foram mais de 20 anos de tramitação até a Lei resíduos sólidos, tendo como diretriz o gerencia‐
Federal nº 12.305/2010 ser finalmente promul‐ mento dos resíduos, na seguinte ordem:
gada. A PNRS é orientada pelo princípio da
gestão integrada dos resíduos sólidos, sendo • não geração;
uma regulamentação geral e abrangente sobre a • redução;
temática. Pautada pela Constituição Federal, ela
baseia‐se nas competências concorrentes entre • reutilização;
União, Estados, Distrito Federal e Municípios. • reciclagem;
Assim, estabelece‐se que a União trace normas
gerais, que visem à padronização da política de • tratamento dos resíduos sólidos;
resíduos em todo o território nacional, deixando
• disposição final ambientalmente adequa‐
aos estados que suple‐
As Conferências mentem a norma fede‐
da dos rejeitos.
Nacionais do Meio ral. Já os municípios São princípios da PNRS:
Ambiente (CNMA) têm a responsabilidade
marcaram a evolu‐ da gestão integrada dos I Prevenção e precaução ‐ se há o risco de al‐
ção das políticas resíduos sólidos gera‐ gum dano acontecer, é melhor prevenir o
ambientais brasi‐ dos em seus territórios, dano do que remediá‐lo;
leiras, pois abriram podendo estes, quando
espaço para a par‐ II Poluidor‐pagador e protetor‐recebedor ‐
cabível, suplementar as quem polui deve pagar uma multa e quem
ticipação popular normas federais e esta‐
na discussão. protege deve receber, como formas de estí‐
duais. mulos negativos e positivos para o respeito
ao meio ambiente;
Figura 7.2.
Os onze princí‐
pios da Política
Nacional de Resí‐
duos Sólidos
(PNRS).
60
III Visão sistêmica na gestão dos resíduos ciais do infrator, assim como a proporção
sólidos ‐ planejamento e organização da do dano gerado.
gestão, de forma não apenas integrada
mas, como partes de um mesmo sistema, A PNRS institui a responsabilidade
trabalhando em conjunto; compartilhada entre produtores, distribuidores,
consumidores e poder público, em nível federal,
IV Desenvolvimento sustentável ‐ garantia estadual e municipal, expressando que todos de‐
dos recursos ambientais para as próximas vem assumir e cumprir seus papéis no processo
gerações (isso se aplica tanto às áreas de de gestão de resíduos sólidos. Como um exem‐
disposição de resíduos quanto à recicla‐ plo, a PNRS estabelece a logística reversa, tanto
gem), evitando que novos recursos natu‐ para itens que podem conter elementos tóxicos
rais sejam extraídos; (ex. agrotóxicos, pilhas e baterias, embalagens
de óleo lubrificante, lâmpadas fluorescentes e
V Ecoeficiência ‐ visa atingir a melhor efi‐ eletroeletrônicos), quanto para embalagens. De
ciência, utilizando o mínimo de recursos forma específica, deve‐se evidenciar a estratégia
naturais e causando o mínimo de impac‐ de elaboração, por diversas unidades federativas
tos ambientais; (federal, estadual e municipal), de Planos de Re‐
VI Cooperação entre as diferentes esferas do síduos Sólidos, com vistas a aprofundar a dis‐
poder público, empresarial e demais seg‐ cussão com a sociedade e propor ações para
mentos da sociedade; aprimorar sua gestão. No âmbito dos municí‐
pios, esses planos se somam a outros instru‐
VII Responsabilidade compartilhada pelo ci‐ mentos para a melhoria da qualidade ambiental
clo de vida dos produtos ‐ em consonância e controle da geração de resíduos nos mares, por
com o instrumento de logística reversa fontes terrestres.
dos produtos e economia circular;
A PNRS institui a responsabilidade
VIII Reconhecimento do resíduo sólido reuti‐ compartilhada entre diferentes setores da socie‐
lizável e reciclável como um bem econô‐ dade, expressando que todos devem assumir e
mico de valor social ‐ gera trabalho e cumprir suas responsabilidades no processo de
renda e promove a cidadania; gestão de resíduos sólidos.
IX Respeito às diversidades locais e regio‐ A IV Conferência Nacional do Meio
nais ‐ os planos de gestão de resíduos de‐ Ambiente, realizada em 2013, teve como tema
vem considerar diferentes condições os resíduos sólidos (Figura 7.3). Essa conferên‐
econômicas e sociais e buscar soluções cia, que segue um modelo de gestão participati‐
que sejam mais adequadas a cada região; va, recolheu sugestões de vários setores da
X Direito da sociedade à informação e ao sociedade para implementar a PNRS, com foco
controle social ‐ permite que a sociedade em quatro eixos temáticos: (1) produção e con‐
controle e se informe sobre a implemen‐ sumo sustentáveis; (2) redução dos impactos
tação das políticas e consiga cobrar de ambientais; (3) geração de emprego e renda e
seus representantes; (4) educação ambiental.
Figura 7.3. Logotipo da IV Conferência Nacional do Meio Ambiente, que teve como tema os resíduos sóli‐
dos. (Fonte: http://transparencia.recife.pe.gov.br/uploads/pdf/II%20Conferência%20de%20Meio%20Ambi‐
ente%20do%20Recife.compressed_e31dbd0a6bb83b7bd9cd6702ccc92401.pdf)
61
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 7.4. Instrumentos da Estratégia de Honolulu para promover a gestão dos resíduos sólidos nos mares
e suas sobreposições com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS ‐ Lei Federal nº 12.305/2010) e a
MARPOL (Lei Federal nº 9.966/2000).
temático “redução de impactos ambientais”. marinho, além de estabelecer incentivos
Embora a PNRS contenha ações que previnam fiscais, financeiros e creditícios aos muni‐
a entrada de resíduos no mar, alinhadas com a cípios e instituições organizadas que pro‐
Estratégia de Honolulu e a MARPOL (Figura movam a redução dessa poluição.”138
7.4), a IV CNMA correspondeu à primeira inici‐
ativa, na qual o tema foi oficialmente internali‐ O Ministério do Meio Ambiente lançou,
zado em uma política pública no Brasil, em 2019, o Plano Nacional de Combate ao Lixo
objetivando: no Mar139. Esse Plano é composto de um diag‐
nóstico geral sobre o problema do lixo no mar
“Fornecer transparência no diálogo da so‐ no Brasil, alguns valores de referência, situação
ciedade civil organizada com o poder pú‐ desejada, modelo de governança, eixos de im‐
blico e usuários de água, visando à plementação, diretrizes, indicadores, plano de
educação e sensibilização sobre o proble‐ ação e agenda de atividades. Possui seis eixos de
ma do lixo marinho e nos demais corpos implementação: (1) resposta imediata; (2) ges‐
hídricos, criando diretrizes para as parce‐ tão de resíduos sólidos; (3) pesquisa e inovação
rias entre o corpo técnico do governo e os tecnológica; (4) instrumentos de incentivo e
tomadores de decisão, com direciona‐ pactos setoriais; (5) normatização e diretrizes; e
mento de esforços para combater o lixo (6) educação e comunicação. Também está divi‐
62
dido em trinta ações de curto, médio e longo deve ser conduzido esse processo (Resoluções
prazos, com ênfase em soluções que contribuam CONAMA 01/1986142 e 237/1997143). O pro‐
para a melhoria da qualidade ambiental. cesso de licenciamento ambiental tem um papel
primordial na prevenção de entrada de resíduos
O Plano de Combate ao Lixo no Mar, em sólidos no ambiente marinho. Por meio do licen‐
escala nacional, estimula a elaboração de planos ciamento, os órgãos ambientais (federais, esta‐
estaduais e municipais de combate ao lixo no duais e municipais) podem definir medidas de
mar, os quais devem estar alinhados ao Plano mitigação (ou prevenção) de impactos, incluin‐
Nacional, na sua filosofia e princípios estratégi‐ do formas de evitar que resíduos sólidos sejam
cos. Assim, a Secretaria de Infraestrutura e Meio gerados e perdidos para o ambiente.
Ambiente do Estado de São Paulo vem empe‐
nhando esforços na elaboração do Plano Esta‐ Dada a atuação brasileira na temática,
dual de Monitoramento e Avaliação do Lixo no tanto governamental, representada pelos esfor‐
Mar140 e do Plano Estadual de Combate ao Lixo ços empreendidos, quanto científica, represen‐
no Mar. Esses planos vêm sendo construídos de tada pelo fortalecimento dos grupos de
forma integrada e participativa, com metas cla‐ pesquisa, a crescente produção de conhecimen‐
ras e tangíveis, proporcionando sinergias para to em diferentes regiões do país e a relevante in‐
zelar pela integridade do oceano. serção internacional, o país foi convidado a
participar do Comitê de Coordenação do GPML,
Outra fonte importante de resíduos sóli‐ a partir de 2018.
dos e poluentes para o ambiente marinho são
obras e atividades potencialmente causadoras Apesar dos avanços citados, muito ainda
de degradação ambiental. Para esses tipos de deve ser feito para a redução e erradicação da
empreendimentos assegura‐se, na Constituição entrada de resíduos no ambiente marinho, no
Federal141 de 1988, a realização de estudos pré‐ Brasil. Ainda que haja políticas e leis, existem
vios de impacto ambiental. A necessidade da lacunas de implementação e fiscalização, e tais
avaliação de impacto ambiental, no entanto, já questões persistem como grandes desafios para
estava prevista na Política Nacional do Meio a sociedade. Iniciativas que podem minimizar o
Ambiente desde 1981, quando foi criado o Insti‐ problema serão abordadas no próximo capítulo.
tuto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur‐
sos Naturais Renováveis (IBAMA), responsável O Quadro 7.1 apresenta uma síntese
por avaliar e conceder as licenças ambientais em cronológica das iniciativas e políticas nacionais
nível federal, e o Conselho Nacional do Meio anteriormente mencionadas.
Ambiente (CONAMA), que regulamenta como
Quadro 7.1. Síntese das iniciativas internacionais que buscam minimizar a qualidade ambiental do ocea‐
no, bem como solucionar o impacto da poluição, incluindo os resíduos sólidos, no ambiente marinho.
Ano / Instituição
Iniciativa Insights
Período responsável
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Política Nacional do Meio Ambiente Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras
(Lei Federal 6.938/1981) providências.
1981
Criação do IBAMA Avalia e concede licenças ambientais em
nível federal.
Criação do CONAMA Regulamenta como deve ser o processo de
licenciamento ambiental.
Assegura a realização de estudos prévios de
Constituição Federal impacto ambiental para obras e atividades
1988 potencialmente degradadoras.
Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro Institui o Plano Nacional de Gerenciamento
(Lei Federal 7.661/1988) Costeiro e dá outras providências.
63
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
CIRM/ Adequação das atividades portuárias aos
Agenda Ambiental Portuária ANTAQ preceitos e regras ambientais.
1998 Considera crime ambiental causar
Lei de Crimes Ambientais poluição que resulte em danos à saúde
(Lei Federal nº 9.605/1998) humana, mortandade de animais ou
destruição da flora.
1998‐2005 Elaborado e revisado periodicamente,
2005‐2014 Plano de Ação Federal para visa o planejamento de ações
GI‐GERCO estratégicas para a integração de
2015‐2016 a Zona Costeira ‐ PAF políticas públicas incidentes na zona
2017‐2019 costeira.
Lei de Combate à Poluição em Águas Estabelece princípios para o controle e
Jurisdicionais Brasileiras fiscalização da poluição causada por
2000 óleo e outras substâncias nocivas e
(Lei Federal nº 9.966/2000) perigosas.
Especifica as sanções aplicáveis às
2002 Decreto Federal nº 4.136/2002 infrações e às regras previstas na Lei
Federal nº 9.966/2000.
Proporciona a participação popular nas
Desde de Conferências Nacionais do Meio Ambiente ‐
discussões sobre as políticas ambientais
2003 CNMA
brasileiras.
Sistema de Monitoramento Ambiental da Dispõe sobre regras de uso e ocupação
Zona Costeira da zona costeira e estabelece critérios de
2004 gestão da orla marítima, e dá outras
(Decreto Federal 5.300/2004) providências.
Orienta o desenvolvimento das
atividades que visem a efetiva utilização,
Política Nacional para os Recursos do Mar exploração e aproveitamento dos
2005
(Decreto Federal nº 5.377/2005) recursos vivos, minerais e energéticos do
Mar Territorial, da Zona Econômica
Exclusiva e da Plataforma Continental.
Institui a Política Nacional de Resíduos
Política Nacional de Resíduos Sólidos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de
2010 fevereiro de 1998; e dá outras
(Lei Federal 12.305/2010)
providências.
Avalia a qualidade da gestão ambiental
2012 Índice de Desempenho ANTAQ portuária, inclusive indicadores de
Ambiental ‐ IDA gerenciamento de resíduos sólidos.
Prioriza a temática dos resíduos sólidos
4ª Conferência Nacional do e, de forma participativa, recolhe
2013 MMA
Meio Ambiente sugestões para a implementação da
PNRS.
64
Quadro 7.1. Continuação.
Fiscaliza atividades desenvolvidas pelos
Resolução ANTAQ nº ANTAQ portos organizados em relação à destinação
2014
3274 dos resíduos dos portos e embarcações.
Brasil assume o compromisso:
2017 Conferência do Oceano ONU “Desenvolvimento de uma estratégia
nacional para combate ao lixo no mar”.
CIRM/GI‐ Propõe a elaboração do Plano Nacional de
2017‐2019 PAF Zona Costeira Combate ao Lixo no Mar (Atividade 1).
GERCO
Brasil é convidado a participar do Comitê
2018 GPML PNUMA de Coordenação.
Plano de Combate ao Lixo Apresenta seis eixos de implementação e
2019 MMA trinta ações de curto, médio e longo prazos.
no Mar
Construído de forma participativa,
Plano Estadual de pretende ser eficaz na avaliação do
Monitoramento e SIMA‐SP problema e seu monitoramento para
Avaliação do Lixo no Mar subsidiar as medidas de combate, na costa
Em breve paulista.
Construído de forma participativa,
Plano Estadual de pretende promover a redução da poluição
SIMA‐SP
Combate ao Lixo no Mar por resíduos sólidos, na costa paulista.
65
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Notas
123. Lei Federal no 9.966, de 28 de abril de 2000. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L9966.htm)
124. Decreto Federal nº 4.136, de 20 de fevereiro de 2002. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/2002/d4136.htm)
125. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9605.htm)
126. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l6938.htm)
127. ANTAQ. Agenda Ambiental Portuária. (http://portal.antaq.gov.br/wp‐content/uploads/
2019/04/Agenda_Ambiental_2018_2019.pdf)
128. ANTAQ. Índice de Desempenho Ambiental. (http://web.antaq.gov.br/ResultadosIda)
129. Resolução ANTAQ nº 3274, de 06 de fevereiro de 2014. (http://www.emap.ma.gov.br/public/
_files/arquivos/Resolucao_N_3274_DE_2014.pdf)
130. Lei Federal nº 7.661, de 16 de maio de1988 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L7661.htm)
131. Decreto Federal nº 5.300, de 07 de dezembro de 2005 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2004‐2006/2004/decreto/d5300.htm)
132. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l6938.htm)
133. Decreto Federal nº 5.377, de 23 de fevereiro de 2005 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_ato2004‐2006/2005/decreto/D5377.htm)
134. MMA. Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro (http://www.mma.gov.br/informma/item/
10450‐indicadores‐de‐monitoramento‐e‐avalia%C3%A7%C3%A3o‐do‐zee.html)
135. MMA. Plano de Ação Federal para a Zona Costeira (http://www.mma.gov.br/informma/item/
8962‐plano‐de‐a%C3%A7%C3%A3o‐federal‐para‐a‐zona‐costeira‐paf_zc)
136. Development of a national strategy to combat marine litter by Brazilian Government (https://
oceanconference.un.org/commitments/?id=19694)
137. Lei Federal nº 12.305, 02 de agosto de 2010. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a‐
to2007‐2010/2010/lei/l12305.htm)
138. MMA (2013) Relatório Final da 4ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, 140p. (http://
www.mma.gov.br/images/arquivo/80054/RelatorioFinal4CNMA_WEB.pdf)
139. MMA (2019) Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar. 40 p. (https://www.mma.gov.br/
component/k2/item/download/1042_b6b7b1d8c635c6cfe7033a11c7e065c3.html)
140. Plano Estadual de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar (https://pemalmsp.wixsite.com/
meusite)
141. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (http://www.planalto.gov.br/cci‐
vil_03/constituicao/constituicao.htm)
142. Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986. (https://www.ibama.gov.br/sophia/
cnia/legislacao/MMA/RE0001‐230186.PDF)
143. Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997. (http://www.icmbio.gov.br/cecav/
images/download/CONAMA%20237_191297.pdf)
66
PARTE IV
O QUE PODE
SER FEITO
Capítulo 8
Quais são os desafios para a sociedade?
Capítulo 9
A integração multissetorial é importante?
Capítulo 8
Quais são os desafios para a
sociedade?
Iniciativas que podem minimizar o pro‐ sumo e gerenciamento dos resíduos145. Dessa
blema dos resíduos sólidos nos mares forma, existem dois principais tipos de ação: um
que envolve políticas públicas, que incentivam
Até aqui abordamos como os debates so‐
determinados tipos de comportamento, assim
bre resíduos nos mares, no âmbito da governan‐
como leis, regulamentos e outros instrumentos
ça internacional e nacional, auxiliaram no
legais; e o outro que não requer leis ou regula‐
entendimento sobre como essa poluição é preju‐
mentações para serem implementadas, sendo
dicial aos ecossistemas e às atividades humanas.
exemplificados pelas “boas práticas” ambientais
Um estudo, publicado em 2018 na revista Envi‐
praticadas por empresas e cidadãos, por exem‐
ronmental Science and Policy144, reuniu o conhe‐
plo.
cimento existente sobre a poluição por plástico
no ambiente marinho e elencou 10 lacunas no Políticas públicas estão ligadas a planos,
conhecimento que correspondem a importantes programas e projetos desenvolvidos pelo Estado
desafios para a sociedade (Box 8.1). e que, direta ou indiretamente, visam assegurar
direitos constitucionais ou reconhecidos como
Além desses pontos, trataremos de inici‐
importantes pela sociedade. Nesse sentido, a
ativas que ilustram como a sociedade pode atuar
Política Nacional de Resíduos Sólidos instituiu
para minimizar o problema.
uma série de princípios e instrumentos para a
As ações voltadas à diminuição de resí‐ correta gestão dos resíduos sólidos, de forma a
duos nos mares são muitas e envolvem, desde re‐ garantir um ambiente sadio para todos, inclusi‐
gulamentações e multas aos infratores, até ve aplicando penalidades e multas para infrato‐
orientações para mudanças nos padrões de con‐ res (ver Capítulo 7).
A compilação do conhecimento existente sobre os resíduos plásticos que chegam ao mar foi
organizada e identificou dez questões emergentes a serem enfrentadas:
O estudo revelou que a maioria das perguntas não possui respostas satisfatórias. As principais
carências detectadas consideram a falta de padronização dos métodos de amostragem e de
conhecimento sobre o impacto do plástico nas populações e comunidades marinhas, e sobre a
transferência de material plástico ao longo da cadeia alimentar. Apesar de não ser possível prever
a quantidade de plástico que entra no mar, há evidências de que esse aporte vem aumentando
e, portanto, todos os esforços de controle e mitigação dessa poluição se fazem urgentes. No
entanto, esse esforço só será verdadeiramente efetivo se forem combinadas às iniciativas dos
cidadãos comuns, setor produtivo, pesquisadores e gestores públicos.
69
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
O termo “boas práticas”, por sua vez, Um caminho é pensar em estratégias
segundo a ONU, refere‐se a iniciativas bem‐su‐ tecnológicas para a fabricação de produtos, con‐
cedidas, que: a) apresentam impacto tangível na siderando o uso continuado e, em caso de des‐
melhoria da qualidade de vida; b) são resultado carte, a economia de materiais e a possibilidade
de parceria efetiva entre setor público, privado e de reuso ou reciclagem. A produção de plástico
as organizações da sociedade civil; e c) têm sus‐ aumentou cerca de vinte vezes nos últimos 50
tentabilidade social, cultural, econômica e ambi‐ anos (15 milhões de toneladas em 1964 x 311
ental”. Portanto, boas práticas podem ser milhões de toneladas em 2014148), sendo apenas
adotadas em diversos setores e para diversos 14% destinado para a reciclagem, dos quais so‐
fins, inclusive para a diminuição da geração de mente 2% retornam como produtos similares,
resíduos sólidos e sua subsequente perda para o ou de mesmo valor que o original. Dessa forma,
ambiente. Boas práticas, identificadas como soluções inovadoras que repensem o aproveita‐
adequadas e sustentadas por mobilização de se‐ mento dos produtos, e da matéria‐prima que os
tores da sociedade para que sejam cumpridas, originou, parecem uma alternativa plausível.
podem se transformar em políticas públicas. Nesse sentido, o design de produtos precisa con‐
Muitos dos artigos estabelecidos na PNRS, por ceber formas de manter os produtos, compo‐
exemplo, são derivados do que antes eram con‐ nentes e materiais em seu mais alto nível de
sideradas boas práticas realizadas por alguns utilidade e valor, e ainda com grande capacidade
setores da sociedade. de reciclagem, levando à ressignificação e à va‐
lorização dos resíduos.
Em um outro caso recente, o banimento
de certos produtos, como sacolas e canudos O relatório “Quebrando a onda plásti‐
plásticos, tem sido promovido, considerando‐se ca” (Breaking the Plastic Wave) mostra, por
a utilização supérflua desses itens. Em muitos meio de uma modelagem global inédita, que po‐
municípios brasileiros, o banimento desses pro‐ demos reduzir os fluxos anuais de plástico no
dutos tornou‐se política pública, inclusive com oceano em cerca de 80% nos próximos 20 anos,
imposição de penalidades aos comerciantes que aplicando soluções e tecnologias existentes.
não aderirem. No entanto, enquanto não se co‐ Essa iniciativa depende de uma implementação
nhece, com base em informações científicas por global imediata, ambiciosa e concertada, nas se‐
meio da análise do ciclo de vida dos produtos, o guintes frentes: (1) eliminar o uso de produtos
impacto das alternativas para o plástico146, seja plásticos desnecessários, expandir o reuso e o
de uso único ou não, não é prudente caminhar reaproveitamento; (2) avaliar a possibilidade de
no sentido de seu banimento. Corre‐se o risco uso de materiais compostáveis ou biodegradá‐
de, ao buscar a solução de um problema, gerar veis (plásticos ou outro materiais), consideran‐
outro, em função da falta de entendimento am‐ do a análise do ciclo de vida; (3) desenvolver
plo da pegada ecológica gerada no ciclo de vida produtos de fácil reciclagem; (4) melhorar a co‐
dos diferentes materiais e produtos, como des‐ leta de resíduos; (5) aumentar a reciclagem; (6)
matamento, uso de água e contaminação do so‐ desenvolver a recuperação energética e a recicla‐
lo e lençol freático (por exemplo, mineração e gem química de plástico, quando a reciclagem
agricultura). O importante, nesse sentido, é que mecânica não for possível; (7) construir aterros
os produtos, plásticos ou não, tenham o menor mais eficientes; (8) reduzir a exportação de lixo
impacto em termos de consumo de água, emis‐ plástico.
sões de gases do efeito estufa para a atmosfera e
degradação ambiental, por exemplo, e não se‐ A Estratégia de Honolulu é um instru‐
jam perdidos para o meio ambiente. Assim, mento de direcionamento para ações de comba‐
grande parte do esforço deve mirar na produção te aos resíduos sólidos nos mares e suas
e consumo conscientes e no aprimoramento da estratégias (ou boas práticas), as quais podem
gestão dos resíduos no sentido da economia cir‐ ser adotadas por diversos setores da sociedade,
cular, reduzindo não só a poluição por plásticos, inclusive sendo internalizadas como políticas
mas também por outros tipos de resíduos, in‐ públicas. No caso da PNRS, embora não trate
cluindo os orgânicos. Nesse sentido, um guia especificamente do tema resíduos nos mares,
para a sustentabilidade foi desenvolvido pela seus instrumentos têm grande relação com os
UNEP147, com o objetivo de avaliar e aprender objetivos e ações propostos pela Estratégia de
com a experiência de países que aderiram ao Honolulu. Na Estratégia de Honolulu, os gran‐
banimento ou regulação do plástico de uso úni‐ des objetivos e desafios encontrados pela socie‐
co, como Ruanda e Quênia. dade, em relação aos resíduos nos mares, são:
70
• a redução da entrada de resíduos no am‐ Redução da entrada de resíduos no
biente marinho por fontes terrestres; ambiente marinho por fontes terres‐
• a redução da entrada de resíduos no am‐ tres
biente marinho por fontes marinhas; Os principais desafios relacionados à di‐
minuição da entrada de resíduos por fontes ter‐
• a redução da quantidade e dos impactos
restres estão ligados à gestão adequada dos
dos resíduos que já estão nesses ambien‐
resíduos sólidos, contando com o papel da inici‐
tes.
ativa privada para a produção responsável, a
As estratégias para solucionar essas educação dos cidadãos para o consumo consci‐
questões passam pela efetiva implementação de ente e a destinação ambientalmente adequada
políticas públicas para a gestão de resíduos sóli‐ dos resíduos.
dos, disseminação de informações, fomento a
A identificação dos problemas ocasiona‐
processos educativos e pelo engajamento e cola‐
dos pelos resíduos no mar, assim como o papel
boração de todos os segmentos da sociedade,
de cada setor na solução do problema, é condi‐
pontos importantes da PNRS (Quadro 8.1). No
ção obrigatória para um encaminhamento ade‐
entanto, tais ações não são simples e encontram
quado dessa questão. Segundo a Estratégia de
uma série de limitações. A seguir, discutiremos
Honolulu, uma das formas de se buscar a redu‐
algumas dessas estratégias, ilustrando ações e
ção do aporte de resíduos sólidos terrestres ao
iniciativas já existentes.
ambiente marinho está atrelada às ações de edu‐
cação e sensibilização da sociedade, sobre o pro‐
Quadro 8.1. Estratégias para o combate aos resíduos nos mares, propostas pela Estratégia de Honolulu.
Objetivo A. Reduzir a entrada de resíduos no ambiente marinho por fontes terrestres
Realizar ações de educação e sensibilização sobre os impactos dos resíduos nos
Estratégia A1
mares e sobre a necessidade de melhorar a gestão de resíduos sólidos.
Empregar instrumentos baseados na lógica de mercado, para dar suporte à
Estratégia A2
gestão de resíduos sólidos, em particular, na diminuição da geração de resíduos.
Empregar infraestrutura e implementar melhores práticas para a gestão de
Estratégia A3
águas pluviais, reduzindo a descarga de resíduos sólidos nos cursos de água.
Desenvolver, fortalecer e adotar legislação e políticas de apoio à minimização de
Estratégia A4
resíduos sólidos e à gestão.
Melhorar as regulamentações e tributos sobre as águas pluviais, sistemas de
Estratégia A5
esgoto e detritos.
Desenvolver a capacidade de monitorar e fazer cumprir regulamentos e
Estratégia A6 condições de licenciamento, relativas ao descarte, escoamento e gestão de
resíduos sólidos, águas pluviais e escoamentos superficiais.
Realizar esforços frequentes de limpeza de áreas costeiras, mananciais, entre
Estratégia A7 outros corpos de água, especialmente em pontos de acúmulo de detritos
marinhos.
Objetivo B. Reduzir a entrada de resíduos no ambiente marinho por fontes marinhas
Conduzir ações de educação e sensibilização dos usuários do mar sobre os
Estratégia B1
impactos dos resíduos nos mares, formas de prevenção e gestão.
Desenvolver e fortalecer a implementação de ações para a diminuição de
Estratégia B2 resíduos no mar, para sua armazenagem adequada e de instalações para
destinação adequada em portos, a fim de minimizar os incidentes de despejo no
oceano.
71
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Desenvolver e fortalecer a implementação das melhores práticas de gestão na
Estratégia B3 indústria, destinadas a minimizar o abandono e perda acidental de carga,
resíduos sólidos e artefatos de pesca no mar.
Desenvolver e promover o uso de artefatos de pesca modificados ou com
Estratégia B4 alternativas tecnológicas para reduzir a perda de artigos de pesca e/ou seus
impactos, como a pesca fantasma.
Desenvolver e fortalecer a aplicação da legislação e de políticas de prevenção e
Estratégia B5 gestão dos resíduos de fonte marinha, e implementar os requisitos do Anexo V da
MARPOL e de outros instrumentos internacionais e acordos relevantes.
Desenvolver a capacidade de monitorar e fazer cumprir (1) a legislação nacional
Estratégia B6 e local, (2) os requisitos do Anexo V da MARPOL e outros instrumentos
internacionais e acordos relevantes.
Objetivo C. Reduzir os impactos dos resíduos que já estão no ambiente marinho
Realizar ações de educação e sensibilização sobre os impactos dos resíduos nos
Estratégia C1 mares e sobre a sua remoção.
Desenvolver e promover o uso de tecnologias e métodos para localizar e remover,
Estratégia C2
de forma eficaz, acúmulos de resíduos nos mares.
Estratégia C3 Enfatizar a responsabilidade compartilhada para a remoção de resíduos dos
mares.
Desenvolver ou fortalecer a implementação de incentivos para a remoção de
Estratégia C4 artefatos de pesca perdidos ou abandonados e outros grandes acúmulos de
resíduos sólidos encontrados no mar.
Estabelecer mecanismos regionais, nacionais e locais, apropriados para facilitar
Estratégia C5 a remoção de resíduos nos mares.
Remover resíduos de ambientes costeiros e habitats bentônicos (fundo) e
Estratégia C6
pelágicos (superfície e coluna da água).
blema. Um outro caminho inclui prestar apoio à gestão compartilhada poderão ser ineficientes,
gestão compartilhada dos resíduos. Tais estraté‐ caso não haja estratégias para a melhoria dos
gias podem ser adotadas por todos os setores da serviços básicos fornecidos, além de um maior
sociedade e potencializadas pelos agentes multi‐ controle da ocupação irregular, por políticas de
plicadores, como os educadores. ordenamento territorial. Destaca‐se, então, a
necessidade primordial de, paralelamente a es‐
Contudo, no quesito educação, percebe‐ sas ações, buscar uma distribuição mais iguali‐
se uma diferença gritante entre países desenvol‐ tária da renda e a promoção do bem‐estar social.
vidos e aqueles em desenvolvimento ou subde‐
senvolvidos. Nos países em desenvolvimento, Dentre as estratégias de responsabilida‐
parte considerável da população vive em situa‐ de do poder público, encontra‐se a melhoria no
ção de vulnerabilidade, carecendo de serviços saneamento básico, incluindo a gestão de resí‐
públicos essenciais, como fornecimento de duos sólidos. No entanto, a grande quantidade
água, coleta e tratamento de esgoto e de resí‐ de tarefas atribuídas a esse setor (detalhadas no
duos. Nesse cenário, ações de educação e sensi‐ Capítulo 9), aliada à constante falta de recursos,
bilização sobre os resíduos nos mares e sua faz com que a atuação pública de combate aos
72
Box 8.2. Manejo de resíduos sólidos em ilhas oceânicas: um grande desafio.
Além dos resíduos trazidos de outros lugares pelas correntes e ventos, as ilhas oceânicas
estão sujeitas a outras fontes e fatores que influenciam na magnitude desse problema. Assim
como em outras regiões, o crescimento populacional, a urbanização e as mudanças no pa‐
drão de consumo aumentaram a geração de resíduos nessas ilhas. Em muitas delas, as ativi‐
dades turísticas foram ampliadas, trazendo mais resíduos sólidos. No entanto, o território das
ilhas, ou seja, o espaço de terra disponível, continua o mesmo. Há mais resíduos, mas não há
mais espaço para dispô-los. Soma-se a isso a má gestão desses resíduos, com destinação e
tratamento inadequados. A reciclagem, por exemplo, deveria ser vista como um possível des‐
tino para o lixo de ilhas. No entanto, um tratamento adequado exige uma logística complexa
e colocá-la em prática pode ter um alto custo, fato que desestimula o poder público e a ini‐
ciativa privada. Uma alternativa encontrada para solucionar o problema é exportar, por vias
marinhas, os resíduos gerados nas ilhas para locais onde haja espaço e estrutura adequada
para gerenciá-los (Figura 8.1). No entanto, essa alternativa também é onerosa para o poder
público e há riscos de perda de resíduos para o mar durante o transporte, além de sobrecarre‐
gar aterros de outras localidades. Nesse caso, a solução mais eficiente para territórios insula‐
res seria controlar a geração dos resíduos, evitando ultrapassar a capacidade de gestão da
ilha. Isso pode ser estimulado por meio de ações de sensibilização e educação ambiental, mas
também de leis.
Figura 8.1. Balsa que transporta os resíduos sólidos da Ilha de Fernando de Noronha ao continente. A carga
de resíduos aporta em Recife, no Porto de Suape, e de lá segue para o aterro sanitário do município de Ja‐
boatão dos Guararapes (que também recebe resíduos da capital pernambucana). (Fotos: Ana Carolina
Grillo Monteiro, novembro/2016).
73
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 8.2. Ecobarco retirando os resíduos flutuantes na Baía de Guanabara (Fotos: Alexander Turra).
resíduos nos mares seja limitada, especialmente para uma atuação preventiva, é a ampliação da
em locais remotos, como ilhas oceânicas (Box cobertura do sistema de tratamento de esgoto da
8.2). Como parte das responsabilidades do setor região, atingindo 80% dos domicílios. Ações de
público, também deveria constar o levantamen‐ educação ambiental também fazem parte das
to e sistematização de informações sobre o te‐ medidas, a fim de estimular a mudança de hábi‐
ma, de forma a possibilitar uma melhor tos e aumentar a conscientização da população,
compreensão do panorama no país, bem como o com relação ao problema. Além disso, para re‐
desenvolvimento e implementação de sistemas duzir a entrada e remover os resíduos sólidos da
de monitoramento da qualidade ambiental na baía, o governo estadual desenvolve, respectiva‐
zona costeira. Essa última estratégia representa mente, o Programa Ecobarreiras e o Projeto
um grande desafio para o poder público, visto EcoBarcos. As ecobarreiras são estruturas flu‐
que sua implementação depende do envolvi‐ tuantes, instaladas nos cursos d’água, com o ob‐
mento de muitos atores e, sobretudo em países jetivo de conter os resíduos flutuantes antes de
com grandes dimensões como o Brasil, implica‐ atingir a Baía da Guanabara. De acordo com a
ria em um volume muito grande de informações Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) e o Ins‐
a serem tratadas. tituto Estadual do Ambiente (INEA)150, são reti‐
radas mensalmente 370 toneladas de resíduos
O desenvolvimento de equipamentos e das ecobarreiras. Já os ecobarcos (ecoboats) têm
métodos que reduzam a entrada ou ampliem a o objetivo de recolher os resíduos sólidos flutu‐
remoção de resíduos presentes na drenagem de antes presentes na Baía da Guanabara (Figura
água pluvial, responsáveis por boa parte da in‐ 8.2). Para isso, zonas de acúmulo de resíduos
trodução de resíduos no ambiente costeiro e ma‐ são mapeadas por satélite, orientando a atuação
rinho, como praias, manguezais e estuários, é das embarcações. Só para os eventos‐teste de
um desafio para o poder público. As estratégias vela, para os Jogos Olímpicos de 2016, os eco‐
para redução do lixo flutuante na Baía de Gua‐ barcos retiraram cerca de 28 toneladas de resí‐
nabara, no Estado do Rio de Janeiro, ilustram as duos flutuantes.
dificuldades desse tipo de ação. Essa baía banha
vários municípios e recebe o aporte de diversos No caso da indústria e outros setores
cursos d’água, os quais trazem uma grande vari‐ econômicos, instrumentos baseados na regula‐
edade de poluentes149, incluindo resíduos sóli‐ ção do mercado podem ser empregados para dar
dos, derivados principalmente da densa suporte à gestão e diminuir a geração dos resí‐
ocupação humana na região. Em média, são duos sólidos. Dentre esses instrumentos estão
despejadas nessa baía 90 toneladas de resíduos iniciativas não previstas em leis ou regulamen‐
por dia, refletindo‐se em um grave desafio ambi‐ tos, mas incentivadas pelo próprio setor produ‐
ental, econômico e de saúde pública. Para rever‐ tivo, muitas vezes motivadas por diferenciais
ter essa situação e recuperar a qualidade competitivos ou pela internalização de princí‐
ambiental da Baía da Guanabara, o Governo do pios da sustentabilidade, ou ainda implementa‐
Estado do Rio de Janeiro adotou uma série de das em resposta a cobranças feitas pela
estratégias. Uma das mais importantes, voltada sociedade. Assim, um consumidor bem infor‐
74
Box 8.3. Economia circular
76
As ações voltadas à di‐ é, muitas vezes, com‐ Desde 1986, a The Ocean Conservancy,
minuição dos resíduos posto ainda por garra‐ organização da sociedade civil sem fins lucrati‐
nos mares envolvem o fas, latas e outras vos norte‐americana, promove o Dia Mundial
engajamento social e o embalagens, havendo de Limpeza de Praias (International Coastal
desenvolvimento de uma forte necessidade Cleanup156). Esse evento ocorre, anualmente,
novas tecnologias e in‐ de ações de sensibili‐ no terceiro sábado de setembro e reúne volun‐
vestimentos na remo‐ zação desse setor. tários que recolhem resíduos sólidos deposita‐
ção dos resíduos que dos em praias. Essa ação possui um caráter
Um documen‐
estão no mar. mais educativo e de conscientização do que de
to importante para a remoção dos resíduos propriamente dita, uma
atividade pesqueira e que traz diversas diretrizes vez que ocorre de forma pontual. O resultado
que visam reduzir a quantidade de resíduos nos dessas coletas é transcrito em formulários pa‐
mares é o Código de Conduta para a Pesca Res‐ drão para a confecção de relatórios anuais, com
ponsável155, criado em 1995, pela FAO. O códi‐ estatísticas que retratam a situação da poluição
go traz um conjunto de diretrizes, voltado aos do oceano em todo o planeta. Os dez itens mais
governos nacionais, para a elaboração de políti‐ encontrados na campanha de 2018 foram, em
cas do setor pesqueiro, baseado em princípios ordem de grandeza: bitucas de cigarros, emba‐
de uso sustentável dos recursos e equilíbrio na lagens de alimentos, garrafas plásticas, tampas
distribuição dos benefícios econômicos, além de de garrafas plásticas, sacolas plásticas, outros
trazer recomendações relevantes para o controle sacos plásticos, canudos e agitadores de bebi‐
de entrada de resíduos sólidos nos mares por das, embalagens plásticas de alimentos, outras
embarcações pesqueiras (Figura 8.4). tampas plásticas, em‐
balagens de EPS. Em É melhor prevenir
2018, esse evento mo‐ que remediar.
Remoção dos resíduos que já estão bilizou 158 países e 17 Quanto mais esfor‐
no ambiente marinho milhões de voluntá‐ ços forem investidos
rios. No Brasil, o Dia na prevenção da en‐
A diminuição da quantidade e dos im‐
Mundial de Limpeza trada desses materi‐
pactos dos resíduos no ambiente marinho passa
de Rios e Praias vem ais no ambiente
tanto pelo engajamento social quanto pelo de‐
sendo organizado por marinho, menor será
senvolvimento de novas tecnologias e investi‐
diversas organizações o empenho para re‐
mentos na remoção dos resíduos que estão no
da sociedade civil, ao tirá-los no futuro e
mar. O engajamento social possibilita grandes
longo do tempo e de menores serão os
ações de limpeza, que normalmente contam
toda a costa. impactos e os cus‐
com o trabalho de organizações da sociedade ci‐
tos envolvidos
vil, além do envolvimento de voluntários.
Figura 8.5. Trator utilizado em limpeza das praias em Santos, SP: aspectos positivos e negativos da remo‐
ção de resíduos de praias (Foto: Danilo Balthazar)
77
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 8.6. Seabin ‐ lixeira que recolhe os resíduos flutuantes e retira o óleo da água.
(Fonte: http://www.seabinproject.com/)
78
Figura 8.7. Remoção de resíduos flutuantes, proposta pela iniciativa The Ocean Cleanup
(Imagem: The Ocean Cleanup).
A remoção dos microplásticos do am‐ ores ou impedindo a chegada desses, ou dos
biente marinho também é um desafio maior e, próprios microplásticos primários, ao mar.
até o momento, inviável. A primeira dificulda‐
de está na identificação das zonas de acúmulo Diante desses desafios e oportunidades,
de resíduos micrométricos na coluna d’água e em vista da complexidade do problema, faz‐se
ou no fundo marinho. Outro fator limitante é a necessária a integração dos diferentes setores
identificação de instrumentos eficazes na reti‐ da sociedade para que o problema seja enfren‐
rada de partículas tão pequenas, sem causar tado de forma eficaz. Um estudo socioeconômi‐
mais degradação ambiental por revolvimento co recente sobre os resíduos sólidos no
do sedimento, por exemplo. Por outro lado, é ambiente marinho159 listou uma série de inicia‐
importante lembrar que os macrorresíduos tivas, envolvendo a parceria entre a iniciativa
plásticos, se não forem retirados do ambiente, privada e a sociedade civil organizada, para
sofrem degradação e são fragmentados em destinar resíduos sólidos retirados do ambiente
pedaços cada vez menores. Assim, a melhor marinho e promover benefícios sociais em paí‐
forma de retirar os microplásticos do mar é ses do terceiro mundo (Box 8.4).
impedir sua formação, retirando os itens mai‐
79
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Os resíduos sólidos no oceano são fontes constantes de impactos ambientais e sua remoção
gera o desafio de qual destino dar a esses materiais. Nesse sentido, diversas iniciativas vêm
surgindo em todo o mundo, com o objetivo de transformar resíduos sólidos retirados do
oceano em algo que tenha utilidade ou valor para a sociedade. Tais oportunidades também
podem ajudar a recuperar os custos investidos na gestão de resíduos. O desenvolvimento de
novos produtos, elaborados com resíduos plásticos retirados do mar, alimenta a economia
circular e agrega valor ao material, como nos exemplos a seguir:
80
Notas
144. Bonanno, G. & Orlando‐Bonaca, M. (2018) Ten inconvenient questions about plastic in the
sea. Environmental Science and Policy, 85 (2018): 146‐154. (https://www.sciencedirect.com/
science/article/abs/pii/S1462901118302442)
145. Nicholas Institution for Environmental Policy Studies (2020) 20 Years of Government Respon‐
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te.duke.edu/sites/default/files/publications/20‐Years‐of‐Government‐Responses‐to‐the‐
Global‐Plastic‐Pollution‐Problem_final_reduced.pdf)
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plastic litter. UNEP. 124 p. (http://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/25485/
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147. UNEP (2018). Single‐Use Plastics: A Roadmap for Sustainability. UNEP. 90 p. (https://we‐
docs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/25496/singleUsePlastic_sustainability.pdf?se‐
quence=1&isAllowed=y)
148. Ellen MacArthur Foundation (2016) The new plastics economy: rethinking the future of plas‐
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tics‐Economy‐Rethinking‐the‐Future‐of‐Plastics.pdf)
149. Diagnóstico sobre a qualidade ambiental da Baía de Guanabara ‐ RJ. Laboratório de Manejo,
Ecologia e Conservação Marinha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. 43 p.
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151. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. (http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007‐2010/2010/lei/l12305.htm)
152. Vital Ocean. Lições vitais de organizações pioneiras na linha da frente Sem Resíduos. Vital
Ocean. 235 p. (https://6b1aa66e‐13bb‐4ed4‐a7fe‐e6007b3f5822.filesusr.com/ugd/
166006_fc8540aa59f54bbbb1a11b4f19a2395e.pdf)
153. Manzano AB (2009) Distribuição, taxa de entrada, composição química e identificação de
fontes de grânulos plásticos na Enseada de Santos, SP, Brasil. Dissertação de Mestrado. Insti‐
tuto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. (http://www.teses.usp.br/teses/disponi‐
veis/21/21131/tde‐30042010‐104436/pt‐br.php)
154. Lei Federal nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9537.htm)
155. FAO (1995) Code of conduct for responsible fisheries. 41 p. (http://www.fao.org/3/a‐v9878e.pdf)
156. The Ocean Conservancy. International Coastal Cleanup (https://oceanconservancy.org/trash‐
free‐seas/international‐coastal‐cleanup/)
157. Seabin Project (https://seabinproject.com/)
158. The Ocean Cleanup (https://theoceancleanup.com/)
159. UN Environment (2017). Marine Litter Socio Economic Study, United Nations Environment
Programme, Nairobi. Kenya. 113 p. (https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/
20.500.11822/26014/Marinelitter_socioeco_study.pdf?sequence=1&isAllowed=y)
81
Capítulo 9
A integração multissetorial é
importante?
políticas públicas. Entende‐se que o poder pú‐ No âmbito do X Plano Setorial para os
blico, no intuito de defender os interesses difu‐ Recursos do Mar (X PSRM)163, consta uma
sos e o bem‐estar humano, deve recorrer a uma ação voltada para o combate ao lixo do mar, no
variada gama de recursos e ações para lidar com contexto do Plano Nacional para o Combate ao
o problema do lixo nos mares. Lixo no Mar e da Política Nacional para os Resí‐
duos Sólidos (PNRS). Esse projeto piloto con‐
Mais que isso, o poder público é entendi‐ tribuirá com outras iniciativas em andamento, e
do como um importante articulador junto à soci‐ tem o objetivo de reduzir a ocorrência de resí‐
edade, podendo liderar o processo de discussão duos sólidos na Baía de Guanabara, consideran‐
junto aos demais setores. Portanto, a existência do, dentre outros, os seguintes instrumentos da
de espaços de discussão multissetorial dessa te‐ PNRS: atuar por meio de programa de educação
mática se configura como um passo importante e sensibilização; implementar medidas de remo‐
nesse caminho de melhoria na gestão integrada ção de lixo; e desenvolver capacitação para o
dos resíduos. monitoramento e fiscalização. Posteriormente,
Dentre algumas boas práticas tomadas tal projeto terá sua abrangência ampliada a nível
pelo poder público, em escala global, a ONU nacional, como parte do Plano Nacional para
Meio Ambiente, que integra grande número de Combate ao Lixo no Mar.
países, lançou o Programa Clean Seas160 (#Cle‐ Em nível regional, a Secretaria de Meio
anSeas, em mídia social). Esse programa tem o Ambiente do Estado de São Paulo realiza, desde
objetivo de envolver os governos, o público em
1989, atividades educativas voltadas aos fre‐
geral e o setor privado no combate ao lixo no
quentadores das praias paulistas. Inicialmente
mar. Para tanto, utiliza a estratégia de conscien‐ chamado Praia Limpa (1989‐1997), depois Ve‐
tização e engajamento dos cidadãos, catalisando rão Vivo (1998‐ 1999) e Verão Limpo (2000‐
mudanças, transformando hábitos, práticas, pa‐ 2017), o atual Verão no Clima164 (desde 2018)
drões e políticas em todo o mundo. No período
visa esclarecer os banhistas sobre a importância
de um ano da campanha, 43 países já aderiram à de manter a praia limpa. Em dezembro de 2018,
causa, com compromissos de ação. Aderido ao por ocasião da abertura das atividades do Verão
#CleanSeas, mais de 80 aquários ao redor do no Clima 2019, foi lançada a Carta do Litoral
mundo se uniram na campanha “Aquários do Paulista para o Combate ao Lixo no Mar165.
Mundo contra o Lixo Marinho”161, para chamar Nesse documento, assinado pelos prefeitos dos
a atenção do público sobre a crescente ameaça dezesseis municípios costeiros paulistas, o po‐
da poluição marinha e apresentar, em seus pró‐ der público municipal se compromete a manter
prios espaços, algumas iniciativas para promo‐ o diálogo entre os diversos atores envolvidos,
ver o envolvimento da comunidade e propor para a construção de uma política estadual para
soluções concretas. o combate ao lixo no mar, com abordagem pre‐
A ONU Meio Ambiente lançou também, ventiva e integrada para prevenir a poluição ge‐
em cooperação com a Universidade Aberta da rada pelos plásticos e microplásticos.
Holanda, o Curso Online Aberto e Massivo
(Massive Open Online Course – MOOC)162, so‐
bre lixo marinho. O objetivo é inspirar atitudes e Papel da iniciativa privada
lideranças na agenda de combate à poluição ma‐ Como visto anteriormente, grande parte
rinha, estimulando a interação dos alunos com dos resíduos presentes nos mares está relacio‐
atores‐chave. O curso, online e gratuito, já con‐ nada com o que manufaturamos, consumimos e
tou com três edições. descartamos irregularmente. Pensando na res‐
A nível nacional, o Plano Nacional de ponsabilidade compartilhada, indústrias e ou‐
Combate ao Lixo no Mar surge como uma inici‐ tros atores da cadeia produtiva, da manufatura à
ativa importante para que os diferentes setores distribuição, devem envolver‐se na gestão e na
da sociedade se integrem no enfrentamento des‐ busca por alternativas, para a diminuição de
se problema complexo. Essa ação constitui a fontes de resíduos, alcançando soluções efetivas
primeira fase da Agenda Nacional de Qualidade para esse problema.
Ambiental Urbana, que apresenta um conjunto De acordo com as Diretrizes Nacionais
de ações concretas e de resposta imediata para a para o Saneamento Básico166 (Lei Federal nº
melhoria da qualidade ambiental e, portanto, da 11.445/2007) e a Política Nacional de Resíduos
qualidade de vida nas cidades brasileiras.
84
Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010), empreen‐ antes são obrigados, de acordo com a PNRS, a
dimentos que são classificados como “grandes estruturar e implementar sistemas de logística
geradores” de resíduos sólidos pelas legislações reversa, mediante retorno dos produtos, após o
e regulamentos municipais, ou seja, empreendi‐ uso pelo consumidor, de forma independente do
mentos que geram resíduos perigosos ou em serviço público de limpeza urbana e de manejo
quantidades não equiparáveis aos resíduos do‐ dos resíduos sólidos. Essa obrigação recai sobre
mésticos, são responsáveis por elaborar seus os seguintes produtos: agrotóxicos, seus resí‐
planos de gerenciamento de resíduos sólidos e duos e embalagens; pilhas e baterias; pneus;
arcar com seus custos. Isso significa que grande óleos lubrificantes, bem como seus resíduos e
parte dos resíduos gerados nos municípios, por embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor
indústrias, portos e hospitais, entre outros em‐ de sódio e mercúrio e de luz mista; e produtos
preendimentos, é de responsabilidade da inicia‐ eletroeletrônicos e seus componentes.
tiva privada.
Ações de limpeza de praias também são
O papel da iniciativa privada também é atividades incentivadas pela iniciativa privada.
fundamental para que essa poluição seja com‐ Apesar dessas ações retirarem resíduos sólidos
batida, visto seu poder de suporte e fomento ao do ambiente de forma muito pontual e localiza‐
desenvolvimento de pesquisas, atividades de da, elas têm papel importante na sensibilização
educação ambiental e ações de mitigação, bem da sociedade frente ao problema (Figura 9.1).
como de exercer pressão no poder público. Mes‐ Nos Estados Unidos, diversas empresas ligadas
mo nos casos em que esse setor não tenha, efeti‐ à manufatura de produtos plásticos incentivam,
vamente, as ferramentas necessárias ou mesmo há mais de 20 anos, essa e outras campanhas de
o mandato para a elaboração e execução dessas educação ambiental, tanto em escolas quanto
atividades, parcerias com universidades, orga‐ junto à sociedade em geral. No Brasil, iniciati‐
nizações da sociedade civil e o próprio poder pú‐ vas como essas vêm sendo implementadas e rea‐
blico podem viabilizá‐las. lizadas há algum tempo. Entretanto, reforça‐se
a importância de que ações da iniciativa privada
A iniciativa privada vem investindo no estejam ligadas a uma estratégia de combate ao
desenvolvimento tecnológico dos seus produtos, problema, de forma articulada e estruturante, e
prática que pode ajudar a combater a presença não apenas buscando interesses imediatos de
de resíduos nos mares, ao incluir, entre suas valorização da imagem. Nesse sentido, a atua‐
atribuições, pesquisas para a promoção da eco‐ ção integrada com outros atores permite um di‐
nomia circular e ampliação da capacidade de recionamento mais apropriado das ações.
reutilização dos produtos. O combate ao consu‐
mo exagerado, muitas vezes estimulado pelas Em 2011, durante a 5ª Conferência In‐
mídias de massa e pela influência de grandes ternacional sobre Lixo Marinho, em Honolulu, a
corporações, bem como a obsolescência de inú‐ indústria plástica esteve presente, lançando a
meros bens de consumo e o grande volume de Declaração Global das Associações do Setor
embalagens descartáveis não reaproveitadas, Plástico sobre Soluções para o Lixo Marinho167.
são questões ligadas à atuação do setor produti‐ Nesse documento, o setor produtivo dos plásti‐
vo. Nesse sentido, promover o consumo consci‐ cos se responsabiliza por investir esforços na re‐
ente e repensar os modelos de produção e dução da entrada de resíduos sólidos no oceano,
consumo, que incentivam a sociedade ao des‐ contando com a parceria das demais partes inte‐
perdício, são algumas das iniciativas sob a res‐ ressadas. O Instituto Socioambiental do Plásti‐
ponsabilidade da iniciativa privada. No caso das co (PLASTIVIDA) foi o representante brasileiro
embalagens, a PNRS determina que elas sejam nesse acordo do setor produtivo.
restritas, em volume e peso, às dimensões re‐
queridas à proteção do conteúdo e à comerciali‐ Seguindo a lógica do que propõe a De‐
zação do produto; projetadas de forma a serem claração Global, a PLASTIVIDA firmou, em
reutilizadas de maneira tecnicamente viável e 2012, um convênio com o Instituto Oceano‐
compatível com as exigências aplicáveis ao pro‐ gráfico da Universidade de São Paulo (IOUSP),
duto que contêm; e possíveis de serem recicla‐ para o desenvolvimento de pesquisas e ações,
das, se a reutilização não for possível. na busca de soluções para o problema dos resí‐
duos sólidos nos mares. Essa parceria culminou
Além do design de embalagens, os fabri‐ na criação do Fórum Setorial dos Plásticos ‐ Por
cantes, importadores, distribuidores e comerci‐ um Mar Limpo168, que conta hoje com a partici‐
85
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 9.1. Imagem de uma ação de limpeza de praia, realizada em 2016, na Praia das Pedrinhas, São
Gonçalo ‐ RJ (Foto: Lucas Barbosa)
pação de dezoito signatários, dentre associa‐ sociedade civil ‐ OSCs, escolas e sociedade em
ções, sindicatos e empresas do setor produtivo geral), para que juntos possam discutir a ques‐
dos plásticos. Dentre as ações propostas, estão tão e buscar soluções para o combate ao lixo
programas de diminuição da perda de materiais nos mares.
e ecoeficiência, como aqueles voltados à pre‐
venção da perda de resinas plásticas (pellets) A Associação Brasileira da Indústria
para o ambiente. O Fórum Setorial dos Plásti‐ Química (ABIQUIM) lançou, em 2018, o Com‐
cos – Por um Mar Limpo lançou o Programa promisso Voluntário com a Economia Circular
Pellet Zero – OCS®169, que visa à adequação dos dos Plásticos174. Segundo esse compromisso, os
procedimentos internos das indústrias e o cor‐ produtores de resinas termoplásticas têm, como
reto treinamento dos profissionais da cadeia meta, a reutilização, reciclagem ou revaloriza‐
produtiva plástica brasileira para a prevenção ção de 100% das embalagens de plástico, até
da perda de pellets para o ambiente e, conse‐ 2040. As produtoras de resinas plásticas tam‐
quentemente, para o mar. Para tanto, foram ela‐ bém se comprometeram a adotar, até 2020, as
borados três manuais: o primeiro esclarece melhores práticas do “Manual do Programa Pel‐
sobre as melhores práticas para a contenção de let Zero”, na busca da prevenção e redução da
pellets nas operações da cadeia produtiva do poluição marinha, alinhadas ao ODS 14.1.
plástico170; os outros dois manuais detalham A Coalizão das Embalagens175 busca
sobre como proceder a implementação do pro‐ cumprir as metas estipuladas pela Política Naci‐
grama na indústria171 e nas empresas de trans‐ onal de Resíduos Sólidos, de realizar a logística
porte172. Além disso, essa parceria também reversa, restituindo os resíduos sólidos ao setor
possibilitou o monitoramento de resíduos empresarial para reaproveitamento em seus ci‐
plásticos (macro e microplásticos) na costa bra‐ clos produtivos. O grupo é formado hoje por 20
sileira e a realização de ações educativas varia‐ associações brasileiras, que representam produ‐
das, dentro do Programa EnTenda o Lixo173, tores, usuários, importadores e comerciantes de
como palestras, oficinas com alunos e professo‐ embalagens em geral, além de 1.522 empresas
res, exposições e eventos. Dentro dessa propos‐ do setor. Entre 2012‐2017, apurou‐se que, a
ta, o setor produtivo plástico foi mobilizado e, partir desse acordo setorial, o volume de emba‐
agora, o Fórum Por um Mar Limpo pretende in‐ lagens dispostas em aterro reduziu 21,3%, e a
teragir com os demais atores da sociedade (se‐ taxa de recuperação de materiais, na fração se‐
tor público, universidades, organizações da ca, aumentou em 29%.
86
Criada em 2018, a partir de uma mobili‐ deficiências e preenchendo lacunas deixadas pe‐
zação do setor, articulada pela Associação Brasi‐ lo poder público. É a partir dessa vontade de
leira da Indústria do Plástico (ABIPLAST), a mudança que surgem as organizações da socie‐
Rede de Cooperação para o Plástico reúne toda a dade civil (OSCs) sem fins lucrativos, que visam
cadeia produtiva do plástico (petroquímicas, realizar ações de âmbito público, como respos‐
transformadores, varejistas, cooperativas, ges‐ tas para problemas de educação, saúde e meio
tores de resíduos, recicladores e indústrias de ambiente. Tais organizações, como associações
bens de consumo), em torno da discussão e de‐ e fundações, atuam tanto em países desenvolvi‐
senvolvimento da economia circular. A Rede dos da América do Norte e Europa, quanto em
busca melhorar a imagem do plástico perante a países em desenvolvimento ou subdesenvolvi‐
sociedade, reduzir o potencial impacto da ativi‐ dos, como os da África e América Latina.
dade industrial no meio ambiente e reafirmar a
importância da indústria plástica. Como estraté‐ Para o meio ambiente e, pontualmente,
gia para alcançar tais propósitos, a Rede preten‐ para a questão dos resíduos nos mares, as orga‐
de trabalhar por meio dos seguintes eixos: nizações da sociedade civil exercem um impor‐
design de embalagens, políticas públicas para tante papel, como o de sensibilização da
empresas, comunicação, logística e infraestru‐ população frente ao problema, esclarecendo su‐
tura e governança176. as origens e impactos e fomentando o desenvol‐
vimento de iniciativas de mitigação. A
Em 2018, também houve um posiciona‐ Estratégia de Honolulu prevê soluções criativas
mento do setor, em escala global, sobre as ações a para reduzir a quantidade de resíduos nos ma‐
serem implementadas. Liderado por mais de 25 res, como o reuso de materiais descartáveis, a
organizações, foi criado um fundo de US$1,5 bi‐ promoção de mudanças comportamentais que
lhão para apoiar ações relacionadas ao combate reduzam o consumo e aumentem a reciclagem e
do lixo no mar no mundo, nos primeiros cinco os mutirões de coleta de resíduos, em regiões
anos. A Aliança pelo Fim do Lixo Plástico177 (em costeiras. Nesse sentido, o envolvimento das
inglês, Alliance to End Plastic Waste) é uma or‐ OSCs tem se mostrado essencial no desenvolvi‐
ganização sem fins lucrativos, que tem parceria mento de atividades educativas e no estímulo às
com a comunidade financeira, governo e socieda‐ iniciativas de geração de renda em diversos paí‐
de civil. É constituída por uma equipe composta ses, incluindo o Brasil.
por representantes de toda a cadeia de valor de
plásticos (fabricantes de produtos químicos e Um estudo recente179 realizou um diag‐
plásticos, empresas de bens de consumo, varejis‐ nóstico das ações de educação ambiental sobre
tas, transformadores e empresas de gerencia‐ lixo no mar, desenvolvidas pelas organizações
mento de resíduos). Os investimentos serão da sociedade civil, no Brasil. Esse estudo con‐
destinados a ações em infraestrutura, educação e cluiu que a atuação das OSCs só não é mais in‐
engajamento, inovação e esforços na remoção de tensa e abrangente, devido às limitações
resíduos plásticos do ambiente marinho. financeiras, que podem ser agravadas diante do
cenário sociopolítico corrente, ocasionando
A indústria mundial de seguros, junta‐ ações pontuais e não continuadas de educação
mente com a UNEP, realizou o primeiro estudo não formal. Nesse cenário, as instituições ten‐
sobre como gerenciar os riscos associados à po‐ dem a desenvolver atividades com caráter mais
luição por lixo plástico marinho e microplásti‐ pragmático, focadas no conservacionismo,
cos178. A partir da identificação de como os riscos comportamentalismo, soluções técnico‐gerenci‐
relacionados à poluição por plásticos atuam em li‐ ais e processos informativos, do que em uma
nhas de seguro, o estudo indica que as segurado‐ educação ambiental crítica, focada na visão ho‐
ras devem ter um papel ativo, abordando os riscos lística, na transformação social e no processo
relacionados à poluição por plásticos e contribu‐ participativo.
indo com os esforços globais para reduzi‐la.
Outro papel que vem sendo assumido
pelas OSCs é o da geração de informações sobre
os resíduos, com vistas a sugerir a implementa‐
Papel das organizações da sociedade civil ção e/ou avaliar a efetividade de políticas públi‐
Globalmente, o ser humano tem busca‐ cas e demais ações. Para isso, é necessário o
do participar mais ativamente das decisões que levantamento de dados de longa duração e com
regem seu modo de viver, muitas vezes suprindo grande abrangência geográfica sobre a quanti‐
87
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
dade, qualidade e distribuição dos resíduos. A Apesar da instituição do Dia Mundial
carência de informações como essas é, em gran‐ de Limpeza de Praias, a The Ocean Conservancy
de parte, decorrente da falta de recursos huma‐ avalia que a remoção dos resíduos do mar é
nos e financeiros para a produção de tais dados, apenas uma parte da solução, sendo necessário
com visitas periódicas a praias e a outros ambi‐ prevenir que os resíduos alcancem os cursos
entes marinhos, para a coleta, identificação e d'água e o oceano. Nesse sentido, a iniciativa
quantificação dos resíduos sólidos acumulados. Aliança pelo Mar sem Lixo182 (em inglês, Trash
Depois de capacitadas, as OSCs podem atuar no Free Seas Alliance®) reúne mais de trinta mem‐
monitoramento dos resíduos, contando com a bros, dentre organizações da sociedade civil,
colaboração de voluntários, numa ação partici‐ grandes empresas (indústria e comércio) e uni‐
pativa. Isso pode ampliar a cobertura espacial versidades de todo o mundo, com o propósito
do monitoramento e manter uma geração de da‐ de reduzir e, se possível, reinventar produtos e
dos contínuos, que permitam identificar tendên‐ serviços que impactam os ecossistemas e a vida
cias de aumento ou diminuição do problema, selvagem. A meta da Aliança é estabelecer uma
inferir fontes para o desenvolvimento de políti‐ colaboração pragmática do mundo real, com
cas específicas, avaliar os possíveis impactos e, foco na redução da quantidade de resíduos
especialmente, sensibilizar a sociedade para a plásticos que chega ao oceano anualmente, em
questão. 50%, até 2025.
Dentre algumas ações desenvolvidas
por OSCs, a Fundação Ellen MacArthur lan‐
çou, em 2016, o relatório “A nova economia Papel da academia
dos plásticos: repensando o futuro dos plásti‐ O termo “academia” pode ser definido
cos”180, que trouxe algumas estimativas alar‐ como o conjunto de organizações de pesquisa e/
mantes com relação aos resíduos plásticos no ou de ensino superior, que possuem objetivos ci‐
oceano. Segundo esse relatório, até 2050, caso entíficos e/ou educativos. Fazem parte desse
nada seja feito para combater a poluição por re‐ conjunto de organizações as universidades e os
síduos sólidos, a quantidade em peso de resí‐ institutos de pesquisa (públicos e privados), re‐
duos plásticos será a mesma que a de peixes, no presentados por seus professores, alunos, técni‐
oceano. Nesse sentido, o relatório sugere três cos e pesquisadores. A academia tem um papel
metas ambiciosas: (1) criar uma economia de fundamental, enquanto geradora de conheci‐
plásticos pós‐uso eficaz, melhorando a econo‐ mento e informações, para o melhor entendi‐
mia e a absorção de reciclagem, reutilização e mento da questão dos resíduos nos mares e
biodegradação controlada para aplicações es‐ também para o engajamento de atores, contri‐
pecíficas; (2) reduzir drasticamente a perda de buindo fortemente para a efetiva gestão e redu‐
plásticos para sistemas naturais (em particular, ção do problema.
o oceano) e outras externalidades; e (3) desaco‐
plar o plástico das matérias‐primas fósseis, ex‐ O conhecimento proveniente da acade‐
plorando e adotando as renováveis. mia, gerado pelas pesquisas, tem como objetivo
a análise crítica, direta e independente de pro‐
O Banco dos Plásticos181 (Plastic Bank) blemas e, devido ao seu caráter científico, não
foi fundado em 2013, em Vancouver, Canadá. deve ser influenciado por conflitos de interesses
Essa iniciativa visa proporcionar rentabilidade econômicos ou políticos, sendo, portanto, con‐
econômica para comunidades de coletores de re‐ siderado imparcial. Foi por meio da pesquisa ci‐
síduos para reciclagem, permitindo a troca de entífica que se chegou à conclusão de que o
plástico por dinheiro, itens utilizáveis ou fichas problema dos resíduos nos mares vai muito
digitais protegidas por blockchain (plataforma além da questão estética, pois afeta os serviços
na qual o usuário faz trocas de moedas, sem a promovidos pelos ecossistemas costeiros e oce‐
interferência de bancos ou governo). Ao atribuir ânicos em todo o mundo, impactando direta e
valor monetário ao lixo, pretende‐se construir indiretamente a qualidade de vida humana, tan‐
um futuro melhor para comunidades em situa‐ to de quem vive próximo ao mar quanto de
ção de extrema pobreza, além de impedir que os quem vive distante dele.
resíduos sólidos cheguem ao oceano. O Banco
dos Plásticos atualmente opera no Haiti, Filipi‐ Por meio da pesquisa, pode‐se identifi‐
nas, Indonésia e Brasil; porém, pretende expan‐ car quais são os ecossistemas, áreas e/ou es‐
dir‐se para o mundo todo. pécies com maior vulnerabilidade a esse tipo de
88
impacto, as principais fontes e tipos de lixo en‐ colhidos, aproximadamente, seis toneladas de
contrados no mar e, assim, desenvolver métodos PP‐APD, em campanhas de limpeza com mer‐
de monitoramento para avaliar a efetividade das gulho em UCs nos estados de São Paulo e Santa
ações para reduzir o problema, que é uma im‐ Catarina. Esses petrechos são mapeados com
portante lacuna a ser preenchida. Cabe ainda sonar de varredura lateral, robô subaquático
aos pesquisadores o desenvolvimento tecnológi‐ operado remotamente (em inglês, Remotely
co de produtos e embalagens com materiais Operated Underwater Vehicle ‐ ROV) e asa de
mais sustentáveis e com diferentes técnicas de reboque, com câmera digital acoplada, para fo‐
reciclagem, fato que evidencia a importância do tografar o fundo do mar.
envolvimento de especialistas de diversas áreas
do conhecimento, bem como a parceria com a O Laboratório de Manejo, Ecologia e
iniciativa privada. Tais informações são cruciais Conservação Marinha do Instituto Oceanográfi‐
para o desenvolvimento de mecanismos de ges‐ co da Universidade de São Paulo185 vem reali‐
tão e de redução da quantidade de resíduos sóli‐ zando, por meio de um convênio com o setor
dos gerados. Além disso, universidades formam produtivo dos plásticos, diversos projetos de
professores e cidadãos em diversas áreas do co‐ pesquisa, educação e extensão. Dentre as ações
nhecimento, os quais irão disseminar informa‐ desempenhadas por esse grupo de pesquisa es‐
ções em vários níveis, sendo capazes de tão: monitoramento de resíduos em praias da
sensibilizar toda uma gama de atores da socie‐ costa brasileira; atividades educativas, como pa‐
dade. Em suas atividades de extensão, as uni‐ lestras, oficinas, exposições, eventos e campa‐
versidades somam‐se às organizações da nhas de conscientização sobre o consumo e
sociedade civil, no desenvolvimento de ações descarte (ações do Programa EnTenda o Lixo);
junto à sociedade, incluindo a tradução e a dis‐ promoção da atuação do setor produtivo no
seminação do conhecimento existente sobre o combate à perda de plástico pré‐consumo para o
tema. mar (Programa Pellet Zero – OCS®).
89
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Figura 9.2.
Oficina sobre lixo nos
mares, realizada pelo
Instituto Oceano‐
gráfico da Universi‐
dade de São Paulo
com alunos, em Pe‐
ruíbe, SP. (Foto: Lu‐
cas Barbosa)
91
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Pode-se então considerar que o controle social é exercido pela sociedade sobre o Estado,
com a finalidade de solucionar problemas e deficiências. Nesse sentido, a sociedade está en‐
volvida no exercício da reflexão e discussão de problemáticas que afetem a vida coletiva. Al‐
gumas ações de controle social, como o maior engajamento da sociedade com a
problemática do lixo, a demanda por melhorias no saneamento básico, assim como a partici‐
pação da própria sociedade no monitoramento dos resíduos (ciência cidadã), podem ajudar a
reduzir a entrada destes no ambiente marinho (Figura 9.3).
No entanto, para que esse controle seja efetivo, a transparência e o acesso à informação
são fatores fundamentais. Assim, as mídias sociais são de grande relevância para difundir a
informação e permitir que mais pessoas tenham acesso a ela, além de compartilhar boas
práticas. As características ligadas à participação social, por sua vez, passam pelo engaja‐
mento dos cidadãos e de suas demandas por melhorias, o que pode ser bastante variável ao
longo do tempo e em diferentes localidades.
Figura 9.3.
Elementos que
compõem o controle
social para a redução
do lixo nos mares.
93
LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
Notas
160. UN Environment. Clean Seas Program (https://www.cleanseas.org/)
161. World Aquariums against Marine Litter (https://europa.eu/capacity4dev/unep/discussions/
european‐campaign‐world‐aquariums‐against‐marine‐litter‐was‐launched‐monaco)
162. ONU Meio Ambiente promove curso online em português sobre lixo marinho (https://nacoe‐
sunidas.org/onu‐meio‐ambiente‐promove‐curso‐online‐em‐portugues‐sobre‐lixo‐marinho/)
163. O PSRM, principal desdobramento da PNRM, visa integrar o Mar Territorial, a Zona Econômi‐
ca Exclusiva e a Plataforma Continental, por intermédio de atividades de pesquisa, de moni‐
toramento oceanográfico, estudos do clima, bem como de exploração e conservação dos
recursos naturais da Amazônia Azul. As atividades são desenvolvidas no âmbito da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), sob coordenação do Comandante da Mari‐
nha, como Autoridade Marítima, além da participação de representantes de diversos Ministé‐
rios, da academia, dentre outros.
164. SIMA‐SP. Programa Verão no Clima. (https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/ve‐
raonoclima/)
165. Carta do Litoral Paulista. (https://smastr16.blob.core.windows.net/veraonoclima/2018/12/
carta‐lixo‐no‐mar‐oficial‐versao‐assinada.pdf)
166. Lei Federal nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a‐
to2007‐2010/2007/lei/l11445.htm)
167. Plastics Europe (2011) Declaração Global das Associações do Setor Plástico sobre Soluções
para o Lixo Marinho. (http://www.porummarlimpo.org.br/assets/docs/declaration_global_‐
marine litter.pdf)
168. Fórum Setorial dos Plásticos ‐ Por um Mar Limpo (http://www.porummarlimpo.org.br/)
169. O Programa Pellet Zero – OCS® (http://pelletzero.porummarlimpo.org.br/) baseia‐se no pro‐
grama internacional Operation Clean Sweep® (OCS® ‐ https://opcleansweep.org/), porém
adaptado à realidade brasileira.
170. Fórum setorial dos Plásticos ‐ por um Mar Limpo (2018) Manual do Programa Pellet Zero ‐
OCS®. Plastivida. 30 p. (http://pelletzero.porummarlimpo.org.br/manuais/programa‐pellet‐
zero‐ocs/)
171. Fórum setorial dos Plásticos ‐ por um Mar Limpo (2018) Manual de Implementação do Progra‐
ma Pellet Zero ‐ OCS® ‐ Indústria de Resina Plástica. Plastivida. 48 p. (http://pelletzero.po‐
rummarlimpo.org.br/manuais/industria/)
172. Fórum setorial dos Plásticos ‐ por um Mar Limpo (2018) Manual de Implementação do Progra‐
ma Pellet Zero ‐ OCS® ‐ Transporte. Plastivida. 38 p. (http://pelletzero.porummarlim‐
po.org.br/manuais/transporte/)
173. O Programa EnTenda o Lixo (@entendaolixo) é uma iniciativa do Laboratório de Manejo, Eco‐
logia e Conservação Marinha do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, que
visa debater com a sociedade a atual situação da saúde dos mares e oceano e propor ações
educativas para minimizar o problema, especialmente em relação aos resíduos sólidos.
174. ABIQUIM (2018) ENAIQ 2018. Newsletter Dezembro/2018. 11 p. (http://www.timamoco.‐
com.br/ABIQUIM/ABIQUIM_ENAIQ2018Newsletter_20dez18/ABIQUIM_EnaiqNewsletter‐
Dez18_20dez.pdf?)
175. Coalizão das Embalagens (https://www.coalizaoembalagens.com.br/)
176. Alliance to End Plastic Waste (https://endplasticwaste.org/)
177. UNEPFI (2019) Unwrapping the risks of plastic pollution to the insurance industry. UNEP. 57
p. (https://www.unepfi.org/psi/wp‐content/uploads/2019/11/PSI‐unwrapping‐the‐risks‐of‐
plastic‐pollution‐to‐the‐insurance‐industry.pdf)
94
178. Menck, EVS (2020) Um olhar sobre as organizações não‐governamentais que realizam ações
de educação ambiental focadas em lixo no mar, no Brasil. Dissertação de Mestrado. Universi‐
dade Federal de São Paulo ‐ Campus Diadema. 149 p.
179. Ellen MacArthur Foundation (2016) The new plastics economy: rethinking the future of plas‐
tics. 61 p. (https://www.ellenmacarthurfoundation.org/assets/downloads/The‐New‐Plastics‐
Economy‐Rethinking‐the‐Future‐of‐Plastics.pdf)
180. Plastic Bank (https://www.plasticbank.com/)
181. The Ocean Conservancy. Thash Free Seas Alliance (https://oceanconservancy.org/trash‐free‐
seas/plastics‐in‐the‐ocean/trash‐free‐seas‐alliance/)
182. SAPEA (2019) A Scientific Perspective on Microplastics in Nature and Society. 173 p. (https://
www.sapea.info/wp‐content/uploads/report.pdf)
183. Petrechos de Pesca Perdidos no Mar. Lost Fishing Gear Project ‐ A Brazilian Initiative. (http://
bluelinesystem.blogspot.com/)
184. Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha, Instituto Oceanográfico, Universida‐
de de São Paulo. (http://www3.io.usp.br:48080/manejo/index.php)
185. Fantástico, Rede Globo. Jovem reúne R$ 4,5 milhões para retirar plástico dos mares do pla‐
neta. 31/08/2014 (http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/jovem‐reune‐r‐45‐mi‐
lhoes‐para‐retirar‐plasticos‐dos‐mares‐do‐planeta.html)
186. Base Nacional Comum Curricular (http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf)
187. MEC (1997) Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente, 76 p. (http://portal.mec.‐
gov.br/seb/arquivos/pdf/meioambiente.pdf)
188. MEC (2017) Base Nacional Comum Curricular ‐ Educação é a base. 392 p. (http://basenacio‐
nalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf)
189. MEC Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Orientações Educacionais Complemen‐
tares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecno‐
logias. 144 p. (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CienciasNatureza.pdf)
190. Programa EnTenda o Lixo (https://www.instagram.com/entendaolixo/)
191. SeCIRM (2018) Mariana e a Batalha Contra os Supermacabros ‐ A Ameaça do Lixo nos Mares.
52 p. (https://www.marinha.mil.br/secirm/sites/www.marinha.mil.br.secirm/files/publica‐
coes/cartilha‐mariana.pdf)
192. MMA (2016) Um Mar de Lixo (https://www.youtube.com/watch?v=00UQQx9‐GB8)
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
VAMOS COMBATER O LIXO
NOS MARES?
Após essa reflexão sobre o lixo nos mares, desde o entendimento de suas ori‐
gens, destinos e impactos, até as diversas formas de combate, incluindo o papel dos
diferentes setores da sociedade, resta deixar uma mensagem de esperança quanto ao
futuro do oceano. Como vimos inicialmente, os resíduos sólidos correspondem a um
dos problemas que impactam o ambiente marinho. Há também a perda de ambientes
naturais, como manguezais e recifes de coral, a pesca excessiva e a poluição por agen‐
tes diversos, como esgoto, petróleo, metais pesados e pesticidas.
Dentre as fontes de poluição, os resíduos sólidos são os mais facilmente perce‐
bidos pela sociedade. Por essa razão e pelos importantes impactos que causam, têm
um enorme potencial para mobilizar a sociedade, engajando‐a em uma discussão mais
ampla sobre a busca da qualidade do oceano. De fato, estudos recentes têm mostrado
um agravamento dos impactos no ambiente marinho, ocasionados por uma forma equi‐
vocada da sociedade em entender e promover o crescimento econômico, em detrimen‐
to de uma visão pautada pelo desenvolvimento sustentável.
Assim, discutir lixo nos mares promove uma reflexão sobre a sustentabilidade do
planeta, considerando o compromisso ético das gerações atuais com as gerações futu‐
ras. Entende‐se que a existência de resíduos nos mares seja sintoma de um modo de
vida equivocado da sociedade, seja nas regiões costeiras, seja em locais distantes da
costa. A importância das políticas de gestão de resíduos sólidos e de ordenamento ter‐
ritorial no combate às fontes de resíduos sólidos para o mar foi foco de discussão, bem
como as estratégias que levam à redução da geração de resíduos, como a Estratégia de
Honolulu e a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Nesse contexto, quais foram os reais avanços? Como você, indivíduo e cidadão,
pode atuar como um instrumento de transformação dessa realidade? Nesse livro, algu‐
mas formas e estratégias de ação foram exemplificadas. Boas práticas devem ser com‐
partilhadas e disseminadas. Mas, para isso acontecer, devem ser criadas plataformas de
interação e integração entre os diversos setores da sociedade. Essa integração ou par‐
ceria multissetorial necessita ser estimulada, de forma a possibilitar que espaços de di‐
álogo ampliem a capacidade da sociedade em lidar com os desafios socioambientais do
planeta, incluindo o lixo nos mares.
Portanto, mais que um problema, o lixo nos mares pode ser entendido como
uma oportunidade para concretizar os esforços da sociedade, com vistas à promoção
de um ambiente equilibrado e socialmente justo.
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LIXO NOS MARES: DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO
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LIXO NOS MARES:
DO ENTENDIMENTO À SOLUÇÃO