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ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA DE SÃO SEBASTIÃO, MÉRTOLA

Ano Letivo 2021/2022


Disciplina de Filosofia
11º Ano Turma B - Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades
Docente Rui Nunes Kemp Silva
Prova de Avaliação Sumativa 3 Data: 31 de janeiro de 2022 (segunda-feira)
Duração: 90 minutos – Sala AN17 – 14H20/15H50

«Aquilo em que nós acreditamos (bem ou mal) não é que a teoria de Newton ou a de Einstein sejam verdadeiras, mas sim boas
aproximações à verdade, podendo ser superadas por outras melhores.»
Karl Popper, O Realismo e o Objetivo da Ciência

«A tradição científica normal que emerge de uma revolução científica é não apenas incompatível, mas também frequentemente
incomensurável com a tradição científica anterior.»
Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions

_____________________________________________________
Utiliza apenas caneta ou esferográfica de tinta azul ou preta.
Não é permitido o uso de corretor. Deves riscar aquilo que pretendes que não seja classificado.
Para cada resposta, identifica o grupo e o item.
Apresenta as tuas respostas de forma legível.
Apresenta apenas uma resposta para cada item.
As cotações dos itens encontram-se imediatamente abaixo.
____________________________
Cotações
Grupo I Grupo II Grupo III
Exercício I - Qem
1. …………………… 5 pontos Exercício I Questão única de
2. …………………… 5 pontos 2 itens x 20 pontos desenvolvimento
3. …………………… 5 pontos ………………………..… 40 pontos ……………………..…… 30 pontos
4. …………………… 5 pontos
5. …………………… 5 pontos Exercício II
6. …………………… 5 pontos
7. …………………… 5 pontos 2 itens x 20 pontos
8. …………………… 5 pontos ……………….………… 40 pontos
9. …………………… 5 pontos
10. ………………….. 5 pontos
…………………….. 50 pontos
Exercício II – Questões V/F
10 itens x 2 pontos
……………………… 20 pontos
Exercício III – Palavras cruzadas
20 itens x 1 ponto
……………………… 20 pontos

90 pontos 80 pontos 30 pontos

Total: 200 pontos

1
GRUPO I

Exercício I - Questões de escolha múltipla – selecione a alternativa que considera correta sem rasuras

1. A epistemologia é a disciplina que…

A. … estuda o conhecimento humano em geral.


B. … estuda criticamente os princípios, as hipóteses e os resultados das várias ciências.
C. … estuda os métodos e os produtos tecnológicos da ciência.
D. … divulga os resultados científicos.

2. O conhecimento vulgar caracteriza-se como um conhecimento…

A. … ametódico, sistemático e dogmático.


B. ... subjetivo, sensitivo e aprofundado.
C. … subjetivo, sensitivo e metódico.
D. … assistemático, ametódico e superficial.

3. Para Karl Popper, o conhecimento vulgar é um ponto de partida para o conhecimento científico. Esta afirmação é…

A. … verdadeira, porque a ciência deve partir do senso comum, mas deve corrigi-lo através da crítica.
B. … falsa, porque o filósofo considera que o conhecimento vulgar é um obstáculo epistemológico.
C. … verdadeira, porque o conhecimento vulgar é um ponto de partida seguro.
D. … falsa, porque o conhecimento vulgar não é o ponto de partida, mas sim o objetivo último da ciência.

4. Segundo Popper, o problema da demarcação traduz-se na preocupação epistemológica em estabelecer…

A. … a distinção das ciências entre si.


B. … a separação da ciência de outros modos de conhecimento.
C. … a distinção entre filosofia e religião.
D. … a separação no interior da ciência.

5. Das quatro proposições indique a que é mais falsificável segundo Popper…

A. Se fizeres trinta testes teóricos com poucos erros e tiveres aproximadamente quarenta aulas práticas, terás
sucesso no exame de condução.
B. Se fizeres os trinta testes teóricos do livro Conduzir Sem Acidentes com menos de 5% de erros e tiveres quarenta
aulas práticas, terás sucesso no exame de condução.
C. Se te preparares bem, terás sucesso no exame de condução.
D. Se fizeres muitos testes e tiveres um elevado número de aulas práticas, terás sucesso no exame de condução.

6. Os objetores de Popper criticam-lhe:

A. A ênfase colocada nos fracassos e erros da pesquisa científica.


B. A ênfase colocada nos êxitos do trabalho da pesquisa científica.
C. A defesa da irracionalidade e subjetividade do progresso científico.
D. A defesa da justificação de teorias através de observações repetidas.

2
7. Considera os seguintes enunciados relativos às teorias de Karl Popper e Thomas Kuhn:

1. Ambos desenvolvem teorias que contestam o progresso científico.


2. De acordo com Popper, se uma teoria é conjetural, então não é científica.
3. De acordo com Kuhn, os períodos críticos são períodos de desorientação.
4. Ambos desenvolvem teorias que contestam a objetividade científica.

A. 3 é correto; 1, 2 e 4 são incorretos.


B. 2 e 3 são corretos; 1 e 4 são incorretos.
C. 1 e 3 são corretos; 2 e 4 são incorretos.
D. 2 e 4 são corretos; 1 e 3 são incorretos.

8. Segundo Thomas Kuhn, a ciência normal é praticada com o objetivo de…

A. … derrubar um paradigma e resolver anomalias.


B. … derrubar um paradigma e criar anomalias.
C. … consolidar um paradigma e resolver anomalias.
D. … consolidar um paradigma e criar anomalias.

9. De acordo com a proposta de Thomas Kuhn, o progresso da ciência é ______ na fase normal e ______ aquando
da fase revolucionária.

A. cumulativo; não cumulativo.


B. cumulativo; cumulativo.
C. não cumulativo; cumulativo.
D. não cumulativo; não cumulativo.
10. Para Kuhn, a evolução da ciência é feita numa perspetiva descontinuísta. Esta afirmação é...

A. Falsa: porque o conceito de verdade é substituído pelo conceito de convenção.


B. Verdadeira: porque a ciência globalmente não avança por acumulação de conhecimentos.
C. Verdadeira: porque há uma procura permanente de soluções diferentes em múltiplos paradigmas.
D. Falsa: porque o avanço da ciência é marcado por poucas mudanças paradigmáticas.

Exercício II - Questões de verdadeiro/falso – Identifique as afirmações verdadeiras (V) e as falsas (F)

1. Segundo Popper, ao falsificar teorias dá-se uma aproximação gradual à verdade.


2. A subjetividade no desenvolvimento da ciência é, para Popper, um fator que coloca em causa a cientificidade do conhecimento.
3. O método de conjeturas e refutações de Popper é a forma de resolver o problema da indução.
4. Popper sustenta que as proposições particulares são mais falsificáveis do que as proposições universais.
5. Uma proposição científica falsificada nunca foi uma proposição falsificável.
6. Kuhn defendia o método indutivo no período da ciência normal.
7. No período de ciência normal podem surgir imensas novas descobertas científicas sem que o paradigma dominante tenha de ser
alterado.
8. De acordo com a teoria de Kuhn não há verdade nem progresso na ciência.
9. Segundo Kuhn, o que permite distinguir ciência da não ciência é a existência de um paradigma.
10. Para Kuhn, há cinco critérios objetivos que são condição suficiente para escolher uma boa teoria científica entre várias teorias rivais.

3
Exercício III - Resolve as seguintes palavras cruzadas sobre as teorias da ciência de Karl Popper e de Thomas Kuhn

20 2
F 1 A I

19 R T
4 3 O 17
5 7 8 V
6 R O 9 N

10 M A
11 I M

12 A A

13 H I I O 18
H
O 14 I A

15 S A

16 V E

Horizontais Verticais
1. É o que ocorre quando o paradigma se confronta com uma dificuldade 2. Impossibilidade de comparar paradigmas.
persistente. 4. O autor da obra A Estrutura das Revoluções Científicas.
3. É o que ocorre na ciência quando se muda de paradigma. 5. No período da ciência normal há um progresso contínuo e …
6. O filósofo defensor do falsificacionismo. 7. Popper sustenta que o conhecimento científico é realista e …
10. Popper foi criticado porque a sua teoria da ciência não era descritiva 8. A ciência produzida ao abrigo de um paradigma dominante.
mas antes uma teoria … 9. É o que acontece quando, num paradigma, se acumulam as anomalias
11. O trabalho diário dos cientistas normais é tentar resolvê-los. de modo persistente.
12. Kuhn foi acusado de ser um … 17. Diz-se da ciência que se aproxima criticamente de um ideal de verdade.
13. Este é um exemplo de um paradigma na astronomia. 18. Tentativa de solução de um problema da qual se inferem consequências
14. Aquilo que torna possível a existência de uma comunidade científica e observáveis.
que orienta o trabalho científico. 20. Kuhn refere que é um dos critérios objetivos na escolha de uma teoria
15. Kuhn defende que este é um critério objetivo de decisão entre teorias. científica porque permite responder a mais problemas e aumentar o
16. Popper pensa que as teorias se aproximam gradualmente dela. conhecimento.
19. Popper defende que essa é a atitude científica por excelência.

GRUPO II
Exercício I - Dos quatro textos sobre a filosofia da ciência de Karl Popper deves selecionar um. Responde ao par de questões do texto escolhido.

1. Leia o texto seguinte.


Texto 1
«Há vinte e cinco anos, tentei trazer esta questão a um grupo de estudantes de Física, em Viena, iniciando uma conferência com
as seguintes instruções: “Peguem no lápis e no papel; observem cuidadosamente e anotem o que observarem!” Eles perguntaram,
como é óbvio, o que é que eu queria que eles observassem. Manifestamente, a instrução “Observem!” é absurda. (…) A observação
é sempre seletiva. Requer um objeto determinado, uma tarefa definida, um interesse, um ponto de vista, um problema.»
Karl Popper (1963), Conjeturas e Refutações. Coimbra: Almedina, 2003, p.72.

1.1. No texto, Karl Popper refere uma crítica aos indutivistas. Explicite essa crítica.
1.2. Esclareça o papel que Popper atribui à observação na investigação científica.

4
2. Leia o texto seguinte.
Texto 2
«Dá-se o caso de os astrólogos sempre se terem vangloriado de que as suas teorias se baseavam num número enorme de
verificações – numa quantidade esmagadora de provas indutivas. Essa pretensão nunca foi seriamente investigada nem explorada,
e não vejo porque é que não haveria de ser verdadeira. Mas pouco ou nada interessante é saber se a astrologia foi muitas vezes
ou poucas verificada; a questão é a de saber se ela alguma vez foi seriamente testada por meio de tentativas sinceras de a falsificar.»
Karl Popper (1983), O Realismo e o Objetivo da Ciência. Lisboa, D. Quixote, 1977, p.65.

2.1. Caracterize o problema filosófico abordado por Popper no texto relacionando-o com o exemplo da astrologia.
2.2. Explique a resposta de Popper a esse problema, recorrendo ao mesmo exemplo usado no texto.

Texto 3
«Se o teste não refutar a teoria, só podemos dizer que a teoria passou no exame. Não podemos dizer muito mais. (…) Não
podemos chamar “verificação” à passagem no exame ou teste a que a teoria foi submetida. À letra, o termo verificação significa
tornar verdadeira uma teoria, “verificá-la” (verificar vem do latim verum facere). Na realidade, não podemos “fazer verdadeira”
nenhuma teoria, nem mesmo mostrar que é verdadeira. O único objetivo dos testes a que submetemos as teorias é o de falsificá-
las, não o de verificá-las.»
Entrevista de Karl Popper à R.A.I. a 26 de julho de 1989, no site da Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche (http://www.emsf.rai.it/interviste)

3.1. Karl Popper rejeita a ideia de verificacionismo. Exponha dois argumentos que sustentam a posição do filósofo.
3.2. Como é que Popper responderia ao seguinte argumento: «Ainda não se conseguiu provar que esta teoria científica
é falsa. Logo, a teoria é verdadeira»?

Texto 4
«Comecemos por admitir que acreditamos - por força dos ensinamentos recebidos na escola - que a água ferve a 100º e que isso
traduz uma lei científica. Nenhum número de casos confirmadores demonstrará que assim não é, mas nós podemos submeter a
um teste essa lei, procurando circunstâncias em que ela deixe de vigorar. Essa busca nos lança um repto: desafia-nos a pensar em
coisas que, até onde sabemos, a ninguém preocuparam. Com pequeno esforço de imaginação descobriremos que a água não ferve
a 100º em vasos fechados. Aquilo que supostamente era uma lei científica deixa, pois, de sê-lo. Nesse ponto, podemos enveredar
por caminhos erróneos. Podemos manter o enunciado original, restringindo o seu conteúdo empírico, para afirmar: "A água ferve a
100º em vasos abertos". Passaríamos, em seguida, a procurar sistematicamente situações refutadoras do novo enunciado. Com
um pouco de imaginação, a refutação poderia ser encontrada a grandes altitudes. Para salvaguardar o segundo enunciado,
restringiríamos o seu conteúdo empírico, afirmando: "A água ferve a 100º, em vasos abertos, sob pressão atmosférica igual à que
se constata ao nível do mar. Passaríamos, a seguir, a procurar casos refutadores do terceiro enunciado - e assim por diante.
Podemos imaginar que, ao agir dessa forma, estamos delimitando com precisão crescente o nosso conhecimento acerca do ponto
de ebulição da água.»
MAGEE, BRYAN, As Ideias de Popper, S. Paulo, Cultrix, s/d., p.26

4.1. O texto procura mostrar a ideia central do método científico para Karl Popper. Explique essa ideia com relação ao
exemplo do texto.
4.2. Por que razão Karl Popper considerava o modus tollens o modelo de raciocínio típico da investigação científica?
Justifique a sua resposta.

5
Exercício II - Dos quatro textos sobre a filosofia da ciência de Thomas Kuhn deves selecionar um. Responde ao par de perguntas do texto escolhido.

Texto 5
«Por exercerem a sua profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de um
mesmo ponto de vista na mesma direção. Isso não significa que possam ver o que lhes aprouver. Ambos olham para o mundo e o
que olham não mudou. Mas em algumas áreas veem coisas diferentes, que são visualizadas mantendo relações diferentes entre
si. É por isso que uma lei, que para um grupo pode nem sequer ser demonstrada, pode, eventualmente, parecer intuitivamente
óbvia para outro.»
Thomas Kuhn (1962), A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz, 2009, pp.204-5.

5.1. Qual é o conceito que Kuhn tem em vista quando, no texto, se refere a «mundos diferentes»? Justifique a sua resposta
definindo corretamente esse conceito.
5.2. Como ocorrem, de acordo com Kuhn, as crises científicas? Justifique adequadamente a sua resposta.

Texto 6
«Quando os paradigmas entram, como tem de acontecer, no debate acerca da escolha de paradigmas, o seu papel é
necessariamente circular. Cada grupo usa o seu próprio paradigma para argumentar a favor do seu paradigma.»
Thomas Kuhn (1962), A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz, 2009, p.136

6.1. Será que ao usarem os seus próprios paradigmas para argumentarem a favor do seu paradigma, os cientistas não seguem, de
acordo com Kuhn, critérios objetivos de avaliação? Justifique adequadamente a sua resposta.
6.2. Exponha dois exemplos de critérios não objetivos que, segundo Kuhn, influenciam as decisões dos cientistas.

Texto 7
«Levados por um paradigma novo, os cientistas adotam novos instrumentos e olham para novos lugares. Ainda mais importante,
durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes, mesmo olhando com os instrumentos do costume para os
lugares para onde antes já olhavam. É um pouco como se a comunidade profissional tivesse sido transportada para outro planeta
onde os objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e aos quais se juntam também outros novos.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz Editores, p.157.

7.1. Identifique a tese central que Kuhn expõe no texto acerca da relação entre paradigmas. Defina o seu significado exato.
7.2. Por que razão uma revolução paradigmática não é para Kuhn uma aproximação à verdade? Justifique a sua resposta.

Texto 8
«(…) O sucesso de um paradigma – seja a análise do movimento de Aristóteles, os cálculos sobre as posições dos planetas de
Ptolomeu, o uso da balança por Lavoisier ou a matematização do campo eletromagnético de Maxwell – é, em grande medida, no
início, uma promessa de êxito, discernível em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal consiste na realização
dessa promessa (…).
As revoluções políticas começam com um sentimento crescente, habitualmente restringido a um segmento da comunidade
política, de que as instituições existentes deixaram de poder enfrentar adequadamente os problemas colocados pelo ambiente que
elas próprias em parte criaram. De modo muito semelhante, as revoluções científicas começam por um sentimento crescente,
também geralmente restringido a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que um paradigma existente deixou de
funcionar adequadamente na exploração de um aspeto da natureza para o qual esse próprio paradigma tinha indicado o caminho.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Guerra e Paz, 2009, p. 48 e pp.133-4.

8.1. Descreve em que consiste o trabalho dos cientistas durante a ciência normal. Na tua resposta deves integrar, de forma
pertinente, informação do texto.
8.2. Explique em que consiste a ciência extraordinária e a atitude dos cientistas nesse período crítico. Justifique a sua resposta
em relação com o texto de Kuhn.

6
GRUPO III
Questão de desenvolvimento – Lê o texto e responde à questão única observando os itens indicados

Texto 9
«Inúmeros comentadores da polémica Popper-Kuhn tentaram identificar a sua origem numa divergência na forma de
entender a tarefa mais própria do filósofo da ciência: deverá ser esta uma atividade fundamentalmente normativa ou
puramente descritiva? (…) No entanto, esta divergência não é verdadeiramente o mais significativo na oposição entre os
dois autores. (…) Para compreender bem este ponto, convém primeiro recordar a forma como Kuhn e Popper,
respetivamente, percebem a essência dos dois pilares da abordagem kuhniana: a ciência normal e as revoluções
científicas.
Para Kuhn, o que é verdadeiramente característico das ciências bem consolidadas (ao contrário da filosofia ou das
chamadas protociências, isso é, disciplinas ainda não muito bem estabelecidas) é o trabalho realizado dentro da ciência
normal, ou seja, a investigação «quotidiana» realizada sob a orientação de um paradigma inquestionado, e que costuma
seguir-se durante muitas décadas ou até séculos. Por outro lado, as mudanças de paradigma, as revoluções científicas,
são eventos atípicos, pouco frequentes, que seria melhor não se repetirem demasiado, e que, se acontecem de vez em
quando, é porque os cientistas se encontram numa situação «desesperada», quando todas as tentativas de resolver os
problemas levantados fracassaram: uma revolução científica é uma ultima ratio, uma poção amarga de que convém não
exagerar. Resumindo, a boa ciência é a ciência normal, não a ciência revolucionária.
Nada mais oposto ao que Popper considera realmente genuíno na atividade científica; para ele, a verdadeira ciência é
a ciência revolucionária, a que faz reiteradamente questão de deitar abaixo, por intermédio da falsificação, uma teoria
previamente estabelecida. Popper não nega que no decurso do desenvolvimento de uma disciplina científica haja
períodos daquilo a que Kuhn chama ciência normal. E até atribui a Kuhn o mérito de ter assinalado a presença desse
fenómeno na história das disciplinas (embora, segundo ele, na realidade histórica os períodos da ciência normal sejam
menos frequentes e menos longos do que Kuhn sugere). Admite também que é trabalho do filósofo da ciência analisar o
que caracteriza tais períodos. Mas a maneira como os avalia é totalmente negativa. Segundo Popper, tratar-se-ia de
períodos em que a ciência se tornou dogmática, algo que, enquanto «racionalista crítico», deve necessariamente
detestar.
(…) Resumindo, em Popper, ao contrário de Kuhn, a ciência normal não é boa ciência, mas ciência radicalmente má.
(…) Popper defende de modo explícito uma revolução permanente na investigação científica, contra a qual Kuhn, na sua
réplica posterior, objetará que exigir uma revolução permanente na ciência é como perseguir a ideia de um quadrado
redondo, ou seja, uma contradição intrínseca.»
Moulines, Ulises C., Popper e Kuhn – Dois Gigantes da Filosofia da Ciência do Século XX. Cofina Media SA, 2015, pp.103-106.
_________________________________________

Questão de desenvolvimento

A partir do texto, compare as teorias de Popper e de Kuhn focando seguintes tópicos:

- Verdade e progresso científicos;


- Critério de objetividade científica;
- Objeções críticas às duas conceções da ciência.

BOM TRABALHO!

7
Correção das questões do teste sumativo 3 de Filosofia – 31 de maio de 2022 (segunda-feira) – Turma 11ºB

GRUPO I

Exercício I - Questões de escolha múltipla – selecione a alternativa que considera correta sem rasuras

1. A epistemologia é a disciplina que…

A. … estuda o conhecimento humano em geral.


B. … estuda criticamente os princípios, as hipóteses e os resultados das várias ciências.
C. … estuda os métodos e os produtos tecnológicos da ciência.
D. … divulga os resultados científicos.

2. O conhecimento vulgar caracteriza-se como um conhecimento…

A. … ametódico, sistemático e dogmático.


B. ... subjetivo, sensitivo e aprofundado.
C. … subjetivo, sensitivo e metódico.
D. … assistemático, ametódico e superficial.

3. Para Karl Popper, o conhecimento vulgar é um ponto de partida para o conhecimento científico. Esta afirmação é…

A. … verdadeira, porque a ciência deve partir do senso comum, mas deve corrigi-lo através da crítica.
B. … falsa, porque o filósofo considera que o conhecimento vulgar é um obstáculo epistemológico.
C. … verdadeira, porque o conhecimento vulgar é um ponto de partida seguro.
D. … falsa, porque o conhecimento vulgar não é o ponto de partida, mas sim o objetivo último da ciência.

4. Segundo Popper, o problema da demarcação traduz-se na preocupação epistemológica em estabelecer…

A. … a distinção das ciências entre si.


B. … a separação da ciência de outros modos de conhecimento.
C. … a distinção entre filosofia e religião.
D. … a separação no interior da ciência.

5. Das quatro proposições indique a que é mais falsificável segundo Popper…

A. Se fizeres trinta testes teóricos com poucos erros e tiveres aproximadamente quarenta aulas práticas, terás
sucesso no exame de condução.
B. Se fizeres os trinta testes teóricos do livro Conduzir Sem Acidentes com menos de 5% de erros e tiveres quarenta
aulas práticas, terás sucesso no exame de condução.
C. Se te preparares bem, terás sucesso no exame de condução.
D. Se fizeres muitos testes e tiveres um elevado número de aulas práticas, terás sucesso no exame de condução.

6. Os objetores de Popper criticam-lhe:

A. A ênfase colocada nos fracassos e erros da pesquisa científica.


B. A ênfase colocada nos êxitos do trabalho da pesquisa científica.
C. A defesa da irracionalidade e subjetividade do progresso científico.
D. A defesa da justificação de teorias através de observações repetidas.
8
7. Considera os seguintes enunciados relativos às teorias de Karl Popper e Thomas Kuhn:
1. Ambos desenvolvem teorias que contestam o progresso científico.
2. De acordo com Popper, se uma teoria é conjetural, então não é científica.
3. De acordo com Kuhn, os períodos críticos são períodos de desorientação.
4. Ambos desenvolvem teorias que contestam a objetividade científica.

A. 3 é correto; 1, 2 e 4 são incorretos.


B. 2 e 3 são corretos; 1 e 4 são incorretos.
C. 1 e 3 são corretos; 2 e 4 são incorretos.
D. 2 e 4 são corretos; 1 e 3 são incorretos.

8. Segundo Thomas Kuhn, a ciência normal é praticada com o objetivo de…

A. … derrubar um paradigma e resolver anomalias.


B. … derrubar um paradigma e criar anomalias.
C. … consolidar um paradigma e resolver anomalias.
D. … consolidar um paradigma e criar anomalias.

9. De acordo com a proposta de Thomas Kuhn, o progresso da ciência é ______ na fase normal e ______ aquando
da fase revolucionária.

A. cumulativo; não cumulativo.


B. cumulativo; cumulativo.
C. não cumulativo; cumulativo.
D. não cumulativo; não cumulativo.

10. Para Kuhn, a evolução da ciência é feita numa perspetiva descontinuísta. Esta afirmação é...

A. Falsa: porque o conceito de verdade é substituído pelo conceito de convenção.


B. Verdadeira: porque a ciência globalmente não avança por acumulação de conhecimentos.
C. Verdadeira: porque há uma procura permanente de soluções diferentes em múltiplos paradigmas.
D. Falsa: porque o avanço da ciência é marcado por poucas mudanças paradigmáticas.

Exercício II - Questões de verdadeiro/falso – Identifique as afirmações verdadeiras (V) e as falsas (F)

9
1. Segundo Popper, ao falsificar teorias dá-se uma aproximação gradual à verdade. V
2. A subjetividade no desenvolvimento da ciência é, para Popper, um fator que coloca em causa a cientificidade do conhecimento. V
3. O método de conjeturas e refutações de Popper é a forma de resolver o problema da indução. F
4. Popper sustenta que as proposições particulares são mais falsificáveis do que as proposições universais. F
5. Uma proposição científica falsificada nunca foi uma proposição falsificável. F
6. Kuhn defendia o método indutivo no período da ciência normal. F
7. No período de ciência normal podem surgir imensas novas descobertas científicas sem que o paradigma dominante tenha de ser V
alterado.
8. De acordo com a teoria de Kuhn não há verdade nem progresso na ciência. F
9. Segundo Kuhn, o que permite distinguir ciência da não ciência é a existência de um paradigma. V
10. Para Kuhn, há cinco critérios objetivos que são condição suficiente para escolher uma boa teoria científica entre várias teorias rivais. F

Exercício III - Resolve as seguintes palavras cruzadas sobre as teorias da ciência de Karl Popper e de Thomas Kuhn

20 2
F 1 A N O M A L I A
E N
C 19 C R I T I C A
U 4 3 R E V O L U Ç Ã O 17
N K 5 M 7 8 V
D U C 6 P O P P E R O 9 N E
I H U N B C O R
D 10 N O R M A T I V A S J R R O
A U U 11 E N I G M A S
D L R T S A I
E 12 R E L A T I V I S T A I E L M
T B V I
13 H E L I O C E N T R I S M O 18 L
V L H
O 14 P A R A D I G M A I
D P
15 S I M P L I C I D A D E O
D T
16 V E R D A D E
S
E

Horizontais Verticais
1. É o que ocorre quando o paradigma se confronta com uma dificuldade 2. Impossibilidade de comparar paradigmas.
persistente. 4. O autor da obra A Estrutura das Revoluções Científicas.
3. É o que ocorre na ciência quando se muda de paradigma. 5. No período da ciência normal há um progresso contínuo e …
6. O filósofo defensor do falsificacionismo. 7. Popper sustenta que o conhecimento científico é realista e …
10. Popper foi criticado porque a sua teoria da ciência não era descritiva 8. A ciência produzida ao abrigo de um paradigma dominante.
mas antes uma teoria … 9. É o que acontece quando, num paradigma, se acumulam as anomalias
11. O trabalho diário dos cientistas normais é tentar resolvê-los. de modo persistente.
12. Kuhn foi acusado de ser um … 17. Diz-se da ciência que se aproxima criticamente de um ideal de verdade.
13. Este é um exemplo de um paradigma na astronomia. 18. Tentativa de solução de um problema da qual se inferem consequências
14. Aquilo que torna possível a existência de uma comunidade científica e observáveis.
que orienta o trabalho científico. 20. Kuhn refere que é um dos critérios objetivos na escolha de uma teoria
15. Kuhn defende que este é um critério objetivo de decisão entre teorias. científica porque permite responder a mais problemas e aumentar o
16. Popper pensa que as teorias se aproximam gradualmente dela. conhecimento.
19. Popper defende que essa é a atitude científica por excelência.

10
GRUPO II
Dos quatro textos sobre a filosofia da ciência de Karl Popper deves selecionar um. Responde ao par de questões do texto escolhido.

1. Leia o texto seguinte.


Texto 1
«Há vinte e cinco anos, tentei trazer esta questão a um grupo de estudantes de Física, em Viena, iniciando uma conferência com
as seguintes instruções: “Peguem no lápis e no papel; observem cuidadosamente e anotem o que observarem!” Eles perguntaram,
como é óbvio, o que é que eu queria que eles observassem. Manifestamente, a instrução “Observem!” é absurda. (…) A observação
é sempre seletiva. Requer um objeto determinado, uma tarefa definida, um interesse, um ponto de vista, um problema.»
Karl Popper (1963), Conjeturas e Refutações. Coimbra: Almedina, 2003, p.72.

1.1. No texto, Karl Popper refere uma crítica aos indutivistas. Explicite essa crítica.

R: Os indutivistas defendem que as hipóteses científicas são generalizações empíricas feitas a partir de observações de casos
particulares ou singulares. O ponto de partida da ciência, segundo os filósofos do Círculo de Viena – que partilham a crença na tese
do indutivismo – só pode ser a observação. Contudo, Popper procura mostrar no texto que a observação só faz sentido se for
orientada ou por algum ponto de vista teórico ou expetativa prévia: se não for acompanhada por alguma conceptualização prévia,
por uma teoria ou conjetura, a ordem para observar é um perfeito absurdo. Isso mostra, segundo Popper, que os indutivistas estão
equivocados ao pensar que se parte da observação pura, ingénua ou espontânea da realidade empírica, pois a observação já está
configurada por algum tipo de teoria ou hipótese de partida. Ao observar a paisagem do rio Guadiana, a perceção é diferente para
um biólogo ou para um geólogo ou para um engenheiro agrónomo. A realidade empírica observada é a mesma, mas os significados
são a priori condicionados pela formação académica de cada um dos indivíduos. Toda a observação científica é precedida por uma
teoria.

1.2. Esclareça o papel que Popper atribui à observação na investigação científica.

R: Popper defende que a observação não se destina a suportar as teorias ou hipóteses nem a procurar casos que as confirmem.
Há outra função crítica para a observação na testagem das hipóteses ou conjeturas científicas. Ao invés do que pensavam os
filósofos indutivistas do Círculo de Viena, Popper sustenta a ideia de que a observação só surge após a formulação das hipóteses,
servindo precisamente para testá-las. Assim, os cientistas tentam observar casos incompatíveis com as hipóteses ou teorias, no
sentido de falsificá-las. O papel da observação é pôr à prova as teorias científicas, tentar refutá-las, descobrir casos observáveis de
contraexemplos ou contrafactuais que refutam as conjeturas/hipóteses. A observação empírica é heurística, quer dizer, permite
descobrir o erro, corrigir e reformular as conjeturas, tornando-as mais robustas ou corroboradas. A observação encontra-se ao
serviço da atitude crítica do cientista. Pelo processo de falsificação tenta-se observar se as hipóteses são corroboradas na fase de
testes, ou se são refutadas e abandonadas, dado que as suas previsões não são observadas na fase de experimentação. Notemos
que para Popper nunca se usa a observação para verificar ou confirmar hipóteses; a semântica observacional é completamente
distinta para o filósofo: usa-se a observação para efeitos de falsificação/refutação ou corroboração.

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2. Leia o texto seguinte.
Texto 2
«Dá-se o caso de os astrólogos sempre se terem vangloriado de que as suas teorias se baseavam num número enorme de
verificações – numa quantidade esmagadora de provas indutivas. Essa pretensão nunca foi seriamente investigada nem explorada,
e não vejo porque é que não haveria de ser verdadeira. Mas pouco ou nada interessante é saber se a astrologia foi muitas vezes
ou poucas verificada; a questão é a de saber se ela alguma vez foi seriamente testada por meio de tentativas sinceras de a falsificar.»
Karl Popper (1983), O Realismo e o Objetivo da Ciência. Lisboa, D. Quixote, 1977, p.65.

2.1. Caracterize o problema filosófico abordado por Popper no texto relacionando-o com o exemplo da astrologia.

R: O problema filosófico em causa no texto de Popper é relativo ao critério da demarcação (ou seja, o problema de atribuir o
estatuto ou valor de cientificidade a um dado conjunto de conhecimentos). O problema epistemológico consiste em saber como
distinguir uma teoria científica de teorias não científicas como as chamadas pseudociências ou o conhecimento vulgar (senso
comum). Há várias respostas filosóficas para esse problema, por exemplo, os filósofos do círculo de Viena defendiam que o critério
para proceder a essa distinção era a verificabilidade ou a confirmabilidade. Popper, por sua vez, sustentava a ideia de que só o
falsificacionismo poderia permitir destrinçar a ciência de outras formas de conhecimento. A astrologia não é uma ciência porque não
é possível testar empiricamente as suas afirmações, ou seja, como não é possível descobrir situações experimentais que testem
os movimentos dos astros na influência sobre a vida e escolhas das pessoas, a astrologia nunca pode ser falsificável. Popper
defendia simplesmente que as afirmações astrológicas não são falsificáveis, pois pretendem ser sempre imunes ao erro.

2.2. Explique a resposta de Popper a esse problema, recorrendo ao mesmo exemplo usado no texto.

R: Karl Popper responde ao problema da demarcação com o critério da falsificabilidade, ou seja, qualquer teoria que pretenda atingir
o estatuto de ciência deve ser falsificável, quer dizer, permite submeter-se a uma bateria de testes lógicos e empíricos, críticos e
severos, com a intenção de descobrir o erro e eliminá-lo, se possível. A verdadeira marca da ciência é a falsificabilidade. Não há
nenhuma ciência que seja imune ao erro ou à revisão permanente dos seus enunciados e previsões. Podemos saber quais são as
teorias científicas que são descobertas como falsas nesse processo de falsificação. O erro crasso é pensar que a testabilidade das
teorias científicas nos garante uma posse segura e absoluta de verdades. O erro está, alerta Popper, em supor que a marca da
ciência é a pretensa irrefutabilidade. Nada disso. Essa é a marca das pseudociências e tal é o caso do exemplo patente no texto de
Popper, a astrologia, um caso exemplar de uma pseudociência. Para Popper uma teoria que merece o estatuto de científica só o
pode ser se ela se expuser de modo aberto à crítica com o propósito de falsificá-la. A astrologia é o caso de uma teoria que recusa
persistentemente essa avaliação por meio de testes críticos: os astrólogos, pelo contrário, procuram mostrar de modo insistente
que muitas das suas previsões se verificam, aconteça o que acontecer. Mesmo quando as previsões parecem não bater certo,
muitas vezes os astrólogos acrescentam algum tipo de explicação com o único fim de proteger as suas teorias dessas críticas.
Contudo, Popper considera que isso significa apenas que tais teorias não se submetem a testes empíricos, sendo esta precisamente
a característica mais importante das teorias científicas. Ora, testar uma teoria científica é, de acordo com o filósofo, o mesmo que
procurar falsificá-la, coisa que os astrólogos não desejam para as suas teorias (na realidade, em nome do negócio, nem isso lhes
convém, pois perderiam a sua clientela). Por isso elas não são científicas. Dado que se autodenominam como científicas sem o
serem, as teorias dos astrólogos são justamente rotulada de pseudocientíficas.

Texto 3
«Se o teste não refutar a teoria, só podemos dizer que a teoria passou no exame. Não podemos dizer muito mais. (…) Não
podemos chamar “verificação” à passagem no exame ou teste a que a teoria foi submetida. À letra, o termo verificação significa
tornar verdadeira uma teoria, “verificá-la” (verificar vem do latim verum facere). Na realidade, não podemos “fazer verdadeira”
nenhuma teoria, nem mesmo mostrar que é verdadeira. O único objetivo dos testes a que submetemos as teorias é o de falsificá-
las, não o de verificá-las.»
Entrevista de Karl Popper à R.A.I. a 26 de julho de 1989, no site da Enciclopedia Multimediale delle Scienze Filosofiche (http://www.emsf.rai.it/interviste)

3.1. Karl Popper rejeita a ideia de verificacionismo. Exponha dois argumentos que sustentam a posição do filósofo.

R: O filósofo Karl Popper considera que a ciência nunca pode ser determinada como verdadeira, pois as proposições ou enunciados
com valor científico são de tipo universal. Ora, se só há ciência do que é universal, na linha do raciocínio aristotélico, não é possível
verificar nem confirmar os enunciados científicos. A razão para isso ser assim reside no que é possível descobrir pela experiência,
pela observação factual: casos particulares ou singulares. Por maior que seja o número de casos observados na experiência nunca
seria possível esgotar totalmente todos os casos previstos por uma hipótese científica, por exemplo, a afirmação universal de que
todos os cisnes são brancos. Bastaria a observação de um caso singular de um cisne negro, como aconteceu na Austrália, para
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refutar a afirmação. Os europeus observaram durante centenas de anos cisnes de cor branca e a partir dessa acumulação de
experiências generalizaram para a afirmação universal. Só que é impossível ter acesso pela experiência a todos os casos previstos.
A experiência é sempre factual, particular, concreta, nunca nos permite observar todos os casos. Neste sentido, temos a primeira
crítica de Popper: é impossível verificar hipóteses universais por observações particulares – nunca há conclusão definitiva. Por outro
lado, há um erro estrutural lógico que afeta o modelo verificacionista dos filósofos indutivistas do Círculo de Viena: a falácia da
afirmação do consequente. Nunca se consegue provar a verdade da antecedente pela verdade da consequente, e como vimos pelo
exemplo dos cisnes é sempre possível que haja uma ocorrência de um facto particular que nega ou refuta a afirmação universal. A
existência de um contraexemplo futuro nunca é descartável e está sempre em aberto. Neste sentido, a falácia em causa infringe o
modelo de raciocínio válido do modus ponens, pelo que deve ser um processo a abandonar. Em seu lugar, Popper sugere a ideia
original do falsificacionismo.

3.2. Como é que Popper responderia ao seguinte argumento: «Ainda não se conseguiu provar que esta teoria científica
é falsa. Logo, a teoria é verdadeira»?

R: Em primeiro lugar, e antes de Popper, o raciocínio em causa é simplesmente falacioso. É um caso nítido de uma falácia de apelo
à ignorância: a ausência de prova não pode servir de prova. Provar o que se pretende provar por recurso à ausência de prova é
uma estratégia falaciosa. Karl Popper rejeitaria a conclusão do argumento e defenderia a ideia de resistência à tentativa de refutação
de uma teoria científica – se resistiu aos testes lógicos e empíricos, críticos e severos, então aceita-se a teoria como válida
provisoriamente, isto é, como verosímil. A teoria que ultrapassou a fase experimental dos testes críticos diz-se corroborada, quer
dizer, ficou fortalecida e é uma boa teoria. Nunca se poderia afirmar tratar-se de uma teoria verdadeira em sentido conclusivo e
definitivo. Popper considera que os cientistas procuram alcançar a verdade objetiva, só que esta permanece tão-só um ideal
regulador, uma meta ideal, procurada pelos cientistas, ainda que irrealizável. Popper apenas nos conduz a aceitar os resultados de
corroboração das teorias científicas no melhor cenário possível e de acordo com a sua tese do falsificacionismo. Nunca poderemos
descobrir quais as teorias que em ciência são verdadeiras – apenas podemos descobrir as que foram falsificadas e, como tal,
refutadas, ou seja, provadas como conclusivamente falsas.

Texto 4
«Comecemos por admitir que acreditamos - por força dos ensinamentos recebidos na escola - que a água ferve a 100º e que isso
traduz uma lei científica. Nenhum número de casos confirmadores demonstrará que assim não é, mas nós podemos submeter a
um teste essa lei, procurando circunstâncias em que ela deixe de vigorar. Essa busca nos lança um repto: desafia-nos a pensar em
coisas que, até onde sabemos, a ninguém preocuparam. Com pequeno esforço de imaginação descobriremos que a água não ferve
a 100º em vasos fechados. Aquilo que supostamente era uma lei científica deixa, pois, de sê-lo. Nesse ponto, podemos enveredar
por caminhos erróneos. Podemos manter o enunciado original, restringindo o seu conteúdo empírico, para afirmar: "A água ferve a
100º em vasos abertos". Passaríamos, em seguida, a procurar sistematicamente situações refutadoras do novo enunciado. Com
um pouco de imaginação, a refutação poderia ser encontrada a grandes altitudes. Para salvaguardar o segundo enunciado,
restringiríamos o seu conteúdo empírico, afirmando: "A água ferve a 100º, em vasos abertos, sob pressão atmosférica igual à que
se constata ao nível do mar. Passaríamos, a seguir, a procurar casos refutadores do terceiro enunciado - e assim por diante.
Podemos imaginar que, ao agir dessa forma, estamos delimitando com precisão crescente o nosso conhecimento acerca do ponto
de ebulição da água.»
MAGEE, BRYAN, As Ideias de Popper, S. Paulo, Cultrix, s/d., p.26

4.1. O texto procura mostrar a ideia central do método científico para Karl Popper. Explique essa ideia com relação ao
exemplo do texto.

R: O texto de Bryan Magee pretende mostrar um exemplo adequado à ideia do que deve ser o método científico para o filósofo Karl
Popper, a saber, um processo de conjeturas e refutações, ou simplesmente refutacionismo. Popper preferia a designação de
racionalismo crítico, pois a ciência era no seu entender uma construção racional que pretendia evoluir no sentido de testar as
hipóteses em condições que podiam falsificar ou fracassar nas suas previsões. Essa procura crítica de situações experimentais em
que as hipóteses científicas eram altamente suscetíveis de falhar era o mais importante na lógica da pesquisa científica – o objetivo
é a descoberta crítica do erro, não para abandonar logo a hipótese ou conjetura, mas para retificá-la, melhorar o seu conteúdo
empírico, estabelecendo restrições, proibições, sobre o que se espera observar no comportamento de certos fenómenos físicos, no
caso do exemplo do texto, verificamos que há uma preocupação em delimitar as condições debaixo das quais a água alcança o
ponto de ebulição. Podemos imaginar que ao delimitar o âmbito da hipótese estamos a ser mais rigorosos na descrição e previsão
empírica do comportamento da água. O raciocínio científico não tem por propósito, assim pensava Popper, a descoberta de
confirmações ou de verificações das hipóteses, mas é um raciocínio heurístico, de crítica permanente das hipóteses, imaginando
situações de testagem que podem contribuir para a descoberta do erro, verdadeiro motor da descoberta e progresso científicos.

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4.2. Por que razão Karl Popper considerava o modus tollens o modelo de raciocínio típico da investigação científica?
Justifique a sua resposta.

R: O raciocínio dedutivo cujo padrão lógico é o modus tollens era para Karl popper um modelo exemplar da descoberta científica e
que dava expressão à sua tese principal, o falsificacionismo. É possível observar isso a partir do exemplo exposto no texto de Bryan
Magee acerca do comportamento físico da água. Trata-se de tentar refutar a hipótese ou conjetura inicial de que a água ferve a
100º. Quais são as condições em que isso não acontece? A imaginação científica, a inteligência e a criatividade residem em construir
cenários experimentais que provem em que casos isso não acontece. A descoberta do erro e do fracasso nas nossas melhores
previsões tem um valor heurístico, permite-nos ampliar o nosso conhecimento empírico acerca da água.
O falsificacionismo de Popper apresenta uma perspetiva evolucionista do conhecimento científico onde a função do erro permite
aumentar o conhecimento e submetê-lo a uma revisão crítica constante: é a descoberta do erro que nos mantém na procura
constante da verdade. É o erro que leva a uma crítica das teorias e à sua correção ou substituição.
O modelo dedutivo do raciocínio científico, tal como Popper propôs na sua tese falsificacionista, é o do «modus tollens».
Pode-se dizer que Popper advoga que se mude de uma argumentação indutiva para uma forma de argumento que os lógicos
chamam modus tollens. Estes argumentos têm a seguinte estrutura: se p implica q e q é falso, então p é falso. Traduzindo para
o contexto da filosofia da ciência, Popper está a sugerir que a racionalidade científica consiste no mesmo tipo de forma lógica: se a
minha teoria conduz a uma certa observação e a experiência contradiz a observação prevista, então a minha teoria é falsa.
Se não podemos obter certeza indutiva acerca da verdade das nossas teorias, podemos, no entanto, pelo menos algumas vezes,
ter certeza dedutiva da sua falsidade.
A mudança de teorias é descontinuista, embora a perspetiva descontinuista em Popper sobre o desenvolvimento da ciência seja
moderada: nunca existe um corte radical de uma nova teoria relativamente a outras teorias antigas.
O progresso científico centra-se nos problemas e na tentativa da sua resolução. A ciência inicia-se com problemas e termina nos
problemas - o cientista parte de um problema científico, cria uma hipótese ou conjetura e depois submete as consequências
deduzidas das suas hipóteses a um teste de refutação ou falsificação, eliminando o erro e corrigindo a hipótese ou pura e
simplesmente deixa-a de lado. Se a hipótese ou teoria é corroborada originam-se novos problemas que por sua vez suscitarão a
repetição de todo o processo anterior. O progresso das teorias científicas pode ser representado através da seguinte fórmula criada
por Karl Popper, na sua obra Objective Knowledge:

P1 → PS → EE → P2

P1: problema científico inicial;


PS: conjetura ou hipótese;
EE: testabilidade da hipótese ou eliminação do erro;
P2: teoria testada com a formulação de novos problemas.

A ciência avança através de um processo contínuo de revisão da margem de erro existente nas hipóteses: o cientista é como um
artista, é um sujeito ativo e criador. É mais correto dizer que o cientista é semelhante (mas não idêntico) ao artista. O cientista é um
sujeito criador porque as suas hipóteses são fruto da sua imaginação e possuem algo de inovador e arriscado, escapando à
normalidade. O artista cria obras de arte e estas depois de realizadas ficam expostas ao olhar crítico. Mas, ao invés do artista, o
cientista é simultaneamente o autor (criador) e crítico da sua obra, um crítico que na verdade procura destruir a sua própria criação.
Em suma, e para que fique bem claro, o cientista é um criador que procura destruir e refutar a sua própria obra, sujeitando-a ao
método «trial and error». Na perspetiva falsificacionista de Karl Popper isto significa que a eliminação progressiva do erro, a
correção das hipóteses ou conjeturas do cientista, faz da atividade criativa da ciência uma atividade contínua: é como se a obra
ficasse sempre incompleta; ou então, caso a teoria seja imune à falsificação, deve ser refutada. A atitude do cientista não é, segundo
Karl Popper, destinada a salvaguardar e a defender a sua teoria: ele procura refutá-la e submete-a a testes severos porque pretende
extrair dela um grau de eficácia e poder explicativo: quantos mais erros forem eliminados da teoria, maior será o avanço no
conhecimento; deste modo, a verdade para o cientista não é um valor absoluto nem o seu objetivo: o processo de refutação proposto
por Karl Popper estabelece que a verdade é inalcançável, e serve apenas de ideal regulador: nenhuma teoria científica é irrefutável,
isto é, imune ao erro. Em lugar do conceito de verdade, Karl Popper qualifica a atividade científica como uma aproximação à verdade,
e sugere um conceito para caracterizar o desenvolvimento da ciência: a verosimilhança ou verosímil.

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Dos quatro textos sobre a filosofia da ciência de Thomas Kuhn deves selecionar um. Responde ao par de perguntas do texto escolhido.

Texto 5
«Por exercerem a sua profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas veem coisas diferentes quando olham de um
mesmo ponto de vista na mesma direção. Isso não significa que possam ver o que lhes aprouver. Ambos olham para o mundo e o
que olham não mudou. Mas em algumas áreas veem coisas diferentes, que são visualizadas mantendo relações diferentes entre
si. É por isso que uma lei, que para um grupo pode nem sequer ser demonstrada, pode, eventualmente, parecer intuitivamente
óbvia para outro.»
Thomas Kuhn (1962), A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz, 2009, pp.204-5.

5.1. Qual é o conceito que Kuhn tem em vista quando, no texto, se refere a «mundos diferentes»? Justifique a sua resposta
definindo corretamente esse conceito.

R: O filósofo Kuhn refere-se ao conceito nuclear da sua teoria, ‘paradigma’, pois cada paradigma pressupõe diferentes conceitos,
ferramentas e metodologias que enquadram todo o trabalho de uma dada comunidade científica, dando origem, nas palavras do
filósofo, a distintas mundivisões. O conceito base da teoria filosófica da ciência em Kuhn é o de «paradigma», isto é, um modelo
de fazer ciência, uma visão global da realidade (cosmovisão ou mundivisão), um quadro teórico científico de uma dada área ou
disciplina acompanhado por uma metodologia, técnicas e instrumentos adequados à prática de investigação científica e também
por um quadro de valores e princípios metafísicos que permite dar um significado holístico à realidade empírica. Este conceito foi
ainda revisto e substituído por outro com significado mais amplo («matriz disciplinar»). No entanto, o termo mais usado e que vingou
na teoria da ciência de Kuhn foi, e continua a ser, «paradigma». O paradigma configura e condiciona a interpretação do mundo e
as práticas científicas. O olhar para o cosmos é diferente quando contrastamos os paradigmas astronómicos do geocentrismo e do
heliocentrismo. Os olhares são não só diferentes como mutuamente incompatíveis – as linguagens paradigmáticas são
incomensuráveis de um ponto de vista semântico.

5.2. Como ocorrem, de acordo com Kuhn, as crises científicas?

R: As crises científicas ocorrem, segundo Kuhn, apenas quando o paradigma dominante em vigor se confronta com uma série de
anomalias persistentes que não conseguem resolver e estas se acumulam (por exemplo, na combustão dos materiais, os
cientistas acreditavam na teoria do flogisto como forma de explicar a redução do peso das substâncias; só que havia uma anomalia
persistente no caso dos metais que a teoria do flogisto não explicava – o seu peso aumentava após a combustão, o que estava
claramente em contradição com a hipótese de partida – ora isto era à época uma anomalia persistente). As anomalias são factos
ou fenómenos imprevistos e inexplicáveis que a persistirem abalam a confiança dos cientistas quanto à credibilidade de um
paradigma dominante. Esta situação a manter-se proporciona as condições para a procura, fora do paradigma, de soluções
alternativas mais eficazes, pelo que podem então surgir novas propostas teóricas e um novo paradigma rival pode começar a
emergir e a conquistar mais adesão. Ao surgir um novo paradigma rival, as novas ideias são incompatíveis com paradigma antigo,
tornando-o, a longo prazo, obsoleto. As crises científicas são, pois, crises paradigmáticas e podem ser resolvidas de duas formas:
há soluções descobertas no interior do próprio paradigma e regressa-se à fase de ciência normal, pois as anomalias detetadas
foram entretanto eliminadas; ou então surge um novo paradigma e há divisão da comunidade científica, entre os defensores do
velho paradigma e os que aderem às propostas do novo paradigma. Esta crise dá lugar a um período de ciência extraordinária ou
revolucionária, pois pode existir um momento em que a maioria dos cientistas adere ao novo paradigma, destruindo por completo o
antigo.

Texto 6
«Quando os paradigmas entram, como tem de acontecer, no debate acerca da escolha de paradigmas, o seu papel é
necessariamente circular. Cada grupo usa o seu próprio paradigma para argumentar a favor do seu paradigma.»
Thomas Kuhn (1962), A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz, 2009, p.136

6.1. Será que ao usarem os seus próprios paradigmas para argumentarem a favor do seu paradigma, os cientistas não seguem, de
acordo com Kuhn, critérios objetivos de avaliação?

R: No interior de cada paradigma os critérios são objetivos porque há um consenso intersubjetivo e existe uma comunidade que os
reconhece como válidos para todos os seus membros. Mesmo em períodos críticos de competição entre paradigmas, Kuhn admite
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que há critérios objetivos para proceder à sua avaliação, regulando as escolhas e tomadas de decisão dos cientistas (evita-se assim
a arbitrariedade). Esses critérios, em número de cinco, são a exatidão ou precisão, a simplicidade, a coerência ou consistência
interna entre teorias, a fecundidade e a amplitude ou alcance. Todavia, o filósofo reconhece que estes critérios são apenas uma
condição necessária para garantir uma discussão numa base objetiva e consensual entre os cientistas, mas não representam
condição suficiente para garantir objetividade nas escolhas ou decisões finais sobre quais as teorias a adotar em detrimento de
outras. A razão para isso acontecer é que mesmo havendo critérios objetivos, os cientistas podem fazer opções diferentes, pois há
outros fatores (o que é extra lógico e/ou extra científico), por vezes à margem da própria racionalidade científica própria de cada
paradigma, que interferem e condicionam as opções. A objetividade científica não é plena. Em seguida, expomos de modo completo
o significado de cada um dos critérios objetivos definidos por Kuhn:
(1) – Exatidão ou precisão (uma teoria deve ser exata, as consequências deduzidas de uma teoria devem estar em
concordância comprovada com os resultados das experimentações e observações existentes);
(2) – Consistência ou coerência (a teoria deve possuir coerência interna com os seus próprios princípios, mas também
deve ser coerente com outras teorias aceites e aplicáveis a certos factos ou fenómenos comuns);
(3) – Alcance ou amplitude (a teoria deve ter consequências de longo alcance, muito para além do que estava previsto no
quadro das suas observações, leis ou subteorias particulares, isto é, deve possuir poder explicativo e valor preditivo);
(4) – Simplicidade (a teoria deve permitir categorizar os fenómenos ou factos empíricos numa visão de conjunto e bem
ordenada, evitando dispersão individual ou fragmentação);
(5) – Fecundidade (a teoria deve ser fértil no sentido de possibilitar a descoberta de novas linhas de investigação, permitir
a previsão de novos factos ou detetar relações imprevistas entre fenómenos já conhecidos).

6.2. Exponha dois exemplos de critérios não objetivos que, segundo Kuhn, influenciam as decisões dos cientistas.

R: Há fatores não científicos que interferem e condicionam as escolhas dos cientistas quando se trata de decidir acerca de teorias
em competição. Kuhn reconhece que a ciência, sendo objetiva, não é plenamente objetiva devido a essas condicionantes. Assim,
um exemplo pode dar-nos a entender que um cientista pode preferir uma teoria a outra por estar mais de acordo com a sua formação
académica de raiz, com o que aprendeu ao longo da vida e formou o seu quadro mental de estudar e perceber a realidade. Kuhn
diz-nos que em muitos casos, a adesão dos cientistas a um novo paradigma ou modelo teórico é explicável como um fenómeno de
“psicologia das multidões”, uma certa tendência psicológica para o conformismo em que as pessoas tendem a aceitar certas ideias
ou opiniões para não ser marginalizadas, estigmatizadas, ou rotuladas como dissidentes. Deste modo, um cientista pode aderir a
uma teoria em vez de outra porque acredita que essa teoria será a preferida pelos seus pares, e como prefere alinhar pela opinião
dominante, para não destoar, adere ao novo paradigma. A pressão social para o conformismo é um processo de influência social,
associado à persuasão, que nem sempre funciona de modo racional como já sabemos aquando do estudo da retórica. Existem
outros exemplos de fatores não científicos que condicionam as escolhas, e é por isso que nem sempre se pode considerar a ciência
como uma atividade puramente racional e objetiva. Pensemos nas motivações políticas e ideologias ou doutrinas religiosas, ou a
procura do lucro económico como outros fatores não objetivos e fora da racionalidade científica.

Texto 7
«Levados por um paradigma novo, os cientistas adotam novos instrumentos e olham para novos lugares. Ainda mais importante,
durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes, mesmo olhando com os instrumentos do costume para os
lugares para onde antes já olhavam. É um pouco como se a comunidade profissional tivesse sido transportada para outro planeta
onde os objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e aos quais se juntam também outros novos.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas. Lisboa: Guerra & Paz Editores, p.157.

7.1. Identifique a tese central que Kuhn expõe no texto acerca da relação entre paradigmas. Defina o seu significado exato.

R: A tese implícita defendida no texto por Kuhn é a ideia de que os paradigmas científicos são incomensuráveis, ou seja, durante
um período de revolução paradigmática, a mudança de um velho para um novo paradigma é brusca e implica um corte radical: o
novo paradigma destrói por completo o velho paradigma que é abandonado. Kuhn considera que os paradigmas são
incomensuráveis porque não há acima deles um padrão ou critério objetivo que permita fazer a sua comparação e afirmar que um
é melhor que o outro. Não existe uma medida comum exterior e independente de cada paradigma e por isso estamos sempre
perante modos de ver o mundo, de fazer ciência e de explicar os factos/fenómenos, que são incompatíveis entre si, não existindo
solução de continuidade entre os paradigmas em competição. Neste sentido, a evolução da ciência é descontinuísta e não
cumulativa. Notemos que a incomensurabilidade paradigmática é fundamentalmente semântica: entre a linguagem técnica usada
nos dois paradigmas em competição não há um dicionário comum que permita fazer a atribuição de termos com significados

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equivalentes: ‘flogisto’ não tem equivalente semântico no quadro do paradigma da química moderna em relação ao termo ‘oxigénio’.
Simplesmente ‘flogisto’ nada descreve e é destituído de qualquer significado.

7.2. Por que razão uma revolução paradigmática não é para Kuhn uma aproximação à verdade? Justifique a sua resposta.

R: Dada a incomensurabilidade entre paradigmas, adotar um novo paradigma não constitui objetivamente um avanço em direção à
verdade. Não há forma de mostrar com neutralidade que um paradigma é melhor que outro. Por isso, não há forma objetiva de falar
de progresso científico, se com isso quisermos dar a entender que existe uma aproximação à verdade. Não podemos afirmar que
a sucessão de paradigmas representa uma série de etapas que percorremos aproximando-nos criticamente da verdade. Há tanta
diferença entre dois paradigmas como entre a astronomia na época de Ptolomeu (modelo geocêntrico) e a astronomia na época de
Copérnico e Galileu (modelo heliocêntrico). Os dois modelos são tão diferentes entre si que representam modos de perceber e fazer
ciência que são mutuamente incompatíveis. Seria como comparar um quadro de Picasso (Guernica) com um quadro de Da Vinci
(Mona Lisa). A verdade, a existir, só se refere a um paradigma dominante durante o período da ciência normal. Fora de um
paradigma, nem há ciência e nem sequer se pode falar de verdade alguma. A substituição de um paradigma por outro permite
afirmar que há evolução, muda-se a mundivisão, mas não podemos dizer que houve um avanço em direção a uma verdade objetiva
ou se houve progresso na construção de uma imagem mais objetiva da realidade. Assim, a evolução em ciência, na ótica de Kuhn,
é apenas uma mudança de perspetiva. Daí que a conceção de Kuhn seja acusada justamente de relativista, uma crítica da qual o
filósofo teve imensa dificuldade em refutar de modo satisfatório. Pode existir na mudança de paradigmas uma noção de progresso
instrumental, quer dizer, o novo paradigma consegue alcançar resultados práticos, eficientes, na resolução de problemas e
consegue concretizar realizações tecnológicas cujos resultados são observáveis no quotidiano.

Texto 8
«(…) O sucesso de um paradigma – seja a análise do movimento de Aristóteles, os cálculos sobre as posições dos planetas de
Ptolomeu, o uso da balança por Lavoisier ou a matematização do campo eletromagnético de Maxwell – é, em grande medida, no
início, uma promessa de êxito, discernível em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal consiste na realização
dessa promessa (…).
As revoluções políticas começam com um sentimento crescente, habitualmente restringido a um segmento da comunidade
política, de que as instituições existentes deixaram de poder enfrentar adequadamente os problemas colocados pelo ambiente que
elas próprias em parte criaram. De modo muito semelhante, as revoluções científicas começam por um sentimento crescente,
também geralmente restringido a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que um paradigma existente deixou de
funcionar adequadamente na exploração de um aspeto da natureza para o qual esse próprio paradigma tinha indicado o caminho.»
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, Guerra e Paz, 2009, p. 48 e pp.133-4.

8.1. Descreve em que consiste o trabalho dos cientistas durante a ciência normal. Na tua resposta deves integrar, de forma
pertinente, informação do texto.

R: O conceito de ciência normal foi formulado por Kuhn para caracterizar o trabalho dos cientistas numa área específica que,
enquanto comunidade, segue e confia num paradigma, desenvolvendo práticas de investigação padronizadas para resolver os
próprios problemas, factos, quebra-cabeças, os chamados puzzles científicos, os enigmas, recorrendo aos próprios instrumentos,
métodos, técnicas e regras instituídas no interior do paradigma. Durante este período, que pode ocorrer ao longo de séculos
(milénios no caso do modelo astronómico geocêntrico), os cientistas só estão interessados em desenvolver, aprofundar e resolver
com os meios e teorias normalizadas os problemas científicos, além de transmitir as práticas tradicionais de fazer ciência às novas
gerações – há uma clara preocupação em formar novas gerações de cientistas habilitados a fazer ciência de acordo com as regras
definidas pelo paradigma. Os cientistas adotam uma atitude conservadora nesta fase, defendem o paradigma e assumem uma
atitude de desvalorização das anomalias ou factos inexplicáveis, considerando-se que são erros de experimentação, de mau uso
da instrumentação científica, e não um defeito ou incapacidade do paradigma em responder-lhes eficazmente. O que interessa aos
cientistas é, pois, fazer ciência em função do paradigma no qual acreditam e foram formados, pois cada paradigma encerra em si
uma “promessa”, a possibilidade de obter “êxito”, de descobrir novos factos e soluções para os problemas propostos pelo paradigma,
aplicando os seus instrumentos e teorias.

8.2 Explique em que consiste a ciência extraordinária e a atitude dos cientistas nesse período crítico. Justifique a sua resposta
em relação com o texto de Kuhn.

R: O período da ciência extraordinária, como o próprio conceito refere, designa uma fase crítica de uma dada ciência em que há
uma divisão clara entre grupos de cientistas que procuram novas soluções para os problemas (a acumulação continuada de
anomalias) que não são resolvidos pelo paradigma dominante. Neste período há a divisão da comunidade científica, gera-se o
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debate sobre a manutenção do velho paradigma ou a escolha de um novo paradigma. Para haver ciência extraordinária, tem de
existir necessariamente um novo paradigma em competição. De facto, há um grupo de cientistas, vistos como dissidentes pelos
cientistas da “velha guarda”, que optam por fazer ciência nos termos ou parâmetros do novo paradigma emergente. Os cientistas
dissidentes tendem a assumir uma visão crítica e a colocar em causa os pressupostos e fundamentos do paradigma antigo. O texto
remete para esse clima revolucionário, ou que antecede uma mudança significativa numa dada área científica, um período de crise
motivado pela acumulação contínua e persistente de anomalias sem resposta. Esta fase de instabilidade gera a atitude de crítica e
de procura de mudança, de soluções originais e fora das normas do antigo paradigma. Por isso se diz que a ciência nesse período
é extra ordinária, pois faz-se ciência fora dos padrões comuns institucionalizados pelo antigo paradigma. Os cientistas, no entanto,
não mudam sem mais para um novo paradigma. Há critérios objetivos para orientar o debate científicos nas escolhas e decisões
racionais a tomar entre as propostas paradigmáticas em conflito. Pode acontecer inclusivamente que sejam descobertas soluções
que “salvam” o velho paradigma e a comunidade científica regressa ao período da ciência normal, deixando de ser necessário
adotar um novo paradigma. A haver mudança, esta exige uma atitude de reconversão de tipo quase “religioso”, em que os novos
cientistas adotam um novo paradigma, abandonando o antigo. Sendo raros em ciência, estes momentos de transição brusca e
descontínua, quando acontecem, o que é mais habitual registar é que a adoção de um novo paradigma só se faz quando a geração
dos cientistas mais velhos morre e desaparece, deixando de influenciar a comunidade científica. Só neste último caso é que a
ciência extraordinária dá assim lugar a uma revolução científica com a mudança correspondente para um novo paradigma.
Parafraseando Kuhn, “paradigms die hard.”

Grupo III

Tópicos de conteúdo – Indicam-se os pontos centrais que devem ser focados na questão de desenvolvimento

Karl Popper – noção de verdade

A verdade é a meta ideal da investigação científica, ideal que os cientistas perseguem, mas que no limite, segundo
Popper, será irrealizável. As teorias mais verosímeis são as que explicam melhor os factos, sugerem novas
experimentações e superaram testes em que as outras foram derrotadas. A ciência é verosímil, corroborada
provisoriamente, nunca se pode afirmar como detentora de verdades ou certezas absolutas.

Thomas Kuhn – noção de verdade

A comunidade científica muda de paradigmas, mas não há forma objetiva de provar que a mudança é um crescimento
do conhecimento em direção à verdade. A verdade é relativa a um paradigma, e por isso nenhum é «mais verosímil» do
que outro – daí a sua relação incomensurável. Só há verdade no interior de um dado paradigma dominante e enquanto
a comunidade científica é coesa no seu reconhecimento e sentimento de adesão/confiança. A verdade de um paradigma
é a verdade inerente à duração do consenso intersubjetivo da comunidade científica.

Karl Popper – noção de progresso científico

Para Popper, a ciência evolui e progride de forma racional e objetiva, continuamente, numa lógica de eliminação
sistemática do erro. A revisão crítica das hipóteses científicas permite-nos evoluir e adaptar melhor ao mundo, pelo que
há uma aproximação crítica à verdade e a uma imagem mais realista e objetiva do mundo. A verosimilhança é o critério
que nos permite afirmar existir progresso contínuo na ciência – as descobertas científicas no campo da medicina são
disso um excelente exemplo, como acontece com as vacinas e os antibióticos. Nunca poderemos saber que teorias ou
hipóteses científicas são verdadeiras, mas podemos saber quais são as falsas e as que ainda não se tornaram falsas,
isto é, o melhor que conseguimos obter é uma ciência eficaz na resolução dos problemas e cujo valor de progresso se
situa no plano do verosímil. Há progresso em ciência porque as novas teorias, sobrevivendo a testes rigorosos, eliminam
os erros das anteriores e assim aproximam-se mais da verdade. A verosimilhança é o critério do progresso.
A ciência evolui e progride de forma racional e objetiva, ainda que a verdade enquanto ideal (regulador absoluto)
permaneça irrealizável.

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Kuhn – noção de evolução como substituto de progresso científico

A ciência evolui, mas é difícil falar de progresso em direção à verdade porque a sucessão de paradigmas não acontece
segundo padrões estritamente racionais e objetivos (Kuhn, todavia, procurou definir esses critérios objetivos e formulou
cinco: exatidão, consistência, alcance ou amplitude, simplicidade e fecundidade). As escolhas entre teorias ou
paradigmas em competição, em última análise, dependem de critérios subjetivos ou de preferências valorativas que em
nada se justificam por razões puramente científicas (aqui deparamos com fatores extrínsecos que interferem com a
definição de programas de investigação e escolha de teorias científicas em relação a outras, como as opções ideológicas,
de tipo político, religioso, cultural, ou segundo critérios económicos e subordinados a uma lógica de mercado). Como há
uma relação de incomensurabilidade entre paradigmas, nunca podemos encontrar critérios objetivos que nos garantam
estar melhor ao nível do conhecimento. Há evolução, mas não há progresso. Esta última noção só faz sentido para Kuhn
enquanto um paradigma dominante é desenvolvido no período de ciência normal. Mas, extinto o velho paradigma, não
há maneira de justificar que a opção pelo novo paradigma representa um sentido de progresso. Não há progresso em
ciência, exceto nos períodos de ciência normal. Na ciência normal os cientistas assumem critérios de verdade estipulados
no interior do próprio paradigma, e que só são válidos para o paradigma. Há progresso no sentido em que existe um
aprofundamento sistemático dos problemas propostos pelo próprio paradigma, há descobertas científicas no
desenvolvimento do paradigma, e existe um processo cumulativo de conhecimento. Na passagem de um paradigma a
outro, não há forma de dizer que o novo representa um maior avanço em direção à verdade. Uma ideia bizarra, ou que
nos parece contraintuitiva: a mudança do paradigma astronómico geocêntrico, substituído pelo paradigma heliocêntrico
de Copérnico e de Galileu não nos autoriza a afirmar que o último é melhor do que o primeiro, ou que nos proporciona
uma imagem mais verdadeira e objetiva da realidade cósmica.
A ciência evolui, mas é difícil falar de progresso porque a sucessão de paradigmas não acontece segundo padrões
estritamente racionais e objetivos. Esta conceção de ciência parece retirar fundamento de racionalidade nas mudanças
de paradigma. Se a razão é a faculdade que nos proporciona uma via de acesso à verdade, parece ser irracional assumir
a ideia de que uma mudança revolucionária de paradigma não nos permite afirmar que há um progresso em direção à
verdade.

Karl Popper – noção de objetividade científica

O crescimento ou progresso do conhecimento é objetivo porque a nova teoria superou testes empíricos rigorosos,
confrontou-se com observações tendentes a refutá-la e, após superar esse processo de experimentação, resistiu e foi
aceite como provisoriamente válida, isto é, a teoria foi corroborada. Uma teoria está mais próxima da verdade do que
outra quando tem um conteúdo empírico corroborado por mais factos e torna compreensíveis mais fenómenos do que
outra teoria. Por outro lado, há uma dimensão em que a objetividade em ciência também se manifesta: a discussão crítica
e aberta de ideias entre os cientistas. Como pessoas racionais que são, os cientistas entram em diálogo entre si para
descobrir as melhores soluções para os problemas que enfrentam: o que está sempre em causa é o valor intrínseco de
uma hipótese, conjetura ou teoria, não o estatuto da pessoa do cientista, a sua reputação ou influência no mundo
académico. Quando os cientistas debatem entre si quais são as melhores teorias científicas, seguem critérios objetivos
que guiam a sua escolha: (a) a teoria com maior conteúdo empírico é sempre preferível; (b) a teoria que tem maior poder
explicativo e simplicidade é melhor do que as teorias mais complexas; (c) a teoria que permite maior fecundidade na
produção de novos conhecimentos é preferível.

Thomas Kuhn – não há objetividade científica entre paradigmas, mas há no interior de um paradigma dominante em
vigor (ou seja, a objetividade científica existe no decurso da chama ciência normal e é o resultado dos acordos
intersubjetivos existentes no seio de uma dada comunidade científica). Os cientistas quando discutem os melhores
critérios para escolher entre paradigmas ou teorias concorrentes, seguem pelo menos cinco orientações objetivas,
condição que garante objetividade numa discussão científica (exatidão empírica, consistência, alcance, simplicidade e
fecundidade) e racionalidade. No entanto, a mudança de paradigma não é determinada por critérios estritamente
objetivos, mas por uma combinação de fatores extrínsecos (psicológicos e outros de âmbito sociológico). A objetividade,
tal como a racionalidade, é limitada ou restringida, segundo a perspetiva de Kuhn (a ciência nunca é, pois, plenamente
objetiva).

Críticas

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I - Popper

1. O falsificacionismo não é falsificável. 2. A ideia de que não temos razões para justificar que uma teoria científica é
verdadeira desafia as nossas convicções mais elementares. 3. Há teorias que são objeto de observações que as
falsificam, mas que não são por isso rejeitadas pela comunidade científica. 4. Parece que o falsificacionismo não
descreve corretamente como a ciência funciona. Os astrónomos procuram indícios de água em Marte e não a refutação
dessa conjetura (ou seja, a intenção dos cientistas parece ser intuitivamente a procura de verificações experimentais ou
a confirmação da veracidade das suas hipóteses, ao contrário do que pensa Karl Popper). 5. Apesar de uma teoria não
poder ser completamente justificada, não será correto afirmar que pode ser, devido a boas evidências a seu favor,
parcialmente justificada? 6. Popper diz-nos mais como devemos fazer ciência do que como ela realmente se faz.

II - Kuhn

1. Kuhn expõe uma visão teórica da ciência que desvaloriza em certa medida a racionalidade e o pensamento crítico,
um reparo que, como Popper, muitos pensadores da área da epistemologia lhe atribuem.
2. Exceto em períodos de ciência normal, não parece haver fundamento, dada a incomensurabilidade dos paradigmas,
para falar de progresso científico. Um paradigma não é objetivamente superior a nenhum outro.
3. A ideia de que os cientistas não estão especialmente comprometidos com a descoberta da verdade, mas com a
manutenção de uma dada forma de ver o mundo, parece desafiar a convicção de que a verdade é a meta ideal da
atividade científica. A ideia de uma verdade objetiva é posta em causa porque só podemos avaliar um paradigma usando
os meios que este fornece. Tudo é relativo a um paradigma, não há verdade fora de um paradigma.
4. Kuhn é acusado de advogar uma conceção relativista da ciência: se há tantas verdades quantos os paradigmas
(tantas verdades quanto as formas que ao longo da história da ciência houve de ver o mundo), não é possível a Kuhn
escapar a essa acusação.
5. Há contraexemplos muito fortes à teoria de Kuhn segundo a qual não há progresso científico: os avanços
tecnológicos mostram no quotidiano exatamente o contrário e é possível verificar que ao longo de décadas houve uma
melhoria substancial na qualidade de vida e esperança média de vida para toda a humanidade, principalmente pelos
avanços no combate às doenças (antibióticos e vacinas) e na melhoria da produção alimentar e distribuição global de
produtos, reduzindo taxas de mortalidade infantil e os surtos de fome no continente africano.

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