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Livro. Capítulo. Pse
Livro. Capítulo. Pse
DIVERSIDADE
experiências e práticas
de pesquisa
2
volume
editora científica
TEMAS DA
DIVERSIDADE
experiências e práticas
de pesquisa
2
1ª EDIÇÃO volume
editora científica
2021 - GUARUJÁ - SP
Copyright© 2021 por Editora Científica Digital
Copyright da Edição © 2021 Editora Científica Digital
Copyright do Texto © 2021 Os Autores
O conteúdo dos capítulos e seus dados e sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores. É permitido
o download e compartilhamento desta obra desde que no formato Acesso Livre (Open Access) com os créditos atribuídos aos respectivos
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Direção Editorial
Reinaldo Cardoso
João Batista Quintela
Editor Científico
Prof. Dr. Robson José de Oliveira
Assistentes Editoriais
Elielson Ramos Jr.
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Sandra Cardoso
Bibliotecário
Maurício Amormino Júnior - CRB6/2422
Jurídico
Dr. Alandelon Cardoso Lima - OAB/SP-307852
CONSELHO EDITORIAL
Mestres, Mestras, Doutores e Doutoras
Robson José de Oliveira Fabricio Gomes Gonçalves
Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
DOI: 10.37885/210303611................................................................................................................................................................................... 13
CAPÍTULO
02
AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DE CIÊNCIAS: ANÁLISE NA FORMAÇÃO DOCENTE
DOI: 10.37885/210303643................................................................................................................................................................................. 29
CAPÍTULO
03
O CORPO, A MULHER E OUTROS SIGNIFICADOS
DOI: 10.37885/201102017...................................................................................................................................................................................43
CAPÍTULO
04
ALADDIN E JASMINE: REPRESENTAÇÕES PARA QUEM?
Ana Carolina Rocha Lisita; Patrícia Quitero Rosenzweig; Rosa Maria Berardo
DOI: 10.37885/210304044................................................................................................................................................................................. 59
CAPÍTULO
05
CORPO SEM ÓRGÃOS E DEVIR-MULHER EM CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA
Wellerson Batista de Lima; Maria Edileuza da Costa; Larissa Cristina Viana Lopes
DOI: 10.37885/210303833.................................................................................................................................................................................. 72
CAPÍTULO
06
COMPAIXÃO, PIEDADE E DEFICIÊNCIA FÍSICA: O VALOR DA DIFERENÇA NAS RELAÇÕES HETEROGÊNEAS
DOI: 10.37885/210303748.................................................................................................................................................................................. 85
SUMÁRIO
CAPÍTULO
07
INFLUÊNCIA DE UM AMBIENTE AFETIVO POSITIVO, EM SALA DE AULA, SOBRE O ESTADO MOTIVACIONAL DE
ADOLESCENTES DO ENSINO MÉDIO
Rosane Antunes da Silva; Sílvia Leticia dos Anjos Ventura; Iara Kerch Soares; Adriana Barni Truccolo
CAPÍTULO
08
EDUCAÇÃO ESTÉTICA E AÇÃO CULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A CONSTRUÇÃO SENSÍVEL DO
CONHECIMENTO ATRAVÉS DA ARTE
Angelina Accetta Rojas; Simone Araujo Moreira
CAPÍTULO
09
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: PERCEPÇÃO DO PROFESSOR DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS
DE ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE SALVADOR-BA
Cristiane Bacelar Lima da Cunha
CAPÍTULO
10
EL DESAFIO DE LA ACTUACIÓN TRIÉTICA EN LA PRÁCTICA DOCENTE: UNA REVISIÓN NARRATIVA
Alvaro Adriazola Uribe; Georgina Durán Jiménez; José Damião de Melo; Valdenice de Jesus Melo; Marcelo Flores Troncoso
DOI: 10.37885/210303731.................................................................................................................................................................................154
CAPÍTULO
11
EXPERIÊNCIA EM EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E INFORMACIONAL PARA UMA COMUNICAÇÃO AMBIENTALMENTE ADEQUADA
Rosália Aparecida da Silva; Viviane Cristina Camelo; Dennis Weberton Gonçalves; Marcelo Ferreira Camargo; Marcos Daniel Silva de Gois
CAPÍTULO
12
CURRÍCULO FORMAL: UMA ABORDAGEM NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Carla Aline de Araújo Nascimento; Marília Dantas da Silva; Udegardes Alves de Andrade; Gercina Dalva
CAPÍTULO
14
A PERCEPÇÃO DE JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA
Adrian Bezerra Assunção; Vanessa Carneiro Bandeira de Carvalho
CAPÍTULO
15
CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA
Keila Andrade Haiashida; Ricardo Hélio Chaves Maia
CAPÍTULO
16
RELATO DE EXPERIÊNCIA: VIVÊNCIAS DO PROJETO DE EXTENSÃO PALESTRAS DE FIM DE TARDE
Ester Oliveira Silva; Vitória Carolina Alves Pereira; Thayla Gabrielle Sampaio Pereira; Carliene Sodré Magno França; Stephanny Caroline
Mariano Teixeira; Mariana Lucatto; Rosane Maria Andrade Vasconcelos; Kelis Estatiane de Campos
CAPÍTULO
17
EEF SÃO CRISTÓVÃO CONTRA A FOME E O DESPERDÍCIO: DESPERDÍCIO ALIMENTAR NA MERENDA ESCOLAR
Silvana Alvarenga Lima de Oliveira
CAPÍTULO
18
A EPIDEMIA DE FEBRE AMARELA NO RIO DE JANEIRO EM 1850 – MEDO, MORTE E MORBIDADE NOS ESPAÇOS DA CIDADE
Fernando Lobo Lemes
CAPÍTULO
20
GISELLE OU LES WILLIS, UM CONGLOMERADO DE IMAGENS
DOI: 10.37885/210203061.................................................................................................................................................................................274
CAPÍTULO
21
TECNOLOGIA E CONTO DE FADAS... PRÍNCIPE OU LOBO MAU?
CAPÍTULO
22
A ANGÚSTIA ENTRE HEIDEGGER E KIERKEGAARD: CONSONÂNCIAS
10.37885/210303611
RESUMO
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa que teve a finalidade dis-
cutir o patrimônio imaterial como construtor de memória e identidade como resultado de
analise de documentos referente a pesquisa sobre os clubes sócias de negros e o car-
naval no município de Taquara, Rio Grande do Sul. O objetivo a partir desta pesquisa é
comunicar e reconhecer a existência destes espaços no município e de como os mesmos
construíram ações socais e políticas vivenciadas até os dias atuais , bem como apontar
a necessidade implantação de políticas públicas afirmativas de preservação da memó-
ria e da identidade dos clubes de negros a partir do reconhecimento como patrimônio
imaterial local. Interessa também afirmar o carnaval de rua como espaço democrático
e de cidadania, tendo assim a necessidade do poder público de investir em sua manu-
tenção e ampliação.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
O município abriga, em seu território, atividades que surgiram a partir dos empreendi-
mentos familiares dos imigrantes, em grande parte de origem germânica, ligados em sua maio-
ria aos setores agrícola, industrial e comercial, em grande parte com mão de obra escrava.
Segundo, Fernandes (2008) a colonização de Taquara começou no início século XVIII
até o século XIX, muito antes da chegada dos imigrantes alemães, sendo que sua ocupação
estava condicionada à política do governo central. O território correspondia aos espanhóis
(Tratado de Tordesilhas), mesmo se tratando de um governo português no restante do ter-
ritório do Império.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
PATRIMÔNIO IMATERIAL E IDENTIDADE
A cultura imaterial, a memória, é entendida pela literatura como tudo aquilo que não
pode ser tocada, mas que pode ser sentida e assim sendo recebem valor por parte de uma
sociedade. Assim sendo eventos culturais ganham dimensões de patrimônio da mesma
forma que as obras de artes, os edifícios e os objetos (SANTOS, 2003).
A noção de patrimônio cultural imaterial visa dar uma resposta aos anseios de reco-
nhecimento de um amplo e multifacetado conjunto de processos culturais. É a criação de
espaço na política pública para agentes, suas criações, seus públicos, seus problemas e
necessidades peculiares. Trata, portanto, de incorporar a diversidade cultural de um território
e jogar luz sobre o relevante tema da inclusão cultural e dos efeitos sociais dessa inclusão
(CASTRO; FONSECA, 2008). Para Borges (2005) o interesse pelo reconhecimento dos
bens imateriais é difuso, ainda que o valor cultural faça sentido mais para uma comunidade
inserida numa coletividade mais ampla, ou seja, esses bens são considerados representa-
tivos da “memória coletiva”, oportunizando o reconhecimento de diversas identidades num
mesmo território.
Reis & Figueiredo (2015) compreendem o patrimônio imaterial a partir de uma comple-
xidade que ultrapassa sobremaneira o conceito pensado e exposto na Constituição Federal
de 19881. Tal constatação é justificável pela lista não taxativa de aspectos que podem in-
fluenciar e formar patrimônio, como percepções de herança, tradição, diversidade, etnia,
referencial, pertencimento, construção social, que são tão importantes quanto a identidade
e memória (GEVEHR; DILLY, 2017).
Nesse contexto, é preciso destacar que o conceito de identidade como processo de
transformação contínua de indivíduos nos aspectos culturais, sociais, políticos etc., foi se
amoldando ao longo da história e teve a descentralização do foco de análise como seu prin-
cipal elemento. Antes, a identidade iluminista se pautava pela centralidade no indivíduo que
era dotado de sua própria essência que o acompanharia ao longo de sua trajetória de vida,
racionalmente imutável. Segundo Hall (2006), essa concepção passa a incorporar aspectos
sociológicos que eram administrados internamente em cada indivíduo numa relação entre o
externo e o interno, que ainda era mantinha um núcleo de essência inalterável.
É na concepção pós-moderna que identidade toma contornos de transitoriedade, onde
as memórias e as dinâmicas culturais não deixam espaço para que se compreenda o homem
com um “eu real” inabalável e único. O todo é uma constante construção. A partir desses
1 CF, Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em con-
junto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos
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e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Os trabalhos de Silva (2017) e Peres de Lima (2016) revelam exemplos de como al-
gumas expressões populares, notadamente as vinculadas às heranças africanas, tiveram a
trajetória histórica marcadas pela repressão e proibição, passando pela tolerância e aceitação
para, finalmente, ser reconhecida e incorporada à cultura de um território.
Ambos descrevem a verdadeira luta pelo reconhecimento e respeito à cultura de co-
munidades negras que só recentemente conseguiram o status de patrimônio cultural em
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
suas realidades. Os cenários são parecidos: no primeiro caso, os negros e negras que se
expressavam através do jongo, cultura difundida especialmente no Rio de Janeiro desde
a época da escravatura, eram taxados de “incivilizados” e “bárbaros” e faziam a “dança de
negros”. Já na cidade de Jaguarão, no Rio Grande do sul, o Clube social negro 24 de ou-
tubro era um dos locais, segundo “famílias brancas” e de classe média da cidade, a serem
deliberadamente evitados por ser um “clube mal frequentado”. Esses exemplos demonstram
o preconceito arraigado na memória social e a necessidade de reivindicação constante de
espaços, mesmo após o reconhecimento através da patrimonialização.
Essas realidades também são observadas nos tombamentos realizados pelo IPHAE/
RS (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado), mesmo ampliando o conceito de
patrimônio para acolher aspectos imateriais, nem todos os diferentes grupos étnicos têm suas
tradições representadas. O lugar das diferentes etnias indígenas e africanas nesses espaços,
embora estabelecidos no Rio Grande do Sul, é proporcional à participação dessas comuni-
dades nas posições de poder, sendo amplamente desfavorecidos. (GEVEHR; DILLY, 2017).
A fim de evitar (ou de reduzir a ocorrência desses fenômenos), mostra-se extremamente
necessário depurar memórias. Revisitar o passado e refazer a construção de suas narrativas,
observando espaços vazios do discurso e as possíveis motivações para os silenciamentos.
As comemorações, assim como os monumentos de memória, auxiliam, bem ou mal,
na formação de uma identidade individual no sentido coletivo de pertencimento. Debruçar-se
sobre registros desses acontecimentos pode ajudar nesse processo de rememoração discur-
siva. Ribeiro (2002, p.44) aponta que, no contexto das festividades, acontecem atividades e
rituais que unem os nós que organizam e dão sentido às memórias. A oportunidade desse
“conjunto festivo-ritual” possibilita a formação um feixe de relações capazes de converter
a experiência festiva em situação de aprendizagem com múltiplas dimensões: históricas,
estéticas ou religiosas, políticas, sociais ou simbólicas.
Nesse contexto, a memória patrimonial passa a ser concebida e relacionada como
composição de determinados valores, que passam a se tornar representação social e his-
tórica. Seu valor está em representar a identidade de determinado grupo, cidade, nação,
etnia, agrupamento cultural, de determinado evento, ou período histórico ao qual pertenceu.
(FONSECA, 2003).
Reconhecer como patrimônio imaterial manifestações cultuais reprimidas e que so-
freram (e sofrem) preconceitos diversos não significa resolver um problema. Certamente
abrem-se possibilidades de discussões de uma série de problemáticas, especialmente como
a do “não lugar” ocupado pela população negra nas políticas patrimoniais (PERES DE LIMA,
2016). As políticas públicas têm grande importância na luta social por reconhecimento,
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
auxiliam no desenvolvimento de territórios, no empoderamento dessas populações, pautando
a superação de desigualdades sociais.
Na seção que segue, são discutidas as manifestações culturais intangíveis oriundas
da cultura negra e a importância delas na dinâmica local e regional.
Mesmo o Rio grande do Sul sendo a província do Brasil que menos recebeu escravos,
“apenas 2% do total de africanos no Brasil aportaram por aqui” (SOUZA, 1961), as mani-
festações culturais ligadas ao povo africano sempre foram muito presentes no município de
Taquara, tanto pela religiosidade, quanto pelas festas.
Os africanos que aqui chegaram são oriundos, em sua grande maioria, das Tribos
Nagôs que trazem consigo a religiosidade da Umbanda, Quimbanda e Batuque, Batuque
esse que dá origem as batidas reconhecidas hoje nas escolas de samba, grupos de samba
e pagode (Souza, 1961). Sendo esse contexto que possibilitou um carnaval expressivo e as
festas de samba no município, mas também um não aceite por parte da comunidade negra
que sua cultura fosse utilizada pelos brancos sem o seu protagonismo. Assim nascem clu-
bes e sociedades somente de negros em Taquara, como forma de manter a cultura e sua
representavidade viva.
Em 1908, mas especificamente em abril, funda-se a Sociedade 13 de Maio, na loca-
lidade onde hoje se encontra a cidade de Parobé, já em 1918, também em abril, funda-se
a segunda Sociedade 13 de Maio, essa mais ao centro da cidade, atuando assim como
co-irmãs, realizando agendas de festas e atividades de Negros para Negros até o ano de
1930. Em 1948, na Rua Rio Branco, foi fundada a Sociedade dos Morenos (Sociedade
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Recreativa união da Mocidade), tendo como presidente Acylino Pereira de Oliveira. Em 1956
funda-se a Sociedade Recreativa Flor do Sul, situado na Rua Pinheiro Machado, mais co-
nhecido como Salão da Dona Palmira. (Souza, 1961)
Esses salões e sociedade só admitiam em sua diretoria e em suas atividades sociais
negros, uma resposta a segregação realizada pelos salões e sociedades de Taquara, que
só permitiam negros como mão de obra para servirem aos brancos.
Fonte: Carnaval Clube Comercial. Década de 90. Origens do Carnaval de Taquara. Acesso em 02/03/2020
O primeiro Carnaval de rua em Taquara foi em 1969, se repetindo até 2009, porém
desde 1940 eram organizados blocos de rua para brincar o carnaval, sendo o único momento
que brancos e negros foliavam juntos.
De 2009 até 2014, houve um hiato no que se refere a essa festividade de forma co-
letiva, retomando a mesma em 2014 com o nome Carnaval Legal, hoje Carnaval Cultural,
momento onde todos são bem-vindos e brincam juntos. (Fonte: Diretoria de Cultura de
Taquara- acesso em 11/02).
O carnaval em Taquara se mostra um movimento que resiste e aponta um caminho
a ser seguido pelo setor público, o de combate ao ideal de branqueamento e a dominação
cultural do patrimônio branco sob o negro.
Portanto, é necessário a criação de políticas públicas locais que reconheçam como
patrimônio imaterial o carnaval, clubes sociais de negros e as festas de samba, criando ações
de resgate e preservação patrimonial desta parcela da população que continua a lutar por
sua herança e protagonismo.
“Existe hoje uma grande preocupação dos movimentos ligados à cultura popu-
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
lar quanto à continuidade do tradicional desfile carnavalesco de rua. Por este
motivo, faz-se necessário uma ação cultural que afirme junto à comunidade
taquarense o valor simbólico popular que essa festividade folclórica representa
na construção da identidade cultural e histórica do município, sua formação
social, cultural e econômica. Segundo a UNESCO, a afirmação da cultura de
um povo proporciona a compreensão da diversidade cultural que constitui o
folclore popular.” (Origens do Carnaval em Taquara. Acesso em 03/02/2020)
CONCLUSÃO
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
patrimônio cultural associado à população afro-brasileira, tão representativo no município,
fique excluído e esquecido e não reconhecido com patrimônio do povo taquarense.
Desta forma, duas constatações são levantadas pelos autores: primeiro, a urgência
do reconhecimento como patrimônio cultural imaterial do município de Taquara os clubes
conhecidos como “salões de Negros”; segundo, a emergência na construção de políticas
públicas locais para a preservação e manutenção do carnaval de rua.
Por outro lado, é necessário que ações de pesquisa, registro e comunicação social sejam
realizados pela academia, aqui destacamos o curso de história das Faculdades Integradas
do Vale do Paranhana, localizada em Taquara, como a possuidora desta expertise, pois os
munícipes não conhecem essa parte de sua história e por isso não há reconhecimento e
sentimento de pertencimento na defesa do carnaval e outras manifestações culturais ligados
a cultura afro, combatendo assim as imagens distorcidas e as informações elitistas que são
difundidas a respeito desta manifestação.
Do que foi pesquisado, é possível concluir que a trajetória histórica dos clubes de
negros e do carnaval em Taquara, comportaram momentos de segregação, de rejeição, de
tolerância, de abertura e de incorporação. O momento atual é o de construção de sentido, de
resgate de significados, de avanço representativo, sendo possível afirmar que o carnaval faz
parte do imaginário e da construção subjetiva de grande parcela da população e necessita
ser reconhecido pelo poder público municipal, possibilitando, através de políticas públicas
sua realização de forma democrática.
Vê-se assim que, no cenário atual urge a experiência de volta ao que fez sentido, ao
que construiu cenários, ao que possibilitou reconhecimento, ao que fez história. Urge o relato
e a fala sobre esse período, seja nas escolas, nas praças ou na academia, pois o desapa-
recimento destes espaços não constrói a autenticidade e o protagonismo que a população
negra taquarense merece. Urge o debate persistente sobre o tema da cultura negra neste
cenário, contrariando prognósticos sombrios sobre seu desaparecimento, pois o Carnaval
é vida e é resistência.
Por fim, é importante afirmar que o carnaval, desde os tempos das festas em clubes, dos
salões de brancos e de negros, até os dias atuais, onde a festa acontece na rua, tem servido
para construir identidades políticas e afirmar direitos, pelo fato de que homens e mulheres
podem reconhecer e vivenciar sua herança, a luta dos seus pares por dignidade e celebrar
seus antepassados. Logo, a partir daqui a missão deste estudo é o de comunicar a respeito
desta manifestação local, possibilitando assim pensar em políticas públicas afirmativas que
possibilitem o reconhecimento e o empoderamento desta importante história de alteridade.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
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encontro dos municípios originários de Santo Antônio da Patrulha. EST, 2008
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tural. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. (Org.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 56-76.
7. GEVEHR, Daniel Luciano; DILLY, Gabriela. Patrimônio cultural e tombamento no Rio Grande
do Sul: uma contribuição para os estudos urbanos. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Ur-
bana, [s.l.], v. 9, n. 2, p.262-275, 23 mar. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/urbe/
v9n2/2175-3369-urbe-2175-3369009002AO08.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2020.
9. HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e
diferença. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
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tiva. Rio de Janeiro: Iphan; CNFCP, 2006. (Série Encontros e Estudos, n. 5)
11. IPHAN. Patrimônio cultural imaterial para saber mais. Brasília: Iphan-MinC, 2007. IPHAN.
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. 3. ed. Brasília: Iphan/MinC, 2008.
12. IPHAN. Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. 3. ed. Brasília: Iphan/MinC, 2008
14. PERES DE LIMA, Alexandre. Lutas Diuturnas: políticas públicas, patrimônio e reconheci-
mento do clube social negro 24 de Agosto na cidade de Jaguarão (RS). Ciências Sociais
Unisinos, Vol.52, núm.2, maio-agosto de 2016, pp. 149-161. Universidade do Vale do Rio dos
Sinos. São Leopoldo, Brasil.
15. Reis, A. S., & Figueiredo, B. G. (Ed.). (2015). Patrimônio imaterial em perspectiva. Belo
Horizonte: Fino Traço.
16. RIBEIRO, C. M. P. J. Festa & identidade: como se fez a Festa da Uva. Caxias do Sul: Edu-
cs, 2002.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
17. SANTOS, Rafael. Dimensões imateriais da cultura negra, in Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. DP&A. Rio de Janeiro, 2003
18. SILVA, Silvia Cristina Martins de Souza. De dança de negros a patrimônio cultural: notas
sobre a trajetória histórica do jongo do sudeste brasileiro. Diálogos. Maringá, 2012.
19. SOUZA, Natalino Teixeira. O africano no desenvolvimento do RS. In: Congresso Tradicionalista
Gaúcho, 8, 1961, Taquara. 50 anos Carta de Princípios. Danna Produções, 2011. P. 55-66
20. TANNO, Janete Leiko. Patrimônio Cultural dos afrodescendentes: preservação, memória
e recepção. Revista Patrimônio e memória- Unesp. São Paulo, 2018
21. TAQUARA.http://www.taquara.rs.gov.br/?titulo=Not%EDcias&template=conteudo&catego-
ria=817&codigoCategoria=817&idConteudo=2712&idNoticia=8847&tipoConteudo=INCLUDE.
Acesso em 11 de fev de 2020.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
02
As relações étnico-raciais e o ensino
de ciências: Análise na formação
docente
10.37885/210303643
RESUMO
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
1 Esse trabalho é é parte da pesquisa intitulada Ensino de ciências e as relações étnico-raciais: análise da formação de licencian-
dos(as) do PIBID e do curso de química no IF Baiano, dissertação do PPG em Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia
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– UNEB, campus Alagoinhas-Ba. A atuação como bolsista, supervisor do PIBID, aconteceu entre 2012 a 2018.
OBJETIVO
2 Nesta investigação, “o ensino de Ciências” foi utilizado para relacionar os conhecimentos científicos produzidos, no ensino e apren-
dizagem, no campo das Ciências Naturais, organizados no sistema escolar nas disciplinas de Ciências Naturais, no Ensino Funda-
mental, e Biologia, Física e Química, no Ensino Médio.
3 Segundo Ribeiro (2017), a expressão “lugar de fala” traz referências aos discursos direcionados a quem pode falar. Contudo, não
existe uma definição precisa sobre a expressão assim como não existe precisão sobre a sua origem. Sendo que as reflexões e tra-
balhos no âmbito dos movimentos sociais, em especial no feminismo negro, demarcam-no como “forma de ferramenta política e com
33
o intuito de se colocar contra uma autorização discursiva.” (2017, p. 33).
RESULTADOS
A análise das entrevistas mostrou que os(as) licenciandos(as) tinham pouco conhe-
cimento sobre a Lei n° 10.639/03 e as DCNERER; não acreditavam na existência de de-
mocracia racial; acreditavam que estudar e debater sobre raça e racismo contribui para a
formação docente; possuíam dificuldades em associar os conhecimentos científicos com
as relações sociais.
DISCUSSÃO
4 4 Segundo Chizzotti, a pesquisa se caracteriza na tipologia teórico-empírica quando descreve e interpreta a realidade de fenômenos
sociais com referência teórica e empírica, pois relaciona o conhecimento, a experiência, as sensações ou as percepções. “A ideia
resulta da universalidade das percepções externas do mundo empírico que repercutem os sentidos e, neles, ficam impressas.” (2011,
p. 39).
5 Adotei o primeiro nome junto do sobrenome das autoras, com o intuito de diferenciar homens e mulheres, visto que o padrão das
referências é a citação no masculino, para o nome dos homens mantive o padrão seguindo as normas da ABNT.
6 Segundo Krippendorff (1980 apud LUDKE; ANDRÉ, 2018), esse método de investigação é utilizado para fazer inferências válidas e
replicáveis dos dados para o seu contexto.
7 Conceição Evaristo diz que a base desse romance é uma vivência alcançada pela narração, o que denomina de escrevivência: “bus-
co a voz, a fala de quem conta, para se misturar à minha,” (2018, p. 16). Os recursos intercalados fornecidos pela autora soam como
um quebra-cabeça literário e biográfico que se associa na escrevivência. A narrativa das lutas por existência dos personagens negros
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dá-se em condições desfavoráveis, em sua maioria.
Período
Renda em SM
-racial
Idade
Sexo
Outras formações
Indiv./ Familiar
(Ocupação atual)
Esc. Pública
Orquídea 28 F Parda Técnico Mecânica 1/2 Variável 5º
(Estudante/Bolsista PIBID)
Estudante
Tulipa 21 F Parda Auxiliar Administrativo 1/2 Variável 5º
(Aux. Administrativo)
Esc. Pública
Dália 19 F Negra 1/2 1 1/2 7º
(Estudante/Bolsista IC )
Esc. Pública
Calla Lily 50 M Negro Téc. Química 4 4 7/8º
(Téc. Química)
35
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
No perfil escolar e acadêmico, identifiquei que todos os estudantes tiveram formação
no ensino fundamental e/ou médio na escola pública. Três estudantes (43%), no entanto,
estiveram, em algum momento da sua formação básica, em instituições particulares. Cinco
licenciandos(as) possuíam formação profissional técnica. Apenas dois estudantes estavam
no último ano de formação, dois no segundo e três no terceiro ano.
Quanto ao perfil profissional, todos os estudantes exerciam atividade remunera-
da. No período da pesquisa, cinco eram bolsistas da CAPES, quatro do PIBID e Dália era
bolsista de iniciação científica. Três estudantes possuíam trabalho formalizado, uma profes-
sora do ensino fundamental e dois técnicos.
O perfil econômico dos entrevistados, a renda familiar, variou de 1 a 4 salários míni-
mos, mas se concentrou entre 1 e 2 salários, sendo que dois entrevistados afirmaram que
a renda familiar oscilava pois os trabalhos não eram formalizados.
A rotina dos(das) entrevistados(as), de uma forma geral, se baseou em cumprir as ati-
vidades acadêmicas da licenciatura, do curso de química. Contudo, segundo Camila Silva e
Luiz Antônio Oliveira (2009), o perfil profissional esperado de um professor de química não é
atingido, o estudo evidenciou descasos na formação docente e atinge a situação em que os
novos profissionais chegam à sala de aula e encontram fatos ou situações desconhecidos
nas quais não foram preparados para atuar.
Já ouvi falar destas leis aqui no IF, porque tem né? Tem encontro todo ano e
temos palestra onde se discute. Lê esse documento eu nunca li, mas já ouvi
falar sobre os direitos, do que fala a respeito... da questão racial, mas lê de
fato tudo isso eu nunca li. Essa palestra acontece todo ano pelo Núcleo de
8 A Resolução CNE/CP 1/2004, estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – DCNERER que são parte de um conjunto de ações afirmativas instituídas
36
pelo governo Lula.
Já ouvi falar inclusive se refere a data comemorativa que deve ter lá no prezi-
nho, desde o prezinho, mas eu acho que, o que é ruim é que se pega um único
momento para abordar sobre isso e a depender da instituição faz disso…. como
eu posso dizer... um momento festivo. Eu acho que eu posso estar errada, mas
ao invés de um momento festivo deveria ser abordado por exemplo como a
gente faz aqui, discussões relevantes de você chegar e se descobrir, do que
é e o que não é, perguntar e mudar o seu conceito sobre alguma coisa né?
[...] (ORQUÍDEA 3, agosto 2019)
9 O autor enfatiza que não há pesquisas específicas para os docentes das Ciências, mas usa os subsídios fornecidos por Rachel de
Oliveira (2001), Irene Souza (2001) e Oliveira (2002) para chegar às conclusões.
10 O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), constitui-se em uma política institucional do IF Baiano direcionada a
estudos e ações relativas às questões étnico-raciais. Objetiva implementar as leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 que instituem as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Culturas Afro-brasileira
e Indígena. (BRASIL, 2017)
11 Não existe previsão para o ensino infantil, torna-se obrigatório o ensino sobre a história e cultura afro-brasileira e indígena nos esta-
37
belecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados. (BRASIL, 2008).
Já tive contato com esse documento, já ouvi falar dele aqui no IF e antes na
escola. (CRISÂNTEMO 1, agosto 2019).
Não tive contato, nem lembrança. (TULIPA, agosto 2019).
Não nunca ouvi falar sobre esse documento não. Já estudei em políticas edu-
cacionais algumas leis, mas essa aí não. (DÁLIA, agosto 2019).
12 Especificamente cinco estudantes mencionaram que já ouviram falar, mas não leram o documento, o que considerei como contato
38
superficial. Dois afirmaram que não conhecem ou nunca ouviram falar a respeito deste.
Aqui foi um dos lugares que eu encontrei mais essa questão, inclusive eles
tem o NEABI onde eles tratam muito sobre isso, muito, muito mesmo e foi
numa dessas discussões que eu passei a perceber que uma das coisas que
eu não considerava racismo e foi aí que eu comecei a perceber que a gente
faz racismo às vezes sem querer né? [...] (PLUMÉRIA 3, agosto 2019)
Não sei ao certo, não sei ao certo, mas todos os eventos que eles promovem
aqui incluem também o nível superior. Às vezes tem uma dificuldade por causa
do horário por que as discussões se dão na parte da manhã ou da tarde e o
pessoal do superior tem aula à noite na maioria, mas eles sempre avisam,
divulgam nos grupos e tal. Já participei de umas três, de uns três encontros.
(PLUMÉRIA 4, agosto 2019)
39
observação durante uma das suas apresentações.
41
(2020)
REFERÊNCIAS
1. BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, 2004.
7. EVARISTO, Conceição. Becos da memória [livro eletrônico]. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.
8. GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais
no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos abertos pela
Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Continuada e Alfabetização
e Diversidade, 2005a. p. 39-62.
9. ______. JESUS, Rodrigo Ednilson de. As práticas pedagógicas de trabalho com relações ét-
nico-raciais na escola na perspectiva de Lei 10.639/2003: desafios para a política educacional
e indagações para a pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. 47, p. 19-33, jan./mar. 2013.
13. LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo: EPU, 2018.
15. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Feminismo Plurais – Editora Companhia das Letras.
(2017).
16. SILVA, Camila Silveira; OLIVEIRA, Luiz Antonio Andrade de. Formação inicial de professores
de química: formação específica e pedagógica In: NARDI, R. (Org.). Ensino de ciências e ma-
temática, I: temas sobre a formação de professores [online]. São Paulo: Editora UNESP; São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 258p.
17. SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais. Educação,
Porto Alegre/RS, v. XXX, n. 3(63), p. 489-506. set./dez. 2007.
18. SOUZA, Alan dos Santos. Ensino de ciências e as relações étnico-raciais: análise da formação
de licenciados (as) do PIBID e do Curso de Química no IF Baiano – Alagoinhas, 2020. 147f.
il. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação.
Mestrado em Crítica Cultural. Orientadora: Prof.ª Drª. Lícia Maria de Lima Barbosa.
19. SOUZA, Irene Sales. Os educadores e as relações interétnicas: pais e mestres. Franca: Editora
UNESP, v. 1, 2001.
20. VERRANGIA, Douglas. A educação das relações étnico-raciais no ensino de Ciências: diálo-
gos possíveis entre Brasil e Estados Unidos. 2009, 322f. Tese de doutorado. (Doutorado em
Educação) − Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2009.
43
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
03
O corpo, a mulher e outros significados
10.37885/201102017
RESUMO
Este estudo apresenta uma reflexão sobre o corpo ocidental feminino na contemporaneida-
de, especialmente o da brasileira, contextualizando-o a propósito das mudanças históricas
ocorridas e de como estas o influenciaram. A abordagem se estende a um panorama que
perpassa o recato e a submissão aos interesses do sistema ocidental-cristão-patriarcal de
outrora e o contexto atual, onde o corpo feminino se reatualiza diante das transformações
socioculturais contemporâneas, sofrendo grande influência das mídias, sobretudo no que
se refere ao significado de uma manifesta dissociação do corpo e o confronto gerado por
um subsequente questionamento ético generalizado, através do qual se constrói uma
reflexão de como a vida se sobressignifica com/pelo o corpo, o que vem a ser o corpo no
sentido da consciência e para além desta, que figura como um termômetro essencial das
sociedades contemporâneas, uma subjetividade encarnada e única riqueza acessível.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
A CONSTRUÇÃO DO CORPO
O padrão de corpo e sua subjetividade são construídos num período histórico e cultural,
porquanto, cada sociedade tem concepções diferenciadas acerca da vida e da forma de
viver e estes aspectos se refletem em seus indivíduos abrangendo seu modo de expressão
e estilo de vida. A cultura de cada época perpassa os indivíduos criando a maneira de viver
de acordo com os valores e as crenças vigentes.
47
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Em todos os meus estudos observo que o corpo feminino historicamente esteve atre-
lado às imposições do regime colonial, que, ao longo dos anos, subjugou as identidades da
mulher, restringindo-as aos mais diversos contextos de repressão social agravados, ainda, na
atualidade, pelas múltiplas demandas da vida contemporânea. Atualmente, o corpo ainda é
visto a partir de sua dimensão de funcionalidade, de sua utilidade máxima e dos mecanismos
que favorecem a sua excelência na produtividade e no cumprimento de metas e objetivos
que lhe são, na maioria das vezes, alheios. Para compreender como as mudanças culturais
ulteriores estão imbricadas na atualidade, portanto, é necessário convocar a história para
que se reflita o discurso do corpo da mulher contemporânea e de como se estabeleceram
os valores que o permeiam.
Com o advento da revolução industrial e a necessidade de maior quantidade de mão
de obra, a mulher aos poucos foi desempenhando papéis profissionais além das atividades
domésticas costumeiras. Dessa forma, as transformações ao longo da história introduziram
experiências novas e concretas para a mulher na sociedade. Os padrões corporais seguiram
as transformações significativas da história e da cultura.
Embora a visão colonial e a contemporânea em relação ao corpo sejam opostas, visto
que, na primeira ele é negado e na segunda cultuado, podemos encontrar afinidades entre
estas, principalmente, no que se refere ao martírio da carne e ao domínio do homem sobre
o corpo feminino. Se no período colonial o corpo era supliciado para a alma ser salva, na
contemporaneidade ele é martirizado para ser aceito.
Porém, o corpo feminino outrora recatado e subjugado aos interesses do sistema oci-
dental-cristão-patriarcal, se reatualiza e se modifica diante das transformações socioculturais
contemporâneas sofrendo grande influência e domínio das mídias.
50
1 Ibid., p. 223.
51
2 Maria Rita Kehl nasceu em Campinas, São Paulo, em 1951. Ela é psicanalista, ensaísta, crítica literária, poetisa e cronista brasileira.
3 Autopoiese é um termo que deriva do grego auto, próprio e poiesis, criação, e que deu origem a um conceito cunhado na década de
70, pelos biólogos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade que seres vivos têm de produzirem a
52
si próprios. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Autopoiese>. Acesso em: 15 jul. 2011.
É importante que, primeiro, chame a atenção para as ideias e conceitos que temos em
geral sobre o corpo que está sob o domínio da consciência humana.
Em minha experiência profissional, venho constatando o quão distante as pessoas
estão de si mesmas enquanto não se dedicam a observar o que lhes acontece, e o quão
difícil se torna a compreender o significado dos acontecimentos da vida e, portanto, expres-
sá-los de forma singular, quando não se desenvolveu a consciência corporal necessária à
expressão pessoal.
Percebo que quanto mais o ser humano se observa e tem a percepção de suas ne-
cessidades e tendências, mais tem enriquecido o seu vocabulário corporal, intelectual e
também afetivo. Em minhas pesquisas para estudos do corpo, as pessoas que vi passando,
parando, falando, gesticulando parecem esconder de fato quem são, ou seja, os movimentos
de seus corpos pareciam carecer de ânimo, de verdade, de força vital, de sentido e, por-
tanto, de originalidade, como se de algum lugar em cada pessoa um “grande olho” vigiasse
constantemente os atos, as palavras e os pensamentos, ditando o que lhes parecesse ser
conveniente e seguro, impelindo-as a não arriscar algo que lhes faltasse à compreensão,
algo diferente do usual.
Diante desta constatação, então, quem ousaria ser/fazer diferente?! As pessoas se
mostraram iguais demais.... Qual a real consciência que temos do corpo? O que vem a ser
o corpo para os domínios da consciência? Parece que a ideia que temos de corpo está
diretamente ligada à sua funcionalidade, aos seus mecanismos e o quanto estes podem
ou não nos favorecer, no que concerne ao cumprimento dos objetivos que se lhe impõem
53
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
culturalmente. O corpo, esta “entidade silenciada”, é um hospedeiro cada dia mais sacri-
ficado e ignorado, mesmo em momentos de grande prazer, nos quais ainda assim o foco
costuma ser sua produção em detrimento de suas sensações. Ocorre que essa condição
induz a cada vez mais evidente dissociação humana, deixando escoar o direito de exercício
à plenitude da vida, pois o corpo não é um vetor de necessidades. O corpo que se percebe
é frequentemente o corpo que se usa, e só!
Os conflitos pessoais são bons indicativos de que há muito que se descobrir além da
forma corporal, além do significado do que a materia-corpo assumiu na existência. O sentido
real de cada expressão no mundo começa invariavelmente em sua forma, em seu corpo, em
sua encarnação. A partir dessa compreensão é possível que cada ser humano se aproxime
de seus próprios mistérios. Perdoamos com a mente, perdoamos com o coração, mas o corpo
é frequentemente o último que perdoa, pois, a sua memória abarca tudo o que somos, tudo
o que revelamos e o que não revelamos e desconhecemos: o nosso inconsciente. O corpo
é principalmente a expressão do nosso universo desconhecido. O corpo é um oráculo. Ele
sabe tudo. E nós precisamos saber dele.
Jean Yves Leloup (ARCURI, 2006, p. 23), sustenta que “a construção do corpo come-
ça com a concepção e com os fatos ocorridos em nossas vidas ou ao nosso redor”. Reich
afirmava que “o corpo é o inconsciente visível”, enquanto Jung (ARCURI, 2006, p. 22), que
“o inconsciente só pode ser experimentado no corpo”. Se a consciência norteia o corpo,
onde se encerra o que está além dela?
Para Arcuri (2006, p. 15), muitas vezes não percebemos os sinais que o corpo emana,
pois eles nos são inconscientes, mas “mesmo não sendo muito percebidas, essas marcas
do corpo são importantes, ” porque “continuam a influenciar o nosso comportamento, sendo
recorrentes. ” Muitas vezes as doenças podem ter o significado de mostrar aquilo que nos faz
falta, uma vez que por meio dos sintomas mostramos aquilo que nos era oculto: “a sombra”
que se manifesta com a doença.
Zweig e Jeremiah (1991, ps. 27, 28) esclarecem que o conceito de sombra deriva das
descobertas feitas por Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, a qual significa aquela parte da
psique inconsciente que está mais próxima da consciência, mesmo que não seja comple-
tamente aceita por ela. Se considerarmos a sombra como o lado obscuro da psique, o não
revelado, o não vivido, o reprimido, o desconhecido, e o corpo como expressão material
desta, poderemos compreender, então, que aprendendo a “ler” os sinais emitidos pelo corpo,
teremos acesso ao registro do que não ousamos revelar.
54
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Para John Conger (ZWEIG, JEREMIAH, 1991), o corpo é a sombra na medida em que
ele contém “a história trágica das mil maneiras como estancamos e reprimimos o fluxo es-
pontâneo da energia vital até que o nosso corpo se transforma num objeto morto”. O corpo
que se oculta sob as roupas, muitas vezes, expressa de modo flagrante aquilo que cons-
cientemente negamos. A sombra se aloja nos músculos, tecidos, no fluxo do sangue, nos
ossos e se manifesta também nas funções corporais.
Para Reich (ZWEIG, JEREMIAH, 1991), o corpo como sombra representa o corpo como
couraça e expressa aquilo que é reprimido pelo ego. No estado encouraçado, portanto, o
ser humano se divide: a mente se separa do corpo, o corpo das emoções, as emoções do
espírito. Como a sombra não pode ser totalmente dissolvida, uma vez que é parte integrante
de nossa psique, torna-se necessário acolhê-la como a um amigo que nos diz o que nos falta.
Desse modo, desenvolvem-se as diferentes escutas do corpo humano e aprende-se a como
integrá-las, de forma que a consciência ampliada revele as novas qualidades e habilidades
assimiladas. Assim, abre-se espaço para que a energia vital flua sem obstáculos. O que
está além da consciência, o inconsciente desconhecido, portanto, também integra o corpo,
dando-lhe forma e voz, interagindo concomitantemente com o que abrange a consciência.
Como, então, proceder para que o corpo interaja com o desconhecido inconsciente?
Talvez o primeiro passo seja desacelerar o ritmo de vida, para que se possam escutar as men-
sagens do corpo. O segundo passo? Buscar ajuda por meio de um processo de autoconheci-
mento (por exemplo, os métodos terapêuticos), o qual oferece canais para renovação, onde
a sombra pode ser percebida, assimilada e minimizada quanto a seus potenciais destrutivos
e inibidores, liberando assim, a energia vital positiva que está aprisionada e desconhecida.
Pode-se buscá-la também por intermédio da Arte, cujas características básicas incluem
o desvelar da escuridão humana. Em relação à arte, Ernest Fischer (1987, p.12,13), define
com precisão que uma das funções da mesma é revelar para o homem que “anseia por uma
plenitude que sente e tenta alcançar, e que lhe é fraudada pela individualidade e todas as
suas limitações (...) uma plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo
mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação (...)”. Nesse contexto,
“a arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita
capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias”.
Todo processo de autoconhecimento amplia de forma significativa o entendimento de
como ocorre a relação do corpo com o inconsciente. Para tanto, é necessário ter em vista os
conceitos básicos do que seja inconsciente. A seguir, cito a visão de Carl Gustav Jung, que
desde o século XIX continua influente para o pensamento humano, sobretudo o moderno,
especialmente no que se refere aos estudos da psique (“a totalidade de todos os processos
psíquicos, conscientes como também inconscientes. ” CW 6, pr. 797),
55
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Para Jung, o inconsciente contém não apenas o material reprimido, mas todo o material
psíquico que subjaz no limiar da consciência. Jung afirma que o inconsciente jamais está
em repouso, e que sua ação é coordenada com a consciência numa relação compensado-
ra. O inconsciente é dirigido por tendências instintivas, representadas por formas de pensa-
mento correspondentes, os arquétipos. Estes são dotados de iniciativa própria e também de
uma energia específica. Sua opinião é de que o inconsciente é, primária ou potencialmente,
criativo, funcionando a serviço do indivíduo e da espécie.
Jung sustenta, ainda, que a arte é a expressão mais pura do inconsciente de cada
um. É a liberdade de expressão, a sensibilidade, a criatividade, é a vida. Na ocasião, ele
sugeriu à psiquiatria que estudasse os mitos (Segundo Jung são histórias de encontros
arquetípicos. São expressões simbólicas de dramas internos, inconscientes, que revelam a
natureza da psique), pois, estes apareciam com frequência nos desenhos de seus pacien-
tes. A explicação, segundo a psicologia junguiana, é o que se chama de inconsciente cole-
tivo, para Jung, um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens
primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais. Os arquétipos (a forma imaterial
à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar) míticos são universais, envolvem a
realidade do homem, e é por onde fluem as imagens do mundo esquizofrênico quando o
ego se desmancha.
Essas noções básicas sobre inconsciente são importantes para que se entenda a re-
lação do corpo com o mesmo e como se estabelece a interação entre ambos. Para interagir
com o inconsciente, de um modo geral, é necessário adotar algum tipo de procedimento que
oriente e que estabeleça um sentido de ordem a uma série de etapas a serem seguidas e
que permita às pessoas superar os obstáculos, as confusões e as indecisões que algumas
vezes as impedem de começar ou seguir adiante.
Nesse contexto, ressalto a “Imaginação Ativa” (IA), uma técnica reinventada por Jung,
que a trouxe de volta dos alquimistas. Consiste em uma interação com os conteúdos do
inconsciente por meio de sua personificação. Diferencia-se de uma interpretação dos con-
teúdos do inconsciente na medida em que não envolve uma explanação de suas figuras,
mas de um relacionamento com elas. Dessa forma, não compreenderíamos o inconsciente
a partir de um ponto de vista intelectual, mas a partir do sentimento, de um embate, de um
confronto com os problemas que se nos deparam a partir de dentro.
Segundo Jung, a IA é a melhor maneira de se ativar a função transcendente, uma es-
pécie de colaboração entre fatores conscientes e inconscientes, um encontro e uma grande
interação com a totalidade da psique (Self ou Si-mesmo) e tudo o que ela representa.
Jung propõe a imaginação ativa como uma maneira dialética particular de lidar com
o inconsciente. Esta técnica consiste em quatro fases: libertar-se do fluxo de pensamento
56
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
do ego, ou seja, esvaziar a mente; deixar que uma imagem de fantasia do inconsciente flua
para o campo da percepção interior; conferir uma forma à imagem relatando-a por escrito,
pintando-a, esculpindo-a, escrevendo-a como uma música ou dançando-a; confrontar-se
moralmente com o material produzido/imaginado, ou seja, integrar a imaginação na vida
diária. (FRANZ, 1999).
Durante a imaginação ativa não existe uma meta que obrigatoriamente tenha que ser
atingida, nenhum modelo, nenhuma imagem ou texto a ser usado, nenhuma postura ou
controle da respiração são recomendados. A pessoa simplesmente começa com o que vem
de dentro dela, com uma situação de sonho relativamente inconclusiva ou uma momentâ-
nea modificação do estado de espírito. Se surge um obstáculo, a pessoa que medita é livre
para considerá-lo ou não como tal; é ela que resolve como deve ou não reagir diante dele
(FRANZ, 1999, p. 179).
Deve-se contrastar uma IA com o devaneio, que é mais ou menos parte da própria
intervenção do indivíduo e se mantém na superfície da experiência pessoal e cotidiana. A ima-
ginação ativa é o oposto de invenção consciente. Mas, para Jung, esse processo poderá
ser ineficaz caso a pessoa permaneça presa no círculo de seus próprios complexos ou fique
iludida com o aparecimento das fantasias e ignore o confronto com o material existente.
Vale ressaltar que qualquer que seja o método escolhido para representar a imaginação
ou registrá-la - tais como a dança, a pintura - ainda é bom que se escreva alguma coisa.
Escrever sempre ajuda a concentrar e tornar consciente.
A imaginação ativa é, certamente, um dos vários métodos ao qual se pode atingir com
eficiência a interação do corpo com os conteúdos do inconsciente, desde que sejam con-
templadas cuidadosamente suas quatro fases. O mais interessante é que para o artista, em
especial o cênico, a IA mostra-se fonte inesgotável de pesquisa e de instrumentalização no
que tange ao acesso ao mundo imaginário, este, sem dúvida, grande fomentador da arte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A arte deu muitos passos importantes dentro dos domínios da consciência. Muitas são
as fronteiras conquistadas e novas áreas do conhecimento abrem-se à nova visão decor-
rente, principalmente, do desenvolvimento de novas técnicas e ao entendimento de como
as ciências cognitivas podem de fato interagir com as artes. Porém, o conhecimento e as
informações advindas do universo simbólico e imaginário do ser humano, portanto, para
além dos domínios da consciência, podem contribuir com novas e positivas descobertas,
a partir da elaboração dos conteúdos internos e de um maior conhecimento de si mesmo.
57
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
É de interesse da arte, enquanto área de conhecimento, compreender a criação artística
advinda do território do inconsciente. Assim, estes novos e integrados caminhos também
apontarão para a evolução e o crescimento humano.
O método de improvisação, por exemplo, em quaisquer das linguagens artísticas se
beneficia muito com os processos criativos que permitam interação direta com o mundo
inconsciente, portanto, entendo a improvisação justamente como o momento de adquirir
experiências corporais, que facilitem o reconhecimento das potencialidades individuais e a
aquisição de vocabulário corporal, pois, é na improvisação que se pode constatar o que foi
apreendido e essencialmente incorporado ou enriquecido por novas explorações.
Fundamental, em meu ponto de vista que, quanto mais sensibilizado um corpo está
maior sua disponibilidade e potência para entrar em contato com a sua estrutura, seja ela
consciente ou não, e, portanto, maiores serão as possibilidades de criação artística. Acredito,
por fim, que uma das maneiras mais íntegras de compreender a si mesmo, seja entrar em
contato com o que dá forma ao conteúdo e ao não conteúdo, com o que dá forma ao cons-
ciente e ao inconsciente: o corpo!
REFERÊNCIAS
1. ARCURI, IRENE GAETA (2006) Arteterapia e o Corpo Secreto. São Paulo. Vetor.
6. DETHLEFSEN, T. & DAHLKE R. (1983) A Doença como Caminho. São Paulo. Cultrix.
8. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Rio de
Janeiro: Vozes, 2009. Cap. 1, p. 09-33.
10. HARDING, Mary Esther. Os mistérios da mulher antiga e contemporânea: uma interpretação
psicológica do princípio feminino, tal como é retratado nos mitos, na história e nos sonhos.
Trad. Maria Elci Spaccaquerche Barbosa e Vilma Hissako Tanaka. São Paulo: Paulus, 1985.
11. GOLDENBERG, M.. O Corpo como Capital: para compreender a cultura Brasileira. Arq. Mov.,
v.2, n. 2, p. 1145-23, 2006.
58
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
12. KEHL, Maria Rita. As máquinas falantes. In: NOVAES, Adauto (Org.). O homem máquina: a
ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 243-259.
13. LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus, 2003.
14. LELOUP, JEAN-YVES. O Corpo e Seus Símbolos: Uma Antropologia Essencial. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Vozes. 1988.
16. MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
59
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
04
Aladdin e Jasmine: representações
para quem?
10.37885/210304044
RESUMO
P a l a v r a s - c h a v e : P r i n c e s a s D i s n e y, C u l t u r a V i s u a l , I n t e r s e c c i o n a l i d a d e ,
Representação de Gênero.
61
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
ENDEREÇADO A QUEM?
1 Como ato politico, utilizo sempre que a palavra possuir os dois gêneros gramaticais, o gênero gramatical feminino em primeira ordem
e o masculino em segundo lugar.
2 Pretty as a princess: longitudinal effects of engagement with Disney princesses on gender stereotypes, body esteem.
3 It also supports research showing that engagement with the Disney Princess culture can influence gender stereotypes and may con-
62
tribute to a “girly girl” culture in which gendered behavior is common and highly valued.
O filme ‘Aladdin’ (1992), foi inspirado e adaptado do conto árabe ‘Aladim e a Lâmpada
Maravilhosa’, do clássico da literatura, o livro ‘As mil e uma noites’. A visão geral do filme é
a vida de um jovem rapaz morador de rua chamado Aladdin, que tem como seu amigo e fiel
escudeiro o macaco Abu. Ele vai para prisão por roubar comida para se alimentar. No meio
do caminho ele conhece a Princesa Jasmine, que foge do castelo após ser intimada pelo
Sultão a se casar com o pretendente que ele escolhesse. Na prisão, ele conhece Jafar, seu
antagonista, que surge disfarçado com o propósito de incentivá-lo a ajudá-lo a encontrar uma
lâmpada mágica em uma caverna mágica, e como recompensa. Aladdin poderia ficar com
diversas joias que ali havia, entretanto, Jafar tenta deixá-lo à morte quando pega a lâmpada,
63
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
porém com a ajuda de Abu, Aladdin consegue ficar com a lâmpada mágica, transformando,
radicalmente, sua vida.
Nas cenas iniciais do longa-metragem a música de abertura Arabian Nights, Giroux
(2001) afirma que, inicialmente, continhas as cenas “onde cortam fora sua orelha/ se não
forem com a sua cara. É bárbaro, mas, ei! É o nosso lar”, após várias manifestações e
protestos, a Disney alterou o trecho para, “onde ele é plano e imenso/ e o calor é intenso”,
mas mantiveram “é bárbaro, mas ei! e o nosso lar”.
Logo nas primeiras cenas que Aladdin surge em cena podemos entender quais são
os anseios e quem ele realmente é. Ele nos é apresentado como um morador de rua que
possui um enorme coração, mostrando-se um jovem altruísta, generoso e preocupado tam-
bém com os menos afortunados tanto ou menos que ele e Abu. Trazendo logo em seguida
seu contraponto, o Príncipe Ahmed, ressaltando ainda mais a generosidade e altruísmo
do protagonista. Ahmed é apresentado como um monarca, arrogante, prepotente, egoísta,
se mostra nada solidário com os demais, principalmente com aqueles que estão em uma
posição de subalternização à sua classe social. Ele surge como um dos pretendentes da
princesa Jasmine.
Aladdin, apesar de ser uma pessoa generosa, não é dotado do espírito Franciscano4.
Ele não deixa de lado sua grande ambição de mudar de vida, sem prejudicar o próximo como
seu antagonista Jafar. Da mesma forma, sonha em sair da condição de “rato de rua” - como
os guardas o chamam - e se tornar um homem rico que mora no palácio para se ver livre de
seus problemas. Ou seja, ele deseja se tornar um Príncipe. No final das contas Aladdin não
passa de um jovem ambicioso que utiliza Jasmine como seu “trampolim para a mobilidade
social” (GIROUX, 2001, p.101)
Jasmine é uma princesa que tenta romper com algumas normas exigidas às mulheres
na sociedade Árabe. O exemplo mais claro disso é a briga com seu pai sobre a obrigatorie-
dade de se casar precocemente e, ainda mais, com alguém que não ama. Na cena, em que
surge ela e o sultão, logo no começo do filme, quando estão conversando, ela deixa bem
claro para seu pai que vai continuar recusando os pretendentes até que encontre alguém
por quem se apaixone. O notável dessa cena ocorre quando ela confronta seu pai próximo
4 Espírito franciscano é uma expressão popular que remete ao santo São Francisco que abdicou tudo que tinha para ajudar os mais
64
necessitados.
Somos posicionados e nos posicionamos de acordo com o campo social nos quais
estamos atuando. Compreendendo os papeis de representações das personagens do filme
Aladdin (1992) aproximando ao conceito de representação de Woodward (2012) percebe-
-se claramente os campos sociais e os diferenciados graus de autonomia e escolha. Afinal
65
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
em cada momento da vida há: um texto, um contexto material e um conjunto de sistemas
simbólicos a ser alçado por nós. Indo além a autora afirma que “os discursos e os sistemas
de representação constroem os lugares a partir dos quais podem falar” (Idem, 2012, p.17),
partindo da ideia de que “[só] podemos compreender os significados envolvidos nesses
sistemas se tivermos alguma ideia sobre quais posições-de-sujeito eles produzem e como
nós, como sujeitos, podemos nos posicionar em seu interior” (Idem, 2012, p.17).
Portanto, tanto para Giroux (1995,2001) como para Kevin Tavin e David Anderson
(2010), os filmes da Disney ajudam a propagar ideais estereotipadas, não apenas de gênero,
mas também culturais étnicas, religiosas, raciais e de classe. O personagem Aladdin sofre
um ‘branqueamento cultural’ que exacerba a questão do tom de sua pele. Está no modo de
agir, nos traços faciais, na ausência de barba (culturalmente essencial) e domina a língua
inglesa, diferente de outros personagens, como os soldados de Jafar, que possuem falas
carregadas com sotaque árabe. Nessa caracterização, uma política de identidade e lugar
associada com a cultura árabe acentua o estereótipo popular já preparado, midiaticamente,
por meio da retratação da Guerra do Golfo. Tais representações racistas são além disso
reproduzidas em vários personagens coadjuvantes (Figura 2), que foram relatados como
grotescos, violentos e cruéis. Outra coisa que em relação “a má pronuncia dos nomes ára-
bes, a condição racial dos sotaques e ouso de rabiscos sem sentido como substitutos para
uma efetiva escrita da língua árabe.” (GIROUX, 2001, p.100)
Está previsto para 2019 o lançamento do filme Aladdin, no formato Live-action5, dentro
do grupo dos personagens principais do enredo de Aladdin, contamos com os seguintes ato-
res. Will Smith será o Gênio; Mena Massoud será Aladdin; Marwan Kenzari será Jafar; Navid
Negahban será Sultão, e a atriz Naomi Scott será Jasmine. É interessante notar que apesar
5 A expressão é usada para definir adaptações de desenhos e animações para filmes e seriados com atores reais. Disponível em:
66
<http://icbeusjc.com.br/site/2017/09/19/voce-sabe-o-que-e-live-action/ > Acesso em: 18 jun. 2018.
6 Segundo Sônia Corrêa (2009, p.181): “empoderamento representa uma maneira inovadora de enfrentar as desigualdades de gênero
existentes tanto na esfera pública quanto na privada e tem a ver não só́ com a ampliação das capacidades individuais, mas também
67
com acesso às fontes de poder.”
7 Para muitas/os pesquisadoras/es, ativistas, o termo onda nos estudos feministas surge como uma a divisão feita meramente para fins
didáticos. A primeira onda se localizar temporalmente do fim do século XIX até meados do século XX, é caracterizada pelos movimen-
tos de mulheres que exigiam os direitos já conquistados pelos homens, como o voto dentre outros. A segunda onda se localiza entre
os anos 1950 e se estende até meados dos anos 90 do século XX, entretanto quando nos referimos ao feminismo de segunda onda,
costumamos querer dizer mais especificamente do feminismo radical, que teve seu início (e sua fase mais ativa) nas décadas de 60
e de 70. É caracterizada como a fase da luta pelos direitos reprodutivos e das discussões acerca da sexualidade. A terceira onda
teve inicio a partir da década de 1990 e se estende até hoje, seu foco é a ruptura dos padrões heteronormativo, patriarcais sobre os
corpos não só das mulheres, mas de todos, é nesse período que surge o uso do termo Gênero relacionado ao feminismo, LGBTQI.
Existem estudiosa/os que acreditam que estamos vivendo uma quarta onda do movimento, que está vinculada a principalmente pelo
uso maciço das redes sociais para organização, conscientização e propagação dos ideais feministas, entretanto ainda não existe uma
68
definição e teorização tão clara como as demais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O filme Aladdin rompe com o que Nelson Goodman chama de ‘rightness of redering’ (In
WEINER, 2001), trata-se da capacidade pedagógica dos artefatos da indústria cultural, como
os filmes dos estúdios Disney, de “normalizar as representações de maneira que aparecem
como corretas e parecem consistentes com o senso comum.” (p. 435) Nesse sentido é rele-
vante observar o que está se rompendo e o que está se construindo no seu lugar. Os filmes
de Disney trazem, como um currículo cultural, a discussão sobre as mudanças nos papeis
de gênero, embora ainda mantenham diversos traços colonialistas.
Portando, ao percebermos as imagens cinematográficas como produtos culturais, rela-
cionadas à Cultura Visual, são possíveis reconhecer como as visualidades do filme Aladdin
possibilita focalizar “onde o sujeito é colocado e fixado pelo discurso do qual faz parte”
(Hernandez, 2011, p. 33) a partir do que ele vê. Sendo assim as imagens, segundo Tourinho
(2013), são mediadoras de significados e cada interpretação é uma forma de pensar de cada
pessoa, vinculado a uma porção de uma realidade, contexto e comunidade do individuo.
Dessa forma, a Cultura Visual possibilita uma deslocalização do olhar, revelando, como sa-
lienta Hernandez (2011, p. 47), “as identidades ‘pré-fixadas’” que podem ser questionadas.
Lembrando que a Cultura Visual é o meio e não o fim, consequentemente ela se abre como
um guarda-chuva para novos horizontes e “somos convidados a pensar de forma crítica o
momento histórico no qual vivemos e revisar os olhares como os quais viemos construindo
os relatos sobre outras épocas e suas representações visuais” (idem, 2011, p. 33).
70
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
1. ABREU, Carla Luzia. Um olhar sobre as construções de identidades de gênero na contempora-
neidade. In: Revista do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade
Federal de Goiás – VISUALIDADES. Ed. v. 8, n. 1, Goiânia, 2010. p. 191-205. Disponível em:
<https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/18226>. Acesso em: 20 jun. 2018.
2. ALADDIN. Direção: Ron Clements e John Musker. Produção: Ron Clements e John Musker.
Walt Disney Pictures, 1992. 90 min, cor.
3. ANDERSON, David; TAVIN, Kevin. A cultura visual nas aulas de arte do Ensino Fundamental:
uma desconstrução da Disney. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Org.). Cultura
visual e Infância: quando as imagens invadem a escola. Santa Maria: Editora UFSM, 2010,
p. 57-69.
4. BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, 2006,
p. 239-76.
6. CORRÊA, Sônia; ALVES, José Eustáquio Diniz. Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil:
um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo. Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo,
Campinas, dez. 2009. ADEP/ UNFPA. Disponível em: <http://www.abep.org.br/publicacoes/
index.php/livros/issue/view/13/showToc>. Acesso em: 28 jun. 2018.
7. COYNE, Sarah M. et al. Pretty as a Princess: Longitudinal Effects of Engagement with Disney
Princesses on Gender Stereotypes, Body Esteem, and Prosocial Behavior in Children. Child
Development, [s.l], v. 87, n. 6, 2016, p.1909-1925. Disponível em: <https://www.researchgate.
net/publication/304071159_Pretty_as_a_Princess_Longitudinal_Effects_of_Engagement_With_
Disney_Princesses_on_Gender_Stereotypes_Body_Esteem_and_Prosocial_Behavior_in_Chil-
dren>. Acesso em: 10 jun. 2017.
10. GIROUX, Henry. Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em edu-
cação. Petrópolis: Editora Vozes, 1995. p. 132-158.
11. ______. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? In: Cultura Infantil: a construção cor-
porativa da infância. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
12. HARAWAY, Donna.“Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra.
Cadernos Pagu [online], 2004, n. 22. p. 201-246. ISSN 0104-8333. Disponível em: <http://
dx.doi.org/10.1590/S0104-83332004000100009>. Acesso em: 20 maio 2018.
71
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
14. HERNANDÉZ, Fernando. A cultura visual como um convite à deslocalização do olhar e ao
reposicionamento do sujeito. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO Irene (Org.). Educação da
Cultura Visual: Conceitos e Contextos. Santa Maria: UFSM, 2011. p. 31- 50.
15. SABAT, Ruth. Pedagogia cultural, gênero e sexualidade. Revista Estudos Feministas, Santa
Catarina, v. 9, n. 1, p.04-21, 2001. Anual. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?s-
cript=sci_arttext&pid=S0104026X2001000100002&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 29 jun. 2018
17. _____. Gênero: a história de um conceito. In: ALMEIDA, Heloisa. Buarque.; SZWAKO, José.
(Org.), Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis editores, 2009. p. 118-146.
18. WEINER, Eric. Making the Pedagogical (Re) Turn: Henry Giroux´s Insurgent Cultural Pedagogy.
JAC. vol. 21 n°. 2, p. 434- 451, Spring, 2001. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/arena-
-attachments/74939/Making_the_Pedagogical_(re)turn_-_Weiner.pdf. Acesso em 12 jul. 2018.
19. WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: uma introdução conceitual. In: SILVA, Tomaz
Tadeu (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 4ed. Petrópolis:
Editora Vozes, 2000.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
05
Corpo sem órgãos e Devir-mulher em
Crônica da casa assassinada
10.37885/210303833
RESUMO
Este artigo objetiva analisar os personagens Nina e Timóteo do romance Crônica da casa
assassinada, (CARDOSO, 2017) à luz da Filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Para
este estudo nos pautamos das proposições de Deleuze e Guattari (1997, 1996) no que
se refere ao conceito de Corpo sem órgãos e Devir-mulher, assim como as proposições
Sales (s/d) quanto a construção do Corpo sem órgãos e a maneira como as instituições
tentam capturar os corpos, colocando-os em uma identidade fixada. Em Costa Junior
(2019) quanto a relação de proximidade entre o devir-mulher e o Cso, muito ligada ao
modo como o corpo feminino é precocemente educado. Com fundamentos nestas dis-
cussões, a análise dos personagens Nina e Timóteo nos indica um processo de entrada
no devir-mulher desta primeira, pela forma que foge dos padrões identitárias. Este último,
em construção de um CsO, devido a linha de fuga trançada pelo personagem, permitin-
do-se viver sua sexualidade em um contexto de forte presença da instituição religiosa.
74
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Nesse estudo, realizaremos uma leitura crítica do romance Crônica da casa assassinada
(2017) de Lúcio Cardoso, onde utilizamos das formulações filosóficas de Deleuze e Guattari
(1997, 1996), mais especificamente dos conceitos de Corpo sem órgãos e Devir-mulher.
Esse estudo se inicia com a discussão acerca das proposições filosóficas do processo
de construção de um CsO de Deleuze e Guattari (1997, 1996), a maneira como esse corpo
produz intensidades e desejos, em um processo de luta ante as muitas instituições do apa-
relho de estado, que agem contra o indivíduo humano na tentativa de eliminar os desejos
perpassados por aquele CsO. Também discutimos acerca do devir-mulher e a forma como
age molecularmente, produzindo afetos e perceptos, construindo alternativas de vidas e de
identidades onde o sujeito possa fugir da captura e fixações implementadas pelo estado.1
Essas discussões compõem a primeira parte deste artigo, na segunda parte, respec-
tivamente, faremos uma leitura crítica dos personagens Nina e Timóteo e os processos de
construção de um CsO e o devir-mulher adentrado em um contexto de tradição familiar que
não tolera a diferença.
1 O aspecto Molar na filosofia de Deleuze e Guattari, faz referência a grandes poderes que regulamentam os corpos e os comporta-
mentos humanos, como o Estado, por exemplo. Já o molecular aponta para uma existência que ocorre em oposição a esfera Molar,
os grupos sociais minoritários são um exemplo, pois fogem de comportamentos padronizados ou impostos através do poder do Es-
75
tado.
2 O conceito de Rizoma na filosofia de Deleuze e Guattari, faz alusão a estrutura de raízes de plantas, cuja formação ocorre horizon-
talmente, sem um firmamento mais profundo e enraizado. No caso, o termo ‘escrita rizomática’ se refere a um dado padrão textual
que não obedece às estruturas formais de escrita. O corpo inserido em uma lógica extensiva obedece aos ditames do Estado e de
instituições de poder, quando um corpo adentrada a uma lógica intensiva, ele procurar escapar dessas imposições aos seus corpos.
76
3 A sigla CsO se refere ao termo Corpo sem Órgãos
Essa constituição começa a ser feita a partir da retirada dos referidos extratos,
quando o indivíduo tem a possibilidade de se libertar de uma lógica extensiva,
que age capturando-o e impedindo-o de desejar, e passa a atuar dentro de
uma lógica intensiva em que é capaz de produzir realidades diferentes, modos
de ser normalmente não autorizados, não legitimados por uma sociedade
conservadora que, quase sempre, não tolera a diferença. (COSTA JUNIOR,
2019, p. 4)
Os indivíduos estão comumente ligados a uma ordem extensiva, que para Deleuze e
Guattari (1997) é a lógica onde atua o aparelho de estado e suas instituições, tentando cap-
turar o indivíduo e o fixar em uma identidade. Diferentemente, a lógica intensiva é onde atua
o sujeito que busca a constituição para si de um CsO, um sujeito que vive agenciamentos4,
onde as intensidades do desejo não são reprimidas, e por fim, é uma lógica na qual o sujeito
busca escapar do controle de si.
Essa série de ações que visam a fuga dessa lógica extensiva está diretamente ligada a
experimentação, ao desejo de se permitir e viver as intensidades. Para Sales (s/d) a falta, o
vazio deixado pela ausência dos órgãos, não remete a uma fraqueza do ser, mas a uma força,
onde operam as linhas de fuga, constituindo, assim, um corpo como espaço de passagem,
onde nada é fixado em definitivo. Ainda segundo o autor, o desejo é muito vinculado a falta
4 Os agenciamentos na filosofia de Deleuze e Guattari, são uma espécie de fuga da regulamentação de seus corpos, quando um corpo
77
opera em agenciamentos, significa que está em contraponto com as práticas comumente estabelecidas pelas instituições de poder.
Então, por que estes exemplos? Por que é necessário passar por eles? Corpos
esvaziados em lugar de plenos. Que aconteceu? Você agiu com a prudência
necessária? Não digo sabedoria, mas prudência como dose, como regra ima-
nente à experimentação: injeções de prudência. Muitos são derrotados nesta
batalha. Será tão triste e perigoso não mais suportar os olhos para ver, os
pulmões para respirar, a boca para engolir, a língua para falar, o cérebro para
pensar, o ânus e a laringe, a cabeça e as pernas? Por que não caminhar com
a cabeça, cantar com o sinus, ver com a pele, respirar com o ventre, Coisa
simples, Entidade, Corpo pleno, Viagem imóvel, Anorexia, Visão cutânea, Yoga,
Krishna, Love, Experimentação. Onde a psicanálise diz: Pare, reencontre o
seu eu, seria preciso dizer: vamos mais longe, não encontramos ainda nosso
CsO, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. (DELEUZE E GUAT-
TARI, 1996, p.10)
A experimentação para a constituição de um CsO, pode ser difícil, para o corpo que
se propõe a esse processo, é preciso haver uma inversão do comum e do habitual, deixar
de enxergar com os olhos, e passar a fazê-lo com a pele. Passar a caminhar com a cabeça,
ao invés de usar as pernas. Deleuze e Guattari (1996) propõem uma inversão da ordem,
da hierarquia, da regra, da estratificação. Nesse movimento de experimentação, que é a
formação de um CsO para si, é preciso haver cautela, como os aparelhos de estado em
constante vigilância na tentativa de capturar os corpos.
É nesse sentido que Deleuze e Guattari (1996) ressaltam as linhas de fuga, os agen-
ciamentos, pois o corpo não suporta a força reguladora que age sobre si, as linhas de fuga
operam no sentido de constituir fissuras, permitindo a passagem do desejo, e a entrada em
outros processos formulados pelos filósofos, como é o caso do Devir.
Para Carneiro (2013), o devir não se opõe a uma forma fixada, mas também não é
um processo em transição de diferentes estados, o Devir está sempre em expansão, não é
fixado a um estado final, “se dizemos, mulher, homem, animal, falamos de formas; referimo-
-nos a alianças efetivas com as políticas de identidade e gênero para a constituição dessas
formas”. (CARNEIRO, 2013, p. 77). Todavia, homem, mulher e animal, são estados fixados
e identidades prontas e acabadas.
O processo de Devir está em constante movimento, adentrando em zonas de vizinhan-
ça, “se opõe a contextos fixos e majoritários” (CARNEIRO, 2013, p. 77), o devir é onde fluem
as intensidades o desejo de experimentar. Agora quando dizemos Devir-mulher, falamos
de ação que ocorre molecularmente, saindo de uma lógica extensiva — onde operam as
definições identitárias — para uma lógica intensiva, onde as instituições não conseguem
apreender o indivíduo em processo de devir.
78
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Pois, para D&G (1997), o devir surge, diferentemente, como uma espécie de
involução; sendo justamente um movimento de dissolução das formas criadas,
pois quando se inventa, deixa-se de viver o tradicional, cria-se outras possibili-
dades de vida, desta maneira, podemos afirmar que os devires se reinventam
constantemente, afinal, trata-se de relações entre partículas, e as combinações
são infinitas, quer sejam: devir-mulher – devir-criança – devir- animal – devir-
-revolucionário, devir-imperceptível, entre outros. (CARNEIRO, 2013, p. 81)
O devir, então, tem a capacidade de reinventar, de viver novos modos, a todo mo-
mento criando o novo, o incomum, deixando de viver o tradicional, abrindo possibilidades
de vivência. O processo de devir acontece nas multiplicidades, em ações rizomáticas, em
agenciamentos múltiplos, não pode, assim, ser apreendido em uma identidade ou gênero.
“O entre é o espaço da fronteira, um ponto onde não se é nem uma coisa nem outra, mas
se está entre os dois. ” (CARNEIRO, 2013, p. 78). Não é possível apreender ou classificar
o sujeito, pois o devir está em constante movimento, de um ponto ao outro, sem fixar-
-se. O Devir também está ligado as artes em geral, como meio de fuga do corpo e a busca
por algo transcendental, que traga alívio ao corpo.
Através da arte, nossos corpos e mentes, buscam uma ressignificação de tudo o que nos
cerca, nos leva a refletir acerca de outros modos/práticas de ver e viver a existência, noutras
palavras, nos transportam para o mundo das possibilidades, onde podemos existir segundo
nossas práticas e não sobre aquelas que nos são ditadas para a adestração dos desejos.
O Devir, nesse sentido, aponta para uma revisão de sentidos, de desejos e afetos,
que antes nos eram impostos, e agora, os corpos em processo de Devir rumam, segundo
a vontade dos seus desejos, e a sua conduta é regida por estes.
Segundo Costa Junior (2019), grande parte dos ditames sociais giram em torno da
dicotomia entre masculino e feminino, ou seja, os comportamentos sociais estão pautados
por gêneros, existem certas atitudes no convívio social que seriam, segundo essa ordem
estabelecida, mas adequadas ao sexo masculino e inadequadas para o sexo feminino. É nes-
se sentido, que para Deleuze e Guattari (1997) o CsO é inseparável do devir-mulher, pois:
A mulher então atua no espaço molecular, como todas as outras minorias, criando
novos afetos e perceptos, outras possibilidades de vida, de expandir seus desejos, de não
ser efetivo e fixado, continuamente um torna-se. O devir-mulher pode ocorrer quando esses
sujeitos femininos criam passagens para novas zonas, colocando-se em fuga do papel de
mãe, da delicadeza e de tantas outras marcas sociais atribuídas ao feminino que agora, em
processo de devir, pode criar para si multiplicidades, está em continuo agenciamento, não
somente sendo mulher, mas em um exercício eterno de tornar-se mulher.
Sem dúvida ela era sincera, pois nunca vivera no interior e aquela paisagem
baixa, de grandes descampados ressecados pelo estio, não lhe dizia coisa
alguma, e nem lhe despertava nada além de uma verídica angústia. Creio
mesmo que foi essa aversão, propalada inúmeras vezes, e em todos os tons de
vozes, que para sempre levantou os alicerces do desentendimento entre a
patroa e o Sr. Demétrio, de natureza tão arraigadamente mineira. Mais do
que isto: mais do que o seu estado natal, amava ele a chácara, que aos seus
olhos representava a tradição e a dignidade dos costumes mineiros – segundo
ele, os únicos realmente autênticos existentes no Brasil. “Pode falar de mim”
costumava dizer, “mas não ataquem esta casa. Vem ela do Império, e repre-
senta várias gerações de Meneses que aqui vieram com altaneira e dignidade”.
(CARDOSO, 2017, p. 65).
— Desculpe, Nina, mas é que todos aqueles chapéus e vestidos são inúteis
na roça. Você sabe que estamos na roça, não sabe? Aqui – ele apontou com
um gesto displicente – as mulheres se vestem como Ana.
[...] Dona Ana, sentada, sofria aquele exame de cabeça baixa: vestia-se com
um vestido de um preto desbotado, sem enfeites, e inteiramente fora de moda.
(op. cit., p. 68).
Não sei direito o que colocara sobre a cabeça, assemelhava-se mais a um tur-
82
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
bante ou a um chapéu sem abas, de onde saíam vigorosas mechas de cabelos
alourados. Como era de costume seu também, trazia o rosto pintado – e para
isto, bem como para a suas vestimentas, apoderara-se de todo o guarda-roupa
deixado por sua mãe, também em sua época famosa pela extravagância com
que se vestia – o que também fazia sobressair-lhe o nariz enorme, tão carac-
terístico dos Meneses. [...] Ainda daquela vez pude constatar a bizarrice dos
costumes que constituíam as leis mais ou menos constantes do seu mundo: ao
me aproximar, verifiquei que o Sr. Timóteo, gordo e suado, trajava um vestido
de franjas e lantejoulas que pertenceram à sua mãe. (CARDOSO, 2017, p. 56).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. 15ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2017.
2. COSTA JUNIOR, José Veranildo Lopes da; SILVA, Roniê Rodrigues da. Dois homens que se
amam: a construção de um corpo sem órgãos no contexto da ditadura argentina. Miguilim –
Revista Eletrônica do Netlli, Crato, v. 8, n. 1, p. 123-136, jan.-abr. 2019.
3. CASTRO, Netanias Mateus de Souza; SILVA, Roniê Rodrigues da. O conto rodrigueano e a
constituição do corpo sem órgãos: interfaces entre literatura e filosofia. Revista Letras Raras
— v. 7, n. 1 , 2018.
84
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
4. DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. Tradução de
Aurélio Guerra Neto et. alii. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
6. SALES, M. Deleuze e Artaud: um passeio pelo corpo sem órgãos. Disponível em: [ https://
caosmofagia.files.wordpress.com/2011/12/deleuze-e-artaud-um-passeio-pelo-corpo- sem-
-c3b3rgc3a3os.pdf.] Acesso em: 14/11/2019.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
06
Compaixão, piedade e deficiência
física: o valor da diferença nas relações
heterogêneas
Reni Barsaglini
ISC-UFMT
10.37885/210303748
RESUMO
87
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
1 Nos esforços de classificação das anomalias Stiker (2008) cita Isidore Geoffroy Sain-Hilaire, que faz referência ao termo “deformida-
de”, ressaltando a preocupação com alterações do esqueleto.
2 O mais famoso, citado pelo autor, é o Ringling Bros and Barnum & Bailey Circus ou, simplesmente, “Circo de Barnum” de propriedade
de Phineas Taylor Barnum no século XIX. Nele eram comuns os freaks shows, em referência à exibição de bizarrices. A esse respeito
90
é exemplar o filme Freaks, de 1932, dirigido e produzido por Tod Browning.
91
deficientes da existência eterna. Também nesse sentido, Soares e Fraga (2003) informam que a ideia de que o corpo em sua exterio-
92
(Nunes, Goellner, 2009).
Nesse contexto é que, se no início do século XIX “a ciência pode gerar monstros”, afir-
mava Mary Shelley (criadora de Frankestein), David Lynch (criador de O homem elefante)
dirá que ela também pode salvá-los, ao final do mesmo século. É o que ocorre por meio da
reativação dos dispositivos legais e administrativos em prol das pessoas com deficiência,
empreendida após a Segunda Guerra Mundial com intervenções crescentes do Estado no
7 Essa noção não se vincularia, a princípio, à monstruosidade, e sim à medicina alienista que se mostrou conveniente aos temas da
evolução das espécies e da hereditariedade, porém menos ligada ao dado biológico, já que a degeneração resultaria de circuns-
tâncias de vida, ambientes sociais (alcoolismo, por exemplo, e que passaria aos filhos), o que permitiu explicar a criminalidade ao
identificar estigmas físicos como seus indicativos, como foi exemplar a escola italiana de Lombroso e seus discípulos. O sucesso
dessa noção ligar-se-ia ao contexto ideológico e etnocêntrico, favorecendo a tese evolucionista de que os melhores e mais adaptados
93
sobreviveriam e deveriam sobreviver, o que se coadunou ao que ficou conhecido por “darwinismo social” (Stiker, 2008, p.368-369).
DIFERENÇA E INTERPRETAÇÃO
8 Ao se referir ao uso de termos “politicamente corretos”, Eco (2000) afirma tratar-se de uma “tolerância polida”, o que parece reger-se
94
por essa mesma lógica.
EFEITOS DA COMPAIXÃO
Essa breve história da deformidade nos dá pistas para compreender parte dos elemen-
tos envolvidos nos sentimentos de compaixão e piedade comumente mobilizados diante das
deficiências, e em especial da deficiência física pela sua visibilidade, sendo muitas vezes
expressos por termos correspondentes como pena, dó, caridade, coitado, inválido, infeliz etc.
97
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
É oportuno lembrar a origem do termo em questão. “Paixão”, na sua etimologia do
latim passio, passi, significa “sofrimento, ato de suportar”, “sofrer, aguentar”, e do grego
pathe, pathos se refere a “sentir” (coisas boas/ruins), mostrando não carregar negatividade
absoluta9. A compaixão, entendida pelo sentido de “paixão-com”, permite uma interpretação
afirmativa dessa disposição ética e existencial, pois o “eu” e o “outro” partilham em uma
relação de alteridade as suas vivências particulares, visto que a palavra “paixão”, na sua
raiz grega de pathos, possui diversidade semântica que não se esgota somente na ideia
de dor ou sofrimento, mas também de afeto, de sentimento (Bittencourt, 2010). Embora a
palavra compaixão seja comumente empregada como sinônimo de piedade, o mesmo autor
distingue esta última pelo sentir-se triste com a tristeza dos outros, aumentando, portanto,
a tristeza, a infelicidade.
Não obstante, vimos nos fragmentos da história da deformidade que a compaixão
e a piedade foram viáveis quando se reconheceu a dimensão humana do ser do qual se
está diante, bem como que existia um sofrimento nessa condição/situação ou, de outra
forma, que essa condição significava sofrimento – interpretação, portanto. Tais sentimen-
tos, contudo, podem ser compreendidos a partir de duas matrizes de sentido10 que oscilam
convivendo, sobrepondo ou justapondo-se no tempo e espaço, e que estão envolvidas no
processo interpretativo: uma advoga aqueles sentimentos como virtude, a outra os vê como
tecnologia de poder.
Na primeira matriz, recorre-se a Jean-Jacques Rousseau (2000a, p.287-288) que afirma:
“conseguimos nos emocionar pela piedade transportando-nos para fora de nós mesmos e
identificando-nos com o sofredor. Só sofremos enquanto ele sofre, não é em nós, mas nele
que sofremos”. Ver-se no outro, porque também humano, e apiedar-se constituem, segundo
o autor, sentimento natural que vem moderar “em cada indivíduo a ação do amor de si mes-
mo, concorrendo para a conservação mútua de toda a espécie. Ela nos faz, sem reflexão,
socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos
costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua
doce voz” (Rousseau, 2000b, p.78-79).
O homem seria bom por natureza, e, no encontro heterogêneo, na deficiência, o bem-es-
tar coletivo suplanta o individual, o que faz com que alguém se compadeça com o sofrimento
do outro, e a compaixão (deduz-se por essa matriz) denota o “interesse desinteressado” pelo
outro, bastando reconhecer o seu direito à felicidade, tal como o de todas as pessoas. No en-
tanto, como se explicaria o sofrimento, já que não ter deficiência não significa felicidade?
9 Essa oscilação de sentido é bem discutida por Fiorin (2007), para quem a paixão, juntamente com a emoção, a inclinação e o senti-
mento são todos manifestações de afeto, tendo essa mesma base, mas se distinguindo pelas respectivas valências tensivas.
10 Sentido se refere aqui a um senso de coerência e consciência de que existe uma relação entre as experiências e os fenômenos
98
vivenciados e cujos parâmetros, aprendidos ao longo da existência, são histórico-sociais.
tenho vergonha porque todo mundo olha. Eu mesmo, antes de ser cadeirante,
olhava com dó das pessoas em cadeira de rodas. Depois é você mesmo que
está ali na cadeira, não é fácil aceitar isso (Ícaro, 19 anos, paraplegia, citado
em Martins, 2009, p.89).
todo mundo olha, mas isso também já acontecia comigo antes do acidente.
Quando eu passava por um cego, um cara de cadeira de rodas, de muleta,
eu também já olhava assim (Aquiles, 52 anos, amputação, citado em Martins,
2009, p.89).
11 Os dados selecionados para este artigo advieram de consulta a essa mesma obra de acesso público em 1 fev. 2013 e disponível
em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp095485.pdf, cuja pesquisa baseou-se em entrevistas semiestruturadas reali-
zadas com oito homens e cinco mulheres com deficiência física adquirida, pertencentes a segmentos populares e identificados por
99
nomes fictícios.
não tem coisa pior que você estar na rua e ficar todo mundo olhando, sentindo
‘dó’. A coisa que mais odeio é chegar ao ponto de ônibus e ter que esperar
todos os ônibus passarem, pra esperar o ônibus adaptado pra que ninguém me
pegue no colo pra pôr dentro do ônibus, porque sei que ficam todos olhando
com ‘dó’ da gente (Ícaro, 19 anos, paraplegia, citado em Martins, 2009, p.87).
a maioria às vezes me discriminam por causa da cadeira de rodas, porque, se
eu tivesse um jeito de andar sem depender dela, acho que não me viam como
veem! Não me achariam um inválido porque essas pessoas que olham pra
gente são porque elas acham que somos pessoas inválidas (Zeus, 54 anos,
paraplegia, citado em Martins, 2009, p.87).
100
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Eu odeio, não gosto que ninguém tenha ‘dó’ de mim. Me sinto mal mesmo.
Nem sei o que mais eu sinto. Não gosto mesmo (Íris, 23 anos, amputação,
citado em Martins, 2009, p.87).
O corpo com uma deficiência parece guardar uma condição que inviabiliza a vida
da pessoa, tornando-a triste, limitada, lenta, improdutiva, incapaz de cuidar de si mesma,
sendo, por tudo isso, digna de pena, carente da ajuda e da piedade alheia (Pereira, 2006).
Compreende-se que essas manifestações incomodam por ser atitudes generalizantes diante
das pessoas com deficiência, identificando-as como sendo todas iguais, ou seja, todas com
as mesmas necessidades, igualmente vítimas de infortúnio e passíveis do mesmo sentimento
de piedade. Nesses casos ocorre um ofuscamento e indiferença da e à pessoa propriamente,
que fica, como lembra Szasz (1994), resumida a um membro de um grupo específico (os
inválidos, os tristes, os carentes etc.).
As atitudes piedosas também refletem uma faceta do estigma, já que comportam
julga-mentos tácitos e antecipados sobre o status moral e a identidade da pessoa com defi-
ciência, e, de acordo com Goffman (1988), apoiados em diferenças isoladas em detrimento
do restante de suas características. Situações desse tipo foram descritas com certa aversão
quando se materializavam no cotidiano, por exemplo, ao ser abordada em espaços públi-
cos por pessoas oferecendo algum tipo de auxílio, como se fosse mais fácil antecipar uma
ajuda do que acreditar na capacidade do outro. Essa atitude de ajudar sem ser solicitado
traz subentendida, também, a incapacidade na deficiência, coerente com o assistencialis-
mo, que tem raízes históricas no Brasil e influencia esse tipo de atitude (Martins, 2009).
Lembremos que se, classicamente, o estigma remete aos valores e às normas prevalentes
e, por vezes, são impostos; os sujeitos podem não se mostrar passivos diante deles, como
se percebe nas suas falas:
eu mesmo não gosto de ser ajudado por pessoas estranhas. E acho que
nenhum cadeirante deve gostar. As pessoas deviam esperar a gente pedir
ajuda. Quando vem uma pessoa me ajudar sem que eu peça, eu não gosto.
Essas pessoas ajudam pensando que a gente é coitado, entendeu? Não gos-
to mesmo... se precisar eu peço ajuda! Faço quase tudo, vou pra todo lugar,
mas às vezes já estou fazendo as coisas e vem alguém oferecendo ajuda.
Eu não gosto! Não sou coitado, inválido! Eu acho que tem que deixar a gente
se virar. A gente consegue fazer as coisas, é só esperar que a gente faz...
quando tenho que subir uma escada ou alguma outra barreira, fico no local,
o primeiro que passar eu peço e ele ajuda, não precisa se oferecer (Ícaro, 19
anos, paraplegia, citado em Martins, 2009, p.88).
Se a gente gastava meia hora pra fazer uma coisa, agora você gasta uma
hora ou mais, mas não há problema, desde que você faça devagar, sem ter
pressa. Foi a única coisa que mudou, porque do resto não mudou nada! Se eu
pegar pra fazer alguma coisa hoje eu faço, nem que eu demore mais, mas eu
faço! Não precisa ajudar, é só esperar. Só ficou mais difícil, mas não é dizer
que eu não faço – porque eu faço (Aquiles, 52 anos, amputação, citado em
101
Martins, 2009, p.88).
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105
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
07
Influência de um ambiente afetivo
positivo, em sala de aula, sobre o
estado motivacional de adolescentes
do ensino médio
10.37885/210404102
RESUMO
A escola pode ser um local propício para a criação de um ambiente mais estimulante e
afetivo ao adolescente tendo o professor como um aliado, como aquele que impõe limites
e mostra possibilidades, aquele que media a construção de conhecimentos e preocu-
pa-se com a apropriação deles, compromete-se com a ação que realiza, percebendo o
aluno como único, dotado de ideias, sentimentos, emoções e expressões. A partir do
exposto objetivou-se investigar se um ambiente afetivo positivo em sala de aula exerce
influência à motivação em aprender por parte de adolescentes. Pesquisa de levantamento
com abordagem quantitativa e recorte transversal, realizada de março a dezembro de
2018 com 836 adolescentes estudantes do ensino médio de sete escolas públicas es-
taduais. O instrumento utilizado foi um questionário com perguntas abertas e fechadas.
Como resultados obtidos constatamos que os alunos são perceptivos e são influencia-
dos pelo estado de humor do professor e que ele afeta positiva ou negativamente na
motivação dos alunos em aprender. Um professor amigo, conselheiro, interessado, sério
em alguns momentos e brincalhão em outros momentos, com voz serena e chamativa
foram as características positivas levantadas pelos adolescentes do ensino médio para
que se sintam motivados a aprender. Conclui-se que todas as condições que se fazem
necessárias para transformar o espaço escolar num ambiente acolhedor, com princípios
pedagógicos eficazes estão relacionadas com a afetividade e o trabalho docente.
107
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
De acordo com Bock (2007) foi Erikson, em 1976, que introduziu o termo adolescên-
cia, caracterizando-a como uma fase especial no processo do desenvolvimento, na qual a
confusão de papéis, as dificuldades para estabelecer uma identidade própria a marcavam
como “um modo de vida entre a infância e a vida adulta”.
A melhor contextualização acerca da adolescência é aquela que possibilita a combina-
ção de diferentes critérios. Como critério cronológico a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no seu artigo 2º conside-
ra-se adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade. Por outro lado, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) adota a faixa etária entre dez e dezenove anos de idade para a
adolescência. No presente projeto será adotada a faixa de idade estabelecida pelo ECA.
Como critério do desenvolvimento físico a adolescência é a etapa da vida compreendida
entre a puberdade e a idade viril. O desenvolvimento é bem marcante para o adolescente e
seu meio social. É neste período que se dá o estirão no crescimento, surgimento de pelos
pelo corpo, aumento de peso; os meninos ficam com ombros mais largos, desenvolvem mús-
culos mais fortes e ficam com a voz mais grave; as meninas ficam com os quadris maiores
e ganham seios. O desenvolvimento das características sexuais dos adolescentes também
é marcado nessa etapa. O desenvolvimento dos órgãos sexuais e o aumento da quantidade
de hormônios sexuais são exemplos disso. Todo esse desenvolvimento físico sexual objetivo
a maturidade biológica do adolescente, chegando à fase adulta (GALLAHUE, 2013).
Como critério sociológico a adolescência é o período da vida de uma pessoa durante
o qual a sociedade em que vive deixa de encará-la como criança e, ao mesmo tempo, não
lhe confere os status, papéis e funções adultos. Na esfera social percebe-se no adolescente
grande influência do grupo de amigos. Não há dúvidas de que “a importância do grupo de
amigos e da sensação de ser aceito é maior na adolescência do que em qualquer outra fase
da vida”. “A necessidade de se conectar a algum grupo de amigos faz com que o adolescente
procure satisfazê-la em vários tipos de vínculos sociais: escola, igreja, rua, música, esportes,
estilo de roupas, artes, literaturas diversas, jogos, informática, ídolos”. As semelhanças e
gostos que existem entre os adolescentes os afastam da sua dependência infantil dos pais
e da realidade adulta (SILVA et all., 2021).
E, como critério psicológico a adolescência é um período de extensa reorganização
da personalidade e de suas estruturas psíquicas previamente estabelecidas. Este é um dos
fatores mais complexos de avaliar, uma vez que trata de pontos tão delicados como o de-
senvolvimento emocional e intelectual do indivíduo. O desenvolvimento de um pensamento
mais abstrato, autocrítico e reflexivo é uma característica forte da adolescência.
108
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
A adolescência inicia-se com uma crise marcada por mudanças na estruturação da
personalidade, sendo um momento no qual o adolescente volta-se para questões que estão
mais diretamente ligadas ao seu lado pessoal, moral e existencial (OLIVEIRA, 2017).
Nesse sentido, a afetividade torna-se um dos fatores preponderantes no processo de re-
lacionamento do adolescente consigo mesmo e com os outros. Normalmente é uma fase
marcada por muitos questionamentos, fortes exigências, novas experiências e constantes
preocupações. Diante de tantas alterações físicas e emocionais, muitas vezes não conse-
guindo conter ou canalizar tanta energia, iniciam-se os confrontos com pais, professores e
até com colegas. Considera-se esse período o mais marcado pelas transformações, talvez
seja essa uma das razões pelas quais exista um enorme desejo de o adolescente romper
com os modelos pré-estabelecidos.
A escola pode ser um local propício para a criação de um ambiente mais estimulante
e afetivo ao adolescente, tendo o professor como aliado, como aquele que impõe limites e
possibilidades aos alunos, permitindo que o adolescente o perceba como alguém que, além
de lhe transmitir conhecimentos e preocupar-se com a apropriação deles, compromete-se
com a ação que realiza, percebendo o aluno como um ser importante, dotado de ideias,
sentimentos, emoções e expressões.
Destacamos que, no modelo atual, a escola é um ambiente limitado por horários, por
conteúdos e pela relação estabelecida entre os sujeitos, professor e aluno. As variáveis e as
características destas relações são regidas pelo professor, pois cabe a ele propor iniciativas e
assegurar o respeito mútuo. Rodrigues (2019, p.22) comenta que, “mesmo estando limitados
por um programa, um conteúdo, um tempo predeterminado, normas diversas da instituição
de ensino, o professor e o aluno, interagindo, formam o cerne do processo educativo”.
Piaget (2017) enfatiza que os aspectos cognitivos e afetivos são inseparáveis, sendo
ação e motivação codependentes, onde a ação depende de estruturas cognitivas e a moti-
vação depende de todas as ligações anteriores vindas de sentimentos positivos ou negati-
vos. Assim, por mais “evoluída” que seja a sociedade pode-se dizer que as emoções fazem
parte do ser humano. Todo aprendizado transita por inúmeros sentimentos, como medo,
ansiedade, curiosidade, insegurança, alegria, satisfação, realização. O autor ressalta que o
comportamento é formado pela dimensão afetiva e cognitiva, não havendo comportamento
afetivo puro, como comportamento cognitivo puro. A criança que “gosta” de português faz
rápidos progressos. A criança que “não gosta” não faz rápidos progressos. Em cada caso,
o comportamento é influenciado pela afetividade.
Os vínculos afetivos em sala de aula são decisivos para a construção de conhecimen-
tos significativos, estando diretamente ligados à condição de permanência ou evasão dos
alunos (MANFIO, 2021). O vínculo afetivo entre professor e aluno é condição fundamental
109
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
para o sucesso da aprendizagem no espaço escolar presencial ou à distância (SOUZA,
2020). As relações presentes no cotidiano escolar entre professor e aluno, os diferentes
fazeres pedagógicos do professor e a gama de emoções que perpassam todo processo de
ensino e aprendizagem fornecem pistas para entendermos a sua importância na aquisição
do conhecimento e apresentam-se como um diferencial no desenvolvimento cognitivo, emo-
cional e social do educando.
O professor (a) que acredita no potencial de seu aluno dispensa ao mesmo maior
atenção, demandando-lhe maior expectativa (REIS; PRATA; SOARES, 2017). Por outro
lado, o/a professor/a que tem comportamento contrário promoverá em seus alunos, baixa
expectativa, podendo influenciar negativamente no seu autoconceito e autoestima. O autor
menciona que por meio do afeto os alunos se sentem encorajados a se expressar em sala de
aula, uma vez que no ambiente escolar podem encontrar fortes relações de companheirismo.
Assim, observa-se que o/a professor/a autoritário/a desperta nos alunos sentimentos
negativos tais como ansiedade e medo, os quais fazem com que eles criem barreiras, não
conseguindo expor suas dúvidas, e impedindo, dessa forma, uma aprendizagem significativa.
Libâneo (2004, p. 87) enfatiza que a aprendizagem escolar é afetada tanto por fatores
afetivos quanto por fatores sociais, tais como os que provocam a motivação para o estudo, os
que afetam a relação professor- aluno, os que interferem na disposição emocional do aluno
para enfrentar as tarefas escolares, os que contribuem e dificultam a formação de atitudes
positivas por parte do aluno frente aos problemas e situações da realidade e do processo
de ensino e aprendizagem.
É importante salientar que a afetividade não modifica a estrutura do funcionamento da
inteligência, porém, poderá acelerar ou retardar o desenvolvimento dos indivíduos, interferindo
no funcionamento das estruturas da inteligência (REIS; PRATA; SOARES, 2017). A afetivi-
dade está ligada à autoestima e às formas de relacionamento entre aluno e aluno e aluno
e professor e aluno (PIAGET, 2017).
Sabe-se que o processo ensino-aprendizado é influenciado pela qualidade das rela-
ções afetivas desencadeadas na escola, pelo quanto o professor reconhece seu aluno como
indivíduo autônomo, com uma história de vida diferente da sua e, portanto, com percepções
distintas que devem ser respeitadas em todas as suas nuances.
Assim, perceber o adolescente como um ser intelectual e afetivo, que pensa e sente, e
reconhecer a afetividade como parte integrante do processo de construção do conhecimento,
implica outro olhar sobre a prática pedagógica, não restringindo o processo ensino-aprendiza-
gem apenas à dimensão cognitiva. No trabalho educativo é importante o professor considerar
que não existe uma aprendizagem meramente cognitiva ou racional, pois o adolescente não
deixa os aspectos afetivos que compõem sua personalidade do lado de fora da sala de aula,
110
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
ele traz consigo sentimentos, afetos, emoções, experiências, e assim a preocupação com
a forma de ensinar passa a ser tão importante quanto o conteúdo a ser ensinado (BELO;
OLIVEIRA; SILVA, 2021).
O afeto positivo demonstra o quanto uma pessoa se sente entusiasmada, ativa e aler-
ta. Em situações em que é experimentado em máxima intensidade é possível constatar alto
nível de energia, concentração e forte sentimento de prazer. Quando presente em intensidade
baixa, as pessoas apresentam tristeza e indiferença. Os afetos negativos são caracterizados
por angústia subjetiva, variações no estado de humor e sensações negativas como raiva,
desprezo, culpa, medo, nervosismo e ausência de prazer. Em situações de baixa intensidade,
é possível identificar sentimentos como calma, serenidade e sossego, mas também situações
de depressão e ansiedade (SIQUEIRA; PADOVAN, 2008). Pessoas que têm sentimentos
positivos possuem o desejo de autoconhecimento, motivação e acreditam em si mesmas
para a realização de trabalhos de grande valor. Aquelas que possuem negatividade elevada
podem sentir- se desanimadas e inúteis (NORONHA et al.,2014).
Também conforme Vygotsky (2003), os afetos se classificam em positivos e negati-
vos. Os afetos positivos estão relacionados a emoções positivas de alta energia, como o entu-
siasmo e a excitação, e emoções de baixa energia, como a calma e a tranquilidade. Os afetos
negativos, por sua vez, estão ligados às emoções negativas, como a ansiedade, a raiva, a
culpa e a tristeza. As emoções e os sentimentos dos alunos não se dissociam no processo
ensino-aprendizagem, já que podem favorecer ou não o desenvolvimento cognitivo. Para
Vygotsky só se pode compreender adequadamente o pensamento humano quando se com-
preende a sua base afetiva.
Assim, o desenvolvimento afetivo depende da qualidade dos estímulos do ambiente para
que satisfaçam as necessidades básicas de afeto, apego, desapego, segurança, disciplina e
comunicação, pois é nessas situações que a criança estabelece vínculos com outras pessoas,
ou seja, o ambiente tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo juntamente com
a capacidade intelectual, e nesse meio surge a afetividade influenciando o desenvolvimento
cognitivo e tendo um papel fundamental no aprendizado da criança (TAVARES, 2019, p.61).
Tavares (2019) ainda aponta que a afetividade “além de envolver a emoção, apresenta
também um componente cognitivo, representacional, que são os sentimentos e a paixão”.
A partir do acima descrito formulou-se a seguinte questão norteadora: Qual a impor-
tância para o adolescente de um ambiente afetivo positivo em sala de aula?
A pesquisa teve como objetivo geral investigar se um ambiente afetivo positivo em sala
de aula exerce influência à motivação em aprender por parte de adolescentes.
Como objetivos específicos pretendeu-se identificar os Afetos Pessoais Positivos (pro-
fessor amigo, agradável, afetuoso, brincalhão, conselheiro, autêntico, sereno, respeitoso,
111
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
íntegro) percebidos pelos adolescentes com relação aos professores; identificar Afetos
Pessoais Negativos (professor ansioso, sério, desligado, frio, grosseiro, mal humorado,
irônico, intolerante, rígido, ríspido, gritos) percebidos pelos adolescentes com relação aos
professores; Identificar Afetos Profissionais Positivos (professor atualizado, dialógico, estu-
dioso, competente, interessado, organizado e responsável) percebidos pelos adolescentes
com relação aos professores.
Pretendemos amparar a afetividade como elemento crucial no processo de relacio-
namento do adolescente consigo mesmo, com os colegas e com o professor, e enfatizar o
quanto um ambiente acolhedor, e verdadeiramente afetivo é atraente para a permanência
e o aprendizado do adolescente na escola.
Assim, partimos do pressuposto de que alunos que admiram e possuem vínculo afetivo
positivo com o professor terão maior predisposição à permanência na escola e ao aprendi-
zado dos conteúdos do que os alunos que não admiram o professor.
MÉTODO
112
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Destacamos que, no modelo atual, a escola é um ambiente limitado por horários, por
conteúdos e pela relação estabelecida entre os sujeitos, professor e aluno. As variáveis e as
características destas relações são regidas pelo professor, cabendo a ele propor iniciativas e
assegurar o respeito mútuo. Rodrigues (2019, p.22) sustenta que, “mesmo estando limitadas
por um programa, um conteúdo, um tempo predeterminados, normas diversas da instituição
de ensino, o professor e o aluno, interagindo, formam o cerne do processo educativo”.
Interessado foi considerada a principal característica profissional para que o professor
seja admirado, seguido por atualizado e competente (gráfico 2), pelos escolares dos três anos.
Somente 4% (12), 10% (31) e 6% (17) dos adolescentes do primeiro, segundo e terceiro
anos, respectivamente, não se sentem à vontade em fazer perguntas ao professor o que
nos remete a pensar que a/o professor/a é uma pessoa aberta ao diálogo. As respostas até
aqui relatadas nos permitem acreditar que as escolas estudadas parecem criar um ambiente
mais estimulante e afetivo que possibilita aos adolescentes se enxergarem como indivíduos
participantes na elaboração do conhecimento. Por esse motivo, a relação professor aluno
baseada no afeto contribuirá para que o aluno adolescente do ensino médio se sinta prota-
gonista na construção do seu existir e do seu pensar. É importante ressaltar que, quando
mencionamos proporcionar uma relação professor-aluno baseada no afeto, de forma alguma,
confunde-se aqui afeto com permissividade.
114
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Interessante foi observar a repetição na fala dos estudantes quanto questionados
acerca do que menos gostavam no professor. Estupidez, gritaria, impaciência, grosseria e
mau humor, ou seja, aspectos pessoais foram as razões mais citadas pelos adolescentes,
independente do ano em que se encontravam.
Quando questionados sobre o clima das aulas (gráfico 3) observamos que a maior
parte dos escolares considera o clima das aulas agradável. A afetividade para Piaget (2017)
organiza todas as ações humanas, dando a elas impulsos ou energia para as ações físicas
e mentais sobre o meio em que vivem. A forma como o professor se dirige aos alunos ao
chegar em sala de aula, por exemplo, animado ou desanimado, poderá ou não os estimular,
interferindo desta maneira na aprendizagem.
Conforme visto no gráfico 4 abaixo observamos que grande parte dos adolescentes do
terceiro ano consideram o professor sério e brincalhão, com tom de voz sereno e chamativo
(gráfico 5), inferindo que os adolescentes não estão se referindo ao mesmo professor, visto
as características mencionadas serem opostas.
115
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Gráfico 3. Clima das Aulas.
116
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Gráfico 5. Tom de Voz do Professor
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
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118
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
08
Educação estética e ação cultural na
formação de professores: a construção
sensível do conhecimento através da
arte
10.37885/210304036
RESUMO
120
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Atualmente, o mundo que vemos fora de nós e o mundo que vemos dentro
de nós estão se convergindo. Essa convergência é, talvez, um dos eventos
culturais mais importantes da nossa era. Onde o mundo interior e o mundo
exterior se tocam, aí se encontra o centro da alma.” (PRIGOGINE, 1996, p. 26)
Este artigo aborda questões relacionadas à educação estética e à ação cultural nas
formações experienciais, iniciais e continuadas de professores da Educação Básica. Nesse
sentido, buscou-se pontos de convergência entre o mundo que vemos fora e o mundo que
vemos dentro de nós, pois, com base nesse princípio de Perigogine (1996), entende-se a
escola como espaço vivo, em constante movimento.
Inicialmente, partiu-se da hipótese de que a formação estética e a ação cultural interfe-
rem na performance do docente em sala de aula, bem como na qualidade do relacionamento
com os alunos, pois possibilitam um olhar mais sensível frente aos problemas inerentes ao
cotidiano escolar.
O olhar sensível educa a atenção e a observação, auxiliando-nos a interpretar o que
está à nossa volta com mais critério e profundidade, e a apreciar melhor a vida e resolver
problemas do cotidiano com mais facilidade (BROWN, 2000). A arte é um estímulo perma-
nente para que a nossa imaginação flutue e crie mundos possíveis, novas possibilidades
de ser, viver e sentir. Assim, é interessante que, nas Licenciaturas, haja atividades que
auxiliem a despertar e desenvolver o desejo de aprender e a alegria de pensar, conhecer,
criar, imaginar: são habilidades que acrescentam valor educativo e cultural à formação dos
professores e dos alunos que por eles serão formados.
Nessa direção, a trajetória de vida dos professores e as histórias das práticas so-
ciais e educativas foram consideradas como objetos de estudo para entender a formação
como processo de construção de sentido. Afinal, concordando com Tardif (2012, pp. 38 e
39), “os próprios professores, no exercício de suas funções e na prática de sua profissão,
desenvolvem saberes específicos baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento
do seu meio”. Essa é uma forma de perceber a questão de maneira ampla, sob a perspec-
tiva de integralidade e inteireza, fundamentando-se numa visão comprometida com o que
compõe o humano.
Em seguida, o objetivo geral delineou-se com a finalidade de analisar a relevância da
arte curricularizada, tanto nas experiências de vida escolar dos sujeitos, quer seja na infân-
cia, quer seja na adolescência, quanto nas formações iniciais e continuadas de professo-
res. A proposta desdobrou-se, então, no objetivo específico que buscou entender o reflexo
da relação entre essas formações e as práticas pedagógicas que habitam o cotidiano escolar.
121
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Porém, no que tange à questão da arte ensinada/aprendida na escola, problematizou-
-se acerca da sua contribuição para a construção sensível do conhecimento em oposição
a conteúdos sistematizados que por vezes não têm siginifcados para os atores. Igualmente
buscou-se o sentido de cultura no contexto escolar, partindo da premissa de que também
a cultura precisa ser considerada na curricularização, valorizando dessa forma o diálogo
entre os saberes.
Ostrower (1998) sustenta que todos os seres nascem com potencialidades sensíveis,
e que o potencial de criação se articula, principalmente, através da sensibilidade. Assim,
nos convida a pensar que:
MÉTODO
123
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
sobre o instalado, tensionando para que o conhecimento brote a partir da experiência da
(des)construção.
Corredor Cultural, Galeria de Arte, recebendo a visita dos alunos do Curso de Pedagogia,
por ocasião da exposição “O olhar precisoa de Darcy Ribeiro”, 2015.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
“Tal como a ciência que dispõe de meios de pesquisa, a arte propicia através
do lúdico e por meio da educação do olhar, objetos de produção do saber
acadêmico”(M, 7º período)
CONCLUSÕES
A cultura passa a ser entendida como recurso valioso, comparado aos recursos
naturais, fundamental para o fortalecimento do tecido social, situando-se ainda
como capital social de uma nação, perpassando, de maneira transversal, os
segmentos políticos, econômicos e sociais (YÚDICE, 2004).
Corredor Cultural, Galeria de Arte, recebendo a visita dos alunos do Curso de Pedagogia, 2016.
126
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
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2. BURKE, P. The historical antropology of early modern Italy: essays on perception and commu-
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3. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1982.
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9. TARDIF, M; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como
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13. YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2006.
127
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
09
Atendimento educacional
especializado: percepção do professor
da sala de recursos multifuncionais
de escolas públicas municipais de
Salvador-BA
10.37885/210303999
RESUMO
O artigo tem como objetivo geral analisar a percepção de professores da SRM de educa-
ção fundamental da rede regular pública municipal de Salvador-BA sobre o impacto do
AEE no desenvolvimento humano, inclusão social e qualidade de vida dos estudantes.
Tem como objetivos específicos: compreender a política do AEE e seu papel na educação
fundamental; identificar o papel do professor da SRM de AEE na formação integral de
alunos com deficiência; identificar recursos (materiais didáticos e pedagógicos, recursos
de acessibilidade e equipamentos específicos), técnicas e tecnologias assistivas que
facilitam o desenvolvimento humano, inclusão social e qualidade de vida de estudantes
com deficiência. O Estudo de Caso foi a opção metodológica, fundamentado em pesquisa
bibliográfica e documental. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se questionários,
aplicados a 7 docentes em situação de formação continuada, de um universo de 30 que
atua em escolas regulares na cidade de Salvador-BA, em SRM. Constata-se que o AEE
é estratégia para inclusão social e promoção do desenvolvimento humano e que o papel
dos professores pode garantir o direito à educação e formação integral do estudante, com
auxílio de recursos pedagógicos. Conclui-se que a percepção dos docentes da SRM sobre
o impacto do AEE no desenvolvimento humano, inclusão social e qualidade de vida dos
estudantes, é de avanço, contudo, para um desenvolvimento integral é imprescindível
investimentos na estrutura física, nos recursos materiais e humanos, na organização
curricular, e na formação dos professores.
129
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
130
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Educacional Especializado (AEE) como estratégia para inclusão social e promoção do de-
senvolvimento humano das pessoas com deficiência?
Para responder tal problematização, tem-se como objetivo geral analisar a percepção
de professores da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) de educação fundamental da
rede regular Pública Municipal de Salvador-BA. sobre o impacto do Atendimento Educacional
Especializado (AEE) no desenvolvimento humano, inclusão social e qualidade de vida dos
estudantes com deficiência.
Tem-se como objetivos específicos: compreender a política de Atendimento Educacional
Especializado (AEE) e seu papel na educação fundamental; identificar o papel do professor
da Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) de Atendimento Educacional Especializado na
formação integral de alunos com deficiência; identificar recursos (materiais didáticos e pe-
dagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos específicos), técnicas e tecnologias
assistivas que facilitam o desenvolvimento humano, inclusão social e qualidade de vida de
estudantes com deficiência de Escolas Públicas Municipais de Salvador-BA.
A coleta de informações em campo foi realizada a partir da aplicação de questionários
com 21 questões fechadas e abertos, subdividido em 03 (três) categorias: quanto a carac-
terização, a atuação e a percepção das dificuldades, desafios e avanços, realizado com
sete (7) professores da Sala de Recursos Multifuncionais, em situação de formação, de um
universo de 30 que atuam em escolas regulares na cidade de Salvador-BA. As informações
coletadas na pesquisa por meio de questionário foram tratadas e analisadas por meio da
análise de conteúdo, embasadas nos conceitos de Gil (2010).
Neste artigo será promovido um mergulho na política pública inclusiva – AEE, desen-
volvido na Rede Pública Municipal de Salvador-BA, para a formação integral dos alunos
com deficiência através de pesquisa caracterizada como um estudo de caso, com abor-
dagem qualitativa.
Apresenta-se o funcionamento do AEE no Município de Salvador-BA, suas interfaces,
o olhar dos docentes sobre sua atuação no AEE, suas percepções, dificuldades, desa-
fios e avanços, além de trazer, como são utilizados os recursos de tecnologias assistivas
para garantir o acesso, a participação e a permanência dos alunos com deficiência nas
salas regulares.
MÉTODO
Esta é uma pesquisa de campo, de natureza qualitativa, podendo também ser classifica-
da quanto à sua finalidade em aplicada e, quanto ao seu objetivo como exploratória. De acor-
do com o procedimento técnico, trata-se de uma pesquisa bibliográfica e estudo de caso.
131
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Conforme Yin (2010) o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que compreende um
método que abrange tudo em abordagens especificas de coletas e análise de dados.
Por ser uma investigação baseada no estudo de caso, registra Gil que: “Na maioria dos
estudos de caso bem conduzidos, a coleta de dados é feita mediante entrevistas, observação
e análise de documentos” (Gil, 2010, p. 120).
Sujeitos
Procedimentos
A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2015. A seleção dos docentes pes-
quisados ocorreu a partir da participação em um curso de especialização para professores
que já atuam ou que ainda irão atuar no Atendimento Educacional Especializado – AEE,
na Rede Pública Municipal de Salvador-BA. A coleta de dados aconteceu entre agosto e
outubro de 2015, por meio de questionário presencial.
Para maior entendimento das informações, utilizou-se a análise de conteúdo, com base
em fundamentação teórica e legal.
Destaca-se ainda no art. 206, um dos princípios para o ensino, qual seja: “a igualdade
de condições de acesso e permanência na escola”. Assim, é necessário não apenas asse-
gurar o acesso dos alunos na escola, mas também a sua permanência.
Como uma das formas de viabilizar condições de permanência e aprendizado de alunos
com deficiência em escolas comuns, a atual Política de Educação Inclusiva, do Ministério
da Educação, apresenta o conceito de Atendimento Educacional Especializado (AEE), pre-
visto no art. 208, pela Constituição Federal de 1988, como forma de efetivação do direito a
educação das pessoas com necessidades especiais.
O AEE é um serviço da Educação Especial, na perspectiva inclusiva, que visa garantir
os apoios necessários para a efetiva participação e aprendizagem dos alunos com deficiên-
cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, no contexto
das escolas regulares. (SEESP/MEC, 2010).
O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e orga-
nizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena par-
ticipação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas (SEESP/MEC, 2010).
As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se
daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse
atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia
e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008).
O Atendimento Educacional Especializado (AEE), enquanto política pública nacional
para a educação inclusiva foi implantado no Município de Salvador-BA, com 30 (trinta) sa-
las de recursos multifuncionais, localizadas dentro das escolas da educação básica sendo
constituída de mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade, de
equipamentos específicos e de professores com formação para realizar o AEE, nas quais
133
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
são atendidos, em média, entre 10 (dez) e 15 (quinze) alunos, segundo dados fornecidos
pelos 7 (sete) professores pesquisados. De antemão, registra-se que este número não é
suficiente para atender a demanda do Município, necessitando ainda de 65 (sessenta e cinco)
salas, a fim de perfazer um total de 95 (noventa e cinco) salas em funcionamento. (SMED/
CENAP/SALVDOR, 2013).1
A organização do AEE oferecido nas salas de recursos multifuncionais do município é
definida pelo Conselho Municipal de Educação de Salvador-BA. pela formação específica
para o AEE, e pela demanda de alunos.
Para compreender a política de Atendimento Educacional Especializado e seu pa-
pel na educação fundamental é preciso analisar a percepção de professores da Sala de
Recursos Multifuncionais (SRM) de educação fundamental da rede regular pública municipal
de Salvador- BA sobre o impacto do AEE no desenvolvimento humano, inclusão social e
qualidade de vida dos estudantes. Os resultados e discussões desta pesquisa serão de-
monstrados no decorrer deste artigo.
Conforme já relatado, anteriormente, no Município de Salvador-BA existem 30 (trinta)
salas de recursos multifuncionais, nas quais são atendidos, em média, entre 10 (dez) e 15
(quinze) alunos, segundo dados fornecidos pelos 7 (sete) professores pesquisados.
Com base nas informações fornecidas pelos docentes pesquisados (2015) a quantidade
de alunos com deficiência atendidos na SRM ultrapassa o número de 4 (quatro), tendo 2
(dois) dos 7 (sete) docentes pesquisados, (E1 e E4), informado o quantitativo de 10 (dez) e
15 (quinze) alunos atendidos respectivamente.
Segundo determinado na Política Pública Inclusiva deve-se definir a frequência semanal,
que utilizará nos atendimentos com o aluno, de acordo com o que propõe na elaboração de
plano de atendimento educacional especializado, elaborado pelo próprio docente de acordo
com a especificidade de cada aluno. (BRASIL, 2008).
A este respeito Gomes, Poulin e Figueiredo (2010b, p.73) discorrem que:
Não há uma exigência legal sobre a quantidade de atendimentos que deve ser ofertado
na SRM. Isto é definido de acordo com a condição do aluno, a necessidade identificada pelo
professor do AEE durante o planejamento de estudo de caso de cada aluno.
1 Informações coletadas na Secretaria Municipal de Educação SMED, no setor da Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico CE-
134
NAP, em Salvador-BA.
Traz a autora, a importância deste trabalho integrado tanto para a organização curricular
quanto para a interação com o grupo.
Quanto às orientações dos estudantes do AEE, os professores afirmam que estão cen-
tradas no professor de sala de aula comum, nas orientações aos familiares do aluno e orien-
tações aos funcionários da escola. Um professor (E1) ressalta que “essas orientações eram
feitas em momento esporádicos, devido a demanda de atendimento ao aluno ser grande”.
Para que ocorra efetivamente a inclusão na escola, de acordo com as políticas inclu-
sivas, faz-se necessário que o professor do AEE possa dar um suporte a toda comunidade
escolar, senão não se poderá falar em escola inclusiva. (BELISÁRIO, FILHO; CUNHA, 2010).
O processo de inclusão deve ser compartilhado com os vários segmentos da comunida-
de escolar, não ficando apenas ao encargo do professor da Sala de Recursos Multifuncionais,
tornando relevante a participação de todos na implantação dos direitos assegurados em
lei para que os benefícios estabelecidos nas políticas de inclusão educacional possam ser
efetivados (BATISTA, 2007).
138
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Trabalhar com educação inclusiva implica na implementação de políticas públicas,
na compreensão de que o processo de inclusão não se restringe à relação professor-alu-
no, mas sim que a inclusão seja um princípio perseguido por toda a comunidade escolar
(BATISTA, 2007).
Os docentes esclarecem ainda que quando a sala de aula regular e o atendimento do
AEE são em escolas diferentes, a articulação com a equipe escolar desta escola e do pro-
fessor do AEE se dá segundo os pesquisados nos encontros de Atividade Complementar
que ocorre quinzenal ou semanalmente, visitas à escola do aluno atendido sempre que a
instituição solicitar, visitas uma vez por mês, e por contato telefônico, sempre que necessário.
Alguns esclarecem que na SRM eles só atendem alunos da própria escola, pois a demanda
é grande e não tem como atender alunos das escolas vizinhas.
Conforme comentário anterior é imprescindível esta articulação para o processo de
inclusão e aprendizagem do aluno.
Neste sentido, a formação do professor para o AEE deve ocorrer em nível de aperfei-
çoamento e/ou especialização e deve ser fundamentada em metodologias ativas de apren-
dizagem que trazem novas formas de produzir e gerenciar o conhecimento, tornando-os
sujeitos ativos na busca de informações, identificação, análise e na solução dos problemas
que envolvem o aluno. (ROPOLI et al. 2010). Para que isso ocorra, é posto em xeque a
capacidade de investigação e dos conhecimentos do professor, além de uma abertura às
mudanças provocadas pelos diversos aspectos que permeiam a realidade do aluno.
A Resolução nº 4, (BRASIL, 2009, p. 04), que Institui Diretrizes Operacionais para
o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação
Especial, determina no art. 12: “para atuação no AEE, o professor deve ter formação inicial
que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a Educação Especial.”
Do mais, não existe prática sem teoria, mas em se tratando de professor do AEE o
laboratório é fecundo, o que impulsiona cada vez mais a busca por explicações nos funda-
mentos científicos para os dilemas enfrentados cotidianamente na sala de recursos. Dessa
forma o aprimoramento profissional deve ser constante e dinâmico, pois na perspectiva
da escola inclusiva a formação do professor do AEE se dá em um enfoque organizativo e
voltado para a mudança.
Este profissional quando especializado realiza serviços de natureza pedagógica, que
suplementa (estudantes com altas habilidades ou superdotação) e complementa (estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento), a formação dos alunos realizado
em classes comuns da rede regular de ensino, com vista a autonomia e independência
dentro e fora da escola. Este profissional do AEE realiza o atendimento pedagógico na sala
de recursos multifuncionais. (MEC/SEE/BRASIL, 2010).
Constata-se que ao atuar na sala de recursos multifuncionais, o professor do AEE,
tem várias funções, dentre delas fazer o estudo de caso e realizar o plano de atendimento
educacional especializado de cada aluno. Contudo, é através do estudo de caso que se
torna visível as peculiaridades impostas pela deficiência, bem como, as possibilidades do
aluno. É neste estudo de caso que o professor do AEE irá fazer um levantamento de todas
as informações necessárias para o conhecimento deste aluno, tendo como ponto de partida
a família, os centros de convivência deste aluno, além de coletar todas as informações junto
à instituição escolar. Com a obtenção destes dados o professor do AEE irá ratificar a defi-
ciência deste aluno, seja ela de ordem cognitiva, motora, física, afetiva, de interação social,
a fim de se traçar metas para reduzir ou erradicar os problemas educacionais apresentados
pelos alunos (SILVA, 2014).
140
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
A posteriori, do estudo de caso, o professor do AEE deve realizar o plano de atendimen-
to educacional especializado, com a finalidade de definir quais as intervenções necessárias,
os recursos, as ferramentas que possam auxiliar os processos de ensino e aprendizagem
dos alunos com deficiência. Do mais, este plano deverá ser utilizado pelo professor para
avaliar sua própria atuação, enquanto professor do AEE, bem como, os avanços do aluno
atendido na sala de recursos multifuncionais, podendo, assim, ser modificado no momento
que não estiver atendendo a especificidade do alunado em atendimento (SILVA, 2014).
O professor especializado deverá trabalhar em estreita parceria com a escola, sua
equipe gestora, professores de classes comuns e toda a comunidade escolar. O fato de
estar diariamente na escola, aproxima o professor especialista da realidade enfrentada pelo
aluno com deficiência no ambiente escolar e desta forma, o reconhecimento da demanda
real de apoio deste aluno poderá ser mais facilmente percebido para que os encaminha-
mentos para obtenção de soluções sejam providenciados pela intervenção deste profissio-
nal (SILVA, 2014).
Salienta-se que é imprescindível que o professor do AEE participe das reuniões peda-
gógicas, do planejamento escolar, do conselho de classe, especialmente da elaboração do
projeto pedagógico da instituição que atua, além de desenvolver ações conjuntas com toda
a comunidade escolar a fim de que se promova a inclusão escolar.
Além da abordagem pedagógica da educação inclusiva, o professor do AEE preci-
sa trabalhar com as ferramentas tecnológicas específicas às necessidades dos alunos
com deficiência.
Quanto à avaliação pedagógica do aluno na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM)
o professor do AEE a realiza com objetivo de identificar e analisar seus conhecimentos em
relação aos conteúdos escolares para definir as intervenções necessárias. Esta avaliação
permite ao professor do AEE conhecer as especificidades do aluno em relação à autonomia,
as diversas linguagens, a capacidade motora, a interação com os colegas, e sobre os conhe-
cimentos dos conteúdos escolares, como a leitura, a escrita e a lógica matemática. A partir
daí definir a frequência, o tempo e o tipo de agrupamentos que utilizará nos atendimentos
com o aluno, de acordo com a avaliação realizada. (SILVA, 2014).
Com relação ao sentimento dos docentes em trabalharem com alunos com necessida-
des especiais, todos afirmam que se sentem desafiados. Apenas 2 (dois) além de desafiados,
sentem-se satisfeitos e preparados.
Os pesquisados apontam as principais dificuldades ao trabalhar com alunos com de-
ficiência. Para o professor pesquisado, (E1), centra a sua dificuldade “para trabalhar com
alunos autistas”, devendo ao fato destes alunos ainda não ter estabelecido uma rotina na
sala de aula comum; (E2) acredita que a dificuldade está centrada na “ausência dos alunos
141
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
na SRM, como também na sala de aula comum”; (E3) estabelece como dificuldade “a falta
de uma rede sistematizada de apoio com profissionais como psiquiatra, T.O, etc”; (E4) diz
que a dificuldade esta na “falta de formação mais intensiva do professor do AEE”; (E5) as-
socia a dificuldade “a falta de mobiliário e recursos adequados”; (E6) diz que a dificuldade
está “na rejeição aos alunos com deficiência, os quais ainda são vistos como um problema
para a escola”; (E7) centra a dificuldade “na falta de formação específica dos professores
para lidar com alunos necessidades especiais”.
Constata-se que não é uma tarefa fácil trabalhar com educação de um modo geral, prin-
cipalmente com a educação inclusiva. Contudo, afirmam os especialistas que para trabalhar
com a inclusão de Pessoas com deficiência é preciso rejeitar a ideia equivocada de que o
professor tem que se preparar para atender esta clientela (REVISTA ELETRÔNICA, 2005).
Segundo Matoan (2014) não existem métodos de ensino especiais para se ensinar os
conteúdos curriculares para esses alunos.
O professor não tem que aprender como ensinar matemática para alunos com
deficiência. Ele tem de se preparar para atender a todas as crianças. O ensino
escolar vai mal porque a escola continua repetindo no século XXI o que foi
a escola do século XVIII, aponta a psicóloga. Ainda segundo a psicóloga, as
escolas estão sendo preparadas para receber esses alunos, a partir da pre-
sença deles nas escolas. ‘Aprendemos a fazer, fazendo’, diz ela. ‘É óbvio que
se as crianças são segregadas em escolas especiais, não há necessidade de
as escolas comuns se prepararem para recebê-las. Como agora, elas estão
sendo encaminhadas às escolas comuns, tudo muda’, completa (KLEBIS;
MARIUZZO 2005, p.07).
Com relação aos principais desafios, os docentes do AEE apontam: o professor pes-
quisado (E1) relata que “o maior desafio que já passou como professor do AEE foi realizar
trabalho conjunto com a família e a comunidade escolar”; (E2) traz “a compreensão sobre
a inclusão de alunos com deficiência na escola”; (E3) diz que “foi a questão de atender um
aluno com deficiência intelectual grave que não consegue ficar na sala de recurso e que se
machuca quando contrariado”; (E4) “associa a falta de um espaço adequado para atender
os alunos”; (E5) diz que foi “garantir a frequência de um aluno com característica de DI no
AEE, sem laudo, pois a família não se interessava em buscar atendimento especializado”.
Para (E6) e (E7) o grande desafio para a inclusão escolar, está na estruturação da cultura
escolar, a dinâmica e a organização das práticas pedagógicas.
Seis (6) dos sete (7) pesquisados acreditam que a estruturação da cultura escolar
a dinâmica e a organização das práticas pedagógicas garantirão a inclusão efetiva dos
alunos com deficiência. Para (E1), isto se dará “através da cultura, porque esta constrói co-
letivamente e aos poucos”; (E3), “por intermédio de um planejamento escolar que valorize
as individualidades”; (E4) e (E2), “com recursos físicos adequados e pessoal preparados”;
142
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
(E5) e (E7) pela formação continuada para o corpo docente; (E6), diz que depende, porque
em se tratando de inclusão escolar é tudo muito relativo. Justificando que muitas vezes a
escola tem toda uma estrutura e adota práticas pedagógicas que favoreçam a inclusão e
ainda assim, a inclusão não acontece. Ressalta que, a estruturação da cultura escolar e a
mudança de prática pedagógica é necessário sim, mas o querer e o acreditar por parte de
toda a equipe é o mais fundamental.
Traz os pesquisados fatores que consideram imprescindíveis para garantir o acesso, a
participação e a permanência dos alunos com deficiência, ainda que sob diferentes justificati-
vas, segundo o docente: (E1) “garantindo a compra de equipamentos e imobiliários incluindo
instalações adequadas, reduzindo as barreiras nas comunicações; já o (E2) “Fomentando
a inclusão”; enquanto afirma o (E3) “Através do estudo do caso específico e elaborando o
plano de atendimento para cada aluno individualmente.”
Quanto aos avanços do trabalho desenvolvido no Atendimento Educacional
Especializado para a formação humana e qualidade de vida dos alunos com necessidades
especiais, os docentes afirmam que é perceptível o impacto na inclusão social dos alunos,
na perspectiva da formação humana e qualidade de vida destes sujeitos. (E2), registra que
“já houve avanço na interação e desempenho nos eventos promovidos pela escola”; (E4),
afirma que “já houve melhor aceitação do aluno pela comunidade escolar”; e (E6), relata que
“as famílias apresentam melhor aceitação de seus filhos com deficiência”.
Segundo os professores pesquisados, os avanços do trabalho desenvolvido no AEE
para a formação humana e qualidade de vida dos alunos com deficiência, estão centrados na
interação e aceitação destes alunos. Como o trabalho desenvolvido pelo AEE no Município
de Salvador-BA, ainda é recente, espera-se ver em datas próximas, avanços significativos na
formação humana destes sujeitos, seja sob o enfoque, pessoal, interpessoal, intrapessoal,
transpessoal, profissional e espiritual.
Quanto ao avanço da prática de uma educação inclusiva integral, subsidiada pelo
AEE, nas condições que se têm atualmente no Município de Salvador-BA, os pesquisados,
em linhas gerais, afirmam que as leis do Brasil trazem grandes avanços em direção à uma
prática inclusiva, conforme estabelecido no Plano Nacional de Educação 2014-2024, e na
Lei Brasileira de Inclusão, dentre outros. No entanto, a realidade encontrada na maioria das
escolas é adversa para uma inclusão de fato. Para uma educação integral que contemple
as dimensões físicas, cognitiva, afetiva, intelectual, espiritual e ética é imprescindível mui-
to mais investimentos na estrutura física, nos recursos materiais, na própria organização
curricular, e, sobretudo, em formação para os profissionais que atuam diretamente com o
aluno com deficiência.
143
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Nessa perspectiva infere a importância de investir-se na escola no aspecto material e
humano, para que possa ocorrer de forma eficaz o processo de inclusão, através do processo
ensino- aprendizagem e na inserção social desses alunos, promovendo a integralização com
o ambiente físico, social e familiar, despertando sua curiosidade e ampliando seus conhe-
cimentos e habilidades, nos aspectos físico, social, cultural, afetivo, emocional, espiritual e
cognitivo, só assim se poderá promover o seu desenvolvimento integral.
Para que ocorra a inclusão escolar é necessário possibilitar ao aluno com deficiência
meios para que ele se desenvolva de forma igual aos seus pares. Para tanto, é imprescin-
dível disponibilizar para estes alunos uma regular infraestrutura física da escola e técnicas
e serviços de tecnologia assistiva a fim de que sejam ultrapassadas as barreiras que certos
conhecimentos, linguagens, recursos, que os impedem de aprender nas salas de aula co-
muns do ensino regular, bem como, de incluir-se socialmente, e de ter autonomia. Desta
forma, a educação inclusiva deve desenvolver, a partir de uma adequada infraestrutura físi-
ca da escola, além de técnicas e recursos, para atender as diferenças individuais de cada
criança (MEC/SEE/2006).
Quanto à infraestrutura da escola e sua adequação para o trabalho com os conteúdos
e aprendizado de alunos com deficiência 6 (seis) dos 7 (sete) docentes pesquisados afir-
mam que esta é adequada para o trabalho com os conteúdos e aprendizados de alunos com
deficiência, por ter na escola, rampa e banheiros adequados. Apenas um (1) dos docentes
afirma que a escola não contemplou nenhuma adaptação para o aluno com deficiência, houve
poucas adaptações como a construção de uma rampa na entrada, a sala de informática e
biblioteca ficam no primeiro andar o acesso é através da escada.
É necessário garantir reformas que possibilitem o acesso, a circulação, utilização e a
locomoção das pessoas com deficiência nas escolas. A legislação impõe a eliminação de
todas as barreiras arquitetônicas capazes de inviabilizar ou restringir o acesso e a locomoção
de pessoas deficientes, inclusive nas escolas. Assim, faz-se necessário romper as barreiras
que impossibilitam o aluno ter acesso ao conhecimento (MEC/SEE/2006).
Os serviços de tecnologia assistiva se propõem a romper problemas funcionais que
impedem a atuação e participação das pessoas com deficiência em atividades e espaços
de seu interesse e necessidade. No campo da educação, ela se organiza em serviços e
recursos que atendem os alunos com deficiência e que têm por objetivo construir, com eles,
as condições necessárias ao aprendizado e a inclusão social. Visa ampliar a participação do
aluno nos processos de aprendizagem, estando, portanto, focada no alcance dos objetivos
educacionais, habilitando o aluno funcionalmente na realização das atividades pedagógicas.
144
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Vão desde recursos para alunos cegos, surdos, com déficit auditivo, com deficiência mental,
física, superdotados, ao material pedagógico adaptado, entre outros (BERSCH, 2013).
Assim, os serviços de tecnologia assistiva na escola busca resolver, com criatividade,
alternativas para que o aluno realize o que deseja ou precisa. É encontrar uma estratégia
para que ele possa “fazer” de outro jeito. É valorizar o seu jeito de fazer e aumentar suas
capacidades de ação e interação, a partir de suas habilidades. De acordo com Bersch (2013)
é preciso conhecer e criar novas alternativas para a comunicação, mobilidade, escrita, leitura,
brincadeiras, artes, utilização de materiais escolares e pedagógicos, exploração e produ-
ção de temas através do computador etc. É envolver o aluno ativamente, desafiando-o a
experimentar e conhecer, permitindo assim que construa individual e coletivamente novos
conhecimentos. É retirar do aluno o papel de espectador e atribuir-lhe a função de ator.
As escolas das redes públicas de educação no Brasil caminham para a organização
de uma prática pedagógica fundamentada no uso de tecnologia assistiva e, esta acontece
a partir do atendimento educacional especializado (AEE), através dos professores espe-
cializados que tiveram formação em tecnologia assistiva e já atuam nas salas de recursos
multifuncionais, buscando e/ou construindo recursos tecnológicos de tecnologia avançada
até recursos de baixa tecnologia, que são recursos confeccionados artesanalmente pelo
professor do AEE, a partir de materiais que fazem parte do cotidiano escolar, apropriados
às necessidades de seus alunos (MEC/SEE, 2006).
A utilização dos recursos de tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades fun-
cionais dos alunos, promovendo autonomia e participação, é percebida pelos 6 (seis) dos 7
(sete) professores pesquisados ao utilizarem recursos de tecnologia assistiva para ampliar
habilidades funcionais dos alunos com necessidades especiais, promovendo autonomia e
participação; tendo um 1 (um) dos pesquisados afirmado que ainda não atendeu alunos que
necessite destes recursos. Ressalta-se que, um dos pesquisados afirma que os utiliza, mas
que há recursos que necessitam de formação específica para serem empregados, que a
sua formação foi apenas introdutória.
Tecnologias Assistivas é uma aliada do AEE porque possibilita uma gama de serviços
e recursos que auxiliam os alunos na resolução de suas tarefas funcionais. As dificuldades
funcionais na realização de tarefas podem ser transformadas em possibilidades funcionais
e participação, se for devidamente provido o recurso necessário para o aluno. Contudo, um
dos grandes desafios para os profissionais do AEE é a utilização adequada destes recur-
sos, pois só tiveram formação básica, a fim de que venham a amparar de forma eficaz um
atendimento com resultados positivos, com o propósito de desenvolvimento integral destes
sujeitos (MEC/SEE 2006).
145
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Assim, as tecnologias permitem cada vez mais a integração de crianças com deficiên-
cia nas escolas, facilitando o seu processo educacional e visando o seu desenvolvimento
pessoal, interpessoal, intrapessoal, transpessoal, profissional e espiritual dos sujeitos.
Acredita-se que a tecnologia deve ser encarada como um elemento cognitivo capaz
de facilitar a estruturação de um trabalho, viabilizando a descoberta, garantindo condições
propícias para a construção do conhecimento. Na verdade, são inúmeras as vantagens que
advêm do uso das tecnologias no campo da aprendizagem no que diz respeito aos alunos
com deficiência, pois pode despertar um grande interesse e motivação pela descoberta do
conhecimento tendo como base as suas necessidades e interesses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO
QUANTO A CARACTERIZAÇÃO
Data da realização da coleta:_______________________________________
Nome:_________________________________________________________
Escola:________________________________________________________
Atuação profissional: _____________________________________________
Formação acadêmica:
3. Quais das adequações físicas foram executadas na sua escola a fim de garantir
a acessibilidade, a participação e a permanência dos alunos com necessidades
especiais?
9. Atualmente quantos alunos com necessidades especiais, (com laudo emitidos por
especialistas) são atendidos na sala de recursos multifuncionais da sua escola?
a. ( ) um.
b. ( ) dois
c. ( ) três
d. ( ) quatro
e. ( ) mais de quatro. Quantos?_______________________________________
a. ( ) diariamente
b. ( ) 2 vezes por semana na sala de recursos multifuncionais
c. ( ) 3 vezes por semana na sala de recursos multifuncionais
d. ( ) outros. Especifique___________________________________________
5. Tempo de atendimento?
5. Composição do atendimento
a. ( ) atendimento individual
b. ( ) atendimento grupal
c. ( ) atendimento na própria sala de aula com todos os alunos
d. Outros. Especifique__________________________________________
a. ( ) psicólogo.
b. ( ) fonoaudiólogo
c. ( ) terapeuta ocupacional
d. ( ) fisioterapeuta
e. ( ) outros. Especifique_______________________________________
149
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
6. A família participa do AEE da sua Unidade Escolar?
a. ( ) Sim. Quais__________________________________________________
b. ( ) Não. por quê?________________________________________________
3. Quais destes sujeitos você realiza orientações sobre o seu aluno do AEE?
Quais?__________________________________________________________
11. Você busca subsídios que venham a possibilitar o desempenho de suas funções
e garantir práticas que promovam o desenvolvimento de seus alunos com necessi-
dades especiais?
a. ( ) Ac –semanal ou quinzenal
b. ( ) visitas a escola do aluno atendido sempre que a instituição solicitar
c. ( ) visitas a escola do aluno atendido uma vez por mês
d. ( ) contato telefônico, sempre que necessário.
e. ( ) outros.
( ) satisfeito
( ) desafiado
( ) preparado
( ) inseguro
( ) ansioso
( ) desmotivado
( ) outros. Especifique______________________________________________
7. Quais são suas maiores dificuldades ao lidar com os alunos com necessidades
especiais? De que forma essas dificuldades são manejadas?
________________________________________________________________
8. Qual foi o maior desafio que você já passou como professor do AEE? Caso positi-
vo, foi superado? Como?
________________________________________________________________
3. Com o trabalho desenvolvido pelo AEE, juntamente com os demais recursos hu-
manos da Unidade Escolar já é perceptível o impacto na inclusão social dos alunos
com necessidades especiais, na perspectiva da formação humana e qualidade de
vida destes sujeitos?
3. É possível praticar uma educação inclusiva INTEGRAL, subsidiada pelo AEE, nas
condições que se tem atualmente? Se sim, de que modo
_______________________________________________________________
152
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
1. ALVES, Denise de Oliveira. Sala de Recursos Multifuncionais: espaços para atendimento
educacional especializado. Elaboração Denise de Oliveira Alves, Marlene de Oliveira Gott,
Claudia Maffini Griboski, Claudia Pereira Dutra. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Especial, 2006.
5. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº
7.611, de 17 de3 novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento edu-
cacional especializado e dá outras providências. Brasília, DF. Legislação Federal. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm>. Acesso
em: 02/Set./2015.
7. ______. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 08. Set. 2015.
10. ______. Secretaria de Educação Especial. Nota Técnica nº11 de 2010. Dispõe sobre Orien-
tações para a institucionalização da oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE
em Salas de Recursos Multifuncionais, implantadas em escolas regulares. Disponível em:
<www.mec.gov.br/seesp>. Acesso em: 29 agosto, 2011.
12. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
153
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
13. GOMES, A. L. L. V.; POULIN, J.; FIGUEIREDO, R. V. de. O atendimento Educacional Especia-
lizado para alunos com Deficiência Intelectual. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Especial: Universidade Federal do Ceará, (Coleção A Educação Especial na
Perspectiva da Inclusão Escolar v. 2). 2010. 28p.
14. MATOAN, Maria Tereza. Capacitação dos professores – sem preconceitos. Reportagens.
Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/2005/12/01.shtml/>. Acesso em: julho
de 2014.
16. PAULON, Simone Mainiere. Documento Subsidiário à política de inclusão. 2. ed. Simone
Mainiere Paulon, Lia Beatriz de Lucca Freitas, Gerson Smiech Pinho. Brasília, DF: Ministério
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17. ROPOLI, Edilene Aparecida et.al. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Esco-
lar: a escola comum inclusiva. Brasília, 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=12625&Itemid=860>. Acesso em: 25 de agosto de
2014.
18. SILVA, Sandra Francisca da,; ALMEIDA, Amélia Leite de. Atendimento educacional especia-
lizado para aluno com autismo: Desafios e possibilidades. Disponível em: <http://incubadora.
periodicos.ufsc.br/index.php/IJKEM/article/.../1923/2198%20de%20SF%20da%20S ilva%20
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19. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002.
20. YUS, Rafael. Educação integral: uma educação holística para o século XXI. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
154
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
10
El desafio de la actuación triética
en la práctica docente: Una Revisión
Narrativa
10.37885/210303731
RESUMEN
Se entiende que siempre la práctica docente presentará desafíos éticos para el docente
y su interacción en sala de clases con sus estudiantes, pero, a su vez, estos desafíos
tienen especificidades de acuerdo a la época en que se desarrolla el proceso educativo.
Por eso este capítulo tiene el objetivo de entregar un análisis teórico de los desafíos
éticos en la práctica docente en educación superior en la contemporaneidad. Con una
mirada desde el paradigma fenomenológico y con sustento teórico basado en la Triética
del filósofo Dante Galeffi. Además, se incluye las voces de un docente y una estudiante
de educación superior que participaron en una experiencia innovadora en sus procesos
de enseñanza-aprendizaje que enriquecen esta revisión narrativa.
156
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUCCIÓN
DESARROLLO
1 Modelo pedagógico creado por los profesores Jonathan Bergmann y Aaron Sams (2017) que consiste en la inversión del ciclo de
158
aprendizaje, en que la parte pasiva se realiza previamente mediante un video y la parte activa es posteriormente en la sala de clases.
Sin embargo, el estrés no es un problema que solo los estudiantes sufren. También es
alarmante saber que los docentes, y ahora pensando en la perspectiva del ser curador con-
sigo, tiene una prevalencia de estrés crónico del 83,6%, debido principalmente al “constante
escrutinio externo, la imposibilidad de conciliar la vida personal con la laboral y a la nece-
sidad de proporcionar constantemente resultados positivos” (BARNÉS, 2019, p.2). En este
aspecto, aunque sea manifestada una ansiedad por la incerteza de lo que puede acontecer
en las primeras clases con el Modelo Flipped Classroom, misma experiencia de la estudiante
anteriormente citada, y el necesario uso de las tecnologías digitales, según la experiencia de
un docente de educación superior que declara tener poco dominio tecnológico, así mismo el
docente innovador manifiesta que no es exigente en exceso el modelo, y que además declara
que: “yo considero que no es complejo, ¿no? Lo más complejo, para mí, fue el agobio mental
que tuve pensando en cómo iba a resolver la tecnología de grabar una clase, yo creo que
eso fue lo más complejo” (DOCENTE DE EDUCACIÓN SUPERIOR, comunicación verbal,
2019), pero que después de aprender rápidamente, ya en la primera temática de sus clases,
el uso de la herramienta de grabación que tiene la plataforma que disponibiliza la institución
de educación superior donde él es académico, consiguió eliminar esa “carga mental”, por lo
que concluye que “(...) lo que yo pensaba que era lo más complejo, que era hacer el video
(...), no es complejo (DOCENTE DE EDUCACIÓN SUPERIOR, comunicación verbal, 2019).
Han (2017, p.7, en traducción libre) afirma que “cada época posee sus propias en-
fermedades fundamentales” y en la perspectiva patológica, el Siglo XXI desde su inicio es
definido como neuronal. Es así que, enfermedades neuronales como depresión, Trastorno
del Déficit de Atención con Síndrome de Hiperactividad (TDHA) o Trastorno de Personalidad
Limítrofe (TPL), caracterizan este comienzo de siglo. Pero, existe una enfermedad o tras-
torno que consigue representar de forma trágicamente brillante la Sociedad del Cansancio,
donde docentes y estudiantes experimentan sus procesos de enseñanza-aprendizaje, que
es el Síndrome de Bournout (HAN, 2017). En esta sociedad en que el verbo que domina
las acciones de los Homo sapiens dejó de ser el “Deber” de la Modernidad Sólida y pasó
a protagonizar el “Poder” de la Modernidad Líquida; docentes y estudiantes corren el serio
riesgo de explotarse a sí mismos hasta consumirse completamente y llegar al estado de
agotamiento mental, físico y emocional incapacitante característico del Síndrome de Bournout
o “síndrome del trabajador quemado” (BAUMANN, 2001; HAN, 2017).
159
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Esto evidencia la necesidad del cuidado triético equilibrado. Lo que significa que, en
cuanto se trabaja en la construcción de conocimientos con los estudiantes, al mismo tiem-
po se tiene que cuidar del componente-ambiente de la triética, que es el contexto donde
acontece la práctica docente, para así favorecer el cuidado consigo que permita prevenir
el estrés agudo, que al menos estudiantes y docentes que experimentaron con el Modelo
Flipped Classroom, no declaran haber sentido, fuera de lo ya descrito anteriormente; y en el
mediano-largo plazo, controlar y disminuir el estrés crónico de estudiantes y docentes que
ya es reportado por Rull y colaboradores (2011) y Barnés (2019).
Por la complejidad que significa vivir en sociedad, se hace necesario cultivar algunas
virtudes fundamentales para convivir e intentar comprender al Otro. Empatía es una de esas
cualidades, que implica el proceso de entender lo que siente y, después con eso, piensa
el Otro, en relación a lo que tiene que vivenciar y sus reacciones. Es necesario movilizar
esto - empatía - a la práctica docente, para poder interactuar y acoger de mejor forma a
los estudiantes.
Ser consciente de sus individualidades, y con eso de sus diferencias; que no existe
homogeneidad en los sujetos-estudiantes, lo que exige el esfuerzo comprensivo por un actuar
con y en la diversidad. Ese esfuerzo en la diversidad tiene el desafío de ser en un contexto
complicado, en que los jóvenes declaran una bajísima confianza social (13%). A su vez, un
cuarto de ellos reconoce que se sintió triste, desanimado o deprimido y el 29% consumió
drogas ilícitas (INJUV, 2017). Esta realidad requiere un despertar y también aumentar la
concientización del desafío/acción que representa un actuar triético en la práctica docente.
CONSIDERACIONES FINALES
El objetivo del capítulo fue realizar un análisis teórico de los desafíos éticos en la
práctica docente en educación superior en la contemporaneidad, lo cual fue sustentado y
orientado por la Triética de Dante Galeffi. En ese sentido y desde la perspectiva del docente
encontramos que el desafío es complejo y radica en conjugar los cuidados con los otros
(sus estudiantes), ser curador consigo y con el componente-ambiente en que se rescata a
la empatía como cualidad protagonista para enfrentar y sobrellevar una educación superior
para y en el Siglo XXI.
160
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
1. BARNÉS, Héctor. Trabajos tóxicos: Los 8 males del profesor universitario. 2019. Disponível
em: https://www.elconfidencial.com/alma-corazon-vida/2019-01-24/males-profesor-universita-
rio-trabajos-toxicos_156018/. Acesso: 1 de abril de 2021.
7. GALEFFI, Dante. Teoriação Polilógica. In: GALEFFI, Dante; MARQUES, Maria Inês; ROCHA-
-RAMOS, Marcílio. Transciclopédia em difusão do conhecimento. Salvador: Quarteto, 2020.
p. 736-770.
9. INJUV. Octava encuesta nacional de juventud 2015. Instituto Nacional de La Juventud (IN-
JUV), Ministerio de Desarrollo Social de Chile. Disponível em: http://www.injuv.gob.cl/storage/
docs/Libro_Octava_Encuesta_Nacional_de_Juventud.pdf. Acesso: 1 de abril de 2021.
10. RULL, Marco e col. Estrés académico en estudiantes universitarios. Psicología y Salud, v.
21, n. 1, p. 31-37, 2011.
11. SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e relações sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
161
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
11
Experiência em Educação Midiática e
Informacional para uma comunicação
ambientalmente adequada
10.37885/210203379
RESUMO
163
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Desenvolvemos entre 2019 e 2020 o Projeto “Observatório de Mídia”, que foi submeti-
do a edital da Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-Graduação do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia no segundo semestre de 2010. A proposta foi
institucionalizada pelo Edital PROPESP/IFRO 14/2019, a partir de iniciativa de pesquisadores
do Grupo de Pesquisa em Educação, Filosofia e Tecnologias (GET/IFRO).
Neste texto se apresenta um resumo de como foi a experiência de trabalhar a partir de
uma proposta de educação midiática junto ao público jovem de ensino médio, na perspectiva
de se capacitar agentes para uma leitura crítica de mídia. Formação que pode resultar em
um ambiente comunicacional adequado, especialmente quando se vive em uma socieda-
de de informação.
Para alguns teóricos essa capacitação é compreendida como um processo de alfabeti-
zação midiática, que oferece ao sujeito condições críticas para decodificar a linguagem usada
pelos canais midiáticos. Sobre isso, Garcia-Ruiz, Matos e Borges (2016, p. 83) afirmam que
a alfabetização mediática “é um fator fundamental para o desenvolvimento de uma cidadania
crítica e responsável em sua maneira de comunicar-se com o entorno,”1 (tradução livre) sen-
do direito dos cidadãos receber formação adequada que o capacite para bem compreender
como interpretar os conteúdos noticiosos divulgados.
Para a área de comunicação, a reunião teórica entre os temas educação midiática,
formação politécnica e fake news vem sendo uma necessidade da sociedade brasileira.
Portanto, neste recorte de pesquisa, o interesse é conhecer mais sobre uma possibilidade
de educação midiática como um tema atual e que deveria compor o currículo escolar de
forma mais direta. A iniciativa ocorreu na cidade de Porto Velho (RO), concluindo-se já no
período de distanciamento social, diante da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
A sociedade atual gira em torno da comunicação. Essa centralidade inclusive já foi
chamada por Herbert Marshall McLuhan de uma aldeia global, em que o próprio meio é
uma mensagem (ARAÚJO; SOUZA, 2008). Justamente pensando nessa aproximação das
pessoas que estão afastadas fisicamente, porém, reunidas e em contato de alguma maneira
pelos meios de comunicação; e que agora existe uma geração de “hiperconectados2”, pas-
sando muito tempo diário conectado às mídias sociais3, é que entendemos a urgência em
1 No Original: “a alfabetización mediática es un fator fundamental para el desarrollo de uma ciudadanía crítica y responsable en su
manera de comunicarse con el entorno, y es un derecho de los ciudadanos el recibir la formación adecuada”.
2 O termo ainda não foi definido nos dicionários, porém são acessadas cotidianamente para estudo, trabalho, recreação e outros: “A
hiperconectividade se caracteriza pelo contato constante com esses recursos, o que gera a necessidade de estar sempre conectado”
(LYCEUM, 2020, s/p).
3 Optamos por mídias sociais, tendo em vista serem as redes sociais mais amplas, ocorrendo em ambiente virtual ou não, estabele-
cendo vínculos entre grupos diversos. Cf. Bortoni-Ricardo (2014, p. 130): “Uma rede social é concebida como o conjunto de vínculos
164
de qualquer tipo que se estabelecem entre as pessoas de um grupo”.
4 No IFRO as aulas presenciais estão suspensas desde 18 de março de 2020. Disponível em https://portal.ifro.edu.br/ultimas-noticias/
10719-ifro-prorroga-suspensao-preventiva-das-atividades-presenciais-de-ensino-pesquisa-extensao-e-administrativas. Acesso em
165
20 Fev. 2021.
Observando a AMI/Unesco verifica-se o quanto é uma área que está alinhada aos
direitos universais humanos, pois defende liberdade de expressão e de informação e uma
pedagogia voltada ao desenvolvimento do aluno e professor-cidadão. Dentro de um con-
texto de educação midiática, seria a AMI uma das propostas para adoção por parte dos
professores para formação de suas turmas. Da mesma maneira, o Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, aprovado em 2007 pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
possui os direitos humanos enquanto tese fundamental para atuação profissional e pode
corroborar no debate.
Como expresso (BRASIL, 2017) no primeiro artigo do “Capítulo I - Do direito à informa-
ção” há um “direito fundamental do cidadão à informação”, incluindo “o direito de informar,
de ser informado e de ter acesso à informação”. E no artigo seguinte:
166
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Se conforme Silva (2017, s/p), “O antídoto para a crise de credibilidade é seguir à risca
os códigos de conduta e de ética da profissão e ajudar a sociedade a separar o que é fato
do que não é”, também o essencial será para os cidadãos hiperconectados adotarem tal
postura. A defesa dos direitos a uma boa informação passa também pela qualificação de
quem acessa informações e as mídias sociais, pois é um momento em que a preservação
do direito fundamental de acessar uma informação verídica e correta também vai passar
pelo crivo de quem lê.
Independente de qual mídia se conecta (TV, rádio, jornal impresso e on-line ou mídias
sociais), há necessidade de todos trabalharem com informações reais e verdadeiras. As infor-
mações que circulam nestes meios são de interesse público. E até mesmo as de divulgação
individual, no aplicativo Whatsapp devem ter essa responsabilidade social, de enquadra-
mento no respeito e a não incorrer em crime de injúria, difamação ou calúnia. Da mesma
maneira que não atentar contra a saúde pública ou temas correlatos a direitos humanos.
Tendo por consequência a necessária preparação para recepção, conexão e participação
nas mídias sociais.
Também é previsto o direito dos brasileiros sob a guarda de um meio ambiente que
seja ecologicamente equilibrado e que garanta uma sadia qualidade de vida5. Como há uma
visão integral em relação ao ambiente em que o ser humano habita o mundo virtual não está
dissociado dele. Tal qual o que a mídia divulga. O recorte aqui estudado envolve o universo
de notícias a respeito da infância e juventude na mídia de um dos estados que compõem
a Amazônia Legal. Levantando-se a problemática de qual é a natureza das informações
repassadas ao público sobre esse período da vida.
OBJETIVO
5 Este direito encontra-se no capítulo que trata do meio ambiente, conforme Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível
167
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 Fev. 2021.
O projeto iniciou pela seleção do tema entre os responsáveis pela pesquisa e poste-
riormente com a seleção de alunos participantes para compor a equipe. Feitos os primeiros
contatos e formalizada a participação, após aprovação institucional da proposta, iniciou-se
encontros para leitura, debate, apresentação e conhecimento e direcionamento dos trabalhos.
Em primeiro momento foi feito o estudo dos textos/documentos norteadores do tema
infância e adolescência e trabalho da mídia (Declaração Universal dos Direitos Humanos,
o Estatuto da Criança e Adolescência, o Código de Defesa do Consumidor e o Código de
Ética dos Jornalistas), com ênfase ao que era mais diretamente ligado à infância e adoles-
cência. Ao final deste período foi elaborado o questionário para observação de cada mídia e
preparação para o monitoramento das mídias. Para as coletas de dados para amostragem da
pesquisa, foi usado o drive de armazenamento do e-mail, procedendo-se captura das telas e
arquivo de links e de textos. No total, foram sete meses de notícias nos portais G1 Rondônia
“https://g1.globo.com/ro/rondonia” e Rondônia Ao Vivo “http://rondoniaovivo.com/”.
Os dados coletados referem-se, direta ou indiretamente, ao contexto infância e juventu-
de. Os textos foram organizados e classificados para análise. Sendo catalogadas conforme
tema principal e rol de perguntas que listadas, conforme sua natureza, legislação, políticas
públicas e diferentes fontes de informação.
Ressalta-se que o Projeto Observatório de Mídia foi apresentado ao Instituto Federal
de Rondônia em 2019, obtendo apoio financeiro por meio de bolsas modalidade PIBIC-
EM/CNPq6 a dois estudantes do ensino médio (Técnico Integrado - Informática - Campus
Porto Velho Calama). E, em 2020, foi institucionalizado no Campus Porto Velho Calama,
Homologação 05 – Edital nº 03/2020/DEPESP.
O trabalho de acompanhamento da mídia rondoniense ocorreu em relação à faixa etária
de 0 a 17 anos, num laboratório comunicacional que visou contribuir no desenvolvimento
de novos pesquisadores no âmbito regional, e em um trabalho de observação das mídias
noticiosas do estado. A seleção de dois veículos ocorreu em função de serem considerados
representativos do universo de possibilidade que a comunicação possui em Rondônia (redes
de TV, jornal impresso, emissoras de rádio e demais sites jornalísticos).
RESULTADOS
Os sete meses de coletas de informações resultaram num total de 232 notícias cap-
turadas entre as divulgadas pelos veículos G1 Rondônia e Rondônia ao Vivo. Tabulados
6 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
168
(CNPq) para estudantes do Ensino Médio.
169
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Gráfico 2. Categorização secundária
DISCUSSÃO
Os dados demonstrados por meio de gráficos, no subtítulo anterior, podem ser ob-
servados sob duas óticas distintas, mas que estão intimamente interligadas: a urgência em
estimular dentro do currículo escolar, ações que auxiliem ao jovem no desenvolvimento do
pensamento crítico, fortalecendo sua identidade de cidadão comprometido como bem-estar
do outro, assim como na construção de ambientes saudáveis e seguros para a vivência de
crianças e adolescentes; a importância de uma busca constante e vigilante por comunica-
dores (jornalistas e publicitários) de uma postura ética e que num futuro se sobressaia aos
interesses escusos ou mercantilistas de poucos. Além disso, os dados tabulados revelaram-se
de grande relevância, já pode ser interpretado qualitativamente, ou seja, ser problematizado
a partir dessas duas óticas demonstradas.
Sob o primeiro enfoque, podemos destacar a forma como as crianças e adolescentes
são retratados nas notícias. Ao se obter o resultado de busca entre notícias veiculadas em
mídias de âmbito estadual, registrou-se que a ocorrência de notícias que narram fatos vio-
lentos é em sua totalidade mais da metade das notícias divulgadas pelos veículos analisados
durante o período de coleta de dados. Diante disso, podemos refletir a cerca do ambiente
em que vivem tais crianças e adolescentes, que em sua grande maioria são expostas como
vítimas (em especial as crianças) mas que também são algozes de outros menores, de
seus familiares.
Há de se observar que os conteúdos positivos, e que envolvem esse público, são
poucas e só ganham destaque dentro do ambiente da escola, como casos de sucesso que 170
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
devem ser seguidos e copiados. Nesse sentido, a criança e adolescente como membros re-
levantes do corpo social que fazemos parte é negligenciado, e só é visto e percebido quando
desmorona sobre eles as consequências de uma sociedade desigual, a criança passa a ser
mercadoria valiosa para a comercialização de narrativa mercantil e fria, que pouco faz para
que tais realidades desiguais se extinguem.
Ainda sob o fio condutor da primeira ótica levantada, o resultado do levantamento nos
ajuda a compreender o que fala Miranda (2008, p. 12):
172
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
1. ARAÚJO, Ellis Regina; SOUZA, Elizete Cristina de. Obras jornalísticas: uma síntese. Brasília:
Vestcon, 2008.
3. BRASIL. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros: aprovado em 04 ago. 2007, pelo Congres-
so Nacional dos Jornalistas Profissionais. Federação Nacional dos Jornalistas. Disponível em:
https://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.
pdf. Acesso em: 07 Nov. 2020.
5. GREGOLIN, Maria do Rosario V. Recitações de mitos: a história pela lente da mídia. In: Fili-
granas do discurso: as vozes da história. Araraquara: Unesp, 2000.
6. LYCEUM. O que é hiperconectividade e como lidar com esse desafio? São Paulo: Blog Ly-
ceum, maio 2020. Disponível em: https://blog.lyceum.com.br/hiperconectividade-2/. Acesso
em: 08 Nov. 2020.
7. MIRANDA, Danilo Santos de. Um olhar da psicologia sobre o fenômeno da mídia. In: Mininni,
Giuseppe. Psicologia Cultural da Mídia. São Paulo: A Girafa Editora, Edições SESC SP, 2008.
8. SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Da pós-verdade ao risco da pós-imprensa – Morte e vida da
imprensa. Observatório de Imprensa, Campinas, Edição 954, agosto 2017. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/edicao-brasileira-da-columbia-journalism-review/
da-pos-verdade-ao-risco-da-pos-imprensa/. Acesso em: 07 Nov. 2020.
173
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
12
Currículo formal: uma abordagem nos
anos iniciais do Ensino Fundamental
Gercina Dalva
UERN
10.37885/210203366
RESUMO
O presente artigo enfatiza o currículo formal e sua abordagem nos anos iniciais do ensino
fundamental da Escola Municipal Severina Leite de Menezes, município de Almino Afonso,
RN, além de sua inserção na realidade escolar. Discute a concepção de currículo e sua
abertura aos fatores sociais e culturais. Apresenta os níveis de currículo e sua incorpo-
ração pela escola, na busca por respostas diante das informações colhidas. Tem como
objetivo analisar a abordagem do currículo formal no âmbito escolar. Os instrumentos
utilizados na elaboração do artigo foram: pesquisa bibliográfica, qualitativa, descritiva e
de campo, usando-se como referência Berticelle (1999), Libâneo (2001), Lück (2006),
Marques (1995) e Veiga (1995), bem como a aplicação de questionário de opinião aos
profissionais da educação. O currículo formal dá as coordenadas para a maneira de
produzir a realidade no meio escolar. Ao conhecer este meio, pode-se determinar ma-
neiras de criar uma nova perspectiva, que melhore as necessidades dos envolvidos, em
busca de soluções para os problemas encontrados na educação. Acerca do currículo
formal, pode-se dizer que ele não é estático, pois comporta atos de criação e recriação,
de contestação e de transgressão, mostrando toda a dinâmica curricular, razão pela qual
assume grande relevância para a comunidade escolar e a sociedade em geral.
175
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
ORIGEM DO CURRÍCULO
Oriundo do latim currere (correr), durante os séculos XIV e XV, o currículo teve sua es-
crita para o português, o francês e o inglês, advindo das escolas religiosas. Entre a Revolução
Industrial e a Segunda Guerra, incorporou novos sentidos, chegando ao Brasil por volta de
1940. No Brasil, o currículo sofreu inicialmente a influência inglesa. A partir de 1960, deu-
-se início a discussões temáticas curriculares e, por influência das indústrias, criou-se uma
grade curricular fabril, em meio à qual as discussões ideológicas sucumbiram. Em 1980,
uma nova tendência curricular se estabeleceu para transformar o currículo estático em um
currículo multicultural, a fim de que pudesse contemplar as diversas camadas sociais que
formam a sociedade brasileira.
O CONCEITO DE CURRÍCULO
Numa sociedade moderna, que busca meios para resolver os problemas da educação,
muito embora se fale em implantar uma nova forma de conduzir as instituições escolares,
de maneira dinâmica e democrática, é certo que isso não acontecem na prática. As escolas
brasileiras ainda estão obrigadas a cumprir o que lhes é determinado pelos órgãos compe-
tentes, como o Ministério da Educação (MEC), através do currículo formal, no qual se esta-
belecem os meios e métodos para conduzir o ensino. Diante das orientações estabelecidas
176
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
neste nível de currículo, muitos gestores e professores se acomodam, acreditando que seu
trabalho é apenas cumprir os prazos e as diretrizes estabelecidos.
O que importa não é o ensino das disciplinas como se fossem pacotes bem
acabados e amarrados, mas cada período letivo, cada estágio do currículo,
entendido e encarado como unidade operacional básica em que uma turma
de alunos e uma equipe de professores atuam numa unidade de experiên-
cias próprias e de recorrências conceituais e temáticas a que concorram as
diversas disciplinas, ou melhor, as regionalidades do saber, não com base em
si mesmas, mas sim nas exigências daquele estágio e daquela determinada
situação de aprendizagem. (MARQUES, 1995, p. 153).
O currículo formal não é perfeito; portanto, frequentemente, acaba por ser objeto de
críticas. Mas será que somente ele causa problemas ao aprendizado do aluno ou falta algo
mais humano na prática educacional? Diante de tais indagações, pode-se dizer que, para
analisar o currículo formal, necessita-se saber primeiramente o que é currículo, os seus
níveis e a sua ligação com as esferas culturais e sociais.
O currículo representa as ideias propostas pela sociedade no que diz respeito à forma-
ção do indivíduo almejado pela conjuntura social. O indivíduo deve desenvolver plenamente
suas habilidades cognitivas e físicas, a fim de se tornar apto a escolher o seu caminho
como ser social que decide e interage com o meio, sofrendo interferências impostas pelo
poder dominante, que muitas vezes o excluí, ao invés de inseri-lo como ser participante na
construção do saber.
Ao longo dos anos, o currículo passou a se ligar ao contexto social e cultural. Antes,
era tido como fechado a estas questões, sendo amplamente ligado ao ensino tradicional ou
inflexível, criado para mecanizar o ensino e amordaçar o pensamento crítico das pessoas, por
meio do qual a escola excluía mais do que incluía. Mas, diante das mutações da sociedade,
o currículo teve de se adaptar a um novo cenário, no qual se viu diante da necessidade de
incorporar aspectos tanto do âmbito social quanto do cultural, além de considerar as teorias
existentes e suas evoluções. Portanto, já não se pode pensar em educar sem considerar a
diversidade e a pluralidade social e cultural.
177
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
O currículo tem sempre uma dimensão externa, ou seja, ele segue uma sequên-
cia, que começa sempre na esfera política e administrativa do sistema escolar,
passa pelas crenças, significados, valores e comportamentos existentes na
cultura, é trabalhado pelos professores, até chegar aos alunos. Isso significa
que ele está impregnado de influências sociais, econômicas, políticas, que
precisam ser detectadas pelos professores, inclusive para que compreendam
que essas influências limitam o poder de intervenção da escola. (LIBÂNIO,
2001, p. 100).
OS NÍVEIS DE CURRÍCULO
O currículo formal serve como uma espécie de roteiro ou manual para os professores
se orientarem diante da pratica pedagógica. Ele estabelece metas a serem cumpridas tendo
em vista um objetivo final. Mas como acontece realmente na prática educacional? O que os
professores pensam a respeito deste currículo imposto em âmbito nacional, que nem sem-
pre leva em consideração as particularidades de cada região? Para entender como se dá o
processo de implantação das diretrizes estabelecidas pelo currículo formal, foi necessário
colher informações com quem está diretamente envolvido nesse processo. Para contrastar
a teoria com a prática, foram entrevistadas duas pessoas envolvidas diretamente no desen-
volvimento da educação: um encarregado da gestão escolar e uma professora.
Diante das perguntas, o gestor respondeu:
179
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
O roteiro sugerido pelo currículo formal é seguido pelo gestor, porém ele acredita que
há a necessidade de fazer pequenas modificações, para trabalhar melhor o contexto so-
cial dos alunos. As disciplinas estabelecidas, em sua opinião, são realmente necessárias;
o gestor não acrescentaria nenhuma matéria, mas trabalharia os temas transversais com
mais intensidade.
Já a docente respondeu: “Entendo o currículo formal como sendo o conjunto de dire-
trizes organizacionais com um objeto específico, ou seja, é a organização sistemática de
competências com um determinado fim”. Para ela, o currículo formal supre a real necessi-
dade de aprendizagem dos alunos, com destaque para sua flexibilidade. Quanto a mudar
algo no currículo formal, a professora afirmou que não há necessidade de mudanças, já
que o currículo foi elaborado de forma a atender e suprir as necessidades educacionais
dos alunos, em que pese a flexibilidade que lhe é característica. A professora entrevistada
segue rigorosamente o roteiro estabelecido e lembra que se trata da base referencial para
o ensino. Não acrescentaria nenhuma disciplina, pois as existentes, em sua opinião, con-
templam o essencial.
Os entrevistados atuam na Escola Municipal Severina Leite de Menezes, de Almino
Afonso, RN. Observam-se semelhanças nas respostas destes profissionais: ambos consi-
deram o currículo formal como satisfatório e acreditam que possui o necessário para que
ocorra uma educação de qualidade. Além disso, afirmam que as disciplinas estabelecidas são
suficientes e podem ser bem trabalhadas, portanto não veem a necessidade de incluir mais
disciplinas no currículo. Quando perguntados sobre o que mudariam no currículo formal, o
gestor ressaltou a necessidade de colocar em prática os conteúdos estabelecidos, e a docente
falou da flexibilidade existente no currículo, frisando o fato de que ele pode ser adequado
ao que se pretende praticar. O gestor afirmou que faria pequenas modificações no roteiro
estabelecido, para adequá-lo à realidade social dos alunos, enquanto a docente ressaltou que
segue fielmente o roteiro, pois é a sua base referencial e não vê necessidade em mudá-la.
Os profissionais entrevistados dão a entender que não é necessariamente o currículo
formal seguido pela escola o que traz problemas ao aprendizado dos alunos, mas sim o
desenvolvimento das práticas e a aplicação dos conteúdos, que talvez necessitem de mais
atenção. Acreditam que a parte diversificada deveria ser mais utilizada, pois permite que o
docente inove as suas aulas, relacionando-as com o contexto local – mas sem perder de
vista o programa das disciplinas, claro –, olhando atentamente para o que elas realmente
abordam e assim realizando várias atividades diversificadas e de interação com os alunos.
180
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
1. BERTICELLI, Ireno Antônio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber
(org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 1999.
2. LIBÂNEO, Antônio Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia, GO:
Alternativa, 2001.
5. VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Projeto Político-Pedagógico da Escola: uma cons-
trução possível. Campinas, SP: Papirus, 1995. (Coleção Magistério Formação e Trabalho
Pedagógico).
181
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
13
Uso didático do experimento do
monocórdio de Pitágoras
10.37885/210303596
RESUMO
Realizada por volta o século 6 a.C. , a experiência de Pitágoras com o monocórdio con-
sistiu em fixar uma corda em dois pontos, variando os sons produzidos por meio de um
dispositivo móvel para pressioná-la em várias posições. Para os pitagóricos, as razões
matemáticas subjacentes aos intervalos musicais de oitava, quinta e quarta – conso-
nâncias perfeitas – eram respectivamente 1:2, 2:3 e 3:4 teriam sido reveladas neste
experimento. O experimento de Pitágoras com o monocórdio lança questões não apenas
na música, mas em arquitetura e em vários outros contextos, tendo como base razões
matemáticas. Ele ainda significa que às composições de intervalos musicais subjazem
composições de razões matemáticas. Este texto pretende explorar o potencial didático de
tal experimento sob a perspectiva cultural da Matemática, particularmente concernente
ao papel da música teórica no desenvolvimento de estruturas vinculadas ao conceito de
razão matemática. Este artigo propõe ainda oficinas com problemas envolvendo mono-
córdios que possibilitam caminhos matemáticos e musicais de solução, contexto este que
resgatando o sentido histórico original dos conceitos de razão e proporção, possibilita
uma abordagem conceitual histórica heurística de tais conceitos.
183
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
186
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Por exemplo, (2:3)(3:4)::(1:2) é estruturalmente equivalente à composição musical do
intervalo musical de quinta com o de quarta para gerar um intervalo musical de oitava. Sob
tal perspectiva, o experimento de Pitágoras parece fornecer a princípio dois resultados im-
portantes, cujas implicações didático-epistemológicas tentaremos apontar em seguida. O pri-
meiro resultado e mais geral é que razões matemáticas subjazem a intervalos musicais.
Além disso, tal experimento também significa, mais especificamente, que a composição de
razões matemáticas explica a composição de intervalos musicais contíguos, e talvez, devido
a este vínculo, a composição de razões matemáticas em contexto euclidiano é tratada desta
maneira. Tal diferença possui potencial para despertar interesse merecendo ainda atenção
em contextos educacionais.
A partir de tais considerações, propõem-se explorar em contextos didático-pedagógicos
estes dois entendimentos diferentes e complementares do conceito de razão, um geomé-
trico-musical em que razão consiste em uma comparação entre grandezas homogêneas
(dois comprimentos, duas notas, etc) e não possui proximidade semântica com número e
outro, em que razão se identifica semanticamente com o conceito de número, passível de
ser multiplicado da mesma forma com que os números são multiplicados. Para tornar clara
tal mudança epistemológica presente no desenvolvimento histórico do conceito de razão,
faz-se uso de contextos musicais.
DESENVOLVIMENTO
REFERÊNCIAS
1. Abdounur, O. J. „Ratios and music in the late Middle Ages: a preliminary survey‟. Preprint 181.
Max Planck Institut für Wissenschaftsgeschichte, 2001.
4. Heath, T. L., ed. Euclid. The thirteen books of the Elements. vol.2. New York: Dover Publica-
tions, INC., 1956.
5. Katz, V.J. “The study of ratios.” In A history of mathematics: an introduction, edited by V.J. Katz,
289-293. Columbia: Harper Collins College publishers, 1993.
193
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
6. Kieren, T.E. “On the mathematical, cognitive and instructional foundations of rational number”
In Number and measurement, edited by Lesh, R.S., 101-144. Ohio: Eric Clearinghouse for
Sci- ence, mathematics, and Environmental Education, 1976.
7. Sylla, E.D. “Compounding ratios. Bradwardine, Oresme, and the first edition of Newton‟s Prin-
cipia.” In Transformation and tradition in the sciences. Essays in honor of I. Bernard Cohen,
edited by E. Mendelsohn, 11-43. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
194
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
14
A percepção de jovens em cumprimento
de medidas socioeducativas sobre a
importância da família
10.37885/210303905
RESUMO
196
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
197
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
importando o desvelo e observação continuados, tanto por instituições públicas como pelo
núcleo familiar (LEMOS; SANTOS; FRANCO, 2015).
Ademais, considerando as desigualdades econômica, política e social existentes na
atual conjuntura brasileira, tais fatores prejudicam, majoritariamente, indivíduos em situação
de instabilidade financeira, os quais possuem características semelhantes quanto ao gênero,
raça, etnia, renda familiar, escolaridade e demais situações que os levam a qualidade de
vidas precárias (MORAIS; NASCIMENTO; MELO, 2019), abordando assim o perfil sociode-
mográfico do jovem infrator conforme o levantamento do SINASE datado de 2018.
Assim sendo, o estudo em questão objetiva compreender a percepção de jovens em
cumprimento de medidas socioeducativas acerca da importância da família no decurso de
execução da diligência. Portanto, apresenta-se o seguinte questionamento: qual a impor-
tância da família no cumprimento de sua medida socioeducativa?
Oportunamente, as informações oriundas das entrevistas possibilitaram a exposição
dos resultados e discussão destes com a bibliografia científica já existente, na qual a apre-
ciação do material coletado ocorreu mediante o método de análise de conteúdo temática
na perspectiva de Laurence Bardin, subdividindo-se em dois (02) eixos temáticos, sendo
eles: (I) perfil sociodemográfico dos jovens e (II) laços familiares: intersecção entre família
e semiliberdade.
Diante do exposto, considera-se a família como indispensável ao processo socioedu-
cativo, especialmente, no decorrer do cumprimento da diligência, uma vez que a mesma
contribui para construção de valores sociais e identitários dos jovens, atuando ainda como
fortalecedora de relações de vínculos familiares e comunitários, prezando pela concepção
de sujeito enquanto integral.
MÉTODO
199
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
RESULTADOS
A adolescência é definida enquanto uma construção social que não se encontra presen-
te em todas as culturas, considerando o cenário histórico e instrutivo, além das influências
mútuas de cada localidade (CID; SILVA, 2018). Assim, é depreendida como estágio de tran-
sição do mundo infantil para o adulto, ocorrendo mudanças físicas, sociais, psicológicas, de
descobertas, incertezas e escolhas que direcionam as vivências do sujeito, sendo de suma
importância na construção da identidade (AMARAL et al., 2017; DELLECAVE; BARBOZA;
CALDERON, 2018).
É uma fase de desenvolvimento dotada de transformações e instabilidades das mais
variadas formas. Por conseguinte, acredita-se que jovens estejam mais susceptíveis a ações
delituosas, presumindo que estas sejam decorrentes da negligência e carência familiar, os
quais são considerados fatores primordiais para a vulnerabilidade psíquica e, consequen-
temente, cometimento de infrações, recebendo a nomenclatura de jovens em conflitos com
a Lei, quando diante de circunstâncias delituosas (MORAIS; NASCIMENTO; MELO, 2019).
Segundo Resende e Assumpção Júnior (2008) jovens em conflitos com a lei não de-
vem ser compreendidos enquanto indivíduos perversos, mas como sujeitos emocionalmen-
te adoecidos e, devido a tal nomenclatura, comportamentos transgressivos encontram-se
integrados na Classificação Internacional das Doenças em seu décimo volume (CID-10) no
bloco de transtornos de conduta, acometendo o indivíduo como seguimento de situações
de negligência parental, abuso sexual, exposição ao meio dotado de instabilidade, além de
histórico familiar com psicopatologias.
Sem embargos, Winnicott (1987/2012) afirma que quando o convívio familiar não detém
controle ao jovem, este pode vir a praticar a criminalidade como estratégia para obtenção
de contenções advindas da sociedade, as quais não recebeu no decurso de seu desenvol-
vimento. Destarte, Gomide (2009) ressalta que em pesquisas objetivando averiguar o com-
portamento delituoso de adolescentes, observou-se a existência de uma correspondência
entre o desenvolvimento de conduta antissocial, estilos parentais e convivência com parceiros
autores de práticas desviantes.
Logo, consoante a Winnicott (1987/2012) o comportamento antissocial não imperiosa-
mente pode advir de uma patologia sendo, por vezes, uma rogatória de assistência aqueles
indivíduos que consideram amorosos, vigorosos e seguros, necessitando desenvolver o
sentimento de proteção que anteriormente não fora agregado às suas convicções. Contudo,
Scisleski e colaboradores (2015) enfatizam que adolescentes que se encontram inseridos na
criminalidade comumente têm suas vivências perpassadas em ambiente de vulnerabilidade,
200
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
não dispondo assim de bens necessários para a qualidade de vida como, por exemplo:
condições sanitárias, culturais e sociais satisfatórias.
Corroborando com os autores acima, Morais, Nascimento e Melo (2019) pontuam como
aspecto motivacional o status que ocupam frente ao meio social e os recursos básicos en-
quanto cidadãos – acesso à educação, trabalho e a serviços de saúde – não qualificados,
no qual o fator desemprego intensifica a debilidade educacional e coloca o indivíduo em
situação de ociosidade, podendo contribuir para que estes iniciem o uso de substâncias
psicoativas e adentrem na delinquência. É comum também o histórico familiar de ligação
com o sistema carcerário, assassinato e uso de drogas, nas quais as atitudes por eles ma-
nifestadas refletem aquilo que experienciam em âmbito doméstico.
Portanto, fatores intrínsecos como aspectos psicológicos, emocionais, genéticos e
biológicos, assim como fatores extrínsecos como desigualdade social, contexto familiar e
influência de amigos devem ser considerados, tendo em vista que esses elementos instigam
a transgressão juvenil (MORAIS; NASCIMENTO; MELO, 2019). No entanto, Lemos, Santos
e Franco (2015) afirmam que considerar o contexto social de pobreza, periferia e desajuste
familiar visando enquadrar o adolescente na categoria de futuro criminoso é tido como uma
atitude supressiva e preconceituosa direcionadas a tal parcela da população, pois, consoante
com Padovani e Ristum (2016), prejulgamentos podem influir na maneira como o sujeito
compreende a si e contribuir para a continuidade do comportamento infrator.
201
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
discriminativos, enfatizando a consolidação de vínculos sociais e familiares frente ao aspecto
reintegrativo do sistema socioeducativo (BRASIL, 2012).
Para tanto, a aplicabilidade da medida se executará por instituições públicas como
o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Conselho Tutelar,
Fundação de Atendimento Socioeducativo (FUNASE), dentre outros serviços que priorizem
o caráter pedagógico como estratégia de reintegração social, cujo planejamento é imprescin-
dível no que concerne à elaboração de cronograma de horários, cuidados com alimentação,
vestimentas e higiene pessoal, oficinas, atividades de lazer e ações profissionalizantes, de
modo a garantir cuidado integral e proteção ao indivíduo, tal como, o acompanhamento no
cumprimento da MSE (MORAIS; NASCIMENTO; MELO, 2019).
Desse modo, é responsabilidade das instâncias governamentais a implantação de po-
líticas públicas visando proporcionar melhorias na qualidade de vida dos sujeitos, incluindo
oportunidades de qualificação profissional, educação, projetos socais e assistência em âmbito
familiar (FONSECA, 2018). Portanto, o desenvolvimento de práticas especializadas viabiliza
a ressignificação da MSE na perspectiva do adolescente e de sua família – tendo em vista o
caráter reintegrativo e não punitivo – sendo realizadas mediante a atuação de uma equipe
multidisciplinar constituída por assistente social, pedagogos, psicólogos, educador físico,
entre outros, objetivando a efetivação de ações pautadas na saúde física, mental, convívio
social e familiar (GOMIDE, 2009; FERRÃO; SANTOS; DIAS, 2016).
Fonseca (2018) aborda que a responsabilidade de cuidado direcionado ao jovem não
compete somente a órgãos Estaduais e instituições públicas, tornando-se imprescindível a
participação familiar, à qual é considerada alicerce quanto ao pleno desenvolvimento huma-
no. Nessa perspectiva, Dellecave, Barboza e Calderon (2018) apontam a família enquanto
dispositivo basilar no processo socioeducativo e elemento primordial na consolidação de
vínculos sociais, afetivos e fatores protetivos, enfatizando a promoção da autonomia e in-
centivo quanto ao desenvolvimento de atividades propostas no decurso da execução de
diligência reintegrativa.
Segundo apontado por Gomide (2009) o Programa de Reinserção Social de Adolescente
Infrator atua no desempenho de ações que compreendam o indivíduo sob uma ótica integral,
proporcionando o desenvolvimento de habilidades comportamentais, emocionais e cogniti-
vas. Dentre as atividades empreendidas, destacam-se a escolarização, intervenções quanto
ao uso de drogas, ações voltadas a promoção e proteção da saúde, atividades de lazer e
laborais, programas de desenvolvimento moral e social, além do acompanhamento psicote-
rápico individual e familiar. Ademais, Padovani e Ristum (2016) ressaltam a importância do
contexto educacional e profissional enquanto construtores de novos caminhos, afastando-os
da vivência infracional pois, para Gomide (2009), quando o déficit educacional é atenuado
202
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
há, consequentemente, um acréscimo nas contingências para obtenção de emprego e a
vivência de relacionamentos com sujeitos não desviantes.
À vista disso, Gomide (2009) ainda ressalta que a prática do psicólogo é considerada
indispensável no acompanhamento do jovem em conflitos com a lei, a qual consoante ao
descrito por Maia, Silva e Oliveira (2018) ocorrerá após o início do cumprimento da MSE no
intuito de depreender os aspectos motivacionais que levaram ao cometimento da infração,
viabilizando a escuta desses e de seus familiares.
Isto posto, Ferreira (2017) pontua que o profissional de psicologia detém do uso de
práticas interventivas que proporcionam aos jovens a reflexão quanto à situação que viven-
cia, bem como, a elaboração de planejamentos futuros que contribuirão para estruturação
e consolidação identitária, objetivando, prioritariamente, a reintegração do sujeito ao âmbito
social e familiar. Quanto à família, o profissional de psicologia desempenhará sua prática
no intento de revigorar seu caráter protetivo, fortalecimento da autonomia e rompimento de
violações direcionadas ao adolescente, incluindo-os em programas de proteção social.
Do mesmo modo, Gomide (2009) argumenta que a psicoterapia poderá contribuir na
preservação de vínculos afetivos, trabalhando também quanto aos sentimentos de vergo-
nha, culpa e estratégias para lidar com as consequências da transgressão, podendo ocorrer
de maneira individual ou grupal. Corroborando com a autora acima, Maia, Silva e Oliveira
(2018) acrescentam que a conduta do psicólogo voltar-se-á para a esfera coletiva, pautadas
na construção da cidadania, prestação de assistência com atribuição de um papel ativo ao
sujeito e de responsabilização perante seus atos, pautando-se na ética profissional e com-
prometimento com o social no que concerne ao bem-estar biopsicossocial dos adolescentes,
bem como, na inserção destes em âmbitos coletivos.
Dessa maneira, para que haja a compreensão do jovem infrator é indispensável a
observância da sua relação com o meio em que vive (FONSECA, 2018), pois adolescentes
que se encontram em situação de conflitos com a lei necessitam, acima de tudo, de desvelo
e observação continuados, os quais se constituem como perigosos não apenas para o âm-
bito social, mas enquanto ameaças a si decorrentes da vivência de transgressões (LEMOS;
SANTOS; FRANCO, 2015).
DISCUSSÕES
203
do sigilo e preservação de suas identidades.
PARTICIPANTES DA PESQUISA
Tempo de Cumpri-
Nome Idade Gênero Estado Civil Escolaridade Reincidente
mento da MSE
Fonte: elaborada pelas autoras (2019), baseada nas informações oriundas das entrevistas.
Um bocado de coisa. O caba tem que ser... fica preocupado com a família do
caba. É importante... o caba fica preocupado com eles... a família do caba é
tudo na vida do caba (Aquaman, 18 anos).
[...] dar conselho, né, pro caba sair dessa vida. Ajuda de toda forma, de toda
forma que puder tão ajudando (Arqueiro Verde, 18 anos).
[...] contribui... ela é presente... oxente, em tudo (risos)! Em tudo minha família
é presente, não deixa faltar com nada... sempre tá aqui (Eléktron, 17 anos).
É importante vindo buscar a gente, ensinando, orientando... é importante
(Flash, 17 anos).
Ah, eles me dão conselho pra eu num... eu continuar cumprindo os seis me-
ses, pra poder eu num, num fugir daqui, continuar cumprindo... porque eles
só querem meu bem, né. A importância é muito grande... a minha família é
bem presente, dando conselho, faz tudo que eu quero, tudo, tudo que eu
quero minha mãe faz por mim, minha família é, faz tudo por mim (Mulher
Maravilha, 17 anos).
Oportunamente, verifica-se que há, nos relatos dos partícipes, a expressão do quanto à
família – e demais relacionamentos interpessoais – tem se mostrado significativa para os en-
trevistados, os quais abordam sua principal contribuição referente ao apoio, cuidado e ensina-
mentos que recebem, considerando-a de suma importância em seu desenvolvimento humano.
205
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
À vista disso, Cid e Silva (2018) apontam que a potencialização e fortalecimento de
vínculos familiares se configuram como estratégias positivas para que os adolescentes pos-
sam ressignificar à experiência envolta na criminalidade juvenil e comprometer-se com trilhar
oportunidades de vida dissemelhantes às anteriormente vivenciadas. Ademais, para Gandini
Junior (2015) a participação de seus parentes na circunstância de MSE é vista como um
coeficiente deliberativo à garantia de direitos e reintegração de jovens em conflitos com a lei.
Desse modo, às assertivas, de ambas as referências, são observadas nas alocuções
exteriorizadas abaixo, quando questionados sobre “qual a importância da família no cum-
primento de sua medida socioeducativa?”:
Rapaz, é tudo, porque sem o apoio da família não dá, não tem como... rapaz,
desde a vinda, desde a responsabilidade de vim deixar, vim buscar, por que...
nenhum adolescente quer ficar aqui final de semana (Batman, 17 anos).
[...] de ela tá presente nos encontro de, pras família e... quando os povo chama
pra conversar... os povo pergunta como é que tá eu em casa também, né.
Tanto em casa como aqui eu tô sendo avaliado por minha mãe, como eu tô
aqui dentro (Eléktron, 17 anos).
É muito bom, né, a família acompanhar... que é bom também, né. Se a juíza
vê que tá abandonando é que deixa a pessoa mais tempo (Lanterna Verde,
17 anos).
Sem embargos, é notório que embora a família seja depreendida perante a ótica de
facilitadora do processo reintegrativo do jovem, sua inserção no campo de deliberações
de semiliberdade, até então, se mantém ligada a questões de obrigatoriedade e artifícios
avaliativos, precipuamente, atrelada as demandas do judiciário e formas de manutenção de
poder frente aos indivíduos no sistema penal.
Nesse sentido, Cid e Silva (2018) salientam que ao dar seguimento em moldes encara-
dos como punitivos, a socioeducação consuma a aplicabilidade de sentenças semelhantes
àquelas comumente utilizadas no sistema carcerário, em conformidade com o Código Penal
Brasileiro, não se revelando como pertinente e efetiva em enquadramentos reintegrativos.
Logo, segundo apontado por Gomide (2009), irá ensejar em ambos – família e jovem – a
atribuição de novos significados à sua realidade individual e coletiva, assim como o desen-
volvimento de atividades propostas.
O acompanhamento do seio familiar, teoricamente, deverá ser constituído por todos os
membros inseridos no contexto do jovem. Entretanto, a figura da mãe empreende maior com-
prometimento quanto à assistência. Igualmente, esse núcleo, majoritariamente, é composto
somente por sua genitora e, em detrimento dessa característica, a busca pelos filhos e/ou
realizações de visitas são realizadas pelas mesmas, bem como, percebe-se o fortalecimen-
to de vínculos dos adolescentes com a figura materna (GANDINI JUNIOR, 2015; NUNES,
206
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
2018); notando-se, na realidade estudada, que os discursos dos partícipes se encontram
em consonância com a literatura referente à contribuição da família a partir a figura parental:
[...] contribuição assim, que... que eu acho que minha mãe também, né, vê
assim meu lado também do jeito que eu tô e eu mostro pra ela que eu tô
desenvolvendo pra levar pra fora, pra sociedade [...] (Eléktron, 17 anos).
Ah, tando perto já é uma ajuda grande. Tando perto, já ajuda. Ah, sei lá... ajuda
a conformar mais... vindo visitar, trazendo notícia de como é que tá lá fora...
só vem pra cá quando é pra vim me buscar. Só minha mãe. Lá2 eu recebia
visita só uma vez no mês por que é distante, tinha mês que eu não recebia,
tinha telefonema (J’onn J’onnz, 17 anos).
CONCLUSÕES
2 Referência à instituição na qual cumpriu MSE por 6 meses antes de ser transferido à unidade de semiliberdade de realização da
207
pesquisa.
REFERÊNCIAS
1. AMARAL, A. L. et al. O papel do psicólogo junto ao adolescente em conflito com a lei. Políticas
e Saúde Coletiva, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 42-53, 2017.
2. ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
5. BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de junho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acessado em: 12 Mar. 2021.
7. BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Secretária Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente. Coordenação Geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Levantamento Anual do SINASE 2016. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018.
23. PADOVANI, A. S.; RISTUM, M. Significados construídos acerca das instituições socioeduca-
tivas: entre o imaginado e o vivido. Psico-USP, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 609-622, 2016.
25. ROSSO, E. et al. O reflexo do ambiente familiar como influência na formação de jovens infra-
tores. In: SCHULTZ, E. S.; PINHEIRO, P. F. (orgs.). Estudos criminológicos da criança, do
adolescente e do jovem. Campo Grande: Editora Inovar, 2019. cáp. 04, p. 49-59.
28. WINNICOTT, D. W. Privação e Delinquência. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2012.
210
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
15
Caracterização do Programa Saúde
na Escola
10.37885/210203232
RESUMO
212
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
O objetivo do estudo foi caracterizar o PSE que representa uma iniciativa de articulação
em Saúde e Educação.
METODOLOGIA
213
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
RESULTADOS
• Academia da Saúde;
• Amamenta e alimenta Brasil;
• Brasil sorridente;
• Consultórios na rua;
• Saúde da família;
• SAMU;
• Nutri SUS
• NASF;
• Farmácia Popular
• Programa Saúde na Escola.
1 Ruy Laurenti, médico sanitarista e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) é o autor do Prefácio da obra de Arlindo
215
Philippi Júnior (2005)
Dessa forma, o PSE constitui uma possibilidade de interface entre os setores de edu-
cação e saúde. Nossa intenção inicial foi compreender melhor a conexão entre saúde e
sustentabilidade e verificar como isso pode ser viabilizado. A experiência anterior com o PSE2
nos permitiu hipotetizar esse programa como uma opção viável de implementação dessa
aproximação e refletir sobre como o PSE pode se constituir em um espaço de debate sobre
promoção da saúde em articulação com um ambiente sustentável. Na etapa exploratória
tentamos identificar e selecionar experiências de abordagem da sustentabilidade no PSE.
Uma experiência relevante foi vivenciada no PSE de Guarapuava, no Paraná, através
de uma parceria entre as secretarias municipais de Saúde e de Educação e Cultura. Os ges-
tores escolares (diretoras, orientadoras e supervisoras) das escolas e Centros Municipais de
Educação Infantil (CMEIS) da rede municipal participaram de atividades de formação com o
tema “Saúde Ambiental e Sustentabilidade”, cerca de 50 educadoras visitaram, nesta quar-
ta-feira (20), a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), o Aterro Sanitário e o Parque das
Araucárias, onde acompanharam palestras sobre a prevenção contra a dengue e conhece-
ram programas desenvolvidos pelas secretarias de Meio Ambiente e de Agricultura. Dentre
as atividades, as professoras participaram de uma dinâmica com acadêmicos do curso de
Ciências Biológicas da Faculdade Guairacá, que mostraram várias formas de transformar
lixo reciclável em material didático (PREFEITURA DE GUARAPUAVA).
Essa experiência indica a importância da formação docente e do diálogo entre os pro-
fissionais da saúde e da educação.
Portugal (2006, p. 17) afirma que no contexto da promoção da saúde escolar, os pro-
jetos deverão ser dirigidos para:
216
2 Nos referimos ao trabalho apresentado no Fórum Internacional de Pedagogia (FIPED) em 2016.
DISCUSSÃO
217
(OMS) [...]”
O 3o artigo do Decreto 6.286 (2007) explicita que o PSE constitui estratégia para a
integração e a articulação permanente entre as políticas e ações de educação e de saúde,
com a participação da comunidade escolar, envolvendo as equipes de saúde da família e da
educação básica. No artigo 4 o do mesmo decreto vemos que as ações em saúde previs-
tas no âmbito do PSE considerar o a atenção, promoção, prevenção e assistência, e serão
desenvolvidas articuladamente com a rede de educação pública básica e em conformidade
com os princípios e diretrizes do SUS.
O planejamento das ações do PSE deverá considerar:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
218
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Decreto 6.286 que institui o Programa Saúde na Escola. Brasília: Ministério da Edu-
cação e da Saúde, 2007.
5. MENDONÇA, Rosa Helena. Aos professores e professoras. In Saúde e Educação: uma relação
possível e necessária. Brasília: Ministério da Educação (Salto para o Futuro), 2009.
6. MELO, Évio Eduardo Chaves de et al. Saúde e ecologia numa abordagem pedagógica em
escola do município de Mamanguape/PB. Paraíba: XII Encontro de Extensão da UFPB,
2010. Disponível em: <www.prac.ufpb.br>. Acesso em: 02 jun. 2017.
9. REZENDE, Regiane; DANTAS, Vera Lúcia de Azevedo. Apresentação da série Saúde e edu-
cação: uma relação possível e necessária. In Saúde e Educação: uma relação possível e
necessária. Brasília: Ministério da Educação (Salto para o Futuro), 2009.
10. REZENDE, Regiane; DANTAS, Vera Lúcia de Azevedo; PEDROSA, José Ivo dos Santos.
Integração das Políticas de Saúde e Educação. In Saúde e Educação: uma relação possível
e necessária. Brasília: Ministério da Educação (Salto para o Futuro), 2009.
219
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
16
Relato de experiência: vivências do
projeto de extensão palestras de fim
de tarde
10.37885/210202990
RESUMO
221
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
De acordo com o Plano Nacional de Extensão Universitária, criado pelo Fórum de Pró-
Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX) e pela Secretaria
do Ensino Superior do Ministério da Educação e do Desporto, no processo de formação
profissional “é imprescindível ao aluno sua efetiva interação com a sociedade, seja para se
situar historicamente, para se identificar culturalmente e/ou para referenciar sua formação
técnica com os problemas que um dia terá de enfrentar” (BRASIL, 2000/2001).
A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico, que articula o
ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a
Universidade e a sociedade (FORPROEXT, 2007). Ela conduz o aluno e o professor há
oportunidade de aprimoramento dos estudos com a aproximação na sociedade sob um
olhar científico, ao incorporar aspectos novos trazidos do dia a dia, da dúvida coletiva, da
conscientização e da mistura cultural.
Tal fato, possibilita o conhecimento da necessidade social e possibilita a ampliação
de conhecimentos para a área de trabalho que futuramente esse aluno e ou profissional, irá
se inserir, ou seja, produz no aluno novos saberes e experiências que podem contribuir na
formação de um cidadão ativo, crítico, participativo e proativo (CASTRO, 2004).
Segundo Nunes e Silva (2012), a extensão universitária é um meio de interação que
deve existir entre a universidade e a comunidade visando o processo educativo, cultural e
científico no sentido de viabilizar uma relação renovadora entre universidade e sociedade
(Plano Nacional de Extensão Universitária, 2000/2001).
O Projeto de Extensão Palestras de Fim de Tarde foi criado para oportunizar aos dife-
rentes acadêmicos a oportunidade de ampliar conhecimentos, a interação com a sociedade
e a qualificação de seus membros na criação de eventos científicos. Deste modo, o presente
estudo tem por objetivo relatar a experiência vivenciada por um grupo de acadêmicos do
curso de Bacharelado em Enfermagem de uma universidade pública de ensino superior ao
realizar um Projeto de Extensão Universitário.
MATERIAIS E MÉTODOS
Características do Estudo
Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo relato de experiência, que objetiva rela-
tar as experiências vivenciadas pelos bolsistas do projeto de extensão “Palestras de Fim
de Tarde”, acerca do planejamento, organização, divulgação e documentação de eventos
realizados no projeto.
222
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Segundo Gil (2008), o relato de experiência pertence ao domínio social da memoriza-
ção e documentação das experiências humanas, situando-as no tempo. Permitem ainda, a
descrição das vivências e a contextualização com a literatura. Zamberlan e Siqueira (2005)
descrevem ainda, que o relato de experiência propõe tornar visível e compartilhar com outros
profissionais e estudantes uma vivência prática.
Neste caso, será relatado a implementação do Projeto de Extensão “Palestras de Fim
de Tarde” na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) do campus Carlos Alberto
Reys Maldonado, em Cáceres.
223
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Das atividades
224
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segundo Manchur et al., (2013) os Projetos de Extensão têm como objetivo facilitar
a interação entre comunidade e universidade, contribuindo dessa maneira para adquirirem
conhecimentos que serão utilizados durante e após a graduação. Em relação às ações
realizadas no projeto, observa-se que as mesmas proporcionam entre os participantes a
troca mútua de conhecimentos e o diálogo horizontal, de suma importância para a cons-
trução de competências, habilidades e atitudes, frente à organização e participação de
eventos científicos.
Ao analisar as diretrizes específicas que nortearam a elaboração do projeto, no que
tange a natureza acadêmica, houve aprendizado e progresso de todos os membros, quanto
à coordenação e organização de eventos científicos em diversos âmbitos: enriquecimento
científico e intelectual sobre os assuntos abordados pelos palestrantes; conhecimento do que
é e como fazer um currículo lattes atualizado; aprendizagem em plataformas específicas ao
se criar um evento e emitir certificados; aprendizagem em estudos qualitativos e quantitativos
225
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
para redigir relatórios específicos para o projeto de extensão; aprender a trabalhar em grupos
e em equipe; importância de ter um bom relacionamento interpessoal e realizar análises
avaliativas das opiniões dos participantes do evento. Aprendizado na escrita científica de
resumo simples ou expandido, relatos de experiência e artigos científicos.
Foi oportunizado aos membros do projeto de extensão a participação em eventos cien-
tíficos no decorrer destes dois anos, entre eles: I Mostra de Pesquisa e Extensão; II Mostra
de Trabalhos sobre Mulheres; XVI Semana de Enfermagem; 8º Encontro Cacerense de
Economia Solidária, todos promovidos pela Universidade do Estado de Mato Grosso –
Campus de Cáceres, com a apresentação de comunicação em forma de banner.
Externos à UNEMAT, foram apresentados trabalhos no evento Novembro Azul:
Promovendo a saúde do Homem, realizada pela turma 2017/1 do curso de Bacharelado
em Enfermagem da UNEMAT; 22° Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem
(CBCENF), na cidade de Foz do Iguaçu – PR; 7° Congresso Internacional de Educação na
cidade de Cáceres - MT.
Durante a criação do Projeto havia a ideia de que houvesse o mesmo número de pro-
fessor e aluno, para que, dessa forma, cada docente fosse o orientador de um discente e
assim, permitisse uma maior qualidade no ensino de extensão, no entanto, no decorrer do
tempo constatou-se que não havia necessidade já que existia um déficit de participação dos
docentes por não terem horários flexíveis dentro das reuniões semanais.
Em contrapartida, foi notório o interesse dos acadêmicos nas atividades realizadas no
projeto. Percebeu-se participação ativa em todos os processos, desde a divisão de funções
até o momento de realização do evento.
Castilho et al., (2014) relata que a importância do projeto de extensão para os acadê-
micos é notada pela quantidade de tempo que o estudante participa das ações, mesmo sem
receber bolsas. Atualmente, o projeto conta com apenas duas docentes atuantes que são
responsáveis por orientar todas as ações do Projeto de Extensão Palestra de Fim de Tarde.
Duarte et al., (2017) comenta que o respeito é algo primordial quando se realiza um tra-
balho cooperativo e que aprender a ouvir e aceitar o posicionamento do outro é um processo
de aprendizado. Aprender a trabalhar em equipe é difícil já que existem opiniões diferentes,
mas os membros do projeto nesses quatro semestres demonstraram saber trabalhar com a
diversidade de cada indivíduo e aproveitar o melhor de cada.
Os membros do projeto tiveram a oportunidade de participar como coordenador de
evento. Exerciam o papel de líder responsável pela organização do evento e da distribuição
de funções para os bolsistas voluntários.
Para cada semestre de participação, o aluno pode flexibilizar os créditos, que sig-
nifica obtê-los pelas horas trabalhadas e que poderão ser incluídos no seu histórico, ou
226
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
então, receber uma declaração de participação no projeto para incluir no curriculum vitae.
(CASTILHO et al., 2014).
Tabela 1.Distribuição dos participantes nos eventos do Projeto de Extensão Palestra de Fim de Tarde no período de
2017-2019, Cáceres – MT.
Participantes
Palestras
Presentes
227
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
As palestras ministradas permitem que tanto os participantes como os membros do
projeto recebam um enriquecimento cientifico e intelectual, ao buscar temas atuais com
palestrantes de renome e com grande importância para a vida acadêmica de todos.
A prática de ensino interno aborda diversos temas fundamentais ao aluno e estimula a
prática da docência, bem como, a participação em cursos, capacitam o acadêmico a atuar
com segurança e embasamento teórico, tornando-o um importante disseminador de conhe-
cimento (OLIVEIRA et al., 2017).
O Projeto e as palestras permitem aos voluntários a capacidade de produzir resumos e
artigos científicos para apresentação e publicação. É uma ótima oportunidade para melhorar
o currículo Lattes, algo desconhecido para os acadêmicos voluntários.
A partir do relato de alguns discentes voluntários e bolsistas, foi possível compreender
o quanto o projeto de extensão, Palestras de Fim de Tarde, foi importante para vida pessoal
e profissional destes acadêmicos.
“Participar do Projeto Palestras para mim é ter objetivos a serem realizados em parceria,
colhendo resultados extraordinários que completam o complexo ser humano social que as
pessoas devem desenvolver”. (E1, F, 21 anos)
“Hoje vejo minha experiência no Projeto como uma oportunidade singular, em que
tive a autonomia de coordenador evento, interagir com o público, melhorar minha oratória,
desenvolver trabalhos, e ser reconhecida financeiramente”. (E2, F, 21 anos)
“Entrei no Projeto em um momento delicado na minha vida. Buscava me dedicar total-
mente a vida acadêmica, acabei criando um vínculo social melhor que o esperado, abrindo
novas oportunidades fora do projeto. Pude aprimorar meus conhecimentos e otimizar meu
currículo.” (E3, F, 22 anos)
“O Projeto faz minha trajetória acadêmica. Escrever, publicar, trabalhar em equipe, coor-
denar e ser coordenado, organização, essas são apenas alguns dos muitos ensinamentos
que tirei deste projeto. O Palestra de Fim de Tarde é transformar vidas por meio de ações
com os docentes, discentes e comunidade.” (E4, F, 21 anos)
“O projeto foi importante para que eu mudasse a concepção que universidade é apenas
vivenciada em sala de aulas com conteúdos teóricos. Aprendi que para experienciar a uni-
versidade como um todo é necessário o desenvolvimento de questões para a comunidade
externa, como educação em saúde. E que na enfermagem, ter uma carga de extensão é
muito importante não somente pelas horas curriculares, mas para aprender a trabalhar em
equipe e resolver conflitos, atividades que logo mais iremos desenvolver na nossa vida pro-
fissional. Aprendi principalmente com meus erros, e percebi que tenho uma peculiaridade
na minha personalidade que é ser controladora das situações. Para o mal ou para o bem,
eu entendi essa dinâmica e hoje tento mantê-la equilibrada”. (E5, F, 21 anos)
“Participar de um projeto de extensão me proporcionou experiências e aprendizados
incríveis, aprendi a escrever e fiz minha primeira publicação através do Projeto Palestras de
228
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Fim de Tarde, um desses trabalhos tive a oportunidade de apresentar no maior congresso
de enfermagem da América Latina o Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem
(CBCENF), aprendi muito e continuo aprendendo cada vez mais com meus colegas e pro-
fessores atuantes nesses projetos”. (E6, F, 25 anos)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Educação. Plano Nacional de Extensão Universitária. Brasília: Fórum de Pró-
-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESU/MEC, 2000/2001,
Edição Atualizada.
9. Mecanismo online para referências (2013). Florianópolis: UFSC Rexlab. Recuperado de: http://
www.more.ufsc.br/.
12. Universidade Do Estado De Mato Grosso (UNEMAT). (2019). Portaria nº 4510/2017. Mato Gros-
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13. Universidade Do Estado De Mato Grosso (UNEMAT). (2019). Portaria nº 1051/2019. Mato Gros-
so: UNEMAT. Recuperado de: http://www.unemat.br/portarias/portarias/21823_1051_2019.pdf.
14. ZAMBERAN, C., SIQUEIRA, H. C.H. (2005). A terceirização nos serviços e consequências no
cuidar em Enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília: 58(6):727-30. Recupe-
rado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672005000600019.
230
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
17
EEF São Cristóvão contra a fome e o
desperdício: Desperdício alimentar na
merenda escolar
10.37885/201202472
RESUMO
A matemática está presente nos espaços sociais, fazendo parte da vida humana. Ela é
uma linguagem e como tal, tem que ser valorizada, começando pelo âmbito escolar que
é responsável pela educação formal. Com base nesses pressupostos, foi elaborado o
questionamento científico dessa pesquisa: Como o indicador da ONU (Organização das
Nações Unidas) Pobreza e Fome, poderia movimentar a comunidade escolar? Atrelado
ao questionamento, o objetivo central da pesquisa foi analisar a importância do desperdí-
cio alimentar. Para viabilizar tal propósito, procurou-se conceituar a educação alimentar,
descrever a história do desperdício alimentar no Brasil, identificar as diversas vertentes de
pesquisadores sobre esse tema. Para tanto, essa pesquisa teve um cunho bibliográfico e
prático, aproveitando as contribuições de todos os pesquisadores que ousaram discutir o
tema e sua real necessidade para o campo educacional e a vida social dos participantes.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Foi proposto à turma do oitavo ano (802), composta por 24 alunos, da escola EEF São
Cristóvão, situada na Rua Cardeal Arco Verde, número 233, bairro São Cristóvão – Criciúma/
SC, um trabalho que envolvesse os indicadores da ONU “Fome e Pobreza”; “Desemprego/
Sustentabilidade Económica”; “Saúde”; “População sénior”; “Conviver com a diferença”;
“Sustentabilidade ambiental”; “Parceria global para o desenvolvimento humano”. O indicador
escolhido foi “Fome e Pobreza”. Constantes relatórios da ONU indicam que 25 milhões de
seres humanos entram anualmente para baixo do nível de pobreza estipulado pela organi-
zação e um (1) bilhão e 300 milhões de pessoas vivem com menos de um (1) dólar/dia. Uma
a cada oito pessoas passa fome no mundo. Um terço de todo alimento que é produzido no
mundo é desperdiçado. 58% compostos por comida. Cerca de 41 mil toneladas de alimen-
tos são desperdiçadas por ano (Dados da Embrapa). Tal dado coloca o Brasil entre os 10
países que mais desperdiçam alimentos no mundo. O planeta produz alimentos suficientes
para alimentar 12 bilhões de pessoas, sendo que, atualmente, somos 7 bilhões e em 2050
seremos 9 bilhões, caso não houvesse desperdício, haveria alimentos para todos os habi-
tantes do planeta (Dados do IBGE, Embrapa, FAO).
O problema é que quando falamos em desperdício, não estamos tratando apenas do
alimento em si, mas também das perdas durante todo o processo de produção (água, ferti-
lizantes, dinheiro, mão de obra, combustíveis, tempo).
Muito do que é desperdiçado, principalmente no comércio, não é necessariamente
impróprio para consumo, as frutas amassadas e os restos das feiras/restaurantes podem e
devem ser reaproveitados, isso não acontece devido às políticas públicas. O Brasil não tem
uma política nacional que regule o combate ao desperdício de alimentos, mas, na Câmara
dos Deputados, tramitam atualmente quase 30 projetos de lei com esse objetivo. No entanto,
divergências em torno do tema impedem o avanço das propostas, por exemplo, a punição
civil e criminal de doadores de alimentos.
A educação alimentar da sociedade em que vivemos merece mais atenção. Nossos
jovens têm vivido uma transformação global, e em meio a tantas vertentes oferecidas, ex-
perimentam uma aceleração histórica, onde o desenvolvimento dos pilares familiares estão
se perdendo. Portanto, há a importância de oferecer aos alunos uma forma de eles mesmos
buscarem os valores necessários para a nova sociedade multifaces. O tema tem como ob-
jetivo, comover a comunidade escolar com relação à fome no mundo, logo conseguir uma
movimentação positiva tocante ao desperdício na merenda escolar.
Fabrício Campos – da Global Footprint Network – apresentou o tema “Equilíbrio entre
produção e conservação”. Abordou a pegada ecológica brasileira e a necessidade de usar os
recursos renováveis disponíveis, agricultura, pastagens, estoques pesqueiros, infraestrutura
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
urbana e os serviços ecológicos. Fabrício Campos comparou os hábitos alimentares de
seis famílias em países de costumes distintos, mostrando como a educação alimentar pode
contribuir para diminuir o consumo do capital original do planeta. “Estamos danificando o
sistema na medida em que gastamos mais do que temos de reserva”, alertou. Para ele, o
problema não é tecnológico, mas, social e político.
Uma quantidade mensurada de alimentos é desperdiçada diariamente na merenda
escolar. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conhecido como “merenda
escolar”, é promovido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e visa à
transferência, e tem a propriedade adicional, de recursos financeiros aos estados, ao Distrito
Federal e aos municípios destinados a preencher, parcialmente, as deficiências alimentares
dos alunos. Está entre os maiores programas do mundo no que se refere à merenda escolar.
Durante a pesquisa científica para a construção do trabalho, observamos a sensibilidade
dos alunos de acordo com as descobertas dos dados, a preocupação com tamanho desca-
so ficava explícita nos momentos de debate, soluções extremas foram propostas e quando
pesquisavam a viabilidade de suas ideias, constatavam normas de vigilância sanitária, leis
estaduais e municipais que impediam suas soluções simples. Foi um momento único de
compreensão da vida em sociedade e seus princípios.
A consolidação dos dados da pesquisa científica aconteceu no momento do intervalo
orientado (recreio), a escola possui um projeto onde os alunos, em forma de patrulha, alter-
nam-se na orientação dos bons costumes. O simples fato de transitarem durante esse período
com o intuito de orientação e não intervenção, já inibe certas práticas de risco, contudo a
alimentação não era uma preocupação. Essa orientação ficava a cargo de alguns profes-
sores. Nesse momento, define-se a prática do trabalho com a enumeração do desperdício
na merenda escolar.
A maioria das pessoas lida com conceito aritmético de forma bastante familiar e intuitiva,
mesmo aquelas que nunca tiveram acesso à escola. Na escola, a média faz parte da vida
escolar dos alunos. Grande parte vive calculando-a para analisar as chances de passar de
ano sem recuperação, ou reprovação. Todavia, apesar do aparente bom conhecimento do
conceito médio aritmético, observa-se que tal refere-se, via de regra, ao domínio do algorit-
mo: “soma os valores e divide pelo número de dados envolvidos na soma”. Sua formulação
matemática (média simples) consiste em somar todos os valores da variável e dividir pelo
número de observações envolvido na soma. Nesse trabalho tivemos a chance de trabalhar
a média aritmética com um conjunto de dados específicos.
No dia 16/05/2018 os alunos iniciaram os trabalhos de coletas de dados, essa coleta
foi feita no refeitório da escola EEF São Cristóvão, situada na Rua Cardeal Arco Verde, nú-
mero 233, bairro São Cristóvão – Criciúma/SC. Durante o período de 30 dias alternados, o
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
grupo se revezou para adquirir os dados necessários para o cálculo da média aritmética por
amostra. O material utilizado foi duas balanças simples. O procedimento de quantificação
de o desperdício alimentar pelo método de pesagem foi efetuado para análise do desapro-
veitamento da alimentação na comunidade escolar. Todos os procedimentos de pesagem
foram realizados individualmente para cada três alunos aleatórios. Utilizando uma balança
mecânica. A proporção de desperdício alimentar foi calculada pela razão entre a quantidade
de alimentos desperdiçada e a quantidade de alimentos fornecida.
Tabelas de pesagem EEF São Cristóvão
DATA PRATO 1 PRATO 2 PRATO 3 Nº DE REF. DESPERDÍCIO
16/05 180g 170g 173g 121 4,5kg
18/05 200g 225g 175g 196 3,9kg
21/05 300g 375g 350g 127 4,5kg
23/05 400g 380g 200g 173 3,9kg
04/06 250g 249g 200g 146 4,0kg
06/06 360g 300g 200g 132 5,1kg
11/06 225g 230g 227g 112 5,7kg
13/06 200g 150g 100g 148 3,0kg
15/06 310g 340g 200g 159 4,5kg
A escola EEF São Cristóvão, situada na Rua Cardeal Arco Verde, número 233, bairro
São Cristóvão – Criciúma/SC possui atualmente 235 alunos com a média de 146 refeições
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
servidas diariamente no período do almoço, portanto 62,13% dos alunos estão presentes
nesse momento na escola, beneficiando-se das refeições servidas no refeitório.
A 20ª Gerencia de Educação do estado de Santa Catarina é composta por 29.217
alunos (Dados do censo escolar 2017), considerando que 62,13% desses alunos façam
uma refeição escolar diariamente, temos um total de 18.152 refeições servidas em algum
momento do dia. Com base nos valores encontrados na escola EEF São Cristóvão usando
o método de estimativa, originou-se a tabela de comparação abaixo:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa permitiu delinear uma linha de investigação no âmbito das refeições esco-
lares, envolvendo a quantificação do desperdício alimentar no almoço fornecido na escola
EEF São Cristóvão. Fica claro que 547,1kg de alimentos desperdiçados todos os dias na
GERED de Criciúma é uma quantidade bem expressiva, mas, o importante está nos dados
da primeira tabela, em que ficou claro que o desperdício não está em função do aumento do
número de refeição servida. No dia 18/05/2018 foram servidas 196 refeições com acumulo
de desperdício de 3,9kg, contudo no dia 11/06/2018 em que o total de refeições servidas foi
112 o acúmulo de desperdício se caracterizou em 5,7kg. O problema gerador do desperdício
está na Educação Alimentar, comprovando a teoria de Fabricio Campos, quando compa-
rou os hábitos alimentares de seis famílias em países de costumes distintos, mostrando
como a educação alimentar pode contribuir para diminuir o consumo do capital original do
planeta. Outro dado preocupante é que grande parte deste desperdício está relacionado à
merenda escolar, um grande motivo para reflexão. Observamos uma mudança significativa
na sociedade escolar, contudo entendemos que tais fatos consistem em persistência, pois
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
o ato de desperdiçar tornou-se impercebível na sociedade atual, nesse sentido, programas
que visem à sustentabilidade das famílias e o desenvolvimento do futuro do planeta são
importantes para a formação de cidadãos críticos e participativos em uma sociedade futura.
Com esse pensamento, levamos nosso projeto à comunidade escolar EEB Natálio Vassoler,
onde a professora de matemática Valdirene Fernandez recebeu o desafio de seguir outras
vertentes da pesquisa. O que pretendemos é que no ano seguinte outra escola trabalhe o
mesmo tema, utilizando as pesquisas anteriores para ampliar os conhecimentos dos alu-
nos, criando assim um efeito onda na sociedade escolar da nossa região com conceitos de
pesquisas dos próprios alunos.
AGRADECIMENTOS
Dirijo às pessoas е/оυ instituições qυе contribuíram pаrа а elaboração do trabalho, aos
alunos que receberam e abraçaram o projeto com seriedade e dedicação, a todo o corpo
docente da escola, em especial às professoras Ariela Borges, Andriele Geremias, Giuliana
de Bona, além da direção e administração pedagógica Claudinéia Nazário, Dilnéia Nazário e
Fernanda Spader que me proporcionaram as condições necessárias para que eu alcançasse
meus objetivos, à merendeira Peles Cristina Lopes, pelo carinho com os alunos durante a
coleta de dados e à professora Gislaine Marcolino pela correção do texto.
REFERÊNCIAS
1. www.agenciajovem.org/wp/tag/global-footprint-network/
2. www.escolassolidarias.pt/site/o-que-e/projeto
3. www.ibge.gov.br
4. www.onu.fao.br
5. www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/profunc/12_pol_aliment_escol.pd
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
18
a epidemia de febre amarela no Rio
de Janeiro em 1850 – medo, morte e
morbidade nos espaços da cidade
10.37885/201202644
RESUMO
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Os estudos que tratam das epidemias ocorridas ao longo da história da civilização oci-
dental têm avançado continuadamente, o espaço dedicado ao assunto pelos historiadores
tem sido bastante ampliado e tem crescido na medida em que a importância ocupada pelo
tema assume cada vez maior vulto na historiografia contemporânea.
Não se dá de outra forma com os estudos sobre história da família. Partindo de vários
enfoques, de diferentes perspectivas, a historiografia ocidental tem priorizado constantemente
pesquisas que envolvem a família, bem como outras variantes relacionadas de uma forma
ou outra com o assunto.
No Brasil, a preocupação com ambos os temas tem se revelado com certa assiduidade
nos trabalhos produzidos, embora ainda muito esteja por ser feito.
Neste ensaio procuramos relacionar a temática da epidemia com aquela da família,
perseguindo basicamente dois objetivos.
Em primeiro lugar, ao tratar da epidemia de Febre Amarela que surpreendeu os ha-
bitantes da cidade imperial do Rio de Janeiro em meados do século XIX, propomos a pos-
sibilidade de inserir as atitudes e comportamentos ali manifestos num modelo mais amplo
construído pelo historiador francês Jean Delumeau, analisando-o a partir de uma tipologia
dos comportamentos coletivos em tempo de peste.
A epidemia do Rio de 1850, devido às dimensões e formas que tomou em seu percurso,
parece não se diferenciar essencialmente de outras grandes pestes que, por seus conside-
ráveis estragos e amplas repercussões, assumiram relevância significativa para os historia-
dores, bem como para a historiografia das respectivas nações e/ou regiões onde ocorreram.
Acreditamos, portanto, podermos encontrar no flagelo que se abateu sobre a corte
do Império, em 1850, efeitos esmagadores na organização social da cidade, a exemplo de
outros grandes eventos epidêmicos conhecidos e já estudados.
Mesmo porque, o acesso às informações sobre a epidemia do Rio nos leva a perceber
a forte incidência da febre, que desferiu seu poder em todas as direções e sentidos possíveis,
chegando a atingir provavelmente a totalidade das famílias existentes à época na cidade.
A enormidade de seus estragos e o vulto das conseqüências que engendrou podem
ser facilmente imaginados: de uma população total de 266.466 habitantes, mais de 1/3, ou
seja, cerca de 94 mil pessoas foram prostradas nos leitos de suas casas e nos hospitais da
cidade. As mais de 4 mil mortes, ao longo dos oito meses em que persistiu a epidemia, foram
responsáveis por quase 40 por cento da mortalidade total computada para o ano de 1850.
Em segundo lugar, ao identificarmos uma certa desorganização dos grupos familiares
por força da epidemia, julgamos também poder encontrar os indícios de uma deterioração
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
momentânea nas relações sociais da cidade, alcançando inclusive suas instâncias econô-
micas e políticas.
Acreditamos, pois, que a degeneração das referências e dos laços mais ternos no âm-
bito do ambiente familiar, nos momentos mais agudos e mais intensos do ataque epidêmico,
é que parecem dar início e mesmo provocar a paralisação ao menos parcial das demais
estruturas constituintes da sociedade.
É, pois, neste núcleo essencial, na família, que poderemos detectar e sentir a intensi-
dade do flagelo. Pois, ao ataque cada vez mais intenso às famílias, pela força contagiante
e destruidora da epidemia, correspondia, proporcionalmente, o funcionamento precário e
decadente das instituições e dos serviços urbanos existentes na cidade.
Assim, tendo sempre como pano de fundo as estruturas familiares, insistentemente
citadas nas referências contemporâneas do flagelo, é que perseguiremos os rastros de horror
e morte deixados pela epidemia.
Desta forma, associando ao estudo da epidemia de 1850 as condições de existência das
famílias durante a propagação incontrolável da Febre Amarela, sugerimos a possibilidade do
estabelecimento de uma relação entre essas duas temáticas distintas, mas colocadas agora
num espaço comum, num mesmo plano e apreendidas num mesmo momento de análise.
METODOLOGIA
A metodologia empregada neste estudo está associada, em primeiro lugar, aos recur-
sos oferecidos pela pesquisa bibliográfica, utilizada para ampliar e dominar o conhecimento
disponível, visando compreender melhor o tema estudado, buscando obter familiaridade
sobre assunto e oferecer informações mais precisas para a investigação, fundamentando a
análise e discussão dos resultados da pesquisa. Em segundo lugar, a abordagem propos-
ta está também associada à historiografia do discurso que visa interpretar os vestígios e
traços dos acontecimentos, das decisões e das escolhas que indicam as representações e
as sensibilidades dos atores, registrados nas fontes e documentos textuais, com o objetivo
de compreender a sociedade nos quais foram produzidos. Procedimentos Metodológicos:
pesquisa bibliográfica e técnicas de leitura; mapeamento e classificação de textos e docu-
mentos; análise e interpretação de dados e revisão bibliográfica.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As Epidemias na História
Epidemia e Família
Movendo-nos por entre estudos referentes a pestes e epidemias, desde aquelas relata-
das nos textos bíblicos, passando pela Peste Negra, até as mais recentes, que submeteram
os povos ocidentais, incluindo o Brasil, visitando as crônicas e testemunhos, as narrativas
emocionadas, mas realistas, das vítimas dos grandes flagelos de outrora, deparamo-nos
com referências constantes a um elemento cuja análise julgamos do mais alto valor para o
entendimento dos efeitos que as calamidades coletivas fazem recair sobre os povos. Este
elemento é a família, imaginada por nós como centro e unidade nuclear, coluna vertical da
sociedade organizada.
Na construção de uma tipologia dos comportamentos coletivos em tempos de peste,
Jean Delumeau (1989) indiretamente confirma nossa suspeita de que as grandes pestes
fazem incidir exatamente sobre o núcleo central das sociedades, a célula familiar, os efeitos
mais dramáticos de sua violenta propagação.
Imaginamos igualmente que quanto maior é a violência e o grau de destruição im-
posto pela peste, tanto maior será a violência e o grau de desestruturação do núcleo e dos
laços familiares.
A correspondência entre epidemia e família nos dá, portanto, a proporção exata da
intensidade do flagelo. Neste contexto, é preciso também considerar a correlação imediata
existente entre a família, centro do espaço social privado, e o restante das instituições, es-
paço público, dimensão social mais ampla. Com efeito, a desestruturação do espaço e dos
laços familiares teria como conseqüência a desorganização global da sociedade.
Para Delumeau, as atitudes comuns em tempo de peste caracterizam-se, entre ou-
tros indicadores, pela absolvição da morte personalizada, pelo desregramento e licença
desenfreada, pela demência e, enfim, por todos aqueles procedimentos ligados ao que ele
denominou “desestruturação do ambiente cotidiano” que abalaria, por sua vez, as bases do
psiquismo individual e coletivo (DELUMEAU, 1989, p. 125).
A esta situação de desgoverno individual e coletivo, Delumeau faz corresponder alguns
acontecimentos provocados pela condição epidêmica que atuariam como causas e pode-
riam explicar aquelas atitudes: entre outros ele enumera o desmoronamento das estruturas
familiares, ou seja, a “abolição dos quadros familiares” (DELUMEAU, 1989, p. 120).
Ao citar um religioso português que conviveu com a Peste Negra no século XVII, dá-nos
um exemplo inequívoco do abalo sofrido pelas famílias vítimas da epidemia: “A justiça não é
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
mais obedecida; os ofícios param; as famílias perdem sua coerência e a rua sua animação”
(DELUMEAU, 1989, p. 121).
A propósito da abolição dos laços familiares, o mesmo autor transcreve parte de uma
crônica italiana contemporânea da peste de 1630, onde, a certa altura dos ataques pestilentos,
As referências às famílias vítimas das pestes não cessam. Como esta passagem, ex-
traída do “Diário do ano da Peste” (a de Londres, em 1665) de D. Defoe: “[...] os mais ricos,
os nobres e a gentry do oeste apressavam-se em deixar a cidade com suas famílias e seus
criados [...], não se viam senão carros e carroças carregados de bagagens, de mulheres,
de crianças, de criados” (DELUMEAU, 1989, p. 119).
Ou esta outra, ainda transcrita das citações de Delumeau, do mesmo religioso português
já citado: “[...] as crianças são subitamente separadas dos pais, as mulheres dos maridos,
os irmãos ou os amigos uns dos outros [...]” (DELUMEAU, 1989, p. 122).
Essa recorrência permanente em épocas de epidemias, detectada igualmente nas
crônicas brasileiras do século XIX, como veremos adiante, nos leva a avaliar o grau de
preponderância dos grupos familiares e sua importância significativa na própria constituição
e conformação das instituições sociais, bem como no imaginário coletivo dos atores que
participavam das sociedades no passado.
Sabemos da posição relevante ocupada pela família hoje e nas sociedades tradicio-
nais. Muita dedicação e enormes esforços vêm sendo dispendidos no sentido de iluminar
esse objeto de estudo e muita água vem sendo jogada nesse moinho de conhecimentos
sobre a família.
Segundo Maria Luiza Marcílio, tanto a historiografia europeia e norte-americana quanto
a brasileira, “especialmente nas últimas três décadas, têm priorizado o estudo da família,
[...] partindo do enfoque demográfico até o das mentalidades e comportamentos, passando
pelo cotidiano, o material, o sócio-antropológico, o psicológico” (MARCÍLIO, 1993, p. 7).
Estes estudos têm nos instrumentalizado melhor a fim de que possamos compreender
da forma mais aproximada possível a realidade passada.
Saber, por exemplo, que tipo de família predominava nas sociedades tradicionais é
fundamental para esclarecer vários aspectos relativos ao estudo das epidemias.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Para perguntas do tipo: “que forma e/ou modelo de família a Peste Negra surpreendeu
e atacou durante tão longos séculos da história européia?”, alguns estudos recentes nos
apontam respostas e caminhos.
Mais especificamente, para o período que antecede o processo de industrialização,
coexistiam na família tradicional o grupo familiar e o grupo de trabalho. De acordo com Peter
Laslett, o grupo doméstico-residente da europa pré-industrial foi, de forma geral, adaptado
para atender às finalidades de produção e de procriação, características comuns de todas
as sociedades não industriais, tanto no presente, como no passado (LASLETT, 1984).
Do nosso ponto de vista, tudo indica que é este o modelo de família que as pestes en-
contraram nas sociedades tradicionais européias, evidentemente com as devidas nuanças e
variações. E o peso e importância desta célula e unidade no contexto da comunidade mais
ampla não podem, de forma alguma, ser ignorados nas análises das sociedades passadas.
Menos ainda em tempos de epidemia.
Philippe Ariès corrobora ainda mais os argumentos em defesa da importância da família
tradicional no meio social, ao especificar suas funções. De acordo com ele, “[...] tinha por
missão - sentida por todos - a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda
mútua cotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher, isolados não
podiam sobreviver, e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas” (ARIÈS,
1981, p. 10-11).
Imaginemos, apenas por instantes, esta estrutura desfeita, desarticulada, desorganizada
e, por alguns momentos, recriemos o quadro dos efeitos possíveis no âmbito mais amplo
desta comunidade e veremos o caos.
O Brasil do século XIX conviveu cotidianamente com a morte, que atingia índices extre-
mamente elevados. Antes do ano de 1900 a mortalidade brasileira situou-se sempre acima
das 40 ou 45 mortes anuais para cada mil habitantes. Hoje estes níveis giram em torno de
dez falecimentos por mil habitantes (MARCÍLIO, 1983).
Visitando a cidade do Rio de Janeiro em meados do século 19, o maior e mais impor-
tante reduto urbano do Império, encontramos uma população cuja taxa de mortalidade supe-
rava sempre os índices de natalidade. Nas palavras de Marcílio, “systematiquement, chaque
anné de 1830 au début de ce siècle, le nombre de décès l’emporta sur celui de naissances”
(MARCÍLIO, 1993, p. 381). Dados coligidos pela mesma autora apontam para 1850, no Rio,
um quadro absolutamente aterrorizante: 11.192 mortes para apenas 5.817 nascimentos.
Apesar disso, a cidade não parava de crescer e sua população aumentava a cada
ano graças à entrada massiva de escravos provenientes da África e de outras províncias
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
do país, ao incremento contínuo da imigração europeia e dos habitantes de outras partes
do Brasil (MARCÍLIO, 1983).
Este crescimento constante, entrecortado pelo aumento populacional ininterrupto,
apenas contribuía para agravar ainda mais a situação da cidade, cujas condições sanitá-
rias eram simplesmente deploráveis e onde as medidas tomadas pelo governo imperial se
mostravam sempre insuficientes, dando até mesmo a impressão de haver um descaso por
parte das autoridades quanto aos preceitos higiênicos, notadamente públicos.
Não é por acaso que José Pereira Rego (1873, p. 222-221), Barão do Lavradio, médico
proeminente da Corte, denunciava, já em 1873, “A pouca importância que tem merecido da
administração pública o auxílio valioso que com referência a este ponto [...] podem fornecer
os preceitos hygienicos em suas aplicações praticas”. Criticando as medidas adotadas, posto
visarem apenas resultados imediatos, dizia ele serem “improfícuas”, chegando mesmo a se
reportar ao “[...] estado actual de nossa organização social, quando tão atrasado se acha
entre nós tudo quanto respeita a hygiene municipal propriamente dita”.
Diante dessas condições, marcada pela morte, pela morbidade cotidiana, fábrica do
medo, por assim dizer, a cidade do Rio de Janeiro inspirava o horror.
A mortalidade infantil nos dá, ela própria, a medida exata do terror: em 1859, a propor-
ção de recém-nascidos mortos antes do primeiro aniversário era de 359 por 1.000; a taxa
dos que faleciam antes dos cinco anos atingia 604 por 1.000. Em 1871, a mortalidade de
crianças menores de cinco anos atingiu a 578 por 1.000; em 1875 a 645, e em 1877 a 604.
“Un veritable genocide de petits enfants!”, exclama Marcílio. (MARCÍLIO, 1993, p. 315).
Vale lembrar, além disso, que os dados acima apresentados nem sempre coincidem
com períodos de epidemias, quando tanto as taxas de mortalidade quanto as de morbida-
de atingem índices consideravelmente elevados (MARCÍLIO, 1983, p. 390). Como, então,
compreender o impacto provocado nos homens do Oitocentos, no Império do Brasil, pela
presença marcante da morte?
A epidemia de Febre Amarela de 1850 que se abateu sobre a cidade do Rio de Janeiro,
ao intensificar a presença da morte, elevando ainda mais os índices de mortalidade, pode,
sem dúvida alguma, constituir-se numa chave de leitura, tornando-se uma porta de entrada
no tempo que nos permite entrever os comportamentos e as atitudes dos homens da época.
Mesmo porque, a importância da qual se revestiu a epidemia não se limita apenas ao
simples fato de permitir trazer à luz do presente, através dos rastros documentais que pro-
duziu, fatos contundentes de nosso passado: reverberou também no seu tempo, incitando
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
os homens a novas atitudes, alterando costumes e hábitos, promovendo e impulsionando
iniciativas inéditas, como sempre provocam os grandes acontecimentos históricos.
Por outro lado, as peculiaridades dos efeitos da Febre Amarela, cuja forma de propa-
gação e características diferem basicamente de outras moléstias que reinavam à época,
surpreenderam não apenas os homens, mas também com eles as instituições, criações
suas que lhes norteiam a ação.
Seu caráter pouco seletivo, não fazendo acepção de classes sociais, cor, sexo ou
idades, atacando igualmente a todos, no espaço que talvez por ironia escolheu (justamente
a Corte do Império), movimentou como nunca a imaginação e o medo, multiplicando idéias
e ações conjuntas que pudessem deter ou ao menos amenizar o avanço da peste e o sofri-
mento sobre humano a que submetia os homens.
A peste, então, desencadeou o que poderíamos considerar a primeira campanha sa-
nitária oficial no Brasil, norteada pelas novas perspectivas de atuação das instituições de
saúde pública e organizada pelos mais proeminentes médicos do Império.
De forma pragmática, este fato parece ter imprimido uma nova orientação à organização
da saúde pública no país, demonstrando a partir de então haver uma preocupação perma-
nente com o planejamento de ações e práticas de higienização que dariam à medicina um
caráter de atuação profilático e não mais apenas curativo (MACHADO, 1978).
Os médicos de 1850, envoltos na agonia de um verdadeiro flagelo causado pela epi-
demia, propunham medidas até então inusitadas (MARCÍLIO, 1983, p. 383): 1. A criação de
uma Comissão Central de Saúde Pública, para coordenar os combates contra a epidemia;
2. A criação em cada paróquia ou distrito da cidade de sub-comissões paroquiais de saú-
de pública, compostas por sub-delegados de polícia, de fiscais e médicos; 3. A criação de
um serviço de assistência aos pobres, com médicos, medicamentos, etc.; 4. Intervenção
das Comissões Sanitárias, no porto, nas ruas, nas prisões, nos hospitais, nos conventos,
nas escolas, nos teatros, nas igrejas, etc., para controlar o respeito às regras de higiene;
5. O registro dos médicos.
A partir dessas primeiras iniciativas, e ainda sob o furor da febre epidêmica que rei-
nava, foi criada a “Junta Central de Higiene Pública” que esteve atuante até o fim do sécu-
lo. Em 1886, a “Junta” transformou-se na “Inspeção Geral de Higiene”, quando foi também
criada uma outra “Inspeção Geral da Saúde dos Portos”. Estas duas instituições, vale lembrar,
constituíam-se em organismos essencialmente médicos (MARCÍLIO, 1983, p. 384).
Como, apesar das medidas implementadas, a epidemia proliferava-se indiferente sobre
a população da cidade, ainda outras providências marcariam as transformações das práti-
cas sanitárias e das políticas públicas do Império, como se o flagelo requisitasse, pela sua
ousadia, ações que lhe impusessem limites.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Assim, a situação deprimente da população reclamava decisões e medidas de higiene
pública que saneassem o meio ambiente urbano, eliminando as causas imputadas ao mal
e, por conseguinte, amenizando a irrefreável epidemia.
As autoridades, pressionadas, tomavam providências: promoveram o aterramento de
pântanos, a expansão dos limites da cidade, a abertura de novas ruas, a construção de ha-
bitações em lugares mais elevados e menos insalubres, a instalação de redes de esgoto, a
melhoria na distribuição de água, a proibição definitiva dos enterros nas igrejas (providência
a muito reclamada) e, por consequência, a abertura de cemitérios públicos, e, ainda, o esta-
belecimento de hospitais de isolamentos fora do centro da cidade (MARCÍLIO, 1983, p. 385).
Mesmo diante do extenso elenco de mecanismos adotados e da manutenção perma-
nente de medidas que visavam barrar o avanço do flagelo, prevaleciam os efeitos incontidos
da doença sobre a população.
Apesar do esquadrinhamento do espaço urbano pelo saber médico, suas estratégias e
métodos inovadores não foram suficientes para estancar a infecção que afetava os corpos.
Nem a terapêutica, nem a engenharia sanitária foram suficientemente eficazes na
luta contra um mal talvez maior que a própria epidemia: o desconhecimento das causas
reais da doença.
Mesmo assim, forçoso é reconhecer e impossível seria negar o momento revolucioná-
rio para a saúde pública do Império em que se constituiu a epidemia de Febre Amarela de
1850. Contudo, como afirmou o próprio ministro dos negócios do Império, a peste zombou
com seu veneno “[...] de todos os esforços e invadiu com incrível rapidez a cidade inteira”
(RELATÓRIO, 1850).
249
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Deste modo, a correspondência entre epidemia e família nos pode dar, também no Rio
de meados do século XIX, a proporção direta da intensidade do flagelo. Vale lembrar que
ali, tanto quanto noutras epidemias que deixaram suas marcas na história, a recorrência à
família nas referências e fontes existentes é uma constante.
Família predominantemente nuclear, que não se difere, contudo, daquele modelo pro-
posto por Peter Lasllet para as sociedades tradicionais pré-industriais, mas conservando
certas especificidades e peculiaridades próprias do Brasil do século 19: eis o tipo de família
acometida pela Febre Amarela na cidade imperial do Rio de Janeiro em 1850.
Introduzida por via marítima ainda no decorrer do mês de dezembro de 1849, trazida
por marinheiros provenientes da Bahia, onde já reinava epidemicamente, a Febre Amarela
aportou na cidade e do porto estendeu-se a outros pontos e localidades através das ruas que
lhe serviam de canais de propagação. “A princípio”, relata Avé-Lallemant, médico da enfer-
maria dos estrangeiros da Santa Casa de Misericórdia, “caminhava muito devagar, porém
caminhava com passo certo quasi de uma casa para outra, de uma travessa para outra, e
nas casas e na s travessas atacando uma após a outra [...]” (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 9).
Essa entrada magistral e quase instantânea da Febre Amarela também seduziu outros
expectadores. José Pereira Rego, mapeando os caminhos do flagelo na cidade, esclarece
e indica o percurso da doença: do litoral, de “[...] três pontos marchou para o interior della e
seus subúrbios por tres direções ou raios mais ou menos distintos e bem marcados”. O pri-
meiro, da rua da Misericórdia, encaminhou-se para o lado sul da cidade; do segundo ponto,
da Prainha e suas imediações, seguiu em direção ao norte; do terceiro ponto ou do central,
da praia dos Mineiros ou do Peixe, subiu pelas ruas centrais. Nestes sentidos e direções,
prossegue Pereira Rego, a Febre Amarela impôs seu ritmo, “de modo que para fins de março
a cidade estava sob a influência epidêmica em todos os seus pontos” (REGO, 1851, p. 17).
Uma vez no interior da Corte do Império, apenas cessaria seus efeitos sete ou oito
meses mais tarde. Enquanto isso, de rua em rua, de casa em casa, a epidemia fazia das
famílias do Rio objeto de desprezo e alvo de lágrimas e medo. Nada podia detê-la, nada
cessava seus movimentos ininterruptos, nada impedia seus passos que, por várias vezes,
carregavam o peso inexorável da morte.
Sitiados pela epidemia, tomados pelos doentes, os hospitais e serviços de saúde da
cidade estavam sobrecarregados daqueles que, por um caminho ou outro, chegavam às
casas públicas e clínicas particulares de tratamento em busca de socorro médico, pois a
Febre reinava soberana. Nas palavras de Avé-Lalleman (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 9),
“Sem cerimonia ataca tudo, prostra tudo sobre o leito dos sofrimentos; ha casas em que
nenhum indivíduo fica intacto; nenhuma idade, nenhum estado, nenhum sexo dá um privi-
légio, uma isenção”.
250
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Em meio aos ataques incontroláveis da epidemia, às mortes em quantidade visivelmente
mais elevadas que em dias normais, outro fator parecia agravar a situação: o controle da
informação. “O que, sem dúvida alguma, mais assustava era a absoluta prohibição de publi-
car diariamente o número de mortos”, disparava Lallemant (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 12).
Certamente, o pessimismo exacerbado, levado ao ápice pela dúvida e incerteza, exa-
gerava a imaginação, fazendo ampliar as proporções da epidemia nos cálculos errôneos
elaborados pelos amedrontados habitantes da cidade. E ao aumento imaginado do flagelo
correspondia a ampliação do medo. “Este silencio misterioso”, afirmava Lallemant,
[...] fazia que tudo causasse medo. Atras de cada porta fechada via-se um
morto, quando o sol batia sobre uma casa, e se fechavão as janellas, julga-
va-se que algum cadáver estava na sala; quando um homem corria pela rua,
julgava-se que corria em busca de um médico ou sacerdote para algum doente
ou moribundo (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 12).
Quem viveria tal situação, sem se impressionar com as imagens deprimentes, com o
silêncio aterrador e com a dura incerteza da real proporção da peste? Quantos pesadelos
não expulsaram dos leitos homens e mulheres sadios e plenos de esperanças? Quanta
ansiedade não invadiu os corações aflitos de pais preocupados com o futuro de seus filhos
e de jovens casais que ainda não os haviam tido, mas que planejavam tê-los?
A insegurança com o futuro era uma constante. Mas a brutal realidade da doença imi-
nente amarrava e detinha os homens no presente, aterrizava-os no solo incômodo de suas
casas, de suas ruas, de sua cidade.
Justificável insegurança, pois, como nos diz uma vez mais Avé-Lallemant, houve casas
“[...] em que famílias inteiras desaparecerão; e [..] ficarão muitas mulheres viúvas, e muitas
crianças orphãs” (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 10).
A gravidade momentânea da vida parecia, naqueles dias, encontrar motivos e razões
que a tornava cada vez mais aguda, dolorida: a instantaneidade da doença também apavo-
rava os homens. Alguns casos são narrados em que indivíduos sãos, em pleno desempenho
de suas funções, não mais que de repente, prostravam-se doentes. É o caso do Sr. E. A. da
V., citado pelo médico José Pereira Rego: “[...] não tinha pessoa alguma de sua família com
a moléstia; porém, mandando uma sua criada à cidade, voltou esta doente e succumbiu em
poucos dias. Logo após adoeceu sua filha e succumbiu igualmente” (REGO, 1851, p. 53).
Por volta de meados do mês de março, quando a epidemia alcançou seu mais ele-
vado grau de intensidade, encontrando-se toda a cidade submetida aos seus caprichos, já
“Não havia [...] uma só família, para assim dizer, que não tivesse dores e lágrimas, uma rua
que não fosse um hospital” (REGO, 1851, p. 57). A indiferença, marca indelével da Febre
251
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Amarela, parecia mesmo nortear seus avanços e, como por ironia, não poupou sequer a
própria família do médico. E é o próprio José Pereira Rego quem narra:
[...] em nossa família deu-se o fato seguinte: que retirando-se ella para a Lagoa
Rodrigo de Freitas muito além do Jardim Botânico adoeceu gravemente no
mesmo dia meu filho mais moço, e o trouxe immediatamente comigo para a
cidade. Apesar disso a molestia continuou a aparecer no resto da família [...]
(REGO, 1851, p. 56).
Ao produzir seus estragos incontáveis, induzida por suas preferências, à época incom-
preendidas, a epidemia repercutiu também no exterior.
A morte de representantes estrangeiros como a de Morgan e de Serra, diplomatas,
respectivamente, norte-americano e francês (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 11), emprestou
à epidemia ares de catástrofe, triste e assustador, e ainda profundamente prejudicial à
imagem que se formava do Rio de Janeiro no exterior. A partir de 1850, a Febre Amarela
ficou conhecida noutros países como a “Febre Amarela do Rio de janeiro” e como o “Mal do
Brasil” (FRANCO, 1969, p. 44).
Tudo isso criava uma expectativa cada vez mais negativa nos protagonistas insubsti-
tuíveis do horror epidêmico que reinava. Naquele momento, as tintas do quadro pintado para
a época não podiam ser mais negras: praticamente todas as famílias tinham já sofrido os
incômodos sintomas da Febre, em todas as casas havia pelo menos um doente, em todas
as ruas da cidade contavam-se numerosas vítimas fatais.
Vemos então que a esperança dos homens tem seus limites, e o sofrimento, de seu
lado, também impõe suas condições.
Por isso, a partir de determinados momentos, em meio ao palpitar irregular de mentes
e corações, o medo que perseguia os homens tomava novo vulto, assumia novas formas,
e a angústia sobrevinha ainda mais intensamente debilitando-os e tornando-os ainda mais
frágeis e suscetíveis aos acontecimentos.
A certa altura da epidemia, diante da persistência a toda prova da doença, os laços
familiares pareciam ter perdido suas funções e um sentimento de impotência invadia os
homens, impedindo e alterando a convivência entre eles, modificando o funcionamento
cotidiano e o movimento normal da cidade, como se as forças que os impulsionavam para
a vida tivessem perdido sua dimensão costumeira.
É neste momento, instante em que as estruturas básicas constituintes do meio ambien-
te cotidiano são pouco visíveis, confusas, de textura frágil, de contornos quase invisíveis,
que o olhar vazio de nosso narrador por entre as ruas quase mortas da cidade reclamava a
presença de outras pessoas:
[...] havia bem tempo em que se não via nenhum vendedor de estátuas de
252
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
gêsso na rua, nenhum concertador de bacias e caldeiras, nenhum negociante
de chapéus de chuva. A ópera italiana calou-se, alguns membros della para
nunca mais serem ouvidos (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 10).
Mais adiante, a tinta da mesma pena nos permite recriar as imagens daqueles
dias assoladores:
[...] havia casas de commercio, que por pouco ou mais tempo ficavão inteira-
mente fechadas. ‘Sou o único que neste instante não está doente em casa’.
Assim escreveu um dia um guarda-livros de uma casa allemã para a europa,
e pouco tempo depois elle também morria (AVÉ-LALLEMANT, 1851, p. 11).
CONCLUSÃO
Epidemia e família: seria possível uma apreensão, uma análise conjunta de temas
aparentemente tão diferenciados? Cabe ao leitor a reflexão e a resposta para a questão.
Contudo, nesta mórbida e mortal trajetória da epidemia, quem mais diretamente eram as
vítimas diletas da doença? Não foram, por acaso, os indivíduos que em última instância,
encontravam-se organizados em núcleos familiares?
As famílias, constituídas em células capitais da comunidade, ao serem destituídas de
sua vitalidade, da força cotidiana que lhes emprestava coerência, não afetaram muito mais
o funcionamento das instituições, organismos mais amplos da sociedade?
Por outro lado, quem eram os verdadeiros alvos das medidas sanitárias e das políticas
públicas de saúde promovidas pelo governo do Império? Não eram exatamente as famílias
254
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
que davam forma e movimento à vida pública e privada da cidade? E os terrores proporcio-
nados pela doença incontida, não brotavam eles do interior dos lares cujos membros caíam
acamados ou mesmo faleciam sem remédio?
De onde provinham o artesão e o comerciante que promoviam o comércio, responsá-
vel pelo colorido e pelo frenesi incessante das ruas da cidade? E os membros do Senado
e da Câmara, bem como os deputados da Assembleia? Não seriam eles acaso redutíveis
a simples membros de famílias, onde a morte tinha passagem certa? Não seriam eles tam-
bém os pais ou mães, os filhos ou filhas, os parentes ou vizinhos que, não raro, sofriam no
desespero do leito ou da morte?
E os artistas que desapareceram, atores que abandonaram seus papéis nos palcos,
picadeiros e teatros fechados do Rio de Janeiro de 1850, acaso não conformavam famílias?
Mais amplamente ainda, a morte de um filho, de um irmão, de um pai ou mãe, de um
parente próximo, não teria ausentado os homens das atividades cotidianas em tempos nor-
mais? E em tempos de epidemia, época da morte coletiva, estas ausências não teriam se
multiplicado na proporção direta da intensidade do flagelo?
O desconhecimento das causas também engendrava suas consequências: a idéia
do contágio da Febre Amarela estava disseminada e o medo de contrair a doença mortal
não se mostrava apenas nas ruas ou logradouros, espaços públicos que serviam de canais
para a propagação do mal, mas adentravam também as portas das residências onde havia
alguma vítima e criavam, por sua vez, barreiras às vezes intransponíveis entre os próprios
membros de uma mesma família.
Diante de tudo isso, como negar a relação entre epidemia e família numa cidade con-
taminada pelo medo, pelo desespero e por uma infecção generalizada promovida pela febre
que nada podia estancar e por um agente transmissor completamente desconhecido à época?
Duas faces de um mesmo fenômeno, as categorias epidemia e família nos concedem
uma perspectiva possível para percorrermos os acontecimentos que tiveram lugar na cidade
do Rio de Janeiro em 1850. Ao recuo paulatino da epidemia, ao abrandamento dos ataques
da doença, correspondeu o retorno à normalidade e, ao desarmamento incondicional pro-
vocado pelo afastamento do medo, correspondeu a volta dos relacionamentos que fazem
das cidades espaços especiais para a morada dos homens.
REFERÊNCIAS
1. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
9. MARCÍLIO, Maria Luiza. A morte de nossos ancestrais. In: José de Souza Martins (org.) A
morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983.
10. MARCÍLIO, Maria Luiza. Santé et mort dans la ville imperiale de Rio de Janeiro, 1930-1889.
In: Mesurer et comprendre. Melanges offerts à Jacques Dupâquier. Paris: PUF, 1993.
12. MATTOSO, Kátia M. de Queiróz e ATHAIDE, Johildo Lopes de. Epidemias e flutuações de
preços na Bahia no século XIX. In: L’Histoire quantitative du Brésil de 1800 a 1930. Paris:
CNRS, 1973.
13. MEIHR, José C. Sebe e BERTOLLI FILHO, Claúdio. Opinião pública versus poder: a cam-
panha da vacina de 1904. São Paulo: Estudos CEDHAL, n. 5, 1990.
15. REGO, José Pereira. Memória histórica das epidemias de Febre Amarella e Cholera Morbo
que tem reinado no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873.
256
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
19
A venalidade de ofícios nos
Impérios Ibéricos modernos: breves
considerações teóricas
10.37885/210203064
RESUMO
Este estudo procura, como o título aponta, apresentar as principais discussões concei-
tuais acerca da prática da compra e venda de cargos na estrutura administrativa dos
Impérios Ibéricos modernos. A venalidade, nos territórios sob domínio espanhol, já foi e
ainda é amplamente estudada e analisada, com o reconhecimento de sua existência e
difusão no Império hispânico. Já nas regiões controladas por Portugal, apenas recente-
mente o debate tem se voltado para a recuperação da prática venal, uma vez que por
muito tempo se acreditou de forma errônea que ela não havia acontecido ou sido rele-
vante naquelas paragens. Assim, se torna extremamente importante, em um momento
inicial, recuperar algumas questões teóricas a respeito da venalidade realizadas pela já
solidificada historiografia hispânica sobre o tema, de maneira a auxiliar a pesquisa no
que se refere aos territórios lusos, e subsequentemente ao Brasil. Portanto, ideias como
o próprio conceito de venalidade, que não é unânime; e a subjacente possibilidade de
se falar em corrupção para essas sociedades, com seus respectivos problemas, serão
tratadas brevemente aqui.
258
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
O presente texto busca apresentar uma série de debates teóricos que a historiografia
hispânica realizou a respeito da prática da venalidade de ofícios. Para a monarquia espanho-
la, a compra e venda de ofícios administrativos já foi e continua sendo muito bem estudada,
uma vez que no que se refere à essa Coroa ibérica, a venalidade aconteceu de forma muito
mais numerosa e difundida do que em Portugal, ainda que no caso da Espanha também se
buscassem apagar os traços deixados pelo dinheiro das nomeações para os postos. Dessa
forma, a sobredita historiografia deu ao tema um tratamento muito mais amplo e profundo
do que a luso-brasileira, inclusive no aspecto conceitual, o qual pode ajudar a entender
muito melhor tudo que estava envolvido em uma compra de ofício, tais quais os poderes,
agentes e instituições que participavam dessa transação. Dessa forma, trazer todas essas
informações sobre o que estava envolvido em uma venda de posto administrativo, bem
como as principais discussões que o tema suscitou em uma historiografia consolidada na
temática, pode e deve servir como base de estudo para todos que queiram se aprofundar
na análise da prática em Portugal e suas colônias americanas, os quais ainda necessitam
de mais estudos.
DESENVOLVIMENTO
Foi no final da década de 1960 e princípio de 1970 que o tema da venalidade começou
a se tornar relevante para a historiografia espanhola, com os estudos clássicos de Antonio
Domínguez Ortiz e Francisco Tómas y Valiente colocando luz sobre a importante questão.1
Desde então, foram numerosos os trabalhos desenvolvidos por essa historiografia a res-
peito dos vários elementos os quais a prática suscitava, sendo um dos mais importantes
a busca pelo conceito de venalidade. Existia (e ainda existe), a necessidade de se definir
e unificar exatamente o que foi a venalidade no Antigo Regime, e quais ações podem ser
consideradas venais.2 Roberta Stumpf, por exemplo, chamou a atenção para a importância
de se atribuir um sentido ao conceito de forma a que a questão pudesse ser corretamente
analisada.3 Enquanto as historiografias brasileira e portuguesa foram costumeiramente muito
mais restritivas na hora do emprego do termo venalidade (só o utilizando quando o dinheiro,
e apenas ele, foi fundamental na obtenção da mercê), a historiografia espanhola, de maneira
contrária, foi muito mais além, considerando venalidade qualquer situação em que havia um
serviço pecuniário envolvido, independentemente de outros fatores ou méritos possuídos
1 FELICES DE LA FUENTE, Maria del Mar. Venta y beneficio de cargos en la España Moderna: consideraciones en torno al concepto
de venalidad. In: CHATURVEDULA, Nandini; STUMPF, Roberta (orgs.). Cargos e ofícios nas Monarquias Ibéricas: provimento, con-
trolo e venalidade (séculos XVII-XVIII). 1ª ed., Lisboa: CHAM, 2012, p. 199-200.
2 Ibidem, p. 200.
259
3 Idem.
260
7 Ibidem, p. 201-202.
261
9 Idem.
262
16 Ibidem, p. 206-207.
263
22 Ibidem, p. 208.
23 Idem.
24 Idem.
25 Idem.
26 Idem.
27 Idem.
28 Idem.
29 Ibidem, p. 209.
264
30 Idem.
265
trolo e venalidade (séculos XVII-XVIII). 1ª ed., Lisboa: CHAM, 2012, p. 210-211.
266
36 Ibidem, p. 202.
37 Idem.
38 CASTILLO, Francisco Andújar; FEROS, Antonio; LEIVA, Pilar Ponce. Corrupción y mecanismos de control en la Monarquía Hispáni-
ca: una revisión crítica. Tiempos Modernos: Revista Electrónica de Historia Moderna, vol. 8, nº 35, 2017, p. 288.
39 OROZCO, Sebastián de Covarrubias. Tesoro de la lengua castellana o española (1611-1613). In: CASTILLO, Francisco Andújar;
FEROS, Antonio; LEIVA, Pilar Ponce. Corrupción y mecanismos de control en la Monarquía Hispánica: una revisión crítica. Tiempos
Modernos: Revista Electrónica de Historia Moderna, vol. 8, nº 35, 2017, p. 288.
40 Idem.
41 REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de Autoridades. In: CASTILLO, Francisco Andújar; FEROS, Antonio; LEIVA, Pilar Ponce.
Corrupción y mecanismos de control en la Monarquía Hispánica: una revisión crítica. Tiempos Modernos: Revista Electrónica de
267
Historia Moderna, vol. 8, nº 35, 2017, p. 288.
Como se pode ver pelo excerto acima, a ideia de venalidade para esses indivíduos
está muito ligada ao rompimento dos princípios da sua justiça distributiva, os princípios da
dádiva que davam sentido e se constituíam em chave de entendimento para a sua visão de
mundo. Incorrer na prática venal era alienar por dinheiro algo que jamais poderia ser alie-
nado (o dom), e por isso realizar uma má obra, corromper a dádiva por entregá-la a alguém
que não a mereceu. Sendo a venalidade praticada nos termos descritos no dicionário, ela
de fato significava um desvio, a quebra da lógica de funcionamento dessa sociedade, uma
coisa fora do que esses homens entendiam como “correto e bom”.
O verbete corrupção, por seu turno, segue um caminho parecido para os setecentistas
lusitanos. Existe ainda nesse momento uma ligação muito forte com uma corrupção natural,
do corpo e das coisas da natureza, e também da moral e dos costumes, muito ligados a uma
escatologia cristã. A coisa corrupta, em uma oposição muito simplista e abrangente, é uma
coisa má, contrária ao bem. Nesse momento, da mesma maneira que o verificado no caso
espanhol, a questão em voga parece ser menos uma corrupção política como entendida
atualmente, a qual certamente nem era pensada ainda da mesma forma, mas uma corrupção
do mundo, da forma como ele era visto e considerado como um fato por essas pessoas.
Até porque, como se verá mais a frente, a própria política era compreendida e realizada por
essas sociedades de maneira diferente, partindo de regras e pressupostos completamente
distintos. As “regras do jogo” eram outras, o que obviamente altera percepções e significados.
Mas voltando à Espanha, Francisco Andújar Castillo traz exatamente uma reflexão
sobre a dificuldade de precisar o termo corrupção justificada pelas estruturas políticas do
período. O Estado que existia nesse momento, como se sabe, era baseado em uma plu-
ralidade de corpos políticos que coexistiam dentro desse mesmo Estado, cada qual com
suas pretensões de autoridade e poder.44 O governo central possuía uma capacidade de
42 BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado,
e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, Tomo
Segundo L=Z, p. 514-515.
43 BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado,
e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, Tomo
Primeiro A=K, p. 336.
44 CASTILLO, Francisco Andújar; FEROS, Antonio; LEIVA, Pilar Ponce. Corrupción y mecanismos de control en la Monarquía Hispáni-
268
ca: una revisión crítica. Tiempos Modernos: Revista Electrónica de Historia Moderna, vol. 8, nº 35, 2017, p. 289.
45 Idem.
46 Idem.
47 Ibidem, p. 289-290.
269
48 Idem.
270
54 Ibidem, p.291-292.
Como é possível ver pelo excerto acima, Dieste traz um excelente contraponto a alguns
dos elementos trazidos por Francisco Andújar, especificamente no que se refere à lógica de
funcionamento inerente a essas sociedades de Antigo Regime. Como já dito antes, e também
afirmado pelo autor catalão, é muito complicado aplicar a ideia de corrupção - que por defi-
nição é um conceito extremamente vago e amplo, podendo abarcar um grande número de
práticas diferentes - para um tipo de organização social e política em que as esferas pública
e privada ainda não estão completamente separadas. Mesmo se, como afirma Andújar, na
Espanha esses dois âmbitos já estavam começando a se separar em determinado ponto
da modernidade (para Portugal a história é outra), essa ruptura não é fácil, uma vez que é
uma abstração que pressupõe uma mudança de mentalidade e visão de mundo. A maneira
como entendemos e enxergamos o todo social que nos cerca, ainda que individual, é cons-
truída por séculos e sofre influências e condicionantes de gerações de pessoas que fazem
parte do nosso convívio e das nossas relações. Dessa forma, pode-se questionar até que
ponto, naquele momento inicial, essa mudança pendente para a distinção do público-privado
encontrou penetração geral no meio social a ponto de ser possível já falar em corrupção
política. Aliás, indo um pouco além, é possível até mesmo questionar se essa separação
se completou nos dias atuais.
Por sua vez, Dieste vai mais a fundo na análise trazendo Karl Polanyi e Marcel Mauss
para mostrar como nessa sociedade em específico não era só o público e o privado que se
encontravam unidos, mas também a política, a economia, a religiosidade e o parentesco.56
Esse tecido social, baseado no dom e em relações de reciprocidade, pressupunha como base
de seu funcionamento e forma de ascensão e manutenção social a formação de alianças
e redes clientelares, com indivíduos colocados nas posições certas que permitissem uma
busca ativa e estratégica de mercês. As relações de amizade e parentesco eram de extrema
importância e faziam parte do sistema, da visão de mundo dessas pessoas. A nomeação
55 DIESTE, Josep Lluís Mateo. <<Una Antigua Costumbre...>>. Corrupción entre colonizadores y colonizados en Alcázarquivir (1925),
Protectorado español de Marruecos. Illes I Imperis: Estudios de historia de las sociedades en el mundo colonial y post-colonial, nº 16,
2014, p. 165-166.
271
56 Idem.
272
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
o discurso dos atores envolvidos e suas posições e objetivos. Às vezes é necessário des-
confiar do que está sendo falado, e buscar as ações que estão sendo colocadas em prática.
CONCLUSÃO
FINANCIAMENTO
REFERÊNCIAS
1. BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua Portugueza composto
pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural
do Rio de Janeiro. Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, Tomo Primeiro A=K.
3. CASTILLO, Francisco Andújar. Los contratos de venta de empleos en la España del Antiguo
Régimen. In: CASTILLO, Francisco Andújar (Org.); FELICES DE LA FUENTE, Maria del Mar
(Org.). El poder del dinero. Ventas de cargos y honores en la España del Antiguo Régimen.
Madrid, Biblioteca Nueva, 2011.
273
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
4. CASTILLO, Francisco Andújar; FEROS, Antonio; LEIVA, Pilar Ponce. Corrupción y mecanis-
mos de control en la Monarquía Hispánica: una revisión crítica. Tiempos Modernos: Revista
Electrónica de Historia Moderna, vol. 8, nº 35, 2017.
5. DEDIEU, Jean Pierre; RENEDO, Andoni Artola. Venalidad en contexto. Venalidad y conven-
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España del Antiguo Régimen. Madrid, Biblioteca Nueva, 2011.
6. DIESTE, Josep Lluís Mateo. <<Una Antigua Costumbre...>>. Corrupción entre colonizadores
y colonizados en Alcázarquivir (1925), Protectorado español de Marruecos. Illes I Imperis:
Estudios de historia de las sociedades en el mundo colonial y post-colonial, nº 16, 2014.
7. FELICES DE LA FUENTE, Maria del Mar. Venta y beneficio de cargos en la España Moderna:
consideraciones en torno al concepto de venalidad. In: STUMPF, Roberta (Org.); CHATUR-
VEDULA, Nandini (Org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e
venalidade (séculos XVII-XVIII). 1ª. ed. Lisboa: CHAM, 2012.
11. TAPIA, Ángel Sanz. Canarios en cargos políticos americanos (1670-1700). In: PADRÓN, Fran-
cisco Morales (Org.). XIII Coloquio de Historia Canario-Americana. VIII Congreso Internacional
de Historia de América (AEA), Las Palmas de Gran Canaria, Cabildo de Gran Canaria, 2000.
12. TAPIA, Ángel Sanz. Corrupción o necesidad? La venta de cargos de gobierno americanos bajo
Carlos II (1674-1700). Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2009.
13. VILANA Y PETIT, José de. Títulos de Indias. Estudio de los beneficiados. Cartela Heráldica,
nº 9, 1973.
14. VILLANUEVA, Ramón Maruri. Poder con poder se paga: títulos nobiliarios beneficiados en
Indias (1681-1821). Revista de Indias, vol. 69, nº 246, 2009.
274
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
20
Giselle ou Les Willis, um conglomerado
de imagens
10.37885/210203061
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo, abordar as imagens produzidas no entorno
do balé romântico francês, Giselle. Este balé que é considerado a obra prima do balé
romântico do século XIX, foi inspirado em um texto do escritor alemão Henri Heinrich,
que contava a lenda das Willis. Foi transformado em balé pelo poeta e crítico Théophile
Gautier em 1841, e foi apresentada pela primeira vez nos palcos da Académie Royale
de la Musique et de la Danse, atual Ópera Garnier. Para este trabalho, foram recolhidas
cerca de dezenove imagens dispostas online, via arquivo da Biblioteca Nacional Francesa,
Gallica. Estas imagens remetem ao período de estreia do balé, o ano de 1841. O período
romântico foi extremamente frutífero para o balé, inúmeras obras foram criadas e apre-
sentadas para o público, todavia dentre todas, Giselle conseguiu se elevar ao patamar
de um clássico, ocupando um importante lugar na História do balé.
Palavras-chave: História da Dança, História do Ballet, Giselle, História da Arte, França XIX.
276
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
O termo balé designa um estilo de dança que se originou nas cortes italianas do século
XV, neste momento denominado Balé de Corte. Chegou à França com a influência da rainha
Catarina de Médici, que neste momento foi sua maior incentivadora. Neste país foi onde o
balé rapidamente se desenvolveu e foi estruturada, o motivo principal é o interesse de Luís
XIV pelas artes e pela dança, este rei fundou uma academia, Académie Royale de la Danse
(1661) e posteriormente renomeada de Académie Royale de Musique (1672) exclusiva para
a prática e para o ensino da mesma. Se atualmente o balé é um tipo de dança influente
a nível mundial que possui uma forma altamente técnica e um vocabulário próprio, o qual
ainda utiliza o francês como língua oficial, é devido à forte organização que ele obteve ao
longo da História.
Em meados do século XIX surge em concordância com o espírito da época o movimento
romântico, que foi de grande valia para o balé, pois sob sua influência são criados grandes
repertórios que ainda hoje possuem graça e excelência. A Ópera foi entregue aos gnomos,
as odinas, as salamandras, aos elfos, aos espíritos e as ninfas das águas, aos peris e toda
população estranha e misteriosa que se presta tão bem ás fantasias do balé.1 O período
romântico talvez seja um dos mais conhecidos pelas pessoas não especializadas em dança,
através das numerosas litografias da época que imortalizaram balés e bailarinas.2
OBJETIVO
MÉTODOS
1 BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. 2°Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p.204.
277
2 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p.58.
RESULTADOS
DISCUSSÃO
Há 180 anos, em 28 de junho de 1841, ocorria a estreia da obra clássica do balé ro-
mântico francês, Giselle. Ao falar da dança no século XIX, temos uma série de questões que
nos é relevante. O balé adere ao movimento romântico em 1831, ao fazer isto consegue se
desvincular da ópera e criar um estilo próprio. Apesar da entrada tardia no movimento, o balé
romântico consegue grande êxito em suas apresentações. Os enredos levados aos palcos
tratavam questões sobre os amores impossíveis, a dualidade entre o mortal e o imortal e
as dificuldades dos amores entre estes seres. Entre comédias e tragédias desenvolve-se o
romantismo no balé. “O balé transformou-se em poderosa fonte de inspiração e ilusão, e o
desenvolvimento simultâneo de todos os seus componentes – conteúdo dramático, música,
cenários, figurinos, novas formas ou estilos de dança e coreografia – fez dele uma expressão
real do ideal romântico.”3
Esta inspiração pode ser encontrada em diferentes âmbitos das artes, e alguns des-
tes reflexos podem ser encontrados no arquivo online Gallica, onde encontramos o total
de dezenove imagens produzidas no que remete ao primeiro ano de Giselle no palco da
Ópera, estas imagens estão divididas no site em: dois cadernos de imagens somando o
total de dez imagens, cinco sendo capa de arquivos de texto e as demais estão arquivadas
de forma individualizada. Estas imagens podem ser divididas em dois grandes grupos:
Litografias e Croquis de figurinos. O primeiro grupo que será abordado é o de Croquis, este
é constituído por sete imagens, todas desenhadas pelo figurinista da Ópera, Paul Lormier.
Estas imagens foram confeccionadas em papel, e o desenho foi feito em lápis e aquarela,
algumas folhas possuem inscrições em caneta. Um dos principais nomes no que se refe-
ria a costumes, Lormier buscava trazer em seus figurinos, algo autêntico a história que se
passava o enredo apresentado e roupas em que os bailarinos pudessem elaborar passos
virtuosos com facilidade.
278
3 FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. p.65.
279
fora traduzida para camponesa para não prejudicar a fluidez do texto.
280
sanne) e suas amigas serem camponesa vindimeiras (vendangeuse).
281
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
ofuscantes nos dedos, as Wilis dançam ao luar como elfos.”6 , texto este que fora publicado
na França e serviu de inspiração para Gautier, sendo o ápice da história, era importante
adaptar com a maior verossimilhança possível. A descrição das Willis que é habitualmente
apresentada nos libretos das apresentações, Lormier teve que adaptar estes trajes e criar
algo condizente com a história e com os palcos, criando um modelo que posteriormente foi
amplamente reproduzido em diversas companhias de balé. Este pequeno caderno de de-
senhos desempenha uma importante função, além de trazer consigo os primeiros figurinos
criados para este balé, podemos conferir a genialidade do artista ao criar cada traje.
Giselle estreou nos palcos da Ópera em 28 de junho de 1841, levando ao palco uma
história assinada por Theóphile Gautier, poeta e crítico de arte, e Jules-Henri Vernoy de
Saint Georges, um dos mais prolíferos libretistas do século XIX. Com coreografias de Jean
Coralli, coreógrafo da casa, e hoje se tem conhecimento que Jules Perrot também partici-
pou da criação da coreografia, sobretudo das partes que foram interpretadas pela estrela
recém-contratada da Ópera, Carlota Grissi, então sua esposa. A inspiração para o enredo
adveio de um texto do livro De l’Allemagne (1835), de Heinrich Heine, o qual o autor conta a
história das Willis. Todavia a morte da personagem principal adveio do poema Les Fantômes
de Victor Hugo da obra Les Orientales (1829). E assim “as lendas de Heinrich Heine ganha-
ram vida através de Giselle”.7 Eis que este trabalho conjunto de um importante poeta e um
grande libretista gerou o seguinte enredo:
O primeiro ato terreno se encerra de forma drástica, dando espaço para o segundo
ato, etéreo e mágico, que nos traz a lenda alemã.
Segundo Ato – Hilarion está de vigília na tumba de Giselle quando soa meia-
-noite. Esta é a hora da materialização das Wilis, espíritos de jovens que foram
enganadas e morreram antes do dia do casamento. Elas se vigam fazendo
dançar até a morte qualquer homem que encontrem nos arredores do cemi-
tério. Myrtha, sua rainha, aparece e chama as demais Wilis. Neste momento
elas tiram Giselle da sepultura para iniciá-la nos seus ritos. Quando Albrecht
aparece trazendo flores, Giselle surge para ele. Logos as Wilis retornam,
282
8 Programa do balé Giselle. Theatro Municipal do Rio de Janeiro, 2008. p.10.
Todavia uma vez que o balé teve sua estreia, temos outras produções artísticas que
o usaram como base. Temos então a produção de litografias, estas que podemos mapear
sua produção entre os meses de julho e dezembro do ano de 1841. No site Gallica as ima-
gens, não possuem data constando apenas o seu ano de sua produção, mas sabemos que
para a produção litográfica era preciso o contato com a obra em si, logo o balé já estava
nos palcos no período de confecção das imagens, sendo assim, imagens que o público
já conhecia. Através delas o público poderia reconhecer e recontar passagens do enredo
do balé e situar os personagens. Destas litografias encontradas, soma-se o total de treze
imagens, as quais podemos dividir em dois grupos, Apresentação de personagens (cinco
imagens) e Representação de Cenas do Balé (sete imagens, sendo cinco capas de caderno
de imagens ou texto).
Sabemos que a sociedade de meados do século XIX adquiria estas litografias para o
consumo, que se pode dividir em duas formas, a de colecionismo, ou, para decoração de
ambientes, sendo que uma opção não anula a outra. “O período romântico talvez seja um
dos mais conhecidos pelas pessoas não especializadas em dança, através das numerosas
litografias da época que imortalizaram balés e bailarinas.”10 Apesar de ter chegado até nós
apenas estas treze litografias do ano de 1841, podemos entender o seu lugar social e a
importância desta arte. A produção litográfica de balé após sua desvinculação das apresen-
tações de ópera é bem mais simbólica, apenas como uma arte independente e reconhecida
pelo público e por seus pares o balé poderia se tornar uma fonte de inspiração dos litógrafos
e interesse social. “Mas o apogeu dessa tendência se dá com o endeusamento de bailarinas
como Taglioni, Cerrito, Elssler, Grisi ou Graham. Suas litografias, reproduzidas às centenas,
transformaram-se em objetos de decoração nas casas particulares e de negócios da épo-
ca.”11 Cada uma destas bailarinas possuía grande talento, neste momento em que o balé é
escrito para a bailarina, estas conseguiram ser fonte de inspiração de inúmeros balés, logo,
inúmeras litografias suas foram produzidas e circularam em ambientes públicos e privados
da sociedade europeia. “As bailarinas são mostradas quase sempre como seres alados ou
extraterrenos, figuras de lendas e de imaginação, bem de acordo com a época, quando
283
11 Ibidem, p.58.
284
13 Ibidem, p.81-82.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
285
14 Parte da coreografia designada para o casal principal, têm sua forma preestabelecida.
FINANCIAMENTO
REFERÊNCIAS
FONTES
1. Programa Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Giselle, 1999.
5. BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. 2°Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
6. FARO, Antonio José. Pequena História da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
9. PEREIRA, Roberto. Giselle: O Voo Traduzido - da lenda ao balé. Rio de Janeiro: UniverCidade,
2003
10. RENGEL, Lenira e LANGENDONCK, Rosana. Pequena viagem pelo mundo da dança. São
Paulo: Moderna, 2006.
286
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
21
Tecnologia e conto de fadas... Príncipe
ou lobo mau?
10.37885/201202669
RESUMO
O presente artigo reflete sobre a influência do aparato tecnológico nas sociedades atuais,
mais especificamente na educação e na arte de contar histórias, com suas conseqüências
ambíguas de aprisionar e/ou libertar, tanto o ouvinte quanto o próprio contador. Diante
das possibilidades dessas consequências o profissional que escolhe fazer uso da tecno-
logia deve estar atento às suas ações, com base em seus objetivos. Fundamentado na
teoria do sociólogo e filósofo Herbert Marcuse (da escola de Frankfurt) e outros teóricos,
procura-se contextualizar a ferramenta computacional em seu aparecimento, revelan-
do como as pessoas são reféns de uma racionalidade que elas mesmas construíram.
Aponta necessidades de estudos e aprofundamentos para que a atividade de contar
histórias possa ser inserida no computador, levando em conta o interesse e a facilidade
das crianças ao manipularem o suporte digital. Ao mesmo tempo assinala a importância
da consciência no uso da ferramenta computacional (de quem aplica e de quem usa in-
dependentemente), para que a mesma não sirva a interesses individualistas, atendendo
aos dominantes, que mais tendem a aprisionar do que libertar os seres humanos. Não
se trata de negar o uso da tecnologia, mas de direcionar suas ações para atitudes que
considerem: contextos, espaços, estéticas, objetivos, enfim que analisem as possíveis
consequências tanto para o indivíduo, quanto para a sociedade na qual este está inserido.
288
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
Marcuse
Diante dessa epígrafe para negar ou supervalorizar a tecnologia nos tempos atuais
é imprescindível verificar como essa tecnologia, associada à arte, ou a qualquer atividade
humana, pode ser utilizada para contribuir com as sociedades contemporâneas. Ou seja, o
que proponho é pensar em algumas possibilidades e consequências da utilização do aparato
tecnológico, para que, tanto na arte como na educação sua utilização possa contribuir na
formação de pessoas autônomas, críticas e superadoras do ‘status quo’ vigente.
Considerando que a pandemia trouxe a realidade de um ensino híbrido, ou seja com e
sem usos do aparato tecnológico das Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs a
presente análise torna-se importante para planejamentos e considerações futuras, pensan-
do em uma educação que leve em conta as necessidades de humanização, ou seja, que
envolva capacidades de empatia, alteridade e vontade de um mundo mais justo.
Nos escritos de Aristóteles um dia a humanidade não precisaria mais ter escravos,
pois, a máquina substituiria o trabalho humano. Se pensarmos em termos de possibilida-
des, podemos facilmente concordar, mas ao mesmo tempo, fica claro que esta, não é nem
de longe a nossa realidade. Surge um paradoxo: o atual desenvolvimento tecnológico po-
deria sim, permitir ao homem maior tempo de fruição e liberdade, já que suas obrigações
poderiam ser minimizadas (ou divididas) em tempo real, pelas possibilidades de atribuir à
tecnologia, muitas ações humanas. Como exemplos concretos dessa realidade temos todo
esse período de Pandemia (ano de 2020), nos obrigando ao isolamento social, onde cada
um realizou suas próprias tarefas e operações, por meios digitais, fazendo grande parte da
vida urbanizada continuar. Sem levar em conta nenhum detalhe, a grasso modo podemos
dizer que foi possível por exemplo na área da educação. Porém, de forma alguma isso pode
equivaler a dizer que os meios digitais podem substituir um ensino presencial. Pensar que
uma simples TV ou rádio permitem acompanhar em tempo real um acontecimento do outro
lado do planeta, são ações que alteram tempo e espaço nas atividades humanas e poderiam
estar a serviço do bem da humanidade.
Entretanto, não é somente isso que ocorre, sendo este apenas um dos aspectos ve-
rificados. O que observo no mundo real é o aumento da riqueza e da tecnologia no mundo
(cada vez mais sofisticada), mas, ao mesmo tempo a fome, a miséria, a violência, a solidão,
a alienação, o preconceito, a exclusão... Lembro-me de ter aprendido a Lei de Malthus na
289
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
escola: em que a população cresceria em proporção geométrica, enquanto o alimento em
cresceria em proporção aritmética, assim em pouco tempo, nós humanos, não teríamos mais
como nos alimentarmos. Há muito isso não é mais verdade, pois, a tecnologia encontrou
caminhos para superação desse fato. O que ocorre é uma distribuição injusta, pois, mesmo
podendo alimentar todo o planeta encontramos morte por subnutrição e desperdícios incal-
culáveis em razão de uma necessidade de acúmulo de riqueza, por parte de alguns.
A pessoa humana não consegue colocar o progresso para o bem de todos, ao fazer
deste a fonte do poder para a dominação da maioria, que fica impedida de usufruir de suas
conquistas. Sem dúvida o progresso tecnológico tem contribuído ainda mais para este “caos”,
aumentando significativamente as diferenças sociais e a exclusão. A Pandemia só escanca-
rou essa realidade, mesmo com os esforços de inclusão por meio de distribuição de sinais
e equipamentos nas redes educacionais, no Brasil.
Feemberg, em seu texto: Teoria Crítica da Tecnologia, com base nos estudos de
Marcuse, também relaciona a revelação tecnológica com as conseqüências da persistência das
Ainda que o domínio de poucos seja inerente à complexidade de fatores que envolve,
digo do acesso mínimo, à uma tecnologia que garanta participação social, uma vez que o
próprio poder público atribui ao “cidadão” responsabilidades, sem lhes prover seus direitos
constitucionais mínimos. A contradição mais uma vez se afirma, em conjunto com uma con-
fusão de papeis e ações, pois, a utilização da ferramenta tecnológica pressupõe uma ação
técnica do domínio de poucos, cujo feedback, só pode ser a alienação de muitos.
Os seres humanos só podem agir num sistema a que eles mesmos pertençam.
Consequentemente cada uma de suas intervenções retorna a eles de certa
maneira como feedback de seus objetos. Isso é obvio na comunicação coti-
diana onde a cólera geralmente desperta a cólera, bondade estimula bondade,
e assim por diante (IBIDEM, p. 5).
São comuns hoje os comentários da influência dos programas violentos nas reações
das crianças, que chegam a cometer “assassinatos em massa” em escolas americanas e
também, brasileiras. Em aulas de arte/teatro, nas escolas regulares, quando é dada a opor-
tunidade para que os próprios alunos criem suas cenas observamos que a maioria maciça
apresenta temática e ações violentas em suas ações dramáticas. Esta realidade não é só
goiana, as experiências de outros Estados revelam os mesmos resultados. As pessoas
290
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
parecem estar reféns de uma racionalidade que elas mesmas construiram. Neste sentido a
tecnologia deve ser vista e entendida como continuidade de uma construção humana, nas
duas perspectivas, como nos revela Marcuse na epígrafe deste texto.
Os estudos deste mesmo autor: “Algumas implicações sociais da tecnologia moder-
na”1 analisam a história, na busca da compreensão da racionalidade individualista e sua
transformação em racionalidade técnica. A ideia de racionalidade individualista nasce com
a Idade Moderna, por volta dos séculos XVI e XVII onde os valores de verdade provém da
razão humana e esta razão é o valor máximo do indivíduo. Somente a inteligência, ou seja,
a razão poderia libertar o homem (dito e entendido assim). Como teoria social, nessa época,
surge o Liberalismo também com o individualismo como princípio fundamental, associado à
liberdade, propriedade, igualdade e democracia. “O princípio do individualismo, a busca do
interesse próprio, era condicionado pela afirmação de que o interesse próprio era racional,
quer dizer, que resultava de e era constantemente controlado pelo pensamento autônomo”
(MARCUSE, 1999, p. 75).
Com o surgimento da revolução industrial o ser humano foi submetendo esta razão
que se transformou em uma racionalidade tecnológica, que ao invés de libertar, escravizou
a humanidade. “O poder tecnológico tende à concentração do poder econômico (...) E a
tecnologia “paulatinamente” expande o poder à disposição das empresas gigantes criando
novas ferramentas, novos processos e produtos” (IBIDEM, p. 77). É preciso compreender
que a produção está nas mãos de poucos, que detém o controle e trabalham exclusivamente
para e pelo lucro. Desta forma, “o poder tecnológico do aparato afeta toda a racionalidade
daqueles que a servem (...) Sob o impacto deste aparato a racionalidade individualista se
viu transformada em racionalidade tecnológica” (IBIDEM, p. 77).
É importante perceber que as duas racionalidades, individualista e tecnológica, ou seja,
os dois conjuntos de verdade, de valores, não podem ser considerados opostos, pois os
mesmos possuem pontos em comum. Assim, a crítica não será válida se for apenas contra
a técnica, ou na direção da substituição do individualismo pelo coletivismo, a solução não
pode vir pela oposição. O indivíduo deve recuperar sua capacidade de criação, liberdade e,
sobretudo de controle da tecnologia na conquista de sua autonomia, e não, de submissão
como tem acontecido.
291
1 No livro: Tecnologia, Guerra e Facismo organizado por Douglas Kellner.
Nesse sentido, devemos estar atentos para o uso do meio eletrônico como ferramenta
que pode propiciar uma interatividade crítica e criativa, mas, por outro lado como nos mostra
a teoria de Marcuse, pode aprisionar as pessoas em significados prontos que não permitem
as transformações necessárias dos seres humanos e consequentemente das sociedades.
Novamente o paradoxo se estabelece: de que adianta tanta informação se não sabemos
o que fazer com elas? De que adianta o acesso ao meio eletrônico em um país com mais
de 67% de analfabetos práticos? Como solucionar o problema da crítica emancipatória em
leitores que não são capazes de construir um sentido próprio em suas interpretações e lei-
turas? Como falar de inclusão digital onde a fome é a primeira necessidade? Será possível
utilizar a tecnologia como ferramenta no auxílio da formação do professor e do aluno, sem
colocá-la como condição única? E o acesso do professor ao aparato tecnológico, conside-
rando que as dificuldades na aquisição de materiais básicos para seu trabalho? Foi oferecido
e solucionado em tempos de Pandemia? Como vencer a dominação do meio eletrônico sem
o tempo e a vivência necessária com esse meio para superar suas contradições? Em que
contextos ou momentos a ferramenta - computador seria útil na aprendizagem escolar?
292
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Como lidar com a diversidade de informações e conceitos que essa ferramenta disponibili-
za? Como lidar com a diversidade e simultaneidade de linguagens oferecidas pelo aparato
tecnológico? E na arte, o aparato tecnológico impede a criatividade e o imaginário? Ou é
possível a contribuição do diálogo e/ou interação da arte com a tecnologia? Até que ponto
as experiências que conseguimos realizar no ensino remoto faria sentido sem a condição
do isolamento social?
Essas questões não serão respondidas integralmente, até porque a maioria delas não
tem respostas prontas, mas, trazem elementos que podem orientar pensamentos, investi-
gações e ações que auxiliem na transformação dessa realidade.
Mesmo me colocando em risco ouso dizer que um dos grandes problemas da socie-
dade contemporânea, ou pós-modernidade como querem denominar alguns autores, é da
substituição dos fins pelos meios. Ao não conseguir assumir que o “fim” das pessoas é
“ser feliz2 vivendo em uma sociedade justa”, como já afirmava Aristóteles este “fim” do ser
humano se perde em meio a valores, tempos e espaços diversos e imediatos. Atualmente
o que se coloca são os meios no lugar do “fim”, esses meios trazem a imediatez, nas res-
postas instantâneas, produzidas pelos meios tecnológicos. Os meios têm sido interpretados
como objetivos imediatos de fácil verificação e assim estão substituindo a conquista maior
da humanidade, ou seja, o sentido da vida.
2 Cada um tem sua própria maneira de ser feliz, que pode ser diferente ou igual a de outras pessoas. Mas, no fundo todos queremos
293
a felicidade, cada um a seu modo.
3 Em meus estudos de mestrado relato parte desta experiência que está puplicada no livro: Dos contadores de histórias e das histórias
294
dos contadores. Editora Cegraf/UFG, 2005.
295
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
Em vários países contar histórias é uma profissão, com espaço assegurado em livrarias,
bibliotecas, escolas e centros de cultura. Na Inglaterra A arte de contar histórias é disciplina
curricular obrigatória, em todas as licenciaturas e cursos de pedagogia, por entenderem que
um educador é antes de tudo, alguém que comunica e troca experiência nas significações
das recepções das narrativas. No Brasil multiplicam-se grupos de todas as idades e por toda
parte, indo e vindo em todas as direções:
296
4 O evento Boca do Céu tem a curadoria da profª Drª Regina Machado, da ECA/USP.
No século XXI, a narração oral ganha outra dimensão ao ocupar o espaço te-
lemático. Abordar a performance do contador de histórias na era digital, como
é o caso de Cabra Cabriola5, implica uma mudança de foco, de entendimento
e aceitação de outras perspectivas e paradigmas do aprendizado e da fruição
dessa arte (BUSATTO, 2006, p. 97).
A autora, para ser fiel à ação do imaginário propiciada na narração de um conto faz
um estudo aprofundado da personagem para que ela não perca as características básicas
oferecidas pela contação de histórias ao vivo. Em seus cuidados estudou a oralidade desde
suas raízes e como foram se re-significando através dos tempos, até hoje, onde ela não
perde sua força, mas, ganha outras possibilidades na utilização do aparato tecnológico.
A facilidade com que as crianças de hoje manipulam o suporte digital sugere que se
pense e se considere essa linguagem não como presença efêmera desse cotidiano, mas
como um segmento a ser pensado. Se as crianças vão mesmo utilizar essa ferramenta
então devemos estar atentos para a possibilidade de liberdade em relação à máquina, e
não de submissão.
297
5 Produção no formato CD-ROM Contos e encantos dos 4 cantos do mundo. Curitiba, 2001.
6 As ideias de força e fraqueza na educação estão no livro: O que é Educação. Col. 1º passos, 1995. O autor mostra que toda ação
educativa envolve ao mesmo tempo uma força, que é a transformação, e, uma fraqueza, que se revela na manutensão da nova or-
dem; Prof.º Dr. Carlos Rodrigues Bandão, Antropólogo na Unicamp.
298
7 Professora da Faculdade de Educação da UnB, com quem tive o prazer de iniciar esse artigo, em 2003.
REFERÊNCIAS
1. BENJAMIN, W. In O Narrador. São Paulo, Abril Cultural, 1975 (coleção Os Pensadores).
4. BUSSATO, Cleo. A arte de contar histórias no século XXI: tradição e ciberespaço. Santa
Catarina, Vozes, 2006.
5. CAFÉ, Ângela Barcellos. Dos contadores de histórias e das histórias dos contadores.
Goiânia, Cegraf/UFG, 2005.
6. FEEMBERG, Andrew. A Teoria crítica da tecnologia. Trad. Unimep, Ufscar e Unesp. http://
www.sfu.ca/%7Eandrewf/critport.pdf. acesso em 2006.
299
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
22
A angústia entre Heidegger e
Kierkegaard: consonâncias
10.37885/210102844
RESUMO
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
INTRODUÇÃO
303
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
O mundo é um processo criador alicerçado no Dasein; uma potência estrutural. Não
falamos aqui do conceito cosmológico de mundo, tampouco deste como totalidade dos entes.
Ser-no-mundo será a perspectiva ontológico-existenciária deste fenômeno, um modo-de-ser
fundamental e unitário, envolvido pela mundidade, seu conceito constitutivo; um encontrar-
-se junto ao ente em sua totalidade. Tal concepção demonstra uma conexão de fundamen-
tação. “E está fora de dúvida que subsiste uma diferença essencial entre o compreender
a totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. Aquilo é
fundamentalmente impossível. Isto, no entanto, acontece constantemente na existência”
(QUE É METAFÍSICA, 1969, p. 29). No cerne desta dinâmica repousa uma interpretação
prévia, uma vinculação primordial.
No encontrar-se (isto é, num estado-de-ânimo afetivo) o Dasein é o seu aí. Esse aí com-
plexo, entregue a sua própria responsabilidade, “encontra-se” em sua dejecção. “Encontrar-
se e entender caracterizam a abertura originária de ser-no-mundo” (SER E TEMPO, 2014,
p. 419). No entender reside existenciariamente o modo-de-ser do Dasein como poder-ser.
Ele é e compreende-se a partir de suas possibilidades. A idéia de projeto participa do
“avanço” do poder-ser para o poder-ser-mais-próprio. A totalidade da conjuntação, as co-
nexões possíveis entre os entes e a significatividade e utilizabilidade são derivados do a
priori entender-se. Desprovido desses modi, a saber, encontrar-se e entender-se, o Dasein
perderia sua característica de abertura, também não seria mais afetado pela mundidade;
o ontológico-existenciário discurso não chegaria a existir. O mundo circundante não mais
“atingiria” seu querer e agir, o “assenhoramento factual” não seria possível, o poder-ser não
participaria da realidade estrutural do Dasein; extinção consolidada, a dejecção e a conjun-
tação, os estados-de-ânimo e o caráter-de-projeto, se perderiam por completo, o Dasein
seria uma ilusão e a fenomenologia uma quimera.
Outro tópico (para concluirmos a presente análise), é o a priori discurso. “Como cons-
tituição existenciária da abertura do Dasein, o discurso é constitutivo para sua existência”
304
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
(SER E TEMPO, 2014, p. 455). O discurso é a articulação da significatividade, algo como a
significação do ser. Na tessitura da significação ontológica, possui a mesma originalidade
do entender e do encontrar-se, e está em estreita conexão com estes, sendo assim como
estes fundamento do Dasein. O discurso é constitutivo a priori do Dasein, o ouvir e o calar
articulam a entendibilidade do ente privilegiado. A contínua emergência da interpretação e
da enunciação caracterizam o homem como o ente que discorre; “o Dasein tem linguagem”.
A consciência-de-si segue-se um conhecimento de si. Na “atmosfera” dos modos-
-de-ser originários ser-em, ser-com e ser-no-mundo fica claro o caráter ôntico-ontológico
do ente privilegiado. O ser-no-mundo vê-se lançado de modo que o que está em jogo é
a sua possibilidade mais própria. Nesta possibilidade remanesce uma apropriação-de-si;
apropriação esta que possui uma natureza dicotômica: os modos-de-ser da propriedade e
da impropriedade. Um novo existenciário desvela-se: o decair/a decadência. Decorre daí
que a-gente “imperante” “retenha” o Dasein, afastando-o de sua individualidade. Quando
imerso na condição cotidiana, os modi citados, a saber, o encontrar-se, o entender-se e o
discurso, acompanham esse afastamento-de-si e passam a ser no modo da ambiguidade,
da curiosidade e do falatório, porém, conservam sua natureza estrutural.
Não que o Dasein, na cotidianidade, no existenciário decadência/decair, se encontre
em estado de “fechamento total”, porém, encontra-se em estado de impropriedade/ inauten-
ticidade; podemos compreender, por enquanto, a inautenticidade como um escapismo, um
abandono de si, um deixar-se nivelar pela cotidianidade. O desejar, o temer e o querer perdem
sua autenticidade, tornam-se impróprios, mas ainda “pertencem” a um modo-se-ser; este
nivelamento é apanágio do Dasein e repousa no chamado modo-de-ser originário (ôntico)
ser-no-mundo. O Dasein não pode ser absorvido pelo mundo, mas pode ser nivelado por
ele. Também não falamos do mundo em sentido físico, mas do mundo que nos “toca” com
seus fenômenos. Como será possível uma correção de rumo após esta funesta interferência
da cotidianidade? Como sublimar o decair e converter a inautenticidade em autenticidade,
recolocando o Dasein em seu seguro caminho rumo a sua “terra natal”? Como reencontrar
o caminho de volta, qual será a noção norteadora deste bem aventurado retorno? A angús-
tia, naturalmente...
Para cumprir o “papel” de disposição privilegiada, a angústia deve estar presente
mesmo no mais arraigado antípoda do Dasein; “no coração do próprio coração”. Assim
iluminada, ficam claros o como e o quando a que nos referimos: o encontrar-se, o enten-
der-se, o discurso, e o nada; eis os fios com os quais é engendrada uma trilha rumo a “terra
natal”. Em cada um deles a angústia irradia “um pouco” de sua natureza ontológica: no
encontrar-se será na forma do estranhamento, no entender-se será na forma da suspensão
do ente, da caducidade da mundidade, um retroceder diante da totalidade dos entes; no
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
discurso será na forma da não-dicção, não-enunciação; mudez no sentido de ter o acesso
a dicção e a enunciação obstaculizado devido a suspensão da valoração da totalidade dos
entes pelos dois a priori citados, a saber, o encontrar-se e o entender-se. A relação com o
nada é ainda anterior, representa o “impulso inicial”, é o “marco-zero” do Dasein.
Tal questão, a saber, acerca do nada, continua a desafiar a argúcia dos que sobre ela
se debruçam. O próprio questionar pelo nada o transforma no é, uma vez que a resposta a
uma questão baseia-se na predicação de um objeto. Porém, ao objetivá-lo, o convertería-
mos em um ente pois o pensamento, se agisse como “pensamento do nada” agiria contra
sua própria essência. Sob qual regime semântico podemos questionar o nada? Na rotina
do Dasein, o entendimento, o pensamento e a Lógica estão presos ao ente. Logo, o nada
é a negação da totalidade do ente; o definimos, assim, como o não-ente.
Porque o Dasein precisa do nada para alcançar o ente? Esta base originária é de onde
procede o Dasein. A precedência do nada demonstra que este sustenta o estar-lançado/
jogado; nesta sustentação encontra-se a abertura e ocorre a transcendência, a saber, a
possibilidade de apreensão do ente pelo Dasein: o aí. O caráter interpretativo privilegiado
do nada, diante do ente em sua totalidade, mantém-se oculto. Na profusão dos entes, no
seu vir-de-encontro, “submerge” o nada, neutralizado pela suave brisa da cotidianidade.
Onde procurá-lo? Em uma vacuidade fecundante? Em um vazio criador? A resposta já a
fornecemos acima, naturalmente.
Vinculo essencial expresso, cabe-nos agora o “desmonte” da relação do nada com
o Dasein e com a angústia. A angústia não empreende uma destruição do ente em sua
totalidade, tão pouco sua negação. Sem sair dos “limites do Dasein”, a angústia subtrai da
totalidade dos entes seu valor, deixando em relevo apenas o nada fulcral, “onde” as pos-
sibilidades e a liberdade agem, antes da realidade se formar. Anterior a liberdade como
possibilidade de escolha, é o “estar suspenso” do Dasein no nada. Concomitantemente
ocorre a transcendência. A partir deste momento, inicia-se a relação do Dasein com o ente.
Procedendo como pelo nada revelado, tal relação se desenvolverá segundo as vicissitu-
des e idiossincrasias de cada ser-no-mundo particular. A liberdade resgata continuamente
a possibilidade de escolha e converte-a ao Dasein; a particular referência ao mundo e a
constante irrupção do ente permitem ao Dasein escolher livremente.
A essência deste nada estrutural é a nadificação, a condução do Dasein diante do ente
enquanto tal. “O nada não é um conceito oposto ao ente, mas pertence originariamente à
essência mesma (do ser). No ser do ente acontece o nadificar do nada” (QUE É METAFÍSICA,
1969, p. 35). Isso implica em que a angústia originária “conduz” o Dasein ao nada estrutural.
Este nada estrutural que perpassa toda a totalidade do ente, muitas vezes não resulta na
citada nadificação, nem o homem imerso na angústia encontra, invariavelmente, esta abertura
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
originária chamada clareira, porque? Porque ambos, tanto o nada como a angústia, tiveram
suas “funções” estropiadas pela cotidianidade. Através de uma caprichosa dialética, tudo
foi corrompido até a medula. Um matiz coletivo mutilou as funções fundamentais de tais a
priori originários. Eles não mais conduzem o homem ao abissal da existência; filtrados pela
abordagem cotidiana, tornaram-se inconsistentes e devem ser abandonados.
O essencial do empreendimento condensou-se nos conceitos de angústia, Dasein e
nada. O perfil caracterizador que melhor problematiza estes “elementos” é o ontológico-
-existenciário ser-para-a-morte. “A angústia diante da morte é a angústia ‘diante’ do mais
próprio, irremetente e insuperável poder-ser. O diante de que dessa angústia é pura e
simplesmente o poder-ser do Dasein” (SER E TEMPO, 2014, p. 693). Constituído pela
abertura, “um entender que se encontra”, afirma-se que essa possibilidade final pertence a
dejecção, logo, está sujeita a interpretações orientadas pela cotidianidade. A-gente nunca é
“tocada” pela morte porque a-gente nunca morre, quem morre, cessa-de-viver, é o Dasein.
A-gente, no máximo, consegue “soterrar” a noção da morte através de uma “esquivança
encobridora”, “moldando-a”, de modo que o consequente cessar-de-viver transforme-se em
uma calamidade. O moribundo é mantido longe do alcance dos olhos dos demais, evita-se
falar dele e, quando se fala, trata-se de uma recordação; sendo assim a angústia diante
da morte “não chega a ser”, vem à tona como “medo da morte”. Ela torna-se um fenômeno
impessoal, distante, quase sem vínculo conosco, já que na esfera a-gente nunca nos refe-
rimos a individualidade, somente a coletividade. A morte é um fenômeno da vida, faz parte
da constituição originária do Dasein.
A aplicação dos conceitos acima nos conduziu desde o ontológico-existencial ser-em
até o ontológico-existenciário ser-para-a-morte, caracterizando também o nada estrutural.
Envolver-se na exploração da angústia nos conduziu a meandros desconhecidos até então.
Sob a “vigilância” da preocupação, a angústia originária de que nos fala Heidegger conduz
o homem a uma determinada ataraxia, onde o Dasein está só consigo mesmo. Neste “en-
capsular-se”, o único “objeto” é o próprio Dasein, velado pela preocupação, e pelo nada
formador, que envolve esta atmosfera originária.
Tais perspectivas heideggerianas só foram possíveis, segundo o próprio Heidegger,
devido a um “ensimesmado” antecessor. Muito cedo o jovem Søren foi colocado “diante” da
angústia e do desespero. Sua cerebração incisiva e sua natureza lúgubre (unidas a uma
miríade de traumas que se abateram sobre ele) o voltaram para o estudo do indivíduo que,
segundo ele, é a categoria por excelência. Assim sendo, é na investigação do indivíduo que
seus esforços se concentraram. Na esteira das diferenças entre os dois pensadores, iniciamos
pela própria noção de indivíduo, que muito difere da noção de Dasein. O dinamarquês fala de
uma síntese criada por Deus. Também fala que esta não se harmoniza por si só, pois seus
307
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
fatores formadores são de natureza antípoda, contudo, “alocados” num frágil e complexo ser,
a saber, o homem: uma dicotomia estrutural, um vínculo sobrenatural. O conceito desespero
caracterizará as variações desta desarmonia. A conduta faltosa e a torpeza de espírito serão
caracterizadas como pecado, sendo a fé o elo entre o homem e Deus. A inocência é o pri-
meiro momento perceptível da angústia e primeira noção do nada (não no sentido nadificante
e sim no sentido de imperturbabilidade), onde uma simples palavra ambígua pode por em
marcha o “processo” da angústia. Por toda a existência, excetuando o estado de inocência,
o homem será presa do desespero, sendo a própria ignorância desta enfermidade uma de
suas variações mais comuns. No fim da vivência, a alma retorna à Divindade. Neste retorno
a angústia terá um papel fundamental. Apesar das diferenças apontadas, a esfera do eu
não foi ultrapassada. Nesta atmosfera, apesar das dessemelhanças citadas, encontram-se
similaridades entre os dois pensadores: a determinação existência (leia-se existencial) alheia
a uma dialética objetivante e a determinação multidão (leia-se cotidianidade) como hostil e
maléfica ao eu. Mas como se formam tais caracteres?
Provisoriamente, admitiremos o eu apenas como uma síntese, sem mencionar seus
termos. A esta síntese Kierkegaard dá o nome de espírito. O dinamarquês nos fala de um
momento inicial da síntese, que representaria um estádio anterior ao estabelecimento do eu.
Não se trata de uma desnaturação do indivíduo, também não de uma ignorância animalesca,
incomunicável com a racionalidade, pois se o fosse por um só instante, nunca chegaria a ser
homem. Os termos existem e já “relacionam-se” entre si, constituem uma unidade, porém de
uma maneira imediata, num elo fortuito. A inocência caracteriza o espírito numa atmosfera
quase onírica. Este elo ainda não é sólido o suficiente para propiciar o surgimento do eu,
mas como síntese estabelece a unidade entre os termos. Neste relacionar-se encontra-se
o primeiro vestígio da angústia: a “língua comum” resultante desta relação primitiva entre
os termos. A síntese é acossada pela liberdade e pela possibilidade; ainda não é culpada,
pois se o fosse, já teria perdido a inocência, mas é presa da angústia.
“O homem é uma síntese de finito e de infinito, de temporal e de eterno, de liberdade e
de necessidade, é, em suma, uma síntese” (A DOENÇA MORTAL, 2010, p. 25). A presença
imediata de tais elementos por si só, como foi dito, não constitui o eu. A relação “instituidora”
do espírito por si só já está presente na inocência, porém, não tem “consciência de si”, não
está voltada sobre si, e esse relacionar-se ainda é uma mera “acomodação” inicial. O eu
ainda “não está presente” por que este não representa apenas a relação por si só, porém, o
voltar-se sobre si desta relação. Esta constituição primeira, como afirmou-se anteriormente,
é alheia ao desespero por repousar em uma ataraxia, numa imperturbabilidade, onde o de-
sespero não encontra seu “objeto”, porém, “a angústia já andava de roda no meio das flores
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
e dos legumes; não conseguia pousar em nenhuma parte”. O desespero, como veremos
adiante, pressupõe o eu já “estabelecido”.
A humanidade possui um plenipotenciário: Adão. É dele que Kierkegaard vale-se para
ilustrar a inocência. Logo, ele é o primeiro “alvo” da angústia. Seguindo as Escrituras, vemos
que Adão habitava o Éden. O que havia neste lugar sagrado capaz de perturbar Adão? Nada.
Exatamente este nada entranha-lhe a angústia no ser. A proibição divina à degustação do
fruto “encontra” em Adão a possibilidade e a liberdade para saborear o fruto ou não.
Não convém permitir que a simples proibição condicione a queda. Se nos determos
neste momento, a concupiscentia virá à tona, e não a angústia. “Uma concupiscentia é uma
determinação de culpa e de pecado antes da culpa e do pecado e que, no entanto, não é
nem culpa nem pecado, ou seja, é posta por este” (O CONCEITO DE ANGÚSTIA, 2010, p.
44). No homem posterior a Adão , no tocante as valorações, a concupiscentia é um “segundo
momento” no pecado, onde “lentamente” a culpa insinua-se, e neste simples insinuar-se,
após a instauração do pecado pelo salto qualitativo, o nada da angústia deu lugar ao angus-
tiante ser-capaz-de; o mostrar-se da liberdade para si mesma na possibilidade. Podemos
compreendê-la como corrupção. A Igreja Protestante associa ao homem a presença do
pecado hereditário devido a sua natureza corrompida. Após o primeiro pecado de Adão, a
concupiscentia avançou no seu eu, corrompendo sua natureza. Como Adão “representava”
a si mesmo e ao gênero humano, um “espectro” desta concupiscentia passou a participar
da natureza do homem. O remanescente do pecado hereditário é a pecaminosidade, o
avançar constante do pecado.
Com o salto qualitativo a diferença de gênero é “posta em contato” com a síntese, e
a sexualidade torna-se pecaminosidade. Na inocência, o espírito é insciente em relação a
diferença genérica. Tal diferença encontra-se velada pelo pudor. Neste caso, a diferença
entre o anímico e o corpóreo não existe, e a angústia do pudor é a consequencia desta igno-
rância. No ápice da síntese, o pudor “suspende” a sexualidade. Devido a essa “suspensão”,
o instinto sexual ainda não está presente. Ele é derivado do salto qualitativo, e introduziu-se
concomitantemente a diferença entre bem e mal. Porém, uma vez manifesto, deve ser deter-
minado como o extremo da síntese; assim determinado, de acordo com Kierkegaard, surgem
os problemas morais do erótico e sua batalha com o amor romântico. “A sensualidade não
é pecaminosidade. A sensualidade, na inocência, não é pecaminosidade e, no entanto, a
sensualidade está presente. (...) Só a partir do momento em que é posto o pecado, também
a diferença de gênero será posta como instinto” (O CONCEITO DE ANGÚSTIA, 2010, p. 88).
309
propriamente nesta proprosição: o pecado entrou no mundo por meio de um
Assim, confirma-se que a síntese não precisa estar estabelecida para o surgimento
da angústia e que esta não necessita de um “alvo” específico, a natureza humana é o seu
nicho. Não que a inocência tenha se extinguido junto com Adão, ou permanecido idêntica,
pois, no avanço quantitativo da humanidade, “mesclou-se” à inocência um “complexo de
pressentimentos”, mas ela continua inocência, pois um “mais” não pode gerar uma mudan-
ça qualitativa. E, como tal, só há uma maneira de perdê-la: pela culpa. Deste modo Adão
perdeu a inocência e é assim que todos os homens posteriores a perdem. A perda da ino-
cência em Adão caracteriza o fenômeno da queda. Esta não gera um avanço quantitativo,
porém, uma mudança qualitativa. Uma mudança na “qualidade” da realidade vivida, causada
pelo chamado salto qualitativo: “com o primeiro pecado, entrou o pecado no mundo” (O
CONCEITO DE ANGÚSTIA, 2010, p. 33). Segundo Kierkegaard, a instauração do primeiro
pecado representa a entrada da pecaminosidade no mundo; o outro primeiro pecado, a
saber, nos indivíduos posteriores, tem esta pecaminosidade como condição. Assim como
com Adão, perde-se a inocência pelo primeiro pecado cometido.
312
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
A angústia continua a incidir, metamorfoseando-se de inquietação em inquietação.
Como afirmou-se, a diferença entre bem e mal foi posta in concreto. Também a angústia
“tomou assento” diante dessa nova realidade. A compreensão integral da questão exige
que esmiucemos a problemática. O “percurso” do pecado já o percorremos. O mal, como o
compreenderemos aqui, está nele radicado. Logo, angústia diante do mal é angústia diante
do pecado. Além desse papel de “realidade indevida”, o pecado corresponderá ao acima
nomeado “complexo de pressentimentos”; os indícios que se podem “vislumbrar” remontam
a permanência do indivíduo no pecado e ao “deter-se” da angústia diante do pecado, ope-
rosidade do eu diante da realidade indevida, a saber, culpa. Em contato com tais “agentes”,
a liberdade dispõem o homem. Na angústia diante do mal, a possibilidade da liberdade é
a possibilidade da redenção.
No demoníaco a liberdade está determinada como não-liberdade. Este fenômeno deve
ser encarado sob um olhar filosófico. A angústia diante do bem é o “fechamento” da liberdade.
Tal fechamento caracteriza-se pelo seu caráter hermético onde o contato com o bem acen-
tua o velamento das possibilidades, já que com a perda da liberdade, perdeu-se também o
querer; é o súbito, não-contínuo, não-comunicante e não-expansivo: um estado negativo da
individualidade. É em contato com o bem que a não-liberdade revela-se. “(...) Ao entrar em
comunicação com a liberdade que há lá fora, revolta-se, e então assim a não liberdade trai
que é o próprio indivíduo que trai a si mesmo na angústia” (O CONCEITO DE ANGÚSTIA,
2010, p. 134). Tais assertivas concordam com as palavras do evangelista Marcos, que relata
o tormento do demônio ao ver de longe o Cristo: “Que queres de mim Jesus, Filho do Deus
Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes” (Mc 5: 7).
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
subjetividade ao nada fulcral. Tarefa: apropriação da finitude e ultrapassagem-do-ente; visão
de mundo a partir da singularidade.
O avanço da investigação procurou acompanhar a temática da angústia desde o seu
“despertar” até seus “momentos finais”. Como arraigada no espírito, só há uma possibili-
dade do homem nunca ter sido acossado pela angústia: ser desprovido de espírito. Como
abertura-do-ser, só há uma maneira dela não manifestar-se: não-ser. A crise causada pela
angústia acentua a individualidade e põe em marcha o “encaminhamento” do eu/Dasein.
Devido a densas manifestações, por vezes a angústia conduz a uma taciturnidade exacer-
bada, e pensamos do angustiado que este acabara de retornar do antro de Trofônio. Este
desalento não é o nosso objeto. O porvir do homem depende de um conflito originado na e
pela angústia; neste conflito encontra-se subsumido o abissal da existência.
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Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
SOBRE O ORGANIZADOR
Prof. Dr. Daniel Luciano Gevehr
Daniel Luciano Gevehr realiza pós-doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Possui pós-doutorado em História pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (UNISINOS). É doutor em história pela mesma Universidade, onde também realizou
sua graduação em história e mestrado em história. É Professor Titular do Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR - FACCAT), onde também atua como Líder
do Grupo de Pesquisa (CNPq) Instituições, Ordenamento Territorial e Políticas Públicas para o
Desenvolvimento Regional. Participa como pesquisador dos grupos Estratégias Regionais
(Universidade UNILASALLE), Núcleo de Estudos de História da Imigração (Universidade de
Passo Fundo - UPF), História das mulheres e estudos de gênero (Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul - PUCRS). É coordenador do NIEMI - Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Migratórios e Identidades, em parceria com universidades do Brasil e do exterior. Coordena os
projetos da área de patrimônio cultural, educaçāo patrimonial e gestāo do museu municipal junto
à Secretaria de Turismo, Cultura e Desporto da Prefeitura Municipal de Sapiranga (RS). Seu campo
de investigação privilegia, atualmente, as questões que envolvem a problemática do patrimônio
cultural, da educação patrimonial, da memória,,das sensibilidades, da produção dos espaços urbanos,
educação e formação docente. Pesquisa, ainda sobre as representações de raça, etnia e gênero.
Tem experiência na área de história, educação e desenvolvimento regional, atuando principalmente
nos seguintes temas: história do Brasil e do Rio Grande do Sul, história dos municípios, movimentos
migratórios históricos e contemporâneos, movimento Mucker, patrimônio cultural, espaços
urbanos, memória, representações e relações de gênero, raça e etnia e processos identitários.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0120499154280445
317
Temas da Diversidade: Experiências e Práticas de Pesquisa - Volume 2
ÍNDICE REMISSIVO
E
Educação: 5, 6, 7, 36, 37, 38, 42, 43, 71, 72,
118, 119, 120, 121, 123, 127, 129, 130, 133, 134,
135, 139, 140, 143, 146, 147, 153, 154, 162, 163,
164, 166, 172, 176, 178, 209, 210, 212, 213, 216,
217, 218, 219, 221, 222, 226, 229, 234, 236, 298
Ensino: 7, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 42, 43, 71, 117,
130, 132, 134, 147, 154, 168, 174, 209, 217, 222
F
Filosofia: 74, 127, 164, 316
I
Influência: 106
P
Professor: 107, 114, 115, 116, 117, 120
R
Recursos: 130, 131, 132, 134, 135, 138, 141,
153, 225, 227, 230
S
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