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APONTAMENTOS SOBRE: DESENVOLVIMENTO URBANO, PRODUÇÃO

URBANA EM MOÇAMBIQUE E URBANISMO COMO MODO DE VIDA.

1 Desenvolvimento Urbano

1.1 Noção de Desenvolvimento

Segundo Álvaro (2010, p. 67), desenvolvimento é o processo multidimensional que envolve a


reorganização inteira do sistema social de um país. “Isto envolve uma mudança radical das
estruturas institucionais, social e administrativas, assim como mudanças nas atitudes das
populações e em vários casos, até mesmo nos costumes e crenças populares”.

Para Castells (1977, p.47), “a noção de desenvolvimento remete ao mesmo tempo a um nível
(técnico económico) a um processo (transformação qualitativa das estruturas sociais,
permitindo um aumento do potencial das forças produtivas)”. Isso corresponde a uma função
ideológica; a que apresenta as transformações estruturais como simples movimento
acumulativo dos recursos técnicos e materiais de uma sociedade.

O conceito de desenvolvimento sempre esteve relacionado ao processo de evolução da


humanidade. Tal processo, originalmente espontâneo, adquiriu em determinado momento
histórico, contornos de organização por conta da ocupação espacial. O termo refere-se a uma
transformação não apenas quantitativa (de nível econômico) ou relativa ao crescimento
econômico, como também implica uma transformação qualitativa (de nível social e cultural).

1.2 Noção de Urbano e Urbanização

A noção de urbanização, remete-nos ao conceito do termo Urbano, que nas palavras de Castells,
o termo Urbano tem o mesmo sentido de cidade e corresponde a uma forma de ocupação do
espaço por uma população, aglomerado, resultante de uma forte concentração, de uma
densidade relativamente alta (Idem).

O termo urbano também pode corresponder a um lugar geográfico onde se instala a


superestrutura politica e administrativa de uma sociedade, que chegou a um ponto de
desenvolvimento técnico e social, de forma que existe uma diferenciação do produto em
reprodução simples e ampliada de forca de trabalho. Portanto, podemos perceber que o termo
urbano e cidade são tratados da mesma forma, como termos com significados simétricos, pois
se circunscrevem ao mesmo espaço geográfico com características idênticas.
Segundo Castells (1977 p. 46), o termo urbanização refere-se ao mesmo tempo a constituição
de formas especiais específicas das sociedades humanas, caracterizadas pela concentração
significativa das actividades e das populações num espaço restrito, bem como a existência e a
difusão de um sistema cultural específico (a cultura urbana). A Urbanização é um processo de
concentração da população em dois níveis: 1º a proliferação de pontos de concentração; 2º o
aumento do tamanho de cada um destes pontos. Portanto, o termo urbanização, diz respeito ao
crescimento da cidade em função do êxodo rural. A cidade aumenta o número de habitantes e
cresce espacialmente, ou seja, e o alastramento da cidade em número e extinção.

1.3 Desenvolvimento Urbano

Segundo Theis (citado por Salles 2003 p. 226), “trata-se do processo de acumulação que tem
lugar no espaço de uma cidade; em outros termos, por desenvolvimento urbano se entende o
processo localizado de mudança social que tem como propósito ultimo o progresso permanente
de uma comunidade e seus respectivos membros que vivem num determinado espaço urbano”.

O desenvolvimento é como um processo de acumulação que resume-se na satisfação das mais


diversificadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte,
água e saneamento, alimentação, emprego, salário condigno e lazer.

1.4 Consequências da urbanização

Segundo Einaudi (1986), o desenvolvimento urbano teve níveis consideráveis a partir de 1940,
onde o número de citadinos aumentou 5% por ano e a taxa da população aumentou 2,5%
(Castells 1977 p. 38). Neste contexto, destacam-se algumas alterações de desenvolvimento
urbano, características das iniciais do capitalismo industrial. São eles:

I. Suburbanização, quando crescimento urbano ocorre em áreas suburbanas (exteriores


aos centros urbanos) em vez de ocorrer em áreas urbanas centrais;
II. Desurbanização, quando a população urbana decresce em relação à população de áreas
rurais e não urbanas;
III. A concentração das maiores cidades;
IV. O aparecimento de novas regiões e o declínio das antigas;
V. Subordinação, reproduz desigualdades entre sexos;
VI. Nobilitação, deslocação das classes médias de regresso aos centros das cidades.
Segundo Hall, essas conturbações resultam de grande transformação do sistema urbano por
causa de industrialização. Savage (1993), acrescenta a subordinação e nobilitação como
consequências do desenvolvimento urbano. Para o autor, a subordinação reproduz
desigualdades entre sexos, uma vez que a localização dos subúrbios reduz as oportunidades de
trabalho e vinca ainda mais a divisão do trabalho doméstico no interior das famílias. E a
nobilitação significa a deslocação das classes médias de regresso aos centros das cidades.

A nobilitação pode ser identificada pela consciência dos seguintes processos: 1 - reinstalação e
concentração social, mudança de um grupo social; 2 - transformação de espaço edificado; 3 -
reunião de pessoas com uma cultura e estilo de vida supostamente idêntico ou pertencendo a
mesma classe e partilhando preferências comuns. Com o processo de dominação, expansão e
urbanização, o homem transformou e transforma ambientes naturais, para criar os ambientes
artificiais, ou seja, o meio ambiente urbano, para o atendimento das suas necessidades como
ser social.

2 O processo de Urbanização em Moçambique (a produção do espaço urbano)

No contexto moçambicano, o processo de urbanização está atrelado ao processo de colonização,


cuja análise permite compreender os primeiros passos e a consolidação dos espaços urbanos.
Entretanto, importa ressaltar lembrar que, antes da chegada dos europeus, existiam cidades na
África, inclusive no território correspondente a Moçambique, especialmente na porção oriental,
entre os séculos VII e XVIII. Contudo, as suas características destoam com as das cidades
modernas e não se refletem nas configurações das cidades de hoje, levando a sua analise a uma
perspectiva mais histórica.

Segundo Einaudi (1986), a colonização é um factor que contribuiu muito para o


desenvolvimento do fenómeno urbano, pois, os países em que a colonização foi efectiva (como
foi o caso de Moçambique) a densidade e a urbanização foi mais significativa.

Pode-se destacar as peculiaridades do processo da urbanização colonial moçambicana para


entendermos a produção do espaço urbano colonial, cujas características perduram até os dias
actuais e a sua análise ajudam na compreensão dos fenómenos urbanos actuais. Assim,
destacam-se três momentos da formação socioespacial urbana em Moçambique:
2.1 Primeiro momento (“cidades feitorias” ou “cidade comercial”)

O primeiro diz respeito ao momento inicial da fixação portuguesa no território que conhecemos
hoje como Moçambique, principalmente entre 1505 a 1907. Este período, reflete os primeiros
esforços de valorização do espaço urbano, impulsionado pelo comércio de ouro que tornou a
fixação portuguesa regular e intensa em Moçambique no século XVI. (Boxer; Azevedo,1960).

Esta era a fase da acumulação primitiva do modo de produção capitalista com seus tentáculos
em direção à África. Foi nesta perspectiva que os portugueses vieram para Moçambique: o ouro
impulsionou a fixação dos primeiros deles, dando início a um processo de contactos,
intercâmbios, violência e ocupação, que se revelou fundamental para o conhecimento da região,
assim como para a fundação da primeira cidade colonial, Sofala, em 1505, um porto “par
excellence (Newitt, 1997, p. 27).

Esse facto desorganizou a vida social e econômica dos africanos existentes e desfez o equilíbrio
das relações comerciais entre os mercadores afro-islâmicos e os africanos produtores de ouro.
Podemos considerar Sofala a base sobre a qual se assentou o início de todo o processo da
urbanização moçambicana, influenciada pela tentativa de Portugal operar o monopólio
comercial do ouro das Índias Orientais. Assim sendo, pode-se afirmar que a gênese da
urbanização moçambicana foi fruto da cobiça por metais preciosos por parte dos colonizadores.
Nesse sentido, a esperança de encontrá-los jogou um papel importante no interesse de
estabelecer um núcleo estável de população portuguesa. Portugal compreendeu que a única
saída estava na fixação permanente.

Neste contexto, a partir do século XVI, foram construídas as feitorias: Sofala (1505), Ilha de
Moçambique (1507), Quelimane (1530), Sena (1531) e Tete (1545), assenhoreando terras e
pessoas para isso usando todos os meios disponíveis, “desde a negociação à conquista por meios
bélicos” destes espaços. Como consequência, nasceram nesses espaços áreas urbanas que
passaram a constituir uma retaguarda comercial para alimentar a expansão econômica
portuguesa. Desses espaços saiam ouro, marfim e escravos que eram encaminhados ao Oriente,
Europa e América. As dinâmicas comerciais geraram algumas actividades urbanizadoras em
torno da feitoria, que era o principal centro comercial, verdadeiro elemento estruturante do
processo da urbanização da época, construído por rochas.

Vendo a organização urbana da época, notamos que as áreas urbanas dos primeiros três séculos
da colonização portuguesa (XVI-XVIII) foram “cidades feitorias”, porque se organizavam e
torno dos seguintes elementos: “feitoria-fortaleza”, a matriz, a igreja, o pelourinho, a casa do
feitor, do comandante, a câmara e a Santa Casa de Misericórdia (com suas múltiplas funções),
desde a promoção de interesses locais junto à Coroa, a assistência a governadores, bispos,
magistrados e passageiros que não podiam assegurar suas despesas de hospedagem até o
atendimento a pobres, doentes, presos e idosos.

Foi desse tipo de organização urbana que derivou a primeira configuração da dualidade urbana
em termos de implantação de infraestrutura física e social (Forjaz, 1999). Colonos portugueses
moravam no núcleo constituído pela feitoria, enquanto os colonizados ficavam no seu entorno.
Era uma cidade comercial, onde os colonos portugueses controlavam e exerciam as actividades
mercantis da época. Esse período foi de 1505 até 1884/5, com a ocupação forçada derivada da
Conferência de Berlim, que pôs fim à gênese da urbanização colonial, dando início a um novo
momento da formação socioespacial, que abordamos adiante.

2.2 Segundo Momento (“cidades militares”)

O segundo momento do período colonial foi principalmente entre 1884/5 e 1930, considerando-
se os primeiros momentos de expansão e criação de novas áreas urbanas. Nesse período,
surgiram novas cidades como, por exemplo, Beira (1909), Vila Pery/Chimoio (1916), Gurué
(1902), Milange (1902) e Mocuba (1918).

Essas novas cidades surgiram como “cidades militares”, resultantes da política portuguesa de
“ocupação efetiva” para fazer representar a soberania colonial; ou seja, foram construídas para
ocupar e dominar efetivamente o território moçambicano. O impacto dessa colonização fez com
que surgissem novas áreas urbanas, resultantes de um corpo técnico de engenharia militar.

Apesar dessa função principal (a militar), cabe lembrar que não quer isso dizer que essas cidades
não tivessem outras funções, mas seu propósito foi a “ocupação efetiva” de Moçambique. Essas
cidades cumpriram o papel de responder ao fluxo de capitais, armamento militar, soldados,
mercadorias e colonos que incidiam na realidade geográfica moçambicana. Essa forma de
urbanização – dominação – não diferia da de outros países europeus colonialistas, que, no bojo
do imperialismo, visavam ocupar novos territórios com infraestrutura para expressar a sua
dominação e posse da colônia.

Nesse contexto de afirmação imperialista, Portugal procurou assegurar a estruturação urbana


apostando nas Companhias Majestáticas e no Arrendamento como forma de reduzir os gastos
públicos, uma vez que a colônia não possuía capital financeiro que fizesse representar com a
ocupação urbana.
Desta forma, a responsabilidade pela construção de Beira ficou com a Companhia do Sofala,
que ocupou a região das atuais províncias de Manica e Sofala, enquanto a Companhia do Niassa
ficou com Porto-Amélia, que comandava as atuais províncias do Niassa e de Cabo Delegado,
ao norte de Moçambique. As cidades de Tete, Quelimane, Maputo e Inhambane foram
submetidas à administração do Estado colonial português (Rocha, 1999, p. 1-2).

Compreendendo a urbanização dessa época, veremos que persistiu a forma de organização


urbana do período anterior: no núcleo urbano, permanecia o colono, com infraestrutura e
serviços, e, no seu entorno, o colonizado, privado desses bens. Essa fase da formação
socioespacial termina com a dominação quase completa do território moçambicano, no início
da década de 1930.

2.3 Terceiro Momento

O terceiro momento diz respeito ao processo de urbanização que ocorreu entre 1930 e 1975,
conhecido também por período do Estado Novo. Este foi um período de intensa produção do
espaço construído. Somente após a década de 1930 é que a urbanização moçambicana atingiu
a sua totalidade, em termos de expansão, modernização e ocupação do território (Lourenço
Marques/Maputo, Beira, Nampula, Quelimane, João Belo/Xai-Xai, Inhambane, Nacala, Tete,
Vila Pery/Chimoio, Porto Amélia/Pemba, Vila Cabral/Lichinga, Montepuez, Ilha de
Moçambique, Antônio Ennes/Angoche, Trigo de Morais/Chókwé e Vila Junqueiro/Gurué), tal
como temos atualmente, apesar de algumas revitalizações em edifícios, praças, vias expressas,
entre outras infraestruturas e serviços urbanos.

A urbanização dessa época foi intensa, porque Portugal necessitava modernizar as colônias para
a fixação dos colonos que começam a perceber os conflitos iminentes da Segunda Guerra
Mundial, mas a metrópole também pretendia acumular capital e resolver a necessidade de
matérias-primas para reforçar o processo da formação da burguesia portuguesa local, o que
ficou conhecido como pacto colonial.

Portugal prestava assistência financeira à colônia de Moçambique mediante as garantias


necessárias, e em nenhum momento essa colônia podia contrair empréstimo. Quando fosse
preciso recorrer a praças externas para obter capitais destinados a seu governo, a operação
financeira seria realizada exclusivamente na conta da Metrópole, sem que Moçambique
assumisse qualquer responsabilidade.
O controle financeiro da colônia permitiu que o Estado colonial planejasse suas políticas de
representação soberana materializada em cidades, ou seja, em áreas urbanas, por meio de
políticas de urbanização organizadas pelo Gabinete de Urbanização Colonial (GUC, 1944-
1951), pelo Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU, 1952-1957) e pela Direção de
Serviços de Habitação e Urbanismo da Direcção-Geral de Obras Públicas e Comunicações
(DSUH-DGOPC, 1958-1974) (Saldanha, 2012; Milheiro, 2011).

Nessa metamorfose, os antigos e lentos carrinhos puxados pelos negros deram lugar a
numerosos automóveis em todas as avenidas da cidade, adensaram-se as construções nos
núcleos urbanos, aumentaram os problemas resultantes de uma especulação imobiliária
desenfreada, principalmente nos grandes centros como Lourenço Marques/Maputo (região sul),
Beira (região centro) e Nampula (região norte), onde ficavam quase centralizadas todas as
atividades econômicas dos setores regionais da colônia.

As cidades moçambicanas modernizaram-se em ampla escala, substituindo os telhados pelos


terraços, por oposição ao que era produzido anteriormente, rasgando “céus” com altos edifícios
(Somekh, 1997). Em contrapartida a essa modernização cresciam as periferias urbanas, os
chamados bairros indígenas, acompanhados pelo menos por quatro factores da época:

(i) a intensificação das barreiras raciais


(ii) a modernização das áreas urbanas
(iii) o aumento da população colona e
(iv) o aumento do imposto, principalmente com a Circular 818/D7 de 1942, que defendia
a cobrança a todos os colonizados. As mulheres e os homens de 18 anos
impossibilitados pela deficiência ou pela idade eram pagavam o imposto reduzido.

Esses factores forçaram os colonizados a procurar a cidade como alternativa de ter acesso ao
trabalho assalariado para pagar o imposto coercivo. Foi no terceiro momento da formação
socioespacial (1930-1975) que se consolidou a dualidade urbana colonial em termos de carência
de infraestruturas e serviços urbanos básicos, com a criação de bairros indignos. A consolidação
da estrutura urbana colonial dual, em termos de acesso a infraestrutura e a serviços urbanos, só
foi possível graças à essência racista da sociedade colonial, que colocou o negro na periferia
em condição desumana, forçando um exílio em sua própria terra.
2.3.1 Reprodução do espaço urbano pós-colonial

Com o fim do colonialismo, em 1975, nasceu uma formação socioespacial de orientação


marxista-leninista. Foi o primeiro governo de Moçambique que acabava de sair vitorioso de
uma guerra colonial prolongada de dez anos (1964-1974). Portanto, parece apropriado chamar
a urbanização que ocorreu nesta fase de “urbanização socialista”. Isso pelo aspecto acima
mencionado, mas também pela ideia de que há inter-relação do urbano com a organização
territorial, política e econômica, criando um conjunto de atividades sociais, econômicas e
culturais que tem impacto na formação de um espaço com características próprias (Araújo,
2003).

A dualidade urbana surgida da estrutura da urbanização colonial foi herdada pelo governo. O
processo da descolonização representava um caminho para a solução dos problemas estruturais
da urbanização colonial que impedia o colonizado de ter o direito à cidade. A independência
nacional trouxe a possibilidade dos descolonizados entrarem e se fixarem na “cidade de
cimento”. Os colonos portugueses abandonaram Moçambique. As cidades foram ocupadas pela
população local que se deslocou para o centro urbanizado, oriunda dos subúrbios e do campo.
Se instalou na área suburbana e também na urbana.

Nesse processo, o poder público urbano via-se parado devido à falta de quadros locais
experientes que pudessem levar adiante qualquer tipo de reforma urbana. As dificuldades que
o Estado moçambicano enfrentou, na época, foi a guerra civil, a crise econômica e as
calamidades naturais cíclicas que colocaram o país numa situação de deterioração dos termos
de troca internacional que permitisse arrecadar finanças para mitigar os problemas estruturais
da exclusão da população que morava no entorno da “cidade de cimento”, periferia.

Em 1980 apenas 27% da população urbana tinham acesso a infraestruturas básicas e cerca de
75% moravam nas “periferias urbanas”. A guerra civil tornou os espaços urbanos em espaços
de acomodação dos deslocados, ou seja, para utilizar as palavras de Manuel de Araújo (2003),
em “cidades refúgio”, porque eram locais seguros para a população rural fustigada pelo flagelo
da guerra.

Os deslocados, quando se fixaram nas áreas urbanas, ocuparam os espaços vazios existentes no
núcleo e alguns espaços periféricos que eram reservados para agricultura. “A cidade de
cimento” e o seu entorno – a periferia imediata – densificou-se com a ocupação espontânea.
Nas palavras de Araújo (2003), “a densidade demográfica subiu em flecha”. Esse processo fez
com que as cidades moçambicanas vissem a sua população aumentar, sem que com isso, fossem
aumentadas as infraestruturas e os serviços urbanos.

As urbes concebidas no período colonial tinham pouca capacidade para lidar com o crescimento
da população urbana, uma vez que a infraestrutura e os serviços foram criados para albergar
uma população colona limitada; assim, as cidades não suportaram a chegada dos novos
habitantes. É preciso que fique claro que durante esse período não se ampliaram as
infraestruturas ou os serviços urbanos existentes, nem se construíram novas áreas urbanas
(Araújo, 2003).

Esta situação condenou as possibilidades de construção de uma justiça urbana. Os espaços


urbanos do país se degradaram, neles proliferaram atividades informais como estratégia de
sobrevivência de uma parte considerável da sua população, “induzida por via da imaginação
(necessidade de sobreviver) e espontaneidade própria da subjetividade” (Viana, 2010).

Dentro deste contexto, os problemas de segregação urbana persistiram como no período


colonial (Serpa, 2013). Os residentes das “cidades de cimento” – aqueles que tinham substituído
os colonos – continuaram a usufruir de condições de equipamentos urbanos incomparavelmente
mais vantajosas do que as das periferias.

Por exemplo, Maria Clara Mendes (1979) captou isso depois da independência nacional
mostrando que, na cidade de Maputo, os bairros nobres como o da Polana e Sommerschield
continuaram a albergar os residentes de maiores rendimentos. Com o fim da guerra civil, em
1992, passou-se a uma nova fase da formação socioespacial – a adopção do neoliberalismo
como forma de organização das diversas esferas da vida na sociedade: econômica, social,
política e cultural. O neoliberalismo criou o surgimento de uma “cidade capitalista–
dependente”. O peso dessa força passou a constituir-se como forma de reprodução do espaço
urbano, transformando o conteúdo da urbanização e tornando muito difícil na atualidade.

É a partir da década de 1990, ou, se quisermos ser mais exactos, é no decorrer dos anos 1990
que teve início o crescimento extensivo e fragmentado das periferias urbanas que se tem
atualmente em Moçambique, sem ser, na sua maioria, acompanhado pelo crescimento de
infraestruturas e serviços urbanos. A este processo chamamos de “acumulação da dualidade
urbana” uma vez que os espaços construídos nas periféricas estão crescendo para além dos
limites administrativos dos municípios estabelecidos desde 1986 (Lei n. 4, de 25 de julho), o
que atrofia a capacidade do poder municipal de planificar.
A condição urbana moçambicana em transição, indefinida revela situações de degradações da
vida urbana. As sondagens de opinião pública têm indicado com relativa frequência as
reclamações das populações dessas áreas. Trata-se de um sentimento estimulado e intensificado
pela fragilidade do poder público municipal em formular e implementar políticas públicas
capazes de melhorar a vida urbana da população que mora nas periferias e de enfrentar os
padrões emergentes da deterioração urbana.

Dia após dia, crescem as periferias sem infraestrutura física ou social, acumulando pessoas em
condições desumanas ou indigentes. Muitos bairros periféricos tornaram-se actualmente
verdadeiros acampamentos urbanos, ou seja, um verdadeiro “inferno urbano”, se assim
caracterizarmos as condições de vida da maioria que mora nessas áreas das cidades
moçambicanas (Matos, 2005; Mendonça, 2014).

Dentro desse processo de “acumulação da dualidade urbana”, as periferias são os espaços


urbanos mais penalizados pela falta de investimentos públicos e privados. Os investimentos
públicos feitos são simples grãos de areia caindo num mar de miséria, incapazes de resolver os
problemas de carência de infraestruturas e serviços. Esta situação está sendo reforçada
atualmente pela segregação interna na própria periferia, causada pelos condomínios fechados e
vivendas particulares, transformando a paisagem e acelerando a desigualdade com a construção
de imóveis de alto padrão.

O crescimento das propriedades imobiliárias de alto padrão avança reproduzindo relações


especificamente capitalistas, com a expansão da “cultura de venda dos terrenos”, que traz
consigo novos atores que substituem os antigos moradores de baixa renda e criando aquilo que
se chama de gentrificação. Assim sendo, as periferias urbanas estão se configurando como
mosaicos de múltiplas combinações de temporalidades, diversidade e oposição.

3 O urbanismo como estilo de vida

3.1 O Urbanismo como forma de organização Social

Os traços característicos do modo de vida urbano têm sido descritos sociologicamente como
consistindo na substituição de contactos primários por secundários, no enfraquecimento dos
laços de parentesco e no declínio do significado social da família, no desaparecimento da
vizinhança e na corrosão da base tradicional da solidariedade social. Todos esses fenômenos
podem ser verificados substancialmente através de índices objetivos.
Assim, por exemplo, as baixas e declinantes taxas de reprodução urbana sugerem que a cidade
não conduz ao tipo tradicional de vida familiar, inclusive a educação de crianças e a manutenção
do lar como local em torno do qual giram as atividades vitais. A transferência de actividades
industriais, educacionais e de recreação, para instituições especializadas fora do lar, privou a
família de algumas das suas funções históricas mais características. Nas cidades, é mais
provável que as mães estejam empenhadas, mais frequentemente há inquilinos nas casas de
família, os casamentos tendem a ser retardados e a proporção de pessoas solteiras e não-
comprometidas é maior (Savage, 2002).

As famílias são menores, frequentemente sem filhos do que as famílias do campo. A família
como unidade social está emancipada do grupo de parentesco maior, característico do campo,
e os membros individuais seguem os seus próprios interesses divergentes na sua vida
vocacional, educacional, religiosa, recreativa e política. Funções tais como a preservação da
saúde, os métodos de aliviar os sofrimentos associados com a insegurança pessoal e social,
provisões para melhoria da educação, da recreação e da cultura, deram origem a instituições
altamente especializadas num âmbito comunitário, estadual e mesmo nacional.

Os mesmos factores que trouxeram maior insegurança pessoal também são responsáveis pelos
contrastes cada vez maiores entre indivíduos, existentes no mundo urbano. Assim, embora a
cidade tenha derrubado as rígidas linhas de casta da sociedade pré-industrial, acentuou e
diferenciou grupos de renda e status. Geralmente, há uma proporção maior de adultos da
população urbana bem empregados do que adultos da população rural.

A classe dos “trabalhadores de gravata”, compreendendo-se como tais os empregados


comerciais, bancários, e burocratas, é proporcionalmente mais numerosa nas grandes cidades,
nos centros metropolitanos e nas pequenas cidades do que no campo. Como um todo, a cidade
desencoraja uma vida econômica na qual o indivíduo, numa época de crise, tenha uma base de
subsistência à qual recorrer, e desencoraja o emprego autônomo. Se bem que as rendas dos
habitantes das cidades sejam maiores, em média, do que as do interior, parece que o custo de
vida é maior nas cidades maiores.

A casa própria é mais rara. Os arrendamentos são maiores e absorvem uma proporção maior da
receita. Apesar do habitante da cidade se ver beneficiado com muitos serviços comunais, gasta
uma grande proporção da sua renda com itens como recreação e aperfeiçoamento da educação
e uma proporção menor com alimentos. Aquilo que os serviços da comunidade não oferecem,
o habitante urbano é obrigado a comprar, e pode-se dizer que praticamente não existe nenhuma
necessidade humana que deixou de ser explorada pelo comercialismo.

Fornecer emoções e meios de escapar ao tédio, à monotonia e à rotina torna-se, pois, uma das
principais funções da recreação urbana, a qual, na melhor das hipóteses, fornece meios para a
auto-expressão criadora e a associação espontânea dos grupos, mas que, mais tipicamente no
mundo urbano, resulta em contemplação passiva, por um lado, ou sensacionais façanhas
inéditas, por outro.

Reduzido a um estágio de virtual impotência como indivíduo, o habitante urbano esforça-se


para fazer parte de grupos organizados de interesses semelhantes para obter seus fins. Isso
resulta numa enorme multiplicação de organizações voluntárias com um número de objetivos
tão variados quanto as necessidades e interesses humanos. Embora de um lado os laços de
associação humana estejam enfraquecidos, a existência urbana envolve um grau de
interdependência maior entre os homens e uma forma mais complicada, frágil e volátil de inter-
relações mútuas sobre muitas fases das quais o indivíduo como tal não consegue exercer quase
nenhum controle (Einaudi, 1986).

Frequentemente há apenas uma relação muito tênue entre a posição econômica ou outros
factores básicos que determinam a existência do indivíduo no mundo urbano e os grupos
voluntários aos quais se acha filiado. Enquanto numa sociedade primitiva e rural é geralmente
possível, com base em alguns fatores conhecidos, prever quem pertencerá ao que, e quem se
associará a quem em quase todas as relações da vida, na cidade só podemos projetar o padrão
geral de formação e filiação do grupo, e esse padrão mostrará muitas incongruências e
contradições.

Para mais aprofundamento sobre os temas contidos nesta síntese, recomendam-se a leitura das
seguintes referencias bibliográficas:

Castells, M. (1977). Sociologia urbana: a questão urbana, editora paz e terra. Rio de Janeiro.

Einaudi, E. (1986), Modo de produção; desenvolvimento/subdesenvolvimento, volume 7.


Lisboa.

Edionur, A. (1997), Nascimento e desenvolvimento das cidades, 4ª edição, edição da fundação


Calouste, Lisboa.

Goitia, Fernando Chueca (1982). Breve historial do urbanismo. Editorial Presença, Lisboa
Savage, M.; Warde (2002), sociologia urbana capitalismo e modernidade. Celta editora.
Londres.

Salles, Maria C. T, (2003) Expansão urbana e conflito ambiental: uma descrição da


problemática do município de mossoró.

Araújo, M. (2003). Os espaços urbanos em Moçambique. Geousp – Espaço e Tempo, São


Paulo, n. 14, p. 165-182.
______. (1990). Migração interna e o processo de urbanização. In: Comissão Nacional
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Costa, A. B. (2011). Família de Maputo: processos de mobilidade e transformações urbanas.


RILP – Revista Internacional de Língua Portuguesa, Lisboa, n. 23;

Gaspar, M. (1989). Contribuições para o estudo da dinâmica demográfica de Moçambique.


Dissertação (Mestrado em Demografia) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte;

Mosca, J. (2005). Economia de Moçambique, século XX. Lisboa: Instituto Piaget;

Rocha, A. (sd). Os afro-islamizados da costa de Moçambique: a terra e os homens.

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