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Titulo original: DU TEXTE AL’ACTION Essais d’herméneutique, | Tradugao de: Alcino Cartaxo e Maria José Sarabando © Editions du Seuil Direitos Reservados para Portugal RES-Editora, Lda, Pr, Marqués de Pombal, 78 4000 PORTO-PORTUGAL O QUE E UM TEXTO? Este ensaio seré consagrado, no essencial, ao debate entre duas atitudes fundamentais que podemos assumir perante um texto. Estas duas atitudes foram resumidas, na 6poca de Wilhelm Dilthey, no fim do século passado, pelas duas palavras «explicar» e «interpretar». Dilthey chamava explicagao ao modelo de inteligibilidade recebido das ciéncias da natureza e alargado as ciéncias histéricas pelas escolas positivistas € fazia da interpretagéo uma forma derivada da compreensao, na qual via a atitude fundamental das ciéncias do espirito como aunicacapaz de respeitar a diferenga fundamental entre estas ciéncias e as ciéncias da natureza. Proponho-me, aqui, examinar o destino desta oposigao, a luz dos conflitos de escolas contemporaneas. De facto, a nogao de explica- go deslocou-se; j4 ndo 6 herdada das ciéncias da natureza, mas de modelos propriamente linguisticos. Quanto a nog&o de interpretagao, ela sofreu, na hermenéutica moderna, transformagées profundas que a afastam da nogao psicolégica de compreensao, no sentido de Dilthey. E esta nova posigao do problema, talvez menos antinémica e mais fecun- da, que eu gostaria de explorar. Mas, antes de entrar nos novos con- ceitos de explicagdo e de interpretagdo, gostaria de me deter numa questo preliminar que comanda, na realidade, toda a sequéncia da Nossa investigagao. E a questao é esta: 0 que é um texto? I—O QUEE UMTEXTO? Chamamos texto a todo odiscurso fixado pelaescrita. Segundoesta definig&o, a fixacdo pela escrita 6 constituida do proprio texto. Masoque que, assim, é fixado pela escrita? Dissemos: todo 0 discurso. Significa 141 Do texto a accao isto que o discurso teve, primeiro, que ser pronunciado fisica ou mental- mente? Que toda a escrita foi, primeiro, pelo menos a titulo potencial, uma fala? Numa palavra, qual é a relacao do texto com a fala? A partida, somos tentados a dizer que toda a escrita se acrescenta a.uma fala anterior. De facto, se entendermos por fala, de acordo com Ferdinand de Saussure, a realizagao da lingua num acontecimento de discurso, aprodug&o de umdiscurso singular porumlocutor, ent&o, cada texto esta em relagao a lingua na mesma Posigao de realizagéo que a fala. Além disso, a escrita 6, enquanto instituigdo, posterior a fala cujas articulag6es, que j4 apareceram na oralidade, ela parece destinada a fixar por um grafismo linear; a atengao quase exclusiva dada as escritas fonéticas parece contirmar que a escrita nao acrescenta nada ao fend- meno da fala, a no ser a fixag&o que permite conserva-la; donde a con- vicgo de que a escrita 6 uma fala fixada, que a inscrigdo, seja gratismo ou registo, é inscrigdo de fala, inscrigéo que assegura a fala a sua dura- bilidade gragas ao caracter subsistente da gravura. Aanterioridade psicolégica e socioldgica da fala sobre a escrita nao esta em causa. Apenas se pode perguntar se o aparecimento tardio da escrita no tera provocado uma mudanga radical na nossa relagaéo com os préprios enunciados do nosso discurso. Voltemos, com efeito, a nos- sadefinigdo: otexto 6 um discurso fixado pela escrita. Oque éfixado pela escrita 6, pois, um discurso que poderia ter sido dito, é verdade, mas que se escreve, precisamente, porque nao se diz. A fixagao pela escrita sur- geno mesmo lugar da fala, quer dizer, no lugar em que a fala poderia ter nascido. Podemos, entao, perguntar se o texto nao 6 verdadeiramente texto quando ndo se limita a transcrever uma fala anterior, mas. quando inscreve directamente na escrita o que quer dizer o discurso. Aquilo que poderia dar peso a esta ideia de uma relagao directa do querer-dizer do enunciado coma escritaéa fungao da leitura em relagdo aescrita. De facto, a escrita reclama a leitura segundo uma relacdo que, embreve, nos permitird introduziro conceitode interpretagdo. Por agora, digamos que o leitor ocupa o lugar do interlocutor, como, simetricamen- te, aescrita ocupa o lugar da locugao e do locutor. Efectivamente, a rela- Gao escrever-ler nao é um caso particular da relagdo falar-responder. N&o é uma relagao de interlocutor; nao é um caso de didlogo. Nao basta dizerquea leitura é um didlogo como autor através dasua obra; é preciso dizer que a relagdo do leitor como livro éde umanatureza completamen- te diferente; 0 didlogo é uma troca de perguntas e de respostas; nao ha 142 O que é um texto? troca desta espécie entre o escritor eo leitor, o escritor nao responde ao leitor; 0 livro separa até em duas vertentes 0 acto de escrever eo acto de ler, que nado comunicam; o leitor esta ausente da escrita; 0 escritor esta ausente da leitura. O texto produz, assim, uma dupla ocultagao do leitor e do escritor; é deste modo que ele toma o lugar da relacdo de didlogo que liga, imediatamente, a voz de um ao ouvido do outro. Esta ocupag&o do lugar do didlogo pela leitura é tao manifesta que, quando nos acontece encontrarum autor e falar-Ihe (por: ‘exemplo, doseu livro), temos o sentimento de uma profunda reviravolta desta relagdo muito particular que temos com o autor nae pela sua obra. As vezes, gosto de dizer que ler um livro é considerar o seu autor como j& mortoe Olivro como péstumo. De facto, 6 quando 0 autor esta morto que a rela- go como livrose torna completa e, de certo modo, intacta;o autorjé nao pode responder, resta apenas ler a sua obra. Esta diferenga entre 0 acto da leitura e 0 acto do didlogo confirma a nossa hipotese de que a escrita 6 uma realizagao comparavel a fala, Paralela a fala, uma realizagdo que ocupa o lugar dela e, de certo modo, aintercepta. Foipor isso quepudemos dizer que o que aparece naescrita 60 discurso enquanto intencao de dizer e que a escrita é uma inscrigao directa desta intengado, mesmo se, histérica e psicologicamente, a es- crita comegou por transcrever graficamente os signos da fala. Esta liber- tagao da escrita que a coloca no lugar da fala 6 0 acto de nascimento do texto. Agora, 0 que é que acontecera ao proprio enunciado, quando é directamente inscrito em vez de ser pronunciado? Insistiu-se sempre no caracter mais marcante: o escrito conserva o discurso e faz dele um arquivo disponivel para a memoria individual e colectiva. Acrescente-se também que alinearizagao dos simbolos permite uma tradugao analitica e distintiva de todos os tragos sucessivos e discretos da linguagem e aumenta, assim, a sua eficacia. Isto sera tudo? Conservacao e eficacia associadas nao caracterizam ainda sendo a transcrigao da linguagem oral em signos graficos. A libertagao do texto em relagao a oralidade arrasta uma verdadeira transformagao tanto das relagées entre a lin- guagem e o mundo como da relagao entre a linguagem e as diversas subjectividades envolvidas, ado autor e adoleitor. Jase apercebeu algu- macoisa desta segundatransformacao, ao distinguira leitura do didlogo; sera preciso ir ainda mais longe, mas partindo desta vez da transforma- 143 Do texto a acgdo Gao que atinge arelagdo referencial da linguagem como mundo, quando © texto ocupa o lugar da fala. Que entendemos nés por relagdo referencial ou por fungdo referen- cial? Isto: ao dirigir-se aum outro locutor, o sujeito do discurso diz alguma. coisa sobre alguma coisa; isso de que ele fala é 0 referente do seu discurso; esta fungao referencial €, como se sabe, produzida pela frase que é aprimeira ea mais simples unidade de discurso; é a frase que tem por mira dizer alguma coisa de verdadeiro ou alguma coisa de real. Pelo menos, no discurso declarativo. Esta fungao referencial é tao impor- tante que ela compensa, de algum modo, uma outra caracteristica dalin- guagem, a que separa os signos das coisas; pela fungdo referencial, a linguagem «restitui ao universo» (segundo as palavras de Gustave Guillaume) estes signos que a fungao simbdlica, na sua origem, tornou ausentes das coisas. Todo 0 discurso esta, assim, num grau qualquer, ligado ao mundo. Porque, se nao se falasse do mundo, do que 6 que se falaria? Mas, quando 0 texto ocupa o lugar da fala, alguma coisa de impor- tante se passa. Na troca de palavras, os locutores estao presentes um ao outro, mas também 0 estao a situagdo, a ambiéncia, o meio circuns- tancial do discurso. E em relacao a este meio circunstancial que o dis- curso é plenamente significante; o remeter para a realidade 6, finalmen- te, remeter para esta realidade que pode ser mostrada «em torno» dos locutores, «em torno», se se pode dizer, daprdpriainstanciade discurso; a linguagem esta, alias, bem equipada para assegurar esta fixagdo; os demonstrativos, os advérbios de tempo e de lugar, os pronomes pes- soais, os tempos do verbo e, em geral, todos os indicadores «deicticos» ou «ostensivos» servem para fixar o discurso na realidade circunstancial que rodeia a instancia de discurso. Assim, na fala viva, o sentido idealdo que se diz inclina-se para a referéncia real, a saber, aquilo sobre quese fala; no limite, esta referéncia real tende a confundir-se com uma de- signacdo ostensiva em que a fala se junta ao gesto de mostrar, de fazer ver. O sentido morre na referéncia e esta, na exibigdo. Ja no acontece o mesmo quando o texto ocupa o lugar da fala. O movimento da referéncia para a exibigdo 6 interceptado, ao mesmotem- po que o didlogo é interrompido pelo texto. Eu digo, exactamente, inter- ceptado e nao suprimido; é ai que me afastarei, em breve, daquilo a que chamo, desde ja, a ideologia do texto absoluto que procede, por uma hipéstase indevida, aumapassagem liminarmente subrepticia, baseada 144 O que é um texto? nas observagGes justas que acabamos de fazer. O texto, vé-lo-emos, nao 6 sem referéncia; a tarefa da leitura, enquanto interpretagdo, sera precisamente a de efectuar a referéncia. Pelo menos, nesta expectativa em que a referéncia é diferida, o texto esta, de certa forma, «no ar», fora do mundo ou sem mundo; gragas a esta obliteragado da relagaéo com o mundo, cada texto 6é livre de entrar em relagdo com todos os outros textos que venham tomar o lugar da realidade circunstancial indicada pela fala viva. Esta relago de texto a texto, no esbatimento do mundo de que se fala, gera o quasi-mundo dos textos ou /iteratura. Essa 6 a transformagdo que afecta o proprio discurso, quando o movimento da referéncia para a exibigao se encontra interceptado pelo texto; as palavras deixam de se esbater face as coisas; as palavras es- critas tornam-se palavras para si mesmas. Esta ocultagao do mundo circunstancial pelo quasi-mundo dos tex- tos pode ser tao completa que o préprio mundo, numa civilizagdo da es- crita, deixa de ser o que se pode mostrar ao falar e reduz-se a esta espé- cie de «aura» que as obras explanam. Assim, falamos do mundo grego, do mundo bizantino. Este mundo podemos dizé-lo imaginario, no sentido de que ele 6 presentificado pelo escrito, no proprio lugar em que o mundo era apresentado pela fala; mas este imaginario é, ele proprio, uma cria- Gao da literatura, é um imaginario literario. Esta transformagdo da relagdo entre o texto e o seu mundo é a chave da outra transformagao de que ja falamos, a que afecta a relagao do texto com as subjectividades do autor e do leitor. Pensamos saber o que é 0 autor de um texto porque dele se deriva a nogao da de locutor da fala; 0 sujeito da fala, diz Benveniste, 6 aquele que se designa a si mesmo ao dizer «eu». Quando 0 texto toma o lugar da fala, ja nao pode- mos falar propriamente de locutor, pelo menos, no sentido de uma auto- -designagao imediata e directa daquele que fala nainstancia de discurso; a esta proximidade do sujeito falante com a sua prépria fala substitui-se umarelagao complexa do autor como texto que permite dizer que o autor 6 instituido pelo texto, que ele proprio se mantém no espago de signi- ficagao tragado e inscrito pela escrita; o texto 6 exactamente o lugar onde o autor sobrevive. Mas ele sobrevive ai de uma forma diferente da de primeiro leitor? A colocagao a distancia do autor pelo seu préprio texto € ja um fendmeno de primeira leitura que, de uma sé vez, coloca o con- junto dos problemas com os quais vamos, agora, ser confrontados e que 145 Do texto a acgao dizem respeito as relagdes da explicagdo com a interpretagao; estas relagdes nascem no momento da leitura. Il — EXPLICACAO OU COMPREENSAO? De facto, é na leitura que iremos ver, em breve, confrontarem-se as duas atitudes que colocamos, no inicio, sob o duplo titulo da explicagao eda interpretagao. Esta dualidade encontramo-la, em primeiro lugar, em Dilthey, o seu inventor. Em Dilthey, com efeito, estas distingdes consti- tuamuma alternativa na qualumtermo devia excluirum outro: ou «expli- cais», Amaneira do sabio naturalista, ou «interpretais», 4 maneirado his- toriador. E esta alternativa exclusiva que ira fornecer 0 ponto de partida da discussdo que se segue. Proponho-me mostrar que a nogao de texto, tal como a estabelecemos na primeira parte deste ensaio, exige uma renovagao das duas nogées de explicagao e de interpretago e, gragas a esta renovagdo, uma concepgao menos antinémica da sua relagéo. Digamos j& que a discussao sera deliberadamente orientada para a procura de uma estreita complementaridade e reciprocidade entre expli- cacao e interpretagao. A oposi¢ao inicial, em Dilthey, nao é exactamente entre explicar e interpretar, mas entre explicar e compreender, sendo a interpretagao uma provincia particular da compreensao. Por isso, € da oposigao entre explicar e compreender que devemos partir. Ora, se esta oposigaéo € exclusiva, 6 porque, em Dilthey, os dois termos designam duas esferas da realidade que tém que desempatar. Estas duas esferas sao as das ciéncias da natureza e das ciéncias do espirito. A regido da natureza é a dos objectos oferecidos 4 observagao cientifica e submetidos, desde Galileu, ao trabalho de matematizagao e, desde John Stuart Mill, aos ca- nones da ldgica indutiva. A regido do espirito 6 a das individualidades psiquicas nas quais cada psiquismo é capaz de se movimentar. A com- preensao 6 essa transteréncia para um psiquismo alheio. Perguntar se podem existir ciéncias do espirito 6 perguntar, pois, se é possivel uma consciéncia cientifica dos individuos, se esta inteligéncia do singular pode ser objectiva a sua maneira, se ela é susceptivel de receber uma validade universal. Sim, responde Dilthey, porque o interior se da em sig- nos exteriores que podem ser apercebidos e compreendidos enquanto signos de um psiquismo alheio: «Chamamos compreensao, diz ele no 146 O que é um texto? famoso artigo de 1900 sobre a origem da hermenéutica(1), ao processo pelo qual conhecemos alguma coisa de psiquismo com a ajuda de signos sensiveis que sdo a sua manifestagdo» (p. 320). E desta compreensao que a interpretagao 6 uma provincia particular. Entre os signos do psi- quismo alheio, temos as «manifestag6es fixadas de modo duradouro», os «testemunhos humanos conservados pela escrita» ,os «monumentos escritos». A interpretagao é, assim, a arte de compreender aplicada a essas manifestagdes, a esses testemunhos, a esses monumentos, dos quais a escrita constitui a caracteristica distintiva. Neste par compreender-interpretar, a compreensao fornece o fun- damento, a saber, 0 conhecimento por signos do psiquismo alheio, a interpretagdo fornece o grau de objectividade, gracas a fixagdo e a conservagao que a escrita confere aos signos. Apartida, esta distingdo entre explicar e compreender parece clara; no entanto, ela nao deixa de se obscurecer a paritr do momento em que Nos interrogamos sobre as condigées de cientificidade da interpretagao. Expulsou-se a explicagao para fora do campo das ciéncias naturais; mas oconflito renasce no préprio seio do conceito de interpretagao entre, por um lado, o caracter intuitivo inverificdvel que ele possui do conceito psi- cologizante de compreensao ao qual é subordinado, por outro lado, a exigéncia de objectividade ligada a propria nogao de ciéncia do espirito. Esta fragmentagao da hermenéutica entre a sua tendéncia psicologi- zante e a sua procura de uma ldgica da interpretagdo pée, finalmente, em causa a relagdo entre a compreensao e a interpretagao. Nao é a inter- pretagdo uma espécie da compreensdo que faz sobressair 0 género? A diferenga especifica, a saber, a fixac4o pela escrita, nao 6, aqui, maisim- portante que o trago comum a todos os signos, a saber, atribuir um in- terior aum exterior? O que é que é mais importante, na hermenéutica, a sua incluso na esfera da compreensao ou a sua diferenga relativa- mente a compreenso? Schleiermacher, antes de Dilthey, tinha sido a testemunha desta fragmentagao interna do projecto hermenéutico— ele tinha-a ultrapassado pela pratica humana de um feliz casamento da ge- nialidade romantica com a virtuosidade filolégica. Com Dilthey, as exigéncias epistemolégicas séo mais urgentes. Varias geragdes o separam do sdbio romantico, varias geragées implicadas na reflexdo (1) W. Dilthey, «Origine et développement de I'herméneutique» (1900), in le Monde de FEsprit,|, op. cit. Do texto 4 acgao epistemolégica; também a contradigao sobressai, agora, a luz do dia. Ougamos Dilthey, comentando Schleiermacher: «O fim ultimoda herme- néutica 6 compreender o autor melhor do que ele se compreendeu a si mesmo.» Isto, para a psicologia da compreensdo. Mas vejamos, agora, para a légica da interpretagao: «A fungao da hermenéutica consiste em estabelecer teoricamente a validade universal da interpretago, base de toda a cerleza historica, contra a intromissao constante do arbitrio romantico e da subjectividade céptica no dominio da historia». (p. 333). Deste modo, a hermenéutica s6 cumpre os votos da compreens&o, libertando-se da imediatidade da compreensaode outrem; digamos: dos valores dialogais; a compreensao pretende coincidir com o interior do autor, igualar-se a ele (sich gleichsetzen), reproduzir (nachbilden) o processo criador que originou a obra. Mas os signos desta intengao, desta criagdo, nao se devem procurar fora daquilo a que Schleiermather chamava a «forma exterior» e «interior» da obra, ou ainda a «conexao», 0 «encadeamento» (Zusammenhang), que faz dela um todo organizado. Os ultimos escritos de Dilthey (I’Edification du monde historique dans les sciences humaines) agravam mais a tens&o. Por um lado, a vertente objectiva da obra é acentuada por influéncia das Investigagées ldgicas, de Husserl (como se sabe, para Husserl, 0 «sentido» de um enunciado constitui uma idealidade» que nao existe nem na realidade mundana, nem na realidade psiquica: é uma pura unidade de sentido sem localiza- cao real). De forma analoga, a hermenéutica procede da objectivagao das energias criadoras da vida nas obras que, assim, se intercalam entre co autor e nds; 6 0 proprio psiquismo, o seu dinamismo criador, que faz apelo a esta mediac&o por «significagdes», «valores», «fins». Assim, a exigéncia cientifica leva a uma despsicologizagao cada vez mais avan- cada da interpretagao, da propria compreensao, talvez mesmo daintros- pecgdo, se é verdade que a prépria recordagao segue o fio das significagdes, as quais nao s4o, elas préprias, fendémenos psiquicos. A exteriorizagao da vida implica este carécter cada vez mais indirecto & mediato da interpretacdo de si e de outrem. Mas 6, no entanto, um si & um outrem postos em termos psi-colégicos que a interpretagao perse- gue; 6 sempre uma reprodugaéo, uma Nachbildung das experiéncias vividas que a interpretagao visa. Esta insuportavel tensdo, de que é testemunha 0 Ultimo Dilthey, leva-nos a colocar as duas questées que comandam a prossecugdo do debate: ndo sera preciso abandonar, pura e simplesmente, a referéncia 148 O que é um texto? da interpretag&o a compreensao e deixar de fazer da interpretagao dos Mmonumentos escritos um caso particular da compreens&o dos signos exteriores de um psiquismo interior? Mas, se a interpretagdo ja nao procura a sua norma de inteligibilidade na compreensaode outrem, asua relagéo com a explicagdo, que se pés fora de jogo, nao devera também voltar a ser repensada? II — O TEXTO E A EXPLICACAO ESTRUTURAL Retomemos a nossa anilise do texto e do estatuto auténomo que lhe reconhecemos em relag4o a fala e ao intercAmbio de falas. Aquilo a que chamamos a ocultagao do mundo ambiente pelo quasi-mundo dos textos gera duas possibilidades. Podemos, enquanto leitor, permanecer na expectativa do texto, trata-lo como texto sem mundo e sem autor; explicamo-lo, entéo, pelas suas relagées internas, pela sua estrutura. Ou, ent&o, podemos levantar o suspense do texto, consumar o texto em falas, restituindo-o 4 comunicag4o viva; nesse caso, interpretamo-lo. Es- tas duas possibilidades pertencem ambas 4 leitura e a leitura é a dia- léctica destas duas atitudes. Retomemo-las separadamente, antes de considerarmos a sua arti- culagdo. Podemos fazer do texto um primeiro modo de leitura, uma leitu- ra que regista, se assim se pode dizer, a intercepgao pelo texto de todas as relagdes com o mundo que se possa mostrar e com subjectividades que possam dialogar. Esta transferéncia parao «lugar» do texto —lugar que 6 um n4o-lugar — constitui um projecto particular relativamente ao texto, o de prolongar a expectativa da relagao referencial com o mundo e como sujeito falante. Por este projecto particular, o leitor decide colo- car-se no «lugar do texto» e na «clausura» deste lugar; com base nesta escolha, 0 texto néo tem fora; s6 tem um dentro; nao visa a trans- cendéncia, como a visaria uma fala dirigida a alguém a propésito de alguma coisa. Este projecto 6 nado apenas possivel, mas legitimo; de facto, a cons- tituigo do texto como texto e da rede de textos como literatura autoriza a intercepgao desta dupla transcendéncia do discurso, para um mundo eparaum outrem. A partir dai, 6 possivel um comportamento explicativo relativamente ao texto. Este comportamento explicativo, diferentemente do que pensava Dilthey, nao 6, de modo nenhum, retirado de outro campo de conheci- 149 Do texto a accéo mento nem de outro modelo epistemoldgico que nao seja o da propria linguagem. Nao 6um modelo naturalista alargado, extemporaneamente, as ciéncias do espirito. A oposi¢ao natureza - espirito nao desempenha ainenhumpapel. Se ha empréstimo, ele surge no interiordo prépriocam- po, o dos signos. De facto, 6 possivel tratar os textos segundo as regras de explicagdo que a linguistica aplicacom sucesso aos sistemas simples dos signos que constituem a lingua por oposigao a fala; como se sabe, a distingao lingua-fala é a distingao fundamental que da a linguistica um objecto homogéneo; enquanto a fala pertence a fisiologia, a psicologia, A sociologia, a lingua, enquanto regra do jogo cuja execugdo éa fala, sé pertence a linguistica. Como também se sabe, a linguistica s6 conhece sistemas de unidades despidas de significagées proprias e cada uma delas sé se define pela sua diferenga em relagdo atodas as outras. Estas unidades, quer sejam puramente distintivas, como as da articulagdo fonolégica, quer significativas, como as da articulagdo lexical, sao unidades opositivas. E 0 jogo das oposigdes e das suas combinagées, no interior de um inventario de unidades discretas, que define a nogao de estrutura em linguistica. este modelo estrutural que fornece o tipo do comportamento explicativo que iremos, agora, ver aplicado ao texto. Objectar-se-a, talvez, antes mesmo de empreendermos estatarefa, que naéopoderiam aplicar-se ao texto leis que so sao validas para alingua enquanto distinta da fala. Poder-se-a dizer que o texto, por nao ser fala, no esta, relativamente a lingua, do mesmo lado que a fala? Nao sera preciso opor globalmente a lingua o discurso enquanto sucessdo de enunciados, enfim, frases? Em relagdo a esta distingdo lingua - discur- so, a distingdo fala - escrita nao seré secundaria, colocando-se lingua e fala do mesmo lado, o do discurso? Estas observag6es sao perteita- mente legitimas e autorizam-nos a pensar que o modelo explicativo, dito estrutural, nao esgota o campo das atitudes possiveis face a um texto. Mas, antes de apontar o limite deste comportamento explicativo, é pre- ciso apreender a sua fecundidade. A hipétese de trabalho de toda a and- lise estrutural de textos é esta: apesar da escrita estar do mesmo lado da fala emrelag4o alingua, a saber, do lado dodiscurso, a especificidade daescrita em relagdo a fala efectiva assenta em tracos estruturais susce- ptiveis de serem tratados como andlogos a lingua no discurso. Esta hipo- tese de trabalho é perfeitamente legitima; ela significa que, sob certas condigées, as grandes unidades da linguagem, quer dizer, as unidades 150 O que é um texto? de grau superior a frase, oferecem organizagdes comparaveis as das pequenas unidades da linguagem, quer dizer, as unidades de grau inferior a frase, precisamente aquelas que sdo da esfera da linguistica. Claude Lévi-Strauss formula, assim, na Anthropologie structurale(1), esta hipdtese de trabalho a propdsito de uma categoria de textos, os mitos: «Como todo o ser linguistico, o mito 6 formado de unidades cons- titutivas; estas unidades constitutivas implicam a presenga daquelas que, normalmente, intervém na estrutura da lingua, a saber, os fonemas, os monemas e os semantemas. Mas elas est4o para estes Ultimos (os semantemas) como estes estéo para os monemas e estes, para os fonemas. Cada forma difere da precedente por um maior grau de com- plexidade. Por esta razao, faremos apelo aos elementos que relevam, com propriedade, do mito (e que sao os mais complexos de todos): as grandes unidades constitutivas» (p. 233). Gragas a esta hipotese de tra- balho, as grandes unidades que so, no minimo, do tamanho da frase e que, encadeadas, constituem a narracao propria do mito, vao poder ser tratadas segundo as mesmas regras que as unidades mais pequenas, familiares aos linguistas; 6 para acentuar esta analogia que Claude Lévi- -Strauss fala de mitemas, como se fala de fonemas, de morfemas, de semantemas. Mas, para se manter nos limites da analogia entre os mite- mas e as unidades linguisticas de nivel inferior, a analise dos textos de- vera proceder 4 mesma espécie de abstracgao praticada pelo fondlogo; para este, o fonemanaoéumsomconcreto, tomado em absoluto, nasua substancia sonora; 6 uma fungdo definida pelo método comutativo e que se resolve no seu valor opositivo em relagao a todos os outros; neste sentido, nao 6, para falar como Saussure, uma «substancia», mas uma «forma», quer dizer, um jogo de relagées; do mesmo modo, o mitema nao éumadas frases do mito, mas um valor opositivo que se liga a varias frases particulares, constituindo, na linguagem de Lévi-Strauss, uma «miscelanea de relagdes»: «E apenas sob a forma de combinagao de tais miscelaneas que as unidades constitutivas adquirem uma fungao significante» (p. 234). Aquilo a que, aqui, se chama fungao significante nao é, de modo nenhum, o queo mito quer dizer, o seu alcance filoséfico ou existencial, mas a combinacdo, a disposigao dos mitemas, numa palavra, a estrutura do mito. (1) C. Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1958-1971, Do texto a acgdo Lembrarei, aqui, brevemente, a andlise que Lévi-Strauss propde do mito de Edipo, segundo este método. Ele reparte por quatro colunas as frases do mito: coloca, na primeira coluna, todas as que falamda relagéo de parentesco sobrevalorizada (exemplo: Edipo casa com Jocasta, sua mae; Antigona enterra Polinice, seu irm&o, apesar da interdigao); na segunda coluna, encontra-se a mesma relagao, mas afectada pelosigno inverso: a relagdo de parentesco subestimada ou desvalorizada (Edipo mata Laio, seu pai; Etéocles mata seu irm&o Polinice) ; aterceira coluna diz respeito aos monstros e a sua destruigao; a quarta reuine todos os nomes préprios cuja significagao evoca uma dificuldade em caminhar direito (coxo, desajeitado, pé inchado). A comparagao das quatro colunas revela uma correlagdo. Entre 1 e 2, temos relagdes de parentes- co, alternadamente sobrestimadas ou subestimadas; estre 3 e 4, temos uma afirmagao, depois uma negacao de autoctonia do homem: «Daf resultaria que a quarta coluna mantém a mesma relagao com a coluna 3 que a coluna 1 mantém com a coluna 2...; a sobrevalorizagéo do parentesco de sangue esta para a subvalorizagao deste comoo. esforgo Para escapar a autoctonia esta para a impossibilidade de o conseguir». O mito aparece, entao, como uma espécie de instrumento légico que aproxima contradigdes para as ultrapassar: «A impossibilidade de conexionar grupos de relacées é ultrapassada (ou, mais exactamente, substituida) pela afirmago de que duas relag6es contraditérias entre si so idénticas, na medida em que cadauma é, como aoutra, contraditéria consigo» (p. 239). Voltaremos, em breve, a este resultado; limitemo-nos a enuncia-lo. Podemos, na verdade, dizer que explicamos o mito, mas nao queo interpretémos; fizemos sobressair, por meio da analise estrutural, a |6- gica das operagdes que péem em relag&o, uns em fungao dos outros, os conjuntos de relagées; esta ldgica constitui «a lei estrutural do mito consi- derado» (p. 241). Nao deixaremos de notar que estaleié, Por exceléncia, objecto de leitura e nao de fala, no sentido de uma recitagdo em que o poder do mito seria reactivado numa situaco particular. Aqui, 0 texto é apenas texto e a leitura sé o habita enquanto texto, no suspense da sua significagéo para nés, no suspense de toda a realizagdo numa fala actual. Acabo deirbuscarumexemplo ao dominio dos mitos; poderiairbus- car um outro a um dominio vizinho, o das narrativas folcléricas; este do- minio foi explorado pelos formalistas russos da escola de Propp e pelos 152 O que é um texto? especialistas franceses da andlise estrutural das narrativas, Roland Barthes e Greimas. Encontramos nestes autores os mesmos postulados que em Lévi-Strauss: as unidades acima da frase tem a mesma com- Posigao que as unidades abaixo da frase; o sentido da narrativa consiste na prépria disposigdo dos elementos; o sentido consiste no poder de o todo integrar subunidades; inversamente, o sentido de um elemento éa sua capacidade de entrar em relagao com outros elementos ecomotodo da obra; estes postulados em conjunto definem a clausura da narrativa; a tarefa da andlise estrutural consistira, entao, em proceder a segmen- tagao (aspecto horizontal), a seguir, em estabelecer os diversos niveis de integragao das partes no todo (aspecto hierarquico). Assim, quando © analista isolar unidades de acgao, elas ndo sero, para ele, unidades psicolégicas susceptiveis de serem vividas ou unidades de comporta- mento susceptiveis de sucumbirem a uma psicologia behaviorista; os extremos destas sequéncias sdo apenas os pontos de orientagao da narrativa de tal modo que, se se mudar um elemento, toda a sucessao ficara diferente; reconhece-se, aqui, atransposigao do método de comu- tagao, do plano fonolégico para o plano das unidades da narrativa. A logica da acgao consiste, entéo, num encadeamento de nucleos de aco que, todos juntos, constituema sequéncia estrutural da narrativa; a aplicagao desta técnica conduz a «descronologizagdo» da narrativa, de modo a fazer aparecer a légica narrativa subjacente ao tempo narrativo. No limite, a narrativa conduzir-se-ia Paraumacombinatéria de algumas unidades dramaticas — Prometer, trair, impedir, ajudar, etc. — que seriam, assim, os paradigmas da acgao. Uma sequéncia 6, pois, uma sucessao de nés de acgao, fechando cada um uma alternativa aberta pela precedente; ao mesmo tempo que elas se encadeiam, as unidades elementares encaixam-se em unidades mais vastas; por exemplo, o encontro envolve acces elementares, tais como, aproximar, interpelar, saudar, etc. Explicar uma narrativa é apreender este enredo, esta estrutura fugaz dos processos de acgdes encaixadas. A esta cadeia e a este encaixe de acg6es correspondem relagdes da mesma natureza entre os «actantes» da narrativa. Por isso entende- mos, ndo as personagens enquanto Sujeitos psicolégicos, dotados de uma existéncia propria, mas fung6es correlativas das proprias acgdes formalizadas. Os actantes so definidos apenas pelos predicados da acgdo, pelos eixos semAnticos da frase eda narrativa:o actante é aquele que..., aquem..., que..., com quem... etc., aacgao é feita; 6 aquele que 153 Do texto d accdo promete, aquele que recebe a promessa, 0 dador, ° destinatario, etc. A analise estrutural faz, assim, aparecer uma hierarquia dos actantes cor- i hierarquia das accdes. Dares, artsovuntaral narragao comoum todoe voltaracoloca-lana comunicagaonarrativa. E, entéo, umdiscurso dirigido pelo narradora um destinatario. Mas, para a andlise estrutural, os dois interlocutores nao devem ser procurados fora do texto; © narrador 6 designado apenas pelos signos da narratividade, os quais Pertencem a propria consti ue e da narragao. Para além destes trés niveis (nivel das accdes, nivel es actantes, nivel da narragao) nao ha mais nada que releve da cit ota x semidlogo, ha apenas o mundo dos utilizadores da narracao, oqual po eventualmente relevar de outras disciplinas semiolégicas {elses sociais, econdmicos, ideolégicos); mas estas: disciplinas nao saodisci- plinas de caracter linguistico. Esta transposigéo de um modelo ae Si tico para a teoria da narragao confirma, exactamente, a nessa eee Ao inicial: hoje, a explicagao janéo éum conceito proveniente das ci E cias da natureza e transferido para um dominio estranho, 0 dos monu: mentos escritos; ele provém da mesma estera da linguagem, por rane. feréncia analégica, das pequenas unidades da lingua (fonemas e lex mas) para as grandes unidades superiores & frase, tais como pare folclore, mito. A partirdaj, ainterpretagao, se é ainda oss vel Car e va sentido, j& néo sera confrontada com um modelo exterior 5 cle elas humanas; ela estara em debate com um modelo de inteligibili ade al pertence, por nascimento, se assim se pode dizer, 80 dominio ‘ a ciéncias humanas e a uma ciéncia de ponta deste dominio:a Ins es Apartir dai, sera no mesmo terreno, no interior damesma esferada linguagem, que explicar e interpretar estaréo em debate. IV — PARA UM NOVO CONCEITO DE INTERPRETACAO, Consideremos, agora, a outra atitude que se pode tomar em telaca ao texto, aquela a que chamamos interpretagao. Inicialmente, é onan 4 -aaprecedente, de uma maneira ainda proxima dade Dilthey, quep ; mos introduzi-la. Mas, como se vera, a seguir, sera preciso aceder gra- dualmente a uma relacdo cada vez mais estreitamente complementar e reciproca entre explicar e interpretar. 154 O que é um texto? Partamos, mais uma vez, da leitura. Oferecem-se-nos, diziamos nés, dois modos de ler. Podemos, Pela leitura, prolongar e reforgar a expectativa que afecta a referéncia do texto a ambiéncia de um mundo ea audiéncia dos sujeitos falantes, 6a atitude explicativa. Mas podemos, também, levantar esta expectativa e concluir o texto em fala actual. E esta segunda atitude o verdadeiro destino da leitura, Porque é ela que revela a verdadeira natureza do suspense que forga o movimento do texto para a significagdo. A outra leitura nao seria mesmo Possivel se, inicialmente, nao se notasse que o texto, enquanto escrita, espera e faz apeloaumaleitura; sea leitura é possivel, 6 exactamente porque otexto Nao esta fechado em si mesmo, mas aberto a outra coisa; ler 6, em qual- quer hipstese, encadear um discurso novo no discurso do texto. Este encadeamento de um discurso num discurso denuncia, na propria cons- tituig&o do texto, uma capacidade original de ser retomado, que 6 0 seu cardcter aberto. A interpretagdo é a conclusdo concreta deste encadea- mento e deste retomar. Num primeiro tempo, seremos levados a produzir 0 conceito de interpretagao em oposigao aode explicagdo, o que nao nos afastarésen- sivelmente de Dilthey, excepto que 0 conceito adverso de explicagao ja ganhou em forga, ao proceder da linguistica e da semiologia, em vez de provir das ciéncias da natureza. De acordo com este primeiro sentido, a interpretagdo conserva o caracter de apropriagdo que Ihe reconheciam Schleiermacher, Diltheye Bultmann. A bem dizer, este sentido nao sera abandonado; sera apenas mediatizado pela propria explicagdo, em vez de Ihe ser oposto de forma imediata e, sobretudo, ingénua. Por. apropriagao, eu entendoisto: ainter- pretagdo de um texto completa-sena interpretagdo de sidum sujeito que doravante se compreende melhor, se compreende de outro modo, ou que come¢a mesmo a compreender-se. Este acabamento da inteligén- cia do texto numa inteligéncia de si caracteriza a espécie de filosotia reflexiva a que eu, em diversas ocasiées, chamei teflexdo concreta. Her- menéutica e filosofia reflexiva sao, aqui, correlativas e Teciprocas. Por um lado, a compeensao de si passa pelo percurso da compreensdo dos signos de cultura, nos quais o si se documenta € se forma; por outro, a compreens&o do texto nado é o seu proprio fim, ela mediatiza a relagao Consigo de um sujeito que nao encontra, no curto circuito da reflexdo imediata, o sentido da sua prépria vida. E por isso que € preciso dizer, com uma forga igual, que a reflexdo ndo é nada sem a mediagaéo dos 155 Do texto a accao signos e das obras, e que a explicagao nao é nada se ndo se incorporar como intermediaria no processo da compreensdo de si; numa palavra, na reflexao hermenéutica — ou na hermenéutica reflexiva —, a consti- tuigao do sie a do sentido séo contemporaneas. Pelo termo apropriacao, sublinharemos ainda dois aspectos; uma das finalidades de toda a hermenéutica é lutar contra a distAncia cultural; esta luta pode, ela mesma, compreender-se em termos puramentetem- porais, como uma lutacontra o afastamento secular, ou, em termos mais verdadeiramente hermenéuticos, como uma luta contra o afastamento relativamente ao préprio sentido, quer dizer, relativamente ao sistema de valores sobre o qual se estabelece o texto; neste sentido, a interpretagdo «aproxima», «igualiza», torna «contemporaneo e semelhante», o que significa, na verdade, tornar proprio o que, em principio, era estranho. Mas, sobretudo, ao caracterizar a interpretagdo como apropriagao, pretende-se sublinhar o cardcter «actual» da interpretagao: a leitura 6 como a execugao de uma partitura musical; ela marca a realizacdo, a chegada ao acto, das possibilidades seménticas do texto. Este ultimo aspecto 6 0 mais importante porque é a condigdo dos outros dois: vitoria sobre a distancia cultural, fusdo da interpretagao do texto com a inter- pretagdo de si mesmo. De facto, este caracter de realizagao, proprio da interpretagdo, revela um aspecto decisivo da leitura, a saber, que ela completa o discurso do texto por uma dimensdo semelhante a da fala. O que aqui se retém da nogdo de fala nao 6 que ela seja proferida; 60 facto de ser um acontecimento, um acontecimento do discurso, a ins- tancia de discurso, como diz Benveniste. As frases do texto significam hic etnunc. Ent&o, o texto «actualizado» encontra uma ambiéncia e uma audiéncia; retoma o seu movimento, interceptado e suspenso, de refe- réncia para um mundo e para sujeitos. Este mundo 6 0 do leitor; este Sujeito € o proprio leitor. Na interpretagao, diremos nds, a leitura torna- -se uma espécie de fala. Eu no digo: torna-se fala. Porque a leitura nunca equivale a uma troca de falas, a um dialogo; mas a leitura completa-se, concretamente, num acto que 6 para o texto o que a fala 6 para a lingua, a saber, acontecimento e instancia de discurso. O texto tinha apenas um sentido, quer dizer, relagdes internas, uma estrutura; agora, tem uma significagao, quer dizer, uma realizagdo no discurso proprio do sujeito leitor; pelo seu sentido, o texto tinha somente uma dimensdosemioldgica, agora, tem, pela sua significagdo, uma dimensao seméantica. 156 O que é um texto? Paremos aqui. A nossa discussao atingiu um ponto critico, em que a interpretagdo compreendida como apropriagdo, continua ainda exte- rior & explicagao, no sentido da andlise estrutural. Continuamos a opé- -las como duas atitudes entre as quais seria preciso, parece, escolher. Gostaria, agora, de ultrapassar esta oposigdo antinémica e desta- car a articulagdo que tornaria a analise estrutural e a hermenéutica com- plementares. Importa, para isso, mostrar como cada uma das duas atitudes, que ndés opusemos, remete para a outra por meio de caracteristicas que lhe s&o préprias. Retomemos os exemplos da andlise estrutural que fomos buscar a teoria do mito e da narrativa. Esforgamo-nos por nos agarrar auma no- g&o de sentido que se reduziria estritamente 4 combinac&o dos elemen- tos de um texto, a integragao dos segmentos de acco e dos actantes no interior da narrativa, considerada como um todo fechado em si mes- mo. De facto, ninguém para numa concepgdo tao formal do sentido de uma narrativa ou de um mito. Por exemplo, aquilo a que Lévi-Strauss chama o mitema e que é, a seu ver, aunidade constitutiva do mito, expri- me-se numa frase que tem uma significagdo propria: Edipo mata o seu pai, Edipocasacoma mae, etc. Poder-se-a dizer que a explicagdo estru- tural neutraliza o sentido préprio das frases para delas reterapenasasua posigao no mito? Mas o conjunto de relagdes a que Lévi-Strauss conduz omitema é ainda da ordemda frase e 0 jogo das oposigdes que se institui, aeste nivel muito abstracto, é ainda da ordem da frase eda significagao. Se se fala de «relagdes de sangue sobrestimadas» ou «subestimadas», de «autoctonia» ou de «nao-autoctonia» do homem, estas relagées po- dem escrever-se ainda sob a forma de uma frase; a relagdo de sangue 6a mais elevada de todas, a relagao de sangue é menos elevada que a telagdo social, por exemplo, na proibigdo do incesto, etc. Enfim, a con- tradigéo que o mito tentava resolver, segundo Lévi-Strauss, enuncia-se, ela prépria, em relagdes significantes; Lévi-Strauss confessa-o, involun- tariamente, quando escreve: «A razdo destas escolhas aparece se se reconhecer que o pensamento mitico procede da tomada de consciéncia de certas oposigdes e tende para a sua mediacao progressiva» (p. 248). E ainda: «O mito é uma espécie de utensilio I6gico destinado a operar uma mediagéo entre a vida e a morte» (p. 243). No plano de fundo do mito, ha uma questéo altamente significante, uma questao sobre a vida ea morte: « Nascemos apenas de um ou, na verdade, de dois?» Mesmo 157 Do texto a acgao formalizada deste modo: o mesmo nasce do mesmo ou, na verdade, do outro; esta questao é a da angtistia da origem: donde vem o homem, nasce da terra, nasce dos seus pais? Nao haveria contradigdo nem ten- tativa de resolugao da contradigao, se nao houvesse questées signifi- cantes, propostas de sentido sobre a origem e o fim do homem. Ora, é exactamente esta fungao do mito como narrativa das origens que se quis pér entre paréntesis. Esta fungdo, a analise estrutural nao consegue ilu- di-la, leva-a apenas mais longe. O mito n&o é um operador Idgico entre uma proposig&o qualquer, mas entre proposigées que apontam para situag6es-limite, a origem e o fim, a morte, o sofrimento, a sexualidade. A analise estrutural, longe de afastar esta interrogagao radical, restitui- aaumnivel mais elevado de radicalidade. A fungao da analise estrutural n&o seria, entdo, a de recusar uma semantica de superficie, a do mito contado, para fazer surgir uma seméntica profunda que 6, se assim posso dizer, osemantico vivo do mito? Acreditarei facilmente que, se nado fosse essa a fungao da andlise estrutural, ela reduzir-se-ia a um jogo estéril, a uma combinatsria irriséria, e 0 mito seria destituido da fungao que o proprio Lévi-Strauss Ihe reconhece quando declara que o pensa- mento mitico procede da tomada de consciéncia de certas oposigdes e tende a sua mediagdo progressiva. Esta tomada de consciéncia é a das aporias da existéncia em torno das quais gravita o pensamento mitico. Eliminar esta intengao significante seria reduzir a teoria do mito a uma necrologia dos discursos insignificantes da humanidade. Se, pelo contrario, se tomar a nalise estrutural como uma etapa — e uma etapa necessaria — entre uma interpretagao ingénua e uma interpretagao critica, entre uma interpretagdo de superficie e uma interpretagdo em profundidade, aparece, entao, como possivel, recolocar a explicagdo e a interpretagdo num Unico arco hermenéutico e integrar as atitudes opostas, a explica- ¢&o e a compreensdo, numa concepgao global da leitura como um retomar do sentido. Daremos mais um passo na direcgdo desta reconciliagdo entre explicar e interpretar, se nos voltarmos, agora, para o segundo termo da contradigao inicial. Até aqui, trabalhamos com um conceito de interpre- tagdo que continua muito subjectivo. Interpretar, dissemos nds, é apro- priarmo-nos hic et nunc da intengdo do texto. Ao dizer isso, permanece- mos na esfera do «compreender» diltheyano. Ora, o que acabamos de dizer sobre semantica profunda do texto, para a qual remete a andlise estrutural, convida-nos a compreender que a intencao ou a mira do texto 158 O que é um texto? n&o 6, a titulo primordial, a presumida intengao do autor, o vivido do escritor para o qual nos poderfamos transportar, mas aquilo que quer o texto, aquilo que ele quer dizer, para quem obedece a sua injungao. O que o texto quer é colocar-nos no seu sentido, quer dizer, — numa outra acepcdo da palavra «sentido» —, na mesma direcgdo. Se a intengao é, pois, a intengdo do texto, e se esta intengdo é a direcgao que ela abre ao pensamento, é preciso compreender a semantica profunda num sentido profundamente dinamico; direi, entao, isto: explicar é destacar a estru- lura, quer dizer, as relag6es internas de dependéncia que constituem a estatistica do texto; interpretar é tomar o caminho de pensamento aberto pelo texto, p6r-se em marcha para 0 orientedo texto. Somos convidados Por esta observagao a corrigir o nosso conceito inicial de interpretagao aprocurar, para ca da operagao subjectiva da interpretagao como acto sobre o texto, uma operagao objectiva da interpretagao que seria o acto do texto. Irei buscar um exemplo a um estudo recente(1) que fiz sobre a exe- gese da narrativa sacerdotal da criagao no Génesis 1, 1-2, 4a: esta exe- gese faz sobressair, no préprio interior do texto, o jogo de duas narra- tivas, um Tatbericht, no qual a criag&o 6 expressa como uma narrativa de acg&o: «Deus fez...», e um Wortbericht, quer dizer, uma narrativa de falas: «Deus disse, e isso fez-se». Pode-se dizerquea primeiranarrativa desempenha o papel de tradigdo e a segunda de interpretagao, O que, aqui, é interessante é que a interpretagao, antes de ser 0 acto e o exegeta, 60 acto do texto: a relagao entre tradicao e interpretagéo éuma telagao intrinseca ao texto; interpretar, para o exegeta, é colocar-se no sentido indicado por esta relag&o de interpretacao trazida pelo prdéprio texto. Este conceito de interpretagao objectiva, e, de certa forma, intratex- tual, nada tem de insdlito. Tem até uma antiguidade digna de rivalizar com ode interpretacao subjectiva que se liga, lembremo-lo, ao problema da compreens&o de outrem através dos signos que outrem da da sua vida de consciéncia. Pelo meu lado, irei ligar, deliberadamente, este hovo conceito de interpretagao ao de Aristoteles no titulo do seu tratado De I'interprétation. A hermeneia de Aristoteles, diferentemente da téc- nica hermenéutica — herméneutiké techné — dos adivinhos e dos (1) «Sur Fexégése de Genése 1, 1-2, 4a», Exdgdse et Herméneutique, op. cit. 159 Do texto a accdo intérpretes de ordculos, 6 0 préprio acto da linguagem sobre as coisas. Interpretar, para Aristoteles, nao 60 que se faz numa segunda linguagem relativamente auma primeira linguagem, 6 © que ja se faz numa primeira linguagem, ao mediatizar, por meio de signos, a nossa relacgdo com as coisas; a interpretagao 6, pois, de acordo com o comentario de Boécio, aobra prépria da vox significativa per se jpsam aliquid significans, sive complexa, sive incomplexa. Desta forma, 6 0 nome, € 0 verbo, é 0 dis- curso que interpretam enquanto significam. verdade que a interpretacdo, no sentido de Aristételes, nao pre- Para exactamente paraa inteligéncia desta relagao dinamica entre varios estratos de significagSes do mesmo texto. E, de facto, uma teoria da fala €n&d do texto que ela pressupée: «Os sons emitidos pela voz sao sim- bolos dos estados da alma e as palavras escritas, os simbolos das palavras emitidas pela fala» (De l'interprétation, paragrato 1). E por isso que a interpretagdio se confunde com a dimensao semAntica da propria fala: ainterpretagao é 0 propriodiscurso, 6 todoo discurso. Todavia, rete- nho de Aristételes a ideia de que a interpretagdo é interpretagao por a linguagem antes de ser interpretagao sobre a linguagem. EaCharles Sanders Peirce que eu irei buscar um conceito de inter- Pretagao mais proximo daquele que a exegese requer, quando pée a interpretagdo em relagdo coma tradigao no proprio interior de um texto. Segundo Peirce, a relagdo de um «signo» com um «objecto» é tal que uma outra relagdo, a de «interpretante» com «signo», pode enxertar-se na primeira; o importante, para nés, 6 que esta telagao de signo com interpretante 6 uma relag&o aberta, no sentido de que ha um outro interpretante susceptivel de mediatizar a primeira relagdo. Como muito bem o diz G.G. Granger, no seu Essai d'une. Philosophie du style(1): «O interpretante evocado no espirito pelo signo n&o poderia ser o resultado de uma dedugao purae simples que extraissedo signo alguma coisa que nele ja estivesse contida (...) O interpretante é um comentario, uma defi- nigao, uma glosa sobre o signonasua relag&o como objecto. Ele proprio 6 expressao simbdlica. A associagao signo-interpretante, seja qual foro processo psicolégico pelo qual ela se realize, s6 pode tornar-se Possivel pela comunidade, mais Qu menos imperfeita, de uma experiéncia entre o locutor € o receptor... E sempre uma experiéncia que nunca se reduz (1) G. G. Granger, Essai d'une philosophie du style, op. cit. 160 O que é um texto? Perfeitamente a ideia ou objecto do signo que constitui, como ja disse- Mos, a sua estrutura. Dai, o cardcter indefinido da série dos. interpretan- tes de Peirce» (p. 104). E,na verdade, com muita prudéncia que é preciso aplicaro conceito de interpretante, de Peirce; a interpretagao dos textos: o seu interpre- tante éum interpretante de signos; enquanto 0 nosso interpretante éum interpretante de enunciados; mas o nosso uso de interpretante, trans- Posto de pequenas para grandes unidades, nao é nem mais nem menos analégico que, nos estruturalistas, a transter&ncia das leis de organiza- Gao das unidades do nivel inferior a frase Para unidades de categoria superior ou igual a frase. No caso do estruturalismo, é a estrutura fono- l6gica da lingua que serve de modelo de Codificagao as estruturas de articulagéo superior. Nonosso caso, gum aspecto das unidades lexicais que 6 transposto parao plano dos enunciados edos textos. Se estamos, pois, perfeitamente conscientes do cardcter analdgico da transposigao, podemos dizer isto: a série dos interpretantes que se enxertana relagao de um signo com um objecto, traz a luz do dia uma telag&o triangular, objecto-signo-interpretante, que pode servir de modelo a um outro trian- gulo que se constitui ao nivel do texto; 0 objecto 6 0 proprio texto; 0 signo 6 aseméntica profunda destacada pela analise estrutural: e a série dos interpretantes 6 a cadeia das interpretagdes produzidas pela comuni- dade interpretante e incorporadas na dinamica do texto, como o trabalho do sentido sobre si mesmo. Nesta cadeia, os primeiros interpretantes servem de tradigAo para os ultimos interpretantes que sao a interpreta- Ao propriamente dita. Assim instruido pelo conceito aristotélico de interpretagao e, sobre- tudo, pelo conceito de interpretagao de Peirce, estamos em situagdo de «despsicologizar», tanto quanto possivel, a nossa nogao de interpreta- 40 e de a ligar ao préprio trabalho que se realiza no texto. A partir daf, interpretar, para o exegeta, 6 colocar-se no sentido indicado por esta relagao de interpretagao suportada pelo texto, A ideia de interpretagao, compreendida como apropriagdo, nado 6, por esse facto, eliminada; é apenas remetida para o termo do Processo; ela esta no extremo daquiloa que atrds chamamoso arco. hermenéutico; 60 ultimo pilar da ponte, a fixagdo do arco no solo do vivido. Mas toda a teoria da hermenéutica consiste em mediatizar esta interpretagdo- -apropriagao pela série dos interpretantes que pertencem ao trabalho do texto sobre si mesmo. A apropriagdo perde, entdo, alguma coisa da sua 161 Do texto a accao arbitrariedade, na medida em que ela €a continuagao disso mesmo que se realiza, no trabalho, em trabalho, quer dizer, em gestago de sentido, no texto. O dizer do hermeneuta é um te-dizer, que reactiva o dizer do texto, . No fim da investigagao, a leitura aparece como este acto concreto no qual se completa o destino do texto. E no proprio Amago da leitura que, indefinidamente, se opdem e conciliam a explicagdo e a interpre- tagao. EXPLICAR E COMPREENDER Sobre algumas conextes assinalaveis entre a teotia do texto, a teoria da acgao e a teoria da historia Ao professor Georges Van Riet, A polémica entre explicar e compreender é antiga. Diz respeito, simultaneamente, a epistemologia e A ontologia. Mais precisamente, 6 um debate que comega como uma simples andlise da nossa maneira de pensar e de falar sobre as coisas, mas que, pelo movimento do argu- mento, se dirige as préprias coisas que requerem que as nossas con- cepgdes se debrucem sobre elas. Inicialmente, a questo 6 a de saber Se as ciéncias, quer se trate de ciéncias da natureza ou de ciéncias do homem, constituem um conjunto continuo, homogéneo e, finalmente, unitario, ou se, entre as ciéncias da natureza e as ciéncias do homem, € preciso restabelecer uma ruptura epistemoldgica. Os termos «expli- Car» @ «compreender», neste Primeiro nivel do problema, sdo os emble- mas de dois campos em presenga. Neste duelo, o termo «explicagdo» designa a tese da nao-diferenciagao, da continuidade epistemolégica entre ciéncias da natureza e ciéncias do homem, enquanto o termo «compreensao» anuncia a reivindicagdo de uma irredutibilidade e de uma especificidade das ciéncias dohomem, Mas o que é que podera, em Ultima instancia, fundamentar este dualismo epistemoldgico, sendo a Pressuposi¢ao de que, nas Préprias coisas, a ordem dos Signos e das instituig6es 6 irredutivel 4 dos factos submetidos a leis? A tarefa da filosofia seria, entao, fundamentaro pluralismo dos métodos ea descon- tinuidade epistemoldgica entre ciéncias da natureza e ciéncias do homem na diferenga Ultima entre o modo de ser da natureza e o modo de ser do espirito. 163

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