Você está na página 1de 104

HISTÓRIA

CONTEMPORÂNEA

Autor

Dennison de Oliveira

1.ª edição
© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

O48 Oliveira, Dennison de./História Contemporânea. / Dennison de Oliveira.


– Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2007.
104 p.

ISBN: 978-85-7638-747-3

1. História contemporânea. 2. Relações internacionais. 3. Globa-


lização. 4. Economia I. Título.

CDD 909.8

Todos os direitos reservados


IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Sumário
Introdução: o mundo ao ­alvorecer do século XX | 9
A predominância da Europa | 9
Os EUA, Alemanha e Japão como potências emergentes | 10
A Segunda Revolução Industrial | 12
O imperialismo | 12
As forças da tradição e da transformação | 14

Primeira Guerra Mundial | 17


A política de alianças e as causas imediatas da guerra | 17
O impasse militar: a guerra de trincheiras | 18
As novas tecnologias e a guerra no ar e no mar | 19
O desfecho da guerra | 20
Conseqüências do conflito | 21

Revoluções socialistas e movimento operário | 25


Os vários socialismos e suas origens | 25
O movimento operário | 26
A Revolução Russa | 28
Outras revoluções socialistas | 29
A social-democracia | 30

Modelos econômicos: o d
­ esenvolvimento do ­capitalismo | 33
O taylorismo e o fordismo | 33
A urbanização | 35
A divisão internacional do trabalho | 37
A crise de 1929 e as relações internacionais | 37

Modelos econômicos: o d
­ esenvolvimento do ­comunismo | 41
A nova sociedade socialista | 41
A planificação e seus objetivos | 42
A industrialização, urbanização e educação | 43
A coletivização e o fim da propriedade privada | 44
Economia, política e sociedade sob a ordem comunista | 45

Segunda Guerra Mundial | 47


A ascensão do nazifascismo e do militarismo japonês | 47
A mundialização do conflito | 48
As novas tecnologias: a guerra no ar e no mar | 50
O desfecho da guerra | 51
Conseqüências do conflito | 53

Guerra Fria e bipolarização | 57


Origens da Guerra Fria | 57
A bipolarização e as superpotências | 58
As guerras localizadas e a bipolarização | 60
A Guerra Fria, a descolonização e o Terceiro Mundo | 61
O fim da Guerra Fria | 63

Socialismo: seus limites e possibilidades | 65


A economia planificada e seus êxitos | 65
As limitações do planejamento centralizado e suas manifestações | 66
As reações do autoritarismo soviético | 68
A era da “estagnação” | 69
O fim do socialismo | 70

Capitalismo: suas crises e superações | 73


O Estado do bem-estar social (welfare state) e o keynesianismo | 73
O fordismo como projeto de sociedade | 75
As tensões e contradições do fordismo e do welfare state | 76
Os excluídos do sistema e suas manifestações | 77
O declínio e crise do fordismo e do keynesianismo | 78

Neoliberalismo, globalização e mundialização do capital no final do século XX | 81


O choque do petróleo e suas implicações | 81
A nova sociedade capitalista: a “acumulação flexível” | 82
O “Estado mínimo” | 83
O neoliberalismo e suas bases sociais e culturais de apoio | 84
O fim do socialismo, o desenvolvimento das comunicações e a era da globalização | 85
Terrorismo, guerras e conflitos | 87
Historicidade do terrorismo | 87
A questão palestina e o terrorismo | 88
As guerras árabe-israelenses | 89
Os grupos terroristas nos países do Primeiro Mundo | 90
As guerras no Iraque e Afeganistão | 91

Economia e sociedade no século XXI | 95


O fim da política | 95
Os EUA como única superpotência | 96
A ascensão da China | 97
O aquecimento global e os problemas ambientais | 98
A questão demográfica | 99

Referências | 101

Anotações | 103
Apresentação

Este livro refere-se à História Geral e abrange os séculos XX e XXI. Nele, estão
contidos os principais eventos, tendências e instituições que mais influência
exerceram sobre a conformação da sociedade na qual vivemos. Por se tratar
de uma síntese, espera-se que ele sirva como material de introdução ao estudo
da História Contemporânea e também como guia para aprofundamento dos
assuntos aqui tratados.

Pretende-se que o texto de cada capítulo seja inteligível em si mesmo. Contudo, é


indispensável não perder de vista que tanto o viver social quanto o tempo histórico
são um todo contínuo e indivisível e, se o dividimos formalmente, é apenas para
fins de estudo. O leitor deve atentar para as diferentes durações dos fenômenos
históricos e sociológicos aqui descritos, as quais recorrentemente transcendem o
conteúdo abarcado em cada capítulo.

Além disso, é indispensável não perder de vista que a disciplina de História exige
um constante exercício de erudição. É necessário, tanto quanto possível e, na
medida dos interesses de cada um, ler as obras completas, confrontar os originais
com as diferentes leituras que deles são feitas e tentar se manter atualizado
com os contínuos avanços da ciência da História. Como qualquer outro campo
do conhecimento, a História está em constante evolução no que se refere à
elaboração de novas interpretações e à descoberta de novas fontes e registros.

Mais do que um conjunto de informações e conteúdos, a História é um método de


entendimento e interpretação da realidade. A História não é e nem pretende ser
apenas e tão-somente o estudo do que já se passou, ou o estudo do passado. O que se
pretende com este livro é contribuir para que o leitor desenvolva uma forma de pensar
historicamente o processo de constituição da sociedade na qual vive e, desta forma,
possa aperfeiçoar o entendimento dos fenômenos que lhe são contemporâneos.

Dennison de Oliveira
Introdução: o mundo ao
­alvorecer do século XX
Dennison de Oliveira*

A predominância da Europa
O período imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) é recorrentemente
descrito como sendo o do auge da predominância da Europa sobre o resto do mundo. Essa situação
pode ser aferida a partir do exame de algumas variáveis, como o tamanho da sua população, seu
poder industrial, comercial, financeiro e o papel que diversos países do continente exerciam na prática
do imperialismo.
Em 1913, a Europa contava com uma população de 460 milhões de indivíduos, o que representava
26% dos habitantes do planeta. Além de enorme, essa população aumentava continuamente, sendo os
maiores crescimentos registrados nos grandes impérios da Europa Central: o russo (que aumentava em
dois milhões de indivíduos a cada ano) e o alemão (mais 850 000 novos habitantes a cada ano). Além
do expressivo crescimento demográfico da Europa, o continente também era perfeitamente capaz de
contribuir, por meio da emigração, para o aumento da população dos novos países da Oceania e das
Américas, que estavam em processo de colonização. Somente naquele ano, 400 000 italianos e 450 000
britânicos abandonaram a Europa rumo a países como Austrália, Argentina, Brasil, EUA etc.
Tendo sido o local de nascimento da Revolução Industrial (1760), a Europa, ainda no início do
século XX concentra a maior parte do total das exportações mundiais de produtos industrializados (62%).
Em contrapartida, é a maior importadora de alimentos, combustíveis e matérias-primas. Nos países mais
desenvolvidos como a Grã-Bretanha, a Alemanha e a França, estes produtos compõem entre 75% e 80%
das suas importações. Também é na Europa, em especial na cidade de Londres, que se concentram a

* Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciência Política pela Unicamp. Licenciado e
Bacharel em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
10 História Contemporânea

quase totalidade dos serviços financeiros de alcance mundial. Por exemplo, a contratação de fretes
marítimos, seguros navais, empréstimos internacionais, lançamentos de ações e constituição de
novas firmas de alcance global são feitas quase que totalmente em algumas poucas cidades da
Europa: Londres, Amsterdã, Antuérpia, Berlim e Paris.
O volume de capitais investidos em países estrangeiros também é um indicador da preponderância
econômica e financeira da Europa. Do total de recursos investidos no exterior, 45% provém da Grã-
Bretanha, 25% da França e 13% da Alemanha, em contraste com os EUA, responsáveis por apenas 5%
do total. Além disso, o papel dos EUA como praça financeira tem um alcance restrito. Seus bancos e
instituições financiadoras não tem atuação global, limitando-se à operações apenas nas Américas.
E ainda, o papel central desempenhado pela Europa nas relações internacionais é realçado pelo
fato do continente ser sede das principais potências imperialistas. O maior destes impérios da época
– ou de qualquer outra – sem dúvida era o britânico. Mas os impérios francês, russo, austro-húngaro,
italiano e alemão também eram de enorme importância. Quase todos eles foram capazes de incorporar
à sua administração extensas áreas na África, na Ásia e na Oceania, fazendo com que as questões
relacionadas a essas regiões fossem discutidas e decididas em conferências e congressos na Europa.
Esse aspecto talvez seja o que melhor evidencia o papel central da Europa nas relações internacionais
antes da Primeira Guerra Mundial.
Finalmente, cabe mencionar o papel da Europa enquanto centro de desenvolvimento e
disseminação de novas tendências artísticas e culturais. Data dessa época o auge da influência da
Europa nessas esferas de atividade humanas, constituindo-se em referência na pintura, na literatura, no
cinema etc.

Os EUA, a Alemanha e o Japão como potências emergentes


O início do século XX é marcado por uma nova etapa na história da industrialização, cuja
característica principal é a disseminação dos processos industriais, quebrando o monopólio que a Grã-
Bretanha exercia até então. Agora, ao lado dos britânicos, vários outros países, em ambos os lados do
Atlântico norte, disputavam entre si o mercado mundial de produtos industrializados. Destes, os mais
importantes são os EUA, a Alemanha e, secundariamente, a França, a Bélgica e a Holanda. Pouco tempo
depois, o Japão também se lançou na competição industrial e, subseqüentemente, militar, com as
nações mais desenvolvidas.
A disseminação da industrialização decorreu, na maior parte, da busca de novas oportunidades
de lucro e de investimento britânicos. Ao longo de todo o século XIX, os britânicos – que já dominavam
o mercado mundial de bens de consumo – transformaram-se numa grande nação exportadora de
bens de capital1, vendendo ferrovias, máquinas para mineração, locomotivas, navios a vapor etc. para
todo o mundo. Simultaneamente, investiam nos países da Europa e dos EUA, financiando por meio
de empréstimos a aquisição destes bens ou se associando aos empreendimentos locais na área de
transportes, indústria, mineração, serviços públicos etc.

1 Bens de capital são aqueles empregados no processo produtivo, como equipamentos e máquinas, em oposição aos de consumo final, ou
de consumo.
Introdução: o mundo ao alvorecer do século XX 11

Em ambos os lados do Atlântico norte havia áreas propícias à industrialização que, se inicialmente
se constituíam em mercados para os produtos britânicos, logo se converteram em seus concorrentes.
Destas, as mais notáveis eram os EUA e a Alemanha. Ambos os países tinham populações enormes,
em rápido processo de crescimento, constituindo-se em mercados internos interessantes para os
empresários industriais locais explorarem. Gradualmente, tornou-se disponível uma extensa rede de
transportes a vapor, marítimos e terrestres, fazendo com que a produção e a distribuição de mercadorias
fosse muito fácil e lucrativa. Além de que – e isso é particularmente notável no caso alemão – ambos
países contavam com uma população com níveis baixos de analfabetismo e alto nível de instrução
formal, o que favorecia e sustentava o aperfeiçoamento do processo produtivo e a busca de níveis cada
vez mais altos de produtividade.
Finalmente, a imposição de tarifas protecionistas destinadas à taxação de produtos industrializa-
dos importados também serviu de estímulo para o investimento privado no setor. Assim, ao se iniciar o
século XX, os EUA e a Alemanha já disputavam entre si a primazia industrial mundial da qual a Grã-Bretanha
parecia se afastar cada vez mais. Dos dois países emergentes, eram os EUA que tinham as maiores van-
tagens comparativas. O tamanho da sua área e população permitia às empresas industriais operarem
num enorme mercado interno, que propiciava economias de escala que não podiam ser realizadas pe-
los seus concorrentes na Europa ou no Japão.
Do outro lado do mundo, o Japão, que até pouco tempo atrás mantinha seus portos fechados
sem qualquer contato com o estrangeiro, passava por um acelerado processo de modernização.
Esse processo se iniciou em 1868, com a restauração da centralização do poder político por parte da
dinastia Meiji. A observação cuidadosa do processo de submissão da China às potências imperialistas
foi assimilada pelos japoneses com apreensão. As elites dirigentes do Japão compreenderam que a
menos que fossem fortalecidas as bases do poder nacional, por meio da criação de indústrias capazes
de sustentarem e manterem aparelhadas as forças armadas, o Japão seguiria o caminho da China,
tornando-se ele próprio uma colônia informal das potências ocidentais.
Para atingir seus objetivos, o governo japonês se esmerou em copiar as instituições ocidentais,
adotando um programa que é recorrentemente descrito como sendo uma “modernização conservadora”,
isto é, um esforço para atualizar o setor produtivo e as forças armadas com pouca ou nenhuma
transformação social, em particular aquela que pudesse ameaçar o poder estabelecido (liberdades
políticas, democratização da propriedade, instauração de um governo laico etc.) Apesar do enorme
custo social, o programa de modernização japonesa foi, em grande parte, cumprido: ao se iniciar o
século XX, o Japão contava com transporte, comunicações e um parque industrial capaz de equipar e
manter em estado de eficiência seu exército e marinha de guerra.
Já ao final do século XIX, os japoneses empreenderam guerra contra a China a fim de obter o
mesmo tipo de vantagens comerciais de que já gozavam as potências européias. Em 1905, o Japão
iniciou e ganhou uma guerra contra o Império Russo, fazendo valer suas pretensões territoriais sobre
territórios que os russos ambicionavam na China e na Coréia. Tratou-se, enfim, do único país não-
ocidental que foi capaz de passar da condição de candidato à colônia para a de sede de um império
ultramarino colonial. Com o passar do tempo, contudo, suas pretensões coloniais fatalmente entrariam
em rota de colisão com os demais países imperialistas.
12 História Contemporânea

A Segunda Revolução Industrial


Ao final do século XIX e início do XX, assiste-se a uma notável mudança nas bases tecnológicas e
energéticas que até então vigiam no processo de industrialização, bem como na aplicação da ciência e
tecnologia aos processos econômicos, a qual ficou conhecida como a Segunda Revolução Industrial.
Novas matrizes energéticas e novas tecnologias produtivas estavam sendo descobertas e
adotadas. A Revolução Industrial na sua origem (1760) foi baseada na tecnologia da máquina a vapor,
geralmente queimando carvão ou lenha para obter a pressão necessária ao seu funcionamento. Ao fim
do século XIX, essa tecnologia e sua respectiva matriz energética serão complementadas, em alguns
casos substituídas, pela generalização do uso dos motores elétricos e à explosão. Ganham destaque,
conseqüentemente, as atividades econômicas relacionadas à produção e distribuição de eletricidade e
dos derivados de petróleo.
Para além das mudanças tecnológicas e da matriz energética, assiste-se também ao surgimento
de um número considerável de novas atividades produtivas, resultado da aplicação cada vez maior e
mais ampla das descobertas científicas à produção econômica. O processo é mais notável na indústria
química, responsável pelo desenvolvimento de novos produtos como corantes artificiais, fertilizantes,
alimentos industrializados etc. Mas também foi muito importante para o ramo do entretenimento,
com o surgimento da primeira diversão de massas da era moderna, o cinema. Da mesma forma na
metalurgia, com a oferta de novas ligas metálicas que tornaram a bicicleta e o fogão a gás produtos de
amplo consumo popular. Podem-se citar também a indústria elétrica, responsável pela ampliação do
consumo de telefones, lâmpadas, eletrodomésticos etc. Tais mudanças é que levam vários estudiosos a
designarem o período como sendo caracterizado por uma Segunda Revolução Industrial.
A Segunda Revolução Industrial também teve impacto sobre as formas de organização da indústria
e da concorrência. De fato, o estabelecimento de unidades produtivas dedicadas à fabricação dos novos
produtos demandava um volume mais substancial de capital e dependia de um prazo de maturação
dos investimentos muito maior. As exigências de um volume consideravelmente maior de capital para o
financiamento dos novos setores produtivos acabou por se constituir numa barreira de entrada nesses
novos ramos de negócio que poucas empresas eram capazes de superar. Assim, é possível afirmar que
a Segunda Revolução Industrial tinha uma tendência muito mais forte à concentração da propriedade,
sob a forma de cartéis, trustes e monopólios, do que a sua antecessora do século XVIII. Mais ainda, a
necessidade de um maior montante de capital para iniciar e sustentar os novos setores produtivos fez
aumentar a dependência das indústrias em relação aos bancos e outras instituições financeiras. Essa
dependência fazia com que, recorrentemente, os bancos acabassem por se tornar sócios importantes
das novos empreendimentos industriais chegando, no limite, a serem seus verdadeiros controladores.
Essa tendência foi tão marcante que podemos nos referir a este período como sendo marcado pela
superação do capitalismo industrial pelo capitalismo financeiro.

O imperialismo
As relações internacionais nos anos compreendidos entre 1875 e 1914, período anterior à Primeira
Guerra Mundial, foram marcadas pela anexação de extensos territórios na África, Ásia e Oceania por parte
das potências européias e, em menor grau, pelos EUA e Japão. Praticamente toda a África, a Oceania e
Introdução: o mundo ao alvorecer do século XX 13

as ilhas do Oceano Pacífico passaram formalmente à condição de colônias submetidas à soberania de


algum dos países europeus mais avançados. Os maiores impérios ultramarinos certamente foram, por
ordem, os da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha, da Itália, dos Eua e do Japão. Destes, o maior era,
de longe, o da Grã-Bretanha. Sob a autoridade da Grã-Bretanha, vivia um quarto da população mundial,
espalhada por todos os continentes. O segundo maior império era o francês, que abrangia extensas
áreas pouco povoadas da África e da Ásia. Os impérios alemão e italiano eram muito menores, resultado
da chegada tardia de ambos à assim chamada “corrida imperialista”.
Ao lado da ocupação formal destas áreas, o imperialismo também foi praticado nesse período
de maneira informal. Nesses casos ficava clara a hegemonia exercida pela potência imperialista sobre
áreas que, embora formalmente independentes, ficavam submetidas na prática às suas determinações.
Os casos mais evidentes deste imperialismo informal e seu correspondente contraste com a sua versão
formal certamente é o norte-americano. Depois de uma curta e vitoriosa guerra contra a Espanha ao
fim do século XIX, os EUA tomaram para si as Filipinas e uma pequena parte de Cuba – a Península de
Guantánamo – como suas colônias. Por outro lado, no período compreendido entre 1895 e 1917, as
forças armadas dos EUA intervieram em praticamente todos os países da América Central e do Caribe,
embora estes fossem, formalmente, nações independentes. Em todas estas intervenções, a motivação
era a mesma: garantir a integridade e a segurança dos investimentos e propriedades dos cidadãos
norte-americanos naqueles países.
O país que foi o alvo mais recorrente das ações do imperialismo informal foi, certamente, a
China. Mergulhada na anarquia de uma guerra civil desde o fim do século XIX, a China não tinha um
governo central e nacional minimamente eficaz, o que a tornou incapaz de deixar de se submeter a
todo tipo de exigências e acordos ruinosos que lhe foi imposto por europeus, norte-americanos e,
mais tarde, japoneses. A divisão daquele país em diferentes “áreas de influência” entre as potências
capitalistas só foi rompida a partir de 1931, com a tentativa dos japoneses em tomar para seu império
todo território chinês.
A ocorrência simultânea da Segunda Revolução Industrial e da corrida imperialista suscitou
incontáveis debates sobre a possível interrelação entre esses dois fenômenos. Para os indivíduos que se
identificavam com a orientação teórica desenvolvida por Karl Marx, tais como Lênin e Rosa Luxemburgo,
o imperialismo era um resultado direto das contradições do capitalismo. Fosse devido à queda da taxa
de lucros de empresas capitalistas, segundo Lênin, ou devido ao caráter limitado dos seus mercados
internos, de acordo com Rosa Luxemburgo, o fato é que as potências do capitalismo industrial só
poderiam sustentar seu ritmo de crescimento apelando para a aquisição de colônias. Tais colônias se
constituiriam tanto em um novo e ampliado mercado consumidor cativo quanto ofereceriam novas
e exclusivas oportunidades de investimentos nas áreas de mineração, transportes, serviços públicos
urbanos etc. A disputa pelas áreas passíveis de serem anexadas teria levado, ainda segundo Lênin, a
diversos conflitos entre as potências capitalistas. Nesses conflitos, incluiriam-se tantos os choques de
fronteiras nas colônias quanto a Primeira Guerra Mundial.
Inversamente, intelectuais identificados com a defesa das virtudes do capitalismo, a partir de
uma orientação teórica liberal, refutavam a existência de qualquer nexo entre a corrida imperialista e
a Segunda Revolução Industrial. Destes pensadores, os mais importantes foram Veblen e Schumpeter.
Segundo eles, a corrida imperialista e a própria Guerra Mundial teriam sido resultado de iniciativas
das elites dirigentes do Estado que, assim agindo, pretendiam realizar objetivos que nada tinham a
ver com o capitalismo, mas com a conservação do seu próprio poder político. Para estes autores, eram
elementos de origem nobre, cujas fontes de poder econômico eram a renda obtida pela propriedade
14 História Contemporânea

fundiária urbana e rural, que definiam e executavam – em associação com alguns poucos empresários
privados – as políticas coloniais. Agindo desse modo atuavam de forma oposta ao do conjunto de
interesses dos empresários capitalistas, interessados fundamentalmente na quebra e no abandono
de todas barreiras ao livre comércio e o fim das restrições que os monopólios coloniais impunham ao
mercado mundial.
O debate entre autores de orientação marxista e liberal continua em aberto, sendo uma ou outra
orientação teórica mais ou menos convincente, dependendo do caso em exame. As considerações de
ordem econômica parecem ter sido as mais relevantes no caso britânico. De fato, era graças ao enorme
superávit comercial com a sua mais importante colônia – a Índia – que os britânicos conseguiam superar
algumas das suas maiores dificuldades no balanço de pagamentos. Já no caso francês e alemão não
parecem ser predominantes as motivações afetas à superação de conflitos e às contradições inerentes à
ordem capitalista. Nesses casos, o reforço ou a conquista de posições estratégicas em escala global, o uso da
conquista imperial como fator de reforço do prestígio político dos governantes, ou ainda, como elemento
de reforço da lealdade dos cidadão ao regime, parecem ter sido as motivações mais importantes.
A corrida imperialista foi marcada por todo tipo de violências e abusos contra as populações
submetidas. O relato dos crimes do imperialismo é extenso e provavelmente continuará a ser ampliado.
Além disso, a imposição da autoridade colonial trouxe consigo também um choque cultural, derivado
da imposição de valores e práticas culturais dos colonizadores sobre os colonizados. Na sua forma mais
suave, esse processo resultou na “ocidentalização” dos costumes locais e, na sua versão mais agressiva,
na pura e simples destruição das formas tradicionais de organização da vida coletiva e da produção de
bens simbólicos.

As forças da tradição e da transformação


O século XX é marcado em escala mundial pela modernização. Tal processo é entendido como um
conjunto de transformações históricas que ocorre em três diferentes níveis: a superação da economia
agrícola pela industrial; da sociedade rural pela urbana; e da universalização dos direitos e prerrogativas
individuais em relação ao poder público. Esses processos tiveram início ao fim do século XVIII com as
Revoluções Industrial e Burguesa. A primeira deu início à perda de importância das atividades rurais em
relação às industriais; a segunda à superação do Estado absolutista e das relações feudais de produção
pela democracia política e as relações capitalistas de produção. Ao se iniciar o século XX parecia que
estas transformações estavam prestes a se concluírem, mas na prática seriam necessárias ainda muitas
décadas para tal.
É importante reconhecer que a modernização jamais operou de forma contínua ou linear, muito
embora elementos de diferentes orientações teóricas acreditassem sinceramente que isso de fato
ocorria. Tratava-se dos partidários da noção de progresso, muito influentes na virada do século XIX para
o XX. Segundo eles, os avanços da ciência, da técnica e do conhecimento humano em vários níveis
Introdução: o mundo ao alvorecer do século XX 15

estariam conduzindo a um contínuo aperfeiçoamento de todas as esferas de atividade humana. Ao fim


e ao cabo deste processo, a humanidade se veria livre de todas as restrições ao seu bem estar material
e moral, gozando de paz e felicidade permanentes.
Pelo menos nos países mais desenvolvidos, os substanciais avanços obtidos até então havia
permitido um enorme aumento da produtividade, garantindo à maioria das pessoas um mínimo
que lhes permitisse sobreviver. A descoberta, e posterior industrialização das vacinas, permitiram a
erradicação de uma série de doenças que, até bem pouco tempo, seriam capazes de ceifar a vida de
milhões de pessoas. A invenção de máquinas e equipamentos de transporte (locomotiva, automóvel,
aeronaves etc.) e comunicações (telégrafo, cabos submarinos, telefone etc.) prometia anular a restrição
que as longas distâncias sempre impuseram ao desenvolvimento das trocas comerciais, científicas e
culturais entre os povos.
Porém, deve-se levar em conta que a tendência à instauração de uma sociedade moderna
operava de forma muito mais gradual do que se supunha e, mais ainda, contra ela operavam forças que
visavam à preservação de elementos centrais na conjuntura anterior àquelas duas revoluções. Se pouca
ou nenhuma restrição havia ao avanço do conhecimento e ao cada vez maior domínio do homem
sobre a natureza, o mesmo não ocorria no que se refere à extensão dos direitos dos cidadãos frente ao
Estado e à instauração de uma forma de governo que permitisse uma maior participação popular nas
questões políticas. Mesmo na Europa, por exemplo, predominavam regimes monárquicos, formalmente
de orientação parlamentarista. Mas o poder desses parlamentos frente aos monarcas e a própria forma
pela qual se definia quem podia votar ou ser votado variava enormemente.
Via de regra, os regimes monárquicos tinham – exceto na Grã-Bretanha – uma enorme prevalecência
sobre as assembléias eleitas. No caso extremo – o russo – o parlamento (“Duma”) tinha uma existência
puramente formal, quase o mesmo se verificando no autoritário império alemão. Na França e na Itália,
a instabilidade e pouca duração dos gabinetes parlamentares é que acabava reforçando a autoridade
do poder executivo – do presidente num caso e do rei no outro. Em qualquer cenário, inexistia o direito
universal de votar e ser votado. Restrições ao voto das mulheres, dos analfabetos ou dos que não possuíam
idade ou renda suficiente, para não mencionar a fraude pura e simples na criação de obstáculos ao registro
dos eleitores, limitavam grandemente o caráter “representativo” dos políticos eleitos. E mesmo estes quase
que obrigatoriamente deveriam ou ser pessoas de muitos recursos, ou apelariam para a corrupção para se
manterem, já que inexistia remuneração pelo exercício dos cargos eletivos. Essa situação só será revertida
– por exemplo – na Inglaterra, em 1917. No geral, será necessário o duplo impacto da crise de 1929 e
da Segunda Guerra Mundial para que o processo de modernização política, iniciado com as Revoluções
Burguesas do século XVIII, finalmente chegue à sua conclusão lógica.
Também a transformação da economia de base agrícola pela industrial e da sociedade rural pela
urbana só se efetivará no segundo pós-guerra, ainda assim não em todos os países desenvolvidos e, com
muito mais lentidão, nas nações periféricas. No caso brasileiro, por exemplo, é somente em 1953 que
o valor da produção industrial finalmente alcança a agrícola; e apenas em 1973 a soma da população
urbana ultrapassa a rural. Finalmente, em 1989, é que o país adota o princípio da eleição direta para
todos os cargos públicos baseado no voto universal.
16 História Contemporânea

Atividades
1. Sintetize as características comuns aos EUA e à Alemanha ao final do século XIX e início do XX que
permitiram a industrialização desses países.

2. Descreva de que forma se deu a modernização do Japão a partir da segunda metade do século XX.

3. Aponte as diferenças mais marcantes entre a Primeira e a Segunda Revoluções Industriais.

Dicas de estudo
O debate historiográfico mais relevante deste período é relativo ao peso político que as elites de
origem nobre ainda exerciam em relação à burguesia industrial. É de grande valia para o estudante a
leitura completa de duas obras, contendo interpretações antagônicas sobre a questão. Recomenda-se
fortemente a leitura do livro de Eric Hobsbawn (A Era dos Impérios) em contraste com o trabalho de
Arno Mayer (A Força da Tradição). A leitura consecutiva destes dois livros permitirá ao aluno perceber
de que forma diferentes orientações teóricas esposadas por autores diversos conduz a resultados
antagônicos.
Primeira Guerra Mundial
A política de alianças e as causas imediatas da guerra
O final do século XIX na Europa foi marcado por um extensa movimentação diplomática cuja
característica mais importante foi o surgimento de dois blocos de alianças antagônicos entre os mais
importantes países daquele continente. O maior promotor dessa movimentação foi, certamente, o
ministro das relações exteriores da Alemanha, o chanceler Otto von Bismarck. Seu objetivo era consolidar
e estabilizar a vantajosa posição diplomática da Alemanha, que de imediato foi transformada numa
potência econômica e militar a partir da unificação dos diferentes Estados alemães em 1871. O súbito
surgimento de uma Alemanha unificada, no centro do continente que era sede dos mais importantes
impérios coloniais daquela época, colocava a diplomacia alemã diante de uma série de desafios. Desses,
os mais perigosos eram os da França e da Rússia.
No caso francês, havia o propósito dos governos daquele país de recuperarem as terras perdidas
para a Alemanha no conflito de 1871. Sucessivos governos franceses defendiam a idéia da “revanche”
contra os alemães e o restabelecimento da sua soberania nas províncias perdidas para os alemães da
Alsácia e da Lorena. Daí a busca por aliados potenciais num futuro conflito por parte tanto da França
quanto da Alemanha.
Já as preocupações comuns à Alemanha e à Rússia se referiam à progressiva desintegração
dos impérios Austro-Húngaro e Otomano. As pressões de diferentes grupos étnicos que lutavam
pela independência destes impérios preocupavam as diplomacias alemã e russa. O apoio da Rússia à
independência dos povos eslavos que viviam sob domínio Austro-Húngaro e Otomano gerava o temor
do aumento da presença russa numa região que se imaginava predestinada a se constituir em parte da
esfera de influência alemã. Desde a últimas décadas do século XIX, vinha aumentando sistematicamente
o comércio da região com a Alemanha. No início do século XX, os alemães já cogitavam construir uma
ferrovia ligando Berlim a Bagdá. Tudo isso levaria ao surgimento, em 1894, da assim chamada “Tríplice
Aliança” que aliava de forma permanente a Alemanha e a Áustria-Hungria à Itália, esta última receosa
de um futuro conflito com a França.1 No mesmo ano, Rússia e França também formam entre si uma
aliança militar.

1 A Itália sofreu sucessivas vezes a intervenção militar da França na conjuntura anterior à sua unificação.
18 História Contemporânea

Tais compromissos deixavam de incluir uma única potência importante da Europa: a Grã-Bretanha.
Detentores do maior império colonial já visto na história, os ingleses pretendiam manter-se distantes dos
compromissos com quaisquer alianças, ao mesmo tempo em que esperavam não existir mudanças signi-
ficativas no equilíbrio de forças entre as potências no continente europeu. Essa esperança acabou quando
a disposição da Alemanha em construir uma enorme frota naval se tornou pública. Dispostos a construir
uma esquadra que apoiasse suas pretensões coloniais por todo mundo, lançaram-se os alemães a uma
expansão ilimitada da sua frota. A medida que iam expandindo seus efetivos ­navais, os alemães aumen-
tavam os receios dos britânicos, que viam no fato de possuírem a maior frota de combate do mundo a
melhor e mais segura garantia de que o Império e sua sede não sofreriam ameaças de fora. Os receios com
relação aos planos expansionistas alemães acabou atraindo os britânicos para ­entendimentos mútuos de
segurança com os franceses, antes mesmo da eclosão do conflito.
A causa imediata da guerra foi o assassinato do arquiduque Ferdinando do Império Austro-
Húngaro em julho de 1914 por terroristas da Sérvia. A Sérvia havia se libertado do Império Otomano
pouco tempo antes e atuava como modelo e inspiração para os demais povos eslavos que viviam sob
domínio Austro-Húngaro e Otomano. O episódio serviu como pretexto para a invasão austro-húngara
da Sérvia. Os russos, por seu lado, anunciaram que iriam em socorro da Sérvia, o que levou a Alemanha
a pressionar a Rússia para desmobilizar seu exército. A negativa dos russos em fazê-lo levou a Rússia a
declarar guerra à Alemanha.
Simultaneamente, os alemães exigiram que os franceses provassem que não se aproveitariam
da crise para atacar a Alemanha, entregando ao controle alemão suas fortificações de fronteira.
Diante da recusa dos franceses em fazê-lo, decidiram os alemães invadir a França, que contavam
derrotar rapidamente, para em seguida atacarem a Rússia. Os planos alemães de invasão da França
estavam prontos desde 1905 e previam primeiro a ocupação da Bélgica, a fim de evitar o ataque
frontal às defesas francesas de fronteira. Ocorre que a Bélgica era um país neutro, cuja integridade
territorial era garantida – entre outros – pela Grã-Bretanha. Jamais os ingleses permitiriam que
qualquer potência européia dominasse a Bélgica, já que isso colocaria em perigo suas comunicações
vitais através do Canal da Mancha e também por constituir a ocupação do litoral belga em ameaça
ao seu próprio litoral. Desta forma, a invasão alemã da Bélgica colocou imediatamente o Império
Britânico ao lado dos franceses e russos contra si.
O resultado concreto de todos esses episódios foi a formação de duas grandes alianças antagônicas
que entre si travaram a Primeira Guerra Mundial. De um lado, os Aliados (Entente): França, Rússia, Grã-
Bretanha e, em 1915, a Itália (que repudiou seu acordo anterior com alemães e austro-húngaros) e os
EUA (em 1917). De outro, a Alemanha, a Áustria-Hungria e (a partir de setembro de 1914) o Império
Otomano que constituíam as assim chamadas “Potências Centrais”.

O impasse militar: a guerra de trincheiras


Quando da eclosão do conflito, havia um consenso entre os países contendores de que a guerra
seria breve. Acreditava-se mesmo que estaria terminada antes do Natal de 1914. Tal presunção se
baseava no fato de que todos os países haviam se preparado longamente para o conflito, mobilizando
exércitos de milhões de homens, os quais seriam imediatamente lançados contra seus inimigos,
precipitando o mais rapidamente possível a destruição de seus oponentes.
Primeira Guerra Mundial 19

Ao mesmo tempo em que se consolidava essa mentalidade ofensiva que visava obter resultados
decisivos e rápidos, importantes desenvolvimentos estavam ocorrendo na tecnologia aplicada aos
armamentos. Antes mesmo do século XX se iniciar, novas e cada vez mais aperfeiçoadas armas estavam
sendo desenvolvidas e adotadas.
Por volta de 1914, a maior parte dos exércitos estava equipada com fuzis de repetição, geralmente
com depósitos internos de cinco cartuchos, capazes de alcançar distâncias muito maiores e com uma
cadência de tiro bem mais alta do que a dos seus antecessores, carregados pela boca. Também já estava
em serviço a metralhadora, geralmente disparando munição carregada em fitas e capaz de sustentar,
de forma automática e quase que indefinidamente, o fogo disparado em rajadas que podiam somar até
seiscentos tiros por minuto.
Ocorreram também melhoramentos decisivos na artilharia. A adoção de uma variedade de
mecanismos de absorção do recuo do cano dos canhões após o disparo permitia que as guarnições
permanecessem o tempo todo junto à eles, remuniciando-os com a máxima velocidade possível que,
em alguns casos, permitia até seis tiros por minuto.
O resultado desses desenvolvimentos foi o aumento do poder de fogo que as unidades militares,
a partir de suas posições defensivas, podiam lançar contra seus inimigos, o que por sua vez tornava os
ataques contra elas cada vez mais perigosos e custosos. O volume e a cadência de tiro agora disponíveis
tornava as antigas cargas de cavalaria totalmente impossíveis e os ataques frontais da infantaria cada
vez mais arriscados.
Dessa forma, depois de um ou dois meses da invasão alemã à França e à Bélgica, quando as perdas
humanas já somavam milhões em cada lado, os oponentes se viram obrigados a interromper suas
manobras às vistas do inimigo. Começaram a cavar, imediatamente, em extensão e profundidade cada
vez maior abrigos subterrâneos que permitissem à suas tropas sobreviver ao devastador fogo disparado
pelo adversário. Tinha início então a “Guerra de Trincheiras” na Frente Ocidental, caracterizada pela quase
imobilidade dos oponentes e pelo altíssimo custo das tentativas de se tomar terreno do adversário. Ao
fim dos quatro anos de conflito, e a despeito do enorme custo humano e material empregado na busca
da vitória, as posições ocupadas pelos oponentes jamais variaram além de trinta quilômetros.
Por outro lado, na Frente Oriental, onde alemães e seus aliados austro-húngaros se defrontavam
com os russos, verificou-se um padrão inverso. Dada a extensão muito maior da linha de frente que
opunha os adversários, bem como pela natureza do terreno muito mais arborizado e acidentado,
predominou um estilo de guerra marcado pelo movimento. De fato, já em 1914, os russos promovem
uma fracassada invasão da Alemanha, a qual se sucede no ano seguinte uma bem sucedida invasão alemã
e austro-húngara da Polônia, então parte do Império Russo. Ao longo de 1916 e 1917, extensas batalhas
em enormes áreas ocorrem nos montes Cárpatos e no Mar Báltico, as quais só serão interrompidas com
a retirada da Rússia da guerra.

As novas tecnologias e a guerra no ar e no mar


O prolongado e indefinido impasse vivido na Frente Ocidental levou à busca de soluções que
visassem dar a cada lado do conflito alguma vantagem sobre seus oponentes que pudesse ser decisiva.
A primeira reação em ambos os lados foi o aumento maciço da fabricação de munições e peças de
20 História Contemporânea

artilharia. Acreditava-se que somente uma enorme expansão do volume de alto explosivo lançado
sobre as posições adversárias seria capaz de destruir os ocupantes e permitir a sua captura. Apesar de
extensos, esses bombardeios nunca foram capazes de destruir totalmente a defesa adversária: sempre
sobreviviam pelo menos alguns defensores que, usando o fogo das suas metralhadoras e informando à
sua própria artilharia sobre a localização dos atacantes, conseguiam frustrar todos os ataques.
Também se apelava para os bombardeios aéreos, mas nunca foram tão importantes as quantidades
de explosivos lançados por aeronaves em relação a dos canhões. O papel mais importante do avião
era mesmo o de observar a disposição das linhas inimigas e corrigir o fogo da sua artilharia contra
elas. Durante o conflito, o desenvolvimento tecnológico aplicado à aviação desenvolveu-se como
nunca antes. O aperfeiçoamento de novos e poderosos motores, as melhorias dos armamentos e das
comunicações, transformaram o avião, de uma simples e recente invenção, em uma das mais mortíferas
armas de guerra. Mas nem assim se podia romper o impasse gerado pela “guerra de trincheiras”.
Desta forma, surgiram, em 1915, novas armas, como o morteiro, o lança-chamas e o uso de gases
venenosos. No ano seguinte, os britânicos lançaram os primeiros veículos blindados e sobre lagartas,
destinados a acompanhar e proteger a infantaria nos seus ataques às trincheiras inimigas: os tanques de
guerra. Embora importantes, nenhum destes desenvolvimentos foi capaz de cumprir a esperança que
neles se depositava, a de lograr uma vitória militar que fosse barata e definitiva.
Incapazes de obter uma solução militar em terra, ambos os lados se voltaram para a guerra naval.
As Potências Centrais desde o início se viram bloqueadas pelas marinhas dos Aliados. Contavam os
anglo-britânicos impedir com qualquer tipo de abastecimento vindo de além-mar para seus adversários.
Sabendo da dependência da importação de alimentos, matérias-primas e combustível dos seus
adversários, os Aliados esperavam, com o bloqueio naval, levar ao colapso a produção militar e a própria
moral da população civil em continuar a luta. Em resposta ao bloqueio naval Aliado, a Alemanha lançou
o “contra-bloqueio” efetivado pela sua frota de submarinos. Embora altamente eficazes na destruição
de navios mercantes que se dirigiam às Ilhas Britânicas por torpedeamentos, a guerra submarina alemã
criou inúmeras tensões e conflitos com os países neutros, os quais ainda mantinham extensas trocas
comerciais com os ingleses. De fato, serão os sucessivos afundamentos de embarcações de países
neutros que irão levar novos países à guerra contra as Potências Centrais, como os EUA (abril de 1917)
e o Brasil (novembro de 1917).

O desfecho da guerra
Ao fim de três anos de guerra total, as perdas humanas e materiais sofridas pelos oponentes eram
imensas e, em alguns casos, insuportáveis. Os casos extremos eram os da França, da Itália e da Rússia.
Esses três países haviam perdido proporcionalmente muito mais vidas do que os seus oponentes e o
esforço econômico e produtivo que fizeram absorveram muito mais recursos do que podiam empenhar.
Civis e militares sofriam com a escassez e o alto custo dos alimentos. Fome, doenças e privações materiais
abalavam a fé na vitória e provocavam todo tipo de manifestações de descontentamento, senão mesmo
de recusa à continuidade da guerra.
A Itália foi praticamente colocada para fora da guerra em 1917 pelos ataques dos exércitos das
Potências Centrais, as quais eliminaram o poder ofensivo dos seus exércitos e provocaram a perda de
Primeira Guerra Mundial 21

muito terreno ao norte do país. A França estava enfrentando até mesmo uma espécie de “greve” de seu
exército que, em sua maior parte, recusava-se a dar continuidade aos inúteis e custosos ataques frontais
às trincheiras inimigas. Finalmente, a Rússia acaba por se retirar do conflito, face à desintegração do seu
exército provocada por uma série de ofensivas alemãs extremamente bem sucedidas e também devido
à agitação revolucionária interna, fruto tanto do descontentamento com as terríveis condições de vida
que o esforço de guerra impunha à população civil, quanto do empenho dos militantes de esquerda em
minar a autoridade e a legitimidade da ordem estabelecida.
A intervenção dos EUA na guerra é tão importante que ela impediu a derrota dos Aliados em 1917
e praticamente condenou ao fracasso os esforços das Potências Centrais em obter a vitória. Despejando
um milhão e meio de combatentes a mais do lado dos Aliados na Frente Ocidental, concedendo créditos
para aquisição de alimentos, matérias-primas e materiais militares, os norte-americanos com a sua
entrada no conflito mais do que compensaram a saída da Rússia da guerra, reabilitaram a fé na vitória e
propiciaram os meios de lançar novamente à luta os italianos e franceses.
Ao mesmo tempo a economia civil e a produção militar das Potências Centrais entravam em
declínio irreversível. O desvio de quase todo potencial humano e de recursos materiais para atender
às sempre crescentes exigências das forças armadas, somado ao incontornável bloqueio naval imposto
pelos Aliados, levou à imposição de uma dieta insuficiente e à impossibilidade de obtenção de agasalhos
e calçados adequados por parte dos civis. Simultaneamente, a retomada de extensas operações militares
contra os aliados da Alemanha na Europa Oriental e Meridional levou à retirada da Bulgária e da Turquia
que apoiavam a Alemanha, da guerra, expondo-a mesmo a uma invasão direta do seu território em
outubro de 1918.
A insatisfação com as miseráveis condições de vida, a percepção de que a entrada dos EUA na guerra
tornava a vitória impossível, somada à revolta com as perdas humanas nos campos de batalha, criou as
condições para a eclosão de movimentos de inspiração esquerdista e com objetivos revolucionários na
Alemanha e nos seus ex-aliados. Esses fatores convenceram a liderança alemã a buscar o fim da guerra,
através do pedido de um armistício que encerrou o conflito em novembro de 1918.

Conseqüências do conflito
A mais dolorosa conseqüência do conflito foi mesmo as perdas humanas: oito milhões de
militares morreram e número quase igual havia sido totalmente incapacitado para a vida produtiva.
Também havia cerca de quinze milhões de feridos com diferentes graus de gravidade e pelo menos
sete milhões de civis haviam morrido como decorrência das operações de guerra, deportações forçadas
ou massacres. Desses, talvez quatro milhões eram compostos por armênios, sírios, judeus e gregos,
vítimas tanto dos combates quanto dos massacres, imputados principalmente ao Império Otomano.
Como se todas essas desgraças não fossem suficientes para marcar a Grande Guerra na memória dos
povos, ao final do conflito eclodiu uma epidemia, conhecida como “Gripe Espanhola” que, nos anos
imediatamente subseqüentes ao conflito, ceifou pelo menos seis milhões de vidas humanas em todo
o mundo, embora alguns autores citem o número de doze milhões como mais fidedigno. Numa época
onde tantos passavam fome e careciam de vestuário, medicamentos e abrigo adequados, a gripe
grassou de forma incontrolável, assumindo dimensões mundiais.
22 História Contemporânea

A Primeira Guerra Mundial terminou com a assinatura do Tratado de Versalhes (1919) que
produziu profundas transformações no mapa político da Europa e atribuiu à Alemanha derrotada a
responsabilidade pela eclosão do conflito. Através do Tratado de Versalhes foram criados novos países,
buscando-se atender aos anseios de autonomia por parte das minorias étnicas e religiosas dos antigos
impérios Alemão e Austro-Húngaro (derrotados em 1918) e a criação de “Estados-Tampão” que isolassem
geograficamente dois países que alguns dos Aliados (Inglaterra e França) consideravam uma ameaça à
sua segurança tais como a Alemanha e a recém-constituída União Soviética.
Com o apoio para o surgimento dessas novas unidades nacionais às expensas dos antigos impérios
alemão e russo, os anglo-britânicos contavam em estar criando entidades naturalmente voltadas para a
contenção de um eventual ressurgimento alemão ou de expansões da Revolução Bolchevique. Uma vez
que seus territórios haviam sido formados pelo desmembramento destes antigos impérios, tais países
seriam aliados naturais de ingleses e franceses contra eventuais projetos de redivisão territorial que
redundassem em uma expansão tanto russa quanto alemã.
O caráter artificial e improvisado dessa nova divisão territorial levou ao surgimento de novas
contradições, conflitos e reivindicações nacionais por toda Europa, além de ter se revelado profundamente
disfuncional do ponto de vista econômico. A divisão territorial de Versalhes fazia somar 38 novas unidades
nacionais, cada qual com sua moeda, e praticamente nenhuma capaz de lograr a auto-suficiência econômica:
fazendeiros foram separados de seus mercados, fábricas de seus fornecedores de matéria-prima, ferrovias
de suas fontes de energia etc. Além da não-integração econômica entre estes diferentes países, vivia-
se profunda crise comercial resultante das conseqüências da guerra. Para começar, a instauração do
comunismo na Rússia, o prolongamento do caos político-administrativo no antigo Império Otomano
e a eclosão de uma guerra civil na China, opondo comunistas e “nacionalistas”, terminaram por retirar
essas regiões do circuito das trocas comerciais em escala mundial. A perda destes importantes mercados
coincidiu com a redução da elevada demanda por alimentos, combustíveis, matérias-primas e outros
produtos oriundos de países da periferia do capitalismo que havia sido gerada pela Grande Guerra.
Dessa forma, a primeira metade da década de 1920 é marcada por uma considerável retração do
volume do comércio internacional, levando a uma queda geral dos preços, juros e o aumento do nível
de desemprego.
Poucas nações tiraram real proveito do conflito como os EUA e o Japão. Livres da concorrência
européia, usufruindo do aumento da demanda por seus produtos e serviços por parte dos beligerantes
e a salvo das destruições que caracterizaram as regiões que foram palco das operações militares,
a economia desses países se diversificou e ampliou. De fato, durante a guerra, os EUA deixam de ser
devedores para se tornarem credores, transformando-se no grande agente financeiro do planeta e
ajudando, por meio de seus empréstimos, os países arruinados da Europa a restabelecer em algum
grau os níveis anteriores de atividade econômica. Contudo, será somente em meados da década
de 1920 que a economia européia irá retomar os níveis de produção anteriores à Grande Guerra. O
Japão aproveitou-se da ausência de seus concorrentes para ampliar substancialmente sua influência
econômica, diplomática e militar sobre a China, a qual contava anexar a seu império.
A redivisão territorial do Tratado de Versalhes atingiu mais pesadamente a Alemanha, que se viu
despojada de áreas importantes de seu território que foi, inclusive , separado em duas partes, para garantir
que as reivindicações de acesso da Polônia (tornada independente do Império Russo) ao mar fossem
atendidas. A Alemanha e o Império Otomano perderam também todos seus territórios coloniais para a
Inglaterra e a França. Mais ainda, coube à Alemanha o pagamento de uma pesada indenização de guerra
aos vitoriosos, além de ter sido despojada da quase totalidade de seu poder militar e proibida de projetar ou
Primeira Guerra Mundial 23

fabricar armas ofensivas. Surgia aí a oportunidade para o aparecimento, naquele país, de grupos políticos
radicais, ultra-nacionalistas, de extrema-direita, assumidamente “revisionistas” que, na luta política no
regime democrático alemão da República de Weimar (1919-33), insistiam em priorizar numa revisão – se
necessário pela força – dos termos do Tratado de Versalhes a fim de angariarem apoio popular.

Atividades
1. Compare os mapas abaixo e descreva as novas nações que surgiram na Europa, com base em
sua função como “Estado-Tampão” (se dirigido contra a URSS, Alemanha ou ambos) e origem (se
Império Alemão, Russo etc.).

KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências.


Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 268
Europa em 1914.

A Europa depois da Segunda Guerra Mundial.


24 História Contemporânea

2. Com base nos dados industriais e tecnológicos estabeleça a proporção em que os Aliados eram
superiores às Potências Centrais para os indicadores ali disponíveis.

KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes


­potências. Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 263
Comparação industrial/tecnológica com os Estados Unidos, excluindo a Rússia
Reino Unido/ Alemanha/
E.U.A./França Áustria-Hungria

Porcentagem da produção mundial de manufaturados (1913). 51,7 19,2

Consumo de energia (1913), milhões de toneladas métricas de


798,8 236,4
equivalente de carvão.

Produção de aço (1913) em milhões de toneladas. 44,1 20,2

Potencial industrial total (Reino Unido em 1900 = 100) 476,6 178,4

3. Descreva a relação entre a Primeira Guerra Mundial e a Gripe Espanhola.

Dicas de estudo
É importante que o aluno saiba estabelecer correlações entre os processos que se desenvolvem
em diferentes esferas de atividade humana. Com base nos escritos de Julio de Mesquita – A Guerra
(1914-1918) – e Sidney Garambone – A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira – sugerimos que
seja interpretado o impacto da guerra submarina sobre a ética nas relações internacionais do período.
Revoluções socialistas e
movimento operário
Os vários socialismos e suas origens
O ideal do socialismo agrega o conjunto dos indivíduos, organizações e movimentos que tem
por objetivo a transformação da sociedade capitalista e a sua superação, através da eliminação da
propriedade privada dos meios de produção e a subseqüente erradicação das diferenças de classe – e,
conseqüentemente, da própria idéia de classe social.
Talvez o primeiro pensador de inspiração socialista tenha sido Thomas Morus, autor do clássico
Utopia (1516), onde descreve uma ilha imaginária na qual os bens de produção pertencem a todos e
inexistem diferenças sociais entre seus habitantes, todos igualmente dedicados ao trabalho coletivo em
prol do bem comum.
Com a intensificação da Revolução Industrial em princípios do século XIX e a subseqüente
expansão da exploração e da miséria que é imposta à nascente classe operária, as idéias socialistas
ganham novo interesse. Surgem novos autores dedicados a idealizar e propor a constituição de
sociedades organizadas com base em princípios socialistas. Desses, os mais importantes são os autores
do século XIX: Saint Simon, Fourier, Cabet e Proudhon.
Cada um a seu modo idealizava um tipo de sociedade em que a opressão dos indivíduos inexistiria,
uma vez que a vida coletiva estaria baseada na propriedade em comum dos meios de produção e na
divisão eqüitativa do trabalho entre todos. Em qualquer um dos autores citados a via escolhida para
a instauração da sociedade socialista é a persuasão, o convencimento do conjunto dos indivíduos da
superioridade do modelo de sociedade ali descrito em comparação com as misérias e agruras impostas
à classe operária naquela conjuntura.
26 História Contemporânea

De concepção bem diferente serão as idéias desenvolvidas por Marx e Engels no Manifesto do
Partido Comunista de 1848. Ali se defende o ponto de vista de que qualquer esforço para a superação
da sociedade capitalista fatalmente terá de superar a resistência dos indivíduos que se beneficiam das
relações capitalistas de produção: os proprietários dos meios de produção, ou simplesmente, a burguesia.
Rejeitando o ponto de vista de que a persuasão e o convencimento por si sós seriam suficientes para se
chegar ao socialismo, defendiam a idéia de que caberia à classe operária, usando de violência, derrubar e
destruir o capitalismo e, ao fim e ao cabo de um processo descrito como a Ditadura do Proletariado, impor
aos demais indivíduos da sociedade – mas muito especialmente à burguesia – o modo de vida socialista.
Em 1864, Marx e seus seguidores fundam a Primeira Internacional Socialista em Genebra (Suíça)
destinada a congregar todos os indivíduos e organizações que lutavam pela causa, com vistas à
realização de uma revolução de dimensões mundiais. Imediatamente instaura-se uma crise a partir do
confronto de Marx e Bakunin, então a mais importante liderança anarquista.
Etimologicamente anarquia significa ausência ou inexistência de governo. Para os anarquistas
a plena liberdade humana só pode ser alcançada se cada comunidade, cada indivíduo tiver o poder
de determinar sua vida, recusando a delegação de responsabilidade sobre o seu futuro a quem quer
que seja, sempre participando conscientemente da unidade social a que pertence. A revolução que
destruiria todas formas de opressão se daria pela ação direta e espontânea de indivíduos, se necessário
através de organizações julgadas válidas como o sindicato e a comunidade.
Esses pontos de vista entraram em colisão frontal com os princípios enunciados por Marx no
Manifesto, no qual a liderança do partido comunista e a imposição de uma Ditadura do Proletariado
ocupavam um lugar central. O resultado do confronto foi a expulsão da Primeira Internacional de
Bakunin e seus seguidores em 1872. Pouco tempo depois, a própria Internacional deixava de existir
(1876). Uma Segunda Internacional Socialista foi fundada em 1889 propondo justamente a substituição
do Marxismo Revolucionário pelo socialismo democrático – o qual acabaria por dar origem à Social
Democracia tratada a seguir.

O movimento operário
A principal manifestação do esforço organizacional da classe operária são os sindicatos. Trata-
se de um tipo de associação de profissionais, empregados ou empregadores, que exercem atividades
semelhantes, destinada à defesa ou promoção dos seus interesses. Originalmente, esse tipo de
organização já estava presente na Idade Média, sob a forma das ligas ou corporações de ofícios. Contudo,
a partir do triunfo das Revoluções Burguesas ao fim do século XVIII, essas corporações foram proibidas,
ressurgindo de certa forma apenas na clandestinidade. As organizações de caráter profissional se
convertem então em sociedades secretas.
Foi somente na segunda metade do século XIX que os sindicatos ressurgem tanto na Europa quanto
nos EUA, sob a forma de organizações legítimas, destinadas fundamentalmente a reunir e a organizar a ação
política e econômica das diferentes classes sociais. Inicialmente, apenas os trabalhadores de mais alto nível
salarial, também chamados de “aristocracia operária” gozando de uma situação econômica privilegiada, é
que aderem aos sindicatos. Tratava-se do “sindicalismo de profissão”.
Revoluções socialistas e movimento operário 27

Esta modalidade de organização sindical será complementada – em alguns casos nacionais,


substituída – pelo “sindicalismo de indústria”. Essa forma é a mais importante e a mais numerosa na
virada do século XIX para o XX, marcada pelo ingresso de grandes massas de indivíduos proletarizados
que, sem possuírem qualquer qualificação anterior para o trabalho industrial, e também sem terem
condições de se manterem como cultivadores ou artesãos autônomos, convertem-se maciçamente em
novos operários industriais.
A partir daí tem início um prolongado e tenso período de luta da classe operária organizada
em sindicatos, na busca de melhorias imediatas para a sua condição (salário, férias, seguros etc.) e a
transformação do conjunto da sociedade capitalista. Entre os elementos que, a partir dos sindicatos,
almejavam este objetivo, destacam-se os anarquistas, os socialistas e os comunistas.1 Não se tem
registro de êxito destas iniciativas. Já as melhorias das condições de vida e trabalho demandavam
um considerável esforço organizacional, em especial no que se refere ao planejamento e execução de
greves e outros protestos, nos quais dois problemas parecem ter sido os principais: por um lado a reação
dos patrões e das organizações repressivas do Estado, e a dificuldade de se gerar o consenso entre os
trabalhadores para não enfraquecer o movimento, por outro.
De todos os problemas que assoberbavam a organização e atuação dos sindicatos, o pior de
todos parece ter sido mesmo a busca do mencionado consenso. Muito já foi escrito sobre as tensões
e a luta de classes que opõem patrões e empregados. Na prática, a essas lutas devem ser somados os
conflitos dentro mesmo da classe operária. Por um lado, existe a necessidade de se erradicar a figura
do “fura-greve”, o indivíduo que se recusa a assumir o risco de perder o emprego por ter aderido à
paralisação do trabalho, sabendo que se a greve for vitoriosa, de qualquer forma ele mesmo também
será beneficiado por uma negociação salarial bem sucedida. Por outro, a concorrência que é feita aos
trabalhadores pelos desempregados. A existência desse “exército industrial de reserva” no dizer de Karl
Marx, é o fator mais importante a limitar o êxito da ação sindical dos trabalhadores.
À luz destas considerações parece óbvio que o êxito da ação sindical é tanto mais provável quanto
maiores e mais consistentes forem os índices de crescimento econômico. Numa situação de crise ou
recessão econômica como foram os anos entre 1875-1914, os empregadores não tinham a menor
dificuldade em dispensar os trabalhadores insatisfeitos e substituí-los por desempregados dispostos
a trabalhar por qualquer salário. Já numa outra conjuntura, como aquela compreendida entre 1945 e
1975, marcada por um crescimento vigoroso e permanente da economia, com a conseqüente redução
do desemprego, as reivindicações operárias tinham muito mais possibilidade de se efetivarem.
Estas implicações da ação sindical se refletem quase que uniformemente sobre os diferentes níveis
da organização operária, ou seja, em âmbito local, regional e nacional. O apelo ao caráter internacionalista
da classe operária pelos diversos movimentos e pensadores socialistas jamais redundou em resultados
concretos no que diz respeito à ação sindical. Mesmo o apelo de caráter mais universal esposado, por
exemplo, pelo movimento socialista – de recusa à guerra e ao militarismo – não foi capaz de mobilizar
a ação sindical, como se viu em agosto de 1914, quando, por toda Europa, verificou-se um mínimo
ou mesmo a inexistência de resistência por parte dos sindicatos à convocação de seus filiados para
prestarem o serviço militar na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Os sindicatos de trabalhadores tiveram importância muito maior a partir da implementação de
políticas públicas destinadas a retomada da produção e do consumo deprimidos pela Crise de 1929.
No início da década de 1930, antigas reivindicações sindicais, como o reconhecimento do direito legal
1 Na segunda metade do século XIX, os termos socialismo e comunismo passaram a serem usados como sinônimos. Sua origem remonta às
sociedades secretas socialistas francesas da década de 1830.
28 História Contemporânea

de representar seus associados, imposição de um salário-mínimo, limitação da jornada de trabalho etc.


acabam sendo incorporadas ao regime jurídico de diferentes nações do mundo, uma vez que nessa
conjuntura tais demandas são percebidas não apenas como do interesse da classe operária, mas como
funcionais para a superação da crise econômica.

A Revolução Russa
Segundo os prognósticos de Marx, uma eventual revolução socialista só poderia ter êxito em
algum país pertencente à condição de capitalismo avançado. Altas taxas de industrialização com um
correspondentemente elevado efetivo da classe operária industrial, tanto quanto possível sindicalizada –
que se presumia ser a portadora da missão “histórica” de construir a sociedade socialista – eram entendidos
como essenciais para o sucesso de uma revolução socialista.
Na realidade, a primeira revolução socialista que conseguiu êxito foi aquela que ocorreu na Rússia
em 1917. Um exame das condições políticas, econômicas e sociais do país revela o enorme potencial
revolucionário do país que, paradoxalmente, tinha uma minúscula classe operária. De fato, havia apenas
três milhões de trabalhadores empregados nas fabricas russas, somando 1,75% da população total. A
escassez de capital local para investimentos fazia com que o setor industrial russo fosse pesadamente
dependente de recursos estrangeiros, os quais controlavam a totalidade dos setores relacionados com o
petróleo, metade da indústria química, quase a metade da metalurgia e mais da quarta parte da têxtil.
A economia russa ainda era essencialmente agrícola, empregando 80% da sua população nesse
setor. A agricultura era responsável por 63% das exportações do país, e o extrativismo também ocupava
um lugar de destaque: 11% das vendas russas para o exterior se constituíam de madeira. Além disso,
a Rússia era o país de mais alta taxa de concentração de propriedade fundiária. Apenas 10% dos
indivíduos de origem nobre detinham a propriedade de 75% de todas as terras. No ápice desta pirâmide
social, 155 pessoas eram donas de um terço de todas as terras cultiváveis. Essas terras eram arrendadas
a camponeses que pagavam pelo seu uso em dinheiro.
O governo do Tzar Nicolau II dedicava a maior parte das rendas governamentais aos gastos
militares, restando poucos recursos para a saúde ou educação. Aliás, é importante notar que apenas 30%
dos russos eram alfabetizados, tendo o país também que suportar a mais alta taxa de mortalidade entre
os países europeus. A injustiça social do regime tzarista se manifestava também na estrutura tributária:
a maior parte da receita dos impostos provinha da taxação de bens de consumo como alimentos e
vodka, que representavam 40% das receitas. Em contrapartida, os impostos sobre os indivíduos mais
ricos da sociedade somavam apenas 6% da carga tributária. O resultado era uma série de revoltas e
motins desencadeados pelo povo russo quando a péssima situação social os levava à fome. Em 1902,
por exemplo, foi necessária a intervenção das forças armadas para debelar levantes contra a autoridade
do Estado todos os dias daquele ano.
As tensões sociais na Rússia chegaram ao extremo com a entrada do país na Primeira Guerra
Mundial. O sofrimento e os sacrifícios do povo e das forças armadas russas foram levadas a níveis
insuportáveis, resultado tanto das sucessivas derrotas sofridas diante de seus inimigos, quanto da
inoperância, corrupção e incompetência do governo russo. Era enorme a insatisfação popular manifesta
sob a forma de greves, motins e passeatas de protesto. Em março de 1917, o Tzar abdica e o poder é
Revoluções socialistas e movimento operário 29

transferido para um governo provisório sob a chefia de Kerenski. Em novembro, o próprio Kerenski
abandona o país que cai em poder dos membros do partido comunista russo. Ainda naquele mês,
Lênin, o líder daquela facção, declara a vitória da revolução socialista e a instauração de um governo
chefiado por ele.
Em março de 1918, Rússia e Alemanha celebram um tratado de paz que encerra a participação
daquele país na Primeira Guerra Mundial. Segundo os termos do Tratado de Brest Litovski, a Rússia perde
para os alemães a Polônia, a Lituânia, a Curlândia, a cidade de Riga e parte do território da Transcaucásia,
além de pagar uma vultosa indenização em ouro. Ainda em 1918, EUA, Grã-Bretanha, França e Japão
(Aliados) enviam substanciais efetivos militares para destruir a Revolução Socialista. Esta intervenção
fracassa, mas dá margem à reorganização dos opositores da revolução que iniciam uma guerra civil
contra o novo regime bolchevique. Esta guerra civil irá durar até 1921 e só será encerrada com a vitória
do Exército Vermelho (bolchevique) sobre seus adversários.

Outras revoluções socialistas


A conjuntura do final da Primeira Guerra Mundial continha praticamente todos os elementos
tidos como necessários para o desencadeamento de revoluções socialistas: colapso ou desmoralização
da ordem constituída, enorme insatisfação popular com as condições de vida, prestígio e repercussão
mundiais da revolução bolchevista de 1917 na Rússia etc. A presença de tais condições dava ânimo
aos que acreditavam, dentro e fora da Rússia, que havia soado a hora da eclosão de uma autêntica
revolução mundial.
Ainda em 1918, eclodem outras duas revoluções de inspiração socialista na Europa: a alemã e a
húngara. Em novembro de 1918, tem início uma revolução na Alemanha, resultado tanto do trabalho da
organização política do recém-fundado Partido Comunista Alemão, quanto da insatisfação de setores
populares e das forças armadas (em especial dos marinheiros amotinados da esquadra de guerra alemã)
com as péssimas condições de vida e trabalho naquele país. A partir da proclamação da república alemã
em novembro, é constituído um governo chefiado pelo Partido da Social Democracia Alemã. O novo
governo rapidamente entra em entendimentos com o exército para esmagar a revolta comunista e
reinstaurar um governo constitucional, o que de fato acaba ocorrendo.
Além do alemão, também em outro dos impérios derrotados na Primeira Guerra Mundial estourou
uma revolução socialista: na Hungria. O Partido Comunista Húngaro havia sido fundado em 1918 e,
aproveitando-se da situação caótica criada com o colapso do Império Austro-Húngaro a partir da derrota
na Primeira Guerra Mundial, é criada em março de 1919 a República Bolchevista Húngara. A duração
desse novo governo será muito breve: em novembro a república bolchevique é derrubada e em seu
lugar é instalado um governo abertamente contra-revolucionário. Finalmente, também na Finlândia –
tornada independente do Império Russo – estourou uma breve guerra civil, opondo os partidários da
manutenção do capitalismo aos socialistas, a qual irá terminar com a derrota destes últimos.
Com a repressão bem sucedida das revoluções alemã e húngara, são contidas temporariamente as
forças socialistas que militavam por toda Europa pela ampliação da Revolução Russa. Persistia, contudo,
o processo revolucionário na Rússia, o qual só irá concluir a obra de criação de uma sociedade socialista
em 1933, com a etapa final da erradicação da propriedade privada naquele país.
30 História Contemporânea

O surgimento de um Estado de regime autoritário e economia comunista provocou um impacto


considerável nas relações internacionais do período. Com seu comprometimento com a propagação
da revolução socialista para todo planeta, a recém-fundada URSS tornou-se alvo de desconfiança,
senão hostilidade, permanentes por parte das potências capitalistas, bem como de todos os grupos e
instituições que se contrapunham aos ideais da Revolução Bolchevique de 1917. Entre estes incluíam-
se indivíduos de origens diversas, mas que englobavam os defensores da propriedade privada, da
sociedade de mercado e de diferentes confissões religiosas: por não concordarem com a socialização
dos meios de produção (em oposição ao ideal capitalista da propriedade privada) , com o papel do
Estado como planejador e gestor da economia (contra as leis da oferta e da procura que vigoram em
uma sociedade de mercado) e com os ideais do ateísmo e do materialismo soviéticos (contrários à
moral cristã) os indivíduos desses grupos transformaram-se quase que da noite para o dia nos maiores
opositores de tudo o que emanava de Moscou.

A social-democracia
Na década de 1880 começaram a surgir na Europa os primeiros movimentos destinados à funda-
ção de partidos socialistas que almejavam a superação da sociedade capitalista através do voto. Era o
inicio da social-democracia. As razões que levaram ao surgimento da social-democracia estão ligadas à
conjuntura do final do século XIX e início do XX e dizem respeito tanto à correlação de forças políticas
vigentes quanto às expectativas sobre a futura composição social dos países do capitalismo avançado.
No que se refere à correlação de forças políticas, o principal fator a ser levado em conta é o fracasso
das tentativas de tomada do poder pelas entidades socialistas pela força, comuns em todo continente
europeu, ao longo do século XX. Os aparelhos repressivos de Estado haviam se aperfeiçoado muito, com
a adoção de fichários policiais com fotografias, censura à correspondência e mensagens telegráficas,
acordos entre diversos países para ações repressivas comuns etc. As forças militares e policiais agora
podiam contar inclusive com extensas reformas urbanas, realizadas no sentido de se otimizar os
esforços da repressão aos movimentos sociais e populares nas grandes cidades. Os riscos inerentes à
ação revolucionária, caracterizada pela exposição dos militantes à métodos violentos e cada vez mais
eficazes empregados pelas forças repressivas, servia como desestímulo à tentativa de instauração do
socialismo pela força.
Por outro lado, desde a publicação do Manifesto do Partido Comunista em 1848, vinham se confir-
mando as expectativas sobre a futura composição social dos países do capitalismo avançado. Gradualmente
eram eliminados os produtores independentes no campo e na cidade, incapazes de competir com a pro-
dução em larga escala que se organizava em bases capitalistas. A permanente ampliação dos contingentes
proletários permitia antecipar o momento em que os trabalhadores seriam a maioria dos indivíduos na
sociedade. Se eles pudessem ser persuadidos a votarem em candidatos oriundos dos partidos socialistas,
então necessariamente seriam instaurados governos de esquerda que, dentro das regras do jogo demo-
crático, poderiam então construir o socialismo. Um outro estímulo à tentativa de se chegar ao socialismo
através do voto era a possibilidade de se usar as campanhas eleitorais para fazer propaganda da causa
socialista e angariar mais membros para os partidos que a defendiam.
Estes prognósticos levariam algum tempo até se realizar. Teriam necessariamente que esperar
pela ampliação do direito de voto, ainda bastante restrito na Europa do início do século XX. Contudo,
Revoluções socialistas e movimento operário 31

na medida em que essa ampliação se dava, ia aumentando o percentual de votos dos diversos países
socialdemocratas por toda Europa. Embora jamais tenham obtido a maioria absoluta dos votos necessários
à formação de um governo que lhes permitisse dispensar o apoio dos outros partidos não-socialistas, os
social democratas tomaram parte no exercício do poder político – às vezes como chefes de governo – em
vários países da Escandinávia, na Grã-Bretanha e na Austrália já a partir dos anos 1920.
As principais dimensões da atuação dos governos de inspiração socialdemocrata foram as
nacionalizações e a instauração do Estado de bem-estar social (welfare state). No primeiro caso,
imaginava-se que as nacionalizações seriam um caminho viável para a conversão da economia
capitalista em socialista. E a generalização de uma série de direitos econômicos (previdência social,
seguro-desemprego etc.) era entendida não só como uma etapa necessária rumo à sociedade socialista,
como também pré-requisito para o pleno exercício dos direitos civis. De fato, quem não dispõe de um
mínimo de estabilidade econômica, sempre fica à mercê dos favores dos mais poderosos para se manter,
e não poderá jamais exercer plenamente sua cidadania política.
As nacionalizações consistiam na encampação da propriedade privada e sua conversão em
propriedade estatal em nome do interesse público e foram realizadas extensivamente tanto em função
da crise de 1929 quanto da conjuntura do fim da Segunda Guerra Mundial, ocasiões em que o colapso
das leis de mercado praticamente impunham algum grau de intervenção estatal. Importantes setores
produtivos como mineração, transportes, indústria bélica, saúde, educação e comunicações foram
nacionalizados porque várias nações não podiam permitir a sua desaparição ou mal funcionamento face
à crise econômica resultante do colapso do mercado mundial ou, posteriormente, da desestruturação
econômica legada pela guerra.
Foi igualmente em função das crises consecutivas legadas pelo colapso econômico de 1929 e da
Segunda Guerra Mundial que se forjou um mínimo de consenso nas sociedades capitalistas avançadas
em relação ao projeto socialdemocrata de universalização do acesso aos serviços públicos e à instauração
de uma ampla rede de proteção social. Para tanto deve-se levar em conta o caráter economicamente
funcional destas iniciativas para a retomada do circuito de produção e consumo de mercadorias e
serviços. Outra motivação para o referido consenso era a necessidade de se atenuar as características
mais socialmente nocivas do capitalismo, numa conjuntura de intensificação do confronto entre o bloco
capitalista e o comunista durante a Guerra Fria (1946-1989), a fim de não favorecer a propagação dos
ideais mais radicais de nivelamento social implícitos na divulgação da propaganda soviética.

Atividades
1. Descreva os contrastes e conflitos entre as várias correntes socialistas na segunda metade do
século XIX.
32 História Contemporânea

2. Faça a distinção no interior das lutas de classes entre as tensões intra e extraclasses.

3. Reconstitua as principais componentes da conjuntura que antecede a Revolução Russa de 1917.

Dicas de estudo
O correto entendimento das propostas de esquerda (socialismo, anarquismo, comunismo) é de
grande utilidade não só para ampliar o conhecimento geral do estudante, como também para chamar
sua atenção para o longo e totalizante predomínio ideológico da doutrina neoliberal, constituindo o
fenômeno que atualmente é designado como “pensamento único”. Para tanto, o estudante pode lançar
mão da consulta aos verbetes da internet.
Modelos econômicos: o
­desenvolvimento
do ­capitalismo
O taylorismo e o fordismo
A economia mundial no período compreendido entre 1875 e 1914 se encontrava em recessão.
Isso significou, além de taxas declinantes de crescimento econômico em vários países, uma acentuada
queda nos preços dos produtos e serviços, das taxas de juros e dos níveis salariais. Simultaneamente,
a propriedade privada dos meios de produção ia se concentrando. À medida que as firmas menores
e menos capitalizadas iam enfrentando dificuldades crescentes para se manterem, ficava cada vez
mais fácil para as grandes empresas as comprar, promovendo a concentração de propriedade em
vários setores. Nesta fase, vai-se passando progressivamente de uma economia concorrencial, típica da
Primeira Revolução Industrial (1760-1875) para uma economia monopolizada.
A concentração da propriedade privada deu margem a uma situação em que – em diversos ramos
de negócio – um número limitado de empresas dividia entre si a totalidade do mercado consumidor. A
existência de um reduzido número de grandes empresas tornava cada vez mais fácil para elas elaborarem
acordos, visando diminuir ou eliminar a concorrência, estabelecer preços e controlar o mercado. Era o
início dos trustes (quando uma empresa comprava seus concorrentes) e dos cartéis (quando empresas
de proprietários diferentes estabeleciam entre si este tipo de acordos). O exemplo mais famoso é o
cartel de produtores de carvão alemães, que chegou a dominar 90% do mercado nacional do produto
naquela época. Já grandes empresas como a norte-americana Standard Oil Company da família
Rockfeller dominou, através da compra de seus concorrentes, quase todo mercado de derivados de
petróleo, chegando a 95% de participação; fato que também se verificou no mercado de aço e produtos
34 História Contemporânea

siderúrgicos dos EUA, no qual a United States Steel, empresa fundada pela família Kaiser, detinha 63%
de participação.
O crescente gigantismo das empresas, associado à pressão cada vez maior dos seus proprietários
pela manutenção da taxa de lucros, numa conjuntura em que a economia atravessava um período
recessivo, criaram as condições para uma série de transformações no mundo do trabalho. O objetivo
era, através da ampliação dos controles sociais sobre os operários, extrair o maior lucro possível do seu
trabalho, fazendo-os trabalhar mais e de forma mais produtiva.
É aí que surgem e ganham ampla divulgação as idéias relativas à administração de empresas e
de seu pessoal desenvolvidas por Frederick W. Taylor (1856-1915), que se tornariam conhecidas como
o “taylorismo”. Seu autor defendia a necessidade de uma administração “científica” e “racional” dos
empreendimentos capitalistas, gerando com suas propostas tamanho corpo de conhecimentos que
ajudou a levar à criação da disciplina da Administração de Empresas, na qual até hoje seus trabalhos são
considerados clássicos.
O novo método de administração tinha como etapa inicial a transferência do controle do
processo de formação da mão-de-obra e definição dos métodos de trabalho da classe operária
para a gerência das empresas. O objetivo era acabar com a diversidade de métodos e técnicas de
trabalho, selecionando apenas os que fossem mais rápidos e produtivos e os impondo como padrão
aos operários. No processo, era fundamental a figura de um novo profissional: o analista de tempos e
movimentos. O papel deste analista era cronometrar os diferentes métodos e técnicas empregados na
produção, escolher os mais eficazes e rentáveis e impô-los como regra ao conjunto dos trabalhadores.
Uma vez impostos os novos métodos, o trabalho do analista de tempos e movimentos era checar o
nível de produtividade de cada operário, a fim de imputar a cada um punições pelo desempenho
insuficiente (que assumiam a forma de multas e podiam chegar à demissão) e recompensar aqueles
que se submetessem à nova disciplina que estava sendo exigida (através do repasse, sob forma de
aumentos de salário ou prêmios pelo atingimento das metas, de uma pequena parte dos lucros
obtidos com o aumento da produtividade).
A imposição dos métodos tayloristas incrementou enormemente os lucros das empresas, numa
conjuntura em que a recessão ameaçava estreitar cada vez mais o retorno sobre o capital investido.
Os trabalhadores, por sua vez, reagiram como puderam à imposição desta nova disciplina de trabalho,
tanto fraudando o cumprimento das metas de produção que lhes eram impostas, quanto ameaçando e
usando de violência contra o analista de tempos e movimentos. No final, prevaleceu a lógica taylorista,
uma vez que a conjuntura recessiva, caracterizada por um persistente e elevado índice de desemprego,
permitia a fácil substituição dos trabalhadores que se recusavam a cooperar, ao mesmo tempo em que
modestas, mas importantes, compensações eram concedidas aos que concordavam em se submeter ao
novo padrão de trabalho.
A contribuição de Henry Ford (1863-1947) a sempre crescente busca de aumentos de produtividade
por parte dos empresários foi a adoção da linha de montagem (1914). Graças a esta nova tecnologia, o
controle sobre a mão-de-obra e a imposição de um ritmo de produção cada vez mais rápido foi levado
à um novo auge. O controle sobre o operário e a forma pela qual ele gastava seu tempo dentro das
fábricas ganhou uma forma completa, totalizante. Agora ele não se deslocava mais pelos diferentes
espaços fabris para desenvolver o processo produtivo. Pelo contrário, o trabalhador ficava numa posição
imóvel e, diante dele sobre a esteira rolante da linha de montagem, desfilava o processo produtivo no
qual ele desempenhava uma parte, geralmente uma única operação.
Modelos econômicos: o desenvolvimento do capitalismo 35

A especialização do trabalhador em uma única tarefa que lhe era designada e, cujo tempo
de execução lhe era determinado pela velocidade em que circulava a linha de montagem, elevou a
produtividade a um novo patamar. De fato, já nos anos 1920, Ford se orgulhava de produzir um
automóvel a cada cinco minutos. Da parte dos trabalhadores, a monótona e acelerada repetição de uma
única tarefa ao longo de todo dia de trabalho levou à uma serie de doenças profissionais, das quais as
mais freqüentes eram as lesões por esforço repetitivo (LER), embora as doenças psicológicas derivadas
do estresse e do tédio também tenham sido muito importantes. A persistente recusa da classe operária
às imposições da linha de montagem levou a uma elevada rotatividade da mão-de-obra empregada,
a qual era suprida pelos sempre renovados estoques de novos imigrantes que chegavam aos EUA e,
por vezes, através do recrutamento de migrantes oriundos da zona rural que se dirigiam às cidades em
acelerado processo de crescimento.

A urbanização
O mundo no início do século XX ainda é essencialmente rural. Em todos os países, a população
rural é invariavelmente maior do que a urbana, sendo que a Grã-Bretanha é a única exceção: em 1890,
a maioria (61,9%) da sua população reside em cidades. Apesar disso, não se pode deixar de notar
que o processo de urbanização ganha nesse período uma velocidade maior e também se torna mais
abrangente. Não só na Europa, mas também nos EUA e nos países periféricos do capitalismo, a taxa de
crescimento das cidades aumenta, resultado tanto de um crescimento vegetativo quanto da migração
de populações cada vez maiores que se dirigem do campo para as cidades.
O crescimento da produtividade no campo foi resultado da incorporação de novas técnicas
de uso e conservação do solo, ao lado da introdução das primeiras máquinas e tratores dedicados
especificamente aos trabalhos agrícolas. Também, a busca de melhores oportunidades de trabalho
e renda derivadas da industrialização, simultaneamente à progressiva concentração da propriedade
fundiária, são alguns dos fatores que impulsionam a migração do campo para as cidades.
O crescimento urbano se manifesta tanto no tamanho das maiores cidades do mundo quanto
na multiplicação do número de grandes cidades. Capitais importantes como Nova Iorque, Londres,
Berlim e Paris contam no final do século XIX com bem mais de um milhão de habitantes, ao passo que
o número de cidades com mais de dez mil habitantes cresce enormemente. Em 1850, existiam 878
cidades na Europa com este número de habitantes ou mais; ao fim do século serão 1 709.
O aspecto mais visível destas cidades é o liberalismo com que elas crescem e se organizam.
Uma vez que a gestão urbana planejada, ou o urbanismo, ainda está nos seus primórdios, cabe aos
proprietários dos imóveis urbanos e aos que neles investem determinar a forma e os métodos pelos
quais se dará o crescimento urbano. O resultado recorrente é a socialização dos prejuízos e malefícios
derivados da acumulação capitalista. Na inexistência de restrições às novas atividades produtivas, à
especulação imobiliária, à degradação ambiental, à imposição de cuidados de higiene e salubridade
etc., a nova paisagem urbana que se constitui no início do século XX é recorrentemente descrita como
“assustadora”, “repulsiva” ou “anárquica”.
Tais cenários são particularmente recorrentes nas grandes cidades industriais e portuárias. Nas
cidades em rápido processo de industrialização, coerentemente com os princípios do capitalismo liberal
36 História Contemporânea

daquela época inexiste, por exemplo, o confinamento das fábricas a uma região específica. Cabe aos
empresários decidirem onde elas serão instaladas, sem quaisquer considerações sobre o impacto que
o despejo de resíduos industriais na atmosfera, rios e solo poderá provocar. Isso levou na maior parte
dos casos a surtos epidêmicos de doenças respiratórias, ou daquelas derivadas do envenenamento das
fontes de água, ou ainda da exposição a elementos cancerígenos ou contaminantes.
A necessidade de alojar a sempre crescente classe operária nas cidades também tem suas
manifestações negativas. Na inexistência de um número suficiente de moradias adequadas e de custo
compatível com a renda dos trabalhadores, multiplicam-se as habitações degradadas, insalubres e
de baixo custo, geralmente destinadas a alojar uma família em cada cômodo, onde as instalações
sanitárias e os cuidados com a ventilação e a exposição ao sol são mínimos ou inexistentes. São os
famosos “cortiços” tão familiares à paisagem brasileira, mas também de enorme recorrência por todo
mundo em urbanização.
O caráter precário e o custo dos transportes coletivos, então dependentes de bondes e trens em
fase apenas inicial de eletrificação, reforça entre as camadas mais pobres da população a necessidade
de residir o mais próximo dos seus locais de trabalho, aumentando o congestionamento dos centros
urbanos e fazendo da vida nos cortiços praticamente a única opção de moradia. Inexistindo a imposição
de normas urbanísticas ou sanitárias, os proprietários desses imóveis multiplicavam o quanto podiam o
número de cômodos a serem alugados, sem quaisquer preocupações com a higiene ou a salubridade.
Ainda no início do século, mesmo em Londres, que era a mais importante cidade do mundo e coração
do capitalismo mundial, era comum nos cortiços a média de uma única privada sanitária para duzentas
pessoas, e janelas para insolação e ventilação em, no máximo, a metade dos cômodos disponíveis.
Nas cidades portuárias, essas condições parecem ter sido ainda piores. A necessidade de se
cortar custos de produção, localizando as unidades fabris o mais próximo possível dos portos, levou
a um constante e maciço engarrafamento do trânsito nessas localidades, ao mesmo tempo em que
se notavam os mesmos problemas de higiene e conforto nas moradias dedicadas à classe operária:
exposição a epidemias e doenças derivadas da poluição ambiental etc.
Não obstante estes problemas, o afluxo de pessoas e investimentos para as cidades se manteve
em constante crescimento. Afinal de contas, era nas cidades que se encontravam as melhores
oportunidades de trabalho e renda, mesmo se levando em conta os custos – e os riscos – de nelas
residir. Para aqueles que foram expulsos do trabalho rural por conta de imposições econômicas não
havia alternativa. A não ser que se dispusessem a imigrar para os países de colonização recente em
busca da condição de pequeno proprietário de terra, teriam que se submeter ao papel de trabalhador
assalariado urbano – com todas as conseqüências que daí advém.
Ao longo do século XX, as tensões provocadas pela quase inexistência de restrições ao uso do
espaço das cidades por parte dos donos das propriedades urbanas acabarão por criar uma situação
insustentável, da qual as epidemias e engarrafamentos de tráfego são as manifestações mais visíveis.
Progressivamente e, sempre de acordo com a correlação de forças políticas e econômicas em cada
local específico, se irá restringindo o direito ilimitado de propriedade, típico do capitalismo em sua fase
liberal, em favor da normatização e regulamentação dos usos permissíveis do espaço urbano em cada
região da cidade, sempre tendo em vista a minimização dos danos ocasionados à coletividade pelo
exercício das atividades econômicas privadas. Por volta da década de 1920, essas atividades do poder
público relacionadas à gestão e ao planejamento do uso das áreas urbanas passarão a ser conhecidas
como urbanismo ou planejamento urbano.
Modelos econômicos: o desenvolvimento do capitalismo 37

A divisão internacional do trabalho


Na primeira metade do século XX já estava plenamente configurada aquilo que se tornou conhecida
como a divisão internacional do trabalho, a qual separava as nações do mundo em duas categorias
principais: os países industrializados e os países produtores e exportadores de bens originados no setor
primário (agricultura, extrativismo etc.). Vários fatores levaram a essa configuração. Desses, os mais
importantes parecem ter sido o desenvolvimento dos transportes e o aprofundamento do processo de
industrialização nos países economicamente mais desenvolvidos.
O desenvolvimento dos transportes marítimos e terrestres entrou em uma nova e decisiva fase
com a Revolução Industrial. A partir daí, foram progressivamente afastadas as restrições que a natureza
impunha ao deslocamento de quantidades cada vez maiores de pessoas e mercadorias. A dependência
dos ventos para a navegação oceânica e os obstáculos colocados pela topografia ao transporte terrestre
começaram a serem superados com a introdução do navio a vapor e da locomotiva. Os permanentes
aperfeiçoamentos introduzidos na navegação e nas ferrovias levaram a sucessivos e crescentes barate-
amentos nos custos dos fretes.
À medida que as linhas de transporte marítimo e terrestre iam ficando cada vez mais extensas e
economicamente competitivas, sucessivas regiões do planeta foram sendo conectadas ao mercado mundial.
Vastas regiões em todos os continentes, até então à margem do mercado global, puderam se conectar com
os centros dinâmicos do capitalismo para vender-lhes alimentos, matérias-primas, combustíveis etc., ao
mesmo tempo em que deles importavam os produtos industrializados de que necessitavam. O processo foi
levado até incluir praticamente todas as regiões do mundo não desenvolvido, por mais frágil que fossem as
mercadorias que pudessem vender aos países industrializados. Por volta de 1880, a velocidade dos novos
modelos de navios oceânicos permitia a importação maciça e a baixo custo de todo tipo de mercadorias,
mesmo as mais perecíveis, como bananas da América Central pela Inglaterra. Na década seguinte, com o
advento dos navios-frigoríficos, produtores dos EUA e da Argentina podiam exportar carne bovina para toda
a Europa. A correspondente importação de produtos industrializados geralmente não oferecia nenhum risco
de depreciação às mercadorias transportadas.
Esse processo acabou por consolidar um padrão de divisão internacional do trabalho: de um lado
os países industrializados; de outro os de perfil primário-exportador. A complementaridade entre estes
dois tipos de economias nacionais dependia de uma demanda sustentável de alimentos, matérias primas
e combustíveis por parte dos países industrializados. Só assim os países de perfil primário-exportador
poderiam obter os recursos de que necessitavam para pagar pelas mercadorias industrializadas que
consumiam. A queda na demanda de alimentos, matérias-primas e combustíveis nos países avançados
fatalmente levaria também à queda nos países periféricos da demanda de produtos industrializados,
generalizando para todo o mundo uma crise econômica que – numa economia global não integrada
pelos transportes – poderia perfeitamente ter importância apenas local. Pelo contrário, foi o início de uma
crise global, que se iniciou nos países periféricos em 1924 e chegou ao centro do capitalismo em 1929.

A crise de 1929 e as relações internacionais


A eclosão da crise de 1929 acirrou os ânimos tanto dos países que se sentiam injustiçados pelo
Tratado de Versalhes quanto daqueles que defendiam a sua execução implacável a qualquer preço.
38 História Contemporânea

Dentre os primeiros cabe citar dois dos vencedores da Primeira Guerra Mundial, a Itália e o Japão, que
reivindicavam territórios e privilégios comerciais à altura de suas pretensões. Ambos os países haviam
chegado tarde à corrida imperialista pela anexação de territórios coloniais na Ásia e na África e sentiam-
se prejudicados pela forma com a qual se deu a partilha das ex-colônias do Império Alemão (1871-1918).
Esse ressentimento era particularmente intenso na Itália que, apesar de ter aderido ao lado vencedor,
viu negadas suas pretensões sobre vastas áreas do Império Austro-Húngaro, Otomano e Alemão, as
quais foram passadas exclusivamente para o controle de seus antigos aliados anglo-franceses sob a
eufemística fórmula dos “mandatos”. Segundo esse regime jurídico, fruto do Tratado de Versalhes,
caberia à Inglaterra e França administrarem essas colônias a fim de prepará-las para a independência.
Na prática, o que se verificou foi pura e simplesmente a mudança do poder colonial nessas regiões, para
fúria daqueles que se viram excluídos da partilha.
O crescente déficit comercial e do setor público em todo mundo foi durante algum tempo
atenuado pela oferta de empréstimos em dólares a taxas de juros atraentes. Tal fato permitiu não
só se postergar a chegada de uma crise ainda maior como também se promover um breve surto de
prosperidade, que os contemporâneos se referem como “os loucos anos 20”.
Para além desses fenômenos de grande visibilidade e profundo impacto sobre a economia,
também era de conhecimento mais ou menos geral dos contemporâneos de que o volume de consumo
tendia a ser crescentemente insuficiente para absorver a produção. Os temas da “superprodução” e da
“inelasticidade” da demanda tornaram-se preocupações cada vez mais importantes para os gestores
econômicos daquela época.
Tal fato ia se tornando cada vez mais perturbador na medida em que mais e melhores técnicas de
intensificação da produção, redução da mão-de-obra necessária ao processo produtivo e de barateamento
de produtos iam sendo introduzidas. A partir da criação da primeira linha de montagem de veículos, por
Henry Ford, o volume de mercadorias fabricadas por estes novos métodos tendeu quase sempre a superar
a capacidade de absorção do mercado, ainda gravemente perturbados pelas seqüelas da Primeira Guerra
Mundial e súbita e adicionalmente abalados pela perda de mercados importantes, mergulhados em
revoluções e perturbação da ordem interna, na Rússia, na China, na Turquia etc.
É por isso que os anos 1920 são marcados por uma acentuada deflação de preços, juros e
salários que, progressivamente, foi tomando todos os setores industriais e os respectivos fornecedores
de matérias-primas, alimentos e combustíveis que o suportavam. À medida que o desemprego ia se
alastrando, simultaneamente à queda do nível real dos salários, restringia-se ainda mais a capacidade
dos mercados absorverem a produção de bens e mercadorias fabricados por aqueles novos métodos.
Na segunda metade daquela década, os países da periferia do capitalismo industrial, em particular os
de perfil econômico primário-exportador, iam encontrando dificuldade cada vez maior para escoar sua
produção para as nações industrializadas. Conseqüentemente, diminuíam sua demanda por produtos
industrializados importados, ajudando a confirmar e alargar o cenário de baixa geral dos preços.
A partir da eclosão da grande crise econômica de 1929, o ambiente internacional se tornou
sombrio e hostil. As rivalidades imperiais se intensificaram com a drástica redução do comércio
internacional e com a impossibilidade de se prosseguir com a rolagem das dívidas, propiciada até então
principalmente pelos EUA. Cada nação tratava de cuidar do seu bem-estar econômico, se necessário, às
custas de seus rivais. O sintoma mais visível da degradação do ambiente internacional foi, como parte
das reações de cada país à queda da demanda internacional pelos seus produtos, a criação dos acordos
que ficaram conhecidos como “Blocos de Moedas”. Nestes acordos, determinadas nações se reuniam
Modelos econômicos: o desenvolvimento do capitalismo 39

em torno de tratados comerciais de preferências tarifárias, bem como de trocas de mercadorias, tendo
uma determinada unidade monetária como padrão de referência. Surgiram, então, os Blocos: da Libra
(britânica), do Marco (alemão) e do Ien (japonês). Visando manter equilibrada a balança comercial,
praticamente todos países se lançaram a uma guerra de levantamento de barreiras protecionistas e
de sucessivas desvalorizações cambiais – tudo isso sempre em prejuízo do funcionamento normal do
mercado mundial. De fato, em meados dos anos 1930, o volume de trocas comerciais em nível mundial
havia caído para cerca de metade do nível de antes da crise.
Naturalmente que o processo não passou ao largo da compreensão de pelo menos alguns
dos mais destacados promotores das mudanças econômicas em curso. O próprio Ford foi o primeiro
a defender a idéia de que produção de massa requeria um consumo de massa, propondo a adoção
de empregos estáveis, descanso remunerado e salários mais elevados como saída para neutralizar o
impasse gerado pela queda da demanda. A aplicação de tais idéias, contudo, ficariam restritas apenas
a suas indústrias, pelo menos até que o surgimento de políticas públicas de caráter anti-recessivo a
partir dos anos 1930 começassem a provocar, através da adoção de iniciativas voltadas para a geração
de emprego e distribuição de renda, a retomada do consumo de massa, entendida como pré-condição
para a superação da crise.

Atividades
1. A busca por índices de produtividades cada vez maiores implica em fazer os trabalhadores
trabalharem sempre mais e melhor. Explique de que forma as contribuições de Taylor e Ford
tornaram isso possível.
40 História Contemporânea

2. Explique o contraste entre o nível de preços dos setores monopolizados e livres exemplificado no
gráfico abaixo.

­civilizações. Vol. 7 - a época

Difel, 1977. p. 133


CROUZET, M. História geral das

­contemporânea. São Paulo,


3. Interprete as variações do gráfico abaixo (gráfico 18) à luz das variações de desempenho de cada
país e da conjuntura econômica.
Quadro 18. Parcelas relativas da produção
manufatureira mundial, 1880-1938 (porcentual)
1880 1900 1913 1928 1938
Grã-Bretanha 22,9 18,5 13,6 9,9 10,7
Estados Unidos 14,7 23,6 32,0 39,3 31,4
Alemanha 8,5 13,2 14,8 11,6 12,7
França 7,8 6,8 6,1 6,0 4,4
Rússia 7,6 8,8 8,2 5,3 9,0
Áustria-Hungria 4,4 4,7 4,4 – –
Itália 2,5 2,5 2,4 2,7 2,8

Dicas de estudo
Assista ao filme:
Tempos Modernos, dirigido por Charles Chaplin. Roteiro de Charles Chaplin, gênero comédia,
produzido nos Estados Unidos, com duração de 87 minutos.
O objetivo é que o aluno interprete e contextualize a crítica à rotinização da existência que está
implícita na produção em linha de montagem.
Modelos econômicos:
o ­desenvolvimento
do ­comunismo
A nova sociedade socialista
A Rússia foi o país que mais sofreu perdas humanas e materiais na Primeira Guerra Mundial,
agravadas pela tentativa dos EUA, da Grã-Bretanha, da França e do Japão de impedir a vitória da
Revolução Bolchevista com uma intervenção armada no país. Além disso, logo após o fim do conflito
houve uma guerra civil, opondo os comunistas aos defensores da antiga ordem tzarista. Além das
perdas humanas, substanciais parcelas de território e população russos foram perdidas para os novos
países que surgiram em função do Tratado de Versalhes. O resultado de tantas perdas foi fazer cair sua
população de 171 milhões de habitantes em 1914 para 132 milhões em 1921.
Além das perdas demográficas e territoriais, havia também o caos econômico. A produção
industrial e agrícola se encontrava paralisada e boa parte da infra-estrutura produtiva havia sido perdida
ou destruída por conta da guerra mundial, da intervenção estrangeira e da guerra civil. O problema com
que se defrontava o então recém-instalado governo comunista não era tanto o de promover a futura
construção de uma sociedade de base socialista mas, pura e simplesmente, de retomar o funcionamento
normal da economia.
As primeiras medidas do novo governo tomadas em 1918 previam a entrega imediata e gratuita
de terra aos camponeses que nela trabalhavam, simultaneamente ao pedido feito à Alemanha de
um armistício que retirasse a Rússia da guerra. O governo comunista pôde sobreviver à intervenção
estrangeira e à guerra civil subseqüente em boa medida devido a estas medidas. O cansaço com a guerra
e o correspondente desejo universal de paz entre o povo russo, além da percepção de que a queda do
novo governo levaria à perda do acesso à terra recentemente obtida, é que levaram ao engajamento de
amplas massas populares na defesa do regime.
42 História Contemporânea

Os setores essenciais da economia foram logo nacionalizados, em especial os de caráter mono-


polista, como bancos, petróleo, metalurgia, açúcar, comércio exterior e, lógico, terra. A propriedade da
terra passa ao Estado, ficando os camponeses com a sua posse. Todas as empresas industriais e manu-
fatureiras com mais de dez empregados também foram imediatamente nacionalizadas, permitindo-se
apenas a existência de negócios privados que não empregassem mão-de-obra assalariada. Na prática,
aboliu-se a propriedade privada que, do ponto de vista legal existe apenas para o Estado, sendo preser-
vada somente a moradia e objetos de uso pessoal possuídos pelos indivíduos.
A quase total paralisação da economia decorrente da situação de guerra leva o governo de Lênin a
adotar em 1921 a assim chamada Nova Política Econômica (NEP). Tratava-se de um conjunto de medidas
destinadas a superar a grave crise de abastecimento alimentar vivida em todo país, mas muito especial-
mente nas cidades. Nos termos dessa nova política, permitia-se certo retorno à economia de mercado,
a fim de motivar os camponeses a retomar a produção. A partir daí seria permitido aos cultivadores
venderem sua produção livremente no mercado, após ceder parte dela ao Estado sob a forma de impos-
tos. Mais ainda, foram derrubadas às restrições à posse de dinheiro, restabelecidas as contas bancárias,
liberado o aluguel das terras e a contratação de mão-de-obra assalariada. Desta forma, restabeleceu-se
o abastecimento de víveres, superando a situação de quase fome vivida anteriormente.
Nas cidades, a NEP previa a criação de trustes, bem à maneira capitalista, a fim de dar independência e
restaurar a iniciativa entre as empresas estatais. Cabia a estes trustes planejar e executar a compra de matérias-
primas necessárias ao seu funcionamento e providenciar a distribuição da sua produção. Imediatamente
surgem os trustes estatais do carvão, petróleo e têxteis, empregando dezenas de milhares de trabalhadores
e permitindo retomar o abastecimento das áreas rurais e urbanas.
A retomada da produção industrial só foi possível através da permissão de retorno às suas funções
dos mesmos elementos que, antes da Revolução Bolchevique, faziam o parque produtivo funcionar.
Antigos homens de negócio, especialistas e especuladores retomam suas posições nas fábricas, lojas
etc. obtendo amplos poderes para organizar a produção e distribuição e também acumular significativo
patrimônio pessoal. No campo, a situação assumiu características ainda mais incompatíveis com os
desígnios de nivelamento social e abolição das classes pretendidos pela Revolução. Forma-se em breve
uma nova burguesia rural composta de camponeses abastados, que em proporções crescentes alugam
terras e assalariam mão-de-obra.
Se a NEP permitiu a retomada em algum grau da devastada economia russa, deixou inteiramente
de lado o enfrentamento de questões fundamentais para o país, como a retomada das indústrias de
base e a erradicação da nascente burguesia rural e, em alguns casos, urbana. Mais ainda, percebia-
se que o crescimento da renda da agricultura dependia do aumento da produtividade, o que só seria
possível com a adoção de novas técnicas produtivas e intensiva mecanização. Tais eram os desafios que
pesavam sobre o novo regime ao fim dos anos 1920.

A planificação e seus objetivos


Os impasses vividos pela economia soviética começaram a ser equacionados com a implementação
dos Planos Qüinqüenais. O objetivo era dotar o país de um parque industrial capaz de fornecer as
máquinas e insumos agrícolas necessários ao aumento da produtividade no campo, o que levaria à
liberação de mão-de-obra ali empregada para uso nas atividades urbanas. Para tanto, foram instituídas
Modelos econômicos: o desenvolvimento do comunismo 43

comissões do plano em nível regional (Oblplan), setorial (Raiplan) e nas cidades (Gosplan) encarregadas
de detalhar a execução das atividades consideradas essenciais ao atingimento dos objetivos propostos.
Tendo renunciado às leis da oferta e da procura, típicas de uma sociedade de mercado, ficavam os
gestores do planejamento como os únicos encarregados de controlar a aplicação de recursos destinados
a financiar a produção e o consumo.
O Primeiro Plano Qüinqüenal deveria se realizar no período compreendido entre 1928 e 1933
e previa a duplicação da produção nacional. Suas ênfases eram as indústrias pesadas relacionadas
com a produção de energia, siderurgia e máquinas. Na impossibilidade de contar com recursos
estrangeiros, face ao boicote dos países capitalistas à Revolução Bolchevique, para a aquisição das
máquinas e equipamentos necessários, o financiamento do Plano foi feito exclusivamente com base
em fontes internas. O consumo privado foi reduzido ao mínimo, destinando-se a cada ano 30% da
renda nacional para o investimento nas obras relacionadas ao Plano. Os resultados foram significativos,
levando à expansão sem precedentes da produção de máquinas, equipamentos elétricos, petróleo,
ferro fundido, etc. A ênfase na indústria pesada levou a resultados muito mais modestos no que diz
respeito à produção de produtos de consumo popular, como a lã, carne e açúcar.
Essa ênfase talvez excessiva na indústria pesada foi em parte corrigida nos planos qüinqüenais
seguintes, o segundo (1933-37) e no terceiro (1937-41). Este último pretendia enfatizar indústrias de
bens de consumo popular e especializadas como a química, mas o ambiente internacional em franca
deterioração impediu que tal ocorresse. As políticas revisionistas, levadas a cabo por potências declaradas
e ostensivamente anti-comunistas fizeram com que se desse máxima prioridade às indústrias bélicas.

A industrialização, urbanização e educação


A parcela de recursos extraída da população pelo regime soviético para financiar seus planos
qüinqüenais foi enorme. Os salários foram fixados em um valor muito baixo, ao passo que o preço
dos alimentos e outros gêneros de primeira necessidade foram substancialmente encarecidos. Isso foi
feito ao mesmo tempo em que novos impostos e taxas eram criados e, sob a opressão de um regime
ditatorial imposto por Stalin a partir da sua ascensão ao poder após a morte de Lênin, os cidadãos se
viam obrigados a comprar apólices e títulos do governo, a fim de demonstrar sua lealdade ao regime.
O resultado desses esforços foi dedicar a parcela de 25% do PIB para a transformação de um
país de perfil primário-exportador à época dos tzares em uma potência industrial. No período entre
1928 e 1937, a renda nacional russa quadruplicou, a produção de carvão mais do que triplicou, a de
aço quadruplicou, a de eletricidade aumentou sete vezes, a produção de máquinas em vinte vezes e a
de tratores em 40 vezes. Dessa forma, o PIB soviético ultrapassou o da França, do Japão e da Itália, se
igualou ao da Grã-Bretanha e por pouco não alcançou também o da Alemanha.
Ao invés de destinar o essencial dos recursos reservados para investimento produtivo nas indústrias
de bens de consumo durável, conforme se pretendia ao longo do terceiro plano, boa parte dos investimentos
foi feita na indústria bélica. No início da década de 1930, a URSS fabricava todo ano três mil tanques e mais
de dois mil e quinhentos aviões, o que era muito mais do que era fabricado por qualquer outra potência
capitalista. A ênfase nos números, uma obsessão na doutrina militar soviética, ocultava o caráter obsoleto
da maior parte dos armamentos fabricados. O gigantismo da produção industrial significava que quaisquer
mudanças na produção das armas e veículos fabricados demoraria necessariamente muito mais tempo para
se materializar do que esperavam os gestores da produção de material bélico.
44 História Contemporânea

Tendo compreendido o nexo existente entre educação e desenvolvimento, o governo russo destinou
somas enormes para a educação de base e superior. Além da eliminação do analfabetismo, a educação
básica foi tornada obrigatória, bem como expandida enormemente as vagas em nível superior. Por exemplo,
se em 1928 eram formados 48 mil engenheiros, em 1941 serão 289 mil. Também foram feitos investimentos
vultosos na criação de centros e instituições de pesquisa nas áreas de física, química, biologia etc. tanto
nas unidades produtivas quanto nas universidades, criando uma massa de cientistas e pesquisadores cuja
ausência até então fora uma das responsáveis pelo subdesenvolvimento crônico da Rússia.
Ao mesmo tempo em que a população empregada na indústria se expandia, o efetivo dedicado
aos trabalhos no campo declinava. Entre 1928 e 1941, a parcela da população empregada na agricultura
caiu de 71% para 51% do total. Tudo isso levou ao crescimento do número de habitantes nas cidades e
do próprio número de cidades densamente povoadas. Entre 1923 e 1939, o número de cidades com mais
de cem mil habitantes passa de 22 para 82. A maior cidade continua sendo a capital. Em Moscou viviam,
em 1939, mais de quatro milhões de habitantes. Em seguida estava Leningrado com pouco mais de três
milhões. Esse crescimento colocou novos desafios ao regime comunista, na forma da necessidade de se
prover habitação e transporte para as crescentes massas urbanas.

A coletivização e o fim da propriedade privada


A NEP levou ao fortalecimento da agricultura privada, em detrimento do ideal socialista da
propriedade coletiva. Com a ênfase na industrialização proposta por sucessivos planos qüinqüenais,
toda agricultura seria transformada, no intuito de liberar mão-de-obra para a indústria e intensificar a
produtividade agrícola. A meta do governo comunista era aumentar a produção no campo, ao mesmo
tempo em que diminuía a quantidade de trabalhadores ali empregada. Teve início, então, o processo
conhecido como coletivização da agricultura soviética, decidido no decorrer do 15.º Congresso do
Partido Comunista da URSS, em 1927.
A coletivização pretendia substituir as fazendas administradas privadamente por fazendas
coletivas, organizadas como cooperativas de produtores altamente mecanizadas. Para tanto, foram
criadas estações de máquinas e tratores que alugavam este tipo de material para as fazendas, ao mesmo
tempo em que eram estabelecidos contratos de exclusividade da venda dos produtos do campo para o
Estado. As fazendas coletivizadas passam de 23,6% do total para quase 100% em 1940.
O processo não se fez sem resistências. Inúmeros fazendeiros recusaram-se a abrir mão das fazendas
que consideravam suas e reagiam contra a coletivização. Temendo ver o produto de seu trabalho entregue
ao governo comunista, matavam preventivamente suas criações e deixavam de executar as colheitas,
levando à perda da safra. Entre 1933 e 1935, a perda dos rebanhos de cavalos e bois havia levado à
desaparição da metade daqueles animais, verificando-se prejuízos similares nas colheitas. A resposta do
governo foi duríssima, levando à deportação, prisão e, eventualmente, execução, de todos que resistissem
à política de coletivização e se recusassem a permanecer nas novas fazendas coletivizadas. Estima-se que
pelo menos três milhões de pessoas tenham sido mortas no decorrer do processo.
O custo econômico da coletivização só começou a ser revertido em fins da década de 1930,
quando um número substancial de tratores, máquinas colheitadeiras e a crescente disponibilidade
de novas técnicas produtivas fez retomar a produção aos níveis anteriores à crise. Contudo, existem
elementos que autorizam a afirmar que a crise da agricultura em processo de coletivização só foi
realmente superada na década de 1950.
Modelos econômicos: o desenvolvimento do comunismo 45

Economia, política e sociedade sob a ordem comunista


O período de intensa industrialização, urbanização e coletivização aqui descrito coincide com o
governo de Josef Stalin, secretário-geral do comitê central do Partido Comunista da URSS, posição a
que ele foi alçado depois da morte de Lênin. Sob o governo de Stalin foi instaurada uma ditadura na
qual os direitos constitucionais dos cidadãos foram sucessivamente desrespeitados, os opositores – ou
suspeitos de o serem – encarcerados, deportados ou mortos e instituída rigorosa censura aos meios de
comunicação. Para além dessas medidas, instituiu-se o assim chamado “culto à personalidade”, ou seja,
um conjunto de estratégias de publicidade e propaganda que visava transformar a figura de Stalin aos
olhos do povo soviético num sujeito infalível, inteligentíssimo e onisciente.
Muito se discute se as características totalitárias do regime soviético derivam apenas das imposições
que Stalin fazia no sentido de garantir para si o máximo de poder e inexistência de contestação a seu
governo. Deve-se levar em conta que a inexistência da propriedade privada dos meios de produção,
ao concentrar o controle da totalidade da riqueza produzida no Estado, por si só já seria suficiente para
impedir a emergência de um regime autenticamente democrático. Tudo isso para não se deixar de
mencionar o regime de partido único, a existência de eleições diretas apenas no nível inicial de escolha
dos representantes, a delegação de enormes poderes decisórios à burocracia do planejamento etc.
dentre tantos outros fatores a inibir o livre debate e a disputa aberta pelos cargos eletivos.
É inegável, contudo, que a atuação de Stalin muito fez no sentido de tornar o regime comunista
uma ditadura totalitária, fazendo com que a maior parte da população se desinteressasse da política ou
das discussões afetas ao destino da sociedade. O processo teria tido início já a partir de 1924, com Stalin
sucessivamente aumentando seu poder dentro do partido, ao concentrar na sua figura responsabilidades
cada vez maiores e garantindo a ocupação de posições estratégicas na cúpula decisória por parte de
seus aliados.
Em 1937, esse processo se intensifica com a eliminação de toda cúpula da Revolução Bolchevique
e quaisquer outros ou possíveis rivais à sua liderança nos famosos “Julgamentos de Moscou”, os quais
perduram até a véspera da guerra. Através de sucessivos julgamentos baseados em acusações forjadas,
centenas de quadros e ex-quadros do Partido Comunista são executados, deixando o poder de Stalin
sem contestação. Subseqüentemente, a prática de espionagem, delação e forjamento de provas levaria
mais de dois milhões de pessoas ao encarceramento ou à sentença de morte. Por meio das denúncias
forjadas de deslealdade ao regime, manifestas na “sabotagem”, “roubo” e “espionagem” procurava o
regime Stalinista encontrar bodes expiatórios para os fracassos cotidianos na economia e sociedade
soviéticas. Muitas vezes a delação era a única forma dos acusados se livrarem das acusações ou
minimizarem suas penas. Com o tempo, uma porção substancial do povo soviético passou a crer que
os fiascos econômicos não se deviam à incompetência do governo, mas à presença de “sabotadores”,
“ladrões” e “espiões” a serviço das potências capitalistas.
O processo abalou profundamente o crescimento econômico, levando à perda de inúmeros
quadros profissionais treinados, cientistas, professores, engenheiros, estatísticos e, na sua fase final até
mesmo maquinistas e capatazes de fazendas. O encerramento dos “julgamentos” de Moscou se deu
quando o mesmo processo atingiu as forças armadas. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, milhares
de oficiais militares foram destituídos das suas funções, presos ou executados, com base nas acusações
mais fúteis ou mesmo sem nenhuma acusação formal, tornando extremamente difícil a expansão das
unidades de blindados do exército ou da formação de esquadrilhas da força aérea. Somente a iminência
do segundo conflito mundial levou Stalin a interromper o ataque a tantas pessoas que, em sua totalidade,
jamais deixaram de ser fiéis ao seu governo ou ao regime comunista.
46 História Contemporânea

Atividades
1. Descreva a relação existente entre desenvolvimento econômico e investimentos em educação e
ciência.

2. Explique de que forma a modernização promove a urbanização.

3. Interprete a forma pela qual a extinção da propriedade privada limita ou impede a vigência de
um regime autenticamente democrático.

Dicas de estudo
O caráter arbitrário e irracional da repressão política do regime stalinista não deixava de ter sua
funcionalidade para o processo de mobilidade social naquela época. A partir da leitura do livro Stalin, de
Dimitri Volkogonov, percebe-se nitidamente o caráter e a forma de operação dos órgãos de repressão.
Já o artigo de Robert MacNeal no livro História do Marxismo, organizado por Eric Hobsbawn, permite
entender de que forma esta mesma repressão se fez num momento de intensa mobilidade social, em
parte viabilizando-a. É altamente recomendada a leitura e posterior confronto do conteúdo de ambas as
obras para se lograr um entendimento sólido sobre a sociedade soviética do período e das implicações
da instauração do socialismo em qualquer época.
Segunda Guerra Mundial
A ascensão do nazifascismo e do militarismo japonês
Foi num quadro de profunda crise econômica, política e social que emergiram, ao fim da Primeira
Guerra Mundial e da crise de 1929, os regimes fascista (Itália, 1922) e nazista (Alemanha, 1933). Ambos,
para se legitimarem junto à opinião pública, propunham-se a alterar – pela força, se necessário – uma
ordem mundial que consideravam injusta e prejudicial aos seus interesses nacionais. No plano interno
tratavam-se de regimes autoritários, ferozmente anti-comunistas, baseados na existência legal de apenas
um partido, além do constante recurso à censura e à repressão política contra os críticos e opositores do
regime. No caso alemão cabe destacar também a política nazista de aperfeiçoamento racial (eugenia),
cuja característica mais notável foi a proposta de eliminação das “raças inferiores”, tidas como ameaça
à segurança e ao progresso daquele que se supunha ser o “verdadeiro” povo alemão. Dentre aqueles
que deveriam ser eliminados da face da terra, segundo os nazistas, cabe destacar os deficientes físicos e
mentais, inadaptados sociais, opositores políticos, judeus, eslavos, ciganos e outras minorias que seriam,
a partir de 1941, vítimas de deportação, escravização e genocídio em escala continental.
Talvez o aspecto mais visível de ambas ditaduras seja justamente a força do prestígio de seus
líderes, reconhecidamente carismáticos. Independentemente das diferenças de estilo, tanto Hitler
quanto Mussolini sabiam falar às massas, conduzindo suas audiências a autênticos frenesis coletivos.
Certos recursos tecnológicos já disponíveis naquela época também os ajudaram nesse esforço de
sedução das massas. Graças a um grande aparato de propaganda envolvendo meios de comunicação
tão distintos como o rádio e o cinema, bem como diversas práticas pedagógicas do sistema educacional
(jogos, eventos, canções, exercícios de várias disciplinas etc.) conseguiram por um longo tempo impor-
se como chefes marcados por uma aura de infalibilidade e cuja vontade era incontestável.
Do outro lado do mundo, as maiores ameaças à paz vinham do Japão. Seu governo só na aparência
era parlamentarista, sendo controlado de fato por facções militares comprometidas com a criação de um
império colonial japonês. Essa pretensão só podia se realizar pela força, pois acordos diplomáticos que lhe
haviam sido impostos, reservaram ao Japão um lugar subordinado na partilha imperialista dos territórios
asiáticos, então em boa parte sob domínio da Grã-Bretanha, EUA e Holanda, os grandes favorecidos.
48 História Contemporânea

Com a invasão da província chinesa da Manchúria, em 1931, e da própria China, em 1937, revelou-
se inequivocamente ao mundo a intenção japonesa de monopolizar a exploração comercial e financeira
daquele país. Contavam os japoneses com a ocupação total do território chinês anexando-o ao seu
império colonial. Dessa forma, anulariam as concessões que as demais potências imperialistas já haviam
obtido dos chineses em outras épocas.
Em 1936 é firmada uma aliança militar entre a Alemanha e Itália, à qual o Japão adere em 1940,
formando o assim chamado Eixo. O desafio lançado por estes três países à ordem mundial talvez
pudesse ter sido rapidamente superado, se tivesse havido um mínimo de unidade entre as principais
potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial, os Aliados (Grã-Bretanha, URSS, EUA). Contudo, isso
só aconteceu quando já era tarde demais. Veja, por exemplo, a forma pela qual os regimes nazista e
fascista impuseram sua política de revisão do Tratado de Versalhes. Em 1935, Mussolini invade a Etiópia,
um dos últimos países independentes na África, e Hitler reintroduz o serviço militar obrigatório e
anuncia a retomada da produção de armas proibidas pelo tratado (aviões, tanques, submarinos etc.)
sem ser contestado pelas demais potências. Ambas medidas foram muito eficazes para combater o
desemprego, ao mesmo tempo em que provocavam enorme déficit comercial e fiscal. No ano seguinte,
Hitler remilitariza a fronteira com a França – o que também era proibido pelo tratado – e em 1936
decide, da mesma forma que Mussolini, apoiar a tentativa dos militares espanhóis de destruir o governo
constitucional vigente, em favor de um regime inspirado no nazifascismo, naquilo que viria a se tornar
a prolongada e sangrenta Guerra Civil Espanhola (1936-39).
As sucessivas exigências alemãs de revisão das fronteiras estabelecidas em Versalhes encon­traram
resposta favorável das potências ocidentais tanto na anexação da Áustria quanto no Acordo de Munique
(1938), o qual marca o auge da política de “apaziguamento” executada por franceses e ­ingleses. Segundo
essa política, fazia sentido proceder-se a modificações do Tratado de Versalhes se isso garantisse a
continuidade da paz na Europa. O temor de uma nova guerra mundial, uma opinião pública indiferente
às questões de fronteira na Europa Central e Oriental e a não-efetivação de uma aliança militar com a
URSS para conter Hitler acabaram por reforçar a adesão ao “apaziguamento”. Hitler soube aproveitar-
se ao máximo dessa política para impor seus termos e, com o Acordo de Munique obteve o direito
de reocupar a região fronteiriça da Tchecoslováquia. A ocupação do resto da Tchecoslováquia no ano
seguinte finalmente leva ao fim da política do “apaziquamento” e ao início da mobilização política e
social na Inglaterra e na França visando conter a Alemanha. Assim, quando são feitas novas exigências
de devoluções de territórios alemães perdidos para a Polônia segundo o Tratado de Versalhes, britânicos
e franceses mobilizam-se para defender aquele país. Com a invasão da Polônia pelos alemães ocorre
a declaração de guerra da Grã-Bretanha e, em seguida, da França à Alemanha em 1.º de setembro de
1939.

A mundialização do conflito
Em 1.o de setembro de 1939, tropas alemãs atacam a Polônia. No dia 17, tropas russas invadem o
país, como resultado do Pacto de Não-Agressão e a correspondente divisão da Polônia, que havia sido
firmado entre russos e alemães no mês anterior. O período que se seguiu ficou conhecido como “Guerra
Falsa”. Nem alemães, nem anglo-franceses efetuaram quaisquer operações militares. Em novembro, a
URSS ataca a Finlândia, ao ver suas exigências territoriais recusadas pelo governo daquele país. Em abril
Segunda Guerra Mundial 49

de 1940, os alemães invadem a Noruega e ocupam a Dinamarca. No dia 10 de maio, os alemães acabam
com a “Guerra Falsa” invadindo a Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
Com a invasão da França, em maio de 1940, deu-se finalmente a reprodução do choque de armas
da guerra anterior. No que se refere aos aspectos propriamente militares, as vantagens estavam contra
os Aliados. Os alemães eram os detentores do monopólio do conhecimento relativo à coordenação de
forças blindadas (Divisões Panzer) e aéreas (Luftwaffe) em campanha, tendo se aproveitado da invasão
da Polônia para apressar o treinamento de seus militares e proporcionar-lhes experiência em combate.
O comando Aliado, por seu turno, apegava-se às táticas da guerra anterior, pautando sua doutrina pela
crença no poderio de suas fortificações e outros recursos de defesa para esgotar qualquer ofensiva
alemã. Em 14 de junho, Paris é ocupada e, uma semana depois, o governo francês assina um armistício
com a Alemanha. Hitler começou em agosto uma campanha aérea de “debilitação”, preliminar à Invasão
das Ilhas Britânicas: a Batalha da Inglaterra. A iminente chegada do inverno inviabilizando operações
anfíbias e aéreas tornava remota a probabilidade dos alemães tentarem a invasão. A descrença geral
numa futura invasão da Grã-Bretanha se manifesta tanto no desinteresse do alto escalão nazistas nestas
operações quanto na atenção desproporcional que dedicava à Operação Barbarrossa, que é como veio
a ser conhecido o plano de ataque à URSS.
Em junho de 1941, repudiando o Acordo de Não-Agressão firmado em agosto de 1939, os alemães
invadem a Rússia, obtendo até dezembro daquele ano sucessos extraordinários. De fato, chegaram até
Rostov, Leningrado e Moscou. Embora não tenham sido capazes de tomar estas duas últimas cidades,
capturaram ou mataram cinco milhões e meio de soldados inimigos e se apossaram de uma área
responsável por 40% do PIB soviético. No segundo semestre de 1942, os alemães reiniciam suas ofensivas
na Rússia, chegando a ocupar parcialmente a importante cidade industrial de Stalingrado. Contudo, em
novembro, os russos contra-atacam, cercando dentro da cidade um enorme contingente de alemães
– 330.000 homens. Sem poder romper o cerco, os alemães se rendem em fevereiro do ano seguinte,
naquela que foi a pior derrota alemã na guerra até então, somando no processo perdas superiores a um
milhão de homens, a qual também marca o início da virada da correlação de forças contrária aos países
do Eixo.
No início de 1941, as relações nipo-americanas estavam em processo de franca deterioração. A
agressão japonesa à China afetou imediatamente os interesses comerciais, militares, diplomáticos e
econômicos dos EUA e da Grã-Bretanha naquele país. Mais ainda, a derrota da França e da Holanda
na campanha de 1940 levou os japoneses a intensificar as pressões sobre aqueles países para obter
vantagens e direitos sobre suas colônias na Ásia. De todos os atingidos, o único em condições de barrar
as pretensões do Japão eram os EUA, àquela época ainda imersos no isolacionismo. Por este termo
denomina-se a cultura política norte-americana que, com base na experiência da Primeira Guerra
Mundial, repudiava a intervenção dos EUA em assuntos europeus. A partir de 1941, com a ocupação
da Indochina Francesa, a administração Roosevelt finalmente conseguiu obter apoio para sua política
de contenção das operações militares japonesas. Foi decretado um embargo total às exportações de
materiais estratégicos para o Japão, como petróleo e metais, bem como decretado o congelamento dos
bens japoneses nos EUA.
Para um país que dependia pesadamente de importações para manter seu complexo industrial-
militar funcionando, o embargo foi um golpe mortal. Diante dele, a liderança japonesa tinha apenas
dois caminhos a tomar: ou abandonar sua guerra contra a China, renunciando inclusive ao território
já ocupado, ou partir para a conquista das fontes de petróleo e matérias-primas estratégicas da Ásia,
então em poder da Inglaterra (Malásia e Nova Guiné) e da Holanda (Java). Para garantir a segurança
50 História Contemporânea

dessas regiões e respectivas rotas marítimas, seria indispensável neutralizar as frotas britânica e norte
americana no Pacífico, ocupando a importante base naval inglesa de Cingapura, destruindo a base
norte americana de Pearl Harbor, no Havaí, bem como expulsando os norte-americanos das Filipinas.
Em dezembro de 1941, esses planos foram postos em prática. De surpresa e contando com
substancial superioridade numérica e técnica sobre seus adversários, o Japão se abate sobre esses
alvos-chave, conquistando-os em pouco mais de três meses e sem perdas significativas. Tinham a seu
favor uma grande frota de porta-aviões, excelentes aeronaves embarcadas (como o famoso avião de
caça Zero, superior a qualquer outro em serviço entre os Aliados) e aquela que era considerada a melhor
arma naval do mundo, o torpedo conhecido como “longa lança”. Todas as tentativas navais e terrestres
de conter os japoneses foram anuladas, deixando-os senhores, naquelas vastidões do Pacífico, de oitava
parte do globo.
Finalmente, a partir de 1941, a guerra se torna mundial, uma vez que não só atraiu ao conflito as
principais potências industriais do planeta, como pôs em conexão os eventos do oriente e do ocidente.
Embora as forças armadas da Alemanha, da Itália e do Japão obtivessem êxitos fulminantes nos primeiros
anos do conflito, a longo prazo o peso demográfico e econômico dos países Aliados, somado à sua infeliz
condução da guerra, acabaria por esmagar totalmente o poder militar do Eixo (Alemanha, Japão, Itália).

As novas tecnologias: a guerra no ar e no mar


Os desenvolvimentos na indústria aeronáutica durante a guerra foram particularmente notáveis
tanto na área da eletrônica quanto no uso estratégico das aeronaves. Na eletrônica, foi fundamental
o desenvolvimento por parte dos britânicos de um aparelho de detecção de aviões inimigos: o radar.
Graças a este aparelho – repassado já em 1941 aos EUA – os Aliados podiam antecipar todas as ações
aéreas do inimigo, tanto sobre o mar quanto em terra.
Na aviação deu-se o surgimento do bombardeio estratégico: aeronaves de múltiplos motores,
com alcance de milhares de quilômetros, transportando várias toneladas de bombas que podiam
atingir o coração do território inimigo. Os anglo-americanos se dedicavam a bombardear alvos civis
e militares por toda Europa ocupada a partir de 1942 e no Japão a partir de 1944. Inicialmente, os
resultados foram mínimos, devido tanto à ineficácia dos aparelhos de mira disponíveis, quanto à cerrada
oposição das defesas de solo (artilharia antiaérea) e ar (caças noturnos e diurnos), tudo isso para não
mencionar outras contramedidas, como a dispersão das instalações mais valiosas e a construção de
fábricas subterrâneas.
Na realidade, a proposta do bombardeio estratégico que fosse auto-defensável se mostrou
impossível de se realizar inteiramente na prática, levando os Aliados a desenvolverem suas próprias
esquadrilhas de caças de escolta com alto desempenho e enorme alcance, capazes de acompanhar os
bombardeios durante toda missão. Dessa forma, conseguiu-se eliminar boa parte das aeronaves inimigas
que tentavam interceptar os bombardeios, tanto reduzindo-se em números absolutos os efetivos
aéreos inimigos pelos combates no ar, quanto enfraquecendo-os pela destruição das fábricas de aviões
a sua produção aeronáutica. Com sua insistência em bombardeios de terror contra áreas urbanas, com o
intuito de “desalojar” e “desmoralizar” a população inimiga, acabaram provocando centenas de milhares
de mortes de civis alemães e japoneses.
Segunda Guerra Mundial 51

No mar, os maiores desenvolvimentos deram-se na área tecnológica, como a adoção de um


aparelho de detecção submarina, o sonar. Graças a esse aparelho era possível aos Aliados descobrirem
e atacarem os submarinos alemães e japoneses mesmo submersos, lançando contra eles cargas de
profundidades, isto é, dispositivos explosivos programados para explodirem à profundidade em que se
encontravam seus alvos. O uso generalizado de navios capazes de operar aviões foi outra importante
mudança tática. Os porta-aviões eram capazes, com suas aeronaves, de lançar ataques a centenas de
quilômetros de distância, eclipsando totalmente os navios equipados com grandes canhões (couraçados,
cruzadores etc.), capazes de atingir alvos a apenas uma ou duas dezenas de quilômetros.

O desfecho da guerra
A derrota do Eixo foi ocasionada devido tanto à soma de sucessivas decisões errôneas, quanto
à maciça desproporção de recursos demográficos, tecnológicos e econômicos entre as potências em
guerra. A entrada dos EUA na guerra alterou todo o quadro para muito pior, no que se refere ao Eixo.
Os EUA tinham um potencial econômico dez vezes maior que o do Japão e três vezes maior que o da
Alemanha. Durante a guerra, na qual seus inimigos foram totalmente arrasados, os EUA, ao contrário,
aumentaram em 50% seu PIB. Em 1945, seriam, então, os possuidores de mais da metade da frota
mercante e das reservas de ouro mundiais.
A menos que a liderança dos Aliados cometesse erros realmente graves, seria impossível às tropas
do Eixo deixarem de sentir os efeitos da superioridade da coalizão que se formou contra eles em 1941. A
ironia da história é que a guerra na Europa e no Pacífico foi decidida antes que a conversão do potencial
econômico de tempo de paz em um complexo industrial-militar produzisse todos seus efeitos. Afinal
de contas, ao final da guerra os EUA eram capazes de fabricar um navio por dia e um avião por minuto.
Acabaram ocorrendo importantes reveses para a Alemanha também na diplomacia. Diversos países
neutros (Turquia, Espanha etc.) com os quais se podia contar com a adesão ao Eixo, continuaram a
permanecer em expectativa.
Os japoneses pretendiam garantir a hegemonia no Pacífico, antes que os EUA atingissem a total
mobilização de seus recursos militares. Somente dessa forma imaginavam terminar a guerra de forma
favorável, dada a desproporção de recursos econômicos e demográficos que a longo prazo sempre
favoreceriam os americanos. Em junho de 1942 provocaram a Batalha de Midway, para a qual esperavam
atrair para o combate a frota americana que havia escapado da destruição nos eventos anteriores. Ao invés
do pretendido esmagamento da armada norte-americana, amargaram os japoneses, graças a erros táticos
na condução das operações, à perda de todos os seus porta-aviões envolvidos (contra o afundamento de
um único navio desse tipo dos americanos), revertendo a favor dos EUA a correlação de forças aeronavais
naquele conflito e incapacitando-os a prosseguir em suas ações ofensivas.
A partir daí, sucederam-se vários encontros entre as duas esquadras, sempre em função da disputa
de ilhas cada vez mais próximas do Japão. Em 1944 travou-se em torno das Filipinas aquela que até hoje
é considerada a maior batalha naval da História, a do Golfo de Leyte. Mais uma vez os japoneses sofreram
perdas muito superiores às dos norte-americanos, alargando ainda mais as vantagens materiais que
os EUA desfrutavam sobre eles. Nessa batalha aeronaval pelas Filipinas surgiram pela primeira vez os
ataques de aviadores suicidas, os kamikazes. Seus pilotos com seus aparelhos cheios de explosivos se
sacrificavam atirando sobre os navios americanos na tentativa de neutralizar a crescente e irreversível
52 História Contemporânea

disparidade de forças contra as quais eles tinham de lutar. Embora os kamikazes não tivessem sido
capazes de, por si sós, impedir a perda das Filipinas, Iwo Jima, Okinawa e várias outras ilhas importantes,
não se pode negar o efeito psicológico dessa nova tática sobre o inimigo.
No segundo semestre de 1944, os EUA já dispunham de várias bases em ilhas relativamente
próximas ao Japão, da qual puderam desfechar maciços ataques aéreos às cidades e instalações militares
japonesas. Simultaneamente, os EUA vinham realizando intensa campanha submarina contra os navios
mercantes japoneses, fazendo com que o Japão perdesse gradualmente quase toda sua marinha e
impedindo o contato com as partes recém-anexadas de seu Império. A partir de março de 1945, os EUA
desfecharam importantes seqüências de ataques aéreos no Japão, usando seus novos bombardeiros
B-29, cujo raio de ação e carga de bombas não tinham similares na força aérea japonesa.
Em 1943, Hitler decidiu pela realização de mais uma – que seria a última – ofensiva na frente russa,
na tentativa de recuperar a iniciativa estratégica perdida desde Stalingrado. O local escolhido foi um
saliente território ocupado pelos russos bem no centro da linha alemã, em torno da cidade de Kursk. Os
alemães imaginavam que se conseguissem isolar esse bolsão atacando suas bases de ambos os lados,
lograriam separá-lo do resto do território ocupado pelos russos. Assim, poderiam destruir ou capturar
através do cerco realizado importantes grupamentos de tropas inimigas, dando, através da imputação
de pesadas perdas aos russos, no mínimo mais tempo para recompletarem seus próprios efetivos e, no
limite, a chance de tirar das mãos soviéticas a capacidade de impor aos alemães o ritmo e a intensidade
da luta naquela frente.
Nesse estágio, a divisão de meios humanos e materiais entre os contendores era amplamente
favorável aos soviéticos. Ao contrário das Batalhas de Moscou e Stalingrado, nas quais ambos os lados
tinham mais ou menos os mesmos efetivos – cerca de um milhão e meio de homens cada – agora o
Exército Vermelho era bem superior em quantidade aos seus adversários. Mais ainda, a introdução de
novas e melhores armas providas pela indústria soviética significava que, em boa medida, elas gozariam
senão de superioridade, pelo menos de igualdade técnica sobre seus inimigos.
Esta contra-ofensiva durou até o fim de 1943, provocando a destruição das preciosas (e, aquela
altura, insubstituíveis) reservas blindadas alemãs e libertando extensas áreas da URSS ocupadas, em
particular a Ucrânia e a Criméia. Quase que simultaneamente ao desastre na frente oriental, os alemães
também tiveram de fazer face ao desembarque de tropas aliadas na Itália, pressagiando o fechamento
final do cerco que os Aliados vinham fazendo ao Eixo. Pelos seus resultados, a Batalha de Kursk se
mostrou muito mais decisiva para a derrota do Eixo do que a de Stalingrado, marcando o início de
um processo irreversível de recuos e retiradas alemãs que só findaria nas ruínas de Berlim. O evento
permanece até hoje como sendo a maior batalha de tanques jamais travada na História.
Em 6 de junho de 1944 soldados Aliados desembarcam nas costas da França, na região da
Normandia. A imensa desproporção de qualidade e quantidade de todo tipo de meios militares a
favor dos Aliados, bem como uma inteligente estratégia de despistamento, impediu que as reações
alemãs pusessem a assim chamada Operação Overlord sob ameaça. Na verdade, os efetivos do Eixo
na área eram em sua maioria de qualidade inferior, incluindo também divisões retiradas da frente
russa – onde permaneciam constantemente mais de dois terços das tropas do Eixo – para descanso e
recompletamento. Depois da perda de Paris, em agosto, os alemães não foram mais capazes de realizar
quaisquer contra-ataques, cedendo terreno até dezembro daquele ano. Na véspera de Natal lançam
aquela que seria sua última ofensiva importante na frente ocidental, logo contida pelos Aliados.
Quase que simultaneamente aos desembarques na Normandia, os russos desfecharam uma
gigantesca ofensiva na frente oriental, destinada a liberar de vez os territórios soviéticos ocupados.
Segunda Guerra Mundial 53

Para tanto, reuniram 1 200 000 homens para lançar contra os 700000 soldados do Eixo que guarneciam
o centro da linha de frente, verificando-se no que se refere a blindados, à artilharia e à aviação uma
correlação de forças ainda mais amplamente favorável a eles. O resultado é que menos de uma quinzena
depois de iniciados os ataques, os alemães perderam 25 das 43 divisões, permitindo aos russos avançar
até a Prússia, Polônia e Romênia e acelerando a desintegração da coalizão de países da Europa oriental
que apoiavam o nazismo. Para celebrar, os russos realizaram um imenso desfile pelas ruas de Moscou
com cerca de 57 000 dos prisioneiros alemães feitos nessa ofensiva.
Em janeiro de 1945, os russos estavam prontos para iniciar sua ofensiva rumo a Berlim. Para tanto,
contavam com 2 200 000 homens (contra 400 000 alemães), 6 400 blindados (contra 1 150), 46 000 peças
de artilharia (contra 4 100). Contando com tamanha superioridade de forças, empregadas com eficiência
pelo menos igual à dos alemães, não se podia ter qualquer dúvida com relação ao resultado final. No
início de fevereiro, os russos chegavam ao rio Oder, última barreira fluvial antes de Berlim, distante pouco
mais de 40 quilômetros dali. Em abril desfecharam seu ataque final contra Berlim, encontrando sempre
feroz resistência. Somente terminaram de ocupar Berlim em 28 de abril de 1945, no mesmo dia em que
Hitler dava cabo da própria vida, em seu abrigo subterrâneo de comando, localizado naquela cidade.
Uma semana antes Mussolini havia sido capturado e fuzilado por guerrilheiros comunistas, ao tentar
fugir do norte da Itália para a Suíça. Em 8 de maio, o governo alemão sucessor assinou a rendição aos
Aliados.
Em agosto de 1945, quaisquer esperanças japonesas de prosseguir com a guerra foram arrasadas,
tanto pela ocorrência de dois ataques nucleares ao Japão, quanto pela invasão soviética da Manchúria,
que logo de saída provoca a quase total desestruturação do exército japonês sediado ali. A despeito
do caráter decisivo da entrada da URSS na guerra, a memória dos eventos ligados à rendição do Japão
sempre será dominada pela lembrança dos ataques atômicos às cidades de Hiroshima e Nagasaki,
responsáveis por centenas de milhares de vítimas, e cujos efeitos deletérios entre a população japonesa
ainda se verificaram por muitos anos.

Consequências do conflito
A Segunda Guerra Mundial (1939-45) foi, pelo menos até o presente, o maior e mais devastador
conflito sofrido pela humanidade em toda sua história. As perdas de vidas humanas decorrentes dos
combates militares, massacres premeditados de civis, fome e doenças decorrentes de outras privações
sofridas durante o conflito são estimadas em 50 milhões. Destes, pelo menos 20 milhões são de cidadãos
da antiga União Soviética (URSS) e talvez outros seis milhões, em sua maioria judeus, são os mortos do
programa de destruição das minorias racialmente “indesejáveis” desenvolvido pelo regime nacional-
socialista (nazismo) vigente na Alemanha (1933-45).
Ao lado das imensas perdas humanas, cabe citar também a destruição física da maioria da infra-
estrutura econômica e da vida urbana da Europa, China e Japão, incluindo aí boa parte da navegação
mercante dos países beligerantes e neutros no conflito. Na Europa Ocidental, nas regiões que foram
palco dos combates aéreos e terrestres, a atividade econômica desceu a níveis desastrosos, com a
perda de ferrovias, rodovias, portos, linhas de comunicação, fábricas e fazendas que foram quase que
totalmente devastadas. A maior parte das habitações foi destruída por bombardeios aéreos e terrestres,
bem como pelos exércitos em retirada, a fim de que não fossem utilizadas pelos seus adversários. Nos
54 História Contemporânea

territórios da URSS, palco de uma guerra “total”, tanto na linha de frente entre exércitos convencionais,
como pela luta na retaguarda das forças guerrilheiras de ocupação ao invasor alemão, a guerra levou a
um retrocesso econômico que só seria recuperado dez anos depois.
Só estes dados já conferem à Segunda Guerra Mundial um lugar de destaque, único mesmo,
no repulsivo e deprimente leque de conflitos militares dos quais a história humana se acha tão
lamentavelmente repleta. Como se tudo isso ainda não fosse razão suficiente para nos dedicarmos ao
estudo e à lembrança daquele conflito, não se pode deixar de mencionar que na vigência da Segunda
Guerra Mundial foram realizados os primeiros ataques com armas atômicas contra populações civis,
que redundaram na destruição das cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki (1945). A partir daí, as
perspectivas deletérias de extensas experiências atômicas com fins militares, bem como do próprio
fim da humanidade numa nova guerra mundial travada com armas nucleares tornou-se o principal
pesadelo das gerações que se seguiram.
Além disso, a Segunda Guerra Mundial tem uma importância histórica fundamental por sua
influência na criação de uma nova ordem política em escala planetária e de efeitos duradouros, cuja
expressão mais visível foram os blocos internacionais que dela emergiram, dando origem à “Guerra Fria”
(1945-89). Simultaneamente à emergência dos EUA e da URSS como únicas superpotências mundiais,
líderes de blocos antagônicos que disputavam a hegemonia em escala global, assistimos também ao
definitivo declínio dos antigos poderes coloniais, que tanta importância detinham anteriormente. De
fato, o fim da Segunda Guerra Mundial dá início à era da descolonização e ao surgimento do bloco dos
países em desenvolvimento ou, como se diz, do Terceiro Mundo. Finalmente, o fim da Segunda Guerra
Mundial também é marcado pelo surgimento de importantes organizações multilaterais, dedicadas à
negociação diplomática, como a Organização das Nações Unidas (ONU), e econômica, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI).

Atividades
1. Analise o mapa referente à Europa no auge do poder de Adolf Hitler e compare as revisões
operadas nas fronteiras da Alemanha em relação àquelas impostas pelo Tratado de Versalhes.
KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potên-
cias. Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 337
Segunda Guerra Mundial 55

2. Compare o gráfico relativo à produção de armamentos pelas coalizões antagônicas da Segunda


Guerra Mundial e explique a proporção ali contida em função do início da corrida armamentista
em cada país.

Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 341


KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências.
Produção de armamentos das potências, 1940-1943
(em bilhões de dólares de 1944)
1940 1941 1943
Grã-Bretanha 3,5 6,5 11,1
URSS (5,0) 8,5 13,9
Estados Unidos (1,5) 4,5 37,5
Total de combatentes aliados 3,5 19,5 62,5

Alemanha 6,0 6,0 13,8


Japão (1,0) 2,,0 4,5
Itália 0,75 1,0 –
Total de combatentes aliados 6,75 9,0 18,3
56 História Contemporânea

3. Estabeleça com base na comparação dos dados de produção aeronáutica a correlação de forças aéreas
entre as coalizões antagônicas da Segunda Guerra Mundial no início e no fim do conflito.

KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes


­potências. Rio de Janeiro, Campus, 1989, p. 339.
Produção de Aviões das Potências, 1939, 1945
1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945
Estados Unidos 5 856 12 804 26 277 47 836 85 898 98 318 46 761
URSS 10 382 10 565 15 735 25 436 34 900 40 300 20 900
Grã-Bretanha 7 940 15 049 20 094 23 672 26 263 26 461 12 070
Comunidades Britânicas 205 1 100 2 600 4 575 4 700 4 575 2 075
Total ALIADOS 24 178 39 518 64 706 101 519 151 761 167 654 84 806
Alemanha 8 295 10 247 11 776 15 409 24 807 39 807 7 540
Japão 4 467 4 768 5 088 8 864 16 693 28 180 11 066
Itália 1 800 1 800 2 400 2 400 1 600 – –
Total EIXO 14 562 16 815 19 264 26 670 43 100 67 987 18 606

Dicas de estudo
O livro de Paul Kennedy – Ascensão e Queda das Grandes Potências – contém uma interpretação
até hoje considerada clássica que coloca em foco tanto a desproporção de recursos disponíveis
entre as potências em luta na Segunda Guerra Mundial, quanto as diferentes opções estratégicas por
elas adotadas. Selecione um período, evento ou ano do conflito e tente estabelecer qual das duas
considerações é mais pertinente enquanto interpretação do desfecho final dos eventos.
Guerra Fria e
bipolarização
Origens da Guerra Fria
Ao final da Segunda Guerra Mundial, as antigas potências coloniais haviam perdido quase toda
sua importância anterior. No caso dos derrotados países do Eixo (Alemanha, Itália, Japão) além de terem
perdido todas suas colônias, tinham sido severamente atingidos por toda sorte de destruição material
e perdas humanas e, finalmente, desarmados através da proscrição das suas forças armadas, imposta
pela coalizão vencedora da guerra, os Aliados. Contudo, quase o mesmo ocorreu entre as potências
coloniais participantes da coalizão vencedora. França, Holanda e Grã-Bretanha, também se vêem
progressivamente despojadas de suas possessões e, apesar de manterem importantes forças armadas,
conseguem dedicar ao financiamento destas apenas uma pequena fração dos gastos militares das
super-potências globais: os EUA e a URSS. Mais ainda, a partir de 1949, somente a URSS, além dos EUA,
é capaz de projetar e construir armas nucleares, bem como os meios para lançá-las.
Problemas relacionados aos custos da reconstrução, ao endividamento anterior e ao declínio
econômico de vencedores e vencidos, fazem com que apenas estes dois países tenham relevância nas
relações internacionais do imediato pós-guerra. E, das duas super-potências, os EUA eram claramente a
maior. Afinal de contas, o fato de não ter seu território sido atingido pelas operações militares, somada
à expansão ininterrupta da economia para atender à demanda provocada pela guerra, transformaram
os EUA não só numa super-potência militar, mas também econômica e científica. Somente os EUA
eram capazes de produzir bombas atômicas (1945), e continuariam mantendo esse monopólio do
conhecimento até 1949.
A URSS, por outro lado, teve em seu solo as maiores e mais destrutivas batalhas daquele conflito,
perdeu o equivalente a vinte milhões de cidadãos e quase todos investimentos produtivos que haviam
sido realizados na Rússia européia antes da guerra. Apesar de dispor de enormes forças armadas – as
maiores do mundo – a URSS era economicamente minúscula. Mesmo muito tempo depois de concluído
o processo de reconstrução nacional, seu PIB mal chegava a equivaler a 1/3 do norte americano.
58 História Contemporânea

O fato de URSS e EUA representarem alternativas dimetralmente opostas para a organização social
tornava o conflito entre ambos altamente provável, senão inevitável. O internacionalismo marxista, o
qual sustentava o projeto de uma revolução mundial como possível e desejável, deixou de ser uma
realidade histórica a partir da dissolução do órgão do partido comunista da URSS, encarregado de
organizar a subversão mundial, o Comintern, por Stalin em 1943. Porém, a liderança norte-americana
sustentava que ainda estava em execução um plano subversivo mundial, organizado em Moscou. Dessa
forma, tendiam a ver quaisquer movimentos nacionalistas ou de busca de maior autonomia nacional –
e, portanto, críticos ou hostis ao capital estrangeiro – como parte deste movimento, os quais deveriam
ser “contidos” no interesse da preservação da sociedade capitalista, democrática e cristã.
As tensões entre as superpotências começaram antes mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial.
A rendição da Itália aos Aliados após a derrubada do regime fascista de Mussolini em 1943 foi tratada
exclusivamente com norte-americanos e britânicos. Ao ser consumada, a URSS protestou por não ter
sido incluída nas negociações de rendição de um ex-aliado da Alemanha nazista. No ano seguinte, novo
confronto se deu em torno das discussões entre russos, norte-americanos e britânicos sobre as futuras
fronteiras da Polônia na qual as pretensões de Stalin acabaram por prevalecer. Ainda naquele ano
eclodiu a Guerra Civil na Grécia, recentemente liberta da ocupação nazista. Nesse conflito, os antigos
guerrilheiros que lutavam contra a ocupação alemã começaram a brigar entre si. O fato dos grupos
chefiados por comunistas estarem prestes a vencer a guerra levou à ocupação do país por tropas do
exército britânico em 1944.
Com o fim da guerra ocorreu uma divisão da antiga Europa dominada pelos nazistas em
duas zonas de ocupação: a russa e a dos Aliados ocidentais. Nos países da Europa Oriental (Polônia,
Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária) ocupadas pelo Exército Soviético rapidamente foram
estabelecidos governos de orientação comunista, ao passo que nos países ocupados pelos Aliados
ocidentais em nenhum caso isso ocorreu. No coração da Europa havia a Alemanha, dividida em quatro
zonas de ocupação, tornadas de responsabilidade de russos, norte-americanos, franceses e britânicos
e a própria Berlim, também dividida em quatro zonas. Ali se daria o rompimento da grande aliança
que havia destruído o nazismo, quando as autoridades de ocupação não lograram um acordo para
a unificação do país. O resultado foi a divisão da Alemanha e da cidade de Berlim em duas partes,
cada uma dando origem a um novo país: a República Federal da Alemanha (capitalista) e a República
Democrática Alemã (comunista).

A bipolarização e as superpotências
A divisão da Europa em dois blocos, segundo as áreas abrangidas pelas zonas de ocupação
russa ou Aliada ocidental, elevou consideravelmente a tensão nas relações internacionais do segundo
pós-guerra. No Ocidente, temia-se que o retorno à política democrática abrisse a possibilidade da
instauração de novos regimes comunistas, resultado tanto do prestígio internacional obtido pela URSS
com a vitória na guerra, quanto pela insatisfação do eleitorado com as miseráveis condições de vida,
produto inevitável das destruições daquele conflito.
A partir da obtenção do consenso da elite norte-americana de que deveria existir uma “estratégia
de contenção” do comunismo que estaria visando a retomada do projeto de revolução mundial, seguiu-
se a busca de soluções para a restabelecimento do pleno funcionamento da economia na Europa.
Guerra Fria e bipolarização 59

Entendia-se que a eternização da miséria a que estava submetida a Europa só faria aumentar a tendência
no sentido de uma ruptura com a sociedade de mercado, levando à generalização do comunismo por
todo continente.
O resultado foi o Plano Marshall, assim chamado por ter sido idealizado por aquele secretário de
Estado dos EUA. Tratava-se de um amplo programa de financiamento da reconstrução da Europa, numa
base de integração e complementaridade com a economia norte-americana. Grandes empréstimos com
baixas taxas de juros e longo prazo foram oferecidos a todos países europeus, desde que comprometidos
com a economia de mercado e a liberdade democrática. Embora Polônia e Tchecoslováquia se
candidatassem aos empréstimos, foram forçados por Moscou a renunciarem às suas pretensões. Ao
financiar a reconstrução apenas dos países que estavam fora da zona de ocupação soviética, o Plano
Marshall acabou por marcar o aprofundamento das diferenças entre as duas zonas.
O confronto se aprofundou com a tentativa russa de tomar para si toda Berlim. A cidade de Berlim
estava encravada bem no meio da zona soviética de ocupação e, presumia-se que os aliados ocidentais
teriam direito irrestrito de acesso às suas respectivas zonas, atravessando a área sob controle dos russos.
Em 1948, os soviéticos decidiram o contrário e, para forçar a unificação da cidade sob a égide do partido
comunista alemão, bloquearam todos acessos terrestres ocidentais à Berlim. Restava o transporte
aéreo e, durante onze meses, os aliados ocidentais mantiveram a população da parte ocidental de
Berlim abastecida usando aviões de transporte. Ao fim deste período, em 1949, os russos finalmente
concordaram em levantar o bloqueio e se resignaram a manter dividida a cidade com seus antigos
aliados. Outro resultado foi a renúncia de ambos os lados, agora em aberto confronto, em unificar o
país, que acabou levando à separação da Alemanha em duas nações: a Ocidental e a Oriental.
Esses eventos estimularam a criação de uma aliança militar permanente, sob a hegemonia
norte-americana, dos antigos aliados ocidentais. Assim, deu-se a fundação da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan) que, a partir de 1949, congregou praticamente todos países capitalistas
e democráticos da Europa numa aliança firmada claramente com o propósito de resistir a qualquer
tentativa soviética de impor seu regime sobre o restante do continente. No devido tempo acabaria por
surgir o equivalente comunista dessa aliança militar sob a forma do Pacto de Varsóvia firmado em 1955
e que agregava os países da Europa Oriental numa coalizão liderada pela URSS.
Prevalecia, entretanto, a convicção de que as antigas zonas de ocupação demarcavam claramente
as respectivas áreas de influência das super-potências. Por exemplo, em 1953, uma série de protestos
operários na Alemanha Oriental que parecia escapar ao controle daquele país levou à intervenção do
Exército Soviético. Também a intervenção militar russa se deu sem contestação – exceto propagandística
– na Hungria, quando esse país decidiu abandonar o Pacto de Varsóvia em 1956.
Embora pudesse se impor militarmente às suas populações, se necessário com o auxílio russo, os
vários regimes socialistas da Europa Oriental não se mostravam capazes de lograr nas áreas econômica
e social os mesmos resultados positivos que os países de economia de mercado que haviam aderido
ao Plano Marshall estavam obtendo. Uma das conseqüências era a fuga ininterrupta de dezenas de
milhares de cidadãos da Europa Oriental para a Ocidental a cada ano, em busca de melhores condições
de vida que as oferecidas pelo regime comunista. O caminho mais fácil para se evadir era mesmo a
cidade de Berlim, ainda dividida em duas partes, respectivamente a Oriental e Ocidental. Finalmente,
reconhecendo sua incapacidade em rivalizar com o bem-estar e as liberdades democráticas que os países
ocidentais ofereciam aos seus cidadãos e, não podendo evitar o número crescente de fugas, é erguido
em Berlim, em 1961, um muro vedando o acesso dos habitantes do lado oriental ao ocidental. Apesar da
sua sinistra fama, este Muro de Berlim não se restringia à cidade. Toda fronteira entre as duas Alemanhas
60 História Contemporânea

foi murada, vedando completamente a fuga dos indivíduos do leste para o oeste. O Muro de Berlim se
tornaria um símbolo da divisão entre os dois mundos em confronto – o capitalista e o comunista – e, por
decorrência, da própria Guerra Fria: uma situação de conflito latente que só não se permite eclodir pela
consciência de que uma eventual terceira guerra mundial entre as duas superpotências igualmente
armadas de bombas atômicas significaria o fim da humanidade.

As guerras localizadas e a bipolarização


O ano de 1949 foi pleno de acontecimentos marcantes na história da Guerra Fria na Europa.
Mas por todo o mundo, dado o caráter global da confrontação leste-oeste, se verificariam a eclosão
de episódios em associação com a Guerra Fria. Naquele ano, finalmente terminou a Guerra Civil na
China, opondo comunistas e partidários do capitalismo (agrupados no movimento do Kuomintang),
com a vitória dos primeiros, liderados por Mao Tse Tung. Alguns dos derrotados se exilaram na ilha de
Formosa (Taiwan), onde estabeleceram uma sociedade capitalista, sob o governo de Chiang Kaichek.
Imediatamente, os norte-americanos reconheceram o governo de Taiwan, insistindo para que ele
fosse admitido como membro do conselho de segurança da ONU1. Por outro lado, russos e chineses
continentais estabeleceram relações amistosas, que irão resultar numa aliança no conflito da Coréia no
ano seguinte.
A Coréia havia sido parte do extinto Império Japonês e, ao fim da Segunda Guerra Mundial foi
dividida em duas zonas de ocupação: a do norte sob o exército soviético e a do sul pelo exército norte-
americano. Com a retirada das tropas de ambas superpotências, estabeleceu-se a divisão do país,
instalando-se uma nação capitalista ao sul e outra comunista ao norte. Imediatamente, começou uma
guerra de guerrilhas no sul que visava instaurar ali um regime comunista. O governo sul-coreano era
apoiado pelos EUA e deles recebia constante ajuda militar para debelar a guerrilha comunista.
Em 1950, a Coréia do Norte municiada e aparelhada materialmente pelos russos, por meio dos
chineses, invadiu a Coréia do Sul visando forçar a reunificação da península sob a égide comunista.
A invasão obteve notável êxito e em breve quase toda Coréia do Sul era ocupada. Os EUA levaram a
questão ao Conselho de Segurança da ONU onde, graças à ausência dos russos, conseguiram aprovar
um mandato para organizarem uma coalizão de países para ajudar a Coréia do Sul a resistir à invasão.
Coube aos EUA fornecer a maior parte das tropas e armamentos usados no conflito. Lançando
dois milhões de soldados na guerra e extensos efetivos navais e aéreos, empurraram de volta os
coreanos do norte, chegando quase que até a fronteira com a China. Quando já era iminente a ocupação
total do território norte-coreano, os chineses entraram no conflito, empenhando extra-oficialmente
(“voluntários”) milhões de soldados armados e equipados pelos russos. Isso tudo levou a um impasse.
Em 1954, ambos os lados haviam sofrido dezenas de milhares de baixas e ocupavam posições quase
idênticas à da fronteira anterior ao início do conflito. Finalmente, decide-se pela assinatura de um
armistício que suspende as operações bélicas.
No início dos anos 1960, já se relativizava o entendimento da bipolarização. Embora EUA e URSS
continuassem a ser as únicas superpotências, importantes mudanças estavam acontecendo no interior
dos respectivos blocos que chefiavam. Essas mudanças foram muito importantes no interior do mundo

1 Organização multilateral, surgida ao final da Segunda Guerra Mundial, fundada pela coalizão dos países Aliados.
Guerra Fria e bipolarização 61

comunista, embora conflitos significativos tenham ocorrido também dentro do bloco capitalista. Ao
final da guerra da Coréia, ocorre uma importante divisão do mundo comunista depois do rompimento
da China com a União Soviética. A partir daí, ambos os países vão disputar entre si a hegemonia dentro
do bloco comunista, dando início a uma intensa rivalidade. Estas tensões entre a China e a URSS serão
intensificadas por problemas de fronteira. Os chineses tiveram sucessivos choques fronteiriços com a
Índia, o Vietnã e a própria URSS. No último caso, os dois países quase chegaram à guerra em 1969.
Nos outros, os russos ajudavam os oponentes dos chineses a fim de enfraquecê-los. Em qualquer
cenário, as tensões entre as duas maiores potências comunistas ajudam a relativizar o entendimento
da Guerra Fria como a confrontação de dois campos internamente isentos de conflitos e unificados no
compartilhamento de valores comuns.
No campo capitalista, as principais tensões deram-se entre os EUA e a França e, nem de longe
foram tão sérias como as que opunham chineses e russos. Um dos focos de tensão era a insistência
da França em manter seu império colonial, numa conjuntura marcada pela etapa final do processo de
descolonização. Os EUA com seu arraigado liberalismo eram, por definição, hostis à manutenção dos
antigos impérios coloniais, cujas áreas contavam abrir ao seu próprio comércio. Os EUA ofereceram
algum apoio material aos franceses na tentativa de manterem o Vietnã, mas apenas porque o processo
de independência era liderado pelo Partido Comunista do Vietnã (Vietcong), apoio esse que militares
franceses criticavam como insuficiente. Também a França estremeceu a coesão do bloco capitalista
quando se retirou temporariamente da Otan em 1966, e expulsou a sede da organização de Paris. Mais
ainda, o projeto de criação de um arsenal nuclear independente, sem apelo à ajuda norte-americana,
também foi um fator de disputa com os EUA, só superado algum tempo mais tarde. Finalmente, a
ação militar franco-britânica contra o Egito em 1956, foi flagrantemente desautorizada pelos EUA,
num caso extremo de discordância entre os aliados da Otan.

A Guerra Fria, a descolonização e o Terceiro Mundo


A Segunda Guerra Mundial abalou definitivamente os antigos impérios coloniais europeus, dando
início a um extenso e definitivo processo de descolonização. Esse processo acabou por ser decisivamente
influenciado pela Guerra Fria e, lógico, pela forma como cada antiga potência colonial encarava suas
possessões. Além disso, a fundação da Organização da Nações Unidas, em 1944, extensivamente
baseada no direito à auto-determinação dos povos, negava qualquer justificativa moral ou ética para a
continuidade do colonialismo.
No caso francês, as colônias mais importantes eram o Vietnã e a Argélia e pensavam que valia
a pena lutar para mantê-las como tal. Para os britânicos, incapazes de pagar pelo custo em baixas
humanas e dinheiro da maior parte do seu império, estavam mais do que dispostos a considerar a
independência de quase todas suas colônias, desde que fosse tanto quanto possível preservar seus
interesses anteriormente nelas estabelecidos.
No caso da África e o Oriente Médio, essas considerações eram complicadas pela aparição do
nacionalismo árabe, em boa medida uma reação à criação pela ONU do Estado judeu de Israel nos
territórios da colônia britânica da Palestina em 1947. A reação à criação do Estado de Israel dos países
árabes vizinhos foi a tentativa de destruir a nova nação, a qual resultou na guerra de 1948, vencida
por Israel.
62 História Contemporânea

A insatisfação com o fraco desempenho das forças armadas egípcias contra Israel em 1948 foi um dos
fatores que levaram a um golpe militar no Egito, em 1952. O golpe foi conduzido por Gamal Abdel Nasser
que a partir daí desenvolve uma política pan-árabe, manifestada na fracassada tentativa de compor uma
República Árabe Unida (RAU) com a Síria em 1953, e nacionalista, que levou à encampação do canal de Suez
em 1956, expropriando-se os antigos proprietários franceses e britânicos. A reação à essa nacionalização
foi a Guerra do Sinai, de 1956, quando franceses, britânicos e israelenses se uniram militarmente contra o
Egito. Em pouco tempo, o canal foi reocupado pelos seus antigos donos, enquanto Israel ocupava o deserto
do Sinai, até então parte do Egito. Contando com o apoio dos EUA e da URSS, a ONU vota uma resolução
condenando a agressão e coagindo franceses, britânicos e israelenses a abandonarem o território egípcio.
Fortalece-se dessa forma a influência e o prestígio de Nasser que mesmo sendo derrotado militarmente
conseguiu reverter as conseqüências da derrota diplomaticamente.
As atitudes anti-imperialistas e pan-arabistas de Nasser o levaram a se comprometer com algum
nível de apoio à revolta dos argelinos contra a ocupação francesa. Sabendo disso, os franceses acabam
por apoiar o fortalecimento militar de Israel, instalando no país uma fábrica de aviões militares. Por seu
lado, a URSS apoiou o reequipamento militar do Egito e, mais tarde, concedeu empréstimos financeiros
e assistência militar também para a Síria e o Iraque, num esforço de contrabalançar a influência dos
países ocidentais na região.
Muitos outros pontos de interseção dos conflitos da Guerra Fria e da descolonização ocorreram, na
Ásia, na América Latina e na África. Como exemplos mais significativos têm-se o caso do Vietnã, de Cuba
e de Angola. O Vietnã era uma colônia francesa até que uma bem sucedida guerra de independência
foi travada e vencida pelo Partido Comunista daquele país. Como condição para o reconhecimento da
independência por parte da França, estabeleceu-se, em 1954, a divisão do país em duas partes, a do
norte, dominada pelos comunistas e a do sul, onde vigia o regime capitalista. Desta forma, pelo menos
parte dos interesses econômicos dos franceses no Vietnã seria preservada, ao mesmo tempo em que se
abria uma área para receber os refugiados que se recusassem a viver sob o regime comunista ao norte.
A partir de 1961, os EUA começam a fornecer armas e assessoria militar ao Vietnã do Sul para capacitá-
lo a combater a guerrilha comunista, financiada pelo norte. Em 1964, os EUA entram abertamente na
guerra, enviando quantidades cada vez maiores de tropas e armas. Do outro lado, os Vietcongs eram
apoiados pelos russos, dos quais recebiam armas, munições, aeronaves etc. A guerra só acabaria em
1975, depois do reconhecimento norte-americano de que a vitória americana era impossível e o
subseqüente abandono do país que é então reunificado sob a égide comunista.
Em 1959, o imperialismo norte-americano sobre Cuba é encerrado com a derrubada do gover-
no cubano alinhado com os EUA por uma guerra de guerrilhas liderada por Fidel Castro que, a partir
do ano seguinte, implanta na ilha um regime comunista. A partir daí, a ilha será convertida num dos
pontos focais da Guerra Fria, com a tentativa de invasão de Cuba por exilados residentes nos EUA com
apoio norte-americano. A invasão fracassa e leva o regime de Fidel Castro a estreitar suas relações
com a URSS, como a única forma de garantir a independência da ilha. As negociações com os russos
vão levar à instalação na ilha de mísseis capazes de atingir os EUA, detonando a famosa “Crise dos
Mísseis” de 1961, a qual quase encerrou a Guerra Fria da pior forma ao levar as superpotências à beira
da confrontação nuclear.
Outro ponto exemplar de encontro das tensões inerentes à Guerra Fria e a descolonização é o
de Angola. Em 1975, o país finalmente deixa de ser colônia de Portugal e imediatamente começa uma
guerra civil opondo os grupos guerrilheiros que anteriormente haviam lutado pela independência.
Novamente, reaparece o confronto entre as superpotências, com o Movimento pela Libertação de
Guerra Fria e bipolarização 63

Angola (MPLA) sendo apoiado pela URSS e por Cuba, e a Unita (União pela Independência Total de
Angola) financiado pelos EUA.
Como reação à bipolaridade explícita da Guerra Fria é que surgiu o Movimento dos Países Não-
Alinhados, cuja origem foi a Conferência Ásia-África de Bandung, na Indonésia, em 1955. Nessa reunião,
compareceram 29 países em desenvolvimento, todos igualmente interessados em não ceder às pressões
das potências, mantendo a independência e resistindo ao neocolonialismo (das antigas potências
coloniais) e ao neo-colonialismo (das superpotências da Guerra Fria). Finalmente, em Belgrado, no ano
de 1961, deu-se a Primeira Conferência dos Chefes de Estado e de Governo Não-Alinhados, cujo foco foi
justamente a corrida armamentista – agora de carecterísticas nucleares – entre as grandes potências e
suas implicações para os países em desenvolvimento.

O fim da Guerra Fria


O fim da Guerra Fria só ocorreria com o colapso de algum dos blocos em confronto. Tal fato veio a
se verificar a partir de 1989, com a queda do regime comunista na Alemanha Oriental e a correspondente
queda do Muro de Berlim. Com o colapso soviético ocorre subseqüentemente a desintegração do Pacto
de Varsóvia, o que se verifica em 1991. A partir daí, os EUA emergem como única superpotência global
e começam a pautar suas relações internacionais pela total falta de restrições e constrangimentos à sua
ação que qualquer outro país pudesse fazer. Tal tendência ficou clara nas duas guerras do Golfo Pérsico,
travadas por coalizões de países liderados pelos EUA.
Na primeira, em 1991, com a desaparição da URSS sendo ainda um fenômeno recente e não de
todo assimilado, os EUA se obrigaram a obter da ONU um mandato para agir contra Iraque sob o regime
de Sadam Hussein, o que acaba ocorrendo. Já na segunda Guerra do Golfo (2003), os EUA agiram de
forma unilateral e à revelia tanto da ONU quanto das convenções internacionais, sem qualquer receio
de virem as suas ações a serem contestadas por qualquer outro poder nacional. De fato, desde então, os
EUA e seus aliados na Otan mantém aquele país, bem como o Afeganistão, sob permanente ocupação
militar, totalmente à revelia das leis internacionais.

Atividades
1. Interprete as origens da diferença no potencial econômico e tecnológico dos EUA e da URSS a
partir dos eventos da Segunda Guerra Mundial.
64 História Contemporânea

2. Examine a partir da experiência histórica cubana os impasses vividos pelos países do Terceiro
Mundo em suas tentativas de se libertarem das diversas pressões imperialistas.

3. Compare os diferentes enfoques da diplomacia norte-americana atual para os casos de Cuba e


Vietnã.

Dicas de estudo
O fim da URSS e correspondente abertura dos arquivos do antigo regime comunista tornou
disponível enorme quantidade de informações inéditas sobre a Crise dos Mísseis de outubro de 1961,
envolvendo Cuba, EUA e URSS. Pesquise na internet informações que permitam reconstituir a seqüência
de eventos que tornaram pela primeira vez uma guerra nuclear não só possível como eminente.
Socialismo:
seus limites e possibilidades
A economia planificada e seus êxitos
Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a URSS já se encontrava entre as principais potências
industriais do planeta. Ao contrário do resto do mundo capitalista, sua economia não fora afetada
pela crise mundial de 1929, mantendo seus índices de crescimento estáveis – e elevados. Contudo, a
necessidade de se prevenir ante um possível ataque alemão distorceu todo planejamento soviético,
adiando o plano de se oferecer mais e melhores bens de consumo à população e obrigando à
concentração cada vez maior de recursos e investimentos na indústria bélica, à medida que o ambiente
internacional ia se tornado cada vez mais perigoso. Quando este ataque finalmente se consuma em
junho de 1941, a reorientação no sentido de se reforçar a produção de armas e munições é levada a
extremos. O consumo privado é reduzido ao mínimo e quase todos os investimentos são destinados ao
complexo industrial-militar soviético. Tais investimentos foram ainda mais difíceis de se realizar devido
à rápida ocupação de grande parte do território da Rússia européia, onde residiam 40% da população e
se localizava uma porção significativa do parque industrial soviético.
Graças a um arrojado programa de realocação industrial, a maior parte das indústrias essenciais ao
esforço de guerra foi retirado da zona que seria ocupada pelos alemães e transferido para fora dos limites
da Rússia européia, além dos Montes Urais. Antecipando-se a um possível ataque alemão e/ou japonês,
já haviam sido destinadas a esta região uma importante parcela dos investimentos industriais, em
especial os grandes trustes da indústria metalúrgica e mecânica. Com a vinda das fábricas anteriormente
instaladas na região agora ocupada pelos alemães, essa região industrial ganha uma importância ainda
maior, tendo a vantagem adicional de estar imune à interferência dos inimigos da URSS.
Os resultados são aferidos no enorme aumento da produção de tanques, aviões, canhões, armas
portáteis e munições. No segundo ano do conflito, a URSS já havia alcançado os níveis de produção
bélica atingidos pelos alemães e, a partir daí, vai alargando cada vez mais a disparidade produtiva em
seu favor. Um auxílio importante, mas de importância menor, foi prestado pelos Aliados ocidentais da
66 História Contemporânea

URSS, a Grã-Bretanha e os EUA. Juntos, enviaram para a URSS quantidades consideráveis de alimentos,
matérias-primas, combustíveis, armas, veículos e munições, fazendo uma contribuição significativa para
o esforço bélico da URSS após fevereiro de 1943 (Batalha de Stalingrado). Estima-se que os embarques
dos Aliados ocidentais destes produtos para a URSS tenha sido correspondente a 15% do total do
potencial produtivo gerado pelos russos durante a guerra.
Graças à enorme concentração de investimentos no setor industrial-militar, bem como ao fato de ter
empenhado quase toda população no esforço de guerra, a URSS foi capaz de destruir as forças armadas do
III Reich de Adolf Hitler praticamente sozinha. Estima-se que das 550 divisões mobilizadas pela Alemanha
e seus aliados na Segunda Guerra Mundial, nada menos de 500 foram destruídas na frente russa, sendo as
50 restantes colocadas fora de combate pelos norte-americanos, britânicos e outros.
A vitória da URSS sobre a Alemanha nazista custou muito caro. Para começar as perdas humanas
foram terríveis, sendo o povo russo o que mais sofreu com a guerra, sofrendo a perda de 22 milhões de
seus cidadãos. Além disso, boa parte da infra-estrutura produtiva da Rússia européia foi completamente
arrasada. Deve-se levar em conta que foram realizadas no território russo as maiores e mais importantes
batalhas da Segunda Guerra Mundial, correspondendo à destruição de quase todas as suas cidades,
rodovias, ferrovias, plantações e outras unidades produtivas.

As limitações do planejamento centralizado


e suas manifestações
Terminada a guerra, a URSS sob o governo de Stalin retomou sua ênfase na indústria pesada
e de bens de produção. O desafio posto pela Guerra Fria, a necessidade de alcançar a paridade em
armamentos com os EUA – inclusive nucleares – e a manutenção de enormes forças armadas tornaram
a adiar a desejada ênfase na produção de bens de consumo. Mais ainda, persistiam sem solução os
problemas crônicos da agricultura. O desvio de recursos para a indústria e a insistência na coletivização
da agricultura praticamente garantiram que o setor permanecesse com baixa produtividade. A esse
respeito é ilustrativa a comparação com os EUA. Enquanto os Estados Unidos empregavam 3% da
população economicamente ativa na agricultura, na URSS esse percentual passava de 30%. Enquanto
nos EUA cada empregado na lavoura alimentava outros 65 cidadãos, na URSS esse índice mal chegava
a oito cidadãos para cada agricultor.
Não obstante o planejamento centralizado, ainda era capaz de lograr expressivos resultados. No
imediato pós-guerra, a URSS continuou avançando economicamente, tornando-se um dos maiores
produtores de petróleo do mundo e o maior fabricante de aço. Somas consideráveis de recursos
foram investidos nas áreas de ciência e tecnologia, em especial no que se refere aos armamentos e
ao programa espacial. Já no final dos anos 1940, a URSS estava fabricando seus primeiros aviões a
jato (1947) e também havia explodido sua primeira bomba atômica (1949). Na década seguinte, ela
iniciou a produção de foguetes intercontinentais que, tanto podiam transportar ogivas nucleares à
milhares de quilômetros de distância, como também alcançar o espaço sideral. De fato, em 1959 a
URSS se torna a primeira nação do mundo a lançar um satélite artificial, o Sputnik. Outros êxitos se
seguiram na área espacial, com o lançamento do primeiro homem ao espaço (1961) e também da
primeira mulher (1962).
Socialismo: seus limites e possibilidades 67

Esses sucessos foram, a curto prazo, bastante impactantes e granjearam enorme prestígio para a
causa socialista. Em médio prazo, contudo, havia tendência à queda da taxa de crescimento. Nos anos
entre1940 e 1960, a URSS cresceu a taxas médias de dois dígitos (10 ou 11% ao ano). No início dos anos
1970, essa taxa caiu para um dígito (5 ou 6%) e continuou caindo. Essa tendência ao declínio da taxa de
crescimento tem várias causas, mas as mais importantes dizem respeito ao estágio de industrialização e
às características da economia planejada.
A maior parte dos observadores concorda que as elevadas taxas de crescimento econômico
soviético remontam à fase inicial da industrialização, quando estavam disponíveis reservas abundantes
de mão de obra e recursos naturais. Dispondo de uma população numerosa e em rápido crescimento,
não foi difícil para a URSS reunir e empregar vastos contingentes de mão-de-obra necessários para
planejamento, produção e distribuição de bens e serviços. O enorme território da URSS (15% da
superfície terrestre do planeta) também facilitava a busca e obtenção de todo tipo de recursos naturais
necessários ao crescimento econômico. Estavam disponíveis vários insumos desde madeira, passando
pelas jazidas minerais – inclusive de materiais estratégicos, como os necessários ao programa nuclear –
até o petróleo e, devido à abundância, sua obtenção se fazia de forma rápida e barata. Contudo, à medida
que iam sendo intensivamente explorados, tornavam-se escassos e os custos e dificuldades associadas
à sua obtenção eram crescentes. Por outro lado, com a redução das taxas de crescimento demográfico,
também os recursos humanos passaram de abundantes para escassos, impactando negativamente nas
taxas de crescimento da economia.
Para além destas questões referentes a diferentes etapas da industrialização, a economia
soviética também era dependente da forma pela qual se organizava o planejamento centralizado.
Percebe-se que a criação de entidades voltadas especificamente para o planejamento econômico,
realizado de forma militarizada, lograva realizações expressivas em se tratando da alocação de recursos
e obtenção de resultados na fase inicial da industrialização. A coordenação de esforços, a atribuição de
responsabilidades, a imposição de metas a serem cumpridas pelos diferentes agentes econômicos eram
questões que a burocracia do planejamento parecia resolver de forma satisfatória. Contudo, à medida
em que a economia ia ficando mais sofisticada e complexa, o planejamento ia perdendo eficácia.
Tal fato era especialmente perceptível na área de ciência e tecnologia. Nas sociedades
capitalistas havia uma economia de mercado, na qual os produtores de bens com alto índice de
tecnologia competiam entre si na busca por clientes. A concorrência no mercado é que levava esses
produtores a produzir cada vez mais, melhor e mais barato. Tendo renunciado à sociedade de mercado,
cabia ao Estado soviético, através das suas instâncias de planejamento, promover e incrementar o
desenvolvimento tecnológico. Contudo, na inexistência de um mercado consumidor de bens com alto
índice de tecnologia, o único “cliente” para estes produtos era o Estado sob a forma do complexo militar
e espacial. De fato, eram as encomendas do programa espacial e das forças armadas que promoviam o
avanço científico e tecnológico, mas seus estímulos nunca poderiam ser tão duráveis e permanentes, e
nem lograr resultados tão expressivos, quanto aqueles que os países capitalistas vinham obtendo com
base numa economia de mercado.
Eventos semelhantes eram verificados na agricultura. Recorrentemente as opções dos planejadores
eram de grande escala, prevendo a construção de grandes silos e armazéns, provendo transporte
terrestre e fluvial para o escoamento da produção etc. Os agricultores, aos quais eram impostas cotas de
produção, além de não terem estímulo financeiro para aumentar a produtividade também não tinham
como interferir no processo decisório centralizado, no qual provavelmente fariam valer suas pretensões
a práticas de armazenagem em pequena escala, modelos específicos de máquinas e tratores etc. Enfim,
68 História Contemporânea

toda uma série de decisões e ajustes em pequena escala que, numa sociedade de mercado estaria
refletindo leis da oferta e da procura, tinham de ser tomadas de forma centralizada, pelos gestores
da planificação econômica. A enorme – e geralmente intransponível – distância entre os produtores
diretos e os gestores do planejamento resultava na perda de produtividade e de oportunidades de
avanço tecnológico.
O planejamento centralizado não tinha, claro, apenas uma dimensão econômica. Mais do que
isso, o planejamento se constituía no principal instrumento de poder político do Partido Comunista
sobre a sociedade soviética. Conceder maior liberdade de execução ou, no limite, permitir que as leis da
oferta e da procura influenciassem as decisões dos produtores diretos, implicariam automaticamente no
esvaziamento do poder decisório do Partido. O fato de todos os envolvidos na produção dependerem
do planejamento centralizado era o principal fator para garantir o monopólio do poder político do
partido. Com o tempo, essa classe de burocratas e planejadores subordinados ao Partido acabou
por se tornar a classe dominante na URSS e em seus países satélites. A vigilância sobre os cidadãos
e a censura às comunicações, inerentes ao regime de ditadura comunista, atrapalharam ainda mais a
busca pela inovação e aperfeiçoamento tecnológicos. O simples intercâmbio de idéias entre cientistas
e pesquisadores encontrava na URSS dificuldades quase insuperáveis para se realizar. Por exemplo, o
uso do telefone era restringido pela escuta feita pelos órgãos de segurança do Estado e as máquinas
copiadoras (“xerox”) estavam sob controle da polícia política (KGB).

As reações do autoritarismo soviético


A imposição de uma ditadura comunista não se fez sem reação. Com o tempo, milhões de cidadãos
soviéticos seriam encarcerados em campos de concentração, suspeitos de atividades consideradas
pelo regime como “subversivas” ou “contra-revolucionárias”. Na prática, jamais emergiu qualquer tipo
de movimento de oposição ou contestação organizada, que ameaçasse o monopólio do poder por
parte do partido comunista. Desta forma, na sua quase totalidade, os encarcerados pelo regime não
se constituíam de fato em uma ameaça, mas foram considerados perigosos apenas e tão-somente
por manifestarem em algum grau sua discordância ou crítica ao regime. Tal é a essência do regime
totalitário. Ele não se satisfaz em proibir e reprimir atividades suspeitas – ele enxerga no interior mesmo
da consciência do indivíduo o perigo para a sua dominação. Não basta agir conforme as expectativas do
poder. É necessário pensar – introjetando a doutrina comunista – de acordo com aquilo que é imposto
pelo governo.
Com o tempo foi construída uma série de aparelhos repressivos do Estado, encarregados de vigiar
e reprimir os indivíduos considerados suspeitos aos olhos do governo. Forças internas de segurança
compartilhavam com as forças armadas a tarefa de monitorar a população e a produção cultural e
intelectual do país, reprimindo movimentos, produtos, obras e autores considerados “desviantes” em
relação à doutrina oficial do partido. Além das penas de detenção (a mais comum era de dez anos de
trabalhos forçados) elementos dissidentes também foram expulsos do país ou condenados ao exílio
interno. Nessa última modalidade, tornavam-se inacessíveis aos que do estrangeiro com eles tentavam
manter contato.
Socialismo: seus limites e possibilidades 69

Além de internamente à URSS, por toda Europa comunista se fez necessária a repressão soviética.
Greves de trabalhadores na Polônia e na Alemanha dos anos 1950 foram reprimidas com ajuda de tropas
russas. Em 1956, uma enorme revolução popular eclodiu na Hungria, ameaçando findar ali o regime
comunista. Novamente tropas russas foram chamadas a intervir, reprimindo a rebelião com máximo
rigor, o que levou a milhares de mortes e dezenas de milhares de prisões. Finalmente, em maio de
1968, tropas russas invadem a Tchecoslováquia no intuito de barrar o processo de abertura política e
econômica que estava em curso naquele país.

A era da “estagnação”
Além de índices cada vez menores de crescimento ao longo das décadas de 1970 e 1980,
outras evidências de declínio econômico da URSS estavam se tornando cada vez mais visíveis para os
observadores de fora do país. Para começar, devido à inexistência de estímulo para os indivíduos se
dedicarem ao aperfeiçoamento do sistema, havia a tendência à queda da produtividade, na indústria
e no campo. Não havendo uma economia de mercado, cabia ao Estado fixar os preços pelos quais os
produtos e serviços deveriam ser vendidos e os salários que seriam pagos. Mais ainda, empresas e
fazendas ineficientes continuavam funcionando, sustentados pelos repasses de recursos por parte do
Estado. No intuito de conservar baixos os preços da cesta básica dos trabalhadores, boa parte dos bens
que a compunham era subsidiado com recursos públicos, sendo de fato vendidos a preços abaixo do
custo para os consumidores. Isso levava a situações absurdas que afrontavam o funcionamento lógico
da economia. Por exemplo, no início dos anos 1980, criadores de porcos estavam alimentando seus
animais com pão, o qual era muito mais barato que as batatas. Isso se devia ao fato de que o pão tinha
seu preço subsidiado pelo Estado e as batatas não.
Outro indicador do declínio econômico soviético era sua pauta de exportações. Ainda na década
de 1960, a maior parte das vendas ao estrangeiro consistia de produtos industrializados (máquinas,
equipamentos, material de transporte, artigos de metal etc.) ao passo que nos anos 1980 mais da
metade da pauta de exportações era composta por energia, isto é, petróleo e gás, muito valorizados
depois dos choques do petróleo de 1973 e 1979.1
Finalmente, um outro indicador relevante era a transformação dos principais indicadores de bem
estar social: queda na taxa de natalidade e crescimento na taxa de mortalidade. Enquanto entre os
russos o número de nascimentos mal dava para repor o efetivo populacional, entre as minorias étnicas
que compunham a URSS esse índice era muitíssimo maior. Como os russos compunham a parte mais
instruída e leal ao regime, o poder soviético encontrava dificuldades para conciliar as demandas de
pessoal entre a economia civil e as forças armadas. Por outro lado, a queda na qualidade dos serviços
médicos prestados pelo Estado, resultado da falta de investimentos no setor, levou a um aumento
da mortalidade precoce e a correspondente redução da expectativa de vida. Este último índice era
particularmente preocupante porque historicamente isso fez da URSS a única nação industrializada do
mundo onde se verificou queda na expectativa média de vida dos cidadãos.
Para além destes problemas econômicos e sociais, também havia questões políticas associadas
à decadência do regime soviético. Durante o prolongado período de rápido crescimento econômico
1 Em 1973 ocorreu o primeiro choque do petróleo. O barril passou de, mais ou menos, quatro para vinte dólares. Em 1979, com o segundo
choque do petróleo, o barril chegou a quarenta dólares.
70 História Contemporânea

era fácil para o regime político encontrar oportunidades para premiar a fidelidade e a obediência
dos cidadãos. Inúmeras chances de ascensão social estavam disponíveis a todos que demonstrassem
competência profissional e alinhamento ideológico ao regime. A expansão praticamente ininterrupta
das unidades produtivas levava à uma demanda permanente por pessoal qualificado para gerência,
administração e planejamento. Agricultores e operários podiam ascender à condição de administradores,
gerentes e, o que seria o auge das suas carreiras, planejadores, de preferência nas instituições centrais de
planejamento em Moscou. Nesse último estágio, os indivíduos já teriam também adentrado no núcleo
da elite dirigente do partido comunista.
Com a redução do crescimento econômico, estas possibilidades de ascensão social se reduziram
drasticamente. No intuito de continuar a retribuir materialmente àqueles que se identificavam com
o regime vigente em geral e o grupo político específico do Partido Comunista no poder, começou-
se a fazer vista grossa para os casos de corrupção e ineficiência. Indivíduos ambiciosos, desde que
estivessem apoiando a facção no poder, tinham condições de amealhar fortunas consideráveis, por
exemplo, desviando a produção que deveria ser entregue ao Estado para o mercado negro. Os que
fracassassem ou fossem incompetentes podiam fugir às sanções estabelecidas mascarando, com
a cumplicidade de aliados seus nos escalões superiores, o atingimento das suas metas. Tudo isso
preservava e promovia indivíduos leais ao poder estabelecido, mas não ajudava em nada no que
diz respeito ao crescimento econômico. Por outro lado, administradores e gestores das unidades
produtivas, responsáveis por fazer a economia realmente funcionar, identificavam-se cada vez
menos com as autoridades do planejamento, para as quais a fidelidade partidária acabava sendo
mais importante do que a competência administrativa e econômica. Não por acaso, a corrupção
e a ineficiência serão os principais problemas a serem enfrentados pela administração de caráter
reformista que sobe ao poder na URSS em meados dos anos 1980.

O fim do socialismo
No início dos anos 1980, os sintomas de decadência, ineficiência e corrupção eram cada vez mais
visíveis, pelo menos para os envolvidos com a administração pública na URSS. A população, por outro
lado, embora mantida satisfeita com o grau ainda relativamente aceitável da qualidade dos serviços
públicos, não tinha como não sentir inveja dos habitantes do mundo capitalista, cada vez mais marcado
pelo crescente acesso a uma variedade de bens de consumo de qualidade inexistente no mundo
socialista. A tentativa de alcançar e superar a acumulação de armas realizada pelos EUA, baseada numa
economia muito maior e mais produtiva do que a da URSS, também teve efeitos desastrosos. Os gastos
militares se tornaram ainda mais difíceis de serem suportados pela economia soviética devido aos
custos da invasão do Afeganistão pela URSS em 1979. Enfim, aumentava cada vez mais a probabilidade
de uma reorientação reformista por parte da elite dirigente da URSS.
Essa reorientação finalmente será adotada em 1985 com a ascensão ao poder de Mikhail
Gorbatchev. Caberá a ele lançar uma ampla campanha de transformação do socialismo, apelando tanto à
reestruturação política e econômica (perestroika) quanto se comprometendo com a maior transparência
dos atos do governo e ampliação da liberdade de informação (glasnost). O que se buscava era introduzir
um regime constitucional e democrático, eleito diretamente pelos cidadãos e pautado pelo respeito aos
Socialismo: seus limites e possibilidades 71

direitos civis, simultaneamente a algum retorno à economia de mercado. A despeito dessas reformas
terem sido pensadas no sentido de se conservar e revitalizar a URSS, na prática, isso significou o fim do
monopólio partidário dos comunistas e também a erosão dos mecanismos de planejamento econômico
centralizado.
Simultaneamente ao fim dos Planos Qüinqüenais e do planejamento centralizado, permitiu-se
que as empresas estatais deficitárias fossem à falência e as rentáveis fossem passadas ao controle dos
seus funcionários sob a forma de cooperativas. Pretendia-se com isso lograr maior eficiência econômica
e democratizar a propriedade. Na prática, a súbita desaparição de tantas empresas estatais produziu a
anarquia econômica e o cooperativismo pretendido degenerou no puro e simples açambarcamento da
propriedade pública, tornada agora propriedade privada dos seus antigos gerentes e diretores.
No fim da segunda metade dos anos 1980, a combinação da reestruturação política e econômica
com a ampliação da liberdade de informação levou ao colapso da autoridade central na URSS. A partir
daí começou uma busca desesperada de diferentes regiões, cidades e complexos produtivos pela
sobrevivência, em boa medida baseado em acordos diretos entre os interessados. É importante notar
que essa descentralização estrutural não era novidade, sempre havia existido na URSS. Para além do
aparelho central do partido comunista em Moscou, o qual impunha ao país as determinações do plano
qüinqüenal, havia toda uma rede de trocas e acordos paralelos, entre regiões e trustes que, na prática,
era o que fazia o plano funcionar. Uma vez dadas as determinações e metas do plano, era permitida
ampla autonomia aos encarregados de executá-lo, isto é, aos que tinham funções reais na produção,
distribuição e consumo. Esses indivíduos é que faziam a economia se manter funcionando e, portanto,
eram indispensáveis. Já a burocracia do Partido Comunista não tinha muitas outras funções além
de impor o plano e manter as diversas partes da URSS unidas através da burocracia e das forças de
segurança. Com o fim do monopólio partidário eles e a própria URSS perderam toda razão de ser, como
se viu nos eventos do início dos anos 1990, neste país e em todo antigo mundo comunista.
Concluindo, a tentativa de se reformar a economia simultaneamente ao fim do poder político
centralizado, longe de conservar levou à precipitação do colapso final do socialismo na Europa. Em
contraste, a liderança do Partido Comunista Chinês, ao se decidir por reformar a economia, jamais abriu
mão do seu poder político centralizado, o que vem garantindo até o momento a preservação do regime
comunista naquele país, a despeito do ininterrupto crescimento das relações de produção capitalistas.

Atividades
1. Estabeleça o nexo entre as taxas de crescimento econômico e demográfico.
72 História Contemporânea

2. É possível se falar nos “impérios” soviético e norte-americano? Por quê?

3. Tanto a URSS quanto a China Comunista aderiram a expressivos programas de modernização. Por
que num caso isso levou ao fim do comunismo e no outro a sua estabilização?

Dicas de estudo
Assista e compare dois filmes sobre a repressão stalinista feitos em diferentes épocas: The Inner
Circle, de Andrei Konchalovsky, USA, 1991, cor, 137 min. e Doutor Jivago de David Lean, USA, 1965, cor,
200 min., tentando perceber se neles existe ou se manifesta o maniqueísmo inerente aos filmes norte-
americanos da época da Guerra Fria.
Capitalismo:
suas crises e superações
O estado do bem estar social (welfare state)
e o keynesianismo
A superação da crise de 1929 dependeu de uma série de transformações tanto na natureza quanto
no papel do Estado. A institucionalização de um padrão permanente de intervenção – e não mais apenas
transitório, como aquele da época das guerras mundiais – demandou a criação ou transformação das
instituições estatais numa amplitude e profundidade sem precedentes. Simultaneamente, as empresas
e os sindicatos passavam por transformações igualmente importantes. Os poderes de “organização” do
mercado por parte dos trustes, cartéis e monopólios passaram para uma nova fase, pautada agora por
uma atuação ainda mais intensa do capital financeiro. Os sindicatos finalmente foram reconhecidos
como representantes jurídicos dos seus filiados e, em seu nome, firmavam acordos cujo cumprimento
poderia ser garantido judicialmente.
A ocorrência simultânea dessas transformações no Estado, nas empresas e nos sindicatos não
foi nem rápida e nem isenta de problemas e, aparentemente só foi resolvida após a Segunda Guerra
Mundial. Desde 1936, com a publicação do influente livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro
por John Maynard Keynes, já se dispunha de uma formulação teórica para a adoção de políticas
públicas contra a crise. Claro que a partir do ano seguinte à mundialização da crise, praticamente todos
os países estavam experimentando, em algum grau, políticas para estimular a retomada da demanda,
do consumo e da produção. Embora generalizada, a simples percepção de que algum novo padrão de
intervenção do Estado sobre a economia deveria ser estabelecido não bastava, por si só, para lograr sua
implementação. Para tanto, uma considerável soma de interesses estabelecidos na iniciativa privada
– que seriam atingidos por um eventual aumento do poder do Estado ou dos sindicatos – teriam de
se submeter às novas regras e, aparentemente, foi apenas com a eclosão da guerra que tal sujeição
74 História Contemporânea

veio a se verificar. Para além dos interesses estabelecidos, receosos de qualquer restrição aos direitos
que detinham sobre suas propriedades, deve-se levar em conta também o papel desempenhado
pela ideologia liberal a qual, mesmo diante das evidências da crise de 1929, continuava a entender a
intervenção do Estado na economia como uma afronta à lógica das leis de mercado.
Por trás das origens da crise estava um enorme descompasso entre a produção, tornada cada
vez maior pelos ganhos de produtividade, e o consumo, este cada vez mais restrito pelos baixos níveis
salariais e o desemprego em massa. Finalmente, havia se compreendido a lógica de Ford, segundo
quem à produção de massa deveria corresponder um consumo de massa. Demandas históricas da classe
operária como descanso remunerado e salário-mínimo deveriam se tornar – como também defendia
Ford – universais, a fim de sustentar o nível de consumo que agora se fazia necessário. A tentativa
pessoal de Ford no sentido de convencer seus pares, os industriais da era da produção em massa, a agir
assim, foi infrutífera. Somente leis federais votadas pelo Congresso dos EUA a partir de 1932, já sob o
impacto manifesto da crise, é que deram ao Estado o poder de impor um salário-mínimo e reconhecer
aos sindicatos o direito de representar seus filiados.
Tais iniciativas encontram similares por todo mundo àquela época, como a lei promulgada
na França limitando a jornada de trabalho em quarenta horas semanais, ou mesmo no Brasil, com
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1942. Mas foi a eclosão da Segunda Guerra Mundial
que possibilitou ao Estado obter, como no conflito anterior, poderes praticamente ilimitados para
regulamentar a economia, fixar margens de lucro e salários, impor metas e prazos para produção e
distribuição e até administrar diretamente o processo produtivo.
Simultaneamente, ao longo dos anos 1930 e 1940, sucessivos governos europeus vão adotando
políticas inspiradas no programa da socialdemocracia. Estas políticas se caracterizavam pela
universalização de acesso dos cidadãos aos serviços públicos, numa base pública e gratuita. Entendia-se
estas políticas tanto como uma etapa no caminho rumo ao socialismo, quanto condição indispensável
para o exercício da cidadania política. Ao garantir um mínimo de bem-estar social a todos, o Estado (welfare
state) capacitava os indivíduos a agirem politicamente de forma livre, sem os constrangimentos típicos
da dependência pessoal que é uma dimensão inerente aos indivíduos que padecem de insuficiência
crônica de recursos para sua própria manutenção. Serviços de educação, saúde, previdência social,
transporte coletivo etc. foram nacionalizados no todo ou em parte, tornando-se acessíveis a todos e
caracterizando-se como uma forma de salário social, ou indireto, aos cidadãos.
Ao mesmo tempo em que o Estado assumia, sob inspiração socialdemocrata, esses papéis
distributivos, exercia também uma função vital para o bom funcionamento da economia, ao executar
as políticas anti-cíclicas, tal qual propostas por Keynes. Defendia Keynes que usando das políticas
fiscal (através da fixação do nível dos impostos) e monetária (regulando o montante de papel-moeda
em circulação) poderia o Estado evitar os piores extremos das variações dos ciclos de crescimento e
recessão que se alternavam nas economias capitalistas. Um crescimento muito acelerado, o qual
geralmente pressiona os índices de inflação, poderia ser contido com taxas de juros e impostos mais
altos; inversamente, o crescimento insuficiente para a geração de empregos, poderia ser estimulado
com taxas de juros e impostos mais baixos.
O resultado final dessas transformações foi a constituição de uma espécie de pacto social entre o
Estado, a empresa e o sindicato. Caberia ao Estado promover políticas que garantissem um crescimento
estável e continuado, tanto através das políticas anti-cíclicas, quanto através da manutenção do
Estado do bem-estar social e a correspondente distribuição de renda. Às empresas, caberia sustentar
o investimento na produção em massa, gerando ao mesmo tempo empregos e mantendo a renda da
Capitalismo: suas crises e superações 75

classe trabalhadora, como condição da sustentação do consumo de massa. Dos sindicatos, finalmente,
era esperado que renunciassem à ação revolucionária e, em troca da estabilidade no emprego de seus
filiados e eventual participação nos ganhos de produtividade, sustentassem e elevassem a produção e
a distribuição de mercadorias em massa.

O fordismo como projeto de sociedade


O modelo de sociedade concebido por Ford previa abundância de bens de consumo, desde que
estes pudessem ser produzidos em massa e, o que era igualmente importante, consumidos em massa.
Embora jamais tenha perdido de vista a importância do mercado de exportação, Ford entendia que era o
mercado interno que deveria ser o responsável por absorver o essencial do que era produzido em série.
No limite, os operários deveriam ser capazes de comprar o que produziam, daí o interesse das fábricas em
produzir o mais rápido e barato possível e garantir um mínimo de remuneração aos seus funcionários.
A imposição do salário-mínimo e do descanso remunerado enquanto política pública permitiu
finalmente a concretização desses ideais, embora deixasse diversos problemas ainda sem solução. Por
exemplo: considerável esforço psicológico deveria ser exercido sobre os trabalhadores para que eles
dedicassem seu tempo livre e renda disponível para destinar seu dinheiro para o consumo dos bens
produzidos em massa, e não para serem dissipados em estabelecimentos de prestação de serviços
tradicionalmente associados à cultura operária como o bar, o cassino ou o prostíbulo.
Quando estas objeções puderam ser superadas, finalmente se logrou um tipo de sociedade de
consumo de massa, cuja característica mais notável no que diz respeito à estética, é o caráter dominante do
modernismo. A busca por produtos mais baratos, que pudessem ser fabricados mais rapidamente, acabou
por impor uma extrema simplificação e padronização, características centrais da estética modernista. No
que dizia respeito ao ramo de atividade de Ford, isso levou durante anos à fabricação de um mesmo
tipo de automóvel, simples, despojado e “standarizado”, isto é, fabricado sempre da mesma forma, com
pouca ou nenhuma consideração pelo gosto do consumidor. A invariabilidade da forma e aparência dos
produtos fabricados em massa chegava ao extremo de não se prever cores diferentes. O próprio Ford
teria dito que o consumidor poderia comprar carros da cor que quisesse, desde que fosse preta.
De forma equivalente, esta estética foi aplicada à cidades em processo acelerado de expansão
(ou reconstrução, como foi no caso da Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial) resultando na
arquitetura e no urbanismo modernos. Imposições relacionadas com o déficit habitacional demandavam
a produção, o mais rápido e barato possível, de grande número de unidades habitacionais. Essas,
geralmente destinadas a um público de baixa renda, acabavam por assumir todas a mesma forma.
Fachadas simples, sem símbolos ou elementos de decoração, prédios feitos exclusivamente com
ângulos retos, extrema economia na execução dos interiores, simplicidade de produção etc. levaram à
construção-relâmpago de conjuntos habitacionais, numa base de produção totalmente fordista.
Ao par com esta arquitetura, surgiu um urbanismo modernista o qual visava simplificar ao
máximo a gestão dos problemas urbanos, dos quais um dos mais urgentes era oferecer soluções para a
circulação dos automóveis particulares – logicamente já então produzidos também em massa. Surgem
aí os projetos urbanísticos dominados por numerosas e enormes pistas expressas, destinadas a absorver
o fluxo crescente de veículos automotores, em detrimento dos espaços e vias destinadas aos pedestres.
A necessidade de garantir o fluxo do processo produtivo levou à criação de espaços especializados em
76 História Contemporânea

determinadas funções urbanas. Ganha novo fôlego o zoneamento funcional, segundo o qual para cada
região da cidade haverá usos possíveis, permitidos ou proibidos. As cidades foram a partir daí divididas
em zonas residenciais, industriais, comerciais e administrativas que tanto revelavam quanto impunham
uma vocação potencial de cada uma delas.

As tensões e contradições do fordismo e do welfare state


Os esforços combinados do fordismo, do keynesianismo e do welfare state foram em boa medida
responsáveis pelo mais longo e sustentado período de crescimento da história do capitalismo. De fato,
entre 1945 e 1975, os países avançados do mundo ocidental viveram tamanha fase de prosperidade
e bem-estar que muitos se referem a este período como “os trinta anos gloriosos”. Contudo, várias
tendências conspiravam para abalar os fundamentos do pacto social fordista, fazendo com que por
volta do final deste período, as mesmas tensões, conflitos e contradições que ele combatia, retornassem
com intensidade ainda maior.
Os problemas começaram quando voltou a se manifestar a queda da demanda, explicitada na
saturação dos mercados internos das nações mais desenvolvidas. Dez anos depois do fim da Segunda
Guerra Mundial, o esforço de reconstrução da Europa estava encerrado, como também já estava concluído
o abastecimento dos mercados internos daqueles países da maior parte dos bens de consumo duráveis,
como automóveis, aparelhos de TV etc. Conseqüentemente, para essas nações, entre as quais também
devemos incluir o Japão, já recuperado do conflito, a busca de mercados externos para absorver seus
excedentes tinha de começar imediatamente. À medida que mais e mais produtores rivalizavam entre
si no mercado mundial, ia caindo o preço de seus produtos e, conseqüentemente, sua margem de lucro.
O problema foi agravado pela industrialização de uma série de países periféricos na América Latina e na
Ásia. No mínimo, isso ajudou a derrubar a demanda pelos produtos industrializados numa base fordista
de produção. No limite, levou ao surgimento de novos rivais no mercado mundial, para toda uma série de
produtos, como foi o caso da Coréia, Brasil etc.
Com a demanda cada vez menor, os lucros também diminuíam cada vez mais, levando o Estado
a reduzir progressivamente o volume de arrecadação de impostos. Com menos recursos arrecadados,
começaram a surgir dificuldades para manter as políticas anti-cíclicas e o próprio Estado do bem-
estar social. Uma tentativa por parte do Estado de superar tanto a queda da demanda interna quanto
a redução no volume de impostos arrecadados foi a colocação de mais papel-moeda em circulação.
A fabricação de mais dinheiro permitia ao Estado aumentar seu consumo da produção interna (por
exemplo, com o Programa Espacial norte americano, a Guerra do Vietnã, a “guerra contra a pobreza” etc.)
e compensar o declínio na arrecadação de impostos, mas ao custo de provocar uma inflação de preços
cada vez maior.
Como resposta a estas questões, um número substancial de empresas dos países desenvolvidos
começou a transferir seu processo produtivo para países da periferia, onde inexistia ou era pouco
respeitado o pacto fordista. De fato, as filiais das empresas multinacionais preferiam instalar unidades
em países como Brasil e Filipinas porque ali os níveis salariais eram muito mais baixos, livrando-se desta
forma dos onerosos acordos coletivos de trabalho firmado com os sindicatos no país-sede. Reforçavam
desta maneira a tendência à queda de lucros nos seus países de origem, pela concorrência que lhes
faziam a partir das nações em processo de industrialização.
Capitalismo: suas crises e superações 77

Tudo isso levou os países centrais do capitalismo a índices de crescimento cada vez menores, déficit
público crescente, inflação em alta, enfim, todos fatores de declínio da eficácia do pacto social fordista
em garantir a estabilidade e crescimento econômico. Por volta de 1965, estes problemas já estarão se
manifestando de forma incontornável, compondo uma crise geral do sistema diante da impossibilidade
de serem revistos os compromissos assumidos com os sindicatos (através da manutenção dos
empregos relativamente privilegiados do fordismo), e com a sociedade civil (manutenção das políticas
redistributivas do Estado de bem-estar social) o que levará à uma onda de greves operárias, protestos
estudantis e populares que se tornarão típicos do fim dos anos 1960.

Os excluídos do sistema e suas manifestações


O fordismo e o keynesianismo foram capazes de promover uma expansão fenomenal do mercado
de bens de consumo. Ao longo da sua vigência, crescentes massas populares se tornaram capazes de
consumir as mercadorias produzidas em massa. Automóveis, eletrodomésticos, vestuário, calçados etc.
se tornaram, enfim, bens de uso corrente para a maior parte da população.
Em geral, os acordos entre as grandes empresas monopolistas e os sindicatos de trabalhadores
nunca abarcaram uma maioria dos membros da classe operária, ou dos candidatos a ela pertencerem.
De fato, a maior parte dos filiados aos sindicatos era composta de membros masculinos e de cor branca.
Em princípio, mulheres e negros não eram aceitos como filiados aos sindicatos de forma que o trabalho
relativamente privilegiado, o qual previa estabilidade no emprego e participação nos ganhos de
produtividade, resultado do pacto social fordista, atingia uma minoria de trabalhadores.
Isso explica a força que ganhou na década de 1960, nos EUA, o Movimento Feminista e o Movimento
dos Direitos Civis dos negros. Ao longo da década, estes dois setores excluídos do pacto social fordista
vão sucessivamente promover greves, passeatas e manifestações de massa, nas quais eram reivindicadas
o mesmo tratamento – e nível salarial – de que já gozavam os integrantes dos grandes sindicatos. No
caso dos negros, também os direitos políticos eram reivindicados, uma vez que em vários estados da
federação norte-americana eles não dispunham dos mesmos direitos de uso do espaço e dos serviços
públicos que os outros cidadãos. De fato, em particular nos estados do sul, restaurantes, lanchonetes,
banheiros, ônibus e cinemas eram rigidamente segregados, estabelecendo-se direitos de uso destes
equipamentos em função da cor da pele do usuário (se branco ou “não-branco”). Adicionalmente, o fato
das juntas eleitorais serem manipuladas pelos interessados na segregação racial, significava que apenas
uma minoria de negros conseguia se alistar como eleitor. Então, também a busca do direito do voto
entre os negros aparecia como manifestação da exclusão deles do pacto social vigente.
Finalmente, a rejeição ao fordismo enquanto padronização tanto estética quanto do estilo de vida,
também se verificou na segunda metade dos anos 1960. Estilos alternativos de vida, em boa medida
baseados em orientações religiosas não-ocidentais, recusavam o consumismo e/ou a padronização
dos bens de consumo, pregando um estilo de vida frugal, distante das implicações nocivas ao meio-
ambiente e à saúde individual. O caso mais vivível que exemplifica essas reações contrárias às imposições
estéticas do fordismo certamente foi o movimento hippie. Para os hippies, as formas de se vestir, calçar
e cortar (ou não) os cabelos, deveriam ser entendidas como resultado de opções derivadas da liberdade
de escolha pessoal, ser afirmação da individualidade de cada um, e não resultado de padrões aceitos
como “normais”, “socialmente aceitáveis” ou, pior ainda, de imposições da “última moda”.
78 História Contemporânea

O declínio e crise do fordismo e do keynesianismo


No início dos anos 1970, os países desenvolvidos viviam a assim chamada “estagflação”: uma
combinação de índices de crescimento cada vez menores com taxas crescentes de inflação. Sucessivas
tentativas foram feitas, e isso por governos de diversas inclinações ideológicas, no sentido de se conter
a crise. Por um lado, tentava-se reduzir os benefícios trabalhistas a fim de diminuir custos e aumentar
a lucratividade das empresas, base da arrecadação da maior parte dos impostos. Por outro, se buscava
uma redução do gasto social, a fim de conter o déficit público, reduzir a emissão de papel- moeda e
baixar a inflação. Nenhuma dessas políticas deixou de enfrentar intensos e geralmente bem sucedidos
protestos trabalhistas e populares.
Da parte das empresas, às voltas com a concorrência cada vez maior de produtores por todo
mundo em desenvolvimento, um outro objetivo era mudar o foco da produção em massa voltada
para atender um público homogêneo e indiferenciado para uma produção de escopo, destinada a
atender nichos específicos de mercado que ainda não estivessem saturados. Isso implicava em menos
compromissos com investimentos caros e de longo tempo de maturação, como até então era norma
na produção em massa vigente no fordismo. Também as empresas buscavam cada vez mais se evadir
dos comprometimentos com os acordos coletivos de trabalho que haviam firmado com os grandes
sindicatos. Para tanto, apelavam para a terceirização e sub-contratação e, eventualmente, para a mão-
de-obra empregada de maneira informal, a qual não era reconhecida pelo pacto social fordista.
Enquanto a economia crescia – embora cada vez menos – e o Estado podia bancar amplamente
a seguridade social no qual o seguro-desemprego ocupava lugar essencial, a correlação de forças
favoreceu os movimentos trabalhistas e populares na manutenção do essencial das políticas do Estado
do bem-estar-social e do próprio pacto social fordista. Será necessária uma recessão em escala mundial,
como aquela detonada pelo Choque do Petróleo, em 1973, o qual encareceu substancialmente o
preço do produto, para inverter essa correlação. A partir da disseminação da crise por todo mundo,
assiste-se à explosão do desemprego, tornada para muitos permanente, o que enfraquece de forma
decisiva o poder da classe operária. Será somente num quadro de recessão econômica que os patrões
conseguirão, através do recurso ao crescente exército industrial de reserva, impor seus termos aos
trabalhadores e levar a uma revisão dos compromissos que haviam assumido na origem do pacto
social fordista.

Atividades
1. Estabeleça a relação entre as políticas fiscal e monetária e o nível de crescimento econômico.
Capitalismo: suas crises e superações 79

2. Pesquise e compare as diferentes trajetórias das indústrias de automóveis Ford (EUA) e Rolls
Royce (GB).

3. Interprete a relação entre a taxa de crescimento econômico e o poder de barganha da classe


operária.

Dicas de estudo
No Brasil do início dos anos 1990, no decorrer de uma intensa e sem precedentes transformação
nos processos produtivos decorrentes da abertura do mercado interno à concorrência estrangeira,
retomou-se a idéia de um pacto social envolvendo os sindicatos, as empresas e o Estado. Estabeleça
um paralelo entre essa experiência histórica e o fordismo-keynesianismo a partir da leitura do seguinte
texto:
Câmaras Setoriais: histórico e acordos firmados – 1991/95, de Patrícia Anderson
Editora IPEA, 1999. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=4293>. Acesso em: 24 maio 2007.
Neoliberalismo, globalização
e mundialização do capital
no final do século XX
O choque do petróleo e suas implicações
Boa parte do extraordinário crescimento experimentado pela economia mundial nos trinta anos
que se seguem ao fim da Segunda Guerra Mundial foi propiciado pelo baixíssimo custo da principal
matriz energética aplicada aos transportes, os combustíveis fósseis. O mercado mundial de petróleo
era dominado quase que totalmente por sete grandes empresas multinacionais (as “Sete Irmãs”), as
quais se esforçavam em manter o mais baixo possível, o preço do barril de petróleo. Agindo assim,
realizavam seus lucros não numa margem alta entre custo e preço de venda, mas sim no enorme volume
de produtos vendidos. Desta forma, estimulavam a demanda pelos derivados de petróleo, ao mesmo
tempo em que levantavam uma intransponível barreira de entrada nesse ramo de atividade, impedindo
que outras empresas viessem com elas disputar os clientes.
Em 1973, eclode a Guerra do Yom Kippur, opondo Israel ao Egito e Síria. O objetivo destes
países árabes era retomar as terras perdidas para Israel na Guerra dos Seis Dias, ocorrida em 1967. Em
represália ao apoio dos países ocidentais a Israel, os produtores árabes reunidos na Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidem pela brusca e substancial majoração dos preços do
barril de petróleo. Rapidamente, os preços do barril são quadruplicados e, logo em seguida, novamente
quadruplicados, levando ao encarecimento da principal matriz energética dos países ocidentais, em
especial no que se refere aos transportes.
Diversas conseqüências advieram desse choque do petróleo (oil schok). Em primeiro lugar,
levou à necessidade dos países industrializados reduzirem a importação de petróleo, uma vez que eram
incapazes de manter o consumo nos níveis anteriores à luz do preço, agora muito maior, do produto.
Essa redução acabou por levar também a restrições na produção e no consumo de todos os outros
82 História Contemporânea

insumos necessários à economia. Também fez com que as empresas cortassem custos de produção, a
fim de gerar mais recursos para importar o petróleo. Tudo isso, somado à existência precedente de taxas
cada vez menores de crescimento econômico, levou à instauração de uma recessão em escala mundial,
já em 1975. A eclosão desta recessão levou à restringir ainda mais o consumo de petróleo e derivados,
bem como deu início a uma série de iniciativas visando substituir o uso de combustíveis fósseis e colocar
em operação fontes alternativas de energia.
Ao mesmo tempo em que o mundo capitalista entrava em recessão, os países produtores de
petróleo se enriqueciam – inclusive a URSS, que usa dos recursos obtidos com a exportação de petróleo
para pagar pelas suas crescentes importações de produtos agrícolas. O súbito enriquecimento das nações
exportadoras de petróleo teve outra conseqüência importante: carreou somas fantásticas de recursos
(“petrodólares”) sob a forma de depósitos para os bancos de países desenvolvidos. Ocorre então o assim
chamado “excesso de liquidez” dos bancos internacionais, ou seja, um enorme volume de recursos que os
bancos terão dificuldade de aplicar de forma rentável, do seu interesse e dos seus correntistas.
Com a economia mundial entrando em recessão, puxada pela queda da atividade produtiva
nos países mais desenvolvidos, parecia não haver interessados na captação dos enormes recursos
depositados nos grandes bancos internacionais. Contudo, não foi o que acabou acontecendo. Uma
série de países em desenvolvimento, enfrentando dificuldades para manter o ritmo de crescimento das
suas economias, resolveu tomar emprestados esses petrodólares, a taxas de juros que naquela época
eram realmente baixas. Foi enorme e vultoso o processo de endividamento de países da América Latina
(Brasil, México, Argentina etc.) e da Europa Oriental (Polônia, Hungria etc.). Esse processo foi estimulado
pela atitude dos bancos que, cobrando juros muito baixos e sendo extremamente condescendentes –
para dizer o mínimo – na análise dos pedidos dos empréstimos liberaram vastas somas que irão ampliar
substancialmente o nível de endividamento desses países.
Finalmente, o enorme volume adicional de recursos oriundos do petróleo depositados no sistema
financeiro internacional deu nova dimensão e importância a este ramo de atividade. Com base nas recentes
tecnologias de informação (satélites, telex etc.) novas e mais lucrativas formas de especulação financeira
foram buscadas ou criadas, formando um novo e gigantesco mercado mundial de aplicações financeiras,
cuja importância desde então só vem aumentando com o passar do tempo.

A nova sociedade capitalista: a “acumulação flexível”


A prolongada recessão que se abateu sobre o mundo capitalista a partir do choque do petróleo
teve importantes conseqüências para o pacto social implícito nas práticas fordistas e keynesianas.
As oportunidades para se cortar custos de produção, aumentar a produtividade e lucratividade das
empresas capitalistas e, conseqüentemente, de se rever as concessões feitas à classe operária dentro do
fordismo-keynesianismo foram decisivamente ampliadas pela instauração e permanência da recessão
econômica. Dispondo de um exército industrial de reserva cada vez maior e, coagidos pela concorrência
crescente, os patrões levaram a cabo todo um esforço de cortes de salários e benefícios anteriormente
concedidos aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que realizavam novas e profundas modificações
nos processos e métodos de produção.
Um objetivo importante a ser atingido dizia respeito ao combate ao que era considerado a
excessiva “rigidez” dos compromissos assumidos pelos patrões na vigência do fordismo-keynesianismo.
Neoliberalismo, globalização e mundialização do capital no final do século XX 83

A produção em massa, demandando extensas linhas de produção e volumosos estoques de matérias-


primas, requeria investimentos consideráveis e de longo prazo de resgate para realizar lucros. Numa
época marcada pela saturação dos mercados, tais lucros se tornavam cada vez menos prováveis de
serem obtidos. Ao mesmo tempo, os contratos coletivos que previam estabilidade no emprego e o
repasse de parte dos ganhos de produtividade deixavam os produtores de países desenvolvidos em
desvantagem face à concorrência movida pelos novos países em processo de industrialização, onde tais
acordos inexistiam ou eram desrespeitados. A possibilidade de se dispensar mão-de-obra e/ou reduzir
salários em tempos de lucros declinantes era outra meta a ser atingida.
Dessa forma, a “flexiblização” dos processos produtivos e dos contratos de trabalho ganham enorme
impulso nessa época, levando à uma considerável transformação em relação às práticas fordistas-keynesianas
até então vigentes. Novas tecnologias de transporte e comunicação, simultaneamente a uma integração cada
vez maior do mercado mundial, levou ao progressivo abandono da produção em massa tal qual praticada e
ao desenvolvimento da produção “enxuta” (lean production) ou “flexível”. Surge o conceito da produção just in
time, ou seja, na hora mesma em que surgem as encomendas. A possibilidade de se terceirizar a contratação da
produção de componentes ou mesmo todo o processo de montagem de produtos dispensava a construção
de dispendiosas linhas de montagem, cujo retorno financeiro era demorado e incerto. Ao mesmo tempo,
diminuía-se a necessidade de manutenção de grandes estoques de matérias-primas ou componentes já
prontos, levando a uma maior margem de lucro e a uma certeza maior da sua realização. Finalmente, a adoção
do controle de qualidade em todas as etapas do processo produtivo – ao invés de apenas na sua etapa final
– permitia um controle maior sobre a mão-de-obra, redução dos desperdícios durante a fabricação e dos e
prejuízos derivados da devolução de mercadorias defeituosas já vendidas.
Tudo isso levou a enormes transformações nas relações de trabalho. Foram drasticamente reduzidas
as oportunidades de obtenção de emprego estável e bem remunerado, os quais se restringiam apenas
ao pessoal absolutamente indispensável às empresas. Todos os demais cargos foram terceirizados,
numa base de subcontratação de mão-de-obra, nem sempre feita dentro do que previa a legislação.
Também se verificou uma enorme expansão dos empregos temporários, de tempo parcial, os quais
contavam com poucos ou nenhum dos antigos direitos trabalhistas.

O “Estado mínimo”
Ao mesmo tempo em que o processo produtivo e o mundo do trabalho passavam por um intensa
flexibilização, cresciam as pressões por parte dos empresários para o abandono das políticas relativas
ao Estado do bem-estar social e em prol da privatização das empresas de propriedade pública. Com o
abandono – ou, caso não fosse possível, redução – dos gastos públicos com as políticas sociais visava-se
viabilizar a redução dos impostos. De fato, quanto mais amplas as políticas sociais, maior seria a carga
tributária.
Com a redução dos gastos públicos desejava-se reduzir os impostos e abrir novas oportunidades
de investimento, uma vez que a privatização dos serviços e empresas públicas abriria novos mercados a
serem explorados na área da saúde, previdência social, educação etc. O mesmo se contava fazer com as
empresas estatais, operando numa base monopolista toda uma série de setores produtivos (transportes,
comunicações etc.) que se esperava pudessem ser privatizadas. Dessa forma, novas oportunidades de
lucro surgiriam, ao mesmo tempo em que se reduziriam os impostos.
84 História Contemporânea

Essas tendências seguiam em boa medida a proposta da doutrina liberal que pregava uma
drástica redução do tamanho do Estado, entendido como excessivo além de responsável, através da
cobrança de impostos elevados, pela perda de competitividade da economia nacional. Os liberais –
também denominados nesta fase de neoliberais – defendiam que o Estado deveria se ocupar no
máximo de algumas poucas funções consideradas típicas do poder público, como a defesa externa,
relações internacionais, justiça, segurança etc. deixando que todas outras atividades fossem realizadas
pela atividade privada, com base nas leis de mercado. Dessa forma, alegavam que seria possível se
lograr a redução dos impostos e a melhoria dos serviços públicos, os quais atenderiam ao consumidor
numa base concorrencial, na qual prevaleceriam as leis da oferta e da procura.
Tal era o projeto do “Estado mínimo” que de um ponto de vista teórico deu sustentação tanto à uma
substancial redução do Estado do bem-estar social, quanto ao prolongado processo de privatização de
empresas estatais. Esse processo foi intenso tanto nos países centrais quanto periféricos do capitalismo.
Simultaneamente, defendia-se o abandono das políticas anticíclicas1 desenvolvidas pelo poder público e
um maior respeito pelas leis de mercado, entendidas com as únicas capazes de impor a busca permanente
do aperfeiçoamento do processo produtivo e a manutenção da competitividade da economia nacional.
Na prática, mesmo com a emergência de sucessivos governos de inspiração neoliberal tanto
na Europa (a partir de Margareth Tatcher na Grã-Bretanha) quanto nos EUA (Reagan-Bush), o Estado
continuou sendo um agente de regulação da economia indispensável. Apesar de duramente criticados,
os métodos keynesianistas jamais foram totalmente abandonados, sendo o investimento público –
inclusive os que provocam o déficit das contas públicas e/ou inflação – uma forma estratégica de se
sustentar o crescimento econômico. Mais ainda, em que pese a fé dos liberais nas leis de mercado, a
intervenção do Estado foi fundamental para se manter a estabilidade econômica, mesmo em setores
tidos como concorrenciais e muito competitivos, como os bancos. De fato, em vista do vultoso e
pouco seguro volume de endividamento de países e empresas, o Estado teve que intervir sucessiva e
agressivamente no mercado financeiro, a fim de conter ou minimizar crises potencialmente ruinosas
para o conjunto da economia. Finalmente, a resistência dos movimentos populares e de trabalhadores
conseguiu impedir que as políticas do Estado do bem-estar-social desaparecesse e, em alguns casos
nacionais, que sequer fossem reduzidas de forma substancial.

O neoliberalismo e suas bases sociais e culturais de apoio


A doutrina neoliberal jamais teria tido tamanha aceitação se ela tivesse inspirado práticas que
beneficiassem apenas os empresários. Embora estes tenham de fato aumentado seu poder sobre a
classe operária e logrado realizar maiores margens de lucro, percebe-se que, pelo menos nos países
desenvolvidos, diversos outros setores sociais se beneficiaram, em algum grau, da redução do tamanho
do Estado e da flexibilização dos processos produtivos e das relações de trabalho.
A redução de impostos, derivada do abandono de várias políticas públicas e/ou da privatização
de empresas estatais ineficientes e deficitárias, e a simultânea redução da inflação permitiu que
uma soma maior de recursos permanecesse em mãos dos cidadãos e das empresas, obtendo alguns
efeitos positivos na ampliação do consumo e, conseqüentemente, da produção e do emprego. A

1 Uso das políticas fiscal (através da fixação do nível dos impostos) e monetária (regulando o montante de papel-moeda em circulação) para o
Estado evitar os piores extremos das variações dos ciclos de crescimento e recessão que se alternavam nas economias capitalistas.
Neoliberalismo, globalização e mundialização do capital no final do século XX 85

flexibilização dos processos produtivos, por outro lado, ampliou enormemente o mercado de
contratação de indivíduos e empresas terceirizadas. Deste grupo é que saíram os assim chamados
“novos emergentes”, isto é, pessoas que de fato se beneficiaram com o declínio dos métodos fordistas
e, em função disso, conseguiram ampliar suas oportunidades de geração de renda. A eles se unem
toda uma série de indivíduos que ingressaram nos inéditos ramos de negócio propiciados pela adoção
de novas tecnologias de comunicação e produção.
Outro fenômeno estreitamente ligado a esta tendência é a disseminação da ideologia do empre-
endedorismo, isto é, o conjunto de valores e símbolos associados à busca do êxito não mais a partir de
um emprego ou carreira estável, mas pela criação de um negócio próprio. Os indivíduos que obtiveram
êxito em seu próprio negócio são naturalmente receptivos à retórica liberal. Para eles, a regulamentação
da economia por parte dos poderes públicos não só é dispensável, mas também geradora de ineficiên-
cias e distorções. Sendo eles próprios dependentes da pessoa jurídica em que consistem suas empresas,
não admitem nem nutrem simpatia por quaisquer outras formas de regulamentação dos negócios do
que aquelas que contratantes e contratados estabelecem entre si.

O fim do socialismo, o desenvolvimento das


comunicações e a era da globalização
Entre 1989 e 1992 chegaram ao fim os regimes socialistas na antiga URSS e por toda Europa
Central e Oriental. Desde então, essas vastas áreas e suas substanciais populações passaram a integrar o
mercado mundial, em bases propriamente capitalistas. Ao mesmo tempo, a China – embora ainda sob
domínio político indisputável do Partido Comunista – deu início a uma série de reformas econômicas
que, na prática, abriram o país para o investimento do capital privado estrangeiro e a criação de uma
economia de mercado em larga escala.
Simultaneamente, o desenvolvimento e a disseminação de novas tecnologias de comunicação e
transporte permitiam o acesso seguro e rápido dos investidores a qualquer um dos mercados nacionais.
A expressão mais visível do processo foi a disseminação da telefonia (fixa e móvel) baseada em
transmissão por satélites e a rede mundial de computadores (internet) as quais propiciaram aos usuários
um nível de intensidade e facilidade de acesso às informações sem precedentes na história. Além disso,
a hegemonia cultural dos EUA sobre o resto do mundo ajudou a reforçar o uso do termo, uma vez que
associava a globalização à adoção “espontânea” por parte do mundo dos valores e símbolos típicos do
capitalismo norte-americano, como a ênfase no consumismo, a glorificação do êxito pessoal etc.
Dessa forma, praticamente todas as áreas economicamente produtivas do planeta ficaram abertas ao
investimento e exploração econômica com base nas relações capitalistas de produção, viabilizadas pelas novas
tecnologias de comunicação. Com todo globo aberto ao capitalismo ou subordinado a ele, fosse econômica,
fosse culturalmente, fazia sentido se falar em “globalização”, palavra que entrou de forma permanente no
vocabulário político e econômico do final do século XX. Para além do modismo associado à palavra, deve-
se levar em conta a componente ideológica do termo. Globalização remete a um processo de integração
em escala global que, historicamente, começou no século XV com as grandes navegações e, só pôde ser
concluído inteiramente com o colapso das relações socialistas de produção. É de se notar que o termo em si
não tem nenhuma conotação política ou econômica explícita e tampouco remete às contradições inerentes
86 História Contemporânea

ao capitalismo e nem aos conflitos que essa integração tem provocado. Daí a aceitação do termo e recorrência
com que é usado, em especial por indivíduos e empresas que se beneficiam da era da globalização.

Atividades
1. Analise o impacto que as oscilações do preço do petróleo exercem sobre a história da economia
mundial, passada e atual.

2. Estabeleça uma comparação entre as concepções de diferentes governos, socialdemocrata e


neoliberal, no que se refere ao Estado.

3. Discuta a originalidade do termo “globalização” para se referir à conjuntura do fim do século XX.

Dicas de estudo
Nas transformações do papel social da empresa, suas relações com a comunidade e com a classe
operária, os gerentes e diretores tiveram um papel fundamental. Recomenda-se fortemente a leitura de
duas obras sobre o tema que se constituem em referências fundamentais sobre estes agentes históricos.
O livro de Anthony Sampson, O Homem da Companhia, e a obra de Michael Useem, The Inner Circle. Ao
fim dessas leituras o estudante poderá entender, por meio de casos de pequena quanto de larga escala,
de que forma tais agentes moldaram a época da globalização.
Terrorismo, guerras
e conflitos
Historicidade do terrorismo
Na época contemporânea, o significado original do termo terror parece remontar à Revolução
Francesa. No período conhecido como o do Terror Jacobino ou, simplesmente, Terror, os direitos civis
foram suspensos e as execuções públicas e sumárias dos inimigos da revolução – ou suspeitos de o
serem – somaram dezenas de milhares de vítimas. A idéia central era que, aterrorizando-se os opositores
do novo regime e seus simpatizantes, seria possível a salvação do processo revolucionário ameaçado
tanto internamente (por uma contra-revolução de base rural) quanto externamente (pela invasão das
outras potências européias).
O vínculo com o desencadeamento do terror com fins políticos é particularmente notável nos
extremos do espectro político ao longo do século XX: esquerda e direita. Indivíduos identificados com
o comunismo ou anarquismo sistematicamente apelaram para atos de terror, como assassinatos e
atentados, no intuito de desestabilizar e desmoralizar a ordem burguesa. Os violentos golpes de Estado,
geralmente sob autoridade militar, que ocorreram por toda América Latina, por exemplo, também são
exemplos de uso do terror para intimidação dos críticos e opositores do regime político vigente.
Outra conjuntura onde o termo é empregado é a da Segunda Guerra Mundial. A campanha de
bombardeio aéreo indiscriminado e de larga escala movida pelos anglo-americanos tanto contra cidades
alemãs quanto japonesas se assumia como terrorista. O objetivo declarado era, através da destruição
das edificações e da propagação do pânico, “desalojar” a população civil e, aterrorizando-a, destruir-
lhe a vontade de continuar com a guerra. A aplicação desta tática resultou em mais de um milhão de
vítimas e milhões de desabrigados.
Em tempos mais recentes, o termo tem sido usado para designar os atos atribuídos não mais a
governos ou nações, mas a organizações empenhadas em recriar esse tipo de terror no intuito de alterar
88 História Contemporânea

a ordem estabelecida, seja interna (como o IRA, o ETA, o Exército Simbionês de Libertação, Facção do
Exército Vermelho, Brigadas Vermelhas etc.) seja externamente (como a OLP, Al Qaeda etc.). Enfim, em
qualquer cenário percebe-se que terrorismo designa o desencadeamento do terror com fins políticos,
tanto por parte dos indivíduos, quanto organizações ou Estados Nacionais.

A questão palestina e o terrorismo


A forma como foi criado um Estado judeu na Palestina, em 1947, foi responsável pela instauração
de um conflito que, decorridos já sessenta anos, não só se apresenta como sem solução, como também
é o principal foco das tensões internacionais. Os antecedentes da criação do Estado de Israel remontam
ao final do século XIX, com a aparição de um movimento que lutava pela instauração de uma nação
para os judeus, considerados na maior parte do mundo como apátridas. Reivindicando o retorno dos
judeus ao seu lar ancestral de onde teriam sido expulsos há cerca de dois mil anos, o Movimento Sionista
defendia a criação do Estado de Israel na Palestina. A Palestina se tornou parte do Império Britânico em
1918. Pouco antes, em 1917, através da Declaração Balfour, a Grã-Bretanha se comprometeu com a
criação de um “lar nacional” para o povo judeu na Palestina.
Pretendendo apressar a criação desta nova unidade nacional, o Movimento Sionista promovia
a entrada de colonos judeus na Palestina. Foi criada então uma Organização Sionista Mundial. Ao
fim da Segunda Guerra Mundial, sob o impacto da revelação ao mundo do genocídio dos judeus
durante o regime nazista, aumentam as pressões para que seja criado um lar nacional para os judeus
ali. Simultaneamente à entrada maciça de imigrantes judeus, principalmente oriundos da Europa
anteriormente ocupada pelos nazistas, eram promovidos atos de terrorismo contra as autoridades
britânicas e as populações rurais de origem árabe. As organizações responsáveis por tais atos
denominavam-se Irgun e Stern. Eram compostas de extremistas sionistas que visavam tanto precipitar
o encerramento da administração britânica quanto provocar o êxodo dos palestinos de origem árabe.
Mais ainda, ficou famoso o atentado de terroristas judeus que matou o comissário da ONU para os
refugiados palestinos, o sueco Folke Bernardotte, em 1948.
A subseqüente Guerra de Independência de Israel ampliou ainda mais os recursos às ações
terroristas, inclusive porque as organizações Irgun e Stern foram incorporadas ao novo Exército
Nacional Israelense. Subseqüentemente, a partir da recolonização da Palestina por imigrantes judeus,
foram estes que passaram à condição de vítimas do terrorismo, através do lançamento de disparos de
foguetes e morteiros dos países árabes vizinhos, além de emboscadas nas estradas rurais, por parte das
organizações terroristas de origem palestina.
A mais antiga organização terrorista árabe é a Al Fatah criada em 1959 e que visava, a nada menos,
do que a destruição do Estado de Israel e subsequente formação de um Estado Palestino. Em 1964, foi
criada a OLP (Organização pela Libertação da Palestina) que em 1969 passou a ser dirigida pelo líder da
Al Fatah, Yasser Arafat. A unificação destas organizações não alterou em nada a disposição de se apelar
ao terrorismo como estratégia política visando forçar a criação de uma nação Palestina.
Em tempos mais recentes, diversas organizações de origem árabe também foram criadas para
atingir com atos de terror alvos em Israel, seus aliados ou países árabes com quem mantém relações
diplomáticas: Egito, EUA, Arábia Saudita. Elas conheceram novo impulso a partir da invasão soviética do
Terrorismo, guerras e conflitos 89

Afeganistão em 1979. Organizações como o Talebã e a Al Qaeda surgiram e se expandiram através do


recrutamento e treinamento de indivíduos para lutar contra a ocupação russa, em boa medida apoiados
por recursos materiais e financeiros dos EUA. Com o fim da ocupação soviética, parte significativa dos
membros destas organizações continuou a se empenhar em atos terroristas, mas desta vez diretamente
ligados à causa Palestina. A freqüência e intensidade desses atos foi tamanha que hoje em dia quando
se menciona terrorismo imediatamente nos vêm à cabeça a imagem do terrorista árabe. Essa atitude,
embora compreensível, não nos pode fazer perder de vista que atualmente não apenas outras
organizações, mas Estados Nacionais também planejam e executam atos de terrorismo.

As guerras árabe-israelenses
Em 1947, as investidas dos grupos terroristas judeus e as correspondentes medidas por parte dos
árabes levou a uma escala dos conflitos na região. Nesse ano, a ONU operou uma partilha da Palestina
que a partir daí ficou dividida em duas áreas: a judaica e a palestina. A partir da retirada britânica realizada
em 1948, é oficialmente proclamado o Estado de Israel, o que imediatamente provoca uma resposta dos
árabes, que recusam reconhecer a nova entidade política.
Em seguida, forças combinadas de países árabes entre os quais se contavam a Síria, Iraque,
Jordânia, Egito e Líbano atacam o Estado de Israel. O conflito se estendeu até janeiro de 1949 e, ao seu
término o Estado de Israel tinha duplicado seu território. Entre as terras recentemente ocupadas se
destacam a Cisjordânia e a faixa de Gaza, originalmente destinadas ao Estado Palestino. A conseqüência
mais importante deste conflito foi o êxodo da população palestina que, a partir daí, na sua maior parte
se exilou nos países árabes limítrofes. Essa é a origem da assim chamada “Questão Palestina”, ou seja, a
luta deste povo por um território e um Estado autônomos.
O conflito seguinte eclodiu em 1956 e foi motivado pelas disputas de fronteira legadas pela
guerra de 1947 e pela nacionalização do Canal de Suez por meio do presidente egípcio Gamal Abdel
Nasser. O resultado foi uma invasão combinada do Egito por efetivos franceses, britânicos e israelenses,
resultando na derrota militar dos egípcios. Houve contudo um importante sucesso diplomático. Graças
às pressões soviética e norte-americana, chegou-se a um acordo que reconhecia a nacionalização do
canal, ao mesmo tempo em que era garantido nele o direito de livre navegação.
Em 1967 eclode novo conflito e, em função da sua rápida duração, se tornou conhecido como a
Guerra dos Seis Dias. Desta vez uma coligação formada por Egito, Síria e Jordânia ameaçava atacar Israel.
Contudo, os israelenses se anteciparam e atacaram primeiro, obtendo notável vitória militar. Dessa
vez, Israel anexou para si a totalidade da cidade internacional de Jerusalém, ocupou toda Cisjordânia,
bem como a Península do Sinai, toda a faixa de Gaza e as colinas de Golan, até então território sírio,
quadruplicando o território israelense original. Novo e importante impulso foi dado ao êxodo palestino
que, uma vez mais, significou a realocação forçada de milhares de pessoas nos países árabes vizinhos.
Sucessivas resoluções da ONU exigiam que Israel procedesse à devolução dos territórios
ilegalmente ocupados em 1967, o que nunca ocorreu. Em 1973 eclode a assim chamada Guerra do Yom
Kippur por ser este o dia em que os judeus comemoravam o Dia do Perdão (ou Yom Kippur) opondo
Egito e Síria à Israel. Apesar da vantagem inicial dos atacantes árabes, o conflito logo chegou a um
impasse, em especial devido ao apoio material e diplomático dos EUA à Israel.
90 História Contemporânea

Foi somente em 1979 que ocorreu alguma aproximação entre Egito e Israel, com os acordos de Camp
David. Pela primeira vez um país árabe assinava um acordo com o Estado de Israel. Não se chegou, contudo,
ao restabelecimento original das fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias como insistia a ONU. Embora
Israel tenha devolvido parte das colinas de Golan à Síria e o deserto do Sinai ao Egito, continuou a
assentar ilegalmente colonos na Cisjordânia e na faixa de Gaza, para não mencionar o anúncio de que a
cidade internacional de Jerusalém passaria à condição de capital exclusiva do Estado de Israel, situação
que se mantém até hoje.
Aos palestinos que ficaram vivendo sob ocupação israelense restou uma dura rotina diária. Viviam
como não-cidadãos e recorrentemente seus bens e propriedades eram expropriados ou destruídos
pelas tropas de ocupação israelenses. Em 1987 estourou a revolta palestina da Intifada nos territórios
ocupados, duramente reprimida por Israel, inclusive com largo recurso a atos terroristas pelos israelenses,
como a demolição de casas de suspeitos de abrigarem militantes palestinos. Em 1993, pelos acordos
firmados em Oslo, Israel e OLP, finalmente se reconheceram diplomaticamente. Foi estabelecido um
plano para a retirada de tropas israelenses das áreas ocupadas e sua subseqüente transferência a uma
nova Autoridade Nacional Palestina. Esse começo promissor foi perturbado pela questão das colônias
judaicas ilegalmente instaladas nos territórios ocupados, sobre as quais não havia consenso na sua
retirada entre as elites israelenses. Em 2000, tem início uma segunda Intifada após a visita considerada
ultrajante do primeiro-ministro de Israel à Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém ocupada. A revolta
se tornou ainda maior dois dias depois quando dezenas de palestinos indefesos foram mortos pelos
israelenses na mesquita de Al Aqsa.
Desde então, o processo de paz no Oriente Médio encontra-se estagnado. O atual terrorismo
árabe se volta tanto para o Estado de Israel quanto para os EUA, uma vez que a política norte-americana
é de apoio permamente e incondicional ao Estado judeu. Para piorar o cenário, em diferentes ocasiões os
israelenses e sírios invadiram e ocuparam o Líbano. Nesse caso, o foco do conflito era o grupo terrorista
islâmico Hezbollah, apoiado por sírios e iranianos que, do sul do Líbano onde se concentravam milhares
de refugiados palestinos, desfechava ataques à Israel. Os israelenses atacavam e ocupavam freqüente e
prolongadamente o sul do país para criar uma zona de segurança contra ataques terroristas; a Síria para
apoiar e manter o Hezbollah.

Os grupos terroristas nos países do Primeiro Mundo


Também nos países avançados da Europa, no Japão e nos EUA emergiram ao longo do século XX
diversos grupos e organizações terroristas. Suas motivações divergiam conforme cada caso nacional. O
Exército Republicano Irlandês, IRA (Irish Republican Army), e o Grupo Separatista Basco Pátria Basca e
Liberdade, conhecido como ETA (Euzkadi Ta Askatasuna), por exemplo, lutavam pela constituição de uma
nação autônoma. No caso do IRA, apelou-se a atos terroristas contra as autoridades britânicas, visando
abalar ou encerrar a manutenção da Irlanda do Sul enquanto colônia da Grã-Bretanha. Ao fim do processo
imaginava-se que toda ilha da Irlanda seria uma nação unificada e independente. De forma semelhante, o
ETA lutava pela autonomia, e mesmo pela separação, de sua província do resto da Espanha.
Também grupos radicais de esquerda mantiveram até tempos recentes fortes compromissos com
o uso do terrorismo no interesse de preparar ou iniciar uma revolução socialista. Nos EUA, ganharam
Terrorismo, guerras e conflitos 91

notoriedade o Exército Simbionês de Libertação (Symbionese Liberation Army) e o grupo Wheatherman


(Metereologista), ambos de orientação marxista e que protagonizaram seqüestros e atentados contra
membros das grandes corporações monopolistas e às próprias instituições. Na Europa atuava de forma
similar na Alemanha, a Facção do Exército Vermelho (Rote Armee Fraktion) também conhecido como
Baader-Meinhof Group (ou Gang), na Itália as Brigadas Vermelhas, entre outros.
Finalmente, um terceiro leque de motivações para atuação de grupos terroristas nos países de
Primeiro Mundo, dizem respeito às relações internacionais. A Revolução Fundamentalista Islâmica
desencadeada no Irã em 1979 deu, sob diversas formas, novo impulso aos grupos terroristas árabes. A
não-solução da Questão Palestina acabou por se somar à ascensão do prestígio do fundamentalismo
islâmico e o surgimento em larga escala de grupos islâmicos que lutavam contra a ocupação soviética
para gerar uma onda de atentados terroristas contra Israel e os EUA, que se mantém desde então. Desses
grupos os mais notórios foram a OLP de Yasser Arafat e a Al Qaeda de Osama Bin Laden.

As guerras no Iraque e Afeganistão


As relações internacionais do final do século XX foram abaladas pela freqüência com que
eclodiam guerras no Oriente Médio. A partir de 1979 aos já muito freqüentes conflitos entre árabes e
judeus se somaram as guerras relacionadas ao Iraque, que envolveram o Irã e os EUA. Desde então, a
região continua a ser o principal foco das tensões internacionais, devido à prolongada e aparentemente
interminável ocupação militar norte-americana daquele país.
O fim da estabilidade na região está associado tanto à Questão Palestina, que se arrasta desde
1948, quanto à Revolução Fundamentalista Islâmica de 1979. Em 1980, eclode a guerra Irã-Iraque
com a invasão iraquiana do Irã. As motivações para o início da guerra se prendem tanto a questões de
fronteira não-resolvidas, quanto à aspiração do governo de Saddam Hussein a se converter em potência
hegemônica na região. A despeito de um sucesso inicial, os iraquianos logo sofreram sucessivas perdas,
ameaçando inclusive virem a ser derrotados. Temendo que o Irã vencesse a guerra, monopolizasse os
fornecimentos de petróleo no Golfo Pérsico e ameaçasse a estabilidade dos países árabes aliados dos
EUA na região, os norte-americanos começaram a apoiar o Iraque. Nem mesmo o uso por parte dos
iraquianos de armas químicas ilegais, tanto na linha de frente como também contra as populações
de curdos rurais no interior do país, abalaram o apoio dos EUA a Saddam Hussein. O conflito acabou
somente em 1988, depois da perda de dezenas de milhares de vidas de ambos os lados, com um cessar-
fogo no qual ambos os lados mantinham suas posições do início do conflito.
O prolongado, custoso e infrutífero conflito com o Irã provocou uma crise no governo de
Saddam Hussein. Visando tanto recuperar internamente seu prestígio quanto minorar suas dificuldades
financeiras, o governo de Saddam promove em agosto de 1990 a invasão do vizinho Kuwait. Alarmados
com a pretensão de Saddam de açambarcar tamanha fatia dos fornecimentos mundiais de petróleo,
os EUA gestionam junto aos seus aliados e à ONU a imposição de sanções econômicas contra o Iraque
e a obtenção de um mandato para forçar a desocupação do Kuwait. Em janeiro de 1991 tem início
as operações militares da coalizão chefiada pelos EUA contra o Iraque que, decorridas algumas horas,
abandona completamente o país invadido, perdendo no processo a maior parte dos recursos materiais
e humanos empregados na ocupação.
92 História Contemporânea

Para precipitar o fim do regime de Saddam, os EUA conclamam a minoria curda a se insurgir
contra o governo. Contudo, os EUA não levam até o fim seu propósito de destruição do regime de
Saddam, por perceber sua utilidade na contenção da minoria xiita dentro do Iraque, tradicionais aliados
dos fundamentalistas islâmicos. A preservação do governo de Saddam e de um número limitado
de efetivos e armamentos por parte de suas tropas foi mais do que suficiente para o esmagamento
da rebelião curda, originalmente insuflada pelos EUA. O resultado foi a fuga em massa dos curdos
para a vizinha Turquia que, tanto se converteu num enorme drama humano quanto perturbou
significativamente as relações dos EUA com aquele país.
Após os célebres atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, tem início a “guerra contra o
terror” desencadeada pela administração norte-americana. Os alvos foram países acusados de manter e
de apoiar as organizações terroristas consideradas responsáveis pelos ataques: o Afeganistão e o Iraque.
Em 2002, os EUA chefiando uma coligação de países aliados invadiu o Afeganistão a pretexto de destruir
as bases de treinamento da Al Qaeda e o governo fundamentalista islâmico do Talebã, que governava o
país. A partir disso, o Afeganistão foi ocupado pela ação militar estrangeira, e de forma completamente
ilegal, nos termos das leis internacionais vigentes.
No ano seguinte também o Iraque foi invadido, e o governo de Saddam derrubado. Ele e vários
dos seus auxiliares mais próximos foram executados. Desta vez, o pretexto era a presença e o apoio que
o governo de Saddam estaria dando às organizações terroristas no Iraque, bem como a posse de armas
proibidas de destruição em massa. Apesar de nenhuma das acusações jamais ter sido comprovada, e
dos EUA não terem obtido qualquer aval da ONU para a invasão, o país foi invadido e ocupado. Desde o
início da ocupação militar, o Iraque enfrenta a realidade de um contínuo enfrentamento armado entre os
grupos islâmicos rivais, e também destes contra as tropas de ocupação norte-americanas. Tem-se pois,
a superposição de uma guerra civil a uma guerra de libertação nacional, cujo custo em vidas humanas
alcança centenas de milhares de civis iraquianos e milhares de militares norte-americanos mortos.
O contraste que se pode fazer entre as duas guerras do Golfo Pérsico – 1991 e 2003 – está na forma
como os EUA encaminharam a questão no âmbito das relações internacionais. Na primeira Guerra do
Golfo ainda era recente o colapso da URSS e a Guerra Fria tinha terminado há pouco tempo. Dessa forma,
os EUA ainda achavam arriscado agir de forma unilateral e providenciaram não só uma ampla coalizão
de aliados para se apoiarem militar e diplomaticamente, como também se esmeraram em seguir a lei
internacional, obtendo da ONU a necessária legitimidade para desencadear a guerra.
Já na segunda Guerra do Golfo e a precedente invasão do Afeganistão encontra-se consolidada
a posição dos EUA como única superpotência mundial e, nessa nova conjuntura, podem os norte-
americanos agir sem restrições ou constrangimentos, impondo ao mundo sem risco de reação das
demais nações as suas decisões na esfera internacional. Acredita-se que por um bom tempo essa
situação irá se manter, o que em nada irá contribuir para a estabilidade das relações internacionais e a
manutenção da paz. Somente a emergência de uma nação ou conjunto de nações com poder militar
e econômico comparável ao dos EUA seria capaz de limitar as ações unilaterais dos norte-americanos.
Nesse caso, o mais provável que este contrapeso venha a ser exercido pela China, Índia ou de ambas.
Igualmente não se pode descartar o reerguimento da Rússia, o que recolocaria a contenção mútua das
maiores superpotências mundiais em termos muito próximos àqueles da Guerra Fria.
Terrorismo, guerras e conflitos 93

Atividades
1. O fato dos EUA serem a única superpotência mundial permite-lhes agir de forma unilateral.
Comente a importância do fim da Guerra Fria para o surgimento dessa situação, com referência
às duas guerras do Golfo Pérsico.

2. A questão Palestina é até o momento o principal foco das tensões internacionais. Interprete o
papel dos EUA com relação à questão sob a ótica de diferentes governos (Carter, Bush etc.).

3. De que forma o terrorismo pode ser entendido e como se manifesta?

Dicas de estudo
A distinção entre “terrorismo” e “guerrilha” é sempre sujeita a critérios subjetivos, resultado da
apropriação com fins políticos e propagandísticos que diferentes grupos fazem destes termos. No
caso brasileiro, a reação armada à Ditadura Militar (1964-85) é classificada pelos seus defensores como
“guerrilha” e pelos seus críticos como “terrorismo”. Examine e valide – ou não – as alegações de que
as ações armadas de esquerda no Brasil entre 1967 e 1975 se constituem em “terrorismo” a partir das
informações contidas no site “Terrorismo nunca mais”, disponível em: <www.ternuma.com.br/>. Acesso
em: 28 maio 2007.
Economia e sociedade
no século XXI
O fim da política
A política partidária e eleitoral nas nações capitalistas e democráticas sempre foi tensionada entre
dois extremos do espectro político: esquerda e direita. Os grupos e movimentos identificados com a
direita se inspiravam no liberalismo econômico e, raramente, político. Constituíam-se em defensores
da sociedade de mercado, da propriedade privada, do individualismo e criticavam o excessivo
tamanho do Estado ou a indevida intromissão deste nas atividades capitalistas privadas e mesmo na
transformação social. Em flagrante oposição a estes, havia os grupos e movimentos identificados com
a esquerda que se inspiravam no ideal socialista de organização social. Tratavam-se de defensores da
economia coletivizada, críticos ou mesmo inimigos da propriedade privada, defensores das virtudes
da organização popular e da ação coletiva, e viam no Estado e suas políticas públicas instrumentos
adequados, tanto para a implantação do socialismo quanto para a promoção da plena cidadania para
o conjunto dos indivíduos. Obviamente, os modelos de organização social a que ambos os grupos se
remetiam como exemplos e inspiração eram as duas superpotências da época da Guerra Fria: os EUA
para a direita e a URSS para a esquerda.
Com o fim da Guerra Fria, a esquerda perde sua principal referência. Embora outras nações
e governos possam se constituir em exemplo e inspiração, nenhum deles possui a força e a
capacidade de persuasão dos países do “socialismo real” como a antiga URSS e os países do Leste
Europeu. A disseminação das relações de produção capitalista por todo mundo, inclusive na China
ainda politicamente sob o jugo do Partido Comunista Chinês, também reforça a idéia de superação
do uso de termos como “esquerda” e “direita”. Temos um cenário onde o confronto histórico entre
“esquerda” e “direita” teria chegado ao fim, com a demonstração “irrefutável” da superioridade do
modelo capitalista de organização social em relação ao seu rival socialista. A inexistência de qualquer
movimento ou partido político dedicado à construção do socialismo que tenha importância e
relevância reforça essa interpretação. A hegemonia do modelo capitalista na sua versão democrática
é tamanha que seus críticos defendem o ponto de vista de que isso se dá não em função de uma
96 História Contemporânea

inequívoca superioridade sobre o modelo socialista, mas devido ao domínio que os seus defensores
exercem sobre os meios de comunicação de massa e, portanto, da capacidade de anular ou minimizar as
manifestações mais disfuncionais do capitalismo, apresentando-o como única opção de organização social.
Tal seria a idéia subjacente à situação ora vivida, que os críticos da nova ordem globalizada chamam de
“pensamento único”.
Independente do maior ou menor grau de acerto sobre as origens da hegemonia do modelo
capitalista de organização social, o fato é que o debate político não é mais dominado pelos temas
da reforma ou revolução do sistema vigente. Conseqüentemente, na presunção de que não existem
alternativas ao capitalismo, verifica-se um considerável esvaziamento do debate político. Num cenário,
onde há ausência de discussões sobre qualquer forma de reorientação radical do modelo vigente, resta
à classe política meramente o papel de atendimento às demandas materiais do eleitorado. Inexistindo
qualquer perspectiva de mudança social radical em médio e longo prazo, o debate político se restringe
ao atendimento de demandas localizadas, de grupos e indivíduos, no curto prazo.
Desta forma, inexistindo diferenças ideológicas ou programáticas que sejam nítidas entre partidos
e movimentos políticos, fica difícil ao eleitor distinguir institucionalmente entre os que disputam
as eleições, restando como forma de decisão para o voto apenas e tão-somente o personalismo
de cada candidato. Enfim, tudo se passa como se os valores e métodos da sociedade de mercado
também pautassem a luta e o debate políticos. O eleitor se vê reduzido à condição de consumidor de
determinado serviço, isto é, a representação eleitoral, da mesma forma que ele consumisse qualquer
outro bem de consumo ou serviço. Tem-se aí um cenário que é descrito adequadamente como sendo o
da “despolitização” da política ou, como preferem alguns, o fim da política.

Os EUA como única super potência


Ao colapso da URSS e ao fim da confrontação entre as superpotências que marcou a Guerra Fria
correspondeu uma considerável liberdade de movimentos na área das relações internacionais por parte
dos EUA. A partir de 1991, os EUA passaram a agir praticamente sem constrangimentos nas suas relações
internacionais, atuando tanto de forma aberta e de acordo com as instituições multilaterais, quanto
de forma velada ou secreta e ignorando os fóruns e as leis internacionais de resolução de conflitos.
Por exemplo, na recente tentativa de uma contenção ou suspensão do programa nuclear levado a
cabo pelo Irã, os EUA têm agido diplomaticamente, acionando apoios na União Européia e na Rússia,
encaminhando através do Conselho de Segurança da ONU um programa de sanções que leve o Irã a
reconsiderar suas opções no campo da energia. Por outro lado, no que se refere ao governo de Hugo
Chávez, na Venezuela, os EUA não hesitaram em apelar para a subversão e o terrorismo, ao patrocinarem
uma tentativa de golpe de Estado que deveria levar à deposição e execução do presidente venezuelano.
A despeito dos fortes indícios de envolvimento da embaixada dos EUA no caso, nenhuma sanção ou
censura chegou a ser feita à Casa Branca por conta desse episódio.
O paradoxo da situação é que, em que pese o fato dos EUA serem incontestavelmente a única
superpotência mundial, seus gastos militares continuaram sendo muitíssimo elevados, e isso sob
quaisquer padrões. No auge da Guerra Fria, na qual a contenção da URSS aparecia como uma questão
de vida ou morte, os EUA gastavam um bilhão de dólares por semana com seu complexo industrial-
militar. Desde o início do século, os gastos são da ordem de um bilhão de dólares por dia, e continuaram
Economia e sociedade no século XX 97

aumentando. O financiamento das recentes guerras que resultaram na ocupação permanente do Iraque
e do Afeganistão prometem elevar ainda mais estes gastos que, desde o início do século, beiram os dois
bilhões de dólares por dia. Tudo isso redundou na manutenção dos efetivos das forças armadas da época
da Guerra Fria, bem como na substancial ampliação da sua capacidade ofensiva. Desde o início do século,
as forças armadas dos EUA são mais numerosas e mais bem equipadas do que a soma das vinte e cinco
maiores forças armadas do planeta. Em suma, estes gastos militares astronômicos fizeram mais do que
tornar os EUA imbatíveis. Sequer tornam possível contemplar a possibilidade de um confronto armado
com os norte-americanos que, sozinhos, poderiam derrotar uma coalizão hipotética que reunisse todos
os outros países do mundo contra si.
Parece claro que tais gastos militares não dizem tanto respeito à segurança dos EUA, já que as
maiores ameaças ao país não provêm de forças armadas hostis, mas de atos de terrorismo que, aliás,
dispensam até mesmo o uso de armas, sejam convencionais, sejam alternativas, conforme se evidenciou
nos episódios do dia 11 de setembro de 2001. A melhor explicação para tamanho gasto militar parece
residir na pressão que, a seu favor, exercem os políticos e empresários que gravitam em torno do complexo
industrial-militar. Encomendas tornadas permanentes de armas, munições, veículos de combate, navios
e aeronaves geram empregos e contratos e, conseqüentemente, estimulam a organização política
dos que se beneficiam economicamente com eles. Em que pese os efeitos supostamente benéficos
do complexo industrial-militar (geração de empregos, desenvolvimento de ciência e tecnologia etc.)
a verdade é que a economia norte-americana passou a ser caracterizada por uma crescente perda de
eficiência e produtividade. O déficit comercial é a mais notável confirmação desse declínio, enquanto
que o déficit público expõe as distorções que os gastos astronômicos em armas e guerras de ocupação
podem trazer para o equilíbrio das contas públicas.

A ascensão da China
O final do século XX também é marcado pela ascensão da China ao bloco das maiores economias
mundiais. Tal promoção se deu a partir do fim do governo de Mao Tse Tung e a subseqüente subida
ao poder de Deng Xiao Ping que lançou o programa das quatro modernizações. No diagnóstico das
elites dirigentes do Partido Comunista Chinês, a economia da China só poderia evitar a estagnação se
pudesse contar com substanciais aportes de capital e tecnologia. Daí a idéia de reformar a agricultura, a
ciência, a tecnologia, a indústria e as forças armadas.
Na agricultura, permitiu-se o retorno à economia de mercado, a fim de estimular a produtividade,
permitindo-se que os camponeses vendessem parte da sua produção livremente. Dessa forma, além dos
alimentos e gêneros de primeira necessidade logo surgiu uma substancial oferta de produtos até então
pouco conhecidos na China, permitindo aumentar a variedade de espécies cultivadas e incrementando
a produção por hectare.
Já a ciência e a tecnologia apresentavam problemas maiores. A prolongada Revolução Cultural
lançada por Mao Tse Tung em 1966 e que se estendeu até 1976 liquidou os centros de pós-graduação
e reduziu os estudos de nível universitário ao mínimo. Suspeitando dos “intelectuais” como elementos
“burgueses” e “desviantes”, Mao levou ao extremo a regressão das áreas de ciência e tecnologia, as
quais só foram objeto de atenção governamental após a sua morte. Compreendendo o atraso científico
e tecnológico do país, a liderança chinesa investiu pesadamente no envio de milhares de jovens
98 História Contemporânea

estudantes para o exterior, notadamente na Europa e nos EUA, onde deveriam freqüentar centros de
excelência acadêmica. Na volta ao país, contava-se que estes jovens seriam capazes de montar centros
de pesquisa e pós-graduação que permitiriam o desenvolvimento científico e tecnológico chinês.
Embora o programa fosse em si um sucesso, ele não deixou de apresentar aspectos contraditórios. O
contato com a democracia e as liberdades civis ocidentais estimulou entre os estudantes a realização de
uma série de protestos contra a ditadura, dos quais o mais famoso foi certamente o massacre da Praça
da Paz Celestial, de 1989, uma demonstração pacífica que foi brutalmente esmagada pela repressão
comunista.
A fim de atrair investimentos e tecnologia estrangeiros para o país, sem colocar em risco seu
poder político, a liderança chinesa criou as zonas especiais de exportação, para a instalação de plantas
industriais produtoras de bens de consumo destinados ao mercado externo, no interior das quais
consideráveis subsídios e incentivos foram oferecidos. Dessa forma, a liderança do partido comunista
contava circunscrever e controlar estas atividades do capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que
reforçava o superávit na balança comercial. Para o governo chinês, só faz sentido abrir a economia se
for para incrementar exportações. A pura e simples produção para venda no mercado interno apenas
estimularia o consumismo, ao mesmo tempo em que criaria problemas na balança de pagamentos.
Empresas estrangeiras que vendessem ao mercado interno realizariam seus negócios em moeda
nacional, mas remeteriam seu lucro para as matrizes nos países de origem em moeda conversível,
provocando déficit no balanço de pagamentos. De fato, pouco mais de um quarto da população
chinesa tem acesso ao mercado de bens de consumo. A ênfase na industrialização com base no capital
estrangeiro é claramente na exportação.
Finalmente, a liderança chinesa se comprometeu com a modernização e reequipamento das forças
armadas. Contudo, até o presente, tais compromissos têm sido cautelosamente adiados, a fim de destinar
o máximo possível de recursos para o crescimento econômico. É de se admitir que, no momento em que
a economia chinesa faça a relação do tamanho do país e da população, esse compromisso seja, enfim,
retomado. A China que no início do programa das quatro modernizações sequer figurava na lista das
maiores economias mundiais, chegou em 2005 à quarta posição no ranking de maior PIB do planeta, atrás
dos EUA, do Japão, da Alemanha e, tudo indica que vá chegar, nos próximos anos, no primeiro lugar.

O aquecimento global e os problemas ambientais


Na segunda metade do século XX começou a se consolidar entre os meteorologistas um consenso
sobre o progressivo aumento das temperaturas médias do planeta. Tal acréscimo é considerado como
resultado da ação de agentes poluentes, produtos da ação humana, a que se dá o nome de efeito estufa.
Segundo esse entendimento, normalmente o planeta recebe a radiação solar e a devolve em boa medida
de volta para o espaço. Certos gases, porém, são capazes de absorver a radiação impedindo-a de ser
dissipada de volta, contribuindo para o aumento da temperatura no planeta.
O Protocolo de Kyoto, firmado em 1992, visava comprometer as nações do mundo com a redução
da emissão de gases que provocam o efeito estufa. Contudo, até agora, os maiores emissores de
poluentes associados a este efeito, como os EUA e, secundariamente a Austrália, ainda não aderiram à
este compromisso. Somente os EUA, cuja população é de 4% do total de habitantes da Terra, consomem
25% da produção mundial de gasolina e liberam a terça parte dos gases reponsáveis pelo efeito estufa.
Economia e sociedade no século XX 99

Já a Austrália detém enormes rebanhos de gado, cujo subproduto do processo digestivo é a emissão de
gás metano na atmosfera. As conseqüências dessa atitude de desprezo pelos efeitos do aquecimento
global já se fazem notar e, certamente, seus temas dominarão as relações internacionais com freqüência
cada vez maior daqui para frente.
Dentre as principais conseqüências do efeito estufa deve-se citar o derretimento das calotas
polares, com implicações tanto sobre a vida silvestre dessas regiões, quanto sobre o nível dos
oceanos, que tendem a subir cada vez mais. Também já está dada a tendência dos furacões ficarem
cada vez mais fortes, resultado do aquecimento da água dos oceanos sobre as quais se formam. Era
um fato estabelecido de que inexistem ciclones ao sul do Equador, mas em 2004 os metereologistas
foram surpreendidos pela eclosão de um forte ciclone no litoral do Brasil. O forte calor fará avançar
a desertificação, cuja aceleração tem sido acompanhada pelos geógrafos com preocupação e, cujos
efeitos sociais mais dramáticos certamente serão as migrações de massa das zonas desertificadas para
aquelas que ainda contam com reservas de água.

A questão demográfica
Os problemas ambientais se tornam ainda mais graves se levarmos em conta a pressão sobre os
recursos naturais que exerce a explosão demográfica. Faz sentido falar em explosão se levarmos em
conta a ruptura ocorrida na evolução da população humana no século XX. No início do século XIX, cerca
de um bilhão de seres humanos habitavam o planeta. Ao começar o século XX, a população mundial
já havia duplicado, atingindo dois bilhões de habitantes. Em meio século duplicou de novo, atingindo
quatro bilhões de pessoas e em 1990 chegou a 5,3 bilhões de pessoas.
As causas para as elevadas taxas de crescimento da população mundial são bem conhecidas. Os
espetaculares avanços na medicina e na higiene, levando à queda da mortalidade infantil bem como
à extensão da expectativa de vida, além de uma maior disponibilidade de alimentos, resultado de
sucessivos aumentos da produtividade agropecuária, são tidos como os fatores mais importantes para
explicar o aumento sem precedentes da população mundial nos últimos 100 anos.
Para o futuro a tendência é desse crescimento se manter. As estimativas variam muito, mas
acredita-se que para o ano de 2025 a Terra terá uma população entre 7,6 bilhões e 9,4 bilhões de
habitantes. Em algum momento esse crescimento deverá se estabilizar, mas isso só deve acontecer
na segunda metade desse século, quando o planeta deverá suportar uma população entre 11 e 14,5
bilhões de pessoas. Para além do aumento da população em si, deve-se levar em conta que quase todo
acréscimo está ocorrendo nos países mais pobres ou, como se diz, em desenvolvimento. Se na Europa
as taxas de crescimento populacional são bem inferiores a 1% ao ano, na África elas chegam a 3% ao
ano. Foi desta forma que evoluiu a população da África em relação à da Europa. Em 1950, a Europa
tinha o dobro de habitantes que a África. Em 1985, ambos os continentes tinham a mesma população.
E antes do ano de 2025 haverá o triplo de africanos em relação aos europeus. Outros pólos de intenso
crescimento demográfico estão na Ásia, onde dois países isoladamente têm em meados dos anos 2000,
populações superiores a um bilhão de habitantes: a China (1,3 bilhão) e a Índia (1,1 bilhão).
O extraordinário crescimento demográfico implica em uma pressão cada vez maior sobre os recursos
do planeta. Terra para cultivo, água para abastecimento, ar não contaminado para uso humano, espaço livre
100 História Contemporânea

para despejos de dejetos resultantes da produção industrial etc. tenderão a ser cada vez mais raros e de
obtenção cada vez mais custosa. Para além disso, o crescimento populacional também irá criar conflitos
relativos à política migratória e de concessão de cidadania. De fato, é cada vez maior a pressão que grupos
humanos desesperados para escapar da miséria em seus países fazem para obter direitos de ingresso nas
nações desenvolvidas. A referência do caso extremo certamente é a fronteira do México com os EUA.

Atividades
1. As recentes campanhas presidenciais no Brasil têm sido marcadas por diferenças substanciais no
programa dos candidatos? Sim ou não? Por quê?

2. A liderança e a autoridade dos EUA podem ser contestadas? Como isso pode ser feito?

3. Como o crescimento demográfico pode afetar o meio ambiente?

Dicas de estudo
Assista aos dois filmes a seguir e compare-os no que diz respeito ao aquecimento global, buscando
neles tanto o que é consensual quanto contraditório. O primeiro é o filme de ficção The Day After
Tomorrow, de Roland Emerich, EUA, 2004, cor, 124 min. O outro é o documentário de An Inconvenient
Truth, de Davis Guggenheim, EUA, 2006, cor, 100 min.
Referências
ARBEX JR., José. A Guerra Fria. São Paulo: Moderna, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Europa: uma aventura inacabada. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
BRAGA, Ruy. A Nostalgia do Fordismo. Rio de Janeiro: Xamã, 2005.
CHOMSKY, Noan. Poder e Terrorismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.
CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: a época contemporânea. São Paulo: Difel, 1977.
DROZ, Bernard; ROWLEY, Anthony. História do Século XX. V. 1.Lisboa: Dom Quixote, 1988.
GARAMBONE, Sidney. A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Mauae, 2003.
GORENDER, J. Fim da URSS: origens e fracasso da perestroika. São Paulo: Moderna, 2005.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1995.
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
_____. A Era dos Extremos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
IANNI, O. Capitalismo, Violência e Terrorismo. São Paulo: Civilização Brasileira, 2004.
KEEGAN, John. História Ilustrada da Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
KEYNES, John M. Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Coleção Economistas. São Paulo:
Abril Cultural, 1983.
MACNEAL, Robert. As Instituições da Rússia de Stalin. In: HOBSBAWN, Eric. J. História do Marxismo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Disponível em: <www.vermelho.org.br/img/
obras/manifesto_comunista.asp>. Acesso em: 21 maio 2007.
MAYER, Arno. A Força da Tradição: a persistência do antigo regime. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
MESQUITA, Julio de. A Guerra (1914-1918). São Paulo: O Estado de S. Paulo/Terceiro Nome, 2002.
102 História Contemporânea

MORAES, Reginaldo. Estado, Desenvolvimento e Globalização. Franca: UNESP, 2007.


MORUS, T. Utopia. Disponível em: <http://dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 21 maio 2007.
OLIVA, Alberto. Anarquismo e Conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
SAMPSON, A. O Homem da Companhia. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
SANDRONI, P. Dicionário de Economia do Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.
SENNET, R. A Cultura do Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
SZTERLING, Silvia. A Formação de Israel e a Questão Palestina. São Paulo: Ática, 2004.
THOMPSON, Edward Paul. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
TRAGTEMBERG, Mauricio. A Revolução Russa. Franca: Unesp, 2007.
USEEM, M. The Inner Circle: large corporations and the rise of business political activity in the U.S. and
U.K. Oxford University Press, 1986.
VOLKOGONOV, Dimitri. Stalin. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
Anotações
104 História Contemporânea

Você também pode gostar