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SÃO PAULO

280 crianças e
adolescentes trans
fazem transição de
gênero no HC da USP;
veja vídeos com o que
eles contam sobre esse
processo
Cem adultos que se identificam como
transgêneros também são acompanhados
pelo ambulatório transdisciplinar do Hospital
das Clínicas. Pessoas trans podem passar por
intervenções médicas como bloqueio da
puberdade, hormonização e cirurgia de
redesignação sexual.

Por Kleber Tomaz*, g1 SP — São Paulo

29/01/2023 06h00 · Atualizado há 15 horas

Jovens trans falam sobre transição de gênero — Foto:


Reprodução/Divulgação/Juan Silva/g1 Design

Atualmente, 380 pessoas identificadas como


trans fazem transição de gênero
gratuitamente no Hospital das Clínicas (HC)
da Universidade de São Paulo (USP), na
capital paulista. Desse total, 100 são crianças
de 4 a 12 anos de idade, 180 são
adolescentes de 13 a 17 anos e 100 são
adultos a partir dos 18 anos.

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Para lembrar o Dia da Visibilidade Trans,


celebrado neste domingo (29), o g1
conversou com transgêneros que estão em
busca ou conseguiram passar por processos
como o bloqueio da puberdade, a
hormonização cruzada e a cirurgia de
redesignação sexual. Médicos especializados
no assunto também foram ouvidos.

Nesta reportagem, você vai conhecer as


histórias de Gustavo, Stefan, Callebe, Sofia
e Mayla.

Jovens trans contam como estão sendo suas transições — Foto:


Reprodução/Arquivo pessoal/Juan Silva/g1 Design

Gustavo Queiroga, 8 anos

'Percebi que o Gustavo era uma criança trans quando ele tinha 2
anos', diz mãe

“Eu me sentia muito inseguro.


Sentia que não tinha pessoas
confiáveis, mas eu tinha minha
mãe, minha família”, disse ao g1
Gustavo Queiroga, de 8 anos.

Ele faz acompanhamento no Ambulatório


Transdisciplinar de Identidade de Gênero e
Orientação Sexual (Amtigos) do HC da USP.
“Um dia, eu ia conseguir o que eu queria. E eu
consegui.”

O menino trans, que biologicamente nasceu


com características físicas femininas, mora
com a mãe e a família na capital paulista.

“Eu percebi que o Gustavo era uma criança


trans quando ele tinha 2 anos de idade. Ele
sempre rejeitava tudo que era feminino”,
falou Jaciana Batista Leandro de Lima,
chefe de cozinha e assistente de cabeleireiro
de 35 anos.

LEIA TAMBÉM

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identidade de gênero e orientação
sexual

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família e mudança de vida após se
assumir transgênero

· SP registra aumento de 40% na


alteração de gênero em documentos
pessoais nos cartórios

Amtigos
A procura pelo atendimento na rede pública
de saúde é tão grande que o Amtigos foi
obrigado a suspender as triagens em
novembro de 2022, por não conseguir
atender a demanda.

Existe a possibilidade de que elas voltem a


ser realizadas a partir de fevereiro deste ano.
Enquanto isso, 160 famílias que têm crianças
e adolescentes que se identificam como
transgêneros estão na fila de espera da
triagem, que é feita por uma equipe
multidisciplinar de especialistas.

Além dos filhos, a família também é


acompanhada durante o processo de
transição.

O Amtigos foi criado em 2010 para atender


gratuitamente adultos pelo Sistema Único
de Saúde (SUS).

O Ministério da Saúde também disponibiliza


gratuitamente para pessoas trans o Processo
Transexualizador em 12 locais habilitados
pela pasta do governo federal. Veja abaixo
onde ficam.

O Amtigos deixou de atender adultos em


2015, quando notou que eles tinham outros
equipamentos públicos e até particulares de
saúde para recorrer. E também por notar
uma busca maior de responsáveis por
crianças e adolescentes trans pelo serviço em
São Paulo.

Os maiores de idade que ainda são atendidos


no Amtigos são remanescentes das primeiras
turmas ou eram menores quando entraram
no programa de transição.

131 pessoas trans foram mortas no Brasil em 2022

Pela lei brasileira, a operação para adequação


sexual só pode ser realizada em adultos
acima dos 18 anos. Esta é a última etapa do
processo de transição ou acompanhamento.

Em homens trans, além da retirada dos seios


e útero, a genitália feminina pode ser
modificada para se aproximar a um órgão
sexual masculino. Nas mulheres trans, existe
a possibilidade de se retirar o pênis e
transformá-lo numa espécie de vagina.

Antes da cirurgia, no entanto, há a


hormonização, que consiste na utilização de
hormônio do sexo oposto no paciente.
Injeções são aplicadas regularmente em
adolescentes a partir dos 16 anos, seguindo
recomendação do Conselho Federal de
Medicina (CFM).

Por exemplo, pessoas que nasceram com o


sexo biológico masculino, mas depois se
identificam como garotas trans, recebem o
estrogênio. Este hormônio feminino irá
causar mudanças corporais desejadas, entre
elas o aumento das mamas.

Em uma situação inversa: quem nasceu com


a genitália feminina, mas se vê como um
garoto trans, receberá a testosterona. O
hormônio masculino levará ao aparecimento
de barba, por exemplo.

As crianças e os adolescentes atendidos na


USP podem receber um bloqueador
hormonal para não entrarem na puberdade e
desenvolverem características físicas com as
quais não se identificam. Nos garotos trans, o
bloqueio impedirá a menstruação e o
crescimento das mamas. Nas meninas trans,
os pelos do rosto deixarão de crescer, e a voz
não engrossará.

A aplicação do bloqueio varia entre cada


paciente, mas pode acontecer entre 9 a 13
anos em crianças com características
biológicas femininas e de 10 a 14 anos
naquelas que têm o fenótipo masculino.

"Atualmente temos disponível


no Brasil uma injeção para fazer
o bloqueio hormonal assim que
a criança for entrar na
puberdade", disse ao g1 a
endocrinologista pediátrica
Leandra Steinmetz, do
Instituto da Criança e do
Adolescente do HC da USP.

Stefan Vicenzo da Cruz, 25


anos

'Eu não me encaixava na caixinha que era posta sobre mim', diz
Stefan Vicenzo, homem trans

O promotor de vendas Stefan Vicenzo


Barreto Soares da Cruz tem 25 anos e é um
homem trans. Ele contou ao g1 que fez toda a
sua transição no Hospital das Clínicas da USP,
mas pela rede particular de saúde.

"Eu tive que fazer pelo particular porque na


rede pública demorava muito, tinha muita
burocracia", falou Stefan, que passou pela
cirurgia de mastectomia, para retirada das
mamas. Ele ainda tem vontade de retirar o
útero. Mas não decidiu se fará a redesignação
sexual.

Segundo especialistas, não é preciso se


submeter ao processo de transição para ser
considerada uma pessoa transgênera. Isso
vale tanto para homens quanto mulheres
trans.

Sofia Albuquerck e Mayla


Phoebe, 21 anos

Sofia Albuquerck, mulher trans, conta como foi o seu processo de


redesignação sexual

As irmãs gêmeas Sofia Albuquerck e Mayla


Phoebe pagaram para ter o corpo adequado
ao gênero com o qual se identificam: o
feminino. Elas tinham nascido biologicamente
com o sexo masculino.

Dois anos antes, quando tinham 19 anos, elas


saíram de Minas Gerais para serem operadas
numa clínica particular em Blumenau, Santa
Catarina. As duas passaram por cirurgia de
redesignação sexual. Antes, já haviam
colocado implantes de silicone nos seios.

"A partir dos meus 8 anos para cima, até os


14, eu começava a não entender mais o meu
órgão genital. Isso deu uma disforia tão
grande, tão grande, nessa época, que eu não
entendia ao certo. Então até [fui] pesquisar e
entender mais e começar minha transição",
disse Sofia ao g1.

Atualmente ela namora um rapaz e estuda


engenharia civil em Franca, interior paulista.

"Quando era adolescente, eu já tinha repúdio com meu órgão


genital", diz mulher trans

"Quando eu era adolescente eu já tinha


repúdio, eu tinha disforia tão grande com
meu órgão genital, porque eu tinha
dificuldade para tomar banho, porque eu
sentia pavor em ver", falou Mayla, que mora
na Argentina, onde estuda medicina.

"A gente [ela e a irmã] sempre


esteve junta. O maior presente
que Deus deu em 'mi vida' foi
alma de ser gêmea."

A respeito da cirurgia de readequação, o


médico José Carlos Martins Júnior, da
Transgender Center Brazil e que operou as
gêmeas, explicou que nem sempre ela é
necessária.

"A mulher trans, ela não tem indicação de


cirurgia. Ela é uma mulher trans pelo simples
fato de se entender como tal. Quando a
cirurgia entra? Quando há o diagnóstico da
chamada 'disforia de gênero'. A disforia de
gênero não é uma doença, mas ela é um mal-
estar."

Cirurgião explica quando há indicação para cirurgia em mulheres


trans

Variedade de gênero
“O termo transgênero é um termo guarda-
chuva e se refere a qualquer variedade de
gênero, sejam transexuais, travestis, gênero
não binário, agênero, gênero fluído”, disse ao
g1 o psiquiatra Alexandre Saadeh,
coordenador do Amtigos.

Segundo o especialista, no caso dos


transgêneros, existe uma hipótese científica
de que essa identidade de gênero se
manifeste no cérebro na formação do bebê,
ainda na fase intrauterina, depois do
desenvolvimento dos órgãos sexuais.

Em outras palavras, de acordo com Saadeh,


isso quer dizer que alguém que nasce com a
genitália feminina não necessariamente terá
um cérebro feminino. E vice-versa.

“Aliás, é importante falar que a


questão trans, a
transexualidade ou qualquer
variabilidade de gênero não é
considerada uma doença”,
disse o psiquiatra.

Dia da Visibilidade Trans: Alexandre Saadeh fala sobre o AMTIGOS

Em 2018, a Organização Mundial de Saúde


(OMS) retirou a transexualidade da lista de
transtornos mentais da Classificação
Internacional de Doenças (CID) e passou a ser
considerada uma "condição". Apesar disso
ela continua no CID, mas numa categoria
chamada de “saúde sexual”.

Oficialmente, a transexualidade é citada com


o termo "incongruência de gênero" na CID-11,
e descrita como "uma incongruência marcada
e persistente entre o gênero que um
indivíduo experimenta e o sexo ao qual ele foi
designado".

Essa inadequação vivenciada por


transgêneros pode provocar o que
especialistas chamam de "disforia de
gênero", que é quando uma pessoa não se
sente confortável com as características
masculinas ou femininas de seu corpo.
“É importante o diagnóstico no sentido de
viabilizar e legalizar uma intervenção médica
que se faça necessária. Desde hormonização
até cirurgia”, falou Saadeh.

Callebe Ferreira Marques,


14 anos

Garoto trans fala sobre apoio da mãe e mudança após se assumir:


‘sou muito orgulhoso’

Callebe Ferreira Marques, de 14 anos, não


fez nenhum bloqueio hormonal, mas espera
começar a tomar hormônios masculinos a
partir dos 16 anos. O estudante também
pretende fazer a cirurgia para a retirada
dos seios depois dos 18 anos.

"Parece que eu saí de uma


prisão, um casulo", disse o
menino, que mora com a mãe
na Zona Sul de São Paulo, ao
falar sobre o que mudou desde
que assumiu sua
transexualidade.

Veja onde fica o Amtigos — Foto: Guilherme Luiz Pinheiro/g1-


Design

*Colaboraram: Amanda Polato, Mariana


Medicelli, Iolanda Paz, Fernanda Fialho, Rafael
Leal, Viviane Mateus, Patrícia Albuquerque, Juan
Silva e Guilherme Luiz Pinheiro, do g1.

VÍDEOS: mais assistidos do


g1

50 vídeos

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