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Traços da Presença Italiana em

Petrópolis
- Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro -
por José Luiz D’Amico1

Inaugurada em abril de 1854, com a presença do próprio Imperador


D. Pedro II (1825-1891), a Primeira Estrada de Ferro do Brasil
foi, em 1883, prolongada até o Alto da Serra de Petrópolis,
atendendo assim a antiga expectativa da Corte, que há muito ansiava
por uma conexão mais rápida e segura com a cidade onde o
Imperador já mantinha seu Palácio de Verão – hoje Museu Imperial.

Coincidentemente, no mesmo 1883, D. Pedro II também assiste à


fundação da Sociedade Central de Imigração – SCI, organização
criada por expoentes de sua própria Corte para defender a imigração
europeia como forma de preparar o país para o trabalho livre,
insustentável que se tornara a política escravagista frente aos ideais
iluministas de desenvolvimento já bem difundidos à época.
Consolidavam-se assim: de um lado, a conexão férrea completa com
a Cidade Imperial; e de outro, a chancela do próprio Imperador à
Política Imigratória no Brasil.

Não poderia ter havido momento mais sinérgico e sedutor para que
dois empresários italianos, na verdade dois grandes visionários,
vislumbrassem a oportunidade de instalar em Petrópolis, à margem
lindeira da ferrovia, três grandes complexos fabrís, responsáveis pelo
boom da presença italiana em Petrópolis no início do Século XX:
duas unidades da Fábrica “Cometa-Petrópolis, Società Anonima”
(uma no Meio da Serra e, posteriormente, outra no Alto da Serra de
Petrópolis) e a Cia. Fábrica de Sedas Santa Elena (no bairro hoje
conhecido como Morin).
1D’AMICO, José Luiz Rebello. Médico, Jornalista, Vice-Presidente da Sociedade Médica de Escritores, Vice-Presidente da
Academia Brasileira de Poesia, Diretor Cultural da Casa D’italia Anita Garibaldi de Petrópolis – Estado do Rio de Janeiro – Brasil.
Não era só a ferrovia – como recurso seguro para a recepção de matérias-
primas e escoamento de produtos – o atrativo estratégico; mas também a
concomitante e contígua presença dos rios Caioaba (no meio da
serra) e Palatinato (no Morin), como recursos hídricos para o
fornecimento de água e geração da necessária energia elétrica às
centenas de teares, responsáveis pela produção de milhões de
metros de tecidos ao longo da História da indústria têxtil
petropolitana, que se confunde com a da própria Imigração Italiana
na Cidade de Pedro.

Mas... a presença italiana em Petrópolis teve início bem antes disso...

Aos 16 de março de 1843, precisamente um mês após ter nomeado


o Senhor José Alexandre Carneiro Leão Comissário Plenipotenciário
e Embaixador junto ao Rei das Duas Sicílias, para ir a Nápoles
receber sua esposa, a então Sereníssima Princesa Teresa Cristina
Maria e trazê-la à Corte Imperial Brasileira no Rio de Janeiro (estas
instruções imperiais datam de 16-02-1843), Dom Pedro II assina o Decreto
Imperial nº 155, que arrenda as terras da Fazenda do Córrego Seco
para fundação da “Povoação-Palácio de Petrópolis”, com as
seguintes exigências (entre outras): Construção do Palácio Imperial;
Urbanização de uma Vila Imperial com quarteirões imperiais; Edificação da
Igreja de São Pedro de Alcântara e Instalação de um cemitério.

Embora ainda em erguimento o Palácio – cuja construção, iniciada em


janeiro de 1845, consumiu mais de dez anos –, D. Pedro II e a Imperatriz
Teresa Cristina desde bem antes já frequentavam a então “Povoação
de Petrópolis”; inicialmente, hospedando-se na Fazenda do Córrego
Seco e, já a partir de 1849, quando concluída uma de suas alas,
habitando o próprio Palácio (hoje Museu Imperial).

Portanto, a presença italiana em Petrópolis, representada pela


própria Imperatriz, tem na história lugar precedente aos chamados
Colonos de 1845.
Aqui, um parêntesis: Não raro, o capricho de
renomados Historiadores faz criticar esse entendimento,
sob a argumentação de que a Itália, enquanto nação, só
passou a existir a partir de 1861, com a unificação.
Contudo, torna-se oportuno destacar que, muito antes,
os Romanos já adotavam o adjetivo “italianos” [Lat.:
italiorum] para designar os habitantes da península:
Itália. E depois, fosse como fosse, a Imperatriz era
Napolitana; portanto, italiana.

A propósito, conforme pesquisas do Professor Paulo Roberto Martins de


Oliveira – do IHP2, Relatório da Província do Rio de Janeiro,
assinado pelo seu então Presidente, Sr. Aureliano Coutinho, já em
1845 dáva-nos conta de que, entre os imigrantes extra-colonos,
havia um italiano em meio à Imperial Colônia de Petrópolis: Signor
Luigi Baronto3, estatuário de profissão, que fixou residência em
Prazo de Terra confluente com o Largo Dom Afonso (hoje Praça da
Liberdade)4 e que se casou com uma senhora inglesa, com quem
teve três filhas, uma das quais, Thereza Luísa, fora batizada em
27/04/1851 pelo próprio casal imperial.

Foi também a partir de 1845 que se tornou mais expressiva a


presença de italianos na Província do Rio de Janeiro. O Casamento
(em 1843) de sua Princesa, Teresa Cristina Maria de Bourbon-Duas
Sicílias, com Dom Pedro II havia despertado, se não como
esperado, ao menos algum interesse dos napolitanos pelo Brasil.

Já em sua comitiva, a Imperatriz, que chegou ao Rio de Janeiro aos


03/09/1843, trouxera de Nápoles o escultor Giovanni Castelpoggi,
o músico Fiorito e outros artistas italianos.

À medida que ia conhecendo melhor o Rio de Janeiro e adquiria a


confiança do Imperador, a Imperatriz Teresa Cristina, preocupada
em aprimorar as condições sociais e sanitárias da cidade, criou na
Corte facilidades para que se transferissem muitos italianos ao Rio
de Janeiro; entre estes: médicos, farmacêuticos, enfermeiros,
engenheiros e professores.

2 OLIVEIRA, Paulo Roberto Martins de. In Os Primeiros Italianos em Petrópolis – Instituto Histórico de Petrópolis – IHP, 2004.

3 BARONTO, Luigi. De acordo com registros históricos, feitor de estátuas (mestiere muito comum entre italianos) e primeiro
imigrante ítalo em Petrópolis, para onde veio, tudo permite supor, a suprir demandas por estátuas do cemitério que, por decreto
do Imperador, a cidade obrigava-se a possuir.

4 ATAS DO IMPÉRIO. Registros da Câmara dos Vereadores In Ata da 3ª Sessão, de 01/03/1861. Petrópolis (RJ), Brasil. 1861.
Inicialmente, predominavam os napolitanos, concidadãos de Sua
Majestade. Mas, com o correr do tempo, passaram a vir também
italianos das mais diversas regiões, trazendo consigo as
contribuições de sua ciência, de sua cultura, de seu regionalismo, sua
arte e seus costumes. E este fluxo imigratório em muito incluiu
Petrópolis como destino final; não só porque uma cidade então já
bem frequentada pela Corte, mas também pelo clima ameno e,
sobretudo, pelo surgimento de expressivo mercado de trabalho.

De sorte que, de 1845 em diante, foi crescente o número de italianos


contabilizados em Petrópolis pelos sucessivos Relatórios e
Levantamentos Provinciais. Uma "Estatística da Imperial Colônia de
Petrópolis", datada de 31/12/1846 e juntada a um relatório
apresentado em 01/03/1847, assinado pelo Presidente da Província
(Aureliano Coutinho) e pelo Escrivão encarregado do Levantamento
(Sr. Frederico Damcke), registrou, entre imigrantes de diversas
origens, cinco italianos em Petrópolis: dois destes habitando a Vila
Teresa (Alto da Serra), outros dois, a Vila Imperial (Centro
Histórico); e um, o Quarteirão Francês (Avenida Ypiranga com Rua
13 de Maio).

Em 18/03/1856, o então Diretor da Imperial Colônia, Sr. José


Maria Jacinto Rebello, informava, em Relatório Anual, que a
população de Petrópolis no ano de 1855 era de 5.010 habitantes,
subdivididos em dois contingentes: um colonial (2704 colonos
germânicos) e outro extra-colonial (2306 extra-colonos de diversas
naturalidades); em meio a esses últimos notavam-se 17 italianos.
Em 1862, uma nova estatística, desta feita produzida pelo Major
Carlos Augusto Taunay, informava a existência 40 italianos com
suas respectivas famílias, habitando e trabalhando em Petrópolis.

Expressivo número dos italianos de Petrópolis habitava as cercanias


da Fazenda Quitandinha e dos Quarteirões Siméria e Renânia
Superior. Com a expansão de sua presença na cidade, alguns
adquiriram terras também no Quarteirão Italiano (Alto
Independência) e nas matas do entorno destas localidades; dentre as
suas atividades laborais mais primitivas na região, destacavam-se a
exploração e a industrialização do carvão vegetal.
Com o passar dos anos e o aumento de seu contingente na Cidade
Imperial, os ítalos passaram a ser encontrados também na prestação
de serviços (amoladores, construtores), em manufaturas (alfaiates,
sapateiros), no comércio, pequenas oficinas, metalurgias, carpintarias
e, como operários, em ferrovias e grandes fábricas têxteis.

Exemplo de destaque, entre os italianos que aqui vieram ainda no


Século XIX, encontra-se o do Arquiteto Antonio Jannuzzi, nascido
na pequena cidade de Fuscaldo, na Província de Cosenza, Calábria, e
que, transferindo-se ao Brasil em 1874, tornou-se aqui dos mais
procurados construtores do país na ocasião. No Rio de Janeiro,
projetou e construiu quase todos os prédios da antiga Avenida
Central (atual Rio Branco) e, em Petrópolis, assina diversas
construções como, por exemplo: o Palácio Rio Negro (ex-sede de
veraneio da Presidência da República), o Palácio Itaboraí (hoje
utilizado pela Fiocruz) e o próprio Palácio Fadel (atual sede do
Governo Municipal). Foi, ainda, grande benemérito da Società Italiana
di Beneficenza Principe di Piemonte di Cascatinha.

Recordando, no mesmo ano de 1883, quando presenciou a fundação


da Sociedade Central de Imigração, Dom Pedro II também
incentivou o prolongamento, até o Alto da Serra de Petrópolis, da
Primeira Estrada de Ferro do Brasil que, até então, só alcançava a
chamada Raiz da Serra, em Vila Inhomirim. Inaugurava-se, assim, a
Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará – EFPGP, sucessora da
Estrada de Ferro Mauá.

A partir de então, estimulados pelo surgimento de uma completa


conexão férrea, que melhor permitiria o escoamento de produtos e a
recepção de matérias primas, empresários italianos logo
vislumbraram na Vila Teresa (Alto da Serra) e no Quarteirão
Palatinato Superior (Morin) o ideal para localização de suas fábricas.

Assim, a Cidade Imperial, que já contava com duas grandes


indústrias têxteis: a Imperial Fábrica de Tecidos São Pedro de
Alcântara (desde 1864 sob a alcunha de Imperial Fábrica de Tecidos da
Rhenania, porque situada no Quarteirão Rhenania Inferior) e a Cia.
Petropolitana de Tecidos (1873), no Bairro de Cascatinha, acabou
também merecendo mais dois complexos de relevante importância
industrial: a Primeira Indústria Brasileira de Sedas – Cia.
Fábrica de Tecidos de Seda Santa Elena (fundada no bairro do
Morin pelo italiano Edoardo Capitani, em 1908) e, pouco antes, a
Cometa-Petrópolis Società Anonima (fundada pelo italiano Carlo
Pareto, em 1903). Esta última com duas unidades distintas: uma no
Alto da Serra; outra no Meio da Serra, a mais antiga, de instalações
inicialmente utilizadas para fabricação de papel – mais tarde, tecidos
– e cuja demolição serviu material para construção da segunda.

Hoje, os prédios das fábricas Cometa já não existem mais. O da


primeira encontra-se em ruínas; o da segunda deu lugar a um
shopping. O da Santa Elena continua erguido no Morin.

No distrito de Cascatinha ainda se vê o prédio fabril da indústria que


também empregou grandes levas de imigrantes italianos, sobretudo
do Vêneto. Quem até lá se dirige vai encontrar, na sede da velha
estação ferroviária do distrito, um pequenino e singelo Centro
Histórico, heroicamente mantido por sua idealizadora, a Sra. Wilma
Borsato, que tem procurado preservar a memória dos imigrantes
daquele bairro, boa parte dos quais atuou na chamada Cia.
Petropolitana.

Já a Cometa, que chegou a empregar cerca de 6.000 operários, a


maioria italiana, registra em sua história a curiosa absorção dos
habitantes da Comune de Pescantina, pequena cidade da Província de
Verona, Região do Vêneto, cuja população praticamente inteira
emigrou para Petrópolis – incluindo o Prefeito e o Pároco: Dom
Carlo Gallieri –, um total de mais de 500 italianos distribuídos em
cerca de 160 famílias vindas no mesmo vapor e que passaram a
contribuir para que a Fábrica Cometa atingisse, em sua história, a
marca de quase cinco milhões de metros lineares de tecidos.

Digno de nota que, num determinado momento da imigração


italiana em Petrópolis, a Fábrica Cometa – não possuindo mais espaço
suficiente em sua própria vila operária para acomodar todo o contingente de
ítalos que lhe chegava – acabou alugando da Cia. Petropolitana partes
da respectiva vila, em especial as correspondentes ao segundo piso,
ainda inabitadas, para uso desses italianos, inicialmente empregados
da Cometa e então conhecidos em Cascatinha como “os italianos do
sobrado”, o que certamente contribuiu para acentuar a presença
itálica naquele bairro que, conquanto meritoso neste sentido, não
deve jamais ser compreendido como o principal, menos ainda como
o inicial reduto da presença italiana em nossa cidade.

Dados de censos realizados em 1906 e 1920 mostram, claramente,


que a italiana era a segunda maior população europeia do Estado do
Rio em ambos os levantamentos, só superada pela portuguesa. E,
ainda conforme o censo de 1920, a Região Serrana era a que então
detinha o maior número de italianos em todo o estado; e, de seus
municípios, Petrópolis o que reunia a maior parte deste contingente,
superando, sozinho, a soma de todas as demais cidades da região.

Acompanhando a tendência das estatísticas oficiais italianas, que só


começaram a ser produzidas a partir de 1876, a imigração itálica em
Petrópolis contou, de fato, com significativo número de oriundos
do Vêneto, mas também de outras regiões como: Lombardia,
Trentino, Piemonte, Umbria, Abruzzo e, mais tarde, Basilicata,
Campânia, Calábria e, ainda, Sardenha e Sicília.

Tão expressivo se torna o número de ítalos em Petrópolis que, no


início do Séc. XX, de todas as Sociedades Italianas de Mútuo Socorro e
Beneficência existentes no Estado (o Rio de Janeiro, então capital do
país, só possuía três), quatro eram de Petrópolis; dentre estas a
Società Operaria Italiana di Mutuo Soccorso di Cascatinha, mantenedora de
uma Escola à qual o famoso informativo Fanfulla (de São Paulo)
assim se referira, reportando-se à eficiência de seu ensino, sobretudo
da Língua Italiana pelo Professor Carlo Parlagrecco:
“Miglior fortuna ha avuto la scuola italiana di Cascatinha, un
piccolo borgo di 3.500 abitanti poco distante da Petropolis, dove si
trovano più di 2.000 italiani, parte impegnati nella fabbrica di
tessuti che dà vita alla località e parte dediti all'agricoltura; la scuola
è mantenuta dalla Società di Mutuo Soccorso ed è molto frequentata,
perché ha un eccelente maestro.” Idem, pp. 796-797.
[ PUBBLICAZIONE DEL FANFULLA op. cit., p. 260. ]
Atualmente, a população de Petrópolis gira em torno de 300.000
habitantes, um terço dos quais de origem italiana, já pela quinta
geração, dispersa por uma anágrafe hoje estimada em mais de 1.200
sobrenomes, dentre os quais se destacam os de várias autoridades
públicas, incluindo o cognome do próprio Prefeito: Bomtempo.

“ ...Bisogna riconoscere che è povera una società o una famiglia


che non conosce le proprie radici o non ricorda il proprio passato.
Conoscere, dunque per ricordare; ricordare per essere fieri di un
patrimonio ricco di gloria…” Padre Ignazio (Passionista)
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BIBLIOGRAFIA:
- ANPF. A História nos Trilhos. Associação Nacional de Preservação Ferroviária. 2004
- AVELLA, Aniello Angelo. Una Napoletana Imperatice ai Tropici. Èxòrma. 2011
- BOTAFOGO, A.J.S. O Balanço da Dynastia. Imprensa Nacional. 1890
- CENNI, Franco. Italianos no Brasil (“Andiamo in `Merica”). Edusp. 2003
- D’AMICO, José Luiz. Construtores de História – Famílias Italianas do Brasil. EST Edições. 2012
- DE CUSATIS, José. Os Italianos em Petrópolis. Edit. CMP. 1993
- OLIVEIRA, Paulo R. Martins. In Os Primeiros Italianos em Petrópolis – IHP. 2004
- PUPPIN, Douglas. Do Vêneto para o Brasil.Edit. EP Salesianas. 1981
- VANNI, Julio Cezar Vanni. Italianos no Rio de Janeiro. Ed. Comunità. 2000
- VILLA, Deliso. Storia Dimenticata. Ed. EST. 2002

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