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Geociências, São Paulo,

v. 10, p. 153-168, i991.

SEQÜÊNCIAS CRETÁCEAS DAS BACIAS DE SERGIPE E ALAGOAS

Flávio Juarez FErrÓ *


Roberto A. Bonora VIEIRA *

RESUMO: As bacias de Sergipe e Alagoas foram individualizadas a partir de critérios estru-


turais e estratigráficos: seus preenchimentos sedimentares, embora bastante similares, guardam
n(tidas diferenças. O conteúdo cronoestratigráfico da Bacia de Sergipe é o mais completo dentre
todas as bacias cretáceas da costa brasileira. Todas as seqüências continentais, transicional e
marinhas, estão ali representadas. Na Bacia de Alagoas, o registro cretáceo também é completo,
com a ressalva de que a parte marinha praticamente s6 ocorre na plataforma continental. É pos-
s(vel distinguir três seqüências sedimentares fundamentais, tanto na Bacia de Sergipe como na de
Alagoas: i) Seqüência Continental, depositada em meio-grabens limitados por falhas predomi-
nantemente norte-sul em um contexto de transtensão, evoluindo para afastamento simples de pla-
cas, concomitante com afinamento crustal. Esiafase ocorreu nas idades Rio 4.a Serra, Aratu, Bu-
racica e Jiquiá; 2) Seqüência Transicional, clástico-evaporftica, depositada na idade Alagoas; 3)
Seqüência Marinha, com basculamento da bacia para sudeste, em resultado de subsidência térmi-
ca e sobrecarga sedimentar, retratando a idade Albiano e o Neocretáceo. As melhores rochas ge-
radoras já identificadas nestas bacias estão na seqüência transicional, secundadas por uma parte
dos folhelhos da fase continental. A distribuição das acumulações de hidrocarbonetos obedece à
mesma hierarquia, restando para afase marinha ocorrências menores de 6leo e gás, geraCÚls nas
seqüências mais velhas.

UNJTERMOS: Cretáceo; estratigrafia,' Bacia Sergipe-Alagoas, evolução geol6gica; prospec-


ção petrolf/era.

INfRODUÇÁO

A Bacia de Sergipe-Alagoas (Fig. 1) vem sendo alvo de exploração para petróleo,


com variados graus de intensidade, desde 1939. Nestes 50 anos foram perfurados

* DepexJDenest. Petrobrás - Rua Acre, 2504 - 49000:" ARACAJU - SE.


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836 poços explorat6rios e 2.669 poços explotat6rios, registrados 95.000 km de linhas


sísmicas e efetuados levantamentos gravimétricos, magnetométricos e de geologia de
superfície. A resposta a tal esforço foi a descoberta de 507 milhões de metros cúbi-
cos in situ de 6leo e gás equivalente, 95% dos quais se alojam em sedimentos de ida-
de cretácea. O total de 6leo e gás apropriado é o terceiro no Brasil, ap6s as bacias de
Campos e Recôncavo, e dele 14% já foram extraídos. A produção atual na Bacia giia
em torno dos 9.500 m3 diários de hidrocarbonetos.
A coluna estratigráfica da Bacia 'de SergipelAlagoas (Figs. 2 e 3) é, provavel-
mente, a mais completa dentre as bacias da costa leste brasileira.
O contínuo crescimento no conhecimento estrutural e estratigráfico, acumulado em
decorrência do enorme volume de dados adquiridos, conduziu a uma redefinição
fundamental da Bacia Sergipe-Alagoas. Na atualidade consideram-se as bacias de
Sergipe e de Alagoas individualmente, face às notáveis diferenças entre elas, que se
expressam principalmente no conteúdo dos pacotes sedimentares depositados nos pe-
ríodos Cretáceo e Te~ciário (FEIJÓ & LANA 5 ) .
A distinção entre estas duas bacias principia pela natureza do embasamento sobre
o qual se assentam (Fig. 4). Os sedimentos da Bacia de Alagoas acumularam-se so-
bre um complexo granito-gnáissico, mais rígido do que os metas sedimentos da Faixa
Sergipana, sobre a qual implantou-se a Bacia de Sergipe (SILVA FILHO et al. 9) . A
esta heterogeneidade superimpôs-se um regime complexo de tensões que atuaram no
Eocretáceo e resultaram na abertura do Rift Sul-Atlântico. Em conseqüência, indivi-
dualizou-se a chamada Microplaca Sergipana (LANA & MILANI8), em cuja borda
sudeste foram implantadas as bacias de Sergipe e de Alagoas. Este sítio comportou-
se inicialmente como um limite transformante de placas que, com o aumento gradual
da componente distensional, modificou-se para um regime divergente (Fig. 5). A de-
formação conseqüente, durante as idades Rio da Serra e o Jiquiá Inferior, se expressa
como meio-grabens en echelon, limitados por falhas tracionais norte-sul. O riftea-
mento se deu no sentido SW-NE, provocando as primeiras . diferenças no preenchi-
mento sedimentar das duas bacias: a) no Neocomiano/Barremiano instalou-se em
Sergipe um conspícuo sistema de conglomerados-arenitos-folhelhos, enquanto em
Alagoas predominaram largamente os arenitos e folhelhos, talvez associados em
parte a conglomerados; b) no tempo Aptiano, foi forte a influência de conglomerados
sintectônicos em Alagoas, associados a arenitos, folhelhos, coquinas e evaporitos,
tanto no bloco baixo como no alto da linha de charneira contemporânea, enquanto
em Sergipe o bloco alto desta linha de charneira se caracteriza por erosão seguida de
relativamente delgada sedimentação de elásticos grosseiros, carbonatos finos, fólhe-
lhos e evaporitos; c) no Albiano-Santoniano houve em Sergipe uina sedimentação
basicamente carbonática em condições francamente marinhas, ao passo que em Ala-
goas depositaram-se arenitos e raros carbonatos somente na plataforma continental;
d) do Campaniano em diante, tomou forma um sistema transgressivo, com a deposi-
ção de espesso pacote de folhelhos marinhos , suplantado posteriormente pela progra-
dação de arenitos e calcarenitos de plataforma sobre os folhelhos de talude. Este

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BACIA SERGIPE-ALAGOAS
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FIG. 1 - Mapa da situação da bacia e arcabouço tectônico generalizado.

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FIG.2 - Estratigrafia p6s-paleoz6ica da Bacia de Sergipe.

Geociências, São Paulo, v. 10, p. 153-168, 1991.


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FIG.3 - Estratigrafia p6s-paleoz6ica da Bacia de Alagoas.

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FIG.4 - Mapa geol6gico simplificado do Embasamento.

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FIG. 5 - Evolução esquemática da deformação na Bacia Sergipe-A lagoas durante o rifteamento eocretáceo.
(LANA,1985).

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mais possante e atuante em Sergipe , e menos importante e restrito à plataforma con-


tinental em Alagoas.
A estes critérios estratigráficos somam-se os estruturais. Na Bacia de Sergipe po-
dem ser reconhecidos dois dooúnios, separados pela linha de charneira que se insta-
lou e teve maior expressão no tempo Alagoas (Fig. 6): a) no bloco alto está presente
toda a seqüência sedimentar paleoz6ica, jurássica e cretácea da bacia, distribuída em
horsts e grabens mergulhantes para sudeste - o Embasamento está entre 400 e 5.000
metros de profundidade; b) no bloco baixo há um grande espessamento do Andar
Alagoas e da sedimentação p6s-santoniana, colocando o Embasamento a profundida-
des superiores a 8.000 metros. Já na Bacia de Alagoas pode-se admitir três dooúnios
estruturais básicos (Fig. 7): a) uma região relativamente rasa e estável, onde o Emba-
samento está a menos de 1.500 m e somente ocorrem sedimentos pré-Aptianos; b)
uma plataforma intermediária, com a presença do Andar Dom João e de quase toda a
Série Eocretácea, com Embasamento a 2.000-5.000 m; c) e o bloco baixo da Linha
de Charneira Alagoas, com o conseqüente espessamento do Andar de mesmo nome e
o posicionamento do Embasamento além dos 8.000 m.
O limite entre as duas bacias não coincide exatamente com a fronteira geográfica
entre os dois Estados que lhes emprestam os nomes, mas é adotado ao longo de uma fei-
ção estrutural positiva proeminente, conhecida como Alto de Japoatã-Penedo (Fig. 1).
Assim, considera-se como pertencentes à Bacia de Alagoas a região sergipana de
Muribeca-Propriá-Ne6polis, enquanto a faixa alagoana junto à Foz do São Francisco
em Piaçabuçu-Peba faz parte da Bacia de Sergipe.
2
Desta forma, a Bacia de Sergipe ocupa 5.000 km em terra e 7.000 km2 no mar; e
2
a Bacia de Alagoas tem 7.000 km 2 emersos e 8.000 km na plataforma continental,
até a cota batimétrica de 1.000 m.

HISTÓRIA EVOLUTIVA

A evolução das bacias de Sergipe e Alagoas está intimamente ligada à deriva con-
tinental e à abertura do Oceano Atlântico. Os processos que deram origem às rochas
sedimentares nelas hoje existentes foram bastante complexos e ligados a um tecto-
nismo atuante durante e ap6s a sedimentação de cada seqüência.
Pode-se distinguir na evolução das bacias os seguintes estágios (ASMUS & POR-
T0 2 , SZATMARI et al. IO):

A) Estágio intra-cratônico - corresponde a um período anterior a qualquer manifes-


tação de separação dos continentes africano e americano. A sedimentção paleoz6ica
se deu em uma bacia estável e sem maiores movimentações, dentro do Craton Brasil-
África.
B) Estágio pré-rift - Representado por sedimentos continentais neojurássicos, depo-
sitados em ambiente tectônico ainda calmo, em sinécIises originadas a partir dos pri-
meiros esforços tensionais que culminariam com a ruptura do continente Gondwana.

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FIG.6 - Seção geol6gica esquemática da Bacia de Sergipe.

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FIO. 7 - Seção geológica esquemática da Bacia de Alagoas.

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C) Estágio rift - Caracterizado por um regime tectônico altamente instável e total-


mente desenvolvido durante o Eocretáceo. As bacias foram individualizadas em fun-
ção de um rift complexo inicialInente transtensional e depois puramente extensional,
propagando-se de sul para norte.
D) Estágio transicional - Formou-se um mar ou golfo estreito e alongado, onde
ocorriam ingressões progressivamente mais freqüentes de água do mar. Este estágio
se deu no MesolNeoalagoas, ou Neoaptiano/Eoalbiano, e caracteriza-se por impor-
tantes dep6sitos de sais solúveis, culminando com os primeiros sedimentos marinhos
observados nas bacias de Sergipe e Alagoas.
E) Estágio oceano aberto - Houve completa separação dos continentes Sul-Ameri-
cano e Africano, com o nascimento do Oceano Atlântico Sul no fim do Eocretáceo, e
a sedimentação nas bacias de Sergipe e Alagoas tomou-se eminentemente marinha. Este
estágio desenvolveu-se ao longo de todo o Neocretáceo e a maior parte do Terciário.

EVOLUÇÃO SEDIMENTAR

Sedimentação no Estágio Pré-Rift

Esta fase principia no Neojurássico e prossegue no início do Eocretáceo, caracte-


rizada por subsidências regionais, resultado do início dos estiramentos crustais que
precederam a fase de ruptura continental. O afinamento crusta! deu origem a sinéc1i-
ses jurássicas parcialmente interligadas (Sergipe, Alagoas, Recôncavo, Tucano, Jato-
bá, Araripe, Gabão), que se superimpuseram à sinéc1ise paleoz6ica, cujo conteúdo
sedimentar foi em parte erodido durante o Eomesoz6ico. Interpretações anteriores
(ASMUS & PORT02); FERNANDES et al. 6) adotam uma ampla sinéclise pré-rift, a
"Depressão Afro-Brasileira", da qual as bacias atuais seriam remanescentes de um
processo erosivo posterior. Já CARNEIRO et aI. 4 postulam sítios deposicionais mais
localizados para o Andar Dom João. O modelo que confina a subsidência Neojurás-
sica e Eocretácea às vizinhanças das atuais bacias mesoz6icas é favorecido pela au-
sência de arenitos jurássicos sobre as vastas áreas de embasamento aflorante entre as
bacias citadas, e pelos contatos aparentemente concordantes Barra ,de ItiúbalSerraria
em Sergipe e em Alagoas, e ItaparicalSergi na Bacia do Recôncavo. Nessas depres-
sões depositaram-se inicialmente os arenitos fluviais da Formação Candeeiro e os
folhelhos vermelhos da Formação Bananeiras, em ambiente lacustre árido (playa la-
ke). A eles seguiram-se os arenitos quartzosos médio/grosseiros da Formação Serra-
ria, arranjados em sets lenticulares e alongados com estratificação clUzada tabular,
formando barras superpostas depositadas em rios anastomosados.

Sedimentação no Estágio Rift

Este estágio se deu inteiramente no Eocretáceo, entre as Idades Eo-Rio da Serra


Inferior e Alagoas , correspondentes às Idades Berriasiana a Aptiana (ARAI et aI. 1).
Nesta fase tem início uma nítida diferenciação no conteúdo sedimentar das Bacias de

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Sergipe e de Alagoas. No todo, a sedimentação no estágio rift foi fortemente influen-


ciada pelo intenso falhamento inerente ao processo de rifteamento. A rotação horária
da placa sul-americana, combinada com a rotação horária em menor escala da micro-
placa sergipana (LANA 7), produziu um regime transtensional que se traduziu em
meio-grabens escalonados, alongados na direção N-S e basculados para oeste. Em
Sergipe, este espaço foi preenchido a partir da borda da bacia pelos fanglomerados
de matrlz avermelhada da Formação Rio Pitanga; afastando-se da borda desenvolve-
ram-se os sistemas fluviais anastomosados da Formação Penedo; e mais distaImente
depositaram-se os folhelhos e arenitos fmos deltaicos da Formação Barra de Itiúba.
Este conjunto litol6gico c0~põe um sistema progradante, com os sedimentos mais
grosseiros rec0brindo os mais finos. Em Alagoas, os conglomerados Rio Pitanga es-
tão ausentes, mas provavelmente parte da Formação Poção exerce o mesmo papel; as
formações Penedo e Barra de Itiúba estão bem mais desenvolvidas, possibilitando in-
clusive a individualização de intervalos operacionais chamados PDOs e BITs - o
BIT VII, essencialmente argiloso, seria o componente prodeltaico do sistema.
A seqüência sedimentar iniciada na fase rift assenta em geral sobre os sedimentos
da seqüência pré-;rift. Localmente, estes ,ú ltimos estão ausentes por discordância, ,so-
brepondo o rift diretamente ao Paleoz6ico ou ao Embasamento.
O registro sedimentar das idades Neojiquiá e Eo-Mesoalagoas (Aptiano) é muito
mais espesso na Bacia de Alagoas e no bloco baixo da Linha de Charneira Alagoas
do que em quase toda a Bacia de Sergipe. Este fato é conseqüência de subsidência
mais pronunciada nos locais citados, em decorrência do armamento crustal que pre-
cedeu a ruptura fmal da crosta continental. A isto se acresce a erosão havida em Ser-
gipe nos sedimentos já depositados, deixando em muito lugares o Embasamento ex-
posto, com exceção de baixos estruturais onde estão preservadas as rochas sedimen-
tares dos estágios precedentes. A marcante discordância herdada do processo erosivo
é conhecida como Discordância discordância Pré-(Neoalagoas). Na porção noroeste
da Bacia de Alagoas o tempo Aptiano foi marcado por grande atividade das falhas da
borda da bacia, que se traduziu nos espessos fanglomerados da Formação Poção.
Distalmente, a partir deles, desenvolveram-se os sistemas flúvio-deltaicos da Forma-
ção Coqueiro Seco (localmente com as coquinas do Membro Morro do Chaves) e da
Formação Macei6. Em parte da Bacia de Alagoas as formações Coqueiro Seco e Ma-
cei6 estão separadas pelos folhelhos verdes da Formação Ponta Verde, testemunho
de um período de quiescência tectônica. O clima árido já se manifestava na parte su-
perior da Formação Coqueiro Seco e na Formação Macei6, na forma de dep6sitos de
halita de Idade Eo-Alagoas Inferior, sendo os da Formação Macei6 conhecidos in-
formalmente como Evaporitos Paripueira.

Sedimentação no Estágio de Transição

A Formação Muribeca e a porção superior da Formação Macei6 são o registro em


Sergipe da transição do ambiente continental para o marinho. Inicialmente, os con-
glomerados e filarenitos do Membro Carm6polis preencheram os vales esculpidos

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pela erosão precedente, deixando ainda expostos alguns morros de embasamento. As


primeiras incursões marinhas intermitentes e o clima intensamente árido estão retra-
tados na espessa seqüência evaporítica que caracteriza o Membro Ibura: anidrita, ha-
lita, camalita, silvinita e taquidrita. Com o prosseguimento da abertura do rift, o
oceano instalou-se definitivamente na Bacia a partir da deposição dos carbonatos e
lutitos do topo do Membro Oiteirinhos. No fim da Idade Alagoas, cessou a sedimen-
tação na porção terrestre da Bacia de Alagoas, mas em parte de sua porção submersa,
no bloco baixo da linha de chameira, continuou a deposição dos sedimentos da For-
mação Macei6 até o Eoalbiano.

Sedimentação no Estágio Oceano Aberto

Inicia-se com a deposição da Formação Riachuelo, nas idades albiano (Eocretá-


ceo) e cenomeniano (Neocretáceo). Três membros desta formação retratam os dife-
rentes ambientes vigentes neste período: o Membro Angico é composto por conglo-
merados e arenitos ligados a reativações das falhas da borda; o Membro Maruim é
formado por bancos carbonáticos descontínuos oncolíticos/oolíticos alongados na di-
reção NE, mais uma série de recifes isolados de algas vermelhas (Solenopora) ou
verde-azuis (Schyzophyta): e o Membro Taquari, que congrega os lutitos e calciluti-
tos de laguna (com moluscos) ou de talude (com foraminíferos e outros plantônicos).
Este conjunto sedimentar está bem desenvolvido na Bacia de Sergipe, ocorrendo em
Alagoas apenas o Membro Taquari, restrito quase que somente à plataforma continental.
O alargamento e resfriamento da placa oceânica provocaram subsidência térmica
que, associada à carga dos sedimentos acumulados, se traduziu em basculamento pa-
ra sudeste a partir da deposição da Formação Cotinguiba nas idades Troniano a
Santoniano (Neocretáceo), em condições francamente marinhas. O Membro Sapucari
é formado por ca1cilutitos de talude com abundante fauna planctônica a nectônica; o
Membro Aracaju é composto por folhelhos e margas bacinais. Falta neste conjunto a
plataforma rasa correspondente: ela deve ter sido erodida por ocasião das discordân-
cias sub-Calumbi e sub-Barreiras, restando hoje raros fragmentos de moluscos, bra-
qui6podos, equinodem10s e oolitos. Uma feição notável nos dep6sitos de talude desta
formação são os grandes olistostromas escorregados a partir de sítios mais rasos.
A seqüência marinha culminou com a deposição dos arenitos grosseiros de leques
e
costeiros da Formação Marituba, dos calcarenitos a foraminíferos moluscos de pla-
taforma da Formação Mosqueiro e dos folhelhos de talude e bacia da Formação Ca-
lumbi. Nesta última, os arenitos turbidíticos intercalados são muito importantes para
a exploração de hidrocarbonetos. Este pacote sedimentar forma inicialmente um
conjunto transgressivo durante as idades Campaniano e Maastrichtiano (Neocretá-
ceo). No Terciário, o maior aporte sedimentar contribui para reversão em um sistema
progradacional.
Por fim, depositou-se nas bacias de Sergipe e Alagoas, a exemplo de outras bacias
costeiras, uma seqüência de cobertura composta pela Formação Barreiras (Plioceno-
Pleistoceno) e por sedimentos de praia e aluvião do Período Quaternário.

Geociências, São Paulo, v.lO, p. 153-168, 1991.


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POTENCIAL GERADOR

A detenninação do potencial gerador dos folhelhos provenientes dos poços perfu-


rados pela PETROBRÁS nas bacias de Sergipe e Alagoas tem sido praticada rotinei-
ramente nas últimas décadas. O trabalho mais recente é o de BABINSKI e SAN-
TOS 3, sumariado na Tabela 1. Estes autores defmiram três classes de rochas geradoras,
a saber:
. Classe A - Com teores de carbono orgânico total superiores a 3% e potencial ge-
rador acima de 30 kg de hidrocarbonetos por tonelada de rocha, com matéria orgâni-
ca predominantemente do tipo I (favorável à geração de hidrocarbonetos líquidos).
Classe B - Com teores de carbono orgânico total entre 2 e 3%, potencial gerador
entre 20 e 30 kg de hidrocarbonetos por tonelada dé rocha e matéria orgânica dos ti-
pos I e n.
Classe C - Com teores de carbono orgânico total abaixo de 2% e potencial gerador
abaixo de 20 kg de hidrocarbonetos por tonelada de rocha, com matéria orgânica predo-
minantemente dos tipos n e l1li11 (favorável à geração de hidrocarbonetos gasosos).
As melhores rochas geradoras são encontradas nos andares Jiquiá e Alagoas, e as
correlações 6leo-rocha confrrmamt.erem'sido estes sedimentos responsáveis pela ge-
ração da maior parte das acuniulaçõ~~ de hidrocarbonetos já encontradas.

TABELA 1 - Sergipe-Alagoas

Andar Carbono Orgânico Total (%) Pot. Gerador (kg/t.) Classe

Cretáceo Sup. <.1


Alagoas 1-8 2-30 A,B

Jiquiá .5-5 2-40 A

Buracica 1-5 2- 18 A,B

Aratu 1-4 2- 12 A,B

Rio da Serra 1-3.5 1- 18 A,C

Jurássico Sup. <. 3 - -


Paleozóico 1-3 3- 15 A,B,C

HABITAT DO PETRÓLEO

A perfuração de 3.505 poços, nos cinqüenta anos que se seguiram ao início da ex-
ploração em Sergipe e Alagoas, em 1939, levou à cubagem de 507 milhões de metros

Geociências, São Paulo, v. lO, p. 153-168. 1991.


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cúbicos de 6leo, condensado e gás equivalente* in situo A distribuição percentual


deste volume pelos reservat6rios pertencentes às diversas fases evolutivas das bacias
está na Tabela 2.

TABELA 2 - Ser gipe-Alagoas

TABELA 2 SERGIPE ALAGOAS TOTAL


Fase Evolutiva Óleo (%) Gás (%) Óleo(%) Gás(%)
Marinha 5,2 0,6 5,8
Transicional 68,2 2,6 °0,7 ° 71,5
Rift 9,3 0,4 4,5
°4,0 18,2
Pré-Rift 2,5 1,5 0,2 0,3 4,5
TOTAL 85,2 5,1 5,4 4,3 100,0
Fonte: Relatório de Reservas da Petrobrás de 31.12.89.

Da análise desta tabela se depreende que a esmagadora maioria dos hidrocarbo-


netos descobertos até o presente nestas bacias se concentra nos reservat6rios da fase
transicional em Sergipe. A participaçãao da Bacia de alagoas no total é modesta,
praticamente restrita à fase rift, e marcada por uma maior presença relativa de gás.
Em Sergipe quase todo o 6leo até hoje encontrado foi gerado nos folhelhos asso-
ciados a evaporitos da fase transicional. Em Alagoas, os hidrocarbonetos são em ge-
rai aut6ctones, gerados em folhelhos das pr6prias fases produtoras.

FEIJÓ, F.I., VIEIRA, R.A.B. Cretaéic Sequences ffom the Sergipe and Alagoas basins. Geo-
ciências, São Paulo v.lO, p. 153-168, 1991.
ABSTRACT: Sergipe arid Alagoas basins·have beenseparated under structuraland stratigraphic
criteria. Their sedimentary fillings, though lairly similar, keep sharp differences. The
chronostratigraphic content 01 the Sergipe basin is the Jullest in the midst 01 all Brasilian coast
cretaceous basins. All continental, transitional and marine sequences are there typified. The
cretaceous record is also Jull in the Alagoas basin, though the marine fraction only takes place
offshore. Three gross sedimentary sequences are possible to distinguish, both in Sergipe and
Alagoas basins: 1) A continental one, deposited in half-grabens bound by chiefly north-south
laults, in a transtensional scheme evolving to simple extensiona{ rifting, altogether with crustal
thinning. This phase happenned through Be"iasian to Ba"emian ages (Early Cretaceous); 2) A .
transitionalone, clastic-evaporitic, deposited mostly in ihe Aptian age; and 3) A marine phase,
when termic subsidence plus sedimentary loading resulted in a southeastward tilt through Albian
age and the entire ' Late Cretaceous. The transitional sequence, and in a lesser grade the
continental shales, hold the best source rocks up to now recognized in those basins. The
distribution 01 hydrocarbon deposits lollows the same order, the marine phase sharing only minor
occu"ences oloil and gas, derivedfrom older sequences.
KEYWORDS: Cretaceous; Stratigraphy; Sergipe-Alagoas basin; geologic evolution; oil
prospecting. ,.
* A equivalência é adotada na proporção de 1.000 metros cúbicos de gás para um metro cúbico de óleo.

Geociências, SlioPaulo, v. 1O,:p. 153- 168,1991.


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