PARTE 4: REDENCAO
4.1. A extensdo da Redencdo
O terceiro elemento da compreensdo da realidade a partir de uma
perspectiva biblica é geralmente chamado de reden¢do. Mais uma vez,
é preciso lembrar que este é um aspecto da realidade, que se soma
aos que vimos anteriormente. Ndo sao etapas que se substituem, mas
dimensées simultaneas da mesma realidade, a serem percebidas e
consideradas conjuntamente. De fato, nao had e nem pode haver
reden¢do sem que antes haja criacdo e queda; este terceiro elemento
se constitui sobre a base dos dois anteriores. Veremos, portanto, como
ele se aplica em nossa vida e na nossa viséo de mundo, com seus
desdobramentos.
Da mesma forma que @ causa da Queda nao estd em nenhum
elemento da criacdo, tampouco a criagao poderia tirar de alguma
parte de si mesma a restauracado necessdria. Se 0 mal que hé no
mundo é consequéncia do pecado humano, apenas algo que lide
efetivamente com este pecado consegue resolver esse problema. A
restauracdo ndo esté na piedade ou caridade humana, em politicas
sociais ou econémicas mais soliddrias, no respeito a natureza; nada
disso faz 0 homem e o mundo caidos mudarem seu estado.
A boa noticia é que Deus nao se conformou em ver sua boa criacao
ser consumida pelo pecado. Logo depois do relato da Queda, Génesis
3 jd possui também o relato da graca de Deus, de sua iniciativa de
preservar e restaurar suas criaturas. Para 0 homem que peca e se
descobre nu, o proprio Deus faz roupas para vestir (Gn 3.21). A partir
dai, todo o registro biblico @ uma historia de como Deus
Sraciosamente procura resolver o problema do pecado humano. A
providéncia, que vimos ao estudar a Criacdo, atua como uma graca
que preserva o ser humano e toda a criacdo, até que a solu¢ao
definitiva chegue, como vemos ao longo da historia. E essa historia
tem um ponto central, um climax.Este ponto culminante é a manifestac¢do mais plena da
maravilhosa graca de Deus, 0 momento em que “o Verbo se fez carne
e habitou entre nds, cheio de graca e de verdade, e vimos a sua
gloria, gloria como do unigénito do Pai” (Jo 1:14). Na pessoa de Jesus
Cristo, 0 proprio Deus se esvaziou e assumiu a forma de servo, para
apresentar a solucdo definitiva para o problema da queda. Se o
pecado entrou no mundo pelo ser humano, Deus se_fez homem para
tirar 0 pecado do mundo (Jo 1:29). Como Jodo 3:16 @firma, Jesus é
uma resposta de amor de Deus ao mundo caido. Nao @ toa, Paulo fala
de Cristo como o segundo Addo, aquele que veio para justificar os que
estdo sob a condenac¢ao do primeiro Addo (Rm 5:12-21; 1Co 15:45).
Ele é a verdadeira e perfeita imago Dei, aquela que 0 homem falhou
em ser.
Na cruz, Cristo pagou o preco pelos nossos pecados, para nos
reconciliar com Deus. “Nosso pecado é grande; nosso poder em
repard-lo, misero. Na realidade, com frequéncia recusamos até a
admitir 0 nosso pecado”, diz Plantinga; “Jesus Cristo veio ao mundo
para oferecer a peniténcia que nds recusamos pagar’, Jesus é 0
Redentor de que precisdvamos: sendo homem, pode se identificar
conosco e assumir o nosso lugar; sendo Deus, foi capaz de viver a
vida perfeita exigida para poder oferecer um sacrificio sem defeito
que desviasse a ira de Deus, tendo valor infinito e derrotando a morte
com sua ressurreigao. Assim, Jesus atuou em nosso favor quando
ainda éramos inimigos de Deus; essa é, sem dtvida, a @firmacao
principal de todo o Evangelho, e o cerne da acao redentora de Cristo
(Rm 5:1-11).
Porém, assim como o pecado humano @feta toda a criacdo, a
Redencdo oferecida por Deus em Cristo restaura também toda a
criagao. Wolters @firma: “a abrangéncia da reden¢ao é tao grande
quanto a da queda; ela compreende toda a criacdo. A raiz de todo o
mal sobre a terra - ou seja, o pecado da raca humana ~ é expiada e
conquistada na morte e ressurreicao de Cristo", Nao séo apenas
seres humanos individuais que tém a sua comunhdo com Deus
restaurada, mas toda a realidade criacional jd descrita: seuselementos materiais, culturais e espirituais. Como Paulo @firma,
Cristo morreu na cruz para que “reconciliasse consigo todas as
coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Cl 1.20). A graca de Deus
em Cristo restaura individuos, relacionamentos, sociedades e
culturas, onde quer que tenham sido atingidas pelo pecado.
Esse sentido da Reden¢ao como reconciliacao é fundamental. O
objetivo de Deus é restaurar o shalom perdido com a Queda. Nao se
trata de abandonar a criacao e fazer uma nova a partir do nada, mas
de restaurar sua bondade original. Wolters explica que “A redencdo
ndo é uma questao de acrescentar uma dimensdo sobrenatural a vida
humana; antes, é uma questao de dar nova vida e vitalidade ao que
Ja estava ld o tempo todo. [...] A graca restaura a natureza,
tornando-a integra novamente"*), A salvacdo em Cristo, portanto,
nao representa uma fuga deste mundo, mas restaura o sentido
original de se viver nele.
A imagem que Paulo usa para falar do homem redimido é a de
perfeicdo, ou seja, de alguém completo, amadurecido, que
desenvolveu todo o potencial que havia em si mesmo. Ele diz que
apenas em Cristo podemos chegar a estatura da perfeita varonilidade
(Ef 4:13; Fp 3:12-16). Semethantemente, Abraéo também foi chamado
@ perfeigao (Gn 17:1), que é alcancada através da caminhada com
Deus e do estudo diligente de sua Palavra (2Tm 3:14-17). A perfeigao
nado é simplesmente um ponto final a que se chega, mas uma
condi¢ao que se conquista e deve ser buscada a cada dia. E a
caminhada da santidade, necessdria a qualquer um que busque ver a
Deus (Hb 12:14).
Ainda que ndo se limite a individuos, a redenc¢ao do mundo
comeca, certamente, pela acao soberana de Deus em salvar
individuos e os chamar para uma caminhada de santidade. Esta
observacdo é importante, por motivos que retomaremos mais & frente.4.2. Estrutura e direcdo
Pensando nos conceitos de estrutura e direcado, a Redengdo
significa um retorno de todas as estruturas @ dire¢ado proposta por
Deus. O propésito de Deus é “fazer convergir nele [em Cristo]... todas
as coisas” (Ef 1.10). E voltar ao shalom proposto, que no relato do
Novo Testamento tem um conceito paralelo: o reino de Deus. Este
termo ndo deve ser entendido como um territério em que Deus
governa, mas como o governo de Deus sobre tudo, ou seja, seu
dominio sobre todas as dreas da vida em que o pecado tentou
usurpar seu controle. Esse governo é expresso sobretudo no
ministério de Cristo na terra. ‘A obra de Cristo nao foi apenas a
pregacao da vinda de um reino havia muito esperado, mas também
uma demonstracao dessa vinda. Em suas palavras e especialmente
em suas obras, o proprio Jesus foi uma prova de que o reino havia
chegado"#2l,
De fato, as palavras que inauguram o ministério de Cristo,
segundo o relato de Mateus, sdo: “arrependei-vos, porque esté
préximo o reino dos céus” (Mt 4:17). Toda a sua obra em seu
ministério terreno consiste na demonstracao do poder desse reino:
cura de enfermos, expulsdo de deménios, ressurreigdo dos mortos,
multiplicacao de alimentos, dominio sobre as forcas da natureza. Sua
propria ressurreicdo, por fim, representa a vitéria decisiva sobre o
inimigo final e mais cruel trazido pela Queda: a morte (Rm 6:20-23).
Podemos considerar a reden¢do das estruturas de volta a direcdo
proposta por Deus, de uma forma alegérica, como a resposta de
Cristo @ mulher adiiltera: “nem eu te condeno. Vé e ndo peques mais”
(Jo 8:11). A restauracdo trazida pela Redencdo ndo significa uma
volta no tempo, ao Eden. Antes, significa que voltaremos a
desenvolver a criacado de modo que agrade a Deus e obedeca a sua
Lei, do ponto em que estamos agora. Ndo se trata de voltar atrds na
historia e no tempo até o ponto em que erramos, mas de reqjustarmos
nossa bissola e retomar o sentido correto para que cheguemos aodestino originalmente pretendido, fazendo as correcées necessdrias
no caminho.
E preciso lembrar que o relato biblico comeca com o ser humano
num jardim em Génesis, mas termina com a humanidade redimida
em uma cidade santa (que possui um jardim no centro) em
Apocalipse, apés a volta de Cristo (Ap 21:2). Nesta cidade, é dito, sao
reunidas a gloria das nacées (Ap 21:24-26; Is 60:11). Estas
Gfirmacoes sao importantes porque reforcam o que jad foi dito
anteriormente: que a cultura ndo é md em si, mas é apenas um dos
elementos a serem redimidos. Muitos hoje pensam que tudo que
provém de alguma inovacdo tecnolégica ou cultural é
necessariamente mau, é por isso deve ser descartado. Trata-se mais
uma vez de tentar tracar uma linha dividindo sagrado e profano,
situando a Queda em algum dos elementos criados. As imagens do
céu sao muitas vezes a de um lugar idilico, monétono, onde nado hé
muito a se fazer. De forma semelhante, geralmente associamos a
ideia de inocéncia do primeiro homem @ sua condi¢do primitiva no
Jardim, esquecendo que Deus the dera a ordem de cultivar o jardim
mesmo antes da Queda (Gn 1:28). Esta visdo nao é biblica, mas é
uma versdo popular do mito do “bom selvagem” de Jean Jacques-
Rosseau, para quem o homem em seu estado de natureza é bom e
inocente, mas a sociedade é quem o corrompe.
E preciso re@firmar que o desenvolvimento da cultura nao é algo
em si pecaminoso, mas que foi corrompido pelo pecado e pode ser
redimido pela graca de Deus. Nao hé nada que em sua esséncia nao
possa ser redimido. Pedro aprendeu essa li¢ao com uma visdo (At
10:16), € Paulo regfirmou esse principio a Timéteo (1Tm 4:1-5).
Nancy Pearcey afirma que “como parte da boa criacdo de Deus, 0
mundo material participaré da redencdo final. Na eternidade
continuaremos cumprindo o mandato cultural, mas sem o pecado,
criando coisas que sao bonitas e benéficas com as matérias-primas
da renovada criacdo de Deus",
Entretanto, o proprio Jesus ensinou seus discipulos a orar pela
vinda do Reino, sinalizando que este n@o havia ainda chegado emtoda a sua plenitude, o que se confirmaré apenas na segunda vinda
de Cristo. No que diz respeito a restauracdo de todas as coisas,
vivemos entre o jd e 0 ainda ndo; sabemos, pelo testemunho das
Escrituras, que esta redencdo se consumaré, e aguardamos por este
momento. No presente, porém, a vemos jad alguns e¢feitos desta
reden¢ao, mas ainda nao todos, como veremos.43. O Mandato Cultural e a Grande Comissdo
Dissemos que vivemos entre o jd e 0 ainda nao, contemplando
sinais visiveis da obra restauradora de Deus na criacdo e
aguardando a plenitude dessa restauracdo. E qual o papel do ser
humano nesse processo? Entre esses dois momentos, Jesus confere a
seus discipulos a responsabilidade de continuar a proclamacao da
vinda desse reino. Ele confiou a seus seguidores 0 mesmo ministério
de reconciliacao que ele mesmo recebera do Pai (cf. 1Co 5.18-21).
Esta qutoridade e responsabilidade é conhecida como a Grande
Comissao, expressa em Mateus 28.18-20 (também em Mc 16:14-18).
Esse texto revela a missado da Igreja, anunciar a Cristo como a
redencdo para o pecado do mundo. Devemos entdo continuar a obra
de Cristo de proclamacao do Reino de Deus. De fato, Lucas narra os
atos dos apéstolos como sendo uma continuidade dos atos do proprio
Cristo na terra (através do Espirito Santo), duas etapas de uma
mesma atividade (At 1:2).
Precisamos aqui entender como o mandato cultural de Génesis se
relaciona com a Grande Comissdo. Um engano posstvel seria gfirmar
que o segundo substitui o primeiro, excluindo a responsabilidade do
homem com relacdo a@ criagao. Mais uma vez, ocorre aqui a tentacdo
do dualismo gnéstico. O mandato cultural nao foi revogado pela
Queda, e muito menos pela Redengdo. Se pensarmos no escopo
universal da reden¢ao de Cristo, vemos que os dois, na verdade, néo
sao contrarios, mas se complementam, ainda que possuam algumas
diferencas que precisam ser apontadas aqui, a fim de que ambos
sejam cumpridos com eficiéncia.
Primeiramente, é preciso recordar que o homem foi colocado como
mordomo da criacdo, como representante de Deus na terra, para que
cuidasse dela e a desenvolvesse (Gn 1:28). Como dissemos, a Queda
ndo anulou esse compromisso; Deus continua exigindo do homem a
resposta ao seu comando, e exercendo seu juizo quando ele é
cumprido de forma rebelde ou irresponsével. Todos, justos ou impios,rebeldes ou redimidos, estamos ainda hoje sob a responsabilidade de
cultivar o jardim.
A grande comissdo, por sua vez, ndo é entregue a todas as
pessoas indiscriminadamente, mas a um grupo seleto e espectfico de
pessoas: @ igreja. Mateus e Marcos dizem que a ordem foi dada aos
“onze discipulos” (Mt 28:16; Mc 16:14). Lucas registra em Atos que
os apéstolos reunidos receberam a promessa de poder para
testemunhar de Cristo em todo 0 mundo (At 1:2,6-8). Mas ha mais:
para entender o que significa esta Grande Comissdo, é preciso
observar como estes apéstolos a colocaram em pratica, conforme
registrado no livro de Atos e nas cartas do Novo Testamento
(sobretudo nas chamadas cartas pastorais). Em suma, por onde
Joram, eles ndo apenas pregaram e testemunharam, fazendo
convertidos, mas se preocuparam em organizar esses convertidos em
comunidades que possuissem liderancas definidas e um conjunto de
doutrinas claro para todos (At 14:21-23; Tt 1:5, p. ex.). OU seja: ao
cumprir a grande comissdo, os apéstolos edificaram igrejas.
E necessdrio ressaltar que é dentro de uma igreja enquanto
institui¢do organizada e diferenciada que o cristdo pode receber todo
o suprimento de que necessita para sua caminhada de santidade
(11m 3:15; Hb 10:23-25; Gl 6:10). A lideranga é responsdvel por
manter e ensinar a sa doutrina, e assim, fazer com que todos crescam
no conhecimento de Cristo, na comunhdo uns com os outros e no
servico e auxilio miituo. Logo, nem cada crente individualmente, nem
qualquer ajuntamento de cristaos é, de fato, uma igreja; é preciso que
todos estes elementos estejam presentes para que ela cumpra sua
missado. A Grande Comissdo € um chamado aos crentes para que
testemunhem de Cristo, preguem o Evangelho e edifiquem igrejas que
continuem esse processo. A tarefa da igreja, enquanto instituigdo
distinta, portanto, é manter essa Comissdo viva.
Por sua vez, um cristdo que estdé inserido em uma igreja saudével,
que tem comunhdo com seus irmdos e cresce no aprendizado da sé
doutrina, certamente serd ensinado sobre como viver em seus
@fazeres didrios e relacoes diversas de forma que agrade o Senhor.Diversas cartas de Paulo as igrejas sao divididas em secoes de
exposicées teoldgicas e, em seguida, aplicacdo dessa teologia nas
diversas areas da vida. A relacdo entre as duas partes é evidente
nessa transig¢ado (Rm 12:1-2; Ef 4:1). Uma pratica correta no dia-a-
dia, que agrada a Deus, depende de conhecer corretamente quem é
esse Deus, € 0 que ele fez e faz por nds. Um bom cristdo, portanto,
serd methor filho, marido e pai; seré um melhor patrdo ou
empregado, melhor cidadao e assim por diante.
Ai esté a ligacdo entre a Grande Comissdo e 0 Mandato Cultural. O
meio que a humanidade possui hoje de cumprir 0 mandato cultural
de forma completa e verdadeira é apenas através do cumprimento da
grande comissdo, ou seja, de sua entrega completa a Cristo. A
centralidade da pregacao crista@ se encontra no arrependimento e
conversao humanos porque a fonte do mal esté no corag¢ao humano.
Como dissemos anteriormente, o plano da redencao é amplo ¢
abrangente, mas comeca na redencdo do individuo, na remissado de
seus pecados. Nao é possivel restaurar a criacdo sem redimir primeiro
a humanidade; nao é possivel redimir a humanidade sem que antes
cada individuo reconhe¢a a Cristo como Senhor sobre todas as coisas.
Novamente, é como a pedra atirada no meio de um espelho d'dégua.
Pregar o Evangelho é, por fim, possibilitar novamente que o ser
humano desenvolva a criacdo conforme a orientacdo de Deus. Como
diz Philip Ryken, “quando adotamos tal perspectiva abrangente do
que precisamos ensinar ao mundo, a Grande Comissdo reaviva nosso
mandato cultural"42!, Wolters define desta forma o conceito: “A
redencao, assim, é a recuperacao da bondade criacional por meio da
anulacao do pecado e do esforgo rumo & remog¢dao progressiva de seus
efeitos em todos os lugares. Retornamos @ criacdo por meio da cruz,
porque apenas a expiacao lida com o pecado e com o mal
efetivamente em sua raiz. A versdo de Marcos da grande comissao
nos manda ‘pregar o evangelho a toda criatura' (Mc 16:15) porque em
toda parte hé necessidade de libertacao do pecado”2!, Resumindo, 0
mandato cultural é responsabilidade de todas as pessoas, mas sépode ser cumprido de forma adequada caso a Igreja cumpra a sua
responsabilidade, expressa na Grande Comisséo.4.4, Redencdo e Consumacao
Com a segunda vinda de Cristo, a Redencdo sera completada; o
Reino de Deus sera definitivamente (re)estabelecido, e 0 shalom
existird novamente. Esta é a esperanca crista; é por ela que os
cristaos devem ansiar, e dela devem testemunhar. Como Wolters
resume: “Em todos os lugares, a criacao nos chama para honrarmos
os padrées de Deus. Em todos os lugares, a pecaminosidade do
homem quebra e deforma. Em todos os lugares, a vitoria de Cristo
esta prenhe da derrota do pecado e da recuperacéo da criagao”2!,
Esta plenitude da restauracdo equivale @ glorificacdo, ou
consumacao, para aqueles autores que dividem a cosmovisdo em
quatro pontos. Adotamos aqui a divisdo em trés pontos por ser a
mais recorrente entre os autores que tratam do tema, mas é preciso
JSazer algumas observa¢ées sobre a importancia desse quarto ponto.
Aqueles que defendem a distincdo entre Redencdo e Consumacdo
estdo corretos em ressaltar que, ainda que a Consumac¢dao represente
a plenitude da obra redentora de Cristo na criacdo, ela ndo é
simplesmente a conclusdo de um processo que vai se acumulando até
se completar de forma “natural”. Antes, a consumacdo é um evento
novo, histérico, radical e decisivo, que acontecerd com o retorno de
Cristo, em que ele se assentaré em seu trono, julgard a criacao e por
Jim restaurara definitivamente todas as coisas. Como diz Ryken,
“somente enta@o — somente quando Jesus voltar — o mundo seré
tudo o que Deus planeja que seja. E somente entdo nos tornaremos
tudo o que Deus planeja que sejamos"™=/,
A Biblia gfirma que, quando Jesus voltar, traré consigo os santos
que pereceram, agora ressurretos (1Ts 4:13-16); dard um novo corpo,
&lorificado como o seu, aos santos que estiverem vivos (1Co 15:50-
58); julgaraé e condenara os impios, purificard a terra de toda a
maldade e corrupcdo (Ap 20:11-15), e entao inaugurard novos céus €
nova terra, trazendo consigo a nova Jerusalém, a cidade santa onde
a humanidade redimida (a Igreja triunfante) desenvolverd todo o seupotencial criativo, desta vez sem a influéncia do pecado, nem mesmo
sua ameaca (Ap 21:1-22:5). Como ja foi dito, 0 céu ndo é uma
realidade etérea, em que seremos como anjos pulando de nuvem em
nuvem sem nada para fazer, mas serd um lugar em que pessoas, com
corpos perfeitos, desenvolverao a cultura de forma perfeita, e toda a
cria¢ao existiré em perfeita harmonia, consigo e com o seu criador e
redentor (Is 11:6; Mg 4:3; Zc 8:5).
Esta visdo nos enche de esperanca e expectativa quanto ao futuro;
contudo, saber que essa realidade serd resultado de uma nova
intervencdo radical de Deus no mundo através de Jesus nos livra de
visdes triunfalistas ou de um otimismo excessivo, tanto sobre o
potencial da cultura quanto sobre a atuacdo da igreja no mundo.
Existem aqueles que, ao descobrirem a visdo de que a cultura nado é
em si pecaminosa, tornam-se indistintamente receptivos demais a
tudo que a cultura oferece, e perdem a capacidade critica de julgar
tudo e reter somente o que é bom; estes acham que o desenvolvimento
da cultura naturalmente levaré a plenitude do Reino de Deus, ao
restabelecimento da shalom, o que nao é verdade. Ha também aqueles
que possuem uma visdo exageradamente positiva da capacidade que
@ igreja e os cristdos teriam de redimir a cultura e a sociedade por
sua acdo e engajamento. Pensam que podem auxiliar a volta de
Cristo, ou até mesmo tornd-la desnecessdria; a igreja por si
purificaria, enfim, todo o mundo. Também estes estdo enganados.
Mas, se a@ igreja nado auxilia a volta de Cristo, mas tem uma
missdo @ cumprir, como ja vimos, qual a sua funcdo em relacdo a
consumacao? Embora ndo tenhamos uma parte ativa na execu¢ao da
consumacéao, a compreensdo de sua iminente chegada deve orientar
nosso modo de agir hoje. Como sabemos o.fim da historia, devemos
agir no presente de acordo com o que sabemos. Para isso, precisamos
retomar aqui uma figura utilizada por Paulo: a do embaixador (2Co
5:18-6:10). Representamos um Reino estrangeiro, e anunciamos que
ele vird certamente e com poder. Convidamos pessoas a aderirem
também a este Reino, enquanto demonstramos, através de nosso
comportamento e da comunhdo como é a vida neste novo Reino.
Contudo, nado somos responsdveis por implementd-lo ou edificd-lo;esta tarefa é realizada pelo Espirito Santo através de nosso
testemunho. Esta diferenca pode parecer sutil, mas é crucial. Jesus
nos conferiu poder e autoridade para sermos suas testemunhas, €
esse poder vem do Espirito que foi derramado sobre nos. Ele ndo
garantiu que todos a quem pregéssemos se converteriam, mas
aqueles a quem ele mesmo quiser salvar. Sobre nds nado repousa @
responsabilidade de sermos ¢ficientes, no sentido de fazer 0 maior
numero possivel de adeptos, mas de sermos fidis em nosso
testemunho, conservando-o integro em nossas palavras e acées, €
ensinando outros a guardar todas as coisas que Jesus ordenou (Mt
28:20). Nossa tarefa é plantar e regar; quem dd o crescimento é
Cristo (1Co 3:4-9). Quando entendemos isso, somos libertos de um
grande peso, e temos tranquilidade para anunciar a todos a grande
Reden¢ao, que ja se manifesta sobre todas as partes da cria¢do.