Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TCC - Ana Beatriz S. Leite
TCC - Ana Beatriz S. Leite
João Pessoa
2022
ANA BEATRIZ SARAIVA LEITE
João Pessoa
2022
ANA BEATRIZ SARAIVA LEITE
Data: 20/06/2022
Banca Examinadora
_____________________________________________
Profa.° Dra.° Priscilla Gontijo leite (Orientadora)
(Departamento de História - UFPB/CCHLA)
(Orientadora) (nota: 10,0)
_____________________________________________
Marco Valério Classe Colonnelli
(Departamento de Letras - UFPB/CCHLA)
(Avaliador) (nota: 9,0)
_____________________________________________
Gustavo Junqueira Duarte Oliveira (PUC-CAMPINAS)
(Avaliador) (nota: 9,0)
João Pessoa
2022
RESUMO
The present work consists of analyzing the social and political aspects configured in
the Homeric poems, the Iliad and the Odyssey. The purpose of this research is to
reflect on how these works characterize an important source about the beginning of
the archaic period and the formation of the polis. In this way, it is pondered to what
extent there is a proximity between the elements that make up the political and social
organization of the epics with the constitution of a polyad structure, situated between
the 8th and 7th centuries BC. C, highlighting one of the main political instances of
Greek antiquity: the assemblies. At the same time, it considers the elements that
characterize the community organization of the Homeric epics as a society whose
aristocratic domain – oîkos – stands out.
Enfim, após cinco anos intensos, encerro aqui um importante ciclo na minha
vida. E nada disso teria sido possível, sem a ajuda de pessoas incríveis que encontrei
ao longo desse caminho, e venho, por meio desse texto, expressar minha eterna
gratidão.
Sou extremamente grata a minha panelinha do curso, sem eles teria sido
impossível aguentar esses cinco anos, obrigada Ana Laura, Mariana, Francinally,
Gustavo, Thiago e Devid, por todo o apoio, pelos trabalhos em grupos, por salvar com
resumos de prova, enfim, por serem minha rede de apoio nessa jornada.
CAPÍTULO I 12
1. O estudo da História Antiga através de textos literários........................... 12
2. Paul Veyne e o pensamento mítico do homem grego................................. 17
CAPÍTULO II 22
3. Reflexões acerca da formação da polis nos séculos VIII e VII a.C........... 22
4. A estruturação das instituições da polis: a assembleia.............................. 25
CAPÍTULO III 30
5. As assembleias homéricas............................................................................ 30
6. Uma análise das passagens em assembleia na Ilíada................................. 31
7. Analisando a assembleia em Homero: a Odisseia...................................... 34
8. Estruturação das assembleias homéricas.................................................... 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 45
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA......................................................................... 47
|8
INTRODUÇÃO -
DISCUSSÃO TEÓRICA-METODOLÓGICA UTILIZADA NA PESQUISA
na atuação popular dos cidadãos, sendo um local no qual o dêmos se reunia e decidia
questões relacionadas à vida na cidade. Em Homero, estas assembleias são
apresentadas enquanto um importante meio de interação social e já desempenhavam
algumas funções deliberativas – um espaço no qual se conduzia conflitos relacionados
aos homens e aos deuses –, sendo possível identificar um princípio organizativo que
constitui uma característica dessas instâncias de modo geral. Dessa forma, as
assembleias constituem um importante instrumento dentro dos estudos referentes aos
elementos comunitários representados na obra, relacionando-se diretamente com a
questão da emergência da polis enquanto forma de organização coletiva.
A primeira fonte base a ser analisada foi a Ilíada, na qual se realizou a leitura
através de fichamentos dos cantos (do I ao XXIV), destacando as temáticas ali
abordadas, os principais enredos e personagens, e as passagens de assembleias
configuradas na obra, nas quais se destacam, além da passagem contendo a fala de
1
De acordo com José Ribeiro Ferreira, o conceito da “pólis”, vai além de apenas a formação das
cidades, da constituição de um estado, podendo ser remetido também ao sentido de povo: “Para o grego,
os cidadãos é que interessavam, já que eram eles o cerne da pólis e não o aglomerado urbano” (p. 76).
FERREIRA, J. R. Civilizações Clássicas I — Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996.
2
HOMERO. Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. 1° ed. São Paulo: Pinguim Companhia das Letras, 2013.
HOMERO. Odisseia. Trad. F. Lourenço. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
|10
O presente trabalho, não tem como objetivo situar e delimitar de onde e/ou
quando Homero está falando. Mas sim, evidenciar através da metodologia acima
citada, como os poemas constituem uma importante fonte acerca do início do período
arcaico e o processo de formação da polis, por meio das assembleias presentes nas
obras. Dessa forma, a pesquisa se desenvolve da seguinte forma: inicialmente, no
primeiro capítulo, é realizada uma abordagem teórica metodológica acerca das fontes
utilizadas; em seguida, é elaborada uma análise acerca do período arcaico grego,
formação da polis e suas respectivas instituições; e por fim, a análise e levantamento
das passagens em assembleia na Ilíada e Odisseia.
3
Sobre esse debate, destaco a contribuição de Paulo Ângelo de Sousa, que reflete o uso literatura
dentro da pesquisa histórica, tomando por base os textos antigos – literatura grega clássica –, ao mesmo
tempo em que coloca as principais críticas realizadas aos historiadores no que diz respeito a abordagem
destes da literatura enquanto um documento histórico. Ver: SOUSA, P. Â. de M. A História Antiga a
partir de textos literários. Teresina: EDUFPI, 2017
|12
CAPÍTULO I
Tal século, é abarcado por uma longa discussão na qual a história ainda está
sendo estruturada enquanto campo de conhecimento. então, nesse momento, nos
debruçamos num debate que questiona o estatuto da história enquanto ciência e a
necessidade de uma metodologia própria do saber histórico. Essa discussão é um
reflexo do debate que remonta ainda ao século XIX, em que a história até aquele
momento não era considerada uma disciplina científica, tendo como função
orientar/guiar a sociedade para o futuro enquanto magistra vitae4. No entanto, ainda
neste século, se acompanha a um interesse fervoroso pelo cientificismo e também a
influência do positivismo, que logo afeta o campo historiográfico, no qual serão
realizadas críticas acerca do discurso puramente retórico na história – que por sua vez
teria que assumir um caráter neutro e objetivo –, uma vez em que esse discurso se
4
Sobre a história enquanto magistra vitae, deixo aqui a reflexão realizada no texto: MARQUES,
JULIANA BASTOS. A historia magistra vitae e o pós-modernismo. Ouro preto: n° 12, 2013. (63-78)
Que traz uma crítica acerca das abordagens e discussões mais recentes realizadas na área de Teoria da
História sobre a ruptura radical entre a historiografia da Antiguidade clássica e da modernidade,
evidenciando o debate feito por Momigliano. Ver também: MOMIGLIANO, A. As raízes clássicas da
historiografia moderna. Tradução de Maria Beatriz Borba Florenzano. Bauru/SP: Edusc, 2004,
|13
5
Sobre o positivismo e o método científico histórico, ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. O atual e o
inatual em Leopold von Ranke. In: _____ (org.) Ranke. São Paulo: Ática, 1979.
6
Não cabe dissertar neste trabalho, mas julgo essenciais alguns debates realizados por Paul Veyne para
compreensão da escrita histórica e a constituição do método científico: VEYNE, Paul. Como se escreve
a história. São Paulo: EDUSP, 1994.; VEYNE, PAUL. Acreditavam os gregos em seus mitos? In.
Quando a verdade histórica era “tradição e vulgata” / Pluralidade e analogia dos mundos de verdade. (p.
15-27/p. 27-39).
|14
7
É válido ressaltar que a interdisciplinaridade dentro do campo histórico não é incorporada apenas com
as discussões dos séculos XIX e XX. Na área da antiguidade, por exemplo, a arqueologia já vinha
sendo utilizada como uma importante ferramenta, assim como a literatura.
8
Pode-se destacar nessa linha, o historiador francês Roger Chartier, que coloca a ideia de cultura como
as significações que o homem dá à sociedade e como este a compreende, tendo como objetivo
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é
construída, ver: CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Trad. de
Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988.
|15
De acordo com Paulo Ângelo, outro ponto para qual se faz necessária a
atenção, diz respeito ao método da leitura histórica, mais precisamente, ao método
histórico-formal da abordagem materialista da literatura. Para o historiador, toda
produção está inserida no seu tempo, logo, o estudo de suas expressões permite
compreender como a sociedade se configura naquele momento. Dessa forma, a
abordagem histórica revelará um conjunto de ideias e valores que informam a
experiência social representada nessas produções. Esse método histórico-formal da
abordagem materialista da literatura, apontado por Ângelo, consiste então em colocar
de um lado os aspectos sociais e do outro, a sua ocorrência na obra literária, propondo
|16
uma síntese dialética que permita uma interpenetração efetiva do literário com o
social (SOUSA, 2017). Se remete justamente à busca do historiador pela
contextualização, dada através da identificação e aproximação da realidade social de
uma determinada obra com o contexto em que a mesma está inserida. Nessa
perspectiva, a abordagem histórica vai representar um tipo de leitura que sobrepõe o
contexto ao texto, contexto esse que é entendido como uma realidade fora do texto e
não pertencente a ele, fazendo com que a obra literária se torne apenas um mero pano
de fundo do social, sem efetiva força cognitiva (SOUSA, 2017).
Veyne coloca que um mundo não poderia ser fictício apenas por si mesmo,
mas sim, se este é visto como uma ficção, na medida em que se acredite nele ou não.
Logo a ficção não se opõe necessariamente à verdade, mas é um subproduto desta, na
medida em que, por exemplo, a Ilíada seja uma obra imersa em elementos ficcionais,
misturando deuses e humanos, ao se acreditar na obra, ela não será menos verdadeira
dentro da sua lógica de verdade mítica (VEYNE, 1984). O mito se configura, então,
enquanto sendo um relato anônimo, no qual não se poderia ser o autor, consistindo
numa reprodução do que já era dito acerca dos heróis e deuses.
9
Por “consenso geral” entende-se as colocações realizadas por Finley, em O mundo de Ulisses (1982),
Vidal-Naquet, em O Mundo de Homero (2002), Ian Morris, em The Use and Abuse of Homer (1996).
10
Sobre a tradição oral e fixação dos poemas, ver o artigo produzido por OLIVEIRA, Gustavo
Junqueira Duarte. Homero: oralidade, tradição e história. PPG-LET-UFRGS, Porto Alegre. Vol. 04,
N° 01. Jan/jun 2008., que resgata uma ampla discussão feita por autores como Milman Parry; James A.
Notopoulos; Albert Lod; Snodgrass. Sobre as hipóteses dessa questão, ver a discussão feita por: NETO,
Félix Jácome. A arte de Homero e o historiador: observações introdutórias. Romanitas - Revista de
Estudos Grecolatinos, n. 2, p. 197-218, 2013.
11
Me refiro nesse ponto a uma experiência pessoal realizada através do Programa de iniciação
científica, onde pude desenvolver uma pesquisa em torno dos aspectos sociais e políticos nos poemas
homéricos: Assembleia - Espaço de palavras: uma comparação entre Homero e Aristóteles, e As
assembleias homéricas e reflexões sobre o início da política em Atenas.
|20
CAPÍTULO II
Estado grego e sua ruptura com a estrutura que o antecedeu, são alguns dos
questionamentos que perpassam o campo neste momento. Apesar de sua ampla
difusão, a pesquisa em torno da formação da polis ainda é uma temática bastante
nebulosa visto que as fontes dessa época, principalmente a escrita, não revelam tantas
informações acerca desse período12 . Com isso, as pesquisas em torno desse tema são
realizadas sobretudo com o auxílio de outras áreas como a arqueologia e a literatura,
que revelam traços significativos de como se estabeleceu esse sistema. Em A
arqueologia e o estudo da cidade grega, Snodgrass reforça essa dificuldade com as
fontes, ao realizar uma análise acerca da composição da polis, centralizando o papel
da arqueologia. Segundo o autor, ocorre uma abertura nesses campos de pesquisa,
principalmente após 1950, no qual novas evidências passam a serem utilizadas para
compreensão desses estudos, visto que as fontes escritas já se mostravam insuficientes
pela sua inexatidão. Diante desse obstáculo, Snodgrass chega a afirmar que “[...]
podemos refletir sobre uma questão em relação ao tratamento da polis em seu estado
de formação, como um exemplo não histórico, uma vez que ela é praticamente
inexistente na documentação da época.” (SNODGRASS, 2006, p. 272)
Morgan (2003) tece uma análise acerca dos Estados gregos a partir de sua
formação identitária, evidenciando o éthnos como um fator primordial da constituição
de uma identidade política. Segundo a autora, “póleis e éthne eram, então, níveis de
identidade com os quais as comunidades podiam se identificar com entusiasmo e
motivação variáveis conforme o momento.” (MORGAN, 2003, p. 1) Diferentemente
de Snodgrass, Morgan indica a relevância das evidências arqueológicas, mas pontua
também as dificuldades e limitações dessas fontes, indicando como a variação das
identidades influenciam no modo em que Estado é formado. Nesse sentido, ela resgata
materiais referentes a regiões como Tessália, Fócida, Lócris Oriental, Acaia e Arcádia,
cuja as evidências são deixadas de lado dentro dos estudos acerca da polis.
12
Acerca da ausência de fontes escritas e o auxílio da arqueologia, ver as considerações realizadas por:
SNODGRASS, A. Archaeology and the Emergence of Greece. Edinburgh, Edinburgh University Press:
2006. (p 269-289). [tradução: Cibele E. V. Aldrovandi; revisão Labeca] e MORGAN, C. Early Greek
States Beyond the Polis. Londres, Routledge: 2003. (p. 1-44). [tradução: Maria C. Abramo; revisão
Labeca
|24
13
“a ascensão das cidades na cultura de cidade-estado da Grécia antiga deve ser colocada pelo menos
até o século sétimo a. C, e possivelmente no início daquele século. Não há fundamento para supor um
intervalo de 100 ou 200 anos entre a formação do estado e a formação da cidade: os dois processos
aconteceram lado a lado, sem dúvida em constante interação.” HANSEN, Mogens Herman. Polis, An
Introduction to the Ancient Greek City-state. Oxford University Press Inc. New York, 2006 (p. 100)
|25
14
Intrinsecamente ligado ao processo de surgimento da polis, a colonização grega é um dos pontos que
Finley alega “faltar” em Homero, indicando também a ausência de povoamento que seria uma das
consequências desse processo de colonização.
|26
No entanto, Finley acredita que para o momento em que o poeta escrevia, “o princípio
da comunidade já estava bastante desenvolvido”, o suficiente para que a
administração da justiça assumisse um caráter público. Em contrapartida, o contexto
em que a narrativa se desenvolve, isso não poderia ocorrer dado ao “poder intangível
da opinião pública” (p. 106).
Apesar desses estudos citados divergirem entre si, o que é natural dado o seu
processo de constituição, Ferreira (1996) aponta uma estrutura comum às poleis,
como estas se organizavam socialmente (a clivagem entre as classes sociais, os “livres”
e “não-livres”), a estrutura política, a obtenção da cidadania e a limitação da soberania
popular, os principais órgãos institucionais. Estes últimos eram o Conselho, os
Magistrados e a Assembleia do povo. Quando se estuda as origens da polis, muito se
observa os materiais que indicam algum tipo de vestígio dessa estrutura, como um
determinado grupo social, ou uma forma de organização política, a presença de
alguma instituição. Ambos os poemas também fornecem elementos do que seriam as
principais instituições da polis, como o Conselho dos anciãos e a Assembleia. Se os
estudos acerca da formação desse sistema são nebulosos, a análise em torno da
construção das instituições é mais imprecisa ainda.
15
Sobre as leis e a polis democrática, ver: TRABULSI, José Antônio Dabdab. A democracia ateniense
e nós. In: E-hum Revista Científica das áreas de História, Letras, Educação e Serviço Social do Centro
Universitário de Belo Horizonte, vol. 9, n.o 2, Agosto/Dezembro de 2016
|27
16
Analisando o debate realizado por Mossé (1984) e Ferreira (1996), a própria clivagem social presente
no início da formação da polis, no século VIII a. C. não pode ser entendida como bem consolidada,
dada a ausência das fontes. A polis regida por uma lei que abrangesse a todos, cujo poder de escolha
concentrava-se no dêmos, só apresenta indícios nos fins do século VII a. C.
|28
17
Ao apontar uma característica comum entre estas instituições, evidencio o princípio organizativo e
deliberativo, sem ignorar suas respectivas singularidades, das assembleias, sendo esta, uma instituição
que remonta o início da polis e perdura até o período clássico, com o nascimento e solidificação da
democracia, consagrando também um dos principais órgãos desse sistema. Acerca das funções
desempenhadas por esta na antiguidade, ver: STARR, C. G. O nascimento da democracia ateniense - A
assembleia no século V a.C. Trad: Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ed. Odysseus; 2005; como
também: HANSEN, Mogens Herman. The Concepts of Demos, Ekklesia and Dikasterion in Classical
Athens. Greek, Roman, and Byzantine Studies 50 (2010), que ao analisar os conceitos de dêmos,
ekklesia e dikasterion, evidencia o conceito de demos concebido enquanto instituição política
(relacionando-o com a ekklesia), e no sentido de povo ateniense no geral (p. 507-515).
|29
Seus escritos são um pouco vagos quanto ao que devemos esperar encontrar em
Homero ou não [...]. O que está faltando em Homero que existiu no século VIII?"
(MORRIS, 1986, p. 96)
CAPÍTULO III
5. As assembleias homéricas
19
Faço aqui esta distinção devido ao fato de existir as assembleias realizada para discutir assuntos
relacionados aos deuses.
|31
20
“Canta ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus e
tantas almas valentes de heróis lançou no Hades, ficando seus corpos como presa para cães e aves
desde o momento em que primeiro se desentenderam o Atrida, soberano dos homens, e o divino
Aquiles” (Ilíada. I-VII; grifos nossos). Logo no primeiro verso, Homero define o tema da Ilíada e a
trama que move a narrativa.
21
No texto de introdução da Ilíada, Jones contabiliza que 40% das falas tomadas dentro do poema, são
de Aquiles: “Mas, na Ilíada, há nada menos que 666 falas, constituindo mais de 40% do conjunto total
da obra. O fato ainda mais notável de todos é que embora Aquiles esteja ausente em mais da metade da
Ilíada, sua voz é ouvida muito mais que qualquer outro.” (p. 33)
22
Ao falar da valorização dessa aristocracia em Homero, leva-se em conta também para quem os
poemas eram cantados: “Quando lemos a Ilíada e a Odisseia, não podemos esquecer que esses poemas
eram destinados a serem recitados para um auditório de homens ricos e poderosos, capazes de ir à
guerra armados dos pés a cabeça” (VIDAL-NAQUET, 2002, p. 15).
23
Ver as assembleias organizadas para decidirem acerca da libertação de Briseida, filha de Crises
(sacerdote de Apolo), que estava sob posse de Agamêmnon. As discussões em torno desse conflito se
estenderam por duas sessões de assembleia (Ilíada, I, 17-52 e 54-305). As assembleias em torno desse
conflito, são as que dão início à narrativa. Na primeira, Agamêmnon recusa o pedido de resgate feito
por Crises, em prol da libertação de sua filha. O sacerdote então recorre a Apolo, que, por sua vez,
envia a peste avassaladora ao acampamento em que se encontrava os aqueus. Diante da situação,
Aquiles convoca uma assembleia, a segunda, na qual ocorre um embate com o Agamemnon. A
discussão resulta na retirada de Aquiles dos combates, que pede à sua mãe, a deusa Tétis, que interceda
junto a Zeus para que seja vingado.
|34
25
“[...] nem há outro assunto público sobre o qual deseje discursar. A necessidade é minha, pois sobre
a minha casa se abateu uma dupla desgraça: perdi o nobre pai, que vos reinou [...] Mas a outra desgraça
é pior, pois em breve toda minha casa destruirá e a mim tirará os meios de subsistência [...]”. (Odisseia,
II, 44-49)
27
“Ao decorrer da segunda assembleia cujo propósito era resolver a libertação de Briseida, Aquiles
toma a palavra seis vezes, e Agamemnon quatro; mas ao longo de todo o debate dirigem-se sempre
directmente um ao outro como dois homens que altercam em privado (...)” (FINLEY, 1982, p. 78)
|37
onde Hermes guia a descida ao Hades; e do 205 ao verso 547, no qual a narrativa se
volta para Ulisses em Ítaca28.
Haliterses em sua fala, aponta que aquilo só ocorrera devido ao fato de que os
pretendentes não quiseram escutar a ele e a Mentor, desrespeitaram Odisseu e sua
nobre esposa, e agora estão arcando com as consequências:
Acerca dessa divisão de temáticas presentes no canto, ver: GOETTEMS, Míriam Barcellos. O Canto
28
29
“Não há nessa assembleia a constituição de um corpo coletivo pensado em termos de unidade. Não
há uma votação na qual a minoria se obriga a acompanhar a decisão da maioria, no sentido da
realização de uma ação conjunta. Os eventos nela descritos não podem ser caracterizados por uma
consulta ao povo para saber qual seria a sua vontade para traduzi-la em ação política, em nome do todo.”
(JULIEN, 2013, p.72)
30
Na assembleia utilizada para o julgamento do comportamento de Odisseu perante os pretendes, no
momento de concessão das honras fúnebres, é possível identificar já uma menção à ágora: “Depois
foram todos para ágora, entristecidos. Levantou-se Eupites e dirigiu-lhes a palavra.” (Odisseia XXIV,
420-421)
|39
reconhece que as obras também não estão plenamente situadas numa estrutura políade.
E de fato, como já mencionado, Homero recorre a várias temporalidades para
desenvolvimento de sua narrativa, havendo assim uma mescla de elementos que
impossibilita essa delimitação temporal da obra. No entanto, a discussão em torno da
questão homérica, que situa os poemas no século VIII, torna-se evidente como a
realidade histórica da polis influenciou na composição dos poemas. Finley, em O
mundo de Ulisses, não deixa de estar correto em sua evidência do domínio do oîkos, e
a ausência do dêmos na tomada de decisões, mas essa estrutura não anula os indícios e
a influência da realidade histórica na obra. Os deuses, as criaturas míticas, os heróis e
as batalhas de Homero se movem em um mundo real.
A ILÍADA
Passagem na obra Quem toma a palavra N° de vezes que toma Reação do dêmos
diante a assembleia a fala presente
Agamemnon direciona
a fala para Aquiles 1(x)
Aquiles direciona a
fala para Agamemnon 1(x)
Aquiles direciona a
fala para Agamemnon 1(x)
Aquiles o interrompe
1(x)
“Assim falava a
multidão”, reação do
povo diante a fala de
Tersites. (270-276)
Canto II, 788-808 A deusa Íris toma a 1 (x) “Estavam eles na
fala assemelhando-se a assembleia perto dos
Os troianos recebem a
Polites portões de Príamo e
notícia do ataque
encontravam-se todos
reunidos, tanto novos
quanto velhos.” (788-
789)
Canto VII, 325- Nestor inicia a 1 (x) “Assim falou; e com
assembleia ele todos os reis
Rejeição do acordo de –
concordaram” (344)
paz por parte dos
aqueus
–
Antenor toma a fala
1 (x)
(caracterização
Em paralelo, ocorria
resumida ao adjetivo
uma assembleia entre
|42
Príamo (rei)
–
–
–
–
–
“Assim falou; e
|43
Heitor o responde
Canto XIX (40- 240) Aquiles inicia fala em 1 (x) “Ao longo da orla do
assembleia mar caminhou o divino
Aquiles retorna aos
Agamemnon replica Aquiles, lançando um
combates
Aquiles “do lugar em grito medonho, que
estava”, sem se colocar acordou os heróis
1 (x)
“no meio” da Aqueus. E até aqueles
assembleia (76-78) que outrora tinham o
hábito de permanecer
Aquiles reponde 1 (x) entre as naus ou que
Agamemnon eram ucheiros nas
naus, dispenseiros de
Odisseu toma a palavra 1 (x) comida, até esses
vieram à assembleia,
Agamemnon replica 1 (x) por que Aquiles
Odisseu aparecera, ele que
1 (x) havia muito desistira
Aquiles toma a palavra do combate doloroso.”
(40-46)
1 (x)
Ulisses replica e sua
fala encerra esta
reunião
A ODISSEIA
Passagem na obra Quem toma a palavra N° de vezes que toma Reação do dêmos
diante a assembleia a fala presente
Canto II, 6-259 Egípcio, abre a reunião 1 (x) “Assim falou e na sua
em assembleia sendo o fúria atirou o cetro ao
A assembleia de
primeiro a tomar a fala chão, sufocado de
Telêmaco para decidir
(herói) lágrimas; e todo o povo
o que fazer diante a
sentiu pena dele. Todos
situação com os
Telêmaco toma a fala, ficaram em silêncio;
pretendentes de
discutindo a natureza ninguém teve coragem
Penélope 1 (x)
pública e/ou privada da de responder a
assembleia (nobre) Telêmaco com
palavras agrestes.” (80-
Antino responde à 1 (x) 83)
Telêmaco (nobre)
Telêmaco replica
|44
Antino 1 (x)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse debate, é possível então perceber como os estudos em torno das
representações políticas e sociais do mundo homérico estão diretamente relacionados
com os debates acerca da formação da polis. Aqui, eu trago as análises acerca de uma
das principais instituições do mundo grego antigo, a ecclesia, mas os poemas
fornecem diversos outros elementos que auxiliam na compreensão da temática
referida. O trabalho numa perspectiva relacional entre a fonte e o contexto em que
esta perpassa, compreendendo também a complexidade literária que a obra envolve,
permite que a análise dessa configuração social em Homero não caia em armadilhas,
promovendo assim uma ampla visão de como proceder com o que o poeta nos conta.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
HOMERO. Ilíada. Trad. F. Lourenço. 1° ed. São Paulo: Pinguim Companhia das
Letras, 2013.
HOMERO. Odisseia. Trad. F. Lourenço. São Paulo: Cia. das Letras, 2011.
MORRIS, Ian. The use and abuse of Homer. Classical Antiquity, Vol. 5, No. 1 (Apr.,
1986), pp. 81-138.