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343 1530 1 PB
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Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil
Resumo: O presente estudo retrata a trajetória da reforma psiquiátrica brasileira, dos seus antecedentes até
os dias atuais, com suas inspirações, avanços, desafios e retrocessos. Esse processo pode ser evidenciado por
meio de relatórios de conferências, leis, decretos, portarias e normativas implantados pelo governo federal
brasileiro para a construção de políticas públicas em saúde mental. Tem por objetivo conhecer e compreender
a trajetória da reforma psiquiátrica brasileira. Trata-se de uma pesquisa histórica, dentro de uma abordagem
qualitativa, tendo se utilizado, a priori, documentos oficiais, do governo brasileiro, pertinentes as políticas
públicas em saúde mental, álcool e outras drogas. Artigos da área foram utilizados como complemento aos
documentos oficiais e para analisar a trajetória de movimentos e grupos ligados a saúde mental. Conforme os
documentos analisados, evidenciamos avanços, retrocessos e desafios a serem enfrentados na atenção em
saúde mental. Percebe-se a construção de um novo modelo assistencial, com serviços comunitários, como
um dos principais avanços da reforma psiquiátrica. Em contrapartida, nos deparamos com aos retrocessos
e desmontes dos últimos anos, com o retorno de práticas manicomiais. Os desafios e as lutas seguem
permanentes, onde usuários, familiares e profissionais permanecem militantes acerca do rompimento das
práticas e condutas manicomiais, luta contra a discriminação e maiores recursos a área da saúde mental.
Abstract: The present study portrays the trajectory of Brazilian psychiatric reform, of your background to
the present day, with its inspirations, advances, challenges and setbacks. This process can be evidenced
through reports of conferences, laws, decrees, ordinances and regulations implemented by the Brazilian
federal government for the construction of public policies on mental health. Its objective is to know and
understand the trajectory of Brazilian psychiatric reform. It is a historical research, within a qualitative
approach, having used, a priori, official documents of the Brazilian government relevant to public policies
on mental health, alcohol and other drugs. Articles from the area were used as a complement to official
documents and to analyze the trajectory of movements and groups linked to mental health. According to
the analyzed documents, we show advances, setbacks and challenges to be faced in mental health care.
The construction of a new care model is perceived, with community care services, as one of the main
advances in psychiatric reform. On the other hand, we are faced with the setbacks and dismantling of
recent years, with the return of asylum practices. The challenges and struggles remain permanent, where
users, family members and professionals remain militants about the disruption of asylum practices and
behaviors, fight against discrimination and greater resources in the area of mental health.
1
Enfermeira. Especialista em Saúde Mental pelo Programa de Residência Multiprofissional do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestranda
pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre-RS, Brasil. E-mail: dayanedegner@gmail.com
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFCSPA. Porto Alegre-RS, Brasil.
E-mail: annieufcspa@gmail.com
Submetido em: 01/03/2021. Primeira decisão editorial: 27/05/2021. Aceito em: 10/06/2021.
14
Introdução Dos serviços da RAPS, o CAPS é uma
referência no acompanhamento ao usuário em
O processo da reforma psiquiátrica sofrimento psíquico, devido sua proposta de cuidado
brasileira, iniciou-se no final da década de 1970, comunitário, integral, humanizado com vistas a
propondo discussões e reflexões entre profissionais independência e autonomia do indivíduo (Portaria
da saúde e a sociedade sobre o acompanhamento e nº 336/GM, 2002). Atualmente, o SUS conta com,
tratamento em saúde mental (Ministério da Saúde, aproximadamente, 2.700 CAPSs espalhados pelo
2013, Ministério da Saúde, 2015, Amarante & Nunes, Brasil, em suas diferentes modalidades.
2018). Anteriormente, os indivíduos em sofrimento Vale a pena salientarmos, também, acerca
psíquico eram vistos como “loucos”, desprovidos de da Política de Atenção Integral ao Usuário de
autonomia e direitos, e tendo seu cuidado centrado Álcool e outras Drogas (PAIUAD). Propõe ações de
em internações psiquiátricas, longe de sua família e prevenção e Redução de Danos (RD) decorrentes do
comunidade (Amarante, 1995). uso abusivo de álcool e outras drogas. Na mesma
As mudanças ocorridas, nos anos seguintes, lógica da PNSM, visando um cuidado integral,
deflagraram o processo de desinstitucionalização, humanizado, de acordo com as necessidades
com consequente desconstrução das práticas individuais e sendo discutido com o usuário, as
manicomiais. E nesse período, começou-se a intervenções e o processo de cuidado (Ministério
pensar acerca de um novo modelo assistencial, da Saúde, 2004a).
onde a cidadania, os direitos, as aspirações, Porém, nos últimos anos, após 2016, o
a reabilitação psicossocial e a (re)inserção nosso país vem enfrentando retrocessos e o retorno
social passam a ser os propósitos da atenção de práticas manicomiais que resgatam o modelo
em saúde mental (Ministério da Saúde, 2013). hospitalocêntrico. Em 2019, a Nota Técnica nº 11,
Observamos importantes avanços no cuidado com retratava uma “Nova Política Nacional de Saúde
a promulgação da Lei nº 10.216, a criação da Rede Mental”, contrariando a Lei nº 10.216/2001, devido
de Atenção Psicossocial (RAPS) e de políticas no incentivos a práticas psiquiátricas, financiamento
âmbito de álcool e outras drogas. as Comunidades Terapêuticas (CT) e abordagem
A Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), proibicionista ao uso de álcool e outras drogas, está
referida pela Lei nº 10.216/2001, desenvolvida pelo sendo referida na Política Nacional sobre Drogas
Ministério da Saúde (MS), é um marco na proteção (PND). Configuram-se como um retrocesso a PNSM,
e na defesa dos direitos humanos, ao consolidar um conduzida pela Lei nº 10.216.
novo modelo de atenção integral à saúde mental, Frente ao exposto, o estudo se trata de
visando a reabilitação psicossocial e a (re)inserção uma pesquisa histórica, dentro de uma abordagem
social dos indivíduos em sofrimento psíquico (Lei nº qualitativa. Utilizou-se, a priori, documentos oficiais,
10.216, 2001). do governo brasileiro, pertinentes as políticas
Em consonância com a PNSM, a RAPS, públicas em saúde mental, álcool e outras drogas,
integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), propõe como relatórios de conferências, leis, portarias,
o cuidado a usuários com transtornos mentais e/ decretos, normativas, caderno e guia. Artigos da
ou em uso de álcool e outras drogas. Dentre os área foram utilizados como complemento aos
serviços vinculados estão inseridos, os Centro de documentos oficiais e para analisar a trajetória
Atenção Psicossocial (CAPS); o Serviço Residencial de movimentos e grupos ligados a saúde mental.
Terapêutico (SRT); os Centros de Convivência e Tendo como objetivo geral conhecer e compreender
Cultura; as oficinas de geração de renda; as Unidades a trajetória da reforma psiquiátrica brasileira.
de Acolhimento (UAs); e os leitos de atenção integral
(Portaria nº 3.088, 2011).
15 D D R Brasil, A J B Lacchini
A Trajetória da Reforma Psiquiátrica Brasileira: uma recessão econômica, com a crise do modelo
Inspirações, Avanços, Retrocessos e Desafios previdenciário. A necessidade de diminuir os custos
fez com que as altas despesas com os manicômios
A história da psiquiatria remete ao início contribuíssem para a reforma psiquiátrica (Barroso &
do século XIX, com a chegada da Família Real. Silva, 2011).
Desempregados, mendigos, órfãos, marginais e loucos Nesse período, inicia-se, também, o
foram encaminhados às ruas ou às celas. Em 1830, movimento sanitário em favor da mudança dos
inicia-se o processo de medicalização da loucura, modelos de atenção em saúde, em defesa da saúde
com a construção de hospícios. Entre as décadas de coletiva, pela equidade dos serviços e protagonismo
30 e 50, descoberta da eletroconvulsoterapia (ECT) dos profissionais de saúde e usuários (Ministério
e da Lobotomia, onde psiquiatras acreditavam ser a da Saúde, 2005). Teve grande importância no
curada de transtornos mentais. D. Pedro II, no final processo da reforma psiquiátrica; sem as discussões
do século XIX, cria o primeiro hospital psiquiátrico; anteriores, não seria possível as mudanças em saúde
onde os “loucos” viviam em condições insalubres e mental (Ministério da Saúde, 2013).
isolados da sociedade (Universidade Federal de Ouro A partir daí, a assistência ao usuário vem
Preto, 2021, Devera & Costa-Rosa, 2007). passando por importantes modificações, onde os
Já no século XX, a Lei nº 6.439/77 cria o sujeitos deixam de serem vistos como “loucos”,
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social passando a serem reconhecidos como cidadãos, com
(SINPAS), abarcando institutos e fundações, dentre direitos e aspirações, integrante de uma família e de
eles, o Instituto Nacional de Assistência Médica da uma comunidade (Bezerra, 2007, Ministério da Saúde,
Previdência Social (INAMPS) (Lei nº 6.439, 1977). 2015). A seguir, exploraremos dados relacionados às
Constitui-se como a política pública de saúde, antes mudanças políticas e assistenciais em saúde mental,
da criação do SUS, sendo extinto pela Lei nº 8.689, álcool e outras drogas, associada aos avanços, desafios
em 1993. e retrocessos pertinentes ao período.
Associado a estas questões, inicia-se o
processo de reforma psiquiátrica, propondo a Críticas do Modelo Hospitalocêntrico
desconstrução e desinstitucionalização das práticas
manicomiais e a elaboração de um modelo de Aponta-se, no Tabela 1, os acontecimentos
atenção psicossocial, caracterizado pelo conceito pertinentes ao período histórico citado, de 1978
ampliado do processo saúde-doença, a qual remete a 2001, que influenciaram o início do processo da
à realidade biopsicossocial dos sujeitos (Amarante, Reforma Psiquiátrica brasileira.
1995, Berlinck, Magtaz & Teixeira, 2008). Tabela 1
Inspirada na reforma psiquiátrica italiana, Acontecimentos históricos da Reforma Psiquiátrica,
tendo como percursor Franco Basaglia, crítico referente ao período de 1978 a 1991 continua
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crítica as práticas psiquiátricas. A partir daí, instituído No âmbito de álcool e outras drogas, o “1°
movimentos estratégicos de luta, como o Movimento Seminário Santista sobre Aids”, ocorrido em 24 de
da Luta Antimanicomial, chamando a sociedade para novembro de 1989, em Santos, foi um acontecimento
reflexões, discussões e desconstruções acerca do marcante. Evidenciou-se como a primeira ação de
louco e da loucura, com participação de usuários e troca de seringas anunciada pelo governo de cidade
familiares (Tenório, 2002). (também conhecido como “Programa Troca de
Na perspectiva da ampliação do movimento, Seringas”). Desde então, as estratégias de RD vêm
é instituído o dia 18 de maio, como o Dia Nacional da se reinventando pelo Brasil, tanto no âmbito das
Luta Antimanicomial. Organizado por movimentos Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) como em
sociais, coletivos e entidades, é um dia de celebração, álcool e outras drogas. Em alusão a data, comemora-
acerca dos avanços no cuidado em saúde mental; e se, nesta data, o “Dia da Redução de Danos” em
de luta, contra práticas manicomiais (Tenório, 2002). nosso país (É de Lei, 2020).
Em 1987, instituído o primeiro CAPS no Brasil, na A década de 90, iniciou-se com fatos de
cidade de São Paulo. grande relevância a saúde, em nosso país. Em 19
O ano de 1989 foi marcado por de setembro de 1990, a Lei nº 8.080/1990, a Lei
acontecimentos importantes. Ocorreram eleições Orgânica da Saúde, dispõe sobre as condições para
diretas no país, sendo eleito o presidente Fernando a promoção, proteção e recuperação da saúde,
Collor de Melo, do Partido Republicano da Ordem a organização e o funcionamento dos serviços,
Social (PROS). Acerca da reforma psiquiátrica, a instituindo o SUS, seguindo os princípios firmados na
Intervenção a Casa de Saúde Anchieta, determinada Constituição de 1988, definindo-se, que “a saúde é
pela prefeita da época, Telma de Souza, do Partido dos direito de todos e dever do Estado”.
Trabalhadores (PT) atraiu a atenção da população, E em 14 de novembro, ocorreu a
devido a caótica situação da assistência, na cidade Conferência Regional para a Reestruturação da
de Santos. Assistência Psiquiátrica, em Caracas (Venezuela),
Os pacientes viviam ‘enjaulados’, sem contribuindo para seguimento da reforma
roupas, comendo nos latões onde haviam defecado, psiquiátrica brasileira. Neste encontro, no qual o
e o ECT era utilizado como punição. No período de Brasil foi signatário, foi promulgada a “ Declaração
intervenção, que durou por cinco anos, equipes de Caracas”, preconizando a promoção e a
proteção dos direitos humanos e civis às pessoas
multidisciplinares passaram a fazer atendimentos no
em sofrimento psíquico e a reestruturação da
local; o fechamento ocorreu em 1994 (Souza, 2019).
atenção psiquiátrica com base na Atenção Primária
Tal situação impulsionou a implantação de Núcleos
à Saúde (APS), no âmbito dos sistemas locais de
de Atenção Psicossocial (NAPS), cooperativas e
saúde (Ministério da Saúde, 2005).
residências terapêuticas, na cidade, com o aporte do
Porém, muita luta e resistência ainda
prefeito David Capistrano da Costa Filho, do PT, com
era necessária; ao longo da década de 80 e 90, os
mandato de 1993 a 1996 (Ministério da Saúde, 2005).
gestores da psiquiatria privada pressionaram o
Neste mesmo ano, o Deputado Federal
Governo brasileiro pela manutenção do convênio,
Paulo Delgado, do PT de Minas Gerais, apresentou
sendo contra o fechamento dos manicômios (Barroso
no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.657/89,
& Silva).
o qual tramitou por 12 anos (Delgado et al., 2007).
Influenciado pela Lei Italiana nº 180, de 1978,
Implantação da Rede Assistencial Extra-Hospitalar
o projeto visava a extinção do manicômio e a em Saúde Mental
construção de um novo modelo assistencial (Ribeiro,
Da Silva e De Holanda, 2017). Concomitantemente,
A Tabela 2, refere os principais aconte-
iniciaram a implantação dos serviços substitutivos
cimentos históricos, entre 1992 e 2000, que
ao modelo manicomial, baseado em leis estaduais,
marcaram o período de implantação da rede de
visando atendimentos aos usuários em serviços
saúde mental.
comunitários.
19 D D R Brasil, A J B Lacchini
e de seus objetivos, pela Resolução nº 93, de 02 de Devido a esses acontecimentos, ocorreu o
dezembro de 1993. A Resolução nº 298, de 02 de desenvolvimento dos serviços substitutivos, mas ainda
dezembro de 1999, constitui a Comissão de Saúde existiam impasses da tramitação do Projeto de Lei nº
Mental, objetivando assessorar o plenário do CNS na 3.657; com isso, as manifestações e reivindicações
formulação de políticas na área de saúde mental. se intensificaram pelo Brasil. Assim, o governo criou
O período histórico de 1995 a 2002 foi portarias, solicitando modificações no ambiente de
marcado pela governança de Fernando Henrique cuidado, como o aporte de equipes multiprofissionais,
Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira acomodações adequadas, terapias complementares
(PSDB). No âmbito das políticas públicas de álcool e o período de internação de até 60 dias (Barroso &
e outras drogas, em 1994, foi criada a Secretaria Silva, 2011; Portaria nº 189, 1991).
Nacional de Entorpecentes, pela Lei nº 8.764, de Os NAPS e os ambulatórios de saúde mental
20 de dezembro de 1993. Iniciou-se o “Projeto ofertariam atendimento familiar, visando à (re)
Drogas”, sendo uma articulação entre ISTs, SPA e RD. inserção social. Entretanto, o processo de expansão
Posteriormente, implementados os Programas de dos CAPS e NAPS é descontínuo; as normatizações
Redução de Danos (PRDs) desenvolvendo ações de de 1992, regulamentaram os serviços de atenção
diária, mas não instituíram o financiamento.
troca de seringa (Passos & Souza, 2011).
Do mesmo modo, as normas para fiscalização e
Em 1997, foi criada a Aborda, objetivando
classificação dos hospitais psiquiátricos não previam
a implementação da RD como política pública e
mecanismos para a redução de leitos (Ministério da
a articulação dos PRDs (Aborda, 2020). No ano
Saúde, 2005, Ministério da Saúde, 1992). Em 2000,
seguinte, criado o Centro de Convivência É de Lei, na
o país tem em funcionamento 208 CAPSs, porém
região do Brás, em São Paulo, com foco nas pessoas
cerca de 93% dos recursos são destinados aos
que fazem uso de SPA (É de Lei, 2020). E em 19 de
hospitais psiquiátricos.
junho de 1998, o Decreto nº 2.621 dispõe sobre o
Sistema Nacional Antidrogas. A Reforma Psiquiátrica Brasileira depois da Lei
Acerca da inclusão pelo trabalho, o Programa 10.216
de Geração de Renda e Trabalho, foi referido pela
Resolução nº 59, em 25 de março de 1994, de forma
Abaixo, visualizamos na Tabela 3, os
articulada com as ações do Programa de Combate à
acontecimentos históricos referentes ao período
Fome e à Miséria. E em 10 de novembro de 1999, a histórico citado, de 2001 a 2005, que influenciaram a
Lei 9.867, propõe a criação de Cooperativas Sociais, Reforma Psiquiátrica.
visando à (re)integração social dos indivíduos,
Tabela 3
através do trabalho. Importantes no processo de
Acontecimentos históricos da Reforma Psiquiátrica,
viabilização dos programas de trabalho assistido, referente ao período de 2001 a 2005 continua
incluindo-os no cotidiano do sujeito, em âmbitos
Acontecimento
econômicos e sociais. Ano Fatos importantes
histórico
Dois marcos importantes ocorreram em 2001 Lei nº 10.216 PNSM.
proximidade; a Portaria nº 1.077, de 24 de agosto de
“Cuidar sim, excluir
1999, representando um aporte de recursos para que não – efetivando a
se mantenha um programa de farmácia básica em reforma psiquiátrica
2001 III CNSM
saúde mental, nos municípios; e a Portaria nº 106, com acesso, qualidade,
de 11 de fevereiro de 2000, com a criação do SRT, humanização e
controle social”.
destinado a egressos de internações psiquiátricas
Reclassifica os
de longa permanência, que não possuam suporte
Portaria nº 251, 31 de hospitais e estrutura a
familiar e/ou social, viabilizando, assim, a reabilitação 2002
janeiro porta de entrada para
e (re)inserção social. as internações.
21 D D R Brasil, A J B Lacchini
social, foi instituído o Programa “De Volta para determinou a regulamentação das ações que visam
Casa”, pela Lei n. 10.708/03, prevendo o auxílio- à RD, decorrentes do uso de SPA (Portaria nº 1.028,
reabilitação psicossocial para indivíduos egressos de 2005). Em outubro, pela Resolução nº 03, 27 de
longos períodos de internação. outubro de 2005, a PNAD passou a ser chamada
No âmbito de álcool e outras drogas foram de PND, vigente até os dias de hoje. Na sequência,
propostos novos modelos de atenção. A Portaria nº em 7 de julho, a Portaria nº 1.169, previu incentivo
816, de 30 de abril de 2002, instituiu, o Programa financeiro para municípios que desenvolvam
Nacional de Atenção Comunitária Integrada a projetos de Inclusão Social pelo Trabalho (Resolução
Usuários de Álcool e Outras Drogas, seguindo os nº 3, 2005).
princípios do SUS (Portaria nº 816/GM, 2002). Em O processo de reforma psiquiátrica
2002, o Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002, prossegue, com a diminuição significativa dos leitos
institui a Política Nacional Antidrogas (PNAD). E em de internação psiquiátrica e crescimento dos serviços
2004, com a Portaria nº 2.197, de 14 de outubro, substitutivos. Ao final de 2005, aproximadamente
implementado a PAIUAD, influenciada pelos 700 CAPS no Brasil e os recursos para os hospitais
programas de RD e pelo processo de reestruturação psiquiátricos estão em torno de 64%.
da atenção em saúde mental (Santos; Oliveira, 2013;
Ministério da Saúde, 2004a, Portaria nº 2.197, 2004). Período de Avanços, Estagnação e Retrocessos da
Nessa época, devido a PAIUAD e os fóruns Reforma Psiquiátrica
estaduais e nacional sobre drogas, o nosso país
passou a olhar com mais cuidado ao usuário de álcool A tabela 4 evidencia o período de 2006 a
e outras drogas, sendo visto como um cidadão. A 2015 marcado por avanços, estagnação e retrocessos
partir daí, novas políticas públicas e serviços da RAPS no período da Reforma Psiquiátrica.
foram criados para o seu atendimento.
Apesar da criação de leis e portarias, Tabela 4
nem todos os novos serviços previstos foram Acontecimentos históricos da Reforma Psiquiátrica,
implementados no SUS. Isso se deu devido a referente ao período de 2006 a 2015 continua
23 D D R Brasil, A J B Lacchini
Em 20 de maio de 2010, instituiu-se o Plano Direitos Humanos e Saúde Mental, implicados na
Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras PND (Abrasme, 2020).
Drogas, através do Decreto no 7.179, com vistas à Dois anos depois, a Lei nº 13.146, de 6 de
prevenção, ao tratamento e à reinserção social de julho de 2015, institui a Lei Brasileira de Inclusão
usuários, e ao enfrentamento do tráfico de crack e da Pessoa com Deficiência, promovendo o exercício
outras drogas. Foi referenciado pelo Report of the dos direitos e da liberdade a pessoa com deficiência,
International Narcotics Control Board for 2011 como visando à sua inclusão social e cidadania. Ao final
uma proposta de combate ao uso de crack e outras de 2015, anunciavam-se as primeiras mudanças e
drogas (Xavier et al., 2018). Marca, também, os 20 os retrocessos futuros, simbolizadas pela nomeação
anos da Declaração de Caracas. para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de
A IV CNSM, ocorrida entre 27 de junho a 01 Valencius Wurch, psiquiatra e defensor do modelo
de julho em 2010, em Brasília, teve como propostas manicomial. Ex-diretor técnico da Casa de Saúde Dr.
organização e consolidação da rede, financiamento, Eiras de Paracambi, o maior manicômio da América
gestão de trabalho em saúde mental, políticas sociais Latina, no Rio de Janeiro; sendo fechado em 2012,
e de assistência farmacêutica, gestão de informação após denúncias de violações de direitos humanos
e intersetorial, educação permanente e pesquisa em (Chaves, 2018).
saúde mental (Sistema Único de Saúde, 2010).
O ano de 2011 se inicia com um novo Retrocesso da Reforma Psiquiátrica: o Desmonte
governo, presidido por Dilma Rouseff. Em 28 de da Política de Saúde Mental
junho, o Decreto nº 7.508, regulamenta a Lei nº
8.080, dispondo sobre a organização do SUS, o Abaixo, a Tabela 5, indica os principais
planejamento e a assistência à saúde. E em 23 eventos referentes ao período de 2016 a 2020,
de dezembro, a Portaria nº 3.088, regulamenta a correspondentes a retrocessos na reforma
RAPS, visando a ampliação e articulação de pontos psiquiátrica.
de atenção em saúde mental. Sendo constituída,
Tabela 5
pela Atenção Básica, Atenção Psicossocial, Atenção
Residencial de Caráter Transitório, Atenção Acontecimentos históricos da Reforma Psiquiátrica,
referente ao período de 2016 a 2020 continua
Hospitalar, Estratégias de Desinstitucionalização e
Estratégia de Reabilitação Psicossocial (Portaria nº Acontecimento
Ano Fatos importantes
3.088, 2011). histórico
Em 2012, ocorre o Rio + 20, evento em defesa Movimento contra os
do meio ambiente, no governo de Dilma Rousseff. 2016 Loucupa Brasília retrocessos na saúde
mental.
No âmbito da saúde mental, em 25 de janeiro de
Nova Política Nacional
2012, duas portarias definem componentes da Portaria nº 2.436, 21
2016 de Atenção Básica
RAPS. A Portaria nº 121 trata das UAs, componente de setembro.
(PNAB).
de atenção residencial de caráter transitório. E a
Verbas destinadas
Portaria nº 122, definindo as diretrizes das equipes Portaria nº 1.482, 25
2016 as comunidades
de Consultório na Rua. Ainda em janeiro, a Portaria de outubro
terapêuticas (CTs).
nº 148, do dia 31, define acerca do funcionamento Emenda Constitucional Congelamento de
do Serviço Hospitalar de Referência, Componente 2016 nº 95, 15 de verbas ao SUS (20
Hospitalar da RAPS. novembro. anos).
O ano de 2013 marca as manifestações Portaria de
Consolidação das
pelo país reivindicando o passe livre e a realização 2017
Consolidação nº 3, de
normas sobre as redes
do I Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental. O 28 de setembro de
do SUS.
fórum ocorreu em São Paulo, de 5 a 7 de setembro, 2017
organizado pela ABRASME, debatendo acerca dos
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Um marco inicial da “nova” PNSM foi a cérebro induzidas por meio de passagem de corrente
Resolução nº 32 da CIT, de 14 de dezembro, visando elétrica, e ênfase no financiamento de CTs (Norma
a reformulação da proposta, o financiamento, a Técnica nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS, 2019).
metodologia de avaliação dos serviços e a orientação Gerou grande repercussão, com posicionamentos
clínica da RAPS. Uma semana depois, publicada e notas de repúdio de entidades da área, devido a
a Portaria nº 3.588, de 21 de dezembro de 2017, intenção de modificar a assistência em saúde mental,
sobre alterações na RAPS, direcionando a PNSM em com ideais da lógica manicomial. Revogada pela Nota
um movimento de enfraquecimento dos serviços Técnica nº 38, de 18 de dezembro de 2019.
substitutivos e fomentando a implantação de Na sequência, em 11 de abril, o governo
dispositivos de lógica manicomial (Portaria nº 3.588, publica o Decreto nº 9.761 aprovando a nova PND.
2017). Institui o CAPS AD IV, aumento do SRT e dos Dentre seus pressupostos está a estratégia de
leitos de saúde mental em hospital geral, e maiores tratamento baseada na abstinência dos usuários
recursos hospitalares. – e não mais a RD – como foco (Decreto nº 9.761,
Em 9 de março de 2018, o CONAD, pela 2019). Além disso, destaca o fortalecimento das CTs,
Resolução nº 1, define diretrizes para o realinhamento as quais deverão receber maior incentivo social e
e fortalecimento da PNAD. Sendo contra as iniciativas financeiro, do governo brasileiro.
de legalização de drogas; apoio à produção científica No momento da escrita deste texto, devido
e formação, garantindo a participação de instituições a pandemia por COVID-19, um vírus altamente
atuantes no campo de álcool e outras drogas; contagioso, e a impossibilidade de estarmos presente
integração institucional da gestão de programas em atividades grupais, devido orientações de
entre os MS, Desenvolvimento Social e Combate à distanciamento social, algumas práticas terapêuticas
Fome, Trabalho, Justiça, Segurança Pública e Direitos em serviços de saúde tiveram que ser reinventadas.
Humanos; e incentivo as CTs (Resolução nº 1, 2018). Um bom exemplo foram as oficinas e grupos
Nesse momento, inicia-se a transição da atenção ao terapêuticos sendo realizados a distância, online,
usuário de álcool e outras drogas para o Ministério do por meio de um computador ou celular, com acesso
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). à internet. Uma interação remota, entre usuários
Em agosto, a Portaria nº 2.434, de 15 e profissionais de saúde, propondo ser um espaço
de agosto de 2018, reajusta o financiamento de terapêutico de verbalização, escuta, trocas sociais
internações hospitalares acima de 90 dias do e interações, visando o processo de reabilitação
Incentivo para Internação nos Hospitais Psiquiátricos. psicossocial.
Passados três meses, os profissionais dos serviços de E os acolhimentos noturnos, em CAPS na
saúde mental foram surpreendidos pela Portaria nº modalidade 24hs, estiveram mais restritos a casos
3.659, de 14 de novembro de 2018, que suspendeu de maior gravidade. Em âmbito da assistência social,
o repasse do recurso financeiro de alguns serviços abrigos municipais aumentaram seu percentual de
da RAPS, como CAPSs, SRTs, UAs e leitos de saúde acolhimento, com um período maior de permanência
mental em hospital geral, devido ausência de no local, respeitando normas de distanciamento social.
registros de procedimentos. Muitos serviços Devido ao cenário caótico na saúde pública,
reivindicaram a portaria, alegando divergências dos em 30 de março de 2020, a Portaria nº 340 estabelece
dados registrados no MS a realidade dos serviços. medidas para o enfrentamento da Emergência em
Em 4 de fevereiro de 2019, publicada a Nota Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN)
Técnica nº 11, pelo governo de Jair Bolsonaro, do decorrente da pandemia por COVID-19, no âmbito
Partido Social Liberal (PSL), evidenciando possíveis das CTs (Portaria nº 340, 2020). Devendo seguir as
mudanças na PNSM e na PND. Destaca-se o retorno orientações do protocolo de manejo da COVID-19,
do hospital psiquiátrico para o centro do cuidado disponibilizada pelo MS.
em saúde mental, incentivo a utilização da ECT – Em dezembro de 2020, conforme noticiado
provocando alterações na atividade elétrica do pela revista Época, o governo brasileiro planejou um
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