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Texo@ MneTin, Pobiet . “Cora enlnadee a u agpdhea.- fica, de um2 Asciglina’. Todaro de Mercos apne. SH o/s: ube, 2003 CAPITULO 3 A LINGUISTICA GERAL Em tudo 0 que precede, o olhar se lancou s0- bre as linguas particulares — seja para deserev cou para teorizar seu funcionamento. A lingti geral tem objetivos de outra ordem: ela se natureza na universalidade, para além das linguas ingulares. Que finalidades precisas ela pode desde Togo se propor? Como acessar os “universais” e que partido tirar deles? 1. As finalidades da lingiiistica geral ‘A lingiistica geral postula a existéncia de uma fungdo universal, chamada linguagem, que permite a nossa espécie dar forma a pensamentos ¢ comunicé-los: as linguas so apenas realizagdes par- ticulares da linguagem. A hipdtese de universalida- de se funda na constatagdo de que as Kinguas sto traduziveis umas nas outras: portanto, deve haver fortes homologias a interligé-las. Estas homologias, chamadas de “universais da linguagem”, formam 0 6 20 da lingiiis tica geral. Mas como acessé-lo? é ivel garantir que este ou aquele trago pertence, sim, a todas as linguas do ‘mundo, passadas, presentes, conhecidas... das. Apoiados, é claro, pela observacao, os universais: tém forgosamente um cardter hipotéti Go conduz quando m tipos; para além disso, se considerari “universal” a Jo que hi de comum a todos 0s tipos. 1.2.A tipologia lingiitstica ditas “indo-européias” remontam todas a uma lin- ua da qual nao se tem nenhum texto escrito, mas cujos elementos sao ao menos parcialmente recons- —a lingua da India —, 0 grego antigo ¢ 0 latim). A fan ia se ramifica em diversos ramos: ‘moderno), as linguas eslavas (russo, biilgaro, tche- 0, polonés, sérvio, croata, esloven...) a desta ou daquela lingua (0 basco ou 0 albanés) permanece problemitica. De resto, a con- tigtiidade geografica e as influéncias de linguas em "nto consiste em escolher fen6- ‘menos que parecem ter repercussoes sobre 0 con- independéncia morfoldgica, o ti ” (por exemplo, o chines); em caso de justapo- € dito “aglutinante” (por exemplo, o turco); 86 vai para o ergativo 0 sujeito do verbo transitivo; nas linguas acusativas (por exemplo, o latim ou 0 alemAo), o sujeito vai para o nominativo, seja o ver- bo transitivo ou intransitivo, € 86 0 objeto se coloca ro acusativo. Nos dois tipos, toda sorte de correla- es sao observaveis: assim, as linguas ergativas S50 fregiientemente muito sensiveis aos fatos de con- clusio ow inconclusio; em georgiano, s6 se coloca grande importincia & or- objeto (0) ¢ do verbo (V): no ergativo o sujeito de um verbo ao mesmo tempo algumas linguas legiam a ordem SVO (por al o de um verbo ao compl 6 portugues); outras a ordem SOV (0 ja- transitive conduzido até seu término. 25, ras também, em grande medida, A Existe sobre todos esses pontos uma literatura ponés, mas , considerdvel. Impossivel tratar qualquer dos pon- tos evocados. O que nos importa simplesmente é ver as finalidades que a lingiistica geral se coloca. Eno centro do debate se situam os “universais”. ‘mesmo o alemdo, se considerarmos ao dinada); em outras, mais raras, predomina a ordem VSO (por exemplo, 0 drabe cléssico) ou VOS (por exemplo, o malgaxe). Esses tipos esto em correla- ‘gio com outros fendmenos como a existéncia de ‘preposigdes ou posposicbes, 0 lugar do adjetivo ou Go complemento determinativo no grupo nominal, ou ainda a sufixacdo ou a prefixagio: todos os tipos dle “implicagées” (J. Greenberg) podem ser destaca~ dos (por exemplo, as linguas do tipo VSO manifes- tam uma nitida predilegdo pelos prefixos; as inguas 1.3 Os tipos de universais Os universais da linguagem sao de pelo menos 1.3.1 As linguas fancionam segundo prinefpios incipios so universais funcionais. guas do mundo sao duplamente imas no plano do significante, ¢ cada 1ée de um ntimero finito de fonemas, vociilicos e consondnticos. A cadeia sonora se recor- ta, por outro lado, em morfemas, unidades minimas do plano do significado (uma palavra como desloca- ‘mento comporta trés morfemas: 0 prefixo des-, 0 radi- que nao incide sobre nenhum of ‘mesmo caso do objeto (no caso cal loca-, ¢ 0 sufixo -mento); todas as linguas possuem morfemas. Esta dupla articulaggo, em fonemas e em morfemas, é um universal funcional, 1.3.2 As linguas parecem usar, também, uni- estd subjacente a idéia de negagdo. Nao se imagina uma lingua que nao pudesse dizer que algo nio é, Esta comunidade funcional e conccitual explica {que os mesmos orocedimentos descritivos sejam apli- cveis a todas as linguas: esses procedimentos apare- ccem assim como universais metodoldgicos. & verdade que a descricao revela uma extraordinaria variedade entre dois pélos: ela procura os prinefpios universais © as conceitualizagdes comuns; ela ilustra ¢ classifica as tradugdes infinitamente diversas que as linguas pparticulares dao destes principios. O campo ¢ imen- so, Vamos tentar apenas compreender melhor o que podem ser os “niversais funcionais” e que procedi- ‘mentos podem levar a “universais conceituais”, 2. Os universais funcionais A propria idéia de lingtifstica geral s6 faz sen- tido se, num determinado nivel de profundidade, as 0 Tinguas funcionarem da mesma maneira. Para além da constatagdo da conversio possivel das linguas ‘umas nas outras, este postulado pode se apoiar em dois tipos de homologia: funcionalidades idénticas © propriedades comuns, 2.1 Funcionalidades idénticas 2.1.1 Todas as linguas so duplamente articu- ladas; evocamos mais acima este aspecto extraordi- nario, Acresc mos que todas as linguas so radas: elas possuem unidades elas as combinam segundo re- rem uma sintaxe. inguas se comportam como sis- temas simbélicos. Nao é necessério haver um gato diante de mim para que eu possa falar de gatos; nem € preciso correr para evocar a corrida: 0s signos lin- Sitisticos substituem as coisas; eles trazem em si aidéia das coisas, E quase evidente. Observemos, mesmo as- sim, que a fungao simbdlica pode se disfarcar: ocorre ‘que os signos, em vez de remeter as coisas, remetam a si mesmos. No plural, mesa se escreve com wm s: eis algo que nao diz. absolutamente nada de nenhuma ‘mesa, mas somente da palavra mesa. A propria gra- ‘mitica fica conturbada com isso e pode entio gerar ; € porque, entéo, mesa, tio logo & funciona como um substantivo mascu- | mien Tino. Desconfiemos das evidéncias, na lingiiistica do, se prestam & autonimia; todas podem servir de metalinguagem de si mesmas. Observaremos também que certos elementos silo desprovidos de funcio simblica: é 0 caso desta éia, Se eu queimar a mio numa onomatopéia no passa de uma reagao de dor: é a queimadura que a provoca como resposta a um esti- ‘mulo. Nada de simbético em ai! Mas seré ainda wm signo? Uma linguagem que produzisse somente gri- tos dessa espécie seria uma lingua? A fungio simbdli- ca, que aliés ndo prépria das Linguas naturais (ver cap. 4, item 1.3), de todo modo é indissocivel delas. 2.1.3 Universalmente, ainda que a forma seja muito diversa, a sintaxe de base é a da predicagéio: alguma coisa é dita de alguma coisa; um predicado se aplica a um sujeito; todas as linguas so concebidas para funcionar deste modo, Todo predicado supde uma entidade (digamos, como ma légica: “um argu- mento”) ao qual se aplicar (e vérias entidades se 0 predicado for uma relagio: alguém vé algo; alguém da ‘algo aalguém...). Na imensa maioria das linguas, este mecanismo fundamental conduz oposicio verbo- 2); 0 substantivo é capaz. de “saturi-tos”; 0 subs- tantivo traz.em sia fungdo angumental. 2 Além disso, o proprio substantivo é 0 lugar de ‘ivo; e, para constituir o enunciado, é preciso uma predicagao verbal. Este esquema fundamental pode se real diferentemente conforme as linguas ese prestara toda sorte de variagao. Em algumas exemplo, algumas Iinguas amerindias: 0 kalispel, comox, 0 nootka): um signo que traduziriamos por fica ali ao mesmo tempo “homem"” e “ser fomem pode ocupar 0 lugar de um substan: tivo; pode ser também um predicado atributivo ou existencial; essas Iinguas, portanto, ndo tém verda- deiros substantivos, mas somente unidades capazes de ocupar o lugar de argument, Observaremos que, nas Kinguas verbo-nomi- nais, onde o substantivo é morfologicamente identificével (em latim, ele & declinavel; em portu- |, a predicagio de interna ao substantivo, aliada a idéia de existéncia 8 i ou de superveniéncia, basta para constituir uma fra- se, Nao é que o substantivo aqui nao seja um verda- deiro substantivo: & numerosas, em que o adjetivo se comporta como um predicado atributivo (por exemplo, o russ0, 0 corea- no...): bela casa significa ali “a casa é bela’ situagdo em que se presenta. Desta vez, especifico, dito “impessoal”, espécie de “pessoa de universo”, que diz gramaticalmente que © sujeito se aplica, sim, a alguma coisa A tudo isso se acrescentam procedimentos versos que fazem que mesmo 0 verbo — — possa servir de sujeito (Falaré iii que o verbo, & 0 grupo de que €0 centro que funciona como sujeito (Dizer somentea verdade pode ser perigoso as vezes); e freqiientemente procedimen- tos diversos atenuam esse “desvio” (retomada pro- c'est mourir un pew teralmente: “partir, essencial, iversal da predicacao e a distin. ao fundamental do predicado ¢ do argumento. a muito variaveis, para oragem no real dlas entidades predica- wcedimentos so chamados referenciais, iais” referem pelo ato mesmo da fala: uma palavra como ew se define por “aquele que diz eu”; eu ndo tem referente fora do ato de fal 5 tu aquele a quem $s agui designa o lugar onde est quem € agora, o momento em que aquele que iz “agora”; todas as inguas possuem tais sig- iais”, mesmo que se apresentem sob for- ‘mas muito variadas. Por exemplo, alguém pode se designar a si mesmo como o servo ¢ 0 tu como o senhor ou o principe...; mas nenhum: funde a primeira ea segunda pessoa. [igo (eu, aqui e agora”): estas sio as dimensdes funda- im conforme o objeto seja con- siderado identificavel pelo interlocutor ou se supo- ha que nao 0 é (em portugués, olivro, éo livro que vocé sabe; 1m livro designa um objeto que ainda nio esta identificado em meio aos livros). Mas, em mui- {as linguas, estas funcoes permanccem amplamen- i . inguas permite fazer a distingao entre a referéncia genérica (o homem é mortal) ¢ 4 releréncia especifica (o homem entrou): freqitente. mente, s6 0 contexto permite a deci Portugués, onde o se presta aos dois empregos). Em outras Linguas, isso se faz por meio de “classificado. it mucntu “bo- ntu humanidade”.. Quando a referencia é especifica, diferenciase tam. bem a prediicagao eventiva e a predicacio habitual, Em francés, é de novo o contexto que faz a diferen. @ (il fume: “ele esté fumando” / “ele tem o hal ito 1 asso que o inglés, como muitas lin- suas (por exemplo, 0 portugués brasileiro) separa 38 duas morfologicamente (heissmoking ‘he smokes, he is working ten hours a day, “atualmente, ele est 1 he works ten hours «day, “geralmente, ele trabalha dex horas por dia” Todos esses mecanismos possuem — nio po- los procedimentos, mas pelas fungdes — um alenn. versal: por meios diversos, as linguas operam distingées amplamente convergentes. A universali. dade vem de funcionalidades comuns, para além das ‘enormes divergéncias da morfologia, 2.15 Todas as linguas tém 0 mesmo compor- famento acerca da veridiceao, Um enunciado, qual- uer que seja a lingua, por pouco que seja assertivo, Pretende dizer a verdade. Mesmo um enunciado ne- Sativo diz universalmente a verdade: ele diz a ver. dade dizendo o que nao ¢, Todas as Kinguas também autorizam, por meios diversos, 0 questionamento, © valor da verdade da proposigao posta em debate fica entdo su spens ibendo ao interlocutor, se for capaz,restabel pelo menos o mecanismo da interrogacdo total, aquela que pede a resposta sim ou nao (— Pedro voltou? — Sim/Nao). Na intervo- ‘Gacdo dita “parcial”, a Proposigao nao tem valor de verdade porque ela comporta uma variével que a resposta deve saturar (— Quem veio? — Pedra). So. ‘mos levados a ver na interrogacéo um universal da linguagem, a despeito de afinidades morfoldgicas extremamente varidveis, por exemplo: * com os subordinantes (a oracdo subordina- da também nao tem valor de verdade; ela 0 adquire pelo verbo ou pela conjuncao que a constréi); em muitas linguas, a morfologia do relativo (gu- em portugues; wh-em inglés) ¢ idéntico ou comparavel a dos interroga- tivos; 0U entao com a hipétese: em Portugués, se é a0 mesmo tempo a marca da interrogagao indireta e da proposigao hipotética; o mes. mo com o if em inglés (comutavel com whether); em érabe, a particula mata serve ara interrogar sobre o tempo (“quando?”) © se aproxima, aqui c ali, da condicio, 7 i ‘Todas as Kinguas permitem a escolha da asser- io, da interrogacdo e da injungao, Todas também permitem modular 0 enunciado. O que eu digo, por razoes bem diversas, pode escapar da certeza: a in- certeza pode estar nas préprias coisas (modaliza- \ética”: E possivel que chova amanhd), no no cumprimento de uma obrigagio misao (modalizagdo dita “deéntica” — essa obrigagio serd seguida de um uias do espaco para essas de uma per- Colémbia e no Brasil) possui todo um paradigma epistémico, modulado segundo a origem da infor- mado que se transmite yi Fle jogou: tenho indicios disso (por exemplo, as mareas das chu- iyi Ble jogou: pode se supor (por exemplo, porque ele tem o habito de jogar na sexta-feira e hoje é sexta-feira) 0 escriipulo aqui é levado ao extremo. Geral- ‘mente, as linguas conferem 0 direito de assertar (de declarar verdadeiro) o que se estima ser verdadeiro, 88 qualquer que seja a fonte. Mas todas permitem mo dular a certeza da verdade, ‘Vemos desenhar-se assim, para além das dife- rengas, homologias notaveis. As que evocamos sao da ordem das funcdes. Hi outras: so as miltiplas propriedades que as linguas compartilham. 2.2 Propriedades comuns inguas, duas tendéncias se rrdadle combinatéria, nas a outra, no congelamento. ‘Todas as linguas comportam um mimero considerd- vel de expressdes pré-fabricadas e de restrigoes combinatérias. Nao podemos chamar um enxame de tabethas de cardume, rebanho, malta ou tropa de abe- Thas: no entanto, se pensarmos bem, nao seria tio absurdo. Em portugués, a gente se livra de uma boa; ‘em alemao, a gente é “eapaz.de ajudar-se a si mesmo” (man weiss sich =u helfen). gente quebra 0 ga- Iho para alguém; em alemio, a gente tira a pessoa do Jamacal (aus der Patsche zichen). Aqui, a gente sai de fininho ou sai & francesa; em francés, a gente “escapa a inglesa” (filer @ Vanglaise). Os aplausos séo “frené- ticos” em francés, “tempestuosos” em russo, “turbilhonantes” em Iiingaro, “ensurdecedores” lc sua aprendizagem. € 0 plural se repete no artigo, no substantivo, no jetivo, no verbo au a redundiincia nao fica s6 na morfologia: ido de pavor evoca duas vezes a idéia de sensa- que pavor nai pode ter outra definigao; no en- inguas comportam unidades: idos, evidentemente, ndo ados por relagées uni- a extensdo de sentido, a restrigio, a a analogia... Certamente, essas rel: gua a outra, a organizacio defavelmente, Mas por toda parte os mecanismos So 08 mesmos. discurso”: subs- artefatos, tudo isso reaparece por toda parte de um modo ou de outro, 2.2.5 A propriedade cl isa: do pardfrases cuja idéia comum éa da neces. sidade, para mim, de agir. Essa idéia abstrata de 91 Se abe necessidade esti em ter que, em precisar, nos adj € portugue- tual da obri gacdo, Mas elas a sugerem por caminhos bastante distanciados. A passagem de uma a outra supde, ‘novamente, um procedi os universais. mceituais, o procediment jentar, desenvolvido com mais detalhes, 0 tornard mais bem conhecido, Res- ta descobrir os dois outros caminhos: 9 dos “uni versais empiricos” ¢ o dos “primitivos semanticos”, 3.1 O procedimento analttico Como acabamos de ver, todas a tremamente variadas: ora ela opera de dicto (Vocé % nunea em casa...). A nega- em casa; Maria ai mbém no contesido das pode entrar ‘sa, incapacidade, de verbos ou de adj Por vezes, a negacdo s6 se revela por uma and: lise muito sutil — p, embora q: se pod Em suma, a negacdo ndo esti vinculada a uma forma especi mesmo dentro de uma mesma lingua. Por isso se re- conhece a negacio um estatuto conceptual. Esse esta- 9 é ainda mais claramente ressaltado quando da traducdo: como traduzir o latim quin? Na falta de um equivalente em portugués, a negacao apareceré de cxttro modo (Conto ndo..? Digo/Pergunto que.. nao). ‘Tudo isso confere & negagao uma espécie de res, ela se apresenta como um universal. O pro- ccedimento nao consiste em dizer que a negacdo exis- suas observadas e, conseqtiente- mente, que ela tem toda chance de estar em todas; guas particulares — um plano semantico-logico que funcionamento di i que se reconheceu; essas propriedades, por isso mesmo, serao reputadas tni- versais. Assim, para a © A negacdo é noivas que mio so bonitas (“nao para to- das, p”); 0 que é negado é que a totalidade das noivas seja bonita; o qa esta ao alcance da ne aque Maria ver acompa- ila ir Eta anne da meperio maa tl camente vir sozinka. Uma outra interpretacao, con- co tudo, é possivel, conforme. » Suponhamos que ‘eu saiba que Pedro se recusou a acompanhar Maria; ‘Maria nda vem socinha! —quero dizer que, neste caso, Maria nao vem. E, desta ver, vir esté ao aleance da entender que se podia pensar que ela viria. Dizer que alguém nao é 0 assassino ¢ ¢ ‘uma hipétese aterradora: mesmo que voce ri dessa sem prejuizo... A negacdo supde que € possfvel, ¢ em certos casos isso fica além do suportave ‘+ A negaciio € indissociavel da ideia de verda de tal como a lingua a supoe. As relacoes da iguagem e da verdade serdo evocadas mais ite, Mas digamos desde ja que a verdade da Tinguagem ¢ uma verdade toda relativa, Para que eu possa dizer que alguém fuma (que é um fumante), que condigoes tém de ser satisfeitas? Pedro fumou, tudo bem, no dia de set casamento, mas munca mais des- de entao: seria descal fumantes! Mas com que freqiiéncia minima € preciso fumar para que a designagdo fuman- arnt ncaa A bee, por forga das coi como esta confirma Maria, de jeito nenhum — jeito nenkum (er atim n nicht, iberkaupt nicht, em tout...) 6 a negagao absoluta; a negacio corti- 4queira inverte somente a ideia do que ¢ incon- testavelmente verdadeiro (se Pedro fuma ape- nas de ver,em quando, nao se pode dizer que ele fuma; nao é 0 que se chama fumar). Tao logo a verdade vacila, a negacio, para negar plenamente, exige ser reforcada, ‘Vemos, pelo exemplo da negagao, 0 que pode ser um “universal conceitual” — e o procedimento a que permite alcangé-lo 3.2 Os universais de experiéncia Outra via de acesso aos universais passa pela mundo, fisi sori (de pci; ain ‘0s movimentos que ele permite, as sensacées fisi logicas do cansaco, da fome, da sede, as percepgies pela visao, pela a orientagao do corpo e a onganizagao do (pela direcao do olhar), 0 contato dos , pelo menos, pela inacdo dos clementos, designar a realidade que , para além da di- versidade das designacoes ¢ dos rec ‘am universais cognitivos, que vem igual- da experiencia comum, masque supdetn uma abstragao ma mi te, a crianea que comida nao tem fome ou nao tem mais fome. depressa também, a crianca vive a situagio de no est mais perto dela; uma outra crianga tem o que ela mesma nao tem; fica submetida a t nao, ela nao nos bragos; cla em comum o de 97 contrariado, aniquilado — a negacio, em uma pala- vvra. Que seja p to.abstrativo, éevidente. Mas nao lingua qualquer possa abrir mao del ‘O mesmo se did de nogdes elementares como a causalidade: uma coisa acarreta a out periéncia é inelutavel; e a causa ¢ indissocidvel do efeito, da conseqiiéncia. O mesmo vale para a intensidade, ou ainda o iguas, efeitos nao idénticos, 3.3 Os primitivos seménticos Os universais conceituais se di por ainda mais uma via, a dos “pri cos”. ficil suscitar sua intui¢ao, ow entio pela ordenacao. ularidade, Vamos refletit um ins- de vocabulos constituidos em nomenclatura arrolados numa certa ordem, geralmente al ca), e em principio todos definidos. As defini so formuladas gragas a vocdbulos que pertencem, eles mesmos, a nomenclatura e que, portanto, sao, eles mesmos, definidos. Como a nomenclatura é finita, 0 procedimento s6 pode ser circular. Num ‘momento ou em outro, na sucessio das definicdes, toparemos obrigatoriamente com um vocébulo an- lidade é a capacidade de fazer alguma cois idade de fazer alguma coi potencialidade... 0 fato de poder fazer alguma c Cé estamos, de volta ao comeco; o circulo se fecha. inevitavelmente encerrado adianta modificar 0 trajeto, ir de poder a capacida- vo semantico, Ela $6 pode ser definida pelo esgota ‘mento do campo lexical em que entra. Os primitivossemsntcas no tem todos omes- aideia de audigao tam- a. A audigéo é 0 fato de ouvir ou de poder ouvir; ouvir ¢ perceber pelo ouvido; 0 ouvido 60 6rgio da audi¢ao; a audigao é o sentido que per- mite ouvir. Impossivel evitar o circulo, seja qual for ‘o caminho tomado. ‘A circularidade s6 desapareceria pela escotha de ‘um certo mimero de vocdbulos, eles mesmos néo de- finidos, que permitissem definir todos 0s outros: 0 problema ¢ de grande interesse, Consideraremos en- 140 primitivos os vocdbulos nao definidos. Eles t¢m grande chance, mesmo que 0 procedimento incida sobre uma lingua particular, de serem univei Hextremamente verossimil que a net ‘pém pertenca aos primitivos. A negagio, dicionarios, € 0 ato de negar, negar é afirmay D que € ndo? E 0 signo da negacio. Neste ‘alo € obrigatoriamente muito exiguo. 3.3.2 A ordenacdo, Os conceitos sio ordenaifos segundo “inevitaveis do pensamento comum” (G. Guillaume). Impossivel conceber a negacas seniio por referéncia ao positive: a negacso a ani Exo de um positive que poderia ter sido. Peneeitualmente, 0 ser precede 0 n8o-ser. De igual ‘modo, o ser precede 0 agi 1 agir sem ser. Sao fatos de ordenacao que igados a uma Tingua particular, mas que vem do proprio pens ‘mento, E uma outra maneira de acess univer- quanto mais nos elevamos na abstragio, ‘mais fs nogées tem chance de ser universais, "E assim, passo a passo, ns nos ovientamos nt diregdo das questoes de ordem filosofica, com © vvneulo da Tinguagem e do pensamento. E vemos ‘Weadebrar se um dominio que ainda nao tinhamos tocado, o da filosofia da linguagem.

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