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dentes e a taxa de mortalidade ficou 15,2 mor- laudos do IC despertando atenção para a im-
tes por 100 mil trabalhadores registrados pela portância da Se c re t a ria de Segurança Pública,
C LT 2. Os coeficientes de 2000 mostram que o tanto como fonte de informações como na apu-
Brasil está com taxa de mortalidade por aci- ração de responsabilidades dos empregadores
dentes de trabalho acima da média dos países e seus representantes na geração de acidentes
da América Latina, que ficou em 13,5/100 mil, do trabalho.
só perdendo para a os países da Ásia – 23.1/100 Alguns casos foram objeto de inspeção de
mil e da África que é de 21/100 mil, segundo o campo quando tivemos a oportunidade de
último levantamento da OIT, que tomou como confrontar os laudos com informações obtidas
base os dados do ano de 1994 1. no local de ocorrência dos acidentes. Além de
No Brasil, parte dos acidentes do tra b a l h o entrevistas com os acidentados, com a equipe
que resultam em morte e lesões aos tra b a l h a- e familiares foi possível acessar outros docu-
d o res são objeto de investigação pelos órg ã o s mentos como Atas de CIPAS, processos admi-
da Secretaria de Segurança Pública (Polícia Ci- nistrativos dos órgãos oficiais, como do Progra-
vil). No entanto, a despeito de sua importância ma de Saúde do Trabalhador de Piracicaba e do
no que tange a iniciativas de responsabilização Ministério do Trabalho e Emprego, além de re-
civil e penal, essas investigações têm sido pou- g i s t rar as condições de trabalho por meio de
co exploradas enquanto fonte de informações f o t o g ra f i a s. Usando-se a aplicação do Método
sobre os acidentes do trabalho graves e fatais. de Árvo re de Causas (ADC) foi possível con-
As investigações do Instituto de Criminalís- f rontar os laudos oficiais com outra abord a-
tica (IC) são efetuadas a partir de solicitação gem, demonstrando de modo mais detalhado
das Delegacias de Polícia que instauram inqué- as distorções e simplificações resultantes da
rito policial quando ocorrem os acidentes gra- concepção monocausal conforme consta de
ves e fatais do tra b a l h o, visando a apurar re s- pesquisa de Vilela 4.
ponsabilidade criminal. Segundo o Manual da
Se c re t a ria de Se g u rança Pública do Estado de
São Paulo, além da abertura do Inquérito Poli- Concepções de acidentes
cial, o delegado que coordena as investigações
deve registrar o Boletim de Ocorrência, com o A análise de acidentes é sempre influenciada
histórico dos fatos; comparecer ao local; ouvir pela visão ou compreensão do analista acerca
o trabalhador acidentado e testemunhas; in- desses eventos. No entanto, nem sempre os va-
q u i rir e ve rificar junto ao empregador o cum- lores ou pontos de vista implícitos numa deter-
p rimento de normas de saúde e segurança no minada concepção são claramente assumidos
trabalho. Cabe ao delegado solicitar investiga- ou compreendidos por esse mesmo analista.
ção do IC para apuração das causas do ocorri- A própria idéia da existência de uma deter-
do e quando for o caso, o laudo do Instituto Mé- minada concepção de acidente associada a cada
dico Legal 3. proposta de análise pode causar estranheza tal é
O IC, por intermédio de seu representante a freqüência com que essas propostas são enun-
técnico, comparece ao local da ocorrência para ciadas como técnicas assépticas ou neutras.
investigação das causas do acidente do traba- O que é o acidente? Como ele é descrito em
lho, emitindo laudo técnico, que irá subsidiar o cada uma das diferentes concepções ou “esco-
delegado na apuração dos fatos e encaminha- las de pensamento” existentes? Nos próximos
mento do inquéri t o. Após a fase de inquéri t o parágrafos busca-se apresentar esboço de res-
na Delegacia de Polícia, o caso é encaminhado posta a essas questões.
p a ra a Justiça, que, de posse das inform a ç õ e s In i c i a l m e n t e, pode-se afirmar que pre d o-
disponíveis dá prosseguimento aos processos. mina, no Brasil e no mundo, a compreensão de
O interesse no acompanhamento e inve s t i g a- que o acidente é um evento simples, com ori-
ção dos acidentes gra ves e fatais foi-nos des- gens em uma ou poucas causas, encadeadas de
p e rtado a partir das experiências desenvo l v i- modo linear e determinístico. Sua abordagem
das no Pro g rama de Saúde do Trabalhador de privilegia a idéia de que os acidentes decorrem
Piracicaba, a contar de 1998. Quatro acidentes de falhas dos operadores (ações ou omissões),
f a t a i s, dois do setor de papel e papelão e dois de intervenções em que ocorre desrespeito à
da construção civil, foram investigados pelo norma ou prescrição de segurança, enfim, “atos
Pro g rama de Saúde do Trabalhador de Pira c i- i n s e g u ro s” originados em aspectos psicológi-
caba, ensejando os primeiros contatos com os cos dos trabalhadores. Os comportamentos são
res que sirvam de lastro, por exemplo, para a complementares, entre elas, a da própria ativi-
c o m p reensão de comportamentos humanos dade.
aparentemente irracionais ou inusitados quan- Discutindo as abordagens do fator humano
do olhados sem a “p e r s p e c t i va do nativo”, ou na Saúde e Segurança, Neboit 11 descreve qua-
seja, a compreensão daqueles que vivem o co- t ro enfoques, a saber: da uni causalidade, da
tidiano do sistema. m u l t i c a u s a l i d a d e, a sistêmica e da confiabili-
A terceira concepção proposta por Hollna- dade humana. Segundo Neboit, o surg i m e n t o
gel 9 dita da gestão da variabilidade de desem- da multicausalidade representou rompimento
penhos, destaca contribuições de abordagens com a visão reducionista acerca de acidentes, e
cognitivas rompendo com a leitura que vê o er- serviu de base para o surgimento das compre-
ro sempre como evento negativo. A variabilida- ensões sistêmicas e da confiabilidade humana
de do trabalho tanto pode ser negativa como que alarg a ram o perímetro da compre e n s ã o
p o s i t i va. No caso de sistemas sócio-técnicos desses fenômenos. Segundo ele, a visão sistê-
a b e rtos que alcançaram bons desempenhos mica estaria representada, sobretudo, por con-
em termos de segurança e confiabilidade, essa t ribuições que ro m p e ram com a noção de Er-
variabilidade mostra-se associada, sobretudo, gonomia de Posto de Trabalho intro d u z i n d o
aos componentes humanos, sendo fortemente idéias como as de Confiabilidade e Ergonomia
influenciada pela compreensão dinâmica da de Sistema.
atividade em todos os seus momentos. Em ou- Por sua vez, o enfoque da confiabilidade
tras palavras, trabalhar implica a adoção de es- humana centra-se no estudo da evolução tec-
tratégias cognitivas de gestão da atividade: do nológica e organizacional, explorando aspec-
planejamento à execução. As re p re s e n t a ç õ e s tos como os da mediação simbólica e da com-
mentais do que vai ser e do que está sendo fei- p l e x i d a d e, e também do modo como as ciên-
to são influenciadas por aspectos do tempo (ho- cias humanas abordam o acidente.
ra do dia, “ i d a d e” dos componentes etc.), da Esses dois últimos enfoques apresentam lei-
história do indivíduo, dos grupos e da empresa tura que parece associar aspectos das visões de
a que se vincula, como das características téc- Reason e Hollnagel, acima expostas, sem per-
nicas e organizacionais do sistema e do contex- der de vista a forma como o fenômeno aciden-
to sócio-político-econômico em que esse está te é abordado na Ergonomia (sobretudo na
i n s e ri d o. Assim é que a compreensão de um França) e por escolas das ciências humanas.
ruído, por exemplo, pode ser diferente para um Uma perspectiva que também associa as-
n ovato e um trabalhador experiente; ou para pectos de diferentes escolas é apresentada por
um membro de equipe de empresa contratada Ll o ry 6,7. Seu modelo psicoorganizacional de
e trabalhador da contratante que atua há anos acidentes não perde de vista a importância da
naquele setor. c o m p reensão de aspectos técnicos pre s e n t e s
O erro é um dos sinais que orienta a com- em acidentes, mas ressalta sua insuficiência
preensão da equipe acerca do que está ocorren- para a compreensão desses eventos. O aciden-
d o, do controle ou não da atividade, em cada te é apontado como potencialmente revelador
m o m e n t o. De acordo com esse enfoque, sua de aspectos da história da organização, sobre-
ocorrência revela que a representação mental tudo daqueles relacionados às suas ori g e n s,
da atividade tanto dos objetivos (o que fazer), que estavam incubados ou adormecidos. A di-
seja do como faze r, não está em consonância mensão subjetiva é reconhecida tanto em nível
com a realidade. Distanciou-se dela. No entan- individual, quanto no das relações horizontais
t o, os procedimentos usados para elaborar e e verticais estabelecidas historicamente nas si-
atualizar esse modelo mental, enfim, o próprio tuações de trabalho. Ou seja, ressalta-se a ne-
modelo adotado, foram exatamente os mesmos cessidade de explorar tanto aspectos conjun-
usados nas situações sem acidente. De acordo t u ra i s, ditos sincrônicos, como aqueles cons-
com Hollnagel, 9 as origens dessa variabilidade t ruídos ao longo da história de vida das pes-
podem ser identificadas e monitoradas. soas e da organização, ditos diacrônicos.
Essa forma de pensar o trabalho leva a com- No Brasil, o modelo explicativo monocau-
preender o acidente como indicador da ruptu- sal centrado na culpa da vítima vem se man-
ra da compreensão da atividade, do compro- tendo intocável no meio técnico – industri a l ,
misso cognitivo usado pelos operadores na ges- em meios acadêmicos mais conserva d o res e
tão da atividade. No entanto, embora o aciden- em organismos oficiais como mostra re m o s
te nos mostre o momento em que ocorre a rup- neste estudo, mesmo após inúmeras críticas
tura, ele não nos permite compreender em que publicadas nas décadas de 80 e 90 12,13,14,15.
consiste esse compromisso. Para desvendá-lo, Esta manutenção silenciosa não seria uma
t o rna-se necessária a realização de análises demonstração de que este modelo é convenien-
de Araras (17,0%), Limeira (12,7%), Americana anos no campo da Saúde e Se g u rança do Tra-
(5,6%) e Rio das Pedras (4,2%). As demais 11 ci- balho, reforçam essa idéia.
dades da região totalizaram 14 casos do con- Por si só, esses elementos já permitem afir-
j u n t o. Tal situação pode ser explicada pelo mar que a concepção de acidente subjacente a
maior contingente de tra b a l h a d o res e maior essas análises é a mesma anteri o rmente des-
densidade econômica das cidades pólo com- crita como “c e nt rada na pessoa”, gestão do er-
paradas com as vizinhas. ro, paradigma tradicional ou burocrático da
A distribuição dos casos de acordo com a saúde e segurança no trabalho. O uso do singu-
atividade econômica do empreendimento em lar na denominação do campo “causa apurada”
que ocorreu o acidente, mostra que os ra m o s revela a natureza simplista com que se vê o aci-
de atividade que apresentam maior freqüência d e n t e. De s c rições sucintas, re s t ri n g i n d o - s e
de casos são os da indústria de produtos ali- quase que exc l u s i vamente à desestabilização
mentícios e de bebidas, com 16,9% dos casos, do sistema e às origens da lesão confirmam es-
seguido do setor da construção civil, com 15,5%. sa afirmação.
Em seguida, surge o setor de fabricação de pa- Discutindo implicações de análises que atri-
pel e celulose, que responde por 11,2% do uni- buem o acidente a comportamentos dos ope-
verso estudado. Destaca-se ainda o fato de que radores, Lima & Assunção 21 ( p. 95), afirm a m :
o setor da indústria de transformação respon- “não é a conclusão quanto aos atos inseguro s
de por 41 casos, o que equivale a 58,0% das ocor- que leva à prevenção baseada em mudanças de
rências, enquanto que outros grupos de ativi- atitude e de comportamento, mas sim a concep-
dade econômica, como o setor primário (agrí- ção racionalista de que o comportamento hu-
cola e extrativo), respondem por 11,2% e o se- mano é determinado exclusivamente pela cons-
tor de comércio e serviços por 15,5% dos casos. ciência e que, p o rt a n t o, o acidente decorre da
As causas externas das lesões foram agrupa- falta de consciência do risco”.
das segundo a CID-10 19. Podemos observar que Ou t ro autor que também destaca a inade-
as máquinas, exceto as agrícolas, respondem quação da concepção de ser humano presente
por 38,0% das ocorrências em estudo. A queda nas práticas tradicionais de segurança é Llory 6
de altura responde por 15,5% das ocorrências e (p. 150). Referindo-se a seus colegas engenhei-
os acidentes causados por corrente elétrica res- ros, ele afirma: “os engenheiros esquecem o me-
pondem por 11,3% dos casos. Em seguida, sur- do, a incerteza, o sofrimento, a incapacidade de
gem os acidentes causados por equipamento manter a atenção a todos os instantes, os perigos
agrícola incluindo tratores com 8,5% dos casos. da agressividade, às vezes, da violência, eles des-
A Tabela 1 mostra a distribuição das con- conhecem as frustrações, o mal-estar, a desmobi-
clusões das análises em termos de “causa apu- lização subjetiva”. “Eles concebem o homem
rada”. Dos 71 casos investigados, quarenta, ou com um ser sem corpo ou sem moral responden-
seja 56,3%, foram atribuídos a atos inseguro s do essencialmente aos imperativos das sanções e
cometidos pelos trabalhadores. Por sua vez, 17 ou aos atrativos de uma recompensa...”.
casos (24,0%) foram atribuídos a atos insegu- Essa incapacidade de compreender e incor-
ros cometidos pelos trabalhadores e seus men- porar a concepção de homem, contemporânea
tores. A falta de segurança ou condição insegu- da evolução dos conhecimentos, aparece como
ra de trabalho responde por 11 casos, represen-
tando 15,5%. Observa-se que a menção aos
atos inseguros seja do trabalhador acidentado
e/ou dos mentore s, responde por um total de Tabela 1
80,3% do universo.
A presença de campo denominado “c a u s a Freqüência, porcentagem e porcentagem acumulada de acidentes de trabalho
apurada” no modelo de laudo adotado nas in- típicos graves e fatais, analisados pelo Instituto de Criminalística de Piracicaba
vestigações não parece ser fruto de acaso. A segundo a conclusão – causa apurada.
mesma expressão, no singular, foi adotada du-
rante anos em modelo de análise de acidente Classificação Quantidade % % acumulada
recomendado em norma regulamentadora do
Ato inseguro 40 56,3 56,6
Ministério do Trabalho e Emprego e em norma
Ato inseguro do trabalhador 17 24,0 80,3
brasileira referente à investigação de acidentes
e/ou dos mentores
do trabalho. Sua presença em laudos do IC su-
Falta de segurança 11 15,5 95,8
gere que o modelo adotado tenha encontrado
Outros não conclusos 3 4,2 100,0
inspiração nessas fontes. As conclusões redigi-
Total 71 100,0 –
das com uso das noções de atos e condições in-
seguras, ou seja, as mesmas adotadas durante
Resumo Referências
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envolvendo máquinas representam 38,0%, seguido pe- 2. Instituto Nacional de Se g u ridade Social. Da d o s
las quedas de altura (15,5%) e em terc e i ro lugar os estatísticos de acidentes do trabalho da previdên-
causados por corrente elétrica (11,3%). Os laudos con- cia social. http//www.mpas.gov.br (acessado em
cluem que 80,0% dos acidentes são causados por “atos 15/Out/2002).
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que a falta de segurança ou “condição insegura” re s- Polícia e acidentes do Trabalho. São Paulo: Fun-
ponde por 15,5% dos casos. A responsabilização das ví- dação Jo rge Du p rat Fi g u e i redo de Se g u rança e
timas ocorre mesmo em situações de elevado risco em Medicina do Trabalho/Delegacia Regional do Tra-
que não são adotadas as mínimas condições de segu- balho; 1998.
rança, com repercussão favorável ao interesse dos em- 4. Vilela RAG. Desafios da vigilância e da prevenção
pregadores. Ob s e rva-se que estas conclusões re f l e t e m de acidentes do trabalho: a experiência do pro-
os modelos ex p l i c a t i vos tra d i c i o n a i s , re d u c i o n i s t a s , g rama de saúde do trabalhador de Pira c i c a b a ;
em que os acidentes são fenômenos simples, de causa c o n s t ruindo pre venção e desvelando a impuni-
ú n i c a ,c e n t rada via de regra nos erros e falhas das pró- dade [Tese de Doutorado]. Campinas: Faculdade
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Recebido em 12/Mar/2003
Versão final reapresentada em 29/Set/2003
Aprovado em 23/Out/2003