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Apontamentos Grupos de Pressão e Movimentos Sociais

Contextualização histórica dos grupos de interesse/grupos de


pressão
- A temática dos grupos de interesse parece uma temática contemporânea, uma vez
que não existe um hábito de se ouvir falar no seu estudo na literatura clássica ou
moderna. Por outras palavras, a questão dos grupos de interesse parece um novo
fenómeno ou um conceito contemporâneo, mas tem sido uma característica do
cenário político durante séculos, embora só a partir de 1945, com o final da 2ª Guerra
Mundial, é que se tornou um objeto de estudo importante para os académicos. Os
grupos de interesse são tão antigos como a própria política, tendo existido sempre que
um grupo de indivíduos se uniu para alcançar um fim que exige algum tipo de pressão
sobre aqueles que tomam as decisões sobre como o seu país deve ser administrado.
- As primeiras sociedades anti esclavagistas, há luz dos conceitos que temos hoje,
podiam ser consideradas como grupos de interesse, na medida em que eram
associações de indivíduos que estavam ligados por um objetivo/causa/preocupação
comum (no caso a luta contra o fim da escravatura).
- A partir da década de 60 do século XX, houve uma crescente proliferação de grupos
de interesse. Essa proliferação pautou-se pelo aparecimento de grupos de interesse
não com reivindicações relacionadas com o trabalho e com o emprego, mas com outro
tipo de exigências e interesses. Para além disso começaram a surgir grupos de
interesse não só na dimensão nacional, mas também nas dimensões locais e
subnacionais.
- Para além disso, o tempo de duração dos grupos de interesse passou a ser maior, no
sentido em que quando um determinado grupo de interesse via as suas preocupações
e os seus interesses a serem alvo da ação ou da atenção política não se desintegravam
e passavam a ter outras reivindicações diferentes das primeiras. Alguns grupos
alteraram a sua primeira causa, após a sua resolução, e passaram a lutar por outras
causas/preocupações.

- Por que motivos foi na década de 60 que ocorreu uma elevada proliferação de grupos
de interesse?

1- Expansão da atividade dos Governos: Até à década de 60 havia um


conjunto de atividades que eram facilmente identificadas como áreas de atuação dos
governos (atividades como a segurança do território e dos cidadãos ou relacionadas
com os direitos civis).
No entanto, na década de 60 do século XX há uma evolução nos direitos de cidadania
(3ª fase), em que os Estados ocidentais passam a ter obrigações/deveres para com os
seus cidadãos. Até então questões relacionadas com a saúde, a habitação, a educação
ou outros apoios sociais não eram consideradas como deveres dos Estados para com
os seus cidadãos.
Estas questões, que tomámos como adquiridas hoje, não eram responsabilidade dos
Estados na década de 50, ou por outras palavras, não eram responsabilidades
privilegiadas pela atividade dos Governos.
A partir da década de 60, houve uma viragem nesta questão dos direitos sociais. Sendo
que os órgãos de poder político passaram a ter poder de decisão em questões que
outrora não tinha, evidentemente que começaram a surgir novos grupos de interesse
com reivindicações e preocupações nessas novas questões e também os que já
existiam alteraram as suas causas de raiz para as novas causas emergentes, com o
objetivo de influenciar o poder político, já que este passou a ter competências de
decisão nas áreas da saúde, habitação e da providência social.

Tradução do texto de apoio: (O crescimento na extensão e âmbito da


actividade governamental na segunda metade do século XX nas áreas da gestão
económica nacional e dos serviços sociais.
As decisões ministeriais influenciam constante e significativamente a vida quotidiana
da maioria dos cidadãos, pelo que não é de surpreender que as pessoas que
partilham um interesse comum tendam a unir-se para preservar e promover os seus
interesses. Reconhecem que é provável que uma voz seja marcadamente menos
eficaz do que um conjunto de vozes para realçar as suas exigências.
A influência de qualquer órgão tende a aumentar à medida que o número de
membros aumenta, proporcionando assim um ímpeto para recrutar novos membros
ou fundir-se com outros grupos de pontos de vista semelhantes. Os governos não
desejam embarcar levianamente em políticas que sejam ofensivas para muitos
eleitores.
Apesar da extensão da prestação de assistência social em áreas como a educação, a
saúde e a habitação, há sempre mais que pode ser feito. As expectativas foram
criadas e muitas pessoas querem ver mais e melhores instalações e benefícios. Além
disso, novos problemas surgem e ganham reconhecimento. Surgiu uma infinidade de
grupos para articular as opiniões dos pobres, dos sem-abrigo, dos idosos e dos
deficientes mentais e físicos, entre muitos outros.)
2- A crescente complexidade e especialização da vida moderna: Nos anos
60 do século XX houve uma crescente especialização, no sentido em que cada vez mais
são necessárias competências técnicas e especializadas para determinados assuntos.
As pessoas pertencem a muitos subgrupos, sobretudo aqueles baseados na sua
profissão.
Por exemplo, aqueles que trabalham na área médica podem não pertencer a um
sindicato principal de trabalhadores do sector da saúde, mas sim a associações mais
especializadas, como as dos condutores de ambulâncias e dos paramédicos. Ora, com
a crescente especialização das sociedades, começam a surgir também grupos de
interesse cada vez mais especializados.
No caso dos Governos, uma vez que o seu orçamento é muito limitado e precisam de
contratar inúmero técnicos e especialistas, em decorrência da crescente complexidade
e especialização das sociedades, estes começam a aproveitar-se dos técnicos e
especialistas que trabalham para os grupos de interesse para auxiliar nas suas tomadas
de decisão.
Ora, gera-se assim uma relação mútua em que os governos precisam dos recursos
humanos dos grupos de interesse e os grupos de interesse precisam dos governos para
atender às suas causas e reivindicações. Logo, isto pode ser um trunfo naquilo que é o
diálogo entre a sociedade civil e os órgãos de poder político.

3- Meios de comunicação em transição: O aparecimento da Internet e a


digitalização da informação facilitaram a tendência para a associação e para a
organização e estimularam ainda mais o desenvolvimento de grupos de interesse. Para
além disso, o desenvolvimento dos meios de comunicação permitiu a
internacionalização dos grupos de interesse.

4- Multiculturalidade e multietnicidade: Na década de 60, o fenómeno das


migrações ganhou contornos muito relevantes. A composição das sociedades nos
Estados europeus passou a ter uma grande diversidade étnica e cultural. Em
consequência disto surge um fenómeno relevante.
Quando um determinado migrante chega a um país que não o seu país de origem vê-
se obrigado a envolver com outros indivíduos na mesma situação que ele, uma vez que
o ser-humano tem a necessidade de se relacionar com outros indivíduos na mesma
situação que a sua (mesma língua, mesmo cultura, mesmo país). A partir da década de
60, uma parte da sociedade civil constituiu-se a partir de questões identitárias em
consequência dos movimentos migratórios que se intensificaram, sobretudo em
virtude da independência das ex-colónias africanas.
Isto incentivou a formação de uma variedade de grupos para representar minorias
específicas, incluindo organismos como a Federação Sikh Britânica, o Fórum dos
Hindus Britânicos e o Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha. Para além destes grupos
que trabalham para promover e defender os interesses de sectores da comunidade,
existem outros grupos que surgiram para combater a discriminação e combater o
racismo, como a Liga Antinazi.

5- Pós- materialismo: Até à década de 60 considerava-se que havia uma


prevalência dos chamados valores materialistas (valores ligados àquilo que constituí a
sobrevivência dos seres-humanos. Depois de terminada a Segunda Guerra Mundial na
Europa, as principais preocupações dos países europeus passavam pela garantia de
empregos, salários, condições mínimas de vida e de sobrevivência.
Até esta altura, os grupos de interesse que existiam apresentavam reivindicações e
preocupações materialistas, ou seja, relacionadas com a proteção social dos
indivíduos, daí que em séculos anteriores, os sindicatos tradicionais lutavam por
condições básicas de emprego.)
A partir da década de 60 do século XX, a maioria da população das sociedades
europeias ocidentais tinham essas necessidades garantidas pelos governos (não quer
dizer que toda a gente era rica e que não havia pobreza, mas significa que as
necessidades básicas de sobrevivência estavam garantidas após a 2ª Guerra Mundial).
A partir deste momento, as preocupações passam a deslocar-se para outras
questões/temáticas, ou seja, os chamados valores pós-materialistas.
Esses valores/questões estão relacionados com aspetos de natureza identitária, justiça
intergeracional, justiça climática, direitos de minorias/mulheres. Por outras palavras,
questões relacionadas com identidades e não com a sobrevivência básica dos
indivíduos. Daqui começam a surgir novos grupos de interesse e novos movimentos
sociais que abordam estas causas e estas novas questões pós-materialistas.

Tradução artigo bibliografia: O surgimento de novas questões e o


desenvolvimento de atitudes pós-materialistas. Enquanto muitos eleitores estavam
outrora preocupados principalmente com questões comuns que afetavam os seus
estilos de vida - a sua casa, o seu trabalho, o seu rendimento - nas últimas décadas,
ideias como o ecologismo, o feminismo e os direitos dos homossexuais entraram na
agenda política. Muitos eleitores mais jovens e com melhor formação partilham
atitudes pós-materialistas e querem expressar as suas opiniões sobre causas como a
criação de um ambiente esteticamente agradável, a sua desaprovação da energia
nuclear, os seus direitos à liberdade de expressão e a necessidade de
empoderamento social e político.
Grupos de Interesse, Democracia e Pluralismo
- As Democracias pluralistas são a arena privilegiada para os Grupos de interesse
competirem entre si, na medida em que é nos regimes democráticos que a liberdade
de imprensa, de associação e de expressão são asseguradas. Por outras palavras, num
regime onde não exista nenhuma dessas liberdades, os indivíduos não podem
reivindicar a sua posição relativamente a um determinado assunto e,
consequentemente, não podem constituir um grupo de interesse. Daí as democracias
serem a arena privilegiada para a competição entre os Grupos de interesse.
- Serão os grupos de interesse um fator de perigo ou de regeneração para os regimes
democráticos? A tentação é dividir a questão em dois lados opostos: por um lado, há
quem considere que os Grupos de interesse são um trunfo para as democracias e, por
outro, há quem considere que são uma ameaça para os regimes democráticos.
Normalmente, os autores norte-americanos e britânicos manifestam-se a favor dos
grupos de interesse como saudáveis para a qualidade das democracias e os autores
europeus são mais pessimistas e encaram-nos como uma ameaça.
- De que depende o impacto dos Grupos de Interesse na qualidade da democracia?
Outros autores consideram que não é pelo facto de os Grupos de Interesse existirem
que são uma ameaça ou uma regeneração para a Democracia, isso depende de outros
aspetos, nomeadamente do número e da diversidade de grupos de interesse
intervenientes no processo democrático. Uma sociedade em que apenas existam 3
grupos de interesse que atuam sobre a mesma temática/causa é diferente de uma
sociedade em que cada um desses grupos atue em temáticas completamente distintas.
- Geralmente, quanto maior o número de grupos de interesse e a sua respetiva
diversidade, maior será o seu contributo para a qualidade da democracia. Por outras
palavras, quanto maior for a competição entre os grupos de interesse, maior a garantia
de que mais interesses diversos estão a ser representados perante o poder político e
não apenas um único grupo com as suas únicas estratégias, porque assim todos
contribuem de formas diferentes para um determinado problema/causa.
- Os grupos de interesse não são naturalmente bons ou maus. Aspeto mais relevante:
equilíbrio e diversidade entre grupos e reivindicações ou perspetivas divergentes.
Aspetos positivos e negativos dos Grupos de Interesse para a
qualidade da Democracia

Aspetos positivos
- São um canal de participação e representação de interesses, no sentido em que os
cidadãos podem fazer parte e podem ver os seus interesses representados;
- São um instrumento de controlo da decisão/ação política;
- Reforçam a coesão e identidade dos atores sociais;
- Possuem recursos técnicos e conhecimentos especializados;
- Permitem o aumento da responsividade do sistema político, uma vez que permitem
que o sistema política satisfaça as necessidades e os desejos dos seus cidadãos.

Aspetos negativos
- Podem causar uma instabilidade ou sobrecarga do sistema político fruto da sua
excessiva multiplicação. Se todos tentam exercer a sua influência ou pressão nos
governantes podem levar o sistema político a fechar-se a qualquer tipo de
reivindicação;
- Pressão excessiva sobre os decisores políticos que pode impedir a tomada de decisão
imediata;
- Manipulação ou obstrução dos processos de decisão;
- Tendências oligárquicas de alguns grupos: a existência de muitos grupos de interesse
tendencialmente é positiva para a qualidade democrática. Em vários países, há um
número restrito de grupos de interesse que toma as rédeas em determinadas
temáticas/causas, impedindo a atuação ou o surgimento de outros grupos que
queiram atuar sob a mesma temática. Alguns sindicatos são os representantes
exclusivos de uma determinada atividade profissional, impedindo o surgimento de
outros.

Grupo de interesse, grupo de pressão ou lóbi?


- Nos EUA e no Reino Unido existem diferenças na utilização dos termos “grupos de
interesse” e “grupos de pressão”.
Tradução texto bibliografia: Alguns estudos evitaram deliberadamente a utilização do
termo "grupo de pressão", preferindo rótulos como "lobby", grupos "organizados",
"seccionais" ou de "interesse". Os americanos tendem a falar de “grupos de interesse”
para se referirem a toda a gama de grupos organizados, enquanto, na Grã-Bretanha, o
termo descreve grupos que atendem a um interesse específico na sociedade, como a
agricultura ou as grandes empresas. O termo não é realmente adequado como rótulo
para os vários órgãos que fazem propaganda sobre alguma questão de interesse social
ou benefício público.

Grupos de pressão é o termo britânico mais abrangente, mas este também tem os
seus detractores. A palavra “pressão” é um problema para aqueles que pensam nela
como implicando a ameaça do uso da força. Existem alguns grupos que ameaçam o
uso de sanções se as suas exigências não forem reconhecidas, mas a maioria não o faz
durante a maior parte do tempo. Mais importante ainda, o uso explícito ou implícito
da força não é de todo uma característica de muitas formas de associação. Eles
confiam na razão e na argumentação ao fazerem pedidos e defenderem as causas
escolhidas. Seria extremamente injusto para muitas organizações socialmente inócuas
e inteiramente pacíficas sugerir que as suas actividades são apoiadas por qualquer tipo
de intimidação. É por isso que muitos daqueles que existem para promover uma causa
que os membros consideram ser para a melhoria da sociedade ou do mundo em geral
têm preferido, nos últimos anos, frequentemente o nome de organizações não
governamentais.

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