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PÃO

A historia de um processo extraordinário de transformação


da natureza em alimento

A fermentação natural é um fenómeno maravilhoso da natureza e


da cultura, uma “tecnologia” ancestral e popular.

O processo de levar um pão a mesa começa na natureza com


uma gramínea que oferece para nós, humanos a sua parte mais
carregada de energia: as sementes; e mesmo que domesticamos
elas ao longo do tempo, elas continuam protegendo sigilosamente
o precioso reservatório de nutrientes em seu interior e é por isso
que é necessário processar elas, seja fervendo, moendo, tostando
ou por combinação desses processos já que nosso organismo
com um único estomago não consegue digerir tão bem o trigo
comparado com outros animais comedores de gramíneas que
possuem um sistema dotado de mais de um estômago para
realizar processos de fermentação e por sua vez aproveitar outras
partes da planta como caules e folhas.

Antigamente dependendo da região, diversos tipos de gramíneas


eram tostadas no fogo e moídas por pedras para então ferver e
cozinhar um tipo de mingau, que não devia ser uma refeição muito
inspiradora mas era o suficientemente simples para fazer e o
suficientemente nutritiva para comer, aportando assim proteínas,
vitaminas e minerais na nossa dieta.

Certo dia, um daqueles mingaus foi tal vez esquecido em algum


canto e dias depois aquele mingau foi ganhando vida, algumas
borbulhas começaram a aparecer na superfície e o tamanho
aumentou gradativamente, de repente, alguém teve a ideia de
colocar ele no fogo, e aquele mingau dobrou seu tamanho no
calor do forno e tornou-se num objeto mais estável e com uma
textura parecida a uma esponja. Deve ter parecido um milagre que
uma simples tigela de mingau dobra-se seu tamanho e muda-se
sua forma, sabor e textura com uma interação tão aparentemente
simples de dois elementos: ar e fogo, que por sua vez já estavam
interagindo no processo inicial com terra e agua. O alimento tinha
adquirido novos e fascinantes sabores além de uma textura
delicada que o tornava muito mais interessante na hora de comer:
Pão. Com o tempo, nossos ancestrais descobriram que o novo
alimento também era muito mais nutritivo do que aquele mingau, e
foi assim que nasceu um processo extraordinário de
transformação da natureza em alimento.

O pão hoje

Os últimos cem anos tem sido uma época particularmente ruim


para o pão graças a industrialização do processo e ao refinamento
excessivo da farinha de trigo.

O processo do pão é longo e complexo devido a todas as partes


envolvidas nele além do agricultor, o moleiro e o padeiro, ele
também depende de uma cultura não humana: o trabalho ativo de
bactérias e leveduras é fundamental para que uma papa húmida
de sementes esmagadas vire um delicioso pedaço de pão. Elas
também fazem grande parte do trabalho de digestão por nós.

Com a fermentação natural estamos trabalhando com criaturas


vivas que tem seus próprios interesses e modos de agir, o
trabalho na hora de fazer o pão é colocar nossos interesses em
sintonia com os delas.

Esse tipo de observação no processo não é muito eficiente e


seguro para a indústria de alimentos o que fez com que ao logo do
tempo fossem inventados vários mecanismos para eliminar essa
falta de controle sobre esses ritmos biológicos e lentos e a
produção de farinha branca e o seu refinamento foi o primeiro
passo, já que ela é um produto muito mais simples de administrar
no processo de fazer o pão e nos estoques.

Na época de 188O junto com o processamento de grãos nos


moinhos industriais surgiu também o advento do fermento
comercial o que proporcionou uma vantagem a mais para os
padeiros no controle do processo, ao invés de ter uma
desconhecida e complexa comunidade de fungos e bactérias para
fermentar a massa do pão, podiam usar uma única espécie de
levedura para realizar essa tarefa. A modalidade do fermento
comercial consiste numa monocultura que injeta gás a massa, seu
comportamento é linear e previsível, dela pode-se esperar o
mesmo desempenho sempre, o que a torna adequada para a
produção industrial.
Como funciona a fermentação natural

Fazer um pão de fermentação natural toma mais tempo, mas na


maioria das vezes não é seu tempo.

Ainda que a moderna produção industrial de alimentos possa


simular os efeitos do processo de fermentação do pão por meio de
fermentos comerciais e uso de outros ingredientes como
adoçantes, conservantes e condicionadores de massa, mesmo
assim não é capaz de fazer o que uma fermentação natural pode
fazer em termos de digestão e aproveitamento de nutrientes desta
gramínea.

O que faz o pão fermentar é a produção de gases de dióxido de


carbono por parte da comunidade de micróbios presente no seu
“Levain”.

O processo de fermentação com o Levain depende de uma


interação positiva entre leveduras e bactérias onde cada micróbio
consome um tipo diferente de açúcar e não competem por
alimento. As bactérias geram um ambiente propicio para a
sobrevivência das leveduras, mas, quando elas morrem, seus
componentes viram o alimento que a bactéria precisa para poder
crescer, gerando assim um ecossistema de cooperação com
varias espécies desempenhando papeis diferentes.

Gases produzidos tanto pelas leveduras como pelas bactérias


presentes na cultura do levain, fazem com que a massa fermente
e ganhe aromas e tal vez o mais importante: ajudam a ativar as
enzimas já presentes na semente. Pensando na semente como
um reservatório de nutrientes para a nova vida que ela gerara,
energia, aminoácidos e minerais de difícil acesso, estas enzimas,
seriam as chaves de entrada para esta despensa já que elas
desintegram as moléculas liberando estes nutrientes para o
embrião em desenvolvimento, antes que ele possa no processo
de germinação criar raízes para se alimentar dos nutrientes da
terra. Os ácidos presentes na cultura do levain despertam as
enzimas adormecidas e fazem com que estas liberem esses
nutrientes passando-os, em seguida para nós.
O que é o glúten?

É uma sustância encontrada principalmente no trigo mas


especificamente nos seus precursores: gliadina e glutenina, as
quais, ao ser humedecidas com agua se combinam para formar
uma rede de proteínas conhecida como glúten. A glutenina tem a
capacidade para se expandir e a glutenina gera a elasticidade.
Graças a este espaço elástico do glúten o gás emitido pela
comunidade de fungos e bactérias durante a fermentação é
capturado fazendo com que o pão cresça, sem esta rede o ar
escaparia para a atmosfera e pão jamais cresceria.

E foi esta propriedade do glúten que fez com que o trigo fosse
mais apreciado do que outras gramíneas como cevada, painço,
centeio ou aveia. Se levamos em consideração que outras
lavouras de cereais produzem mais quantidade por hectare como
o milho e o arroz, ou que crescem com mais facilidade como a
cevada, o milho e o centeio, ou que são mais nutritivas como a
quinoa, o que faz com que mesmo assim o trigo seja a gramínea
mais consumida no mundo?: o glutén, em outras palavras, o amor
do homem pelo pão fermentado, já que nós adoramos essa
massa cheia de bolhas aromas, texturas e ar!, tão versátil, tão
acolhedora na mesa e tão cheia de significado na nossa cultura.

O ar gerado dentro da massa pelos micróbios e retido graças a


elasticidade do glúten forma bolsões onde vapor que é mais
quente do que a agua ajuda a fazer com que os amidos sejam
mais cozidos ficando ao mesmo tempo mais saborosos e
digestivos.

Algumas pesquisas atribuem à falta de um processo longo de


fermentação as recentes restrições e alergias ao glúten, já que
algumas das sustâncias menos apropriadas para o nosso
organismo podem ser destruídas nesse processo.

Sobre o processo de fazer o pão

Misturar o fermento na agua e dissolver, facilita o processo e


garante que o fermento vai permear toda a massa.

Hidratar a farinha, com a água e deixar descansar por 3o minutos


faz com que a agua e a farinha “se conheçam” um passo muito
importante no começo dessa relação ;). Esse período da a
oportunidade para o glúten inchar e se organizar e para as
enzimas começarem a ser liberadas para começar a produzir os
açucares que serão o alimento dos microrganismos durante a
fermentação.

Inspirar o renascimento dos pães feitos com fermentos


naturais

A dança de seis mil anos entre a nossa cultura e a cultura do


levain faz refletir sobre o por que abandonamos com tanta
indiferença por causa da mecanização, o imediatismo e a falta de
controle um processo que faz de uma semente algo tão nutritivo e
saboroso, trazendo consequências não muito benéficas que só
estamos percebendo agora, depois de cem anos.
RECEITAS

Um pão caseiro de fermentação natural não apenas vai alimentar


como também vai dar prazer a sua família, um bem necessário
cheio de historias da natureza e da nossa cultura.

Pão Rústico - Ingredientes

Branco ou Integral

.2OO g de levain reformado e borbulhante*


.De 3OO a 4OO ml de agua (varia conforme a marca da farinha)
.1/2 colher de sopa ou 1O g de sal
.5OO g de farinha branca**

Se for fazer Pão rústico com Legume

.2OO g de levain reformado e borbulhante*


.2OO g de legume cozido (batata doce, mandioca, Banana verde,
abóbora, etc)
.3OO ml de água, corrija na hora de fazer de acordo com a
umidade do legume.
.1/2 colher de sopa ou 1og de sal
.5OO g de farinha branca**

*Use sempre depois que fermentou e ficou borbulhante, mas se já


cresceu e desceu, ainda pode ser usado em até 24h.

**Variação: 3OO g farinha branca + 2OO g de integral ou de


centeio. Corrigir a água. Se quiser acrescente sementes, ervas,
etc.
Processo

Dilua o levain com a água (se for usar legume, bata-o no


liquidificador junto com o levain e a água). Junte a farinha de trigo
de uma só vez e vá acrescentando mais água se for preciso para
fazer uma massa homogênea e um pouco pegajosa como massa
de pão de queijo.

Passe para uma tigela de vidro ou plástico limpa e untada de


azeite, feche bem e espere 3o minutos.

Faça dobras na massa, espichando e dobrando para cima como


se fosse um embrulho. Espere meia hora. Neste momento se
quiser, pode sovar por 1o minutos na batedeira com gancho.
Repita as dobras. Cubra e espere 3o minutos *.

Modele e coloque numa cestinha com pano enfarinhado. Cubra


com plástico e espere crescer por cerca de 2 horas.

Pré-aqueça o forno a 25o graus (e dentro dele, uma panela de


ferro / barro e sua tampa se for usar)

Coloque a massa na panela, (só enfarinhada), tampe e deixe


assar por 2O minutos. Destampe, abaixe para temperatura 22o e
deixe assar por mais 2o ou 3o minutos.

*A depender da temperatura ambiente, em dias mais quentes,


pode fazer mais dobras e com intervalo menor, no mínimo de 1o
minutos.
Neste momento, depois da última dobra, se quiser, pode cobrir
com plástico e deixar na geladeira para continuar no dia seguinte.

Obs: Se for usar sementes, ervas, etc., acrescente quando a


massa já estiver homogênea ou depois da segunda dobra.
Pão de Forma Integral - 3 pães

.4OO g de levain reformado e borbulhante


.6OO ml de água
.1 colher sopa de sal
.1 kg de farinha de trigo que pode ser 6OO branca e 4OO integral
ou de centeio
*Se quiser acrescente 4OOg de puré de legume (cará,
mandioquinha, mandioca, etc) que podem ser batidos juntos com
a agua e o fermento, sem a farinha!

Processo

Misture todos os ingredientes muito bem, espere 1O minutos,


sove por 1O minutos, nesse momento pode colocar sementes,
ervas ou o purê de legume se for usar. Espere meia hora e divida
em 3 porções e modele. Coloque em formas de pão untadas e
enfarinhadas, cubra com uma folha de plástico ou toquinha de
banho, espere crescer mais ou menos 1/3 do tamanho original,
isso vai depender da temperatura ambiente, no verão pode ser
cerca de 2 horas, no inverno 8 horas ou mais, vá observando.
Asse em forno preaquecido na temperatura mais alta, asse por 2O
minutos a 25O depois abaixe a 23O ou menos, dependendo do
forno para não queimar a base por mais 3O - 4O minutos, até
dourar. Desenforme e resfrie sobre uma grade.

DICAS

O fato de trabalhar com massas mais húmidas faz com que o


cozimento do trigo seja muito maior, pensa que você nunca
cozinharia uma xícara de arroz em meia de agua. Esse tipo de
hidratação faz o seu pão de fermentação natural mais fácil de ser
digerido.

Esperar para colocar o sal 3O minutos depois de misturar a


farinha, ajuda nesses primeiros processos, o sal puxa a agua
dificultando a paquera com a farinha.

As dobras a cada meia hora ajudam a exercitar e fortalecer o


glúten, enquanto capturam certa quantidade de ar ambiente no
interior da massa, cada dobra cria minúsculos bolsões que mais
tarde acabarão abrigando os gases produzidos pela fermentação.
Quando a massa começar a inflar o movimento para fazer as
dobras deve ser mais suave.

Dar uma forma ao pão ajuda a massa crescer no forno graças a


tensão criada na estrutura do glúten em diferentes partes do pão.

Assar o pão na panela de ferro acumula vapor criando um


ambiente húmido que adia o momento em que o pão forma a
casca e permite que a massa se expanda o máximo possível
antes de formar a crosta. Ajudando assim ao pão obter um bom
crescimento no forno assim como uma crosta terna.

INFORMAÇOES UTÉIS

Livro COZINHAR do Michel Pollan conta no capitulo sobre o


elemento AR a historia do pão, o processo de fermentação
natural, e a importância do resgate dessa tecnologia ancestral de
fazer o pão para nossa saúde e nossa cultura.

A serie no Netflix baseada no mesmo livro chama COOKED, cada


episodio traz lindas reflexões sobre o ato de cozinhar a través dos
5 elementos.

Procurar no Netflix também Jeong Kwan, um episodio da serie


Chef’s Table que conta a historia de uma monja budista e sua
forma de se relacionar com o mundo e a espiritualidade a través
da cozinha.

Farinha Orgánica direto do produtor:


contato@guaranapaullinia.com.br
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Contato para compra de panela de ferro:


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Buen provecho!
Nancy Mora
Dúvidas, fotos dos seus pães, sugestões:
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