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FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogagio-na-fonte, Amara Brasileira do Livro, $P) Sodré, Ruy de Azevedo, 1900- 6686 A’ ca profisional’¢ 9 featuto do, acrogado Ippe] Roy. devAseredo Sodté!"" Sto Paulo, Ei. r 668 p. Eaigbenamtriores thm os tl a regulamentacio ea élica profi Gado, seu exatuto ea étler profissional’ 1. Advogados — flea profisional — Brasil 2 Ordeim ‘dos Advogados do. Brasil I. Titulo. Dv 347.965:174081) "347°905.8(81) Indice para catélogo sistemitico: 1, Brasil + Advogados : Estatutos $47.965.8(81) 2. Brasil : Advogados : fica profissional ‘347.965:174 (81) 3, Ordem dos Advogados do Brasil $47.965.8(81) ee | /AVEKSIDADE DE FORTA) | + BIBLIOTECA CENTR 1 1 LE HG date £6-1-34 | neaaaaey (Céd, 456.7) ©Todos os direitos reservados Ths EDITORA LTDA. Rua Apa, 165 - CEP 01201 - Fones: (011) 826-2652 e 826:2740 - Sao Paulo 1984 Scanned with CamScanner Cariruto VI CONCEITUAGAO DA ADVOCACIA — FUNGAO SOCIAL DO ADVOGADO Atividade privada sem nenhuma fiscalizagio do poder pitblico. A liberdade profissional na Constituigéo de 1891. A advocacia ‘como profissio regulamentada, selecionada, fiscalizada ¢ disci- plinada. De simples mandato judicial, tornowse a advocacia minus piiblico com responsabilidade funcional. A funglo s0- cial. O exemplo de Napoledo recuando na decisio que fechara a Ordem dos Advogados. Se vamos mal com os advogados iremos sem eles. A advocacia como fungao publica, exercida por particulares. O conceito de profissio liberal — “0 advogado tem que ser inteiramente livre para ser completamente escravo do dever profissional” — Nao somos funciondrio piblico em- bora prestemos um servico piiblico essencial ao Estado. A evor Iugio do conceito de advocacia, de liberdade ampla ¢ irrestrita, ao de minus piiblico, a0 de profissio liberal, ao de fungio social — A defesa da pessoa humana e a realizagio da justica social. A advocacia como arte, como politica, como ética € ago. Dominou, por largos anos entre nés, 0 conceito.de que a advocacia era atividade privada, sem nenhuma fiscalizagdo do poder puiblico. Os Institutos de Advogados, existentes nos Estados, ¢ filiados ao Insti- tuto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com sede no Rio, nao tinham nenhuma ingeréncia na vida profissional do advogado. Nao podiam punir 0s advogados que tivessem praticado qualquer falta profissional, nem podiam, de qualquer modo, fiscalizarthes a atuacio. Nesse particular, os advogados estavam sujeitos, em cada proceso ju- dicial, apenas ao juiz da causa, tinico competente para punir o causidi- co faltoso, e mesmio assim, s6 em certos casos, € com certas penas. Realmente, de acordo com a Lei n.° 2.222, de 18/12/1922, que refor- mou a organizagio judiciéria de Sao Paulo, os advogados deveriam ficar sujeitos & inspegio disciplinar dos juizes de primeira instancia e do pre- sidente do Tribunal de Justica. E as penas eram desde a adverténcia até a suspensdo por trés meses, penas essas que nunca eram aplicadas. Mais tarde, pelo Decreto n.° 4,786, de 3/12/1930, art. 10, n° V, os advogados ficaram sujeitos a correi¢ao permanente do Corregedor-Geral, © que nfo alterou a situacao, quanto 4 impunidade dos advogados falto- 80s a0 cumprimento de suas obrigagées legais e deveres éticos. O instituto das correigdes, nd que tange aos advogados, foi revogado pelo Regulamento da Ordem, por forga do qual s6 a esta desde entio competia, exclusivamente, o poder de punir disciplinarmente os seus 281 Scanned with CamScanner membros, a despeito de, vez por outra, alguns juizes pretenderem valer- se daqueles revogados textos. : O certo, no entanto, é que naquela época predominava a concepcio de que a advocacia era livre, no estando sujeita a nenhuma restricao. Essa liberdade profissional, segundo preceituava o § 24 do- art. 72 da Constituigéo de 1891 — “£ garantido o livre exercicio de qualquer pro- fissio moral, intelectual e profissional” — era entendida e aplicada com a mais ampla extensio. O exagerado individualismo e 0 acentuado amoralismo da referida carta constitucional imprimiram A profissio aquela feigio de atividade exclusivamente:privada, sem restrigdes, nem limites. : “Os advogados — criticava CARVALHO DE MENDONGA — podem ser homens de negécio, mais do que homens do Direito. Nesse regime de absoluta liberdade, sob a restrita e débil censura do Poder Judiciario, cada advogado, juiz de si proprio, pratica, a seu modo, a ética profissio- nal.” trabalho da jurisprudéncia, porém, foi amenizando essa vesga inter- pretacio do preceito constitucional, até que, invocando-se os impedi- mentos para o exercicio do mandato, j4 consagrados pelo Cédigo Civil (art. 1.825), foi posstvel criar ambiente em que se justificava a existéncia de uma Ordem, modelada pelo exemplo francés. E, assim, foi finalmente criada a Ordem dos Advogados do Brasil. Deixava a advocacia de ser profissio exclusivamente privada e exer- cida com a mais ampla e irrestrita liberdade, para tornar-se regulamen- tada, selecionada, fiscalizada e disciplinada, fungdes essas delegadas pelo poder publico & prépria classe. Passou a imperar 0 principio, até ento desprezado, de que o advogado participa da administracao da Justica, que ¢ servigo publico. Desse prin- cipio decorrem nio sé a subordinagéo do advogado & disciplina funcio- nal, a0 compromisso que presta ao iniciar a profissdo, e ao mais impor- tante de todos, ou seja, 0 de ter acesso, como defensor da parte, no desenrolar do proceso judicial. A advocacia reconheceu-a 0 proprio Supremo Tribunal Federal -, como profissio de postular em juizo, deixou de ser simples mandato judicial para envolver minus piblico, com responsabilidade funcional. Ficou 0 advogado obrigado a observar os principios da ética profissio: nal; a exercer a profissio com zelo, probidade, dedicacao.e espitito cé vico; a aceitar € exercer, com desvelo, os encargos cometidos pela Ordem dos Advogados, pela Asistencia Judiciéria ou pelos juizes competentes. E aos Conselhos Seccionais da Ordem atribuiu-se, entre outros, 0 encargo de velar pelo perfeito desempenho técnico e moral da advocacia ¢ 0 prestigio e 0 bom conceito da profissio e' dos que a exercam. O advogado exerce fungao social, pois ele atende a uma exigéncia da sociedade. Basta que se considere o seguinte: sem liberdade, nao hd advo- cacia. Sem a intervencao do advogado, nao hd justica, sem justiga nao ha ordenamento juridico e sem este nao ha condigées de vida para a pessoa humana. Logo, a atuagéo do advogado € condicao imprescindivel para 282 Scanned with CamScanner ue funcione a justiga. Nao resta, pois, a menor divi ido exerce fungio social. P anpida de 'que.6 atv: Existem necessidades sociais que nio podem ser asseguradas satistato- riamente nem pela autoridade publica, nem pela atividade industria, Exigem elas conhecimentos especializados, e aos seus portadores € con. ferida essa fungio social, que tem duplo aspecto; de um lado, atendem 4g netessidades da coletividade, e de outro, ao mecanismo estatal da dis- tribuigdo da Justiga, ° ‘Ao atender as necessidades culturais da coletividade, no exercicio de atividade privativa, constituindo monopélio protissional, 0 advogado presta servigos aos clientes particulares, na defesa de seus direitos. Hé, esta atuagio, atividade privada, remunerada por quem dela se utiliza, nas sempre revestida de invélucro social. Hd interesse social no atendi- mento, nia prestagio de servicgs a clientes particulares. Social ainda, e, com mais caracterizada fungio, é a atividade do advo- gado quando, como érgio da Justica, pée esta em funcionamento. Esta posigio social de que © advogado estd revestido importa na exi- géncia de possuir conhecimentos técnicos especificos e de ser probo ¢ honesto, a fim de justificar a confianca que nele deve depositar a cole- tividade, DES GRESSONIERES acentua que “Advocacia ¢ 0 trago de unido entre a vida real ¢ a Justiga”.° CALAMANDREI () acentua um aspecto da fungio social do advo- gado esclarecendo que: ] “Na sempre érescente complicagéo de vida juridica moderna, na aspereza dos formalismos processuais, que parecem aos. profanos misteriosas trincas, o advogado é um precioso colaborador do juiz; porque trabalha em seu lugar, para recolher os materiais do litt fio, traduzindo em linguagem técnica as fragmentarias e desliga- as afirmagdes da parte, tirando delas a ossatura do ciso juridico para apresenté-lo ao juiz, em forma clara e precisa e nos moldes processualmente corretos, e dai, gragas a esse advogado paciente Fire, no recolhimento do seu gabinete, desbasta, interpreta, esco- the e ordena os elementos informes proporcionados pelo cliente, 0 juiz chega a ficar em condigdes de ver, de um golpe, sem perda de tempo, 0 ponto vital da controvérsi “0 advogalo aparece assim — prosiegue CALAMANDREL — como um elements integrante da otganizacio judicial — como um Grgio intermedidrio entre julz € a parte, no qual o interesse priva- do'de alcangar uma sentenga favordvel eo interesse publico de obter uma sentenga justa, se encontram e se conciliam, Por isso, sua funglo € necaxitia ao Estado, como servidor do Diteito, na frase de GNEIST”. Realmente, nfo podé haver vida social “sem ordem juridica, ¢ esta & (l)"“Demasia de Advogados”, trad. espanhola. . 288 Scanned with CamScanner que imprime 0 equilibrio das relag6es. O advogado é um elemento atuan- te na manuteng&o da ordem juridica visto que, através dele se manifesta a Justica”, Ele tem, incontestavelmente, uma fungio social. Como diz J. B. de Arruda Sampaio, 0 advogado : “exerce uma fungio social porque tudo, na wida, depende do Direito, tudo se subordina ao império da lei. Nao ha vida social sem ordem juridica e esta se movimenta através do trabalho, entre outros do advogado, Nao ha ordem politica, ordem econdmica, ordem interna, nem paz internacionaj, sem o respeito 4 ordem juridica. BLONDO BIONE, da Universidade de Milao, escreve que a nossa missio é de realizar a ciéncia do Direito que outra coisa nao é senfio a arte da Justica. A tarefa do jurista é unicamen- te procurar 0 justo, tanto na aplicagio como fia formagio do Di- reito”. * O exemplo histérico de Napoledo que teve de recuar na sua decisio de fechar a Ordem dos Advogados, permitindo que as partes se defen- dessem pessoalmente perante os tribunais, ou escdlhessem leigos para © fazerem, mostra 0 quanto é necessiria e imprescindivel a dtuago do advogado. HENRI ROBERT, o grande bdtonnier de Franca, relata o que foi esse period * “foi a turba de agentes de negécios os mais tarados, liberados da Justia, antigos notarios cheios de pecados, refugo dos meirinhos € procuradores invadindo os tribunais; a incapacidade, a ignoran- cia, a grosseria, as manobras desleais, a fraude reinante como se- nhora, a ponto de escrever DELACROIX-FRAIOVILLE, falando dessa época: “Deus esqueceu no Egito a praga mais terrivel, a mais vergonhosa, a dos homens da lei: mas, sua célera, reservou-a para a Franca”. O Conselheiro do Estado TRIBADEAU nos deixou de tudo isso um quadro impressionante, quando nos descreveu esses defensores oficiosos abatendo sobre o “Palais”, como um exame de gente desconhecida, disputando os clientes com uma desagra- davel cupidez, explorando os processos como um ramo de comér- cio, € muitas vezes chegando a faléncia”. Inimig6 acirrado dos advogados, NAPOLEAO — segundo 0 relato de HENRI ROBERT — que detestava os advogados e desejaria cortar-lhes a Ingua para os impedir de se servirem dela contra 0 governo, foi cons- trangido, para assegurar a boa administracio da justica, a restabelecer, em 1811, a Ordem dos Advogados. Essa curta experiéncia deixou claro, no dizer de MARIO GUIMA- RAES DE SOUZA, o nosso melhor monografista da profissio que, “se vamos mal com os advogados, iremos pior sem eles”. Embora exercendo sempre atividade social, 0 advogado, quando atua, no representa o social, mesmo porque, na reaidade, ele defende o indi. vidual. 284 Scanned with CamScanner “No conceito social — sao palavras de M. P. PIMENTEL — o advo- gado representa um dos instrumentos da ordem jurfdica, porque de- fende um interesse individual junto aos poderes do Estado. Ele visa a realizagio da Justica — fim social — mas propugnando por uum interesse particular — fim individual. Esse contraste de interesses é que gera o equilibrio da ordem jurfdica. O interesse econémico do advogado, quando postula em nome do cliente — atividade privada — nfo se conflita com a sua fungio social, que 0 obriga & subordinacio de normas éticas. A relag&o de um profissional liberal com o seu cliente, baseada na eco- nomia privada, representa somente um meio a fim de prestar servigo no interesse da coletividade. A advocacia é funcéo ptiblica, exercida por particulares. Os advogados, segundo a licio de APPLETON, tém o dever de asse- gurar a marcha normal e continua da parte do servico da Justiga de que les esti encarregados (2), Esse 0 interesse piiblico a que o advogado estd vinculado, e nesse enunciado se integram todas as responsabilida- des a ele atribuidas no processamento das causas. A par desse interesse publico ele atua, visando ao interesse particular, ou seja, o de orientar ‘as suas atividades de modo a defender as pretensdes do cliente. Ela no é, como se a conceituava antes de ser regulamentada, profis- sio simplesmente liberal, exercida unicamente no interesse particular. Se assim 0 fosse, pouco ou quase nada caberia de deveres ao advogado. Este se transformaria, em Ultima andlise, em simples agente de interesse do cliente, a quem serviria, como empregado bem pago. E, 0 que menos perderia, seria a independéncia. Nao se admite aquela idéia, infelizmente ainda aceita por alguns, de que o cliente tem sempre razio, sujeitando-se o advogado a conduzir a causa a seu gosto € a seu critério, s6 porque ele Ihe est remunerando 0 servigo. Nao 6, pois, sem razo que 0 nosso Cédigo de tica exige a maxima independéncia do advogado em relagéo ao cliente, “zelando pela sua competéncia exclusiva na orientagio técnica da causa, reservando 20 “liente a deciséo do que lhe interessar pessoalmente” (Seccio III, n.° Ill). Do mesmo modo exige 0 Cédigo, por parte do advogado, “evitar, quanto possa, que o cliente pratique, em relacao A causa, atos reprovados por este Cédigo. Se o cliente persistir na pratica de tais atos, terd 0 advogado motivo fundado para desistir do patrocinio da causa” (Seccio IV, n° I, letra a). Por outro lado, 0 conceito de profissio liberal jé nio é o mesmo que predominava no periodo privatista do proceso, em que a “demanda era um negécio das partes, ¢ a lide era, do principio ao fim, dominada pelo arbitrio dos litigantes”. : is Exercemos profissio liberal, concebida esta como uma atividade pura- @) Op. cit., pag. 361, n° 196. 285 Scanned with CamScanner a mente intelectual. Ela é segundo a definicgéo do grande “Dictionaire Universel” de P. LAROUSSE, daquelas ‘‘cujo sucesso depende das fa- culdades do espirito”. Nele sio enumeradas as profissdes liberais, como sendo: 1.0 — os militares; 2.° — os professores; 3.° — os sdbios; 4.9 — os homens de letras ¢ 0s artistas; 5.? — 03 advogados; 6.9 — os médicos 7.° — 8 magistrados; 8. — os sacerdotes dos varios cultos; 9.° — os estadistas. Hoje, 0 conceito de profissio liberal se ampliou tanto que nele se incluem até as profissdes técnicas. Para nds, no entanto, quando se diz que somos profissionais liberais, subentende-se nessa denominagio a preeminéncia de atividade mera- mente intelectual, exercida com liberdade ¢ independéncia, ou seja, sem qualquer subordinagio, nem mesmo até ao proprio cliente. ¥ a profissio liberal eminentemente cultural, exercida com liberdade, em clima de liberdade e com integral independéncia. ANGEL OSORIO (*) define a profissio liberal como sendo “a exer- cida com liberdade e a que tem na liberdade o mais importante atri- buto”, Ela se caracteriza, realmente, como profissio independente, sem subordinagéo nem obediéncia. A despeito de 0 conceito de profissio liberal estar se desvirtuando, nela se incluindo, por dispositivos legais, categorias profissionais que, na realidade, nao oferecem requisitos basicos, podemos afirmar que nés, advogados, somos profissionais liberais, porque: a) exercemos profissio intelectual. Somos produtores de bens cultu- rais, e no materiais; b)_exercemos a profissio com independéncia, ao contrario dos fun- cionarios ¢ empregados privados, que a exercem com subordinacao; ¢) nao visamos a um fito de lucro. A advocacia ¢ munus piblico € no atividade comercial. Aquele e esta sio atividades antagénicas. Nosso trabalho deve ser remunerado, mas nao pode ser inspirado por espirito de mercantilismo. (*) ‘Como profissional liberal, no sentido exato do termo, 0 advogado exer- ce fungéo social, uma ver que defende nao s6 interesses privadog como ainda interesses sociais; “no seu ministério privado, presta servigo pu- blico”, na reza do art. 68 do Estatuto. Realizando 0 direito, tornando efetiva a Justica, esté o advogado, como profissional liberal, exercendo fungao social. E esta se caracteriza em bem. defender os direitos individuais, resultando, dai, 0 equilibrio da ordem juridica, © advogado exerce profissio liberal regulamentada, assimilada a um servigo publico. Dessa circunstincia decorre o fato de nao poder se enten- ler a profissio como inteiramente livre. E nao é livre porque ela esti ubordinada a uma série de restrig6es decorrentes umas da nacionalidade, outras de aptidées profissionais e morais. Seu exercicio é fiscalizado por delegagio do poder piblico pela OAB, e a policia dos atos forenses é (3) “El Alma de ta Toga", Buenos Aires, 1910, pag. 55. (4) Vide J. Savatier, “La profession liberale”, pag. 85, 286 Scanned with CamScanner x conferida ao juiz. H4 incompatibilidades e proibicdes previstas no regu- lamento profissional. Para 0s autores franceses, a nota caracteristica da profissio liberal é a predomindncia da atividade de espitito, sem nenhuma ligagéo com um elemento material. O advogado é profissional liberal, na verdadeira acepcao da palavra, porque ele trabalha com a sua palavra — oral ou escrita — com seus dons de exposicio e de persuagio, com seus conhecimentos juridices. Hi, ainda, outro elemento predominante na caracterizagéo da profis- so liberal que ¢ a independéncia. Nossa profissio é liberal, nfo resta duivida, mas nao se pode confundir liberdade com licenciosidade, Somos livres, mas nossa liberdade est4 con- dicionada, limitada pelo servigo puiblico que prestamos, como elemento indispensdvel & administracdo da Justica. Somos livres, mas nossa ativi- dade profissional esta sujeita 4 disciplina imposta por regulamentag4o estruturada pela prépria classe, cuja execugao Ihe foi confiada. Sio de Alfredo Pujol as seguintes palavras: “a primeira condi¢ao no ministério do advogado deve ser a liberdade, O advogado tem que ser inteiramente livre para poder ser completamente escravo do dever profissional. O nico juiz de sua conduta h4 de ser a propria cons- ciéncia.” Ao cuidarmos do problema dos honordrios, voltaremos a apreciagio do que seja profissio liberal. Somos érgios da Justiga, e nao simples auxiliares dela. Nao somos funciondrios publicos, embora prestemos servigo publico. Como érgos da Justica, pois, somos elemento indispensdvel A sua administracao; nossa agao deve estar condicionada aos supremos interes- ses da Justica, para o que se vem imprimindo ao processo um sentido publicista. Essa tendéncia consiste em atribuir ao advogado maiores responsabili- dades, da mesma forma que aos juizes. ‘Ao advogado cabe a funcio de “preparar, nas pecas fundamentais do contraditério, 0 esquema da sentenga do juiz”. E, assim, conclui ELIE- ZER ROSA, em magnifica oragéo proferida em solenidade de colagio de grau: “Fico seguro da necessidade de demarcar os lindes dessa liber- dade, proclamando que a liberdade da advocacia, como todas as liberda- des modernas, no pode contrastar com’a vontade soberana do Estado, vazada na lei’ E ainda: “Por esta nova e fundamental concepgio de que a advocacia é em substancia, um servico prestado ao Estado, havemos de concluir que o advogado tem a mesma tarefa que tem o juiz no proceso”. Cabe aqui, porém, uma disting’o formulada por Sio TOMAS DE AQUINO, na “Suma Teolédgica”, segundo a qual o advogado é pessoa parcial na causa em que atua, dada a natureza mesma da sua fungio. ‘Ao passo que o juiz, assim como a testemunha, tem relagdes imparciais para com as partes da causa, € sendo certo que a fungao do juiz é dar 287 Scanned with CamScanner sentenga justa e a da testemunha prestar depoimento verdadeiro. Ora, a Justiga e a verdade so imparciais (papel do juiz e da testemunha), pois nio pendem mais para um lado do que para outro. Jé a fungio do advo. gado difere da do juiz e da testemunha; ele defende interesses legitimos de seus clientes, mas que nfo deixam nunca de ser interesses, na defesa dos quais se evidencia a sua parcialidade no proceso. ‘Alids, o citado art, 68 do Estatuto da Ordem dos Advogados conceitua a advocacia como servico publico, isto ¢, que prestamos servigo ao Esta- do, equiparando os advogados a juizes e membros do Ministério Publico, como elementos indispensiveis A administragto da Justica, Como ativi- dade privada, ela imprime ao advogado aquela parcialidade de que fala Sio TOMAS DE AQUINO. E, no artigo seguinte, fica esclarecido que “Entre juizes de qualquer instincia € os advogados nio ha hierarquia nem subordinacio”. Como vimos, dentro do quadro evolutivo, a advocacia caminhou, do conceito da liberdade ampla e irrestrita, a0 dé munus pitblico, ao de profissio liberal e ao de funcao social, concretizando-se este no principio de que o advogado no ministério privado presta servigo puiblico indis- pensavel & administragio da Justica. Mas mesmo esse conceito de funcio social vem se ampliando nos dias atormentados em que vivemos. O advogado é o baluarte da liberdade. Sua funcao sé pode ser exercida livremente num clima de liberdade: So exatamente as exigéncias da liberdade humana e os reclamos da justica social que esto imprimindo nova orientago & advocacia. Cons- tituem suas notas dominantes. Na verdade, a tendéncia do Direito, objetivando estas duas grandes realidades — liberdade da pessoa humana e justica social —, se caracte- riza pela ampliagao das liberdades individuais e restricdes das liberdades econdmicas. © exercicio da advocacia assume o carter de fungio social quando © profissional, zeloso e digno, observa as normas de ética, tendo sempre em vista 0 resguardo da ordem juridica e a tutela da pessoa humana, defendendo intransigentemente os postulados da liberdade. _OSORIO e GALLARDO, em feliz sintese,. advertem que a advoca- cia “nfo se cimenta na lucidez do engenho, mas na retidio da conscién- cia”, A defesa da pessoa humana é, hoje em dia, a fungio suprema da advocacia, “O nosso ministério privado superou a velha concepgio de cliente 8 advogndo, Presos, ambos, nas malhas restritas da relacio de patro- nio. 288 Scanned with CamScanner A missio do advogado no seio da comunidade fundada na dignidade da pessoa humana ¢ na “livre afirmacio das infinitas tendéncias e inclinagées do homem' transcendem, de muito, o de ser simplesmente um mero profissional liberal, para elevar-se quase as alturas do sacer- décio” (Ruy Sodré — Novas Dimensées da Advocacia, 1971, pag. 9). A honra, a vida, a liberdade, a propriedade, o direito enfim de nossos semelhantes encontram em nés, advogados, 0 meio hébil de resguar- dé-los. Na II Conferéncia Nacional dos Advogados, que se realizou em Sio Paulo, em agosto de 1960, entre as conclusdes aprovadas, do trabalho magnifico apresentado pelo Prof. MIGUEL REALE sobre a “Misséo do Advogado no Mundo Contempordneo”, destaca-se, precisamente, esta: “O advogado deve preservar contra tudo e contra todos o cunho liberal e humanista de sua profissio: liberal, porque fundada na liberdade de convicedo cientffica; humanista, porque tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a livre afirmac’o das infinitas tendéncias e inclinagdes do homem.” A esséncia da nossa fungdo, quase que poderiamos sintetizd-la na pri- meira norma regulamentadora da vide profissional do advogado japo- nés: “A missio do advogado é proteger os direitos fundamentais huma- nos e realizar a justica social” Se essa é a natureza da advocacia, o seu contetido, por assim dizer, é arte, politica, ética e agao. Nos Mandamentos do Advogado,. EDUARDO COUTURE analisa @ contetido da advocacia: “Como arte, tem suas regras; mas estas, & semelhanca de todas, tém a aptidao criadora do homem. "“O advogado esté feito para 0 Direito, e néo o Direito para o advogado. A arte do manejo das leis esta sustentada, antes de tudo, na peculiar dignidade da matéria confiada as maos do artista. “Como politica, a advocacia ¢ a disciplina da liberdade dentro da ordem. Os conflitos entre o real ¢ o ideal, entre a liberdade € a autoridade, entre 0 individuo e o poder, constituem o tema de cada dia. No meio desses conflitos cada vez mais dramiticos, 0 advogado nao ¢ uma folha na tempestade, Ao contririo: desde a autoridade que cria o direito, ou desde a defesa que pugna por Sua justa aplicagio, o advogado ¢ quem afasta muitas vezes as nu- vens da tempestade e pode conté-las. “Como ética, a advocacia ¢ um constante exercicio da virtude. A tentagdo passa sete vézes cada dia a frente do advogado. Este pode fazer da sua fungio a mais nobre de todas as profissdes e 0 mais vil de todos os oficios. “Como ago, a advocacia é um constante servigo aos valores su- periores que regem a conduta humana. 289 Scanned with CamScanner “A, profissio exige, em todo 0 caso, 0 sereno sossego da expe. ritncia e do doutrinamento na Justica; mas quando a anarquia, 0 despotismo ou o menosprezo & condigio do homem sacodem as instituigdes e fazem, tremer os direitos individuais, entéo a advoca- cia é militincia na luta pela liberdade.” Este é 0 clima da advocacia. O advogado, como profissional libe- ral, exerce com liberdade a sua fungio social, tendo na liberdade © seu maior atributo. E no estudo de todo o direito que ele pode livremente lutar pela defesa do direito de cada um. 290 Scanned with CamScanner

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