Você está na página 1de 26
Psicanalise Clinica Gruzeirodo SulVirtual aucagioa dtincia Conteudista: Prof.4 M. Joana Alvares Revisao Textual: Prof. Me. Claudio Brites Objetivo da Unidade: + Compreender a dinamica e a estruturacao da técnica psicanalitica. Material Teérico |. Material Complementar Referencias 1s = Material Tedrico Introdugao aro(a) aluuno(a), apés conhecermos de forma mais aprofundada os fundamentos basicos da teoria psicanalitica, bem-vindo(a) a esta Unidade, intitulada Psicandlise Clinica. Nesta adentraremos as particularidades sobre a técnica e a pratica psicanalitica, a partir das quais abordaremos questées mais voltadas e relacionadas a clinica. ‘Seguiremos nesta Unidade na mesma modalidade de aprendizagem das demais, como forma de glossério, assim, a partir de cada tematica iremos conhecendo os principais contetidos planejados. AClinica Psicanalitica “a ciéncia moderna ainda nao produziu um medicamento tranquilizador tao eficaz como 0 que sao umas poucas palavras boas.” ~ FREUD, 1996, p.19 Abusca crescente por atendimento psicanalitico descreve o atual momento que a saiide mental atravessa na nossa sociedade, isso apresenta a possibilidade de reflexdo acerca de que tipo de clinica esta sendo ofertada e que profissionais so os responsdveis por conduzir essa busca por ajuda. A Psicandlise, enquanto ciéncia, teoria e pratica, vive em constante evolucao e estudo para que se possa pensar uma clinica dos tratamentos das dores, dos sofrimentos e mal-estares do psiquismo, dos desejos reprimidos, recalcados, enfim, das emoc6es humanas que investern sobre a mente. Assim, com as obras deixadas por Freud, através da sua genialidade, cabe ands, apaixonados por esse trabalho, dar continuidade aos seus fundamentos e alicerces da teoria psicanalitica, E tarefa da psicandlise a escuta do emergente, do mal-estar individual e coletivo, como também, do sofrimento que na cena cotidiana aparece com frequéncia. A psicandlise visa promover 0 bem-estar do sujeito e do préprio analistae, com isso, compreender as experiéncias e vivéncias dos sujeitos torna-se de fundamental importéncia, pois, assim, refina-se a escuta, qualifica-se o profissional e a pratica clinica psicanalitica se aperfeigoa, Nos textos sobre a técnica psicanalitica, em “RecomendagGes ao médico que praticaa psicandlise”, de 1912, eem “0 inici do tratamento”, de 1913, Freud tece conselhos e sugesties relacionadas a postura de um psicoterapeuta no que se refere manutengao de um setting adequado a escuta e ao olhar psicanalitico, atengao flutuante e atenta as questées do paciente, & associacao livre e as manifestacdes transferenciais e contra transferenciais enraizadas no campo de encontro entre paciente-terapeuta. Em ambos os textos, 0 autor coloca que no ambiente terapéutico se encontram forcas e energias que estarao ligadas ao proceso da psicoterapia: “Ble [0 tratamento psicanalitico] fornece as magnitudes de afeto requeridas para a superacao das resisténcias, por meio da mobilizacao das energias que se acham a disposi¢ao da transferéncia; mediante comunicagées oportunas, mostra ao doente os caminhos por onde ele deve guiar essas energias.” ~ FREUD, 1913, p. 191-92 As: , todos esses conceitos trazidos aqui fazem parte da grande teia que é a praticae a técnica psicanalitica, que nesta unidade aprofundaremos. O Setting Psicanalitico (..) ou enquadre, (...) éa soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalitico. Assim, ele resulta de uma conjungao de regras, atitudes e combinagées, tanto as contidas no “contrato analitico” como também aquelas que vao se definindo durante a evolucao da andlise, como os dias e hordrios das sessGes, os honorarios com a respectiva modalidade de pagamento, o plano de férias...” ~ ZIMERMAN, 1999, p. 301, O setting psicanalitico, por si s6, j4 6 um fator terapéutico e de extrema importancia para 0 desenvolvimento do tratamento de qualquer paciente. £ através da criagao de um espaco simétrico, protegido e valorizado ao maximo, que possibilitamos que o analisando traga seus aspectos e demandas e, assim, possa estabelecer uma relaco de vinculagao transferencial com seu terapeuta. Zimerman (1999, p. 302) salienta sete caracterfsticas e fungées do setting psicanalitico no contato com o paciente, sao elas: . Estabelecer 0 aporto da realidade exterior; . Ajudar a definir a predominancia do principio da realidade sobre 0 do prazer; . Prover a necesséria delimitagao entre o ‘eu’ e 0s ‘outros’, proporcionando assim a diferenciacao; . Auxiliar na obtencdo de capacidade de diferenciacao, separacao e individuacao dos sujeitos; . Definir nogao de limites e das limitacées; . Desfazer as fantasias do analisando, que sempre esté em busca de uma iluséria simetria e similaridade com 0 terapeuta; . Reconhecer que é unicamente sentindo as frustragdes impostas pelo setting que 0 analisando poderd desenvolver capacidade para simbolizar e pensar. Freud (1912), em Recomendagdes aos Médicos que Exercem Psicanilise, apresenta os alicerces basicos que sustentam 0 setting por meio de cinco regras técnicas: 1) regra fundamental ou associacao livre; 2) abstinéncia; 3) neutralidade; 4) atengao flutuante;e 5) amor a verdade. Por associacao livre de ideias ou regra fundamental, compreendemos que ela se baseia no livre fluxo do pensamento, quando o paciente deve dizer tudo que Ihe venha 4 mente, com ou sem um sentido aparente; comunicando ao seu analista tudo o que Ihe ocorrer, sem censura ou selegao prévia. Jaa atengao flutuante parte do analistae é descrita como um estado no qual ele mantém uma atengo uniformemente suspensa frente a tudo o que escuta, ou seja, nao dirige sua atengao para nada especifico; sem expectativas nem inclinagdes. Abstinéncia, segundo Laplanche e Pontalis (2001), é um prine{pio ou uma regra da pratica analitica segundo a qual o tratamento analitico deve ser conduzido de modo tal que o paciente encontre o menos possivel de SatiSfaG68S SUBStILULiVaS para seus sintomas. A neutralidade diz respeito a imparcialidade, ou seja, o analista deve aceitar seu paciente pelo que ele &.E0 amor & verdade se relaciona com aatitude do analista em ser verdadeiro consigo mesmo e com o seu paciente, desenvolvendo uma atitude analitica de querer conhecer e enfrentar as verdades dele, do seu paciente e do vinculo que se estabelece entre eles. Glossario Satisfacdes substitutivas: consistem na substituicao de um fendmeno inconsciente por outro, permitem que exista uma satisfacao apesar de simbélica, diminuindo a intensidade da angistia ou sintoma. Além disso, salienta-se a importncia de que, para a constituigao de um bom setting psicanalitico e terapéutico, o contrato de combinacdes e de funcionamento do tratamento deverd ser obrigacao do analista, que o realiza com seu paciente. Também é obrigagao do analista o desenvolvimento de uma alianga terapéutica saudavel e adequada. Meyer e Vermes (2001) definem relacao terapéutica como “uma interacao de miitua influéncia entre terapeuta e cliente” (p. 101) e Cordiolli (2008) afirma que estdo inerentes a relacao paciente-terapeuta “a aceitagao e 0 apoio do paciente por parte do terapeuta” (p.19). Leitura Breve Reflexao sobre o Setting Clique no botao para conferir o contetido. O Lugar do Analista e do Analisando ‘Segundo Cordioli e Giglio (2008, p. 44), “o terapeuta é um modelo de identificagao, razao pela qual suas caracteristicas pessoais e seu carater sao tio importantes, ao lado de uma sélida formacao teéricae pratica, que lhe proporciona o conhecimento necessario ¢ 0 dominio dos métodos de psicoterapia utilizada com o paciente”. Dessa forma, almeja-se que esse profissional esteja interessado em falar com pessoas e em ouvi-las, que tenhaa curiosidade, a capacidade de se preocupar, de empatizar e de cuidar do outro, além das stas particularidades, que vise facilitar 0 vinculo eo desenvolvimento de uma relacao terapéutica (CALLIGARIS, 2008; EIZIRIK; HAUCK, 2008). Zimerman (1999, p. 457), a0 descrever as condigdes necessérias para um analista, salienta que a formacao de uma indispensével “atitude psicanalitica interna”, resultante da aquisicao das “condigées minimas necessérias”, implica a condicao de que o terapeuta de orientacao psicanalitica escute, enxergue, diga e compreenda, respeite e contenha, frente a uma atitude de verdade e empatia, em que o saber nao é 0 mesmo que, de fato, ser! ‘As condigdes necessérias para um analista, segundo Zimerman (1999), s& . Formago: “um bom terapeuta esta sempre lidando com uma situacao desconhecida, imprevisivel e perigosa” (p. 451) - supervisao; . Par analitico: “a coisa mais importante nao é aquilo que o terapeuta eo paciente podem fazer, mas 0 que a dupla pode fazer, onde a unidade biolégica é dois, e ndo um” (p. 451); . Pessoa real do terapeuta: 0 profissional pode errar, nao é fonte de saber. “a obrigacao do terapeuta é ajudar, nao estando na obrigacao de conseguir ajudar. 0 {inico contrato que o terapeuta participa é aquele que estabelece que ele faré o melhor que ele pode, mas nao a obrigacao de que tera éxito” (p. 452); . Visualizar diferentes partes do pacients militar, no qual tudo esté retratada em sua superficie plana, ligadaa varios contornos. Isso significa que falar com uma pessoa é sempre ‘aqui e agora’, desde que o terapeuta consiga distinguir uma parte da outra.” (p. 453) - visdo binocular (capacidade de ampliar os vértices de observacao de um mesmo fato psiquico, estabelecimento de correlacdes — cronologia); “amente do paciente é como um mapa . Respeito: olhar de novo — capacidade do terapeuta para enxergar o ser humano que estd na sua frente, com outros olhos, com outras perspectivas, sem amiopia repetitiva dos rétulos e papéis que desde criancinha foram incutidos no paciente. A capacidade de respeitar sé seré possivel com empatiae réverie. (p. 453); . Empatia: colocar-se no lugar do paciente, sentir seu sofrimento para tentar entender; . Capacidade de ser continente: acolhimento emocionale fisico; . Paciéneia; . Capacidade negativa: fungao do terapeuta de conter suas préprias angiistias decorrentes do seu nao saber aquilo que esta passando na situa¢ao com o paciente (P.455); . Intuigao: capacidade da mente do terapeuta para que ele nao utilize exclusivamente 08 seus érgios dos sentidos para captar algo importante da esfera afetiva do Paciente(p. 455); . Ser verdadeiro: terapeuta consigo mesmo e com o paciente. “Quando um paciente procura um terapeuta, isso sugere que ele necessita de uma injegao poderosa de verdade, mesmo que ele nao goste dela, no entanto o medo de conhecer as verdades pode ser to poderoso que as doses de verdade sao leitais” (p. 456). J4Greenson (1967) sustenta que para que o analisando consiga estar no processo terapéutico, sua principal fungao é estar motivado, pois considera que o cenario tende a mudar caso 0 paciente nao esteja preparado para cle. O mesmo autor, baseado nos estudos de Freud, compreende que a motivagao do paciente pode capacité-lo, espera-se que, assim, ele possa vivenciar situacdes importantes na relacao terapéutica. F através da motivacao que o paciente poderd associar livremente o seu material e contetido. Outra questo que se entende ser um papel do paciente no tratamento é o desenvolvimento de capacidades: ser ativo e passivo, regredir para poder progredir, permitir-se perder o controle para poder manté-lo e tentar conseguir manter a realidade, que muitas vezes lhe frustra também. Leitura O Lugar do Analista e do Analisando em Ferenczi Clique no botao para conferir 0 contetido. Transferéncia “Designa em psicanélise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relacao estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relagao analitica. Trata-se aqui de uma repeti¢ao de protétipos infantis vivida com um semento de atualidade acentuada.” ~ LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 514 Aobservacao e o manejo de aspectos transferenciais na relagao terapéutica é a fonte principal de informacao sobre os padrdes de relacionamento do paciente, na medida em que tais padrdes primitivos de relagdes de objeto se repetem na cena com o terapeuta. A transferéncia é um fenémeno que esté em constante movimento dentro do setting e da relacao entre paciente e terapeuta, no sentido de que os deslocamentos psiquicos sao transferidos a todo o momento (ZIMERMAN, 1999). 0 conceito de transferéncia também esté sofrendo modificasdes € transformacées ao longo do desenvolvimento da teoria psicanalitica. Freud, em 1905, no trabalho sobre os estudos da histeria, traz.a transferéncia como parte na relagao terapéutica. “Transferéncias sao reedicdes, reducao das reacées e fantasias que, durante o avanco da andlise, costumam despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a caracteristica (prépria do género) de substituir uma pessoa pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiéncias psiquicas previas é revivida, no como algo do passado, mas como um vinculo atual com a pessoa do médico. Algumas sao simples reimpressées, reedi¢des inalteradas. Outras se fazem com mais arte: passam por uma moderacao no seu contetido, uma sublimagao. Sao, portanto, impressées revistas, e no mais reimpressées.” ~ FREUD, 1905, p. 113 A transferéncia também pode ser compreendida como resisténcia, uma resisténcia & recordacao, Na medida em que o paciente revive, inconscientemente, alguns acontecimentos passados na relacao terapéutica, ele mostra ao terapeuta aquilo que resiste, e é tal aspecto que converte a transferéncia em um importante elemento para compreensao do sujeito (EIZIRIK; LIBERMANN; COSTA, 2008). 0 fendmeno transferencial permite que o terapeuta se aproprie do saber inconsciente que se manifesta na fala do paciente, constituindo-se a partir da realidade psiquica desse sujeito, por meio dos seus desejos, medos e outros aspectos da sta subjetividade. Dessa forma, éa unio entre as subjetividades, paciente-terapeuta, que permeia nossos questionamentos frente 20 ‘manejo de tal fendmeno tao importante no contexto das psicoterapias de orientacao psicanalitica Lisboa Machado (2010), no seu trabalho que visa refletir sobre as questdes relacionadas & técnica de uma jovem terapeuta, afirma que o desafio implicado no manejo da transferéneia para psicoterapeutas iniciantes é suportar a incerteza do que viré. Ou seja, sustentar eacompanhar 0 decada paciente no estranho trazido pelo desconhecido e no inusitado do que surgira a pat encontro. Nesse sentido, termo manejo da transferéncia vai ser utilizado por Freud para indicar como agit com a transferéncia que se manifesta no inicio de um tratamento. O manejo vai consistir em fazer com que os impulsos despertados na relacao paciente-terapeuta sirvam para causar ¢ potencializar a associacao livre, além da interpretacao e compreensao dos sintomas do paciente. Em “Recordar, Repetir e Elaborar” (1914), 0 autor aponta: “Todavia, o instrumento principal para reprimir a compulsao do paciente & repetigao e transformé-la num motivo para recordar reside no manejo da transferéncia. (...] Admitimo-la a transferéncia como a um playground no qual se espera que nos apresente tudo no tocante a impulsos patogénicos, que se acha oculto na mente do paciente.” - FREUD, 1914, p. 169 Contratransferéncia De acordo com Laplanche e Pontalis, no Dicionério de Psicandlise, contratransferéncia é 0 “conjunto das reagdes inconscientes do analista a pessoa do analisando e, mais particularmente, 8 transferéneia deste” (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 102). Mencionado por Freud, em 1910, 0 termo contratransferéncia se refere as respostas RIK; LIBERMANN; COSTA, 2008). 0 conceito de tal fenémeno foi sofrendo alteragées ¢ inclusées ao passar dos anos e dos avangos nos estudos em psicolégicas do terapeuta ao paciente psicandlise. A contratransferéncia pode ser vista, hoje, como parte integrante da relagao terapéutica, estabelecida entre paciente-terapeuta, e que proporciona aos participantes uma gama completa de sentimentos, pensamentos e fantasias. Paula Heimann (1950) conceituou contratransferéncia como todos os sentimentos, conscientes e inconscientes, que o terapeuta experimenta durante o encontro psicoterapéutico. Segundo a autora, “o inconsciente do psicanalista entende o inconsciente do seu analisando. Essa telago, em nivel profundo, vem & superficie sob forma de sentimentos que o analista percebe em resposta a seu paciente” (HEIMANN, 1950, p. 82). Com base em tal conceito, a contratransferéncia deixa de ser compreendida com obstéculo ao processo, despertando nossa atengo para o seu valor potencial como um instrumento para ampliacao do trabalho terapéutico (EIZIRIK; LIBERMAN; COSTA, 2008, p.79). De acordo com Racker (1982), 0 fendmeno contra transferencial pode se manifestar de trés maneiras: (a) como um obstéculo (contratransferéncia complementar), quando o analista identifica-se com o analisando a partir de seus objetos internos; (b) como um instrumento terapéutico (contratransferéncia concordante), quando ao longo do processo de assimilagao ¢ Proje¢do, o analista identifica-se com o id, ego e superego do analisando em suas diversas formas; ¢ (c) como um “campo” em que o paciente tem a possibilidade de adquirir experiéncia viva diferente da que teve originalmente. Portanto, a contratransferéncia permite que o psicoterapeuta escute, através de seus sentimentos, nao s6 0 que o paciente diz, mas também o que ele nao diz. Eatravés das afeicbes contra transferenciais que o analista vai utilizar a si mesmo como ferramenta para compreender a realidade psiquica do seu paciente. Assim, o manejo da contratransferéncia pode estar centrado em averiguar quais sao os nticleos, os pontos cegos do paciente que estimulam reacdes contra transferenciais de modo a colaborar para ampliagao do entendimento e do uso dessa importante ferramenta no método terapéutico (VALVERDE; PASQUALINI, 2014). Interpretagao “A) Destaque, pela investigacao analitica, do sentido latente nas palavras e nos comportamentos de um sujeito. A interpretacao traz 4 luz as modalidades do conflito defensivo e, em ultima analise, tem em vista 0 desejo que se forma em qualquer producao do inconsciente. B) No tratamento, comunicacio feita ao sujeito, visando dar-lhe acesso a esse sentido latente, segundo as regras determinadas pela diregao e evolucao do tratamento.” - LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 215, Segundo Zimerman (1999), a interpretacao encontra-se em uma tripe fundamental que caracteriza e identifica a psicandlise enquanto método, juntamente com aanilise da resisténcia eda transferéncia, Para Freud (1912), interpretacdo se refere a descoberta de uma significaco, que, na técnica psicanalitica, permite que o analista perceba e explique o significado de um desejo (pulsao) inconsciente. O termo interpretagao tem o prefixo inter, pois este designa uma relagao de vincularidade (ZIMERMAN, 1999) entre o terapeuta eo paciente. Assim, com o trabalho interpretativo no sentido interacionista, rompe-se com a ideia classica de que o paciente somente associa livremente eo psicanalista somente traduz.e descodifica 0 material para o analisando, Ambos io ativos, influenciam e sao influenciados um pelo outro, Segundo Eizirik, de Aguiar e Schestatsky (2015), a interpretacao visa sobretudo a obtencao de insight, sendo 0 resultado de uma comunicacao entre as mensagens, geralmente transferenciais, emitidas pelo analisando. Zimerman (1999) aponta que a interpretacao possui trés tempos: o de acolhida, seguida de transformagao na mente do analista-analisando ¢ finalmente a devolugdo, geralmente sob formas de formulagées verbais. Importante diferenciar interpretacao propriamente dita da atividade interpretativa. A primeira, segundo Zimerman (1999), é 0 tipo classico de interpretacao que se destina a tornar consciente © conflito inconsciente, com as respectivas pulsdes, ansiedades e defesas, que sdo reproduzidas no campo transferencial. Ea segunda, a atividade interpretativa, se refere a utilizagao, por parte do analista, de outros recursos, como o uso de interpretacdes extra transferenciais, valorizagao, da realidade exterior do paciente, assinalamento de contrastes e paradoxos, clareamento do que o analisando expressa de modo confuso ou ambiguo, reconhecimento da linguagem nao verbal ¢, sobretudo, a utilizacao de confrontos e de perguntas indagatérias que promovam a abertura de novas possibilidades e que instiguem o paciente a desenvolver a capacidade de pensar, As finalidades da atividade interpretativa podem se dividir em seis tipos, ainda segundo Zimerman (1999, p. 385-386) . Compreensiva: aquela que faz com que o paciente sinta que as suas angtistias e necessidades esto sendo compreendidas e contidas, podendo ser utilizada desde as entrevistas preliminares; . Integradora: que tem a finalidade de promover a integragao das partes do self (eu) do paciente que podem estar dissociadas e projetadas; . Instigadora: as interpretacdes do analista, que sem o objetivo de serem interpretagdes propriamente ditas, exercem uma fungao interpretativa, pois instigam 0 analisado a novos vértices de percepsaio, conhecimento e reflexdes sobre atuais e antigas experiéncias; . Disruptora: ou desconstrutiva, consiste no ato do analista tornar SGOaIStOnICO aquilo que, embora seja doentio, esta integrado na estrutura psiquica do paciente de ‘uma maneira @gossinitOnica; . Nomeadora: refere-se & fungao importantissima de que o psicanalista acolha as cargas projetivas do paciente, pense nelas, descodifique, transforme, signifique e finalmente Ihes dé um nome; . Reconstrutora: uma espécie de “costura” que o analista realiza entre as experiéncias emocionais atuais vividas e ressignificadas na psicoterapia e aquelas experiéncias analogas ao passado. Glossario Egodist6nico/egossinténico: a egossintonia refere-se aos comportamentos, valores e sentimentos que estao em harmonia ou sao plaustveis para suprir as necessidades do ego, respeitando o contexto da autoimagem. Enquanto a egodistonia é o contrario, apresentando- se como uma nao conformidade. Insight, Repeticao, Elaboracao e Cura O grande objetivo do tratamento psicanalitico, através da interpretacao, é a tomada de insight por parte do paciente. Insight, em inglés, percep¢ao, visao, estabelecimento de causa e efeito, paraa psicanélise, remete para uma visdo, percepsio ou discernimento mental que o paciente alcanga para ver situagdes ou verdades que esto escondidas, reprimidas. O insight serve para aprender um significado a que nao se podia ter acesso até aquele momento (FIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY, 2015), 6a sensacao de trabalho cumprido e de que valeu a pena ser empreendido. De acordo com Eizirik, de Aguiar e Schestatsky (2015), 0 insight promove crescimento mental, pois enriquece a mente do paciente, acrescentando significado e novas simbolizagées. Zimerman (1999, p. 411) aponta trés tipos de qualidade do insight no processo terapéutico: . Insight afetivo: a percepcao do paciente relaciona-s atuais e evocativas, possibilitando o estabelecimento de correlagio entre elas; .e com as vivencias afetivas, . Insight reflexivo: importante e decisivo paso, esse insight se daa partir de inquietacdes que foram promovidas das inquietacdes dos insights afetivos e que Jevam 0 analisando a refletir, fazer indagagdes e estabelecer conexdes entre paradoxos e contradigdes de seus sentimentos, pensamentos, atitudes e valores. Nesse modelo, o insight é binocular, ou seja, 0 paciente comesaa olhar sob duas perspectivas, a sua ea do analista; . Insight pragmatico: bem-sucedida elaboracao dos insights obtidos pelo paciente, que implicam mudanga psiquica Epossivel ainda que haja mais dois tipos, em uma escala inicial, o insight intelectivo eo cognitivo, porém compreende-se que esses ainda nao sao formacdes que levam o paciente do processo de dar-se conta, pois ainda ficam no campo das intelectualizagdes, enquanto mecanismo de defesa. No seu trabalho, de 1914, Recordar, Repetir, Elaborar, Freud traca um dos principais conceitos da psicandlise, a repeti¢ao, nas suas palavras: “(..) o paciente nao recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas expressa-o pela atuacao ou atua-o. Ele o reproduz nao como Jembranga, mas como a¢ao; repete-o, sem, naturalmente saber o que esta repetindo” (FREUD, 1914, P-196).. Freud entende que o paciente comega o tratamento psicanalitico com a repeti¢ao. Quando, ao se deparar com a regra psicanalitica fundamental (dizer tudo que Ihe vem a mente sem censura), ele pode afirmar que nao tem nadaa dizer. Isso pode ser uma repetic’o de uma postura que se impde como resisténcia contra as lembrancas. Essa obsessao da repeticao é um modo de Iembrar. A repetigdo 6 a transferéncia de um passado esquecido para o analista e para todos os aspectos da situiagao presente. A obsessao da repeti¢ao substitui o impulso para lembranga em todas as atividades e relacdes. Assim, Freud observa que o paciente repete no relacionamento com o analista comportamentos eatitudes caracterfsticos de experiéncias iniciais e, assim, provavelmente conseguiré retornar origem dos sintomas. Quando 0 analisando consegue sair do estado de queixa e passar para a compreensao do sintoma, o tratamento consegue ir adiante. Ou seja, quando a resisténcia esté no seu auge, 0 analista tem a oportunidade de descobrir os impulsos instituais reprimidos. Esse tipo de experiéncia convence o paciente do poder que tais impulsos tém. Por isso, compreende-se que o analista deve dar ao paciente o tempo neces io paraconhecer a resisténcia que acabou de se fami izar para, s6 ent, i 10 processo de elaboracao. Como diz.o seguinte trecho da obra: “Esta elaboracdo das resisténcias pode, na pratica, revelar-se uma tarefa ardua para o sujeito da anlise e uma prova de paciéncia para o analista. Todavia, trata-se da parte do trabalho que efetua as maiores mudangas no paciente e que distingue 0 tratamento analitico de qualquer tipo de tratamento por sugesto. De um ponto de vista te6rico, pode-se correlacioné-la com a ‘ab=#eaGad’ das cotas de afeto estranguladas pela repressao — uma ab-reagao sem a qual o tratamento hipnético permanecia ineficaz!” ~ FREUD, 1914, P. 5 Glossario Ab-reac’o: segundo Laplanche e Pontalis (“vocabulario de psicandlise”), ab-reacdo é a “descarga emocional pela qual um sujeito se liberta do afeto ligado a recordagao de um acontecimento traumatico”’. Isso permite que esse afeto (energia vinculada a tracos de meméria) nao continue na condi¢ao patogénica. Logo, 0 tratamento analitico se resumiré entao no processo que se inicia na rememoragao. Entao, o entendimento de contettdos que antes eram inconscientes e que agora sao conscientes a0 sujeito se faz possivel. essa forma, ele agora teré condicdes de dar novo significado aos acontecimentos, teré uma nova visao sobre os fatos. Ou seja, esses contetidos sao integrados ands, fazem parte do que somos, mas em sua nova visao eles nao causam mais dor. Seguindo no mesmo trabalho, com relagao a elaboracdo, Freud (1914) considerava que a elaboracao, seja ela realizada de forma espontanea ou como resultado da andlise, era um. trabalho psiquico que consiste em transformar e transmitir as quantidades de energias recebidas pelo aparelho psiquico em qualidade psiquica. Tal situagao acontece quando ligada a uma representagio, afeto ou simbolo, a elaboragio seria a forma como as interpretagées € 0s insights dela so integrados. Assim, a elaboragao consistiria em acompanhar o paciente nesses progressos e nas regressdes eventuais, proporcionando-Ihe insight e compreensao desses momentos psiquicos e de suas fungdes (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY, 2015). Na prética, essa perlaboragao ou elaboracao das resisténcias pode ser uma tarefa dificil para o analisando e exigir paciéncia do analista. Mas essa éa parte do tratamento que teré maior influéncia na transformagao do paciente. Eacura psicanalitica é 0 resultado psicanalitico, é o amadurecimento, o que equivale ao trabalho de uma lenta elaborago psiquica que permita a obtencao de mudangas psiquicas estaveis e definitivas. Zimerman (1999, p. 412-414) coloca alguns aspectos que podem caracterizar uma mudanga psiquica e beneficio terapéutico: . Resolugdo das crises situacionais agudas; . Esbatimento de sintomas; . ‘Um melhor reconhecimento e utilizagao de algumas capacidades sadias do ego; . ‘Melhor adaptagao interpessoal, tanto no plano familiar, profissional, como no social; . Modificacao na qualidade das relagées objetais, internas ¢ externas; . Menor uso de mecanismos defensivos primitivos, . Obtengao da capacidade de suportar frustragdes, absorver perdas e fazer um luto por elas; . Diminuicao de expectativas a serem alcancadas; . Abrandamento do superego; . Utilizagao de linguagem verbal em substituigao & ndo-verbal; . Aquisigao do sentimento de identidade, consistente e estavel; . Obtengao de uma autenticidade e de autonomia. Para concluir essa Unidade, nas palavras de Lisboa Machado (2010): “Quanto mais percorremos, mais enxergamos a necessidade de seguir andando. Somos andarilhos em busca de novas descobertas. Nomades nesse grande tertitério chamado relacdes humanas, que séo experienciadas na relacao transferencial. E com isso nossa viséo-moldura vai sofrendo alteracées, posto que novas aquisicdes vao se incrementando na jornada do amadurecimento de uma terapeuta e do encontro transferencial-contra transferencial evocado pelo par terapéutico.” - MACHADO, 2010, p. 16 1/3 = Material Complementar Indicacées para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Fundamentos da Clinica Psicanalitica FREUD, S. Fundamentos da clinica psicanalitica. Sao Paulo: Autentica Editora, 2017. O que é a Clinica Psicanalitica? Clique no botao para conferir 0 contetido. peers ais = Referéncias CALLIGARIS, C. (2008). Voca¢ao profissional. In: CALLIGARES, C. Cartas a um jover terapeuta: reflexes para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, p.1-19, 2019. CORDIOLI, A. V.; GIGLIO, L. (2008). Como atuam as psicoterapias: os agentes de mudanga e as principais estratégias e intervengdes psicoter4picas. In: CORDIOLI, A.V. Psicoterapias: abordagens atuais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, p. 42-58, 2008, EIZIRIK, C. L HAUCK, S. (2008). Psicandlise e psicoterapia de orientagao psicanalitica. In: CORDIOLI, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, p.151-167, 2008, EIZIRIK, C. L; LIBERMANN, Z.; COSA, F. (2008). relacdo terapéutica: transferéncia, contratransferénciae alianga terapé 3,ed. Porto Alegre: Artmed, p.74-85, 2008. . In: CORDIOLI, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais.. EIZIRIK, C. L; AGUIAR, R. W.; SCHESTATSKY, S. S. Psicoterapia de orientacao analitica: fundamentos tedricos e clinicos. Porto Alegre: Artmed, 2015. FREUD, S. (1912). Recomendagées ao médico que pratica psicandlise. Edico Obras Completas, v. 10. Sao Paulo: Companhia das Letras. FREUD, S. (1913). Inicio do tratamento. Ediga0 Obras Completas, v.10. Séo Paulo: Companhia das Letras. FREUD, S. (1914). Recordar, repetir e elaborar. Edi¢ao Obras Completas, v. 10. Sao Paulo: Companhia das Letras, FREUD, S. (1856-1939). Observacées psicanaliticas sobre um caso de paranoia relatado em. autobiografia: (“0 caso Schereber”), artigos sobre a técnica e outros textos (1911-1913). Edi¢o Obras Completas, v. 10, So Paulo: Companhia das Letras. FREUD, S. (1996). Fragmentos da andlise de um caso de histeria. Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de Sigmund Freud, v. 7. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente Publicado em 1905), FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilizacao. Edicao standard brasileira das obras psicolégicas completas de Sigmund Freud, vol. 21, Rio de Janeiro: Imago, 1996 GREENSON, R. R.A técnica ea pratica da psicanalise. Rio de Janeiro: Imago, 1967. HEIMANN, P. On counter-transference. International Journal of Psycho-Analysis, 31, p. 81-84, 1950. ‘MEYER, S.; VERMES, J. S. Relacdo terapéutica. In: RANGE, B (Org.). Psicoterapias cognitivo- comportamentai 1m didlogo com a psiquiatria, S4o Paulo: Artmed, p. 101-110, 2001 LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulario da psicanilise. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. LISBOA MACHADO, R. (2010). 0 caminho inicial de uma joven terapeuta diante dos desafios do manejo da transferéncia: vivéncias contratransferenciais & luz da clinica winnicottiana. Winnicott e-prints [on-line], 5(1), p.1-17. Disponivel em: , Acesso em: 16/02/2023. RACKER, H. (1982). Os significados e usos da contratransferéncia, In: HACKER, H. Estudos sobre a técnica psicanalitica. Porto Alegre: Artes Médicas, p.120-157, 1982. VALVERDE, A. R.; PASQUALINI, K.C. A contratransferéncia na relacao analista e paciente no contexto clinico. Mimesis, 35(2), p-165-200, 2014. Disponivel em: , Acesso em: 12/04/2023, ZIMERMAN, D. F. (1999). Condigdes necessérias para um analista. In: ZIMERMAN, D. F. Fundamentos psicoanaliticos: teoria, técnica e clinica. Uma abordagem diditica. Porto Alegre: Artmed, p. 451-459, 2004,

Você também pode gostar