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BOX - Trilogia Darth Bane
BOX - Trilogia Darth Bane
CAMINHO DE
DESTRUIÇÃO
UMA OBRA DA VELHA REPÚBLICA
Star Wars: Darth Bane: Path of Destruction is a work of fiction. Names,
places, and incidents either are products of the author’s imagination or are
used fictitiously.
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empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.
K28s
Karpyshyn, Drew
Star Wars : Darth Bane: Caminho De Destruição : Uma
novela da Velha República / Drew Karpyshyn ; tradução de
Caio Pereira. – São Paulo : Universo dos Livros, 2017. 352
p. (Trilogia Darth Bane ; 1)
ISBN: 978-85-503-0253-9
Título original: Star Wars: Darth Bane - Path of
Destruction
DESSEL ESTAVA PERDIDO NOS SOFRIMENTOS de seu trabalho, mal reparando nos
arredores. Os braços doíam do esmagar interminável do macaco hidráulico.
Pedacinhos de rocha escapavam da parede da caverna conforme o homem a
perfurava, ricocheteando nos óculos de proteção dele, castigando-lhe o rosto
e mãos expostos. Nuvens de poeira atomizada preenchiam o ar,
obscurecendo a sua visão, e o choramingo guinchado do equipamento tomava
a caverna inteira, afogando todos os outros sons ao mergulhar centímetro
após agonizante centímetro no veio grosso de cortosis aberto na rocha à
frente dele.
Impermeável a calor e energia, o cortosis era valorizado para a
construção de armaduras e blindagens tanto por setores comerciais quanto
militares, principalmente com a galáxia em guerra. Muito resistente a
disparos de arma de raios, a liga de cortosis poderia contrapor-se,
supostamente, até a uma lâmina de sabre de luz. Porém, as mesmas
propriedades que tanto valorizavam o metal também o tornavam
extremamente difícil de minerar. Tochas de plasma eram virtualmente
inúteis; seriam necessários dias para queimar até um setor mínimo de rocha
velada por cortosis. O único jeito eficaz de minerar era pela força bruta de
macacos hidráulicos socando o veio de modo ininterrupto e arrancando o
cortosis dali, lasca por lasca.
O cortosis representava um dos materiais mais duros da galáxia. A força
do movimento logo gastava a cabeça da ferramenta, cegando-a até deixá-la
quase sem utilidade. A poeira entupia os pistões hidráulicos, fazendo-os
emperrar. Minerar cortosis era difícil para o equipamento… e mais ainda
para os mineradores.
Des estivera martelando ali há quase seis horas-padrão. O macaco
hidráulico pesava mais de trinta quilos, e o empenho em mantê-lo erguido e
pressionado contra a rocha começava a cobrar seu preço. Os braços tremiam
com o esforço. Os pulmões lutavam para puxar o ar, mas Des quase
engasgava com as nuvens de fina poeira de minério que escapava pela
cabeça do equipamento. Até os dentes doíam: a vibração chacoalhava tanto
que lhe causava a sensação de que iam todos escapar da gengiva.
Contudo, os mineradores de Apatros eram pagos com base na quantidade
de cortosis que traziam de volta. Se ele fosse embora, outro minerador
grudaria ali e começaria a trabalhar o veio, tomando para si parte do lucro.
Des não gostava de dividir.
O zunido do motor do macaco hidráulico assumiu um tom mais agudo,
tornando-se um lamento afiado com que Des estava mais do que
familiarizado. A 20 mil rpm, o motor sugava poeira feito um bantha com
sede sorvendo água após uma longa travessia do deserto. O único modo de
combater o efeito era com limpeza e cuidados constantes, e a Companhia de
Mineração da Orla Exterior preferia comprar equipamento barato e trocá-lo
a afundar créditos na manutenção. Des sabia exatamente o que estava prestes
a acontecer – e, um segundo depois, aconteceu. O motor explodiu.
A hidráulica travou com um resmungo horrendo, e a parte de trás do
equipamento cuspiu uma nuvem de fumaça preta. Xingando a CMO e suas
políticas corporativas, Des soltou o dedo travado do gatilho e jogou o
equipamento gasto no chão.
– Sai da frente, garoto – disse uma voz.
Gerd, um dos outros mineiros, apareceu e tentou tirar Des do caminho aos
encontrões para trabalhar naquele veio com seu próprio equipamento. Gerd
trabalhava nas minas há uns vinte anos-padrão, o que transformara seu corpo
em uma massa de músculos firmes e enganchados. Mas Des trabalhava nas
minas por dez anos, desde adolescente, e era tão forte quanto o outro homem
– e um pouco maior. Ele nem se mexeu.
– Ainda não terminei – disse. – O macaco hidráulico morreu, só isso. Me
dê o seu e posso continuar mais um pouco.
– Você sabe as regras, garoto. Se parar de trabalhar, outra pessoa pode
entrar no lugar.
Tecnicamente, Gerd tinha razão. Mas ninguém nunca passava por cima de
outro mineiro por causa de equipamento defeituoso. A não ser que quisesse
comprar briga.
Des deu uma olhada rápida ao redor. A câmara estava vazia, exceto pelos
dois, parados a menos de meio metro um do outro. Não era de se
surpreender; Des costumava escolher cavernas bem distantes da rede
principal de túneis. Tinha de ser mais do que uma mera coincidência Gerd
aparecer ali.
Des conhecia Gerd desde sempre. O homem de meia-idade fora amigo de
Hurst, pai de Des. Quando este começara a trabalhar nas minas, aos 13,
sofrera muito abuso dos mineiros maiores. O próprio pai fora o pior dos
torturadores, mas Gerd constituiu um dos principais instigadores,
distribuindo uma porção maior do que a comum de provocações, insultos e
ocasionais tapinhas na orelha.
O assédio cessara pouco depois que o pai de Des morreu de um ataque
cardíaco fulminante. Mas não porque os mineiros sentiam dó do jovem
órfão. Quando Hurst morreu, o adolescente alto e magrelo que eles
adoravam azucrinar tinha se tornado uma montanha de músculos de mãos
pesadas e pavio curto. Minerar era um trabalho duro; o que havia de mais
similar ao trabalho pesado das colônias prisionais da República. Qualquer
um que trabalhasse nas minas de Apatros se tornava grande – e Des acabou
virando o maior de todos eles. Meia dúzia de olhos roxos, incontáveis
sangramentos de nariz e um maxilar quebrado ao longo de um mês foi tudo
de que precisou para os amigos de Hurst concluírem que seriam muito mais
felizes se deixassem Des em paz.
Entretanto, era quase como se culpassem o jovem pela morte do pai, e,
após um ou outro mês, algum deles tentava de novo. Gerd sempre fora
inteligente o bastante para manter distância – até esse momento.
– Não estou vendo nenhum dos seus amigos aqui com você, meu chapa –
disse Des. – Então saia do meu lugar, e ninguém se machuca.
Gerd cuspiu no chão, aos pés de Des.
– Você nem sabe que dia é hoje, né, garoto? Maldita desgraça, você é!
Estavam tão perto um do outro que Des sentia o cheiro amargo do uísque
corelliano no hálito de Gerd. O homem estava bêbado. Bêbado o bastante
para arranjar briga, mas ainda sóbrio o suficiente para segurar a onda.
– Faz cinco anos hoje – disse Gerd, balançando tristemente a cabeça. –
Cinco anos que seu pai morreu, e você nem se lembra!
Nessa época, Des raramente pensava no pai. Não ficara triste ao vê-lo
partir. As lembranças mais remotas que possuía eram do pai batendo nele.
Nem se lembrava do motivo; Hurst quase nunca precisava de motivo.
– Não posso dizer que sinto falta do Hurst como você sente, Gerd.
– Hurst? – Gerd bufou. – Ele te criou sozinho depois que a sua mãe
morreu, e você nem tem o respeito de chamá-lo de pai? Seu ingrato, filho de
um kath!
Des olhou para Gerd de modo ameaçador, mas o homem menor estava
muito imbuído de birita e hipócrita indignação para ser intimidado.
– Devia ter esperado isso de um cãozinho sujo como você – Gerd
continuou. – Hurst sempre disse que você não prestava. Sabia que tinha algo
de errado com você… Bane.
Des estreitou os olhos, mas não mordeu a isca. Hurst o chamava assim
quando ficava bêbado. Bane. A desgraça. Culpava o filho pela morte da
mãe. Culpava-o por ter ficado preso em Apatros. Considerava seu único
filho a desgraça de sua existência, fato que tendia a cuspir em Des quando
estava na fúria da bebida.
Bane. A palavra representava tudo de rancoroso, pequeno e maldoso que
tinha o pai. Ela cutucava os medos mais íntimos de toda criança: medo de
desapontar, medo do abandono, medo da violência. Quando criança, esse
nome machucara Des muito mais do que todos os safanões dos punhos
pesados do pai. Mas Des não era mais criança. Com o tempo, aprendera a
ignorá-lo, junto de toda a bile de ódio restante que jorrava da boca do pai.
– Não tenho tempo pra isso – ele murmurou. – Tenho trabalho a fazer.
Com uma das mãos, arrancou o macaco hidráulico de Gerd. Colocou a
outra mão no ombro de Gerd e o empurrou dali. Cambaleando para trás, o
homem inebriado bateu com o calcanhar numa pedra e caiu no chão.
Ele se levantou com um rosnado, as mãos fechando-se em punhos.
– Pelo visto, seu pai tem feito muita falta, moleque. Tá precisando de
alguém pra te dar umas boas palmadas!
Des percebeu que Gerd estava bêbado, mas não era nenhum bobo. Des era
maior, mais forte, mais novo… mas passara seis horas trabalhando com um
macaco hidráulico. Estava coberto de lodo e o suor pingava-lhe do rosto. A
camisa estava encharcada. O uniforme de Gerd, por sua vez, encontrava-se
relativamente limpo: nada de poeira, nenhuma mancha de suor. O homem
devia ter passado o dia todo planejando aquilo, pegando leve e descansando,
enquanto Des dava tudo de si.
Des, entretanto, não pretendia amarelar perante uma briga. Largou o
macaco hidráulico de Gerd no chão, agachou, abriu espaço entre os pés e
estendeu os braços à frente.
Gerd avançou, girando o punho direito num furioso soco de baixo para
cima. Des estendeu o braço e capturou o soco com a palma da mão esquerda,
absorvendo a força do golpe. A mão direita avançou e agarrou o punho
direito de Gerd por baixo; enquanto puxava o mais velho para a frente, Des
baixou-se e girou, metendo o ombro direito no peito do outro. Usando o
impulso do oponente contra ele mesmo, Des ergueu-se e puxou com força o
punho de Gerd, girando-o para o alto e para trás, fazendo-o cair com tudo no
chão, de costas.
A briga devia ter acabado por aí; Des contou com um átimo de segundo
durante o qual podia ter mergulhado o joelho no oponente, arrancando-lhe o
ar dos pulmões e prendendo-o ao chão, enquanto batia nele com os punhos.
Mas isso não aconteceu. Suas costas, exaustas das horas erguendo a
ferramenta de mineração de trinta quilos, tremeram.
A dor foi uma agonia; por instinto, Des endireitou-se e tocou os músculos
tesos da lombar. Isso deu a Gerd a chance de rolar dali e ficar de pé.
Os dois colidiram e lutaram sobre as rochas duras e irregulares do chão
da caverna. Para se proteger, Gerd enterrara o rosto no peito de Dessel,
impedindo que Des lhe metesse uma cotovelada ou uma forte cabeçada.
Estava também agarrado ao cinto do outro, mas agora uma das mãos, livre,
socava cegamente o local em que ele achava estar o rosto do rapaz. Des foi
forçado a envolver os braços de Gerd com os seus, travando-os de modo que
nenhum dos dois homens pudesse dar um soco.
Com os membros presos, estratégia e técnica faziam pouquíssima
diferença. A briga passou a ser um teste de força e resistência, com os dois
combatentes lentamente cansando um ao outro. Dessel tentou rolar Gerd de
costas, mas seu corpo cansado o traiu. Seus membros estavam pesados e
moles; ele não conseguia apoiar-se como precisava. Na verdade, foi Gerd
quem conseguiu girar, libertando uma das mãos enquanto ainda mantinha o
rosto pressionado contra o peito de Des, para que não fosse exposto.
Des não teve tanta sorte… seu rosto estava à mostra e vulnerável. Gerd
meteu um golpe com a mão livre, mas não bateu com o punho fechado. Em
vez disso, enfiou com força o polegar na bochecha de Des, a poucos
centímetros do verdadeiro alvo. Atacou mais uma vez utilizando o dedo,
querendo arrancar um dos olhos do oponente e deixá-lo cego, contorcendo-
se de dor.
O rapaz levou um segundo para entender o que estava acontecendo; sua
mente cansada se tornou tão lenta e desajeitada quanto seu corpo. Ele virou o
rosto no segundo em que o golpe surgiu; o polegar atingiu a cartilagem de
sua orelha e causou muita dor.
Uma raiva violenta explodiu dentro dele: um estouro de enfurecida paixão
que queimou toda a exaustão e fadiga. Subitamente, sua mente ficou clara, e
seu corpo recobrou a força e a juventude. Ele sabia o que fazer em seguida.
Mais importante: tinha certeza absoluta do que Gerd também faria.
Des, entretanto, não conseguia explicar como sabia; às vezes,
simplesmente adivinhava o próximo movimento do oponente. Instinto, alguns
diriam. Des sentia que era outra coisa. Muito detalhado – muito específico –
para ser puro instinto. Era mais como uma visão, um lampejo breve do
futuro. E, sempre que acontecia, Des sabia o que fazer, como se algo guiasse
e direcionasse suas ações.
Quando veio o golpe seguinte, Des estava mais do que pronto. Pôde
visualizá-lo com perfeição em sua mente. Sabia o momento exato em que
viria e precisamente onde atingiria. Dessa vez, ele virou o rosto para o lado
do oponente, expondo-o para o golpe iminente – e abriu a boca. Mordeu com
força, no momento perfeito, e seus dentes mergulharam fundo na carne suja
do polegar intrometido de Gerd.
O homem gritou quando Des fechou a boca, seccionando os tendões e
esmagando o osso. Ele imaginou se poderia morder até o final, e então –
como se apenas de pensar nisso o fato se materializasse – decepou o polegar
de Gerd.
Os gritos se tornaram guinchos quando Gerd largou o oponente e rolou
para o lado, encobrindo com a mão boa a que fora machucada. Um sangue
carmesim brotou por entre os dedos que tentavam estancar o fluxo que saía
do toco.
Levantando-se lentamente, Des cuspiu o dedo para o chão. O gosto do
sangue ainda estava fresco em sua boca. Sentiu o corpo forte e reenergizado,
como se um grande poder insurgisse por suas veias. Toda a valentia do
oponente fora arrancada; Des podia fazer o que quisesse, ali, com Gerd.
O mais velho rolava de um lado ao outro no chão, a mão apertada junto ao
peito. Gemia e soluçava, implorando por misericórdia, pedindo ajuda.
Des balançou a cabeça, com desgosto; Gerd pedira que isso acontecesse.
Tudo começara num simples mano a mano. O perdedor acabaria com um
olho roxo e uns hematomas, mas nada mais. Então, o mais velho levara as
coisas a outro nível ao tentar cegar o jovem, que respondera à altura. Há
muito tempo, Des aprendera a não elevar uma luta a não ser que estivesse
disposto a pagar o preço que a perda envolvia. Agora Gerd acabava de
aprender a mesma lição.
Des tinha pavio curto, mas não era do tipo que continuava batendo num
oponente indefeso. Sem olhar para o inimigo derrotado, deixou a caverna e
subiu o túnel para dizer a um dos capatazes o que acontecera a fim de que
alguém fosse cuidar do ferimento de Gerd.
Ele não se preocupava com as consequências. Os médicos poderiam
recolocar o polegar do outro, então, na pior das hipóteses, Des seria multado
em um ou dois dias de ganhos. A corporação não ligava muito para o que os
empregados faziam, contanto que sempre voltassem a minerar o cortosis. Era
comum haver brigas entre os mineiros, e a CMO quase sempre fazia vista
grossa, embora essa briga em particular tivesse sido mais agressiva que a
maioria – selvagem e curta, com um fim brutal.
Assim como a vida em Apatros.
2
AS RUAS DE APATROS ERAM ESCURAS. A CMO cobrava taxas tão altas de energia
que todo mundo desligava todas as luzes quando ia para a cama, e naquela
noite a lua estava pouco mais que um filete prateado no céu. Não havia nem
o brilho da cantina para guiá-lo: Groshik apagara as luzes das paredes e do
teto e assim permaneceria até o dia seguinte, quando reabrisse. Des
mantinha-se no meio da rua, tentando evitar bater os calcanhares no detrito
escondido nas sombras das beiradas da rua.
Entretanto, de algum modo, apesar da escuridão quase absoluta, ele os viu
chegando.
Des percebeu um átimo de segundo antes de acontecer, uma sensação de
perigo iminente caiu sobre ele… e soube de onde vinha. Três silhuetas
saltaram para cima dele, duas vindo de frente e outra atacando por trás. Ele
desviou para a frente bem a tempo, sentindo o cano de metal que lhe teria
rachado o crânio e nocauteado passando de raspão acima da cabeça.
Endireitou-se logo em seguida e meteu um soco, atingindo o rosto sem traços
da figura mais próxima. Foi recompensando com o ruído do estilhaçar de
cartilagem e osso.
Des abaixou-se de novo, dessa vez para o lado, e o cano que lhe teria
acertado a testa bem entre os olhos bateu com tudo em seu ombro esquerdo.
Ele cambaleou para o lado, movido pela força do ataque. Porém, com o
escuro, seus oponentes levaram um instante para localizá-lo e, quando o
fizeram, ele recobrou o equilíbrio.
Imerso na escuridão, conseguia ver apenas o contorno vago dos
agressores. O que ele socara foi se levantando lentamente; os outros dois
aguardavam, cautelosos, prontos para recomeçar o ataque. Não era preciso
ver os rostos para saber quem eram: o guarda-marinha e os dois soldados
que o tinham carregado para fora da cantina. Des sentia o fedor de cerveja
corelliana que emanava até ele, confirmando as identidades. Provavelmente
ficaram esperando fora da cantina e o seguiram até julgarem que poderiam
surpreendê-lo. O que era muito bom: significava que não tinham retornado à
nave para buscar as armas de raio.
Os três atacaram de novo, partindo para cima de Des todos de uma só vez.
Tinham a quantidade e os meses de treinamento militar de combate mano a
mano como vantagem; Des tinha força, tamanho e anos de brigas. Mas, no
escuro, nada disso importava.
Des recebeu o ataque de frente, e todos os quatro combatentes tombaram
ao chão. Socos e chutes chegavam sem o menor pensamento quanto a alvo ou
estratégia: cegos lutando contra cegos. Cada golpe dado pelo rapaz gerava
um delicioso resmungo ou gemido dos oponentes, mas a satisfação era
limitada pelo massacre que seu próprio corpo enfrentava.
Não importava se os olhos estavam abertos ou fechados, ele não
enxergava nada. Reagia por instinto; toda a dor era extinta, no escuro, pela
adrenalina bombeada por suas veias.
E então, de repente, ele viu uma coisa. Alguém sacou uma vibrolâmina.
Continuava escuro feito o coração das minas durante um desabamento,
porém, Des podia ver a lâmina claramente, como se brilhasse com um fogo
interior. Ela veio contra ele, que agarrou o pulso de quem a brandia, girou-o
ao contrário e mergulhou na massa escura de onde ela havia aparecido. A
figura soltou uma exclamação aguda e um gorgolejo engasgado, e de súbito a
lâmina ardente sumiu de vista, sua ameaça exterminada.
A massa de corpos entrelaçados ao dele rapidamente se desfez; dois deles
se libertaram. O terceiro estava imóvel. Um segundo depois, Des escutou o
clique de uma luma sendo acionada e, por um momento, foi cegado por seu
clarão de luz. De olhos quase cerrados, escutou uma exclamação.
– Ele morreu! – exclamou um dos soldados. – Você o matou!
Protegendo os olhos da iluminação, Des olhou para baixo e viu
exatamente o que esperava: o guarda-marinha deitado de costas com a
lâmina enterrada fundo no peito.
A luma apagou-se, e Des preparou-se para outro ataque. Porém, o que
escutou foram os passos dos atacantes fugindo em meio à escuridão,
seguindo para os deques de ancoragem.
Des fitou o corpo, planejando pegar a lâmina brilhante e usar sua luz para
guiar-se pela escuridão. Contudo, a lâmina já não brilhava mais. Na
verdade, ele percebeu que a arma nunca tinha brilhado de fato. Não poderia:
vibrolâmina não eram armas de energia. Suas lâminas eram constituídas
apenas de metal.
Havia preocupações mais importantes, entretanto, do que ele ter visto a
vibrolâmina no escuro. Assim que chegassem à nave, os soldados se
reportariam ao comandante, que relataria o incidente às autoridades da CMO,
que, por sua vez, viraria o planeta de ponta-cabeça à procura dele. Des não
gostava nada das circunstâncias. Seria a palavra de um minerador – um com
um histórico cheio de brigas e violência – contra dois soldados navais da
República. Ninguém acreditaria que ele lutara para defender-se.
E fora isso mesmo? Ele percebeu a adaga vindo. Poderia ter desarmado o
oponente sem o matar? Des balançou a cabeça. Não havia tempo para culpa
nem arrependimento. Precisava encontrar um lugar para se esconder.
Não podia voltar ao alojamento: seria o primeiro lugar em que iam
procurar. Ele jamais chegaria às minas a pé antes do amanhecer, e não havia
lugar algum no descampado em que pudesse se esconder depois que o sol
nascesse. Restava apenas uma opção, uma esperança. Em algum momento,
acabariam indo procurar por ele ali também. Mas não havia mais aonde ir.
DES NÃO CONSEGUIU VER COM CLAREZA O HOMEM que ordenara sua
transferência. Quando o tiraram do fosso, a figura encapuzada tinha
desaparecido. Deram-lhe comida e água, depois, deixaram-no limpar-se e
refrescar-se. Embora fora libertado das algemas, o sargento continuou
supervisionado por guarda pesada ao subir a bordo da pequena nave de
transporte que seguiria para Korriban.
Ninguém falou com ele na viagem, e Des não sabia o que estava
acontecendo. Pelo menos não se encontrava mais algemado. Preferiu pensar
nisso como um bom sinal.
Chegaram ao destino no meio do dia. Ele esperava que pousariam em
Dreshdae, a única cidade naquele mundo escuro e esquecido. Contudo, a
nave pousou num espaçoporto construído no topo de um antigo templo que
dava para um vale desolado. Um vento frio soprava sobre a pista de pouso
quando ele desembarcou, mas isso não o incomodou. Depois do ar abafado
do fosso, qualquer brisa era bem-vinda. Des sentiu um arrepio percorrer-lhe
a coluna quando os pés tocaram a superfície de Korriban. Ouvira falar que o
planeta um dia fora um local de grande poder, embora na época restassem
apenas sombras do passado. Havia uma malícia subjacente ali; ele a sentira
assim que o transportador entrou na atmosfera erma do planeta.
Do ponto alto em que se encontrava, via outros templos espalhados pela
superfície deserta do planeta. Mesmo naquela distância, podia ver as rochas
erodidas e as pedras desmoronadas das grandes entradas de outrora. Além
do vale, a cidade de Dreshdae era uma mera mancha no horizonte.
Na pista de pouso, Des foi recebido por uma figura encapuzada, mas
soube dizer logo de cara que não era a mesma que fora vê-lo no fosso. Essa
pessoa não tinha nem o tamanho nem o porte impressionante da que o
libertara; mesmo através do campo de contenção Des pôde sentir a presença
autoritária do outro.
Essa figura, que Des pensou ser uma mulher, acenou para que ele a
seguisse. Silenciosamente, ela o guiou por um lance de degraus de pedra
para dentro do templo. Eles cruzaram um patamar e desceram outro lance de
escadas, depois repetiram o padrão, descendo andar após andar, do cume do
templo para o solo abaixo. Havia portas e passagens em cada patamar, e Des
conseguiu ouvir pequenos barulhos e conversas ecoando delas, embora não
soubesse dizer o que era dito.
A figura não falava, e Des achou melhor não romper o silêncio.
Tecnicamente, ainda era um prisioneiro. Até onde sabia, ela o levava para a
corte marcial. Não seria nada bom piorar a situação com perguntas idiotas.
Quando chegaram à base do edifício, ela o guiou por um arco de pedra
com mais um lance de escadas. Porém, essas eram diferentes: estreitas e
escuras, e espiralavam para baixo até desaparecer de vista nas entranhas
profundas do solo. Sem dizer nada, a guia passou a Des uma tocha retirada
de um suporte na parede e abriu caminho para ele.
Perguntando-se que raios estava acontecendo, Des foi descendo
cautelosamente a íngreme escadaria. Não dava para dizer até quão fundo ia;
estava difícil manter qualquer senso de perspectiva nos confins estreitos da
escadaria. Após muitos minutos, chegou à base, apenas para encontrar um
comprido corredor à frente. No final dele, havia um único cômodo.
A sala estava escura e toda sombreada. Apenas umas poucas tochas
bruxuleavam na parede de pedra, com chamas fracas quase incapazes de
atravessar o cômodo.
Des parou na entrada e esperou os olhos se ajustarem. Enxergava apenas
uma figura sob as sombras lá dentro. Ela acenou para ele.
– Aproxime-se.
Des sentiu um arrepio, embora a sala não estivesse nada fria. O próprio ar
apresentava-se eletrificado, saturado de um poder que ele de fato sentia. Des
se surpreendeu por não sentir medo. Reconhecia o sentimento como um
arrepio de excitação.
Conforme foi entrando no cômodo, os traços da figura misteriosa se
tornaram mais claros, revelando tratar-se de um Twi’lek. Mesmo sob o
manto solto que usava, Des via que era um ser robusto e pesado. Com quase
dois metros de altura, certamente era o Twi’lek mais alto que Des já
encontrara… embora não fosse tão grande quanto o próprio Des.
O lekku dele envolvia o peito largo e enrolava o pescoço e os ombros
musculosos; os olhos emitiam um brilho alaranjado sob as sobrancelhas,
minando o reluzir das tochas. Ele sorriu, revelando os dentes pontudos e
afiados típicos de sua espécie.
– Sou o lorde Kopecz, dos Sith – disse ele. Nesse momento, Des não teve
dúvida de que era ele o encapuzado que fora vê-lo no fosso, e fez um gesto
curto de cabeça, cumprimentando-o.
– Devo ser seu inquisidor – explicou o lorde Kopecz, não revelando
emoção alguma na voz. – Somente eu determinarei o seu futuro. Fique certo
de que meu julgamento será final.
Des assentiu mais uma vez.
O Twi’lek fixou os ardentes olhos alaranjados em Des:
– Você não é amigo dos Jedi nem da República.
Não foi uma pergunta, mas Des sentiu-se compelido a responder mesmo
assim.
– Por acaso, algum deles faz alguma coisa por mim?
– Exato – respondeu Kopecz com um sorriso cruel. – Sei que você travou
muitas batalhas contra forças da República. Seus colegas soldados falam
muito bem de você. Os Sith precisam de homens como você se quisermos
vencer esta guerra. – Ele fez uma pausa. – Você era um soldado modelo…
até desobedecer a uma ordem direta.
– Uma ordem equivocada – argumentou Des. Sua garganta se tornara tão
seca e apertada que foi difícil pronunciar as palavras.
– Por que se recusou a atacar o assentamento durante o dia? É um
covarde?
– Um covarde não teria concluído a missão – Des respondeu com acidez,
cutucado pela acusação.
Kopecz pendeu a cabeça de lado e esperou.
– Atacar à luz do dia seria um erro de tática – Des prosseguiu, tentando
firmar seu ponto de vista. – Ulabore devia ter devolvido essa informação ao
comando, mas estava com medo demais. Ele é o covarde da história, não eu.
Eu preferiria correr o risco de morrer pelas mãos da República a desafiar a
Irmandade da Escuridão. Prefiro não jogar a minha vida fora sem
necessidade.
– Isso fica claro pelo seu registro de serviço – disse Kopecz. – Kashyyyk,
Trandosha, Phaseera… se os registros estão corretos, você realizou feitos
incríveis durante seu tempo junto aos Andarilhos das Trevas. Feitos que
alguns diriam ser impossíveis.
Des eriçou-se perante a insinuação.
– Os registros estão corretos – retrucou.
– Não tenho dúvida disso. – Kopecz não notou ou não ligou para o tom da
resposta de Des. – Sabe por que eu o trouxe a Korriban?
Por fim, Des começava a perceber que a situação não envolvia a corte
marcial. Era algum tipo de teste, embora o motivo ele ainda desconhecesse.
– Sinto que fui escolhido para algo.
Kopecz abriu outro sorriso sinistro.
– Ótimo. Sua mente trabalha rápido. O que sabe sobre a Força?
– Não muito – Des admitiu, dando de ombros. – É algo em que os Jedi
acreditam: um grande poder que aparentemente flutua por aí, em algum lugar
do universo.
– E o que sabe sobre os Jedi?
– Sei que acreditam ser os guardiões da República – Des respondeu, não
procurando esconder o desprezo. – Sei que exercem grande influência sobre
o Senado. Sei que muitos acreditam que têm poderes místicos.
– E quanto à Irmandade da Escuridão?
Des pesou com mais cautela as palavras a partir daqui.
– São os líderes do nosso exército e inimigos jurados dos Jedi. Muitos
acreditam que vocês, como eles, têm habilidades sobrenaturais.
– Mas você não?
Des hesitou, esforçando-se para arranjar a resposta que achava que
Kopecz queria ouvir. No fim das contas, não conseguiu descobrir o que o
inquisidor buscava, então simplesmente disse a verdade.
– Acredito que boa parte das histórias é um exagero.
Kopecz assentiu.
– Crença muito comum. Aqueles que não entendem os caminhos da Força
consideram tais contos mito ou lenda. Mas a Força é real, e os que a
dominam possuem um poder que você nem imagina. Você presenciou muitos
combates, mas não vivenciou a guerra de verdade. Enquanto as tropas lutam
pelo controle de planetas e luas, os mestres Jedi e Sith procuram destruir uns
aos outros. Somos direcionados para um confronto final inevitável. A facção
que sobreviver, Sith ou Jedi, determinará o destino da galáxia pelos
próximos mil anos. A verdadeira vitória nesta guerra não será alcançada
pelos exércitos, mas pela Irmandade da Escuridão. Nossa maior arma é a
Força, e os indivíduos que têm o poder de comandá-la. Indivíduos como
você.
Ele fez uma pausa para que suas palavras fossem assimiladas antes de
continuar.
– Você é especial, Des. Tem muitos talentos notáveis. Esses talentos são
manifestações da Força, e serviram-lhe bem enquanto soldado. Mas você
apenas roçou a superfície de seu dom. A Força é real, e ela existe em tudo
ao nosso redor. É possível sentir o poder dela nesta sala. Está sentindo?
Des hesitou por um bom tempo antes de assentir.
– Sinto. O calor. Como fogo esperando para explodir.
– O poder do lado sombrio. O calor da paixão e da emoção. Posso sentir
em você também. Ardendo sob a superfície. Ardendo como a sua raiva. Que
te faz forte.
Kopecz fechou os olhos e pendeu a cabeça para trás, como se se
rejubilando nesse calor. As pontas das caudas da cabeça dele se
contorceram ligeiramente. O único som na sala era o crepitar suave das
chamas das tochas. Uma gota de suor rolou pela lateral da cabeça nua de Des
e desceu-lhe pela nuca. Ele não a limpou, embora tenha de fato trocado o
peso sobre os pés, incomodado quando ela escorreu por entre seus ombros.
O ligeiro movimento pareceu arrancar o Twi’lek do transe.
Ele não tornou a falar por vários segundos, mas estudou Des
detalhadamente com o olhar penetrante.
– Você tocou a Força no passado, mas suas habilidades são uma mancha
insignificante se comparadas ao poder de um verdadeiro mestre Sith – disse
ele finalmente. – Existe grande potencial em você. Se ficar aqui em
Korriban, podemos ensiná-lo a libertá-lo.
Des ficou sem fala.
– Você não seria mais um soldado do fronte de batalha – continuou
Kopecz. – Se aceitar a minha oferta, essa parte da sua vida acaba aqui. Você
será treinado nos meandros do lado sombrio. Vai tornar-se membro da
Irmandade da Escuridão e não retornará aos Andarilhos das Trevas.
Des sentia o coração martelando, a cabeça tonta. Desde sempre, soubera
ser especial por causa de seus talentos únicos. E agora lhe diziam que suas
habilidades não eram nada se comparadas ao que ele podia ainda vir a
realizar.
Entretanto, parte dele não apreciava a ideia de deixar sua unidade sem
nem ter a chance de se despedir. Pensava em Adanar, Lucia e nos outros
como mais do que colegas soldados; eram amigos dele. Poderia mesmo
abandonar todos desse jeito, mesmo que pela chance de unir-se aos mestres
Sith?
Ele se lembrou de uma das últimas coisas que Groshik lhe dissera: Não
conte com a ajuda dos outros. No fim das contas, cada um de nós está
nesta vida sozinho. Os sobreviventes são aqueles que sabem cuidar de si
mesmos.
Ele dera tudo que tinha à sua unidade. Salvara a vida deles vezes demais
para contar. E no final, quando os policiais vieram para levá-lo, nenhum
deles pôde fazer nada para salvar Des. Teriam tentado se ele tivesse
permitido, mas fracassariam. Des aceitava os fatos: sua unidade, seus
amigos, não podiam fazer nada por ele.
Ele contava apenas consigo, como sempre. E seria um tolo se recusasse
essa oportunidade.
– Sinto-me honrado, mestre Kopecz, e aceito de bom grado a sua oferta. –
O caminho dos Sith não é para os fracos – avisou o grande Twi’lek. – Os
que fracassam são… deixados para trás. – Havia algo de sinistro na
entonação dele.
– Não serei deixado para trás – Des respondeu, imperturbável.
– Isso nós ainda veremos – Kopecz apontou. Depois acrescentou: – Esse é
um recomeço para você, Des. Uma nova vida. Muitos dos alunos que vêm
para cá escolhem um novo nome para si. Deixam a vida antiga para trás.
Des não tinha vontade alguma de prender-se a qualquer aspecto de sua
antiga vida. Um pai abusivo, a brutalidade do trabalho nas minas em
Apatros; desde sempre, estivera em busca de uma nova vida. Os Andarilhos
das Trevas constituíram uma escapatória, mas apenas temporária. Agora ele
tinha a chance de deixar o passado para trás de uma vez por todas. Tudo o
que precisava fazer era abraçar a Irmandade da Escuridão e seus
ensinamentos. E, no entanto, por motivo que ele não sabia explicar, sentiu o
aperto do medo fechando-se sobre si. O medo o fez hesitar.
– Quer escolher um novo nome para você, Des? – perguntou Kopecz,
possivelmente captando a relutância do outro. – Quer renascer?
Des assentiu.
Kopecz sorriu mais uma vez.
– E por qual nome deveremos chamá-lo agora?
O medo não o impediria. Ele dominaria o medo, transformaria,
controlaria. Pegaria aquilo que um dia o fizera fraco e usaria para tornar-se
forte.
– Meu nome é Bane. Bane dos Sith.
O suor já escorria pela cabeça de Bane, por cima dos olhos, conforme seu
corpo executava a sequência. Ele piscou o suor ardido e redobrou os
esforços, cortando o ar à sua frente de novo e de novo com o sabre de treino.
Ao redor dele, outros aprendizes faziam o mesmo; cada um lutava para
superar suas limitações físicas e tornar-se mais do que um guerreiro com
uma arma. O objetivo era tornarem-se verdadeiras extensões do lado
sombrio.
Bane começara aprendendo as técnicas básicas comuns a todas as sete
formas tradicionais do sabre de luz. Passou as primeiras semanas em
repetições intermináveis das posturas de defesa, ataques por cima, desvios e
contra-ataques. Observando as tendências naturais dos alunos ao aprenderem
o básico, lorde Kas’im determinava que forma se adequaria melhor ao estilo
de cada um. Para Bane, escolheu a Forma V, Djem So. Ela enfatizava a força
e a potência, permitindo a Bane que utilizasse seus músculos em vantagem
própria. Somente depois de realizar cada um dos movimentos da Djem So de
acordo com o que satisfazia Kas’im, ele poderia começar o treinamento em
si.
Agora, junto aos outros alunos da Academia, Bane passava quase uma
hora toda manhã praticando suas técnicas com o sabre de luz sob o olhar
atento do mestre espadachim. Feitos de hiperaço com gumes cegos, os sabres
de treinamento eram fabricados especialmente para que seu equilíbrio e peso
imitassem os raios de energia projetados pelos sabres de luz verdadeiros.
Um golpe sólido era capaz de infligir dano sério, mas, visto que um sabre de
luz não funcionava assim, cada lâmina de treino era também coberta por
milhões de rebarbas cheias de toxina pequenas demais para ver, feitas a
partir dos microscópicos espinhos dorsais do mortal pelko – inseto raro
encontrado somente nos confins do deserto do Vale dos Lordes Sombrios, em
Korriban. Com um golpe direto, as minúsculas rebarbas fincavam por entre
qualquer tecido; o veneno do pelko fazia a carne arder e inchar
imediatamente. Uma paralisia temporária instalava-se de imediato, a ponto
de inflamar, incapacitando qualquer membro atingido. Isso constituía um
modo excelente de imitar os efeitos de perder uma mão, um braço ou uma
perna para uma lâmina de sabre de luz.
A manhã foi preenchida pelos grunhidos dos aprendizes e o swish-swish-
swish das lâminas cortando o ar. De certo modo, lembrava Bane de seu
treinamento militar: um grupo de soldados unido na repetição desse bate-
bate até que ele se torna instintivo.
Porém, não havia senso algum de camaradagem na Academia. Os
aprendizes eram rivais, simplesmente. De muitas maneiras, não se
diferenciava tanto da época dele em Apatros. Agora, contudo, o isolamento
valia a pena. Ali eles lhe ensinavam os segredos do lado sombrio.
– Errado! – Kas’im ralhou subitamente. Vinha andando pelas fileiras de
aprendizes, de lá para cá, enquanto treinavam, mas parara bem ao lado de
Bane. – Ataque com malícia e precisão! – Ele estendeu a mão, pegou Bane
pelo pulso e virou-o bruscamente, mudando o ângulo da espada de treino. –
Está atacando alto demais! – brigou ele. – Não há espaço para erros!
Kas’im ficou ao lado de Bane por um bom tempo, supervisionando para
garantir que a lição fora aprendida adequadamente. Após muitos golpes
intensos de Bane com a pegada alterada, o mestre espadachim assentiu,
aprovando, e continuou sua ronda.
Bane repetiu esse único movimento sem parar, com o cuidado de manter a
altura e o ângulo da lâmina exatamente como Kas’im lhe mostrara, ensinando
seus músculos por incontáveis repetições até que pudessem executá-lo sem
falhas toda vez. Somente então ele passaria a incorporá-lo em manobras
mais complicadas.
Logo ele estava ofegante em virtude do esforço. Fisicamente, as sessões
de treinamento de Kas’im não podiam equiparar-se ao martelar de um veio
de cortosis com um macaco hidráulico por horas a fio. Mas, em outros
sentidos, eram muito mais exaustivas. Demandavam intenso foco mental, uma
atenção ao detalhe que ia muito além do que era visível a olho nu. A
verdadeira maestria exigia uma combinação de corpo e mente.
Quando dois mestres entravam num combate de sabre de luz, a ação
acontecia rápido demais para os olhos verem e a mente reagir. Tudo
precisava ser feito por instinto; o corpo tinha de ser treinado para mover-se
e responder sem pensamento consciente. Para chegar nisso, Kas’im fazia
seus alunos praticarem sequências, séries cuidadosamente coreografadas de
ataques e desvios múltiplos de seu estilo escolhido. As sequências foram
projetadas pelo próprio mestre espadachim a fim de que cada manobra
fluísse suavemente para a seguinte, maximizando a eficácia do ataque e
minimizando a exposição na defensiva.
Usar uma sequência no combate permitia aos alunos libertar a mente do
pensamento, enquanto o corpo automaticamente dava continuidade aos
movimentos. Usar sequências era mais eficiente e muito mais rápido do que
considerar e iniciar cada ataque ou bloqueio por si só, fornecendo uma
vantagem sobre um oponente que não conhece a técnica.
Contudo, engrenar uma nova sequência para ser adequadamente executada
era um processo longo e laborioso. Para muitos, seria preciso duas ou três
semanas de treinamento e exercícios – muito mais, caso a sequência
derivasse de um estilo que o aluno ainda se esforçava para dominar. E
mesmo o menor dos erros no menor dos movimentos podia inutilizar toda
uma sequência.
Kas’im avistara uma falha potencialmente fatal na técnica de Bane. Agora
este se encontrava determinado a consertá-la, mesmo que isso demandasse
horas de prática em seu tempo livre. Bane era incansável em sua busca pela
perfeição – não somente no treinamento de combate, mas em tudo que
estudava. Era um homem numa missão.
– Basta – disse a voz de Kas’im. Com esse único comando, todos os
alunos pararam o que faziam e viraram sua atenção para o mestre
espadachim. Ele estava bem em frente ao grupo, encarando-os.
– Podem descansar por dez minutos – disse-lhes. – Depois começaremos
o desafio.
Bane, junto com boa parte dos outros, abaixou-se para a posição de
meditação, pernas cruzadas e dobradas por baixo do corpo. Pousando o
sabre de treinamento no chão ao seu lado, fechou os olhos e entrou num leve
transe, sorvendo o lado sombrio para rejuvenescer os músculos doloridos e
refrescar a mente cansada.
Deixou o poder fluir através de si, deixou a mente vagar. Como em geral
acontecia, ela retornou para o primeiro momento em que ele tocara o lado
sombrio. Não para as brigas que tivera em Apatros ou durante seus dias de
soldado, mas para o verdadeiro reconhecimento da Força.
Era seu terceiro dia ali na Academia. Ele vinha aplicando técnicas de
meditação que aprendera no dia anterior quando subitamente a sentiu. Foi
como uma represa explodindo, um rio raivoso inundando-o, limpando tudo
que o incomodava: sua fraqueza, seu medo, sua insegurança. Nesse instante,
entendeu por que estava ali. Nesse momento, sua transformação de Des para
Bane, de mero mortal para um dos Sith, realmente começara.
Por meio do poder, ganho a vitória.
Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.
Bane sabia tudo sobre correntes. Algumas eram óbvias: um pai abusivo,
sem carinho; expedientes cruéis nas minas; dívidas que devia a uma empresa
implacável, sem rosto. Outras eram mais sutis: a República e suas promessas
idealísticas de uma vida melhor que nunca se materializava; os Jedi e sua
promessa de livrar a galáxia da injustiça. Até mesmo os amigos dele nos
Andarilhos das Trevas assemelharam-se a correntes. Ele gostava deles, fora
responsável por eles. Entretanto, no final, que utilidade tiveram quando mais
se fizeram necessários?
Agora ele entendia que as ligações pessoais só poderiam atrasá-lo. Os
amigos eram um fardo. Ele precisava contar consigo. Precisava desenvolver
seu próprio potencial. Seu próprio poder. No fim, era a isso que tudo se
resumia. Poder. E, acima de tudo, o lado sombrio prometia poder.
Bane ouviu sons do movimento ao redor; o farfalhar suave de robes
quando os outros aprendizes ergueram-se de sua meditação e foram até o
ringue do desafio. Ele pegou seu sabre de treino com uma das mãos e ficou
de pé para unir-se aos outros.
No final de cada sessão, a classe se juntava num círculo amplo e irregular
no topo do templo. Qualquer aluno podia entrar no centro da roda e desafiar
outro. Kas’im observava os duelos com atenção e, quando terminavam,
analisava a ação para a classe. Os que venciam eram elogiados pela atuação,
e seu status na hierarquia informal na Academia aumentava. Os que perdiam
eram castigados pelas falhas, assim como sofriam um golpe no prestígio.
Quando Bane começara a treinar, muitos alunos o desafiaram avidamente.
Sabiam que ele era um neófito na Força e ficaram loucos para derrubar o
gigante musculoso na frente dos colegas de classe. No começo, ele recusara
os desafios. Embora soubesse que esse constituía o jeito mais rápido de
ganhar prestígio na Academia, não era tolo o bastante para ser atraído a um
combate que com certeza perderia.
Nos últimos meses, contudo, trabalhara duro para aprender seu estilo e
refinar sua técnica. Aprendera novas sequências rapidamente, e, quando o
próprio Kas’im comentou sobre o progresso dele, Bane sentiu-se confiante o
bastante para começar a aceitar desafios. Nem sempre vencia, mas ganhava
mais duelos do que perdia, subindo lentamente a escada do prestígio. Nesse
dia, ele se sentia pronto para subir mais um degrau.
Os aprendizes estavam agrupados em três fileiras, formando um anel de
corpos em torno de uma clareira no centro, com cerca de dez metros de
diâmetro. Kas’im foi até o centro. Não disse nada, apenas pendeu a cabeça –
sinal de que era hora de começarem os desafios. Bane foi ao centro antes
que qualquer outro pudesse se mover.
– Eu desafio Fohargh – anunciou ele, num tom ressonante.
– Eu aceito – veio a resposta de algum ponto da multidão, do lado oposto.
Os aprendizes abriram caminho para o desafiado passar. Kas’im fez um
aceno ligeiro a cada combatente e passou para a beirada da clareira a fim de
dar-lhes espaço.
Fohargh era um Makurth. Por vários motivos, lembrava Bane dos
Trandoshanos que enfrentara na época dos Andarilhos das Trevas. Ambas as
espécies eram saurinos bípedes – humanoides reptilianos cobertos de
escamas de couro verde –, mas os Makurths tinham quatro chifres curvados
que cresciam no topo da cabeça.
No início do treinamento, Bane enfrentara Fohargh – e perdera. Feio.
O Makurth era noturno por natureza. Como os mineradores do turno da
noite em Apatros, contudo, acostumara-se a uma agenda anormal para treinar
com o restante dos aprendizes da Academia. Durante o primeiro duelo, Bane
subestimara Fohargh, achando que ele seria preguiçoso e lento durante o dia.
Não pretendia cometer o mesmo erro novamente.
Enquanto Kas’im e os aprendizes assistiam em silêncio, os dois
combatentes foram circulando um ao outro no ringue, apontando os sabres
estendidos à frente, posicionados para o ataque. A respiração do Makurth
saía em grunhidos e rosnados das narinas abertas, conforme ele tentava
intimidar o oponente humano. De tempo em tempo, soltava um berro e
sacudia a cabeça de lagarto com os quatro chifres, mostrando os dentes
agressivos. Na última vez que enfrentara o demônio raivoso das escamas
verdes, Bane se sentira intimidado com a apresentação de Fohargh. Agora,
ele simplesmente ignorava a encenação.
Bane avançou com um ataque alto simples, mas Fohargh respondeu com
um desvio rápido a fim de defletir o golpe para o lado. Em vez do crepitar e
zunir das armas de pura energia cruzando o ar, ouvia-se o baque alto das
armas colidindo. Imediatamente, os combatentes afastaram-se um do outro,
girando, e retornaram à posição inicial.
Bane correu adiante, erguendo a espada para cima, na diagonal, da direita
para a esquerda num arco longo e ligeiro. Fohargh conseguiu redirecionar o
impacto com a própria arma, mas perdeu o equilíbrio e tombou para trás.
Bane tentou aproveitar a vantagem, erguendo o sabre de treino da esquerda
para a direita. Seu oponente se esquivou do golpe, recuando rapidamente
para abrir espaço. Bane parou a sequência sem a completar e retornou à
posição inicial.
Em Apatros, suas habilidades latentes na Força lhe permitiam antecipar os
movimentos do inimigo e reagir a eles. Ali, contudo, todo oponente possuía a
mesma vantagem. Como resultado, a vitória demandava uma combinação de
Força e destreza física.
Bane trabalhara para adquirir essa destreza física ao longo dos meses
anteriores. Visto que essa habilidade crescera, ele podia dedicar cada vez
menos energia às ações físicas de golpear, esquivar e contra-atacar. Isso lhe
permitia manter a mente focada para usar a Força a fim de antecipar os
movimentos do oponente, enquanto ao mesmo tempo obscurecia e confundia
os sentidos precognitivos deste.
Na última vez que lutara com Fohargh, Bane ainda era novato. Tinha
aprendido apenas um punhado de sequências. Agora sabia quase cem, e
conseguia passar suavemente do final de uma para o começo de outra,
abrindo um leque mais amplo de combinações de ataque e defesa. Mais
opções, consequentemente, dificultavam a um inimigo o uso da Força para
antecipar as ações dele.
Fohargh, apesar da terrível aparência, era menor e mais leve que seu
oponente humano. Fisicamente sobrepujado pela força bruta da Forma V de
Bane, foi forçado a valer-se do estilo defensivo da Forma III para esquivar-
se dos ataques de seu oponente maior.
Bane girou seu sabre num floreio rápido, saltou alto no ar e desceu
esmagadoramente lá de cima. Fohargh desviou-se do ataque, mas foi jogado
ao chão. Rolou, ficando de costas, e mal conseguiu erguer o sabre a tempo
de bloquear o ataque seguinte de Bane. Um coro de metal sobre metal
ressoou conforme os golpes de Bane desciam feito chuva. O Makurth o
impediu de desferir um golpe direto com um voleio de defesas de mestre,
depois derrubou Bane com um golpe nas pernas, deixando ambos no chão.
Os dois se levantaram simultaneamente, como imagens num espelho, e
seus sabres colidiram com mais um baque ressonante, e eles se distanciaram
outra vez. Alguns dos alunos sussurravam e murmuravam em meio à multidão
reunida, mas Bane fazia o melhor para não dar atenção. Achavam que a luta
já estava terminada… assim como Bane. Ele sentiu-se desapontado por não
ser capaz de finalizar o oponente caído, mas sabia que a vitória estava
próxima. A sobrevivência de Fohargh o consumia: ele respirava com
dificuldade, os ombros caídos.
Bane correu para cima de Fohargh de novo. Dessa vez, contudo, o
Makurth não recuou. Avançou com um golpe rápido, passando da Forma III
para a II, mas de modo preciso e agressivo. Bane foi pego de surpresa pela
manobra inesperada e demorou um microssegundo a mais para reconhecer a
mudança. A esquivada que fez desviou a ponta da espada do peito dele,
apenas para esbarrá-la no ombro direito.
A multidão exclamou, Fohargh urrou, vitorioso, e Bane gritou de dor
quando o sabre deslizou para o chão, escapando-lhe dos dedos subitamente
desfalecidos. Sem nem pensar, Bane usou a outra mão para empurrar o
oponente pelo peito. Fohargh cambaleou para trás, e Bane rolou para o lado,
protegendo-se.
Bane levantou-se e estendeu a mão esquerda para o sabre de treino que
jazia no chão a três metros dele. O objeto levitou e voou para sua mão, e
mais uma vez o aprendiz assumiu a posição de ataque, com o braço direito
balançando, inútil, ao lado do corpo. Alguns Sith aprendiam a lutar com
qualquer uma das mãos, mas Bane ainda não alcançara esse estágio tão
avançado. A arma pareceu-lhe esquisita e desajeitada na mão esquerda.
Desse jeito, não seria páreo para Fohargh. A luta estava acabada.
O oponente percebia isso também.
– A derrota é amarga, humano – rosnou ele em língua básica, a voz grave
e ameaçadora. – Fui melhor; você perdeu.
Ele não pedia a Bane que desistisse; render-se nunca era uma opção.
Simplesmente o provocava, publicamente o humilhava perante os outros
alunos.
– Você treinou por semanas para me desafiar – continuou Fohargh,
estendendo a zombaria. – Mas fracassou. A vitória é minha mais uma vez.
– Então venha acabar comigo! – Bane retrucou. Não havia muito mais a
falar. Tudo o que o inimigo dissera em sua língua básica com sotaque pesado
era verdade, e as palavras cortavam mais fundo do que a lâmina cega do
sabre de treino.
– Vai acabar quando eu quiser – devolveu o Makurth, recusando-se a ser
seduzido.
Os olhos dos demais aprendizes queimavam Bane; ele podia senti-los
bebendo de seu sofrimento ao observá-lo. Não gostavam dele, não gostavam
da atenção a mais que ele recebia dos mestres. Agora, saboreavam seu
fracasso.
– Você é fraco – explicou Fohargh, girando casualmente seu sabre num
movimento complexo e intrincado. – Você é previsível.
Pare!, Bane quis gritar. Acabe logo com isso! Acabe comigo! Mas, apesar
da emoção que se avultava dentro dele, recusava-se a dar ao oponente a
satisfação de dizer algo a mais. Em vez disso, deixou o sabre mais do que
inútil cair novamente ao chão. Ao fundo, podia ver o mestre espadachim
assistindo com atenção, curioso para ver como o confronto alcançaria o fim
inevitável.
– Os mestres mimam você. Dão mais tempo e atenção. Mais do que aos
outros. Mais do que a mim.
Bane mal ouvia as palavras. Seu coração batia tão forte que ele podia
ouvir o sangue correndo pelas veias. Literalmente tremendo com uma raiva
impotente, ele baixou a cabeça e caiu sobre um joelho, expondo o pescoço
nu.
– Apesar disso, você ainda é meu inferior… Bane dos Sith.
Bane. Algo no modo como Fohargh disse isso fez Bane olhar para cima.
Foi o mesmo jeito com que seu pai dizia a palavra.
– Esse nome é meu – Bane sussurrou, a voz baixa e ameaçadora. –
Ninguém usa isso contra mim.
Fohargh ou não escutou ou não ligou. Apenas deu um passo folgado à
frente.
– Bane. Inútil. Um nada, insignificante. Os mestres perderam o tempo
deles com você. Tempo que seria mais bem gasto com outros alunos. O nome
cabe-lhe muito bem, pois você realmente é a desgraça desta Academia.
– Não! – Bane gritou, estendendo a mão boa com a palma para a frente no
mesmo instante em que Fohargh saltou para dar cabo dele. A energia do lado
sombrio emanou da palma de sua mão para pegar o oponente em pleno ar,
arremessando-o de volta para a beira da roda, onde ele pousou aos pés de
Kas’im.
O mestre ficou observando, com expressão intrigada, mas atenta. Bane
cerrou os punhos lentamente e levantou-se. No solo, à frente dele, Fohargh se
contorcia em agonia, com as mãos na garganta, tentando respirar.
Ao contrário de Makurth, Bane não tinha nada a dizer a seu oponente
incapacitado. Apertou mais o punho, sentindo a Força percorrendo-o como
uma brisa divina enquanto esmagava a vida do inimigo. Os calcanhares de
Fohargh socavam um ritmo em staccato na cobertura de pedra do templo
enquanto seu corpo convulsionava. Ele começou a gorgolejar, e uma espuma
rosa brotou dentre seus lábios.
– Basta, Bane – disse Kas’im numa voz fria e indiferente. Embora
estivesse a poucos centímetros dos espasmos de morte de seu aluno, seus
olhos encontravam-se fixos no que permanecia de pé.
Um assomo final de poder rugiu no cerne do ser de Bane e explodiu para o
mundo. Em resposta, o corpo de Fohargh ficou teso, e ele entortou os olhos.
Bane liberou seu controle da Força no inimigo caído, e o corpo de Makurth
tornou-se mole conforme os últimos vestígios de vida vazavam para fora.
– Agora basta – disse Bane, dando as costas ao corpo e indo para as
escadas que levavam ao interior do templo. O círculo de alunos abriu-se
rapidamente o deixando passar. Bane não precisou olhar para trás para saber
que Kas’im o observava com grande interesse.
BANE SABIA QUE TINHA DE FAZER ALGUMA COISA. Sua situação começava a
beirar o desespero. Ele continuava vacilante, incapaz de conjurar o poder
que usara para destruir Fohargh. Mas agora sua fraqueza viera a público.
No dia anterior, durante a sessão de treinamento noturna, ele abordara
Kas’im com o intuito de marcar um horário para mais uma prática particular,
na esperança de livrar-se da letargia que o dominava, mas o mestre
espadachim repeliu-o, balançando a cabeça e voltando sua atenção aos
outros alunos. A mensagem ficou clara para todos: Bane estava vulnerável.
Quando os alunos se juntaram num círculo na cobertura do templo, após os
exercícios matinais, Bane soube o que precisava ser feito. Sua reputação o
protegera do desafio dos outros alunos, mas essa reputação já não valia
mais. Porém, ele não podia ficar sentado, passivo, esperando que um dos
alunos o desafiasse e o derrotasse. Tinha de tomar a iniciativa; tinha de
partir para o ataque. Nesse dia, ele teria de ser o primeiro a passar para o
centro do círculo.
Claro que, se desafiasse um dos alunos inferiores, todos enxergariam isso
como uma confirmação da fraqueza que Bane procurava esconder. Havia
somente um jeito de redimir-se perante o olhar da escola e dos mestres;
somente um oponente que ele podia desafiar.
Diversos alunos ainda se ajeitavam, tentando achar um lugar do qual
poderiam observar claramente a ação daquela manhã. Era de costume
aguardar até que todos estivessem prontos antes de emitir um desafio, mas
Bane sabia que, quanto mais esperava, mais difícil se tornava cumprir sua
tarefa. Dirigiu-se com audácia para o centro do círculo, atraindo olhares
curiosos dos outros alunos. Kas’im fixou nele uma expressão de censura,
mas Bane tentou tirar isso da cabeça.
– Quero desafiar alguém – proclamou. – Eu desafio Sirak.
Um zunido de empolgação percorreu o grupo de alunos, mas Bane mal
pôde ouvi-lo com o martelar de seu coração. Sirak raramente participava
dos combates; Bane nunca o vira em ação. Mas ouvira outros alunos falando
sobre a proeza de Sirak no ringue de duelos, contando histórias fantásticas
dos feitos imbatíveis dele. Desde que o Zabrak o abordara na escada, Bane
observara o oponente nas sessões de treinamento, preparando-se para esse
confronto. E, pelo que vira, os aparentemente exagerados relatos da proeza
dele estavam totalmente corretos.
Ao contrário da maioria dos alunos, Sirak preferia o sabre de treino de
lâmina dupla ao mais tradicional, de uma lâmina só. Além do próprio
Kas’im, Sirak era o único que Bane vira brandindo a exótica arma com
algum indicativo de habilidade. Sua técnica parecia quase perfeita para o
olhar inexperiente de Bane. Ele sempre aparentava ter controle total; estava
sempre no ataque. Mesmo nos exercícios simples, a superioridade dele
sobre o oponente era óbvia. Enquanto a maioria dos alunos levava de duas a
três semanas para aprender uma sequência nova, Sirak conseguia dominar
uma em questão de dias. E agora Bane estava prestes a enfrentá-lo no ringue
de duelos.
O Zabrak destacou-se da multidão, movendo-se lenta, porém
graciosamente, respondendo ao desafio. Mesmo andando até o centro do
círculo ele emanava um ar de ameaça. Foi movimentando casualmente sua
arma ao chegar lá, fazendo as lâminas de hiperaço desenharem arcos longos
e lânguidos no ar.
Bane o viu chegando e sentiu o coração e a respiração acelerarem
conforme seu corpo liberava adrenalina para o sistema, preparando-se
instintivamente para o combate iminente. Em contraste com seu corpo físico,
contudo, Bane não notava mudança significativa em seu estado emocional.
Ele esperava sentir um assomo de medo e raiva quando Sirak se aproximou,
emoções que poderia usar para atravessar o véu sem vida e liberar o lado
sombrio. Mas o torpor letárgico ainda o envolvia feito uma pesada mortalha
acinzentada.
– Queria que tivesse me desafiado antes – sussurrou Sirak, falando alto o
bastante para Bane ouvir. – Na primeira semana após a morte de Fohargh,
muitos pensavam que você estivesse no meu nível. Eu teria ganhado grande
prestígio ao derrotá-lo. Isso já não vale mais.
Sirak parara de avançar e se manteve muitos metros distante. Seu sabre de
treino de lâmina dupla ainda dançava lentamente pelo ar. A espada movia-se
como se estivesse viva, uma criatura antecipando a caçada, excitada demais
para permanecer imóvel.
– Haverá muito pouca glória em derrotá-lo agora – ele repetiu. – Mas
terei muito prazer com o seu sofrimento.
Atrás de Sirak, Bane viu Llokay e Yevra, os outros aprendizes Zabraks,
abrirem caminho para a porção frontal do círculo, a fim de ver melhor seu
campeão. O irmão tinha no rosto um sorriso cruel; a irmã, uma expressão de
ávida ansiedade. Bane fez o melhor que pôde para ignorar a expectativa dos
rostos vermelhos deles, deixando que se misturassem ao cenário
insignificante composto pelos espectadores.
Toda a sua concentração focou-se nos movimentos fluidos da arma
incomum nas mãos de Sirak. Ele tentara memorizar as sequências que o
Zabrak praticava durante os exercícios. Agora, procurava por dicas que
entregassem a mão do oponente – que revelassem qual sequência ele
planejava usar para começar o combate. Se Bane adivinhasse direito,
poderia contra-atacar e possivelmente encerrar o combate no primeiro
passo. Era a melhor chance que ele tinha de vencer, mas, sem conseguir
sorver a energia da Força, as chances de adivinhar corretamente qual
sequência o inimigo ia escolher eram muito, muito pequenas.
Sirak ergueu o sabre de lâmina dupla acima da cabeça, girando-o tão
rápido que não passava de um borrão, depois avançou. Uma das pontas
desceu num selvagem ataque por cima do qual Bane esquivou-se facilmente.
O movimento, entretanto, foi apenas um disfarce, armado para desferir-lhe
em seguida um ataque cortante na cintura com a lâmina oposta.
Reconhecendo a manobra no último segundo, Bane não pôde fazer nada além
de jogar-se para trás, rolando, escapando do ferimento por um triz.
O inimigo estava em cima de Bane antes mesmo de ele conseguir se
levantar, cortando com as lâminas gêmeas num ritmo alternado de ataques:
esquerda-direita-esquerda-direita. Bane bloqueou, rolou, girou e bloqueou
de novo, defendendo-se dos floreios. Tentou derrubar o oponente varrendo-
lhe os pés, mas Sirak antecipou o movimento e saltou ligeiro, dando a Bane
tempo suficiente para se levantar.
A rodada de ataques seguinte manteve Bane em recuo constante, mas ele
conseguiu impedir Sirak de ganhar vantagem dando espaço e revertendo para
sequências básicas de defesa. Bane tentava desesperadamente conseguir
certa vantagem observando os movimentos do oponente. Em certo momento,
Sirak parecia usar os socos e murros de Vaapad, a mais agressiva e direta
das sete formas tradicionais. Mas, no meio de uma sequência, ele mudava
subitamente os ataques poderosos para Djem So, gerando tanta potência que
até mesmo um ataque bloqueado fez Bane cambalear para trás. Com um giro
rápido da arma, uma das lâminas gêmeas veio novamente voando num ângulo
esquisito, fazendo Bane perder o equilíbrio para bloqueá-la.
Houve uma breve calmaria na ação quando os dois combatentes pararam
para reavaliar suas estratégias, ambos muito ofegantes. Sirak girou a arma
numa sequência rápida e complexa que levou o sabre para debaixo do braço
direito, ao redor das costas, por cima do ombro esquerdo e dando a volta
para a frente. Depois sorriu e fez o movimento no sentido reverso.
Bane assistiu ao extravagante floreio com uma sensação de apreensão.
Sirak estivera apenas brincando com eles nos primeiros movimentos,
prolongando a luta para sua vitória ser mais impressionante. Agora ele
mostrava a verdadeira habilidade, usando sequências que misturavam
diversas formas numa só, alternando rapidamente entre estilos diferentes em
complexos padrões que Bane nunca vira antes.
Esse era apenas mais um sinal da superioridade do Zabrak. Se Bane
tentasse combinar estilos diferentes numa única sequência, acabaria
provavelmente machucando um olho ou atingindo a própria nuca. Ficou claro
que ele estava em desvantagem; sua única esperança consistia em o inimigo
se descuidar e cometer um erro.
Sirak avançou de novo, movendo o sabre de treino tão rapidamente que
Bane ouvia o zunido que ele fazia ao cortar o ar. Bane saltou para a frente a
fim de encontrar o desafiante, tentando convocar o poder do lado sombrio
para antecipar e bloquear as lâminas duplas que voavam rápido demais para
que seus olhos as vissem. Ele sentiu a Força fluindo por seu corpo, mas ela
lhe pareceu distante e vazia: o véu permanecia lá. Ele conseguia manter
distantes os gumes paralisadores do sabre de Sirak, mas isso requeria
concentração total de sua atenção para controlar a própria espada…
deixando-o vulnerável para o verdadeiro propósito do ataque empregado
contra ele.
O crânio de Bane explodiu quando Sirak meteu a testa no rosto dele. A
dor transformou a sua visão num campo de estrelas prateadas. A cartilagem
do nariz saiu do lugar com um barulho de dar nojo, e um gêiser de sangue
jorrou para a frente. Cego e atordoado, ele conseguiu se esquivar do ataque
seguinte apenas por instinto, guiado por um sussurro dos mais fracos da
Força. Porém, quando seu sabre desviou, Sirak rodopiou e meteu um chute
giratório que estilhaçou a rótula de Bane.
Aos gritos, Bane desabou, metendo a mão livre no chão para amparar a
queda. Sirak esmagou os dedos dele com a bota, espremendo-os na pedra
inflexível da cobertura do templo. Um joelho voou, fraturando os ossos da
bochecha e da mandíbula de Bane com um barulho trovejante.
Com um último e desesperado ímpeto, Bane tentou arremessar o oponente
para trás usando o lado sombrio. Porém, Sirak resvalou o impacto para o
lado, facilmente o defletindo com o campo de Força com que se envolvera
desde o início do duelo. Então, aproximou-se para encerrar o serviço com as
espadas. O primeiro golpe atingiu Bane com o impacto de um landspeeder
colidindo com um irax, quebrando-lhe o pulso direito. O sabre de treino caiu
da mão subitamente desprovida de enervação. O golpe seguinte atingiu Bane
mais alto no mesmo braço, deslocando seu cotovelo.
Um chute simples no rosto fez dentes saírem voando de sua boca, e gerou
um disparo de dor que lhe percorreu a mandíbula quebrada. Ele pendeu para
a frente, quase inconsciente, enquanto Sirak deu um passo para trás,
baixando o sabre, e então estendeu a mão livre, com a qual agarrou Bane
pelo pescoço com o aperto esmagador da Força. O Zabrak ergueu o braço,
içando o musculoso Bane como se fosse uma criança, depois o arremessou
para o outro lado do ringue.
Bane sentiu outro osso se partir quando desabou no chão, mas seu corpo
tinha entrado em choque, e não havia mais dor. Ele permaneceu deitado,
imóvel, num monte enrugado e retorcido. O sangue passava do nariz e da
boca para a garganta, entupindo-a. Um acesso de tosse sacudia-lhe o corpo,
e ele mais ouvia que sentia o moer de suas costelas quebradas.
Tudo começou a escurecer. Bane vislumbrou rapidamente um par de botas
manchadas de sangue andando em sua direção, e então se rendeu à
misericordiosa escuridão.
Kopecz balançava a cabeça enquanto estudava o plano de batalha que
Kaan estendera numa mesa improvisada no meio de sua barraca. O holomapa
do terreno de Ruusan mostrava as posições das forças Sith representadas por
triângulos vermelhos flutuando acima do mapa. Quadrados verdes
simbolizavam as posições dos Jedi. Apesar do avanço tecnológico, o
restante do mapa era uma simples representação bidimensional da topografia
da área circundante. Ela não transmitia nem um pouco a fria devastação que
transformara Ruusan virtualmente num deserto assolado pela guerra.
Três grandes frotas de batalha posicionaram-se bem acima do planeta no
ano anterior, espalhando detritos da parte perdedora por sobre o pouco
populoso mundo a cada vez. Cascos chamuscados e retorcidos que antes
constituíam naves caíram nas ricas florestas, incitando incêndios que
reduziram muito da superfície do pequeno mundo a cinzas e solo
descampado.
Ruusan, apesar do tamanho, tornara-se um mundo de grande importância
tanto para a República quanto para os Sith. Estrategicamente localizado nas
margens da Orla Interior, ficava também no que muitos consideravam o
limite entre a perigosa fronteira da República e o são e salvo Núcleo.
Ruusan era um símbolo. Conquistá-lo representava o inevitável avanço dos
Sith e sua conquista da República; libertá-lo seria emblemático para a
habilidade dos Jedi de afastar os invasores e proteger os habitantes da
República. O resultado foi um ciclo interminável de batalhas, sem nenhum
lado aceitando a derrota.
A Primeira Batalha de Ruusan vira a tropa invasora dos Sith expulsar as
forças da República usando elementos de surpresa e a força do combate
meditativo de Kaan. A Segunda Batalha viu a República tentar reaver o
controle de Ruusan e fracassar, mais uma vez expulsa pelos números e pelo
poder de fogo superiores aos da República.
A Terceira Batalha nos céus acima de Ruusan marcou a emergência do
Exército da Luz. Em vez de cruzadores e caças da República, os Sith
enfrentaram uma frota composta principalmente por caças de um ou dois
tripulantes pilotados apenas por Jedi. Os soldados comuns que compunham o
exército de Kaan não eram páreo para a Força, e Ruusan foi salva… por um
tempo.
Os Sith responderam ao Exército da Luz juntando os contingentes da
Irmandade da Escuridão num único exército, lançando-o, em seguida, sobre
Ruusan. A guerra que assolara o mundo do alto passara para a superfície,
com consequências muito mais devastadoras. Comparado com batalhas
espaciais entre as frotas, o combate em solo era brutal, sangrento e visceral.
Kopecz bateu o punho na mesa.
– É inútil, Kaan.
Os outros lordes sombrios reunidos na barraca murmuraram,
concordando.
– Os postos Jedi estão muito bem defendidos; eles têm toda a vantagem –
Kopecz prosseguiu, irritado. – Terreno alto, fortificações intrincadas,
contingentes superiores. Não é possível vencermos essa batalha!
– Olhe bem – replicou Kaan. – Os Jedi se espalharam demais.
O grande Twi’lek estudou o mapa com mais atenção e percebeu que Kaan
tinha razão. O perímetro Jedi estendia-se longe demais do acampamento
base. Ele levou apenas um instante para entender por quê.
A colisão entre os exércitos Jedi e Sith, liderados por mestres Jedi e
lordes sombrios, sacudira as fundações do mundo. O poder da Força rugiu
selvagem por todo o campo de batalha como o trovejar de uma estrela
explodindo. Cidades, vilas e casas individuais pegas pela tempestade foram
varridas, deixando apenas morte e destruição para trás. Os civis pegos no
rastro da guerra foram forçados a fugir, tornando-se refugiados numa batalha
épica entre os campeões da luz e da sombra.
Vendo o sofrimento deles, os Jedi procuraram consolar, confortar e
proteger os civis inocentes de Ruusan. Planejaram suas estratégias para
defender os assentamentos e casas civis, mesmo à custa de recursos e
vantagem tática. Os Sith, claro, não faziam tais concessões.
– A compaixão dos Jedi é uma fraqueza – continuou Kaan – que podemos
explorar. Se concentrarmos todo o nosso contingente num único ponto,
conseguiremos romper as fileiras deles. Então a vantagem será nossa.
Todos os generais e estrategistas reunidos da Irmandade da Escuridão
concordaram. Muitos ergueram as vozes em ovações de triunfo e
congratulações. Somente Kopecz recusou-se a juntar-se à celebração.
– O Exército da Luz ainda tem o dobro do nosso contingente – lembrou-
lhes o robusto Twi’lek. – As fileiras deles podem estar mais esparsas em
alguns pontos, mas não sabemos onde estão vulneráveis. Sabem que nossos
batedores mantêm o olho neles; escondem seus contingentes assim como
escondemos os nossos. Se atacarmos um local onde estão fortes, seremos
massacrados!
O restante dos generais conteve a voz, não mais incitado pelo entusiasmo
de seu líder agora que a falha gritante do plano dele fora exposta. Mais uma
vez, circulou o ribombar de desacordo e insatisfação. Kopecz ignorou a
reação dos outros lordes sombrios. Com todo o seu poder, com toda a sua
ambição, eram como os banthas, seguindo o restante da horda cegamente. Em
tese, todos na Irmandade da Escuridão eram iguais, mas na prática Kaan
mandava nos demais.
Kopecz entendia isso, e estava disposto a segui-lo. Os Sith precisavam de
um líder forte e carismático, um homem de visão, para debelar o conflito
interno que se assemelhava a uma praga entre suas fileiras. Kaan era esse
líder, e costumava atuar como um brilhante estrategista militar. Mas esse
plano era loucura. Suicídio. Ao contrário do restante da plebe, Kopecz não
queria seguir o líder para uma morte certa.
– Você me subestima, Kopecz – Kaan tranquilizou-o, a voz calma e
confiante, como se antecipasse essa questão o tempo todo e tivesse uma
resposta preparada. Talvez tivesse mesmo. – Não atacaremos enquanto não
soubermos exatamente onde estão mais vulneráveis – explicou o lorde
sombrio. – Quando formos atacar, saberemos precisamente o número e a
composição de cada unidade e patrulha ao longo do perímetro.
– Como? – indagou Kopecz. – Nem mesmo nossos espiões das sombras
Umbaranos podem nos fornecer esse tipo de detalhe. Pelo menos não rápido
o bastante para usarmos no planejamento de nosso ataque. Não temos como
conseguir a informação de que precisamos.
Kaan riu.
– Claro que temos. Um dos Jedi vai dá-la para nós.
Os panos que cobriam a entrada da comprida barraca que servia de sala
de guerra abriram-se, como se seguindo a deixa, e uma jovem que usava o
manto da Ordem Jedi entrou. Tinha altura média, mas era o único aspecto
dela que se podia considerar mediano. Os cabelos, grossos e negros,
desciam abaixo dos ombros. O rosto e a silhueta constituíam exemplos
perfeitos da forma humana feminina; a pele morena era acentuada por olhos
verdes que ardiam com um calor que representava tanto uma ameaça quanto
um convite. Ela se movia com a graça ágil de uma dançarina Twi’lek ao
caminhar por entre a assembleia de lordes sombrios, com um sorriso
modesto nos lábios enquanto fingia não ouvir os sussurros de surpresa.
Kopecz vira muitas fêmeas estonteantes na vida. Muitas das damas
sombrias reunidas na barraca eram maravilhosas, renomadas tanto por sua
incrível beleza quanto por seu poder devastador. Mas, conforme a jovem
Jedi se aproximava, ele flagrou-se incapaz de tirar os olhos dela. Havia algo
de magnético naquela figura, algo que transcendia a mera atração física.
Ela andava de cabeça erguida, com os traços orgulhosos emitindo um
desafio não dito conforme se aproximava. E Kopecz viu algo a mais: uma
ambição nua, crua e faminta.
Ao lado dele, Kaan sussurrou:
– Encantadora, não?
Ela chegou à frente da barraca, abaixou-se com suavidade, apoiando-se
num joelho, e pendeu a cabeça muito ligeiramente por respeito a lorde Kaan.
– Bem-vinda, Githany – disse ele, acenando para que ela se levantasse. –
Estávamos esperando por você.
– O prazer é meu, lorde Kaan – ronronou a jovem. Kopecz sentiu os
joelhos momentaneamente fracos quando ouviu aquela voz sensual, mas logo
recobrou a rigidez e a atenção. Era velho e sábio demais para deixar-se
cegar pelo charme dessa mulher. Importava-se apenas com o que ela podia
oferecer na luta contra os Jedi.
– Você tem informações para nós? – perguntou ele abruptamente.
Ela pendeu a cabeça de lado e deu-lhe uma olhada curiosa, tentando
entender o motivo de tão fria recepção. Após uma curta pausa, respondeu:
– Posso dizer exatamente onde atacar as fileiras, e quando. Lorde Hoth
colocou um Jedi chamado Kiel Charny a cargo da coordenação das defesas
deles. Consegui os dados diretamente com ele.
– Por que esse tal Charny partilharia informações com você? – Kopecz
perguntou, desconfiado.
Ela abriu um sorriso maroto para ele.
– Kiel e eu éramos… próximos. Partilhávamos muitas coisas. Ele não
fazia ideia de que eu viria até vocês com a informação.
Kopecz estreitou os olhos.
– Eu achava que os Jedi não aprovavam esse tipo de coisa.
O sorriso da jovem se foi.
– Os Jedi desaprovam um monte de coisas. Por isso vim até vocês.
Kaan deu um passo à frente antes que o outro fizesse mais perguntas,
tocando o quadril da jovem com bastante intimidade para tirá-la de perto de
Kopecz.
– Não temos tempo para isso, Githany – disse ele. – Você precisa nos dar
seu relatório e retornar ao acampamento dos Jedi antes que alguém note sua
ausência.
Ela abriu um sorriso deslumbrante para Kaan e assentiu.
– Claro. Temos que nos apressar.
Ele a conduziu gentilmente até o holomapa, e um grupo de estrategistas se
aproximou, circundando-a, enquanto ela lhes dava os detalhes da guarda
Jedi. Alguns segundos depois, Kaan emergiu do grupo e foi até o lado de
Kopecz.
– Ambição, traição… O lado sombrio é forte nela – sussurrou o Twi’lek.
– Fico surpreso que os Jedi a tenham aceito.
– Eles devem ter pensado que poderiam levá-la para o lado luminoso –
respondeu Kaan, falando baixinho também. – Mas Githany nasceu para o
lado sombrio. Como eu. Como você. Era inevitável que algum dia ela se
unisse aos Sith.
– E chegou no momento perfeito – comentou Kopecz. – Perfeito até
demais. Pode ser uma armadilha. Tem certeza de que podemos confiar nela?
Achei-a perigosa.
Kaan ignorou o aviso com uma risada suave.
– Você também é, lorde Kopecz. Por isso que é tão útil para a Irmandade.
Githany sabia que ele ficara olhando para ela enquanto saía. Os homens
sempre olhavam; estava acostumada.
Por fim, ela julgou que a conversa havia sido produtiva. Por um átimo de
segundo, no final – quando ele se recusou a soltar o braço dela –, Githany
suspeitou que talvez o tivesse subestimado. A ousadia dele a pegara
desprevenida; ela contava com alguém fraco e subserviente. Mas, assim que
o olhou nos olhos, entendeu que ele a prendia ali por desespero e medo. Um
único encontro e ele já não suportava mais a ideia de vê-la partir.
Ainda que fizesse muito pouco tempo que estava com os Sith, os modos do
lado sombrio vinham-lhe naturalmente. Ela não sentia pena nem compaixão
por ele; a vulnerabilidade dele apenas o tornava mais fácil de controlar. E,
ao contrário dos Jedi, a Irmandade da Escuridão recompensava a ambição.
Cada rival que ela diminuísse provava seu valor e elevava seu status junto
aos Sith.
Bane com certeza seria a ferramenta perfeita para derrubar os rivais dela.
Era incrivelmente poderoso na Força. Mais forte do que ela havia
imaginado. Ficara impressionada com o poder que sentira dentro dele. E
agora Bane estava totalmente envolvido por ela. Era preciso apenas garantir
que continuasse assim.
Githany o conduziria lentamente, sempre o mantendo um passo atrás das
habilidades dela. Era um jogo perigoso, mas que ela sabia jogar muito bem.
Conhecimento é poder, e somente ela controlaria o conhecimento que ele
receberia. Ela o ensinaria. Manusearia, dobraria segundo suas vontades,
depois usaria para esmagar Sirak. E então, se sentisse que Bane também se
tornava poderoso demais, bastava destruí-lo também.
BEM NO ALTO DO TEMPLO DE KORRIBAN, sob a luz de uma lua vermelha feito
sangue, via-se apenas os contornos de duas figuras: um humano e um
Twi’lek. Um vento fresco varria a cobertura, mas, embora ambos os
combatentes tivessem tirado os mantos para lutar de peito nu, nenhum tremia
de frio. Poderiam ser confundidos com estátuas, imóveis e duros feito pedra,
não fosse o calor fervilhante dentro de seus olhos.
Sem aviso, as figuras dispararam, movendo-se tão suavemente que seria
impossível a um observador dizer qual agia e qual reagia. Elas se
encontraram com um baque trovejante de suas violentas espadas.
Mesmo enquanto lutava desesperadamente para manter seu espaço, Bane
estudava Kas’im com muito cuidado. Tinha noção exata de cada gingada e
ataque, analisando e memorizando cada bloqueio, desvio e contra-ataque. O
mestre espadachim dissera que o tempo seria mais bem gasto focando-se no
desenvolvimento da própria técnica, mas Bane estava determinado a
contrapor a vantagem de Sirak absorvendo tudo o que pudesse do estilo de
luta do Twi’lek, com sua arma de duas pontas.
O embate durou bem mais de um minuto, sem pausa nem intervalo na ação,
até que bane girou para reposicionar-se. Sentira que seus ataques assumiram
um padrão inconsciente, e a previsibilidade seria mortal contra um oponente
habilidoso como Kas’im. O rapaz caíra nessa cilada na semana anterior. Não
pretendia cometer o mesmo erro de novo.
Os dois combatentes ficaram frente a frente mais uma vez, imóveis, exceto
pelos olhos, agitados, fitando todo canto em busca de algum sinal que
pudessem usar para ganhar vantagem, ainda que mínima.
Ao longo do mês anterior, as sessões de treinamento tinham se tornado
menos frequentes, mas muito mais intensas. Parte de Bane acreditava que
Kas’im realmente via valor em praticar com o jovem: o mestre espadachim
sem dúvida ficara entediado de travar combates com aprendizes e alunos tão
abaixo de seu nível.
Claro, Bane ainda tinha de desferir o golpe final contra o mestre. Mas,
cada vez que praticavam, ele sentia que se aproximava mais e mais de uma
vitória. Embora a forma e a técnica de Kas’im fossem impecáveis, Bane
tinha ciência de que o menor dos erros era toda a abertura de que ele
precisava.
Os lutadores arquejavam intensamente; a sessão durara muito mais do que
qualquer outra. Os combates costumavam terminar quando o Twi’lek dava
um golpe mais certeiro e desabilitava um dos membros do aluno com o
veneno do pelko. Nessa noite, contudo, Kas’im ainda não conseguira desferir
o tal golpe.
Ele avançou para atacar, e o baque das armas ressoou pela cobertura num
ritmo firme de staccato. Ficaram quase grudados, martelando um ao outro,
nenhum dando brecha nem abertura. No fim, Bane foi forçado a se soltar,
interrompendo a luta antes que a habilidade superior do mestre espadachim
rompesse as defesas dele.
Dessa vez, foi Bane quem começou o ataque. Novamente, seus sabres de
treino foram acionados, e de novo se separaram com ambos os lutadores
ilesos. Agora, contudo, o resultado do combate já não era mais questão de
dúvida.
Bane pendeu a cabeça e baixou a espada, admitindo a derrota. No último
movimento, ele conseguira repelir Kas’im, mas, a cada golpe de sabre, foi
ficando um microssegundo atrasado. O cansaço estava chegando. Nem
mesmo a Força podia manter os músculos dele vigorosos para sempre, e o
duelo aparentemente interminável por fim demandara demais dele. O mestre
espadachim, por outro lado, quase não tinha perdido velocidade e astúcia.
Bane duvidava que se defenderia do ataque seguinte, e, mesmo que o
fizesse, o ataque que viesse depois com certeza o derrotaria. Era inevitável,
então não havia por que insistir até o ponto de realmente ter de passar pela
dor de ser atingido.
Por um momento, Kas’im pareceu surpreso com a concessão, depois
assentiu, aceitando sua vitória.
– Você foi esperto de reconhecer que o combate tinha terminado, mas eu
esperava que fosse lutar até o fim. Há muito pouca honra em render-se.
– A honra é o prêmio dos tolos – Bane respondeu, recitando uma
passagem de um dos volumes que lera recentemente nos arquivos. – Não há
utilidade na glória para quem está morto.
Após ponderar sobre as palavras por um momento, o mestre espadachim
concordou.
– Belas palavras, meu jovem aprendiz.
Bane não se surpreendeu por Kas’im não reconhecer a citação. As
palavras foram escritas por Darth Revan quase três milênios antes. Os
mestres eram tão lassos quanto os alunos no que se referia ao estudo dos
escritos antigos. Parecia que a Academia tinha virado as costas para os
campeões antigos do lado sombrio.
De fato, Revan acabara retornando aos Jedi e à luz após ser traído por
Darth Malak. Entretanto, Revan e Malak tinham chegado muito perto de
arrasar a República. Era tolice descartar tudo o que haviam conseguido, e
ainda maior tolice ignorar as lições que podiam ser aprendidas com eles.
Ainda assim, Qordis e os outros mestres recusavam-se teimosamente a
passar minutos que fossem estudando a história da Ordem dos Sith.
Felizmente, para Bane, esse era um traço que eles transmitiam a seus alunos.
Isso conferira ao rapaz uma vantagem inequívoca sobre os demais
aprendizes. Pelo menos tinha mostrado a ele o verdadeiro potencial do lado
sombrio. Os arquivos estavam repletos de relatos de incríveis feitos de
poder: cidades arruinadas, planetas explodidos, sistemas solares inteiros
engolidos quando um lorde sombrio fez o sol estourar numa supernova.
Alguns desses contos eram muito provavelmente exagerados, mitos que
cresceram a cada recontagem antes de serem registrados em pergaminho. No
entanto, tinham raízes de veracidade, e essa verdade inspirara Bane a
avançar ainda mais adiante e mais rápido do que ele até teria ousado.
Pensar em Revan e nos lordes Sith do passado trouxe-lhe à mente outra
pergunta que o incomodava por um tempo.
– Mestre, por que os Sith não usam mais o título Darth?
– Foi decisão de lorde Kaan – respondeu-lhe o Twi’lek, envolvendo--se
numa toalha. – A tradição dos Darth é uma relíquia do passado. Ela
representa o que os Sith foram um dia, não o que são agora.
Bane balançou a cabeça, insatisfeito com a resposta.
– Tem que ser mais que isso – disse, curvando-se para pegar o manto que
jogara longe no começo do duelo. – Lorde Kaan não jogaria fora as
tradições antigas sem justificativa.
– Vejo que você não vai ficar satisfeito com a resposta mais fácil –
afirmou Kas’im com um suspiro, vestindo seu manto. – Para entender por
que o título não é mais usado, você precisa entender o que ele realmente
representa. O título de Darth constituía mais do que somente um símbolo de
poder; era uma alegação de superioridade. Era usado pelos lordes sombrios
que tinham procurado forçar sua vontade sobre os outros mestres. Era um
desafio… um aviso: curve-se, ou será destruído.
Bane já tinha descoberto isso em seus estudos, mas não achou que cairia
bem interromper Kas’im. Então, cruzou a pernas e sentou-se, olhando para o
mestre, apenas escutando.
– Claro, poucos lordes sombrios se submeteriam à vontade de outro por
muito tempo – continuou o Twi’lek. – Toda vez que alguém de nossa Ordem
tomou esse título de Darth para si, enganos e traições estavam sempre por
perto para arrancá-lo dele. Não há como um mestre que ousa ostentar o nome
Darth ter paz.
– A paz é uma mentira – Bane respondeu. – Só existe a paixão.
Kas’im ergueu uma das sobrancelhas, exasperado.
– Paz foi uma escolha equivocada de palavra. Eu me referia à
estabilidade. Esses mestres que usavam o título de Darth passavam tanto
tempo se defendendo de seus supostos aliados quanto combatendo os Jedi.
Kaan quis pôr um fim em tamanho desperdício.
De onde estava sentado, pareceu a Bane que o mestre espadachim tentava
convencer tanto a si mesmo quanto a seu aluno.
– Kaan quer que foquemos todos os nossos recursos em nosso verdadeiro
inimigo, em vez de uns nos outros – afirmou Kas’im. – É por isso que somos
todos iguais na Irmandade da Escuridão.
– A igualdade é um mito que protege os fracos – arguiu Bane. – Alguns de
nós são fortes na Força, outros não. Somente um tolo não concordaria.
– Há outros motivos pelos quais o título de Darth foi abandonado –
Kas’im insistiu, com uma pequena pontada de frustração. – Ele atraiu a
atenção dos Jedi, uma vez. Revelou nossos líderes ao inimigo; deu-lhes
alvos fáceis de eliminar.
Bane ainda não estava convencido. Os Jedi sabiam quem eram os
verdadeiros líderes dos Sith; não fazia diferença se se chamavam de Darth
ou lorde ou mestre. Mas foi possível perceber que o Twi’lek sentia-se
incomodado com a discussão, e o rapaz achou mais adequado encerrar o
assunto.
– Perdoe-me, lorde Kas’im – disse ele, curvando a cabeça. – Não quis
ofender. Só quis beber de sua sabedoria para explicar algo que não entendi
por conta própria.
Kas’im olhou o aprendiz com a mesma expressão de quando Bane
encerrara abruptamente o duelo, poucos momentos antes. Por fim, perguntou:
– Então agora você entende a sabedoria por trás da decisão de lorde Kaan
de encerrar a tradição?
– Claro – Bane mentiu. – Ele está agindo pelo bem de todos nós.
Quando se levantou, no entanto, o aprendiz pensou: Kaan está agindo
como um Jedi. Preocupado com o bem maior. Buscando suscitar harmonia
e cooperação dentro da Ordem. O lado sombrio murcha e morre sob essas
condições!
Kas’im fitava Bane como se quisesse dizer mais alguma coisa. No fim,
contudo, desistiu.
– Por hoje basta – disse. A distância, o céu assumira o cinza fraco da
primeira luz; o amanhecer estava a uma hora de chegar. – Os outros alunos
chegarão logo para o treinamento.
Bane curvou-se mais uma vez antes de partir. Enquanto descia a escada
que levava ao templo, entendeu que Kas’im, com toda sua habilidade no
sabre de luz, não podia ensinar-lhe o que ele realmente precisava saber. O
Twi’lek virara as costas ao passado; abandonara as raízes individualistas
dos Sith a favor da Irmandade de Kaan.
Os mistérios do verdadeiro potencial do lado sombrio estavam além do
alcance dele – e provavelmente além do alcance de todos os mestres da
Academia.
Githany sentia que alguma coisa incomodava Bane. Ele mal prestava
atenção enquanto ela lhe passava o que aprendera dos mestres Sith nas
lições mais recentes.
Ela não sabia o que o incomodava. Na verdade, não se importava. A não
ser que começasse a interferir em seus planos.
– Alguma coisa o incomoda, Bane – ela sussurrou.
Perdido em pensamentos, o rapaz levou um momento para reagir.
– Eu… desculpe, Githany.
– Qual o problema? – a mulher insistiu, tentando parecer genuinamente
preocupada. – No que anda pensando?
Ele não respondeu de imediato; parecia pesar cuidadosamente as palavras
antes de falar.
– Você acredita no poder do lado sombrio? – ele perguntou.
– Claro.
– E é como você imaginava? A Academia faz jus ao que você esperava?
– Poucas coisas fazem – ela respondeu, com um sorriso de esguelha. –
Mas aprendi muito com Qordis e os outros desde que cheguei aqui. Coisas
que os Jedi nunca teriam me ensinado.
Bane bufou, zombando.
– A maior parte do que aprendi veio desses livros – falou ele, acenando
para as estantes.
Como Githany não soube muito bem o que dizer em seguida, não disse
nada.
– Certa vez, você me disse que os mestres não sabem de tudo – Bane
continuou. – Falava dos mestres Jedi, na época, mas estou começando a
acreditar que isso vale para os Sith também.
– Eles erraram ao dar as costas a você – ela disse, ao ver a oportunidade
pela qual esperara por tanto tempo. – Mas você precisa definir de quem é a
culpa. Nós dois sabemos quem é responsável por fazerem isso com você.
– Sirak – falou ele, cuspindo o nome como se fosse veneno.
– Ele tem que pagar pelo que fez a você, Bane. Esperamos por muito
tempo. Chegou a hora.
– Hora de quê?
Githany permitiu vazar uma pontada de tremor na voz.
– Amanhã de manhã, vou desafiá-lo no ringue de duelos.
– O quê? – Bane sacudiu a cabeça. – Não seja tola, Githany! Ele vai te
destruir!
Perfeito, pensou ela.
– Não tenho escolha, Bane – disse ela, muito séria. – Já te contei que não
acredito na lenda do Sith’ari. Sirak pode ser o melhor aluno da escola, mas
não é invencível.
– Ele pode não ser o Sith’ari, mas, ainda assim, é forte demais pra você.
Não pode enfrentá-lo no ringue de duelos, Githany. Eu o estudei, sei quão
bom ele é. Você não pode derrotá-lo.
Ela deixou as palavras dele pairarem no ar por um bom tempo antes de
baixar à cabeça, derrotada.
– O que mais se pode fazer? Precisamos destruí-lo, e o único jeito é
enfrentá-lo no ringue.
Bane não respondeu de imediato; ela soube, então, que ele procurava
outra solução. Ambos sabiam que havia apenas outro caminho, uma resposta
à qual ele inevitavelmente chegaria. Teriam de matar Sirak fora do ringue.
Assassiná-lo. Seria uma violação gritante às regras da Academia, e sabiam
das consequências severas caso fossem pegos.
E era exatamente por isso que a ideia deveria vir de Bane. Assim que
proferida, Githany estava confiante de que poderia manobrá-lo para ele
mesmo executar o ato. Era o plano perfeito: livrar-se de Sirak e deixar que
Bane assumisse o risco.
Mais tarde, ela poderia “acidentalmente” indicar aos mestres o
envolvimento de Bane… se precisasse. Não tinha mais certeza quanto a essa
parte do plano. Não estava convencida de que queria trair Bane. Porém, não
achava ruim manipulá-lo.
Ele respirou profunda e lentamente, preparando-se para falar. Ela se
preparou para soltar uma exclamação das mais convincentes – e maquinadas
– de surpresa.
– Você não pode enfrentar Sirak no ringue, mas eu posso – ele disse.
– O quê? – A surpresa de Githany foi completamente genuína. – Ele quase
te matou de tanto te bater da última vez! Dessa vez, vai te matar com certeza!
– Dessa vez, eu pretendo vencer.
O modo com que ele disse isso fez Githany perceber que havia algo que
ela não captava.
– O que está havendo, Bane? – a mulher quis saber.
Ele hesitou por um momento antes de admitir.
– Ando treinando com lorde Kas’im em segredo.
Fazia sentido, ela pensou. Pensando bem, ela devia ter descoberto por
conta própria. Talvez tivesse descoberto se não deixasse Bane te atingir,
ela se censurou. Você sabia que estava começando a sentir algo por ele; e
deixou que esse sentimento confundisse seu julgamento.
Em voz alta, ela disse:
– Não gosto de ser feita de boba, Bane.
– Nem eu – afirmou ele. – Não sou burro, Githany. Sei o que você quer de
mim. Sei o que esperava que eu dissesse. Vou me vingar de Sirak. Mas vou
pelo meu próprio caminho.
Sem perceber, a moça começou a mordiscar o lábio inferior.
– Quando?
– Amanhã de manhã. Como você disse que faria.
– Mas você sabe que eu não falava sério.
– E você sabe que eu falo.
Por conta própria, um dos dedos de Githany começou a enrolar-se com um
pequeno cacho dos seus cabelos. Ela apressou-se a baixar o braço assim que
percebeu o que estava fazendo.
Bane estendeu a mão e pousou-a gentilmente no ombro dela.
– Não precisa se preocupar – ele a tranquilizou. – Ninguém saberá que
você está envolvida.
– Não é com isso que me preocupo – ela sussurrou.
Ele pendeu a cabeça de lado, estudando-a de perto para ver se ela estava
sendo honesta. Muito para sua surpresa, ela realmente estava.
Bane deve ter sentido a sinceridade dela, pois chegou mais perto e a
beijou com suavidade nos lábios. Ele recuou lentamente, deixando a mão
deslizar do ombro dela. Sem mais palavras, levantou-se e saiu pela porta
que dava para os arquivos.
Ela o viu partir em silêncio, depois falou no último segundo:
– Boa sorte, Bane. Tome cuidado.
Ele parou como se levasse um tiro de arma de raios na garganta, o corpo
rígido.
– Vou tomar – respondeu, sem olhar para trás. E então se foi.
Momentos depois, Githany sentiu o rosto em chamas. Absorta, limpou uma
lágrima que descia pelo pescoço, para então erguer a mão lentamente e ver,
descrente, a umidade espalhada por toda a palma.
Indignada com a própria fraqueza, a moça limpou a lágrima nas dobras do
manto. Levantou-se da cadeira e jogou os ombros para trás, endireitando a
coluna e erguendo a cabeça, orgulhosa.
E daí que as coisas não saíram exatamente como planejadas? Se Bane
matasse Sirak no ringue, o rival estaria morto do mesmo jeito. E, se Bane
falhasse, ela podia encontrar outra pessoa para assassinar o Zabrak. Tudo
daria certo no final.
Porém, ao marchar vivamente pela sala, parte dela sabia que não era bem
assim. Independentemente de como os fatos se desenrolassem, as coisas
seriam muito diferentes de tudo que ela imaginara.
Bane continuou pensando no que Githany lhe dissera mais tarde, à noite,
deitado na cama sem conseguir dormir. Por que ele não conseguira matar
Sirak? Ela tinha razão? Ele recuara por conta de um confuso senso de
compaixão? Ele queria acreditar que abraçara o lado sombrio, mas, se fosse
verdade, teria matado Sirak sem pensar duas vezes – independente das
consequências.
Contudo, algo além disso o incomodava. Sentia-se frustrado pelo jeito
com que as coisas tinham ficado entre ele e Githany. Não dava para negar o
quanto a moça o atraía; ela o hipnotizava e mexia com ele. Toda vez que
chegava perto, Bane sentia calafrios nas costas. Mesmo quando não estavam
juntos, ele pensava nela; as lembranças permaneciam, como o cheiro do
perfume intoxicante dela. À noite, aqueles compridos cabelos negros e os
olhos perigosos lhe assombravam os sonhos.
E ele acreditava mesmo que ela também sentia algo por ele… embora
duvidasse de que algum dia ela o admitiria. Entretanto, por mais próximos
que tivessem ficado durante o grupo de estudos secreto, eles nunca
consumaram seu desejo. Parecia errado, enquanto Sirak permanecesse o
melhor aluno da Academia. Derrotá-lo fora o objetivo subjacente de ambos;
nenhum queria que qualquer outra coisa oferecesse distração. Era um
inimigo comum que os unia numa mesma causa, mas de diversas formas fora
também a parede que os mantivera separados.
Derrotar Sirak deveria ter deixado essa parede em ruínas. Mas Bane vira
o desapontamento estampado no rosto de Githany após o embate. Ele
prometera matar o inimigo, e ela acreditara nele. Porém, no final, as ações
de Bane mostraram que ele não estava a par das expectativas dela, e a
parede então subitamente se tornou muito, muito mais forte.
Alguém bateu gentilmente à porta de seu quarto. Um bom tempo se passara
desde o toque de recolher; nenhum aprendiz tinha motivo para estar nos
corredores. Ele pensou em apenas uma pessoa que poderia estar zanzando
pelos corredores àquela hora.
O rapaz saltou da cama e cruzou o quarto num passo rápido, para abrir a
porta com tudo. Precisou da mesma pressa em mascarar o desapontamento,
visto que quem estava ali parado em frente à porta era lorde Kas’im.
O mestre espadachim passou pela porta sem esperar convite; acenou para
Bane, indicando que a fechasse assim que entrou. O aprendiz fez o que
Kas’im lhe mandara, imaginando qual seria o motivo da visita tardia e não
anunciada.
– Tenho algo pra você – disse o Twi’lek, afastando as dobras do manto
para pegar o sabre de luz em seu cinto. Não, Bane reparou. Não era o sabre
de luz dele. O punho da arma de Kas’im era notavelmente mais comprido
que a maioria, permitindo-lhe abrigar dois cristais, um para cada ponta. Esse
punho era menor, e moldado numa estranha curvatura, conferindo-lhe
aparência de gancho.
O mestre espadachim acionou o sabre de luz: a lâmina simples soltou um
brilho vermelho.
– Essa era a arma do meu mestre – ele disse a Bane. – Quando eu era
criança, passava horas assistindo a meu mestre se exercitando. Minhas
lembranças mais antigas são de luzes cor de rubi dançando, movendo-se com
as sequências do combate.
– Não se lembra dos seus pais? – Bane perguntou, surpreso.
Kas’im balançou a cabeça em negação.
– Meus pais foram vendidos no mercado de escravos de Nal Hutta. Foi lá
que o mestre Na’daz me achou. Ele reparou na minha família nos blocos de
leilão; talvez tenha prestado atenção nela por sermos Twi’leks, como ele.
Mesmo eu sendo criança demais para ficar de pé, mestre Na’daz pôde sentir
a Força em mim. Ele me comprou e levou a Ryloth, onde me criou como seu
aprendiz, entre o nosso povo.
– O que aconteceu com seus pais?
– Não sei – Kas’im respondeu, dando de ombros, indiferente. – Não
tinham conexão especial com a Força, então meu mestre não viu motivo para
comprá-los. Eram fracos, e por isso foram deixados para trás.
Ele falava de modo casual, como se saber que os pais viveram e
provavelmente morreram servindo como escravos de Hutts não lhe causasse
efeito algum. De certo modo, tal apatia era compreensível. Ele não
conhecera os pais, então não tinha laços emocionais com eles, para o bem ou
o mal. Bane imaginou brevemente quão diferente seria a própria vida caso
fosse criado por outra pessoa. Se Hurst tivesse morrido nas minas de
cortosis quando ele ainda era apenas um bebê, teria mesmo assim ido parar
ali, na Academia de Korriban?
– Meu mestre foi um grande lorde Sith – Kas’im prosseguiu. – Era
especialmente habilidoso na arte do combate de sabre de luz… habilidade
que ele transmitiu a mim. Ensinou-me a usar o sabre duplo, embora, como
você pode ver, preferisse um design mais tradicional para si. Tirando o
punho, claro.
A lâmina cintilou e desapareceu quando desligou a arma e jogou-a para
Bane, que pegou com facilidade, envolvendo-a com os dedos.
– Que diferente – murmurou.
– É preciso mudar um pouco a empunhadura – explicou Kas’im. – Segure
mais na palma, mais longe das pontas dos dedos.
Bane fez conforme instruído, deixando o corpo se acostumar com o peso e
o equilíbrio incomuns. Sua mente já começava a listar as implicações da
empunhadura nova. Conferiria ao combatente mais poder nos ataques de
cima para baixo, e mudaria o ângulo dos golpes numa fração ínfima de grau.
O suficiente para confundir e desorientar um oponente desavisado.
– Alguns movimentos ficam mais difíceis com essa arma – Kas’im avisou.
– Mas vários outros se tornam muito mais eficazes. No final, acho que você
vai ver que esse sabre de luz se adequa muito bem ao seu estilo pessoal.
– Vai dá-lo a mim? – Bane perguntou, incrédulo.
– Hoje você provou ser digno dele. – Havia apenas um lampejo de
orgulho na voz do mestre espadachim.
Bane acionou a arma, escutando o zunido doce do energipente e o sibilo
crepitante da lâmina de energia. Fez alguns floreios, depois desligou a arma
abruptamente.
– Qordis aprova isso?
– A decisão é minha, não dele – Kas’im afirmou. Pareceu quase ofendido.
– Não guardei essa arma por dez anos para Qordis decidir quem vai ficar
com ela.
Bane respondeu com uma reverência respeitosa, totalmente ciente da
grande honra que Kas’im acabara de conceder-lhe. Para preencher o
incômodo silêncio que se seguiu, ele perguntou:
– Seu mestre te deu a arma quando morreu?
– Eu a peguei quando o matei.
Bane se sentiu tão aturdido que não pôde esconder sua reação. O mestre
espadachim a viu e abriu um sorriso discreto.
– Eu tinha aprendido tudo o que podia do mestre Na’daz. Por mais forte
que ele fosse no lado sombrio, eu era mais. Por mais habilidoso que ele
fosse com o sabre de luz, eu me tornei melhor.
– Mas para que o matar? – Bane perguntou.
– Um teste. Pra ver se eu era tão forte quanto pensava. Isso foi antes de
lorde Kaan chegar ao topo; ainda estávamos presos aos costumes antigos.
Sith contra Sith, mestre contra aprendiz. Tolamente nos voltando uns contra
os outros para provar nossa dominância. Felizmente, a Irmandade da
Escuridão pôs um fim a tudo isso.
– Não totalmente – murmurou Bane, pensando em Fohargh e Sirak. – Os
fracos continuam caindo perante os fortes. É inevitável.
Kas’im pendeu a cabeça de lado, tentando captar o sentido por detrás das
palavras.
– Não se deixe cegar por essa honra – avisou. – Você não está pronto para
me desafiar, jovem aprendiz. Ensinei-lhe tudo que você sabe, mas não tudo
que eu sei.
Bane não pôde deixar de sorrir. A ideia de enfrentar Kas’im numa luta de
verdade era um absurdo. Ele sabia não ser páreo para o mestre espadachim.
Ainda não.
– Vou manter isso em mente, mestre.
Satisfeito, Kas’im virou-se para sair. Pouco antes de Bane fechar a porta,
acrescentou:
– Lorde Qordis quer vê-lo assim que amanhecer. Vá aos aposentos dele
antes dos exercícios matinais.
Nem mesmo a preocupante reunião com o sombrio supervisor da
Academia murchou o espírito inflado de Bane. Assim que ficou sozinho no
quarto, acionou o sabre de luz e começou a praticar suas sequências.
Passaram-se muitas horas até que Bane, por fim, largou a arma e caiu
cansado na cama, com todos os pensamentos sobre Githany completamente
banidos de sua mente.
A primeira luz da manhã flagrou Bane na porta que dava para os
aposentos particulares de lorde Qordis. Passaram-se muitos meses desde
que ele estivera ali pela última vez. Na época, fora castigado por ter matado
Fohargh. Agora, machucara seriamente um dos melhores alunos da Academia
– um dos favoritos de Qordis. Não dava para saber o que esperava por ele.
Juntando coragem, Bane bateu à porta.
– Entre – veio a voz lá de dentro.
Tentando ignorar a sensação de trepidação, Bane fez como mandado.
Lorde Qordis estava no centro da sala, ajoelhado em seu tapete de
meditação. Parecia não ter se movido desde então: sua posição era
exatamente a mesma do encontro anterior.
– Mestre – disse Bane, com uma curta reverência.
Qordis nem se deu o trabalho de se levantar.
– Vejo que tem um sabre de luz no cinto.
– Lorde Kas’im me deu. Achou que eu mereci, graças à minha última
vitória no ringue.
Bane sentiu-se, subitamente, muito defensivo, como se estivesse sob
ataque.
– Não tenho intenção alguma de contradizer o mestre espadachim –
retrucou Qordis, embora o tom de voz sugerisse o oposto. – Contudo,
embora você agora tenha um sabre de luz, não se esqueça de que ainda é um
aprendiz. Ainda deve obediência e aliança aos mestres da Academia.
– Claro, lorde Qordis.
– O modo com que você derrotou Sirak causou uma boa impressão nos
outros alunos – continuou Qordis. – Vão querer imitá-lo agora. Você precisa
dar um bom exemplo.
– Farei o meu melhor, mestre.
– Isso significa que suas sessões particulares com Githany devem cessar.
Bane sentiu um calafrio pelo corpo todo.
– Você sabia?
– Sou um lorde Sith, e mestre desta Academia. Não sou tolo, e não sou
cego com o que acontece dentro das paredes do templo. Tolerei esse
comportamento enquanto você estava excluído, pois não causava prejuízo
aos outros aprendizes. Agora, porém, muitos dos alunos ficarão de olho em
você. Não quero que sigam seu caminho e tentem treinar um ao outro numa
investida equivocada de replicar o seu sucesso.
– O que acontecerá a Githany? Será punida?
– Falarei com ela assim como estou falando com você. Deve ficar claro
para os demais aprendizes que vocês dois não estão treinando em particular.
O que significa que você não pode mais vê-la. Deve evitar todo contato,
exceto nas lições de grupo. Se os dois me obedecerem, não haverá mais
consequências.
Bane entendia as preocupações de lorde Qordis, mas achou que a
resolução ia longe demais. Não havia motivo para separá-lo totalmente de
Githany. Ele imaginou se o mestre sabia de sua atração por ela. Receavam
que a moça pudesse vir a ser uma distração?
Não, ele concluiu, não era isso. Era apenas uma questão de controle. Bane
desafiara lorde Qordis; se dera bem mesmo sendo excluído pelo restante da
Academia. Agora Qordis queria reivindicar a responsabilidade pelas
conquistas de Bane.
– Ainda não terminei – continuou Qordis, interrompendo os pensamentos
de Bane. – Você deve também pôr fim aos seus estudos nos arquivos.
– Por quê? – Bane soltou, surpreso e irritado. – Os manuscritos contêm a
sabedoria dos antigos Sith. Aprendi muito sobre os caminhos do lado
sombrio com eles.
– Os arquivos são relíquias do passado – Qordis contrapôs, seco. –
Pertencem a um tempo há muito deixado para trás. A Ordem mudou.
Evoluímos para além do que você aprendeu naqueles pergaminhos e tomos
mofados. Você entenderia isso se andasse estudando com os mestres em vez
de seguir seu próprio caminho.
Foi você quem me forçou a seguir esse caminho, pensou Bane.
– Os Sith podem ter mudado, mas ainda é possível crescer com o
conhecimento daqueles que vieram antes de nós. Certamente você entende
isso, mestre. Por que mais teria reconstruído a Academia em Korriban?
Um lampejo de raiva perpassou os olhos do lorde sombrio. Obviamente,
ele não gostava de ser desafiado por um de seus alunos. Quando falou, sua
voz soou fria e ameaçadora.
– O lado sombrio é forte neste mundo. Esse é o único motivo pelo qual
escolhemos vir para cá.
Bane sabia que devia mudar de assunto, mas não queria recuar. Isso era
importante demais.
– Mas e quanto ao Vale dos Lordes Sombrios? E quanto às tumbas de
todos os mestres sombrios enterrados em Korriban e os segredos escondidos
dentro delas?
– É isso que você procura? – Qordis zombou. – Os segredos dos mortos?
Os Jedi saquearam as tumbas quando Korriban caiu sob eles 3 mil anos
atrás. Não há mais nada de valor.
– Os Jedi são servos da luz – Bane protestou. – O lado sombrio tem
segredos que eles nunca vão entender. Deve haver algo que deixaram passar.
Qordis riu, uma risada rouca e zombeteira.
– Como pode ser tão inocente?
– Dizem que os espíritos de poderosos mestres Sith permanecem nas
tumbas deles – insistiu Bane, teimosamente se recusando a ser intimidado. –
Eles aparecem somente aos que são dignos. Não teriam se revelado aos Jedi.
– Você realmente acredita em fantasmas e espíritos que ficam nas
sepulturas, esperando para passar os grandes mistérios do lado sombrio aos
que os procuram?
Os pensamentos de Bane voltaram-se para seus estudos. Havia relatos
demais documentados nos arquivos para tratar-se de mera lenda. Tinha de
haver algo de verdade naquilo tudo.
– Sim – ele respondeu, embora soubesse que isso enfureceria Qordis
ainda mais. – Acredito que posso aprender mais com os fantasmas do Vale
dos Lordes Sombrios do que com os mestres vivos aqui da Academia.
Qordis levantou-se num salto e deu um tapa na cara de Bane, arrancando-
lhe sangue com suas unhas de garra. Bane manteve a pose; nem vacilou.
– Seu tolo sem-vergonha! – gritou o mestre. – Você idolatra aqueles que
morreram, que se foram. Acha que têm grande poder, mas não passam de
poeira e ossos!
– Está errado – disse Bane. Ele sentia o sangue brotando dos arranhados
em seu rosto, mas não levou a mão para limpar. Permaneceu simplesmente
imóvel feito pedra em frente de seu furioso mestre.
Ainda que Bane não se movesse, Qordis deu meio passo para trás.
Quando tornou a falar, a voz saiu mais contida, embora ainda transbordasse
ódio.
– Vá embora – disse, estendendo um dedo comprido e ossudo para a
porta. – Se valoriza tanto a sabedoria dos mortos, então vá. Deixe o templo.
Vá para o Vale dos Lordes Sombrios. Encontre suas respostas nas tumbas
deles.
Bane hesitou. Sabia que era um teste. Se pedisse desculpas ali – se
rastejasse e implorasse pelo perdão do mestre –, Qordis provavelmente
deixaria que ficasse. Mas sabia que Qordis estava errado. Embora mortos, o
legado dos Sith antigos permanecia. Aquela era a chance dele de tomá-lo
para si.
Ele deu as costas a lorde Qordis e marchou para fora do quarto sem dizer
mais nada. Não havia por que continuar a discussão. O único jeito de vencer
seria por meio de provas. E ele não encontraria nada parado ali.
18
BANE FALTARA À SESSÃO DE TREINAMENTO MATINAL. Não foi difícil para Kas’im
adivinhar o responsável pela ausência do aprendiz.
Ele nem se importou de bater à porta do quarto de lorde Qordis; apenas
usou a Força para estourar a fechadura, depois chutou a porta. Infelizmente,
o elemento de surpresa que ele esperava empregar fora perdido.
Qordis estava de costas para a porta, examinando uma das magníficas
tapeçarias penduradas por cima de sua cama gigantesca. Ele não se virou
quando o mestre espadachim entrou naquele rompante; não teve reação
alguma, o que significava que esperava pela intrusão.
Kas’im estendeu violentamente a mão, e a porta se fechou com um baque.
O que estava prestes a dizer não era para os ouvidos dos alunos.
– O que raios você fez, Qordis?
– Suponho que esteja se referindo ao aprendiz Bane – respondeu o outro
de modo muito casual.
– Claro que me refiro a Bane! Chega de jogos, Qordis. O que fez com ele?
– Com ele? Nada. Não do modo como está pensando. Apenas tentei
argumentar. Tentei fazê-lo entender a necessidade de trabalhar dentro da
estrutura da instituição.
– Você o manipulou – falou Kas’im, suspirando com resignação. Sabia que
Qordis não gostava nada de Bane. Principalmente pelo fato de ser lorde
Kopecz, seu antigo rival, quem trouxera o rapaz para a Academia. Ocorreu
ao mestre espadachim que ele devia ter avisado ao jovem aprendiz que
ficasse alerta.
– Você confundiu a cabeça dele de algum jeito – continuou Kas’im,
tentando arrancar uma reação. – Forçou-o a seguir um caminho que queria
que ele tomasse. Um caminho à ruína.
Não houve resposta imediata. Cansado de olhar para as costas de Qordis,
ele deu um passo à frente e estendeu a mão para pegar o outro pelo ombro, a
fim de, então, virá-lo para si.
– Qordis, por quê?
No primeiro breve segundo do giro dado pelo supervisor da Academia,
Kas’im captou um lampejo de incerteza e confusão nos traços magros e
marcados. Então esses traços se transformaram em uma máscara de raiva,
olhos sombrios ardendo dentro das órbitas afundadas. Qordis tirou a mão de
Kas’im com um tapa.
– Bane atraiu isso para si mesmo! Estava obstinado! Obcecado com o
passado! Não será de utilidade alguma para nós enquanto não aceitar os
ensinamentos desta Academia!
Kas’im ficou aturdido: não pelo súbito ataque, mas pelo inesperado
lampejo de incerteza que o precedera. De repente, ocorreu-lhe a dúvida
quanto a se a reunião saíra conforme o planejado. Talvez Qordis tentara
manipular Bane e falhara. Não teria sido a primeira vez que haviam
subestimado esse incomum aprendiz.
Agora Kas’im sentia-se mais curioso do que irritado.
– Conte-me o que aconteceu, Qordis. Onde está Bane?
Qordis suspirou, quase arrependido.
– Foi para os descampados. Está a caminho do Vale dos Lordes Sombrios.
– O quê? Por que ele faria isso?
– Eu disse: ele está obcecado com o passado. Acredita que há segredos lá
fora que lhe serão revelados. Segredos do lado sombrio.
– Você o avisou dos perigos? Dos enxames de pelkos? Dos tuk’atas?
– Não deu tempo. E, de qualquer modo, ele não teria escutado.
Nisso, pelo menos, Kas’im acreditava. Entretanto, não tinha certeza se
acreditava no restante da história de Qordis. O mestre da Academia era sutil,
ardiloso. Seria muito típico ele convencer alguém a aventurar-se no mortal
Vale dos Lordes Sombrios. Se quisesse eliminar Bane sem ser
responsabilizado, esse seria o jeito de fazê-lo – a não ser por um detalhe.
– Ele vai sobreviver – afirmou Kas’im. – É mais forte do que você pensa.
– Se ele sobreviver – Qordis retrucou, voltando-se para a tapeçaria –, vai
descobrir a verdade. Não há segredos no Vale. Não mais. Tudo de valor foi
levado: arrancado primeiro por Sith que buscavam preservar nossa Ordem, e
depois pelos Jedi que a queriam destruir. Não restou nada nas tumbas além
de câmaras vazias e montes de poeira. Assim que ele o vir por si mesmo,
desistirá dessa idealização tola dos Sith antigos. Somente então estará pronto
para unir-se à Irmandade da Escuridão.
Ficou claro que era o fim da conversa. As palavras de Qordis faziam
sentido, caso isso fosse parte de uma lição maior para fazer Bane finalmente
abandonar as tradições e aceitar a nova Ordem Sith e a Irmandade de Kaan.
Entretanto, ao virar-se e sair do quarto, Kas’im não conseguia deixar de
sentir que Qordis estava racionalizando os eventos após o fato. Qordis
queria que os outros acreditassem que ele estava no controle o tempo todo,
mas o olhar assombrado que o mestre espadachim captara evidenciava a
verdade: Qordis sentia medo de algo que Bane fizera ou dissera.
Pensar nisso fez o Twi’lek abrir um sorriso. Tinha total confiança de que
Bane sobreviveria à jornada ao Vale dos Lordes Sombrios. E estava muito
interessado para ver o que aconteceria quando o rapaz retornasse.
A notícia de que Bane retornara não foi bem recebida por Qordis. O
momento não poderia ser pior. Lorde Kaan acabara de mandar uma
mensagem urgente: todos da Academia deveriam ir até Ruusan para juntar-se
ao combate contra os Jedi. Os aprendizes todos deveriam receber sabres de
luz e assentos na Irmandade da Escuridão, sendo elevados ao nível de
senhores sombrios dos Sith.
Não seria nada interessante que um de seus alunos mais poderosos tivesse
uma atitude tão desafiadora quanto a de Bane na última reunião. Seria pior
ainda se Bane desprezasse a oferta e seguisse seu próprio caminho,
desobedecendo à ordem de ir a Ruusan. Lorde Kaan conseguira manter a
Irmandade unida, mas era uma aliança sempre à beira de desintegrar. Perante
o fracasso repetido na tarefa de expulsar os Jedi de Ruusan, a recusa de um
Sith proeminente de unir-se às linhas podia ser o suficiente para fazer tudo
se despedaçar.
Uma deserção seria capaz de levar a outras, e as coisas voltariam a um
estado de caos: Sith enfrentando Sith; os diversos senhores sombrios
querendo dominar e destruir seus rivais. Os Jedi sobreviveriam e
reconstruiriam sua Ordem, rindo o tempo todo da tolice de seus inimigos
mortais.
Se ao menos Bane tivesse perecido no deserto de Korriban! Infelizmente,
ele retornara, e Qordis não podia fazer nada para eliminá-lo. Não depois da
ordem de Kaan. Precisavam de cada sabre de luz e de cada Sith,
principalmente um tão forte quanto Bane. Pelo bem da Irmandade – pelo bem
da gloriosa visão de lorde Kaan –, Qordis precisaria encontrar um jeito de
fazer as pazes.
BANE RASTEJOU DE VOLTA PARA A CAMA DEPOIS QUE QORDIS SE FOI. Pensou em ir
ver Githany, mas ainda se sentia exausto. Amanhã, pensou ele, adormecendo
mais uma vez.
Muitas horas mais tarde, o rapaz foi novamente perturbado por alguém
batendo à sua porta. Dessa vez, sentiu-se mais renovado quando acordou.
Sentou-se rapidamente e acendeu a luz, lançando um brilho suave por todo o
quarto. Não havia janelas no cômodo, mas ele supôs que devia ser quase
meia-noite: bem depois do toque de recolher.
Bane levantou-se e foi receber a segunda visita inesperada. Dessa vez,
não se decepcionou quando abriu a porta.
– Posso entrar? – Githany sussurrou.
Bane abriu caminho, sentindo o cheiro do perfume da moça quando ela
passou. Enquanto ele fechava a porta em silêncio, ela foi até a cama e se
sentou na beirada. Githany deu um tapinha no espaço ao lado e Bane sentou-
se, obediente, virando-se um pouco para olhá-la nos olhos.
– Por que veio aqui? – perguntou ele.
– Por que você foi embora? – ela devolveu.
– É… difícil explicar. Você tinha razão com relação ao que aconteceu com
Sirak. Eu devia ter acabado com ele, mas não o fiz. Fui bobo e fraco. Não
queria admitir para você.
– Você deixou a Academia para não precisar me encarar? – Essas
palavras soaram compassivas, como se ela procurasse compreendê-lo. Mas
Bane sentia o desprezo misturado nelas.
– Não – ele explicou. – Não parti por sua causa, mas, sim, porque você
foi a única que reconheceu a minha falha. Todos os outros me parabenizaram
pela grande vitória: Kas’im, Qordis… todo mundo. Não enxergam a
verdadeira natureza do lado sombrio. Tão cegos quanto eu, até abrir os
olhos. Parti porque a Academia não tinha nada mais a me oferecer. Fui até o
Vale dos Senhores Sombrios na esperança de encontrar respostas que não
encontrei aqui.
– E não te passou pela cabeça vir me dizer isso?
A voz dela mudara; o véu de falsa compaixão se fora. Agora ela soara
apenas brava. Brava e magoada. Bane sentiu-se aliviado por Githany ainda
ter sentimentos fortes o bastante para revelar certa emoção genuína.
– Eu devia ter ido falar com você – ele admitiu. – Agi sem pensar. Deixei
a raiva de Qordis me guiar.
Githany assentiu: paixão e atitudes imprudentes eram duas coisas com que
ela se identificava.
– Eu respondi à sua pergunta – disse Bane. – Agora responda à minha. Por
que veio aqui?
Ela hesitou, mordendo suavemente o lábio inferior. Bane reconheceu o
gesto despercebido; significava que ela estava absorta em pensamentos,
tentando encontrar o que dizer.
– Aqui não – disse, por fim, levantando-se rapidamente da cama. –
Preciso te mostrar uma coisa. Nos arquivos.
Sem olhar para trás a fim de verificar se ele a acompanhava, Githany saiu
do quarto em direção ao corredor mal-iluminado, às pressas. Bane levantou-
se rapidamente e trotou atrás da moça, na tentativa de alcançá-la.
Ela olhava apenas para a frente, fazendo um barulho seco com as botas a
cada passada em que elas raspavam no piso de pedra. O som ecoava pelos
corredores vazios, mas Githany não parecia se importar. Bane percebia que
algo a incomodava, mas não tinha ideia do que fosse.
Encontraram a porta dos arquivos aberta. Githany não pareceu surpresa;
ela passou sem hesitar. Bane parou apenas por um instante antes de segui-la.
Do outro lado da sala, além das fileiras de estantes, a moça parou e virou-
se para Bane. Havia uma expressão que ele não conseguia decifrar muito
bem naqueles traços altivos, porém belos.
Ele foi até o centro da sala, mas parou quando ela ergueu a mão e
mostrou-lhe a palma.
– Githany – disse ele, perplexo –, o que está aconte…?
As palavras dele foram cortadas pelo baque oco da porta dos arquivos
fechando-se com força atrás dele. Bane virou-se e viu Sirak, com Yevra e
Llokay do lado. Os lábios amarelo-pálidos do Zabrak estavam repuxados
num sorriso cruel tão amplo que lhe conferia a aparência de uma caveira
diabólica. Bane não pôde deixar de notar os punhos dos sabres de luz presos
nos cintos de todos eles.
Quando Githany falou atrás dele, Bane precisou resistir ao impulso de
virar-se para vê-la. Não seria sensato expor as costas para o trio de Zabraks.
– Por que me seguiu, Bane? – ela perguntou num tom de voz que misturava
raiva, desgosto e arrependimento. – Como pôde ser tão burro? Não reparou
que era uma cilada?
Githany o traíra. A conversa no quarto representara apenas um teste – no
qual ele falhara. Bane a conhecia bem o suficiente para esperar algo desse
tipo. Devia ter suspeitado de uma cilada. Porém, fora tolo e obediente e
cego.
Sabia que tinha atraído a situação sobre si. E agora precisava dar um jeito
de escapar.
– É isso que você quer, Githany? – ele perguntou, tentando ganhar tempo.
– Ela quer o que todos os Sith querem – Sirak respondeu por ela. – Poder.
Vitória. Ela sabe que deve se juntar aos mais fortes.
– Sou mais forte que ele – Bane disse a Githany. – Provei isso no ringue.
– Proeza física não resume força – Sirak retrucou, acionando o sabre de
luz. Era do tipo de duas pontas. Os olhos de Bane se voltaram para as
brilhantes lâminas vermelhas, e ele apenas ouviu o sibilar quando os outros
dois Zabraks fizeram o mesmo. Githany, contudo, ainda não ligara seu
chicote. – O poder é mais do que apenas a habilidade de usar a Força –
Sirak prosseguiu, começando a avançar. – É inteligência. Astúcia.
Crueldade.
– Sabe como foi fácil derrotá-lo no ringue – Bane disse, por fim se
dirigindo diretamente a Sirak, embora suas palavras ainda fossem para
Githany. – Tem tanta certeza de que pode me derrotar agora?
– Quatro contra um, Bane. E você deixou seu sabre de luz no quarto.
Gosto do cenário.
Bane riu e deu as costas para Sirak. O Zabrak estava perto o bastante para
saltar e matar seu oponente com um único golpe, mas este apostava que ele
se conteria, com receio de ser atraído para uma armadilha. Aposta perigosa,
mas ele quis olhar diretamente nos olhos de Githany ao pronunciar o que
poderiam ser suas últimas palavras.
– Esse tolo acredita mesmo que você me trouxe aqui por causa dele –
disse Bane. Atrás de si, pôde sentir a confusão e a dúvida de Sirak. Nada de
ataque ainda.
Githany encontrou os olhos dele com um olhar frio e firme, e não
respondeu. Seus dentes, entretanto, mordiscavam o lábio inferior.
– Nós dois sabemos por que você me trouxe aqui, Githany – disse ele,
falando rápido. Sirak não ia esperar por muito tempo. – Você não quer se
aliar a Sirak. Ficou planejando um jeito de eu matá-lo desde que chegou.
– Chega! – Sirak gritou.
Bane jogou-se para a frente, saindo do caminho no último segundo antes
de o sabre de luz duplo abrir uma fenda profunda no ponto que ele ocupava.
Ao se levantar, viu Githany agir; quando ela jogou o sabre de luz dele, Bane
já estendia a mão e usava a Força com o intuito de guiar o cabo para si.
A arma brilhou, ganhando vida, e Bane se virou a tempo de bloquear o
golpe de Sirak. Yevra e Llokay estavam poucos metros atrás, avançando para
unir-se à briga.
Bane contra-atacou, mirando as pernas de Sirak. O Zabrak defendeu-se do
golpe, e as lâminas colidiram com um zunido ardente. Em sua consciência,
Bane ouviu Githany acionando o chicote.
Um ataque rápido fez Sirak recuar. Bane fingiu que ia avançar, mas deu um
passo para trás, abrindo um metro inteiro de espaço entre os dois. Isso lhe
conferiu tempo suficiente para jogar o braço para o lado de Yevra, pegando-
a desprevenida. Agarrada pela Força, ela foi arremessada contra uma das
estantes próximas com tanta velocidade que partiu a madeira.
A Zabrak foi ao chão, atordoada. Antes que pudesse se levantar, Githany
açoitou-a com o chicote, pondo fim à vida dela.
Bane mal teve tempo de registrar a morte antes de ver Llokay avançando
sobre si. Embora em desvantagem, a dor e a raiva motivavam o Zabrak de
pele vermelha, e ele fez seu oponente bem maior recuar por meio de uma
série brutal de ataques e golpes desesperados.
Cambaleando para trás, Bane quase se distraiu demais para notar Sirak
soltando um disparo de relâmpago azul crepitante contra ele. No último
segundo, ele girou e pegou o raio possivelmente letal com a lâmina do sabre
de luz, absorvendo sua energia. Fora um movimento de instinto, o único
recurso, e o deixara vulnerável a um ataque rápido de Llokay. Contudo, o
chicote de Githany açoitava e castigava os olhos e o rosto de Llokay, e sua
lâmina defendia-o dos golpes freneticamente.
Bane voltou sua atenção a Sirak, que hesitava. Nesse momento, Llokay
soltou um grito: um equívoco quanto ao movimento errático do chicote de
energia de Githany lhe custara um olho. Um segundo grito teria ocorrido, mas
ela abriu a garganta do Zabrak, cauterizando-lhe as cordas vocais com a
ponta ardente do chicote, o que o fez morrer em agonizante silêncio.
Em desvantagem, Sirak apagou o sabre de luz, largou-o no chão e caiu de
joelhos.
– Por favor, Bane – ele implorou, a voz falhando. – Eu me rendo. Você é
um verdadeiro senhor sombrio. Sei disso agora.
Githany sussurrou:
– Acabe com ele, Bane.
Bane avançou até ficar quase em cima de seu rastejante oponente.
Subitamente, não era apenas Sirak que ele via à sua frente, mas todos que ele
derrubara até ali. Cada vida que tomara. Fohargh, o Makurth. O soldado sem
nome da república que ele matara em Apatros. Seu pai.
Era responsável por essas mortes. Mesmo ali, constituíam um peso em
suas costas. A culpa pela morte de Fohargh o deixara insensível ao lado
sombrio por meses. Acorrentara-o como grilhões de ferro. Ele não queria
passar por tudo de novo.
– Me escute – Sirak implorou. – Posso servi-lo. Faço tudo o que mandar.
Pode me usar. Sou capaz de ajudá-lo. Por favor, Bane… misericórdia!
Bane fortificou-se.
– Os que pedem por misericórdia – ele respondeu, friamente – são fracos
demais para merecê-la.
Sua espada decapitou o oponente sem esperanças. O tronco permaneceu
de pé por um segundo inteiro, com a superfície cauterizada do toco onde
antes estivera a cabeça soltando fumaça. Em seguida, ele tombou para a
frente.
Fitando aquele corpo caído, Bane contemplou apenas uma coisa:
liberdade. A culpa, a vergonha, o peso da responsabilidade, tudo isso
desapareceu nesse único e decisivo ato. Ele se abrira totalmente ao lado
sombrio. A energia o perpassava, enchendo-o de confiança e poder.
Por meio do poder, ganho a vitória. Por meio da vitória, minhas
correntes se rompem.
Ele se virou e viu Githany sorrindo, os olhos repletos de raiva.
– Eu, mais do que ninguém, não devia nunca ter te subestimado – disse
ela. – Você me viu pegar seu sabre de luz! Foi por isso que me seguiu.
– Não – Bane respondeu, ainda zonzo pela adrenalina de matar o inimigo.
– Não vi nada. Só adivinhei.
Por um breve momento, a moça ficou muito séria, mas logo explodiu em
riso.
– Você nunca para de me surpreender, lorde Bane.
– Não me chame assim.
– Por que não? Qordis concedeu a todos os alunos o título de senhor
sombrio dos Sith.
Vendo-o retrair-se, ela deu um passo à frente e envolveu-lhe o pescoço
com os braços, olhando-o no rosto.
– Bane – ela sussurrou –, vamos enfrentar os Jedi! Vamos nos juntar à
Irmandade da Escuridão de Kaan!
Ele ergueu os braços e pegou as mãos delicadas de Githany com as suas,
imensas, gentilmente desatando os braços dela do pescoço. Intrigada, ela não
ofereceu resistência quando ele juntou as mãos no peito, com as dela no
meio.
Como ele poderia fazê-la entender? Ele passara para o lado sombrio; a
execução de Sirak constituiu o passo final. Cruzara uma fronteira; não havia
retorno. Ele nunca mais hesitaria. Nunca mais duvidaria. A transformação
que começara quando viera para a Academia se concluíra: ele era um Sith.
Ali, mais do que nunca, ele compreendia as falhas da Irmandade.
– Kaan é um tolo, Githany – disse ele, fitando-a intensamente nos olhos
para ler o que transmitiam.
Ela se retraiu um pouco e tentou livrar as mãos, mas Bane as segurou com
mais força.
– Você nunca nem viu o lorde Kaan – disse ela, na defensiva. – Eu já. É
um grande homem, Bane. Um homem de visão.
– É tão cego quanto uma lesma de caverna orkelliana – insistiu Bane. – A
Irmandade da Escuridão, esta Academia, tudo que os Sith se tornaram é um
monumento à ignorância dele! – Bane apertou ainda mais as mãos dela. –
Venha comigo. Não nos resta mais nada em Korriban, e só a morte em
Ruusan. Mas sei outro lugar ao qual podemos ir. Um lugar onde o lado
sombrio ainda é forte.
Githany conseguiu livrar as mãos e afastou-se dele.
– Lorde Kaan juntou os Sith numa causa única e gloriosa. Podemos nos
juntar a eles em Ruusan.
– Então vá! – Bane soltou. – Junte-se aos outros em Ruusan. Una-se a eles
na derrota.
Muito bravo, ele se virou e saiu andando, enquanto a moça pedia a ele que
esperasse.
Se ela tivesse se movido um pouco que fosse para segui-lo, talvez Bane
até esperasse.
Bane abriu com um chute a porta do quarto de Qordis; ela bateu na parede
com um baque que reverberou pelo corredor. O mestre da Academia estava
de pé e já vestido, meditando no tapete no centro do quarto. Levantou-se num
salto, a raiva escurecendo-lhe o rosto.
– O que significa isso?
– Você mandou Sirak me matar? – Bane ralhou. Já passara o tempo da
sutileza.
– O quê? Eu… aconteceu alguma coisa com Sirak?
– Eu o matei. Yevra e Llokay também. Os corpos estão nos arquivos.
O choque e o horror na reação do mestre deixaram claro que Qordis não
sabia nada sobre o ataque.
– E você faz isso na véspera de nossa partida para Ruusan? – perguntou
ele, erguendo a voz esganiçada.
Alguns dos outros mestres haviam se juntado no corredor, do lado de fora,
atraídos pela chegada barulhenta de Bane. Um punhado de alunos também.
Bane não dava a mínima.
– Pode ir para Ruusan – cuspiu ele. – Não vou ter mais relação alguma
com a Irmandade da Escuridão.
– Você é aluno desta Academia – Qordis o lembrou. – Deve fazer o que te
mandam!
– Sou um senhor sombrio dos Sith – Bane contrapôs. – Não sirvo a
ninguém além de mim mesmo.
Vendo, atrás de Bane, o grupinho de curiosos que se reunira, Qordis
baixou a voz para um sussurrar ameaçador.
– Partiremos para Ruusan amanhã, lorde Bane. Você vem conosco. A
discussão está encerrada.
– Partirei hoje mesmo – Bane retrucou, baixando a voz para não apenas se
igualar, mas também para zombar da entonação de Qordis. – E ninguém aqui
é forte o bastante para me impedir.
Ele deu as costas para o chefe da Academia e caminhou lentamente para
fora do quarto. Por um breve segundo, sentiu o desprezado mestre reunindo a
Força, então se preparou para um confronto. Um segundo depois, porém,
sentiu o poder dissipando-se.
Na porta, ele parou. Quando falou, dirigia-se tanto ao grupo boquiaberto
quanto a Qordis.
– Alguém aqui me disse certa vez que o título de Darth não era mais
usado porque gerava rivalidade entre os Sith. Dava aos Jedi alvos fáceis.
Acharam mais fácil simplesmente abandonar a tradição. Fazer todos os
mestres Sith usarem o mesmo título, de senhor sombrio. – Ele ergueu um
pouco a voz, falando alto o bastante para todos escutarem. – Mas eu sei a
verdade, Qordis. Sei por que nenhum de vocês reivindica esse título. Medo.
São covardes. – Ele se virou para o mestre. – Ninguém da Irmandade é digno
do título. Você, principalmente.
O grupo soltou uma exclamação. Alguns dos alunos recuaram, esperando
alguma reação. Obviamente nada aconteceu.
Balançando a cabeça de desgosto, Bane os deixou ali. Quando passou
pelos outros mestres, Kas’im parou na frente dele, colocando-lhe a mão no
peito.
– Não vá – disse o mestre espadachim. – Vamos conversar. Se você
conhecer Kaan, vai entender. É tudo que peço, Bane.
– É Darth Bane – disse, afastando com violência a mão do Twi’lek e
passando por ele.
Ninguém mais tentou impedir o caminhar de Bane pelos corredores do
templo. Ninguém tentou segui-lo, nem o chamou quando ele subiu as escadas
que levavam à pequena área de pouso da cobertura.
Havia apenas uma nave no espaçoporto: a Valcyn, um cruzador pessoal de
longo alcance classe T. O veículo em forma de espada constituía um dos
mais requintados da frota dos Sith, equipado com a tecnologia mais
avançada. Chegara no dia anterior: presente de Kaan para Qordis, em
reconhecimento ao trabalho com os aprendizes da Academia.
Bane baixou a escotilha de acesso e entrou. Nos tempos de militar ele
recebera treinamento rudimentar quanto ao básico de se pilotar um veículo
padrão hiperespacial. Felizmente, os controles da Valcyn batiam com os
padrões intergalácticos de operação e foram projetados para fácil utilização.
Bane se sentou na cadeira do piloto e acionou os motores, digitando as
coordenadas hiperespaciais de seu destino enquanto iniciava a sequência de
decolagem. Um momento depois, a Valcyn ergueu-se da área de pouso e
disparou para a atmosfera, deixando Korriban e a Academia para trás.
PARTE TRÊS
21
PASSOU-SE QUASE UMA HORA ATÉ QUE BANE chegasse ao destino. A vegetação
ao redor estava repleta de vida, mas, ao ser carregado pela mata, não viu
nada maior do que insetos e passarinhos. A maioria das criaturas fugira ao
ver o rancor vindo, desaparecendo muito antes de Bane chegar perto o
bastante para visualizá-las. Entretanto, embora tivessem sido afugentadas, o
faro aguçado do rancor em geral captava o rastro delas, e mais de uma vez
Bane teve de pôr rédeas nos instintos de caça da fera para mantê-la no curso.
Por mais difícil que fosse impedir que a besta disparasse em perseguição
à próxima refeição, foi se tornando ainda mais difícil propeli-la adiante
conforme se aproximavam do templo. Dava mais uns passos e logo queria
virar para o lado ou desviava subitamente do curso. Chegou até a tentar
sacudir-se e deslocar Bane dos ombros.
Este não enxergava mais do que poucos metros à frente, em meio a tão
densa mata, mas sabia que estavam perto. Podia sentir o poder do templo
chamando-o por detrás da cortina impenetrável de vinhas entrelaçadas e
galhos entremeados. Agarrado ao lado sombrio, ele esmagou o que restava
da vontade do poderoso rancor de resistir e urgiu-o adiante.
Subitamente, saíram para uma clareira, um círculo de quase cem metros de
diâmetro. No centro, encontrava-se o Templo Rakatano. A estrutura erguia-
se a quase vinte metros do chão, um monumento de rocha e pedra esculpida.
A única entrada era um amplo arco no pico da enorme escadaria gravada
numa das paredes do próprio templo. Era uma superfície prístina: rígida e
pura, sem a mácula de musgo ou trepadeira. No campo ao redor, via-se um
descampado, a não ser pelo carpete de grama baixinha e macia. Parecia que
a floresta tinha medo de rastejar adiante e reivindicar a pedra infectada.
Bane saltou da montaria, com toda a atenção voltada para a estrutura
imponente à sua frente. Libertado do poder que o dominava, o rancor deu
meia-volta e escapou para dentro da mata. A terrível cacofonia aguda da
escapada foi sobrepujada pelos urros torturados do bicho, mas Bane não
notou nada. Não precisava mais do rancor; encontrara o que estava
procurando.
Deu um passo trêmulo à frente, mas logo parou. Balançou a cabeça para
clarear as ideias. O lado sombrio era forte ali, tão forte que o deixou meio
tonto. Isso indicava que o local era perigoso; Bane não podia ficar zanzando
preso pelo torpor.
Segundo os relatos que lera nos arquivos, o templo fora um dia protegido
por um poderoso campo de força, algo que demandou toda a tribo rakatana –
da qual cada indivíduo era poderoso na Força – para ser derrubado. Bane
não sentiu tal barreira, mas somente um tolo avançaria sem precaução.
Como fizera nas tumbas de Korriban, começou a sondar a área ao redor
com a Força. Sentiu os ecos das defesas que antes protegiam o templo, mas
eram tão fracos que quase não existiam. Não foi surpresa. Os campos em
torno do templo eram alimentados pelo poder da Forja Estelar, na órbita.
Com a destruição desta, os campos cederam – junto com todas as outras
defesas que tornavam o Planeta Desconhecido um cemitério de aeronaves.
Imaginando o que mais se perdera com o fim violento da Forja Estelar,
Bane cruzou o jardim circundante e subiu os degraus do templo. A escadaria
era íngreme, mas ampla, e, apesar da idade, a pedra não estava gasta nem
rachada. Ela terminou num pequeno patamar que dava para o arco de pedra
da entrada, a um quarto do pico. Bane parou na entrada, depois passou.
Sentiu brevemente como devia ter sido para os que entraram antes dele: a
ansiedade, a emoção da descoberta. Uma vez lá dentro, contudo, foram
necessários poucos minutos de exploração para que a empolgação cedesse.
Como em Korriban, o templo fora despido de tudo que tinha de valor.
Bane procurou por horas, começando pelo andar superior, no qual entrara,
aprofundando-se mais e mais até chegar ao andar inferior, vasculhando
minuciosamente os corredores vazios e as salas desertas. Contudo, ainda que
a busca se mostrasse infrutífera, ele não se desesperou. As criptas do Vale
dos Senhores Sombrios pareciam drenadas – sugadas, secas, usadas. O
Planeta Desconhecido transmitia outra sensação. Ainda havia poder ali.
Ainda devia haver algo para ele encontrar ali. Tinha certeza. Recusava-se
a aceitar mais um fracasso.
Foi no nível inferior do templo, muito abaixo da superfície do planeta, que
a busca obsessiva finalmente terminou. Quando ele se deparou com o
cômodo, sua atenção imediatamente se fixou nos restos de um imenso
computador, que sem dúvida estava muito além da possibilidade de ser
reparado. E então Bane notou algo na parede de pedra atrás do computador.
A superfície estava coberta de um monte de símbolos arcanos: na
linguagem dos Rakatas, talvez. Não significavam nada para ele, e teria
deixado de lado sem pensar duas vezes. Um deles, entretanto, brilhava.
Bane quase não reparou, no começo. Era sutil: um fraco fulgor violeta
percorria as bordas de uma das figuras incomuns. Estava quase na altura dos
olhos dele.
Enquanto observava, o brilho se tornou mais forte. Bane deu um passo à
frente e estendeu a mão, meio receoso. A luz piscou e apagou, assustando-o,
e ele recuou um passo. Quando tornou a tentar tocar o símbolo, não o fez
usando a mão, mas estendendo a Força.
O símbolo gravado na pedra brilhou novamente.
Batalhando para conter a ansiedade, Bane tornou a estender a mão e
apertou com força o símbolo brilhante. Ouviu-se o som de engrenagens
acionadas e o som do moer de pedra contra pedra. Os contornos de um
pequeno quadrado – de menos de meio metro de lado – ganharam forma na
parede quando uma seção da pedra avançou.
Bane recuou quando o pedaço tombou da parede e estilhaçou-se aos seus
pés, revelando o pequeno compartimento atrás de si. Sem hesitar, ele enfiou
o braço na escuridão para agarrar o que devia haver ali.
Seus dedos envolveram algo frio e pesado. Ele puxou o braço e fitou,
maravilhado, o artefato que segurava na mão. Um pouco maior que o punho,
tinha o formato de uma pirâmide – uma pequena réplica do templo no qual se
encontrava. Bane instantaneamente reconheceu o prêmio: um holocron Sith,
um depósito de conhecimento proibido apenas esperando para ser revelado.
A arte de construir holocrons fora perdida por incontáveis milênios, mas,
em virtude de seus estudos, Bane sabia um pouco sobre a teoria básica por
trás do design deles. A informação que continham alojava-se dentro de uma
matriz de dados digitais entrelaçados e autocodificados. Os sistemas de
proteção de um holocron não podiam ser logrados nem quebrados; a
informação não podia ser fatiada nem copiada. Havia somente um jeito de
acessar o conhecimento captado lá dentro.
Cada holocron era impresso com a personalidade de um ou mais mestres
que lhe serviam de guardiães. Quando acessado por alguém capaz de
entender seus segredos, o holocron projetava pequenas imagens cruas em
holograma de diversos guardiães. Pela interação com o aluno, o simulacro
programado ensinava e instruía de modo muito similar ao que faria um
mentor de carne e osso.
Contudo, todos os relatos de holocrons Sith mencionavam os símbolos
antigos que adornavam a pirâmide. O holocron que Bane tinha em mãos
estava quase todo em branco. Talvez fosse anterior até mesmo aos holocrons
dos antigos Sith. Seria ele uma relíquia dos próprios Rakatas? Os guardiães
desse holocron poderiam ser as personalidades impressas de alienígenas de
um tempo muito anterior ao nascimento da República. Se fosse o caso,
estariam eles dispostos a ensinar-lhe seus segredos? Responderiam a ele?
Movendo-se com cautela, Bane pousou gentilmente o holocron no chão,
depois se sentou em frente a ele. Cruzou as pernas e começou o respirar
fundo e lento de um transe meditativo. Juntando sua energia e focando-a,
Bane projetou uma onda de poder sombrio da Força para enterrar a pequena
relíquia no chão. O holocron começou a faiscar e brilhar em resposta.
Bane prendeu a respiração, de tão ansioso, incerto do que viria em
seguida. Um pequeno raio de luz projetou do topo partículas espalhadas e
difusas. Elas começaram a agitar-se e girar, unindo-se numa figura
encapuzada, cujos traços o capuz do manto pesado escondia completamente.
Então uma voz falou, vívida e clara.
– Sou Darth Revan, senhor sombrio dos Sith.
Os corredores vazios do templo acima tremeram com a reverberação do
riso triunfante e retumbante de Bane.
Ela foi embora poucos minutos depois de explicar para onde Bane fora e
por quê. Kaan a observou partir, preocupado com o que ela dissera, embora
tivesse o cuidado de não demonstrar. Acalmara os receios da moça e estava
confiante de que ela permaneceria leal à Irmandade apesar de sua atração
óbvia por Bane. Githany imaginava-se o objeto de desejo de todos os
homens, mas Kaan enxergava um desejo similar ardendo brilhante dentro
dela: tinha sede de poder e glória. E estava mais do que disposto a alimentar
o orgulho e a ambição de Githany com lisonjas, elogios e promessas.
Entretanto, não sabia muito bem o que fazer sobre a visão dela. Embora
poderoso na Força, seus talentos jaziam em outras áreas. Ele podia mudar o
curso da guerra com seu combate meditativo. Podia inspirar lealdade nos
outros lordes manipulando sutilmente as emoções deles. Mas jamais
vivenciara uma premonição como a que trouxera a moça à barraca dele no
meio daquela noite escura.
Sua primeira inclinação foi ignorá-la, considerando-a uma preocupação
sem fundamento suscitada pela moral baixa. Os reforços de Korriban
trouxeram a expectativa de um final rápido para a longa guerra de Ruusan.
Mas o general Hoth era esperto demais para deixar seu Exército da Luz ser
esmagado pelo poder superior dos Sith. Ele trocara de tática, conduzindo a
guerra em ataques rápidos, efêmeros, ganhando tempo enquanto tentava
angariar mais apoio para suas forças.
Agora os Sith iam se tornando impacientes e inquietos. A vitória gloriosa
que Kaan lhes prometera semanas antes não tinha se materializado. Em vez
disso, eles passeavam pela lama, embaixo de chuva que não parava, tentando
derrotar um inimigo que nem se impunha nem lutava. A visita de Githany não
o surpreendera. A única surpresa de verdade consistia no fato de que mais
senhores sombrios não tinham vindo dar voz a sua insatisfação.
Mas isso apenas tornava o aviso de Githany algo mais perigoso. Bane
rejeitara a Irmandade num espetáculo bastante público; todos os recrutas de
Korriban afirmavam ter visto tudo pessoalmente. A história se espalhara
pelo acampamento feito praga. No começo, escarneceram a arrogância e a
teimosia do rapaz; ele escolhera seguir sozinho e não partilharia do triunfo
da Irmandade. Na ausência de tal triunfo, contudo, alguns dos recrutas
começavam a se perguntar se Bane não estava certo.
Lorde Kaan contava com espiões entre os senhores sombrios. Os
sussurros tinham chegado aos ouvidos dele. Os lordes não estavam prontos
para tomar uma atitude com relação a suas dúvidas, mas sua resolução
começava a enfraquecer – junto com sua lealdade. Ele forjara uma coalizão
de inimigos e rivais amargurados. Embora a Irmandade da Escuridão
parecesse dura feito hiperaço, uma única voz firme de divergência seria
capaz de fraturá-la em mil frágeis pedacinhos.
Ele pegou a lamparina da barraca e saiu para a garoa da noite; suas
passadas compridas o propalaram rapidamente pelo acampamento. Pretendia
dar um jeito em Bane, como prometera a Githany. Se o obstinado jovem não
pudesse ser convencido a juntar-se aos outros, teria de ser eliminado.
Em questão de minutos, Kaan chegou ao seu destino. Parou na porta,
lembrando-se da raiva que sentira com a entrada inesperada de Githany em
sua barraca. Sem querer irritar o homem que viera ver, primeiro ele chamou:
– Kas’im?
– Entre – respondeu uma voz um segundo depois, e ele escutou o som
inconfundível de um sabre de luz sendo desligado.
Kaan entrou e encontrou o mestre espadachim usando apenas calças,
suando e ofegando.
– Vejo que está acordado – reparou.
– Não é fácil dormir às vésperas da batalha. Até mesmo uma que parece
não chegar nunca.
Kas’im era um guerreiro. Kaan sabia que ele se incomodava com a
inatividade do grupo. Treinos e exercícios não satisfaziam seu desejo pelo
combate verdadeiro. Na Academia de Korriban, o mestre espadachim
exercia suas obrigações sem reclamar. Ali em Ruusan, entretanto, a
promessa de batalha estava próxima demais, insistente demais. O cheiro de
sangue sempre pairava no ar, misturado ao suor de medo e ansiedade. Ali,
Kas’im só se sentiria satisfeito quando ficasse frente a frente com um
inimigo. Logo sua frustração o faria borbulhar para a rebelião, e Kaan não
podia perder a lealdade do maior espadachim do acampamento. Felizmente,
havia um jeito de lidar com os dois problemas – Bane e Kas’im – numa
única e certeira tacada.
– Tenho uma missão para você. Uma missão de grande importância.
– Vivo para servir, lorde Kaan – Kas’im respondeu calmamente, mas as
caudas de sua cabeça sacudiram de ansiedade.
– Devo enviá-lo para longe de Ruusan. Aos confins da galáxia. Deve ir a
Lehon.
– O Planeta Desconhecido? – perguntou o mestre espadachim, confuso. –
Não há nada lá além do cemitério de uma das maiores derrotas da nossa
Ordem.
– Bane está lá – explicou Kaan. – Você deve ir até ele como meu enviado.
Explicar a ele que deve se juntar ao resto dos Sith aqui em Ruusan. Diga-lhe
que aqueles que não se unem à Irmandade estão automaticamente contra ela.
Kas’im balançou a cabeça.
– Duvido que fará diferença. Quando ele toma uma decisão, às vezes fica
bem… teimoso.
– O lado sombrio não pode ser unido na Irmandade se ele continuar
independente – Kaan explicou. Ao falar, estendeu a Força, incrementando
delicadamente a sensação de orgulho do Twi’lek. – Sei que ele rejeitou você
e os outros mestres de Korriban, mas você precisa fazer essa oferta mais
uma vez.
– E quando ele recusar? – as palavras de Kas’im vieram rápidas e secas.
Por dentro, Kaan sorriu ao sentir a raiva crescente do mestre espadachim,
instigando-o ainda mais.
– Então você deverá matá-lo.
23
NÃO HAVIA TEMPO NEM MOTIVO PARA LAMENTAR A MORTE DE KAS’IM. Mesmo
com toda a utilidade que tivera no passado, ele se tornara apenas um
obstáculo no caminho de Bane. Obstáculo esse que não existia mais.
Entretanto, sua chegada em Lehon impelira Bane a agir. Por tempo demais
ele se mantivera separado dos eventos da galáxia em busca de conhecimento,
compreensão e poder. Com a destruição do templo, não havia mais motivo
para permanecer no Planeta Desconhecido. Então, começou a longa jornada
pela floresta a pé, seguindo a mesma trilha que Kas’im tomara horas antes.
Bane podia ter usado a Força para convocar outro rancor e ir mais rápido,
mas queria tempo para pensar no que acabara de acontecer… e em como
lidar com a Irmandade.
Kaan pervertera toda a Ordem dos Sith, transformando-a numa assembleia
doentia de rastejadores chorões. Enganara todos afirmando que conseguiriam
derrotar os Jedi por meio da astúcia marcial, mas Bane sabia que não era
verdade. Havia muitos Jedi, e eles ganhavam força quando unidos contra um
inimigo comum: essa era a natureza do lado luminoso. A chave para derrotá-
los não estava em frotas nem em exércitos. Sigilo e engano eram as armas
que os derrubariam. Só alcançariam a vitória com sutileza e astúcia.
Sutileza era algo que faltava a Kaan. Se usasse a cabeça, enviaria Kas’im
a Lehon sob o disfarce de um seguidor descontente. O mestre espadachim
poderia ter chegado sob o disfarce de que dera as costas à Irmandade. Bane
o teria aceitado como aliado. Desconfiaria, claro, mas com o tempo teria
enfraquecido a vigilância. Cedo ou tarde acabaria baixando a guarda,
momento em que Kas’im poderia tê-lo matado. Um assassinato rápido, limpo
e eficaz.
Em vez disso, Kas’im chegara e anunciara diretamente o desafio, seguindo
as regras de algum código de honra tolo. Seu fim não teve honra alguma; isso
de morte nobre constituía uma utopia. A honra era uma falácia, uma corrente
que se enrolava em torno de quem fosse tolo o bastante para aceitá-la e os
arrastava para a derrota. Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.
Bane seguiu a trilha aberta pelo rancor por entre as árvores sem sofrer
incidentes; os moradores da mata se mantinham bem longe dele. Vislumbrou
por um instante um bando de felinos de seis patas servindo-se da carcaça de
um rancor largado no caminho, mas os animais fugiram quando ele se
aproximou. Esperaram por um bom tempo depois que ele se foi para
engatinhar de volta e continuar a refeição.
No instante em que Bane chegou à praia, já idealizara um plano. A nave
de Kas’im se encontrava pousada na areia ao lado da dele, e o Sith
rapidamente a despiu de suprimentos, inclusive drones mensageiros. Ele os
transportou para sua própria nave, e depois fez uma inspeção rápida da
Valcyn. Encontrando todos os sistemas em funcionamento, subiu a bordo.
Antes de decolar, programou um curso no drone mensageiro usando
coordenadas roubadas da nave de Kas’im. Alguns minutos depois, a Valcyn
decolou da superfície do Planeta Desconhecido, subindo cada vez mais, até
que atravessou a atmosfera e ganhou o vácuo escuro do espaço. Bane digitou
as coordenadas hiperespaciais de seu destino e despachou o drone
mensageiro.
O drone alcançaria Ruusan em poucos dias, oferecendo trégua a Kaan e
entregando-lhe um presente – o qual ele suspeitava que Kaan seria tolo e
vaidoso demais para reconhecer pelo que realmente era.
A Irmandade jamais derrotaria os Jedi. E, enquanto ela existisse, os Sith
permaneceriam maculados, estragados, como um poço envenenado desde a
fonte. Bane precisava destruí-los. Todos eles. Para tanto, teria de usar as
armas que Kaan fora orgulhoso ou cego demais para usar contra ele: engano
e traição. As armas do lado sombrio.
A noite caíra, mas, sob as luzes das fogueiras flamejantes, Bane via os
outros correndo daqui para lá, fazendo as preparações que ele instruíra.
Quando sentiu Githany se aproximando de trás, virou-se para ela. A moça
segurava uma tigela de sopa fervente e exibia no rosto uma expressão de
insegurança e cautela.
– Levará mais uma hora até que fiquem prontos para começar esse seu
ritual – ela disse, em vez de cumprimentá-lo. Como Bane não respondeu, ela
acrescentou: – Você parece cansado. Trouxe algo pra repor sua força.
Ele aceitou a tigela, mas não a levou aos lábios. Descobrira o ritual de
que ela falava enquanto estudava o holocron de Revan: um modo de unir as
mentes e os espíritos dos Sith num único veículo para sua força ser liberada
no mundo físico. De muitos modos, o processo assemelhava-se ao usado
para confeccionar a bomba de pensamento a partir da Força, embora este
fosse menos poderoso do que o ritual que Bane enviara a Kaan como
presente de trégua – e muito menos perigoso.
Ele reparou que Githany ainda o estudava com atenção, então baixou o
rosto sobre a sopa.
– Veio me envenenar de novo? – perguntou. Havia apenas um leve toque
discreto de sarcasmo na voz dele.
– Você sabia o tempo todo, não?
Ele negou.
– Somente quando senti o gosto do veneno na sua boca.
Ela ergueu uma sobrancelha e abriu um sorriso recatado.
– Mas você voltou para servir-se mais uma vez. E de novo.
– Não se espera que um senhor sombrio seja prejudicado por um veneno –
ele disse. Depois admitiu: – Entretanto, ele quase me matou. – Bane ficou
quieto, mas Githany não disse nada. – Há senhores Sith demais na Irmandade
– ele prosseguiu. – Muitos dos quais são fracos no lado sombrio. Kaan não
entende isso.
– Kaan receia que você tenha retornado para tomar a Irmandade dele. –
Após um momento, a moça completou: – Acho que ele acertou.
Não tomar, pensou ele, mas destruir. Não se importou de corrigi--la, no
entanto; ainda não chegara a hora. Precisava de mais provas de que ela seria
o ente ideal para ser sua aprendiz. Deve haver apenas dois; não mais, não
menos. Um para encarnar o poder, outro para cobiçá-lo. Escolha para a
qual ele não tinha pressa alguma.
– Sou capaz de mostrar-lhe o verdadeiro poder do lado sombrio, Githany.
Poder além do que qualquer um deles sequer imagina – disse Bane.
– Me ensine – ela sussurrou. – Quero aprender. Você pode me mostrar
tudo… depois que tiver tomado o lugar de Kaan como líder da Irmandade!
O Sith não pôde deixar de se perguntar se ela ainda tentava manipulá-lo.
Será que queria colocá-lo contra Kaan? Ou queria que ele usurpasse o posto
de Kaan para provar que havia recobrado as forças?
Não, ele admitiu. Ela ainda não entende que toda Ordem Sith deve ser
destruída e reconstruída do nada. Talvez nunca entenda isso.
– Me diz uma coisa – falou ele. – Foi ideia sua me envenenar? Ou de
Kaan?
Com uma risada discreta, a moça passou por debaixo do braço que
segurava a tigela e chegou perto do peito dele, olhando-o direto nos olhos.
– Foi ideia minha – ela confessou –, mas tive o cuidado de fazer Kaan
pensar que foi dele.
Talvez ainda haja esperança para ela, pensou Bane.
– Sei que errei antes – Githany continuou, afastando-se dele. – Devia ter
ido com você quando deixou Korriban. Não entendia o que você procurava;
não entendia os segredos que estava procurando. Mas agora entendo. Você é
o verdadeiro líder dos Sith, Bane. Eu o seguirei daqui em diante. E também
o restante da Irmandade, depois de usarmos seu ritual para destruir os Jedi.
– Sim – ele concordou, mantendo um tom cuidadosamente neutro e
tomando um pequeno gole da sopa fervente. – Depois de destruirmos os Jedi.
Bane sabia que não podia realmente destruir os Jedi. Não ali, em Ruusan.
Não desse jeito. Sabia que, de algum modo, eles sobreviveriam. Nenhuma
guerra banal era capaz de eliminar completamente os servos da luz. Somente
os recursos do lado sombrio – a astúcia, o sigilo, a traição – poderiam fazê-
lo.
Recursos esses que usaria para acabar com toda a Irmandade da
Escuridão… começando pelo ritual dessa noite.
28
Calor e fogo. Não havia mais nada no mundo de Bane. Era como se ele
tivesse se transformado na tempestade: via o mundo à sua frente engolido
por um mar de vermelho e laranja e reduzido em segundos a cinzas e carvão
pela fúria solta do lado sombrio.
Foi glorioso. E então, de repente, acabou.
Um baque forte ressoou quando o corpo dele despencou de onde pairava,
a cinco metros do chão. Por muitos segundos, Bane se sentiu completamente
desorientado, incapaz de entender o que acontecera. Então entendeu: a
conexão se rompera.
Lentamente, levantou-se, um pouco ainda sem equilíbrio. Ao redor dele,
viu as silhuetas dos Sith, não mais ajoelhados, meditando, mas caídos,
rolando pelo chão, com as mentes sofrendo pelo fim súbito do ritual em
conjunto. Um por um foi recobrando a compostura e levantando-se, a maioria
parecendo tão confusa quanto Bane segundos antes.
Então, ele notou lorde Kaan mais ao longe, perto dos fliers.
– O que aconteceu? – Bane perguntou, irritado. – Por que parou?
– Seu plano deu certo – Kaan respondeu, curto e grosso. – A floresta foi
destruída; os Jedi fugiram para campo aberto. Estão expostos, vulneráveis.
Agora podemos dar cabo deles.
Kaan rompera a conexão e de algum modo conseguira trazer os demais
consigo, como se possuísse certo comando sobre a mente deles. Talvez
possua mesmo, pensou Bane. Mais um motivo para serem todos destruídos a
fim da purificação dos Sith.
Visto que os demais recobravam os sentidos, Kaan pôs-se a gritar ordens
e planos de batalha.
– O fogo expulsou os Jedi para o campo aberto. Agora podemos dizimá-
los do céu. Depressa!
Todos saltaram ao ouvir a ordem e correram para os veículos, decolando
em direção aos céus, emitindo gritos de batalha e urros de triunfo.
– Vamos, Bane – disse Githany, passando por ele. – Vamos com eles!
Bane agarrou a moça pelo braço e a puxou.
– Kaan continua tentando vencer a guerra com armas de raio e exércitos –
falou. – Não é assim que funciona o lado sombrio.
– Assim é mais divertido – disse ela, com óbvia empolgação na voz,
liberando-se da mão dele.
Ao vê-la correndo para juntar-se aos outros, Bane compreendeu que a
moça fora corrompida pelos ensinamentos de Qordis e da Academia de
Korriban. Apesar da promessa de seguir Bane, Githany não conseguia
enxergar além da Irmandade e suas limitações. Fora maculada – não servia
para ser sua aprendiz. Deveria morrer com todos os outros.
Bane sentiu uma pontada de pesar ao tomar a decisão, mas um pesar
superficial: o eco de um sentimento, os últimos vestígios de uma emoção.
Logo afastou a sensação, sabendo que ela só servia para enfraquecê-lo.
– Você nos dá medo, Bane – disse uma voz atrás dele. O Sith virou-se e
viu Kopecz estudando-o. – Quando focávamos a Força em você, sentíamos
como se estivesse com os dentes em nossas gargantas – continuou o Twi’lek.
– Como se tentasse nos sugar e nos secar.
– O poder do lado sombrio se torna mais forte quando se concentra num
único recipiente – Bane respondeu. – Não espalhado entre muitos. Eu fiz isso
pelo bem do lado sombrio.
Kopecz balançou a cabeça e subiu no flier.
– Bom, sabemos que não fez nada por nós.
Bane observou o outro partir. Depois subiu em seu flier, mas, em vez de
acompanhar Kaan na batalha, pôs-se a caminho do acampamento dos Sith. A
primeira fase de seu plano para destruir a Irmandade fora encerrada.
O flier de lorde Kaan voava de um lado para o outro por cima dos
soldados que se debatiam no campo de guerra abaixo, planando por cima do
caos como uma sinistra ave de rapina. De seu ponto de vista, estava claro
que a vitória seria deles. Entretanto, mesmo com equipamento ruim, em
menor número e com muito menos armas, os Jedi lutavam bravamente contra
seu amargo fim. Não havia menção alguma de recuar, de romper as fileiras.
Tamanha coragem e devoção a uma causa mesmo com a morte tão iminente
era admirável. Se as tropas dele fossem assim tão firmes em sua lealdade e
intenção, Kaan teria vencido a guerra muito antes. Não era que não tivessem
disciplina: os exércitos Sith eram tão bem treinados quanto os dos Jedi e da
República, mas faltava-lhes apenas a convicção.
Muitas vezes, a moral deles fora sustentada somente pela força de vontade
de Kaan; seu combate meditativo reforçava a resolução do exército sempre
que a situação parecia complicada ou desesperada. Porém, não fazia mais
que isso. Contra um exército inteiro de Jedi em guarda contra o poder da
Força dos Sith, ele podia fazer pouco mais do que instilar um vago senso de
inquietude. Uma pequena vantagem, mas fácil de sobrepor. Ali, na superfície
daquele mundo miserável, a Irmandade da Escuridão e seus lacaios foram
forçados a lutar com a própria habilidade, sem intervenção. E vezes demais
esta lhes faltara.
Houvera ocasiões nas quais ele questionara a habilidade de seus
seguidores de vencer por conta própria. Em outros momentos, ele se
perguntou se as tropas Sith tinham se tornado tão dependentes da enorme
vantagem que lhes conferia seu combate meditativo que haviam se esquecido
de como lutar de modo eficiente sem ele. Mas agora, finalmente, a vitória
derradeira estava ao alcance. Embora os Jedi sustentassem uma última e
desesperada defesa – algo glorioso de se ver –, o resultado era inevitável.
Havia apenas uma única coisa para lorde Kaan fazer antes do fim do
confronto.
Ele continuou voando de um lado ao outro, atirando esporadicamente no
inimigo abaixo, enquanto procurava sua verdadeira presa. Então, por fim,
encontrou-a: o general Hoth, bem no centro da confusão, cercado por um
baluarte de valentes aliados e um mar implacável de inimigos Sith que
avançavam contra eles repetidas vezes.
Travando as armas de seu flier no alvo, ele mergulhou, determinado a tirar
a vida do rival num espetacular tiroteio rasante. Porém, um mero segundo
antes de atirar, uma explosão gigantesca sacudiu seu veículo, fazendo-o
debandar para a esquerda. Seus tiros cravaram buracos fundos no solo
muitos metros à esquerda do general, deixando-o miraculosamente intacto.
Hoth permaneceu lutando como se nem notasse nada, mas Kaan virou com
tudo seu veículo para ver o que acontecera. Antes de completar a curva,
outra explosão sacudiu o céu atrás dele, e Kaan viu um dos outros fliers
perder o controle e desabar no chão.
Olhou para cima, percebendo que eram atacados pelo alto. Um par de
imensas aeronaves de combate desceu sobre a batalha, acertando os fliers
Sith um por um com suas armas. Debaixo de cada nave, as cores do mestre
Jedi Valenthyne Farfalla se tornaram cada vez mais visíveis.
Impossível!, Kaan exclamou consigo. Não é possível eles terem
atravessado o bloqueio! Não com naves desse tipo!
Contudo, acontecera.
Mais uma série de disparos derrubou outros três dos fliers menores, e
Kaan compreendeu que agora a desvantagem era de seu exército. Embora
mais rápidos e fáceis de manobrar do que as aeronaves de combate Jedi, as
armas de raio dos fliers não causavam sequer mínimos estragos nos cascos
maciçamente blindados nas naves maiores.
Por um breve segundo, ele achou que poderia reunir os outros senhores
sombrios. Se eles concentrassem o ataque, seriam capazes de derrubar as
aeronaves de combate – embora fossem perder muitos combatentes. Ele se
desfez da ideia assim que ela lhe ocorreu.
Kaan não foi o único a reparar na chegada dos reforços Jedi.
Confrontados em séria desvantagem, os senhores sombrios sob o comando
dele reagiram do único modo que sabiam reagir: autopreservação pela fuga.
Nesse momento, a maioria dos outros fliers já interrompera seus tiroteios
rasantes e executava manobras evasivas, com o único intuito de escapar com
vida do campo de guerra. Ao ver seus senhores e mestres fugindo do
confronto, as hordas de soldados Sith no solo logo os seguiriam. A vitória
iminente estava prestes a se tornar uma derrota desastrosa.
Soltando maldições vis não apenas contra os Jedi, mas também contra seu
próprio povo, lorde Kaan concluiu que lhe restava apenas uma opção.
Realizando muitas curvas e manobras para evitar o par de disparos que
pretendiam explodi-lo em pleno céu, ele se uniu à retirada.
29
O GENERAL HOTH NÃO PÔDE CONTER O SORRISO no canto da boca apesar dos
mortos e feridos que jaziam espalhados pelo campo de guerra. Os Sith
empregaram sua armadilha, mas, ainda assim, o Exército da Luz sobrevivera.
Ele reconheceu as cores de Farfalla nas aeronaves de combate que agora
circulavam o campo, mantendo os Sith cambaleantes presos atrás do pouco
abrigo que encontravam até que as tropas no solo os cercassem e exigissem
rendição. A maioria cedeu facilmente. Todos sabiam que os Jedi preferiam
tomar prisioneiros a matar seus inimigos, assim como também sabiam sobre
quão humanamente eles tratavam os prisioneiros. O mesmo não podia ser
dito dos Sith, claro.
Um pequeno comboio de fliers pessoais emergiu das aeronaves de
combate, descendo para juntar-se aos sobreviventes no solo. O general
reconheceu Farfalla a bordo do flier líder, assim que este avistou o amigo e
baixou para o solo.
O Jedi mais jovem saltou do flier e, sem falar nada, estendeu a mão, num
cumprimento cauteloso. Usava roupas mais brilhantes e esquisitas do que
nunca, mas, por algum motivo, isso não incomodou Hoth como antes. Ele
dirigiu-se ao rapaz e o envolveu num abraço firme, fazendo Farfalla rir de
surpresa. O general somente libertou o rapaz de seu abraço apertado quando
este começou a tossir.
– Saudações, lorde Hoth – Farfalla disse assim que foi solto, fazendo uma
reverência longa e floreada. Ao endireitar-se, observou todo o campo de
batalha, e sua expressão se tornou mais séria. – Meu único pesar é não
termos chegado aqui antes.
– É um milagre terem vindo, Farfalla – Hoth respondeu. – Estou até com
receio de perguntar como conseguiram furar o bloqueio, e descobrir que tudo
isso não passa do sonho febril de um moribundo condenado.
– Fique tranquilo, general, sou bastante real. Quanto a como chegamos, é
bem fácil de explicar: os Sith romperam as fileiras do bloqueio para atacar a
nossa frota. Com nossas naves principais atraindo o foco dos cruzadores e
couraçados, fomos capazes de mandar diversas aeronaves de combate para
ajudá-lo.
– E quanto ao resto da frota? – Hoth perguntou, preocupado. – Os Sith
tinham quase o dobro das nossas naves.
– Eles mantiveram a posição tempo o bastante para passarmos pelo
bloqueio, depois se separaram e recuaram com pouquíssimas casualidades,
felizmente.
– Ótimo – o general assentiu, depois franziu o cenho. – Mas ainda não
entendo por que eles atacariam nossa frota. Não faz sentido!
– Só consigo imaginar que receberam ordens de alguém aqui do solo.
– Kaan estava prestes a nos destruir – Hoth insistiu. – Dar ordem de
ataque é a última coisa que faria.
Os dois Jedi permaneceram em silêncio por um momento, considerando as
implicações do que acontecera. Finalmente, Farfalla disse:
– Será possível que temos um aliado desconhecido na Irmandade da
Escuridão?
Hoth negou.
– Duvido. É mais provável que os Sith estejam finalmente se virando uns
contra os outros. Era inevitável.
Mestre Farfalla assentiu, concordando.
– É assim que funciona o lado sombrio, afinal.
Kaan soltava fogo pelas ventas quando seu flier tocou o solo do
acampamento Sith. Como tudo pôde dar tão errado em tão pouco tempo?
Estavam à beira da vitória, e agora de repente tinham a ponta da espada da
derrota quase fincada no peito.
Foi pisando firme pelo acampamento em direção à sua barraca, ignorando
os olhares questionadores de Githany e dos demais. Todos queriam uma
explicação, mas ele não sabia o que dizer. Ainda não. Pelo menos não
enquanto não recebesse um relato da situação da almirante Nyras. Como
Farfalla conseguiu passar pelo maldito bloqueio?
Sentia tanta raiva que não notou o flier de Qordis estacionado perto da
barraca, nem as gotículas de sangue espalhadas pelo solo ali perto. Se
tivesse notado, talvez pesquisasse o entorno e encontrasse o corpo metido
entre a relva circundante. Porém, todo o foco de Kaan estava voltado a
chegar à barraca e ao equipamento de comunicação lá de dentro.
Ele encontrou Bane na barraca, esperando por ele, imóvel feito pedra. –
Voltou cedo, Kaan – disse. – O que aconteceu à sua gloriosa batalha? –
Reforços – Kaan rosnou. – Farfalla deu algum jeito de passar pelo bloqueio.
– Eu mandei sua frota atacar os Jedi – falou Bane com palavras tão
casuais como as de alguém que comenta sobre o clima.
Kaan ficou boquiaberto. Suspeitara de traição, mas não estava pronto para
ouvir o traidor admitindo tudo abertamente!
– Mas… por quê?
– Queria que todos os Jedi estivessem em Ruusan ao mesmo tempo – Bane
respondeu.
– Seu tolo maldito! – Kaan gritou, brandindo loucamente os braços como
se sofresse de espasmos incontroláveis. – A vitória era nossa! Estávamos
massacrando Hoth!
– Esse era o seu objetivo, não o meu. Estou atrás de um prêmio muito
maior que o general Hoth. Ele é apenas um homem.
Kaan soltou um riso rouco.
– Todos nós sabemos de que prêmio você está atrás, Darth Bane. Está
aqui para tomar a Irmandade.
Bane deu de ombros, indiferente, como se nada daquilo lhe importasse.
Ele parecia tão calmo, tão certo do que fazia. Kaan precisou juntar todas
as suas forças para não pular no pescoço do outro. Seria possível ele não
entender o que fizera? Não enxergava que havia selado o destino de todos?
Kaan largou-se, exausto, numa cadeira.
– Se guiá-los para cima dos Jedi, estará levando todos para um massacre.
Agora foi Bane quem riu – um riso grave e sinistro.
– Você cai rápido demais no desespero, Kaan. Poucas horas atrás, parecia
certo da vitória.
– Isso foi antes de Farfalla e seus reforços chegarem – Kaan retrucou. –
Quando tínhamos vantagem em contingente e superioridade aérea. Tudo isso
acabou graças a você. Não podemos derrotá-los agora.
– Eu posso – Bane jurou.
Kaan se endireitou na cadeira. Mais uma vez, viu aquela confiança
inflexível. Bane sabia de algo que lhe escapava. Algum truque.
– Outro ritual, como o anterior? – supôs.
– Conheço muitos rituais. Muitos segredos. E tenho a força necessária
para usá-los.
O medo dominou Kaan.
– A bomba de pensamento – sussurrou.
– Sua liderança fracassou – Bane declarou. – Agora eu é que levarei a
Irmandade na direção da vitória.
– E quanto a mim? – Kaan perguntou, já sabendo a resposta.
– Pode jurar lealdade a mim junto com todos os outros – disse Bane –, ou
pode morrer aqui nesta barraca.
Lorde Kaan sabia que não era páreo para Bane fisicamente, nem usando o
poder da Força. Entretanto, não pretendia render-se tão facilmente. Não
enquanto pudesse contar com a astúcia, a malícia e seus talentos únicos de
persuasão.
– Acredita mesmo que os outros o seguirão? – ele perguntou, usando a
Força para plantar as primeiras sementes de dúvida na mente do rival. –
Todos ainda desconfiam de você por causa do ritual.
Um lampejo de incerteza piscou nos traços duros de Bane. Kaan
intensificou a pressão de suas compulsões invisíveis e continuou a falar:
– A Irmandade é feita de igualdade, não de servidão. Pedir aos outros que
se curvem para você vai apenas afugentá-los… ou virá-los contra você.
Ele se levantou da cadeira, enquanto Bane coçava o queixo, meio nervoso,
considerando os argumentos do outro.
– Como acha que os outros vão reagir quando eu lhes contar que você
arquitetou a chegada dos reforços dos Jedi?
Os olhos escuros de Bane brilharam de raiva e ele levou a mão ao cabo
do sabre de luz.
– Me matar não vai manter o segredo – Kaan avisou. – Os outros sabem
que você não se encontrava na batalha quando as naves de Farfalla
chegaram. Muitos deles já devem suspeitar que você os traiu.
Kaan pressionou Bane ainda mais com a Força, tentando torcer e enrolar
os pensamentos dele.
– Você pode até ser o mais forte de nós, mas não é capaz de derrotar
todos. Não sozinho, Bane.
O grandalhão cambaleou e pôs as mãos na cabeça. Tropeçou até a cadeira
e desabou nela, fazendo a madeira ranger sob sua estrutura imensa, depois se
curvou para a frente, apertando forte as mãos nas têmporas.
– Tem razão – disse por entre dentes muito cerrados. – Tem razão.
– No entanto, ainda há esperança – falou Kaan, aproximando-se e
colocando a mão no ombro largo de Bane, a fim de acalmá-lo. – Siga-me e
eu impedirei que os outros se virem contra você. Una-se a nós, na
Irmandade!
Bane assentiu lentamente, depois virou o rosto para fitar Kaan com algo
de desesperado e incapaz nos olhos.
– E quanto aos Jedi? E quanto às aeronaves de combate?
Kaan se levantou, libertando devagar a mente do outro de seu controle
psíquico.
– Podemos anular a superioridade aérea deles recuando para as cavernas
– disse. – Conheço o general Hoth; ele nos seguirá. E lá poderemos liberar a
bomba de pensamento sobre eles.
Bane se levantou num pulo, vívido. Kaan ficou satisfeito de ver que seus
poderes de persuasão pela Força estavam mais fortes do que nunca. Nem
mesmo Bane era imune à sua manipulação.
– Farei como disse, lorde Kaan! – o rapaz exclamou. – Juntos,
destruiremos os Jedi!
– Calma, Bane – Kaan pediu, estendendo tendões de calma e
tranquilidade. Acabara de anular a ameaça que Bane representava à sua
posição, mas sabia que o efeito seria apenas temporário. Muito em breve, a
hostilidade do homem retornaria, tanto quanto o sonho de usurpar o manto da
liderança. Kaan precisava encontrar uma solução mais duradoura. –
Infelizmente – disse ele –, ainda há… dificuldades.
– Dificuldades?
– Posso convencer o resto da Irmandade a perdoar-lhe os atos traiçoeiros,
mas somente depois que os Jedi forem destruídos. Até lá, você deverá
permanecer escondido dos outros.
A expressão confusa e sofrida no rosto de Bane dava pena, mas Kaan
estava acostumado a incitar emoções tão transparentes nos entes que
manipulava.
– Levarei a Irmandade para as cavernas – explicou. – Sou forte o bastante
para unir as mentes deles e soltar o poder da bomba de pensamento sem a
sua ajuda. Você fica aqui na barraca até o cair da noite, depois sai incógnito
do acampamento. Permaneça escondido até que tudo seja feito.
– E, assim que os Jedi forem destruídos, você virá me buscar?
– Sim – Kaan prometeu num tom solene. – Assim que os Jedi se forem,
irei buscá-lo com toda a força da Irmandade.
Essa parte, pelo menos, era verdade. Kaan não deixaria nada por conta do
destino; não subestimaria mais o oponente. Bane já sobrevivera a uma
tentativa de assassinato. Dessa vez, pretendia aplicar todo o seu contingente
de seguidores contra ele.
– Farei conforme ordenado, lorde Kaan – Bane respondeu, apoiando-se
num joelho e curvando a cabeça. Kaan se virou e saiu para o acampamento,
dirigindo-se para a própria barraca, onde as páginas contendo o ritual da
bomba de pensamento estavam escondidas.
Bane manteve a pose de súplica até o senhor sombrio sair de vista, depois
se levantou e limpou a terra dos joelhos com um sorriso malicioso. Embora
Kaan tentasse dominar sua mente, os esforços não surtiram mais efeito do
que uma faca enferrujada raspando as armaduras ocultas de um javali
haluriano. Entretanto, ele aproveitou a oportunidade e executou uma atuação
digna dos maiores atores de Alderaan.
Kaan tinha certeza de que a bomba de pensamento representava a chave
para a vitória dos Sith, e estava prestes a capturar o restante da Irmandade
em sua teia de loucura. A segunda fase do plano de Bane entrava em
movimento. Ao cair da noite do dia seguinte, tudo teria acabado.
Githany não fora a única a sentir que havia algo de errado com lorde
Kaan. Como todos os outros, lorde Kopecz fora varrido pela empolgação
com a bomba de pensamento. Ele ovacionara junto aos outros quando Kaan
descreveu como ela destruiria os Jedi e lhes aprisionaria o espírito. E
juntara-se, animado, ao bando que o seguira até a caverna.
Agora, contudo, o fervor cedera. Tornara a pensar racionalmente, e
reparara que o plano era, em última instância, uma insanidade. Encontravam-
se no ponto exato de detonação da bomba de pensamento. Qualquer arma
poderosa o bastante para destruir os Jedi os destruiria também.
Kaan prometera a eles que a força de suas mentes combinadas lhes
permitiria sobreviver à explosão, mas agora Kopecz tinha dúvidas. A
promessa cheirava à esperança fantasiosa de uma mente desesperada que se
recusava a admitir a derrota. Se Kaan tivera essa bomba de pensamento
desde o início, por que não a usara antes?
A única resposta lógica era que ele sentia medo das consequências. E
embora Kaan, em sua loucura, tivesse se livrado desse medo, Kopecz ainda
estava são o bastante para se agarrar ao dele.
O resto dos Sith avançou em resposta ao comando de Kaan, mas Kopecz
lutou contra o impulso da multidão e foi na direção oposta. Nenhum dos
outros pareceu notar.
Uma parede de corpos cercou Kaan, bloqueando boa parte da luz vinda
das hastes luminosas. Nas sombras, o Twi’lek foi passando com cautela para
a saída principal da caverna de modo surpreendentemente silencioso para
um ser tão grande. Ele não se virou nem olhou para trás quando entrou no
túnel que levava à superfície, e apertou o passo somente quando escutou a
Irmandade começar a entoar uma canção lenta e rítmica.
Escapar seria impossível, claro. Àquela altura, os Jedi já deviam ter
cercado todo o complexo de túneis. Logo eles investiriam contra as tropas
Sith na superfície, na tentativa de romper a barricada para ir atrás de Kaan e
travar o último grande confronto de Ruusan. Kopecz não tinha certeza se eles
chegariam a tempo. Parte dele, na verdade, torcia para que sim.
No fim das contas, entretanto, o Twi’lek queria garantir que não fizesse
diferença para si. Ele se juntaria aos defensores na superfície, no último
combate contra os Jedi. A morte seria inevitável; isso ele estava disposto a
aceitar. Mas sabia também que preferia morrer por sabre de luz ou arma de
raios a ser pego pela detonação da bomba de pensamento.
O cântico era simples, e, após repeti-lo apenas uma vez, Kaan foi
acompanhado pelo restante da Irmandade. Repetiam o catecismo incomum
num ritmo fixo e constante. Suas vozes quicavam nas paredes da caverna,
misturando e fundindo as palavras antigas conforme ecoavam por toda a
caverna.
Githany sentiu o poder começando a concentrar-se no centro da roda,
como um feroz redemoinho girando cada vez mais rápido. Sentiu também o
empuxo em seus pensamentos quando foram dragados, sua consciência, sua
mente, até sua identidade foi engolida pelo vórtice. A umidade fria da
caverna começou a sumir, assim como a reverberação das vozes deles. A
moça não mais sentia o cheiro de bolor e mofo que crescia nos cantos
escondidos nem a pressão das mãos que seguravam as dela. Finalmente, o
reluzir dos cristais refletores e a luz pálida das hastes luminosas derreteram.
Nós somos um. A voz era de Kaan, mas também dela. Somos o lado
sombrio. O lado sombrio somos nós.
Embora Githany não pudesse mais ouvir o som do cantarolar, ainda o
sentia, mesmo conforme sua mente deslizava mais e mais para o centro.
Reparando que logo ela perderia a habilidade e o desejo de libertar-se do
ritual de Kaan, tentou lutar contra o que acontecia com ela.
Era como nadar contra o puxão inexorável do coração do oceano. Ela
sentiu que as palavras do mantra recorrente assumiam forma física.
Envolviam aquela consciência coletiva, aprisionando-a, moldando-a e
blindando-a numa forma rapidamente amalgamada.
Sintam o poder do lado sombrio. Entreguem-se a ele. Rendam-se ao todo
unificado. Que nos tornemos um.
Bem do fundo de si mesma, Githany conjurou suas últimas reservas de
resistência. Surpreendentemente, eram o bastante, e ela conseguiu libertar
sua mente do conclave profano.
Soltando uma exclamação, cambaleou para trás, com os sentidos
desabando sobre sua consciência feito uma inundação explodindo as paredes
que continham as águas. Visão, audição, olfato e tato retornaram todos de
uma vez, sobrepujando-lhe a mente frenética. A luz das hastes luminosas se
tornara fraca e baixa, como se ela também fosse dragada pelo ritual. O
cântico continuava, tão alto agora que chegava a doer os ouvidos. A
temperatura baixara tanto que ela podia ver o próprio hálito no ar, e
pequenos cristais de gelo começaram a se juntar nas estalactites e pelas
beiradas das poças.
Subitamente, Githany percebeu que nem Kaan nem ninguém lhe segurava
as mãos. Estavam todos em círculos, de braços erguidos para o centro,
ignorando o mundo ao seu redor. Inicialmente, parecia não haver nada à
frente, mas, quando os olhos dela se ajustaram à luminosidade, a moça
vislumbrou uma distorção esquisita no ar.
Githany não aguentou olhar esse ponto por mais de um segundo. Havia
algo de terrível e sobrenatural no tecido vibrante da realidade; ela saiu dali
horrorizada.
Bane tinha razão, pensou. Kaan nos trouxe para a ruína!
Sentiu um puxão na mente. Uma pressão que foi logo se tornando mais
forte, ameaçando arrastá-la para junto dos outros. Githany cambaleou para
longe da cerimônia profana e seus celebradores condenados, apertando os
olhos a fim de enxergar o caminho em solo tão irregular.
Bane tentou me avisar, mas eu não escutei. Os pensamentos dela
constituíam uma tagarelice caótica de arrependimento, desespero e medo.
Enquanto parte de sua mente a castigava pelo erro, outra a forçava a afastar-
se da abominação gerada pela Irmandade.
A fuga a levara até uma das paredes da caverna, que ela continuou
seguindo em busca de uma saída. A compulsão do ritual apenas crescia. Ela
a sentia chamando, convidando-a a unir-se aos outros e a partilhar de seu
destino.
Não havia plano, nem noção de para onde ia. Era preciso somente
escapar, fugir, sair. Sumir desse lugar antes que fosse sugada mais uma vez.
Um pequeno espaço abriu-se na pedra: uma entrada estreita de túnel ampla o
bastante para ela passar. Githany apertou o corpo na fenda; a rocha irregular
raspou-lhe roupas e pele.
A dor não era nada. O mundo físico tornava a esvair-se. Desesperada,
Githany conseguiu jogar-se para a frente, caiu no chão, e engatinhou
freneticamente túnel abaixo.
Embora. Tinha de ir embora. Para longe do ritual. Para longe de Kaan.
Para longe da bomba de pensamento, antes que fosse tarde demais.
A CENA QUE RECEBEU O GENERAL HOTH e seu exército quando eles ganharam o
campo de guerra foi tão inesperada quanto bem-vinda. Ele se preparara para
a visão sinistra e sangrenta do massacre, de um combate feroz no qual
nenhum lado cedia sequer um passo. Imaginara os corpos dos mortos
espalhados, retorcidos debaixo dos pés dos que ainda lutavam
desesperadamente para manter a vida. Viera esperando encontrar a guerra.
Contudo, testemunhou algo tão inacreditável que sua reação inicial foi a
desconfiança. Seria um truque? Uma cilada? Seus medos rapidamente se
dissiparam quando ele reconheceu os rostos familiares e sorridentes dos
outros Jedi ao seu redor.
Ao analisar o resultado do último confronto em Ruusan, até mesmo ele
abriu um sorriso. Havia apenas um punhado de mortos, e, pelas vestimentas,
tornou-se claro que muito poucos serviam ao Exército da Luz. Boa parte dos
inimigos fora presa: estavam sentados, calmos, em grandes grupos, cercados
pelo exército Jedi. No entanto, mesmo vigiando muito de perto os inimigos
capturados, os Jedi riam e brincavam entre si.
Hoth ampliou-se com a Força e sentiu onda após onda de alívio e alegria,
vindas das tropas de Farfalla, deitando-se sobre ele. Os soldados sob seu
comando logo sentiram o mesmo. Vendo a óbvia vitória, romperam a
formação e foram correndo, ovacionando e rindo, juntar-se aos colegas na
comemoração. Hoth resistiu à vontade de gritar, ordenando que se
reagrupassem, e simplesmente os deixou ir.
Era o fim da guerra interminável!
Porém, ao caminhar por entre os tropéis em celebração, recebendo
saudações e congratulações de seus seguidores, percebeu que havia algo
errado. O campo de guerra encontrava-se cheio de Sith plácidos,
desarmados… mas ele não viu nem um senhor sombrio entre eles.
Ver mestre Farfalla correndo a todo vapor na direção dele, vindo do lado
oposto do campo, não acalmou sua inquietude.
– General – disse Farfalla, parando bruscamente, muito ofegante. O rapaz
fez uma saudação curta. A ausência de sua típica reverência exagerada
incrementou ainda mais a preocupação avultante de Hoth.
– Devo ter demorado mais tempo para juntar minhas forças do que achava
– brincou o general, torcendo para sua perturbação resultar apenas de
paranoia disparatada. – Parece que você já venceu a guerra.
Farfalla negou.
– A guerra não acabou. Ainda não. Kaan e a Irmandade, os verdadeiros
Sith, refugiaram-se nas cavernas. Eles vão liberar algum tipo de arma Sith.
Algo chamado bomba de pensamento.
Bomba de pensamento? Hoth ouvira falar de uma arma dessas muito
tempo antes, quando estudava com seu mestre no Templo Jedi em Coruscant.
De acordo com relatos lendários, os Sith antigos tinham a habilidade de
forjar, com o lado sombrio, uma esfera de poder concentrado e libertar sua
energia numa única explosão devastadora. Todos os sensíveis à Força –
tanto Sith quanto Jedi – seriam consumidos pela explosão, e seus espíritos,
aprisionados no grande vácuo criado no epicentro da detonação.
– Kaan enlouqueceu? – perguntou ele em voz alta, embora a pergunta
bastasse como resposta.
– Precisamos evacuar o local, general – insistiu Farfalla. – Tire todos
daqui o mais rápido possível.
– Não – Hoth respondeu. – Não funcionará. Se recuarmos, Kaan e a
Irmandade escaparão. Não vai demorar até que juntem apoio e comecem
essa guerra outra vez.
– Mas e quanto à bomba de pensamento? – perguntou Valenthyne.
– Se Kaan possui mesmo uma arma dessas – explicou, soturno, o general
–, ele vai usá-la. Se não aqui, em outro lugar. Talvez nos Mundos do Núcleo.
Talvez em Coruscant mesmo. Não posso permitir. Kaan quer testemunhar a
minha morte. Tenho que entrar na caverna e enfrentá-lo. Tenho que forçá-lo a
detonar a bomba aqui mesmo em Ruusan. É o único jeito de acabar de vez
com isso.
Farfalla se abaixou e se apoiou num dos joelhos.
– Então irei com você, general. Como irão todos os que me seguem.
Estendendo as mãos fortes e gastas, o general Hoth pegou Farfalla pelos
ombros e o colocou de pé.
– Não, meu amigo – disse, suspirando –, essa jornada você não pode
fazer. – Quando o rapaz começou a protestar, Hoth ergueu a mão, pedindo
silêncio, e prosseguiu: – Quando Kaan ativar a arma, todos dentro da
caverna morrerão. Os Sith serão destruídos, mas não permitirei que isso
aconteça a toda a nossa Ordem. A galáxia precisará dos Jedi para
reconstruir tudo assim que a guerra acabar. Você e os outros mestres devem
viver para guiá-los e defender a República, como temos feito desde a sua
fundação.
Não havia argumento algum para contrapor a sabedoria dessas palavras,
e, após um instante de deliberação, mestre Farfalla baixou a cabeça,
concordando em silêncio. Quando tornou a erguer o rosto, havia lágrimas em
seus olhos.
– Suponho que não vai entrar sozinho? – ele protestou.
– Queria poder – respondeu Hoth. – Mas, se o fizer, os senhores sombrios
vão simplesmente me derrubar com seus sabres de luz. Isso não adianta.
Kaan tem de entender que essa é sua única chance de se render ou… – Ele
não terminou de falar.
– Vai precisar de Jedi suficientes para convencer a Irmandade de que um
confronto físico seria inútil. Pelo menos cem. Por menos que isso, ele não
vai detonar a bomba de pensamento.
Hoth concordou.
– Ninguém vai ser ordenado a entrar comigo. Convoque voluntários. E
garanta que todos entendam que nenhum de nós jamais sairá de lá.
RAIN AGITAVA-SE, DORMINDO, MAS NÃO ACORDAVA. Alguém a chamava, mas ela
não queria responder. Em seus sonhos, imaginava que ainda estava em casa
com os primos, apreciando uma vida simples, mas feliz. Se acordasse, sabia
que precisaria enfrentar a realidade: essa vida se fora para sempre.
Acorde, Rain…
Ela se fora no dia em que aquele Jedi – mestre Torr era o nome dele – os
recrutara para o Exército da Luz. Ela nem queria se alistar. Mas Bug e
Tomcat, seus primos, se alistaram. Eram a única família que ela tinha, e a
menina não quis ficar para trás. Era jovem – tinha só 10 anos –, mas muito
forte na Força. E, então, mestre Torr a deixara vir também.
Ele lhes disse que os levaria para Ruusan, onde se tornariam Jedi, mas
isso nunca aconteceu. A nave foi atacada assim que entraram na atmosfera. O
que ocorreu em seguida constituiu um borrão só, mas ela se lembrava de
explosões e gritos. Uma das asas da nave foi arrancada, e subitamente a
menina se viu caindo. Os destroços esfumaçados na nave tornaram-se uma
mancha no céu, acima dela, espiralando sem controle enquanto ela caía e
caía até que…
Rain, acorde!
Laa! Laa a salvara, e era Laa quem a chamava agora. Lentamente, Rain
abriu os olhos e se sentou, ainda grogue.
Rain dormiu bastante. Agora Rain deve acordar.
– Já acordei, Laa – disse ela ao bouncer que pairava acima. Laa a salvara
da queda, pescando-a quando a viu mergulhando a centenas de metros da
superfície de Ruusan.
Pesadelos, Rain.
– Não – ela respondeu. – Não eram pesadelos, Laa. Sonhei que estava em
casa.
Laa nunca tinha de fato falado com a menina; ela apenas ouvia as palavras
dentro da cabeça. Laa um dia explicara que elas se comunicavam por meio
do poder da Força. Mas, sempre que respondia, Laa emitia as palavras em
voz alta.
Tem pesadelos vindo.
Rain franziu o cenho, procurando entender o que exatamente Laa tentava
lhe dizer. Às vezes, quando os bouncers falavam de sonhos, na verdade
queriam dizer outra coisa. Ela se lembrava do que Laa dissera pouco antes
de toda a floresta explodir em chamas: Pesadelos, Rain. Pesadelos de
morte.
As chamas mataram quase todos os outros bouncers. Os sobreviventes
enlouqueceram. Todos exceto Laa. Rain, de algum jeito, a salvara. Usara a
Força e protegera ambas das chamas mortais e destruidoras, embora não
soubesse muito bem como conseguira fazê-lo. Foi apenas algo que…
aconteceu. Agora ela e Laa não tinham mais nada além de uma à outra.
Pesadelos vindo, repetiu a bouncer.
Poucas horas antes, ela sentira algo estranho: o chão tremeu sob seus pés
como se algo tivesse explodido muito, muito longe dali. Seria a isso que Laa
se referia? Era esse o motivo dos pesadelos? Ou estaria a amiga tentando
avisá-la de algo que ainda não acontecera?
– Não entendo – ela disse, olhando ao redor, para os arbustos que
cercavam a clareira na qual se deitara para dormir. Não via nada de
diferente. Pelo menos, ainda não.
Adeus, Rain.
Havia uma tristeza doída nas palavras de Laa que apunhalou Rain bem no
coração feito uma faca, mas ela ainda não entendia a que a bouncer se
referia.
Antes de poder perguntar, alguma coisa se mexeu nos arbustos. Ela girou e
percebeu dois homens disparando para a clareira. No mesmo instante, soube
que eram Jedi: usavam os mesmos mantos marrons de mestre Torr, e ela viu
sabres de luz pendurados nos cintos deles. Cada um portava também um
imenso fuzil de raios.
– Bouncer! – um deles gritou. – Cuidado!
A reação foi tão rápida que os movimentos deles não passaram de um
borrão quando abriram fogo. No instante em que o grito deixou os lábios de
Rain, a amiga já estava morta.
A menina ainda gritava quando o primeiro Jedi correu até ela.
– Está bem, pequena? – ele perguntou, agachando perto dela.
Por instinto, Rain o atacou. Não sabia por que o fazia, nem o fizera de
modo consciente. Sabia apenas que o homem atirara em sua amiga. Ele
matara Laa!
– Qual o probl…? – A voz do homem foi cortada quando a menina
quebrou-lhe o pescoço com a Força. O companheiro dele escancarou os
olhos, de horror, mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, teve o próprio
pescoço quebrado também.
Somente então Rain parou de gritar. Passou a chorar, soluçando tanto que
seu corpo todo tremia. Ela engatinhou até onde o corpo ainda quente de Laa
caíra e apertou-se contra a suave pelugem esverdeada dele.
Esse Ebook foi doado pelos Designios Nerds e reeditado por fãs de Star
Wars, dos Tradutores dos Whills e com o único propósito de compartilhá-
lo com outros que falam a língua portuguesa, em especial no Brasil. Star
Wars e todos os personagens, nomes e situações são marcas comerciais e/u
propriedade intelectual da Lucasfilm Limited e da Editora acima. Este
trabalho é fornecido gratuitamente para uso privado. Você pode
compartilhá-lo sob sua responsabilidade, desde que também seja livre, e
mantenha intactas as informações aqui disponibilizadas, e o reconhecimento
às pessoas que trabalharam para este livro, como esta nota para que mais
pessoas possam encontrar o grupo de onde vem. É proibida a venda parcial
ou total deste material. Aconselhamos que se puder compre os materiais
das Editoras que produzem Star Wars em língua portuguesa. Este é um
trabalho profissional da editora e a nossa Equipe não faz isso
profissionalmente, ou não fazemos isso como parte do nosso trabalho, nem
esperamos receber nenhuma compensação, exceto, talvez, alguns
agradecimentos se você acha que nós merecemos. Esperamos compartilhar
os livros e histórias para que a sua experiência de Star Wars seja a melhor
possível.
Índice
Capa
Página Título
Direitos Autorais
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Agradecimentos
Para meus pais, Ron e Viv, e minha irmã, Dawn.
PRÓLOGO
REGRA DE DOIS
Capítulo 1
A viagem até a caverna foi rápida e sem problemas. Bane notara alguns
sobreviventes da batalha final de Ruusan olhando desnorteados para ele e
Zannah ao passar rapidamente com a moto flutuante, mas não lhes deu
atenção. Bane duvidava que algum deles pudesse reconhecê-lo por aquilo
que realmente era. E, mesmo se reconhecessem, suas histórias sobre um
lorde Sith sobrevivente passando junto com uma jovem garota pareceria
ridícula e pouco confiável, igual os relatos dos mercenários que ele deixara
escapar no acampamento de Kaan.
Ele parou a moto na frente do escuro e sinistro túnel que os levaria até a
câmara da bomba de pensamento. Pequenas pedras foram esmagadas sob as
solas de suas pesadas botas negras quando ele desmontou. Zannah era
pequena demais para simplesmente descer do veículo, mas saltou do
assento sem qualquer sinal de medo ou hesitação, aterrissando agilmente no
chão ao lado de Bane.
Nenhum deles falou enquanto desciam o túnel, o caminho iluminado por
um dos bastões de luz que Bane havia encontrado no acampamento Sith. O
ar se tornava cada vez mais frio e Zannah estremeceu ao lado dele, mas não
reclamou. Eles se moveram rapidamente pela passagem irregular; mesmo
assim, levou quase vinte minutos até alcançarem seu destino por causa do
tamanho do túnel. E, pela primeira vez, Darth Bane viu o resultado de suas
manipulações contra Kaan e seus seguidores.
O pálido e brilhante orbe flutuando no centro da câmara possuía quase
quatro metros de altura. Pulsava com um poder bruto, fazia a pele no
pescoço de Bane formigar e os pelos nos braços se arrepiarem. Escuras
estrias de sombras rodopiavam na superfície metálica em lentos e
hipnóticos ritmos. Havia algo grotescamente atraente sobre aquilo, algo
fascinante, mas ao mesmo tempo repulsivo.
Ao seu lado, Zannah puxou ar para os pulmões com força, soltando-o
depois com um lento silvo de medo. Bane olhou para ela, mas a garota não
retornou o olhar – seus olhos arregalados se fixaram no resultado da bomba
de pensamento. Voltando a atenção para o globo, Bane entrou na câmara.
Zannah deu um único passo para segui-lo, mas então parou.
Aproximando-se do globo, ele estendeu a mão e a pressionou com
firmeza contra a superfície. Queimou sua palma com um fogo frio, mas ele
não registrou a dor, enfeitiçado pelo hipnotizante chamado do objeto.
Debaixo de seu toque, as sombras que se retorciam lá dentro se juntaram
em uma única massa. Os pensamentos daqueles aprisionados correram para
encontrá-lo: débeis sussurros nos recônditos escuros de sua mente, as
palavras ininteligíveis, mas cheias de ódio e desespero.
Instintivamente, a consciência de Bane recuou. Mas ele resistiu, lutando
contra o impulso de retirar a mão. Em vez de se afastar, ele impulsionou a
consciência, penetrando a superfície do orbe para mergulhar nas imensas
profundezas de seu coração negro. Os sussurros de ódio explodiram em
gritos de tormento. Mas não eram gritos de seres sencientes: eram uivos
bestiais de uma fúria primitiva e insana. As identidades daqueles que a
bomba de pensamento consumiu – lorde Kaan, general Hoth, todos os
seguidores Sith e Jedi – foram destroçadas pela explosão da bomba de
pensamento. Sobraram apenas retalhos, pedaços daquilo que já fora seus
espíritos, não mais capazes de pensamento consciente, lamentando no
sofrimento compartilhado de sua eterna loucura.
Eles invadiram a consciência de Bane, abrindo caminho na direção de
sua identidade ainda inteira como parasitas se fixando em um novo
hospedeiro. Os espíritos lamuriantes o envolveram, agarrando e se cravando
em sua sanidade enquanto tentavam arrastá-lo para dentro do abismo
sombrio.
Bane se libertou com uma facilidade desdenhosa, devastando os já
frágeis espíritos quando ele os espantou, deixando sua mente voltar para a
superfície. Um instante mais tarde e ele estava livre, deixando para trás a
prisão de onde os outros nunca escapariam.
Ele deixou a mão cair da esfera ovoide quando deu um passo para trás,
satisfeito com o que havia descoberto. Não havia fantasma algum o
assombrando; Kaan já não existia mais. Não em um sentido real. A figura
que vira no acampamento Sith fora apenas uma ilusão evocada por sua
psique ferida.
– Eles estão presos aí? – Zannah perguntou. Ela encarava Bane com uma
expressão ao mesmo tempo maravilhada e aterrorizada.
– Presos. Mortos. Não faz diferença – ele respondeu, dando de ombros. –
Kaan e a Irmandade se foram. Tiveram aquilo que mereciam.
– Eles eram fracos?
Bane não respondeu de imediato. Kaan fora muitas coisas – ambicioso,
carismático, teimoso e, no fim, um tolo – mas nunca fora fraco.
– Kaan foi um traidor – ele enfim disse. – Ele liderou a Irmandade para
longe dos ensinamentos dos antigos Sith. Ele deu as costas para a própria
essência do lado sombrio.
Zannah não respondeu, mas continuou olhando para ele com expectativa.
O papel de mentor era uma novidade para Bane; ele era um homem de ação,
não de palavras. Não estava acostumado a compartilhar sua sabedoria com
alguém desesperado para aprender. Mas era esperto o bastante para entender
que as lições teriam muito mais significado se sua aprendiz pudesse
entender algumas das respostas por si própria.
– Por que você escolheu se tornar minha aprendiz? – ele perguntou com
um tom desafiador. – Por que escolheu o caminho do lado sombrio?
– Poder – ela respondeu rapidamente.
– Poder é apenas o meio para um fim – Bane a repreendeu. – Não é um
fim em si mesmo. Para que você precisa de poder?
A garota franziu as sobrancelhas. Seu mestre já reconhecia essa
expressão como um sinal de que ela estava com dificuldades para encontrar
uma resposta.
– Pelo poder, eu ganho a vitória – ela disse finalmente, recitando as
linhas finais do Código Sith que aprendera poucas horas atrás. Seu tom
deixava claro que estava tentando usar seu limitado entendimento do lado
sombrio para chegar à resposta que Bane queria. – Pela vitória minhas
correntes se partem… – ela continuou, lentamente procurando por uma
resposta além de seu alcance. Um segundo depois, ela exclamou: –
Liberdade! O lado sombrio nos liberta!
Bane assentiu sua aprovação.
– Os Jedi se prendem com correntes de obediência: obediência ao
Conselho Jedi, obediência aos mestres, obediência à República. Aqueles
que seguem o lado da luz até mesmo acreditam que devem se submeter à
Força. São meramente instrumentos de sua vontade, escravos de um bem
maior.
“Aqueles que seguem o lado sombrio enxergam a verdade de sua
escravidão. Nós reconhecemos as correntes que nos prendem e nos
impedem de evoluir. Acreditamos no poder que o indivíduo possui para
partir essas correntes. Esse é o caminho para a grandeza. Apenas livres nós
podemos alcançar todo nosso potencial.
“A crença de que um indivíduo não deve se curvar a nada e a ninguém é
a maior força do lado sombrio”, Bane continuou. “Mas também é nossa
maior fraqueza. A luta para superar aqueles ao seu redor muitas vezes é
violenta, e no passado os Sith constantemente lutavam entre si.”
– Mas isso não é uma coisa boa? – Zannah contestou. – O forte sobrevive
e o fraco morre.
– Fraqueza não significa estupidez – Bane retrucou. – Havia aqueles com
menos poder, porém com mais astúcia. Vários aprendizes se juntavam para
derrubar um mestre, com a esperança de elevarem sua própria posição entre
os Sith. E então eles se voltavam uns contra os outros, formando e
quebrando alianças até sobrar apenas um: um novo mestre, porém mais
fraco que o original. Esse sobrevivente seria, por sua vez, derrubado por
outro bando de Sith menores, enfraquecendo a Ordem ainda mais.
“Kaan reconhecia isso. Mas sua solução era muito pior do que o
problema. Kaan declarou todos os seguidores do lado sombrio – todos os
membros da Ordem Sith – como iguais na Irmandade da Escuridão.
Fazendo isso, ele traiu a todos nós.”
– Traiu você?
– Igualdade é uma mentira – Bane disse a ela. – Um mito para agradar as
massas. Simplesmente olhe ao redor e verá a mentira por aquilo que é!
Existem aqueles com poder, aqueles com força e vontade para liderar. E
existem aqueles que nasceram para seguir, aqueles incapazes de qualquer
coisa que não seja servidão e uma existência pobre e sem valor.
“Igualdade é uma perversão da ordem natural! – ele continuou, sua voz
se erguendo ao compartilhar a verdade fundamental no coração de suas
crenças. – Isso enlaça os fortes aos fracos. Os fracos se tornam âncoras que
arrastam os excepcionais para a mediocridade. Indivíduos destinados e
merecedores de grandeza acabam tendo essa grandeza negada. Eles sofrem
apenas para permanecerem no mesmo nível dos inferiores.
“Igualdade é uma corrente, igual à obediência. Assim como o medo ou a
incerteza ou a baixa autoestima. O lado sombrio pode partir essas correntes.
Mas Kaan não conseguia enxergar isso. Ele não entendeu o verdadeiro
poder do lado sombrio. A Irmandade da Escuridão não era nada além de um
reflexo distorcido da Ordem Jedi, uma paródia sombria da exata mesma
coisa a que nós nos opomos. Sob o domínio de Kaan, os Sith haviam se
tornado uma abominação.”
– E foi por isso que você o matou – Zannah disse, pensando que a lição
havia acabado.
– Foi por isso que manipulei Kaan para que ele matasse a si próprio –
Bane corrigiu. – Lembre-se: o poder em si não é suficiente. Paciência.
Astúcia. Segredo. Essas são as ferramentas que usaremos para derrotar os
Jedi. Os Sith são apenas dois agora: um mestre e um aprendiz. Não haverá
outros.
Zannah assentiu, embora ainda parecesse incomodada com algo.
– O que acontece se eu fracassar? – ela perguntou, olhando para a bomba
de pensamento. – Você vai me destruir também?
A resposta de Bane foi interrompida por um grito vindo de uma das
passagens próximas dali.
– Rain! Rain, você está viva!
Um garoto saiu das sombras correndo, não mais do que um ou dois anos
mais velho do que Zannah. Ele possuía cabelos escuros e vestia a armadura
negra dos Sith. Ele segurava com força o cabo de um sabre de luz. Apesar
da pompa de guerreiro, ficou imediatamente óbvio para Bane que aquela
criança não representava ameaça. A Força mal estava viva dentro dele. O
poder que queimava tão intensamente dentro de Zannah não era nada além
de uma brasa que se extinguia lentamente no garoto.
– Tomcat! – Zannah gritou, seu rosto se iluminando de alegria. Ela deu
um passo adiante, estendendo os braços como se quisesse abraçá-lo. Então,
como se lembrasse de repente da presença de seu mestre Sith, ela parou e
recuou as mãos até o peito.
O garoto continuou. Ele não registrou a súbita mudança de humor de
Zannah, nem mesmo notou a figura de dois metros de altura em meio às
sombras atrás dela. Havia algo de patético sobre aquele garoto, uma solidão
desesperada em sua voz e olhos que fazia o estômago de Bane embrulhar.
– Estou tão feliz, Rain – o garoto ofegou quando parou na frente de
Zannah, estendendo os braços para abraçá-la. – Tão feliz por você estar…
Ela recuou um passo e sacudiu a cabeça, fazendo as palavras ficarem
presas na garganta do garoto. A felicidade em seu rosto sumiu, substituída
por uma expressão de perplexidade.
– Eu… não sou Rain – a aprendiz de Bane disse, rejeitando seu apelido
de infância e tudo o que ele simbolizava. – Eu sou Zannah.
– Zannah? – Um olhar confuso se instalou no rosto do garoto. – Seu
nome verdadeiro? Mas por quê?
Procurando respostas, ele finalmente tirou os olhos da jovem garota e
notou Bane imóvel ao fundo. Sua perplexidade se tornou compreensão, e
rapidamente se transformou em uma raiva virtuosa.
– Você! – ele gritou, apontando um dedo acusador para Bane. Então,
como se repentinamente se lembrasse da arma em sua mão, ele acionou o
sabre de luz.
– Fique longe dela! – ele gritou. – Eu lutarei com você!
O garoto sabia que não era páreo. Sabia que não possuía chance alguma
de vencer um lorde sombrio dos Sith. Mas escolheu ficar e lutar mesmo
assim – as ações de um completo e absoluto tolo.
Darth Bane encarou seu adversário condenado com uma indiferença
desdenhosa. Aquele garoto não era nada para ele – um cisco sem
importância que ele sopraria para longe. Se o garoto queria a vazia glória
daquela pretensa morte corajosa, Bane a concederia.
Ele baixou a mão casualmente até seu sabre de luz, mas antes que
pudesse acioná-lo, Zannah reagiu. Assim como fizera quando quebrou o
pescoço dos infelizes Jedi que acidentalmente mataram seu amigo, a garota
liberou uma onda desenfreada de energia do lado sombrio. Ela agiu por
puro instinto, tirando poder de sua afinidade com a Força sem nenhuma
premeditação, preparação ou mesmo treinamento.
Aconteceu tão rápido que Bane nem teve chance de se defender… mas o
ataque não foi direcionado a ele. A mão direita do garoto que ela chamara
de Tomcat – seu primo e amigo de infância – se desintegrou. Com um mero
pensamento, ela destruiu tudo abaixo do pulso: carne, osso e tendões
desapareceram em uma explosão sangrenta, deixando apenas um toco
destroçado.
Com mais nada para suportá-lo, o cabo do sabre de luz desabou no chão,
a lâmina extinguida. Uivando de dor, o garoto caiu de joelhos, agarrando o
membro mutilado contra o peito. Pequenos esguichos de sangue
bombeavam do ferimento e manchavam o chão da caverna.
O mestre encarou sua aprendiz.
– Por quê? – ele exigiu saber.
– Porque não existe razão ou propósito para sua morte – ela respondeu,
ecoando a própria explicação de Bane para deixar os dois mercenários
vivos.
Bane era esperto o bastante para reconhecer o que estava acontecendo.
Zannah estava tentando salvar a vida de seu primo. Ele sabia que as
emoções que a impeliam – sentimentalismo, misericórdia, compaixão –
eram fraquezas das quais ela precisava aprender a se livrar. Mas ele não
esperava que ela aprendesse os caminhos do lado sombrio em um único dia.
Bane olhou para o garoto ferido se encolhendo no chão. O sangue
esguichando do toco diminuíra; a explosão que destruiu sua mão também
cauterizou parcialmente o ferimento. O fluxo acabou estancado pela poeira
e sujeira do chão da caverna enquanto ele rolava de um lado a outro aos pés
de Zannah. Lágrimas se derramavam de seus olhos e muco escorria do nariz
entupindo a boca e garganta, transformando seus gritos em um choramingo
espesso. Ela o observava com um olhar frio e calculista, fingindo
desinteresse.
Os riscos de deixar uma criatura miserável assim viver eram pequenos,
Bane decidiu. Assim como os mercenários, ninguém acreditaria se contasse
que sobreviveu a um encontro com um mestre Sith. Estava óbvio que
Zannah queria o garoto vivo. Mas ela não implorou nem barganhou por sua
vida. Em vez disso, tomou conta da situação, liberando o lado sombrio e
depois defendendo suas ações com os próprios ensinamentos de Bane. Ela
mostrara não apenas seu poder, mas também inteligência e astúcia. Era
importante recompensar tal comportamento – encorajá-la quando exibia os
dons e talentos que um dia permitiriam que tomasse o manto de lorde
sombrio dos ombros de seu mestre. Mais importante do que acabar com a
vida de um garoto insignificante e desprezível.
– Deixe-o – Bane disse, virando-se. – Ele não é nada para nós.
Zannah rapidamente igualou o ritmo de seus passos quando eles saíram
da câmara e começaram a longa subida pelos túneis de volta para a
superfície de Ruusan. Bane notou com satisfação que, embora fosse
possível ouvir os soluços débeis de Tomcat ecoando atrás deles, sua
aprendiz não olhou para trás uma única vez.
Capítulo 5
Zannah livrou seu cotovelo das mãos de Cyndra e levou suas mãos
algemadas diante do rosto. Movendo os dedos em um complexo padrão no
ar, ela usou a Força e mergulhou fundo na mente da Chiss para encontrar
seus mais íntimos medos e segredos. Enterrado em seu subconsciente havia
horrores indescritíveis: abominações e criaturas de pesadelo escondidas
para nunca ver a luz do dia. Extraindo poder da feitiçaria Sith, Zannah
retirou-os de seu calabouço e deu vida a eles, um a um.
Todo o processo durou menos de um segundo. Nesse tempo, Cyndra
sacara sua arma, mas em vez de apontar para Zannah, ela repentinamente
gritou e apontou para o ar acima dela, disparando descontroladamente em
demônios criados por sua própria mente que apenas ela enxergava.
As ilusões se tornavam mais reais e aterrorizantes quanto mais durava o
feitiço, e Zannah não tinha intenção de acabar ainda. A Chiss gritou e jogou
a arma no chão. Ela balançava a cabeça de um lado a outro, cobrindo o
rosto com os braços e gritando “Não” repetidamente até desabar no chão.
Chorando e soluçando, ela se encolheu e continuou murmurando “Não, não,
não…”.
Todos no salão olhavam para ela com olhos arregalados e estupefatos.
Alguns dos guardas deram um passo para trás, com medo de serem
infectados de alguma forma por aquela loucura.
Zannah poderia encerrar tudo ali mesmo, desfazendo a ilusão e deixando
Cyndra inconsciente. Ela acordaria horas mais tarde com apenas uma
lembrança básica do que acontecera, sua mente instintivamente fugindo das
memórias do que havia testemunhado. Ou Zannah poderia forçar a ilusão
ainda mais, levando sua vítima à beira da loucura e além. Uma imagem da
Chiss enlaçada romanticamente com Kel surgiu em sua mente – e Zannah
então forçou.
Os gritos de terror de Cyndra se tornaram uivos animalescos quando sua
sanidade foi destroçada pelas terríveis visões. Suas mãos arranharam e
agarraram seus próprios olhos, arrancando-os. Sangue esguichou pelo rosto,
mas até mesmo a cegueira não poderia salvá-la dos pesadelos povoando
aquilo que restou de sua mente.
Os uivos pararam quando seu corpo entrou em convulsão; sua boca se
encheu de espuma enquanto os membros tremiam descontrolados no chão.
Então, com um último grito tenebroso, ela repentinamente parou de tremer.
Com sua consciência completamente destruída, seu corpo catatônico agora
era apenas uma concha vazia.
O corpo estremeceu uma vez, e Zannah soube que em algum lugar nas
profundezas do subconsciente de Cyndra uma pequena parte dela ainda
existia, silenciosamente gritando, presa para sempre junto com os horrores
de sua própria mente.
Apesar de todos terem testemunhado o horrível final da Chiss, Zannah
era a única que sabia o que realmente havia acontecido. Porém, nem mesmo
ela possuía certeza do que suas vítimas enxergavam. Baseado nas reações,
ela achava que era melhor não saber. Zannah olhou friamente para o corpo
de Cyndra no chão, ainda tremendo ocasionalmente, depois ergueu os olhos
para Hetton, que a olhava de volta intensamente.
Ela se virou quando ouviu Paak gritar do outro lado do salão.
– Você fez isso! – Ele apontou um dedo acusador. – Faça alguma coisa ou
ela vai matar a todos nós! – gritou.
Vários guardas deram um passo em sua direção, mas recuaram quando
Hetton fez um leve aceno com a cabeça.
– Ela não está morta – Zannah anunciou. – Apesar de o que restou de sua
mente implorar para morrer.
A resposta não fez nada para acalmar a histeria crescente de Paak.
Levando a mão à sua bota, ele puxou uma curta vibroadaga e correu na
direção de Zannah, gritando.
O feitiço que ela usara em Cyndra era poderoso, mas exaustivo. Zannah
duvidava que seria capaz de produzir um efeito semelhante em Paak antes
que ele a esfaqueasse. Então, em vez de feitiçaria, ela se voltou para
métodos mais convencionais.
Estendendo suas mãos algemadas, ela usou a Força para atrair o sabre de
luz do colo de Hetton, enviando a arma pelo ar até suas mãos. Quando as
lâminas foram acionadas, ela casualmente rompeu as algemas com um
único pensamento.
Paak avançara esperando atacar uma prisioneira indefesa; ele não estava
pronto para encarar um inimigo armado. Zannah poderia ter matado Paak
ali mesmo, mas notou que Hetton ainda estava sentado passivamente em
seu trono, observando a ação. Zannah decidiu fazer uma boa exibição para
ele.
Em vez de decapitar seu fraco oponente, ela simplesmente brincou com
ele, girando o sabre de luz em intrincados padrões enquanto facilmente
defendia seus golpes desajeitados. Paak era um lutador, todo músculos e
nenhuma técnica, tornando ridiculamente fácil para Zannah repelir os
ataques. Ele avançou sobre ela três vezes, tentando acertar um golpe com a
adaga. A cada investida, ela habilmente saltava para um lado e
redirecionava sua arma usando o sabre de luz, transformando o combate em
uma dança cujo ritmo ela definitivamente liderava.
Após três tentativas fracassadas, o homem tatuado jogou sua adaga no
chão em frustração e apanhou o blaster caído de Cyndra. Ele mirou e atirou
duas vezes à queima-roupa, mas Zannah nem piscou.
Usando o poder precognitivo da Força, ela facilmente foi capaz de
antecipar os tiros e desviá-los com as lâminas vermelhas de seu sabre de
luz. O primeiro tiro ricocheteou inofensivamente no teto; o segundo ela
enviou de volta contra Paak.
O tiro acertou no meio dos olhos, deixando um buraco fumegante em sua
testa. Seu corpo se enrijeceu, depois caiu para trás.
Ainda girando sua arma, Zannah se virou para encarar Hetton
novamente. Ele não se movera em seu trono, nem fizera algum sinal para os
guardas. Enquanto ela o encarava, ele se ergueu lentamente e desceu os
degraus da plataforma até ficar a poucos metros dela. Então Hetton caiu de
joelhos diante dela e baixou a cabeça.
Com uma voz trêmula, ele sussurrou:
– Estive esperando por alguém como você por toda a minha vida.
Capítulo 14
– Meu pai morreu quando eu ainda era pequeno – Hetton disse, sua voz
baixa o bastante para Zannah precisar se esforçar para ouvir sobre os sons
de seus passos contra o chão de mármore.
“Sobrecarregada com as responsabilidades de ser a chefe da casa, minha
mãe deixou que os criados me criassem. Eles descobriram meus dons
especiais muitos anos antes de o fato chegar aos ouvidos de minha mãe.”
– Talvez eles temessem o que ela poderia fazer com eles se contassem –
Zannah sugeriu.
Ela e Hetton estavam sozinhos agora. Após o show na sala do trono, ele
insistira em mostrar a ela sua vasta coleção de manuscritos e artefatos Sith,
localizada em seu santuário privado, do outro lado da grande mansão. Ele
também insistira que seus guardas ficassem para trás. Para passar o tempo
durante a jornada pelas intermináveis salas e corredores da mansão, ele
começara a contar sua história pessoal.
– Minha mãe era uma mulher forte e intimidadora – Hetton admitiu. –
Sim, acho que os criados tinham medo dela. Seja qual for a razão, eu já
estava com meus vinte anos quando ela finalmente descobriu minha
afinidade com a Força.
– Como ela reagiu?
– Ela via meus talentos como uma ferramenta para aumentar as riquezas
de nossa casa. Ela não via utilidade em um Jedi, ou mesmo em um Sith,
mas ela queria encontrar alguém para ajudar a desenvolver minhas
habilidades. Isso foi muitos anos antes de a Irmandade da Escuridão chegar
ao poder – ele comentou antes de retomar sua história. – Após muitas
sondagens discretas, muitos subornos e pagamentos substanciais, ela
finalmente escolheu um Duros chamado Gula Dwan.
– Ele se tornou seu mestre?
– Mestre era um título que ele nunca mereceu – Hetton respondeu com
um pouco de amargura. – Ele não era nada além de um caçador de
recompensas e assassino que teve a sorte de nascer com a capacidade de
atingir a Força. Com o passar dos anos ele adquiriu um entendimento
simples das técnicas mais básicas para acessar seu poder, permitindo a ele
levitar pequenos objetos e realizar outros truques semelhantes.
“Mas ele não possuía aliança com os Sith nem com os Jedi; a única
lealdade de Gula era com quem pagasse mais. E minha família podia pagar
mais do que ele jamais sonhara receber.”
Eles alcançaram outro par de grandes portas duplas, mas essas estavam
seladas e trancadas por dentro. Seu anfitrião estendeu a mão e pousou a
palma sobre a superfície, depois fechou os olhos. Zannah sentiu o suave
suspiro da Força e então a tranca estalou e a porta se abriu para revelar o
santuário interior de Hetton.
A sala era parte biblioteca, parte museu. Estantes cheias de antigos
manuscritos e pergaminhos, intermináveis rolos de velhos datatapes
forravam as paredes e havia um terminal com uma grande tela em um dos
cantos. Várias longas vitrines de vidro se estendiam a partir do centro da
sala, exibindo a coleção de tesouros Sith que Hetton havia passado as
últimas três décadas adquirindo: estranhos amuletos brilhantes, pequenas
adagas encrustadas, uma variedade de incomuns pedras e cristais, e os
cabos de ao menos uma dezena de diferentes sabres de luz.
– Os ensinamentos de Gula me deram uma base, mas a maior parte do
meu conhecimento veio dos livros e manuscritos que você vê aqui – Hetton
disse com orgulho.
Eles andaram lentamente ao longo das vitrines, Zannah dividindo sua
atenção entre as palavras de Hetton e o intrigante conjunto de artefatos Sith.
Ela ainda podia sentir leves resquícios de energia sombria emanando dos
objetos: memórias longínquas do incrível poder que outrora contiveram.
– Logo no inicio de minha aprendizagem eu reconheci Gula pelo tolo que
era. Por minha insistência, minha mãe usou a riqueza e os recursos de nossa
casa para vasculhar a galáxia em busca de cada registro, objeto ou tralha
que fosse minimamente associada com o lado sombrio para que eu pudesse
aprofundar meus estudos sem precisar contar exclusivamente com um
mestre.
“Como você pode imaginar, a maioria das coisas que chegaram a nós era
totalmente dispensável. Mas, com o passar dos anos, alguns itens raros e
valiosos acabaram em minhas mãos.”
Hetton se virou para as estantes, correndo as mãos afetuosamente pelos
livros.
“Esse conhecimento permitiu que eu rapidamente superasse Gula. Assim
que minha mãe percebeu que ele não era mais útil para nós, ela ordenou que
ele fosse morto.”
Zannah se surpreendeu e piscou incrédula. Hetton riu suavemente diante
de sua reação.
– Minha mãe era uma mulher motivada pela ambição e por uma
praticidade implacável. Ela trabalhou duro para manter minha existência
escondida dos Jedi e dos Sith; se Gula pudesse simplesmente deixar nossa
propriedade, ele inevitavelmente revelaria o grande segredo de nossa casa.
– Uma morte necessária – Zannah assentiu com a cabeça, percebendo
que Bane provavelmente teria feito a mesma coisa. Então, atingida com
outra súbita percepção, ela disse:
“Foi você que o matou, não foi?”
Hetton sorriu para ela.
– Você é tão perceptiva quanto poderosa. Quando a ordem veio de minha
mãe, eu fiquei mais do que feliz em obedecer. Gula havia se tornado um
peso e um impedimento para minhas próprias pesquisas.
– Você fala de sua mãe como se ela já não estivesse mais entre nós –
Zannah notou. – O que aconteceu com ela?
Hetton cerrou os olhos, e sua expressão se tornou sombria.
– Há cerca de quinze anos, quando Kaan inicialmente começou a juntar
sua Irmandade da Escuridão, minha mãe insistiu que eu deveria me revelar
e me juntar à causa dele. Ela acreditava que eles conseguiriam destruir a
República, e ela pretendia aliar nossa casa com o novo poder que se erguia
na galáxia.
“Mas eu me recusei a fazer parte do culto de Kaan. Ele pregava que todos
aqueles que seguiam o lado sombrio serviriam como iguais.” Uma
democracia dos Sith. Eu achava esse conceito repugnante, uma perversão
de tudo aquilo que eu havia estudado e que acreditava.”
“Entretanto, minha mãe ainda pensava em termos de governos e alianças
políticas. Através dos meus estudos do lado sombrio, eu já havia
transcendido esses interesses tão mundanos, mas ela não conseguia
entender minhas objeções. No final, fui forçado a eliminá-la.”
Desta vez, Zannah não se surpreendeu.
– Ela teria ignorado a sua vontade e tentado forjar uma aliança com a
Irmandade – ela disse, mostrando que entendia e até mesmo aprovava o
matricídio de Hetton. – Ela teria exposto a sua identidade. Você não tinha
outra escolha.
– Eu a envenenei enquanto ela dormia – Hetton explicou, sua voz
denunciando um toque de remorso. – Foi uma morte perfeita; eu não queria
que ela sofresse. Afinal de contas, não sou um monstro.
Houve um momento de silêncio quando ele ponderou sobre o que tinha
feito. Então Hetton sacudiu a cabeça e voltou a falar enquanto conduzia
Zannah até o terminal do computador.
– Com a queda da Irmandade e as reformas da Ordem Jedi, eu me tornei
mais ousado. Além de minha busca por conhecimento e artefatos dos
antigos Sith, eu também comecei a juntar um exército de seguidores. Sob a
bandeira dos separatistas, eu atraí indivíduos com habilidades e talentos
únicos para servirem a mim. Nós nos unimos em nosso ódio pela República
e pelos Jedi, porém, eu ainda estava hesitante em revelar meu verdadeiro
propósito: a ressurreição dos Sith!
“E agora você está aqui” ele disse, concluindo sua história. Ele removeu
um datacard do terminal. “O momento não poderia ser mais perfeito.”
“Você conhece o nome de Belia Darzu?” ele perguntou. Zannah negou
com a cabeça. “Ela foi uma lorde sombria dos Sith que governou há dois
séculos. Era uma estudante da alquimia Sith; diziam que ela aprendeu os
segredos do mechu-deru, a habilidade de transformar a carne de seres vivos
em metal e maquinaria. Ela usou esse poder para criar um exército de
tecnoferas: híbridos orgânico-droides que respondiam à vontade dela.”
Zannah vagamente se lembrou de uma menção sobre as tecnoferas em
seus estudos, mas o nome Biela Darzu ainda não lhe soava familiar.
– Muitos também acreditam que antes de sua morte ela descobriu o
segredo da criação de holocrons – Hetton acrescentou, e os pensamentos de
Zannah se voltaram para Bane e suas tentativas fracassadas de fazer o
mesmo.
“No fim, Belia foi traída e assassinada por seus próprios seguidores”
Hetton continuou. “Uma ocorrência familiar nas histórias que eu li. Quando
ela caiu, todos os seus segredos foram perdidos, embora os rumores digam
que muito daquilo que ela descobriu ainda está guardado nos arquivos de
sua fortaleza em Tython.”
– Tython? – Zannah exclamou, reconhecendo o nome. – Esse não é um
dos planetas do Núcleo Profundo?
O Núcleo Profundo era um pequeno conjunto densamente povoado por
estrelas que orbitavam um buraco negro no coração da galáxia. Os mundos
do Núcleo Profundo, como o planeta Tython, tipicamente apareciam apenas
em mitos e lendas, ou nas lendas contadas por exploradores já meio loucos
que alegavam ter visitado esses planetas. Massas solares instáveis, grandes
bolsões de antimatéria e poços gravitacionais poderosos o bastante para
contrair o espaço-tempo tornavam virtualmente impossível traçar rotas do
hiperespaço seguras naquela região.
– Sei o que está pensando – Hetton disse. – Eu também estava cético a
princípio. Porém, quanto mais eu estudava sobre Belia, mais evidências
encontrava para apoiar a teoria de que sua fortaleza ficava em Tython.
– Mesmo se for verdade – Zannah protestou –, ninguém sabe como
chegar a Tython.
– Eu sei – Hetton disse com um sorriso malicioso. – Em minhas
pesquisas, descobri as coordenadas de uma via do hiperespaço há muito
esquecida que leva para dentro do Núcleo Profundo. Mas eu nunca arrisquei
fazer essa viagem. Meu medo era que as defesas da fortaleza de Belia
fossem impenetráveis. E então, conheci você.
– Não entendo o que isso tem a ver comigo – Zannah disse.
– Por muitos anos eu estudei o lado sombrio, mas meus poderes
estagnaram. Não aprenderei mais nada sozinho. Preciso de um novo mestre,
um com o poder para penetrar as defesas da fortaleza de Belia e descobrir
seus segredos.
– Você quer se tornar meu aprendiz? – Zannah perguntou, sua voz
aumentando com descrença.
– Tudo que sei sobre Belia Darzu, incluindo a rota do hiperespaço para
Tython, pode ser encontrado neste datacard – Hetton disse, falando
rapidamente. – Estou dando o datacard a você como um presente, um sinal
de respeito e admiração e prova da seriedade da minha oferta.
– Você tem o dobro da minha idade! – Zannah exclamou, ainda incapaz
de digerir aquela bizarra mudança nos eventos.
– A idade tem pouca relevância quando se trata da Força – Hetton a
tranquilizou. – Seu poder é muito maior do que o meu. Estou pedindo a
você que me ensine os caminhos do lado sombrio. Em troca, eu ofereço
acesso a todo o conhecimento que coletei durante os últimos trinta anos.
– Eu mesma sou apenas uma aprendiz – Zannah admitiu. – E meu mestre
mataria a nós dois antes de aceitar sua proposta. Para os Sith sobreviverem,
deve haver apenas um mestre e um aprendiz.
– Então como a linhagem dos Sith continua? – Hetton perguntou,
confuso.
– Quando eu superar meu mestre, eu o matarei e tomarei seu lugar –
Zannah explicou, transmitindo, sem pensar duas vezes, as crenças que Bane
havia implantado em sua mente na última década. – Então eu encontrarei
meu próprio aprendiz para continuar o legado do lado sombrio.
Hetton ficou em silêncio por um momento, considerando o que ela havia
acabado de dizer.
– Talvez esse momento tenha chegado – ele disse suavemente. – Juntos,
poderemos acabar com o reinado do seu mestre.
Zannah riu diante daquela sugestão. Hetton cerrou os olhos
momentaneamente, ofendido pela reação.
– Tenho mais recursos disponíveis do que você pode imaginar – Hetton
disse, erguendo a mão e estalando os dedos.
Dois de seus guardas surgiram ao seu lado, materializando-se no ar.
Zannah levou a mão para o cabo do sabre de luz, pensando que tinha caído
em uma armadilha. Ela não conseguia entender de onde os guardas vieram;
pois, se estivessem de alguma forma invisíveis, ela poderia ter sentido suas
presenças através da Força.
Mas os guardas não fizeram menção de atacá-la, e um segundo mais
tarde ela relaxou outra vez e olhou para Hetton.
– Eu já disse antes, eu recrutei vários indivíduos com talentos únicos e
especializados – ele explicou –, entre eles estão oito antigos estudantes da
Academia Sith em Umbara.
Por causa de Bane, Zannah sabia que os estudantes enviados a Umbara
eram treinados em técnicas de invisibilidade e assassinato, aprendendo a
usar a Força para mascarar sua presença para qualquer forma de detecção.
Foi por isso que ela não fora capaz de senti-los na sala.
– Se você me aceitar como aprendiz, meus guardas irão jurar lealdade a
você também – Hetton disse a ela. – Você terá um esquadrão de oito
assassinos implacáveis e invisíveis ao seu comando.
– Não podemos arriscar que os Jedi descubram nossa existência – ela
finalmente o alertou. – Se você se tornar meu aprendiz, terá que deixar tudo
isto para trás.
– Eu não poderia continuar aqui por muito mais tempo, de qualquer
maneira – Hetton a lembrou. – Não vai demorar até as Grandes Casas
descobrirem que eu sou o fundador da Frente de Liberação
Antirrepublicana. Eles confiscarão meus bens e me condenarão como um
traidor.
“Eu já comecei a transferir minha biblioteca para datacards, em
preparação para minha fuga.”
Em sua mente, Zannah pesou tudo que sabia sobre a força e poder de
Darth Bane contra Hetton e seus oito Assassinos das Sombras, tentando
determinar qual lado possuía a vantagem. No final, ela não conseguiu
prever quem sobreviveria a um encontro, mas decidiu que queria descobrir.
– Quanto tempo você e seus assassinos precisam para ficar prontos?
– Podemos partir dentro de uma hora.
– E após Bane morrer nós iremos a Tython?
– Se esse é o seu desejo, mestra – Hetton disse, curvando-se.
Capítulo 15
A NOITE JÁ HAVIA CAÍDO sobre Ambria, mas Bane não estava interessado
em dormir. Ele estava sentado de pernas cruzadas naquilo que restou do
acampamento, esperando Zannah retornar com os suprimentos para que
pudessem reconstruir o lugar. Enquanto esperava, ele meditou sobre seu
mais recente fracasso com o holocron.
Esse dilema não oferecia uma solução fácil. Se forçasse demais, seu
corpo não aguentaria, o que provocaria erros durante os ajustes precisos da
matriz do holocron. Se fosse mais devagar, conservando suas forças, ele não
seria capaz de terminar antes que a rede cognitiva começasse a se degradar.
Os dois fatores funcionavam em oposição um ao outro, e Bane quebrava a
cabeça para encontrar uma maneira de equilibrar as necessidades do tempo
e do esforço.
A última tentativa levara seu poder ao limite, o deixando à beira da
completa exaustão. Porém, mesmo se não tivesse cometido o erro crítico
que causou o colapso da matriz, ele duvidava que teria sido capaz de
completar os ajustes finais em tempo.
Quanto mais contemplava o processo, mais frustrado ele se tornava. Ele
fracassara nos dois lados do espectro, incapaz de terminar no tempo certo e
sem a força necessária para completar a tarefa sem cometer erros.
Seria possível que houvesse outro elemento crucial que ele desconhecia
no processo? Haveria outro segredo esperando para ser descoberto que
finalmente permitiria criar um holocron para que ele pudesse passar sua
sabedoria e conhecimento para seus sucessores? Ou será que o fracasso era
culpa só dele? Será que lhe faltava poder? Será que seu domínio do lado
sombrio era menor do que o domínio dos antigos Sith, como Freedon
Nadd?
Aquela era uma desconfortável linha de especulação, mas era uma
alternativa que Bane se forçou a considerar. Ele lera as histórias dos grandes
lordes Sith; muitas estavam cheias de proezas quase improváveis demais
para se acreditar. Porém, mesmo se os relatos fossem verdade, mesmo se
alguns de seus predecessores tivessem a capacidade de usar o lado sombrio
para destruir mundos inteiros ou desencadear supernovas em estrelas, Bane
ainda sentia que seu poder estava à altura das habilidades dos muitos lordes
Sith que haviam conseguido criar seus próprios holocrons.
Mas quanto do seu poder é desperdiçado com a infestação de parasitas
em seu corpo?
A questão surgiu em sua mente, não colocada por sua própria voz, mas
pela de sua aprendiz. Zannah havia expressado sua preocupação com o
efeito que os orbalisks poderiam ter sobre ele; era possível que estivesse
certa.
Ele sempre acreditara que o lado negativo dos orbalisks – a constante dor,
a aparência desfigurada – era superado pelos benefícios. Eles o curavam, o
deixavam fisicamente mais forte e protegiam contra todo tipo de arma.
Agora, Bane começava a questionar essa crença. Embora fosse verdade que
ele podia canalizar seu poder através das criaturas para um aumento
temporário de suas habilidades, em longo prazo elas podiam, na verdade,
estar enfraquecendo Bane. Elas constantemente se alimentavam das
energias do lado sombrio que fluíam através de suas veias. Seria possível
que, após uma década da infestação, sua capacidade de extrair poder da
Força estivesse diminuindo sutilmente?
Era uma ideia que no passado ele teria dispensado imediatamente. Mas
seu fracasso repetido com os holocrons o forçavam a reavaliar sua relação
simbiótica com os estranhos crustáceos. Ele podia senti-los agora mesmo,
alimentando-se, sugando a Força que fluía através de suas veias.
Os orbalisks repentinamente se tornaram agitados. Eles tremeram e se
agitaram contra sua carne; Bane sentiu a fome insaciável das criaturas
crescendo como se em resposta à presença de uma fonte próxima de poder
do lado sombrio.
Bane olhou ao redor, esperando ver Zannah se aproximando do
acampamento sob o brilho da lua cheia. Mas não viu nada, não sentiu nada
– nem mesmo as pequenas criaturas e insetos que saíam à noite em busca de
comida, voando no ar ou rastejando no chão. Sua percepção normal do
mundo ao redor parecia estranhamente emudecida ou… mascarada!
Ele se levantou de repente e sacou o sabre de luz, a lâmina ganhando vida
com um zumbido elétrico. Um lampejo de luz vermelha explodiu ao seu
redor, iluminando a escuridão e desfazendo as ilusões que escondiam seus
inimigos ocultos.
Oito figuras vestindo mantos vermelhos cercavam o acampamento, suas
identidades ocultas pelo visor de seus capacetes. Cada uma carregava um
longo cajado metálico que Bane reconhecia como um bastão energético, a
arma tradicional dos Assassinos das Sombras de Umbara.
Treinados na arte de matar adversários sensíveis à Força, os Assassinos
das Sombras preferiam contar com o disfarce e a surpresa. Expostos pela
explosão de energia de Bane, eles repentinamente perderam sua grande
vantagem. E, embora houvesse oito deles, Bane não hesitou.
O lorde Sith saltou adiante e atacou a primeira figura de vermelho antes
que ela – ou ele – tivesse chance de reagir, um único golpe com o sabre de
luz que cortou o infeliz oponente em dois logo acima da cintura.
Os outros sete avançaram ao mesmo tempo, atacando com os bastões
energéticos e suas mortais pontas eletrificadas. Bane não se deu ao trabalho
de desviar os golpes, apenas contou com sua armadura orbalisk para
protegê-lo quando adotou uma estratégia puramente ofensiva.
Sua inesperada tática pegou outros dois assassinos de surpresa, e eles
avançaram direto para um golpe que cortou suas tripas.
Os últimos cinco atacaram Bane quase simultaneamente, seus bastões
enviando uma corrente de um milhão de volts através de seu corpo. Os
orbalisks absorveram a maior parte da carga, mas o suficiente vazou para
eletrocutá-lo dos dentes até os pés.
O lorde sombrio cambaleou e caiu de joelhos. Mas, em vez de correrem
para terminar o serviço, os assassinos simplesmente mantiveram a posição.
A ideia de que qualquer coisa menor do que um bantha poderia aguentar um
golpe direto de um bastão energético em sua carga máxima – muito menos
cinco bastões ao mesmo tempo – era inimaginável. O erro de cálculo deu a
Bane o segundo necessário para afastar os efeitos e se levantar, para o
espanto e horror de seus inimigos.
– Zannah estava certa sobre você – uma voz disse atrás de Bane.
Ele se virou para ver um pequeno homem com seus cinquenta anos,
vestido todo de preto, de pé no lado mais afastado do acampamento. Em sua
mão havia um sabre de luz verde, mas estava óbvio pela maneira como
segurava o cabo que ele nunca recebera o treinamento adequado para lidar
com a arma exótica.
Ao lado do homem estava a própria aprendiz de Bane; ela não havia
sacado o sabre de luz.
Bane rosnou de raiva diante daquela traição, seu ódio crescente
alimentado pelas substâncias químicas que os orbalisks bombeavam em seu
sistema.
– Hoje é o dia em que você vai morrer, Darth Bane – o homem disse,
avançando para atacar.
Ao mesmo tempo, as cinco figuras de vermelho correram em sua direção,
vindas de trás. Bane girou e lançou a palma da mão aberta sobre eles,
disparando uma onda de poder sombrio. Assim como os Jedi e os Sith, uma
das primeiras técnicas que os Assassinos das Sombras aprendiam era a
criação de uma barreira da Força. Canalizando seu poder, eles conseguiam
formar um escudo protetor ao redor de si mesmos para neutralizar os
ataques da Força de seus inimigos. Mas, se um oponente fosse forte o
bastante, um ataque concentrado poderia romper a barreira. Darth Bane,
lorde sombrio dos Sith, definitivamente era forte o bastante.
Dois dos assassinos foram derrubados imediatamente, caindo no chão
como se tivessem trombado com um muro invisível. Outros dois, mais
fracos e menos capazes de se defender contra o poder de Bane, foram
jogados para trás. Apenas o quinto assassino era forte o suficiente para
resistir ao golpe do lorde Sith e continuar avançando.
Entretanto, sem seus parceiros ao seu lado para atazanar e distrair seu
inimigo, ele acabou se tornando o foco da fúria de Bane. Incapaz de se
defender contra a sequência selvagem de golpes de sabre de luz, ele foi
derrotado em questão de segundos, recebendo meia dúzia de ferimentos
fatais sobre o peito e o rosto.
Enquanto os quatro assassinos restantes se levantavam, Bane girou de
volta para seu líder. Sabiamente, o homem de preto havia parado seu
avanço e agora tentava concentrar a Força. Quando Bane deu um passo em
sua direção, o homem disparou um único relâmpago azul, fino e longo.
Bane se defendeu com o sabre de luz, a lâmina absorvendo a energia. Em
retaliação, ele contra-atacou também com um relâmpago – uma tempestade
com dezenas de raios se arqueando na direção de seu alvo em vários
ângulos diferentes.
O homem saltou alto no ar, dando uma cambalhota para trás e evitando a
mortal conflagração elétrica. Ele aterrissou de pé a dez metros de distância,
com uma pequena cratera fumegante marcando o lugar onde ele havia
estado um instante atrás.
– Zannah! – o homem gritou. – Faça alguma coisa!
Mas a aprendiz de Bane não fez nada. Ela meramente continuou de pé,
afastada para o lado, ganhando tempo e observando a ação.
Os assassinos se lançaram sobre Bane outra vez, mas, em vez de afastá-
los com a Força, ele permitiu que seu corpo se tornasse um condutor,
transformando a si mesmo em uma manifestação física do frenético poder
do lado sombrio. Quando girou como um furacão, sua lâmina pareceu estar
em toda parte ao mesmo tempo: cortando, golpeando e fatiando seus
inimigos.
Todos os quatro assassinos morreram no ataque, embora um deles tenha
conseguido acertar um único golpe com seu bastão energético antes de ter
sua garganta cortada, um ferimento tão profundo que quase decepou sua
cabeça. Alimentado pela raiva e fúria, Bane ignorou o mortal choque
elétrico como um bantha ignorando a mordida de um besouro-venn.
Mais uma vez, ele voltou a atenção para o homem de preto. Bane
marchou lentamente em sua direção enquanto seu adversário tremia
congelado no lugar, paralisado pela terrível ciência de sua iminente morte.
– Zannah! – o homem gritou para ela novamente, segurando seu sabre de
luz verticalmente diante dele, como se fosse um talismã que poderia afastar
o demônio se aproximando. – Mestra! Socorro!
Bane o golpeou, decepando o braço do homem que segurava o sabre na
altura do cotovelo. O homem gritou e caiu de joelhos. Um instante mais
tarde, sua voz silenciou, quando Bane atravessou seu corpo, cravando o
sabre de luz em seu peito logo abaixo do coração e furando as costas meio
metro atrás dos ombros.
Bane retirou a lâmina. E o corpo do velho homem caiu de cara na terra,
com o lorde sombrio já virado para sua aprendiz. Zannah apenas continuou
parada, observando.
– Você me traiu! – ele rugiu e saltou sobre ela.
Zannah assistira ao combate com interesse, observando cuidadosamente
as táticas e tendências de Bane e guardando essas informações para mais
tarde. Seu mestre despachou facilmente Hetton e seus lacaios, como ela já
esperava… embora tenha havido um breve instante no começo da luta em
que Bane parecera vulnerável. Aparentemente, os orbalisks não foram
capazes de protegê-lo completamente contra a corrente elétrica dos bastões
energéticos – outro fato que ela fez questão de memorizar.
Quando terminou, seu mestre se virou para encará-la. Zannah esperava
que ele fosse exigir uma explicação, mas em vez disso ele avançou sobre
ela com um grito. Ela mal teve tempo de acionar suas lâminas gêmeas para
defender aquele ataque inesperado.
Zannah tomou uma postura defensiva como sempre fazia nas sessões de
treinamento. Mas aquilo não era um exercício, e seu mestre avançou sobre
ela com uma velocidade e ferocidade que ela nunca enfrentara antes.
Entregando-se à sua sede de sangue alimentada pelos orbalisks, Bane era
como um animal selvagem, cobrindo-a com golpes furiosos vindos de todos
os ângulos, tão rápidos que era como se ele brandisse uma dezena de
lâminas ao mesmo tempo. Zannah começou a recuar, desesperadamente
cedendo espaço sob o ataque devastador.
– Eu não traí você, mestre! – ela gritou, tentando fazer Bane voltar à
razão antes de cortá-la em duas. – Eu atraí Hetton até aqui para que você
pudesse matá-lo!
Ela se abaixou sob um golpe horizontal do sabre de luz, mas levou um
chute pesado nas costelas. Ela rolou com o chute, evitando por pouco o
retorno do sabre. Ela defendeu um rápido golpe descendente, tomou
impulso e se lançou para trás, recuando dez metros.
– Ouça-me, mestre! – Zannah gritou depois de colocar alguma distância
entre os dois. – Se eu quisesse traí-lo, por que eu não ajudaria durante a…
oooffff!
Bane a atingiu com uma poderosa onda da Força, lançando seu corpo
para trás. Apenas a barreira que ela havia instintivamente criado no último
segundo impediu que seus ossos fossem destroçados pela força do impacto.
Ela se ergueu e girou o sabre de luz, criando aquilo que esperava ser um
impenetrável muro de defesa. Mas em vez de tentar romper sua guarda,
Bane saltou alto no ar e desceu quase em cima dela. Zannah habilmente
defendeu o ataque, redirecionando o sabre para o lado quando girou para
impedir que ela fosse atingida pelo corpo dele. Mas Bane acertou seu
queixo com o cotovelo quando ela se virou, o golpe lançando sua cabeça
para trás. Seu corpo amoleceu, sua arma caiu de seus dedos relaxados e
Zannah desabou no chão.
Por um segundo ela não viu nada além de estrelas. Quando a visão
clareou, Zannah viu a imagem de Darth Bane pairando sobre ela, sua
lâmina erguida para um golpe final.
– Eu apenas fiz isso para você, mestre! – ela gritou, ignorando a dor em
sua mandíbula. – Eu apenas queria trazer a você a chave para criar um
holocron!
Bane hesitou, as palavras de Zannah finalmente romperam a loucura
bestial que envolvia o lorde sombrio. Ele olhou para ela no chão, sua cabeça
pendendo para o lado enquanto a sede de sangue lentamente desaparecia.
– Você fez isso para mim? – ele perguntou, desconfiado.
Zannah assentiu freneticamente, mesmo sofrendo tonturas por causa
disso.
– Hetton me reconheceu como uma verdadeira Sith. Eu precisava
encontrar alguma maneira de eliminá-lo junto com seus capangas para
manter nossa existência em segredo.
– Então você os trouxe aqui para que eu caísse em uma emboscada – ele
disse, deixando seu ceticismo óbvio.
– Eu precisava ganhar sua confiança – Zannah explicou, falando
rapidamente e puxando de dentro de suas roupas o datacard que Hetton
havia lhe entregado. – Tive que enganá-lo para que ele me desse isto, para
que eu pudesse repassar a você.
Ela ofereceu o datacard para seu mestre, impressionada com o fato de
que o objeto havia sobrevivido ao confronto. Bane apanhou o datacard,
baixando o sabre de luz e extinguindo a lâmina.
Ele assentiu brevemente e deu um passo para trás, devolvendo espaço
para Zannah. Ela retomou seu sabre de luz caído no chão, depois se
levantou lentamente. Sua cabeça ainda doía por causa da cotovelada no
queixo, dificultando que ficasse em pé com total equilíbrio.
– Eu sabia que você possuía a força para derrotá-los, mestre – Zannah
disse. – Foi por isso que não o ajudei durante o combate.
– E se você estivesse errada? – Bane perguntou com um tom de voz
baixo e ameaçador. – E se eles tivessem conseguido me matar?
– Então você seria fraco, indigno de ser o lorde sombrio dos Sith –
Zannah respondeu com audácia. – E teria merecido a morte.
– Exatamente – Bane disse com seu familiar sorriso sinistro, e Zannah
então soube que seu mestre aprovava.
Capítulo 16
Três semanas se passaram desde que Zannah presenteara seu mestre com
o datacard que quase custara a vida da jovem aprendiz. Bane usara aquele
tempo para estudar o conteúdo do datacard cuidadosamente, analisando
cada pequeno pedaço de informação que Hetton juntara sobre Belia Darzu.
Ele cruzou as referências da maior parte das informações com suas próprias
fontes, verificando tudo que podia fazer para autenticar a pesquisa de
Hetton. E Bane agora tinha confiança de que tudo que o velho homem havia
descoberto era verdade.
Os experimentos de Belia na alquimia Sith revelaram os segredos que
permitiram a ela cercar-se de um exército de tecnoferas. Ainda mais
impressionante, ao menos da perspectiva de Bane, Belia tivera sucesso ao
criar seu próprio holocron. E havia fortes indícios que apoiavam a teoria de
que o holocron que ela desenvolvera – o repositório de todo o seu
conhecimento – ainda estava escondido em algum lugar dentro de sua
fortaleza em Tython.
Bane rodou o diagnóstico final em sua nave: ele não podia correr o risco
de algo se quebrar na jornada que estava prestes a embarcar. A rota do
hiperespaço que levava para dentro do Núcleo Profundo era perigosa, e se
algo desse errado, não haveria chance de salvamento. Ele teria uma morte
fria e solitária – um cadáver congelado, flutuando em um caixão de metal
ao redor do buraco negro no centro da galáxia.
Os sistemas da Mystic pareciam todos em perfeita ordem. Uma nave da
nova série Infiltrator criada pela Sienar, a Mystic era um caça de tamanho
médio e longo alcance que ele adquirira anonimamente através de sua rede
de fornecedores no submundo. Construídas para carregar seis passageiros,
as naves da série Infiltrator eram armadas com armas leves e equipadas com
mínima blindagem, o foco do modelo sendo sua velocidade e agilidade. A
Mystic fora customizada com a adição de um hiperpropulsor classe quatro,
permitindo que escapasse de praticamente qualquer outra nave que
encontrasse.
Embora houvesse espaço dentro da nave tanto para o mestre quanto para
a aprendiz, Bane decidira que Zannah não o acompanharia em sua viagem a
Tython. Mas com certeza ela não ficaria simplesmente esperando em
Ambria por seu retorno.
Junto com seu estudo do datacard, Bane também passara um grande
tempo pensando sobre os orbalisks que se prendiam em seu corpo. Embora
fosse provável que ele descobriria novas informações em Tython que
desvendariam os últimos segredos sobre a criação de holocrons, também era
possível que Belia tivesse tido sucesso usando exatamente o mesmo
processo que ele usara em suas tentativas fracassadas. Bane ainda não podia
descartar a teoria de que os orbalisks foram os responsáveis por seu
fracasso, tirando dele as energias sombrias necessárias para levar o processo
até o final.
Também havia outras considerações. Por duas vezes ele se perdera em
um ataque de raiva, com seus pensamentos e razão substituídos pela
urgência cega de destruir tudo e todos ao seu alcance. Na primeira vez que
aconteceu, ele deixou o acampamento em ruínas: um desperdício tolo e sem
sentido de recursos.
A segunda vez poderia ter sido muito pior. Se tivesse matado Zannah, ele
ainda teria encontrado o datacard de Hetton com ela. Mas também seria
forçado a encontrar um novo aprendiz. Uma década de treinamento seria
perdida, jogada fora por causa de sua loucura temporária.
Zannah salvara a si própria ao explicar os motivos por trás de suas ações.
Ela agira em perfeito acordo com os ensinamentos de seu mestre – um fato
que Bane deveria ter percebido por si próprio. Mas os orbalisks o deixaram
cego para as hábeis maquinações de Zannah, e agora ele entendia que o
poder bruto que as criaturas lhe concediam vinha em troca de sua sutileza e
astúcia.
Então, enquanto ele iria para Tython para encarar os perigos e defesas da
fortaleza perdida de Belia, Zannah partiria para uma missão própria.
– PENSEI QUE VOCÊ JÁ TINHA deixado essa loucura para trás – Farfalla disse
com um tom desapontado e sacudindo a cabeça.
– Não é loucura – Johun insistiu – Ele estava lá, mestre. Ele viu com seus
próprios olhos!
Farfalla suspirou e se levantou da cadeira, começando a andar sem rumo
sobre o carpete de seu aposento privado. Johun permaneceu sentado,
concentrando-se em ficar calmo, deixando seus argumentos serem guiados
pela lógica e a razão.
– Como Hoth lidava com a sua teimosia? – Valenthyne perguntou,
parando e jogando as mãos no ar em exasperação.
– As suas personalidades são muito diferentes – Johun comentou. – Hoth
muitas vezes me acusava de ser passivo demais.
Farfalla sacudiu a cabeça outra vez e retornou para a cadeira.
– Você tem certeza que essa testemunha é confiável? – ele perguntou,
fazendo alusão aos mercenários que Johun quisera interrogar há dez anos.
Johun assentiu.
– Todos os detalhes de sua história batem. Ele se chama Darovit agora,
mas na época ele era conhecido como Tomcat. Os registros mostram que ele
foi recrutado em Somov Rit por Torr Snapit, e ele veio com seus primos
para se juntar ao Exército da Luz.
– E um desses primos é a garota que ele diz que cortou sua mão?
– Uma garota dez anos atrás – Johun notou. – Agora ela já seria uma
mulher. O nome da prima era Rain. Ela se perdeu em um ataque dos Sith
pouco depois de eles aterrissarem em Ruusan. Ela desapareceu e foi dada
como morta, mas deve ter sido encontrada por esse tal lorde Bane e levada
como sua aprendiz.
– Eu já ouvi esse nome antes – Farfalla admitiu, recostando-se na
cadeira. – Foi mencionado em alguns dos depoimentos dos lacaios dos Sith
que nós tomamos como prisioneiros. Se eu me lembro bem, ele foi um dos
últimos Sith a entrar na Irmandade.
Johun assentiu.
– Darovit disse a mesma coisa. Ele disse que Bane sempre relutou em
seguir Kaan. Se ele recusou a se juntar ao resto da Irmandade na caverna,
isso explicaria como ele sobreviveu à bomba de pensamento!
– É possível – Farfalla admitiu. – Mas como Darovit reconheceu Bane?
– Ele desertou para se juntar aos Sith no final da guerra.
Farfalla jogou as mãos para cima novamente.
– Um desertor, Johun? Um traidor dos Jedi? O Conselho nunca vai
acreditar nisso!
– Mas é isso que faz sua história ainda mais crível – Johun retrucou. – Se
ele estivesse mentindo, ele poderia facilmente encontrar alguma razão que
explicasse como reconheceu lorde Bane. Mas ele admitiu livremente seu
crime porque decidiu que chegou a hora de falar a verdade.
– E por que isso? – Farfalla quis saber. – O seu relato diz que ele viveu
como um curandeiro em Ruusan na última década. Por que ele decidiu, de
repente, contar a verdade?
– Quando falei com ele em Ruusan, eu o convenci dos perigos que os
Sith representam. Ele quer impedir Bane antes que outra guerra estoure.
Farfalla ergueu uma sobrancelha.
– Você o convenceu? Após uma década de silêncio, só foi preciso um
encontro com você para ele mudar de ideia? Como, exatamente, você
conseguiu isso?
– Eu não usei a Força – Johun protestou. – Não exatamente. Eu não usei
a Força para obrigá-lo. Eu apenas o deixei mais disposto a me ouvir.
– Você está tornando isso muito difícil para mim – Valenthyne disse,
esfregando uma das têmporas.
– Estou apenas pedindo para você conversar com ele pessoalmente,
mestre – Johun implorou. – Ouça o que ele tem a dizer. Ouça o relato,
depois decida se você deve levá-lo diante do Conselho.
– Está bem, Johun – Farfalla disse, assentindo. – Eu me encontrarei com
ele. Onde ele está agora?
– Ele queria aprender mais sobre as artes de cura de nossa Ordem –
Johun explicou. – O mestre Barra deu acesso a ele aos arquivos.
Valenthyne bateu em suas coxas e se levantou.
– Então sugiro que o encontremos antes que eu me arrependa.
Zannah piscou duas vezes para clarear o estupor que se instalava sobre
ela. A coleção geral dos Arquivos incluía tudo, desde os diários de
exploradores que eram tão excitantes de ler quanto qualquer obra de ficção,
até trabalhos acadêmicos tão secos e entediantes que testariam os limites da
paciência até de um mestre Jedi. Aparentemente, os trabalhos do Dr. Osaf
Hamud caíam nessa última categoria.
Por um breve instante, ela considerou simplesmente retirar o cartão e ir
atrás de uma refeição, mas preferiu fazer uma busca rápida pela palavra
orbalisk. Uma dezena de páginas passaram pela tela até chegar à seção
relevante.
Darovit andava pelo largo corredor do quarto saguão dos Arquivos Jedi,
impressionado pelo volume de conhecimento nas prateleiras.
Ele havia brevemente tentado procurar por informações sobre a fauna e
flora nativas de Ruusan, querendo expandir seu conhecimento para que
pudesse auxiliar melhor aqueles que buscavam sua ajuda. Porém, ele estava
acostumado com um mundo mais simples, e achou intimidadora a
tecnologia dos Arquivos. Um droide de análise havia explicado como usar
os sistemas de busca para encontrar as informações nas prateleiras, mas
aquela rápida aula deixou Darovit ainda mais confuso.
Havia outros pesquisadores ali, e ele poderia ter pedido ajuda para
qualquer um deles. Mas como uma pessoa que valorizava a própria
privacidade, ele não queria interromper os outros. No fim, ele simplesmente
passou a andar pelos corredores, esperando o retorno de Johun.
Darovit estava começando a se arrepender de sua decisão de viajar para
Coruscant. Ele se deixara levar naquele momento pelo Cavaleiro Jedi, a
ideia de impedir outra guerra com os Sith parecendo atraente para os ideais
românticos que o levaram até Ruusan em primeiro lugar, quando era
adolescente. Mas aqueles eram os sonhos de uma criança; agora ele era
mais velho e mais sábio.
Os Jedi atuavam em um mundo que não era dele. O destino de toda uma
galáxia pesava sobre os ombros dos Jedi; suas decisões afetavam trilhões de
vidas. Darovit não queria esse tipo de responsabilidade. Cercado pela
grandeza e glória dos Arquivos, tudo que ele queria era retornar para sua
simples cabana na floresta.
Infelizmente, isso poderia não ser mais uma opção. Ele estava em
Coruscant agora, e Johun parecia determinado a levar seu relato ao
Conselho Jedi.
Para distrair a mente, ele começou a estudar os outros pesquisadores.
Eram todos Jedi: padawans e mestres, jovens e velhos, humanos ou de
diversas outras raças. Ele notou uma jovem atraente com longos cabelos
escuros olhando atentamente para uma tela, mordendo os lábios enquanto
estudava um trabalho acadêmico.
Havia algo familiar sobre ela, embora Darovit tivesse certeza de que
nunca a vira antes. Na última década, ele não se encontrara com ninguém,
exceto os poucos indivíduos que o procuravam em sua cabana, e a mulher
certamente não parecia ter saído das fazendas e vilas de Ruusan.
Ele se aproximou discretamente dela, não querendo interromper seus
estudos, mas tentando descobrir se a conhecia. Por vários minutos, ele a
observou; a garota estava obviamente frustrada, incapaz de encontrar o que
procurava nos datacards. Repentinamente, ela saltou no ar, fechando o
punho em um gesto vitorioso, e Darovit sentiu uma presença familiar recair
sobre ele.
Nos primeiros dez anos de sua vida, aquela presença estivera
constantemente ao seu lado. Quando crianças, eles possuíam uma ligação
que ultrapassava o fato de serem meros primos – eles eram tão próximos
quanto irmão e irmã. E apesar de a pessoa diante dele possuir cabelos
negros, e não loiros, não havia dúvida de quem se tratava na mente de
Darovit.
– Rain? – ele chamou suavemente, para não assustá-la. – O que você está
fazendo aqui?
A mulher girou em sua direção, com olhos arregalados. Ela o encarou
com uma expressão neutra, incapaz de reconhecer o homem que vira pela
última vez há dez anos, quando ainda era um garoto. Então seus solhos
baixaram até o toco da mão direita, e seu queixo caiu.
– Tomcat?
Ele assentiu, depois acrescentou:
– Agora eu me chamo Darovit. Mas às vezes ainda acho que Tomcat soa
melhor.
– Você é um Jedi agora? – ela disse, confusa por sua presença nos
Arquivos.
– Não – ele respondeu rapidamente, não querendo ser confundido com
algo que ele não era. – Eu fiquei em Ruusan depois… depois disto – ele
ergueu o toco. – Eu me tornei um curandeiro.
– O que você está fazendo aqui?
– Eu vim para… – Ele parou no meio da frase, repentinamente
reconhecendo o perigo em que Rain se encontrava. O perigo que ele trouxe
para ela. – Rain, precisamos sair daqui! Os Jedi estão procurando por você!
– Tomcat, do que você está falando?
– Um Jedi veio até Ruusan. Eu contei a ele sobre você e Bane. Foi por
isso que eles me trouxeram até aqui!
Os olhos da jovem mulher brilharam com puro ódio e raiva, e por um
segundo Darovit pensou que ela fosse matá-lo no meio dos Arquivos Jedi.
– O quanto eles sabem? – ela exigiu saber. – Diga-me tudo que você
contou a eles!
– Rain, não temos tempo – ele protestou. – Eu estava esperando aqui para
eles virem me buscar. Eles podem chegar a qualquer momento. Você
precisa sair daqui, ou eles irão encontrá-la!
Ela se virou e apertou um botão no terminal; um pequeno datacard foi
ejetado. Ela o apanhou e guardou. Então ela agarrou Darovit pelo punho e o
puxou pelo corredor na direção da rotunda central. Ela se movia o mais
rápido possível sem chamar atenção, com um ritmo entre uma caminhada
rápida e uma corrida.
Darovit não tentou resistir, mas perguntou:
– Para onde estamos indo?
– Tython – ela sussurrou. – Preciso alertar meu mestre.
Eles alcançaram a rotunda, mas em vez de virarem no primeiro saguão e
seguirem para a saída, ela o levou para o terceiro saguão.
– O que você está fazendo, Rain? – Darovit perguntou, sua voz se
erguendo levemente. – Precisamos fugir!
Um dos outros pesquisadores – uma mulher mais velha com cabelos
ruivos, sentada diante de um terminal – se virou para eles, sua atenção
atraída pelas exclamações de Darovit.
– Silêncio, Tomcat – Rain disse, assentindo na direção da mulher como
se pedisse desculpas. – Você está perturbando os outros.
A velha senhora voltou para sua tela. A companheira de Darovit
chacoalhou seu braço.
– Desculpe – ele sussurrou, apenas alto o bastante para ser ouvido. – Mas
você precisa sair daqui. Siga para Tython antes que eles a encontrem aqui.
– Eu não sei onde fica Tython – ela retrucou através de dentes cerrados. –
Precisamos encontrar uma rota do hiperespaço.
Seguindo para um dos terminais ao lado da mulher ruiva, Rain apertou
uma série de botões. Um segundo mais tarde, a tela ganhou vida com uma
lista de números de referência.
– Achei – ela disse, empurrando Darovit no assento do terminal. – Espere
aqui.
Ela desapareceu no meio das prateleiras, movendo-se com o mesmo
ritmo, metade caminhada, metade corrida. Enquanto Darovit esperava sua
volta, ele percebeu que sua lealdade havia mudado de repente. Ele fora
atraído para Coruscant com a intenção de ajudar os Jedi a destruir os Sith e
prevenir uma guerra. Mas o conceito abstrato de sofrimento em escala
galáctica significava pouco agora que ele se deparou com sua amiga de
infância. Agora, tudo que podia pensar era o que aconteceria com Rain se
ela fosse capturada, e ele percebeu que estava disposto a fazer qualquer
coisa para mantê-la segura.
Menos de um minuto mais tarde, ela retornou e inseriu um datacard no
terminal. Inclinada sobre Darovit, que ainda estava sentado na cadeira, ela
digitou nos controles até a imagem de um mundo coberto de nuvens
aparecer na tela.
– Preciso copiar isto – ela disse, apanhando o datacard que vinha usando
quando ele a viu pela primeira vez e inserindo-o em outra entrada do
terminal.
– Por que não simplesmente pegar o original? – Darovit perguntou.
– Sensores nas portas dos Arquivos – ela explicou. – Remover um
original faz o alarme disparar.
O terminal soltou um bipe e o datacard foi ejetado após terminar a cópia.
Zannah o guardou em suas roupas, depois puxou Darovit pelos cotovelos.
– Vamos. Antes que seus amigos apareçam.
Sem se dar ao trabalho de devolver o original para as prateleiras, ela o
conduziu para fora do terminal. Zannah o levou até a rotunda, depois
atravessou o corredor principal do primeiro saguão até a saída, e então os
dois deixaram os Arquivos para trás.
Capítulo 20
Belia Darzu fora uma Shi’ido em vida, uma espécie que possuía a
capacidade de mudar de aparência, então não era surpresa que a projeção
que servia como seu avatar no holocron também mudasse de forma. Em
diferentes momentos ela parecia ser Twi’lek, Iridoniana, Cereana ou
humana, ocasionalmente até mudando de gênero.
– O processo de criação de um holocron não pode ser apressado – o
avatar explicou. – Os ajustes na matriz devem ser feitos com precisão e
cuidado.
Agora ela se mostrava em sua forma mais frequente: a de uma mulher
humana alta de cabelos castanhos e curtos. Ela parecia ter seus trinta anos,
com um rosto inteligente, quase matreiro. Naquela forma, ela tipicamente se
vestia com um macacão preto justo de piloto, botas pretas e um colete
amarelo-pálido que deixava seus braços nus. Ela também usava luvas
amarelas, uma curta manga preta sobre cada cotovelo, e um chapéu de
piloto e cinto vermelhos.
Após a ativação inicial do poder do holocron, Bane o tirou do santuário
interno e o levou para uma grande câmara no andar principal que
provavelmente servira como refeitório para os seguidores de Belia. Ali,
Bane vinha explorando o holocron nos últimos dias. Ele prosseguiu
cuidadosamente, ainda esgotado pela batalha com as tecnoferas. O ritmo
lento permitiu a ele recuperar as energias e recobrar suas forças à medida
que vasculhava os arquivos do cristal.
Muito do que ele descobriu focava nos rituais e práticas da alquimia Sith
– algo que ele iria explorar com mais cuidado quando tivesse mais tempo.
Em outras vezes ele se deparava com as análises filosóficas da própria
Belia, mas havia pouco ali que Bane já não tivesse descoberto por si
mesmo. Apenas agora ele finalmente encontrara aquilo que estava
procurando.
– Pode levar semanas, ou mesmo meses – a imagem de Belia explicou –,
antes de os últimos estágios da construção chegarem ao fim.
A imagem piscou, e foi substituída pela imagem do corte longitudinal de
um holocron. Os filamentos e fibras da matriz cristalina na imagem
começaram a mudar e se mover, ilustrando os ajustes a que o avatar se
referia. Bane não se deu ao trabalho de prestar muita atenção; ele já sabia
como ajustar as estruturas internas da matriz.
– Você disse que os ajustes podem levar meses. Como isso é possível? –
Bane perguntou, sacudindo a cabeça. – A rede cognitiva degrada rápido
demais.
A imagem de Belia reapareceu.
– A rede cognitiva precisar estar presa dentro do pináculo – ela explicou.
– Pináculo? – Bane perguntou, seus nervos formigando de expectativa.
Em toda sua pesquisa, ele nunca ouvira menção sobre um pináculo antes.
A imagem de um holocron voltou a aparecer, porém não mais em um
corte longitudinal. O pequeno cristal negro posicionado no topo da pirâmide
estava piscando.
– O pináculo é a chave de todo o processo – a voz de Belia disse. – Sem
isso, a rede cognitiva irá se degradar antes que você complete os ajustes, e
você irá fracassar todas as vezes.
Bane olhou maravilhado para a imagem. Ele sabia que o cristal negro era
parte essencial da construção do holocron. Mas ele achava que seu único
propósito era canalizar o poder dos símbolos gravados sobre os lados da
pirâmide que atuavam na matriz. Ele nunca imaginou que também serviria
outra função.
– Como eu prendo a rede cognitiva dentro do pináculo? – ele perguntou,
ansioso para descobrir o segredo que tanto procurava.
– Você precisa invocar o Rito de Iniciação – Belia respondeu.
A projeção mudou para mostrar um ritual Sith incrivelmente elaborado e
complicado, um ritual que ultrapassava tudo que Bane já havia dominado
até então. Com sutis empurrões da Força ele avançou de imagem a imagem,
percebendo que levaria muitos meses de estudo cuidadoso para memorizar
o ritual. Mas… o segredo era dele!
Satisfeito, ele desligou o holocron. Era hora de deixar Tython e retornar
para Ambria. Se tudo correu bem, sua aprendiz estaria esperando por ele.
Ele saiu da fortaleza, onde a Mystic o aguardava. Mas, quando se
preparava para subir a bordo, ele viu outra nave no horizonte vindo em sua
direção. Ele usou a Força e sentiu a presença de Zannah lá dentro… e a de
outra pessoa.
A Loranda aterrissou a cinquenta metros de onde sua nave estava. Bane
permaneceu impassível, esperando Zannah aparecer. Quando surgiu, havia
um jovem rapaz junto com ela. O lorde sombrio podia sentir a Força dentro
dele, embora fosse uma presença fraca. Quando viu que o rapaz não possuía
a mão direita, tudo se encaixou.
– Nós deveríamos nos encontrar em Ambria – ele disse a ela com um tom
irritado. – Por que você veio até aqui? E por que o trouxe junto?
– Eu vim para alertá-lo – ela respondeu rapidamente. – Os Jedi sabem
que você sobreviveu à bomba de pensamento.
– Por causa dele – Bane disse, assentindo na direção do rapaz.
– Ele iria falar com o Conselho Jedi – Zannah explicou. – Se ele sumir,
os Jedi podem dispensar os rumores de que você ainda está vivo.
– Por que você simplesmente não o matou? – Bane perguntou, com uma
voz ameaçadora.
– Ele é um curandeiro – foi sua resposta imediata. – Ele sabe como livrar
você dos orbalisks.
Bane achou que a resposta de Zannah veio rápido demais. Era como se
ela já tivesse discutido isso, provavelmente ensaiando em sua cabeça várias
e várias vezes para se preparar para aquele encontro.
– Isso é verdade? – ele exigiu saber do rapaz.
– Não posso fazer isso aqui – Darovit respondeu. – Preciso de
suprimentos. Equipamentos especiais. É perigoso, mas acho que é possível.
Bane hesitou. Não por causa do potencial perigo; ele já sabia que
qualquer procedimento para se livrar da infestação seria cheio de riscos.
Mas agora que sabia que seus fracassos com o holocron não estavam
ligados aos orbalisks alimentando-se de seu poder, ele queria reavaliar a
decisão de removê-los.
A visão de outra nave aparecendo sobre os ombros de sua aprendiz, ainda
longe demais para identificar o modelo ou afiliação, colocou um fim em
suas deliberações. Um instante mais tarde ele sentiu o inegável poder do
lado da luz.
Zannah deve ter sentido também; ela se virou e olhou naquela direção,
depois voltou a olhar para ele com uma expressão preocupada.
– Tem algo errado? – o jovem curandeiro perguntou, notando a troca de
olhares. – O que foi?
– Nós fomos seguidos – Zannah murmurou.
A nave estava se aproximando com muita velocidade, rápido demais para
que eles subissem a bordo e tomassem os céus. Se tentassem, a outra nave
atiraria neles antes que pudessem decolar.
– Entrem na fortaleza – Bane ordenou. – Os Jedi nos encontraram.
Capítulo 21
Já fazia muitos anos desde que Farfalla lutara com o auxílio da meditação
de combate de Worror. Ele se esquecera do quanto o incrível talento do
Ithoriano o deixava mais rápido e mais forte. A Força fluía através dele com
grande poder, preenchendo seu corpo com energia. Porém, mesmo com o
incremento em suas habilidades, ele se perguntou se conseguiriam
sobreviver àquela batalha.
Quando invadiram a sala, um homem que apenas podia ser Darth Bane
avançou diretamente sobre eles. Em qualquer outra circunstância, aquele
movimento resultaria em um rápido fim para o encontro, já que Raskta
correu na frente de Farfalla para cortar o Sith em pedacinhos.
As lâminas azuis de Raskta se moviam rápido demais para os olhos,
neutralizando o selvagem ataque inicial do inimigo, depois acertando uma
dezena de golpes letais em seu peito e abdômen. Mas em vez de cair, o
homem alto continuou avançando, sem nem diminuir o ritmo. Ele teria
passado por cima de Raskta, pisoteando a Jedi com suas pesadas botas, não
tivesse ela feito uma cambalhota para o lado no último instante possível.
Bane não parou; seu impulso o levou diretamente para Farfalla. O mestre
Jedi teve um momento para registrar a estranha armadura feita de carapaças
brilhantes que seu inimigo usava debaixo das roupas. Ele então também
saltou para o lado para evitar ser atropelado, sobrevivendo apenas porque
seus reflexos estavam mais rápidos por causa do poder de Worror.
Raskta já estava de pé e voando em sua direção. Bane girou e lançou uma
onda de energia sombria invisível sobre ela. Um mestre de armas não era
especialista em defender ataques da Força. O impacto da onda teria
esmagado Raskta contra a parede, se Farfalla não tivesse lançado um
escudo para proteger a Echani. Mesmo assim, o corpo musculoso dela foi
atingido no ar e lançado para trás, embora ela conseguira girar e cair sobre
seus pés.
Farfalla notou o lorde Sith se virar em sua direção, sentindo a intervenção
que salvou a vida de Raskta. Bane disparou uma saraivada de relâmpagos,
concentrando e liberando seu poder na velocidade de um pensamento. O
Jedi ergueu uma barreira da Força para se proteger, mas a eletricidade
rompeu a barreira e arqueou sobre ele. Então, de repente, Raskta estava lá
para salvar sua vida, retribuindo o favor de apenas alguns segundos atrás,
quando ela se jogou na frente dele. Reforçada pela meditação de Worror, ela
mudou de estilo instantaneamente, e seus braços e lâminas se tornaram uma
mancha no ar, cortando em formato de oito para defender e absorver os
raios de energia do lado sombrio.
O inimigo avançou novamente sobre eles, seguindo os relâmpagos com
pura agressividade. Ela se abaixou, golpeando com força as coxas e
panturrilhas de Bane, tentando deixar seu oponente se arrastando sem
pernas no chão. Suas lâminas cortaram através das botas e das calças,
apenas para revelar mais das conchas quitinosas.
Bane atacou com o sabre de luz a Echani, que cruzou suas lâminas em
um X, tentando bloquear e prender a arma de seu oponente no ponto de
intersecção. Mas o movimento do Sith foi apenas uma distração, e no
último instante ele puxou a arma de volta e golpeou com o cotovelo as
costelas da Jedi. O contato a tirou do chão e a jogou para trás. Um segundo
depois ele passou por ela, avançando sobre Farfalla.
O mestre Jedi assumiu uma elegante postura defensiva para receber o
ataque.
– O cabo! – Raskta disse quase sem ar enquanto tentava se levantar.
O alerta fez Farfalla notar o sabre de luz com cabo curvado de seu
inimigo e a incomum empunhadura necessária para usar a arma. Isso
alteraria a natureza de seus ataques, fazendo que viessem de ângulos
estranhos e pouco familiares. No mundo regimentado e hiperpreciso dos
duelos de sabres de luz entre Jedi e Sith, aquilo transformava seu estilo em
algo único e inesperado.
Valenthyne reconheceu, processou e reagiu àquela informação em uma
fração de segundo, permitindo a ele ajustar o curso de sua própria arma
apenas o bastante para bloquear um ataque que, de outra maneira, teria
deslizado pela lâmina de seu sabre e decepado seu braço na altura do
cotovelo. Mesmo assim, a força do ataque arrancou a lâmina dourada de sua
mão, lançando o sabre de luz pelo chão. Desarmado e indefeso diante de
seu inimigo, ele foi salvo por Raskta.
Sabendo que seu sabre não poderia penetrar a armadura de Bane, ela
deslizou por trás e deu uma rasteira nele. Bane caiu para trás,
transformando sua queda em uma cambalhota que lhe possibilitou ficar em
pé novamente. Entretanto, a distração permitiu a Farfalla olhar na direção
de seu sabre e usar a Força, atraindo a arma de volta para sua mão.
Ele girou de volta para a luta e viu que a mestra de armas Echani havia
tomado a ofensiva, lançando rápidos ataques com suas duas lâminas azuis
na direção do rosto desprotegido de Bane – o único ponto de seu corpo que
parecia não estar coberto pelas conchas impenetráveis. Notavelmente, Bane
estava cedendo espaço.
– Não se aproxime! – ela gritou para Farfalla. – Você só vai atrapalhar.
Farfalla obedeceu, concentrando as energias do lado da luz para lançar
outra barreira protetora caso Bane tentasse outra onda de energia sombria
contra a Echani.
Ela parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo – na frente de
Bane, ao seu lado, atrás, circulando por baixo, saltando pelo alto, desviando
golpes e depois atacando três vezes seguidas os olhos dele. A cabeça do
homem se abaixava e pendia para os lados, evitando os golpes da Jedi
enquanto tentava lançar uma contraofensiva.
O domínio de Raskta sobre seus sabres era incomparável, mas mesmo
com seus talentos aumentados pela meditação de Worror, ela não conseguia
acertar um único golpe certeiro em um alvo tão pequeno através das defesas
de Bane. Mesmo assim, a ferocidade de sua nova estratégia havia mudado a
luta em seu favor… ou foi isso o que Farfalla pensou.
Bane continuou seu recuo, circulando para longe das lâminas de Raskta,
depois repentinamente virando-se e correndo na direção do Ithoriano
desarmado na frente da porta da sala.
A meditação de batalha requeria a completa concentração do mestre
Worror; não havia chance de erguer qualquer tipo de defesa. Se Bane o
matasse, os outros perderiam a única vantagem que dava a eles alguma
chance de sobrevivência.
Farfalla liberou o poder que estivera juntando em um único disparo
concentrado. Bane foi subitamente envolvido em um campo de estase feito
com energia do lado da luz, congelando o Sith no lugar. Mas seu domínio
do lado sombrio era poderoso demais para que o campo o segurasse por
mais do que uma fração de segundo. O campo brilhante explodiu em
fragmentos quando o lorde sombrio se libertou, mas o atraso momentâneo
permitiu a Echani se colocar entre o Ithoriano e o Sith.
As lâminas de Raskta zumbiram quando ela voltou a acioná-las,
determinada a manter Bane longe do mestre Worror a qualquer custo.
Ele é forte demais, Farfalla percebeu enquanto corria para ajudá-la. Tanto
fisicamente quanto com o poder do lado sombrio. É como tentar lutar
contra uma força da natureza.
– Johun! Sarro! Precisamos de reforços!
QUANDO ZANNAH CHEGOU AO LADO de Bane, ela tinha certeza de que seu
mestre estava morto. Os relâmpagos reduziram suas roupas a cinzas, e suas
luvas e das botas derreteram. A pele do rosto e mãos estava queimada,
coberta com bolhas que derramavam um pus viscoso e amarelado. Vários
dos parasitas em seu peito e estômago não sobreviveram, suas carapaças
marrons se tornando negras e quebradiças pela carga elétrica dos raios. Fios
de fumaça ainda escapavam das conchas, trazendo junto um cheiro que
fazia o estômago de Zannah se embrulhar.
E então ela viu o peito de Bane se erguer e relaxar, sua respiração tão
leve que ela quase não a percebeu. Ele provavelmente ficara inconsciente
quando seu corpo entrou em choque por causa da dor insuportável. Ela
prestou atenção, esperando ver sua pele e tecidos começarem a se regenerar,
mas os ferimentos excediam até mesmo a habilidade dos orbalisks de curá-
lo, e nada aconteceu.
O som de uma porta se abrindo fez Zannah mudar o foco, olhando para
ver Darovit emergindo de seu esconderijo. Ele olhou ao redor para a
carnificina, depois olhou para Zannah agachada sobre seu mestre.
– Ele está… ? – Darovit deixou a pergunta no ar.
– Está vivo – Zannah respondeu com raiva, levantando-se.
Ele lentamente andou até o lado dela, segurando o holocron de Belia e o
datacard contra seu peito com a mão boa. Zannah apanhou os dois objetos
quando ele se aproximou. Ele pareceu não perceber, seus olhos grudados na
crosta queimada no chão que de alguma forma ainda estava viva.
– Pegue os sabres de luz – ela ordenou. – Está na hora de ir.
Darovit teve o bom senso de não questionar suas ordens e foi apanhar as
armas dos Jedi derrotados: troféus do triunfo Sith em Tython.
Zannah guardou o holocron e o datacard em seus bolsos, depois respirou
fundo para concentrar a mente. Ela usou a Força e ergueu o corpo de Bane
do chão, levitando-o até a altura dos quadris.
Ela carregou seu mestre dessa forma, saindo da fortaleza e seguindo até o
lado de fora, com Darovit logo atrás. Ela brevemente considerou qual nave
deveria usar para tirá-los de Tython, logo decidiu-se pela Loranda. Além de
ser maior, também era equipada com um compartimento médico completo.
– Abra o compartimento de cargas – ela ordenou, assentindo na direção
da nave.
Darovit correu e obedeceu, enquanto Zannah lentamente erguia seu
mestre para dentro da nave.
Uma vez lá dentro, eles conectaram Bane a uma bomba bacta. Seus
ferimentos provavelmente necessitavam imersão completa em um tanque
bacta por vários dias, mas ela não possuía acesso a esse tipo de instalação.
Uma bomba bacta serviria; ela injetava uma alta dose de fluidos
diretamente nas veias, fazia-os circular pelo corpo, depois os vazava para
fora do corpo, repetindo o processo.
– Ele está estável – Darovit disse. – Mas não vai continuar assim por
muito tempo. Quando um orbalisk morre, ele envenena o hospedeiro.
– Você viu as informações no disco – ela disse. – Tire as criaturas dele.
– Mesmo se eu tirasse, não ia adiantar – Darovit disse a ela, repassando
aquilo que aprendera com o datacard. – É tarde demais. Os orbalisks
liberam toxinas no tecido do hospedeiro no momento em que morrem. Isso
destrói as células em um nível microscópico. Ele estará morto em questão
de dias.
– Você é um maldito curandeiro! – ela gritou. – Ajude-o!
– Não posso, Zannah – ele disse suavemente. – Não aqui. Não temos os
equipamentos ou suprimentos necessários. E mesmo se tivéssemos, não há
nada que eu possa fazer. Uma vez que a toxina orbalisk entra no hospedeiro,
não tem como parar o processo.
Você não pode morrer ainda, Zannah pensou amargamente, mordendo os
lábios. Tem tanta coisa que você ainda precisa me ensinar!
O poder de seu mestre ainda era muito maior que o dela. Zannah possuía
o potencial para superar Bane – foi ele próprio quem disse isso –, mas, no
momento, ele ainda possuía uma força que ela apenas podia sonhar. Havia
segredos que ele ainda não havia compartilhado com ela, chaves para
destravar um poder ainda maior do que ela possuía agora. Se ele morresse,
esse conhecimento seria perdido. Era possível que ela um dia descobrisse
esse poder sozinha; com Bane como seu mestre, isso era uma certeza.
Mas o que ele ainda precisava ensinar ia muito além de suas capacidades
de concentrar as energias do lado sombrio. Na última década, ela focou
apenas em aprender a controlar seu próprio poder. Nesse período, seu
mestre começara a juntar as peças que um dia permitiriam aos Sith se
erguerem e dominar a galáxia.
Ele criara uma vasta rede de espiões e informantes, mas Zannah não
sabia qual era sua extensão verdadeira, ou mesmo como contatá-la. Ele
havia colocado em movimento centenas de planos de longo prazo para
lentamente acumular poder ao mesmo tempo em que enfraquecia a
República. Porém, apenas agora ela começava a entender a extensão e a
complexidade de suas maquinações políticas.
Bane era um visionário, capaz de enxergar longe no futuro. Ele entendia
como explorar as fraquezas e vulnerabilidades da República. Sabia como
atrair os olhos dos Jedi para longe do lado sombrio, enquanto ao mesmo
tempo os conduzia aos primeiros passos da longa estrada que terminaria
com sua completa aniquilação. Ele podia manipular pessoas, organizações e
governos, plantando sementes que permaneceriam adormecidas por anos –
até mesmo décadas – antes de germinarem.
Se morresse agora, tudo que colocara em movimento nos últimos dez
anos morreria junto. Zannah teria que começar do início. Teria que
encontrar e treinar um aprendiz, embora ainda estivesse descobrindo a real
extensão de seus poderes. Ela teria que avançar cegamente, cercada de
inimigos por todos os lados. Era quase impossível imaginar que não fosse
cometer algum erro que levaria à sua queda… e à extinção dos Sith.
Ela não podia permitir que isso acontecesse. Pelo bem de sua ordem, ela
precisava mantê-lo vivo. E, embora Darovit não possuísse o conhecimento
e o poder para curar seu mestre, ela conhecia alguém que possuía. Alguém
que já havia salvado sua vida antes.
– Apenas o mantenha vivo – ela disse para Darovit, com uma ameaça
implícita em seu tom de voz.
Deixando o compartimento médico, ela marchou para a cabine e sentou
atrás dos controles. Ela digitou as coordenadas para Ambria, mas não estava
voltando para o acampamento. Ela iria encontrar um homem chamado
Caleb.
Embora o acampamento de Caleb ficasse a menos de cem quilômetros de
seu acampamento em Ambria, Zannah nunca o encontrara. Ela o conhecia
apenas das histórias de seu mestre. Bane contara que o curandeiro era
poderoso com a Força, mas ele não extraía poder da mesma maneira que os
Sith ou os Jedi. O lado sombrio e o lado da luz não faziam sentido para ele;
o poder dele vinha da natureza.
As palavras de seu mestre não fizeram sentido na época, mas quando eles
se aproximaram para aterrissar perto da pequena cabana de Caleb, ela
começou a entender. Havia poder naquele lugar; ela ouvia o seu chamado,
mas em uma língua estranha e pouco familiar.
Ela pôde sentir o cheiro no ar quando as portas do compartimento de
carga foram abertas, e pôde sentir sob seus pés quando saltou da nave. A
cada passo que dava, o chão parecia vibrar, zumbindo com um som quieto
demais para se ouvir, mas profundo o bastante para sentir atrás dos dentes.
Darovit andava atrás dela, manipulando os controles que guiavam a maca
da Loranda. A maca flutuava ao lado dele, transportando a forma ainda
inconsciente de Bane. Assim como quando Zannah o tirou da fortaleza de
Belia, seu mestre estava mais uma vez sendo transportado sem cerimônias a
um metro do chão. Desta vez, entretanto, ele estava apoiado por repulsores
ao invés da Força.
– Este lugar é incrível – Darovit sussurrou. – Nunca senti nada igual. É
tão… puro.
Zannah se lembrou que, embora ele não tivesse o poder dos Jedi ou dos
Sith, seu primo também era sensível à Força. Ela brevemente se perguntou
se seria possível que ele compartilhasse o mesmo tipo de talento que Caleb,
mas então decidiu que a razão de estar ali não fazia diferença. Quatro dias
se passaram desde que deixaram Tython, e Bane enfraquecera ainda mais.
Se eles não encontrassem ajuda ali, seu mestre iria morrer.
A julgar por sua primeira olhada, ela não ficou muito esperançosa. Assim
como era comum em Ambria, eles estavam cercados por todos os lados pelo
deserto desolado e árido que se estendia até onde a vista alcançava. As
únicas características da paisagem, com exceção de alguns rochedos, eram a
cabana de Caleb e sua fogueira. O acampamento parecia estar deserto.
A cabana era pequena, apenas alguns metros de cada lado. As paredes
eram inclinadas em quarenta e cinco graus e encontrando-se no centro,
fazendo a estrutura se parecer uma pirâmide mal construída. Onde e como
Caleb adquirira a madeira era impossível dizer, mas era óbvio que ele não
havia trocado o material recentemente. A madeira estava gasta e manchada
pelo sol, e embora não fosse apodrecer no clima seco de Ambria, centenas
de longas rachaduras se formaram quando a umidade desapareceu. Na
parede em frente à fogueira havia uma pequena porta que levava para
dentro da cabana. Havia um cobertor puído pendurado sobre a porta,
balançado levemente sob o vento do deserto.
A fogueira não era nada além de um pequeno círculo de pedras,
chamuscado e enegrecido pelos anos de fumaça e fogo. Um suporte de
metal apoiava uma grande panela de ferro no centro do círculo, mas a
panela estava vazia e o fogo apagado.
Zannah se lembrou de Bane contando sobre como Caleb mergulhara as
próprias mãos na panela quando estava cheia de ensopado borbulhando,
queimando a si mesmo para provar a seu mestre que ele não temia a dor e
não podia ser ameaçado ou intimidado.
Há dez anos o curandeiro havia inicialmente se recusado a curar seu
mestre, mas, no fim, Bane o convencera, depois de ameaçar a vida de sua
filha. Zannah não sabia se, caso eles o encontrassem, Caleb iria se recusar a
ajudar Bane outra vez.
– Olá? – Darovit chamou, sua voz soando pequena no espaço vazio. –
Olá?
Zannah se moveu lentamente na direção da cabana e afastou o cobertor
na porta. A única coisa lá dentro era uma pequena esteira de dormir no
canto. Ela recuou, olhando para o deserto ao redor do acampamento para
ver se havia mais algum lugar para onde Caleb poderia ter ido. Darovit fez
o mesmo, depois ofereceu a única conclusão lógica.
– Não tem ninguém aqui.
Não era apenas Caleb que não estava ali, Zannah precisou admitir. Onde
estavam os medicamentos que o curandeiro usaria para curar aqueles que
procuravam sua ajuda? Onde estavam os suprimentos básicos – comida,
água, combustível para o fogo – que ele precisaria para sobreviver?
Ela se lembrou de que Caleb viera para Ambria para escapar da guerra
entre os Jedi e os Sith. Infelizmente para ele, a guerra eventualmente o
seguira até aquele mundo remoto. Porém, o curandeiro mantivera uma
firme neutralidade durante o conflito, recusando-se a ajudar seguidores dos
dois lados; apenas Bane conseguira convencê-lo a fazer uma exceção
àquele regra. Talvez com o fim da guerra, ele renunciara ao seu modo de
vida solitário e retornara para seu mundo de origem, reintegrando-se à
sociedade galáctica. Era apenas uma das várias possibilidades que
explicariam sua ausência.
Ele poderia ter morrido. Já fazia dez anos desde que Bane visitara o
acampamento, e embora Caleb não fosse tão velho, era possível que algo
tivesse acontecido a ele na década que se passou. Ambria podia ser um
mundo perigoso e difícil; o curandeiro podia ter sido morto ou devorado
pelos hssiss, os ferozes lagartos carnívoros que às vezes emergiam das
profundezas do Lago Natth para se alimentar.
O planeta também possuía muitos predadores sencientes. O punhado de
pessoas que ainda vivia naquele mundo sobrevivia vasculhando os restos
das batalhas que aconteceram na superfície e nos céus acima, encontrando
itens danificados e velhas tecnologias que eles podiam restaurar e vender
para outros planetas. A maioria dos sucateiros eram pessoas simples
tentando sobreviver. Mas alguns se tornaram criminosos desesperados,
dispostos a matar por qualquer coisa – como pela coleção de medicamentos
e suprimentos de Caleb.
Ou talvez o curandeiro fora vítima de alguma doença ou aflição que
mesmo ele não podia curar. Se tivesse morrido de causas naturais, não
levaria muito tempo até que os muitos sucateiros do deserto levassem todas
as suas coisas, deixando nenhuma evidência do que acontecera.
Estava claro que eles não encontrariam nenhuma ajuda ali, mas não havia
razão para seguir para outro lugar. Bane possuía um dia, no máximo, até
que as toxinas dos orbalisks alcançassem níveis letais nos tecidos de seu
corpo. Zannah simplesmente ficou parada ali, incapaz de nem mesmo
pensar sobre o que fazer em seguida. E então ela se lembrou de outro
detalhe da história de seu mestre.
Caleb tentara esconder sua filha de Bane. Seu mestre havia facilmente
descoberto a garota dentro da cabana; não havia outro lugar para se
esconder no pequeno acampamento. Ao menos, não há dez anos.
– Espere aqui – ela disse para Darovit, deixando-o para vigiar Bane na
maca.
Ela voltou para a cabana, chutando a esteira para o lado e revelando a
pequena porta de um alçapão. Ela usou a Força para abri-lo, e foi
recompensada com a visão de um homem olhando para ela de dentro de um
pequeno porão.
Sua expressão não era de medo, nem mesmo de raiva. Não exatamente.
Ele parecia mais como se estivesse cansado; como se soubesse que sua
descoberta levaria a uma longa e tediosa conversa.
– Saia – Zannah disse, recuando e pousando a mão sobre seu sabre de
luz.
Sem uma palavra, ele subiu a escada do porão até ficar ao lado dela. O
curandeiro parecia estar com seus quarenta anos, um homem magro de
estatura média. Ele possuía cabelos pretos que chegavam até os ombros, e
sua pele era marrom e curtida por uma década de exposição ao sol
escaldante de Ambria. Não havia nada sobre sua aparência que sugeria que
fosse um homem de poder ou importância, porém Zannah podia sentir sua
calma força interior.
– Você sabe quem eu sou? – ela perguntou a ele.
– Sei desde quando você e seu mestre construíram seu acampamento
neste mundo – ele disse silenciosamente.
– E você sabe por que estou aqui?
– Eu senti vocês chegando. Foi por isso que me escondi aqui.
Ela olhou para o porão, notando que continha algumas prateleiras com
garrafas, jarros e bolsas que guardavam os medicamentos e misturas
curativas que ele usava em seu trabalho. Havia também vários kits de ração
em um canto, junto com um punhado de pequenas caixas de suprimentos.
– Quando você construiu isso? – ela perguntou, curiosa.
– Pouco depois de meu encontro com o seu mestre – ele respondeu. – Eu
temia que ele fosse voltar um dia, e eu queria um lugar para minha filha se
esconder.
O homem repentinamente sorriu para ela, embora não houvesse alegria
em sua expressão.
– Mas agora minha filha já cresceu – ele disse. – Ela deixou este mundo
para nunca mais retornar. E você não possui poder algum sobre mim.
– Você está dizendo que não ajudará meu mestre? – Zannah perguntou,
sem nem se dar ao trabalho de colocar um tom de ameaça na voz.
– Não há nada que você possa fazer para me convencer desta vez – ele
respondeu, e ela sentiu uma profunda satisfação em sua voz. Ela percebeu
que ele vinha se preparando para aquele dia por mais de dez anos.
– A guerra entre os Jedi e os Sith acabou – Zannah disse a ele. – Meu
mestre já não é mais um soldado. Ele é apenas um homem comum que
precisa de ajuda.
O homem sorriu novamente, mostrando os dentes com uma expressão
selvagem.
– O seu mestre nunca será comum. Mas logo ele estará morto.
Um olhar sobre a mão do homem, permanentemente marcada pelas
queimaduras que ele deu a si mesmo quando mergulhou a mão na panela
fervente, fez Zannah dispensar qualquer ideia de tortura para fazê-lo mudar
de opinião. E ela sabia que qualquer tentativa de dominar sua mente com a
Força fracassaria; sua determinação era forte demais para ser manipulada.
– Eu posso lhe dar créditos. Você será mais rico do que poderia imaginar.
Ele fez um gesto com a mão mostrando sua rústica cabana.
– De que servem créditos para um homem como eu?
– E quanto à sua filha? – Zannah rebateu. – Pense em como sua vida se
tornaria mais fácil.
– Mesmo se eu quisesse que minha filha ficasse com o seu maldito
dinheiro, eu não saberia como enviar a ela. Para sua própria proteção, eu
insisti que ela mudasse de nome depois de deixar este planeta. Não sei qual
é o seu nome agora e não sei para onde ela foi.
Zannah mordeu os lábios, depois tentou algo desesperado.
– Se você não ajudar meu mestre, eu vou caçar a sua filha. Vou encontrá-
la, torturá-la e matá-la – ela jurou, cuidadosamente enfatizando cada
palavra. – Mas primeiro, vou fazê-la assistir enquanto eu torturo e mato
todas as pessoas que ela ama.
Caleb sorriu com o canto da boca, achando graça daquela ameaça vazia.
– Que seja. Vá procurá-la e me deixe em paz. Nós dois sabemos que você
nunca a encontrará.
Novamente, ele estava certo. Sem um nome e nem mesmo uma descrição
física, seria impossível rastrear uma mulher que poderia estar em qualquer
um dos milhões de mundos da República.
Fechando o rosto, Zannah olhou mais uma vez para as cicatrizes na mão
do curandeiro. Era um testamento silencioso do fato de que ela não poderia
convencê-lo através da dor física, por mais brutal que fosse. Mas sem
nenhuma outra opção, ela decidiu tentar mesmo assim.
Zannah usou a Força e tirou Caleb do chão. Seus pés ficaram pendurados
no ar e sua cabeça raspou no teto baixo da cabana. Ela começou a apertar,
aplicando pressão diretamente em seus órgãos internos, lentamente
esmagando-os e infligindo uma dor agonizante que poucos seres já haviam
experimentado. Ela tomou o cuidado de poupar seus pulmões, permitindo ar
suficiente para ele respirar e falar.
– Você sabe como fazer isso parar – ela disse friamente. – Diga que você
irá curar meu mestre.
Ele grunhiu e engasgou com a dor, mas sacudiu a cabeça.
– Zannah! O que você está fazendo?
Darovit havia entrado na cabana, curioso com a demora dela. Agora ele
estava na porta, olhando horrorizado para a cena.
– Pare! – ele gritou. – Você o está matando! Coloque-o no chão!
Com um grunhido de frustração, ela o soltou, deixando Caleb cair no
chão. Darovit correu para o seu lado para ver se ele estava bem, mas o
velho homem sacudiu a cabeça e o dispensou. Ele se ergueu sobre as mãos
e os joelhos, depois se sentou sobre os calcanhares enquanto respirava
fundo.
Darovit se virou para ela.
– Por que você fez isso? – ele perguntou com irritação.
– Ele se recusou a nos ajudar – ela disse, sua voz saindo mais defensiva
do que ela pretendia.
– Eu não vou libertar aquele monstro sobre a galáxia outra vez – Caleb
declarou, seus dentes ainda cerrados por causa da tortura de Zannah. – Não
há nada que você possa fazer para me obrigar a salvá-lo.
Zannah se abaixou diante dele.
– Eu posso usar meus poderes para evocar seus piores pesadelos e dar
vida a eles diante dos seus olhos – ela sussurrou. – Posso levar você à
loucura de tanto medo, posso destruir sua sanidade e transformá-lo em um
lunático delirante para o resto da vida.
Darovit continuou encarando Zannah, chocado por suas palavras. Caleb
apenas abriu seu sorriso irritante.
– Se você fizer isso – o curandeiro calmamente respondeu –, o seu mestre
irá morrer.
Zannah mordeu os lábios, olhando em seu rosto. E então ela se levantou
de repente e saiu correndo para fora da cabana, deixando Darovit e Caleb
sozinhos.
Capítulo 23
Para os olhos leigos de Zannah, seu mestre parecia muito mais forte
quando abriu os olhos outra vez dois dias depois. Desta vez, ele conseguiu
virar a cabeça levemente de um lado a outro, observando a cabana de Caleb
e a presença de sua aprendiz.
– O que aconteceu? – ele perguntou.
As palavras saíram fracas, sua voz ainda áspera e difícil.
– Caleb curou você – ela disse, ajustando o travesseiro que havia
apanhado na Loranda e posicionado embaixo de sua cabeça e ombros para
apoiá-lo. – Ele salvou a sua vida.
Quatro dias atrás, uma afirmação dessas seria difícil de acreditar. Caleb
observou Zannah programar o drone de mensagens e enviá-lo para os Jedi,
depois alertou a ela que havia uma grande chance de Bane não sobreviver
ao tratamento.
A princípio, ela pensou que fosse uma mentira, uma desculpa de Caleb
para encobrir suas ações se ele decidisse deixar seu mestre morrer… ou se
decidisse simplesmente matá-lo. Então ela acompanhou o curandeiro de
perto durante o tratamento de Bane. Apesar de saber que havia uma centena
de maneiras para acabar com a vida de Bane sem ela perceber, Zannah
esperava que sua presença dissuadisse Caleb de tentar algum engodo.
Agora ela entendia o quanto sua vigília fora inútil. Caleb era um homem
de palavra; ele se prendia a noções tolas como honra. Ele prometera ajudar
Bane, desde que ela alertasse os Jedi, e já que ela cumpriu sua parte, ele se
esforçou para fazer o mesmo.
Zannah originalmente sugerira levar Bane de volta para o compartimento
médico da Loranda, mas Caleb recusara. Ele alegou que as poderosas
energias que envolviam a terra ao redor de seu acampamento davam força a
suas práticas médicas. Darovit concordara, e Zannah, sentindo ela mesma o
poder do lugar, acabou cedendo.
O curandeiro começara forçando pela garganta de Bane um líquido
malcheiroso que ele havia cozinhado em sua panela para combater os
efeitos das toxinas dos orbalisks. Darovit alertara a Zannah que o veneno
estava matando seu mestre, dissolvendo seu corpo. Mas foi apenas quando
eles começaram a retirar os orbalisks, começando pelas carapaças
queimadas das criaturas já mortas, que Zannah entendeu a completa
extensão do quanto seu mestre havia sofrido.
O que havia embaixo já não podia ser chamado de pele; não poderia nem
mesmo ser chamado de carne. Era uma massa esverdeada e preta liberada
pelos organismos parasitas misturada com pus branco e tecido avermelhado
do próprio corpo de Bane. Olhando para o estrago, ficou óbvio, mesmo para
alguém sem treinamento médico como Zannah, que a única coisa mantendo
Bane vivo era sua afinidade com a Força. Seus ferimentos exalavam o odor
fétido de carne podre, e ela precisou de todas as forças para não vomitar.
O passo seguinte foi remover os orbalisks ainda vivos. A chave, como
Zannah suspeitava, era a eletricidade. Caleb cozinhou um gel pegajoso
altamente condutivo, depois o usou para cobrir o exterior de cada criatura.
Em seguida, ele usou uma longa agulha fina ligada a uma célula de energia
da Loranda e a inseriu em um pequeno furo na ponta do crânio blindado de
cada orbalisk. A agulha penetrava na carne macia abaixo, causando um
poderoso choque elétrico que paralisava a criatura.
Isso fazia os orbalisks liberarem uma pequena dose de substâncias
químicas que enfraqueciam o poderoso adesivo que eles usavam para se
fixar no hospedeiro. Com esse adesivo enfraquecido, a criatura podia ser
retirada manualmente. Os orbalisks ainda paralisados eram então jogados
em um grande tanque cheio de água ligado a uma das células de energia da
Loranda e eliminados com uma dose final de eletricidade. Foi necessário
repetir o processo cuidadosamente com cada indivíduo da colônia que havia
se espalhado sobre o corpo de Bane, e mesmo com Darovit e Caleb
trabalhando juntos, o processo levou várias horas.
A carne debaixo dos orbalisks vivos estava pálida e carcomida, com
profundos ferimentos onde fora constantemente mastigada pelos dentes dos
parasitas. Os ferimentos pareciam pequenos quando comparados com o
horror embaixo das carapaças mortas.
Assim que Bane foi limpo da infestação, Caleb esfregou um bálsamo
sobre seu corpo todo e o envolveu da cabeça aos pés com ataduras. Os
curativos foram trocados a cada quatro horas nos primeiros dois dias, com o
bálsamo sendo reaplicado a cada troca.
Zannah ficou impressionada com a capacidade de Caleb. Bane não
passava de uma massa de carne morta e infectada quando o curandeiro
começou, e quando os curativos foram retirados pela última vez, o corpo
devastado de Bane havia renascido. Sua pele agora exibia um forte tom
rosa, estava estranhamente flexível e extremamente sensível, porém o
curandeiro avisou que lentamente retornaria a uma cor e textura mais
normais.
– Caleb me salvou? – Bane murmurou. – Como você o convenceu?
Zannah hesitou, sem saber o que dizer. Darovit e Caleb estavam lá fora;
eles poderiam entrar a qualquer momento. Mas mesmo se flagrassem
Zannah contando a Bane sobre o drone de mensagens, por que se
importariam? O fato já estava consumado. Seu mestre ainda estava fraco
demais para se levantar e, a essa altura, os Jedi deveriam chegar a Ambria
em menos de um dia.
– Tivemos que contar aos Jedi que você estava aqui. Enviei uma
mensagem dizendo a eles que um lorde Sith havia matado cinco Jedi em
Tython. Eu disse a eles que você estava com Caleb em Ambria, ferido e
indefeso. Eles estão vindo para prendê-lo.
Uma raiva surgiu nos olhos de Bane e ele tentou se levantar, mas
conseguiu apenas erguer a cabeça alguns centímetros sobre o travesseiro
antes de cair de volta. Percebendo que estava mesmo indefeso, seu mestre a
encarou com olhos acusatórios.
– Você me expôs – ele disse. – Você me traiu.
– Eu precisava mantê-lo vivo – ela explicou, voltando ao argumento que
usara para tomar sua decisão final. – Você ainda tem muita coisa para me
ensinar.
– Como isso pode acontecer agora? – ele exigiu saber com irritação. – Os
Jedi nunca permitirão.
Zannah não possuía uma resposta para ele. Bane fechou os olhos, mas ela
não sabia dizer se foi um gesto de derrota ou um gesto pensativo. Ela
apenas ouvia as vozes indistintas de Darovit e Caleb lá fora, perto da
fogueira.
Os olhos de Bane se abriram alguns segundos mais tarde, queimando
com uma feroz intensidade.
– Darth Zannah, você é minha aprendiz. A herdeira do meu legado. Você
ainda pode reivindicar o destino que é seu de direito. Você ainda pode
alcançar o título de mestra Sith.
Ele estava falando mais alto agora, sua força lentamente retornando.
Zannah se perguntou se os dois lá fora podiam ouvi-lo.
– Tome o seu sabre de luz e me mate! Reivindique meu título para si.
Mate os outros e fuja deste lugar antes que os Jedi cheguem. Busque outro
aprendiz. Mantenha nossa Ordem viva.
Zannah sacudiu a cabeça negativamente. Caleb já havia considerado essa
possibilidade.
– Nossa nave está incapacitada, e os Jedi estarão aqui em questão de
horas. Mesmo se eu fugir para o deserto, eles me encontrarão antes que eu
possa escapar deste mundo.
– Nunca pensei que você fosse fracassar totalmente – Bane disse, virando
a cabeça para longe dela. – Nunca pensei que seria você quem destruiria os
Sith.
Ela não disse nada em sua defesa, e alguns segundos mais tarde Bane se
virou para encará-la mais uma vez, passando os olhos sobre o sabre de luz
em sua cintura.
– Não quero viver como um prisioneiro dos Jedi – ele disse com uma voz
baixa, como se agora soubesse que outros poderiam estar ouvindo. – Você
pode acabar com tudo antes que eles cheguem.
Zannah sacudiu a cabeça. Ela não teria se dado ao trabalho de salvar a
vida de seu mestre apenas para matá-lo agora.
– Enquanto você viver, ainda haverá esperança, Bane – ela disse quase
sussurrando, preocupada com o que Darovit ou Caleb pensariam se
ouvissem suas palavras. Mas ela precisava oferecer algum tipo de
tranquilidade a seu mestre. – Os Sith ainda podem se erguer.
Bane sacudiu a cabeça, apesar do esforço monumental que foi preciso.
– Os Jedi nunca permitirão que eu escape. Eles sentirão meu poder e me
manterão sob a constante guarda de uma dezena de Cavaleiros Jedi até o
Senado decidir me executar por meus crimes. Mate-me agora e negue a
justiça que eles buscam.
Zannah havia passado os últimos dois dias ao lado de Bane, esperando
que ele acordasse. Já estava claro que ele viveria, mas ela queria falar com
seu mestre para ter certeza que sua mente estava intacta. Ela queria prova
de que todas as suas faculdades – sua inteligência, sua astúcia – haviam
sobrevivido à provação. Agora ela possuía essa prova, ironicamente
expressa em seu desejo de morrer.
– Um Sith nunca se entrega, mestre – ela disse.
– E apenas um tolo enfrenta uma batalha que não pode vencer – ele
respondeu com firmeza. – Os Jedi logo estarão aqui. Aja agora. Mate-me!
Ela sacudiu a cabeça. Seu mestre tentou se erguer, sua fúria dando a força
para se apoiar nos cotovelos. Mas então ele desabou de novo sobre o
travesseiro, completamente exausto.
Quando seu mestre perdeu a consciência outra vez, Zannah percebeu que
ele estava certo. Os Jedi estavam chegando, e se ela não agisse agora, seria
tarde demais. Ela se levantou e sacou o sabre de luz, sabendo que o
zumbido da lâmina alertaria os dois homens lá fora. Ela não se importava.
Quando percebessem o que estava fazendo, já seria tarde demais.
Capítulo 24
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lo com outros que falam a língua portuguesa, em especial no Brasil. Star
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agradecimentos se você acha que nós merecemos. Esperamos compartilhar
os livros e histórias para que a sua experiência de Star Wars seja a melhor
possível.
Índice
Capa
Página de Título
Direitos Autorais Página
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Epílogo
Agradecimento
Para minha esposa, Jennifer.
Neste começo de um novo capítulo de nossas vidas, não existe outra
pessoa com quem eu gostaria de estar.
PRÓLOGO
DARTH BANE, O ATUAL LORDE SOMBRIO dos Sith, chutou as cobertas de sua
cama e jogou os pés para fora, tocando o chão frio de mármore. Ele
inclinou a cabeça de lado a lado, alongando o pescoço e os ombros
musculosos.
Finalmente se levantou, soltando um grunhido audível. Respirando
fundo, Bane lentamente soltou o ar dos pulmões, erguendo os braços acima
da cabeça e se esticando ao máximo de seus dois metros de altura. Sentiu os
estalos de cada vértebra ao longo de sua coluna, até a ponta dos dedos
rasparem o teto do quarto.
Satisfeito, baixou os braços e apanhou seu sabre de luz sobre o elegante
criado-mudo ao lado da cama. O cabo curvado se encaixava perfeitamente
em sua mão. Era uma sensação familiar. Sólida. Mas segurar o sabre não
impediu que sua mão livre tremesse levemente. Fechando o rosto, ele
apertou a mão esquerda com força, os dedos cravando na pele – foi uma
maneira rude de controlar o tremor, mas eficaz.
Movendo-se silenciosamente, ele deixou o quarto e ganhou os corredores
da mansão que agora chamava de lar. Tapeçarias luminosas cobriam as
paredes e tapetes coloridos se estendiam pelo chão enquanto Bane passava
pelos quartos, cada um decorado com mobília feita sob medida, repletos de
raros objetos de arte e outros sinais inconfundíveis de riqueza. Precisou de
quase um minuto para atravessar toda a mansão e alcançar a porta dos
fundos que se abria para as planícies que cercavam sua propriedade.
Com os pés descalços e nu da cintura para cima, Bane estremeceu e
olhou para o pátio, onde o mosaico abstrato de pedras era iluminado pelas
luas gêmeas de Ciutric IV. Calafrios percorreram sua pele, mas ele ignorou
o frio da noite ao ativar o sabre de luz e começar seu treino das formas
agressivas do Djem So.
Seus músculos reclamaram, as juntas estalaram e rasparam umas nas
outras enquanto passava cuidadosamente pelas várias sequências de
movimentos. Golpear. Esquivar. Avançar. As solas dos pés pousavam
suavemente na superfície das pedras do pátio, em um ritmo esporádico que
marcava o progresso de cada avanço e o recuo de seu oponente imaginário.
Os últimos vestígios de sono e fadiga ainda se agarravam a seu corpo,
disparando a pequena voz interna que implorava que abandonasse o treino e
voltasse para o conforto da cama. Bane sufocou a voz recitando
silenciosamente a primeira linha do Código Sith: A paz é uma mentira;
existe apenas paixão.
Dez anos-padrão se passaram desde que perdera sua armadura orbalisk.
Dez anos desde que seu corpo fora queimado, tornando-se quase
irreconhecível, pelo poder devastador do relâmpago da Força descarregado
de sua própria mão. Dez anos desde que o curandeiro Caleb o trouxera de
volta da beira da morte, e dez anos desde que Zannah, sua aprendiz,
aniquilara Caleb e os Jedi que o procuravam.
Graças às manipulações de Zannah, os Jedi agora acreditavam que os
Sith estavam extintos. Bane e sua aprendiz passaram a década seguinte
àqueles eventos perpetuando o mito: vivendo nas sombras, juntando
recursos e aumentando suas forças para o dia em que contra-atacariam os
Jedi. Nesse glorioso dia, os Sith se revelariam e eliminariam seus inimigos
da existência.
Bane sabia que provavelmente não viveria para ver esse dia. Já tinha
mais de quarenta anos, e as primeiras cicatrizes do tempo e da idade já
apareciam para marcar seu corpo. Mesmo assim, ele se dedicara à ideia de
que um dia, mesmo se vários séculos se passassem, os Sith – os seus Sith –
dominariam a galáxia.
Ao continuar ignorando as dores que inevitavelmente acompanhavam a
primeira metade de sua atividade noturna, os movimentos de Bane
começaram a ganhar velocidade. O ar zumbia e estalava ao ser cortado de
novo e de novo pela lâmina vermelha que se tornara uma extensão de sua
vontade indomável.
Bane ainda era uma figura imponente. Os músculos poderosos cultivados
durante sua juventude trabalhando nas minas em Apatros se ondulavam
debaixo da pele, flexionando-se a cada golpe do sabre de luz. Mas uma
pequena porção da força bruta que possuíra já começava a desvanecer.
Ele pulou alto no ar e o sabre de luz formou um arco sobre sua cabeça
antes de descer num poderoso golpe capaz de cortar um inimigo em dois.
Seus pés atingiram a superfície rígida das pedras com uma súbita pancada.
Bane ainda se movia com uma graça feroz e uma intensidade aterrorizante.
Seu sabre de luz voava em velocidades incríveis enquanto treinava os
movimentos, porém agora havia uma fração de lentidão comparado ao que
era antes.
O envelhecimento era sutil, mas inescapável. Bane aceitava isso; aquilo
que perdia em força e velocidade ele poderia facilmente compensar com
sabedoria, conhecimento e experiência. Mas a idade não era a culpada pelos
tremores involuntários que às vezes atingiam sua mão esquerda.
Uma sombra passou sobre uma das luas gêmeas; uma nuvem sombria
carregada com a promessa de uma tempestade. Bane fez uma pausa,
brevemente considerando parar seu ritual para evitar o aguaceiro iminente.
Mas seus músculos estavam aquecidos e o sangue bombeava furiosamente
através das veias. As poucas dores já haviam desaparecido, banidas pela
adrenalina do intenso treino físico. Agora não era hora de parar.
Sentindo uma rajada de vento frio, ele se abaixou e se entregou à Força,
permitindo que fluísse através de seu ser. Expandindo a consciência para
que englobasse cada gota individual que caía do céu, Bane estava
determinado a não deixar que nenhum pingo tocasse sua pele exposta.
Podia sentir o poder do lado sombrio dentro dele. Começou, como
sempre, com uma leve centelha, um pequeno lampejo de luz e calor. Com
os músculos tensionados em expectativa, ele alimentou a centelha com sua
própria paixão, deixando a raiva e a fúria transformarem a chama em um
inferno querendo ser libertado.
Quando as primeiras gotas caíram nas pedras ao redor, Bane explodiu em
ação. Abandonando o estilo avassalador do Djem So, passou para as
sequências mais rápidas do Soresu, com o sabre de luz traçando círculos no
ar numa série de movimentos criados para interceptar disparos de blasters.
O vento se intensificou até se transformar num vendaval uivante, e as
gotas esparsas logo se tornaram uma pesada tempestade. Com mente e
corpo unidos, Bane canalizou o poder infinito da Força contra a chuva.
Pequenas nuvens de vapor se formavam enquanto sua lâmina interceptava
os pingos que caíam. Bane flexionava, girava e contorcia o corpo para
escapar das gotas que conseguiam passar por suas defesas.
Nos dez minutos seguintes ele lutou contra a tempestade que desabava,
desfrutando do poder do lado sombrio. Até que, tão de repente quanto havia
começado, a tempestade sumiu e as nuvens escuras se dissiparam na brisa.
Com a respiração acelerada, Bane desativou o sabre de luz. Estava coberto
de suor, mas nem uma gota de chuva havia tocado sua pele nua.
Tempestades repentinas eram quase um acontecimento diário em Ciutric,
em especial ali, na exuberante floresta nos arredores da capital de Daplona.
Mas esse pequeno inconveniente era facilmente tolerado, dadas as
vantagens que o planeta tinha a oferecer.
Localizado na Orla Exterior, longe tanto do centro do poder galáctico
como dos olhos bisbilhoteiros do Conselho Jedi, Ciutric tinha a sorte de
existir em uma junção de várias rotas de comércio do hiperespaço. Naves
frequentemente paravam naquele planeta, dando origem a uma sociedade
industrial altamente próspera que se concentrava no comércio e no
transporte de mercadorias.
Mais importante para Bane, o fluxo constante de visitantes de várias
regiões espalhadas pela galáxia garantia acesso fácil a contatos e
informação, permitindo que construísse uma rede de informantes e agentes
que ele podia supervisionar pessoalmente.
Isso seria impossível se seu corpo ainda estivesse coberto com os
orbalisks – um conjunto de parasitas quitinosos que se alimentavam de sua
carne em troca da força e proteção que produziam. Sua armadura viva o
deixava quase invencível no combate corpo a corpo, mas sua aparência
monstruosa o forçara a permanecer escondido dos olhos da galáxia.
Naquela época, seus planos para acumular riqueza, influência e poder
político foram sabotados por sua deformação física. Forçado a uma vida de
isolamento para que os Jedi não descobrissem sua existência, trabalhara
apenas por meio de emissários e intermediários. Dependera de Zannah para
ser seus olhos e ouvidos. Toda informação que recebia passava por ela; cada
objetivo, cada tarefa era realizada pelas mãos dela. Como resultado, Bane
fora forçado a agir de modo mais cauteloso, retardando seus esforços e
atrasando seus planos.
Mas agora as coisas eram diferentes. Ele ainda era uma figura
assustadora, mas não mais do que qualquer mercenário, caçador de
recompensas ou soldado aposentado. Vestido com as roupas típicas do
mundo que adotou como seu novo lar, destacava-se mais pela altura do que
por qualquer outra coisa – era notado, mas dificilmente era único. Era capaz
de se misturar nas multidões, interagir com aqueles que tinham informação
e forjar relações com valiosos aliados políticos.
Bane não precisava mais se esconder, pois agora podia ocultar sua
verdadeira identidade atrás de uma fachada. Para isso, comprou uma
pequena propriedade a poucos minutos de Daplona. Apresentando-se como
os irmãos Sepp e Allia Omek, ricos negociantes do ramo de exportação e
importação, ele e Zannah cultivaram cuidadosamente suas novas
identidades nos influentes círculos sociais, políticos e econômicos do
planeta.
A propriedade ficava perto o bastante da cidade para que tivessem fácil
acesso a tudo o que Ciutric podia oferecer, mas era isolada o suficiente para
permitir que Zannah continuasse seu aprendizado dos ensinamentos Sith.
Estagnação e complacência eram as sementes que levariam à destruição
final dos Jedi; como Lorde Sombrio, Bane precisava ser vigilante e garantir
que sua própria Ordem não caísse nas mesmas armadilhas. Era necessário
não apenas treinar um aprendiz, mas também continuar a aumentar suas
próprias habilidades e seu conhecimento.
Uma brisa gelada soprou no pátio, esfriando o corpo suado de Bane. Seu
treino físico havia acabado por hoje; agora era hora de começar o trabalho
mais importante.
Alguns poucos passos o levaram ao pequeno anexo nos fundos da
propriedade. A porta estava trancada, selada por um sistema de segurança
codificado. Digitando a senha, ele gentilmente empurrou a porta e entrou na
construção, que servia como sua biblioteca particular.
O interior consistia em uma única sala quadrada, cada lado com cinco
metros, iluminada por uma luz suave pendurada no teto. As paredes eram
cobertas por estantes transbordando com pergaminhos, tomos e manuscritos
que ele havia juntado com o passar dos anos: eram os ensinamentos dos
antigos Sith. No centro da sala havia um largo pódio e um pequeno
pedestal. Sobre o pedestal ficava o maior tesouro do Lorde Sombrio: seu
holocron.
Um cristal de quatro faces pequeno o bastante para caber na palma da
mão, o holocron continha a soma de todo o conhecimento e o entendimento
de Bane. Tudo o que aprendera sobre os caminhos do lado sombrio – todos
os ensinamentos, todas as filosofias – fora transferido para dentro do
holocron e gravado para toda a eternidade. Era seu legado, uma maneira de
compartilhar toda uma vida de sabedoria com aqueles que o seguiriam na
linhagem dos Mestres Sith.
O holocron seria passado a Zannah após sua morte, desde que ela
conseguisse algum dia provar que era forte o bastante para tirar o manto de
Lorde Sombrio de Bane. Ele já não tinha certeza se esse dia chegaria.
Os Sith existiram de uma forma ou de outra por milhares de anos. Por
toda a sua existência eles travaram uma guerra sem fim contra os Jedi… e
uns contra os outros. Por muitas e muitas vezes os seguidores do lado
sombrio foram sabotados por suas próprias rivalidades e disputas internas
pelo poder.
Um tema comum ressoava através da longa história da Ordem Sith.
Qualquer grande líder invariavelmente acabava destronado por uma aliança
de seus seguidores. Sem um líder forte, os Sith de menor escalão acabavam
se voltando uns contra os outros, enfraquecendo ainda mais a Ordem.
De todos os Mestres Sith, apenas Bane entendera a inescapável futilidade
desse ciclo. E apenas ele fora forte o bastante para quebrá-lo. Sob sua
liderança, os Sith renasceram. Agora, eram apenas dois – um Mestre e um
aprendiz; um para incorporar o poder do lado sombrio, o outro para cobiçá-
lo.
Portanto, a linhagem Sith fluiria apenas para o mais forte, o mais
merecedor. A Regra de Dois de Darth Bane assegurava que o poder tanto do
Mestre quanto do aprendiz cresceria apenas de geração a geração até que os
Sith finalmente fossem capazes de exterminar os Jedi, inaugurando uma
nova era galáctica.
Foi por isso que Bane escolhera Zannah como sua aprendiz: ela tinha o
potencial para um dia superá-lo mesmo em suas próprias habilidades. Nesse
dia, ela usurparia a condição de Lorde Sombrio dos Sith e escolheria um
aprendiz para si própria. Bane morreria, mas os Sith viveriam.
Ao menos era nisso que acreditara. Porém, agora havia dúvidas em sua
mente. Duas décadas se passaram desde que tirou aquela garota de dez anos
dos campos de batalha em Ruusan, mas Zannah ainda parecia satisfeita em
meramente servir. Ela havia abraçado seus ensinamentos e mostrado uma
incrível afinidade com a Força. Com o passar dos anos, Bane acompanhou
seu progresso cuidadosamente, mas agora já não podia mais dizer com
certeza quem entre eles sobreviveria a um confronto até a morte. A
relutância dela em desafiá-lo deixava seu Mestre se perguntando se Zannah
tinha mesmo a ambição feroz necessária para se tornar Lorde Sombria dos
Sith.
Entrando na biblioteca, ele esticou a mão esquerda para fechar a porta.
Ao fazer isso, notou aquele tremor familiar nos dedos. Bane puxou a mão
de volta involuntariamente, cerrando o punho outra vez enquanto fechava a
porta com um chute.
A idade estava começando a cobrar seu preço, mas isso não era nada
comparado ao preço já cobrado sobre seu corpo por décadas canalizando o
lado sombrio da Força. Bane não sorriu diante daquela ironia: por meio do
lado sombrio ele tinha acesso a poderes quase infinitos, mas era um poder
que vinha a um custo terrível. Carne e osso não tinham a força para
aguentar a inimaginável energia represada pela Força. O fogo inextinguível
do lado sombrio o consumia, devorando-o pouco a pouco. Após décadas
concentrando e canalizando o poder, seu corpo estava começando a se
desfazer.
Sua condição era exacerbada pelos efeitos duradouros da armadura
orbalisk, que, embora tivesse lhe dado força e velocidade incríveis, matava-
o lentamente enquanto a usava.
Os parasitas haviam levado seu corpo para além dos limites naturais,
envelhecendo Bane prematuramente e intensificando a degeneração causada
pelo poder do lado sombrio. Agora já não havia mais orbalisks, mas o dano
causado não podia ser reparado.
As primeiras manifestações de sua saúde decadente foram sutis: seus
olhos pareciam fundos e cansados; a pele, um pouco mais pálida e marcada
do que o normal para sua idade. Entretanto, no último ano percebera uma
deterioração mais acentuada, culminando com o tremor involuntário que
cada vez mais afligia sua mão esquerda.
E não havia nada que ele pudesse fazer. Os Jedi podiam usar a Força para
curar doenças e ferimentos. Mas o lado sombrio era uma arma; os doentes e
os frágeis não mereciam ser curados. Apenas os mais fortes eram dignos da
sobrevivência.
Bane tentara esconder os tremores de sua aprendiz, mas Zannah era
esperta demais para não perceber uma marca de fraqueza tão óbvia em seu
Mestre.
Ele achou que o tremor seria o catalizador de que Zannah precisava para
desafiá-lo. Mas mesmo agora, com seu corpo mostrando evidências de sua
crescente vulnerabilidade, ela parecia satisfeita em manter o status quo. Se
estava agindo por medo, indecisão ou talvez até compaixão por seu Mestre,
Bane não sabia – mas nenhum desses traços era aceitável para o escolhido a
carregar seu legado.
Havia mais uma potencial explicação – porém era a mais perturbadora.
Era possível que Zannah tivesse notado suas habilidades físicas deterioradas
e simplesmente decidira esperar. Em cinco anos seu corpo se transformaria
numa casca arruinada, e ela poderia derrotá-lo quase sem risco algum.
Na maioria das circunstâncias, Bane teria admirado essa estratégia, mas
neste caso ela ia de encontro ao princípio mais fundamental da Regra de
Dois. Um aprendiz precisava merecer o título de Lorde Sombrio,
arrancando-o de seu Mestre em um confronto que enviava os dois ao limite
de suas habilidades. Se Zannah pretendia desafiá-lo apenas quando ele
estivesse incapacitado pela doença e enfermidade, então não era digna de
ser sua herdeira. Mas Bane não queria ele próprio iniciar o confronto. Se
fosse derrotado, os Sith seriam governados por um Mestre que não aceitava
ou entendia o princípio-chave sobre o qual a Nova Ordem fora fundada. Se
fosse vitorioso, acabaria sem um aprendiz, e seu corpo deteriorado chegaria
ao fim muito antes de poder encontrar e treinar outro.
Havia apenas uma solução: Bane precisava encontrar um jeito de
estender sua vida. Precisava encontrar uma maneira de restaurar e
rejuvenescer o corpo… ou substituí-lo. Um ano atrás teria pensado que isso
era impossível. Mas agora pensava diferente.
De uma das prateleiras, apanhou um grosso tomo cuja capa de couro era
cheia de marcas; as páginas, amareladas pelo tempo. Movendo-se
cuidadosamente, colocou o tomo sobre o pódio, abrindo-o na página que
havia marcado na noite anterior.
Assim como a maioria dos volumes em sua biblioteca, aquele fora
comprado de um colecionador privado. A galáxia podia acreditar que os
Sith estavam extintos, mas o lado sombrio ainda exercia uma atração
inexorável na mente de homens e mulheres de todas as espécies, e um
mercado paralelo de parafernálias ilegais dos Sith florescia entre aqueles
com riqueza e poder.
As tentativas dos Jedi de localizar e confiscar qualquer coisa que pudesse
ser ligada aos Sith apenas conseguiram aumentar os preços e forçar os
colecionadores a agirem por meio de intermediários para preservar o
anonimato.
Isso servia perfeitamente a Bane. Ele conseguiu montar e expandir sua
biblioteca sem medo de chamar atenção para si: era apenas outra pessoa
interessada nos Sith, outro colecionador anônimo obcecado pelo lado
sombrio, disposto a gastar uma fortuna para possuir manuscritos e artefatos
banidos.
A maior parte daquilo que adquiria era de pouco uso: amuletos ou
quinquilharias de poder insignificante; cópias de segunda mão de histórias
que já memorizara havia muito tempo, durante seus estudos em Korriban;
trabalhos incompletos escritos em línguas indecifráveis e mortas havia
muitas gerações. Mas ocasionalmente tinha sorte o bastante para se deparar
com um tesouro de valor real.
O livro gasto e esfarrapado diante dele era um desses tesouros. Um de
seus agentes o comprara fazia vários meses – um evento fortuito demais
para ser atribuído a mera sorte. A Força trabalhava de formas misteriosas, e
Bane acreditava que o livro estava destinado a cair em suas mãos, pois era a
resposta para seu problema.
Assim como a maior parte de sua coleção, o livro era um relato histórico
de um dos antigos Sith. A maioria das páginas continha nomes, datas e
outras informações que não tinham uso prático para Bane. Entretanto, havia
uma pequena seção que fazia uma breve referência a um homem chamado
Darth Andeddu. Andeddu, dizia o relato, vivera por muitos séculos, usando
o lado sombrio da Força para estender sua vida e conservar seu corpo muito
além do natural.
De um jeito típico dos Sith antes das reformas de Bane, o reinado de
Andeddu chegou a um violento fim quando ele foi traído e deposto por seus
próprios seguidores. Mas seu holocron, o repositório de todos os seus
maiores segredos – incluindo o segredo da quase vida eterna –, nunca foi
encontrado.
Isso era tudo: menos de duas páginas no total. Na breve passagem havia
menção de onde e quando Andeddu vivera. Nada sobre o que acontecera
com seus seguidores após ser destituído. Mas a própria falta de informação
era o que tornava aquela passagem tão interessante.
Por que havia tão poucos detalhes? Por que nunca encontrara referências
a Darth Andeddu em todos os seus anos de estudo?
Havia apenas uma explicação que fazia sentido: os Jedi conseguiram
apagá-lo dos registros galácticos. Com o passar dos séculos, eles coletaram
cada datapad, holodisco e registro escrito que mencionava Darth Andeddu,
guardando-os nos Arquivos Jedi, enterrando-os para sempre numa tentativa
de manter seus segredos escondidos.
Mas, apesar de seus esforços, aquela breve menção num antigo
manuscrito esquecido e insignificante sobrevivera até chegar às mãos de
Bane. Nos últimos dois meses, desde que o tomo chegara à sua posse, o
Lorde Sombrio terminara seu treinamento marcial com uma visita à
biblioteca para ponderar o mistério do holocron perdido de Andeddu.
Cruzando as referências do manuscrito com a vasta quantidade de
conhecimento espalhado nos milhares de outros volumes em sua coleção,
ele se esforçara para juntar as peças do quebra-cabeça, mas falhara a cada
tentativa.
Porém, Bane se recusava a desistir de sua busca. Tudo o que construíra,
tudo aquilo que trabalhara para conquistar, dependia disso. Ele descobriria
a localização do holocron de Andeddu. Ele desbloquearia o segredo da vida
eterna e ganharia tempo para encontrar e treinar um novo aprendiz.
Sem isso, Bane envelheceria e morreria. Zannah tomaria o título de
Lorde Sombrio por ausência, zombando da Regra de Dois e deixando o
destino da Ordem nas mãos de um Mestre indigno.
Se falhasse em encontrar o holocron de Andeddu, os Sith estariam
condenados.
Capítulo 1
Quando seus olhos caíram sobre o último nome da lista, Serra sentiu os
joelhos fraquejarem. Sem palavras, ela apenas encarou o monumento, sua
mente incapaz de entender o que estava vendo.
– O que é isso? – Lucia perguntou, ecoando a confusão de sua senhora. –
Por que nos trouxe aqui?
– Dez anos atrás, o Mestre Valenthyne Farfalla descobriu que um Lorde
Sombrio dos Sith havia conseguido sobreviver à bomba de pensamento em
Ruusan. Após receber uma denúncia, ele rapidamente juntou a equipe de
Jedi que você vê honrada neste monumento para tentar apreender o Lorde
Sombrio. Eles o seguiram até o Núcleo Profundo e o confrontaram no
mundo de Tython. Nenhum dos Jedi sobreviveu.
– Você os conhecia bem? – Lucia perguntou, ainda seguindo a instrução
de Serra de fazer perguntas em qualquer oportunidade.
– Eu conhecia o Mestre Worror e o Mestre Valenthyne desde quando
éramos Padawans. Servimos juntos no Exército da Luz de Lorde Hoth,
durante a guerra contra a Irmandade da Escuridão de Lorde Kaan.
Houve silêncio por vários segundos, Obba perdido em suas memórias e
Serra ainda perplexa demais para falar. Foi Lucia quem interrompeu o
momento, fazendo ainda mais uma pergunta.
– O último nome, Caleb de Ambria. Eu me lembro de ouvi-lo durante a
guerra. Ele era um curandeiro, não é mesmo?
– Sim, ele era. Na batalha contra os Jedi em Tython, o Lorde Sombrio foi
gravemente ferido. Ele seguiu para Ambria em busca do único homem com
o conhecimento para curar seus ferimentos. Mas Caleb se recusou a ajudá-
lo.
Em sua mente, tudo ficou mais claro para Serra. Como seu pai previra, o
homem de armadura negra havia retornado. Como antes, ele viera para
tentar forçar Caleb a curá-lo. Como antes, Caleb resistira. Dessa vez,
entretanto, seu pai tinha a vantagem. Após enviar sua filha para longe, não
havia nada que o Sith pudesse fazer para forçá-lo a cooperar.
– O que aconteceu quando o curandeiro se recusou? – ela sussurrou, os
olhos ainda transfixados sobre o nome de seu pai esculpido na base da
pedra.
– Ninguém sabe com certeza. O que sabemos é que, logo após a chegada
do Lorde Sombrio, Caleb enviou uma mensagem alertando o Conselho Jedi.
Disse que o último Sith estava em seu acampamento em Ambria, ferido e
visivelmente indefeso. Queria que os Jedi viessem para capturá-lo.
– Por que ele faria isso? – Lucia perguntou. – Acho que me lembro de
ouvir que Caleb se recusava a tomar partido na guerra. Ele não tinha muita
utilidade para os Jedi ou os Sith.
– Ele nem sempre concordava com as filosofias de nossa Ordem. A
guerra acabara havia muito tempo nesse ponto e sua consciência não
suportaria ver o mal sobrevivendo sem fazer alguma coisa. Sabia que, se
deixasse o Sith partir, mais cedo ou mais tarde mais inocentes sofreriam. Ao
receber a mensagem, o Conselho enviou uma equipe liderada pelo Mestre
Tho’natu para Ambria. Fui um dos Jedi escolhidos para acompanhá-lo.
Infelizmente, quando chegamos ao acampamento, Caleb estava morto.
– Como? – Serra perguntou, sua voz baixa e sem emoção.
– O Lorde Sombrio descobriu que a mensagem fora enviada.
Enlouquecido pela traição de Caleb, suas feridas e a corrupção do lado
sombrio, ele aniquilou o curandeiro, cortando seu corpo de um lado a outro.
Quando chegamos, o Lorde Sombrio estava completamente insano. Ainda
estava nos arredores do acampamento e correu para nos atacar, um homem
contra um exército de Jedi. Mestre Tho’natu foi forçado a cortá-lo para
proteger sua própria vida.
O pai de Serra estava certo. Ele sabia que o homem de armadura negra
retornaria. Sentira o perigo, e então enviara sua filha para longe. Salvara a
vida dela, ao custo da sua própria. E ao fazer isso, ajudara a destruir o
homem que Serra temia mais do que qualquer outro.
Uma inundação de emoções a atingiu. Culpa. Tristeza. Vergonha. Mas,
acima de tudo, uma raiva feroz e primal. Mais do que tudo ela queria
vingança. Queria matar o monstro que a aterrorizara quando era criança e,
anos mais tarde, matara seu pai. Mas isso era impossível. Os Jedi haviam
roubado essa satisfação dela.
– Como ele era? – Lucia perguntou. – O último Sith.
– Era uma figura trágica e patética – Obba respondeu. – Magro. Frágil.
Você podia ver a loucura nele quando nos atacou. Seus olhos eram tão
negros e selvagens quanto seus cabelos.
Não, Serra pensou. Isso não está certo.
– Ele tinha cabelos? – O homem de armadura negra tinha a cabeça
raspada.
– Sim. Cabelos como os de um animal. Longos. Descuidados. Sujos de
sangue.
Uma suspeita impensável estava se formando no cérebro de Serra.
– Ele era um homem grande? – ela exigiu saber, lutando para não deixar
a urgência aparecer em sua voz. – Alto, quero dizer?
O Ithoriano sacudiu a cabeça.
– Não, não muito. Não para um humano.
O homem de armadura negra era um gigante. No mínimo tão alto quanto
o Mestre Obba.
Alheio ao turbilhão interno de Serra, o Ithoriano continuou sua história.
– Os sabres de luz dos Jedi caídos foram encontrados no acampamento
de Caleb; o Lorde Sombrio havia tomado os sabres como troféus. Mestre
Tho’natu os trouxe de volta, junto com os restos mortais do curandeiro,
para que pudessem descansar em um lugar de honra. Este monumento
representa um dos grandes triunfos da Ordem Jedi, mas também um de seus
capítulos mais sombrios. Os Sith já não existem, mas isso veio ao custo de
muitas vidas dolorosamente perdidas. Esse foi o preço que tivemos de pagar
para livrar a galáxia dos Sith para sempre.
A mente de Serra estava agitada, tentando juntar todas as peças. Ela
precisava de tempo para pensar, para entender tudo aquilo. Mas não podia
fazer isso ali – não com o nome de seu pai esculpido na pedra à sua frente.
Precisava se retirar antes que dissesse ou fizesse algo que poderia expor seu
segredo e revelar sua verdadeira identidade.
– Você nos deu muito o que pensar, Mestre Obba – Serra disse com a voz
endurecida. – Vou me certificar de repassar tudo isso ao rei.
Mestre Obba limpou a garganta como se pedisse desculpas.
– Tenho toda a confiança de que fará isso, mas eu ainda gostaria de
enviar alguém para investigar e descobrir se os talismãs ainda estão lá.
Como Serra hesitou antes de responder, Lucia a socorreu:
– Qual seria o propósito disso? Quero dizer, se você está certo sobre Set
Harth ser o assassino, ele já não estaria muito longe? Não ficaria no mesmo
lugar depois de colocar as mãos naqueles talismãs, não é mesmo?
– Você está provavelmente correta – o Jedi admitiu após considerar suas
palavras.
– Então não vejo razão para os Jedi seguirem investigando esse assunto –
Serra disse, recompondo-se o suficiente para aproveitar a oportunidade
criada por Lucia. – Considerando a delicada situação política em Doan,
seria melhor para todos se as investigações fossem conduzidas pelas
autoridades locais.
Ela percebeu que o Ithoriano não ficou satisfeito com aquilo, mas ele não
tinha escolha. Preso na teia da política galáctica, agora seria incapaz de agir
sem transformar a situação em um incidente diplomático oficial – algo que
o Senado não aceitaria de bom grado.
– Se descobrirmos algo sobre Set e os talismãs – a princesa prometeu –,
você tem minha palavra de que vamos informá-lo imediatamente.
– Sou grato a Vossa Alteza – o Ithoriano respondeu, curvando-se em uma
reverência forçada, percebendo apenas agora que havia sido manipulado.
Serra deu a Mestre Obba um rápido aceno de cabeça como despedida
final, depois rapidamente se virou para se retirar, ansiosa para voltar à
privacidade de sua nave. Lucia imediatamente a seguiu. Nenhuma das duas
falou enquanto atravessavam os jardins até o airspeeder que as esperava; o
silêncio continuou quando o speeder decolou e voou para longe,
transformando os prédios e as multidões de Coruscant em uma mancha
debaixo deles. Serra ainda pensava no homem de armadura negra de seus
pesadelos. Ela sabia que seus sonhos eram mais do que simples memórias
ou medos subconscientes borbulhando até a superfície. Caleb não fora nem
Sith nem Jedi, porém acreditara no poder natural da vida e do universo e
ensinara Serra a ouvir o poder dentro dela, a beber desse poder quando
precisasse de sabedoria, coragem ou força de espírito. Mais importante,
havia lhe ensinado a confiar em seus instintos.
Da mesma maneira que Caleb soubera que o homem de armadura
voltaria, Serra sabia que ele ainda estava vivo. Sabia que, de alguma forma,
ele estava envolvido no assassinato de seu pai. Os Jedi que viajaram até
Ambria foram enganados. Tinha certeza disso. Não teria sido difícil – eles
queriam acreditar que os Sith estavam extintos. Era sempre mais fácil fazer
as pessoas aceitarem uma mentira que elas desejavam.
Um plano começou a se formar na mente de Serra. Por muitos anos, ela
foi atormentada por aquela figura aterrorizante de sua infância. Agora, com
a morte de Caleb como catalizador, ela faria algo a respeito. Vingaria seu
pai. Encontraria o homem de armadura negra e então o mataria.
Serra não voltou a falar até ela e Lucia estarem sozinhas a bordo da nave
particular que as levaria de volta para Doan. Ali dentro, ela sabia que as
duas estavam seguras, sabia que qualquer coisa que dissesse ficaria apenas
entre elas. Mesmo assim, não estava pronta para confessar tudo. Manteria
os segredos de seu passado – seu pai, seus pesadelos – ainda mais um
pouco.
– A assassina que você contratou. Preciso que entre em contato com ela
novamente – foi tudo o que Serra disse. – Tenho mais um trabalho para ela.
Capítulo 6
SET HARTH JÁ ESTAVA EM DOAN HAVIA DOIS DIAS. Estava determinado a não
estar mais ali ao fim do terceiro. Em parte, queria fugir antes que mais Jedi
aparecessem para investigar a morte de Medd ou tentar recuperar os
artefatos que o Cereano viera procurar em primeiro lugar. Mas, além disso,
Set já estava cheio de ficar cercado por tantos mineiros.
Estavam todos começando a parecer iguais: baixos e parrudos, sua
corpulência comum sendo o resultado de gerações de trabalho braçal. A
pele deles era marrom e gasta, além de ser coberta com a poeira e a sujeira
que pairava sobre tudo. Todos tinham o mesmo cabelo – curto e escuro – e
vestiam as mesmas roupas, gastas e monótonas. Até mesmo a feição de seus
rostos parecia igual: austera e mal-humorada, desanimada e danificada por
uma vida inteira dilapidando pedreiras.
Dizer que ele não se encaixava ali seria a epítome do eufemismo. Set era
magro e esbelto, com longos cabelos prateados caindo sobre os ombros. Sua
pele era branca e macia, sem as marcas das intempéries – suas feições
bonitas transmitiam um charme travesso e um leve toque de arrogância. E,
diferente dos mineiros, Set se vestia com estilo.
Ele vestia um traje de combate feito sob medida, a cor do material entre
preto e violeta. A vestimenta leve dava a ele mobilidade total, porém
também era durável o bastante para lhe dar alguma proteção no caso de,
como acontecia tão frequentemente ao redor de Set, os eventos tomarem um
rumo mais violento. Sobre esse traje ele vestia um colete amarelo pálido –
tanto o traje de combate quanto o colete não tinham mangas, deixando seus
braços livres. Uma elegante faixa violeta de veda envolvia cada bíceps
avantajado, e suas botas, cinto e luvas sem dedos eram feitos do melhor
couro Corelliano.
Tipicamente, ele também carregava uma pistola disruptora presa no
coldre da coxa direita e um blaster convencional na esquerda. Ali em Doan,
entretanto, disruptores foram banidos, então ele guardou as duas armas –
junto com seu sabre de luz – nos vários bolsos da parte de dentro de seu
colete.
Era óbvio que ele não pertencia ao resto da multidão na cantina, mas não
estava tentando se misturar. Era conhecimento comum que mercenários
podiam encontrar trabalhos de alta remuneração em Doan. Set sabia que
qualquer pessoa pensaria que ele era apenas mais um mercenário querendo
lucrar com a escalada de violência entre os rebeldes e a nobreza.
Estariam errados, é claro. Set estava sim querendo lucrar, mas não tinha
nada a ver com a inevitável guerra civil em Doan. Menos de uma semana
atrás, seu antigo colega Medd Tandar estivera naquele mundo, e havia
apenas uma razão para ele viajar até um buraco como aquele.
Mestre Obba o enviou aqui para encontrar algum talismã do lado
sombrio, não é? Só que você achou muito mais do que isso. Sempre
suspeitei que você era um fraco.
O que quer que Medd estivesse procurando, ele morrera antes de
encontrar. Isso significava que o item continuava ali, apenas esperando que
alguém o encontrasse. Alguém como Set.
Nos últimos dois dias ele havia atravessado a superfície arrasada de
Doan, passando por cantinas, acampamentos e locais de trabalho. A cada
parada ele fazia perguntas, tentando encontrar alguém – qualquer pessoa –
que soubesse algo sobre o Cereano que fora assassinado junto com os
líderes rebeldes. Mais importante, precisava encontrar alguém que soubesse
o que Medd estava procurando.
Para quem perguntasse, ele explicava que estava interessado porque era
um colecionador de artefatos raros. Mas as pessoas ali eram desconfiadas.
Algumas delas suspeitavam que Set estava trabalhando para a família real.
Não era fácil conseguir as respostas de que precisava. Mesmo assim, ele
aprendera com os anos que todo mundo tem um preço… ou um ponto de
ruptura.
Suas investigações o levaram até ali, àquela cantina sem nome que
pertencia a um Rodiano chamado Quano, um dos poucos não humanos que
escolheram tentar ganhar a vida em Doan.
Ansioso para se livrar das nuvens de poeira que rolavam pela superfície,
Set abriu a porta e entrou na cantina. Imediatamente começou a se
arrepender da decisão. Estava claro que a clientela daquele estabelecimento
em particular era formada pela mais baixa ralé da sociedade mineradora de
Doan. A maioria das pessoas ali eram tortas e retorcidas – indivíduos
corcundas que trabalharam duro por uma vida inteira escavando minério
para o lucro dos outros. Suas roupas não eram apenas gastas, eram imundas,
e o fedor ácido de suor e corpos sujos quase provocou lágrimas em seus
olhos. Exatamente o tipo de pessoa que Set esperava encontrar no bar de
um Rodiano.
A mobília era tão maltratada e danificada quanto a clientela: vidros
desfigurados por rachaduras e buracos, mesas desbotadas e mancas,
banquinhos enferrujados que pareciam que iam desabar se alguém lhes
desse um bom chute. Contra a parede mais afastada havia um longo e largo
bar coberto por uma camada de tinta descascando que mal escondia a
podridão da madeira embaixo. A fileira de garrafas na prateleira atrás do
bar estava coberta por uma grossa camada de poeira e fuligem, mas Set não
precisava ler os rótulos para saber que eram marcas que prontamente
sacrificavam qualidade por preço.
Notou os pesados seguranças espreitando de cada lado da porta e
rapidamente os analisou: típicos capangas – grandes, fortes e estúpidos. Ele
podia ver pela postura desajeitada deles que cada um tinha uma pequena
pistola enfiada na frente de suas cinturas.
Encostado contra a parede atrás do bar estava o proprietário de pele
verde, braços cruzados sobre o peito. Seus olhos de inseto olharam para Set,
e seu focinho afunilado se contorceu naquilo que o ex-Jedi podia apenas
interpretar como um sorriso de desprezo.
Ignorando a recepção pouco convidativa, Set lentamente cruzou o salão
na direção do Rodiano. Duas dúzias de olhos passaram sobre ele, avaliando-
o friamente e dispensando-o, conforme seus donos voltaram para as bebidas
lamacentas em suas canecas.
– Aqui é bar só para mineiros – Quano murmurou em seu Básico
Galáctico cheio de sotaque assim que Set chegou perto o bastante para
pousar o cotovelo sobre o bar. – Você não bebe. Vai embora.
Set estendeu o braço e casualmente soltou um par de chips de cem
créditos sobre o balcão. O Rodiano tentou agir naturalmente, mas Set podia
sentir que ele estava repentinamente segurando a respiração.
– Estava pensando que poderíamos ter uma conversa – Set disse a ele,
indo direto ao ponto. – A sós.
Em um instante os chips desapareceram e Quano estava em cima do bar.
– Cantina fechou! – ele gritou o mais alto possível. – Hora de ir! De volta
ao trabalho! Todo mundo, fora!
A maior parte dos clientes se levantou a contragosto, murmurando
reclamações enquanto se dirigiam para a porta. Um cliente teimoso
continuou sentado, esforçando-se para não deixar sua cadeira cair enquanto
os outros passavam por ele. O Rodiano bateu palmas duas vezes, e os
seguranças perto da porta rapidamente se aproximaram.
Eles agarraram o homem, cada um segurando um braço, e o arrancaram
da cadeira. Bêbado demais para reagir, o cliente ficou pendurado como um
peso morto entre os dois grandalhões, seus pés se arrastando no chão
enquanto era carregado para fora. Ao alcançarem a saída, os seguranças
balançaram o coitado para a frente e para trás várias vezes, em uma
surpreendente demonstração de esforço coordenado, criando impulso antes
de lançá-lo pela porta no chão duro do lado de fora. Seria mentira se Set
dissesse que não ficou impressionado com a distância que alcançaram.
Com o cliente longe, um dos seguranças bateu a porta e a trancou. Então
os dois se viraram para encarar Set, sorrindo enquanto voltavam para suas
posições, junto à parede, um de cada lado da única saída do lugar.
Set não podia deixar de admirar a completa falta de sutileza do Rodiano.
A maior parte dos donos de bar teria convidado Set para uma sala aos
fundos para conversar em vez de fechar todo o negócio por apenas duzentos
créditos. Mas, julgando pela decoração geral, o estabelecimento mal era
rentável.
Não que Set realmente se importasse. Não estava tentando manter um
perfil discreto. Estava acostumado a deixar histórias memoráveis em seu
rastro – se alguém viesse investigar, ele já estaria longe, então o que
importava se ganhasse mais uma história para acrescentar à própria lenda?
Com o tempo, os detalhes inevitavelmente se tornariam exagerados, e um
dia as pessoas ficariam impressionadas ao saberem como Set fora tão rico
que chegou a pagar mil créditos para fechar uma cantina inteira apenas para
conversar com o dono.
– Ninguém importunar nós agora – Quano disse atrás dele, saindo de
cima do bar. – Você quer bebida?
– Sou um colecionador interessado em artefatos raros – Set respondeu,
ignorando a pergunta e indo direto ao assunto. Queria passar o mínimo de
tempo possível ali. – Anéis. Amuletos. Esse tipo de coisa.
Quano deu de ombros.
– Por que contar a Quano?
– Dizem por aí que você às vezes tem esse tipo de item para vender.
A antena na cabeça do Rodiano tremeu levemente.
– Talvez – ele sussurrou, chegando mais perto para que Set pudesse ouvi-
lo. – Mineiro encontra coisas. Ele querer vender para fora do mundo. Talvez
Quano ajudar.
– Então, hoje é o seu dia de sorte – Set respondeu, conseguindo abrir um
sorriso sedutor apesar do aroma pungente de feromônios alienígenas que
saíam do Rodiano. – Como eu disse, sou um colecionador. Um
colecionador muito rico.
Quano olhou rapidamente ao redor da sala vazia, quase como se
esperasse que alguém estivesse ouvindo a conversa. Set reconheceu aquilo
como um reflexo nervoso desenvolvido após anos fazendo negócios
espúrios em locais públicos.
– O que interessar a você?
– Acho que você sabe o que estou procurando. A mesma coisa que o
último colecionador que veio aqui. O Cereano.
– Ele não colecionador. Ele Jedi. Você Jedi também?
Set suspirou. Isso aumentaria o preço. Você nunca entendeu o valor de
manter um perfil discreto, não é mesmo, Medd?
– Pareço um Jedi?
O Rodiano inclinou a cabeça de um lado a outro antes de responder.
– Não. Parece mais caçador de recompensa.
– Isso realmente importa? Quero comprar o que você está vendendo. E
tenho muitos créditos… se você tiver a mercadoria.
– A coisa não aqui. Quano só intermediário. Mineiro tem.
– Você pode me levar para quem quer que seja?
Quano sacudiu a cabeça.
– Mineiro mudar de ideia. Não vender mais.
– Todo mundo tem um preço. Sou um homem rico. Se você me levar a
ele, tenho certeza de que podemos chegar a um acordo.
O Rodiano sacudiu outra vez a cabeça.
– Última vez que Quano levou alguém até mineiros, todo mundo morreu.
Muito arriscado.
– Estou disposto a arriscar.
O Rodiano riu com desdém.
– Quano não se importa com seu risco. Mineiros dizer que, se Quano
aparecer de novo, eles matam Quano.
– Eles não precisam saber que você estava envolvido – Set prometeu. –
Apenas me mostre onde encontrá-los. Farei com que valha a pena para
você.
Para enfatizar seu ponto, apanhou sua pequena bolsa e tirou de dentro um
punhado de chips de alto valor. Mostrou-os a Quano antes de soltá-los de
volta dentro da bolsa.
A língua do Rodiano apareceu e girou ao redor do focinho, sua relutância
em levar Set aos mineiros lutando contra sua ganância.
– Você paga mil; não, dois mil! Sim?
– Setecentos. Ou vou procurar outra pessoa que possa me ajudar.
– Certo, fechado – o Rodiano falou de repente, sem querer negociar, com
medo de deixar uma pequena fortuna escapar entre os dedos.
Para confirmar a transação, ele estendeu a mão. Cerrando os dentes, Set
retribuiu o gesto. Apertou a mão do alienígena brevemente e depois puxou
de volta, sentindo uma leve repulsa ao tocar a pele escamosa do Rodiano.
– Você bebe para celebrar – Quano declarou. – Conta da casa.
– Eu passo – Set respondeu.
– Você tem créditos com você, certo? – o Rodiano quis saber. – Você
paga agora, certo?
Set confirmou.
– Pagarei assim que formos.
– Vamos agora. Quano só pegar uma coisa antes.
Quando ele abaixou atrás do bar, Set percebeu que havia algo diferente
em sua voz. Estava muito ansiosa.
Então vai ser assim?
Levando a mão para dentro do colete, o Jedi Sombrio tirou seu sabre de
luz. Ele o acionou quando Quano voltou a aparecer, no momento certo para
refletir o tiro de uma pistola blaster que agora apontava para ele. O Rodiano
soltou um grito de surpresa e desapareceu de volta atrás do bar.
Set já havia lidado com tipos como Quano antes. Teria ficado
perfeitamente satisfeito em honrar os termos do acordo, mas o Rodiano
obviamente tinha um plano diferente. Por que arriscar sua vida e levar
alguém para uma base escondida por setecentos créditos quando você podia
matá-lo a sangue-frio e roubar todo o seu dinheiro?
Set respeitava o sentimento – afinal de contas, ele vivia por princípios
semelhantes. Mas o Rodiano cometeu um erro imperdoável ao tentar usar
esses princípios contra um Jedi Sombrio.
Mantendo um olho sobre o bar, Set se virou para encarar os dois mineiros
grandalhões que guardavam a porta. Eles provavelmente já esperavam a
traição de Quano, mas foram pegos de surpresa pelo fracasso de seu plano.
Agora os sorrisos tinham desaparecido e eles estavam desajeitadamente
sacando suas armas.
Por que os grandões sempre são tão lentos?
Set poderia tê-los parado de várias formas: poderia ter usado a Força para
arrancar as armas de suas mãos, ou disparar uma onda que os jogaria para o
outro lado da sala. Considerando o tempo que estavam levando, poderia
saltar à frente e cortar os dois ao meio com o sabre de luz antes mesmo que
pudessem atirar. Em vez disso, escolheu simplesmente ficar no lugar,
esperando pela inevitável saraivada de tiros.
Seus adversários não o desapontaram. Set facilmente desviou a primeira
rodada de tiros com sua lâmina brilhante, ricocheteando os tiros com
segurança. Naquele ponto, um oponente esperto teria fugido para a porta.
Os dois capangas de Quano, por outro lado, simplesmente continuaram
atirando, burros demais para perceber a completa futilidade de seus ataques.
Set desviou mais alguns tiros antes de ficar entediado com a brincadeira.
Usando a Força para antecipar a localização precisa dos próximos dois
tiros, inclinou o sabre de luz para defleti-los direto contra seu ponto de
origem.
O primeiro mineiro foi atingido no peito, o outro no estômago. Os dois
morreram instantaneamente.
Matar seus inimigos usando seus próprios tiros era uma tradição de longa
data para Set. Havia ocasiões em que precisava manter um perfil discreto, e
sabres de luz tendiam a deixar ferimentos muitos distintos. Agora não havia
essa necessidade, mas por que não aproveitar a chance de manter suas
habilidades afiadas?
Por todo esse tempo, Quano não reaparecera. Set não ficou surpreso.
– É melhor sair daí. Não me faça ir até você.
A cabeça verde do Rodiano subiu lentamente. Ele ainda segurava a
pistola blaster, apontando-a para Set. Mas suas mãos tremiam tanto que ele
nem conseguia manter o cano firme.
Set sacudiu a cabeça.
– Se você vai matar alguém para roubar seus créditos, ao menos escolha
um alvo fácil.
– Seu mentiroso – Quano respondeu, sua voz aumentando
defensivamente. – Você disse que você não Jedi.
Com um rápido movimento do punho, Set usou a Força para derrubar a
pistola da mão de Quano. Outro gesto ergueu o indefeso alienígena do chão
e o puxou para o outro lado da sala, onde ele aterrissou todo encolhido
diante dos pés de Set.
Segurando as antenas do Rodiano, Set ergueu sua vítima até deixá-la de
joelhos. Sua mão livre levou a lâmina do sabre de luz ainda acionado a
apenas alguns centímetros do rosto escamoso de Quano.
– Vamos deixar uma coisa bem clara. Eu não sou um Jedi.
Para enfatizar seu ponto, ele mexeu a lâmina, passando-a contra o rosto
do Rodiano por uma fração de segundo. O som da pele queimando foi
abafado pelo grito de Quano.
– Não mata, não mata! – ele choramingou.
O estrago foi pequeno – uma queimadura que cicatrizaria dentro de uma
semana deixando apenas uma leve marca. Mas Set ficou satisfeito por ter
reforçado seu ponto. Desligando o sabre de luz, ele soltou as antenas e deu
um passo para trás, permitindo que Quano se levantasse.
O Rodiano ficou de joelhos, erguendo a mão para examinar o ferimento.
– Ora, por que eu mataria você? – Set perguntou. – Você é o único que
pode me levar até os mineiros e seus talismãs. Até eu colocar as mãos neles,
farei tudo ao meu alcance para mantê-lo vivo.
– O que acontece depois de você conseguir? – Quano perguntou,
desconfiado.
Set abriu seu mais charmoso sorriso.
– Nesse ponto, vamos improvisar.
Set podia ouvir as vozes dos mineiros ecoando pelo túnel. Estimou que
estavam a apenas alguns metros de distância – pelo tom dos ecos,
suspeitava que estavam em uma larga caverna de teto alto.
Eles vivem como vermes, amontoados em viveiros subterrâneos, temendo
por suas vidas. Patético.
À frente, seu guia relutante parou de repente e se virou para olhar de
volta para Set. Não era fácil interpretar a expressão de um Rodiano, mas
estava claro o que Quano perguntava: Eu trouxe você até aqui, posso ir
agora?
Set simplesmente sacudiu a cabeça e apontou para o resto do túnel. De
ombros caídos, Quano continuou em frente.
Agora estavam perto o bastante para Set conseguir distinguir o que os
mineiros falavam.
– Você não pode estar falando sério! – um homem de voz profunda
gritou. – Os nobres mataram Gelba! Eles têm que pagar!
– Se eles conseguiram pegar Gelba, podem pegar quem quiserem – outro
homem protestou. – Acho que devemos passar um tempo sem chamar muita
atenção. E deixar as coisas se acalmarem.
– Concordo – uma mulher disse. – Sei que Gelba era sua amiga, Draado.
Mas o que você está dizendo é loucura!
Set podia ver a luz da entrada da caverna brilhando em uma esquina no
túnel logo à frente. Quano dobrou a esquina rastejando silenciosamente e se
abaixou atrás de uma rocha que lhe deu uma visão clara da mina. Ele até
podia ser um covarde, Set notou ao se juntar ao Rodiano, mas tinha um
talento natural para se esgueirar e espionar.
Daquele ponto de vista ele podia claramente enxergar a caverna. Estava
repleta de dezenas de grandes estalagmites erguendo-se do chão como feias
estacas marrons. Estalactites se penduravam no teto, parecendo dentes de
algum monstro de pedra esperando para morder as pessoas lá embaixo.
Set contou exatos doze mineiros reunidos em um semicírculo perto do
centro da câmara. Todos estavam armados, como os quatro guardas que ele
havia despachado na entrada do túnel havia menos de dez minutos. Alguns
dos mineiros estavam sentados em formações de pedra. Outros andavam
nervosamente de um lado a outro. Um se encostava contra uma estalagmite.
Dois homens e uma mulher pareciam estar no meio de uma discussão
acalorada. Quatro outros estavam de guarda ao redor do grupo, com rifles
blaster em punho enquanto nervosamente observavam a entrada da caverna,
como se tentassem penetrar as sombras antecipando algum ataque.
Quem matou Medd e seus amigos também deixou você paranoico.
– Sem Gelba aqui, sou eu quem decide – um homem de barba dizia para
uma mulher. – E eu digo que a morte de Gelba precisa ser vingada!
– Draado – Quano sussurrou, falando tão suavemente que Set precisou
chegar mais perto para ouvir. – Ele desenterrar coisa que você quer.
Olhando mais atentamente, Set notou um amuleto ao redor do pescoço de
Draado e percebeu o brilho de um anel em seu dedo – a única joia que vira
em um mineiro desde que pisou naquele mundo destituído.
– Você quer começar uma guerra que vai acabar matando todos nós – um
dos homens protestou.
– Ao menos vamos levar alguns nobres com a gente! – Draado rebateu.
Ele estava de pé a menos de dez metros de onde Set estava escondido,
perto o bastante para que pudesse sentir o poder que emanava dos talismãs.
O amuleto parecia chamá-lo; o anel acenava com seu calor sombrio.
– O que aconteceu com você, Draado? – a mulher perguntou. – Você
sempre foi a pessoa que dizia que é possível conseguir o que queremos sem
violência e derramamento de sangue.
– Eu mudei. Agora enxergo a verdade. – Draado bateu em seu peito para
enfatizar o que dizia, seu punho acertando o amuleto. – Os nobres não nos
respeitarão até aprenderem a ter medo de nós – ele insistiu, virando-se para
olhar nos olhos de todos ao redor da caverna. – Precisamos fazer com que
temam por suas vidas. Precisamos instalar o terror em seus corações!
Claramente Draado estava sob influência dos talismãs – estavam
corrompendo sua mente e seus pensamentos. O poder do lado sombrio o
havia dominado.
Agora entendo porque Quano disse que ele não queria mais vendê-los.
O Jedi Sombrio considerou suas opções. Barganhar com os mineiros
estava fora de questão – Draado nunca desistiria de seus tesouros
voluntariamente. Considerando a tensão na caverna e os guardas com os
dedos nos gatilhos, estava muito claro que qualquer tentativa de negociar
provavelmente terminaria em um tiroteio independente do que fizesse.
Ele sacou suas pistolas gêmeas e respirou fundo, preparando-se para o
confronto. Precisava praticar um pouco de tiro, de qualquer maneira.
Saltando de seu esconderijo, ele invadiu a caverna disparando. Derrubou
todos os quatro guardas com rifle antes de qualquer um deles ter tempo para
reagir. Com a Força guiando sua mão, ele facilmente atingiu cada um com
quatro tiros diretos enquanto corria na direção de uma grande estalagmite,
do outro lado da caverna.
Protegeu-se atrás da pedra no momento em que os mineiros começaram a
retribuir fogo. Eles salpicaram sua cobertura, lançando finas nuvens de
poeira quando os tiros desintegravam pequenas partes da rocha. Inclinando
a cabeça para fora, Set disparou mais duas vezes, reduzindo o número de
oponentes para seis antes de se proteger outra vez atrás da estalagmite.
O som de tiros do inimigo reverberava nas paredes da caverna. Set sorriu,
deleitando-se no glorioso clamor da batalha. Metade já foi. Isso pode ser
mais fácil do que pensei.
Atrás dele, Set sentiu Quano fugir para a liberdade no túnel. Set poderia
derrubá-lo com um único tiro nas costas, mas decidiu deixá-lo ir. Sempre
preferia deixar alguém para trás para contar a história de seus feitos.
Um estalo alto repentinamente ecoou pela caverna. Olhando para cima,
Set viu uma das grandes estalactites do teto caindo diretamente sobre onde
estava. Ele rolou para o lado no último instante, e a mortal lança de pedra
explodiu em fragmentos ao atingir o chão duro da caverna. Ele abaixou a
cabeça quando a chuva de pedra pulverizada o atingiu, acertando a pele
exposta de seu pescoço e de seus braços nus com centenas de cortes
superficiais.
O tiroteio recomeçou, mas Set já estava de pé. Desviando e saltando
erraticamente, conseguiu desviar de dois tiros enquanto corria para se
proteger atrás de outra das proeminentes formações rochosas.
Momentaneamente seguro, precisou de um segundo para recuperar o
fôlego, olhando para cima para ter certeza de que outra estalactite
potencialmente letal não estivesse prestes a cair sobre sua cabeça. Não tinha
dúvida sobre quem havia disparado os tiros que soltaram a estalactite. Ele
fora descuidado, subestimando Draado e os talismãs.
Não era necessário ser treinado nos ensinamentos da Força para se
beneficiar de seu poder. Ela aumentava seus sentidos, fazia um indivíduo
reagir mais rápido e antecipar movimentos. O que alguns enxergavam como
destreza com uma arma ou sorte na batalha era geralmente uma
manifestação da Força. Mesmo que não estivesse ciente, Draado estava
bebendo do poder do lado sombrio. E isso o tornava perigoso.
Deixando suas pistolas de lado, Set desprendeu seu sabre de luz. A
brincadeira acabou.
Inclinando-se para fora da rocha e acionando o sabre de luz, ele o jogou
com um movimento do braço, fazendo-o girar horizontalmente em uma
longa trajetória curvada. A arma circulou toda a caverna uma vez, cortando
facilmente estalactites e mineiros antes de retornar para a mão de Set.
Set precisou de anos para dominar completamente o devastador poder do
lançamento de sabres, mas o ataque era virtualmente impossível de
defender. Cinco de seus oponentes caíram no arco letal por onde a arma
passou. Apenas Draado foi rápido o bastante para se abaixar, salvo pelo
poder dos talismãs que usava. Mas, mesmo com aqueles artefatos, ele não
era páreo para um ex-Cavaleiro Jedi.
Set simplesmente se levantou e lançou a mão livre na direção de Draado,
formando uma garra com os dedos. O mineiro soltou seu blaster, as mãos
voando para a garganta enquanto tentava respirar.
Set atravessou a caverna, aumentando a pressão sobre a garganta de sua
vítima indefesa. Draado desabou de joelhos, seu rosto tornando-se azul. O
Jedi Sombrio ficou diante dele, observando friamente enquanto sufocava
até a morte.
Quando o mineiro finalmente parou de lutar, Set se abaixou e arrancou o
amuleto e o anel. Resistiu à tentação de usá-los ali mesmo. Sob a tutela do
Mestre Obba ele aprendera que era melhor estudar os artefatos do lado
sombrio cuidadosamente antes de usá-los – seu poder geralmente cobrava
um preço.
Já tinha o que queria e estava ansioso para ir embora daquele mundo
esquecido pela civilização e voltar para o luxo de sua casa em Nal Hutta.
Além disso, quanto mais ficasse em Doan, maior seria a chance de
encontrar algum Jedi enviado para investigar a morte de Medd. Se partisse
agora, tudo o que encontrariam seria o choroso Rodiano que ele deixara
para trás, e o alienígena não seria capaz de contar nada que os Jedi não
pudessem deduzir por si próprios.
Adeus, Quano. Torça para nunca mais me encontrar.
Enquanto fazia o longo trajeto de volta pelos túneis até a superfície –
com o amuleto e o anel firmemente em seu poder –, ele não pôde deixar de
pensar se o Rodiano apreciava a sorte que tinha.
Capítulo 7
ZANNAH NUNCA HAVIA COLOCADO OS PÉS em Nal Hutta antes, mas conhecia
o mundo bem o bastante por causa de sua reputação. Embora os clãs Hutt
reinantes tivessem coberto toda a superfície de Nar Shaddaa, a lua mais
próxima, com uma vasta paisagem urbana, Nal Hutta permanecera
amplamente rudimentar. O terreno pantanoso predominante do planeta fora
envenenado pela poluição lançada sem controle pelos centros industriais
espalhados pelo planeta, transformando a superfície em uma latrina de
pântanos fétidos capazes de suportar apenas insetos mutantes. A capital
Bilbousa vivia sob um perpétuo céu de fumaça cinza, pontuado apenas por
nuvens escuras que lançavam garoa ácida nos edifícios manchados abaixo.
A feiura física do mundo era espelhada por sua corrupção moral. O
Espaço Hutt nunca fizera parte da República, e as leis do Senado não
valiam ali. As poucas leis que existiam foram criadas pelos poderosos clãs
Hutt que controlavam Nar Shaddaa, transformando Nal Hutta em um
paraíso para contrabandistas, piratas e traficantes de escravos.
Mas proteção contra as leis da República vinha com um preço. Os Hutts
consideravam as outras espécies inferiores, e todos os alienígenas residentes
tanto em Nar Shaddaa quanto em Nal Hutta tinham de pagar uma pesada
taxa mensal para um dos clãs governantes pelo privilégio de viver sob sua
proteção. O preço exato flutuava muito, dependendo da queda ou do
aumento da fortuna do clã em questão, e não era incomum que o preço
dobrasse e até triplicassem sem aviso. Em tais casos, aqueles que não
estavam dispostos ou não podiam pagar o novo preço tendiam a
desaparecer, com todas as suas posses confiscadas pelo clã, de acordo com
a lei Hutt.
O preconceito contra outras espécies dificultaria para Zannah conseguir a
informação de que precisava. As autoridades portuárias de Nal Hutta
tinham uma desconfiança profundamente enraizada contra forasteiros que
faziam perguntas, e dificilmente alguma quantia de créditos mudaria esse
cenário. Felizmente para ela, entretanto, a rede de informantes e agentes de
Bane incluía vários membros de alta classe do clã Desilijic, uma das
facções Hutt mais proeminentes – e estáveis. Sob seu familiar disfarce de
Allia Omek, Zannah conseguiu usar esses contatos – junto com o registro
da nave gravado no datapad do falecido Pommat – para rastrear o homem
de cabelos prateados de Doan até ali.
Ela descobrira que seu nome real era Set Harth, e havia um rumor
persistente de que ele já fora um Jedi. Também descobrira que ele era
incrivelmente rico. E, embora ninguém com quem tivesse falado soubesse a
fonte exata de sua vasta fortuna, todos concordavam que seus ganhos eram
quase certamente ilícitos. Em Nal Hutta, isso geralmente era visto como
algo a ser admirado.
Outro fato interessante também emergira durante suas investigações: Set
Harth era uma figura conhecida da alta sociedade de Nal Hutta. Apesar de a
cidade ser um poço imundo governado por clãs opressores de Nar Shaddaa
– ou talvez por causa disso –, os residentes que não eram Hutts de Bilbousa
gostavam de oferecer festas luxuosas e extravagantes como celebrações do
excesso hedonista. Set Harth sempre recebia um convite para essas festas, e
era até conhecido por oferecê-las várias vezes ao ano.
Por sorte ele estava em uma dessas festas hoje, dando a Zannah uma
oportunidade para invadir sua mansão e tentar entender melhor o homem
que possivelmente poderia se transformar em seu aprendiz.
Sua primeira impressão foi a de que, de muitas maneiras, aquela mansão
lembrava a propriedade que Bane construíra em Ciutric IV: era menos um
lar do que um templo da elegância e do luxo no qual nenhuma despesa fora
poupada. Um candelabro feito de cristal Daloniano dominava a entrada,
refletindo o brilho do bastão luminoso de Zannah com leves toques de
turquesa. Os corredores eram forrados com placas de mármore, e vários dos
quartos que Zannah inspecionou continham tapetes Wrodianos, cada um
trançado ao longo de várias gerações, por uma sucessão de mestres artesãos.
A enorme sala de jantar podia facilmente acomodar vinte convidados em
uma mesa feita de madeira greel avermelhada. A escrivaninha no estúdio de
Set era ainda mais extravagante – Zannah reconheceu o estilo dos mestres
artesãos de Alderaan – feita com um raro carvalho kriin esculpido à mão.
Mas a mobília empalidecia quando comparada às raras e caras obras de
arte que adornavam cada quarto. Set gostava de peças ousadas e
chamativas, e Zannah tinha quase certeza de que todas eram originais. Ela
reconheceu estátuas esculpidas por Jood Kabbas, o renomado escultor
Duros; paisagens de Unna Lettu, a mais famosa pintora de Antar 4; e vários
retratos que exibiam o estilo inconfundível de Fen Teak, o brilhante mestre
Muun.
Claramente, o dono era alguém que gostava das melhores coisas da vida.
A propriedade de Bane em Ciutric dava a mesma impressão aos visitantes –
toda a arte extravagante e a mobília opulenta eram parte de uma fachada,
algo crucial para manter o disfarce de um empresário galáctico de sucesso.
No caso de Set, entretanto, ela não sabia se a decoração luxuosa era uma
enganação. Havia uma energia ali. As coisas pareciam reais. Vivas. Quanto
mais olhava ao redor, mais Zannah começava a acreditar que o Jedi
Sombrio não estava apenas bancando um disfarce: seu lar era um reflexo
verdadeiro de sua personalidade. Set obviamente gostava de gastar sua
fortuna em bens materiais – ele desejava a atenção e a inveja que despertava
nos outros.
Essa ideia fez Zannah pensar um pouco. Bane ensinara que a riqueza era
apenas um meio para um fim maior. Créditos eram apenas uma ferramenta
– juntar uma vasta fortuna não era nada além de um passo necessário no
caminho do verdadeiro poder. O materialismo – um apego aos bens físicos
que ultrapassava seu valor prático – era uma armadilha, uma corrente que
prendia o tolo à sua própria ganância. Aparentemente, Set ainda não tinha
aprendido essa lição.
É por isso que ele precisa de um Mestre. Precisa de alguém para ensiná-
lo a verdade sobre o lado sombrio.
Continuando com a investigação, Zannah subiu uma grande escadaria em
espiral que levava ao segundo andar. Passando a mão distraidamente sobre
o fino acabamento do balcão com vista para a sala de estar do andar térreo,
ela seguiu até os fundos da mansão. Lá encontrou a biblioteca de Set.
Centenas de livros forravam as paredes, mas a maioria eram romances
escritos puramente para o entretenimento… Obras que ela não considerava
dignas de serem lidas. Mas uma estante lhe deu esperança: uma coleção de
manuais e guias técnicos assinados por especialistas em mais de duas
dezenas de campos variados. Assumindo que Set tivesse lido e estudado
todos, era um homem de grande conhecimento e muitos talentos.
Nos fundos da biblioteca havia uma porta sem descrição – do outro lado,
Zannah sentiu o poder do lado sombrio. O poder a chamava, como as
vibrações de um motor em funcionamento emanando através do chão.
Aproximando-se cuidadosamente, sentiu o poder crescer. Não vinha de uma
pessoa ou criatura – ela conhecia muito bem a sensação de um ser vivo
sintonizado com a Força. Aquilo era diferente. Lembrava os pulsos
invisíveis de energia que ela sentira emanar dos cristais da Força que havia
usado para construir seu sabre de luz.
Testou a porta e se surpreendeu quando ela se abriu, sem resistência.
Obviamente, Set tinha confiança em sua privacidade – por outro lado, ele
certamente nunca suspeitou que um Sith pudesse lhe fazer uma visita.
Entrando na sala, Zannah achou o lugar pequeno e simples comparado com
o resto da mansão. Não havia obras de arte, e a única mobília era uma
vitrine posicionada contra uma parede negra, alguns metros à frente. Sob o
brilho de seu bastão luminoso, ela podia ver um conjunto de joias
cuidadosamente arranjadas na vitrine: anéis, colares, amuletos e até mesmo
coroas, tudo imbuído com o poder do lado sombrio.
Zannah já tinha visto coleções como aquela antes. Dez anos atrás,
Hetton, um nobre Serreniano sensível à Força e obcecado pelo lado
sombrio, mostrara a ela um conjunto semelhante de artefatos Sith… uma
oferta que ele esperava que convencesse Zannah a tomá-lo como aprendiz,
apesar de sua idade avançada. Infelizmente para Hetton, seus badulaques
não foram suficientes para salvá-lo – ou a seus guardas – quando eles
confrontaram o próprio Mestre de Zannah. Bane mostrara a Hetton o
verdadeiro poder do lado sombrio, uma lição que custara ao velho sua vida.
Bane também colecionava os tesouros dos antigos Sith, mas preferia a
sabedoria contida nos textos antigos. Zannah sabia que ele olhava para os
anéis, amuletos e outras parafernálias com desdém. A centelha do lado
sombrio que queimava dentro desses objetos era como uma única gota de
chuva caindo no oceano de poder que ele já comandava – não via
necessidade de aumentar suas habilidades com joias espalhafatosas criadas
havia séculos por antigos feiticeiros Sith. Seu Mestre acreditava que a
verdadeira força vinha de dentro, e ele arraigou tal crença em sua aprendiz.
Aparentemente, essa era outra lição que ela teria de ensinar a Set Harth,
supondo que ele se provasse digno de ser seu aprendiz.
Zannah congelou quando sentiu uma súbita presença dentro da mansão.
Usando a Força, ela confirmou a suspeita: Set havia retornado de sua festa,
e estava sozinho. Extinguindo o bastão luminoso, ela se moveu na perfeita
escuridão de volta para a entrada principal, deixando a Força guiar seu
caminho.
Deslizando silenciosamente até o balcão que dava para a grande sala de
estar ao pé da escadaria, avistou sua presa quase diretamente abaixo de
onde estava. Sob a luz de um abajur em uma mesa, ela podia vê-lo
recostando-se em um elegante sofá de couro, uma garrafa de fino vinho
Sullustano em uma das mãos e uma taça pela metade na outra. Ele ainda
vestia as roupas da festa: uma camisa azul-turquesa de seda Dramassiana,
calças pretas sob medida e botas na altura dos joelhos polidas à perfeição. A
gola da camisa estava desabotoada e suas longas mangas folgadas caíam
sobre os pulsos, ondulando com delicadeza enquanto ele gentilmente
balançava o vinho para liberar todo o seu aroma entre um gole e outro.
Ela não fez nenhuma tentativa de mascarar sua presença – estava curiosa
para saber se Set a sentiria através da Força da mesma maneira que ela o
sentiu quando chegou. Para seu desalento, ele parecia completamente
alheio, perdido nos confortos de sua casa e na degustação de sua bebida.
Zannah saltou do balcão até o chão, cinco metros abaixo, aterrissando
atrás dele, totalmente em silêncio, com exceção do gentil farfalhar de sua
capa negra. Set se mexeu com o som, ajeitando-se no sofá para fixar o olhar
na intrusa.
– Saudações – ele disse com um sorriso, aparentemente não surpreso pela
chegada dela. – Acho que não tive o prazer de conhecê-la. Meu nome é Set
Harth.
Ele ergueu sua bebida e inclinou a cabeça como se oferecesse um brinde
à sua chegada.
– Sei quem você é – Zannah respondeu com frieza.
Set cuidadosamente deixou a garrafa de vinho e a taça sobre a mesa,
depois se virou para Zannah e bateu duas vezes na almofada do sofá ao seu
lado.
– Por que você não fica confortável? Tem bastante espaço para nós dois.
– Prefiro ficar de pé.
Zannah ficou ao mesmo tempo confusa e desapontada por aquela reação.
Em vez de levantar a guarda, ficar cauteloso ou até mesmo indignado por
descobrir uma intrusa em sua casa, Set parecia flertar com ela. Seu tom de
voz era sugestivo e brincalhão. Será que não sentia que sua vida estava por
um fio? Será que não sentia o perigo em que estava?
Set respondeu à recusa dela dando de ombros.
– Você me seguiu até minha casa depois da festa, não é? – ele adivinhou.
– Normalmente eu não esqueceria um rosto tão bonito.
Zannah praguejou contra si mesma. Ela viera até ali procurando um
aprendiz, e encontrara nada além de um tolo mulherengo interessado
demais em flertes desajeitados para reconhecer seu poder. Esse erro era
constrangedor – ela sabia que com certeza Darth Bane teria imediatamente
enxergado Set como ele era.
– Você ainda não me contou seu nome – Set a lembrou, balançando o
dedo na frente do rosto. – Você é uma garota muito má.
O ataque veio no instante em que Zannah abriu a boca para responder.
Veio sem aviso nenhum, Set movendo-se com a velocidade sobrenatural da
Força. O sabre de luz do Jedi Sombrio se materializou em sua mão,
acionando-se e girando pela sala em sua direção, mais rápido que um
pensamento.
Zannah mal conseguiu se abaixar, a lâmina cortando um pedaço de sua
capa quando ela se jogou no chão. Quando a arma completou seu caminho
de volta e retornou para a mão de Set, ele já estava de pé… assim como
Zannah.
Ela percebeu que a saudação inicial de Set fora uma enganação. Ele
estava com o sabre de luz sob a manga durante todo o tempo, apenas
esperando Zannah baixar a guarda. Talvez ele não fosse um caso perdido,
afinal de contas.
– Você é rápida – Set notou, com um toque de admiração na voz.
Suas palavras já não tinham o tom leve e fácil de um convidado em uma
festa – ele havia parado de fingir. Seus olhos azuis eram atentos e focados,
penetrando sua oponente em busca de qualquer fraqueza que pudesse
explorar.
Zannah se preparou para o próximo ataque. Em sua mente, os próximos
segundos poderiam acontecer de mil formas diferentes, cada uma única em
seus detalhes específicos, cada cenário uma visão de um possível futuro
vislumbrado por meio do poder da Força. A imensa quantidade de
possibilidades podia ser arrebatadora, mas Bane a treinara bem.
Instintivamente, ela reduziu a teia de possibilidades até os resultados mais
prováveis, efetivamente permitindo que antecipasse e reagisse ao
movimento seguinte do oponente antes mesmo de ele acontecer.
Set disparou uma forte explosão de poder do lado sombrio em uma onda
cintilante feita para derrubá-la no chão. Zannah facilmente respondeu
projetando uma barreira de energia, a maneira mais simples e eficaz para
um usuário da Força se defender contra os ataques de outro usuário. Era
uma técnica ensinada a cada Padawan Jedi, e foi uma das primeiras lições
que Bane exigiu que ela dominasse.
– Você é uma Jedi? – Set perguntou.
– Uma Sith – Zannah respondeu.
– Pensei que os Sith estivessem extintos – ele disse, casualmente girando
seu sabre de luz em uma das mãos, sem tirar os olhos de Zannah.
– Ainda não. – Ela continuou no lugar, seu próprio sabre ainda preso na
cintura. Mas agora estava desconfiada: Set quase a enganara uma vez, e ela
não deixaria isso acontecer novamente.
– Deixe-me ver se posso consertar isso.
Quando ele saltou à frente para avançar sobre ela, Zannah acionou sua
própria arma. As lâminas gêmeas ganharam vida, e ela entrou naquela
dança familiar.
Set veio baixo no início, golpeando contra suas pernas. Quando ela
desviou a lâmina, ele girou rapidamente, saindo de seu alcance antes que
ela pudesse revidar. Com a Força, ele atraiu um busto de bronze do outro
lado da sala e o lançou na direção do flanco esquerdo dela. Ao mesmo
tempo, mergulhou à frente com uma cambalhota que o deixou perto o
bastante para atacar o lado direito de sua adversária.
Zannah facilmente repeliu as duas ameaças, suas lâminas girando e
cortando o busto ao meio, ao mesmo tempo em que se inclinava apenas o
suficiente para a arma de Set não acertar seu quadril, passando a menos de
um centímetro dele. Aproveitando a posição, ela o chutou com força nas
costas quando ele passou, não para incapacitá-lo, mas para incitar ainda
mais sua agressividade.
Enquanto os dois habilidosos combatentes se enfrentavam com os sabres
de luz, as lâminas se moviam tão rápido que era quase impossível pensar e
reagir a cada movimento. Bane a ensinara a contar com o instinto, guiado
pela Força e aguçado por milhares de horas de treinamento nas formas
marciais. Esse treinamento lhe permitiu perceber com os primeiros passos
de Set que ele usava uma variação modificada da Ataru, um estilo definido
por golpes rápidos e agressivos. Nos primeiros momentos do combate ela já
tinha avaliado seu oponente, notando sua velocidade, agilidade e técnica.
Set era bom. Muito bom. Mas Zannah também sabia, sem dúvida alguma,
que ela era muito, muito melhor.
Set, entretanto, ainda não tinha chegado a essa conclusão. O chute dela
teve o efeito desejado: quando ele atacou na vez seguinte, seu rosto estava
distorcido por um rosnado raivoso. Sua fúria permitiu-lhe que bebesse do
lado sombrio, tornando-se ainda mais perigoso quando disparou sua
próxima série de ataques. Saltando alto no ar, abaixando-se no chão,
lançando o corpo à frente, saltando para trás, girando e contorcendo-se, ele
golpeou cada ângulo em uma saraivada implacável, pensada para
sobrecarregar as defesas de Zannah, mas ela simplesmente refletiu os
esforços com uma eficiência fria, quase casual.
Combates com sabres de luz eram brutais em sua intensidade – poucos
duelos duravam mais do que um minuto. Até para um Jedi treinado, o
esforço de um combate total era exaustivo… particularmente quando se
usava as manobras acrobáticas da forma Ataru. Não demorou para Zannah
sentir que seu oponente estava se cansando. Ela, por outro lado, tinha fôlego
de sobra. Por exigência de Bane, tornara-se especialista nas sequências
defensivas da forma Soresu. Era simples para ela defender, redirecionar ou
evadir os golpes do oponente usando a inércia de Set contra ele mesmo,
facilmente mantendo o Jedi sob controle.
Naquele breve encontro, ela teve ao menos uma dúzia de oportunidades
para acertar um golpe fatal no homem de cabelos prateados. Mas ela não
estava ali para matá-lo – pelo menos, ainda não. Estava ali para testá-lo,
para ver se era digno de ser seu aprendiz.
Ele não precisava derrotá-la para ser bem-sucedido aos olhos de Zannah
– apenas tinha de mostrar potencial. Apesar de sua inabilidade de penetrar
as defesas de Zannah, ela já tinha visto o bastante para ficar satisfeita. Ele
podia ser imprudente e selvagem com o sabre de luz, mas também era
criativo e até mesmo um pouco imprevisível. Set mostrara astúcia suficiente
quando se encontraram pela primeira vez para que Zannah o subestimasse.
E, mais importante, ela podia sentir o poder do lado sombrio fervendo
dentro dele enquanto se tornava cada vez mais determinado a derrotá-la…
por mais fútil que fosse o esforço.
Agora ela estava brincando com ele, arrastando a batalha. Não bastava
Zannah querer Set como aprendiz – ele também precisava querer que ela
fosse sua Mestra. Ela precisava provar sua superioridade a ponto de ele
ficar disposto a servi-la. Não era suficiente apenas derrotar o Jedi Sombrio
– era preciso quebrá-lo.
Quando ele deu um passo mais lento ao recuar, após um de seus golpes,
ela deu uma rasteira que o derrubou no chão, apenas para depois recuar e
deixá-lo se levantar outra vez. Quando ele voltou a atacar, ela girou seu
sabre de luz em um movimento rápido e pouco ortodoxo, enganchando uma
das lâminas com o sabre de Set e arrancando a arma de sua mão.
Set saltou para trás imediatamente e usou a Força para atrair o cabo de
volta para sua mão, depois voltou a atacar teimosamente. Mas, com o passar
dos segundos, o fogo do lado sombrio ficava cada vez menos capaz de
combater a fadiga que tomava conta de suas juntas e membros.
Era inevitável que seu corpo cansado o traísse, e logo ele veio com a
lâmina um pouco mais ao lado, em vez de diretamente à frente. Zannah
avançou e ergueu o pé, atingindo Set no queixo. Ele cambaleou para trás
uivando de dor, enquanto uma série de profanidades ininteligíveis saíam de
sua boca, junto com respingos de sangue.
– Você se rende? – Zannah perguntou.
Sua única resposta foi cuspir o sangue no tapete caro e avançar mais uma
vez.
Zannah sentiu uma leve pontada de decepção. Ela esperava que ele fosse
esperto o bastante para não continuar com um combate que não podia
vencer. Outra lição que você terá de aprender comigo.
Quando ele se aproximou, ela respondeu não com violência física, mas
com um poderoso feitiço de magia Sith que atacou a mente do Jedi
Sombrio. Ele tentou erguer uma barreira protetora da Força em resposta,
mas o poder de Zannah destruiu suas defesas, deixando-o completamente
vulnerável.
Feitiçaria Sith fazia parte do lado sombrio tanto quanto os raios mortais
de energia violeta que seu Mestre soltava dos dedos e, quando Bane
reconheceu o talento dela para as magias sutis, mas devastadoras,
encorajara-a a estudar aquelas práticas misteriosas. Com textos antigos, ela
aprendera a distorcer e atormentar os pensamentos de seus inimigos. Podia
fazê-los enxergar pesadelos como realidade – podia fazer seus medos mais
profundos se manifestarem como demônios da psique. Podia, e já o fizera,
destruir a mente de seus inimigos com um simples pensamento e um gesto.
Set, entretanto, ela não pretendia destruir completamente. Em vez disso,
envolveu-o em uma nuvem de completo desespero e agonia. Ela alcançou
os recessos mais profundos de sua mente e a envolveu com o vazio da
escuridão.
Os olhos de Set embranqueceram, sua mandíbula se fechou com força e o
sabre de luz caiu de seus dedos inertes. Ele lentamente afundou-se no chão,
os olhos se fechando e o corpo tremendo enquanto se encolhia em posição
fetal.
Esse seria seu teste final. Uma mente fraca desabaria sobre si mesma até
murchar e morrer, deixando a vítima em um coma sem fim. Porém, se Set
fosse forte, sua força de vontade lutaria contra o horror. Pouco a pouco, ele
avançaria sobre o vazio, recusando-se a morrer, arrastando-se para a
superfície até a consciência finalmente retornar.
Se Set fosse de fato digno de ser seu aprendiz, ele se recuperaria daquela
condição em um dia ou dois. Se não fosse, ela simplesmente teria de
recomeçar sua busca.
Capítulo 11
Set observou as costas de sua nova Mestra, seguindo seu progresso até
ela dobrar uma esquina e desaparecer, deixando-o sozinho na pequena
plataforma de aterrissagem.
Apoiou-se no casco da Vitória, pensando no pouso. Ele se considerava
um piloto muito bom, mas nunca teria tentado um movimento como a
pirueta invertida que Zannah usara. Sabia que ela estava apenas se exibindo.
De qualquer forma, foi uma manobra impressionante.
Após alguns minutos ele começou a andar de um lado a outro, inquieto,
chutando pequenas pedras no chão. Set não gostava de receber ordens, e
não gostava de ficar parado sem fazer nada.
Não faça nada estúpido agora. Ela estava falando sobre o quanto a
paciência é importante. Isso é provavelmente outro teste.
Obba, seu Mestre antes de deixar os Jedi, frequentemente encorajava
seus estudantes a meditarem quando não tinham outra tarefa ou dever. Dizia
que isso ajudava a concentrar a mente e o espírito. Mas Set nunca foi fã da
meditação. Preferia fazer alguma coisa – qualquer coisa – em vez de ficar
parado em transe, perdido em seus próprios pensamentos.
Abaixou-se e vasculhou o chão até encontrar cinco pedras do tamanho de
um punho. Tirou a areia o melhor que podia, inspecionando as pedras para
ver se não tinham pontas afiadas que pudessem cortar seus dedos ou a
palma das mãos. Então, satisfeito com seus achados, começou a fazer
malabarismo, esperando que isso ajudasse a passar o tempo.
Começou com movimentos simples, experimentando o peso e equilíbrio
de cada pedra. Então mudou para uma cascata, as rochas dançando em um
padrão circular enquanto saltavam de mão em mão. Em seguida jogou e
apanhou as pedras nas costas, alternando entre a frente e as costas sem
quebrar o ritmo.
Olhando ao redor da caverna, avistou outra pedra de bom tamanho a
alguns metros. Sem parar o malabarismo, aproximou-se arrastando os pés
até ficar perto o bastante para colocar a ponta de sua bota embaixo da pedra.
Um rápido chute jogou a pedra no ar, onde se juntou às outras no
movimento.
Ele repetiu o truque várias vezes, movendo-se pela caverna em busca de
mais pedras, acrescentando quantidade e complexidade até que, quando
alcançou dez objetos simultâneos, deixou todas as pedras caírem no chão,
com desgosto.
Você não veio aqui para brincadeiras.
Zannah partira havia menos de dez minutos, e ele já estava
insuportavelmente entediado.
Ela pode ficar lá por horas. Você não vai aguentar.
Fechando os olhos para se concentrar melhor, Set usou a Força,
vasculhando a área ao redor. A princípio não sentiu nada – Zannah havia
desaparecido profundamente dentro do complexo.
Concentrando-se intensamente, expandiu sua consciência ainda mais.
Gotas de suor começaram a se formar nas sobrancelhas, mas após quase um
minuto ele começou a detectar leves sinais de vida. Todas as formas de vida
eram sintonizadas com a Força em algum nível, e os Jedi o treinaram para
sentir suas presenças por meio dela. Pessoas comuns mal eram notadas, tão
fáceis de ignorar quanto uma lâmpada fraca em uma tarde ensolarada.
Aqueles com poder – homens e mulheres como Zannah ou outros Jedi –
queimavam com muito mais intensidade.
Para sua surpresa, Set sentiu vários lampejos fortes e distintos ao
expandir cada vez mais sua consciência. Ele esperava sentir Zannah e seu
Mestre, mas eles não estavam sozinhos. Era difícil dizer quantos outros
havia, ou sua localização precisa – sentir outros por meio da Força era uma
ciência muito inexata. Mas definitivamente estavam lá.
E não são Jedi.
Aqueles que serviam ao lado da luz tinham uma certa aura
inconfundível… assim como aqueles que convocavam o lado sombrio.
Talvez Bane já tenha encontrado outro aprendiz. Zannah pode estar
prestes a se deparar com uma surpresinha.
Em circunstâncias normais, Zannah certamente teria sentido as outras
presenças, assim como ele, mas Set sabia que ela estava concentrada em
uma única coisa: encontrar Bane. Com sua mente concentrando-se tão
intensamente em apontar a exata localização de seu Mestre, era possível
que não notasse mais ninguém. Não até estar praticamente em cima dessa
pessoa.
Set hesitou, sem saber o que deveria fazer. Será que Zannah precisava de
sua ajuda? Se precisava, será que deveria ajudá-la?
Se você quer fugir, esta é a sua melhor chance. Apenas entre naquela
nave e voe para longe daqui.
Se ele partisse e Zannah morresse, era improvável que alguém soubesse
que ele estivera ali. Set não teria de se preocupar com o Mestre dela indo
atrás dele – poderia fingir que nada daquilo tinha acontecido. Se Zannah
sobrevivesse, entretanto, não tinha dúvida que ela o procuraria para se
vingar. E, já que não estaria por perto para ver o resultado de seu confronto
com Bane, teria de passar o resto da vida olhando sobre o ombro.
Não é muito diferente do que você faz agora. Você conseguiu ficar
sempre um passo na frente dos Jedi por todos esses anos – quanto mais
difícil seria ficar um passo à frente dos Sith ao mesmo tempo?
Mas havia outras considerações. Se ele partisse, estaria jogando fora a
chance de aprender com Zannah. Ela era mais forte do que ele, muito mais
forte. Ela poderia ensinar coisas que ele nunca aprenderia com mais
ninguém. Não era fácil dar as costas para esse tipo de poder.
Dividido entre as duas opções, Set tentou expandir sua consciência ainda
mais na esperança de descobrir qualquer outra coisa. Já estava alcançando o
limite de sua capacidade, mas sabia que aquela era a decisão mais
importante de sua vida. Não podia se dar ao luxo de errar.
Uma forte dor crescia em sua testa – era como se alguém injetasse uma
agulha em seu crânio bem no meio dos olhos. Não estava acostumado a
esse tipo de esforço prolongado – quando usava a Força, era para lampejos
rápidos de ação. Mas ignorou a dor, cerrou os dentes e fez um esforço final.
E então ele sentiu. Criaturas vivas não eram as únicas coisas com
afinidade com a Força. A maior parte da vida adulta de Set fora passada
buscando objetos imbuídos com seu poder: inicialmente em nome do
Conselho do Primeiro Conhecimento, mais tarde por si próprio. Tornara-se
altamente hábil em reconhecer as assinaturas de energia únicas projetadas
pelos talismãs do lado sombrio – elas o chamavam mais fortemente do que
chamavam a maior parte das outras pessoas.
Foi por isso que, apesar de estar no limite de sua consciência, ele
conseguiu sentir. Era diferente de tudo o que sentira antes – algo tão forte e
poderoso que o fez perder o fôlego de tanto desejo.
O holocron de Andeddu. Tem de ser.
Zannah dissera que seu Mestre viajara a Prakith para encontrá-lo. Quem
quer que tivesse capturado Bane devia ter levado o holocron também.
Set abriu os olhos e sacudiu a cabeça, deixando sua consciência cair de
volta para seus arredores imediatos. A dor de cabeça sumiu, substituída por
um desejo ardente de tomar o holocron para si.
Tinha apenas uma vaga ideia de onde encontrá-lo. Mas, assim que
estivesse dentro da Prisão de Pedra, tinha confiança de que seria capaz de
identificar o local rapidamente. Para ele, rastrear um holocron era muito
mais fácil do que localizar uma pessoa.
Zannah havia ordenado que protegesse a nave, mas ele não estava
preocupado que alguém acidentalmente descobrisse sua localização. Não
sentira ninguém nem remotamente perto da plataforma de aterrissagem.
A questão é, você consegue pegar o holocron e voltar aqui antes de
Zannah terminar com Bane?
Era arriscado. Se ela retornasse e descobrisse que a nave não estava mais
lá, Zannah podia decidir encerrar seu aprendizado… e sua vida. Mesmo se
não fizesse isso, poderia simplesmente tomar o holocron para si, e Set sabia
que não seria forte o bastante para impedi-la.
Mas, se você encontrar o holocron, quem disse que precisa trazê-lo de
volta até aqui?
Quem quer que tivesse trazido Bane até a Prisão de Pedra tinha de estar
usando uma das outras plataformas para suas naves. O quão difícil seria
roubar uma?
O segredo da vida eterna versus o ódio imortal de uma Lorde Sith. Será
que vale a pena?
Essa era uma questão que Set não tinha dificuldade para responder.
Levando uma lanterna, entrou na Prisão de Pedra pela mesma passagem em
que Zannah havia entrado menos de quinze minutos antes.
Capítulo 19
BANE PODIA SENTIR O AÇO DAS ALGEMAS cortando seus pulsos, e um sorriso
sombrio apareceu em seus lábios. A dor indicava que o sedativo estava
perdendo força. A névoa cinza que embaçava seus pensamentos se
dissipava, deixando sua mente mais clara e focada.
Mais uma vez ele podia sentir o poder do lado sombrio. Era forte naquele
lugar – a miséria e o sofrimento de vários séculos pairavam no ar. Bane
quase podia ouvir os gritos de todas as incontáveis vítimas ecoando pelas
paredes.
As memórias da última hora estavam enevoadas e confusas, mas ele
sabia o suficiente. Sua captura fora orquestrada pela filha de Caleb e a
misteriosa Iktotchi que ficara ao seu lado durante o interrogatório. E ele
devia sua liberdade à outra mulher que estava com elas.
Ele não sabia por que a mulher de pele morena injetara algo nele depois
que as outras saíram. Apesar de ainda estar drogado, tinha certeza de que
não fora um acidente ou erro. Ela sabia o que estava fazendo. Quem era e
por que fizera aquilo, entretanto, ele não sabia.
Não que sua identidade e razões importassem no futuro imediato. Ela
dera a Bane toda a ajuda de que precisava, e logo ele estaria pronto para
fazer seu movimento.
A dor se espalhava para além dos pulsos. Parecia que seus ombros
estavam sendo arrancados do corpo por suportarem a maior parte do peso.
Os cortes profundos em seu rosto queimavam, e ele sentia os pequenos
pingos de sangue descendo e tracejando a linha do queixo antes de
pingarem no chão.
Chegou a hora.
Ele ergueu a cabeça para ter certeza de que a porta da cela ainda estava
fechada – queria pegar seus captores de surpresa. Então começou a
acumular o poder da Força. Um instante mais tarde, as algemas em seus
pulsos e tornozelos se partiram, explodindo em um milhão de pedaços com
um mero pensamento de Bane.
Ele caiu no chão, seus músculos cansados incapazes de suportar seu peso.
Precisou de um momento para se recompor, e então uma onda de adrenalina
correu por seu corpo e ele logo se levantou.
Bane se sentiu nu sem seu sabre de luz, mas não estava exatamente
indefeso. Havia muitas outras maneiras de eliminar seus inimigos.
Três passos rápidos o levaram até a porta de hiperaço da cela. Ele a tocou
com a palma da mão, então usou a Força para explodi-la. O metal voou pela
sala, acertando e matando um dos guardas sentados à mesa, jogando cartas.
Os cinco guardas restantes se levantaram rapidamente, apanhando suas
armas. Bane atacou usando a Força. Sua onda de energia foi limitada pelos
efeitos remanescentes das drogas em seu organismo, mas ainda foi forte o
bastante para derrubá-los todos no chão e jogar a mesa contra a parede,
onde se despedaçou.
Bane caiu sobre os guardas como um animal enraivecido, movendo-se
tão rápido que parecia apenas uma mancha. Pisou com sua bota na garganta
do oponente mais próximo, esmagando seu esôfago. Com seu braço
musculoso, envolveu o pescoço do homem seguinte por trás, tocou seu
queixo com a outra mão e torceu a cabeça para o lado, quebrando seu
pescoço.
Os últimos três oponentes se levantaram, sacando seus blasters. Bane
arrancou uma vibroadaga curta do cinto do homem com o pescoço
quebrado e a enterrou na barriga de uma mulher antes que ela pudesse sacar
sua arma. Ela se dobrou com o golpe fatal, soltando o blaster.
Bane se jogou e apanhou a arma antes de ela atingir o chão, protegendo-
se dos tiros dos dois inimigos restantes enquanto rolava e disparava dois
tiros perfeitamente posicionados. Os dois guardas caíram para trás, seus
rostos apagados pelo impacto de um tiro de blaster à queima-roupa.
Outra porta trancada de hiperaço bloqueava a única saída. Bane jogou o
blaster de lado e arrancou a porta das dobradiças. Acima, alguém acionou o
alarme, e uma sirene ensurdecedora começou a tocar.
Do outro lado da porta havia uma escada estreita, igualmente trancada no
topo. O Lorde Sombrio subiu os degraus e se lançou com o ombro na porta.
Ela se abriu com o impacto, permitindo-lhe se projetar para a sala adiante.
Os quatro guardas ali já estavam alertas por causa dos tiros disparados lá
embaixo – diferente do primeiro grupo, não foram pegos desprevenidos
pela entrada violenta. Com as armas já em punho, abriram fogo.
Mas o ataque visceral de Bane contra o esquadrão na sala abaixo havia
alimentado o ciclo de emoções em ebulição e a concentração do lado
sombrio. Ele respondeu ao ataque com uma explosão de energia que se
propagou em uma onda, com a cor violeta característica partindo de seu
corpo.
Os tiros foram absorvidos pela tempestade iônica, e os próprios blasters
derreteram nas mãos de seus donos. O fedor de carne queimada se misturou
com seus gritos de agonia e o implacável som dos alarmes, alimentando
ainda mais o poder de Bane.
Abaixado sobre um joelho, fechou os dois punhos e jogou os braços para
os lados, esticando os dedos ao máximo. A onda da Força resultante
derrubou os guardas, lançando-os para trás até atingirem as paredes com
força suficiente para rachar a pedra.
Bane se levantou no centro da carnificina. Havia meia dúzia de corpos
caídos ao seu redor, com ossos quebrados e órgãos internos esmagados. Um
deles ainda cuspia sangue em seu suspiro final – todos os outros estavam
imóveis.
Para seu desalento, não viu nem a filha de Caleb nem a Iktotchi entre os
mortos. Sentira alguns guardas fugindo da sala quando subiu as escadas,
mas não sentira nenhuma das mulheres entre eles. Também não reconhecia
nenhum dos cadáveres como a mulher de pele morena que o salvou, embora
estivesse – no momento – menos interessado nela.
Já havia encontrado Serra antes. Durante seu primeiro encontro com
Caleb, o curandeiro tentara enganá-lo com uma simples ilusão para
esconder sua filha. Mas Bane havia sentido a menina encolhendo-se atrás
da fachada – sentira seu medo. Porém, era mais do que isso. Assim como
seu pai, ela tinha um poder que podia ser sentido através da Força.
Você não pode se esconder de mim. Vou encontrá-la.
Convocando a memória havia muito tempo enterrada, ele expandiu sua
mente, concentrando-se em detectar sua presença inconfundível.
Ela ainda está aqui. Ainda está neste prédio. Mas não está sozinha.
Sua consciência havia se estendido através dos corredores do calabouço,
sussurrando sobre as mentes de todos os que andavam por ali. Sentiu Serra,
junto com vários outros indivíduos poderosos. Mas havia um em particular
que chamou sua atenção.
Zannah. O que ela está fazendo aqui?
Será que sua aprendiz estava, de alguma maneira, envolvida com sua
captura? Será que tinha vindo para resgatá-lo? Ou talvez para impedir que
escapasse?
Qualquer que fosse a explicação, Bane tinha certeza de uma coisa: não
queria enfrentar Zannah agora. Não enquanto ainda estava se recuperando
das toxinas que Serra havia usado para deixá-lo indefeso, e certamente não
sem um sabre de luz.
Ela estava procurando por ele – Bane podia senti-la usando a Força,
chegando cada vez mais perto. Mesmo assim, havia maneiras de combater
seus esforços: sutis manipulações da Força poderiam confundi-la e
redirecioná-la.
Enganar Zannah enquanto ao mesmo tempo rastreava a filha de Caleb era
possível em teoria, embora poucos indivíduos tivessem a disciplina para
manter o equilíbrio entre duas tarefas tão mentalmente intensas. Mas a
vontade de Bane era tão forte quanto seu corpo.
Se fosse rápido, astuto e cuidadoso, teria a chance de encontrar sua presa
e escapar vivo daquela prisão.
ASSIM QUE LUCIA SAIU DA VISTA DOS GUARDAS que vigiavam Des, começou a
andar rapidamente. Sabia que não tinha muito tempo antes que ele
escapasse, e precisava encontrar a princesa antes que isso acontecesse. Mas
descobrir onde Serra estava não era fácil.
Dezenas de passagens se abriam do corredor principal em cada lado,
levando para outros blocos de celas na mesma ala, ou para áreas
completamente novas do complexo do calabouço. Felizmente, apenas uma
pequena seção da Prisão de Pedra foi reaberta. A maior parte dos corredores
pelos quais Lucia passava estava escura e deserta: não achava que a
princesa teria entrado em algum deles.
Mesmo assim, havia muito espaço para cobrir. Ela começou com o
escritório administrativo da ala de segurança máxima, mas estava vazio.
Depois disso retornou, movendo-se rapidamente pelos corredores
iluminados, ocasionalmente chamando o nome de Serra com um tom de voz
que ela esperava que soasse calmo e normal.
Precisava encontrá-la, mas também não queria que suspeitasse de algo.
Lucia não tinha intenção de revelar o que fizera. Havia ajudado Des porque
sentia que era correto, mas duvidava que Serra entenderia.
Sua esperança era de que estaria ao lado da princesa sob o disfarce de
amiga solidária quando os alarmes disparassem. Como sua guarda--costas,
faria perfeito sentido levar Serra para um lugar seguro, e sua amiga nunca
precisaria saber a verdade sobre como Des escapara.
Infelizmente, a primeira parte de seu plano se despedaçou quando ela
ouviu os alarmes disparando após alguns minutos.
Praguejou para si mesma e começou a correr. Seu plano ainda poderia
funcionar: se encontrasse Serra, ainda poderia convencê-la a partir sem
expor sua traição. Mas agora estava em uma corrida contra Des para ver
quem encontraria a princesa primeiro.
Onde ela poderia estar?
Os alarmes martelando dificultavam qualquer pensamento. Lucia parou
de repente, tomando um momento para organizar seus pensamentos.
Pelo corredor à sua direita ela ouviu a princesa gritando “Não!” – sua voz
audível mesmo em meio à cacofonia dos alarmes.
Ela tinha de estar perto! Virando-se, Lucia disparou pelo corredor na
direção do som. Encontrou outra intersecção: o corredor se abria para a
direita, para esquerda e seguia em frente. Parando, ela tentou ouvir mais
uma vez, mas nenhum outro som veio.
Pensando nas plantas que havia memorizado quando se juntara à Guarda
Real, lembrou-se de que o corredor à esquerda entrava mais fundo no
calabouço, na direção de uma área que ainda estava fechada. Isso a deixava
com apenas duas opções.
Lucia continuou em frente, sabendo que o corredor seguia por mais vinte
metros antes de virar em uma curva acentuada e terminar em uma velha sala
de guarda. A sala ficava na mesma rede de energia da ala de segurança
máxima, então estaria iluminada. Mas ela não estava em uso: os
mercenários receberam alojamentos do outro lado da ala.
Lucia achava que a princesa seguira para lá para encontrar um pouco de
privacidade enquanto lidava com suas emoções. Mas estava errada.
Encontrando a sala vazia, foi forçada a voltar e tomar o outro caminho,
sabendo que perdera preciosos segundos.
Correndo o mais rápido que podia, lançou-se pelo corredor e dobrou a
esquina, quase atropelando a Caçadora. A Iktotchi rapidamente deu um
passo para o lado para evitar a colisão. Ao mesmo tempo, Lucia se virou no
momento errado, perdendo o equilíbrio e caindo. Seu joelho atingiu o chão
com força e se arrastou pela pedra áspera; fez-se um buraco em suas calças,
e uma camada de pele foi arrancada.
– Você viu a princesa? – ela perguntou enquanto se levantava, ignorando
o sangue quente que já se derramava do machucado profundo no joelho.
– Ela sabe o que você fez – a assassina disse. – Sabe que você a traiu.
A acusação inesperada pegou Lucia despreparada – ela nem tentou negar.
– Como?
– Eu disse a ela.
Lucia ficou aturdida, incapaz de entender como seu segredo fora exposto.
E então se lembrou dos rumores que diziam que os Iktotchis podiam
enxergar o futuro e ler mentes. Ela estava prestes a perguntar por que a
Caçadora deixaria isso acontecer apenas para contar a Serra sobre a traição
depois de acontecido, mas então lembrou com quem estava lidando.
Ela fez isso para machucá-la. Ela é tão monstruosa quanto o Sith.
Por um momento, Lucia pensou em sacar seu blaster. Ela queria matar a
Caçadora. Estaria fazendo um favor à galáxia. Mas, apesar de sua raiva,
sabia que não tinha chance de matar a assassina. Atacá-la resultaria apenas
na própria morte de Lucia, e isso não ajudaria em nada a princesa.
Você ainda pode encontrar Serra. Mesmo que ela saiba o que você fez,
talvez ainda consiga convencê-la a fugir antes que Des a encontre. Você
ainda pode salvá-la.
– Para onde ela foi? – Lucia perguntou, imaginando se a Iktotchi se daria
ao trabalho de responder.
– Ela correu para aquele lado – a assassina respondeu, inclinando a
cabeça para indicar a direção.
A mente de Lucia voltou a se lembrar das plantas do complexo, e então
ela soube para onde Serra estava indo. A princesa ainda estava determinada
a matar Bane. Estava indo para a sala de controle para ativar a sequência de
autodestruição da Prisão de Pedra.
Sem perder mais nem um segundo com a Caçadora, virou-se e correu
pelo corredor, sua marcha desajeitada e irregular por causa do joelho
sangrando e rapidamente inchando.
Set sabia que estava perto. Havia deixado a escuridão dos corredores para
trás enquanto entrava cada vez mais fundo na Prisão de Pedra, atraído pelo
chamado do holocron de Darth Andeddu.
A seção do complexo em que estava agora era iluminada, embora ainda
parecesse deserta. Ele esperava se deparar com alguém: uma patrulha, um
guarda andando pelos corredores. Quem quer que tivesse capturado o
Mestre de Zannah havia feito isso com uma equipe pequena: vinte, talvez
trinta pessoas, no máximo.
Apesar disso, estava preparado para um encontro a qualquer momento.
Havia alcançado um longo corredor com uma porta de madeira fechada no
final. Tinha certeza de que o holocron estava dentro daquela sala, e
esperava que estivesse guardada por ao menos meia dúzia de soldados
armados.
Preparando-se, sacou seu sabre de luz e correu pelo corredor, saltando na
direção da porta. Atingiu a madeira com os dois pés, derrubando a porta e
voando para dentro.
Para a surpresa de Set, não havia guardas esperando por ele. As únicas
testemunhas de sua entrada grandiosa foram uma velha cadeira e uma mesa
de madeira. Por um segundo sentiu pânico, ao ver que o holocron não
estava em lugar algum no pequeno escritório – então notou o cofre
construído na parede.
Havia um painel para digitar um código, mas Set o ignorou. Usando o
sabre de luz, simplesmente abriu várias linhas horizontais e verticais longas
na porta. A lâmina brilhante atravessava o metal grosso com facilidade,
reduzindo a frente do cofre a vários pedaços que caíam no chão.
O holocron era a única coisa dentro. Set levou a mão para dentro devagar,
tremendo levemente quando seus dedos envolveram a pirâmide negra. Ele a
retirou com reverência de dentro do cofre, carregando-a com as duas mãos.
Quase derrubou seu prêmio quando alarmes dispararam por toda a prisão.
Girando para a porta, sacou o sabre de luz, a mão esquerda ainda
agarrando o holocron. Assumiu uma postura de luta, preparando-se para
encarar os reforços que esperava que fossem invadir a sala.
Por vários segundos ele não se moveu, tentando ouvir o som familiar de
passos correndo ou gritos de soldados. Como não ouviu nada, Set
cuidadosamente usou a Força – apenas para descobrir que ainda estava
sozinho.
Os alarmes continuavam disparados, e Set precisou de um minuto para
perceber que não tinha nada a ver com ele.
Eles avistaram Zannah. Ou seu Mestre escapou.
Desativando o sabre de luz, prendeu-o outra vez no cinto.
Ninguém está preocupado com você. Não com dois Lordes Sith causando
estragos em uma das outras alas.
Ele já tinha o que queria – era hora de deixar Doan. Se tivesse sorte,
nunca mais voltaria para aquele lugar.
Set ainda pretendia manter seu plano original de roubar uma das outras
naves, em vez de arriscar se deparar com Zannah ao voltar para onde
tinham aterrissado. Apenas precisava procurar ao redor até encontrar os
hangares onde elas estavam guardadas.
Não deve ser tão difícil. Apenas continue pelos corredores iluminados e
se mantenha longe dos olhos de todo mundo. Deixe que lutem entre si
enquanto você foge com o verdadeiro prêmio.
Felizmente, isso era algo que Set fazia muito bem.
O eco dos alarmes perseguia Serra enquanto ela corria pelo longo
corredor, na direção da sala de controle da Prisão de Pedra. Digitou o
código no painel de acesso, os dedos atingindo freneticamente as teclas
enquanto olhava sobre o ombro, temendo que seu inimigo aparecesse no
corredor atrás dela a qualquer momento.
O painel emitiu um bipe alto, e uma mensagem dizendo ACESSO NEGADO
apareceu na tela.
– Não – ela sussurrou para si mesma. – Não.
Quando se casou com Gerran, ele havia compartilhado seu código de
acesso pessoal com ela. Como príncipe herdeiro, seu código deveria ser
aceito em qualquer sistema eletrônico de segurança dentro da propriedade
da família real.
Talvez o rei não confiasse em você. Talvez ele tenha desativado quando
Gerran morreu.
Não, não podia ser isso. O código funcionara em todas as outras trancas
na Prisão de Pedra. Sem isso, ela nunca teria conseguido reativar os
geradores que alimentavam aquela seção do complexo.
Tentou digitar o código outra vez, seus dedos tremendo com uma
urgência desesperada. Os alarmes acima eram um lembrete inescapável de
que cada segundo que perdia deixava seu prisioneiro cada vez mais perto de
encontrar uma maneira de escapar do calabouço antes que ela pudesse
destruí-lo.
Mais uma vez, o resultado foi um bipe alto e a mensagem ACESSO NEGADO.
Talvez o código de Gerran não funcione nesta porta. Talvez apenas o rei
tenha autorização para usar a sequência de autodestruição.
Batendo na porta com frustração, Serra não conseguiu mais segurar as
lágrimas. Derrotada, afundou lentamente sobre os joelhos, seu rosto
pressionado contra o metal frio da porta.
Por vários segundos seu corpo foi sacudido por fortes soluços. Tudo dera
errado. Lucia a traíra – o homem sombrio de seus sonhos ia escapar. Tudo
pelo que trabalhara estava se despedaçando.
Você não é assim.
Embora fizesse mais de uma década que não ouvia aquela voz, ela
instantaneamente a reconheceu.
– Pai? – ela disse em voz alta, apesar de Caleb obviamente estar apenas
dentro de sua cabeça.
Você é mais forte do que isso.
Ela assentiu, sem nem se importar se a voz que ouvia era apenas uma
invenção de sua imaginação. Bloqueando os alarmes, respirou fundo e
cuidadosamente analisou a situação.
Não fazia sentido apenas o rei possuir acesso àquela sala. Não seria
possível esperar que ele descesse até ali caso acontecesse uma rebelião ou
fuga. O carcereiro teria acesso. Talvez o capitão da guarda também. E, se o
rei confiava em alguns de seus servos para lhes dar o código, então
confiaria em seu filho.
Você está correndo. Cometendo erros. Tente de novo. Devagar.
Ela se levantou e começou a digitar o código para uma terceira tentativa.
Dessa vez, quando sentiu o pânico ameaçando tomar conta de seus dedos,
contra-atacou imaginando o rosto de seu pai, calmo e seguro. Respirando
fundo e devagar, tomou cuidado extra ao apertar os botões na sequência
correta. Por um segundo, nada aconteceu – e, então, houve um suave bipe e
a porta se abriu devagar.
Um alívio correu por seu corpo e Serra tentou rir de sua própria tolice ao
digitar os números errados duas vezes antes de acertar. O que saiu foi um
som esganado, quase histérico, que a assustou de volta ao silêncio.
A sala lá dentro era pequena, com um único painel de controle e outra
porta ao lado. A segunda porta se abria para um pequeno túnel que levava
para uma cápsula de emergência, permitindo que quem digitasse a
sequência de autodestruição escapasse antes de a prisão desabar.
Ela se aproximou do console e examinou os controles. Eram simples:
havia um botão para iniciar a sequência de autodestruição, um teclado
numérico para digitar o código de acesso e outro botão para confirmar o
comando. Havia uma tecla CANCELAR no teclado numérico, mas nenhum
botão ABORTAR – uma vez que a autodestruição fosse confirmada, não havia
como pará-la. Depois disso, qualquer pessoa dentro teria menos de cinco
minutos para escapar, antes que as cargas explosivas posicionadas no teto,
nas paredes e no chão detonassem em rápida sucessão, demolindo toda a
prisão.
Era isso: sua última chance de impedir o homem que a havia aterrorizado
quando era criança. Sua última chance de livrar a galáxia de um Lorde
Sombrio dos Sith. Ela apertou o botão INICIAR e o console se acendeu em
resposta. Em seguida, digitou seu código de acesso, lentamente, para ter
certeza de que não erraria. Mas, quando o alerta CÓDIGO ACEITO – CONFIRMAR
SEQUÊNCIA DE AUTODESTRUIÇÃO apareceu na tela, Serra hesitou.
Se fizesse aquilo, sua vida em Doan estaria acabada. O rei não fazia ideia
de que ela estava usando a Prisão de Pedra para sua vingança pessoal – se
fizesse aquilo, seu segredo seria exposto. As explosões que destruiriam o
complexo enviariam tremores até os pavimentos da Mansão Real, no
planalto milhares de metros acima – todos saberiam o que havia acontecido.
O rei saberia que ela colocara seus desejos pessoais acima da família real.
Suas ações quase certamente seriam consideradas traição: o melhor que
podia esperar era ser banida para sempre do planeta.
E quanto a Lucia? Ela provavelmente morreria na explosão. Embora sua
guarda-costas a tivesse traído ao ajudar o prisioneiro a escapar, será que
Serra estava disposta a condenar sua amiga à morte sem nem mesmo lhe dar
uma chance de explicar suas ações?
Incapaz de tomar uma decisão, Serra congelou, o dedo pairando sobre o
botão CONFIRMAR enquanto os alarmes continuavam.
Capítulo 21
Bane ainda podia sentir os efeitos das drogas em seu corpo. Fizera o
possível para queimá-las de seu sistema com o fogo do lado sombrio, mas
os Sith não eram tão adeptos quanto os Jedi sobre limpar as impurezas de
seus organismos. Os últimos resquícios das substâncias químicas teriam de
ser absorvidos naturalmente com o tempo.
Até isso acontecer, ele não estaria operando com sua força total. Uma
fração mais lento em pensamentos e ações, menos capaz de usar o poder da
Força. E ainda estava sem o sabre de luz.
Apesar de tudo isso, Bane estava confiante de que a vitória estava a
poucos minutos. Os alarmes ainda soavam pelo calabouço, mas ele sabia
que não haveria guardas correndo para responder ao chamado. Os poucos
mercenários que haviam sobrevivido ao seu ataque agora estavam fugindo,
deixando a filha de Caleb indefesa.
Às vezes, a vingança precisava ser fria e calculada. Havia vezes em que
era melhor ter cuidado, paciência. Mas, às vezes, a retribuição não podia
esperar. Às vezes a ação precisava ser alimentada pela raiva e pelo ódio –
precisava queimar com o calor da emoção animal.
A paz é uma mentira; existe apenas paixão. Através da paixão, eu ganho
força. Através da força, eu ganho poder.
Ele podia sentir que estava se aproximando da localização de Serra. Seus
passos aceleraram enquanto marchava confiante pelos corredores vazios em
direção à sua vingança.
Através do poder, eu ganho a vitória. Através da vitória, minhas
correntes se partem.
Ele fora descuidado, fraco. Permitira que fosse capturado. Deixara que se
tornasse uma vítima. Por isso, sofrera. Mas agora estava forte outra vez.
Agora, era a vez de outra pessoa sofrer.
– Des! – uma voz vinda de trás gritou sobre os alarmes.
A menção do nome que ele abandonara havia vinte anos fez o Lorde Sith
parar imediatamente. Ele se virou devagar e se encontrou cara a cara com a
mulher de pele morena que o ajudara a escapar.
Ela estava sem fôlego, como se estivesse correndo. Suas calças estavam
rasgadas no joelho – havia sangue ao redor do rasgo. Seu rosto era uma
mistura de emoções em conflito: medo, desespero e esperança.
– Você se lembra de mim, Des? Sou a Lucia.
Por um segundo Bane simplesmente encarou a mulher diante dele,
confuso. Então começou a se lembrar de sua juventude. De um tempo em
que ele não era Darth Bane, Lorde dos Sith, mas Des, um simples mineiro
de Apatros.
As memórias estavam enterradas fundo na sua mente, mas ainda estavam
lá. As surras semanais de Hurst, seu pai. Longos e terríveis turnos nas
nuvens de poeira levantadas por seu macaco hidráulico. Sua fuga da miséria
de Apatros, e o destacamento para os Andarilhos das Trevas.
Era como tentar se lembrar de um sonho após acordar. Eram cenas da
vida de outra pessoa – não pareciam reais para ele. Mas, ao buscar no fundo
da mente, outras memórias começaram a emergir: longas noites na vigia em
Trandosha, marchas forçadas pelas florestas de Kashyyyk.
Mexer nos fantasmas do passado trouxe de volta o rosto de Ulabore, o
cruel e incompetente oficial comandante que havia inadvertidamente
entregado Des para os Sith e o colocado no caminho de seu verdadeiro
destino. Mas também havia outros rostos – os homens e mulheres de sua
unidade, seus colegas de exército. Ele se lembrava dos olhos azuis e do
sorriso convencido de Adanar, seu melhor amigo. E se lembrava de uma
soldada júnior de olhos arregalados, uma jovem atiradora chamada Lucia.
Bane tinha inteligência e presciência. Tinha sabedoria e a visão para
redefinir a Ordem Sith e iniciar sua longa e vagarosa ascensão à dominação
galáctica. Ele se preparara e se planejara para quase qualquer situação em
que um dia pudesse se encontrar. Porém, nunca havia se preparado para
aquilo.
Sabia que muitos de seus ex-soldados que serviram no exército de Kaan
haviam se tornado mercenários e guarda-costas, mas nunca considerou a
possibilidade de se deparar com alguém que o conhecera antes de sua
transformação pelo lado sombrio. Após se juntar aos Sith, não se permitira
pensar ou se importar com o que havia acontecido com as pessoas de seu
passado. Precisara aprender a sobreviver sozinho, a contar apenas consigo
mesmo. Apego a família e amigos era uma fraqueza, uma corrente para
prendê-lo e atrasá-lo.
Agora, alguém da vida que ele tinha trabalhado tanto para esquecer
estava se pondo entre ele e sua vingança. Ela era um obstáculo em seu
caminho, um que seria facilmente superado. Bane sabia que poderia jogá-la
de lado tão fácil quanto havia se livrado dos guardas na cela.
Em vez disso, ele perguntou:
– Por que você me ajudou?
– Nós servimos juntos nos Andarilhos das Trevas – ela respondeu, como
se isso explicasse tudo.
– Sei quem você é – ele disse.
Ela hesitou, como se esperasse que ele fosse dizer mais. Como não disse,
ela continuou a falar:
– Você salvou minha vida em Phaseera. Salvou a vida de todos nós. E
não só naquele dia. Você estava lá em cada batalha que lutamos, olhando
por nós. Nos protegendo.
– Eu era um tolo.
– Não! Você era um herói. Devo minha vida a você dezenas de vezes.
Como poderia não o ajudar?
A princípio ele pensou que ela fosse uma idiota sentimental, cega por
uma nobreza irracional e falando bobagens. Mas então percebeu o que
realmente estava acontecendo, e tudo começou a fazer sentido. Ela o
libertou esperando ganhar sua graça. Ela queria alguma coisa. Foi por isso
que traiu a filha de Caleb – para seu próprio ganho pessoal.
– O que você quer? – ele exigiu saber, os alarmes como um constante
lembrete de que seu tempo estava se esgotando.
– Eu quero… por favor… estou implorando… deixe Serra viver.
Seu pedido não fazia sentido. As ações de Lucia eram a única razão de a
vida de Serra estar em perigo.
– Por quê? Que utilidade a vida dela teria para mim?
A mulher não respondeu imediatamente. Ela buscava algo para oferecer,
mas, no final, não tinha nada.
– Olhe dentro do seu coração, Des. Lembre-se do homem que você
costumava ser. Sei que você se voltou ao lado sombrio para sobreviver.
Tornar-se um Sith era a única maneira que havia. Por favor, Des, sei que
parte daquilo que você costumava ser ainda existe dentro de você.
– Meu nome não é Des – ele disse, levantando a voz ao endireitar as
costas até sua altura máxima, agigantando-se sobre Lucia. – Eu sou Darth
Bane, Lorde Sombrio dos Sith. Não sinto pena, nem gratidão, nem remorso.
E a filha de Caleb deve pagar por aquilo que fez a mim.
– Não vou deixá-lo fazer isso – ela declarou, abrindo sua postura e
preparando-se diante dele.
– Você não pode me impedir – ele a alertou. – Não pode salvá-la
sacrificando-se. Está disposta a jogar fora a sua vida sem propósito algum?
Lucia não se mexeu.
– Eu já disse que devo minha vida a você. Se quiser tomá-la agora, é um
direito seu.
A mente de Bane voltou para seu primeiro encontro com Caleb, em
Ambria. O curandeiro se colocara diante dele da mesma forma que Lucia
fazia agora, completamente desafiador, apesar de saber que não era páreo
para um Lorde Sith. Porém, Caleb sabia que tinha algo de que Bane
precisava – Lucia não podia afirmar tal coisa. Não havia nada para impedi-
lo de extinguir sua vida em um único instante.
Ele começou a concentrar o lado sombrio, o poder lentamente se
acumulando. Mas, antes que pudesse liberá-lo, foi atingido por uma parede
de tremenda força vinda de um corredor à esquerda. Instintivamente, Bane
ergueu um escudo defensivo, absorvendo o golpe. Apesar disso, foi jogado
contra a parede oposta, expulsando todo o ar de seus pulmões.
Lucia não teve a mesma sorte. Incapaz de usar a Força para se proteger,
foi lançada quicando pelo corredor, retorcendo-se e dobrando-se. Seu crânio
bateu contra a pedra meia dúzia de vezes enquanto ela ricocheteava nas
paredes e no teto, e seu corpo se reduziu a uma massa disforme
ensanguentada. Seu cadáver finalmente parou a trinta metros de distância,
onde o corredor fazia uma curva abrupta de noventa graus.
Bane se levantou em um instante, virando-se para encarar seu oponente.
– Você não teve coragem de matá-la – Zannah disse, sua voz cheia de
desprezo. – Você se tornou fraco. Não é surpresa que tenha tentado violar a
Regra de Dois.
Ela estava de pé com seu sabre de luz de duas lâminas em punho, o cabo
firme na mão. Seu braço estava estendido, segurando a arma à frente, as
lâminas gêmeas paralelas ao chão. Era uma postura defensiva, que visava
proteger-se contra um ataque súbito de um oponente armado. Bane
percebeu que Zannah não sabia que ele ainda não tinha encontrado seu
sabre de luz.
– Vivi pelo princípio da Regra de Dois desde que a criei – Bane
respondeu. – Tudo o que fiz foi de acordo com seus ensinamentos.
Zannah balançou a cabeça.
– Sei que viajou para Prakith. Sei que foi procurar o holocron de
Andeddu. Sei que estava procurando o segredo da vida eterna.
– Fiz isso por necessidade. Ensinei a você tudo o que sabia sobre o lado
sombrio. Por anos esperei que me desafiasse. Mas você estava satisfeita em
trabalhar sob minha sombra, permanecendo minha aprendiz até que a idade
roubasse meu poder.
Todos os pensamentos sobre Lucia desapareceram, levados junto com as
memórias de seu passado. A única coisa que importava era aquele
confronto, pois sabia que o destino dos Sith dependia do resultado.
– Você não é digna de se tornar Mestra, Zannah. Foi por isso que fui a
Prakith.
– Não – Zannah disse, com a voz calma e fria. – Você não vai tirar isso
de mim. Disse que estava me treinando para que um dia eu o sucedesse.
Disse que era meu destino me tornar Mestra. Agora você quer viver para
sempre. Quer segurar o manto de Lorde Sombrio dos Sith e negar aquilo
que é meu!
– Esse manto deve ser conquistado – Bane rebateu. – Você quis esperar,
quis tomá-lo sem fazer esforço.
– Você me ensinou paciência – ela o lembrou. – Você me ensinou a
esperar o momento certo.
– Não assim! – Bane gritou. – Apenas o mais forte tem o direito de
governar os Sith. O título de Lorde Sombrio precisa ser tomado, arrancado
das mãos poderosas do Mestre!
– É por isso que estou aqui – Zannah disse com um sorriso sombrio. –
Encontrei meu próprio aprendiz. Estou pronta para abraçar meu destino.
– Realmente acredita que pode me derrotar?
Bane deixou a mão direita cair até a cintura, fingindo que estava se
preparando para sacar o sabre de luz. Sua única chance de sobrevivência era
conseguir enganar Zannah e fazê-la recuar.
Os olhos de Zannah se mexeram, atraídos pelo movimento sutil. Ele
manteve a mão aberta, sua enorme palma cobrindo completamente o lugar
onde ela normalmente veria o cabo do sabre de luz preso na cintura. Com
sua mente, ele tentou projetar uma imagem de sua arma curvada sob seus
dedos vazios.
Sua aprendiz não se moveu. Ela permaneceu com a postura defensiva,
franzindo as sobrancelhas enquanto pesava as chances. Então seu olhar
recaiu sobre a mão esquerda de Bane, tremendo levemente com um de seus
espasmos incontroláveis.
– Você se deixou capturar por mercenários – ela disse, lentamente
girando sua arma e tomando um confiante passo à frente.
Bane se manteve no lugar, fechando os dedos da mão esquerda sobre a
palma, acalmando o tremor.
– Não teve coragem de matar a mulher que estava em seu caminho.
Ela deu outro passo em sua direção, casualmente jogando seu sabre de
luz de uma mão para a outra. Se Bane estivesse armado, seria uma
oportunidade perfeita para lançar um ataque súbito.
Como ele não fez isso, Zannah inclinou a cabeça para trás e riu.
– Até se deixou prender nestes corredores sem o seu sabre de luz.
Ela deu outro passo à frente e Bane respondeu dando vários passos para
trás.
O sabre de luz de lâminas duplas começou a ganhar velocidade, cortando
o ar em rápidos padrões circulares.
Ela tinha uma última coisa a dizer antes de se lançar sobre ele:
– O seu tempo acabou, Bane.
Capítulo 22
Bane esperava surpreender sua aprendiz com sua tática inesperada. Havia
uma pequena chance de ela acabar morrendo com a explosão, enterrada sob
as rochas. Mas, enquanto se levantava, sentiu que ainda estava viva. Apesar
de ela estar tentando matá-lo, saber disso lhe deu uma pequena satisfação.
Ele a treinara bem.
Afinal, o objetivo principal da explosão não era matá-la. O plano
desesperado era, na verdade, a última chance de escapar de um combate que
sabia que não poderia vencer. Nisso ele foi bem-sucedido… apesar de que,
para sobreviver, ainda precisava encontrar uma saída da prisão antes que o
lugar fosse demolido completamente.
Não tinha ideia de onde estava naquele calabouço labiríntico. Antes de
Zannah encontrá-lo, ele vinha perseguindo a filha de Caleb, deixando a
Força guiá-lo sem nenhum pensamento consciente sobre o caminho que
tomava.
Expandindo sua mente, sentiu que a princesa não estava mais lá. Mas
Bane havia massacrado uma dúzia de guardas durante sua fuga – eles
tinham de ter naves em algum lugar da instalação. E, mesmo se não
soubesse onde encontrá-las, sabia que podia contar com a Força.
Bane começou a correr, virando à esquerda e à direita sem hesitar ou
pensar em passagens que se abriam, fazendo seu melhor para ignorar o
incessante uivo dos alarmes da evacuação.
Por toda a sua vida, mesmo antes de saber quem e o que era, Bane foi
guiado pela Força. Durante sua carreira militar, levara uma vida cheia de
sorte, de algum jeito liderando os Andarilhos das Trevas praticamente ilesos
através de algumas das campanhas mais sangrentas da guerra.
Simplesmente se considerava uma pessoa de sorte, ou protegida por bons
instintos.
Virou correndo uma esquina, as botas perdendo tração por um segundo.
Ao mesmo tempo, sentiu a onda de choque de uma enorme explosão
subindo pelas câmaras inferiores. Esforçou-se para manter o equilíbrio e
conseguiu ficar de pé, acelerando pelo corredor seguinte.
Era impossível dizer se estava indo na direção certa – as paredes de pedra
sem adornos pareciam iguais em todas as passagens. Ele sentiu as
reverberações de uma segunda explosão distante, lembrando-o de que seu
tempo estava acabando. Porém, a inclinação do corredor o levava para
cima, e isso o encorajou a continuar.
Foi apenas depois de começar seu treinamento na Academia Sith em
Korriban que ele percebeu que sua incrível sorte era, na verdade, uma
manifestação da Força. Até mesmo antes de ficar ciente de seu poder, a
Força já agia através dele, moldando eventos de sua vida ao guiá-lo e
direcionar suas escolhas e ações.
Aprender a cultivar esse poder – a controlar seu destino, em vez de ser
controlado por ele – permitira-lhe ascender até sua posição atual. A Força
se tornara uma ferramenta – o poder era seu para comandar e dobrar à sua
vontade.
Mas ali, a apenas alguns minutos de sua completa aniquilação, Bane se
deixou voltar aos meios de sua juventude. Se tentasse achar uma saída
conscientemente, o esforço e a concentração necessários apenas o
atrasariam. Ele não podia pensar em um plano – precisava reagir e torcer.
Virou outra esquina, correu por um corredor curto e invadiu um balcão de
aço sobre uma enorme câmara. Chegou no exato momento para ver uma
nave com o brasão real de Doan decolando e voando para longe. Por um
instante achou que a princesa pudesse estar a bordo. Entretanto, quando
expandiu a mente, sentiu uma presença muito diferente pilotando a nave…
Alguém com uma poderosa ligação com o lado sombrio. Mas Bane não
podia permitir que sua atenção fosse desviada pelo misterioso indivíduo
escapando naquela nave: ele tinha um problema muito mais urgente.
Do balcão, podia claramente ver a Iktotchi que liderara a emboscada na
mansão. Estava vestida com a mesma túnica negra, ao lado de uma nave
negra e vermelha.
Olhava para a nave que escapava, mas, quando ela acelerou para o céu
noturno, virou-se para encarar Bane. Ao vê-lo, uma expressão de satisfação
passou por seu rosto.
– Estive esperando por você – ela disse.
Na última vez que lutaram, ela o superou – dessa vez ele estava
desarmado e esgotado por seu combate com Zannah. Porém, ainda tinha
confiança de que poderia derrotá-la. Sem a vantagem da surpresa e vinte
mercenários ajudando, ela não era páreo para uma luta um contra um. E, se
ela o cortasse com suas lâminas venenosas outra vez, ele estaria pronto para
queimar a toxina antes que ela sobrecarregasse seu organismo.
Bane agarrou o parapeito do balcão e saltou por cima dele, ignorando o
tremor causado por outra explosão dentro do calabouço.
Seus pés já estavam se movendo quando ele atingiu o chão lá embaixo,
impulsionando-se na direção de sua inimiga. Para sua surpresa, a Iktotchi
não recuou enquanto ele se aproximava. Nem sacou suas armas. Em vez
disso, ajoelhou-se e baixou a cabeça, segurando as mãos com as palmas
viradas para cima como se oferecesse algo.
A reação inesperada fez Bane parar a alguns metros dela. Àquela
distância, podia claramente ver que ela estava segurando o cabo curvado de
seu sabre de luz perdido e o que parecia ser seu próprio holocron.
– Um presente, meu senhor – ela disse, inclinando a cabeça para olhar
para ele.
– Você tentou me matar – Bane disse desconfiado, sem tirar os olhos
dela.
– Fui contratada para capturá-lo – ela o corrigiu. – Foi apenas um
trabalho. E esse trabalho já acabou.
Bane apanhou o cabo da mão dela. Seus dedos deslizaram pela curva
familiar, e ele acionou a lâmina.
A Iktotchi se levantou, mas não mostrou medo algum.
– Por que ainda está aqui? – Bane perguntou.
– Eu sabia que você tinha se libertado. Esperava que viesse até aqui
durante sua fuga.
– Teve uma premonição de que eu a encontraria? – Bane sabia que os
Iktotchis supostamente tinham habilidades precognitivas, mas tinha apenas
uma vaga ideia do quanto as visões eram poderosas ou precisas.
– Noite após noite, você apareceu em minhas visões. Nossos destinos
estão interligados.
– E se o seu destino for morrer por minhas mãos? – ele perguntou,
erguendo a lâmina.
– Nenhum de nós está destinado a morrer neste lugar, meu senhor.
Como se em oposição às suas palavras, outra explosão dentro da
instalação sacudiu o hangar.
– O que quer de mim?
– Deixe-me estudar com você – ela implorou, aparentemente ignorando o
perigo da demolição iminente da prisão. – Instrua-me no lado sombrio.
Ensine-me os caminhos dos Sith.
– Você entende o que está pedindo? – Bane exigiu saber.
– Minha existência não tem significado. Você pode dar propósito à minha
vida. Pode me guiar para meu destino.
– O que você pode me oferecer em troca?
– Lealdade. Devoção. Uma nave para escapar desta prisão antes que ela
desabe. E a filha de Caleb.
A explosão seguinte foi perto o bastante para eles ouvirem o som
ecoando pelo corredor.
– Eu aceito – Bane disse, desativando o sabre de luz após considerar por
um momento.
Menos de um minuto depois, eles estavam a bordo da nave da Iktotchi,
deixando a Prisão de Pedra e os últimos e violentos espasmos de sua
destruição para trás.
Zannah estava refazendo seus passos, seguindo a longa rota de volta até o
pequeno hangar onde esperava que Set e sua nave ainda estivessem
esperando. Seu corpo inteiro estava mergulhado na Força, suas pernas a
impulsionando para a frente tão rápido que o vento fazia seus cabelos
voarem para trás.
Enquanto corria, sentia os tremores subindo de dentro do calabouço, cada
estouro um pouco mais perto do que o anterior. A explosão causada por
Bane fora apenas uma carga detonada por seu relâmpago. Aquelas novas
explosões eram muito mais poderosas: oito ou dez cargas próximas umas
das outras, todas detonando ao mesmo tempo, demolindo não apenas um
pequeno trecho do corredor, mas toda uma seção da instalação.
Quando Zannah saiu dos corredores iluminados da área reaberta do
calabouço para as passagens escuras da ala desativada por onde entrara, as
explosões já estavam tão perto que podia ouvi-las e sentir as vibrações pelo
chão. Também vinham com mais frequência agora. Em vez de detonarem a
cada dez segundos, martelavam em um ritmo constante.
Ela se lançou na escuridão, sem nem acionar um bastão luminoso. Sua
respiração estava irregular, mas seus passos não falhavam. Cada músculo e
nervo em seu corpo formigava com o poder da Força, seus sentidos
aumentados a níveis sobrenaturais. Não precisava enxergar para encontrar o
caminho: como um morcego, podia ouvir os alarmes ecoando nas paredes,
no chão e no teto, criando uma imagem sonar dos arredores. Os estrondos
das cargas reverberavam em contraponto ao uivo dos alarmes.
Quando entrou correndo no hangar onde sua nave esperava, Zannah ficou
surpresa com duas coisas. A primeira era como as luzes de sua nave
pareciam brilhantes depois da escuridão total das passagens subterrâneas
que atravessara. A segunda era que Set Harth não estava lá.
Sempre suspeitara que ele pudesse fugir, mas não conseguia pensar em
uma razão para Set desaparecer e abandonar a nave. Mas ela não tinha
tempo para se preocupar com isso agora. Zannah ouviu o rugido de outra
explosão, dessa vez tão perto que fez as paredes do hangar tremerem.
Saltando para dentro da cabine, acionou os motores enquanto outra
detonação sacudiu a nave. Lutando para não ser jogada do assento do
piloto, Zannah puxou o manche e a nave se ergueu do chão. Inclinando-a
para dar meia-volta, posicionou a nave na direção da entrada e empurrou
com força a alavanca dos propulsores.
A Vitória se lançou à frente, correndo através da boca da caverna quando
a explosão final detonou as cargas nas paredes do hangar, fazendo desabar
toda a estrutura atrás dela.
Já em segurança, Zannah digitou a trajetória e ativou o piloto automático,
deixando a nave voar sozinha pela superfície de Doan enquanto tentava
recuperar o fôlego. A difícil corrida para a liberdade a deixara física e
mentalmente exausta. Seu corpo estava coberto de suor, e os músculos das
coxas e panturrilhas tremiam enquanto ela afundava no assento, ameaçando
se tornar cãibras a qualquer momento.
Ela sobrevivera, mas não poderia dizer que a missão fora um sucesso.
Deixara Bane escapar por entre seus dedos, e não tinha dúvidas de que seu
Mestre também encontrara um jeito de fugir da destruição da Prisão de
Pedra. E, ainda por cima, perdera seu aprendiz.
Zannah não sabia se Set havia escapado ou morrido na explosão, e não
havia um jeito fácil de descobrir. A conexão que forjara com Bane nos
últimos vinte anos era forte o bastante para se estender através da galáxia:
ela sentiria sua morte onde e quando acontecesse. Set fora seu aprendiz por
apenas alguns dias. Ela o sentiria se estivesse perto, assim como sentiria
qualquer indivíduo que possuísse uma afinidade poderosa com a Força, mas
não havia ligação especial entre eles.
Mas Set era o menor de seus problemas. Bane ainda estava por aí e,
assim que obtivesse outro sabre de luz, iria atrás dela… a menos que o
encontrasse primeiro.
O problema era que Zannah não fazia ideia de onde começar sua busca.
Capítulo 24
Bane estava muito ciente do quão perto chegou da morte pelas mãos de
Zannah na Prisão de Pedra. Porém, ainda estava vivo, prova de sua força e
poder duradouros. Entrara como um prisioneiro, mas emergira mais
poderoso. O holocron de Andeddu podia ter se perdido, provavelmente
enterrado para sempre com o colapso do calabouço, mas ele já havia
reclamado seu mais precioso conhecimento: o segredo da transferência da
essência. E, embora sua aprendiz ainda estivesse viva, ele podia ter acabado
de encontrar sua substituta.
Bane estudava a Iktotchi cuidadosamente enquanto ela manuseava os
controles da nave, fazendo sutis ajustes para mantê-los em curso enquanto
saíam do calmo vácuo do espaço e desciam para a turbulência da atmosfera
de Ambria.
Ela dissera que seu nome era Caçadora e que passara os últimos cinco
anos como uma assassina de aluguel, afiando sua habilidade de identificar e
explorar as fraquezas de seus alvos. Era difícil argumentar contra os
resultados – em seus breves encontros com Bane, ela já demonstrara
notável ambição e incrível potencial. Seus feitos eram ainda mais
impressionantes considerando que nunca recebera qualquer treinamento
formal nos caminhos da Força. Tudo o que fazia vinha de uma habilidade
natural. Puro instinto. Poder bruto.
Sua capacidade de perturbar a Força nos outros apenas confirmava seu
poder. Nunca fora treinada naquela técnica rara e difícil – simplesmente a
usava contra seus inimigos por meio de pura força de vontade: força bruta,
mas eficaz.
Entretanto, era seu outro talento que realmente intrigava o Lorde
Sombrio.
– Como me rastreou até Ciutric? – ele perguntou enquanto a nave seguia
na direção da superfície desértica do planeta.
– Minhas visões – a Caçadora explicou. – Se eu me concentrar, elas me
permitem ver imagens: pessoas, lugares. Às vezes, tenho vislumbres do
futuro, embora nem sempre se tornem realidade.
– O futuro nunca é estático. É constantemente moldado pela Força… e
por aqueles com poder para controlá-la.
– Às vezes, também tenho visões do passado. Memórias daquilo que
passou. Vi você em Ambria. Com uma jovem mulher loira.
– Minha aprendiz.
– Ela ainda vive?
– Por enquanto.
No horizonte, eles podiam ver os primeiros raios do sol de Ambria se
estendendo. Com os brilhantes raios amarelos caindo sobre o nariz da nave,
Bane não podia deixar de imaginar até onde as habilidades da Iktotchi
chegariam se ela recebesse as devidas instruções e orientações.
Ele tinha a sabedoria para interpretar acontecimentos e prever o resultado
mais provável, mas raramente tinha visões reais do futuro. Era capaz de
manipular a galáxia ao seu redor, direcionando-a inexoravelmente a um
tempo onde todos se curvariam aos Sith, mas era uma luta manter tudo no
rumo certo. Seus planos de longo prazo para eliminar os Jedi e dominar a
galáxia estavam em constante transformação, reagindo a eventos
completamente inesperados que alteravam o cenário social e político.
Cada vez que isso acontecia, Bane precisava recuar e reagrupar até ser
capaz de avaliar e reagir adequadamente às mudanças. Mas, se a Caçadora
pudesse aprender a cultivar seu poder, os Sith não mais ficariam limitados a
apenas reagir. Eles poderiam antecipar e prever essas mudanças aleatórias,
preparando-se para elas muito antes de acontecerem.
E havia uma possibilidade ainda maior. Bane sabia que o destino não era
predeterminado. Havia muitos futuros possíveis, e a Força permitia à
Caçadora ver apenas exemplos do que poderia vir a ser. Se pudesse
aprender a classificar suas visões, separando as várias linhas de tempo
divergentes, seria possível que também pudesse aprender a controlá-las?
Será que um dia ela poderia ter o poder de alterar o futuro simplesmente
pensando nele? Será que poderia usar o poder da Força para moldar o
próprio tecido da existência e fazer suas escolhas se tornarem realidade?
– No hangar, você disse que estava esperando por mim – Bane comentou,
ansioso para entender melhor seu talento. – Suas visões contaram que eu
estava vindo?
– Não exatamente. Eu tinha a sensação… de alguma coisa. Podia sentir a
importância do momento, embora não soubesse o que aconteceria. Meus
instintos me diziam que esperar seria bom para mim.
Bane assentiu.
– Os seus instintos já erraram?
– Raramente.
– É por isso que estamos aqui em Ambria? Suas visões, seus instintos,
contaram que a filha de Caleb viria até aqui?
– A princesa me encontrou aqui quando me contratou para rastreá-lo.
Este lugar a assombra. Não precisei de uma visão para saber que ela fugiria
para cá.
O Lorde Sombrio sorriu. Além de poderosa, ela era esperta.
Alguns minutos mais tarde, a nave aterrissou na frente do acampamento
de Caleb, parando ao lado de uma pequena cápsula de fuga.
Desembarcando, Bane relembrou o poder preso sob a superfície de
Ambria. A Força havia devastado aquele mundo antes de seu poder ser
aprisionado por um antigo Mestre Jedi nas profundezas do Lago Natth.
Agora o planeta era um vórtice de poder tanto do lado sombrio quanto da
luz.
Ele notou uma cova recente alguns metros ao lado, mas não gastou outro
pensamento com aquilo. Os mortos não eram importantes para ele.
Com passos largos e decididos, atravessou o acampamento na direção da
cabana dilapidada. A Caçadora seguiu ao seu lado, acompanhando cada
passo.
Antes que alcançasse seu destino, entretanto, a princesa emergiu da
cabana para confrontá-lo. Estava desarmada e sozinha, mas, diferente de
seu último encontro na cela da prisão, dessa vez Bane não sentiu medo nela.
Havia uma serenidade ao seu redor, uma tranquilidade que lembrava Bane
do primeiro encontro com Caleb.
O próprio humor de Bane também havia mudado. Já não estava motivado
por um desejo insaciável de vingança sangrenta. Na Prisão de Pedra,
precisou tirar força de sua raiva para sobreviver e derrotar seus inimigos.
Ali, entretanto, não estava em perigo. Tendo o luxo de considerar
cuidadosamente, percebera que não havia motivo para ma-tá-la… não se
pudesse fazer uso de suas habilidades.
Ficaram frente a frente, encarando um ao outro, sem falar nada. No fim,
foi Serra quem quebrou o silêncio:
– Viu a cova quando aterrissou? Enterrei Lucia lá, na noite passada.
Como Bane não respondeu, ela levou lentamente a mão até o rosto e
limpou uma única lágrima antes de continuar.
– Ela salvou a sua vida. Você nem se importa com sua morte?
– Os mortos não têm valor para mim.
– Ela era sua amiga.
– O que quer que ela fosse, agora se foi. Agora não passa de carne e
ossos apodrecendo.
– Ela não merecia isso. Sua morte foi… sem sentido.
– A morte de seu pai foi sem sentido. Ele tinha uma habilidade valiosa.
Salvou minha vida duas vezes, quando ninguém mais poderia. Se a escolha
fosse minha, eu o teria deixado viver, para o caso de precisar de seus
serviços uma terceira vez.
– Ele nunca teria ajudado você por escolha própria – Serra rebateu. Não
havia raiva em sua voz, embora suas palavras carregassem o peso afiado da
verdade.
– Mas me ajudou – Bane a lembrou. – Ele foi útil. Você também poderia
ser, se compartilhar seu talento.
– Meu pai me ensinou tudo o que sabia – ela admitiu. – Mas, assim como
ele, nunca ajudarei um monstro como você.
Ela se virou na direção da Iktotchi, que estava em silêncio ao lado de
Bane.
– Se você seguir esse homem, vai acabar sendo destruída. Já vi as
recompensas dadas àqueles que seguem o caminho do lado sombrio.
– O lado sombrio me dará poder – a Caçadora respondeu com confiança.
– Vai me guiar para o meu destino.
– Apenas um tolo acreditaria nisso – a princesa rebateu. – Olhe para
mim. Cedi ao ódio. Deixei que me consumisse. Meu desejo por vingança
me custou tudo e todos que eu amava.
– O lado sombrio devora aqueles que não têm poder para controlá-lo –
Bane concordou. – É uma feroz tempestade de emoções que aniquila tudo
em seu caminho. Devasta os fracos e os indignos. Mas aqueles que são
fortes podem usar os ventos da tempestade para alcançar alturas
inimagináveis. Eles podem liberar seu verdadeiro potencial, partir as
correntes que os prendem, dominar o mundo ao seu redor. Apenas aqueles
com poder para controlar o lado sombrio podem se libertar completamente.
– Não – Serra respondeu, gentilmente balançando a cabeça. – Não
acredito nisso. O lado sombrio é maligno. Você é maligno. E nunca o
servirei.
Havia um desafio discreto em suas palavras, e Bane sentiu que ela nunca
seria persuadida por nada que ele pudesse dizer ou fazer. Por um breve
momento considerou tentar o ritual da transferência de essência, mas
rapidamente dispensou a ideia. O ritual consumiria sua forma física e, se
fracassasse em possuir o corpo dela, seu espírito ficaria para sempre preso
no vazio. A vontade dela era tão forte quanto a de seu pai, e ele não sabia se
era poderoso o bastante para superá-la.
Bane não precisava fazer isso agora. Ainda tinha vários anos antes de seu
corpo atual deteriorar-se completamente. Era melhor esperar e buscar um
técnico para criar um corpo clonado. Isso ou encontrar alguém mais jovem
e mais inocente.
– Ela não tem utilidade para nós, Mestre – a Iktotchi disse, com um
brilho ansioso no olhar. – Posso matá-la para você?
Ele assentiu, e a Caçadora deu um passo adiante, avançando lentamente
em direção à outra mulher. Bane sentiu que a assassina gostava de saborear
sua matança, sentindo prazer no medo e na dor de suas vítimas. Mas Serra
não fez movimento algum para se defender. Não tentou fugir, não implorou
misericórdia. Apenas ficou perfeitamente parada, disposta a encontrar seu
destino com uma aceitação silenciosa.
Reconhecendo que não teria satisfação com a filha de Caleb, a assassina
tirou a vida de Serra.
Capítulo 25
Zannah havia caído em um sono inquieto, apenas para ser acordada por
um bipe lento e constante no console de controle. Examinando a fonte, viu
que era um chamado por socorro de longa distância. Mas, em vez de ser
transmitido em múltiplas bandas, o sinal vinha pelo canal privado da
Vitória. Apenas uma pessoa, além dela própria, conhecia essa frequência.
Curiosa, ela decodificou a mensagem. Continha apenas quatro palavras:
Ambria. Acampamento do curandeiro.
Ela primeiro pensou que Bane estava tentando atraí-la para uma
armadilha. Mas, quanto mais pensava sobre isso, menos provável parecia. O
remetente da mensagem estava óbvio. Se estivesse preparando uma
armadilha, por que se revelar dessa maneira quando isso apenas a deixaria
na defensiva?
Talvez ele apenas quisesse que aquilo acabasse. Antes de cochilar,
Zannah estivera pensando sobre o que ele lhe dissera antes do confronto nos
corredores da Prisão de Pedra.
Apenas o mais forte tem o direito de governar os Sith. O título de Lorde
Sombrio precisa ser tomado, arrancado das mãos poderosas do Mestre!
Se Bane ainda acreditava na Regra de Dois – se ainda acreditava que era
a chave para a sobrevivência e eventual domínio dos Sith –, então aquela
mensagem era um desafio, um convite para sua aprendiz seguir até Ambria
e acabar o que haviam começado na Prisão de Pedra.
Ela tinha de admitir, era melhor do que desperdiçar anos perseguindo-se
através da galáxia, preparando armadilhas e planejando a destruição um do
outro. Bane havia reinventado os Sith para que seus recursos e esforços
fossem concentrados contra seus inimigos em vez de usados uns contra os
outros. Quando o aprendiz lançava seu desafio ao Mestre, a ideia era que
fosse decidido em um único confronto: rápido, limpo e final.
Agora, no entanto, a Ordem estava fraturada. Eles já não eram Mestre e
aprendiz, mas rivais competindo pelo manto de Lorde Sith. Estavam
efetivamente em guerra e, enquanto vivessem, os Sith estariam divididos.
Era mesmo tão difícil acreditar que, para o bem da Ordem, Bane queria
acabar com o duelo em Ambria? Se ele ainda honrava a Regra que havia
criado, então ela podia acreditar no conteúdo da mensagem.
Mas e quanto ao holocron de Andeddu?
A princípio, pensara que ele buscava a vida eterna para que pudesse
desafiar a Regra de Dois, vivendo para sempre. Agora, já não estava tão
certa. A imortalidade seria mesmo uma violação dos princípios da Regra?
Os segredos do holocron podiam impedir que Bane envelhecesse, mas ela
não achava que fossem protegê-lo de ser derrotado em um combate. Se ela
fosse forte o bastante para derrotá-lo, ainda tomaria seu lugar como Mestre,
como Bane pretendia quando a encontrou ainda criança em Ruusan.
Agora ela se perguntava se o holocron seria apenas um dispositivo de
segurança para manter a Ordem forte. Talvez Bane o visse como um jeito de
se proteger contra um candidato indigno que ascendesse ao trono Sith
simplesmente porque o Mestre se tornara fraco e enfermo com a idade.
Zannah se inclinou para a frente e traçou o curso para Ambria,
imaginando o que havia feito Bane escolher o acampamento do curandeiro
como local para seu encontro final.
Aquele mundo estava mergulhado nas energias do lado sombrio – na
primeira década de seu aprendizado, Bane e Zannah acamparam lá, perto
das margens do Lago Natth. Mas não a estava chamando de volta para
aquele acampamento – ele a esperava no acampamento de Caleb.
Por duas vezes o Lorde Sombrio quase morrera lá. Será que isso tinha
algo a ver com a escolha do local? Ou será que havia outra explicação?
Ainda era possível que ela estivesse seguindo para uma armadilha.
Ambria era um mundo pouco habitado. Seria fácil preparar algo sem
chamar atenção indesejada.
Mas seus instintos diziam que não era isso que Bane estava tramando. E,
se seus instintos estivessem tão errados sobre algo tão importante, então ela
merecia o que quer que a esperasse lá.
De qualquer maneira, ela pensou quando a nave saltou para o
hiperespaço, tudo logo chegará ao fim.
SET HARTH ERA ESPERTO DEMAIS para voltar para sua mansão em Nal Hutta.
Se Zannah tivesse sobrevivido à destruição da Prisão de Pedra, seria apenas
questão de tempo até ir até lá procurando por ele, e Set não tinha desejo
algum de encontrá-la de novo.
Por sorte, construíra sua vida sob o princípio de que poderia ter de fugir a
qualquer momento. Tinha outras mansões em outros mundos, desde Nar
Shaddaa a até mesmo Coruscant, e ao menos uma dúzia de identidades
falsas que poderia assumir se não quisesse ser encontrado. Mas não estava
preocupado com Zannah, não quando tinha algo muito mais interessante
diante de si.
Estava sentado de pernas cruzadas no chão da nave que roubara na Prisão
de Pedra, com o holocron de Andeddu sobre uma pequena mesa alguns
metros à frente. Toda a sua atenção estava focada na pequena figura
holográfica projetada do topo da pirâmide negra.
– Levará anos para você aprender as lições que preciso lhe ensinar – o
porteiro o alertou, suas feições esqueléticas sombrias e sérias. – Você deve
provar que é digno antes que eu lhe revele o ritual da transferência de
essência.
– É claro, Mestre – Set disse, assentindo ansiosamente. – Eu entendo.
Ele havia se irritado sob a tutela de Mestre Obba e dos Jedi. Teve sérias
reservas quanto a servir como aprendiz de Zannah. Mas Set estava mais do
que disposto a fazer qualquer coisa que o porteiro pedisse.
Primeiro, sabia que precisava responder ao porteiro apenas quando o
holocron estivesse ativado. Diferente de como seria com um Mestre vivo,
era Set quem decidiria onde e quando começaria cada lição.
Mais importante, entretanto, o holocron oferecia algo que ele realmente
queria. Zannah tentara atiçá-lo com promessas de poder e a chance de
destruir os Jedi e dominar a galáxia. Mas Set já tinha poder mais do que
suficiente para obter aquilo que precisava da vida.
Além disso, você é charmoso, esperto e bonito. O que mais alguém
poderia querer?
A última coisa que queria era dominar a galáxia. Deixe que os Jedi e os
Sith travem sua guerra interminável. O resultado não fazia diferença para
ele. Set era um sobrevivente – tudo o que queria era viver uma vida longa e
próspera. E, se descobrisse os segredos da transferência da essência, sua
vida seria, de fato, muito longa.
É claro, teria de ter cuidado. Nunca chamar atenção demais para si
mesmo. Tentar não cruzar o caminho dos Jedi ou de pessoas poderosas
como Zannah.
Sem problema. Basicamente, apenas fazer o que você já está fazendo.
Isso e defender o holocron como se sua vida – sua longa, longa vida –
dependesse disso.
– Está pronto para começar sua primeira lição? – o porteiro perguntou.
– Você não tem ideia, Mestre – Set respondeu com um sorriso irônico. –
Você absolutamente não tem ideia.
AGRADECIMENTOS
DARTH BANE - REGRA DE DOIS É UM LIVRO DE FICÇÃO. TODOS OS PERSONAGENS, LUGARES E ACONTECIMENTOS SÃO FICCIONAIS.