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DREW KARPYSHYN

CAMINHO DE
DESTRUIÇÃO
UMA OBRA DA VELHA REPÚBLICA
Star Wars: Darth Bane: Path of Destruction is a work of fiction. Names,
places, and incidents either are products of the author’s imagination or are
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Luis Matos Nestor Turano Jr.
Alexander Barutti
Editora-chefe
Marcia Batista Arte
Francine C. Silva
Assistentes editoriais Valdinei Gomes
Aline Graça
Letícia Nakamura Adaptação de capa
Valdinei Gomes
Tradução
Caio Pereira
Preparação
Tássia Carvalho
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

K28s
Karpyshyn, Drew
Star Wars : Darth Bane: Caminho De Destruição : Uma
novela da Velha República / Drew Karpyshyn ; tradução de
Caio Pereira. – São Paulo : Universo dos Livros, 2017. 352
p. (Trilogia Darth Bane ; 1)

ISBN: 978-85-503-0253-9
Título original: Star Wars: Darth Bane - Path of
Destruction

1. Ficção norte-americana 2. Ficção científica I. Título II.


Pereira, Caio

17-0361 CDD 813.6

Universo dos Livros Editora Ltda.


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PRÔLOGO

NOS ÚLTIMOS DIAS DA VELHA REPÚBLICA, OS SITH – seguidores do lado


sombrio da Força e inimigos antigos da Ordem Jedi – eram apenas dois: um
mestre e um aprendiz. Entretanto, não foi sempre assim. Mil anos antes do
colapso da República e da ascensão do imperador Palpatine ao poder, os
Sith constituíam uma legião…

Lorde Kaan, mestre Sith e fundador da Irmandade da Escuridão,


caminhava pela sujeira do campo de batalha, uma sombra alta nas trevas da
noite. Milhares de tropas da República e quase cem Jedi tinham dado a vida
tentando defender esse mundo do exército dele – e fracassaram. Kaan se
rejubilava com todo esse sofrimento e desespero; mesmo ali, podia senti-lo
erguendo-se como o fedor dos corpos mutilados espalhados pelo vale.
A distância, formava-se uma tempestade. Sempre que um clarão de
relâmpago iluminava o céu, o grande Templo Sith de Korriban tornava-se
visível por um instante, ao longe, uma rígida silhueta imponente no horizonte
descampado.
Uma dupla aguardava no centro da matança, um humano e um Twi’lek.
Apesar da escuridão, ele os reconhecia: Qordis e Kopecz, dois dos mais
poderosos lordes Sith. Antes, tinham sido rivais odiosos, mas agora serviam
juntos a Irmandade de Kaan. Ele se aproximou rapidamente, sorrindo.
Qordis, alto, magro, quase esquelético, sorriu de volta.
– Que vitória grandiosa, lorde Kaan! Faz muito tempo que os Sith não têm
uma academia em Korriban.
– Sinto que você está ansioso para começar a treinar os novos aprendizes
aqui – Kaan respondeu. – Espero que me forneça vários adeptos e mestres
Sith poderosos, e leais, nos anos que virão.
– Fornecer a você? – Kopecz perguntou, mordaz. – Não quis dizer
fornecer a nós? Não somos todos parte da Irmandade da Escuridão?
Um riso suave surgiu como resposta.
– Claro, Kopecz. Um mero lapso de linguagem.
– Kopecz recusa-se a celebrar nosso triunfo – reparou Qordis. – Ficou
desse jeito a noite toda.
Kaan pousou a mão no ombro robusto do Twi’lek.
– Essa foi uma grande vitória para nós – disse. – Korriban é mais do que
apenas mais um mundo: é um símbolo. O local de nascimento dos Sith. Essa
vitória manda um recado à República e aos Jedi. Agora eles realmente
conhecerão e temerão a Irmandade.
Kopecz livrou o ombro da mão de Kaan e virou-se agitando as pontas do
comprido lekku que lhe envolvia o pescoço.
– Celebrem, se quiserem – disse por sobre o ombro ao afastar-se. – Mas a
verdadeira batalha está só começando.
PARTE UM

TRÊS ANOS DEPOIS


1

DESSEL ESTAVA PERDIDO NOS SOFRIMENTOS de seu trabalho, mal reparando nos
arredores. Os braços doíam do esmagar interminável do macaco hidráulico.
Pedacinhos de rocha escapavam da parede da caverna conforme o homem a
perfurava, ricocheteando nos óculos de proteção dele, castigando-lhe o rosto
e mãos expostos. Nuvens de poeira atomizada preenchiam o ar,
obscurecendo a sua visão, e o choramingo guinchado do equipamento tomava
a caverna inteira, afogando todos os outros sons ao mergulhar centímetro
após agonizante centímetro no veio grosso de cortosis aberto na rocha à
frente dele.
Impermeável a calor e energia, o cortosis era valorizado para a
construção de armaduras e blindagens tanto por setores comerciais quanto
militares, principalmente com a galáxia em guerra. Muito resistente a
disparos de arma de raios, a liga de cortosis poderia contrapor-se,
supostamente, até a uma lâmina de sabre de luz. Porém, as mesmas
propriedades que tanto valorizavam o metal também o tornavam
extremamente difícil de minerar. Tochas de plasma eram virtualmente
inúteis; seriam necessários dias para queimar até um setor mínimo de rocha
velada por cortosis. O único jeito eficaz de minerar era pela força bruta de
macacos hidráulicos socando o veio de modo ininterrupto e arrancando o
cortosis dali, lasca por lasca.
O cortosis representava um dos materiais mais duros da galáxia. A força
do movimento logo gastava a cabeça da ferramenta, cegando-a até deixá-la
quase sem utilidade. A poeira entupia os pistões hidráulicos, fazendo-os
emperrar. Minerar cortosis era difícil para o equipamento… e mais ainda
para os mineradores.
Des estivera martelando ali há quase seis horas-padrão. O macaco
hidráulico pesava mais de trinta quilos, e o empenho em mantê-lo erguido e
pressionado contra a rocha começava a cobrar seu preço. Os braços tremiam
com o esforço. Os pulmões lutavam para puxar o ar, mas Des quase
engasgava com as nuvens de fina poeira de minério que escapava pela
cabeça do equipamento. Até os dentes doíam: a vibração chacoalhava tanto
que lhe causava a sensação de que iam todos escapar da gengiva.
Contudo, os mineradores de Apatros eram pagos com base na quantidade
de cortosis que traziam de volta. Se ele fosse embora, outro minerador
grudaria ali e começaria a trabalhar o veio, tomando para si parte do lucro.
Des não gostava de dividir.
O zunido do motor do macaco hidráulico assumiu um tom mais agudo,
tornando-se um lamento afiado com que Des estava mais do que
familiarizado. A 20 mil rpm, o motor sugava poeira feito um bantha com
sede sorvendo água após uma longa travessia do deserto. O único modo de
combater o efeito era com limpeza e cuidados constantes, e a Companhia de
Mineração da Orla Exterior preferia comprar equipamento barato e trocá-lo
a afundar créditos na manutenção. Des sabia exatamente o que estava prestes
a acontecer – e, um segundo depois, aconteceu. O motor explodiu.
A hidráulica travou com um resmungo horrendo, e a parte de trás do
equipamento cuspiu uma nuvem de fumaça preta. Xingando a CMO e suas
políticas corporativas, Des soltou o dedo travado do gatilho e jogou o
equipamento gasto no chão.
– Sai da frente, garoto – disse uma voz.
Gerd, um dos outros mineiros, apareceu e tentou tirar Des do caminho aos
encontrões para trabalhar naquele veio com seu próprio equipamento. Gerd
trabalhava nas minas há uns vinte anos-padrão, o que transformara seu corpo
em uma massa de músculos firmes e enganchados. Mas Des trabalhava nas
minas por dez anos, desde adolescente, e era tão forte quanto o outro homem
– e um pouco maior. Ele nem se mexeu.
– Ainda não terminei – disse. – O macaco hidráulico morreu, só isso. Me
dê o seu e posso continuar mais um pouco.
– Você sabe as regras, garoto. Se parar de trabalhar, outra pessoa pode
entrar no lugar.
Tecnicamente, Gerd tinha razão. Mas ninguém nunca passava por cima de
outro mineiro por causa de equipamento defeituoso. A não ser que quisesse
comprar briga.
Des deu uma olhada rápida ao redor. A câmara estava vazia, exceto pelos
dois, parados a menos de meio metro um do outro. Não era de se
surpreender; Des costumava escolher cavernas bem distantes da rede
principal de túneis. Tinha de ser mais do que uma mera coincidência Gerd
aparecer ali.
Des conhecia Gerd desde sempre. O homem de meia-idade fora amigo de
Hurst, pai de Des. Quando este começara a trabalhar nas minas, aos 13,
sofrera muito abuso dos mineiros maiores. O próprio pai fora o pior dos
torturadores, mas Gerd constituiu um dos principais instigadores,
distribuindo uma porção maior do que a comum de provocações, insultos e
ocasionais tapinhas na orelha.
O assédio cessara pouco depois que o pai de Des morreu de um ataque
cardíaco fulminante. Mas não porque os mineiros sentiam dó do jovem
órfão. Quando Hurst morreu, o adolescente alto e magrelo que eles
adoravam azucrinar tinha se tornado uma montanha de músculos de mãos
pesadas e pavio curto. Minerar era um trabalho duro; o que havia de mais
similar ao trabalho pesado das colônias prisionais da República. Qualquer
um que trabalhasse nas minas de Apatros se tornava grande – e Des acabou
virando o maior de todos eles. Meia dúzia de olhos roxos, incontáveis
sangramentos de nariz e um maxilar quebrado ao longo de um mês foi tudo
de que precisou para os amigos de Hurst concluírem que seriam muito mais
felizes se deixassem Des em paz.
Entretanto, era quase como se culpassem o jovem pela morte do pai, e,
após um ou outro mês, algum deles tentava de novo. Gerd sempre fora
inteligente o bastante para manter distância – até esse momento.
– Não estou vendo nenhum dos seus amigos aqui com você, meu chapa –
disse Des. – Então saia do meu lugar, e ninguém se machuca.
Gerd cuspiu no chão, aos pés de Des.
– Você nem sabe que dia é hoje, né, garoto? Maldita desgraça, você é!
Estavam tão perto um do outro que Des sentia o cheiro amargo do uísque
corelliano no hálito de Gerd. O homem estava bêbado. Bêbado o bastante
para arranjar briga, mas ainda sóbrio o suficiente para segurar a onda.
– Faz cinco anos hoje – disse Gerd, balançando tristemente a cabeça. –
Cinco anos que seu pai morreu, e você nem se lembra!
Nessa época, Des raramente pensava no pai. Não ficara triste ao vê-lo
partir. As lembranças mais remotas que possuía eram do pai batendo nele.
Nem se lembrava do motivo; Hurst quase nunca precisava de motivo.
– Não posso dizer que sinto falta do Hurst como você sente, Gerd.
– Hurst? – Gerd bufou. – Ele te criou sozinho depois que a sua mãe
morreu, e você nem tem o respeito de chamá-lo de pai? Seu ingrato, filho de
um kath!
Des olhou para Gerd de modo ameaçador, mas o homem menor estava
muito imbuído de birita e hipócrita indignação para ser intimidado.
– Devia ter esperado isso de um cãozinho sujo como você – Gerd
continuou. – Hurst sempre disse que você não prestava. Sabia que tinha algo
de errado com você… Bane.
Des estreitou os olhos, mas não mordeu a isca. Hurst o chamava assim
quando ficava bêbado. Bane. A desgraça. Culpava o filho pela morte da
mãe. Culpava-o por ter ficado preso em Apatros. Considerava seu único
filho a desgraça de sua existência, fato que tendia a cuspir em Des quando
estava na fúria da bebida.
Bane. A palavra representava tudo de rancoroso, pequeno e maldoso que
tinha o pai. Ela cutucava os medos mais íntimos de toda criança: medo de
desapontar, medo do abandono, medo da violência. Quando criança, esse
nome machucara Des muito mais do que todos os safanões dos punhos
pesados do pai. Mas Des não era mais criança. Com o tempo, aprendera a
ignorá-lo, junto de toda a bile de ódio restante que jorrava da boca do pai.
– Não tenho tempo pra isso – ele murmurou. – Tenho trabalho a fazer.
Com uma das mãos, arrancou o macaco hidráulico de Gerd. Colocou a
outra mão no ombro de Gerd e o empurrou dali. Cambaleando para trás, o
homem inebriado bateu com o calcanhar numa pedra e caiu no chão.
Ele se levantou com um rosnado, as mãos fechando-se em punhos.
– Pelo visto, seu pai tem feito muita falta, moleque. Tá precisando de
alguém pra te dar umas boas palmadas!
Des percebeu que Gerd estava bêbado, mas não era nenhum bobo. Des era
maior, mais forte, mais novo… mas passara seis horas trabalhando com um
macaco hidráulico. Estava coberto de lodo e o suor pingava-lhe do rosto. A
camisa estava encharcada. O uniforme de Gerd, por sua vez, encontrava-se
relativamente limpo: nada de poeira, nenhuma mancha de suor. O homem
devia ter passado o dia todo planejando aquilo, pegando leve e descansando,
enquanto Des dava tudo de si.
Des, entretanto, não pretendia amarelar perante uma briga. Largou o
macaco hidráulico de Gerd no chão, agachou, abriu espaço entre os pés e
estendeu os braços à frente.
Gerd avançou, girando o punho direito num furioso soco de baixo para
cima. Des estendeu o braço e capturou o soco com a palma da mão esquerda,
absorvendo a força do golpe. A mão direita avançou e agarrou o punho
direito de Gerd por baixo; enquanto puxava o mais velho para a frente, Des
baixou-se e girou, metendo o ombro direito no peito do outro. Usando o
impulso do oponente contra ele mesmo, Des ergueu-se e puxou com força o
punho de Gerd, girando-o para o alto e para trás, fazendo-o cair com tudo no
chão, de costas.
A briga devia ter acabado por aí; Des contou com um átimo de segundo
durante o qual podia ter mergulhado o joelho no oponente, arrancando-lhe o
ar dos pulmões e prendendo-o ao chão, enquanto batia nele com os punhos.
Mas isso não aconteceu. Suas costas, exaustas das horas erguendo a
ferramenta de mineração de trinta quilos, tremeram.
A dor foi uma agonia; por instinto, Des endireitou-se e tocou os músculos
tesos da lombar. Isso deu a Gerd a chance de rolar dali e ficar de pé.
Os dois colidiram e lutaram sobre as rochas duras e irregulares do chão
da caverna. Para se proteger, Gerd enterrara o rosto no peito de Dessel,
impedindo que Des lhe metesse uma cotovelada ou uma forte cabeçada.
Estava também agarrado ao cinto do outro, mas agora uma das mãos, livre,
socava cegamente o local em que ele achava estar o rosto do rapaz. Des foi
forçado a envolver os braços de Gerd com os seus, travando-os de modo que
nenhum dos dois homens pudesse dar um soco.
Com os membros presos, estratégia e técnica faziam pouquíssima
diferença. A briga passou a ser um teste de força e resistência, com os dois
combatentes lentamente cansando um ao outro. Dessel tentou rolar Gerd de
costas, mas seu corpo cansado o traiu. Seus membros estavam pesados e
moles; ele não conseguia apoiar-se como precisava. Na verdade, foi Gerd
quem conseguiu girar, libertando uma das mãos enquanto ainda mantinha o
rosto pressionado contra o peito de Des, para que não fosse exposto.
Des não teve tanta sorte… seu rosto estava à mostra e vulnerável. Gerd
meteu um golpe com a mão livre, mas não bateu com o punho fechado. Em
vez disso, enfiou com força o polegar na bochecha de Des, a poucos
centímetros do verdadeiro alvo. Atacou mais uma vez utilizando o dedo,
querendo arrancar um dos olhos do oponente e deixá-lo cego, contorcendo-
se de dor.
O rapaz levou um segundo para entender o que estava acontecendo; sua
mente cansada se tornou tão lenta e desajeitada quanto seu corpo. Ele virou o
rosto no segundo em que o golpe surgiu; o polegar atingiu a cartilagem de
sua orelha e causou muita dor.
Uma raiva violenta explodiu dentro dele: um estouro de enfurecida paixão
que queimou toda a exaustão e fadiga. Subitamente, sua mente ficou clara, e
seu corpo recobrou a força e a juventude. Ele sabia o que fazer em seguida.
Mais importante: tinha certeza absoluta do que Gerd também faria.
Des, entretanto, não conseguia explicar como sabia; às vezes,
simplesmente adivinhava o próximo movimento do oponente. Instinto, alguns
diriam. Des sentia que era outra coisa. Muito detalhado – muito específico –
para ser puro instinto. Era mais como uma visão, um lampejo breve do
futuro. E, sempre que acontecia, Des sabia o que fazer, como se algo guiasse
e direcionasse suas ações.
Quando veio o golpe seguinte, Des estava mais do que pronto. Pôde
visualizá-lo com perfeição em sua mente. Sabia o momento exato em que
viria e precisamente onde atingiria. Dessa vez, ele virou o rosto para o lado
do oponente, expondo-o para o golpe iminente – e abriu a boca. Mordeu com
força, no momento perfeito, e seus dentes mergulharam fundo na carne suja
do polegar intrometido de Gerd.
O homem gritou quando Des fechou a boca, seccionando os tendões e
esmagando o osso. Ele imaginou se poderia morder até o final, e então –
como se apenas de pensar nisso o fato se materializasse – decepou o polegar
de Gerd.
Os gritos se tornaram guinchos quando Gerd largou o oponente e rolou
para o lado, encobrindo com a mão boa a que fora machucada. Um sangue
carmesim brotou por entre os dedos que tentavam estancar o fluxo que saía
do toco.
Levantando-se lentamente, Des cuspiu o dedo para o chão. O gosto do
sangue ainda estava fresco em sua boca. Sentiu o corpo forte e reenergizado,
como se um grande poder insurgisse por suas veias. Toda a valentia do
oponente fora arrancada; Des podia fazer o que quisesse, ali, com Gerd.
O mais velho rolava de um lado ao outro no chão, a mão apertada junto ao
peito. Gemia e soluçava, implorando por misericórdia, pedindo ajuda.
Des balançou a cabeça, com desgosto; Gerd pedira que isso acontecesse.
Tudo começara num simples mano a mano. O perdedor acabaria com um
olho roxo e uns hematomas, mas nada mais. Então, o mais velho levara as
coisas a outro nível ao tentar cegar o jovem, que respondera à altura. Há
muito tempo, Des aprendera a não elevar uma luta a não ser que estivesse
disposto a pagar o preço que a perda envolvia. Agora Gerd acabava de
aprender a mesma lição.
Des tinha pavio curto, mas não era do tipo que continuava batendo num
oponente indefeso. Sem olhar para o inimigo derrotado, deixou a caverna e
subiu o túnel para dizer a um dos capatazes o que acontecera a fim de que
alguém fosse cuidar do ferimento de Gerd.
Ele não se preocupava com as consequências. Os médicos poderiam
recolocar o polegar do outro, então, na pior das hipóteses, Des seria multado
em um ou dois dias de ganhos. A corporação não ligava muito para o que os
empregados faziam, contanto que sempre voltassem a minerar o cortosis. Era
comum haver brigas entre os mineiros, e a CMO quase sempre fazia vista
grossa, embora essa briga em particular tivesse sido mais agressiva que a
maioria – selvagem e curta, com um fim brutal.
Assim como a vida em Apatros.
2

SENTADO NOS FUNDOS DO LANDSPEEDER usado para transportar mineiros entre a


única colônia de Apatros e as minas, Des sentia-se exausto. Tudo que queria
era voltar à sua cama no alojamento e dormir. A adrenalina o esvaziara todo,
deixando-o hiperciente da tensão e da dor que lhe dominavam o corpo.
Largado em seu lugar, passou os olhos por todo o interior do veículo.
Normalmente haveria vinte outros mineiros abarrotados dentro do
speeder, mas esse estava vazio, a não ser por ele e o piloto. Depois da briga
com Gerd, o capataz suspendera Des sem pagamento, começando ali mesmo,
e ordenara ao transporte que o levasse de volta à colônia.
– Essa situação tem se repetido demais, Des – dissera o capataz, de
carranca. – Vamos precisar te usar como exemplo dessa vez. Você não vai
mais trabalhar nas minas enquanto o Gerd não tiver se curado e voltado ao
trabalho.
O que ele quisera mesmo dizer era que o rapaz não poderia ganhar crédito
algum enquanto Gerd não retornasse. Claro que, ainda assim, seriam
cobrados dele o quarto e a estada. Todo dia que passasse sentado de bobeira
entraria em sua conta, somando-se à dívida que ele trabalhava tão
desesperadamente para pagar.
Des imaginava que levariam uns quatro ou cinco dias para Gerd conseguir
operar um macaco hidráulico de novo. O médico in loco reatara o dedo
decepado usando vibrobisturi e carne sintética. Alguns dias tomando injeção
de kolto e uns remédios baratos para não sentir dor, e Gerd voltaria com
tudo. Tratamento com bacta o devolveria num dia só, mas bacta era caro… e
a CMO não recorreria a isso a não ser que Gerd tivesse seguro de
minerador… algo de que Des duvidava muito.
A maioria dos mineiros nunca se importava com o programa de seguro
financiado pela empresa. Para começar, era caro. Com acomodações, estada
e as taxas que cobriam o custo do transporte das e para as minas, a maioria
achava que dava à CMO mais do que o bastante de seu pagamento sofrido sem
acrescentar o gasto com o seguro à conta.
Além disso, não era só o custo. Era quase como se os homens e as
mulheres que trabalhavam nas minas de cortosis vivessem em negação,
recusando-se a admitir os possíveis perigos e riscos com que se deparavam
diariamente. Adquirir um seguro os forçaria a enfrentar os fatos, nus e crus.
Poucos mineiros chegavam a viver bastante. Os túneis reivindicavam
vários, enterrando corpos em desabamentos ou incinerando-os quando
alguém furava um bolsão de gases explosivos preso numa rocha. Até mesmo
os que conseguiam passar da época das minas tendiam a não viver muito ao
longo da aposentadoria. As minas deixavam sequelas. Homens de 60 anos
acabavam exibindo corpos com a aparência e a sensação de 90, conchas
quebradas gastas por décadas de dura labuta física e exposição a
contaminantes aéreos que deslizavam por entre os filtros de quinta da CMO.
Quando o pai de Des morreu – sem seguro, claro –, tudo que Des
conseguiu foi o privilégio de tomar para si a dívida acumulada dele. Hurst
passara mais tempo bebendo e jogando do que minerando. Para pagar por
seu quarto e estada mensais, ele em geral precisava pegar empréstimos da
CMO numa taxa de juros que seria criminosa em qualquer outro lugar além da
Orla Exterior. A dívida não parava de crescer, mês a mês e ano a ano, mas
Hurst não parecia se importar. Era pai solteiro de um filho do qual tinha
rancor, preso num emprego brutal que detestava; abandonara qualquer
esperança de escapar de Apatros muito antes de o ataque cardíaco tomar-lhe
a vida.
A prole Hutt provavelmente teria ficado feliz em saber que o filho ficara
preso à dívida do pai.
O transporte voava por sobre as rochas secas das planícies do pequeno
planeta sem fazer ruído, a não ser pelo zunido infinito dos motores. As
paisagens vazias passavam por eles num borrão, até que a vista da janela
tornou-se nada além de uma cortina cinza sem forma alguma. O efeito era
hipnótico: Des sentiu a mente e o corpo cansados ávidos por adentrar um
sono profundo e sem sonhos.
Era assim que eles pegavam as pessoas. Faziam-nas trabalhar até a
exaustão, anulavam seus sentidos, anestesiavam sua vontade à submissão…
até que elas aceitassem a sua parte e desperdiçassem a vida toda na sujeira e
poeira das minas de cortosis. Tudo no serviço inflexível da Companhia de
Mineração da Orla Exterior. Era uma armadilha surpreendentemente eficaz,
funcionava bem com homens como Gerd e Hurst. Mas não funcionaria com
Des.
Mesmo com a dívida esmagadora do pai, Des sabia que um dia terminaria
de pagar à CMO e deixaria essa vida para trás. Estava destinado a algo maior
do que essa pequena e insignificante existência. Sabia disso e tinha absoluta
certeza, e era essa certeza que lhe dava força para persistir perante esse
trabalho inexorável, às vezes desesperador. Dava-lhe a força para lutar,
mesmo quando parte dele parecia querer desistir.
Estava suspenso, impedido de trabalhar nas minas, mas havia outros
meios de ganhar créditos. Com muito custo, o rapaz se esforçou para
levantar. O piso vacilou sob os pés dele, enquanto o speeder fazia ajustes
constantes para manter a altura programada de meio metro acima do nível do
solo. Ele levou um segundo para acostumar-se ao ritmo zonzo do
transportador, depois meio andou, meio cambaleou pela passarela entre as
fileiras de bancos até o piloto, lá na frente. Não reconheceu o homem, mas
todos tinham a mesma aparência: traços sombrios e carrancudos, olhos de
peixe morto e sempre com a cara de que estavam à beira de uma dor de
cabeça daquelas.
– Ei – disse Des, tentando parecer indiferente –, chegou alguma nave ao
espaçoporto hoje?
Não havia motivo algum para o piloto manter a atenção fixa no caminho à
frente. A viagem de quarenta minutos entre as minas e a colônia era uma
linha reta estendida sobre uma planície vazia; alguns dos pilotos chegavam
até a dar umas pescadas ao longo do trajeto. Entretanto, esse aqui se recusou
a virar e olhar para Des ao responder.
– Um cargueiro pousou faz algumas horas – falou ele num tom entediado. –
Militar. Cargueiro da República.
Des sorriu.
– Vai ficar por um tempo?
Essa o piloto nem respondeu, apenas bufou e balançou a cabeça perante a
estupidez da pergunta. Des assentiu e retornou ao seu lugar, no fundo do
transportador. Já sabia a resposta.
O cortosis era usado para tudo, desde caças a naves capitais, além de ser
costurado dentro da armadura corporal das tropas. E, conforme seguia a
guerra contra os Sith, a demanda de cortosis da República continuava
crescendo. A cada duas ou três semanas, um cargueiro da República pousava
em Apatros. No dia seguinte, tornava a partir com os deques de carga
recheados do valioso mineral. Até então, a tripulação – oficiais e soldados
alistados – não tinha nada a fazer além de aguardar. Por experiência, Des
sabia que, sempre que os soldados da República dispunham de um tem-pinho
para matar, gostavam de jogar baralho. E, sempre que havia gente jogando
baralho, havia dinheiro a se ganhar.
Sentando-se em seu lugar no fundo do speeder, Des concluiu que talvez
não estivesse tão pronto para cair na cama, afinal.
Quando o transportador parou na periferia da colônia, o corpo dele
formigava de ansiedade. Saltou e caminhou até o alojamento num passo
tranquilo, lutando contra a própria avidez e a vontade de correr. Naquele
momento, os soldados da República estavam sentados às mesas de jogatina
da única cantina da colônia, pensava ele.
Entretanto, não havia por que correr até lá. Era fim de tarde, o sol
começava a descer para trás do horizonte, ao norte. A esse horário, a
maioria dos mineiros do turno da noite estaria acordada. Muitos deles já
estariam na cantina, passando o tempo até a hora de fazer a jornada de volta
às minas para começar o expediente. Pelas duas horas seguintes, Des sabia
que seria sorte encontrar lugar para se sentar na cantina, muito mais achar
cadeira vazia numa mesa de pazaak ou sabacc. Por outro lado, levaria mais
umas boas horas para que os homens que faziam o turno diurno pegassem os
transportes que os aguardavam e voltassem para casa; o rapaz chegaria à
cantina muito antes que qualquer um deles.
De volta ao alojamento, tirou o sobretudo manchado de fuligem e foi até
os chuveiros coletivos, que estavam vazios, a fim de limpar o suor e a poeira
do corpo. Depois vestiu roupas limpas e saiu para a rua, seguindo
calmamente para a cantina, no outro canto da cidade.
O local não possuía nome; não precisava. Ninguém nunca tinha
dificuldade de encontrá-lo. Apatros era um mundo pequeno, mal passava de
uma lua com atmosfera e um pouco de flora nativa. Havia poucos e
preciosos lugares para ir: as minas, a colônia ou as terras descampadas no
meio. As minas eram um complexo imenso que compreendia as cavernas e
os túneis cavados pela CMO, bem como os braços de refinamento e
processamento das operações da empresa.
Os espaçoportos ficavam por ali também. Cargueiros partiam dia a dia
com carregamentos de cortosis a caminho de algum mundo mais rico perto
de Coruscant e o Núcleo Galáctico, e veículos de fora trazendo equipamento
e suprimento para manter as minas rodando chegavam dia sim, dia não. Os
empregados que não eram fortes o bastante para minerar cortosis
trabalhavam nas plantas de refinamento ou no espaçoporto. O salário não era
tão bom quanto, mas eles tendiam a viver mais.
Porém, não importava onde trabalhavam as pessoas, todas vinham para
casa, no mesmo lugar, no fim dos turnos. A colônia não passava de uma
cidade decrépita de alojamentos temporários jogados ali pela CMO a fim de
abrigar as poucas centenas de empregados necessários para manter as minas
em funcionamento. Como o mundo em si, a colônia era oficialmente
conhecida como Apatros. Para os que ali viviam, era mais comumente
referida como “as cabanas de merda”. Todo prédio tinha a mesma fachada
de hiperaço cinza desbotado, de exterior gasto e corroído. O interior dos
prédios era virtualmente idêntico: alojamentos de trabalhadores temporários
que acabaram se tornando permanentes demais. Cada estrutura abrigava
quatro quartos separados planejados para duas pessoas, mas em geral
hospedavam três ou mais. Às vezes, famílias inteiras partilhavam um desses
quartos, a não ser que arranjassem créditos para pagar pelos aluguéis
ultrajantes que a CMO cobrava por mais espaço. Todo quarto tinha camas
embutidas nas paredes e uma única porta que dava para um corredor estreito;
um único banheiro com chuveiro localizava-se no final. As portas tendiam a
gemer presas a dobradiças mal ajustadas, para as quais não haviam sido
projetadas; os tetos eram um remendo só de consertos improvisados para
selar goteiras que inevitavelmente brotavam sempre que chovia. Janelas
quebradas eram tampadas à fita contra o vento e o frio, mas nunca trocadas.
Uma camada fina de pó acumulava-se sobre tudo, mas poucos residentes
davam-se o trabalho de varrer seus domicílios.
A colônia inteira tinha menos de um quilômetro quadrado, tornando
possível caminhar de qualquer prédio para qualquer uma das outras
estruturas idênticas em menos de vinte minutos-padrão. Apesar da
implacável similaridade da arquitetura, navegar pela colônia era fácil. Os
alojamentos foram alocados em filas e colunas retas, formando uma tela de
ruas organizadas em torno dos domicílios uniformemente espalhados. Não se
podia dizer que as ruas eram limpas, embora muito raramente acumulassem
lixo. A CMO recolhia lixo e dejetos com frequência suficiente para manter as
condições de saneamento, visto que uma epidemia de doenças geradas pela
sujeira afetaria de modo adverso a produção da mina. Contudo, a empresa
não parecia se importar com a sucata que inevitavelmente se acumulava por
toda a cidade. Geradores quebrados, maquinaria enferrujada, lascas
corroídas de metal e ferramentas descartadas, gastas, apinhavam-se nas
estreitas ruas entre os alojamentos.
Havia apenas duas estruturas na colônia que diferiam um pouco das
demais. Uma era o mercado da CMO, a única loja daquele mundo.
Antigamente, era um alojamento, mas as camas foram trocadas por estantes,
e a área de chuveiros coletivos se transformara na sala de estoque. Uma
plaquinha preta e branca fora parafusada na parede, lá fora, mostrando o
horário de funcionamento. Não havia vitrines para atrair fregueses, nem
propagandas. O mercado vendia apenas os itens mais básicos, todos a
preços escandalosos. O crédito era alegremente avançado sobre salários
futuros sob a taxa de juros tipicamente alta da CMO, garantindo ao
consumidor que passasse ainda mais horas na mina para pagar pelas
compras.
O outro prédio diferente era a cantina, um magnífico triunfo da beleza e do
design se comparada à homogeneidade sombria do restante da colônia. A
cantina fora construída umas poucas centenas de metros além dos limites da
cidade, bem longe da grelha cinzenta de alojamentos. Tinha apenas três
andares, mas, por todas as outras estruturas serem limitadas a um único
andar, ela dominava a paisagem. Nem precisava ser tão alta. Dentro da
cantina, tudo se localizava no térreo; os andares de cima eram apenas uma
fachada construída para ostentação por Groshik, o Neimoidiano que era
dono e barman. Na verdade, acima do teto do primeiro andar, o segundo e o
terceiro não existiam – havia apenas as altas paredes e um domo feito de
vidro tingido de violeta, iluminado de dentro. Luzes violeta combinantes
cobriam as paredes exteriores azuis. Em qualquer outro mundo, o efeito teria
sido ostentoso e vulgar, mas, em meio ao cinza de Apatros, era duplamente
assim. Groshik costumava afirmar que fizera sua cantina o mais brega
possível simplesmente para ofender os poderosos da CMO. A intenção o
tornava um cara popular entre os mineiros, mas Des duvidava de que a CMO
dava qualquer importância a ele. Groshik podia pintar sua cantina da cor que
quisesse, contanto que repassasse uma porção dos lucros à empresa toda
semana.
O dia de vinte horas-padrão de Apatros era dividido entre os dois turnos
dos mineradores. Des e o restante da equipe da manhã trabalhavam das 8h às
18h; os demais, das 18h às 8h. Groshik, na tentativa de maximizar os lucros,
abria toda tarde às 13h e não fechava por dez horas seguidas. Isso lhe
permitia atender aos operários da turma da noite antes de começarem e pegar
a equipe diurna quando o expediente acabava. Ele fechava às 3h, passava
duas horas limpando o local, dormia seis, levantava às 11h e começava o
processo todo de novo. Sua rotina era muito bem conhecida por todos os
mineiros; o Neimoidiano era tão regulado quanto o nascer e o pôr do pálido
sol alaranjado de Apatros.
Ao cruzar a distância que ligava o limite da colônia e sua porta receptiva,
Des já podia ouvir os sons que vinham lá de dentro: música alta, riso, bate-
papo, vidro tilintando. Eram quase 16h. O expediente diurno levaria mais
duas horas para terminar, mas a cantina ainda estava repleta de operários do
turno da noite que queriam tomar um drinque ou comer alguma coisa antes de
subir nas naves que os levariam às minas.
Des não reconheceu rosto algum: as equipes diurna e noturna raramente se
cruzavam. Os cidadãos eram na maioria humanos, havia poucos Twi’leks,
Sullustanos e Cereanos avolumando a multidão. Des se surpreendeu ao notar
um Rodiano também. Aparentemente, a turma da noite era mais tolerante com
espécies diferentes em seu turno. Não havia garçonetes, atendentes nem
dançarinas; o único empregado da cantina era o próprio Groshik. Quem
quisesse uma bebida precisava comparecer ao amplo balcão acoplado à
parede dos fundos e pedir a ele.
O rapaz foi abrindo caminho pelo bando de gente. Groshik o viu chegando
e por um momento abaixou-se, sumindo de vistas no bar, para reaparecer
com um caneco de cerveja Gizer assim que Des alcançou o balcão.
– Chegou cedo hoje – disse Groshik, pousando a bebida com um baque
surdo. Sua voz grave e baixa era difícil de ouvir em meio ao ruído de todos.
Suas palavras tinham sempre um quê de gutural, como se falasse direto do
fundo da garganta.
O Neimoidiano gostava de Des, embora este não soubesse bem por quê.
Talvez por ter visto o rapaz se transformar do adolescente que fora em um
homem ou talvez por sentir pena de o garoto ter a porcaria de pai que tivera.
Independentemente do motivo, havia um acordo contínuo entre os dois; Des
nunca precisava pagar por uma bebida que lhe fosse servida sem ele ter
pedido. O jovem aceitou o presente com gratidão e sorveu-o inteiro num
único e longo gole, depois meteu a caneca vazia de volta à mesa.
– Tive um probleminha aí com o Gerd – ele respondeu, limpando a boca.
– Arranquei o dedo dele fora, então me deixaram ir pra casa mais cedo.
Groshik pendeu a cabeça de lado e fixou os enormes olhos vermelhos em
Des. A expressão amarga em seu rosto de anfíbio não mudou, mas o corpo
deu uma ligeira estremecida. Des conhecia o Neimoidiano bem o suficiente
para saber que ele estava rindo.
– Pra mim, foi uma troca justa – soltou Groshik, reabastecendo a caneca.
Des não detonou a segunda caneca como fizera à primeira. Groshik
raramente lhe dava mais de uma por conta da casa, e ele não queria abusar
da generosidade do barman.
Focou sua atenção na clientela. Os visitantes da República foram fáceis de
identificar. Quatro humanos – dois homens, duas mulheres – e um Ithoriano
em requintados trajes da marinha. No entanto, não eram apenas as roupas que
os faziam se destacar. Todos eram muito imponentes e altos, enquanto a
maioria dos mineiros tendia a andar mais arqueada, como se carregando
grande peso nas costas.
Num dos lados da pista principal, uma seção menor destacava-se do
restante da cantina. Era a única parte do local com a qual Groshik não tinha
relação alguma. A CMO permitia a jogatina em Apatros, mas apenas por ser
responsável pelas mesas. Oficialmente, a intenção da empresa era impedir
que alguém trapaceasse, mas todo mundo sabia que a verdadeira
preocupação da CMO era ficar de olho nas apostas. Ela não queria que um de
seus empregados ganhasse muito e pagasse todas as dívidas numa única noite
de sorte. Mantendo os limites máximos baixos, a CMO garantia ser mais
lucrativo trabalhar nas minas do que nas mesas.
No setor da jogatina, havia mais quatro soldados da marinha com o
mesmo uniforme da tropa da República, junto a aproximadamente uma dúzia
de mineiros. Uma Twi’lek cuja lapela indicava a patente de sargento jogava
pazaak. Um jovem guarda-marinha estava sentado numa mesa de sabacc,
conversando expansivamente com todos ao redor, embora ninguém parecesse
escutar. Outros dois oficiais – ambos humanos, um homem e uma mulher –
estavam também na mesa de sabacc. A mulher era tenente e o homem exibia
a insígnia de comandante. Des supôs que eram os oficiais seniores
responsáveis pela missão de receber o carregamento de cortosis.
– Vejo que reparou nos nossos recrutas – murmurou Groshik.
A guerra contra os Sith – oficialmente nada mais do que uma série de
demorados acordos militares, embora a galáxia inteira soubesse ser uma
guerra – demandava um fluxo constante de jovens e ávidos cadetes para os
frontes de batalha. E por algum motivo a República sempre esperava que os
cidadãos dos mundos da Orla Exterior pulassem para agarrar a chance de
juntar-se a eles. Toda vez que uma equipe militar passava por Apatros, os
oficiais tentavam reunir novos recrutas. Pagavam uma rodada de bebida,
depois usavam isso como desculpa para puxar papo, falando geralmente
sobre a vida gloriosa e heroica dos soldados. Às vezes, recorriam ao
exagero sobre a brutalidade dos Sith. Em outras, distribuíam promessas de
melhor vida no exército da República – o tempo todo fingindo serem
amigáveis e simpáticos com os locais, na esperança de que alguns
resolvessem aderir à causa.
Des suspeitava que os oficiais recebiam algum tipo de bônus por qualquer
recruta que convenciam a se alistar. Para sua infelicidade, eles não
encontrariam muitos desses em Apatros. A República não andava muito
popular na Orla; as pessoas dali, inclusive Des, sabiam que os mundos do
Núcleo exploravam mundos pequenos e remotos como Apatros para o
próprio lucro. Os Sith encontravam um monte de simpatizantes antirrepública
ali nas margens do espaço civilizado; esse era um dos motivos pelos quais
seus números continuavam crescendo conforme a guerra se arrastava.
Apesar da insatisfação para com os mundos do Núcleo, as pessoas talvez
até se alistassem como recrutas se a República não fosse tão preocupada em
seguir os ditames absolutos da lei. Qualquer um com esperança de fugir de
Apatros e das garras da empresa de mineração se deparava com uma notícia
chocante: as dívidas para com a CMO ainda tinham de ser pagas, mesmo que
por recrutas que protegeriam a galáxia contra a crescente ameaça Sith. Se
alguém devia dinheiro a uma empresa legítima, a frota da República
assumiria a dívida até que fosse paga. Pouquíssimos mineradores animavam-
se com a ideia de entrar numa guerra apenas para ter o privilégio de não
serem pagos.
Alguns dos mineiros não gostavam nada dos oficiais mais velhos e de seu
constante pressionar para atrair rapazes e moças inocentes para unir-se à sua
causa. Des, no entanto, não se importava. Escutava o tagarelar deles a noite
toda, contanto que não parassem de jogar baralho. Considerava o lero-lero
um pequeno preço a pagar para encher as mãos de créditos.
Sua avidez deve ter ficado visível, pelo menos para Groshik.
– É possível que você tenha ouvido que uma equipe da República ia
aparecer e arranjou briga com o Gerd só pra chegar aqui mais cedo?
Des negou.
– Foi só uma feliz coincidência. Qual é a estratégia deles hoje? A glória
da República?
– Estão tentando nos advertir dos horrores da Irmandade da Escuridão –
respondeu o barman, de modo cuidadosamente neutro. – Não estão indo
muito bem.
O dono da cantina mantinha suas opiniões para si no que tangia a questões
políticas. Seus fregueses eram livres para falar sobre quaisquer assuntos que
quisessem, mas, não importava quão fervorosas ficassem as discussões, ele
sempre se recusava a escolher um lado.
– É ruim para os negócios – explicara certa vez. – Concorde com alguém,
e ele será seu amigo o restante da noite. Vá contra, e podem te odiar por
semanas.
Os Neimoidianos tinham fama por sua sensata noção de negócios, e
Groshik não era exceção.
Um minerador abriu caminho até o bar e pediu uma bebida. Quando
Groshik foi atender o pedido, Des virou-se para estudar a área da jogatina.
Não havia muitos lugares disponíveis na mesa de sabacc, então por ora ele
foi forçado a ficar assistindo. Por bem mais de uma hora, estudou as jogadas
e apostas dos recém-chegados, prestando atenção especial aos oficiais
seniores. Eles tendiam a ser melhores jogadores que as tropas alistadas,
provavelmente por terem mais créditos a perder.
Os jogos em Apatros seguiam uma versão modificada das regras típicas
de Bespin. O jogo era simples: junte cartas o mais perto possível de 23
pontos sem ultrapassar. A cada rodada, o jogador tinha de ser provocado
para manter a mão ou fugir. Qualquer jogador que escolhesse ficar podia
pegar mais uma carta, descartar outra ou colocar uma no campo de
interferência para travar seu valor. No final de qualquer rodada, um jogador
podia abrir o jogo, revelando sua mão e forçando os outros jogadores a
mostrar as deles também. A melhor mão da mesa fica com o monte. Qualquer
pontuação acima de 23 ou abaixo de 23 negativo era uma mão-bomba e
requeria que o jogador pagasse uma multa. Além disso, se o jogador tivesse
exatamente 23 pontos na mão – um sabacc puro –, ganhava o monte de
sabacc como bônus. Mas, com trocas aleatórias que podiam inesperadamente
mudar o valor das cartas entre as rodadas, e outros jogadores começando
antes, um sabacc puro era muito mais difícil de conseguir do que parecia.
O sabacc representava mais do que um jogo de azar. Relacionava-se com
estratégia e estilo, com saber quando blefar e quando recuar, com saber
como se adaptar às cartas, em constante mudança. Alguns jogadores eram
bastante cautelosos, nunca apostando mais do que o aumento mínimo quando
tinham uma mão boa. Outros eram agressivos demais, tentavam assustar o
resto da mesa com apostas ultrajantes mesmo que não tivessem nada. As
tendências naturais dos jogadores se mostravam para aqueles que sabiam
para onde olhar.
O guarda-marinha, por exemplo, era obviamente novo no jogo. Ficava
participando das rodadas com mãos fracas em vez de correr. Era um
caçador, não se satisfazia com cartas boas o bastante para coletar o monte.
Estava sempre em busca da mão perfeita, esperando ganhar mais e coletar o
monte de sabacc que só crescia enquanto ninguém o ganhava. Como
resultado, era sempre pego com mãos-bomba e tinha de pagar a multa.
Contudo, isso não parecia conter suas apostas. Era o tipo de jogador que
tinha mais créditos que senso, o que calhava muito bem para Des.
Para ser um expert no sabacc, era necessário saber controlar a mesa. Des
não precisou de muitas rodadas para perceber que o comandante da
República estava fazendo exatamente isso. Sabia como apostar alto e fazer
os outros jogadores correrem mesmo com mãos boas. Sabia quando apostar
pequeno para atrair os outros a jogar com mãos que deviam ter deitado. Não
se preocupava muito com as próprias cartas; sabia que o segredo do sabacc
era descobrir o que os demais tinham em mãos… para então deixar que eles
pensassem saber quais cartas ele tinha em mãos. Os oponentes só entendiam
quão equivocados estiveram quando todas as mãos eram reveladas e o
comandante metia as mãos nas fichas.
O cara era bom, Des teve que admitir. Melhor do que muitos dos
jogadores da República que por ali passaram. Apesar da aparência
agradável, era implacável quando se tratava de ganhar o monte. Des,
entretanto, teve uma sensação boa; às vezes, ele simplesmente sabia que não
perderia. Naquela noite, ele ganharia… e ganharia uma bolada.
Chegou até ele o resmungo de um dos mineiros da mesa.
– Mais uma rodada e o pote de sabacc seria meu! – disse ele, balançando
a cabeça. – Você teve sorte de chegar à hora que chegou – acrescentou,
dirigindo-se ao comandante.
Des sabia que não se tratava de sorte. O mineiro ficara tão excitado que se
chacoalhara todo na cadeira. Qualquer um com meio cérebro pôde ver que
ele juntava uma mão poderosa. O comandante o notara e fizera sua jogada,
cortando a rodada e decepando a esperança dos demais jogadores na altura
dos joelhos.
– Já chega – falou o mineiro, afastando-se da mesa. – Tô fora.
– Acho que agora é a sua chance – Groshik sussurrou baixinho ao passar
para servir outra bebida. – Boa sorte.
Não preciso de sorte hoje, pensou Des. Ele cruzou o salão da cantina e
passou por cima da corda de nanosseda para entrar na sala de jogos da CMO.
3

DES APROXIMOU-SE DA MESA de sabacc e acenou para o Beta-4 CardShark que


distribuía as cartas. A CMO preferia droides autômatos a dealers orgânicos:
não precisavam pagar salário, e não havia chance alguma de que um jogador
insistente convencesse um droide a trapacear.
– Tô dentro – declarou, tomando o lugar vazio.
O guarda-marinha estava sentado bem à frente. Soltou um assovio longo e
barulhento.
– Raios, que rapaz grande! – gritou ele, tempestuoso. – Quanto tem de
altura, 1,90? 1,95?
– Dois metros cravados – Des respondeu sem nem olhar para o outro.
Raspou o cartão da CMO no leitor embutido na mesa e digitou o código de
segurança. A taxa de entrada na mesa foi acrescentada ao total que ele já
devia na conta da CMO, e o CardShark obedientemente lhe passou uma pilha
de fichas por sobre a mesa.
– Boa sorte, senhor – disse o droide.
O guarda-marinha continuou a olhar Des de cima a baixo, dando mais um
golão da caneca. Depois soltou uma gargalhada.
– Uau, eles têm criado vocês muito bem por aqui na Orla. Tem certeza de
que você não é um Wookiee que alguém depilou de brincadeira?
Alguns dos demais jogadores riram, mas pararam rapidamente quando
viram Des fechando a cara. O homem fedia a cerveja corelliana. O mesmo
cheiro de Gerd quando veio comprar briga com Des poucas horas antes. Os
músculos do rapaz se tensionaram, e ele se inclinou para a frente. O outro
homem soltou um suspiro curto e nervoso.
– Deixa pra lá, filho – disse o comandante para Des, num tom conciliador,
intervindo a fim de controlar a situação do mesmo modo que vinha
controlando a mesa durante toda a partida. O cara exalava um ar de
autoridade discreta, um patriarca pondo fim a uma querela na mesa do jantar.
– Foi só uma brincadeira. Não dá pra levar na esportiva?
Virando o rosto para o único jogador na mesa capaz de desafiá-lo
verdadeiramente, Des sorriu e deixou a tensão se esvair de seus músculos
retraídos:
– Claro, eu posso levar na esportiva, mas prefiro levar os seus créditos.
Houve uma pausa breve, e então foi como se todos suspirassem de alívio.
O oficial riu-se e tornou a sorrir.
– Muito bem. Vamos jogar cartas.
Des começou de leve, jogando de modo conservador e fugindo bastante.
Os limites da mesa estavam baixos e o valor máximo de cada mão não
passava dos cem créditos. Entre o pingo de cinco créditos e a “taxa
administrativa” que a CMO cobrava dos jogadores sempre que começavam
uma rodada, os montes mal cobririam o custo de sentar-se à mesa, mesmo
para um jogador dos bons. O truque era ganhar montes suficientes apenas
para permanecer na mesa tempo bastante para ter chance de ganhar o pote de
sabacc, engordando a cada mão.
Quando o rapaz começou a jogar, um dos soldados tentou vir com
conversa mole.
– Notei que a maioria dos mineiros humanos daqui raspa a cabeça – disse
ele, acenando para a multidão. – Por que será?
– Não raspamos. Nosso cabelo cai – Des respondeu. – Acontece por
trabalharmos por turnos demais nas minas.
– Pelo trabalho nas minas? Não entendi.
– Os filtros não removem todas as impurezas do ar. Você trabalha por
turnos de dez horas todo dia, e os contaminantes vão se acumulando no seu
organismo. – Ele falava num tom plano, numa voz neutra. Não havia
amargura; para ele e os demais mineiros, isso era apenas um fato da vida. –
Tem efeitos colaterais. Ficamos sempre doentes; nosso cabelo cai. Era pra
tirarmos uns dias de folga às vezes, mas, desde que a CMO assinou aqueles
contratos militares com a República, as minas não param jamais.
Basicamente, estamos sendo envenenados aos poucos pra garantir que seus
deques de carga estejam cheios quando vocês partirem.
Isso bastou para aniquilar qualquer tentativa posterior de puxar papo, e os
jogadores seguiram com as rodadas em relativo silêncio. Após meia hora,
Des estava na mesma situação do início, mas, para ele, era apenas
aquecimento. Pagou o pingo e a taxa da CMO, como fizeram os outros sete
jogadores da mesa. O dealer passou duas cartas a cada um deles, e outra
mão começou. Os primeiros dois jogadores avaliaram as cartas e desistiram.
O guarda-marinha da República fitou as cartas e jogou fichas suficientes
para manter-se no jogo. Des não se surpreendeu – o rapaz quase nunca
corria, mesmo quando não tinha nada.
O guarda-marinha passou rapidamente uma das cartas para o campo de
interferência. A cada vez, o jogador podia colocar uma das cartas-ficha
eletrônicas para dentro do campo, travando seu valor a fim de impedir que
mudasse caso houvesse uma troca no fim da rodada.
Des balançou a cabeça. Travar cartas era jogada de tolo. Não dava para
descartar uma carta travada; em geral, Des preferia manter todas as suas
opções em aberto. O guarda-marinha, contudo, pensava a curto prazo, não
planejava adiante. Era essa a provável explicação para ele já ter perdido
centenas de créditos na noite.
Olhando a própria mão, Des escolheu ficar no jogo. Os demais jogadores
fugiram, restando apenas os dois.
O CardShark distribuiu nova rodada de cartas. Des olhou para baixo e viu
que ganhara uma Resistência, carta-figura com valor de oito negativo. Tinha
um total de seis, uma mão incrivelmente fraca.
Seria mais sensato correr; a não ser que houvesse uma troca, ele estava
frito. Mas Des sabia que haveria uma troca. Contava com a mesma certeza
que tivera quando soube onde e quando o polegar de Gerd estaria quando foi
mordê-lo. Esses lampejos breves do futuro não costumavam acontecer
sempre, mas, quando aconteciam, Des tinha a sensatez de dar-lhes atenção.
Empurrou as fichas. O guarda-marinha cobriu a aposta.
O droide pescou as fichas para o centro da mesa, e o marcador na frente
dele começou a pulsar com cores que mudavam rapidamente. Azul
significava que não haveria troca; todas as cartas permaneceriam as mesmas.
Vermelho indicava troca: um pulso seria enviado do marcador, e uma carta
eletrônica de cada jogador seria resetada aleatoriamente, mudando de valor.
O marcador foi piscando de azul para vermelho, ganhando velocidade até
que pulsava tão rápido que as cores misturaram-se num borrão de tom único
de violeta. Então o pulsar começou a desacelerar e foi possível mais uma
vez identificar as cores separadamente: azul, vermelho, azul, vermelho,
azul… E parou no vermelho.
– Raios! – xingou o guarda-marinha. – Sempre muda quando minha mão tá
boa!
Des sabia que não era verdade. A chance de troca representava 50%:
totalmente aleatória. Não havia modo de prever que ela ocorreria… a não
ser que a pessoa tivesse esse dom que ocorria a Des vez ou outra.
As cartas piscaram ao resetar, e Des avaliou sua mão mais uma vez. A
Resistência se fora, trocada por um sete. Ele ficou com 21. Não era um
sabacc, mas uma mão boa. Antes que a rodada seguinte começasse, Des
baixou seu jogo, expondo sua mão à mesa.
– Tenho 21 – disse.
O guarda-marinha largou as cartas na mesa, desgostoso.
– Maldita mão-bomba.
Des coletou a pequena pilha de fichas que compunham o monte, enquanto
o outro rapaz pagava, ressentido, a penalidade que devia ao pote de sabacc.
Des chutou que o valor do pote batia por volta dos cinquenta créditos àquela
altura.
Um dos mineradores da mesa levantou-se.
– Anda, temos que ir – disse. – O último speeder parte em vinte minutos.
Com resmungos e reclamações, os outros mineradores levantaram-se de
seus lugares e foram saindo para pegar no batente. O guarda-marinha os viu
saindo, depois se voltou, curioso, para Des.
– Você não vai com eles, grandão? Achei que estava reclamando quando
disse que não tira mais folga.
– Trabalho no turno da manhã – respondeu ele, curto e grosso. – Esses
caras são do turno da noite.
– Cadê o resto da sua equipe? – perguntou a tenente. Des entendeu
claramente o interesse dela como uma tentativa de impedir que o guarda-
marinha dissesse algo a mais para cutucar o mineiro grandalhão. – Tá
ficando tão vazio aqui. – Ela acenou para o resto da cantina, agora
virtualmente vazia, exceto pelos soldados da marinha da República. Vendo
os lugares vazios na mesa de sabacc, alguns deles vinham andando para
juntar-se aos colegas no jogo.
– Logo eles chegam – falou Des. – É que eu terminei o expediente um
pouco mais cedo hoje.
– Jura? – O tom com que a tenente disse isso indicou que ela conhecia
apenas um motivo para o expediente de um minerador acabar mais cedo.
– Tenente – disse polidamente um dos soldados recém-chegados à mesa. –
Comandante – acrescentou, dirigindo-se ao outro oficial. – Importa se nos
juntarmos, senhor?
O comandante olhou para Des.
– Não quero que esse rapaz pense que a República está se unindo contra
ele. Se pegarmos todos os lugares, onde os amigos dele vão se sentar quando
chegarem? Ele disse que chegarão a qualquer minuto.
– Não estão aqui agora – falou Des. – E não são meus amigos. Podem se
sentar, sim.
Ele não acrescentou que, de qualquer maneira, a maioria dos mineradores
do turno diurno provavelmente não jogaria. Quando Des aparecia na mesa,
eles tendiam a encerrar o jogo, pois o rapaz ganhava demais para o gosto
deles.
Os lugares vazios foram rapidamente ocupados.
– Então, como as cartas estão te tratando, guarda-marinha? – uma jovem
perguntou ao rapaz que Des derrotara na mão anterior. Ela se sentou ao lado
dele e pousou uma caneca cheia de cerveja corelliana na mesa, na frente do
homem.
– Não muito bem – admitiu, abrindo um sorriso maroto e trocando sua
caneca vazia pela cheia. – Talvez eu fique te devendo essa bebida. Não tô
conseguindo uma brecha hoje. – Ele acenou com a cabeça para o lado de
Des. – Cuidado com esse aí. É tão bom quanto o comandante. Ou isso ou tá
roubando.
O rapaz apressou-se a sorrir para mostrar que se tratava apenas de mais
uma de suas piadinhas inofensivas. Des ignorou-o, não era a primeira vez
que o chamavam de trapaceiro. E estava ciente de que sua intuição lhe
conferia vantagem sobre os demais jogadores. Talvez não fosse justa essa
vantagem, mas ele não considerava como trapaça. Afinal, ele não sabia tudo
que ia acontecer em todas as rodadas; não podia controlar. Era apenas
esperto o bastante para tirar a maior vantagem disso quando acontecia.
O CardShark começou a distribuir fichas aos recém-chegados, desejando
a cada um deles um “boa sorte” superficial ao fazê-lo.
– Então pelo visto você não se dá muito com os outros mineradores –
disse a tenente, baseando-se nos comentários anteriores de Des. – Já pensou
em mudar de carreira?
Des resmungou interiormente. Quando ele chegara à mesa, os oficiais já
tinham desistido do papo-furado de recrutador e resumiam-se apenas a jogar
baralho. Agora ele lhe dera a abertura para trazer o lero-lero de volta.
– Não tenho interesse em me tornar um soldado – disse Des, pagando o
pingo da mão seguinte.
– Não seja assim precipitado – falou a tenente, passando a voz para um
tom gentil e tranquilizador. – Ser soldado da República tem suas vantagens.
Creio que seja melhor do que trabalhar nas minas, pelo menos.
– Há toda uma galáxia lá fora, filho – acrescentou o comandante. –
Mundos muito mais atraentes que este aqui, se não se importa que eu o diga.
Como se eu não soubesse, pensou Des. Em voz alta, disse:
– Não pretendo passar toda a minha vida aqui. Mas, quando sair desta
rocha, não quero passar meus dias desviando de raios de armas de Sith nas
primeiras linhas.
– Não vamos ficar por tanto tempo assim enfrentando os Sith, filho.
Estamos botando todos para correr.
O comandante falava com uma calma tão segura que Des quase ficou
tentado a acreditar nele.
– Não é isso que ouvi falar – afirmou Des. – Dizem que a Irmandade da
Escuridão tem vencido mais batalhas do que deveria. Ouvi dizer que
possuem mais de doze regiões sob controle agora.
– Isso foi antes do general Hoth – interveio um dos outros soldados.
Des ouvira falar de Hoth pela HoloNet; era um verdadeiro herói da
República. Vitorioso em meia dúzia de confrontos maiores, constituía um
estrategista brilhante que sabia como arrancar a vitória do meio dos dentes
da derrota. Nada de se surpreender, dada a história do homem.
– Hoth? – perguntou ele, inocente, olhando para as cartas. Lixo. Ele fugiu.
– Ele não é um Jedi?
– É, sim – respondeu o comandante, fitando as próprias cartas. Deitou uma
aposta pequena. – Um mestre Jedi, pra ser mais preciso. E um bom soldado
também. Não se poderia desejar pessoa melhor para liderar os esforços
bélicos da República.
– Os Sith são mais do que apenas soldados, sabe? – falou, sincero, o
guarda-marinha bêbado, a voz ainda mais alta do que antes. – Alguns deles
sabem usar a Força, assim como os Jedi! Não dá pra derrotá-los só com
armas de raio.
Des cansara de ouvir relatos dos Jedi executando feitos extraordinários
por meio do poder místico da Força, mas achava que eram lendas ou mitos.
Ou, pelo menos, exageros. Sabia que havia poderes que transcendiam o
mundo físico: suas premonições evidenciavam isso. Mas as histórias do que
os Jedi podiam fazer eram simplesmente impossíveis de acreditar. Se a
Força constituía mesmo uma arma tão poderosa, por que a guerra se
alongava tanto?
– A ideia de responder a um mestre Jedi não me parece muito interessante
– disse o rapaz. – Ouvi umas coisas bem esquisitas sobre o que eles
acreditam: nada de paixão, nada de emoção. Parece até que querem que
todos nós viremos droides.
Mais uma rodada de cartas foi distribuída aos jogadores remanescentes.
– Os Jedi são guiados pela sabedoria – explicou o comandante. – Não
deixam coisas como desejo ou raiva nublar-lhes o julgamento.
– A raiva tem seus usos – Des apontou. – Me tirou de umas situações bem
feias.
– Acho que a ideia é não se deixar cair nessas situações, pra começar –
contrapôs a tenente, com seu tom de voz gentil.
A mão terminou umas rodadas depois. A jovem que trouxera a bebida ao
guarda-marinha mostrou 20 pontos – não muito boa mão, mas também não
ruim. Ela fitou o comandante quando este deitou suas cartas, e sorriu ao vê-
lo mostrando apenas 19. O sorriso sumiu quando o guarda-marinha bêbado
mostrou seu 21. No momento em que o rapaz pescou o monte, ela cortou no
meio o risinho bobo dele com uma cotovelada amigável nas costelas.
Todo mundo pagou o pingo, e o dealer deslizou mais um par de cartas
para cada jogador.
– Os Jedi são os defensores da República – continuou, séria, a tenente. –
Seu modo de vida pode parecer estranho para os cidadãos comuns, mas eles
estão do nosso lado. Tudo que querem é a paz.
– Mesmo? – disse Des, fitando as próprias cartas e empurrando as fichas.
– Achava que eles queriam dar um fim nos Sith.
– Os Sith são uma organização ilegal – explicou a tenente. Ela baixou as
cartas após um momento de cuidadosa deliberação. – O Senado aprovou uma
lei banindo-os quase 3 mil anos atrás, pouco depois que Revan e Malak
trouxeram destruição sobre toda a galáxia.
– Sempre ouvi dizer que Revan salvou a República – falou o rapaz.
O comandante saltou de volta para a conversa.
– A história de Revan é complicada – disse. – Mas o fato permanece, os
Sith e seus ensinamentos foram banidos pelo Senado. Apenas a existência
deles é uma violação da lei da República… e por um bom motivo. Os Jedi
entendem a ameaça que os Sith representam. Foi por isso que se uniram às
tropas. Pelo bem da galáxia, os Sith devem ser destruídos de uma vez por
todas.
O guarda-marinha bêbado ganhou de novo a mão, uma atrás da outra. Às
vezes é melhor ter sorte do que ser bom.
– Então a República diz que os Sith devem ser destruídos – falou Des ao
pagar o pingo para a mão seguinte. – Se fossem os Sith que mandassem,
aposto que diriam o mesmo sobre os Jedi.
– Você não falaria isso se soubesse mesmo como são os Sith – disse um
dos soldados. – Já lutei contra eles, são assassinos sanguinários!
Des riu.
– É, como eles ousam tentar te matar no meio de uma guerra? Não sabem
que você tá ocupado tentando matá-los? Que mancada!
– Seu cão-Kath maldito! – ralhou o soldado, erguendo-se da cadeira.
– Sente-se, cabo! – vociferou o comandante.
O soldado obedeceu, mas Des pôde sentir a tensão que permaneceu no ar.
Todos os demais à mesa – com a possível exceção dos dois oficiais –
olhavam feio para ele.
Ótimo. A última coisa que teriam em mente agora seriam as cartas. Gente
irritada não se dava bem no sabacc.
O comandante reparou também que as coisas pioravam. Fez o melhor para
reverter a situação.
– Os Sith seguem os ensinamentos do lado sombrio, filho – disse ele a
Des. – Se você visse o tipo de coisas que fizeram ao longo da guerra… e
não somente a outros soldados. Eles não ligam se civis inocentes sofrem.
Sem dar muita trela, Des fitou suas cartas e fez uma aposta.
– Não sou idiota, comandante – disse, então. – Independente de a
República admitir oficialmente ou não, vocês estão em guerra contra a
Irmandade da Escuridão. E acontecem coisas ruins numa guerra, para os dois
lados. Então, não tente me convencer de que os Sith são monstros. São
pessoas, assim como você e eu.
De todos os jogadores na mesa, apenas o comandante saiu do jogo. Des
sabia que pelo menos alguns dos soldados estavam jogando com mãos ruins
só pela chance de ganhar dele.
O comandante suspirou.
– Tem razão, em certo sentido. Os soldados comuns, que servem ao
exército porque não sabem como realmente são os mestres Sith e a
Irmandade da Escuridão, são apenas gente comum. Mas você precisa
vislumbrar os ideais por detrás dessa guerra. Tem que entender o que
defende cada lado.
– Ensine-me, comandante.
Des colocou apenas uma pitada de condescendência na voz e jogou
casualmente mais umas fichas, sabendo que isso atiçaria ainda mais a mesa.
Ficou feliz de ver que ninguém fugiu; estava tocando a mesa como um músico
Bith desenhando uma melodia num sabriquet.
– Os Jedi querem preservar a paz – reiterou o comandante. – Servem à
causa da justiça. Sempre que possível, eles usam o poder para ajudar
aqueles que precisam. Querem servir, não reinar. Acreditam que todos os
seres, independente da espécie ou do gênero, são criados iguais. Certamente
isso você consegue entender.
Foi mais uma afirmação do que uma pergunta, mas Des respondeu mesmo
assim.
– Mas nem todos os seres são iguais, certo? Digo, alguns são mais
espertos, ou mais fortes… ou melhores no baralho.
Com esse último comentário, o jovem roubou do comandante um leve
sorriso, embora todos os outros à mesa tenham feito careta.
– Isso é verdade, filho. Mas não é dever dos mais fortes proteger os mais
fracos?
Des deu de ombros. Não acreditava muito em igualdade. Trabalhar para
todos serem iguais não abria muita chance para uns e outros alcançarem a
grandiosidade.
– E quanto à Irmandade da Escuridão? – ele perguntou. – No que
acreditam?
– Eles seguem os ensinamentos do lado sombrio. A única coisa que
buscam é poder; acreditam que a ordem natural da galáxia determina que os
fracos sirvam os fortes.
– Parece muito bom se você for o forte.
Des deitou suas cartas, depois pescou o monte, apreciando os resmungos e
palavrões murmurados baixinho pelos perdedores. Então, mostrou um
sorriso malicioso para todos.
– Pelo bem da República, espero que vocês sejam melhores no combate
do que são no sabacc.
– Seu covardezinho de merda! – gritou o guarda-marinha, pulando e
derramando bebida no chão. – Se não fosse por nós, os Sith estariam
espalhados por esta porcaria de mundo!
Outro minerador teria partido para cima de Des, mas o guarda-marinha –
muito mais do que levemente embriagado – exibiu disciplina militar
suficiente para manter os punhos alinhados ao corpo. Um olhar feio do
comandante o fez sentar-se e murmurar uma desculpa. Des ficou
impressionado. E um pouco desapontado.
– Todos nós sabemos por que a República se importa com Apatros – disse
ele, empilhando as fichas, tentando parecer indiferente. Na verdade, estava
escaneando a mesa para ver se mais alguém se preparava para partir para
cima dele. – Vocês usam cortosis nos cascos das naves, usam no invólucro
das armas, usam até na armadura corporal. Sem nós, não teriam chance
alguma nessa guerra. Então, não finjam que estão fazendo algum favor aqui:
precisam de nós tanto quanto nós de vocês.
Ninguém pagara o pingo ainda; todos os olhos estavam fixados no drama
que se desenrolava entre os jogadores. O CardShark hesitava, com sua
programação limitada sem saber muito bem como conduzir a situação. Des
sabia que Groshik estava assistindo lá da outra ponta da cantina, a mão perto
da arma de raios que mantinha guardada atrás do balcão. Des, entretanto,
duvidava que o Neimoidiano precisaria dela.
– Verdade – admitiu o comandante, cobrindo o pingo. Os outros, inclusive
Des, fizeram o mesmo. – Mas pelo menos nós pagamos pelo cortosis que
usamos. Os Sith simplesmente o tomariam de vocês.
– Não – Des corrigiu, estudando suas cartas –, vocês pagam à CMO pelo
cortosis. Esses créditos não fazem todo o trajeto até um cara como eu. – Ele
saiu do jogo, mas não parou de falar. – Entende, esse é o problema da
República. No Núcleo, tudo é muito bom: as pessoas têm saúde, riqueza e
felicidade. Mas aqui, na Orla, não é nada fácil. Trabalho nas minas desde
sempre e, de um jeito ou de outro, ainda devo à CMO créditos suficientes pra
encher um cargueiro inteiro. Não vejo, entretanto, Jedi algum vindo me
salvar desse tipo de injustiça.
Ninguém teve resposta para ele dessa vez, nem mesmo o comandante. Des
concluiu que já haviam falado o bastante de política; queria focar em ganhar
os 2 mil créditos que tinham se acumulado no pote de sabacc. E foi para o
ataque.
– Não tente me vender seus Jedi e a sua República, porque é exatamente
isso que ela é: sua República. Você diz que os Sith só respeitam o poder?
Bem, é assim que são as coisas aqui na Orla também. Você tem que cuidar de
si mesmo, porque ninguém mais vai fazer isso. É por isso que os Sith ainda
conseguem novos recrutas pra juntar-se a eles por aí. Quem não tem nada
sente que não tem nada a perder. E, se a República não enxergar isso logo, a
Irmandade da Escuridão vai vencer essa guerra, independente de quantos
Jedi vocês tenham liderando seu exército.
– Talvez seja melhor apenas jogarmos cartas – sugeriu a tenente após um
silêncio longo e desconfortável.
– Por mim, tudo bem – disse Des. – Sem ressentimentos?
– Sem ressentimentos – concordou o comandante, forçando um sorriso.
Uns poucos dos outros soldados murmuraram algum consentimento, mas
Des sabia que permanecia certo descontentamento. Ele fizera o possível para
garantir que todos ficassem para baixo.
4

AS HORAS FORAM PASSANDO. Mais mineradores começaram a chegar; era o


turno do dia vindo substituir a equipe da noite, que partira. O CardShark não
parava de dar cartas, e os jogadores não paravam de apostar. A pilha de
fichas de Des crescia continuamente, e o pote de sabacc só engordava: 3 mil
créditos, 4 mil, 5 mil… Nenhum dos jogadores parecia mais se divertir; Des
supôs que seu discurso flamejante queimara todo o prazer da jogatina.
Mas não ligava. Não jogava sabacc para se divertir. Era um trabalho,
tanto quanto o que fazia nas minas. Um jeito de ganhar créditos e pagar à CMO
a fim de deixar Apatros para trás de uma vez por todas.
Após ficarem sem crédito, dois dos soldados deixaram a mesa. Seus
lugares logo foram ocupados por mineiros do turno do dia. A tentação do
imenso pote de sabacc foi suficiente para atraí-los, apesar da relutância em
enfrentar Des.
Mais uma hora se passou e os oficiais seniores – a tenente e o comandante
– finalmente desistiram. Foram também substituídos por mineradores com a
ilusão de abrir uma mão boa e faturar o pote de sabacc sem dono. Os
soldados da República que permaneceram, como o guarda-marinha que
primeiro desafiara Des, deviam estar com os bolsos cheios para persistir.
Com o influxo constante de novos jogadores e dinheiro fresco, Des foi
forçado a mudar de estratégia. Havia juntado centenas de créditos; tinha base
suficiente para se permitir perder umas mãos se fosse preciso. Sua única
intenção passara a ser proteger o pote de sabacc. Se ele não tinha uma mão
com que achasse ser capaz de vencer, abria o jogo numas das primeiras
rodadas. Não ia dar a mais ninguém a chance de formar uma mão de 23.
Parou de correr, mesmo quando tinha cartas fracas. Sair da rodada dava
chance demais para os outros jogadores vencerem.
Umas rodadas de sorte e umas escolhas equivocadas dos oponentes
garantiram que sua estratégia funcionasse, embora não sem um custo. Os
esforços para proteger o pote de sabacc começaram a comer todos os seus
lucros. A pilha de ganhos diminuiu rapidamente, mas valeria a pena se ele
ganhasse o pote de sabacc.
Mão após agonizante mão, jogadores iam e vinham. Um por um os
soldados foram desistindo de seus lugares, forçados a sair quando ficavam
sem fichas e não podiam pagar por mais. Do grupo original, apenas Des e o
guarda-marinha permaneciam. A pilha deste crescia. Alguns dos soldados
ficaram por ali para assistir, torcendo para que o colega ganhasse do
minerador bocudo.
Outros espectadores iam e vinham. Alguns apenas aguardavam um dos
jogadores desistir para entrar e pegar o lugar. Outros eram atraídos pela
intensidade da mesa e pelo tamanho dos potes. Uma hora mais tarde, o pote
de sabacc chegou às 10 mil fichas, o limite máximo. Quaisquer créditos
pagos a partir de então para esse monte eram desperdiçados: iam direto para
as contas da CMO. Mas ninguém reclamava. Não com a chance de ganhar uma
pequena fortuna da mesa.
Des fitou o relógio na parede. A cantina fecharia em menos de uma hora.
Quando ele se sentara à mesa, no começo, tivera certeza de uma bela vitória.
Até certo momento, estivera à frente. Contudo, as últimas horas haviam lhe
drenado as fichas. Trabalhar para proteger o pote de sabacc o calejava:
gastara tudo que ganhara e tivera de pagar duas vezes para reentrar no jogo.
Caíra na cilada clássica do jogador, ficando tão obcecado com ganhar o
monte grande que perdera a noção de quanto estava perdendo. Deixara o
jogo cair para o lado pessoal.
Sentia a camisa quente e grudenta de suor. As pernas, anestesiadas de
tanto tempo sentado, e as costas doíam da posição corcunda, estudando as
cartas com expectativa.
Tinha perdido quase mil créditos ao longo da noite, mas nenhum dos
demais jogadores fora capaz de faturar com o azar dele. Com o pote de
sabacc trancado, todos os pingos e penalidades iam direto para a CMO. Ele
precisaria trabalhar um mês de excruciantes turnos nas minas se quisesse
reaver esse dinheiro. Porém, era tarde demais para voltar atrás. Seu único
consolo era ver que o guarda-marinha da República estava indo pelo menos
duas vezes pior do que ele. Entretanto, toda vez que o rapaz ficava sem
fichas, metia a mão no bolso e sacava mais uma pilha de créditos, como se
possuísse fundos ilimitados. Ou como se não desse a mínima.
O CardShark disparou mais uma rodada. Ao espiar suas cartas, Des
começou a sentir as primeiras pontadas sérias de insegurança. E se sua
intuição estivesse errada dessa vez? E se não fosse para ele vencer nessa
noite? Não conseguia lembrar-se de um momento sequer no passado em que
seu dom o tivesse desapontado, mas isso não significava que não poderia
acontecer.
Aplicou suas fichas com uma mão fraca, desafiando todo o instinto que lhe
sugeria que fugisse. Teria de abrir o jogo no começo da rodada seguinte, não
importando quão fracas fossem suas cartas. Se demorasse um pouco mais,
outro poderia roubar o pote de sabacc que ele trabalhava tão duro para
coletar.
O marcador piscou, e as cartas mudaram. Des nem se deu o trabalho de
olhar, simplesmente deitou as cartas e murmurou:
– Abrindo.
Quando viu as cartas, foi como levar um tapa na cara. Tinha exatos 23
negativos, uma mão-bomba. A penalidade limpou o que lhe restava de
fichas.
– Uau, grandão – zombou o guarda-marinha bêbado –, tem que ser muito
louco pra abrir desse jeito. Em que diabos você tava pensando?
– Vai ver ele não sabe a diferença entre 23 negativo e positivo – disse um
dos soldados que assistia à partida, sorrindo feito um gato manka.
Des tentou ignorá-los enquanto pagava a penalidade. Sentiu-se vazio. Oco.
– Não é muito de falar quando está perdendo, hein? – cutucou o guarda-
marinha.
Ódio. Des não sentiu mais nada inicialmente. Ódio quente e puro
consumia todo pensamento, toda emoção e toda porção de razão de seu
cérebro. De repente, ele já não ligava mais para o pote, não ligava para
quantos créditos já perdera. Tudo que queria era arrancar a expressão
presunçosa da cara do guarda-marinha. E havia somente um jeito de fazer
isso.
Ele lançou um olhar animalesco na direção do rapaz, mas este se
encontrava bêbado demais para ser intimidado. Sem tirar os olhos do
inimigo, Des passou o cartão de sua conta da CMO no leitor e pagou para
entrar de novo, ignorando a porção lógica de sua mente, que tentava
convencê-lo do contrário.
O CardShark, com circuitos e fios alheios ao que realmente se passava
ali, empurrou uma pilha de fichas para o rapaz e soltou seu típico “boa
sorte” contente.
Des começou com um Ás e dois de sabres. Estava com 17 pontos, uma
mão perigosa. Grande potencial de ir muito alto na carta seguinte e bom-bar.
Hesitou, sabendo que a jogada adequada seria cobrir.
– Alguém está com dúvidas? – provocou o guarda-marinha.
Agindo por um impulso que não conseguia explicar, Des passou o dois
para o campo de interferência, depois empurrou as fichas para o monte.
Deixava que as emoções o guiassem, mas não ligava mais. E, quando a carta
seguinte chegou e ele viu que era um três, soube o que tinha de fazer. Meteu o
três dentro do campo de interferência, junto do dois que já aguardava ali.
Depois fez a aposta máxima e esperou pela troca.
Havia, na verdade, duas maneiras de ganhar o pote de sabacc. Uma era
abrir uma mão que totalizava exatamente 23, um sabacc puro. Mas havia uma
mão ainda melhor: a Sequência do Idiota. Nas regras de Bespin modificadas,
se a pessoa tivesse na mão um 2 e um 3 do mesmo naipe e pegasse a carta
conhecida como O Idiota, que não apresentava valor algum, tinha a
sequência do Idiota… que valia literalmente 23. Era a mão mais rara de se
ver, e valia até mais do que um sabacc puro.
Des estava a dois terços de conseguir a sequência. Tudo de que precisava
era uma troca para substituir seu dez pela carta O Idiota. Claro que, para
tanto, a troca deveria acontecer. E, ainda por cima, precisaria conseguir O
Idiota… e havia apenas dois Idiotas em todo o maço de 76 cartas. Era
ridículo de tão arriscado.
O marcador ficou vermelho; as cartas mudaram. Des nem teve de olhar
para a mão: ele sabia.
Encarou o guarda-marinha nos olhos.
– Abrindo.
O guarda-marinha olhou para a própria mão para ver o que a mudança lhe
dera e começou a rir tão forte que mal conseguiu deitar as cartas. Tinha o 2
de ouros, o 3 de ouros… e o Idiota!
A multidão espalhou exclamações de surpresa e murmúrios de
incredulidade.
– Que acham dessa, rapazes? – riu-se o soldado. – Sequência do Idiota na
troca!
Ele se levantou, estendeu as mãos para a pilha de fichas sobre o pequeno
pedestal alojado no centro da mesa, o qual representava o pote de sabacc.
Des disparou a mão e agarrou o punho do outro rapaz com garras frias e
duras feito hiperaço, depois virou suas cartas. Toda a cantina caiu no
silêncio de uma tumba; o riso do guarda-marinha morreu dentro da garganta.
No instante seguinte, ele libertou a mão e sentou-se, aturdido. Do outro lado
da mesa, alguém soltou um assovio longo e grave de admiração. O restante
da multidão explodiu em ruídos.
– … nunca tinha visto…
– … não dá pra acreditar…
– … estatisticamente impossível…
– Duas Sequências do Idiota na mesma mão?
O CardShark resumiu o resultado do modo mais puramente analítico.
– Temos dois jogadores com mãos de valor igual. A mão será definida por
morte súbita.
O guarda-marinha não reagiu com a mesma tranquilidade.
– Seu merdinha imbecil! – cuspiu ele, a voz estrangulada de raiva. –
Agora ninguém vai ganhar o pote de sabacc!
Os olhos do rapaz saltavam das órbitas; uma veia pulsava na testa. Um
dos colegas soldados pôs a mão no ombro dele, como se receasse que o
amigo fosse pular por cima da mesa para tentar enforcar o minerador à frente
dele.
O guarda-marinha estava certo: nenhum dos dois coletaria o pote de
sabacc nessa mão. Na morte súbita, cada jogador recebia mais uma carta, e o
valor das mãos era recalculado. Ganhava quem tivesse a melhor mão… mas
o jogador não levaria o pote de sabacc a não ser que somasse exatamente 23.
Isso, contudo, parecia impossível: não havia mais Idiotas para puxar e
preservar a sequência, e nenhuma carta tinha valor mais alto que o Ás, que
valia 15.
Não que Des se importasse. Bastara-lhe ter destruído a empolgação do
oponente; ter esmagado as esperanças dele e lhe roubado a vitória. Dava
para sentir a raiva do guarda-marinha, e a isso ele respondia. Era como um
ser vivo… uma entidade da qual podia retirar força, abastecendo seu
raivoso inferno interior. Mas Des não expunha suas emoções para o restante
da multidão. O ódio que ardia dentro dele permanecia num estoque
particular, um poder rugindo internamente tão feroz que dava a impressão de
poder rachar o mundo ao meio caso solto.
O dealer virou duas cartas na mesa para que todos vissem. Eram dois 9.
Antes que alguém tivesse tempo de reagir, o droide já recalculara a mão,
determinando que os dois jogadores continuavam no empate, e disparou mais
uma carta para cada um. O guarda-marinha tirou 8, mas Des tirou outro 9.
Idiota, 2, 3, 9, 9… 23!
Ele estendeu a mão lentamente e clicou as cartas, sussurrando uma única
palavra ao oponente:
– Sabacc.
O soldado ficou furioso. Levantou-se num pulo, agarrou o tampo da mesa
com as duas mãos e puxou com força. Somente o peso da mesa e os
estabilizadores embutidos impediram que ela virasse, embora se agitasse e
batesse de volta no chão com um baque ensurdecedor. Todas as bebidas
sobre o tampo viraram; cerveja e licor derramados sobre as cartas
eletrônicas, fazendo-as soltar faíscas e desligar.
– Senhor, por favor, não toque na mesa – implorou o CardShark, num tom
de dar pena.
– Cala a boca, seu naco de metal enferrujado!
O guarda-marinha pegou uma das canecas viradas na mesa e arremessou
contra o droide. O objeto colidiu com um baque ressonante. O droide
tombou para trás e caiu.
O soldado apontou o dedo para Des.
– Você roubou! Ninguém tira um sabacc na morte súbita! Não sem roubar!
Des não disse nada, nem se levantou. Seus músculos, entretanto,
prepararam-se caso o soldado partisse para o ataque.
O guarda-marinha voltou-se para o droide, que se levantava, todo trêmulo.
– Você tá metido nisso! – Ele jogou outra caneca no robô, acertando-o de
novo e derrubando-o pela segunda vez. Dois dos demais soldados tentaram
conter o moço, mas ele se sacudiu e se libertou. Girando no lugar, acenou
para o resto da cantina. – Estão todos metidos nisso! Escória suja,
adoradores de Sith! Vocês odeiam a República! Odeiam a gente. Sabemos
que odeiam. Nós sabemos!
Os mineradores foram se aproximando, murmurando irritados. Os insultos
do guarda-marinha passaram demais da linha; havia muito ressentimento
para com a República em Apatros. Se ele não calasse o bico, alguém
resolveria mostrar-lhe quão pesado era tal ressentimento.
– Damos a vida para proteger vocês, mas ninguém tá nem aí! Assim que
têm chance de nos humilhar, vocês aproveitam!
Os colegas o agarraram de novo, tentando arrastá-lo para a porta. Mas não
havia jeito de passar por entre a multidão agora. Pela expressão que tinham
no rosto, os soldados sentiam-se horrorizados. E com motivo, pensou Des.
Nenhum deles se encontrava armado; as armas de raio ficaram na nave.
Estavam presos no meio de um bando esmagador de mineradores fortes e
musculosos que tinham passado a noite toda bebendo. E o amigo não ficava
quieto.
– Vocês deviam se ajoelhar e nos agradecer toda vez que pousamos nessa
bola de suor de bantha que chamam de planeta! Mas são burros demais pra
saber a sorte que têm de estarmos do seu lado! Não passam de um bando de
gente suja, iletrada…
Uma garrafa de licor arremessada anonimamente da multidão atingiu em
cheio a lateral da cabeça do rapaz, cortando-lhe o discurso. Ele caiu no
chão, arrastando os colegas consigo. Des permaneceu imóvel, vendo uma
massa de mineradores avançar.
O som de um disparo de arma de raios fez todos congelarem. Groshik
estava em cima do balcão, já recarregando a arma para atirar de novo.
Porém, todos sabiam que o tiro seguinte não miraria o teto.
– A casa fechou – grunhiu ele o mais alto que sua voz rouca lhe permitiu.
– Todo mundo, fora da minha cantina!
Os mineradores começaram a recuar, e os soldados se levantaram com
dificuldade. O guarda-marinha balançava, com o corte na testa sangrando
por cima do olho.
– Vocês três primeiro – disse o Neimoidiano para o guarda-marinha e os
soldados que o amparavam. Ele brandiu o cano da arma ameaçadora-mente
para o restante do recinto. – Abram caminho. Deixem que saiam daqui.
Todos, exceto os soldados, ficaram imóveis. Essa não era a primeira vez
que Groshik brandia a arma. O rifle nocauteador BlasTech CS-33 Firespray
era uma das melhores armas não letais de controle de massas do mercado,
conseguindo incapacitar alvos múltiplos com um único disparo. Muitos dos
mineradores já tinham sentido a força brutal de seu raio amplo levando-os à
inconsciência. Por experiência própria, Des atestava que era uma dor difícil
de alguém esquecer.
Assim que o pessoal da República desapareceu noite afora, o restante da
clientela começou a seguir lentamente para a porta. Des foi juntar-se à
massa, mas, quando passou pelo balcão, Groshik apontou o rifle para ele.
– Você, não. Você fica.
Des não avançou nem mais um milímetro até que todos os demais tinham
ido embora. Não sentia medo, não achava que Groshik fosse de fato atirar.
Entretanto, não via vantagem alguma em dar-lhe motivo para tanto.
Somente depois que o último cidadão saiu e fechou a porta, Groshik
baixou a arma. Ele desceu, meio sem jeito, do balcão e pousou o rifle na
mesa, voltando-se, em seguida, para Des.
– Achei que fosse mais seguro mantê-lo aqui comigo por um tempo –
explicou ele. – Aqueles soldados estavam irados. Devem estar esperando
por você no caminho de casa.
Des sorriu.
– Não achei mesmo que estivesse bravo comigo – disse.
Groshik bufou.
– Ah, tô bravo com você, sim. E por isso você vai me ajudar a limpar essa
bagunça.
Des suspirou e balançou a cabeça, fingindo exaspero.
– Você viu o que aconteceu, Groshik. Fui apenas um espectador inocente.
Groshik não estava muito a fim de ouvir Des.
– Comece pegando as cadeiras – murmurou ele.
Com a ajuda do CardShark – pelo menos ele servia para algo além de dar
as cartas, pensou Des –, a limpeza terminou em pouco mais de uma hora.
Quando concluíram, o droide dirigiu-se cambaleando sobre pernas trêmulas
para as instalações de manutenção, a fim de se reparar. Antes de o robô sair,
Des garantiu que os ganhos no sabacc tinham sido creditados em sua conta.
Agora que restavam apenas os dois, Groshik acenou para que fossem ao
bar, pegou dois copos e sacou uma garrafa da estante.
– Xerez cortyg – disse, servindo meio copo para cada um. – Direto de
Kashyyyk. Não o forte, que os Wookiees bebem. Mais brando. Suave. Mais
leve.
Des deu um gole e quase engasgou quando o líquido ardente desceu-lhe
queimando a garganta.
– Isso aqui é leve? Não quero nunca provar o que os Wookiees bebem!
Groshik deu de ombros.
– O que esperava? São Wookiees, ora.
No segundo gole, Des foi mais cauteloso. Deixou o trago rolar pela língua,
saboreando o rico aroma.
– Muito bom, Groshik. E caro, aposto. O que estamos celebrando?
– Você teve um dia e tanto. Achei que seria uma boa.
Des secou o copo. Groshik reabasteceu até a metade, depois tampou a
garrafa e a relocou na estante.
– Estou preocupado com você – disse, rouco, o Neimoidiano. –
Preocupado com o que aconteceu na briga com Gerd.
– Ele não me deu muita escolha.
O Neimoidiano concordou.
– Eu sei, eu sei. Entretanto… você arrancou fora o polegar dele. E agora à
noite quase incitou uma revolta no meu bar.
– Ei, eu só queria jogar baralho – Des protestou. – Não é minha culpa que
a situação saiu do controle.
– Talvez sim, talvez não. Observei você hoje à noite. Ficou cutucando
aquele soldado, manipulando-o como manipula todo mundo que vai contra
você. Pressiona, vira, faz dançarem como marionetes nos fios. Mas, dessa
vez, você não deu folga. Mesmo quando tinha vantagem, continuou
pressionando. Você queria que ele perdesse a cabeça daquele jeito.
– Está dizendo que planejei a coisa toda? – Des riu. – Fala sério, Groshik.
Foi o jogo que deixou o cara maluco. Você sabe que eu não trapaceei…
simplesmente não dá. Como eu poderia controlar as cartas que foram dadas?
– Foi mais do que só as cartas, Des – falou Groshik, baixando tanto sua
voz grave que Des precisou se debruçar para ouvir. – Você estava bravo,
Des. Mais bravo do que já vi. Pude sentir daqui de longe, como algo no ar.
Todo mundo sentiu. O pessoal ficou enfurecido do nada, Des. Parecia que
bebiam da sua raiva, do seu ódio. Você emanava ondas de emoção, uma
tempestade de ira e fúria. Todo mundo acabou sendo meio que varrido por
ela: os clientes, aquele soldado… todo mundo. Até eu. O máximo que pude
fazer foi mirar aquele primeiro tiro da minha arma pro teto. Todo instinto do
meu corpo me mandava atirar nas pessoas. Tive vontade de derrubar todos e
fazê-los se remoerem de dor.
Des não acreditava no que ouvia.
– Escute o que está dizendo, Groshik. Que maluquice. Você sabe que não
tem como eu fazer isso. Não tem como. Ninguém pode fazer isso.
Groshik estendeu a mão fina e comprida e deu um tapinha no ombro do
rapaz.
– Sei que jamais faria isso de propósito, Des. E sei que parece maluquice.
Mas tem algo diferente em você hoje. Você cedeu às emoções, e isso libertou
alguma coisa… estranha. Algo perigoso.
Groshik jogou a cabeça para trás e drenou o que lhe restava de cortyg,
estremecendo ao descer do trago.
– Só se cuide, Des. Por favor. Estou com uma sensação ruim.
– Cuidado com isso, Groshik – Des respondeu, rindo mais uma vez. – Os
Neimoidianos não costumam confiar nos sentimentos. É ruim para os
negócios.
Groshik estudou o rapaz com cuidado por um momento, depois assentiu,
cansado.
– Verdade. Vai ver só estou cansado. Preciso dormir um pouco. E você
também.
Os dois se cumprimentaram, e Des saiu da cantina.
5

AS RUAS DE APATROS ERAM ESCURAS. A CMO cobrava taxas tão altas de energia
que todo mundo desligava todas as luzes quando ia para a cama, e naquela
noite a lua estava pouco mais que um filete prateado no céu. Não havia nem
o brilho da cantina para guiá-lo: Groshik apagara as luzes das paredes e do
teto e assim permaneceria até o dia seguinte, quando reabrisse. Des
mantinha-se no meio da rua, tentando evitar bater os calcanhares no detrito
escondido nas sombras das beiradas da rua.
Entretanto, de algum modo, apesar da escuridão quase absoluta, ele os viu
chegando.
Des percebeu um átimo de segundo antes de acontecer, uma sensação de
perigo iminente caiu sobre ele… e soube de onde vinha. Três silhuetas
saltaram para cima dele, duas vindo de frente e outra atacando por trás. Ele
desviou para a frente bem a tempo, sentindo o cano de metal que lhe teria
rachado o crânio e nocauteado passando de raspão acima da cabeça.
Endireitou-se logo em seguida e meteu um soco, atingindo o rosto sem traços
da figura mais próxima. Foi recompensando com o ruído do estilhaçar de
cartilagem e osso.
Des abaixou-se de novo, dessa vez para o lado, e o cano que lhe teria
acertado a testa bem entre os olhos bateu com tudo em seu ombro esquerdo.
Ele cambaleou para o lado, movido pela força do ataque. Porém, com o
escuro, seus oponentes levaram um instante para localizá-lo e, quando o
fizeram, ele recobrou o equilíbrio.
Imerso na escuridão, conseguia ver apenas o contorno vago dos
agressores. O que ele socara foi se levantando lentamente; os outros dois
aguardavam, cautelosos, prontos para recomeçar o ataque. Não era preciso
ver os rostos para saber quem eram: o guarda-marinha e os dois soldados
que o tinham carregado para fora da cantina. Des sentia o fedor de cerveja
corelliana que emanava até ele, confirmando as identidades. Provavelmente
ficaram esperando fora da cantina e o seguiram até julgarem que poderiam
surpreendê-lo. O que era muito bom: significava que não tinham retornado à
nave para buscar as armas de raio.
Os três atacaram de novo, partindo para cima de Des todos de uma só vez.
Tinham a quantidade e os meses de treinamento militar de combate mano a
mano como vantagem; Des tinha força, tamanho e anos de brigas. Mas, no
escuro, nada disso importava.
Des recebeu o ataque de frente, e todos os quatro combatentes tombaram
ao chão. Socos e chutes chegavam sem o menor pensamento quanto a alvo ou
estratégia: cegos lutando contra cegos. Cada golpe dado pelo rapaz gerava
um delicioso resmungo ou gemido dos oponentes, mas a satisfação era
limitada pelo massacre que seu próprio corpo enfrentava.
Não importava se os olhos estavam abertos ou fechados, ele não
enxergava nada. Reagia por instinto; toda a dor era extinta, no escuro, pela
adrenalina bombeada por suas veias.
E então, de repente, ele viu uma coisa. Alguém sacou uma vibrolâmina.
Continuava escuro feito o coração das minas durante um desabamento,
porém, Des podia ver a lâmina claramente, como se brilhasse com um fogo
interior. Ela veio contra ele, que agarrou o pulso de quem a brandia, girou-o
ao contrário e mergulhou na massa escura de onde ela havia aparecido. A
figura soltou uma exclamação aguda e um gorgolejo engasgado, e de súbito a
lâmina ardente sumiu de vista, sua ameaça exterminada.
A massa de corpos entrelaçados ao dele rapidamente se desfez; dois deles
se libertaram. O terceiro estava imóvel. Um segundo depois, Des escutou o
clique de uma luma sendo acionada e, por um momento, foi cegado por seu
clarão de luz. De olhos quase cerrados, escutou uma exclamação.
– Ele morreu! – exclamou um dos soldados. – Você o matou!
Protegendo os olhos da iluminação, Des olhou para baixo e viu
exatamente o que esperava: o guarda-marinha deitado de costas com a
lâmina enterrada fundo no peito.
A luma apagou-se, e Des preparou-se para outro ataque. Porém, o que
escutou foram os passos dos atacantes fugindo em meio à escuridão,
seguindo para os deques de ancoragem.
Des fitou o corpo, planejando pegar a lâmina brilhante e usar sua luz para
guiar-se pela escuridão. Contudo, a lâmina já não brilhava mais. Na
verdade, ele percebeu que a arma nunca tinha brilhado de fato. Não poderia:
vibrolâmina não eram armas de energia. Suas lâminas eram constituídas
apenas de metal.
Havia preocupações mais importantes, entretanto, do que ele ter visto a
vibrolâmina no escuro. Assim que chegassem à nave, os soldados se
reportariam ao comandante, que relataria o incidente às autoridades da CMO,
que, por sua vez, viraria o planeta de ponta-cabeça à procura dele. Des não
gostava nada das circunstâncias. Seria a palavra de um minerador – um com
um histórico cheio de brigas e violência – contra dois soldados navais da
República. Ninguém acreditaria que ele lutara para defender-se.
E fora isso mesmo? Ele percebeu a adaga vindo. Poderia ter desarmado o
oponente sem o matar? Des balançou a cabeça. Não havia tempo para culpa
nem arrependimento. Precisava encontrar um lugar para se esconder.
Não podia voltar ao alojamento: seria o primeiro lugar em que iam
procurar. Ele jamais chegaria às minas a pé antes do amanhecer, e não havia
lugar algum no descampado em que pudesse se esconder depois que o sol
nascesse. Restava apenas uma opção, uma esperança. Em algum momento,
acabariam indo procurar por ele ali também. Mas não havia mais aonde ir.

Groshik devia estar acordado ainda, porque atendeu a porta apenas


segundos depois que Des começara a bater. O Neimoidiano deu uma olhada
no sangue nas mãos e na camisa do jovem e agarrou-o pela manga.
– Entre aqui! – exclamou ele, puxando Des pela porta, que se apressou a
fechar. – Está machucado?
Des negou.
– Acho que não. Não é meu sangue.
Dando um passo para trás, o Neimoidiano avaliou o jovem de cima a
baixo.
– Tem um monte. Sangue demais. Com cheiro de humano.
Visto que Des não respondeu, Groshik resolveu adivinhar.
– Gerd?
O jovem negou de novo.
– Guarda-marinha – disse.
Groshik baixou a cabeça e soltou um palavrão baixinho.
– Alguém sabe? As autoridades estão atrás de você?
– Ainda não. Logo vão estar. – Então, como se tentando justificar suas
ações, acrescentou: – Estavam em três, Groshik. Só um morreu.
O amigo assentiu, compreensivo.
– Com certeza ele pediu por isso. Assim como o Gerd. Mas os fatos
permanecem os mesmos. Um soldado da República está morto… e é você
que vai levar a culpa.
O dono da cantina acompanhou Des até o balcão e desceu a garrafa de
xerez cortyg. Sem dizer uma palavra, serviu um trago para ambos. Dessa vez,
ele não parou na metade dos copos.
– Desculpe eu ter vindo aqui – disse Des, desesperado para romper o
silêncio desconfortável. – Não queria te colocar nesta situação.
– Entrar nesse tipo de situação não me incomoda – garantiu Groshik com
um tapinha confortante no braço do amigo. – Só preciso achar um modo de
nos livrarmos dessa agora. Deixe-me pensar.
Os dois viraram os copos. Era a única coisa a fazer para não entrar em
pânico; a cada segundo que passava, ele esperava ver uma dezena de agentes
com armadura da CMO irrompendo pela porta da cantina. Depois do que
pareceu horas, mas foi provavelmente um ou dois minutos, Groshik voltou a
falar. Falava baixinho, e Des não tinha certeza se o Neimoidiano se dirigia a
ele ou apenas falava em voz alta para se ajudar a pensar.
– Você não pode ficar aqui. A CMO não pode se dar o luxo de perder o
contrato com a República. Eles vão revirar a colônia inteira pra te encontrar.
Precisamos tirar você do planeta. – Ele fez uma pausa. – Mas, ao amanhecer,
sua foto vai estar em toda videotela do espaço da República. O que
significa… – Groshik não terminou a frase.
Des ficou no aguardo, ansioso.
– Aquelas coisas que você disse hoje à noite – inquiriu Groshik –, sobre
os Sith e a República. Falava sério? Falou sério mesmo?
– Não sei. Acho que sim.
Houve mais uma longa pausa, como se o barman juntasse várias ideias.
– O que acha de se juntar aos Sith? – ele soltou de repente.
Des foi pego totalmente desprevenido.
– Como?
– Eu conheço… umas pessoas. Posso te tirar do planeta. Hoje. Mas essas
pessoas não estão à procura de passageiros: os Sith precisam de soldados.
Estão sempre recrutando, como aqueles oficiais da República aqui na
cantina.
Des balançou a cabeça.
– Não acredito nisso. Você trabalha para os Sith? Você sempre disse que
nunca escolhe um lado!
– Não trabalho para os Sith – Groshik retrucou. – Apenas conheço gente
que trabalha. Conheço gente que trabalha para a República também. Mas não
vão ajudar muito nesta situação. Então preciso saber, Des. Isso é algo que
você deseja fazer?
– Não tenho muitas opções – Des murmurou, respondendo.
– Talvez sim, talvez não. Se ficar aqui, com certeza as autoridades da CMO
vão encontrá-lo. Não foi assassinato a sangue-frio. Os juízes provavelmente
não deixarão você passar alegando autodefesa, mas precisarão admitir que
há circunstâncias atenuantes. Você vai cumprir pena numa das colônias
penais… cinco, talvez seis anos… depois será um homem livre.
– Ou me junto aos Sith.
Groshik assentiu.
– Ou você se junta aos Sith. Mas, se vou te ajudar a fazer isso, quero ter
certeza de que você sabe no que está se metendo.
Des pensou na questão, mas não por muito tempo.
– Passei a vida toda tentando sair deste naco de pedra – disse ele
lentamente. – Se eu for pra um mundo-prisão, vou trocar um maldito planeta
vazio por outro. Não vai ser diferente de ficar aqui. Se eu me unir aos Sith,
pelo menos não serei mais pau-mandado da CMO. E você escutou o que
aquele comandante da República disse sobre eles. Os Sith respeitam a força.
Acho que vou conseguir segurar as pontas por lá.
– Disso eu não duvido – concordou Groshik. – Mas não se esqueça de
tudo mais que o comandante disse. Ele estava certo com relação à Irmandade
da Escuridão. Eles podem ser impiedosos e cruéis. Incitam o pior que há em
algumas pessoas. Não quero que caia nessa armadilha.
– Primeiro você fala pra eu me unir aos Sith – disse Des –, agora está
dizendo que é melhor não fazer isso. Qual é a sua?
O Neimoidiano soltou um suspiro comprido e gutural.
– Tem razão, Des. A decisão está tomada. Um azar severo agiu contra
você. Não é como no sabacc; você não pode correr. Na vida, jogamos com
as cartas que nos dão. – Ele se virou e foi para a pequena escadaria nos
fundos da cantina. – Venha. Em poucas horas, depois que tiverem procurado
nos alojamentos da colônia, vão começar a procurar por você no
espaçoporto. Temos que nos apressar se quisermos esconder você direito
num dos cargueiros antes disso.
Des estendeu a mão sobre o balcão para colocá-la no ombro do amigo.
Groshik virou-se para fitar o rapaz, que apertou o antebraço comprido e
esguio do Neimoidiano.
– Obrigado, meu amigo. Não vou me esquecer disso.
– Sei que não, Des. – Embora fossem palavras gentis, havia uma tristeza
inconfundível naquela voz grave.
Des soltou o amigo, sentindo-se incomodado, envergonhado, assustado,
grato e empolgado, tudo ao mesmo tempo. Achou que deveria dizer mais
alguma coisa, então acrescentou:
– Vou te recompensar de algum jeito. Na próxima vez que nos virmos…
– Sua vida acabou aqui, Des – disse Groshik, cortando o rapaz. – Não
haverá próxima vez. Não para nós. – Ele balançou a cabeça. – Não sei o que
vai encontrar pelo caminho, mas sinto que não será nada fácil. Não conte
com a ajuda dos outros. No fim das contas, cada um de nós está nesta vida
sozinho. Os sobreviventes são aqueles que sabem cuidar de si mesmos.
Com isso, ele se virou, dando passos rápidos na direção da saída
localizada nos fundos. Des hesitou por um instante, sentindo as palavras de
Groshik ardendo em sua mente, depois se apressou a seguir o amigo.

Aninhado na parede da nave, Des tentava encontrar conforto. Estivera


prensado na escotilha do contrabandista fazia quase uma hora. Era um
espaço pequeno demais para um homem do tamanho dele.
Vinte minutos antes, escutara uma patrulha da CMO inspecionando a nave.
Fizeram uma busca apressada; não encontrando o fugitivo que procuravam,
partiram. Alguns segundos depois, o capitão, um piloto Rodiano, bateu forte
no painel que mantinha Des escondido.
– Você fica até os motores ligarem – dissera ele numa língua básica
razoável. – Decolamos, você sai. Antes, não.
Des não o reconhecera quando entrara na nave; era como todos os outros
Rodianos que o rapaz vira antes. Apenas mais um capitão de cargueiro
independente buscando um carregamento de cortosis na esperança de vender
em outro mundo com lucro suficiente para manter sua nave voando por mais
alguns meses.
Se a CMO oferecesse recompensa pela captura de Des, certamente o
capitão o entregaria. Isso significava que a diretoria da empresa não botara
preço na cabeça do rapaz. Estavam mais preocupados em talvez ter de pagar
recompensa do que em deixar um fugitivo escapar da justiça da República.
Não era importante que o encontrassem, contanto que pudessem mostrar à
República que tentaram encontrar. Groshik devia ter pensado em tudo isso
enquanto fazia os arranjos para pôr Des no cargueiro.
O zunido agudo dos motores ligando fez Des apoiar-se nas paredes de seu
pequeno cubículo. Poucos segundos depois, o zunido se tornou um rugido
ensurdecedor, e a nave começou a se mover. Os propulsores dispararam,
equilibrando o veículo, e Des sentiu a pressão da gravidade conforme a nave
foi ganhando os céus.
Com um chute no painel, ele se libertou, desenrolando-se para fora do
apertado esconderijo. Capitão e tripulação não se encontravam por perto;
deviam estar todos em suas estações, para a decolagem.
Des não sabia para onde iam. Tudo que sabia era que, no fim da viagem,
uma humana estaria esperando por ele para alistá-lo no exército Sith. Como
antes, a ideia o fez sentir uma mistura de emoções. Medo e ansiedade
sobrepujavam as demais.
A nave deu uma sacolejada quando deixou a atmosfera e começou a
acelerar, afastando-se do planetinha mineiro. Alguns segundos depois, Des
teve a sensação estranha, porém inconfundível, do salto para o hiperespaço.
Uma sensação súbita de liberdade preencheu-lhe o espírito. Estava livre.
Pela primeira vez na vida, encontrava-se além das garras da CMO e suas
minas de cortosis. Groshik dissera que um azar severo agira contra o rapaz,
mas Des já não concordava tanto. As coisas não haviam saído muito do jeito
que ele planejara – era um fugitivo e carregava o sangue de um soldado da
República nas mãos –, mas finalmente escapara de Apatros.
Talvez as cartas que lhe deram não estivessem tão ruins assim. No fim das
contas, o rapaz conseguiu a coisa que mais queria na vida. E, pensando bem,
não era apenas isso mesmo que importava?
6

O SOL AMARELO DE PHASEERA ESTAVA A PINO, iluminando o rico vale e o


acampamento na floresta, no qual Des e seus colegas recrutas Sith
aguardavam. Sob o abrigo de uma árvore cydera, Des fazia uma checagem
sistemática de sua arma de raios TC-22 para passar o tempo. O energipente
estava totalmente carregado, pronto para cinquenta disparos. O energipente
reserva também estava pronto. A mira apresentava-se um pouco desregulada,
problema comum a todos os modelos TC. Tinham bom alcance e potência,
mas com o tempo a mira podia perder a calibração precisa. Um ajuste rápido
e ela foi alinhada.
As mãos de Des se moviam com confiança e velocidade nascidas de mil
repetições. Fazia doze meses que ele repassava tanto essa checagem que mal
precisava pensar no que fazia. A checagem de armas antes do combate não
era prática comum na milícia Sith, mas um hábito que ele adquirira – algo
que lhe salvara a vida em diversas ocasiões. O exército Sith crescia tão
rápido que o suprimento não alcançava a demanda. O melhor equipamento
era reservado a veteranos e oficiais, enquanto os recrutas tinham de se virar
com qualquer coisa disponível.
Agora que era sargento, podia requisitar um modelo melhor, mas a TC-22
era a primeira arma com que ele aprendera a atirar, e se tornara craque com
ela. Des concluiu que uma rápida manutenção de rotina era melhor do que
aprender a dominar as nuances sutis de outra arma.
Seu revólver de raios, contudo, era dos melhores. Nem todos os soldados
Sith recebiam revólveres: para boa parte dos soldados, um rifle
semiautomático de alcance médio era o necessário. Provavelmente estariam
mortos muito antes de chegar perto o bastante do inimigo para usar um
revólver. No ano anterior, entretanto, Des provara uma dúzia de vezes que já
não era mais insignificante. Soldados bons o bastante para sobreviver ao
primeiro choque e chegar perto das filas inimigas precisavam de uma arma
mais adequada ao combate mais próximo.
Para Des, essa arma era a GSI-21D: o melhor revólver desruptor
fabricado pelas Indústrias Soluções Galácticas. O alcance ideal era de
apenas vinte metros, mas nessa distância ela era capaz de desintegrar
armadura, carne e chassi de droide com a mesma eficácia. A 21D era ilegal
em boa parte dos setores da galáxia controlados pela República, verdadeiro
testemunho de seu incrível potencial de destruição. O energipente do
desruptor portava carga suficiente para apenas uma dúzia de disparos, mas,
quando ficava frente a frente com um oponente, era raro precisar de mais de
um.
O rapaz deslizou o revólver para o coldre preso ao cinto, checou a
vibrolâmina na bota e voltou sua atenção para a tropa. Ao seu redor, todos
os homens e mulheres de sua unidade seguiam seus comandos, fazendo
inspeções similares no próprio equipamento enquanto aguardavam outras
ordens. Ele não pôde conter um sorriso; tinha treinado todos muito bem.
Alistara-se no exército dos Sith como modo de escapar da prisão e do
próprio Apatros. Contudo, não levara muito tempo para afeiçoar-se à vida
de soldado. Havia certa camaradagem entre os homens e as mulheres que
lutavam ao lado dele, uma ligação que rapidamente se estendeu para incluir
Des também. Jamais o jovem sentira qualquer conexão com os mineradores
de Apatros, e de fato sempre se considerara isolado ali. No exército, porém,
encontrara seu lugar. Seu lugar era ali, com a tropa. A sua tropa.
O soldado sênior Adanar percebeu que o sargento olhava e respondeu
batendo o punho duas vezes contra o peito, pouco acima do coração, gesto
conhecido apenas pelos membros da unidade: um sinal secreto de lealdade e
fidelidade, símbolo da ligação que todos partilhavam.
Des devolveu o gesto. Ele e Adanar estiveram na mesma unidade desde o
primeiro dia de suas carreiras na milícia. O recrutador os alistara juntos e os
colocara nos Andarilhos das Trevas, unidade do tenente Ulabore.
Adanar pegou o rifle e foi até onde o amigo estava sentado.
– Acha que vamos precisar desse seu revólver desruptor muito em breve,
sargento?
– Não custa nada estar preparado – Des respondeu, sacou o desruptor, deu
um giro convencido nele e o devolveu ao coldre.
– Queria que já nos dessem a ordem de partir – resmungou Adanar. –
Estamos em posição faz dois dias. Quanto tempo mais vão esperar?
Des deu de ombros.
– Não podemos ir enquanto não estiverem prontos pra entrar com a força
principal. Se formos cedo demais, o plano não funciona.
Os Andarilhos das Trevas tinham conquistado toda uma reputação ao
longo do ano anterior. Participaram de combates em meia dúzia de mundos e
provaram mais vitórias do que esperavam. Passaram de uma em mil
unidades de fronte dispensáveis a tropa de elite reservada a missões
cruciais. Naquele momento, representavam a peça-chave na captura do
mundo industrial de Phaseera – se pelo menos lhes dessem a ordem para
atacar. Enquanto isso, estavam presos num acampamento florestal a uma hora
de marcha do objetivo. Encontravam-se ali fazia poucos dias, mas a espera
já começava a pesar.
Adanar pôs-se a andar de um lado ao outro. Des permaneceu sentado
calmamente na sombra, vendo o amigo marchar daqui para lá.
– Não se canse – disse após um minuto. – Não vamos a lugar algum, pelo
menos não enquanto não anoitecer. Acho melhor você se sentar.
Adanar parou de andar, mas não se sentou.
– O tenente diz que isso vai ser fácil como blitz de especiaria – falou ele,
tentando soar casual. – Acha que ele está certo?
O tenente Ulabore recebera muitos elogios pelo sucesso de sua tropa, mas
todos na unidade sabiam quem estava realmente no comando quando as
armas de raios começavam a disparar.
O fato se tornara dolorosamente óbvio cerca de um ano antes em
Kashyyyk, onde Des e Adanar entraram em ação pela primeira vez. A
Irmandade da Escuridão tentara firmar base na Orla Média invadindo esse
sistema, mandando onda atrás de onda de tropas para capturar o planeta
Wookiee, cheio de riquezas. Contudo, ele era também uma fortaleza da
República, que não desejava recuar, mesmo com números muito inferiores.
Quando a tropa de Sith pousou, os inimigos simplesmente desapareceram
floresta adentro. A invasão tornou-se uma guerra de desgaste, uma longa e
pesarosa campanha travada por entre os galhos das árvores wroshyr bem
acima da superfície do planeta. Os soldados Sith não estavam acostumados a
lutar nos topos das árvores, e a folhagem grossa e as vinhas de kshyy da
copa das árvores forneciam esconderijo perfeito para os soldados da
República e seus guias Wookiees fazerem emboscadas e ataques de
guerrilha. Milhares após milhares de invasores foram arrasados, a maioria
morrendo sem nem sequer ver o oponente que disparara o tiro fatal… mas os
mestres Sith continuaram mandando mais tropas.
Os Andarilhos das Trevas eram parte da segunda onda de reforços.
Durante o primeiro combate, ficaram separados das linhas principais,
cortados do restante do exército. Sozinho e cercado de inimigos, o tenente
Ulabore entrou em pânico. Sem ordens diretas, não fazia ideia de como agir
para manter viva a sua unidade. Felizmente, Des estava lá para entrar em
ação e salvar a pele de todos.
Para começar, ele sentia a presença dos inimigos mesmo sem vê-los. De
algum modo, simplesmente sabia onde estavam. Não podia explicar, mas já
tinha parado de tentar explicar seus talentos únicos muito tempo antes.
Passara apenas a tentar usá-los para sua vantagem. Com Des como guia, os
Andarilhos das Trevas foram capazes de desviar das ciladas e emboscadas
enquanto caminhavam lentamente para reunir-se à força principal. Levaram
três dias e três noites, incontáveis combates breves, porém mortais, e uma
marcha aparentemente infinita pelo território inimigo, mas conseguiram.
Após todos os confrontos, a unidade perdeu apenas um punhado de soldados,
e as tropas que retornaram sabiam que deviam a vida a Des.
A história dos Andarilhos das Trevas tornou-se ponto de apoio para o
restante do exército Sith, erguendo a moral que ficara perigosamente minada.
Se uma única unidade podia sobreviver por três dias por conta própria,
pensavam eles, então com certeza mil unidades podiam vencer a guerra. No
fim, foi preciso quase 2 mil unidades, mas Kashyyyk por fim tombou.
Como líder dos heroicos Andarilhos das Trevas, o tenente Ulabore
recebeu louvor especial. Nunca o oficial teve o cuidado de mencionar que o
verdadeiro responsável fora Des. Entretanto, mostrou-se bastante esperto
para promover Des a sargento. E sabia muito bem como sair do caminho
quando a situação pegava fogo.
– E aí? – Adanar repetiu. – O que me diz, Des? Quando finalmente nos
derem a ordem, essa missão vai ser fácil como blitz de especiaria?
– O tenente só está dizendo o que acha que todos nós queremos ouvir.
– Disso eu sei, Des. Por isso que tô falando com você. Quero saber no que
de fato estamos nos metendo.
Des pensou no assunto por um momento. Estavam alocados na floresta,
nas margens de um vale estreito – a única rota que levava à capital de
Phaseera, onde o exército da República tinha instalado acampamento. Num
morro próximo, ao lado do vale, havia um assentamento da República. Se os
Sith tentassem mover suas tropas pelo vale, mesmo de noite, o assentamento
sem dúvida os avistaria. Mandariam um sinal para o acampamento cujas
defesas seriam erguidas e estariam totalmente operacionais muito antes de o
inimigo o alcançar.
A missão dos Andarilhos das Trevas era simples: eliminar o assentamento
para que o restante do exército lançasse um ataque surpresa no acampamento
da República. Eles tinham caixas de interferência – equipamento de
obstrução de curto alcance que podiam usar a fim de impedir que o
assentamento mandasse um sinal para avisar o acampamento principal –, mas
precisavam atacar logo. O assentamento se reportava todo dia, ao amanhecer
e, se os Andarilhos das Trevas atacassem cedo demais, a República
perceberia que havia algo errado quando o relatório diário não chegasse.
O tempo era crucial. Precisavam acabar com eles pouco antes de a força
principal entrar na área. Eles teriam poucas horas para cruzar o vale e pegar
o acampamento desprevenido. Era possível, mas somente se coordenado
perfeitamente. Os Andarilhos das Trevas estavam em posição, mas a força
principal ainda não se encontrava pronta para seu avanço… então era
preciso aguardar.
– Estou preocupado – Des finalmente cedeu. – Tomar aquele assentamento
não vai ser nada fácil. Assim que recebermos a ordem, não teremos margem
para erro. Devemos ser perfeitos. Se houver qualquer surpresa nos
aguardando, podemos ter problemas.
Adanar cuspiu no chão.
– Sabia! Você tá com um mau pressentimento, não tá? Isso aqui vai ser
como em Hsskhor, tudo outra vez!
Hsskhor fora um desastre. Depois da queda de Kashyyyk, os soldados da
República sobreviventes fugiram para o planeta vizinho de Trandosha. Vinte
unidades de soldados Sith, incluindo os Andarilhos das Trevas, foram
mandadas para persegui-los. Eles alcançaram os sobreviventes da República
nas planícies desérticas fora da cidade de Hsskhor.
Um dia de selvagem combate deixou muitos mortos dos dois lados, mas
sem vitorioso definitivo. Des ficara inquieto ao longo de todo o combate,
embora na época não soubesse dizer por quê. Sua ansiedade cresceu ao cair
da noite, quando os dois lados recuaram para polos opostos do campo de
batalha a fim de se reagruparem. Os Trandoshanos atacaram algumas horas
depois.
O breu da noite não era problema para os reptilianos Trandoshanos: eles
enxergavam o espectro infravermelho. Pareciam surgir do nada,
materializando-se da escuridão feito um pesadelo que ganha substância.
Ao contrário dos Wookiees, os Trandoshanos não eram aliados de algum
dos lados da Guerra Civil Galáctica. Os caçadores de recompensa e
mercenários de Hsskhor abriram um caminho de destruição por entre as
fileiras de ambos, República e Sith, não se importando com quem
enfrentavam, contanto que saíssem da luta com os troféus dos que matavam.
Detalhes do massacre nunca foram oficialmente publicados. Des estivera
bem no centro da carnificina, e nem mesmo ele conseguia juntar direito as
peças de tudo que aconteceu. O ataque pegou os Andarilhos das Trevas,
assim como todas as outras unidades, totalmente desprevenidos. Quando o
sol nasceu, quase metade das tropas Sith fora derrotada. Des perdeu muitos
amigos na matança… amigos que poderia ter salvo se prestasse mais atenção
à obscura premonição que sentira assim que deitara os pés naquele
abandonado planeta desértico. E jurou nunca mais deixar os Andarilhos das
Trevas serem pegos numa chacina dessas.
No fim das contas, Hsskhor pagou um preço muito alto pela emboscada.
Reforços foram enviados de Kashyyyk para sobrepujar as forças da
República e dos Trandoshanos. Os Sith levaram menos de uma semana para
alcançar a vitória, e a cidade, até então imponente, foi saqueada e
completamente arruinada. Muitos dos Trandoshanos apenas desistiram do
combate para proteger suas casas e ofereceram seus serviços aos
conquistadores. Eram caçadores de recompensas e mercenários por
profissão e caçadores por natureza. Não ligavam para quem trabalhavam,
contanto que tivessem a chance de matar mais. Obviamente, os Sith os
receberam de braços abertos.
– Não vai acontecer o mesmo que em Hsskhor – Des garantiu a seu
nervoso companheiro. Embora ele se encontrasse de novo inquieto, dessa
vez era diferente. Algo grandioso estava para acontecer, mas Des não sabia
ao certo se seria bom ou ruim.
– Anda, Des – Adanar pressionou. – Vá falar com Ulabore. Ele te escuta,
às vezes.
– E dizer-lhe o quê?
Adanar jogou as mãos ao alto, exasperado.
– Não sei! Conte de seu mau pressentimento. Faça-o pegar o comunicador
e mandá-los nos trazer de volta. Ou convencê-los a nos mandar avançar! Só
não nos deixem aqui sentados feito um bando de ratazanas womp mortas
apodrecendo sob o sol!
Antes que Des pudesse responder, um dos soldados juniores, uma jovem
chamada Lucia, veio correndo e fez uma saudação firme.
– Sargento! O tenente Ulabore quer que você reúna as tropas na barraca
dele. Vai conversar conosco daqui a trinta minutos – disse ela, a voz sincera
e empolgada.
Des abriu um sorriso para o amigo.
– Acho que finalmente vamos ser enviados.

Os soldados faziam posição de sentido enquanto o tenente e Des


revisavam as tropas. Como sempre, a inspeção consistia em Ulabore
passando pelas fileiras de alto a baixo, acenando e dando aprovações
murmuradas. Era mais para se mostrar, uma chance de Ulabore sentir como
se tivesse qualquer ligação com o sucesso da missão.
Quando terminaram, o tenente marchou para a frente da coluna e virou-se
com o objetivo de fitar as tropas. Des estava sozinho em frente à unidade, de
costas para ela a fim de ficar face a face com seu oficial superior.
– Todos aqui já sabem qual é o objetivo de nossa missão – começou
Ulabore, a voz estranhamente aguda e alta. Des supôs que ele tentava soar
autoritário, mas acabou soltando um chiado irritante. – Deixarei os detalhes
da missão com o sargento aqui – prosseguiu. – Nossa tarefa não é fácil, mas
os dias em que os Andarilhos das Trevas recebem missões fáceis se
acabaram. Não tenho muito mais a dizer; sei que estão todos tão ansiosos
quanto eu para acabar com essa espera sem sentido. É por isso que me sinto
feliz de informar a vocês que recebi ordens para avançar. Atacaremos o
assentamento da República em uma hora!
Exclamações horrorizadas e sussurros altos percorreram as fileiras.
Ulabore deu um passo para trás como se levasse um tapa. Obviamente,
esperava ouvir ovações e exultação, e sentiu-se chocado com o surto de
raiva e indisciplina.
– Andarilhos das Trevas, sentido! – Des vociferou. Ele foi até o tenente e
disse, baixinho: – Senhor, tem certeza de que as ordens são essas? Partir em
uma hora? Está certo de que não disseram uma hora após o anoitecer? – Está
me questionando, sargento? – ralhou Ulabore, não se preocupando em manter
o tom baixo.
– Não, senhor. É só que, se partirmos daqui a uma hora, o dia ainda estará
claro. Eles nos verão chegando.
– Quando nos virem, já estaremos perto o bastante para obstruir seus
transmissores – contrapôs o tenente. – Não poderão mandar avisos para o
acampamento base.
– Não é isso, senhor. São as naves armadas. Eles têm três veículos
repulsores equipados com canhões de raios de alta repetição. Se tentarmos
tomar o assentamento durante o dia, aquelas coisas vão nos ceifar do céu.
– É uma missão suicida! – alguém gritou das fileiras.
Ulabore fechou os olhos em filetes estreitos, e seu rosto se tornou
vermelho.
– O exército principal vai partir ao anoitecer, sargento – disse ele, entre
dentes muito cerrados. – Eles querem cruzar o vale no escuro e chegar ao
acampamento da República ao amanhecer.
– Então, não há motivo para partirmos tão cedo – Des respondeu, lutando
para se manter calmo. – Se eles partem ao anoitecer, levarão pelo menos três
horas para chegar ao vale, dada sua posição atual. Isso nos dá tempo
suficiente para tomar o assentamento antes de eles chegarem, mesmo que
esperemos até o anoitecer.
– Obviamente você não sabe o que de fato está acontecendo, sargento –
disse Ulabore, como se argumentasse com uma criança teimosa. – A força
principal não vai partir somente depois que relatarmos que nossa missão foi
concluída. É por isso que precisamos partir agora.
Fazia sentido: os generais não queriam pôr em risco a força principal
enquanto não tivessem certeza de que o vale estava seguro. Mas enviá-los à
luz do dia era garantia de que a taxa de mortalidade dos Andarilhos das
Trevas seria multiplicada por cinco.
– Você precisa ligar para o quartel-general e explicar a situação a eles –
disse Des. – Não podemos derrubar aquelas armas no ar. Temos que esperar
que pousem à noite. Você precisa fazê-los entender o que teremos que
enfrentar.
O tenente agiu como se nem escutasse.
– Os generais dão as ordens para mim, e eu as passo a vocês – retrucou
ele. – Não o contrário! O exército vai partir ao anoitecer, e isso não mudará
apenas para caber na sua agenda, sargento!
– Eles não precisam mudar os planos deles – insistiu Des. – Se sairmos
assim que escurecer, ainda teremos derrubado aquele assentamento quando
eles chegarem ao vale. Mas nos enviar agora é só…
– Basta! – devolveu o tenente. – Pare de choramingar feito um bantha
separado da manada! Você tem as suas ordens, agora, siga-as! Ou quer
descobrir o que acontece com um soldado que questiona as ordens de seus
superiores?
Subitamente se tornou claro para Des o que estava acontecendo. Ulabore
sabia que a ordem era um equívoco, mas sentia medo demais para fazer
qualquer coisa em relação a ela. A ordem devia ter vindo diretamente de um
dos lordes sombrios. Ulabore preferia levar suas tropas para uma chacina a
enfrentar a ira de um mestre Sith. Mas Des não o deixaria levar os
Andarilhos das Trevas para a morte. Essa missão não repetiria o que
ocorrera em Hsskhor. Ele hesitou apenas por um segundo antes de meter o
punho no queixo do tenente, nocauteando-o.
O restante da tropa permaneceu em aturdido silêncio enquanto Ulabore
desabava ao chão. Des retirou rapidamente a arma do oficial tombado,
depois se virou e apontou para a dupla dos mais novos recrutas.
– Vocês dois, fiquem de olho no tenente. Garantam que esteja confortável
quando acordar, mas não deixem que se aproxime do comunicador.
Ao agente de comunicações, ele disse:
– Pouco antes do amanhecer, mande uma mensagem ao quartel-general
dizendo que nossa missão foi completada, que podem começar a mover o
grupo principal para o vale. Isso nos dará duas horas para cumprir nosso
objetivo, antes que cheguem lá.
Des virou-se para o restante da tropa e fez uma pausa a fim de que a
gravidade de suas palavras fosse totalmente assimilada.
– O que fiz aqui é motim – disse ele lentamente. – Existe a chance de que
qualquer um que me acompanhe daqui em diante enfrente corte marcial
quando tudo isso estiver acabado. Se algum de vocês achar que não pode
seguir minhas ordens depois do que fiz hoje, fale agora, e eu entrego o
comando ao soldado sênior Adanar para o restante da missão.
Ele foi olhando todos os soldados. Por um segundo, ninguém disse nada;
então, todos ao mesmo tempo ergueram os punhos e deram dois leves socos
no peito, bem acima do coração.
Tomado de orgulho, Des teve de engolir em seco antes de dar a última
ordem a suas tropas… suas tropas.
– Andarilhos das Trevas, descansar!
As fileiras se dispersaram em grupos de dois e três; os soldados saíram
sussurrando baixinho uns para os outros. Adanar separou-se dos demais e
veio até Des.
– Ulabore não vai se esquecer disso – falou. – O que fará com ele?
– Depois que tomarmos aquele assentamento, vão querer pregar uma
medalha no oficial em comando – Des respondeu. – Aposto que ele vai
preferir calar o bico e aceitar a deixar alguém saber o que realmente
aconteceu.
Adanar resmungou.
– Pelo visto, você já pensou em tudo.
– Tudo, não – Des admitiu. – Ainda não sei muito bem como vamos tomar
aquele assentamento.
7

O ASSENTAMENTO LOCALIZAVA-SE NUMA CLAREIRA no topo de um planalto que


dava para o vale. Sob a cobertura da noite, os Andarilhos das Trevas
moviam-se silenciosamente pela floresta, até que o cercaram. Des dividira a
unidade em quatro esquadrões, cada um se aproximando de um lado
diferente. Cada esquadrão portava uma caixa de interferência consigo.
Os times ajustaram e ativaram as caixas-i assim que chegaram a meio
quilômetro da base, obstruindo toda a comunicação dentro do perímetro. Os
esquadrões seguiram até as margens da clareira, depois pararam, esperando
o sinal de Des para entrar. Sem comunicação entre os esquadrões – as
caixas-i obstruíam os equipamentos deles também –, o sinal mais confiável
era o barulho das armas de raios.
Ao enxergar além da clareira as três naves pousadas no ponto de pouso no
teto do assentamento, Des teve uma sensação familiar na boca do estômago.
Todos os soldados sentiram o mesmo ao seguir para a batalha, admitindo ou
não: medo. Medo de fracassar, medo de morrer, medo de ver os amigos
morrendo, medo de ser ferido e viver o resto da vida aleijado ou mutilado.
O medo estava sempre lá, e devoraria aquele que permitisse.
Des sabia como virar o medo para vantagem própria. Pegue o que te faz
fraco e transforme em algo que te faz forte. Transforme o medo em raiva e
ódio: ódio pelo inimigo, ódio pela República e pelos Jedi. O ódio lhe dera
força, e a força o levara à vitória.
Para Des, a transformação ocorreu facilmente quando o combate começou.
Graças ao pai abusivo, ele vinha transformando medo em raiva e ódio desde
que era criança. Talvez por isso fosse tão bom soldado. Talvez por isso os
demais buscassem nele a liderança.
Todos aguardavam o sinal dele naquele momento, esperando que desse o
primeiro disparo. Assim que o fez, os esquadrões atacaram o assentamento.
Os Andarilhos das Trevas encontravam-se em menor número, quase a
metade; precisariam da vantagem da surpresa para superar a situação
desfavorável. Mas aquelas naves constituíam um problema que Des não
previra.
A clareira era cercada por luzes fortes que iluminavam tudo dentro de um
raio de cem metros do próprio assentamento. E, ainda que os veículos
repulsores estivessem no solo, havia um soldado alocado na abertura
traseira de cada um deles, operando as torres. As paredes blindadas da
abertura vinham até a cintura, conferindo ao atirador a possibilidade de se
proteger, e a torre em si tinha blindagem pesada para proteger-se de fogo
inimigo.
Da pista de pouso, na cobertura, os atiradores contavam com uma visão
clara da área circundante. Se ele desse o primeiro disparo, as outras
unidades avançariam para a clareira e receberiam um dilúvio de disparos de
laser. Seriam dilacerados feito zucca jogado num fosso de rancor.
– Qual o problema, sargento? – um dos soldados do esquadrão perguntou.
Era Lucia, a soldado júnior que levara as ordens de Ulabore a ele
anteriormente. – O que estamos esperando?
Era tarde demais para desistir da missão. O exército principal já se
encontrava a caminho; se Des voltasse ao acampamento para avisá-los, eles
já estariam a meio caminho do vale.
Ele olhou para a jovem recruta e notou o alcance da arma dela. Lucia
portava um rifle de raios TC-17 de longo alcance. Os nós dos dedos estavam
até brancos de segurar a arma com tanta força, em virtude do medo e da
ansiedade. A moça vivenciara apenas combates menores antes de ser
alocada junto aos Andarilhos das Trevas, mas Des sabia que tinha uma das
melhores pontarias da unidade. A TC-17 aguentava apenas uma dúzia de
tiros antes que seu energipente precisasse ser trocado, mas tinha alcance de
bem mais do que trezentos metros.
Cada um dos quatro esquadrões possuía um sniper. Quando o combate
começasse, a função deles seria ficar de olho no perímetro e não deixar que
soldado algum da República escapasse para avisar o acampamento
principal.
– Está vendo aqueles soldados nas traseiras dos veículos repulsores? Os
que estão nos canhões de laser? – ele perguntou à jovem.
Ela assentiu.
– Se não nos livrarmos deles de algum jeito, vão transformar nossos
esquadrões em pó cerca de dez segundos depois que esta batalha começar.
Ela assentiu mais uma vez, os olhos esbugalhados e assustados. Des tentou
manter a voz calma e profissional para tranquilizar a moça.
– Quero que pense nisso com muita calma agora, soldado. Em quanto
tempo acha que pode derrubá-los daqui?
Ela hesitou.
– Eu… eu nem sei se consigo fazer isso, sargento. Não todos. Não deste
ângulo. Posso mirar no primeiro, mas, assim que ele tombar, duvido que os
outros fiquem parados tempo suficiente pra eu mirar. Certamente vão se
abaixar para se esconder. E, mesmo que eu derrube os atiradores, há mais
meia dúzia de soldados naquela cobertura que podem pular ali para entrar no
lugar deles. Não posso derrubar nove alvos assim tão rápido sozinha,
sargento. Ninguém pode.
Des mordeu o lábio e tentou arranjar uma solução para o problema. Havia
apenas três naves. Se ele pudesse de algum modo mandar uma mensagem ao
sniper de cada esquadrão e fazê-los atirar ao mesmo tempo, poderiam
derrubar os atiradores de surpresa… embora ainda tivessem de impedir os
outros seis soldados de substituí-los.
Ele cortou a própria linha de raciocínio com um palavrão sussurrado. Não
daria certo. Por causa das caixas-i, não havia meio de mandar uma
mensagem aos outros esquadrões a tempo.
O sargento tirou o rifle das mãos de Lucia, ergueu a arma e colocou o olho
na mira para ver melhor a situação. Rapidamente, escaneou a cobertura de
uma ponta a outra, notando a posição de cada soldado da República. Com o
aumento da mira, foi possível ver os traços dos homens com clareza
suficiente para enxergar os lábios se movendo quando falavam.
Não havia esperanças de resolver o impasse. O assentamento era a chave
para tomar Phaseera, e as torres na cobertura eram a chave para tomar o
assentamento. Mas Des estava sem opções e quase sem tempo.
Ele sentiu mais medo do que nunca e respirou fundo para focar a mente. A
adrenalina começou a disparar pelas veias dele conforme redirecionou o
medo a fim de que lhe desse força e poder. Alinhou a mira num dos
atiradores, e um véu vermelho caiu-lhe sobre a visão. E então ele atirou.
Des agiu por instinto, movendo-se rápido demais para deixar seus
pensamentos conscientes entrarem no caminho. Nem viu o primeiro soldado
cair; a mira já estava passando para o alvo seguinte. O segundo atirador teve
tempo apenas de abrir os olhos, surpreso, antes que Des atirasse e passasse
para a terceira, que, entretanto, tinha visto o primeiro atirador tombar e já se
abaixara atrás da parede blindada da abertura da nave para se proteger.
Des resistiu ao impulso de atirar cegamente e moveu a mira num círculo
estreito, procurando, em vão, por uma linha de disparo. O som das armas de
raio explodiu na noite, junto aos gritos e pés pisando firme quando os
Andarilhos das Trevas saltaram do esconderijo e correram para o
assentamento. Seguindo as ordens ao pé da letra, eles atacaram ao som do
primeiro disparo. Des sabia que tinha poucos segundos antes que as torres se
abrissem sobre eles, transformando aquela clareira num campo de matança,
mas não conseguia a mira para derrubar aquela terceira atiradora.
Girou o rifle em desespero, procurando por um novo alvo na cobertura.
Suas vistas pousaram num soldado agachado ao lado de um pequeno latão. O
soldado não se movia, e cobrira o rosto com as mãos, como se para proteger
os olhos. O disparo da arma de Des atingiu-lhe em cheio o peito assim que o
aparelho aos pés do soldado detonou.
– Latão de luz! – gritou Lucia, mas o aviso chegou tarde demais. A
imagem da mira desapareceu num brilhante clarão branco, cegando Des
temporariamente.
Porém, com a visão impedida, de repente ele passou a enxergar tudo com
mais clareza. Soube a posição de cada soldado correndo para proteção;
podia rastrear exatamente onde estavam e o que faziam.
O soldado da terceira torre mirava os canhões para uma das levas de
soldados que avançavam. Na empolgação, a moça ergueu a cabeça um
pouquinho acima das paredes da abertura da nave, deixando um alvo mínimo
exposto. Des derrubou-a com um único tiro; o disparo passou direto por ela,
entrando num dos orifícios de audição do capacete e saindo pelo outro.
Parecia que o tempo desacelerava. Movendo-se com precisão calma e
mortal, Des mirou o rifle no alvo seguinte e atirou no coração dele; menos de
um segundo depois, acertou o soldado ao lado bem no meio dos olhos azuis.
Pegou outro soldado pelas costas enquanto o homem corria para a torre mais
próxima. Outro estava a meio caminho das escadas da abertura quando um
disparo cortou-lhe a coxa, desequilibrando-o. Ele caiu da escada, e Des
mandou-lhe outro disparo contra o peito antes mesmo de ele ir ao chão.
Foi preciso menos de três segundos para detonar oito dos nove soldados.
O último correu para a beirada, na esperança de escapar mergulhando para
fora da cobertura, na outra ponta do edifício. Des deixou-o correr. Sentia o
terror de sua presa fadada vindo às ondas, algo que saboreou o máximo que
pôde. O soldado saltou da cobertura e pareceu pairar em pleno ar por um
segundo; Des atirou seus últimos três disparos no corpo do rapaz, drenando
o energipente da arma.
Então, devolveu a arma a Lucia, piscando rapidamente com as lágrimas
que se juntaram em seus olhos, na tentativa de acalmar as retinas
machucadas. Os efeitos do latão de luz foram apenas temporários; a visão já
começava a retornar. E a segunda visão miraculosa que ele vivenciara estava
sumindo.
Esfregando os olhos, Des sabia que não era hora de pensar no que acabara
de acontecer. Eliminara os atiradores, mas suas tropas ainda estavam em
menor número. Precisavam dele no centro do perigo, não ali nos arredores
da batalha.
– Fique de olho nessa cobertura – ordenou a Lucia. – Se algum desses
republicanos aparecer no topo, derrube-o antes que chegue às torres.
Ela nem respondeu; estava boquiaberta de admiração com o que acabara
de testemunhar.
Des agarrou-a pelos ombros, sacudindo-a com força.
– Volte a si, soldado! Tem trabalho a fazer!
A moça balançou a cabeça para recobrar os sentidos e assentiu, depois
carregou outro energipente na arma. Satisfeito, Des sacou a 21D e avançou
para a clareira, ávido por somar-se ao combate.

Três horas depois, tudo havia terminado. A missão fora um sucesso


completo: o assentamento era deles, e a República não fazia ideia de que
milhares de soldados Sith marchavam pelo vale para atacá-los à primeira luz
da manhã. O combate em si fora curto, mas sangrento: 46 soldados da
República mortos, e 9 de Des. Toda vez que um Andarilho das Trevas
tombava, parte de Des sentia que, de algum modo, ele fracassara, mas, dada
a natureza da missão, manter as fatalidades abaixo de um número de dois
dígitos era mais do que ele podia ter esperado.
Assim que alcançou o objetivo, ele deixou Adanar e um pequeno
contingente para defender o assentamento. Com Des na liderança, o restante
da unidade marchou de volta para o acampamento base.
Ao longo do caminho, ele tentou ignorar os sussurros e olhares furtivos
que o resto da equipe lhe lançava. Lucia espalhara a cena do impressionante
tiroteio, e não se falava em outra coisa na unidade. Nenhum deles foi
corajoso o bastante para dizer algo diretamente a ele, mas dava para ouvir
partes do que se dizia nas fileiras atrás de Des.
Sinceramente, não se podia culpá-los. Lembrando-se da cena, nem mesmo
ele sabia direito o que tinha acontecido. Des era bom de tiro, mas não um
sniper. Contudo, de algum modo, conseguira executar doze disparos
impossíveis com uma arma com a qual nunca atirara antes… a maioria deles,
após ficar momentaneamente cego em virtude de um latão de luz. Estava
além do acreditável. Era como se, quando perdeu a visão, um misterioso
poder tivesse tomado conta dele e guiado suas ações. Foi emocionante, mas
ao mesmo tempo tenebroso. De onde viera esse poder? E por que ele não
podia controlá-lo?
O sargento estava tão envolvido pelos pensamentos que de início nem
notou os estranhos que aguardavam no acampamento. Somente depois que
eles se adiantaram e meteram-lhe algemas de atordoamento nos pulsos que
Des entendeu o que estava acontecendo.
– Bem-vindo, sargento – a voz de Ulabore soou repleta de bile.
Des olhou ao redor. Uma dúzia de policiais – agentes militares de
segurança do exército Sith – o cercava, armas em punho. Ulabore
encontrava-se logo atrás, com um hematoma feio no rosto bem no ponto em
que Des o acertara. Ao fundo, Des podia ver os dois recrutas novos que
deixara a cargo do tenente. Olhavam para o chão, envergonhados.
– Achou mesmo que esses recrutas imaturos conseguiriam manter o
comandante amarrado como um prisioneiro? – provocou Ulabore, protegido
pela muralha de guardas armados. – Achou mesmo que eles obedeceriam à
sua maluquice?
– Essa maluquice salvou as nossas vidas! – gritou Lucia. Des ergueu as
mãos algemadas para pedir silêncio: a situação poderia fugir do controle
muito facilmente.
Visto que nada aconteceu, o tenente pareceu ganhar mais coragem. Saiu de
trás da muralha protetora de agentes e caminhou até Des.
– Eu avisei sobre desobedecer a ordens – zombou ele. – Agora você vai
ver em primeira mão como a Irmandade da Escuridão lida com soldados
amotinados!
Alguns dos Andarilhos das Trevas começaram a levar as mãos lentamente
para as armas, mas Des censurou-os, e todos congelaram. Os policiais já
estavam de armas em punho e não pareciam ter medo algum de usá-las. Os
soldados não conseguiriam dar nem um tiro sequer.
– Qual o problema, sargento? – Ulabore instigou, chegando mais perto do
inimigo derrotado. Perto demais. – Não vai falar nada?
Des sabia que era capaz de matar o tenente com um gesto rápido. Os
policiais o matariam, mas pelo menos Ulabore tombaria junto. Cada fibra do
corpo dele queria atacar e pôr fim às vidas de ambos numa orgia de sangue e
raios de energia. Mas ele conseguiu conter o impulso. Não havia motivo
para desperdiçar a vida. Passar pela corte marcial provavelmente lhe
renderia uma sentença de morte, mas, pelo menos, se ele fosse a julgamento,
teria uma chance.
Ulabore aproximou-se e meteu um tapa na cara de Des, em seguida, cuspiu
nas botas dele e recuou.
– Tirem-no daqui – ordenou aos policiais, dando as costas ao subalterno.
Ao ser levado, Des não pôde deixar de reparar na expressão de Lucia e
dos soldados cujas vidas ele salvara poucas horas antes. Teve a sensação de
que, na próxima vez que a unidade entrasse em combate, Ulabore sofreria um
infeliz – e fatal – acidente.
A ideia provocou o início de um sorriso nos lábios dele.

Os policiais o guiaram pela floresta por horas, com as armas em punho


apontadas para ele o tempo todo. Baixaram somente quando alcançaram os
sentinelas no perímetro do acampamento Sith principal.
– Prisioneiro para corte marcial – disse um dos policiais num tom sem
emoção. – Vá dizer ao lorde Kopecz.
Um dos sentinelas fez uma saudação e saiu correndo.
Eles guiaram Des pelo acampamento, em direção à ponte. Ele percebeu o
reconhecimento da parte de muitos soldados, em seus olhares. Com sua
altura e a cabeça pelada, era uma figura imponente, e muitos soldados das
tropas tinham ouvido falar das proezas dele. Ver um soldado ideal ser
levado perante a corte marcial certamente causava uma sensação estranha.
Chegaram à prisão improvisada do acampamento, um pequeno campo de
contenção sobre um fosso de três metros cúbicos que servia como área para
espiões capturados e prisioneiros. Os policiais haviam tirado as armas do
sargento quando o levaram em custódia; agora fizeram uma busca mais
detalhada e privaram-no dos demais pertences. Depois, baixaram o campo
de contenção e o jogaram lá dentro, sem nem se importar em retirar as
algemas dele. Des caiu sem jeito no chão, no fundo do buraco. Enquanto se
levantava com dificuldade, escutou o zunido inconfundível do campo de
força sendo reativado, selando-o lá dentro.
O fosso estava vazio, só havia Des. Os Sith não tendiam a manter
prisioneiros por muito tempo. Ele começou a pensar que talvez tivesse
cometido um erro terrível. Torcia para que o serviço que sempre prestara lhe
conferisse certa leniência no julgamento, mas agora lhe ocorria que sua
reputação talvez trabalhasse contra ele. Os mestres Sith não eram famosos
pela tolerância e piedade. Ele desobedecera a uma ordem direta: havia
grande chance de que resolvessem fazer dele um exemplo.
Des não sabia dizer há quanto tempo o tinham largado ali no fundo do
fosso. Após certo tempo, pegou no sono, exausto do combate e da caminhada
forçada. Adormecia e acordava; em certo ponto, viu luz do lado de fora da
prisão e soube que tinha amanhecido. Da outra vez que acordou, estava
escuro de novo.
Ainda não o tinham alimentado; seu estômago rugia em protesto,
mastigando a si mesmo. A garganta estava seca; a língua parecia inchada o
bastante para engasgá-lo. Apesar disso, sentia uma pressão crescente na
bexiga, mas não queria se aliviar. O fosso já fedia demais.
Talvez fossem deixá-lo ali apenas para morrer lentamente, sozinho. Dados
os rumores que ele escutara sobre a tortura dos Sith, Des quase torceu para
que acontecesse isso mesmo. Mas ele não tinha desistido. Ainda não.
Quando escutou o som de passos chegando, correu a ficar de pé, ereto e
imponente, mesmo com os punhos algemados à frente do corpo. Atrás do
campo de contenção, podia divisar somente as formas borradas de diversos
guardas parados nas bordas do fosso, junto de outra figura que usava um
manto pesado e escuro.
– Levem-no à minha nave – disse a figura encapuzada numa voz profunda
e rouca. – Vou lidar com esse aí em Korriban.
8

DES NÃO CONSEGUIU VER COM CLAREZA O HOMEM que ordenara sua
transferência. Quando o tiraram do fosso, a figura encapuzada tinha
desaparecido. Deram-lhe comida e água, depois, deixaram-no limpar-se e
refrescar-se. Embora fora libertado das algemas, o sargento continuou
supervisionado por guarda pesada ao subir a bordo da pequena nave de
transporte que seguiria para Korriban.
Ninguém falou com ele na viagem, e Des não sabia o que estava
acontecendo. Pelo menos não se encontrava mais algemado. Preferiu pensar
nisso como um bom sinal.
Chegaram ao destino no meio do dia. Ele esperava que pousariam em
Dreshdae, a única cidade naquele mundo escuro e esquecido. Contudo, a
nave pousou num espaçoporto construído no topo de um antigo templo que
dava para um vale desolado. Um vento frio soprava sobre a pista de pouso
quando ele desembarcou, mas isso não o incomodou. Depois do ar abafado
do fosso, qualquer brisa era bem-vinda. Des sentiu um arrepio percorrer-lhe
a coluna quando os pés tocaram a superfície de Korriban. Ouvira falar que o
planeta um dia fora um local de grande poder, embora na época restassem
apenas sombras do passado. Havia uma malícia subjacente ali; ele a sentira
assim que o transportador entrou na atmosfera erma do planeta.
Do ponto alto em que se encontrava, via outros templos espalhados pela
superfície deserta do planeta. Mesmo naquela distância, podia ver as rochas
erodidas e as pedras desmoronadas das grandes entradas de outrora. Além
do vale, a cidade de Dreshdae era uma mera mancha no horizonte.
Na pista de pouso, Des foi recebido por uma figura encapuzada, mas
soube dizer logo de cara que não era a mesma que fora vê-lo no fosso. Essa
pessoa não tinha nem o tamanho nem o porte impressionante da que o
libertara; mesmo através do campo de contenção Des pôde sentir a presença
autoritária do outro.
Essa figura, que Des pensou ser uma mulher, acenou para que ele a
seguisse. Silenciosamente, ela o guiou por um lance de degraus de pedra
para dentro do templo. Eles cruzaram um patamar e desceram outro lance de
escadas, depois repetiram o padrão, descendo andar após andar, do cume do
templo para o solo abaixo. Havia portas e passagens em cada patamar, e Des
conseguiu ouvir pequenos barulhos e conversas ecoando delas, embora não
soubesse dizer o que era dito.
A figura não falava, e Des achou melhor não romper o silêncio.
Tecnicamente, ainda era um prisioneiro. Até onde sabia, ela o levava para a
corte marcial. Não seria nada bom piorar a situação com perguntas idiotas.
Quando chegaram à base do edifício, ela o guiou por um arco de pedra
com mais um lance de escadas. Porém, essas eram diferentes: estreitas e
escuras, e espiralavam para baixo até desaparecer de vista nas entranhas
profundas do solo. Sem dizer nada, a guia passou a Des uma tocha retirada
de um suporte na parede e abriu caminho para ele.
Perguntando-se que raios estava acontecendo, Des foi descendo
cautelosamente a íngreme escadaria. Não dava para dizer até quão fundo ia;
estava difícil manter qualquer senso de perspectiva nos confins estreitos da
escadaria. Após muitos minutos, chegou à base, apenas para encontrar um
comprido corredor à frente. No final dele, havia um único cômodo.
A sala estava escura e toda sombreada. Apenas umas poucas tochas
bruxuleavam na parede de pedra, com chamas fracas quase incapazes de
atravessar o cômodo.
Des parou na entrada e esperou os olhos se ajustarem. Enxergava apenas
uma figura sob as sombras lá dentro. Ela acenou para ele.
– Aproxime-se.
Des sentiu um arrepio, embora a sala não estivesse nada fria. O próprio ar
apresentava-se eletrificado, saturado de um poder que ele de fato sentia. Des
se surpreendeu por não sentir medo. Reconhecia o sentimento como um
arrepio de excitação.
Conforme foi entrando no cômodo, os traços da figura misteriosa se
tornaram mais claros, revelando tratar-se de um Twi’lek. Mesmo sob o
manto solto que usava, Des via que era um ser robusto e pesado. Com quase
dois metros de altura, certamente era o Twi’lek mais alto que Des já
encontrara… embora não fosse tão grande quanto o próprio Des.
O lekku dele envolvia o peito largo e enrolava o pescoço e os ombros
musculosos; os olhos emitiam um brilho alaranjado sob as sobrancelhas,
minando o reluzir das tochas. Ele sorriu, revelando os dentes pontudos e
afiados típicos de sua espécie.
– Sou o lorde Kopecz, dos Sith – disse ele. Nesse momento, Des não teve
dúvida de que era ele o encapuzado que fora vê-lo no fosso, e fez um gesto
curto de cabeça, cumprimentando-o.
– Devo ser seu inquisidor – explicou o lorde Kopecz, não revelando
emoção alguma na voz. – Somente eu determinarei o seu futuro. Fique certo
de que meu julgamento será final.
Des assentiu mais uma vez.
O Twi’lek fixou os ardentes olhos alaranjados em Des:
– Você não é amigo dos Jedi nem da República.
Não foi uma pergunta, mas Des sentiu-se compelido a responder mesmo
assim.
– Por acaso, algum deles faz alguma coisa por mim?
– Exato – respondeu Kopecz com um sorriso cruel. – Sei que você travou
muitas batalhas contra forças da República. Seus colegas soldados falam
muito bem de você. Os Sith precisam de homens como você se quisermos
vencer esta guerra. – Ele fez uma pausa. – Você era um soldado modelo…
até desobedecer a uma ordem direta.
– Uma ordem equivocada – argumentou Des. Sua garganta se tornara tão
seca e apertada que foi difícil pronunciar as palavras.
– Por que se recusou a atacar o assentamento durante o dia? É um
covarde?
– Um covarde não teria concluído a missão – Des respondeu com acidez,
cutucado pela acusação.
Kopecz pendeu a cabeça de lado e esperou.
– Atacar à luz do dia seria um erro de tática – Des prosseguiu, tentando
firmar seu ponto de vista. – Ulabore devia ter devolvido essa informação ao
comando, mas estava com medo demais. Ele é o covarde da história, não eu.
Eu preferiria correr o risco de morrer pelas mãos da República a desafiar a
Irmandade da Escuridão. Prefiro não jogar a minha vida fora sem
necessidade.
– Isso fica claro pelo seu registro de serviço – disse Kopecz. – Kashyyyk,
Trandosha, Phaseera… se os registros estão corretos, você realizou feitos
incríveis durante seu tempo junto aos Andarilhos das Trevas. Feitos que
alguns diriam ser impossíveis.
Des eriçou-se perante a insinuação.
– Os registros estão corretos – retrucou.
– Não tenho dúvida disso. – Kopecz não notou ou não ligou para o tom da
resposta de Des. – Sabe por que eu o trouxe a Korriban?
Por fim, Des começava a perceber que a situação não envolvia a corte
marcial. Era algum tipo de teste, embora o motivo ele ainda desconhecesse.
– Sinto que fui escolhido para algo.
Kopecz abriu outro sorriso sinistro.
– Ótimo. Sua mente trabalha rápido. O que sabe sobre a Força?
– Não muito – Des admitiu, dando de ombros. – É algo em que os Jedi
acreditam: um grande poder que aparentemente flutua por aí, em algum lugar
do universo.
– E o que sabe sobre os Jedi?
– Sei que acreditam ser os guardiões da República – Des respondeu, não
procurando esconder o desprezo. – Sei que exercem grande influência sobre
o Senado. Sei que muitos acreditam que têm poderes místicos.
– E quanto à Irmandade da Escuridão?
Des pesou com mais cautela as palavras a partir daqui.
– São os líderes do nosso exército e inimigos jurados dos Jedi. Muitos
acreditam que vocês, como eles, têm habilidades sobrenaturais.
– Mas você não?
Des hesitou, esforçando-se para arranjar a resposta que achava que
Kopecz queria ouvir. No fim das contas, não conseguiu descobrir o que o
inquisidor buscava, então simplesmente disse a verdade.
– Acredito que boa parte das histórias é um exagero.
Kopecz assentiu.
– Crença muito comum. Aqueles que não entendem os caminhos da Força
consideram tais contos mito ou lenda. Mas a Força é real, e os que a
dominam possuem um poder que você nem imagina. Você presenciou muitos
combates, mas não vivenciou a guerra de verdade. Enquanto as tropas lutam
pelo controle de planetas e luas, os mestres Jedi e Sith procuram destruir uns
aos outros. Somos direcionados para um confronto final inevitável. A facção
que sobreviver, Sith ou Jedi, determinará o destino da galáxia pelos
próximos mil anos. A verdadeira vitória nesta guerra não será alcançada
pelos exércitos, mas pela Irmandade da Escuridão. Nossa maior arma é a
Força, e os indivíduos que têm o poder de comandá-la. Indivíduos como
você.
Ele fez uma pausa para que suas palavras fossem assimiladas antes de
continuar.
– Você é especial, Des. Tem muitos talentos notáveis. Esses talentos são
manifestações da Força, e serviram-lhe bem enquanto soldado. Mas você
apenas roçou a superfície de seu dom. A Força é real, e ela existe em tudo
ao nosso redor. É possível sentir o poder dela nesta sala. Está sentindo?
Des hesitou por um bom tempo antes de assentir.
– Sinto. O calor. Como fogo esperando para explodir.
– O poder do lado sombrio. O calor da paixão e da emoção. Posso sentir
em você também. Ardendo sob a superfície. Ardendo como a sua raiva. Que
te faz forte.
Kopecz fechou os olhos e pendeu a cabeça para trás, como se se
rejubilando nesse calor. As pontas das caudas da cabeça dele se
contorceram ligeiramente. O único som na sala era o crepitar suave das
chamas das tochas. Uma gota de suor rolou pela lateral da cabeça nua de Des
e desceu-lhe pela nuca. Ele não a limpou, embora tenha de fato trocado o
peso sobre os pés, incomodado quando ela escorreu por entre seus ombros.
O ligeiro movimento pareceu arrancar o Twi’lek do transe.
Ele não tornou a falar por vários segundos, mas estudou Des
detalhadamente com o olhar penetrante.
– Você tocou a Força no passado, mas suas habilidades são uma mancha
insignificante se comparadas ao poder de um verdadeiro mestre Sith – disse
ele finalmente. – Existe grande potencial em você. Se ficar aqui em
Korriban, podemos ensiná-lo a libertá-lo.
Des ficou sem fala.
– Você não seria mais um soldado do fronte de batalha – continuou
Kopecz. – Se aceitar a minha oferta, essa parte da sua vida acaba aqui. Você
será treinado nos meandros do lado sombrio. Vai tornar-se membro da
Irmandade da Escuridão e não retornará aos Andarilhos das Trevas.
Des sentia o coração martelando, a cabeça tonta. Desde sempre, soubera
ser especial por causa de seus talentos únicos. E agora lhe diziam que suas
habilidades não eram nada se comparadas ao que ele podia ainda vir a
realizar.
Entretanto, parte dele não apreciava a ideia de deixar sua unidade sem
nem ter a chance de se despedir. Pensava em Adanar, Lucia e nos outros
como mais do que colegas soldados; eram amigos dele. Poderia mesmo
abandonar todos desse jeito, mesmo que pela chance de unir-se aos mestres
Sith?
Ele se lembrou de uma das últimas coisas que Groshik lhe dissera: Não
conte com a ajuda dos outros. No fim das contas, cada um de nós está
nesta vida sozinho. Os sobreviventes são aqueles que sabem cuidar de si
mesmos.
Ele dera tudo que tinha à sua unidade. Salvara a vida deles vezes demais
para contar. E no final, quando os policiais vieram para levá-lo, nenhum
deles pôde fazer nada para salvar Des. Teriam tentado se ele tivesse
permitido, mas fracassariam. Des aceitava os fatos: sua unidade, seus
amigos, não podiam fazer nada por ele.
Ele contava apenas consigo, como sempre. E seria um tolo se recusasse
essa oportunidade.
– Sinto-me honrado, mestre Kopecz, e aceito de bom grado a sua oferta. –
O caminho dos Sith não é para os fracos – avisou o grande Twi’lek. – Os
que fracassam são… deixados para trás. – Havia algo de sinistro na
entonação dele.
– Não serei deixado para trás – Des respondeu, imperturbável.
– Isso nós ainda veremos – Kopecz apontou. Depois acrescentou: – Esse é
um recomeço para você, Des. Uma nova vida. Muitos dos alunos que vêm
para cá escolhem um novo nome para si. Deixam a vida antiga para trás.
Des não tinha vontade alguma de prender-se a qualquer aspecto de sua
antiga vida. Um pai abusivo, a brutalidade do trabalho nas minas em
Apatros; desde sempre, estivera em busca de uma nova vida. Os Andarilhos
das Trevas constituíram uma escapatória, mas apenas temporária. Agora ele
tinha a chance de deixar o passado para trás de uma vez por todas. Tudo o
que precisava fazer era abraçar a Irmandade da Escuridão e seus
ensinamentos. E, no entanto, por motivo que ele não sabia explicar, sentiu o
aperto do medo fechando-se sobre si. O medo o fez hesitar.
– Quer escolher um novo nome para você, Des? – perguntou Kopecz,
possivelmente captando a relutância do outro. – Quer renascer?
Des assentiu.
Kopecz sorriu mais uma vez.
– E por qual nome deveremos chamá-lo agora?
O medo não o impediria. Ele dominaria o medo, transformaria,
controlaria. Pegaria aquilo que um dia o fizera fraco e usaria para tornar-se
forte.
– Meu nome é Bane. Bane dos Sith.

Lorde Qordis, elevado mestre da Academia Sith de Korriban, coçou o


queixo com dedos longos feito garras.
– Esse aluno que você me trouxe, esse Bane, nunca foi treinado nos
caminhos da Força?
Kopecz negou, sacudindo um pouco seu lekku, aborrecido.
– Como eu já disse, Qordis, ele cresceu em Apatros, um mundo
controlado pela CMO.
– Entretanto, você conseguiu achar o rapaz e trazê-lo aqui para a
Academia. Chega a parecer conveniente demais.
O robusto Twi’lek rosnou.
– Isso não é um complô contra você, Qordis. Não somos mais assim.
Somos uma irmandade agora, lembra? Está desconfiado demais.
Qordis riu.
– Desconfiado, não, preocupado. Isso me ajudou a manter minha posição
aqui entre tantos Sith jovens poderosos e ambiciosos.
– Ele é tão poderoso quanto qualquer um deles – insistiu Kopecz.
– Mas é mais velho também. Preferimos arranjar alunos mais novos,
quando estão mais… maleáveis.
– Agora você falou como um Jedi – zombou Kopecz. – Procuram pupilos
cada vez mais jovens, querendo encontrá-los puros e inocentes. Com o
tempo, vão recusar qualquer um que não seja criança. Devemos nos apressar
para pescar esses que eles deixam para trás. Além disso – prosseguiu –,
Bane é forte demais para ser posto de lado, mesmo para os Jedi. Tivemos
sorte de encontrá-lo antes deles.
– Sim, sorte – ecoou Qordis, a voz pingando sarcasmo. – A chegada dele
aqui parece o resultado incrível de diversos eventos fortuitos. Muita sorte
mesmo.
– Alguns podem enxergar desse modo – Kopecz admitiu. – Outros podem
ver como algo além. Destino, quem sabe.
Fez-se silêncio enquanto Qordis considerava as palavras de seu rival de
tanto tempo.
– Os outros acólitos vêm treinando há muito anos. Ele vai ficar bem para
trás – disse, finalmente.
– Ele vai alcançar, se tiver chance – insistiu Kopecz.
– E me pergunto… será que os outros vão dar-lhe essa chance? Não se
forem espertos. Receio estarmos apenas jogando no lixo um dos melhores
soldados de lorde Kaan.
– Nós dois sabemos muito bem que os Jedi não serão derrotados por
soldados – atacou Kopecz. – Eu ficaria muito contente de trocar mil de
nossos melhores soldados por um único mestre Sith.
Qordis pareceu aturdido pela reação apaixonada.
– Ele é tão forte assim? Esse Bane?
Kopecz assentiu.
– Acho que ele pode ser aquele que temos procurado. Pode ser o Sith’ari.
– Antes que reivindique esse título – disse Qordis com um sorriso
ardiloso –, ele terá de sobreviver ao treinamento.
PARTE DOIS
9

A paz é uma mentira, só existe paixão.


Por meio da paixão, ganho força.
Por meio da força, ganho poder.
Por meio do poder, ganho a vitória.
Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.

KOPECZ SE FORA, REUNIDO AO EXÉRCITO DE KAAN e à guerra travada contra os


Jedi e a República. Bane permanecera na Academia Sith, em Korriban, para
aprender os modos dos Sith. Sua primeira lição começou na manhã seguinte,
aos pés do próprio lorde Qordis.
– Os princípios dos Sith são mais do que meras palavras a serem
memorizadas – explicava o mestre da Academia a seu mais novo aprendiz. –
Aprenda-as, entenda-as. Elas o levarão ao verdadeiro poder da Força: o
poder do lado sombrio.
Qordis era mais alto que Kopecz. Mais alto até que Bane. Muito magro,
vestia um robe negro, solto, com o capuz jogado para trás, cobrindo-lhe os
ombros. Talvez fosse humano, mas algo em sua aparência parecia diferente.
Sua pele tinha um tom pálido, anormal, evidenciada ainda mais pelas
reluzentes pedras preciosas encrustadas nos diversos anéis de seus dedos
compridos. Os olhos eram obscuros e profundos. Os dentes, afiados e
pontudos, e as unhas, garras curvas e ferozes.
Bane encontrava-se ajoelhado à frente dele, igualmente coberto por um
manto escuro com o capuz jogado para trás. Mais cedo, nessa manhã, ele
escutou o código dos Sith pela primeira vez, e as palavras ainda estavam
frescas, envoltas em mistério. Elas giravam pelas correntes da mente dele,
ocasionalmente borbulhando para pensamentos conscientes, enquanto Bane
tentava absorver o significado a elas subjacente. A paz é uma mentira.
Existe apenas a paixão. Ele sabia que pelo menos o primeiro princípio era
verdade. Toda sua vida fora prova disso.
– Kopecz me disse que você chegou até nós como um aprendiz cru –
comentou Qordis. – Disse que você nunca foi treinado nos meandros da
Força.
– Eu aprendo rápido – Bane garantiu.
– Sim… e é forte no poder do lado sombrio. Mas o mesmo pode ser dito
de todos que vêm para cá.
Sem saber como responder, Bane concluiu que o mais sábio a fazer era
permanecer calado.
– O que sabe sobre esta Academia? – Qordis perguntou finalmente.
– Os alunos, aqui, aprendem a usar a Força. Aprendem os segredos do
lado sombrio com você e com os outros lordes Sith. – Após uma breve
hesitação, acrescentou: – E sei que existem muitas outras academias como
esta.
– Não – corrigiu Qordis. – Não como esta. É verdade que temos outras
instalações de treinamento espalhadas por nosso império sempre crescente,
lugares em que indivíduos com potencial são ensinados a controlar e a usar o
próprio poder. Mas cada instalação é única, e o local para onde cada aluno é
enviado depende de quanto potencial nós vemos neles. Os que têm
habilidade notável, porém limitada, são enviados a Honoghr, Gentes ou
Gamorr a fim de virar guerreiros ou corsários Sith. Lá eles aprendem a
canalizar as emoções para uma raiva selvagem e a fúria do combate. O
poder do lado sombrio os transforma em feras selvagens da morte e da
destruição a serem lançadas contra nossos inimigos.
Por meio da paixão, ganho força, pensou Bane. Mas, quando falou, disse:
– A força bruta sozinha não basta para derrubar a República.
– Verdade – concordou Qordis. Pelo tom de voz, Bane soube que tinha
dito aquilo que o mestre queria ter ouvido. – Os que possuem maior
capacidade são enviados a mundos que se juntaram à nossa causa para
destruir a República: Ryloth, Umbara, Nar Shadaa. Esses alunos tornam-se
criaturas das sombras, aprendem a usar o lado sombrio para o segredo, o
engano e a manipulação. Os que sobrevivem ao treinamento tornam-se
assassinos implacáveis, capazes de drenar o lado sombrio para matar seus
alvos sem mover um músculo sequer.
– Entretanto, nem mesmo eles são páreo para os Jedi – Bane acrescentou,
pensando ter entendido o rumo da lição.
– Precisamente – concordou o mestre. – As Academias de Dathomir e
Iridonia são as mais similares a esta aqui. Lá, os aprendizes estudam junto
dos mestres Sith. Os que têm sucesso no treinamento tornam-se os adeptos e
acólitos que avolumam as fileiras de nossos exércitos. São a contrapartida
dos cavaleiros Jedi, que bloqueiam o caminho de nossa conquista final. Mas,
assim como os cavaleiros Jedi devem obediência aos mestres Jedi, os
adeptos e acólitos devem responder aos lordes Sith. E os que têm potencial
para se tornarem lordes Sith, e somente os que têm tal potencial, são
treinados aqui em Korriban.
Bane sentiu um arrepio de excitação. Por meio da força, ganho poder.
– Korriban é a antiga casa dos Sith – explicou Qordis. – Este planeta é um
local de grande poder. O lado sombrio vive e respira no centro deste mundo.
Ele parou e lentamente estendeu a mão esquelética, com a palma para
cima. Quase pareceu que aninhava algo invisível – algo precioso e
inestimável – em seus dedos de garra.
– Este templo no qual nos encontramos foi construído muitos milhares de
anos atrás para coletar e focar esse poder. Aqui você sente o lado sombrio
no máximo de sua força. – Ele fechou o punho tão apertado que suas unhas
compridas cortaram a pele, arrancando-lhe sangue. – Você foi escolhido
porque tem grande potencial – sussurrou ele. – Grandes feitos são esperados
dos aprendizes de Korriban. O treinamento é difícil, mas as recompensas são
grandiosas para aqueles que vão bem.
Por meio do poder, ganho a vitória.
Qordis estendeu a mão e colocou a palma machucada sobre a cabeça nua
de Bane, banhando-o com o sangue de um lorde Sith. Bane vira bastante
sangue enquanto soldado, entretanto por algum motivo esse ato cerimonial de
automutilação o enojou mais do que o sangue derramado no campo de
batalha. Teve de se esforçar para não recuar.
– Você tem potencial para tornar-se um de nós… para fazer parte da
Irmandade da Escuridão. Juntos, podemos quebrar as correntes da
República.
Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.
– Porém, mesmo os que têm tal potencial podem fracassar – concluiu
Qordis. – Creio que você não vai nos desapontar.
Bane não tinha intenção alguma de fazer isso.
As semanas seguintes passaram voando, visto que Bane mergulhou de
cabeça nos estudos. Para a própria surpresa, ele descobriu que sua
inexperiência com a Força era a exceção à regra. Muitos dos alunos tinham
treinado por meses ou anos antes de serem aceitos na Academia de
Korriban.
Inicialmente, Bane ficou preocupado. Estava apenas começando seu
treinamento, mas já atrasado. Num ambiente assim tão competitivo e
implacável, ele seria um alvo fácil para todos os outros alunos. Entretanto,
ao refletir mais sobre a questão, começou a perceber que não era assim tão
vulnerável quanto julgara.
Somente ele, de todos os aprendizes da Academia, fora capaz de
manifestar o poder do lado sombrio sem treinamento algum. Usara-o tão
frequentemente que nem percebia que o estava fazendo. O poder lhe dera
vantagem sobre oponentes no baralho e nas brigas. Na guerra, avisara-o
sobre o perigo e o levara à vitória em circunstâncias de outro modo
impossíveis.
E fizera tudo isso por instinto, sem treinamento algum, sem nem ter noção
do que fazia. Agora, pela primeira vez, aprendia a usar de verdade suas
habilidades. Não era preciso preocupar-se com os demais alunos… no mais,
eles é que deveriam se preocupar com ele. Quando concluísse o treinamento,
nenhum deles poderia equiparar-se a Bane.
A maioria das lições era recebida aos pés de Qordis e dos outros mestres:
Kas’im, Orilltha, Shenayag, Hezzoran e Borthis. Havia sessões de treino em
grupo na Academia, mas eram raras e distantes uma da outra. Não se podia
permitir aos fracos e lentos que atrasassem os fortes e ambiciosos. Os alunos
aprendiam segundo o próprio ritmo, movidos pelo desejo e pela fome de
poder. Havia, contudo, quase seis alunos para cada mestre, e os aprendizes
precisavam provar seu valor antes que um dos instrutores resolvesse passar
um tempo valioso ensinando-lhes os segredos dos Sith.
Embora fosse neófito, Bane achou fácil atrair a atenção dos lordes Sith,
em especial de Qordis. Ele sabia que essa atenção extra inevitavelmente
geraria a animosidade da parte dos outros alunos, mas forçou-se a não
pensar nisso. Com o tempo, a instrução adicional que recebia dos mestres
lhe permitiria alcançar e ultrapassar os outros aprendizes e, assim que isso
ocorresse, ele não precisaria se preocupar com ciúmes infantis. Até então,
tinha o cuidado de se manter fora do caminho dos outros e não atrair muita
atenção para si.
Quando não estava aprendendo com os mestres, ficava na biblioteca,
estudando registros antigos. Assim como os Jedi mantinham seus arquivos no
Templo de Coruscant, os Sith começaram a coletar e estocar informações
nos arquivos do Templo de Korriban. Contudo, ao contrário da biblioteca
Jedi – na qual boa parte dos dados era guardada em formato eletrônico,
hologrâmico ou em holocron –, a coleção dos Sith era limitada a
pergaminhos, tomos e manuais. Nos 3 mil anos-padrão desde que Darth
Revan quase destruíra por completo a República, os Jedi perpetravam uma
batalha exaustiva para erradicar as ferramentas de ensino do lado sombrio.
Todos os holocrons Sith conhecidos foram destruídos ou escondidos no
Templo Jedi de Coruscant, para proteção. Havia muitos rumores de
holocrons Sith ainda por descobrir – escondidos em mundos remotos ou
ambiciosamente acumulados por um dos mestres sombrios ávidos por manter
o conhecimento secreto somente para si. Mas todos os esforços da
Irmandade para encontrar esses tesouros perdidos mostraram-se fúteis,
forçando-a a valer-se de tecnologias primitivas de papel de flimsiplast.
E, como a coleção constantemente aumentava, os índices e as referências
acabavam ficando desatualizados. Pesquisar os arquivos constituía em geral
um exercício de futilidade ou frustração, e boa parte dos alunos sentia que
seu tempo era mais bem gasto tentando aprender dos mestres ou
impressioná-los.
Talvez por ser mais velho que muitos dos outros, ou talvez porque seus
anos enquanto minerador o ensinaram a ter paciência – qualquer que fosse a
explicação, Bane passava diversas horas estudando esses registros antigos.
Achava-os fascinantes. Muitos dos pergaminhos eram registros históricos
que contavam as batalhas antigas ou glorificavam os feitos dos antigos
lordes Sith. Em si, a informação era de pouco uso prático, mas ele podia ver
cada obra individual pelo que de fato representava: um pedacinho de um
quebra-cabeça muito maior, uma pista que levava a um entendimento ainda
maior.
Os arquivos suplementavam o que ele aprendia com os mestres. Davam
contexto a lições abstratas. Bane sentia que, com o tempo, esse conhecimento
antigo seria a chave para destravar todo o seu potencial. E, assim, seu
entendimento da Força lentamente ganhava forma.
Mística e inexplicável, a Força era também natural e essencial: uma
energia fundamental que ligava o universo e conectava todos os seres vivos
que nele habitavam. Essa energia, esse poder, podia ser colhido. Podia ser
manipulado e controlado. E, por meio dos ensinamentos do lado sombrio,
Bane aprendia a dominá-lo. Ele praticava meditação e exercícios diários,
em geral sob o olhar atento de Qordis. Após poucas semanas, aprendeu a
mover pequenos objetos apenas com o pensamento – algo que consideraria
impossível pouco tempo antes.
Entretanto, agora ele entendia que aquilo era somente o começo.
Começava a compreender uma grande verdade num nível profundo,
fundamental: que a força da sobrevivência devia vir de dentro. Os outros
sempre decepcionam. Amigos, família, colegas soldados… No fim das
contas, cada pessoa deve viver só. Quando em necessidade, deve olhar para
dentro de si.
O lado sombrio nutria o poder do individual. Os ensinamentos dos
mestres Sith o tornariam forte. Agradando-lhes, Bane poderia libertar seu
potencial inteiro e, um dia, sentar-se entre eles.

Quando veio a primeira onda de ataque, a frota da República que orbitava


os céus de Ruusan foi pega totalmente de surpresa. Planeta pequeno e
insignificante politicamente, o mundo muito arborizado fora usado como
base para encenar devastadores ataques rápidos contra as forças Sith
alocadas no sistema Kashyyyk, ao lado. Agora o inimigo voltava a mesma
estratégia contra eles.
Os Sith atacavam sem aviso, materializando-se em massa do hiperespaço:
manobra quase suicida para frota tão maciça. Antes que um alarme soasse,
as naves da República flagraram-se bombardeadas por três cruzadores
couraçados, dois corsários, dezenas de interceptadores e caças buzzard. Na
ponta do ataque, estava a nave de comando da Irmandade da Escuridão, o
destróier Sith Anoitecer.
Em sua esfera de meditação, a bordo da Anoitecer, lorde Kaan dirigia o
ataque. De dentro da câmara, ele podia comunicar-se com qualquer outra
nave, mandando ordens com a certeza de que seriam instantânea e
completamente obedecidas. A câmara estava vívida de tanta luz e som:
monitores brilhantes e telas reluzentes piscavam incessantemente para alertá-
lo das constantes atualizações no status da batalha.
O lorde sombrio, contudo, jamais fitava as telas. Sua percepção estendia-
se muito além da esfera de meditação, muito além do jorro de dados e das
leituras eletrônicas. Ele sabia a localização de cada veículo engajado no
conflito: seus e do inimigo. Sentia cada voleio disparado, cada desvio em
curva ou rolamento, cada ataque e contra-ataque feito por toda nave. Em
geral, podia senti-los antes mesmo de acontecerem.
O cenho estava franzido de intensa concentração: a respiração vinha em
sugadas longas e irregulares. Gotas de suor rolavam por seu corpo trêmulo.
O esforço era enorme, entretanto, com a ajuda da esfera de meditação, ele
mantinha o foco mental, sorvendo o lado sombrio da Força para influenciar o
resultado do conflito, mesmo com toda a exaustão física.
A arte do combate meditativo – arma passada aos descendentes pelos
antigos feiticeiros Sith – botava muitas fileiras inimigas no caos,
alimentando-lhes o medo e a desesperança, esmagando-lhes os corações e
espíritos com árido desespero. Cada passo em falso do inimigo era
ampliado, cada hesitação era transformada numa cascata de erros e
equívocos que sobrepujavam até as tropas mais disciplinadas. O combate
acabara de começar, mas o resultado já estava selado.
A tropa da República entrou em total desorganização. Duas de suas naves
capitais classe hammerhead tinham perdido os campos de força principais
no primeiro ataque dos buzzards. Agora os corsários Sith avançavam,
mirando as subitamente vulneráveis hammerheads com seus devastadores
canhões de laser frontais. Prestes a serem danificadas e totalmente
incapacitadas, apenas agora elas conseguiam enviar os próprios caças para
afugentar os cruzadores inimigos que se aproximavam com rapidez.
As outras duas naves capitais eram assoladas por Raiva e Fúria, as duas
naves Sith. As pesadas hammerheads da República valiam-se de naves de
apoio para estabelecer uma linha defensiva a fim de conter os atacantes
enquanto se posicionavam para pôr armamento pesado em funcionamento.
Sem essas linhas defensivas, ficavam totalmente vulneráveis perante os
corsários, mais velozes e ligeiros. A manobra selvagem era conhecida como
talho no deque, e, sem o apoio de seus caças ou das naves de batalha, as
naves capitais não durariam muito tempo.
A ajuda das naves da República, contudo, muito provavelmente não estava
por vir. A que patrulhava já era somente um casco chamuscado sem vida,
obliterada nos primeiros segundos do ataque por um disparo direto das
armas da Anoitecer antes que pudesse erguer seus escudos. As outras duas
foram assoladas por interceptadores e massacradas pela artilharia pesada de
lasers da Anoitecer, e não conseguiram durar muito mais que a primeira.
Kaan podia sentir tudo: o pânico instalara-se entre as tropas e os
comandantes da República. Seu ataque fora ofensa pura; sua estratégia
maximizara os danos, mas deixara as próprias naves expostas e vulneráveis
a um contra-ataque bem organizado. Tal resposta, entretanto, não viria. Os
capitães da República foram incapazes de coordenar seus esforços,
incapazes de estabelecer suas linhas de defesa. Nem puderam organizar um
recuo adequado… Foi impossível escapar. A vitória era dele!
E então, subitamente, a Fúria se fora, detonada por uma explosão que
rasgou o corsário ao meio. Aconteceu tão rapidamente que Kaan – mesmo
com a ciência precognitiva de seu combate meditativo – nem pressentiu que
ocorreria. As duas hammerheads haviam se posicionado em ângulos
tangenciais, ambas de algum modo mirando o caminho da Fúria
simultaneamente. Uma abrira a sequência com os canhões frontais para
derrubar os campos de força da Fúria, enquanto a outra emanara uma onda
de disparos de laser exatamente no mesmo ponto, causando uma detonação
massiva que destruiu a nave de guerra num piscar de olhos. Foi uma manobra
brilhante: duas naves coordenando seus esforços com perfeição ainda que
sob implacável ataque para destruir o inimigo em comum. Impossível,
também.
Kaan ordenou à Raiva que entrasse em curso de evasão; o corsário
desistiu de sua rota de ataque assim que as hammerheads abriram fogo,
evitando por pouco o mesmo destino de sua nave irmã. Os corsários que
avançavam para as hammerheads danificadas também foram forçados a
romper o ataque quando quatro esquadrões de caças da República
dispararam dos deques de carga da supostamente indefesa presa. Mesmo sob
condições ideais, teria sido difícil afugentar os caças com tanta rapidez;
nessa situação, era impensável. Entretanto, Kaan podia senti-los: quase
cinquenta caças aurek voando em justa formação, forçando o ataque sobre os
corsários enquanto todas as quatro hammerheads recuavam. Estavam
estabelecendo uma linha de defesa!
Munindo-se do poder do lado sombrio, lorde Kaan estendeu sua
consciência para tocar a mente dos inimigos. Estavam assustados, mas não
desesperados. Alguns sentiam medo, mas nenhum se encontrava em pânico.
Tudo o que ele captou foi disciplina, propósito e determinação. E então
sentiu algo a mais. Outra presença na batalha.
Era sutil, mas ele teve certeza de que ela não estava ali nos primeiro
minutos do ataque. Alguém usava a Força para incrementar a moral das
tropas da República. Alguém usava do lado luminoso para contrapor os
efeitos do combate meditativo de Kaan e virar a maré a favor deles. Somente
um mestre Jedi teria força suficiente para opor-se à vontade de um lorde
Sith.
Kopecz também sentiu a presença. Preso ao assento de seu interceptor,
estava girando e manobrando por entre a fileira de torres de raios anti-caças
das hammerheads quando a presença do mestre Jedi ruiu sobre ele feito uma
onda. Ela o pegou desprevenido, fazendo-o perder o foco por um átimo de
segundo. Para qualquer outro piloto, isso bastaria para pôr fim à sua vida,
mas Kopecz não era um piloto qualquer.
Reagindo com uma rapidez nascida do instinto, nutrida pelo treinamento e
incrementada pelo poder do lado sombrio, ele meteu a alavanca para trás e
puxou com força o manche. O interceptor desceu para a frente num mergulho
íngreme, desviando por pouco de três disparos sucessivos dos canhões de
íons da hammerhead. Recuperado do mergulho, realizou um giro amplo e
circulou de volta para o maior dos cruzadores da República. O Jedi estava
ali. Era possível senti-lo: a Força emanava da nave feito um chamado.
Kopecz pôs-se a caminho para matá-lo.
Na Anoitecer, Kaan também estava preso em combate mortal com o
mestre Jedi, embora a deles fosse uma batalha travada por meio das naves e
pilotos de suas respectivas tropas. A República tinha mais naves com poder
de fogo superior; Kaan contara até então com o elemento surpresa e seu
combate meditativo para dar vantagem aos Sith. Agora, contudo, as duas
vantagens foram anuladas. Apesar de sua força, o lorde sombrio não era
nenhum expert na arte do combate meditativo. Era um de muitos talentos, e
ele trabalhara para desenvolver todos de modo igual. Seu oponente Jedi,
contudo, fora provavelmente treinado desde o nascimento para um confronto
desse tipo. A maré da batalha aos poucos trocava de lado, e o lorde sombrio
começava a se desesperar.
Ele reuniu sua vontade e lançou um ataque súbito com o poder do lado
sombrio, uma jogada desesperada para devolver-lhe o controle do confronto.
Empurrados pela adrenalina, pela sede de sangue e pela compulsão
irresistível de seu líder, um par de pilotos de buzzard tentou arremeter contra
o esquadrão de aureks mais próximo, determinados a quebrar a formação
com um ataque suicida. Contudo, os pilotos da República não entraram em
pânico nem abriram a fileira para evitar esse assomo de imprudência. Em
vez disso, receberam o ataque de frente, empregando as próprias armas para
vaporizar o inimigo antes mesmo que pudessem causar algum dano.
Do outro lado do combate, o interceptor de Kopecz cortou o perímetro
defensivo estabelecido em torno da nave capital e sua preciosa carga Jedi,
rápido e ligeiro demais para que os caças aurek ou as torres mirassem nele.
Penetrando as linhas da República, Kopecz levou sua nave para o coração
do hangar principal; as portas fecharam-se uma fração de segundo tarde
demais. Ele abriu fogo enquanto sua nave girava e deslizou pelo piso do
deque de ancoragem, assolando boa parte dos soldados que tiveram a
infelicidade de serem pegos ali dentro.
Quando a nave parou, Kopecz abriu a escotilha e saltou do banco.
Pousando ligeiro de pé, com um único movimento, sacou e ativou seu sabre
de luz. O primeiro arco da lâmina carmesim varreu os disparos de laser dos
dois soldados que sobreviveram ao ataque inicial, refletindo-os para não
causar danos. Outro movimento cobriu a distância de seis metros que
separava o Twi’lek de seus atacantes; um terceiro arco da lâmina encerrou a
vida deles.
Kopecz parou para avaliar a situação. Corpos mutilados e maquinário
estilhaçado foi tudo o que restou da tripulação e do equipamento de
manutenção dos caças da República. Sorrindo, cruzou a escotilha que levava
ao interior da nave capital.
O Sith foi andando rápido, confiante, pelos corredores, guiado pelo poder
que emanava do mestre Jedi feito um tuk’ata atraído pelo odor de um
squellbug. Uma equipe de segurança o interceptou num dos corredores. As
faixas vermelhas nas mangas das blusas indicavam ser um esquadrão de elite
de soldados especialmente treinados: os melhores guarda-costas que o
exército da República tinha a oferecer. Kopecz sabia que deviam ter sido
bons… um conseguiu de fato disparar a arma duas vezes antes de toda a
unidade tombar sob o sabre de luz dele.
Kopecz entrou numa ampla câmara com uma única porta no fundo. Sua
presa encontrava-se atrás dessa porta, mas no centro da sala havia um par de
Selkath – seres anfíbios do planeta Manaan – barrando o caminho deles com
sabres de luz em punho. Contudo, eram meros padawans, servos do mestre
Jedi. Kopecz nem se deu o trabalho de enfrentá-los num combate de sabres
de luz. Em vez disso, meteu no ar seu punho musculoso e usou a Força para
arremessá-los ao outro canto da sala. O primeiro padawan foi nocauteado
pelo impacto. Quando começou a levantar-se, meio tonto, sua companheira
já estava morta, tendo a vida estrangulada pelo poder do lado sombrio.
O padawan remanescente recuou quando Kopecz avançou lentamente; o
lorde Sith cruzou a sala com passos comedidos, reunindo seu poder. Ele o
libertou numa tempestade elétrica; raios de relâmpagos azul-violeta
rasgaram a carne da infeliz vítima. O corpo do Selkath dançou em
convulsões de agonia até que, chamuscado, finalmente desabou no chão.
Kopecz alcançou a porta no fundo da sala, abriu-a e entrou na pequena
câmara de meditação. Uma Cereana idosa, coberta pelos simples robes
marrons de uma mestre Jedi, encontrava-se sentada, de pernas cruzadas, no
chão. Seu rosto enrugado e amassado estava banhado de suor, decorrente do
esforço de usar seu combate meditativo contra Kaan e os Sith.
Exausta, esgotada, ela não seria páreo para o lorde Sith que se impunha
sobre ela. Entretanto, não demonstrou intenção alguma de fugir nem de se
defender. Com a morte certa a segundos de si, manteve a mente e o poder
focados inteiramente no combate galáctico.
Kopecz não pôde deixar de admirar a coragem dela, mesmo enquanto a
matava metodicamente. A aceitação tranquila daquele ser roubou qualquer
sabor de sua vitória.
– A paz é uma mentira – ele murmurou para si mesmo enquanto caminhava
pelos corredores de volta ao deque de ancoragem e à nave que o aguardava,
ansioso para partir antes que a Anoitecer ou alguma outra nave despedaçasse
a hammerhead.
A morte da mestre Jedi tornou a virar a maré. A resistência ruiu; a batalha
passou para uma investida Sith, depois um massacre. Não mais protegidos
pelo poder do lado luminoso da Força, os soldados da República ficaram
completamente desmoralizados pelo terror e pelo desespero que Kaan lhes
infundia na mente. Quem tinha mais força de vontade desistiu de qualquer
esperança que não fosse escapar vivo do combate. Os fracos foram deixados
tão abandonados que podiam somente torcer por uma morte rápida e
misericordiosa. Os primeiros não conseguiram o que queriam; os segundos
sim.
Protegido na cabine de seu interceptor, Kopecz lançou sua nave do hangar
poucos segundos antes de a nave capital ser destruída numa gloriosa e
cataclísmica explosão.
As perdas dos Sith nesse dia foram maiores do que o esperado, mas a
vitória deles foi absoluta. Nenhuma nave, piloto nem soldado da República
escapou vivo da Primeira Batalha de Ruusan.
10

O PODER DE BANE CRESCIA. Em poucos meses de treinamento, ele aprendera


muito sobre a Força e o poder do lado sombrio. Fisicamente, sentia-se mais
forte do que nunca. No treinamento de corrida matinal conseguia correr
quase em velocidade total por cinco quilômetros antes de começar a ofegar.
Seus reflexos estavam mais rápidos, sua mente e seus sentidos, mais
aguçados do que ele imaginaria ser possível.
Quando necessário, podia canalizar a Força por meio do próprio corpo,
dando-lhe assomos de energia que lhe permitiam realizar feitos
aparentemente impossíveis: dar saltos mortais completos direto do solo;
sobreviver, sem ferimentos, a quedas de alturas incríveis; saltar dez metros
ou mais verticalmente.
Bane vivia com total noção de seus arredores o tempo todo, sentindo a
presença dos outros. Às vezes, até captava as intenções destes, vagas
impressões de seus pensamentos. Era capaz de levitar objetos maiores
agora, e por períodos mais longos. A cada lição, seu poder crescia. Foi se
tornando mais e mais fácil comandar a Força e colocá-la ao seu dispor. E, a
cada semana, Bane percebia que ultrapassava mais um dos aprendizes que
antes estiveram à frente dele.
Passava cada vez menos tempo estudando os arquivos, os pergaminhos
antigos. Seu fascínio inicial para com eles foi cedendo, varrido pela
intensidade da vida acadêmica. Absorver o conhecimento dos mestres há
muito tempo mortos era um prazer frio e estéril. Registros históricos não
podiam competir com a sensação de excitação e poder que ele sentia quando
de fato usava a Força. Bane fazia parte da Academia e da Irmandade da
Escuridão. Fazia parte do presente, não de um passado distante.
Começou a passar mais tempo misturando-se aos outros alunos. Já podia
notar que alguns deles sentiam ciúme, embora ninguém ousasse se colocar
contra ele. A competição entre os alunos era encorajada, e os mestres
permitiam que a rivalidade passasse para a animosidade e o ódio que
alimentavam o lado sombrio. Mas havia duras penalidades para qualquer
aprendiz flagrado interferindo ou perturbando o treinamento de outro aluno.
Claro que todos os aprendizes entendiam que a punição era, na verdade,
em virtude do crime de ser negligente o bastante para ser pego em flagra. A
traição era tacitamente aceita, contanto que feita com habilidade suficiente
para evitar que os instrutores a notassem. O progresso fenomenal de Bane o
protegia das maquinações dos colegas; ninguém conseguia avançar contra ele
sem chamar a atenção de Qordis ou dos outros lordes Sith.
Infelizmente, a atenção extra dificultava ao próprio Bane que usasse de
traição, manipulação ou técnicas similares para ganhar mais status dentro da
Academia.
Havia, contudo, um modo sancionado para os alunos derrubarem um rival:
o combate de sabres de luz. Arma preferida de Jedi e Sith, o sabre de luz
representava mais do que apenas uma lâmina de energia capaz de cortar
praticamente todo material da galáxia conhecida. O sabre de luz era uma
extensão do usuário e seu comando da Força. Somente aqueles com estrita
disciplina mental e total maestria física podiam usar a arma com
eficiência… Pelo menos, era isso que ensinavam a Bane e aos demais.
Poucos alunos já possuíam, de fato, sabres de luz; ainda tinham de provar-
se dignos do olhar de Qordis e dos outros. Entretanto, isso não impedia
lorde Kas’im, o mestre espadachim Twi’lek, de instruí-los nos estilos e nas
técnicas que usariam assim que finalmente conquistassem suas armas. Toda
manhã, os aprendizes se reuniam na ampla e aberta cobertura do templo a
fim de praticar treinos e sequências sob olhar cuidadoso, esforçando-se para
aprender as manobras exóticas que lhes trariam a vitória no campo de
batalha.

O suor já escorria pela cabeça de Bane, por cima dos olhos, conforme seu
corpo executava a sequência. Ele piscou o suor ardido e redobrou os
esforços, cortando o ar à sua frente de novo e de novo com o sabre de treino.
Ao redor dele, outros aprendizes faziam o mesmo; cada um lutava para
superar suas limitações físicas e tornar-se mais do que um guerreiro com
uma arma. O objetivo era tornarem-se verdadeiras extensões do lado
sombrio.
Bane começara aprendendo as técnicas básicas comuns a todas as sete
formas tradicionais do sabre de luz. Passou as primeiras semanas em
repetições intermináveis das posturas de defesa, ataques por cima, desvios e
contra-ataques. Observando as tendências naturais dos alunos ao aprenderem
o básico, lorde Kas’im determinava que forma se adequaria melhor ao estilo
de cada um. Para Bane, escolheu a Forma V, Djem So. Ela enfatizava a força
e a potência, permitindo a Bane que utilizasse seus músculos em vantagem
própria. Somente depois de realizar cada um dos movimentos da Djem So de
acordo com o que satisfazia Kas’im, ele poderia começar o treinamento em
si.
Agora, junto aos outros alunos da Academia, Bane passava quase uma
hora toda manhã praticando suas técnicas com o sabre de luz sob o olhar
atento do mestre espadachim. Feitos de hiperaço com gumes cegos, os sabres
de treinamento eram fabricados especialmente para que seu equilíbrio e peso
imitassem os raios de energia projetados pelos sabres de luz verdadeiros.
Um golpe sólido era capaz de infligir dano sério, mas, visto que um sabre de
luz não funcionava assim, cada lâmina de treino era também coberta por
milhões de rebarbas cheias de toxina pequenas demais para ver, feitas a
partir dos microscópicos espinhos dorsais do mortal pelko – inseto raro
encontrado somente nos confins do deserto do Vale dos Lordes Sombrios, em
Korriban. Com um golpe direto, as minúsculas rebarbas fincavam por entre
qualquer tecido; o veneno do pelko fazia a carne arder e inchar
imediatamente. Uma paralisia temporária instalava-se de imediato, a ponto
de inflamar, incapacitando qualquer membro atingido. Isso constituía um
modo excelente de imitar os efeitos de perder uma mão, um braço ou uma
perna para uma lâmina de sabre de luz.
A manhã foi preenchida pelos grunhidos dos aprendizes e o swish-swish-
swish das lâminas cortando o ar. De certo modo, lembrava Bane de seu
treinamento militar: um grupo de soldados unido na repetição desse bate-
bate até que ele se torna instintivo.
Porém, não havia senso algum de camaradagem na Academia. Os
aprendizes eram rivais, simplesmente. De muitas maneiras, não se
diferenciava tanto da época dele em Apatros. Agora, contudo, o isolamento
valia a pena. Ali eles lhe ensinavam os segredos do lado sombrio.
– Errado! – Kas’im ralhou subitamente. Vinha andando pelas fileiras de
aprendizes, de lá para cá, enquanto treinavam, mas parara bem ao lado de
Bane. – Ataque com malícia e precisão! – Ele estendeu a mão, pegou Bane
pelo pulso e virou-o bruscamente, mudando o ângulo da espada de treino. –
Está atacando alto demais! – brigou ele. – Não há espaço para erros!
Kas’im ficou ao lado de Bane por um bom tempo, supervisionando para
garantir que a lição fora aprendida adequadamente. Após muitos golpes
intensos de Bane com a pegada alterada, o mestre espadachim assentiu,
aprovando, e continuou sua ronda.
Bane repetiu esse único movimento sem parar, com o cuidado de manter a
altura e o ângulo da lâmina exatamente como Kas’im lhe mostrara, ensinando
seus músculos por incontáveis repetições até que pudessem executá-lo sem
falhas toda vez. Somente então ele passaria a incorporá-lo em manobras
mais complicadas.
Logo ele estava ofegante em virtude do esforço. Fisicamente, as sessões
de treinamento de Kas’im não podiam equiparar-se ao martelar de um veio
de cortosis com um macaco hidráulico por horas a fio. Mas, em outros
sentidos, eram muito mais exaustivas. Demandavam intenso foco mental, uma
atenção ao detalhe que ia muito além do que era visível a olho nu. A
verdadeira maestria exigia uma combinação de corpo e mente.
Quando dois mestres entravam num combate de sabre de luz, a ação
acontecia rápido demais para os olhos verem e a mente reagir. Tudo
precisava ser feito por instinto; o corpo tinha de ser treinado para mover-se
e responder sem pensamento consciente. Para chegar nisso, Kas’im fazia
seus alunos praticarem sequências, séries cuidadosamente coreografadas de
ataques e desvios múltiplos de seu estilo escolhido. As sequências foram
projetadas pelo próprio mestre espadachim a fim de que cada manobra
fluísse suavemente para a seguinte, maximizando a eficácia do ataque e
minimizando a exposição na defensiva.
Usar uma sequência no combate permitia aos alunos libertar a mente do
pensamento, enquanto o corpo automaticamente dava continuidade aos
movimentos. Usar sequências era mais eficiente e muito mais rápido do que
considerar e iniciar cada ataque ou bloqueio por si só, fornecendo uma
vantagem sobre um oponente que não conhece a técnica.
Contudo, engrenar uma nova sequência para ser adequadamente executada
era um processo longo e laborioso. Para muitos, seria preciso duas ou três
semanas de treinamento e exercícios – muito mais, caso a sequência
derivasse de um estilo que o aluno ainda se esforçava para dominar. E
mesmo o menor dos erros no menor dos movimentos podia inutilizar toda
uma sequência.
Kas’im avistara uma falha potencialmente fatal na técnica de Bane. Agora
este se encontrava determinado a consertá-la, mesmo que isso demandasse
horas de prática em seu tempo livre. Bane era incansável em sua busca pela
perfeição – não somente no treinamento de combate, mas em tudo que
estudava. Era um homem numa missão.
– Basta – disse a voz de Kas’im. Com esse único comando, todos os
alunos pararam o que faziam e viraram sua atenção para o mestre
espadachim. Ele estava bem em frente ao grupo, encarando-os.
– Podem descansar por dez minutos – disse-lhes. – Depois começaremos
o desafio.
Bane, junto com boa parte dos outros, abaixou-se para a posição de
meditação, pernas cruzadas e dobradas por baixo do corpo. Pousando o
sabre de treinamento no chão ao seu lado, fechou os olhos e entrou num leve
transe, sorvendo o lado sombrio para rejuvenescer os músculos doloridos e
refrescar a mente cansada.
Deixou o poder fluir através de si, deixou a mente vagar. Como em geral
acontecia, ela retornou para o primeiro momento em que ele tocara o lado
sombrio. Não para as brigas que tivera em Apatros ou durante seus dias de
soldado, mas para o verdadeiro reconhecimento da Força.
Era seu terceiro dia ali na Academia. Ele vinha aplicando técnicas de
meditação que aprendera no dia anterior quando subitamente a sentiu. Foi
como uma represa explodindo, um rio raivoso inundando-o, limpando tudo
que o incomodava: sua fraqueza, seu medo, sua insegurança. Nesse instante,
entendeu por que estava ali. Nesse momento, sua transformação de Des para
Bane, de mero mortal para um dos Sith, realmente começara.
Por meio do poder, ganho a vitória.
Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.
Bane sabia tudo sobre correntes. Algumas eram óbvias: um pai abusivo,
sem carinho; expedientes cruéis nas minas; dívidas que devia a uma empresa
implacável, sem rosto. Outras eram mais sutis: a República e suas promessas
idealísticas de uma vida melhor que nunca se materializava; os Jedi e sua
promessa de livrar a galáxia da injustiça. Até mesmo os amigos dele nos
Andarilhos das Trevas assemelharam-se a correntes. Ele gostava deles, fora
responsável por eles. Entretanto, no final, que utilidade tiveram quando mais
se fizeram necessários?
Agora ele entendia que as ligações pessoais só poderiam atrasá-lo. Os
amigos eram um fardo. Ele precisava contar consigo. Precisava desenvolver
seu próprio potencial. Seu próprio poder. No fim, era a isso que tudo se
resumia. Poder. E, acima de tudo, o lado sombrio prometia poder.
Bane ouviu sons do movimento ao redor; o farfalhar suave de robes
quando os outros aprendizes ergueram-se de sua meditação e foram até o
ringue do desafio. Ele pegou seu sabre de treino com uma das mãos e ficou
de pé para unir-se aos outros.
No final de cada sessão, a classe se juntava num círculo amplo e irregular
no topo do templo. Qualquer aluno podia entrar no centro da roda e desafiar
outro. Kas’im observava os duelos com atenção e, quando terminavam,
analisava a ação para a classe. Os que venciam eram elogiados pela atuação,
e seu status na hierarquia informal na Academia aumentava. Os que perdiam
eram castigados pelas falhas, assim como sofriam um golpe no prestígio.
Quando Bane começara a treinar, muitos alunos o desafiaram avidamente.
Sabiam que ele era um neófito na Força e ficaram loucos para derrubar o
gigante musculoso na frente dos colegas de classe. No começo, ele recusara
os desafios. Embora soubesse que esse constituía o jeito mais rápido de
ganhar prestígio na Academia, não era tolo o bastante para ser atraído a um
combate que com certeza perderia.
Nos últimos meses, contudo, trabalhara duro para aprender seu estilo e
refinar sua técnica. Aprendera novas sequências rapidamente, e, quando o
próprio Kas’im comentou sobre o progresso dele, Bane sentiu-se confiante o
bastante para começar a aceitar desafios. Nem sempre vencia, mas ganhava
mais duelos do que perdia, subindo lentamente a escada do prestígio. Nesse
dia, ele se sentia pronto para subir mais um degrau.
Os aprendizes estavam agrupados em três fileiras, formando um anel de
corpos em torno de uma clareira no centro, com cerca de dez metros de
diâmetro. Kas’im foi até o centro. Não disse nada, apenas pendeu a cabeça –
sinal de que era hora de começarem os desafios. Bane foi ao centro antes
que qualquer outro pudesse se mover.
– Eu desafio Fohargh – anunciou ele, num tom ressonante.
– Eu aceito – veio a resposta de algum ponto da multidão, do lado oposto.
Os aprendizes abriram caminho para o desafiado passar. Kas’im fez um
aceno ligeiro a cada combatente e passou para a beirada da clareira a fim de
dar-lhes espaço.
Fohargh era um Makurth. Por vários motivos, lembrava Bane dos
Trandoshanos que enfrentara na época dos Andarilhos das Trevas. Ambas as
espécies eram saurinos bípedes – humanoides reptilianos cobertos de
escamas de couro verde –, mas os Makurths tinham quatro chifres curvados
que cresciam no topo da cabeça.
No início do treinamento, Bane enfrentara Fohargh – e perdera. Feio.
O Makurth era noturno por natureza. Como os mineradores do turno da
noite em Apatros, contudo, acostumara-se a uma agenda anormal para treinar
com o restante dos aprendizes da Academia. Durante o primeiro duelo, Bane
subestimara Fohargh, achando que ele seria preguiçoso e lento durante o dia.
Não pretendia cometer o mesmo erro novamente.
Enquanto Kas’im e os aprendizes assistiam em silêncio, os dois
combatentes foram circulando um ao outro no ringue, apontando os sabres
estendidos à frente, posicionados para o ataque. A respiração do Makurth
saía em grunhidos e rosnados das narinas abertas, conforme ele tentava
intimidar o oponente humano. De tempo em tempo, soltava um berro e
sacudia a cabeça de lagarto com os quatro chifres, mostrando os dentes
agressivos. Na última vez que enfrentara o demônio raivoso das escamas
verdes, Bane se sentira intimidado com a apresentação de Fohargh. Agora,
ele simplesmente ignorava a encenação.
Bane avançou com um ataque alto simples, mas Fohargh respondeu com
um desvio rápido a fim de defletir o golpe para o lado. Em vez do crepitar e
zunir das armas de pura energia cruzando o ar, ouvia-se o baque alto das
armas colidindo. Imediatamente, os combatentes afastaram-se um do outro,
girando, e retornaram à posição inicial.
Bane correu adiante, erguendo a espada para cima, na diagonal, da direita
para a esquerda num arco longo e ligeiro. Fohargh conseguiu redirecionar o
impacto com a própria arma, mas perdeu o equilíbrio e tombou para trás.
Bane tentou aproveitar a vantagem, erguendo o sabre de treino da esquerda
para a direita. Seu oponente se esquivou do golpe, recuando rapidamente
para abrir espaço. Bane parou a sequência sem a completar e retornou à
posição inicial.
Em Apatros, suas habilidades latentes na Força lhe permitiam antecipar os
movimentos do inimigo e reagir a eles. Ali, contudo, todo oponente possuía a
mesma vantagem. Como resultado, a vitória demandava uma combinação de
Força e destreza física.
Bane trabalhara para adquirir essa destreza física ao longo dos meses
anteriores. Visto que essa habilidade crescera, ele podia dedicar cada vez
menos energia às ações físicas de golpear, esquivar e contra-atacar. Isso lhe
permitia manter a mente focada para usar a Força a fim de antecipar os
movimentos do oponente, enquanto ao mesmo tempo obscurecia e confundia
os sentidos precognitivos deste.
Na última vez que lutara com Fohargh, Bane ainda era novato. Tinha
aprendido apenas um punhado de sequências. Agora sabia quase cem, e
conseguia passar suavemente do final de uma para o começo de outra,
abrindo um leque mais amplo de combinações de ataque e defesa. Mais
opções, consequentemente, dificultavam a um inimigo o uso da Força para
antecipar as ações dele.
Fohargh, apesar da terrível aparência, era menor e mais leve que seu
oponente humano. Fisicamente sobrepujado pela força bruta da Forma V de
Bane, foi forçado a valer-se do estilo defensivo da Forma III para esquivar-
se dos ataques de seu oponente maior.
Bane girou seu sabre num floreio rápido, saltou alto no ar e desceu
esmagadoramente lá de cima. Fohargh desviou-se do ataque, mas foi jogado
ao chão. Rolou, ficando de costas, e mal conseguiu erguer o sabre a tempo
de bloquear o ataque seguinte de Bane. Um coro de metal sobre metal
ressoou conforme os golpes de Bane desciam feito chuva. O Makurth o
impediu de desferir um golpe direto com um voleio de defesas de mestre,
depois derrubou Bane com um golpe nas pernas, deixando ambos no chão.
Os dois se levantaram simultaneamente, como imagens num espelho, e
seus sabres colidiram com mais um baque ressonante, e eles se distanciaram
outra vez. Alguns dos alunos sussurravam e murmuravam em meio à multidão
reunida, mas Bane fazia o melhor para não dar atenção. Achavam que a luta
já estava terminada… assim como Bane. Ele sentiu-se desapontado por não
ser capaz de finalizar o oponente caído, mas sabia que a vitória estava
próxima. A sobrevivência de Fohargh o consumia: ele respirava com
dificuldade, os ombros caídos.
Bane correu para cima de Fohargh de novo. Dessa vez, contudo, o
Makurth não recuou. Avançou com um golpe rápido, passando da Forma III
para a II, mas de modo preciso e agressivo. Bane foi pego de surpresa pela
manobra inesperada e demorou um microssegundo a mais para reconhecer a
mudança. A esquivada que fez desviou a ponta da espada do peito dele,
apenas para esbarrá-la no ombro direito.
A multidão exclamou, Fohargh urrou, vitorioso, e Bane gritou de dor
quando o sabre deslizou para o chão, escapando-lhe dos dedos subitamente
desfalecidos. Sem nem pensar, Bane usou a outra mão para empurrar o
oponente pelo peito. Fohargh cambaleou para trás, e Bane rolou para o lado,
protegendo-se.
Bane levantou-se e estendeu a mão esquerda para o sabre de treino que
jazia no chão a três metros dele. O objeto levitou e voou para sua mão, e
mais uma vez o aprendiz assumiu a posição de ataque, com o braço direito
balançando, inútil, ao lado do corpo. Alguns Sith aprendiam a lutar com
qualquer uma das mãos, mas Bane ainda não alcançara esse estágio tão
avançado. A arma pareceu-lhe esquisita e desajeitada na mão esquerda.
Desse jeito, não seria páreo para Fohargh. A luta estava acabada.
O oponente percebia isso também.
– A derrota é amarga, humano – rosnou ele em língua básica, a voz grave
e ameaçadora. – Fui melhor; você perdeu.
Ele não pedia a Bane que desistisse; render-se nunca era uma opção.
Simplesmente o provocava, publicamente o humilhava perante os outros
alunos.
– Você treinou por semanas para me desafiar – continuou Fohargh,
estendendo a zombaria. – Mas fracassou. A vitória é minha mais uma vez.
– Então venha acabar comigo! – Bane retrucou. Não havia muito mais a
falar. Tudo o que o inimigo dissera em sua língua básica com sotaque pesado
era verdade, e as palavras cortavam mais fundo do que a lâmina cega do
sabre de treino.
– Vai acabar quando eu quiser – devolveu o Makurth, recusando-se a ser
seduzido.
Os olhos dos demais aprendizes queimavam Bane; ele podia senti-los
bebendo de seu sofrimento ao observá-lo. Não gostavam dele, não gostavam
da atenção a mais que ele recebia dos mestres. Agora, saboreavam seu
fracasso.
– Você é fraco – explicou Fohargh, girando casualmente seu sabre num
movimento complexo e intrincado. – Você é previsível.
Pare!, Bane quis gritar. Acabe logo com isso! Acabe comigo! Mas, apesar
da emoção que se avultava dentro dele, recusava-se a dar ao oponente a
satisfação de dizer algo a mais. Em vez disso, deixou o sabre mais do que
inútil cair novamente ao chão. Ao fundo, podia ver o mestre espadachim
assistindo com atenção, curioso para ver como o confronto alcançaria o fim
inevitável.
– Os mestres mimam você. Dão mais tempo e atenção. Mais do que aos
outros. Mais do que a mim.
Bane mal ouvia as palavras. Seu coração batia tão forte que ele podia
ouvir o sangue correndo pelas veias. Literalmente tremendo com uma raiva
impotente, ele baixou a cabeça e caiu sobre um joelho, expondo o pescoço
nu.
– Apesar disso, você ainda é meu inferior… Bane dos Sith.
Bane. Algo no modo como Fohargh disse isso fez Bane olhar para cima.
Foi o mesmo jeito com que seu pai dizia a palavra.
– Esse nome é meu – Bane sussurrou, a voz baixa e ameaçadora. –
Ninguém usa isso contra mim.
Fohargh ou não escutou ou não ligou. Apenas deu um passo folgado à
frente.
– Bane. Inútil. Um nada, insignificante. Os mestres perderam o tempo
deles com você. Tempo que seria mais bem gasto com outros alunos. O nome
cabe-lhe muito bem, pois você realmente é a desgraça desta Academia.
– Não! – Bane gritou, estendendo a mão boa com a palma para a frente no
mesmo instante em que Fohargh saltou para dar cabo dele. A energia do lado
sombrio emanou da palma de sua mão para pegar o oponente em pleno ar,
arremessando-o de volta para a beira da roda, onde ele pousou aos pés de
Kas’im.
O mestre ficou observando, com expressão intrigada, mas atenta. Bane
cerrou os punhos lentamente e levantou-se. No solo, à frente dele, Fohargh se
contorcia em agonia, com as mãos na garganta, tentando respirar.
Ao contrário de Makurth, Bane não tinha nada a dizer a seu oponente
incapacitado. Apertou mais o punho, sentindo a Força percorrendo-o como
uma brisa divina enquanto esmagava a vida do inimigo. Os calcanhares de
Fohargh socavam um ritmo em staccato na cobertura de pedra do templo
enquanto seu corpo convulsionava. Ele começou a gorgolejar, e uma espuma
rosa brotou dentre seus lábios.
– Basta, Bane – disse Kas’im numa voz fria e indiferente. Embora
estivesse a poucos centímetros dos espasmos de morte de seu aluno, seus
olhos encontravam-se fixos no que permanecia de pé.
Um assomo final de poder rugiu no cerne do ser de Bane e explodiu para o
mundo. Em resposta, o corpo de Fohargh ficou teso, e ele entortou os olhos.
Bane liberou seu controle da Força no inimigo caído, e o corpo de Makurth
tornou-se mole conforme os últimos vestígios de vida vazavam para fora.
– Agora basta – disse Bane, dando as costas ao corpo e indo para as
escadas que levavam ao interior do templo. O círculo de alunos abriu-se
rapidamente o deixando passar. Bane não precisou olhar para trás para saber
que Kas’im o observava com grande interesse.

Bane sentiu a presença de alguém que o seguia escada abaixo da cobertura


do templo muito antes de ter ouvido os passos. Ele não alterou seu ritmo,
mas parou no primeiro patamar e virou-se para ver quem era. Esperava ver
lorde Kas’im, mas, em vez do mestre espadachim, flagrou-se encarando os
olhos alaranjados de Sirak, outro aprendiz da Academia. Ou, ainda, o melhor
aprendiz da Academia.
Sirak era um Zabrak, um dos três que estudavam ali em Korriban. Os
Zabraks tendiam a ser ambiciosos, motivados e arrogantes – talvez fossem
esses traços que tornava os sensitivos à Força dessa raça tão fortes nos
caminhos do lado sombrio –, e Sirak era o representante perfeito dessas
características. Ele era de longe o mais forte dos três. Aonde quer que fosse,
os outros dois costumavam ir atrás, seguindo os passos dele feito servos
obedientes. Os três compunham um colorido trio: Llokay e Yevra tinham pele
vermelha; Sirak, amarelo-clara. Porém, nesse momento, os dois estavam
notadamente ausentes.
Havia rumores de que Sirak começara a estudar o lado sombrio junto de
lorde Qordis quase vinte anos antes, muito antes de a Academia em Korriban
ser ressuscitada. Bane não sabia se os rumores eram verdade, e não julgara
inteligente sair perguntando. O Zabrak iridoniano era poderoso e perigoso.
Até então, Bane fizera o máximo para evitar atrair a atenção do aluno mais
avançado da Academia. Pelo visto, tal estratégia não constituía mais uma
opção.
O disparo de adrenalina que sentira ao acabar com a vida de Fohargh
estava passando, junto com a confiança e a sensação de invencibilidade que
o levara à sua dramática saída. Bane não ficou exatamente com medo da
abordagem do Zabrak, mas preocupado.
Sob a luz fraca do templo, a pele amarelo-clara de Sirak ganhara um matiz
esquisito de cera. Sem querer, a imagem trouxera lembranças dos primeiros
anos de Bane trabalhando nas minas de Apatros. Uma equipe de cinco – três
homens e duas mulheres – ficara presa num desabamento. Embora tivesse
sobrevivido ao colapso do túnel escapando para uma câmara de segurança
reforçada cavada na rocha, fumaças nocivas soltas no colapso vazaram para
o esconderijo e mataram a equipe toda antes que os times de resgate
pudessem tirá-la dali. A pele dos corpos inchados tinha exatamente a mesma
cor da de Sirak: a cor de uma morte lenta e agonizante.
Bane balançou a cabeça, afastando a lembrança. Essa vida pertencia a
Des, e Des se fora.
– O que você quer? – perguntou ele, tentando manter a voz calma.
– Você sabe por que estou aqui – respondeu o Zabrak num tom seco. –
Fohargh.
– Ele era amigo seu? – Bane sentiu-se genuinamente confuso. Com a
exceção dos camaradas Zabraks, Sirak raramente se misturava a outros
alunos. Na verdade, muitas das acusações que Fohargh direcionara a Bane,
como o tratamento preferencial dos mestres, podiam ser facilmente aplicadas
a Sirak também.
– O Makurth não era amigo nem inimigo – respondeu de modo altivo. –
Estava aquém da minha percepção, como você. Até agora.
A única resposta de Bane foi um olhar firme, sem piscar. A luz
bruxuleante das tochas refletindo nas pupilas do Zabrak fazia parecer como
se chamas famintas lambessem o interior do crânio dele.
– Você é um oponente intrigante – sussurrou Sirak, dando um passo para
perto. – Formidável… pelo menos se comparado a outros “aprendizes”
daqui. Estou de olho em você agora. Estou esperando.
Ele estendeu lentamente a mão e pressionou o dedo no peito de Bane, que
precisou lutar contra o ímpeto de dar um passo para trás.
– Não desafio ninguém – continuou o Zabrak. – Não preciso me testar
contra um oponente inferior. – Abrindo um sorriso cruel, ele baixou o dedo e
voltou para trás. – Contudo, quando você se enganar acreditando estar
pronto, inevitavelmente vai me desafiar. Mal posso esperar por isso.
Com isso, passou por Bane no estreito patamar, batendo de leve no ombro
dele, como se não o notasse, depois continuou descendo as escadas para o
nível inferior.
A mensagem desse leve encontrão não se perdeu em Bane. Ele sabia que
Sirak tentava intimidá-lo… e incitá-lo a um confronto para o qual ele não
estava pronto. Mas não era sua intenção cair na armadilha. Em vez disso, ele
ficou ali parado no patamar, recusando-se a se virar para ver Sirak partir.
Somente quando escutou o som do restante da classe descendo da cobertura,
voltou a se mover, deu meia-volta e continuou a descer a escadaria para os
níveis inferiores e para a privacidade de seu quarto.
11

NA MANHÃ SEGUINTE, Bane não se juntou aos outros alunos na cobertura do


templo para a luta. Lorde Qordis queria falar com ele. Em particular.
Bane caminhou pelos corredores quase vazios da Academia para a
reunião, aparentando calma e confiança. Por dentro, entretanto, sentia o
oposto.
A noite toda, enquanto jazia cercado pelo silêncio e pela escuridão do
quarto, o duelo reencenara-se repetidas vezes em sua mente. Distante da
emoção do combate, concluiu que tinha exagerado demais. Já provara seu
domínio sobre Fohargh ao prendê-lo com a Força; alcançara o Dun Möch. O
Makurth nunca mais ousaria desafiá-lo. Entretanto, por algum motivo, Bane
não conseguira parar por ali. Não quis parar.
Na hora, não sentiu culpa alguma pelo que fizera. Remorso nenhum.
Porém, assim que seu sangue esfriou, parte dele não pôde deixar de sentir
que fizera algo errado. Fohargh merecia mesmo morrer?
Outra parte dele, contudo, recusava-se a aceitar a culpa. Não tinha amor
algum pelo Makurth. Nenhum sentimento. Fohargh não representara nada
além de um obstáculo para o progresso de Bane. Obstáculo esse
devidamente removido.
Bane se entregara por completo ao lado sombrio naquele momento. Fora
mais do que simples raiva ou sede de sangue. Era algo mais profundo, do
cerne de seu ser. Perdera toda a razão, todo o controle… mas lhe parecera
correto.
Bane passara uma longa noite de insônia tentando reconciliar as duas
emoções: triunfo e remorso. Mas quando a convocação chegou, naquela
manhã, o conflito interior foi varrido por preocupações mais imediatas.
A morte de Fohargh geraria repercussão. O combate existia para testar os
aprendizes, endurecer seu fervor por meio de esforço e dor. Não para matar.
Cada um dos discípulos da Academia, de Sirak até o mais recente e inferior
dos alunos, tinha capacidade de tornar-se um mestre. Cada um possuía um
dom raro junto ao lado sombrio – um dom destinado a ser usado contra os
Jedi, não contra os colegas.
Ao matar Fohargh, Bane afinara as fileiras de potenciais mestres Sith.
Infligira um golpe sério aos esforços bélicos. Cada aprendiz da Academia
era mais valorizado do que toda uma divisão de soldados Sith. Ele destruíra
uma ferramenta inestimável. Por isso, Bane suspeitava, ele seria punido
severamente.
Enquanto marchava para a reunião que poderia decidir seu futuro, tentava
afastar o medo e a culpa da mente. Nada que faria seria capaz de trazer
Fohargh de volta. O Makurth se fora, mas Bane ainda existia. E era um
sobrevivente. Tinha de ser forte. Tinha de encontrar um jeito de justificar
suas ações para lorde Qordis.
Já estava reunindo seus argumentos. Fohargh fora fraco. Bane não apenas
o matara: expusera-o. Qordis e os outros mestres encorajavam a rivalidade e
a dissensão entre os alunos. Entendiam o valor do desafio e da competição.
Os que se mostravam promissores – os indivíduos que se elevavam acima
dos demais – eram recompensados. Recebiam instruções exclusivas dos
mestres para alcançar todo o seu potencial. Os que não conseguiam
acompanhar eram deixados para trás. O lado sombrio funcionava assim.
A morte de Fohargh não constituía mais do que uma extensão natural da
filosofia do lado sombrio. Sua morte fora o derradeiro fracasso – um
fracasso próprio. Por que Bane seria culpado pela fraqueza do outro?
Ele apertou o passo e rangeu os dentes, frustrado e irritado. Não era de se
estranhar que suas emoções estivessem em tamanho conflito. Os
ensinamentos da Academia eram contraditórios entre si. O lado sombrio não
permitia misericórdia, perdão. Entretanto, esperava-se que os aprendizes
recuassem assim que vissem que tinham vencido seus oponentes num duelo
no ringue. Não fazia sentido.
Ele alcançou a porta de Qordis; hesitou, vacilando por um momento entre
o medo de como seria sua punição e a raiva perante a situação impossível na
qual ele e os demais aprendizes eram colocados diariamente.
A raiva, ele concluiu por fim, lhe serviria bem melhor.
Bane deu batidas secas na porta, e abriu-a quando veio lá de dentro a
ordem para entrar. Qordis encontrava-se ajoelhado no centro da câmara, em
profunda meditação. Bane já estivera nesse cômodo, mas não pôde deixar de
admirar-se com sua extravagância. As paredes eram adornadas por ricas
tapeçarias e quadros. Braseiros e turíbulos dourados queimavam incenso
pesado, espalhados casualmente para oferecer um brilho suave à atmosfera
nebulosa. No canto, havia uma cama grande e luxuosa. No outro, uma mesa
de obsidiana intricadamente talhada, com um pequeno baú em cima.
A tampa do baú estava aberta, revelando as joias no interior: colares e
correntes de metais preciosos, anéis de ouro e platina encrustados com
ostentosas pedras preciosas. Qordis esforçara-se muito não apenas para
cercar-se de bens materiais e ornamentos de riqueza, mas ainda mais para
garantir que os outros notassem sua opulência. Bane suspeitava, em certo
sentido, que o lorde Sith retirava prazer – e poder – do desejo e da cobiça
velados que suas posses inspiravam nos outros.
Contudo, as bugigangas eram de pouco interesse para Bane. Ele se
impressionou mais com os manuscritos e tomos enfileirados nas estantes ao
longo das paredes, cada volume magnífico encadernado em couro, com
folhas douradas. Muitos dos volumes tinham milhares de anos de idade, e ele
sabia que guardavam os segredos dos Sith anciãos.
Finalmente Qordis levantou-se, alto e ereto, para encarar o aluno com
seus olhos acinzentados e profundos.
– Kas’im me contou o que aconteceu ontem de manhã – disse. – Ele me
falou que você é o responsável pela morte de Fohargh. – O tom da voz de
Qordis não indicava nada sobre o estado emocional do mestre.
– Não sou responsável pela morte dele – Bane respondeu calmamente.
Estava bravo, mas não era bobo. Escolheu as palavras seguintes com muito
cuidado; queria convencer lorde Qordis, não enfurecê-lo. – Foi Fohargh
quem baixou a guarda. Ele se deixou vulnerável no ringue. Eu demonstraria
fraqueza se não tirasse vantagem disso.
A afirmação não era inteiramente verdade, mas chegava bem perto dela.
Uma das primeiras lições que Kas’im ensinava aos alunos era como projetar
um campo de força ao redor do corpo durante o combate, para impedir um
inimigo de usar a Força contra eles. Um oponente usuário da Força poderia
arrancar seu sabre de luz, desequilibrá-lo ou até extinguir a lâmina do sabre
de luz sem a tocar com as mãos ou uma arma. O campo de força era a
proteção mais básica – e mais necessária – que existia.
O campo tornara-se instintivo para todos os aprendizes, algo quase
natural. Assim que a lâmina era sacada, o véu protetor se erguia. Proteger-se
dos poderes da Força do inimigo e obscurecer as próprias intenções
requeria tanta concentração e energia quanto aumentar a destreza física ou
antecipar os movimentos do inimigo. Era essa parte velada do combate, a
batalha invisível de vontades, não a interação óbvia dos corpos e lâminas,
que mais frequentemente definia um duelo.
– Kas’im diz que Fohargh não baixou a guarda – contrapôs Qordis. – Ele
diz que você simplesmente rompeu a proteção. As defesas dele não
aguentaram o seu poder.
– Mestre, está dizendo que eu devo me conter caso meu oponente seja
fraco?
Foi uma pergunta repleta de significado, sem dúvida. Qordis nem se deu o
trabalho de responder.
– Uma coisa é derrotar um oponente no ringue. Porém, mesmo depois que
ele tombou, você continuou atacando. Fohargh foi derrotado muito antes de
você matá-lo. O que você fez não é diferente de atacar com o sabre um
inimigo caído ou inconsciente… o que não é permitido no ringue de
treinamento.
As palavras tocaram algo de central nele, atiçando a culpa que Bane
tentara enterrar bem fundo enquanto caminhava rumo ao encontro. Qordis
manteve-se em silêncio, esperando pela reação de Bane. Ele precisava dar
alguma resposta. Porém a única coisa que lhe veio à mente foi uma questão
com a qual ele lutara a madrugada inteira.
– Kas’im sabia o que estava acontecendo. Viu muito bem o que eu fazia.
Por que não me impediu?
– Por que não, de fato? – Qordis respondeu suavemente. – Lorde Kas’im
queria ver o que ia acontecer. Queria ver como você agiria naquela situação.
Queria ver se você seria misericordioso… ou se seria forte.
E subitamente Bane compreendeu que não fora chamado à sala do mestre
para ser punido.
– Eu… não entendo. Achei que fosse proibido matar outro aprendiz.
Qordis assentiu.
– Não podemos deixar que os alunos fiquem atacando uns aos outros pelos
corredores; queremos que seu ódio seja direcionado para os Jedi, não para
os colegas. – As palavras ecoaram a discussão que Bane tivera consigo
minutos antes. Contudo, o que veio em seguida foi algo pelo qual ele não
esperava. – Apesar disso, a morte de Fohargh pode representar uma perda
pequena se ajudar você a alcançar todo o seu potencial. Exceções podem ser
feitas para os que são fortes no lado sombrio.
– Como Sirak? – Bane perguntou, soltando as palavras pela boca antes
mesmo de perceber o que estava dizendo.
Felizmente, a pergunta pareceu mais divertir lorde Qordis do que ofender.
– Sirak entende o poder do lado sombrio – respondeu ele com um sorriso.
– A paixão abastece o lado sombrio.
– A paz é uma mentira, só existe paixão – Bane murmurou, por hábito. –
Por meio da paixão, ganho força.
– Exatamente. – Qordis pareceu satisfeito, embora fosse difícil dizer se
com o aluno ou consigo mesmo. – Por meio da força, ganho poder; por meio
do poder, ganho a vitória.
– Por meio da vitória, minhas correntes se rompem – Bane recitou,
obediente.
– Entenda isso, entenda mesmo isso… e seu potencial será ilimitado!
Qordis fez um aceno, dispensando o aluno, depois se ajeitou de novo no
tapetinho de meditação, enquanto Bane virava-se para sair. Na porta da sala,
porém, o rapaz parou e se virou.
– O que é o Sith’ari? – ele soltou.
Qordis pendeu a cabeça de lado.
– Onde ouviu essa palavra? – retrucou o mestre, com um tom sério.
– Eu… ouvi alguns alunos dizendo. Com relação a Sirak. Dizem que ele
pode vir a ser o Sith’ari.
– Alguns dos antigos textos falam do Sith’ari – Qordis respondeu
lentamente, acenando com garras curvas para os livros espalhados ao redor
da sala. – Dizem que os Sith, um dia, serão liderados por um ser perfeito, um
que incorpora o lado sombrio e tudo aquilo que defendemos.
– Sirak é esse ser perfeito?
Qordis deu de ombros.
– Sirak é o aluno mais forte da Academia. Por ora. Talvez, com o tempo,
ele ultrapassará Kas’im e a mim e todos os demais lordes Sith. Talvez não. –
Ele fez uma pausa. – Muitos mestres não acreditam na lenda do Sith’ari –
continuou ele após um momento. – Lorde Kaan, por exemplo, não a leva em
conta. Diz que vai contra a filosofia inerente à Irmandade da Escuridão.
– E quanto a você, mestre? Acredita na lenda?
Bane esperou, enquanto Qordis pensava na resposta. Pareceu esperar para
sempre.
– São perguntas perigosas de fazer – disse finalmente o lorde sombrio. –
Porém, se o Sith’ari for mais do que uma lenda, ele não nascerá
simplesmente como o modelo de nossos ensinamentos. Ele, ou ela, deve ser
forjado pelas provas severas de testes e combates para alcançar tal
perfeição. Alguns argumentam que esse treinamento é o propósito desta
Academia. Mas eu contraporia insistindo que treinamos nossos aprendizes
para entrarem nas fileiras dos lordes Sith a fim de lutarem ao lado de Kaan e
do restante da Irmandade da Escuridão.
Concluindo que essa seria a melhor resposta que ia receber, Bane assentiu
e saiu. Fora absolvido do crime, perdoado por causa de seu poder e
potencial. Devia se sentir exultante, triunfante. Mas, por algum motivo, tudo
em que podia pensar ao seguir para a cobertura, a fim de se juntar aos outros
alunos, eram os gorgolejos grosseiros dos espasmos de morte de Fohargh.

À noite, na privacidade de seu quarto, Bane esforçava-se para tirar


sentido do que acontecera. Procurava pela sabedoria subjacente às palavras
do mestre. Qordis dissera que as emoções dele – sua raiva – permitiram-lhe
conjurar o poder para derrotar Fohargh. Dissera que a paixão abastecia o
lado sombrio. Bane sentira isso vezes suficientes para saber que era
verdade.
Ele, entretanto, não podia livrar-se da sensação de que havia mais nisso.
Bane não se considerava uma pessoa cruel. Não acreditava ser impiedoso ou
sádico. Entretanto, de que outro modo poderia explicar o que fizera ao
Makurth incapacitado? Foi um assassinato, uma execução… e ele enfrentava
dificuldade de aceitar.
Bane tinha muito sangue nas mãos: matara centenas, talvez até milhares de
soldados da República. Porém, estavam em guerra. E o guarda-marinha que
ele matara em Apatros constituíra um caso de autodefesa. Foram todas
situações de matar ou morrer, e ele não se arrependia do que tinha feito.
Mas isso não valia para o dia anterior.
Independentemente do quanto tentasse, não conseguia encontrar um jeito
de justificar o que acontecera no ringue. Fohargh o provocara, alimentando
sua raiva e fúria letal. Entretanto, ele nem podia usar a desculpa de que fora
levado pelo calor do momento. Não se fosse sincero consigo. Sentira as
emoções assolando-o ao sorver energia do lado sombrio, mas o ato em si se
mostrara frio e deliberado. Calculado, até.
Deitado na cama, Bane não conseguia deixar de se perguntar se a relação
entre a paixão e o lado sombrio era mais complexa do que Qordis fizera
parecer. Ele fechou os olhos, lembrando-se do que acontecera. Foi
respirando lenta e profundamente, tentando ficar calmo e distante, para
analisar o que tinha dado errado.
O rapaz fora humilhado e envergonhado, e respondera com raiva. Sua
raiva o fizera convocar o lado sombrio para derrotar o inimigo. Ele se
lembrava de uma sensação de orgulho, de triunfo, quando Fohargh saiu
espiralando pelo ar. Mas havia algo além. Mesmo na vitória, o ódio
continuou crescendo, erguendo-se como as chamas de um fogo que só podia
ser apagado com sangue.
A paixão abastece o lado sombrio, mas e se o lado sombrio também
abastecesse a paixão? A emoção trazia poder, mas tal poder incrementava a
intensidade das emoções, o que, por sua vez, levava a um aumento de poder.
Nas circunstâncias certas, isso criaria um ciclo que terminaria apenas
quando a pessoa alcançasse os limites de sua habilidade para comandar a
Força – ou quando o alvo da raiva e do ódio fosse destruído.
Apesar do calor no quarto, um arrepio frio descia pela coluna de Bane.
Como conseguiria conter ou controlar um poder que se alimentava de si
mesmo? Quanto mais ele, como aprendiz, aprendesse a beber da Força, mais
suas emoções o controlariam. Quanto mais forte se tornava a pessoa, menos
racional seria. Era inevitável.
Não, pensou Bane. Havia algo que ele não estava enxergando. Só podia
ser isso. Se fosse verdade, os mestres ensinariam aos alunos técnicas para
evitar essa situação. Eles aprenderiam a distanciar-se das próprias emoções,
ainda que as usando para sorver energia do lado sombrio. Mas não havia
nada disso no treinamento, então a análise de Bane tinha de estar errada.
Tinha de estar!
Um pouco mais tranquilo, deixou os pensamentos vagarem para o conforto
do sono.
– Você me dá nojo – cuspiu o pai. – Olha quanto você come! É pior que
um porco zucca maldito!
Des tentou ignorá-lo. Curvou-se em seu lugar na mesa do jantar e
concentrou-se na comida do prato, enfiando lentamente as garfadas na
boca.
– Ouviu o que eu disse, moleque? – cutucou o pai. – Acha que essa
comida na sua frente é de graça? Tenho que pagar por essa comida, sabia?
Trabalhei todo dia esta semana e ainda devo mais do que devia no começo
do mês!
Hurst estava bêbado, como sempre. Os olhos brilhavam, e ele ainda
fedia a minas; nem se dera o trabalho de tomar banho antes de recorrer à
garrafa que mantinha guardada embaixo dos cobertores da cama.
– Quer que eu faça jornada dupla para te sustentar, moleque? – gritou
ele.
Sem tirar os olhos do prato, Des murmurou:
– Trabalho tanto quanto você.
– O que foi? – disse Hurst, a voz baixando para um sussurro ameaçador.
– Que foi que você disse?
Em vez de fechar o bico, Des tirou os olhos do prato e botou-os nos
olhos vermelhos e turvos do pai.
– Eu disse que trabalho tanto quanto você. E só tenho 18 anos.
Hurst empurrou a cadeira para longe da mesa e se levantou.
– Dezoito, e continua burro demais para saber quando deve ficar quie-
to. – Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, mostrando
exagerado desapontamento. – Maldita desgraça da minha vida, é isso que
você é.
Des largou o garfo no prato, empurrou, por sua vez, a cadeira para
longe da mesa e levantou-se. Estava mais alto que o pai agora, e sua
estrutura começava a crescer com os músculos adquiridos nos túneis.
– Vai bater em mim agora? – rosnou ele para o pai. – Vai me ensinar
uma lição?
Hurst ficou boquiaberto.
– O que diabos você tem, moleque?
– Tô cheio disso – Des soltou. – Você me culpa por todos os seus
problemas, mas é você que gasta todo o seu crédito em bebida. Talvez, se
parasse de beber, a gente conseguiria sair desta porcaria de mundo!
– Seu maldito kath bocudo! – rugiu Hurst, virando a mesa, que bateu
contra a parede. Ele saltou, cobrindo a distáncia que os separava, e
agarrou Des pelos pulsos tão forte que suas mãos pareciam algemas de
hiperaço. O rapaz tentou se libertar, mas o pai pesava uns vinte quilos a
mais, e quase metade do peso era músculo.
Sabendo que não adiantava nada, Des parou de se debater após alguns
segundos. Ele, entretanto, não ia se acovardar e chorar. Não dessa vez.
– Se vai me bater hoje – disse ele –, lembre que pode ser a última vez,
meu velho. É melhor caprichar.
Hurst caprichou. Partiu para cima do filho com a fúria selvagem de um
homem amargo e desesperado. Quebrou o nariz dele; deu-lhe dois olhos
roxos. Arrancou-lhe dois dentes, partiu-lhe o lábio e quebrou costelas. O
tempo todo, Des não disse nem uma palavra, e não derramou uma única
lágrima.
Nessa noite, deitado na cama, machucado e inchado demais para
dormir, um único pensamento passava pela mente dele, afogando o ronco
embriagado de Hurst, desmaiado num canto.
Espero que você morra. Espero que você morra. Espero que você morra.
Nunca odiara tanto o pai quanto nesse momento. Ficou imaginando uma
mão gigante esmagando o coração cruel do pai.
Espero que você morra. Espero que você morra. Espero que você morra.
As palavras foram rolando e rolando, um mantra infinito, como se ele
pudesse torná-las realidade pela pura força de vontade.
Espero que você morra. Espero que você morra. Espero que você morra.
As lágrimas que ele contivera durante o brutal espancamento finalmente
vieram, gotas quentes que rolaram sobre seu rosto inchado, roxo.
Espero que você morra. Espero que você morra. Espero que você…

Bane acordou assustado, com o coração acelerado e o corpo banhado de


suor, debatendo-se contra as cobertas enroladas nas pernas. Por um breve
segundo, achou que estava de volta a Apatros, no quarto apertado repleto de
Hurst e do cheiro assolador da bebida. Então, depois de entender onde
estava, o pesadelo começou a ceder. Uma compreensão horrível chegou para
substituí-lo.
Hurst morrera naquela noite. As autoridades definiram que fora morte por
causas naturais. Um ataque do coração causado por uma combinação de
muito álcool, da vida toda trabalhando nas minas e da exaustão por ter
espancado o filho quase até a morte com as próprias mãos. Ninguém
suspeitou da verdadeira causa. Nem mesmo Bane. Até então.
Tremendo um pouco, ele rolou de lado, exausto, sabendo, entretanto, que o
sono não viria mais nessa noite.
Fohargh não fora a primeira pessoa que ele matara com a Força.
Provavelmente não seria a última. Bane era inteligente o bastante para saber
disso.
Sacudiu a cabeça para livrar-se da lembrança da morte de Hurst. O
homem não merecia pena nem misericórdia. Os fracos seriam sempre
esmagados pelos fortes. Era por isso que ele estava ali na Academia. Era
essa a missão dele. Era esse o caminho do lado sombrio.
Contudo, a conclusão não contribuiu em nada para afugentar a sensação
enjoada em seu estômago, e, quando Bane fechou os olhos, continuou vendo
o rosto do pai.
12

– NÃO! – RALHOU KAS’IM, jogando longe com desdém o sabre de treino de


Bane com a própria arma. – Errado! Está lento demais na primeira transição.
Está deixando o lado esquerdo exposto para um contra-ataque rápido.
O mestre espadachim ensinava-lhe uma sequência nova; fazia mais de uma
semana que a estavam estudando. Por algum motivo, porém, Bane não
conseguia captar os meandros dos movimentos. Sentia a espada estranha,
desajeitada na mão.
Recuou um passo e retornou à posição inicial. Kas’im estudou-o
brevemente, depois baixou para uma posição defensiva bem na frente dele.
Bane respirou fundo para focar a mente antes de deixar seu corpo acionar
mais uma vez a sequência.
Seus músculos moviam-se instintivamente, explodindo em ação. Houve um
sibilo quando o ataque da espada cortou o ar no primeiro golpe, um borrão
de movimento… mas lento demais. Kas’im respondeu deslizando para o
lado e trazendo abaixo sua arma de lâmina dupla num arco comprido e suave
que atingiu em cheio as costelas de Bane.
O ar lhe foi arrancado e Bane sentiu a dor lancinante das lascas de pelko,
seguida pela anestesia há muito conhecida espalhando-se pela lateral do
tronco. Ele cambaleou para trás, incapacitado, enquanto Kas’im o observava
em silêncio. Bane lutou para ficar em pé, mas não conseguiu, desabando sem
jeito no chão. O mestre espadachim balançou a cabeça, desapontado.
Bane levantou-se com dificuldade, tentando não demonstrar a frustração
que sentia. Fazia quase três semanas que derrotara Fohargh no ringue e,
desde então, vinha treinando com Kas’im em sessões individuais para
melhorar seu combate com sabre de luz. Por algum motivo, entretanto, ele
não fazia progresso algum.
– Desculpe, mestre. Vou praticar meus exercícios de novo – disse ele,
entre os dentes cerrados.
– Exercícios? – repetiu o Twi’lek, a voz cruel e zombeteira. – De que vai
adiantar?
– Eu… preciso aprender melhor a sequência. Pra me tornar mais rápido.
Kas’im cuspiu no chão.
– Se acredita mesmo nisso, então é um tolo.
Bane não sabia como responder, então permaneceu em silêncio.
O mestre espadachim deu um passo à frente e desferiu um tapa seco no
ouvido do aprendiz. Não foi para machucar, mas para humilhar.
– Fohargh era mais bem treinado que você – soltou ele. – Sabia mais
sequências, sabia mais formas. Mas isso não pôde salvá-lo. As sequências
são apenas ferramentas. Elas o ajudam a liberar sua mente para que você use
a Força. É nela que você encontrará a chave da vitória. Não nos músculos de
seus braços nem na velocidade de sua espada. Você precisa convocar o lado
sombrio para derrotar seus inimigos!
Cerrando os dentes por conta da dor ardida que se espalhava pela lateral
esquerda de seu corpo, Bane apenas assentiu.
– Você está se contendo – prosseguiu o mestre. – Não está usando a Força.
Sem ela, seus movimentos serão lentos e previsíveis.
– Eu… vou tentar me esforçar mais, mestre.
– Tentar? – Kas’im virou-se, com desgosto. – Você perdeu a vontade de
lutar. Esta lição acabou.
Compreendendo a dispensa, Bane foi lentamente para as escadas que
levavam da cobertura do templo aos níveis inferiores. Assim que chegou lá,
Kas’im ofereceu-lhe mais um último conselho.
– Retorne quando estiver pronto para abraçar o lado sombrio em vez de
recusá-lo.
Bane não se virou para ver o mestre: a dor e a dormência da lateral do
corpo não permitiram. Porém, enquanto mancava escada abaixo, as palavras
de lorde Kas’im ecoavam em seus ouvidos com o ressoar da verdade.
Essa não foi a primeira sessão de treinamento em que ele fracassara. E
seus fracassos não se restringiam a Kas’im e ao sabre de luz. Bane ganhara
reputação e prestígio ao derrotar Fohargh; diversos mestres demonstraram
interesse súbito em treiná-lo individualmente, em particular. Entretanto,
apesar da atenção extra, as habilidades de Bane não progrediram nem um
pouco. A bem da verdade, ele retrocedera bastante.
Foi andando pelos corredores em direção ao quarto, depois se deitou
timidamente na cama. Não podia fazer nada enquanto estivesse aleijado pelo
veneno de pelko, a não ser descansar e meditar.
Estava claro que havia algo errado, mas ele não sabia exatamente o quê.
Não se sentia mais afiado. Não se sentia mais vivo. Quando tivera
consciência, pela primeira vez, da Força que fluía por ele, seus sentidos se
tornaram hiperconscientes: o mundo lhe parecera mais vibrante e mais real.
Agora estava tudo mudo e distante. Ele caminhava pelos corredores da
Academia como se numa espécie de transe.
Não dormia bem; tinha pesadelos. Às vezes, sonhava com o pai e a noite
em que morrera. Outras, sonhava com a luta contra Fohargh. Às vezes, os
sonhos se misturavam, amalgamando-se numa terrível visão: o Makurth
espancava-o no apartamento de Apatros e o pai aparecia deitado morto no
ringue de duelo na cobertura acima do templo em Korriban. E toda vez Bane
acordava contendo um grito, tremendo todo, ainda que seu corpo estivesse
banhado de suor.
Porém, era mais do que somente falta de sono o que o deixava nesse
torpor zonzo. A paixão que o motivava se fora. O fogo selvagem dentro dele
desaparecera, substituído por um vazio gelado. E, sem a paixão, ele não
conseguia convocar o poder do lado sombrio. Ficava cada vez mais difícil
comandar a Força.
As mudanças foram sutis, quase não perceptíveis no começo. Mas, com o
tempo, essas mudanças pequenas se somaram. Agora, só de mover pequenos
objetos ele já se sentia exausto. Estava lento e desajeitado com o sabre de
luz. Não podia mais antecipar o que seus oponentes fariam; podia apenas
reagir após o fato.
Não dava mais para negar: ele estava regredindo. Aprendizes que ele
superara muito antes se encontravam no mesmo nível que o dele de novo.
Bane percebia que ficava para trás só de ver os outros alunos durante seus
estudos… o que significava que eles também reparavam.
Bane lembrava-se do que seu mestre Twi’lek lhe dissera. Perdeu a
vontade de lutar.
Kas’im tinha razão. Bane sentia a vontade esvaindo-se desde o primeiro
sonho que tivera com o pai. Infelizmente, ele não fazia ideia de como
recuperar a raiva e o fogo competitivo que abastecera sua ascensão
meteórica pela hierarquia dos aprendizes Sith.
Retorne quando estiver pronto para abraçar o lado sombrio em vez de
recusá-lo.
Alguma coisa o prendia. Uma parte dele se retraíra do que ele se tornara.
Bane meditava por horas todo dia, concentrando a mente na busca pela fúria
agitada e pulsante no lado sombrio, guardada dentro dele. Entretanto,
procurava em vão. Um frio véu deitara-se por sobre o núcleo de quem ele
era, e, por mais que tentasse, não conseguia rasgá-lo para tomar o poder que
jazia ali debaixo.
Além disso, o tempo estava acabando. Até então, ninguém ousara desafiá-
lo no ringue de duelos – não desde a morte de Fohargh. O fim macabro do
Makurth ainda inspirava medo suficiente nos outros alunos para que
permanecessem longe dele. Mas Bane sabia que eles não manteriam
distância por muito tempo. A confiança e a capacidade dele estavam
diminuindo, e seus fracassos se tornavam cada vez mais conhecidos. Logo
ficaria tão óbvio para os outros alunos quanto para ele.
Naqueles primeiros dias após a morte de Fohargh, o único rival que tinha
de fato era Sirak. Agora, porém, cada aprendiz de Korriban representava
uma ameaça em potencial. O desespero da situação mastigava-lhe as
entranhas. Fazia-o querer gritar e arranhar as paredes de pedra de tanta raiva
e incapacidade. Entretanto, mesmo com toda a frustração, Bane não
conseguia conjurar a paixão que alimentava o lado sombrio.
Em breve um desafiante iria dar um passo à frente no ringue de duelos,
ávido para acabar com ele. E não havia nada a fazer para impedir que essa
hora chegasse.

Lorde Kaan zanzava, ansioso, pelo deque de comando da Anoitecer, que


orbitava o planeta industrial de Brentaal IV. A tropa Sith ocupava o setor
Bormea, a região do espaço na qual a Rota Comercial Perlemiana e a Via
Hydiana se encontravam. A Irmandade da Escuridão agora controlava duas
das rotas mais importantes que atendiam os Planetas do Núcleo; a resistência
da República à frota Sith, que não parava de avançar, estava ruindo.
E, entretanto, apesar da vitória mais recente, Kaan sentia que algo não
estava no lugar. Pensando bem, a conquista do setor Bormea fora fácil
demais. Os mundos de Corulag, Chandrila e Brentaal caíram em rápida
sucessão; seus defensores ofereceram somente resistência simbólica antes de
recuar perante a horda invasora.
Na verdade, ele sentira apenas um punhado de Jedi entre as forças da
República que a eles se opunham. Não era a primeira vez que os Jedi
estiveram virtualmente ausentes de combates importantes: em encontros em
Bespin, Sullust e Taanab, Kaan esperara ser confrontado por uma frota
liderada pelo mestre Jedi Hoth, o único comandante da República que
parecia capaz de vencer os Sith. Mas o general Hoth – apesar da reputação
que conquistara nos estágios iniciais da guerra – nunca aparecia.
No começo, Kaan suspeitou tratar-se de armadilha, algum elaborado
esquema arranjado pelo astuto Hoth para enredar e destruir seu inimigo
jurado. Porém, se era uma armadilha, ela nunca foi usada. Os Sith atacavam
de todos os lados; estavam quase sentados na soleira do próprio Coruscant.
E os Jedi tinham sumido, aparentemente desertado a República na hora em
que ela mais precisava.
Kaan devia se sentir extasiado. Sem os Jedi, a guerra estava praticamente
definida. A República cairia em questão de meses, e os Sith reinariam. Mas
aonde tinham ido parar os Jedi? Kaan não gostava nada disso. A mensagem
esquisita que Kopecz enviara poucas horas antes apenas incrementava essa
inquietude. O Twi’lek estava vindo ao encontro da Anoitecer com notícias
urgentes sobre Ruusan, notícias que não podia transmitir por canais
regulares. Notícias tão importantes que ele sentia que precisava dar
pessoalmente.
– Um interceptor acaba de chegar ao deque de pouso da Anoitecer, lorde
Kaan – reportou um dos tripulantes do deque de comando.
Apesar da ansiedade para ouvir as notícias de Kopecz, lorde Kaan
resistiu ao ímpeto de descer ao deque de pouso para encontrá-lo. Sentia que
algo tinha dado muito, muito errado, e era importante manter a aparência de
calma segurança perante as tropas. Entretanto, a paciência não era virtude de
muitos lordes Sith, e Kaan não conseguia ficar quieto enquanto aguardava o
Twi’lek chegar ao deque de comando a fim de fornecer seu infeliz relato.
Após o que pareceu serem horas, mas na verdade foram poucos minutos,
Kopecz finalmente chegou. Ao cruzar o deque e fazer uma reverência
superficial, sua expressão não aliviou em nada a crescente apreensão de
Kaan.
– Preciso falar com você em particular, lorde Kaan.
– Pode falar aqui – Kaan tranquilizou-o. – O que falarmos não sairá desta
nave.
A tripulação do deque de comando da Anoitecer fora escolhida a dedo
pelo próprio Kaan. Todos tinham prometido, sob juramento, servir com
absoluta lealdade; sabiam quais seriam as duras consequências caso
traíssem o juramento.
Kopecz olhou desconfiado ao redor do deque, mas a tripulação estava
toda focada nas próprias estações. Nenhum deles parecia sequer notar
Kopecz.
– Perdemos Ruusan – disse ele, sussurrando, apesar das garantias de
Kaan. – A base instalada na superfície, a tropa na órbita… tudo destruído!
Por um momento, Kaan não disse nada. Quando o fez, sua voz baixou para o
mesmo tom de Kopecz.
– Como isso foi acontecer? Temos espiões espalhados por todo o exército
da República. Todas as frotas deles recuaram para o Núcleo. Todas! Eles
não poderiam ter juntado força suficiente para tomar Ruusan de volta. Não
sem que soubéssemos!
– Não foi a República – respondeu Kopecz. – Foram os Jedi. Centenas
deles. Milhares. Mestres Jedi, cavaleiros Jedi, padawans: um exército
inteiro de Jedi.
Kopecz xingou alto. Ninguém da tripulação sequer olhou na direção dele –
testemunho de seu treinamento e do medo que sentiam do comandante.
– Lorde Hoth compreendeu que a força da Ordem Jedi estava espalhada
demais, tentando defender a República – Kopecz continuou. – Ele juntou
todos numa tropa com um único objetivo: destruir os usuários do lado
sombrio. Não ligam mais para nossos soldados nem nossas tropas. Tudo que
querem é acabar conosco: os aprendizes, os acólitos, os mestres Sith… e
principalmente os lordes sombrios. O próprio lorde Hoth os está liderando –
acrescentou o Twi’lek, embora Kaan já tivesse suposto isso por conta
própria. – Chamam-se de o Exército da Luz.
Kopecz esperou as novidades serem assimiladas. Kaan respirou fundo
várias vezes, recitando consigo o Código dos Sith para devolver o foco a
seus pensamentos rodopiantes.
E então riu.
– Um Exército da Luz para opor-se à Irmandade da Escuridão.
Kopecz encarava-o com cara de quem estava desnorteado.
– Hoth sabe que os Jedi não são capazes de derrotar nossos vastos
exércitos – explicou Kaan. – Não mais. A República está fadada. Então
agora ele vai se concentrar exclusivamente em nós: nos líderes desses
exércitos. Corte a cabeça, e o corpo morrerá.
– Devíamos mandar nossas frotas para Ruusan – sugeriu Kopecz. – Todas.
Esmagar os Jedi numa única lavada e livrar a galáxia deles para sempre.
Kaan balançou a cabeça em negação.
– É exatamente isso que Hoth quer que façamos. Tirar nossos exércitos da
República, tirá-los de Coruscant. Abrir mão de todo o terreno que
conquistamos num ataque tolo e sem sentido contra os Jedi.
– Sem sentido?
– Você disse que ele tem um exército de Jedi: milhares deles. Quais as
chances de uma frota de meros soldados contra um exército desses? Naves e
armas não são páreo para o poder da Força. Hoth sabe disso.
Finalmente, Kopecz assentiu, compreendendo.
– Você sempre disse que esta guerra não seria definida por poderio
militar.
– Exato. No final, a República é apenas uma consequência. Somente pela
completa aniquilação da Ordem Jedi alcançaremos a vitória definitiva. E
Hoth foi tão gentil que juntou todos num único lugar para nós.
– Mas a Irmandade não é páreo para a força unida de toda a Ordem Jedi –
protestou Kopecz. – Há muito mais deles do que de nós.
– Nossos contingentes são maiores do que você pensa – disse Kaan. –
Temos academias espalhadas por toda a galáxia. Podemos inflar nossos
números com corsários de Honoghr e Gentes. Podemos juntar todos os
assassinos treinados em Umbara. Mandaremos todos os alunos de Dathomir,
Iridonia e todos os outros nas academias para unir-se às fileiras da
Irmandade da Escuridão. Vamos reunir nosso próprio exército de Sith… que
seja capaz de destruir Hoth e seu Exército da Luz!
– E quanto à Academia de Korriban? – perguntou Kopecz.
– Eles se juntarão à Irmandade, mas somente depois de completarem o
treinamento de Qordis.
– Podíamos usá-los contra os Jedi – insistiu Kopecz. – Korriban é onde
estão os mais fortes de nossos aprendizes.
– Precisamente por isso que é perigoso demais trazê-los para este conflito
– explicou Kaan. – Com a força, vêm a ambição e a rivalidade. No calor do
combate, as emoções deles lhes tomarão a mente; vão virar-se uns contra os
outros. Vão gerar discórdia em nossas fileiras, enquanto os Jedi permanecem
unidos. – Ele fez uma pausa. – Isso aconteceu aos Sith por vezes demais no
passado; não permitirei que aconteça de novo. Eles ficarão com Qordis para
concluir o treinamento. Ele lhes ensinará disciplina e lealdade à Irmandade.
Somente então eles se juntarão a nós no campo de batalha.
– É nisso que você acredita – perguntou Kopecz –, ou é algo que Qordis
tem lhe dito?
– Não deixe que sua desconfiança para com Qordis o cegue quanto ao que
estamos tentando conquistar – censurou Kaan. – Os pupilos dele são o futuro
da Irmandade. O futuro dos Sith. Não pretendo expô-los a esta guerra
enquanto não estiverem prontos. – Pelo tom, ele claramente não toleraria
mais argumentação. – Os aprendizes de Korriban vão se juntar à Irmandade
no momento certo. Mas esse momento ainda não chegou.
– Bem, melhor que chegue logo – murmurou Kopecz, apenas parcialmente
convencido. – Não creio que possamos derrotar Hoth sem eles.
Kaan estendeu a mão e apertou forte o ombro robusto do Twi’lek.
– Não tema, meu amigo – disse ele, sorrindo. – Os Jedi não serão páreo
para nós. Nós os massacraremos em Ruusan e livraremos a galáxia deles. Os
aprendizes podem até ser o futuro da Irmandade, mas o presente pertence a
nós!
Para o alívio de Kaan, Kopecz retribuiu o sorriso. O líder da Irmandade
teria se sentido bem menos satisfeito se soubesse que muito da satisfação do
Twi’lek advinha de ele saber que Qordis não partilharia a glória da vitória
iminente.

Lorde Kas’im entrou na câmara opulentamente decorada e acenou para seu


amigo mestre.
– Queria falar comigo?
– Novidades do fronte – informou Qordis, levantando-se lentamente do
tapete de meditação. – Os Jedi juntaram-se sob uma bandeira única em
Ruusan. O general Hoth os lidera. Lorde Kaan reuniu seu exército. Neste
momento, estão seguindo para lá, a fim de enfrentar os Jedi.
– Vamos nos juntar a eles? – perguntou Kas’im, a voz ansiosa, o lekku
contorcendo-se ao pensar na possibilidade de colocar suas habilidades
contra os maiores guerreiros da Ordem Jedi.
Qordis negou.
– Nós, não. Nenhum dos mestres. E nenhum dos alunos, a não ser que você
sinta que os aprendizes estão prontos.
– Não – Kas’im respondeu após um momento de consideração. – Sirak,
talvez. Ele é forte o bastante. Mas orgulhoso demais, e ainda tem muito a
aprender.
– E quanto a Bane? Ele mostrou grande potencial ao acabar com Fohargh.
Kas’im deu de ombros.
– Isso foi um mês atrás. Desde então, ele não fez quase progresso nenhum.
Alguma coisa o está contendo. Medo, acho.
– Medo? Dos outros alunos? De Sirak?
– Não. Nada disso. Ele finalmente viu do que é capaz; viu o poder total do
lado sombrio. Acho que está com medo de enfrentá-lo.
– Então não será mais útil para nós – Qordis afirmou, seco. – Foque nos
outros alunos. Não perca tempo com ele.
O mestre espadachim sentiu-se aturdido por um instante. Foi uma surpresa
ver Qordis desistindo tão rapidamente de um aluno com tamanho e
inquestionável potencial.
– Acho que ele só precisa de mais tempo – sugeriu Kas’im. – Boa parte
dos nossos aprendizes vem estudando o modo dos Sith há muitos anos.
Desde que eram crianças. Bane começou a treinar conosco apenas quando
adulto.
– Estou muito ciente das circunstâncias que cercam a chegada dele a esta
Academia! – ralhou Qordis, e Kas’im subitamente entendeu o que de fato
ocorria. Bane fora trazido a Korriban por lorde Kopecz, e o pouco apreço
que havia entre este e o líder da Academia se perdera. O fracasso de Bane
acabaria refletindo negativamente no maior rival de Qordis. – Na próxima
vez que Bane aproximar-se de você, recuse-o – disse o lorde sombrio ao
outro, com um tom que não deixava dúvida quanto ao fato de as palavras
serem um comando, não um pedido. – Certifique-se de que todos os mestres
entendem que ele não é mais digno de nossos ensinamentos.
Kas’im assentiu, mostrando entender. Ele agiria conforme o ordenado.
Não seria justo com Bane, claro. Mas ninguém nunca disse que os Sith eram
justos.
13

BANE SABIA QUE TINHA DE FAZER ALGUMA COISA. Sua situação começava a
beirar o desespero. Ele continuava vacilante, incapaz de conjurar o poder
que usara para destruir Fohargh. Mas agora sua fraqueza viera a público.
No dia anterior, durante a sessão de treinamento noturna, ele abordara
Kas’im com o intuito de marcar um horário para mais uma prática particular,
na esperança de livrar-se da letargia que o dominava, mas o mestre
espadachim repeliu-o, balançando a cabeça e voltando sua atenção aos
outros alunos. A mensagem ficou clara para todos: Bane estava vulnerável.
Quando os alunos se juntaram num círculo na cobertura do templo, após os
exercícios matinais, Bane soube o que precisava ser feito. Sua reputação o
protegera do desafio dos outros alunos, mas essa reputação já não valia
mais. Porém, ele não podia ficar sentado, passivo, esperando que um dos
alunos o desafiasse e o derrotasse. Tinha de tomar a iniciativa; tinha de
partir para o ataque. Nesse dia, ele teria de ser o primeiro a passar para o
centro do círculo.
Claro que, se desafiasse um dos alunos inferiores, todos enxergariam isso
como uma confirmação da fraqueza que Bane procurava esconder. Havia
somente um jeito de redimir-se perante o olhar da escola e dos mestres;
somente um oponente que ele podia desafiar.
Diversos alunos ainda se ajeitavam, tentando achar um lugar do qual
poderiam observar claramente a ação daquela manhã. Era de costume
aguardar até que todos estivessem prontos antes de emitir um desafio, mas
Bane sabia que, quanto mais esperava, mais difícil se tornava cumprir sua
tarefa. Dirigiu-se com audácia para o centro do círculo, atraindo olhares
curiosos dos outros alunos. Kas’im fixou nele uma expressão de censura,
mas Bane tentou tirar isso da cabeça.
– Quero desafiar alguém – proclamou. – Eu desafio Sirak.
Um zunido de empolgação percorreu o grupo de alunos, mas Bane mal
pôde ouvi-lo com o martelar de seu coração. Sirak raramente participava
dos combates; Bane nunca o vira em ação. Mas ouvira outros alunos falando
sobre a proeza de Sirak no ringue de duelos, contando histórias fantásticas
dos feitos imbatíveis dele. Desde que o Zabrak o abordara na escada, Bane
observara o oponente nas sessões de treinamento, preparando-se para esse
confronto. E, pelo que vira, os aparentemente exagerados relatos da proeza
dele estavam totalmente corretos.
Ao contrário da maioria dos alunos, Sirak preferia o sabre de treino de
lâmina dupla ao mais tradicional, de uma lâmina só. Além do próprio
Kas’im, Sirak era o único que Bane vira brandindo a exótica arma com
algum indicativo de habilidade. Sua técnica parecia quase perfeita para o
olhar inexperiente de Bane. Ele sempre aparentava ter controle total; estava
sempre no ataque. Mesmo nos exercícios simples, a superioridade dele
sobre o oponente era óbvia. Enquanto a maioria dos alunos levava de duas a
três semanas para aprender uma sequência nova, Sirak conseguia dominar
uma em questão de dias. E agora Bane estava prestes a enfrentá-lo no ringue
de duelos.
O Zabrak destacou-se da multidão, movendo-se lenta, porém
graciosamente, respondendo ao desafio. Mesmo andando até o centro do
círculo ele emanava um ar de ameaça. Foi movimentando casualmente sua
arma ao chegar lá, fazendo as lâminas de hiperaço desenharem arcos longos
e lânguidos no ar.
Bane o viu chegando e sentiu o coração e a respiração acelerarem
conforme seu corpo liberava adrenalina para o sistema, preparando-se
instintivamente para o combate iminente. Em contraste com seu corpo físico,
contudo, Bane não notava mudança significativa em seu estado emocional.
Ele esperava sentir um assomo de medo e raiva quando Sirak se aproximou,
emoções que poderia usar para atravessar o véu sem vida e liberar o lado
sombrio. Mas o torpor letárgico ainda o envolvia feito uma pesada mortalha
acinzentada.
– Queria que tivesse me desafiado antes – sussurrou Sirak, falando alto o
bastante para Bane ouvir. – Na primeira semana após a morte de Fohargh,
muitos pensavam que você estivesse no meu nível. Eu teria ganhado grande
prestígio ao derrotá-lo. Isso já não vale mais.
Sirak parara de avançar e se manteve muitos metros distante. Seu sabre de
treino de lâmina dupla ainda dançava lentamente pelo ar. A espada movia-se
como se estivesse viva, uma criatura antecipando a caçada, excitada demais
para permanecer imóvel.
– Haverá muito pouca glória em derrotá-lo agora – ele repetiu. – Mas
terei muito prazer com o seu sofrimento.
Atrás de Sirak, Bane viu Llokay e Yevra, os outros aprendizes Zabraks,
abrirem caminho para a porção frontal do círculo, a fim de ver melhor seu
campeão. O irmão tinha no rosto um sorriso cruel; a irmã, uma expressão de
ávida ansiedade. Bane fez o melhor que pôde para ignorar a expectativa dos
rostos vermelhos deles, deixando que se misturassem ao cenário
insignificante composto pelos espectadores.
Toda a sua concentração focou-se nos movimentos fluidos da arma
incomum nas mãos de Sirak. Ele tentara memorizar as sequências que o
Zabrak praticava durante os exercícios. Agora, procurava por dicas que
entregassem a mão do oponente – que revelassem qual sequência ele
planejava usar para começar o combate. Se Bane adivinhasse direito,
poderia contra-atacar e possivelmente encerrar o combate no primeiro
passo. Era a melhor chance que ele tinha de vencer, mas, sem conseguir
sorver a energia da Força, as chances de adivinhar corretamente qual
sequência o inimigo ia escolher eram muito, muito pequenas.
Sirak ergueu o sabre de lâmina dupla acima da cabeça, girando-o tão
rápido que não passava de um borrão, depois avançou. Uma das pontas
desceu num selvagem ataque por cima do qual Bane esquivou-se facilmente.
O movimento, entretanto, foi apenas um disfarce, armado para desferir-lhe
em seguida um ataque cortante na cintura com a lâmina oposta.
Reconhecendo a manobra no último segundo, Bane não pôde fazer nada além
de jogar-se para trás, rolando, escapando do ferimento por um triz.
O inimigo estava em cima de Bane antes mesmo de ele conseguir se
levantar, cortando com as lâminas gêmeas num ritmo alternado de ataques:
esquerda-direita-esquerda-direita. Bane bloqueou, rolou, girou e bloqueou
de novo, defendendo-se dos floreios. Tentou derrubar o oponente varrendo-
lhe os pés, mas Sirak antecipou o movimento e saltou ligeiro, dando a Bane
tempo suficiente para se levantar.
A rodada de ataques seguinte manteve Bane em recuo constante, mas ele
conseguiu impedir Sirak de ganhar vantagem dando espaço e revertendo para
sequências básicas de defesa. Bane tentava desesperadamente conseguir
certa vantagem observando os movimentos do oponente. Em certo momento,
Sirak parecia usar os socos e murros de Vaapad, a mais agressiva e direta
das sete formas tradicionais. Mas, no meio de uma sequência, ele mudava
subitamente os ataques poderosos para Djem So, gerando tanta potência que
até mesmo um ataque bloqueado fez Bane cambalear para trás. Com um giro
rápido da arma, uma das lâminas gêmeas veio novamente voando num ângulo
esquisito, fazendo Bane perder o equilíbrio para bloqueá-la.
Houve uma breve calmaria na ação quando os dois combatentes pararam
para reavaliar suas estratégias, ambos muito ofegantes. Sirak girou a arma
numa sequência rápida e complexa que levou o sabre para debaixo do braço
direito, ao redor das costas, por cima do ombro esquerdo e dando a volta
para a frente. Depois sorriu e fez o movimento no sentido reverso.
Bane assistiu ao extravagante floreio com uma sensação de apreensão.
Sirak estivera apenas brincando com eles nos primeiros movimentos,
prolongando a luta para sua vitória ser mais impressionante. Agora ele
mostrava a verdadeira habilidade, usando sequências que misturavam
diversas formas numa só, alternando rapidamente entre estilos diferentes em
complexos padrões que Bane nunca vira antes.
Esse era apenas mais um sinal da superioridade do Zabrak. Se Bane
tentasse combinar estilos diferentes numa única sequência, acabaria
provavelmente machucando um olho ou atingindo a própria nuca. Ficou claro
que ele estava em desvantagem; sua única esperança consistia em o inimigo
se descuidar e cometer um erro.
Sirak avançou de novo, movendo o sabre de treino tão rapidamente que
Bane ouvia o zunido que ele fazia ao cortar o ar. Bane saltou para a frente a
fim de encontrar o desafiante, tentando convocar o poder do lado sombrio
para antecipar e bloquear as lâminas duplas que voavam rápido demais para
que seus olhos as vissem. Ele sentiu a Força fluindo por seu corpo, mas ela
lhe pareceu distante e vazia: o véu permanecia lá. Ele conseguia manter
distantes os gumes paralisadores do sabre de Sirak, mas isso requeria
concentração total de sua atenção para controlar a própria espada…
deixando-o vulnerável para o verdadeiro propósito do ataque empregado
contra ele.
O crânio de Bane explodiu quando Sirak meteu a testa no rosto dele. A
dor transformou a sua visão num campo de estrelas prateadas. A cartilagem
do nariz saiu do lugar com um barulho de dar nojo, e um gêiser de sangue
jorrou para a frente. Cego e atordoado, ele conseguiu se esquivar do ataque
seguinte apenas por instinto, guiado por um sussurro dos mais fracos da
Força. Porém, quando seu sabre desviou, Sirak rodopiou e meteu um chute
giratório que estilhaçou a rótula de Bane.
Aos gritos, Bane desabou, metendo a mão livre no chão para amparar a
queda. Sirak esmagou os dedos dele com a bota, espremendo-os na pedra
inflexível da cobertura do templo. Um joelho voou, fraturando os ossos da
bochecha e da mandíbula de Bane com um barulho trovejante.
Com um último e desesperado ímpeto, Bane tentou arremessar o oponente
para trás usando o lado sombrio. Porém, Sirak resvalou o impacto para o
lado, facilmente o defletindo com o campo de Força com que se envolvera
desde o início do duelo. Então, aproximou-se para encerrar o serviço com as
espadas. O primeiro golpe atingiu Bane com o impacto de um landspeeder
colidindo com um irax, quebrando-lhe o pulso direito. O sabre de treino caiu
da mão subitamente desprovida de enervação. O golpe seguinte atingiu Bane
mais alto no mesmo braço, deslocando seu cotovelo.
Um chute simples no rosto fez dentes saírem voando de sua boca, e gerou
um disparo de dor que lhe percorreu a mandíbula quebrada. Ele pendeu para
a frente, quase inconsciente, enquanto Sirak deu um passo para trás,
baixando o sabre, e então estendeu a mão livre, com a qual agarrou Bane
pelo pescoço com o aperto esmagador da Força. O Zabrak ergueu o braço,
içando o musculoso Bane como se fosse uma criança, depois o arremessou
para o outro lado do ringue.
Bane sentiu outro osso se partir quando desabou no chão, mas seu corpo
tinha entrado em choque, e não havia mais dor. Ele permaneceu deitado,
imóvel, num monte enrugado e retorcido. O sangue passava do nariz e da
boca para a garganta, entupindo-a. Um acesso de tosse sacudia-lhe o corpo,
e ele mais ouvia que sentia o moer de suas costelas quebradas.
Tudo começou a escurecer. Bane vislumbrou rapidamente um par de botas
manchadas de sangue andando em sua direção, e então se rendeu à
misericordiosa escuridão.
Kopecz balançava a cabeça enquanto estudava o plano de batalha que
Kaan estendera numa mesa improvisada no meio de sua barraca. O holomapa
do terreno de Ruusan mostrava as posições das forças Sith representadas por
triângulos vermelhos flutuando acima do mapa. Quadrados verdes
simbolizavam as posições dos Jedi. Apesar do avanço tecnológico, o
restante do mapa era uma simples representação bidimensional da topografia
da área circundante. Ela não transmitia nem um pouco a fria devastação que
transformara Ruusan virtualmente num deserto assolado pela guerra.
Três grandes frotas de batalha posicionaram-se bem acima do planeta no
ano anterior, espalhando detritos da parte perdedora por sobre o pouco
populoso mundo a cada vez. Cascos chamuscados e retorcidos que antes
constituíam naves caíram nas ricas florestas, incitando incêndios que
reduziram muito da superfície do pequeno mundo a cinzas e solo
descampado.
Ruusan, apesar do tamanho, tornara-se um mundo de grande importância
tanto para a República quanto para os Sith. Estrategicamente localizado nas
margens da Orla Interior, ficava também no que muitos consideravam o
limite entre a perigosa fronteira da República e o são e salvo Núcleo.
Ruusan era um símbolo. Conquistá-lo representava o inevitável avanço dos
Sith e sua conquista da República; libertá-lo seria emblemático para a
habilidade dos Jedi de afastar os invasores e proteger os habitantes da
República. O resultado foi um ciclo interminável de batalhas, sem nenhum
lado aceitando a derrota.
A Primeira Batalha de Ruusan vira a tropa invasora dos Sith expulsar as
forças da República usando elementos de surpresa e a força do combate
meditativo de Kaan. A Segunda Batalha viu a República tentar reaver o
controle de Ruusan e fracassar, mais uma vez expulsa pelos números e pelo
poder de fogo superiores aos da República.
A Terceira Batalha nos céus acima de Ruusan marcou a emergência do
Exército da Luz. Em vez de cruzadores e caças da República, os Sith
enfrentaram uma frota composta principalmente por caças de um ou dois
tripulantes pilotados apenas por Jedi. Os soldados comuns que compunham o
exército de Kaan não eram páreo para a Força, e Ruusan foi salva… por um
tempo.
Os Sith responderam ao Exército da Luz juntando os contingentes da
Irmandade da Escuridão num único exército, lançando-o, em seguida, sobre
Ruusan. A guerra que assolara o mundo do alto passara para a superfície,
com consequências muito mais devastadoras. Comparado com batalhas
espaciais entre as frotas, o combate em solo era brutal, sangrento e visceral.
Kopecz bateu o punho na mesa.
– É inútil, Kaan.
Os outros lordes sombrios reunidos na barraca murmuraram,
concordando.
– Os postos Jedi estão muito bem defendidos; eles têm toda a vantagem –
Kopecz prosseguiu, irritado. – Terreno alto, fortificações intrincadas,
contingentes superiores. Não é possível vencermos essa batalha!
– Olhe bem – replicou Kaan. – Os Jedi se espalharam demais.
O grande Twi’lek estudou o mapa com mais atenção e percebeu que Kaan
tinha razão. O perímetro Jedi estendia-se longe demais do acampamento
base. Ele levou apenas um instante para entender por quê.
A colisão entre os exércitos Jedi e Sith, liderados por mestres Jedi e
lordes sombrios, sacudira as fundações do mundo. O poder da Força rugiu
selvagem por todo o campo de batalha como o trovejar de uma estrela
explodindo. Cidades, vilas e casas individuais pegas pela tempestade foram
varridas, deixando apenas morte e destruição para trás. Os civis pegos no
rastro da guerra foram forçados a fugir, tornando-se refugiados numa batalha
épica entre os campeões da luz e da sombra.
Vendo o sofrimento deles, os Jedi procuraram consolar, confortar e
proteger os civis inocentes de Ruusan. Planejaram suas estratégias para
defender os assentamentos e casas civis, mesmo à custa de recursos e
vantagem tática. Os Sith, claro, não faziam tais concessões.
– A compaixão dos Jedi é uma fraqueza – continuou Kaan – que podemos
explorar. Se concentrarmos todo o nosso contingente num único ponto,
conseguiremos romper as fileiras deles. Então a vantagem será nossa.
Todos os generais e estrategistas reunidos da Irmandade da Escuridão
concordaram. Muitos ergueram as vozes em ovações de triunfo e
congratulações. Somente Kopecz recusou-se a juntar-se à celebração.
– O Exército da Luz ainda tem o dobro do nosso contingente – lembrou-
lhes o robusto Twi’lek. – As fileiras deles podem estar mais esparsas em
alguns pontos, mas não sabemos onde estão vulneráveis. Sabem que nossos
batedores mantêm o olho neles; escondem seus contingentes assim como
escondemos os nossos. Se atacarmos um local onde estão fortes, seremos
massacrados!
O restante dos generais conteve a voz, não mais incitado pelo entusiasmo
de seu líder agora que a falha gritante do plano dele fora exposta. Mais uma
vez, circulou o ribombar de desacordo e insatisfação. Kopecz ignorou a
reação dos outros lordes sombrios. Com todo o seu poder, com toda a sua
ambição, eram como os banthas, seguindo o restante da horda cegamente. Em
tese, todos na Irmandade da Escuridão eram iguais, mas na prática Kaan
mandava nos demais.
Kopecz entendia isso, e estava disposto a segui-lo. Os Sith precisavam de
um líder forte e carismático, um homem de visão, para debelar o conflito
interno que se assemelhava a uma praga entre suas fileiras. Kaan era esse
líder, e costumava atuar como um brilhante estrategista militar. Mas esse
plano era loucura. Suicídio. Ao contrário do restante da plebe, Kopecz não
queria seguir o líder para uma morte certa.
– Você me subestima, Kopecz – Kaan tranquilizou-o, a voz calma e
confiante, como se antecipasse essa questão o tempo todo e tivesse uma
resposta preparada. Talvez tivesse mesmo. – Não atacaremos enquanto não
soubermos exatamente onde estão mais vulneráveis – explicou o lorde
sombrio. – Quando formos atacar, saberemos precisamente o número e a
composição de cada unidade e patrulha ao longo do perímetro.
– Como? – indagou Kopecz. – Nem mesmo nossos espiões das sombras
Umbaranos podem nos fornecer esse tipo de detalhe. Pelo menos não rápido
o bastante para usarmos no planejamento de nosso ataque. Não temos como
conseguir a informação de que precisamos.
Kaan riu.
– Claro que temos. Um dos Jedi vai dá-la para nós.
Os panos que cobriam a entrada da comprida barraca que servia de sala
de guerra abriram-se, como se seguindo a deixa, e uma jovem que usava o
manto da Ordem Jedi entrou. Tinha altura média, mas era o único aspecto
dela que se podia considerar mediano. Os cabelos, grossos e negros,
desciam abaixo dos ombros. O rosto e a silhueta constituíam exemplos
perfeitos da forma humana feminina; a pele morena era acentuada por olhos
verdes que ardiam com um calor que representava tanto uma ameaça quanto
um convite. Ela se movia com a graça ágil de uma dançarina Twi’lek ao
caminhar por entre a assembleia de lordes sombrios, com um sorriso
modesto nos lábios enquanto fingia não ouvir os sussurros de surpresa.
Kopecz vira muitas fêmeas estonteantes na vida. Muitas das damas
sombrias reunidas na barraca eram maravilhosas, renomadas tanto por sua
incrível beleza quanto por seu poder devastador. Mas, conforme a jovem
Jedi se aproximava, ele flagrou-se incapaz de tirar os olhos dela. Havia algo
de magnético naquela figura, algo que transcendia a mera atração física.
Ela andava de cabeça erguida, com os traços orgulhosos emitindo um
desafio não dito conforme se aproximava. E Kopecz viu algo a mais: uma
ambição nua, crua e faminta.
Ao lado dele, Kaan sussurrou:
– Encantadora, não?
Ela chegou à frente da barraca, abaixou-se com suavidade, apoiando-se
num joelho, e pendeu a cabeça muito ligeiramente por respeito a lorde Kaan.
– Bem-vinda, Githany – disse ele, acenando para que ela se levantasse. –
Estávamos esperando por você.
– O prazer é meu, lorde Kaan – ronronou a jovem. Kopecz sentiu os
joelhos momentaneamente fracos quando ouviu aquela voz sensual, mas logo
recobrou a rigidez e a atenção. Era velho e sábio demais para deixar-se
cegar pelo charme dessa mulher. Importava-se apenas com o que ela podia
oferecer na luta contra os Jedi.
– Você tem informações para nós? – perguntou ele abruptamente.
Ela pendeu a cabeça de lado e deu-lhe uma olhada curiosa, tentando
entender o motivo de tão fria recepção. Após uma curta pausa, respondeu:
– Posso dizer exatamente onde atacar as fileiras, e quando. Lorde Hoth
colocou um Jedi chamado Kiel Charny a cargo da coordenação das defesas
deles. Consegui os dados diretamente com ele.
– Por que esse tal Charny partilharia informações com você? – Kopecz
perguntou, desconfiado.
Ela abriu um sorriso maroto para ele.
– Kiel e eu éramos… próximos. Partilhávamos muitas coisas. Ele não
fazia ideia de que eu viria até vocês com a informação.
Kopecz estreitou os olhos.
– Eu achava que os Jedi não aprovavam esse tipo de coisa.
O sorriso da jovem se foi.
– Os Jedi desaprovam um monte de coisas. Por isso vim até vocês.
Kaan deu um passo à frente antes que o outro fizesse mais perguntas,
tocando o quadril da jovem com bastante intimidade para tirá-la de perto de
Kopecz.
– Não temos tempo para isso, Githany – disse ele. – Você precisa nos dar
seu relatório e retornar ao acampamento dos Jedi antes que alguém note sua
ausência.
Ela abriu um sorriso deslumbrante para Kaan e assentiu.
– Claro. Temos que nos apressar.
Ele a conduziu gentilmente até o holomapa, e um grupo de estrategistas se
aproximou, circundando-a, enquanto ela lhes dava os detalhes da guarda
Jedi. Alguns segundos depois, Kaan emergiu do grupo e foi até o lado de
Kopecz.
– Ambição, traição… O lado sombrio é forte nela – sussurrou o Twi’lek.
– Fico surpreso que os Jedi a tenham aceito.
– Eles devem ter pensado que poderiam levá-la para o lado luminoso –
respondeu Kaan, falando baixinho também. – Mas Githany nasceu para o
lado sombrio. Como eu. Como você. Era inevitável que algum dia ela se
unisse aos Sith.
– E chegou no momento perfeito – comentou Kopecz. – Perfeito até
demais. Pode ser uma armadilha. Tem certeza de que podemos confiar nela?
Achei-a perigosa.
Kaan ignorou o aviso com uma risada suave.
– Você também é, lorde Kopecz. Por isso que é tão útil para a Irmandade.

Bane flutuava, muito leve, imerso na escuridão e no silêncio. Parecia


vagar no vazio da própria morte.
Então a consciência começou a retornar-lhe. Seu corpo, arrancado de uma
saborosa inconsciência, agitou-se no líquido verde-escuro do tanque de
bacta, criando um monte de bolhas que subiram silenciosamente para a
superfície. Seu coração começou a martelar; era possível ouvir o sangue
correndo pelas veias.
Seus olhos se abriram num estalo a tempo de ver um droide médico vindo
ajustar alguma configuração no tanque. Em questão de segundos, o ritmo
cardíaco diminuiu e o sacudir involuntário dos membros quebrados e
machucados de Bane cessou. Porém, embora o tranquilizante tenha acalmado
seu corpo, sua mente estava totalmente alerta e ciente.
Lembranças de movimento e dor passavam por ela. Lampejos, sons e
cheiros de combate. Ele se lembrou de ver botas ensanguentadas
aproximando-se – era o sangue dele. Kas’im devia ter intervindo depois que
ele apagou, impedindo Sirak de matá-lo. Deviam tê-lo trazido até ali para
curar-se.
No começo, sentiu-se surpreso pela ajuda para se recuperar. Então lhe
ocorreu que ele, como todos os alunos da Academia, era valioso demais
para a Irmandade para ser simplesmente jogado fora. Então ia sobreviver…
mas sua vida, em essência, terminara.
Desde que chegara à Academia, ele trabalhara para alcançar um único e
claro objetivo. Todo o seu estudo, todo o seu treinamento focara um único
propósito: entender e dominar o poder do lado sombrio da Força. O lado
sombrio lhe traria poder. Glória. Força. Liberdade.
Agora ele seria um pária na Academia. Permitir-lhe-iam que assistisse às
lições em grupo, que praticasse suas habilidades nas sessões de treinamento
de Kas’im, mas nada mais. Qualquer esperança de receber treinamento
individual com um dos mestres fora esmagada por sua derrota humilhante. E,
sem essa orientação especial, seu potencial murcharia e morreria.
Embora, em tese, todos na Irmandade fossem iguais, Bane era esperto o
bastante para enxergar a verdade. Na prática, os Sith precisavam de líderes,
mestres como Kaan ou lorde Qordis, na Academia. Os fortes sempre se
destacavam; os fracos não tinham escolha senão seguir os outros.
Agora Bane estava fadado a constituir um dos seguidores. Uma vida de
subserviência e obediência.
Por meio da vitória, minhas correntes se rompem. Bane, entretanto, não
obtivera a vitória, e conhecia bem demais as correntes da servidão que o
prenderiam para sempre. Estava arruinado.
Parte dele desejou que Sirak tivesse simplesmente concluído o serviço.
14

HAVIA UM AR INCOMUM DE COMEMORAÇÃO nos corredores da Academia Sith. A


Irmandade da Escuridão obtivera uma vitória retumbante sobre os Jedi em
Ruusan, e o júbilo do banquete que Qordis oferecera para marcar o sucesso
permanecia no ar. Durante as sessões de treinamento, exercícios e lições, era
possível ouvir os alunos sussurrando, empolgados, conforme partilhavam os
detalhes da batalha. Os Jedi em Ruusan foram assolados, diziam alguns.
Outros insistiam que o próprio lorde Hoth tinha caído. Havia rumores de que
o Templo Jedi em Coruscant estava indefeso, e seria apenas uma questão de
dias antes que fosse revistado pelos lordes sombrios dos Sith.
Os mestres sabiam que muito do que estava sendo dito era exagero ou
equívoco. Os Jedi em Ruusan foram derrotados, mas muitos conseguiram
escapar do combate. Lorde Hoth não havia morrido; devia estar reunindo os
Jedi para o inevitável contra-ataque. E o Templo Jedi em Coruscant ainda
estava muito além do alcance de Kaan e da Irmandade da Escuridão. Sob as
ordens de Qordis, contudo, os instrutores permitiam que o entusiasmo de
seus aprendizes passasse impune para aumentar ainda mais a moral.
Contudo, o humor exultante da Academia surtiu pouco efeito sobre Bane.
Foram necessárias três semanas de sessões regulares no tanque de bacta para
ele se recuperar totalmente do terrível espancamento sofrido pelas mãos de
Sirak. Em geral, quem perdia no ringue de duelos precisava de um ou dois
dias nos tanques e já estava pronto para retomar o treinamento. A maioria
dos alunos, obviamente, não perdia tão feio quanto Bane perdera.
Hurst sentava a mão no filho sem pensar duas vezes; Bane sofrera mais do
que uma ou outra sova ao crescer. As punições que recebera na juventude lhe
ensinaram a lidar com a dor física, mas o trauma infligido por Sirak era
muito pior do que qualquer coisa que o rapaz recebera das mãos do pai.
Bane arrastava-se lentamente pelos corredores da Academia, embora seu
passo comedido fosse algo de escolha própria, não necessidade. O
incômodo remanescente que sentia era insignificante. Graças aos tanques de
bacta, os ossos quebrados tinham sido remendados e os hematomas sumiram
completamente. O estrago emocional, contudo, era mais difícil de reverter.
Uma dupla de aprendizes risonhos se aproximou, regalando um ao outro
com supostos relatos verdadeiros da vitória dos Sith em Ruusan. A conversa
parou quando se aproximaram da figura solitária. Bane baixou a cabeça para
evitar contato visual quando eles passaram. Um dos dois sussurrou algo
ininteligível, mas o desprezo em seu tom de voz foi inconfundível.
Bane não reagiu. Reagia à dor emocional do único modo que sabia. Do
mesmo jeito que lidava quando era criança. Recolhia-se para dentro de si
mesmo, tentando ficar invisível para evitar o escárnio e o desprezo dos
outros.
Sua derrota – tão pública e tão completa – destruíra sua já suspeita
reputação junto a alunos e mestres. Mesmo antes do duelo, muitos já sentiam
que o poder o abandonara. Agora a suspeita se confirmara. Bane tornara-se
um forasteiro na Academia, evitado pelos outros alunos e desconsiderado
pelos mestres.
Até mesmo Sirak o ignorava. Espancara seu rival até o submeter; Bane
não era mais digno de sua atenção. Tanto a atenção do Zabrak, como a de
quase todos os aprendizes, voltara-se para a jovem humana que viera juntar-
se a eles pouco depois da batalha de Ruusan.
Seu nome era Githany. Bane ouvira dizer que ela fora antes uma padawan
Jedi, mas rejeitara a luz em favor do lado sombrio… História bastante
comum na Academia. Githany, contudo, não era nem um pouco comum.
Exercera papel essencial na vitória Sith em Ruusan, e chegara a Korriban
com a fanfarra de um herói nacional.
Bane não estivera forte o bastante para participar do banquete de vitória
no qual Qordis apresentara a recém-chegada ao restante dos alunos, mas a
vira diversas vezes pela Academia desde então. Era estonteante de bonita;
ficou óbvio que muitos dos alunos a desejavam, assim como ficou
igualmente óbvio que muitas das alunas tinham ciúme dela, embora, para o
próprio bem, mantivessem o ressentimento bem escondido.
Githany era tão arrogante e cruel quanto atraente, e a Força era
excepcionalmente forte nela. Em poucas semanas, a moça erigiu reputação
por esmagar todos que lhe bloqueavam o caminho. Não foi surpresa alguma
ela rapidamente se tornar uma das favoritas de Qordis e dos demais lordes
sombrios.
Contudo, nada disso realmente importava para Bane. Ele mancava pelos
corredores, cabeça baixa, indo para a biblioteca localizada nas profundezas
da Academia. Estudar os arquivos lhe parecera o melhor modo de
suplementar os ensinamentos dos mestres nos estágios iniciais de seu
desenvolvimento. Agora a sala fria e quieta muito abaixo dos níveis
principais do templo era seu único refúgio.
Como esperado, a imensa sala estava vazia, exceto pelas fileiras de
estantes lotadas de manuscritos atropeladamente amontoados e depois
esquecidos. Poucos alunos davam-se o trabalho de ir até ali. Para que perder
tempo contemplando o conhecimento dos antigos quando se podia estudar
junto de um lorde sombrio de verdade? Até mesmo Bane ia até ali como
último recurso; os mestres não perderiam mais tempo com ele.
Porém, conforme examinava os textos antigos, uma parte sua que ele
julgara morta começou a acordar. O fogo interior – aquela raiva ardente que
sempre fora sua reserva secreta – se apagara. Entretanto, mesmo muito fraco,
o lado sombrio chamava por ele, e Bane reparou que ainda não era hora de
desistir de si mesmo. E, então, entregou-se aos estudos.
Não era permitido aos alunos que retirassem registros da sala de
arquivos, então Bane fazia toda sua leitura ali mesmo. No dia anterior, ele
finalmente completara um tratado bastante longo e detalhado de um antigo
lorde sombrio chamado Naga Sadow sobre o uso de alquimia e venenos. Até
nesses assuntos ele encontrava pequenas pérolas de conhecimento
aprofundado que tomava para si. Pouco a pouco, seu conhecimento crescia.
Bane zanzava devagar pelos corredores, lendo títulos e nomes de autores,
esperando encontrar algo útil. Estava tão focado em sua busca que não notou
a figura obscura de capuz que entrara na sala e ficara em silêncio, à porta,
observando-o.
Githany ficou calada vendo aquele homem alto de ombros largos
passeando por entre os arquivos. Tinha físico imponente; mesmo sob o manto
largo, seus músculos eram evidentes. Concentrando-se, como ensinada por
seus mestres Jedi antes de traí-los, ela sentiu o poder do lado sombrio nele;
a Força era grande nele. Entretanto, não se portava como um homem tão forte
ou poderoso. Mesmo ali, longe dos olhos dos demais, andava cabisbaixo, de
ombros caídos.
Era isso que Sirak podia fazer a um rival, pensou ela. Era isso que podia
fazer a ela caso o desafiasse e perdesse. Githany tinha toda a intenção de
desafiar o suposto melhor aluno da Academia… mas somente quando
pudesse, com certeza, vencê-lo no ringue de duelos.
Ela procurara Bane na esperança de aprender com os erros dele. Vendo-o
ali, fraco e submisso, entendeu que poderia conseguir mais dele do que
apenas informação. Normalmente, Githany teria receio de aliar-se a outro
aluno, ainda mais um tão forte quanto Bane. Ela preferia trabalhar sozinha;
sabia muito bem quão devastadoras poderiam ser as consequências de uma
traição inesperada.
Mas o homem que viu estava vulnerável, exposto. Sozinho e desesperado;
não se encontrava em posição de trair alguém. Ela podia controlá-lo, usá-lo
enquanto precisasse e, por fim, descartá-lo.
Bane tirou um livro de uma das estantes e caminhou lentamente até as
mesas. Githany esperou até que ele tivesse se ajeitado e começado a ler.
Respirou fundo e baixou o capuz, deixando as longas madeixas penderem
sobre os ombros. Depois se muniu do sorriso mais sedutor e se aproximou.

Bane abriu cuidadosamente as páginas do antigo volume que tirara das


estantes do arquivo. Era intitulado O Rakata e o mundo desconhecido, e, de
acordo com a data, tinha quase 3 mil anos-padrão. Porém, não foi o título ou
o assunto que o atraiu. Foi o autor: Darth Revan. A história de Revan era
famosa tanto entre os Sith quanto entre os Jedi. E o que intrigou Bane foi o
uso do título Darth.
Nenhum dos Sith modernos usava o nome Darth, preferindo a designação
lorde sombrio. Bane sempre achara isso curioso, mas nunca perguntara aos
mestres o porquê. Talvez nesse volume, com um dos grandes Sith usando a
designação, ele descobrisse por que a tradição caíra em desuso.
Bane mal começara a ler a primeira página quando ouviu alguém se
aproximando. Ao olhar para cima, viu a mais nova aprendiz da Academia –
Githany – caminhando até ele. Ela sorria, o que tornava seus traços já belos
ainda mais atraentes. Até então, Bane apenas a tinha visto a distância; de
perto, ela era literalmente de tirar o fôlego. Quando a mulher deslizou para a
cadeira ao lado dele, a mais suave lufada de perfume roçou-lhe o nariz,
fazendo seu coração acelerado bater ainda mais rápido.
– Bane – sussurrou ela, falando baixinho mesmo sem alguém nos arquivos
que pudesse perturbar a conversa deles. – Estava te procurando.
A frase o pegou de surpresa.
– Procurando por mim? Por quê?
Ela pôs a mão no antebraço dele.
– Preciso de você. Preciso de sua ajuda contra Sirak.
A proximidade, o contato breve com o braço dele e a fragrância inebriante
deixaram o rapaz tonto. Ele levou um bom tempo para entender o que ela
queria, mas, assim que entendeu, o interesse súbito da moça se tornou óbvio.
A história de sua humilhação sob as mãos do Zabrak chegara até ela. Agora
ela vinha vê-lo pessoalmente, na esperança de aprender algo que a
impedisse de ser vítima de fracasso similar.
– Não posso ajudá-la com relação a Sirak – disse ele, virando-se dela
para enterrar o rosto no livro.
A mão pousada no braço apertou-o gentilmente, e ele tornou a fitá-la. Ela
chegara mais perto, e o rapaz se flagrou encarando-a direto nos olhos cor de
esmeralda.
– Por favor, Bane. Só escute o que tenho a dizer.
Ele assentiu, sem saber direito se conseguiria falar com ela sentada assim
tão perto de si. Ele fechou o livro e virou um pouco a cadeira de modo a
ficar de frente para a moça. Githany soltou um suspiro, grata, e recostou-se
um pouco. Bane sentiu uma pequena pontada de frustração quando ela tirou a
mão de seu braço.
– Sei o que aconteceu com você no ringue de duelos – começou ela. – Sei
que todo mundo acha que Sirak o destruiu; que de algum modo a derrota tirou
o poder de você. Vejo que você acredita nisso também.
O rosto da moça ganhara toda uma expressão de tristeza. Não pena,
felizmente. Bane não queria pena de ninguém – em especial dela. Contudo,
Githany demonstrava genuína simpatia ao falar.
Visto que ele não respondia, ela respirou fundo e continuou:
– Estão errados, Bane. Não dá pra simplesmente perder a habilidade de
comandar a Força. Isso não acontece a ninguém. A Força é parte de nós;
parte do que somos. Ouvi relatos do que você fez com aquele Makurth. Isso
mostrou do que você é capaz. Revelou seu verdadeiro potencial; provou que
foi abençoado com um dom dos fortes. – Ela fez uma pausa. Fitava-o
intensamente. – Você pode até achar que gastou esse dom, ou que o perdeu.
Mas eu sei que não. Consigo captar o poder dentro de você. Eu sinto. Ainda
está aí dentro.
Bane negou.
– O poder talvez esteja aqui dentro, mas minha habilidade de controlar se
foi. Não sou mais o que era antes.
– Não é possível – disse ela, a voz gentil. – Como pode acreditar nisso?
Embora soubesse a resposta, Bane hesitou antes de responder. Essa foi a
mesma pergunta que ele se fizera inúmeras vezes enquanto flutuava no fluido
leve do tanque de bacta. Depois da derrota, ele tivera toda oportunidade de
debater-se com o fracasso, e acabara entendendo o que dera errado…
embora não soubesse como consertar.
Não tinha certeza se queria partilhar essa conclusão pessoal com uma
completa estranha. Mas a quem mais contaria? Aos outros alunos, não;
certamente também não aos mestres. E, ainda que Bane mal conhecesse
Githany, ela viera até ele. Foi a única a fazer isso.
Expor fraqueza pessoal era algo que somente um tolo ou um idiota
arriscaria fazer na Academia. Entretanto, a triste realidade era que Bane não
tinha nada a perder.
– A vida toda fui movido pela raiva – explicou ele. Falava lentamente,
fitando a superfície da mesa, incapaz de olhá-la nos olhos. – Minha raiva me
tornava forte. Era minha conexão com a Força e o lado sombrio. Quando
Fohargh morreu, quando eu o matei, reparei que fui o responsável também
pela morte do meu pai. Matei-o usando o poder do lado sombrio.
– E sentiu culpa? – ela perguntou, novamente colocando aquela mão macia
no braço dele.
– Não. Talvez sim. Sei lá. – A mão dela era cálida; Bane conseguia sentir
o calor irradiando pelo tecido da manga do próprio robe para a pele, logo
abaixo. – Tudo que sei é que essa conclusão me mudou. A raiva que me
motivava se foi. Tudo que restou foi… bom… nada.
– Me dá sua mão – disse ela, muito séria, e Bane hesitou apenas um
instante antes de estendê-la. Githany juntou as duas mãos em torno da dele. –
Feche os olhos – ordenou, fechando os seus também.
No escuro, ele ficou ainda mais ciente do quão forte ela segurava a mão
dele: apertando tanto a carne que Bane sentiu a pulsação do coração dela
pelas palmas. Era rápida e urgente, e seu coração já acelerado martelou em
resposta.
Bane sentiu os dedos formigando, algo além do mero contato físico.
Githany estava estendendo-se com a Força.
– Venha comigo, Bane – sussurrou ela.
Subitamente, ele sentiu como se caísse. Não, não caísse, mergulhasse.
Deslizando para um grande abismo, o vazio escuro dentro de todo ser. A fria
escuridão anestesiou-lhe o corpo; ele perdeu toda a sensação das
extremidades. Não podia mais sentir as mãos de Githany envolvendo a dele.
Nem sabia mais se ela permanecia sentada ali ao lado. Estava sozinho no
vazio gelado.
– O lado sombrio é emoção, Bane. – As palavras dela chegaram até ele de
muito longe, vagas, mas inequívocas. – Raiva, ódio, amor, desejo. É isso que
nos torna fortes. A paz é uma mentira. Só existe paixão. – Ela falava mais
alto, agora, alto o bastante para sobrepor-se ao martelar do coração dele. –
Sua paixão ainda existe, Bane. Procure. Retome.
Como se respondendo às palavras de Githany, as emoções dele
começaram a juntar-se ali dentro. Ele sentiu raiva. Fúria. Ódio puro e
pulsante: ódio pelos demais alunos, pelo ostracismo; ódio pelos mestres,
pelo abandono. Mais do que tudo, odiava Sirak. E, com o ódio, veio a sede
de vingança.
Então ele sentiu algo mais. Uma faísca; um lampejo de luz e calor naquela
escuridão fria. Sua mente avançou e agarrou a chama, e, por um breve
instante, Bane sentiu o glorioso poder da Força ardendo dentro de si mais
uma vez. Então Githany soltou a mão dele e tudo se foi – evaporado como se
fosse meramente imaginação. Mas não fora. Tinha sido real. Sentira tudo
aquilo de verdade.
Bane abriu os olhos lentamente, como alguém que acorda de um sonho que
teme esquecer. Pela expressão no rosto de Githany, ele soube que ela sentira
algo também.
– Como fez isso? – ele perguntou, tentando esconder o desespero da voz, e
falhando nisso.
– Mestre Handa me ensinou quando eu estudava com ele na Ordem Jedi –
ela admitiu. – Certa vez, assim como você, perdi contato com a Força. Era
uma garota ainda, quando aconteceu. Minha mente simplesmente não
conseguia lidar com algo tão vasto e infinito. Acabou criando uma parede
pra se proteger.
Bane assentiu, permanecendo em silêncio, embora fervilhante, para deixá-
la prosseguir.
– Sua raiva ainda está aí. A Força também. Agora você precisa atravessar
as paredes que construiu em volta dela. Tem que voltar ao começo e
aprender a se conectar com a Força de novo.
– Como faço isso?
– Treinando – respondeu Githany, como se fosse óbvio. – Como mais se
aprende a usar a Força?
A esperança fraca que a revelação dela gerara em Bane morreu.
– Os mestres não querem mais me treinar – murmurou ele. – Qordis
proibiu.
– Eu treino você – Githany disse timidamente. – Posso lhe passar tudo que
aprendi com os Jedi sobre a Força. E também posso ensinar a você tudo que
aprenderia do lado sombrio com os mestres.
Bane hesitou. Githany não era uma mestra, entretanto treinara como Jedi
por muitos anos. Devia saber muita coisa sobre a Força que seria novidade
para ele. No mínimo, aprenderia mais com a ajuda dela do que sem.
Entretanto, alguma coisa nessa oferta o incomodava.
– Por que quer fazer isso? – ele perguntou.
Githany abriu um sorriso maroto.
– Ainda não confia em mim? Ótimo. Não deveria. Só quero fazer isso por
mim. Não posso derrotar Sirak sozinha. Ele é forte demais.
– Dizem que ele é o Sith’ari – Bane murmurou.
– Não acredito em profecias – ela contrapôs. – Mas ele tem aliados
poderosos. E os outros aprendizes Zabraks daqui são totalmente leais a ele.
Se algum dia eu quiser desafiá-lo, preciso de alguém do meu lado. Alguém
poderoso na Força. Alguém como você.
Os motivos faziam sentido, mas ainda havia algo que o incomodava.
– Lorde Qordis e os outros mestres não aprovariam isso – ele avisou. –
Está correndo muito risco.
– O risco é o único caminho para as recompensas – ela respondeu. – Além
disso, não ligo para o que os mestres pensam. No fim das contas, quem
sobrevive são os que cuidam de si mesmos.
Bane levou um segundo para entender por que essas palavras lhe
pareceram tão familiares. Então, lembrou-se da última coisa que Groshik lhe
dissera antes de ele partir de Apatros. No fim das contas, cada um de nós
está nesta vida sozinho. Os sobreviventes são aqueles que sabem cuidar de
si mesmos.
– Você me ajuda a retomar a Força, e eu te ajudo contra Sirak – disse ele,
estendendo o braço. Ela se apoiou no braço dele para se levantar. Bane não
cedeu, forçando-a a continuar sentada. Havia um brilho perigoso nos olhos
dela, mas ele não a soltou.
– Por que deixou os Jedi? – Bane quis saber.
A expressão no rosto dela se suavizou, e Githany balançou a cabeça. Ela
estendeu a mão livre e tocou gentilmente o rosto dele.
– Acho que não estou pronta pra te contar isso.
Ele assentiu. Não devia pressioná-la, e sabia que ainda não tinha direito a
isso.
A mão que lhe tocava a bochecha desceu, e ele soltou o braço da mulher.
Ela fitou-o uma última vez, com estima, depois se levantou e foi embora com
um passo vívido e decidido. Não olhou para trás nem uma vez, mas Bane
ficou contente de observar os quadris dela gingando até sumirem de vista.

Githany sabia que ele ficara olhando para ela enquanto saía. Os homens
sempre olhavam; estava acostumada.
Por fim, ela julgou que a conversa havia sido produtiva. Por um átimo de
segundo, no final – quando ele se recusou a soltar o braço dela –, Githany
suspeitou que talvez o tivesse subestimado. A ousadia dele a pegara
desprevenida; ela contava com alguém fraco e subserviente. Mas, assim que
o olhou nos olhos, entendeu que ele a prendia ali por desespero e medo. Um
único encontro e ele já não suportava mais a ideia de vê-la partir.
Ainda que fizesse muito pouco tempo que estava com os Sith, os modos do
lado sombrio vinham-lhe naturalmente. Ela não sentia pena nem compaixão
por ele; a vulnerabilidade dele apenas o tornava mais fácil de controlar. E,
ao contrário dos Jedi, a Irmandade da Escuridão recompensava a ambição.
Cada rival que ela diminuísse provava seu valor e elevava seu status junto
aos Sith.
Bane com certeza seria a ferramenta perfeita para derrubar os rivais dela.
Era incrivelmente poderoso na Força. Mais forte do que ela havia
imaginado. Ficara impressionada com o poder que sentira dentro dele. E
agora Bane estava totalmente envolvido por ela. Era preciso apenas garantir
que continuasse assim.
Githany o conduziria lentamente, sempre o mantendo um passo atrás das
habilidades dela. Era um jogo perigoso, mas que ela sabia jogar muito bem.
Conhecimento é poder, e somente ela controlaria o conhecimento que ele
receberia. Ela o ensinaria. Manusearia, dobraria segundo suas vontades,
depois usaria para esmagar Sirak. E então, se sentisse que Bane também se
tornava poderoso demais, bastava destruí-lo também.

A noite caíra sobre Korriban; tochas bruxuleantes lançavam sombras


sinistras nas paredes da Academia. Bane seguia seu caminho por esses
corredores envolto num manto negro, pouco mais do que uma sombra.
Era proibido aos aprendizes deixar o quarto após o toque de recolher –
uma das medidas que Qordis tivera de tomar para reduzir as mortes
“inexplicáveis” que pareciam frequentes demais em academias lotadas de
alunos rivais do lado sombrio. Bane sabia que, se fosse pego, a punição
seria severa. Mas essa era a única hora em que podia agir sem ter medo de
ser visto pelos outros alunos.
Ele seguiu pelo andar dos dormitórios que abrigavam os alunos até chegar
à escadaria que levava aos níveis superiores e aos quartos dos mestres.
Olhou rapidamente para os lados, vendo as sombras vacilantes lançadas nas
paredes de pedra. Esperou para verificar se ouvia alguém vindo flagrá-lo no
corredor. Tinha memorizado as rotas dos sentinelas noturnos que
patrulhavam os corredores após o escurecer; sabia que levariam quase uma
hora para retornar àquele andar do templo. Mas havia muitos outros
serviçais – equipe da cozinha, da limpeza, zeladores – que trabalhavam na
Academia e podiam estar zanzando por ali.
Ouvindo apenas o silêncio, ele começou a subir. Passou rapidamente
pelos aposentos de Qordis, um tanto aliviado de ver que até o mestre Sith
tinha necessidade de fechar e trancar sua porta à noite. Continuou, passando
por mais meia dúzia de portas, parando apenas quando chegou à entrada do
quarto do mestre espadachim.
Bateu uma vez, baixinho, com cuidado, para não acordar os outros. Antes
que pudesse bater mais uma vez, a porta abriu, revelando o Twi’lek. Por
meio segundo, Bane pensou que o mestre estivera em pé, atrás da porta, à
espera dele. Mas isso era impossível, claro. O mais provável era que os
reflexos muito afiados do mestre espadachim reagiram à primeira batida tão
rapidamente que ele já havia cruzado o quarto e aberto a porta no momento
em que o rapaz ia bater pela segunda vez.
Usava calças, mas o torso estava nu, mostrando o peito tatuado, com
cicatrizes. A expressão confusa confirmou a suposição de Bane de que o
mestre espadachim não sabia de sua vinda, e a velocidade com que estendeu
as mãos para agarrar Bane e puxá-lo para dentro confirmou a suspeita com
relação aos reflexos extraordinários.
Antes que Bane se desse conta do que acontecia, a porta foi fechada e
trancada atrás dele, selando os dois juntos no pequeno quarto escuro. O
anfitrião acendeu uma pequena luminária num criado-mudo ao lado da cama
e virou-se olhando feio para a visita indesejada.
– O que está fazendo aqui? – sibilou ele, mantendo a voz baixa.
Bane hesitou, sem saber bem o que dizer. Estivera pensando na oferta de
Githany e no que ela lhe dissera. Concluíra que a mulher tinha razão: ele
precisava cuidar de si mesmo se quisesse sobreviver. E isso significava que
era ele que devia derrubar Sirak, e não ela.
– Quero que volte a me treinar – Bane sussurrou. – Quero que me ensine
tudo o que sabe sobre a arte do combate com sabre de luz.
Kas’im reagiu negando, mas Bane pensou sentir uma breve hesitação antes
disso.
– Qordis nunca permitiria. Ele deixou muito claro que nenhum dos mestres
deve perder mais tempo com você.
– Não sabia que você obedecia ao Qordis – Bane contrapôs. – Os mestres
não são todos iguais na Irmandade da Escuridão?
Isso foi um apelo claro ao orgulho do mestre espadachim, que facilmente
reconheceu a intenção da frase. Ele sorriu, divertindo-se com a ousadia de
Bane.
– É verdade – admitiu ele. – Mas aqui em Korriban os outros lordes
escutam Qordis. Isso evita… complicações.
– Qordis não precisa saber – Bane apontou, atendo-se ao fato de que
Kas’im ainda não o recusara de todo. – Treine-me em segredo. Podemos nos
encontrar à noite na cobertura do templo.
– Por que eu faria isso? – perguntou o Twi’lek, cruzando os braços
musculosos. – Você pede o ensinamento de um lorde Sith, mas o que me
oferece em troca?
– Você sabe do meu potencial – Bane insistiu. – Qordis me pôs de lado.
Se eu me der bem dessa vez, ele não poderá levar o crédito. Se eu me tornar
um guerreiro expert para a Irmandade, lorde Kaan saberá que você foi o
único que me treinou. E, se eu falhar, ninguém jamais suspeitará de sua
participação nisso. Não há nada a perder.
– Nada, só meu tempo – respondeu o outro, coçando o queixo. – Você
perdeu a vontade de lutar. Mostrou isso contra Sirak.
Os lekku do Twi’lek agitavam-se muito delicadamente, o que para Bane
era sinal de que, apesar do que dizia, o mestre considerava seriamente a
oferta.
Mais uma vez, Bane hesitou. Quanto ousaria revelar? Ainda planejava
deixar Githany ensiná-lo sobre a Força e os caminhos do lado sombrio. Mas
compreendia que, se ela fosse sua única professora, ele estaria sempre
abaixo dela em poder. Se Bane queria ser o responsável por derrubar Sirak,
precisaria da ajuda de Kas’im… e precisaria impedir que ela descobrisse.
– Minha vontade de lutar voltou – afirmou ele por fim, resolvendo não
revelar o envolvimento de Githany na súbita ressurreição. – Estou pronto
para abraçar o poder do lado sombrio.
Kas’im assentiu.
– Por que quer fazer isso?
Bane sabia que esse representava o teste final. Kas’im era um lorde
sombrio dos Sith. Seu talento e habilidade reservavam-se àqueles que um
dia se ergueriam e se juntariam aos mestres na Irmandade da Escuridão.
Queria mais do que provas de que Bane estava realmente pronto. Queria
provas de que Bane era digno.
– Quero vingança – Bane respondeu, após cautelosa consideração. –
Quero destruir Sirak. Quero esmagá-lo como a um inseto sob a sola da bota.
O mestre espadachim sorriu, com sombria satisfação, perante a resposta.
– Começaremos amanhã.
15

BANE CAMINHAVA PELO CORREDOR COM PASSOS CUIDADOSOS, calculados. Mas,


embora seu passo fosse sério e atenuado, seu humor era de um triunfo
exultante. Nas semanas que se seguiram ao encontro com Githany, sua
situação mudara completamente.
Como prometido, ela estava lhe ensinando. As primeiras lições foram
mais vagarosas, visto que ela o ajudara a trabalhar a mente para lidar com o
medo do próprio potencial. Pouco a pouco, o véu negro foi sendo rasgado.
Pedaço por pedaço, ela ajudou o rapaz a retomar o que perdera, até que ele
voltou a sentir o poder do lado sombrio correndo-lhe pelas veias.
Desde então, o treinamento passara a acontecer bem mais rápido. A fome
de vingança motivava os estudos. Alimentava a habilidade de Bane de usar a
Força. Permitia-lhe entender as lições que os mestres passavam a Githany e
que ela depois passava a ele. Apesar de ser ignorado pelos instrutores, mais
uma vez ele aprendia tudo o que era ensinado aos demais alunos – e com
rapidez.
Quando outro aluno passou, Bane baixou a cabeça, mantendo a
subserviência fingida. Era importante que nenhum dos demais alunos
suspeitasse de alguma mudança. Ele mantinha o treinamento com Githany
secreto perante todos, até Kas’im… bem como o treinamento do mestre
espadachim era também escondido dela.
Kas’im sabia que Bane se tornava cada vez mais formidável com o sabre,
mas não sabia que o rapaz avançava de modo similar em outras áreas.
Githany via o progresso dele em liberar seu verdadeiro potencial junto à
Força, mas não tinha ciência de que também estudava o domínio do
intrincado combate de sabre de luz. Como resultado, muito provavelmente
ambos subestimassem o escopo total das habilidades dele. Bane gostava da
agudez sutil que tal situação lhe conferia.
Seus dias andavam preenchidos por estudo e treinamento. Nas horas mais
escuras, antes dos primeiros raios de luz da manhã, ele se encontrava com
Kas’im para praticar exercícios e técnicas. Encontrava-se com Githany nos
arquivos ao meio-dia, onde ela partilhava suas instruções com ele sem medo
de serem interrompidos ou descobertos. E, sempre que não estava treinando
com Kas’im ou estudando com Githany, Bane lia os textos antigos.
Outro aprendiz chegou perto, e Bane passou para o lado, projetando uma
imagem de fraqueza e medo visando esconder sua incrível metamorfose. Ele
esperou até que os passos do outro aluno se afastassem antes de descer a
escada, a fim de chegar aos tomos nos níveis mais baixos do templo.
Qordis, ou algum dos outros mestres, teria sido capaz de perfurar a
máscara que ele projetava e sentir seu verdadeiro poder, mas estavam cegos
pela própria arrogância. Tinham-no descartado como um fracassado;
encontrava-se agora fora da atenção deles. Felizmente, ser anônimo era tudo
que Bane queria nesse momento.
Ele quase não dormia mais. Parecia que seu corpo não precisava do sono;
ele se alimentava de seu crescente domínio do lado sombrio. Uma ou duas
horas de meditação por dia bastavam para manter o corpo energizado e a
mente revigorada. Ele consumia conhecimento com o apetite de um rancor
faminto, devorando tudo que recebia de seus mentores secretos, sempre
ávido por mais. O mestre espadachim impressionava-se com o progresso do
aluno, e até mesmo Githany – apesar dos anos de estudo com os Jedi – tinha
de esforçar-se mais para manter-se à frente dele. Tudo que aprendia de
ambos, Bane suplementava com o conhecimento dos antigos. Assim que
chegara, captara o valor desses arquivos, apenas para dar-lhes as costas ao
ser tragado pela rotina diária e pelas intensas lições da Academia. Agora ele
entendia que suas impressões iniciais estavam certas, afinal: o conhecimento
contido nos pergaminhos amarelados e manuscritos encadernados com couro
era atemporal. A Força era eterna, e, embora os mestres da Academia
seguissem agora um caminho diferente do que o proposto por seus
antepassados, todos eles buscavam respostas no lado sombrio.
Bane sorriu ao pensar na ironia da vida. Era o excluído, o aluno que
Qordis queria ver deixado para trás. Entretanto, com Githany, Kas’im e o
estudo que fazia dos arquivos, recebia muito mais educação do que qualquer
outro aprendiz de Korriban.
A verdade seria revelada muito em breve. Quando chegasse a hora, Sirak
descobriria que subestimara Bane. Todos descobririam.

– Excelente! – disse Kas’im quando Bane bloqueou o golpe do lorde


sombrio e o contrapôs com outro. Não chegou a acertar o mestre espadachim
em cheio, mas o forçou a dar todo um passo para trás com a fúria de seu
ataque.
Subitamente, o Twi’lek saltou alto no ar, girando para golpear Bane ao
passar por cima dele. Bane já estava pronto; trocara da ofensiva para a
defesa tão suavemente que tudo pareceu um único movimento. Ele se
esquivou das duas lâminas da arma de Kas’im ao mesmo tempo que escapou
por baixo do outro, rolando para a segurança.
Quando se virou para ficar de frente para o oponente, viu que Kas’im
tinha baixado a arma, o que indicava o final da lição.
– Muito bem, Bane – disse o Twi’lek, fazendo uma curta reverência. –
Pensei que fosse pegá-lo desprevenido com esse ataque, mas você conseguiu
antecipar e defender de forma quase perfeita.
Bane rejubilou-se com o elogio do mestre, mas sentiu-se chateado com o
fim da sessão. Respirava pesado, os músculos brilhavam de suor e pulsavam
de adrenalina, entretanto ele sentia como se pudesse ficar lutando por horas.
Os treinos e exercícios haviam se tornado muito mais do que mero desgaste
físico para ele. Cada movimento, cada ataque e golpe tornara-se uma
extensão da Força agindo pela concha corpórea de seu corpo de carne e
osso.
Ele ansiava por enfrentar mais um oponente no ringue de duelos. Estava
ávido pelo desafio que seria testar-se contra os outros aprendizes. A hora,
entretanto, não havia chegado. Ainda não. Ele não estava bom o bastante
para derrotar Sirak, e, até que pudesse derrubar o Zabrak, tinha de manter
escondidos seus talentos em rápido desenvolvimento.
Kas’im jogou-lhe uma toalha. Bane ficou feliz de ver que o Twi’lek
também suava – embora nem um pouco profusamente, como ele.
– Tem algo que quer que eu prepare para amanhã? – Bane perguntou,
empolgado. – Uma sequência nova? Uma forma nova? Alguma coisa?
– Você já está muito além das sequências e formas – disse-lhe o mestre. –
Nesse último passe, você rompeu seu ataque no meio de uma sequência e
veio para mim de um ângulo completamente diferente e inesperado.
– É mesmo? – Bane se surpreendeu. – Eu… não tive essa intenção.
– Foi isso que tornou o golpe algo tão potencialmente devastador –
explicou Kas’im. – Está deixando a Força guiar sua espada, agora. Agindo
sem pensar, sem raciocinar. Está sendo motivado pela paixão: fúria, raiva…
até ódio. Seu sabre tornou-se uma extensão do lado sombrio.
Bane não pôde deixar de sorrir, mas logo franziu o cenho, preocupado.
– Mesmo assim não consegui romper sua defesa – disse, tentando recriar o
combate em sua mente. Não importava o que tentasse fazer, parecia que uma
das pontas da espada dupla do Twi’lek estava sempre ali para conter seus
ataques. Uma pequena semente de dúvida surgiu em sua mente quando ele se
lembrou de que Sirak usava arma de estilo similar. – O sabre de luz de duas
pontas lhe dá alguma vantagem? – perguntou ele.
– Dá, mas não como você pensa – Kas’im respondeu.
Bane ficou em silêncio, esperando pacientemente por mais explicações.
Após alguns segundos, o mestre prosseguiu.
– Como você já sabe, a Força constitui a verdadeira chave para a vitória
em qualquer confronto. Contudo, a equação não é tão simples. Um indivíduo
bem treinado no combate de sabre de luz pode derrotar um oponente mais
forte na Força. A Força permite a você antecipar os movimentos do oponente
e contra-atacar. Mas, quanto mais opções tiver seu oponente, mais difícil
será prever qual será escolhida.
Bane pensou ter entendido.
– Então a arma dupla dá mais opções?
– Não – respondeu Kas’im. – Mas você acha que sim, então o efeito é o
mesmo.
Por um bom tempo Bane ficou pensando nas estranhas palavras do mestre
espadachim, tentando decifrá-las. No final, teve de admitir o fracasso.
– Ainda não entendi, mestre.
– Você conhece bem o sabre de luz de uma ponta; você mesmo o usa e já
viu a maioria dos alunos usando-o também. Minha arma de duas pontas lhe
parece estranha. Esquisita. Você não entende muito bem o que ela pode ou
não fazer. – Pelo tom de impaciência ou exasperação no tom de voz do
Twi’lek, Bane percebeu que isso era algo que o mestre esperava que o rapaz
entendesse por conta própria. – No combate, sua mente tenta acompanhar
cada lâmina separadamente, e acaba duplicando o número de possibilidades.
Mas as duas lâminas são conectadas; sabendo a localização de uma, você
automaticamente se torna ciente da localização da outra. Na prática, o sabre
de luz duplo é mais limitado do que o tradicional. Pode causar mais danos,
mas é menos preciso. Demanda movimentos mais longos e amplos que não
passam muito bem para uma estocada ou ataque rápido. Como a arma é
difícil de dominar, porém, poucos entre os Jedi, ou até mesmo entre os Sith,
a entendem. Não sabem como atacá-la ou como defender-se direito dela.
Isso nos dá, a nós que a usamos, vantagem sobre a maioria dos oponentes.
– Como o chicote da Githany! – exclamou Bane. Githany trocava o
armamento tradicional pelo muito raro chicote de energia: apenas um dos
muitos traços que a destacavam dos demais aprendizes. Ele funcionava com
o mesmo princípio básico do sabre de luz, mas, em vez de num raio reto, a
energia dos cristais era projetada num laço flexível que girava, agitava e
brandia em resposta aos movimentos de Githany e seu uso da Força.
– Exatamente. O chicote de energia é muito menos eficiente que qualquer
um dos sabres de luz. Contudo, ninguém pratica contra ele. Githany sabe que
a confusão dos inimigos ao confrontarem a arma lhe dá vantagem.
– E, ao me contar esse segredo, você abriu mão da sua vantagem –
reparou Bane, sorrindo e apontando para o sabre duplo de Kas’im.
– Apenas um pouco – disse o Twi’lek. – Agora você entende por que uma
arma de tipo exótico ou diferente será mais difícil de enfrentar, mas,
enquanto não se tornar um expert em determinado estilo, no calor do combate
sua mente ainda lutará para lidar com suas limitações.
Bane continuou pressionando, ávido por tornar a novidade algo que
pudesse colocar em prática.
– Então, se eu estudar tipos diferentes, posso superar essa vantagem?
– Em tese. Mas o tempo que você passa estudando outros tipos é tempo
que perde em dominar o seu. O melhor progresso vem de focar-se mais em si
mesmo e menos no oponente.
– Então por que me falou tudo isso? – Bane soltou, frustrado.
– Conhecimento é poder, Bane. Meu propósito é dar-lhe conhecimento.
Cabe a você descobrir o melhor jeito de usá-lo.
Com essas palavras, o mestre espadachim deixou o rapaz, descendo as
escadas que levavam ao templo para dormir por algumas horas, antes que o
sol nascesse. Bane ficou para trás, engalfinhando-se com o que aprendera,
até a hora de encontrar Githany nos arquivos.
O cheiro de ozônio queimado pairava sobre os arquivos, enchendo as
narinas de Githany, que observava Bane praticando o último exercício. A
sala crepitava e sibilava conforme ele canalizava a energia da Força e a
lançava pela sala em grandes arcos de relâmpagos de um tom misto entre
roxo e azul.
Githany estava junto de Bane no centro do turbilhão. Ventos fortes giravam
ao redor deles, castigando os cabelos dela e as dobras do manto. Ele sacudia
e chacoalhava as estantes, derrubando manuscritos no chão e abrindo as
páginas. O ar em si estava carregado de eletricidade, fazendo a pele dela
formigar.
No meio disso tudo, Bane ria. Ergueu os braços, em triunfo, e lançou mais
um raio, que ricocheteou na parede oposta. Cada vez que o relâmpago
disparava, a intensidade da luz queimava as retinas de Githany, fazendo-a
proteger os olhos. Ela notou que Bane não desviava os dele: estavam
escancarados e selvagens com o assomo de poder.
O trovão era quase ensurdecedor, e a tempestade ainda se avolumava. Se
Bane não tomasse cuidado, os ecos atingiriam os andares acima dos
arquivos, revelando o local secreto de treinamento deles ao restante da
Academia.
Movendo-se com cautela, Githany estendeu a mão e tocou o braço do
rapaz. Ele virou o rosto para ela rapidamente, e a loucura em seus olhos
quase a fez recuar. Em vez disso, ela sorriu.
– Muito bem, Bane! – ela gritou, tentando fazer sua voz ser ouvida por
cima do estrondo. – Por hoje basta!
A moça prendeu a respiração, ansiosa, enquanto o outro não assentiu e
baixou os braços. No mesmo instante, ela sentiu o poder da tempestade
ceder. Em questão de segundos ela se foi; restou somente a bagunça que ela
causara.
– Eu… nunca senti nada igual – exclamou Bane, o rosto ainda
demonstrando excitação.
Githany concordou.
– É uma sensação incrível – disse. – Mas você precisa tomar cuidado
para não se perder nela. – Ela reproduzia as palavras do mestre Qordis, que
a ensinara a conjurar relâmpagos da Força poucos dias antes. Contudo, em
nenhum momento ela conseguira conjurar nada semelhante à grandiosidade
do que Bane acabava de desprender. – Você precisa manter o controle, ou
pode se flagrar sendo varrido pela tempestade, junto com seus inimigos – ela
lhe disse, tentando imitar o tom calmo, um tanto condescendente, que os
mestres usavam sobre seus aprendizes. Não podia deixar que o rapaz
soubesse que já a superara nessa nova habilidade. Não podia deixar que ele
soubesse que ela sentira a mão gelada do medo pressionando-a durante a
performance dele.
Ele olhou ao redor, para as estantes tombadas que espalharam livros e
tomos por toda a sala.
– Melhor limparmos tudo isso aqui antes que alguém veja e queira saber o
que aconteceu.
Ela assentiu mais uma vez, e os dois se puseram a devolver os arquivos a
seu estado anterior. Enquanto trabalhavam, Githany não pôde deixar de
perguntar-se se não cometera um erro ao aliar-se a Bane.
Somente os melhores aprendizes estiveram presentes quando Qordis a
ensinou a usar o lado sombrio para corromper a Força e transformá-la numa
tempestade fatal. Nenhum deles – nem mesmo Sirak – fora capaz de criar
pouco mais do que uns poucos estalos de energia nesse primeiro dia.
Entretanto, apenas uma hora depois de aprender a técnica com Githany, Bane
conjurara energia suficiente para rasgar a sala ao meio.
Não foi a primeira vez que Bane pegou uma lição que Githany lhe ensinara
e ultrapassara a capacidade dela logo na primeira tentativa. O rapaz era
muito mais poderoso na Força do que ela imaginara, e parecia se tornar cada
vez mais a cada dia. Ela receou que viria a perder o controle sobre ele.
Githany tinha cuidado, claro. Não era tola a ponto de contar-lhe tudo o que
aprendia dos mestres Sith. Contudo, isso não parecia mais lhe conferir
vantagem sobre o pupilo. Às vezes, perguntava-se se todo o estudo que ele
fazia dos textos antigos não estaria conferindo-lhe vantagem sobre ela.
Aprender junto de um verdadeiro mestre deveria ser mais benéfico do que
ler trabalhos teóricos escritos milhares de anos antes… a não ser que, de
algum modo, os Sith atuais estivessem errados
Infelizmente, ela não sabia como testar sua teoria. Se começasse
subitamente a passar mais tempo nos arquivos todo dia, Bane desconfiaria
de alguma coisa. Ele talvez concluísse que o ensinamento dela não era tão
válido quanto o que ele podia aprender sozinho. Talvez concluísse que ela
era descartável. E, se a história acabasse em confronto, ela não teria mais
certeza se conseguiria derrotá-lo.
Mas Githany orgulhava-se de sua adaptabilidade. O plano inicial de
mantê-lo como aprendiz subserviente não era mais viável. No entanto, ela
ainda queria Bane a seu lado; ele podia vir a ser um aliado poderoso –
começando por matar Sirak.
Os dois trabalharam em silêncio durante a hora seguinte, juntando os
livros e ajeitando as estantes. Quando a sala foi restaurada a algo similar ao
que fora antes, Githany sentiu as costas doendo de tanto curvar-se, erguer-se
e esticar-se. A moça desabou numa das cadeiras e abriu um sorriso cansado
para Bane.
– Estou exausta – disse, soltando um suspiro exagerado.
Ele foi até Githany e passou para trás, depois colocou as mãos enormes
nos ombros dela, bem na base daquele pescoço esguio. Quando Bane
começou a massagear os músculos, o toque pareceu a ela
surpreendentemente gentil para um homem tão grande.
– Hmm… que gostoso – ela admitiu. – Onde aprendeu a fazer isso?
– Trabalhar nas minas de cortosis ensina muito sobre dor no corpo – ele
respondeu, pressionando com força os dedões nos ombros da mulher. Ela
gemeu e arqueou as costas; logo estava mole, os músculos cediam sob o
toque dele.
Bane raramente falava da própria história, embora ela tivesse conseguido,
no pouco tempo que passaram juntos, reunir os pedaços. Por sua vez,
Githany sempre fora muito mais resguardada quanto ao que revelava sobre si
mesma.
– Um dia você me perguntou por que eu deixei os Jedi – ela murmurou,
sentindo que se perdia na pressão ritmada dos dedos dele em seu pescoço. –
Nunca contei, né?
– Todos nós temos coisas no passado que preferimos não revisitar – ele
respondeu, sem parar. – Eu sabia que você me contaria quando estivesse
pronta.
Githany fechou os olhos e deixou a cabeça cair para trás, enquanto Bane
continuava a massagear os ombros dela.
– Meu mestre era um Cathar – ela disse baixinho. – Mestre Handa. Estudei
com ele por muito tempo, nem me lembro desde quando; meus pais me
entregaram à Ordem quando eu era criança.
– Ouvi dizer que os Jedi não ligam muito para o sentimento que une uma
família.
– Eles só ligam pra Força – ela admitiu, após considerar por um momento.
– Ligações mundanas… amigos, família, amantes… nublam a mente com
emoção e paixão.
Bane riu, um som grave e profundo que ela sentiu tamborilando pelas
pontas dos dedos dele.
– A paixão direciona para o lado sombrio. Pelo menos, ouvi dizer.
– Isso não era brincadeira para os Jedi. Principalmente para o mestre
Handa. Os Cathar são famosos pelo sangue quente. Ele vivia alertando a
Kiel e a mim sobre os perigos de ceder às nossas emoções.
– Kiel?
– Kiel Charny. Outro padawan de Handa. Treinávamos juntos sempre; ele
era só um ano mais velho que eu.
– Outro Cathar? – Bane perguntou.
– Não, Kiel era humano. Com o tempo, ficamos mais íntimos. Bem
íntimos.
O ligeiro aumento na pressão do toque dele indicou que Bane
compreendera totalmente as palavras dela. Ela fingiu não notar nada.
– Kiel e eu namoramos – ela prosseguiu. – Os Jedi não podem ter esse
tipo de relação. Os mestres receiam que isso confunde a mente com emoções
perigosas.
– Você sentia atração por ele mesmo, ou era só pela ideia de desobedecer
ao mestre?
Ela pensou na pergunta por um bom tempo.
– Um pouco dos dois, talvez – respondeu, por fim. – Ele era bem bonito.
Poderoso com a Força. Havia uma atração que não dá para negar.
Bane apenas resmungou em resposta. Suas mãos pararam a massagem, e
ficaram apenas descansando no pescoço dela.
– Depois que começamos a namorar, não demorou muito para o mestre
Handa descobrir. Apesar de toda a pregação dele sobre controlar as
emoções, notei que ficou furioso. Ordenou que puséssemos os sentimentos de
lado e nos proibiu de continuar com o relacionamento.
Bane bufou, indignado.
– Ele achou mesmo que seria assim tão simples?
– Os Jedi veem as emoções como parte de sua natureza animal. Acreditam
que devemos transcender os nossos instintos básicos. Mas sei que é a paixão
que nos faz fortes. Os Jedi apenas têm receio dela porque torna os padawans
imprevisíveis e difíceis de controlar. A reação do mestre Handa me fez
enxergar a verdade. Tudo em que os Jedi acreditam com relação à Força é
uma perversão da realidade, uma mentira. Eu finalmente entendi que jamais
alcançaria todo o meu potencial junto do mestre Handa. Foi nesse momento
que dei as costas à Ordem e comecei a planejar minha passagem para os
Sith.
– E quanto a Kiel Charny? – Bane tornou a massagear os ombros dela,
mas com as mãos um pouco mais pesadas agora.
– Pedi que viesse comigo – ela confessou. – Disse-lhe que tinha uma
escolha a fazer: os Jedi ou eu. Ele escolheu os Jedi.
A tensão nas mãos de Bane cedeu um pouco.
– Ele morreu?
Ela riu.
– Quer dizer, se eu o matei? Não, até onde sei, ele continua vivo. Pode ter
morrido combatendo os Sith em Ruusan, mas não senti necessidade de eu
mesma matá-lo.
– Então acho que seus sentimentos por ele não eram tão fortes quanto você
achava.
Githany ficou tensa. Podia ter sido uma piada, mas ela sabia que havia
verdade nas palavras de Bane. Kiel fora conveniente. Embora houvesse
atração física, ele se tornara mais do que um amigo principalmente por causa
da situação dela: estudando dia e noite junto de mestre Handa; a pressão de
fazer jus aos ideais irrealistas de um Jedi; o estresse de se ver presa numa
guerra aparentemente interminável em Ruusan.
Bane envolveu o pescoço de Githany com as mãos, o toque firme, mas não
forte. Ele se curvou e sussurrou no ouvido dela, fazendo-a tremer perante o
calor e a proximidade da voz dele.
– Quando você resolver me trair, espero que se importe o bastante pra
querer me matar com as próprias mãos.
Githany pulou da cadeira, livrando-se das mãos dele e girando para
encará-lo. Por um átimo de segundo, ela viu uma expressão de satisfação no
rosto de Bane. Logo ela se foi, trocada por uma de culpa e preocupação.
– Desculpa, Githany. Foi só uma brincadeira. Não quis ofender.
– Acabei de contar uma parte dolorosa do meu passado, Bane – ela falou,
chateada. – Não é coisa para fazer brincadeira.
– Tem razão – disse ele. – Eu… vou indo.
Ela o estudou enquanto ele deu meia-volta e saiu andando por entre as
estantes. Parecia realmente arrependido do que dissera, como se não
quisesse magoá-la. A situação perfeita para dar a Githany a alavancada
emocional que ela queria alcançar… se ao menos ela não tivesse visto
aquele lampejo de outro sentimento.
Quando ele se foi, a moça balançou a cabeça, tentando compreender a
situação. Bane parecia um homem bruto e gigantesco, mas havia sabedoria e
astúcia por baixo do cenho marcado e da cabeça pelada.
Ela repensou os vinte minutos ali passados, tentando determinar se tinha
ou não perdido o controle da situação. Houvera faíscas entre eles,
exatamente como ela queria. Bane não fizera nada para esconder o desejo
que sentia por ela; deu para sentir o calor emanar dele enquanto lhe
acariciava o pescoço. Entretanto, alguma coisa saíra errado no processo de
sedução tão cuidadosamente planejado.
Seria possível que ela de fato sentisse alguma coisa por ele?
Githany mordeu o lábio inferior, sem perceber. Bane era poderoso,
inteligente e ousado. Ela precisaria dele se quisesse eliminar Sirak. Mas ele
tinha um jeito todo especial de surpreendê-la. Não parava de desafiá-la e
desviar-se de suas expectativas.
Apesar de tudo, ou talvez por causa de tudo, Githany tinha de admitir que
o considerava intrigante. Bane era tudo que Kiel não era: ambicioso,
impulsivo, imprevisível. Apesar das intenções principais, uma pequena parte
dela era atraída por ele. E isso, mais do que tudo, tornava Bane um aliado
muito perigoso.
16

BEM NO ALTO DO TEMPLO DE KORRIBAN, sob a luz de uma lua vermelha feito
sangue, via-se apenas os contornos de duas figuras: um humano e um
Twi’lek. Um vento fresco varria a cobertura, mas, embora ambos os
combatentes tivessem tirado os mantos para lutar de peito nu, nenhum tremia
de frio. Poderiam ser confundidos com estátuas, imóveis e duros feito pedra,
não fosse o calor fervilhante dentro de seus olhos.
Sem aviso, as figuras dispararam, movendo-se tão suavemente que seria
impossível a um observador dizer qual agia e qual reagia. Elas se
encontraram com um baque trovejante de suas violentas espadas.
Mesmo enquanto lutava desesperadamente para manter seu espaço, Bane
estudava Kas’im com muito cuidado. Tinha noção exata de cada gingada e
ataque, analisando e memorizando cada bloqueio, desvio e contra-ataque. O
mestre espadachim dissera que o tempo seria mais bem gasto focando-se no
desenvolvimento da própria técnica, mas Bane estava determinado a
contrapor a vantagem de Sirak absorvendo tudo o que pudesse do estilo de
luta do Twi’lek, com sua arma de duas pontas.
O embate durou bem mais de um minuto, sem pausa nem intervalo na ação,
até que bane girou para reposicionar-se. Sentira que seus ataques assumiram
um padrão inconsciente, e a previsibilidade seria mortal contra um oponente
habilidoso como Kas’im. O rapaz caíra nessa cilada na semana anterior. Não
pretendia cometer o mesmo erro de novo.
Os dois combatentes ficaram frente a frente mais uma vez, imóveis, exceto
pelos olhos, agitados, fitando todo canto em busca de algum sinal que
pudessem usar para ganhar vantagem, ainda que mínima.
Ao longo do mês anterior, as sessões de treinamento tinham se tornado
menos frequentes, mas muito mais intensas. Parte de Bane acreditava que
Kas’im realmente via valor em praticar com o jovem: o mestre espadachim
sem dúvida ficara entediado de travar combates com aprendizes e alunos tão
abaixo de seu nível.
Claro, Bane ainda tinha de desferir o golpe final contra o mestre. Mas,
cada vez que praticavam, ele sentia que se aproximava mais e mais de uma
vitória. Embora a forma e a técnica de Kas’im fossem impecáveis, Bane
tinha ciência de que o menor dos erros era toda a abertura de que ele
precisava.
Os lutadores arquejavam intensamente; a sessão durara muito mais do que
qualquer outra. Os combates costumavam terminar quando o Twi’lek dava
um golpe mais certeiro e desabilitava um dos membros do aluno com o
veneno do pelko. Nessa noite, contudo, Kas’im ainda não conseguira desferir
o tal golpe.
Ele avançou para atacar, e o baque das armas ressoou pela cobertura num
ritmo firme de staccato. Ficaram quase grudados, martelando um ao outro,
nenhum dando brecha nem abertura. No fim, Bane foi forçado a se soltar,
interrompendo a luta antes que a habilidade superior do mestre espadachim
rompesse as defesas dele.
Dessa vez, foi Bane quem começou o ataque. Novamente, seus sabres de
treino foram acionados, e de novo se separaram com ambos os lutadores
ilesos. Agora, contudo, o resultado do combate já não era mais questão de
dúvida.
Bane pendeu a cabeça e baixou a espada, admitindo a derrota. No último
movimento, ele conseguira repelir Kas’im, mas, a cada golpe de sabre, foi
ficando um microssegundo atrasado. O cansaço estava chegando. Nem
mesmo a Força podia manter os músculos dele vigorosos para sempre, e o
duelo aparentemente interminável por fim demandara demais dele. O mestre
espadachim, por outro lado, quase não tinha perdido velocidade e astúcia.
Bane duvidava que se defenderia do ataque seguinte, e, mesmo que o
fizesse, o ataque que viesse depois com certeza o derrotaria. Era inevitável,
então não havia por que insistir até o ponto de realmente ter de passar pela
dor de ser atingido.
Por um momento, Kas’im pareceu surpreso com a concessão, depois
assentiu, aceitando sua vitória.
– Você foi esperto de reconhecer que o combate tinha terminado, mas eu
esperava que fosse lutar até o fim. Há muito pouca honra em render-se.
– A honra é o prêmio dos tolos – Bane respondeu, recitando uma
passagem de um dos volumes que lera recentemente nos arquivos. – Não há
utilidade na glória para quem está morto.
Após ponderar sobre as palavras por um momento, o mestre espadachim
concordou.
– Belas palavras, meu jovem aprendiz.
Bane não se surpreendeu por Kas’im não reconhecer a citação. As
palavras foram escritas por Darth Revan quase três milênios antes. Os
mestres eram tão lassos quanto os alunos no que se referia ao estudo dos
escritos antigos. Parecia que a Academia tinha virado as costas para os
campeões antigos do lado sombrio.
De fato, Revan acabara retornando aos Jedi e à luz após ser traído por
Darth Malak. Entretanto, Revan e Malak tinham chegado muito perto de
arrasar a República. Era tolice descartar tudo o que haviam conseguido, e
ainda maior tolice ignorar as lições que podiam ser aprendidas com eles.
Ainda assim, Qordis e os outros mestres recusavam-se teimosamente a
passar minutos que fossem estudando a história da Ordem dos Sith.
Felizmente, para Bane, esse era um traço que eles transmitiam a seus alunos.
Isso conferira ao rapaz uma vantagem inequívoca sobre os demais
aprendizes. Pelo menos tinha mostrado a ele o verdadeiro potencial do lado
sombrio. Os arquivos estavam repletos de relatos de incríveis feitos de
poder: cidades arruinadas, planetas explodidos, sistemas solares inteiros
engolidos quando um lorde sombrio fez o sol estourar numa supernova.
Alguns desses contos eram muito provavelmente exagerados, mitos que
cresceram a cada recontagem antes de serem registrados em pergaminho. No
entanto, tinham raízes de veracidade, e essa verdade inspirara Bane a
avançar ainda mais adiante e mais rápido do que ele até teria ousado.
Pensar em Revan e nos lordes Sith do passado trouxe-lhe à mente outra
pergunta que o incomodava por um tempo.
– Mestre, por que os Sith não usam mais o título Darth?
– Foi decisão de lorde Kaan – respondeu-lhe o Twi’lek, envolvendo--se
numa toalha. – A tradição dos Darth é uma relíquia do passado. Ela
representa o que os Sith foram um dia, não o que são agora.
Bane balançou a cabeça, insatisfeito com a resposta.
– Tem que ser mais que isso – disse, curvando-se para pegar o manto que
jogara longe no começo do duelo. – Lorde Kaan não jogaria fora as
tradições antigas sem justificativa.
– Vejo que você não vai ficar satisfeito com a resposta mais fácil –
afirmou Kas’im com um suspiro, vestindo seu manto. – Para entender por
que o título não é mais usado, você precisa entender o que ele realmente
representa. O título de Darth constituía mais do que somente um símbolo de
poder; era uma alegação de superioridade. Era usado pelos lordes sombrios
que tinham procurado forçar sua vontade sobre os outros mestres. Era um
desafio… um aviso: curve-se, ou será destruído.
Bane já tinha descoberto isso em seus estudos, mas não achou que cairia
bem interromper Kas’im. Então, cruzou a pernas e sentou-se, olhando para o
mestre, apenas escutando.
– Claro, poucos lordes sombrios se submeteriam à vontade de outro por
muito tempo – continuou o Twi’lek. – Toda vez que alguém de nossa Ordem
tomou esse título de Darth para si, enganos e traições estavam sempre por
perto para arrancá-lo dele. Não há como um mestre que ousa ostentar o nome
Darth ter paz.
– A paz é uma mentira – Bane respondeu. – Só existe a paixão.
Kas’im ergueu uma das sobrancelhas, exasperado.
– Paz foi uma escolha equivocada de palavra. Eu me referia à
estabilidade. Esses mestres que usavam o título de Darth passavam tanto
tempo se defendendo de seus supostos aliados quanto combatendo os Jedi.
Kaan quis pôr um fim em tamanho desperdício.
De onde estava sentado, pareceu a Bane que o mestre espadachim tentava
convencer tanto a si mesmo quanto a seu aluno.
– Kaan quer que foquemos todos os nossos recursos em nosso verdadeiro
inimigo, em vez de uns nos outros – afirmou Kas’im. – É por isso que somos
todos iguais na Irmandade da Escuridão.
– A igualdade é um mito que protege os fracos – arguiu Bane. – Alguns de
nós são fortes na Força, outros não. Somente um tolo não concordaria.
– Há outros motivos pelos quais o título de Darth foi abandonado –
Kas’im insistiu, com uma pequena pontada de frustração. – Ele atraiu a
atenção dos Jedi, uma vez. Revelou nossos líderes ao inimigo; deu-lhes
alvos fáceis de eliminar.
Bane ainda não estava convencido. Os Jedi sabiam quem eram os
verdadeiros líderes dos Sith; não fazia diferença se se chamavam de Darth
ou lorde ou mestre. Mas foi possível perceber que o Twi’lek sentia-se
incomodado com a discussão, e o rapaz achou mais adequado encerrar o
assunto.
– Perdoe-me, lorde Kas’im – disse ele, curvando a cabeça. – Não quis
ofender. Só quis beber de sua sabedoria para explicar algo que não entendi
por conta própria.
Kas’im olhou o aprendiz com a mesma expressão de quando Bane
encerrara abruptamente o duelo, poucos momentos antes. Por fim, perguntou:
– Então agora você entende a sabedoria por trás da decisão de lorde Kaan
de encerrar a tradição?
– Claro – Bane mentiu. – Ele está agindo pelo bem de todos nós.
Quando se levantou, no entanto, o aprendiz pensou: Kaan está agindo
como um Jedi. Preocupado com o bem maior. Buscando suscitar harmonia
e cooperação dentro da Ordem. O lado sombrio murcha e morre sob essas
condições!
Kas’im fitava Bane como se quisesse dizer mais alguma coisa. No fim,
contudo, desistiu.
– Por hoje basta – disse. A distância, o céu assumira o cinza fraco da
primeira luz; o amanhecer estava a uma hora de chegar. – Os outros alunos
chegarão logo para o treinamento.
Bane curvou-se mais uma vez antes de partir. Enquanto descia a escada
que levava ao templo, entendeu que Kas’im, com toda sua habilidade no
sabre de luz, não podia ensinar-lhe o que ele realmente precisava saber. O
Twi’lek virara as costas ao passado; abandonara as raízes individualistas
dos Sith a favor da Irmandade de Kaan.
Os mistérios do verdadeiro potencial do lado sombrio estavam além do
alcance dele – e provavelmente além do alcance de todos os mestres da
Academia.

Githany sentia que alguma coisa incomodava Bane. Ele mal prestava
atenção enquanto ela lhe passava o que aprendera dos mestres Sith nas
lições mais recentes.
Ela não sabia o que o incomodava. Na verdade, não se importava. A não
ser que começasse a interferir em seus planos.
– Alguma coisa o incomoda, Bane – ela sussurrou.
Perdido em pensamentos, o rapaz levou um momento para reagir.
– Eu… desculpe, Githany.
– Qual o problema? – a mulher insistiu, tentando parecer genuinamente
preocupada. – No que anda pensando?
Ele não respondeu de imediato; parecia pesar cuidadosamente as palavras
antes de falar.
– Você acredita no poder do lado sombrio? – ele perguntou.
– Claro.
– E é como você imaginava? A Academia faz jus ao que você esperava?
– Poucas coisas fazem – ela respondeu, com um sorriso de esguelha. –
Mas aprendi muito com Qordis e os outros desde que cheguei aqui. Coisas
que os Jedi nunca teriam me ensinado.
Bane bufou, zombando.
– A maior parte do que aprendi veio desses livros – falou ele, acenando
para as estantes.
Como Githany não soube muito bem o que dizer em seguida, não disse
nada.
– Certa vez, você me disse que os mestres não sabem de tudo – Bane
continuou. – Falava dos mestres Jedi, na época, mas estou começando a
acreditar que isso vale para os Sith também.
– Eles erraram ao dar as costas a você – ela disse, ao ver a oportunidade
pela qual esperara por tanto tempo. – Mas você precisa definir de quem é a
culpa. Nós dois sabemos quem é responsável por fazerem isso com você.
– Sirak – falou ele, cuspindo o nome como se fosse veneno.
– Ele tem que pagar pelo que fez a você, Bane. Esperamos por muito
tempo. Chegou a hora.
– Hora de quê?
Githany permitiu vazar uma pontada de tremor na voz.
– Amanhã de manhã, vou desafiá-lo no ringue de duelos.
– O quê? – Bane sacudiu a cabeça. – Não seja tola, Githany! Ele vai te
destruir!
Perfeito, pensou ela.
– Não tenho escolha, Bane – disse ela, muito séria. – Já te contei que não
acredito na lenda do Sith’ari. Sirak pode ser o melhor aluno da escola, mas
não é invencível.
– Ele pode não ser o Sith’ari, mas, ainda assim, é forte demais pra você.
Não pode enfrentá-lo no ringue de duelos, Githany. Eu o estudei, sei quão
bom ele é. Você não pode derrotá-lo.
Ela deixou as palavras dele pairarem no ar por um bom tempo antes de
baixar à cabeça, derrotada.
– O que mais se pode fazer? Precisamos destruí-lo, e o único jeito é
enfrentá-lo no ringue.
Bane não respondeu de imediato; ela soube, então, que ele procurava
outra solução. Ambos sabiam que havia apenas outro caminho, uma resposta
à qual ele inevitavelmente chegaria. Teriam de matar Sirak fora do ringue.
Assassiná-lo. Seria uma violação gritante às regras da Academia, e sabiam
das consequências severas caso fossem pegos.
E era exatamente por isso que a ideia deveria vir de Bane. Assim que
proferida, Githany estava confiante de que poderia manobrá-lo para ele
mesmo executar o ato. Era o plano perfeito: livrar-se de Sirak e deixar que
Bane assumisse o risco.
Mais tarde, ela poderia “acidentalmente” indicar aos mestres o
envolvimento de Bane… se precisasse. Não tinha mais certeza quanto a essa
parte do plano. Não estava convencida de que queria trair Bane. Porém, não
achava ruim manipulá-lo.
Ele respirou profunda e lentamente, preparando-se para falar. Ela se
preparou para soltar uma exclamação das mais convincentes – e maquinadas
– de surpresa.
– Você não pode enfrentar Sirak no ringue, mas eu posso – ele disse.
– O quê? – A surpresa de Githany foi completamente genuína. – Ele quase
te matou de tanto te bater da última vez! Dessa vez, vai te matar com certeza!
– Dessa vez, eu pretendo vencer.
O modo com que ele disse isso fez Githany perceber que havia algo que
ela não captava.
– O que está havendo, Bane? – a mulher quis saber.
Ele hesitou por um momento antes de admitir.
– Ando treinando com lorde Kas’im em segredo.
Fazia sentido, ela pensou. Pensando bem, ela devia ter descoberto por
conta própria. Talvez tivesse descoberto se não deixasse Bane te atingir,
ela se censurou. Você sabia que estava começando a sentir algo por ele; e
deixou que esse sentimento confundisse seu julgamento.
Em voz alta, ela disse:
– Não gosto de ser feita de boba, Bane.
– Nem eu – afirmou ele. – Não sou burro, Githany. Sei o que você quer de
mim. Sei o que esperava que eu dissesse. Vou me vingar de Sirak. Mas vou
pelo meu próprio caminho.
Sem perceber, a moça começou a mordiscar o lábio inferior.
– Quando?
– Amanhã de manhã. Como você disse que faria.
– Mas você sabe que eu não falava sério.
– E você sabe que eu falo.
Por conta própria, um dos dedos de Githany começou a enrolar-se com um
pequeno cacho dos seus cabelos. Ela apressou-se a baixar o braço assim que
percebeu o que estava fazendo.
Bane estendeu a mão e pousou-a gentilmente no ombro dela.
– Não precisa se preocupar – ele a tranquilizou. – Ninguém saberá que
você está envolvida.
– Não é com isso que me preocupo – ela sussurrou.
Ele pendeu a cabeça de lado, estudando-a de perto para ver se ela estava
sendo honesta. Muito para sua surpresa, ela realmente estava.
Bane deve ter sentido a sinceridade dela, pois chegou mais perto e a
beijou com suavidade nos lábios. Ele recuou lentamente, deixando a mão
deslizar do ombro dela. Sem mais palavras, levantou-se e saiu pela porta
que dava para os arquivos.
Ela o viu partir em silêncio, depois falou no último segundo:
– Boa sorte, Bane. Tome cuidado.
Ele parou como se levasse um tiro de arma de raios na garganta, o corpo
rígido.
– Vou tomar – respondeu, sem olhar para trás. E então se foi.
Momentos depois, Githany sentiu o rosto em chamas. Absorta, limpou uma
lágrima que descia pelo pescoço, para então erguer a mão lentamente e ver,
descrente, a umidade espalhada por toda a palma.
Indignada com a própria fraqueza, a moça limpou a lágrima nas dobras do
manto. Levantou-se da cadeira e jogou os ombros para trás, endireitando a
coluna e erguendo a cabeça, orgulhosa.
E daí que as coisas não saíram exatamente como planejadas? Se Bane
matasse Sirak no ringue, o rival estaria morto do mesmo jeito. E, se Bane
falhasse, ela podia encontrar outra pessoa para assassinar o Zabrak. Tudo
daria certo no final.
Porém, ao marchar vivamente pela sala, parte dela sabia que não era bem
assim. Independentemente de como os fatos se desenrolassem, as coisas
seriam muito diferentes de tudo que ela imaginara.

O sol da manhã estava escuro com as nuvens de uma tempestade. Muito


distante, o trovão podia ser ouvido ribombando pelas planícies vazias que
separavam o templo do Vale dos Lordes Sombrios.
Bane não dormira a noite toda. Após o confronto com Githany, ele
retornara ao quarto para meditar. Até mesmo isso se mostrou dificultoso; a
mente dele fervilhava com tantos pensamentos para focar propriamente.
Lembranças do terrível espancamento que ele sofrera continuavam vindo-
lhe à mente, trazendo a dúvida e o medo do fracasso consigo. Até então ele
conseguira resistir aos sussurros que ameaçavam seu raciocínio e mantivera-
se firme a seu plano original.
Os aprendizes se reuniam, alguns lançando olhares feios para as nuvens ao
alto. Embora a cobertura do templo ficasse completamente exposta ao mau
tempo, os alunos sabiam que os exercícios e desafios não seriam cancelados,
independentemente do quão úmidos, frios e acabados eles estivessem.
Kas’im gostava de dizer que uma chuvinha não representava nada para um
Sith.
Bane encontrou um lugar entre o bando que se preparava para os
exercícios em grupo. Os aprendizes ao seu redor ignoraram diligentemente
sua presença. Fora assim desde que perdera para Sirak: era evitado; tornara-
se um anátema para os outros alunos. Embora treinasse com eles em todas as
sessões de grupo, parecia que não existia de verdade. Era uma sombra
silenciosa à espreita, nas beiradas, excluído em espírito, senão até em
presença física.
Bane escaneou a multidão à procura de Githany, mas, quando seus olhos
se cruzaram, ela se apressou a virar o rosto. Ainda assim, ele achou
reconfortante a presença dela. Acreditava que a moça queria que ele
vencesse, ou pelo menos parte dela queria. Acreditava que um pouco do que
sentiam um pelo outro era mais do que apenas parte do jogo que ambos
jogavam.
Quando os exercícios começaram, Bane fez questão de não olhar para
Sirak. Estudara o Zabrak nos mínimos detalhes ao longo dos meses
anteriores; qualquer coisa em que reparasse ali apenas o faria duvidar de si
mesmo. Em vez disso, focou-se na própria técnica.
No passado, ele fingira erros e equívocos propositais em seus passos
durante os exercícios para manter seu talento sempre crescente escondido de
qualquer aluno que porventura desse uma olhada em sua direção. Agora,
contudo, não dava mais para manter o segredo. Depois dos desafios desse
dia, todos saberiam do que ele era capaz – ou ele estaria morto e seria
esquecido para sempre.
A chuva começou a cair. Lentamente, no início; gotas pesadas espaçadas o
bastante para se ouvir o som quando cada uma pousava. Mas então as nuvens
se abriram e a chuva desceu num ritmo firme, a marteladas. Bane mal
reparou. Escapara para dentro de si, cavando muito fundo a fim de
confrontar seu medo. Conforme seu corpo passava pelos movimentos de
poses básicas de ataque e defesa junto com o restante da turma, ele aos
poucos transformou o medo em raiva.
Era impossível para Bane dizer por quanto tempo durou a sessão de
treino; pareceu durar uma eternidade, mas na verdade Kas’im provavelmente
preferiu algo mais breve em virtude do aguaceiro interminável que
encharcava os movimentos. Quando a sessão terminou e os aprendizes se
juntaram no círculo familiar, ao redor do ringue de duelos, o rapaz
transformara a raiva fervilhante num ódio flamejante.
Do mesmo modo que fizera quando desafiara Sirak, ele entrou no ringue
antes que outra pessoa tivesse chance de agir, abrindo caminho pela multidão
de seu posto, no canto de fora. Um murmurar de surpresa rolou pelos demais
conforme reparavam em quem se dirigia ao meio da roda.
Bane sentia o lado sombrio espumando dentro de si, uma tempestade
muito mais violenta do que a que jorrava sobre ele, vinda do céu. Era hora
de deixar que o ódio o libertasse.
– Sirak! – ele gritou, fazendo a voz ressoar por cima do vento crescente. –
Eu o desafio!
17

O DESAFIO DE BANE PAIROU NO AR, como se as incansáveis cortinas de chuva


tivessem, de algum modo, aprisionado suas palavras. Em meio à escuridão
da tempestade, ele viu a multidão se abrir, deixando Sirak avançar
lentamente.
O Zabrak veio em silêncio e confiante. Bane esperara que o desafio
inesperado perturbasse o inimigo. Se ele pudesse alterar Sirak, pegá-lo de
surpresa ou confundi-lo, teria vantagem antes mesmo do começo da luta.
Porém, se o oponente sentia alguma coisa, mantinha-a mascarada por detrás
de um verniz de frieza e calma.
Sirak entregou seu comprido sabre de duas pontas de treinamento para
Yevra, um dos irmãos Zabraks que pareciam sempre seguir os passos dele,
depois tirou o manto pesado, encharcado de chuva. Por baixo do manto,
usava apenas calças curtas e um colete sem mangas. Em silêncio, ele
estendeu o manto encharcado, e Llokay, o outro Zabrak, saiu apressado do
meio dos demais alunos e o pegou. Em seguida, Yevra correu para devolver
a arma à mão dele, que já aguardava aberta.
Bane retirou o próprio manto e deixou-o cair no chão, tentando ignorar a
ferroada gelada da chuva no peito nu. Não esperara de fato que Sirak fosse
perturbado pelo desafio, mas pelo menos torcia para que existisse, da parte
dele, excesso de confiança. Havia, contudo, uma eficiência implacável na
preparação de Sirak – uma economia e precisão de movimento –, a qual
indicava a Bane que o oponente levava o desafio muito a sério.
Sirak era arrogante, mas não bobo. Era esperto o bastante para entender
que Bane não o desafiaria de novo a não ser que tivesse algum plano para
vencer. Enquanto não entendesse que plano era esse, não faria pouco caso do
oponente.
Bane sabia que poderia, sim, derrotar Sirak dessa vez. Como Githany, não
acreditava na lenda de um escolhido que se ergueria dentre as fileiras dos
Sith: estava convencido de que Sirak não era mesmo o Sith’ari. Mas não
queria somente o derrotar. Queria destruí-lo, assim como Sirak o destruíra
em seu primeiro confronto.
Sirak, entretanto, era bom demais; jamais se exporia do modo que Bane
fizera. Não logo de cara. A não ser que Bane o atraísse para isso.
Do outro lado do ringue, Sirak assumiu sua posição inicial. A pele
molhada de chuva parecia brilhar na escuridão: um demônio amarelo
emergindo das sombras de um pesadelo para a dura luz da realidade.
Bane saltou para a frente, inaugurando o combate com uma série de
ataques complexos e agressivos. Movia-se rapidamente… mas não o
bastante. A multidão soltava exclamações de admiração com toda aquela
habilidade evidente, porém inesperada, mas Sirak resvalou o ataque com
bastante facilidade.
Em resposta ao inevitável contra-ataque, Bane deixou-se cambalear,
recuando aos tropeços. Por um breve instante, viu o oponente estender
demais o braço direito, deixando-o vulnerável para um golpe que encerraria
o confronto ali mesmo. Enfrentando seus instintos finamente lapidados, Bane
conteve-se. Trabalhara demais e por muito tempo para obter a vitória com
um simples golpe no braço.
A batalha continuou no ritmo familiar de combate, o vaivém de ataque e
defesa. Bane garantia que seus ataques fossem eficientes, embora rudes,
tentando convencer o inimigo de que era um oponente perigoso, mas
basicamente inferior. Toda vez que desviava de uma investida de Sirak, ele
embelezava a manobra defensiva, transformando esquivas rápidas em longas
e desajeitadas varridas que pareciam manter o sabre duplo distante tanto por
cega sorte quanto por intenção própria.
Com o vagar de cada movimento trocado, Bane ia gentilmente sondando
com a Força, testando e procurando uma fraqueza para explorar. Foi questão
de minutos até que ele reconhecesse uma. Apesar do treinamento, o Zabrak
não tinha verdadeira experiência em combates longos, extenuantes – nenhum
de seus oponentes jamais durara tempo suficiente para de fato o pressionar.
Imperceptivelmente, os ataques do inimigo foram se tornando menos
ligeiros; os contra-ataques, menos precisos; e as transições, menos elegantes,
conforme Sirak gradualmente se cansava. A bruma da exaustão aos poucos
lhe nublava a mente, e Bane soube que seria apenas questão de tempo até que
ele cometesse um crucial – e fatal – equívoco.
Entretanto, ainda que estivesse combatendo o Zabrak, a verdadeira luta de
Bane era contra si próprio. Vez ou outra, teve de se conter para não
mergulhar nas aberturas oferecidas pelos ataques cada vez mais
desesperados do inimigo. Compreendia que a vitória esmagadora que
desejava viria somente com paciência – virtude que não se costumava
encorajar entre os seguidores do lado sombrio.
No final, a paciência foi recompensada. Sirak tornou-se cada vez mais
frustrado ao tentar continuamente derrubar o atabalhoado oponente, sempre
fracassando. Quando o empenho físico prolongado começou a cobrar seu
custo, os movimentos dele foram ficando selvagens e imprudentes, até que
ele abandonou toda a simulação de defesa na tentativa de encerrar o duelo
que sentia escorrer por entre os dedos.
Quando a aflição do Zabrak passou para desesperança, todo o ímpeto de
Bane gritava de desejo para que ele tomasse a iniciativa e encerrasse a luta.
Em vez disso, deixou a proximidade tentadora da derrota de Sirak alimentar
seu apetite por vingança. A fome crescia a cada segundo que passava até que
se tornou uma dor física que lhe rasgava as entranhas: o lado sombrio o
preenchia, e ele se sentiu prestes a ser rasgado ao meio, como se ele fosse
partir-lhe a pele e jorrar feito uma fonte de sangue negro.
Bane esperou até o último segundo possível antes de liberar a energia
engarrafada dentro de si num assomo tremendo de poder. Ele o canalizou
pelos músculos e membros, movendo-se tão rápido que pareceu que o tempo
havia parado para o restante do mundo. Num piscar de olhos, arrancou o
sabre da mão de Sirak, baixou-o para atingir-lhe o antebraço, depois girou,
levando a arma a colidir com a perna que apoiava atrás. O membro partiu
com o impacto, e Sirak gritou quando uma lasca de reluzente osso branco
rasgou músculo, tendão e finalmente a pele.
Por um instante, nenhum dos espectadores teve ciência do que acabara de
acontecer; suas mentes demoraram um segundo para se atualizarem e
registrarem o borrão de ação que ocorrera tão mais rapidamente do que os
olhos podiam enxergar.
Sirak ficou deitado no chão, encolhido, contorcendo-se de agonia, e levou
a mão boa ao pedaço de osso que brotava da canela. Bane hesitou um
milésimo de segundo antes de avançar para dar fim no oponente, saboreando
o momento… e dando a Kas’im a oportunidade de intervir.
– Basta! – gritou o mestre espadachim, e o aprendiz obedeceu, congelando
o sabre no ato de descer voando para atingir o oponente incapacitado. –
Acabou, Bane.
Lentamente, Bane baixou o sabre e se afastou. A fúria e o foco que o
transformaram num condutor do poder implacável do lado sombrio se foram,
substituídos por uma noção extremamente aguda dos arredores. Estava na
cobertura do templo, embaixo de violenta tempestade, encharcado de água
fria, o corpo semicongelado.
Ele começou a tremer ao procurar pelo manto descartado ao redor. Pegou-
o, mas, encontrando-o totalmente molhado, não quis vesti-lo.
Kas’im adiantou-se da multidão e foi colocar-se lentamente entre Bane e o
incapacitado Zabrak.
– Vocês testemunharam uma vitória incrível hoje – disse ele ao bando
reunido ali, gritando para ser ouvido por cima da chuva incessante. – O
triunfo de Bane resultou tanto de sua brilhante estratégia quanto de sua
habilidade superior.
Bane mal ouviu essas palavras. Apenas ficou ali no centro do ringue, em
silêncio, a não ser pelo ranger dos próprios dentes.
– Ele foi paciente e cuidadoso. Não apenas derrotou o oponente… queria
destruí-lo! Alcançou o Dun Möch… não por ser melhor que Sirak, mas por
ser mais esperto.
O mestre espadachim estendeu a mão e pousou-a no ombro nu de Bane.
– Que isso seja uma lição para todos vocês – concluiu. – O segredo pode
ser sua melhor arma. Mantenham sua verdadeira força escondida até que
estejam prontos para emitir o golpe fatal.
Ele soltou o ombro de Bane e sussurrou:
– É melhor você entrar antes que pegue um resfriado. – Depois se virou
para dirigir-se aos aturdidos irmãos Zabraks, que se encontravam na beirada
do círculo de alunos. – Levem Sirak para o centro médico.
Enquanto eles avançavam para remover seu campeão, que jazia
semiconsciente, gemendo, Bane foi para a escadaria. Kas’im tinha razão: era
preciso sair daquela chuva.
Sentindo-se estranhamente surreal, ele desceu com rigidez os degraus que
levavam para o calor e o abrigo dos cômodos abaixo. Os alunos apressaram-
se para abrir caminho a fim de deixá-lo passar. A maioria dos aprendizes o
fitava com cara de medo e franca surpresa, mas ele mal notava. Desceu os
degraus até o andar principal do templo, caminhando com um estupor
quebrado apenas quando ele ouviu Githany chamar seu nome.
– Bane! – ela gritou, e ele se virou para vê-la descendo às pressas a
escada, atrás dele. O cabelo encharcado e todo emaranhado estava grudado
no rosto e na testa dela. As roupas molhadas grudavam-lhe no corpo,
acentuando cada curva de sua bela silhueta. Ela ofegava, embora Bane não
soubesse dizer se de excitação ou pelo cansaço de correr para alcançá-lo.
Ele esperou na base da escadaria até ela chegar. Githany desceu correndo
os degraus até que, por um momento, pensou que a moça fosse continuar para
abraçá-lo. No último instante, contudo, ela parou, ficando a centímetros dele.
Githany hesitou por um segundo, recobrando o fôlego, antes de falar.
Quando falou, suas palavras foram duras, embora falasse baixinho.
– O que aconteceu lá em cima? Por que não o matou?
Parte dele esperava por essa reação, embora outra parte torcesse para que
ela tivesse vindo parabenizá-lo pela vitória. Foi impossível não se sentir
desapontado.
– Sirak me colocou num tanque de bacta em nosso primeiro duelo. Agora
fiz o mesmo com ele – Bane respondeu. – Isso é vingança.
– Isso é bobagem! – ela retrucou. – Acha que Sirak vai simplesmente
deixar isso pra lá? Ele vai vir atrás de você de novo, Bane. Assim como
você foi atrás dele. É assim que funciona. Você perdeu a chance de pôr um
fim permanente na questão e quero saber por quê.
– Minha espada estava pronta para o golpe final – Bane lembrou a ela. –
Foi lorde Kas’im quem interveio antes que eu acabasse com Sirak. Os
mestres não querem que um dos melhores alunos morra.
– Não – disse ela, balançando a cabeça. – Sua espada estava pronta, mas
Kas’im não o impediu. Você hesitou. Alguma coisa o conteve.
Bane sabia que ela tinha razão. Hesitara mesmo. Só não sabia direito por
quê. Ele tentou explicar… para Githany e para si mesmo.
– Já matei um oponente no ringue. Qordis me castigou pela morte de
Fohargh. Mandou que eu não fizesse de novo. Acho… acho que fiquei
preocupado com o que os mestres fariam comigo se eu matasse mais um
aprendiz.
Githany estreitou os olhos, com muita raiva.
– Achei que tínhamos finalmente parado de mentir um pro outro, Bane.
Não era mentira. Não exatamente. Mas não era bem verdade também. O
rapaz trocou o apoio nos pés, incomodado, sentindo-se culpado perante o
olhar furioso dela.
– Você não conseguiu – Githany disse, estendendo a mão e cutucando, com
força, o peito dele com o dedo. – Sentiu o lado sombrio te engolindo e
recuou.
Agora foi a vez de Bane sentir raiva.
– Está errada – ele soltou, afastando a mão dela. – Eu recuei do lado
sombrio depois que matei Fohargh. Conheço a sensação. Agora foi diferente.
As palavras dele portavam o peso justo da verdade. Da última vez,
sentira-se vazio por dentro, como se algo lhe fosse arrancado. Dessa vez,
Bane ainda sentia a Força fluindo por ele com toda a sua glória selvagem,
preenchendo-o com seu calor e poder. Dessa vez, o lado sombrio
permanecia sob seu comando.
Githany não se convenceu.
– Você continua não querendo se entregar completamente ao lado sombrio
– disse. – Sirak demonstrou fraqueza, e você demonstrou-lhe misericórdia.
Os Sith não agem assim.
– O que você sabe sobre como agem os Sith? – ele gritou. – Fui eu que li
os textos antigos, não você! Você se resume a aprender com mestres que
esqueceram seu passado.
– Em que parte dos textos antigos alguém diz que se deve mostrar
compaixão por um inimigo derrotado? – ela perguntou, num tom mais grave
de zombaria.
Ferroado pelas palavras, Bane empurrou a moça para trás e virou-lhe as
costas. Ela deu um passo rápido para manter o equilíbrio, mas continuou
distante.
– Você só ficou brava porque seu plano se desfez – ele murmurou,
subitamente sem vontade de olhar para ela. Embora quisesse dizer mais
coisas, sabia que logo o restante dos alunos desceria. Não queria que
ninguém os visse conversando, então simplesmente saiu, deixando-a ali
sozinha.
Githany seguiu o rapaz com um olhar frio e calculista. Ficara
impressionada ao vê-lo brincar com Sirak no ringue; ele parecia invencível.
Porém, quando Bane fracassara em matar o indefeso Zabrak, ela rapidamente
reconheceu e identificou o que acontecera. Era uma falha no caráter dele,
uma fraqueza que se recusava a admitir. Mas ela existia mesmo assim.
Passada a paixão do momento – estando ele não mais motivado pelo lado
sombrio –, a fervilhante sede de sangue esfriou. Bane não conseguira matar
seu inimigo mais odiado sem ser provocado, o que significava que
provavelmente não conseguiria matar Githany, se esse momento chegasse.
Saber disso mudou a natureza do relacionamento dos dois mais uma vez.
Nos últimos dias, Githany passara a ter medo de Bane, receio de que ela não
seria forte o bastante para enfrentá-lo, caso ele algum dia resolvesse virar-se
contra ela. Agora a moça sabia que isso jamais aconteceria. Bane era
simplesmente incapaz de matar um aliado sem motivo.
Felizmente, ela não tinha a mesma limitação.

Bane continuou pensando no que Githany lhe dissera mais tarde, à noite,
deitado na cama sem conseguir dormir. Por que ele não conseguira matar
Sirak? Ela tinha razão? Ele recuara por conta de um confuso senso de
compaixão? Ele queria acreditar que abraçara o lado sombrio, mas, se fosse
verdade, teria matado Sirak sem pensar duas vezes – independente das
consequências.
Contudo, algo além disso o incomodava. Sentia-se frustrado pelo jeito
com que as coisas tinham ficado entre ele e Githany. Não dava para negar o
quanto a moça o atraía; ela o hipnotizava e mexia com ele. Toda vez que
chegava perto, Bane sentia calafrios nas costas. Mesmo quando não estavam
juntos, ele pensava nela; as lembranças permaneciam, como o cheiro do
perfume intoxicante dela. À noite, aqueles compridos cabelos negros e os
olhos perigosos lhe assombravam os sonhos.
E ele acreditava mesmo que ela também sentia algo por ele… embora
duvidasse de que algum dia ela o admitiria. Entretanto, por mais próximos
que tivessem ficado durante o grupo de estudos secreto, eles nunca
consumaram seu desejo. Parecia errado, enquanto Sirak permanecesse o
melhor aluno da Academia. Derrotá-lo fora o objetivo subjacente de ambos;
nenhum queria que qualquer outra coisa oferecesse distração. Era um
inimigo comum que os unia numa mesma causa, mas de diversas formas fora
também a parede que os mantivera separados.
Derrotar Sirak deveria ter deixado essa parede em ruínas. Mas Bane vira
o desapontamento estampado no rosto de Githany após o embate. Ele
prometera matar o inimigo, e ela acreditara nele. Porém, no final, as ações
de Bane mostraram que ele não estava a par das expectativas dela, e a
parede então subitamente se tornou muito, muito mais forte.
Alguém bateu gentilmente à porta de seu quarto. Um bom tempo se passara
desde o toque de recolher; nenhum aprendiz tinha motivo para estar nos
corredores. Ele pensou em apenas uma pessoa que poderia estar zanzando
pelos corredores àquela hora.
O rapaz saltou da cama e cruzou o quarto num passo rápido, para abrir a
porta com tudo. Precisou da mesma pressa em mascarar o desapontamento,
visto que quem estava ali parado em frente à porta era lorde Kas’im.
O mestre espadachim passou pela porta sem esperar convite; acenou para
Bane, indicando que a fechasse assim que entrou. O aprendiz fez o que
Kas’im lhe mandara, imaginando qual seria o motivo da visita tardia e não
anunciada.
– Tenho algo pra você – disse o Twi’lek, afastando as dobras do manto
para pegar o sabre de luz em seu cinto. Não, Bane reparou. Não era o sabre
de luz dele. O punho da arma de Kas’im era notavelmente mais comprido
que a maioria, permitindo-lhe abrigar dois cristais, um para cada ponta. Esse
punho era menor, e moldado numa estranha curvatura, conferindo-lhe
aparência de gancho.
O mestre espadachim acionou o sabre de luz: a lâmina simples soltou um
brilho vermelho.
– Essa era a arma do meu mestre – ele disse a Bane. – Quando eu era
criança, passava horas assistindo a meu mestre se exercitando. Minhas
lembranças mais antigas são de luzes cor de rubi dançando, movendo-se com
as sequências do combate.
– Não se lembra dos seus pais? – Bane perguntou, surpreso.
Kas’im balançou a cabeça em negação.
– Meus pais foram vendidos no mercado de escravos de Nal Hutta. Foi lá
que o mestre Na’daz me achou. Ele reparou na minha família nos blocos de
leilão; talvez tenha prestado atenção nela por sermos Twi’leks, como ele.
Mesmo eu sendo criança demais para ficar de pé, mestre Na’daz pôde sentir
a Força em mim. Ele me comprou e levou a Ryloth, onde me criou como seu
aprendiz, entre o nosso povo.
– O que aconteceu com seus pais?
– Não sei – Kas’im respondeu, dando de ombros, indiferente. – Não
tinham conexão especial com a Força, então meu mestre não viu motivo para
comprá-los. Eram fracos, e por isso foram deixados para trás.
Ele falava de modo casual, como se saber que os pais viveram e
provavelmente morreram servindo como escravos de Hutts não lhe causasse
efeito algum. De certo modo, tal apatia era compreensível. Ele não
conhecera os pais, então não tinha laços emocionais com eles, para o bem ou
o mal. Bane imaginou brevemente quão diferente seria a própria vida caso
fosse criado por outra pessoa. Se Hurst tivesse morrido nas minas de
cortosis quando ele ainda era apenas um bebê, teria mesmo assim ido parar
ali, na Academia de Korriban?
– Meu mestre foi um grande lorde Sith – Kas’im prosseguiu. – Era
especialmente habilidoso na arte do combate de sabre de luz… habilidade
que ele transmitiu a mim. Ensinou-me a usar o sabre duplo, embora, como
você pode ver, preferisse um design mais tradicional para si. Tirando o
punho, claro.
A lâmina cintilou e desapareceu quando desligou a arma e jogou-a para
Bane, que pegou com facilidade, envolvendo-a com os dedos.
– Que diferente – murmurou.
– É preciso mudar um pouco a empunhadura – explicou Kas’im. – Segure
mais na palma, mais longe das pontas dos dedos.
Bane fez conforme instruído, deixando o corpo se acostumar com o peso e
o equilíbrio incomuns. Sua mente já começava a listar as implicações da
empunhadura nova. Conferiria ao combatente mais poder nos ataques de
cima para baixo, e mudaria o ângulo dos golpes numa fração ínfima de grau.
O suficiente para confundir e desorientar um oponente desavisado.
– Alguns movimentos ficam mais difíceis com essa arma – Kas’im avisou.
– Mas vários outros se tornam muito mais eficazes. No final, acho que você
vai ver que esse sabre de luz se adequa muito bem ao seu estilo pessoal.
– Vai dá-lo a mim? – Bane perguntou, incrédulo.
– Hoje você provou ser digno dele. – Havia apenas um lampejo de
orgulho na voz do mestre espadachim.
Bane acionou a arma, escutando o zunido doce do energipente e o sibilo
crepitante da lâmina de energia. Fez alguns floreios, depois desligou a arma
abruptamente.
– Qordis aprova isso?
– A decisão é minha, não dele – Kas’im afirmou. Pareceu quase ofendido.
– Não guardei essa arma por dez anos para Qordis decidir quem vai ficar
com ela.
Bane respondeu com uma reverência respeitosa, totalmente ciente da
grande honra que Kas’im acabara de conceder-lhe. Para preencher o
incômodo silêncio que se seguiu, ele perguntou:
– Seu mestre te deu a arma quando morreu?
– Eu a peguei quando o matei.
Bane se sentiu tão aturdido que não pôde esconder sua reação. O mestre
espadachim a viu e abriu um sorriso discreto.
– Eu tinha aprendido tudo o que podia do mestre Na’daz. Por mais forte
que ele fosse no lado sombrio, eu era mais. Por mais habilidoso que ele
fosse com o sabre de luz, eu me tornei melhor.
– Mas para que o matar? – Bane perguntou.
– Um teste. Pra ver se eu era tão forte quanto pensava. Isso foi antes de
lorde Kaan chegar ao topo; ainda estávamos presos aos costumes antigos.
Sith contra Sith, mestre contra aprendiz. Tolamente nos voltando uns contra
os outros para provar nossa dominância. Felizmente, a Irmandade da
Escuridão pôs um fim a tudo isso.
– Não totalmente – murmurou Bane, pensando em Fohargh e Sirak. – Os
fracos continuam caindo perante os fortes. É inevitável.
Kas’im pendeu a cabeça de lado, tentando captar o sentido por detrás das
palavras.
– Não se deixe cegar por essa honra – avisou. – Você não está pronto para
me desafiar, jovem aprendiz. Ensinei-lhe tudo que você sabe, mas não tudo
que eu sei.
Bane não pôde deixar de sorrir. A ideia de enfrentar Kas’im numa luta de
verdade era um absurdo. Ele sabia não ser páreo para o mestre espadachim.
Ainda não.
– Vou manter isso em mente, mestre.
Satisfeito, Kas’im virou-se para sair. Pouco antes de Bane fechar a porta,
acrescentou:
– Lorde Qordis quer vê-lo assim que amanhecer. Vá aos aposentos dele
antes dos exercícios matinais.
Nem mesmo a preocupante reunião com o sombrio supervisor da
Academia murchou o espírito inflado de Bane. Assim que ficou sozinho no
quarto, acionou o sabre de luz e começou a praticar suas sequências.
Passaram-se muitas horas até que Bane, por fim, largou a arma e caiu
cansado na cama, com todos os pensamentos sobre Githany completamente
banidos de sua mente.
A primeira luz da manhã flagrou Bane na porta que dava para os
aposentos particulares de lorde Qordis. Passaram-se muitos meses desde
que ele estivera ali pela última vez. Na época, fora castigado por ter matado
Fohargh. Agora, machucara seriamente um dos melhores alunos da Academia
– um dos favoritos de Qordis. Não dava para saber o que esperava por ele.
Juntando coragem, Bane bateu à porta.
– Entre – veio a voz lá de dentro.
Tentando ignorar a sensação de trepidação, Bane fez como mandado.
Lorde Qordis estava no centro da sala, ajoelhado em seu tapete de
meditação. Parecia não ter se movido desde então: sua posição era
exatamente a mesma do encontro anterior.
– Mestre – disse Bane, com uma curta reverência.
Qordis nem se deu o trabalho de se levantar.
– Vejo que tem um sabre de luz no cinto.
– Lorde Kas’im me deu. Achou que eu mereci, graças à minha última
vitória no ringue.
Bane sentiu-se, subitamente, muito defensivo, como se estivesse sob
ataque.
– Não tenho intenção alguma de contradizer o mestre espadachim –
retrucou Qordis, embora o tom de voz sugerisse o oposto. – Contudo,
embora você agora tenha um sabre de luz, não se esqueça de que ainda é um
aprendiz. Ainda deve obediência e aliança aos mestres da Academia.
– Claro, lorde Qordis.
– O modo com que você derrotou Sirak causou uma boa impressão nos
outros alunos – continuou Qordis. – Vão querer imitá-lo agora. Você precisa
dar um bom exemplo.
– Farei o meu melhor, mestre.
– Isso significa que suas sessões particulares com Githany devem cessar.
Bane sentiu um calafrio pelo corpo todo.
– Você sabia?
– Sou um lorde Sith, e mestre desta Academia. Não sou tolo, e não sou
cego com o que acontece dentro das paredes do templo. Tolerei esse
comportamento enquanto você estava excluído, pois não causava prejuízo
aos outros aprendizes. Agora, porém, muitos dos alunos ficarão de olho em
você. Não quero que sigam seu caminho e tentem treinar um ao outro numa
investida equivocada de replicar o seu sucesso.
– O que acontecerá a Githany? Será punida?
– Falarei com ela assim como estou falando com você. Deve ficar claro
para os demais aprendizes que vocês dois não estão treinando em particular.
O que significa que você não pode mais vê-la. Deve evitar todo contato,
exceto nas lições de grupo. Se os dois me obedecerem, não haverá mais
consequências.
Bane entendia as preocupações de lorde Qordis, mas achou que a
resolução ia longe demais. Não havia motivo para separá-lo totalmente de
Githany. Ele imaginou se o mestre sabia de sua atração por ela. Receavam
que a moça pudesse vir a ser uma distração?
Não, ele concluiu, não era isso. Era apenas uma questão de controle. Bane
desafiara lorde Qordis; se dera bem mesmo sendo excluído pelo restante da
Academia. Agora Qordis queria reivindicar a responsabilidade pelas
conquistas de Bane.
– Ainda não terminei – continuou Qordis, interrompendo os pensamentos
de Bane. – Você deve também pôr fim aos seus estudos nos arquivos.
– Por quê? – Bane soltou, surpreso e irritado. – Os manuscritos contêm a
sabedoria dos antigos Sith. Aprendi muito sobre os caminhos do lado
sombrio com eles.
– Os arquivos são relíquias do passado – Qordis contrapôs, seco. –
Pertencem a um tempo há muito deixado para trás. A Ordem mudou.
Evoluímos para além do que você aprendeu naqueles pergaminhos e tomos
mofados. Você entenderia isso se andasse estudando com os mestres em vez
de seguir seu próprio caminho.
Foi você quem me forçou a seguir esse caminho, pensou Bane.
– Os Sith podem ter mudado, mas ainda é possível crescer com o
conhecimento daqueles que vieram antes de nós. Certamente você entende
isso, mestre. Por que mais teria reconstruído a Academia em Korriban?
Um lampejo de raiva perpassou os olhos do lorde sombrio. Obviamente,
ele não gostava de ser desafiado por um de seus alunos. Quando falou, sua
voz soou fria e ameaçadora.
– O lado sombrio é forte neste mundo. Esse é o único motivo pelo qual
escolhemos vir para cá.
Bane sabia que devia mudar de assunto, mas não queria recuar. Isso era
importante demais.
– Mas e quanto ao Vale dos Lordes Sombrios? E quanto às tumbas de
todos os mestres sombrios enterrados em Korriban e os segredos escondidos
dentro delas?
– É isso que você procura? – Qordis zombou. – Os segredos dos mortos?
Os Jedi saquearam as tumbas quando Korriban caiu sob eles 3 mil anos
atrás. Não há mais nada de valor.
– Os Jedi são servos da luz – Bane protestou. – O lado sombrio tem
segredos que eles nunca vão entender. Deve haver algo que deixaram passar.
Qordis riu, uma risada rouca e zombeteira.
– Como pode ser tão inocente?
– Dizem que os espíritos de poderosos mestres Sith permanecem nas
tumbas deles – insistiu Bane, teimosamente se recusando a ser intimidado. –
Eles aparecem somente aos que são dignos. Não teriam se revelado aos Jedi.
– Você realmente acredita em fantasmas e espíritos que ficam nas
sepulturas, esperando para passar os grandes mistérios do lado sombrio aos
que os procuram?
Os pensamentos de Bane voltaram-se para seus estudos. Havia relatos
demais documentados nos arquivos para tratar-se de mera lenda. Tinha de
haver algo de verdade naquilo tudo.
– Sim – ele respondeu, embora soubesse que isso enfureceria Qordis
ainda mais. – Acredito que posso aprender mais com os fantasmas do Vale
dos Lordes Sombrios do que com os mestres vivos aqui da Academia.
Qordis levantou-se num salto e deu um tapa na cara de Bane, arrancando-
lhe sangue com suas unhas de garra. Bane manteve a pose; nem vacilou.
– Seu tolo sem-vergonha! – gritou o mestre. – Você idolatra aqueles que
morreram, que se foram. Acha que têm grande poder, mas não passam de
poeira e ossos!
– Está errado – disse Bane. Ele sentia o sangue brotando dos arranhados
em seu rosto, mas não levou a mão para limpar. Permaneceu simplesmente
imóvel feito pedra em frente de seu furioso mestre.
Ainda que Bane não se movesse, Qordis deu meio passo para trás.
Quando tornou a falar, a voz saiu mais contida, embora ainda transbordasse
ódio.
– Vá embora – disse, estendendo um dedo comprido e ossudo para a
porta. – Se valoriza tanto a sabedoria dos mortos, então vá. Deixe o templo.
Vá para o Vale dos Lordes Sombrios. Encontre suas respostas nas tumbas
deles.
Bane hesitou. Sabia que era um teste. Se pedisse desculpas ali – se
rastejasse e implorasse pelo perdão do mestre –, Qordis provavelmente
deixaria que ficasse. Mas sabia que Qordis estava errado. Embora mortos, o
legado dos Sith antigos permanecia. Aquela era a chance dele de tomá-lo
para si.
Ele deu as costas a lorde Qordis e marchou para fora do quarto sem dizer
mais nada. Não havia por que continuar a discussão. O único jeito de vencer
seria por meio de provas. E ele não encontraria nada parado ali.
18

BANE FALTARA À SESSÃO DE TREINAMENTO MATINAL. Não foi difícil para Kas’im
adivinhar o responsável pela ausência do aprendiz.
Ele nem se importou de bater à porta do quarto de lorde Qordis; apenas
usou a Força para estourar a fechadura, depois chutou a porta. Infelizmente,
o elemento de surpresa que ele esperava empregar fora perdido.
Qordis estava de costas para a porta, examinando uma das magníficas
tapeçarias penduradas por cima de sua cama gigantesca. Ele não se virou
quando o mestre espadachim entrou naquele rompante; não teve reação
alguma, o que significava que esperava pela intrusão.
Kas’im estendeu violentamente a mão, e a porta se fechou com um baque.
O que estava prestes a dizer não era para os ouvidos dos alunos.
– O que raios você fez, Qordis?
– Suponho que esteja se referindo ao aprendiz Bane – respondeu o outro
de modo muito casual.
– Claro que me refiro a Bane! Chega de jogos, Qordis. O que fez com ele?
– Com ele? Nada. Não do modo como está pensando. Apenas tentei
argumentar. Tentei fazê-lo entender a necessidade de trabalhar dentro da
estrutura da instituição.
– Você o manipulou – falou Kas’im, suspirando com resignação. Sabia que
Qordis não gostava nada de Bane. Principalmente pelo fato de ser lorde
Kopecz, seu antigo rival, quem trouxera o rapaz para a Academia. Ocorreu
ao mestre espadachim que ele devia ter avisado ao jovem aprendiz que
ficasse alerta.
– Você confundiu a cabeça dele de algum jeito – continuou Kas’im,
tentando arrancar uma reação. – Forçou-o a seguir um caminho que queria
que ele tomasse. Um caminho à ruína.
Não houve resposta imediata. Cansado de olhar para as costas de Qordis,
ele deu um passo à frente e estendeu a mão para pegar o outro pelo ombro, a
fim de, então, virá-lo para si.
– Qordis, por quê?
No primeiro breve segundo do giro dado pelo supervisor da Academia,
Kas’im captou um lampejo de incerteza e confusão nos traços magros e
marcados. Então esses traços se transformaram em uma máscara de raiva,
olhos sombrios ardendo dentro das órbitas afundadas. Qordis tirou a mão de
Kas’im com um tapa.
– Bane atraiu isso para si mesmo! Estava obstinado! Obcecado com o
passado! Não será de utilidade alguma para nós enquanto não aceitar os
ensinamentos desta Academia!
Kas’im ficou aturdido: não pelo súbito ataque, mas pelo inesperado
lampejo de incerteza que o precedera. De repente, ocorreu-lhe a dúvida
quanto a se a reunião saíra conforme o planejado. Talvez Qordis tentara
manipular Bane e falhara. Não teria sido a primeira vez que haviam
subestimado esse incomum aprendiz.
Agora Kas’im sentia-se mais curioso do que irritado.
– Conte-me o que aconteceu, Qordis. Onde está Bane?
Qordis suspirou, quase arrependido.
– Foi para os descampados. Está a caminho do Vale dos Lordes Sombrios.
– O quê? Por que ele faria isso?
– Eu disse: ele está obcecado com o passado. Acredita que há segredos lá
fora que lhe serão revelados. Segredos do lado sombrio.
– Você o avisou dos perigos? Dos enxames de pelkos? Dos tuk’atas?
– Não deu tempo. E, de qualquer modo, ele não teria escutado.
Nisso, pelo menos, Kas’im acreditava. Entretanto, não tinha certeza se
acreditava no restante da história de Qordis. O mestre da Academia era sutil,
ardiloso. Seria muito típico ele convencer alguém a aventurar-se no mortal
Vale dos Lordes Sombrios. Se quisesse eliminar Bane sem ser
responsabilizado, esse seria o jeito de fazê-lo – a não ser por um detalhe.
– Ele vai sobreviver – afirmou Kas’im. – É mais forte do que você pensa.
– Se ele sobreviver – Qordis retrucou, voltando-se para a tapeçaria –, vai
descobrir a verdade. Não há segredos no Vale. Não mais. Tudo de valor foi
levado: arrancado primeiro por Sith que buscavam preservar nossa Ordem, e
depois pelos Jedi que a queriam destruir. Não restou nada nas tumbas além
de câmaras vazias e montes de poeira. Assim que ele o vir por si mesmo,
desistirá dessa idealização tola dos Sith antigos. Somente então estará pronto
para unir-se à Irmandade da Escuridão.
Ficou claro que era o fim da conversa. As palavras de Qordis faziam
sentido, caso isso fosse parte de uma lição maior para fazer Bane finalmente
abandonar as tradições e aceitar a nova Ordem Sith e a Irmandade de Kaan.
Entretanto, ao virar-se e sair do quarto, Kas’im não conseguia deixar de
sentir que Qordis estava racionalizando os eventos após o fato. Qordis
queria que os outros acreditassem que ele estava no controle o tempo todo,
mas o olhar assombrado que o mestre espadachim captara evidenciava a
verdade: Qordis sentia medo de algo que Bane fizera ou dissera.
Pensar nisso fez o Twi’lek abrir um sorriso. Tinha total confiança de que
Bane sobreviveria à jornada ao Vale dos Lordes Sombrios. E estava muito
interessado para ver o que aconteceria quando o rapaz retornasse.

Sirak movia-se com cuidado. Passara as 36 horas anteriores num tanque


de bacta, e, embora os ferimentos estivessem completamente curados, seu
corpo ainda reagia por instinto às lembranças dos ferimentos infligidos pelo
sabre de Bane. Lentamente, ele foi juntando seus pertences, ansioso para
retornar ao ambiente familiar de seu quarto e deixar para trás a solidão do
centro médico.
Um dos droides médicos entrou flutuando, trazendo-lhe calças, uma
camisa e um robe escuro de aprendiz. As roupas cheiravam a desinfetante;
era prática comum esterilizar tudo antes de levar para dentro do centro
médico. As vestes lhe serviram, mas ele soube, assim que as vestiu, que
ninguém jamais as usara antes.
Ele não vira um único ser além dos droides médicos desde que fora
trazido inconsciente do ringue de duelos. Ninguém viera checar seu estado
enquanto ele flutuava no fluido curativo: nem Qordis nem Kas’im, nem
mesmo Llokay ou Yevra. Mas não podia culpá-los.
Os Sith desprezavam a fraqueza e o fracasso. Sempre que os aprendizes
perdiam no ringue de duelos, eram deixados sozinhos com a vergonha da
derrota até que se tornassem fortes o bastante para retomar os estudos.
Acontecia a todos, cedo ou tarde… porém nunca tinha acontecido a Sirak.
Fora sempre invencível, intocável – o melhor aprendiz em todas as
disciplinas. Ele ouvira os rumores e os sussurros. Chamavam-no de o
Sith’ari, o ser perfeito. Mas ninguém mais o chamaria de Sith’ari dali em
diante. Não depois do que Bane fizera com ele.
Sirak se virou para a porta e viu Githany parada ali, observando-o.
– O que você quer? – ele perguntou, cansado.
Sabia quem ela era, embora nunca tivessem chegado a conversar. No dia
em que a moça chegara, ele a identificara como uma ameaça em potencial.
Observara-a e a vira observando-o, cada um medindo e avaliando o outro,
tentando determinar quem estava com a vantagem. Sirak estivera atento a
todos os possíveis desafiantes, ou achara que estava – até que o aluno que
ele menos temia o derrotou.
– Vim falar com você – ela respondeu. – Sobre Bane.
Sirak retraiu-se involuntariamente ao ouvir esse nome, depois se censurou
pela reação. Se Githany notara, não indicou.
– O que tem ele? – Sirak perguntou, seco.
– Estou curiosa quanto ao que você planeja fazer agora. Como vai lidar
com a situação?
Custou muito ao Zabrak juntar toda a sua antiga arrogância, entretanto ele
acabou conseguindo expressar-se com satisfatória zombaria.
– Meus planos são só meus.
– Vai querer se vingar? – ela insistiu.
– Com o tempo, talvez – ele, por fim, admitiu.
– Posso ajudar.
Ela deu um passo adiante, entrando no quarto. Mesmo nessa única
passada, Sirak pôde ver que ela se movia com a graça sensual de uma
Zeltron dançarina de véus.
Ele estreitou os olhos, desconfiado.
– Por quê?
– Eu ajudei Bane a derrotar você – disse ela. – Reconheci o potencial
dele no instante em que o vi pela primeira vez. Quando Qordis e os outros
mestres deram-lhe as costas, eu lhe ensinei, em segredo, as lições deles
sobre a Força. Sabia que o lado sombrio é forte nele. Mais forte que em
mim. Mais forte que em você. Talvez até mais forte que nos próprios
mestres.
Sirak não entendia o rumo da conversa.
– Você ainda não respondeu à minha pergunta. Conseguiu o que queria de
Bane. Para que me ajudar agora?
Ela balançou a cabeça, tristonha.
– Me enganei com relação a Bane. Achei que, se eu o ajudasse a ficar
mais forte, ele abraçaria o lado sombrio. Então eu poderia aprender com ele
e ganhar poder para mim. Mas ele é incapaz de abraçar o lado sombrio.
Todos os outros acreditam que o triunfo dele sobre você representou uma
grande vitória. Somente eu reconheço como fracasso.
Ela estava brincando com ele. Zombando dele. E o Zabrak não gostou nem
um pouco.
– Ninguém nunca me derrotou no ringue antes de Bane! – ele atacou. –
Como pode dizer que ele fracassou?
– Você continua vivo – ela simplesmente respondeu. – Quando chegou o
momento de destruir você, de acabar com a sua vida, ele hesitou. Não
conseguiu se forçar a isso. Foi fraco.
Intrigado, Sirak não respondeu de imediato. Em vez disso, esperou que ela
continuasse.
– Ele planejou e conspirou por meses para vingar-se de você – Githany
prosseguiu. – O ódio lhe deu a força pra te superar… e, no último instante,
ele demonstrou misericórdia e o deixou viver.
– Eu o deixei viver no fim do primeiro duelo – Sirak a lembrou.
– Isso não foi ato de misericórdia… foi um ato de desprezo. Você achou
que o tinha destruído completamente. Se soubesse que ele se reergueria para
um dia te desafiar de novo, teria tomado a vida dele independente das regras
da Academia. Você o subestimou. Erro que sei que não cometerá de novo.
Mas Bane não te subestima. Ele sabe que você é poderoso o bastante para
representar uma ameaça de verdade. Entretanto, ele o deixou vivo, sabendo
que, algum dia, você vai querer se vingar. Ou ele é um fraco ou é um tolo –
ela concluiu –, e não quero estar ao lado de nenhum desses.
Havia algo de verdade no que ela dizia, mas Sirak ainda não se sentia
convencido.
– Você muda de aliados rápido demais, Githany. Até mesmo para uma
Sith.
Ela ficou em silêncio por um bom tempo, procurando resolver como
responder. Então, subitamente, olhou para o chão, e, quando voltou, seus
olhos estavam cheios de vergonha e humilhação.
– Foi Bane quem terminou nossa aliança, não eu – ela admitiu, quase
engasgando com as palavras. – Ele me abandonou – Githany continuou, sem
tentar esconder a amargura. – Deixou a Academia. Nem me disse por quê.
Nem chegou a se despedir.
De repente, tudo fez sentido. Sirak entendeu o desejo repentino da moça
de se unir a ele numa parceria contra o aliado anterior. Githany estava
acostumada a ter o controle. Acostumada a estar no comando. Acostumada a
pôr fim nas coisas. E não gostou nada de estar, agora, do outro lado.
Como dizia uma antiga expressão corelliana: Tenha medo da ira de uma
fêmea abandonada.
– Para onde ele foi? – Sirak perguntou.
– Os alunos estão dizendo que Qordis o enviou para o Vale dos Lordes
Sombrios.
Sirak quase soltou um Então ele já está morto!, mas, no último segundo,
lembrou-se do aviso dela para não subestimar Bane. Em vez disso, ele falou:
– Você acha que Bane vai voltar.
– Tenho certeza.
– Então estaremos prontos – Sirak prometeu. – Quando ele voltar, vamos
destruí-lo.

Enquanto marchava pela areia causticante do deserto de Korriban, Bane


notou o sol baixando rapidamente atrás do horizonte. Caminhara por horas
sob esse calor todo; a cidadezinha de Dreshdae e o templo imponente
ficaram há muito para trás, reduzidos a meras manchas no horizonte. Se
olhasse para trás, conseguiria apenas avistá-los sob a luz cada vez mais
fraca.
Ele, entretanto, não olhou para trás. Marchava adiante, obstinado. O calor
escaldante não o atrasava, nem o fariam as temperaturas prestes a despencar
para quase congelantes com o pôr do sol. O desconforto físico – o frio, o
calor, a sede, a fome, a fadiga – não lhe causava efeito significativo,
sustentado que era pelo poder da Força.
Entretanto, estava preocupado. Lembrava-se da primeira vez que pusera
os pés em Korriban. Sentira o poder do planeta: Korriban era imerso no lado
sombrio. Entretanto, fora uma sensação vaga e distante. Durante sua estada
na Academia, ele ficara tão acostumado ao zunido quase inconsciente que
mal o notava.
Quando deixara o templo e o espaçoporto para trás, esperara que a
sensação se tornasse mais forte. A cada passo que o aproximava do Vale dos
Lordes Sombrios, ele achara que sentiria a intensidade do lado sombrio
crescer.
Porém, não sentia nada. Nenhuma mudança notável. Estava a poucos
quilômetros da entrada do vale; podia ver os contornos vagos das tumbas
mais próximas construídas nas próprias paredes de pedra. E, no entanto, o
lado sombrio não estava mais forte do que um eco vazio, não mais do que a
lembrança remanescente de palavras distantes ditas num passado distante.
Deixando de lado dúvidas e reservas, o rapaz redobrou o passo. Queria
chegar ao vale antes da escuridão completa. Pegara um punhado de hastes
brilhantes antes de deixar a Academia; caso necessário, poderia usá-las para
encontrar o caminho. Infelizmente, a luz deles agiria como um farol na
escuridão, sinalizando a localização dele para qualquer ser – ou qualquer
coisa. Com seu novo sabre de luz, ele acreditava que poderia sobreviver a
quase tudo que encontrasse, mas havia coisas que espreitavam perto das
tumbas cuja atenção ele preferia não chamar.
Os últimos raios de luz ainda pairavam no ar quando ele finalmente
alcançou seu destino. O Vale dos Lordes Sombrios jazia, amplo, à frente
dele, escondido sob a cobertura do fulgor do entardecer. Brevemente, Bane
pensou em parar e acampar até o amanhecer, mas logo rejeitou a ideia. Dia
ou noite, isso não faria diferença assim que entrasse nas tumbas: teria de
usar as hastes brilhantes a qualquer hora. E, agora que finalmente estava lá,
ansiava muito para ver o que encontraria para procrastinar ainda mais.
Ele escolheu o templo mais próximo, o único que podia de fato divisar
naquela luminosidade fraca. Como todas as tumbas, essa fora cavada nos
altos morros de pedra que ladeavam todo o vale. O grande arco da entrada
fora construído a partir da face do morro, mas as câmaras que abrigavam os
restos do lorde sombrio sepultado ali serpenteavam fundo na rocha.
Ao chegar mais perto, Bane enxergou os desenhos intricados gravados no
arco. Havia algo escrito no topo em letras que ele não identificava. Supôs
que o trabalho devia ter sido de se admirar antigamente, mas eras de ventos
do deserto gastaram a maior parte dos detalhes.
Bane parou na entrada, sorvendo o ar de mistério e proibição que cercava
a entrada da tumba. Contudo, ainda não notava mudança alguma na Força. Ao
cruzar a entrada, sentiu-se chocado ao ver que a grande placa de pedra que
era a porta fora arrancada. Passou os dedos pelo caminho da fissura. Suave.
Gasto. Quem quer que tivesse quebrado a porta o fizera há muito tempo.
Bane levantou-se e marchou, confiante, pelo portal estilhaçado. Desceu
pelo comprido túnel da entrada, movendo-se lentamente em meio às
sombras. Uns dez metros adentro, a escuridão tornou-se absoluta, então ele
sacou uma haste brilhante e a ativou.
Uma luz azul sinistra preencheu o túnel, fazendo um pequeno enxame de
pelkos correr em busca de refúgio, para longe do círculo de luz turva.
Estiveram antes perseguindo-o, aproximando-se por todos os lados. Bane
ainda os sentia por ali, à espreita nas sombras ao redor dele, mas não teve
medo. Afinal, não era bem a luz que os mantinha distantes.
Insetos pelko, como muitas das criaturas nativas de Korriban, eram
sintonizados à Força. Teriam sentido a chegada de Bane antes de ele entrar
na tumba; inevitavelmente, seu poder os atrairia para dentro. Entretanto, ele
também mantinha os insetos e seus espinhos paralisantes a uma distância
segura. Não chegariam perto o bastante para, de fato, atacá-lo, portanto não
passavam de um incômodo. Predadores maiores, como os tuk’atas, podiam
ser uma ameaça séria. Mas Bane lidaria com eles quando – e se fosse –
necessário.
No momento, preocupava-se mais com os possíveis perigos que os
construtores da tumba podiam ter deixado ali. Mausoléus Sith eram famosos
por suas malignas armadilhas letais. Bane estendia sua percepção com a
Força, sondando cuidadosamente as paredes, o solo e o teto à frente, em
busca de algo fora do comum. Sentiu-se aliviado – e um pouco desapontado
– ao não encontrar nada. Parte dele torcia para trombar com uma câmara
ainda não descoberta, algo que os Jedi deixaram passar.
Bane continuou descendo pelo túnel, passando por diversas câmaras nas
quais tesouros e riquezas teriam sido enterrados com o lorde sombrio morto
– junto com seus servos inferiores, ainda vivos. Tais câmaras não lhe
interessaram; não era um ladrão de tumbas. Por isso, foi seguindo cada vez
mais fundo até chegar à sepultura em si.
Os insetos pelko o acompanhavam, circulando sem parar a iluminação
azul lançada pela haste brilhante. Era possível ouvir o clicar agudo – skrik,
skrik, skrik – do enxame frustrado: incapaz de atacar a presa, porém
irresistivelmente preso ao rastro que ela deixava.
A sepultura foi facilmente identificada pelo enorme sarcófago de pedra no
centro da câmara, posicionado sobre um pequeno pedestal de pedra. Era
pouco mais do que uma sombra robusta na beirada do brilho da haste
brilhante, mas suscitou em Bane uma mistura de medo e admiração.
Ainda usando a Força para pesquisar armadilhas, ele se aproximou
cautelosamente da tumba, trepidando cada vez mais conforme a luz clara
cobria o sarcófago, revelando mais e mais detalhes. A pedra era gravada
com símbolos similares aos da entrada da cripta, mas esses não tinham
sofrido séculos de erosão. Destacavam-se vivamente, brutais e atrevidos.
Bane não podia ler o idioma desconhecido nem identificar o lorde sombrio
do caixão, mas sabia que aquele era o local de descanso de um ser antigo e
poderoso.
Ele chegou à plataforma; ficava um pouco acima de seu joelho. Apoiou um
pé sobre ela, depois estendeu a mão para agarrar uma beirada protuberante
de um dos símbolos gravados na lateral do sarcófago. Esperava receber uma
sacudida ou levar um choque, mas tudo o que sentiu foi pedra fria sob a
palma da mão.
Usando o apoio para manter o equilíbrio, içou-se para cima, pondo os
dois pés na plataforma, vendo a tumba de cima. Para seu horror, Bane
descobriu que a placa de pedra que selava o sarcófago fora virtualmente
destruída. O que quer que já existira lá dentro não existia mais, substituído
por pedregulhos, poeira e uns pedaços de osso quebrado que podiam ter sido
os dedos das mãos ou dos pés do esqueleto do lorde sombrio.
Ele desceu da plataforma, frustrado, mas ainda não querendo desistir.
Lentamente, virou num grande círculo, como se esperasse encontrar os restos
roubados largados num canto da cripta. Não havia nada: a tumba fora
totalmente saqueada e corrompida.
Bane não sabia muito bem o que esperava encontrar, mas não era aquilo.
Os espíritos dos antigos lordes sombrios eram seres de pura energia do lado
sombrio; eram tão eternos quanto a Força em si. O espírito podia
permanecer na terra por séculos – milênios, talvez –, até que um sucessor
digno aparecesse. Pelo menos era nisso que os textos dos arquivos levaram
o rapaz a acreditar.
Por outro lado, a evidência que tinha à frente era inequívoca. Os
manuscritos antigos o decepcionaram. Ele apostara tudo na veracidade dos
escritos – até desafiara Qordis – e perdera.
Em desespero, o rapaz jogou a cabeça para trás e os braços para o alto,
em direção ao irregular teto de pedra acima.
– Estou aqui, mestre! – exclamou. – Vim aprender seus segredos! – Ficou
um pouco calado, esperando ouvir uma resposta. Por não ouvir nada, gritou:
– Apareça! Por todo o poder do lado sombrio, apareça!
Suas palavras reverberaram pelas paredes, soando vazias e ocas. Ele
prostrou-se de joelhos, largando os braços ao lado do corpo, pendendo a
cabeça para a frente. Conforme o eco sumia, o único som que restava era o
clicar dos pelkos.

Kopecz cuspiu no chão ao avaliar seus arredores. Estava cercado por um


exército, mas um exército de inferiores. Para onde quer que olhasse, via os
adeptos dos Sith: guerreiros, assassinos e aprendizes. Havia, porém, poucos
preciosos mestres Sith. A aparentemente interminável guerra contra os Jedi
nos campos de batalha de Ruusan cobrava um preço alto da Irmandade da
Escuridão de Kaan. Sem reforços, eles seriam forçados a recuar – ou seriam
assolados pelo general Hoth e seu odiado Exército da Luz.
O robusto Twi’lek levantou-se, incitado a concluir que alguma coisa tinha
de ser feita. Começou a abrir caminho por entre os grupinhos espalhados de
soldados, notando quantos estavam machucados, exaustos ou simplesmente
derrotados. Quando chegou à entrada da cabana de lorde Kaan, o desprezo
que sentia por seus “irmãos” chegara à ebulição.
Quando Kopecz entrou, lorde Kaan fitou-o e logo dispensou todos os
outros conselheiros com um gesto curto. Eles saíram em fila única; nenhum
ousou chegar muito perto do Twi’lek.
– O que foi, meu velho amigo? – perguntou Kaan. Sua voz estava mais
sedutora que nunca, mas os olhos, abertos e selvagens, eram os de uma fera
caçada.
– Está vendo aquilo ali que chama de exército? – reclamou Kopecz,
apontando para trás com o polegar enquanto avançava mais para dentro. – Se
isso é tudo que temos para lutar contra lorde Hoth, podemos queimar nossos
mantos pretos e começar, desde já, a praticar o código Jedi.
– Temos reforços chegando – lorde Kaan lhe assegurou. – Mais duas
divisões completas de soldados de infantaria, outro grupo de snipers. Meio
pelotão de veículos repulsores com armamento pesado. Muitos são atraídos
pela glória da nossa causa. Mais e mais a cada dia. A Irmandade da
Escuridão não pode fracassar.
Kopecz sentiu-se pouco satisfeito com tais promessas. Lorde Kaan sempre
fora a força da Irmandade da Escuridão, um homem que reunira os senhores
sombrios numa causa única por meio da grandiosidade de sua personalidade
e sua visão. Agora, contudo, parecia um homem desesperado. A exaustão de
estar sempre combatendo os Jedi o desgastara.
Kopecz balançou a cabeça, de desgosto.
– Não sou um dos seus conselheiros bajuladores – disse ele, erguendo a
voz. – Não vou rastejar e adular você, lorde Kaan. Não vou empilhar elogios
nessa sua cabeça de tolo quando vejo com os próprios olhos que você está
nos levando direto para a destruição!
– Fale baixo! – ralhou Kaan. – Vai destruir a moral das nossas tropas!
– Eles não têm mais moral pra ser destruída – Kopecz devolveu, embora
tenha de fato baixado a voz. – Não podemos derrotar os Jedi com soldados
comuns. Há muitos deles, e não o bastante de nós.
– Por nós você quer dizer os que são dignos de se juntar às fileiras dos
senhores sombrios – Kaan respondeu. Ele suspirou e fitou o holomapa aberto
sobre a mesa à frente dele.
– Você sabe o que deve fazer – Kopecz disse-lhe, perdendo um pouco da
raiva na voz. Escolhera seguir Kaan; não pretendia abandoná-lo agora. Mas
não ia também ficar sentado, sem fazer nada, a caminho de uma derrota certa.
– Estamos enfrentando um exército de mestres e cavaleiros Jedi. Não
podemos derrotá-los sem nossos mestres das Academias. Os alunos também.
Todos eles.
– São meros aprendizes – Kaan protestou.
– São os mais fortes da nossa Ordem – Kopecz lembrou o outro. – Nós
dois sabemos que até mesmo os alunos mais fracos de Korriban são mais
fortes que metade desses pretensos senhores sombrios daqui de Ruusan.
– O trabalho de Qordis ainda não foi concluído. Os alunos lá têm muito a
aprender – insistiu Kaan, embora sem muito afinco. – Tanto potencial
inexplorado. A Academia representa o futuro dos Sith.
– Se não pudermos derrotar os Jedi aqui em Ruusan, não haverá futuro
algum! – insistiu Kopecz.
Lorde Kaan levou as mãos à cabeça, como se uma dor terrível ameaçasse
parti-la em duas. Ele começou a tremer, tomado por uma terrível paralisia.
Kopecz deu um passo para trás involuntariamente.
Foi preciso apenas uns segundos para Kaan recobrar a compostura e
baixar as mãos. O teor de assombro nos olhos dele se fora, substituído pela
tranquilidade que atraíra tantos para a Irmandade no começo.
– Tem razão, velho amigo – disse. As palavras saíram macias e calmas;
ele falava como se um grande peso fora retirado de cima dele. Irradiava
confiança e força. Parecia brilhar com uma aura violeta, como se fosse a
manifestação física do lado sombrio. E, súbita e inexplicavelmente, Kopecz
foi tranquilizado.
– Vou falar com Qordis – Kaan continuou, emanando a Força de si com
ondas palpáveis. – Tem razão. É hora de todos na Academia de Korriban
realmente se juntarem aos Sith.
19

BANE NUNCA SENTIRA TANTA FOME NA VIDA. Era de contorcer em nós o


estômago, fazendo-o curvar-se para a frente enquanto caminhava lentamente
pelo deserto de Korriban, a caminho de Dreshdae. Por treze dias, ele
pesquisou as tumbas no Vale dos Senhores Sombrios, sustentando-se somente
com a Força e os tabletes de hidratação que trouxera para a jornada no
deserto. Nunca dormia, mas volta e meia descansava a mente por meio da
meditação. Entretanto, mesmo com todo o seu poder, nem a Força conseguia
criar algo do nada. Ela podia suprir a fome por um tempo, mas não para
sempre.
Duas vezes ele fora rodeado por bandos de tuk’atas, os kaths guardiães
que rondavam as criptas de seus antigos mestres. Na primeira vez, ele os
afastara com a Força, agarrando o corpo do macho alfa e lançando-o contra
o restante do bando, ferindo muitas das feras. Elas fugiram soltando urros
agudos que o fizeram arrepiar-se todo. O segundo ataque foi muito mais
sangrento. Enquanto explorava uma das tumbas mais recentes, Bane se viu
cercado por uma dúzia de tuk’atas: um bando duas vezes maior que o
primeiro. Ele teve de libertar seu sabre de luz sobre os bichos, partindo
carne e ossos. Quando o bando finalmente se separou e fugiu, somente quatro
dos doze tuk’atas ainda viviam.
Depois disso, os bichos o deixaram em paz, o que foi ótimo, porque ele
não tinha mais certeza se seria capaz de afugentá-los caso atacassem de
novo. A fim de abastecer os músculos para a pesquisa interminável em
tumba atrás de tumba, Bane tirara demais das reservas de seu corpo,
literalmente se devorando de dentro para fora. Agora pagava o preço.
Ele poderia ter diminuído o próprio sofrimento entrando num transe
meditativo, desacelerando a frequência cardíaca e as funções vitais para
preservar sua energia. Entretanto, no final, isso não serviria para nada.
Ninguém viria encontrá-lo, e, no fim das contas, até mesmo um estado de
hibernação acabaria numa morte lenta, ainda que não dolorosa.
Ele não estava pronto para considerar a morte como uma opção. Ainda
não. Apesar da busca fútil, apesar da esmagadora decepção, ele ainda não se
renderia. Não se significasse que a verdade que descobrira morreria com
ele. Então, enfrentou a dor e comandou sua carne que falhava cada vez mais
a levá-lo de volta. De volta à Academia.
Ele levara apenas um dia para chegar ao vale no início da jornada. Agora
estava no terceiro dia da viagem de volta. Estivera forte e renovado quando
se pusera a caminho; agora se sentia faminto e fraco. Mas havia mais em seu
passo pesado do que mera fraqueza física.
Antes, ele vinha amparado pela expectativa. Agora precisava carregar o
peso do fracasso. Qordis tinha razão: os senhores sombrios antigos de
Korriban se foram. Quase 3 mil anos tinham passado entre a época em que
os Sith foram varridos de Korriban por Revan e o dia em que a Irmandade
da Escuridão de Kaan oficialmente reivindicara esse mundo para a Ordem.
Nesse tempo todo, o legado dos Sith originais fora completamente varrido.
Ele partira para o deserto em busca de iluminação, mas encontrou apenas
a desilusão. Korriban não constituía mais o berço da escuridão; era só
carcaça, um cadáver murcho e ressecado, saqueado por batedores. Qordis
tinha razão… entretanto, Bane agora entendia que o outro também estava
muito, muito errado.
Bane não encontrara aquilo que fora procurar nas tumbas. Mas, no longo
trajeto de volta, pelo deserto, sua mente finalmente clareara. A fome, a sede,
a exaustão: o sofrimento físico limpara-lhe os pensamentos. Despira-lhe de
todas as ilusões e expusera as mentiras de Qordis e da Academia. Os
espíritos dos Sith tinham deixado Korriban para sempre. A culpa, entretanto,
era da Irmandade da Escuridão de lorde Kaan – e não dos Jedi.
Eles distorceram e perverteram a antiga Ordem dos Sith. Os ensinamentos
da Academia divergiam muito de tudo que Bane aprendera nos arquivos
sobre os muitos aspectos do lado sombrio. Kaan pusera de lado o
verdadeiro poder do indivíduo e o trocara pela falsa glória do
autossacrifício em nome de uma causa válida. Buscava destruir os Jedi por
meio do braço forte, em vez de pela astúcia. Pior de tudo, alegava que todos
eram iguais na Irmandade dos Sith. Porém, Bane sabia que a igualdade
constituía um mito. Os fortes eram feitos para governar; os fracos, para
servir.
A Irmandade da Escuridão incorporava tudo que havia de errado com os
Sith modernos. Foi uma queda do caminho verdadeiro. Seu fracasso era o
motivo pelo qual os espíritos dos lordes sombrios desapareceram. Ninguém
em Korriban – nem mestre, nem aprendiz – era digno da sabedoria deles;
nem digno de seu poder. Eles simplesmente foram sumindo, espalhados
como um punhado de pó por sobre a areia do deserto. Bane via a verdade
agora com muita clareza. Entretanto, Qordis e os outros continuavam cegos.
Seguiam Kaan como se este os tivesse envolvido com algum feitiço secreto.
Uma brisa suave trouxe o som de vozes distantes aos ouvidos dele.
Olhando para a frente, ficou surpreso por ver o templo da Academia
imponente à sua frente, a menos de um quilômetro. Preso nas próprias
ruminações filosóficas, ele não reparara no quanto andara. Estava perto o
bastante para ver pequenas figuras movendo-se na base dos prédios: servos,
ou talvez um punhado de alunos da Academia zanzando pelos campos
circundantes. Um deles o notou se aproximando e correu de volta para
dentro, provavelmente com o intuito de levar a notícia do retorno de Bane a
Qordis e aos demais mestres.
Bane não sabia exatamente que tipo de recepção lhe dariam. Na verdade,
não se importava, contanto que lhe trouxessem comida. Não tinham mais
serventia alguma para ele além dessa. Desprezava todos: mestres e
aprendizes. Não eram nada melhores do que os Jedi que saquearam Korriban
três milênios antes. A Academia era uma abominação, um testemunho do
quanto os Sith tinham decaído dos verdadeiros ideais do lado sombrio.
Somente Bane entendia isso. Somente ele via a verdade. E somente ele
podia levar os Sith de volta ao caminho do lado sombrio.
Não seria tolo de dizer isso em voz alta, claro. A Irmandade jamais o
seguiria; nem Qordis, nem qualquer outro da Academia. Embora fracos e
ignorantes, ainda podiam sobrepujá-lo pela vantagem de número. Se Bane
quisesse devolver aos Sith a verdadeira glória, precisaria de um aliado.
Nenhum dos mestres: eram todos próximos demais de Kaan. E os
aprendizes não passavam de servos rastejantes, seguindo os mestres às
cegas. Não entendiam verdadeiramente o lado sombrio. Não sentiam que
eram guiados num caminho falso. Nenhum deles tinha valor.
Não, Bane corrigiu-se. Um tinha. Githany.
Não era intimidada pelos mestres. Desafiara-os para treinar Bane. O fato
de a moça tê-lo feito apenas por motivos egoístas oferecia prova adicional
de que ela entendia a verdadeira natureza do lado sombrio.
Ele desejou ter falado com ela antes de deixar a Academia. Poderia ter,
pelo menos, tentado explicar por que precisara partir. Githany ficara
desapontada com ele por deixar Sirak sobreviver. E com razão. Mas, no fim
das contas, foi Bane quem deu as costas a ela. Foi ele quem a deixou para
trás a fim de ir pesquisar os segredos escondidos de Korriban. O que mais
ela poderia achar dele agora?
Ao chegar à fronteira do terreno do templo, o perfume da refeição do
meio-dia preparada na cozinha vagou até ele, afugentando-lhe todos os
outros pensamentos da mente. De boca aguada e estômago aos roncos, ele
subiu mancando os degraus na direção do alimento cada vez mais próximo.

A notícia de que Bane retornara não foi bem recebida por Qordis. O
momento não poderia ser pior. Lorde Kaan acabara de mandar uma
mensagem urgente: todos da Academia deveriam ir até Ruusan para juntar-se
ao combate contra os Jedi. Os aprendizes todos deveriam receber sabres de
luz e assentos na Irmandade da Escuridão, sendo elevados ao nível de
senhores sombrios dos Sith.
Não seria nada interessante que um de seus alunos mais poderosos tivesse
uma atitude tão desafiadora quanto a de Bane na última reunião. Seria pior
ainda se Bane desprezasse a oferta e seguisse seu próprio caminho,
desobedecendo à ordem de ir a Ruusan. Lorde Kaan conseguira manter a
Irmandade unida, mas era uma aliança sempre à beira de desintegrar. Perante
o fracasso repetido na tarefa de expulsar os Jedi de Ruusan, a recusa de um
Sith proeminente de unir-se às linhas podia ser o suficiente para fazer tudo
se despedaçar.
Uma deserção seria capaz de levar a outras, e as coisas voltariam a um
estado de caos: Sith enfrentando Sith; os diversos senhores sombrios
querendo dominar e destruir seus rivais. Os Jedi sobreviveriam e
reconstruiriam sua Ordem, rindo o tempo todo da tolice de seus inimigos
mortais.
Se ao menos Bane tivesse perecido no deserto de Korriban! Infelizmente,
ele retornara, e Qordis não podia fazer nada para eliminá-lo. Não depois da
ordem de Kaan. Precisavam de cada sabre de luz e de cada Sith,
principalmente um tão forte quanto Bane. Pelo bem da Irmandade – pelo bem
da gloriosa visão de lorde Kaan –, Qordis precisaria encontrar um jeito de
fazer as pazes.

A notícia do retorno de Bane se espalhou rapidamente por toda a


Academia. Sirak não ficou surpreso. No mínimo, aliviado. Quando o mestre
Qordis informou aos alunos que em pouco tempo eles seriam mandados para
Ruusan, teve receio de que partiriam antes de Bane retornar, impedindo o
Zabrak de se vingar.
Contudo, a sorte lhe sorria, mas ele teria de agir rápido. Quando
deixassem Korriban, seria tarde demais. Lorde Kaan forçaria todos os
aprendizes a fazer juramentos de lealdade e fidelidade uns para com os
outros quando entrassem para a Irmandade. Matar o inimigo depois disso
seria um ato de traição com punição de morte. Ele queria vingança, mas não
a custo da própria vida.
Sabia que Yevra e Llokay o ajudariam, mas precisava de mais do que eles
para destruir um inimigo forte como Bane. Precisava de Githany.
Sirak bateu à porta do quarto dela, depois esperou que a moça o mandasse
entrar.
Ela estava deitada na cama, parecendo calma e relaxada. Em contraste, o
Zabrak sentia-se tenso como um fio esticado além do limite.
– Ele voltou – foi tudo que disse.
– Quando? – Githany nem precisou perguntar sobre quem ele estava
falando.
– Entrou cambaleando faz uma hora. Talvez menos. Foi direto para a
cozinha.
– Cozinha? – pareceu surpresa. Ou ofendida. Sem dúvida, esperava que
Bane viesse primeiro até ela.
– Ele está vulnerável – Sirak apontou, baixando a mão para o cabo de seu
recém-adquirido sabre de luz. – Faminto. Exausto. Devíamos atacar agora.
– Não seja tolo – ela ralhou. – O que acha que os mestres fariam conosco
se fôssemos lá cortar a cabeça dele na cozinha?
Ela estava certa.
– Você tem um plano?
Ela assentiu.
– Hoje à noite. Me espere nos arquivos. Vou levá-lo até lá pra você.
– Vou levar Yevra e Llokay.
Uma careta azeda surgiu no rosto de Githany.
– Acho que vamos precisar deles – concordou, não se esforçando para
esconder o desgosto.
A boca de Sirak torceu-se num sorriso cruel.
– Só peço mais uma coisa. Deixe-me dar o golpe final.

Bane desabou na cama, a barriga cheia quase a ponto de explodir.


Devorara a comida na cozinha, rasgando-a com as maneiras de um soldado
gamorreano no cocho dos alojamentos. Enfiou para dentro tudo que viu pela
frente até sua fome voraz ser saciada. Foi somente então que se deu conta de
que não dormia fazia quase duas semanas.
A fome cedeu lugar à exaustão, e ele vagou da cozinha para o quarto num
transe. Em questão de segundos, pegou no sono, um sono sem sonhos.
Acordou muitas horas depois com alguém batendo à porta. Ainda grogue,
forçou-se a ficar de pé, acendeu a luz e abriu a porta.
Era Qordis quem se encontrava ali no corredor. O mestre entrou sem
cerimônia nem convite, fechando a porta ao passar. Bane estava ocupado
demais tentando livrar-se dos últimos vestígios de sono para protestar.
– Bem-vindo, Bane – disse o mestre. – Imagino que sua jornada foi…
educativa.
Desconfiado do tom cordial de Qordis, Bane apenas assentiu.
– Espero que entenda agora por que deixei você ir – falou Qordis.
Porque foi covarde demais para tentar me impedir, Bane pensou, mas
não disse em voz alta.
– Essa foi a fase final do seu treinamento – continuou o mestre. – Você
tinha de entender por que abandonamos as tradições. Esta é uma nova era, e
você somente entenderia isso quando visse que a era antiga se foi para
sempre.
Bane manteve um silêncio estoico, sem concordar com Qordis, mas sem
vontade de argumentar.
– Agora que você aprendeu sua última lição, a Academia não tem mais
nada a lhe ensinar. – Nesse ponto, pelo menos, os dois concordavam
totalmente. – Você não é mais um aprendiz, Bane. Está preparado para
juntar-se aos mestres. Você é agora um senhor sombrio dos Sith.
Ele fez uma pausa, como se esperasse algum tipo de reação. Bane
permaneceu parado feito as estátuas de pedra que vira guardando as tumbas
dos antigos Sith em algumas das criptas mais antigas.
Qordis pigarreou, quebrando o incômodo silêncio.
– Sei que lorde Kas’im já lhe deu um sabre de luz. Eu também tenho um
presente para você. – Ele estendeu a mão, mostrando, na palma, um cristal
de sabre de luz.
Como Bane hesitou, Qordis tornou a falar.
– Pegue, lorde Bane. – Ele pôs ênfase especial no novo título. Soou
amargo aos ouvidos de Bane: uma honra vazia entregue por um tolo que se
considerava um mestre. Porém, como o outro voltou a falar, não disse nada.
– Este cristal sintético é mais forte que o que alimenta o seu sabre de luz
agora – Qordis garantiu. – E é muito, muito mais forte que os cristais
naturais que os Jedi usam nas próprias armas.
Movendo-se lentamente, Bane estendeu a mão e pegou o cristal. Ao
primeiro toque, a sensação foi de frio, mas, ao envolver com os dedos o
cristal de seis lados, ele logo começou a aquecer.
– Seu retorno do deserto não poderia ter ocorrido em melhor momento –
continuou Qordis. – Estamos nos preparando para deixar Korriban. Lorde
Kaan precisa de nós em Ruusan. Todos os Sith devem se unir à Irmandade da
Escuridão se quisermos destruir os Jedi.
– A Irmandade vai fracassar – afirmou Bane, declarando ousadamente o
que sabia ser a verdade apenas por ter certeza de que o outro não
acreditaria. – Kaan não entende o lado sombrio. Está liderando vocês para o
caminho da ruína.
Qordis respirou profunda e rapidamente, depois exalou o ar num sibilo
irritado.
– Alguns poderiam considerar uma fala dessas como traição, lorde Bane.
Você faria bem de guardar para si esse tipo de ideia no futuro.
Ele deu meia-volta e marchou bravo até a porta, que abriu com ímpeto. A
reação exata que Bane esperava.
O alto mestre girou para encarar Bane mais uma vez.
– Você pode ser um senhor sombrio agora, Bane, mas ainda há muito sobre
o lado sombrio que você não entende. Una-se à Irmandade e podemos
ensinar o que sabemos. Se nos rejeitar, nunca encontrará o que procura.
O mestre virou-se e foi embora; Bane ficou observando em silêncio a
porta se fechar à sua frente. Qordis estava errado com relação à Irmandade,
mas certo sobre uma coisa: ainda havia muito do lado sombrio que Bane
precisava entender.
E havia um único lugar na galáxia no qual ele poderia aprender.
20

BANE RASTEJOU DE VOLTA PARA A CAMA DEPOIS QUE QORDIS SE FOI. Pensou em ir
ver Githany, mas ainda se sentia exausto. Amanhã, pensou ele, adormecendo
mais uma vez.
Muitas horas mais tarde, o rapaz foi novamente perturbado por alguém
batendo à sua porta. Dessa vez, sentiu-se mais renovado quando acordou.
Sentou-se rapidamente e acendeu a luz, lançando um brilho suave por todo o
quarto. Não havia janelas no cômodo, mas ele supôs que devia ser quase
meia-noite: bem depois do toque de recolher.
Bane levantou-se e foi receber a segunda visita inesperada. Dessa vez,
não se decepcionou quando abriu a porta.
– Posso entrar? – Githany sussurrou.
Bane abriu caminho, sentindo o cheiro do perfume da moça quando ela
passou. Enquanto ele fechava a porta em silêncio, ela foi até a cama e se
sentou na beirada. Githany deu um tapinha no espaço ao lado e Bane sentou-
se, obediente, virando-se um pouco para olhá-la nos olhos.
– Por que veio aqui? – perguntou ele.
– Por que você foi embora? – ela devolveu.
– É… difícil explicar. Você tinha razão com relação ao que aconteceu com
Sirak. Eu devia ter acabado com ele, mas não o fiz. Fui bobo e fraco. Não
queria admitir para você.
– Você deixou a Academia para não precisar me encarar? – Essas
palavras soaram compassivas, como se ela procurasse compreendê-lo. Mas
Bane sentia o desprezo misturado nelas.
– Não – ele explicou. – Não parti por sua causa, mas, sim, porque você
foi a única que reconheceu a minha falha. Todos os outros me parabenizaram
pela grande vitória: Kas’im, Qordis… todo mundo. Não enxergam a
verdadeira natureza do lado sombrio. Tão cegos quanto eu, até abrir os
olhos. Parti porque a Academia não tinha nada mais a me oferecer. Fui até o
Vale dos Senhores Sombrios na esperança de encontrar respostas que não
encontrei aqui.
– E não te passou pela cabeça vir me dizer isso?
A voz dela mudara; o véu de falsa compaixão se fora. Agora ela soara
apenas brava. Brava e magoada. Bane sentiu-se aliviado por Githany ainda
ter sentimentos fortes o bastante para revelar certa emoção genuína.
– Eu devia ter ido falar com você – ele admitiu. – Agi sem pensar. Deixei
a raiva de Qordis me guiar.
Githany assentiu: paixão e atitudes imprudentes eram duas coisas com que
ela se identificava.
– Eu respondi à sua pergunta – disse Bane. – Agora responda à minha. Por
que veio aqui?
Ela hesitou, mordendo suavemente o lábio inferior. Bane reconheceu o
gesto despercebido; significava que ela estava absorta em pensamentos,
tentando encontrar o que dizer.
– Aqui não – disse, por fim, levantando-se rapidamente da cama. –
Preciso te mostrar uma coisa. Nos arquivos.
Sem olhar para trás a fim de verificar se ele a acompanhava, Githany saiu
do quarto em direção ao corredor mal-iluminado, às pressas. Bane levantou-
se rapidamente e trotou atrás da moça, na tentativa de alcançá-la.
Ela olhava apenas para a frente, fazendo um barulho seco com as botas a
cada passada em que elas raspavam no piso de pedra. O som ecoava pelos
corredores vazios, mas Githany não parecia se importar. Bane percebia que
algo a incomodava, mas não tinha ideia do que fosse.
Encontraram a porta dos arquivos aberta. Githany não pareceu surpresa;
ela passou sem hesitar. Bane parou apenas por um instante antes de segui-la.
Do outro lado da sala, além das fileiras de estantes, a moça parou e virou-
se para Bane. Havia uma expressão que ele não conseguia decifrar muito
bem naqueles traços altivos, porém belos.
Ele foi até o centro da sala, mas parou quando ela ergueu a mão e
mostrou-lhe a palma.
– Githany – disse ele, perplexo –, o que está aconte…?
As palavras dele foram cortadas pelo baque oco da porta dos arquivos
fechando-se com força atrás dele. Bane virou-se e viu Sirak, com Yevra e
Llokay do lado. Os lábios amarelo-pálidos do Zabrak estavam repuxados
num sorriso cruel tão amplo que lhe conferia a aparência de uma caveira
diabólica. Bane não pôde deixar de notar os punhos dos sabres de luz presos
nos cintos de todos eles.
Quando Githany falou atrás dele, Bane precisou resistir ao impulso de
virar-se para vê-la. Não seria sensato expor as costas para o trio de Zabraks.
– Por que me seguiu, Bane? – ela perguntou num tom de voz que misturava
raiva, desgosto e arrependimento. – Como pôde ser tão burro? Não reparou
que era uma cilada?
Githany o traíra. A conversa no quarto representara apenas um teste – no
qual ele falhara. Bane a conhecia bem o suficiente para esperar algo desse
tipo. Devia ter suspeitado de uma cilada. Porém, fora tolo e obediente e
cego.
Sabia que tinha atraído a situação sobre si. E agora precisava dar um jeito
de escapar.
– É isso que você quer, Githany? – ele perguntou, tentando ganhar tempo.
– Ela quer o que todos os Sith querem – Sirak respondeu por ela. – Poder.
Vitória. Ela sabe que deve se juntar aos mais fortes.
– Sou mais forte que ele – Bane disse a Githany. – Provei isso no ringue.
– Proeza física não resume força – Sirak retrucou, acionando o sabre de
luz. Era do tipo de duas pontas. Os olhos de Bane se voltaram para as
brilhantes lâminas vermelhas, e ele apenas ouviu o sibilar quando os outros
dois Zabraks fizeram o mesmo. Githany, contudo, ainda não ligara seu
chicote. – O poder é mais do que apenas a habilidade de usar a Força –
Sirak prosseguiu, começando a avançar. – É inteligência. Astúcia.
Crueldade.
– Sabe como foi fácil derrotá-lo no ringue – Bane disse, por fim se
dirigindo diretamente a Sirak, embora suas palavras ainda fossem para
Githany. – Tem tanta certeza de que pode me derrotar agora?
– Quatro contra um, Bane. E você deixou seu sabre de luz no quarto.
Gosto do cenário.
Bane riu e deu as costas para Sirak. O Zabrak estava perto o bastante para
saltar e matar seu oponente com um único golpe, mas este apostava que ele
se conteria, com receio de ser atraído para uma armadilha. Aposta perigosa,
mas ele quis olhar diretamente nos olhos de Githany ao pronunciar o que
poderiam ser suas últimas palavras.
– Esse tolo acredita mesmo que você me trouxe aqui por causa dele –
disse Bane. Atrás de si, pôde sentir a confusão e a dúvida de Sirak. Nada de
ataque ainda.
Githany encontrou os olhos dele com um olhar frio e firme, e não
respondeu. Seus dentes, entretanto, mordiscavam o lábio inferior.
– Nós dois sabemos por que você me trouxe aqui, Githany – disse ele,
falando rápido. Sirak não ia esperar por muito tempo. – Você não quer se
aliar a Sirak. Ficou planejando um jeito de eu matá-lo desde que chegou.
– Chega! – Sirak gritou.
Bane jogou-se para a frente, saindo do caminho no último segundo antes
de o sabre de luz duplo abrir uma fenda profunda no ponto que ele ocupava.
Ao se levantar, viu Githany agir; quando ela jogou o sabre de luz dele, Bane
já estendia a mão e usava a Força com o intuito de guiar o cabo para si.
A arma brilhou, ganhando vida, e Bane se virou a tempo de bloquear o
golpe de Sirak. Yevra e Llokay estavam poucos metros atrás, avançando para
unir-se à briga.
Bane contra-atacou, mirando as pernas de Sirak. O Zabrak defendeu-se do
golpe, e as lâminas colidiram com um zunido ardente. Em sua consciência,
Bane ouviu Githany acionando o chicote.
Um ataque rápido fez Sirak recuar. Bane fingiu que ia avançar, mas deu um
passo para trás, abrindo um metro inteiro de espaço entre os dois. Isso lhe
conferiu tempo suficiente para jogar o braço para o lado de Yevra, pegando-
a desprevenida. Agarrada pela Força, ela foi arremessada contra uma das
estantes próximas com tanta velocidade que partiu a madeira.
A Zabrak foi ao chão, atordoada. Antes que pudesse se levantar, Githany
açoitou-a com o chicote, pondo fim à vida dela.
Bane mal teve tempo de registrar a morte antes de ver Llokay avançando
sobre si. Embora em desvantagem, a dor e a raiva motivavam o Zabrak de
pele vermelha, e ele fez seu oponente bem maior recuar por meio de uma
série brutal de ataques e golpes desesperados.
Cambaleando para trás, Bane quase se distraiu demais para notar Sirak
soltando um disparo de relâmpago azul crepitante contra ele. No último
segundo, ele girou e pegou o raio possivelmente letal com a lâmina do sabre
de luz, absorvendo sua energia. Fora um movimento de instinto, o único
recurso, e o deixara vulnerável a um ataque rápido de Llokay. Contudo, o
chicote de Githany açoitava e castigava os olhos e o rosto de Llokay, e sua
lâmina defendia-o dos golpes freneticamente.
Bane voltou sua atenção a Sirak, que hesitava. Nesse momento, Llokay
soltou um grito: um equívoco quanto ao movimento errático do chicote de
energia de Githany lhe custara um olho. Um segundo grito teria ocorrido, mas
ela abriu a garganta do Zabrak, cauterizando-lhe as cordas vocais com a
ponta ardente do chicote, o que o fez morrer em agonizante silêncio.
Em desvantagem, Sirak apagou o sabre de luz, largou-o no chão e caiu de
joelhos.
– Por favor, Bane – ele implorou, a voz falhando. – Eu me rendo. Você é
um verdadeiro senhor sombrio. Sei disso agora.
Githany sussurrou:
– Acabe com ele, Bane.
Bane avançou até ficar quase em cima de seu rastejante oponente.
Subitamente, não era apenas Sirak que ele via à sua frente, mas todos que ele
derrubara até ali. Cada vida que tomara. Fohargh, o Makurth. O soldado sem
nome da república que ele matara em Apatros. Seu pai.
Era responsável por essas mortes. Mesmo ali, constituíam um peso em
suas costas. A culpa pela morte de Fohargh o deixara insensível ao lado
sombrio por meses. Acorrentara-o como grilhões de ferro. Ele não queria
passar por tudo de novo.
– Me escute – Sirak implorou. – Posso servi-lo. Faço tudo o que mandar.
Pode me usar. Sou capaz de ajudá-lo. Por favor, Bane… misericórdia!
Bane fortificou-se.
– Os que pedem por misericórdia – ele respondeu, friamente – são fracos
demais para merecê-la.
Sua espada decapitou o oponente sem esperanças. O tronco permaneceu
de pé por um segundo inteiro, com a superfície cauterizada do toco onde
antes estivera a cabeça soltando fumaça. Em seguida, ele tombou para a
frente.
Fitando aquele corpo caído, Bane contemplou apenas uma coisa:
liberdade. A culpa, a vergonha, o peso da responsabilidade, tudo isso
desapareceu nesse único e decisivo ato. Ele se abrira totalmente ao lado
sombrio. A energia o perpassava, enchendo-o de confiança e poder.
Por meio do poder, ganho a vitória. Por meio da vitória, minhas
correntes se rompem.
Ele se virou e viu Githany sorrindo, os olhos repletos de raiva.
– Eu, mais do que ninguém, não devia nunca ter te subestimado – disse
ela. – Você me viu pegar seu sabre de luz! Foi por isso que me seguiu.
– Não – Bane respondeu, ainda zonzo pela adrenalina de matar o inimigo.
– Não vi nada. Só adivinhei.
Por um breve momento, a moça ficou muito séria, mas logo explodiu em
riso.
– Você nunca para de me surpreender, lorde Bane.
– Não me chame assim.
– Por que não? Qordis concedeu a todos os alunos o título de senhor
sombrio dos Sith.
Vendo-o retrair-se, ela deu um passo à frente e envolveu-lhe o pescoço
com os braços, olhando-o no rosto.
– Bane – ela sussurrou –, vamos enfrentar os Jedi! Vamos nos juntar à
Irmandade da Escuridão de Kaan!
Ele ergueu os braços e pegou as mãos delicadas de Githany com as suas,
imensas, gentilmente desatando os braços dela do pescoço. Intrigada, ela não
ofereceu resistência quando ele juntou as mãos no peito, com as dela no
meio.
Como ele poderia fazê-la entender? Ele passara para o lado sombrio; a
execução de Sirak constituiu o passo final. Cruzara uma fronteira; não havia
retorno. Ele nunca mais hesitaria. Nunca mais duvidaria. A transformação
que começara quando viera para a Academia se concluíra: ele era um Sith.
Ali, mais do que nunca, ele compreendia as falhas da Irmandade.
– Kaan é um tolo, Githany – disse ele, fitando-a intensamente nos olhos
para ler o que transmitiam.
Ela se retraiu um pouco e tentou livrar as mãos, mas Bane as segurou com
mais força.
– Você nunca nem viu o lorde Kaan – disse ela, na defensiva. – Eu já. É
um grande homem, Bane. Um homem de visão.
– É tão cego quanto uma lesma de caverna orkelliana – insistiu Bane. – A
Irmandade da Escuridão, esta Academia, tudo que os Sith se tornaram é um
monumento à ignorância dele! – Bane apertou ainda mais as mãos dela. –
Venha comigo. Não nos resta mais nada em Korriban, e só a morte em
Ruusan. Mas sei outro lugar ao qual podemos ir. Um lugar onde o lado
sombrio ainda é forte.
Githany conseguiu livrar as mãos e afastou-se dele.
– Lorde Kaan juntou os Sith numa causa única e gloriosa. Podemos nos
juntar a eles em Ruusan.
– Então vá! – Bane soltou. – Junte-se aos outros em Ruusan. Una-se a eles
na derrota.
Muito bravo, ele se virou e saiu andando, enquanto a moça pedia a ele que
esperasse.
Se ela tivesse se movido um pouco que fosse para segui-lo, talvez Bane
até esperasse.

Bane abriu com um chute a porta do quarto de Qordis; ela bateu na parede
com um baque que reverberou pelo corredor. O mestre da Academia estava
de pé e já vestido, meditando no tapete no centro do quarto. Levantou-se num
salto, a raiva escurecendo-lhe o rosto.
– O que significa isso?
– Você mandou Sirak me matar? – Bane ralhou. Já passara o tempo da
sutileza.
– O quê? Eu… aconteceu alguma coisa com Sirak?
– Eu o matei. Yevra e Llokay também. Os corpos estão nos arquivos.
O choque e o horror na reação do mestre deixaram claro que Qordis não
sabia nada sobre o ataque.
– E você faz isso na véspera de nossa partida para Ruusan? – perguntou
ele, erguendo a voz esganiçada.
Alguns dos outros mestres haviam se juntado no corredor, do lado de fora,
atraídos pela chegada barulhenta de Bane. Um punhado de alunos também.
Bane não dava a mínima.
– Pode ir para Ruusan – cuspiu ele. – Não vou ter mais relação alguma
com a Irmandade da Escuridão.
– Você é aluno desta Academia – Qordis o lembrou. – Deve fazer o que te
mandam!
– Sou um senhor sombrio dos Sith – Bane contrapôs. – Não sirvo a
ninguém além de mim mesmo.
Vendo, atrás de Bane, o grupinho de curiosos que se reunira, Qordis
baixou a voz para um sussurrar ameaçador.
– Partiremos para Ruusan amanhã, lorde Bane. Você vem conosco. A
discussão está encerrada.
– Partirei hoje mesmo – Bane retrucou, baixando a voz para não apenas se
igualar, mas também para zombar da entonação de Qordis. – E ninguém aqui
é forte o bastante para me impedir.
Ele deu as costas para o chefe da Academia e caminhou lentamente para
fora do quarto. Por um breve segundo, sentiu o desprezado mestre reunindo a
Força, então se preparou para um confronto. Um segundo depois, porém,
sentiu o poder dissipando-se.
Na porta, ele parou. Quando falou, dirigia-se tanto ao grupo boquiaberto
quanto a Qordis.
– Alguém aqui me disse certa vez que o título de Darth não era mais
usado porque gerava rivalidade entre os Sith. Dava aos Jedi alvos fáceis.
Acharam mais fácil simplesmente abandonar a tradição. Fazer todos os
mestres Sith usarem o mesmo título, de senhor sombrio. – Ele ergueu um
pouco a voz, falando alto o bastante para todos escutarem. – Mas eu sei a
verdade, Qordis. Sei por que nenhum de vocês reivindica esse título. Medo.
São covardes. – Ele se virou para o mestre. – Ninguém da Irmandade é digno
do título. Você, principalmente.
O grupo soltou uma exclamação. Alguns dos alunos recuaram, esperando
alguma reação. Obviamente nada aconteceu.
Balançando a cabeça de desgosto, Bane os deixou ali. Quando passou
pelos outros mestres, Kas’im parou na frente dele, colocando-lhe a mão no
peito.
– Não vá – disse o mestre espadachim. – Vamos conversar. Se você
conhecer Kaan, vai entender. É tudo que peço, Bane.
– É Darth Bane – disse, afastando com violência a mão do Twi’lek e
passando por ele.
Ninguém mais tentou impedir o caminhar de Bane pelos corredores do
templo. Ninguém tentou segui-lo, nem o chamou quando ele subiu as escadas
que levavam à pequena área de pouso da cobertura.
Havia apenas uma nave no espaçoporto: a Valcyn, um cruzador pessoal de
longo alcance classe T. O veículo em forma de espada constituía um dos
mais requintados da frota dos Sith, equipado com a tecnologia mais
avançada. Chegara no dia anterior: presente de Kaan para Qordis, em
reconhecimento ao trabalho com os aprendizes da Academia.
Bane baixou a escotilha de acesso e entrou. Nos tempos de militar ele
recebera treinamento rudimentar quanto ao básico de se pilotar um veículo
padrão hiperespacial. Felizmente, os controles da Valcyn batiam com os
padrões intergalácticos de operação e foram projetados para fácil utilização.
Bane se sentou na cadeira do piloto e acionou os motores, digitando as
coordenadas hiperespaciais de seu destino enquanto iniciava a sequência de
decolagem. Um momento depois, a Valcyn ergueu-se da área de pouso e
disparou para a atmosfera, deixando Korriban e a Academia para trás.
PARTE TRÊS
21

LORDE HOTH, MESTRE JEDI E GENERAL DAS FORÇAS DA REPÚBLICA em Ruusan,


estava sentado num toco ao lado de sua barraca, vendo as nuvens escuras
que pairavam sobre o acampamento. Ele olhou feio para o céu soturno como
se capaz de banir a tempestade iminente com a ferocidade de sua expressão.
– Algum problema, lorde Hoth?
A voz do mestre Pernicar, seu amigo de muitos anos e braço direito
durante aquela campanha interminável, trouxe de volta a atenção do general
para onde ela deveria estar.
– O que não é problema, Pernicar? – perguntou soltando um suspiro
demorado. – A comida e os medicamentos estão acabando. Temos mais
feridos que sãos. Os batedores informaram que há reforços a caminho para
ajudar Kaan e seus Sith. – Ele bateu a mão num dos joelhos. – Tudo o que
temos vindo para nos ajudar são jovens e crianças.
– Crianças poderosas na Força – Pernicar lembrou-o. – Se não os
recrutarmos para o nosso lado, os Sith vão reivindicá-los para si.
– Raios, Pernicar, são só crianças! Preciso de Jedi. Totalmente treinados.
Todos que conseguirmos. Mas ainda há membros da nossa Ordem que se
recusam a nos ajudar.
– Talvez seja o jeito como você lhes pede – disse uma nova voz atrás
dele.
Hoth esfregou as têmporas, mas não se virou para ver quem falava. Lorde
Valenthyne Farfalla fora um dos primeiros mestres Jedi a unir-se ao Exército
da Luz em Ruusan. Lutara em quase todos os confrontos, e os Sith acabaram
conhecendo-o muito bem: era difícil não notar Farfalla, até mesmo no caos
da batalha.
Exibia cachos compridos e viçosos de cabelos dourados que se
penduravam até abaixo dos ombros. A placa de sua armadura era dourada
também, desbastada e polida até brilhar antes de cada combate. Adornada
não apenas por mangas de um vermelho-vivo, mas também por rubis que
combinavam com a cor de seus olhos, em contraste com a pele clara.
Lorde Hoth o considerava insuportável. Embora Farfalla fosse um servo
leal da luz, era também um tolo vaidoso e fútil que passava mais tempo
escolhendo o que ia vestir antes de cada batalha do que planejando a
estratégia. Farfalla era a última pessoa com quem Hoth queria lidar naquele
momento.
– Se você possuísse mais tato, lorde Hoth – continuou Farfalla,
aparecendo na frente do general –, talvez traria mais Jedi para a nossa causa.
– O certo seria não precisar persuadi-los! – Hoth rosnou, levantando-se
num pulo, brandindo os braços em desespero. Farfalla deu um pequeno pulo
para abrir caminho. – Estamos combatendo os Sith! O lado sombrio tem de
ser destruído! Conseguiríamos se mais Jedi estivessem aqui!
– Alguns deles não pensam do mesmo jeito – Pernicar afirmou
calmamente. Acostumara-se às explosões de Hoth durante o tempo que
passaram juntos em Ruusan e aprendera, quase sempre, a ignorá-las.
– Além deste, há outros planetas da República sob ataque – Farfalla se
intrometeu. – Muitos Jedi estão ajudando as tropas da República em outros
setores, ajudando a combater frotas dos Sith.
Hoth cuspiu no chão e sentiu-se satisfeito com a horrorizada cara de nojo
que Farfalla fez.
– Essas frotas podem portar a bandeira dos Sith, mas são compostas por
seres comuns. A República possui contingente para contê-los. Não precisa
da ajuda dos Jedi para isso. Todos os Sith de verdade, os senhores
sombrios, estão aqui agora. Se derrotarmos a Irmandade da Escuridão, a
rebelião Sith será arruinada. Ninguém entende isso?
Houve um longo silêncio, durante o qual os outros dois trocaram olhares
angustiados. Pernicar finalmente teve coragem para responder.
– Alguns Jedi acham que não devíamos estar aqui. Sentem que a única
coisa que mantém a Irmandade coesa é o ódio que nutre pelo Exército da
Luz. Eles alegam que, se debandarmos e entregarmos Ruusan, os Sith logo
vão se virar uns contra os outros, e a Irmandade vai se desfazer.
Hoth balançou a cabeça, descrente.
– Eles não enxergam a grande oportunidade que temos aqui? Podemos
aniquilar os seguidores do lado sombrio de uma vez por todas!
– Alguns podem alegar que talvez não seja esse o propósito da nossa
Ordem – Farfalla sugeriu gentilmente. – Os Jedi são defensores da
República. Acreditam que o Exército da Luz está prolongando a rebelião,
incentivando o ímpeto dos Sith. Dizem que você está, na verdade, fazendo
mal à República que jurou defender.
– É isso que você acha? – Hoth rosnou.
– Lorde Farfalla está conosco desde o início – Pernicar lembrou o
general. – Apenas reproduz o que os outros andam dizendo… os Jedi que
não vieram para Ruusan.
– Os Sith vão receber reforços de Korriban – resmungou Hoth. – Nós
quase não temos contingente para contê-los agora. Preciso fazer os outros
entenderem!
– Nós provavelmente teríamos mais sucesso se outra pessoa os abordasse
– disse Farfalla. – Alguns acreditam que isso aqui se tornou uma vingança
pessoal sua. Não enxergam Ruusan como a luta mais importante entre luz e
sombra, mas sim como uma rixa entre você e lorde Kaan.
Hoth sentou-se, cansado.
– Então é o nosso fim. Sem reforços, seremos assolados.
Farfalla agachou ao lado do general, pousando uma mão muito bem
cuidada e extremamente perfumada no ombro robusto dele. Foi preciso cada
grama da disciplina Jedi de Hoth para ele não repelir o outro.
– Deixe que eu fale, meu senhor – Farfalla disse humildemente. – Estou
aqui desde o início; acredito nesta causa tanto quanto você.
– Por que eles darão mais ouvidos a você do que a mim?
Farfalla soltou uma risada alta e escandalosa que fez Hoth ranger os
dentes.
– Meu senhor, apesar de toda sua habilidade no combate e poder na Força,
falta-lhe um pouco da delicada arte da diplomacia. É um general brilhante e
sua natureza taciturna funciona muito bem na hora de dar ordens às tropas.
Infelizmente, pode deixar ainda mais incomodados aqueles que não estão sob
o seu comando.
– Você é muito brusco, meu senhor – Pernicar esclareceu.
– Foi isso que eu quis dizer – Farfalla insistiu, com uma leve pontada de
irritação. Depois continuou: – Por outro lado, as pessoas me acham
divertido e charmoso. Posso ser bem persuasivo quando necessário. Deixe
que eu parta a fim de recrutar outros para a nossa causa e retornarei com
cem… não, trezentos Jedi prontos para se unir ao Exército da Luz!
Hoth largou a cabeça nas mãos mais uma vez. Suas têmporas pulsavam:
Farfalla parecia sempre capaz de causar esse efeito nele.
– Vá – ele murmurou, sem olhar para a frente. – Se tem tanta certeza de
que consegue me trazer reforços, então traga.
Farfalla fez uma reverência extravagante, depois se virou com grande
floreio e saiu, com os cachos dourados balançando nas costas pelo vento
crescente da tempestade que se anunciava.
Assim que estava longe demais para ouvir, Pernicar tornou a falar.
– Acha isso uma boa ideia, meu senhor? Já estamos com pouco
contingente. Quanto tempo acha que aguentaremos ficar sem ele?
A chuva começou a cair em gotas grandes e pesadas, e uma ideia brotou
na mente de Hoth.
– Os Sith não podem nos derrotar se não aparecermos para lutar – disse. –
Não vamos dar-lhes chance. A estação das chuvas chegou; elas vão tornar
impossível aos rastreadores deles nos encontrar. Vamos nos esconder na
floresta, assolando-os com ataques rápidos e emboscadas antes que
desapareçam entre as árvores.
– Essa estratégia não vai funcionar quando chegar a estação da seca –
avisou Pernicar.
– Se Farfalla não tiver trazido reforços até lá, não fará diferença – Hoth
respondeu.

Os cinco entrelopos – naves de transportes pequenas, de médio alcance,


usadas pelos Sith para transportar tropas – desceram suavemente pelo
horizonte de Ruusan. Cada veículo carregava uma equipe de dez, formada
inteiramente por alunos e mestres que tinham deixado a Academia de
Korriban.
Na nave líder, Githany trabalhava nos controles com a calma precisão de
um piloto muito bem treinado. Aprendera, na verdade, a voar em um veículo
da República, mas o princípio era o mesmo.
Os entrelopos eram mais leves e rápidos que os transportes bivaques
preferidos pela República. Tinham menos blindagem, sacrificando a
segurança dos ocupantes lá dentro em troca de maior alcance e facilidade de
manobrar. Como se quisesse demonstrar o fato, ela baixou o veículo com
tudo para pousar, aproximando-o tanto da superfície do planeta que as folhas
das árvores da imensa floresta de Ruusan ficaram tremendo com o rastro da
propulsão iônica.
Os outros veículos fizeram o mesmo, jamais rompendo a formação.
Ligados a Githany pela Força, os demais pilotos reagiam com sincronia
perfeita a cada movimento dela. Se a moça cometesse um erro, todo o
comboio tombaria. Mas Githany não cometia erros.
– Talvez seja mais seguro voar um pouco mais acima da linha das copas –
lorde Qordis observou de seu lugar, ao lado de Githany na cabine de
comando.
– Não quero que os Jedi captem nada nos monitores deles – ela explicou,
com a atenção focada em impedir que a nave batesse no oceano de árvores
poucos metros abaixo do casco. – A Irmandade não tem controle desta
região. Se um esquadrão de batedores nos vir, esses transportes não possuem
artilharia suficiente para contê-los.
Muito ao longe, meia dúzia de pequenos caças surgiram, e sua trajetória
os levaria em linha reta para interceptar o caminho dos entrelopos. Qordis
soltou um palavrão, e Githany preparou-se para começar a realizar manobras
evasivas.
Um segundo depois, ela reconheceu o contorno distinto de caças buzzard e
soltou um suspiro de alívio.
– Nossa escolta chegou – disse.
O comboio alcançaria o acampamento em poucos minutos e, com os
buzzards lá para afugentar qualquer caça Jedi que se intrometesse, não havia
necessidade de voar tão perigosamente perto do topo das árvores. Ela
poderia soltar um pouco a mão do leme a fim de levar a nave para uma
altitude mais segura.
Contudo, manteve o curso. Apreciava a emoção de estar a um ínfimo
passo de um fim instantâneo e explosivo. Pela postura rígida na cadeira do
copiloto, era claro que Qordis não sentia o mesmo.
Assim que passaram pela floresta, ela retomou a velocidade, baixando,
em seguida, a nave no limite do acampamento de lorde Kaan graciosamente.
Uma pequena quantidade de mestres Sith, com Kaan na dianteira, esperava
para receber os reforços que começavam a desembarcar. Embora apenas
cinquenta, cada um deles era um lorde Sith: mais poderoso do que toda uma
divisão de soldados.
Ao descer pela rampa de saída da nave, Githany logo entendeu por que a
presença deles fora tão urgentemente requisitada. Além da assembleia de
senhores sombrios, o restante do acampamento abria-se até os limites da
visão dela, e tudo o que a moça via era uma imagem de sombrio desespero.
Barracas rasgadas e dispostas em grupos de cinco abrigavam o contingente
do exército: domicílios de tecido manchado e rasgado pelo vento e pela
chuva. Espalhados entre eles, havia veículos repulsores, torres pesadas e
outros instrumentos de guerra. O equipamento encontrava-se coberto de lama
seca e manchas de ferrugem, como se os esforços para pôr em dia sua
manutenção tivessem sido abandonados.
As tropas espalhavam-se em pequenos grupos, aninhadas em torno de
fogueiras acesas dentro dos círculos de barracas. Uniformes cobertos de
poeira e lodo; muitos tinham bandagens sujas por cima dos ferimentos, os
quais não mais esperavam manter limpos e estéreis. Os rostos evidenciavam
as cicatrizes do sabor amargo de mais derrotas do que se podia suportar sob
as mãos do inimigo, e a expressão de desespero era o que causava o maior
impacto.
Lorde Qordis pareceu igualmente aturdido pela triste cena e fez uma
careta quando lorde Kaan se aproximou.
Kaan parecia mais magro, o rosto repuxado e dominado por rugas de
preocupação. Os cabelos, sujos e largados. A barba por fazer escurecia-lhe
o queixo, conferindo-lhe a expressão de velho e cansado. Parecia
fisicamente menor do que Githany se lembrava. Diminuto. Menos autoritário.
A faísca que tinha achado tão motivadora quando o conhecera não estava
mais lá. Os olhos, que um dia queimavam com o fogo de um homem
absolutamente confiante do sucesso iminente, agora ardiam de outra coisa.
Desespero. Loucura, talvez. Ela não conseguiu deixar de pensar que Bane
poderia estar certo.
– Bem-vindo, lorde Qordis – disse Kaan, pegando o braço do outro para
cumprimentá-lo. Ele o soltou e virou-se para os demais. – Bem-vindos,
todos vocês, a Ruusan.
– Não esperava ver seu exército nessa situação tão triste – murmurou
Qordis.
Uma expressão que lembrava raiva perpassou os traços de Kaan. Depois
se foi, trocada pela confiança reluzente de que Githany se lembrava. Ele
jogou os ombros para trás e tornou-se mais imponente.
– Não pode julgar a vitória na guerra sem ver a condição dos dois lados –
disse, brusco. – Os Jedi encontram-se em situação muito pior. Tenho
informação de que perderam muito mais guerreiros do que nós. Estão
ficando sem suprimentos; os soldados estão diminuindo. Temos
medicamentos, comida e maior contingente. E eles não contam com reforços
recém-chegados.
Ele ergueu a voz para que ela se espalhasse pelo acampamento e suas
palavras explodiram por toda a paisagem de barracas.
– Agora que estão aqui, a Irmandade da Escuridão está, finalmente,
completa!
As tropas do acampamento pararam o que faziam e olharam para ele.
Alguns se apressaram a ficar de pé. Havia fogo nessa única e simples
afirmação; reacendia a esperança nas cinzas úmidas do cansaço e desespero.
– O poder total dos lordes Sith está agora unido aqui em Ruusan –
continuou Kaan, projetando as palavras para que chegassem até os
seguidores mais distantes. Estendendo-se a eles com o inegável poder da
Força, ele os sentiu, rejuvenesceu e encheu aqueles espíritos vazios. –
Somos fortes. Mais fortes que os Jedi. Somos os campeões do lado sombrio,
e vamos esmagar lorde Hoth e seus servos da luz!
Um grito maciço ergueu-se entre as tropas. Os que continuavam sentados
levantaram-se. Os que já estavam de pé meteram os punhos no ar. O eco da
ovação sacudiu o acampamento feito um terremoto.
Githany sentiu o mesmo que o restante das tropas. Foi algo a mais do que
as palavras dele; foi o jeito com que ele as disse. Todas as dúvidas e medos
dela simplesmente desapareceram, esmagados pelo peso desse único e breve
discurso. Foi como se a moça tivesse sido compelida a obedecer a um poder
maior do que ela.
O grupo foi caminhando pelo acampamento, rejubilando-se do novo
otimismo das tropas, conforme lorde Kaan os guiava para a barraca maior,
na qual conduzia suas sessões de estratégia. Um Twi’lek atarracado parou ao
lado de lorde Qordis, bem à frente de Githany. Pega pelo momento, ela
demorou alguns segundos para lembrar-se de quem era: lorde Kopecz.
– Onde está Bane? – ele perguntou a Qordis, a voz tão grave que somente
este e Githany puderam ouvir.
– Bane se foi – respondeu Qordis.
Kopecz grunhiu.
– O que aconteceu? Você o matou? – Ele não se esforçou nem um pouco
para esconder o desprezo.
– Ainda vive. Mas deu as costas à Irmandade da Escuridão.
– Precisamos dele – insistiu Kopecz. – É forte demais para você
simplesmente deixá-lo ir.
– A escolha foi dele, não minha! – exclamou Qordis.
Os dois foram entrando sem dizer nada. Kopecz finalmente quebrou o
silêncio, suspirando ao perguntar:
– Pelo menos sabe para onde ele foi?
– Não – respondeu Qordis. – Ninguém sabe.

Bane tirou a Valcyn do hiperespaço na margem mais distante do sistema


remoto, depois ligou os propulsores iônicos e prosseguiu lentamente na
direção do único planeta habitável: um pequeno mundo que orbitava uma
estrela amarelo-clara.
O nome oficial do planeta era Lehon – o mesmo que o do sistema solar –,
mas era mais comumente chamado de Mundo Desconhecido. Quase 3 mil
anos antes, nesse insignificante sistema localizado além das fronteiras mais
longínquas do espaço explorado, Darth Revan e Darth Malak descobriram os
Rakatas: uma espécie antiga de usuários da Força que reinaram na galáxia
muito antes do nascimento da República.
Descobriram também a Forja Estelar, uma incrível estação espacial e
fábrica… e um monumento do poder do lado sombrio. Uma grande batalha
fora travada ali entre a República, liderada pelo mestre Jedi Revan, e os Sith
de Darth Malak. Malak tombara, os Sith foram expulsos, e a Forja Estelar
destruída, embora a grande custo para a República.
Até então, os restos dessa batalha titânica permaneciam ali. Naves de
ambas as frotas foram engolfadas pela explosão cataclísmica que destruíra a
Forja Estelar. Tudo que havia sido pego pelas ondas de choque da
detonação, inclusive a imensa fábrica, fora empenado e destroçado pela
força da concussão, e depois fundido pelo calor da energia em pedaços
indefinidos de metal derretido.
Muitos dos destroços tinham se reunido num amplo arco que circulava o
pequeno planeta de Lehon, como os anéis comuns a muitos dos gigantes
gasosos da galáxia. O restante dos detritos estava espalhado por todo o
sistema, orbitando o sol como um vasto campo de asteroides que tornava
difícil, senão impossível, a navegação.
Bane colocou os controles no modo manual e assumiu a nave. Usando a
Força, ele a manobrou cuidadosamente por entre o traiçoeiro curso de
obstáculos. Levou quase uma hora para chegar a seu destino e, quando
finalmente passou pelo anel e entrou na relativa segurança da atmosfera do
Planeta Desconhecido, suava por conta da intensa concentração.
Obviamente, não precisava se preocupar com mais naves trafegando.
Ninguém o saudou quando ele baixou do céu para a superfície do planeta,
procurando por um lugar no qual pousar.
Os Rakatas eram uma espécie moribunda, à beira da extinção, quando
Revan e Malak os descobriram. Quase toda a evidência da existência deles
fora de seu pequeno planeta natal havia sido destruída; foram banidos da
memória da galáxia. Nada mudara de modo significativo depois da Batalha
da Forja Estelar para alterar esse fato.
Oficiais da República sabiam da espécie, claro, mas sua existência jamais
fora oficialmente reconhecida, exceto pelos relatórios secretos acerca do
conflito. Acreditava-se que a população não teria reagido muito bem à súbita
reemergência de uma espécie antiga que um dia escravizara boa parte da
galáxia conhecida. Uns poucos Rakatas sobreviventes recusaram-se a deixar
o mundo natal e seus números foram insuficientes para manter um tanque
genético viável. Com o passar de umas poucas gerações, a lenta extinção da
espécie finalmente se concluiu.
Manter secreta a existência dos Rakatas acabou constituindo uma tarefa
surpreendentemente simples. O sistema nunca atraíra muita atenção depois
da batalha. Embora houvesse uma vasta quantidade de material de aeronave
largado pela destruição da Forja Estelar, ninguém tentara resgatar alguma
coisa dali. Em vez de profanar as tumbas flutuantes de seus soldados, a
República preferiu honrar a memória de seus mortos tornando Lehon um
local histórico protegido. Isso tecnicamente proibiu qualquer nave de entrar
no sistema sem autorização oficial.
Ninguém nunca se deu o trabalho de demandar tal autorização. O sistema
não tinha valor nem recursos em si, além dos detritos de aeronaves, sob
proteção. Localizava-se bem além de qualquer faixa estável de hiperespaço
e rotas de comércio – tão distante que nem mesmo os contrabandistas se
importavam. Uma anotação sutil da localização fora acrescentada aos
registros de o resto da República, que começou a aparecer como um
pontinho insignificante nas beiradas das listas mais detalhadas de estrelas.
Fora isso, era como se nunca tivesse existido.
Bane sabia que não era assim tão simples. O Planeta Desconhecido
constituía um lugar em que a Força era rica. Talvez tivesse sido o local de
nascimento dos primeiros servos do lado sombrio: os líderes Rakatas que
comandaram seu povo para a conquista e escravidão de centenas de mundos
10 mil anos antes de o resto da galáxia descobrir a tecnologia dos
hiperdrives. Esse poder fora concentrado e focalizado na Forja Estelar, e
teria sido liberado com a destruição desta.
Os Jedi sabiam disso, e temiam que tipo de mal poderia brotar num local
como esse. Os oficiais da República agiram segundo instruções deles,
isolando todo o sistema, colocando-o em efetiva quarentena perante o resto
da galáxia. Nos séculos seguintes, os Jedi trabalharam para manter os
segredos em sigilo. A história de Revan e Malak sobrevivera assim como os
rumores e a especulação acerca dos Rakatas, mas a verdadeira natureza do
Planeta Desconhecido fora enterrada sob uma mortalha de segredos e
mentiras e omissões.
Nos arquivos da Academia, Bane se deparara com pequenos trechos que
forneciam indícios da verdade. No começo nem entendera as implicações do
que estava vendo. Uma menção sutil do planeta aqui. Uma alusão ali. A
compreensão viera lentamente conforme ele desvelava os mistérios do lado
sombrio. Conforme aumentava seu conhecimento, chegava mais e mais perto
de completar todo o quebra-cabeça. Achou que fosse concluí-lo no Vale dos
Senhores Sombrios, mas fracassara. Agora viera ali reivindicar a última
peça.
Abaixo dele, o mundo era uma colcha de retalhos de pequenas ilhas
tropicais separadas por um oceano azul brilhante. Ele usou os sensores da
Valcyn para encontrar as massas de terra maiores, depois voou rasante,
buscando um local no qual pousar. A ilha encontrava-se quase
completamente coberta por uma mata densa e rica, e não havia clareiras
grandes o bastante para a nave dele. Por fim, Bane puxou o manche e
começou a descer lentamente, pousando a Valcyn na praia de areia cristalina
na ponta da ilha.
Assim que Bane pôs os pés na superfície do Planeta Desconhecido, sentiu
um zunido grave similar ao que sentira quando chegara a Korriban, porém
muito, muito mais forte. Até mesmo o ar parecia-lhe diferente: carregando o
peso da história antiga e os segredos há muito esquecidos.
Parado de costas para o oceano, vendo a parede de árvores da
praticamente impenetrável floresta que cobria o interior da ilha, Bane sentiu
mais uma coisa: uma presença, um ser vivo imenso e muito forte. Movia-se
na direção dele. E rápido.
Poucos segundos depois, pôde ouvi-lo colidindo com as árvores.
Provavelmente fora atraído pelo pouso da nave na praia, um enorme caçador
em busca de presa nova.
O rancor explodiu dentre as árvores e começou a pular pela areia,
berrando um grito horrendo. Bane manteve a posição, vendo-o chegar,
maravilhado com a velocidade com que a imensa fera se movia. Quando a
distância entre os dois diminuiu para cinquenta metros, Bane ergueu
calmamente a mão e estendeu a Força para tocar a mente do monstro que
avançava.
Sob o comando silencioso, o bicho parou e ficou no lugar, ofegando. Com
o cuidado de manter sob controle os instintos de predador da criatura, Bane
aproximou-se do rancor. Este permaneceu no lugar, tão dócil quanto um
tauntaun sendo inspecionado pelo dono.
Pelo tamanho, Bane entendeu tratar-se de um macho adulto, embora a
coloração clara da pelugem e a pequena quantidade de cicatrizes sugerissem
que devia ter sido adolescente pouco tempo antes. Ele pôs a mão numa das
imensas pernas do bicho, sentindo os músculos tremulantes por debaixo da
pele, enquanto sondava ainda mais fundo o cérebro do animal.
Não encontrou ciência, conceito ou entendimento algum dos mestres que
um dia tinham domado feras como essa para usar como guardiães ou
montaria. Não se surpreendeu: os Rakatas tinham desaparecido muitos
séculos antes do nascimento desse rancor. Bane, entretanto, procurava por
outra coisa.
Uma colagem de imagens e sensações o assolaram. Caçadas incontáveis
pela floresta, a maioria terminada em matança de sucesso. O partir de nervos
e ossos. O banquete da carne ainda quente da presa. A procura por uma
parceira. A luta contra outro rancor pela dominância. E então, finalmente, ele
encontrou o que procurava.
Enterrada afundo nas lembranças da criatura estava a imagem de uma
grande pirâmide escondida nas profundezas, no coração da floresta. O
rancor a vira apenas uma vez, quando era um jovem cuidado pelas mães do
bando. Entretanto, a estrutura deixara uma marca indelével naquela mente
bruta.
O rancor era um animal, estava no topo da cadeia alimentar do Planeta
Desconhecido. Não temia nada, entretanto soltou um gemido quando Bane
acessou a lembrança do templo. A fera estremeceu, sabendo o que se
esperava dela, mas foi incapaz de fugir; a Força a compelia a obedecer.
O bicho agachou no solo, e Bane saltou para as costas dele. O rancor
levantou-se cuidadosamente, com o passageiro empoleirado naqueles
ombros grandes, atarracados. Sob o comando de Bane, o rancor desatou a
correr, deixando para trás a praia e retornando à floresta, carregando-o para
o antigo Templo Rakatano.
22

PASSOU-SE QUASE UMA HORA ATÉ QUE BANE chegasse ao destino. A vegetação
ao redor estava repleta de vida, mas, ao ser carregado pela mata, não viu
nada maior do que insetos e passarinhos. A maioria das criaturas fugira ao
ver o rancor vindo, desaparecendo muito antes de Bane chegar perto o
bastante para visualizá-las. Entretanto, embora tivessem sido afugentadas, o
faro aguçado do rancor em geral captava o rastro delas, e mais de uma vez
Bane teve de pôr rédeas nos instintos de caça da fera para mantê-la no curso.
Por mais difícil que fosse impedir que a besta disparasse em perseguição
à próxima refeição, foi se tornando ainda mais difícil propeli-la adiante
conforme se aproximavam do templo. Dava mais uns passos e logo queria
virar para o lado ou desviava subitamente do curso. Chegou até a tentar
sacudir-se e deslocar Bane dos ombros.
Este não enxergava mais do que poucos metros à frente, em meio a tão
densa mata, mas sabia que estavam perto. Podia sentir o poder do templo
chamando-o por detrás da cortina impenetrável de vinhas entrelaçadas e
galhos entremeados. Agarrado ao lado sombrio, ele esmagou o que restava
da vontade do poderoso rancor de resistir e urgiu-o adiante.
Subitamente, saíram para uma clareira, um círculo de quase cem metros de
diâmetro. No centro, encontrava-se o Templo Rakatano. A estrutura erguia-
se a quase vinte metros do chão, um monumento de rocha e pedra esculpida.
A única entrada era um amplo arco no pico da enorme escadaria gravada
numa das paredes do próprio templo. Era uma superfície prístina: rígida e
pura, sem a mácula de musgo ou trepadeira. No campo ao redor, via-se um
descampado, a não ser pelo carpete de grama baixinha e macia. Parecia que
a floresta tinha medo de rastejar adiante e reivindicar a pedra infectada.
Bane saltou da montaria, com toda a atenção voltada para a estrutura
imponente à sua frente. Libertado do poder que o dominava, o rancor deu
meia-volta e escapou para dentro da mata. A terrível cacofonia aguda da
escapada foi sobrepujada pelos urros torturados do bicho, mas Bane não
notou nada. Não precisava mais do rancor; encontrara o que estava
procurando.
Deu um passo trêmulo à frente, mas logo parou. Balançou a cabeça para
clarear as ideias. O lado sombrio era forte ali, tão forte que o deixou meio
tonto. Isso indicava que o local era perigoso; Bane não podia ficar zanzando
preso pelo torpor.
Segundo os relatos que lera nos arquivos, o templo fora um dia protegido
por um poderoso campo de força, algo que demandou toda a tribo rakatana –
da qual cada indivíduo era poderoso na Força – para ser derrubado. Bane
não sentiu tal barreira, mas somente um tolo avançaria sem precaução.
Como fizera nas tumbas de Korriban, começou a sondar a área ao redor
com a Força. Sentiu os ecos das defesas que antes protegiam o templo, mas
eram tão fracos que quase não existiam. Não foi surpresa. Os campos em
torno do templo eram alimentados pelo poder da Forja Estelar, na órbita.
Com a destruição desta, os campos cederam – junto com todas as outras
defesas que tornavam o Planeta Desconhecido um cemitério de aeronaves.
Imaginando o que mais se perdera com o fim violento da Forja Estelar,
Bane cruzou o jardim circundante e subiu os degraus do templo. A escadaria
era íngreme, mas ampla, e, apesar da idade, a pedra não estava gasta nem
rachada. Ela terminou num pequeno patamar que dava para o arco de pedra
da entrada, a um quarto do pico. Bane parou na entrada, depois passou.
Sentiu brevemente como devia ter sido para os que entraram antes dele: a
ansiedade, a emoção da descoberta. Uma vez lá dentro, contudo, foram
necessários poucos minutos de exploração para que a empolgação cedesse.
Como em Korriban, o templo fora despido de tudo que tinha de valor.
Bane procurou por horas, começando pelo andar superior, no qual entrara,
aprofundando-se mais e mais até chegar ao andar inferior, vasculhando
minuciosamente os corredores vazios e as salas desertas. Contudo, ainda que
a busca se mostrasse infrutífera, ele não se desesperou. As criptas do Vale
dos Senhores Sombrios pareciam drenadas – sugadas, secas, usadas. O
Planeta Desconhecido transmitia outra sensação. Ainda havia poder ali.
Ainda devia haver algo para ele encontrar ali. Tinha certeza. Recusava-se
a aceitar mais um fracasso.
Foi no nível inferior do templo, muito abaixo da superfície do planeta, que
a busca obsessiva finalmente terminou. Quando ele se deparou com o
cômodo, sua atenção imediatamente se fixou nos restos de um imenso
computador, que sem dúvida estava muito além da possibilidade de ser
reparado. E então Bane notou algo na parede de pedra atrás do computador.
A superfície estava coberta de um monte de símbolos arcanos: na
linguagem dos Rakatas, talvez. Não significavam nada para ele, e teria
deixado de lado sem pensar duas vezes. Um deles, entretanto, brilhava.
Bane quase não reparou, no começo. Era sutil: um fraco fulgor violeta
percorria as bordas de uma das figuras incomuns. Estava quase na altura dos
olhos dele.
Enquanto observava, o brilho se tornou mais forte. Bane deu um passo à
frente e estendeu a mão, meio receoso. A luz piscou e apagou, assustando-o,
e ele recuou um passo. Quando tornou a tentar tocar o símbolo, não o fez
usando a mão, mas estendendo a Força.
O símbolo gravado na pedra brilhou novamente.
Batalhando para conter a ansiedade, Bane tornou a estender a mão e
apertou com força o símbolo brilhante. Ouviu-se o som de engrenagens
acionadas e o som do moer de pedra contra pedra. Os contornos de um
pequeno quadrado – de menos de meio metro de lado – ganharam forma na
parede quando uma seção da pedra avançou.
Bane recuou quando o pedaço tombou da parede e estilhaçou-se aos seus
pés, revelando o pequeno compartimento atrás de si. Sem hesitar, ele enfiou
o braço na escuridão para agarrar o que devia haver ali.
Seus dedos envolveram algo frio e pesado. Ele puxou o braço e fitou,
maravilhado, o artefato que segurava na mão. Um pouco maior que o punho,
tinha o formato de uma pirâmide – uma pequena réplica do templo no qual se
encontrava. Bane instantaneamente reconheceu o prêmio: um holocron Sith,
um depósito de conhecimento proibido apenas esperando para ser revelado.
A arte de construir holocrons fora perdida por incontáveis milênios, mas,
em virtude de seus estudos, Bane sabia um pouco sobre a teoria básica por
trás do design deles. A informação que continham alojava-se dentro de uma
matriz de dados digitais entrelaçados e autocodificados. Os sistemas de
proteção de um holocron não podiam ser logrados nem quebrados; a
informação não podia ser fatiada nem copiada. Havia somente um jeito de
acessar o conhecimento captado lá dentro.
Cada holocron era impresso com a personalidade de um ou mais mestres
que lhe serviam de guardiães. Quando acessado por alguém capaz de
entender seus segredos, o holocron projetava pequenas imagens cruas em
holograma de diversos guardiães. Pela interação com o aluno, o simulacro
programado ensinava e instruía de modo muito similar ao que faria um
mentor de carne e osso.
Contudo, todos os relatos de holocrons Sith mencionavam os símbolos
antigos que adornavam a pirâmide. O holocron que Bane tinha em mãos
estava quase todo em branco. Talvez fosse anterior até mesmo aos holocrons
dos antigos Sith. Seria ele uma relíquia dos próprios Rakatas? Os guardiães
desse holocron poderiam ser as personalidades impressas de alienígenas de
um tempo muito anterior ao nascimento da República. Se fosse o caso,
estariam eles dispostos a ensinar-lhe seus segredos? Responderiam a ele?
Movendo-se com cautela, Bane pousou gentilmente o holocron no chão,
depois se sentou em frente a ele. Cruzou as pernas e começou o respirar
fundo e lento de um transe meditativo. Juntando sua energia e focando-a,
Bane projetou uma onda de poder sombrio da Força para enterrar a pequena
relíquia no chão. O holocron começou a faiscar e brilhar em resposta.
Bane prendeu a respiração, de tão ansioso, incerto do que viria em
seguida. Um pequeno raio de luz projetou do topo partículas espalhadas e
difusas. Elas começaram a agitar-se e girar, unindo-se numa figura
encapuzada, cujos traços o capuz do manto pesado escondia completamente.
Então uma voz falou, vívida e clara.
– Sou Darth Revan, senhor sombrio dos Sith.
Os corredores vazios do templo acima tremeram com a reverberação do
riso triunfante e retumbante de Bane.

Para Bane, parecia que os ensinamentos contidos naquele único holocron


ultrapassavam todos os arquivos da Academia. Revan descobrira muitos dos
rituais dos antigos Sith e, conforme o avatar do holocron explicava a
natureza e o propósito deles, Bane mal podia assimilar com a mente esse
potencial maravilhoso. Alguns dos rituais eram tão terríveis – tão perigosos
de testar, até mesmo para um verdadeiro mestre Sith – que ele não tinha
certeza se algum dia chegaria a usá-los. Entretanto, foi obedientemente
copiando todos em folhas de flimsi, preservando-os para estudá-los com
mais profundidade mais tarde.
Havia muito mais do que apenas as práticas antigas de feiticeiros do lado
sombrio alojadas dentro do holocron. Assim, em poucas semanas, Bane teria
aprendido mais sobre a verdadeira natureza do lado sombrio do que em todo
o tempo que passara em Korriban. Revan fora um verdadeiro lorde Sith, ao
contrário dos cacoetes que eram os mestres que se curvavam para Kaan e
sua Irmandade. E logo todo esse conhecimento – seu entendimento do lado
sombrio – pertenceria a Bane.

Githany acordou assustada, chutando as cobertas, na cama, jogando-as no


piso sujo da barraca. Estava suando, ruborizada, mas não era de calor.
Ruusan reentrara na estação chuvosa, e, embora os dias fossem quentes e
úmidos, à noite a temperatura baixava tanto que os sentinelas em serviço
podiam ver o vapor do próprio hálito.
Ela sonhara com Bane. Não, não sonhara. Os detalhes eram muito
límpidos e claros para aquilo ser chamado de sonho; a experiência era
vívida e real demais. Foi uma visão. Havia uma ligação entre os dois, um
laço estabelecido durante o tempo em que estudaram juntos a Força. Uma
conexão entre mentor e aluno não era algo inusitado, embora Githany não
tivesse mais certeza quanto a quem fora de fato o mestre e o aprendiz nessa
relação.
A visão possuíra clareza resoluta: Bane estava vindo para Ruusan. Mas
não viria para se unir à Irmandade. Viria destruí-la.
Ela tremia; o suor resfriava sua pele sob o ar fresco da noite. Githany
rolou para fora da cama e colocou o pesado manto sobre as finas roupas de
dormir. Tinha de falar com Kaan sobre isso. Não podia esperar até que
amanhecesse.
A noite estava escura: a lua e as estrelas, bloqueadas pelas soturnas
nuvens de tempestade que preencheram o céu desde que ela e os demais
chegaram de Korriban. Uma névoa leve descera do céu, uma melhora
discreta da garoa firme que caía desde que ela, cansada, deitara-se na cama.
Um punhado de outros Sith zanzava pelo acampamento. Alguns
murmuravam cumprimentos ininteligíveis ao passar, mas a maioria mantinha
a cabeça baixa e os pés marchando sem parar pela lama. O ardor que Kaan
inspirara quando os reforços chegaram fora atenuado pelo aparentemente
interminável fluxo de dias úmidos e nublados. Seriam muitas semanas antes
que as chuvas cedessem e abrissem espaço para o calor abafado do longo
verão de Ruusan. Até lá, os seguidores de Kaan continuariam sofrendo com a
umidade e o frio.
Githany não lhes deu atenção. Focada em sua missão, conteve o passo
somente quando chegou à entrada da grande barraca que Kaan tomara como
aposento. Havia luz ardendo lá dentro; lorde Kaan estava acordado.
Meio receosa, ela entrou. O que tinha a dizer destinava-se apenas aos
ouvidos dele. Felizmente, encontrou-o sozinho. Mas parou na entrada,
fitando com mórbido fascínio a aparição à sua frente. No brilho fraco da
lamparina que servia como única fonte de iluminação da barraca, Kaan
parecia um homem enlouquecido.
Zanzava rapidamente daqui para lá, com passos irregulares e erráticos.
Estava curvado quase até a cintura, murmurando consigo e balançando a
cabeça. A mão esquerda erguia-se constantemente para cutucar uma mecha
do cabelo, depois se abaixava com rapidez, como se flagrada num ato
proibido.
Ela mal podia crer que esse ser enlouquecido fora o homem que ela
escolhera seguir. Seria possível Bane estar com a razão o tempo todo?
Githany quase retornava de fininho para a noite encharcada quando Kaan
virou-se e finalmente a notou.
Por um breve momento, os olhos dele demonstraram um pânico selvagem:
ardiam com o medo e o desespero de um animal enjaulado. Então
subitamente ele se endireitou, tornando-se imponente e alto. A expressão de
horror abandonou-lhe o rosto, trocada por uma raiva gelada.
– Githany – disse ele, em boas-vindas tão gélidas quanto sua expressão
fria. – Não esperava receber visitas.
Agora foi ela quem sentiu medo. Lorde Kaan irradiava poder: poderia
esmagá-la tão facilmente quanto ela esmagava besourinhos que às vezes
passavam ligeiros pelo chão de sua barraca. A lembrança do homem
covarde e partido se fora, arrancada da mente de Githany pela aura
avassaladora da autoridade de Kaan.
– Perdoe-me, lorde Kaan – ela disse, com um leve aceno da cabeça. –
Preciso falar com você.
A raiva do Sith pareceu suavizar-se, embora ele mantivesse sua inegável
presença autoritária.
– Claro, Githany. Sempre tenho tempo para você.
As palavras eram mais do que uma formalidade cortês; havia algo de
profundo por trás. Githany era uma mulher atraente; estava acostumada a ser
alvo de insinuação e do desejo mal escondido dos homens. Em geral, isso
causava pouco mais do que repulsa, mas, no caso de Kaan, isso a ruborizou
e aqueceu-lhe as bochechas. Ele era o fundador da Irmandade da Escuridão,
um homem de visão e futuro. Como ela não se sentiria lisonjeada por ter a
atenção dele?
– Tive uma premonição – ela explicou. – Eu vi… Eu vi Darth Bane. Vinha
a Ruusan para nos destruir.
– Qordis me deixou bastante ciente das opiniões de Bane – disse ele,
assentindo. – Isso não é inesperado.
– Ele não enxerga a glória da nossa causa – disse Githany, desculpando-se
por Bane. – Não conheceu você pessoalmente. Seu único entendimento da
Irmandade vem de Qordis e dos outros mestres… os que lhe deram as
costas.
Kaan fitou-a, confuso.
– Você veio me avisar que Bane está planejando nos destruir. Agora
parece que está tentando justificar as ações dele.
– A Força nos mostra o que pode acontecer, não necessariamente o que
vai acontecer – ela o lembrou. – Se pudermos convencer Bane a juntar-se a
nós, ele será um aliado valoroso contra os Jedi.
– Entendo – disse Kaan. – Você crê que, se o trouxermos para dentro da
Irmandade, sua premonição não se realizará. – Ele fez uma longa pausa e
então perguntou: – Tem certeza de que seus sentimentos por ele não estão
confundindo seu julgamento do assunto?
Envergonhada, Githany desviou os olhos dos dele.
– Não sou a única que sente isso – ela murmurou, olhando para o chão. –
Muitos dos outros que vieram de Korriban incomodam-se com a ausência de
Bane também. Sentiram a força dele. Não entendem como alguém tão forte
no lado sombrio rejeitaria a Irmandade.
Ela ergueu a cabeça quando Kaan colocou a mão no ombro dela com
carinho.
– Talvez você tenha razão, Githany. Mas não posso fazer nada quanto ao
que está sugerindo. Ninguém nem sabe onde Bane está.
– Eu sei. Existe uma… ligação entre nós. Posso dizer para onde ele foi.
Kaan estendeu a mão e segurou o queixo dela. Em seguida, pendeu a
cabeça de Githany ligeiramente para trás.
– Então vou mandar alguém atrás dele – ele prometeu. – Você fez a coisa
certa vindo até mim, Githany – ele acrescentou, gentilmente a soltando e
dando-lhe um sorriso tranquilizador.
Githany, reluzente de orgulho, sorriu de volta.

Ela foi embora poucos minutos depois de explicar para onde Bane fora e
por quê. Kaan a observou partir, preocupado com o que ela dissera, embora
tivesse o cuidado de não demonstrar. Acalmara os receios da moça e estava
confiante de que ela permaneceria leal à Irmandade apesar de sua atração
óbvia por Bane. Githany imaginava-se o objeto de desejo de todos os
homens, mas Kaan enxergava um desejo similar ardendo brilhante dentro
dela: tinha sede de poder e glória. E estava mais do que disposto a alimentar
o orgulho e a ambição de Githany com lisonjas, elogios e promessas.
Entretanto, não sabia muito bem o que fazer sobre a visão dela. Embora
poderoso na Força, seus talentos jaziam em outras áreas. Ele podia mudar o
curso da guerra com seu combate meditativo. Podia inspirar lealdade nos
outros lordes manipulando sutilmente as emoções deles. Mas jamais
vivenciara uma premonição como a que trouxera a moça à barraca dele no
meio daquela noite escura.
Sua primeira inclinação foi ignorá-la, considerando-a uma preocupação
sem fundamento suscitada pela moral baixa. Os reforços de Korriban
trouxeram a expectativa de um final rápido para a longa guerra de Ruusan.
Mas o general Hoth era esperto demais para deixar seu Exército da Luz ser
esmagado pelo poder superior dos Sith. Ele trocara de tática, conduzindo a
guerra em ataques rápidos, efêmeros, ganhando tempo enquanto tentava
angariar mais apoio para suas forças.
Agora os Sith iam se tornando impacientes e inquietos. A vitória gloriosa
que Kaan lhes prometera semanas antes não tinha se materializado. Em vez
disso, eles passeavam pela lama, embaixo de chuva que não parava, tentando
derrotar um inimigo que nem se impunha nem lutava. A visita de Githany não
o surpreendera. A única surpresa de verdade consistia no fato de que mais
senhores sombrios não tinham vindo dar voz a sua insatisfação.
Mas isso apenas tornava o aviso de Githany algo mais perigoso. Bane
rejeitara a Irmandade num espetáculo bastante público; todos os recrutas de
Korriban afirmavam ter visto tudo pessoalmente. A história se espalhara
pelo acampamento feito praga. No começo, escarneceram a arrogância e a
teimosia do rapaz; ele escolhera seguir sozinho e não partilharia do triunfo
da Irmandade. Na ausência de tal triunfo, contudo, alguns dos recrutas
começavam a se perguntar se Bane não estava certo.
Lorde Kaan contava com espiões entre os senhores sombrios. Os
sussurros tinham chegado aos ouvidos dele. Os lordes não estavam prontos
para tomar uma atitude com relação a suas dúvidas, mas sua resolução
começava a enfraquecer – junto com sua lealdade. Ele forjara uma coalizão
de inimigos e rivais amargurados. Embora a Irmandade da Escuridão
parecesse dura feito hiperaço, uma única voz firme de divergência seria
capaz de fraturá-la em mil frágeis pedacinhos.
Ele pegou a lamparina da barraca e saiu para a garoa da noite; suas
passadas compridas o propalaram rapidamente pelo acampamento. Pretendia
dar um jeito em Bane, como prometera a Githany. Se o obstinado jovem não
pudesse ser convencido a juntar-se aos outros, teria de ser eliminado.
Em questão de minutos, Kaan chegou ao seu destino. Parou na porta,
lembrando-se da raiva que sentira com a entrada inesperada de Githany em
sua barraca. Sem querer irritar o homem que viera ver, primeiro ele chamou:
– Kas’im?
– Entre – respondeu uma voz um segundo depois, e ele escutou o som
inconfundível de um sabre de luz sendo desligado.
Kaan entrou e encontrou o mestre espadachim usando apenas calças,
suando e ofegando.
– Vejo que está acordado – reparou.
– Não é fácil dormir às vésperas da batalha. Até mesmo uma que parece
não chegar nunca.
Kas’im era um guerreiro. Kaan sabia que ele se incomodava com a
inatividade do grupo. Treinos e exercícios não satisfaziam seu desejo pelo
combate verdadeiro. Na Academia de Korriban, o mestre espadachim
exercia suas obrigações sem reclamar. Ali em Ruusan, entretanto, a
promessa de batalha estava próxima demais, insistente demais. O cheiro de
sangue sempre pairava no ar, misturado ao suor de medo e ansiedade. Ali,
Kas’im só se sentiria satisfeito quando ficasse frente a frente com um
inimigo. Logo sua frustração o faria borbulhar para a rebelião, e Kaan não
podia perder a lealdade do maior espadachim do acampamento. Felizmente,
havia um jeito de lidar com os dois problemas – Bane e Kas’im – numa
única e certeira tacada.
– Tenho uma missão para você. Uma missão de grande importância.
– Vivo para servir, lorde Kaan – Kas’im respondeu calmamente, mas as
caudas de sua cabeça sacudiram de ansiedade.
– Devo enviá-lo para longe de Ruusan. Aos confins da galáxia. Deve ir a
Lehon.
– O Planeta Desconhecido? – perguntou o mestre espadachim, confuso. –
Não há nada lá além do cemitério de uma das maiores derrotas da nossa
Ordem.
– Bane está lá – explicou Kaan. – Você deve ir até ele como meu enviado.
Explicar a ele que deve se juntar ao resto dos Sith aqui em Ruusan. Diga-lhe
que aqueles que não se unem à Irmandade estão automaticamente contra ela.
Kas’im balançou a cabeça.
– Duvido que fará diferença. Quando ele toma uma decisão, às vezes fica
bem… teimoso.
– O lado sombrio não pode ser unido na Irmandade se ele continuar
independente – Kaan explicou. Ao falar, estendeu a Força, incrementando
delicadamente a sensação de orgulho do Twi’lek. – Sei que ele rejeitou você
e os outros mestres de Korriban, mas você precisa fazer essa oferta mais
uma vez.
– E quando ele recusar? – as palavras de Kas’im vieram rápidas e secas.
Por dentro, Kaan sorriu ao sentir a raiva crescente do mestre espadachim,
instigando-o ainda mais.
– Então você deverá matá-lo.
23

– OS QUE USAM O LADO SOMBRIO SÃO OBRIGADOS A SERVI-LO. Entender isso é


entender a filosofia subjacente aos Sith.
Bane encontrava-se sentado, imóvel, olhos fixos no avatar de um senhor
sombrio morto 3 mil anos antes. A imagem projetada de Revan piscou,
sumindo, depois reluziu de novo à vista. O holocron estava falhando. O
material usado para construí-lo – o cristal que canalizava a energia da Força
para dar vida ao artefato – estava corrompido. Quanto mais Bane o usava,
menos estável ele se tornava. Entretanto, ele não podia deixá-lo descansar
nem um dia que fosse. Ficara obcecado em explorar todo o conhecimento
preso ali dentro, e passava horas sorvendo as palavras de Revan com a
mesma determinação centrada que usava quando minerava cortosis em
Apatros.
– O lado sombrio oferece poder somente pelo poder. Você deve desejá-lo.
Cobiçá-lo. Deve procurar poder acima de tudo mais, sem reserva nem
hesitação.
Essas palavras soaram particularmente verdadeiras para Bane, como se a
personalidade reprogramada desse mestre virtual soubesse que seu fim
estava próximo e projetara suas últimas lições especialmente para o rapaz.
– A Força vai mudá-lo. Vai transformá-lo. Alguns têm medo dessa
mudança. Os ensinamentos dos Jedi se focam em enfrentar e controlar essa
transformação. É por isso que aqueles que servem à luz são limitados no que
podem realizar. O verdadeiro poder só vem para aqueles que abraçam a
transformação. Não pode haver consenso. Misericórdia, compaixão,
lealdade: todos esses sentimentos o impedirão de reivindicar o que é seu por
direito. Os que seguem o lado sombrio devem esquecer tais conceitos. Os
que não seguem, os que tentam seguir o caminho da moderação, fracassarão,
derrubados pela própria fraqueza.
As palavras descreviam quase perfeitamente Bane durante o tempo que
passara na Academia. Apesar disso, ele não sentia vergonha nem
arrependimento. Aquele Bane não existia mais. Assim como ele esquecera o
minerador de Apatros quando ganhara seu nome de Sith, também esquecera o
aprendiz atabalhoado e inseguro quando reivindicara o título de Darth para
si. Quando rejeitara Qordis e a Irmandade, Bane começou a transformação
da qual Revan falava e, com a ajuda do holocron, encontrava-se finalmente
às vésperas de completá-la.
– Aqueles que aceitam o poder do lado sombrio devem também aceitar o
desafio de ater-se a ele – continuou Revan. – Por sua própria natureza, o
lado sombrio incita a rivalidade e a disputa. Esta é a maior força dos Sith:
ela expulsa os fracos de nossa Ordem. Entretanto, tal rivalidade pode
também ser nossa maior fraqueza. Os fortes devem ser cautelosos senão
serão assolados pelas ambições dos inferiores trabalhando em conjunto.
Qualquer mestre que instrui mais de um aprendiz nos caminhos do lado
sombrio é um tolo. Com o tempo, os aprendizes unirão suas forças e
derrubarão o mestre. É inevitável. Axiomático. É por isso que cada mestre
deve ter apenas um aluno.
Bane não respondeu, mas torceu o lábio instintivamente de desgosto ao se
lembrar de sua instrução na Academia. Qordis e os outros passavam pelos
aprendizes de aula em aula, como se fossem crianças numa escola em vez de
herdeiros do legado dos Sith. Era de se estranhar a dificuldade que
enfrentava para alcançar seu potencial total num sistema tão defeituoso?
– É também por isso que pode haver somente um senhor sombrio. Os Sith
devem ser governados por um único líder: o que incorpora a força e o poder
do lado sombrio. Se o líder se torna fraco, outro deve se erguer para tomar o
manto. Os fortes reinam; os fracos são feitos para servir. É assim que deve
ser.
A imagem piscou e pulou, e então a pequena réplica de Darth Revan
curvou a cabeça, puxando o capuz para mais uma vez esconder os traços do
rosto.
– Meu tempo aqui terminou. Tome o que ensinei e use-o bem.
E então Revan se foi. O brilho que emanava do holocron apagou até sumir.
Bane pegou a pequena pirâmide de cristal do chão, mas sentiu-a fria e sem
vida em sua mão. Sem mais traço algum da Força nela.
O artefato não era mais útil para ele. Como Revan ensinara, ele devia ser,
então, descartado. Bane deixou-o cair no chão. Então, muito lenta e
deliberadamente, esmagou-o com o poder da Força até que restasse somente
poeira.

O buzzard Sith entrou na atmosfera de Lehon e mergulhou para baixo,


cruzando o céu azul-claro. Nos controles, Kas’im fez discretas alterações a
fim de manter o veículo no curso, uma linha direta para o rastreador da
Valcyn.
Ele esperara que Bane tivesse desativado o rastreador, ou pelo menos
mudado sua frequência. Mas, apesar de saber do dispositivo – o rastreador
era padrão em praticamente todas as naves –, ele nem o tocou. Quase como
se não receasse que alguém viesse atrás dele. Como se estivesse disposto a
receber visitas.
Em questão de minutos, Kas’im visualizou o alvo. A nave que antes –
brevemente – pertencera a Qordis, visto que Bane a tomara para si,
descansava numa praia de areia branca, com as águas turquesa dos vastos
oceanos do Planeta Desconhecido de um lado e a mata impenetrável do
outro. Sensores não mostraram sinal de vida algum nos arredores, mas
Kas’im estava preocupado quando levou a nave para pousar logo atrás da
outra.
Ele desligou o buzzard e saiu pela escotilha. Sentiu a energia do mundo e
a presença inconfundível de Darth Bane, aparentemente emanando do
coração negro da mata. Saltou para o chão e pousou com um baque surdo na
areia fofa, afundando um pouco os pés. Um exame apressado da Valcyn
comprovou o que ele já suspeitava: a presa não estava ali.
Quaisquer rastros que Bane tivesse deixado na areia foram apagados pela
maré ou arrastados pela brisa. Ainda assim, Kas’im sabia aonde deveria ir.
À frente dele, a mata era imponente, rica e vibrante, maciça e proibida: uma
parede quase impenetrável de vegetação, a não ser pelo amplo caminho
aberto nela.
Alguém ou alguma coisa de tamanho e força imensos rasgara a passagem
por entre as árvores e plantas. A mata já tentava reivindicar o espaço.
Musgo crescia vigoroso por todo o solo e uma rede vasta de trepadeiras
trilhava seu caminho por cima da superfície. Contudo, estava livre o bastante
para o Twi’lek passar.
Olhos escondidos o observavam de dentro da mata: mesmo sem a Força,
Kas’im teria sentido os olhares que o estudavam, avaliavam, seguindo cada
movimento na tentativa de determinar se o recém-chegado ao ecossistema
era caçador ou presa. Para ajudar a esclarecer seu papel, ele sacou o enorme
sabre duplo e acionou as duas lâminas, começando, então, a correr
devagarinho pela trilha.
Enquanto corria, sondava a folhagem circundante com a Força. A maioria
das criaturas que sentia representava ameaça pequena. Entretanto, ele
receava. Alguma coisa abrira essa trilha que ele seguia. E era grande.
Quase dez quilômetros adentro – correndo há aproximadamente uma hora
–, o mestre espadachim por fim encontrou o primeiro rancor. A trilha fez uma
curva fechada para o leste, e, quando ele virou ali, a criatura desatou dentre
as árvores circundantes, rosnando e urrando.
Kas’im sequer se surpreendeu pela emboscada. Sentira a presença do
rancor muitas centenas de metros antes, assim como o bicho certamente
captara o cheiro dele e o perseguira vindo de muito longe. Ele aceitou o
ataque da criatura com calma e cruel eficiência.
Depois de esquivar-se da primeira garra que passou raspando por ele,
abriu um ferimento profundo na coxa esquerda da fera. Quando esta se
retraiu para berrar de dor, Kas’im abriu outro corte fundo na macia barriga
dela. O rancor não caiu logo de cara; era grande demais para ser derrubado
por dois cortes de sabre de luz. Na verdade, a dor instigou uma fúria
assassina. O bicho saiu brandindo garras e mordendo, girando, debatendo-se
e rasgando tudo ao redor.
Kas’im girou e se abaixou, saltou para evitar um ataque, depois foi ao
chão e rolou para evitar outro. Movia-se tão rápido que não passaria de um
borrão, se o rancor não se encontrasse naquele estado de cegueira raivosa. E
com cada evasão ele conferia mais um golpe, talhando aquela montanha de
nervos e carne como um mestre escultor trabalhando num monte de lomite.
O rancor chafurdava, cambaleando e tropeçando como se executasse
algum tipo de dança do spacer bêbado. Por sua vez, Kas’im era rápido e
preciso. A cada segundo que passava, o oponente se tornava mais lento,
esvaindo-se suas forças. Finalmente, com um grunhido desesperado, a fera
tombou para a frente e ficou deitada, imóvel.
Deixando o rancor onde tinha desabado, Kas’im retomou a corrida com
urgência renovada. A batalha, apesar de curta e simples, constituiu a
primeira vez que ele fora testado numa luta de vida ou morte desde que
concordara a ajudar Qordis no treinamento dos alunos na Academia. Ficara
satisfeito de ver que suas habilidades não tinham enfraquecido após tanto
tempo parado.
Kas’im teve a sensação de que precisaria dessas habilidades novamente
antes do fim do dia.

Bane estava sentado de pernas cruzadas no piso de pedra da câmara


central do andar superior do Templo Rakatano. Meditava sobre as palavras
de Revan, como costumava fazer entre uma e outra lição do holocron. O
artefato já não existia mais, portanto, fazia-se mais importante ainda
contemplar o que aprendera sobre a natureza do lado sombrio… e o caminho
ao qual ele o levaria.
Por sua própria natureza, o lado sombrio incita a rivalidade e a
disputa. Esta é a maior força dos Sith: ela exclui os fracos de nossa
Ordem.
O batalhar constante dos Sith desde o início da história registrada servia a
um propósito importante: manter o poder do lado sombrio concentrado em
poucos indivíduos poderosos. A Irmandade mudara tudo isso. Havia cem ou
mais senhores sombrios seguindo Kaan, mas a maioria composta de seres
fracos e inferiores. Os Sith tinham o maior contingente que já possuíram,
entretanto ainda assim eles perdiam a batalha contra os Jedi.
O poder do lado sombrio não pode ser disperso entre as massas. Ele
deve ser concentrado nos poucos dignos de sua honra.
A força de um grande contingente era uma armadilha… algo que laçara
todos os senhores Sith de antes. Naga Sadow, Exar Kun, Darth Revan foram
todos poderosos. Cada um aprendera muita coisa, e ensinara os modos do
lado sombrio. Cada um reunira um exército de seguidores e o empregara
contra os Jedi. Entretanto, em todos os casos os servos da luz prevaleceram.
Os Jedi sempre se mantinham unidos em sua causa. Os Sith eram sempre
minados por lutas internas e traições. Os próprios traços que os levavam à
grandeza e a glória individuais – incansável ambição, sede insaciável de
poder – acabariam dando cabo de todos de uma só vez. Era o inescapável
paradoxo dos Sith.
Kaan tentara solucionar o problema tornando todos iguais dentro da
Irmandade. Tal solução, entretanto, era falha. Parecia não compreender de
fato o verdadeiro problema. Não compreendia de fato a verdadeira natureza
do lado sombrio. Os Sith devem ser governados por um único líder: o que
incorpora a força e o poder do lado sombrio.
Se todos forem iguais, nenhum será forte. Entretanto, qualquer um que se
ergue das fileiras inchadas e infladas dos Sith para reivindicar o manto de
senhor sombrio não consegue nunca mantê-lo. Com o tempo, os aprendizes
unirão forças e derrubarão o mestre. É inevitável. Juntos, os fracos
dominariam os fortes numa perversão absurda da ordem natural.
Mas havia outra solução. Um modo de romper o ciclo interminável que
minava o poder dos Sith. Agora, Bane o entendia. Inicialmente, pensara que
a resposta seria substituir a Ordem dos Sith por um único e todo-poderoso
senhor sombrio. Nada de mestres. Nem aprendizes. Somente um receptáculo
para conter todo o conhecimento e o poder do lado sombrio. Porém, logo ele
mudou de ideia.
Em algum momento, até mesmo um senhor sombrio murcharia e morreria;
todo o conhecimento dos Sith se perderia. Se o líder se torna fraco, outro
deve se erguer para tomar o manto. Haver apenas um não daria certo. Mas
se os Sith fossem exatamente dois…
Lacaios e servos poderiam ser atraídos para servir o lado sombrio sob a
tentação de obter poder. Podiam receber pequenas bocadas do que ele
oferecia, como um dono partilhando pedaços do que tem à mesa com seus
cães fiéis. No fim, contudo, deve haver apenas um verdadeiro mestre Sith. E,
para servir a esse mestre, deve haver apenas um aprendiz.
Pode haver apenas dois; não mais, não menos. Um para encarnar o
poder, outro para cobiçá-lo. A Regra de Dois.
Era esse o conhecimento que guiaria o lado sombrio para uma nova era.
Uma revelação que acabaria com as lutas internas que definiram a Ordem
por milhares de gerações. Os Sith renasceriam, os novos costumes seriam
varridos – e Bane seria o responsável pela mudança.
Primeiro, entretanto, ele teria de destruir a Irmandade. Kaan, Qordis –
todos que estudaram com ele em Korriban, todos os mestres de Ruusan –,
todos deveriam ser purgados até que somente restasse Bane.
Darth Bane, senhor dos Sith. O título lhe pertencia por direito; não havia
outro forte o bastante no lado sombrio para desafiá-lo. A única questão
remanescente era quem seria suficientemente digno de ser seu aprendiz. E
como eliminar os demais.
– Bane! – A voz de Kas’im cortou os pensamentos do rapaz pela metade.
– Venho com um convite de lorde Kaan.
Bane levantou-se num pulo, acionando seu sabre de luz, enraivecido por
ser perturbado bem no ápice de uma revelação. Olhou feio para Kas’im e
ficou tão bravo consigo, por encontrar-se tão envolvido pelos pensamentos
que nem sentira a presença do Twi’lek, quanto com a interrupção.
– Como me encontrou? – ele perguntou, ampliando sua consciência para
ver se mais alguém teria invadido o Templo Rakatano e seu santuário
interior. Sentiu um misto de alívio e decepção quando viu que Kas’im estava
sozinho. Esperava receber mais uma visitante… mas ela devia ter escolhido
não vir.
– Lorde Kaan me disse que você veio para este mundo. Assim que entrei
na atmosfera, apenas segui o rastreador da Valcyn – respondeu o mestre
espadachim. – Mas não sei como lorde Kaan sabia que você estaria aqui.
Bane suspeitou que fora Githany quem contara, mas não se importou de
falar isso ao Twi’lek. Em vez disso, perguntou:
– Kaan o mandou vir aqui me matar?
Kas’im assentiu.
– Se você não se juntar à Irmandade, deixarei seu corpo neste mundo
estéril e esquecido.
– Estéril? – Bane repetiu, incrédulo. – Como pode dizer isso? O lado
sombrio é forte aqui. Muito mais forte do que em Korriban. É aqui que
encontraremos o poder para destruir os Jedi… não na Irmandade de Kaan!
– Korriban já foi um local de grande poder – contrapôs o ex-mestre. – Ao
longo dos séculos, milhares de Sith exploraram seus segredos, e nenhum
deles descobriu alguma estratégia especial para derrotar nosso inimigo. – O
Twi’lek acionou o sabre de luz duplo antes de continuar. – É hora de pôr fim
a essa busca estúpida, Bane. Os costumes antigos falharam. Os Jedi
derrotaram todos que os seguiam: Exar Kun, Darth Revan… todos perderam!
Precisamos encontrar uma nova filosofia se quisermos derrotá-los.
Por um breve momento, Bane sentiu uma pequena pontada de empolgação.
As palavras de Kas’im ecoavam nos pensamentos dele. Seria possível que o
mestre espadachim fosse o aprendiz que ele buscava?
Porém, as palavras que Kas’im disse em seguida esmagaram as
esperanças de Bane.
– Kaan entende isso. E por isso criou a Irmandade. A Irmandade é o futuro
do lado sombrio.
Bane negou. O mestre espadachim estava cego como todos os outros. Por
isso tinha de morrer.
– Kaan está errado. Não vou segui-lo. Não me juntarei à Irmandade.
Kas’im suspirou.
– Então sua vida termina aqui.
Ele avançou num salto, movendo a arma com muito mais velocidade do
que mostrara durante as sessões de treinamento.
Esquivando-se da primeira sequência, Bane reparou que seu ex-mestre
sempre mantivera algo escondido, em reserva… como o próprio Bane fizera
no início do embate contra Sirak. Somente então ele contemplava a
verdadeira habilidade de Kas’im, e quase não conseguiu se defender. Quase,
mas ainda assim capaz.
O oponente grunhiu, surpreendido quando Bane o repeliu, depois recuou
para se recompor. Avançou firme e veloz, esperando encerrar rapidamente o
combate. Agora precisaria reavaliar sua estratégia.
– Está melhor do que estivera quando lutamos pela última vez – disse,
obviamente impressionado, sem tentar esconder.
– Você também – Bane respondeu.
Kas’im avançou mais uma vez, e a câmara foi tomada pelo sibilar e zunir
dos sabres de luz colidindo uma dúzia de vezes no tempo de duas batidas de
coração. Bane seria reduzido a pedaços se tentasse reagir a cada movimento
individualmente. Em vez disso, apenas conjurou a Força, deixando-a fluir
por seu corpo e guiar-lhe as mãos. Entregou-se ao lado sombrio por
completo, sem reservas. Sua arma tornou-se uma extensão da Força, e ele
respondeu ao ataque sem fim do Twi’lek com impenetrável defesa.
E então chegou a vez de ele atacar. No passado, ele sempre receara
entregar sua vontade às emoções cruas intrínsecas do lado sombrio. Agora
não tinha mais tais limitações; pela primeira vez, conjurava todo o potencial
dele.
Bane afastou Kas’im com golpes furiosos, forçando o antigo mentor a
recuar aos cambaleios sobre o piso da câmara. Kas’im passou pela porta e
saiu para o corredor adiante, mas Bane manteve-se incansável no avanço,
saltando à frente e chegando a centímetros de enfiar um golpe incapacitante
na perna do Twi’lek.
O ataque foi desviado no último segundo, mas ele rapidamente deu
seguimento com outra série de poderosas estocadas e fincadas. O mestre
espadachim continuou cedendo terreno, empurrado inexoravelmente para trás
pela raivosa tormenta do ataque devastador de Bane. Toda vez que o
Twi’lek tentava mudar de tática ou trocar de forma, Bane antecipava, reagia
e retomava a vantagem.
O resultado não poderia ser outro. Bane era simplesmente forte demais na
Força. Apenas uma manobra inesperada salvaria Kas’im, mas os dois tinham
lutado vezes demais no passado para o mestre espadachim surpreender
Bane. Ao longo de seu treinamento, ele vira toda sequência, série,
movimento e truque possível com o sabre de luz duplo, então sabia como
contrapor e anular todos eles.
O mestre espadachim se desesperou. Saltando, girando, desviando,
rolando: estava ávido e imprudente em suas recuadas, procurando agora
apenas escapar com vida. Mas não conhecia o templo como Bane. Este
mantinha as rotas de saída impedidas, lentamente guiando seu oponente para
um corredor sem saída.
Compreendendo o que acontecia, Kas’im explodiu a parede pesada de
uma câmara adjacente com a Força e mergulhou lá dentro. Bane sabia que
não havia saída dali, por isso parou na entrada a fim de saborear sua vitória.
O Twi’lek parou no centro da câmara vazia, arquejando pesadamente,
ligeiramente curvado, a cabeça baixa. Ele olhou quando Bane passou pelo
arco, entrando na sala. Porém, no momento em que seu olhar encontrou o de
Bane, não havia nem um lampejo de derrota em seus olhos.
– Devia ter me eliminado quando teve a chance – disse. Havia menos de
cinco metros entre os dois, mas era o suficiente para Kas’im dar um giro
rápido com o cabo do sabre de luz. O cabo comprido dividiu-se no meio e
subitamente ele estava armado não com um sabre de luz duplo, mas com um
par de lâminas singulares, cada uma numa mão.
Bane hesitou. Poucos alunos da Academia tinham tentado usar dois sabres
de uma só vez. O mestre espadachim sempre os desencorajara de aventurar-
se nessa variação da quarta forma, afirmando ser inerentemente falha. Agora,
ao ver a expressão cruel e astuta no rosto do inimigo, Bane entendeu a
verdade.
A batalha foi retomada, mas agora era Bane quem batia em total retirada.
Sem treinamento adequado, mesmo seu enorme comando da Força não
conseguiria antecipar as sequências incomuns do estilo de luta com duas
mãos. Sua mente foi inundada pelas milhões de opções que seu oponente
poderia empregar, e não tinha experiência alguma da qual se valer para
eliminá-las. Todo confuso, ele recuou, cambaleando, atrapalhado feito um
náufrago desesperado.
No espaço de poucas passadas, Bane entendeu que não poderia vencer.
Kas’im treinara a vida toda para esse momento. Após anos de estudo,
dominara todas as sete formas de sabre de luz. Depois cultivara sua
habilidade por décadas, aperfeiçoando cada movimento e sequência até se
tornar a arma perfeita e o maior espadachim vivo da galáxia. Talvez o maior
espadachim que já existira. Bane não era páreo para ele.
O mestre espadachim encontrava-se implacável em seu avanço. Parecia
brandir seis lâminas em vez de duas: atacava com um ritmo peculiar,
designado para manter o oponente em desequilíbrio, avançando com uma
espada no alto e a outra por baixo ao mesmo tempo, golpeando de lados
opostos em ângulos estranhos e conflitantes. Bane não teve opção senão
recuar… e, cada vez mais, recuar. Lutava agora com um único propósito:
escapar, de algum modo, com vida. Uma esperança dava-lhe força para
perseverar perante chances tão escassas, uma vantagem que o mestre
espadachim não tivera durante sua vez de recuar. Bane conhecia a planta do
templo e foi capaz de encaminhar-se lentamente para a saída.
Lutando por corredores e antessalas, os combatentes fizeram uma curva e
apareceram na única entrada do Templo Rakatano: o amplo arco e o pequeno
patamar além dele. No instante em que Kas’im reconheceu onde estavam e
entendeu que seu oponente ainda conseguiria escapar, Bane o golpeou com a
Força. Ele desequilibrou o Twi’lek por um breve segundo, depois girou pelo
arco e ganhou o patamar externo. Parou agachado, ainda de frente para o
oponente. Contudo, na pressa, Bane saltou longe demais, o que lhe
prejudicou o equilíbrio junto ao precipício do lance mais alto de escadas,
com os degraus descendo, muito íngremes, atrás de si.
Kas’im respondeu usando a Força com o intuito de empurrar Bane para
trás, fazendo-o rolar pela grande escadaria de pedra, afastando-se do mestre
espadachim. A queda lhe quebraria o pescoço – ou pelo menos fraturaria um
braço ou uma perna – se Bane não tivesse se protegido com a Força. Mesmo
assim, chegou ao solo machucado, batido e momentaneamente atordoado.
No patamar, lá no alto, Kas’im estava embaixo do imenso arco da entrada
do templo, olhando para o ex-aluno.
– Vou segui-lo para onde for – disse. – Não importa aonde vá, vou
encontrá-lo e matá-lo. Não viva a vida com medo, Bane. Melhor acabar com
isso agora.
– Concordo – Bane respondeu, atirando a onda de energia da Força que
ficara reunindo durante o falatório do mestre espadachim.
O ataque de Bane não teve nada de sutil: a maciça onda de choque sacudiu
as fundações do grande Templo Rakatano. A descarga concussiva tinha força
suficiente para estilhaçar cada osso do corpo de Kas’im e lhe pulverizar a
carne numa massa de líquido polpudo. No último segundo possível,
entretanto, ele ergueu um escudo para se proteger do ataque.
Infelizmente, não conseguiu proteger o templo ao seu redor. As paredes
explodiram em grandes nacos de pedra. O arco desabou numa chuva de
pedregulho, enterrando Kas’im debaixo de toneladas de rocha e argamassa.
Um segundo depois, o restante da cobertura implodiu, afogando os gritos de
morte do Twi’lek com um ribombar ensurdecedor.
Bane assistiu ao espetáculo da implosão do templo da segurança do solo
ao pé da escadaria. Nuvens espiraladas de poeira rolaram do desabamento e
pelos degraus até ele. Exausto em virtude do demorado combate de sabre de
luz e drenado pelo disparo inesperado de Força, permaneceu apenas deitado
ali até ser coberto por uma camada fina de pó branco.
Após certo tempo, levantou-se com dificuldade. Usando a Força,
pesquisou algum sinal de que Kas’im ainda estivesse vivo debaixo daquela
montanha de pedra. Não captou nada. Kas’im – seu mentor, o único instrutor
da Academia que tinha de fato o ajudado – estava morto.
Darth Bane, senhor sombrio dos Sith, deu-lhe as costas e foi embora.
24

NÃO HAVIA TEMPO NEM MOTIVO PARA LAMENTAR A MORTE DE KAS’IM. Mesmo
com toda a utilidade que tivera no passado, ele se tornara apenas um
obstáculo no caminho de Bane. Obstáculo esse que não existia mais.
Entretanto, sua chegada em Lehon impelira Bane a agir. Por tempo demais
ele se mantivera separado dos eventos da galáxia em busca de conhecimento,
compreensão e poder. Com a destruição do templo, não havia mais motivo
para permanecer no Planeta Desconhecido. Então, começou a longa jornada
pela floresta a pé, seguindo a mesma trilha que Kas’im tomara horas antes.
Bane podia ter usado a Força para convocar outro rancor e ir mais rápido,
mas queria tempo para pensar no que acabara de acontecer… e em como
lidar com a Irmandade.
Kaan pervertera toda a Ordem dos Sith, transformando-a numa assembleia
doentia de rastejadores chorões. Enganara todos afirmando que conseguiriam
derrotar os Jedi por meio da astúcia marcial, mas Bane sabia que não era
verdade. Havia muitos Jedi, e eles ganhavam força quando unidos contra um
inimigo comum: essa era a natureza do lado luminoso. A chave para derrotá-
los não estava em frotas nem em exércitos. Sigilo e engano eram as armas
que os derrubariam. Só alcançariam a vitória com sutileza e astúcia.
Sutileza era algo que faltava a Kaan. Se usasse a cabeça, enviaria Kas’im
a Lehon sob o disfarce de um seguidor descontente. O mestre espadachim
poderia ter chegado sob o disfarce de que dera as costas à Irmandade. Bane
o teria aceitado como aliado. Desconfiaria, claro, mas com o tempo teria
enfraquecido a vigilância. Cedo ou tarde acabaria baixando a guarda,
momento em que Kas’im poderia tê-lo matado. Um assassinato rápido, limpo
e eficaz.
Em vez disso, Kas’im chegara e anunciara diretamente o desafio, seguindo
as regras de algum código de honra tolo. Seu fim não teve honra alguma; isso
de morte nobre constituía uma utopia. A honra era uma falácia, uma corrente
que se enrolava em torno de quem fosse tolo o bastante para aceitá-la e os
arrastava para a derrota. Por meio da vitória, minhas correntes se rompem.
Bane seguiu a trilha aberta pelo rancor por entre as árvores sem sofrer
incidentes; os moradores da mata se mantinham bem longe dele. Vislumbrou
por um instante um bando de felinos de seis patas servindo-se da carcaça de
um rancor largado no caminho, mas os animais fugiram quando ele se
aproximou. Esperaram por um bom tempo depois que ele se foi para
engatinhar de volta e continuar a refeição.
No instante em que Bane chegou à praia, já idealizara um plano. A nave
de Kas’im se encontrava pousada na areia ao lado da dele, e o Sith
rapidamente a despiu de suprimentos, inclusive drones mensageiros. Ele os
transportou para sua própria nave, e depois fez uma inspeção rápida da
Valcyn. Encontrando todos os sistemas em funcionamento, subiu a bordo.
Antes de decolar, programou um curso no drone mensageiro usando
coordenadas roubadas da nave de Kas’im. Alguns minutos depois, a Valcyn
decolou da superfície do Planeta Desconhecido, subindo cada vez mais, até
que atravessou a atmosfera e ganhou o vácuo escuro do espaço. Bane digitou
as coordenadas hiperespaciais de seu destino e despachou o drone
mensageiro.
O drone alcançaria Ruusan em poucos dias, oferecendo trégua a Kaan e
entregando-lhe um presente – o qual ele suspeitava que Kaan seria tolo e
vaidoso demais para reconhecer pelo que realmente era.
A Irmandade jamais derrotaria os Jedi. E, enquanto ela existisse, os Sith
permaneceriam maculados, estragados, como um poço envenenado desde a
fonte. Bane precisava destruí-los. Todos eles. Para tanto, teria de usar as
armas que Kaan fora orgulhoso ou cego demais para usar contra ele: engano
e traição. As armas do lado sombrio.

– Não acho certo dividir nossos esquadrões desse jeito – Pernicar


sussurrou, vindo logo atrás de lorde Hoth. O general olhou para trás, vendo a
fileira de soldados da ralé trotando pela floresta. Menos de vinte no total,
meio famintos, uma maioria de feridos mal equipados, assemelhavam-se
mais a refugiados do que a guerreiros do Exército da Luz. Carregavam
suprimentos do ponto de entrega para o acampamento, assim como duas
outras caravanas, que seguiam por rotas diferentes.
– É perigoso demais viajar num único grupo maior – insistiu Hoth. –
Precisamos destes suprimentos. A divisão em três caravanas nos dá mais
chance de que pelo menos alguns deles cheguem ao acampamento.
Hoth olhou para trás, vendo a trilha pela qual seguiam, em busca de algum
sinal de que eram perseguidos. As chuvas tinham parado quase uma semana
antes, mas o solo continuava macio. O passar das tropas deixava impressões
profundas no solo lamacento.
– Até mesmo um Gamorreano cego poderia nos rastrear agora – grunhiu.
Silenciosamente, desejou o retorno das chuvas camufladoras que ele tanto
xingara nos meses anteriores, sentado acocorado, tremendo de frio debaixo
de abrigos inadequados feitos de folhas e galhos caídos.
Entretanto, Hoth sabia que não deveriam se preocupar com rastreadores.
Ampliando-se com a Força, tentou captar inimigos escondidos, deitados à
espreita entre as árvores, à frente. Nada. Claro que, se houvesse algum Sith,
ele estaria projetando imagens falsas para se esconder de…
– Emboscada! – gritou um dos soldados, e logo os Sith encontravam-se em
cima deles. Vinham de todos os lados: guerreiros brandindo sabres de luz,
soldados armados com armas de raios e vibropunhais. O barulho metálico de
hiperaço e o sibilo do brandir de lâminas de energia misturavam-se aos
gritos dos vivos e dos mortos: gritos de raiva e triunfo; de agonia e
desespero.
Um voleio de raios passou por entre as fileiras, derrubando os padawans
inexperientes demais para defletir os disparos. Um segundo voleio
atravessou a pancadaria. Os raios ricochetearam selvagens quando tanto Sith
quanto Jedi os defletiram, causando pouco dano, mas incrementando o caos.
Lorde Hoth lutava bem no núcleo do confronto, derrubando inimigos tolos o
bastante para se manter ao alcance de sua arma feroz. O fedor gorduroso e
adocicado de carne chamuscada tomou suas narinas, e uma barricada de
corpos foi se montando ao redor dele. Ainda assim, eles não paravam de
chegar, avançando contra Hoth num enxame feito besouros em cima de presa
recente, procurando derrubá-lo apenas com maior contingente.
Pernicar desapareceu sob o mar de inimigos e Hoth redobrou seus
esforços para alcançar o amigo caído. O homem estava implacável em sua
fúria, como as tormentas devastadoras da própria Maw. Quando chegou,
Pernicar já havia morrido. Assim como, brevemente, todos os outros.
Uma explosão nas fronteiras da batalha chamou sua atenção para o alto
por um instante. Uma ávida lacaia dos Sith avançou em busca de glória além
de suas mais insanas expectativas para tentar matar o poderoso general
enquanto ele estava distraído. Hoth nem chegou a olhar para ela; apenas usou
a Força, aprisionando-a num campo de estática. A moça ficou parada,
incapacitada, congelada no lugar até ser derrubada pelo movimento
descuidado de uma vibrolâmina brandida por alguém do lado dela.
Essa morte mal foi registrada pelos pensamentos conscientes de Hoth. Ele
estava focado nas quatro swoops que rolavam para cima da batalha,
metralhando com suas armas poderosas as linhas inimigas. A emboscada
Sith dispersou-se, incapaz de colidir com pesado apoio aéreo ou indisposta
a isso. Foi preciso todo o treinamento Jedi de Hoth para não os caçar e
atacá-los pelas costas enquanto eles fugiam para a segurança das árvores.
Um momento depois, as swoops pousaram, ovacionadas por cerca de dez
Jedi que restaram de pé. Lorde Valenthyne Farfalla, mais enfadonhamente
conveniente do que nunca, desmontou e se curvou perante o general.
– Ouvi dizer que estavam trazendo suprimentos, meu senhor – disse,
reerguendo-se com a elegância afetada de um senador de Coruscant. –
Achamos melhor vir dar cobertura.
– Há mais duas caravanas – Hoth retrucou. – Em vez de pousar aqui com
essa pompa toda, você devia estar indo lá os ajudar.
Farfalla apertou os lábios de irritação, num pequeno bico rabugento.
– Já mandamos outras swoops para acompanhá-los.
Ele hesitou, como se considerasse se devia dizer mais alguma coisa. Hoth
lançou-lhe um olhar irritado que praticamente gritou ao outro que ficasse em
silêncio.
Mesmo assim – ou talvez justamente por causa disso –, ele acrescentou:
– Achei que fosse receber melhor nossos reforços.
– Você se foi faz meses! – Hoth ralhou. – Enquanto ficava por aí bancando
o diplomata, permanecemos aqui presos nesta guerra.
– Eu fiz o que prometi – Farfalla respondeu friamente. – Trouxe trezentos
Jedi em reforços. Chegarão ao seu acampamento assim que tivermos caças
suficientes para nossos transportadores passarem pelo bloqueio planetário
dos Sith.
– Isso pouco conforta todos que deram suas vidas enquanto esperavam
você chegar – Hoth devolveu.
Farfalla olhou para os corpos espalhados pelo solo. Ao ver Pernicar entre
eles, sentiu-se desolado. Agachou ao lado do corpo e sussurrou umas poucas
palavras, depois tocou o soldado caído no centro do cenho e se levantou.
– Pernicar era meu amigo também – afirmou, um pouco mais suavemente
agora. – A morte dele dói em mim tanto quanto em você, general.
– Duvido – Hoth murmurou, muito bravo. – Você nem estava aqui para ver.
– Não deixe que a dor o consuma – avisou Farfalla, mais uma vez com
frieza. – Esse caminho leva para o lado sombrio.
– Não ouse falar comigo sobre o lado sombrio! – Hoth gritou, metendo o
dedo na cara de Farfalla. – Fui eu quem ficou aqui lutando contra a
Irmandade de Kaan! Conheço os costumes deles melhor do que ninguém! Vi
a dor e o sofrimento que trazem. E sei o que será preciso para derrotá-la.
Preciso de soldados. De suprimentos. De Jedi dispostos a lutar contra o
inimigo com o mesmo ódio que eles sentem por nós. – Ele baixou a mão e
deu meia-volta. – Se tem algo de que não preciso é um dândi afetado me
dando aula sobre os perigos do lado sombrio.
– A morte de Pernicar não foi culpa sua – disse Farfalla, avançando para
colocar a mão no ombro de Hoth e consolá-lo. – Não se culpe. Não há
emoção; há paz.
Hoth girou e afastou a mão do outro.
– Me solta! Pegue seus malditos reforços e corra de volta pra Coruscant
feito os covardes maricas que são! Não precisamos de gente como você
aqui!
Agora foi Farfalla quem se virou e pisou firme de volta para sua swoop
enquanto o resto do grupo assistia a tudo em silêncio, chocado de horror. Ele
jogou a perna comprida por cima do banco e ligou os motores.
– Talvez os outros Jedi estivessem certos sobre você! – ele gritou para ser
ouvido de cima da swoop. – Essa guerra te consumiu. Te levou à loucura.
Loucura que vai levá-lo para o lado sombrio!
Hoth nem se importou de ver Farfalla e as demais swoops voando para o
horizonte. Em vez disso, agachou ao lado do corpo de seu mais velho amigo
e chorou por seu fim brutal e sem sentido.
Quando Githany finalmente chegou, Kaan precisou se conter para não
brigar com ela. Ela já o tinha visto com a guarda baixa: inseguro, em dúvida.
Devia ser cuidadoso com ela agora ou perderia sua lealdade. E precisava
dela mais do que nunca.
Em vez disso, falou com um tom casual que demonstrava apenas um
lampejo de frio desapontamento por baixo da superfície.
– Faz três horas que pedi que a chamassem.
Ela lhe abriu um sorriso selvagem e feroz.
– Houve um ataque contra uma das caravanas Jedi que transportavam
suprimentos. Resolvi ir com eles.
– Ainda não ouvi relatórios. Qual foi o resultado?
– Foi glorioso, lorde Kaan! – ela riu. – Mais três mestres, seis cavaleiros
Jedi, um punhado de padawans… todos mortos!
Kaan assentiu, aprovando. A maré da batalha estava mudando aos poucos
em Ruusan e, com o fim da estação chuvosa, o pêndulo gingara para o lado
dos Sith. Claro que ele sabia que era mais do que uma mudança climática o
que restaurara a moral das tropas dele e lhes trouxera um fluxo de vitórias
retumbantes.
O Exército da Luz encontrava-se fraturado. Seu contingente em Ruusan
diminuía. Valenthyne Farfalla orbitava o mundo com reforços, mas os
espiões de Kaan relatavam uma rixa entre ele e Hoth, a qual impedia os
recém-chegados de se juntar ao combate. Sem o mestre Pernicar para
acalmar essa animosidade aguda, a antipatia mútua dos mestres Jedi aleijaria
seus esforços.
Kaan compreendia muito bem a ironia da situação. Para variar, os Jedi
eram separados por lutas internas e rivalidades, enquanto a Irmandade da
Escuridão permanecia unida e forte. Em parte, ele achava essa estranha
inversão preocupante. Nas longas noites em que não conseguia dormir,
costumava zanzar pela barraca debatendo-se com esse aparente paradoxo.
Teriam os exércitos em Ruusan cruzado uma linha na qual luz e trevas se
encontravam? Teria o conflito interminável entre o Exército da Luz e a
Irmandade da Escuridão arrastado ambos a um vazio em que as ideologias
seriam inevitavelmente entrelaçadas? Seriam todos eles, agora, usuários do
lado crepuscular da Força, presos entre dois lados, sem pertencer a nenhum?
Contudo, a chegada do sol da manhã inevitavelmente baniria esses
pensamentos com as notícias de mais uma vitória Sith no campo de batalha.
E somente um tolo questionaria seus métodos quando estivesse ganhando.
Motivo pelo qual ele não sabia muito bem o que pensar sobre a mensagem
que recebera de Darth Bane pouco tempo antes.
– Kas’im está morto – ele disse a Githany, abordando diretamente o
problema em questão.
– Morto? – A reação de choque da moça corroborou a decisão de Kaan
sobre não contar a novidade ao restante da Irmandade. Ele tomara o cuidado
de manter o propósito da partida do mestre espadachim em segredo até que
soubesse o resultado do confronto. – Foram os Jedi? – ela perguntou.
– Não – ele admitiu, escolhendo cautelosamente as palavras. – Mandei-o
falar com lorde Bane. Kas’im achava que poderia convencê-lo a se unir a
nós. Porém, Bane o matou.
Githany estreitou o olhar.
– Eu avisei você sobre ele.
Kaan assentiu.
– Você o conhece melhor do que todos nós. Entende o homem. É por isso
que preciso saber. Bane me mandou uma mensagem.
Ele estendeu o braço e ligou o drone mensageiro pousado sobre a mesa.
Um pequeno holograma do maciço e musculoso senhor sombrio
materializou-se à frente deles. Ainda que fosse difícil discernir os detalhes
de sua expressão nesse tamanho, tornou-se claro que estava aflito.
– Kas’im está morto. Eu… o matei. Mas ando pensando no que ele disse
antes… antes de morrer.
Githany fitou Kaan com curiosidade. Este deu de ombros e acenou com o
rosto para o holograma, que continuou a falar.
– Vim aqui em busca de algo. Eu… nem sei direito o quê. Mas não
encontrei. Do mesmo modo que não tinha encontrado no Vale dos Senhores
Sombrios, em Korriban. E agora Kas’im está morto e… não sei o que
fazer…
A projeção pendeu a cabeça: perdida, confusa e sozinha. Kaan via
claramente o escárnio no rosto de Githany enquanto ela assistia ao
espetáculo à sua frente. Finalmente, a figura pareceu recompor-se e tornou a
erguer os olhos.
– Não quero que a morte de Kas’im tenha sido em vão – Bane disse
enfaticamente. – Eu devia tê-lo ouvido, para começar. Eu… quero me unir à
Irmandade.
Kaan estendeu a mão e desligou o drone.
– Então? – perguntou a Githany. – Está falando sério? Ou é só uma
armadilha?
A moça mordiscou o lábio inferior.
– Acho que está sendo sincero – disse, por fim. – Mesmo com todo o seu
poder, Bane ainda é fraco. Não consegue se entregar totalmente ao lado
sombrio. Ainda se sente culpado quando usa a Força para matar.
– Qordis mencionou algo assim – disse Kaan. – Ele me contou que Bane
teve a chance de matar um rival no ringue de duelos na Academia, mas
recuou no último momento.
Githany assentiu.
– Sirak. Ele simplesmente não conseguiu matar. E Kas’im era mentor dele.
Se Bane foi forçado a matá-lo, deve ter sido algo ainda mais difícil de lidar.
– Então eu devo mandar um emissário se encontrar com ele?
Ela negou.
– Bane é mais problemático do que valioso. Está vulnerável agora, mas,
quando retomar a confiança, ficará mais determinado do que nunca. Vai
causar dissidência entre nós. Além disso – ela acrescentou –, não
precisamos mais dele. Estamos vencendo.
– Então como sugere que lidemos com ele? Assassinos?
Ela riu.
– Se ele conseguiu vencer Kas’im, duvido que qualquer outro tenha
chance contra ele. Exceto eu.
– Você?
Githany sorriu.
– Bane gosta de mim. Não diria que confia em mim exatamente… mas
quer confiar em mim. Deixe que eu vá até ele.
– E o que vai fazer quando encontrá-lo?
– Dizer que estou com saudade. Explicar que consideramos a oferta dele e
queremos que se una à Irmandade. Depois, quando ele baixar a guarda, vou
matá-lo.
Kaan ergueu as sobrancelhas.
– Você faz parecer tão simples.
– Ao contrário de Kas’im, eu sei lidar com o rapaz – ela garantiu. – A
traição é uma arma muito mais eficiente do que o sabre de luz.
Ela deixou a barraca momentos depois, levando consigo o drone
mensageiro e as coordenadas que Bane enviara para o encontro. Kaan tinha
confiança total de que ela concluiria a tarefa. E não via motivo para lhe
mostrar o pequeno pacote que chegara no compartimento de carga do drone.
Bane o enviara ao lorde Kaan como presente de trégua; um modo de
compensar pela morte de Kas’im. Não tinha muito sentido: apenas texto
escrito em diversas folhas de flimsi, numa letra torta e apressada, como se
fosse registrado enquanto se escutava outra pessoa falar. Entretanto, essas
folhas continham uma descrição detalhada de uma das criações mais
temíveis dos antigos Sith: a bomba de pensamento.
Um ritual antigo que requeria a vontade combinada de muitos senhores
Sith poderosos, a bomba de pensamento liberava energia destrutiva pura do
lado sombrio. Havia riscos envolvidos, é claro. Poder assim tão alto era
volátil demais, dificultando o controle até mesmo aos que tinham força para
conjurá-lo. Era possível que a explosão aniquilasse toda a Irmandade junto
com o Exército da Luz de Hoth. O vácuo no centro da explosão podia sugar
os espíritos desencarnados de ambos, Sith e Jedi, prendendo-os lado a lado,
por toda a eternidade, num estado inquebrável de equilíbrio no coração de
uma esfera congelada de pura energia.
Kaan duvidava que precisaria de uma arma como essa para acabar com os
Jedi ali em Ruusan. Afinal, estava vencendo a guerra. Entretanto, quando
começou seu caminhar que duraria mais uma longa noite de insônia, não
conseguiu parar de estudar o ritual da bomba de pensamento.
25

A DISTÂNCIA, AMBRIA PARECIA LINDO. Um mundo alaranjado com admiráveis


anéis violeta; sem dúvida, o maior planeta habitável do sistema Stenness.
Entretanto, qualquer um que pousasse no planeta logo constataria que a
beleza desaparecia assim que se entrava na atmosfera.
Muitos séculos antes, os rituais falhos de um poderoso feiticeiro Sith
liberara inadvertidamente uma onda cataclísmica de energia do lado sombrio
por toda a superfície do mundo. Os feiticeiros foram destruídos, junto com
quase toda a vida restante de Ambria. O que sobrevivera constituía pouco
mais do que rocha, uma desolação, e até então montinhos de terreno fértil
eram poucos e espalhados. Não havia cidades de verdade em Ambria;
somente um ou outro morador durão habitava a superfície, tão dispersos que
era quase como se morassem sozinhos no planeta.
Os Jedi tentaram, no passado, livrar Ambria de sua mácula imunda, mas o
poder do lado sombrio marcara o mundo permanentemente. Incapazes de
purificá-lo, eles conseguiram concentrar e confinar o lado sombrio numa
única fonte: o lago Natth. Os moradores corajosos o suficiente para enfrentar
os arredores desolados de Ambria deram ao lago e a suas águas venenosas
um amplo ancoradouro. Obviamente, Bane montou acampamento nessas
margens.
Ambria localizava-se na margem da Região de Expansão, a somente um
salto rápido no hiperespaço de Ruusan. Evidência de pequenas batalhas
travadas ali entre tropas da República e dos Sith espalhava-se por todo
canto. Armas largadas e armaduras cobriam a paisagem seca; veículos
queimados e swoops danificadas eram visíveis a quilômetros de distância
nas planícies frias e descampadas. A não ser por uns poucos habitantes
locais que foram procurar algo de útil, ninguém se preocupara em limpar os
restos.
O planeta anelado era um mundo insignificante: muito poucos recursos e
pouquíssimas pessoas para as tropas da República que agora controlavam o
setor se preocuparem. Bane ouvira dizer que um curandeiro de grande
habilidade – um homem chamado Caleb – viera ao mundo assim que
terminaram os conflitos. Um tolo idealista determinado a curar os ferimentos
da guerra; um homem que não merecia nem mesmo o desprezo de Bane. Até
mesmo ele devia ter deixado para trás esse mundo ao ver quão pouca coisa
de utilidade restava ali. Em todos os sentidos, era um mundo esquecido.
O lugar perfeito para encontrar o enviado de Kaan. Uma tropa Sith seria
rapidamente detectada pelas naves da República que patrulhavam a região,
mas uma nave pequena com um piloto habilidoso poderia entrar de fininho
sem ter problemas. Bane não pretendia arranjar um encontro num lugar no
qual Kaan pudesse enviar uma armada para acabar com ele.
Ficou esperando pacientemente, no acampamento, pela chegada do
emissário de Kaan. Às vezes, olhava para o céu ou além do horizonte, mas
não se preocupava com a possibilidade de alguém o pegar desprevenido.
Veria uma nave vindo pousar mesmo a quilômetros dali. E, se chegassem até
ele num veículo de solo – como o landcrawler estacionado na beirada do
acampamento –, ele escutaria o ranger dos motores ou sentiria as vibrações
inequívocas das pesadas esteiras conforme trilhassem caminho pelo terreno
irregular.
Em vez disso, tudo o que escutava era o bater das águas escuras do lago
Natth contra a margem a menos de cinco metros de onde se encontrava
sentado. E o tempo todo sua mente lutava com a única pergunta para a qual
ele ainda não tinha resposta.
Deve haver apenas dois; não mais, não menos. um para encarnar o
poder, outro para cobiçá-lo. Assim que tivesse livrado a galáxia da
Irmandade da Escuridão, onde encontraria um aprendiz digno?
O zunido dos motores de um buzzard o retirou de seus pensamentos. Ele se
levantou enquanto a nave baixava dos céus para circular uma vez o
acampamento, antes de pousar a pouca distância. Quando a rampa de acesso
baixou e ele viu quem descia, não pôde conter um sorriso.
– Githany – disse, erguendo a mão para cumprimentá-la assim que ela
cruzou a distância que os separava. – Estava torcendo para lorde Kaan
enviar você.
– Ele não me enviou – ela respondeu. – Eu pedi pra vir.
O coração de Bane começou a bater um pouco mais rápido. Sentia-se feliz
por vê-la; sua presença acordou um desejo dentro de si que ele quase
esquecera que existia. Entretanto, sentiu-se inseguro também. Se havia
alguém que podia enxergar através de seu ardil, era ela.
– Você viu a mensagem? – Bane perguntou, estudando-a cautelosamente
para decifrar a reação dela.
– Achei que você tinha superado isso, Bane. Ter pena de si mesmo e se
arrepender é para os fracos.
Aliviado, ele baixou a cabeça para continuar o fingimento.
– Tem razão – murmurou.
Ela se aproximou dele.
– Você não me engana, Bane – ela sussurrou, e os músculos dele se
tornaram tensos tanto pela ansiedade quanto pelo que ela faria em seguida. –
Acho que veio aqui por outro motivo.
Bane manteve a pose quando ela se inclinou lentamente para ele, pronto
para reagir ao primeiro sinal de ameaça ou perigo. Baixou a guarda apenas
quando ela uniu gentilmente os lábios aos dele.
Por instinto, ele ergueu as mãos e a pegou pelos ombros, puxou-a mais
para perto, pressionando lábios e corpo com mais força contra os dele
enquanto a sorvia. Githany envolveu aqueles ombros e pescoço largos com
os braços, devolvendo a insistência dele com o próprio desejo.
O calor os envolveu. O beijo pareceu durar uma eternidade; o perfume
dela se enrolou nos corpos entrelaçados até que Bane sentiu que se afogava
nele. Quando a moça finalmente se afastou, ele pôde ver a avidez feroz nos
olhos dela e provar do fogo adocicado daqueles lábios. Sentiu outro sabor
também.
Veneno!
Aturdido com o beijo, ele levou um segundo para entender o que
acontecera. Se Githany acreditava ou não nele, não importava. Ela pedira a
Kaan que fosse até ali para matá-lo. Por um breve segundo, ele ficou
preocupado… até reconhecer o sabor delicado de cobre do veneno de rocha
worrt.
Ele riu, arquejando um pouco.
– Magnífico – sussurrou.
Sigilo. Astúcia. Traição. Githany podia ter sido corrompida pela
influência da Irmandade, mas ainda entendia o que tornava o lado sombrio o
mais forte. Seria possível que ela fosse a aprendiz ideal, apesar de sua
aliança com a Irmandade?
Ela sorriu, tímida, perante o elogio.
– Por meio da paixão, ganho a força.
Bane podia sentir o veneno percorrendo-lhe o organismo. Os efeitos eram
sutis. Se sua crescente força junto ao lado sombrio não tivesse tornado seus
sentidos hipercientes, Bane provavelmente não notaria a presença da
substância por muitas horas. Mais uma vez, porém, Githany o subestimava.
O veneno da rocha worrt era poderoso o bastante para matar um bantha,
mas havia toxinas muito mais raras – e letais – que ela podia ter escolhido.
O lado sombrio fluía por ele, grosso como o sangue em suas veias. Agora
ele era Darth Bane, um verdadeiro senhor sombrio. Não precisava temer o
veneno dela.
O fato de Githany ter pensado que ele não o detectaria nos lábios dela – o
fato de pensar que o veneno lhe faria mal – indicava que ela acreditara na
atuação dele. A moça suspeitava que ele tinha caído longe do lado sombrio
mais uma vez; achava que ele enfraquecera. Bane sentiu-se contente: isso
tornava mais perdoável a decisão dela de permanecer ao lado de Kaan.
Talvez ainda houvesse esperança para ela, afinal. Mas ele precisava ter
certeza.
– Desculpe por te abandonar – ele disse baixinho. – Fiquei cego sonhando
com a glória do passado. Naga Sadow, Exar Kun, Darth Revan. Desejava o
poder dos grandes senhores sombrios do passado.
– Todos nós desejamos poder – ela respondeu. – É a natureza do lado
sombrio. Mas há poder na Irmandade. Kaan está prestes a obter sucesso
onde todos que vieram antes fracassaram. Estamos vencendo em Ruusan,
Bane.
Bane balançou a cabeça, desapontado. Como ela continuava tão cega?
– Kaan pode estar vencendo em Ruusan, mas seus seguidores estão
perdendo em todos os outros lugares. O grande exército Sith dele está em
ruínas sem seus líderes. A República os fez recuar e retomou a maioria dos
mundos que tínhamos conquistado. Em mais alguns meses, a rebelião será
esmagada.
– Nada disso importa se pudermos acabar com os Jedi – ela explicou,
ávida, os olhos brilhando. – A guerra cobrou um preço alto da República.
Assim que os Jedi forem destruídos, podemos facilmente juntar nossas
tropas e virar a maré da guerra. Tudo que temos de fazer é dar cabo de todos
eles, e a vitória derradeira será nossa! Tudo que temos de fazer é vencer em
Ruusan!
– Há mais Jedi além dos que estão em Ruusan – ele retrucou.
– Há alguns, mas estão espalhados sozinhos ou em duplas pela galáxia. Se
o Exército da Luz for destruído, podemos caçá-los a nosso bel-prazer.
– Você acredita mesmo que Kaan vai vencer? Ele já alegou vitória
iminente e falhou em cumprir com o prometido.
– Para alguém que afirma querer voltar à Irmandade – ela notou, meio
desconfiada –, você não parece muito devotado à causa.
Bane disparou o braço à frente e a pegou pela cintura, puxando-a para
perto a fim de dar-lhe mais um beijo selvagem. Ela soltou uma exclamação,
surpresa, mas fechou os olhos e se entregou ao prazer físico do momento.
Dessa vez, foi Githany quem finalmente se afastou, com um suspiro baixinho.
– Você tinha razão quando disse que eu voltei por outra coisa – ele disse,
ainda a apertando junto a si. O veneno traiçoeiro nos lábios da moça estava
tão adocicado quanto no primeiro beijo.
– Não tem como a Irmandade falhar – ela prometeu. – Os Jedi estão
fugindo, acovardados, escondidos na floresta.
Bane a soltou e recuou, dando-lhe as costas. Queria desesperadamente
crer que ela era capaz de tornar-se sua aprendiz assim que ele destruísse
Kaan e a Irmandade. Mas ainda não tinha certeza. Se Githany realmente
acreditasse no que a Irmandade defendia, então não havia esperança.
– Simplesmente não consigo aceitar o que lorde Kaan prega – ele
confessou. – Ele diz que somos todos iguais, mas, se formos iguais, então
ninguém pode ser forte.
Ela se aproximou de Bane e pôs as mãos em seus ombros, pressionando
gentilmente até que ele se virou e ficou de frente para ela de novo. A
expressão no rosto da moça transmitia seu divertimento.
– Não acredite em tudo que Kaan diz – Githany avisou, e ele pôde ouvir
uma ambição crua na voz dela. Um que incorpore o poder, um que o deseje.
– Assim que os Jedi forem destruídos, muitos dos seguidores deles
descobrirão que alguns de nós são mais iguais que outros.
Ele pegou Githany com seus braços fortes, em um rugido de alegria, e
girou-a sem parar enquanto lhe dava mais um beijo intenso e demorado. Era
isso mesmo que ele queria ouvir!
Quando finalmente a pousou, ela recuou um passo, instável por conta do
movimento inesperado. Recobrou o equilíbrio e riu, surpresa.
– Acho que isso é um sim – disse a moça com um sorriso malicioso dos
lábios repletos de veneno. – Levante acampamento. Vou antes dizer a Kaan
que você está vindo.
– Mal posso esperar pra ver a cara dele quando você lhe contar sobre
esse encontro – ele respondeu, ainda fingindo não estar ciente do veneno que
corria solto por seu corpo.
– Nem eu – ela respondeu, não entregando o ouro. – Nem eu.

Conforme a superfície de Ambria ficava para trás e os gloriosos anéis


entravam em seu campo de visão, Githany não pôde deixar de sentir uma
pontada de arrependimento. A paixão que suscitara em Bane conferira a este
força súbita e surpreendente; ela o sentira em cada beijo. Mas tornou-se
claro que Bane estava interessado nela, não em entrar para a Irmandade da
Escuridão.
Githany digitou as coordenadas para o salto que a levaria de volta a
Ruusan e se recostou na cadeira. Sua cabeça girava com o veneno que lhe
cobria os lábios. Não o veneno de rocha worrt; este estava ali apenas para
iludir Bane e dar-lhe uma sensação falsa de segurança. Mas o synox que ela
misturara junto – a toxina sem cor, sem odor, sem gosto, favorita dos
famosos assassinos do GenoHaradan – surtia efeito, mesmo com o antídoto
que ela tomara. A moça não tinha dúvidas de que Bane logo estaria se
sentindo muito, muito pior do que ela. Bastaria um único beijo para matá-lo,
e ele recebera uma dose tripla.
Githany sabia que sentiria falta dele. Bane, entretanto, era uma ameaça a
tudo pelo que lorde Kaan trabalhava. Era preciso ficar do lado de um ou do
outro, então naturalmente ela preferiu o que tinha um exército Sith sob seu
comando.
Era essa, afinal, a natureza do lado sombrio.

Bane observou o buzzard até ele desaparecer no céu, depois se concentrou


em desfazer o acampamento. Teria de agir com muita cautela agora. Githany
contaria a Kaan que tentara envenená-lo. Quando ele aparecesse no
acampamento ainda vivo, as coisas se tornariam… complicadas.
Bane podia apenas ficar longe e deixar que os eventos seguissem
naturalmente. Os Jedi em Ruusan se reuniriam, ganhando vantagem na
batalha mais uma vez. Era certo; Bane contava com isso. Desesperado, Kaan
se voltaria para o presente que Bane lhe enviara. Soltaria a bomba de
pensamento, sem saber de sua verdadeira natureza. E então todo usuário da
Força em Ruusan – Jedi e Sith – seria destruído.
Era esse o enredo mais provável. Bane, contudo, chegara longe demais
para deixar o fim da Irmandade da Escuridão nas mãos do destino. Quando o
exército de Kaan vacilasse, dessa vez, haveria aqueles no acampamento –
como Githany – que talvez se virariam contra ele. Talvez fugiriam de
Ruusan, dispersando-se atrás dos Jedi. E, então, Bane precisaria lidar com
cada um dos rivais separadamente antes de se tornar o líder inquestionável
dos Sith.
Melhor estar a par de tudo, guiando os eventos para o resultado que ele
desejava. Isso, entretanto, demandava que ele inventasse uma história
plausível para explicar seu desejo de entrar para a Irmandade mesmo depois
de um assassinato fracassado.
Bane pensou no assunto por quase uma hora, considerando e descartando
um monte de ideias. No fim, havia apenas um motivo pelo qual eles
acreditariam que ele havia voltado. Precisava que todos pensassem que ele
queria derrubar Kaan e tornar-se o novo líder da Irmandade.
Bane sorriu perante a beleza sutil do plano. Kaan ficaria desconfiado,
claro. Mas todos os seus esforços e sua atenção estariam focados na
manutenção de sua posição. Ele não perceberia o verdadeiro propósito do
rival: exterminar a Irmandade completamente; destruir cada Sith que restasse
em Ruusan.
Além disso, havia a vantagem extra de ter mais uma oportunidade para
convencer Githany a se juntar a ele. Assim que ela entendesse o que Bane
realmente se tornara – e como tinha manipulado Kaan e seus famigerados
senhores sombrios –, talvez de fato aceitasse a oferta e se tornasse aprendiz
dele. Pelo menos ele teria chance de ver a cara dela quando constatasse que
o veneno não conseguira…
– Ungh! – Bane soltou um grunhido e curvou-se quando uma dor terrível
dominou-lhe o estômago. Tentou se endireitar, mas seu corpo foi sacudido
subitamente por um acesso demorado de tosse. Ele ergueu a mão para cobrir
a boca e, quando a baixou, viu-a coberta de pontinhos vermelhos e
espumosos de sangue.
Impossível, pensou ele, quando mais uma pontada de dor lancinante o fez
cair de joelhos. Revan ensinara-o a usar a Força para lidar com veneno e
doença. Nenhuma toxina simples deveria ser capaz de afetar alguém forte o
bastante no lado sombrio para ser um senhor dos Sith.
Mais um acesso de tosse o paralisou até passar. Bane ergueu a mão para
limpar o suor que rolava pelo rosto e sentiu algo quente e pegajoso na
bochecha. Um pequeno fio fino de lágrimas vermelhas rolava, saído do canto
do olho.
Tremendo, ele se levantou, voltando seu foco para dentro. O veneno
continuava ali. Espalhara-se por todo o corpo dele, poluindo e corrompendo
seu sistema, danificando-lhe os órgãos vitais. Sofrendo de hemorragia
interna, ele sangrava pelos olhos e nariz.
Githany! Ele teria rido se não sofresse de tão insuportável agonia. Fora
tão confiante, tão arrogante. Tão convencido de que ela o subestimava. Pelo
contrário – ele é que a subestimara. Um erro que jurou nunca mais cometer…
se sobrevivesse.
Lera o bastante sobre synox para reconhecer os sintomas. Se o detectasse
imediatamente, seria capaz de limpá-lo do organismo, assim como fizera
com o veneno de rocha worrt que escondera sua presença. O synox,
entretanto, era o mais sutil dos venenos; a insidiosa toxina roubara-lhe as
forças enquanto se espalhava imperceptivelmente por todo o seu corpo.
Conjurando todos os recursos, Bane tentou expurgar o veneno do corpo,
queimando-o com o fogo gelado do lado sombrio. O veneno era forte
demais… ou melhor, ele estava fraco demais. O prejuízo já acontecera. O
synox o aleijara, tornando seu poder uma mera sombra do que fora horas
antes.
Ele podia abrandar os efeitos, desacelerar o progresso e conter
temporariamente os sintomas letais. Mas não podia se curar. Não agora,
fraco como estava.
Embora houvesse poder no lago Natth, ele não podia drenar nada de lá.
Os Jedi antigos tiveram o cuidado de trancafiar o lado sombrio seguramente
nas profundezas. As águas negras e estagnadas constituíam apenas a
evidência do poder que jazia para sempre aprisionado sob a superfície.
Desesperado para encontrar outro modo de sobreviver, ele cambaleou até
o landcrawler da margem do acampamento. Ignorando os protestos de seus
membros subitamente moles, subiu para o volante e começou a dirigir.
Precisava de um curandeiro. Se o que se chamava Caleb ainda estivesse no
planeta, Bane tinha de encontrá-lo. Era sua única chance.
Dirigiu-se para o campo de batalha mais próximo, uma planície desolada
muitos quilômetros distante onde os restos dos que lutaram e morreram ainda
jaziam espalhados pelo chão. O movimento pesado das esteiras do
landcrawler sacudia Bane a cada curva, e ele rangia os dentes com a dor
agonizante. Enquanto dirigia, seu mundo se tornou um pesadelo vívido de
escuridão e sombras, tudo tingido de vermelho. Mal tinha ciência de para
onde ia, deixando a Força guiá-lo enquanto tentava usá-la para impedir que
seu corpo sucumbisse aos efeitos do veneno de Githany.
O medo da morte o envolvia, sufocando-lhe os pensamentos. Sua força de
vontade começou a vacilar; seria tão fácil simplesmente se entregar e deixar
tudo terminar. Apenas deixar tudo se esvair e ficar em paz…
Rosnando, Bane sacudiu a cabeça, arrastando os pensamentos de volta dos
cantos, repetindo a primeira linha do mantra Sith sem parar: a paz é uma
mentira. Retornou ao treinamento de soldado, pegou o medo e o transformou
em raiva para dela tirar força.
Sou Darth Bane, senhor sombrio dos Sith. Vou sobreviver. A qualquer
custo.
Lá na frente – nos limites de sua visão cada vez mais fraca –, viu outro
veículo movendo-se lentamente pelo outro lado do campo de guerra.
Habitantes. Batedores fuçando nos destroços.
Apontou o nariz de seu landcrawler para eles, grunhindo com o esforço
necessário apenas para virar o volante. Estendendo a Força, tentou tocar os
espíritos dos que haviam perecido no local. Poucos meses antes, muitos
seres morreram ali. Ele tentou sorver o que restava de seus fins torturantes,
esperando que a agonia dos momentos finais deles desse um empurrão em
seu poder vacilante. Mas não foi suficiente; o sofrimento deles estava
distante demais, e o eco de seus gritos, muito baixo.
Olhando à frente, notou que seu veículo começara a se desviar do curso,
puxando forte para um lado visto que as mãos dele fraquejavam no volante.
Os braços estavam moles, formigando; perdera quase totalmente o controle
sobre eles. Sentia o coração se esforçando a cada batida.
A esteira frontal bateu numa pedra maior, e o landcrawler subitamente
capotou, jogando Bane sobre terra seca e pedras irregulares. O Sith tentou
olhar adiante mais uma vez para localizar as pessoas que vira ao longe, mas
o esforço para erguer a cabeça foi muito para ele. Exausto, seu mundo
mergulhou na escuridão.
O whump-whump-whump pesado das esteiras de um landcrawler o trouxe
à consciência. O outro veículo se aproximava. Ele duvidava de que alguém o
veria: seu corpo caíra debaixo do crawler tombado, e os visitantes
chegavam pelo outro lado. Mesmo que o vissem, não havia muito que
pudessem fazer para salvá-lo nesse ponto. Entretanto, ele podia fazer algo
para se salvar.
Os motores foram desligados e Bane escutou o som das vozes: eram vozes
de crianças. Três meninos saltaram da traseira do landcrawler e começaram
a fuçar avidamente por entre os destroços.
– Mikki! – veio a voz do pai, chamando um dos filhos. – Não vá longe
demais.
– Olha! – gritou um dos meninos. – Olha o que eu achei!
Os fortes devem servir aos mais fortes. É assim que funciona o lado
sombrio.
– Uau! É de verdade? Posso tocar?
– Deixa eu ver, Mikki! Deixa eu ver!
– Calma, meninos – disse o pai, cansado. – Vamos ver.
Bane escutou a bota do homem esmagando o cascalho conforme ele se
aproximou. Eu sou forte. Eles são fracos. Não valem nada.
– É um sabre de luz, pai. Mas tem algo de estranho no punho. Viu? Tem um
gancho esquisito.
Ele sentiu o medo súbito que prendeu o peito do pai feito uma morsa.
Sobreviver. A qualquer custo.
– Jogue isso fora, Mikki! Agora!
Tarde demais.
O sabre de luz ganhou vida na mão do menino, girou no ar e o matou
rapidamente. O pai gritou; os irmãos tentaram fugir. A espada saltou em
direção ao mais velho, cortando-o pelas costas.
Bane, sorvendo forças do horror das mortes, levantou-se, aparecendo feito
um fantasma regurgitado das entranhas do planeta.
– Nããããão! – urrou o pai, apertando desesperadamente o filho mais novo
junto ao peito. – Poupe este, meu senhor! – ele implorou, com lágrimas
rolando pelo rosto. – É o mais novo. O último que tenho.
Os que são fracos o bastante para implorar por misericórdia não a
merecem.
Ainda fraco demais até para erguer os braços, Bane estendeu mais uma
vez a Força, fazendo o sabre de luz pairar sobre as vítimas indefesas.
Aguardou, deixando que o horror se acumulasse, depois fincou a lâmina
ardente no coração do menino.
O pai apertou o corpo do filho junto ao peito. Seus lamentos torturados
ecoaram por todo o campo de batalha vazio.
– Por quê? Por que teve de matá-los?
Bane fez um banquete da angústia dele, rejubilando-se, sentindo o lado
sombrio crescer dentro de si. Os sintomas do veneno cederam o bastante
para ele levantar o braço sem que os músculos tremessem. O sabre de luz
voou para a sua mão.
O pai acovardou-se perante seu algoz.
– Por que me fez ver tudo? Por que…
Um movimento rápido de sabre de luz o cortou, condenando-o ao mesmo
trágico destino que tiveram seus filhos.
26

LORDE HOTH SE VIRAVA DE UM LADO PARA O OUTRO, sem conseguir dormir. O


ranger de sua cama juntou-se ao zunido reclamão do enxame de insetos
sanguessugas que seguiam o exército dele onde quer que montasse
acampamento. O barulho era acompanhado pelo chiar de passarinhos
noturnos de asas curtas que voavam em rasantes para devorar os insetos que
devoravam os soldados. O resultado era uma cacofonia estridente e
enlouquecedora que beirava os limites da audição.
Mas não eram os barulhos que o mantinham acordado, nem o calor
impiedoso que lhe conferia uma camada constante de suor no cenho, mesmo
à noite. Não eram as estratégias militares e os planos de batalha
constantemente passando por sua mente. Não era nada disso, mas sim a soma
de todos eles – e o fato de que não parecia haver fim visível para aquela
maldita guerra. Incômodos menores que eram toleráveis nos primeiros meses
em Ruusan transformaram-se com frustração e futilidade em tormentos
insuportáveis.
Com um grunhido de raiva, ele jogou longe o fino lençol sob o qual
dormia para o canto da barraca. Girou as pernas para o lado e sentou-se na
beirada da cama, curvando-se à frente com os cotovelos nos joelhos e a
cabeça metida nas mãos.
Por dois anos-padrão, conduzira sua campanha contra a Irmandade da
Escuridão, ali em Korriban. No começo, muitos Jedi lutaram ao lado dele. E
muitos Jedi morreram – gente demais. Sob o comando de lorde Hoth,
sacrificaram-se, oferecendo as próprias vidas em prol de uma causa maior.
Entretanto, agora, após seis grandes batalhas – sem contar as incontáveis
empreitadas, patrulhas, confrontos menores e avanços não decisivos –, nada
fora decidido. O sangue de milhares manchava-lhe as mãos, mas não se
encontrava nem um pouco mais perto de seu objetivo.
A frustração começava a abrir caminho para o desespero. A moral estava
mais baixa do que nunca. Muitos dos soldados comentavam que Farfalla
tinha razão: o general deixara Ruusan tornar-se sua louca obsessão e os
guiava para o fim.
Hoth nem tinha mais forças para discutir com eles. Às vezes, achava que
se esquecera dos motivos pelos quais fora parar ali, para começar. Talvez,
em algum momento, tenha havido virtude naquela guerra, mas tal nobreza
fora arrancada dela fazia muito tempo. Agora, lutava por vingança em nome
dos Jedi que tinham tombado. Lutava pelo ódio que sentia pelo lado sombrio
e o que este representava. Lutava pelo orgulho, e por recursar-se a admitir a
derrota. Mas, acima de tudo, lutava simplesmente porque não sabia mais o
que fazer.
Entretanto, se desistisse agora, que diferença faria? Se ordenasse a suas
tropas que recuassem, evacuando o planeta a bordo das naves de Farfalla,
alguma coisa mudaria? Se ele saísse do caminho e transferisse o peso que
era enfrentar os Sith – ali em Ruusan ou em qualquer outro ponto da galáxia
–, encontraria a paz finalmente? Ou estaria apenas traindo todos os que
acreditavam nele?
Separar-se do Exército da Luz agora, com toda a Irmandade da Escuridão
ainda na ativa, seria uma desonra à memória de todos os que pereceram no
conflito. Persistir levaria à morte certa de muitos mais – e talvez ele mesmo
se perdesse da luz para sempre.
Hoth se deitou e fechou os olhos de novo. Mas o sonho não vinha.
– Quando todas as opções são um erro – ele murmurou consigo na
escuridão –, que diferença faz qual vou escolher?
– Quando o caminho à frente não está claro – respondeu uma voz etérea –,
deixe suas ações serem guiadas pela sabedoria da Força.
Hoth rapidamente ergueu a cabeça para espiar o interior da barraca,
tomado pelo escuro. Uma figura aparecia quase invisível, nas sombras, em
pé, do outro lado.
– Pernicar! – ele exclamou, depois perguntou de repente: – Isso é real? Ou
estou na verdade dormindo profundamente na cama, e tudo não passa de um
sonho?
– Os sonhos são apenas um tipo diferente de realidade – Pernicar
respondeu, balançando a cabeça, achando graça. Cruzou lentamente a
barraca, aproximando-se. Quando chegou mais perto, Hoth percebeu que
podia enxergar através do amigo.
A aparição ajeitou-se na beirada da cama. As molas não rangeram; era
como se ela não tivesse peso nem substância alguma.
Deve ser sonho, Hoth pensou. Mas não quis acordar. Em vez disso,
agarrou-se desesperadamente à chance de ver seu velho amigo de novo,
mesmo que fosse apenas uma ilusão conjurada por sua própria mente.
– Senti sua falta – disse. – Seus conselhos, sua sabedoria. Preciso deles
agora mais do que nunca.
– Você não era tão disposto a me ouvir quando eu estava vivo – respondeu
o Pernicar do sonho, cutucando os mais secretos arrependimentos e a culpa
enterrados profundamente no inconsciente de Hoth. – Havia muito que você
podia ter aprendido comigo.
Uma ideia engraçada ocorreu ao general.
– Será que eu fui o seu padawan esse tempo todo, mestre Pernicar? Tão
jovem e tolo que nem sabia que você tentava me instruir nos costumes da
Força?
Pernicar riu baixinho.
– Não, general. Nenhum de nós é jovem… embora os dois tenham vivido
uma boa cota de momentos de tolice.
Hoth assentiu, tristonho. Por um momento não disse nada, apenas apreciou
a presença de Pernicar mais uma vez, mesmo que estivesse ali só em
espírito. Então, sabendo que devia haver algum propósito para essa
elaborada charada que seu inconsciente lhe criara, perguntou:
– Por que veio?
– O Exército da Luz é um instrumento do bem e da justiça – Pernicar lhe
disse. – Você receia ter perdido a mão, mas olhe para a Força e você saberá
o que fazer a fim de recuperá-la.
– Você faz parecer tão simples – falou Hoth com uma sacudida ligeira da
cabeça. – Será que estou tão perdido que nem me lembro dos ensinamentos
mais básicos de nossa Ordem?
– Não há vergonha em fracassar – afirmou Pernicar, levantando-se. – É
vergonhoso apenas não querer se levantar.
Hoth soltou um suspiro demorado.
– Sei o que tenho de fazer, mas não possuo recursos para tanto. Minhas
tropas estão à beira de desabar: exaustos, e são poucos. E os outros Jedi não
acreditam mais na nossa causa.
– Farfalla ainda acredita – apontou Pernicar. – Embora vocês tenham suas
divergências, ele sempre foi leal.
– Acho que repeli Farfalla de uma vez por todas – Hoth admitiu. – Ele não
quer mais saber do Exército da Luz.
– Então por que as naves dele continuam na órbita? – Pernicar contrapôs.
– Sua raiva o afugentou, e ele receia que você tenha passado para o lado
sombrio. Mostre que isso não aconteceu, e ele voltará a segui-lo.
Pernicar recuou um passo. Hoth conseguiu sentir-se voltando lentamente à
consciência. Podia ter lutado contra. Podia ter se esforçado para continuar
no mundo dos sonhos. Mas havia trabalho a fazer.
– Adeus, velho amigo – sussurrou. Lentamente, abriu os olhos, revelando
o mundo e o escuro vazio de sua barraca. – Adeus.
O sono não retornou nessa noite. Em vez disso, Hoth ficou pensando
muito, sem interrupção, no que Pernicar lhe dissera no sonho. Ele sempre
fora aquele a quem o general se voltava quando se sentia confuso ou
incomodado. Fazia sentido que sua mente conjurasse a imagem do amigo
mais querido para colocá-lo de volta no caminho certo.
Então, soube o que precisava fazer. Engoliria o orgulho e pediria o perdão
de Farfalla. Pelo bem dos Jedi, os dois precisavam pôr de lado as querelas
pessoais.
Assim que amanheceu, Hoth saiu da barraca determinado a mandar um
emissário a Farfalla. Para sua surpresa, entretanto, descobriu que um
soldado do pessoal de Farfalla viera falar com ele.
– Cheguei a me perguntar se havia viajado à toa – admitiu a mensageira
assim que lorde Hoth a recebeu em sua barraca. – Tive receio de que você
se recusaria inclusive a me ver.
– Se viesse um dia antes, talvez acontecesse isso mesmo – o general
confessou. – Essa noite eu tive… uma revelação que mudou as coisas.
– Acho que foi sorte eu vir hoje, então – ela respondeu, pendendo
cordialmente a cabeça.
– Sim, foi sorte – ele murmurou, embora parte de si acreditasse que o
sonho chegara na hora certa por causa de outra coisa além da sorte. Sem
dúvida, a Força era um poderoso e misterioso aliado.
Bane ainda sentia o veneno em seu organismo enquanto dirigia o
landcrawler pelas planícies amplas e vazias de Ambria. O zunido do motor
não conseguia abafar o estalar e crepitar do lixo empilhado na traseira. Os
estalos o impediam de enterrar de vez a lembrança dos donos anteriores do
veículo em sua mente, mas Bane não sentia remorso pelas mortes deles.
Deixara os corpos deitados onde caíram – no meio do campo de batalha
do qual coletavam seus prêmios. Suas mortes deram ao Sith a força de que
precisava para seguir adiante, mas o assomo de poder que ele sentira já
começava a ceder. Tinha força para manter o synox em suspensão por mais
algumas horas, mas precisava encontrar uma cura permanente.
Tinha de encontrar Caleb. Se conseguisse alcançar o curandeiro, ainda
haveria uma chance. A morada do homem, entretanto, encontrava-se ainda a
muitos quilômetros dali.
Era apenas questão de tempo até que seu corpo sucumbisse à paralisia e
sua mente fosse engolida pela loucura febril causada pela toxina. Por ora, no
entanto, a raiva lhe permitia manter claras as ideias.
Não estava bravo com Githany. Ela apenas agira como uma serva do lado
sombrio devia agir. Bane direcionava a raiva para dentro – para a própria
fraqueza e a arrogância fora de lugar. Ele devia ter antecipado a verdadeira
profundidade da astúcia da moça.
Em vez disso, deixara Githany envenená-lo. Se morresse agora, sua
grande revelação – a Regra de Dois, a salvação dos Sith – acabaria junto
dele.

Caleb sentiu a chegada do landcrawler muito antes de vê-lo ou ouvi-lo.


Assemelhava-se a uma tempestade no vento, um céu negro correndo para
tapar o sol. Quando o veículo parou em frente à sua choupana, ele já estava
sentado na entrada, aguardando.
O homem que saltou dele era grande e musculoso, um contraste agudo com
sua estrutura fina e rígida. Usava roupas escuras e um sabre de luz de cabo
em gancho balançava em seu cinto. Tinha pele da cor das cinzas e os traços
contorciam-se numa expressão de crueldade e desprezo. Ainda que não fosse
sensível aos aspectos da Força, Caleb não teria dificuldade para reconhecer
o homem como um servo do lado sombrio. O que talvez não teria sentido era
o quão poderoso o soturno visitante realmente era.
Mas Caleb lidara com homens e mulheres poderosos antes. Tanto Jedi
quanto Sith tinham vindo até ele no passado, e ele afugentara todos. Era um
servo de gente comum, dos que não podiam se ajudar. Não queria tomar
parte alguma na guerra entre luz e trevas.
O homem começou a andar até ele, movendo-se com rigidez. O fedor
horrendo de veneno exalava pelos poros do Sith moribundo, abafando o
aroma da sopa que fervia, pendendo acima da fogueira de Caleb. Metendo
uma vareta no carvão para atiçar o fogo, Caleb compreendeu a pele incomum
do visitante. Os efeitos do synox eram inconfundíveis. Ele calculou que o
condenado tinha no máximo mais um dia de vida.
Não disse nada até que o homem parasse bem à sua frente, imponente feito
o próprio espectro da morte.
– Há veneno no seu corpo – Caleb disse, plácido. – Você veio atrás da
cura – ele continuou. – Não vou te dar.
O homem não falou nada. Normal, dado o estado em que se encontrava. O
veneno devia ter-lhe rachado e inchado a língua; a boca estava seca e cheia
de bolhas. Mas ele não precisou de palavras para transmitir sua mensagem
quando a mão baixou para o punho do sabre de luz.
– Não tenho medo de morrer – afirmou Caleb, sem alterar a voz. – Pode
me torturar quanto quiser – acrescentou. – A dor não me causa nada.
Para provar o que dissera, o homem mergulhou a mão no caldeirão
borbulhante. O fedor de carne queimada misturou-se aos cheiros de sopa e
veneno. A expressão jamais se alterou, mesmo quando ele tirou a mão dali e
a ergueu para mostrar a carne escaldada.
O que ele viu nos olhos do recém-chegado foi dúvida e confusão, olhar
que testemunhara muitas vezes antes. No passado, seu estoicismo lhe servira
muito bem, em geral frustrando os planos dos Sith e Jedi que o procuravam
por um ou outro motivo. Não conseguiam entendê-lo, e era isso que queria.
Não se importava com a guerra nem com qual lado era o correto. Na
verdade, havia apenas uma coisa com que se importava em toda a galáxia. E
essa atuação era sua única esperança de protegê-la do monstro que pairava
sobre ele.
O homem implacável que tinha à frente intrigou Bane. Sua única chance de
sobreviver lhe fora negada, e ele não sabia muito bem o que fazer com isso.
Sentia o poder dentro do homem, mas não era poder do lado sombrio nem do
luminoso. Não era nem mesmo o poder da Força num sentido normal da
palavra. Ele retirava sua força de solo e rocha, montanha e floresta, da terra
e do céu. Apesar dessa diferença, Bane sentia que o poder do homem era
formidável à sua maneira. Achou o fato estranho, perturbador, incômodo.
Seria possível que ele realmente perderia essa briga de intenções? Seria
possível para um homem simples – um homem com a fagulha das mais fracas
de Força dentro de si – desafiar um senhor sombrio dos Sith?
Se a mente do curandeiro fosse fraca, Bane poderia tê-lo simplesmente
compelido a obedecer, mas sua vontade era tão inexorável quanto o ferro
preto da panela na qual ele mergulhara a mão. Caleb demonstrara que a dor
ou o medo da morte também seriam ferramentas ineficientes para convencê-
lo a mudar de ideia. Bane sentia a mente dele construindo muralhas para
bloquear a dor, enterrando-a tão profundamente que ela parecia desaparecer.
E havia algo mais que ele escondia. Algo que tentava desesperadamente
impedir Bane de descobrir.
Este estreitou os olhos quando compreendeu o que era. O homem tentava
esconder a presença de outro, blindando-o das percepções confusas e febris
do senhor sombrio. Ele voltou sua atenção à pequena e decrépita choupana
do curandeiro. O homem não se moveu para impedi-lo. Na verdade, não teve
reação alguma.
A entrada era bloqueada por nada além de uma comprida cortina que fluía
gentilmente com a brisa. Bane deu um passo à frente e a puxou de lado,
revelando uma salinha bagunçada. Uma garotinha com os olhos escancarados
de horror encontrava-se aninhada na parede oposta.
Um sorriso sombrio de alívio tocou os cantos dos lábios de Bane quando
ele compreendeu a verdade. Caleb tinha uma fraqueza, afinal; importava-se
com algo. Essa falha inutilizava toda a sua força de vontade. E Bane poderia
facilmente a explorar para conseguir o que queria.
Com um único comando mental, o Sith pescou a menina aterrorizada no ar
e a carregou até a suspender de ponta-cabeça acima da panela borbulhante
do curandeiro.
Caleb se levantou num salto, mostrando emoção de verdade pela primeira
vez. Ele foi pegá-la, mas reteve as mãos, fitando de modo frenético a filha e
o homem que literalmente tinha a vida dela em mãos.
– Pai – ela choramingou –, me ajude.
O homem baixou a cabeça, derrotado.
– Tudo bem – disse. – Você venceu. Vou te dar sua cura.
O ritual de cura durou a noite toda e também o dia seguinte. Caleb usou de
todo tipo de ervas e raízes: algumas cozidas nas águas ferventes de sua
panela, outras amassadas em pasta, outras ainda colocadas diretamente sobre
a língua inchada de Bane. Ao longo de todo o processo, Bane ficou atento,
pronto para liberar sua vingança sobre a filha do curandeiro caso este
tentasse traí-lo.
Porém, com o passar das horas, ele lentamente sentiu o synox deixando
seu corpo, extraído pelos medicamentos. Ao cair da noite no dia seguinte,
todos os traços do veneno tinham sumido.
Bane retornou ao acampamento e juntou suas coisas. Poucas horas depois,
estava pronto para decolar e deixar Ambria para trás.
Após a conclusão do ritual de cura, considerou brevemente matar pai e
filha pelo crime de vê-lo em seu momento de fraqueza, mas esse era o
pensamento de um homem cego pela própria arrogância. Seu encontro
recente com Githany mostrara-lhe os perigos desse caminho.
Nem Caleb nem a filha representavam ameaça a ele e a seus objetivos.
Além disso, Caleb tinha habilidades de que talvez ele precisasse novamente.
Mesmo com todo o seu poder, o lado sombrio era fraco na arte da cura.
Então, ele os deixara viver. Não havia propósito nem vantagem em matá-
los. Matar sem motivo ou ganho representava um prazer ínfimo para tolos
sádicos.
E Bane estava determinado – ao digitar as coordenadas de Ruusan no
navicomputador – a purgar o lado sombrio dos tolos.
27

QUANDO A VALCYN CHEGOU A RUUSAN, Bane se surpreendeu por encontrar


frotas Sith e Jedi no sistema. Os Sith tinham formado um bloqueio em torno
do planeta, obviamente tentando impedir os Jedi de trazerem reforços para
os colegas na superfície.
Entretanto, aos olhos de Bane, os Jedi aparentavam não se esforçar nem
um pouco para romper o bloqueio. Suas naves pareciam satisfeitas em
aguardar, espreitando além do alcance da artilharia inimiga. E os Sith não
podiam atacar sem quebrar a formação e expor suas fileiras. O resultado era
um tenso cabo de guerra; nenhum lado dispunha-se a dar o primeiro passo.
Apesar do bloqueio, Bane foi capaz de pousar a nave em Ruusan sem
atrair a atenção de nenhuma das frotas. Os Jedi não se preocupavam com
naves que entravam no planeta, e os Sith patrulhavam em padrões designados
para proteger o mundo de incursões em larga escala. O bloqueio pretendia
conter transportadores de tropas, naves de suprimento e seus acompanhantes;
contudo, era totalmente inútil contra uma única nave de apoio ou caça.
Os sensores dele captaram o acampamento Sith logo após sua entrada na
atmosfera, e ele levou a Valcyn para a extremidade mais distante do planeta.
As patrulhas do bloqueio não o tinham avistado e Bane desabilitara o
rastreador da nave antes de deixar Lehon. Ninguém sabia que estava ali. E
ele planejava permanecer assim por mais um tempo.
Bane pousou a nave atrás da proteção de uma pequena série de morros
muitos quilômetros distante do acampamento. Atrairia menos atenção
aproximando-se a pé, e queria manter a localização da Valcyn secreta caso
precisasse escapar com rapidez. Ele desembarcou e começou uma longa
caminhada para se encontrar com Kaan e seus colegas Sith.
A sensação do planeta diferenciava-se muito de todos os outros nos quais
ele estivera. Esse era um mundo cansado, exausto e gasto com as guerras
intermináveis travadas em sua superfície. Havia um mal-estar no ar, como
uma espécie de doença infecciosa da mente e do espírito. A Força era
poderosa em Ruusan – inevitável, dado o enorme contingente de Sith e Jedi
que estavam ali. Entretanto, ele a sentia em agitação, um turbilhão de
confusão e conflito. Nem trevas nem luz prevaleceram. Ambas colidiam e se
fundiam, misturando-se num cinza obsceno e indeciso.
Mais para o leste, Bane pôde ver as beiradas das grandes florestas de
Ruusan. Sentia os Jedi escondidos dentro delas, embora eles usassem o lado
luminoso para mascarar sua localização exata. O acampamento Sith ficava
no oeste, muitos quilômetros distante dos limites da floresta. Entre eles,
esticava-se um vasto panorama de morros suaves e planícies: o campo no
qual, até o momento, as maiores batalhas foram travadas em Ruusan. A luta
constante fora pontuada por seis combates de escala total, batalhas às quais
cada lado trouxera todas as suas forças na tentativa de acabar de vez com o
inimigo – ou, pelo menos, expulsá-los do planeta. Três vezes Hoth e o
Exército da Luz tiveram vantagem; as outras três foram vencidas por Kaan e
sua Irmandade. Entretanto, nenhuma das vitórias fora decisiva o bastante
para pôr um fim à guerra.
Pelo cheiro pungente de morte, Bane suspeitou que um confronto menor
também fora travado pouco antes nesse território. A suspeita se confirmou
quando ele subiu em um morro e se deparou com o cenário de um massacre.
Foi difícil dizer quem tinha vencido: corpos usando a vestimenta de ambos
os lados espalhavam-se por todo o lugar, entrelaçados como se os
combatentes permanecessem trancafiados no ódio mesmo muito depois de
serem mortos. A maioria dos mortos devia ter sido seguidora dos Jedi ou
lacaios dos Sith, e não cavaleiros Jedi ou membros da Irmandade, embora
ele notara mantos de senhores sombrios num punhado de corpos.
Pairando acima do campo de mortes havia bouncers, espécie única nativa
de Ruusan. Havia pelo menos meia dúzia, esféricos em forma e de diversos
tamanhos; a maioria tinha entre um e dois metros. Uma espessa pelugem
verde cobria os corpos redondos bem como os apêndices similares a
barbatanas que brotavam das laterais e as caudas longas feito laço que
fluíam da traseira. Não exibiam traços faciais visíveis a não ser olhos
escuros sem pálpebras.
Relatos indicavam que eram sencientes, entretanto, para Bane, pareciam
animais fuçando os detritos de uma batalha. Quando chegou mais perto,
reparou que se comunicavam, embora não possuíssem boca. De algum modo,
projetavam imagens mentais de ajuda e conforto, como se tentassem curar os
ferimentos da terra machucada abaixo.
Eles debandaram no momento em que Bane chegou mais perto, disparando
dali feito um bizarro cardume de peixes capaz de nadar no céu. Quando se
aproximou, ele reparou que os bichinhos reuniam-se em torno de um dos
caídos. Embora o humano ainda não estivesse morto, o ferimento aberto na
barriga evidenciava claramente que ele não viveria até a noite.
Usava o manto dos Sith, e os restos estilhaçados do punho de um sabre de
luz jaziam perto da mão estendida. Bane o reconheceu: era um dos alunos
inferiores da Academia de Korriban – tão fraco no lado sombrio que nem
valia a pena guardar o nome dele. Entretanto, ele conhecia Bane.
Com um grunhido, o homem rolou, ficando de costas para o chão, depois
se ergueu e ficou sentado, recostando a cabeça e os ombros numa pedra
próxima. Os olhos – brilhantes e dilatados – clarearam por um momento e
ganharam foco.
– Lorde Bane… – ele arquejou. – Kaan nos disse… que você estava
morto.
Não havia por que responder, então Bane não disse nada.
– Você perdeu a briga… – murmurou o homem, com as palavras difíceis
de escutar por entre as borbulhas gorgolejantes de sangue que lhe brotavam
da garganta. Um acesso de tosse cortou o que ele ia dizer em seguida. Sentia-
se fraco demais para levantar a mão e cobrir a boca quando cuspiu um monte
de bolinhas vermelhas sobre as botas escuras de Bane.
– A batalha foi gloriosa – ele finalmente grasnou. – É uma honra… cair
em tão esplêndida batalha.
Bane riu alto, a única resposta apropriada para tão ridícula estupidez.
– A glória não significa nada para os mortos – disse, embora não tivesse
certeza se o homem o ouvia no estado febril em que se encontrava.
Ele se virou para ir embora, mas parou quando sentiu um fraco puxão no
tornozelo.
– Ajude-me, lorde Bane.
Livrando a bota da mão que a segurava, Bane respondeu:
– Meu nome é Darth Bane.
Ouviu-se um doentio ruído crocante quando ele meteu a bota no crânio do
homem, moendo-o nas rochas que o amparavam. O corpo dele convulsionou
uma vez e se tornou imóvel.
Começara a purgação dos Sith.

Lorde Kaan deitava-se de costas na pequena cama em sua barraca, olhos


fechados, massageando as têmporas com gentileza. O esforço necessário
para manter unidos seus seguidores numa causa comum cobrara um preço
alto dele, e a cabeça pulsava constantemente com uma dor fraca e
persistente.
Apesar do sucesso obtido nas batalhas mais recentes contra os Jedi em
Ruusan, o humor no acampamento Sith estava tenso. Fazia muito tempo que
se encontravam no planeta – tempo demais –, e os relatos continuavam
trazendo notícia de vitórias da República em sistemas distantes. Mesmo com
sua habilidade de manipular e influenciar as mentes dos outros senhores
sombrios, tornava-se cada vez mais difícil manter a Irmandade focada na
batalha contra o Exército da Luz.
Ele sabia que havia somente um jeito de pôr fim à guerra, e um fim rápido.
A bomba de pensamento. Passara muitas noites se perguntando se ousaria
usá-la. Se atraíssem os Jedi e liberassem a bomba de pensamento, a
explosão destruiria todos os inimigos. Mas o poder somado da Irmandade
seria forte o bastante para sobreviver a tamanho poder? Ou eles seriam
varridos pelo rebote da explosão?
Vez ou outra, ele desconsiderou a ideia por julgá-la perigosa demais; uma
arma tão terrível que até mesmo ele – um senhor sombrio dos Sith – tinha
receio de usar. Entretanto, cada vez que pensava, fazia-o por um pouco mais
de tempo, até se afastar desse abismo.
Um barulho fora da barraca o fez abrir os olhos e sentar-se rapidamente.
Um segundo depois, a cabeça de Githany, agora vista por muitos como o
braço direito dele, apareceu pela entrada.
– Estão prontos para recebê-lo, lorde Kaan.
Ele assentiu e se levantou, tomando um segundo para se acalmar e se
recompor. Se mostrasse um mínimo de fraqueza sequer, talvez os outros se
virassem contra ele. Não podia deixar que isso acontecesse. Não agora,
quando se encontravam tão perto da vitória definitiva. Foi por isso que ele
convocou os outros senhores sombrios: uma última reunião para fortalecer a
resolução deles e garantir sua contínua lealdade.
Githany guiou-o pelo acampamento e ele a seguiu até a grande barraca na
qual os outros senhores Sith aguardavam por ele. Kaan entrou com
convicção e propósito, projetando uma aura de confiança e autoridade.
Como costumava acontecer sempre que entrava numa sala, os reunidos
levantaram-se, em sinal de respeito. Somente um, contudo, permaneceu
sentado, com os braços cruzados em frente ao peito forte.
– Está pesado demais para se levantar, lorde Kopecz? – Githany
perguntou, arisca.
– Pensei que fôssemos todos iguais na Irmandade – retrucou o Twi’lek,
falando mais para Kaan do que para ela.
Kaan sabia que precisava agir com cautela. Não era a primeira vez que
Kopecz dava voz à dissensão, e muitos dos outros pescavam as deixas dele.
Infelizmente, era também um dos mais difíceis de influenciar e controlar.
– Iguais. Isso mesmo, lorde Kopecz – disse Kaan com um sorriso cansado.
– Continue sentado. Vocês também. Não precisamos dessas formalidades
inúteis.
O restante do grupo fez o que ele pediu, sentando-se nas cadeiras, embora
todos ainda sentissem a tensão entre os dois. Kaan deixou uma onda de
calma tranquilizante vagar pela sala ao passar para a mesa de estratégia.
– A guerra contra os Jedi está quase no fim – declarou. – Eles estão à
beira do colapso. Recuaram para as florestas, mas começam a ficar sem
lugar para se esconder.
Kopecz bufou, zombando.
– Já cansamos de ouvir isso.
Lorde Kaan se esforçou tremendamente para manter a compostura e de
algum modo conseguiu responder numa voz calma e inalterada:
– Qualquer um que tenha dúvidas quanto à nossa estratégia aqui em
Ruusan está livre para falar – disse. – Como já apontado nesta reunião,
somos todos iguais na Irmandade da Escuridão.
– Não é só Ruusan que me preocupa – respondeu Kopecz, fisgando a isca
e levantando-se. – Perdemos terreno em toda a galáxia. A República
recuava. Mas, em vez de acabar com eles, deixamos que se reagrupassem!
– A maioria das nossas vitórias veio antes de os Jedi unirem-se à causa
deles – Kaan o lembrou. – A intenção de atacar a República primeiro era
atrair os Jedi para fora. Queríamos forçá-los a entrar numa batalha de nossa
escolha: esta batalha, aqui em Ruusan. Agora estamos prestes a dar cabo
deles. E, com o fim dos Jedi, podemos facilmente reivindicar os mundos que
voltaram para o controle da República, e muitos outros.
Embora Kopecz se mantivesse em silêncio, os outros senhores Sith
murmuravam, concordando. Kaan insistiu ainda mais em seu ponto de vista.
– Assim que acabarmos com o inimigo aqui em Ruusan, nossos exércitos
varrerão a galáxia toda praticamente sem oposição. Conquistando território
em cada setor, envolveremos Coruscant e os outros mundos do Núcleo num
laço, apertando cada vez mais até estrangularmos a República para lhe
arrancar de vez a vida!
A plateia soltou um rugido de aprovação. Quando Kopecz tornou a falar,
até mesmo ele parecia ter perdido um pouco da hostilidade.
– A vitória aqui, entretanto, não está garantida. Podemos ter cercado e
prensado o exército de Hoth, mas há uma frota Jedi com centenas de reforços
espreitando as fronteiras deste sistema.
– Os reforços estão na periferia do sistema – Kaan admitiu, assentindo,
sem se importar em negar o que cada um deles sabia ser verdade. – Como
estiveram na semana passada. E é exatamente lá que permanecerão: muito
longe da superfície na qual precisam deles. Boa parte das nossas frotas
encontra-se na órbita de Ruusan e os Jedi não têm contingente nem artilharia
para romper nosso bloqueio. Se não puderem unir seus reforços com os que
estão aqui na superfície, Hoth e seus seguidores tombarão. E, assim que
tivermos acabado com eles, poderemos varrer os restos esfarrapados da
Ordem a nosso bel-prazer.
Kopecz, apaziguado, sentou-se com um último comentário.
– Então vamos acabar logo com Hoth e sair desta maldita rocha.
– É exatamente esse o motivo desta conferência de estratégia – informou
Kaan sorrindo, sabendo que mais uma vez anulara um potencial cisma na
Irmandade. – Podemos ter perdido alguns combates aqui e ali, mas estamos
prestes a vencer a guerra!
Githany adiantou-se e entregou-lhe um holomapa com as mais recentes
informações dos drones de reconhecimento. Ele acenou com a cabeça,
agradecendo, e desdobrou o mapa na mesa, curvando-se, em seguida, para
vê-lo mais de perto.
– Nossos espiões indicam que o acampamento principal de Hoth está
localizado aqui – disse, pondo o dedo num setor do mapa de densas matas. –
Se conseguirmos expulsá-los da floresta, talvez possamos…
Ele parou assim que uma sombra deitou-se sobre o mapa.
– O que é isso? – perguntou, metendo o punho na mesa e erguendo o rosto
para encontrar o motivo da interrupção.
Uma imensa montanha de homem encontrava-se na entrada, bloqueando a
luz que vinha de fora. Era alto e completamente careca, de cenho forte e
traços duros e implacáveis. Usava a armadura negra e o manto dos Sith, e um
sabre de luz de cabo com gancho pendia ao lado do corpo. Embora nunca
tivesse visto o homem, lorde Kaan ouvira falar tanto dele que soube
exatamente quem era.
– Darth Bane! – exclamou. Apressou-se a olhar em direção a Githany,
suspeitando que a moça o traíra. Pela expressão no rosto dela, tornou-se
claro que se sentia tão surpresa quanto ele em ver o visitante vivo e bem. –
Nós… nós pensávamos que você estava morto – começou ele, inseguro. –
Como você…?
– Estou cansado – Bane interrompeu. – Importa-se se eu me sentar?
– Claro que não – Kaan respondeu rapidamente. – Como quiser, irmão.
O grande homem disse, com ironia, enquanto se ajeitava numa das
cadeiras mais próximas:
– Obrigado, irmão.
Havia algo no tom de voz dele que fez Kaan montar guarda. O que Bane
tinha ido fazer ali? Será que sabia que Githany tentara envenená-lo? Sabia
que Kaan a enviara?
– Por favor, continuem com a estratégia – Bane pediu, acenando
casualmente.
Kaan ficou todo arisco. Era como se lhe tivessem dado permissão para
prosseguir, como se fosse Bane quem comandasse. Rangendo os dentes, ele
olhou de volta para o mapa e retomou de onde se perdera.
– Como eu dizia, os Jedi estão escondidos na floresta. Podemos expulsá-
los se nos dividirmos. Se empregarmos nossos veículos aéreos,
conseguiremos flanquear as linhas ao sul…
– Bah! – Bane exclamou, batendo forte a palma da mão na mesa. – Usar
veículos aéreos e flanquear exércitos – zombou ele, depois de levantar-se e
meter o dedo na cara de Kaan. – Está pensando como um general barato, não
como um senhor Sith!
Um silêncio pesado caiu sobre a sala; até mesmo Kaan ficou sem
palavras. Ele sentia os olhares todos pousados sobre si, aguardando
ansiosamente para ver o que aconteceria em seguida. Bane se aproximou
ainda mais, colocando o rosto a centímetros do de Kaan.
– Como é que teve coragem de me envenenar? – perguntou num sussurro
grave e ameaçador.
– Eu… não fui eu! – Kaan gaguejou, enquanto Bane lhe dava as costas.
– Não se desculpe por ter usado astúcia e traição – censurou o grandalhão,
voltando para a mesa de estratégia. – Eu o admiro por isso. Somos Sith: os
servos do lado sombrio – continuou ele, curvando-se para estudar as
posições das tropas e dos desenhos técnicos espalhados à frente dele. –
Agora olhe para esse mapa e pense como um Sith. Não somente lute na
floresta… destrua a floresta!
Githany finalmente quebrou o silêncio que se seguiu, perguntando o que
todos queriam perguntar:
– E como propõe que façamos isso?
Bane se voltou para os demais com um sorriso maldoso.
– Vou mostrar.

A noite caíra, mas, sob as luzes das fogueiras flamejantes, Bane via os
outros correndo daqui para lá, fazendo as preparações que ele instruíra.
Quando sentiu Githany se aproximando de trás, virou-se para ela. A moça
segurava uma tigela de sopa fervente e exibia no rosto uma expressão de
insegurança e cautela.
– Levará mais uma hora até que fiquem prontos para começar esse seu
ritual – ela disse, em vez de cumprimentá-lo. Como Bane não respondeu, ela
acrescentou: – Você parece cansado. Trouxe algo pra repor sua força.
Ele aceitou a tigela, mas não a levou aos lábios. Descobrira o ritual de
que ela falava enquanto estudava o holocron de Revan: um modo de unir as
mentes e os espíritos dos Sith num único veículo para sua força ser liberada
no mundo físico. De muitos modos, o processo assemelhava-se ao usado
para confeccionar a bomba de pensamento a partir da Força, embora este
fosse menos poderoso do que o ritual que Bane enviara a Kaan como
presente de trégua – e muito menos perigoso.
Ele reparou que Githany ainda o estudava com atenção, então baixou o
rosto sobre a sopa.
– Veio me envenenar de novo? – perguntou. Havia apenas um leve toque
discreto de sarcasmo na voz dele.
– Você sabia o tempo todo, não?
Ele negou.
– Somente quando senti o gosto do veneno na sua boca.
Ela ergueu uma sobrancelha e abriu um sorriso recatado.
– Mas você voltou para servir-se mais uma vez. E de novo.
– Não se espera que um senhor sombrio seja prejudicado por um veneno –
ele disse. Depois admitiu: – Entretanto, ele quase me matou. – Bane ficou
quieto, mas Githany não disse nada. – Há senhores Sith demais na Irmandade
– ele prosseguiu. – Muitos dos quais são fracos no lado sombrio. Kaan não
entende isso.
– Kaan receia que você tenha retornado para tomar a Irmandade dele. –
Após um momento, a moça completou: – Acho que ele acertou.
Não tomar, pensou ele, mas destruir. Não se importou de corrigi--la, no
entanto; ainda não chegara a hora. Precisava de mais provas de que ela seria
o ente ideal para ser sua aprendiz. Deve haver apenas dois; não mais, não
menos. Um para encarnar o poder, outro para cobiçá-lo. Escolha para a
qual ele não tinha pressa alguma.
– Sou capaz de mostrar-lhe o verdadeiro poder do lado sombrio, Githany.
Poder além do que qualquer um deles sequer imagina – disse Bane.
– Me ensine – ela sussurrou. – Quero aprender. Você pode me mostrar
tudo… depois que tiver tomado o lugar de Kaan como líder da Irmandade!
O Sith não pôde deixar de se perguntar se ela ainda tentava manipulá-lo.
Será que queria colocá-lo contra Kaan? Ou queria que ele usurpasse o posto
de Kaan para provar que havia recobrado as forças?
Não, ele admitiu. Ela ainda não entende que toda Ordem Sith deve ser
destruída e reconstruída do nada. Talvez nunca entenda isso.
– Me diz uma coisa – falou ele. – Foi ideia sua me envenenar? Ou de
Kaan?
Com uma risada discreta, a moça passou por debaixo do braço que
segurava a tigela e chegou perto do peito dele, olhando-o direto nos olhos.
– Foi ideia minha – ela confessou –, mas tive o cuidado de fazer Kaan
pensar que foi dele.
Talvez ainda haja esperança para ela, pensou Bane.
– Sei que errei antes – Githany continuou, afastando-se dele. – Devia ter
ido com você quando deixou Korriban. Não entendia o que você procurava;
não entendia os segredos que estava procurando. Mas agora entendo. Você é
o verdadeiro líder dos Sith, Bane. Eu o seguirei daqui em diante. E também
o restante da Irmandade, depois de usarmos seu ritual para destruir os Jedi.
– Sim – ele concordou, mantendo um tom cuidadosamente neutro e
tomando um pequeno gole da sopa fervente. – Depois de destruirmos os Jedi.
Bane sabia que não podia realmente destruir os Jedi. Não ali, em Ruusan.
Não desse jeito. Sabia que, de algum modo, eles sobreviveriam. Nenhuma
guerra banal era capaz de eliminar completamente os servos da luz. Somente
os recursos do lado sombrio – a astúcia, o sigilo, a traição – poderiam fazê-
lo.
Recursos esses que usaria para acabar com toda a Irmandade da
Escuridão… começando pelo ritual dessa noite.
28

KAAN, GITHANY E O RESTO DOS SENHORES SOMBRIOS reuniram-se no topo de um


planalto descampado que levava às amplas florestas nas quais Hoth e seu
exército se escondiam. Vieram em seus fliers: veículos aéreos de curto
alcance, para um motorista, equipados na porção dianteira com armamento
pesado. Os fliers foram estacionados na beirada do platô, a cinquenta metros
de onde os Sith se sentavam em círculo. O ritual começara.
Estavam se conectando com a Força, todos eles adentrando um transe
meditativo. Suas mentes vagavam cada vez mais fundo no fosso de poder
contido em cada indivíduo, reunindo suas forças e combinando-as por um
único conduíte. Bane localizava-se no centro do círculo, incentivando-os.
– Toquem o lado sombrio. O lado sombrio é único. Indivisível.
O céu da noite cheio de nuvens escuras e um vento feroz cobriam o platô,
agitando os capuzes e os mantos dos Sith. O ar sacudia-se com relâmpagos e
com o crepitar de uma tempestade elétrica que se formava. Raios de um azul
esbranquiçado arqueavam pelo ar, e a temperatura de repente baixou.
– Entreguem-se ao lado sombrio. Deixem que ele os envolva. Engolfe-os.
Devore-os.
A Irmandade aprofundou-se ainda mais no transe coletivo, quase
indiferente à tempestade que lhes açoitava os corpos. Bane encontrava-se no
olho do furacão, atraindo os relâmpagos para si, alimentando-se deles.
Sentiu suas forças crescerem conforme canalizava e focava o lado sombrio
dos demais.
É assim que deve ser! Todo o poder da Irmandade num só corpo! O
único modo de liberar o potencial total do lado sombrio!
– Sentem-se invencíveis? Invulneráveis? Imortais?
Ele precisava gritar para ser ouvido por cima dos urros do vento e dos
trovões. Uma rede de relâmpagos espiralava de seu corpo, conectando-o a
cada um dos outros Sith. Ele estremeceu e então se tornou imóvel, de braços
esticados para os lados. Lentamente, seu corpo rígido começou a flutuar.
– Podem sentir? – ele gritou, como se o poder cru da Força permeando
seu corpo fosse rasgar-lhe a carne de dentro para fora. – Estão prontos para
matar um planeta?

Havia muito pouco na galáxia capaz de assustar um homem como o


general Hoth. Entretanto, sentado analisando os mais recentes relatórios
trazidos por seus batedores, ele sentiu os primeiros bruxuleios de verdadeiro
medo mordiscando-lhe a base do crânio.
A rixa entre ele e Farfalla fora consertada, mas agora não havia jeito de
trazer os reforços para o solo de Ruusan. Pequenas naves mensageiras com
tripulação de um ou dois passageiros conseguiram passar sem serem
detectadas pelo bloqueio Sith, embora numa ocasião até mesmo essas naves
tivessem sido avistadas e destruídas. Qualquer coisa maior jamais
conseguiria passar.
O medo, entretanto, resultava mais da frustração de ter ajuda tão próxima,
mas, ao mesmo tempo, tão impossivelmente distante. Havia algo sinistro no
ar. Algo ruim.
Subitamente, uma imagem surgiu em sua mente: uma premonição de morte
e destruição. Ele se levantou rapidamente e saiu às pressas da barraca.
Mesmo no meio da madrugada, ele quase não se surpreendeu ao ver que boa
parte do restante do acampamento estava de pé, zanzando por todo canto.
Eles também sentiram. Algo vindo para eles. E vindo rápido.
Todos olhavam para Hoth, líder deles, esperando ordens. Ele respondeu
com um único grito:
– Fujam!

A tempestade desceu rolando do platô e avançou para a floresta. Centenas


de filamentos de relâmpago lancinante disparavam do céu – e a floresta
explodiu. Árvores pegaram fogo, que percorreu galhos e espalhou-se para
todas as direções. A vegetação rasteira ardeu e, em seguida, soltou fumaça e
entrou em chamas; e uma parede de fogo varreu toda a superfície do planeta.
O inferno consumia tudo que encontrava pelo caminho.

Calor e fogo. Não havia mais nada no mundo de Bane. Era como se ele
tivesse se transformado na tempestade: via o mundo à sua frente engolido
por um mar de vermelho e laranja e reduzido em segundos a cinzas e carvão
pela fúria solta do lado sombrio.
Foi glorioso. E então, de repente, acabou.
Um baque forte ressoou quando o corpo dele despencou de onde pairava,
a cinco metros do chão. Por muitos segundos, Bane se sentiu completamente
desorientado, incapaz de entender o que acontecera. Então entendeu: a
conexão se rompera.
Lentamente, levantou-se, um pouco ainda sem equilíbrio. Ao redor dele,
viu as silhuetas dos Sith, não mais ajoelhados, meditando, mas caídos,
rolando pelo chão, com as mentes sofrendo pelo fim súbito do ritual em
conjunto. Um por um foi recobrando a compostura e levantando-se, a maioria
parecendo tão confusa quanto Bane segundos antes.
Então, ele notou lorde Kaan mais ao longe, perto dos fliers.
– O que aconteceu? – Bane perguntou, irritado. – Por que parou?
– Seu plano deu certo – Kaan respondeu, curto e grosso. – A floresta foi
destruída; os Jedi fugiram para campo aberto. Estão expostos, vulneráveis.
Agora podemos dar cabo deles.
Kaan rompera a conexão e de algum modo conseguira trazer os demais
consigo, como se possuísse certo comando sobre a mente deles. Talvez
possua mesmo, pensou Bane. Mais um motivo para serem todos destruídos a
fim da purificação dos Sith.
Visto que os demais recobravam os sentidos, Kaan pôs-se a gritar ordens
e planos de batalha.
– O fogo expulsou os Jedi para o campo aberto. Agora podemos dizimá-
los do céu. Depressa!
Todos saltaram ao ouvir a ordem e correram para os veículos, decolando
em direção aos céus, emitindo gritos de batalha e urros de triunfo.
– Vamos, Bane – disse Githany, passando por ele. – Vamos com eles!
Bane agarrou a moça pelo braço e a puxou.
– Kaan continua tentando vencer a guerra com armas de raio e exércitos –
falou. – Não é assim que funciona o lado sombrio.
– Assim é mais divertido – disse ela, com óbvia empolgação na voz,
liberando-se da mão dele.
Ao vê-la correndo para juntar-se aos outros, Bane compreendeu que a
moça fora corrompida pelos ensinamentos de Qordis e da Academia de
Korriban. Apesar da promessa de seguir Bane, Githany não conseguia
enxergar além da Irmandade e suas limitações. Fora maculada – não servia
para ser sua aprendiz. Deveria morrer com todos os outros.
Bane sentiu uma pontada de pesar ao tomar a decisão, mas um pesar
superficial: o eco de um sentimento, os últimos vestígios de uma emoção.
Logo afastou a sensação, sabendo que ela só servia para enfraquecê-lo.
– Você nos dá medo, Bane – disse uma voz atrás dele. O Sith virou-se e
viu Kopecz estudando-o. – Quando focávamos a Força em você, sentíamos
como se estivesse com os dentes em nossas gargantas – continuou o Twi’lek.
– Como se tentasse nos sugar e nos secar.
– O poder do lado sombrio se torna mais forte quando se concentra num
único recipiente – Bane respondeu. – Não espalhado entre muitos. Eu fiz isso
pelo bem do lado sombrio.
Kopecz balançou a cabeça e subiu no flier.
– Bom, sabemos que não fez nada por nós.
Bane observou o outro partir. Depois subiu em seu flier, mas, em vez de
acompanhar Kaan na batalha, pôs-se a caminho do acampamento dos Sith. A
primeira fase de seu plano para destruir a Irmandade fora encerrada.

Quando chegou ao acampamento, vinte minutos depois, Bane não se


surpreendeu ao encontrá-lo completamente vazio. Todos os senhores
sombrios estiveram no platô, para o ritual, e todos voaram atrás de Kaan a
fim de enfrentar os Jedi repentinamente vulneráveis. Os soldados, servos e
seguidores que compunham a polpa do exército Sith haviam sido
inicialmente deixados para trás, no acampamento, mas depois receberam
ordens de Kaan e dos demais para juntar-se a eles no campo de guerra.
Bane baixou seu flier e o pousou bem no centro do acampamento, ao lado
da barraca de lorde Kaan. Quando desligou o motor, sentiu-se surpreso de
ouvir o zunido distante de outro flier, que se aproximava. Curioso, olhou
para o alto. Quando o veículo se aproximou, ele reconheceu o motorista.
O veículo vinha na direção dele, em linha reta. Bane levou a mão ao sabre
de luz, pronto para sacá-lo no momento em que julgasse necessário. A Força
avultou-se dentro dele, preparado para conjurar um campo de força caso as
armas de raio da porção frontal do flier abrissem fogo.
O flier, entretanto, não atacou. Em vez disso, voou alguns metros por cima
dele, freou com tudo, depois pousou ao seu lado.
– Não precisa pegar a arma – disse Qordis, desmontando. – Vim fazer uma
oferta.
Reparando que não havia perigo iminente, Bane baixou os braços.
– Uma oferta? O que você poderia ter pra me oferecer?
– Minha lealdade – afirmou Qordis, ajoelhando-se.
Bane fitou o outro com uma expressão mista de horror, sarcasmo e
desprezo.
– Por que me daria sua lealdade? – perguntou. – E por que eu iria querer?
Qordis lentamente se levantou, com um sorriso astuto nos lábios.
– Não sou cego, lorde Bane. Vejo você falando com Githany. Sei que está
minando o poder de Kaan. Sei o verdadeiro motivo pelo qual veio a Ruusan.
Perplexo, Bane imaginou se seria possível que Qordis – fundador da
Academia de Korriban, o mais ardente proponente de tudo que havia de
errado nos Sith – por fim enxergara a verdade.
– O que exatamente está propondo? – ele perguntou entredentes.
– Sei o que aconteceu a Kas’im. Ficou do lado de Kaan, contra você.
Pagou por essa decisão com a vida. Não sou tolo assim. Sei que veio aqui
tomar a Irmandade – declarou Qordis. – Acredito que conseguirá. E quero
ajudar.
– Quer me ajudar a tomar a Irmandade? – Bane riu; Qordis estava tão cego
e equivocado quanto todos os outros. – Trocar um líder por outro, e você e o
resto da Irmandade continuam do mesmo jeito? Esse é o seu plano brilhante?
– Posso provar que sou bastante útil para você, lorde Bane – Qordis
insistiu. – Muitos dos membros da Irmandade são ex-alunos da Academia.
Ainda se espelham em mim, por sabedoria e direcionamento.
– E é aí que está o problema.
Bane atacou com o lado sombrio, agarrando Qordis, esmagando-o e
imobilizando-o. O oponente tentou se defender, erguendo um escudo para
defletir o golpe iminente, mas o ataque de Bane atravessou a tentativa pífia
de defesa, afastando-a como se nem existisse.
Qordis soltou um grito estrangulado de dor quando a Força o envolveu,
apertando-o e levantando-o do chão.
– Sua sabedoria destruiu a nossa Ordem – Bane explicou casualmente,
vendo Qordis debater-se, incapacitado, acima. – Você poluiu a mente de seus
seguidores; você e Kaan os colocaram a caminho da ruína.
– Eu… não entendo! – Qordis exclamou, quase incapaz de falar conforme
o ar inexoravelmente lhe era expulso dos pulmões.
– Foi sempre esse o problema – Bane respondeu. – A Irmandade deve ser
purgada. Os Sith devem ser destruídos e reconstruídos. Você, Kaan e todos
os outros devem ser varridos da face da galáxia. Foi por isso que retornei.
Um horror pungente espalhou-se pelos longos traços deformados de
Qordis.
– Por favor – ele grunhiu –, assim… não. Solte-me. Deixe-me… sacar
meu sabre de luz. Vamos lutar… como Sith.
Bane pendeu o rosto para o lado.
– Com certeza, você sabe que posso te matar com tanta facilidade com o
sabre de luz quanto com a Força.
– Eu… sei. – A pele de Qordis foi se tornando avermelhada, e seu corpo
tremia ao ser ainda mais pressionado. Cada palavra que dizia demandava
esforço tremendo, entretanto, de algum modo, o moribundo arranjava forças
para proferir seu último apelo. – Mais… honra… morrer… no… combate.
Bane deu de ombros, indiferente.
– A honra é para os vivos. Os mortos estão mortos.
Um puxão final com sua mente apertou o torno invisível. Qordis soltou um
último grito, mas, sem ar nos pulmões, o que saiu foi apenas um arquejo
rouco que se perdeu em meio ao estalar e crepitar dos ossos dele.
Se Bane ainda conseguisse sentir tais emoções, talvez teria mesmo pena
do homem. Do jeito que estava, apenas deixou o corpo cair ao chão, depois
foi até a barraca de Kaan, em direção aos equipamentos de comunicação que
ficavam lá dentro. Chegara o momento de encenar a segunda fase do plano.
No deque da Anoitecer, imensa nave almirante da frota Sith, a comandante
almirante Adriana Nyras respondeu à frequência chuviscada que saía do
comlink particular preso ao seu pulso.
– Almirante Nyras falando – disse ela. – Espero suas ordens, lorde Kaan.
– Lorde Kaan não está aqui – respondeu uma voz desconhecida. – Aqui
quem fala é lorde Bane.
A almirante hesitou por um segundo antes de responder. Kaan raramente
deixava que outros usassem seu transmissor pessoal, mas isso já ocorrera. E,
com a codificação de segurança do equipamento, era virtualmente
impossível outra pessoa invadir a frequência. A mensagem vinha do
acampamento dos Sith, o que significava que ela estava de fato conversando
com um dos senhores sombrios.
– Perdoe-me, lorde Bane – ela se desculpou. – Quais são as ordens?
– Relate a situação.
– Inalterado – ela respondeu num tom seco de precisão e eficiência
militar. – O bloqueio está intacto. A frota Jedi ainda paira além do nosso
alcance.
– Atacar.
– Como disse? – perguntou a almirante, tão surpresa que por um instante
se esqueceu de com quem falava.
– Você escutou, almirante – ralhou a voz do outro lado da conexão. –
Ataque a frota Jedi.
A ordem não fazia sentido algum. Da última vez que falara com ela, Kaan
lhe ordenara que mantivessem a posição na órbita a qualquer custo, assim o
bloqueio seria praticamente impenetrável. Se rompessem a formação e
atacassem a frota Jedi, contudo, não seriam capazes de impedir que outras
naves levassem reforços para o solo de Ruusan.
Entretanto, ela já recebera ordens esquisitas antes, durante o tempo em
que servira os Sith. Havia rumores de que Kaan possuía algum poder
místico, um jeito de influenciar o resultado de um confronto por meio do
poder da Força que os fazia deixar de lado todas as estratégias tradicionais.
Se um senhor sombrio estava dando uma ordem direta, usando o
comunicador pessoal da barraca de lorde Kaan, ela não pretendia correr o
risco de recusar-se a obedecer.
– Como quiser, lorde Bane – ela respondeu. – Atacaremos os Jedi.
O fogaréu afugentou o general Hoth e seu exército do abrigo da floresta.
Abandonando boa parte do suprimento e do equipamento, as tropas dele
saíram correndo por entre as árvores, em disparatada confusão para fugir do
calor e das chamas. Os que tropeçaram e caíram foram imediatamente
engolidos pela conflagração. De algum modo, a maioria conseguiu
permanecer à frente do fogo mortal, finalmente disparando da floresta para
as planícies rochosas nas quais tantas batalhas já tinham sido travadas.
E lá estavam os Sith, esperando por eles.
A primeira onda de seguidores de Hoth a emergir da floresta foi
pulverizada por tiros de arma de raio. Os que vieram logo em seguida
conseguiram sacar os sabres de luz e defletir boa parte dos disparos mortais
enquanto corriam pelas planícies, apenas para ser engolidos pelos tropéis de
soldados Sith que avançavam para confrontá-los.
Embora em menor número, os Jedi fizeram mais que apenas se defender.
Eles empurraram os soldados Sith para trás, quebrando suas formações e
mergulhando o inimigo em raios e desordem. Contudo Hoth sabia que a
verdadeira armadilha ainda estava por vir.
Cortando todo inimigo tolo o bastante para entrar no raio de alcance de
seu sabre de luz, o general sentia que esses não eram os verdadeiros Sith. Os
senhores sombrios não se encontravam entre eles: aquelas eram hordas sem
feição, meras distrações.
Onde estão eles? O que Kaan está tramando?
A resposta veio no instante seguinte, quando um batalhão de fliers varreu
o horizonte, liberando uma barragem mortal por todo o campo de guerra.
Guiadas pelo poder do lado sombrio, as armas pesadas possuíam pontaria
fatal, assolando as tropas de Hoth e virando a maré da batalha a favor dos
Sith.
Hoth enfrentara grande desvantagem no passado e triunfara. Entretanto,
sabia que esse confronto seria seu último.
Porém, farei dessa última resistência motivo de histórias e canções,
pensou ele, desafiador, mesmo que não sobre ninguém para contar.
O mundo se dissolveu na bruma inebriante da guerra. Gritos e sons de
batalha misturaram-se num rugido abafado e indiscernível. O jorrar de terra
e pedra dos raios explodindo no chão chovia por cima dele, do alto,
misturado ao suor e ao sangue de amigos e inimigos. Hoth brandia cada
golpe como se fosse o último, sabendo que cedo ou tarde um dos fliers
travaria mira nele e voaria em rasante para exterminá-lo.

O flier de lorde Kaan voava de um lado para o outro por cima dos
soldados que se debatiam no campo de guerra abaixo, planando por cima do
caos como uma sinistra ave de rapina. De seu ponto de vista, estava claro
que a vitória seria deles. Entretanto, mesmo com equipamento ruim, em
menor número e com muito menos armas, os Jedi lutavam bravamente contra
seu amargo fim. Não havia menção alguma de recuar, de romper as fileiras.
Tamanha coragem e devoção a uma causa mesmo com a morte tão iminente
era admirável. Se as tropas dele fossem assim tão firmes em sua lealdade e
intenção, Kaan teria vencido a guerra muito antes. Não era que não tivessem
disciplina: os exércitos Sith eram tão bem treinados quanto os dos Jedi e da
República, mas faltava-lhes apenas a convicção.
Muitas vezes, a moral deles fora sustentada somente pela força de vontade
de Kaan; seu combate meditativo reforçava a resolução do exército sempre
que a situação parecia complicada ou desesperada. Porém, não fazia mais
que isso. Contra um exército inteiro de Jedi em guarda contra o poder da
Força dos Sith, ele podia fazer pouco mais do que instilar um vago senso de
inquietude. Uma pequena vantagem, mas fácil de sobrepor. Ali, na superfície
daquele mundo miserável, a Irmandade da Escuridão e seus lacaios foram
forçados a lutar com a própria habilidade, sem intervenção. E vezes demais
esta lhes faltara.
Houvera ocasiões nas quais ele questionara a habilidade de seus
seguidores de vencer por conta própria. Em outros momentos, ele se
perguntou se as tropas Sith tinham se tornado tão dependentes da enorme
vantagem que lhes conferia seu combate meditativo que haviam se esquecido
de como lutar de modo eficiente sem ele. Mas agora, finalmente, a vitória
derradeira estava ao alcance. Embora os Jedi sustentassem uma última e
desesperada defesa – algo glorioso de se ver –, o resultado era inevitável.
Havia apenas uma única coisa para lorde Kaan fazer antes do fim do
confronto.
Ele continuou voando de um lado ao outro, atirando esporadicamente no
inimigo abaixo, enquanto procurava sua verdadeira presa. Então, por fim,
encontrou-a: o general Hoth, bem no centro da confusão, cercado por um
baluarte de valentes aliados e um mar implacável de inimigos Sith que
avançavam contra eles repetidas vezes.
Travando as armas de seu flier no alvo, ele mergulhou, determinado a tirar
a vida do rival num espetacular tiroteio rasante. Porém, um mero segundo
antes de atirar, uma explosão gigantesca sacudiu seu veículo, fazendo-o
debandar para a esquerda. Seus tiros cravaram buracos fundos no solo
muitos metros à esquerda do general, deixando-o miraculosamente intacto.
Hoth permaneceu lutando como se nem notasse nada, mas Kaan virou com
tudo seu veículo para ver o que acontecera. Antes de completar a curva,
outra explosão sacudiu o céu atrás dele, e Kaan viu um dos outros fliers
perder o controle e desabar no chão.
Olhou para cima, percebendo que eram atacados pelo alto. Um par de
imensas aeronaves de combate desceu sobre a batalha, acertando os fliers
Sith um por um com suas armas. Debaixo de cada nave, as cores do mestre
Jedi Valenthyne Farfalla se tornaram cada vez mais visíveis.
Impossível!, Kaan exclamou consigo. Não é possível eles terem
atravessado o bloqueio! Não com naves desse tipo!
Contudo, acontecera.
Mais uma série de disparos derrubou outros três dos fliers menores, e
Kaan compreendeu que agora a desvantagem era de seu exército. Embora
mais rápidos e fáceis de manobrar do que as aeronaves de combate Jedi, as
armas de raio dos fliers não causavam sequer mínimos estragos nos cascos
maciçamente blindados nas naves maiores.
Por um breve segundo, ele achou que poderia reunir os outros senhores
sombrios. Se eles concentrassem o ataque, seriam capazes de derrubar as
aeronaves de combate – embora fossem perder muitos combatentes. Ele se
desfez da ideia assim que ela lhe ocorreu.
Kaan não foi o único a reparar na chegada dos reforços Jedi.
Confrontados em séria desvantagem, os senhores sombrios sob o comando
dele reagiram do único modo que sabiam reagir: autopreservação pela fuga.
Nesse momento, a maioria dos outros fliers já interrompera seus tiroteios
rasantes e executava manobras evasivas, com o único intuito de escapar com
vida do campo de guerra. Ao ver seus senhores e mestres fugindo do
confronto, as hordas de soldados Sith no solo logo os seguiriam. A vitória
iminente estava prestes a se tornar uma derrota desastrosa.
Soltando maldições vis não apenas contra os Jedi, mas também contra seu
próprio povo, lorde Kaan concluiu que lhe restava apenas uma opção.
Realizando muitas curvas e manobras para evitar o par de disparos que
pretendiam explodi-lo em pleno céu, ele se uniu à retirada.
29

O GENERAL HOTH NÃO PÔDE CONTER O SORRISO no canto da boca apesar dos
mortos e feridos que jaziam espalhados pelo campo de guerra. Os Sith
empregaram sua armadilha, mas, ainda assim, o Exército da Luz sobrevivera.
Ele reconheceu as cores de Farfalla nas aeronaves de combate que agora
circulavam o campo, mantendo os Sith cambaleantes presos atrás do pouco
abrigo que encontravam até que as tropas no solo os cercassem e exigissem
rendição. A maioria cedeu facilmente. Todos sabiam que os Jedi preferiam
tomar prisioneiros a matar seus inimigos, assim como também sabiam sobre
quão humanamente eles tratavam os prisioneiros. O mesmo não podia ser
dito dos Sith, claro.
Um pequeno comboio de fliers pessoais emergiu das aeronaves de
combate, descendo para juntar-se aos sobreviventes no solo. O general
reconheceu Farfalla a bordo do flier líder, assim que este avistou o amigo e
baixou para o solo.
O Jedi mais jovem saltou do flier e, sem falar nada, estendeu a mão, num
cumprimento cauteloso. Usava roupas mais brilhantes e esquisitas do que
nunca, mas, por algum motivo, isso não incomodou Hoth como antes. Ele
dirigiu-se ao rapaz e o envolveu num abraço firme, fazendo Farfalla rir de
surpresa. O general somente libertou o rapaz de seu abraço apertado quando
este começou a tossir.
– Saudações, lorde Hoth – Farfalla disse assim que foi solto, fazendo uma
reverência longa e floreada. Ao endireitar-se, observou todo o campo de
batalha, e sua expressão se tornou mais séria. – Meu único pesar é não
termos chegado aqui antes.
– É um milagre terem vindo, Farfalla – Hoth respondeu. – Estou até com
receio de perguntar como conseguiram furar o bloqueio, e descobrir que tudo
isso não passa do sonho febril de um moribundo condenado.
– Fique tranquilo, general, sou bastante real. Quanto a como chegamos, é
bem fácil de explicar: os Sith romperam as fileiras do bloqueio para atacar a
nossa frota. Com nossas naves principais atraindo o foco dos cruzadores e
couraçados, fomos capazes de mandar diversas aeronaves de combate para
ajudá-lo.
– E quanto ao resto da frota? – Hoth perguntou, preocupado. – Os Sith
tinham quase o dobro das nossas naves.
– Eles mantiveram a posição tempo o bastante para passarmos pelo
bloqueio, depois se separaram e recuaram com pouquíssimas casualidades,
felizmente.
– Ótimo – o general assentiu, depois franziu o cenho. – Mas ainda não
entendo por que eles atacariam nossa frota. Não faz sentido!
– Só consigo imaginar que receberam ordens de alguém aqui do solo.
– Kaan estava prestes a nos destruir – Hoth insistiu. – Dar ordem de
ataque é a última coisa que faria.
Os dois Jedi permaneceram em silêncio por um momento, considerando as
implicações do que acontecera. Finalmente, Farfalla disse:
– Será possível que temos um aliado desconhecido na Irmandade da
Escuridão?
Hoth negou.
– Duvido. É mais provável que os Sith estejam finalmente se virando uns
contra os outros. Era inevitável.
Mestre Farfalla assentiu, concordando.
– É assim que funciona o lado sombrio, afinal.

Kaan soltava fogo pelas ventas quando seu flier tocou o solo do
acampamento Sith. Como tudo pôde dar tão errado em tão pouco tempo?
Estavam à beira da vitória, e agora de repente tinham a ponta da espada da
derrota quase fincada no peito.
Foi pisando firme pelo acampamento em direção à sua barraca, ignorando
os olhares questionadores de Githany e dos demais. Todos queriam uma
explicação, mas ele não sabia o que dizer. Ainda não. Pelo menos não
enquanto não recebesse um relato da situação da almirante Nyras. Como
Farfalla conseguiu passar pelo maldito bloqueio?
Sentia tanta raiva que não notou o flier de Qordis estacionado perto da
barraca, nem as gotículas de sangue espalhadas pelo solo ali perto. Se
tivesse notado, talvez pesquisasse o entorno e encontrasse o corpo metido
entre a relva circundante. Porém, todo o foco de Kaan estava voltado a
chegar à barraca e ao equipamento de comunicação lá de dentro.
Ele encontrou Bane na barraca, esperando por ele, imóvel feito pedra. –
Voltou cedo, Kaan – disse. – O que aconteceu à sua gloriosa batalha? –
Reforços – Kaan rosnou. – Farfalla deu algum jeito de passar pelo bloqueio.
– Eu mandei sua frota atacar os Jedi – falou Bane com palavras tão
casuais como as de alguém que comenta sobre o clima.
Kaan ficou boquiaberto. Suspeitara de traição, mas não estava pronto para
ouvir o traidor admitindo tudo abertamente!
– Mas… por quê?
– Queria que todos os Jedi estivessem em Ruusan ao mesmo tempo – Bane
respondeu.
– Seu tolo maldito! – Kaan gritou, brandindo loucamente os braços como
se sofresse de espasmos incontroláveis. – A vitória era nossa! Estávamos
massacrando Hoth!
– Esse era o seu objetivo, não o meu. Estou atrás de um prêmio muito
maior que o general Hoth. Ele é apenas um homem.
Kaan soltou um riso rouco.
– Todos nós sabemos de que prêmio você está atrás, Darth Bane. Está
aqui para tomar a Irmandade.
Bane deu de ombros, indiferente, como se nada daquilo lhe importasse.
Ele parecia tão calmo, tão certo do que fazia. Kaan precisou juntar todas
as suas forças para não pular no pescoço do outro. Seria possível ele não
entender o que fizera? Não enxergava que havia selado o destino de todos?
Kaan largou-se, exausto, numa cadeira.
– Se guiá-los para cima dos Jedi, estará levando todos para um massacre.
Agora foi Bane quem riu – um riso grave e sinistro.
– Você cai rápido demais no desespero, Kaan. Poucas horas atrás, parecia
certo da vitória.
– Isso foi antes de Farfalla e seus reforços chegarem – Kaan retrucou. –
Quando tínhamos vantagem em contingente e superioridade aérea. Tudo isso
acabou graças a você. Não podemos derrotá-los agora.
– Eu posso – Bane jurou.
Kaan se endireitou na cadeira. Mais uma vez, viu aquela confiança
inflexível. Bane sabia de algo que lhe escapava. Algum truque.
– Outro ritual, como o anterior? – supôs.
– Conheço muitos rituais. Muitos segredos. E tenho a força necessária
para usá-los.
O medo dominou Kaan.
– A bomba de pensamento – sussurrou.
– Sua liderança fracassou – Bane declarou. – Agora eu é que levarei a
Irmandade na direção da vitória.
– E quanto a mim? – Kaan perguntou, já sabendo a resposta.
– Pode jurar lealdade a mim junto com todos os outros – disse Bane –, ou
pode morrer aqui nesta barraca.
Lorde Kaan sabia que não era páreo para Bane fisicamente, nem usando o
poder da Força. Entretanto, não pretendia render-se tão facilmente. Não
enquanto pudesse contar com a astúcia, a malícia e seus talentos únicos de
persuasão.
– Acredita mesmo que os outros o seguirão? – ele perguntou, usando a
Força para plantar as primeiras sementes de dúvida na mente do rival. –
Todos ainda desconfiam de você por causa do ritual.
Um lampejo de incerteza piscou nos traços duros de Bane. Kaan
intensificou a pressão de suas compulsões invisíveis e continuou a falar:
– A Irmandade é feita de igualdade, não de servidão. Pedir aos outros que
se curvem para você vai apenas afugentá-los… ou virá-los contra você.
Ele se levantou da cadeira, enquanto Bane coçava o queixo, meio nervoso,
considerando os argumentos do outro.
– Como acha que os outros vão reagir quando eu lhes contar que você
arquitetou a chegada dos reforços dos Jedi?
Os olhos escuros de Bane brilharam de raiva e ele levou a mão ao cabo
do sabre de luz.
– Me matar não vai manter o segredo – Kaan avisou. – Os outros sabem
que você não se encontrava na batalha quando as naves de Farfalla
chegaram. Muitos deles já devem suspeitar que você os traiu.
Kaan pressionou Bane ainda mais com a Força, tentando torcer e enrolar
os pensamentos dele.
– Você pode até ser o mais forte de nós, mas não é capaz de derrotar
todos. Não sozinho, Bane.
O grandalhão cambaleou e pôs as mãos na cabeça. Tropeçou até a cadeira
e desabou nela, fazendo a madeira ranger sob sua estrutura imensa, depois se
curvou para a frente, apertando forte as mãos nas têmporas.
– Tem razão – disse por entre dentes muito cerrados. – Tem razão.
– No entanto, ainda há esperança – falou Kaan, aproximando-se e
colocando a mão no ombro largo de Bane, a fim de acalmá-lo. – Siga-me e
eu impedirei que os outros se virem contra você. Una-se a nós, na
Irmandade!
Bane assentiu lentamente, depois virou o rosto para fitar Kaan com algo
de desesperado e incapaz nos olhos.
– E quanto aos Jedi? E quanto às aeronaves de combate?
Kaan se levantou, libertando devagar a mente do outro de seu controle
psíquico.
– Podemos anular a superioridade aérea deles recuando para as cavernas
– disse. – Conheço o general Hoth; ele nos seguirá. E lá poderemos liberar a
bomba de pensamento sobre eles.
Bane se levantou num pulo, vívido. Kaan ficou satisfeito de ver que seus
poderes de persuasão pela Força estavam mais fortes do que nunca. Nem
mesmo Bane era imune à sua manipulação.
– Farei como disse, lorde Kaan! – o rapaz exclamou. – Juntos,
destruiremos os Jedi!
– Calma, Bane – Kaan pediu, estendendo tendões de calma e
tranquilidade. Acabara de anular a ameaça que Bane representava à sua
posição, mas sabia que o efeito seria apenas temporário. Muito em breve, a
hostilidade do homem retornaria, tanto quanto o sonho de usurpar o manto da
liderança. Kaan precisava encontrar uma solução mais duradoura. –
Infelizmente – disse ele –, ainda há… dificuldades.
– Dificuldades?
– Posso convencer o resto da Irmandade a perdoar-lhe os atos traiçoeiros,
mas somente depois que os Jedi forem destruídos. Até lá, você deverá
permanecer escondido dos outros.
A expressão confusa e sofrida no rosto de Bane dava pena, mas Kaan
estava acostumado a incitar emoções tão transparentes nos entes que
manipulava.
– Levarei a Irmandade para as cavernas – explicou. – Sou forte o bastante
para unir as mentes deles e soltar o poder da bomba de pensamento sem a
sua ajuda. Você fica aqui na barraca até o cair da noite, depois sai incógnito
do acampamento. Permaneça escondido até que tudo seja feito.
– E, assim que os Jedi forem destruídos, você virá me buscar?
– Sim – Kaan prometeu num tom solene. – Assim que os Jedi se forem,
irei buscá-lo com toda a força da Irmandade.
Essa parte, pelo menos, era verdade. Kaan não deixaria nada por conta do
destino; não subestimaria mais o oponente. Bane já sobrevivera a uma
tentativa de assassinato. Dessa vez, pretendia aplicar todo o seu contingente
de seguidores contra ele.
– Farei conforme ordenado, lorde Kaan – Bane respondeu, apoiando-se
num joelho e curvando a cabeça. Kaan se virou e saiu para o acampamento,
dirigindo-se para a própria barraca, onde as páginas contendo o ritual da
bomba de pensamento estavam escondidas.
Bane manteve a pose de súplica até o senhor sombrio sair de vista, depois
se levantou e limpou a terra dos joelhos com um sorriso malicioso. Embora
Kaan tentasse dominar sua mente, os esforços não surtiram mais efeito do
que uma faca enferrujada raspando as armaduras ocultas de um javali
haluriano. Entretanto, ele aproveitou a oportunidade e executou uma atuação
digna dos maiores atores de Alderaan.
Kaan tinha certeza de que a bomba de pensamento representava a chave
para a vitória dos Sith, e estava prestes a capturar o restante da Irmandade
em sua teia de loucura. A segunda fase do plano de Bane entrava em
movimento. Ao cair da noite do dia seguinte, tudo teria acabado.

Nos perímetros do acampamento Jedi, patrulhas circulavam sem parar a


noite toda, sempre vigilantes e atentas. Eles não queriam se proteger apenas
dos ataques noturnos dos Sith, mas também das invasões dos peludos e
esvoaçantes bouncers.
As criaturas nativas de Ruusan, até então pacíficas e dóceis, foram
levadas à loucura pelo cataclismo que varrera a floresta. Antes, eram uma
visão familiar e bem-vinda: juntavam-se aos grupos sobre os feridos e
doentes para projetar imagens de conforto e cura. Agora elas emergiam do
escuro da noite em bandos terríveis, infligindo pesadelos bizarros que
traziam sofrimento, terror e pânico a todos no local.
Não havia nada que as patrulhas pudessem fazer além de atirar nas
criaturas atormentadas assim que as viam, antes que espalhassem sua loucura
entre os Jedi. Tarefa difícil, mas necessária – como foram muitos dos
afazeres em Ruusan.
Felizmente, as patrulhas vinham conseguindo manter os bouncers
distantes, e o humor nos confins do acampamento Jedi era de um cauteloso
otimismo. Após o desespero dos meses anteriores, o entusiasmo subjacente
parecia uma folia jubilosa para o general Hoth.
Não eram mais os caçados, acovardados nas profundezas da floresta,
sobrevivendo apenas se se mantivessem escondidos. Os Jedi ganharam a
vantagem: seu novo acampamento fora assentado nas planícies abertas nas
margens do campo de guerra no qual o combate sofrera a reviravolta. Agora
eram os Sith que se escondiam.
O general, embora ainda exausto da escapada desesperada das chamas e
do combate que se seguiu, recusava-se a dormir. Havia detalhes demais para
ver, coisas demais que precisavam de sua atenção.
Além de organizar as patrulhas para se protegerem contra os bouncers, era
necessário também supervisionar a distribuição de suprimentos novos. As
naves de Farfalla haviam entregue a tão necessária comida, os medpacs e
energipentes novos para as armas de raios e escudos pessoais. Visto que boa
parte do estoque fora perdido para o incêndio sobrenatural que devastara as
florestas, o general queria garantir que todas as suas tropas fossem
reequipadas e atendidas antes que se permitisse o luxo de descansar.
Caminhou por entre dezenas de fogueiras que se apagavam e montes de
homens que roncavam. Embora não possuíssem muitas barracas para as
tropas, os que precisavam passar as noites quentes esparramados no chão,
dormindo sob o céu aberto, sentiam-se bastante contentes.
– General – chamou alguém, falando muito alto para uma noite tão quieta.
Hoth se virou e viu Farfalla correndo até ele, com passadas certeiras na
escuridão, saltando por cima dos soldados que dormiam pelo caminho.
Depois de parar a fim de deixar o rapaz alcançá-lo, Hoth devolveu sua
costumeira – embora ainda extravagante – reverência com um aceno cortês.
– Novidades, mestre Farfalla?
O rapaz assentiu, empolgado.
– Nossos batedores avistaram os Sith em movimento. Kaan os está
levando em direção ao leste, para os morros.
– Provavelmente seguindo para as cavernas e sistemas de túneis – Hoth
supôs. – Tentando tirar nossa vantagem aérea.
Farfalla sorriu.
– Felizmente, já realizamos reconhecimento da área. Conhecemos a
maioria dos pontos de acesso da superfície. Assim que entrarem nos túneis,
podemos cercar as saídas. Ficarão presos!
– Hmmm… – Hoth coçou a barba grossa. – Não é típico de Kaan cometer
tão óbvio erro de tática – murmurou. – Está tramando algo.
– Posso instruir uns batedores a segui-los túneis adentro e ficar de olho
neles – Farfalla sugeriu.
– Não – negou Hoth com firmeza após um momento de consideração. –
Kaan estará esperando espiões. Não vou entregar ninguém do nosso povo
nas mãos dele para ser interrogado.
– Podemos fazê-los morrer de fome – Farfalla sugeriu. – Forçá-los a se
render sem derramar mais sangue.
– Essa seria a melhor solução – admitiu o general. – Infelizmente, não sei
se podemos demorar tanto assim. – Ele suspirou pesado e sacudiu a cabeça
com tristeza. – Não sei por que Kaan está indo para as cavernas… Só sei
que precisamos fazer algo para impedir. – A resolução endureceu-lhe os
traços. – Soe o toque da alvorada e reúna as tropas. Vamos atrás dele.
– Não quero contestar suas ordens, general – começou Farfalla, o mais
taticamente possível –, mas será possível que Kaan esteja nos atraindo para
uma armadilha?
– Tenho quase certeza disso – Hoth concordou. – Mas é uma armadilha
que, cedo ou tarde, ele vai usar. Prefiro não lhe dar tempo para prepará-la.
Se tivermos sorte, poderemos pegá-lo antes que ela esteja pronta.
– Como preferir, general – Farfalla disse, sem mais outra de suas
reverências grandiosas. Depois acrescentou: – Você, contudo, devia dormir
um pouco. Está tão pálido e magro quanto os próprios Sith.
– Não posso dormir agora, meu amigo – Hoth respondeu, colocando a mão
pesada no delicado ombro de Farfalla. – Eu estava aqui no começo desta
guerra. Fui eu quem levou o Exército da Luz aqui em Ruusan a confrontar a
Irmandade da Escuridão de Kaan. Devo pôr um fim nisso.
– Mas quanto tempo vai aguentar sem dormir, general?
– O suficiente. Tenho a impressão de que tudo vai acabar amanhã… de um
jeito ou de outro.
30

AS CAVERNAS ERAM FRIAS E ÚMIDAS, mas nada escuras. As paredes e os tetos


de pedra exibiam cristais que captavam a luz fraca das hastes luminosas,
refletindo e refratando sua iluminação por toda a caverna. Pequenas poças
reluziam no chão, e enormes estalagmites brotavam para o alto. Uma floresta
invertida de estalactites pendia para baixo, pingando água das pontas
ininterruptamente, que batiam e ondulavam as poças lá embaixo. Em alguns
pontos, as protrusões de solo e teto tinham se fundido, unidas por séculos de
depósito sedimentado pelo gotejar interminável de umidade. As enormes
colunas eram magníficas: imensas, mas ao mesmo tempo delicadas e frágeis.
Kaan não teve tempo para admirar a beleza natural das cercanias. Sabia
que os batedores Jedi haviam observado seu êxodo para o refúgio
subterrâneo. E sabia que o general Hoth não esperaria muito antes de vir
procurá-lo.
A caverna, embora grande, ficou apinhada com o restante da Irmandade.
Todo senhor Sith sobrevivente – com a notável exceção de Darth Bane –
reunira-se ali com ele para o confronto final. O restante do exército protegia
as entradas principais dos túneis subterrâneos, com ordens de impedir o
inevitável ataque Jedi o máximo possível.
Em algum momento, os que estavam lá fora seriam sobrepujados, mas
Kaan se sentia confiante de que seu contingente atrasaria Hoth tempo
suficiente para a completude do ritual da bomba de pensamento.
– Venham todos – ele chamou os outros. – Chegou a hora.
Githany sabia que havia algo de muito errado com lorde Kaan. Suspeitara
que algo estava diferente enquanto fugiam da chegada dos reforços Jedi.
Quando pousaram de volta no acampamento, Kaan desapareceu na barraca
de comunicações, depois reapareceu momentos mais tarde e foi à própria
barraca sem dizer nada. Quando saiu da barraca, porém, a força irresistível
de seu carisma estava de volta no lugar. O homem foi até eles não como um
líder derrotado procurando por desculpas, mas como herói conquistador,
desafiador e imponente. Estava orgulhoso, a imagem do poder e da glória.
E falou com eles, com voz forte e palavras ousadas, irradiando
autoridade. Falou de liderá-los na união de suas mentes, um ritual que
ultrapassaria de longe o que Bane os guiara a fazer poucas horas antes.
Falou-lhes de uma terrível arma que eles libertariam sobre os inimigos.
Refez a fé e a esperança deles revelando a existência da bomba de
pensamento.
Prometera-lhes a vitória como fizera tantas vezes antes. E, assim como no
passado, a Irmandade o seguiu mais uma vez. Seguiu-o até ali, a caverna,
embora Githany não soubesse muito bem se o mais correto era dizer que
foram levados – ou atraídos.
Ela o seguira junto com os demais, compelida pela paixão das palavras
dele e pela pura magnitude de sua personalidade e presença. Todas as
opiniões de que talvez ele estivesse instável ou inadequado para liderá-los
foram esquecidas durante a peregrinação resoluta sob a noite até o abrigo da
caverna. Assim que chegaram ao destino, no entanto, a empolgação
emocionante cessara, substituída por uma clareza firme e inegável. E
finalmente a moça viu a verdade revelada pela iluminação das hastes
luminosas refletidas nos cristais das paredes da caverna.
A aparência e as roupas de Kaan não tinham mudado, apesar da poeira, da
lama e do sangue do confronto mais recente. Agora, entretanto, Githany via a
expressão enlouquecida nos olhos dele; estavam escancarados, vívidos e
brilhavam com feroz intensidade, faiscando tão iluminados quanto as lascas
de cristal ao redor. Esse olhar trouxe de volta a lembrança da noite em que
ela surpreendera Kaan na barraca dele. A noite em que tivera a visão do
retorno de Bane.
Kaan estava descabelado e frenético, perdido e confuso. Por um breve
momento, ela o vira como ele realmente era: um falso profeta, incapaz de ver
além das próprias ilusões. E, então, essa imagem vacilante desapareceu, e
permaneceu esquecida até esse instante.
Agora, contudo, a lembrança voltou numa inundação, e Githany soube que
seguia um louco. A chegada dos reforços Jedi e a derrota chocante fizeram
algo dentro dele estourar. Kaan os liderava para o seu fim, e nenhum dos
outros percebia isso.
Ela não ousou expressar sua contrariedade. Não ali, naquela caverna,
cercada pelos seguidores de Kaan, ainda fanáticos por ele. A moça pensou
em sair de fininho, deslizar sorrateiramente para a escuridão além da
irradiação das hastes luminosas e escapar desse destino terrível, mas a onda
de corpos que avançava sob o comando de Kaan a pegou.
– Juntem-se. Mais perto. Formem um círculo; um anel de poder.
Ela sentiu a mão dele a agarrando forte pela cintura, puxando-a para juntar
o corpo da moça contra o dele. O toque de Kaan conseguiu ser ainda mais
congelante que o frio da caverna.
– Fique ao meu lado, Githany – ele sussurrou. – Partilharemos este
momento de exaltação.
Alto, ele gritou:
– Juntem suas mãos como uniremos nossas mentes.
Os dedos da mão dele envolveram os dela, prendendo-os num envoltório
frio feito gelo e implacável feito hiperaço. Um dos outros senhores Sith
pegou-lhe a outra mão, e ela soube que não teria mais chance de escapar. Ao
lado dela, Kaan começou a entoar o cântico.

Githany não fora a única a sentir que havia algo de errado com lorde
Kaan. Como todos os outros, lorde Kopecz fora varrido pela empolgação
com a bomba de pensamento. Ele ovacionara junto aos outros quando Kaan
descreveu como ela destruiria os Jedi e lhes aprisionaria o espírito. E
juntara-se, animado, ao bando que o seguira até a caverna.
Agora, contudo, o fervor cedera. Tornara a pensar racionalmente, e
reparara que o plano era, em última instância, uma insanidade. Encontravam-
se no ponto exato de detonação da bomba de pensamento. Qualquer arma
poderosa o bastante para destruir os Jedi os destruiria também.
Kaan prometera a eles que a força de suas mentes combinadas lhes
permitiria sobreviver à explosão, mas agora Kopecz tinha dúvidas. A
promessa cheirava à esperança fantasiosa de uma mente desesperada que se
recusava a admitir a derrota. Se Kaan tivera essa bomba de pensamento
desde o início, por que não a usara antes?
A única resposta lógica era que ele sentia medo das consequências. E
embora Kaan, em sua loucura, tivesse se livrado desse medo, Kopecz ainda
estava são o bastante para se agarrar ao dele.
O resto dos Sith avançou em resposta ao comando de Kaan, mas Kopecz
lutou contra o impulso da multidão e foi na direção oposta. Nenhum dos
outros pareceu notar.
Uma parede de corpos cercou Kaan, bloqueando boa parte da luz vinda
das hastes luminosas. Nas sombras, o Twi’lek foi passando com cautela para
a saída principal da caverna de modo surpreendentemente silencioso para
um ser tão grande. Ele não se virou nem olhou para trás quando entrou no
túnel que levava à superfície, e apertou o passo somente quando escutou a
Irmandade começar a entoar uma canção lenta e rítmica.
Escapar seria impossível, claro. Àquela altura, os Jedi já deviam ter
cercado todo o complexo de túneis. Logo eles investiriam contra as tropas
Sith na superfície, na tentativa de romper a barricada para ir atrás de Kaan e
travar o último grande confronto de Ruusan. Kopecz não tinha certeza se eles
chegariam a tempo. Parte dele, na verdade, torcia para que sim.
No fim das contas, entretanto, o Twi’lek queria garantir que não fizesse
diferença para si. Ele se juntaria aos defensores na superfície, no último
combate contra os Jedi. A morte seria inevitável; isso ele estava disposto a
aceitar. Mas sabia também que preferia morrer por sabre de luz ou arma de
raios a ser pego pela detonação da bomba de pensamento.

O cântico era simples, e, após repeti-lo apenas uma vez, Kaan foi
acompanhado pelo restante da Irmandade. Repetiam o catecismo incomum
num ritmo fixo e constante. Suas vozes quicavam nas paredes da caverna,
misturando e fundindo as palavras antigas conforme ecoavam por toda a
caverna.
Githany sentiu o poder começando a concentrar-se no centro da roda,
como um feroz redemoinho girando cada vez mais rápido. Sentiu também o
empuxo em seus pensamentos quando foram dragados, sua consciência, sua
mente, até sua identidade foi engolida pelo vórtice. A umidade fria da
caverna começou a sumir, assim como a reverberação das vozes deles. A
moça não mais sentia o cheiro de bolor e mofo que crescia nos cantos
escondidos nem a pressão das mãos que seguravam as dela. Finalmente, o
reluzir dos cristais refletores e a luz pálida das hastes luminosas derreteram.
Nós somos um. A voz era de Kaan, mas também dela. Somos o lado
sombrio. O lado sombrio somos nós.
Embora Githany não pudesse mais ouvir o som do cantarolar, ainda o
sentia, mesmo conforme sua mente deslizava mais e mais para o centro.
Reparando que logo ela perderia a habilidade e o desejo de libertar-se do
ritual de Kaan, tentou lutar contra o que acontecia com ela.
Era como nadar contra o puxão inexorável do coração do oceano. Ela
sentiu que as palavras do mantra recorrente assumiam forma física.
Envolviam aquela consciência coletiva, aprisionando-a, moldando-a e
blindando-a numa forma rapidamente amalgamada.
Sintam o poder do lado sombrio. Entreguem-se a ele. Rendam-se ao todo
unificado. Que nos tornemos um.
Bem do fundo de si mesma, Githany conjurou suas últimas reservas de
resistência. Surpreendentemente, eram o bastante, e ela conseguiu libertar
sua mente do conclave profano.
Soltando uma exclamação, cambaleou para trás, com os sentidos
desabando sobre sua consciência feito uma inundação explodindo as paredes
que continham as águas. Visão, audição, olfato e tato retornaram todos de
uma vez, sobrepujando-lhe a mente frenética. A luz das hastes luminosas se
tornara fraca e baixa, como se ela também fosse dragada pelo ritual. O
cântico continuava, tão alto agora que chegava a doer os ouvidos. A
temperatura baixara tanto que ela podia ver o próprio hálito no ar, e
pequenos cristais de gelo começaram a se juntar nas estalactites e pelas
beiradas das poças.
Subitamente, Githany percebeu que nem Kaan nem ninguém lhe segurava
as mãos. Estavam todos em círculos, de braços erguidos para o centro,
ignorando o mundo ao seu redor. Inicialmente, parecia não haver nada à
frente, mas, quando os olhos dela se ajustaram à luminosidade, a moça
vislumbrou uma distorção esquisita no ar.
Githany não aguentou olhar esse ponto por mais de um segundo. Havia
algo de terrível e sobrenatural no tecido vibrante da realidade; ela saiu dali
horrorizada.
Bane tinha razão, pensou. Kaan nos trouxe para a ruína!
Sentiu um puxão na mente. Uma pressão que foi logo se tornando mais
forte, ameaçando arrastá-la para junto dos outros. Githany cambaleou para
longe da cerimônia profana e seus celebradores condenados, apertando os
olhos a fim de enxergar o caminho em solo tão irregular.
Bane tentou me avisar, mas eu não escutei. Os pensamentos dela
constituíam uma tagarelice caótica de arrependimento, desespero e medo.
Enquanto parte de sua mente a castigava pelo erro, outra a forçava a afastar-
se da abominação gerada pela Irmandade.
A fuga a levara até uma das paredes da caverna, que ela continuou
seguindo em busca de uma saída. A compulsão do ritual apenas crescia. Ela
a sentia chamando, convidando-a a unir-se aos outros e a partilhar de seu
destino.
Não havia plano, nem noção de para onde ia. Era preciso somente
escapar, fugir, sair. Sumir desse lugar antes que fosse sugada mais uma vez.
Um pequeno espaço abriu-se na pedra: uma entrada estreita de túnel ampla o
bastante para ela passar. Githany apertou o corpo na fenda; a rocha irregular
raspou-lhe roupas e pele.
A dor não era nada. O mundo físico tornava a esvair-se. Desesperada,
Githany conseguiu jogar-se para a frente, caiu no chão, e engatinhou
freneticamente túnel abaixo.
Embora. Tinha de ir embora. Para longe do ritual. Para longe de Kaan.
Para longe da bomba de pensamento, antes que fosse tarde demais.

Os soldados Sith que guardavam a entrada dos túneis subterrâneos


estavam fortes em número, mas fracos em espírito. Eles ofereceram
resistência apenas simbólica para Farfalla e as unidades de avanço Jedi que
os confrontaram. A última batalha em Ruusan rapidamente se transformou em
uma rendição em massa, com o inimigo baixando armas e implorando pela
vida. Farfalla caminhava por entre as tropas, supervisionando a cena. O
general Hoth vinha logo atrás com a maior porção do exército. Ficaria
surpreso de encontrar a guerra já terminada quando chegasse.
– Como estão indo? – Farfalla perguntou a um dos comandantes de
unidade.
– As tropas Sith são três vezes as nossas – respondeu rispidamente o
comandante. – E todos tentam se render ao mesmo tempo. Isso vai levar um
tempo.
Farfalla soltou uma risada polpuda e deu um tapinha no ombro do
soldado.
– Muito bem – concordou. – Às vezes, acho que as pessoas só seguem os
Sith porque sabem que vamos deixá-los vivos caso percam.
– Não ouse me levar com vida, Farfalla – gorgolejou uma voz. Virando o
rosto, ele viu o robusto Twi’lek deitado, ferido, no chão.
O Twi’lek machucado teve dificuldade para se levantar, e Farfalla se
surpreendeu ao ver que ele usava os mantos de um senhor Sith. Com o rosto
tão coberto de sangue, em boa parte pelo próprio, o Jedi levou um tempo
para reconhecer quem era o homem.
– Kopecz – disse, finalmente, lembrando-se do Twi’lek de muito tempo
antes, de quando Kopecz ainda era um Jedi. – Está machucado – continuou,
estendendo a mão para oferecer apoio. – Baixe suas armas; podemos ajudá-
lo.
A mão carnuda do Twi’lek brandiu para repelir o outro.
– Escolhi meu lado faz muito tempo – cuspiu ele. – Prometa que vai me
matar, Jedi, e te darei um aviso. Contarei o plano de Kaan.
Uma olhada nos ferimentos do senhor sombrio indicou a Farfalla que ele,
de qualquer modo, não duraria muito.
– O que você sabe?
Kopecz tossiu, engasgando com o sangue que se juntava na garganta.
– Prometa, primeiro – sussurrou.
– Garanto a sua morte, se é isso que realmente quer. Eu juro.
O Twi’lek riu, e uma espuma rosa borbulhou de seus lábios.
– Ótimo. A morte é uma velha amiga. O que Kaan planejou é muito pior.
E, então, ele contou a Farfalla sobre a bomba de pensamento, e suas
palavras fizeram um calafrio percorrer a espinha do Jedi. Quando Kopecz
terminou, ele curvou a cabeça e respirou fundo para juntar forças, e então
ativou o sabre de luz.
– Você me prometeu a morte – disse. – Quero tombar em combate. Caso se
contenha, você morrerá hoje. Entendeu?
Mestre Farfalla assentiu, muito sério, acionando a própria arma.
Embora não fosse páreo para um mestre Jedi descansado e sem
ferimentos, lorde Kopecz lutou com bravura, apesar dos ferimentos. No
final, Farfalla cumpriu com o prometido.
31

A CENA QUE RECEBEU O GENERAL HOTH e seu exército quando eles ganharam o
campo de guerra foi tão inesperada quanto bem-vinda. Ele se preparara para
a visão sinistra e sangrenta do massacre, de um combate feroz no qual
nenhum lado cedia sequer um passo. Imaginara os corpos dos mortos
espalhados, retorcidos debaixo dos pés dos que ainda lutavam
desesperadamente para manter a vida. Viera esperando encontrar a guerra.
Contudo, testemunhou algo tão inacreditável que sua reação inicial foi a
desconfiança. Seria um truque? Uma cilada? Seus medos rapidamente se
dissiparam quando ele reconheceu os rostos familiares e sorridentes dos
outros Jedi ao seu redor.
Ao analisar o resultado do último confronto em Ruusan, até mesmo ele
abriu um sorriso. Havia apenas um punhado de mortos, e, pelas vestimentas,
tornou-se claro que muito poucos serviam ao Exército da Luz. Boa parte dos
inimigos fora presa: estavam sentados, calmos, em grandes grupos, cercados
pelo exército Jedi. No entanto, mesmo vigiando muito de perto os inimigos
capturados, os Jedi riam e brincavam entre si.
Hoth ampliou-se com a Força e sentiu onda após onda de alívio e alegria,
vindas das tropas de Farfalla, deitando-se sobre ele. Os soldados sob seu
comando logo sentiram o mesmo. Vendo a óbvia vitória, romperam a
formação e foram correndo, ovacionando e rindo, juntar-se aos colegas na
comemoração. Hoth resistiu à vontade de gritar, ordenando que se
reagrupassem, e simplesmente os deixou ir.
Era o fim da guerra interminável!
Porém, ao caminhar por entre os tropéis em celebração, recebendo
saudações e congratulações de seus seguidores, percebeu que havia algo
errado. O campo de guerra encontrava-se cheio de Sith plácidos,
desarmados… mas ele não viu nem um senhor sombrio entre eles.
Ver mestre Farfalla correndo a todo vapor na direção dele, vindo do lado
oposto do campo, não acalmou sua inquietude.
– General – disse Farfalla, parando bruscamente, muito ofegante. O rapaz
fez uma saudação curta. A ausência de sua típica reverência exagerada
incrementou ainda mais a preocupação avultante de Hoth.
– Devo ter demorado mais tempo para juntar minhas forças do que achava
– brincou o general, torcendo para sua perturbação resultar apenas de
paranoia disparatada. – Parece que você já venceu a guerra.
Farfalla negou.
– A guerra não acabou. Ainda não. Kaan e a Irmandade, os verdadeiros
Sith, refugiaram-se nas cavernas. Eles vão liberar algum tipo de arma Sith.
Algo chamado bomba de pensamento.
Bomba de pensamento? Hoth ouvira falar de uma arma dessas muito
tempo antes, quando estudava com seu mestre no Templo Jedi em Coruscant.
De acordo com relatos lendários, os Sith antigos tinham a habilidade de
forjar, com o lado sombrio, uma esfera de poder concentrado e libertar sua
energia numa única explosão devastadora. Todos os sensíveis à Força –
tanto Sith quanto Jedi – seriam consumidos pela explosão, e seus espíritos,
aprisionados no grande vácuo criado no epicentro da detonação.
– Kaan enlouqueceu? – perguntou ele em voz alta, embora a pergunta
bastasse como resposta.
– Precisamos evacuar o local, general – insistiu Farfalla. – Tire todos
daqui o mais rápido possível.
– Não – Hoth respondeu. – Não funcionará. Se recuarmos, Kaan e a
Irmandade escaparão. Não vai demorar até que juntem apoio e comecem
essa guerra outra vez.
– Mas e quanto à bomba de pensamento? – perguntou Valenthyne.
– Se Kaan possui mesmo uma arma dessas – explicou, soturno, o general
–, ele vai usá-la. Se não aqui, em outro lugar. Talvez nos Mundos do Núcleo.
Talvez em Coruscant mesmo. Não posso permitir. Kaan quer testemunhar a
minha morte. Tenho que entrar na caverna e enfrentá-lo. Tenho que forçá-lo a
detonar a bomba aqui mesmo em Ruusan. É o único jeito de acabar de vez
com isso.
Farfalla se abaixou e se apoiou num dos joelhos.
– Então irei com você, general. Como irão todos os que me seguem.
Estendendo as mãos fortes e gastas, o general Hoth pegou Farfalla pelos
ombros e o colocou de pé.
– Não, meu amigo – disse, suspirando –, essa jornada você não pode
fazer. – Quando o rapaz começou a protestar, Hoth ergueu a mão, pedindo
silêncio, e prosseguiu: – Quando Kaan ativar a arma, todos dentro da
caverna morrerão. Os Sith serão destruídos, mas não permitirei que isso
aconteça a toda a nossa Ordem. A galáxia precisará dos Jedi para
reconstruir tudo assim que a guerra acabar. Você e os outros mestres devem
viver para guiá-los e defender a República, como temos feito desde a sua
fundação.
Não havia argumento algum para contrapor a sabedoria dessas palavras,
e, após um instante de deliberação, mestre Farfalla baixou a cabeça,
concordando em silêncio. Quando tornou a erguer o rosto, havia lágrimas em
seus olhos.
– Suponho que não vai entrar sozinho? – ele protestou.
– Queria poder – respondeu Hoth. – Mas, se o fizer, os senhores sombrios
vão simplesmente me derrubar com seus sabres de luz. Isso não adianta.
Kaan tem de entender que essa é sua única chance de se render ou… – Ele
não terminou de falar.
– Vai precisar de Jedi suficientes para convencer a Irmandade de que um
confronto físico seria inútil. Pelo menos cem. Por menos que isso, ele não
vai detonar a bomba de pensamento.
Hoth concordou.
– Ninguém vai ser ordenado a entrar comigo. Convoque voluntários. E
garanta que todos entendam que nenhum de nós jamais sairá de lá.

Apesar do perigo, praticamente todos os membros do Exército da Luz


ofereceram-se para a missão. Ocorreu ao general Hoth que ele não devia se
surpreender. Afinal, aqueles eram Jedi, dispostos a sacrificar tudo – até as
próprias vidas – por um bem maior. No fim, ele fez o que sabia que devia
fazer desde o início: ele mesmo escolheu quem o acompanharia para a morte
certa.
Hoth escolheu exatamente noventa e nove Jedi para acompanhá-lo. Foi
uma decisão de agonizante dificuldade. Se levasse menos, os Sith talvez
pudessem lutar, sair da caverna e escapar, apenas para detonar a bomba de
pensamento em outro lugar. Porém, quanto mais escolhia, mais vidas de Jedi
estaria jogando fora sem necessidade.
Selecionar quem o acompanharia foi ainda mais difícil. Os Jedi que
serviram junto a ele por mais tempo, os que tinham entrado para o Exército
da Luz bem no começo da campanha, eram os que ele conhecia melhor. Sabia
quanto esses soldados já haviam se doado na guerra, e eram os que ele
menos queria levar para o fim. Entretanto, eram também os que mais tinham
direito de estar ao seu lado no momento em que finalmente chegasse o
destino e, quando tudo foi dito e explicado, foi assim que fez a seleção. Os
mais antigos o acompanhariam; os outros deviam recuar junto de lorde
Farfalla.
Os cem Jedi – noventa e nove, mais Hoth – pararam, ansiosos, na entrada
dos túneis. O céu acima foi escurecendo conforme a noite caía e temerosas
nuvens de tempestade surgiram. Entretanto, o general não deu o comando
para avançar. Queria dar a Farfalla e aos outros tempo suficiente para se
distanciarem. Se possível, teria ordenado a todos que não entraram na
caverna que deixassem Ruusan. Mas não havia tempo. Eles precisariam
apenas se afastar o máximo possível, torcendo para ficar fora do alcance da
bomba de pensamento de Kaan.
Conforme começaram a cair as primeiras gotas de chuva, ele percebeu
que não podia esperar mais e deu o comando para avançarem. A tropa
marchou de modo ordenado túnel adentro, descendo as cavernas bem abaixo
da superfície do planeta.
A primeira coisa que Hoth percebeu conforme desciam foi o quão frio o
túnel se tornava, como se todo o calor tivesse sido sugado dali. O que sentiu
em seguida foi a tensão no ar. Ele pulsava com vasto e inimaginável poder,
quase incontrolável; o poder do lado sombrio. O general preferiu nem pensar
no que aconteceria quando esse poder fosse liberado.
Eles continuaram avançando lentamente, com receio de armadilhas e
emboscadas. Não encontraram nada. Na verdade, não viram sinal algum dos
Sith até que chegaram à ampla caverna central, no coração do sistema de
túneis.
O general foi em frente, haste luminosa numa mão, sabre de luz na outra.
Quando entrou na caverna, a luz da haste piscou e tornou-se bem mais fraca.
Até mesmo o brilho do sabre de luz pareceu morrer, transformando-se na
fagulha mais fraca de incandescência.
Quando seus olhos se acostumaram às pesadas sombras, ele foi capaz de
vislumbrar os contornos dos senhores Sith, parados em círculo no lado
oposto da caverna. Encontravam-se virados para dentro, com as mãos
erguidas em direção ao meio. Imóveis, boquiabertos, de rosto sem
expressão, olhos vazios. Cuidadosamente, Hoth aproximou-se desses corpos
imóveis, perguntando-se se estariam vivos, mortos ou presos em algum tipo
de pesadelo entre vida e morte.
Aproximando-se, divisou uma única figura parada no centro do círculo:
lorde Kaan. Não o vira no começo; o centro do círculo estava mais escuro
que o restante da caverna. Parecia haver uma nuvem negra pairando sobre
ele, com tendões tingidos de preto estendendo-se para envolvê-lo e
entrelaçá-lo num abraço sinistro.
Bastou ver o líder da Irmandade para que qualquer esperança que o
general tivesse de convencê-lo a escutar a razão morresse. O rosto do senhor
Sith era pálido e tenso; os traços, esticados como se a pele tivesse se
tornado apertada demais contra o crânio. Uma camada fina de gelo cobria o
cabelo e os cílios. A expressão era de pura arrogância, e o olho esquerdo
tremia descontroladamente. O homem olhava para a frente com intensidade
fixa, sem piscar nem se mexer, mesmo quando Hoth e seus Jedi ocuparam,
aos poucos, toda a caverna.
Somente quando todos os Jedi estavam lá dentro, ele falou.
– Bem-vindo, lorde Hoth – sua voz saiu tensa e travada.
– Está tentando me assustar, Kaan? – Hoth perguntou, dando um passo à
frente. – Não temo a morte – ele continuou. – Não me importo de morrer.
Não me importaria de ver todos os Jedi morrerem se isso significasse a
morte dos Sith.
Kaan olhou de um lado para o outro apressadamente, disparando olhares
por toda a caverna, como se contasse quantos Jedi havia em sua frente. Seus
lábios curvaram-se num sorriso maldoso e ele ergueu as mãos.
O general entrou em ação, avançando na tentativa de pôr fim à vida de
Kaan antes de ele libertar sua mais extrema arma. Não foi rápido o bastante.
O senhor sombrio juntou com força as mãos – e a bomba de pensamento
explodiu.
Num instante, toda alma viva dentro da caverna foi arrancada da
existência. Roupas, carne e ossos foram vaporizados. Estalactites,
estalagmites, até mesmo as imensas colunas de pedra reduziram-se a nuvens
de poeira. O eco ribombante da explosão atravessou cada túnel, passagem e
fissura para sair da caverna conforme a onda destrutiva de energia começava
a se espalhar.

Githany encontrava-se presa no labirinto de passagens subterrâneas. Ao


fugir do ritual de Kaan, ela perdeu a noção de onde estava, e agora zanzava
sem rumo quilômetro após quilômetro pelos túneis naturais, procurando em
vão por uma saída para a superfície.
Com a luz fraca de sua haste luminosa, viu uma pequena abertura à
esquerda, que seguiu por muitos metros, até chegar a um beco sem saída. Ela
soltou um palavrão, virou-se e percorreu o caminho de volta.
Estava furiosa. Furiosa com Kaan por levar a Irmandade à beira da
destruição. Furiosa consigo por segui-lo até ali. E furiosa com Bane. Não
havia dúvida em sua mente de que, de algum modo, ele arquitetara tudo
aquilo. Bane manipulara Kaan e o resto da Irmandade, direcionando-os para
a própria destruição. Contudo, não era bem essa traição que a enraivecia.
Bane a abandonara. Pusera-a de lado, junto aos outros, deixando-a para
morrer enquanto partia para reconstruir os Sith.
À frente dela, o túnel se dividia em duas direções. Githany parou,
sorvendo a Força para aumentar os sentidos na esperança de receber alguma
dica quanto a qual caminho seguir. No começo, não lhe ocorreu nada. Então,
ela captou o mais fraco sussurro de brisa vindo do túnel da esquerda. O ar
exalava um aroma fresco e limpo: o túnel levava à superfície!
Conforme corria pela passagem, a frustração e a raiva foram cedendo. Ela
sobreviveria! O solo irregular começou a angular-se mais para cima, e ela
vislumbrou um lampejo de luz natural adiante. Githany redobrou seus
esforços, e seus pensamentos se voltaram para como ela executaria a
vingança.
Teria de ser sutil e astuta. Subestimara Bane vezes demais no passado.
Agora, seria paciente, não atacaria enquanto não tivesse certeza de que
chegara o momento certo.
O primeiro passo seria encontrá-lo e oferecer-se para ser sua aprendiz.
Ela não tinha dúvida alguma de que ele a aceitaria. Precisava de alguém para
servi-lo; era assim que funcionava o lado sombrio. Githany aprenderia com
Bane, subjugando-se à vontade dele. Poderiam se passar anos, talvez
décadas, mas, com o tempo, ele lhe ensinaria tudo o que sabia. Somente
então, após possuir todos os segredos do mestre, a moça se voltaria contra
ele. Ela se tornaria mestra e tomaria um aprendiz para si.
A saída estava a menos de cinquenta metros quando Githany sentiu os
primeiros efeitos da bomba de pensamento. Começou com um tremor do
solo. Seu instinto inicial a fez sentir medo de que um terremoto ou
desabamento a enterrasse debaixo de toneladas de terra e pedras a poucos
passos da superfície. Porém, quando ela sentiu o poder do lado sombrio
percorrendo a passagem à sua frente, compreendeu que estava prestes a
sofrer um destino muito mais horrendo. Os que estavam no epicentro da
explosão foram vaporizados. Pega pelas beiradas do raio da bomba de
pensamento, Githany não teve tanta sorte. A onda de pura energia do lado
sombrio varreu-a no instante seguinte. Perpassou a moça como um vento
terrível, sugando-lhe a essência vital do corpo e arrancando-lhe o espírito da
casca corpórea. Sua pele murchou e se encolheu, e seus belos traços foram
mumificados antes mesmo de ela ter tempo de gritar. E então, com a mesma
velocidade com que viera, a onda passou. Por um momento congelado,
aquela cápsula sem vida permaneceu parada em perfeito equilíbrio, até que
tombou e atingiu o chão, desintegrando-se em cinzas.

Na superfície, a muitos quilômetros dali, Farfalla e os outros Jedi


sentiram o solo tremer, e souberam que era o fim do general. Um momento
depois, suas mentes explodiram com os gritos torturados dos Jedi e Sith
pegos pela detonação, cuja força vital fora arrancada e sugada para o vácuo
do coração da explosão.
Muitos dos Jedi choraram, angustiados, entendendo quão grandioso fora o
sacrifício de seus camaradas caídos. Os espíritos dos mortos permaneceriam
congelados por toda a eternidade, para sempre aprisionados em estase.
Mestre Valenthyne Farfalla, agora líder do que restara do Exército da Luz,
sentiu uma tristeza igualmente profunda. Mas não era hora de chorar. Com a
morte do general Hoth, o fardo do comando passava a ele, e ainda havia
coisas por fazer.
– Capitão Haduran, reúna uma equipe – ordenou Farfalla. – Vamos fazer
uma busca nas áreas exterior e interior dos túneis por sobreviventes.
Ele sabia que nenhuma criatura viva poderia ter sobrevivido ao poder da
bomba de pensamento, mas era possível que alguns dos Sith tivessem fugido
antes da detonação. Depois de todo aquele sacrifício, ele não pretendia
deixar que algum membro da Irmandade escapasse.
O capitão fez uma saudação curta e virou-se para entrar em ação. Pouco
antes de sua partida, Farfalla acrescentou:
– E faça suas tropas ficarem de olhos nos bouncers. O último ritual Sith os
levou à loucura. Vai saber o que esse fez com eles.
– E se os avistarmos, senhor?
– Atirem para matar.

Muitos quilômetros na direção oposta, Darth Bane também sentiu as


reverberações da explosão. Sentiu a onda de energia do lado sombrio passar
por ele, forte o bastante para deixá-lo trêmulo mesmo com toda a distância.
Assim que ela se foi, Bane usou a Força em seu favor a fim de verificar se
havia algum sobrevivente. Como esperado, não captou nada. Todos tinham
morrido: Kaan, Kopecz, Githany… todos eles.
A Irmandade da Escuridão fora destruída. Até onde os Jedi sabiam, os
Sith haviam sido extintos. Bane pretendia mantê-los crendo nisso.
Ele era, agora, o único senhor sombrio dos Sith, o último de seu povo. O
fardo de reconstruir a Ordem cairia sobre ele. Mas, dessa vez, Bane faria
tudo direito. Em vez de muitos, haveria apenas dois: um mestre e um
aprendiz. Um para incorporar o poder e um para desejá-lo.
Para sobreviver, os Sith tinham de desaparecer, tornando-se criaturas de
mito, lendas, pesadelos. Escondidos dos olhos dos Jedi, poderiam procurar
os segredos perdidos do lado sombrio até que todo o poder deste fosse de
ambos para comandar. Somente então – quando a vitória sobre os inimigos
fosse garantida – eles rasgariam o véu de sombras e se revelariam.
O caminho adiante seria longo e penoso. Talvez levasse anos ou décadas
para atacar a luz mais uma vez. Quem sabe até séculos. Bane, entretanto,
tinha paciência; entendia o que estava por vir e o que precisava ser feito.
Embora ele mesmo talvez não vivesse para ver o triunfo do lado sombrio, os
que viessem em seguida prolongariam seu legado. Algum dia, num futuro
distante, a República cairia e os Jedi pereceriam, e toda a galáxia se
curvaria perante um senhor sombrio dos Sith. Era inevitável; era assim que
funcionava o lado sombrio.
Satisfeito por concluir seu trabalho em Ruusan, Bane começou a longa
caminhada para onde escondera a nave. Sabia que os Jedi remanescentes
voltariam em busca de sobreviventes, mas, quando chegassem, ele já teria
ido embora.
Entretanto, algo o incomodava. Para que tudo isso acontecesse, ele
precisava encontrar um aprendiz adequado. Alguém poderoso na Força, mas
que não tivesse sido maculado pelos ensinamentos dos Jedi. Em algum lugar,
ele teria de encontrar uma criança digna de tornar-se herdeira de todo o
poder do lado sombrio.
EPÎLOGO

RAIN AGITAVA-SE, DORMINDO, MAS NÃO ACORDAVA. Alguém a chamava, mas ela
não queria responder. Em seus sonhos, imaginava que ainda estava em casa
com os primos, apreciando uma vida simples, mas feliz. Se acordasse, sabia
que precisaria enfrentar a realidade: essa vida se fora para sempre.
Acorde, Rain…
Ela se fora no dia em que aquele Jedi – mestre Torr era o nome dele – os
recrutara para o Exército da Luz. Ela nem queria se alistar. Mas Bug e
Tomcat, seus primos, se alistaram. Eram a única família que ela tinha, e a
menina não quis ficar para trás. Era jovem – tinha só 10 anos –, mas muito
forte na Força. E, então, mestre Torr a deixara vir também.
Ele lhes disse que os levaria para Ruusan, onde se tornariam Jedi, mas
isso nunca aconteceu. A nave foi atacada assim que entraram na atmosfera. O
que ocorreu em seguida constituiu um borrão só, mas ela se lembrava de
explosões e gritos. Uma das asas da nave foi arrancada, e subitamente a
menina se viu caindo. Os destroços esfumaçados na nave tornaram-se uma
mancha no céu, acima dela, espiralando sem controle enquanto ela caía e
caía até que…
Rain, acorde!
Laa! Laa a salvara, e era Laa quem a chamava agora. Lentamente, Rain
abriu os olhos e se sentou, ainda grogue.
Rain dormiu bastante. Agora Rain deve acordar.
– Já acordei, Laa – disse ela ao bouncer que pairava acima. Laa a salvara
da queda, pescando-a quando a viu mergulhando a centenas de metros da
superfície de Ruusan.
Pesadelos, Rain.
– Não – ela respondeu. – Não eram pesadelos, Laa. Sonhei que estava em
casa.
Laa nunca tinha de fato falado com a menina; ela apenas ouvia as palavras
dentro da cabeça. Laa um dia explicara que elas se comunicavam por meio
do poder da Força. Mas, sempre que respondia, Laa emitia as palavras em
voz alta.
Tem pesadelos vindo.
Rain franziu o cenho, procurando entender o que exatamente Laa tentava
lhe dizer. Às vezes, quando os bouncers falavam de sonhos, na verdade
queriam dizer outra coisa. Ela se lembrava do que Laa dissera pouco antes
de toda a floresta explodir em chamas: Pesadelos, Rain. Pesadelos de
morte.
As chamas mataram quase todos os outros bouncers. Os sobreviventes
enlouqueceram. Todos exceto Laa. Rain, de algum jeito, a salvara. Usara a
Força e protegera ambas das chamas mortais e destruidoras, embora não
soubesse muito bem como conseguira fazê-lo. Foi apenas algo que…
aconteceu. Agora ela e Laa não tinham mais nada além de uma à outra.
Pesadelos vindo, repetiu a bouncer.
Poucas horas antes, ela sentira algo estranho: o chão tremeu sob seus pés
como se algo tivesse explodido muito, muito longe dali. Seria a isso que Laa
se referia? Era esse o motivo dos pesadelos? Ou estaria a amiga tentando
avisá-la de algo que ainda não acontecera?
– Não entendo – ela disse, olhando ao redor, para os arbustos que
cercavam a clareira na qual se deitara para dormir. Não via nada de
diferente. Pelo menos, ainda não.
Adeus, Rain.
Havia uma tristeza doída nas palavras de Laa que apunhalou Rain bem no
coração feito uma faca, mas ela ainda não entendia a que a bouncer se
referia.
Antes de poder perguntar, alguma coisa se mexeu nos arbustos. Ela girou e
percebeu dois homens disparando para a clareira. No mesmo instante, soube
que eram Jedi: usavam os mesmos mantos marrons de mestre Torr, e ela viu
sabres de luz pendurados nos cintos deles. Cada um portava também um
imenso fuzil de raios.
– Bouncer! – um deles gritou. – Cuidado!
A reação foi tão rápida que os movimentos deles não passaram de um
borrão quando abriram fogo. No instante em que o grito deixou os lábios de
Rain, a amiga já estava morta.
A menina ainda gritava quando o primeiro Jedi correu até ela.
– Está bem, pequena? – ele perguntou, agachando perto dela.
Por instinto, Rain o atacou. Não sabia por que o fazia, nem o fizera de
modo consciente. Sabia apenas que o homem atirara em sua amiga. Ele
matara Laa!
– Qual o probl…? – A voz do homem foi cortada quando a menina
quebrou-lhe o pescoço com a Força. O companheiro dele escancarou os
olhos, de horror, mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, teve o próprio
pescoço quebrado também.
Somente então Rain parou de gritar. Passou a chorar, soluçando tanto que
seu corpo todo tremia. Ela engatinhou até onde o corpo ainda quente de Laa
caíra e apertou-se contra a suave pelugem esverdeada dele.

Bane a encontrou ali: uma criança humana chorando sobre os restos de um


dos quicadores nativos de Ruusan. Os corpos dos dois jovens Jedi jaziam ali
perto; as cabeças foram retorcidas em ângulos obscenos em relação ao
corpo. Bane levou apenas um instante para juntar as peças e entender o que
acontecera.
A menina olhou para Bane quando ele se aproximou, os olhos inchados e
vermelhos. Ele calculou 9 anos, 10 no máximo. Conseguia sentir o poder da
Força ardendo dentro dela, atiçado por dor, raiva e ódio. Ainda que ele não
tivesse sentido, os Jedi mortos aos pés da menina davam testemunho mudo
de suas habilidades.
Ele não disse nada, ficou ali em silêncio. A menina parou de soluçar.
Fungou e limpou o nariz com as costas da mão. Depois, levantou-se e deu um
passo inseguro para perto dele.
– Quem é você? – Bane perguntou num tom grave e ameaçador.
A menina não recuou nem fugiu, embora respondesse com hesitação.
– Meu nome é Rain… Digo, Zannah. Meus primos me chamavam de Rain,
mas eles morreram. Meu nome de verdade é Zannah.
Bane assentiu, entendendo muito bem. Rain: um apelido, um nome da
infância e da inocência. Inocência agora perdida.
– Sabe quem eu sou? – ele perguntou.
Ela assentiu e deu mais um passo adiante.
– Você é um Sith.
– Não tem medo de mim?
– Não – ela insistiu, balançando a cabeça, embora Bane soubesse que ela
não era completamente honesta. Ele conseguia captar o medo, mas estava
enterrado debaixo de emoções muito mais fortes: dor, raiva, ódio e desejo
de vingança.
– Já matei muitas pessoas – ele avisou. – Homens, mulheres… até
crianças.
Ela estremeceu, mas manteve a pose.
– Também sou uma assassina.
Bane olhou para os corpos dos Jedi, depois voltou o foco para a garotinha
que o desafiava. Seria ela a escolhida? Teria a Força o guiado a tomar essa
rota para retornar à nave? Teria ela o levado ali nesse exato momento apenas
para ele encontrar uma aprendiz?
Bane fez a última pergunta, a mais importante:
– Sabe como funciona a Força? Entende a verdadeira natureza do lado
sombrio?
– Não – Rain admitiu, jamais tirando os olhos dos dele. – Mas você pode
me ensinar. Sou jovem. Vou aprender.
AGRADECIMENTOS

ESTE LIVRO NÃO SERIA PRODUZIDO SEM A AJUDA DE MUITAS PESSOAS.


Gostaria de agradecer às minhas editoras, Shelly Shapiro e Sue Rostoni,
por me darem essa chance e por não me abandonarem em nenhuma das
reescritas e revisões. Tremo só de pensar no que teria como resultado se não
fossem os valorosos comentários e as ideias delas.
Qualquer pessoa que leu a série Jedi vs. Sith notou a dívida criativa que
tenho para com a Dark Horse Comics, mas gostaria também de apontar a
contribuição de meus amigos e colegas da BioWare. Muito do material de
alicerce e do pano de fundo deste livro evoluiu de nossa pesquisa e trabalho
para o KOTOR, principalmente Dave Gaider, Luke Kristjanson, Peter
Thomas e James Ohlen.
Obrigado por tudo, pessoal.
Drew
Star Wars: Darth Bane: Rule of Two is a work of fiction. Names, places,
and incidents either are products of the author’s imagination or are used
fictitiously.

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ou total deste material. Aconselhamos que se puder compre os materiais
das Editoras que produzem Star Wars em língua portuguesa. Este é um
trabalho profissional da editora e a nossa Equipe não faz isso
profissionalmente, ou não fazemos isso como parte do nosso trabalho, nem
esperamos receber nenhuma compensação, exceto, talvez, alguns
agradecimentos se você acha que nós merecemos. Esperamos compartilhar
os livros e histórias para que a sua experiência de Star Wars seja a melhor
possível.
Índice
Capa
Página Título
Direitos Autorais
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Epílogo
Agradecimentos
Para meus pais, Ron e Viv, e minha irmã, Dawn.
PRÓLOGO

DAROVIT CAMBALEOU ENTRE OS CORPOS espalhados pelo campo de batalha,


sua mente anestesiada pela tristeza e horror. Ele reconhecia muitos dos
mortos: alguns eram servos da luz, aliados dos Jedi; outros eram seguidores
do lado sombrio, lacaios dos Sith. E, mesmo em seu estupor, Darovit se
perguntava a qual lado ele realmente pertencia.
Alguns meses antes, ele ainda respondia por seu nome de infância,
Tomcat. Naqueles tempos, ele era apenas um garoto de treze anos, magro e
de cabelos escuros, que morava com seus primos Rain e Bug no pequeno
mundo de Somov Rit. Eles conheciam os rumores da interminável guerra
entre os Jedi e os Sith, mas nunca imaginaram que a guerra tocaria suas
vidas tranquilas… até a chegada de um olheiro Jedi para se encontrar com
Root, o guardião dos garotos.
O general Hoth, líder do Exército da Luz, estava desesperado por mais
Jedi, o olheiro explicara. O destino de toda a galáxia estava em jogo. E as
crianças sob a tutela de Root haviam mostrado uma sensibilidade com a
Força.
Root a princípio recusou. Alegou que seus protegidos eram jovens
demais para a guerra. Mas o olheiro insistiu. E então Root cedeu,
percebendo que se as crianças não seguissem com o Jedi, os Sith poderiam
aparecer e levá-las à força. Darovit e seus primos deixaram Somov Rit com
o olheiro Jedi e seguiram para Ruusan. Na época, as crianças acharam que
seria o início de uma grande aventura. Mas agora Darovit sabia a verdade.
Muita coisa havia acontecido desde que desembarcaram em Ruusan.
Tudo mudou. E o jovem – ele já havia vivido coisas demais nas últimas
semanas para ainda ser chamado de garoto – não entendia nada daquilo.
Ele chegara a Ruusan cheio de esperança e ambição, sonhando com a
glória que receberia quando ajudasse o general Hoth e o Exército da Luz a
derrotar os Sith que serviam à Irmandade das Trevas de lorde Kaan. Mas
não havia glória alguma em Ruusan; não para ele. E não para seus primos.
Rain morrera antes mesmo de a nave aterrissar em Ruusan. Eles sofreram
uma emboscada de um esquadrão de buzzards segundos após a reentrada na
atmosfera, a cauda da nave perdida no ataque. Darovit observara
horrorizado quando Rain foi sugado pela explosão, literalmente arrancado
de seus braços antes de despencar para a morte centenas de metros abaixo.
Seu outro primo, Bug, morrera havia poucos minutos, vítima da bomba
de pensamento, seu espírito consumido pelo terrível poder da derradeira e
suicida arma de lorde Kaan. Agora ele se foi. Como todos os Jedi e todos os
Sith. A bomba de pensamento havia destruído cada ser vivo poderoso o
bastante para usar a Força. Todos, exceto Darovit. E isso ele não conseguia
entender.
De fato, nada em Ruusan fazia muito sentido para ele. Nada! Ele havia
chegado esperando ver o lendário Exército da Luz de que ouvira em
histórias e poemas: Jedi heroicos defendendo a galáxia contra o lado
sombrio da Força. Em vez disso, testemunhou homens, mulheres e outros
seres que lutaram e morreram como soldados comuns, caídos sobre a lama e
o sangue do campo de batalha.
Ele se sentira enganado. Traído. Tudo que ouvira sobre os Jedi era
mentira. Não eram heróis luminosos: suas roupas eram sujas; o
acampamento cheirava a suor e medo. E estavam perdendo! Os Jedi que
Darovit encontrara em Ruusan estavam arrasados e oprimidos, exauridos
pela interminável série de batalhas contra os Sith de lorde Kaan,
teimosamente recusando-se a se entregarem mesmo quando era claro que
não poderiam vencer. E todo o poder da Força não poderia restaurar a
imagem de heróis galantes na imaginação ingênua de Darovit.
Um movimento chamou sua atenção no limiar do campo de batalha.
Cerrando os olhos contra o sol, Darovit percebeu meia dúzia de figuras
lentamente atravessando a carnificina, juntando os corpos caídos, tanto de
amigos quanto de inimigos. Ele não estava sozinho – outros também
haviam sobrevivido à bomba de pensamento!
Ele correu, mas sua animação esfriou ao se aproximar o bastante para
distinguir as formas daqueles que limpavam o campo de batalha. Ele os
reconheceu como voluntários do Exército da Luz. Não eram Jedi, mas
homens e mulheres comuns que juraram fidelidade a lorde Hoth. A bomba
de pensamento havia apenas dizimado aqueles com poder suficiente para
tocar a Força: não usuários da Força como aquelas pessoas eram imunes a
seus efeitos devastadores. Mas Darovit não era como eles. Ele possuía um
dom. Em algumas de suas lembranças mais antigas ele levitava brinquedos
usando a Força, para o delírio de seu primo mais jovem, Rain, quando
ambos eram crianças. Aquelas pessoas sobreviveram porque eram
ordinárias, comuns. Não eram especiais como ele. A sobrevivência de
Darovit era um mistério – apenas mais uma coisa sobre aquilo tudo que ele
não entendia.
Ao se aproximar, uma das figuras se sentou sobre uma rocha, cansada de
tanto juntar os mortos. Era um homem mais velho, próximo dos cinquenta
anos. Seu rosto parecia carregado e abatido, como se aquela sombria tarefa
tivesse esgotado tanto as reservas mentais quanto as físicas. Darovit
reconheceu suas feições das primeiras semanas que passou no
acampamento Jedi, embora nunca tenha se dado ao trabalho de descobrir o
nome do homem.
Um súbito pensamento o congelou. Se ele era capaz de reconhecer o
homem, então o homem também poderia reconhecê-lo. Poderia se lembrar
de Darovit. Poderia saber que o jovem era um traidor.
A verdade sobre os Jedi havia enojado Darovit. Causado repulsa. Com
suas ilusões e devaneios destroçados pelo duro peso da realidade, ele agira
como uma criança mimada e se rebelara contra os Jedi. Seduzido por
promessas fáceis do poder do lado sombrio, ele trocara de lado na guerra e
se lançara na Irmandade da Escuridão. Apenas agora entendia o quanto
estava errado.
Essa percepção o atingira quando testemunhou a morte de Bug – uma
morte pela qual ele era parcialmente responsável. Mas aprendera o real
custo do lado sombrio tarde demais. Entendera tarde demais que, através da
bomba de pensamento, a loucura de lorde Kaan trouxe devastação para
todos eles.
Darovit já não era mais seguidor dos Sith; não estava mais faminto pelos
segredos do lado sombrio. Mas como poderia aquele velho homem, um
devoto seguidor do general Hoth, saber disso? Se o homem se lembrasse de
Darovit, poderia se lembrar dele apenas como o inimigo.
Por um segundo conjecturou escapar. Apenas dê meia volta e corra, e o
cansado homem recuperando o fôlego não seria capaz de alcançá-lo. Era o
tipo de coisa que no passado ele sempre fazia. Mas as coisas eram
diferentes agora. Fosse pela culpa, maturidade ou simplesmente um desejo
de ver tudo acabar, Darovit não fugiu. Seja qual fosse o destino que lhe
esperava, ele escolheu ficar e encará-lo.
Movendo-se a passos lentos, mas determinados, ele se aproximou da
rocha onde o homem se sentava, aparentemente perdido em pensamentos.
Darovit estava apenas a poucos metros de distância quando o homem
finalmente ergueu os olhos para ele.
Não havia nenhum brilho de reconhecimento. Apenas um olhar vazio e
assombrado.
– Todos eles – o homem murmurou, embora não fosse claro se falava
com Darovit ou consigo mesmo. – Todos os Jedi e todos os Sith… todos se
foram.
O homem virou a cabeça, fixando o olhar perdido sobre a entrada
sombria de uma pequena caverna próxima. Um calafrio percorreu Darovit
quando percebeu o que o homem queria dizer. A entrada levava ao
subterrâneo, serpenteando através de túneis até uma caverna no solo
profundo onde Kaan e seus Sith haviam se juntado para detonar a bomba de
pensamento.
O homem grunhiu e sacudiu a cabeça, tentando afastar o estado mórbido
no qual caíra. Levantando-se com um suspiro cansado, sua mente outra vez
focou a tarefa. Ele deu a Darovit um leve aceno de cabeça e não lhe deu
mais atenção assim que voltou ao macabro trabalho de enrolar os cadáveres
em panos para que pudessem ser coletados e receber sepultamentos
honráveis.
Darovit se virou na direção da caverna. Outra vez, parte de si queria virar
e fugir. Mas outra parte se sentia atraída na direção da boca sombria do
túnel. Talvez existissem respostas a serem encontradas ali. Algo que
explicasse toda a morte e violência; algo que o ajudasse a enxergar as
razões por trás da interminável guerra e derramamento de sangue. Talvez
descobrisse algo para ajudar a entender os motivos por trás de tudo que
acontecera ali.
Quanto mais ele descia, mais o ar esfriava. Podia sentir um frio na boca
do estômago: uma expectativa se misturando com uma terrível sensação de
medo. Não sabia o que encontraria quando alcançasse a câmara ao final do
túnel. Mais corpos, talvez. Mas estava determinado a não voltar para trás.
Quando a escuridão o envolveu, ele silenciosamente praguejou contra si
mesmo por não ter trazido um bastão luminoso. Darovit possuía um sabre
de luz pendurado no cinto; colocar as mãos em uma das famosas armas foi
uma das tentações que o atraíram para os Sith. Mas embora tenha traído os
Jedi apenas para ter posse de um sabre, na escuridão do túnel ele já não
sentia qualquer desejo de acioná-lo e usar sua luz para guiar o caminho. Na
última vez que o empunhou, causara a morte de Bug, e a lembrança
manchava o prêmio pelo qual havia sacrificado tudo.
Darovit sabia que, se voltasse atrás, poderia nunca mais juntar a coragem
para descer novamente, então prosseguiu, apesar da escuridão. Ele se movia
lentamente, usando a Força para vasculhar o espaço e guiá-lo através do
breu do túnel. Mesmo assim tropeçou diversas vezes no chão irregular. No
final achou mais fácil passar a mão na parede rochosa para usá-la como
guia.
Seu progresso foi lento, mas constante, o chão do túnel foi se tornando
cada vez mais íngreme até ele praticamente escalar pela descida na
escuridão. Após meia hora ele notou uma luz fraca emanando ao longe, um
brilho suave vindo do final distante da passagem. Ele aumentou o ritmo,
mas tropeçou sobre uma formação rochosa no chão áspero. Darovit caiu
soltando um grito de alarme, rolando pelo declive até chegar ao fundo,
machucado e dolorido.
O túnel se abria para uma larga câmara de teto alto. Ali o brilho fraco que
havia chamado sua atenção era refletido por fragmentos de cristal na pedra
ao redor, iluminando a caverna de modo que ele podia enxergar tudo
claramente. Algumas estalactites ainda se penduravam no teto alto acima;
outras centenas se espalhavam quebradas pelo chão da caverna, derrubadas
quando Kaan detonara a bomba de pensamento.
A bomba em si, ou o que restou dela, flutuava a um metro sobre o chão
no exato centro da caverna – era a fonte do brilho. À primeira vista, parecia
um alongado orbe metálico medindo quatro metros de cima a baixo, e quase
três metros de diâmetro em seu ponto mais largo. A superfície era de um
prateado liso e opaco que projetava um pálido resplendor, mas ao mesmo
tempo devorava toda a luz refletida de volta pelos cristais presos na rocha
das paredes ao redor.
Levantando-se, Darovit estremeceu. Ele sentia um frio surpreendente; o
globo havia sugado todo o calor do ar. Ele deu um passo adiante. O pó e
detritos esmagados sob seus pés provocavam um som surdo e vazio, como
se a bomba de pensamento estivesse engolindo não apenas a temperatura da
caverna, mas o som também.
Parando, ele prestou atenção àquele silêncio irreal. Não podia ouvir nada,
mas definitivamente sentia algo. Uma fraca cadência vibrante que percorria
o chão e subia por seu corpo, um pulso rítmico que emanava do globo.
Darovit prendeu a respiração, sem perceber que fazia isso, e deu outro
passo incerto à frente. Como nada aconteceu, ele deixou o ar escapar dos
pulmões com um longo e suave suspiro. Juntando coragem, ele continuou
sua aproximação cautelosa, estendendo a mão, mas sem tirar os olhos da
esfera.
Chegou perto o suficiente para enxergar faixas escuras de sombras
lentamente se contorcendo debaixo da superfície cintilante, como fumaça
negra presa pelo núcleo. Mais dois passos e estava perto o bastante para
tocar. A mão tremendo um pouco, ele se inclinou para a frente e pressionou
a palma contra a superfície.
Sua mente explodiu com lamentos de pura angústia; uma estridente
cacofonia de vozes se ergueu do globo, todas as vítimas da bomba de
pensamento gritando em tormento.
Darovit puxou a mão com força e cambaleou para trás, caindo de joelhos.
Eles ainda estavam vivos! Os corpos dos Jedi e Sith foram consumidos
pela bomba de pensamento, desfazendo-se em poeira e cinzas, mas seus
espíritos haviam sobrevivido, sugados para dentro do vórtice no centro da
explosão, aprisionados para sempre.
Ele havia tocado a superfície apenas por um brevíssimo segundo, mas a
lamúria dos espíritos quase o enlouqueceu. Presos dentro daquele invólucro
inviolável, estavam condenados a uma eternidade de sofrimento
insuportável. Um destino tão horrível que a mente de Darovit se recusou a
compreender totalmente as implicações.
Ainda ajoelhado sobre o chão, ele segurou sua cabeça em um gesto de
futilidade desamparada. Darovit havia descido até ali em busca de respostas
e explicações. Mas encontrou uma abominação contra a própria natureza,
uma abominação que fazia cada parte do seu ser recuar instintivamente.
– Eu não entendo… eu não entendo… eu não entendo…
Ele murmurou a frase várias e várias vezes, agachado no chão,
lentamente se balançando para a frente e para trás sobre os calcanhares,
ainda com as mãos na cabeça.
S T A R WA R S
D A RT H B A N E

REGRA DE DOIS
Capítulo 1

A paz é uma mentira. Há apenas paixão.


Pela paixão, eu ganho força.
Pela força, eu ganho poder.
Pelo poder, eu ganho a vitória.
Pela vitória, minhas correntes se rompem.
O Código Sith

DARTH BANE, O ÚNICO LORDE Sith que escapou da devastação da bomba de


pensamento de Kaan, marchava rapidamente sob o pálido sol amarelo de
Ruusan, movendo-se com determinação através da terra arrasada. Ele tinha
dois metros de altura, e suas botas negras venciam o caminho com longos e
rápidos passos, impulsionando seu largo e musculoso corpo com um sentido
de urgência. Havia uma aura de ameaça que emanava dele, acentuada por
sua cabeça raspada, as sobrancelhas pesadas e a sombria intensidade de
seus olhos. Isso – mais ainda do que sua tenebrosa armadura negra ou o
sinistro sabre de luz curvado que se pendurava em seu cinto – o marcava
como um homem de poder amedrontador: um verdadeiro defensor do lado
sombrio da Força.
Sua larga mandíbula cerrada exibia sua determinação contra a dor que
pulsava a cada poucos minutos na parte de trás de seu crânio nu. Ele estava
a muitos quilômetros de distância quando a bomba de pensamento foi
detonada, mas mesmo tão longe ele sentira seu poder reverberando através
da Força. Os efeitos persistiam, esporádicas dores disparando por seu
cérebro como milhões de pequenas adagas sendo cravadas nos confins
escuros de sua mente. Ele esperara que esses ataques fossem diminuir com
o tempo, mas nas horas desde a explosão, a frequência e intensidade haviam
aumentado.
Ele poderia ter invocado a Força para controlar a dor, envolvendo a si
mesmo em uma aura de energia curativa. Mas isso seria uma prática Jedi, e
Bane era um lorde sombrio dos Sith. Ele seguia um caminho diferente, um
caminho que abraçava o sofrimento, extraindo força da provação. Ele
transformava a dor em raiva e ódio, atiçando as chamas do lado sombrio até
sua fisionomia praticamente brilhar com a fúria de uma tormenta que mal
podia conter.
A terrível imagem que Bane projetava contrastava fortemente com a
pequena figura que o seguia, esforçando-se para acompanhá-lo. Zannah
tinha apenas dez anos, uma pirralha de cabelos loiros, curtos e
encaracolados. Suas roupas eram simples ao ponto de serem rústicas: uma
camisa branca folgada e um macacão azul, ambos rasgados e puídos por
semanas de uso contínuo. Qualquer pessoa que a visse perambulando atrás
da enorme figura de Bane dificilmente imaginaria que era a aprendiz
escolhida pelo mestre Sith. Mas as aparências enganam.
Havia poder naquela criança. Bane vira ampla prova disso em seu
primeiro encontro, menos de uma hora antes. Dois Jedi anônimos foram
mortos por sua mão. Bane não sabia todos os detalhes sobre as mortes; ele
chegara após o ocorrido, quando encontrou Zannah chorando sobre o corpo
de um Bouncer, uma das espécies de pelagem verde nativas de Ruusan. Os
cadáveres ainda quentes dos Jedi estavam estirados ao lado dela, suas
cabeças pendendo em ângulos grotescos sobre pescoços quebrados.
Claramente o Bouncer fora amigo e companheiro da criança. Bane
imaginou que os Jedi o mataram inadvertidamente e receberam um destino
semelhante quando Zannah se vingou. Desconhecendo seu poder, eles
foram pegos de surpresa quando a criança – impelida por uma tristeza
entorpecente e um ódio puro e abjeto – liberou toda a fúria do lado sombrio
nos responsáveis pela morte de seu amigo.
Foram vítimas de um cruel infortúnio: no lugar errado, na hora errada.
Mas não seria correto chamar suas mortes de fúteis. Ao menos sob os olhos
de Bane, seu sacrifício permitira reconhecer o potencial da jovem garota.
Para alguns, a série de eventos pareceria predeterminada, como se os
infelizes Jedi tivessem sido atraídos inexoravelmente para seus fins
macabros com o único propósito de unir Bane e Zannah. Certamente
haveria até aqueles que afirmariam que o destino e o lado sombrio da Força
haviam conspirado para apresentar ao mestre uma aprendiz adequada. Bane,
entretanto, não era uma dessas pessoas.
Ele acreditava no poder da Força, mas também acreditava em si mesmo:
Bane era mais do que um servo de profecias ou um peão do lado sombrio,
sujeito aos caprichos de um futuro inevitável e inescapável. A Força era
uma ferramenta que ele usara para forjar seu próprio destino através do
poder e da astúcia. Apenas ele entre os Sith havia realmente conquistado o
manto de lorde sombrio, e essa era a razão por apenas ele entre os Sith
ainda viver. E, se Zannah era digna de ser sua aprendiz, ela eventualmente
teria que provar seu valor.
Bane ouviu um grunhido atrás dele e se virou para ver que a garota havia
tropeçado no chão, caindo em sua pressa de tentar acompanhar o ritmo
implacável que ele impunha. Zannah lançou um olhar endurecido sobre ele,
a raiva marcando todas as suas feições.
– Devagar! – ela gritou. – Você está indo rápido demais!
Bane cerrou os dentes quando um novo disparo de dor atravessou seu
crânio.
– Eu não estou indo rápido demais – ele explicou, mantendo a voz calma,
porém firme. – Você está indo devagar demais. Você precisa achar um jeito
de me acompanhar.
Ela se ergueu do chão, passando as mãos nos joelhos para limpar os
traços mais nítidos de terra.
– Minhas pernas não são tão longas quanto as suas – ela respondeu com
irritação, recusando-se a ceder. – Como é que eu posso acompanhar assim?
A garota possuía brio. Isso ficou claro desde o primeiro encontro. Ela
reconhecera Bane imediatamente por aquilo que ele era: um Sith, os
inimigos jurados dos Jedi, um servo do lado sombrio. Mas ela não mostrara
medo. Em Zannah, Bane enxergara o potencial para a sucessora que ele
precisava, mas ela obviamente também vira algo nele que ela queria. E
quando Bane oferecera a chance de ser sua aprendiz, de estudar e aprender
os ensinamentos do lado sombrio, ela não hesitou.
Ele ainda não estava certo sobre por que Zannah se mostrara tão ansiosa
para se juntar a um lorde Sith. Talvez fosse um simples ato de desespero:
ela estava sozinha, sem poder contar com ninguém para sobreviver. Ou
talvez tenha enxergado o lado sombrio como um caminho de vingança
contra os Jedi, um caminho para fazer todos eles sofrerem pela morte de seu
amigo Bouncer. Era até possível que ela simplesmente tenha passado a
cobiçar para si o poder que sentira em Bane.
Quaisquer que fossem suas verdadeiras motivações, Zannah se mostrou
mais do que disposta a jurar fidelidade aos Sith e a seu novo mestre.
Entretanto, não era nem seu brio nem sua disposição que a tornava digna de
ser sua aprendiz. O lorde sombrio a escolhera por uma – e apenas uma –
razão.
– Você é poderosa com a Força – ele explicou, a voz ainda sem denunciar
emoção alguma ou a agonia que sofria. – Você precisa aprender a usá-la. A
invocar seu poder. A dobrá-lo para seus propósitos. Igual fez quando matou
os Jedi.
Bane viu uma dúvida cruzar o rosto da garota.
– Não sei como fiz aquilo – ela murmurou. – Eu nem queria ter feito –
ela continuou, repentinamente incerta. – Sei lá… simplesmente aconteceu.
Bane detectou um traço de culpa em sua voz. Ele ficou desapontado, mas
não surpreso. Ela era jovem. Confusa. Não podia realmente entender o que
havia feito. Não ainda.
– Nada simplesmente acontece – ele insistiu. – Você invocou o poder da
Força. Pense em como fez isso. Pense no que aconteceu.
Ela hesitou, depois sacudiu a cabeça.
– Não quero pensar nisso – ela sussurrou.
A garota já havia suportado dor e sofrimento imensuráveis desde sua
chegada a Ruusan. Ela não possuía desejo algum de revisitar aquelas
horríveis experiências. Bane entendia; até simpatizava. Ele também havia
sofrido durante a infância, uma vítima de incontáveis surras selvagens nas
mãos de Hurst, seu pai cruel e abusivo. Mas ele aprendera a usar aquelas
memórias a seu favor. Se Zannah quisesse se tornar herdeira do legado do
lado sombrio, ela teria de confrontar seu passado. Teria de aprender como
usar suas memórias mais dolorosas. Teria de transformá-las e canalizá-las
para lhe permitirem exercer o poder do lado sombrio.
– Você se sente mal por aqueles Jedi agora – Bane disse, sua voz casual.
– Sente arrependimento. Remorso. Talvez até pena. – O tom calmo sumiu
rapidamente quando sua voz começou a subir tanto em volume quanto em
intensidade. – Mas essas são emoções inúteis. Não significam nada. O que
você precisa sentir é raiva!
Bane deu um súbito passo na direção dela, fechando o punho com força
para pontuar as palavras. Zannah estremeceu diante do movimento
inesperado, mas não recuou.
– Suas mortes não foram um acidente! – ele gritou ao avançar mais um
passo. – O que aconteceu não foi um engano!
Um terceiro passo o deixou tão perto que a sombra de seu enorme corpo
envolveu a garota como um eclipse. Ela se encolheu levemente, mas não
saiu do lugar. Bane congelou, bloqueando a dor em seu crânio e
canalizando sua fúria. Ele se abaixou ao lado dela e relaxou o punho.
Depois estendeu a mão e a pousou gentilmente sobre o ombro da garota.
– Pense em como você se sentiu quando liberou seu poder contra eles –
Bane disse, sua voz agora um sussurro suave e sedutor. – Pense no que
sentiu quando os Jedi assassinaram seu amigo.
Zannah baixou a cabeça, fechando os olhos. Por vários segundos ela
ficou parada e em silêncio, forçando sua mente a reviver o momento. Bane
viu as emoções cruzando seu rosto: tristeza, mágoa, perda. Debaixo da
grande mão sobre o ombro frágil, ela tremia. Então, lentamente, Bane sentiu
a raiva da garota começando a emergir. E, com isso, o poder do lado
sombrio.
Quando Zannah ergueu o rosto novamente, seus olhos estavam
arregalados; eles queimavam com uma intensidade feroz.
– Eles mataram Laa – ela vociferou. – Eles mereceram morrer!
– Bom. – Bane deixou a mão cair do ombro dela e recuou um passo, um
vestígio de sorriso satisfeito marcando seus lábios. – Sinta a raiva. Aceite-a.
Adote-a. Pela paixão, eu ganho força – ele continuou, recitando o Código
dos Sith. – Pela força, eu ganho poder.
– Pela paixão, eu ganho força – ela disse, repetindo as palavras,
respondendo a elas. – Pela força, eu ganho poder. – Bane podia sentir o lado
sombrio crescendo dentro dela, crescendo em intensidade até ele quase
poder sentir seu calor.
– Os Jedi morreram porque eram fracos – ele disse, dando um passo para
trás. – Apenas os fortes sobrevivem, e a Força a tornará forte. – Quando se
virou, ele acrescentou: – Use a Força para me acompanhar. Se ficar para
trás de novo, vou deixá-la aqui neste mundo.
– Mas você ainda não me disse o que eu tenho que fazer! – ela gritou
atrás dele quando Bane voltou a marchar.
Bane não respondeu. Ele havia dado a resposta, embora ela ainda não
soubesse. Se fosse digna de ser sua aprendiz, ela acabaria entendendo.
Bane sentiu uma súbita onda de poder avançando sobre ele, concentrada
no calcanhar de seu pé esquerdo quando ela tentou fazê-lo tropeçar. Bane se
preparou para algum tipo de reação no momento em que deu as costas para
Zannah. Ele a provocara até o limite; ficaria desapontado se ela não fizesse
nada. Mas esperou um ataque mais amplo e básico – uma onda de energia
sombria com a intenção de derrubá-lo no chão. Um ataque focado contra
um único calcanhar era muito mais sutil. Mostrava inteligência e astúcia, e
embora estivesse preparado, a força do ataque dela o surpreendeu.
Mas, mesmo com todo o poder e potencial que Zannah possuía, ela não
era páreo para um lorde sombrio dos Sith. Bane invocou suas próprias
habilidades com a Força para absorver o impacto do ataque, antecipando e
amplificando sua força antes de dispará-lo de volta contra sua aprendiz. O
golpe redirecionado acertou Zannah no peito, forte o bastante para derrubá-
la no chão. Um grunhido surpreso escapou dos lábios dela quando
aterrissou com força sobre suas costas.
Ela não se feriu; Bane não possuía intenção alguma de machucá-la. As
constantes surras que sofreu de seu pai durante a infância ajudaram a
transformar Bane naquilo que era hoje, mas também o fizeram odiar e
desprezar Hurst. Se aquela garota realmente seria sua aprendiz, ela
precisava respeitá-lo e admirá-lo. Ele não poderia transmitir os
ensinamentos do lado sombrio se ela não estivesse disposta – e mesmo
ansiosa – para aprender com ele. A única coisa que as surras de Hurst
ensinaram a Bane foi como odiar, e Zannah já aprendera essa lição.
Ele se virou e fixou seu olhar frio sobre a garota ainda caída sobre o chão
sujo. Ela o olhou de volta, furiosa com a maneira como foi humilhada.
– Um Sith sabe quando liberar a fúria do lado sombrio – ele explicou –, e
sabe quando esperar. A paciência pode ser uma arma, se você souber usá-la,
e sua raiva pode alimentar o lado sombrio, se souber como controlá-la.
Ela ainda estava fumegando de raiva, mas Bane agora via algo mais em
sua expressão: uma curiosidade disfarçada. Lentamente ela assentiu quando
o significado das palavras se tornou claro, e sua expressão se suavizou.
Bane ainda sentia o poder do lado sombrio dentro dela; sua raiva ainda
estava lá, mas ela a escondera debaixo da superfície. Ela estava cultivando a
raiva, alimentando-a para usar no momento em que pudesse liberá-la.
Zannah havia acabado de aprender sua primeira lição nos caminhos dos
Sith. E agora se tornou desconfiada dele – desconfiada, mas não com medo.
Exatamente como ele queria. A única coisa que Bane queria que Zannah
temesse era o fracasso.
Ele deu as costas a ela novamente e retomou sua marcha, controlando um
estremecimento quando uma nova falange de adagas entalhou outro
caminho em seus pensamentos. Atrás dele, Bane sentiu Zannah concentrar a
Força novamente. Desta vez, entretanto, a garota direcionou-a
internamente, usando-a para revigorar e rejuvenescer seus membros
exaustos.
Ela se levantou de repente e se apressou atrás dele, movendo-se quase
sem esforço em uma plena corrida. Bane acelerou os passos quando sua
aprendiz chegou ao seu lado e igualou seu ritmo, conseguindo facilmente
acompanhá-lo agora que estava sendo impulsionada pelo incrível poder da
Força.
– Para onde estamos indo? – ela perguntou.
– Para o acampamento Sith – ele respondeu. – Precisamos de
suprimentos para a jornada.
– Os outros Sith estão lá? – ela indagou. – Aqueles que estavam lutando
contra os Jedi?
Bane percebeu que ainda não havia contado a ela o que acontecera com
Kaan e a Irmandade.
– Não existe mais nenhum outro Sith. Nunca existirá, exceto por nós. Um
mestre e um aprendiz; um para encarnar o poder, outro para cobiçá-lo.
– O que aconteceu com os outros? – ela quis saber.
– Eu os matei – ele respondeu.
Zannah pareceu pensar sobre aquilo por um momento antes de encolher
os ombros com indiferença.
– Então eles eram fracos – ela disse com uma simples convicção. – E
mereciam morrer.
Bane percebeu que havia escolhido bem sua aprendiz.
Capítulo 2

A GRANDE NAVE DE GUERRA de lorde Valenthyne Farfalla – líder do


Exército da Luz desde a perda do general Hoth – manteve uma órbita lenta
muito acima da superfície de Ruusan. Criada para seu exterior lembrar uma
antiga caravela, a nave possuía uma elegância arcaica, uma grandiosidade
que alguns achavam um sinal de vaidade impróprio para um Jedi.
Johun Othone, um jovem padawan do Exército da Luz, outrora
concordara com essa opinião. Como muitos dos seguidores de Hoth, ele
havia inicialmente considerado lorde Valenthyne como nada além de um
tolo exibido preocupado apenas com coloridas camisas de sedabrilho, os
longos cachos esvoaçantes de seus cabelos dourados, e outros ornamentos
berrantes e chamativos. Porém, batalha após batalha contra a Irmandade da
Escuridão, Farfalla e seus seguidores provaram seu valor. Lentamente,
quase com desgosto, Johun e o resto das tropas de Hoth passaram a admirar
e até mesmo respeitar o homem que antes era zombado por eles.
Agora o general Hoth se foi, destruído junto com os Sith em seu
confronto final, e em sua ausência, foi lorde Valenthyne quem tomou o
manto da liderança. Seguindo as ordens de Hoth, Farfalla organizara a
evacuação em massa de Ruusan antes da detonação da bomba de
pensamento, salvando milhares de Jedi e padawans dos efeitos devastadores
ao embarcar todos em naves de sua frota em órbita.
Foi por mero acaso que Johun terminou ali, a bordo da Fairwind, a nau
capitânia de Valenthyne. A nave era grande o bastante para abrigar
confortavelmente mais de trezentos tripulantes, mas enfiado no convés com
quase quinhentos outros evacuados, conforto era a última coisa que o jovem
sentia. Estavam tão apertados que era difícil se mexer; mestres Jedi,
Cavaleiros Jedi e padawans estavam amontoados ombro a ombro.
As outras naves estavam tão cheias quanto. Somada à debandada dos
Jedi, estava a maioria das tropas não sensíveis à Força que aderiram à causa
de Hoth. Uma das naves fora até carregada com várias centenas de
prisioneiros, os seguidores não Sith de lorde Kaan que haviam rapidamente
se entregado aos Jedi quando seu líder sombrio os abandonara para
embarcar em seu derradeiro plano insano de destruir os Jedi. Não havia
nenhum perigo real para esses soldados comuns; a bomba de pensamento
apenas afetava aqueles mais ligados à Força. Mas na pressa para evacuar,
foi mais fácil simplesmente levar a todos.
Ali no galeão pessoal de Valenthyne, entretanto, Johun reconhecia quase
todos os rostos. Lutara ao lado deles por muitos meses, enfrentando
emboscadas, pequenas lutas e batalhas de larga escala. Juntos,
testemunharam morte e derramamento de sangue, tiveram gloriosos triunfos
e sofreram derrotas esmagadoras. Cada um deles viu muitos inimigos – e
ainda mais amigos – morrerem enquanto travavam uma interminável
campanha contra as forças do lado sombrio.
Agora, amontoados juntos naquela nave, a guerra havia finalmente
terminado. A vitória era enfim deles. Mas cada ser a bordo usava uma
máscara sóbria e lúgubre. A extinção dos Sith veio com um terrível preço.
Não havia dúvida sobre o que acontecera, nenhuma esperança de que algum
Jedi ainda na superfície tivesse sobrevivido. Orbitando muito acima de
Ruusan, eles estiveram seguros fora do raio da explosão da bomba de
pensamento. Mas através da Força eles ouviram os gritos agonizantes de
seus companheiros Jedi quando seus espíritos foram arrancados e sugados
pelo vórtice de energia sombria. Muitos dos sobreviventes choraram
abertamente. A maioria simplesmente suportou o sofrimento em silêncio
estoico, refletindo sobre o sacrifício que outros fizeram.
Johun – assim como Farfalla e virtualmente todos os outros membros do
Exército da Luz – havia se voluntariado para ficar junto com o general
Hoth. Mas o general recusara. Sabendo que aqueles que ficassem com ele
teriam a morte certa, ele ordenara a evacuação de todos, exceto algumas
centenas de seus seguidores Jedi. Nenhum dos padawans teve permissão
para ficar. Porém, apesar de apenas estar seguindo ordens, Johun não
conseguia impedir uma sensação de que traíra seu general ao fugir do
planeta.
Do outro lado do convés lotado ele identificou Farfalla, sua camisa
vermelho vivo parecendo um farol entre o mar de corpos amarronzados. Ele
estava organizando as equipes de resgate que seriam enviadas para a
superfície de Ruusan para lidar com as consequências da bomba de
pensamento, e Johun estava determinado a figurar entre elas.
Era difícil se mover entre a massa de Jedi, mas Johun era pequeno e ágil.
Tinha dezenove anos, mas não havia encorpado ainda, e com sua figura
esbelta, pele clara e cabelos loiros à altura dos ombros – amarrados em uma
trança apertada, como era costume para um jovem Jedi ainda em
treinamento –, ele parecia ao menos dois anos mais jovem. Era frustrante
ser confundido com uma criança, mas agora, enquanto abria caminho entre
a multidão, ele ficou grato por seu físico esguio.
– Lorde Valenthyne – ele chamou ao se aproximar. Johun ergueu mais a
voz para ser ouvido entre o burburinho. – Lorde Valenthyne!
Farfalla se virou, tentando distinguir o dono da voz no meio daquela
parede de corpos e rostos, e então deu um aceno de reconhecimento quando
o jovem finalmente entrou em seu campo de visão.
– Padawan Johun.
– Quero me juntar às equipes de resgate – Johun disse. – Quero que me
envie de volta lá para baixo.
– Temo que não posso fazer isso – o mestre Jedi respondeu com um
aceno de cabeça cortês.
– Por que não? – Johun exigiu saber. – Acha que sou jovem demais?
– Não é isso… – Farfalla começou a dizer, mas Johun o interrompeu.
– Não sou uma criança! Tenho dezenove anos! Sou mais velho do que
aqueles dois com certeza! – ele insistiu, movendo a mão na direção da
equipe mais próxima: um grupo consistindo de um homem de meia-idade
com uma barba rala, uma mulher em seus vinte anos e dois garotos
adolescentes.
– Tome cuidado com a sua raiva – Farfalla o advertiu, com a voz firme.
Johun quase respondeu, mas mordeu e língua e apenas assentiu. Ficar
irritado não levaria a nada; isso não convenceria lorde Valenthyne a permitir
que fosse junto.
– Sua idade não tem nada a ver com minha decisão – o Jedi mais velho
explicou assim que teve certeza de que Johun controlava as emoções. –
Mais de um terço das forças é mais jovem do que você.
Era verdade, Johun percebeu. As crescentes baixas da campanha de
Ruusan haviam forçado o Exército da Luz a aceitar recrutas cada vez mais
jovens. Sua juventude não era o problema; tinha de haver outra explicação.
Mas, em vez de perguntar por que não podia ir, Johun simplesmente
permaneceu em silêncio. A paciência ganharia mais pontos com o sucessor
do general Hoth do que perguntas incessantes e impertinentes.
– Olhe mais de perto para quem estou enviando – Farfalla o instruiu. –
São bravos voluntários, aliados valiosos em nossa batalha contra os Sith.
Mas nenhum deles tem sintonia com a Força.
Surpreso, Johun deu uma segunda olhada sobre a equipe de resgate
enquanto faziam os preparativos finais. A mulher possuía pele escura e
cabelos negros curtos, e o Jedi percebeu que já a encontrara antes. Ela era
um soldado da República e se chamava Irtanna, e havia se juntado à causa
fazia pouco mais de um ano-padrão. Ele precisou de um momento mais
longo para reconhecer os outros, até que notou a semelhança entre o homem
barbado e os dois adolescentes. Eram nativos de Ruusan. O homem era um
fazendeiro chamado Bordon que havia fugido diante dos exércitos de lorde
Kaan que avançavam durante a última ofensiva dos Sith. Os dois garotos
eram seus filhos, embora Johun não se lembrasse de seus nomes.
– Não sabemos a real extensão dos efeitos da bomba de pensamento –
Farfalla continuou. – Pode haver tremores secundários capazes de machucar
ou mesmo matar um Jedi ou padawan. É por isso que você não pode ir.
Johun assentiu. Fazia sentido; Valenthyne estava apenas sendo cauteloso.
Mas possivelmente às vezes ele era cauteloso demais.
– Existem outros riscos na superfície – ele notou. – Não sabemos se
todos os Sith estão mortos. Alguns podem ter sobrevivido.
Farfalla sacudiu a cabeça.
– Kaan possuía algum tipo de feitiço, um poder sobre seus seguidores.
Eles estavam hipnotizados por sua vontade. Quando ele os conduziu para
dentro da caverna, todos seguiram voluntariamente. Ele os convenceu de
que poderiam sobreviver à detonação da bomba se unissem seu poder…
mas ele estava errado.
– E quanto aos lacaios dos Sith? – Johun insistiu, recusando-se a desistir.
Como os Jedi, os Sith possuíam seguidores sem sintonia com a Força:
soldados e mercenários que se aliaram à Irmandade da Escuridão. – Não
capturamos todos – o jovem padawan lembrou. – Alguns fugiram do campo
de batalha. Ainda podem estar lá embaixo.
– É para isso que serve isto aqui – a soldada lhe assegurou, tocando o
blaster em sua cintura. Ela exibiu um largo sorriso, seus dentes brancos
contrastando com a pele escura.
– Irtanna sabe como cuidar de si mesma – Farfalla concordou. – Ela já
esteve em mais combates do que eu e você juntos.
– Por favor, lorde Valenthyne – Johun implorou, ajoelhando-se. Um gesto
vão e tolo, mas ele estava desesperado. Sabia que Farfalla estava certo, mas
não se importava. Não se importava com lógica ou razão ou mesmo com os
perigos da bomba de pensamento. Ele simplesmente não podia ficar parado
sem fazer nada!
– Por favor! Ele era meu mestre.
Farfalla estendeu a mão e a pousou gentilmente sobre a testa de Johun.
– Hoth me alertou de que sua decisão de enviá-lo para longe não seria
fácil para você – ele disse suavemente. – Mas seu mestre era um homem
sábio. Ele sabia o que era melhor para você, assim como eu sei. Você
precisa confiar em meu julgamento, mesmo se não entender
completamente.
Removendo a mão da testa do jovem, o novo líder do Exército da Luz
tomou o braço de Johun e o ajudou a se levantar.
– Seu mestre fez um grande sacrifício para salvar a todos nós – ele disse.
– Se nos deixarmos levar por nossas emoções agora, se nos permitirmos
correr riscos desnecessários, então estaremos desonrando aquilo que ele fez.
Você entende?
Johun assentiu, um padawan aquiescendo à maior sabedoria de um
mestre Jedi.
– Bom – Farfalla disse, virando-se para focar a atenção sobre uma das
outras equipes de resgate. – Se quiser ajudar, dê uma mão para Irtanna
carregar os suprimentos.
Johun assentiu novamente, embora Farfalla não tenha notado. Ele já não
estava mais lá, levado pelas responsabilidades de sua posição.
Trabalhando em silêncio, Johun ajudou a carregar os últimos suprimentos
dentro da nave auxiliar: estojos cheios com rações e cápsulas de água,
medpacs para o caso de encontrarem feridos, eletrobinóculos e um sensor
para reconhecimento do território, bastões luminosos para quando a noite
caísse. E, claro, células de energia extras para os blasters que Irtanna e os
outros carregavam para caso encontrassem lacaios sobreviventes do
exército de Kaan.
– Obrigada – Irtanna disse quando terminaram.
Tentando parecer casual, Johun olhou rapidamente ao redor. Farfalla não
estava em lugar algum.
– Você quer pilotar até lá embaixo, ou prefere que eu pilote? – ele
perguntou a ela. As palavras foram fáceis, mas quando as pronunciou,
Johun usou a Força para tocar a mente dela. Fez isso gentilmente, tomando
cuidado para não causar nenhum dano quando plantou a semente da
sugestão.
Os olhos dela ficaram vidrados por um instante, e uma aparência de
confusão cruzou seu rosto.
– Hum… eu vou pilotando, acho. Você pode ser o copiloto.
– Você vai junto conosco? – Bordon, o pai de meia-idade, perguntou.
Pelo tom de sua voz, ficou óbvio que ele tinha suas dúvidas.
– É claro – Johun respondeu amigavelmente. – Vocês ouviram quando ele
disse que eu deveria ajudar a carregar os suprimentos, não é? Por que outro
motivo ele diria isso se eu não estivesse indo com vocês?
Assim como fez com Irtanna, ele usou levemente a Força, acrescentando
o poder de sugestão para aquela meia-verdade. Normalmente, Johun
abominava a ideia de manipular amigos ou aliados daquela maneira, mas
naquele caso ele sabia que a equipe improvisada de resgate se sairia melhor
se ele os acompanhasse.
– Sim. Certo – Bordon concordou após um momento. – É bom tê-lo
conosco.
– Faz sentido levar um Jedi junto – Irtanna acrescentou. – Só para
garantir.
Persuadir alguém através da Força sempre era mais fácil quando se
tratava de algo que as pessoas já queriam, Johun notou. Mesmo assim, ele
sentiu uma pontada de culpa quando embarcou na pequena nave auxiliar.
É só porque você está desobedecendo Farfalla, ele disse a si mesmo.
Você está fazendo a coisa certa.
– Apertem os cintos – Irtanna ordenou, falando ao mesmo tempo em que
as escotilhas eram travadas.
Os motores da nave auxiliar foram acionados, erguendo-os do chão da
plataforma de embarque.
– De volta para casa em Ruusan. Ou para o que restou dela – Bordon
murmurou melancolicamente quando passaram pelas comportas do
compartimento de cargas e ganharam a atmosfera do planeta.
Capítulo 3

DARTH BANE OS PRESSENTIU MUITO antes de propriamente vê-los.


Aqueles que ignoravam os caminhos da Força enxergavam esse poder
apenas como uma arma ou ferramenta: podia atingir um inimigo na batalha,
podia levitar objetos próximos e atraí-los para uma palma aberta ou lançá-
los para longe. Mas eram apenas truques de magia para alguém que
entendia seu verdadeiro poder e potencial.
A Força era parte de todas as coisas vivas, e todas as coisas vivas eram
parte da Força. Fluía através de cada ser, cada animal e criatura, cada árvore
e planta. A energia fundamental da vida e da morte corria através dela,
provocando ondas no próprio tecido da existência.
Mesmo distraído pelos agonizantes lampejos das adagas cortando dentro
de seu crânio, Bane sentia aquelas ondas. Elas davam a ele uma consciência
que transcendia o espaço e até o tempo, permitindo breves vislumbres das
sempre mutantes possibilidades do futuro. Foi assim que, ainda a dois
quilômetros e vários minutos de distância de onde Kaan e seu exército
haviam acampado, ele soube que outros já estavam lá.
Havia oito no total, todos humanos – seis homens e duas mulheres.
Mercenários que se juntaram à Irmandade em troca de créditos e uma
chance de atacar a odiada República, eles haviam sobrevivido à batalha
final contra as tropas de Hoth. Provavelmente fugiram do confronto no
instante em que Kaan descera às profundezas do planeta para disparar sua
armadilha contra os Jedi, mostrando a lealdade que se ganha quando se
compra um seguidor. E agora, como besouros de sangue devorando a
carcaça putrefata de um bantha, eles vieram vasculhar qualquer coisa de
valor que pudessem encontrar no abandonado acampamento Sith.
– Tem alguém lá na frente – Zannah sussurrou um minuto mais tarde.
Menos familiarizada com as nuances sutis da Força do que seu mestre, ela
demorou mais para sentir o perigo. Mas considerando sua falta de
treinamento, o fato de ter notado algo já era uma confirmação de suas
habilidades.
– Espere aqui – Bane ordenou, erguendo a mão para congelar Zannah no
lugar. Sabiamente, ela obedeceu.
Ele não olhou para trás quando correu num disparo. O chão passou
voando sob seus pés, uma mancha de movimento quando usou a Força para
impulsioná-lo para a frente. A dor em sua cabeça sumiu, engolida pela
expectativa da batalha e a satisfação física do movimento.
Sessenta segundos depois, o acampamento Sith entrou em seu campo de
visão, a silhueta dos mercenários condenados claramente visível enquanto
discutiam quais objetos deveriam pilhar. Seis dos saqueadores estavam
reunidos na pequena clareira no meio do acampamento, dividindo o espólio.
Os outros dois estavam de guarda: sentinelas posicionadas perto do limite
das tendas à procura de qualquer sinal de problemas. Entretanto, seus postos
eram mera formalidade. Os vigias deveriam estar posicionados em lados
opostos do acampamento para defender qualquer ataque nas duas direções.
Em vez disso, os dois homens estavam de pé a menos de vinte metros um
do outro, mais interessados em ter alguém com quem passar o tempo do que
em defender o perímetro.
Bane analisou a cena com desprezo quando avançou sobre eles, a Força
permitindo que absorvesse cada detalhe em uma única olhada rápida. Os
mercenários ignoravam totalmente sua aproximação, suas atenções voltadas
aos gritos de discordância vindo dos outros seis discutindo os espólios.
Alterando levemente seu curso para que sua chegada ficasse oculta por
uma tenda de suprimentos até o último instante possível, Bane deu um
último impulso de aceleração e pousou no acampamento em uma tormenta
de ruína. Ele sacou e acionou seu sabre de luz em um único movimento
contínuo. O zunido afiado da lâmina rúbea o precedeu, denunciando sua
posição alguns preciosos segundos antes de sua chegada. O alerta prévio
deu tempo suficiente para a sentinela mais próxima sacar seu blaster, mas
não o bastante para salvá-la da matança iminente.
Bane apareceu vindo de trás da tenda de suprimentos e avançou sobre sua
primeira vítima como um vento negro, cortando seu corpo diagonalmente,
do ombro até os quadris. O homem vestia uma armadura de combate feita
de placas de material composto unidas sobre um forro acolchoado para
permitir flexibilidade. O colete cobrindo seu peito era capaz de absorver
vários tiros de alta energia em um raio de trinta metros, mas a lâmina de
Bane cortou através das camadas protetoras e entalhou um corte fatal de
cinco centímetros através da carne e ossos abaixo.
Quando a primeira vítima desabou, Bane deu um salto em direção ao
inimigo seguinte, instantaneamente extinguindo os dez metros entre eles e,
simultaneamente, desviando do apressado tiro da segunda sentinela.
Quando desceu praticamente em cima do inimigo, empregou um golpe
descendente com as duas mãos – um movimento clássico do Djem So, a
quinta e mais poderosa forma de combate com sabres de luz. O pesado
golpe cortou perfeitamente em dois o capacete do infeliz homem e perfurou
fundo seu crânio.
O final macabro dos dois primeiros mercenários deu aos outros tempo
para reconhecerem o que estava acontecendo. Eles sacaram suas armas e
dispararam uma saraivada de tiros de energia sobre Bane quando ele se
virou para encará-los do outro lado do acampamento. Passando facilmente
do estilo agressivo da Forma V para a o estilo mais defensivo da Forma III,
Bane defletiu os tiros com golpes de empunhadura dupla de seu sabre de
luz, desviando-os para os lados quase com um desdém casual.
Girando sua arma na mão direita, Bane fez uma pausa para admirar o
desespero e o terror emanando da meia dúzia de mercenários sobreviventes
quando reconheceram o inevitável fato de suas mortes. Agrupados no meio
da clareira entre as tendas, eles fizeram a única coisa que lhes daria alguma
chance de sobrevivência – eles se separaram e começaram a correr.
Os mercenários se espalharam em todas as direções: uma das mulheres
correu para a esquerda, dois homens correram para a direita, os outros três
se viraram e correram em uma linha diretamente oposta ao mortal intruso.
Ainda girando o sabre de luz, Bane lançou sua mão livre à frente, a palma
estendida quando liberou a Força em uma onda de choque na direção da
mulher que fugia à sua esquerda. A onda causou um rastro de devastação
através do acampamento. Tendas foram arrancadas do chão, suas coberturas
rasgadas e destroçadas. Caixas de suprimento explodiram em detritos, os
conteúdos destruídos se espalhando em uma chuva de estilhaços.
A onda atingiu as costas da mulher, pulverizando sua coluna e partindo
seu pescoço ao lançá-la de cara na lama e forçá-la contra o chão. Seu corpo
ainda estrebuchou uma vez, depois se imobilizou para sempre.
Fechando os dedos com força sobre a palma da mão esquerda, Bane
girou na direção dos dois homens à sua direita e jogou o punho no ar. Uma
dúzia de relâmpagos azuis se arqueou de cima de sua cabeça e envolveu os
mercenários aterrorizados, cozinhando-os vivos. Gritando em agonia, eles
dançaram e se retorceram como marionetes em fios elétricos por vários
segundos antes de suas carcaças fumegantes desabarem no chão.
Nos poucos segundos que levou para eliminar suas duas vítimas
anteriores, os três mercenários sobreviventes haviam alcançado o lado mais
distante do acampamento Sith. Alguns metros depois do limiar das tendas,
uma linha de árvores marcava o começo das florestas de Ruusan. A
vegetação fechada os seduzia com a possibilidade de segurança, apressando
ainda mais sua fuga aterrorizada. Bane os observou com um indolente
desinteresse, saboreando seu medo.
A apenas alguns passos da liberdade, um dos homens cometeu o erro
fatal de olhar para trás para saber se o adversário os estava seguindo.
Improvisando, Bane lançou casualmente o sabre de luz na direção do
fugitivo. A lâmina rodopiou no ar, cruzando o acampamento em uma fração
de segundo antes de voltar e ser apanhada na mão de seu mestre.
Dois dos mercenários desapareceram na floresta, penetrando pela
vegetação rasteira. O terceiro – aquele que havia parado para olhar – estava
congelado como pedra. Um segundo mais tarde, sua cabeça caiu para a
frente, quicando e rolando no chão, decepada do pescoço agora cauterizado
pela lâmina vermelha do sabre lançado por Bane. Como se a cabeça caída
fosse um sinal, os membros rígidos do cadáver decapitado repentinamente
relaxaram, e o corpo caiu de lado.
Bane cessou a luz de seu sabre, a lâmina desaparecendo com um silvo
agudo. Por um breve instante ele contemplou sua vitória, bebendo os
últimos resquícios das emoções de suas vítimas, retirando poder do medo e
sofrimento que sentiram. E então o momento passou, fugindo igual àqueles
que haviam escapado de sua fúria. Ele poderia ter perseguido os outros,
mas, por mais que ansiasse pelo sabor de seu pânico, Bane entendia o
propósito de deixá-los vivos.
– Você os deixou fugir.
Bane se virou, surpreso em ver Zannah dentro do perímetro do
acampamento. Concentrado na matança, ele não sentira a aproximação dela.
Ou então sua jovem aprendiz se esforçara muito para esconder sua presença
dele.
Não a subestime, Bane disse a si mesmo. Ela possui o poder para um dia
superá-lo.
– Você os deixou fugir – Zannah repetiu. Ela não parecia brava, ou
desapontada, ou mesmo satisfeita. Parecia apenas confusa.
– Eu disse para você me esperar – Bane a repreendeu. – Por que você
desobedeceu?
Ela não respondeu prontamente, pesando as palavras com cuidado até
encontrar uma resposta que agradasse a seu mestre.
– Eu queria ver o verdadeiro poder do lado sombrio – ela finalmente
admitiu. – Você pode me ensinar a fazer…? – ela deixou a conclusão no ar,
incapaz de encontrar palavras para descrever o que havia acabado de
testemunhar. Então simplesmente fez um movimento com a mão, indicando
a totalidade da carnificina que ele provocara.
– Você aprenderá – Bane lhe assegurou, prendendo o cabo curvado de
seu sabre de luz de volta na cintura.
Zannah não sorriu, mas havia uma expressão ansiosa em seu olhar, uma
fome que seu mestre conhecia muito bem. Ele vira a mesma ambição crua
nos olhos de Githany, sua antiga amante e uma das seguidoras condenadas
de Kaan. Ele sabia que, se Zannah não aprendesse a acalmar e controlar sua
ambição, isso poderia levá-la a um caminho de destruição, assim como
acontecera com Githany.
– Perícia no combate é uma simples amostra do poder do lado sombrio –
seu mestre alertou. – Brutal e rápida, ela serve a um propósito. Porém,
geralmente é menos eficaz do que a sutileza e a astúcia. Deixar aqueles
mercenários viverem pode ser mais útil do que matá-los agora.
– Mas eles eram fracos – sua aprendiz protestou, jogando seus próprios
ensinamentos de volta contra Bane. – Eles mereciam morrer!
– Poucas coisas na galáxia ganham aquilo que realmente merecem – ele
notou, escolhendo as palavras com cuidado. O lado sombrio não era
facilmente entendido; até mesmo ele ainda estava aprendendo a lidar com
suas complexidades e contradições. Bane precisava ter cuidado para não
sobrecarregar sua jovem aprendiz, porém era importante que ela entendesse
a essência daquilo que ele havia feito ali. Ele continuou:
– Nossa missão não é matar todos aqueles que são inaptos a viver. Nós
respondemos a um chamado maior. Tudo que fiz em Ruusan, e tudo o que
faremos daqui em diante, deve servir ao nosso verdadeiro propósito: a
preservação da nossa Ordem e a sobrevivência dos Sith.
Após considerar por um momento, Zannah sacudiu a cabeça.
– Desculpe, mestre – ela admitiu –, ainda não entendi por que você não
matou todo mundo.
– Como servos do lado sombrio, nós vivemos para a morte de nossos
inimigos. Nós obtemos poder do sofrimento deles, mas precisamos
equilibrar isso com outros ganhos maiores. Precisamos reconhecer que
matar por prazer sádico, matar sem razão, necessidade ou propósito, é o ato
de um tolo.
Uma expressão confusa cruzou o rosto da jovem garota.
– Qual é o propósito de deixar uma escória como aquela viver?
– Os Jedi acreditam que a Ordem dos Sith morreu aqui em Ruusan – ele
explicou pacientemente. – Existem seguidores do lado sombrio em muitos
outros mundos: os Saqueadores de Honoghr e Gamorr, os Assassinos das
Sombras de Ryloth e Umbara. Mas aqueles com o maior poder, todos
aqueles indivíduos com potencial para se tornarem verdadeiros mestres
Sith, se juntaram à Irmandade de Kaan. Juntos eles o seguiram para a
guerra, e juntos eles o seguiram para a morte.
– Mas haverá aqueles que duvidam da totalidade da extinção dos Sith.
Sempre haverá sussurros de que os Sith sobreviveram, sinais e rumores de
que em algum lugar na galáxia um lorde sombrio ainda vive. E se os Jedi
algum dia encontrarem provas de nossa existência, eles nos caçarão
incansavelmente.
Bane fez uma pausa para deixar as implicações de sua última afirmação
se assentarem antes de continuar.
– Não podemos viver em isolamento, separados do resto da galáxia,
encolhidos de medo. Precisamos trabalhar para aumentar nosso poder; será
preciso interagir com indivíduos de muitas espécies em muitos mundos. É
inevitável que algumas pessoas nos reconheçam por aquilo que somos,
independente de qualquer disfarce. Eventualmente a notícia de nossa
existência chegará aos ouvidos dos Jedi.
Zannah o estudava atentamente, absorvendo cada palavra, buscando
sabedoria na lógica turva do lado sombrio.
– Já que não podemos esconder o fato de nossa sobrevivência – Bane
continuou –, precisamos obscurecê-lo com meias verdades. Devemos
encorajar os rumores, engrossando-os de tal maneira que cegarão nossos
inimigos até não conseguirem mais separar mito e realidade.
Um brilho de entendimento iluminou o rosto de Zannah.
– Um rumor é tão confiável quanto sua fonte! – ela exclamou.
Bane assentiu, satisfeito.
– Os sobreviventes espalharão a história, mas quem acreditará em tipos
como aqueles? Todos saberão que eles são os mercenários que fugiram da
batalha final para se salvar, depois voltaram para saquear o acampamento
de seus antigos aliados. Serão tachados de traidores e ladrões. Ninguém
acreditará na história deles, e a verdade será descartada como um boato sem
valor. E, se houver qualquer outra testemunha de nossa presença em Ruusan
– Bane acrescentou, costurando o último fio daquele confuso tecido de
mentiras –, haverá menos chances de acreditarem no relato deles. Será
contaminado pela semelhança às supostas mentiras que saíram da boca dos
saqueadores covardes.
– Não haveria motivo para suas mortes – Zannah murmurou, quase que
para si mesma. Ela não disse mais nada, aparentemente perdida em
pensamentos enquanto digeria tudo o que ouvira.
Bane tirou sua atenção de sua aprendiz e a focou nos itens que os
saqueadores haviam juntado no centro do acampamento. Ele era o último
Sith. Se houvesse algo de valor ali, então deveria ser seu por direito.
A maioria dos objetos não o interessava. Alguns membros da Irmandade
de Kaan haviam juntado itens de imenso valor, acreditando que a cobiça e a
inveja que eles inspiravam nos outros poderiam alimentar o poder do lado
sombrio. Os mercenários haviam apanhado toda aquela tralha – anéis e
colares feitos com metais preciosos e pedras brilhantes; adagas e facas
cerimoniais, cujos cabos eram encrustados com gemas cintilantes; máscaras
e estatuetas intrincadamente entalhadas em materiais raros e delicados – e
jogado sem cuidado em uma pilha no chão.
Analisando os valiosos tesouros que eram inúteis para seu propósito,
Bane sentiu outra pontada de dor na nuca. No mesmo instante, ele
vislumbrou com o canto do olho uma figura que desapareceu de seu campo
de visão.
Ele virou a cabeça rapidamente na direção do movimento, mas não viu
nada. Não fora Zannah; a figura era muito mais alta. Ele usou a Força, mas
sentiu apenas a si mesmo e sua aprendiz dentro do perímetro do
acampamento.
– O que foi? – ela perguntou, notando sua súbita inquietude. – Tem
alguém vindo?
– Não é nada – Bane respondeu. Será mesmo?, ele se perguntou. Ou será
mais um efeito colateral da bomba de pensamento?
Zannah se aproximou de onde ele estava, seus olhos atraídos pelo brilho
do sol refletido nas joias espalhadas pelo chão.
– O que é isso? – ela perguntou, agachando para apanhar algo quase
completamente enterrado no fundo da pilha.
Ela emergiu com um fino manuscrito encadernado em couro. Zannah o
virou curiosamente, examinando o manuscrito de todos os ângulos até que
Bane estendeu a mão. Em resposta, ela obedientemente entregou seu
achado.
Ele reconheceu o estilo do manuscrito. Havia vários volumes
semelhantes na biblioteca da Academia da Irmandade em Korriban, embora
Bane nunca tivesse visto aquele trabalho em particular antes. O volume era
fino, apenas algumas dezenas de páginas, e a capa fora entalhada com
palavras arcaicas tracejadas em tinta vermelho-sangue. Bane reconheceu a
língua. Ele ganhara familiaridade com o idioma dos antigos Sith durante
seus estudos na Academia, quando se voltou para a sabedoria dos mestres
havia muito mortos em vez de confiar nos tolos que tentavam instruí-lo na
desprezível filosofia dos “Novos Sith” da Irmandade.
Ele abriu o volume e descobriu que a mesma tinta vermelho-sangue fora
usada para preencher as páginas com delicada escrita e elaboradas
ilustrações. Assim como as palavras na capa, a língua do interior era a dos
antigos Sith. Entretanto, as margens de cada página estavam cheias de
anotações escritas à mão em língua básica. Ele reconheceu a caligrafia
como sendo de Qordis, o antigo chefe da Academia em Korriban e um dos
muitos supostos lordes Sith que serviam Kaan. Mas, diferente do resto da
Irmandade da Escuridão, Qordis não perecera na explosão da bomba de
pensamento. Ele morrera algumas horas antes, quando Bane usou a Força
para arrancar a vida de seu antigo professor.
Por que Qordis trouxe este manuscrito para Korriban?, Bane se
perguntou. Qordis sempre fora mais preocupado em juntar riqueza do que
estudar textos antigos. Ele vestia apenas as sedas mais finas e as joias mais
caras; cada longo dedo cruel de suas duas mãos fora adornado com anéis de
incrível valor. Até mesmo sua tenda em Korriban fora decorada com raras
tapeçarias ornamentadas. Se ele carregara aquele manuscrito desde a
Academia, Bane se deu conta, então deveria conter conhecimento de
extremo valor.
– O que diz aí? – Zannah perguntou, mas Bane não lhe deu atenção.
Ele rapidamente folheou o manuscrito, passando a vista tanto no texto
original quanto nas anotações de Qordis. Parecia ser uma compilação da
história e ensinamentos de Freedon Nadd, um grande mestre Sith que vivera
havia mais de 3 mil anos-padrão. Bane já lera outros relatos de Nadd, mas
aquele possuía algo que não constava nas outras versões: o local de seu
descanso final!
Há muitos séculos o túmulo de Freedon Nadd se perdera, escondido
pelos Jedi para que os seguidores do lado sombrio não pudessem buscar
poder ou conhecimento nos artefatos Sith selados dentro da tumba. Mas na
página final do manuscrito, Qordis fizera uma última anotação, sublinhada
para dar ênfase: procurar o túmulo em Dxun.
Como Qordis chegara a essa informação pouco significava para Bane;
tudo que importava era que agora ele também sabia a localização. A guerra
em Ruusan impediu que Qordis tentasse encontrar o túmulo em Dxun.
Agora que a guerra acabara, nada impedia Bane de seguir naquela jornada e
tomar o legado de Nadd para si. Mas primeiro precisava deixar Ruusan.
A já familiar dor disparou outra vez em seu crânio, e outra vez ele
vislumbrou uma figura com o canto do olho. Desta vez a imagem pareceu
se sustentar por quase um segundo inteiro. Alto, de ombros largos e vestido
com as túnicas de um Sith, era uma figura que Bane reconhecia – lorde
Kaan! E então, assim como antes, desapareceu.
Isso é real? Seria possível que o líder da Irmandade da Escuridão tivesse,
de alguma forma, sobrevivido à bomba de pensamento? Seria possível que
seu espírito agora assombrava o mundo onde morrera?
Bane fechou o manuscrito e olhou para Zannah. Ela não dava nenhuma
indicação de que vira ou sentira algo. Apenas um truque da mente, Bane
pensou. Era a única explicação que fazia sentido. Zannah teria sentido a
manifestação de um espírito do lado sombrio tão perto assim, porém ela
nada demonstrava.
Essa constatação trouxe a ele uma estranha mistura de alívio e
preocupação. Quando viu Kaan pairando ao seu lado, Bane pensou por um
instante – apenas um instante – que havia falhado em sua busca para
destruir a Irmandade. Mas a afirmação do sucesso de sua missão foi
reforçada pela ciência de que a bomba de pensamentos havia causado mais
danos do que ele primeiro suspeitara. Com sorte, as agonizantes dores de
cabeça e os delírios seriam apenas temporários.
Zannah ainda olhava para ele, mal contendo a enxurrada de perguntas
sobre o que ele havia descoberto dentro das páginas do tesouro que ela
encontrara. Sua expressão de curiosa expectativa se transformou em
frustração quando Bane guardou o manuscrito em suas roupas sem oferecer
explicação. Com o tempo, ele compartilharia todo o seu conhecimento atual
e futuro. Mas até ter a chance de explorar a tumba de Nadd sozinho, ele não
contaria para ninguém – nem mesmo para sua aprendiz – sobre aquele
achado.
– Você está pronta para deixarmos este mundo? – ele perguntou.
– Não aguento mais este lugar – ela respondeu, com um traço de
amargura em sua voz. – As coisas só pioraram desde que cheguei aqui.
– Seus primos – Bane perguntou, lembrando-se de um comentário que ela
fizera sobre os dois garotos com quem havia viajado até Ruusan. – Você
sente falta deles?
– Por que sentiria? – ela respondeu, encolhendo os ombros. – Tomcat e
Bug estão mortos. Por que perder tempo pensando sobre eles?
Suas palavras eram indiferentes, mas Bane reconheceu aquela
insensibilidade como um mecanismo de defesa. Debaixo da superfície ele
podia sentir as paixões dela queimando: Zannah sentia raiva e
ressentimento sobre as mortes deles; ela culpava os Jedi por aquilo que
aconteceu, e nunca os perdoaria. Sua raiva faria parte para sempre de seu
ser, fervendo sob a superfície. Seria útil para ela nos anos vindouros.
– Venha comigo – Bane disse, tomando uma decisão.
Ele a conduziu para uma moto abandonada perto de uma das tendas. Ele
montou o veículo, e ela subiu no assento de trás. Os finos braços de Zannah
envolveram a cintura de Bane com força quando o motor ganhou vida e
levitou a moto do chão.
– Por que vamos de moto? – ela perguntou, gritando em sua orelha para
ser ouvida sobre o barulho ensurdecedor do motor.
– Será mais rápido assim. O tempo se esvai – Bane respondeu sobre o
ombro. – Logo os Jedi retornarão para levar seus mortos e caçar os
sobreviventes do exército de Kaan. Mas ainda há uma última lição que você
precisa aprender antes de irmos.
Ele não disse mais nada; certas coisas não podiam ser explicadas: era
preciso ver para entender. Zannah precisava ver o resultado da bomba de
pensamento. Precisava ver a verdadeira extensão da loucura de Kaan.
Precisava digerir o caráter definitivo do que Bane havia realizado ali. E
Bane precisava assegurar a si mesmo de que a figura que enxergara era
nada mais do que um efeito colateral de sua exposição à bomba de
pensamento. Ele queria ver com os próprios olhos prova inegável de que
Kaan realmente fora destruído.
Capítulo 4

DAROVIT ESTAVA ENCOLHIDO NO CHÃO frio da caverna, banhado na estranha


luz que emanava do prateado orbe ovoide que flutuava no centro da câmara
subterrânea. Já fazia quase duas horas que ele não se movia, paralisado pelo
horror e espanto de tudo aquilo. Era como se o tempo não fizesse sentido ali
no epicentro da bomba de pensamento, como se o próprio Darovit estivesse
agora suspenso entre a vida e a morte, preso igual aos espíritos
atormentados dos seguidores de Kaan e dos Jedi que ousaram enfrentá-los.
Eventualmente, entretanto, seu choque começou a desaparecer.
Lentamente a sanidade voltou, trazendo junto a si a realidade do mundo
físico de volta. O ar na caverna estava úmido e gelado, seu corpo tremia
quase que incontrolavelmente. Seu nariz escorria, e Darovit levou a mão
trêmula até o rosto para limpá-lo, seus dedos desajeitados com o frio
paralisante.
– Vamos lá, Tomcat – ele disse a si mesmo. – É hora de se mexer. Toma
coragem e levanta.
Com grande esforço ele conseguiu se erguer, depois caiu de novo com
um grito quando os músculos de suas pernas se contraíram em cãibras. A
dor ajudou a quebrar os últimos vestígios do entorpecimento em que se
encontrava, jogando-o de volta ao presente e focando a mente no aqui e no
agora.
Ele massageou freneticamente cada uma das pernas, tentando restaurar o
fluxo sanguíneo. Darovit estava ansioso para deixar aquele lugar agora,
desesperado para se afastar da presença maligna da bomba que pulsava
silenciosamente. Sentiu um arrepio na pele quando ergueu os olhos sobre
ela, porém, por mais repulsivo que fosse, ele também sentia uma estranha
atração.
– Não olhe para isso – ele alertou a si mesmo com um forte sussurro,
redobrando os esforços para aliviar a dor e a rigidez nos membros
inferiores. Após outro minuto ele ousou se erguer novamente. Um
formigamento atingiu as solas dos pés, e seus joelhos fraquejaram por um
instante, mas ele se manteve de pé.
Darovit olhou de um lado a outro, vasculhando a caverna sob a luz do
globo. Havia ao menos meia dúzia de entradas que levavam para fora da
câmara, e ele praguejou quando percebeu que não fazia ideia de qual
passagem o levaria de volta para a superfície.
– Você não pode ficar aqui – ele murmurou.
Escolhendo um túnel aleatoriamente, ele começou a andar com passos
lentos e incertos. A escuridão rapidamente o envolveu assim que entrou na
passagem, até que acionou o sabre de luz que os Sith haviam lhe dado.
Usando o fraco brilho da lâmina cor de rubi, ele conseguiu seguir seu
caminho pelo terreno irregular.
Não demorou para perceber que escolhera a passagem errada. Ele se
lembrava da rampa acentuada por onde desceu rolando em sua chegada,
mas o chão ali tinha se tornado relativamente plano. Seria simplesmente o
caso de virar e tentar uma das outras saídas. Mas a ideia de retornar para a
câmara principal – e o globo cheio de espíritos aprisionados – o impedia de
dar meia-volta.
– Este túnel tem de dar em algum lugar – ele disse a si mesmo. – Apenas
continue seguindo até a superfície.
O plano soava simples, mas se tornou mais complicado quando ele
alcançou uma bifurcação na passagem. Darovit hesitou por um longo
momento, estudando o caminho da esquerda e depois o caminho da direita.
Nenhum oferecia pistas sobre qual o levaria para a liberdade – se é que
algum levaria. Balançando a cabeça e suspirando com resignação, ele
escolheu o caminho da esquerda.
Quarenta minutos e três bifurcações mais tarde, ele começava a se
arrepender de sua decisão. Agora Darovit não podia mais voltar para a
caverna mesmo se quisesse; ele havia se embrenhado demais no labirinto
subterrâneo. Seu estômago roncou, e a ideia de que talvez nunca mais fosse
encontrar a saída começou a se instalar nos cantos escuros de sua mente.
Ele perseverou, aumentando o ritmo junto com seu pânico. Agora ele
corria, os olhos disparando de lado a lado, torcendo para que o fraco brilho
do sabre de luz revelasse algo – qualquer coisa – que pudesse mostrar o
caminho. Ele correu por mais um túnel lateral, cambaleando em sua pressa
até que tropeçou e caiu.
Quando lançou as mãos para a frente para amortecer a queda, o sabre de
luz voou de sua mão. Fez uma fenda pela parede, depois quicou pelo chão
irregular, extinguindo a lâmina e jogando tudo para dentro da escuridão.
Darovit atingiu o chão com força. Ele permaneceu deitado de cara no
chão no meio do breu do túnel, entregando-se ao desespero que se abateu
sobre ele. Não havia motivo para continuar; ele nunca encontraria a saída.
Era melhor morrer ali mesmo, esquecido e sozinho.
Ele se virou de costas, seus olhos cegos mirando o teto. E então ouviu um
som. Fraco, mas evidente. Uma voz vinda de uma grande distância,
cortando através do silêncio opressivo.
Agora você está ouvindo coisas, Tomcat, ele pensou. Mas um segundo
depois, ouviu novamente, ecoando através do túnel. Mais alguém estava ali!
Ele não sabia se um era um Jedi que vinha testemunhar o destino de seus
colegas, um lacaio dos Sith que fugira da batalha final, ou alguém aliado a
um grupo completamente diferente. Não fazia ideia se a pessoa iria recebê-
lo bem, tomá-lo como prisioneiro ou matá-lo. Mas ele não se importava.
Mesmo o medo de voltar para a câmara e o terrível globo prateado não o
segurou desta vez. Qualquer coisa era melhor do que morrer de frio ou de
fome naqueles túneis escuros debaixo da superfície do planeta.
Arrastando-se através da escuridão, ele tateou ao redor até os dedos
tocarem e envolverem o cabo do sabre de luz. Darovit o ergueu triunfante
no ar e o acionou, permitindo que enxergasse novamente.
Não havia como saber a distância do dono da voz. A acústica do túnel era
estranha e pouco familiar. Sons e ecos eram distorcidos de uma forma nada
natural quando ricocheteavam nas paredes de pedra do labirinto
subterrâneo. Mas Darovit tinha certeza de que a voz vinha de algum lugar à
frente, na direção que vinha seguindo.
Com o brilho da lâmina como guia, ele se movia com uma confiança
ansiosa. Quase a cada minuto ele ouvia outro pedaço da conversa vinda de
algum lugar mais à frente. Era possível distinguir dois falantes agora, cada
um com uma voz distinta: uma era grave e profunda, a outra era muito mais
aguda. A cada vez que ouvia as vozes, elas se tornavam mais altas, e
Darovit sabia que estava seguindo na direção certa.
Ele notou que a escuridão do túnel diminuía; já não precisava do sabre de
luz para enxergar os arredores. Mas não era a luz amarela do sol que
invadia enquanto ele se aproximava da superfície: era um frio brilho
prateado. Surpreso, ele percebeu que, de alguma forma, havia andado em
círculo e agora se aproximava da câmara onde estava a bomba de
pensamento. Fossem quem fossem os donos das vozes – amigos ou
inimigos –, ele os encontraria lá.
A câmara estava tão perto, tão perto que ele pôde distinguir as palavras
quando voltou a ouvir as vozes.
– Os Sith são apenas dois agora. Um mestre e um aprendiz – a voz mais
grave disse. – Não haverá outros.
– O que acontece se eu fracassar? – a outra voz respondeu.
Parece uma mulher, Darovit pensou, focado demais em seguir as vozes
para prestar muita atenção nas palavras em si. Não, não uma mulher, ele se
corrigiu um segundo mais tarde. Uma garota.
– Você vai me destruir também? – a garota perguntou.
Chocado, Darovit percebeu que conhecia aquela voz! Não sabia como era
possível, mas não havia dúvida em sua mente sobre quem era.
– Rain! – ele gritou, começando a correr para encontrar a prima que
julgava morta. – Rain, você está viva!

A viagem até a caverna foi rápida e sem problemas. Bane notara alguns
sobreviventes da batalha final de Ruusan olhando desnorteados para ele e
Zannah ao passar rapidamente com a moto flutuante, mas não lhes deu
atenção. Bane duvidava que algum deles pudesse reconhecê-lo por aquilo
que realmente era. E, mesmo se reconhecessem, suas histórias sobre um
lorde Sith sobrevivente passando junto com uma jovem garota pareceria
ridícula e pouco confiável, igual os relatos dos mercenários que ele deixara
escapar no acampamento de Kaan.
Ele parou a moto na frente do escuro e sinistro túnel que os levaria até a
câmara da bomba de pensamento. Pequenas pedras foram esmagadas sob as
solas de suas pesadas botas negras quando ele desmontou. Zannah era
pequena demais para simplesmente descer do veículo, mas saltou do
assento sem qualquer sinal de medo ou hesitação, aterrissando agilmente no
chão ao lado de Bane.
Nenhum deles falou enquanto desciam o túnel, o caminho iluminado por
um dos bastões de luz que Bane havia encontrado no acampamento Sith. O
ar se tornava cada vez mais frio e Zannah estremeceu ao lado dele, mas não
reclamou. Eles se moveram rapidamente pela passagem irregular; mesmo
assim, levou quase vinte minutos até alcançarem seu destino por causa do
tamanho do túnel. E, pela primeira vez, Darth Bane viu o resultado de suas
manipulações contra Kaan e seus seguidores.
O pálido e brilhante orbe flutuando no centro da câmara possuía quase
quatro metros de altura. Pulsava com um poder bruto, fazia a pele no
pescoço de Bane formigar e os pelos nos braços se arrepiarem. Escuras
estrias de sombras rodopiavam na superfície metálica em lentos e
hipnóticos ritmos. Havia algo grotescamente atraente sobre aquilo, algo
fascinante, mas ao mesmo tempo repulsivo.
Ao seu lado, Zannah puxou ar para os pulmões com força, soltando-o
depois com um lento silvo de medo. Bane olhou para ela, mas a garota não
retornou o olhar – seus olhos arregalados se fixaram no resultado da bomba
de pensamento. Voltando a atenção para o globo, Bane entrou na câmara.
Zannah deu um único passo para segui-lo, mas então parou.
Aproximando-se do globo, ele estendeu a mão e a pressionou com
firmeza contra a superfície. Queimou sua palma com um fogo frio, mas ele
não registrou a dor, enfeitiçado pelo hipnotizante chamado do objeto.
Debaixo de seu toque, as sombras que se retorciam lá dentro se juntaram
em uma única massa. Os pensamentos daqueles aprisionados correram para
encontrá-lo: débeis sussurros nos recônditos escuros de sua mente, as
palavras ininteligíveis, mas cheias de ódio e desespero.
Instintivamente, a consciência de Bane recuou. Mas ele resistiu, lutando
contra o impulso de retirar a mão. Em vez de se afastar, ele impulsionou a
consciência, penetrando a superfície do orbe para mergulhar nas imensas
profundezas de seu coração negro. Os sussurros de ódio explodiram em
gritos de tormento. Mas não eram gritos de seres sencientes: eram uivos
bestiais de uma fúria primitiva e insana. As identidades daqueles que a
bomba de pensamento consumiu – lorde Kaan, general Hoth, todos os
seguidores Sith e Jedi – foram destroçadas pela explosão da bomba de
pensamento. Sobraram apenas retalhos, pedaços daquilo que já fora seus
espíritos, não mais capazes de pensamento consciente, lamentando no
sofrimento compartilhado de sua eterna loucura.
Eles invadiram a consciência de Bane, abrindo caminho na direção de
sua identidade ainda inteira como parasitas se fixando em um novo
hospedeiro. Os espíritos lamuriantes o envolveram, agarrando e se cravando
em sua sanidade enquanto tentavam arrastá-lo para dentro do abismo
sombrio.
Bane se libertou com uma facilidade desdenhosa, devastando os já
frágeis espíritos quando ele os espantou, deixando sua mente voltar para a
superfície. Um instante mais tarde e ele estava livre, deixando para trás a
prisão de onde os outros nunca escapariam.
Ele deixou a mão cair da esfera ovoide quando deu um passo para trás,
satisfeito com o que havia descoberto. Não havia fantasma algum o
assombrando; Kaan já não existia mais. Não em um sentido real. A figura
que vira no acampamento Sith fora apenas uma ilusão evocada por sua
psique ferida.
– Eles estão presos aí? – Zannah perguntou. Ela encarava Bane com uma
expressão ao mesmo tempo maravilhada e aterrorizada.
– Presos. Mortos. Não faz diferença – ele respondeu, dando de ombros. –
Kaan e a Irmandade se foram. Tiveram aquilo que mereciam.
– Eles eram fracos?
Bane não respondeu de imediato. Kaan fora muitas coisas – ambicioso,
carismático, teimoso e, no fim, um tolo – mas nunca fora fraco.
– Kaan foi um traidor – ele enfim disse. – Ele liderou a Irmandade para
longe dos ensinamentos dos antigos Sith. Ele deu as costas para a própria
essência do lado sombrio.
Zannah não respondeu, mas continuou olhando para ele com expectativa.
O papel de mentor era uma novidade para Bane; ele era um homem de ação,
não de palavras. Não estava acostumado a compartilhar sua sabedoria com
alguém desesperado para aprender. Mas era esperto o bastante para entender
que as lições teriam muito mais significado se sua aprendiz pudesse
entender algumas das respostas por si própria.
– Por que você escolheu se tornar minha aprendiz? – ele perguntou com
um tom desafiador. – Por que escolheu o caminho do lado sombrio?
– Poder – ela respondeu rapidamente.
– Poder é apenas o meio para um fim – Bane a repreendeu. – Não é um
fim em si mesmo. Para que você precisa de poder?
A garota franziu as sobrancelhas. Seu mestre já reconhecia essa
expressão como um sinal de que ela estava com dificuldades para encontrar
uma resposta.
– Pelo poder, eu ganho a vitória – ela disse finalmente, recitando as
linhas finais do Código Sith que aprendera poucas horas atrás. Seu tom
deixava claro que estava tentando usar seu limitado entendimento do lado
sombrio para chegar à resposta que Bane queria. – Pela vitória minhas
correntes se partem… – ela continuou, lentamente procurando por uma
resposta além de seu alcance. Um segundo depois, ela exclamou: –
Liberdade! O lado sombrio nos liberta!
Bane assentiu sua aprovação.
– Os Jedi se prendem com correntes de obediência: obediência ao
Conselho Jedi, obediência aos mestres, obediência à República. Aqueles
que seguem o lado da luz até mesmo acreditam que devem se submeter à
Força. São meramente instrumentos de sua vontade, escravos de um bem
maior.
“Aqueles que seguem o lado sombrio enxergam a verdade de sua
escravidão. Nós reconhecemos as correntes que nos prendem e nos
impedem de evoluir. Acreditamos no poder que o indivíduo possui para
partir essas correntes. Esse é o caminho para a grandeza. Apenas livres nós
podemos alcançar todo nosso potencial.
“A crença de que um indivíduo não deve se curvar a nada e a ninguém é
a maior força do lado sombrio”, Bane continuou. “Mas também é nossa
maior fraqueza. A luta para superar aqueles ao seu redor muitas vezes é
violenta, e no passado os Sith constantemente lutavam entre si.”
– Mas isso não é uma coisa boa? – Zannah contestou. – O forte sobrevive
e o fraco morre.
– Fraqueza não significa estupidez – Bane retrucou. – Havia aqueles com
menos poder, porém com mais astúcia. Vários aprendizes se juntavam para
derrubar um mestre, com a esperança de elevarem sua própria posição entre
os Sith. E então eles se voltavam uns contra os outros, formando e
quebrando alianças até sobrar apenas um: um novo mestre, porém mais
fraco que o original. Esse sobrevivente seria, por sua vez, derrubado por
outro bando de Sith menores, enfraquecendo a Ordem ainda mais.
“Kaan reconhecia isso. Mas sua solução era muito pior do que o
problema. Kaan declarou todos os seguidores do lado sombrio – todos os
membros da Ordem Sith – como iguais na Irmandade da Escuridão.
Fazendo isso, ele traiu a todos nós.”
– Traiu você?
– Igualdade é uma mentira – Bane disse a ela. – Um mito para agradar as
massas. Simplesmente olhe ao redor e verá a mentira por aquilo que é!
Existem aqueles com poder, aqueles com força e vontade para liderar. E
existem aqueles que nasceram para seguir, aqueles incapazes de qualquer
coisa que não seja servidão e uma existência pobre e sem valor.
“Igualdade é uma perversão da ordem natural! – ele continuou, sua voz
se erguendo ao compartilhar a verdade fundamental no coração de suas
crenças. – Isso enlaça os fortes aos fracos. Os fracos se tornam âncoras que
arrastam os excepcionais para a mediocridade. Indivíduos destinados e
merecedores de grandeza acabam tendo essa grandeza negada. Eles sofrem
apenas para permanecerem no mesmo nível dos inferiores.
“Igualdade é uma corrente, igual à obediência. Assim como o medo ou a
incerteza ou a baixa autoestima. O lado sombrio pode partir essas correntes.
Mas Kaan não conseguia enxergar isso. Ele não entendeu o verdadeiro
poder do lado sombrio. A Irmandade da Escuridão não era nada além de um
reflexo distorcido da Ordem Jedi, uma paródia sombria da exata mesma
coisa a que nós nos opomos. Sob o domínio de Kaan, os Sith haviam se
tornado uma abominação.”
– E foi por isso que você o matou – Zannah disse, pensando que a lição
havia acabado.
– Foi por isso que manipulei Kaan para que ele matasse a si próprio –
Bane corrigiu. – Lembre-se: o poder em si não é suficiente. Paciência.
Astúcia. Segredo. Essas são as ferramentas que usaremos para derrotar os
Jedi. Os Sith são apenas dois agora: um mestre e um aprendiz. Não haverá
outros.
Zannah assentiu, embora ainda parecesse incomodada com algo.
– O que acontece se eu fracassar? – ela perguntou, olhando para a bomba
de pensamento. – Você vai me destruir também?
A resposta de Bane foi interrompida por um grito vindo de uma das
passagens próximas dali.
– Rain! Rain, você está viva!
Um garoto saiu das sombras correndo, não mais do que um ou dois anos
mais velho do que Zannah. Ele possuía cabelos escuros e vestia a armadura
negra dos Sith. Ele segurava com força o cabo de um sabre de luz. Apesar
da pompa de guerreiro, ficou imediatamente óbvio para Bane que aquela
criança não representava ameaça. A Força mal estava viva dentro dele. O
poder que queimava tão intensamente dentro de Zannah não era nada além
de uma brasa que se extinguia lentamente no garoto.
– Tomcat! – Zannah gritou, seu rosto se iluminando de alegria. Ela deu
um passo adiante, estendendo os braços como se quisesse abraçá-lo. Então,
como se lembrasse de repente da presença de seu mestre Sith, ela parou e
recuou as mãos até o peito.
O garoto continuou. Ele não registrou a súbita mudança de humor de
Zannah, nem mesmo notou a figura de dois metros de altura em meio às
sombras atrás dela. Havia algo de patético sobre aquele garoto, uma solidão
desesperada em sua voz e olhos que fazia o estômago de Bane embrulhar.
– Estou tão feliz, Rain – o garoto ofegou quando parou na frente de
Zannah, estendendo os braços para abraçá-la. – Tão feliz por você estar…
Ela recuou um passo e sacudiu a cabeça, fazendo as palavras ficarem
presas na garganta do garoto. A felicidade em seu rosto sumiu, substituída
por uma expressão de perplexidade.
– Eu… não sou Rain – a aprendiz de Bane disse, rejeitando seu apelido
de infância e tudo o que ele simbolizava. – Eu sou Zannah.
– Zannah? – Um olhar confuso se instalou no rosto do garoto. – Seu
nome verdadeiro? Mas por quê?
Procurando respostas, ele finalmente tirou os olhos da jovem garota e
notou Bane imóvel ao fundo. Sua perplexidade se tornou compreensão, e
rapidamente se transformou em uma raiva virtuosa.
– Você! – ele gritou, apontando um dedo acusador para Bane. Então,
como se repentinamente se lembrasse da arma em sua mão, ele acionou o
sabre de luz.
– Fique longe dela! – ele gritou. – Eu lutarei com você!
O garoto sabia que não era páreo. Sabia que não possuía chance alguma
de vencer um lorde sombrio dos Sith. Mas escolheu ficar e lutar mesmo
assim – as ações de um completo e absoluto tolo.
Darth Bane encarou seu adversário condenado com uma indiferença
desdenhosa. Aquele garoto não era nada para ele – um cisco sem
importância que ele sopraria para longe. Se o garoto queria a vazia glória
daquela pretensa morte corajosa, Bane a concederia.
Ele baixou a mão casualmente até seu sabre de luz, mas antes que
pudesse acioná-lo, Zannah reagiu. Assim como fizera quando quebrou o
pescoço dos infelizes Jedi que acidentalmente mataram seu amigo, a garota
liberou uma onda desenfreada de energia do lado sombrio. Ela agiu por
puro instinto, tirando poder de sua afinidade com a Força sem nenhuma
premeditação, preparação ou mesmo treinamento.
Aconteceu tão rápido que Bane nem teve chance de se defender… mas o
ataque não foi direcionado a ele. A mão direita do garoto que ela chamara
de Tomcat – seu primo e amigo de infância – se desintegrou. Com um mero
pensamento, ela destruiu tudo abaixo do pulso: carne, osso e tendões
desapareceram em uma explosão sangrenta, deixando apenas um toco
destroçado.
Com mais nada para suportá-lo, o cabo do sabre de luz desabou no chão,
a lâmina extinguida. Uivando de dor, o garoto caiu de joelhos, agarrando o
membro mutilado contra o peito. Pequenos esguichos de sangue
bombeavam do ferimento e manchavam o chão da caverna.
O mestre encarou sua aprendiz.
– Por quê? – ele exigiu saber.
– Porque não existe razão ou propósito para sua morte – ela respondeu,
ecoando a própria explicação de Bane para deixar os dois mercenários
vivos.
Bane era esperto o bastante para reconhecer o que estava acontecendo.
Zannah estava tentando salvar a vida de seu primo. Ele sabia que as
emoções que a impeliam – sentimentalismo, misericórdia, compaixão –
eram fraquezas das quais ela precisava aprender a se livrar. Mas ele não
esperava que ela aprendesse os caminhos do lado sombrio em um único dia.
Bane olhou para o garoto ferido se encolhendo no chão. O sangue
esguichando do toco diminuíra; a explosão que destruiu sua mão também
cauterizou parcialmente o ferimento. O fluxo acabou estancado pela poeira
e sujeira do chão da caverna enquanto ele rolava de um lado a outro aos pés
de Zannah. Lágrimas se derramavam de seus olhos e muco escorria do nariz
entupindo a boca e garganta, transformando seus gritos em um choramingo
espesso. Ela o observava com um olhar frio e calculista, fingindo
desinteresse.
Os riscos de deixar uma criatura miserável assim viver eram pequenos,
Bane decidiu. Assim como os mercenários, ninguém acreditaria se contasse
que sobreviveu a um encontro com um mestre Sith. Estava óbvio que
Zannah queria o garoto vivo. Mas ela não implorou nem barganhou por sua
vida. Em vez disso, tomou conta da situação, liberando o lado sombrio e
depois defendendo suas ações com os próprios ensinamentos de Bane. Ela
mostrara não apenas seu poder, mas também inteligência e astúcia. Era
importante recompensar tal comportamento – encorajá-la quando exibia os
dons e talentos que um dia permitiriam que tomasse o manto de lorde
sombrio dos ombros de seu mestre. Mais importante do que acabar com a
vida de um garoto insignificante e desprezível.
– Deixe-o – Bane disse, virando-se. – Ele não é nada para nós.
Zannah rapidamente igualou o ritmo de seus passos quando eles saíram
da câmara e começaram a longa subida pelos túneis de volta para a
superfície de Ruusan. Bane notou com satisfação que, embora fosse
possível ouvir os soluços débeis de Tomcat ecoando atrás deles, sua
aprendiz não olhou para trás uma única vez.
Capítulo 5

– PREPAREM-SE PARA A TURBULÊNCIA da reentrada – Irtanna os alertou do


assento do piloto. Com uma tripulação de apenas cinco, ela não precisava
usar o comunicador interno da nave. Ela simplesmente falou alto o bastante
para todos a bordo ouvirem.
Embora a nave classe Envoy levasse apenas um punhado de passageiros,
ela era capaz de transportar confortavelmente quatro vezes mais do que
isso. A nave fora absorvida pela frota Jedi em algum momento durante as
últimas semanas da campanha em Ruusan, doada por um benfeitor anônimo
de Coruscant que ficara encantado com o apelo urgente de Farfalla por
recursos para apoiar os esforços de guerra. Batizada de Star-Wake, a nave
era um produto dos Estaleiros Tallaani, uma nave básica de transporte capaz
tanto de voos suborbitais quanto de viagens interestelares, graças ao seu
hiperpropulsor Classe 12.
O fato de que fora convocada para servir era prova do quanto o Exército
da Luz ficara desesperado. Naves classe Envoy eram conhecidas por serem
práticas e acessíveis, fazendo delas a escolha favorita de mercadores
independentes e ricos viajantes recreacionais. Sua característica mais
distinta era seu fácil sistema de navegação e piloto automático, permitindo
aos usuários traçar e acionar rotas de hiperpropulsor para centenas de
mundos conhecidos da República com um simples apertar de botão.
Infelizmente, essas naves não possuíam blindagem pesada ou qualquer
armamento significativo, e não eram particularmente rápidas ou
manobráveis.
Johun teria preferido algo mais na veia militar; ele duvidava que a
navegação automática tivesse alguma utilidade caso um buzzard Sith
aparecesse de repente no horizonte. Logicamente, ele sabia que isso era
altamente improvável. Todos os buzzards na frota de Kaan haviam sido
contabilizados: foram derrubados, capturados pelo Exército da Luz ou
avistados fugindo do sistema na última parte da batalha final. Mas os
muitos voos perigosos através do espaço aéreo controlado pelo inimigo nos
meses anteriores à vitória haviam treinado sua mente para estar em
constante alerta durante a aproximação da superfície do planeta.
Observando a maneira como Irtanna segurava o manche com força, ele
soube que não estava sozinho com seus medos irracionais.
Houve um leve tremor quando eles passaram do vácuo frio do espaço
para as camadas mais altas da atmosfera de Ruusan e começaram a descida.
Irtanna manuseava os controles com a mão confiante, fazendo sutis ajustes
enquanto Johun estudava os sensores que vasculhavam a superfície abaixo
deles, procurando por sinais de vida. Quatro outras naves estavam visíveis
nos monitores da cabine. Assim como a Star-Wake, cada uma levava uma
equipe de resgate de quatro a seis pessoas enviadas por Farfalla para ajudar
a limpar o resultado da guerra.
– Temos movimento na superfície – Johun disse quando pontos não
identificados apareceram em sua tela. – Transmitindo coordenadas.
– Passe os detalhes – Irtanna ordenou, inclinando a nave em um grande
arco para alinhá-los com as pessoas na superfície.
– Duas pessoas andando a pé – Johun informou. – Não dá para saber se
são amigos daqui de cima.
– Já estou descendo – Irtanna respondeu.
Localizar e ajudar sobreviventes feridos era a prioridade número um da
equipe; entregar relatórios para o Comando da Frota era a segunda, e aceitar
a rendição espontânea de tropas inimigas era uma distante terceira
prioridade.
O nariz da nave se inclinou para baixo, e a aceleração empurrou Johun
em seu assento quando eles mergulharam para ter uma melhor visão das
figuras. Irtanna desceu baixo e rápido, uma manobra militar que levou a
nave civil aos seus limites.
– Eu já os tenho no meu campo de visão – Johun informou quando um
par de pequenas formas indistintas no chão se tornou visível através da
janela da cabine.
Bordon se ergueu em seu assento e se inclinou atrás de Johun para olhar a
janela enquanto a nave mergulhava em direção às figuras. Ao se
aproximarem, os detalhes entraram em foco: um homem e uma mulher,
cada um vestindo armadura leve e correndo muito.
O rugido dos motores da nave fez os dois na superfície pararem de correr
e se virarem para olhar a fonte do barulho. Um instante depois, eles se
jogaram de cara no chão quando a nave deu um rasante a menos de dez
metros da superfície e passou por eles zunindo.
Praguejando para si mesma enquanto lutava com os desajeitados
controles, Irtanna fez uma curva fechada para aterrissar a menos de
cinquenta metros de seu alvo. Pela janela, Johun viu as duas pessoas
lentamente se erguerem do chão enquanto a piloto desligava os motores. A
mulher disse algo para o homem, que assentiu concordando. Então eles
ergueram as mãos e começaram a marchar lentamente na direção da nave.
Estavam vestidos como membros da Irmandade de Kaan. Mas Johun não
sentia a presença do lado sombrio neles.
– Lacaios dos Sith – ele disse. – Mercenários, provavelmente.
– Pode ser uma armadilha – Bordon alertou. – Mercenários nãos possuem
honra.
– Acho que não – Johun respondeu. Se houvesse algum perigo ali, ele
teria sentido um distúrbio na Força. – Acho que eles apenas querem se
entregar.
– Escória maldita – Bordon praguejou. – Acione os motores e passe por
cima deles!
– Não! – Johun exclamou quando viu Irtanna estendendo o braço para
apertar o botão de ignição. – Precisamos questioná-los – ele lembrou. – Ver
o que eles sabem.
– E depois? – Bordon perguntou com um tom sombrio.
– Depois nós os levamos para Farfalla e os trancamos junto com o resto
dos prisioneiros.
Bordon bateu na parede da cabine com força.
– Esses filhos de um bantha vieram para o meu mundo, minha casa, para
matar minha gente em troca de dinheiro!
– Eles cortariam nossas gargantas sem pensar duas vezes se tivessem a
chance – Irtanna concordou.
– Não somos iguais a eles – Johun disse. – Não matamos prisioneiros.
– Minha esposa morreu lutando contra cretinos como esses! – Bordon
gritou. – Agora você quer ter misericórdia com eles?
– O ódio leva ao lado sombrio – Johun explicou, recitando a sabedoria
dos Jedi. Mas faltava poder para as palavras saídas da boca de um padawan
de dezenove anos, e ao soltá-las, ele mesmo percebeu o quanto soavam
vazias.
Bordon lançou as mãos para cima em frustração, depois se jogou
raivosamente de volta em seu assento.
– É por isso que você está aqui? – ele resmungou. – Para nos manter na
linha? Para se certificar que não vamos nos desviar de seu precioso
caminho da luz? Foi por isso que Farfalla o enviou?
Ele não me enviou, eu decidi vir, Johun pensou. Ele se virou no assento
para olhar Bordon, que encarava o chão intensamente, recusando-se a olhar
de volta para Johun. Seus dois filhos, entretanto, encaravam o jovem Jedi
com uma fúria nos olhos. Johun entendia a raiva deles. Os Sith trouxeram a
guerra para Ruusan, uma guerra que destruiu tudo que era caro a eles: suas
casas, suas vidas… e, claro, sua mãe.
O que Bordon e seus filhos não enxergavam era que aqueles soldados
sem nome não podiam ser responsabilizados por todos os horrores e
tragédias que derrubaram o mundo deles. Fossem quais fossem seus crimes,
aqueles dois não mereciam todo o peso das ações de Kaan e sua Irmandade.
Eram os mestres Sith, os seguidores do lado sombrio, que realmente
possuíam culpa. Porém, ao observar as expressões cheias de ódio dos
garotos, Johun soube que não havia jeito de fazê-los entender. Não
enquanto tudo o que sofreram ainda estivesse fresco em suas mentes.
Johun viajou até Ruusan para caçar quaisquer membros da Irmandade
que pudessem ter sobrevivido à bomba de pensamento. Ele pretendia
continuar o trabalho do general Hoth – seu mestre e mentor – e eliminar os
lordes Sith, pondo um fim na ameaça do lado sombrio para sempre. Agora,
entretanto, ele reconhecia uma missão maior: precisava salva Bordon e seus
filhos de si mesmos.
Eles eram pessoas honestas e decentes. Mas, levados pelo ódio e pela
raiva, eles destroçariam seus inimigos a sangue-frio, se Johun não os
impedisse. Ele sabia que, quando a raiva passasse, a memória da vingança
sangrenta os assombraria para sempre. Culpa e remorso iam corroer Bordon
e seus filhos até eles serem destruídos por esses sentimentos negativos.
Johun não deixaria isso acontecer.
Voltando a atenção para Irtanna, ele também viu ódio nos olhos dela.
Entretanto, era uma emoção fria e calculada – um soldado profissional
observando seu inimigo. Johun reconheceu que ela não mataria prisioneiros
por si própria, mas também não faria nada para impedir os outros. E então
ele soube o que teria que fazer.
– Não foi para isso que Farfalla enviou você – ele lembrou a piloto em
um tom de voz baixo. – Você veio para ajudar os sobreviventes.
Irtanna o olhou com desconfiança, mas não disse nada. Johun estava
relutante em usar a Força para manipular a vontade dela outra vez. Seu
subconsciente poderia estar mais atento e mais resistente a uma nova
tentativa de interferência. Além disso, era importante que ela realmente
acreditasse naquilo que ele estava dizendo. Induzir sua obediência era uma
solução temporária e que poderia mais tarde causar ressentimento e
desconfiança contra ele e o resto dos Jedi.
– Deixe-me sair e levarei os mercenários sob custódia – Johun disse,
oferecendo um plano. – Contate a frota, e eles enviarão outra nave para
apanhar a nós três.
As palavras não foram fáceis para ele dizer. Johun desafiara Farfalla –
um mestre Jedi – para viajar até aquele mundo. A última coisa que ele
queria era deixar Ruusan agora, tão cedo após a chegada. Mas estava
disposto ao sacrifício, se isso impedisse Bordon e seus filhos de se
entregarem a suas fortes e imprudentes emoções. Era seu dever como Jedi
proteger suas vidas, mesmo se isso significasse abandonar sua própria
cruzada pessoal.
– Você e os outros devem seguir ao sul com esta nave até o campo de
batalha – ele continuou. – Vão ajudar os feridos. É para isso que estão aqui.
Irtanna hesitou, depois assentiu brevemente. Johun era pouco mais do
que um garoto; a longa trança fina em seus cabelos claramente marcava que
ele ainda não havia completado seu treinamento padawan. Mas ele ainda
era membro da Ordem Jedi. Isso contava muito entre as tropas da
República. Ele confiava nisso para ajudá-la a enxergar a sabedoria de suas
palavras.
Seguro de que Irtanna manteria Bordon e seus filhos longe de problemas,
Johun se levantou do assento e se dirigiu para a parte de trás da Star-Wake.
Ele se esforçou para ignorar os olhos acusadores dos dois garotos enquanto
esperava a escotilha da nave se abrir. Quando finalmente abriu, ele saltou
para fora e aterrissou graciosamente no chão, depois se dirigiu rapidamente
para os dois mercenários que esperavam pacientemente, com as mãos ainda
levantadas acima da cabeça. Assim que se afastou da nave, os motores
ganharam vida e a nave decolou… para a perplexidade dos mercenários.
– Para onde eles estão indo? – a mulher exigiu saber, sua voz em um tom
agudo de pânico. – Não! Eles não podem nos deixar aqui!
Seus braços caíram de volta para os lados, num gesto repetido por seu
companheiro. Por um segundo, Johun pensou que fossem sacar suas armas,
mas então percebeu que estavam perturbados demais com a saída da Star-
Wake para pensar em atacá-lo.
– Não os deixe ir embora! – o homem gritou, dando as costas para Johun
enquanto a nave passava por eles até desaparecer no horizonte, depois se
virou de volta para implorar ao Jedi mais uma vez. – Faça-os voltar! Diga
para eles voltarem! – Havia uma urgência desesperada em sua voz que
espelhava o tom de sua companheira.
– Não se preocupe – o jovem Jedi os tranquilizou. – Outra nave está a
caminho.
– Não podemos ficar aqui – a mulher insistiu. – Não temos tempo. Ele irá
nos encontrar. Ele irá nos encontrar!
– Está tudo bem – Johun explicou, erguendo a mão para acalmá-los. – Eu
posso protegê-los. Sou um Jedi.
A mulher ergueu uma sobrancelha e lançou um olhar cético. O franzino
padawan alargou sua postura, pousou as mãos nos quadris e estufou o peito,
torcendo para que parecesse nobre e admirável. Ele tentou projetar a
imagem de confiança que tanto admirara em Hoth e nos outros mestres.
O homem agarrou o braço de Johun, apertando como uma criança
puxando o avental da mãe.
– Temos que sair deste planeta – ele disse, as palavras saindo em um
sussurro aterrorizado. – Temos que ir agora!
Johun se livrou do homem sem muita dificuldade. Havia algo de
perturbador sobre aquele encontro. Pela maneira como estavam vestidos,
estava claro que os dois eram experientes soldados mercenários. Ele
suspeitou que fossem desertores da batalha mais recente – lacaios dos Sith
que fugiram no instante em que o Exército da Luz penetrara suas defesas.
Mas a fuga seria um ato de preservação oportunista em vez de medo ou
covardia. Porém, aqueles combatentes veteranos, acostumados a encarar a
morte e o derramamento de sangue, estavam agindo como camponeses
traumatizados após um ataque de escravistas.
– Mesmo se for um Jedi, você não pode nos ajudar – a mulher
murmurou, balançando lentamente a cabeça. – Você não pode nos proteger
dele.
– Quem? – Johun queria saber. – De quem vocês estão falando?
O homem olhou ao redor rapidamente, como se tivesse medo de que
alguém pudesse ouvir.
– Um lorde sombrio dos Sith – ele murmurou.
– Da Irmandade? – Johun perguntou, mal conseguindo conter sua
ansiedade. – Você está dizendo que um mestre Sith sobreviveu à bomba de
pensamento?
O homem assentiu.
– Ele matou Lergan e Hansh. Fritou-os com relâmpagos que saíram dos
dedos.
Eu sabia!, Johun pensou triunfalmente. Eu sabia!
– Ele também tinha um sabre de luz – a mulher acrescentou. – Cortou no
meio o Pad e o Derrin. – Ela hesitou por um momento, estremecendo com a
lembrança. – O Rell ficou sem cabeça.
Johun estava prestes a pedir mais detalhes, mas o som de uma nave que
se aproximava rapidamente o distraiu. Ele olhou para cima para ver um
transporte de tropas Bivouac se preparando para aterrissar. Segundos após
tocar o solo, três soldados da República saltaram para fora, com suas armas
preparadas. Ele reconheceu o oficial sênior: era o major Orten Ledes, um
dos não Jedi de maior patente na Segunda Legião do Exército da Luz.
– Esses são os prisioneiros? – o major perguntou com irritação,
apontando seu rifle blaster na direção dos mercenários.
Johun confirmou. Ledes acenou com a cabeça, e seus subordinados se
moveram rápido para algemar os soldados inimigos. Nenhum resistiu. Após
prenderem os pulsos, eles foram revistados e suas armas foram retiradas,
depois começaram a marchar até a nave. Todo o encontro foi conduzido
com a eficiência e competência que eram marcas de todas as tropas
servindo sob o comando do major Ledes.
– Você recebeu a mensagem de Irtanna? – Johun perguntou enquanto
observava os lacaios dos Sith sendo levados embora.
– Estávamos na área – o oficial respondeu. – Farfalla me enviou para
pegar você.
Algo em seu tom chamou a atenção do jovem Jedi.
– Eu estou encrencado?
O oficial deu de ombros.
– Difícil dizer. Vocês Jedi nunca mostram suas emoções. Mas aposto que
o general não ficou muito feliz quando descobriu que você desobedeceu
uma ordem direta e viajou escondido até aqui.
– Não se preocupe – Johun respondeu com confiança. – Ele vai mudar de
ideia quando ouvir o que esses prisioneiros têm a dizer.
Bane desacelerou a moto quando eles se aproximaram da pequena
clareira que serviu de local de aterrissagem da Valcyn. Originalmente um
presente dado a lorde Qordis, a nave vinha sendo comandada por Bane
desde que deixara a Academia em Korriban para buscar o conhecimento
dos antigos Sith. Qordis nunca se atrevera a tentar recuperá-la, e sua
covardia simplesmente confirmou a decisão de Bane de abandonar seus
estudos e se voltar contra a Irmandade.
Ele parou a moto a vinte metros da nave. Zannah largou sua cintura e
pulou do assento, depois ficou de pé olhando para a nave.
Bane não estava prestando atenção nela; nos últimos dez minutos ele teve
dificuldade em focar qualquer coisa que não fosse a dor latejando em seu
crânio. Ele esperava que mergulhar nas profundezas do orbe resultante da
bomba de pensamento pudesse, de alguma forma, aliviar as dores de
cabeça, mas, desde que deixou a caverna, o contrário aconteceu.
Ao menos pôde confirmar que Kaan realmente estava morto. Isso
facilitou para ele refutar a forma etérea que se materializara do outro lado
da clareira havia pouco. Pálida sob o sol do fim da tarde, era inegavelmente
a imagem do homem que fundara a Irmandade da Escuridão.
Bane sabia que era apenas uma alucinação, porém havia algo
contundente sobre a figura quando começou a cruzar a clareira até parar
perto da nave. O espírito se virou e o encarou com um olhar firme, depois
estendeu a mão em um gesto convidativo.
– Ela é linda – Zannah sussurrou. Darth Bane virou a cabeça de repente,
surpreso. Mas sua aprendiz estava olhando fascinada para a própria Valcyn.
Quando Bane voltou a atenção para onde Kaan estivera, o espectro havia
desaparecido novamente. – Nunca pensei que fosse deixar Ruusan em uma
nave como essa.
– E não vai mesmo – Bane disse ao descer da moto. Não havia nada que
ele pudesse fazer sobre as alucinações, podia apenas agir como se não
existissem.
A jovem garota se virou para Bane, confusa.
– Não vamos usar a sua nave?
– Eu vou – seu mestre respondeu. – Mas você deve encontrar seu próprio
caminho para fora deste mundo.
Levou um momento para a garota registrar aquelas palavras. Quando
registrou, sua expressão se transformou em completo choque.
– Eu… eu não posso ir com você?
O grande homem sacudiu a cabeça. Inspirado pela descoberta de Zannah
do manuscrito no acampamento Sith, ele idealizou um plano. Bane iria para
Dxun, a grande lua de Onderon, para encontrar a tumba perdida de Freedon
Nadd. Mas ele possuía outros planos para sua aprendiz.
– Mas… por que não? O que eu fiz? – a jovem garota inquiriu, soluçando
e claramente à beira das lágrimas. – Por que você vai me deixar aqui?
– Isso é parte do seu treinamento – Bane explicou. – Para entender o lado
sombrio você deve sofrer com adversidades e provações.
– Você não precisa me abandonar para me fazer sofrer – ela retrucou. –
Deixe eu ir com você.
– A energia do lado sombrio está conectada ao poder do indivíduo – ele a
lembrou. – A Força vem de dentro. Você deve aprender a extraí-la por si
própria. Nem sempre estarei presente para ensiná-la.
– Mas você disse que sempre existem dois – Zannah insistiu. – Um para
encarnar o poder, o outro para cobiçá-lo!
Ela aprendia rápido, Bane ficou satisfeito ao ver que a garota já havia
memorizado tantas lições. Mas recitar as palavras não significava nada, se
ela não entendesse a verdade por trás delas.
– Por que você me segue? – ele perguntou, colocando uma questão para
direcioná-la ao caminho da sabedoria.
Zannah pensou sobre a resposta por vários segundos, cuidadosamente
considerando tudo o que ele já havia ensinado a ela.
– Para libertar todo o meu potencial – ela finalmente disse. – Para
aprender os ensinamentos do lado sombrio.
Bane assentiu.
– E quando eu não tiver mais nada a ensinar para você? O que irá
acontecer, então?
Ela franziu as sobrancelhas concentrando-se, mas desta vez a resposta
não veio.
– Não sei – ela finalmente admitiu.
– Chegará o dia em que o seu treinamento acabará – ele disse. – Chegará
o dia em que você terá aprendido todas as lições, quando todo o meu
conhecimento do lado sombrio será seu. Nesse dia, você irá me desafiar
para tomar o título de mestre, e apenas um de nós irá sobreviver ao
encontro.
Os olhos da garota se arregalaram. Depois ela cerrou os olhos enquanto
focava intensamente naquilo que ele dizia.
– Você tem potencial para me superar – ele continuou. – Se alcançar seu
potencial, eu não terei mais utilidade a você. Você terá que encon-
trar novas fontes de conhecimento. Terá que encontrar um novo aprendiz
para que possa passar os segredos da Ordem Sith para outro.
“Quando seu poder eclipsar o meu, eu me tornarei dispensável. Essa é a
Regra de Dois: um mestre e um aprendiz. Quando estiver pronta para
reclamar para si o manto de lorde sombrio, você fará isso eliminando a
mim.
“O confronto é inevitável”. ele concluiu. “É a única maneira para a
sobrevivência dos Sith. É o caminho do lado sombrio.”
Zannah não disse nada. Pela sua expressão, Bane percebeu que ela estava
com dificuldades para entender por que seu mestre a treinaria sabendo que
ela acabaria traindo-o no final. Mas ela não precisava entender. Ainda não.
Agora precisava apenas obedecê-lo.
– Encontre um caminho para Onderon – Bane a instruiu. – Eu encontrarei
você lá daqui a dez dias-padrão. – Após eu descobrir a tumba de Dxun.
– Como é que eu vou conseguir chegar lá? – ela protestou.
– Você é a escolhida, a herdeira do legado de nossa ordem. Você
encontrará um caminho.
– E se eu não encontrar?
– Então ficará provado que você não é digna de ser minha sucessora, e eu
buscarei um outro aprendiz.
Não havia mais nada a dizer. Bane deu as costas a ela e se dirigiu para a
nave. Zannah apenas observou seu mestre, sem nada dizer. Ao se afastar,
ele podia sentir a raiva dela aumentando, tornando-se um furioso inferno de
ódio quando Bane entrou na cabine. O calor da fúria de Zannah trouxe um
sombrio sorriso aos lábios de Bane quando ele acionou os motores.
A Valcyn decolou, deixando Zannah para trás – uma pequena figura na
superfície do planeta olhando para a nave, imóvel, como se fosse feita de
pedra fria e dura.
Capítulo 6

– ISSO TUDO É APENAS UM mal-entendido – o homem insistiu de dentro da


cela.
– Vocês estão cometendo um erro – a mulher junto dele concordou.
Johun respirou fundo, depois soltou o ar em um longo e cansado suspiro.
Ele voltara à Fairwind com seus dois prisioneiros já fazia uma hora. Seu
pedido para uma imediata audiência com Farfalla fora negado, uma vez que
o general estava ocupado com a operação em Ruusan. Então Johun levara
os prisioneiros ao convés inferior e para dentro de uma cela para esperarem.
Sem nada melhor a fazer, ele decidira se sentar em uma cadeira perto deles
para esperar.
O jovem Jedi agora se arrependia dessa decisão.
– Nunca fizemos parte do exército de Kaan – a mulher disse a ele atrás
das grades da cela. – Somos apenas fazendeiros.
– Fazendeiros não vestem armaduras de combate e carregam armas –
Johun disse, apontando para o canto da sala onde as roupas e equipamentos
confiscados dos mercenários estavam empilhados sobre uma mesa pequena.
– Essa tralha não é nossa – o homem explicou. – Nós… apenas
encontramos isso tudo. Saímos para uma caminhada de manhã e… demos
de cara com essas coisas no acampamento deserto. Vimos todo esse
equipamento dando sopa e, hum, achamos que seria engraçado se nos
vestíssemos igual aos soldados.
O guarda da República que vigiava os prisioneiros com Johun explodiu
em risada quando ouviu a mentira patética. Johun apenas fechou os olhos e
esfregou as têmporas. Em Ruusan os prisioneiros confessaram rapidamente
seus crimes. Logo depois do encontro com o misterioso lorde Sith, eles
estavam temporariamente em pânico. Mas agora que estavam seguros e
longe da superfície do planeta, a dura realidade de uma sentença de cinco a
dez anos em um mundo-prisão da República os fez voltar atrás em seu
testemunho.
– E quanto aos outros? – Johun perguntou, querendo apanhá-los em sua
teia de mentiras. – Seus amigos que morreram no ataque. Também eram
fazendeiros?
– Sim – o homem respondeu ao mesmo tempo em que a mulher disse:
– Nós não os conhecíamos.
O jovem Jedi argumentou calmamente:
– Bom… ou é uma coisa ou é outra.
Os dois mercenários olharam um para o outro com uma expressão
irritada, mas foi a mulher quem finalmente respondeu:
– Nós os conhecemos hoje de manhã. No acampamento Sith. Eles
disseram que eram fazendeiros iguais a nós, mas é possível que estivessem
mentindo.
– Mentindo? Sério? – Johun perguntou sarcasticamente. – Difícil de
imaginar por que alguém faria isso.
O guarda riu novamente.
– Vocês deveriam ser comediantes – ele disse. – Claro, se sobreviverem à
prisão.
O homem na cela fez menção de responder algo cáustico, mas segurou a
língua quando sua companheira bateu com o cotovelo em suas costelas.
Naquele momento, uma das assistentes de Farfalla apareceu na porta.
– O general já pode vê-lo agora – ela disse para Johun.
Johun saltou da cadeira para segui-la.
– Ei, diga a ele para nos tirar daqui – o homem disse. – Não se esqueça
de nós!
Impossível de esquecer, Johun pensou. Para o guarda, ele disse:
– Fique de olho neles. E não acredite em nada do que dizem.
A assistente o conduziu por uma longa e sinuosa jornada pelos vários
níveis da Fairwind. As celas ficavam na parte mais funda do casco da
grande nave; Johun encontraria Farfalla no convés de comando no topo.
Pelo caminho, eles passaram por centenas de rostos que Johun reconhecia,
colegas Jedi e soldados que lutaram ao seu lado durante a campanha. A
maioria acenava com a cabeça ou a mão, ocupados demais com suas tarefas
para iniciar qualquer tipo de conversa.
Havia também muitos rostos que Johun não reconhecia: refugiados de
Ruusan. Muitos eram pessoas resgatadas trazidas até ali durante a louca
corrida para escapar da bomba de pensamento, e que agora se preparavam
para voltar à superfície para tentar reconstruir suas vidas. Outros eram
homens e mulheres cujas casas ou famílias haviam sido completamente
destruídas pela guerra – para eles, não restou nada no planeta, a não ser
dolorosas memórias daquilo que perderam. Farfalla havia arranjado para
aqueles que não queriam voltar para Ruusan um transporte para os mundos
do Núcleo da República, onde poderiam encontrar um novo começo longe
dos horrores que testemunharam.
Tantas pessoas, Johun pensou enquanto era conduzido em silêncio por
sua guia. Tanto sofrimento. E será tudo em vão se algum Sith conseguir
escapar.
Quando chegaram ao convés de comando, a assistente o levou até os
aposentos pessoais de Farfalla. Ela bateu na porta fechada, e uma voz do
outro lado disse:
– Entre.
Ela tocou o console e a porta se abriu, depois assentiu para Johun. Ele
deu um passo à frente e entrou no quarto, então ouviu a porta se fechando
atrás dele.
O quarto era maior do que ele esperava, e decorado no estilo
extravagante pelo qual Valenthyne Farfalla era famoso. Havia um berrante
tapete vermelho e dourado cobrindo o chão, e as paredes eram decoradas
com obras que não fariam feio nas mais finas galerias de arte de Alderaan.
No lado oposto do quarto havia uma enorme cama com uma cobertura feita
de madeira de árvores wroshyr – um presente de líderes tribais em
Kashyyyk. As cobertas e travesseiros eram feitos de seda brilhante amarela
e vermelha, e cada um dos enormes postes da cobertura da cama eram
pintados com um mural representando os grandes eventos da vida de
Farfalla: seu nascimento na realeza, sua aceitação na Ordem Jedi, sua
ascensão ao posto de mestre, seu famoso triunfo sobre as forças Sith em
Kashyyyk.
O general estava sentado atrás de uma enorme escrivaninha no canto,
revisando relatórios em um monitor construído na parede.
– Você me desapontou, jovem padawan – ele disse enquanto desligava a
tela e se virava no assento para encarar Johun.
– Sinto muito por tê-lo desobedecido, mestre Valenthyne – ele respondeu.
Farfalla se levantou e cruzou o quarto, seus pés pisando suavemente
sobre o tapete luxuoso.
– Essa é a menor das minhas preocupações – ele disse, pousando uma
mão pesada no ombro do jovem Jedi. Seus olhos estavam sombrios e
cansados, e sua expressão normalmente alegre se escondia sob uma máscara
de preocupação e fadiga.
– Irtanna – Johun disse, baixando a cabeça envergonhadamente diante da
memória de como usara a Força para convencer a piloto a levá-lo junto com
sua tripulação.
– Um Jedi não usa seus poderes para manipular as mentes de seus
amigos. Mesmo se seus motivos são puros, é um abuso de sua posição e
uma traição da confiança que os outros depositam em nós.
– Sei que o que fiz é errado – Johun admitiu. – E aceitarei qualquer
punição que você ache necessária para reparar aquilo que fiz. Mas há algo
mais importante sobre o que precisamos conversar primeiro.
Farfalla olhou nos olhos de Johun, depois deixou a mão cair. O padawan
pensou ter visto um lampejo de decepção cruzar o rosto do mestre.
– Sim, é claro – Farfalla disse, virando-se e voltando para a escrivaninha,
onde religou o monitor. – O relato daqueles prisioneiros que você capturou.
– Você já leu? – Johun perguntou, surpreso.
– Eu leio todos os relatos – ele respondeu. – É responsabilidade do líder
saber o que seus seguidores estão fazendo. Mais importante, ele deve
impedi-los de tomar decisões imprudentes e equivocadas.
– Você ainda acredita que nenhum Sith sobreviveu à bomba de
pensamento – Johun disse.
– Não tenho fé na credibilidade de suas fontes – Valenthyne respondeu. –
Esses mercenários são, sinceramente, a escória da galáxia. Como você sabe
que eles não estão simplesmente dizendo aquilo que você quer ouvir?
– Por que fariam isso?
Farfalla deu de ombros.
– Talvez eles pensem que você irá protegê-los. Ou tratá-los melhor como
prisioneiros. Ou talvez pensem que receberão uma sentença menor por seus
crimes. Essas pessoas são oportunistas. Eles procuram tirar vantagem em
tudo. Mentir faz parte de seu estilo de vida.
– Não acho que estejam mentindo, mestre – Johun disse, sacudindo a
cabeça. – Se você tivesse visto os dois na superfície… eles estavam
aterrorizados! Algo terrível aconteceu com eles.
– Isso é uma guerra. É claro que coisas terríveis aconteceram.
– E quanto aos detalhes do relato? – Johun insistiu. – O sabre de luz
vermelho? O relâmpago da Força? São as armas do lado sombrio!
– Se eles foram soldados no exército de Kaan, saberiam muito bem quais
são as ferramentas que os Sith usam contra seus inimigos. Seria fácil para
eles acrescentarem esses elementos em qualquer história que inventassem.
Cerrando os dentes em frustração, Johun deixou escapar uma forte
acusação.
– Você apenas quer acreditar que os Sith se foram para sempre! É por
isso que se recusa a enxergar aquilo que está diante de nós.
– E você quer acreditar que os Sith ainda existem – Farfalla retrucou,
embora sua voz não ecoasse nem um pouco da raiva que havia no desafio
do padawan. – Você quer revidar contra aqueles que mataram seu mestre.
Seu desejo de vingança o deixou cego para os fatos. Se estivesse pensando
claramente, veria que existe uma parte da história que coloca todo o relato
em dúvida.
Johun piscou, surpreso.
– Você tem prova de que eles estão mentindo?
– Está no próprio relato que você escreveu – Farfalla o informou. – Eles
dizem que um lorde sombrio dos Sith massacrou seus amigos. Mas de
algum jeito eles sobreviveram ao encontro. Como isso é possível?
– Eles… eles escaparam no meio das árvores – Johun balbuciou, sabendo
o quanto suas palavras soavam tolas até para seus próprios ouvidos.
– Você é um Jedi – Farfalla o advertiu. – Conhece o poder da Força.
Acredita mesmo que eles poderiam ter escapado da fúria de um mestre Sith
simplesmente correndo para a floresta?
Ele teria caçado e abatido os dois como se fossem porcos zucca, Johun
admitiu para si mesmo.
– Talvez ele quisesse que os dois permanecessem vivos por algum
motivo – ele sugeriu, ainda relutando em ceder.
– Por quê? – Farfalla perguntou. – Se um lorde Sith sobrevivesse à
bomba de pensamento, por que deixaria testemunhas para trás que poderiam
expor sua existência para seus inimigos?
Johun não tinha resposta para aquilo. Não fazia sentido. Mas por algum
motivo ele sabia – ele sabia – que os mercenários estavam dizendo a
verdade.
– Johun – o general disse, sentindo seu conflito interior. – Você precisa
ser completamente honesto consigo mesmo. Você acredita mesmo que
podemos confiar nesses mercenários?
Johun pensou nos prisioneiros na cela e nas intermináveis mentiras
saindo de suas bocas. Pensou em seu próprio alerta para o guarda: Não
acredite em nada do que dizem. E Johun finalmente percebeu o quanto fora
tolo.
– Não, mestre Valenthyne. Você está certo. Não podemos confiar neles.
Após um momento, ele acrescentou:
– Eu… eu gostaria de falar com Irtanna e Bordon quando eles voltarem.
Para me desculpar por aquilo que fiz com eles.
– Fico satisfeito por ouvir isso, Johun – Farfalla disse com um sorriso
abatido. – Nós, Jedi, não somos infalíveis. É importante permanecer
humilde e admitir quando cometemos um erro.
“Infelizmente, desculpar-se pessoalmente não será possível”, ele
continuou. “Fui chamado a Coruscant para encontrar o chanceler Valorum.
Já que obviamente não posso confiar em você para seguir minhas instruções
em minha ausência, você irá me acompanhar como meu adjunto.”
Aquela proclamação foi feita como punição, mas o coração de Johun
saltou diante das palavras. Na realidade, o mestre Valenthyne estava se
oferecendo para se tornar seu mentor.
– Eu… obrigado, mestre – foi tudo que ele conseguiu dizer. Sem saber o
que mais fazer, ele fez uma breve reverência.
– É o que Hoth gostaria que acontecesse com você – Farfalla disse
suavemente. Depois, mais alto: – Vamos partir assim que eu terminar os
preparativos para os outros tomarem o comando da frota.
– Por que o chanceler quer se encontrar com você com tanta urgência? –
Johun perguntou, repentinamente curioso.
– Agora que a Irmandade da Escuridão foi derrotada, o Senado Galáctico
quer dar um fim oficial para a guerra. Há uma importante legislação sendo
discutida que poderia mudar a face da República para sempre. Valorum
quer discutir comigo antes da votação no Senado.
– E essa legislação também afetará os Jedi?
– Sim – Farfalla respondeu sombriamente. – De maneiras que você não
pode nem imaginar.
Os pés de Zannah doíam. Suas panturrilhas doíam. Suas coxas
queimavam a cada passo. Mas de alguma forma ela ignorava a dor e
continuava seu caminho.
Ela vinha andando desde que a nave de Darth Bane desaparecera no
horizonte, deixando-a sozinha novamente. Sua missão era clara: viajar até
Onderon. Para isso, ela precisava encontrar uma nave para tirá-la de
Ruusan. Isso significava encontrar outras pessoas. Mas Zannah não fazia
ideia de onde encontrar outras pessoas, então ela simplesmente escolhera
uma direção aleatória para seguir.
Ela era pequena demais para pilotar a moto flutuante que Bane usara para
transportá-los. A princípio isso não fora importante: ela usara seus novos
talentos com a Força para impulsioná-la, correndo tão rápido que o mundo
passava como um grande borrão de vento e cores. Mas embora a Força
fosse infinita, sua capacidade de extrair poder dela não era. Suas
habilidades ainda estavam se desenvolvendo, e a fadiga se instalara
rapidamente. Ela sentira seu ritmo diminuindo conforme sua força
minguava, e embora tivesse tentado convocar o poder do lado sombrio
outra vez usando suas mais profundas reservas de raiva e ódio, sua vontade
exaurida conseguiu apenas conjurar uma fraca resposta.
Agora ela fora reduzida a uma pequena garotinha cansada se movendo
pesadamente pela paisagem devastada de Ruusan. Mas ela se recusava a se
entregar ao desespero, preferindo focar toda sua energia em colocar um pé
na frente do outro. Era impossível dizer por quanto tempo ela continuou sua
marcha forçada – quantas horas ou quilômetros de sofrimento – antes de ser
recompensada com aquilo que queria: a visão de uma nave ao longe.
A esperança deu vida nova a seus membros cansados, e Zannah
conseguiu engatar uma corrida desajeitada na direção da nave. Ela podia
ver pessoas nos arredores da nave: uma jovem mulher, um homem mais
velho e dois garotos adolescentes. Ao se aproximar, a mulher a notou e
chamou um de seus companheiros.
– Bordon! Diga para os garotos que encontramos alguém que precisa de
ajuda.
Minutos mais tarde Zannah se encontrava dentro do compartimento de
carga da nave, sentada em uma caixa de suprimentos enquanto devorava
barras de nutrientes de um kit de ração junto com uma xícara de chá quente.
Um dos garotos a envolvera em um grosso cobertor por sobre os ombros, e
toda a tripulação agora estava reunida de modo protetor ao redor dela.
– Nunca vi alguém tão pequeno comer tanto – a mulher disse com uma
risada.
Ela não parecia ser originalmente de Ruusan. A mulher possuía pele
morena e cabelos curtos e pretos, e vestia um grosso colete acolchoado
debaixo de um casaco. Havia também uma pistola blaster pendurada na
cintura, fazendo Zannah ter certeza de que ela era algum tipo de soldado.
– O que você esperava, Irtanna? – o homem mais velho perguntou. Em
contraste com a mulher, ele parecia ser nativo de Ruusan. Ele possuía
ombros largos, pele áspera e uma barba castanha curta. Lembrava Zannah
de Root, o primo que a criara quando era uma criança em seu mundo natal
de Somov Rit. O homem continuou: – A pobrezinha não é nada além de
pele e osso. Quando foi a última vez que você teve uma refeição decente,
garota?
Zannah sacudiu a cabeça.
– Não sei – ela disse com a boca cheia.
Ela apenas aceitara a oferta de comida por educação. Desde que chegara
a Ruusan, ela se sustentava com raízes e frutas, com seu corpo sempre à
beira do colapso por causa da fome. Já fazia tanto tempo que vivia assim
que já se acostumara às dores de um estômago perpetuamente vazio,
adaptando-se até o ponto de quase nem mais perceber a fome. Mas no
momento em que a primeira mordida de comida de verdade atingiu sua
língua, ela se lembrou de seu apetite, e agora seu corpo estava determinado
a compensar as várias semanas de péssima nutrição.
– Onde estão os seus pais? – a mulher chamada Irtanna perguntou.
– Eles morreram – Zannah respondeu após um momento de hesitação e
deixando de lado o resto da ração. A comida estava ótima; o simples prazer
físico de comer era uma sensação gloriosa. Mas ela não podia se deixar
distrair por aquilo. Precisava ter muito cuidado com o que dizia para
aquelas pessoas.
O homem se agachou ao lado dela até ficar no mesmo nível de seus
olhos. Quando falou, sua voz saiu em um tom suave e compreensivo.
– Tem algum outro familiar? Irmãos ou irmãs? Mais alguém?
Zannah respondeu sacudindo a cabeça negativamente.
– Uma órfã da guerra – Irtanna murmurou tristemente.
– Meu nome é Bordon – o homem disse a ela. – Esta é Irtanna, e esses
são meus filhos Tallo e Wend. Qual é o seu nome?
Não querendo revelar seu nome verdadeiro, ela hesitou por um segundo.
– Eu sou… Rain – ela finalmente disse, dando a eles seu apelido de
infância.
– Rain? Que nome engraçado. Nunca ouvi antes – o garoto mais velho,
Tallo, disse. Ele parecia ter uns dezesseis anos.
– Existem muitos nomes que você nunca ouviu – Bordon o repreendeu
em um tom ríspido. Depois, suavizando a voz, ele perguntou para Zannah: –
Você está ferida, Rain? Ou doente? Temos medicamentos, se você precisar.
– Estou bem. Eu só estava com fome.
– Será que devemos levá-la conosco? – Irtanna perguntou.
Bordon manteve os olhos sobre Zannah quando respondeu:
– Por que não perguntamos a ela? Rain, você quer vir com a gente?
– Preciso ir para Onderon – Zannah respondeu sem pensar. Assim que as
palavras saíram de sua boca, ela se arrependeu de dizê-las.
– Onderon? Naquele pedregulho só tem monstros e bandidos – Tallo
disse. – Você tem que ser muito idiota se quiser ir até lá.
– Quieto, garoto – Bordon ralhou. – Você nunca saiu de Ruusan, então
como é que pode saber?
– Eu ouvi as pessoas falando – Tallo respondeu. – Nos acampamentos e
tal.
– Você não pode acreditar em cada história que escuta por aí – seu pai o
lembrou. – Agora vá com seu irmão esperar na frente da nave.
– Vamos – Tallo resmungou, agarrando seu irmão mais novo pelo braço.
– Isso não é justo! – Wend protestou enquanto era levado. – Eu não fiz
nada!
– Por que você quer ir para Onderon? – Irtanna perguntou depois que os
garotos se foram. – É um mundo muito perigoso. Não é o tipo de lugar onde
uma garotinha pode ficar sozinha.
– Não estarei sozinha. Eu… eu tenho família lá – Zannah mentiu. – Só
preciso achá-los.
Bordon esfregou o queixo, puxando levemente a barba.
– Pode ser bem difícil encontrar alguém em um lugar como Onderon –
ele disse. – Tem mais alguém que podemos contatar para você? Talvez um
amigo da família em Ruusan?
– Tenho que ir para Onderon – Zannah insistiu.
– Entendo – o homem disse, depois se levantou e se virou para Irtanna. –
Nossa jovem hóspede parece bastante determinada em sair deste mundo.
– Não podemos levá-la para Onderon – Irtanna disse –, mas podemos
levá-la junto quando sairmos de Ruusan.
– Levar para onde? – Zannah perguntou, desconfiada.
– Temos uma frota inteira de naves orbitando o planeta, Rain. Você estará
segura lá. Encontraremos alguém para cuidar de você.
– Eu posso cuidar de mim mesma – ela respondeu em um tom desafiador.
– Sim, eu posso ver isso – Bordon disse. – Mas aposto que é muito
solitário viver sozinha assim. – Quando Zannah não respondeu, ele
continuou: – Então, é o seguinte, está ficando escuro lá fora. Por que você
não vem com a gente até a frota? Depois, amanhã podemos decidir o que
fazer em seguida. Se você ainda quiser seguir para Onderon, nós podemos
tentar ajudá-la. Mas se mudar de ideia, você pode ficar aqui em Ruusan
comigo e com os garotos por um tempo. Ao menos até encontrarmos a sua
família.
Zannah abriu a boca diante da oferta, mas não disse nada.
Bordon a tocou gentilmente no ombro.
– Está tudo bem – ele disse. – Não precisa responder agora. É só algo
para você pensar.
Com um leve aceno de cabeça, Zannah voltou a comer sua refeição, a
mente ainda digerindo aquela ideia.
– Vou preparar a nossa partida – Irtanna disse ao se retirar, dirigindo-se
para a frente da nave.
Bordon resmungou, concordando, depois falou mais uma vez com
Zannah.
– Tenho que ir ajudar Irtanna. Você pode ficar aqui e terminar sua
comida, certo?
Zannah assentiu outra vez. Havia algo de tranquilizador sobre a maneira
como Bordon falava com ela. Ele a fazia se sentir segura e importante ao
mesmo tempo. Ela observou quando ele desapareceu atrás da porta que
separava o compartimento de carga da cabine do piloto.
– Grite se precisar de alguma coisa – a voz de Bordon veio do outro lado.
Um minuto depois, os motores ganharam vida e a nave se ergueu do
chão, mas Zannah mal notou. Seu cérebro estava sobrecarregado com
emoções conflitantes. Parte dela estava gritando silenciosamente dizendo
que não podia simplesmente ficar sentada ali – ela precisava fazer alguma
coisa agora! Não podia deixar que eles a levassem para a frota. Havia
pessoas demais lá. Havia Jedi demais lá. Alguém notaria seus dons
especiais e começaria a fazer perguntas. Eles descobririam sobre Darth
Bane e tudo que ele prometera a ela – todo o conhecimento e poder do lado
sombrio – seria perdido.
Porém, outra parte dentro dela queria seguir para a frota. Bane alertara
que seu aprendizado seria uma longa e difícil luta. Ela estava cansada de
lutar. E Bane a abandonara. Bordon, por sua vez, oferecera um lar, oferecera
uma família. Por que seria tão errado simplesmente aceitar a oferta? Bane
dissera que ela era a escolhida para receber o legado dos antigos Sith, mas
será que era isso mesmo que ela queria?
Antes que pudesse encontrar uma resposta, ela ouviu um barulho, e
quando ergueu os olhos viu Wend, o filho mais jovem de Bordon,
aparecendo para falar com ela. Zannah imaginou que ele possuía uns treze
anos – apenas alguns anos mais velho do que ela.
– Meu pai disse que você não tem família – ele disse, em sua estranha
maneira de se apresentar.
Zannah não sabia o que dizer, então ela apenas assentiu.
– Eles morreram na guerra? – Wend perguntou. – Eles foram mortos
pelos Sith?
Ela encolheu os ombros, sem querer elaborar para não deixar escapar
nenhum detalhe que pudesse expor a verdade.
– Minha mãe era uma soldada – Wend continuou. – Ela era muito
corajosa. Ela foi lutar contra os Sith quando eles chegaram pela primeira
vez em Ruusan.
– O que aconteceu com ela? – Zannah apenas perguntou porque isso era
esperado e seria estranho se não perguntasse. Ela não queria fazer nada que
chamasse atenção desnecessária.
– Ela morreu na Quarta Batalha de Ruusan. Foi morta pelas Sith. Meu pai
disse que…
– Wend! – veio a voz de Bordon da cabine. – Volte aqui. Deixe a Rain ter
um pouco de paz e sossego.
O garoto sorriu timidamente, depois se virou e a deixou novamente
sozinha com seus pensamentos. Mas graças a suas palavras, ela tomou uma
decisão.
Bordon oferecera uma alternativa. Oferecera fazer dela parte de sua
família. Ele estava colocando na mesa a tentação de uma vida simples, mas
feliz. Mas suas palavras não ofereciam nada além de promessas vazias. A
paz é uma mentira.
Que bem fariam família e amigos, se você não tiver força para protegê-
los? Bordon perdera a esposa, e Tallo e Wend perderam sua mãe. Quando os
Sith apareceram, eles foram incapazes de salvar a pessoa que mais amavam.
Zannah sabia como era se sentir indefesa. Sabia como era ter as coisas
mais valiosas em sua vida tiradas de você. E ela havia jurado nunca mais
deixar isso acontecer.
Bordon e sua família eram vítimas – escravos presos com as correntes de
sua própria fraqueza. Zannah nunca mais seria uma vítima. Bane prometera
ensinar os caminhos do lado sombrio. Ele mostraria a ela como liberar seu
poder interior e se libertar das correntes do mundo.
Pelo poder eu ganho a vitória. Pela vitória minhas correntes se partem!
O entendimento sobre aquilo que ela era – a aceitação de seu destino –
impeliu Zannah a agir. Ela tentou usar a Força para ganhar poder, mas
estava exausta demais para usar seus talentos. Sem desanimar, ela começou
a vasculhar as caixas de suprimentos ao redor, procurando algo que pudesse
usar para impedir que a nave e sua tripulação a levassem para o resto da
frota.
Zannah encontrou o que estava procurando ao mesmo tempo que Tallo
entrou no compartimento, flagrando-a no ato.
– Meu pai quer saber se você… Ei! O que você está fazendo?
Zannah agarrou o cabo do blaster uma fração de segundo antes de Tallo
saltar sobre ela, derrubando-a no chão.
– Sua maldita pivete! – o garoto praguejou, tentando prendê-la no chão e
puxar a arma de sua mão. Ele era uns trinta quilos mais pesado do que ela,
mas Zannah lutou com um desespero selvagem que o impediu de segurá-la
com firmeza enquanto os dois lutavam.
Atraído pelo som da luta, Bordon chegou correndo ao compartimento.
– O que diabos está acontecendo aqui? – ele gritou.
Naquele exato instante, o blaster disparou. Era impossível dizer de quem
foi o dedo que apertou o gatilho; Tallo e Zannah seguravam a arma com as
duas mãos tentando ganhar posse dela. Mas por má sorte ou por um destino
sombrio, quando o tiro disparou, o cano da arma estava voltado diretamente
para Tallo. O impacto deixou um grande ferimento no centro de seu peito,
matando o garoto instantaneamente.
As mãos de Tallo relaxaram e soltaram o blaster. Seu corpo pendeu para a
frente, prendendo as pernas de Zannah debaixo dele. Do outro lado do
compartimento, os olhos de Bordon se arregalaram cheios de horror. Com
um grito de angústia, ele correu para ajudar seu filho.
Vendo o pai do garoto que ela acabara de matar correndo em sua direção,
Zannah agiu por instinto e disparou a arma novamente. O tiro acertou
Bordon pouco acima da cintura, interrompendo seu grito e o derrubando de
joelhos. Ele soltou um grunhido de dor e agarrou o furo em sua barriga,
depois estendeu a mão ensanguentada para Zannah. Ela gritou de medo e
repulsa e disparou outra vez, pondo um fim na vida de Bordon.
– Bordon! – a voz de Irtanna veio através do intercomunicador. – Eu ouvi
tiros! O que está acontecendo aí atrás?
Movendo-se rapidamente, Zannah saiu de baixo do cadáver de Tallo e
correu para a cabine. Ao chegar, ela viu Wend ainda preso com o cinto de
segurança em seu acento, tentando se virar para ver o que estava
acontecendo. Irtanna estava se levantando para ir ajudar Bordon. Ela ativara
o piloto automático antes de se erguer, e esse atraso deu a Zannah os
preciosos segundos de que precisava para ganhar a vantagem.
– Sente aí e não se mexa! – Zannah gritou, apontando o blaster para
Irtanna. Sua voz saiu fraca e vazia no confinamento da cabine – a voz de
uma criança em pânico.
Irtanna hesitou, mas obedeceu.
– O que aconteceu? – a mulher perguntou, com um tom cuidadosamente
neutro. – Alguém se machucou?
– Trace a rota para Onderon – Zannah mandou, recusando-se a responder.
Ela mal conseguia ouvir a si mesma falando sobre o martelar ensurdecedor
de seu coração disparado.
– Certo – Irtanna disse lentamente, digitando as coordenadas no console
da nave. – Farei o que você quer. Apenas fique calma.
O computador navegacional emitiu um bipe confirmando o novo destino,
e a mulher se virou apenas o suficiente para olhar a garota diretamente nos
olhos. Ela disse:
– Rain, abaixe a arma. – Havia uma confiança tranquilizadora em suas
palavras, e uma determinação ameaçadora em seu rosto.
– Eu não sou Rain – a garota retrucou através de dentes cerrados. – Meu
nome é Zannah!
– Seja quem for – Irtanna disse, levantando-se lentamente –, você vai me
dar esse blaster.
– Não se mexa ou eu atiro! – Zannah alertou, sua voz cada vez mais
aguda. Como ela pode estar tão calma?, ela pensou, enquanto lutava para
manter a própria respiração sob controle. Era ela quem possuía o blaster,
mas por algum motivo sentia que estava perdendo o controle da situação.
– Não – a jovem mulher respondeu calmamente, dando um único passo
na direção de Zannah. – Você não vai atirar em mim. Você não é uma
assassina.
A memória dos dois Jedi mortos em Ruusan surgiu na mente de Zannah,
seguida rapidamente pela imagem de Bordon e seu filho caídos sem vida no
compartimento de carga.
– Sim, eu sou – ela sussurrou quando apertou o gatilho.
Irtanna ainda soltou uma expressão de surpresa que entalou na garganta,
depois desabou no chão – uma morte rápida e limpa. Zannah esperou um
segundo para confirmar que a mulher estava morta, depois se virou para
apontar o blaster para Wend. Ele assistira ao desenrolar do encontro como
se estivesse paralisado, sem nem se dar ao trabalho de remover o cinto de
segurança.
– Não me mate! – ele implorou, encolhendo-se no assento.
Zannah podia sentir o medo emanando dele. Ela sentiu o familiar calor
do lado sombrio ganhar vida dentro dela, respondendo ao apelo de sua
vítima, alimentando-se de seu terror. Fluiu através dela como uma onda de
fogo líquido, queimando sua culpa e incerteza e fortalecendo sua
determinação.
A mente de Zannah foi tomada por uma grande e súbita percepção: medo
e dor eram parte inevitável da existência. E era muito melhor infligir nos
outros do que sofrer por si mesma.
– Por favor, não atire – Wend choramingou, suplicando uma última vez
por sua vida. – Sou apenas uma criança. Igual a você.
– Eu não sou uma criança – Zannah disse quando puxou o gatilho. – Sou
uma Sith.
Capítulo 7

BANE PODIA OUVIR O ZUNIDO dos motores da Valcyn enquanto a nave


cortava através das camadas mais altas da atmosfera de Dxun, protestando
quando ele levou a nave aos seus limites. Normalmente, a viagem de
Ruusan para a lua gigante de Onderon duraria entre quatro e cinco dias com
um cruzador classe T como a Valcyn. Bane cobriu a distância em apenas
dois.
Em questão de horas após deixar Ruusan – e Zannah – para trás, ele fora
tomado pelo retorno das quase insuportáveis dores de cabeça. E, com elas,
veio também uma companhia altamente desagradável e indesejável. A
forma espectral de lorde Kaan pairou sobre ele na cabine durante todo o
primeiro dia da viagem, uma manifestação visível dos danos que a mente de
Bane sofrera com a bomba de pensamento. O espírito não dissera nada,
apenas o observara com seus olhos acusadores, uma constante presença nos
limites da consciência de Bane.
A aparição fantasmagórica fez Bane adotar um ritmo irresponsável, até
mesmo perigoso, para sua jornada. Ele levara a Valcyn muito além dos
parâmetros recomendados de segurança, como se parte dele tentasse usar a
velocidade da nave para deixar sua loucura para trás. Ele estava
desesperado para alcançar Dxun e procurar a tumba de Freedon Nadd, e
talvez descobrir alguma forma de se livrar das alucinações torturantes.
Kaan desaparecera no final do primeiro dia da jornada, porém foi
substituído por uma visita ainda pior. Agora já não era o fundador da
Irmandade da Escuridão que pairava ao seu lado, mas sim Qordis – o antigo
diretor da Academia Sith em Korriban. Pálida e semitranslúcida, a figura
parecia uma réplica quase perfeita de como o lorde Sith se parecia em seu
encontro final, quando Bane o matara. Alto e lúgubre, Qordis possuía
feições esqueléticas que pareciam mais adequadas a um espírito do que a
uma criatura de carne e sangue. Diferente de Kaan, entretanto, Qordis falara
com ele, lançando uma interminável ladainha de culpa, denunciando tudo o
que Bane fizera.
– Você nos traiu – o fantasma disse, estendendo um longo e magro dedo
com uma afiada unha. Bane não precisava olhar para saber que o dedo
estava adornado com os anéis de pedras preciosas que Qordis usara em
vida. – Você destruiu a Irmandade, você deu a vitória aos Jedi. E agora foge
da cena como um ladrão covarde no meio da noite.
Não sou um covarde!, Bane pensou. Não havia razão para dizer as
palavras em voz alta; a visão estava inteiramente dentro de sua mente. Falar
com ela seria apenas um sinal de que sua condição mental se deteriorava
ainda mais. Fiz o que precisava ser feito. A Irmandade era uma
abominação. Eles precisavam ser destruídos!
– A Irmandade possuía conhecimento sobre o lado sombrio. Uma
sabedoria perdida para sempre por sua causa.
Bane já estava se cansando daquela ladainha familiar. Tivera essa
conversa consigo mesmo antes de decidir destruir Kaan e seus seguidores, e
agora a estava revivendo de novo e de novo através dos delírios de sua
mente ferida. Mas ele se recusava a permitir que qualquer dúvida ou
incerteza enfraquecesse sua determinação; ele fizera aquilo que era
necessário.
A Irmandade estava desvirtuada. Eles se desviaram do verdadeiro
caminho do lado sombrio. Todo o estudo e treinamento que Qordis exigia
de seus alunos na Academia era inútil.
– Se isso fosse verdade – a aparição retrucou, respondendo aos
argumentos em sua mente –, então como explica sua atual missão? Você diz
que rejeita meus ensinamentos, porém fui eu quem descobriu a localização
da tumba perdida de Freedon Nadd.
Você não descobriu nada. Você é apenas uma alucinação. E Qordis pode
ter se deparado com essa informação, mas ele não sabia o que fazer com
ela. Um verdadeiro mestre Sith teria partido de Ruusan para procurar a
tumba de Nadd. Mas ele decidiu ficar e ajudar Kaan a brincar de exército
com os Jedi.
– Desculpas e justificativas – o espírito respondeu. – Kaan era um
guerreiro. Mas você preferiu se esconder de seus inimigos em vez de
enfrentá-los.
Bane rangeu os dentes quando a Valcyn atingiu a turbulência da pesada
cobertura de nuvens de Dxun. A nave ainda descia rápido demais, forçando
Bane a agarrar o manche com tanta força para manter a nave no rumo certo
que as juntas dos dedos embranqueceram. Ele ouviu os rangidos e gemidos
do casco sobrecarregado que cortava através da grossa atmosfera.
– Você nos traiu – Qordis disse novamente.
Bane praguejou para si mesmo, tentando ignorar as lamúrias da imagem
projetada por sua própria mente. Quantas vezes ouvira aquela exata
conversa no dia que se passou? Cinquenta? Cem? Era como ouvir um
holoprojetor quebrado que repetia a mesma parte da mensagem
ininterruptamente.
– Você destruiu a Irmandade, você deu a vitória aos Jedi. E agora foge da
cena como um ladrão covarde no meio da noite.
– Cale-se! – Darth Bane gritou, não mais capaz de conter sua raiva. –
Você nem mesmo é real!
Ele usou a Força, causando uma explosão de energia sombria dentro da
cabine, determinado a destruir aquela visão irritante. Qordis desapareceu,
mas a vitória de Bane não durou muito. Luzes de emergência começaram a
piscar dentro da nave, acompanhadas pelo grito agudo dos alarmes de falha
crítica.
O console da nave foi fritado pela explosão de energia. Praguejando
contra Qordis e sua própria instabilidade emocional, Bane começou uma
luta desesperada para aterrissar a nave em segurança. Vindo de todos os
lados, ele podia ouvir a risada fantasmagórica de Qordis.
A Valcyn estava em queda livre, despencando na direção das florestas
densas da superfície de Dxun. Bane puxou o manche com toda a força de
seu enorme corpo, conseguindo redirecionar a nave em um ângulo de
aproximação mais aberto. Mas se não conseguisse desacelerar, tudo estaria
perdido.
Ele digitou nos controles, tentando reiniciar os propulsores com uma mão
enquanto a outra ainda lutava com o manche. Sem resposta, ele fechou os
olhos e usou a Força, vasculhando os circuitos queimados e fios derretidos
da nave.
Sua mente correu através do labirinto de circuitos eletrônicos que
controlavam todos os sistemas da Valcyn, refazendo-os e redirecionando-os
para encontrar uma configuração que pudesse restaurar energia ao
interruptor danificado da ignição. Sua primeira tentativa resultou em uma
chuva de faíscas emergindo do painel de controle, mas a segunda foi
recompensada com o rugido dos propulsores ganhando vida.
Bane conseguiu reverter a força dos motores apenas alguns metros acima
da superfície de Dxun. A velocidade da descida diminuiu, mas não chegou
nem perto de parar. Uma fração de segundo antes de a Valcyn atingir a
floresta abaixo, Bane envolveu a si próprio com a Força, criando um casulo
protetor que ele esperava ser forte o bastante para fazê-lo sobreviver ao
inevitável impacto.
A Valcyn atingiu a cobertura das árvores em um ângulo de quarenta e
cinco graus. O trem de pouso foi arrancado no impacto, despedaçando-se
com um grande estrondo. Largas fendas marcaram as laterais da nave, o
casco raspando em grossos galhos e ramos com força o bastante para abrir
uma fenda no metal reforçado e arrancá-lo da estrutura.
Dentro da cabine, Bane foi lançado contra as paredes e o teto. Ele
ricocheteou nos lados da cabine enquanto a nave atravessava as árvores.
Mesmo a Força não foi capaz de protegê-lo completamente enquanto a nave
esculpia um túnel de um quilometro entre a folhagem antes de atingir o
chão macio e lamacento de um pântano, onde finalmente parou.
Por vários segundos Bane não se moveu. Sua nave fora reduzida a uma
pilha de sucata fumegante, mas milagrosamente ele sobrevivera, salvo pelas
energias do lado sombrio que o envolveram. Mas ele não escapou ileso. Seu
corpo estava coberto de ferimentos e contusões doloridas, seu rosto e mãos
cheios de cortes de cacos de vidro que penetraram em seu casulo protetor;
seu bíceps direito sangrava muito com um profundo corte de cinco
centímetros. O ombro esquerdo fora deslocado e duas costelas foram
quebradas, mas não perfuraram os pulmões. O joelho direito já estava
inchando, mas não parecia que nenhuma cartilagem ou ligamento fora
rompido. E ele sentia o gosto de sangue na boca, derramando do vazio onde
dois dentes foram arrancados. Felizmente, nenhum dos ferimentos era fatal.
Bane se levantou devagar, favorecendo o joelho esquerdo. O que restara
da Valcyn terminou de lado, virando tudo na cabine em um desconcertante
ângulo de noventa graus. Movendo-se com cuidado, Bane se dirigiu para a
escotilha de emergência, seu braço esquerdo pendurado ao corpo e
praticamente inutilizado. Por causa da posição da nave, a escotilha de saída
agora estava acima dele, abrindo-se para o céu.
Por mais forte que fosse, Bane sabia que não seria capaz de ganhar a
liberdade com apenas um braço. Um Jedi poderia usar a Força para curar
seus ferimentos, mas Bane era um estudante do lado sombrio. Mesmo se
sua capacidade de extrair poder da Força não estivesse temporariamente
exaurida, o poder curativo não era uma habilidade familiar aos Sith.
Entretanto, antes de se tornar um mestre Sith, Bane servira como um
soldado, onde recebera treinamento médico básico.
A Valcyn era equipada com um medpac de emergência sob o assento do
piloto. O medpac possuía ampolas curativas que ele poderia usar para tratar
o pior de seus ferimentos. Mas, quando se abaixou para olhar debaixo do
assento, o kit não estava lá.
Percebendo que o kit se soltara durante a aterrissagem, ele vasculhou a
cabine até encontrar o que procurava. O exterior do kit estava um pouco
amassado, mas, de maneira geral, parecia intacto. Bane precisou de três
tentativas para abrir a trava com apenas uma mão. Quando finalmente
conseguiu, ficou aliviado ao ver que várias ampolas haviam sobrevivido
intactas.
Ele retirou uma e a injetou diretamente em sua coxa. Em questão de
segundos, Bane sentiu a capacidade de regeneração de seu corpo se
intensificar em resposta à injeção. O sangue fluindo de seus cortes começou
a coagular. Mais importante, a injeção ajudou a aliviar a dor de seu joelho
inchado e das costelas quebradas, permitindo a ele caminhar e respirar mais
facilmente.
Entretanto, seu ombro deslocado necessitava de um tratamento mais
direto. Agarrando seu pulso esquerdo com a mão direita e cerrando os
dentes contra a dor, Bane puxou com toda a força, esperando que o ombro
voltasse ao lugar. Graças a seu tamanho e força, ele fora recrutado várias
vezes no campo de batalha por médicos que precisavam de sua ajuda para
encaixar membros deslocados de soldados durante seus dias no exército.
Um procedimento simples que necessitava uma tremenda força para
funcionar efetivamente, e Bane logo descobriu que simplesmente não
conseguia apoio suficiente para aplicar a manobra em si mesmo.
Grunhindo e suando por causa do esforço, ele percebeu que teria de
tomar medidas mais extremas. Abaixando-se até se sentar no chão, ele se
inclinou para a frente e dobrou os joelhos para conseguir agarrar o pulso do
braço ferido com força entre os dois calcanhares. Bane respirou fundo,
depois jogou as pernas para frente enquanto jogava o torso para trás.
Ele gritou quando o ombro voltou a se encaixar com um estalo alto. O
súbito lampejo de dor foi excruciante; foi preciso toda a sua força para não
desmaiar. Ele então simplesmente deitou de costas, pálido e tremendo por
causa da provação. Bane foi recompensado alguns segundos mais tarde pela
sensação de formigamento rapidamente voltando aos dedos da mão
esquerda.
Alguns minutos e outra ampola curativa depois, ele conseguiu usar as
duas mãos para se erguer pela escotilha e depois descer pela lateral da
Valcyn até ficar de pé, ferido, mas não vencido, na superfície de Dxun.
Ele não se surpreendeu ao encontrar Qordis esperando por ele.
– Você está preso aqui, Bane – o espírito zombou. – Sua nave foi
destruída e não pode ser recuperada. Você não encontrará outra nave aqui,
não há civilizações ou criaturas inteligentes em Dxun. E você não pode
esperar por uma equipe de resgate. Ninguém sabia que você estava vindo
até aqui. Nem mesmo sua aprendiz.
Bane não se deu ao trabalho de responder, apenas fez uma checagem
final de seu equipamento. Ele apanhou um pacote de suprimentos básicos
da nave e o prendeu nas costas. O pacote continha rações, bastões de luz,
um punhado de ampolas curativas e uma simples adaga de caça que ele
prendeu em uma bota. O pacote e seu conteúdo, além do sabre de luz
pendurado na cintura, eram as únicas coisas que valia a pena salvar dos
destroços.
– As selvas de Dxun estão repletas de predadores mortais – o espírito
continuou. – Eles irão persegui-lo dia e noite, e no momento em que você
baixar a guarda, eles atacarão. E, mesmo se você sobreviver aos terrores da
selva, como fará para deixar este mundo?
“Não existe escapatória”, o fantasma de Qordis provocou. “Você morrerá
aqui, Bane.”
– É Darth Bane – o grande homem disse com um sorriso sombrio. – E
ainda não estou morto. Diferente de você.
A resposta pareceu satisfazer a parte de seu subconsciente que estava
criando a ilusão, pois Qordis desapareceu abruptamente.
Sem aquela distração, Bane estava livre para examinar o lugar com mais
cuidado. A densa cobertura da floresta bloqueava a maior parte da luz;
embora fosse meio do dia, ele se encontrava banhado por um crepúsculo.
Mesmo assim, ele não precisava dos olhos para enxergar claramente.
Usando a Força, ele vasculhou os arredores. Bane estava no coração da
floresta; as árvores se estendiam por centenas de quilômetros em todas as
direções. E, ao examinar a folhagem em busca de sinais de vida, ele
percebeu que a aparição estava certa sobre uma coisa: as florestas de Dxun
ferviam com uma porção de feras mortais e vorazes. Bane se perguntou
quanto tempo passaria até que um dos habitantes da selva decidisse
descobrir onde ele se encaixava na cadeia alimentar.
Mas ele não tinha medo. Mesmo antes de a tumba de Nadd ser escondida
ali, os antigos Sith eram atraídos até Dxun. Os Jedi haviam condenado a lua
como um local maligno, mas Bane a reconhecia por aquilo que era: um
mundo repleto de poder do lado sombrio. Ele se sentia forte ali,
rejuvenescido… embora fosse inteligente o bastante para entender que as
criaturas à espreita nas selvas também estariam bebendo desse mesmo
poder.
E então sua exploração mental encontrou aquilo que procurava. A muitos
quilômetros de distância, ele sentiu uma concentração de poder. Ele
localizou a fonte de energia sombria que permeava a floresta ao redor,
irradiando poder como um farol emitindo um sinal de localização.
Tinha de ser a tumba de Nadd, e agora que tinha chegado, Darth Bane
sentia o chamado daquele lugar. Deixando os destroços da Valcyn para trás,
ele começou a andar na direção da fonte. Ele marchou em uma perfeita
linha reta, tomando a rota mais direta possível até seu destino, usando o
sabre de luz para cortar a vegetação no caminho.
Mantendo um canto de sua mente focado na rota para a tumba de Nadd,
Bane focou o resto de sua consciência em um estado de hipervigilância.
Assim como na maioria dos ecossistemas florestais, as criaturas que
evoluíram em Dxun eram mestres de seu ambiente. Muitas provavelmente
desenvolveram a capacidade de se camuflar, misturando-se não apenas aos
galhos e árvores, mas também no sempre presente sussurro do lado sombrio
que pairava sobre a floresta.
Mesmo tomando cuidado, Bane quase foi pego de surpresa quando o
ataque veio. Uma enorme criatura felina apareceu vinda de cima, silenciosa,
com exceção do zunido de suas garras cortando o vazio do ar onde a
garganta de sua presa estivera um segundo antes.
Bane sentira a fera no último instante possível, sua percepção da Força
dando a ele um alerta prévio que lhe permitiu escapar das garras letais.
Mesmo assim, o enorme corpo da fera atingiu Bane, fazendo-o cambalear.
O lorde sombrio dos Sith teria morrido ali mesmo, se a criatura não
tivesse ficado momentaneamente confusa pelo inesperado fracasso de seu
ataque. A hesitação da fera deu a Bane o segundo de que ele precisava para
se afastar do inimigo e assumir uma postura de combate.
Com a fera não mais oculta pela floresta, Bane deu sua primeira boa
olhada na criatura que quase o matou. O animal o estudava com luminosos
olhos verdes que definitivamente eram felinos, embora sua pelagem tivesse
um tom cinza metálico, salpicado com pequenas placas cor de bronze que
brilhavam quando os músculos se moviam debaixo da pele. Media um
metro e meio até os ombros, pesando facilmente trezentos quilos. Possuía
quatro pernas musculosas que terminavam em afiadas garras retráteis. Mas
a característica que chamou imediatamente a atenção de Bane foram as
sinuosas caudas gêmeas, cada uma exibindo um mortal ferrão que pingava
com um brilhante veneno esverdeado.
Bane recuou lentamente até suas costas tocarem o tronco de uma árvore
alta. A criatura monstruosa avançou, e com um rugido grave que fez a pele
de Bane arrepiar, saltou sobre ele novamente, com suas caudas gêmeas
estalando rapidamente no ar. Bane se jogou para o lado, querendo analisar a
tática de seu oponente antes de iniciar um combate direto. Ele viu as garras
frontais cortando através do ar repentinamente vazio e observou as duas
caudas se arquearem sobre as costas da fera para atacar o espaço onde ele
estivera um momento antes. Os ferrões acertaram a árvore onde ele estava
encostado com força suficiente para partir o tronco, injetando seu veneno
corrosivo na madeira e deixando dois círculos pretos soltando fumaça.
A criatura aterrissou nas quatro patas simultaneamente e girou para
encarar Bane antes que ele tivesse chance de atacar seu flanco desprotegido.
Mais uma vez a fera começou a avançar lentamente. Mas agora, quando
saltou, Bane estava preparado.
A fera agia por instinto; era um bruto irracional que dependia de sua
força e velocidade para derrotar seus inimigos. Seus métodos de ataque
evoluíram durante incontáveis gerações até se tornarem instintivos, e
inevitavelmente usaria a mesma sequência de movimentos para atacar Bane
outra vez.
A fera veio de repente, usando as garras, como Bane esperava. A reação
natural da maioria das presas seria recuar para longe delas saltando para trás
– apenas para ser empalada pelos ferrões mortais. Mas Bane se abaixou sob
as garras e avançou sobre o ataque da criatura, segurando o sabre de luz
acima da cabeça.
A lâmina cortou através da barriga do animal, dilacerando carne, tendão e
osso. Bane girou a lâmina enquanto serrava a criatura, redirecionando o
corte em um ângulo diagonal que certamente atingiria vários órgãos vitais.
O movimento foi simples, rápido e mortal.
A inércia lançou o felino sobre a cabeça de Bane, seu corpo atingindo o
chão e se abrindo na metade num corte preciso do peito até as caudas. A
criatura estrebuchou uma vez, as caudas relaxaram e seus luminosos olhos
se tornaram esbranquiçados.
O coração de Bane martelava com a excitação do combate. Ele se afastou
do cadáver de seu inimigo derrotado, adrenalina ainda bombeando em suas
veias. Com uma risada triunfante, ele jogou a cabeça para trás e gritou:
– É só isso que você tem, Qordis? É o melhor que pode fazer?
Ele olhou ao redor, esperando ver o fantasma de seu antigo mestre se
materializar. Mas quem apareceu desta vez não foi Qordis.
– Você de novo – Bane disse para a imagem espectral de lorde Kaan. – O
que você quer?
Kaan, como de costume, não disse nada. A figura apenas se virou e se
afastou até se embrenhar no meio da floresta, sua forma corporal passando
sem dificuldade entre os galhos e raízes. Bane precisou de um segundo para
perceber que o fantasma andava na direção da tumba de Nadd.
– Que seja – ele murmurou, usando o sabre de luz para cortar os galhos
ao seguir aquele mesmo caminho.
Seu guia ilusório o acompanhou pelo resto da trilha, sempre distante
apenas o bastante para Bane precisar se esforçar para manter o ritmo. Ele
precisou de quase quatro horas de andança no meio da mata para alcançar
seu destino – uma pequena clareira na floresta onde a vegetação não
crescia. Uma pirâmide irregular feita de metal polido se erguia a vinte
metros no meio da clareira.
Bane parou no limiar da clareira. O chão adiante era apenas sujeira e
lama; nenhum organismo vivo prosperava sob a sombra da cripta de Nadd.
Mesmo as plantas e árvores ao redor da clareira estavam atrofiadas e
deformadas, corrompidas pelo poder do lado sombrio que se agarrava aos
restos do grande mestre Sith mesmo na morte. A tumba em si possuía um
formato desconcertante: as paredes da pirâmide possuíam ângulos estranhos
e inusitados, como se a pedra da cripta tivesse empenado durante o passar
dos séculos.
Havia uma única entrada para a estrutura, uma porta que fora selada no
passado, mas que agora parecia forçada por alguém que buscara os segredos
de Nadd muitos séculos antes. A figura fantasmagórica de Kaan estava
parada ao lado da entrada, acenando para Bane antes de desaparecer lá
dentro.
Bane avançou lentamente, usando seus sentidos em busca de qualquer
armadilha que ainda pudesse existir. Sua mente se lembrou das antigas
tumbas no Vale dos Lordes Sombrios, em Korriban. Um pouco antes de
deixar a Academia, ele se aventurara naquelas escuras e perigosas criptas
em busca de orientação. Ele lera relatos sobre espíritos Sith que apareciam
para compartilhar os segredos do lado sombrio com poderosos aprendizes
que os buscavam. Mas tudo que Bane encontrara em Korriban era poeira e
ossos.
Ele tirou a mochila das costas para que não atrapalhasse. De dentro, tirou
meia dúzia de bastões luminosos e os colocou na cintura, depois deixou a
mochila no chão perto da entrada da cripta.
O teto dentro da pirâmide era baixo, por isso Bane precisou se abaixar
bem o suficiente ao entrar. Usando um bastão luminoso, ele se encontrou
dentro de uma pequena antecâmara, com passagens que levavam a três
direções diferentes. Escolhendo a passagem da esquerda, ele começou a
explorar. Sala após sala, ele vasculhou a pirâmide, sem encontrar nada de
valor. Várias das câmaras mostravam evidências de que outra pessoa já
estivera ali, e Bane se lembrou das histórias de Exar Kun, um Jedi sombrio
de um tempo há muito esquecido que também dizia ter localizado o local do
descanso final de Nadd. De acordo com as lendas, Kun emergira com
poderes além de sua imaginação. Porém, enquanto Bane continuava sua
exploração infrutífera, dúvidas começaram a surgir em sua mente. Seria
possível que aquela cripta – igual àquelas que ele havia vasculhado em
Korriban – era nada além de uma tumba vazia e sem valor?
Com sua frustração crescendo ele continuou a busca, serpenteando pelas
passagens até alcançar uma câmara aparentemente insignificante, quase
enterrada no coração do templo. Kaan e Qordis esperavam por ele ali.
Ambos estavam ao lado de uma pequena porta esculpida na parede. A
porta possuía apenas um metro, e estava bloqueada por um bloco de pedra
negra encaixado perfeitamente, dando a Bane esperança mais uma vez. A
pedra parecia não ter sido tocada pela pessoa que já estivera ali antes. Era
possível que ninguém tivesse encontrado aquela sala, escondida ao final do
labirinto de passagens. Ou talvez alguém a tivesse encontrado, mas fora
incapaz de mover o bloco. Era até mesmo possível que a pequena entrada
tivesse sido escondida pela arte perdida da feitiçaria Sith, e o feitiço que a
ocultava pode ter gradualmente se esvaído durante os séculos, tornando-a
visível agora.
Após olhar rapidamente para as manifestações gêmeas em cada lado da
pequena entrada, Bane se abaixou para examinar o bloco. A superfície era
lisa e se estendia apenas alguns centímetros para fora da passagem,
impossibilitando qualquer manuseio com firmeza. É claro, havia outra
maneira de movê-lo.
Convocando seu poder, Bane usou a Força e tentou puxar a pedra em sua
direção. Mal se moveu. A pedra era pesada, mas não era apenas sua massa
que a segurava no lugar. Havia algo lutando contra seu poder, resistindo a
ele. Bane respirou fundo e inclinou a cabeça de um lado a outro, estalando o
pescoço enquanto se preparava para outra tentativa.
Dessa vez ele foi mais longe, mergulhando no poço de poder que existia
dentro de si. Ele voltou ao seu passado, desenterrando lembranças
profundas de seu subconsciente: memórias de seu pai, Hurst, memórias das
surras, memórias do ódio que carregava pelo homem que o criara. Ao fazer
isso, Bane sentiu seu poder crescendo.
Tudo começou, como sempre, como uma única faísca de calor. A faísca
rapidamente se transformou em chama, e a chama em um inferno. O corpo
de Bane tremia com o esforço para conter o poder, deixando a energia
sombria se acumular até alcançar uma massa crítica. Ele forçou a si mesmo
a aguentar o calor insuportável pelo máximo de tempo possível, depois
lançou o punho à frente, canalizando tudo dentro dele na direção da pedra
que o separava de seu destino.
O pesado bloco voou pela sala e atingiu a parede mais afastada com um
grande baque. Uma longa rachadura vertical apareceu na parede, embora o
bloco de pedra negra estivesse intacto. Bane caiu de joelhos, ofegante
devido ao esforço. Ele ergueu os olhos para encarar os fantasmas ainda
mantendo a vigia ao lado da entrada. Sacudindo a cabeça, ele rastejou até a
porta e contemplou o seu interior.
A sala estava vazia, então Bane apanhou um dos bastões luminosos e o
jogou através da abertura. O bastão caiu no chão, iluminando a sala. Pelo
que podia ver, era uma câmara circular de teto alto com cerca de cinco
metros de diâmetro. Havia um pedestal de pedra no centro. Acima dele,
uma pequena pirâmide de cristal que Bane imediatamente reconheceu como
sendo um holocron Sith.
Os antigos mestres do lado sombrio usavam holocrons para armazenar
toda sua sabedoria, conhecimento e segredos. Um holocron podia conter
antigos rituais de um poder devastador, ou as chaves para destravar as
magias dos antigos feiticeiros Sith, ou mesmo avatares que simulavam a
personalidade do criador original do holocron. As informações que
continham eram tão valiosas que por muitos séculos os holocrons foram a
ferramenta mais importante para se transmitir o legado dos grandes lordes
Sith para as futuras gerações.
Infelizmente, a arte de criar holocrons Sith fora perdida havia vários
milênios. E, com o passar dos anos, os Jedi vasculharam a galáxia para
encontrar todos os holocrons Sith conhecidos, depois os esconderam em sua
biblioteca, em Coruscant, para que ninguém pudesse mergulhar em seu
conhecimento proibido. Encontrar um holocron daquela maneira, um que
podia conter os ensinamentos do próprio Freedon Nadd, era uma sorte além
de qualquer coisa que Bane imaginara.
Abaixando-se, ele apertou seus largos ombros através da pequena porta.
Como esperado, Kaan e Qordis já estavam lá dentro. Bane os fitou e então
olhou para o teto de cinco metros. Com o brilho do bastão luminoso ele
podia distinguir movimento, como se um carpete de criaturas vivas
estivesse rastejando pela superfície acima de sua cabeça.
Ele ficou parado, seus ouvidos captando sons de algo rastejando na água.
Quando seus olhos se acostumaram com a pouca luz, ele foi capaz de
distinguir uma colônia de estranhos crustáceos que se penduravam no teto.
Eram quase totalmente planos e ligeiramente ovais – uma concha circular
que terminava em uma ponta afiada. Possuíam tamanhos variados, desde
menores do que um punho até maiores do que um prato, e a coloração
variava de bronze até um vermelho-dourado. O som de água vinha quando
eles se arrastavam pelo teto, subindo uns sobre os outros e deixando rastros
brilhantes de viscosidade.
Enquanto os estudava, uma das criaturas se desprendeu das outras e caiu
na direção dele. Bane deu um tapa desdenhoso com uma das mãos,
lançando a concha pelo chão da caverna.
Um segundo depois outro crustáceo se desprendeu e caiu. Bane acionou
o sabre de luz e o golpeou. O golpe jogou a criatura para longe, que acabou
de ponta-cabeça em um dos cantos mais afastados da sala. Bane olhou para
aquilo com espanto – o sabre de luz deveria ter cortado a criatura em duas.
Mas sua arma nem mesmo provocou um arranhão na concha dura e
brilhante.
Repentinamente percebendo que estava em grande perigo, Bane se
lançou sobre o holocron. Quando sua mão envolveu o objeto, a colônia de
crustáceos se soltou em massa e despencou sobre ele como uma nuvem
quitinosa. Com uma mão agarrando o holocron, ele golpeou as criaturas
com o sabre de luz e desviou outras com o poder da Força. Mas havia
criaturas demais para afastar todas – era como tentar desviar pingos de
chuva em uma tempestade.
Uma delas o atingiu no ombro e se prendeu a ele, instantaneamente
queimando através de sua armadura e roupas com uma secreção ácida até se
fixar em sua pele. Bane sentiu milhares de pequenos dentes se cravando na
carne grossa de suas costas, seguidos por uma dor abrasiva da secreção
ácida queimando sua carne.
Ele gritou e jogou as costas contra a parede na esperança de soltar a
criatura, mas não adiantou. Enquanto tentava se livrar, um segundo
crustáceo o atingiu no meio do peito. Bane gritou novamente quando o
ácido e os pequenos dentes perfuraram roupas, pele e até seus poderosos
músculos peitorais até se fixarem diretamente em seu esterno.
Ele cambaleou sob a dor massacrante, mas conseguiu atacar com a Força.
O resto das criaturas foi lançado para longe como folhas carregadas por um
vento forte, suas conchas batendo nas paredes e chão com um som peculiar.
O breve respiro deu a Bane a chance de se ajoelhar e se arrastar através da
abertura de volta para a sala pequena de onde ele havia entrado.
Ignorando a agonia das duas criaturas ainda fixadas em seu corpo, ele
usou a Força e atraiu o bloco de pedra do outro lado da câmara. Seus
poderes foram incrementados pela dor e pela urgência desesperada, e o
bloco se moveu facilmente desta vez, voando através da câmara para selar a
entrada antes que mais daqueles estranhos crustáceos pudessem sair de lá
atrás dele.
Por um segundo ele apenas ficou parado ofegando, segurando o holocron
e tentando ignorar a dor vinda dos dois organismos parasitas se alimentando
de seu corpo. Ele podia ouvir o resto da colônia do outro lado da parede, o
barulho molhado de suas bocas sugando, misturado com o estalido de suas
conchas enquanto subiam pelas paredes de volta para o teto.
Bane também imaginou ter ouvido outro som: a forte risada de Qordis e
Kaan ecoando nas paredes da tumba de Freedon Nadd.
Capítulo 8

– O CHANCELER VALORUM IRÁ RECEBÊ-LOS agora – a assistente Twi’lek


disse de trás de sua mesa.
Quando Farfalla se levantou, Johun fez o mesmo, ajeitando o pouco
familiar traje cerimonial que seu novo mestre insistira que ele usasse para a
reunião. Johun protestara dizendo que aquelas roupas não tinham nada a ver
com o que ele era ou com a razão de sua presença ali, mas Farfalla apenas
respondera:
– Em Coruscant, as aparências importam.
Johun nunca estivera em Coruscant antes – ou em qualquer dos outros
Mundos do Núcleo. Ele nasceu e foi criado em Sermeria, um mundo
agrícola na Região de Expansão entre as Orlas Interior e Média da galáxia.
Sua família trabalhara em uma fazenda nos arredores de Addolis, uma
pequena engrenagem no grande complexo agricultor de Sermeria que
produzia uma fartura de comida e a vendia para mundos mais
desenvolvidos que não possuíam terras aráveis o suficiente para sustentar
suas próprias populações.
Ele deixara Sermeria aos dez anos para começar seu treinamento Jedi.
Desde então ele acompanhara o general Hoth em dezenas de mundos,
embora seu antigo mestre preferisse ficar na Orla Exterior, longe dos
políticos e da cultura urbana da capital da República. Os planetas que eles
visitavam tendiam a ser mundos rurais menos desenvolvidos, parecidos
com a própria Sermeria. Como resultado, Johun nunca vira nada parecido
com a metrópole planetária que era a Cidade Galáctica.
Durante a descida na atmosfera, Farfalla tentara apontar as estruturas
mais importantes, como a Grande Rotunda do Senado e o Templo Jedi.
Mas, para o olho provinciano de Johun, tudo se misturava em um oceano de
permacreto, hiperaço e luzes coloridas que piscavam.
Após a aterrissagem, eles desembarcaram e tomaram um airspeeder que
os levara na direção de onde aconteceria a reunião com o chanceler
Valorum. Johun simplesmente sentara e observara espantado o espetáculo
enquanto atravessavam a via aérea, com o speeder passando entre arranha-
céus tão altos que o chão nem mesmo era visível abaixo deles.
Ocasionalmente eles mergulhavam ou subiam quando a jornada os levava
por cima ou por baixo de passarelas de pedestres, letreiros flutuantes e até
mesmo outros veículos.
Ao final da viagem, os sentidos já maravilhados de Johun foram
completamente sobrecarregados pelo constante fluxo do tráfego e a
quantidade de pessoas que escolheram viver e trabalhar em Coruscant. A
impressão geral que ficou da experiência foi uma mancha nauseante de
movimento contra uma ensurdecedora cacofonia… Demais para um
simples garoto da fazenda.
Farfalla, por outro lado, estava em seu elemento. Johun notara seu novo
mentor ganhando vida quando eles aterrissaram, como se estivesse se
alimentando da energia da grande metrópole. O ritmo frenético e as
enlouquecedoras multidões pareceram revitalizar Valenthyne, a cidade
levando embora o cansaço de uma longa campanha militar naquele cinzento
e pequeno planeta. Até mesmo a aparência de Farfalla estava diferente;
contra o cenário vibrante e cosmopolita da capital galáctica, as roupas que
demonstravam tanta vaidade e extravagância em Ruusan agora pareciam o
auge da moda e estilo.
Mesmo no centro do poder, Farfalla parecia completamente à vontade.
Ele fez uma graciosa reverência para a assistente do chanceler, provocando
um sorriso charmoso na jovem mulher, depois passou a andar com passos
confiantes até a porta do gabinete pessoal de Valorum. Johun também fez
uma reverência, constrangida e forçada, depois se apressou atrás de seu
mestre.
O gabinete do chanceler era menos ornado e mais funcional do que Johun
esperava. As paredes, carpete e mobília possuíam um profundo tom de
marrom que dava ao lugar um ar de importância. Havia uma grande janela
em uma parede, mas, para o alívio do jovem Jedi, as cortinas foram
fechadas para aquela reunião. No centro da sala havia meia dúzia de
confortáveis cadeiras ao redor de uma mesa de conferência circular; vários
monitores forravam as paredes, exibindo atualizações de vários programas
jornalísticos da HoloNet.
Tarsus Valorum estava sentado atrás de sua grande mesa que ficava em
frente à porta, e ele se levantou para recebê-los. Ele era um homem alto de
cerca de cinquenta anos, embora parecesse dez anos mais jovem. Possuía
cabelos negros, olhos penetrantes e acesos, um nariz pontudo e reto e um
queixo quase perfeitamente quadrado – um rosto que muitos chamavam de
“honesto e determinado”. Foram esses traços, junto com sua perfeita
reputação no serviço público, que levaram Valorum a ser nomeado o
primeiro chanceler não Jedi em mais de quatro séculos.
Johun ouvira rumores de que Farfalla fora o primeiro na lista para a
posição, mas declinara para poder se juntar ao Exército da Luz, em Ruusan.
O jovem se perguntou se seu mestre aprovava o homem que fora escolhido
em seu lugar.
– Mestre Valenthyne – Valorum disse, apertando a mão de Farfalla de um
modo bem treinado. – Obrigado por aceitar nosso encontro com um aviso
tão curto.
– Você não me deixou muitas opções, Vossa Excelência – Valenthyne
notou.
– Peço perdão por isso – o chanceler respondeu ao mesmo tempo em que
se virava e estendia a mão para Johun. – E este deve ser o seu aprendiz – ele
disse, observando a longa trança que marcava o jovem como alguém que
ainda não havia completado seu treinamento inicial Jedi.
– Sou o padawan Johun Othone, Vossa Excelência.
O aperto de mão de Valorum foi firme, mas não dominador – perfeito
para um político. Ele balançou a mão duas vezes, depois desfez o aperto de
mão e indicou as cadeiras ao redor da mesa de conferência.
– Por favor, nobres Jedi. Fiquem à vontade.
Farfalla tomou o primeiro assento do lado mais próximo da mesa. Johun
se sentou no lugar diretamente à frente dele, deixando o chanceler no
assento da cabeceira, entre os dois Jedi. Assim que todos tomaram suas
posições, foi Farfalla quem iniciou a discussão, virando-se um pouco para
encarar melhor o chanceler.
– A mensagem que você me enviou foi muito inesperada, Vossa
Excelência. E o momento foi um pouco inconveniente. Ainda estamos
lidando com o resultado da bomba de pensamento em Ruusan.
– Entendo sua posição, mestre Valenthyne. Mas você também precisa
entender a minha. A notícia da derrota da Irmandade já alcançou a HoloNet.
Até onde o público sabe, a guerra acabou. E o Senado está ansioso para
deixar essas coisas desagradáveis para trás.
– Assim como os Jedi – Farfalla respondeu. – Mas essa moção que você
pretende votar, a chamada Reforma de Ruusan, pede algumas medidas
realmente extremas.
– É por isso que eu o chamei aqui, para discutir as recomendações antes
de a votação acontecer – Valorum respondeu. – Eu queria que você
entendesse por que isso precisa ser feito.
Johun não lera os detalhes da mensagem que Farfalla recebera, nem seu
mestre falara sobre isso durante a jornada até Coruscant. Como resultado,
ele estava tendo dificuldade para entender os significados políticos daquela
conversa. Felizmente, Farfalla decidiu encerrar as amenidades diplomáticas
e abordou diretamente o assunto em sua resposta seguinte.
– Você entende as ramificações do que está pedindo, Tarsus? Sua
proposta pede que todos os Jedi renunciem suas posições militares e
dissolvam completamente nossas forças militares, navais e aeroespaciais.
Você está nos usando para destruir o Exército da Luz!
– O Exército da Luz foi criado como uma reação à Irmandade da
Escuridão – Valorum retrucou. – Sem a Irmandade, já não serve a nenhum
propósito.
Johun não podia acreditar naquilo que estava ouvindo.
– Seu propósito é proteger a República! – ele gritou, incapaz de se conter.
– Proteger contra quem? – o chanceler o desafiou, virando a cabeça de
repente em sua direção. – Os Sith não existem mais.
– Os Sith nunca deixarão de existir – Johun disse sombriamente.
– E é aí que mora o problema – Valorum respondeu. – Nos últimos quatro
séculos nós vimos os Jedi declararem guerra contra os agentes do lado
sombrio de novo e de novo. É uma luta que nunca acaba. E com cada
conflito, mais civis são tragados em sua teia de guerra. Seres inocentes
morrem quando exércitos se aliam a vocês ou a seus inimigos. Mundos leais
à República se separam, fragmentando uma galáxia que já foi unida. É hora
de colocar um fim a esse ciclo de loucura.
Farfalla ergueu a mão, cortando Johun antes que o jovem pudesse dizer
mais alguma coisa. Ele esperou Valorum voltar sua atenção, depois
perguntou:
– Tarsus, você realmente acredita que as mudanças que propôs farão
isso?
– Sim, eu acredito, mestre Valenthyne. – Havia uma convicção inegável
em sua voz. – Existem muitas pessoas boas que temem os Jedi e aquilo que
são capazes. Elas enxergam os Jedi como instigadores da guerra. Vocês
alegam que suas ações são guiadas pela Força, mas, para aqueles que não
conseguem sentir sua presença, parece que sua ordem não responde a nada
e a ninguém.
– Então você quer que os Jedi respondam a vocês. – Farfalla suspirou. –
Ao chanceler e ao Senado.
– Eu quero que vocês respondam aos oficiais eleitos que representam os
cidadãos da República – Valorum declarou. Depois acrescentou: – Isso não
é uma tentativa de tomar o poder para mim. O Conselho Jedi continuará
controlando sua ordem. Mas farão isso sob a supervisão do Departamento
Judicial do Senado. É a única maneira para curar as cicatrizes deixadas por
suas guerras contra os Sith.
“A República está desmoronando”, ele continuou. “Nos últimos mil anos
a República vem lentamente se enfraquecendo e apodrecendo. Um
renascimento é a única maneira para reverter esse processo.
“Muitas das medidas propostas na Reforma de Ruusan são simbólicas,
mas existe um poder nesse simbolismo. Será o início de uma nova era para
a República. Entraremos em uma nova época de prosperidade e paz.”
“Queremos que os Jedi mostrem seu compromisso com essa paz. Deixem
de lado as armadilhas da guerra e assumam seu lugar de direito como
conselheiros e guias. Em vez dessa batalha interminável contra o lado
sombrio, vocês deveriam nos guiar na direção da luz.”
Valorum terminou seu discurso e olhou com expectativa para Farfalla.
Johun prendeu a respiração, esperando uma explosão indignada de seu
mestre. Ele queria testemunhar quando Valenthyne refutasse com
eloquência os argumentos do chanceler. Mal podia esperar a defesa
apaixonada de tudo aquilo que os Jedi representavam e acreditavam e que
justificaria as ações do general Hoth.
– Conversarei com o Conselho Jedi e me certificarei que nossa ordem
obedeça suas exigências, Vossa Excelência – Farfalla disse, com a voz
pesada. – E pedirei à ordem para começar a dissolução do Exército da Luz
assim que o Senado aprovar a sua proposta.
O queixo de Johun caiu, mas ele ficou espantado demais para dizer
qualquer coisa.
– Eu agradeço muito a sua cooperação, mestre Valenthyne – Valorum
respondeu, levantando-se. – Agora, se me dão licença, preciso convocar o
Senado para uma sessão.
A princípio, pareceu que ele acompanharia os dois até a porta. Mas,
quando olhou para Johun, ele obviamente sentiu que o jovem rapaz não
estava pronto para encerrar o assunto. O chanceler hesitou, dando a ele uma
chance de se manifestar.
Johun, no entanto, permaneceu em um silêncio teimoso. Valorum trocou
um breve olhar com Farfalla, depois assentiu em respeito ao mestre Jedi.
– Por favor, fiquem o quanto quiserem – o chanceler disse, antes de
assentir cordialmente para cada um deles e os deixar sozinhos na sala.
– Como você pôde? – Johun disse com um tom irritado assim que
Valorum se retirou, inclinando-se sobre a mesa na direção de Farfalla.
O homem mais velho suspirou e se recostou na cadeira, juntando as mãos
abaixo do queixo em um gesto pensativo.
– Sei que é difícil entender, Johun. Mas o chanceler estava certo. Tudo
que disse era verdade.
– O general Hoth nunca concordaria com isso! – Johun vociferou.
– Não – Farfalla admitiu. – Ele nunca entenderia o valor de se fazer
concessões. Esse foi seu grande defeito.
– E qual é o seu? – Johun gritou, batendo na mesa com o punho fechado
e levantando-se tão de repente que acabou derrubando sua cadeira. – Trair a
memória dos seus amigos?
– Cuidado com a sua raiva – Farfalla disse suavemente.
Johun congelou, depois sentiu o rosto queimando de vergonha e
embaraço. Ele respirou fundo várias vezes – um ritual Jedi para acalmar e
focar a mente. Assim que retomou o controle das emoções, ele se virou e
apanhou a cadeira caída, depois se sentou novamente.
– Desculpe, mestre Valenthyne – ele disse, tentando manter a voz calma.
– Mas parece que estamos desonrando o general Hoth.
– Seu mestre foi um homem de grande força e convicções – Farfalla lhe
assegurou, ainda sentado com os dedos das mãos formando um triângulo
sob o queixo. – Ninguém mais poderia ter nos guiado durante nossa crise.
Mas a galáxia não existe em um estado de perpétua crise.
“Os Jedi são servos jurados da República”, ele continuou. “Lutaremos
para defender a República em tempos de guerra, mas, quando a guerra
acaba, precisamos estar dispostos a largar nossas armas e nos tornar
embaixadores da paz.”
O rapaz sacudiu a cabeça.
– Isso não parece correto.
– Desde os primeiros dias de seu treinamento, você apenas conheceu a
guerra – Farfalla o lembrou. – Pode ser difícil para você se lembrar que a
violência deve apenas ser usada quando todos os outros métodos falharem.
“Mas você deve sempre ter em mente que um Jedi valoriza a sabedoria e
a sensatez acima de tudo. As grandes verdades que buscamos geralmente
são difíceis de encontrar e, às vezes, é mais fácil buscar um inimigo para
combater… principalmente quando estamos ansiosos para vingar aqueles
que caíram. Esse é um dos caminhos que leva até mesmo pessoas boas para
o lado sombrio.”
– Sinto muito, mestre – Johun sussurrou. As palavras pareciam presas na
garganta, embora o pedido de desculpa fosse sincero.
– Você ainda é um padawan. Não se espera que já possua a sabedoria de
um mestre – Farfalla o consolou. – É por isso que eu trouxe você aqui. Para
aprender.
– Farei o meu melhor – Johun garantiu.
– Isso é tudo que eu posso pedir – seu mestre respondeu.

Graças ao holocron que ele descobrira na tumba de Nadd, Bane agora


sabia que os estranhos crustáceos que se fixaram em seu corpo eram
chamados de orbalisks. Ele também descobrira, por meio de tentativa e
erro, que eles não podiam ser removidos.
Nos momentos após sua fuga da câmara dos orbalisks, ele tentara
arrancar aquele em seu peito usando a faca de caça em sua bota, sem
sucesso. Então ele tentara remover a criatura cortando a carne em volta. Ele
passara a faca pelo peito em uma longa linha reta, sentindo a agonia da
lâmina cortando fundo o bastante para dilacerar pele e músculo. E então
observara, espantado, o ferimento cicatrizar quase instantaneamente: a
criatura de algum modo fizera seu tecido se regenerar.
Bane tentara a Força em seguida, vasculhando profundamente para
entender melhor o que estava acontecendo. Ele pôde sentir as criaturas se
alimentando de seu poder, devorando as energias do lado sombrio que
corriam através de cada fibra e célula de seu ser. Mas, embora fossem
parasitas, as criaturas também davam algo em troca. Enquanto se
alimentavam, elas bombeavam um constante fluxo de substâncias químicas
em seu corpo. Os fluídos estranhos ao seu corpo queimavam como ácido ao
serem absorvidos em seu sistema circulatório, como se cada gota de sangue
estivesse fervendo… mas os benefícios eram poderosos demais para serem
ignorados. Além da milagrosa capacidade regenerativa, ele se sentia mais
forte que nunca. Seus sentidos estavam mais afiados, os reflexos mais
rápidos. E em seu peito e costas, onde as criaturas haviam se fixado, as
conchas virtualmente impenetráveis serviriam como armaduras capazes de
aguentar até mesmo o golpe direto de um sabre de luz.
A relação, ele finalmente entendera, era simbiótica – desde que ele fosse
capaz de aguentar a constante dor dos fluidos sendo absorvidos e
metabolizados em seu fluxo sanguíneo. Um pequeno preço a pagar, Bane
decidira antes de voltar a atenção ao holocron. Sentado de pernas cruzadas
no chão duro da antecâmara dentro da cripta de Nadd, ele projetou hesitante
o lado sombrio e passou a mão sobre a pequena pirâmide de cristal.
Respondendo ao seu toque, o objeto começou a brilhar.
Nos quatro dias e quatro noites seguintes ele se perdeu no meio dos
segredos do antigo artefato. Como suspeitava, fora criado por Freedon
Nadd. Bane mergulhou nos segredos do holocron com a ajuda do avatar:
uma projeção holográfica em miniatura do mestre Sith responsável por sua
criação. O avatar guiou e direcionou seus estudos, servindo como um
mentor virtual para aqueles que buscavam os segredos perdidos de Nadd
dentro da sinistra pirâmide.
Embora Nadd fosse um humano, seu avatar era a imagem de um homem
que sucumbira à corrupção física que às vezes afetava aqueles que
mergulhavam fundo demais no poder do lado sombrio. Sua pele era pálida,
a carne seca e corroída, e seus olhos eram luminosos globos amarelos que
não possuíam íris ou pupilas. Apesar disso, ele ainda parecia um guerreiro
formidável: ombros largos, vestido em pesada armadura de combate e
usando o elmo que servira como sua coroa quando ele se proclamara rei no
mundo de Onderon.
Através do avatar, Bane aprendeu sobre os experimentos do mestre
sombrio com os orbalisks, e seus esforços apenas parcialmente bem-
sucedidos de controlar seu poder. Ele descobriu não apenas como eram
chamados, mas também todos os detalhes de sua ecologia. Algumas
informações meramente confirmaram aquilo que ele já sabia: uma vez
fixados em um hospedeiro, os orbalisks não podiam ser removidos. Mas
também aprendeu que, além de aumentarem as capacidades físicas do
hospedeiro, era possível usar a capacidade dos parasitas de se alimentarem
do lado sombrio para aumentar em muito seu comando da Força.
Entretanto, a pesquisa de Nadd também alertou sobre vários perigosos
efeitos colaterais da infestação que iam além da constante dor física. Se
algum dos organismos fosse morto, liberaria níveis cada vez maiores de
toxinas, matando o hospedeiro em questão de dias. Os orbalisks também
cresceriam com o tempo, lentamente se espalhando até cobrirem todo o
corpo, dos pés à cabeça. Felizmente, junto com essa perturbadora revelação,
Bane descobriu instruções para um capacete especial e proteção de rosto
criados para impedir que os parasitas crescessem sobre os olhos, nariz e
boca durante o sono.
Mas a pesquisa sobre os orbalisks foi apenas o começo. Freedon Nadd
fora um Jedi que se voltou para o lado sombrio como aprendiz de Naga
Sadow, o antigo governante do Império Sith. O poder de Sadow fora tão
imenso que lhe permitiu sobreviver por seis séculos, alimentado pelas
energias do lado sombrio. Como seu aprendiz, Nadd absorvera todo o seu
conhecimento e ensinamentos, transferindo-os para o holocron antes de
assassinar Sadow e tomar seu lugar.
Como esperado, a maior parte das informações dentro do holocron estava
escondida, lacrada nas profundezas de sua estrutura cristalina, onde poderia
ser acessada apenas através de tempo, meditação e estudo cuidadoso.
Levaria muitos meses, talvez até anos, antes de Bane conseguir destravar
seus maiores segredos. E no momento havia preocupações mais imediatas
com que ele precisava lidar.
Guardando o holocron em segurança, ele seguiu pela cripta em seu
caminho de volta à superfície de Dxun. Os espectros de Kaan e Qordis o
esperavam lá fora.
– Você está preso aqui – Qordis disse, imediatamente voltando com sua
litania de fracasso e desespero. – Que serventia terá o holocron, se você não
puder deixar esta lua?
Bane se voltou para dentro de si para convocar o lado sombrio, extraindo
poder não apenas de si mesmo, mas também dos orbalisks fixados em seu
peito e costas. Sentindo uma incrível onda de poder além de qualquer coisa
que já sentira antes, ele liberou tudo em uma explosão de energia. As
alucinações que infernizavam sua mente danificada desde a detonação da
bomba de pensamento desapareceram, completamente aniquiladas por seu
poder recém-descoberto. Ele agora estava mais forte do que nunca, e sabia
que as visões dos mortos não iriam mais assombrá-lo.
Livre de seus torturadores, ele ainda precisava encontrar uma maneira de
deixar Dxun. Quando olhou para o céu, Bane viu Onderon pairando de
modo grandioso sobre ele, o planeta tão próximo de sua lua que suas
atmosferas chegavam a se tocar ocasionalmente. Por uma breve janela de
tempo, isso permitira que as grandes feras aladas de Dxun migrassem para o
outro mundo, onde algumas foram domadas e treinadas para se tornar as
terríveis montarias dos famosos clãs de Onderon.
Olhando para o mundo que estava quase próximo o bastante para ser
tocado, Bane sentiu a iminente chegada de Zannah. Logo ela aterrissaria no
perigoso e mortal planeta, e se seu mestre não estivesse lá com ela, sua
sobrevivência era pouco provável.
Enquanto olhava para cima, ele notou uma enorme criatura alada
circulando o ar, caçando comida. Ao mesmo tempo, o caçador também o
notou. Dobrando suas grandes asas junto ao corpo, o animal despencou em
uma descida que focava exclusivamente Bane.
Ele encarou a criatura com uma precisão clínica e analítica enquanto ela
descia sobre ele. Pelo holocron, Bane sabia que a espécie da criatura se
chamava drexl, um dos predadores reptilianos que dominavam os céus de
Dxun. Sua aparência lembrava a de um lagarto com asas: pele cheia de
escamas violeta; uma longa e grossa cauda; corpo e pernas musculosos.
Uma grande cabeça ficava ao final do extenso pescoço. Possuía pequenos
olhos típicos de pássaros, um focinho plano e uma larga mandíbula cheia de
dentes amarelos afiados. Bane estimou que aquela criatura possuía dez
metros do nariz até a cauda, com uma envergadura de asas de quase vinte
metros – um macho totalmente desenvolvido e capaz de suprir muito bem
suas necessidades.
Um instante antes de a fera atacar com suas garras afiadas, Bane usou a
Força e tocou a mente do drexl, tentando dominar a vontade do bicho com a
sua própria. Já fizera isso antes, com um rancor no mundo de Lehon. Mas a
mente do drexl era mais forte do que ele esperava, e a fera afastou seus
esforços com um guincho monstruoso e atingiu seu corpo.
Um dos pés do drexl foi lançado para rasgá-lo com suas enormes garras,
mas foi desviado pela impenetrável carapaça do orbalisk em seu peito. Em
vez de ser empalado e carregado pelo ar, Bane foi jogado para trás pelo
impulso do mergulho da criatura. Ele atingiu o chão e rolou várias vezes até
se levantar, sem nenhum ferimento graças à sua recém-adquirida
capacidade física.
Ele viu o drexl subindo para o céu novamente, preparando-se para uma
segunda tentativa de mergulhar e agarrar sua presa. Bane usou a Força outra
vez para tocar a mente da criatura, destroçando sua vontade com a força
arrebatadora dos martelos que ele usava nas minas de Apatros.
O corpo do drexl estremeceu sob o impacto do ataque mental e soltou um
estridente grito de protesto que rasgou o céu e reverberou sobre a copa das
árvores. Desta vez, no entanto, Bane conseguiu subjugar os pensamentos da
fera.
A criatura circulou mais duas vezes antes de aterrissar ao lado dele. Com
um comando silencioso de seu novo mestre, o drexl se abaixou e permitiu
que Bane montasse em suas costas. As asas se abriram um instante mais
tarde, e o animal ganhou os céus, subindo cada vez mais.
Bane comandou sua montaria, instigando que subisse até os limites da
atmosfera respirável. Acima deles o mundo de Onderon cresceu de tamanho
até preencher completamente o horizonte. Apenas algumas centenas de
quilômetros separavam Dxun de seu vizinho, uma insignificante distância
na escala dos mundos e sistemas solares.
Ele já podia sentir a leve atração gravitacional de Onderon tentando
puxá-lo, a massa do enorme planeta lutando contra a influência de sua lua
menor. Tomado pela vontade implacável de Bane, o drexl batia suas asas
furiosamente, ganhando velocidade e altitude a cada movimento.
Bane começou a convocar a Força, deixando-a se acumular até o último
instante possível. Então, juntando a energia sombria ao redor dele e de sua
montaria como um manto protetor, ele impeliu o drexl a continuar, e um
segundo mais tarde os dois se libertaram da atmosfera de Dxun e
mergulharam no vácuo congelante do espaço que separava Bane de
Onderon e a liberdade.
Capítulo 9

O APITO DO COMPUTADOR NAVEGACIONAL da Star-Wake atualizando as


coordenadas fez Zannah acordar assustada de um sono inquieto. Ela havia
se encolhido no assento do piloto, e agora seu pescoço doía por ter dormido
em uma posição desconfortável. Havia vários lugares para ela se deitar no
compartimento de cargas, mas Zannah não poderia dormir ali. Não com
todos os corpos.
Ela removera Wend e Irtanna da cabine nos primeiros minutos após suas
mortes. Foi difícil tirar Wend do assento, mas sua adrenalina ainda estava
alta por causa do confronto com Irtanna e ela conseguira arrastá-lo pelo
corredor até o compartimento de cargas onde estavam seu pai e irmão.
Remover Irtanna fora ainda mais difícil. Ela possuía o físico de um
soldado, magra e musculosa, e pesava facilmente o dobro de Zannah. A
princípio a garota não conseguira mover o corpo nem um centímetro.
Quando percebeu que teria que usar a Força, a excitação do momento já
havia passado. Ela achara muito mais difícil convocar o lado sombrio; a
cada vez que tentava se alimentar de sua raiva interna, sua consciência
lutava de volta. Em vez do familiar calor do poder, ela sentira apenas culpa
e dúvida. Imagens de Bordon e seus filhos caídos lado a lado no chão do
compartimento de cargas embaralhavam seus pensamentos, dificultando
qualquer concentração.
Zannah tentara bloquear as imagens para permitir que o lado sombrio
fluísse através dela, mas obteve apenas sucesso parcial. No final, ela se
valeu mais de determinação e suor que do poder da Força propriamente
dito. Grunhindo e se esforçando, ela conseguiu arrastar Irtanna por meio
metro antes de precisar parar e recobrar o fôlego. Ela repetira o processo de
novo e de novo, lentamente puxando o corpo pelo corredor da nave até
posicionar Irtanna ao lado dos outros.
Não houve muito sangue; com exceção do primeiro tiro na barriga de
Bordon, todos os ferimentos foram cauterizados pelo calor dos tiros do
blaster. Porém, a falta de entranhas não ajudara em nada a tornar a
aparência dos corpos menos perturbadora. Seus olhos sem vida apontavam
para o vazio, forçando Zannah a se abaixar e fechar as pálpebras, sua mão
tremendo ao raspar na pele fria. Ainda não satisfeita, ela procurou ao redor
até encontrar vários cobertores para cobrir os cadáveres. Mesmo sob as
cobertas, os perfis de suas vítimas ainda eram reconhecíveis, mas não havia
mais nada que ela pudesse fazer quanto a isso. Ela apenas voltara ali uma
vez desde então para apanhar o máximo de kits de ração possível e levá-los
para a cabine, tentando não olhar para os corpos cobertos aos seus pés.
Nos sete dias seguintes ela ao mesmo tempo temeu e rezou pelo fim da
jornada, quando reencontraria seu mestre e começaria seu treinamento nos
caminhos dos Sith. Ela apenas saiu da cabine para usar o banheiro. Sempre
que tentava dormir, não conseguia nada além de um cochilo inquieto cheio
de pesadelos em que ela revivia sua matança de novo e de novo.
Sempre que acordava, ela abria um kit de ração e comia um pouco, seu
corpo lentamente recuperando aquilo que havia perdido durante as semanas
em Ruusan. Mas as rações eram feitas para adultos, e ela nunca conseguia
terminar toda a comida. Quando se satisfazia, ela jogava a porção restante
no corredor do compartimento de cargas. Após alguns dias, os cheiros de
meia dúzia de refeições pela metade começaram a se misturar em um aroma
adocicado nauseante que pairava como uma fina cortina no ar. Zannah, na
verdade, recebeu bem o cheiro de comida apodrecida: a nova fragrância
disfarçava o fedor dos corpos em decomposição no fundo da nave.
Para combater o tédio, ela tentava imaginar como seria seu futuro como
aprendiz de Bane. Ela vislumbrava tudo que ele lhe prometera: a
capacidade de chamar e comandar a Força quando quisesse, os misteriosos
segredos do lado sombrio, o poder para alcançar seu verdadeiro potencial e
cumprir seu destino. Sua mente, no entanto, continuava voltando para a
tripulação morta da Star-Wake. E sempre que isso acontecia, ela se
perguntava o que seu mestre pensaria sobre tal fraqueza.
O computador apitou de novo. Zannah olhou para a tela: a nave entraria
na atmosfera em cinco minutos. O computador pedia por coordenadas de
aterrissagem.
Zannah se endireitou no assento do piloto, franzindo as sobrancelhas
enquanto estudava o monitor. Ela esperava que os sistemas automáticos que
levaram a nave de Ruusan até Onderon também programassem a
aterrissagem. Infelizmente parecia que a tarefa recaía agora sobre ela… e
Zannah não fazia ideia de como fazer a nave aterrissar em segurança.
Ela apertou um botão na tela chamado ZONAS DE ATERRISSAGEM. Uma
longa lista de locais e coordenadas não familiares começou a passar pela
tela. Zannah não sabia o que aqueles números significavam, nem como
selecionar algum deles.
Enquanto encarava as informações – com a nave agora entrando na
atmosfera – Zannah sentiu o familiar tranco da turbulência. Aturdida entre a
frustração e o pânico, ela começou a apertar os botões aleatoriamente.
Parou apenas quando o computador apitou duas vezes: destino aceito.
Suspirando de alívio, ela desabou de volta no assento e prendeu o cinto
de segurança para a aterrissagem. Zannah tentou olhar acima do console
para ter uma visão da janela da cabine e ver para onde estava indo, mas ela
era pequena demais para ver claramente. Tudo que podia distinguir eram
quilômetros de árvores que se estendiam e encobriam o terreno por todas as
direções. Evidentemente ela escolhera um local de aterrissagem em uma
parte menos civilizada do planeta.
Uma pergunta séria cruzou sua mente. Será que o piloto automático sabe
aterrissar no meio de uma floresta? Ou será que vai fazer picadinho de
mim no alto das árvores?
Como se pudesse ler seus pensamentos, o computador apitou um aviso de
alerta. Zannah leu a atualização:
“Condições não ideias detectadas na zona de aterrissagem escolhida.
Procurando local alternativo mais próximo.”
Ela sentiu a nave se inclinar um pouco, fazendo uma curva e se
endireitando novamente até voar por sobre a cobertura das árvores à
procura de uma clareira grande o bastante.
– Zona de aterrissagem alternativa localizada – a tela a tranquilizou
alguns momentos mais tarde, e ela sentiu o nariz mergulhar quando a nave
começou a descida final.
Zannah ouviu um barulho alto seguido pelo som repetido de galhos
batendo no casco da Star-Wake, que abria caminho entre uma camada fina
de vegetação em direção à superfície escolhida. Um segundo mais tarde, a
nave tombou para o lado, após bater em um tronco de árvore grosso demais.
Em seguida veio uma série de solavancos quando a nave ricocheteou e
derrapou no chão até finalmente parar.
Abalada, mas inteira, Zannah destravou o cinto e abriu a escotilha de
saída. Ao descer pela rampa de embarque, notou que estava na fronteira de
uma grande clareira que fora esculpida na floresta para criar um círculo de
quase duzentos metros de diâmetro. Para sua surpresa, havia alguém no
meio da clareira acenando para ela.
– O sujeito pilotando a sua nave deve ser o pior piloto da galáxia – o
homem disse, olhando para ela de cima a baixo quando Zannah se
aproximou e parou a poucos metros dele.
O homem parecia ter vinte e poucos anos, embora fosse difícil dizer por
causa de sua aparência desleixada e magra. Seus longos cabelos cor de
bronze eram embaraçados e encardidos, e sua barba vermelha parecia
desigual em seu rosto sujo. Ele vestia calças largas e uma camisa rasgada
que podia até ser branca debaixo da lama e outras manchas desconhecidas.
Sobre a camisa ele vestia um curto colete de couro gasto nas extremidades,
e um par de botas puídas. Ele exalava um odor ofensivo.
– Qual é o problema, garotinha? – ele perguntou. – Você não fala língua
básica? Eu disse que o sujeito pilotando a sua nave deve ser o pior piloto
que eu já vi.
– Não tinha ninguém pilotando – Zannah respondeu cuidadosamente,
olhando de volta para a nave que agora já estava a uns bons trinta metros
atrás de si. – Era o piloto automático.
– Isso explica tudo – ele disse. – Piloto automático só é bom para
aterrissar em uma pista de permacreto. Não serve nem pra esterco de bantha
por aqui.
O homem deu um passo à frente, e Zannah instintivamente deu um passo
para trás. Havia algo muito errado em encontrar aquele homem esperando
por ela no coração de uma clareira no meio da floresta. Mas ela não estava
preocupada com a estranheza da situação. Sua mente estava
desesperadamente tentando pensar em alguma maneira de impedir que ele
descobrisse os corpos dentro da Star-Wake.
– Por que você está usando o piloto automático por essas bandas,
garotinha? Você não tem um piloto nessa nave aí com você?
Zannah sacudiu a cabeça.
– Não. Não tinha ninguém a bordo. Era só eu.
– Só você? – ele disse, arqueando uma sobrancelha. – Tem certeza?
– Eu roubei a nave – ela disse em um tom desafiador. Talvez, se pudesse
convencê-lo de que estava sozinha na nave, ele não entraria nela e não
acharia os corpos.
O homem riu um pouco.
– Roubou, é? – Então, em um tom mais alto, ele anunciou: – Parece que
temos uma ladra aqui!
Uma dúzia de homens e mulheres saiu do meio das árvores ao redor da
grande clareira onde a Star-Wake havia aterrissado. Eram todos humanos, e
a maioria deles parecia ter a mesma idade do homem ruivo que falou com
Zannah primeiro. Assim como ele, o grupo vestia uma variedade de roupas
sujas e gastas. Vários apareceram atrás do ruivo, mas outros apareceram nas
árvores do outro lado da clareira atrás de Zannah, efetivamente cortando
seu caminho até a nave. E, diferente do homem que a recebera, os recém-
chegados estavam todos armados com vibrolâmina e rifles blaster.
– Como… como vocês me acharam? – ela quis saber, olhando de um
lado a outro e começando a entender que estava cercada.
– Olheiros viram a sua nave voando sobre nosso território – o ruivo
respondeu. – Então a gente achou que, se você estava procurando um lugar
para descer, acabaria aqui em nossa plataforma de aterrissagem.
– Plataforma de aterrissagem? – Zannah repetiu, surpresa e esquecendo-
se momentaneamente de sua perigosa situação. – Você fez este lugar para
que as naves pudessem descer aqui?
– Quem falou em naves? – o homem respondeu com um sorriso no canto
da boca. Ele tocou os lábios com dois dedos e soltou um assobio tão alto e
agudo que fez Zannah estremecer.
O ar acima foi preenchido com o som de um grande vento, e uma sombra
negra bloqueou o sol. Zannah olhou espantada para cima quando quatro
enormes répteis alados desceram do céu e aterrissaram no lado mais
afastado da clareira. As criaturas usavam rédeas e esporas, e cada uma
possuía uma grande sela nas costas que parecia grande o bastante para
carregar três pessoas ao mesmo tempo.
– Vocês são montadores de feras – ela disse, lembrando-se do alerta de
Tallo quando mencionara Onderon.
– Do clã Skelda – o homem disse. – E como eu já disse antes, você está
em nosso território.
– Eu… desculpe – Zannah disse. – Eu não sabia.
O homem deu de ombros.
– Não importa se você sabia ou não. Se usar uma plataforma do clã
Skelda, você precisa pagar pelo privilégio.
Com o canto do olho, Zannah notou seus companheiros lentamente
fechando o círculo em volta dela.
– Não tenho dinheiro – ela disse, dando meio passo para trás.
– Tudo bem – o homem respondeu com indiferença. – Vamos então ficar
com a sua nave.
Zannah girou nos calcanhares e tentou correr para a floresta, e o homem
se lançou sobre ela. Ele estava esperando que ela fizesse isso, e conseguiu
ser mais rápido. Conseguiu chegar até ela com poucos passos, agarrando a
garota por trás. Ele a derrubou no chão, seu peso prendendo-a contra a terra
dura. E no instante seguinte ele estava voando no ar para trás.
O homem atingiu o chão, soltando um grunhido, o ar de seus pulmões foi
expulso quando ele aterrissou de lado, a cinco metros de distância. Zannah
se levantou rapidamente. Os outros membros do clã haviam começado a
correr na direção dela: agora todos deram um rápido passo para trás, com
suas armas erguidas acima da cabeça. Eles a olhavam com olhos
arregalados e expressões de medo e assombro.
Zannah se voltou para o líder quando ouviu sua risada. Ele se levantou e
piscou para ela.
– Parece que temos uma pequena Jedi em treinamento – ele disse, alto o
bastante para seus companheiros ouvirem. – O que a trouxe para Onderon,
pequena Jedi? Decidiu fugir de seu mestre?
– Não sou uma Jedi – Zannah disse com um sussurro frio.
– Certo – ele concordou. – Você não sabe como controlar seu poder, não
é? Ele apenas aparece quando você está com raiva ou com medo. Não é
mesmo?
Zannah apertou os músculos da mandíbula e cerrou os olhos, mas não
disse nada.
– Ouça, pequena Jedi – ele disse, puxando uma pequena lâmina de sua
bota e começando a andar lentamente na direção dela. – Aqui são doze
contra uma. Você acha mesmo que consegue lutar contra todo mundo?
– Talvez – Zannah disse, erguendo o queixo.
– E quanto a eles? – o ruivo perguntou, acenando com a cabeça na
direção dos animais alados enquanto continuava seu avanço cauteloso. – É
só eu assobiar e os drexls vão arrancar a cabecinha loira do seu corpo. Você
acha mesmo que seus poderes serão o bastante para impedi-los?
– Não – Zannah admitiu. No fundo de sua mente ela sentiu um puxão,
quase como se alguém a estivesse chamando.
– Tá na hora de você desistir, garotinha – o ruivo disse com um sorriso
cruel. Ele já estava apenas a alguns passos dela, segurando a adaga diante
do peito. – Você está sozinha.
Zannah sorriu de volta para ele.
– Não, não estou.
Quando as palavras saíram de sua boca, uma sombra surgiu no meio dos
dois. O homem teve tempo apenas de erguer os olhos antes de ser arrancado
do chão pelas garras de um drexl muito maior que os outros quatro que ele
havia chamado. O drexl soltou um guincho capaz de fazer o chão sob os pés
de Zannah tremer no instante em que se arqueou e tornou aos céus.
Montado sobre o pescoço do grande animal estava a familiar figura de
Darth Bane.
O drexl subiu até uns trinta metros, depois soltou o homem ruivo. Seu
corpo sem vida despencou no chão, aterrissando com um baque surdo e o
estalar de ossos quebrados.
A visão do cadáver de seu líder caindo do céu fez o resto do clã entrar em
ação. Com gritos e assobios agudos, eles correram até suas montarias para
levar a batalha ao céu, esquecendo-se completamente da pequena garotinha
no chão.
O primeiro drexl a decolar levou apenas dois montadores. A mulher na
frente segurava as rédeas, focando toda a atenção e energia para a difícil
tarefa de direcionar e controlar a montaria. O homem sentado atrás dela
servia como seus olhos e seu estrategista, gritando instruções que ela seguia
sem questionar – quando subir, quando descer, quando virar e quanto atacar.
O assento vazio atrás deles certamente seria o lugar ocupado pelo ruivo, se
estivesse vivo.
Os outros drexls carregavam um grupo completo de três montadores –
um para operar as rédeas, um para dar ordens e um armado com um rifle
blaster. Os tiros teriam pouco efeito contra a pele grossa de um drexl, mas
um tiro certeiro podia derrubar um inimigo montador a uma grande
distância. Entretanto, a vantagem ofensiva do terceiro montador diminuía
por causa do peso extra que deixava a montaria mais devagar e difícil de
manobrar.
Com apenas dois passageiros, o primeiro drexl conseguiu rapidamente
deixar os outros para trás. A criatura subiu no céu azul onde Bane e seu
novo bicho de estimação circulavam, oferecendo um desafio que não podia
ser ignorado.
Quando o primeiro oponente se aproximou, o drexl do lorde sombrio
soltou seu guincho de guerra e fez uma curva para interceptá-lo. Do chão,
Zannah observou quando os dois reptavianos se tocaram, as feras parecendo
se lançar uma contra a outra. Enlaçando-se, eles despencaram em um curto,
mas selvagem confronto. Os dois grandes corpos se contorceram um sobre
o outro, golpeando com asas e cortando com garras que brilhavam sob o
sol. As caudas batiam, tentando cegar o inimigo alado ou derrubar seu
montador. Mandíbulas morderam e rasgaram, com as grandes cabeças dos
drexls dançando sobre seus pescoços sinuosos.
Os montadores de feras contavam com suas habilidades e experiência em
combate aéreo para ganhar a vitória contra um montador solitário
sobrecarregado pela dificuldade de controlar um animal daqueles sozinho.
Mas eles não sabiam que a Força dava a Bane um completo e total comando
da criatura. Sem essa vantagem, a derrota deles nunca esteve em dúvida. A
montaria de Bane era maior e mais forte, carregava o peso de um único
montador e não possuía rédeas, esporas ou cela para atrapalhar seus
movimentos.
A menos de vinte metros do chão, o drexl de Bane se retorceu, abaixou e
rasgou a garganta de seu inimigo. A dez metros do chão, o animal se
separou do adversário, interrompeu sua queda e voltou a subir
triunfalmente. O outro drexl, mortalmente ferido, caiu na terra em uma
aterrissagem que matou a montaria e os dois montadores instantaneamente.
Toda a sequência levou menos de dez segundos, mas permitiu que os
outros membros do clã Skelda subissem mais alto do que o inimigo, dando
a eles uma vantagem tática. Com poderosos movimentos de suas grandes
asas, a montaria de Bane subiu para encontrá-los. Eles reagiram com uma
saraivada de tiros sobre o misterioso montador solitário, apenas para ver o
mestre Sith acionar seu sabre de luz e desviar os tiros.
Um dos inimigos voadores se lançou contra Bane, um movimento
pensado para tirar sua atenção dos outros dois. A criatura mergulhou
passando por ele, a uma distância grande demais para iniciar o combate,
depois fez uma curva fechada, quando seu montador puxou as rédeas com
força. Quando passaram de novo, Bane usou a Força e arrancou as faixas
que prendiam a cela às costas do drexl. Houve um trio de gritos primeiro
surpresos, depois aterrorizados, quando a cela se abriu e os montadores
despencaram centenas de metros até o chão. A montaria, sem perceber o
acontecido, continuou circulando em preparação para outro mergulho.
Bane não perdeu tempo alimentando-se do medo dos inimigos caídos.
Antes mesmo de atingirem o chão, ele voltara a atenção para o terceiro
oponente, liberando uma tempestade de relâmpagos Sith que reduziu os
montadores a cinzas e o drexl a um pedaço de carne carbonizada
despencando do céu.
Com um único pensamento, Bane direcionou a atenção de sua montaria
para a equipe voadora restante… um erro tático de sua parte. Pois embora
seus montadores estivessem mortos, o segundo drexl ainda vivia. Agindo
sob um instinto primal, o animal fez uma curva para atacar o macho
estranho que invadia seu território.
O drexl solitário atingiu a montaria de Bane no exato instante em que ele
atacava a equipe final. As três feras se enrolaram umas nas outras,
transformando-se em uma massa de carne, garras e dentes desabando na
direção do chão. Um esguicho de sangue quente atingiu o rosto de Bane
enquanto as criaturas rasgavam umas às outras. Por um breve instante ele
vislumbrou um dos outros montadores através das asas e membros das
montarias, suas feições congeladas quando percebeu que estavam todos
caindo para um fim horrível e inescapável.
Bane libertou a mente de seu drexl e se concentrou no terror dos outros
três montadores. Ele se alimentou de seus medos, usando-os para atiçar suas
próprias emoções. Ele focou seu poder e o canalizou através dos orbalisks,
permitindo que se empanturrassem da energia do lado sombrio. Em retorno,
eles bombearam uma nova dose de adrenalina e hormônios em seu fluxo
sanguíneo, permitindo gerar ainda mais poder, em um ciclo que Bane
repetiu de novo e de novo até o último momento antes do impacto.
Zannah viu as três criaturas restantes digladiando-se. Ao caírem do céu
em uma espiral cada vez mais rápida, ela as observou, esperando que uma
delas se soltasse e voltasse a subir até as nuvens. Mas nenhuma delas fez
isso.
Ela gritou horrorizada quando todos atingiram o chão ao mesmo tempo.
O som da batida foi como uma explosão; a onda de choque derrubou
Zannah e lançou no ar uma grande nuvem de poeira e destroços. A nuvem
rolou rapidamente pelo chão até envolver Zannah.
A aspirante a aprendiz Sith se levantou com dificuldade, tossindo e
engasgando com a poeira que choveu sobre ela. Através da nuvem ela olhou
perplexa para a cratera de vinte metros de largura e dois metros de
profundidade. No centro havia uma montanha de carne pulverizada: os
corpos individuais das montarias e montadores foram compactados em uma
única massa disforme. E andando em sua direção e saindo do meio da
carnificina estava a forma encharcada de sangue de seu mestre.
Ele mancava e agarrava a lateral do corpo. Mas mesmo através da poeira,
Zannah o reconheceu imediatamente. Ela só podia encará-lo incrédula
enquanto ele se aproximava, seu andar tornando-se cada vez mais firme. A
cada passo ele se endireitava mais, e quando descansou o braço na lateral
do corpo, o coração de Zannah começou a martelar com entusiasmo.
Darth Bane estava vivo! E o poder que permitiu a ele sobreviver àquela
incrível provação – o poder do lado sombrio – seria um dia o poder que ela
comandaria! Sobrecarregada de emoções, ela deu um passo adiante para
abraçar seu mestre… mas recuou quando viu a protuberância alienígena
presa em seu peito.
– São chamados de orbalisks – Bane disse, oferecendo uma explicação
em vez de um cumprimento. – São criaturas que se alimentam do poder do
lado sombrio. Sem eles, eu nunca poderia ter sobrevivido a essa queda. –
Ele ofegava levemente ao falar, mas se era de dor ou cansaço por usar a
Força, ou talvez os dois, Zannah não sabia dizer.
Bane parou na frente dela, e Zannah estendeu o braço lentamente para
tocar a fria e sólida carapaça. Ela recuou de repente quando sentiu a criatura
tremer sob seus dedos.
– Eles sentem o poder do lado sombrio dentro de você – Bane disse,
falando como um pai orgulhoso.
– Como é que você vai tirar isso daí? – Zannah perguntou, com níveis
iguais de curiosidade e repulsa.
– Não vou – Bane respondeu. – Esta armadura é permanente.
– Eu também vou precisar usar isso? – ela perguntou suavemente.
Bane considerou antes de responder.
– Os orbalisks me deram grande poder, mas existe um custo. As
demandas físicas são… altas. Seria demais para uma criança como você.
Talvez seja demais para você usar em qualquer momento da vida.
Aliviada, Zannah apenas assentiu. Seu mestre parecia quase
completamente recuperado, embora seu rosto e armadura ainda estivessem
cobertos de sangue.
Zannah notou Bane olhando atrás dela para a Star-Wake do outro lado da
clareira.
– Eu roubei uma nave – ela disse. – Eu… tive que matar a tripulação.
– Você fez o que era necessário para alcançar seu objetivo – Bane disse. –
Você mostrou o poder e a força de vontade para destruir aqueles que
bloqueavam seu caminho. Você tomou aquilo que queria, independente do
custo.
“Você agiu como uma Sith.”
A jovem garota sentiu uma onda de orgulho surgir dentro dela.
– E agora, mestre?
– Agora o seu verdadeiro treinamento começa – Bane disse, marchando
na direção da Star-Wake.
Ela rapidamente igualou seu ritmo. As dúvidas e medos que Zannah
sentira durante o tempo em que ficou sozinha na nave sumiram, levados
pelas palavras de seu mestre e a exibição de poder que ela havia
testemunhado. Já não estava mais com medo ou incertezas sobre o futuro;
ela finalmente aceitara quem e o que era de verdade. Ela era a aprendiz
escolhida de Darth Bane. Era herdeira do legado do lado sombrio. E era a
futura lady sombria dos Sith.

– Mandou me chamar, mestre Valenthyne? – Johun disse quando entrou


nos aposentos privados de Farfalla.
Já fazia três dias que o Senado aprovara as Reformas de Ruusan, e eles
ainda estavam em Coruscant. Johun estava ansioso para deixar o planeta-
cidade para trás, mas, após o seu ataque de emoções na câmara do chanceler
Valorum, ele estava determinado a mostrar que podia controlar seus
impulsos e que confiava na sabedoria de seu mestre. Desde que Farfalla
sentisse que eles eram necessários ali, Johun serviria a ele sem reclamar.
– Sente-se, Johun – o mestre Jedi disse suavemente, apontando para uma
cadeira próxima. Seu tom de voz deixou claro que ele possuía más notícias.
Johun obedeceu e se sentou, temendo o que viria.
– Nós localizamos a Star-Wake.
Por um breve instante, seu coração disparou. Em algum momento após
deixar Irtanna e sua tripulação, a nave desaparecera. Equipes de busca
foram enviadas, mas voltaram sem nada. Agora, quase duas semanas após
desaparecer, ela foi encontrada!
A alegria de Johun desapareceu quando ele percebeu que seu mestre
disse especificamente que a nave fora localizada; não fizera menção à
tripulação.
– O que aconteceu? – Johun perguntou, quase sem conseguir pronunciar
as palavras.
– Nós achamos que foram mercenários – Farfalla explicou. – A nave foi
descoberta flutuando no setor Japrael, abandonada. Tudo de valor
desapareceu. Todos a bordo estavam mortos, com tiros de blaster à queima-
roupa.
– Todos? Irtanna? Bordon? Até mesmo seus filhos?
Farfalla respondeu apenas com um solene aceno de cabeça.
Não há emoção, Johun pensou, recitando o Código Jedi enquanto lutava
para controlar a súbita explosão de raiva diante daquelas mortes sem
sentido. Há apenas paz.
– Sei que é difícil para você aceitar – Farfalla disse, sentando-se na frente
de Johun para poder encarar o rapaz. – Mas não há nada que possamos fazer
por eles agora. E seja lá o que acontecer daqui para a frente, você não pode
querer vingar suas mortes.
– Eu entendo, mestre – Johun disse, segurando as lágrimas. – Mas não
posso deixar de sentir tristeza por suas perdas.
– E nem deve, meu jovem padawan – Farfalla disse, tocando seu joelho
de modo tranquilizador antes de se levantar. – É natural ficar triste com o
que aconteceu. A tristeza em si não é perigosa.
Farfalla caminhou até o lado mais afastado do quarto e estudou um
quadro na parede, dando ao jovem um pouco de privacidade e tempo para
se recompor. Quando Johun se levantou, alguns minutos mais tarde, seu
mestre se virou para encará-lo novamente.
– Essa notícia pesa em meu coração, mestre Valenthyne – o rapaz disse. –
Mas entendo que não é minha função buscar seus assassinos. E fico
agradecido por você me trazer até aqui para me contar.
– Essa não foi a única razão para eu chamá-lo aqui – Farfalla admitiu. –
Tenho uma missão para você.
– Diga-me, mestre. Estou pronto para servir. – Johun pensou que essa era
a mais pura verdade. Ele estava desesperado por algo, qualquer coisa, que
tirasse sua mente dos pensamentos sobre Irtanna e sua tripulação.
– O Senado passou as reformas de Ruusan. Você já sabe o que isso
significa para nossa ordem, mas existem muitos outros aspectos sobre essa
legislação. Como disse o chanceler Valorum, a República precisa renascer.
Johun assentiu para mostrar que compreendia.
– Haverá muitas pessoas pela galáxia que se oporão a essa nova
legislação – Farfalla continuou. – Alguns enxergam os esforços de Valorum
para reunificar a República como uma tentativa de restabelecer o controle
do Senado sobre mundos que declararam sua independência… ou mundos
que estavam prestes a fazer isso.
– Você acha que a vida do chanceler pode estar em perigo – Johun
arriscou.
– Exatamente. E também sinto que é importante que os Jedi mostrem
apoio ao chanceler e às reformas de Ruusan. Precisamos tomar um papel de
liderança na proteção do chanceler contra aqueles que querem seu mal.
Johun se esforçou para manter as emoções sob controle. Farfalla dissera
que possuía uma missão especial para ele. Talvez fosse enviá-lo para os
Territórios da Orla Exterior para se infiltrar em algum movimento
separatista radical, ou enviá-lo para a linha de frente de uma batalha contra
alguma perigosa facção rebelde!
– Escolhi você para servir como o representante Jedi dentro da guarda
pessoal do chanceler Valorum – Farfalla continuou, e Johun sentiu aquilo
como se fosse um soco no estômago.
A última coisa que queria era ficar em Coruscant, e agora ele fora
condenado a permanecer ali até o fim do mandato do chanceler. Mais quatro
anos, se o chanceler lançasse sua reeleição.
– Você parece contrariado, Johun.
– Não contrariado, mestre – o jovem rapaz respondeu cuidadosamente. –
Decepcionado. Não era isso que eu esperava.
– Nossa ordem jurou servir a República. Muitas vezes precisamos
sacrificar aquilo que mais valorizamos para o bem dos outros. É isso que
significa ser um Jedi.
Johun não queria discutir. Como sempre, seu mestre estava certo. Se
aquele era seu dever, se era o papel que lhe fora designado, então ele não
apenas aceitaria, mas se dedicaria ao máximo.
– Mestre Valenthyne, eu humildemente aceito essa grande honra que
você me deu. Servirei ao chanceler Valorum com todo meu coração e
espírito, e darei o meu melhor.
– Fico muito satisfeito em ouvi-lo aceitar seu destino com tanta
disposição, Johun – Farfalla respondeu com um sorriso maroto. – Mas ainda
há uma pequena questão. Terei que deixar Coruscant nos próximos dias
para cuidar de outros assuntos. Como pode imaginar, esta é uma hora difícil
para nossa ordem.
– É claro, mestre.
– Mas você deve entender que eu não posso deixar um padawan aqui em
Coruscant sem supervisão.
Era verdade. Todos os padawans eram obrigados a ficar sob o constante
cuidado e o olhar vigilante de um mestre Jedi até completarem o
treinamento.
– Acho que não entendi. Se você vai se ausentar, então quem será o meu
novo mestre?
– Acho que o seu período de serviço chegou ao fim, meu jovem Jedi.
Por um momento Johun apenas ficou ali parado, incapaz de registrar
totalmente aquilo que acabara de ouvir. Ficou claro apenas quando percebeu
que Farfalla usara o honroso termo Jedi em vez de padawan.
– Você quer dizer que… eu serei declarado um cavaleiro?
– Foi exatamente o que eu quis dizer – Farfalla confirmou. – Eu me reuni
com o Conselho e eles concordaram que você está pronto.
A mão de Johun involuntariamente tocou o cabo de seu sabre de luz. Ele
o construíra em Ruusan após a insistência de Hoth, poucas semanas antes
da morte de seu mestre. Ele entendeu que o general provavelmente estava
preparando-o para aquele momento desde então. Entretanto, construir um
sabre de luz era apenas um passo no caminho para se tornar um Cavaleiro
Jedi.
– E quanto aos testes? – Johun perguntou, tentando se conter. – Ainda
preciso passar pelos testes finais do Conselho.
– Também conversei com eles sobre isso, e eles concordaram que você já
provou seu valor muitas vezes durante seu serviço em Ruusan. Nomeá-lo
para a guarda pessoal de Valorum foi o seu teste final. Ao aceitar a posição
como fez, você demonstrou além de qualquer dúvida que está disposto a
sacrificar seus próprios desejos e vontades em prol de um bem maior.
– Eu… eu não sei o que dizer, mestre – o jovem rapaz balbuciou.
– Você mereceu, Johun – Farfalla o tranquilizou. – O general Hoth ficaria
orgulhoso.
O sabre de luz do mestre Jedi apareceu em sua mão, e a lâmina foi
acionada junto com um sólido zunido. Johun baixou a cabeça e a virou
levemente para o lado. Farfalla girou o punho, e o sabre de luz cortou a
trança que se pendurava sobre seu ombro. O jovem rapaz sentiu o peso da
trança caindo até o chão, depois ergueu a cabeça com lágrimas nos olhos.
Ele não conseguia falar, sua mente girando como tudo que acontecera:
sua ascensão a Cavaleiro Jedi, sua nova função na guarda de Valorum, a
trágica notícia sobre Irtanna e sua tripulação.
– Você sempre se lembrará deste dia como um momento de grande
alegria, mas também de grande tristeza – Farfalla disse a ele, oferecendo
um último conselho. – Isso ajudará a lembrá-lo de que, na vida, essas duas
coisas geralmente são intimamente ligadas.
– Eu me lembrarei, mestre – Johun jurou, percebendo que, pela primeira
vez na vida, ele dizia suas palavras não como um padawan, mas como um
verdadeiro Cavaleiro Jedi.

Darovit se movia com um ritmo lento, mas constante, através do solo


rachado do campo queimado pelo sol. Sua mão esquerda se apoiava em um
cajado enquanto o toco de onde sua mão direita fora decepada estava
envolto com faixas grossas. Um Bouncer acompanhava seu ritmo em cada
um de seus lados; seus corpos redondos flutuavam como um par de balões
verdes felpudos amarrados em seus ombros. Eles possuíam grandes olhos
cheios de vida, mas nenhuma boca ou nariz visíveis. Suas longas caudas se
estendiam atrás deles como fitas ondulando ao vento.
Os Bouncers primeiro vieram até ele na caverna, onde Darovit ficara
caído no chão por dias em um estado quase catatônico. Encolhido e
apertando seu membro mutilado, ele havia desistido de qualquer esperança.
Quando os animais o encontraram, ele queria apenas morrer.
As bondosas criaturas telepáticas o envolveram em um círculo, falando-
lhe telepaticamente, oferecendo palavras de conforto e segurança. Eles
acalmaram seu espírito atormentado, e embora não pudessem curar seus
ferimentos, eles conseguiram aliviar sua dor física.
As criaturas o guiaram para fora dos túneis subterrâneos até o sol e ar
fresco da superfície. Eles o levaram a um bosque onde Darovit encontrou
água para saciar a sede e frutas para saciar a fome. Até mostraram a ele
onde encontrar um caixote com suprimentos médicos, para que pudesse
limpar e fazer um curativo adequado em seu toco amputado para prevenir
infecções.
Por vários dias o jovem rapaz ficou escondido no bosque dos Bouncers,
juntando sua força e se recuperando de seu terrível ferimento. Ele estava
com medo demais de ser reconhecido como um dos Sith para sair em busca
de outros de sua própria espécie, com vergonha demais de suas ações e seu
membro mutilado para encarar outros de sua própria gente. Porém, mais
poderosa do que seu medo e vergonha era sua raiva – Rain destruíra sua
mão! Sua própria prima o traíra e mutilara! Pensamentos de vingança e
retribuição o consumiam; imagens dele caçando e destruindo Rain
preenchiam seus sonhos.
Mas, quando seu corpo começou a se curar, seu ódio começou a sumir.
Desesperado para manter a raiva, ele revivera o encontro com Rain de novo
e de novo em sua mente… apenas para a verdade repentinamente se tornar
clara. Rain estava tentando salvá-lo!
Cercado pelos gentis Bouncers e sua tranquilizadora presença, Darovit
finalmente foi capaz de entender o que ela havia feito. O Sith ao lado de sua
prima teria matado Darovit sem pensar duas vezes. Ao amputar sua mão,
Rain poupou sua vida; um ato final de misericórdia antes de cair nos
feitiços de seu novo mestre do lado sombrio.
E com esse entendimento veio também a aceitação: Darovit perdera a
mão. Rain se foi. Seus sonhos de se juntar aos Jedi – ou aos Sith – se foram.
Os Bouncers eram tudo o que restara.
Darovit estava agradecido pela bondade deles, mas não conseguia
entender por que eles o ajudaram. Talvez porque já não havia mais ninguém
lá: os Sith foram destruídos, seus lacaios fugiram do planeta ou foram
levados como prisioneiros. Os Jedi e os soldados da República servindo ao
Exército da Luz também se foram. Duas noites atrás ele vira no céu
estrelado o rastro luminoso típico de naves saltando ao hiperespaço após a
frota deixar a órbita do planeta. Mesmo aqueles que viviam em Ruusan
voltaram para suas fazendas e vilas, abandonando o local da grande batalha
entre a escuridão e a luz. Por vários dias ele não vira nenhuma criatura viva
que não fossem os Bouncers que o salvaram.
Darovit entendia que os Bouncers deram a ele uma segunda chance na
vida. Ele poderia deixar seu passado para trás e começar de novo. Mas para
qual propósito? Para qual fim? Os Bouncers falavam muito sobre o futuro,
como se tivessem alguma habilidade para enxergar lampejos daquilo que
estava por vir. Entretanto, como a maioria dos oráculos, eles usavam
palavras cheias de enigmas vagos e generalizações, palavras que não
ofereciam nenhuma pista sobre seu destino.
Darovit triste, uma das criaturas projetou em sua mente, uma afirmação
mais do que uma questão.
– Não sei o que fazer agora – ele respondeu em voz alta. Embora os
Bouncers pudessem projetar seus pensamentos e ter uma sensação geral das
emoções dos outros, eles não conseguiam ler mentes. Era necessário falar
em voz alta para se ter uma conversa com eles.
– Que tipo de futuro existe para mim? – ele continuou, dando voz ao
problema que o afligia internamente. – Eu fracassei como um Jedi. Eu
fracassei como um Sith. O que eu poderia me tornar agora?
Homem?
A resposta o fez parar de andar.
– Um homem? – ele repetiu.
Não um Sith, não um Jedi. Não um mercenário, não um soldado. Nada,
apenas um homem simples e comum. Ele assentiu e retomou sua marcha
pelo campo vazio, sentindo que um grande peso fora tirado de suas costas.
– Apenas um homem. Por que não?
Capítulo 10

DEZ ANOS DEPOIS

O MUNDO DA ORLA EXTERIOR de Serenno era um dos mais ricos planetas


da República. Também era um criadouro de sentimentos antirrepublicanos e
movimentos separatistas radicais, muitas vezes financiados secretamente
pela vasta riqueza das muitas famílias nobres de Serenno ansiosas para se
livrarem do cabresto político do Senado Galáctico.
Porém, apesar das perigosas correntezas revolucionárias de sua cultura,
ou talvez por causa delas, o grande mercado a céu aberto da capital
planetária de Carannia se tornara conhecido como um centro de
mercantilismo interestelar. Consumidores de duas dezenas de diferentes
espécies se misturavam abertamente sob as tendas e toldos de mil barracas
de vendedores. Do nascer ao pôr do sol os gritos dos vendedores oferecendo
seus produtos importados de todos os cantos da galáxia se mesclavam com
os gritos dos consumidores barganhando. Até mesmo os ricos e
privilegiados se aventuravam no meio das massas que lotavam a praça,
entregando-se voluntariamente à multidão selvagem em busca de tesouros
valiosos e raros que não podiam ser encontrados em mais nenhum lugar.
Zannah estava imóvel em um canto afastado da praça, tentando não ser
notada. Não era fácil para ela se misturar na multidão; embora tivesse
estatura média, ela era uma jovem mulher de beleza excepcional. Era
necessário tomar precauções quando não queria atrair os olhares
apreciadores dos homens ou os relances invejosos de outras mulheres.
Naquele momento em particular, ela vestia um manto negro folgado que a
cobria da cabeça aos pés, disfarçando seu perfil magro e atlético. O capuz
cobria seus longos cabelos loiros e ondulados, e a sombra que se projetava
sobre seu rosto escondia seus brilhantes olhos determinados.
Ela também se envolvera em uma leve aura de insignificância, uma
ilusão do lado sombrio que permitia a ela se esconder em plena vista
quando se aventurava em público. Isso não a esconderia dos olhos de
alguém que a estivesse procurando, mas desde que não chamasse atenção
para si mesma, ela permaneceria sem ser notada e não seria lembrada pela
vasta maioria das pessoas comuns de mente fraca.
Mesmo com essas precauções, Zannah ocasionalmente notava alguém lhe
lançando uma segunda olhada. Havia algo sobre ela, um balanço
endurecido na maneira como se movia, e até mesmo quando ficava parada,
que a diferenciava dos outros. Porém, era muito mais fácil para ela se
manter discreta do que para seu mestre. No transcorrer da última década, os
orbalisks que se fixaram no torso de Bane se espalharam até cobrir
praticamente o seu corpo inteiro. Apenas os pés, mãos e rosto permaneciam
livres da infestação, e apenas porque ele tomava precauções extremas: Bane
usava luvas e botas especiais o tempo todo, e quando dormia ele usava um
capacete especial que parecia uma jaula, criado para impedir que os
parasitas crescessem sobre seu rosto.
Mantos e grossas camadas de roupas não podiam esconder
completamente aquilo que ele havia se tornado. Qualquer um que
vislumbrasse as brilhantes carapaças por baixo das roupas definitivamente
se lembraria. Como resultado, Bane raramente deixava o acampamento em
Ambria. Ele contava com sua aprendiz para ser seus olhos e ouvidos no
mundo lá fora. Contava com ela para ser agente de sua vontade, para
coordenar e supervisionar os intrincados planos que ele orquestrava nos
bastidores.
Era por isso que Zannah estava ali agora, esperando por um jovem
Twi’lek chamado Kelad’den. Mas era improvável que esse fosse seu nome
verdadeiro. Afinal de contas, ele também não sabia o verdadeiro nome
dela… apesar do fato de serem amantes.
Kel era um revolucionário político – um combatente da liberdade lutando
contra a tirania como um alto membro de um pequeno grupo extremista
determinado a derrubar a República. Zannah precisou de vários meses para
ganhar sua confiança, mas ele finalmente sucumbira. Na noite passada,
deitados em meio aos lençóis ásperos da pequena cama no apartamento
alugado de Zannah, o Twi’lek havia prometido se encontrar com ela ao
meio-dia na praça para levá-la a uma das reuniões clandestinas de sua
organização.
Pela altura do sol no céu da tarde, ficou óbvio que Kelad’den estava
atrasado. Mesmo assim. Zannah continuou esperando. Ela aprendera o valor
da paciência muito cedo em seus estudos…
– Discrição. Astúcia. Paciência. Essas são as armas dos Sith – seu
mestre disse a ela.
Eles haviam deixado Onderon já fazia oito dias, abandonando a Star-
Wake e adquirindo outra nave de um mercador Neimoidiano para levá-los
até Ambria. Seria ali, naquele mundo remoto, que Bane começaria seu
treinamento.
– Aja de modo apressado e você dará a vantagem para seu inimigo –
Bane explicou. – Às vezes, o caminho mais adequado, e mais difícil, é não
agir. Até mesmo o maior guerreiro muitas vezes não espera até o momento
certo para atacar. Esse é um erro que não podemos cometer.
Ela assentiu, absorvendo suas palavras e guardando-as na memória.
Mas palavras eram apenas parte do treinamento. Seu mestre também lhe
deu uma tarefa – um teste que provaria se realmente aprendera a lição.
Em uma das cavernas perto da orla do lago Natth, a alguns quilômetros
de distância do acampamento, vivia uma pequena família de neeks:
pequenos herbívoros reptilianos nativos de Ambria. Com apenas um metro
de altura, eles se mantinham eretos com as patas traseiras, usando as
caudas para equilíbrio e apoio. Seus membros posteriores eram curtos e
atrofiados, bons apenas para desenterrar raízes rasteiras e carregar
pequenas nozes de volta para o ninho. Possuíam longos pescoços e
pequenas cabeças com mandíbulas sem dentes que lembravam bicos.
No dia em que ela e Bane chegaram ao planeta, Zannah notara os
animais correndo pelas areias quentes da praia. Como primeira parte de
seu treinamento, Bane mandara que ela trouxesse um dos neeks para ele,
vivo e solto.
A missão provou ser muito mais difícil do que ela imaginara. Uma fonte
comum de comida para os carnívoros maiores que espreitavam a orla do
lago Natth, neeks eram arredios por natureza. Eles fugiam logo que
avistavam Zannah, desaparecendo nas pequenas rachaduras e fendas nas
rochas ao redor das cavernas onde moravam.
Então ela não podia simplesmente armar uma armadilha; as instruções
de Bane exigiam que ela trouxesse uma criatura que viesse por vontade
própria. Primeiro Zannah tentara atraí-los para o acampamento deixando
um rastro de comida, mas os animais eram desconfiados e recusaram a
oferta. Em seguida, ela tentou dominar a mente de um neek, igual vira
Bane fazendo com o drexl. Mas no lago Natth, um antigo Jedi havia
aprisionado o poder do lado sombrio de seus inimigos. Aquele mesmo
poder emanara das profundezas das águas tóxicas durante séculos,
provocando mutações nos neeks e tornando-os imunes aos esforços
desastrados de Zannah para controlá-los com a Força.
No fim ela percebeu que teria que domar uma criatura, treinando-o para
que se acostumasse com sua presença. Então, logo cedo toda manhã ela
andava até a entrada da caverna, onde se sentava de pernas cruzadas e
praticava os exercícios de meditação que Bane lhe ensinara.
Ela ficava imóvel por horas, depois se levantava calmamente e retornava
ao acampamento no final da tarde, apenas para repetir o processo na
manhã seguinte. Nos primeiros três dias ela ficou completamente sozinha,
mas no quarto dia os neeks começaram a aparecer. Cautelosos a princípio,
eles apareciam na frente dela e depois corriam para longe, muito além de
seu alcance. No meio da segunda semana, eles começaram a se acostumar
com sua presença e se sentavam olhando para ela, a apenas alguns metros
de distância. Ocasionalmente um deles soltava um chiado agudo em sua
direção, ou emitia um assobio grave e trêmulo no fundo da garganta. Na
terceira semana, um jovem neek particularmente curioso, que não
alcançava nem a altura dos joelhos de Zannah, chegou perto o bastante
para ela estender o braço e tocar a criatura.
Depois disso, ela começou a levar comida para sua vigília, deixando
uma porção sobre a palma da mão aberta. O mesmo neek corajoso se
aproximava com trepidação todas as vezes, equilibrando seu medo contra o
aroma atraente das nozes na mão da jovem garota. Ela sussurrava
suavemente para a criatura, e eventualmente o neek juntava coragem
suficiente para correr e agarrar a comida antes de fugir para a segurança
da caverna, chiando de excitação.
Zannah começou a se posicionar cada vez mais longe da caverna para
suas meditações. A cada dia o neek aparecia procurando por ela, cruzando
os familiares limites de seu território em sua busca por Zannah. Pouco a
pouco ela o atraiu para cada vez mais perto do acampamento, até que um
dia, quando se levantou para ir embora, o neek começou a segui-la.
Ela se esforçou para manter os passos suaves e lentos para não assustá-
lo. Andando com passadas curtas para não perder o equilíbrio, ela
habilmente trocava o peso do corpo de um pé para outro enquanto
conduzia a criatura por todo o caminho até seu mestre.
Já era quase noite quando ela chegou, seu ritmo transformando a
relativa pouca distância até o acampamento em uma jornada de quatro
horas. Havia várias tendas no acampamento; além daquelas onde ela e
Bane dormiam, havia uma para estocar comida, outra para roupas e
equipamentos, e ainda outras para armas e combustível para sua nave e
veículo terrestre. As tendas foram dispostas em um semicírculo voltado
para a fogueira ao centro.
Bane estava sentado em frente à fogueira, esperando por ela, mexendo
um caldeirão com um ensopado de cheiro suave. Ele havia tirado a camisa
no calor da noite de verão. Sob o brilho tremulante das chamas, sua
aprendiz podia ver que os orbalisks estavam começando a se espalhar.
Aquele atrás do ombro havia se movido pelo bíceps até o cotovelo de seu
braço musculoso, e o organismo no peito agora se estendia pela metade
dos músculos abdominais e no começo da garganta. Várias faixas estreitas
de carne escura e macia cortavam cada carapaça verticalmente, e a garota
entendeu que, além de crescerem, as criaturas estavam prestes a se separar
e se multiplicar.
Suprimindo um estremecimento, Zannah falou suavemente para ele:
– Completei minha primeira lição, mestre.
Bane olhou para o pequeno neek no acampamento atrás dela, prova
visível de que sua aprendiz havia cumprido a primeira tarefa dada. Zannah
seguiu seu olhar, virando-se para a pequena criatura. O neek olhou de
volta e piou com expectativa. Ela se abaixou para acariciá-lo, e Bane usou
a Força para quebrar seu longo e magro pescoço.
– Você fez bem – ele murmurou enquanto ela olhava horrorizada para o
pequeno corpo estrebuchando aos seus pés. – Agora, jogue-o no ensopado.
Zannah precisou de um momento para se recompor, afastando a tristeza
que ameaçava transbordar dentro dela. Quando Bane passara a tarefa
inicialmente, ela agora entendia, ele provavelmente sabia que ela
desenvolveria afeto pelo pequeno neek. Se fosse mais esperta, teria previsto
isso e encarado a criatura como uma simples ferramenta – algo para ser
usado e depois descartado –, em vez de se permitir criar uma conexão
emocional. A dor que ela sentia agora por sua morte era um alerta – um
lembrete de que sua única lealdade era para com seu mestre.
Ela apanhou o corpo e o carregou até o ensopado fervilhante. Jogando o
neek dentro, ela olhou para Bane diretamente em seus olhos.
– Estou vendo que você decidiu me ensinar duas lições hoje, mestre.
Sua única resposta foi um sorriso sombrio…
– Rainah – ela ouviu uma voz gritando sobre o burburinho do mercado,
usando o nome falso que ela adotava para todas as suas missões. Após um
momento ela enxergou Kelad’den no meio da multidão, fazendo um gesto
para ela se juntar a ele do outro lado da praça.
A pele dos Twi’leks possuía uma variedade de cores, mas Kel era da raça
extremamente rara dos Lethanos, cujo tom de pele era avermelhado. Assim
como a maioria dos Lethanos, ele era inegavelmente bonito. Era alto e de
ombros largos, com um estômago duro e reto e membros perfeitamente
proporcionais. Ele vestia calças pretas apertadas e uma túnica bege folgada
que se abria no meio, expondo os músculos de seu peito e abdômen. Ele
possuía feições sensuais e perfeitamente simétricas: lábios macios e cheios,
e olhos negros fumegantes que pareciam atrair quanto mais você olhava
para eles. Seu firme e torneado lekku se enrolava ao redor do pescoço e
ombros de modo sugestivo pela frente da túnica aberta e do peito exposto.
– Rainah! – ele gritou uma segunda vez, o que fez com que algumas
poucas pessoas olhassem para ele com curiosidade. Zannah praguejou para
si mesma, e se moveu rapidamente entre a multidão até chegar ao seu lado.
– Não fale tão alto – ela o repreendeu quando chegou perto. – Estão todos
olhando para nós!
– Deixe que olhem – ele disse com um tom desafiador, embora tenha
baixado a voz. – Eles são gente comum. A opinião deles não significa nada
para mim.
Kel era um privilegiado filho de bom berço. Além de ser da raça Lethana,
ele vinha de uma família que pertencia à nobreza da casta guerreira dos
Twi’leks. Ao longo de sua vida, ouvira de todos ao redor o quanto ele era
especial; era apenas natural que crescesse acreditando que os outros
estavam abaixo dele.
Às vezes Zannah admirava sua arrogância. Era um sinal de poder: ele
sabia que era de uma espécie superior e não tinha medo de mostrar. Mas
também era sua maior fraqueza. Ela descobrira cedo que Kel era facilmente
manipulado através de elogios ou desafios contra seu orgulho e ego, e ela
não tinha medo de explorar esse fato na busca de seus objetivos.
– Você está atrasado – ela disse a ele. – Não gosto de ficar esperando.
– Eu nem deveria estar fazendo isto – ele retrucou.
– Desculpe – ela disse, chegando mais perto e envolvendo os braços ao
redor de seu pescoço e ombros. – Eu já estava pensando que você estava
com outra amante – ela sussurrou. – Se eu pegar você com outra fêmea, eu
vou cortar a cabeça dela.
Kel a pressionou ainda mais contra seu corpo.
– Você é mais do que suficiente para um macho – ele sussurrou de volta
em seu ouvido, enviando calafrios pelas costas de Zannah.
Ela o beijou nos lábios, depois desfez o abraço.
– Não temos tempo para isso – ela protestou. – Os seus amigos estão
esperando por nós.
Lambendo os lábios como se ainda pudesse sentir o sabor dela, Kel
assentiu e apanhou sua mão.
– Vamos – ele disse, conduzindo-a pela multidão.

Quando a noite começava a cair sobre Ambria, Darth Bane estendeu o


braço na direção da pequena pirâmide de cristal que ele cuidadosamente
havia posicionado sobre o pedestal no centro da tenda vazia. Movendo-se
lentamente, ele passou os dedos gentilmente contra a superfície fria e morta,
depois puxou a mão de volta quando a sentiu tremer. Um instante mais
tarde e seus dedos começaram a ter espasmos quando lampejos de dor
aguda dispararam de seu cotovelo até o pulso. Praguejando para si mesmo,
ele cerrou os dentes e fechou os olhos, tentando controlar a dor.
Por causa dos orbalisks que envolviam seu corpo, ele estava acostumado
a viver em dor constante. Sempre estava lá, uma dor pulsante logo acima do
nível da consciência. Normalmente, ele conseguia enterrar essa dor,
aguentando os tormentos de sua infestação sem nenhum efeito visível.
Entretanto, se não tivesse cuidado – se o seu esforço fosse longe demais –,
as demandas físicas podiam sobrecarregá-lo. O tremor fora um aviso, o
primeiro sinal de que estava chegando aos limites de sua resistência.
Três vezes antes ele havia tentado criar seu próprio holocron Sith, e todas
as tentativas terminaram em fracasso. Mas agora seria diferente. Ele sabia
que um movimento em falso naquele estágio e todo seu trabalho –
literalmente anos de preparação – seria perdido. Mas ele também sabia que
não tinha escolha a não ser encontrar uma maneira de lidar com a dor e
continuar seu trabalho.
Bane havia feito a primeira tentativa cinco anos antes. Usando o holocron
de Freedon Nadd como guia, ele recriara a intrincada matriz de arestas e
vértices – a chave para estocar quantidades quase infinitas de conhecimento
em um sistema de informação pequeno o bastante para caber na palma da
mão. Levou meses para juntar os raros cristais e usá-los para confeccionar
os filamentos e fibras da rede entrelaçada, seguidos por semanas de ajustes
delicados e cuidadosos. A rede precisava possuir especificações altamente
exatas, e Bane usara a Força durante centenas de horas para fazer milhares
de alterações subatômicas precisas a fim de assegurar que cada fio cristalino
estivesse no lugar certo.
Assim que a rede de cristais dentro do holocron ficara pronta, ele
transcreveu cuidadosamente os antigos símbolos dos Sith na superfície da
pirâmide. As marcações eram parte de um poderoso ritual crucial para
manter a estabilidade da rede após ser impregnada com as energias do lado
sombrio. Desconhecendo o exato propósito ou significado dos glifos
arcaicos, Darth Bane mais uma vez usara o holocron de Nadd como guia,
estudando as marcas em sua superfície, depois copiando-as para sua própria
criação.
Mas quando tentara ativar o holocron canalizando seu poder através dele,
a rede implodiu, desabando sobre si mesma e reduzindo o artefato a uma
pilha de poeira brilhante.
Ele tentara outra vez alguns meses mais tarde, mas o resultado foi o
mesmo. Forçado a admitir que o segredo da criação dos holocrons ainda
estava além de suas capacidades, Bane começara uma campanha para
descobrir tudo que podia sobre os poderosos talismãs. Com a ajuda de
Zannah, ele acumulou uma vasta quantidade de informações sobre o
assunto.
Ele devorou cada datacard, relato, história e memórias pessoais que pôde
encontrar que tratava dos passos necessários para criar uma das pirâmides
altamente complexas. Encontrou milhares de referências veladas e centenas
de especulações teóricas sobre a arte da criação de holocrons. Entretanto,
foi incapaz de encontrar uma única fonte que descrevesse os feitiços e
rituais necessários explicitamente, e seus segredos continuaram intocáveis.
Bane se recusou a desistir. Ele continuou a pesquisa, procurando por
livros raros, documentos secretos e obras proibidas. Levou mais três anos
até descobrir o propósito e significado por trás dos glifos… e, ao fazer isso,
encontrou uma resposta para a razão de seus primeiros esforços terem
falhado. Ele descobriu que cada holocron era marcado com símbolos
unicamente ligados ao lorde Sith responsável pela criação do artefato. As
pirâmides em miniatura eram muito mais do que uma simples coleção de
informações. Os ensinamentos eram transmitidos através da sabedoria de
um avatar – uma avançada personalidade simulada que imitava a identidade
do criador. A combinação certa de símbolos, aplicada em conjunto com
magias e feitiços específicos dos antigos Sith, permitiriam a Bane capturar
sua aparência, conhecimento e processos cognitivos. Dentro da estrutura do
holocron eles seriam transformados em um holograma tridimensional para
guiar e direcionar qualquer um que usasse o artefato. A rede cognitiva que
alimentava o avatar também estabilizava as arestas e vértices da matriz,
impedindo que entrassem em colapso, como acontecera nas tentativas
anteriores de Bane.
Armado com seu novo conhecimento, Bane fizera uma terceira tentativa
de criar seu próprio holocron dois anos antes. Ele procedera
cuidadosamente: os Rituais de Invocação necessários para predizer e
inscrever os símbolos corretos na superfície da pirâmide eram exaustivos,
tanto física quanto mentalmente. Sempre atento para não cometer erros, ele
arrastara o processo por duas longas semanas. Ironicamente, sua cautela
provou ser sua ruína. Quando começou a manipular as estruturas internas da
rede cristalina durante a fase final do projeto, ele sentiu que o poder dos
símbolos havia desvanecido. A rede cognitiva do avatar havia se degradado
a ponto de se tornar incapaz de apoiar e estabilizar a matriz.
Desesperado, ele buscara algum jeito de restaurá-la, mas percebeu que
seus esforços eram vãos. Enraivecido com mais um fracasso, ele esmagou a
pirâmide inútil com as próprias mãos.
Antes de iniciar sua quarta e mais recente tentativa, Bane havia jurado
que não falharia novamente. O tempo era a verdadeira chave. Ele precisava
finalizar o alinhamento da matriz e impregná-la com suas energias sombrias
dentro de poucos dias, antes que as funções cognitivas do avatar
começassem a se degradar. Agora, após meses juntando materiais raros,
semanas de meditação para focar seu poder, e três dias e noites diretos de
intensa concentração, ele estava finalmente chegando perto do fim. Era
preciso apenas mais alguns ajustes menores, mas Bane estava muito ciente
de que o tempo estava se esgotando.
Três dias de constante extração de poder da Força sem comida ou
descanso deixaram seu corpo, mente e espírito exaustos. Ele ficou
particularmente vulnerável aos orbalisks naquele estado. Normalmente eles
se alimentavam das energias do lado sombrio que naturalmente fluíam
através dele, mas a criação do holocron exigia que ele canalizasse todo o
seu poder diretamente para seu trabalho. Os parasitas estavam lentamente
morrendo de fome, e em resposta eles inundaram seu fluxo sanguíneo com
hormônios e substâncias químicas que tinham o propósito de despertar uma
fúria cega para que as criaturas pudessem se empanturrar com o lado
sombrio quando ele liberasse sua raiva.
Os espasmos dos músculos das mãos e dedos eram resultado direto de
seus esforços, e não havia nada que Bane pudesse fazer além de esperar o
tremor passar. Ele possuía apenas algumas horas para completar seu
trabalho, porém não podia arriscar cometer um erro e danificar as delicadas
fibras de cristal entrelaçadas da estrutura interna do holocron.
Lentamente ele conseguiu retomar o controle dos dedos, lamentando
cada precioso segundo perdido. Quando sua mão finalmente parou de
tremer, ele respirou fundo para voltar a concentrar a mente, depois usou a
Força para tocar a matriz mais uma vez.
Uma onda de lâminas elétricas se desenrolou ao redor dos músculos e
nervos de sua coluna, fazendo Bane curvar as costas e gritar em agonia. A
dor momentaneamente quebrou sua concentração, e uma incontrolável
explosão de energia escura disparou através dele e para dentro do holocron.
O artefato explodiu um instante mais tarde, lançando sobre Bane uma chuva
de fragmentos de cristal e poeira.
Por vários segundos ele simplesmente observou o pedestal vazio,
sentindo a fome pulsante dos orbalisks e sua própria raiva se acumulando.
Um véu vermelho caiu sobre sua visão, e Darth Bane se entregou à fúria.
Capítulo 11

– QUEM É ESSA? – O HOMEM na porta exigiu saber, olhando desconfiado


para Zannah. Ele era humano, embora seu rosto e cabeça raspada fossem
cobertos com tatuagens verdes e roxas que tornavam difícil distinguir suas
feições. Ele usava uma camisa azul-clara e calças azul-escuras. Era mais
baixo do que Kel, mas muito mais encorpado na cintura e peito.
– Ela está comigo, Paak – Kel respondeu, empurrando-o de lado e
passando pela porta, puxando Zannah junto.
A sala sem mobília era pequena e escura. Música e risadas vazavam da
cantina no andar acima, mas aqueles no porão falavam apenas em sussurros
baixos e conspiratórios. Dentro da sala havia quatro outros reunidos em um
círculo: mais dois jovens rapazes, uma mulher um pouco mais velha que
Zannah e uma Chiss fêmea de pele azul e olhos vermelhos.
Paak veio atrás deles, continuando a reclamar:
– Você não pode trazê-la aqui! – ele insistiu.
– Ela trabalha na embaixada – Kel o tranquilizou, passando a história
falsa que Zannah contara quando se conheceram. – Ela pode nos ajudar.
O homem mais gordo agarrou o cotovelo de Kel e girou o Twi’lek para
encará-lo.
– Essa decisão não é sua! Hetton é nosso líder, não você!
– Hetton colocou a mim no comando desta missão – Kel o lembrou com
irritação.
– Só porque você se ofereceu para comprar aqueles passes forjados para
passarmos pelos guardas da embaixada! – Paak retrucou. – Ele colocou
você no comando porque ele precisava dos seus créditos!
– Hetton não precisa dos créditos de ninguém – o Twi’lek de pele
vermelha respondeu, com um tom de desprezo. – Ele me colocou no
comando porque estava cansado de lidar com idiotas como você.
Os lábios de Paak se curvaram em um rosnado ameaçador, mas Kel já
tinha lhe dado as costas, dispensando seu subordinado. Zannah esperou para
ver se o homem tatuado se lançaria contra Kel, mas ele apenas sacudiu a
cabeça e voltou para sua posição como vigia da porta.
Kel marchou na direção dos outros, que abriram o círculo para acomodá-
lo. Zannah se manteve um pouco afastada, notando os outros olhando-a
com curiosidade. Ela retribuiu o olhar, embora já estivesse muito ciente de
tudo que precisava saber sobre eles.
Assim como Kelad’den, eles eram revolucionários: jovens, idealistas e
patéticos. Facilmente manipulados por discursos incendiários e retórica
apaixonada, eles foram recrutados pelo misterioso “Hetton” para se juntar à
Frente de Liberação Antirrepublicana (FLA) – uma das centenas de pequenos
e insignificantes movimentos separatistas espalhados pela galáxia.
Para um grupo radical pequeno, no entanto, a FLA era particularmente
bem financiada, e os membros incluíam uma excessiva quantidade de
indivíduos altamente habilidosos e perigosos. Guerreiros de elite como Kel,
ou seres com avançado treinamento militar, eram a norma, não a exceção.
Por uma razão ou outra, todos eles juraram lealdade a Hetton e sua
organização.
Zannah achava que eles acreditavam que eram heróis, ou mesmo
eventuais mártires de sua gloriosa causa. Porém, ela não sentia nada além
de desprezo por eles. Apesar da origem marcial, eles eram pouco mais do
que crianças crescidas se reunindo em porões escuros para sussurrar planos
secretos e organizar ações terrorista mesquinhas contra um governo
galáctico que nem mesmo sabia que eles existiam.
Até mesmo Kel não escapava de seu desprezo. Porém, Zannah precisava
admitir que havia algo de atraente nele. Permitir que ele se apaixonasse por
ela não seria necessário para completar a missão, mas ela estava disposta –
talvez até ansiosa – para ter a atenção dele. A atração ia além da mera
aparência física. Havia uma energia selvagem nele. Kel queimava com uma
arrogância bruta; seu fogo a envolvia sempre que estavam juntos.
Zannah sabia que era atraída pelo calor de Kel em parte porque seu
mestre sempre era tão frio. Bane servira como seu guardião por dez anos;
ele a criara, protegera e treinara nos ensinamentos dos Sith. Mas ela não o
enxergava como uma figura paterna. Embora não fosse cruel ou abusivo,
ele também não mostrara qualquer afeto por ela, nem mesmo um traço de
empatia ou compaixão. Ele a valorizava não como uma pessoa, mas como
sua herdeira; Zannah não era nada além de um mecanismo para continuar o
legado dos Sith após a morte de Bane.
Coberto por sua armadura orbalisk, Bane mal podia ser chamado de
humano. Raiva, ódio, amor, desejo – não eram nada para ele agora, apenas
um meio para alimentar seu poder. Porém, Zannah ainda precisava sentir.
Ela ansiava pela paixão crua de emoções reais. Estava sedenta por ela.
Zannah encontrara o que queria em Kel. Ele dera a ela a única coisa que
seu mestre não podia. Mas nunca considerou trair ou abandonar Darth
Bane. Ela foi testemunha de seu absoluto comando da Força; ela sentira o
poder do lado sombrio dentro dele. Bane era o lorde sombrio dos Sith, e
Zannah um dia iria arrancar o manto de seus ombros e tomá-lo para si.
Nada – nenhuma noção ingênua, nenhuma tentação por emoções ou mesmo
amor – a impediria de reclamar o destino que era seu por direito.
Comparado a isso, Kel e os outros separatistas reunidos no porão eram
apenas pessoas pequenas levando vidas insignificantes. Seu único valor era
que Bane enxergava um uso potencial para eles, e era tarefa de Zannah se
certificar que as ações deles se encaixassem no grande plano de seu mestre.
Kel havia revelado o plano do grupo para ela durante um jantar
romântico: eles iriam sequestrar oficiais menos importantes e exigir
dinheiro por seu resgate. Acreditavam que o interesse da mídia gerado por
suas ações seria o catalizador que uniria os povos da Orla Exterior em um
levante para derrubar o Senado.
Eles eram patéticos em sua ingenuidade, tolos que Zannah escolhera para
ser peões de sua própria missão. Eram ferramentas que seriam usadas e
depois descartadas assim que cumprissem seu propósito… e esse propósito
era a morte, para que ela pudesse cumprir a diretiva de seu mestre.
– Meus companheiros patriotas – Kel começou a dizer, sua voz se
erguendo como se fosse um orador profissional falando em público. – Nós
nos unimos por uma única causa: a completa destruição da República.
Porém, o que fizemos até agora para conquistar isso?
– Nós falamos sobre revolução, porém, temos medo de fazer o necessário
para isso acontecer. Mas isso logo irá mudar. Em três dias, nós forçaremos a
República a notar nossa existência!
– Três dias? – Cyndra, a Chiss, protestou. – Do que você está falando?
– Hetton quer um ataque durante as Celebrações do Armistício – Paak
acrescentou. – Chamará mais atenção do que um ataque no aniversário das
Reformas de Ruusan.
– Por que esperar meses quando a perfeita oportunidade está diante de
nós? – Kel perguntou, usando os mesmos argumentos que Zannah usara
para persuadi-lo. – Ninguém se importará com a morte de um único
embaixador. Precisamos encontrar um alvo que fará toda a galáxia saber da
nossa existência!
– Quem? – um dos jovens rapazes perguntou.
– O chanceler Valorum.
– O mandato do chanceler Valorum terminou dois anos atrás – Paak disse
num tom irritado.
– Ele ainda serve ao Senado como emissário diplomático. E foram suas
Políticas de Unificação que atraíram tantos mundos de volta para a teia de
influência da República. Ele é responsável por tudo que lutamos contra, é o
símbolo de tudo que desejamos destruir. Ele é o alvo perfeito.
– Como podemos pegá-lo? – Cyndra perguntou.
– Ele marcou uma reunião secreta com os chefes das mais poderosas
famílias nobres de Serenno. Acreditamos que irá tentar persuadi-los a agir
contra os movimentos separatistas em nosso planeta – movimentos como o
nosso.
– Como você descobriu isso? – a jovem mulher perguntou.
Kel assentiu na direção de Zannah, as caudas em sua cabeça tremendo
um pouco. Ela deu um passo adiante e começou a falar:
– Meu nome é Rainah. Sou assistente administrativa na embaixada da
República.
Essa era a mentira que ela primeiro usara para atrair a atenção de Kel, e
era um disfarce conveniente para a informação que ela comprara de um dos
misteriosos contatos de Bane no submundo…

– Tudo está preparado, lorde Eddels – o Muun disse, entregando um


datapad para o mestre de Zannah. – Tudo que você precisará está aqui.
Zannah nunca vira um Muun antes, e ela achou sua aparência um tanto
perturbadora. Ele era alto o bastante para encarar Bane de frente, mas sua
cabeça, corpo e membros eram alongados e finos, como se ele tivesse sido
horrivelmente esticado para alcançar sua altura atual. Sua pele possuía um
branco pálido com um desconcertante tom rosa-azulado. Suas feições eram
aborrecidas, os olhos e maçãs do rosto pareciam afundados, e ele não
parecia possuir um nariz. A cabeça era careca, e ele vestia roupas marrons
enfadonhas. Parecia extremamente desconfortável sob os sóis gêmeos de
Tatooine, mas era profissional demais para reclamar.
Mais cedo, Bane havia explicado que aquele encontro no deserto do Mar
das Dunas era a culminação de um plano colocado em movimento quase
um ano antes, pouco depois de terem chegado a Ambria. Um plano no qual
ela fora inadvertidamente a catalisadora. Rabiscado na capa traseira do
manuscrito que Zannah havia descoberto e entregue para seu mestre no
acampamento Sith em Ruusan, havia uma longa lista de números
misteriosos: contas anônimas abertas com o Clã Bancário Intergaláctico.
Lorde Qordis, Bane disse a ela, fora um colecionador de tesouros raros e
caros. Com o passar dos anos ele desviou uma fortuna incrível da
Irmandade da Escuridão de Kaan, depositando-a em contas secretas e
fazendo retiradas sempre que comprava outro item para alimentar sua
avareza. Com o fim da Irmandade, Bane se tornou o único que sabia da
existência e que podia reclamar posse das contas. Mas riquezas materiais
não atraíam seu mestre além da utilidade que poderiam ter a ele.
– Informação é uma mercadoria. Pode ser negociada, vendida e
comprada. E no final, créditos valem tanto quanto os segredos que
compram.
No último ano, Bane começara a gastar os créditos. Importantes oficiais
administrativos foram subornados para darem acesso a arquivos secretos.
Espiões do governo e criminosos bem-conectados foram contratados para
ser seus agentes. Usando sua fortuna recém-adquirida, ele cuidadosamente
construiu uma rede de informantes para ser seus olhos e ouvidos em
centenas de mundos diferentes.
Entretanto, Bane nunca teve qualquer contato direto com qualquer uma
dessas pessoas. Como o último Sith, era vital que permanecesse escondido
no anonimato. Tudo que conquistara fora através do uso de um
intermediário – o Muun que agora estava diante deles.
– Você seguiu minhas instruções exatamente? – Bane perguntou para o
Muun.
– Precisamente, lorde Eddels. Todos os pagamentos serão feitos através
de contas de terceiros, impossíveis de ser rastreadas até a fonte – o Muun
lhe assegurou. – Em troca, você receberá relatos regulares e um constante
fluxo de informações legais e ilegais. Qualquer instrução que queira passar
para seus agentes será entregue através de serviços de mensagens seguros.
Completamente anônimos.
– E mais ninguém sabe que eu estou envolvido?
– Você conhece muito bem a minha reputação – o Muun o lembrou. – Eu
me orgulho de minha discrição. É por isso que as pessoas como você me
procuram, lorde Eddels.
– Então nosso assunto aqui acabou.
Olhando brevemente para Zannah, o Muun se virou e começou a voltar
lentamente pela areia na direção de sua nave. A jovem garota observou,
ansiosamente antecipando qual seria a maneira de sua morte. A ideia de
que seu mestre permitiria que o Muun saísse daquele encontro vivo nunca
passou pela sua mente. Ele era o único que sabia a identidade do indivíduo
responsável por criar a teia de espiões e informantes que cobria toda a
galáxia. Era o único que vira o rosto de Bane.
O Muun alcançou sua nave sem incidentes e subiu a bordo. Zannah
continuou a observar quando os motores ganharam vida e a nave começou
a subir aos céus. Quando desapareceu intacta além do horizonte, ela se
virou incrédula para seu mestre.
– Você o deixou viver?
– Ele ainda possui valor para nós – Bane respondeu.
– Mas ele viu você! Ele sabe quem você é!
– Ele sabe apenas o que precisava saber: um homem rico usando o nome
lorde Eddels o contratou para arranjar uma rede de informação anônima.
Ele não tem conhecimento de quem eu realmente sou, ou de qual é o meu
verdadeiro propósito. E não tem conhecimento de onde ou como me
encontrar, a menos que eu entre em contato com uma localização para
outro encontro.
Zannah se lembrou de uma história que seu mestre uma vez contara
sobre um curandeiro em Ambria chamado Caleb. Bane, à beira da morte,
cruzara com o curandeiro e ordenara que o homem o ajudasse. Mas Caleb,
sentindo o poder do lado sombrio dentro de seu mestre, recusara. No fim,
Bane forçara a obediência de Caleb ameaçando a vida de sua filha.
Quando o lorde sombrio se curou, ele não tomou ação contra o homem que
havia ousado desafiar sua ordem. O curandeiro possuía poder, e seu mestre
sabia que o valor de deixá-lo vivo pesava mais do que os riscos – e o
prazer mesquinho – de acabar com sua vida.
– Não há propósito em sua morte – Zannah murmurou, mordendo os
lábios pensativamente…
– Rainah pode nos fornecer os horários e locais exatos da agenda do
chanceler Valorum – Kel explicou para o resto do pequeno grupo. – Quando
sua nave aterrissar, estaremos lá esperando por ele.
– Ele terá muitos seguranças – Paak alertou.
– Apenas sua guarda pessoal – Zannah disse. – Qualquer coisa maior
poderia atrair uma atenção indesejada.
– Ele quer manter sua chegada em segredo – Kel acrescentou. – O
Senado se recusa a reconhecer oficialmente que um movimento separatista
existe, então sua missão foi classificada como uma visita pessoal.
– Três dias é cedo demais – Cyndra argumentou. – Precisamos de mais
tempo para nos preparar.
– Tudo que precisamos está aqui – Kel retrucou. – Temos as armas, e
todos temos treinamento para usá-las. Sabemos onde e quando o chanceler
chegará. Do que mais precisamos?
– De uma ordem de Hetton – Paak murmurou.
Kel se virou para ele, irritado.
– Você acha mesmo que precisamos da permissão de Hetton? Você acha
que somos crianças? Acha que somos incapazes de agir por conta própria?
– Ele é nosso líder – Paak murmurou com mau humor. – É ele quem diz o
que devemos fazer.
– Assim como o Senado da República – Zannah disse. – Não é
exatamente contra isso que vocês estão lutando? Obediência a um mestre,
qualquer mestre, é escravidão.
Ela disse as palavras com completa convicção, embora não acreditasse
nelas. Ao mesmo tempo, Zannah usou a Força para tocar as mentes de todos
no porão. Era possível usar o lado sombrio para dominar a vontade de outro
indivíduo, mas isso não serviria para seu propósito ali. Os efeitos da
dominação mental começariam a sumir após algumas horas. No momento
da chegada do chanceler Valorum, qualquer influência direta que ela
exercesse agora sobre Kel e seus amigos já teria desaparecido.
Zannah preferia uma abordagem mais sutil e insidiosa. Em vez de usar a
Força para influenciar a vontade deles, ela gentilmente estimulou a psique
coletiva do grupo, incentivando seus padrões mentais a deixá-los mais
emocionais, mais agressivos. O processo em si era inútil, mas combinado
com palavras persuasivas para atiçar ainda mais os ânimos, os efeitos
poderiam ser muito poderosos – e mais duradouros – que a força bruta do
simples controle da mente.
Entretanto, as palavras não poderiam sair da boca dela. Zannah era uma
estranha ali; eles não confiavam nela. Seus instintos naturais rejeitariam os
argumentos dela; em seu estado hiperagressivo induzido, eles rapidamente
se voltariam contra ela. Eles precisavam ser convencidos por alguém que
conheciam. Alguém como Kel.
– Vocês dizem que querem independência – o belo Twi’lek disse a eles. –
Vocês dizem que lutarão por sua liberdade. Porém, quando ofereço a
chance, vocês querem se encolher como um cachorro kath banido da
matilha.
– É melhor esperarmos as Celebrações do Armistício – Cyndra insistiu. –
Precisamos manter o plano original.
– Um plano não é nada até você o colocar em ação – Kel respondeu. –
Nós conversamos sobre o que faremos no futuro, mas quando as
Celebrações do Armistício chegarem, vamos acabar encontrando outra
desculpa para esperarmos ainda mais. Reuniões secretas não trarão
mudanças para a galáxia. Apenas planejar não fará o Senado tremer nem
deixará a República de joelhos. Precisamos agir, e o momento para ação é
agora!
Zannah reconheceu suas próprias palavras saindo da boca de Kel. Ela
plantou essas palavras durante semanas de conversas íntimas, como
sementes de ideias que agora floresciam. Kel falava as palavras com paixão
e ardência, pronunciando-as como se realmente acreditasse que fossem
dele.
Bane ficaria satisfeito. Aquilo era o real poder: manipular alguém para
seus propósitos, mas fazê-lo acreditar que estava no controle. Kel era o
fantoche de Zannah, mas seu orgulho e ego o cegaram para os fios com os
quais ela o fazia dançar.
– Estamos diante de um evento singular – ele continuou. – Em três dias
vamos aplicar um grande golpe contra os tiranos da República, o primeiro
passo em nossa longa e gloriosa marcha para a independência e a
verdadeira liberdade!
Uma onda espontânea de aprovação varreu o porão, e Zannah soube que
Kel havia convencido seu grupo. Apenas Paak e Cyndra mostraram algum
sinal de relutância, mas quando o resto do grupo começou a discutir os
detalhes do plano para capturar o chanceler Valorum, até mesmo eles
abandonaram suas hesitações.
A reunião se estendeu por toda a noite, e quando terminou, ela e Kel
voltaram ao pequeno apartamento que ela alugara como parte de seu
disfarce.
– Você foi magnífico hoje – ela sussurrou.
– Esta é a última vez que poderei vê-la até tudo isso acabar – Kel alertou.
– Os outros estão contando comigo. Não posso ter nenhuma distração.
Como resposta, ela agarrou seu pulso, depois o puxou para mais perto,
para um abraço apertado.
Ele partiu na manhã seguinte. Zannah se despediu com um beijo e voltou
a dormir. Mais tarde, ela saiu da cama e começou a juntar suas coisas. Sua
missão ali havia acabado; ela sabia que nunca mais veria Kel vivo
novamente. Era hora de voltar para Ambria.

O acampamento estava em ruínas. As tendas estavam destruídas, as


coberturas rasgadas em pedaços. Caixotes de suprimentos foram
transformados em pilhas de madeira destroçada, o conteúdo jogado e
espalhado pelo vento. Células de energia de cem quilos se espalhavam pelo
acampamento, algumas a cinquenta metros de onde estavam guardadas.
O chão estava repleto de destroços e marcado por dezenas de manchas
queimadas que Zannah reconhecia como os restos de uma terrível
tempestade de relâmpagos não naturais. O ar ainda estalava com o poder e
energia do lado sombrio que faziam sua pele se arrepiar de expectativa e
medo.
Era fácil adivinhar o que acontecera. Bane falhara outra vez em sua
tentativa de criar um holocron, e então, em sua raiva cega, ele descontara a
frustração no acampamento, liberando todo o poder da Força.
Se ela estivesse lá quando acontecera, Zannah imaginou, será que poderia
tê-lo impedido? Será que teria conseguido até mesmo sobreviver?
Ela viu Bane sentado no lado mais afastado do acampamento, de costas
para ela enquanto observava o horizonte, meditando sobre seu fracasso. Ele
se virou para Zannah quando ela se aproximou, levantando-se e encarando-
a do alto de seus dois metros de altura. Suas roupas haviam sido destruídas
e queimadas, revelando toda a extensão da infestação dos orbalisks.
Centenas das criaturas se fixavam em seu corpo; exceto pelo rosto e pelas
mãos, seu corpo estava agora completamente coberto. Era como se vestisse
uma armadura feita com as carapaças dos crustáceos mortos. Porém ela
sabia que, sob as conchas, os parasitas ainda estavam vivos, alimentando-se
dele.
Bane dizia que os orbalisks aumentavam seu poder, dando a ele uma
força e capacidade de cura não naturais. Mas, ao testemunhar o resultado de
seu fracasso com o holocron, Zannah se perguntou qual seria o verdadeiro
custo dessas capacidades. Que utilidade possui um grande poder se for
impossível controlá-lo?
Para seu alívio, a fúria parecia ter passado, e Zannah sabia que não
deveria perguntar nada sobre aquilo. Ela apenas ofereceu as novidades de
sua missão.
– Está feito. Quando a nave do chanceler Valorum aterrissar, Kel e seus
seguidores estarão esperando por ele.
– Você fez bem – Bane respondeu.
Como sempre, ela sentiu uma onda de orgulho e realização diante do
elogio de seu mestre. Mas sua satisfação ficou prejudicada pelas memórias
de Kel e pelo fato de saber que nunca mais o veria.
– Existe alguma chance de eles terem sucesso? – ela perguntou.
– Não – Bane disse após considerar por um momento.
– Então, qual é o propósito deles? – ela exigiu saber, finalmente cedendo
à frustração. – Não entendo por que você me envia para missões assim! Por
que perder todo esse tempo e esforço, se sabemos que eles vão falhar? –
Eles não precisam ter sucesso para ter valor para nós – Bane respondeu. –
Os separatistas são apenas uma distração. Eles chamam a atenção do
Senado e cegam os olhos do Conselho Jedi.
– Cegam?
– Os Jedi se entregaram à vontade do Senado. Eles afundaram no pântano
da política e da burocracia. A República cultiva um governo unificado para
manter a paz através da galáxia, e os Jedi foram reduzidos a nada mais do
que uma ferramenta para que isso aconteça. Sempre que os radicais atacam
a República, o Conselho Jedi é convocado a agir. Recursos são
desperdiçados para sufocar rebeliões e levantes, mantendo o foco deles
longe de nós.
– Mas por que os separatistas precisam sempre fracassar? – Zannah
perguntou. – Nós poderíamos ajudá-los sem arriscar nossa exposição!
– Se eles tivessem sucesso, eles ganhariam apoio – Bane explicou. – Seu
poder e influência cresceriam. Eles se tornariam mais difíceis de manipular
e controlar. É possível até se tornarem fortes o bastante para derrubar a
República.
– Mas isso não é uma coisa boa? – Zannah perguntou.
– A República segura os Jedi. A República mantém o controle e impõe a
ordem em milhares de mundos. Mas, se ela cair, uma série de novos
governos interestelares e organizações galácticas nascerão. É muito mais
fácil manipular e controlar um único inimigo do que vinte. É por isso que
precisamos buscar grupos separatistas radicais, identificando aqueles que
possuem potencial para se tornar verdadeiras ameaças, depois encorajá-los
a atacar sem estarem prontos. Precisamos explorá-los, jogando-os contra a
República. Precisamos fazer nossos inimigos enfraquecerem uns aos outros
enquanto nós permanecemos escondidos e aumentando nossa força. Um dia
a República cairá e os Jedi serão exterminados – ele assegurou a ela. – Mas
isso não acontecerá até que nós estejamos prontos para tomar o poder.
Zannah assentiu, embora sua mente ainda estivesse tentando
compreender a complexidade das maquinações políticas de seu mestre. Ela
pensou em todas as missões que realizara no passado, tentando enxergar
como cada uma se encaixava em seus planos.
– Você nunca questionou suas missões antes – Bane notou. Ele não soou
irritado, apenas curioso.
Ela não queria contar a ele sobre Kel. Apesar de ter cumprido tudo o que
Bane exigira dela, Zannah sabia que ele enxergaria seus sentimentos pelo
Twi’lek como um sinal de fraqueza.
– Mesmo não entendendo o propósito por trás das minhas missões, nunca
tive razão para duvidar de sua sabedoria, mestre – ela respondeu,
percebendo que poderia usar a pergunta dele a seu favor.
– Você duvida de mim agora?
Ela deu uma longa olhada ao redor, passando os olhos vagarosamente
sobre os destroços do acampamento.
– Nunca vi você perdendo o controle de seu poder dessa maneira antes –
ela sussurrou, envolvendo sua manipulação em uma casca de verdade. –
Meu medo era que o orbalisks pudessem atrapalhar seu julgamento. Ou que
tivessem finalmente levado você à loucura.
Bane não respondeu imediatamente, e quando falou, sua voz saiu curta e
grossa.
– Eu controlo os orbalisks. Não são eles que me controlam.
– É claro, mestre – ela se desculpou. Mas sabia que conseguira plantar a
semente da dúvida com sucesso. Tentar manipular seu mestre era um jogo
perigoso, mas era um risco que ela precisava correr. Se os orbalisks
causassem outra explosão de fúria, ele poderia matar Zannah. Convencer
Bane a procurar uma maneira de se livrar da infestação era uma questão de
autopreservação.
– Limpe o acampamento – Bane ordenou. – Depois volte para Serenno.
Precisamos de mais suprimentos.
Ela obedeceu com uma reverência e começou a juntar os destroços
quando Bane retomou suas meditações. Enquanto lentamente restaurava
alguma ordem ao acampamento, Zannah começou a perceber que as
dúvidas que havia plantado na mente de Bane poderiam ter outro benefício
a longo prazo.
Era inevitável que um dia ela fosse desafiá-lo pelo título de mestre Sith,
mas Bane era incrivelmente forte – fisicamente e como usuário da Força.
Envolto em uma armadura viva que aumentava seus poderes e o protegia de
praticamente todas as armas conhecidas, ele era quase invencível.
Convencer Bane a se livrar da armadura orbalisk, Zannah percebeu,
poderia ser a única verdadeira esperança de derrotá-lo e cumprir seu
destino.
Capítulo 12

JOHUN SE AJEITOU EM SEU assento, tentando encontrar uma posição mais


confortável e pensando sobre o quanto era mais fácil aguentar o desconforto
de viagens interestelares quando era jovem. Mas ele já não era um
adolescente à beira de se tornar um adulto. Agora ele era mais alto –
possuía 1,85 m de altura. E seu corpo magro se tornara robusto e cheio de
músculos. O único resquício do jovem rapaz de antes eram os cabelos
loiros, que ainda chegavam até os ombros – um forte contraste com a barba
negra que cobria o rosto.
Ele se ajeitou outra vez e olhou severamente para Tarsus Valorum, que
parecia muito confortável no assento ao lado. O chanceler agora já estava
com os seus sessenta anos, embora, com exceção de alguns fios brancos nas
têmporas, ele ainda tivesse praticamente a mesma aparência de quando
Johun o conhecera. Tarsus olhou de volta com um sorriso para o Jedi e
encolheu os ombros… a coisa mais próxima de um pedido de desculpas que
Johun receberia por ter de aguentar o longo voo interestelar a bordo daquela
nave de segunda categoria.
A nave Novo Amanhecer era uma nave classe Emissário – eficaz, mas
longe de ser luxuosa. Seria simples para Tarsus Valorum, antigo chanceler
supremo do Senado Galáctico, pedir uma nave mais extravagante para seu
uso pessoal: uma das novas naves classe Theta, ou até mesmo um
magnífico cruzador espacial consular, que era tão popular entre a
comunidade diplomática. Considerando sua posição no passado, era muito
possível que o Senado aprovasse os fundos para essa compra. Mas Valorum
insistira que a pequena Nova Amanhecer, com sua tripulação de duas
pessoas, espaço para seis passageiros e um hiperpropulsor classe seis, era
mais do que adequada para suas necessidades agora que ele havia
oficialmente deixado seu cargo.
Era um pequeno gesto de modéstia e praticidade que dizia muito sobre o
homem em si. Com o passar dos anos Johun observara o chanceler em
público e em sua privacidade, e quanto mais o conhecia, mais respeito ele
sentia por Valorum. Mas isso não significava que o homem não podia ser
teimoso e até mesmo obstinado, como provara quando recusou a oferta do
Senado de uma guarda de honra que o acompanharia em suas missões
diplomáticas.
Um político aposentado não é ameaça para ninguém, ele argumentara. E
eu certamente não sou mais importante o bastante para que outros corram
perigo por minha causa.
Johun ainda viajava ao seu lado, mas isso era por escolha própria, não era
um pedido de Valorum. Ele sabia o valor que o chanceler ainda possuía para
a República, e sabia que havia inimigos que o atacariam, se tivessem a
chance. Tentou várias vezes convencer Tarsus a viajar com mais segurança,
mas nunca teve sucesso. Então, até que seu amigo teimoso concordasse com
uma guarda pessoal, Johun estava determinado a acompanhá-lo em cada
missão.
– Espero que não demore muito para chegarmos – Johun murmurou,
dando voz ao seu desconforto.
– Você ainda pode entrar em um dos seus transes meditativos para passar
o tempo – o chanceler disse com um tom de piada. – Você não é muito bom
em jogar conversa fora, de qualquer maneira.
Tarsus apenas permitiu que Johun o acompanhasse por causa da longa
relação entre os dois. O Jedi fora membro da guarda do chanceler por quase
todo o primeiro mandato de quatro anos e pela totalidade do segundo.
Agora, sua posição oficial era de conselheiro Jedi, embora Johun nunca
tivesse a pretensão de “aconselhar” o chanceler sobre qualquer coisa.
Tarsus Valorum era conhecido pela galáxia como o homem que salvou a
República. Liderando as Reformas de Ruusan no Senado, ele inaugurou
uma nova era de paz, prosperidade e expansão. Porém, não foram as suas
conquistas que o tornaram um grande homem aos olhos de Johun; foi a
maneira como ele as obteve.
Servindo ao lado do chanceler, o Jedi testemunhara o verdadeiro poder
das palavras e ideias. Tarsus Valorum era um homem de profundas
convicções – o tipo raro de político que realmente acreditava em suas
próprias palavras. Determinado a criar uma Era Dourada para os cidadãos
da galáxia, ele perseguira com vigor incansável seu sonho de uma
República renascida e reunificada. Centenas de mundos que se separaram
durante os últimos séculos de guerra e revolta galáctica foram trazidos de
volta para a República durante seu mandato. E, quando este chegou ao fim e
veio o momento de entregar a posição para seu sucessor, ele se certificou de
que tudo estava no lugar para ela continuar seu trabalho.
Ainda mais incrível, a grande reunificação fora conquistada com o
mínimo de batalhas e de derramamento de sangue. Contando com
embaixadores e tratados, ele conseguira aquilo que não poderia ser feito
através de exércitos e guerras. Para ganhar um mundo, você deve ganhar
os corações e mentes das pessoas, o chanceler explicara uma vez, logo após
Johun ser destacado para sua segurança. Agora, após uma década
testemunhando tudo que Valorum conquistou, ele sabia que palavras mais
verdadeiras nunca foram ditas.
– Chegada estimada em cinco minutos – a voz do piloto soou no
comunicador interno. – Preparar para aterrissagem.
Johun soltou um suspiro exagerado de alívio, e o chanceler riu um pouco.
Era uma rotina familiar para os dois homens. Embora estivesse aposentado,
Tarsus não era alguém que simplesmente se desligaria do mundo político.
Ele permanecia um vigoroso defensor da República. Nos dois anos
seguintes ao fim de seu mandato, Johun o acompanhou em mais de
cinquenta missões diplomáticas… como aquela em que estavam agora.
O planeta Serenno era um importante mundo para a República. As
famílias nobres que o governavam estavam entre as mais ricas da galáxia.
Além de doarem enormes quantias para caridade e organizações políticas
altamente visíveis, elas possuíam o capital financeiro para ajudar a garantir
enormes projetos governamentais de infraestrutura.
Mais importante, seus vastos recursos também permitiam financiar
grupos que faziam oposição à República, se assim escolhessem. Facções
separatistas geralmente buscavam benfeitores ricos em Carannia, Saffia e
Fiyarro, as três maiores cidades de Serenno.
Valorum viajou até o planeta para se encontrar com os chefes das seis
mais poderosas famílias naquele mundo. Ele esperava convencê-los a usar
sua influência para persuadir as outras famílias a cortar todo o
financiamento das facções antirrepublicanas. Era uma difícil missão, já que
os condes de Serenno não eram conhecidos por aceitarem as exigências de
estrangeiros.
Para facilitar as negociações, a visita aconteceria através de canais não
oficiais. Valorum uma vez explicara a Johun que muitos governantes e
políticos se comportavam de forma muito diferente quando estavam
expostos aos olhos do público. Era muito comum que simplesmente
passassem a aparência de que estavam de acordo, uma tática que Tarsus
pessoalmente desprezava. Em um fórum público, oficiais geralmente
ofereciam promessas de apoio a uma causa em que eles não acreditavam,
apenas para depois recuarem de sua posição assim que o escrutínio público
passasse.
Por outro lado, governantes podiam se opor ou rejeitar uma ideia que eles
apoiavam para não parecerem fracos ou facilmente manipulados. Assim era
o caso em Serenno. Se fosse fato notório que um representante da
República estava chegando para pressioná-los, as famílias se oporiam por
mero princípio.
Nunca confie em uma promessa feita na frente de um holoprojetor, o
chanceler muitas vezes alertava. Se você quiser alguma coisa, você precisa
se encontrar atrás de portas fechadas e olhar a pessoa diretamente nos
olhos.
– Fazendo aproximação final – o piloto anunciou, e Johun sentiu a nave
tombar levemente para a esquerda.
A chegada estava marcada para o espaçoporto privado do conde Nalju,
chefe de uma das Grandes Casas de Serenno e um forte aliado da
República. Após aterrissarem em um local afastado na propriedade da
família Nalju, tomariam um landspeeder até o local de encontro com
representantes de cada uma das Grandes Casas para que Valorum pudesse
expor seu caso.
Eles sentiram a leve sacudida da aterrissagem e ouviram o som da rampa
de embarque se estendendo. Ansioso para sair e esticar as pernas, Johun se
levantou.
– Podemos desembarcar, Vossa Excelência? – ele perguntou, usando o
termo que o chanceler ainda possuía o direito mesmo na aposentadoria.
Valorum se levantou do assento, depois checou suas roupas uma última
vez. Johun usava as vestes tradicionais de sua ordem, mas Tarsus vestia um
elaborado conjunto de acordo com os costumes e a moda da realeza de
Serenno. Ele recebera calças azul-escuras e uma camisa branca folgada,
ambas feitas à mão por mestres alfaiates. Cobrindo os ombros havia uma
capa de seda preta como a noite – um presente do conde Nalju. As
extremidades da capa, junto com a gola e as abotoaduras da camisa, eram
bordadas com padrões de três círculos brancos entrelaçados sobre um fundo
azul, o emblema e as cores da Casa Nalju.
Todo o conjunto fora confeccionado apenas com os materiais mais finos
e caros; Johun estremeceu imaginando o preço. Mas as roupas eram
símbolo do apoio incondicional da Casa Nalju à causa do chanceler. Sem o
patrocínio de uma Casa poderosa e antiga, a nobreza do planeta
simplesmente desprezaria Valorum como um estrangeiro ou um inferior.
Johun sabia que Tarsus poderia ter pedido ao Senado que o reembolsasse.
Entretanto, como era de sua natureza, escolhera pagar sozinho.
Eles desembarcaram em uma pequena plataforma construída sobre uma
alta formação rochosa se erguendo como um pilar sobre o oceano. A
cinquenta metros estavam os imponentes desfiladeiros da costa, cujo topo
era da mesma altura da plataforma de aterrissagem. Uma única passarela
conectava a plataforma à costa. Na metade do caminho, perfeitamente
centralizada entre os desfiladeiros e a plataforma, havia uma outra
plataforma, mais larga, de cinco metros quadrados, apoiada por um
esqueleto de vigas reforçadas.
Não havia balaustrada na plataforma nem na passarela. Johun sabia que
essa ausência – assim como muitos outros aspectos da cultura de Serenno –
era simbólica. Havia uma longa tradição de feroz independência entre a
nobreza. Uma balaustrada na passarela ou na plataforma seria um sinal de
fraqueza, uma admissão de fragilidade e mortalidade que enfraqueceria o
orgulho e a posição da Casa Nalju. Mesmo assim, o Jedi não deixou de se
preocupar com a segurança do chanceler quando contemplou a queda de
cinquenta metros até as frias águas lá embaixo.
O único propósito da chegada naquele local era evitar chamar atenção,
então não foi surpresa quando ele viu que havia apenas algumas pessoas
esperando para recebê-los. Johun achou que fossem criados do conde Nalju,
já que vestiam roupas semelhantes à capa de Valorum.
Quatro figuras estavam juntas na plataforma do meio, esperando por eles,
recebendo a brisa do oceano que fazia suas capas esvoaçarem no ar. Três
eram humanos – dois homens e uma mulher. A quarta figura era um macho
Twi’lek de pele intensamente vermelha; Johun se perguntou se ter um
Lethano entre seus funcionários seria algum tipo de símbolo de status para
os nobres.
Esperando no desfiladeiro no final da passarela havia mais dois criados,
ao lado do landspeeder que os levaria para as reuniões. Diferente daqueles
na plataforma, esses criados estavam longe demais para Johun enxergar
detalhes que pudessem indicar espécie e gênero.
Os motores da Novo Amanhecer foram desligados, e seu barulho foi
substituído pelo ritmo das ondas quebrando implacavelmente sobre a face
dos desfiladeiros.
– Isso aqui não seria minha primeira escolha para local de aterrissagem –
Johun notou, falando alto o bastante para Tarsus ouvi-lo sobre o bater das
ondas e o soprar do vento.
– Bom, eu pedi a Nalju que pousássemos em um local afastado – Tarsus
gritou de volta junto com uma risada. – Estou vendo que eles ficaram no
meio do caminho para nos receber – acrescentou, acenando com a cabeça
na direção das quatro figuras que esperavam na plataforma.
– E você avançaria mais numa passarela como essa? – Johun perguntou.
– É, acho que não – admitiu o chanceler, depois baixou a cabeça contra o
vento forte e seguiu para a passarela.
Johun fez o mesmo logo depois, embora sentisse uma súbita inquietude
sobre toda aquela situação.
– Tenha cuidado – ele gritou para Valorum. – Se você cair para o lado, eu
não prometo que vou conseguir segurá-lo.
Tarsus ou não ouviu ou estava ocupado demais se concentrando em
atravessar a passarela com segurança.
Eles estavam apenas a poucos metros da plataforma quando Johun foi
atingido por uma poderosa premonição, um inegável distúrbio na Força que
o alertou sobre algo terrível que estava prestes a acontecer. Até aquele
ponto, sua atenção estava voltada para Valorum atravessando a passarela.
Agora ele abriu sua percepção e permitiu que a Força fluísse através dele,
pintando uma perfeita imagem de todo o seu entorno.
As quatro figuras esperando na plataforma estavam armadas com blasters
e vibroarmas. Os dois ao lado do speeder – um humano baixo e gordo cujos
braços e pescoço estavam cobertos de tatuagens verdes e roxas, e uma Chiss
fêmea – também estavam armados. Mais alarmante ainda, a Chiss parecia
esconder algo em sua mão.
Mesmo sem se virar, sua percepção aguçada permitiu que enxergasse a
Novo Amanhecer na plataforma atrás dele. Ao redor da circunferência do
pilar, logo abaixo da base e escondido da vista, ele sentiu algo explosivo.
Ele deduziu que a Chiss segurava um detonador remoto.
Johun identificou cada detalhe da cena em um piscar de olhos. Mesmo
assim, ele não foi rápido o bastante para salvar a Novo Amanhecer ou sua
tripulação. A Chiss acionou o detonador em sua mão, e as cargas ao redor
da plataforma de aterrissagem explodiram. A explosão rasgou o exterior da
nave, deixando grandes buracos fumegantes em seu casco blindado. Os
fragmentos acertaram o piloto e o navegador lá dentro, matando ambos
instantaneamente.
A metade superior da coluna de pedra da plataforma se despedaçou,
lançando a Novo Amanhecer para o abismo. A nave ricocheteou no resto do
pilar, depois atingiu a água emitindo um estrondo que ecoou no vazio,
despachando uma chuva de espuma no ar; a nave afundou quase
instantaneamente sob a fria e espumante superfície do oceano.
Quando a plataforma de aterrissagem despencou, a passarela envergou e
se dobrou, derrubando Valorum para o lado. Usando a Força, Johun saltou e
aterrissou de barriga, lançando o braço sobre a beirada para agarrar a capa
de Valorum um instante antes que ele caísse para a morte. O chanceler ficou
pendurado por um segundo antes de Johun o balançar com um braço só,
jogando-o como um pêndulo para cima até aterrissar em segurança na
passarela bamba atrás do Jedi.
Johun acionou a lâmina verde de seu sabre de luz a tempo de desviar um
tiro de blaster disparado pela mulher na plataforma, depois se levantou para
encarar seus agressores. Eles hesitaram diante da marca registrada dos Jedi,
considerando suas chances contra o novo inimigo.
A hesitação deu a Johun a chance de avaliar a situação. Recuar era
impossível: a seção da passarela onde estavam se pendurava na plataforma
onde seus adversários estavam; o outro lado fora arrancado e terminava no
vazio. A única rota de fuga era seguir em frente para os desfiladeiros – e
isso significava passar pelos inimigos.
– Não se mexa! – ele gritou para Valorum ao saltar para a frente,
aterrissando na plataforma ao mesmo tempo que a mulher e os dois homens
sacavam suas vibroespadas. Apenas o Twi’lek permaneceu recuado.
Os três empunhavam armas forjadas com cortosis, permitindo que suas
lâminas defendessem golpes do sabre de luz de Johun sem se
despedaçarem. Foi preciso apenas os primeiros movimentos para ele
perceber que seus oponentes eram altamente treinados. Defendendo um
rápido golpe que pretendia rasgar sua barriga, Johun girou para interceptar
uma investida da mulher direcionada contra seu pescoço. Ele respondeu
com um chute giratório, desequilibrando-a ao mesmo tempo em que jogava
o sabre de luz para trás e defendia um ataque do terceiro homem.
O treinamento de Johun com sabres de luz foi limitado aos ataques e
defesas da Forma VI, Niman, o mais equilibrado de todos os estilos.
Coloquialmente conhecida como a Forma Diplomata, Niman não possuía
forças ou fraquezas específicas. Sua versatilidade geral servira bem a Johun
durante as imprevisíveis lutas nos campos de batalha em Ruusan. Mas
durante a última década ele fizera apenas os esforços mais básicos para
manter suas habilidades com o sabre. Ele preferiu focar sua atenção em seus
talentos diplomáticos. Porém, Johun ainda era um Jedi, e um formidável
adversário para qualquer pessoa.
Ele podia estar em desvantagem numérica, mas seus inimigos atacavam
de forma individual, incapazes de coordenarem seus ataques. A mulher
recuperou o equilíbrio e avançou, mas Johun girou para o lado e a jogou
sobre o primeiro homem. Seu impulso a fez trombar com seu parceiro, e os
dois acabaram caindo no chão juntos.
Sabendo que os outros dois estavam momentaneamente incapacitados,
Johun concentrou toda a sua atenção no segundo homem. Atacando como
um trio, eles o forçaram a uma postura defensiva. Porém, com um contra
um ele pôde partir para o ataque. Ele avançou contra seu oponente com
agressividade, sabendo que estava lutando para salvar não só a si próprio,
mas também o chanceler. Sua lâmina dançou rápido demais para os olhos
seguirem.
O homem retrocedeu sob o ataque, freneticamente desviando os golpes e
recuando até sentir os calcanhares pendurados no vazio da beira da
plataforma. Desesperado, ele se lançou à frente com um ataque desastrado
sobre o peito de Johun. O Jedi simplesmente jogou a lâmina para o lado e
pôs um fim na vida do assassino com um único corte em seu peito.
Os outros dois já haviam se levantado agora. A mulher correu em sua
direção novamente. Desta vez, Johun defendeu seu espaço, abaixando-se
sob o arco que a lâmina da mulher produziu. Ele estendeu o braço esquerdo
e agarrou o pulso dela ao mesmo tempo em que rolava de costas, usando o
impulso do próprio ataque contra a mulher. Puxando com força seu pulso,
ele caiu de costas e ergueu os dois pés, acertando o meio do estômago da
mulher. Johun completou o movimento chutando com as duas pernas,
jogando a mulher para fora da plataforma. Ela gritou por toda a queda, sua
voz apenas sendo interrompida pelo impacto do corpo atingindo a água e as
rochas lá em baixo.
Johun já estava de pé outra vez, preparando-se para o próximo ataque do
primeiro homem. Mas, em vez de encará-lo sozinho, seu último adversário
se virou para fugir, correndo pela passarela na direção da costa.
Ele passou correndo pelo Twi’lek, depois parou quando seu corpo se
enrijeceu e suas mãos voaram até a garganta. Ele virou lentamente até se
voltar na direção de Johun, agarrando o corte sangrento abaixo do queixo
quando seu corpo tombou para a frente e ele caiu de cara na plataforma.
Aconteceu tão rápido que Johun precisou de um momento para entender.
Então ele notou as pequenas lâminas em forma de lua crescente em cada
uma das mãos do Twi’lek. Pareciam foices em miniatura; a lâmina da mão
esquerda brilhava com um prateado intenso, a da mão direita pingava com
sangue vermelho.
A Chiss e o homem tatuado estavam seguindo pela plataforma para se
juntarem à luta. Ao verem o Twi’lek cortar seu companheiro que fugia, eles
abruptamente reconsideraram. Diante de um Cavaleiro Jedi furioso e um
aliado que os mataria se tentassem fugir do confronto, eles fizeram a
escolha lógica e correram pela passarela até o veículo que os esperava. Eles
acionaram os motores e aceleraram para longe, querendo distância daquele
plano que dera tão errado.
Passando por cima do corpo ainda ofegante do cúmplice que ele havia
acabado de matar, o Twi’lek assumiu uma postura baixa de luta. Ele parecia
não saber ou se importar que os outros dois o haviam abandonado. Seus
lekku se penduravam atrás da cabeça como caudas gêmeas, as pontas
tremendo e encolhendo em expectativa.
– Eu sempre quis testar minhas habilidades contra um Jedi – ele disse,
lançando o desafio.
Johun estava mais do que disposto a aceitar. Ele saltou para a frente,
movendo-se com a imensa velocidade da Força e atacando com o sabre de
luz diretamente no peito do Twi’lek para dar um fim rápido àquele
confronto. Com uma graça quase casual, o Twi’lek de pele vermelha
meramente se inclinou para trás e girou para fora do caminho, golpeando
com as estranhas lâminas curvas na direção da garganta de Johun.
O Jedi virou o corpo no último instante, evitando completamente a
primeira lâmina, mas sendo atingido em cheio no ombro direito pela
segunda investida. A lâmina cortou fundo no músculo, provocando um
grunhido de dor em Johun.
Ele girou novamente e encontrou o Twi’lek com a mesma postura baixa,
segurando as lâminas na frente do rosto como um boxeador. Johun tentou
uma abordagem mais cautelosa desta vez, reconhecendo que seu oponente
era muito mais perigoso do que os outros três juntos.
Usando golpes curtos e precisos, ele avaliou a defesa de seu inimigo com
seu sabre de luz, tentando descobrir os padrões e ritmos da arma não
convencional de seu adversário. O Twi’lek desviou cada golpe com uma
facilidade desdenhosa, alternando as mãos para que sempre tivesse uma das
lâminas em posição de defesa.
As armas pouco comuns sacrificavam alcance em troca de velocidade e
agilidade, Johun percebeu. Ele ficava vulnerável se deixasse o Twi’lek
chegar perto demais, mas se conseguisse manter distância, ele teria a
vantagem. O Twi’lek pareceu também perceber isso, e então começou a se
aproximar lentamente.
Johun tentou forçá-lo de volta para trás com uma sequência agressiva de
ataques, mas foi incapaz de penetrar as defesas do Twi’lek. Por mais que
tentasse, seu inimigo era sempre capaz de manter ao menos uma das
lâminas recuadas para defender seus golpes.
Frustrado, Johun avançou demais em um dos ataques, levando o sabre de
luz a uma fração de centímetro mais acima e mais longe, e colocando peso
demais no pé da frente. O erro se provou quase fatal.
O Twi’lek desviou a lâmina de Johun para o lado e deu um passo à frente,
diminuindo a distância entre eles para menos de um metro ao deslizar para
dentro do alcance do sabre de luz. A foice da mão esquerda desferiu um
golpe alto, de cima para baixo, enquanto a foice da mão direita golpeava
baixo na horizontal. Johun conseguiu recuar e evitar os golpes iniciais, mas
não teve a mesma sorte quando seu oponente reverteu o ataque, permitindo
que as lâminas crescentes traçassem os caminhos originais na direção
oposta.
Uma das lâminas voou na ascendente, abrindo um corte no rosto de
Johun e quase atingindo o olho. A outra lâmina causou um longo corte
superficial no lado esquerdo das costelas do Jedi – dolorido, mas não
incapacitante.
Seu inimigo estava perto demais para ele usar o sabre de luz de modo
eficaz; tudo que podia fazer era golpear com a cabeça, atingindo o rosto do
Twi’lek com força usando a testa. Ele ouviu um barulho molhado quando a
cartilagem do nariz de seu inimigo se rompeu com o impacto. O Twi’lek
cambaleou para trás, depois voltou outra vez com a postura baixa. Sangue
fluía das narinas, o fluxo vermelho-escuro visível mesmo contra a pele
vermelha.
Johun tentou concentrar a Força para lançar seu oponente para fora da
plataforma. Mas fazer isso exigia concentração, e por uma fração de
segundo isso tirou seu foco da luta. Seu inimigo sentiu o lapso momentâneo
e saltou adiante, as foices cortando em um mortal semicírculo através do ar.
Johun se jogou para trás no último instante, o poder que ele acumulara
desapareceu quando ele recuou totalmente para evitar o ataque letal.
Abaixando-se, ele tentou aplicar uma rasteira no Twi’lek. Seu oponente
antecipou o movimento e saltou agilmente sobre os pés de Johun, erguendo
o joelho para golpeá-lo no queixo.
Vendo estrelas, Johun rolou para o lado, evitando por pouco a
decapitação quando as lâminas crescentes atacaram novamente. Ele se
levantou e lançou um golpe aberto sobre seu oponente. Desviando do
ataque, o Twi’lek chegou mais perto, e Johun foi forçado a ceder espaço
outra vez para sobreviver a outra série de golpes rápidos como relâmpagos.
O Twi’lek avançou com seu ataque, ficando perto o bastante de Johun
para que as opções do Jedi se resumissem apenas a bloqueios e desvios.
Movendo-se de um lado a outro ele cortou a rota de escape de Johun,
lentamente forçando seu recuo até ele chegar à beira da plataforma.
Johun sabia que não poderia derrotar o Twi’lek. Seu oponente era mais
rápido, suas habilidades cultivadas por anos de intenso treinamento. Ele
poderia continuar lutando, mas o resultado era inevitável – ele iria morrer
naquela plataforma. Não poderia escapar de seu destino – mas ainda podia
se sacrificar para salvar o chanceler.
Não há morte; há apenas a Força.
O Twi’lek se preparou para um desesperado contra-ataque, esperando que
Johun tentasse avançar para se afastar da beira do abismo. Mas o Jedi soltou
sua arma e lançou as duas mãos adiante para segurar com força a camisa de
seu oponente. O cabo do sabre de luz tilintou na superfície metálica da
plataforma, a lâmina desaparecendo no momento em que caiu de suas mãos.
O movimento inesperado pegou o Twi’lek de surpresa, e ele hesitou por
uma fração de segundo antes de seus olhos se arregalarem de medo quando
entendeu a situação. Ele golpeou freneticamente os pulsos e braços de
Johun, cortando a carne profundamente. Mas o Jedi não soltou sua camisa.
Com os calcanhares já na beirada do precipício, Johun simplesmente
deixou seu corpo cair para trás, levando junto seu inimigo. O Twi’lek gritou
quando os dois despencaram na direção das rochas mortais que se erguiam
entre as ondas, cinquenta metros abaixo; Johun sentiu apenas uma serena
paz interior.
A queda pareceu uma eternidade, o mundo se movendo em câmera lenta
quando Johun se entregou completamente ao poder da Força. Ela fluía
através dele, mais forte do que nunca. No instante antes de os dois
atingirem a água ele olhou dentro dos olhos aterrorizados de seu inimigo e
sorriu. Nunca sentira tanta paz quanto naquele momento.
Despencar por cinquenta metros sobre o oceano era bem diferente de
mergulhar em uma piscina; a tensão superficial da água os atingiu com o
impacto de uma marreta. Durante a queda eles se viraram um pouco, então
Johun recebeu o impacto em seu lado direito. Ele sentiu suas costelas
quebrarem, depois sentiu o choque do frio quando as águas congelantes
envolveram os dois.
Johun precisou de vários segundos para perceber que não estava morto.
Mesmo evitando as rochas, uma queda daquela altura deveria ser letal.
Porém, de algum modo ele sobrevivera, apesar de agora estar afundando
rapidamente nas profundezas implacáveis do oceano. A Força, ele pensou,
admirado. Ele se entregara a seu poder durante a queda; em troca, ela
poupou sua vida.
Ele percebeu que ainda estava agarrando a camisa do Twi’lek. Através
das águas turvas ele podia enxergar a cabeça de seu oponente tombando
para o lado de um modo não natural, seu pescoço quebrado quando eles
atingiram a superfície do oceano.
Abrindo as mãos, ele nadou para cima com poderosas braçadas. Quando
seus pulmões ameaçaram falhar, ele rompeu a superfície, ofegando e
inalando grandes quantidades de ar. As vigas que apoiavam a plataforma se
erguiam da água, diante dele, apenas a alguns metros de distância. Ele
nadou usando as pernas até agarrar a viga metálica com as mãos já
perdendo a sensibilidade nas águas geladas, então começou a longa subida
até o topo.
Sangue fluía livremente de seus cortes nos braços. Mas embora os cortes
fossem profundos, eles não romperam nenhum nervo ou tendão crucial, e
Johun conseguiu usar as mãos para ajudar na escalada das vigas.
Ele alcançara a metade do caminho quando parou para descansar,
tremendo sob o vento. Uma voz chamou seu nome; e olhando para cima
Johun viu o rosto do chanceler Valorum olhando para ele. Sabendo que
precisava poupar seu fôlego para o resto da subida, a única resposta de
Johun foi um fraco aceno de volta.
A meio metro do topo, o braço de Valorum se estendeu na beirada até
agarrar o braço de Johun. O Jedi exausto ficou agradecido pela ajuda
quando o chanceler o puxou de volta para a segurança da plataforma. Johun
tentou se levantar, mas foi traído por seus membros. Tudo que conseguiu
fazer foi rolar de costas e olhar para o céu, ofegando enquanto tentava
recuperar o fôlego.
– Você salvou minha vida – o chanceler disse, sentando-se ao seu lado
para esperar o Jedi se recuperar de sua provação. – Nunca poderei pagar por
aquilo que fez, mas se houver algo que você queira de mim, basta pedir.
– Tem uma coisa. – Johun puxou ar para os pulmões ainda de costas,
cansado demais para tentar se erguer. – Contrate uma maldita equipe de
segurança.
Capítulo 13

ZANNAH ATRAVESSOU LENTAMENTE O MERCADO de Carannia, comprando


suprimentos para substituir aqueles que Bane havia destruído em sua cólera.
Apenas uma semana havia se passado desde a última vez que estivera ali,
mas naquele pouco tempo, muitas coisas haviam acontecido.
Kel estava morto. A HoloNet estava fervendo com notícias da tentativa
fracassada de sequestrar o chanceler Valorum, e todos os relatos faziam
menção específica ao Twi’lek de pele vermelha e sua morte nas mãos de um
Cavaleiro Jedi chamado Johun Othone.
Três membros do pequeno grupo também estavam mortos, mas os relatos
indicavam que dois dos terroristas fugiram da cena. Pela descrição dada,
ficou óbvio para Zannah que Paak e Cyndra eram os dois fugitivos
sobreviventes.
O ataque provocara uma imediata repreensão pelo Senado e o resto da
República. Mais importante, os condes de Serenno prometeram ações
rápidas e decisivas para eliminar as organizações separatistas que
atormentavam seu bom planeta. Baseado nas grandes recompensas
oferecidas por informações que levassem à captura dos envolvidos no
ataque, parecia que os nobres pretendiam cumprir sua promessa.
Mesmo se Kel e seus amigos tivessem tido sucesso, Zannah agora
percebia, a reação dos condes seria a mesma. Na investigação do crime, os
corpos de vários membros da criadagem do conde Nalju foram descobertos
perto da plataforma de aterrissagem. Eles haviam sido enviados para
receber o chanceler Valorum, mas acabaram assassinados pelos radicais que
prepararam a emboscada.
As mortes de funcionários de longa data foi uma grande tragédia para a
Casa Nalju, mas empalideciam em comparação com o horror causado pelo
ataque em si. O conde havia pessoalmente patrocinado a visita do chanceler
– um ataque contra seu estimado convidado era um insulto para a honra da
família, e um crime equivalente a atacar o próprio conde. Sempre disposto a
proteger seus pares, as outras Grandes Casas se juntaram ao clamor de
Nalju, prometendo caçar e exterminar os responsáveis por aquela
atrocidade.
Certamente Darth Bane previra esse resultado. Pelos próximos anos, os
olhos da República estariam focados intensamente em Serenno e sua
campanha para exterminar os elementos separatistas que haviam se
infiltrado em sua cultura.
– Não se mexa – uma familiar voz feminina sussurrou em seu ouvido, e
Zannah sentiu o cano de um blaster ser pressionado com força contra suas
costas.
– Estou surpresa por você ousar mostrar sua cara em público – Zannah
sussurrou de volta sem se virar para encarar a Chiss atrás dela. – Estão
oferecendo muitos créditos por aí em troca da sua cabeça.
– Graças a você – Cyndra retrucou, batendo dolorosamente com a arma.
– Agora, comece a andar. Lentamente.
Havia uma dezena de maneiras que Zannah poderia virar a mesa, mas
todas envolviam exibir o poder do lado sombrio, e ela não estava disposta a
fazer isso no meio do mercado lotado. Então ela obedeceu, passando pelas
barracas de vendedores enquanto esperava pelo momento certo para contra-
atacar. Cyndra a seguiu de perto, pressionando o corpo contra Zannah para
esconder a arma em suas costas.
– Para onde você está me levando? – Zannah perguntou.
– Estamos indo ver Hetton – Cyndra disse rispidamente. – Ele quer fazer
umas perguntas para você.
Que conveniente, Zannah pensou. Eu também quero perguntar umas
coisas para ele.
Cyndra a conduziu para um beco estreito que levava para fora da praça
do mercado e para dentro de uma rua paralela deserta.
– Fique parada ou eu atiro – ela alertou Zannah, depois puxou um
comunicador de seu cinto. – Estou com ela – Cyndra disse. – Venha nos
pegar.
Em menos de um minuto, um airspeeder apareceu e aterrissou do outro
lado da rua. Zannah não se surpreendeu ao ver Paak pilotando. Ele saltou
para fora quando a Chiss começou a conduzir sua prisioneira até o veículo.
– Eu disse a você que ela voltaria – Paak disse para sua companheira.
– Apenas faça a revista e procure por armas – ela respondeu.
Paak olhou de forma maliciosa para Zannah enquanto a apalpava.
– O que temos aqui? – ele exclamou, descobrindo sua única arma e
apanhando-a para inspecionar mais de perto.
O cabo do sabre de luz de Zannah era um pouco maior do que o normal
para acomodar os cristais gêmeos necessários para energizar as lâminas que
se estendiam em cada ponta. Entretanto, enquanto armas de lâmina dupla
mais tradicionais possuíam lâminas medindo um metro e meio ou mais, o
sabre de luz de Zannah possuía lâminas com pouco menos que um metro.
Essa pequena, mas significativa, diferença era crucial para a maneira como
ela usava a arma…

– As lâminas menores dão a você mais velocidade e agilidade – seu


mestre explicou enquanto Zannah, com seus quatorze anos, manuseava com
a mão esquerda seu novo sabre recém-construído, concentrando-se em
dominar a sensação única do equilíbrio e peso da arma.
“Segure o cabo sutilmente com os dedos. Controle a arma com o pulso e
a mão em vez dos músculos do braço. Você sacrificará alcance e potência,
mas será capaz de criar um escudo de defesa impenetrável.”
– A defesa não irá matar meu inimigo – Zannah disse, passando as
lâminas da mão esquerda para a direita ao mesmo tempo em que as girava.
– Você não possui a força física necessária para os poderosos ataques do
Djem So ou para as outras formas agressivas – seu mestre explicou. – Você
precisa contar com sua rapidez, astúcia e, mais importante de tudo,
paciência para superar seus inimigos.
Ele acionou seu próprio sabre de luz e lançou um longo golpe giratório
na direção de Zannah. Ela interceptou o ataque com sua arma, facilmente
desviando-o para o lado.
– A Forma III permite a você defender ataques com o mínimo esforço –
ele disse. – Seu oponente precisará gastar uma preciosa energia a cada
golpe, lentamente se cansando enquanto você permanece forte e vigorosa.
Bane agarrou o cabo curvado de seu sabre de luz com as duas mãos e o
ergueu acima da cabeça, depois golpeou com força. Usando as técnicas
que ele exigira que Zannah praticasse por duas horas todos os dias durante
um ano, ela defendeu a lâmina de seu mestre com uma das suas próprias.
Se tivesse tentado defender diretamente, a força do ataque teria lançado
sua própria arma de volta a ela, ou teria derrubado o sabre de luz de sua
mão. Mas ela desviou o sabre de Bane com um leve contato, mudando sua
trajetória para que continuasse o arco descendente em outro ângulo,
passando a poucos centímetros de seu ombro.
– Bom – Bane disse com um tom de aprovação, preparando-se para
outro golpe pesado. – Não bloqueie. Redirecione. Espere que o oponente se
torne cansado ou frustrado. Deixe que cometa um erro, depois aproveite a
oportunidade e ataque.
Para ilustrar seu ponto, Bane atacou com um movimento largo que ela
facilmente defendeu. O impulso do golpe fez Bane se inclinar demais para a
frente, expondo seu ombro e costas para o contra-ataque de Zannah. Com
um movimento do pulso, Zannah direcionou sua arma para a abertura. Ela
acertou o golpe, com uma das lâminas traçando um corte de dez
centímetros no ombro de Bane que teria cortado o braço de qualquer outro
oponente.
No caso de Bane, entretanto, a lâmina apenas cortou através do tecido
de sua camisa e deixou uma pequena marca chamuscada no casco
impenetrável do orbalisk abaixo.
– Você morreu! – ela exclamou triunfalmente, ainda girando a lâmina
para não perder o impulso.
Bane assentiu sua aprovação. Mas ainda era cedo, e a lição do dia
estava só começando.
– De novo – ele mandou, com a voz firme que sempre usava durante as
seções de treinamento…

– O que é isto? Um sabre de luz? – Paak murmurou, virando o cabo em


sua mão. – Onde conseguiu isto? Você roubou de um Jedi?
Zannah não se deu ao trabalho de responder. Não havia mais ninguém ali;
os três estavam sozinhos na rua deserta. Ela poderia facilmente acabar com
suas vidas ali mesmo e escapar. Mas eles disseram que a levariam até
Hetton, e Zannah estava ansiosa para se encontrar com o fundador da Frente
de Libertação Antirrepublicana.
– Hetton vai se interessar muito por isto aqui – ele comentou. – Vai se
interessar muito, muito.
– Vamos – Cyndra disse. – Não quero deixar Hetton esperando. Ele já
está bravo o bastante com a gente.
Paak jogou o sabre de luz no banco da frente do passageiro, depois subiu
no assento do piloto.
– Entre na parte de trás – Cyndra ordenou a Zannah, acenando com o
cano do blaster.
Ela obedeceu, e um segundo mais tarde Cyndra entrou ao seu lado, ainda
mantendo a arma apontada para Zannah. O airspeeder se ergueu do chão,
carregando o grupo pela cidade até saírem para o campo aberto.
– Quanto tempo até chegarmos lá? – Zannah perguntou.
– Fique calada – Cyndra respondeu. – Haverá bastante tempo para falar
quando você explicar a Hetton do porquê de nos ter traído.
– Kel nunca resistia a um rostinho bonito – Paak disse, olhando sobre o
ombro para Zannah. – Eu sempre soube que ele morreria por causa disso.
Se fosse esperto, ele simplesmente teria ficado com você, Cyndra.
Cyndra cerrou seus olhos vermelhos com uma expressão irritada.
– Cale a boca e dirija, Paak.
– Você e Kel? – Zannah disse, legitimamente surpresa. – Desculpe. Eu
não sabia.
– A Cyndra também não – Paak disse com uma risada. – Pelo menos não
até você aparecer em nossa reunião. Ela queria matar você ali mesmo. Sorte
sua que ela é uma profissional.
O resto da viagem passou em silêncio enquanto eles se afastavam cada
vez mais da cidade. Logo entraram na região onde ficavam as propriedades
das famílias nobres, confirmando a suspeita de Zannah de que Hetton era
membro de uma poderosa casa de Serenno. Ela se perguntou o que
aconteceria a ele agora que o clima político de Carannia havia se voltado
com tanta força contra os separatistas.
O speeder continuou, passando entre extravagantes jardins que se
estendiam por centenas de metros, a irrigação feita por lindas fontes
enquanto exércitos de criados podavam e cuidavam para manter cada flor
em um estado impecável.
Uma enorme mansão pairava à distância; na verdade, parecia mais como
um castelo do que uma casa. A bandeira soprando sobre um dos muitos
canhões possuía um vermelho vivo, bordada com uma única estrela dourada
de oito pontas. Zannah suspeitou que fosse derivada da estrela de cinco
pontas da Grande Casa Demici. Aparentemente, a família de Hetton possuía
parentesco distante com os Demici, e isso lhes dava o direito de criar sua
própria variação do brasão da família.
Quando aterrissaram, eles foram recebidos por seis guardas em longas
túnicas vermelhas. Cada um usava um capacete que cobria completamente a
cabeça e o rosto, e todos carregavam bastões de energia. Os bastões
metálicos de um metro e meio eram equipados com módulos de energia
atordoante, capazes de disparar uma corrente elétrica para incapacitar os
oponentes… ou mesmo matar, se configurados com energia suficiente. Ela
reconhecia aquela exótica arma dos ensinamentos de Bane; eram as armas
favoritas dos Assassinos das Sombras de Umbara, embora os membros do
grupo tivessem desaparecido após a queda da Irmandade de Kaan.
– Saia – Cyndra exigiu, gesticulando mais uma vez com o blaster. Uma
pequena parte de Zannah tinha pena da Chiss – Kel a usara e depois a jogou
fora – enquanto outra parte guardava rancor de sua rival de pele azul. Mas
ela não deixaria que suas emoções afetassem seus pensamentos ou ações.
Zannah obedeceu à ordem, saindo do veículo e se submetendo a outra
revista por um dos guardas, passivamente erguendo as mãos, permitindo
que algemas fossem colocadas em seus pulsos. Foi apenas então que
Cyndra baixou seu blaster, guardando a arma no coldre e agarrando o braço
de Zannah para conduzi-la logo atrás de Paak e os guardas.
A procissão passou por um grande arco e para dentro de um grande salão
de mármore. Pinturas e esculturas forravam as paredes; obras de arte
holográficas pairavam sob o teto. A ostentação de riqueza teria
impressionado ou mesmo intimidado a maioria dos visitantes, Zannah
suspeitou. Ela, entretanto, viu a coleção como nada mais do que um
desperdício de fundos que poderiam ser mais bem gastos em outro lugar.
A mansão era enorme, e levou cinco minutos para o grupo passar do
airspeeder até a sala de recepção onde Hetton os esperava. Zannah soube
que estavam perto de seu destino quando pararam diante de um par de
portas enormes, fechadas e impedindo seu progresso. Dois guardas deram
um passo adiante, um em cada porta, e então eles as abriram.
O salão possuía trinta metros de comprimento e vinte de largura. Assim
como os corredores, as paredes estavam forradas com arte, e um longo
tapete vermelho levava a uma pequena escadaria e a uma plataforma
elevada no lado mais afastado. O salão não possuía nenhuma mobília,
exceto por uma grande poltrona na plataforma, embora Zannah achasse que
seria mais bem descrita como um trono.
Sentado lá, cercado por outros dois guardas de vermelho, estava um
homem que podia apenas ser o próprio Hetton. Ele tinha estatura pequena e
era mais velho do que ela esperava; parecia ter seus cinquenta anos. Zannah
imaginava que ele estaria coberto com as cores de sua casa, porém ele
vestia calças pretas, camisa preta, botas pretas e luvas pretas. Listras
vermelhas marcavam o topo das botas e os punhos das luvas. Uma capa
com capuz, também preta e com listras vermelhas, se pendurava em seus
ombros, mas o capuz estava abaixado, revelando seu rosto.
Ele possuía finos cabelos cinzentos em um corte muito curto. O nariz era
longo e pontudo, e seus pálidos olhos azuis pareciam pequenos e juntos
demais. Havia uma cruel curva em seus lábios finos que era quase como um
permanente sorriso irônico. Quando eles entraram, Hetton se inclinou para a
frente e agarrou os braços de seu trono; ele parecia curvado, sinistro.
Embora não fosse atraente de uma forma convencional nem fisicamente
imponente, havia um inegável ar de importância sobre ele. Zannah
suspeitou que fosse uma confiança natural nascida da riqueza e do
privilégio, mas, ao ser conduzida pelo tapete na direção do homem, ela
percebeu que era algo muito mais impressionante: Hetton irradiava o poder
do lado sombrio!
Eles se aproximaram até ficarem a cinquenta metros dos degraus que
levavam ao assento de Hetton, depois pararam quando receberam um sinal
de um dos guardas ao lado do trono. Os outros guardas se retiraram,
deixando Zannah, Paak e Cyndra sozinhos diante de Hetton.
– E quem é você, minha querida? – Hetton perguntou, suas palavras
ásperas e entrecortadas ecoaram nas paredes do grande salão.
– Meu nome é Rainah – Zannah respondeu. – Eu sou… eu era amiga de
Kel.
– É claro – Hetton disse com um sorrisinho malicioso. – Kelad'den
possuía muitas amigas.
– Foi ela quem nos entregou para a República! – Cyndra exclamou com
raiva, sacudindo Zannah pelo cotovelo.
– Eu não traí ninguém – Zannah protestou, ganhando tempo enquanto
media o poder de Hetton.
Durante a guerra entre a Irmandade da Escuridão e o Exército da Luz, os
dois lados procuraram ativamente recrutar indivíduos sensitivos à Força.
Mas teria sido muito simples para uma família tão rica e poderosa quanto a
de Hetton impedir que os Jedi ou Sith recrutassem um dos seus.
– Você conhecia todos os detalhes do nosso plano – Cyndra insistiu. –
Quem mais poderia ser?
– Você e Paak conseguiram sobreviver – Zannah comentou, deixando a
acusação implícita pairar no ar enquanto continuava a sutil sondagem de
Hetton.
Seu poder não possuía os traços brutos de alguém que nunca fora
treinado. Será possível que ele algum dia já teve um tutor ou mentor? Será
que alguém com conhecimento da Força ensinou os caminhos do lado
sombrio, depois o abandonou para seguir Kaan? Ou será que havia outra
explicação?
– Não sou uma traidora! – a Chiss gritou com raiva.
– Acalme-se, Cyndra – Hetton disse, parecendo se divertir com a
irritação dela. – O Chanceler Valorum estava junto com um Cavaleiro Jedi.
Sua missão estava condenada ao fracasso de qualquer maneira. E, mesmo se
tivessem tido sucesso – ele acrescentou, sua voz baixando para um sussurro
grave e perigoso –, vocês teriam trazido a ira das Grandes Casas sobre nós
mesmo assim. O que vocês estavam pensando? – ele exigiu saber com um
súbito grito que fez tanto Paak quanto Cyndra terem um sobressalto.
Zannah podia sentir a carga estática no ar quando o pequeno homem
convocou a Força, juntando as energias do lado sombrio. Seu poder era
inegável, mas ao sentir a concentração, Zannah teve certeza de que ele não
seria páreo para ela.
– Hetton, espere! – Paak gritou, sentindo o perigo que eles corriam. –
Temos algo para você.
Ele ergueu o sabre de luz de Zannah, sacudindo-o sobre a cabeça para ter
certeza que Hetton veria. O efeito foi imediato; o poder sombrio que se
acumulava desapareceu quando Hetton congelou, seus olhos atraídos pelo
objeto. Após um momento, ele pareceu recuperar a compostura e voltou a
se recostar no trono, sinalizando para um de seus guardas apanhar aquele
tesouro.
Quando foi colocado em sua mão, Hetton estudou o sabre
cuidadosamente por um minuto inteiro antes de o baixar com reverência
sobre seu colo.
– Onde vocês acharam isto? – ele perguntou suavemente, embora
houvesse um tom perigoso em sua voz.
– Com ela – Paak disse. – Ela não quis dizer onde conseguiu.
– Isso é verdade? – Hetton murmurou, repentinamente olhando para
Zannah com um renovado interesse, correndo os dedos preguiçosamente
sobre o cabo do sabre de luz. – Eu teria muito interesse em descobrir como
ela adquiriu este tipo em particular.
– Me dê cinco minutos sozinha com ela – Cyndra disse. – Eu farei ela
falar.
Zannah decidiu que aquele jogo fora longe demais. Seria uma simples
questão de atrair o sabre de volta para suas mãos algemadas usando a Força,
mas ela possuía outras armas à disposição…

– A Força se manifesta de várias maneiras – Darth Bane disse. – Cada


indivíduo possui forças e fraquezas… talentos nos quais se destacam e
outros em que possuem mais dificuldade.
Zannah, então com doze anos, assentiu. Alguns meses atrás, Bane havia
destravado um novo conjunto de informações no holocron de Freedon
Nadd. Embora se recusasse a contar o que havia descoberto, ele
acrescentara um novo elemento em seu treinamento logo após o achado. A
cada dois ou três dias ele passava rigorosos testes e desafios criados para
avaliar seu domínio de diferentes aspectos da Força.
Até então, Bane se recusara a discutir os resultados de seus experimentos
com ela, e Zannah começava a achar que estava fracassando com ele.
– Algumas pessoas possuem poder elemental bruto; elas conseguem
produzir tempestades e relâmpagos nas pontas dos dedos, ou mover
montanhas com o mero pensamento. Outras são mais dotados nas sutilezas
intrincadas da Força, agraciadas com a habilidade de afetar a mente de
amigos e inimigos através da arte da persuasão ou da meditação na
batalha.
Ele fez uma pausa e olhou intensamente para Zannah, como se
considerasse o que mais dizer.
– Alguns indivíduos raros possuem uma afinidade natural com o próprio
lado sombrio. Eles conseguem mergulhar nas profundezas da Força e
convocar energias arcaicas para torcer e deformar o mundo ao seu redor.
Eles conseguem invocar os antigos rituais dos Sith; conseguem conjurar
poder e liberar terríveis encantos e magias sombrias.
– Esse é o meu dom? – Zannah perguntou, mal conseguindo conter seu
entusiasmo. – Eu sou uma feiticeira Sith?
– Você possui o potencial – Bane disse a ela. De dentro de sua túnica ele
tirou um manuscrito com uma capa de couro fina. – Escondido bem fundo
dentro do holocron, eu descobri uma lista de poderosos encantos. Eu os
transcrevi neste volume. Eles ajudarão você a se concentrar e canalizar seu
poder para efeito máximo… mas apenas se você os estudar
cuidadosamente.
– Eu estudarei, mestre – Zannah prometeu, seus olhos brilhando quando
estendeu a mão para apanhar o manuscrito.
– Minha capacidade de guiar e ensinar os caminhos da feitiçaria é
limitada – Bane alertou. – Meus talentos seguem uma outra direção. Para
liberar todo o seu potencial, você terá que fazer sozinha a maior parte dos
estudos e pesquisas. E isso será… arriscado.
A ideia de explorar sozinha os perigosos e sombrios segredos da
feitiçaria Sith encheu sua mente de medo, mas a chance de conquistar um
poder que ultrapassava a compreensão de seu mestre era uma tentação que
ela não podia resistir.
– Não irei desapontá-lo, mestre – ela jurou, agarrando o manuscrito
forte contra o peito.
– E, se você algum dia tentar usar um dos seus feitiços contra mim –
Bane acrescentou como um alerta final –, eu irei destruí-la.

Zannah livrou seu cotovelo das mãos de Cyndra e levou suas mãos
algemadas diante do rosto. Movendo os dedos em um complexo padrão no
ar, ela usou a Força e mergulhou fundo na mente da Chiss para encontrar
seus mais íntimos medos e segredos. Enterrado em seu subconsciente havia
horrores indescritíveis: abominações e criaturas de pesadelo escondidas
para nunca ver a luz do dia. Extraindo poder da feitiçaria Sith, Zannah
retirou-os de seu calabouço e deu vida a eles, um a um.
Todo o processo durou menos de um segundo. Nesse tempo, Cyndra
sacara sua arma, mas em vez de apontar para Zannah, ela repentinamente
gritou e apontou para o ar acima dela, disparando descontroladamente em
demônios criados por sua própria mente que apenas ela enxergava.
As ilusões se tornavam mais reais e aterrorizantes quanto mais durava o
feitiço, e Zannah não tinha intenção de acabar ainda. A Chiss gritou e jogou
a arma no chão. Ela balançava a cabeça de um lado a outro, cobrindo o
rosto com os braços e gritando “Não” repetidamente até desabar no chão.
Chorando e soluçando, ela se encolheu e continuou murmurando “Não, não,
não…”.
Todos no salão olhavam para ela com olhos arregalados e estupefatos.
Alguns dos guardas deram um passo para trás, com medo de serem
infectados de alguma forma por aquela loucura.
Zannah poderia encerrar tudo ali mesmo, desfazendo a ilusão e deixando
Cyndra inconsciente. Ela acordaria horas mais tarde com apenas uma
lembrança básica do que acontecera, sua mente instintivamente fugindo das
memórias do que havia testemunhado. Ou Zannah poderia forçar a ilusão
ainda mais, levando sua vítima à beira da loucura e além. Uma imagem da
Chiss enlaçada romanticamente com Kel surgiu em sua mente – e Zannah
então forçou.
Os gritos de terror de Cyndra se tornaram uivos animalescos quando sua
sanidade foi destroçada pelas terríveis visões. Suas mãos arranharam e
agarraram seus próprios olhos, arrancando-os. Sangue esguichou pelo rosto,
mas até mesmo a cegueira não poderia salvá-la dos pesadelos povoando
aquilo que restou de sua mente.
Os uivos pararam quando seu corpo entrou em convulsão; sua boca se
encheu de espuma enquanto os membros tremiam descontrolados no chão.
Então, com um último grito tenebroso, ela repentinamente parou de tremer.
Com sua consciência completamente destruída, seu corpo catatônico agora
era apenas uma concha vazia.
O corpo estremeceu uma vez, e Zannah soube que em algum lugar nas
profundezas do subconsciente de Cyndra uma pequena parte dela ainda
existia, silenciosamente gritando, presa para sempre junto com os horrores
de sua própria mente.
Apesar de todos terem testemunhado o horrível final da Chiss, Zannah
era a única que sabia o que realmente havia acontecido. Porém, nem mesmo
ela possuía certeza do que suas vítimas enxergavam. Baseado nas reações,
ela achava que era melhor não saber. Zannah olhou friamente para o corpo
de Cyndra no chão, ainda tremendo ocasionalmente, depois ergueu os olhos
para Hetton, que a olhava de volta intensamente.
Ela se virou quando ouviu Paak gritar do outro lado do salão.
– Você fez isso! – Ele apontou um dedo acusador. – Faça alguma coisa ou
ela vai matar a todos nós! – gritou.
Vários guardas deram um passo em sua direção, mas recuaram quando
Hetton fez um leve aceno com a cabeça.
– Ela não está morta – Zannah anunciou. – Apesar de o que restou de sua
mente implorar para morrer.
A resposta não fez nada para acalmar a histeria crescente de Paak.
Levando a mão à sua bota, ele puxou uma curta vibroadaga e correu na
direção de Zannah, gritando.
O feitiço que ela usara em Cyndra era poderoso, mas exaustivo. Zannah
duvidava que seria capaz de produzir um efeito semelhante em Paak antes
que ele a esfaqueasse. Então, em vez de feitiçaria, ela se voltou para
métodos mais convencionais.
Estendendo suas mãos algemadas, ela usou a Força para atrair o sabre de
luz do colo de Hetton, enviando a arma pelo ar até suas mãos. Quando as
lâminas foram acionadas, ela casualmente rompeu as algemas com um
único pensamento.
Paak avançara esperando atacar uma prisioneira indefesa; ele não estava
pronto para encarar um inimigo armado. Zannah poderia ter matado Paak
ali mesmo, mas notou que Hetton ainda estava sentado passivamente em
seu trono, observando a ação. Zannah decidiu fazer uma boa exibição para
ele.
Em vez de decapitar seu fraco oponente, ela simplesmente brincou com
ele, girando o sabre de luz em intrincados padrões enquanto facilmente
defendia seus golpes desajeitados. Paak era um lutador, todo músculos e
nenhuma técnica, tornando ridiculamente fácil para Zannah repelir os
ataques. Ele avançou sobre ela três vezes, tentando acertar um golpe com a
adaga. A cada investida, ela habilmente saltava para um lado e
redirecionava sua arma usando o sabre de luz, transformando o combate em
uma dança cujo ritmo ela definitivamente liderava.
Após três tentativas fracassadas, o homem tatuado jogou sua adaga no
chão em frustração e apanhou o blaster caído de Cyndra. Ele mirou e atirou
duas vezes à queima-roupa, mas Zannah nem piscou.
Usando o poder precognitivo da Força, ela facilmente foi capaz de
antecipar os tiros e desviá-los com as lâminas vermelhas de seu sabre de
luz. O primeiro tiro ricocheteou inofensivamente no teto; o segundo ela
enviou de volta contra Paak.
O tiro acertou no meio dos olhos, deixando um buraco fumegante em sua
testa. Seu corpo se enrijeceu, depois caiu para trás.
Ainda girando sua arma, Zannah se virou para encarar Hetton
novamente. Ele não se movera em seu trono, nem fizera algum sinal para os
guardas. Enquanto ela o encarava, ele se ergueu lentamente e desceu os
degraus da plataforma até ficar a poucos metros dela. Então Hetton caiu de
joelhos diante dela e baixou a cabeça.
Com uma voz trêmula, ele sussurrou:
– Estive esperando por alguém como você por toda a minha vida.
Capítulo 14

JOHUN ATRAVESSAVA COM LONGOS PASSOS os corredores do dormitório do


grande Templo Jedi. Ele passou por halls e escadarias que levavam às várias
alas construídas para abrigar os Cavaleiros Jedi e os padawans que
escolhiam morar ali em Coruscant. Johun se dirigia para a base da Torre do
Alto Conselho e os aposentos privados dos mestres em residência.
Ele assentia rapidamente para aqueles que acenavam ou o
cumprimentavam enquanto marchava rapidamente, mas Johun não possuía
tempo para parar e trocar amenidades. Ele recebera uma convocação de
Valenthyne Farfalla imediatamente após aterrissar, e Johun tinha uma boa
ideia do que seu antigo mestre queria conversar com ele.
Quando chegou ao seu destino, ele ficou surpreso por encontrar a porta
dos aposentos privados de Farfalla aberta, com o mestre Jedi sentado atrás
de uma mesa, profundamente concentrado em seus estudos.
– Você queria me ver? – Johun disse diretamente, entrando e fechando a
porta.
O quarto era decorado de forma muito semelhante à cabine privada que
Farfalla possuía a bordo da Fairwind, a nau capitânia da extinta frota Jedi.
Belas obras de arte adornavam as paredes e caros tapetes cobriam o chão.
Em um dos cantos estava a grande cama e sua cobertura que exibia os
estágios cruciais da ascensão de Valenthyne ao posto de mestre Jedi.
– Johun – Farfalla disse com uma leve surpresa. – Eu não esperava vê-lo
tão cedo. – Ele se virou e gesticulou para outra cadeira no quarto, indicando
para seu convidado se sentar.
– O seu pedido pareceu urgente – Johun respondeu. Ele separou os pés e
continuou de pé em uma postura rígida, recusando a oferta da cadeira.
– Preciso conversar com você – Farfalla disse com um suspiro cansado.
– Como meu amigo, meu mestre ou como representante do Conselho
Jedi?
– Isso depende do que você tem para me dizer – Farfalla respondeu,
sempre um diplomata. – Ouvi dizer que o chanceler Valorum pretende pedir
recursos ao Senado para criar um memorial para Hoth e os outros Jedi que
caíram em Ruusan.
– Sem dúvida ele acredita que é um tributo adequado às pessoas que
deram suas vidas para manter a República segura – Johun comentou. – Um
tributo que alguns diriam que já passou da hora de ser feito.
Farfalla ergueu uma sobrancelha.
– Então você não teve nada a ver com esse pedido? Valorum surgiu com
essa ideia sozinho?
– Não foi isso que eu disse – o Cavaleiro Jedi respondeu. A verdade,
como ele e Valenthyne sabiam muito bem, era que Valorum havia
concordado fazer isso para mostrar gratidão a Johun por tê-lo salvado
durante o ataque em Serenno.
– Como eu suspeitava – o mestre disse com outro suspiro. – O Conselho
Jedi não aprova isso, Johun. Eles enxergam esse tributo como um ato de
orgulho e arrogância.
– É arrogância honrar aqueles que fizeram o maior dos sacrifícios? –
Johun perguntou, mantendo a calma. Ele era um Cavaleiro Jedi agora; o
padawan que teria se irritado facilmente já não existia mais.
– Pedir um memorial em honra de seu antigo mestre cheira a vaidade –
Farfalla explicou. – Ao elevar o homem que primeiro o treinou, você está
efetivamente elevando a si mesmo.
– Isso não é vaidade, mestre – Johun explicou pacientemente. – Um
memorial em Ruusan servirá como lembrança de como uma centena de
seres marcharam voluntariamente para a morte certa para que o resto da
galáxia pudesse viver em paz. Será um poderoso símbolo para inspirar os
outros.
– Os Jedi não precisam de símbolos para se inspirarem – Farfalla o
lembrou.
– Mas o resto da República precisa – Johun retrucou. – Símbolos dão
poder às ideias, eles falam diretamente com os corações e mentes das
pessoas comuns, eles ajudam a transformar crenças e valores abstratos em
realidade.
“Esse monumento glorifica a vitória em Ruusan. Uma vitória que não
veio da força de nosso exército, mas através da coragem, convicção e
sacrifício de Hoth e aqueles que morreram com ele. Servirá como um
brilhante exemplo para guiar os cidadãos da República em seus
pensamentos e ações.”
– Estou vendo que você aprendeu a discursar igual a Valorum –
Valenthyne disse com um sorriso triste, reconhecendo que não seria capaz
de convencer Johun a mudar sua posição.
– Foi você que me escolheu para servir ao lado do chanceler – Johun o
lembrou. – E eu aprendi muitas coisas em meus anos de serviço.
Farfalla se levantou e começou a andar pelo quarto.
– Seus argumentos são eloquentes, Johun. Mas certamente você sabe que
não serão suficientes para convencer o Conselho Jedi.
– Esse assunto não cabe à autoridade do Conselho – Johun o lembrou. –
Se o Senado aprovar os recursos para o pedido de Valorum, a construção
em Ruusan começará dentro de um mês.
– O Senado nunca recusaria algo a Valorum. – Farfalla riu um pouco. Ele
parou de andar e se virou para Johun. – E qual será o seu papel nesse
projeto?
– Isso também será decidido pelo Senado – Johun respondeu de forma
evasiva. Entretanto, após um momento ele cedeu e contou a verdade para
Farfalla. – O chanceler concordou em viajar com uma completa escolta de
segurança em futuras missões diplomáticas para que eu fique livre para ir a
Ruusan e supervisionar a construção do memorial.
Farfalla suspirou e voltou a se sentar.
– Eu entendo suas razões, Johun. Eu não aprovo, mas nem eu nem o
Conselho Jedi iremos atrapalhar.
“Duvido que poderíamos impedi-lo mesmo se tentássemos.”
– Às vezes eu sou realmente muito teimoso – o Cavaleiro Jedi respondeu
com um leve sorriso.
– Assim como Hoth – Farfalla notou.
Johun escolheu tomar aquelas palavras como um elogio.

– Meu pai morreu quando eu ainda era pequeno – Hetton disse, sua voz
baixa o bastante para Zannah precisar se esforçar para ouvir sobre os sons
de seus passos contra o chão de mármore.
“Sobrecarregada com as responsabilidades de ser a chefe da casa, minha
mãe deixou que os criados me criassem. Eles descobriram meus dons
especiais muitos anos antes de o fato chegar aos ouvidos de minha mãe.”
– Talvez eles temessem o que ela poderia fazer com eles se contassem –
Zannah sugeriu.
Ela e Hetton estavam sozinhos agora. Após o show na sala do trono, ele
insistira em mostrar a ela sua vasta coleção de manuscritos e artefatos Sith,
localizada em seu santuário privado, do outro lado da grande mansão. Ele
também insistira que seus guardas ficassem para trás. Para passar o tempo
durante a jornada pelas intermináveis salas e corredores da mansão, ele
começara a contar sua história pessoal.
– Minha mãe era uma mulher forte e intimidadora – Hetton admitiu. –
Sim, acho que os criados tinham medo dela. Seja qual for a razão, eu já
estava com meus vinte anos quando ela finalmente descobriu minha
afinidade com a Força.
– Como ela reagiu?
– Ela via meus talentos como uma ferramenta para aumentar as riquezas
de nossa casa. Ela não via utilidade em um Jedi, ou mesmo em um Sith,
mas ela queria encontrar alguém para ajudar a desenvolver minhas
habilidades. Isso foi muitos anos antes de a Irmandade da Escuridão chegar
ao poder – ele comentou antes de retomar sua história. – Após muitas
sondagens discretas, muitos subornos e pagamentos substanciais, ela
finalmente escolheu um Duros chamado Gula Dwan.
– Ele se tornou seu mestre?
– Mestre era um título que ele nunca mereceu – Hetton respondeu com
um pouco de amargura. – Ele não era nada além de um caçador de
recompensas e assassino que teve a sorte de nascer com a capacidade de
atingir a Força. Com o passar dos anos ele adquiriu um entendimento
simples das técnicas mais básicas para acessar seu poder, permitindo a ele
levitar pequenos objetos e realizar outros truques semelhantes.
“Mas ele não possuía aliança com os Sith nem com os Jedi; a única
lealdade de Gula era com quem pagasse mais. E minha família podia pagar
mais do que ele jamais sonhara receber.”
Eles alcançaram outro par de grandes portas duplas, mas essas estavam
seladas e trancadas por dentro. Seu anfitrião estendeu a mão e pousou a
palma sobre a superfície, depois fechou os olhos. Zannah sentiu o suave
suspiro da Força e então a tranca estalou e a porta se abriu para revelar o
santuário interior de Hetton.
A sala era parte biblioteca, parte museu. Estantes cheias de antigos
manuscritos e pergaminhos, intermináveis rolos de velhos datatapes
forravam as paredes e havia um terminal com uma grande tela em um dos
cantos. Várias longas vitrines de vidro se estendiam a partir do centro da
sala, exibindo a coleção de tesouros Sith que Hetton havia passado as
últimas três décadas adquirindo: estranhos amuletos brilhantes, pequenas
adagas encrustadas, uma variedade de incomuns pedras e cristais, e os
cabos de ao menos uma dezena de diferentes sabres de luz.
– Os ensinamentos de Gula me deram uma base, mas a maior parte do
meu conhecimento veio dos livros e manuscritos que você vê aqui – Hetton
disse com orgulho.
Eles andaram lentamente ao longo das vitrines, Zannah dividindo sua
atenção entre as palavras de Hetton e o intrigante conjunto de artefatos Sith.
Ela ainda podia sentir leves resquícios de energia sombria emanando dos
objetos: memórias longínquas do incrível poder que outrora contiveram.
– Logo no inicio de minha aprendizagem eu reconheci Gula pelo tolo que
era. Por minha insistência, minha mãe usou a riqueza e os recursos de nossa
casa para vasculhar a galáxia em busca de cada registro, objeto ou tralha
que fosse minimamente associada com o lado sombrio para que eu pudesse
aprofundar meus estudos sem precisar contar exclusivamente com um
mestre.
“Como você pode imaginar, a maioria das coisas que chegaram a nós era
totalmente dispensável. Mas, com o passar dos anos, alguns itens raros e
valiosos acabaram em minhas mãos.”
Hetton se virou para as estantes, correndo as mãos afetuosamente pelos
livros.
“Esse conhecimento permitiu que eu rapidamente superasse Gula. Assim
que minha mãe percebeu que ele não era mais útil para nós, ela ordenou que
ele fosse morto.”
Zannah se surpreendeu e piscou incrédula. Hetton riu suavemente diante
de sua reação.
– Minha mãe era uma mulher motivada pela ambição e por uma
praticidade implacável. Ela trabalhou duro para manter minha existência
escondida dos Jedi e dos Sith; se Gula pudesse simplesmente deixar nossa
propriedade, ele inevitavelmente revelaria o grande segredo de nossa casa.
– Uma morte necessária – Zannah assentiu com a cabeça, percebendo
que Bane provavelmente teria feito a mesma coisa. Então, atingida com
outra súbita percepção, ela disse:
“Foi você que o matou, não foi?”
Hetton sorriu para ela.
– Você é tão perceptiva quanto poderosa. Quando a ordem veio de minha
mãe, eu fiquei mais do que feliz em obedecer. Gula havia se tornado um
peso e um impedimento para minhas próprias pesquisas.
– Você fala de sua mãe como se ela já não estivesse mais entre nós –
Zannah notou. – O que aconteceu com ela?
Hetton cerrou os olhos, e sua expressão se tornou sombria.
– Há cerca de quinze anos, quando Kaan inicialmente começou a juntar
sua Irmandade da Escuridão, minha mãe insistiu que eu deveria me revelar
e me juntar à causa dele. Ela acreditava que eles conseguiriam destruir a
República, e ela pretendia aliar nossa casa com o novo poder que se erguia
na galáxia.
“Mas eu me recusei a fazer parte do culto de Kaan. Ele pregava que todos
aqueles que seguiam o lado sombrio serviriam como iguais.” Uma
democracia dos Sith. Eu achava esse conceito repugnante, uma perversão
de tudo aquilo que eu havia estudado e que acreditava.”
“Entretanto, minha mãe ainda pensava em termos de governos e alianças
políticas. Através dos meus estudos do lado sombrio, eu já havia
transcendido esses interesses tão mundanos, mas ela não conseguia
entender minhas objeções. No final, fui forçado a eliminá-la.”
Desta vez, Zannah não se surpreendeu.
– Ela teria ignorado a sua vontade e tentado forjar uma aliança com a
Irmandade – ela disse, mostrando que entendia e até mesmo aprovava o
matricídio de Hetton. – Ela teria exposto a sua identidade. Você não tinha
outra escolha.
– Eu a envenenei enquanto ela dormia – Hetton explicou, sua voz
denunciando um toque de remorso. – Foi uma morte perfeita; eu não queria
que ela sofresse. Afinal de contas, não sou um monstro.
Houve um momento de silêncio quando ele ponderou sobre o que tinha
feito. Então Hetton sacudiu a cabeça e voltou a falar enquanto conduzia
Zannah até o terminal do computador.
– Com a queda da Irmandade e as reformas da Ordem Jedi, eu me tornei
mais ousado. Além de minha busca por conhecimento e artefatos dos
antigos Sith, eu também comecei a juntar um exército de seguidores. Sob a
bandeira dos separatistas, eu atraí indivíduos com habilidades e talentos
únicos para servirem a mim. Nós nos unimos em nosso ódio pela República
e pelos Jedi, porém, eu ainda estava hesitante em revelar meu verdadeiro
propósito: a ressurreição dos Sith!
“E agora você está aqui” ele disse, concluindo sua história. Ele removeu
um datacard do terminal. “O momento não poderia ser mais perfeito.”
“Você conhece o nome de Belia Darzu?” ele perguntou. Zannah negou
com a cabeça. “Ela foi uma lorde sombria dos Sith que governou há dois
séculos. Era uma estudante da alquimia Sith; diziam que ela aprendeu os
segredos do mechu-deru, a habilidade de transformar a carne de seres vivos
em metal e maquinaria. Ela usou esse poder para criar um exército de
tecnoferas: híbridos orgânico-droides que respondiam à vontade dela.”
Zannah vagamente se lembrou de uma menção sobre as tecnoferas em
seus estudos, mas o nome Biela Darzu ainda não lhe soava familiar.
– Muitos também acreditam que antes de sua morte ela descobriu o
segredo da criação de holocrons – Hetton acrescentou, e os pensamentos de
Zannah se voltaram para Bane e suas tentativas fracassadas de fazer o
mesmo.
“No fim, Belia foi traída e assassinada por seus próprios seguidores”
Hetton continuou. “Uma ocorrência familiar nas histórias que eu li. Quando
ela caiu, todos os seus segredos foram perdidos, embora os rumores digam
que muito daquilo que ela descobriu ainda está guardado nos arquivos de
sua fortaleza em Tython.”
– Tython? – Zannah exclamou, reconhecendo o nome. – Esse não é um
dos planetas do Núcleo Profundo?
O Núcleo Profundo era um pequeno conjunto densamente povoado por
estrelas que orbitavam um buraco negro no coração da galáxia. Os mundos
do Núcleo Profundo, como o planeta Tython, tipicamente apareciam apenas
em mitos e lendas, ou nas lendas contadas por exploradores já meio loucos
que alegavam ter visitado esses planetas. Massas solares instáveis, grandes
bolsões de antimatéria e poços gravitacionais poderosos o bastante para
contrair o espaço-tempo tornavam virtualmente impossível traçar rotas do
hiperespaço seguras naquela região.
– Sei o que está pensando – Hetton disse. – Eu também estava cético a
princípio. Porém, quanto mais eu estudava sobre Belia, mais evidências
encontrava para apoiar a teoria de que sua fortaleza ficava em Tython.
– Mesmo se for verdade – Zannah protestou –, ninguém sabe como
chegar a Tython.
– Eu sei – Hetton disse com um sorriso malicioso. – Em minhas
pesquisas, descobri as coordenadas de uma via do hiperespaço há muito
esquecida que leva para dentro do Núcleo Profundo. Mas eu nunca arrisquei
fazer essa viagem. Meu medo era que as defesas da fortaleza de Belia
fossem impenetráveis. E então, conheci você.
– Não entendo o que isso tem a ver comigo – Zannah disse.
– Por muitos anos eu estudei o lado sombrio, mas meus poderes
estagnaram. Não aprenderei mais nada sozinho. Preciso de um novo mestre,
um com o poder para penetrar as defesas da fortaleza de Belia e descobrir
seus segredos.
– Você quer se tornar meu aprendiz? – Zannah perguntou, sua voz
aumentando com descrença.
– Tudo que sei sobre Belia Darzu, incluindo a rota do hiperespaço para
Tython, pode ser encontrado neste datacard – Hetton disse, falando
rapidamente. – Estou dando o datacard a você como um presente, um sinal
de respeito e admiração e prova da seriedade da minha oferta.
– Você tem o dobro da minha idade! – Zannah exclamou, ainda incapaz
de digerir aquela bizarra mudança nos eventos.
– A idade tem pouca relevância quando se trata da Força – Hetton a
tranquilizou. – Seu poder é muito maior do que o meu. Estou pedindo a
você que me ensine os caminhos do lado sombrio. Em troca, eu ofereço
acesso a todo o conhecimento que coletei durante os últimos trinta anos.
– Eu mesma sou apenas uma aprendiz – Zannah admitiu. – E meu mestre
mataria a nós dois antes de aceitar sua proposta. Para os Sith sobreviverem,
deve haver apenas um mestre e um aprendiz.
– Então como a linhagem dos Sith continua? – Hetton perguntou,
confuso.
– Quando eu superar meu mestre, eu o matarei e tomarei seu lugar –
Zannah explicou, transmitindo, sem pensar duas vezes, as crenças que Bane
havia implantado em sua mente na última década. – Então eu encontrarei
meu próprio aprendiz para continuar o legado do lado sombrio.
Hetton ficou em silêncio por um momento, considerando o que ela havia
acabado de dizer.
– Talvez esse momento tenha chegado – ele disse suavemente. – Juntos,
poderemos acabar com o reinado do seu mestre.
Zannah riu diante daquela sugestão. Hetton cerrou os olhos
momentaneamente, ofendido pela reação.
– Tenho mais recursos disponíveis do que você pode imaginar – Hetton
disse, erguendo a mão e estalando os dedos.
Dois de seus guardas surgiram ao seu lado, materializando-se no ar.
Zannah levou a mão para o cabo do sabre de luz, pensando que tinha caído
em uma armadilha. Ela não conseguia entender de onde os guardas vieram;
pois, se estivessem de alguma forma invisíveis, ela poderia ter sentido suas
presenças através da Força.
Mas os guardas não fizeram menção de atacá-la, e um segundo mais
tarde ela relaxou outra vez e olhou para Hetton.
– Eu já disse antes, eu recrutei vários indivíduos com talentos únicos e
especializados – ele explicou –, entre eles estão oito antigos estudantes da
Academia Sith em Umbara.
Por causa de Bane, Zannah sabia que os estudantes enviados a Umbara
eram treinados em técnicas de invisibilidade e assassinato, aprendendo a
usar a Força para mascarar sua presença para qualquer forma de detecção.
Foi por isso que ela não fora capaz de senti-los na sala.
– Se você me aceitar como aprendiz, meus guardas irão jurar lealdade a
você também – Hetton disse a ela. – Você terá um esquadrão de oito
assassinos implacáveis e invisíveis ao seu comando.
– Não podemos arriscar que os Jedi descubram nossa existência – ela
finalmente o alertou. – Se você se tornar meu aprendiz, terá que deixar tudo
isto para trás.
– Eu não poderia continuar aqui por muito mais tempo, de qualquer
maneira – Hetton a lembrou. – Não vai demorar até as Grandes Casas
descobrirem que eu sou o fundador da Frente de Liberação
Antirrepublicana. Eles confiscarão meus bens e me condenarão como um
traidor.
“Eu já comecei a transferir minha biblioteca para datacards, em
preparação para minha fuga.”
Em sua mente, Zannah pesou tudo que sabia sobre a força e poder de
Darth Bane contra Hetton e seus oito Assassinos das Sombras, tentando
determinar qual lado possuía a vantagem. No final, ela não conseguiu
prever quem sobreviveria a um encontro, mas decidiu que queria descobrir.
– Quanto tempo você e seus assassinos precisam para ficar prontos?
– Podemos partir dentro de uma hora.
– E após Bane morrer nós iremos a Tython?
– Se esse é o seu desejo, mestra – Hetton disse, curvando-se.
Capítulo 15

A NOITE JÁ HAVIA CAÍDO sobre Ambria, mas Bane não estava interessado
em dormir. Ele estava sentado de pernas cruzadas naquilo que restou do
acampamento, esperando Zannah retornar com os suprimentos para que
pudessem reconstruir o lugar. Enquanto esperava, ele meditou sobre seu
mais recente fracasso com o holocron.
Esse dilema não oferecia uma solução fácil. Se forçasse demais, seu
corpo não aguentaria, o que provocaria erros durante os ajustes precisos da
matriz do holocron. Se fosse mais devagar, conservando suas forças, ele não
seria capaz de terminar antes que a rede cognitiva começasse a se degradar.
Os dois fatores funcionavam em oposição um ao outro, e Bane quebrava a
cabeça para encontrar uma maneira de equilibrar as necessidades do tempo
e do esforço.
A última tentativa levara seu poder ao limite, o deixando à beira da
completa exaustão. Porém, mesmo se não tivesse cometido o erro crítico
que causou o colapso da matriz, ele duvidava que teria sido capaz de
completar os ajustes finais em tempo.
Quanto mais contemplava o processo, mais frustrado ele se tornava. Ele
fracassara nos dois lados do espectro, incapaz de terminar no tempo certo e
sem a força necessária para completar a tarefa sem cometer erros.
Seria possível que houvesse outro elemento crucial que ele desconhecia
no processo? Haveria outro segredo esperando para ser descoberto que
finalmente permitiria criar um holocron para que ele pudesse passar sua
sabedoria e conhecimento para seus sucessores? Ou será que o fracasso era
culpa só dele? Será que lhe faltava poder? Será que seu domínio do lado
sombrio era menor do que o domínio dos antigos Sith, como Freedon
Nadd?
Aquela era uma desconfortável linha de especulação, mas era uma
alternativa que Bane se forçou a considerar. Ele lera as histórias dos grandes
lordes Sith; muitas estavam cheias de proezas quase improváveis demais
para se acreditar. Porém, mesmo se os relatos fossem verdade, mesmo se
alguns de seus predecessores tivessem a capacidade de usar o lado sombrio
para destruir mundos inteiros ou desencadear supernovas em estrelas, Bane
ainda sentia que seu poder estava à altura das habilidades dos muitos lordes
Sith que haviam conseguido criar seus próprios holocrons.
Mas quanto do seu poder é desperdiçado com a infestação de parasitas
em seu corpo?
A questão surgiu em sua mente, não colocada por sua própria voz, mas
pela de sua aprendiz. Zannah havia expressado sua preocupação com o
efeito que os orbalisks poderiam ter sobre ele; era possível que estivesse
certa.
Ele sempre acreditara que o lado negativo dos orbalisks – a constante dor,
a aparência desfigurada – era superado pelos benefícios. Eles o curavam, o
deixavam fisicamente mais forte e protegiam contra todo tipo de arma.
Agora, Bane começava a questionar essa crença. Embora fosse verdade que
ele podia canalizar seu poder através das criaturas para um aumento
temporário de suas habilidades, em longo prazo elas podiam, na verdade,
estar enfraquecendo Bane. Elas constantemente se alimentavam das
energias do lado sombrio que fluíam através de suas veias. Seria possível
que, após uma década da infestação, sua capacidade de extrair poder da
Força estivesse diminuindo sutilmente?
Era uma ideia que no passado ele teria dispensado imediatamente. Mas
seu fracasso repetido com os holocrons o forçavam a reavaliar sua relação
simbiótica com os estranhos crustáceos. Ele podia senti-los agora mesmo,
alimentando-se, sugando a Força que fluía através de suas veias.
Os orbalisks repentinamente se tornaram agitados. Eles tremeram e se
agitaram contra sua carne; Bane sentiu a fome insaciável das criaturas
crescendo como se em resposta à presença de uma fonte próxima de poder
do lado sombrio.
Bane olhou ao redor, esperando ver Zannah se aproximando do
acampamento sob o brilho da lua cheia. Mas não viu nada, não sentiu nada
– nem mesmo as pequenas criaturas e insetos que saíam à noite em busca de
comida, voando no ar ou rastejando no chão. Sua percepção normal do
mundo ao redor parecia estranhamente emudecida ou… mascarada!
Ele se levantou de repente e sacou o sabre de luz, a lâmina ganhando vida
com um zumbido elétrico. Um lampejo de luz vermelha explodiu ao seu
redor, iluminando a escuridão e desfazendo as ilusões que escondiam seus
inimigos ocultos.
Oito figuras vestindo mantos vermelhos cercavam o acampamento, suas
identidades ocultas pelo visor de seus capacetes. Cada uma carregava um
longo cajado metálico que Bane reconhecia como um bastão energético, a
arma tradicional dos Assassinos das Sombras de Umbara.
Treinados na arte de matar adversários sensíveis à Força, os Assassinos
das Sombras preferiam contar com o disfarce e a surpresa. Expostos pela
explosão de energia de Bane, eles repentinamente perderam sua grande
vantagem. E, embora houvesse oito deles, Bane não hesitou.
O lorde Sith saltou adiante e atacou a primeira figura de vermelho antes
que ela – ou ele – tivesse chance de reagir, um único golpe com o sabre de
luz que cortou o infeliz oponente em dois logo acima da cintura.
Os outros sete avançaram ao mesmo tempo, atacando com os bastões
energéticos e suas mortais pontas eletrificadas. Bane não se deu ao trabalho
de desviar os golpes, apenas contou com sua armadura orbalisk para
protegê-lo quando adotou uma estratégia puramente ofensiva.
Sua inesperada tática pegou outros dois assassinos de surpresa, e eles
avançaram direto para um golpe que cortou suas tripas.
Os últimos cinco atacaram Bane quase simultaneamente, seus bastões
enviando uma corrente de um milhão de volts através de seu corpo. Os
orbalisks absorveram a maior parte da carga, mas o suficiente vazou para
eletrocutá-lo dos dentes até os pés.
O lorde sombrio cambaleou e caiu de joelhos. Mas, em vez de correrem
para terminar o serviço, os assassinos simplesmente mantiveram a posição.
A ideia de que qualquer coisa menor do que um bantha poderia aguentar um
golpe direto de um bastão energético em sua carga máxima – muito menos
cinco bastões ao mesmo tempo – era inimaginável. O erro de cálculo deu a
Bane o segundo necessário para afastar os efeitos e se levantar, para o
espanto e horror de seus inimigos.
– Zannah estava certa sobre você – uma voz disse atrás de Bane.
Ele se virou para ver um pequeno homem com seus cinquenta anos,
vestido todo de preto, de pé no lado mais afastado do acampamento. Em sua
mão havia um sabre de luz verde, mas estava óbvio pela maneira como
segurava o cabo que ele nunca recebera o treinamento adequado para lidar
com a arma exótica.
Ao lado do homem estava a própria aprendiz de Bane; ela não havia
sacado o sabre de luz.
Bane rosnou de raiva diante daquela traição, seu ódio crescente
alimentado pelas substâncias químicas que os orbalisks bombeavam em seu
sistema.
– Hoje é o dia em que você vai morrer, Darth Bane – o homem disse,
avançando para atacar.
Ao mesmo tempo, as cinco figuras de vermelho correram em sua direção,
vindas de trás. Bane girou e lançou a palma da mão aberta sobre eles,
disparando uma onda de poder sombrio. Assim como os Jedi e os Sith, uma
das primeiras técnicas que os Assassinos das Sombras aprendiam era a
criação de uma barreira da Força. Canalizando seu poder, eles conseguiam
formar um escudo protetor ao redor de si mesmos para neutralizar os
ataques da Força de seus inimigos. Mas, se um oponente fosse forte o
bastante, um ataque concentrado poderia romper a barreira. Darth Bane,
lorde sombrio dos Sith, definitivamente era forte o bastante.
Dois dos assassinos foram derrubados imediatamente, caindo no chão
como se tivessem trombado com um muro invisível. Outros dois, mais
fracos e menos capazes de se defender contra o poder de Bane, foram
jogados para trás. Apenas o quinto assassino era forte o suficiente para
resistir ao golpe do lorde Sith e continuar avançando.
Entretanto, sem seus parceiros ao seu lado para atazanar e distrair seu
inimigo, ele acabou se tornando o foco da fúria de Bane. Incapaz de se
defender contra a sequência selvagem de golpes de sabre de luz, ele foi
derrotado em questão de segundos, recebendo meia dúzia de ferimentos
fatais sobre o peito e o rosto.
Enquanto os quatro assassinos restantes se levantavam, Bane girou de
volta para seu líder. Sabiamente, o homem de preto havia parado seu
avanço e agora tentava concentrar a Força. Quando Bane deu um passo em
sua direção, o homem disparou um único relâmpago azul, fino e longo.
Bane se defendeu com o sabre de luz, a lâmina absorvendo a energia. Em
retaliação, ele contra-atacou também com um relâmpago – uma tempestade
com dezenas de raios se arqueando na direção de seu alvo em vários
ângulos diferentes.
O homem saltou alto no ar, dando uma cambalhota para trás e evitando a
mortal conflagração elétrica. Ele aterrissou de pé a dez metros de distância,
com uma pequena cratera fumegante marcando o lugar onde ele havia
estado um instante atrás.
– Zannah! – o homem gritou. – Faça alguma coisa!
Mas a aprendiz de Bane não fez nada. Ela meramente continuou de pé,
afastada para o lado, ganhando tempo e observando a ação.
Os assassinos se lançaram sobre Bane outra vez, mas, em vez de afastá-
los com a Força, ele permitiu que seu corpo se tornasse um condutor,
transformando a si mesmo em uma manifestação física do frenético poder
do lado sombrio. Quando girou como um furacão, sua lâmina pareceu estar
em toda parte ao mesmo tempo: cortando, golpeando e fatiando seus
inimigos.
Todos os quatro assassinos morreram no ataque, embora um deles tenha
conseguido acertar um único golpe com seu bastão energético antes de ter
sua garganta cortada, um ferimento tão profundo que quase decepou sua
cabeça. Alimentado pela raiva e fúria, Bane ignorou o mortal choque
elétrico como um bantha ignorando a mordida de um besouro-venn.
Mais uma vez, ele voltou a atenção para o homem de preto. Bane
marchou lentamente em sua direção enquanto seu adversário tremia
congelado no lugar, paralisado pela terrível ciência de sua iminente morte.
– Zannah! – o homem gritou para ela novamente, segurando seu sabre de
luz verticalmente diante dele, como se fosse um talismã que poderia afastar
o demônio se aproximando. – Mestra! Socorro!
Bane o golpeou, decepando o braço do homem que segurava o sabre na
altura do cotovelo. O homem gritou e caiu de joelhos. Um instante mais
tarde, sua voz silenciou, quando Bane atravessou seu corpo, cravando o
sabre de luz em seu peito logo abaixo do coração e furando as costas meio
metro atrás dos ombros.
Bane retirou a lâmina. E o corpo do velho homem caiu de cara na terra,
com o lorde sombrio já virado para sua aprendiz. Zannah apenas continuou
parada, observando.
– Você me traiu! – ele rugiu e saltou sobre ela.
Zannah assistira ao combate com interesse, observando cuidadosamente
as táticas e tendências de Bane e guardando essas informações para mais
tarde. Seu mestre despachou facilmente Hetton e seus lacaios, como ela já
esperava… embora tenha havido um breve instante no começo da luta em
que Bane parecera vulnerável. Aparentemente, os orbalisks não foram
capazes de protegê-lo completamente contra a corrente elétrica dos bastões
energéticos – outro fato que ela fez questão de memorizar.
Quando terminou, seu mestre se virou para encará-la. Zannah esperava
que ele fosse exigir uma explicação, mas em vez disso ele avançou sobre
ela com um grito. Ela mal teve tempo de acionar suas lâminas gêmeas para
defender aquele ataque inesperado.
Zannah tomou uma postura defensiva como sempre fazia nas sessões de
treinamento. Mas aquilo não era um exercício, e seu mestre avançou sobre
ela com uma velocidade e ferocidade que ela nunca enfrentara antes.
Entregando-se à sua sede de sangue alimentada pelos orbalisks, Bane era
como um animal selvagem, cobrindo-a com golpes furiosos vindos de todos
os ângulos, tão rápidos que era como se ele brandisse uma dezena de
lâminas ao mesmo tempo. Zannah começou a recuar, desesperadamente
cedendo espaço sob o ataque devastador.
– Eu não traí você, mestre! – ela gritou, tentando fazer Bane voltar à
razão antes de cortá-la em duas. – Eu atraí Hetton até aqui para que você
pudesse matá-lo!
Ela se abaixou sob um golpe horizontal do sabre de luz, mas levou um
chute pesado nas costelas. Ela rolou com o chute, evitando por pouco o
retorno do sabre. Ela defendeu um rápido golpe descendente, tomou
impulso e se lançou para trás, recuando dez metros.
– Ouça-me, mestre! – Zannah gritou depois de colocar alguma distância
entre os dois. – Se eu quisesse traí-lo, por que eu não ajudaria durante a…
oooffff!
Bane a atingiu com uma poderosa onda da Força, lançando seu corpo
para trás. Apenas a barreira que ela havia instintivamente criado no último
segundo impediu que seus ossos fossem destroçados pela força do impacto.
Ela se ergueu e girou o sabre de luz, criando aquilo que esperava ser um
impenetrável muro de defesa. Mas em vez de tentar romper sua guarda,
Bane saltou alto no ar e desceu quase em cima dela. Zannah habilmente
defendeu o ataque, redirecionando o sabre para o lado quando girou para
impedir que ela fosse atingida pelo corpo dele. Mas Bane acertou seu
queixo com o cotovelo quando ela se virou, o golpe lançando sua cabeça
para trás. Seu corpo amoleceu, sua arma caiu de seus dedos relaxados e
Zannah desabou no chão.
Por um segundo ela não viu nada além de estrelas. Quando a visão
clareou, Zannah viu a imagem de Darth Bane pairando sobre ela, sua
lâmina erguida para um golpe final.
– Eu apenas fiz isso para você, mestre! – ela gritou, ignorando a dor em
sua mandíbula. – Eu apenas queria trazer a você a chave para criar um
holocron!
Bane hesitou, as palavras de Zannah finalmente romperam a loucura
bestial que envolvia o lorde sombrio. Ele olhou para ela no chão, sua cabeça
pendendo para o lado enquanto a sede de sangue lentamente desaparecia.
– Você fez isso para mim? – ele perguntou, desconfiado.
Zannah assentiu freneticamente, mesmo sofrendo tonturas por causa
disso.
– Hetton me reconheceu como uma verdadeira Sith. Eu precisava
encontrar alguma maneira de eliminá-lo junto com seus capangas para
manter nossa existência em segredo.
– Então você os trouxe aqui para que eu caísse em uma emboscada – ele
disse, deixando seu ceticismo óbvio.
– Eu precisava ganhar sua confiança – Zannah explicou, falando
rapidamente e puxando de dentro de suas roupas o datacard que Hetton
havia lhe entregado. – Tive que enganá-lo para que ele me desse isto, para
que eu pudesse repassar a você.
Ela ofereceu o datacard para seu mestre, impressionada com o fato de
que o objeto havia sobrevivido ao confronto. Bane apanhou o datacard,
baixando o sabre de luz e extinguindo a lâmina.
Ele assentiu brevemente e deu um passo para trás, devolvendo espaço
para Zannah. Ela retomou seu sabre de luz caído no chão, depois se
levantou lentamente. Sua cabeça ainda doía por causa da cotovelada no
queixo, dificultando que ficasse em pé com total equilíbrio.
– Eu sabia que você possuía a força para derrotá-los, mestre – Zannah
disse. – Foi por isso que não o ajudei durante o combate.
– E se você estivesse errada? – Bane perguntou com um tom de voz
baixo e ameaçador. – E se eles tivessem conseguido me matar?
– Então você seria fraco, indigno de ser o lorde sombrio dos Sith –
Zannah respondeu com audácia. – E teria merecido a morte.
– Exatamente – Bane disse com seu familiar sorriso sinistro, e Zannah
então soube que seu mestre aprovava.
Capítulo 16

O INVERNO AINDA ERA UM fenômeno novo – e não inteiramente bem-vindo


– em Ruusan. Originalmente, o planeta era um mundo temperado, seu clima
controlado e moderado pelas vastas florestas boreais que dominavam a
superfície. Mas, durante o prolongado conflito entre a Irmandade da
Escuridão e o Exército da Luz, milhões de hectares de antigas árvores
foram dizimados, transformando uma grande parte do hemisfério norte de
Ruusan em um deserto árido e desolado.
Sozinhas, as mudanças dramáticas na geografia talvez não fossem
suficientes para causar uma significativa mudança climática. Entretanto, os
danos ao meio-ambiente deixaram o mundo mais vulnerável para a terrível
devastação da bomba de pensamento. No rastro da arma definitiva de Kaan,
um poderoso vórtice da Força foi criado: um turbilhão invisível de energias
da luz e da escuridão capaz de alterar permanentemente os padrões
climáticos do planeta.
Como resultado, mesmo em regiões do planeta onde as florestas ainda
existiam, a neve – uma raridade havia várias gerações – se tornou uma
ocorrência anual regular. Os invernos sem precedente tipicamente duravam
apenas alguns meses, mas eram particularmente brutais em um ecossistema
que evoluíra em um clima muito mais quente. Partes da flora e fauna de
Ruusan, assim como os humanos que ainda habitavam o planeta, foram
obrigados a se adaptar. Outras espécies simplesmente morreram.
Com o passar dos anos, Darovit aprendera que havia três chaves para a
sobrevivência sob o forte frio. A primeira chave era sempre se vestir em
camadas. Seu casaco com capuz foi um presente de um fazendeiro que ele
tratara de um grave caso de necrose. A grossa blusa debaixo do casaco fora
oferecida como pagamento por um mineiro após Darovit curar o pé do
homem; ele havia acidentalmente esmagado o pé com sua própria britadeira
pneumática. De fato, cada roupa que vestia – a camisa de manga longa, as
pesadas calças, as botas acolchoadas, a luva forrada da mão esquerda e a
abotoadura feita especialmente para cobrir seu toco amputado – fora dada a
ele pelos moradores locais que o visitavam em sua casa isolada em busca do
“Curandeiro Eremita”.
A segunda chave para sobreviver ao inverno e à neve era permanecer
seco. Ele aprendera a observar os céus, buscando abrigo ao menor sinal de
precipitação. Se deixasse que as roupas se molhassem, a hipotermia poderia
facilmente se instalar antes que ele pudesse encontrar ajuda. Era uma das
desvantagens de morar sozinho no meio da floresta, mas Darovit se tornara
acostumado demais com sua vida de solidão para desistir dela agora.
Em seus primeiros anos ele vagou como um andarilho errante,
explorando a natureza selvagem de Ruusan ao viajar entre pequenos
bolsões de civilização espalhados pela região. Mas quando aprendeu a caçar
e a cuidar de si mesmo, ele passou a ter cada vez menos razões para se
aventurar nas cidades e vilas que encontrava pelo caminho.
Seis anos atrás ele se cansou de sua existência nômade. Depois de
encontrar um bom local remoto debaixo de um bosque de árvores
acolhedoras, construiu uma simples cabana feita de galhos e lama. A cabana
deu a ele uma sensação de permanência e estabilidade enquanto ainda
permitia que aproveitasse a paz interior que encontrara em seu isolamento
voluntário.
Não havia mais nenhum assentamento humano em um raio de dez
quilômetros de sua casa, e mesmo a colônia de Bouncers mais próxima
ficava a quase cinco quilômetros de distância. Porém, isso não significava
que ele não recebia visitas. Pelos ensinamentos dos Bouncers e a
experiência de suas viagens na juventude, ele se tornara sábio na arte da
medicina à base de plantas e remédios naturais. Três ou quatro vezes por
mês ele era visitado por alguém implorando que tratasse alguma
enfermidade. Darovit nunca recusava essas pessoas, pedindo apenas que em
troca eles respeitassem sua privacidade… embora muitas vezes os pacientes
lhe dessem presentes, como as roupas que ele vestia agora, como símbolos
de sua gratidão.
A terceira chave para a sobrevivência nos invernos inóspitos de Ruusan
era nunca se aventurar à noite. Temperaturas congelantes, a chance de se
perder e não encontrar abrigo e até mesmo ocasionais predadores
significavam que arriscar-se à escuridão era uma proposta perigosa e tola.
Porém, lá estava Darovit na calada da noite, seus pés esmagando a neve
trazida pelo vento. Ele deixara o calor de sua cabana muitas horas atrás,
quando saiu para ver com seus próprios olhos se os rumores que ouvira de
seus muitos pacientes era verdade.
Darovit sente raiva?
– Não – ele sussurrou para a pequena Bouncer de pelagem verde que
pairava acima dele. – Apenas curioso.
Por razões que ainda não entendia completamente, os Bouncers
desenvolveram um fascínio particular por ele. Durante o dia sempre havia
dois ou três circulando seu domicílio. E, sempre que saía de sua cabana, ao
menos uma das incomuns criaturas o acompanhava.
Talvez eles se sentissem responsáveis por seu bem-estar após resgatá-lo
da caverna da bomba de pensamento. Ou talvez fossem atraídos por ele por
causa de suas vocações semelhantes: os Bouncers tranquilizavam as
angústias mentais daqueles que sofriam ou sentiam dor, e Darovit havia
escolhido compartilhar seu talento curativo com qualquer um que o
procurasse pedindo socorro. Era até possível que eles simplesmente o
achassem engraçado e interessante, embora Darovit não soubesse se os
Bouncers possuíam um senso de humor.
Ele rapidamente se acostumou com sua constante companhia. Eram
companheiros gentis, e pareciam sentir quando ele estava disposto a
conversar e quando queria ser deixado sozinho com seus pensamentos. Na
maior parte do tempo ele achava aquela presença tranquilizadora, apesar de
alguns Bouncers serem mais calmantes do que outros. A jovem fêmea que o
acompanhava agora, Yuun, parecia falar mais do que seus compatriotas.
Darovit casa agora.
– Ainda não – ele sussurrou.
Duas das Três Luas Irmãs de Ruusan estavam cheias naquela noite, sua
luz refletindo sobre a camada prateada de gelo e a cobertura branca de neve
que se acumulara nas últimas semanas. Darovit estava agachado atrás de
um conjunto de árvores, apoiado em seu cajado e afastando galhos com o
toco da mão direita para enxergar através da folhagem sem ser notado. Em
meio às nuvens de vapor de sua própria respiração, ele estudou a cena que
confirmava que os rumores eram verdadeiros: os Jedi haviam retornado a
Ruusan!
Darovit zombara abertamente na primeira vez em que um paciente
mencionou que a República iria construir um monumento em honra
daqueles que morreram em Ruusan. Um projeto desse não fazia sentido
agora, Darovit argumentara, uma década depois da batalha. Mas não havia
como negar aquilo que ele observava entre os galhos.
Um grande terreno no limiar da floresta fora limpo da neve, revelando o
campo congelado cheio de arbustos abaixo. O perímetro fora marcado com
estacas e correntes, e a fundação já havia começado. Darovit achou que as
montanhas de terra escavada pelos droides construtores pareciam uma
chaga no planeta em si.
Dezenas de grandes pedras se espalhavam pela área, cada uma trazida
para Ruusan vinda do planeta natal de um dos Jedi mortos que o
monumento homenagearia. Para os olhos de Darovit, as rochas alienígenas
se destacavam como um Wookiee em uma multidão de Jawas: intrusos
indesejados que estragavam a paisagem de Ruusan.
– Eles não têm direito de estarem aqui – ele sussurrou com irritação.
Não machucam ninguém, Yuun sugeriu.
– Esta área só agora está começando a se recuperar da maldita guerra que
eles trouxeram para cá – ele respondeu. – Levou dez anos para as pessoas
deixarem tudo isso para trás. Agora os Jedi querem reabrir antigas feridas.
Senado aprovou. Não Jedi.
– Não me importa qual é a história oficial. Sei que os Jedi estão por trás
disso. Isso vai acabar em problemas.
Problemas?
Yuun era jovem demais para se lembrar da guerra que devastara seu
mundo. Ela não testemunhou as mortes e o sofrimento sem sentido que
levaram centenas de colônias de Bouncers à loucura.
Arruinados além de qualquer salvação, os Bouncers feridos projetaram
pensamentos de dor e tormento, atacando, e até mesmo matando outras
criaturas, até serem mortos pelas equipes de Jedi enviadas para dizimá-los.
– Os Jedi e sua guerra quase destruíram Ruusan – Darovit disse a ela. –
Milhares de homens, mulheres e crianças morreram. As florestas
queimaram. E a sua espécie foi caçada quase até a extinção.
Sith começaram guerra.
– Os Sith não poderiam fazer uma guerra sozinhos. Eles precisavam de
alguém para enfrentar, e Hoth estava mais do que disposto a jogar seus
seguidores Jedi contra eles – Darovit argumentou, imaginando o quanto os
Bouncers – e Yuun em particular – sabiam de seu passado.
– Os dois lados foram igualmente responsáveis – ele concluiu.
Darovit culpado.
Foi uma afirmativa, não uma questão.
– Talvez – o jovem rapaz admitiu, apoiando-se no cajado. – Mas os
problemas parecem seguir os Jedi onde quer que eles estejam. E eu não vou
ficar aqui sentado assistindo, enquanto eles destroem este mundo outra vez.
Com exceção dos droides de construção, a área estava deserta; as equipes
orgânicas apenas trabalhavam durante o dia. Abaixando-se e segurando seu
cajado paralelo ao chão, Darovit rastejou para fora da cobertura das árvores.
Paz. Calma, Yuun projetou em sua direção, tentando acalmar sua raiva.
Mas ela não teve coragem de segui-lo para o campo aberto, e ele ignorou
seus apelos até se afastar do alcance telepático da Bouncer.
Darovit não era poderoso com a Força; essa era parte da razão de ele ter
fracassado em suas tentativas de se unir tanto aos Jedi quanto aos Sith. Mas
ele possuía uma pequena afinidade, o suficiente para permitir que se
movesse pelo terreno da construção sem ser notado pelos droides semi-
inteligentes.
Droides de construção eram empregados apenas para tarefas mais
simples e básicas. A maioria do trabalho no monumento seria feita por uma
equipe usando maquinaria pesada e transportes flutuantes. Movendo-se
rapidamente, Darovit se aproximou do transporte mais próximo e se
abaixou atrás dele.
Ele viera bem preparado, levando uma grande quantidade de raízes tass
em pó e dois punhados de pétalas esmagadas de flores de videiras scintil.
Sozinhas, as duas substâncias eram inofensivas, mas quando misturadas e
umedecidas, elas causavam uma impressionante interação.
Com sua mão boa, ele abriu o painel de manutenção logo abaixo da caixa
de controle e enfiou quatro pétalas scintil nas bobinas de repulsão. Em
seguida, ele salpicou um punhado das raízes tass sobre as pétalas. Então,
como um toque final, ele apanhou um pouco de neve, deixando-a derreter
em sua luva para que pingasse sobre a mistura.
As substâncias começaram a chiar e exalar um forte cheiro alcalino
quando os elementos formaram uma pasta altamente corrosiva que começou
a derreter, formando um buraco na bobina. Darovit fechou a tampa da
manutenção: fios de fumaça verde escapavam logo abaixo.
Darovit passou a hora seguinte passando entre todos os veículos, parando
sempre que um droide aparecia realizando sua tarefa pré-programada, sem
perceber o vândalo no terreno. Quando voltou para onde Yuun esperava,
todos os transportes flutuantes já estavam desativados.
Solução temporária. Serão substituídos.
– Bobinas de repulsão são caras – Darovit disse. – E estão sempre em alta
demanda. Isso vai atrasá-los em pelo menos uma semana.
E depois?
– Tenho mais alguns truques na manga para nossos amigos Jedi – ele
assegurou à pequena Bouncer. – Isso foi apenas o começo.
Sol logo. Casa agora?
Darovit olhou para cima e viu o leve brilho dos sóis gêmeos de Ruusan já
surgindo no horizonte.
– Casa – ele concordou.

Três semanas se passaram desde que Zannah presenteara seu mestre com
o datacard que quase custara a vida da jovem aprendiz. Bane usara aquele
tempo para estudar o conteúdo do datacard cuidadosamente, analisando
cada pequeno pedaço de informação que Hetton juntara sobre Belia Darzu.
Ele cruzou as referências da maior parte das informações com suas próprias
fontes, verificando tudo que podia fazer para autenticar a pesquisa de
Hetton. E Bane agora tinha confiança de que tudo que o velho homem havia
descoberto era verdade.
Os experimentos de Belia na alquimia Sith revelaram os segredos que
permitiram a ela cercar-se de um exército de tecnoferas. Ainda mais
impressionante, ao menos da perspectiva de Bane, Belia tivera sucesso ao
criar seu próprio holocron. E havia fortes indícios que apoiavam a teoria de
que o holocron que ela desenvolvera – o repositório de todo o seu
conhecimento – ainda estava escondido em algum lugar dentro de sua
fortaleza em Tython.
Bane rodou o diagnóstico final em sua nave: ele não podia correr o risco
de algo se quebrar na jornada que estava prestes a embarcar. A rota do
hiperespaço que levava para dentro do Núcleo Profundo era perigosa, e se
algo desse errado, não haveria chance de salvamento. Ele teria uma morte
fria e solitária – um cadáver congelado, flutuando em um caixão de metal
ao redor do buraco negro no centro da galáxia.
Os sistemas da Mystic pareciam todos em perfeita ordem. Uma nave da
nova série Infiltrator criada pela Sienar, a Mystic era um caça de tamanho
médio e longo alcance que ele adquirira anonimamente através de sua rede
de fornecedores no submundo. Construídas para carregar seis passageiros,
as naves da série Infiltrator eram armadas com armas leves e equipadas com
mínima blindagem, o foco do modelo sendo sua velocidade e agilidade. A
Mystic fora customizada com a adição de um hiperpropulsor classe quatro,
permitindo que escapasse de praticamente qualquer outra nave que
encontrasse.
Embora houvesse espaço dentro da nave tanto para o mestre quanto para
a aprendiz, Bane decidira que Zannah não o acompanharia em sua viagem a
Tython. Mas com certeza ela não ficaria simplesmente esperando em
Ambria por seu retorno.
Junto com seu estudo do datacard, Bane também passara um grande
tempo pensando sobre os orbalisks que se prendiam em seu corpo. Embora
fosse provável que ele descobriria novas informações em Tython que
desvendariam os últimos segredos sobre a criação de holocrons, também era
possível que Belia tivesse tido sucesso usando exatamente o mesmo
processo que ele usara em suas tentativas fracassadas. Bane ainda não podia
descartar a teoria de que os orbalisks foram os responsáveis por seu
fracasso, tirando dele as energias sombrias necessárias para levar o processo
até o final.
Também havia outras considerações. Por duas vezes ele se perdera em
um ataque de raiva, com seus pensamentos e razão substituídos pela
urgência cega de destruir tudo e todos ao seu alcance. Na primeira vez que
aconteceu, ele deixou o acampamento em ruínas: um desperdício tolo e sem
sentido de recursos.
A segunda vez poderia ter sido muito pior. Se tivesse matado Zannah, ele
ainda teria encontrado o datacard de Hetton com ela. Mas também seria
forçado a encontrar um novo aprendiz. Uma década de treinamento seria
perdida, jogada fora por causa de sua loucura temporária.
Zannah salvara a si própria ao explicar os motivos por trás de suas ações.
Ela agira em perfeito acordo com os ensinamentos de seu mestre – um fato
que Bane deveria ter percebido por si próprio. Mas os orbalisks o deixaram
cego para as hábeis maquinações de Zannah, e agora ele entendia que o
poder bruto que as criaturas lhe concediam vinha em troca de sua sutileza e
astúcia.
Então, enquanto ele iria para Tython para encarar os perigos e defesas da
fortaleza perdida de Belia, Zannah partiria para uma missão própria.

A nave de Hetton era magnífica. Um cruzador feito sob medida com


oitenta metros de comprimento, a nave acomodava confortavelmente vinte
passageiros, porém era preciso apenas um piloto. Cada detalhe do projeto
foi feito com as precisas e generosas especificações de Hetton. Equipada
com blindagem e poder de fogo suficientes para encarar uma pequena nave
de guerra, o interior era luxuoso o bastante para receber um jantar formal de
dignitários planetários. Nenhuma despesa fora poupada; a nave servindo
tanto como um símbolo de riqueza quanto como meio de transporte. Havia
apenas uma coisa de que Zannah não gostava: ele batizara a nave de
Loranda, o nome de sua mãe.
Ela acionou os controles, maravilhando-se com a suave decolagem e a
sensibilidade do manche enquanto guiava a nave para fora da atmosfera de
Ambria. Em dois dias ela aterrissaria em Coruscant; certamente teria de
subornar um administrador do espaçoporto para manter sua chegada fora
dos registros oficiais. A Loranda ainda estava registrada no nome de
Hetton, e sua chegada chamaria atenção imediata se fosse registrada com as
devidas autoridades.
Felizmente, era prática comum para os nobres de Serenno realizar
frequentes aterrissagens não agendadas – e não registradas –, mesmo em
Coruscant. As regras dos cidadãos comuns da República não valiam para os
ricos, e fingir que era uma criada enviada para subornar um administrador
não pareceria incomum para ninguém. Chegar ao planeta sem chamar
atenção seria a parte fácil da missão. Ganhar acesso aos Arquivos no
Templo Jedi seria muito mais difícil.
Bane estava arriscando muito ao enviá-la para Coruscant. Eles passaram
a última década se escondendo de seus inimigos, e agora ela estava prestes
a entrar no coração da Ordem Jedi. Mas ela não podia questionar aquela
decisão, não quando ela mesma fora parcialmente responsável. Foi Zannah
quem plantou as primeiras sementes da dúvida na mente de seu mestre
sobre os orbalisks, e agora sua tramoia dera resultado. Bane decidira – para
o bem dela e para o bem dos Sith – que precisava se livrar da infestação.
Nada nos experimentos originais de Freedon Nadd indicava que os
orbalisks pudessem ser extraídos de seu hospedeiro, e a própria pesquisa de
Bane sobre o assunto falhara em descobrir qualquer indício do contrário.
Mas os Arquivos Jedi eram a maior coleção de conhecimento da galáxia. Se
existia uma resposta, eles a encontrariam lá.
Seu mestre tomara toda a precaução para manter sua verdadeira
identidade em segredo enquanto ela visitava os Arquivos. Através de sua
rede de misteriosos informantes e contatos do submundo, ele juntara uma
lista de nomes e ocupações para virtualmente todos os membros da Ordem
Jedi. Da lista, ele escolhera um nome que se encaixava em seu propósito:
Nalia Adollu.
Nalia era uma padawan com quase a mesma idade de Zannah sob a tutela
de Anno Wen-Chii, um famoso e recluso mestre Jedi Pyn’gani que vivia em
Polus, um mundo da Orla Exterior. Na última semana, Zannah memorizara
cada detalhe de seu perfil e história, junto com a história do mestre Anno,
para que pudesse se passar pela jovem aprendiz.
A história inventada era simples: Zannah diria que seu mestre estava
estudando um tipo raro de organismo parasita que vivia sob a superfície
congelada de Polus. Querendo comparar a nova forma de vida descoberta
com espécies semelhantes de outros mundos, mas relutante em deixar a
tranquilidade de seu planeta, o mestre enviara sua padawan para juntar
material de pesquisa nos Arquivos Jedi.
Mas ela precisaria de mais do que uma história plausível para manter seu
disfarce quando se apresentasse ao bibliotecário-chefe e pedisse permissão
para ver os Arquivos. Zannah e Nalia tinham a mesma idade. Elas eram
quase do mesmo tamanho e compartilhavam o mesmo tipo físico. As duas
possuíam longos cabelos – mas Zannah pintou as madeixas com um
profundo e lustroso tom de preto para igualar a cor da outra garota.
Já fazia cinco anos desde a última vez que Nalia deixara seu mestre
sozinho em Polus, então havia pouca chance de encontrar alguém que a
conhecesse bem o bastante para reconhecer Zannah como uma impostora.
Mas mesmo se a sua aparência não a denunciasse, havia um último
elemento a considerar.
Durante sua missão, ela estaria cercada de servos da luz; se eles
sentissem o lado sombrio dentro dela, Zannah seria exposta imediatamente.
O segredo que ela e Bane mantiveram com tanto esforço seria destruído.
Tudo pelo que trabalharam na última década, tudo que conquistaram, seria
para nada. Ela certamente seria capturada, possivelmente condenada à
morte, e seu mestre seria caçado e morto.
A única maneira para o plano funcionar era usar o poder da feitiçaria Sith
para mascarar seu poder enquanto simultaneamente projetava uma aura de
energia do lado da luz. Era um feitiço complicado, ela nunca o tentara antes.
Era preciso um equilíbrio entre força e delicadeza, e Zannah havia praticado
isso sem parar nas últimas semanas antes de sua partida. Porém, apesar de
seus melhores esforços, ainda havia momentos em que sua concentração
derrapava e sua verdadeira natureza se mostrava.
Ela podia apenas torcer para que, se isso acontecesse em Coruscant,
nenhum Jedi estivesse por perto para notar.
Capítulo 17

UM VENTO FRIO SOPRAVA PELA floresta, derrubando a temperatura abaixo de


zero, mas Johun usava a Força para se aquecer e afastar o pior do frio.
O Cavaleiro Jedi estava frustrado. Pouco progresso fora feito na
construção do monumento em Ruusan nas últimas semanas, o projeto sendo
vítima de uma campanha de vandalismo e sabotagem.
Começou com a destruição dos transportes, com suas bobinas de repulsão
corroídas por algum tipo de substância química. Foi preciso quatro dias
para conseguirem comprar e instalar as novas bobinas.
O segundo incidente se deu quando todo o equipamento pesado foi
coberto com uma seiva grudenta que se mostrou ser um poderoso adesivo.
Luvas, botas e outras roupas dos trabalhadores foram permanentemente
coladas em qualquer superfície que tocavam; felizmente, ninguém tocou a
seiva com a própria pele. Levou horas para encontrar e aplicar solventes
químicos fortes o bastante para romper a cola, e dois dias inteiros para
limpar o resíduo grudento do equipamento.
Johun considerou colocar alguns dos trabalhadores como vigias à noite.
Mas o terreno do monumento era remoto; os trabalhadores eram levados até
lá todas as manhãs por uma nave de transporte. Qualquer equipe de vigia
ficaria completamente sozinha, e se os vândalos desconhecidos estivessem
armados, os guardas poderiam se ferir, ou até mesmo morrer. Isso era algo
que o Jedi não estava disposto a arriscar.
Por algumas noites após o segundo incidente, ele contratara uma equipe
de segurança privada para patrulhar a região, esperando que pudessem
apanhar o responsável. Mas aquelas noites se passaram sem incidentes, o
sabotador provavelmente se assustara com a demonstração de força. Mas os
recursos para o projeto eram limitados, e Johun já passara do limite de
gastos por causa dos imprevistos. No fim, ele encerrara o contrato com as
patrulhas… e duas noites depois, os vândalos voltaram.
O terceiro incidente começou com a equipe chegando pela manhã para
descobrir que alguém havia passado um pólen de cheiro forte ao redor de
todo o terreno da construção. Quando os sóis nasceram, um grande bando
de pequenas aves – dezenas de milhares de criaturas piando e chiando –
desceu sobre o terreno, atraído pelo cheiro. Os pássaros cobriram os sóis
gêmeos quando se lançaram sobre a equipe, impossibilitando qualquer
trabalho. Mesmo após o pólen acabar, o cheiro permaneceu por dois dias,
atraindo os pássaros de volta a cada manhã e interrompendo a construção.
Johun decidira cuidar do assunto pessoalmente. Quem quer que estivesse
por trás do vandalismo era alguém cauteloso, e uma equipe de segurança
marchando pelo perímetro era visível demais para ser um impedimento
efetivo. Então, nas últimas três noites, quando sua equipe subiu na nave e
retornou para o conforto de suas camas, ele permanecera no terreno,
determinado a apanhar os vândalos em flagrante.
Como um Jedi, ele podia passar vários dias sem dormir, apenas usando
leves, mas revigorantes, transes meditativos que lhe permitiam ficar ciente
dos arredores. E se os infratores tivessem armas ou se tornassem hostis,
Johun tinha certeza que não passaria nenhum perigo real.
Ele estava agachado atrás de uma tela de camuflagem escondida entre as
árvores que cercavam o terreno da construção. Posicionado sobre um
pequeno morro na frente do terreno e armado com binóculos de visão
noturna, Johun possuía uma clara visão de toda a área. As duas primeiras
noites se passaram sem incidentes, e ele começara a temer que os vândalos
tivessem descoberto sua presença. Se algo não acontecesse naquela noite,
ele decidiu, Johun teria que tentar outro plano.
Quase duas horas mais tarde, sua paciência foi finalmente recompensada
quando, através dos binóculos, ele viu uma figura solitária sair do meio das
árvores a menos de cem metros de onde Johun estava escondido. Ao seu
lado havia um longo objeto fino que poderia ser uma arma, um cajado, ou
talvez as duas coisas.
Johun observou a floresta ao redor, querendo saber se a pessoa estava
sozinha. A única companhia que apareceu na visão noturna foi uma
pequena bolha verde, flutuando no meio da proteção dos galhos. Johun
reconheceu aquela forma redonda como um dos Bouncers nativos de
Ruusan, e ele sentiu um estremecimento involuntário ao se lembrar do
terror que a espécie inspirara nos Jedi após um poderoso ritual Sith destruir
seus lares na floresta, levando-os à loucura.
Faria sentido se os Bouncers estivessem por trás do vandalismo. Para
proteger suas tropas, Hoth, nos últimos dias da guerra, ordenara que os
soldados atirassem nas criaturas se as encontrassem, e centenas de Bouncers
morreram nas mãos dos Jedi. Embora os membros sobreviventes tivessem
voltado à sua sanidade pacífica normal, era possível que ainda guardassem
rancor contra aquela ordem. Mas isso ainda não explicava o envolvimento
da figura humanoide que lentamente entrava no terreno.
Johun saiu de seu esconderijo. Ele sabia que o Bouncer fugiria se ele se
aproximasse, saltando para os galhos altos da floresta e para longe de seu
alcance. Apenas matando-o – e Johun não faria isso – ele poderia trazer a
criatura de volta ao nível do chão. Mas o companheiro do Bouncer teria que
escapar a pé, e Johun tinha certeza de que ele não conseguiria fugir de um
Jedi.
Ele correu na direção de sua presa e a figura virou a cabeça, alertado
pelas botas de Johun esmagando a neve. Johun vislumbrou o suficiente do
rosto sob o capuz para saber que estava perseguindo um jovem rapaz. O
fugitivo descartou o cajado e começou a correr na direção das árvores, com
sua longa túnica que vestia para se proteger do frio esvoaçando atrás dele.
Johun precisava vencer cinquenta metros para alcançá-lo; com o poder da
Força fluindo através de seus membros, ele esperava acabar com a distância
em uma questão de segundos. Mas seu adversário se movia com uma
velocidade surpreendente, e o Jedi percebeu que o rapaz era, ao menos em
um pequeno nível, sensível à Força.
Em terreno aberto, Johun ainda era mais rápido, mas ele estava a bons
dez metros de distância quando o rapaz alcançou a floresta e mergulhou na
vegetação. Ele escolheu um caminho que encerraria qualquer perseguição:
ziguezagueando entre os troncos, abaixando-se sob galhos e saltando sobre
grossas raízes em grande velocidade. Mas, extraindo poder da Força, Johun
conseguiu igualar o progresso do rapaz, desviando as folhas e ramos que
ameaçavam acertar seu rosto e agilmente evitando as raízes que o
derrubariam de cara no chão.
Eles correram pela floresta por vários quilômetros, sem nenhum dos dois
ganhar terreno sobre o outro. A perseguição terminou quando alcançaram
uma pequena clareira com uma cabana no centro, e Johun percebeu que sua
presa, cega pelo pânico, havia instintivamente voltado para casa.
O rapaz correu para a porta, como se quisesse escapar apenas trancando-
se lá dentro. E então ele parou, repentinamente percebendo o erro que
cometera. Relaxando os ombros, ele simplesmente parou na frente da porta,
sem tentar fugir quando Johun se aproximou cuidadosamente.
– Eu não achava que alguém pudesse me acompanhar através da floresta
– ele disse, com um tom derrotado quando abriu a porta da pequena cabana.
– É melhor você entrar e sair desse frio.
O interior era simples, mas limpo, e apenas grande o bastante para os
dois compartilharem o espaço sem muito aperto. A única mobília era um
pequeno colchão no canto. Brasas em uma fogueira no centro emitiam calor
suficiente para Johun remover seu casaco e deixá-lo de lado quando se
sentou no chão de pernas cruzadas.
Seu anfitrião também tirou as roupas mais pesadas, retirando múltiplas
camadas antes de se ajoelhar de frente com seu convidado inesperado.
Johun avaliou que o rapaz possuía uns vinte anos, apenas alguns anos mais
jovem do que o próprio Jedi. Ele possuía cabelos escuros e desarrumados e
uma longa barba; havia um toque selvagem em seus olhos. Mas foi apenas
quando Johun notou a falta da mão direita que ele reconheceu o rapaz como
o famoso Curandeiro Eremita de Ruusan.
– Você sabe quem eu sou? – Johun perguntou.
– Sei que é um Jedi – o eremita respondeu. – Foi por isso que não
consegui fugir de você.
– Meu nome é Johun Othone. Sou o responsável pela construção do
monumento em homenagem àqueles que sacrificaram suas vidas aqui em
Ruusan.
Johun esperou, dando ao rapaz uma chance de responder. Mas o eremita
simplesmente continuou olhando para o chão, sua mão boa pousada sobre o
colo, segurando o toco do braço direito.
– Por que você vandalizou nosso equipamento na construção?
Ele achou que o eremita fosse negar; afinal de contas, Johun não o pegou
em flagrante. Mas o rapaz admitiu abertamente o que fizera.
– Eu queria impedi-los. Achei que, se fizesse vocês perderem tempo e
dinheiro, vocês acabariam desistindo.
– Por quê? – Johun perguntou, intrigado pelo veneno na voz do eremita.
– Não queremos tipos como vocês aqui em Ruusan – o rapaz disse,
irritado. – Vocês não têm direito algum de estar aqui!
– Eu servi com o general Hoth no Exército da Luz – Johun respondeu,
tentando manter a calma, apesar da indignação que sentiu. – Eu vi meus
amigos morrerem. Eu vi o sacrifício que fizeram para salvar a galáxia dos
Sith.
– Eu conheço bem os Sith – o eremita ironizou. – E conheço os Jedi
também. Vi a guerra com meus próprios olhos. Sei o que aconteceu. Veja o
que a sua guerra fez com este mundo! – ele gritou, com sua voz acusatória.
– Todos os anos a neve cai, e a cada inverno mais e mais animais morrem
de frio. Dez anos depois da sua vitória, espécies inteiras ainda são extintas
por sua causa!
– Eu sinto muito por todo o sofrimento que este mundo passou – Johun
disse. – Mas os Jedi não podem ser responsabilizados por tudo. O maior
estrago causado no planeta foi feito pelos Sith.
– Jedi, Sith, são todos iguais – o eremita retrucou. – Vocês estavam tão
cegos pelo ódio um do outro que não conseguiram enxergar as
consequências do que estavam fazendo. E, por fim, o seu general marchou
para dentro das cavernas subterrâneas para enfrentar os seguidores de Kaan,
sabendo que iria liberar a devastação da bomba de pensamento sobre este
mundo.
– Hoth se sacrificou para que outros pudessem se salvar – Johun
protestou.
– A bomba de pensamento era uma abominação! Hoth deveria ter feito
todo o possível para impedir que Kaan a usasse. Mas em vez disso, ele
intencionalmente forçou essa opção.
– Não havia outra opção – Johun respondeu, defendendo as ações de seu
antigo mestre. – A detonação da bomba de pensamento destruiu a
Irmandade e livrou a galáxia dos Sith para sempre.
O eremita riu alto.
– É nisso que você acredita? Os Sith não existem mais? – Ele sacudiu a
cabeça e murmurou:
“Pobre Jedi iludido.”
– O que você quer dizer? – Johun exigiu saber. Ele sentiu um terrível frio
no estômago. – Você não acredita que os Sith foram exterminados?
– Eu sei que eles não foram exterminados – o eremita respondeu. – Um
dos lordes sombrios sobreviveu, e ele tomou a minha prima como aprendiz.
A cabeça de Johun foi jogada para trás como se tivesse levado um tapa.
– A sua prima?
Para o Jedi, parecia loucura, completamente implausível. Mas o eremita,
apesar dos olhos selvagens, não aparentava ser louco.
– Como você sabe disso?
– Depois que a bomba de pensamento explodiu, eu desci os túneis para
ver o resultado – o eremita sussurrou, sua expressão se tornando sombria ao
desenterrar memórias escuras de seu passado. – Eu vi os dois lá embaixo,
minha prima e lorde Bane. – Ele ergueu o toco na frente do rosto. – Eles
fizeram isto comigo.
A mente de Johun começou a correr. Ele se lembrou dos mercenários que
encontrara depois da batalha, e suas histórias sobre um mestre Sith que
havia brutalmente matado seus companheiros. Apesar de mais tarde ter
mudado de opinião e dispensado o relato diante da lógica irrefutável de
Farfalla, parte dele nunca deixou de acreditar naquela história.
Sem nenhuma evidência ou pista, ele abandonara seus esforços para
provar que um mestre Sith havia escapado com vida de Ruusan. Agora,
dentro das paredes daquela cabana, ele se deparou com a prova que por
tantos anos lhe escapara.
– Você viu um Sith chamado lorde Bane? – Johun insistiu, querendo uma
confirmação maior. – Como sabe que era ele?
– Por um tempo, eu fiz parte do exército de Kaan – o eremita sussurrou. –
Todos sabiam quem era Bane.
– Isso… isso é inacreditável! – Johun disse, esquecendo-se
completamente do vandalismo que o levara até ali. – Precisamos contar
para o Conselho Jedi! Precisamos ir a Coruscant o mais rápido possível!
– Não.
A recusa veio com um tom definitivo tão simples que pegou Johun de
surpresa.
– Mas… os Sith ainda existem. O Conselho precisa ser avisado.
O eremita deu de ombros.
– Então avise. Meu lugar é aqui em Ruusan.
– Eles não acreditarão em mim – Johun admitiu. – Eles vão querer
questionar você pessoalmente.
– Eu já vi o que acontece quando os Jedi e os Sith começam uma guerra.
Não farei parte disso. Não vou para Coruscant.
– Você estava vandalizando propriedade da República – Johun o
lembrou. – Eu podia prendê-lo e levá-lo até lá para responder à denúncia.
O eremita riu outra vez.
– E depois, Jedi? Você vai me torturar até confessar o que vi? Vai usar
seus poderes para manipular minha mente e me fazer dizer as palavras que
quer ouvir? Tenho certeza que o Conselho vai acreditar em você assim.
Johun franziu as sobrancelhas. O eremita estava certo; o Conselho só
acreditaria nele se o testemunho fosse dado livremente.
– Você não consegue ver o que está em jogo? – Johun disse, mudando de
tática. – Você viu o que acontece quando os Sith juntam um exército e
declaram guerra. Se vier comigo agora, o Conselho ouvirá o seu alerta.
Poderemos procurar esse tal lorde Bane e impedi-lo antes que tenha chance
de atrair outros para sua causa.
Enquanto falava, ele usou a Força para tocar a mente do eremita. Johun
não forçou para que ele aceitasse o pedido; isso não serviria ao seu
propósito. A persuasão da Força era uma medida temporária, e quando
chegassem a Coruscant, os efeitos passariam e o eremita saberia que fora
manipulado, tornando-o ainda mais rebelde. Em vez disso, Johun
simplesmente tentou deixar o rapaz mais propenso a ouvir a razão, lançando
um véu de calma e tranquilidade sobre seus pensamentos. Ele gentilmente
afastou a amargura e ressentimento do rapaz, permitindo que pesasse a
lógica de seus argumentos sem a névoa da paixão e da emoção.
– Bane se escondeu – ele continuou. – Se não o encontrarmos, ele irá se
revelar apenas depois de reconstruir os exércitos dos Sith, e a galáxia
mergulhará outra vez na guerra. Mas se você vier comigo agora, poderemos
convencer o Conselho a procurá-lo. Ajude-me a impedi-lo, e nós
poderemos evitar outra guerra.
O eremita o encarou por um longo tempo antes de finalmente assentir e
concordar.
– Se isso significa impedir outra guerra, eu irei com você para Coruscant.

O bibliotecário-chefe dos Arquivos Jedi era um respeitável Cereano


chamado mestre Barra-Rona-Ban.
– Bem-vinda a Coruscant, padawan Nalia – ele disse, levantando-se da
cadeira para receber Zannah com um sorriso quando ela entrou na sala. –
Como foi a sua viagem?
O escritório do mestre Barra era muito parecido com o que ela esperava:
muitos cadernos, anotações feitas à mão e datacards cobriam sua mesa,
organizados em pequenas pilhas. Havia também uma pequena tela e um
terminal que ela suspeitava que fossem conectados ao catálogo principal
dos Arquivos, permitindo ao mestre Barra pesquisar à vontade.
– A jornada foi longa e sem imprevistos – ela respondeu.
Sua voz saiu calma e relaxada, embora seu coração estivesse acelerado.
A ilusão que ela projetava de uma aprendiz do lado da luz servira bem até
então, mas agora ela estava cara a cara com um mestre Jedi. Se cometesse o
menor dos erros, tudo seria perdido.
– Foi bom fugir um pouco do frio – ela acrescentou. Nalia, diferente de
seu mestre, não nascera em Polus: ela vinha das regiões tropicais de Corsin.
O Cereano riu, intensificando as rugas em sua longa testa em forma de
cone.
– O mestre Anno discordaria de você, eu imagino.
Ela respondeu também com uma leve risada.
– Meu mestre envia seus cumprimentos – ela disse, lembrando que Anno
e Barra estudaram juntos por um breve período na Academia de Coruscant.
– Você planeja visitar Polus no futuro próximo?
– Temo que tal jornada seria impossível – ele respondeu com um suspiro.
– Os Arquivos precisam da minha constante atenção.
– O mestre Anno alertou que você responderia isso – ela disse, sorrindo.
– Ele disse que você usaria qualquer desculpa para não visitar Polus outra
vez.
– Nem todo mundo gosta do gelo e da neve com o ardor dos Pyn’gani – o
Cereano admitiu com um brilho matreiro nos olhos.
Após a troca de amenidades, ele voltou para sua cadeira e digitou uma
senha em seu terminal, acessando um grande bloco de texto na tela.
– Eu revisei o seu pedido para acessar os Arquivos – ele disse a ela –, e
acho que podemos acomodar você.
Ele digitou no terminal outra vez e inseriu um datacard. O terminal
zumbiu quando carregou informações criptografadas no cartão.
– Os Arquivos estão disponíveis a qualquer hora do dia e da noite – ele
informou. – Você terá permissão para acessar a coleção geral, mas, por
favor, lembre-se que o conteúdo das salas de análise e da câmara dos
holocrons Jedi é restrito.
– Acho que esse conteúdo não será necessário para minha pesquisa – ela
o tranquilizou. – O mestre Anno foi muito específico sobre o que ele quer
que eu pesquise.
O datacard foi expelido do terminal e o mestre Barra o entregou a
Zannah.
– Insira esse datacard em qualquer terminal nos Arquivos sempre que
quiser entrar no sistema e pesquisar algo. Trabalhos originais não podem
sair das premissas, mas você pode copiar qualquer material que encontrar
no seu disco para uso pessoal. Tomei a liberdade de carregar o disco com
alguns trabalhos seminais que podem ser interessantes para sua pesquisa –
ele acrescentou, sorrindo para ela mais uma vez.
– Obrigada, mestre Barra – Zannah disse, curvando-se em uma
reverência.
– Quanto tempo você acha que ficará aqui em Coruscant? – ele
perguntou.
– Alguns dias, no máximo – ela respondeu. Zannah duvidava que
pudesse manter a ilusão que mascarava seus poderes do lado sombrio por
mais tempo do que isso. – O mestre Anno está ansioso para continuar sua
pesquisa. Ele quer que eu volte assim que conseguir a informação que ele
precisa.
O Cereano assentiu.
– É claro. Mas já que você está aqui, espero que não passe todo o seu
tempo estudando parasitas e simbiontes. Você tem uma rara oportunidade
de explorar todo o conhecimento e maravilhas da galáxia, e espero que tire
vantagem disso.
– Eu tentarei, mestre Barra – Zannah prometeu, embora não tivesse
intenção alguma de ficar um segundo a mais do que o necessário.
– Boa sorte com a sua pesquisa, padawan Nalia – o bibliotecário disse,
dispensando-a.
Com mais uma reverência, Zannah se virou e saiu do escritório, mais
confiante em sua missão do que nunca. Se conseguia enganar o mestre
Barra, bibliotecário-chefe dos Arquivos Jedi, fazendo que acreditasse que
ela era Nalia Adollu, ela sabia que poderia enganar qualquer um.
Capítulo 18

A MYSTIC SAIU DO HIPERESPAÇO com um solavanco. Através da janela da


cabine, um grande planeta se agigantava apenas a alguns quilômetros de
distância, sua superfície escondida sob uma espessa camada de nuvens
cinza. Bane checou o computador navegacional, confirmando pelas
coordenadas que havia mesmo chegado a Tython.
Assim como todos os planetas do Núcleo Profundo, Tython era um
mundo coberto de mistérios e lendas. Alguns relatos diziam que os Jedi
haviam visitado aquele mundo durante a era da Grande Caçada, três mil
anos atrás, para exterminar os terríveis terentateks, criaturas monstruosas
que se alimentavam do sangue daqueles que eram sensíveis à Força.
Lendas muito mais antigas identificavam Tython como o local de origem
da Ordem Jedi, há mais de vinte e cinco mil anos. De acordo com a lenda,
sacerdotes e filósofos daquele mundo possuíam a capacidade de extrair
poder de uma energia mística que eles chamavam de Ashla; um poder que
representava toda a compaixão e misericórdia no universo. Eles se opunham
a um grupo rival que extraía poder da energia Boga, a manifestação da pura
paixão e emoção desenfreada.
As histórias contavam sobre uma grande guerra entre dois grupos, com
os seguidores da Ashla emergindo como favoritos. Os primeiros Cavaleiros
Jedi supostamente foram uma evolução dos sobreviventes da guerra,
criando os primeiros sabres de luz em suas cerimônias meditativas. Muitos
anos depois, a lenda também dizia que alguns desses Jedi deixaram Tython
e se aventuraram nas instáveis rotas do hiperespaço para compartilharem
suas crenças com mundos além do Núcleo Profundo. E quando se
encontraram e se misturaram com outras civilizações, Ashla e Boga se
tornaram mais conhecidos como o lado da luz e o lado sombrio da Força.
Bane não sabia se a lenda era real, mas mesmo se fosse, isso apenas
provava a superioridade do lado sombrio e sua inevitável conquista sobre a
luz. Pois, apesar dos seguidores da Ashla supostamente terem vencido os
seguidores da Boga, o lado sombrio prevalecera no fim. Tython,
reverenciada por muitos como o local de nascimento da própria Ordem
Jedi, era agora um bastião de poder do lado sombrio, e local da fortaleza
secreta de Belia Darzu.
Bane sabia que era possível que outras pessoas ainda vivessem em
Tython: descendentes dos primeiros Jedi que sobreviveram por uma
eternidade no isolamento do Núcleo Profundo. Mas ele não tinha interesse
em procurá-los, mesmo se existissem. Armado com as informações do
datacard de Hetton, ele estava indo diretamente para a fortaleza de Belia.
Empurrando o manche para a frente, ele enviou a Mystic em um
mergulho para dentro da atmosfera do mundo coberto de nuvens.
Rompendo a névoa, ele viu que a superfície possuía a cor de cinzas; campos
desertos se estendiam ao infinito sob um manto contínuo de céu
acinzentado sem nenhum sol aparente.
Ele conduziu a nave em um rasante a poucas centenas de metros acima
do chão, enquanto corria na direção do único traço visível no horizonte:
uma enorme fortificação com duas torres construída inteiramente em
hiperaço negro.
A construção era quadrada e media cento e cinquenta metros de cada
lado. Os muros exteriores se erguiam trinta metros sobre o chão, e a única
entrada parecia ser um enorme portão de vinte metros de largura na face do
muro frontal. As torres ficavam uma em cada lado do muro frontal,
erguendo-se dez metros em cada canto.
Quando chegou perto, ele foi recebido por uma saraivada de tiros de
canhões de íons posicionados nas torres. Bane puxou o manche com força,
inclinando a Mystic noventa graus à direita, escapando por pouco do ataque
inesperado. Com exceção de suas tecnoferas, a fortaleza de Belia deveria
estar vazia.
Ele circulou e posicionou a nave de frente outra vez, acionando o sistema
de mira sobre a primeira das duas torres. Os canhões de íons rugiram
novamente, e Bane rolou para fora da linha de fogo ao mesmo tempo em
que disparava com os lasers da Mystic, reduzindo uma das torres a um
amontoado de ferro derretido.
Os sensores da Mystic não haviam detectado nenhuma forma de vida em
sua passagem, sugerindo que os canhões de íons provavelmente faziam
parte de um sistema de defesa automático ainda ativo após quase três
séculos. Essa teoria foi confirmada vinte segundos mais tarde, quando Bane
usou a mesma manobra de rolamento no ataque seguinte para eliminar a
segunda torre; defesas automáticas sempre eram muito previsíveis.
Ele circulou a fortificação mais duas vezes, vasculhando visualmente e
com os sensores para confirmar que não existiam outras ameaças antes de
aterrissar a nave no chão estéril perto da entrada.
Sacando o sabre de luz, ele saltou da cabine e avançou cuidadosamente
até ficar diante do portão negro. A entrada se agigantava sobre ele, uma
enorme porta sem maçaneta, dobradiças ou painel de controle.
Concentrando seu poder, ele pousou a mão esquerda contra a superfície. O
portão explodiu, rompendo o metal para dentro com um estrondo alto que
reverberou pelo longo corredor escuro que levava para a fortaleza.
Bane entrou no corredor, desconfiado e de olho em qualquer truque ou
armadilha que poderia estar esperando por ele. Sentia o poder do lado
sombrio naquele lugar, mas não detectou nenhuma ameaça imediata à sua
pessoa, então prosseguiu com cautela.
Usando bastões luminosos para iluminar o caminho, ele explorou a
fortaleza sala por sala, levantando poeira que permanecera intocada por
séculos. O lugar fora primariamente uma base militar, a maioria do espaço
tomado com os alojamentos e refeitórios necessários para abrigar um
exército de seguidores. Mas as salas estavam desertas. Nem mesmo os
vermes ou insetos, normais em um prédio abandonado, vagavam pelo lugar,
embora não estivesse claro se eram mantidos longe dali pela energia
sombria que permeava o ar ou por outro meio desconhecido.
Ao avançar pela fortaleza, Bane começou a entrar nos laboratórios
químicos de Belia. Garrafas seladas com estranhos líquidos coloridos se
espalhavam sobre mesas de metal. Forrando as paredes havia tonéis vazios
que se conectavam a tubos de vidro em espiral usados para destilar ou
separar misturas. Em uma das salas, os corações e cérebros de uma dezena
de espécies diferentes flutuavam em jarros de vidro, preservados para
sempre em fluidos transparentes. Outro laboratório continha anotações e
rascunhos sobre as tentativas de Belia de transformar criaturas vivas em
híbridos orgânico-droides.
Bane parou diante dessas anotações, passando a vista rapidamente antes
de continuar. Ele não conseguiu entender aquela escrita misteriosa; ele
precisava encontrar os arquivos de Belia – e, se possível, o holocron onde
ela havia armazenado seu conhecimento – se quisesse compreender seus
experimentos.
Perto dos fundos da construção ele se deparou com uma estreita escadaria
que levava para os níveis subterrâneos. Uma coisa que a pesquisa de Hetton
não fornecera era um mapa do interior da fortaleza, mas ele podia sentir o
poder emanando sob seus pés. Não havia dúvida de que a fonte da energia
sombria que pairava como fumaça no ar de cada sala e corredor da fortaleza
vinha do final daquela escadaria. Seria lá, Bane sabia, que ele encontraria o
santuário interno de Belia.
Ele desceu lentamente os degraus. Lá embaixo havia outro longo
corredor estreito, e no final desse corredor havia uma pequena e arcaica
porta de madeira. Um pálido feixe de luz fluorescente brilhava pela fresta
no chão. Diferente do andar de cima, Bane percebeu, geradores ainda
forneciam energia para a sala adiante – outro sinal de que era uma sala de
importância crucial.
Bane se aproximou da porta, parando diante dela. Ele não conseguiu
sentir nada do que o esperava do outro lado; sua percepção da Força estava
sobrecarregada pela grande concentração de poder do lado sombrio.
Respirando fundo, ele gentilmente empurrou a porta e olhou para dentro
com um horror fascinado.
A câmara adiante era enorme, com ao menos cinquenta metros de
comprimento e vinte de largura. Sozinho no centro havia um pedestal, sobre
o qual descansava uma familiar pirâmide de quatro lados: o holocron de
Belia Darzu. Mas não foi isso que lhe chamou a atenção. O resto da sala
estava completamente tomado por um exército de tecnoferas.
As criaturas pareciam vir de todo tipo de espécie: uma coleção de
humanoides e feras de todos os cantos da galáxia que foram vítimas do
tecnovírus de Belia. No passado, foram uma combinação de carne e
tecnologia, agora a maior parte dos tecidos vivos das tecnoferas havia
apodrecido e caído do corpo. O que restava eram faixas dessecadas de pele
e tendões que se penduravam nos ossos, colados por fios e pedaços de
metal.
Os braços e mãos das criaturas que andavam sob duas pernas foram
transformados em lâminas irregulares que se estendiam dos cotovelos. As
maiores criaturas – como a tecnofera bantha que ele viu do outro lado da
câmara, ou o rancor perto do pedestal no centro – se tornaram máquinas de
guerra, com canhões blaster fundidos aos ombros e suas carapaças
substituídas por armaduras blindadas e cheias de pontas.
Pela pesquisa de Hetton, Bane sabia que o tecnovírus atacava o lobo
frontal do cérebro, reduzindo suas vítimas a meros autômatos incapazes de
funções cognitivas complexas – um triste destino para qualquer sen-ciente.
As criaturas na câmara estavam em um estado ainda pior. Com o passar dos
séculos, o que restou de seus cérebros foi mantido vivo pelos nanogenes do
tecnovírus, mas a inevitável degradação ao longo prazo comprometera suas
habilidades motoras e os reduzira a carcaças de metal mumificadas.
Bane pensou que aquele exército na câmara devia ter vagado pelos
corredores e salas da fortaleza, guardando o lugar contra ataques e servindo
às necessidades de sua mestra. Com a morte de Belia – envenenada pelos
assassinos da Ordem Mecrosa quando a aliança entre eles ruiu –, acabaram
vagando sem nenhum propósito ou direção. Com o passar das décadas, as
criaturas foram lentamente atraídas para aquela câmara pelas energias do
lado sombrio que irradiavam do holocron, o último resquício sobrevivente
de sua mestra, chamando por eles do além. Impelidos apenas por um
simples instinto primitivo, as criaturas foram incapazes de fazer qualquer
outra coisa que não fosse obedecer, até que, um por um, todo o exército de
tecnoferas se juntara naquela única câmara.
Um estranho silêncio pairava sobre a cena; as cordas vocais das infelizes
criaturas haviam se desintegrado havia muito tempo. O único som era o
leve zumbido de juntas mecânicas e o arrastar enferrujado de metal sobre o
chão de pedra à medida que elas andavam lentamente em sua confusão.
Ocasionalmente, elas batiam umas nas outras, provocando um baque
metálico enquanto disputavam de maneira desajeitada uma posição mais
próxima do holocron no centro da câmara. Mas apesar de estarem
claramente atraídas pelo objeto, nenhuma ousava se aproximar mais do que
três metros do pedestal. Apenas congregavam em um círculo ao redor, um
exército de mortos-vivos esperando ordens que nunca viriam.
Bane pisou dentro da câmara, empunhando o sabre de luz. As tecnoferas
ignoraram sua presença, dando atenção apenas ao holocron. Ele atravessou
lentamente a legião de criaturas, tentando estimar sua quantidade enquanto
chegava cada vez mais perto do centro. Cinquenta? Cem? Era impossível
contar; seus corpos de metal enferrujado e carne mumificada pareciam se
misturar em uma única massa tenebrosa.
Alcançando o pedestal no coração da câmara, ele parou, sem saber o que
aconteceria quando tomasse o holocron para si. Será que as criaturas o
reconheceriam como seu novo mestre, ou será que avançariam furiosos
sobre ele para proteger o ídolo que adoravam? Havia apenas um jeito de
descobrir.
Quando seus longos dedos se fecharam sobre o holocron, ele ouviu um
barulho que o fez recuar a mão de repente. Soou como o gemido de um
deus se erguendo da tumba; centenas de membros mecanizados entraram
em ação com um zumbido frenético quando os monstros o atacaram.
Bane lançou uma onda da Força, e dezenas das criaturas explodiram em
nuvens de poeira e metal retorcido. Mas os outros continuaram o avanço,
cobrindo seu corpo. Seus pés pisotearam e chutaram Bane; os braços
afiados tentaram cortá-lo enquanto estava caído no chão. Mas nenhum dos
ataques conseguia penetrar as conchas de sua armadura orbalisk.
De costas, Bane atacou indiscriminadamente com o sabre de luz,
decepando membros a cada golpe. Não houve gritos de dor ou sangue
esguichando – os corpos de seus inimigos já não possuíam sangue desde
que suas carnes apodreceram, séculos antes. Os únicos sons do combate
eram os próprios grunhidos do lorde sombrio, o tilintar de metal caindo no
chão e a ocasional chuva de faíscas.
Mesmo em sua fúria, as criaturas eram lentas e desajeitadas. Os ataques
ferozes de Bane rapidamente abriram espaço suficiente para ele se levantar.
Quando se ergueu, ele viu a parede de criaturas avançando, e Bane disparou
uma bateria de relâmpagos no meio das tecnoferas. Os raios arquearam
através dos corpos metálicos; a nanotecnologia que animava seus corpos foi
eletrocutada, e mais uma dezena de seus oponentes desabou para nunca
mais se levantar.
Um forte golpe atingiu Bane repentinamente, o rancor metálico o lançou
no ar com um ataque de sua enorme garra. Bane bateu de cara com aquilo
que um dia fora um humano, e a tecnofera abriu sua boca e disparou uma
nuvem de minúsculos esporos de metal diretamente em seu rosto.
Bane acabou inalando os esporos ao mesmo tempo em que cortava a
criatura, fatiando diagonalmente do ombro até o quadril. Ele sentiu o
tecnovírus dentro de seu corpo, com seus nanogenes perfurando a carne até
chegar ao cérebro para consumir seu lobo frontal e começar o processo que
o transformaria em uma abominação que não era nem droide e nem ser
vivo.
Antes que pudesse usar a Força para salvar a si mesmo, ele sentiu uma
onda de calor em seu sangue quando os orbalisks liberaram uma substância
química para destruir os invasores microscópicos. Seu crânio parecia
queimar à medida que seu coração bombeava a substância cáustica através
da artéria carótida e os capilares do cérebro, mas ele também podia sentir os
nanogenes secando e morrendo sob o calor quase instantaneamente.
Usando a dor em sua cabeça para alimentar sua raiva, Bane girou e saltou
sobre o rancor, fatiando suas duas pernas de metal. Os canhões laser nos
ombros da criatura tentaram atirar nele, mas nos mais de duzentos anos
desde sua criação, as células de energia haviam perdido sua carga e o único
resultado foi um fraco clique. O torso caiu no chão, mas as garras ainda
tentaram agarrá-lo; Bane precisou saltar para trás antes de se lançar para a
frente para decepar os braços na altura dos ombros.
Com aquele inimigo derrotado, ele usou a Força para desintegrar mais
duas tecnoferas que avançavam, e então sentiu algo apertando seu pé. Ele
olhou para baixo e viu que a mandíbula do rancor havia se fechado sobre
sua bota; estava tentando mastigar sua perna. Mais uma vez, sua armadura
orbalisk o protegeu, e Bane cortou a cabeça do rancor, aliviado quando viu
que a criatura finalmente parou de se mexer.
Ainda havia dezenas e mais dezenas de tecnoferas na câmara, avançando
de todos os lados. Bane agora entendia que as criaturas não conseguiam
machucá-lo de jeito nenhum, mas também sabia que elas não parariam até
que todas fossem reduzidas a pó.
O extermínio durou mais de uma hora. Ele usou o sabre de luz para
repetidamente desmembrar seus inimigos, usando a Força para afastar a
exaustão dos braços, pernas, ombros e costas. Por três vezes ele perdeu o
foco, seus instintos marciais saindo de sincronia pelo enervante silêncio de
seus inimigos enquanto eram destroçados. A cada vez que sua atenção se
perdia, ele era derrubado ao chão pelos golpes de uma das criaturas que
chegavam perto o bastante para fazer contato, e Bane era forçado a se
erguer novamente. Em duas outras vezes durante o combate ele sentiu a
queimação em seu cérebro quando os orbalisks livraram seu sistema de
mais outra nuvem dos esporos que ele inalara inadvertidamente.
Quando acabou, todos os músculos de seu corpo doíam de tanto cortar as
centenas de metros cúbicos de metal que vinham pela frente, trazendo de
volta lembranças dos longos turnos que ele precisava suportar nas minas de
Apatros quando era jovem. De parede a parede a câmara estava coberta com
membros, torsos e cabeças de tecnoferas, a carnificina apenas menos
horrível por causa do fato de que não havia tripas e sangue.
Chutando para o lado os restos com suas pernas cansadas, Darth Bane
lentamente abriu caminho até o centro da câmara. Ele desativou o sabre de
luz e o pendurou no quadril, depois cambaleou para a frente, agarrando o
pedestal para não desabar no chão com suas coxas e panturrilhas sofrendo
de cãibras simultaneamente.
Cerrando os dentes, ele se inclinou pesadamente sobre o pedestal para
tirar o peso de seus músculos travados. Respirando fundo, ele convocou o
que restava de suas habilidades da Força para reparar sua energia. Após
vários minutos, os espasmos começaram a diminuir, e ele foi capaz de ficar
de pé outra vez.
Seu corpo e sua força de vontade estavam exaustos; seria uma opção
inteligente se ele descansasse antes de tentar usar o holocron. Mas ele
chegara tão longe, e aguentara tanta coisa, que agora não podia mais adiar
nada.
Ainda agarrando o pedestal com as duas mãos para se apoiar, o mestre
Sith observou o talismã, focando sua vontade em trazer o objeto à vida.
Lentamente, o holocron começou a pulsar com uma suave luz interior de
tom violeta, e Bane sorriu.
Logo, todos os segredos de Belia Darzu seriam seus.
Capítulo 19

– PENSEI QUE VOCÊ JÁ TINHA deixado essa loucura para trás – Farfalla disse
com um tom desapontado e sacudindo a cabeça.
– Não é loucura – Johun insistiu – Ele estava lá, mestre. Ele viu com seus
próprios olhos!
Farfalla suspirou e se levantou da cadeira, começando a andar sem rumo
sobre o carpete de seu aposento privado. Johun permaneceu sentado,
concentrando-se em ficar calmo, deixando seus argumentos serem guiados
pela lógica e a razão.
– Como Hoth lidava com a sua teimosia? – Valenthyne perguntou,
parando e jogando as mãos no ar em exasperação.
– As suas personalidades são muito diferentes – Johun comentou. – Hoth
muitas vezes me acusava de ser passivo demais.
Farfalla sacudiu a cabeça outra vez e retornou para a cadeira.
– Você tem certeza que essa testemunha é confiável? – ele perguntou,
fazendo alusão aos mercenários que Johun quisera interrogar há dez anos.
Johun assentiu.
– Todos os detalhes de sua história batem. Ele se chama Darovit agora,
mas na época ele era conhecido como Tomcat. Os registros mostram que ele
foi recrutado em Somov Rit por Torr Snapit, e ele veio com seus primos
para se juntar ao Exército da Luz.
– E um desses primos é a garota que ele diz que cortou sua mão?
– Uma garota dez anos atrás – Johun notou. – Agora ela já seria uma
mulher. O nome da prima era Rain. Ela se perdeu em um ataque dos Sith
pouco depois de eles aterrissarem em Ruusan. Ela desapareceu e foi dada
como morta, mas deve ter sido encontrada por esse tal lorde Bane e levada
como sua aprendiz.
– Eu já ouvi esse nome antes – Farfalla admitiu, recostando-se na
cadeira. – Foi mencionado em alguns dos depoimentos dos lacaios dos Sith
que nós tomamos como prisioneiros. Se eu me lembro bem, ele foi um dos
últimos Sith a entrar na Irmandade.
Johun assentiu.
– Darovit disse a mesma coisa. Ele disse que Bane sempre relutou em
seguir Kaan. Se ele recusou a se juntar ao resto da Irmandade na caverna,
isso explicaria como ele sobreviveu à bomba de pensamento!
– É possível – Farfalla admitiu. – Mas como Darovit reconheceu Bane?
– Ele desertou para se juntar aos Sith no final da guerra.
Farfalla jogou as mãos para cima novamente.
– Um desertor, Johun? Um traidor dos Jedi? O Conselho nunca vai
acreditar nisso!
– Mas é isso que faz sua história ainda mais crível – Johun retrucou. – Se
ele estivesse mentindo, ele poderia facilmente encontrar alguma razão que
explicasse como reconheceu lorde Bane. Mas ele admitiu livremente seu
crime porque decidiu que chegou a hora de falar a verdade.
– E por que isso? – Farfalla quis saber. – O seu relato diz que ele viveu
como um curandeiro em Ruusan na última década. Por que ele decidiu, de
repente, contar a verdade?
– Quando falei com ele em Ruusan, eu o convenci dos perigos que os
Sith representam. Ele quer impedir Bane antes que outra guerra estoure.
Farfalla ergueu uma sobrancelha.
– Você o convenceu? Após uma década de silêncio, só foi preciso um
encontro com você para ele mudar de ideia? Como, exatamente, você
conseguiu isso?
– Eu não usei a Força – Johun protestou. – Não exatamente. Eu não usei
a Força para obrigá-lo. Eu apenas o deixei mais disposto a me ouvir.
– Você está tornando isso muito difícil para mim – Valenthyne disse,
esfregando uma das têmporas.
– Estou apenas pedindo para você conversar com ele pessoalmente,
mestre – Johun implorou. – Ouça o que ele tem a dizer. Ouça o relato,
depois decida se você deve levá-lo diante do Conselho.
– Está bem, Johun – Farfalla disse, assentindo. – Eu me encontrarei com
ele. Onde ele está agora?
– Ele queria aprender mais sobre as artes de cura de nossa Ordem –
Johun explicou. – O mestre Barra deu acesso a ele aos arquivos.
Valenthyne bateu em suas coxas e se levantou.
– Então sugiro que o encontremos antes que eu me arrependa.

A coleção geral dos Arquivos Jedi ficava em quatro longos saguões


construídos sob uma enorme rotunda central. Cada saguão continha um
largo corredor principal, com centenas de corredores secundários menores
saindo de cada lado. Forrando as paredes dos corredores secundários
ficavam as prateleiras: trilhões de datatapes e datacards organizados em
milhões de categorias, tópicos e subtópicos. Os discos de um saguão em
particular podiam ser acessados através de qualquer um dos terminais
montados ao longo do corredor principal. Cada terminal era equipado com
um índice-mestre, mas para facilitar as coisas, cada saguão também
representava uma linha específica, embora muito abrangente, de
conhecimento.
O primeiro saguão, aquele pelo qual todos os visitantes passavam quando
entravam nos arquivos vindos do Templo Jedi, continha obras de filosofia e
registros históricos. Inclusos ali estavam os diários pessoais dos Jedi,
líderes políticos e indivíduos de importância histórica. Tratados básicos
examinando a Força também ficavam naquela seção, embora muitos desses
trabalhos fossem restritos aos padawans, ou eles poderiam se desvirtuar, se
interpretassem mal essas obras.
O segundo saguão continha trabalhos dedicados às ciências matemáticas
e à engenharia, incluindo teorias do espaço-tempo e construção de
hiperpropulsores, plantas de prédios governamentais e esquemas detalhados
de cada veículo, arma ou apetrecho existente. O terceiro saguão era focado
na geografia e cultura dos milhões de planetas conhecidos da galáxia.
Mapas, tanto planetários quanto interestelares, assim como descrições
detalhadas de cada civilização registrada, do passado e do presente,
dominavam as prateleiras do terceiro saguão.
Entretanto, Zannah – ainda disfarçada de Nalia – se dirigia agora para o
quarto saguão. Era lá que se encontravam as pesquisas e informações
zoológicas de virtualmente todas as formas de vida da galáxia. Aquele era
seu terceiro dia nos Arquivos, e ela ainda não havia encontrado o que
procurava. Os trabalhos pré-gravados no datacard que o bibliotecário-chefe
lhe entregara haviam ajudado a focar sua pesquisa, mas localizar um pedaço
específico de informação em um oceano infinito de conhecimento não era
tarefa simples.
Se tivesse voltado ao mestre Barra, ou abordado algum dos droides de
análise que vagavam pelos Arquivos, e pedisse por informações sobre
orbalisks em vez do assunto mais geral dos organismos parasitas, ela
poderia ter progredido mais rapidamente. Mas isso entraria em conflito com
seu disfarce e levantaria questões indesejadas. Então Zannah fora forçada a
procurar as informações usando apenas as habilidades que desenvolvera
enquanto estudava sob a orientação de Darth Bane.
Seus esforços rapidamente trouxeram milhares de artigos e experimentos
que faziam ao menos uma referência aos orbalisks, mas ela ainda não havia
encontrado nenhuma menção de como removê-los sem matar o hospedeiro.
Ela sabia que estava ficando sem tempo, mas enquanto atravessava o
primeiro corredor na direção da rotunda, Zannah estava determinada a
encontrar aquilo que procurava.
Sempre havia uma grande quantidade de pesquisadores nos Arquivos,
mas os corredores primários de cada saguão eram muito largos, e as
prateleiras eram tão numerosas e profundas que Zannah nunca sentiu falta
de privacidade. Isso permitia a ela trabalhar sem medo de alguém
acidentalmente descobrir o que estava investigando. Entretanto, ela ainda
sentia uma pontada de apreensão sempre que alguém passava por perto,
preocupando-se que sua aura projetada de poder do lado da luz pudesse
falhar.
Ela assentiu para um dos droides de análise quando entrou na rotunda
central e virou para a direita, seguindo para o quarto corredor. Zannah
passou pelos bustos de bronze que homenageavam membros poderosos e
memoráveis da história da Ordem. Ela parou, como sempre fazia, na frente
dos bustos dos Perdidos: os únicos doze indivíduos que haviam
voluntariamente deixado a Ordem e renegado os votos que fizeram quando
se tornaram Cavaleiros Jedi.
Os Perdidos serviam como uma lembrança para os Jedi de que, apesar de
sua sabedoria e talento com a Força, eles não eram infalíveis. Os Jedi
enxergavam cada um dos Perdidos como um fracasso de sua Ordem, mas
não como fracassos individuais. Uma placa em cada busto recontava a
história do indivíduo, elogiando aquilo que ele ou ela conquistara e
contribuíra antes de deixar a Ordem. Curiosamente, nenhuma das placas
oferecia a razão da saída.
Zannah sacudiu a cabeça e continuou. Como uma Sith, ela não conseguia
imaginar qualquer razão para homenagear alguém que abandonasse sua
causa… porém, com apenas um mestre e um aprendiz, os Sith foram
transformados em algo muito diferente da Ordem Jedi e seus vastos
números.
Ela prosseguiu pelo quarto saguão, buscando a privacidade do último
terminal no corredor central. Zannah inseriu seu datacard pessoal que o
mestre Barra havia lhe fornecido para ter acesso ao catálogo dos Arquivos e
então retomou sua pesquisa de onde havia deixado no dia anterior.
Juntando uma lista de números do índice, ela digitou uma senha para
travar seu terminal para outros usuários, depois seguiu para as prateleiras
para apanhar a meia dúzia de datacards que ela queria estudar mais
detalhadamente. Por necessidade, os datacards nos Arquivos possuíam
quase o dobro do tamanho de seu datacard pessoal; cada um continha o
texto completo de centenas – talvez até milhares – de títulos diferentes.
Por cinco longas horas ela continuou pesquisando sem parar. Por várias e
várias vezes ela retirou datacards e vasculhou seu conteúdo, apenas para
descobrir que não possuíam nada de novo. Frustrada, ela retirava os cartões
do terminal e compilava uma nova lista de possíveis fontes, depois
retornava para as prateleiras para trocar os datacards usados por outros que
prometiam resultados melhores.
Foi o ronco em seu estômago que a alertou para que fizesse uma pausa.
Se ela se distraísse – cansada demais ou faminta –, seu feitiço podia vacilar,
expondo sua verdadeira natureza para aqueles ao redor. Já acontecera antes,
no primeiro dia, quando forçou demais a si mesma e pesquisou até tarde da
noite. Durou apenas um instante, um lapso momentâneo, mas podia ser
suficiente para acabar com tudo. Felizmente, àquela hora da noite o lugar
estava quase deserto, e não havia ninguém perto o bastante para notar a
presença de uma Sith. Desde então, Zannah passou a tomar muito mais
cuidado.
Havia um último datacard para checar; depois ela seguiria para a cantina
e retornaria assim que saciasse sua fome. Ela inseriu o cartão no terminal e
rapidamente passou a vista no conteúdo. Quando encontrou o que
procurava, ela apertou um botão; um bloco de texto de um trabalho
acadêmico apareceu na tela.
EXAMINANDO E EXPLORANDO UM ORGANISMO PERIGOSO E RESISTENTE
Por Dr. Osaf Hamud

Em meus anos de estudo eu encontrei uma grande quantidade de formas


de vida que subsistem primariamente através de relações simbióticas com
outras espécies. Algumas dessas relações são comensalistas, nas quais
nenhuma das espécies é afetada de modo significativo pela presença da
outra. Outras relações são mutualistas, quando permitem que ambas as
espécies se beneficiem de sua existência compartilhada. E há ainda outras
relações que são parasíticas, nas quais o organismo hospedeiro sofre
enquanto o simbionte prospera.
É claro, para classificar adequadamente qualquer relação simbiótica em
uma dessas três categorias, é preciso definir explicitamente o significado de
palavras como danoso ou benéfico, uma tarefa que muitos consideraram…

Zannah piscou duas vezes para clarear o estupor que se instalava sobre
ela. A coleção geral dos Arquivos incluía tudo, desde os diários de
exploradores que eram tão excitantes de ler quanto qualquer obra de ficção,
até trabalhos acadêmicos tão secos e entediantes que testariam os limites da
paciência até de um mestre Jedi. Aparentemente, os trabalhos do Dr. Osaf
Hamud caíam nessa última categoria.
Por um breve instante, ela considerou simplesmente retirar o cartão e ir
atrás de uma refeição, mas preferiu fazer uma busca rápida pela palavra
orbalisk. Uma dezena de páginas passaram pela tela até chegar à seção
relevante.

… chamados orbalisks pela população local dos Nikto. Um guerreiro


relatou como ele fora infestado durante quase um ano inteiro antes de se
livrar das criaturas, pois elas o desfiguraram tanto que ele não conseguia
encontrar uma parceira.
Isso nos leva de volta ao nosso dilema anterior de como definir danoso e
benéfico. Revisitando a discussão anterior, nós precisamos agora incluir a
capacidade de encontrar uma parceira em nossas discussões…

Zannah levou os olhos de volta para o topo da página.

… Um guerreiro relatou como ele fora infestado durante quase um ano


inteiro antes de se livrar das criaturas…
Em desespero, ela digitou uma nova frase, depois fez uma nova pesquisa.

É um fato geralmente aceito pela maioria dos zoólogos que os orbalisks


não podem ser removidos sem matar o hospedeiro. Entretanto, minha
pesquisa revelou que uma infestação pode ser curada, embora o processo
seja perigoso e extremamente complicado, com detalharei aqui.
Primeiro, o hospedeiro deve estar em excelente saúde. Como é de se
esperar, a própria definição de excelência, e até mesmo de saúde, precisa
ser examinada…

Ela encontrou. Ela encontrou! Zannah saltou e fechou o punho em uma


silenciosa celebração, quase incapaz de conter um grito de triunfo. E, em
seu momento de alegria, o feitiço que escondia sua verdadeira identidade
vacilou.
Zannah rapidamente recuperou o controle, olhando para os lados para ver
se alguém havia notado. Com o coração martelando, ela inseriu
rapidamente o datacard que o mestre Barra havia lhe dado para copiar o
artigo sobre os orbalisks.
Atrás dela, veio uma voz:
– Rain? O que você está fazendo aqui?

Darovit andava pelo largo corredor do quarto saguão dos Arquivos Jedi,
impressionado pelo volume de conhecimento nas prateleiras.
Ele havia brevemente tentado procurar por informações sobre a fauna e
flora nativas de Ruusan, querendo expandir seu conhecimento para que
pudesse auxiliar melhor aqueles que buscavam sua ajuda. Porém, ele estava
acostumado com um mundo mais simples, e achou intimidadora a
tecnologia dos Arquivos. Um droide de análise havia explicado como usar
os sistemas de busca para encontrar as informações nas prateleiras, mas
aquela rápida aula deixou Darovit ainda mais confuso.
Havia outros pesquisadores ali, e ele poderia ter pedido ajuda para
qualquer um deles. Mas como uma pessoa que valorizava a própria
privacidade, ele não queria interromper os outros. No fim, ele simplesmente
passou a andar pelos corredores, esperando o retorno de Johun.
Darovit estava começando a se arrepender de sua decisão de viajar para
Coruscant. Ele se deixara levar naquele momento pelo Cavaleiro Jedi, a
ideia de impedir outra guerra com os Sith parecendo atraente para os ideais
românticos que o levaram até Ruusan em primeiro lugar, quando era
adolescente. Mas aqueles eram os sonhos de uma criança; agora ele era
mais velho e mais sábio.
Os Jedi atuavam em um mundo que não era dele. O destino de toda uma
galáxia pesava sobre os ombros dos Jedi; suas decisões afetavam trilhões de
vidas. Darovit não queria esse tipo de responsabilidade. Cercado pela
grandeza e glória dos Arquivos, tudo que ele queria era retornar para sua
simples cabana na floresta.
Infelizmente, isso poderia não ser mais uma opção. Ele estava em
Coruscant agora, e Johun parecia determinado a levar seu relato ao
Conselho Jedi.
Para distrair a mente, ele começou a estudar os outros pesquisadores.
Eram todos Jedi: padawans e mestres, jovens e velhos, humanos ou de
diversas outras raças. Ele notou uma jovem atraente com longos cabelos
escuros olhando atentamente para uma tela, mordendo os lábios enquanto
estudava um trabalho acadêmico.
Havia algo familiar sobre ela, embora Darovit tivesse certeza de que
nunca a vira antes. Na última década, ele não se encontrara com ninguém,
exceto os poucos indivíduos que o procuravam em sua cabana, e a mulher
certamente não parecia ter saído das fazendas e vilas de Ruusan.
Ele se aproximou discretamente dela, não querendo interromper seus
estudos, mas tentando descobrir se a conhecia. Por vários minutos, ele a
observou; a garota estava obviamente frustrada, incapaz de encontrar o que
procurava nos datacards. Repentinamente, ela saltou no ar, fechando o
punho em um gesto vitorioso, e Darovit sentiu uma presença familiar recair
sobre ele.
Nos primeiros dez anos de sua vida, aquela presença estivera
constantemente ao seu lado. Quando crianças, eles possuíam uma ligação
que ultrapassava o fato de serem meros primos – eles eram tão próximos
quanto irmão e irmã. E apesar de a pessoa diante dele possuir cabelos
negros, e não loiros, não havia dúvida de quem se tratava na mente de
Darovit.
– Rain? – ele chamou suavemente, para não assustá-la. – O que você está
fazendo aqui?
A mulher girou em sua direção, com olhos arregalados. Ela o encarou
com uma expressão neutra, incapaz de reconhecer o homem que vira pela
última vez há dez anos, quando ainda era um garoto. Então seus solhos
baixaram até o toco da mão direita, e seu queixo caiu.
– Tomcat?
Ele assentiu, depois acrescentou:
– Agora eu me chamo Darovit. Mas às vezes ainda acho que Tomcat soa
melhor.
– Você é um Jedi agora? – ela disse, confusa por sua presença nos
Arquivos.
– Não – ele respondeu rapidamente, não querendo ser confundido com
algo que ele não era. – Eu fiquei em Ruusan depois… depois disto – ele
ergueu o toco. – Eu me tornei um curandeiro.
– O que você está fazendo aqui?
– Eu vim para… – Ele parou no meio da frase, repentinamente
reconhecendo o perigo em que Rain se encontrava. O perigo que ele trouxe
para ela. – Rain, precisamos sair daqui! Os Jedi estão procurando por você!
– Tomcat, do que você está falando?
– Um Jedi veio até Ruusan. Eu contei a ele sobre você e Bane. Foi por
isso que eles me trouxeram até aqui!
Os olhos da jovem mulher brilharam com puro ódio e raiva, e por um
segundo Darovit pensou que ela fosse matá-lo no meio dos Arquivos Jedi.
– O quanto eles sabem? – ela exigiu saber. – Diga-me tudo que você
contou a eles!
– Rain, não temos tempo – ele protestou. – Eu estava esperando aqui para
eles virem me buscar. Eles podem chegar a qualquer momento. Você
precisa sair daqui, ou eles irão encontrá-la!
Ela se virou e apertou um botão no terminal; um pequeno datacard foi
ejetado. Ela o apanhou e guardou. Então ela agarrou Darovit pelo punho e o
puxou pelo corredor na direção da rotunda central. Ela se movia o mais
rápido possível sem chamar atenção, com um ritmo entre uma caminhada
rápida e uma corrida.
Darovit não tentou resistir, mas perguntou:
– Para onde estamos indo?
– Tython – ela sussurrou. – Preciso alertar meu mestre.
Eles alcançaram a rotunda, mas em vez de virarem no primeiro saguão e
seguirem para a saída, ela o levou para o terceiro saguão.
– O que você está fazendo, Rain? – Darovit perguntou, sua voz se
erguendo levemente. – Precisamos fugir!
Um dos outros pesquisadores – uma mulher mais velha com cabelos
ruivos, sentada diante de um terminal – se virou para eles, sua atenção
atraída pelas exclamações de Darovit.
– Silêncio, Tomcat – Rain disse, assentindo na direção da mulher como
se pedisse desculpas. – Você está perturbando os outros.
A velha senhora voltou para sua tela. A companheira de Darovit
chacoalhou seu braço.
– Desculpe – ele sussurrou, apenas alto o bastante para ser ouvido. – Mas
você precisa sair daqui. Siga para Tython antes que eles a encontrem aqui.
– Eu não sei onde fica Tython – ela retrucou através de dentes cerrados. –
Precisamos encontrar uma rota do hiperespaço.
Seguindo para um dos terminais ao lado da mulher ruiva, Rain apertou
uma série de botões. Um segundo mais tarde, a tela ganhou vida com uma
lista de números de referência.
– Achei – ela disse, empurrando Darovit no assento do terminal. – Espere
aqui.
Ela desapareceu no meio das prateleiras, movendo-se com o mesmo
ritmo, metade caminhada, metade corrida. Enquanto Darovit esperava sua
volta, ele percebeu que sua lealdade havia mudado de repente. Ele fora
atraído para Coruscant com a intenção de ajudar os Jedi a destruir os Sith e
prevenir uma guerra. Mas o conceito abstrato de sofrimento em escala
galáctica significava pouco agora que ele se deparou com sua amiga de
infância. Agora, tudo que podia pensar era o que aconteceria com Rain se
ela fosse capturada, e ele percebeu que estava disposto a fazer qualquer
coisa para mantê-la segura.
Menos de um minuto mais tarde, ela retornou e inseriu um datacard no
terminal. Inclinada sobre Darovit, que ainda estava sentado na cadeira, ela
digitou nos controles até a imagem de um mundo coberto de nuvens
aparecer na tela.
– Preciso copiar isto – ela disse, apanhando o datacard que vinha usando
quando ele a viu pela primeira vez e inserindo-o em outra entrada do
terminal.
– Por que não simplesmente pegar o original? – Darovit perguntou.
– Sensores nas portas dos Arquivos – ela explicou. – Remover um
original faz o alarme disparar.
O terminal soltou um bipe e o datacard foi ejetado após terminar a cópia.
Zannah o guardou em suas roupas, depois puxou Darovit pelos cotovelos.
– Vamos. Antes que seus amigos apareçam.
Sem se dar ao trabalho de devolver o original para as prateleiras, ela o
conduziu para fora do terminal. Zannah o levou até a rotunda, depois
atravessou o corredor principal do primeiro saguão até a saída, e então os
dois deixaram os Arquivos para trás.
Capítulo 20

– EU NÃO ENTENDO, MESTRE VALENTHYNE – Johun disse, olhando para todos


os lados enquanto eles andavam pelos corredores dos Arquivos Jedi. – Eu o
deixei aqui há menos de uma hora.
Ele esperava encontrar Darovit sentado diante de um terminal em um dos
quatro saguões, ou talvez examinando os bustos de bronze na rotunda. Mas
quando levou o mestre Valenthyne para conversar com o jovem rapaz,
Darovit havia sumido.
– Ele provavelmente se perdeu em algum lugar no meio das prateleiras –
Farfalla o tranquilizou.
Johun sinalizou para um droide de análise. O droide se virou e se dirigiu
para os dois rapidamente, andando com seus passos desajeitados.
– Posso ajudar? – o droide perguntou.
– Estou procurando por uma pessoa – Johun explicou. – Um jovem
rapaz.
– Seres de todas as espécies e idades visitam os Arquivos – o droide
respondeu. – Eu poderia ajudar melhor se você pudesse fornecer uma
descrição, mestre Jedi.
– Ele não tem a mão direita.
Houve um suave zumbido quando o droide acessou seus bancos de
memória recente.
– Creio que vi recentemente o rapaz que você procura no terceiro saguão
– o droide disse, virando-se para mostrar a direção.
Johun não quis esperar; ele passou pelo droide apressadamente. Farfalla o
seguiu de perto.
Havia muitas pessoas examinando os datacards localizados no terceiro
saguão, mas o curandeiro eremita de Ruusan não estava entre eles.
– Precisamos encontrá-lo! – Johun disse para seu mestre, depois
percorreu correndo todo o saguão, olhando para os corredores laterais para
saber se Darovit estava escondido entre as prateleiras. Seu jeito afobado
atraiu a ira de vários dos pesquisadores.
Farfalla agarrou Johun quando ele passou correndo pela segunda vez,
impedindo que desse mais uma volta no saguão.
– Ele não está aqui, Johun – ele disse.
Eles ouviram alguém limpando a garganta de um jeito exagerado, e os
dois homens se viraram para ver uma velha senhora ruiva olhando com
irritação para eles.
– Mestre Valenthyne – ela disse –, eu respeitosamente venho lembrá-los
que os Arquivos são um lugar de pesquisa contemplativa. Seria melhor o
seu amigo continuar seus exercícios em alguma sala de treinamento.
– Perdão, mestra Qiina – ele sussurrou. – Mas este é um assunto urgente.
Estamos procurando por alguém que se perdeu.
– É fácil se perder na sabedoria dos Arquivos – Qiina respondeu. – Eu
mesma desapareço aqui por dias a fio.
Farfalla sorriu por educação.
– Isto é um pouco diferente.
O droide de análise que os ajudara antes apareceu andando na direção
deles, apenas agora alcançando-os. Johun olhou para o droide, depois olhou
de volta para a mestra Qiina.
– Estamos procurando por um rapaz – ele disse a ela. – Ele não tem a
mão direita.
Qiina ergueu as sobrancelhas.
– Eu o vi não faz nem trinta minutos. Ele estava com uma jovem mulher.
– Uma mulher? – Farfalla perguntou, surpreso.
– Eles pareciam se conhecer – a velha Jedi informou. – Eles chamavam
um ao outro com apelidos. Tomcat e Rain, se eu me lembro corretamente.
Johun agarrou o braço de Farfalla.
– Rain era sua prima! Aquela que ele encontrou na caverna. Ela está
aqui!
– Você sabe para onde eles foram, mestra Qiina? – Farfalla perguntou.
A velha senhora sacudiu a cabeça.
– Eles estavam usando aquele terminal ali para pesquisar alguma coisa.
Depois eles foram embora.
Farfalla se virou para o droide.
– Existe algum jeito para descobrir quais registros eles estavam
pesquisando?
– Sinto muito, mestre Jedi – o droide respondeu. – Para proteger a
privacidade de nossos pesquisadores e para evitar prejudicar suas pesquisas,
os terminais não gravam nenhum dado sobre quais registros foram usados.
– Seus amigos pareciam muito apressados – Qiina disse. – Duvido que se
deram ao trabalho de devolver o datacard para as prateleiras. Provavelmente
ainda está inserido no terminal.
Johun correu para a tela. O último usuário ainda estava registrado, sob o
nome de Nalia Adollu. Assim como Qiina sugeriu, havia um datacard
dentro. Ele acessou o índice do disco quando Farfalla veio e olhou sobre
seu ombro.
– Tython – o mestre Jedi comentou, percebendo o tema comum entre os
milhares de artigos e trabalhos referenciados no índice. – O local de
nascimento dos Jedi.
– Deve ser para lá que eles estão indo – Johun insistiu. – Bane deve ter se
escondido no Núcleo Profundo!
Ele se voltou para Farfalla, puxando o braço de seu mestre com urgência.
– Você precisa convencer o Conselho a nos deixar ir atrás deles.
Os olhos de Farfalla estavam frios e severos.
– Duvido que o Conselho terá alguma pressa em agir sobre esse assunto –
ele alertou.
– Mas mestre Valenthyne… – Johun implorou, porém o mestre Jedi o
interrompeu com um acentuado gesto da mão.
– O Conselho não irá ajudar você, Johun. Portanto, precisamos ir para
Tython sozinhos.
Os olhos de Johun se arregalaram.
– Eu fiz um juramento para o general Hoth – Farfalla explicou, sua voz
tomando o tom endurecido de uma ordem militar que ele não usava desde o
fim do Exército da Luz. – Prometi que não descansaria até que os Sith
fossem eliminados da galáxia. Ainda pretendo honrar essa promessa Vá
encontrar a mestra Raskta e o mestre Worror – ele acrescentou. – Eles
também serviram a Hoth em Ruusan. Eles se juntarão a nós em nossa causa.
Diga a eles que partiremos dentro de uma hora.
A primeira coisa que Zannah fez após a Loranda escapar da órbita de
Coruscant e saltar para o hiperespaço foi tirar a tinta preta de seus cabelos.
Ela acionou o piloto automático antes de seguir para as cabines privadas
nos fundos da nave, deixando Tomcat sozinho para perambular pelos
compartimentos. Quando ela voltou, ainda secando os cabelos loiros com
uma toalha, ele estava calmamente esperando por ela.
Tomcat se instalara em um dos longos sofás na área de estar da Loranda,
reclinando-se confortavelmente. Julgando pela bebida em sua mão, ele
também localizara a coleção de destilados que Hetton mantinha a bordo.
Ainda vestido com as roupas gastas de um eremita, ele transmitia uma
imagem que era levemente cômica.
– Mesmo sem a tintura do cabelo, você ainda não parece nada com o que
eu pensava que você pareceria quando crescesse – ele disse a ela.
Zannah não havia apenas mudado a cor do cabelo; ela também trocara as
cinzentas roupas de Jedi por sua familiar e confortável vestimenta negra.
Sendo canhota, ela pendurou o sabre de luz do lado esquerdo da cintura, e o
valioso datacard com o artigo sobre os orbalisks estava seguro em um bolso
costurado em suas calças ao longo da coxa direta.
– É assim que eu sou de verdade – ela lhe assegurou.
Zannah muitas vezes assumia papéis e disfarces em suas missões para
Darth Bane, e ela geralmente não via problemas em enganar os outros.
Porém, por alguma razão, ela detestava o disfarce de Nalia, e estava ansiosa
– quase desesperada – para se livrar de todos os resquícios de sua fachada
de padawan.
– Então eu sou o seu prisioneiro? – ele perguntou quando ela se sentou
diante dele.
– Eu diria que prisioneiros não bebem tarul sentados em sofás
confortáveis – ela disse, jogando a toalha nas almofadas ao lado.
– Então por que você me trouxe junto? – Tomcat perguntou, ajeitando-se
e inclinando-se para a frente, repentinamente sério e atento.
– Eu não podia deixar você para trás. Você iria expor a mim e a meu
mestre para o Conselho Jedi. Você era uma ameaça aos Sith.
– Você acredita mesmo que é uma Sith, Rain?
– Não me chame assim – ela disse com irritação. – Rain está morta. Ela
morreu em Ruusan. Meu nome agora é Zannah.
– Acho que Tomcat também morreu em Ruusan – ele concordou com
uma expressão sombria, girando lentamente o copo em sua mão. – Você
provavelmente deveria me chamar Darovit agora. Mas você não respondeu
a minha pergunta. Você acredita mesmo que é uma Sith?
– Eu sou Darth Zannah, aprendiz de Darth Bane, lorde sombrio dos Sith
– ela disse, sem tentar esconder o feroz orgulho que sentia pelos títulos. – E
um dia eu destruirei meu mestre e escolherei um novo aprendiz,
continuando o legado do lado sombrio.
– Eu não acredito nisso – Darovit disse a ela, obviamente não se
deixando impressionar pela declaração dela. – Eu conheço você, Zannah. O
mal não faz parte de você.
– Mal é uma palavra usada pelos ignorantes e pelos fracos – ela retrucou.
– O lado sombrio é uma questão de sobrevivência. É para aqueles que
desejam liberar seu poder interior. O lado sombrio glorifica a força do
indivíduo.
– Isso também não faz parte de você – Darovit comentou. – Seguidores
do lado sombrio precisam ser brutais e impiedosos. Você se preocupa com
os outros, Zannah.
– Você não me conhece – ela zombou dele. – Já matei mais pessoas do
que você pode imaginar.
– Eu também matei pessoas. O Bug morreu por minha causa – Darovit
disse suavemente, referindo-se ao terceiro primo que seguiu com eles para
Ruusan. – Mas matar pessoas não transforma ninguém em um Sith – ele
disse com um tom de voz mais alto.
– Não venha me ensinar sobre a minha ordem – Zannah o alertou,
levantando-se e apanhando a toalha. – É impossível você saber alguma
coisa que eu já não tenha aprendido.
– Posso não conhecer o lado sombrio – Darovit admitiu, olhando para
ela. – Mas eu conheço você. Sei do que é capaz.
Zannah lançou a toalha com raiva do outro lado da sala. Ela deu um
passo adiante e agarrou o braço direito de Darovit, derrubando sua bebida.
Então, puxou o braço e deixou o toco na frente do rosto do rapaz.
– Acho que você se esqueceu de quem fez isso com você – ela o
lembrou.
Darovit não tentou se livrar, embora ela apertasse o braço com tanta força
que suas unhas se cravaram na pele dele.
– Eu não sou um tolo, Zannah – ele disse calmamente. – Seu mestre teria
me matado naquela caverna. Sei que você fez isso para salvar a minha vida.
Ela soltou Darovit, lançando seu braço de volta sobre seu colo com um
gesto de repulsa. Ela deu as costas a ele e marchou pelo corredor na direção
da cabine do piloto. O jovem rapaz jogou o copo vazio sobre o sofá e se
levantou para segui-la.
– Você arriscou a sua vida para me salvar, Zannah! – Darovit gritou atrás
dela enquanto Zannah se aproximava da cabine. – Você fez isso porque se
importava comigo.
Ela girou e usou a Força para jogá-lo no chão. Ele caiu diante de seus
pés.
– As coisas mudaram desde então – ela disse, depois girou de novo e se
jogou com raiva sobre o assento do piloto.
Darovit se levantou lentamente e andou até ficar atrás do assento,
pairando sobre o ombro direito de Zannah.
– Se você não se importa mais comigo, então por que me trouxe aqui? –
ele perguntou quase sussurrando.
– Eu já respondi isso – ela disse com um tom endurecido, sem tirar os
olhos da janela frontal. – Você teria exposto nossa ordem. Eu não podia
deixar você para trás.
– Você podia ter me matado.
– Há! – Zannah soltou uma risada, virando a cabeça e esticando o
pescoço para encará-lo com uma expressão de desdém. – Simplesmente
matar você com o poder do lado sombrio no meio de um Templo Jedi? Você
acha que os Sith são idiotas?
– Não estamos mais no Templo Jedi – ele disse suavemente. – Por que
você não me mata agora?
Zannah voltou a olhar para a frente, para não precisar olhar para ele.
– Você é um curandeiro. Podemos usar você.
– Tem um monte de curandeiros na galáxia – seu primo insistiu. –
Curandeiros que não podem expor vocês para os Jedi.
– Não tenho tempo de encontrar outra pessoa. Você estava no lugar certo
na hora certa – ela retrucou. – Você deu sorte.
– Isso não é verdade, Zannah. Como você acha que eu a reconheci depois
de todos esses anos? Existe uma ligação entre nós. Sempre existiu. Desde
quando éramos pequenos.
Zannah não disse nada, apenas se ajeitou no assento.
– Você se lembra de quando éramos crianças? Todos pensavam que eu
era muito poderoso com a Força, e ninguém acreditava que você possuía
poderes.
Ela não respondeu, mas Zannah se lembrava. Quando eram crianças,
Darovit era aquele que conseguia levitar objetos e acertar uma fruta no ar
com um espeto de olhos vendados. Os poderes dela não se manifestaram até
ela se encontrar sozinha em Ruusan.
– Eu não sabia na época, Zannah, mas o poder que eu tinha, todos
aqueles truques… Aquilo não era eu, era você! Mesmo quando éramos
crianças você sabia o quanto eu queria ser um Jedi, e você queria me ajudar.
Então você canalizava o seu poder através de mim, permitindo que eu
fizesse todas aquelas coisas.
– Não é assim que eu lembro – ela disse friamente.
– Você não fazia de propósito – Darovit explicou. – A ligação que nós
tínhamos era muito forte, e você se importava tanto comigo que o seu
subconsciente tomava conta de você.
– Essa é a teoria mais estúpida que eu já ouvi. – Zannah riu levemente,
ainda olhando para a frente.
– Você acha? Pense um pouco, Zannah. Depois que perdemos você em
Ruusan, foi como se meus poderes desaparecessem de repente. Foi por isso
que eu fracassei como Jedi e como Sith.
“Meu poder é fraco. Foi por isso que eu sobrevivi à bomba de
pensamento quando todos os Sith e os Jedi ao meu redor foram destruídos.
Apenas afetou aqueles com uma forte afinidade com a Força.”
“E quanto a você? Você possui muito poder. Por que acha que demorou
tanto para se manifestar? Você estava sempre canalizando o poder através
de mim.” fez uma pausa, acrescentando “Você não vai se tornar a lorde
sombria dos Sith, Zannah. Simplesmente não faz parte da sua natureza.
Mais cedo ou mais tarde você vai perceber isso.”
– Cale a boca – ela disse secamente, ainda mantendo os olhos grudados
nos controles. – Se você falar mais uma palavra, eu vou arrancar a sua outra
mão.
Darovit não respondeu, mas seus dedos instintivamente tocaram o toco
do braço direito.
– Eu trouxe você junto por uma única razão – ela continuou, sua voz
ainda completamente sem emoção. – Meu mestre está infestado com
parasitas chamados orbalisks. E você irá curá-lo.
– Mas… eu não sei como – Darovit protestou, esquecendo o alerta para
permanecer em silêncio.
Zannah usou a Força, envolvendo a garganta dele. E lentamente
apertando. Darovit caiu de joelhos, suas mãos voando para a garganta
fechada.
– Tem um terminal de dados lá nos fundos – Zannah disse, ignorando o
som de engasgos. – Use para estudar o artigo que eu peguei dos Arquivos
Jedi.
Ela tirou o cartão de seu bolso e o jogou na frente do primo, que
sufocava. Agora ele rolava de um lado a outro no chão, suas mãos
agarrando a garganta. Seu rosto se tornara vermelho, e os olhos estavam
esbugalhados.
– Se você não encontrar um jeito de ajudar meu mestre até chegarmos a
Tython. – ela alertou –, ele vai matar você.
Zannah soltou Darovit, e ele ofegou e puxou ar com dificuldade. Ela se
virou para observá-lo com um cruel sorriso nos lábios, certificando-se de
que ele soubesse que ela estava gostando de vê-lo sofrer. Eventualmente,
ele se recuperou o bastante para apanhar o datacard e se dirigir para o
terminal nos fundos.
Assim que ele se retirou, Zannah se levantou do assento e começou a
andar de um lado a outro na cabine. Ela sabia que Darovit estava errado.
Tinha que estar. Ela tinha confiança em seu comprometimento com o lado
sombrio, apesar de tudo que seu primo dissera. Mas havia peso suficiente
em alguns de seus argumentos para fazê-la se perguntar o que Bane
pensaria sobre tudo aquilo.
Se o seu mestre – assim como Darovit – acreditasse que suas ações
denunciavam uma falta de compromisso com os ensinamentos dos Sith, as
coisas poderiam dar muito errado para ela quando chegasse a Tython.

Belia Darzu fora uma Shi’ido em vida, uma espécie que possuía a
capacidade de mudar de aparência, então não era surpresa que a projeção
que servia como seu avatar no holocron também mudasse de forma. Em
diferentes momentos ela parecia ser Twi’lek, Iridoniana, Cereana ou
humana, ocasionalmente até mudando de gênero.
– O processo de criação de um holocron não pode ser apressado – o
avatar explicou. – Os ajustes na matriz devem ser feitos com precisão e
cuidado.
Agora ela se mostrava em sua forma mais frequente: a de uma mulher
humana alta de cabelos castanhos e curtos. Ela parecia ter seus trinta anos,
com um rosto inteligente, quase matreiro. Naquela forma, ela tipicamente se
vestia com um macacão preto justo de piloto, botas pretas e um colete
amarelo-pálido que deixava seus braços nus. Ela também usava luvas
amarelas, uma curta manga preta sobre cada cotovelo, e um chapéu de
piloto e cinto vermelhos.
Após a ativação inicial do poder do holocron, Bane o tirou do santuário
interno e o levou para uma grande câmara no andar principal que
provavelmente servira como refeitório para os seguidores de Belia. Ali,
Bane vinha explorando o holocron nos últimos dias. Ele prosseguiu
cuidadosamente, ainda esgotado pela batalha com as tecnoferas. O ritmo
lento permitiu a ele recuperar as energias e recobrar suas forças à medida
que vasculhava os arquivos do cristal.
Muito do que ele descobriu focava nos rituais e práticas da alquimia Sith
– algo que ele iria explorar com mais cuidado quando tivesse mais tempo.
Em outras vezes ele se deparava com as análises filosóficas da própria
Belia, mas havia pouco ali que Bane já não tivesse descoberto por si
mesmo. Apenas agora ele finalmente encontrara aquilo que estava
procurando.
– Pode levar semanas, ou mesmo meses – a imagem de Belia explicou –,
antes de os últimos estágios da construção chegarem ao fim.
A imagem piscou, e foi substituída pela imagem do corte longitudinal de
um holocron. Os filamentos e fibras da matriz cristalina na imagem
começaram a mudar e se mover, ilustrando os ajustes a que o avatar se
referia. Bane não se deu ao trabalho de prestar muita atenção; ele já sabia
como ajustar as estruturas internas da matriz.
– Você disse que os ajustes podem levar meses. Como isso é possível? –
Bane perguntou, sacudindo a cabeça. – A rede cognitiva degrada rápido
demais.
A imagem de Belia reapareceu.
– A rede cognitiva precisar estar presa dentro do pináculo – ela explicou.
– Pináculo? – Bane perguntou, seus nervos formigando de expectativa.
Em toda sua pesquisa, ele nunca ouvira menção sobre um pináculo antes.
A imagem de um holocron voltou a aparecer, porém não mais em um
corte longitudinal. O pequeno cristal negro posicionado no topo da pirâmide
estava piscando.
– O pináculo é a chave de todo o processo – a voz de Belia disse. – Sem
isso, a rede cognitiva irá se degradar antes que você complete os ajustes, e
você irá fracassar todas as vezes.
Bane olhou maravilhado para a imagem. Ele sabia que o cristal negro era
parte essencial da construção do holocron. Mas ele achava que seu único
propósito era canalizar o poder dos símbolos gravados sobre os lados da
pirâmide que atuavam na matriz. Ele nunca imaginou que também serviria
outra função.
– Como eu prendo a rede cognitiva dentro do pináculo? – ele perguntou,
ansioso para descobrir o segredo que tanto procurava.
– Você precisa invocar o Rito de Iniciação – Belia respondeu.
A projeção mudou para mostrar um ritual Sith incrivelmente elaborado e
complicado, um ritual que ultrapassava tudo que Bane já havia dominado
até então. Com sutis empurrões da Força ele avançou de imagem a imagem,
percebendo que levaria muitos meses de estudo cuidadoso para memorizar
o ritual. Mas… o segredo era dele!
Satisfeito, ele desligou o holocron. Era hora de deixar Tython e retornar
para Ambria. Se tudo correu bem, sua aprendiz estaria esperando por ele.
Ele saiu da fortaleza, onde a Mystic o aguardava. Mas, quando se
preparava para subir a bordo, ele viu outra nave no horizonte vindo em sua
direção. Ele usou a Força e sentiu a presença de Zannah lá dentro… e a de
outra pessoa.
A Loranda aterrissou a cinquenta metros de onde sua nave estava. Bane
permaneceu impassível, esperando Zannah aparecer. Quando surgiu, havia
um jovem rapaz junto com ela. O lorde sombrio podia sentir a Força dentro
dele, embora fosse uma presença fraca. Quando viu que o rapaz não possuía
a mão direita, tudo se encaixou.
– Nós deveríamos nos encontrar em Ambria – ele disse a ela com um tom
irritado. – Por que você veio até aqui? E por que o trouxe junto?
– Eu vim para alertá-lo – ela respondeu rapidamente. – Os Jedi sabem
que você sobreviveu à bomba de pensamento.
– Por causa dele – Bane disse, assentindo na direção do rapaz.
– Ele iria falar com o Conselho Jedi – Zannah explicou. – Se ele sumir,
os Jedi podem dispensar os rumores de que você ainda está vivo.
– Por que você simplesmente não o matou? – Bane perguntou, com uma
voz ameaçadora.
– Ele é um curandeiro – foi sua resposta imediata. – Ele sabe como livrar
você dos orbalisks.
Bane achou que a resposta de Zannah veio rápido demais. Era como se
ela já tivesse discutido isso, provavelmente ensaiando em sua cabeça várias
e várias vezes para se preparar para aquele encontro.
– Isso é verdade? – ele exigiu saber do rapaz.
– Não posso fazer isso aqui – Darovit respondeu. – Preciso de
suprimentos. Equipamentos especiais. É perigoso, mas acho que é possível.
Bane hesitou. Não por causa do potencial perigo; ele já sabia que
qualquer procedimento para se livrar da infestação seria cheio de riscos.
Mas agora que sabia que seus fracassos com o holocron não estavam
ligados aos orbalisks alimentando-se de seu poder, ele queria reavaliar a
decisão de removê-los.
A visão de outra nave aparecendo sobre os ombros de sua aprendiz, ainda
longe demais para identificar o modelo ou afiliação, colocou um fim em
suas deliberações. Um instante mais tarde ele sentiu o inegável poder do
lado da luz.
Zannah deve ter sentido também; ela se virou e olhou naquela direção,
depois voltou a olhar para ele com uma expressão preocupada.
– Tem algo errado? – o jovem curandeiro perguntou, notando a troca de
olhares. – O que foi?
– Nós fomos seguidos – Zannah murmurou.
A nave estava se aproximando com muita velocidade, rápido demais para
que eles subissem a bordo e tomassem os céus. Se tentassem, a outra nave
atiraria neles antes que pudessem decolar.
– Entrem na fortaleza – Bane ordenou. – Os Jedi nos encontraram.
Capítulo 21

A CRUZADOR JUSTICEIRO, NAVE da mestra Raskta, era facilmente a nave


mais rápida em que Johun já esteve. Um pequeno cruzador de ataque que
precisava de uma tripulação de quatro pessoas. Felizmente para Johun,
havia outros quatro a bordo, todos vestidos com as simples túnicas marrons
que os marcavam como membros da Ordem Jedi.
A mestra Raskta Lsu, uma Echani, sentava-se diante dos controles da
nave. Ela possuía a pele alva, os cabelos puramente brancos e os olhos
prateados comuns de sua espécie. Era quase tão alta quando Johun, com os
músculos de uma espécie que valoriza o combate físico como a mais alta
forma de arte e expressão pessoal. Batizada em homenagem à lendária
guerreira Echani Raskta Fenni, considerada por muitos a maior duelista de
seu tempo, a mestra Raskta passara a vida aperfeiçoando suas habilidades
marciais para que pudesse um dia se igualar, talvez até superar, a lendária
guerreira com quem compartilhava o nome.
Ela havia conquistado a rara e prestigiosa classe de mestre de armas Jedi.
Afastando-se de todos os outros campos de estudo e abandonando o
desenvolvimento de seus outros talentos com a Força para focar
exclusivamente no sabre de luz e no combate, ela havia se transformado em
uma arma viva.
Agora encarregada de treinar aprendizes nas formas de combate com
sabres de luz, Raskta fizera parte da campanha de Ruusan. Empunhando um
sabre de luz de lâmina azul em cada mão, e dispensando qualquer tipo de
armadura, ela era uma figura aterrorizante no campo de batalha. Johun se
lembrava dela vividamente causando grande destruição no coração das
fileiras inimigas, deixando um rastro de corpos por onde passava. Diziam
que, ao final da guerra, o mesmo número de lordes Sith que caíram diante
de suas duas lâminas foi igual ao número de mortos pela bomba de
pensamento.
No assento da artilharia do outro lado do piloto estava Sarro Xaj, o
humano que servira como padawan da mestra Raskta em Ruusan. Um ano
mais velho do que Johun, Sarro possuía pele marrom e um único topete de
cabelos negros. Ele também era o maior humano que Johun já encontrara.
Com mais de dois metros de altura e cento e cinquenta quilos de puro
músculo, ele podia facilmente ser confundido com um Wookiee sem pelos.
Porém, apesar de sua massa, ele ainda era rápido o bastante para acertar
uma mosca-zess no ar.
Elevado à classe de Cavaleiro Jedi sete anos atrás, Sarro escolhera seguir
o caminho de sua mestra, focando em dominar um enorme sabre de luz de
duas lâminas medindo quase três metros de comprimento. Johun achava que
havia poucos seres na galáxia que poderiam se defender diante dos ferozes
ataques das lâminas azuis de sua arma.
Cuidando da navegação aos fundos da nave estava o mestre Worror, um
Ithoriano. Seu longo pescoço achatado se projetava para a frente e se
curvava para cima, apoiando uma cabeça com o formato da letra T, com
seus grandes olhos um em cada lado. Essa aparência estranha levou a sua
espécie a ser conhecida como cabeça de martelo pelos ignorantes e
insensíveis.
O sobrenome do mestre Worror podia apenas ser pronunciado por seres
que possuíam as duas bocas e quatro gargantas da anatomia dos Ithorianos.
Johun ouvira histórias sobre Jedi Ithorianos canalizando a Força para
transformar suas múltiplas vozes em devastadoras armas sônicas.
Entretanto, o mestre Worror era um curandeiro, e seu poder pendia nessa
direção.
Ele fora um dos conselheiros do general Hoth em Ruusan, e foi crucial
para a vitória em muitas batalhas, embora ele próprio não carregasse um
sabre de luz. O papel do Ithoriano não era enfrentar o inimigo, mas fornecer
apoio através de suas habilidades curativas e da rara arte da meditação de
combate. Embora seu talento não fosse forte o bastante para alterar sozinho
o resultado de um conflito de larga escala, de perto Worror conseguia usar a
Força para dar mais vigor aos corpos, mentes e espíritos daqueles ao seu
redor, ampliando os talentos e habilidades de seus aliados.
Localizado ao lado do navegador nos fundos da nave, o quarto membro
da tripulação, o mestre Farfalla, dava apoio ao piloto, ao artilheiro e ao
navegador. Ele checava cartas de astronavegação, dados dos motores, o
estado das armas, as informações dos sensores e qualquer outra coisa que
ajudasse os outros.
Johun estava sentado na cabine do piloto com Raskta e Sarro, ocupando a
cadeira do passageiro atrás do piloto. Até que chegassem a Tython, seu
único trabalho era não atrapalhar ninguém.
Usando a rota do hiperespaço há muito abandonada indicada no datacard
que eles descobriram nos Arquivos, a Cruzador Justiceiro havia penetrado
no Núcleo Profundo. Mestra Raskta havia expressado sua preocupação no
início da jornada: de acordo com registros atuais, as rotas do hiperespaço
que eles estavam usando eram conhecidas por entrar em colapso sem
nenhum aviso. Uma nave viajando em qualquer lugar do corredor
hiperespacial durante o nanossegundo antes de sua recuperação seria
perdida para sempre. Combinada com os outros perigos do Núcleo
Profundo – incluindo buracos negros errantes que engoliriam uma nave
inteira, mesmo no hiperespaço –, a instabilidade da rota fez com que caísse
em desuso e acabasse esquecida por mais de mil anos.
Worror calculara que o risco de colapso durante a viagem seria de dois
por cento – mais do que o suficiente para fazer Johun respirar aliviado
quando eles emergiram intactos a poucos milhares de quilômetros de seu
destino.
– As armas estão de prontidão – a voz de Sarro disse a todos através do
intercomunicador. – Algum amigo por perto para nos preocuparmos?
– Nada em órbita – Farfalla respondeu. – Parece que estamos sozinhos.
– Vou preparar a aterrissagem – Raskta disse a eles. – Veja se você
encontra alguma coisa.
– Estou detectando um rastro de íons – Farfalla disse quando eles se
aproximaram da atmosfera. – Parece que chegamos logo atrás deles.
– Travando os sensores no rastro de íons… Travado. – Mesmo no
intercomunicador, a profunda voz de Worror ressoava pela nave.
– Acionando piloto automático – Raskta disse. – Vejamos para onde isso
nos leva. Sarro, não tire o dedo do gatilho.
O piloto automático os levou para a atmosfera de Tython, e por vários
segundos a única coisa que Johun enxergava através da janela era uma
parede de nuvens cinza. Quando saíram das nuvens, seu destino se tornou
imediatamente óbvio.
– Acho que já sei para onde estamos indo – Sarro murmurou.
Abaixo deles havia um campo plano e vazio, virtualmente sem vida. Uma
fortaleza negra era visível no horizonte, a única estrutura significativa à
vista.
– Estou detectando duas pequenas naves na superfície – Farfalla disse a
eles. – Mas não há ninguém por perto.
Eles estavam perto o bastante agora para Johun discernir duas torres
derretidas se erguendo de cada lado da fortaleza.
– Detectei formas de vida dentro da fortaleza – Farfalla disse. – Parece
que são… três.
– Apenas três? – Sarro murmurou, soando desapontado. – Isso está
parecendo fácil demais.
– Não conte com isso – Farfalla o alertou quando Raskta posicionou a
Cruzador Justiceiro para a aterrissagem.

Zannah tentava se concentrar, reunindo suas energias mentais em


preparação para a batalha. Entretanto, ela se distraiu com a preparação de
seu mestre.
Darth Bane estava andando de um lado a outro como um rancor irritado,
seu sabre de luz já em mãos. Ela podia sentir o lado sombrio aumentando
dentro dele, alimentado por sua raiva – seu ódio infinito pelos Jedi; seu
ressentimento por Darovit tê-los exposto; sua raiva por Zannah ter atraído
os Jedi para Tython. A qualquer momento ela esperava ver a liberação da
sede de sangue dos orbalisks, mas Bane manteve sua fúria controlada,
guardando-a para a batalha iminente.
Seu mestre os levou para dentro da fortaleza, para uma vasta sala com
uma saída em cada ponta. Uma única porta seria mais fácil de defender, mas
ele estava com receio de ficar preso. Se os Jedi os cercassem, eles
manteriam a posição e esperariam a chegada de reforços. Como os dois
últimos sobreviventes Sith, Zannah e seu mestre não poderiam se dar a esse
luxo, então era importante que eles mantivessem rotas de fuga alternativas.
A sala estava vazia, completamente desprovida de qualquer mobiliário.
Baseado em seu tamanho – quarenta metros por trinta – ela pensou que
fosse algum tipo de sala de treinamento. Além das saídas em cada lado,
havia uma pequena porta em uma das paredes que levava para uma pequena
câmara sem saída. Esse local provavelmente servira como depósito de
armas, alvos e outros equipamentos usados para o treinamento.
Sob ordens de Bane, ela havia guardado o datacard dos Arquivos dentro
da câmara, e seu mestre fizera o mesmo com o holocron de Belia Darzu.
Seguindo sua sugestão, Darovit também se escondeu ali. Ele estava
desarmado, e não seria útil para nenhum dos lados.
– Não saia daí até que a luta termine – Zannah o alertara, provocando um
amargo olhar de reprovação de seu mestre. – Ele só iria atrapalhar – voltada
para Bane explicou logo após Darovit se trancar lá dentro.
Agora não havia mais nada a fazer exceto esperar o inimigo chegar.
Felizmente – ou infelizmente –, eles não tiveram que esperar muito.
As portas dos dois lados da sala se abriram ao mesmo tempo, os Jedi se
separaram em duplas para melhor coordenar o ataque. O primeiro grupo –
uma Echani fêmea que brandia um sabre de luz azul em cada mão e um
mestre Jedi vestindo roupas extravagantes com uma lâmina dourada –
avançou diretamente sobre Bane. Os outros dois – um Jedi magro e ágil
armado com um sabre de luz verde e um homem gigantesco girando uma
enorme arma azul de lâmina dupla – avançaram sobre Zannah.
Zannah acionou seu próprio sabre de duas lâminas e ergueu uma parede
defensiva giratória, apesar de seu sabre parecer insignificante em
comparação com o monstro azul manuseado pelo homem. Antes que eles
pudessem atacá-la, Zannah recuou até um dos cantos, parando a vários
metros da intersecção das duas paredes. Isso permitia a ela proteger seus
dois flancos, mas ainda deixava espaço suficiente para se abaixar, defender
e se esquivar das armas de seus inimigos.
Com o canto do olho ela viu Bane seguir uma abordagem completamente
diferente. Protegido por sua armadura orbalisk, ele avançou diretamente
sobre os dois mestres Jedi.
E então, os inimigos caíram sobre Zannah. Foi preciso apenas alguns
segundos para ela entender que o grande homem era de longe o oponente
mais perigoso. No tempo que levou para o homem menor golpeá-la duas
vezes com sua lâmina verde, ela havia defendido meia dúzia de ataques do
outro. Também havia uma diferença marcante no estilo e eficácia de seus
golpes. As habilidades do Jedi com o sabre verde eram básicas. Quando ele
atacava, ou era com força ou com velocidade, nunca os dois ao mesmo
tempo. Sua lâmina vinha alta ou baixa, nunca alterando o plano durante o
golpe. Em contraste, o grande homem atacava com ângulos criativos e
inesperados, as enormes lâminas azuis mudando de direção no meio do
golpe. Cada ofensiva era um modelo de eficácia letal – ataques rápidos e
poderosos, e contra-ataques que pegavam o oponente de surpresa.
Porém, desde que continuasse girando sua lâmina e mantendo o impulso,
ela conseguiria facilmente desviar os ataques de ambos, em grande parte
porque o Jedi com o sabre verde estava mais atrapalhando do que ajudando
seu parceiro. Ele tentava alternar seus ataques com os golpes do grande
homem, querendo atacar e depois recuar, sempre deixando Zannah na
defensiva. Mas o incrível alcance da arma do homem maior dificultava para
ele disparar um ataque contínuo sem medo de machucar ou mesmo matar
seu companheiro quando ele se movia para fazer a sua parte. Como
resultado, o homem maior precisava recuar a toda hora antes de atacar de
novo. Ele foi forçado a um ritmo desajeitado, sua sincronia e estratégia
ditadas tanto por seu aliado quanto por seu oponente.
Zannah notou tudo isso atrás de sua impenetrável parede de lâminas
giratórias, satisfeita em cumprir um papel completamente passivo naquele
encontro. Se não fosse pela capacidade do homem maior, ela já teria
rapidamente passado para uma sequência agressiva e facilmente
despachado o homem menor. Mas se não fosse pela mediocridade dele, seus
talentos defensivos seriam levados ao limite pelo oponente mais talentoso.
Aquele arranjo estava de bom tamanho para Zannah, permitindo que
jogasse um contra o outro. Ela não precisava matar os dois; precisava
apenas segurá-los até que Bane, protegido por suas carapaças invulneráveis
dos orbalisks, matasse seus dois oponentes e depois viesse ao auxílio dela.
Ela esperou até a vez de o homem menor atacar outra vez, então mediu
seu iminente ataque previsível. Sabendo exatamente onde terminaria ao
observar o início de seus movimentos, ela foi capaz de, momentaneamente,
desviar a atenção para ver como seu mestre estava se saindo.
Para sua surpresa, os dois oponentes de Bane ainda estavam de pé: prova
de que eram combatentes excepcionalmente habilidosos. Ela também notou
que um quinto Jedi havia entrado na sala: um Ithoriano afastado do
combate, seus olhos fechados como se estivesse meditando. E então ela
voltou para sua própria luta, a tempo de evitar a morte certa.
O olhar na direção de seu mestre durou apenas uma fração de segundo,
mas no breve intervalo de sua distração, o homem maior se lançara adiante,
golpeando com a ponta de uma de suas lâminas na direção de seu olho,
como uma lança. Zannah jogou a cabeça para o lado no último instante
possível, ouvindo o silvo laminado sabre de luz quando ele queimou uma
mecha de seu cabelo. O movimento súbito atrapalhou seu ritmo e equilíbrio,
e quando seu sabre de luz desviou o golpe do homem menor, a arma perdeu
sua inércia centrípeta e vacilou.
Na fração de segundo que levou para girar os pulsos e recomeçar os
intrincados padrões giratórios de suas lâminas, Zannah ficou vulnerável. O
homem maior lançou um golpe alto sobre sua cabeça, forçando que ela se
abaixasse, depois golpeou baixo na altura dos pés, fazendo Zannah saltar
antes que pudesse se preparar direito. Ela evitou o ataque, mas aterrissou
desajeitada. Outro golpe veio por cima. Com seu corpo fora de posição, ela
foi forçada a bloquear o caminho ao invés de desviá-lo para o lado. A força
do impacto a fez cambalear para trás, e ela caiu no chão.
O homem com o sabre de luz verde a salvou. Ele saltou para dar o golpe
final, bloqueando seu companheiro e impedindo que ele fizesse o mesmo.
Contra aquele ataque comum, ela foi capaz de se levantar e executar a
sequência de movimentos que era a base de seu estilo praticamente
impenetrável.
Houve um breve instante em que ela viu uma abertura – mas ao invés de
escolher matar o homem com o sabre de luz verde, ela preferiu deixá-lo
vivo, sabendo que era um obstáculo maior para seus aliados do que para ela
própria.
Do outro lado da sala, um dos outros Jedi gritou:
– Johun! Sarro! Precisamos de reforços!
– Vá – o homem maior gritou. – Eu consigo lidar com esta aqui.
E então, o homem com o sabre verde se foi.
O gigante moreno se preparou exibindo todo o seu tamanho; Zannah
percebeu que ele era ainda mais alto e musculoso do que Bane. O ar zumbiu
quando seu longo sabre de luz fez um movimento elaborado ao redor de seu
corpo, depois outro acima da cabeça. Ele sorriu para ela com uma expressão
presunçosa.
Então ele saltou adiante e o combate começou de verdade.

Já fazia muitos anos desde que Farfalla lutara com o auxílio da meditação
de combate de Worror. Ele se esquecera do quanto o incrível talento do
Ithoriano o deixava mais rápido e mais forte. A Força fluía através dele com
grande poder, preenchendo seu corpo com energia. Porém, mesmo com o
incremento em suas habilidades, ele se perguntou se conseguiriam
sobreviver àquela batalha.
Quando invadiram a sala, um homem que apenas podia ser Darth Bane
avançou diretamente sobre eles. Em qualquer outra circunstância, aquele
movimento resultaria em um rápido fim para o encontro, já que Raskta
correu na frente de Farfalla para cortar o Sith em pedacinhos.
As lâminas azuis de Raskta se moviam rápido demais para os olhos,
neutralizando o selvagem ataque inicial do inimigo, depois acertando uma
dezena de golpes letais em seu peito e abdômen. Mas em vez de cair, o
homem alto continuou avançando, sem nem diminuir o ritmo. Ele teria
passado por cima de Raskta, pisoteando a Jedi com suas pesadas botas, não
tivesse ela feito uma cambalhota para o lado no último instante possível.
Bane não parou; seu impulso o levou diretamente para Farfalla. O mestre
Jedi teve um momento para registrar a estranha armadura feita de carapaças
brilhantes que seu inimigo usava debaixo das roupas. Ele então também
saltou para o lado para evitar ser atropelado, sobrevivendo apenas porque
seus reflexos estavam mais rápidos por causa do poder de Worror.
Raskta já estava de pé e voando em sua direção. Bane girou e lançou uma
onda de energia sombria invisível sobre ela. Um mestre de armas não era
especialista em defender ataques da Força. O impacto da onda teria
esmagado Raskta contra a parede, se Farfalla não tivesse lançado um
escudo para proteger a Echani. Mesmo assim, o corpo musculoso dela foi
atingido no ar e lançado para trás, embora ela conseguira girar e cair sobre
seus pés.
Farfalla notou o lorde Sith se virar em sua direção, sentindo a intervenção
que salvou a vida de Raskta. Bane disparou uma saraivada de relâmpagos,
concentrando e liberando seu poder na velocidade de um pensamento. O
Jedi ergueu uma barreira da Força para se proteger, mas a eletricidade
rompeu a barreira e arqueou sobre ele. Então, de repente, Raskta estava lá
para salvar sua vida, retribuindo o favor de apenas alguns segundos atrás,
quando ela se jogou na frente dele. Reforçada pela meditação de Worror, ela
mudou de estilo instantaneamente, e seus braços e lâminas se tornaram uma
mancha no ar, cortando em formato de oito para defender e absorver os
raios de energia do lado sombrio.
O inimigo avançou novamente sobre eles, seguindo os relâmpagos com
pura agressividade. Ela se abaixou, golpeando com força as coxas e
panturrilhas de Bane, tentando deixar seu oponente se arrastando sem
pernas no chão. Suas lâminas cortaram através das botas e das calças,
apenas para revelar mais das conchas quitinosas.
Bane atacou com o sabre de luz a Echani, que cruzou suas lâminas em
um X, tentando bloquear e prender a arma de seu oponente no ponto de
intersecção. Mas o movimento do Sith foi apenas uma distração, e no
último instante ele puxou a arma de volta e golpeou com o cotovelo as
costelas da Jedi. O contato a tirou do chão e a jogou para trás. Um segundo
depois ele passou por ela, avançando sobre Farfalla.
O mestre Jedi assumiu uma elegante postura defensiva para receber o
ataque.
– O cabo! – Raskta disse quase sem ar enquanto tentava se levantar.
O alerta fez Farfalla notar o sabre de luz com cabo curvado de seu
inimigo e a incomum empunhadura necessária para usar a arma. Isso
alteraria a natureza de seus ataques, fazendo que viessem de ângulos
estranhos e pouco familiares. No mundo regimentado e hiperpreciso dos
duelos de sabres de luz entre Jedi e Sith, aquilo transformava seu estilo em
algo único e inesperado.
Valenthyne reconheceu, processou e reagiu àquela informação em uma
fração de segundo, permitindo a ele ajustar o curso de sua própria arma
apenas o bastante para bloquear um ataque que, de outra maneira, teria
deslizado pela lâmina de seu sabre e decepado seu braço na altura do
cotovelo. Mesmo assim, a força do ataque arrancou a lâmina dourada de sua
mão, lançando o sabre de luz pelo chão. Desarmado e indefeso diante de
seu inimigo, ele foi salvo por Raskta.
Sabendo que seu sabre não poderia penetrar a armadura de Bane, ela
deslizou por trás e deu uma rasteira nele. Bane caiu para trás,
transformando sua queda em uma cambalhota que lhe possibilitou ficar em
pé novamente. Entretanto, a distração permitiu a Farfalla olhar na direção
de seu sabre e usar a Força, atraindo a arma de volta para sua mão.
Ele girou de volta para a luta e viu que a mestra de armas Echani havia
tomado a ofensiva, lançando rápidos ataques com suas duas lâminas azuis
na direção do rosto desprotegido de Bane – o único ponto de seu corpo que
parecia não estar coberto pelas conchas impenetráveis. Notavelmente, Bane
estava cedendo espaço.
– Não se aproxime! – ela gritou para Farfalla. – Você só vai atrapalhar.
Farfalla obedeceu, concentrando as energias do lado da luz para lançar
outra barreira protetora caso Bane tentasse outra onda de energia sombria
contra a Echani.
Ela parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo – na frente de
Bane, ao seu lado, atrás, circulando por baixo, saltando pelo alto, desviando
golpes e depois atacando três vezes seguidas os olhos dele. A cabeça do
homem se abaixava e pendia para os lados, evitando os golpes da Jedi
enquanto tentava lançar uma contraofensiva.
O domínio de Raskta sobre seus sabres era incomparável, mas mesmo
com seus talentos aumentados pela meditação de Worror, ela não conseguia
acertar um único golpe certeiro em um alvo tão pequeno através das defesas
de Bane. Mesmo assim, a ferocidade de sua nova estratégia havia mudado a
luta em seu favor… ou foi isso o que Farfalla pensou.
Bane continuou seu recuo, circulando para longe das lâminas de Raskta,
depois repentinamente virando-se e correndo na direção do Ithoriano
desarmado na frente da porta da sala.
A meditação de batalha requeria a completa concentração do mestre
Worror; não havia chance de erguer qualquer tipo de defesa. Se Bane o
matasse, os outros perderiam a única vantagem que dava a eles alguma
chance de sobrevivência.
Farfalla liberou o poder que estivera juntando em um único disparo
concentrado. Bane foi subitamente envolvido em um campo de estase feito
com energia do lado da luz, congelando o Sith no lugar. Mas seu domínio
do lado sombrio era poderoso demais para que o campo o segurasse por
mais do que uma fração de segundo. O campo brilhante explodiu em
fragmentos quando o lorde sombrio se libertou, mas o atraso momentâneo
permitiu a Echani se colocar entre o Ithoriano e o Sith.
As lâminas de Raskta zumbiram quando ela voltou a acioná-las,
determinada a manter Bane longe do mestre Worror a qualquer custo.
Ele é forte demais, Farfalla percebeu enquanto corria para ajudá-la. Tanto
fisicamente quanto com o poder do lado sombrio. É como tentar lutar
contra uma força da natureza.
– Johun! Sarro! Precisamos de reforços!

Johun virou a cabeça na direção do som da voz de Farfalla.


– Vá – Sarro gritou para ele. – Eu consigo lidar com esta aqui.
O jovem Jedi olhou para o outro lado da sala e instantaneamente
reconheceu o que estava acontecendo. Mestre Worror estava em perigo; ele
precisava ser protegido ou sua meditação de combate – e qualquer
esperança de vitória – estaria perdida.
Ele saltou através da sala, usando a Força para impulsioná-lo pelo ar para
aterrissar apenas a poucos metros de onde Raskta duelava com Darth Bane,
desesperadamente tentando afastá-lo de onde o mestre Worror estava, um
ou dois metros atrás dela. Johun hesitou antes de atacar, notando que a pele
do lorde Sith estava coberta com estranhas protuberâncias crustáceas.
– Mire no rosto! – Farfalla gritou, chegando à cena e se lançando no
combate ao mesmo tempo em que Johun fazia o mesmo.
Juntos, os três contiveram o lorde Sith: Farfalla no flanco esquerdo,
Johun no direito e Raskta ao centro. Entre bloqueios e ataques, eles
desferiram golpes e estocadas procurando o rosto de Bane, seus esforços
combinados finalmente forçando o inimigo a uma postura defensiva.
O jovem Jedi se maravilhou diante da velocidade e selvageria das
lâminas de Raskta. E embora os próprios esforços desajeitados de Johun
tivessem atrapalhado Sarro quando lutaram lado a lado, Raskta parecia
prosperar com sua presença. Quando ele atacava no alto, ela atacava por
baixo. Se ele vinha da esquerda, ela vinha da direita. Isso era parcialmente
devido à escolha de armas da Jedi: individualmente, cada sabre de luz era
mais preciso e certeiro do que a gigante lâmina dupla de Sarro. Mas era
mais do que isso. As reações dela eram tão rápidas, seus instintos de
combate tão puros, que ela era capaz de sentir e antecipar o que ele iria
fazer e então usava os ataques dele em vantagem própria.
Do lado oposto de Raskta, Farfalla atacava com golpes limpos e
elegantes, sua forma perfeita ao investir contra o flanco direito de Bane.
Porém, apesar de conseguirem defender seu espaço, eles não conseguiam
fazê-lo recuar e nem derrotá-lo.
Eles estavam em um impasse, nenhum dos ataques era capaz de acertar a
única parte vulnerável da anatomia de Bane. Então Johun percebeu um
pedaço de pele branca aparecendo entre as luvas blindadas do Sith e as
estranhas carapaças em seu braço. Era um espaço estreito, mas grande o
bastante para um golpe certeiro.
Ele atacou seu novo alvo. Amplificado pelo poder de Worror, a Força
fluiu através dele e guiou seu sabre de luz. O contato não foi perfeito; sua
lâmina raspou na armadura de carapaças, então ele apenas conseguiu um
leve contato com a pele abaixo. Em vez de decepar a mão, ele meramente
cortou fundo o bastante para romper alguns nervos e tendões.
Bane gritou de raiva quando sua arma caiu da mão, o ferimento deixando
seus dedos inertes e sem força. Mas antes que Johun ou algum dos outros
tivesse a chance de dar um golpe final no adversário, eles foram jogados
para trás por uma explosão de energia sombria, o poder de seu inimigo
alimentado pela repentina dor de seu ferimento.
Caído no chão a dez metros de distância, Johun observou horrorizado
quando o sabre de luz do lorde sombrio saltou do chão e voou de volta para
sua mão. Incrivelmente, seus dedos envolveram o cabo, e a lâmina foi
acionada novamente, seus ferimentos, de alguma maneira, curaram-se quase
instantaneamente.
Já não havia mais ninguém entre Bane e o Ithoriano; assim como Johun,
Farfalla e Raskta foram lançados para longe. O lorde Sith ergueu o sabre de
luz para acabar com a vida de Worror, e Johun atacou com a Força.
Ele sabia que não era forte o bastante para penetrar as defesas de Bane,
mas o homem alto não era o seu alvo. A poderosa onda de energia acertou
Worror, jogando-o para o canto quando o golpe de sabre de luz que o
cortaria em dois passou inofensivo pelo ar.
Johun sentiu sua força e energia desabarem. Uma onda de exaustão e
fadiga tomou conta dele, os efeitos benéficos da meditação de combate
desaparecendo quando a concentração de Worror foi interrompida. Mas o
mestre Jedi ainda estava vivo, e Farfalla e Raskta já estavam de pé outra
vez. Se pudessem segurar Bane por apenas alguns segundos, o Ithoriano
poderia retomar suas meditações e restaurar sua vantagem.

Zannah deslizou para o lado, com sua arma giratória conseguira


redirecionar uma das lâminas de seu inimigo para longe de sua garganta. A
outra lâmina veio rápido do outro lado do quadril, e ela se lançou em uma
cambalhota para trás, aterrissando habilmente no chão. Com pesar, ela
percebeu que nunca havia entendido o verdadeiro significado do termo arte
marcial até aquele momento.
O guerreiro com quem lutava agora havia elevado o ato do combate para
sua forma mais pura e sublime. Ele se movia com a graça fluida de um
dançarino, suas lâminas monstruosas cantando a mortal canção da batalha.
Ele executava seus movimentos com uma perfeita elegância nascida da
obsessão. Zannah sabia que isso o deixava vulnerável para outras formas de
ataque, mas ele a pressionava tão implacavelmente que ela nunca teve
chance de efetivamente concentrar seu poder.
Se o Jedi tivesse as mesmas vantagens da armadura orbalisk de Bane,
aquele encontro já teria terminado há muito tempo. Bane podia ignorar
golpes que seriam mortais de outra maneira, renunciando a qualquer
sensação de insegurança e concentrando-se em atacar para sobrecarregar a
defesa do adversário. Em contraste, o homem diante dela, por maior que
fosse, ainda morreria se o sabre de Zannah o acertasse. Ele precisava se
proteger dos contra-ataques, o que tornava seu estilo menos agressivo para
que não ficasse vulnerável. Embora essa técnica fosse mais refinada do que
a de seu mestre, ela conseguira aguentar os ataques… ao menos até aquele
momento.
Ele avançou novamente, sua lâmina mudando de direção tão rápido no
meio do golpe que parecia se curvar no ar. Zannah repeliu o ataque com um
furioso movimento defensivo, respirando fundo. Seu estilo era feito para
prolongar o combate, exaurindo os oponentes enquanto tentavam penetrar
suas defesas. Mas a cada choque entre eles, era Zannah quem precisava
gastar uma grande quantidade de energia. Lentamente, ele a estava
cansando.
Era mais do que apenas o talento e treinamento do gigante. Zannah sentiu
algum tipo de grande poder atuando: a Força fluía através dele como se
fosse canalizada por outro poder ainda maior.
Outra troca de golpes a fez recuar; o homem estava eliminando seu
espaço, pressionando Zannah cada vez mais para o canto, para limitar seus
movimentos. Ele estava tirando sua agilidade, sabendo que ela não se
equiparava a ele em força física. E não havia nada que ela pudesse fazer
sobre isso. Dando outro passo para trás, Zannah sentiu os calcanhares
encostarem na parede. Não havia mais para onde ir; o fim estava próximo.
Do outro lado da sala ela ouviu Bane gritar de raiva, e Zannah se
preparou para um ataque final ao qual tinha certeza de que não sobreviveria.
Seu oponente girou o sabre com suas longas lâminas ao redor do próprio
corpo, juntando impulso para seu próximo ataque. E então, de repente, o
poder por trás dele – a Força sendo canalizado por outra pessoa –
desapareceu. Zannah sentiu a energia sumir como a chama de uma vela ao
ser soprada.
O homem hesitou, olhando rapidamente na direção dos outros para ver o
que acontecera. Aproveitando a oportunidade, os dedos de Zannah se
moveram em estranhos padrões quando ela disparou sua feitiçaria Sith
sobre seu inimigo.
Seus olhos se arregalaram e ele cambaleou para longe dela, seu sabre de
luz golpeando cegamente ao redor do corpo quando ele foi tomado por
todos os lados por demônios imaginários. Atacando em seu terror
enlouquecido os monstros invisíveis, ele ignorou Zannah quando ela
avançou como um relâmpago e pôs um fim a sua vida, com um longo golpe
diagonal sobre seu peito musculoso.
Quando ele caiu no chão, Zannah voltou a atenção para Bane do outro
lado da sala. Ele estava lutando sozinho contra três Jedi, lentamente os
empurrando em direção ao canto onde o Ithoriano estava caído.
Concentrando o lado sombrio ao seu redor, Zannah criou um escudo para
mascarar seu poder, como fizera no Templo Jedi. Enquanto fazia isso, ela
viu que o Ithoriano lentamente se ergueu do chão e fechou os olhos em
concentração. Ela sentiu o aumento de energia do lado da luz se espalhando
pela sala. Repentinamente revigorados, os oponentes de seu mestre o
pressionaram contra uma parede, concentrando os ataques em seu rosto e no
pulso, onde os orbalisks deixavam pequenas aberturas na armadura.
Zannah correu para ajudar seu mestre, aproximando-se silenciosamente
pelas costas dos Jedi. Com sua presença mascarada pelo feitiço de
ocultação, eles não sentiram sua chegada. Ela matou a Echani primeiro,
lançando seu sabre de luz adiante até perfurar as costas da Jedi e atravessar
seu corpo.
A Echani gritou e caiu aos pés de Zannah. Os homens que a flanqueavam
se voltaram para ela, esquecendo-se momentaneamente do adversário
diretamente à sua frente. Bane aproveitou a oportunidade para decepar a
mão do homem que segurava o sabre verde. Ele gritou e caiu de joelhos,
agarrando o toco cauterizado. A imagem fez Zannah se lembrar da caverna
em Ruusan, onde ela havia destruído a mão de seu primo.
Sacudindo a cabeça, ela afastou a memória. Sua distração deu ao jovem
Jedi a chance de rolar para longe da batalha. Zannah hesitou, sem saber se
deveria acabar com o Jedi ou ajudar seu mestre contra o homem que ainda
estava de pé. A questão se resolveu sozinha um momento depois, quando
Bane desviou o sabre dourado do Jedi com seu braço esquerdo blindado,
depois removeu a cabeça do inimigo usando seu sabre de luz.
No canto, o Ithoriano saiu de seu transe meditativo, sentindo que seus
companheiros haviam caído. Mas antes que pudesse agir, Bane saltou
através do ar e aterrissou diante dele, cortando todas as suas quatro
gargantas simultaneamente. O Ithoriano desabou no chão, e Bane se virou
para acabar com o Jedi de uma mão só.
Zannah sentiu o acúmulo de poder do lado sombrio em seu mestre, mas
no momento antes de liberar a tempestade de mortais relâmpagos, o
Ithoriano estendeu o braço e agarrou o calcanhar de Bane. Um brilhante
globo azul envolveu os dois quando o Jedi mortalmente ferido liberou todo
o seu poder em um ato derradeiro.
Em vez de se arquearem pela sala para destruir o Jedi restante, os
relâmpagos que saíram dos dedos de Bane foram refletidos dentro do globo
azul que o envolvia. Os raios ricochetearam para todos os lados, criando
uma tempestade de energia tão intensa que Zannah precisou proteger os
olhos. Ela ouviu o grito de Bane mais alto que o som explosivo da
eletricidade, e quando olhou outra vez, ela viu que o globo havia
desaparecido e seu mestre estava caído no chão, com seu corpo encolhido e
fumegante.
Ela começou a correr na direção dele, mas então viu que o Jedi
sobrevivente estava se arrastando na direção de seu sabre de luz,
determinado a lutar, apesar da perda da mão.
O rosto de Zannah se congelou em uma máscara de raiva e ódio, e ela
deu um passo adiante e girou o sabre de luz acima da cabeça. Ele olhou
para ela com olhos suplicantes, mas a única resposta foi o sabre descendo
implacavelmente, acabando com sua vida.
Capítulo 22

QUANDO ZANNAH CHEGOU AO LADO de Bane, ela tinha certeza de que seu
mestre estava morto. Os relâmpagos reduziram suas roupas a cinzas, e suas
luvas e das botas derreteram. A pele do rosto e mãos estava queimada,
coberta com bolhas que derramavam um pus viscoso e amarelado. Vários
dos parasitas em seu peito e estômago não sobreviveram, suas carapaças
marrons se tornando negras e quebradiças pela carga elétrica dos raios. Fios
de fumaça ainda escapavam das conchas, trazendo junto um cheiro que
fazia o estômago de Zannah se embrulhar.
E então ela viu o peito de Bane se erguer e relaxar, sua respiração tão
leve que ela quase não a percebeu. Ele provavelmente ficara inconsciente
quando seu corpo entrou em choque por causa da dor insuportável. Ela
prestou atenção, esperando ver sua pele e tecidos começarem a se regenerar,
mas os ferimentos excediam até mesmo a habilidade dos orbalisks de curá-
lo, e nada aconteceu.
O som de uma porta se abrindo fez Zannah mudar o foco, olhando para
ver Darovit emergindo de seu esconderijo. Ele olhou ao redor para a
carnificina, depois olhou para Zannah agachada sobre seu mestre.
– Ele está… ? – Darovit deixou a pergunta no ar.
– Está vivo – Zannah respondeu com raiva, levantando-se.
Ele lentamente andou até o lado dela, segurando o holocron de Belia e o
datacard contra seu peito com a mão boa. Zannah apanhou os dois objetos
quando ele se aproximou. Ele pareceu não perceber, seus olhos grudados na
crosta queimada no chão que de alguma forma ainda estava viva.
– Pegue os sabres de luz – ela ordenou. – Está na hora de ir.
Darovit teve o bom senso de não questionar suas ordens e foi apanhar as
armas dos Jedi derrotados: troféus do triunfo Sith em Tython.
Zannah guardou o holocron e o datacard em seus bolsos, depois respirou
fundo para concentrar a mente. Ela usou a Força e ergueu o corpo de Bane
do chão, levitando-o até a altura dos quadris.
Ela carregou seu mestre dessa forma, saindo da fortaleza e seguindo até o
lado de fora, com Darovit logo atrás. Ela brevemente considerou qual nave
deveria usar para tirá-los de Tython, logo decidiu-se pela Loranda. Além de
ser maior, também era equipada com um compartimento médico completo.
– Abra o compartimento de cargas – ela ordenou, assentindo na direção
da nave.
Darovit correu e obedeceu, enquanto Zannah lentamente erguia seu
mestre para dentro da nave.
Uma vez lá dentro, eles conectaram Bane a uma bomba bacta. Seus
ferimentos provavelmente necessitavam imersão completa em um tanque
bacta por vários dias, mas ela não possuía acesso a esse tipo de instalação.
Uma bomba bacta serviria; ela injetava uma alta dose de fluidos
diretamente nas veias, fazia-os circular pelo corpo, depois os vazava para
fora do corpo, repetindo o processo.
– Ele está estável – Darovit disse. – Mas não vai continuar assim por
muito tempo. Quando um orbalisk morre, ele envenena o hospedeiro.
– Você viu as informações no disco – ela disse. – Tire as criaturas dele.
– Mesmo se eu tirasse, não ia adiantar – Darovit disse a ela, repassando
aquilo que aprendera com o datacard. – É tarde demais. Os orbalisks
liberam toxinas no tecido do hospedeiro no momento em que morrem. Isso
destrói as células em um nível microscópico. Ele estará morto em questão
de dias.
– Você é um maldito curandeiro! – ela gritou. – Ajude-o!
– Não posso, Zannah – ele disse suavemente. – Não aqui. Não temos os
equipamentos ou suprimentos necessários. E mesmo se tivéssemos, não há
nada que eu possa fazer. Uma vez que a toxina orbalisk entra no hospedeiro,
não tem como parar o processo.
Você não pode morrer ainda, Zannah pensou amargamente, mordendo os
lábios. Tem tanta coisa que você ainda precisa me ensinar!
O poder de seu mestre ainda era muito maior que o dela. Zannah possuía
o potencial para superar Bane – foi ele próprio quem disse isso –, mas, no
momento, ele ainda possuía uma força que ela apenas podia sonhar. Havia
segredos que ele ainda não havia compartilhado com ela, chaves para
destravar um poder ainda maior do que ela possuía agora. Se ele morresse,
esse conhecimento seria perdido. Era possível que ela um dia descobrisse
esse poder sozinha; com Bane como seu mestre, isso era uma certeza.
Mas o que ele ainda precisava ensinar ia muito além de suas capacidades
de concentrar as energias do lado sombrio. Na última década, ela focou
apenas em aprender a controlar seu próprio poder. Nesse período, seu
mestre começara a juntar as peças que um dia permitiriam aos Sith se
erguerem e dominar a galáxia.
Ele criara uma vasta rede de espiões e informantes, mas Zannah não
sabia qual era sua extensão verdadeira, ou mesmo como contatá-la. Ele
havia colocado em movimento centenas de planos de longo prazo para
lentamente acumular poder ao mesmo tempo em que enfraquecia a
República. Porém, apenas agora ela começava a entender a extensão e a
complexidade de suas maquinações políticas.
Bane era um visionário, capaz de enxergar longe no futuro. Ele entendia
como explorar as fraquezas e vulnerabilidades da República. Sabia como
atrair os olhos dos Jedi para longe do lado sombrio, enquanto ao mesmo
tempo os conduzia aos primeiros passos da longa estrada que terminaria
com sua completa aniquilação. Ele podia manipular pessoas, organizações e
governos, plantando sementes que permaneceriam adormecidas por anos –
até mesmo décadas – antes de germinarem.
Se morresse agora, tudo que colocara em movimento nos últimos dez
anos morreria junto. Zannah teria que começar do início. Teria que
encontrar e treinar um aprendiz, embora ainda estivesse descobrindo a real
extensão de seus poderes. Ela teria que avançar cegamente, cercada de
inimigos por todos os lados. Era quase impossível imaginar que não fosse
cometer algum erro que levaria à sua queda… e à extinção dos Sith.
Ela não podia permitir que isso acontecesse. Pelo bem de sua ordem, ela
precisava mantê-lo vivo. E, embora Darovit não possuísse o conhecimento
e o poder para curar seu mestre, ela conhecia alguém que possuía. Alguém
que já havia salvado sua vida antes.
– Apenas o mantenha vivo – ela disse para Darovit, com uma ameaça
implícita em seu tom de voz.
Deixando o compartimento médico, ela marchou para a cabine e sentou
atrás dos controles. Ela digitou as coordenadas para Ambria, mas não estava
voltando para o acampamento. Ela iria encontrar um homem chamado
Caleb.
Embora o acampamento de Caleb ficasse a menos de cem quilômetros de
seu acampamento em Ambria, Zannah nunca o encontrara. Ela o conhecia
apenas das histórias de seu mestre. Bane contara que o curandeiro era
poderoso com a Força, mas ele não extraía poder da mesma maneira que os
Sith ou os Jedi. O lado sombrio e o lado da luz não faziam sentido para ele;
o poder dele vinha da natureza.
As palavras de seu mestre não fizeram sentido na época, mas quando eles
se aproximaram para aterrissar perto da pequena cabana de Caleb, ela
começou a entender. Havia poder naquele lugar; ela ouvia o seu chamado,
mas em uma língua estranha e pouco familiar.
Ela pôde sentir o cheiro no ar quando as portas do compartimento de
carga foram abertas, e pôde sentir sob seus pés quando saltou da nave. A
cada passo que dava, o chão parecia vibrar, zumbindo com um som quieto
demais para se ouvir, mas profundo o bastante para sentir atrás dos dentes.
Darovit andava atrás dela, manipulando os controles que guiavam a maca
da Loranda. A maca flutuava ao lado dele, transportando a forma ainda
inconsciente de Bane. Assim como quando Zannah o tirou da fortaleza de
Belia, seu mestre estava mais uma vez sendo transportado sem cerimônias a
um metro do chão. Desta vez, entretanto, ele estava apoiado por repulsores
ao invés da Força.
– Este lugar é incrível – Darovit sussurrou. – Nunca senti nada igual. É
tão… puro.
Zannah se lembrou que, embora ele não tivesse o poder dos Jedi ou dos
Sith, seu primo também era sensível à Força. Ela brevemente se perguntou
se seria possível que ele compartilhasse o mesmo tipo de talento que Caleb,
mas então decidiu que a razão de estar ali não fazia diferença. Quatro dias
se passaram desde que deixaram Tython, e Bane enfraquecera ainda mais.
Se eles não encontrassem ajuda ali, seu mestre iria morrer.
A julgar por sua primeira olhada, ela não ficou muito esperançosa. Assim
como era comum em Ambria, eles estavam cercados por todos os lados pelo
deserto desolado e árido que se estendia até onde a vista alcançava. As
únicas características da paisagem, com exceção de alguns rochedos, eram a
cabana de Caleb e sua fogueira. O acampamento parecia estar deserto.
A cabana era pequena, apenas alguns metros de cada lado. As paredes
eram inclinadas em quarenta e cinco graus e encontrando-se no centro,
fazendo a estrutura se parecer uma pirâmide mal construída. Onde e como
Caleb adquirira a madeira era impossível dizer, mas era óbvio que ele não
havia trocado o material recentemente. A madeira estava gasta e manchada
pelo sol, e embora não fosse apodrecer no clima seco de Ambria, centenas
de longas rachaduras se formaram quando a umidade desapareceu. Na
parede em frente à fogueira havia uma pequena porta que levava para
dentro da cabana. Havia um cobertor puído pendurado sobre a porta,
balançado levemente sob o vento do deserto.
A fogueira não era nada além de um pequeno círculo de pedras,
chamuscado e enegrecido pelos anos de fumaça e fogo. Um suporte de
metal apoiava uma grande panela de ferro no centro do círculo, mas a
panela estava vazia e o fogo apagado.
Zannah se lembrou de Bane contando sobre como Caleb mergulhara as
próprias mãos na panela quando estava cheia de ensopado borbulhando,
queimando a si mesmo para provar a seu mestre que ele não temia a dor e
não podia ser ameaçado ou intimidado.
Há dez anos o curandeiro havia inicialmente se recusado a curar seu
mestre, mas, no fim, Bane o convencera, depois de ameaçar a vida de sua
filha. Zannah não sabia se, caso eles o encontrassem, Caleb iria se recusar a
ajudar Bane outra vez.
– Olá? – Darovit chamou, sua voz soando pequena no espaço vazio. –
Olá?
Zannah se moveu lentamente na direção da cabana e afastou o cobertor
na porta. A única coisa lá dentro era uma pequena esteira de dormir no
canto. Ela recuou, olhando para o deserto ao redor do acampamento para
ver se havia mais algum lugar para onde Caleb poderia ter ido. Darovit fez
o mesmo, depois ofereceu a única conclusão lógica.
– Não tem ninguém aqui.
Não era apenas Caleb que não estava ali, Zannah precisou admitir. Onde
estavam os medicamentos que o curandeiro usaria para curar aqueles que
procuravam sua ajuda? Onde estavam os suprimentos básicos – comida,
água, combustível para o fogo – que ele precisaria para sobreviver?
Ela se lembrou de que Caleb viera para Ambria para escapar da guerra
entre os Jedi e os Sith. Infelizmente para ele, a guerra eventualmente o
seguira até aquele mundo remoto. Porém, o curandeiro mantivera uma
firme neutralidade durante o conflito, recusando-se a ajudar seguidores dos
dois lados; apenas Bane conseguira convencê-lo a fazer uma exceção
àquele regra. Talvez com o fim da guerra, ele renunciara ao seu modo de
vida solitário e retornara para seu mundo de origem, reintegrando-se à
sociedade galáctica. Era apenas uma das várias possibilidades que
explicariam sua ausência.
Ele poderia ter morrido. Já fazia dez anos desde que Bane visitara o
acampamento, e embora Caleb não fosse tão velho, era possível que algo
tivesse acontecido a ele na década que se passou. Ambria podia ser um
mundo perigoso e difícil; o curandeiro podia ter sido morto ou devorado
pelos hssiss, os ferozes lagartos carnívoros que às vezes emergiam das
profundezas do Lago Natth para se alimentar.
O planeta também possuía muitos predadores sencientes. O punhado de
pessoas que ainda vivia naquele mundo sobrevivia vasculhando os restos
das batalhas que aconteceram na superfície e nos céus acima, encontrando
itens danificados e velhas tecnologias que eles podiam restaurar e vender
para outros planetas. A maioria dos sucateiros eram pessoas simples
tentando sobreviver. Mas alguns se tornaram criminosos desesperados,
dispostos a matar por qualquer coisa – como pela coleção de medicamentos
e suprimentos de Caleb.
Ou talvez o curandeiro fora vítima de alguma doença ou aflição que
mesmo ele não podia curar. Se tivesse morrido de causas naturais, não
levaria muito tempo até que os muitos sucateiros do deserto levassem todas
as suas coisas, deixando nenhuma evidência do que acontecera.
Estava claro que eles não encontrariam nenhuma ajuda ali, mas não havia
razão para seguir para outro lugar. Bane possuía um dia, no máximo, até
que as toxinas dos orbalisks alcançassem níveis letais nos tecidos de seu
corpo. Zannah simplesmente ficou parada ali, incapaz de nem mesmo
pensar sobre o que fazer em seguida. E então ela se lembrou de outro
detalhe da história de seu mestre.
Caleb tentara esconder sua filha de Bane. Seu mestre havia facilmente
descoberto a garota dentro da cabana; não havia outro lugar para se
esconder no pequeno acampamento. Ao menos, não há dez anos.
– Espere aqui – ela disse para Darovit, deixando-o para vigiar Bane na
maca.
Ela voltou para a cabana, chutando a esteira para o lado e revelando a
pequena porta de um alçapão. Ela usou a Força para abri-lo, e foi
recompensada com a visão de um homem olhando para ela de dentro de um
pequeno porão.
Sua expressão não era de medo, nem mesmo de raiva. Não exatamente.
Ele parecia mais como se estivesse cansado; como se soubesse que sua
descoberta levaria a uma longa e tediosa conversa.
– Saia – Zannah disse, recuando e pousando a mão sobre seu sabre de
luz.
Sem uma palavra, ele subiu a escada do porão até ficar ao lado dela. O
curandeiro parecia estar com seus quarenta anos, um homem magro de
estatura média. Ele possuía cabelos pretos que chegavam até os ombros, e
sua pele era marrom e curtida por uma década de exposição ao sol
escaldante de Ambria. Não havia nada sobre sua aparência que sugeria que
fosse um homem de poder ou importância, porém Zannah podia sentir sua
calma força interior.
– Você sabe quem eu sou? – ela perguntou a ele.
– Sei desde quando você e seu mestre construíram seu acampamento
neste mundo – ele disse silenciosamente.
– E você sabe por que estou aqui?
– Eu senti vocês chegando. Foi por isso que me escondi aqui.
Ela olhou para o porão, notando que continha algumas prateleiras com
garrafas, jarros e bolsas que guardavam os medicamentos e misturas
curativas que ele usava em seu trabalho. Havia também vários kits de ração
em um canto, junto com um punhado de pequenas caixas de suprimentos.
– Quando você construiu isso? – ela perguntou, curiosa.
– Pouco depois de meu encontro com o seu mestre – ele respondeu. – Eu
temia que ele fosse voltar um dia, e eu queria um lugar para minha filha se
esconder.
O homem repentinamente sorriu para ela, embora não houvesse alegria
em sua expressão.
– Mas agora minha filha já cresceu – ele disse. – Ela deixou este mundo
para nunca mais retornar. E você não possui poder algum sobre mim.
– Você está dizendo que não ajudará meu mestre? – Zannah perguntou,
sem nem se dar ao trabalho de colocar um tom de ameaça na voz.
– Não há nada que você possa fazer para me convencer desta vez – ele
respondeu, e ela sentiu uma profunda satisfação em sua voz. Ela percebeu
que ele vinha se preparando para aquele dia por mais de dez anos.
– A guerra entre os Jedi e os Sith acabou – Zannah disse a ele. – Meu
mestre já não é mais um soldado. Ele é apenas um homem comum que
precisa de ajuda.
O homem sorriu novamente, mostrando os dentes com uma expressão
selvagem.
– O seu mestre nunca será comum. Mas logo ele estará morto.
Um olhar sobre a mão do homem, permanentemente marcada pelas
queimaduras que ele deu a si mesmo quando mergulhou a mão na panela
fervente, fez Zannah dispensar qualquer ideia de tortura para fazê-lo mudar
de opinião. E ela sabia que qualquer tentativa de dominar sua mente com a
Força fracassaria; sua determinação era forte demais para ser manipulada.
– Eu posso lhe dar créditos. Você será mais rico do que poderia imaginar.
Ele fez um gesto com a mão mostrando sua rústica cabana.
– De que servem créditos para um homem como eu?
– E quanto à sua filha? – Zannah rebateu. – Pense em como sua vida se
tornaria mais fácil.
– Mesmo se eu quisesse que minha filha ficasse com o seu maldito
dinheiro, eu não saberia como enviar a ela. Para sua própria proteção, eu
insisti que ela mudasse de nome depois de deixar este planeta. Não sei qual
é o seu nome agora e não sei para onde ela foi.
Zannah mordeu os lábios, depois tentou algo desesperado.
– Se você não ajudar meu mestre, eu vou caçar a sua filha. Vou encontrá-
la, torturá-la e matá-la – ela jurou, cuidadosamente enfatizando cada
palavra. – Mas primeiro, vou fazê-la assistir enquanto eu torturo e mato
todas as pessoas que ela ama.
Caleb sorriu com o canto da boca, achando graça daquela ameaça vazia.
– Que seja. Vá procurá-la e me deixe em paz. Nós dois sabemos que você
nunca a encontrará.
Novamente, ele estava certo. Sem um nome e nem mesmo uma descrição
física, seria impossível rastrear uma mulher que poderia estar em qualquer
um dos milhões de mundos da República.
Fechando o rosto, Zannah olhou mais uma vez para as cicatrizes na mão
do curandeiro. Era um testamento silencioso do fato de que ela não poderia
convencê-lo através da dor física, por mais brutal que fosse. Mas sem
nenhuma outra opção, ela decidiu tentar mesmo assim.
Zannah usou a Força e tirou Caleb do chão. Seus pés ficaram pendurados
no ar e sua cabeça raspou no teto baixo da cabana. Ela começou a apertar,
aplicando pressão diretamente em seus órgãos internos, lentamente
esmagando-os e infligindo uma dor agonizante que poucos seres já haviam
experimentado. Ela tomou o cuidado de poupar seus pulmões, permitindo ar
suficiente para ele respirar e falar.
– Você sabe como fazer isso parar – ela disse friamente. – Diga que você
irá curar meu mestre.
Ele grunhiu e engasgou com a dor, mas sacudiu a cabeça.
– Zannah! O que você está fazendo?
Darovit havia entrado na cabana, curioso com a demora dela. Agora ele
estava na porta, olhando horrorizado para a cena.
– Pare! – ele gritou. – Você o está matando! Coloque-o no chão!
Com um grunhido de frustração, ela o soltou, deixando Caleb cair no
chão. Darovit correu para o seu lado para ver se ele estava bem, mas o
velho homem sacudiu a cabeça e o dispensou. Ele se ergueu sobre as mãos
e os joelhos, depois se sentou sobre os calcanhares enquanto respirava
fundo.
Darovit se virou para ela.
– Por que você fez isso? – ele perguntou com irritação.
– Ele se recusou a nos ajudar – ela disse, sua voz saindo mais defensiva
do que ela pretendia.
– Eu não vou libertar aquele monstro sobre a galáxia outra vez – Caleb
declarou, seus dentes ainda cerrados por causa da tortura de Zannah. – Não
há nada que você possa fazer para me obrigar a salvá-lo.
Zannah se abaixou diante dele.
– Eu posso usar meus poderes para evocar seus piores pesadelos e dar
vida a eles diante dos seus olhos – ela sussurrou. – Posso levar você à
loucura de tanto medo, posso destruir sua sanidade e transformá-lo em um
lunático delirante para o resto da vida.
Darovit continuou encarando Zannah, chocado por suas palavras. Caleb
apenas abriu seu sorriso irritante.
– Se você fizer isso – o curandeiro calmamente respondeu –, o seu mestre
irá morrer.
Zannah mordeu os lábios, olhando em seu rosto. E então ela se levantou
de repente e saiu correndo para fora da cabana, deixando Darovit e Caleb
sozinhos.
Capítulo 23

FUMEGANDO DE RAIVA, ZANNAH ATRAVESSOU, com passos pesados, a areia


que separava a cabana de Caleb e o final do acampamento, onde seu mestre
estava, ainda sobre a maca flutuante
Ela olhou o monitor ao lado da maca, checando os sinais vitais. Ele ainda
estava vivo, mas piorando rápido. Logo estaria morto, levando junto todos
os seus segredos e conhecimento.
Zannah estava ao lado da maca quando Darovit emergiu da cabana
alguns minutos mais tarde. Ele cruzou o acampamento até chegar ao lado
dela, e então olhou para Darth Bane.
– Quando ele se for – Darovit disse, oferecendo à sua prima palavras de
consolo –, ao menos morrerá em paz.
– A paz é uma mentira! – Zannah retrucou. – Não importa se você morre
dormindo ou no campo de batalha, a morte é sempre a morte.
– Ao menos ele não está sentindo dor – Darovit respondeu, jogando mais
uma amenidade sem sentido.
– Se você sente dor – ela respondeu –, significa que ainda está vivo. Eu
sempre vou preferir dor em vez de paz.
– Nunca pensei que fosse ouvir isso de você, Zannah – Darovit disse com
tristeza, sacudindo a cabeça. – Você não consegue enxergar aquilo que ele
te transformou?
Ele me transformou em uma Sith, ela pensou. Em voz alta, Zannah disse:
– Ele me deixou mais forte. Ele me deu poder.
– Isso é tudo que você se importa agora, Zannah? Poder?
– Pelo poder eu ganho a vitória, e pela vitória minhas correntes se
partem.
– Poder nem sempre traz a vitória – Darovit rebateu. – Mesmo com todo
o poder que possui, você não conseguiu obrigar Caleb a ajudá-la.
Bane teria encontrado uma maneira, ela pensou amargamente, mas não
disse nada.
– Eu entendo o que aconteceu com você – seu primo disse, pousando
uma mão tranquilizadora em seu ombro. – Você era apenas uma criança.
Com medo. Sozinha. Bane a encontrou e a acolheu. Eu entendo a sua
lealdade. Entendo a razão de se importar com ele.
Zannah afastou a mão e se virou para encará-lo com uma expressão de
descrença.
– Eu sou uma Sith. Não me importo com nada, apenas comigo mesma.
– Você se importa comigo.
Zannah não respondeu, recusando-se a ser atraída para a mesma
discussão que eles tiveram na viagem para Tython.
– Você não quer admitir – Darovit a pressionou –, mas eu sei que você se
importa comigo. E se importa com seu mestre também. Suas ações provam
isso, independente do que você diga. Mas Caleb está certo, sabe? Bane é
um monstro; não podemos libertá-lo outra vez.
“Mas ele não precisa necessariamente morrer” ele acrescentou.
– O que você quer dizer? – Zannah perguntou, repentinamente
desconfiada.
– Eu conversei com Caleb. Ele acha que você também é um monstro.
Mas ele não a conhece como eu conheço. Você não é um monstro,
Zannah… mas irá se transformar em um, se deixar a raiva e o ódio guiarem
sua vida.
– Agora você soa como um Jedi – ela disse cuidadosamente. Darovit
claramente estava planejando algo, mas ela ainda não sabia o que era.
– Estou começando a perceber que eles são a melhor alternativa – ele
admitiu. – Sei o que vai acontecer, Zannah. Se Bane morrer, você matará
Caleb.
Ela hesitou, depois confirmou.
– Provavelmente. – Não havia razão para mentir.
– Você está se equilibrando no precipício – seu primo a alertou,
repentinamente sua voz era urgente e intensa. – Você ainda pode dar as
costas para essa vida, Zannah. Mas se Bane morrer, sei que seu desejo de
vingança vai fazê-la matar Caleb. E temo que a morte de seu mestre irá
jogá-lo no abismo. Você se transformará em algo igual a ele. Eu não quero
que você se transforme nele – Darovit acrescentou mais suavemente,
assentindo na direção do corpo inerte de Bane sobre a maca. – Eu preciso
salvar você de si mesma. Eu precisava encontrar alguma maneira de
impedir que você matasse Caleb. Então eu o convenci a curar Bane. É a
única maneira de afastar você dos ensinamentos dos Sith.
– Isso… isso não faz sentido – Zannah disse, sua mente acelerando
enquanto tentava entender aquela lógica. – Se Bane viver, ele nunca
permitirá que eu abandone meus estudos.
E por que eu faria isso?, ela acrescentou em sua mente.
– Antes de Caleb ajudar – seu primo explicou –, você precisa lançar um
dos drones mensageiros da Loranda. Você precisa dizer aos Jedi onde
estamos para que eles venham até aqui prender Bane.
– O quê? – Zannah gritou, dando um passo para trás. – Isso é loucura!
– Não, não é! – ele disse, agarrando seu braço com a mão boa e puxando
Zannah para perto. – Por favor, Zannah, apenas me ouça. Se enviar essa
mensagem para os Jedi e entregar Bane para eles, você irá provar que está
dando as costas para os ensinamentos dos Sith. Isso mostrará que você quer
se redimir por toda a dor e sofrimento que causou. E é a única maneira de
convencer Caleb a cuidar dele – Darovit acrescentou, soltando o braço dela.
– Você viu o que Bane consegue fazer – ela disse. – O que o impedirá de
matar os Jedi quando eles chegarem aqui?
– A toxina dos orbalisks está derretendo o corpo dele por dentro. Mesmo
com a ajuda de Caleb, levará semanas, talvez meses, até ele conseguir sair
da cama.
– Então o que impedirá que eu mesma o tire daqui assim que estiver
curado?
– A sua maior arma é o segredo de sua existência. Os Jedi pensam que
sua Ordem está extinta. Eles não perderão tempo perseguindo sombras toda
vez que alguém sussurrar a palavra Sith. Esse é a única razão que permitiu a
sua sobrevivência até aqui.
“Mas, quando você enviar um drone de mensagem, tudo mudará. Eles
saberão que os Sith ainda existem. Eles terão a prova que precisam para
entrar em ação. Cada cavaleiro e mestre Jedi, em milhões de mundos,
estarão procurando por vocês. Os Sith não poderão se esconder mais.”
Zannah sabia que ele estava certo. Aquela era a razão de Bane ter
trabalhado tanto para manter sua existência como apenas um rumor
infundado.
– Além disso – Darovit acrescentou –, Caleb não fará nada até
incapacitarmos a nave. Se você tentar fugir, terá que carregar Bane sozinha
até o deserto. Mesmo se ele sobreviver a essa viagem, você não iria longe
antes da chegada dos Jedi.
– Parece que o curandeiro não confia em mim – Zannah murmurou
sombriamente.
– Você quase o matou – ele a lembrou.
– Se eu entregá-lo aos Jedi – ela pensou alto –, o que acontecerá comigo?
– Não sei – o rapaz admitiu. – Os Jedi podem prendê-la também. Mas eu
espero que reconheçam suas ações como um ponto de virada em sua vida.
Talvez eles enxerguem isso como uma tentativa de reparação.
“Talvez eles até acolham você” ele sugeriu. “Ouvi dizer que os Jedi
acreditam no poder da redenção. E, como eu disse, é melhor do que a outra
alternativa.”
– E quanto a você? – ela perguntou. – O que você vai fazer?
– Eu não farei parte disso se você escolher matar Caleb e deixar Bane
morrer – ele disse a ela. – Mas eu não acho que você vai fazer isso.
– Como pode ter tanta certeza?
– Eu já falei, Zannah. Nós temos uma ligação. Eu sei o que você está
pensando, o que está sentindo. Você tem medo de ficar sozinha… mas você
não está sozinha. Não mais.
“Você fará a escolha certa. E quando fizer, eu estarei lá com você.”
Ela pesou a oferta cuidadosamente, mordendo os lábios com tanta força
que seus dentes arrancaram-lhes sangue. Se recusasse, Bane morreria e ela
teria que continuar a Ordem Sith sozinha. Teria que matar Caleb, encontrar
um aprendiz… provavelmente matar Darovit também. Se concordasse, ela
teria que trair seu mestre e entregá-lo aos Jedi, o que marcaria o fim dos
Sith e o primeiro passo em sua longa estrada para a redenção.
– O tempo de Bane está se esgotando – seu primo disse. – Você precisa
decidir.
Os dois caminhos se abriam diante dela: sozinha para a escuridão, ou
para dentro da luz com Darovit ao seu lado. Ela pesou o problema de novo
e de novo em sua mente até que, enfim, a resposta se apresentou a ela.
– Diga para Caleb que eu aceito suas exigências.

Bane abriu os olhos lentamente; as pálpebras pareciam pesadas como se


fossem de metal. Ele podia sentir a pele raspando sobre as pupilas,
esfregando como lixa quando piscou contra a forte luz que brilhava sobre
seu rosto. A luminosidade o fez cerrar os olhos novamente quando tentou se
sentar.
Seu corpo se recusou a se mover. Pernas, braços e torso ignoraram os
impulsos de seu cérebro. Mesmo a cabeça não conseguia se mexer. Havia
sensação nas extremidades: ele sabia que estava deitado de costas, e podia
sentir a textura áspera de um pano contra sua pele. Mas ele estava
paralisado, incapaz de se mexer.
Ele tentou abrir os olhos novamente, e a luminosidade começou a
diminuir conforme suas pupilas gradualmente se contraíam. Ele estava
olhando para um teto baixo feito de simples tábuas de madeira. Um raio de
sol invadia através de uma rachadura na madeira, acertando diretamente seu
rosto.
Gemendo, ele conseguiu virar a cabeça para o lado para que a luz não
mais atingisse seus olhos. A mudança de ângulo também deu a ele uma
visão melhor do lugar onde estava: pequeno, simples e estranhamente
familiar. Antes que pudesse identificar o cenário com alguma de suas
memórias, uma figura apareceu e bloqueou sua vista.
Pelo fato de estar olhando diretamente um par de botas de couro, Bane
deduziu que estava deitado no chão. A figura parou diante dele por um
momento, depois se abaixou para olhar em seus olhos.
O rosto – dez anos mais velho, mas inconfundível – acordou a memória
do lorde sombrio. Ele já estivera deitado naquele mesmo chão havia mais
de uma década, à beira da morte, igual estava agora.
Caleb, ele tentou dizer, mas o único som que saiu foi um leve grunhido.
Assim como o resto de seu corpo, seus lábios, língua e mandíbula se
recusaram a se mexer. Bane tentou usar o poder do lado sombrio para
ganhar força, mas sua determinação estava tão fraca quanto o resto do
corpo.
– Ele está acordado – Caleb disse em voz alta, sem tirar os olhos de seu
paciente.
Bane ouviu o som de passos se aproximando. Ele tentou falar outra vez,
jogando toda a sua força em uma única palavra.
– Caleb.
Sua voz saiu como um leve sussurro, mas desta vez a palavra ficou clara.
O curandeiro não se deu ao trabalho de responder. Ele apenas se levantou,
deixando Bane de frente para suas botas mais uma vez. Bane ouviu o baque
surdo de passos correndo na areia mudar para o estalar de botas pisando no
chão de madeira da cabana.
– Deixe-me vê-lo!
Ele reconheceu a voz de sua aprendiz, e sua mente começou a juntar as
peças do que havia acontecido. Ele se lembrou da batalha contra os Jedi em
Tython; lembrou de quando disparou uma tempestade de raios sobre o
último de seus inimigos. Lembrou do maldito escudo que o mestre
Ithoriano lançou ao seu redor. Depois disso, suas memórias eram apenas de
uma dor insuportável.
De algum jeito, a barreira do Jedi havia prendido Bane dentro do centro
da tempestade de energia sombria. A eletricidade o envolvera, milhões de
volts atravessando seu corpo, cozinhando sua carne por dentro e jogando
seus músculos em uma interminável série de convulsões violentas que
ameaçavam destroçar seu corpo.
A energia também havia passado através dos orbalisks em sua pele. As
criaturas absorveram o poder, devorando famintas a energia até se tornarem
tão empanturradas que a macia carne da parte de baixo das conchas
começou a inchar. Cada vez mais apertados dentro da carapaça dura de suas
conchas exteriores, as criaturas começaram a se cravar cada vez mais fundo
na carne de Bane. Ele se lembrou de gritar quando milhares de pequenos
dentes começaram a cortar o tecido subcutâneo, mastigando através de
músculos, tendões e até os ossos.
Mas cavar mais fundo não impediu as criaturas de se alimentarem da
eletricidade que atravessava as entranhas cozidas de Bane. Elas
continuaram a se expandir até começarem a estourar, rompendo como se
fossem balões sobrecarregados e furados debaixo da carapaça.
Bane permanecera consciente durante a tortura de ser cozinhado vivo
pela eletricidade e a agonia dos dentes se cravando em sua carne. Mas a dor
indescritível das substâncias químicas liberadas pelos orbalisks
dissolvendo-se em seu corpo em escala celular finalmente o fez apagar… e
só agora acordar naquela cabana.
Um par de botas apareceu ao lado de Caleb: os pés menores de uma
mulher, provavelmente Zannah.
– Ele está tentando falar – Caleb disse, acima da linha de visão de Bane.
O lorde sombrio tentou erguer a cabeça novamente, desta vez
conseguindo olhar para as duas pessoas em pé diante dele. Zannah notou e
se abaixou para erguer sua cabeça e ombros. Ela improvisou um travesseiro
com seu manto dobrado e o deslizou embaixo do pescoço de Bane. Ele
sentiu seus longos dedos magros quando ela o tocou.
O contato trouxe uma percepção impactante para Bane – os orbalisks
haviam desaparecido! Foi por isso que sentiu o cobertor áspero contra seu
corpo. Foi por isso que sentiu os dedos de Zannah tocando sua pele.
– Orbalisks? – ele conseguiu sussurrar.
– Tivemos que removê-los – sua aprendiz o informou. – Eles estavam
matando você.
Bane sentiu o mundo escurecendo novamente, seu corpo exausto pelas
duas palavras que dissera. Ao deslizar para fora da consciência, ele sentiu
uma ponta de pesar por aquilo que havia perdido.

Para os olhos leigos de Zannah, seu mestre parecia muito mais forte
quando abriu os olhos outra vez dois dias depois. Desta vez, ele conseguiu
virar a cabeça levemente de um lado a outro, observando a cabana de Caleb
e a presença de sua aprendiz.
– O que aconteceu? – ele perguntou.
As palavras saíram fracas, sua voz ainda áspera e difícil.
– Caleb curou você – ela disse, ajustando o travesseiro que havia
apanhado na Loranda e posicionado embaixo de sua cabeça e ombros para
apoiá-lo. – Ele salvou a sua vida.
Quatro dias atrás, uma afirmação dessas seria difícil de acreditar. Caleb
observou Zannah programar o drone de mensagens e enviá-lo para os Jedi,
depois alertou a ela que havia uma grande chance de Bane não sobreviver
ao tratamento.
A princípio, ela pensou que fosse uma mentira, uma desculpa de Caleb
para encobrir suas ações se ele decidisse deixar seu mestre morrer… ou se
decidisse simplesmente matá-lo. Então ela acompanhou o curandeiro de
perto durante o tratamento de Bane. Apesar de saber que havia uma centena
de maneiras para acabar com a vida de Bane sem ela perceber, Zannah
esperava que sua presença dissuadisse Caleb de tentar algum engodo.
Agora ela entendia o quanto sua vigília fora inútil. Caleb era um homem
de palavra; ele se prendia a noções tolas como honra. Ele prometera ajudar
Bane, desde que ela alertasse os Jedi, e já que ela cumpriu sua parte, ele se
esforçou para fazer o mesmo.
Zannah originalmente sugerira levar Bane de volta para o compartimento
médico da Loranda, mas Caleb recusara. Ele alegou que as poderosas
energias que envolviam a terra ao redor de seu acampamento davam força a
suas práticas médicas. Darovit concordara, e Zannah, sentindo ela mesma o
poder do lugar, acabou cedendo.
O curandeiro começara forçando pela garganta de Bane um líquido
malcheiroso que ele havia cozinhado em sua panela para combater os
efeitos das toxinas dos orbalisks. Darovit alertara a Zannah que o veneno
estava matando seu mestre, dissolvendo seu corpo. Mas foi apenas quando
eles começaram a retirar os orbalisks, começando pelas carapaças
queimadas das criaturas já mortas, que Zannah entendeu a completa
extensão do quanto seu mestre havia sofrido.
O que havia embaixo já não podia ser chamado de pele; não poderia nem
mesmo ser chamado de carne. Era uma massa esverdeada e preta liberada
pelos organismos parasitas misturada com pus branco e tecido avermelhado
do próprio corpo de Bane. Olhando para o estrago, ficou óbvio, mesmo para
alguém sem treinamento médico como Zannah, que a única coisa mantendo
Bane vivo era sua afinidade com a Força. Seus ferimentos exalavam o odor
fétido de carne podre, e ela precisou de todas as forças para não vomitar.
O passo seguinte foi remover os orbalisks ainda vivos. A chave, como
Zannah suspeitava, era a eletricidade. Caleb cozinhou um gel pegajoso
altamente condutivo, depois o usou para cobrir o exterior de cada criatura.
Em seguida, ele usou uma longa agulha fina ligada a uma célula de energia
da Loranda e a inseriu em um pequeno furo na ponta do crânio blindado de
cada orbalisk. A agulha penetrava na carne macia abaixo, causando um
poderoso choque elétrico que paralisava a criatura.
Isso fazia os orbalisks liberarem uma pequena dose de substâncias
químicas que enfraqueciam o poderoso adesivo que eles usavam para se
fixar no hospedeiro. Com esse adesivo enfraquecido, a criatura podia ser
retirada manualmente. Os orbalisks ainda paralisados eram então jogados
em um grande tanque cheio de água ligado a uma das células de energia da
Loranda e eliminados com uma dose final de eletricidade. Foi necessário
repetir o processo cuidadosamente com cada indivíduo da colônia que havia
se espalhado sobre o corpo de Bane, e mesmo com Darovit e Caleb
trabalhando juntos, o processo levou várias horas.
A carne debaixo dos orbalisks vivos estava pálida e carcomida, com
profundos ferimentos onde fora constantemente mastigada pelos dentes dos
parasitas. Os ferimentos pareciam pequenos quando comparados com o
horror embaixo das carapaças mortas.
Assim que Bane foi limpo da infestação, Caleb esfregou um bálsamo
sobre seu corpo todo e o envolveu da cabeça aos pés com ataduras. Os
curativos foram trocados a cada quatro horas nos primeiros dois dias, com o
bálsamo sendo reaplicado a cada troca.
Zannah ficou impressionada com a capacidade de Caleb. Bane não
passava de uma massa de carne morta e infectada quando o curandeiro
começou, e quando os curativos foram retirados pela última vez, o corpo
devastado de Bane havia renascido. Sua pele agora exibia um forte tom
rosa, estava estranhamente flexível e extremamente sensível, porém o
curandeiro avisou que lentamente retornaria a uma cor e textura mais
normais.
– Caleb me salvou? – Bane murmurou. – Como você o convenceu?
Zannah hesitou, sem saber o que dizer. Darovit e Caleb estavam lá fora;
eles poderiam entrar a qualquer momento. Mas mesmo se flagrassem
Zannah contando a Bane sobre o drone de mensagens, por que se
importariam? O fato já estava consumado. Seu mestre ainda estava fraco
demais para se levantar e, a essa altura, os Jedi deveriam chegar a Ambria
em menos de um dia.
– Tivemos que contar aos Jedi que você estava aqui. Enviei uma
mensagem dizendo a eles que um lorde Sith havia matado cinco Jedi em
Tython. Eu disse a eles que você estava com Caleb em Ambria, ferido e
indefeso. Eles estão vindo para prendê-lo.
Uma raiva surgiu nos olhos de Bane e ele tentou se levantar, mas
conseguiu apenas erguer a cabeça alguns centímetros sobre o travesseiro
antes de cair de volta. Percebendo que estava mesmo indefeso, seu mestre a
encarou com olhos acusatórios.
– Você me expôs – ele disse. – Você me traiu.
– Eu precisava mantê-lo vivo – ela explicou, voltando ao argumento que
usara para tomar sua decisão final. – Você ainda tem muita coisa para me
ensinar.
– Como isso pode acontecer agora? – ele exigiu saber com irritação. – Os
Jedi nunca permitirão.
Zannah não possuía uma resposta para ele. Bane fechou os olhos, mas ela
não sabia dizer se foi um gesto de derrota ou um gesto pensativo. Ela
apenas ouvia as vozes indistintas de Darovit e Caleb lá fora, perto da
fogueira.
Os olhos de Bane se abriram alguns segundos mais tarde, queimando
com uma feroz intensidade.
– Darth Zannah, você é minha aprendiz. A herdeira do meu legado. Você
ainda pode reivindicar o destino que é seu de direito. Você ainda pode
alcançar o título de mestra Sith.
Ele estava falando mais alto agora, sua força lentamente retornando.
Zannah se perguntou se os dois lá fora podiam ouvi-lo.
– Tome o seu sabre de luz e me mate! Reivindique meu título para si.
Mate os outros e fuja deste lugar antes que os Jedi cheguem. Busque outro
aprendiz. Mantenha nossa Ordem viva.
Zannah sacudiu a cabeça negativamente. Caleb já havia considerado essa
possibilidade.
– Nossa nave está incapacitada, e os Jedi estarão aqui em questão de
horas. Mesmo se eu fugir para o deserto, eles me encontrarão antes que eu
possa escapar deste mundo.
– Nunca pensei que você fosse fracassar totalmente – Bane disse, virando
a cabeça para longe dela. – Nunca pensei que seria você quem destruiria os
Sith.
Ela não disse nada em sua defesa, e alguns segundos mais tarde Bane se
virou para encará-la mais uma vez, passando os olhos sobre o sabre de luz
em sua cintura.
– Não quero viver como um prisioneiro dos Jedi – ele disse com uma voz
baixa, como se agora soubesse que outros poderiam estar ouvindo. – Você
pode acabar com tudo antes que eles cheguem.
Zannah sacudiu a cabeça. Ela não teria se dado ao trabalho de salvar a
vida de seu mestre apenas para matá-lo agora.
– Enquanto você viver, ainda haverá esperança, Bane – ela disse quase
sussurrando, preocupada com o que Darovit ou Caleb pensariam se
ouvissem suas palavras. Mas ela precisava oferecer algum tipo de
tranquilidade a seu mestre. – Os Sith ainda podem se erguer.
Bane sacudiu a cabeça, apesar do esforço monumental que foi preciso.
– Os Jedi nunca permitirão que eu escape. Eles sentirão meu poder e me
manterão sob a constante guarda de uma dezena de Cavaleiros Jedi até o
Senado decidir me executar por meus crimes. Mate-me agora e negue a
justiça que eles buscam.
Zannah havia passado os últimos dois dias ao lado de Bane, esperando
que ele acordasse. Já estava claro que ele viveria, mas ela queria falar com
seu mestre para ter certeza que sua mente estava intacta. Ela queria prova
de que todas as suas faculdades – sua inteligência, sua astúcia – haviam
sobrevivido à provação. Agora ela possuía essa prova, ironicamente
expressa em seu desejo de morrer.
– Um Sith nunca se entrega, mestre – ela disse.
– E apenas um tolo enfrenta uma batalha que não pode vencer – ele
respondeu com firmeza. – Os Jedi logo estarão aqui. Aja agora. Mate-me!
Ela sacudiu a cabeça. Seu mestre tentou se erguer, sua fúria dando a força
para se apoiar nos cotovelos. Mas então ele desabou de novo sobre o
travesseiro, completamente exausto.
Quando seu mestre perdeu a consciência outra vez, Zannah percebeu que
ele estava certo. Os Jedi estavam chegando, e se ela não agisse agora, seria
tarde demais. Ela se levantou e sacou o sabre de luz, sabendo que o
zumbido da lâmina alertaria os dois homens lá fora. Ela não se importava.
Quando percebessem o que estava fazendo, já seria tarde demais.
Capítulo 24

A LUZ DA VERDADE, UM dos muitos cruzadores Jedi que foram


incorporados à frota da República após as Reformas de Ruusan, aterrissou
com um suave baque sobre a superfície desolada de Ambria.
– Estejam preparados para tudo – o mestre Tho’natu alertou sua equipe
enquanto se preparavam para desembarcar.
Antes de alcançar a classe de mestre, o Twi’lek servira como um
Cavaleiro Jedi no Exército da Luz em Ruusan. Ele fora destacado para a
nave de Farfalla, felizmente em tempo de evitar os efeitos da bomba de
pensamento, mas não antes de ter ampla oportunidade em Ruusan para
testemunhar em primeira mão o tipo de atrocidades que os Sith eram
capazes. Ele não iria se arriscar agora.
Eles foram enviados em resposta a uma mensagem que havia chegado a
Coruscant alguns dias antes. A mensagem anônima era curiosamente curta,
e um pouco perturbadora em sua falta de detalhes. Continha apenas um
conjunto de coordenadas e quatro linhas curtas de texto.
Um lorde Sith ainda vive. Ele matou cinco Jedi em Tython. Ele agora
está em Ambria, sob os cuidados de um curandeiro chamado Caleb. Ele
está muito ferido e indefeso.
Menos de duas semanas atrás, mestre Farfalla e quatro companheiros
haviam apressadamente deixado Coruscant, dizendo que estavam seguindo
para Tython atrás de um lorde sombrio dos Sith. Desde então, ninguém mais
soube deles. O drone de mensagens oferecia uma infeliz explicação, e
provocou uma resposta imediata do Conselho Jedi.
Eles rapidamente juntaram uma equipe de quatorze Jedi, seis mestres e
oito cavaleiros, e a enviou para Ambria sob o comando de Tho’natu para
apreender o homem responsável pelo massacre do mestre Farfalla e seus
companheiros. A jornada foi feita com toda a pressa possível, mas agora
que haviam chegado, eles pretendiam prosseguir com cautela, com receio
de estarem seguindo para uma armadilha.
As coordenadas de aterrissagem os colocaram a algumas centenas de
metros de uma pequena cabana de madeira e uma fogueira. Um cruzador
chamado Loranda estava aterrissado perto dali.
As portas de desembarque se abriram, e Tho’natu e os outros saltaram
para o chão, prontos para sacar os sabres de luz ao primeiro sinal de
problemas. O ar ao redor deles zumbia com uma estranha e pouco familiar
sensação de poder, embora debaixo dessa sensação houvesse a
inconfundível mancha do lado sombrio.
– Primeira e segunda unidades, sigam para checar aquela nave – ele
disse. – Terceira unidade, siga para explorar o acampamento comigo.
Nove Jedi correram na direção da Loranda, enquanto Tho’natu e os
outros seguiram para o acampamento. O que eles viram quando se
aproximaram os encheu de repulsa: alguém havia sido literalmente cortado
em pedaços.
Pedaços eviscerados de um humano estavam espalhados pelo chão ao
redor de uma fogueira. Braços foram arrancados dos ombros, depois
fatiados novamente na altura do cotovelo e do punho. O mesmo foi feito
com os membros inferiores, desmembrando pés, pernas e coxas. Mesmo o
torso fora cortado em pedaços. Os cortes limpos e cauterizados não
deixavam dúvida que a arma usada pelo carniceiro foi um sabre de luz.
Apenas a cabeça permanecia inteira, deixada como um troféu sobre uma
panela de ponta-cabeça no chão. Um homem com longos cabelos negros,
parecia ter quarenta ou cinquenta anos. Suas feições estavam desfiguradas
em uma expressão de dor e terror; Tho’natu se perguntou quantos
ferimentos foram feitos enquanto ele ainda estava vivo.
– Que tipo de loucura levaria alguém a fazer uma coisa dessas? – um dos
Jedi perguntou, mas o mestre Tho’natu não respondeu.
Com um gesto de seu comandante, os Jedi acionaram suas armas. Eles se
aproximaram lentamente da pequena cabana, seguindo seu comandante.
Como uma unidade, eles pararam quando ouviram um leve som vindo de
dentro: uma respiração pesada interrompida por soluços e gemidos de
medo.
Havia um cobertor puído pendurado na porta aberta, bloqueando a visão.
O Twi’lek usou a Força para tentar sentir quem estava se escondendo lá
dentro, mas algo – provavelmente o próprio estranho poder do lugar –
embaralhava sua percepção.
– Sou o mestre Tho’natu dos Jedi – ele chamou, extinguindo a lâmina do
sabre de luz. – Viemos aqui para ajudar.
Um grito de raiva incoerente emergiu da cabana. Um jovem rapaz saiu
correndo pela porta, brandindo um sabre de luz dourado sobre a cabeça
empunhado com sua mão esquerda. Sua mão direita não era nada além de
um toco vazio e havia uma loucura em seu olhar.
– Não! – ele gritou ao avançar sobre o grupo de Jedi, golpeando
cegamente com sua arma. – Vocês nunca vão me pegar! Não! Não! Não!
Mestre Tho’natu acionou sua lâmina quando o homem o atacou em sua
fúria enlouquecida, seus gritos se transformando em uivos bestiais. O resto
da equipe reagiu por instinto, saltando em defesa de seu comandante. A luta
durou menos de três segundos, o rapaz insano foi cortado por um enxame
de sabres de luz Jedi.
Quando acabou, os Jedi tomaram posições defensivas na direção da
cabana, com suas armas de prontidão ao se prepararem para outro potencial
ataque. Por vários segundos nada aconteceu, e nenhum outro som veio de
dentro. Gesticulando para os outros permanecerem na retaguarda, Tho’natu
avançou e empurrou o cobertor que cobria a porta.
A sala estava vazia, com exceção de cinco cabos de sabres de luz no
chão, ao lado da porta. O mestre Jedi entrou na cabana, sua mente perspicaz
rapidamente juntando as peças sobre o que deveria ter acontecido.
Ele se lembrou que Farfalla usava uma lâmina dourada, igual àquela que
o rapaz usou em seu ataque. Os sabres de luz ali eram troféus, tomados
daqueles que morreram em Tython. O rapaz lá fora era jovem, mas os Jedi
aprendiam que o lado sombrio levava a um poder rápido e fácil – poder
suficiente para matar Farfalla e os outros, principalmente se tivessem caído
em uma armadilha. O Sith havia matado os Jedi e tomado suas armas,
embora provavelmente tivesse sofrido graves ferimentos na luta, incluindo
a perda da mão.
Ele provavelmente tentara usar o poder do lado sombrio para curar a si
mesmo. Mas o mestre Jedi sabia que o lado sombrio não curava ninguém;
apenas destruía. Essa tentativa de cura foi o que possivelmente danificou a
mente do jovem rapaz. Ferido e louco, ele seguiu para Ambria em busca do
curandeiro. Quando chegou àquele lugar, ele já estaria perto da morte e
completamente indefeso.
Foi nesse momento que Caleb deve ter enviado o drone de mensagens
para alertar os Jedi.
Um lorde Sith ainda vive. Ele matou cinco Jedi em Tython. Ele agora
está em Ambria, sob os cuidados de um curandeiro chamado Caleb. Ele
está muito ferido e indefeso.
Ele deve ter sentido quem e o quê o jovem rapaz era enquanto curava
seus horríveis ferimentos. Mas Caleb subestimou o poder do lorde Sith – e
o estado degenerativo de sua loucura. Antes da chegada dos Jedi, o Sith
havia se recuperado o suficiente para torturar e matar Caleb quando
descobriu que fora exposto. A morte lenta e visceral do curandeiro deve ter
alimentado ainda mais a psicose do rapaz, transformando-o naquela criatura
raivosa que havia atacado os Jedi.
Todas as peças se encaixavam. Tudo fazia sentido.
– Mestre – um dos outros Jedi disse, olhando pela porta. – O resto do
acampamento está deserto.
– E quanto à nave? A Loranda?
– Não tem ninguém a bordo – ele respondeu. – Parece que foi sabotada
por alguém antes de chegarmos.
Provavelmente Caleb, Tho’natu pensou. Ele queria ter certeza de que o
Sith não escaparia. Se o rapaz descobriu, isso poderia explicar a brutalidade
da morte de Caleb.
– Levaria provavelmente apenas dois ou três dias para fazer os reparos –
o Jedi informou.
“Deixe a nave para os sucateiros” o Twi’lek disse, balançando
negativamente a cabeça. Havia apenas duas coisas que ele queria levar
daquele lugar amaldiçoado. “Junte os restos mortais do curandeiro. Vamos
dar a ele um enterro adequado em Coruscant.”
O homem assentiu e se retirou para repassar a ordem.
Mestre Tho’natu se abaixou e juntou os sabres de luz de seus
companheiros mortos em Tython, para que pudessem receber um lugar de
honra no Templo. A perda de Farfalla e seus companheiros era uma terrível
tragédia, assim como aquilo que acontecera ali. Mas ao menos ele poderia
voltar para o Conselho Jedi e dizer com absoluta certeza que o último dos
lordes Sith havia morrido em Ambria.
Ele saiu da pequena cabana e voltou para sua nave, sabendo que as
memórias do horrível massacre em Ambria o assombrariam para o resto da
vida. Ele não pensou em examinar a pequena esteira de dormir no canto.
Não notou o alçapão construído no chão da cabana. E não sentiu a aprendiz
e seu mestre inconsciente, mascarados pela feitiçaria Sith, escondidos em
silêncio no porão logo abaixo de seus pés.
EPÍLOGO

ZANNAH PRECISOU DE TRÊS DIAS para fazer os reparos na Loranda. Ela


alojou Bane dentro da nave e o conectou à bomba bacta para que pudesse
continuar sua recuperação enquanto ela trabalhava, sedando seu mestre para
acelerar o processo de cura. Agora que a nave estava pronta para deixar
Ambria, ela foi checar seu mestre uma última vez.
Ele ainda estava inconsciente, deitado de costas na maca do jeito que ela
havia deixado. Zannah se aproximou para checar os sinais vitais e os olhos
dele se abriram de repente, queimando de raiva. Ele agarrou o pulso dela,
apertando com a força de uma garra de aço.
– Onde estão os Jedi? – ele perguntou com um sussurro agressivo,
olhando para ela com uma expressão de puro ódio quando se apoiou na
maca sobre um cotovelo. Sua mão apertou ainda mais o pulso de Zannah,
fazendo-a estremecer.
– Eles foram embora – ela disse, tentando manter a calma. – Voltaram
para Coruscant.
Ela podia sentir o poder de Bane – já todo recuperado – atravessando
suas veias. Podia sentir o calor de sua raiva e sabia que uma palavra errada
e ele partiria seu pescoço usando a Força.
– Por quê? – ele grunhiu.
– Eles acham que mataram o lorde sombrio em Ambria – ela respondeu.
– Eles acham que os Sith estão extintos.
Bane inclinou a cabeça para o lado, curioso.
– Caleb?
– Eu o matei.
– Seu primo?
– Morto. Os Jedi o mataram.
Uma indesejada visão da criatura patética em que Darovit se
transformara passou pela mente de Zannah. Ela se lembrou de seu primo
encolhido no canto, tremendo de medo. Ele agarrou o cabo de um sabre de
luz contra o peito, sua única defesa contra os horrores e pesadelos que via
rastejando ao seu redor. Ela afastou a lembrança sacudindo rapidamente a
cabeça.
Bane soltou seu pulso e voltou a deitar na maca, sua raiva diminuindo.
– Você fez bem, Zannah – ele disse, sua mente astuta preenchendo as
lacunas até entender o que ela havia feito. Zannah sorriu diante do elogio. –
Eu subestimei você – ele continuou. – Se eu soubesse dos seus planos,
nunca teria pedido que me matasse.
– Você ainda tem muito para me ensinar – Zannah o lembrou. –
Continuarei a estudar aos seus pés, mestre. Aprenderei com sua sabedoria.
Descobrirei os seus segredos, destravando um por um até que o seu
conhecimento e todo o seu poder sejam meus. E quando você não tiver mais
utilidade para mim, eu irei destruí-lo.
Bane ergueu uma sobrancelha ao ouvir suas palavras, mas ela sabia que
ele aprovava. Sua ambição era boa; daria poder a ela. Seus talentos e
habilidades continuariam a crescer. Com o tempo, ela desafiaria seu mestre
pelo direito de governar, e apenas o mais forte sobreviveria. Era inevitável.
Era o caminho dos Sith.
– Um dia eu vou superá-lo – Zannah o alertou. – E nesse dia, eu vou
matá-lo, lorde Bane. Mas hoje não é esse dia.
AGRADECIMENTOS

ESTE LIVRO NASCEU NO ESPAÇO de apenas seis meses – um tempo


incrivelmente curto para transformar uma ideia em um trabalho finalizado
nas prateleiras. Eu gostaria de agradecer a todos da Lucas Licensing Ltd. e
da Del Rey Books que fizeram parte deste incrível feito, além de um
agradecimento especial para minha esposa, Jennifer. Sem sua ajuda e
compreensão não acho que ele seria possível com os prazos que eu tinha.
Mas, principalmente, eu gostaria de agradecer a todos os fãs que leram Star
Wars: Darth Bane: Caminho de Destruição. Sem o apoio de vocês, esta
sequência nunca teria acontecido. Vocês têm minha sincera e humilde
gratidão.
STAR WARS / DARTH BANE - REGRA DE DOIS
TÍTULO ORIGINAL: Star Wars / Darth Bane - Rule of Two
COPIDESQUE: Isabela Talarico
REVISÃO: Alexandre Barutti | Nestor Turano Jr.
DIAGRAMAÇÃO: Francine C. Silva
ARTE E ADAPTAÇÃO: Aline Maria | Valdinei Gomes
ILUSTRAÇÃO: Tradutores dos Whills
GERENTE EDITORIAL: Marcia Batista
DIREÇÃO EDITORIAL: Luis Matos
ASSISTENTES EDITORIAIS: Letícia Nakamura | Aline Graça

COPYRIGHT © & TM 2008 LUCASFILM LTD.


COPYRIGHT © EDITORA UNIVERSO DOS LIVROS, 2018
(EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA O BRASIL)
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
PROIBIDA A REPRODUÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, ATRAVÉS DE QUAISQUER MEIOS.

DARTH BANE - REGRA DE DOIS É UM LIVRO DE FICÇÃO. TODOS OS PERSONAGENS, LUGARES E ACONTECIMENTOS SÃO FICCIONAIS.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


Angélica Ilaqua CRB-8/7057

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DARTH BANE - RULE OF TWO [recurso eletrônico] / Drew Karpyshyn ; traduzido por Angélica Ilaqua. - São Paulo :
Universo dos Livros, 2018-0 (Trilogia Darth Bane ; 2)
304 p. : 2.0 MB.
Tradução de: Darth Bane - Rule of Two
ISBN: 978-85-503-0271-3 (Ebook)
1. Literatura norte-americana. 2. Ficção científica. I.Ilaqua, Angélica CF. II. Título.
2018.0046

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Literatura : Ficção Norte-Americana 813.0876
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No mundo do deserto de Jedha, na Cidade Santa, os amigos Baze e Chirrut


costumavam ser Guardiões das colinas, que cuidavam do Templo de Kyber
e dos devotos peregrinos que adoravam lá. Então o Império veio e assumiu
o planeta. O templo foi destruído e as pessoas espalhadas. Agora, Baze e
Chirrut fazem o que podem para resistir ao Império e proteger as pessoas de
Jedha, mas nunca parece ser suficiente. Então um homem chamado Saw
Gerrera chega, com uma milícia de seus próprios e grandes planos para
derrubar o Império. Parece ser a maneira perfeita para Baze e Chirrut fazer
uma diferença real e ajudar as pessoas de Jedha a viver melhores vidas. Mas
isso vai custar caro?

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Um Wookiee é o melhor amigo de uma menina! Quando Chewbacca
conhece a jovem Zarro na Orla Exterior, ele não tem escolha a não ser
deixar de lado sua própria missão para ajudá-la a resgatar seu pai de uma
mina perigosa. Essa incrível Aventura foi baseada na HQ do Chewbacca…
(FAIXA ETÁRIA: 6 a 8 anos)
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Star Wars Ahsoka
E.K. Johnston
371 páginas

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Esse é o Terceiro Ebook dos Tradutores dos Whills com uma aventura
emocionante sobre uma heroína corajosa das Séries de TV Clone Wars e
Rebels: Ahsoka Tano! Os fãs há muito tempo se perguntam o que aconteceu
com Ahsoka depois que ela deixou a Ordem Jedi perto do fim das Guerras
Clônicas, e antes dela reaparecer como a misteriosa operadora rebelde
Fulcro em Rebels. Finalmente, sua história começará a ser contada.
Seguindo suas experiências com os Jedi e a devastação da Ordem 66,
Ahsoka não tem certeza de que possa fazer parte de um todo maior de novo.
Mas seu desejo de combater os males do Império e proteger aqueles que
precisam disso e levará a Bail Organa e a Aliança Rebelde….
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Star Wars Kenobi Exílio
Tradutores dos Whills
79 páginas

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A República foi destruída, e agora a galáxia é governada pelos terríveis
Sith. Obi-Wan Kenobi, o grande cavaleiro Jedi, perdeu tudo… menos a
esperança. Após os terríveis acontecimentos que deram fim à República,
coube ao grande mestre Jedi Obi-Wan Kenobi manter a sanidade na missão
de proteger aquele que pode ser a última esperança da resistência ao
Império. Vivendo entre fazendeiros no remoto e desértico planeta Tatooine,
nos confins da galáxia, o que Obi-Wan mais deseja é manter-se no completo
anonimato e, para isso, evita o contato com os moradores locais. No
entanto, todos esses esforços podem ser em vão quando o “Velho Ben”,
como o cavaleiro passa a ser conhecido, se vê envolvido na luta pela
sobrevivência dos habitantes por uma Grande Seca e por causa de um chefe
do crime e do povo da areia. Se com o Novo Cânone pudéssemos encontrar
todos os materiais disponíveis aos anos de Exílio de Obi-Wan Kenobi em
um só Lugar? Após o Livro Kenobi se tornar Legend, os fãs ficaram sem
saber o que aconteceu com o Velho Ben nesse tempo de reclusão. Então os
Tradutores dos Whills também se fizeram essa pergunta e resolveram fazer
esse trabalho de compilação dos Contos, Ebooks, Séries Animadas e HQs,
em um só Ebook Especial e Canônico para todos os Fãs!!
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Star Wars -Dookan: O Jedi Perdido
Cavan Scott
469 páginas

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Esse é o Quarto Ebook dos Tradutores dos Whills com uma aventura
emocionante sobre um Vilão dos Filmes e da Série de TV Clone Wars:
Conde Dookan! Mergulhe na história do sinistro Conde Dookan no
roteiro original da emocionante produção de áudio de Star
Wars! Darth Tyranus. Conde de Serenno. Líder dos separatistas.
Um sabre vermelho, desembainhado no escuro. Mas quem era ele
antes de se tornar a mão direita dos Sith? Quando Dookan corteja
uma nova aprendiz, a verdade oculta do passado do Lorde Sith
começa a aparecer. A vida de Dookan começou como um
privilégio, nascido dentro das muralhas pedregosas da propriedade
de sua família. Mas logo, suas habilidades Jedi são reconhecidas, e
ele é levado de sua casa para ser treinado nos caminhos da Força
pelo lendário Mestre Yoda. Enquanto ele afia seu poder, Dookan
sobe na hierarquia, fazendo amizade com Jedi Sifo-Dyas e levando
um Padawan, o promissor Qui-Gon Jinn, e tenta esquecer a vida
que ele levou uma vez. Mas ele se vê atraído por um estranho
fascínio pela mestra Jedi Lene Kostana, e pela missão que ela
empreende para a Ordem: encontrar e estudar relíquias antigas dos
Sith, em preparação para o eventual retorno dos inimigos mais
mortais que os Jedi já enfrentaram. Preso entre o mundo dos Jedi,
as responsabilidades antigas de sua casa perdida e o poder sedutor
das relíquias, Dookan luta para permanecer na luz, mesmo
quando começa a cair na escuridão.
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Star Wars - Discípulo Sombrio
Christie Golden
400 páginas

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Baseado em episódios não produzidos de Star Wars: The Clone Wars, este
novo romance apresenta Asajj Ventress, ex-aprendiz de Sith que se tornou
um caçador de recompensas e um dos grandes anti-heróis da galáxia de
Star Wars .
A única maneira de derrubar o guerreiro Sith mais perigoso será unir forças
com o lado sombrio.
Na guerra pelo controle da galáxia entre os exércitos do lado negro e da
República, o ex-Mestre Jedi se tornou cruel. O Lorde Sith Conde Dookan se
tornou cada vez mais brutal em suas táticas. Apesar dos poderes dos Jedi e
das proezas militares de seu exército de clones, o grande número de mortes
está cobrando um preço terrível. E quando Dookan ordena o massacre de
uma flotilha de refugiados indefesos, o Conselho Jedi sente que não tem
escolha a não ser tomar medidas drásticas: atacar o homem responsável por
tantas atrocidades de guerra, o próprio Conde Dookan.
Mas o Dookan sempre evasivo é uma presa perigosa para o caçador mais
hábil. Portanto, o Conselho toma a decisão ousada de trazer tanto os lados
do poder da Força de suportar – juntar o ousado Cavaleiro Quinlan Vos com
a infame acólita Sith Asajj Ventress. Embora a desconfiança dos Jedi pela
astuta assassina que uma vez serviu ao lado de Dookan ainda seja profunda,
o ódio de Ventress por seu antigo mestre é mais profundo. Ela está mais do
que disposta a emprestar seus copiosos talentos como caçadora de
recompensas – e assassina – na busca de Vos.
Juntos, Ventress e Vos são as melhores esperanças para eliminar a Dookan –
desde que os sentimentos emergentes entre eles não comprometam a sua
missão. Mas Ventress está determinada a ter sua vingança e, finalmente,
deixar de lado seu passado sombrio de Sith. Equilibrando as emoções
complicadas que sente por Vos com a fúria de seu espírito guerreiro, ela
resolve reivindicar a vitória em todas as frentes – uma promessa que será
impiedosamente testada por seu inimigo mortal… e sua própria dúvida.
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Star Wars: Darth Bane: Dynasty of Evil is a work of fiction. Names,
places, and incidents either are products of the author’s imagination
or are used fictitiously.

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Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da
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Esse Ebook foi doado pelos Designios Nerds e reeditado por fãs de Star
Wars, dos Tradutores dos Whills e com o único propósito de compartilhá-
lo com outros que falam a língua portuguesa, em especial no Brasil. Star
Wars e todos os personagens, nomes e situações são marcas comerciais e/u
propriedade intelectual da Lucasfilm Limited e da Editora acima. Este
trabalho é fornecido gratuitamente para uso privado. Você pode
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mantenha intactas as informações aqui disponibilizadas, e o reconhecimento
às pessoas que trabalharam para este livro, como esta nota para que mais
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ou total deste material. Aconselhamos que se puder compre os materiais
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trabalho profissional da editora e a nossa Equipe não faz isso
profissionalmente, ou não fazemos isso como parte do nosso trabalho, nem
esperamos receber nenhuma compensação, exceto, talvez, alguns
agradecimentos se você acha que nós merecemos. Esperamos compartilhar
os livros e histórias para que a sua experiência de Star Wars seja a melhor
possível.
Índice
Capa
Página de Título
Direitos Autorais Página
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Epílogo
Agradecimento
Para minha esposa, Jennifer.
Neste começo de um novo capítulo de nossas vidas, não existe outra
pessoa com quem eu gostaria de estar.
PRÓLOGO

DARTH BANE, O ATUAL LORDE SOMBRIO dos Sith, chutou as cobertas de sua
cama e jogou os pés para fora, tocando o chão frio de mármore. Ele
inclinou a cabeça de lado a lado, alongando o pescoço e os ombros
musculosos.
Finalmente se levantou, soltando um grunhido audível. Respirando
fundo, Bane lentamente soltou o ar dos pulmões, erguendo os braços acima
da cabeça e se esticando ao máximo de seus dois metros de altura. Sentiu os
estalos de cada vértebra ao longo de sua coluna, até a ponta dos dedos
rasparem o teto do quarto.
Satisfeito, baixou os braços e apanhou seu sabre de luz sobre o elegante
criado-mudo ao lado da cama. O cabo curvado se encaixava perfeitamente
em sua mão. Era uma sensação familiar. Sólida. Mas segurar o sabre não
impediu que sua mão livre tremesse levemente. Fechando o rosto, ele
apertou a mão esquerda com força, os dedos cravando na pele – foi uma
maneira rude de controlar o tremor, mas eficaz.
Movendo-se silenciosamente, ele deixou o quarto e ganhou os corredores
da mansão que agora chamava de lar. Tapeçarias luminosas cobriam as
paredes e tapetes coloridos se estendiam pelo chão enquanto Bane passava
pelos quartos, cada um decorado com mobília feita sob medida, repletos de
raros objetos de arte e outros sinais inconfundíveis de riqueza. Precisou de
quase um minuto para atravessar toda a mansão e alcançar a porta dos
fundos que se abria para as planícies que cercavam sua propriedade.
Com os pés descalços e nu da cintura para cima, Bane estremeceu e
olhou para o pátio, onde o mosaico abstrato de pedras era iluminado pelas
luas gêmeas de Ciutric IV. Calafrios percorreram sua pele, mas ele ignorou
o frio da noite ao ativar o sabre de luz e começar seu treino das formas
agressivas do Djem So.
Seus músculos reclamaram, as juntas estalaram e rasparam umas nas
outras enquanto passava cuidadosamente pelas várias sequências de
movimentos. Golpear. Esquivar. Avançar. As solas dos pés pousavam
suavemente na superfície das pedras do pátio, em um ritmo esporádico que
marcava o progresso de cada avanço e o recuo de seu oponente imaginário.
Os últimos vestígios de sono e fadiga ainda se agarravam a seu corpo,
disparando a pequena voz interna que implorava que abandonasse o treino e
voltasse para o conforto da cama. Bane sufocou a voz recitando
silenciosamente a primeira linha do Código Sith: A paz é uma mentira;
existe apenas paixão.
Dez anos-padrão se passaram desde que perdera sua armadura orbalisk.
Dez anos desde que seu corpo fora queimado, tornando-se quase
irreconhecível, pelo poder devastador do relâmpago da Força descarregado
de sua própria mão. Dez anos desde que o curandeiro Caleb o trouxera de
volta da beira da morte, e dez anos desde que Zannah, sua aprendiz,
aniquilara Caleb e os Jedi que o procuravam.
Graças às manipulações de Zannah, os Jedi agora acreditavam que os
Sith estavam extintos. Bane e sua aprendiz passaram a década seguinte
àqueles eventos perpetuando o mito: vivendo nas sombras, juntando
recursos e aumentando suas forças para o dia em que contra-atacariam os
Jedi. Nesse glorioso dia, os Sith se revelariam e eliminariam seus inimigos
da existência.
Bane sabia que provavelmente não viveria para ver esse dia. Já tinha
mais de quarenta anos, e as primeiras cicatrizes do tempo e da idade já
apareciam para marcar seu corpo. Mesmo assim, ele se dedicara à ideia de
que um dia, mesmo se vários séculos se passassem, os Sith – os seus Sith –
dominariam a galáxia.
Ao continuar ignorando as dores que inevitavelmente acompanhavam a
primeira metade de sua atividade noturna, os movimentos de Bane
começaram a ganhar velocidade. O ar zumbia e estalava ao ser cortado de
novo e de novo pela lâmina vermelha que se tornara uma extensão de sua
vontade indomável.
Bane ainda era uma figura imponente. Os músculos poderosos cultivados
durante sua juventude trabalhando nas minas em Apatros se ondulavam
debaixo da pele, flexionando-se a cada golpe do sabre de luz. Mas uma
pequena porção da força bruta que possuíra já começava a desvanecer.
Ele pulou alto no ar e o sabre de luz formou um arco sobre sua cabeça
antes de descer num poderoso golpe capaz de cortar um inimigo em dois.
Seus pés atingiram a superfície rígida das pedras com uma súbita pancada.
Bane ainda se movia com uma graça feroz e uma intensidade aterrorizante.
Seu sabre de luz voava em velocidades incríveis enquanto treinava os
movimentos, porém agora havia uma fração de lentidão comparado ao que
era antes.
O envelhecimento era sutil, mas inescapável. Bane aceitava isso; aquilo
que perdia em força e velocidade ele poderia facilmente compensar com
sabedoria, conhecimento e experiência. Mas a idade não era a culpada pelos
tremores involuntários que às vezes atingiam sua mão esquerda.
Uma sombra passou sobre uma das luas gêmeas; uma nuvem sombria
carregada com a promessa de uma tempestade. Bane fez uma pausa,
brevemente considerando parar seu ritual para evitar o aguaceiro iminente.
Mas seus músculos estavam aquecidos e o sangue bombeava furiosamente
através das veias. As poucas dores já haviam desaparecido, banidas pela
adrenalina do intenso treino físico. Agora não era hora de parar.
Sentindo uma rajada de vento frio, ele se abaixou e se entregou à Força,
permitindo que fluísse através de seu ser. Expandindo a consciência para
que englobasse cada gota individual que caía do céu, Bane estava
determinado a não deixar que nenhum pingo tocasse sua pele exposta.
Podia sentir o poder do lado sombrio dentro dele. Começou, como
sempre, com uma leve centelha, um pequeno lampejo de luz e calor. Com
os músculos tensionados em expectativa, ele alimentou a centelha com sua
própria paixão, deixando a raiva e a fúria transformarem a chama em um
inferno querendo ser libertado.
Quando as primeiras gotas caíram nas pedras ao redor, Bane explodiu em
ação. Abandonando o estilo avassalador do Djem So, passou para as
sequências mais rápidas do Soresu, com o sabre de luz traçando círculos no
ar numa série de movimentos criados para interceptar disparos de blasters.
O vento se intensificou até se transformar num vendaval uivante, e as
gotas esparsas logo se tornaram uma pesada tempestade. Com mente e
corpo unidos, Bane canalizou o poder infinito da Força contra a chuva.
Pequenas nuvens de vapor se formavam enquanto sua lâmina interceptava
os pingos que caíam. Bane flexionava, girava e contorcia o corpo para
escapar das gotas que conseguiam passar por suas defesas.
Nos dez minutos seguintes ele lutou contra a tempestade que desabava,
desfrutando do poder do lado sombrio. Até que, tão de repente quanto havia
começado, a tempestade sumiu e as nuvens escuras se dissiparam na brisa.
Com a respiração acelerada, Bane desativou o sabre de luz. Estava coberto
de suor, mas nem uma gota de chuva havia tocado sua pele nua.
Tempestades repentinas eram quase um acontecimento diário em Ciutric,
em especial ali, na exuberante floresta nos arredores da capital de Daplona.
Mas esse pequeno inconveniente era facilmente tolerado, dadas as
vantagens que o planeta tinha a oferecer.
Localizado na Orla Exterior, longe tanto do centro do poder galáctico
como dos olhos bisbilhoteiros do Conselho Jedi, Ciutric tinha a sorte de
existir em uma junção de várias rotas de comércio do hiperespaço. Naves
frequentemente paravam naquele planeta, dando origem a uma sociedade
industrial altamente próspera que se concentrava no comércio e no
transporte de mercadorias.
Mais importante para Bane, o fluxo constante de visitantes de várias
regiões espalhadas pela galáxia garantia acesso fácil a contatos e
informação, permitindo que construísse uma rede de informantes e agentes
que ele podia supervisionar pessoalmente.
Isso seria impossível se seu corpo ainda estivesse coberto com os
orbalisks – um conjunto de parasitas quitinosos que se alimentavam de sua
carne em troca da força e proteção que produziam. Sua armadura viva o
deixava quase invencível no combate corpo a corpo, mas sua aparência
monstruosa o forçara a permanecer escondido dos olhos da galáxia.
Naquela época, seus planos para acumular riqueza, influência e poder
político foram sabotados por sua deformação física. Forçado a uma vida de
isolamento para que os Jedi não descobrissem sua existência, trabalhara
apenas por meio de emissários e intermediários. Dependera de Zannah para
ser seus olhos e ouvidos. Toda informação que recebia passava por ela; cada
objetivo, cada tarefa era realizada pelas mãos dela. Como resultado, Bane
fora forçado a agir de modo mais cauteloso, retardando seus esforços e
atrasando seus planos.
Mas agora as coisas eram diferentes. Ele ainda era uma figura
assustadora, mas não mais do que qualquer mercenário, caçador de
recompensas ou soldado aposentado. Vestido com as roupas típicas do
mundo que adotou como seu novo lar, destacava-se mais pela altura do que
por qualquer outra coisa – era notado, mas dificilmente era único. Era capaz
de se misturar nas multidões, interagir com aqueles que tinham informação
e forjar relações com valiosos aliados políticos.
Bane não precisava mais se esconder, pois agora podia ocultar sua
verdadeira identidade atrás de uma fachada. Para isso, comprou uma
pequena propriedade a poucos minutos de Daplona. Apresentando-se como
os irmãos Sepp e Allia Omek, ricos negociantes do ramo de exportação e
importação, ele e Zannah cultivaram cuidadosamente suas novas
identidades nos influentes círculos sociais, políticos e econômicos do
planeta.
A propriedade ficava perto o bastante da cidade para que tivessem fácil
acesso a tudo o que Ciutric podia oferecer, mas era isolada o suficiente para
permitir que Zannah continuasse seu aprendizado dos ensinamentos Sith.
Estagnação e complacência eram as sementes que levariam à destruição
final dos Jedi; como Lorde Sombrio, Bane precisava ser vigilante e garantir
que sua própria Ordem não caísse nas mesmas armadilhas. Era necessário
não apenas treinar um aprendiz, mas também continuar a aumentar suas
próprias habilidades e seu conhecimento.
Uma brisa gelada soprou no pátio, esfriando o corpo suado de Bane. Seu
treino físico havia acabado por hoje; agora era hora de começar o trabalho
mais importante.
Alguns poucos passos o levaram ao pequeno anexo nos fundos da
propriedade. A porta estava trancada, selada por um sistema de segurança
codificado. Digitando a senha, ele gentilmente empurrou a porta e entrou na
construção, que servia como sua biblioteca particular.
O interior consistia em uma única sala quadrada, cada lado com cinco
metros, iluminada por uma luz suave pendurada no teto. As paredes eram
cobertas por estantes transbordando com pergaminhos, tomos e manuscritos
que ele havia juntado com o passar dos anos: eram os ensinamentos dos
antigos Sith. No centro da sala havia um largo pódio e um pequeno
pedestal. Sobre o pedestal ficava o maior tesouro do Lorde Sombrio: seu
holocron.
Um cristal de quatro faces pequeno o bastante para caber na palma da
mão, o holocron continha a soma de todo o conhecimento e o entendimento
de Bane. Tudo o que aprendera sobre os caminhos do lado sombrio – todos
os ensinamentos, todas as filosofias – fora transferido para dentro do
holocron e gravado para toda a eternidade. Era seu legado, uma maneira de
compartilhar toda uma vida de sabedoria com aqueles que o seguiriam na
linhagem dos Mestres Sith.
O holocron seria passado a Zannah após sua morte, desde que ela
conseguisse algum dia provar que era forte o bastante para tirar o manto de
Lorde Sombrio de Bane. Ele já não tinha certeza se esse dia chegaria.
Os Sith existiram de uma forma ou de outra por milhares de anos. Por
toda a sua existência eles travaram uma guerra sem fim contra os Jedi… e
uns contra os outros. Por muitas e muitas vezes os seguidores do lado
sombrio foram sabotados por suas próprias rivalidades e disputas internas
pelo poder.
Um tema comum ressoava através da longa história da Ordem Sith.
Qualquer grande líder invariavelmente acabava destronado por uma aliança
de seus seguidores. Sem um líder forte, os Sith de menor escalão acabavam
se voltando uns contra os outros, enfraquecendo ainda mais a Ordem.
De todos os Mestres Sith, apenas Bane entendera a inescapável futilidade
desse ciclo. E apenas ele fora forte o bastante para quebrá-lo. Sob sua
liderança, os Sith renasceram. Agora, eram apenas dois – um Mestre e um
aprendiz; um para incorporar o poder do lado sombrio, o outro para cobiçá-
lo.
Portanto, a linhagem Sith fluiria apenas para o mais forte, o mais
merecedor. A Regra de Dois de Darth Bane assegurava que o poder tanto do
Mestre quanto do aprendiz cresceria apenas de geração a geração até que os
Sith finalmente fossem capazes de exterminar os Jedi, inaugurando uma
nova era galáctica.
Foi por isso que Bane escolhera Zannah como sua aprendiz: ela tinha o
potencial para um dia superá-lo mesmo em suas próprias habilidades. Nesse
dia, ela usurparia a condição de Lorde Sombrio dos Sith e escolheria um
aprendiz para si própria. Bane morreria, mas os Sith viveriam.
Ao menos era nisso que acreditara. Porém, agora havia dúvidas em sua
mente. Duas décadas se passaram desde que tirou aquela garota de dez anos
dos campos de batalha em Ruusan, mas Zannah ainda parecia satisfeita em
meramente servir. Ela havia abraçado seus ensinamentos e mostrado uma
incrível afinidade com a Força. Com o passar dos anos, Bane acompanhou
seu progresso cuidadosamente, mas agora já não podia mais dizer com
certeza quem entre eles sobreviveria a um confronto até a morte. A
relutância dela em desafiá-lo deixava seu Mestre se perguntando se Zannah
tinha mesmo a ambição feroz necessária para se tornar Lorde Sombria dos
Sith.
Entrando na biblioteca, ele esticou a mão esquerda para fechar a porta.
Ao fazer isso, notou aquele tremor familiar nos dedos. Bane puxou a mão
de volta involuntariamente, cerrando o punho outra vez enquanto fechava a
porta com um chute.
A idade estava começando a cobrar seu preço, mas isso não era nada
comparado ao preço já cobrado sobre seu corpo por décadas canalizando o
lado sombrio da Força. Bane não sorriu diante daquela ironia: por meio do
lado sombrio ele tinha acesso a poderes quase infinitos, mas era um poder
que vinha a um custo terrível. Carne e osso não tinham a força para
aguentar a inimaginável energia represada pela Força. O fogo inextinguível
do lado sombrio o consumia, devorando-o pouco a pouco. Após décadas
concentrando e canalizando o poder, seu corpo estava começando a se
desfazer.
Sua condição era exacerbada pelos efeitos duradouros da armadura
orbalisk, que, embora tivesse lhe dado força e velocidade incríveis, matava-
o lentamente enquanto a usava.
Os parasitas haviam levado seu corpo para além dos limites naturais,
envelhecendo Bane prematuramente e intensificando a degeneração causada
pelo poder do lado sombrio. Agora já não havia mais orbalisks, mas o dano
causado não podia ser reparado.
As primeiras manifestações de sua saúde decadente foram sutis: seus
olhos pareciam fundos e cansados; a pele, um pouco mais pálida e marcada
do que o normal para sua idade. Entretanto, no último ano percebera uma
deterioração mais acentuada, culminando com o tremor involuntário que
cada vez mais afligia sua mão esquerda.
E não havia nada que ele pudesse fazer. Os Jedi podiam usar a Força para
curar doenças e ferimentos. Mas o lado sombrio era uma arma; os doentes e
os frágeis não mereciam ser curados. Apenas os mais fortes eram dignos da
sobrevivência.
Bane tentara esconder os tremores de sua aprendiz, mas Zannah era
esperta demais para não perceber uma marca de fraqueza tão óbvia em seu
Mestre.
Ele achou que o tremor seria o catalizador de que Zannah precisava para
desafiá-lo. Mas mesmo agora, com seu corpo mostrando evidências de sua
crescente vulnerabilidade, ela parecia satisfeita em manter o status quo. Se
estava agindo por medo, indecisão ou talvez até compaixão por seu Mestre,
Bane não sabia – mas nenhum desses traços era aceitável para o escolhido a
carregar seu legado.
Havia mais uma potencial explicação – porém era a mais perturbadora.
Era possível que Zannah tivesse notado suas habilidades físicas deterioradas
e simplesmente decidira esperar. Em cinco anos seu corpo se transformaria
numa casca arruinada, e ela poderia derrotá-lo quase sem risco algum.
Na maioria das circunstâncias, Bane teria admirado essa estratégia, mas
neste caso ela ia de encontro ao princípio mais fundamental da Regra de
Dois. Um aprendiz precisava merecer o título de Lorde Sombrio,
arrancando-o de seu Mestre em um confronto que enviava os dois ao limite
de suas habilidades. Se Zannah pretendia desafiá-lo apenas quando ele
estivesse incapacitado pela doença e enfermidade, então não era digna de
ser sua herdeira. Mas Bane não queria ele próprio iniciar o confronto. Se
fosse derrotado, os Sith seriam governados por um Mestre que não aceitava
ou entendia o princípio-chave sobre o qual a Nova Ordem fora fundada. Se
fosse vitorioso, acabaria sem um aprendiz, e seu corpo deteriorado chegaria
ao fim muito antes de poder encontrar e treinar outro.
Havia apenas uma solução: Bane precisava encontrar um jeito de
estender sua vida. Precisava encontrar uma maneira de restaurar e
rejuvenescer o corpo… ou substituí-lo. Um ano atrás teria pensado que isso
era impossível. Mas agora pensava diferente.
De uma das prateleiras, apanhou um grosso tomo cuja capa de couro era
cheia de marcas; as páginas, amareladas pelo tempo. Movendo-se
cuidadosamente, colocou o tomo sobre o pódio, abrindo-o na página que
havia marcado na noite anterior.
Assim como a maioria dos volumes em sua biblioteca, aquele fora
comprado de um colecionador privado. A galáxia podia acreditar que os
Sith estavam extintos, mas o lado sombrio ainda exercia uma atração
inexorável na mente de homens e mulheres de todas as espécies, e um
mercado paralelo de parafernálias ilegais dos Sith florescia entre aqueles
com riqueza e poder.
As tentativas dos Jedi de localizar e confiscar qualquer coisa que pudesse
ser ligada aos Sith apenas conseguiram aumentar os preços e forçar os
colecionadores a agirem por meio de intermediários para preservar o
anonimato.
Isso servia perfeitamente a Bane. Ele conseguiu montar e expandir sua
biblioteca sem medo de chamar atenção para si: era apenas outra pessoa
interessada nos Sith, outro colecionador anônimo obcecado pelo lado
sombrio, disposto a gastar uma fortuna para possuir manuscritos e artefatos
banidos.
A maior parte daquilo que adquiria era de pouco uso: amuletos ou
quinquilharias de poder insignificante; cópias de segunda mão de histórias
que já memorizara havia muito tempo, durante seus estudos em Korriban;
trabalhos incompletos escritos em línguas indecifráveis e mortas havia
muitas gerações. Mas ocasionalmente tinha sorte o bastante para se deparar
com um tesouro de valor real.
O livro gasto e esfarrapado diante dele era um desses tesouros. Um de
seus agentes o comprara fazia vários meses – um evento fortuito demais
para ser atribuído a mera sorte. A Força trabalhava de formas misteriosas, e
Bane acreditava que o livro estava destinado a cair em suas mãos, pois era a
resposta para seu problema.
Assim como a maior parte de sua coleção, o livro era um relato histórico
de um dos antigos Sith. A maioria das páginas continha nomes, datas e
outras informações que não tinham uso prático para Bane. Entretanto, havia
uma pequena seção que fazia uma breve referência a um homem chamado
Darth Andeddu. Andeddu, dizia o relato, vivera por muitos séculos, usando
o lado sombrio da Força para estender sua vida e conservar seu corpo muito
além do natural.
De um jeito típico dos Sith antes das reformas de Bane, o reinado de
Andeddu chegou a um violento fim quando ele foi traído e deposto por seus
próprios seguidores. Mas seu holocron, o repositório de todos os seus
maiores segredos – incluindo o segredo da quase vida eterna –, nunca foi
encontrado.
Isso era tudo: menos de duas páginas no total. Na breve passagem havia
menção de onde e quando Andeddu vivera. Nada sobre o que acontecera
com seus seguidores após ser destituído. Mas a própria falta de informação
era o que tornava aquela passagem tão interessante.
Por que havia tão poucos detalhes? Por que nunca encontrara referências
a Darth Andeddu em todos os seus anos de estudo?
Havia apenas uma explicação que fazia sentido: os Jedi conseguiram
apagá-lo dos registros galácticos. Com o passar dos séculos, eles coletaram
cada datapad, holodisco e registro escrito que mencionava Darth Andeddu,
guardando-os nos Arquivos Jedi, enterrando-os para sempre numa tentativa
de manter seus segredos escondidos.
Mas, apesar de seus esforços, aquela breve menção num antigo
manuscrito esquecido e insignificante sobrevivera até chegar às mãos de
Bane. Nos últimos dois meses, desde que o tomo chegara à sua posse, o
Lorde Sombrio terminara seu treinamento marcial com uma visita à
biblioteca para ponderar o mistério do holocron perdido de Andeddu.
Cruzando as referências do manuscrito com a vasta quantidade de
conhecimento espalhado nos milhares de outros volumes em sua coleção,
ele se esforçara para juntar as peças do quebra-cabeça, mas falhara a cada
tentativa.
Porém, Bane se recusava a desistir de sua busca. Tudo o que construíra,
tudo aquilo que trabalhara para conquistar, dependia disso. Ele descobriria
a localização do holocron de Andeddu. Ele desbloquearia o segredo da vida
eterna e ganharia tempo para encontrar e treinar um novo aprendiz.
Sem isso, Bane envelheceria e morreria. Zannah tomaria o título de
Lorde Sombrio por ausência, zombando da Regra de Dois e deixando o
destino da Ordem nas mãos de um Mestre indigno.
Se falhasse em encontrar o holocron de Andeddu, os Sith estariam
condenados.
Capítulo 1

– … ADERINDO ÀS REGRAS ESTABELECIDAS nos procedimentos mencionados


no artigo anterior e todos os outros subsequentes. Nossa sexta demanda
estipula que um grupo de…
Medd Tandar esfregou a mão de longos dedos sobre o sulco frontal de
seu alongado crânio cônico, tentando afastar a dor de cabeça que ameaçava
estourar nos últimos vinte minutos.
Gelba, o ser com o qual ele viera se encontrar no planeta Doan para
negociar, parou de ler a petição e perguntou:
– Algo errado, Mestre Jedi?
– Não sou um Mestre – o Cereano lembrou à autoproclamada líder dos
rebeldes. – Sou apenas um Cavaleiro Jedi. – Baixou a mão com um audível
suspiro. Após uma pausa momentânea, forçou-se a acrescentar: – Estou
bem. Por favor, continue.
Com um rápido aceno de cabeça, Gelba continuou com sua interminável
lista de ultimatos.
– Nossa sexta demanda estipula que o grupo de representantes eleitos da
casta de mineiros receba absoluta jurisdição sobre os seguintes assuntos:
um, a determinação dos salários de acordo com os padrões galácticos. Dois,
o estabelecimento de um padrão semanal de horas que poderá ser exigido
dos funcionários. Três, uma lista de aparatos de segurança que serão
fornecidos por…
A humana pequena e musculosa continuou, sua voz ecoando
estranhamente pelas paredes irregulares da caverna subterrânea. Os outros
mineiros presentes – três homens e duas mulheres perto de Gelba –
pareciam transfixados por suas palavras. Medd não conseguiu deixar de
pensar que, se algum dia suas ferramentas falhassem, os mineiros poderiam
simplesmente usar a voz de sua líder para cortar pedra.
Oficialmente, Medd estava ali para tentar acabar com a violência entre os
rebeldes e a família real. Assim como todos os Cereanos, ele possuía uma
estrutura cerebral binária, permitindo que processasse simultaneamente os
dois lados de um conflito. Na teoria, isso o tornava um candidato ideal para
mediar e resolver situações políticas complexas como aquela que havia se
desenvolvido no pequeno planeta minerador. Entretanto, na prática ele
estava descobrindo que bancar o diplomata era bem mais difícil do que
havia imaginado.
Localizado na Orla Exterior, Doan era uma pequena bola marrom feita de
rocha. Mais de oitenta por cento da massa planetária fora convertida em
enormes operações de mineração. Mesmo olhando do espaço, a
desfiguração do planeta ficava imediatamente visível. Sulcos de cinco
quilômetros de largura e centenas de comprimento cruzavam a paisagem
arrasada como cicatrizes indeléveis. Grandes pedreiras escavadas na rocha
desciam por centenas de metros no subterrâneo, como irreparáveis marcas
na face do planeta.
Sob a atmosfera enevoada, via-se a atividade incessante de máquinas
gigantescas. Equipamentos de escavação se arrastavam de um lado a outro
como enormes insetos cavando e remexendo a terra. Grandes perfuratrizes
se erguiam sobre pernas mecânicas, cavando túneis até profundezas ainda
não exploradas. Gigantes cargueiros flutuantes lançavam sombras que
cobriam o sol pálido enquanto esperavam pacientemente que seus
compartimentos fossem preenchidos com terra, poeira e pedra pulverizada.
Espalhadas pela superfície do planeta havia um punhado de colunas
irregulares de cinco quilômetros de altura, formadas por pedra marrom,
com vários metros de diâmetro. Elas se erguiam da paisagem arrasada como
dedos procurando o céu. As planícies sobre essas colunas naturais eram
cobertas por mansões, castelos e palácios que pairavam sobre a devastação
ambiental abaixo.
Os depósitos de metal raro e a mineração desenfreada em Doan haviam
transformado o pequeno planeta em um mundo muito rico. No entanto, a
riqueza se concentrava quase exclusivamente nas mãos da nobreza, que
vivia nas propriedades exclusivas que se erguiam sobre o resto do planeta.
A maior parte da população era formada pelas castas mais baixas da
sociedade de Doan; seres condenados a passar a vida engajados em
constante trabalho físico ou empregados em posições serviçais com
nenhuma chance de progredir.
Esses eram os seres que Gelba representava. Diferente da elite, eles
faziam suas moradas na superfície do planeta, em diminutas cabanas
cercadas pelos abismos e sulcos, ou em pequenas cavernas escavadas no
chão rochoso. Medd teve um vislumbre de como era a vida deles no
instante em que pisou para fora de sua nave climatizada. Uma parede de
calor opressivo lançada do chão árido e queimado pelo sol o envolveu por
completo. Ele rapidamente enrolou um pano ao redor da cabeça, cobrindo
nariz e boca para se proteger dos redemoinhos de poeira que ameaçavam
arrancar o ar de seus pulmões.
O homem que Gelba havia enviado para recebê-lo também tinha o rosto
coberto, tornando a comunicação ainda mais difícil no meio do barulho das
máquinas de mineração. Felizmente, não havia necessidade de falar
enquanto seu guia o conduzia pelas instalações: o Jedi simplesmente
observou com espanto o tamanho do dano ambiental.
Eles continuaram em silêncio até alcançarem um pequeno túnel rústico.
Medd precisou se curvar para não raspar a cabeça no teto irregular. O túnel
continuou por centenas de metros, descendo gentilmente até emergir em
uma grande câmara natural iluminada por lamparinas.
Havia marcas de ferramentas cobrindo as paredes e o chão. Todo o
minério valioso da caverna já fora retirado havia muito tempo; tudo o que
restava eram dezenas de formações rochosas irregulares que se erguiam do
chão, algumas com menos de um metro de altura, outras chegando até o
teto, a mais de dez metros. Seriam até bonitas, se não tivessem o exato
mesmo tom de marrom que dominava a superfície de Doan.
O quartel-general improvisado dos rebeldes não tinha mobília, mas o teto
alto permitiu que o Cereano finalmente endireitasse a postura. Mais
importante, a câmara subterrânea oferecia um refúgio do calor, da poeira e
do barulho da superfície, permitindo que todos removessem os panos que
lhes cobriam o rosto. Considerando a voz irritante de Gelba, Medd agora se
perguntava se tinha valido mesmo a pena a visita.
– Nossa próxima demanda é a imediata abolição da família real e a
entrega de todas as suas propriedades para os representantes eleitos
especificados no item três da seção cinco, subseção C. Além disso, multas e
penalidades devem ser aplicadas contra…
– Por favor, pare – Medd disse, erguendo a mão. Felizmente, Gelba
atendeu ao pedido. – Como já expliquei antes, o Conselho Jedi não pode
fazer nada para atender suas exigências. Não estou aqui para eliminar a
família real. Estou aqui apenas para oferecer meus serviços como mediador
nas negociações entre o seu grupo e a nobreza de Doan.
– Eles se recusam a negociar conosco! – um dos mineiros gritou.
– E você pode culpá-los? – Medd argumentou. – Vocês mataram o
príncipe herdeiro!
– Aquilo foi um acidente – Gelba disse. – Não tínhamos a intenção de
destruir seu airspeeder. Queríamos apenas forçar uma aterrissagem de
emergência. Estávamos tentando capturá-lo vivo.
– Suas intenções são irrelevantes agora – Medd respondeu, mantendo a
voz calma e inalterada. – Ao matar o herdeiro do trono, vocês ganharam a
fúria da família real.
– Você está defendendo as ações deles? – Gelba exigiu saber. – Eles
caçam meu povo como animais! Eles nos prendem sem julgamento! Eles
nos torturam atrás de informações e nos executam se recusarmos responder!
Então agora até os Jedi fecham os olhos para nosso sofrimento? Vocês não
são melhores do que o Senado Galáctico!
Medd entendia a frustração dos mineiros. Doan se tornara membro da
República havia séculos, mas nunca houve algum esforço sério do Senado
ou qualquer outro órgão governamental que combatesse as injustiças de sua
estrutura social. Formada por milhões de mundos membros, cada qual com
suas próprias tradições únicas e sistemas de governo, a República adotara
uma política de não interferência, fazendo exceção apenas a casos
extremos.
Oficialmente, idealistas condenavam a falta de governo democrático em
Doan. Mas, historicamente, a população sempre tivera acesso às
necessidades básicas da vida: comida, abrigo, inexistência da escravidão e
até mesmo recursos legais em casos nos quais um nobre abusava dos
privilégios de sua posição. Embora não houvesse dúvidas de que os ricos
exploravam os pobres em Doan, havia muitos outros mundos onde a
situação era muito, muito pior.
Entretanto, a relutância do Senado em se envolver não havia impedido os
esforços daqueles que buscavam mudar o status quo. No decorrer da última
década, um movimento que exigia igualdade política e social havia
emergido entre as castas mais baixas. Naturalmente, havia a resistência da
nobreza, e recentemente a tensão havia escalado até a violência,
culminando no assassinato do príncipe herdeiro de Doan quase três meses
atrás.
Em resposta, o rei declarara estado de lei marcial. Desde então, surgiu
uma série de relatos preocupantes apoiando as acusações de Gelba. Porém,
a simpatia galáctica pelos rebeldes demorou a engatar. Muitos no Senado os
viam como terroristas, e por mais que Medd entendesse sua luta, não podia
agir sem a autoridade do Senado.
Os Jedi eram legalmente obrigados a permanecer neutros em todas as
guerras civis e lutas internas de poder, a menos que a violência ameaçasse
se espalhar para outros mundos da República. Todos os especialistas
concordavam que havia pouca chance de isso acontecer.
– O que está sendo feito ao seu povo é errado – Medd concordou,
escolhendo as palavras cuidadosamente. – Farei o possível para convencer o
rei a parar de persegui-los. Mas não posso prometer nada.
– Então por que está aqui? – Gelba exigiu saber.
Medd hesitou. No final, decidiu que a verdade direta era a única opção.
– Algumas semanas atrás, uma de suas equipes desenterrou uma pequena
tumba.
– Doan está coberta de velhas tumbas – Gelba respondeu. – Séculos atrás
nós costumávamos enterrar nossos mortos… antes de a nobreza decidir que
escavaria o planeta inteiro.
– Havia alguns artefatos dentro da tumba – Medd continuou. – Um
amuleto. Um anel. Alguns velhos pergaminhos.
– Tudo o que desenterramos pertence a nós! – um dos mineiros gritou
com irritação.
– É uma de nossas leis mais antigas – Gelba confirmou. – Até mesmo a
família real sabe que não pode violar essa regra.
– Meu Mestre acredita que esses artefatos podem ter sido tocados pelo
lado sombrio – Medd disse. – Preciso levá-los de volta para nosso Templo
em Coruscant para que sejam guardados com segurança.
Gelba o encarou, estreitando os olhos, mas não disse nada.
– Nós pagaremos a vocês, é claro – Medd acrescentou.
– Vocês, os Jedi, gostam de se declarar guardiões – Gelba disse. –
Defensores dos fracos e oprimidos. Mas se importam mais com um
punhado de bugigangas douradas do que com a vida de homens e mulheres
que estão sofrendo.
– Vou tentar ajudá-los – Medd prometeu. – Vou conversar com o rei em
seu nome. Mas primeiro preciso encontrar…
Ele parou abruptamente, o eco de suas palavras ainda pairando na
caverna. Algo está errado. Havia um súbito frio em seu estômago, uma
sensação de perigo iminente.
– O quê? – Gelba perguntou. – O que foi?
Uma perturbação na Força, Medd pensou, a mão descendo até o sabre
de luz em sua cintura.
– Alguém se aproxima.
– Impossível. As sentinelas no túnel lá fora teriam… Ungh!
As palavras de Gelba foram interrompidas pelo inconfundível som de um
tiro de blaster. Ela cambaleou para trás e caiu no chão, com um buraco
fumegante no peito. Com gritos alarmados, os outros mineiros correram,
procurando abrigo atrás das formações rochosas que preenchiam a caverna.
Dois deles não conseguiram, atingidos nas costas por tiros fatalmente
precisos.
Medd permaneceu no lugar, acionando seu sabre de luz e observando as
sombras que cobriam as paredes da caverna. Incapaz de penetrar a
escuridão com os olhos, ele se abriu para a Força – e cambaleou para trás
como se tivesse levado um soco no estômago.
Normalmente, a Força o banhava como uma onda quente de luz branca,
dando-lhe força e equilíbrio. Mas, dessa vez, a Força o atingiu como um
punho congelado na barriga.
Outro tiro de blaster zuniu junto a seu ouvido. Caindo de joelhos, Medd
se arrastou em busca de abrigo, atrás da rocha mais perto, confuso e
alarmado. Como um Jedi, ele treinara a vida inteira para transformar a si
mesmo em um servo da Força. Aprendera a deixar o lado da luz fluir
através de si, empoderando, aumentando seus sentidos físicos, guiando seus
pensamentos e ações. Agora, a própria fonte de seu poder parecia traí-lo.
Ouviu tiros de blaster ricocheteando através da câmara quando os
mineiros retribuíram fogo contra o oponente oculto, mas Medd se fechou
para os sons da batalha. Não entendia o que havia acontecido com ele –
sabia apenas que precisava encontrar um jeito de lutar contra aquilo.
Ofegando, o Jedi silenciosamente recitou as primeiras linhas do Código
Jedi, lutando para se recompor. Não há emoção; há paz. O mantra de sua
Ordem permitiu que controlasse a respiração. Alguns segundos mais tarde,
ele se sentiu calmo o bastante para tentar mais uma vez tocar a Força.
Em vez de paz e serenidade, Medd sentiu apenas raiva e ódio.
Instintivamente, sua mente recuou, e então entendeu o que havia
acontecido. Por algum motivo, o poder do qual ele bebia agora havia sido
infectado pelo lado sombrio, corrompido e envenenado.
Ainda não conseguia explicar, mas agora ao menos sabia como tentar
resistir a seus efeitos. Bloqueando seu medo, o Jedi permitiu que a Força
fluísse através de si mais uma vez, mas apenas como a menor das gotas.
Lentamente, sentiu o poder do lado da luz banhando seu ser… embora
muito menos do que estava acostumado.
Saindo de trás das rochas, ele chamou em voz alta:
– Mostre-se!
Um tiro de blaster foi disparado da escuridão em sua direção. No último
segundo, ele se defendeu com o sabre de luz, desviando o tiro para o lado –
uma técnica que havia dominado havia muitos anos, quando ainda era um
Padawan.
Perto demais, pensou. Você está lento, hesitante. Confie na Força.
O poder da Força o envolveu, mas algo ainda parecia errado. O poder
tremia e se distorcia, como uma transmissão cheia de estática. Algo – ou
alguém – estava obstruindo sua capacidade de concentração. Uma névoa
sombria havia tomado sua consciência, interferindo em sua capacidade de
usar a Força. Para um Jedi, não havia nada mais aterrorizante, mas Medd
não tinha intenção alguma de recuar.
– Deixe os mineiros em paz – ele disse, sem deixar transparecer a
incerteza que sentia. – Mostre-se e me enfrente!
Do outro lado da câmara, uma jovem mulher Iktotchi deu um passo
adiante, empunhando um sabre de luz em cada mão. Estava vestida com
uma simples túnica negra, mas havia jogado o capuz para trás para revelar
os chifres que se curvavam para baixo, saindo dos lados de sua cabeça e
terminando em pontas afiadas pouco acima dos ombros. Sua pele
avermelhada era acentuada pelas tatuagens negras de seu queixo – quatro
linhas esguias que se estendiam como presas de seu lábio inferior.
– Os mineiros estão mortos – ela disse. Havia um toque de crueldade em
sua voz, como se o estivesse provocando com aquela informação.
Cautelosamente usando a Força para estender sua consciência, Medd
percebeu que aquilo era verdade. Como se espiasse através de um nevoeiro,
conseguiu enxergar os corpos dos mineiros espalhados pela câmara, cada
um marcado por um tiro letal na cabeça ou no peito. Nos poucos segundos
de que ele precisou para se recompor, ela havia aniquilado a todos.
– Você é uma assassina – ele supôs. – Enviada pela família real para
matar os líderes rebeldes.
Ela confirmou, assentindo com a cabeça, e abriu a boca como se fosse
dizer algo. Mas então, sem alerta, disparou outra rajada de tiros contra ele.
A farsa quase deu certo. Com a Força fluindo através dele, Medd deveria
ter sentido a manobra muito antes de ela agir, mas aquele poder que
obscurecia sua capacidade de tocar o lado da luz o deixara vulnerável.
Em vez de tentar desviar os tiros mais uma vez, Medd se lançou para o
lado, caindo com força no chão.
Você está tão desajeitado quanto um jovem aprendiz, repreendeu a si
mesmo enquanto rapidamente se levantava.
Tentando não se expor a mais uma saraivada de tiros, lançou a mão livre
para a frente, a palma aberta na direção de sua oponente. Usando a Força,
ele arrancou as armas das mãos de sua inimiga. O esforço enviou um
lampejo de dor por toda a extensão de sua cabeça, fazendo com que
estremecesse e desse um passo para trás. Mas os tiros voaram pelo ar e
atingiram o chão inofensivamente.
Para sua surpresa, a assassina não parecia preocupada. Será que podia
sentir seu medo e sua hesitação? Os Iktotchis eram conhecidos por terem
uma limitada capacidade precognitiva – dizia-se que podiam usar a Força
para vislumbrar o futuro. Alguns até afirmavam ser telepatas. Seria possível
que ela pudesse usar suas habilidades para perturbar a conexão de Medd
com a Força?
– Se você se entregar, prometo um julgamento justo – Medd disse a ela,
tentando projetar uma imagem de absoluta confiança e tranquilidade.
Ela sorriu para ele, revelando dentes pontiagudos e afiados.
– Não haverá julgamento.
A Iktotchi se lançou para trás em uma pirueta, sua túnica esvoaçando
quando desapareceu atrás de uma grossa formação rochosa. No mesmo
instante, um dos blasters junto aos pés de Medd emitiu um bipe alto.
O Jedi pensara que havia desarmado sua oponente, mas em vez disso
havia caído em uma armadilha bem preparada. Teve apenas tempo
suficiente para perceber que a célula de energia fora programada para
superaquecer antes de a arma detonar. Com seu último pensamento, ele
tentou usar a Força para se proteger da explosão, mas não conseguiu
penetrar a névoa debilitante que afligia sua mente. Sentiu apenas medo,
raiva e ódio.
Enquanto a explosão acabava com sua vida, Medd finalmente entendeu o
verdadeiro horror do lado sombrio.
Capítulo 2

O PESADELO ERA FAMILIAR, porém continuava aterrorizante.


Ela tem oito anos novamente, uma jovem garota se encolhendo no canto
da pequena cabana que divide com o pai. Lá fora, além da cortina
esfarrapada que serve de porta, seu pai senta-se diante da fogueira,
calmamente mexendo uma panela fumegante.
Ele ordenou que ela ficasse lá dentro, fora de vista até que o visitante
fosse embora. Ela pode vê-lo através dos pequenos buracos na cortina,
diante da cabana. Ele é grande. Mais alto e forte que seu pai. A cabeça é
raspada – suas roupas e armadura são negras. Ela sabe que ele é um Sith.
Ela pode ver que ele está morrendo.
É por isso que ele está aqui. Caleb é um grande curandeiro. Seu pai
poderia salvar aquele homem… mas ele não quer fazer isso.
O homem não diz nada. Ele não consegue. O veneno inchou sua língua.
Mas aquilo de que precisa está muito claro.
– Sei o que você é – seu pai diz para o homem. – Não vou ajudá-lo.
A mão do homem grande desce até o cabo de seu sabre de luz e ele dá
meio passo para a frente.
– Não tenho medo de morrer – Caleb diz a ele. – Você pode me torturar
se quiser.
Sem alerta, seu pai joga a própria mão dentro da panela fervente. Sem
expressão, ele deixa a carne queimar e cozinhar antes de retirá-la.
– A dor não significa nada para mim.
Ela vê que o Sith fica confuso. Ele é um bruto, um homem que usa
violência e intimidação para conseguir o que quer. Essas coisas não
funcionarão com seu pai.
A cabeça do homem grande se volta lentamente para ela. Aterrorizada,
ela pode sentir o próprio coração martelando. Fecha os olhos com força,
tentando não respirar.
Seus olhos se abrem de repente, enquanto é erguida do chão por um
terrível poder invisível. Esse poder a carrega pelo ar para fora da cabana.
De cabeça para baixo, ela é suspensa por uma mão invisível acima da
panela fervente. Indefesa, tremendo, ela sente o vapor tocando seu rosto.
– Papai – ela geme. – Ajude-me.
A expressão nos olhos de Caleb é algo que ela nunca vira em seu pai:
medo.
– Certo – ele murmura, derrotado. – Você venceu. Terá a sua cura.
Serra acordou de repente, limpando as lágrimas que corriam por seu
rosto. Mesmo agora, vinte anos depois, o sonho ainda a deixava repleta de
terror. Mas suas lágrimas não eram de medo.
Os primeiros raios do sol da manhã já entravam pela janela do palácio.
Sabendo que não conseguiria voltar a dormir, Serra chutou o lençol de
sedabrilho para o lado e se levantou.
A memória do confronto sempre a enchia de vergonha e humilhação. Seu
pai fora um homem forte – um homem de vontade e coragem indomáveis.
A fraca era ela. Não fosse por ela, ele poderia ter resistido ao homem
sombrio que os procurou.
Fosse ela mais forte, ele não teria de ter enviado sua filha para longe.
– O homem sombrio voltará algum dia – seu pai a alertara em seu
décimo sexto aniversário. – Ele não pode encontrá-la. Você precisa ir.
Deixe este lugar. Mude seu nome. Mude sua identidade. Nunca mais pense
em mim.
Isso era impossível, é claro. Caleb era seu mundo. Tudo o que sabia sobre
as artes da cura – e sobre enfermidades, doenças e venenos – ela aprendera
com ele.
Atravessando o quarto até seu guarda-roupa, Serra começou a vasculhar
sua vasta coleção de roupas, tentando decidir o que vestir. Toda a sua
infância fora passada usando roupas simples e funcionais – descartando
peças apenas quando se tornavam gastas demais para serem costuradas.
Agora ela conseguia passar um mês inteiro sem vestir a mesma peça duas
vezes.
Ela não sonhava com o homem sombrio todas as noites. Por um tempo,
no primeiro ano de seu casamento, mal sonhara com ele. Mas, nos últimos
meses, o sonho viera com mais frequência… e, com ele, o desejo sempre
crescente de descobrir o destino de seu pai.
Caleb havia enviado sua filha para longe por amor. Serra entendia isso.
Sabia que seu pai queria apenas o melhor para ela – foi por isso que honrou
seu pedido e nunca voltou para vê-lo. Mas ela sentia sua falta. Sentia falta
de suas mãos fortes e cheias de calos acariciando seus cabelos. Sentia falta
do som de sua voz discreta, mas firme, recitando as lições de sua profissão;
o doce aroma de ervas medicinais que sempre emanava de sua camisa
quando a abraçava.
Acima de tudo, sentia falta da sensação de segurança que tinha sempre
que ele estava por perto. Agora, mais do que nunca, precisava ouvi-lo dizer
que tudo ia ficar bem. Mas isso era impossível. Podia apenas se amparar na
memória das últimas palavras que ele lhe dissera.
– É uma coisa terrível quando um pai não pode estar junto de sua filha.
Por isso, eu sinto muito. Mas não há alternativa. Por favor, saiba que eu
sempre a amarei e, não importa o que aconteça, você sempre será minha
filha.
Sou a filha de Caleb, pensou, ainda procurando calmamente entre os
cabides de seu guarda-roupa. Sou forte, assim como meu pai.
Finalmente escolheu um par de calças pretas e uma blusa azul, adornada
com a insígnia da família real de Doan… Um presente de seu marido. Ela
também sentia falta dele, embora de um jeito diferente. Caleb havia enviado
Serra para longe, mas Gerran fora arrancado dela pelos rebeldes.
Enquanto se vestia, Serra tentou não pensar em seu príncipe herdeiro. A
dor era muito forte; seu assassinato, muito recente. Os mineiros
responsáveis pelo ataque ainda estavam livres… mas não por muito tempo,
ela esperava.
Uma leve batida na porta interrompeu seus pensamentos.
– Entre – ela disse, sabendo que apenas uma pessoa poderia estar diante
da porta de seus aposentos tão cedo.
Sua guarda-costas particular, Lucia, entrou no quarto. À primeira vista,
não havia nada digno de nota naquela soldada: uma mulher com seus
quarenta anos, em boa forma, de pele escura e cabelo preto, curto e
encaracolado. Mas sob o tecido do uniforme da Guarda Real era possível ter
um vislumbre de músculos bem definidos, e havia uma intensidade em seus
olhos que alertava para o fato de que ela não era alguém com quem brincar.
Serra sabia que Lucia havia lutado durante as Novas Guerras Sith vinte
anos atrás. Uma atiradora de elite na famosa unidade Andarilhos das
Trevas, ela havia servido no lado da Irmandade da Escuridão, o exército que
lutou contra a República. Mas, como Caleb havia explicado para sua filha
em muitas ocasiões, os soldados que serviram no conflito eram muito
diferentes de seus Mestres Sith.
Os Sith e os Jedi lutavam uma guerra eterna por causa de ideais
filosóficos, uma guerra da qual seu pai quisera ficar longe. Porém, para os
soldados comuns, que formavam a maior parte dos exércitos, o motivo da
guerra era outro. Aqueles que apoiavam a causa Sith – homens e mulheres
como Lucia – faziam isso porque acreditavam que a República lhes dera as
costas. Decepcionados com o Senado Galáctico, lutaram uma guerra para
libertar a si mesmos daquilo que enxergavam como o domínio tirânico da
República.
Eram pessoas comuns que se tornaram vítimas de forças fora de seu
controle – peões descartáveis para serem aniquilados em batalhas travadas
por aqueles que se acreditavam grandiosos e poderosos.
– Dormiu bem? – Lucia perguntou, entrando no quarto e fechando a porta
para garantir privacidade.
– Não muito – Serra admitiu.
Não havia razão para mentir para a mulher que fora uma companhia
quase constante nos últimos sete anos. Lucia enxergaria a verdade.
– Os pesadelos de novo?
A princesa assentiu, mas não acrescentou nada. Ela nunca revelara o
conteúdo de seus pesadelos – ou sua verdadeira identidade – para Lucia, e a
mulher mais velha a respeitava o bastante para não perguntar. Ambas
passaram por tempos sombrios em seus passados que preferiam não
comentar – uma das coisas que as aproximavam.
– O rei deseja conversar com você – Lucia informou.
Para o rei chamá-la tão cedo, só poderia ser informação importante.
– O que ele quer?
– Acho que tem a ver com os terroristas que mataram seu marido – a
guarda-costas respondeu, apanhando um delicado véu preto no canto do
quarto.
O coração de Serra acelerou e seus dedos se atrapalharam nos últimos
botões do casaco. Então retomou o controle de suas emoções e permaneceu
perfeitamente parada enquanto a outra mulher punha o véu sobre sua
cabeça. De acordo com os costumes de Doan, Serra precisava usar o véu de
luto por um ano inteiro após a morte de seu marido… ou até que seu amado
fosse vingado.
Lucia se movia com precisão, rapidamente amarrando os longos cabelos
negros de Serra e prendendo-os sob o véu. A soldada não era muito alta –
um pouco mais baixa do que sua senhora –, então Serra se abaixou um
pouco.
– Você é uma princesa – Lucia a repreendeu. – Endireite-se.
Serra não conseguiu conter um sorriso. Nos últimos sete anos, Lucia se
tornara algo como a mãe que ela nunca teve – se sua mãe tivesse servido
como atiradora de elite com os famosos Andarilhos das Trevas durante as
Guerras Sith.
Lucia terminou ajustando o véu e recuou alguns passos para uma última
inspeção.
– Deslumbrante, como sempre – ela disse.
Acompanhada por sua guarda-costas, Serra atravessou o palácio até a
sala do trono, onde o rei esperava por elas.

Enquanto marchavam pelos corredores do castelo, Lucia tomou sua


posição costumeira, um passo atrás e à esquerda da princesa. Considerando
que a maioria das pessoas era destra, ficar do lado esquerdo de Serra
proporcionava a melhor chance de lançar o próprio corpo entre a lâmina ou
o tiro de algum assassino que atacasse de frente. Não que houvesse muita
chance de alguém tentar qualquer coisa dentro dos muros da Mansão Real,
mas Lucia estava sempre pronta e disposta a dar a vida para o bem de sua
senhora.
Com o colapso da Irmandade da Escuridão duas décadas atrás, Lucia –
assim como muitos de seus companheiros que serviram nos exércitos Sith –
havia se tornado uma prisioneira de guerra. Por seis meses ela permaneceu
encarcerada em um planeta de trabalhos forçados, soldando e reparando
naves, até que o Senado concedeu um perdão universal para todos aqueles
que serviram nos exércitos da Irmandade.
Nos treze anos seguintes, trabalhara como guarda-costas, como
mercenária autônoma e como caçadora de recompensas. Foi assim que
encontrou Serra pela primeira vez… e ganhou sua longa e feia cicatriz que
subia do umbigo até as costelas.
Ela vinha perseguindo Salto Zendar, um dos quatro irmãos Meerian que
tiveram a brilhante ideia de sequestrar um alto oficial Muun do Clã
Bancário InterGaláctico e pedir seu resgate. A empreitada desastrosa
resultara em dois dos irmãos sendo mortos pelas forças de segurança
quando tentaram invadir os escritórios do CBI em Muunilinst. Um terceiro
foi capturado vivo, enquanto o quarto – Salto – conseguiu escapar, apesar
de ter sido seriamente ferido pelas forças de segurança.
A recompensa prometida pelo CBI por sua captura era grande o bastante
para atrair caçadores de recompensas até da Orla Média, e Lucia não fora
exceção. Usando contatos de seus dias de Andarilhos das Trevas, ela
rastreou Salto até um hospital no mundo de Bandomeer, onde seus
ferimentos eram tratados.
Entretanto, quando Lucia tentou levá-lo em custódia, uma jovem que
trabalhava no hospital como curandeira se interpôs entre ela e seu alvo.
Apesar do arsenal de armas nas costas de Lucia, a mulher alta e de cabelos
pretos se recusara a ceder, alegando que não permitiria que o paciente fosse
removido enquanto ainda estivesse em estado crítico.
A curandeira não mostrara medo algum, mesmo quando Lucia sacou seu
blaster e ordenou que saísse da frente. Ela simplesmente sacudira a cabeça
sem sair do lugar.
Poderia ter acabado ali mesmo – Lucia não estava disposta a atirar em
uma mulher inocente apenas para coletar aquela recompensa. Infelizmente,
não era a única caçadora de recompensas no hospital naquele dia: Salto era
tão ruim em cobrir seus rastros quanto em sequestrar oficiais.
Enquanto ela e Serra estavam presas em seu confronto, um Twi’lek
invadira o quarto, com um blaster em punho. Lucia virou-se a tempo de
levar um tiro à queima-roupa, no estômago, sua arma caindo da mão
enquanto ela desabava no chão.
Quando Serra tentou impedir que o Twi’lek levasse Salto, ele atingiu a
lateral de seu crânio com a coronha do blaster, jogando-a de lado, depois
tirando Salto da cama e carregando-o, gemendo, para fora.
Ignorando o buraco em sua barriga, Lucia se arrastou atrás deles. Viu o
Twi’lek cruzar metade do corredor antes de ser atingido nas costas por outro
caçador de recompensas. Então ela desmaiou.
Relatos oficiais diziam que o número de caçadores de recompensas no
hospital naquele dia ficou entre seis e dez. Diferente de Lucia, a maioria
não tinha problema algum em matar civis inocentes – ou uns aos outros –
para reivindicar o prêmio. Quando o banho de sangue terminou, Salto
estava morto, junto com dois outros pacientes, uma enfermeira do hospital,
três seguranças e quatro caçadores de recompensas.
Serra foi a única razão de o nome de Lucia não estar na lista de
fatalidades. A curandeira a arrastara de volta para o quarto e realizara uma
cirurgia de emergência enquanto o tiroteio continuava lá fora. Ela conseguiu
salvar a vida de Lucia, apesar de ter acabado de levar uma pancada… e de
Lucia ter apontado uma arma para seu rosto apenas alguns minutos antes.
Lucia devia sua vida à jovem curandeira, e daquele dia em diante jurou
manter Serra segura, não importando aonde ela fosse ou o que fizesse. Não
foi fácil. Antes de se casar com Gerran, Serra se mudou muitas vezes.
Nunca contente em ficar no mesmo lugar, parecia que viajava para um
mundo diferente a cada mês. Era como se estivesse procurando por algo que
nunca poderia encontrar, ou fugindo de algo de que nunca poderia escapar.
A princípio, a curandeira relutou em ter alguém protegendo-a
constantemente, mas não podia impedir Lucia de segui-la enquanto se
mudava de planeta para planeta. Eventualmente passou a valorizar ter uma
guarda-costas treinada sempre à mão. Serra estava disposta a ir a qualquer
lugar para tentar ajudar qualquer pessoa, e a Orla Exterior podia ser um
lugar violento e perigoso.
Entretanto, com o passar dos anos, Lucia se tornara mais do que a
protetora da princesa: era sua confidente e amiga. E, quando Gerran a pediu
em casamento, Serra aceitou a oferta apenas com a condição de que Lucia
pudesse servir ao seu lado.
O rei não gostara disso, mas no fim cedeu e nomeou Lucia membro
oficial da Guarda Real de Doan. Mas, embora tivesse jurado proteger e
servir ao rei e sua família, sua verdadeira lealdade sempre seria de Serra.
Era por isso que estava tão nervosa enquanto se aproximavam da sala do
trono. Embora não tivesse admitido nada para a princesa, tinha uma boa
ideia de por que o rei queria vê-las.
Quando alcançaram a entrada, Lucia precisou entregar seu blaster – o
costume dizia que apenas a guarda pessoal do rei podia carregar armas em
sua presença. Embora aceitasse sem reclamar, ela sempre se sentia
desconfortável quando não tinha fácil acesso a alguma arma.
Já havia acompanhado a princesa em audiências suficientes com o rei
para se acostumar com a magnífica decoração azul e dourada da sala do
trono. Mas parecia diferente naquela manhã: maior e mais imponente. Não
havia a típica multidão de servos, dignitários, seguidores e convidados de
honra. Com exceção do sogro de Serra e quatro de seus guardas pessoais, a
sala estava vazia – o que seria dito naquele encontro não deveria ser ouvido
fora daquelas paredes.
Se o grande vazio da sala do trono perturbava Serra, ela não demonstrou
ao se aproximar da parte elevada, onde o rei estava sentado em seu trono.
Lucia seguiu a respeitosos três passos de distância.
Fisicamente, o rei parecia uma versão mais velha de seu filho falecido –
alto e de ombros largos, com feições marcadas, longos cabelos dourados e
uma barba bem aparada um pouco mais escura. Mas, embora Lucia tivesse
conhecido a fundo Gerran durante o casamento, ela sabia muito pouco da
personalidade de seu pai. Via-o apenas a distância em funções oficiais, e
nessas ocasiões ele sempre fora formal e reservado.
Aos pés da escadaria coberta de tecido azul, Serra parou e se ajoelhou,
baixando a cabeça. Lucia permaneceu de pé em postura de atenção atrás
dela.
– Vossa Majestade mandou me chamar?
– Os terroristas que orquestraram o ataque contra o airspeeder de meu
filho foram mortos na noite de ontem.
– Tem certeza? – ela perguntou, erguendo os olhos para o rei sentado no
trono.
– Uma patrulha de segurança respondendo a uma denúncia anônima
encontrou seus corpos esta manhã, em uma velha caverna que eles usavam
como quartel-general.
– É uma notícia gloriosa – Serra exclamou, seu rosto se acendendo
quando se levantou.
Ela deu meio passo em direção ao trono, talvez para abraçar o rei. Mas
seu sogro permaneceu sentado, imóvel. Confusa, Serra recuou quando os
guardas olharam para ela com suspeita.
Ao ver a reação do rei com a princesa, Lucia sentiu um nó no estômago.
Torceu para que ninguém percebesse sua ansiedade.
– Existe algo que não está me dizendo? – a princesa perguntou. – Há algo
errado? Eles têm certeza de que foi Gelba?
– Identificaram o corpo positivamente. Dois de seus guarda-costas e três
de seus tenentes também foram mortos… junto com um Cereano chamado
Medd Tandar.
– Um Cereano?
– Ele era um Jedi.
Serra sacudiu a cabeça, incapaz de digerir a informação.
– O que um Jedi fazia em Doan?
– Um membro do Conselho me contatou e pediu permissão para que um
de seus associados fizesse contato com os rebeldes. Eu concordei com o
pedido.
A princesa piscou os olhos, surpresa. Ainda rigidamente em postura de
atenção, Lucia não deixou vislumbrar nenhuma reação, embora estivesse
tão surpresa quanto sua senhora.
– Sempre tentamos manter os Jedi e o Senado longe de nossos negócios
em Doan – Serra protestou.
– A política em nosso mundo está sob ataque – o rei explicou. – O apoio
aos rebeldes está crescendo dentro da comunidade galáctica. Precisamos de
aliados se quisermos preservar o modo de vida de Doan. Trabalhar junto
com os Jedi e o Senado os deixarão menos propensos a agir contra nós.
– O que ele veio fazer aqui? – Serra perguntou com uma voz fria.
O rei fechou o rosto – Lucia percebeu que ele não gostava de ser
interrogado em sua própria sala do trono. Mas, possivelmente por respeito a
seu filho falecido, não repreendeu a princesa.
– Os Jedi receberam notícia de que os rebeldes podem ter desenterrado
um conjunto de talismãs antigos, objetos imbuídos com o poder do lado
sombrio. O Cereano foi enviado para investigar essas alegações e, se
verdadeiras, levar os talismãs de volta para o Templo Jedi em Coruscant,
onde poderiam ser guardados com segurança.
Lucia entendia a lógica por trás da decisão do rei de permitir que um Jedi
agisse em Doan. A última coisa que a nobreza queria era que seus inimigos
ganhassem posse de armas potencialmente devastadoras. Se os relatos
fossem verdadeiros, a melhor maneira de anular a ameaça seria ter os Jedi
lidando com ela. Infelizmente, a morte do Cereano não fazia parte do plano.
– Vossa Majestade acha que os Jedi vão culpá-lo pela morte de Medd – a
princesa comentou, sua mente esperta rapidamente juntando as peças. –
Sabia que ele estava fazendo contato com os rebeldes. Vai parecer que
contratou o assassino para segui-lo até o esconderijo.
O rei assentiu solenemente.
– A morte de Gelba foi um duro golpe para nosso inimigo, mas outros
certamente surgirão para tomar seu lugar. Terroristas se multiplicam como
insetos, e nossa guerra com eles está longe de acabar. Até agora, o Senado
não interferiu em nossos esforços de limpar o mundo desses criminosos.
Mas, se eles acreditarem que usei os Jedi para aplacar minha sede pessoal
de vingança, não ficarão de braços cruzados.
O rei se levantou do trono, ficando de pé com toda a sua imponência. Ele
se aproximou de onde Serra estava, nos degraus abaixo.
– Mas esse assassino não estava agindo sob minhas ordens! – ele
pronunciou com uma voz que ecoou nas paredes da sala do trono. – Isso foi
feito sem meu conhecimento ou consentimento… Uma clara violação das
leis de Doan que pode nos custar muito caro!
– Foi por isso que Vossa Majestade me chamou aqui? – Serra rebateu,
recusando-se a se acovardar pela raiva dele. – Para me acusar de traição?
Houve um longo silêncio enquanto os dois se encaravam antes de o rei
falar novamente.
– Quando meu filho declarou pela primeira vez a intenção de se casar
com você, eu me opus à união – ele respondeu. Agora ele falava
casualmente, quase como se estivessem conversando em um jantar. Mas
Lucia podia ver que seus olhos estavam fixos sobre a princesa, estudando-a
atentamente.
– Sim – Serra respondeu, sem deixar transparecer nenhuma emoção. –
Ele me contou.
– Você tem segredos – o rei continuou. – Todos os meus esforços para
descobrir quem eram seus pais ou sua família fracassaram. O seu passado
foi muito bem escondido.
– Meu passado não importa. Seu filho aceitou isso.
– Observei você nesses últimos três anos – o rei admitiu. – Vi que amava
meu filho. Vi que ficou devastada com sua morte.
Serra não disse nada, mas Lucia percebeu lágrimas começando a se
formar em seus olhos quando pensou no marido.
– Com o passar dos anos, comecei a apreciar as qualidades que meu filho
enxergava em você. A sua força. Sua inteligência. Sua lealdade com nossa
Casa. Mas agora meu filho está morto, e não posso deixar de imaginar onde
está sua verdadeira lealdade.
– Jurei servir a Coroa quando me casei com Gerran – Serra disse, com
voz firme, apesar das lágrimas nos olhos. – Apesar de ele não estar mais
aqui, eu não desonraria sua memória abandonando meus deveres.
– Acredito em você – o rei disse após alguns segundos, sua voz
subitamente cansada. – Embora isso não ajude a descobrir quem está por
trás do ataque.
Silenciosamente, Lucia soltou o ar que estava prendendo sem perceber.
O rei voltou a sentar no trono, sua expressão marcada por dúvidas e
tristeza pelo filho. Serra se aproximou e se ajoelhou diante do sogro, perto o
bastante para pousar uma mão reconfortante em seu braço, ignorando os
guardas quando deram um passo ameaçador à frente.
– Seu filho era amado por todos os nobres de Doan – ela disse. – E os
rebeldes são universalmente desprezados. Qualquer um pode ter contratado
o assassino, sem conhecimento de que um Jedi estaria lá. A morte do
Cereano foi um infeliz acidente, não uma trama sinistra.
– Temo que os Jedi não se convençam tão facilmente.
– Então deixe-me conversar com eles – Serra ofereceu. – Mande-me para
Coruscant. Farei com que entendam que você não teve participação nisso.
– Vi você pelos corredores nesses últimos meses. Sei a dor que ainda
carrega pela perda de meu filho. Não posso pedir que faça isso enquanto
ainda está de luto por sua morte.
– É por isso que sou a pessoa que precisa ir – Serra argumentou. – Os
Jedi ficarão mais dispostos a mostrar compaixão para uma viúva de luto.
Deixe-me fazer isso por Vossa Majestade. É o que Gerran gostaria.
O rei considerou brevemente sua oferta antes de assentir.
Serra se levantou e se retirou com uma reverência. Lucia a seguiu quando
a princesa deixou a sala do trono, parando na porta apenas o suficiente para
apanhar suas armas.
Só ousaram falar quando voltaram para a privacidade dos aposentos da
princesa, com a porta fechada cuidadosamente atrás delas.
– Leve isso para algum lugar e queime – Serra disse quando arrancou o
véu negro de sua cabeça e o jogou no chão. – Nunca mais quero ver isso.
– Tenho algo a confessar – Lucia disse enquanto apanhava o véu no chão.
Serra se virou para olhar para sua guarda-costas, mas Lucia não
conseguiu decifrar sua expressão.
– Fui eu quem contratou a assassina que matou Gelba – disse, falando
rapidamente para se livrar logo das palavras.
Queria dizer muito mais. Queria explicar que não sabia nada sobre a
presença do Jedi em Doan. Precisava que Serra entendesse que havia feito
aquilo apenas para o bem dela.
Lucia sempre sentiu uma escuridão na curandeira, uma sombra em seu
espírito. Com a morte de Gerran, aquela sombra havia crescido. Ela
testemunhara sua amiga cair em um desespero angustiante enquanto as
semanas se transformavam em meses, vagando pelos corredores do castelo,
vestindo suas roupas negras de luto como um fantasma atormentado.
Tudo o que queria era tentar aliviar o sofrimento da princesa. Pensou que,
se aqueles responsáveis pela morte de Gerran pagassem pelo que fizeram,
talvez Serra pudesse deixar tudo para trás e sair das sombras que haviam
caído sobre ela.
Lucia queria dizer tudo isso, mas não conseguia. Ela era apenas uma
soldada – não era boa com palavras.
Serra se aproximou e a envolveu em um abraço longo e gentil.
– Quando o rei falou sobre alguém contratando um assassino para vingar
a morte de Gerran, pensei que poderia ser você – ela sussurrou. – Obrigada.
E então Lucia soube que não precisava dizer para a princesa tudo aquilo
que queria dizer. Sua amiga já sabia.
– Acho que você precisa contar ao rei – Lucia disse quando a princesa
finalmente desfez o abraço.
– Ele mandaria você para a prisão – Serra respondeu, negando
firmemente com a cabeça. – Ou, no mínimo, a dispensaria de seu posto.
Não posso aceitar isso. Preciso de você ao meu lado quando viajar para
Coruscant.
– Você ainda planeja conversar com os Jedi? – ela perguntou, um pouco
surpresa. – O que vai dizer a eles?
– Que a morte de Medd foi um acidente. O rei não estava envolvido. Isso
é tudo que precisam saber.
Lucia tinha suas dúvidas, mas conhecia a princesa bem o bastante para
perceber que argumentar seria uma perda de tempo. Serra não tinha
intenção alguma de entregá-la para o rei ou para os Jedi. Mas ela não podia
simplesmente deixar tudo daquela maneira.
– Nunca tive intenção de causar qualquer problema para você. Ou para o
rei. Sinto muito.
– Nunca peça desculpas por isso! – Serra disparou de volta. – Gelba e
seus seguidores tiveram exatamente o que mereciam. Meu único
arrependimento é não ter estado lá para ver.
O veneno em suas palavras – a raiva e o ódio puros – pegou Lucia de
surpresa. Instintivamente, ela deu um passo para trás, recuando de sua
amiga. Mas então Serra sorriu, e a estranheza passou.
– Precisamos partir o mais cedo possível – a princesa disse. – Não é bom
deixar o Conselho esperando.
– Farei os preparativos – Lucia respondeu, embora soubesse que ainda se
passariam muitos dias antes da real partida. Sendo uma princesa, não era
fácil para Serra simplesmente deixar Doan – havia protocolos diplomáticos
e procedimentos burocráticos que precisavam ser seguidos.
– Tudo vai dar certo – Serra a tranquilizou, aproximando-se para tocar o
braço de Lucia. – Gelba está morta. Meu marido foi vingado. Um rápido
encontro com um dos Mestres Jedi e todo esse incidente será deixado para
trás.
Lucia assentiu, mas sabia que não seria tão fácil. Isso não desapareceria
tão simplesmente. A morte do Jedi pôs em movimento uma cadeia de
eventos – e Lucia temia que isso terminasse muito mal para elas.
Capítulo 3

A CANTINA ESTAVA QUASE VAZIA àquela hora do dia – a multidão só


começaria a chegar mais à noite. E foi por esse exato motivo que Darth
Bane arranjara aquele encontro para o começo da tarde.
Seu contato – um homem calvo e meio gordo de cerca de cinquenta anos
chamado Argel Tenn – já estava lá, sentado em uma cabine privada nos
fundos do estabelecimento. Ninguém prestou atenção especial ao Lorde
Sombrio enquanto ele cruzava o salão – todos ali, incluindo Argel, o
conheciam apenas como Sepp Omek, um dos muitos negociantes ricos que
moravam em Ciutric.
Bane se sentou à mesa, de frente para o homem, e chamou uma garçonete
com um aceno discreto. Ela se aproximou e anotou seus pedidos, depois se
afastou para deixá-los a sós. Em Ciutric era comum que mercadores
negociassem nos fundos de bares e clubes, e os funcionários respeitavam a
confidencialidade de seus clientes.
– Por que nunca nos encontramos na sua propriedade? – Argel disse em
vez de cumprimentá-lo. – Ouvi dizer que tem uma das melhores adegas de
vinho do planeta.
– Prefiro que minha irmã não descubra sobre nossas transações – Bane
respondeu.
Argel soltou um risinho.
– Entendo completamente.
Parou de falar quando a garçonete voltou e serviu seus drinques, depois
continuou em um tom de voz mais baixo, quando ela se retirou.
– Muitos de meus clientes não gostam que amigos ou família saibam de
seu interesse no lado sombrio.
Lidar com Argel sempre deixava um gosto amargo na boca de Bane, mas
não havia mais ninguém com quem pudesse contar para aquilo. O
corpulento negociante era o melhor provedor de manuscritos Sith banidos –
havia juntado uma pequena fortuna discretamente buscando, comprando e
repassando pessoalmente esses artefatos para seus clientes, enquanto
mantinha seus nomes longe de qualquer conexão com a transação.
Claro, a maioria de seus clientes não era nada além de colecionadores ou
Sith fetichistas que desejavam apenas possuir algum objeto oficialmente
banido pelo Conselho Jedi. Eles não tinham nenhum conhecimento real do
lado sombrio ou de seu poder. Compravam e vendiam manuscritos em total
ignorância, sem nunca saber com o que realmente estavam lidando.
Isso, mais que qualquer coisa, era o que trazia a bile para a garganta de
Bane toda vez que se encontrava com Argel. Ele pechinchava e vendia os
segredos dos antigos Sith como drogas baratas em um bazar ao ar livre.
Irritava Bane pensar nos tesouros que passaram daquelas mãos para a posse
de seres fracos e comuns demais para fazerem uso dos artefatos.
Ele havia ocasionalmente fantasiado sobre revelar sua identidade para
Argel, apenas para ver sua reação aterrorizada. Bane queria vê-lo se
contorcendo, implorando perdão aos pés de um verdadeiro Sith. Mas uma
vingança mesquinha contra um homem insignificante estava abaixo dele.
Argel era útil, então Bane continuaria a atuar no papel de um negociante
obcecado pelos Sith.
– Espero que tenha conseguido encontrar o que eu estava procurando –
ele murmurou. – Os detalhes que você me passou foram muito vagos.
– Prometo uma coisa, Sepp – o homem respondeu com um sorriso astuto.
– Você não ficará desapontado. Mas você não tem ideia de como foi difícil
– Argel acrescentou, suspirando exageradamente. – Aquilo que você quer é
ilegal. Banido pelo Conselho Jedi.
– Tudo o que você negocia é banido pelo Conselho Jedi.
– Mas isso foi diferente. Nunca nem ouvi o nome Darth Andeddu antes.
Nenhum dos meus fornecedores ouviu. Tive de agir fora dos canais
normais. Mas consegui, como sempre consigo no final.
Bane fechou o rosto.
– Espero que tenha tido cuidado. Não quero que nada disso chegue aos
ouvidos dos Jedi.
Argel riu.
– Qual é o problema, Sepp? Alguns dos seus negócios não são tão
corretos? Com medo de que o Conselho venha atrás de você por trapacear
com seus impostos?
– Algo assim.
– Não se preocupe, ninguém nunca saberá que você estava envolvido.
Apenas mencionei porque talvez eu precise renegociar meu preço original.
– Nós tínhamos um acordo.
– Ora, você sabe que meu preço inicial é apenas uma estimativa – Argel
o lembrou. – Tive de gastar o triplo de minhas despesas normais para
rastrear esse item em particular. Mas estou disposto a lhe dar uma barganha
e cobrar apenas o dobro da minha oferta inicial.
Bane cerrou os dentes, sabendo que sua vontade de terminar aquela
conversa rapidamente não seria satisfeita. Ele tinha os meios para
simplesmente pagar, é claro. Mas isso levantaria suspeitas. Tinha um papel
a desempenhar: o de um negociante astuto. Se não negociasse até o último
crédito, pareceria estranho.
– Eu lhe darei um bônus de dez por cento. Nada mais.
Pelos vinte minutos seguintes eles barganharam um com o outro,
finalmente concordando em quarenta por cento acima do preço inicial.
– Foi um prazer negociar com você, como sempre – Argel disse assim
que o pagamento foi acordado.
De dentro de seu casaco ele tirou um longo e fino tubo com cerca de
trinta centímetros. O tubo estava selado em uma ponta, e a outra exibia uma
tampa firmemente rosqueada.
– Se o item se provar insatisfatório – ele comentou ao entregar o objeto –,
ficarei feliz em levá-lo de volta e devolver o pagamento… descontando
uma comissão razoável, é claro.
– Duvido muito que isso seja necessário – Bane respondeu, envolvendo o
tubo firmemente com os dedos.
Com a transação completa, não havia mais motivo para permanecer na
cantina. Bane estava ansioso para abrir seu prêmio, mas resistiu até voltar
para a privacidade do anexo de sua biblioteca. Lá, sob a pálida luz de uma
única lâmpada, cuidadosamente abriu a tampa. Então inclinou o tubo,
deixando que a única folha de papel rolasse para fora.
Suas instruções para Argel foram simples: fique de olho em qualquer
livro, volume, tomo, manuscrito ou pergaminho que faça menção ao Lorde
Sith Darth Andeddu. Ele não podia dizer mais nada por medo de levantar
suspeitas ou perguntas inconvenientes, mas esperava que fosse suficiente.
Por dois meses seu fornecedor não encontrou nada. Mas então, quando
Bane já estava começando a temer que os Jedi houvessem conseguido
enterrar qualquer traço de Andeddu e seus segredos, Argel conseguira o
prometido.
O pergaminho estava amarelado pelo tempo e Bane cuidadosamente
desenrolou a página seca e quebradiça. Ao fazer isso, maravilhou-se com a
longa e não rastreável cadeia de eventos que havia permitido que o
pergaminho não apenas sobrevivesse aos milênios, mas eventualmente
caísse em suas mãos. Ele próprio decidira procurar pelo pergaminho, mas
em algum nível sentia que sua escolha fora predeterminada. O pergaminho
fazia parte do legado dos Sith – um legado que por direito agora pertencia a
Bane. Era quase como se estivesse destinado a encontrá-lo. Era tão
inevitável quanto o eventual triunfo do lado sombrio sobre o lado da luz.
A página fora criada com a pele curada de um animal que ele não
conseguia identificar. De um lado, era áspera e coberta de manchas escuras.
O outro lado fora alvejado e raspado até se tornar liso, antes de ser coberto
com linhas escritas à mão em uma língua que Bane imediatamente
reconheceu.
As letras eram finas e angulares, agressivas e ferozes em seu desenho – o
alfabeto dos Sith originais, uma espécie há muito tempo extinta que reinara
em Korriban cem mil anos atrás.
Isso não significava que o documento fosse tão antigo, é claro. Apenas
significava que quem quer que tivesse escrito aquilo reverenciava e
respeitava a cultura Sith o suficiente para adotar a língua deles como sua.
Bane começou a ler as palavras, tendo dificuldade com a linguagem
arcaica. Como Argel tinha prometido, não ficou desapontado com o
conteúdo. O pergaminho era uma proclamação religiosa declarando Darth
Andeddu o Rei Eterno e Imortal de todo o mundo de Prakith. Para
comemorar o importante evento, a proclamação continuava, um grande
templo seria construído em sua honra.
Satisfeito, Bane cuidadosamente enrolou o pergaminho e o deslizou para
dentro do tubo protetor. Apesar de conter apenas alguns parágrafos escritos
sobre uma única folha de pergaminho, o conteúdo lhe deu aquilo de que
precisava.
Os seguidores de Andeddu haviam construído um templo em sua honra
no mundo do Núcleo Profundo chamado Prakith. Não havia dúvida na
mente de Bane de que seria lá onde encontraria o holocron do Lorde
Sombrio. Infelizmente, precisava pensar em um jeito de adquiri-lo que não
levantasse as suspeitas de Zannah.
O holocron de Andeddu oferecia a promessa de imortalidade – com isso
ele poderia viver tempo o bastante para encontrar e treinar um novo
sucessor. Era improvável que sua atual aprendiz soubesse o significado do
holocron, mas ele não estava disposto a correr esse risco. Embora ela
estivesse relutante em desafiá-lo diretamente, se descobrisse que ele
planejava substituí-la, Bane não tinha dúvidas de que Zannah faria tudo em
seu poder para impedi-lo.
Ele não podia permitir que o medo de ser substituída se tornasse o
catalisador que levaria Zannah a finalmente desafiá-lo. Contra-atacar
apenas porque sabia que estava prestes a ser descartada era apenas instinto
de sobrevivência. Seus sucessores precisariam fazer mais do que sobreviver
se os Sith quisessem se tornar poderosos o bastante para destruir os Jedi. O
desafio de Zannah precisava vir de sua própria iniciativa, não como uma
reação para algo que ele fez. De outra maneira, seria inútil.
Esse era o complexo paradoxo da relação Mestre-aprendiz, e colocava
Bane em uma posição insustentável. Não podia enviar Zannah para
recuperar o holocron e, se fosse atrás dele pessoalmente, ela com certeza
suspeitaria de algo. Bane raramente viajava para outro mundo – qualquer
jornada imediatamente levantaria as defesas de Zannah. Ela poderia tentar
segui-lo, ou preparar alguma armadilha para quando voltasse.
Embora tivesse decepcionado Bane por não o ter desafiado ainda, Zannah
ainda era uma formidável e perigosa oponente. Era possível que ela o
derrotasse, deixando os Sith com uma líder que não tinha a ambição e a
vontade necessárias. A Ordem seria infectada por sua complacência – e
eventualmente murcharia e morreria.
Ele não podia deixar isso acontecer. O que significava que precisava
encontrar algo para ocupar a atenção de Zannah enquanto ele fazia a longa e
árdua jornada até o Núcleo Profundo.
Felizmente, já tinha algo em mente.

O escritório pessoal de Bane – diferente da biblioteca particular nos


fundos da propriedade – era repleto de atividade eletrônica incessante.
Mesmo quando desocupada, a sala era iluminada pelas imagens trêmulas de
notícias da HoloNet, o brilho de telas de dados mostrando transações em
uma dúzia de planetas diferentes, ou monitores indicando comunicações
privadas da rede de informantes que ele e Zannah juntaram com o passar
dos anos.
Apesar de toda a opulência e extravagância da mansão, mais créditos
foram gastos naquela sala do que em qualquer outra. Com todos os
terminais, holoprojetores e telas, parecia mais um centro de comunicações
de um espaçoporto movimentado do que uma sala de uma residência
privada. Porém, o escritório não era nenhuma grande exibição de riqueza –
em vez disso, era um testamento à eficiência e à praticidade. Cada peça de
equipamento fora cuidadosamente escolhida para lidar com o enorme
volume de informações que passava pela sala: milhares de unidades de
dados por hora, tudo gravado e estocado para revisão e análise posterior.
O escritório ajudava a reforçar a ilusão de que ele e Zannah eram ricos
empresários obsessivamente vasculhando notícias de todos os cantos da
galáxia em busca de negócios lucrativos. Em certa medida, aquilo era até
verdade. Cada crédito gasto no escritório era um investimento que
eventualmente pagaria cem vezes mais. Durante a última década, Bane
usara a informação juntada para aumentar sua fortuna significativamente…
apesar de que, para o Lorde Sombrio, as riquezas materiais eram apenas um
meio para se chegar a um fim.
Ele entendia que o poder vinha do conhecimento, e sua vasta fortuna
permitira que juntasse a inestimável coleção de antigos ensinamentos Sith
que ele guardava com segurança em sua biblioteca. Porém, estava
interessado em mais do que apenas os segredos esquecidos do lado
sombrio. Desde os corredores do Senado da República até os conselhos
tribais dos planetas mais primitivos da Orla Exterior, o sangue vital do
governo era a informação. A história era moldada por indivíduos que
entendiam que informação, se explorada e controlada, poderia derrotar
qualquer exército.
Bane já tivera prova disso em primeira mão. A Irmandade da Escuridão
fora destruída não pelos Jedi e seu Exército da Luz, mas pelos cuidadosos
planos de um único homem. Antigos manuscritos e pergaminhos podiam
revelar os segredos do lado sombrio, mas, para derrubar os Jedi e a
República, Bane primeiro precisava saber tudo sobre seus inimigos. A rede
de agentes e intermediários que ele juntara ao longo dos anos era uma parte
crucial de seu plano, mas não o suficiente. Indivíduos eram falíveis – seus
relatos eram tendenciosos ou incompletos.
Sempre que possível, Bane preferia contar com dados puros retirados da
rede de informações que se embrenhava em todos os planetas da República.
Precisava estar ciente de cada detalhe de cada plano preparado pelo Senado
e o Conselho Jedi. Se tinha alguma esperança de manipular e moldar os
eventos galácticos para causar a derrocada da República, ele precisava saber
o que estavam fazendo agora e antecipar o que fariam em seguida.
A complexidade de suas maquinações requeria constante atenção. Ele
precisava reagir a mudanças inesperadas assim que aconteciam, alterando
planos de longo prazo para mantê-los em curso. Mais importante, precisava
aproveitar oportunidades assim que surgiam, usando-as para tirar o maior
proveito delas. Como a situação em Doan.
Bane nunca prestara muita atenção naquele planeta de mineração da Orla
Exterior. Isso mudou três dias atrás, quando percebeu uma nota de gastos
para a aprovação do Senado, emitida por um representante que agia em
nome da família real de Doan.
Não era incomum para Bane revisar os relatórios de despesa do Senado.
De acordo com a lei, toda a documentação financeira enviada pelos canais
oficiais da República estava disponível para o público… por um preço, é
claro. O custo era alto e, tipicamente, tudo o que resultava era uma onerosa
lista de custos de alfândega, taxas cobradas de acordo com tratados
econômicos ou pedidos de financiamento para vários projetos e grupos de
interesse especial. Ocasionalmente, entretanto, algo de verdadeira
importância era filtrado no meio daquela desordem. Naquele caso, era um
pedido de reembolso de custos incorridos pela família real de Doan para
transportar o corpo de um Jedi Cereano chamado Medd Tandar de volta
para Coruscant.
Não havia outros detalhes – relatórios de despesas raramente se
interessavam no porquê. Bane, entretanto, se interessava muito. O que um
Jedi estava fazendo em Doan? Mais importante, como havia morrido?
Desde que viu o relatório pela primeira vez, Bane vinha vasculhando
suas fontes para tentar encontrar as respostas. Precisava ter cuidado quando
se tratava dos Jedi – para os Sith sobreviverem, precisavam permanecer
escondidos nas sombras. Mas por meio de uma longa cadeia de burocratas,
criados e informantes pagos, ele juntara fatos suficientes para entender que
a situação merecia uma investigação mais completa.
E então mandou chamar Zannah.
Sentado atrás da mesa ao centro das telas e holoprojetores, ouviu sua
aprendiz se aproximar pelo corredor, os calcanhares de suas botas atingindo
o chão a cada passo. Do lado esquerdo da mesa havia um disco de dados
contendo todas as informações que ele havia compilado sobre Medd Tandar
e sua visita a Doan. Bane estendeu o braço para apanhar o disco e então
congelou. Por um breve instante sua mão pairou no ar, tremendo
involuntariamente. Então rapidamente puxou a mão de volta, escondendo-a
sob a mesa no momento em que Zannah entrou na sala.
– Mandou me chamar, Lorde Bane?
Ela não comentou nada sobre o tremor, mas Bane tinha certeza de que
não passou despercebido. Será que ela o achava um tolo? Fingindo não ver
sua fraqueza na esperança de que ele se tornasse fraco e baixasse a guarda?
Ou será que estava silenciosamente rindo enquanto esperava que o lado
sombrio simplesmente apodrecesse seu corpo?
Zannah era apenas dez anos mais nova que Bane, mas, se o lado sombrio
extraía um preço físico semelhante dela, ainda não era visível. Diferente de
seu Mestre, ela nunca foi infestada pelos orbalisks. Ainda levaria muitas
décadas até que a corrupção do lado sombrio afetasse seu corpo.
Seus cabelos cacheados e dourados ainda eram longos e lustrosos; sua
pele, ainda macia e perfeita. De estatura média, tinha o corpo de uma
ginasta: magra, ágil e forte. Vestia calças pretas justas e um vestido
vermelho sem mangas bordado com tecido prateado, uma roupa que era ao
mesmo tempo elegante para os padrões atuais de Ciutric e prática, pois não
comprometia seus movimentos.
O cabo de seu sabre de luz de lâminas duplas estava pendurado em sua
cintura – nos últimos anos, ela nunca esteve na presença de seu Mestre sem
o sabre. O cabo curvado da arma de Bane também estava preso em sua
cintura… Seria tolice deixar-se desarmado e vulnerável diante da aprendiz
que havia jurado um dia matá-lo.
Ainda estou esperando por esse dia, Bane pensou. Em voz alta, disse:
– Preciso que viaje para a Orla Exterior. Um planeta chamado Doan,
onde um Jedi foi assassinado três dias atrás.
– Qualquer um que seja poderoso o bastante para matar um Jedi é digno
de nossa atenção – Zannah admitiu. – Sabemos quem é o responsável?
– É isso que você precisa descobrir.
Zannah assentiu, cerrando os olhos enquanto processava a informação.
– O que um Jedi fazia em um planeta insignificante da Orla Exterior?
– Isso é outra coisa que você precisa descobrir.
– Os Jedi enviarão algum dos seus para investigar – ela comentou.
– Não imediatamente – Bane lhe assegurou. – A família real de Doan
está requisitando favores políticos para atrasar a investigação. Eles
enviaram um representante para se encontrar com o Conselho Jedi em
Coruscant.
– A família real deve ser rica, esses tipos de favor não são baratos.
Mundo pequeno, mas não muito conhecido… porém, com uma rica
nobreza. Recursos valiosos? Mineração? – ela presumiu.
Zannah sempre fora capaz de juntar pedaços de informações em algo
significativo. Teria sido uma sucessora digna, se ao menos possuísse a
ambição para tomar o trono Sith.
– O planeta foi escavado quase até o núcleo. Sobraram apenas alguns
quilômetros de terra habitável na superfície, toda a comida precisa ser
enviada de fora. A maior parte da população vive e trabalha nas minas.
– Parece um lugar adorável – ela murmurou, antes de acrescentar: –
Partirei esta noite.
Bane assentiu, dispensando-a. Só ousou colocar a mão ainda trêmula
sobre a mesa depois que ela se retirou.
A morte de um Jedi sempre foi de seu interesse, mas na verdade ele se
importava muito mais em encontrar o holocron de Andeddu do que
descobrir o resultado da missão de Zannah.
Felizmente, o incidente em Doan ofereceu a perfeita distração. Investigar
aquele mundo da Orla Exterior manteria sua aprendiz ocupada enquanto ele
encarava a perigosa viagem pelas rotas do hiperespaço até o Núcleo para
recuperar o holocron. Se as coisas saíssem como esperava, ele estaria de
volta muito antes de Zannah retornar para lhe dar seu relatório, e ela nunca
saberia.
Confiante de seu plano, Bane concentrou toda a sua atenção em acalmar
o tremor que ainda afligia sua mão. Mas, apesar de todo o seu poder, de
toda a sua disciplina mental, os músculos continuavam a ter espasmos
involuntários. Frustrado, fechou o punho e esmurrou a mesa com força,
deixando uma leve marca na madeira macia.
Capítulo 4

AS LUAS GÊMEAS DE CIUTRIC IV brilhavam sobre o airspeeder de Zannah,


que cruzava o céu noturno. As nuvens de chuva daquela noite já estavam
começando a se acumular – ainda não eram mais do que véus incipientes
que simplesmente se desfaziam quando seu veículo as atravessava. No chão
lá embaixo, ainda alguns quilômetros à frente, ela podia ver as luzes do
principal espaçoporto de Daplona.
Uma luz no painel de navegação piscou um alerta, indicando que ela
estava se aproximando do limite de dois quilômetros de espaço aéreo
restrito que cercava o espaçoporto. Com as mãos se movendo com precisão
casual sobre os controles, manobrou o speeder para uma aterrissagem na
seção reservada àqueles ricos o bastante para pagar hangares privados para
suas naves particulares.
Quando o veículo gentilmente pousou na plataforma localizada no
perímetro do espaçoporto, três homens se apressaram para recebê-la. O
primeiro, um manobrista, cuidou de seu speeder, levando-o na direção da
vaga segura onde ficaria estacionado até seu retorno. O segundo homem,
um bagageiro, carregou suas malas em uma pequena plataforma flutuante e
depois esperou pacientemente enquanto o terceiro homem se aproximava.
– Boa noite, Senhora Omek – ele a cumprimentou.
Desde a primeira vez que estiveram em Ciutric, Zannah e Bane
trabalharam duro para construir suas identidades como Allia e Sepp Omek.
Após quase uma década, ela assumia seu papel de importante negociante de
importação/exportação sem nem pensar.
– Chet – ela disse, assentindo para o oficial da alfândega quando o jovem
lhe entregou um formulário.
Para as pessoas comuns, chegadas e partidas no espaçoporto de Daplona
eram um processo longo e árduo. Como aquele mundo era feito para o
comércio e os negócios, o governo pedia cópias de itinerário, verificação de
registros das naves e uma gama de formulários e permissões a serem
preenchidos antes que a autoridade portuária liberasse uma nave, seu
conteúdo ou passageiros. Isso frequentemente envolvia uma inspeção
completa do interior da nave pelo pessoal da alfândega, com a explicação
oficial sendo a melhoria da segurança planetária. Entretanto, todos sabiam
que as inspeções na verdade serviam para desencorajar mercadores de
tentarem transportar mercadorias não declaradas na esperança de evitar as
taxas e tarifas interplanetárias.
Felizmente, Zannah não precisava se preocupar com nada disso. Apenas
assinou o formulário de partida e o entregou para Chet. Um dos maiores
benefícios de manter um hangar particular no porto era a habilidade de ir e
vir à vontade. Em troca do substancial pagamento mensal, o governo se
mantinha longe dos negócios de Bane e Zannah… Uma barganha a
qualquer preço, ela pensava.
– Imagino que você usará seu transporte particular.
– Isso mesmo – ela respondeu. – A Vitória no hangar treze.
– Vou alertar a torre de controle.
Chet fez um rápido aceno para o bagageiro, que partiu com a plataforma
flutuante na direção do hangar.
– Só um momento – o oficial da alfândega disse suavemente para
Zannah, fazendo-a parar. – Ouvi uma notícia que talvez a interesse – ele
continuou assim que o bagageiro desapareceu virando uma esquina. – Argel
Tenn aterrissou alguns dias atrás para se encontrar com o seu irmão.
Zannah nunca se encontrara com Argel, mas sabia quem ele era e o que
fazia. Nos últimos anos, ela vinha lentamente juntando informações sobre
todos os membros da rede de contatos de Darth Bane – eles poderiam se
provar úteis quando tomasse o trono dos Sith. Ela não sabia se a chegada de
Argel era relevante ou não: Bane sempre estava à procura de manuscritos
Sith raros e poderia ser apenas coincidência. Mesmo assim, ela guardou
aquela informação no fundo da mente, caso se tornasse útil no futuro.
– Obrigada por me avisar – ela disse, passando para Chet um chip de
cinquenta créditos antes de se dirigir para seu hangar privado.
O bagageiro já estava lá, esperando com suas malas ao lado do
transporte. Zannah digitou o código de segurança e a rampa de embarque se
estendeu.
– Coloque tudo nos fundos – ela instruiu, sorrindo e entregando ao
bagageiro um chip de dez créditos.
– Agora mesmo, senhora – ele respondeu, a gorjeta desaparecendo
instantaneamente no bolso de seu uniforme enquanto se apressava para
embarcar as malas.
Zannah manteve o sorriso no rosto enquanto ele trabalhava. Ela se
esforçava para ser amigável com todos no espaçoporto. Enxergava aquilo
como um investimento futuro – o cultivo de uma potencial fonte. Os
membros do Senado e outros indivíduos poderosos podiam moldar a
política da galáxia, mas quem realmente fazia as coisas acontecer eram os
burocratas, oficiais do governo e vários outros funcionários políticos de
baixa posição… e eles eram muito mais fáceis de lidar do que a elite
política. Algumas poucas palavras gentis e um punhado de subornos e
Zannah conseguia tudo de que precisava sem chamar atenção indesejada.
Assim como fez com Chet.
Essa era uma vantagem que ela tinha sobre Bane. Ela sabia que era
atraente. Homens em particular eram atraídos por ela por causa de sua
aparência – eles queriam ajudá-la, agradá-la. Zannah não deixava de
encorajá-los com uma leve risada ou um toque sutil – era um preço pequeno
para estabelecer uma relação que poderia eventualmente se provar útil. A
aparência de seu Mestre, por outro lado, nunca inspiraria nada que não
fosse medo naqueles que não o conheciam.
Apenas depois que o bagageiro se retirou e ela estava sozinha na cabine
da nave é que Zannah deixou sua fachada para trás. Ajeitando-se no assento
especialmente moldado, digitou as coordenadas de navegação. Pela janela
da cabine, podia ver a Triunfo, o transporte pessoal de Bane, no hangar
adjacente.
Assim como sua própria nave, era um transporte T-1 classe Theta da
Companhia Espacial Cygnus: o mais recente e caro transporte
interplanetário pessoal disponível no mercado aberto. Tudo sobre a vida
deles em Ciutric – a mansão, as roupas, até mesmo seu calendário social –
fazia parte do disfarce. Eles se cercaram de luxo e confortos materiais –
muito diferente da vida austera que tiveram durante os anos em Ambria.
Havia vezes em que Zannah sentia falta da simplicidade daqueles
primeiros dias. A vida em Ambria fora difícil, mas a manteve forte. E ela
não podia deixar de se perguntar se o estilo de vida luxuoso em Ciutric a
deixara mais fraca – assim como Bane.
Os motores da Vitória ganharam vida e o transporte se ergueu alguns
metros do chão. Zannah pilotava por instinto enquanto sua mente
continuava aquela linha de raciocínio.
A vida era uma luta constante – os fortes sobreviveriam e os fracos
morreriam. Assim era o universo, a ordem natural. Era a filosofia adotada
pelo Código dos Sith. Mas ali em Ciutric era fácil ser atraído para uma
sensação de paz.
A paz é uma mentira, existe apenas paixão. Com paixão, eu ganho força.
Com força, eu ganho poder. Com poder, eu ganho a vitória. Com a vitória,
minhas correntes se partem.
Zannah entendia que as correntes nem sempre eram feitas de ferro e
hiperaço – às vezes eram feitas de sedabrilho muito caro. A vida fácil de
que desfrutavam em Ciutric era uma armadilha tão perigosa quanto
qualquer outra que os Jedi pudessem preparar.
Ela então continuou seu estudo e treinamento mesmo depois de Bane ter
se mudado com ela para a magnífica propriedade fora da cidade. Mas já não
havia mais a sensação de urgência e a ameaça de perigo que a estimularam
durante seus primeiros anos – foram substituídas pelo tédio da segurança e
o contentamento.
Era hora de reclamar sua posição como Lorde Sombria dos Sith. Ela já
teria desafiado Bane, não fosse por duas coisas.
A primeira era o tremor que havia notado em sua mão esquerda havia
vários meses. Ele tentava esconder isso dela, mas Zannah notava cada vez
mais. Não sabia a causa do tremor, mas era um óbvio sinal do declínio de
suas capacidades.
Talvez fosse óbvio demais. Bane era um mestre da manipulação. Zannah
não podia descartar a ideia de que ele estivesse fingindo. E se o tremor
fosse apenas uma trama para atraí-la para um confronto antes de estar
realmente preparada? Um último teste para saber se havia aprendido a lição
da paciência que ele havia trabalhado tanto para enraizar nela?
Atacarei quando eu quiser, Zannah jurou para si mesma. Não quando ele
quiser.
Mas, para isso, precisava estar preparada com seu próprio aprendiz. Deve
haver dois; não mais, não menos. Um para encarnar o poder, outro para
cobiçá-lo. A Regra de Dois era inviolável. Se fosse tomar o manto de
Mestre, precisaria encontrar um aprendiz. Até agora, apesar de seus
esforços, ela fracassara em localizar um único candidato em potencial.
Bane reconhecera o potencial dela quando, ainda garota, matara o Jedi
que havia acidentalmente matado seu amigo. Agora ela estava indo
investigar a misteriosa morte de outro Jedi. Será que poderia encontrar seu
sucessor da mesma maneira que Bane a encontrara?
Mas, se ela estava pensando dessa forma, então obviamente Bane
também pensara nisso. Ele raramente era flagrado despreparado ou
baixando a guarda. Então… por que a enviaria em uma missão na qual
poderia acabar encontrando o indivíduo que se tornaria o próximo aprendiz
Sith? Será que seu Mestre queria que ela o desafiasse? Será que estava
tentando ajudá-la? Ou será que estava pensando em substituí-la? Talvez
tivesse decidido que ela não era digna de assumir seu título. Talvez
esperasse que aquela missão lhe desse outra pessoa a quem repassar os
ensinamentos Sith, e depois descartaria Zannah.
Se isso for verdade, Mestre, você pode se surpreender com o desfecho
dessa história. Você pode me subestimar, por sua conta e risco.
Um bipe da tela de navegação alertou que a nave havia deixado a
atmosfera de Ciutric. Alguns segundos mais tarde, sentiu o inconfundível
solavanco quando o transporte saltou para o hiperespaço.
Zannah se acomodou no assento e fechou os olhos. Não havia razão de
remoer todas as possibilidades do que Bane podia ou não estar pensando, ou
quais seriam suas motivações secretas para enviá-la naquela missão. A teia
de suas maquinações podia ser um emaranhado impossível de desatar.
Mas de uma coisa ela tinha certeza: algo estava prestes a mudar. Por
vinte anos servira como leal aprendiz, absorvendo os ensinamentos dos
Sith. Agora, seu tempo como pupila estava prestes a terminar. Qualquer que
fosse a missão, ela decidira que seria a última vez que responderia a Darth
Bane.
Capítulo 5

CORUSCANT ERA DIFERENTE DE QUALQUER coisa que Serra já tinha visto.


Durante a infância não conhecera nada além do simples isolamento da
cabana de seu pai. Quando ele a enviou para longe, Serra visitou dezenas de
outros mundos antes de se decidir por Doan, mas todos eram planetas
menos povoados na Orla Exterior. Passou sua vida inteira na periferia da
civilização. Ali, na metrópole planetária que era a capital da República, fora
lançada na loucura do Núcleo Galáctico.
Caleb se certificara de que sua filha tivesse boa educação – ela havia lido
descrições de Coruscant, memorizado todos os fatos e pessoas relevantes.
Mas saber que um mundo tinha uma população de quase um trilhão de
indivíduos e ver isso em pessoa eram coisas totalmente diferentes.
Serra simplesmente observava boquiaberta pela janela do airspeeder que
acelerava e manobrava no meio do tráfego pesado da via aérea. Lá
embaixo, um interminável oceano de hiperaço e permacreto se estendia até
o horizonte em todas as direções, cintilando com o brilho permanente de um
milhão de luzes. O efeito era arrebatador: as multidões, os veículos, a
cacofonia de sons que podiam ser ouvidos sobre o zumbido dos motores – a
pura magnitude de tudo era quase mais do que sua mente podia entender.
Fazia com que se sentisse pequena. Insignificante.
– Aí está – Lucia disse, fazendo um gesto na direção da janela.
Ao longe, Serra distinguiu uma enorme estrutura que se erguia acima do
horizonte da cidade: o Templo Jedi. O rápido speeder se aproximava cada
vez mais, e não demorou até ela poder distinguir os detalhes únicos da
construção do Templo.
A fundação era uma pirâmide de blocos sucessivamente menores, como
degraus em um zigurate. No topo havia uma torre central alta, cercada em
cada canto por torres secundárias menores. Espalhados entre as torres havia
praças abertas, largas calçadas, vastos jardins naturais e vários prédios
menores que serviam de dormitório ou centros administrativos.
Quando o speeder deixou a rota principal do tráfego na direção de seu
destino, a verdadeira extensão da estrutura se tornou aparente. Tudo em
Coruscant era grandioso e magnífico, mas o Templo dominava a linha do
horizonte. Serra se lembrou de que fora construído no topo de uma
montanha. Não em cima de uma montanha, como os pequenos
assentamentos que a nobreza havia construído nas planícies de Doan, mas
cobrindo a montanha – a pirâmide envolvia toda a superfície, engolindo a
montanha tão completamente que já não era mais visível.
O veículo se inclinou em um largo círculo ao redor da Torre da
Tranquilidade, a torre central, antes de aterrissar em uma plataforma sob a
sombra da torre menor no canto noroeste.
– Vamos acabar logo com isso – Lucia murmurou, levantando-se
rapidamente e oferecendo a mão para Serra.
A princesa notou que Lucia estava tão desconfortável quanto ela, embora
suspeitasse que o desconforto de sua guarda-costas tinha menos a ver com
as vistas e os sons incríveis de Coruscant que com seus dias de soldada,
lutando contra o Exército da Luz. Mesmo após vinte anos, Lucia ainda
cultivava um ressentimento tanto pelos Jedi quanto pela República.
Isso, e o fato de que provavelmente se sentia ainda culpada por ter
contratado a assassina que matara o emissário Jedi. Serra, por outro lado,
sentia apenas gratidão por aquilo que sua amiga fizera. E não deixaria
ninguém – nem o rei, nem um Jedi – descobrir que Lucia fora a
responsável.
– Lembre-se do que falei a você – ela disse, tocando o ombro da amiga
para tranquilizá-la. – Já lidei com os Jedi antes. Sei como falar com eles.
Conheço suas fraquezas. Seus pontos cegos. Nós passaremos por isto.
A guarda-costas respirou fundo e assentiu. Serra fez o mesmo,
preparando-se mentalmente para o confronto.

Lucia estava espantada com a calma e a postura da princesa enquanto se


preparavam para deixar a nave.
Ela sempre se portava com uma determinação discreta, mas firme. Isso
lhe dava um ar de confiança e autoridade que atraía os outros. Quando
falava, as pessoas consideravam suas palavras cuidadosamente… até
mesmo pessoas como o rei de Doan. Mas aquilo era diferente. Elas estavam
prestes a se encontrar com um Mestre Jedi, e Serra pretendia mentir
descaradamente para ele.
Mas Lucia não tinha intenção de deixar que sua amiga entrasse em
apuros. No primeiro sinal de que o Jedi soubesse que Serra estava sendo
desonesta, ela pretendia confessar tudo, independente das consequências.
Sentindo-se mais calma com essa decisão, conseguiu manter a
compostura enquanto desembarcavam. Do lado de fora da nave, elas
encontraram três Jedi esperando para acompanhá-las. Dois eram humanos,
um homem e uma mulher. A terceira era uma Twi’lek. Cada um vestia
túnicas marrons com os capuzes jogados para trás, revelando suas feições –
a vestimenta simples contrastava com os trajes muito mais formais de Lucia
e Serra.
A princesa usava um longo vestido esvoaçante sem mangas, feito de seda
azul – uma estola dourada cobria seus ombros e braços. Seus longos cabelos
negros estavam soltos sob a elaborada tiara dourada que ela usava, e ao
redor do pescoço havia um elegante colar de ouro e um pingente de safira
que simbolizavam sua posição dentro da família real de Doan.
Lucia também estava vestida de azul e dourado – as cores reais –, mas
usava o uniforme militar de Doan: calças azul-escuras com uma faixa
dourada subindo pela perna e uma camisa azul justa, coberta por uma
jaqueta curta fechada com botões dourados. Assim como os três Jedi,
entretanto, estava com a cabeça descoberta.
A Twi’lek deu um passo adiante fazendo uma reverência.
– Saudações. Meu nome é Ma’ya. Meus companheiros são Pendo e
Winnoa.
Serra retornou a reverência inclinando a cabeça.
– Esta é Lucia, minha companheira.
Os olhos de Ma’ya passaram pelo blaster proeminentemente visível na
cintura de Lucia, mas tudo o que disse foi:
– Por favor, siga-nos. O Mestre Obba está esperando para falar com
Vossa Alteza.
Pelos relatórios que ela havia revisado durante a viagem até Coruscant,
Lucia sabia que Obba era membro do Conselho do Primeiro Conhecimento.
Como mantenedores da antiga história dos Jedi, eles frequentemente
ofereciam conselhos e orientações para o Alto Conselho Jedi. Ele também
fora o Mestre de Medd Tandar, o Jedi que havia morrido em Doan.
Da plataforma, as três figuras de túnica as conduziram através de um
jardim muito bem cuidado, repleto de memoriais e estátuas. Em certo
ponto, uma pequena multidão de crianças passou por eles, correndo e rindo.
– Jovens aprendizes dos dormitórios – Ma’ya explicou. – Durante as
tardes eles têm tempo livre para se afastar dos estudos e brincar nos jardins.
Serra não respondeu, mas Lucia podia ver o lampejo de tristeza em seus
olhos. Ela sabia que o jovem casal vinha tentando começar uma família nas
semanas que antecederam a morte de Gerran, e ver as crianças com certeza
trouxe lembranças dolorosas.
Eles continuaram em silêncio, os Jedi conduzindo o grupo até o pé da
torre noroeste e depois para dentro. Subiram vários lances de escadas
sinuosas – perto do final, Lucia notou que a princesa já estava sem fôlego,
embora ela própria e os Jedi não tivessem esse problema.
E então, em algum ponto, a cerca de um quarto do caminho até o topo,
eles pararam do lado de fora de uma grande porta. Ma’ya bateu, e uma voz
profunda de dentro chamou:
– Entrem.
A Twi’lek abriu a porta, depois deu um passo para o lado, curvando-se
em mais uma reverência. Serra entrou na sala, Lucia seguindo logo atrás.
Seus acompanhantes ficaram do lado de fora, fechando a porta.
À primeira vista, o interior da sala podia ser confundido com uma estufa
agrícola. Uma única grande janela na parede mais afastada permitia a
entrada da luz do sol, deixando a sala extremamente iluminada e
excessivamente quente. Vasos de plantas de ao menos uma dúzia de
diferentes espécies forravam as paredes – outra meia dúzia crescia em
caixas no parapeito, e havia ainda mais penduradas no teto. Não havia
cadeiras ou mesas. Foi apenas quando notou um pequeno tapete de palha
enrolado no canto que Lucia entendeu que aqueles eram os aposentos
pessoais do Mestre Jedi.
– Seja bem-vinda. Vossa Alteza nos honra com a sua visita.
Mestre Obba, um Ithoriano, estava de pé e de costas para elas, olhando
pela janela. Nos dedos alongados de uma das mãos ele segurava um
regador. Deixando-o no chão, virou-se para suas convidadas.
Como todos os Ithorianos, ele era mais alto do que um humano médio,
facilmente passando dos dois metros de altura. Sua áspera pele marrom
quase parecia o casco de uma árvore, e seu longo pescoço se curvava para
baixo e para a frente antes de se curvar novamente para cima, fazendo
parecer que ele estava se inclinando na direção delas. Era fácil entender o
apelido da espécie – “cabeça de martelo” – quando se olhava para seus
olhos protuberantes, que se estendiam de cada lado da cabeça chata.
– Esta é minha conselheira, Lucia – Serra disse a ele, seguindo a história
que haviam combinado. – Obrigada por concordar em se encontrar conosco,
Mestre Obba.
– Era o mínimo que eu podia fazer, dada as circunstâncias – o Ithoriano
explicou, sua voz profunda e ressoante. – Minhas condolências por seu
marido. Sua morte foi uma terrível tragédia.
Lucia não era especialista nas sutilezas da política e não sabia se Obba
era simplesmente uma boa alma expressando real simpatia ou um hábil
negociador tentando desestabilizar emocionalmente a princesa ao
mencionar Gerran.
– Minha tragédia é espelhada pela sua própria – Serra respondeu no tom
formal de uma diplomata experiente. Quaisquer que fossem as intenções do
Jedi, suas palavras não tiveram efeito visível em sua postura. – Permita-me
pedir desculpas em nome da família real pelo triste falecimento de Medd
Tandar.
A cabeça do Ithoriano se abaixou em reconhecimento.
– Sua morte foi muito trágica. E é de crucial importância descobrir a
identidade da pessoa ou pessoas responsáveis.
Lucia sentiu seu coração parar, embora não tenha deixado transparecer
nenhum sinal de sua ansiedade.
– Entendo – Serra garantiu. – As autoridades em meu mundo estão
fazendo tudo a seu alcance para levar os responsáveis à justiça.
– Quero acreditar em você – Obba respondeu –, mas deve entender se eu
tiver minhas reservas. Medd foi morto durante um ataque a seus inimigos.
Há quem acredite que o seu sogro estava por trás do ataque.
– Isso não faz sentido – Serra contestou. – O rei quer melhorar nossa
relação com a sua reverenciada Ordem. Foi por isso que ele concordou em
deixar Medd viajar para nosso mundo em primeiro lugar.
– Há quem acredite que o rei usou Medd para ajudar a encontrar seus
inimigos – Obba rebateu. – Dizem que esse era seu plano desde o início.
– A morte de Medd foi uma trágica coincidência, não foi parte de um
plano malévolo para explorar os Jedi – a princesa insistiu. – Ele
simplesmente estava no lugar errado na hora errada. Quanto ao rei, ele não
tinha conhecimento algum do assassinato. Eu lhe dou a minha palavra.
– Infelizmente, sua palavra não será prova suficiente para acalmar os
temores daqueles em minha Ordem.
– Então deixe que usem a lógica – Serra argumentou. – Meu sogro não é
um tolo. Se quisesse usar os Jedi para buscar vingança, teria sido esperto o
bastante para cobrir seus rastros. Teria esperado Medd deixar o planeta
antes de ordenar o ataque.
– Às vezes, quando estamos cegos pela tristeza, não somos capazes de
olhar além de nossos desejos mais imediatos – o Jedi disse.
– É nisso que você acredita, Mestre Obba? Ou está apenas procurando
alguém para culpar pela morte de seu antigo Padawan?
O Ithoriano suspirou.
– Admito que meu julgamento pode estar nublado pelas minhas emoções.
É por isso que preciso confiar na Força e deixar que guie meus pensamentos
e ações.
– Não existe emoção, existe a paz – a princesa comentou.
– Você estudou nosso Código.
– Apenas informalmente.
– Eu deveria ter suspeitado disso. Posso sentir que a Força é poderosa em
você.
Os olhos de Lucia se abriram de repente, embora Serra não tenha reagido
à observação do Jedi.
– Temo que eu seja velha demais para ser recrutada pela sua Ordem,
Mestre Obba – ela disse com um leve sorriso.
– Mesmo assim, as palavras de nosso mantra podem lhe servir bem – ele
a repreendeu. – Você deve sempre estar atenta às tentações do lado sombrio.
– Como os talismãs que Medd foi enviado para encontrar? – Serra
rebateu. – Isso é o que realmente importa nesse caso, não é?
O Ithoriano assentiu seriamente.
– Por mais que esteja triste com sua morte, preciso deixar essas emoções
de lado e me concentrar no propósito de sua missão original.
Lucia ficou impressionada. Até agora, o encontro estava saindo
exatamente como Serra previra. Durante as preparações para o encontro, a
princesa lhe dissera que os Jedi se importavam mais com ideologia e a
batalha da luz contra as sombras do que com pessoas vivas. Ela planejara
explorar esse conhecimento para desviar a conversa para longe de quem
havia cometido o assassinato… com uma pequena ajuda de Lucia.
Os Jedi adoram se sentir superiores, Serra explicara durante a viagem.
Eles consideram seu dever educar e informar as massas ignorantes. Se fizer
uma pergunta a algum Jedi, ele não consegue deixar de responder.
Podemos usar isso para nossa vantagem durante o encontro.
– Perdoe minha interrupção, Mestre Obba – Lucia disse, reconhecendo a
oportunidade –, mas esses talismãs são mesmo tão importantes?
– Creio que sim – o Ithoriano respondeu.
– Mas… como pode ter tanta certeza?
– Sou membro do Conselho do Primeiro Conhecimento – ele explicou,
começando um discurso, como Serra havia previsto. – Somos mantenedores
da sabedoria dos Jedi. Mantemos a Grande Biblioteca, supervisionamos os
ensinamentos dos jovens aprendizes e buscamos as antigas histórias e
holocrons, que nos trazem ainda mais conhecimento sobre o lado da luz da
Força. Mas somos mais do que meros cuidadores. Somos guardiões. Nem
todo conhecimento é puro; ele pode ter sido tocado pelo mal. Existem
segredos que precisam ser mantidos escondidos, ensinamentos proibidos
que devem permanecer enterrados para sempre. Existe um lado sombrio da
Força. Sem controle, ele pode trazer morte e destruição.
Lucia assentia como se estivesse absorvendo cada palavra, mas por
dentro sentia apenas desprezo. A arrogância dos Jedi não conhecia limites.
Como uma soldada servindo na Irmandade da Escuridão de Kaan, ela havia
desenvolvido uma visão muito diferente do lado sombrio. Os Sith
ensinavam que as emoções – medo, raiva e até ódio – deveriam ser
abraçadas. Ela aprendera a tirar força do tal “mal” do lado sombrio, e isso a
ajudara a sobreviver durante a guerra e a anos de sofrimento.
Os Jedi nunca entenderiam isso. Eles viviam em isolamento, meditando
em grandes torres no centro da galáxia. Não tinham ideia de como era a
vida dos excluídos, daqueles desprovidos de direitos, das pessoas
esquecidas que eram forçadas a viver na periferia da galáxia.
– O Conselho do Primeiro Conhecimento jurou não deixar que esse
terrível poder fosse libertado – o Mestre Obba continuou, alheio aos
verdadeiros sentimentos de Lucia. – Mas a influência do lado sombrio está
espalhada através da galáxia, assim como as ferramentas que usa para se
espalhar: antigos textos de magia Sith, amuletos imbuídos de energia
malévola, cristais contaminados que podem corromper a mente dos
inocentes. Às vezes esses artefatos são descobertos por acidente e caem nas
mãos de vítimas desavisadas. Elas se tornam agentes do lado sombrio,
causando estragos em toda a galáxia… a menos que cheguemos a eles
primeiro. Somos treinados para lidar com esses artefatos do lado sombrio.
Alguns podem ser destruídos, mas outros são poderosos demais e precisam
ser guardados em local seguro.
– Como algo assim poderia acabar em um mundo tão remoto quanto
Doan? – Lucia perguntou, ainda desempenhando seu papel.
– Humanos viveram em seu planeta por pelo menos dez mil anos – Obba
explicou com muita disposição. – Quando as operações de mineração
começaram, vários séculos atrás, antigas covas, criptas e túmulos eram
frequentemente desenterrados, assim como restos de vilas primitivas
abandonadas há muito tempo. Em raras ocasiões, cidades inteiras são
descobertas, enterradas por vários milênios em razão de deslizamentos de
terra ou erupções vulcânicas. Algumas dessas civilizações antigas adoravam
os Sith e seguiam os ensinamentos do lado sombrio. Quando as pessoas
desapareceram, os artefatos de sua fé frequentemente foram deixados para
trás.
– Como vocês ficaram sabendo desses artefatos? – a princesa perguntou
de repente, aproveitando uma ideia.
– Apenas rumores – Obba admitiu. – Ouvimos que uma equipe de
mineração havia descoberto um conjunto de itens e estava oferecendo-os a
colecionadores de outros mundos. Com base nessas descrições, sentimos
que os itens poderiam ser talismãs Sith. Então enviei Medd para investigar.
– Se você ouviu falar sobre esses itens – Serra especulou –, então é
possível que outros também tenham ouvido. O assassino de Medd pode não
ter sido enviado para vingar a morte de meu marido. Pode ter sido alguém
interessado em encontrar os talismãs.
– Considerei essa possibilidade – o Mestre Jedi confessou. – Embora
tivesse esperanças de que não fosse o caso.
O Ithoriano deu as costas para elas, claramente perturbado. Começou a
andar lentamente de um lado a outro, na frente de suas plantas, como se
quisesse se acalmar antes de voltar a falar. Mais uma vez Lucia ficou
surpresa com a facilidade com que a princesa havia controlado e dirigido o
encontro.
Obba havia comentado sobre Serra ser poderosa com a Força. Isso podia
explicar a presença dominante que ela parecia ter. Mas, Lucia se perguntou,
seria possível que a princesa fosse tão poderosa a ponto de manipular um
Mestre Jedi?
– Aqueles que são treinados nos caminhos dos Jedi aprendem a viver de
acordo com as regras e princípios de nossa Ordem – Obba disse finalmente.
– Acreditamos em sacrifício, e acreditamos que o poder da Força deve ser
usado apenas quando serve a um bem maior. Infelizmente, apesar de nossos
esforços, existem aqueles que escapam de nossos ensinamentos. Eles cedem
à fraqueza. Sucumbem à ambição e à ganância. Usam a Força para
satisfazer suas próprias vontades e desejos mais básicos. Rejeitam nossa
filosofia e pendem para o lado sombrio.
– Você está falando dos Sith – Serra sussurrou. Lucia pensou ter ouvido
medo na voz da princesa, mas não sabia se era real ou simplesmente parte
do jogo que estava jogando com seu anfitrião.
– Não os Sith – ele a corrigiu. – Estou falando dos Jedi Sombrios.
– Qual é a diferença entre um Sith e um Jedi Sombrio? – Lucia
perguntou.
O Ithoriano parou de andar e se virou para elas, instintivamente falando
com sua plateia como um professor dando uma aula.
– Os Sith foram os inimigos jurados dos Jedi e da República. Eles
buscavam nos eliminar da existência, buscavam dominar a galáxia. Uniram
suas forças na Irmandade da Escuridão, atraindo incontáveis seguidores
para sua causa com falsas promessas. Juntaram um exército de indivíduos
tolos e desesperados o bastante para acreditar em suas mentiras, e
mergulharam a galáxia em uma guerra que ameaçava destruir a todos nós.
Lucia permaneceu em silêncio enquanto Obba falava, embora tivesse
ficado involuntariamente tensa ao ouvir a descrição dela e de seus colegas
soldados.
– Um Jedi Sombrio, por outro lado, tem ambições muito menores. Ele,
ou ela, pensa apenas em si próprio. Ele age sozinho. O objetivo maior não é
a conquista galáctica, mas riqueza pessoal e importância. Assim como um
bandido ou criminoso comum, ele se deleita em crueldade e egoísmo. Ataca
os fracos e vulneráveis, espalhando miséria e sofrimento para onde quer que
vá.
– E você acha que um deles está envolvido aqui – Serra comentou. – Está
pensando em alguém em particular.
Obba baixou a cabeça, envergonhado.
– Set Harth. Quando era um Padawan, ele perdeu seu Mestre para a
bomba de pensamento em Ruusan. Eu o tomei como aprendiz, e
eventualmente o recomendei para os outros membros do Conselho do
Primeiro Conhecimento. Assim como Medd, ele se tornou um de nossos
agentes, vasculhando a galáxia em busca de artefatos e histórias do lado
sombrio. Mas a tentação do lado sombrio se provou forte demais para Set.
Ele rejeitou os ensinamentos Jedi para buscar riquezas e ganhos pessoais
em detrimento dos outros. Descobrimos tarde demais que ele havia mantido
muitos dos artefatos que descobriu para si mesmo. Quando percebi o que se
tornara, ele já havia desaparecido no submundo galáctico dos mercenários,
caçadores de recompensa e traficantes de escravos.
– Então você teme que Set Harth, esse Jedi Sombrio, possa ter matado
Medd Tandar em Doan?
– Se o assassino não foi contratado por alguém em Doan, então para mim
essa parece a possibilidade mais provável. Se Set de algum jeito soube do
conjunto de artefatos em Doan, teria tentado se apossar dele… e teria
matado qualquer um em seu caminho.
– Parece uma pessoa perigosa – Serra notou.
– Agora que os Sith estão extintos – Obba proclamou –, Set Harth pode
ser o indivíduo mais perigoso da galáxia.
Serra o encarou. Ela pensou no homem de armadura negra que
assombrara seus sonhos nos últimos vinte anos, e então se lembrou das
palavras de seu pai:
Os Jedi e os Sith sempre estarão em guerra. Os dois são completamente
intransigentes; as rígidas filosofias não comportam sua existência mútua.
Mas o que não conseguem perceber é que são meramente dois lados da
mesma moeda: luz e escuridão. Você não pode ter um sem ter o outro.
– Como vocês têm tanta certeza de que os Sith não existem mais? – ela
quis saber. – Não havia rumores de que alguns dos Lordes Sith
sobreviveram à bomba de pensamento que destruiu a Irmandade da
Escuridão?
– Isso é verdade. Um deles realmente sobreviveu – Obba explicou. – Mas
agora ele também foi derrotado… embora essa derrota tenha custado um
preço muito alto.
– Não entendo.
O Ithoriano suspirou, produzindo um som angustiado e triste.
– Venham. Mostrarei a vocês.
Com passos lentos e pesados, ele atravessou a sala e abriu a porta que
levava de volta ao corredor. Os três Jedi que as acompanharam até ali
estavam sentados de pernas cruzadas no chão, silenciosamente meditando.
Eles se levantaram quando viram o Ithoriano aparecer.
– Vocês podem retornar para seus deveres – ele os informou.
– Sim, Mestre – responderam, curvando-se ao mesmo tempo.
Dispensados, os Jedi subiram as escadas de volta para seus afazeres nos
andares mais altos da torre.
Movendo-se em um ritmo tão lânguido que era quase enlouquece-dor,
Obba conduziu as duas de volta para a base da torre e os jardins, onde,
finalmente, parou.
Estavam diante de um dos muitos monumentos erguidos no jardim.
Aquele em particular era um bloco branco de pedra, de um metro e meio de
altura e quase o dobro de largura. Os cabos de cinco sabres de luz estavam
incrustados na face da pedra; debaixo de cada um havia um pequeno retrato
esculpido – presumivelmente uma imagem do dono de cada sabre. Abaixo,
em letras maiores, havia o seguinte:
Em honra àqueles que caíram sob a lâmina do último Lorde Sombrio dos
Sith.
Que suas memórias sigam vivas, para que nos lembrem daquilo que
perdemos.
Não existe emoção; existe a paz;
Não existe a morte; existe a Força.
Mestre Jedi Valenthyne Farfalla
Mestre Jedi Raskta Lsu
Mestre Jedi Worror Dowmat
Cavaleiro Jedi Johun Othone
Cavaleiro Jedi Sarro Xaj
Caleb de Ambria

Quando seus olhos caíram sobre o último nome da lista, Serra sentiu os
joelhos fraquejarem. Sem palavras, ela apenas encarou o monumento, sua
mente incapaz de entender o que estava vendo.
– O que é isso? – Lucia perguntou, ecoando a confusão de sua senhora. –
Por que nos trouxe aqui?
– Dez anos atrás, o Mestre Valenthyne Farfalla descobriu que um Lorde
Sombrio dos Sith havia conseguido sobreviver à bomba de pensamento em
Ruusan. Após receber uma denúncia, ele rapidamente juntou a equipe de
Jedi que você vê honrada neste monumento para tentar apreender o Lorde
Sombrio. Eles o seguiram até o Núcleo Profundo e o confrontaram no
mundo de Tython. Nenhum dos Jedi sobreviveu.
– Você os conhecia bem? – Lucia perguntou, ainda seguindo a instrução
de Serra de fazer perguntas em qualquer oportunidade.
– Eu conhecia o Mestre Worror e o Mestre Valenthyne desde quando
éramos Padawans. Servimos juntos no Exército da Luz de Lorde Hoth,
durante a guerra contra a Irmandade da Escuridão de Lorde Kaan.
Houve silêncio por vários segundos, Obba perdido em suas memórias e
Serra ainda perplexa demais para falar. Foi Lucia quem interrompeu o
momento, fazendo ainda mais uma pergunta.
– O último nome, Caleb de Ambria. Eu me lembro de ouvi-lo durante a
guerra. Ele era um curandeiro, não é mesmo?
– Sim, ele era. Na batalha contra os Jedi em Tython, o Lorde Sombrio foi
gravemente ferido. Ele seguiu para Ambria em busca do único homem com
o conhecimento para curar seus ferimentos. Mas Caleb se recusou a ajudá-
lo.
Em sua mente, tudo ficou mais claro para Serra. Como seu pai previra, o
homem de armadura negra havia retornado. Como antes, ele viera para
tentar forçar Caleb a curá-lo. Como antes, Caleb resistira. Dessa vez,
entretanto, seu pai tinha a vantagem. Após enviar sua filha para longe, não
havia nada que o Sith pudesse fazer para forçá-lo a cooperar.
– O que aconteceu quando o curandeiro se recusou? – ela sussurrou, os
olhos ainda transfixados sobre o nome de seu pai esculpido na base da
pedra.
– Ninguém sabe com certeza. O que sabemos é que, logo após a chegada
do Lorde Sombrio, Caleb enviou uma mensagem alertando o Conselho Jedi.
Disse que o último Sith estava em seu acampamento em Ambria, ferido e
visivelmente indefeso. Queria que os Jedi viessem para capturá-lo.
– Por que ele faria isso? – Lucia perguntou. – Acho que me lembro de
ouvir que Caleb se recusava a tomar partido na guerra. Ele não tinha muita
utilidade para os Jedi ou os Sith.
– Ele nem sempre concordava com as filosofias de nossa Ordem. A
guerra acabara havia muito tempo nesse ponto e sua consciência não
suportaria ver o mal sobrevivendo sem fazer alguma coisa. Sabia que, se
deixasse o Sith partir, mais cedo ou mais tarde mais inocentes sofreriam. Ao
receber a mensagem, o Conselho enviou uma equipe liderada pelo Mestre
Tho’natu para Ambria. Fui um dos Jedi escolhidos para acompanhá-lo.
Infelizmente, quando chegamos ao acampamento, Caleb estava morto.
– Como? – Serra perguntou, sua voz baixa e sem emoção.
– O Lorde Sombrio descobriu que a mensagem fora enviada.
Enlouquecido pela traição de Caleb, suas feridas e a corrupção do lado
sombrio, ele aniquilou o curandeiro, cortando seu corpo de um lado a outro.
Quando chegamos, o Lorde Sombrio estava completamente insano. Ainda
estava nos arredores do acampamento e correu para nos atacar, um homem
contra um exército de Jedi. Mestre Tho’natu foi forçado a cortá-lo para
proteger sua própria vida.
O pai de Serra estava certo. Ele sabia que o homem de armadura negra
retornaria. Sentira o perigo, e então enviara sua filha para longe. Salvara a
vida dela, ao custo da sua própria. E ao fazer isso, ajudara a destruir o
homem que Serra temia mais do que qualquer outro.
Uma inundação de emoções a atingiu. Culpa. Tristeza. Vergonha. Mas,
acima de tudo, uma raiva feroz e primal. Mais do que tudo ela queria
vingança. Queria matar o monstro que a aterrorizara quando era criança e,
anos mais tarde, matara seu pai. Mas isso era impossível. Os Jedi haviam
roubado essa satisfação dela.
– Como ele era? – Lucia perguntou. – O último Sith.
– Era uma figura trágica e patética – Obba respondeu. – Magro. Frágil.
Você podia ver a loucura nele quando nos atacou. Seus olhos eram tão
negros e selvagens quanto seus cabelos.
Não, Serra pensou. Isso não está certo.
– Ele tinha cabelos? – O homem de armadura negra tinha a cabeça
raspada.
– Sim. Cabelos como os de um animal. Longos. Descuidados. Sujos de
sangue.
Uma suspeita impensável estava se formando no cérebro de Serra.
– Ele era um homem grande? – ela exigiu saber, lutando para não deixar
a urgência aparecer em sua voz. – Alto, quero dizer?
O Ithoriano sacudiu a cabeça.
– Não, não muito. Não para um humano.
O homem de armadura negra era um gigante. No mínimo tão alto quanto
o Mestre Obba.
Alheio ao turbilhão interno de Serra, o Ithoriano continuou sua história.
– Os sabres de luz dos Jedi caídos foram encontrados no acampamento
de Caleb; o Lorde Sombrio havia tomado os sabres como troféus. Mestre
Tho’natu os trouxe de volta, junto com os restos mortais do curandeiro,
para que pudessem descansar em um lugar de honra. Este monumento
representa um dos grandes triunfos da Ordem Jedi, mas também um de seus
capítulos mais sombrios. Os Sith já não existem, mas isso veio ao custo de
muitas vidas dolorosamente perdidas. Esse foi o preço que tivemos de pagar
para livrar a galáxia dos Sith para sempre.
A mente de Serra estava agitada, tentando juntar todas as peças. Ela
precisava de tempo para pensar, para entender tudo aquilo. Mas não podia
fazer isso ali – não com o nome de seu pai esculpido na pedra à sua frente.
Precisava se retirar antes que dissesse ou fizesse algo que poderia expor seu
segredo e revelar sua verdadeira identidade.
– Você nos deu muito o que pensar, Mestre Obba – Serra disse com a voz
endurecida. – Vou me certificar de repassar tudo isso ao rei.
Mestre Obba limpou a garganta como se pedisse desculpas.
– Tenho toda a confiança de que fará isso, mas eu ainda gostaria de
enviar alguém para investigar e descobrir se os talismãs ainda estão lá.
Como Serra hesitou antes de responder, Lucia a socorreu:
– Qual seria o propósito disso? Quero dizer, se você está certo sobre Set
Harth ser o assassino, ele já não estaria muito longe? Não ficaria no mesmo
lugar depois de colocar as mãos naqueles talismãs, não é mesmo?
– Você está provavelmente correta – o Jedi admitiu após considerar suas
palavras.
– Então não vejo razão para os Jedi seguirem investigando esse assunto –
Serra disse, recompondo-se o suficiente para aproveitar a oportunidade
criada por Lucia. – Considerando a delicada situação política em Doan,
seria melhor para todos se as investigações fossem conduzidas pelas
autoridades locais.
Ela percebeu que o Ithoriano não ficou satisfeito com aquilo, mas ele não
tinha escolha. Preso na teia da política galáctica, agora seria incapaz de agir
sem transformar a situação em um incidente diplomático oficial – algo que
o Senado não aceitaria de bom grado.
– Se descobrirmos algo sobre Set e os talismãs – a princesa prometeu –,
você tem minha palavra de que vamos informá-lo imediatamente.
– Sou grato a Vossa Alteza – o Ithoriano respondeu, curvando-se em uma
reverência forçada, percebendo apenas agora que havia sido manipulado.
Serra deu a Mestre Obba um rápido aceno de cabeça como despedida
final, depois rapidamente se virou para se retirar, ansiosa para voltar à
privacidade de sua nave. Lucia imediatamente a seguiu. Nenhuma das duas
falou enquanto atravessavam os jardins até o airspeeder que as esperava; o
silêncio continuou quando o speeder decolou e voou para longe,
transformando os prédios e as multidões de Coruscant em uma mancha
debaixo deles. Serra ainda pensava no homem de armadura negra de seus
pesadelos. Ela sabia que seus sonhos eram mais do que simples memórias
ou medos subconscientes borbulhando até a superfície. Caleb não fora nem
Sith nem Jedi, porém acreditara no poder natural da vida e do universo e
ensinara Serra a ouvir o poder dentro dela, a beber desse poder quando
precisasse de sabedoria, coragem ou força de espírito. Mais importante,
havia lhe ensinado a confiar em seus instintos.
Da mesma maneira que Caleb soubera que o homem de armadura
voltaria, Serra sabia que ele ainda estava vivo. Sabia que, de alguma forma,
ele estava envolvido no assassinato de seu pai. Os Jedi que viajaram até
Ambria foram enganados. Tinha certeza disso. Não teria sido difícil – eles
queriam acreditar que os Sith estavam extintos. Era sempre mais fácil fazer
as pessoas aceitarem uma mentira que elas desejavam.
Um plano começou a se formar na mente de Serra. Por muitos anos, ela
foi atormentada por aquela figura aterrorizante de sua infância. Agora, com
a morte de Caleb como catalizador, ela faria algo a respeito. Vingaria seu
pai. Encontraria o homem de armadura negra e então o mataria.
Serra não voltou a falar até ela e Lucia estarem sozinhas a bordo da nave
particular que as levaria de volta para Doan. Ali dentro, ela sabia que as
duas estavam seguras, sabia que qualquer coisa que dissesse ficaria apenas
entre elas. Mesmo assim, não estava pronta para confessar tudo. Manteria
os segredos de seu passado – seu pai, seus pesadelos – ainda mais um
pouco.
– A assassina que você contratou. Preciso que entre em contato com ela
novamente – foi tudo o que Serra disse. – Tenho mais um trabalho para ela.
Capítulo 6

SET HARTH JÁ ESTAVA EM DOAN HAVIA DOIS DIAS. Estava determinado a não
estar mais ali ao fim do terceiro. Em parte, queria fugir antes que mais Jedi
aparecessem para investigar a morte de Medd ou tentar recuperar os
artefatos que o Cereano viera procurar em primeiro lugar. Mas, além disso,
Set já estava cheio de ficar cercado por tantos mineiros.
Estavam todos começando a parecer iguais: baixos e parrudos, sua
corpulência comum sendo o resultado de gerações de trabalho braçal. A
pele deles era marrom e gasta, além de ser coberta com a poeira e a sujeira
que pairava sobre tudo. Todos tinham o mesmo cabelo – curto e escuro – e
vestiam as mesmas roupas, gastas e monótonas. Até mesmo a feição de seus
rostos parecia igual: austera e mal-humorada, desanimada e danificada por
uma vida inteira dilapidando pedreiras.
Dizer que ele não se encaixava ali seria a epítome do eufemismo. Set era
magro e esbelto, com longos cabelos prateados caindo sobre os ombros. Sua
pele era branca e macia, sem as marcas das intempéries – suas feições
bonitas transmitiam um charme travesso e um leve toque de arrogância. E,
diferente dos mineiros, Set se vestia com estilo.
Ele vestia um traje de combate feito sob medida, a cor do material entre
preto e violeta. A vestimenta leve dava a ele mobilidade total, porém
também era durável o bastante para lhe dar alguma proteção no caso de,
como acontecia tão frequentemente ao redor de Set, os eventos tomarem um
rumo mais violento. Sobre esse traje ele vestia um colete amarelo pálido –
tanto o traje de combate quanto o colete não tinham mangas, deixando seus
braços livres. Uma elegante faixa violeta de veda envolvia cada bíceps
avantajado, e suas botas, cinto e luvas sem dedos eram feitos do melhor
couro Corelliano.
Tipicamente, ele também carregava uma pistola disruptora presa no
coldre da coxa direita e um blaster convencional na esquerda. Ali em Doan,
entretanto, disruptores foram banidos, então ele guardou as duas armas –
junto com seu sabre de luz – nos vários bolsos da parte de dentro de seu
colete.
Era óbvio que ele não pertencia ao resto da multidão na cantina, mas não
estava tentando se misturar. Era conhecimento comum que mercenários
podiam encontrar trabalhos de alta remuneração em Doan. Set sabia que
qualquer pessoa pensaria que ele era apenas mais um mercenário querendo
lucrar com a escalada de violência entre os rebeldes e a nobreza.
Estariam errados, é claro. Set estava sim querendo lucrar, mas não tinha
nada a ver com a inevitável guerra civil em Doan. Menos de uma semana
atrás, seu antigo colega Medd Tandar estivera naquele mundo, e havia
apenas uma razão para ele viajar até um buraco como aquele.
Mestre Obba o enviou aqui para encontrar algum talismã do lado
sombrio, não é? Só que você achou muito mais do que isso. Sempre
suspeitei que você era um fraco.
O que quer que Medd estivesse procurando, ele morrera antes de
encontrar. Isso significava que o item continuava ali, apenas esperando que
alguém o encontrasse. Alguém como Set.
Nos últimos dois dias ele havia atravessado a superfície arrasada de
Doan, passando por cantinas, acampamentos e locais de trabalho. A cada
parada ele fazia perguntas, tentando encontrar alguém – qualquer pessoa –
que soubesse algo sobre o Cereano que fora assassinado junto com os
líderes rebeldes. Mais importante, precisava encontrar alguém que soubesse
o que Medd estava procurando.
Para quem perguntasse, ele explicava que estava interessado porque era
um colecionador de artefatos raros. Mas as pessoas ali eram desconfiadas.
Algumas delas suspeitavam que Set estava trabalhando para a família real.
Não era fácil conseguir as respostas de que precisava. Mesmo assim, ele
aprendera com os anos que todo mundo tem um preço… ou um ponto de
ruptura.
Suas investigações o levaram até ali, àquela cantina sem nome que
pertencia a um Rodiano chamado Quano, um dos poucos não humanos que
escolheram tentar ganhar a vida em Doan.
Ansioso para se livrar das nuvens de poeira que rolavam pela superfície,
Set abriu a porta e entrou na cantina. Imediatamente começou a se
arrepender da decisão. Estava claro que a clientela daquele estabelecimento
em particular era formada pela mais baixa ralé da sociedade mineradora de
Doan. A maioria das pessoas ali eram tortas e retorcidas – indivíduos
corcundas que trabalharam duro por uma vida inteira escavando minério
para o lucro dos outros. Suas roupas não eram apenas gastas, eram imundas,
e o fedor ácido de suor e corpos sujos quase provocou lágrimas em seus
olhos. Exatamente o tipo de pessoa que Set esperava encontrar no bar de
um Rodiano.
A mobília era tão maltratada e danificada quanto a clientela: vidros
desfigurados por rachaduras e buracos, mesas desbotadas e mancas,
banquinhos enferrujados que pareciam que iam desabar se alguém lhes
desse um bom chute. Contra a parede mais afastada havia um longo e largo
bar coberto por uma camada de tinta descascando que mal escondia a
podridão da madeira embaixo. A fileira de garrafas na prateleira atrás do
bar estava coberta por uma grossa camada de poeira e fuligem, mas Set não
precisava ler os rótulos para saber que eram marcas que prontamente
sacrificavam qualidade por preço.
Notou os pesados seguranças espreitando de cada lado da porta e
rapidamente os analisou: típicos capangas – grandes, fortes e estúpidos. Ele
podia ver pela postura desajeitada deles que cada um tinha uma pequena
pistola enfiada na frente de suas cinturas.
Encostado contra a parede atrás do bar estava o proprietário de pele
verde, braços cruzados sobre o peito. Seus olhos de inseto olharam para Set,
e seu focinho afunilado se contorceu naquilo que o ex-Jedi podia apenas
interpretar como um sorriso de desprezo.
Ignorando a recepção pouco convidativa, Set lentamente cruzou o salão
na direção do Rodiano. Duas dúzias de olhos passaram sobre ele, avaliando-
o friamente e dispensando-o, conforme seus donos voltaram para as bebidas
lamacentas em suas canecas.
– Aqui é bar só para mineiros – Quano murmurou em seu Básico
Galáctico cheio de sotaque assim que Set chegou perto o bastante para
pousar o cotovelo sobre o bar. – Você não bebe. Vai embora.
Set estendeu o braço e casualmente soltou um par de chips de cem
créditos sobre o balcão. O Rodiano tentou agir naturalmente, mas Set podia
sentir que ele estava repentinamente segurando a respiração.
– Estava pensando que poderíamos ter uma conversa – Set disse a ele,
indo direto ao ponto. – A sós.
Em um instante os chips desapareceram e Quano estava em cima do bar.
– Cantina fechou! – ele gritou o mais alto possível. – Hora de ir! De volta
ao trabalho! Todo mundo, fora!
A maior parte dos clientes se levantou a contragosto, murmurando
reclamações enquanto se dirigiam para a porta. Um cliente teimoso
continuou sentado, esforçando-se para não deixar sua cadeira cair enquanto
os outros passavam por ele. O Rodiano bateu palmas duas vezes, e os
seguranças perto da porta rapidamente se aproximaram.
Eles agarraram o homem, cada um segurando um braço, e o arrancaram
da cadeira. Bêbado demais para reagir, o cliente ficou pendurado como um
peso morto entre os dois grandalhões, seus pés se arrastando no chão
enquanto era carregado para fora. Ao alcançarem a saída, os seguranças
balançaram o coitado para a frente e para trás várias vezes, em uma
surpreendente demonstração de esforço coordenado, criando impulso antes
de lançá-lo pela porta no chão duro do lado de fora. Seria mentira se Set
dissesse que não ficou impressionado com a distância que alcançaram.
Com o cliente longe, um dos seguranças bateu a porta e a trancou. Então
os dois se viraram para encarar Set, sorrindo enquanto voltavam para suas
posições, junto à parede, um de cada lado da única saída do lugar.
Set não podia deixar de admirar a completa falta de sutileza do Rodiano.
A maior parte dos donos de bar teria convidado Set para uma sala aos
fundos para conversar em vez de fechar todo o negócio por apenas duzentos
créditos. Mas, julgando pela decoração geral, o estabelecimento mal era
rentável.
Não que Set realmente se importasse. Não estava tentando manter um
perfil discreto. Estava acostumado a deixar histórias memoráveis em seu
rastro – se alguém viesse investigar, ele já estaria longe, então o que
importava se ganhasse mais uma história para acrescentar à própria lenda?
Com o tempo, os detalhes inevitavelmente se tornariam exagerados, e um
dia as pessoas ficariam impressionadas ao saberem como Set fora tão rico
que chegou a pagar mil créditos para fechar uma cantina inteira apenas para
conversar com o dono.
– Ninguém importunar nós agora – Quano disse atrás dele, saindo de
cima do bar. – Você quer bebida?
– Sou um colecionador interessado em artefatos raros – Set respondeu,
ignorando a pergunta e indo direto ao assunto. Queria passar o mínimo de
tempo possível ali. – Anéis. Amuletos. Esse tipo de coisa.
Quano deu de ombros.
– Por que contar a Quano?
– Dizem por aí que você às vezes tem esse tipo de item para vender.
A antena na cabeça do Rodiano tremeu levemente.
– Talvez – ele sussurrou, chegando mais perto para que Set pudesse ouvi-
lo. – Mineiro encontra coisas. Ele querer vender para fora do mundo. Talvez
Quano ajudar.
– Então, hoje é o seu dia de sorte – Set respondeu, conseguindo abrir um
sorriso sedutor apesar do aroma pungente de feromônios alienígenas que
saíam do Rodiano. – Como eu disse, sou um colecionador. Um
colecionador muito rico.
Quano olhou rapidamente ao redor da sala vazia, quase como se
esperasse que alguém estivesse ouvindo a conversa. Set reconheceu aquilo
como um reflexo nervoso desenvolvido após anos fazendo negócios
espúrios em locais públicos.
– O que interessar a você?
– Acho que você sabe o que estou procurando. A mesma coisa que o
último colecionador que veio aqui. O Cereano.
– Ele não colecionador. Ele Jedi. Você Jedi também?
Set suspirou. Isso aumentaria o preço. Você nunca entendeu o valor de
manter um perfil discreto, não é mesmo, Medd?
– Pareço um Jedi?
O Rodiano inclinou a cabeça de um lado a outro antes de responder.
– Não. Parece mais caçador de recompensa.
– Isso realmente importa? Quero comprar o que você está vendendo. E
tenho muitos créditos… se você tiver a mercadoria.
– A coisa não aqui. Quano só intermediário. Mineiro tem.
– Você pode me levar para quem quer que seja?
Quano sacudiu a cabeça.
– Mineiro mudar de ideia. Não vender mais.
– Todo mundo tem um preço. Sou um homem rico. Se você me levar a
ele, tenho certeza de que podemos chegar a um acordo.
O Rodiano sacudiu outra vez a cabeça.
– Última vez que Quano levou alguém até mineiros, todo mundo morreu.
Muito arriscado.
– Estou disposto a arriscar.
O Rodiano riu com desdém.
– Quano não se importa com seu risco. Mineiros dizer que, se Quano
aparecer de novo, eles matam Quano.
– Eles não precisam saber que você estava envolvido – Set prometeu. –
Apenas me mostre onde encontrá-los. Farei com que valha a pena para
você.
Para enfatizar seu ponto, apanhou sua pequena bolsa e tirou de dentro um
punhado de chips de alto valor. Mostrou-os a Quano antes de soltá-los de
volta dentro da bolsa.
A língua do Rodiano apareceu e girou ao redor do focinho, sua relutância
em levar Set aos mineiros lutando contra sua ganância.
– Você paga mil; não, dois mil! Sim?
– Setecentos. Ou vou procurar outra pessoa que possa me ajudar.
– Certo, fechado – o Rodiano falou de repente, sem querer negociar, com
medo de deixar uma pequena fortuna escapar entre os dedos.
Para confirmar a transação, ele estendeu a mão. Cerrando os dentes, Set
retribuiu o gesto. Apertou a mão do alienígena brevemente e depois puxou
de volta, sentindo uma leve repulsa ao tocar a pele escamosa do Rodiano.
– Você bebe para celebrar – Quano declarou. – Conta da casa.
– Eu passo – Set respondeu.
– Você tem créditos com você, certo? – o Rodiano quis saber. – Você
paga agora, certo?
Set confirmou.
– Pagarei assim que formos.
– Vamos agora. Quano só pegar uma coisa antes.
Quando ele abaixou atrás do bar, Set percebeu que havia algo diferente
em sua voz. Estava muito ansiosa.
Então vai ser assim?
Levando a mão para dentro do colete, o Jedi Sombrio tirou seu sabre de
luz. Ele o acionou quando Quano voltou a aparecer, no momento certo para
refletir o tiro de uma pistola blaster que agora apontava para ele. O Rodiano
soltou um grito de surpresa e desapareceu de volta atrás do bar.
Set já havia lidado com tipos como Quano antes. Teria ficado
perfeitamente satisfeito em honrar os termos do acordo, mas o Rodiano
obviamente tinha um plano diferente. Por que arriscar sua vida e levar
alguém para uma base escondida por setecentos créditos quando você podia
matá-lo a sangue-frio e roubar todo o seu dinheiro?
Set respeitava o sentimento – afinal de contas, ele vivia por princípios
semelhantes. Mas o Rodiano cometeu um erro imperdoável ao tentar usar
esses princípios contra um Jedi Sombrio.
Mantendo um olho sobre o bar, Set se virou para encarar os dois mineiros
grandalhões que guardavam a porta. Eles provavelmente já esperavam a
traição de Quano, mas foram pegos de surpresa pelo fracasso de seu plano.
Agora os sorrisos tinham desaparecido e eles estavam desajeitadamente
sacando suas armas.
Por que os grandões sempre são tão lentos?
Set poderia tê-los parado de várias formas: poderia ter usado a Força para
arrancar as armas de suas mãos, ou disparar uma onda que os jogaria para o
outro lado da sala. Considerando o tempo que estavam levando, poderia
saltar à frente e cortar os dois ao meio com o sabre de luz antes mesmo que
pudessem atirar. Em vez disso, escolheu simplesmente ficar no lugar,
esperando pela inevitável saraivada de tiros.
Seus adversários não o desapontaram. Set facilmente desviou a primeira
rodada de tiros com sua lâmina brilhante, ricocheteando os tiros com
segurança. Naquele ponto, um oponente esperto teria fugido para a porta.
Os dois capangas de Quano, por outro lado, simplesmente continuaram
atirando, burros demais para perceber a completa futilidade de seus ataques.
Set desviou mais alguns tiros antes de ficar entediado com a brincadeira.
Usando a Força para antecipar a localização precisa dos próximos dois
tiros, inclinou o sabre de luz para defleti-los direto contra seu ponto de
origem.
O primeiro mineiro foi atingido no peito, o outro no estômago. Os dois
morreram instantaneamente.
Matar seus inimigos usando seus próprios tiros era uma tradição de longa
data para Set. Havia ocasiões em que precisava manter um perfil discreto, e
sabres de luz tendiam a deixar ferimentos muitos distintos. Agora não havia
essa necessidade, mas por que não aproveitar a chance de manter suas
habilidades afiadas?
Por todo esse tempo, Quano não reaparecera. Set não ficou surpreso.
– É melhor sair daí. Não me faça ir até você.
A cabeça verde do Rodiano subiu lentamente. Ele ainda segurava a
pistola blaster, apontando-a para Set. Mas suas mãos tremiam tanto que ele
nem conseguia manter o cano firme.
Set sacudiu a cabeça.
– Se você vai matar alguém para roubar seus créditos, ao menos escolha
um alvo fácil.
– Seu mentiroso – Quano respondeu, sua voz aumentando
defensivamente. – Você disse que você não Jedi.
Com um rápido movimento do punho, Set usou a Força para derrubar a
pistola da mão de Quano. Outro gesto ergueu o indefeso alienígena do chão
e o puxou para o outro lado da sala, onde ele aterrissou todo encolhido
diante dos pés de Set.
Segurando as antenas do Rodiano, Set ergueu sua vítima até deixá-la de
joelhos. Sua mão livre levou a lâmina do sabre de luz ainda acionado a
apenas alguns centímetros do rosto escamoso de Quano.
– Vamos deixar uma coisa bem clara. Eu não sou um Jedi.
Para enfatizar seu ponto, ele mexeu a lâmina, passando-a contra o rosto
do Rodiano por uma fração de segundo. O som da pele queimando foi
abafado pelo grito de Quano.
– Não mata, não mata! – ele choramingou.
O estrago foi pequeno – uma queimadura que cicatrizaria dentro de uma
semana deixando apenas uma leve marca. Mas Set ficou satisfeito por ter
reforçado seu ponto. Desligando o sabre de luz, ele soltou as antenas e deu
um passo para trás, permitindo que Quano se levantasse.
O Rodiano ficou de joelhos, erguendo a mão para examinar o ferimento.
– Ora, por que eu mataria você? – Set perguntou. – Você é o único que
pode me levar até os mineiros e seus talismãs. Até eu colocar as mãos neles,
farei tudo ao meu alcance para mantê-lo vivo.
– O que acontece depois de você conseguir? – Quano perguntou,
desconfiado.
Set abriu seu mais charmoso sorriso.
– Nesse ponto, vamos improvisar.

Set podia ouvir as vozes dos mineiros ecoando pelo túnel. Estimou que
estavam a apenas alguns metros de distância – pelo tom dos ecos,
suspeitava que estavam em uma larga caverna de teto alto.
Eles vivem como vermes, amontoados em viveiros subterrâneos, temendo
por suas vidas. Patético.
À frente, seu guia relutante parou de repente e se virou para olhar de
volta para Set. Não era fácil interpretar a expressão de um Rodiano, mas
estava claro o que Quano perguntava: Eu trouxe você até aqui, posso ir
agora?
Set simplesmente sacudiu a cabeça e apontou para o resto do túnel. De
ombros caídos, Quano continuou em frente.
Agora estavam perto o bastante para Set conseguir distinguir o que os
mineiros falavam.
– Você não pode estar falando sério! – um homem de voz profunda
gritou. – Os nobres mataram Gelba! Eles têm que pagar!
– Se eles conseguiram pegar Gelba, podem pegar quem quiserem – outro
homem protestou. – Acho que devemos passar um tempo sem chamar muita
atenção. E deixar as coisas se acalmarem.
– Concordo – uma mulher disse. – Sei que Gelba era sua amiga, Draado.
Mas o que você está dizendo é loucura!
Set podia ver a luz da entrada da caverna brilhando em uma esquina no
túnel logo à frente. Quano dobrou a esquina rastejando silenciosamente e se
abaixou atrás de uma rocha que lhe deu uma visão clara da mina. Ele até
podia ser um covarde, Set notou ao se juntar ao Rodiano, mas tinha um
talento natural para se esgueirar e espionar.
Daquele ponto de vista ele podia claramente enxergar a caverna. Estava
repleta de dezenas de grandes estalagmites erguendo-se do chão como feias
estacas marrons. Estalactites se penduravam no teto, parecendo dentes de
algum monstro de pedra esperando para morder as pessoas lá embaixo.
Set contou exatos doze mineiros reunidos em um semicírculo perto do
centro da câmara. Todos estavam armados, como os quatro guardas que ele
havia despachado na entrada do túnel havia menos de dez minutos. Alguns
dos mineiros estavam sentados em formações de pedra. Outros andavam
nervosamente de um lado a outro. Um se encostava contra uma estalagmite.
Dois homens e uma mulher pareciam estar no meio de uma discussão
acalorada. Quatro outros estavam de guarda ao redor do grupo, com rifles
blaster em punho enquanto nervosamente observavam a entrada da caverna,
como se tentassem penetrar as sombras antecipando algum ataque.
Quem matou Medd e seus amigos também deixou você paranoico.
– Sem Gelba aqui, sou eu quem decide – um homem de barba dizia para
uma mulher. – E eu digo que a morte de Gelba precisa ser vingada!
– Draado – Quano sussurrou, falando tão suavemente que Set precisou
chegar mais perto para ouvir. – Ele desenterrar coisa que você quer.
Olhando mais atentamente, Set notou um amuleto ao redor do pescoço de
Draado e percebeu o brilho de um anel em seu dedo – a única joia que vira
em um mineiro desde que pisou naquele mundo destituído.
– Você quer começar uma guerra que vai acabar matando todos nós – um
dos homens protestou.
– Ao menos vamos levar alguns nobres com a gente! – Draado rebateu.
Ele estava de pé a menos de dez metros de onde Set estava escondido,
perto o bastante para que pudesse sentir o poder que emanava dos talismãs.
O amuleto parecia chamá-lo; o anel acenava com seu calor sombrio.
– O que aconteceu com você, Draado? – a mulher perguntou. – Você
sempre foi a pessoa que dizia que é possível conseguir o que queremos sem
violência e derramamento de sangue.
– Eu mudei. Agora enxergo a verdade. – Draado bateu em seu peito para
enfatizar o que dizia, seu punho acertando o amuleto. – Os nobres não nos
respeitarão até aprenderem a ter medo de nós – ele insistiu, virando-se para
olhar nos olhos de todos ao redor da caverna. – Precisamos fazer com que
temam por suas vidas. Precisamos instalar o terror em seus corações!
Claramente Draado estava sob influência dos talismãs – estavam
corrompendo sua mente e seus pensamentos. O poder do lado sombrio o
havia dominado.
Agora entendo porque Quano disse que ele não queria mais vendê-los.
O Jedi Sombrio considerou suas opções. Barganhar com os mineiros
estava fora de questão – Draado nunca desistiria de seus tesouros
voluntariamente. Considerando a tensão na caverna e os guardas com os
dedos nos gatilhos, estava muito claro que qualquer tentativa de negociar
provavelmente terminaria em um tiroteio independente do que fizesse.
Ele sacou suas pistolas gêmeas e respirou fundo, preparando-se para o
confronto. Precisava praticar um pouco de tiro, de qualquer maneira.
Saltando de seu esconderijo, ele invadiu a caverna disparando. Derrubou
todos os quatro guardas com rifle antes de qualquer um deles ter tempo para
reagir. Com a Força guiando sua mão, ele facilmente atingiu cada um com
quatro tiros diretos enquanto corria na direção de uma grande estalagmite,
do outro lado da caverna.
Protegeu-se atrás da pedra no momento em que os mineiros começaram a
retribuir fogo. Eles salpicaram sua cobertura, lançando finas nuvens de
poeira quando os tiros desintegravam pequenas partes da rocha. Inclinando
a cabeça para fora, Set disparou mais duas vezes, reduzindo o número de
oponentes para seis antes de se proteger outra vez atrás da estalagmite.
O som de tiros do inimigo reverberava nas paredes da caverna. Set sorriu,
deleitando-se no glorioso clamor da batalha. Metade já foi. Isso pode ser
mais fácil do que pensei.
Atrás dele, Set sentiu Quano fugir para a liberdade no túnel. Set poderia
derrubá-lo com um único tiro nas costas, mas decidiu deixá-lo ir. Sempre
preferia deixar alguém para trás para contar a história de seus feitos.
Um estalo alto repentinamente ecoou pela caverna. Olhando para cima,
Set viu uma das grandes estalactites do teto caindo diretamente sobre onde
estava. Ele rolou para o lado no último instante, e a mortal lança de pedra
explodiu em fragmentos ao atingir o chão duro da caverna. Ele abaixou a
cabeça quando a chuva de pedra pulverizada o atingiu, acertando a pele
exposta de seu pescoço e de seus braços nus com centenas de cortes
superficiais.
O tiroteio recomeçou, mas Set já estava de pé. Desviando e saltando
erraticamente, conseguiu desviar de dois tiros enquanto corria para se
proteger atrás de outra das proeminentes formações rochosas.
Momentaneamente seguro, precisou de um segundo para recuperar o
fôlego, olhando para cima para ter certeza de que outra estalactite
potencialmente letal não estivesse prestes a cair sobre sua cabeça. Não tinha
dúvida sobre quem havia disparado os tiros que soltaram a estalactite. Ele
fora descuidado, subestimando Draado e os talismãs.
Não era necessário ser treinado nos ensinamentos da Força para se
beneficiar de seu poder. Ela aumentava seus sentidos, fazia um indivíduo
reagir mais rápido e antecipar movimentos. O que alguns enxergavam como
destreza com uma arma ou sorte na batalha era geralmente uma
manifestação da Força. Mesmo que não estivesse ciente, Draado estava
bebendo do poder do lado sombrio. E isso o tornava perigoso.
Deixando suas pistolas de lado, Set desprendeu seu sabre de luz. A
brincadeira acabou.
Inclinando-se para fora da rocha e acionando o sabre de luz, ele o jogou
com um movimento do braço, fazendo-o girar horizontalmente em uma
longa trajetória curvada. A arma circulou toda a caverna uma vez, cortando
facilmente estalactites e mineiros antes de retornar para a mão de Set.
Set precisou de anos para dominar completamente o devastador poder do
lançamento de sabres, mas o ataque era virtualmente impossível de
defender. Cinco de seus oponentes caíram no arco letal por onde a arma
passou. Apenas Draado foi rápido o bastante para se abaixar, salvo pelo
poder dos talismãs que usava. Mas, mesmo com aqueles artefatos, ele não
era páreo para um ex-Cavaleiro Jedi.
Set simplesmente se levantou e lançou a mão livre na direção de Draado,
formando uma garra com os dedos. O mineiro soltou seu blaster, as mãos
voando para a garganta enquanto tentava respirar.
Set atravessou a caverna, aumentando a pressão sobre a garganta de sua
vítima indefesa. Draado desabou de joelhos, seu rosto tornando-se azul. O
Jedi Sombrio ficou diante dele, observando friamente enquanto sufocava
até a morte.
Quando o mineiro finalmente parou de lutar, Set se abaixou e arrancou o
amuleto e o anel. Resistiu à tentação de usá-los ali mesmo. Sob a tutela do
Mestre Obba ele aprendera que era melhor estudar os artefatos do lado
sombrio cuidadosamente antes de usá-los – seu poder geralmente cobrava
um preço.
Já tinha o que queria e estava ansioso para ir embora daquele mundo
esquecido pela civilização e voltar para o luxo de sua casa em Nal Hutta.
Além disso, quanto mais ficasse em Doan, maior seria a chance de
encontrar algum Jedi enviado para investigar a morte de Medd. Se partisse
agora, tudo o que encontrariam seria o choroso Rodiano que ele deixara
para trás, e o alienígena não seria capaz de contar nada que os Jedi não
pudessem deduzir por si próprios.
Adeus, Quano. Torça para nunca mais me encontrar.
Enquanto fazia o longo trajeto de volta pelos túneis até a superfície –
com o amuleto e o anel firmemente em seu poder –, ele não pôde deixar de
pensar se o Rodiano apreciava a sorte que tinha.
Capítulo 7

NA OPINIÃO DE ZANNAH, de todos os mundos em que estivera – incluindo


os campos devastados pela guerra de Ruusan, os desertos estéreis de
Ambria, as planícies desoladas de Tython –, Doan era de longe o mais
inóspito.
Toda a superfície do planeta fora destrinchada na interminável busca por
minérios. Flora e fauna eram inexistentes – para qualquer lado que olhasse,
apenas enxergava terra e rocha. Era um mundo feio e devastado:
considerando tudo, não deveria haver nenhuma vida ali. Mas mesmo assim
os campos de mineração estavam repletos de seres desesperados cavando e
arranhando para extrair uma subsistência escassa.
Observando-os, não podia deixar de compará-los com seu Mestre, que
ela sabia que havia crescido em um lugar como Doan: Apatros, um mundo
rico em nada além de minas de cortosis, pertencente à Companhia de
Mineração da Orla Exterior, uma corporação conhecida por tratar seus
funcionários como escravos. Mas enquanto a infância brutal de Bane nas
minas de Apatros ensinara-o a lutar para sobreviver e ajudara a forjar seu
espírito indomável, os pobres miseráveis que ela encontrou em Doan eram
fracos, merecendo nada mais do que a servidão. Bane tinha ambição. Bane
tinha força. Ele conseguira se elevar acima de seu ambiente. Com pura
força de vontade, havia se livrado das correntes de sua infância e forjado
um novo destino para si mesmo. Havia se erguido do nada para se
transformar no Lorde Sombrio dos Sith.
Era hora de Zannah fazer o mesmo. Ela não se permitiria ser patética
como aqueles coitados: fracos, medrosos e escravizados.
Por meio do poder, eu ganho a vitória. Por meio da vitória, minhas
correntes se rompem.
Ainda havia o problema de encontrar seu próprio aprendiz, é claro. Mas,
no momento, ela precisava se concentrar na razão de estar ali. Suas
investigações haviam revelado que não era a única interessada na morte do
Jedi. Um homem com longos cabelos prateados – alguns o chamavam de
mercenário, outros, de caçador de recompensas – estivera ali menos de dois
dias atrás, fazendo as mesmas perguntas que ela. Desde então, Zannah
estivera seguindo seu rastro: conversando com as pessoas com quem ele
falou e seduzindo, subornando ou ameaçando-as até darem a mesma
informação que ele recebera.
Agora suspeitava que já sabia por que Medd Tandar estivera ali em
primeiro lugar. Era conhecimento comum entre os mineiros que um
pequeno conjunto de joias fora descoberto em uma mina, e que o Jedi viera
para Doan na esperança de adquiri-lo. Zannah podia apenas pensar em uma
razão para um Jedi estar interessado em alguns badulaques descobertos em
uma tumba há muito tempo esquecida em um mundo insignificante da Orla
Exterior – seu Mestre não estava sozinho em seus esforços obsessivos de
localizar antigos artefatos Sith espalhados pela galáxia.
A princípio ela assumira que o homem que vinha fazendo perguntas
sobre Medd era outro Jedi enviado para completar a missão original.
Entretanto, rapidamente ficou claro, pelos relatos de seu uso do terror e da
tortura para extrair informações, que ele não era Jedi ou mesmo alguém
trabalhando para a Ordem Jedi. O rastro desses relatos acabou em uma
cantina em ruínas, em um dos infinitos acampamentos de mineração. Mas o
estabelecimento estava fechado quando ela o encontrou, e Quano, o dono
Rodiano, desaparecera. Sem mais nenhuma testemunha, Zannah decidiu
vasculhar os arredores, esperando encontrar alguma pista.
A noite havia caído, banhando tudo em sombras. Ela tentou a porta e
descobriu que alguém havia destruído a tranca. Não era surpresa,
considerando a pobreza que testemunhara. Entrando no local, sentiu o leve
odor de carne podre. Zannah tirou um bastão luminoso de sua cintura e o
pressionou, enchendo o salão com a luz verde. Conseguiu distinguir dois
corpos no chão.
Abaixando-se ao lado de um deles, examinou-o rapidamente. O calor
seco e empoeirado de Doan – combinado com a falta geral de circulação de
ar na cantina – havia mumificado parcialmente o cadáver, retardando o
processo de decomposição. A causa da morte era óbvia: um tiro de blaster
no peito. A mão do cadáver ainda segurava seu próprio blaster.
Obviamente ele não era Quano – era um corpo humano. E não se
encaixava nas descrições do homem que estava seguindo. Com base nas
roupas e nos músculos avantajados, era provavelmente um dos mineiros.
Ela encontrou o segundo corpo na mesma situação: um mineiro morto,
atingido por um tiro no peito.
Continuando sua investigação da cena, notou que a prateleira atrás do bar
estava vazia –, mas círculos claros na poeira mostravam que até
recentemente havia dezenas de garrafas ali. Quem quer que tivesse invadido
o bar devia ter roubado todo o álcool… e deixado os corpos onde estavam,
no chão.
Uma busca detalhada no salão não resultou em nenhuma pista do
Rodiano ou do homem de cabelos prateados.
Quando ouviu alguém mexendo na porta, Zannah escondeu o bastão
luminoso sob sua capa e se abaixou: uma perfeita estátua oculta – ela
esperava – pelas sombras.
A porta se abriu devagar e uma figura sombria passou lentamente pelas
mesas na direção do bar aos fundos. Zannah esperou para ter certeza de que
o intruso estava sozinho, depois se levantou e jogou a capa de lado,
banhando o salão com a luz de seu bastão luminoso.
Um Rodiano congelou no lugar, olhando para ela com seus grandes olhos
cheios de medo.
– Quano, presumo?
– Quem você? – ele perguntou, seu Básico precário ainda mais difícil de
entender por causa do pânico em sua voz. Então ele notou a prateleira vazia
no bar e seu rosto se fechou em uma raiva carrancuda. – Você roubar toda
bebida de Quano.
– Não roubei nada. Vim até aqui apenas para fazer algumas perguntas –
Zannah assegurou.
Os ombros do Rodiano caíram. Suspirando, ele se sentou de pernas
cruzadas no chão, a cabeça pendurada com desânimo.
– Mais perguntas. Você Jedi também? Igual outro? – Ele falou com um
tom de completa desesperança, como se percebesse que não podia escapar
de seu destino.
– Um Jedi? Você quer dizer Medd Tandar? O Cereano?
– Não. O outro. Humano. Cabelo longo branco.
– Estou procurando por ele – Zannah admitiu. – Mas o que faz você
pensar que ele era um Jedi?
– Ele tem sabre luz. Usou para fazer isso em Quano.
O Rodiano virou a cabeça e apontou para o rosto. Movendo-se
lentamente para não o assustar ainda mais, Zannah se aproximou até
conseguir enxergar a cicatriz. Sob a fraca luz do bastão luminoso ela não
podia ter certeza, mas a queimadura realmente parecia consistente com um
ferimento causado por um sabre de luz.
Ela sabia interpretar as pessoas. O Rodiano era como um cachorrinho
abusado, encolhendo-se enquanto esperava pelo próximo golpe. Mas era só
mostrar um pouco de compaixão e ele reagiria como se ela tivesse salvado
sua vida.
– Ele torturou você. Pobrezinho – ela disse suavemente, fingindo
simpatia enquanto sua mente ponderava sobre a identidade do misterioso
homem de cabelos brancos.
Um Jedi nunca machucaria alguém sem justa causa. Quem fez aquilo não
era da Ordem, mas tinha um sabre de luz. E era hábil o bastante para
machucar Quano sem acidentalmente cortar metade de sua cabeça. Ela
ouvira histórias sobre Jedi Sombrios – Cavaleiros Jedi que se desviavam
dos ensinamentos de seus Mestres para abraçar o poder do lado sombrio.
Seria possível que o homem que ela procurava fosse um desses?
Mais importante, será que Bane já sabia disso? Seu Mestre muitas vezes
mantinha segredos e ela aprendera a sempre assumir que ele sabia mais do
que dizia. Mas, se ele sabia que havia um Jedi Sombrio em Doan, por que
enviara Zannah para investigar? Seria algum tipo de teste final? Será que
ela deveria provar ser digna enfrentando e matando aquele potencial rival?
Ou será que Bane estava testando o homem de cabelos brancos? Se ele se
mostrasse forte o bastante para derrotar Zannah, será que se tornaria o novo
aprendiz de seu Mestre?
– Ele querer informação – Quano choramingou.
– Sinto muito, Quano – ela disse, falando suavemente enquanto pousava
a mão gentilmente em seu ombro –, mas também preciso de informação.
Preciso saber o que você contou a ele.
Ao fazer isso, Zannah sutilmente usou a Força para influenciar a vontade
do Rodiano, para que ficasse mais inclinado a dizer o que ela queria.
– Ele seu amigo?
– Não – Zannah assegurou, usando palavras para reforçar a sutil
manipulação mental. – Ele não é meu amigo.
Talvez Bane estivesse tentando pressioná-la, Zannah pensou, forçando-a
para que agisse. Será que estava lhe oferecendo um aprendiz adequado na
esperança de que isso a convencesse a desafiá-lo pela liderança dos Sith?
– Você quer matar ele? – Quano perguntou, sua voz aumentando com
excitação.
– Isso é uma possibilidade – ela respondeu, oferecendo um sorriso
caloroso. Isso ou torná-lo meu aprendiz… assumindo que ele não me mate
antes. – Mas preciso encontrá-lo primeiro.
– Ele não aqui mais. Ele ir embora dois dias atrás. Deixar Doan.
– Ele veio aqui para encontrar algo, não é mesmo?
Quano assentiu.
– Coisa mineiro cavar. Ele levar. Matar mineiros. Aí Quano escapar.
– E você vem se escondendo desde então – Zannah deduziu. – Então por
que voltou para a cantina?
O Rodiano hesitou, seus olhos de inseto alternando nervosamente entre o
rosto de Zannah e o pequeno blaster acoplado ao pulso dela, visível sob a
manga de sua capa.
– Não vou machucá-lo, Quano – ela prometeu. – Não sou como ele. – Ele
gosta de machucar pessoas. Eu machuco apenas se enxergar alguma
maneira de lucrar com seu sofrimento. – Não acho que ele vai voltar. – Não
se já tem os talismãs. – Mas preciso saber mais uma coisa, Quano. Quando
o homem deixou Doan, para onde ele foi?
Ela percebeu o Rodiano vacilar antes de responder.
– Quano não sabe. Quano diz verdade.
– Acredito em você – ela disse, gentilmente acariciando sua mão. – Mas
aposto que conhece alguém que poderia me ajudar a encontrá-lo, não é?
O Rodiano se remexeu nervosamente, mas outro leve uso da Força
ajudou a superar sua relutância.
– Quano tem amigo no espaçoporto. Ele talvez sabe.
– Podemos ir vê-lo?
– Você quer ir agora?
Zannah sorriu novamente, sabendo que isso ajudaria a manter a conexão
que ela havia estabelecido.
– Você pode pegar seus créditos no cofre primeiro, se quiser.
Foi uma caminhada de dois quilômetros da cantina de Quano até a
estação de transporte terrestre mais próxima, mais quinze minutos de espera
até a chegada do transporte e mais quarenta minutos de viagem antes de
alcançarem o espaçoporto. Quando chegaram, já passava da meia-noite, e o
espaçoporto de Doan – nunca cheio, mesmo nas horas mais movimentadas
– estava vazio, exceto por alguns indivíduos que trabalhavam no turno da
noite.
Diferente dos portos altamente regulados de Ciutric, as autoridades nas
docas de Doan não se davam ao trabalho de fazer qualquer checa-gem de
registro nas naves que chegavam. De fato, seu único trabalho parecia ser
coletar as taxas.
– Seu amigo – Zannah perguntou enquanto ela e Quano andavam até o
portão vazio –, o que ele faz aqui?
– Funcionário limpeza – o Rodiano respondeu.
Zannah não sabia como um faxineiro poderia ajudá-la a rastrear uma
nave que partira havia quase dois dias, mas preferiu não dizer nada
enquanto ele a conduzia para dentro da área de partida e chegada e depois
para a plataforma de aterrissagem aos fundos.
A plataforma era pequena, mal podia acomodar uma dúzia de transportes
de médio porte. A grande maioria do tráfego interestelar de Doan era feita
de naves pessoais dos nobres ricos, que aterrissavam em plataformas
particulares em suas propriedades, ou naves de carga afiliadas às operações
de mineração, que aconteciam em outro lugar. Aterrissagens privadas ali no
espaçoporto público eram poucas e infrequentes.
A plataforma de aterrissagem era mal iluminada por um punhado de
holofotes pendurados em postes altos, mas mesmo assim Zannah conseguia
enxergar que havia apenas três naves no lugar, uma delas a sua. Oculto nas
sombras, no limite da plataforma, havia um jovem praticamente deitado em
uma cadeira. Ele vestia o uniforme do porto todo amarrotado e usava um
crachá de identificação; os braços estavam soltos e ele roncava alto.
Quano se aproximou e chutou a perna da cadeira, assustando e acordando
o rapaz.
– Pommat. Levanta.
Olhando ao redor com a expressão confusa de quem acaba de acordar, o
rapaz se mexeu e se ajeitou na cadeira. Quando seu olhar caiu sobre
Zannah, suas sobrancelhas se arquearam sugestivamente.
– Ei, Quano. Quem é a sua amiga bonita?
– Meu nome não é importante – Zannah disse, falando antes que o
Rodiano pudesse responder. – Fiquei sabendo que você pode me ajudar a
rastrear uma nave que passou por aqui dois dias atrás.
Quando o homem olhou para Quano, o Rodiano disse:
– Tudo bem. Ela legal. Ela amiga.
O rapaz voltou a olhar para Zannah, cruzando os braços e soltando uma
risada desdenhosa.
– Sei. Uma amiga que não quer dizer seu nome.
Ela podia sentir que sua vontade era mais forte que a do Rodiano, mas
ainda assim era maleável. O fato de que Pommat obviamente a achava
atraente ajudaria também, se estivesse disposta a flertar um pouco com ele.
– Sou uma amiga que tem muitos créditos – ela respondeu timidamente.
– Se você tiver o que eu preciso.
O homem pendeu a cabeça para a frente e para trás algumas vezes antes
de descruzar os braços e correr os dedos entre seus cabelos emaranhados.
Zannah arqueou uma sobrancelha sedutoramente e usou a Força.
– Vamos, Pommat. Não gosto de homens silenciosos.
– Certo, está bem – ele cedeu. – Talvez eu possa ajudar. Do que você
precisa?
– Alguns dias atrás um homem com longos cabelos brancos chegou a
Doan. Ele usou este porto?
Ela já sabia a resposta: a menos que o homem tivesse conexão com
alguma das famílias nobres, aquele era o único porto em mais de mil
quilômetros. Mas uma tática básica de negociação era começar fazendo a
outra pessoa dar respostas afirmativas para perguntas simples. Isso a deixa
propensa a concordar em questões mais importantes depois.
– Ah, sim. Eu me lembro dele. Nave chique. Última geração. Interior
customizado. Topo de linha. Mais chique até do que a sua.
– Como você sabe como é o interior da minha nave? – Zannah perguntou
desconfiada.
Houve uma breve pausa, então Quano e Pommat explodiram em risada.
– Ele contrabandista – o Rodiano explicou quando recuperou o fôlego.
– Não exatamente – Pommat esclareceu. – É só uma operaçãozinha que
eu montei. Algo para ajudar a pagar as contas, sabe?
– Não – Zannah disse sombriamente. – Não sei. Por que você não me
conta sobre isso?
– Uau, você tem um fogo nos olhos, garota – Pommat disse com
admiração. – Vou explicar para você. À noite, sou o único trabalhando aqui.
Posso fazer praticamente o que quiser. Incluindo invadir a nave de alguém.
– Você não se preocupa com os sistemas de segurança?
– Nunca encontrei um que eu não pudesse invadir – ele disse, inflando o
peito. – É um de meus muitos talentos. Talvez, se você tiver sorte, posso
mostrar alguns dos outros mais tarde.
– Então você invade as naves das pessoas e rouba o que houver lá
dentro? – Zannah esclareceu, ignorando a indireta desastrada.
– Não. Isso seria estúpido. As pessoas notariam se algo sumisse. E
denunciariam para o meu chefe. Não demoraria para descobrir o
responsável.
– Então o que você faz, exatamente?
– Você vai adorar isso – Pommat disse com uma piscadela. – Uma vez
dentro, invado o computador de navegação e baixo toda a informação em
um datapad. Isso me dá tudo: o dono, qualquer planeta em que a nave esteja
registrada, rotas do hiperespaço mais comuns. Sei quem é o dono, onde
esteve e quais mundos ele usa como porto principal.
– Esperto – Zannah admitiu. – Mas qual a utilidade disso?
– É aí que a coisa fica boa – ele prometeu, obviamente orgulhoso de si
mesmo. – Tenho um acordo com um cara em Kessel. Todos os meses ele
me manda um carregamento de glitterstim.
Glitterstim, também conhecido como “especiaria”, era uma poderosa
droga viciante banida na maioria dos mundos. Doan, entretanto, não tinha
leis contra sua importação. E ninguém nos espaçoportos para fazer cumprir
essas leis, mesmo se existissem, Zannah pensou.
– Não vendo a especiaria aqui – Pommat continuou. – Ninguém tem
dinheiro, com exceção dos nobres. E eles não negociam com as classes
mais baixas. Mas tenho contatos nos espaçoportos de uma porção de outros
mundos aqui na Orla Exterior. Então, digamos que eu invada o computador
de navegação e descubra que é uma nave de Aralia. Chamo meu contato
naquele mundo e pergunto se ele quer que eu envie um carregamento.
Depois de negociar o preço, entro na nave quando o dono não está por perto
e escondo um pacote de especiaria a bordo. Digo ao meu contato onde
escondi, passo os dados de registro da nave e ele diz a um de seus
camaradas no espaçoporto que o avise quando a nave voltar para Aralia.
Então ele espera até a barra ficar limpa, sobe a bordo, pega o pacote e
transfere os créditos para a minha conta aqui em Doan. O dono da nave não
faz nem ideia!
– Contrabando de especiarias é uma ofensa capital em Aralia – Zannah
comentou.
– Essa é a melhor parte. Se o oficial da alfândega decidir fazer uma busca
em uma dessas naves, o dono leva a culpa pelo crime, não eu! É um plano
infalível!
Toda a operação parecia bem mesquinha e mal pensada para Zannah. Ela
não se importava com o fato de Pommat estar disposto a ter inocentes
sofrendo destinos horríveis apenas para que ele ganhasse um punhado de
créditos de tempos em tempos. O que a irritava eram os detalhes técnicos. A
operação obviamente foi planejada por puro oportunismo e lhe parecia
ineficiente e não confiável. Mas ela não arruinaria a conexão que havia
estabelecido entre eles lhe dizendo isso.
– Eu não sabia que estava lidando com um mestre do crime – ela
provocou, causando um sorriso convencido no rosto de Pommat. – Então,
quando o homem de cabelos brancos saiu, você invadiu sua nave e copiou
tudo de seu computador de navegação.
– Tenho tudo aqui no meu datapad – Pommat respondeu, tocando o bolso
de sua calça.
– Então você sabe o nome dele? Sabe de onde ele vem?
– Sei… mas vai custar caro para você também saber.
Zannah sorriu e assentiu com a cabeça.
– É claro. Diga seu preço.
– Pede alto – o Rodiano disse. – Lembra, Quano fica com metade.
Pommat lançou um olhar de desaprovação para seu amigo antes de
balbuciar sua primeira oferta.
– Hum… quatrocentos créditos?
Ela não estava com paciência para negociar.
– Combinado. – Pela expressão desanimada no rosto do contrabandista,
ela sabia que ele repentinamente desejou ter pedido muito mais.
Levando a mão dentro de sua capa, ela retirou quatro chips de cem
créditos e os entregou ao rapaz.
– Comece a falar.
– A nave está registrada em nome de alguém chamado Zun Haako –
Pommat respondeu melancolicamente enquanto jogava dois chips para
Quano e guardava o resto em seu bolso.
– Haako é um nome Neimoidiano – Zannah apontou. – O homem que eu
procuro é humano.
Pommat deu de ombros.
– Talvez a nave seja roubada.
– Estou começando a pensar que essa informação não vale o preço que
paguei.
– O dono registrado pode ser falso, mas a informação no computador é
real – o rapaz assegurou. – A nave veio de Nal Hutta.
– Tem certeza?
– Não tenho dúvida alguma.
– Só por curiosidade – Zannah perguntou –, ele está levando algum
carregamento seu?
– Não – ele respondeu, quase lamentando. – Não faço negócios lá. Os
Hutts não gostam de peixe pequeno pegando uma boquinha, sabe?
– Provavelmente é uma sábia decisão.
Quano soltou uma risada.
– E quanto à minha nave? – ela perguntou, mantendo o tom de voz
casual. – Alguma surpresa a bordo?
– Não. Você foi a primeira nave que chegou aqui vinda de Ciutric –
Pommat respondeu. – Não tenho nenhum contato no seu mundo. A menos
que esteja interessada em estabelecer uma relação de longo prazo? – ele
acrescentou, lançando-lhe um olhar sugestivo.
Zannah respondeu sacando seu sabre de luz e acionando as lâminas
vermelhas duplas, cada uma com três quartos do tamanho de um sabre
tradicional. Ela se moveu com a velocidade espantosa da Força, seu
primeiro golpe cortando o braço estendido de Pommat na altura do cotovelo
e abrindo um buraco letal através do seu peito, enquanto o segundo golpe
removeu a cabeça de Quano do corpo. Os dois estavam mortos antes
mesmo de terem a chance de registrar uma expressão de surpresa.
Com o serviço feito, ela desativou a arma, e as lâminas gêmeas
desapareceram com um zumbido grave. Ela não matava sem razão, mas,
assim que Pommat revelou que sabia que ela era de Ciutric, Zannah não
teve escolha a não ser eliminar os dois. Os Jedi podiam aparecer para
investigar a morte de Medd, e ela não podia arriscar que eles rastreassem a
nave de volta até a propriedade de Bane. Não gostava de pontas soltas.
Abaixando-se, retirou o datapad do bolso de Pommat, junto com os chips
de crédito que havia entregado a ele. Depois fez o mesmo com Quano antes
de colocar os corpos – e as partes decepadas – sobre uma plataforma
flutuante usada para mover bagagem mais pesada pelo espaçoporto. Se
algum Jedi aparecesse, ela não queria deixar qualquer sinal de que alguém
usando um sabre de luz tivesse matado os dois.
Embarcando os corpos em sua nave, deu uma última olhada ao redor para
ter certeza de que não havia deixado nenhuma testemunha para trás.
Satisfeita, seguiu para a cabine para preparar a decolagem.
Os restos mortais de suas vítimas poderiam ser lançados ao sol de Doan
pouco antes do salto ao hiperespaço, sem deixar nenhuma evidência física
que pudesse conectá-la àquele mundo. Depois disso, Zannah seguiria para
Nal Hutta, embora não soubesse se seria uma viagem para eliminar um rival
ou recrutar um aprendiz.
Capítulo 8

UM SUAVE BIPE NO CONSOLE ALERTOU BANE de que a Triunfo finalmente se


aproximava de seu destino final.
A jornada até Prakith levara mais tempo do que ele havia previsto. Viajar
para dentro do Núcleo Profundo sempre era perigoso – o espaço
densamente povoado por estrelas e buracos negros no coração da galáxia
criava poços de gravidade capazes de distorcer o continuum espaço-tempo.
Sob condições tão extremas, as vias do hiperespaço eram instáveis,
mudando e até desaparecendo sem aviso.
A última rota conhecida para Prakith entrara em colapso havia quase
quinhentos anos, e ninguém se dera ao trabalho de traçar uma nova rota
desde então. Isso acontecia com frequência com mundos do Núcleo
Profundo: se não fossem ricos em recursos ou depósitos minerais, os
perigos de tentar encontrar novas vias do hiperespaço simplesmente não
justificavam o esforço.
Nos séculos desde o colapso das hipervias, Prakith fora basicamente
esquecido pelo resto da República. Mesmo a viagem saindo de estrelas
próximas era arriscada, e Bane esperava encontrar um planeta estagnado
depois de se isolar do resto da sociedade. O comércio interplanetário era a
força vital da cultura galáctica – sem isso, as populações entravam em
declínio e os níveis de tecnologia tendiam a regredir.
O isolamento de Prakith também permitira aos Jedi efetivamente remover
todas as menções de Darth Andeddu e seus seguidores dos registros
galácticos, apesar de Prakith em si ainda ser mencionado em um punhado
de velhas fontes. Bane havia compilado todas as fontes conhecidas,
incluindo vários mapas de navegação desatualizados, na esperança de
localizar o mundo perdido.
Não era impossível viajar através de hipervias não mapeadas, mas era
lento e perigoso. Bane foi forçado a traçar e retraçar seu curso múltiplas
vezes, realizando centenas de pequenos saltos, movendo-se de estrela em
estrela, escolhendo com cuidado em uma lista de potenciais rotas do
hiperespaço geradas pelo computador de última geração da Triunfo.
Apesar de ser o melhor programa que os créditos podiam comprar, o
computador estava longe de ser infalível. Ele operava com base em
probabilidades e pressupostos teóricos derivados de informações
previamente relatadas e complexas medições de astronavegação feitas em
tempo real. Era impossível prever a estabilidade ou segurança inerente de
uma dada rota até uma nave desbravá-la de fato – como resultado, cada
estágio da jornada tinha o potencial de terminar em desastre.
Viajar por espaço desconhecido era mais arte do que ciência, e Bane
contava tanto com seus instintos quanto com os cálculos matemáticos do
computador de navegação. Ao utilizar apenas saltos curtos ele prolongava a
jornada, mas dessa maneira podia minimizar o risco de a Triunfo ser
destruída por algum poço de gravidade inesperado ou esmagada por uma
hipervia que entrasse em colapso.
Aquela não era a primeira vez que ele enfrentava os perigos do Núcleo
Profundo. Dez anos atrás viajara até o mundo perdido de Tython para
recuperar o holocron de Belia Darzu. E o fato de que agora estava seguindo
para Prakith com o intuito de recuperar outro holocron – dessa vez criado
por Darth Andeddu – não lhe parecia mera coincidência.
Aquilo que os ignorantes achavam ser apenas acaso ou sorte era muitas
vezes trabalho da Força. Alguns preferiam chamar isso de destino ou sina,
apesar de esses termos serem simples demais para transmitir a sutil, mas de
alcance ilimitado, influência que a Força exercia. A Força era viva – ela
permeava o próprio tecido do universo, fluindo através de cada criatura
viva. Era uma energia que tocava e influenciava todas as coisas vivas, suas
correntes – tanto da luz quanto das sombras – envolviam e fluíam,
moldando os padrões da existência.
Bane passara uma vida inteira estudando esses padrões e chegara à
conclusão de que podiam ser manipulados e explorados. Entendera que,
com o declínio do poder do lado sombrio, os talismãs criados pelos antigos
Sith tendiam a se perder. Mas com o tempo o ciclo mudava e, com o
aumento do poder do lado sombrio, a chance de esses tesouros perdidos
serem encontrados novamente aumentava. Durante essas janelas de
oportunidade, era preciso apenas um indivíduo com a sabedoria necessária
para reconhecê-los e a força para agir.
Bane havia dominado esses talentos, porém não sabia se podia dizer o
mesmo de sua aprendiz. Zannah era esperta e astuta, e seus poderes no lado
sombrio podiam ser ainda maiores do que os dele. Mas será que ela tinha a
visão para guiar os Sith através das marés invisíveis da história enquanto
subiam e recuavam?
Ele se perguntou como estaria indo a investigação dela em Doan. Bane
esperava retornar para Ciutric antes de Zannah, mas havia subestimado a
dificuldade de navegar através do Núcleo. Quando voltasse, era provável
que ela já estivesse lá esperando por ele. Zannah perceberia que a enviara
para longe como uma distração, e ela estaria esperando uma traição quando
ele voltasse. O confronto que ele vinha esperando finalmente aconteceria.
O console de navegação emitiu mais um bipe, e o cenário lá fora mudou,
saindo do campo branco do hiperespaço para revelar o sistema Prak: um
pequeno sol vermelho cercado por cinco pequenos planetas. Tomando o
controle manual de sua nave, Bane desceu no terceiro planeta – um sinistro
mundo coberto por vulcões ativos, lagos de magma fervente e escuros
campos de cinza sulfúrica.
Quando entrou na atmosfera, os sensores detectaram várias cidades
pequenas espalhadas pela superfície inóspita. A mais próxima ficava a
vários quilômetros ao norte, mas Bane virou sua nave na direção contrária,
dirigindo-se para a vasta cadeia de montanhas que corria de leste a oeste
pelo equador do planeta.
Ele não sabia se o culto de Andeddu ainda existia, mas no momento em
que saiu do hiperespaço sentira-se confiante de que a fortaleza ainda estava
de pé. Podia sentir sua presença na superfície do mundo – uma
concentração de energia sombria pulsando como um farol no coração das
montanhas.
Ao se aproximar, a nave detectou um pequeno assentamento no limite da
cadeia de montanhas. Surpreendentemente, um farol de aterrissagem emitia
um sinal nos canais-padrão. Isso significava que ainda havia um
espaçoporto ativo, embora fosse usado provavelmente por naves que
viajavam de um local a outro na superfície do planeta, e não por viajantes
interplanetários.
A teoria de Bane foi confirmada quando aterrissou na pequena
plataforma na fronteira do assentamento. A única pessoa no local era um
velho sentado em uma cadeira, na frente de uma pequena e dilapidada
cabine da alfândega. Ele observou curioso quando Bane emergiu da nave,
mas não fez esforço algum para se levantar.
– A gente não vê muitos visitantes ultimamente – ele disse quando Bane
se aproximou. – Você é de Gallia?
De suas pesquisas, Bane sabia que Gallia era uma das maiores cidades de
Prakith. O homem deduziu que ele fosse um nativo – a ideia de que alguém
de fora de seu sistema pudesse visitar aquele mundo obviamente nem
passou por sua mente.
– Isso mesmo – Bane disse, não vendo razão para complicar a situação
revelando a verdade. – Vim de Gallia. Estou procurando informações sobre
os seguidores de Darth Andeddu.
O homem se inclinou para a frente na cadeira e cuspiu no chão.
– A gente não gosta de falar sobre eles. – O velho lançou um olhar
desconfiado sobre Bane, cuspiu de novo, depois se ajeitou na cadeira e
cruzou os braços. – Não tenho mais nada para falar com você. Volte para
Gallia. Você não é bem-vindo aqui.
Bane poderia ter insistido, mas não viu benefício em intimidar ou torturar
um velho tão insignificante e irascível. Em vez disso, virou-se e começou a
andar na direção dos prédios no horizonte. Estava confiante de que alguém
lá estaria disposto a lhe dizer o que queria saber.

Algumas horas mais tarde, Bane estava de volta à nave, munido da


informação de que precisava. Apesar da declaração do velho, descobrira
que as pessoas estavam muito dispostas a compartilhar aquilo que sabiam
sobre o estranho culto isolado no meio das montanhas.
Estava claro que os seguidores de Andeddu ainda estavam ativos –
ocasionalmente alguns deles até desciam à pequena cidade quando
precisavam de suprimentos. Também estava claro que as pessoas na vila
falavam de seus misteriosos vizinhos com uma combinação de medo e
desprezo. Estimativas da quantidade de seguidores variavam entre algumas
dezenas até mais de mil, embora Bane suspeitasse que a verdade deveria
estar mais próxima do número menor. Fora isso, tudo era apenas
especulação ou superstição ilógica.
Atraído pelo inconfundível poder do lado sombrio que emanava de seu
alvo, Bane desceu a Triunfo e começou a voar entre os altos picos negros.
Enquanto voava cada vez mais dentro da cadeia de montanhas, começou a
notar um aumento nos sinais de atividade sísmica recente. Algumas das
montanhas tinham mais de vinte quilômetros de altura, mas a maioria tinha
a metade disso, seus topos explodidos quando a lava derretida de seus
núcleos entrava em erupção em uma chuva de fumaça e fogo.
Não demorou até a fortaleza em si entrar em seu campo de visão, uma
enorme estrutura no coração da cadeia de montanhas. Uma pirâmide de
quatro lados, de topo plano, esculpida totalmente em pedra negra. O
edifício de duzentos metros era parte fortaleza e parte monumento para um
autoproclamado deus.
Pelas histórias dos habitantes da cidade, Bane descobrira que Andeddu
fora adorado como uma divindade durante sua longa, longa vida antes de
ser deposto. Porém, mesmo após ser traído e morto, um pequeno culto de
seguidores devotados continuou acreditando que seu espírito ainda existia.
Eles continuaram sua leal servidão, preparando-se para o dia em que seu
mestre retornaria.
O longo isolamento de Prakith do resto da galáxia apenas servira para
fortalecer a determinação de seus seguidores. Aqueles que viviam no
templo agora eram descritos por todos como fanáticos, e Bane suspeitava
que cada um estaria disposto a sacrificar sua vida para proteger o holocron
de Andeddu.
Bane desacelerou a nave, procurando um lugar para aterrissar. Rios de
lava desciam dos picos ao redor, ziguezagueando seu caminho até o vale. O
poder malévolo que emanava da fortaleza mantinha os rios mortais
afastados, mas qualquer local de aterrissagem que ele escolhesse no chão
estaria sob risco. Bane não tinha intenção de adquirir o holocron apenas
para retornar e descobrir que sua nave havia desaparecido sob um lento rio
de lava.
Havia uma opção: o topo plano da fortaleza, certamente construído como
local de aterrissagem originalmente. Bane teria preferido não arriscar alertar
alguém dentro da pirâmide aterrissando sobre ela, mas parecia que não
tinha escolha. Havia um tempo para sutileza e um tempo para força. Ele
circulou a pirâmide uma vez, depois seguiu com a nave para uma perfeita
aterrissagem na plataforma.
Movendo-se rapidamente, saltou da cabine e correu para fora, o sabre de
luz já em punho. Por meio da Força, podia sentir as câmaras no edifício sob
seus pés explodindo em uma torrente de atividade quando os cultistas
começaram a correr para encontrar o intruso inesperado.
Bane olhou rapidamente ao redor, analisando o ambiente. O teto era
quadrado, trinta metros de cada lado, com uma pequena escotilha
construída em um dos cantos. Naquele momento, a escotilha se abriu e
seres que ele deduziu serem cultistas começaram a emergir – quase duas
dúzias no total, todos armados com vibrolâminas e clavas.
Apesar da quantidade, Bane instantaneamente percebeu que eles não
representavam risco real. Embora adorassem um dos antigos Sith, aqueles
eram homens e mulheres comuns. A Força não fluía por suas veias – eram
apenas seres descartáveis. Sua fúria podia ser alimentada pelas energias do
lado sombrio que emanavam do templo, mas Bane também podia
facilmente beber desse poder, deixando-o se acumular para então liberá-lo
contra seus inimigos.
Uma década atrás ele teria ansiosamente entrado em combate físico, seu
corpo estimulado pela adrenalina liberada pelos orbalisks que haviam
coberto sua carne. Levado por uma raiva irracional, teria aberto um
caminho sangrento entre os cultistas, cortando e golpeando seus inimigos
indefesos enquanto contava com as cascas impenetráveis dos orbalisks para
protegê-lo de seus golpes.
Mas agora já não havia orbalisks. Bane já não era invulnerável a ataques
físicos, mas também não era mais escravo da sede de sangue primal que
costumava tomar conta dele. Livre da infestação parasitária, foi capaz de
despachar seus inimigos usando a Força em vez de contar apenas com a
força bruta.
Bane extinguiu sua arma e continuou perfeitamente parado, permitindo
que a horda chegasse cada vez mais perto enquanto ele acumulava sua
força. Usou o poder do próprio templo, bebendo dele para incrementar suas
próprias capacidades enquanto criava um campo mortal ao redor de seu
corpo. Começou como um pequeno círculo apertado, mas rapidamente se
expandiu até um raio de dez metros, com o Lorde Sith ao centro. O ar
dentro da circunferência do campo repentinamente se tornou escuro, como
se a luz do sol vermelho acima tivesse subitamente diminuído.
Oculto nas sombras, Bane simplesmente se manteve no lugar durante o
ataque inimigo. Os cultistas das fileiras da frente gritaram em agonia
quando entraram no campo, sua essência vital violentamente arrancada de
seus corpos, envelhecendo-os mil anos em apenas alguns segundos.
Músculos e tendões atrofiaram instantaneamente – a pele secou e encolheu,
deixando o contorno dos ossos à mostra. Olhos e línguas encolheram
conforme transformavam-se em cascas mumificadas antes de a carne
dessecada se desintegrar, deixando para trás apenas esqueletos e alguns fios
de cabelo.
O esforço de criar uma aura de pura energia sombria teria rapidamente
esgotado até mesmo Bane. Entretanto, assim que seus inimigos desabavam,
ele absorvia suas essências, alimentando-se de suas energias para revitalizar
sua força e reforçar o campo em preparação para a próxima onda de
vítimas.
A massa de cultistas continuou avançando. Aqueles nas fileiras do meio
viram o destino de seus companheiros e tentaram parar desesperadamente.
Mas a inércia de quem vinha atrás os empurrou na direção do campo para
sofrerem a mesma morte agonizante.
Apenas aqueles na parte de trás do bando foram capazes de enxergar o
perigo e parar a corrida. Dos mais de vinte cultistas que atacaram Bane,
apenas um punhado conseguiu se salvar. Eles pararam a uma distância
segura, empunhando suas armas no limite do campo mortal, sem saberem
como proceder.
Bane pôs fim em sua confusão desativando o campo e sacando seu sabre
de luz. Seus oponentes eram poucos e lentos demais, e as vibro-armas
rústicas não conseguiam desviar sua lâmina brilhante. Mesmo
completamente indefesos contra um inimigo superior, sua devoção
irracional a Andeddu ainda os impelia a atacar o invasor do templo sagrado.
Bane os cortou como cães.
Mais nenhum cultista emergiu da escotilha para atacá-lo, mas Bane ainda
sentia quase uma centena dentro do templo. Aqueles que matara no topo
eram os guerreiros, guardiões enviados pelos sacerdotes, e ainda havia
outros membros nas salas e corredores da pirâmide.
Os inimigos que restavam eram potencialmente mais perigosos: os
sacerdotes de Andeddu certamente haviam alcançado suas posições por
causa de sua afinidade com a Força. Seu treinamento provavelmente foi
limitado, e Bane sabia que nenhum deles era poderoso o bastante para
enfrentá-lo. Porém, juntos poderiam ter o potencial para sobrepujá-lo.
Entretanto, Bane não pretendia lhes dar tempo para se organizar e unir suas
forças.
Movendo-se rapidamente, correu até a escotilha. Em algum ponto da
batalha ela havia sido fechada, e ele descobriu que estava trancada por
dentro. Deixando a Força fluir através de si, prendeu o sabre de luz na
cintura e se abaixou para agarrar a alça de abertura com as duas mãos.
Usando seus enormes ombros, arrancou a escotilha de metal e a jogou de
lado.
Saltou sobre a escada íngreme revelada abaixo, aterrissando em um
corredor inclinado que levava para dentro da fortaleza de Andeddu.
Acionando o sabre de luz novamente, começou a se mover com longas e
rápidas passadas enquanto atravessava sem hesitação os corredores
labirínticos, atraído pelo poder do holocron de Andeddu, que o chamava das
câmaras inferiores.
A arquitetura interior lhe lembrava a da Academia Sith em Korriban:
antigas paredes de pedra, pesadas portas de madeira e corredores estreitos
pouco iluminados por tochas penduradas nas paredes. Enquanto marchava
pelos corredores, Bane sentiu a presença ocasional de um ou dois
indivíduos do outro lado das portas por onde passava. A maioria se encolhia
de medo em seus quartos, permitindo que ele continuasse desimpedido –
podiam sentir seu poder e sabiam que interferir em sua busca apenas
resultaria em suas mortes inúteis. Entretanto, de vez em quando um cultista
cuja devoção a Andeddu superava qualquer instinto de autopreservação
aparecia para tentar impedi-lo de continuar.
Bane respondeu a cada um desses ataques com brutal eficiência. Alguns
ele cortou em dois com um único golpe do sabre de luz; em outros ele usou
a Força para quebrar seus pescoços, sem diminuir o ritmo de seus passos.
Quando alcançou a câmara central da fortaleza, já não havia mais nenhuma
tentativa de resistência. Qualquer um que ainda estivesse no templo havia
recuado para as câmaras inferiores, fugindo de sua fúria.
Ali, no coração da pirâmide, os seguidores de Andeddu haviam
construído um santuário para seu Mestre. Lâmpadas em cada canto
iluminavam a sala com uma sinistra luz verde. As paredes estavam cobertas
com murais que exibiam o Rei-Deus liberando seu poder contra os exércitos
daqueles que se opunham a ele, e havia um grande sarcófago de pedra no
centro, sua tampa esculpida com o relevo do Lorde Sith morto havia muito
tempo.
No Vale dos Lordes Sombrios em Korriban, Bane havia vasculhado as
antigas sepulturas dos Sith que vieram antes dele. Cada uma delas,
entretanto, estava vazia. Com o passar dos séculos, os Jedi haviam retirado
qualquer coisa de valor ou que tivesse o poder do lado sombrio, isolando e
escondendo os tesouros em seu Templo em Coruscant.
Ali, entretanto, Bane encontrara aquilo que faltava em Korriban. O
isolamento que havia permitido aos Jedi extirpar Andeddu dos registros
galácticos também havia mantido seu local de descanso seguro de qualquer
violação. O sarcófago em Prakith permaneceu intacto por séculos. Lá
dentro, o objeto de maior valor do Lorde Sombrio esperava para ser
reclamado por alguém digno de seus segredos.
Entrando na câmara, Bane notou o cheiro enjoativo de incenso no ar. Ao
se aproximar do sarcófago, podia sentir o aroma envolvendo-o como uma
fina névoa, agarrando-se em suas roupas. Após encontrar uma alça na
tampa do sarcófago, inclinou-se e empurrou. Forçando os músculos, Bane
usou toda a sua força para deslizar o topo para fora, o ranger da pedra
ecoando na câmara quando a pesada tampa sucumbiu aos seus esforços.
Lá dentro, havia o corpo mumificado de Andeddu, as mãos agarrando
uma pequena pirâmide de cristal sobre o peito. Levando a mão para dentro
do sarcófago, Bane apanhou a pirâmide e a puxou. Por um momento
pareceu que o cadáver lá dentro estava resistindo, seus dedos recusando-se
a soltar o objeto.
Bane puxou com mais força, arrancando o holocron de seu criador morto.
Então se virou e deixou a câmara.
No caminho de volta à nave, apenas alguns dos seguidores de Andeddu
tentaram impedi-lo – aqueles que tentavam eram eliminados como ratos.
Bane não descartara encontrar algumas dezenas de cultistas agrupados no
telhado em uma última tentativa desesperada contra ele, mas, fora a nave, o
lugar estava vazio. Aparentemente, a sabedoria e a autopreservação haviam
prevalecido sobre a lealdade a Andeddu.
Que seja, Bane pensou. Os líderes do culto haviam percebido uma
verdade fundamental: os fortes tomam aquilo que querem, e os fracos não
podem fazer nada sobre isso. Eles não eram fortes o bastante para impedi-lo
de reclamar o holocron de Andeddu, portanto não eram merecedores do
artefato.
Bane entrou na nave e preparou a decolagem. Não podia deixar de pensar
que, se algum dos cultistas fosse digno, ele teria deixado o lugar com mais
do que um holocron: estaria também levando um novo aprendiz.
No momento, a busca pelo substituto de Zannah teria de esperar. Já tinha
o que viera buscar. Levaria muitos dias para cruzar as rotas do hiperespaço
que levavam para fora do Núcleo Profundo, mas Bane aproveitaria a
jornada. Isso lhe daria tempo para explorar o holocron em detalhes. E, se
tudo saísse como planejado, quando voltasse para casa, todos os segredos
de Andeddu seriam seus.
Capítulo 9

O PARAÍSO NÃO ERA NADA IGUAL AO PROMETIDO. A estação espacial de nome


irônico ficava perto de uma pequena rota do hiperespaço saindo da Coluna
Comercial Corelliana. Embora tecnicamente sob jurisdição da República, o
quadrante era amplamente ignorado pela maioria das grandes corporações
de transporte de carga – era mais conhecido por seus piratas e traficantes de
escravos do que pelo transporte de mercadorias. Mas, percebendo que até
mesmo criminosos precisavam de um lugar para gastar seus créditos
roubados, um grupo de investidores Muun juntara recursos para criar uma
plataforma orbital que servia a um segmento da sociedade Republicana
marginalizado em mundos mais civilizados.
Lucia já estivera no Paraíso mais vezes do que gostaria em sua vida.
Após ser solta de um campo de prisioneiros de guerra da República, passara
vários anos trabalhando como guarda-costas independente, e muitos de seus
clientes a contratavam para que fornecesse proteção durante suas visitas à
estação. Esses trabalhos sempre pagavam bem, mas ela os aceitava apenas
quando não havia outra opção disponível.
Embora o Paraíso oficialmente chamasse a si mesmo um “completo
espaço público de entretenimento”, a realidade do que se passava lá era
muito mais sórdida do que o inócuo termo transparecia. Escravos do prazer,
jogos de azar e narcóticos ilegais estavam disponíveis em centenas de
mundos e plataformas orbitais, a maioria se promovendo como retiros
hedonistas para os ricos e poderosos – mas geralmente cumpridores da lei –
cidadãos da República. Esse não era o caso com o Paraíso. A clientela podia
ser mais bem descrita por uma única palavra: escória.
O desgosto de Lucia com a estação começou em sua primeira visita, e a
cada vez que retornava sua opinião era reforçada. Enquanto atravessava a
multidão no Fortuna Roubada – o maior dos seis cassinos da estação –, não
viu nada que a fizesse mudar de ideia.
Música tocava através de vários alto-falantes acima, misturando-se ao
burburinho da multidão. Humanos, quase humanos e alienígenas se
misturavam livremente, bebendo, rindo, gritando e gastando créditos em
vários jogos de azar. Piratas e traficantes de escravos formavam a maior
parte da clientela, junto com alguns mercenários, caçadores de recompensas
e um punhado de seguranças pessoais. Praticamente todos estavam
armados. Escravos do prazer, tanto machos como fêmeas, perambulavam
oferecendo bebidas e outras indulgências mais poderosas. Pelo preço certo,
qualquer coisa podia ser comprada no Paraíso… até mesmo os próprios
escravos.
A ameaça de súbita violência letal era um elemento inevitável e
geralmente aceito na cultura do Paraíso. Não havia forças de segurança a
bordo, e nenhum representante oficial das leis da República pusera os pés
na estação alguma vez – pelo menos não abertamente. Canhões blaster de
mira automática montados no teto podiam ser usados como um método
extremo de controle de multidão se alguém atacasse os funcionários do
cassino, mas, quando se tratava de segurança individual, os clientes
precisavam cuidar de si mesmos. Os endinheirados tipicamente contratavam
uma equipe de guarda-costas, mas o visitante comum tinha de contar com
um blaster à mostra na cintura e a ameaça de retribuição de amigos para
convencer os outros a pensarem duas vezes antes de iniciarem algo.
Lucia não tinha amigos com ela nessa viagem, mas já estivera lá o
suficiente para saber como evitar problemas. Portava-se com um ar de
confiança, um desafio implícito em seus ombros e no queixo erguido que
dissuadia qualquer um de se aproximar dela. Além disso, a maioria dos
conflitos começava perto das mesas de jogos, e Lucia não estava ali para
apostar.
Estava ali porque a princesa a enviara para encontrar a assassina Iktotchi
conhecida como a Caçadora. A última vez que Lucia estivera ali também
fora para encontrar a Caçadora, porém por decisão sua, não de Serra.
Na época, Lucia não sabia do acordo do rei com os Jedi. Nunca
suspeitara que a assassina fosse matar Medd Tandar e desencadear um
incidente diplomático. Porém, mesmo se soubesse ela teria vindo, para o
bem de Serra.
Fora testemunha da tristeza que a princesa sentia por seu marido. Sua
morte causara um rombo em seu coração e, após dois meses sem sinal de
melhora, Lucia não aguentou mais assistir ao sofrimento de sua amiga sem
fazer nada.
A princesa precisava pôr um ponto final naquela história – precisava ver
os responsáveis pagando por seus crimes. Mas, apesar de o rei ter enviado
tropas em busca de Gelba e seus seguidores, não conseguiram rastreá-los.
Então Lucia tomou a questão para si.
Agir pelas costas do rei para contratar um assassino era uma clara
violação da lei de Doan e uma quebra direta do juramento que ela fez
quando se juntara à Guarda Real. Mas isso ia além de qualquer juramento.
Serra era sua amiga, e sua amiga fora injustiçada. Ela não podia trazer seu
marido de volta, mas podia garantir que os responsáveis fossem punidos.
Era isso que você fazia como amigo: colocava as necessidades do outro
acima de tudo. Você era leal aos seus.
Era a razão de Lucia ter se juntado aos exércitos de Kaan nas Novas
Guerras Sith vinte anos atrás. Ela não se importava com o lado sombrio, ou
com os Sith, ou mesmo em destruir a República. Ela era uma jovem mulher
sem família ou amigos. Sem perspectivas. Sem futuro. Quando o recrutador
Sith fora até seu mundo, ele oferecera algo que ninguém mais poderia
oferecer: uma chance de fazer parte de algo maior do que ela, uma chance
de pertencer a algo.
Ela encontrara essa sensação durante seu tempo como atiradora de elite
com os Andarilhos das Trevas. Os outros membros da unidade se tornaram
como uma família. Ela teria dado a vida para salvar qualquer um deles, e
sabia que eles fariam o mesmo por ela. E, se não pudesse salvar alguém,
honraria sua memória vingando sua morte.
Foi o que aconteceu com Des. Embora o Tenente Ulabore fosse o
comandante oficial dos Andarilhos das Trevas, todos sabiam que o Sargento
Dessel era o real líder do esquadrão. Um mineiro de Apatros, ele era um
homem gigante: dois metros de altura e 120 quilos de puro músculo, com
um instinto para o combate e uma aptidão para manter seus colegas
soldados vivos em situações impossíveis. Des arriscara sua própria vida
para salvar a unidade mais vezes do que Lucia podia se lembrar.
Pensar sobre o que havia acontecido com Des ainda a deixava com muita
raiva. Deslocados para Phaseera, os Andarilhos das Trevas receberam
ordens para atacar uma instalação da República altamente fortificada antes
do pôr do sol… Uma missão suicida que resultaria na destruição de toda a
unidade. Quando Des sugeriu ao tenente que esperassem até o anoitecer,
Ulabore recusara. O maldito covarde teria sacrificado a todos em vez de
dizer a seus superiores que estavam cometendo um erro.
Recusando-se a enviar seus amigos para uma morte certa, Des tomou
conta da situação. Nocauteou Ulabore e tomou o comando da unidade,
mudando o plano para que atacassem sob a cobertura da escuridão. A
missão se provou um sucesso: as forças inimigas foram eliminadas e eles
sofreram o mínimo de baixas, assegurando uma grande vitória para o
esforço de guerra dos Sith.
Des deveria ser aclamado como herói por suas ações. Em vez disso,
Ulabore mandou prendê-lo para que fosse julgado por insubordinação.
Lucia ainda se lembrava da polícia militar conduzindo Des algemado. Ela
teria atirado em Ulabore ali mesmo se Des não tivesse percebido e sacudido
a cabeça quando ela ergueu sua arma. Ele sabia que não havia nada que
alguém pudesse fazer para salvá-lo – havia muitos policiais militares ao
redor, todos empunhando armas. Qualquer um que tentasse ajudar Des seria
morto, e ele seria julgado na corte marcial de qualquer maneira. Mesmo
sendo levado para encarar uma execução certa, Des ainda se preocupava
com seus amigos.
Lucia nunca mais viu Des – e nunca soube o que acontecera com ele,
embora pudesse facilmente adivinhar. Insubordinação era uma ofensa
capital, e os Sith não eram conhecidos por sua leniência. Mas, embora não
pudesse salvá-lo, ela ainda podia fazer algo para retribuir.
Levou quase um mês até que tivesse uma chance, mas ela não esqueceria.
Foi durante uma luta contra tropas da República em Alaris Prime. Os
Andarilhos das Trevas estavam de patrulha quando se depararam com uma
emboscada – algo que nunca teria acontecido se Des ainda estivesse ali.
Mas eles aprenderam muito com o sargento e, mesmo sem ele, os
Andarilhos das Trevas ainda eram uma das melhores unidades do exército
Sith. O encontro durou apenas alguns minutos antes de os soldados da
República se dispersarem e fugirem.
A intensa luta em campo fechado resultou em várias perdas para os dois
lados. Entre elas estava o Tenente Ulabore. Sua condição foi oficialmente
registrada como morto em ação, e ninguém dos Andarilhos das Trevas se
deu ao trabalho de relatar que ele havia levado um tiro nas costas à queima-
roupa.
Existiam aqueles que poderiam considerá-la uma pessoa ruim por ter
feito aquilo, mas Lucia nunca se arrependeu de sua decisão. Para ela, era
simples. Des era seu amigo. Ulabore foi responsável por sua morte. Foi o
mesmo com Serra. A princesa era sua amiga. Seu marido foi morto. Gelba
era responsável. Tudo tinha a ver com lealdade.
E então Lucia viajara para o Paraíso. Algumas perguntas discretas, junto
com quantias significativas de crédito trocando de mãos, levaram-na até a
Caçadora. Duas semanas depois, Gelba estava morta. Agora Serra queria
que ela contratasse a assassina novamente… embora Lucia não soubesse a
razão.
Algo havia acontecido a Serra durante a visita ao Templo Jedi em
Coruscant. Ela vira algo que a perturbou, algo que não queria compartilhar.
Lucia sabia que existiam segredos no passado da princesa, mas sempre
respeitara seu direito à privacidade. Afinal de contas, havia coisas em seu
próprio passado que ela também não queria que as pessoas bisbilhotassem.
Porém, apesar de ter aceitado ajudar, estava preocupada com sua senhora.
Serra era basicamente uma pessoa gentil e bondosa, mas também tinha um
outro lado. A princesa tinha pesadelos e, às vezes, entrava em uma
depressão sombria. Lucia suspeitava que ela sofrera algum evento
traumático na infância – uma memória tão intensa que a machucara de um
jeito profundo e fundamental.
A visão da Caçadora sentada em uma das mesas perto das janelas do
cassino fez seus pensamentos voltarem a focar na tarefa atual. O Fortuna
Roubada, como todos os cassinos no Paraíso, tinha vista para a arena
construída no centro da plataforma orbital. Através das grandes janelas de
transparaço, os clientes podiam assistir a combatentes – geralmente feras ou
escravos – lutando até a morte.
Embora fosse comum para os clientes apostar no resultado de cada luta,
Lucia percebeu que esse não poderia ser o caso com a Caçadora. Os
rumores diziam que os Iktotchis tinham poderes telepáticos e precognitivos
e, como resultado, eram banidos de apostar em praticamente todos os
cassinos da galáxia. Lucia entendeu que ela deveria estar apenas
aproveitando o espetáculo pela pura brutalidade.
A Caçadora estava sentada no canto mais afastado, de costas para uma
parede. Usava a mesma capa negra do último encontro. O pesado capuz
verde estava jogado para trás, revelando os chifres que se curvavam até os
ombros, emoldurando suas feições angulares.
Lucia apenas enxergava seu perfil, as tatuagens negras que desciam dos
lábios ocultas pelo ângulo e as sombras no canto. Daquela perspectiva,
havia algo que chamava a atenção para a Iktotchi de pele vermelha, uma
graça e elegância que Lucia nunca notara antes.
Ela poderia ter sido linda, Lucia pensou com alguma surpresa. Mas
escolheu se transformar em um demônio.
A Caçadora ergueu os olhos quando ela se aproximou, e Lucia congelou
– presa no lugar por aqueles olhos amarelos penetrantes.
– Eu já esperava por você – a Iktotchi disse, a voz quase inaudível sob a
música e a multidão.
– Esperava por mim? – Lucia respondeu, ainda aturdida demais para
dizer qualquer outra coisa. Talvez ela realmente conseguisse ler mentes e
ver o futuro.
– Aconteceram danos colaterais durante minha missão em seu mundo – a
Caçadora explicou. – O Jedi. Imagino que sua senhora não tenha ficado
satisfeita.
Lucia sacudiu a cabeça.
– Não é por isso que estou aqui.
– Ótimo. Porque não devolvo pagamentos.
– Quero contratá-la novamente.
A Iktotchi pendeu a cabeça para o lado, considerando por um segundo
antes de assentir. Lucia se sentou à mesa diante dela. Pelo canto do olho ela
podia ver a arena, onde duas monstruosidades cobertas de pelos e sangue
digladiavam-se com garras, presas e dentes. Uma delas parecia ser um lobo-
javali endoriano; a outra era algum tipo de abominação canina de três
cabeças.
– Uma terfera – a Caçadora explicou, embora não estivesse claro se ela
havia lido a mente de Lucia ou simplesmente notado a dúvida em seu rosto.
Lucia virou a cabeça com desgosto.
– Você tem outros rebeldes para eu eliminar? – a assassina perguntou.
– Não. – Ao menos acho que não. – Minha senhora deseja se encontrar
com você em pessoa. Em um mundo chamado Ambria.
A assassina cerrou os olhos com desconfiança.
– Por que Ambria?
– Não sei – Lucia respondeu honestamente. – Ela não quis me dizer.
Apenas disse que deseja se encontrar lá com você, sozinha. Está disposta a
pagar o triplo do seu preço normal.
Ela deslizou um datapad sobre a mesa.
– Este é o local.
Lucia tinha certeza de que ela recusaria. Parecia demais uma armadilha.
Mas a Caçadora simplesmente se recostou na cadeira e não falou por um
longo tempo. Era quase como se tivesse entrado em algum tipo de transe.
Esperando pacientemente, Lucia fez o seu melhor para ignorar o
espetáculo sangrento que acontecia na arena. Ela não gostava de matar por
esporte ou prazer – parecia inútil e cruel. Apesar de se recusar a olhar, um
urro que veio das mesas ao longo da janela disse a ela que o evento havia
terminado – um dos animais devia ter dado um golpe fatal no outro.
Instintivamente, ela virou a cabeça para ver o resultado e se deparou com a
imagem das três cabeças da terfera mergulhadas na barriga aberta do lobo-
javali, em uma corrida para se esbanjar com seus órgãos.
Ela rapidamente desviou os olhos, tentando controlar seu asco crescente.
– Diga para sua senhora que aceito a oferta – a Caçadora disse,
apanhando o datapad com seus dedos grossos e curtos, comuns a sua
espécie.
Feita a negociação, a assassina voltou a atenção para a arena, com um
leve sorriso nos lábios ao ver a cena.
Enojada, Lucia se levantou e deu um rápido aceno de cabeça antes de se
virar para ir embora, ansiosa para deixar a estação o mais rápido possível. A
Caçadora, aparentemente arrebatada pelo horrível espetáculo, pareceu não
notar sua saída.
Capítulo 10

ZANNAH NUNCA HAVIA COLOCADO OS PÉS em Nal Hutta antes, mas conhecia
o mundo bem o bastante por causa de sua reputação. Embora os clãs Hutt
reinantes tivessem coberto toda a superfície de Nar Shaddaa, a lua mais
próxima, com uma vasta paisagem urbana, Nal Hutta permanecera
amplamente rudimentar. O terreno pantanoso predominante do planeta fora
envenenado pela poluição lançada sem controle pelos centros industriais
espalhados pelo planeta, transformando a superfície em uma latrina de
pântanos fétidos capazes de suportar apenas insetos mutantes. A capital
Bilbousa vivia sob um perpétuo céu de fumaça cinza, pontuado apenas por
nuvens escuras que lançavam garoa ácida nos edifícios manchados abaixo.
A feiura física do mundo era espelhada por sua corrupção moral. O
Espaço Hutt nunca fizera parte da República, e as leis do Senado não
valiam ali. As poucas leis que existiam foram criadas pelos poderosos clãs
Hutt que controlavam Nar Shaddaa, transformando Nal Hutta em um
paraíso para contrabandistas, piratas e traficantes de escravos.
Mas proteção contra as leis da República vinha com um preço. Os Hutts
consideravam as outras espécies inferiores, e todos os alienígenas residentes
tanto em Nar Shaddaa quanto em Nal Hutta tinham de pagar uma pesada
taxa mensal para um dos clãs governantes pelo privilégio de viver sob sua
proteção. O preço exato flutuava muito, dependendo da queda ou do
aumento da fortuna do clã em questão, e não era incomum que o preço
dobrasse e até triplicassem sem aviso. Em tais casos, aqueles que não
estavam dispostos ou não podiam pagar o novo preço tendiam a
desaparecer, com todas as suas posses confiscadas pelo clã, de acordo com
a lei Hutt.
O preconceito contra outras espécies dificultaria para Zannah conseguir a
informação de que precisava. As autoridades portuárias de Nal Hutta
tinham uma desconfiança profundamente enraizada contra forasteiros que
faziam perguntas, e dificilmente alguma quantia de créditos mudaria esse
cenário. Felizmente para ela, entretanto, a rede de informantes e agentes de
Bane incluía vários membros de alta classe do clã Desilijic, uma das
facções Hutt mais proeminentes – e estáveis. Sob seu familiar disfarce de
Allia Omek, Zannah conseguiu usar esses contatos – junto com o registro
da nave gravado no datapad do falecido Pommat – para rastrear o homem
de cabelos prateados de Doan até ali.
Ela descobrira que seu nome real era Set Harth, e havia um rumor
persistente de que ele já fora um Jedi. Também descobrira que ele era
incrivelmente rico. E, embora ninguém com quem tivesse falado soubesse a
fonte exata de sua vasta fortuna, todos concordavam que seus ganhos eram
quase certamente ilícitos. Em Nal Hutta, isso geralmente era visto como
algo a ser admirado.
Outro fato interessante também emergira durante suas investigações: Set
Harth era uma figura conhecida da alta sociedade de Nal Hutta. Apesar de a
cidade ser um poço imundo governado por clãs opressores de Nar Shaddaa
– ou talvez por causa disso –, os residentes que não eram Hutts de Bilbousa
gostavam de oferecer festas luxuosas e extravagantes como celebrações do
excesso hedonista. Set Harth sempre recebia um convite para essas festas, e
era até conhecido por oferecê-las várias vezes ao ano.
Por sorte ele estava em uma dessas festas hoje, dando a Zannah uma
oportunidade para invadir sua mansão e tentar entender melhor o homem
que possivelmente poderia se transformar em seu aprendiz.
Sua primeira impressão foi a de que, de muitas maneiras, aquela mansão
lembrava a propriedade que Bane construíra em Ciutric IV: era menos um
lar do que um templo da elegância e do luxo no qual nenhuma despesa fora
poupada. Um candelabro feito de cristal Daloniano dominava a entrada,
refletindo o brilho do bastão luminoso de Zannah com leves toques de
turquesa. Os corredores eram forrados com placas de mármore, e vários dos
quartos que Zannah inspecionou continham tapetes Wrodianos, cada um
trançado ao longo de várias gerações, por uma sucessão de mestres artesãos.
A enorme sala de jantar podia facilmente acomodar vinte convidados em
uma mesa feita de madeira greel avermelhada. A escrivaninha no estúdio de
Set era ainda mais extravagante – Zannah reconheceu o estilo dos mestres
artesãos de Alderaan – feita com um raro carvalho kriin esculpido à mão.
Mas a mobília empalidecia quando comparada às raras e caras obras de
arte que adornavam cada quarto. Set gostava de peças ousadas e
chamativas, e Zannah tinha quase certeza de que todas eram originais. Ela
reconheceu estátuas esculpidas por Jood Kabbas, o renomado escultor
Duros; paisagens de Unna Lettu, a mais famosa pintora de Antar 4; e vários
retratos que exibiam o estilo inconfundível de Fen Teak, o brilhante mestre
Muun.
Claramente, o dono era alguém que gostava das melhores coisas da vida.
A propriedade de Bane em Ciutric dava a mesma impressão aos visitantes –
toda a arte extravagante e a mobília opulenta eram parte de uma fachada,
algo crucial para manter o disfarce de um empresário galáctico de sucesso.
No caso de Set, entretanto, ela não sabia se a decoração luxuosa era uma
enganação. Havia uma energia ali. As coisas pareciam reais. Vivas. Quanto
mais olhava ao redor, mais Zannah começava a acreditar que o Jedi
Sombrio não estava apenas bancando um disfarce: seu lar era um reflexo
verdadeiro de sua personalidade. Set obviamente gostava de gastar sua
fortuna em bens materiais – ele desejava a atenção e a inveja que despertava
nos outros.
Essa ideia fez Zannah pensar um pouco. Bane ensinara que a riqueza era
apenas um meio para um fim maior. Créditos eram apenas uma ferramenta
– juntar uma vasta fortuna não era nada além de um passo necessário no
caminho do verdadeiro poder. O materialismo – um apego aos bens físicos
que ultrapassava seu valor prático – era uma armadilha, uma corrente que
prendia o tolo à sua própria ganância. Aparentemente, Set ainda não tinha
aprendido essa lição.
É por isso que ele precisa de um Mestre. Precisa de alguém para ensiná-
lo a verdade sobre o lado sombrio.
Continuando com a investigação, Zannah subiu uma grande escadaria em
espiral que levava ao segundo andar. Passando a mão distraidamente sobre
o fino acabamento do balcão com vista para a sala de estar do andar térreo,
ela seguiu até os fundos da mansão. Lá encontrou a biblioteca de Set.
Centenas de livros forravam as paredes, mas a maioria eram romances
escritos puramente para o entretenimento… Obras que ela não considerava
dignas de serem lidas. Mas uma estante lhe deu esperança: uma coleção de
manuais e guias técnicos assinados por especialistas em mais de duas
dezenas de campos variados. Assumindo que Set tivesse lido e estudado
todos, era um homem de grande conhecimento e muitos talentos.
Nos fundos da biblioteca havia uma porta sem descrição – do outro lado,
Zannah sentiu o poder do lado sombrio. O poder a chamava, como as
vibrações de um motor em funcionamento emanando através do chão.
Aproximando-se cuidadosamente, sentiu o poder crescer. Não vinha de uma
pessoa ou criatura – ela conhecia muito bem a sensação de um ser vivo
sintonizado com a Força. Aquilo era diferente. Lembrava os pulsos
invisíveis de energia que ela sentira emanar dos cristais da Força que havia
usado para construir seu sabre de luz.
Testou a porta e se surpreendeu quando ela se abriu, sem resistência.
Obviamente, Set tinha confiança em sua privacidade – por outro lado, ele
certamente nunca suspeitou que um Sith pudesse lhe fazer uma visita.
Entrando na sala, Zannah achou o lugar pequeno e simples comparado com
o resto da mansão. Não havia obras de arte, e a única mobília era uma
vitrine posicionada contra uma parede negra, alguns metros à frente. Sob o
brilho de seu bastão luminoso, ela podia ver um conjunto de joias
cuidadosamente arranjadas na vitrine: anéis, colares, amuletos e até mesmo
coroas, tudo imbuído com o poder do lado sombrio.
Zannah já tinha visto coleções como aquela antes. Dez anos atrás,
Hetton, um nobre Serreniano sensível à Força e obcecado pelo lado
sombrio, mostrara a ela um conjunto semelhante de artefatos Sith… uma
oferta que ele esperava que convencesse Zannah a tomá-lo como aprendiz,
apesar de sua idade avançada. Infelizmente para Hetton, seus badulaques
não foram suficientes para salvá-lo – ou a seus guardas – quando eles
confrontaram o próprio Mestre de Zannah. Bane mostrara a Hetton o
verdadeiro poder do lado sombrio, uma lição que custara ao velho sua vida.
Bane também colecionava os tesouros dos antigos Sith, mas preferia a
sabedoria contida nos textos antigos. Zannah sabia que ele olhava para os
anéis, amuletos e outras parafernálias com desdém. A centelha do lado
sombrio que queimava dentro desses objetos era como uma única gota de
chuva caindo no oceano de poder que ele já comandava – não via
necessidade de aumentar suas habilidades com joias espalhafatosas criadas
havia séculos por antigos feiticeiros Sith. Seu Mestre acreditava que a
verdadeira força vinha de dentro, e ele arraigou tal crença em sua aprendiz.
Aparentemente, essa era outra lição que ela teria de ensinar a Set Harth,
supondo que ele se provasse digno de ser seu aprendiz.
Zannah congelou quando sentiu uma súbita presença dentro da mansão.
Usando a Força, ela confirmou a suspeita: Set havia retornado de sua festa,
e estava sozinho. Extinguindo o bastão luminoso, ela se moveu na perfeita
escuridão de volta para a entrada principal, deixando a Força guiar seu
caminho.
Deslizando silenciosamente até o balcão que dava para a grande sala de
estar ao pé da escadaria, avistou sua presa quase diretamente abaixo de
onde estava. Sob a luz de um abajur em uma mesa, ela podia vê-lo
recostando-se em um elegante sofá de couro, uma garrafa de fino vinho
Sullustano em uma das mãos e uma taça pela metade na outra. Ele ainda
vestia as roupas da festa: uma camisa azul-turquesa de seda Dramassiana,
calças pretas sob medida e botas na altura dos joelhos polidas à perfeição. A
gola da camisa estava desabotoada e suas longas mangas folgadas caíam
sobre os pulsos, ondulando com delicadeza enquanto ele gentilmente
balançava o vinho para liberar todo o seu aroma entre um gole e outro.
Ela não fez nenhuma tentativa de mascarar sua presença – estava curiosa
para saber se Set a sentiria através da Força da mesma maneira que ela o
sentiu quando chegou. Para seu desalento, ele parecia completamente
alheio, perdido nos confortos de sua casa e na degustação de sua bebida.
Zannah saltou do balcão até o chão, cinco metros abaixo, aterrissando
atrás dele, totalmente em silêncio, com exceção do gentil farfalhar de sua
capa negra. Set se mexeu com o som, ajeitando-se no sofá para fixar o olhar
na intrusa.
– Saudações – ele disse com um sorriso, aparentemente não surpreso pela
chegada dela. – Acho que não tive o prazer de conhecê-la. Meu nome é Set
Harth.
Ele ergueu sua bebida e inclinou a cabeça como se oferecesse um brinde
à sua chegada.
– Sei quem você é – Zannah respondeu com frieza.
Set cuidadosamente deixou a garrafa de vinho e a taça sobre a mesa,
depois se virou para Zannah e bateu duas vezes na almofada do sofá ao seu
lado.
– Por que você não fica confortável? Tem bastante espaço para nós dois.
– Prefiro ficar de pé.
Zannah ficou ao mesmo tempo confusa e desapontada por aquela reação.
Em vez de levantar a guarda, ficar cauteloso ou até mesmo indignado por
descobrir uma intrusa em sua casa, Set parecia flertar com ela. Seu tom de
voz era sugestivo e brincalhão. Será que não sentia que sua vida estava por
um fio? Será que não sentia o perigo em que estava?
Set respondeu à recusa dela dando de ombros.
– Você me seguiu até minha casa depois da festa, não é? – ele adivinhou.
– Normalmente eu não esqueceria um rosto tão bonito.
Zannah praguejou contra si mesma. Ela viera até ali procurando um
aprendiz, e encontrara nada além de um tolo mulherengo interessado
demais em flertes desajeitados para reconhecer seu poder. Esse erro era
constrangedor – ela sabia que com certeza Darth Bane teria imediatamente
enxergado Set como ele era.
– Você ainda não me contou seu nome – Set a lembrou, balançando o
dedo na frente do rosto. – Você é uma garota muito má.
O ataque veio no instante em que Zannah abriu a boca para responder.
Veio sem aviso nenhum, Set movendo-se com a velocidade sobrenatural da
Força. O sabre de luz do Jedi Sombrio se materializou em sua mão,
acionando-se e girando pela sala em sua direção, mais rápido que um
pensamento.
Zannah mal conseguiu se abaixar, a lâmina cortando um pedaço de sua
capa quando ela se jogou no chão. Quando a arma completou seu caminho
de volta e retornou para a mão de Set, ele já estava de pé… assim como
Zannah.
Ela percebeu que a saudação inicial de Set fora uma enganação. Ele
estava com o sabre de luz sob a manga durante todo o tempo, apenas
esperando Zannah baixar a guarda. Talvez ele não fosse um caso perdido,
afinal de contas.
– Você é rápida – Set notou, com um toque de admiração na voz.
Suas palavras já não tinham o tom leve e fácil de um convidado em uma
festa – ele havia parado de fingir. Seus olhos azuis eram atentos e focados,
penetrando sua oponente em busca de qualquer fraqueza que pudesse
explorar.
Zannah se preparou para o próximo ataque. Em sua mente, os próximos
segundos poderiam acontecer de mil formas diferentes, cada uma única em
seus detalhes específicos, cada cenário uma visão de um possível futuro
vislumbrado por meio do poder da Força. A imensa quantidade de
possibilidades podia ser arrebatadora, mas Bane a treinara bem.
Instintivamente, ela reduziu a teia de possibilidades até os resultados mais
prováveis, efetivamente permitindo que antecipasse e reagisse ao
movimento seguinte do oponente antes mesmo de ele acontecer.
Set disparou uma forte explosão de poder do lado sombrio em uma onda
cintilante feita para derrubá-la no chão. Zannah facilmente respondeu
projetando uma barreira de energia, a maneira mais simples e eficaz para
um usuário da Força se defender contra os ataques de outro usuário. Era
uma técnica ensinada a cada Padawan Jedi, e foi uma das primeiras lições
que Bane exigiu que ela dominasse.
– Você é uma Jedi? – Set perguntou.
– Uma Sith – Zannah respondeu.
– Pensei que os Sith estivessem extintos – ele disse, casualmente girando
seu sabre de luz em uma das mãos, sem tirar os olhos de Zannah.
– Ainda não. – Ela continuou no lugar, seu próprio sabre ainda preso na
cintura. Mas agora estava desconfiada: Set quase a enganara uma vez, e ela
não deixaria isso acontecer novamente.
– Deixe-me ver se posso consertar isso.
Quando ele saltou à frente para avançar sobre ela, Zannah acionou sua
própria arma. As lâminas gêmeas ganharam vida, e ela entrou naquela
dança familiar.
Set veio baixo no início, golpeando contra suas pernas. Quando ela
desviou a lâmina, ele girou rapidamente, saindo de seu alcance antes que
ela pudesse revidar. Com a Força, ele atraiu um busto de bronze do outro
lado da sala e o lançou na direção do flanco esquerdo dela. Ao mesmo
tempo, mergulhou à frente com uma cambalhota que o deixou perto o
bastante para atacar o lado direito de sua adversária.
Zannah facilmente repeliu as duas ameaças, suas lâminas girando e
cortando o busto ao meio, ao mesmo tempo em que se inclinava apenas o
suficiente para a arma de Set não acertar seu quadril, passando a menos de
um centímetro dele. Aproveitando a posição, ela o chutou com força nas
costas quando ele passou, não para incapacitá-lo, mas para incitar ainda
mais sua agressividade.
Enquanto os dois habilidosos combatentes se enfrentavam com os sabres
de luz, as lâminas se moviam tão rápido que era quase impossível pensar e
reagir a cada movimento. Bane a ensinara a contar com o instinto, guiado
pela Força e aguçado por milhares de horas de treinamento nas formas
marciais. Esse treinamento lhe permitiu perceber com os primeiros passos
de Set que ele usava uma variação modificada da Ataru, um estilo definido
por golpes rápidos e agressivos. Nos primeiros momentos do combate ela já
tinha avaliado seu oponente, notando sua velocidade, agilidade e técnica.
Set era bom. Muito bom. Mas Zannah também sabia, sem dúvida alguma,
que ela era muito, muito melhor.
Set, entretanto, ainda não tinha chegado a essa conclusão. O chute dela
teve o efeito desejado: quando ele atacou na vez seguinte, seu rosto estava
distorcido por um rosnado raivoso. Sua fúria permitiu-lhe que bebesse do
lado sombrio, tornando-se ainda mais perigoso quando disparou sua
próxima série de ataques. Saltando alto no ar, abaixando-se no chão,
lançando o corpo à frente, saltando para trás, girando e contorcendo-se, ele
golpeou cada ângulo em uma saraivada implacável, pensada para
sobrecarregar as defesas de Zannah, mas ela simplesmente refletiu os
esforços com uma eficiência fria, quase casual.
Combates com sabres de luz eram brutais em sua intensidade – poucos
duelos duravam mais do que um minuto. Até para um Jedi treinado, o
esforço de um combate total era exaustivo… particularmente quando se
usava as manobras acrobáticas da forma Ataru. Não demorou para Zannah
sentir que seu oponente estava se cansando. Ela, por outro lado, tinha fôlego
de sobra. Por exigência de Bane, tornara-se especialista nas sequências
defensivas da forma Soresu. Era simples para ela defender, redirecionar ou
evadir os golpes do oponente usando a inércia de Set contra ele mesmo,
facilmente mantendo o Jedi sob controle.
Naquele breve encontro, ela teve ao menos uma dúzia de oportunidades
para acertar um golpe fatal no homem de cabelos prateados. Mas ela não
estava ali para matá-lo – pelo menos, ainda não. Estava ali para testá-lo,
para ver se era digno de ser seu aprendiz.
Ele não precisava derrotá-la para ser bem-sucedido aos olhos de Zannah
– apenas tinha de mostrar potencial. Apesar de sua inabilidade de penetrar
as defesas de Zannah, ela já tinha visto o bastante para ficar satisfeita. Ele
podia ser imprudente e selvagem com o sabre de luz, mas também era
criativo e até mesmo um pouco imprevisível. Set mostrara astúcia suficiente
quando se encontraram pela primeira vez para que Zannah o subestimasse.
E, mais importante, ela podia sentir o poder do lado sombrio fervendo
dentro dele enquanto se tornava cada vez mais determinado a derrotá-la…
por mais fútil que fosse o esforço.
Agora ela estava brincando com ele, arrastando a batalha. Não bastava
Zannah querer Set como aprendiz – ele também precisava querer que ela
fosse sua Mestra. Ela precisava provar sua superioridade a ponto de ele
ficar disposto a servi-la. Não era suficiente apenas derrotar o Jedi Sombrio
– era preciso quebrá-lo.
Quando ele deu um passo mais lento ao recuar, após um de seus golpes,
ela deu uma rasteira que o derrubou no chão, apenas para depois recuar e
deixá-lo se levantar outra vez. Quando ele voltou a atacar, ela girou seu
sabre de luz em um movimento rápido e pouco ortodoxo, enganchando uma
das lâminas com o sabre de Set e arrancando a arma de sua mão.
Set saltou para trás imediatamente e usou a Força para atrair o cabo de
volta para sua mão, depois voltou a atacar teimosamente. Mas, com o passar
dos segundos, o fogo do lado sombrio ficava cada vez menos capaz de
combater a fadiga que tomava conta de suas juntas e membros.
Era inevitável que seu corpo cansado o traísse, e logo ele veio com a
lâmina um pouco mais ao lado, em vez de diretamente à frente. Zannah
avançou e ergueu o pé, atingindo Set no queixo. Ele cambaleou para trás
uivando de dor, enquanto uma série de profanidades ininteligíveis saíam de
sua boca, junto com respingos de sangue.
– Você se rende? – Zannah perguntou.
Sua única resposta foi cuspir o sangue no tapete caro e avançar mais uma
vez.
Zannah sentiu uma leve pontada de decepção. Ela esperava que ele fosse
esperto o bastante para não continuar com um combate que não podia
vencer. Outra lição que você terá de aprender comigo.
Quando ele se aproximou, ela respondeu não com violência física, mas
com um poderoso feitiço de magia Sith que atacou a mente do Jedi
Sombrio. Ele tentou erguer uma barreira protetora da Força em resposta,
mas o poder de Zannah destruiu suas defesas, deixando-o completamente
vulnerável.
Feitiçaria Sith fazia parte do lado sombrio tanto quanto os raios mortais
de energia violeta que seu Mestre soltava dos dedos e, quando Bane
reconheceu o talento dela para as magias sutis, mas devastadoras,
encorajara-a a estudar aquelas práticas misteriosas. Com textos antigos, ela
aprendera a distorcer e atormentar os pensamentos de seus inimigos. Podia
fazê-los enxergar pesadelos como realidade – podia fazer seus medos mais
profundos se manifestarem como demônios da psique. Podia, e já o fizera,
destruir a mente de seus inimigos com um simples pensamento e um gesto.
Set, entretanto, ela não pretendia destruir completamente. Em vez disso,
envolveu-o em uma nuvem de completo desespero e agonia. Ela alcançou
os recessos mais profundos de sua mente e a envolveu com o vazio da
escuridão.
Os olhos de Set embranqueceram, sua mandíbula se fechou com força e o
sabre de luz caiu de seus dedos inertes. Ele lentamente afundou-se no chão,
os olhos se fechando e o corpo tremendo enquanto se encolhia em posição
fetal.
Esse seria seu teste final. Uma mente fraca desabaria sobre si mesma até
murchar e morrer, deixando a vítima em um coma sem fim. Porém, se Set
fosse forte, sua força de vontade lutaria contra o horror. Pouco a pouco, ele
avançaria sobre o vazio, recusando-se a morrer, arrastando-se para a
superfície até a consciência finalmente retornar.
Se Set fosse de fato digno de ser seu aprendiz, ele se recuperaria daquela
condição em um dia ou dois. Se não fosse, ela simplesmente teria de
recomeçar sua busca.
Capítulo 11

A CAÇADORA MANOBROU SUA NAVE em um voo rasante sobre o deserto que


cobria a maior parte da superfície de Ambria. Embora não tivesse recebido
treinamento formal, ela era altamente sintonizada com a Força, de modo
que a sentia emergir da terra aquecida pelo sol enquanto sua nave passava
rente à superfície.
Milhares de anos atrás, Ambria fora um mundo de florestas verdejantes,
cheio de vida e o poder da Força. Mas a exuberante vegetação fora
devastada quando uma feiticeira Sith tentou – sem sucesso – dobrar o
mundo à sua vontade por meio de um poderoso ritual. Incapaz de controlar
as violentas energias do lado sombrio, ela foi destruída por seu próprio
feitiço… assim como a paisagem de todo o planeta.
Por séculos a corrupção do ritual fracassado influenciou toda a vida de
Ambria, transformando o bonito mundo em um pesadelo de vegetação
venenosa e feras mutantes e selvagens. Eventualmente as energias do lado
sombrio libertadas pela feiticeira Sith foram capturadas em um grande lago
perto do equador do planeta por um Mestre Jedi chamado Thon, mas a
carnificina já havia se espalhado tanto pelo mundo que seria impossível
curá-lo completamente.
Mas a Iktotchi sabia disso não porque havia estudado a história do
planeta. Sua conexão com a Força permitia que enxergasse coisas: dava a
ela vislumbres do passado, do presente e até de possíveis futuros. Essa
habilidade era comum a todos os Iktotchis em graus variados, mas o talento
da Caçadora ia muito além do resto de sua espécie. A maioria dos Iktotchis
recebia nada mais do que uma sutil sensação de perigo quando uma ameaça
se aproximava, ou uma intuição vaga de que um recém-conhecido era um
amigo ou um inimigo. Em certas ocasiões eles recebiam sonhos
precognitivos, mas mesmo esses não passavam de imagens aleatórias que
significavam muito pouco sem um contexto.
Com ela, entretanto, era diferente. Com os anos, desenvolvera suas
habilidades para que pudesse controlar e direcionar as visões que apareciam
como lampejos em sua mente. Quando se concentrava em uma pessoa ou
lugar específico, recebia uma torrente de estímulos visuais e emocionais
que ela frequentemente conseguia combinar em algo útil e coerente.
Havia meditado por várias horas em preparação para sua jornada até
Ambria, chamando a Força enquanto pensava sobre seu destino. Em troca,
testemunhara cenas tiradas da história do planeta: a feiticeira Sith sendo
consumida por seu feitiço fracassado; a luta do Mestre Jedi para prender o
lado sombrio no Lago Natth.
Mas nem todas as visões eram tão claras, particularmente aquelas que
lidavam com as sempre instáveis probabilidades do futuro. Sua chegada e
seu encontro com a princesa de Doan foram revelados apenas em vagas
impressões. Tinha confiança de que não estava entrando em uma armadilha.
Mais importante, tinha a sensação de que, por algum motivo, aquela reunião
teria uma profunda influência no resto de sua vida. Se seria para o bem ou
para o mal, não podia dizer, mas tinha certeza de que a viagem até Ambria a
colocaria em um novo caminho… e a Caçadora nunca fugia de seu destino.
O local da reunião era um pequeno acampamento abandonado no coração
do deserto intransitável de Ambria. Ao se aproximar, os sensores da nave
indicaram que outra nave já esperava em solo. Leituras indicaram uma
única forma de vida a bordo – como prometido, a princesa viera sozinha.
A Caçadora aterrissou, desligou os motores e saiu do conforto
climatizado de sua nave para dentro do calor sufocante e seco do meio-dia
de Ambria. A princesa estava na frente do acampamento, de costas para ela
e perdida em pensamentos.
O acampamento em si não era lá grande coisa – apenas uma pequena
cabana dilapidada e um velho caldeirão suspenso sobre um anel de pedras e
carvão. Mas, apesar dos arredores modestos, a Caçadora podia sentir que
aquele era um local de poder: um nexo tanto para o lado da luz quanto para
o lado sombrio da Força. Apesar do calor, a Iktotchi tremia. Grandes e
terríveis coisas tinham acontecido ali – eventos que um dia moldariam o
curso da história galáctica.
A princesa – Serra, a assassina se lembrou – virou-se para encará-la.
– Estou feliz por você ter vindo – foi tudo o que ela disse.
A Caçadora sentiu algo sombrio e poderoso na outra mulher, uma força
de vontade e um ódio acumulado por muitos anos.
– A sua guarda-costas disse que você gostaria de me contratar.
A princesa assentiu.
– Dizem que você consegue rastrear qualquer pessoa. Não importa onde
se esconda, você pode encontrá-la. Dizem que consegue enxergar através do
tempo e do espaço.
Aquela afirmação não era exatamente precisa, mas a Caçadora não viu
motivo para explicar as sutis complexidades de seu talento para aquela
mulher.
– Nunca falhei em uma missão.
Serra sorriu.
– Havia um homem aqui. Há muitos anos. Não sei seu nome. Não sei
onde ele está agora. Mas quero que você o encontre. Você pode fazer isso?
A Caçadora não respondeu prontamente. Em vez disso, fechou os olhos e
expandiu sua mente. Sentiu a Força se juntando, rodopiando ao seu redor
como o início de uma tempestade, carregando a poeira da memória
impressa no acampamento.
As memórias capturadas a cercaram – imagens inundaram sua mente. Viu
uma criança, vestida com uma túnica gasta e esfarrapada; viu a criança se
transformando em uma jovem mulher; viu a mulher deixando Ambria,
apenas para retornar muitos anos mais tarde como uma princesa.
– Você cresceu aqui – ela sussurrou enquanto continuava a vasculhar.
Às vezes a história de um lugar era fraca, desbotada pela passagem de
eventos mundanos e pessoas insignificantes. Ali as memórias eram fortes,
preservadas pelo isolamento e presas nas correntezas da Força que
permeavam o acampamento.
– Eu vejo um homem. Alto e magro. Cabelos escuros. Pele morena.
– Meu pai – Serra explicou. – Seu nome era Caleb.
– Ele era um curandeiro. Sábio. Forte. Um homem que impunha respeito.
Ela não disse isso para agradar a princesa – a Caçadora nunca se
importava com o que seus clientes pensavam dela, desde que pagassem.
– Tem outro homem – Serra disse. – Ele veio até meu pai em busca de
ajuda durante as Novas Guerras Sith. Alto e musculoso. Careca. Ele era…
maligno.
Maligno. Usar a Força requeria um foco intenso e profunda concentração
mental. Mesmo assim, a Iktotchi não deixou de notar a hesitação da outra
mulher.
A Caçadora não precisava de palavras como mal, bem ou até mesmo
justiça. Ela matava aqueles que era contratada para matar – não pensava se
mereciam ou não seu destino. Mesmo assim, achou estranho a princesa
escolher aquele rótulo. Ela era uma assassina. Matava para lucrar. Isso era
tão maligno quanto o homem de quem Serra falava? E quanto à princesa?
Ela queria contratar alguém para tirar a vida de outra pessoa – isso a
tornava maligna?
Mas não falou seus pensamentos em voz alta. Não tinham relevância para
aquilo que fazia. Apenas continuou buscando cada vez mais fundo no poço
de memórias, submergindo nelas à procura do homem que Serra descrevera.
Centenas de rostos apareceram diante dela. Machos. Fêmeas. Humanos,
Twi’leks, Cereanos, Ithorianos. Soldados servindo aos Jedi, e até aqueles
servindo aos Sith. Caleb havia curado a todos. Os únicos que ele recusava
eram os líderes dos exércitos. Via a si mesmo como um servo do povo. Os
Mestres Jedi e os Lordes Sith ele sempre se recusava a ajudar, com uma
única e notável exceção.
A Caçadora agora podia vê-lo: um Lorde Sith de armadura negra – o
cabo curvado de um sabre de luz preso na cintura enquanto ele se
agigantava sobre o curandeiro. Estavam medindo quem tinha mais força de
vontade, com o homem grande morrendo de alguma doença que ela não
conseguia discernir. Apesar de estarem separados por décadas, a Iktotchi
sentiu o poder bruto do lado sombrio emanando dele. Era diferente de tudo
o que já vira ou sentira antes, ao mesmo tempo aterrorizante e excitante.
– Eu o vejo – ela disse para a princesa. Vejo o que ele fez a você.
– Meu pai sempre disse que ele retornaria. Foi por isso que me enviou
para longe. E me fez mudar de nome.
– Seu pai estava certo.
Agora que o viu em suas visões, ficou fácil examinar os anos seguintes
em busca da impressão do Lorde Sith. Através do turbilhão de imagens, ela
facilmente encontrou a visita seguinte ao acampamento. Mais uma vez, ele
viera em busca da ajuda do curandeiro. Dessa vez, entretanto, não estava
sozinho.
– Há outros com ele. Uma jovem mulher. Um jovem rapaz.
– O que aconteceu? – a princesa perguntou, a voz ligeiramente trêmula.
Uma série de imagens chocantes e violentas atacaram os sentidos da
Iktotchi. Ela viu o corpo decapitado do curandeiro, seus membros
arrancados do torso e arranjados em uma exibição macabra perto da
fogueira. Dentro da cabana, o jovem rapaz se encolhia em um canto, como
um idiota enlouquecido por horrores lançados em sua mente. Os outros dois
– a jovem mulher e o Lorde Sith – eram mais difíceis de enxergar, embora
ela sentisse que ainda estavam ali. Algo os escondia – algum poder ou
feitiço mascarava suas presenças.
Quando tentou penetrar o véu, algo reagiu, arrancando-a de seu transe
meditativo e cortando sua conexão com o passado. Ela caiu de joelhos com
um grito angustiado, agarrando as têmporas, sua mente acelerando.
Em um instante Serra estava ao seu lado, abaixando-se sobre ela.
– O que aconteceu? O que você viu?
A Caçadora não respondeu prontamente. Já ouvira sobre isso
acontecendo com outros, mas nunca tinha experimentado por si mesma.
Não foram as imagens da horrível morte de Caleb que causaram sua
repulsa. Foi a feitiçaria, a magia Sith. Um encanto havia ocultado o Lorde
Sith e a jovem mulher aos olhos dos Jedi que descobriram o corpo do
curandeiro. As memórias ainda carregavam o eco do feitiço – mesmo após
uma década era potente o bastante para sobrepujá-la por um momento.
Como pode um único indivíduo comandar tanto poder?
– Diga-me o que você viu – a princesa exigiu saber, levantando-se.
– A morte de seu pai – a Caçadora respondeu, também se levantando.
– Ele estava lá? O homem de armadura negra?
– Sim. Acho que sim. Não ficou claro.
– Ele estava lá – a princesa disse com convicção. – Ele foi o responsável
pela morte de meu pai.
– Havia outra pessoa com ele – a Caçadora disse. – Uma jovem loira.
– Só me interessa o homem de preto. Você pode encontrá-lo?
– Se ele ainda estiver vivo, vou encontrá-lo – a Caçadora assegurou.
Ela sabia que sonharia com o Lorde Sith àquela noite, e por muitas noites
seguintes. Seu sono seria preenchido com imagens da vida cotidiana
daquele homem. Ela veria quantos sóis se erguiam no céu todas as manhãs
no mundo que ele chamava de lar – veria a cor e o tamanho desses sóis. As
luas e estrelas que marcavam o céu noturno seriam reveladas para ela.
Cenários familiares emergiriam de seu subconsciente adormecido noite
após noite. Ela cruzaria as referências com um banco de dados contendo
descrições de todos os sistemas e mundos na galáxia conhecida, estreitando
sua busca até encontrar o local exato.
Poderia levar dias, ou possivelmente semanas, mas no fim ela sempre
encontrava sua presa. Dessa vez, entretanto, não sabia qual seria o
resultado. Havia matado um Jedi em Doan, mas esse encontro seria muito
mais perigoso. Os efeitos restantes do feitiço Sith foram suficientes para
impedir sua tentativa de enxergar o passado. Quão mais forte seria o criador
daquele feitiço em pessoa? E quem havia lançado o feitiço? O Lorde Sith?
Ou a jovem com ele?
Ela ainda pretendia aceitar o trabalho, é claro. Mas era esperta o bastante
para entender que suas chances de sucesso aumentariam se não agisse
sozinha.
– Esse homem é poderoso – a Caçadora admitiu. – Não sei se serei capaz
de matá-lo sem ajuda.
– Não quero que você o mate – a princesa respondeu. – Quero que você o
capture. Quero que você o traga vivo para mim.
Os lábios da assassina se curvaram em um sorriso de escárnio.
– Não sou uma caçadora de recompensas.
– Pagarei dez vezes o seu preço normal. E contratarei mercenários para
ajudá-la. Quantos você quiser.
– Mesmo se o capturarmos, como poderíamos mantê-lo prisioneiro
enquanto o levamos de volta para você? Restrições normais não podem
conter alguém que tem o poder de convocar a Força.
– Deixe isso comigo – a princesa respondeu, passando pela Iktotchi e se
dirigindo para a pequena cabana do outro lado do acampamento.
Curiosa, a assassina a seguiu.
Com apenas alguns metros de cada lado, a cabana era pouco mais do que
uma caixa com uma porta. No chão, cobertos por uma camada de areia
soprada do deserto ao redor, havia uma velha cortina esfarrapada e um
tapete surrado.
A cortina parecia ter sido arrancada. O tapete, por outro lado, ainda
estava esticado sobre o canto mais afastado, embora suas fibras estivessem
cobertas de poeira.
Com a Iktotchi assistindo da porta, a princesa puxou o tapete de lado,
revelando um alçapão. Uma escada levava a uma pequena câmara abaixo.
– Meu pai construiu este porão para armazenar as ferramentas de seu
trabalho – Serra explicou, descendo a escada cuidadosamente.
A Caçadora entrou na cabana para olhar melhor, aproximando-se do
alçapão e olhando para a escuridão lá embaixo. Ela ouviu um estalo alto
quando a princesa acionou uma lâmpada para afastar as trevas.
De seu ponto de vista, a assassina podia distinguir uma série de
prateleiras construídas nas paredes do porão, cada uma repleta de jarros,
bolsas e outros recipientes pequenos. A princesa vasculhou entre eles
rapidamente até encontrar aquilo que procurava: uma garrafa sem rótulo
com um líquido amarelo que ela guardou em suas roupas antes de voltar
para subir a escada.
– Você sabe o que é senflax? – ela perguntou quando terminou de subir.
A assassina apenas encolheu os ombros.
– É uma neurotoxina extraída de uma planta rara, encontrada apenas nas
selvas de Cadannia – explicou Serra.
– Qual seria a utilidade de um veneno para um curandeiro?
– Não é realmente um veneno. Senflax funciona mais como um sedativo
que permite ao paciente permanecer consciente ao mesmo tempo em que
suprime toda dor e sensação. Isso interrompe os nervos dos músculos
primários, paralisando-os, mas não paralisa o coração, pulmões ou outros
órgãos vitais, por maior que seja a dose.
– Mesmo um Lorde Sith paralisado pode matar você usando a mente – a
Caçadora alertou.
– Senflax também confunde a cabeça. Deixa impossível para o paciente
se concentrar ou recompor seus pensamentos; tira qualquer vestígio de
vontade própria. Ele pode dar respostas simples para perguntas diretas, mas,
fora isso, fica completamente indefeso. Vi meu pai dar a um piloto que
sofrera queimaduras graves em uma explosão química – ela continuou, os
olhos cada vez mais distantes ao relembrar sua juventude. – Seus amigos o
trouxeram aqui, mas quando chegaram ele já estava enlouquecido de tanta
dor. O senflax tirou a dor ao mesmo tempo em que tornou o piloto capaz de
responder questões sobre quais substâncias químicas ele transportava, para
que meu pai soubesse como tratá-lo melhor.
– Você tem certeza de que a neurotoxina ainda vai funcionar depois de
tanto tempo?
A Caçadora estava ciente de que a maioria das pessoas teria perguntado
sobre o estado do piloto, mas ela não era igual à maioria das pessoas.
Apenas se importava com o trabalho que ainda não tinha certeza se
aceitaria.
– Deve funcionar, desde que a tampa tenha ficado selada – Serra
confirmou. – Assim que voltarmos para minha nave poderei testar sua
potência.
– Você sabe como preparar? – a assassina perguntou. – Como
administrar? A rapidez até fazer efeito e quanto tempo dura?
– Sou filha de meu pai – a princesa orgulhosamente declarou. – Ele me
ensinou tudo o que sabia sobre cura e medicina.
O que ele diria se soubesse que você está usando seu conhecimento para
buscar vingança por sua morte?, a Caçadora pensou silenciosamente.
– Posso mostrar como usar o senflax para manter o prisioneiro sob o seu
controle – Serra continuou. – Então, você aceita o trabalho?
A Iktotchi demorou para responder. Não era o dinheiro que a intrigava.
Era o desafio – o conhecimento de que estaria enfrentando um inimigo mais
poderoso do que qualquer um que já tinha enfrentado. Não conseguia
enxergar o resultado da missão – havia forças conflitantes demais para que
o futuro se tornasse claro. Porém, sentia que aquele era o momento para o
qual vinha treinando a vida inteira.
– Eu precisaria de ao menos dez guerreiros bem treinados sob meu
comando – ela disse lentamente.
– Eu lhe darei vinte.
– Então temos um acordo – a Iktotchi respondeu, seu leve sorriso fazendo
as linhas escuras tatuadas no lábio inferior se curvarem como um animal
mostrando as presas.
Capítulo 12

A VIAGEM DE VOLTA DE PRAKITH até Ciutric IV estava demorando mais do


que a jornada de ida. Deveria ser mais rápida, é claro – Bane já havia
traçado as rotas do hiperespaço que o levariam para fora do Núcleo
Profundo. Mas nas horas que passara no mundo vulcânico, tirando o
holocron dos seguidores de Andeddu, várias das vias que usara para o voo
de ida haviam mudado e se tornado instáveis.
Duas já haviam entrado em colapso, forçando Bane a recalcular sua
jornada. Estatisticamente, as chances de isso acontecer em um período tão
curto eram astronomicamente pequenas. Entretanto, as estatísticas
geralmente iam para o espaço quando se tratava de eventos influenciados
pela Força. Havia muitos casos de pessoas que adquiriram algum poderoso
artefato Sith e sofreram cruéis infortúnios para se desprezar essas histórias
como mera coincidência.
Muitos acreditavam que os talismãs do lado sombrio carregavam uma
maldição – outros alegavam que estavam, de alguma maneira, vivos, como
se os materiais inanimados usados para fazer um anel, amuleto ou holocron
pudessem alcançar senciência. Essas pessoas ignorantes o bastante para
acreditar em tal superstição poderiam alegar que o holocron de Andeddu
estava lutando contra Bane. Teriam declarado que o colapso das rotas do
hiperespaço era evidência do espírito vingativo de Andeddu capturado
dentro da pirâmide de cristal, buscando destruir o ladrão que violara seu
templo sagrado.
Bane sabia que não havia malevolência intrínseca no holocron – era
meramente uma ferramenta, um repositório de conhecimento. Porém,
também entendia o quão longe os efeitos da Força alcançavam. Uma
tempestade de violência girava ao redor de itens imbuídos com a magia dos
antigos Sith – os mais fortes eram capazes de velejar pela tempestade
alcançando alturas ainda maiores; os fracos seriam arrastados por sua força
e destruídos.
O holocron de Andeddu era um talismã de inegável poder – Bane podia
sentir as ondas de energia do lado sombrio irradiando dele. Era possível que
a frágil matriz do continuum espaço-tempo do Núcleo Profundo tivesse sido
sutilmente alterada por essas ondas durante sua jornada de volta,
desestabilizando as hipervias. Bane então traçou um curso de quase cem
breves saltos, minimizando o perigo passando o máximo possível da
jornada no espaço real. Levaria quase o dobro de tempo para chegar em
casa, mas era melhor ser cauteloso do que arriscar ter sua nave
instantaneamente esmagada por um ponto de singularidade criado pelo
colapso de um corredor do hiperespaço enfraquecido.
Felizmente, ele tinha um jeito para ajudar a passar o tempo.
– A transferência da essência é o segredo da vida eterna – o holograma
disse a ele.
Bane estava sentado de pernas cruzadas no chão da nave, com o holocron
à sua frente. Uma imagem tridimensional de Darth Andeddu, com vinte
centímetros de altura, era projetada logo acima do ápice da pirâmide de
quatro lados.
– O corpo físico sempre vai enfraquecer e falhar, porém não é nada além
de uma casca ou recipiente – o holograma continuou. – Quando chegar o
momento, é possível transferir a sua consciência, o seu espírito, para um
novo recipiente… como eu fiz com este holocron.
Bane entendia que a projeção que falava com ele não era o espírito morto
do antigo Lorde Sith – era apenas uma personalidade simulada conhecida
como porteiro. Todo holocron possuía um. Um guia virtual programado
com os traços da personalidade do seu criador, o porteiro servia como
guardião das informações armazenadas dentro do artefato.
A aparência do porteiro geralmente espelhava a do criador do holocron…
ou, ao menos, a imagem que o criador queria que os outros vissem. Bane se
lembrou de como o porteiro do holocron de Belia Darzu mudava de
aparência, refletindo a natureza mutável que herdara.
Seu próprio holocron projetava uma imagem de Bane ainda com sua
armadura orbalisk. Embora os parasitas tivessem se provado impraticáveis
na vida real, a aparência horrível de seu corpo coberto pela infestação era
visualmente mais impressionante e intimidadora. Também indicava os
sacrifícios necessários para abraçar o verdadeiro poder do lado sombrio –
uma lição valiosa para qualquer um que seguisse seus ensinamentos.
Mais importante, os orbalisks mascaravam sua aparência e ocultavam sua
verdadeira identidade. Se o holocron caísse nas mãos dos Jedi enquanto
ainda estivesse vivo, eles não poderiam reconhecê-lo pela imagem do
porteiro… Uma consideração ainda mais importante agora que estava
prestes a descobrir os segredos da vida eterna. Mas, primeiro, precisava
superar a pequena, mas imponente, figura que agora estava diante dele.
Andeddu havia escolhido representar a si mesmo como um homem de
armadura pesada banhado em um brilho ardente vermelho e laranja. Sobre a
cabeça havia uma peça que lembrava o ornamento de um sumo sacerdote,
envolvida por uma fina coroa dourada encrustada de joias. Seu rosto era
magro e soturno, quase esquelético.
Nos últimos quatro dias, Bane jogou seguindo as regras do porteiro em
uma tentativa de desvendar os segredos da vida eterna. Havia mergulhado
fundo no holocron de Andeddu, realizando em menos de uma semana
aquilo que outros precisariam de meses ou até anos. Sofrera pelas tediosas
lições, ouvindo os cansativos discursos filosóficos da imagem holográfica.
Não ouvira nada de novo sobre a Força, embora as palavras do porteiro
tivessem revelado muito sobre a personalidade e as crenças de Darth
Andeddu.
Assim como muitos dos antigos Sith, ele era cruel, arrogante, egocêntrico
e míope. Suas lições espelhavam as lições dos instrutores de Bane na
Academia Sith em Korriban – lições que Bane havia rejeitado décadas
atrás. Ele havia ultrapassado aqueles ensinamentos. Seu entendimento do
lado sombrio havia evoluído. Ao criar a Regra de Dois, ele havia
inaugurado uma nova era para os Sith. Havia transcendido o entendimento
limitado de homens como Andeddu, e já estava cheio de ouvir a litania
ignorante do porteiro.
– Mostre-me o ritual de transferência da essência – Bane exigiu.
– O ritual é repleto de perigos – o porteiro alertou. – Tentar realizá-lo
causará a destruição do recipiente atual; seu corpo será consumido pelo
poder do lado sombrio.
Bane cerrou os dentes em exasperação. Já ouvira esses alertas mais de
uma dúzia de vezes.
– Escolha seu recipiente com cuidado. Se escolher um ser vivo, saiba que
o espírito dele lutará contra o seu quando estiver tentando possuir seu
corpo. Se a vontade dele for forte, você fracassará e sua consciência será
lançada ao vazio, condenada a uma eternidade de sofrimento e tormento.
A menção do vazio sempre fazia Bane pensar na bomba de pensamento e
nas centenas de espíritos Sith e Jedi presos para sempre por sua detonação.
Isso o lembrava daquilo que já havia conquistado – lembrava daquilo que
era.
– Não sou nenhum estudante me encolhendo de medo diante do poder
inimaginável do lado sombrio – Bane disse rispidamente para o holograma.
– Sou o Lorde Sombrio dos Sith.
– Seu título não significa nada para mim – o porteiro desdenhou. – Eu
decido quem é digno de aprender meus segredos, e você ainda não está
pronto. Talvez nunca esteja.
Nos últimos dias, Bane chegara àquele ponto por vezes demais. Não
deixaria que o porteiro o frustrasse de novo.
Bane apanhou o holocron do chão com a mão direita, ignorando o já
familiar tremor na mão esquerda. Havia outro jeito de conseguir o
conhecimento que buscava, mas era um caminho cheio de perigos.
Durante a construção de seu próprio holocron, Bane havia desenvolvido
um conhecimento íntimo de como os talismãs funcionavam. Cada um era
único, um repositório de tudo o que seu criador havia aprendido durante sua
longa vida. Mas havia semelhanças comuns a todos, incluindo aquele que
ele estudava agora.
O holocron de Andeddu era uma pirâmide de quatro lados feita de cristal
negro e liso. Havia antigos glifos dourados e vermelhos esculpidos em cada
face; os símbolos místicos focando e canalizando o poder do lado sombrio.
Dentro havia uma intricada matriz de arestas e vértices de cristal. Os finos
filamentos entrelaçados formavam um sistema de dados capaz de armazenar
quantidades quase infinitas de conhecimento, assim como fornecer uma
estrutura para as redes cognitivas necessárias para criar a aparência e a
personalidade do porteiro.
Todo o sistema era controlado pelo ápice do holocron, uma única peça de
cristal negro no topo da pirâmide. Imbuído de incrível poder, o ápice
estabilizava a estrutura da matriz, permitindo que os pedaços individuais de
informação fossem acessados instantaneamente pelo porteiro.
Entretanto, era possível contornar o porteiro… mas apenas para alguém
forte o bastante para sobreviver à tentativa. Se a vontade de Bane
fraquejasse, ou se o poder do holocron de Andeddu fosse mais do que ele
podia aguentar, então sua mente seria destruída. Sua identidade seria
devorada pelo talismã, deixando seu corpo como uma casca vazia. Era uma
aposta desesperada, mas não havia outra maneira de conseguir o que queria.
Não em tempo de ajudá-lo contra Zannah.
– Se não vai me dar aquilo que quero – ele gritou para o porteiro –, então
vou tomar à força!
Usando a Força, ele mergulhou sua consciência nas profundezas da
pirâmide enquanto o porteiro soltava um urro de raiva impotente. Lançando
a consciência diretamente no ápice, Bane deixou sua vontade invadir o
pequeno talismã de quatro lados da mesma maneira como havia invadido a
fortaleza do culto de Andeddu em Prakith.
Por um breve instante, pôde sentir o inferno ardente de poder preso
dentro do artefato ameaçando consumir sua identidade. Bane acolheu a dor,
alimentando-se dela e transformando-a, junto com toda a frustração e a
raiva que havia acumulado nos últimos quatro dias, em uma tempestade
revolta de energia do lado sombrio. Então, pedaço por pedaço, começou a
impor ordem ao caos, dobrando-o à sua vontade.
Usando a Força, Bane começou a fazer ajustes sutis na matriz de cristal
do holocron. Ele começou a manipular o arranjo de filamentos, torcendo,
virando e movendo-os com ajustes sutis e imensuráveis enquanto se
aprofundava cada vez mais nos dados em busca daquilo que queria. De
muitas formas era como invadir uma rede de computadores, só que milhões
de vezes mais complexa.
Com cada ajuste, a imagem do porteiro tremia e gritava, mas Bane
ignorava completamente o sofrimento artificial da simulação. Por várias
horas ele continuou o trabalho, seu corpo transpirando, até que finalmente
encontrou seu objetivo: o ritual da transferência da essência – o segredo da
vida eterna de Andeddu.
Com um último impulso da Força, expandiu sua mente e agarrou aquilo
que estava procurando. Com a ajuda do porteiro, levaria semanas para
absorver e aprender a informação. Bane, entretanto, foi direto à fonte. O
conhecimento foi transmitido diretamente do holocron para sua mente, em
estado bruto e sem filtros. Milhares de imagens inundaram sua consciência,
uma explosão de visões, sons e pensamentos que fizeram suas mãos
soltarem o holocron, derrubando-o no chão e interrompendo a conexão.
A imagem do porteiro desapareceu, deixando Bane sozinho na nave,
ainda sentado de pernas cruzadas no chão. Estava inclinado para a frente,
com a respiração entrecortada. Suas roupas estavam ensopadas de suor –
seu corpo tremia de exaustão.
Lentamente, ele se levantou e se dirigiu para o assento do piloto.
Caminhou como alguém embriagado de vinho Mandaloriano e tocou a
parede para se apoiar. Sua mente girava, perdida nos segredos que havia
arrancado das profundezas do holocron.
Quando desabou no assento, os controles começaram a emitir bipes
suaves. Levou vários segundos para perceber que o mais recente salto do
hiperespaço em sua jornada de retorno estava chegando ao fim… embora
ainda restassem muitos outros saltos.
Precisava traçar um curso para a próxima parte da viagem, mas não
estava em condições de contemplar essa tarefa no momento. Não enquanto
sua mente acelerada ainda lutava com aquilo que havia aprendido.
Precisava de tempo para processar a informação do holocron, para entender
tudo aquilo. Para analisar e compartimentalizar todos os fatos, arranjando-
os em algo mais próximo de um pensamento racional.
Bane ativou o piloto automático, satisfeito em deixar a nave flutuar
lentamente à deriva, no espaço, enquanto se recuperava. Então fechou os
olhos e deixou a escuridão do sono o envolver.
Capítulo 13

A CONSCIÊNCIA VOLTOU LENTAMENTE PARA SET HARTH. Era como se sua


mente estivesse nadando em um pântano, lutando para escapar das
profundezas escuras de seu próprio subconsciente. Atravessando o lodo, ele
enfim alcançou a superfície, embora as memórias de estranhos sonhos e
pesadelos ainda espreitassem pelos cantos escuros de sua mente.
Em algum nível estava ciente de que os pesadelos quase o levaram à
loucura. Estavam prestes a destruí-lo, mas Set havia se recusado a
sucumbir. Pedaço por pedaço, conseguiu enfiá-los de volta nos recessos de
sua mente, aonde pertenciam, separando fantasia da realidade, uma peça por
vez.
Por quanto tempo fiquei apagado?, ele se perguntou, mantendo os olhos
fechados e a respiração calma para não revelar que havia acordado. Por
dias, parece.
Estava em seu próprio quarto, disso tinha certeza. Reconhecia o cheiro de
seu travesseiro perfumado, a suavidade dos lençóis de seda contra sua pele,
o conforto luxuoso de seu colchão. Tudo o mais era apenas um borrão.
Vamos lá, Set. Vamos entender isso.
Tomando cuidado para evitar os horrores de seus pesadelos recentes, Set
vasculhou sua memória, tentando reconstruir o que havia acontecido com
ele.
A mulher loira.
Ela estava esperando em sua mansão quando ele retornara da festa. Não
era a primeira vez que isso acontecia… embora tenha sido a primeira vez
que sua hóspede não convidada tivesse tentado matá-lo.
Provavelmente não estava tentando matá-lo, ele lembrou a si mesmo. Já
que você ainda está vivo.
Eles haviam lutado. Pelo menos disso ele se lembrava claramente.
Haviam lutado e ela o derrotara.
Embora seus olhos ainda estivessem fechados, Set começava a montar
uma imagem detalhada dos arredores usando a Força. Ele estava em sua
própria cama, em seu próprio quarto. Mas não estava sozinho. Havia mais
alguém lá. A mulher.
Afirmou que era uma Sith.
Ele ainda não sabia por que ela invadira sua casa. Não podia nem
imaginar por que ela o deixara vivo. Mas Set estava determinado a fazê-la
se arrepender disso.
Expandindo sua mente com cuidado, vasculhou o quarto em busca de seu
sabre de luz. Estava sobre a penteadeira, no lado oposto do quarto. A
mulher estava sentada em uma cadeira ao lado da penteadeira,
pacientemente esperando que acordasse. Será que seria capaz de atrair o
sabre de luz do outro lado do quarto usando a Força antes que ela reagisse?
E depois, o que aconteceria? Ela já o derrotou uma vez.
Talvez agora ele pudesse surpreendê-la. Pegá-la desprevenida.
Cuidadosamente, começou a juntar seu poder.
– Pensei que você fosse mais esperto do que isso – a mulher disse.
Set congelou. Vou precisar sair dessa na conversa. É hora de usar meu
charme.
Ele abriu os olhos e soltou uma risada fácil.
– Ninguém pode culpar um cara por tentar – ele disse, sentando-se na
cama e dando de ombros.
Ainda estava vestido com as mesmas roupas que usara na festa.
– Você fez uma entrada e tanto ontem à noite – ele disse.
– Três noites atrás – ela o corrigiu, respondendo ao sorriso com um olhar
sério. – Eu estava começando a me perguntar se você ficaria preso em seus
pesadelos para sempre.
Por um momento, as palavras fizeram sua mente voltar para os terrores
que ele ainda tentava suprimir, e Set estremeceu involuntariamente.
– Consegui encontrar o caminho de volta – respondeu, sua voz mais
sombria do que pretendia. – O que você fez comigo? Algum tipo de droga?
– Se é isso mesmo que você acha – ela disse, os lábios curvados em
desdém –, então estou desperdiçando meu tempo aqui.
Havia uma ameaça implícita em suas palavras, e os instintos de
sobrevivência de Set entraram em ação.
Acorda, Set. É melhor não irritar essa mulher.
– Feitiçaria – ele disse após um segundo de deliberação. – Você disse que
é uma Sith. Você atacou minha mente com algum tipo de magia.
Ela assentiu, e Set viu seus ombros relaxarem. Então ela estava prestes a
assassiná-lo por sua ignorância.
– Você é a assassina que matou Medd Tandar? – ele perguntou, ainda
tentando juntar todas as peças.
A mulher balançou a cabeça, seus cachos dourados balançando
levemente.
Ela é atraente… se você não pensar muito em toda essa coisa de ser uma
Sith.
– Você me seguiu até aqui saindo de Doan – Set adivinhou,
desesperadamente procurando alguma informação que pudesse usar. Se
descobrisse o que ela queria, então teria algo para barganhar. – Você quer os
talismãs.
– Você está certo, em parte – ela respondeu. – Eu o segui de Doan, mas
não estou interessada nos talismãs.
Set não estava acostumado a ficar em desvantagem. Quando ficava,
geralmente era esperto o bastante para encontrar uma maneira de reverter a
situação. Ali, entretanto, ignorava completamente os motivos e objetivos da
mulher. Então não tinha outro recurso a não ser usar aquilo que mais
odiava: total honestidade.
– Absolutamente não tenho nenhuma ideia do que você quer comigo.
– Meu nome é Darth Zannah – ela explicou –, e estou em busca de um
aprendiz.
Em certo nível, Set ficou ainda mais confuso do que antes. Mas parte de
sua mente – a parte que o manteve um passo à frente dos Jedi nos últimos
dez anos – aproveitou aquelas palavras. Agora você sabe o que ela quer.
Encontre um jeito de usar isso.
– Por que você está procurando um aprendiz? – ele perguntou com
cuidado para não a irritar com sua falta de entendimento.
– Os Jedi acreditam que os Sith estão extintos – ela começou. – Mas você
pode facilmente ver em minha presença que os Jedi estão errados. Os Sith
ainda existem, mas agora somos apenas dois: um Mestre e um aprendiz.
Um para encarnar o poder e outro para cobiçá-lo.
– Então você quer aumentar esses números – Set deduziu. – Está
procurando recrutas para se juntar à sua causa e reconstruir os exércitos
Sith.
– Esse é o caminho para o fracasso – Zannah respondeu. – Nossa história
provou que em grandes números os Sith sempre voltarão seu ódio uns
contra os outros. É inevitável, assim funciona o lado sombrio. A única
maneira de sobrevivermos é seguindo a Regra de Dois. Nossos números
nunca podem crescer mais do que isso. O Mestre treinará sua aprendiz nos
caminhos dos Sith, até que um dia ela deverá desafiá-lo. Se ela não for
digna, o Mestre a destruirá e escolherá um novo aprendiz. Se ela se provar
forte, o Mestre será derrotado e ela se tornará a nova Lorde Sombria dos
Sith, e escolherá um aprendiz para si.
Set sentiu que as coisas estavam se tornando mais claras.
– Você é a aprendiz. Acha que chegou o momento de desafiar seu Mestre.
E quer que eu ajude a derrotá-lo.
– Não! – ela disse rispidamente, fazendo Set recuar na cama. – Esse é o
jeito antigo. Seguidores menores uniriam suas habilidades inferiores para
derrubar um líder mais forte, enfraquecendo a Ordem. Isso vai contra tudo o
que a Regra de Dois representa. Se eu quiser me tornar Lorde Sombria dos
Sith, devo provar meu valor enfrentando meu Mestre sozinha. Se eu não for
digna, então serei derrotada… mas a Ordem permanecerá forte sob sua
liderança. Você entendeu?
Set entendeu bem demais.
– A Regra de Dois garante que cada Mestre será mais poderoso que o
anterior. Isso elimina os fracos. – Bom para os Sith como um todo, mas não
tão bom se for você o eliminado.
Zannah podia estar disposta a se sacrificar para o bem maior da Ordem
Sith, mas Set não estava pronto para fazer o mesmo. Claro, era esperto o
bastante para não dizer isso em voz alta.
Preferiu apenas perguntar:
– O que fez você me escolher?
– Estou há algum tempo em busca de um aprendiz – Zannah explicou. –
Quando me deparei com o seu rastro em Doan, soube que não foi por mero
acaso. Você é poderoso com a Força e rejeitou os Jedi e seus ensinamentos.
É inteligente e habilidoso. Mas o seu potencial ainda não está realizado por
completo. Você não se dedicou ao lado sombrio. Em sua busca por talismãs
dos antigos Sith, você é como uma criança com brinquedos. Não pensa no
futuro. Não tem ambição. Não tem um plano. Nenhuma visão. Isso vai
mudar se concordar em ser meu aprendiz. Junte-se a mim e eu mostrarei o
seu destino.
– Meu destino?
– Por milhares de anos, os Jedi e os Sith travaram uma interminável
guerra uns contra os outros. Os Jedi acreditam que a guerra acabou. Eles
acham que os Sith se foram. Mas nós ainda existimos nas sombras,
planejando nossa vingança. Com paciência e astúcia, estamos semeando
nossa vitória final. Geração após geração, nosso poder e nossa influência
crescerão até que um dia destruiremos os Jedi, e os Sith dominarão a
galáxia.
Set não estava interessado em dominar a galáxia. Nem em destruir os
Jedi. Parecia muito trabalho. Mas você não tem muita escolha. Ela não vai
simplesmente deixá-lo ir embora se recusar.
Em voz alta, disse:
– A Regra de Dois dita que só podem existir dois Sith, então como você
pode me tomar como aprendiz se o seu Mestre ainda está vivo?
– Se aceitar minha oferta, você me acompanhará quando eu enfrentar
meu Mestre – Zannah explicou. – Mas você não pode interferir. Se ele cair,
então tomarei você como aprendiz.
– E o que acontece comigo se você fracassar?
– Se eu morrer, meu Mestre precisará de outro aprendiz. Se ele o julgar
digno, então você me substituirá. Se não…
Ela não precisava terminar o pensamento.
Set não gostou muito do acordo, mas entendia a posição em que se
encontrava. Se recusasse, ela o mataria. Se aceitasse, havia uma boa chance
de que morreria de qualquer maneira, se Zannah se provasse mais fraca que
seu Mestre. E, mesmo se ela fosse vitoriosa, ele voltaria para a vida de
aprendiz… uma vida da qual sempre estivera ansioso para escapar quando
fazia parte dos Jedi.
Mas havia uma coisa que valia a pena na oferta de Zannah. Ele tivera um
vislumbre do que ela era capaz durante o combate em sua sala de estar.
Podia valer a pena passar alguns anos seguindo ordens e chamando-a de
“Mestra” se ele pudesse aprender a comandar aquele tipo de poder.
– Você disse que pode me ajudar a alcançar meu potencial completo.
Ensine-me como liberar o verdadeiro poder do lado sombrio.
– Se me seguir – Zannah prometeu –, você se tornará mais poderoso do
que poderia imaginar.
Zannah sentia a relutância de Set Harth em se tornar seu aprendiz.
Faltava a ele o ódio ardente contra os Jedi e aquilo que representavam – ele
tinha pouco interesse em abraçar o destino maior dos Sith. Mas também
estava óbvio que ficou tentado por suas promessas de poder individual.
Set se importava apenas consigo mesmo. Aceitaria a oferta dela apenas
porque via isso como um meio para chegar a um fim, uma maneira para se
tornar mais poderoso. Zannah sabia disso e estava preparada para aceitar.
Teria preferido encontrar alguém ansioso para aprender as filosofias dos
Sith que Bane havia transmitido a ela, mas, na falta de opção melhor, estava
disposta a trabalhar com o que tinha.
Zannah entendia os riscos, mas nada de importante era conquistado sem
se arriscar. Nos primeiros anos de seu treinamento, ela ficaria de olhos bem
abertos sobre Set. Ficaria atenta a qualquer traição e mentira ao expô-lo
lentamente a verdades cada vez maiores que Bane havia lhe ensinado.
Usaria seu desejo por poder pessoal como isca para atraí-lo cada vez mais
longe nos caminhos dos Sith.
Com o tempo, Set aceitaria os ensinamentos e as filosofias, assim como
ela o fizera. Com a evolução de seu entendimento do lado sombrio, ele se
tornaria capaz de enxergar além de seus próprios desejos mesquinhos.
Reconheceria a necessidade de destruir os Jedi e abraçaria o destino final
dos Sith.
Do contrário, ela o destruiria e encontraria outro para servi-la.
Tudo isso corria por sua mente enquanto observava o Jedi de cabelos
prateados esfregando o queixo, contemplando a possibilidade de se tornar
seu aprendiz.
– Aceito – ele disse, finalmente. – E fico honrado por ter me escolhido.
– Não, não fica. Mas, algum dia, ficará.
Capítulo 14

– SERIA MELHOR SE TIVÉSSEMOS BASTÕES de força para esse trabalho – o


Capitão Jedder resmungou. – Eles têm o dobro de energia do que esses
malditos fuzis de atordoamento.
– Bastões de força podem matar você se não tomar cuidado – a Caçadora
o lembrou, embora quase não prestasse atenção à conversa. – A princesa o
quer vivo. Além disso, você nunca vai chegar perto o bastante para usá-lo.
Eles estavam dentro da mansão de Sepp Omek, apesar de a Caçadora
duvidar de que esse fosse realmente seu nome. Não que importasse. Ela não
precisou de um nome para rastreá-lo até aquela propriedade em Ciutric IV.
O Lorde Sith ocultara bem seu rastro, escondendo sua verdadeira identidade
por trás de camadas de intermediários, tornando praticamente impossível
para qualquer um conectá-lo aos eventos em Ambria por meio de métodos
normais. Mas toda a sua cuidadosa preparação não podia protegê-lo contra
os poderes únicos da Iktotchi. Guiada pelas imagens em seus sonhos e seus
instintos infalíveis, a Caçadora havia encontrado sua presa, como sempre
fazia.
– Quanto tempo até ele chegar aqui? – o Capitão Jedder quis saber.
– Logo – ela respondeu. – Diga para sua equipe ficar a postos.
Suas visões haviam mostrado que a casa estaria vazia quando chegasse,
da mesma maneira que havia mostrado que o dono retornaria naquela
mesma noite.
– Pode ser mais específica? – Jedder perguntou. – Vinte minutos? Uma
hora? Duas?
– Não é assim que funciona – ela murmurou distraída, os olhos passando
por locais onde poderiam preparar sua armadilha.
Ela já tinha avaliado o terreno em detalhes, gravando cada quarto na
memória enquanto revistava o lugar e desligando cada alarme e sistema
contra intrusos. Havia até conseguido invadir o painel de segurança na
pequena construção aos fundos. A princípio, achou que fosse algum tipo de
bunker de armas, mas, quando conseguiu abrir a porta, percebeu que o lugar
era uma biblioteca. Em vez de datapads e holodiscos, entretanto, as
prateleiras se dobravam sob o peso de antigos livros de capa de couro e
pergaminhos de papel amarelado.
Mas havia algo mais dentro da construção que a fez parar. Sobre um
pedestal perto dos fundos da biblioteca havia uma pequena pirâmide de
cristal de quatro lados. A Caçadora não precisava roubar de suas vítimas –
ela havia ignorado as inestimáveis obras de arte e outros objetos valiosos
espalhados pela mansão. Mas havia algo estranhamente irresistível sobre
aquele objeto. Sem saber o que era, sentira-se atraída por ele e, então,
apanhara a pirâmide e a guardara dentro de um dos bolsos de sua túnica
antes de continuar investigando a mansão.
Assim que terminou, sinalizou a Jedder e aos outros dizendo que era
seguro entrar e começar as preparações.
– Tem algo errado? – o capitão perguntou.
– Não – ela respondeu, irritada por se deixar distrair. – Estou apenas
procurando lugares para a sua equipe se posicionar.
Aquele trabalho era diferente de qualquer outro que a Caçadora já tinha
aceitado. Não eram simplesmente os mercenários com quem estava
trabalhando, ou o fato de que supostamente deveria levar a vítima com vida.
Desde que visitara o pequeno acampamento em Ambria, o homem alto e
careca e a mulher loira assombravam seus sonhos. Algumas das coisas que
vira ajudaram a levá-la até Ciutric, mas havia outras coisas também: visões
desconcertantes e perturbadoras que ela era incapaz de decifrar.
Testemunhara dezenas de combates entre os dois. Vira o homem matar a
mulher, mas também vira a mulher matar o homem. Entendia que essas
eram visões do futuro, cada uma sendo uma possível realidade que poderia
ou não acontecer. Mas, geralmente, quando tinha vislumbres do futuro,
havia um propósito ou significado por trás deles. As visões ajudavam a
direcionar e guiar suas ações. Porém, aquela colagem aparentemente
aleatória de imagens apenas a confundia, então ela tentara ignorá-las e se
concentrar no trabalho que fora contratada para realizar.
A princesa havia oferecido vinte mercenários bem treinados para o
trabalho, e cumpriu a promessa: doze homens e oito mulheres, todos com
experiência militar, acompanharam a Caçadora até aquele mundo.
Ela também enviara junto o Capitão Jedder, um membro sênior da
Guarda Real de Doan. A nobreza de Doan tinha uma longa história de
suplementar seus números com soldados contratados para missões
particularmente perigosas, e Jedder havia escolhido a dedo aquela equipe
em particular entre as equipes com quem já trabalhara.
Tecnicamente, os mercenários respondiam a Jedder, apesar de ele, por
sua vez, responder à Caçadora. Ela não se importava com isso. Mercenários
eram conhecidos por fugirem se as coisas começassem a dar errado em um
trabalho, mas, se eles já haviam trabalhado com o capitão no passado, então
era mais provável que cumprissem o plano de batalha até o fim.
A entrada da frente da mansão era aberta e espaçosa. A porta se abria
para um grande saguão, que dava para uma grandiosa sala de estar
mobiliada com dois sofás e uma grande mesa de vidro. Uma escada em
espiral seguia para um dos lados, curvando-se até um balcão com vista para
a sala de estar.
– Acho que devemos tentar pegá-lo aqui, quando ele entrar – ela disse. –
Ele logo vai sentir que algo está errado, então precisamos atacar rápido.
– Prepare um par de detonadores sônicos em cada lado da porta – Jedder
disse em seu rádio. Instantaneamente, dois soldados correram para cumprir
a ordem. – Eu lutei contra os Sith, sabe? – Jedder comentou enquanto a
Caçadora lentamente se virava, analisando o resto da sala. – Vinte anos
atrás. Durante a guerra. Eu era pouco mais do que um garoto.
– Provavelmente foi por isso que a princesa o enviou – a Iktotchi
respondeu distraidamente.
– Fiquei surpreso por ela não ter enviado Lucia junto – Jedder notou. –
Ela lutou com os Sith durante a guerra. Provavelmente conhece suas táticas
melhor do que ninguém.
Ela se importa com Lucia, a Caçadora pensou. Ela sabe o quanto essa
missão vai ser perigosa. Ela não é descartável como nós.
Em voz alta, disse:
– Posicione dois membros da sua equipe com fuzis de atordoamento no
balcão em cima da escadaria. Lá eles terão mira livre.
– Gostaria que tivéssemos armas de carbonita – Jedder lamentou. – Para
congelá-lo na hora.
A Caçadora já tinha considerado e descartado essa ideia.
– É o mesmo problema dos bastões de força. Você precisa chegar perto
demais para ser eficaz. E a carbonita apenas congela por alguns minutos. O
que faríamos quando ele descongelasse?
– As armas de emaranhado não são melhores – ele argumentou. – Um
sabre de luz vai cortar através dos filamentos como se fosse flimsiplast.
– A ideia não é prendê-lo com isso – a Iktotchi explicou. – Só precisa
segurá-lo por tempo suficiente para eu administrar o senflax.
Ela mostrou uma longa e fina lâmina para ilustrar seu ponto. O fio da
lâmina estava coberto com a potente neurotoxina. De acordo com a
princesa, qualquer ferimento que tirasse sangue injetaria o veneno em seu
organismo.
– Depois de introduzir a toxina, teremos de manter a pressão – ela
lembrou ao capitão. – Se lhe dermos chance de respirar, ele vai reconhecer
que a droga está em seu organismo. Pode ter alguma maneira de rebater o
efeito com a Força.
– Quanto tempo depois de cortá-lo até a coisa começar a fazer efeito?
– Trinta, talvez quarenta segundos. – Assumindo que Serra sabe do que
está falando.
– Isso é um longo tempo para um bando de soldados ficarem frente a
frente com um Sith.
Não havia nada que pudesse dizer para tranquilizá-lo, então não se deu ao
trabalho de responder.
– Não deixe de lembrar à sua unidade que este será um ataque em dois
estágios – disse a ele. – O primeiro estágio precisa distraí-lo por tempo
suficiente para me dar uma abertura. Depois disso, ataque com tudo o que
tiver.
– Você realmente pode ver o futuro? – o capitão perguntou depois de
passar as instruções para sua equipe.
– Às vezes. O futuro está sempre em movimento. Nem sempre fica claro.
– Nós vamos sair dessa vivos?
– Alguns de nós, talvez – ela respondeu, sem mencionar a visão que
tivera do corpo quebrado de Jedder caído, sem vida, no chão de mármore da
mansão.

Quando Bane retornou a Ciutric, ficou surpreso ao ver que a nave de


Zannah ainda não estava lá, mas também se sentiu grato por ela não estar
esperando por ele na mansão. Não estava em condições de lutar com ela
agora – estava cansado demais até mesmo para inventar uma mentira que
explicasse sua ausência sem levantar suspeitas. Porém, com seu airspeeder
se aproximando da mansão no horizonte, sabia que, mesmo se Zannah
estivesse esperando por ele, sua jornada ainda teria valido a pena. O
conhecimento de Andeddu agora era seu – nos últimos dias seu cérebro
havia processado a informação bruta que roubara, ao ponto de alcançar
entendimento total. Ele compreendia completamente o ritual da
transferência de essência – havia aprendido as técnicas que lhe permitiriam
mover sua consciência de seu corpo envelhecido para outro. Apenas
precisava selecionar uma vítima adequada.
Encontrar um novo corpo para habitar era a parte mais difícil do ritual.
Ele precisava de alguém fisicamente forte o bastante para aguentar as
enormes quantidades de energia do lado sombrio que ele invocaria nos
próximos anos, mas ao mesmo tempo precisava de alguém cuja mente fosse
vulnerável o bastante para que ele dominasse sua vontade. O melhor
candidato seria um corpo clonado especialmente projetado, uma casca vazia
sem pensamentos ou identidade próprios. Mas criar um clone adequado
podia levar anos, e Bane não estava convencido de que tinha todo esse
tempo.
Teria de tentar possuir o corpo de uma vítima viva… Uma opção muito
perigosa. Ele teria uma única chance: independente do resultado, seu
próprio corpo seria destruído no processo. E, se o alvo possuísse uma
vontade forte o bastante para resistir ao ataque, a tentativa falharia, banindo
seu espírito para o vazio por toda a eternidade.
Ele aterrissou o airspeeder e saiu do veículo, parando apenas para
apanhar sua mala de viagem – uma simples bolsa com o holocron guardado
em segurança. Com passos lentos e pesados, aproximou-se da porta da
frente da mansão.
Precisa ser alguém jovem. Com menos de trinta anos.
Abriu a porta e entrou, deixando-a fechar atrás dele.
Ingênuo e inexperiente. Talvez…
Ele congelou. Mais alguém estava na mansão. Podia sentir os intrusos
por toda a parte: escondendo-se nas esquinas dos corredores, abaixados
atrás da escadaria e da mobília, apoiados no balcão acima.
Tudo isso foi um lampejo na mente de Bane que durou menos de um
décimo de segundo – apenas tempo suficiente para registrar antes da
explosão dos detonadores sônicos, um de cada lado da porta.
O som de estourar os ouvidos fez Bane cambalear para dentro da sala e
para longe da porta e possível escape. Suas mãos instintivamente taparam
os ouvidos; a mala de viagem caiu no chão. Então o inimigo atacou.
Eles avançaram como um enxame de insetos, aparecendo por todos os
lados. Quatro soldados armados com fuzis de atordoamento lançaram uma
saraivada de tiros de cima do balcão; Bane – ainda cambaleando por causa
dos detonadores sônicos – mal teve tempo para lançar uma barreira para se
proteger do ataque.
Ao fazer isso, sentiu algo resistindo a ele. Algum poder tentava bloquear
sua capacidade de usar a Força para se proteger. Não era forte o bastante
para impedi-lo, mas atrapalhou seus esforços o suficiente para que um
lampejo de energia passasse pela barreira.
Seus músculos travaram quando ele foi atingido – suas costas arquearam
e os braços e a cabeça foram lançados para trás. Cada nervo do corpo de
Bane se acendeu como se estivesse pegando fogo. A dor durou apenas um
instante, mas foi suficiente para derrubá-lo.
Mas ele não ficou caído. Levantou-se imediatamente, sacando o sabre de
luz com a mão direita ao mesmo tempo em que a esquerda lançava um
relâmpago da ponta dos dedos. Os violentos raios deveriam ter incinerado
todos os quatro alvos no balcão, porém mais uma vez o estranho poder que
interferia com sua capacidade de invocar a Força atrapalhou seus esforços.
Três das vítimas foram eletrocutadas, morrendo antes mesmo de ter uma
chance para gritar. A quarta, entretanto, conseguiu se jogar para trás,
escapando do ataque mortal.
Bane não teve chance de acabar com ela. Dois soldados emergiram do
corredor à esquerda, e mais três apareceram do corredor à direita. Eles
abriram fogo com armas de emaranhado, lançando longos fios de teia
sintética pegajosa.
Os soldados eram espertos – tinham coordenado seus esforços. Dois
atiraram contra seus pés, tentando colar Bane no chão. Os outros miraram
no peito e no torso, tentando prender os braços nas laterais do corpo com os
fios viscosos. Mas Bane não estava disposto a se deixar imobilizar.
Saltando para cima, agarrou o candelabro no teto, pendurando-se com a
mão livre. Balançando as pernas para ganhar impulso, lançou-se sobre o
balcão, ganhando a vantagem do terreno mais alto.
Ele desceu com um baque pesado, o inexplicável poder que ainda
atrapalhava sua conexão com a Força impedindo que aterrissasse
graciosamente. Os corpos dos três soldados mortos estavam espalhados ao
seu redor. À sua direita havia a escadaria que levava de volta ao saguão –
logo à frente havia um longo corredor indo até a outra ala da mansão.
Uma fêmea Iktotchi estava de pé no final do corredor, com uma longa e
fina faca em cada mão. Ela sorria sombriamente para Bane, e naquele
momento ele soube quem estava interferindo com sua capacidade de usar a
Força.
Ela disparou pelo corredor na direção dele. Bane assumiu uma postura de
luta para receber o ataque, sabendo que as facas não eram páreo para seu
sabre de luz. Foi só então que notou as granadas de luz nos corpos a seus
pés.
Elas explodiram com um lampejo de luz intensa e fumaça química que
cegaram Bane. Desorientado, caiu de costas contra o parapeito do balcão.
Um instante mais tarde sentiu a sola das botas da Iktotchi acertá-lo com
força no peito, jogando-o do parapeito até o chão de mármore, quatro
metros abaixo.
Ele acertou o chão com força o bastante para perder o ar dos pulmões,
ficando sem fôlego. O impacto arrancou o sabre de luz de sua mão,
lançando-o pelo chão. Um instante mais tarde seu corpo caído foi envolvido
pela teia viscosa das armas de emaranhado, prendendo-o no solo.
Cego e imobilizado, a fúria de Darth Bane o salvou. Anos de treinamento
permitiram que focasse toda a sua dor e raiva em um único instante,
usando-as para liberar todo o poder do lado sombrio. Mais uma vez sentiu a
barreira da Iktotchi se opondo a seus esforços, mas dessa vez ele a rompeu
como se nem existisse.
Por um momento foi como se o mundo ao redor tivesse congelado.
Embora seus olhos ainda estivessem sofrendo os efeitos da granada de luz,
a Força correndo por seu corpo lhe deu uma ciência sobrenatural de seu
entorno – a cena foi gravada em seu cérebro nos mínimos detalhes.
Os soldados estavam espalhados pelo saguão, correndo para tomar novas
posições, em preparação para o estágio seguinte do combate. Eles eram bem
treinados, mas Bane ainda podia sentir seus medos: eles sabiam que a luta
estava longe de acabar. A Iktotchi havia saltado do balcão atrás dele. Estava
no ar, as lâminas gêmeas de cada lado do corpo enquanto se preparava para
aterrissar. Bane podia até ver a si mesmo caído no chão, enterrado debaixo
de um grosso cobertor molhado com um adesivo químico que secava
rapidamente.
O quadro congelado durou apenas uma fração de um instante, mas
contou ao Lorde Sombrio tudo de que precisava saber. E então o instante
passou, e tudo voltou a ser uma mancha de movimento.
A Iktotchi aterrissou no momento em que Bane disparou uma onda de
eletricidade que evaporou toda a teia das armas de emaranhado. Ela caiu
sobre um joelho e tentou cortá-lo com suas facas enquanto ele ainda estava
no chão, mas por meio da Força Bane a viu se aproximando. Conseguiu
rolar para o lado, escapando apenas com um único e longo corte em um dos
braços enquanto se levantava rapidamente.
Respondendo a um gesto, seu sabre de luz voou do chão até sua mão
aberta, mas a Iktotchi já estava recuando. Agora que ele já não estava mais
indefeso, ela recuou rapidamente e deixou os outros tomarem seu lugar.
Várias outras granadas de luz explodiram ao seu redor, mas Bane não foi
afetado – já não contava apenas com a visão para guiá-lo. Mais filamentos
de teia pegajosa foram disparados em sua direção, porém dessa vez ele os
incinerou enquanto ainda estavam no ar. Meia dúzia de granadas de
concussão vieram de todas as direções estalando no chão a seus pés.
Quando explodiram, Bane simplesmente se envolveu com a Força, criando
um casulo protetor que absorveu o impacto e o deixou de pé,
completamente ileso.
Dois homens apareceram atrás de um sofá próximo e atiraram à queima-
roupa com seus fuzis de atordoamento. Bane desviou os tiros com o sabre
de luz, depois jogou a mão à frente para empurrar o sofá contra a parede,
esmagando os homens que se protegiam ali.
E então ele começou a se mover, derrubando dois dos soldados que
carregavam as armas de emaranhado. Cortou os dois ao meio com um único
golpe do sabre de luz, traçando uma linha perfeita pouco acima da cintura.
Outra saraivada de tiros de atordoamento veio tarde demais para salvá-los –
Bane já estava longe.
Com um único salto ele já estava no balcão outra vez, frente a frente com
a Iktotchi.
– Você não pode escapar – disse a ela.
– Eu não estava tentando escapar – ela rebateu, saltando à frente com
suas facas.
Ela era mais rápida do que Bane esperava, avançando baixo e rápido.
Não teve tempo de simplesmente cortá-la – precisou se desviar girando.
Tentou acertar um de seus braços com o sabre de luz usando um
contragolpe quando ela passou, mas a Iktotchi antecipou seu movimento e
conseguiu contorcer o corpo para que a lâmina acertasse apenas o ar.
Eles haviam trocado de posição em relação ao primeiro embate – ela
agora estava de costas para o balcão. Bane lançou uma onda da Força, o
impacto lançando-a por cima do parapeito, assim como o chute dela havia
feito menos de um minuto atrás.
De algum jeito a Iktotchi conseguiu se virar no ar e cair de pé. Por causa
disso, conseguiu correr para a segurança quando Bane disparou uma
explosão de relâmpagos em sua direção. Em vez de um cadáver
carbonizado, a energia deixou para trás apenas um círculo fumegante no
chão.
Soldados disparavam da escadaria suas armas de atordoamento contra ele
outra vez. Bane nem se deu ao trabalho de contra-atacar – simplesmente
evitou os ataques saltando sobre o parapeito e caindo de volta no chão. Os
soldados não eram nada para ele – estava interessado na Iktotchi agora. Ela
era a única oponente que representava uma ameaça real. Depois de eliminá-
la, Bane poderia lidar com os soldados à vontade.
Ele aterrissou se abaixando para absorver o impacto. E então tudo se
apagou.

A Caçadora não sabia desde quando tinha cortado a carne do braço do


Lorde Sith com sua lâmina coberta de senflax, mas a neurotoxina tinha que
fazer efeito logo.
Jedder estava morto, esmagado contra a parede por um sofá voador. Ao
menos cinco outros soldados também foram abatidos. O Lorde Sith agora
concentrava seus esforços sobre ela.
A Iktotchi sabia que não podia derrotá-lo. Ele era forte demais. Os
truques que ela usara contra o Jedi ajudaram a atrasá-lo a princípio, mas
agora já não surtiam efeito. O senflax era sua única esperança de
sobreviver.
Ela viu o Sith saltando do balcão. Ele atingiu o chão, se virou em sua
direção e desabou. O homem grande caiu de lado, os olhos abertos e
aparentemente fixos nela. As pupilas estavam avermelhadas por causa das
substâncias químicas das granadas de luz.
A Caçadora esperou até ele piscar. Então, quando não viu mais sinais de
movimento, ergueu a mão e gritou:
– Cessar fogo! Cessar fogo!
Ela pensou por um instante que a paralisia podia ser um truque, depois
descartou essa ideia. O Sith não precisava de subterfúgios para vencer o
combate – obviamente tinha vantagem sobre os mercenários. A única
explicação era que a droga de Serra havia finalmente realizado sua mágica.
De acordo com as instruções que recebera, eles tinham quatro horas antes
de precisar administrar outra dose.
Com Jedder morto, os mercenários olhavam para ela, esperando as
ordens seguintes. A Caçadora fechou os olhos e expandiu sua mente,
buscando algum direcionamento. Mais alguém estava vindo: a mulher loira
do acampamento de Ambria.
– Vocês três vão trazer os airspeeders até a frente da casa – a Caçadora
ordenou. – O outros vão juntar os corpos. Não deixem nada para trás que
possa conectar a princesa a tudo isso.
Os sobreviventes correram para seguir as ordens.
Ela não se deu ao trabalho de dizer a eles que se apressassem – já
estavam se movendo o mais rápido que podiam, ansiosos para deixar aquele
lugar onde tantos de seus colegas haviam caído.
Por impulso, ela se abaixou e apanhou o agora desativado sabre de luz
que estava caído ao lado do Lorde Sith. Ela virou o cabo curvado,
inspecionando-o cuidadosamente.
Acionou a arma e ficou surpresa com sua leveza.
– E quanto a isto? – um dos soldados perguntou, levantando a mala que o
Sith havia deixado cair nos primeiros segundos do combate.
– Leve junto – ela disse distraidamente, sem nem mesmo olhar. – Dê para
a princesa.
Encantada com seu novo brinquedo, fez alguns movimentos lentos para
experimentar a arma pouco familiar antes de desativar a lâmina e guardar o
sabre em um bolso dentro de sua túnica, como fizera com a estranha
pirâmide de cristal da biblioteca nos fundos.
Cinco minutos mais tarde, eles tinham o prisioneiro e as vítimas nos
airspeeders e estavam se dirigindo para o transporte que os levaria de volta
para Doan.
Capítulo 15

QUANDO ZANNAH TROUXE A VITÓRIA para aterrissar em seu hangar privado


no espaçoporto de Ciutric IV, sentiu uma súbita inquietude.
– Tem algo errado? – Set perguntou do assento do passageiro,
percebendo seu desconforto.
Estou prestes a desafiar meu Mestre em um combate até a morte, e ainda
não tenho certeza se cometi um erro escolhendo você como meu aprendiz.
– Não é nada.
Set deu de ombros. Estava sentado com o encosto do assento reclinado,
as pernas esticadas e os pés em cima do painel de controle. Se estava
sentindo alguma ansiedade, ele escondia bem.
Com a nave no chão, Zannah desligou os motores. Não conseguia afastar
a sensação de que havia algo muito errado, mas já tinha ido longe demais
para voltar agora.
Será uma premonição da minha própria morte? Será que Bane vai
acabar com minha vida hoje?
– O que foi agora? – Set perguntou, endireitando-se e colocando os pés
no chão.
Quando aceitou a oferta de Zannah, ela sentiu uma clara relutância dentro
dele. Durante a viagem para Ciutric, entretanto, ele parecia ter começado a
gostar da ideia. Agora parecia quase ansioso… apesar de Zannah saber que
isso poderia ser um truque.
– Quando chegarmos à mansão, você precisará ficar esperando do lado
de fora – ela disse. – Meu Mestre não gosta de convidados indesejados.
– Vou me esconder nos arbustos como um filhote de Kath assustado – ele
prometeu.
– Isso não é um jogo – ela o alertou.
– Tudo é um jogo. Só que esse é um jogo que você realmente não pode
perder.
– Se eu perder, você pode acabar morto também.
– Ou posso acabar como o novo aprendiz do seu Mestre – ele
argumentou com um sorriso cínico.
– Você descobrirá que ele não será tão tolerante quanto eu com a sua
impertinência.
– Então realmente espero que você vença. Isso é tudo, Mestra?
Quando Zannah assentiu, Set se levantou e fez uma profunda reverência,
a cabeça baixando tanto que seus longos cabelos caíram como uma cortina
prateada cobrindo o rosto.
– Lidere e eu seguirei – ele disse, embora houvesse um tom quase de
zombaria em sua voz.
Ela não podia deixar de imaginar o que Bane faria em resposta ao
comportamento irreverente de Set. As consequências, sem dúvida, seriam
duras. Zannah, entretanto, estava satisfeita em deixar o Jedi Sombrio se
divertir. Ela havia ferido seu ego, humilhando-o ao superá-lo tão facilmente
durante seu confronto. Era importante dei-xá-lo reconquistar sua confiança.
E, se seus gracejos facilitavam que aceitasse seu papel como aprendiz, ela
estava disposta a aguentar… até certo ponto.
Set entendia tudo isso, é claro. Ela sabia que ele testava os limites de seu
relacionamento. Ao mesmo tempo, Zannah também o testava. Até então,
ele fora esperto o bastante para saber até onde podia chegar.
Deixando suas malas na nave, Zannah e Set atravessaram o hangar até o
pequeno prédio da alfândega, na frente do espaçoporto. Chet, o jovem
funcionário da alfândega que havia conversado com Zannah da última vez
que ela deixara Ciutric, estava em serviço novamente.
– Boa noite, Senhora Omek – ele disse baixando a cabeça. – Vou pedir
para alguém trazer o seu airspeeder.
– Obrigada, Chet.
– Quer que eu chame alguém para levar suas malas?
– Volto para pegar pela manhã. – Se ainda estiver viva.
– Você não vai me apresentar ao seu amigo? – Set entrou na conversa.
Zannah o silenciou com um olhar.
Chet obviamente percebeu a situação, mas Zannah não sabia dizer o que
ele pensou. Alguns segundos de silêncio se passaram antes de o oficial da
alfândega dizer:
– Podemos conversar sozinhos por um momento, Senhora Omek?
Curiosa, Zannah assentiu para Set, que se virou e começou a andar na
outra direção, parecendo levemente ofendido.
– Uma nave de transporte não registrada entrou na atmosfera algumas
horas atrás – Chet sussurrou quando Set se afastou. – Aterrissou em uma
selva a cem quilômetros ao leste do espaçoporto.
Estranho, Zannah pensou.
Ciutric IV ficava no cruzamento de várias rotas de comércio importantes,
mas as tarifas e impostos cobrados pelas estações de alfândega eram
mínimos. Nenhum comerciante legítimo correria o risco de aterrissar na
selva apenas para evitar preencher a papelada e poupar um punhado de
créditos. E não havia nenhuma operação de contrabando ativa na região – se
houvesse, ela e Bane saberiam.
– Tem alguma ideia de quem sejam?
Chet deu de ombros.
– Eles aterrissaram fora de nossa jurisdição e não enviaram sinal de
socorro, então ninguém se deu ao trabalho de enviar uma patrulha para
investigar.
Ela não se surpreendeu com a falta de urgência oficial gerada pela nave
não registrada. Ciutric era geralmente um mundo que cumpria as leis –
como resultado, a segurança planetária era um pouco relaxada. Era uma das
razões para Bane ter escolhido se mudar para aquele planeta.
Mas ela ficou intrigada. Será que a nave tinha alguma coisa a ver com a
inquietude que sentiu quando aterrissou?
– Você disse que eles aterrissaram a leste? – Nossa propriedade fica na
periferia leste da cidade.
– Sim. Apareceu nos sensores duas horas antes de o seu irmão voltar.
– Meu irmão?
– Oh – Chet disse, um pouco surpreso. – Achei que soubesse. Ele partiu
no dia em que você viajou. Acabou de voltar hoje à noite.
– Tem ideia de onde ele foi?
O oficial da alfândega sacudiu a cabeça.
– Desculpe.
A mente de Zannah começou a girar com mil possibilidades enquanto o
manobrista trazia seu airspeeder. Bane quase nunca deixava Ciutric. Se ele
tinha negócios a fazer, as pessoas vinham até ele… ou ele enviava Zannah.
Devia ter acontecido algo importante demais para que ele não a esperasse
voltar. Era isso ou ele tinha negócios com os quais preferia lidar
pessoalmente. E, se fosse esse o caso, seria possível que a tivesse enviado
para Doan como uma maneira de se livrar dela temporariamente?
Zannah podia pensar em apenas uma única razão para Bane esconder
dela o motivo de sua viagem: ele estava procurando alguém para substituí-
la!
– Problemas? – Set perguntou, aproximando-se para saber o que estava
acontecendo.
– Está tudo bem – Zannah respondeu, sem querer revelar sua apreensão
para nenhum dos dois homens.
Ela embarcou no speeder e sinalizou para que Set fizesse o mesmo.
– Obrigada pela atualização, Chet.
Quando o speeder ganhou vida e decolou, ela começou a considerar suas
opções. Se Bane estivesse sozinho, ela o desafiaria como planejado.
Entretanto, se Bane havia encontrado alguém para se tornar seu herdeiro, as
coisas ficariam mais complicadas.
Se Bane a havia jogado de lado, a Regra de Dois ainda se aplicava a ela?
Ou Bane e seu novo aprendiz combinariam suas forças para derrotá-la como
uma inimiga dos Sith? Se isso acontecesse, ela não conseguiria sobreviver
sozinha.
Se as coisas piorassem, ela não sabia se o Jedi Sombrio sentado ao seu
lado viria para ajudá-la, mas Zannah não tinha nenhuma outra escolha.
Decidira confrontar Bane hoje, e não voltaria atrás agora. Havia esperado
tempo demais por esse momento, adiado por vezes demais.
– Esteja preparado quando aterrissarmos – ela alertou Set.
– Estou sempre preparado – ele assegurou.
A apreensão de Zannah continuou aumentando quando chegaram mais
perto da propriedade, mas ao se aproximar ela percebeu que não conseguia
sentir a presença de seu Mestre. Intrigada, aterrissou o speeder e viu que a
porta da frente estava completamente aberta.
– Espere aqui – ela instruiu Set.
Com uma das mãos no cabo do sabre de luz, aproximou-se
cuidadosamente da porta aberta e olhou para dentro. A princípio, os danos
eram quase mais do que ela podia compreender. As paredes estavam
rachadas e queimadas em ao menos uma dúzia de lugares – o chão de
mármore estava lascado e chamuscado. Havia filamentos pegajosos de teia
sintética e cinzas por toda parte.
Cada peça da mobília que ela podia ver estava destruída ou virada de
cabeça para baixo. Cuidadosamente, subiu a escadaria, ainda cautelosa,
apesar de não sentir mais ninguém na mansão.
Uma rápida inspeção dos vários quartos lhe assegurou que não havia
mais perigo imediato, e ela então guardou o sabre de luz. Parece que a
maior parte dos danos fora confinada ao saguão e à sala de estar na entrada
da mansão. Se havia respostas, provavelmente encontraria lá.
Quando retornou para a frente da mansão, não ficou surpresa ao ver que
Set havia desobedecido suas ordens. Ele estava sentado em uma poltrona
que havia sobrevivido quase ilesa, com as pernas cruzadas e uma taça de
vinho na mão, casualmente esperando por ela. Havia uma garrafa recém-
aberta no chão.
– O seu Mestre tem um excelente gosto – ele disse, erguendo a taça e
fazendo um brinde ao anfitrião ausente.
Estava claro com toda aquela evidência que alguém havia atacado Bane
na mansão, e era apenas lógico assumir que eles provavelmente vieram da
nave de transporte que pousara na selva. Quem eram e por que vieram,
entretanto, ainda eram mistérios que ela não conseguia resolver.
– Falei para você esperar no speeder – ela disse, descendo a escada e
fechando a porta da mansão.
– Fiquei entediado – Set respondeu dando de ombros e tomando outro
gole de vinho antes de mudar de assunto. – Parece que aquele confronto que
você estava esperando não vai mais acontecer, afinal de contas. Pelo jeito
você agora é a nova Lorde Sith.
– Não é assim que funciona – Zannah murmurou. – Além disso, Darth
Bane ainda está vivo. Se estivesse morto, eu teria sentido.
– Por algum motivo eu estava com medo de que você dissesse isso – Set
respondeu, inclinando-se para apanhar a garrafa de vinho e encher a taça
vazia. – Alguma ideia de quem pode ter feito tudo isso?
– Nossos inimigos nem sabem que os Sith ainda existem – Zannah o
lembrou.
– Tenho a sensação de que você não está me dizendo tudo – Set
comentou. Um segundo mais tarde, acrescentou: – Mestra.
– Bane voltou para Ciutric agora à noite. – Não viu razão para não dizer a
ele o que tinha descoberto. – E Chet me disse que uma nave de transporte
não identificada aterrissou perto da mansão um pouco antes de ele chegar.
– Você acha que as duas coisas estão relacionadas?
– Não acredito em coincidências. – Após um momento decidiu contar
tudo a Set. – Acho que Bane pode ter me enviado para Doan apenas para
me tirar daqui por um tempo. Acho que, na verdade, estava interessado em
algo completamente diferente.
– Não tenha tanta certeza – Set respondeu, mostrando o que parecia ser
um pequeno broche azul.
– Onde você encontrou isso?
– Preso no meio do que um dia já foi um sofá ali no canto – ele
respondeu, jogando o objeto para ela.
Zannah ergueu a mão e facilmente apanhou o broche no ar. Havia uma
mancha de sangue seco na superfície, escondendo parcialmente uma
insígnia dourada.
– Esse é o símbolo da Casa Real de Doan – Set disse enquanto ela
estudava a imagem.
– Doan? – Zannah estava mais confusa do que nunca. – Por que alguém
de Doan viria até aqui? Como poderiam nos encontrar?
Set deu de ombros.
– Você é a Mestra. Você me diz.
Zannah não respondeu imediatamente. Mordendo o lábio inferior,
analisou a situação cuidadosamente, examinando-a de cada ângulo possível.
Ainda havia muitas dúvidas para pensar em um plano perfeito, mas sabia o
que precisava fazer.
– Precisamos ir para Doan.
– Espere um pouco – Set protestou, erguendo as mãos. – Tem certeza de
que quer fazer isso? Quer dizer, mesmo se o seu Mestre ainda estiver vivo,
para mim parece que ele provavelmente se tornou um prisioneiro.
– Sim… um prisioneiro em Doan.
– Então, o quê? Nós vamos resgatá-lo só para você então tentar matá-lo?
Isso estaria de acordo com a Regra de Dois, Zannah pensou. Mas havia
outras razões mais práticas para viajar.
– Meu Mestre é esperto, poderoso e astucioso. É perigoso demais para
ser ignorado. Se eles o estão mantendo como prisioneiro, ele pode encontrar
um jeito de escapar. Se escapar, irá atrás de mim… mas será no lugar e na
hora de sua escolha, não minha. Mesmo que não escape, é provável que
quem o sequestrou o interrogue em busca de informações. Ele pode revelar
algo que exponha minha existência para os Jedi… ou a algum outro
inimigo. Não estou disposta a correr esse risco. Além disso, quero saber
quem o atacou, e por quê. E, se realmente o capturaram, quero saber como
fizeram isso. Que táticas usaram para derrubar um oponente tão formidável,
e como posso me assegurar de que isso nunca acontecerá comigo.
– Então tudo isso será para você amarrar as pontas soltas?
Ela ouviu relutância em sua voz – a mesma relutância que sentira quando
primeiro oferecera a ele o posto de aprendiz. Set passara a maior parte da
vida fugindo de problemas em vez de os enfrentando. Ela sabia que ele
preferia evitar seus inimigos a buscar uma maneira de destruí-los. Com o
tempo, ela curaria esse defeito. Como sua Mestra, ensinaria a ele os
caminhos dos Sith.
Por enquanto, porém, ela simplesmente precisava de sua ajuda.
– Tenho de me encontrar com alguém – disse, lembrando que Chet havia
lhe contado que Bane se encontrara com Argel Tenn apenas alguns dias
antes de tudo aquilo começar. Era possível que o colecionador tivesse
encontrado algum manuscrito Sith interessante que houvesse feito Bane
deixar Ciutric.
– Vou com você?
Zannah sacudiu a cabeça.
– Você precisa descobrir tudo o que puder sobre Doan. Se a família real
estiver envolvida, para onde levariam meu Mestre? E como podemos
encontrá-lo?
Set soltou uma risada insatisfeita.
– Então agora sou um mero bibliotecário?
– Encontre-me aqui em dois dias – Zannah disse, ignorando sua
reclamação. – Até lá, terei decidido o que fazer.

Quando Zannah retornou para a mansão, após se encontrar com Argel


Tenn, ficou um pouco surpresa por encontrar Set ali, esperando por ela.
Zannah suspeitava que ele não fosse aparecer. A missão para a qual o
enviara era importante, mas também era um teste de seu comprometimento.
Se estivesse pensando duas vezes sobre se tornar seu aprendiz, enviá-lo
para longe lhe daria uma perfeita oportunidade para tentar desaparecer. O
fato de que voltara era um sinal de que talvez fosse uma escolha adequada,
afinal de contas.
Ficou aliviada ao ver que as coisas pareciam estar melhorando com Set,
pois seu encontro com Argel Tenn não foi muito bom. A princípio ele se
recusara a discutir seus negócios com Bane, alegando que a discrição era o
pilar de sua profissão. Zannah fizera seu melhor para persuadi-lo a abrir
uma exceção valendo-se de meios não violentos – ela sabia que Argel tinha
acesso a manuscritos Sith raros e não queria jogar fora um recurso
potencialmente valioso.
Entretanto, para seu desalento, ele mostrara uma surpreendente
integridade quando se tratava de proteger a confidencialidade de seus
clientes. No final, ela precisou usar métodos menos agradáveis para obrigá-
lo a falar. É claro, ao lançar mão de um interrogatório brutal, ela se revelara
como algo mais do que uma colecionadora interessada e, depois disso, não
poderia deixá-lo vivo.
O risco de Argel contar a alguém sobre ela era grande demais – a
informação podia chegar aos Jedi e provocar uma investigação. Acima de
tudo, era crucial que os Sith permanecessem ocultos, então Zannah não teve
escolha a não ser eliminar Argel.
A verdadeira tragédia foi que ela não tirou dele nada além de um único
nome: Darth Andeddu. Argel não sabia por que Bane estava interessado
naquele Lorde Sith em particular e, sem mais informações para continuar,
Zannah estava num beco sem saída.
– Bem-vinda de volta, Mestra – Set disse. – Você ficará feliz em saber
que descobri tudo o que alguém poderia querer saber sobre o miserável
mundinho de Doan.
– Pena que não enviei você para descobrir tudo sobre Darth Andeddu –
ela murmurou, deixando sua frustração subir à superfície.
– Você disse Andeddu? – Set perguntou, obviamente surpreso. – O
imortal Rei-Deus de Prakith?
O queixo de Zannah quase atingiu o chão.
– Você já ouviu falar dele?
– Ah, então agora eu tenho algo para ensinar a você – Set disse com um
sorriso irônico, recuperando-se de sua surpresa inicial. – Isso faz de mim o
Mestre?
Zannah não estava com humor para piadas.
– Diga-me o que você sabe sobre Andeddu.
Para seu crédito, Set percebeu o tom de voz dela e adotou uma postura
mais séria.
– Meus últimos anos com os Jedi foram passados servindo a um Mestre
Ithoriano chamado Obba – ele explicou.
– Já ouvi falar. Ele faz parte do Conselho do Primeiro Conhecimento.
Desde sua batalha contra os Jedi em Tython, Bane insistira que os dois
soubessem o nome e a reputação de cada Mestre da Ordem.
Set ergueu uma sobrancelha.
– Estou impressionado.
– Considere esta a sua primeira lição. Conheça o seu inimigo tão bem
quanto a si mesmo.
– Gravado. Posso continuar?
Zannah assentiu.
– Sob a insuportável tutela do Mestre Obba, passei a maior parte do meu
tempo pesquisando as histórias dos antigos Sith. O velho e tolo cabeça-de-
martelo tinha essa grande ideia de que ele podia servir melhor à luz
catalogando todos os holocrons Sith conhecidos, depois enviando seus
agentes para resgatá-los e trazê-los de volta para o Templo Jedi, onde
seriam armazenados com segurança. Em minhas pesquisas, encontrei várias
referências a um homem chamado Darth Andeddu. Os Jedi trabalharam
duro para remover todas as menções sobre ele dos registros galácticos, mas
como membro da Ordem eu tinha acesso aos materiais originais
confiscados.
– Chegue logo ao ponto – Zannah o alertou.
– É claro. Andeddu reinou sobre o mundo de Prakith como um deus. Ao
menos até as hipervias que levavam ao Núcleo Profundo entrarem em
colapso, efetivamente isolando o planeta do resto da galáxia. Havia,
entretanto, evidências que apoiavam a teoria de que Andeddu criara um
holocron durante seu reino. Mestre Obba acreditava que ainda estava em
Prakith, embora achasse que uma jornada até o Núcleo Profundo para
regatá-lo seria muito perigosa. Para ser honesto, eu meio que concordava
com ele.
– O que tem de tão especial sobre o holocron de Andeddu? – Zannah
exigiu saber. – Você quase engoliu sua língua quando mencionei o nome.
– Se as lendas forem verdadeiras, o holocron de Andeddu contém o
segredo da vida eterna.
Zannah praguejou consigo mesma quando todas as peças se juntaram. De
algum jeito, Bane deve ter descoberto sobre a existência do holocron de
Andeddu e viajado até Prakith para resgatá-lo. Ele estava tentando se tornar
imortal!
É por isso que a enviara para Doan: para que ela não descobrisse o que
ele pretendia fazer. Apesar de tudo o que ensinara sobre a Regra de Dois,
ele não estava disposto a aceitar a ideia de que sua aprendiz um dia o
superaria. Ele realmente pensou que, se pudesse encontrar uma maneira de
impedir os estragos do tempo e da idade, poderia dominar os Sith para
sempre.
Isso é uma traição a tudo o que você me ensinou. Você disse que estava
me ensinando todos os seus segredos – que o legado dos Sith um dia seria
meu, que eu o portaria. Você mentiu para mim!
– Acha mesmo possível que o seu Mestre tenha ido até Prakith e
encontrado o holocron de Andeddu? – Set perguntou, sem se esforçar para
esconder a fome em sua voz.
– Bane já viajou para dentro do Núcleo Profundo antes – ela admitiu,
lembrando-se de sua viagem até Tython.
– Então você finalmente decidiu dizer o nome de seu Mestre para mim.
Zannah praguejou em silêncio novamente. Não queria que ele soubesse
enquanto Bane estivesse vivo. Mas perceber o que ele havia feito, como
havia traído a Regra de Dois, a deixou abalada.
– Ainda não entendo como isso tudo está ligado a Doan – Set se
perguntou em voz alta.
Essa era uma peça do quebra-cabeças que Zannah também ainda não
entendia, embora tivesse a sensação de que tudo estava conectado.
– Seja lá quem o atacou deve ter vindo atrás do holocron – ela supôs. –
Quem derrubou Bane também levou o artefato.
– Então você acha que está em Doan?
Ficou óbvio que Set estava mais interessado em adquirir o holocron do
que em encontrar e lidar com Bane. Mas Zannah não tinha ideia de quem ou
o que ela enfrentaria quando voltasse para o mundo minerador, e suspeitava
que precisaria de toda ajuda que pudesse conseguir.
– Você não estava disposto a viajar até o Núcleo Profundo para adquirir o
holocron de Andeddu, mas estaria disposto a viajar de volta a Doan mais
uma vez?
Set fez mais uma de suas reverências exageradas.
– Mostre-me o caminho, Mestra.
Capítulo 16

SERRA ESTAVA SENTADA SOZINHA NO PEQUENO escritório sem janelas,


tentando tomar coragem. A única mobília era uma simples mesa e a cadeira
agora ocupada. As paredes sem adornos tinham um deprimente tom de
marrom, sua superfície de pedra áspera e sem acabamento. Um pequeno
cofre fora construído na rocha da parede, e uma única porta se abria para o
corredor lá fora.
A princesa não era ingênua. Ela entendia que o quarto refletia a opinião
que a maioria dos forasteiros tinham de Doan – um buraco sujo e
lamacento. Ela sabia que aqueles que viviam nas minas da superfície
sentiam o mesmo. Mas ela conhecia a verdadeira beleza do planeta.
Construídas no topo plano das colunas rochosas que se erguiam acima
das sufocantes nuvens de poeira e poluição, as cidades da nobreza eram
abençoadas com um límpido céu azul quase todos os dias do ano. A cada
manhã o sol nascente se refletia nas torres lustrosas dos castelos construídos
em planaltos a centenas de quilômetros ao leste, iluminando-as como velas
no meio da manhã cinzenta. Ao anoitecer, as tempestades de areia que
cruzavam o deserto pareciam dançar no horizonte, ganhando vida com
lampejos coloridos quando o sol poente se refletia na poeira de quartzo
levantada pela ventania furiosa.
Mesmo após todos esses anos, tudo isso ainda lhe tirava o fôlego… como
da primeira vez em que pisara em Doan. Após deixar o acampamento de
seu pai em Ambria, ela viajara pelos mundos da Orla Exterior, usando o que
ele havia ensinado para ajudar os menos afortunados e estabelecer sua
reputação como uma curandeira habilidosa. Quando o príncipe herdeiro
contraiu uma misteriosa doença, o rei a contratara para cuidar de seu filho.
Ela reconhecera instantaneamente os sintomas da febre Idoliana, uma
infecção mortal, mas tratável. Por três meses ela cuidou dele enquanto
lentamente recuperava a saúde e, quando Gerran se curou totalmente, os
dois já estavam apaixonados.
Você salvou a vida dele naquela ocasião. Mas não tinha o poder para
salvá-lo dos terroristas. Se você fosse mais forte, ele ainda poderia estar
vivo.
Serra sacudiu a cabeça em uma confusão momentânea. O pensamento
veio em sua própria voz, mas por algum motivo parecia ter vindo de outro
lugar… como se outra pessoa estivesse falando dentro de sua cabeça.
Com exceção de si mesma, o escritório estava vazio. A porta estava
fechada, e com a pouca mobília não havia lugar para ninguém se esconder.
Ela lançou um olhar desconfiado para a pequena pirâmide de quatro lados
em cima da mesa.
O objeto fora guardado quase sem cuidado nenhum em uma pequena
bolsa que os mercenários haviam trazido de volta para ela. A conexão de
Serra com a Força era forte o bastante para ela sentir o poder dentro do
artefato, preso debaixo da superfície, apenas esperando para ser liberado.
Por que a Iktotchi não ficou com isso? Ela também deve ter sentido o
poder – mesmo escondido dentro da bolsa. Outra coisa deve ter chamado
sua atenção.
Apanhando a pirâmide e segurando-a afastada do corpo, ela cruzou a sala
até o cofre da parede. Digitando a combinação, destravou-o e colocou a
pirâmide dentro, depois fechou a porta, selando o objeto em segurança. O
homem no calabouço era um Lorde Sith – tudo que ele possuía eram
instrumentos do lado sombrio. Serra não estava interessada em explorar
esse poder – estava apenas interessada no homem.
Ele chegara três dias atrás, porém ela ainda não tinha descido para falar
com ele. Sob suas instruções, ele foi mantido drogado e indefeso por todo
esse tempo. Agora ela sabia que não podia evitar mais – era hora de encarar
seus demônios. Com o rosto marcado por uma determinação sombria, ela
deixou o escritório e marchou pelos corredores sinuosos da infame Prisão
de Pedra de Doan, dirigindo-se para as celas de interrogatório.
Quando soube do vasto calabouço construído na pedra, vários
quilômetros abaixo do castelo, Serra sentiu-se horrorizada. Historicamente,
a nobreza usara a Prisão de Pedra para fazer oponentes políticos
desaparecerem. Presos no coração de uma coluna de rocha de vários
quilômetros de altura e centenas de metros de diâmetro, qualquer
prisioneiro ficaria longe do alcance de sensores de detecção. Uma pessoa
podia desaparecer para sempre no labirinto subterrâneo, passando o resto de
seus anos acorrentada, torturada para revelar informações ou simplesmente
por prazer sádico, sem qualquer esperança de salvação.
Em uma eventual tentativa de resgate, o complexo inteiro estava
preparado para desabar com uma série de explosões que matariam não
apenas os prisioneiros, mas também seus salvadores. As cargas de
detonação cuidadosamente criadas seriam ativadas em uma sequência
sincronizada, destruindo o calabouço sala por sala enquanto permitia aos
guardas tempo para escaparem. A Mansão Real e outros prédios na
superfície milhares de metros acima sofreriam apenas leves – mas
inconfundíveis – tremores enquanto todo o complexo abaixo era reduzido a
escombros.
Gerran ainda estava vivo quando Serra descobriu tudo isso. Ele explicara
que a Prisão de Pedra não era usada havia mais de quarenta anos – era uma
relíquia de uma era mais brutal e repressiva. Em resposta à pressão pública
exercida pelo Senado, a prisão fora fechada. Nem recebia mais
funcionários. Mesmo assim, a pedido de sua prometida, ele jurou que, assim
que se tornasse rei, selaria para sempre o infame calabouço: um gesto para
simbolizar as novas relações que gostaria de cultivar entre os nobres e os
mineiros.
Mas Gerran estava morto agora, assim como o pai dela. E foi ela quem
contratara mercenários para capturar seu inimigo e enterrá-lo para sempre
dentro das celas frias e escuras da Prisão de Pedra. Ela não podia deixar de
imaginar o que eles pensariam sobre o que fizera. O que diriam se
estivessem ali agora mesmo?
Serra afastou o pensamento. Eles não estavam ali. Seu pai e seu marido
se foram para sempre, arrancados dela. E restava apenas ela para lidar com
o Lorde Sith.
Precisou de quase dez minutos para sair do escritório, através do labirinto
de passagens e salas, até onde o prisioneiro era mantido. Embora os
corredores que ela atravessava estivessem iluminados por pálidas luzes no
teto, muitos deles levavam para a escuridão – seus mercenários haviam
aberto apenas uma pequena seção do complexo. O resto ainda estava
deserto.
O homem que ela encontraria estava preso em uma das celas de
segurança máxima, acessível apenas por uma singela escada guardada por
portas de hiperaço trancadas no topo e na base. Os mercenários de guarda
do outro lado da porta, no topo, a destravaram quando ela chegou, e Serra
rapidamente desceu os degraus íngremes.
A porta na base também se abriu para ela, revelando uma pequena
estação de guarda de dez por dez metros. Outra porta trancada de hiperaço
na parede afastada levava para a cela do prisioneiro – uma pequena janela
fora construída na porta. Havia duas mesas na sala. A maior ficava ao lado
da porta pela qual Serra tinha acabado de entrar. A menor tinha rodas,
medindo apenas um metro por meio metro e fora empurrada contra a parede
ao lado da porta da cela.
Seis dos soldados que ela enviara para apreender o prisioneiro estavam
ali, junto com Lucia e a Caçadora. Os guardas estavam sentados em
cadeiras ao redor da mesa maior, jogando cartas. As duas mulheres estavam
em lados opostos da sala, distanciando-se dos homens da mesa e uma da
outra. Lucia estava apoiada na parede, enquanto a Caçadora sentava-se no
chão de pedra, as pernas cruzadas, as mãos sobre o colo e os olhos
fechados. Parecia que estava meditando.
Quando Serra entrou, os guardas prontamente se levantaram, assim como
Lucia. A Caçadora abriu os olhos e olhou para a princesa, mas não fez
nenhum movimento. Serra não sabia exatamente o que a assassina ainda
estava fazendo ali – ela já havia recebido o pagamento por seus serviços.
Mas, por alguma razão, ela escolhera ficar, como se tivesse algum interesse
no resultado dos eventos.
A princesa sacudiu a cabeça. Tinha coisas mais importantes com que se
preocupar.
– O prisioneiro ainda está sedado? – ela perguntou.
– Sim, senhora – um dos guardas respondeu. – Ele recebeu outra dose
uma hora atrás.
Ela assentiu e seguiu para a mesinha no canto. Em cima havia quase três
dúzias de seringas hipodérmicas, com etiquetas coloridas de acordo com
seus conteúdos. Serra preparara pessoalmente cada uma das seringas.
Aquelas marcadas com uma etiqueta verde continham senflax – eles
precisavam manter o prisioneiro drogado o tempo todo para impedi-lo de
escapar. As outras – em vermelho, preto e amarelo – estavam cheias com
vários compostos dos quais ela precisaria durante o interrogatório.
Com o canto do olho, viu Lucia se aproximando. Quando chegou ao seu
lado, sua amiga falou em um sussurro suave o bastante para que apenas a
princesa pudesse ouvir.
– Você não é assim. Por que está fazendo isso?
– Você não entenderia – ela respondeu, igualmente discreta.
– Contratar essa assassina é uma coisa – Lucia continuou, sua voz
erguendo-se apenas um pouco com sua emoção cuidadosamente controlada.
– Mas contratar mercenários para secretamente reabrir a Prisão de Pedra? E
se o rei descobrir?
– Ele não vai – a princesa assegurou. – Isso não tem nada a ver com
Gerran ou Doan.
A mulher de pele escura insistiu.
– Prender alguém para tortura e interrogatório? Não é certo. Você sabe
disso.
– Ele é um Sith. Não um soldado como você foi. Um Lorde Sombrio. Ele
não merece a sua piedade. Ou a minha.
Lucia sacudiu a cabeça e se virou, mas não antes de Serra ver claramente
a frustração e a decepção em seu rosto.
– Abra a porta – a princesa ordenou aos guardas. – Quero falar com o
prisioneiro. Sozinha.
Ao ouvir as palavras, a Caçadora se levantou de repente, fazendo Lucia
dar um passo à frente em uma postura protetora.
– Quero ir com você – a Iktotchi explicou.
– Por quê? – Serra exigiu saber, repentinamente desconfiada.
– Quem mais poderia tê-lo capturado para você? – ela respondeu,
evitando a questão. – Não conquistei esse direito?
– Se ela for, eu também vou – Lucia insistiu, cruzando os braços.
Serra poderia recusar as duas. Mas, no fundo, ainda não queria encarar o
monstro de seu passado sozinha. E que mal faria agora se elas descobrissem
seus segredos? Tinha escondido sua identidade por todos esses anos apenas
porque seu pai temia retaliação daquele homem. Com ele prisioneiro, não
tinha mais razão para se esconder.
– Nós três, então – ela cedeu, empurrando a mesinha para levá-la junto
para dentro da cela. – Tranque a porta quando entrarmos – ela instruiu os
guardas.

Lucia estava preocupada com a princesa. Desde a visita ao Templo Jedi,


sentia algo diferente nela, mas nunca suspeitou que seria capaz de chegar a
tais extremos. Não sabia que mercenários foram contratados para reabrir a
Prisão de Pedra – se soubesse, teria tentado dissuadir Serra de um plano tão
tolo e perigoso. Mas a princesa sabia que ela se oporia, portanto não lhe
contou o que estava acontecendo até depois de o prisioneiro estar preso em
sua cela.
Lucia sabia que o calabouço existia, é claro. Como parte da segurança
oficial da princesa, precisava memorizar cada possível entrada e saída do
castelo. Até três dias atrás, entretanto, havia visto apenas as plantas
técnicas. Ficar cara a cara com a Prisão de Pedra era uma experiência
completamente diferente.
Assim que pisou para fora do turboelevador que a levou da superfície
para a prisão, sentiu o mal daquele lugar. O ar parado carregava o fedor da
morte. Muitas coisas sombrias e terríveis demais haviam acontecido ali com
o passar dos séculos.
Desde então, Lucia ficou de olho em sua amiga. Ela podia ver algo
corroendo a princesa e temia que o horrível ambiente da Prisão de Pedra
pudesse piorar as coisas. A princesa estava obcecada com o homem no
calabouço, porém, ao mesmo tempo, não conseguia encará-lo. Lucia sabia
que tinha algo a ver com seu passado, mas, quando tentara abordar o
assunto, a princesa se recusara a discutir.
Sem outra opção, ela fora forçada a esperar Serra fazer o movimento
seguinte. Agora que estava prestes a encarar o prisioneiro pela primeira vez,
Lucia estava determinada a ficar ao seu lado. Podia não entender o que sua
amiga estava passando, e podia não concordar com o que estava fazendo,
mas ainda estaria ao seu lado caso precisasse dela.
Quando as três mulheres entraram na cela, Lucia ficou surpresa ao
constatar o quanto era menor do que a sala do lado de fora: apenas três
metros quadrados. A cela era pouco iluminada; a única luz vinha de uma
lâmpada fraca no teto. O prisioneiro estava preso junto à parede mais
afastada. Seus braços estavam esticados de cada lado para cima, as mãos
acorrentadas e penduradas por correntes presas no teto. As pernas também
estavam separadas, e os calcanhares, algemados à parede.
Por causa dos efeitos da droga ele não conseguia parar de pé – seu peso o
inclinava para a frente, puxando as correntes que o suportavam até o limite
e exercendo uma tremenda força sobre seus pulsos e ombros. A dor em suas
juntas seria excruciante se não fosse o efeito entorpecente do senflax
correndo por seu organismo. A cabeça estava caída para a frente, seus
músculos paralisados tornando impossível erguer os olhos para vê-las
entrando.
Serra escolheu uma seringa com etiqueta vermelha na mesa e a injetou
diretamente na artéria carótida que corria na lateral de seu pescoço. Um
instante mais tarde, sua cabeça se ergueu de repente, em reação ao poderoso
estimulante.
Ao ver seu rosto, Lucia perdeu todo o ar dos pulmões. As outras duas
mulheres olharam para ela por um momento, mas, quando Lucia sacudiu a
cabeça, elas desconsideraram sua reação e voltaram a atenção para o
homem acorrentado.
Já haviam passado mais de vinte anos, mas Lucia o reconheceu
instantaneamente. Des fora seu oficial de comando – seu líder, seu herói.
Sem ele, nenhum dos Andarilhos das Trevas teria sobrevivido à guerra. Ele
salvara suas vidas em Kashyyyk. Ele os salvara de novo em Trandosha. Por
incontáveis vezes ele os conduzira através de situações impossíveis contra
chances mínimas de sucesso, até sua missão final juntos, em Phaseera. E
então o Tenente Ulabore ordenara que ele fosse preso pelos executores – a
polícia militar Sith.
Ela nunca mais ouvira falar de Des – assim como o resto da unidade, ela
pensou que ele tinha sido executado por desobediência e por atacar um
oficial superior. E, apesar de acreditar que estivesse morto, ela havia jurado
que nunca se esqueceria do rosto do homem que um dia significou tudo
para ela.
Quando o viu pendurado pelas correntes na cela, não conseguiu conter
sua reação de surpresa. Felizmente, nem a princesa nem a Caçadora
perceberam a razão daquilo, e Lucia se recuperou o suficiente para evitar
outro arroubo. Mas, embora tivesse conseguido esconder suas emoções na
superfície, por dentro seu mundo havia explodido.
Ela duvidava que Des a tivesse reconhecido. Estava drogado, afinal de
contas. E ela era apenas um rosto entre muitos da unidade. Ele era o líder
que todos seguiam – aquele que todos idolatravam. Nos Andarilhos das
Trevas, ela era apenas uma atiradora de elite de baixa patente, uma de uma
dúzia de oficiais juniores no esquadrão. Como poderia esperar que ele fosse
se lembrar dela depois de tanto tempo?
Não que importasse – ela não ousaria dizer nada com Serra e a Caçadora
ao seu lado. A princesa estava obcecada com o prisioneiro – fora tomada
por uma loucura que a levara a cometer atos antes impensáveis. Se
descobrisse que Lucia e Des se conheciam, seria impossível prever o que
ela faria. Ou o que ordenaria que a Iktotchi fizesse.
E então Lucia foi forçada a apenas ficar ali, incapaz de fazer qualquer
coisa para ajudar Des. Como no dia em que os executores o levaram
embora.

Serra reconheceu instantaneamente o rosto de seus pesadelos. Ele estava


mais velho, mas suas feições eram inconfundíveis: a cabeça careca; as
sobrancelhas grossas e pesadas; os traços cruéis de seus olhos e queixo.
Ao seu lado, Lucia nitidamente perdera o fôlego enquanto o prisioneiro
encarava as três mulheres com seus olhos frios e implacáveis. Serra olhou
por um momento e viu uma estranha expressão no rosto da ex-soldada –
algo sem dúvidas a deixara transtornada.
Lucia era a pessoa mais corajosa que a princesa conhecia, porém tinha
ficado claramente perturbada. Seria possível que tivesse ficado com medo
daquele homem, mesmo acorrentado? Ou será que sentiu pena dele? Ela
sabia que Lucia não aprovava o que estava fazendo. Será que sua amiga
agora achava que ela era um monstro? Ou seria outra coisa?
A reação inesperada de Lucia deixou Serra abalada, e ela lutou contra o
instinto de se virar e fugir do homem na cela. Mas dessa vez não tinha nada
a temer de seu prisioneiro. Agora, ele era a vítima, não ela.
Não importa o que Lucia pense, eu tenho que fazer isto.
– Você sabe quem eu sou? – ela exigiu saber.
Sua resposta veio lenta. O estimulante que ela administrou apenas
combatia o efeito físico do senflax – a toxina ainda deixava a mente
confusa, obscurecendo seu foco e concentração.
– Uma inimiga do meu passado.
As palavras saíram um pouco arrastadas, e era impossível interpretar o
tom de voz monótono e sem emoção. Ela não sabia se ele a reconhecia de
verdade ou se estava apenas generalizando, com base no fato de que ela o
havia tomado como prisioneiro.
– Meu nome é Serra. Caleb era meu pai – ela disse. Queria que ele
soubesse. Queria que entendesse quem estava fazendo aquilo.
– Isso é vingança por ele – o homem perguntou após um longo momento,
o senflax deixando sua mente letárgica – ou por aquilo que fiz a você?
– As duas coisas – ela respondeu, apanhando uma seringa marcada com
uma etiqueta preta. Outra vez, ela injetou a agulha em seu pescoço. Dessa
vez, entretanto, os efeitos foram bem diferentes.
Seus olhos rolaram para dentro da cabeça e os dentes se fecharam com
força; por pouco não morderam a língua. E então seu corpo começou a
convulsionar, balançando as correntes loucamente.
Lucia virou as costas com desgosto, incapaz de testemunhar a cena. A
Caçadora chegou mais perto, fascinada pelo tormento quimicamente
induzido. Serra deixou a convulsão continuar por dez segundos antes de
injetar uma das seringas amarelas para combater os efeitos.
– Entende o tipo de sofrimento que posso infligir a você? – ela
perguntou. – Agora entende como é ficar indefeso, à mercê de outra pessoa?
Ele não respondeu imediatamente. Sua respiração estava entrecortada, o
rosto e a cabeça cobertos de suor por causa da dor que acabara de sentir.
Um tremor espasmódico havia tomado conta de sua mão esquerda, fazendo
com que tremesse e se flexionasse loucamente na algema.
– Você não tem lição alguma para me ensinar – ele disse com dificuldade.
– Eu entendo o sofrimento de maneiras que você nunca poderá
compreender.
– Por que você matou meu pai? – Serra perguntou, apanhando outra
seringa preta e mostrando a ele.
– Caleb não morreu por minhas mãos.
Ela injetou a agulha em seu pescoço, induzindo outra convulsão. Dessa
vez, deixou-a continuar por quase o dobro do tempo antes de administrar o
antídoto. Ela esperava que ele fosse desmaiar por causa da dor, mas de
algum jeito ele conseguiu se manter consciente.
– As mentiras serão punidas – ela o alertou.
– Eu não matei o seu pai – ele insistiu, embora a voz estivesse tão fraca
que ela quase não conseguia ouvir.
– Eu disse a você que enxerguei outra pessoa em minhas visões – a
Caçadora lembrou. – Uma jovem de cabelos loiros. Talvez ela seja a
assassina.
Serra olhou para a Iktotchi antes de voltar a atenção para o homem.
– Isso é verdade?
Ele não respondeu, mas um sorriso irônico apareceu no canto da boca.
– Diga o que aconteceu com meu pai! – Serra gritou, dando um tapa em
seu rosto. Suas unhas o arranharam, rasgando a pele com quatro longos
cortes. Sangue logo apareceu nos ferimentos e começou a correr pelo
queixo.
Entretanto, Bane não respondeu. Com determinação no rosto, Serra
apanhou outra seringa preta, mas Lucia agarrou seu pulso.
– Ele não matou o seu pai! – a guarda-costas gritou. – Por que você está
fazendo isso?
Serra livrou sua mão com raiva.
– Ele pode não ter matado, mas é a razão de meu pai estar morto – ela
insistiu. Serra se voltou para o prisioneiro. – Você nega isso?
– Caleb era fraco – o homem murmurou. – Quando deixou de ser útil, ele
foi destruído. Assim age o lado sombrio.
Serra apanhou a seringa na mesa.
– Isso não vai trazer o seu pai de volta – Lucia implorou.
– Quero que ele saiba como é se sentir indefeso e com medo – Serra disse
rispidamente. – Quero que saiba como é ser uma vítima. Quero que entenda
que o que fez com meu pai, e comigo, foi errado!
– Os fracos sempre serão vítimas – o prisioneiro disse, sua voz ganhando
força. – Assim é o universo. Os fortes tomam aquilo que querem, e os
fracos sofrem em suas mãos. Esse é o destino deles, é inevitável. Apenas os
fortes sobrevivem, pois apenas os fortes merecem.
– Você acredita nisso apenas porque não sabe o que é sofrer! – a princesa
disparou de volta.
– Sei o que significa sofrer – ele respondeu, suas palavras já não mais
arrastadas e presas. – Já fui uma vítima. Mas me recusei a aceitar meu
destino. Eu me tornei mais forte.
Enquanto falava, pingos de sangue dos cortes em seu rosto caíam do
queixo e atingiam o chão.
– Aqueles que são vítimas não podem culpar ninguém a não ser a si
mesmos. Não merecem pena, são vítimas por causa de seus próprios
fracassos e fraquezas.
– Mas sua força não lhe valeu de nada! – Lucia disse, repentinamente
entrando na discussão. – Você não vê isso? Acabou como um prisioneiro de
qualquer maneira!
– Se eu fosse mais forte, não teria sido capturado – ele argumentou, um
brilho feroz queimando em seus olhos. – Se eu não for forte o bastante para
escapar, continuarei sofrendo até morrer. Mas se eu for forte o bastante para
escapar…
Serra devolveu a seringa preta batendo-a com força na mesa e apanhou
uma seringa verde, injetando nele outra dose de senflax.
– Você nunca sairá deste calabouço vivo – ela prometeu, enquanto sua
vítima voltava mais uma vez à influência da droga, seus olhos perdendo
foco e a cabeça tombando para a frente.
Mesmo drogado e acorrentado, ele ainda é astuto o suficiente para ser
perigoso.
No meio da discussão, ela quase não percebera os sinais do senflax
perdendo efeito. Pensara que levaria horas até ele precisar de outra dose,
mas subestimou os efeitos das outras drogas que estava injetando em seu
organismo. Teria de ter mais cuidado no futuro.
– No momento, estou fraco – o homem murmurou com a cabeça ainda
olhando para o chão, recusando-se a se entregar. – Impotente. Você inflige
sofrimento em mim porque é forte o bastante para fazer isso. Suas ações
provam a verdade daquilo em que acredito.
Serra sacudiu a cabeça com irritação.
– Não. Meu pai me ensinou a ajudar os necessitados. Os fortes devem
elevar os fracos, não pisar neles. Ele acreditava nisso, e eu também
acredito!
De algum jeito, o prisioneiro conseguiu erguer a cabeça, fixando seu
olhar turvo sobre ela.
– Seu pai morreu por causa de suas crenças.
A princesa ergueu a mão para estapeá-lo outra vez, mas então congelou,
tentando controlar a onda de tristeza e raiva que ameaçava transbordar.
– Você não está pensando direito – Lucia disse suavemente, pousando a
mão sobre seu ombro. – Precisa se acalmar.
Sua amiga estava certa. Ele estava dentro de sua cabeça. Ela precisava
sair da cela e se recompor. A última dose que administrou o deixaria
indefeso por ao menos mais uma hora. Tempo suficiente para recobrar seus
pensamentos antes de encará-lo de novo.
Baixando a mão, ela virou as costas sem dizer uma palavra, deixando a
Caçadora e Lucia sozinhas com ele na cela.
Capítulo 17

QUANDO A PRINCESA SAIU CORRENDO DA CELA, Lucia resistiu à vontade de ir


atrás dela. Sabia que as palavras de Des haviam machucado – normalmente
ela teria ido confortar sua amiga. Mas tudo havia mudado quando entrara na
cela e reconhecera o homem acorrentado na parede.
A Caçadora olhava para ela, sorrindo. A Iktotchi era maligna. Perversa.
Havia gostado de assistir Serra torturando sua vítima – parecia saborear seu
sofrimento. Lucia suspeitava que ela também sentira prazer com o tormento
emocional de Serra.
Lucia devolveu o olhar da assassina, mas se recusou a falar. Por um
momento seus olhos se cruzaram, e então a Iktotchi se virou com um ar de
indiferença, como se a outra não merecesse sua atenção. Lucia continuou
olhando para as costas da Caçadora quando ela seguiu os passos da
princesa, deixando-a sozinha com o prisioneiro.
A princípio, uma parte dela chegou a se perguntar se Des merecia o que
estava acontecendo com ele. Afinal de contas, ele era um Lorde Sith agora.
Lucia lutara ao lado dos Sith durante a guerra, mas era apenas uma soldada.
Assim como a própria Lucia, a maioria de seus colegas de armas haviam
entrado para o exército porque não enxergavam outra maneira de escaparem
do sofrimento e desesperança de suas vidas. Eles se voltaram contra a
República por desespero, mas ainda eram homens e mulheres decentes.
Os Lordes Sith, entretanto, eram monstros. Impiedosos e cruéis, não se
importavam com os soldados que os seguiam. Às vezes até parecia que
gostavam das mortes e do sofrimento impostos ao pessoal alistado sob seu
comando. Sua mera presença inspirava terror nos soldados, e à noite as
tropas contavam histórias dos horrores que faziam com seus inimigos… ou
com os aliados que fracassavam aos seus olhos.
Lucia nunca pensou que poderia sentir pena de um Lorde Sith. Mas
também nunca imaginou que Des se tornaria um deles.
Se Des realmente tinha assassinado Caleb, Lucia pensou, então ele
causara isso a si mesmo. Mas, quando interrogado, insistiu que não era a
pessoa que matou o curandeiro, e Lucia estava convencida de que ele estava
dizendo a verdade. Até a assassina Iktotchi parecia acreditar nele. Mas,
apesar de todas as evidências – o relato do Jedi, a misteriosa mulher loira
mencionada pela Caçadora e a negativa do próprio Des –, Serra não
desviara de seu caminho. A princesa se recusara a ouvir os fatos ou a razão.
Seu ódio a cegara para qualquer outra coisa.
Ela havia deixado a cela às pressas e com raiva, mas Lucia sabia que era
apenas questão de tempo até que retornasse para sujeitar Des a outra rodada
de tortura. Ela percebera a loucura nos olhos de Serra. A fome de vingança
da princesa.
Lucia reconhecia aquele olhar – já tinha visto a mesma expressão nos
olhos de seus colegas soldados quando os executores levaram Des
algemado. Não importava se ele era culpado do crime: Serra faria seu
prisioneiro sofrer pela morte de seu pai. E não havia nada que alguém
pudesse fazer ou dizer para dissuadi-la.
E, mesmo que não tenha matado Caleb, ele ainda é um monstro.
Provavelmente merece morrer.
Durante o interrogatório, ela ouvira com um horror crescente as palavras
saindo da boca do prisioneiro. Estava claro que Des havia abraçado os
ensinamentos do lado sombrio de maneiras que ela nunca poderia imaginar.
Não era mais o homem de que ela se lembrava – a camaradagem dos
Andarilhos das Trevas não significava nada para a criatura que ele havia se
tornado.
Mas significa muito para mim.
Lucia ainda acreditava nos ideais dos Andarilhos das Trevas. Eles
protegiam uns aos outros – eles contavam uns com os outros para
sobreviver. Havia honra em seu código de unidade, simbolizada na
saudação secreta reservada apenas para outros membros da unidade: um
punho fechado batendo com firmeza no peito, logo acima do coração.
O que quer que Des fosse agora, ela ainda lhe devia a vida. Ele a salvara
– junto com toda a unidade – vezes demais para contar. Porém, quando os
executores o levaram para longe, ela não tinha poder para ajudá-lo. Agora o
destino lhe dava outra chance para pagar sua dívida.
Uma pequena poça de sangue se formava no chão, pingando do corte
deixado por Serra em sua face.
Você não está fazendo isso apenas por Des, Lucia disse a si mesma,
voltando a atenção para as seringas sobre a mesa.
O ódio de Serra apenas se tornaria mais forte. Ela se tornaria mais e mais
perversa cada vez que voltasse para infligir dor à sua vítima indefesa. A
perda de seu marido a levara à loucura, e isso a deixaria à beira do
precipício.
Lucia observara quando a princesa administrara as várias drogas,
injetando-as diretamente no organismo de Des, através da grossa artéria em
seu pescoço. Ela não entendia completamente quais eram as substâncias e o
que faziam, mas viu o bastante para ganhar algum entendimento dos efeitos
de cada uma.
A seringa preta induzia os espasmos que Serra usara para torturar sua
vítima – a amarela acabava com as convulsões. A verde parecia forçar Des
de volta a seu estado catatônico. Mas a seringa vermelha – aquela que sua
senhora havia administrado no início do interrogatório – parecia tê-lo
acordado. Tinha de ser algum tipo de estimulante ou antídoto, algo que
combatia as drogas que o mantinham indefeso e letárgico.
Olhando sobre o ombro para ter certeza de que ninguém na sala de
guarda estava observando, apanhou uma das seringas vermelhas.
Havia mercenários demais para ela sair de lá lutando – tentar isso para
libertar Des resultaria apenas na morte dos dois. Mas Lucia não precisava
libertar Des para salvá-lo. Ele sempre fora capaz de cuidar de si, mesmo
antes de ganhar os poderes místicos de um Lorde Sith. Ela sabia que ele
seria mais do que capaz de escapar sozinho, se lhe desse apenas uma
pequena ajuda.
Lucia gentilmente empurrou a ponta da agulha contra a coxa dele,
esperando que a droga entrasse em seu organismo mais lentamente e com
menos violência do que quando Serra a enterrara em seu pescoço. Sabia que
era possível administrar uma overdose acidentalmente, mas, se Des
morresse, seria melhor do que continuar vivo para ser torturado de novo e
de novo.
Devolvendo a seringa à mesa, ela se virou e rapidamente deixou a sala.
Não tinha tempo para esperar e observar os efeitos. Precisava encontrar a
princesa. Se a droga funcionasse como suspeitava, ele logo recuperaria a
consciência. E, quando pudesse convocar o terrível poder do lado sombrio,
nenhuma cela na galáxia seria capaz de contê-lo.
Lucia voltou para a sala da guarda. Os mercenários haviam voltado para
seu jogo de cartas, ignorando completamente o que ela fizera. Serra e a
Caçadora não estavam em lugar nenhum.
– Para onde a princesa foi? – ela perguntou.
Houve um longo silêncio até que um mercenário ergueu os olhos com má
vontade e respondeu:
– Ela não disse. Apenas saiu.
– E você deixou que saísse sozinha? – Lucia exigiu saber, irritada.
– Aquela Iktotchi estava com ela, então a gente só… – o homem
respondeu, sua voz morrendo sob o olhar severo de Lucia.
Ela entendia que eles eram meros soldados de aluguel. Não se
importavam com nada que não fosse os créditos que receberiam.
– Tranque a porta da cela – Lucia disse rispidamente. – Se alguma coisa
estiver errada, acione o alarme. – Isso deve me dar tempo suficiente para
tirar a princesa daqui.
Dois dos soldados relutantemente se levantaram para obedecer às ordens
enquanto Lucia subia a escada para a sala acima.
Ela não se importava com o fato de que, quando Des se libertasse, ele
mataria os guardas. Aqueles homens e mulheres não eram seus amigos ou
colegas. Ela sabia que a matariam sem pensar duas vezes se o pagamento
fosse bom. Eram mercenários – suas vidas não significavam nada para ela.
Mas ainda se importava com Serra. Apesar do que tinha feito, ainda era
leal à sua senhora. Ainda tinha jurado proteger sua vida. Quando Des se
libertasse, ela sabia que ele sairia em busca da princesa. Quando o alarme
disparasse alertando sobre a fuga do prisioneiro, Lucia queria estar perto
para ajudar Serra a escapar.
E, se ele nos apanhar antes de escaparmos, ela silenciosamente tentou se
tranquilizar, talvez se lembre de mim. Talvez eu consiga convencê-lo a
deixar Serra viver.
Primeiro, entretanto, precisava encontrá-la.
Capítulo 18

O TERRENO FEIO E CHEIO DE CICATRIZES de Doan rolava sob a Vitória


enquanto ela cruzava em voo rasante a superfície do planeta.
Na cabine, Zannah se preparou quando os sensores detectaram uma forte
tempestade de areia centenas de quilômetros adiante. Ao seu lado, Set
estava sentado em sua posição costumeira: o assento inclinado para trás, os
pés sobre o painel.
Uma pequena mudança no vetor de aproximação a deixou em curso de
colisão com a tempestade. Ela não se deu ao trabalho de alertar Set quando
a Vitória foi envolvida pelo vórtice revolto.
Os estabilizadores impediram que a nave sofresse qualquer dano real,
mas a cabine tremeu violentamente ao ser atingida pelos ventos uivantes.
Set foi jogado de seu assento, mas conseguiu rolar ao atingir o chão e se
levantou imediatamente.
– Você fez isso de propósito – ele acusou Zannah, apoiando-se nas costas
do assento durante a turbulência.
– Você precisa estar alerta e ciente dos arredores o tempo todo. Sempre
esteja em guarda.
– Pensei que a informação que lhe passei me daria um descanso das
lições hoje – ele resmungou quando retomou seu lugar no assento do
copiloto e apertou o cinto.
– Pensou errado.
Apesar de suas palavras, Set havia provado seu valor. Além de ter
contado a ela sobre Darth Andeddu e seu holocron, foi ele quem pensou no
local mais provável onde Bane estaria preso.
– Eles devem ter levado seu Mestre para a Prisão de Pedra – havia
declarado pouco depois do começo da viagem.
– A Prisão de Pedra?
– Um calabouço construído centenas de anos atrás pela nobreza de Doan
para abrigar prisioneiros políticos. Encontrei todo tipo de referência a isso
nos arquivos históricos.
– Que tipo de defesa eles têm? – ela perguntara.
– Coisas normais. Canhões antiaéreos. Guardas armados. E podem
detonar uma série de explosivos para demolir todo o lugar como último
recurso.
Zannah fechara o rosto.
– Teremos de evitar ser detectados quando entrarmos.
– Isso pode ser mais fácil do que imagina – Set respondera com um
sorriso. – A Prisão de Pedra não é usada há quase duas gerações.
Tudo fez sentido para Zannah. Uma pequena equipe de guardas de elite
ou mercenários poderia manter um único prisioneiro no complexo
abandonado sem atrair muita atenção. Toda a infraestrutura de que
precisavam – celas, salas de interrogatório – ainda estaria lá. Se ficassem
dentro do coração do complexo, ninguém saberia de sua presença. Sigilo,
como ela sabia muito bem, geralmente era a melhor proteção contra seus
inimigos. Mas quando seus segredos eram expostos, isso podia deixá-lo
vulnerável.
– Eles não esperam que alguém ataque a prisão, então duvido que tenham
ativado as defesas externas – Set continuou, falando em voz alta aquilo que
Zannah pensava consigo mesma. – Uma equipe pequena não poderia ocupar
e operar todas as estações, e ativar os sistemas seria como enviar um sinal
de alerta dizendo para todos que eles estão ali.
Foi nesse ponto que Zannah percebeu que Set, apesar de todo o seu
excesso de confiança e atitude despreocupada, na verdade gostava de estar
preparado. Não tinha medo de improvisar e adaptar, mas tinha o bom senso
de saber onde estava se enfiando… ao menos a curto prazo. O truque seria
ensiná-lo a aplicar o mesmo tipo de diligência a planos de longo prazo, e
então ter paciência para levá-los adiante.
A Vitória passou pelo olho da tempestade de areia e saiu do outro lado,
seguindo na direção da coluna de pedra que se agigantava no horizonte.
Apesar de terem voltado para o céu calmo, Zannah ficou satisfeita ao ver
que Set não se recostou e colocou os pés no painel outra vez.
Ele estava aprendendo, e mostrara vários lampejos de um verdadeiro
potencial durante o tempo que estavam passando juntos. Talvez ainda
existisse esperança para ele… ou talvez, Zannah precisou admitir, ela
simplesmente estivesse tão desesperada para encontrar um aprendiz que
estava disposta a ignorar as fraquezas dele.
– Ali. Aquela coluna lá na frente. É aquela que queremos.
A noite já caía e Zannah mal enxergava a silhueta do enorme pilar de
pedra no horizonte. De onde estava, parecia uma gigantesca vela: alta e reta,
o topo brilhando com centenas de luzes da propriedade da família real
construída sobre o largo planalto no ápice.
Zannah desceu a nave ainda mais, passando menos de vinte metros acima
do chão para evitar o radar da propriedade real a quase cinco quilômetros
acima deles.
A Vitória detectou centenas de formas de vida quando analisou a coluna,
mas estavam todas concentradas nos prédios do planalto. Não havia
evidência de vida dentro do pilar, mas isso era de se esperar. Os detectores
não seriam capazes de penetrar a montanha de pedra.
Usando a Força, entretanto, Zannah ganhou uma perspectiva muito
diferente. Ela podia sentir algo sombrio e poderoso pulsando no coração da
coluna. Reconhecia a presença de seu Mestre, embora, àquela distância,
fosse impossível conseguir qualquer coisa mais do que uma vaga sensação
de que ele estava escondido em algum lugar lá dentro.
– Devem existir plataformas de aterrissagem para a prisão escondidas no
meio da coluna – Set assegurou. – Provavelmente se parecerão com
pequenas cavernas. Fáceis de não perceber.
A Vitória estava a menos de cem metros do pilar quando Zannah inclinou
o nariz para cima em um ângulo acentuado. A nave reagiu
instantaneamente, entrando em uma subida íngreme, as forças-g
pressionando os dois passageiros contra o encosto de seus assentos. A nave
se endireitou em uma perfeita subida vertical a menos de dez metros da
parede de rocha, correndo paralela a seus contornos enquanto Zannah
procurava um lugar para aterrissar.
Estava escuro demais para visualizar, mas os sensores da nave lhe
forneciam uma topografia digital da superfície do pilar que corria logo
abaixo do casco. Aquilo que a distância parecia liso e uniforme era, na
verdade, áspero e irregular. O vento e a erosão haviam esculpido canais e
ranhuras na rocha, e a face estava marcada com milhares de pequenas
aberturas irregulares. A maioria era apenas cantos e fissuras com menos de
dez metros de profundidade. Outras eram verdadeiros túneis que se
estendiam fundo na rocha. Mas apenas um punhado das aberturas era largo
o bastante para acomodar uma nave.
– Segure-se – Zannah alertou um instante antes de puxar o manche com
força.
A Vitória se afastou da coluna em uma curva para trás. Ao mesmo tempo,
Zannah iniciou uma pirueta para que terminassem de cabeça para cima,
com o nariz da nave apontando na direção da abertura que ela escolhera. Os
propulsores de aterrissagem foram acionados a toda força enquanto a
inércia da nave os jogava na boca da caverna, freando fortemente antes de
descer em um perfeito pouso de três pontos.
Set não disse nada, mas Zannah viu que ele ergueu uma sobrancelha,
impressionado. Ela poderia ter escolhido uma manobra menos dramática
para alcançar seu destino, mas sabia que seu aprendiz preferia fazer as
coisas com um toque de estilo. Impressioná-lo com sua pilotagem era mais
uma pequena maneira de assegurar seu respeito e lealdade.
Através da janela da cabine, Zannah enxergava apenas escuridão. Ela
acionou as luzes externas da Vitória, iluminando a caverna. As paredes de
rocha ao redor eram irregulares e ásperas, mas o chão era liso e uniforme.
Uma única passagem levava para um dos lados, o túnel reto demais para ter
sido esculpido pela natureza.
– Provavelmente existe uma dúzia de outras plataformas de aterrissagem
como esta – Set a informou quando saíram da nave. – Cada uma com uma
passagem levando para os níveis inferiores do complexo.
– É uma pena que você não tenha conseguido encontrar um holomapa do
lugar – ela comentou, para que ele não ficasse convencido demais.
– Talvez seja melhor nos separarmos – Set sugeriu. – Com dois
procurando, teremos uma chance maior de encontrá-lo.
– Vou entrar sozinha – Zannah informou. – Você ficará aqui guardando a
nave.
– Guardando a nave? Contra quem?
– Quem capturou Bane pode ter colocado alguém para patrulhar as
entradas. Se encontrarem nossa nave indefesa, podem inutilizá-la,
eliminando nosso único meio de fuga.
– Que seja – Set respondeu secamente após considerar por um momento.
– Vou me sentar aqui e ficar olhando para a nave como se eu fosse o seu
cachorro de guerra Cyborreano pessoal.
– Imagino que você será capaz de lidar com qualquer um que aparecer
nesta plataforma sem muito problema.
– Qualquer um, exceto o seu Mestre – ele assegurou.
Mesmo eu não tenho certeza de que posso lidar com ele.
Satisfeita com a resposta de Set, Zannah ativou um bastão luminoso.
Guiada por seu brilho pálido, ela entrou no túnel que levava para a Prisão
de Pedra.

Set observou as costas de sua nova Mestra, seguindo seu progresso até
ela dobrar uma esquina e desaparecer, deixando-o sozinho na pequena
plataforma de aterrissagem.
Apoiou-se no casco da Vitória, pensando no pouso. Ele se considerava
um piloto muito bom, mas nunca teria tentado um movimento como a
pirueta invertida que Zannah usara. Sabia que ela estava apenas se exibindo.
De qualquer forma, foi uma manobra impressionante.
Após alguns minutos ele começou a andar de um lado a outro, inquieto,
chutando pequenas pedras no chão. Set não gostava de receber ordens, e
não gostava de ficar parado sem fazer nada.
Não faça nada estúpido agora. Ela estava falando sobre o quanto a
paciência é importante. Isso é provavelmente outro teste.
Obba, seu Mestre antes de deixar os Jedi, frequentemente encorajava
seus estudantes a meditarem quando não tinham outra tarefa ou dever. Dizia
que isso ajudava a concentrar a mente e o espírito. Mas Set nunca foi fã da
meditação. Preferia fazer alguma coisa – qualquer coisa – em vez de ficar
parado em transe, perdido em seus próprios pensamentos.
Abaixou-se e vasculhou o chão até encontrar cinco pedras do tamanho de
um punho. Tirou a areia o melhor que podia, inspecionando as pedras para
ver se não tinham pontas afiadas que pudessem cortar seus dedos ou a
palma das mãos. Então, satisfeito com seus achados, começou a fazer
malabarismo, esperando que isso ajudasse a passar o tempo.
Começou com movimentos simples, experimentando o peso e equilíbrio
de cada pedra. Então mudou para uma cascata, as rochas dançando em um
padrão circular enquanto saltavam de mão em mão. Em seguida jogou e
apanhou as pedras nas costas, alternando entre a frente e as costas sem
quebrar o ritmo.
Olhando ao redor da caverna, avistou outra pedra de bom tamanho a
alguns metros. Sem parar o malabarismo, aproximou-se arrastando os pés
até ficar perto o bastante para colocar a ponta de sua bota embaixo da pedra.
Um rápido chute jogou a pedra no ar, onde se juntou às outras no
movimento.
Ele repetiu o truque várias vezes, movendo-se pela caverna em busca de
mais pedras, acrescentando quantidade e complexidade até que, quando
alcançou dez objetos simultâneos, deixou todas as pedras caírem no chão,
com desgosto.
Você não veio aqui para brincadeiras.
Zannah partira havia menos de dez minutos, e ele já estava
insuportavelmente entediado.
Ela pode ficar lá por horas. Você não vai aguentar.
Fechando os olhos para se concentrar melhor, Set usou a Força,
vasculhando a área ao redor. A princípio não sentiu nada – Zannah havia
desaparecido profundamente dentro do complexo.
Concentrando-se intensamente, expandiu sua consciência ainda mais.
Gotas de suor começaram a se formar nas sobrancelhas, mas após quase um
minuto ele começou a detectar leves sinais de vida. Todas as formas de vida
eram sintonizadas com a Força em algum nível, e os Jedi o treinaram para
sentir suas presenças por meio dela. Pessoas comuns mal eram notadas, tão
fáceis de ignorar quanto uma lâmpada fraca em uma tarde ensolarada.
Aqueles com poder – homens e mulheres como Zannah ou outros Jedi –
queimavam com muito mais intensidade.
Para sua surpresa, Set sentiu vários lampejos fortes e distintos ao
expandir cada vez mais sua consciência. Ele esperava sentir Zannah e seu
Mestre, mas eles não estavam sozinhos. Era difícil dizer quantos outros
havia, ou sua localização precisa – sentir outros por meio da Força era uma
ciência muito inexata. Mas definitivamente estavam lá.
E não são Jedi.
Aqueles que serviam ao lado da luz tinham uma certa aura
inconfundível… assim como aqueles que convocavam o lado sombrio.
Talvez Bane já tenha encontrado outro aprendiz. Zannah pode estar
prestes a se deparar com uma surpresinha.
Em circunstâncias normais, Zannah certamente teria sentido as outras
presenças, assim como ele, mas Set sabia que ela estava concentrada em
uma única coisa: encontrar Bane. Com sua mente concentrando-se tão
intensamente em apontar a exata localização de seu Mestre, era possível
que não notasse mais ninguém. Não até estar praticamente em cima dessa
pessoa.
Set hesitou, sem saber o que deveria fazer. Será que Zannah precisava de
sua ajuda? Se precisava, será que deveria ajudá-la?
Se você quer fugir, esta é a sua melhor chance. Apenas entre naquela
nave e voe para longe daqui.
Se ele partisse e Zannah morresse, era improvável que alguém soubesse
que ele estivera ali. Set não teria de se preocupar com o Mestre dela indo
atrás dele – poderia fingir que nada daquilo tinha acontecido. Se Zannah
sobrevivesse, entretanto, não tinha dúvida que ela o procuraria para se
vingar. E, já que não estaria por perto para ver o resultado de seu confronto
com Bane, teria de passar o resto da vida olhando sobre o ombro.
Não é muito diferente do que você faz agora. Você conseguiu ficar
sempre um passo na frente dos Jedi por todos esses anos – quanto mais
difícil seria ficar um passo à frente dos Sith ao mesmo tempo?
Mas havia outras considerações. Se ele partisse, estaria jogando fora a
chance de aprender com Zannah. Ela era mais forte do que ele, muito mais
forte. Ela poderia ensinar coisas que ele nunca aprenderia com mais
ninguém. Não era fácil dar as costas para esse tipo de poder.
Dividido entre as duas opções, Set tentou expandir sua consciência ainda
mais na esperança de descobrir qualquer outra coisa. Já estava alcançando o
limite de sua capacidade, mas sabia que aquela era a decisão mais
importante de sua vida. Não podia se dar ao luxo de errar.
Uma forte dor crescia em sua testa – era como se alguém injetasse uma
agulha em seu crânio bem no meio dos olhos. Não estava acostumado a
esse tipo de esforço prolongado – quando usava a Força, era para lampejos
rápidos de ação. Mas ignorou a dor, cerrou os dentes e fez um esforço final.
E então ele sentiu. Criaturas vivas não eram as únicas coisas com
afinidade com a Força. A maior parte da vida adulta de Set fora passada
buscando objetos imbuídos com seu poder: inicialmente em nome do
Conselho do Primeiro Conhecimento, mais tarde por si próprio. Tornara-se
altamente hábil em reconhecer as assinaturas de energia únicas projetadas
pelos talismãs do lado sombrio – elas o chamavam mais fortemente do que
chamavam a maior parte das outras pessoas.
Foi por isso que, apesar de estar no limite de sua consciência, ele
conseguiu sentir. Era diferente de tudo o que sentira antes – algo tão forte e
poderoso que o fez perder o fôlego de tanto desejo.
O holocron de Andeddu. Tem de ser.
Zannah dissera que seu Mestre viajara a Prakith para encontrá-lo. Quem
quer que tivesse capturado Bane devia ter levado o holocron também.
Set abriu os olhos e sacudiu a cabeça, deixando sua consciência cair de
volta para seus arredores imediatos. A dor de cabeça sumiu, substituída por
um desejo ardente de tomar o holocron para si.
Tinha apenas uma vaga ideia de onde encontrá-lo. Mas, assim que
estivesse dentro da Prisão de Pedra, tinha confiança de que seria capaz de
identificar o local rapidamente. Para ele, rastrear um holocron era muito
mais fácil do que localizar uma pessoa.
Zannah havia ordenado que protegesse a nave, mas ele não estava
preocupado que alguém acidentalmente descobrisse sua localização. Não
sentira ninguém nem remotamente perto da plataforma de aterrissagem.
A questão é, você consegue pegar o holocron e voltar aqui antes de
Zannah terminar com Bane?
Era arriscado. Se ela retornasse e descobrisse que a nave não estava mais
lá, Zannah podia decidir encerrar seu aprendizado… e sua vida. Mesmo se
não fizesse isso, poderia simplesmente tomar o holocron para si, e Set sabia
que não seria forte o bastante para impedi-la.
Mas, se você encontrar o holocron, quem disse que precisa trazê-lo de
volta até aqui?
Quem quer que tivesse trazido Bane até a Prisão de Pedra tinha de estar
usando uma das outras plataformas para suas naves. O quão difícil seria
roubar uma?
O segredo da vida eterna versus o ódio imortal de uma Lorde Sith. Será
que vale a pena?
Essa era uma questão que Set não tinha dificuldade para responder.
Levando uma lanterna, entrou na Prisão de Pedra pela mesma passagem em
que Zannah havia entrado menos de quinze minutos antes.
Capítulo 19

BANE PODIA SENTIR O AÇO DAS ALGEMAS cortando seus pulsos, e um sorriso
sombrio apareceu em seus lábios. A dor indicava que o sedativo estava
perdendo força. A névoa cinza que embaçava seus pensamentos se
dissipava, deixando sua mente mais clara e focada.
Mais uma vez ele podia sentir o poder do lado sombrio. Era forte naquele
lugar – a miséria e o sofrimento de vários séculos pairavam no ar. Bane
quase podia ouvir os gritos de todas as incontáveis vítimas ecoando pelas
paredes.
As memórias da última hora estavam enevoadas e confusas, mas ele
sabia o suficiente. Sua captura fora orquestrada pela filha de Caleb e a
misteriosa Iktotchi que ficara ao seu lado durante o interrogatório. E ele
devia sua liberdade à outra mulher que estava com elas.
Ele não sabia por que a mulher de pele morena injetara algo nele depois
que as outras saíram. Apesar de ainda estar drogado, tinha certeza de que
não fora um acidente ou erro. Ela sabia o que estava fazendo. Quem era e
por que fizera aquilo, entretanto, ele não sabia.
Não que sua identidade e razões importassem no futuro imediato. Ela
dera a Bane toda a ajuda de que precisava, e logo ele estaria pronto para
fazer seu movimento.
A dor se espalhava para além dos pulsos. Parecia que seus ombros
estavam sendo arrancados do corpo por suportarem a maior parte do peso.
Os cortes profundos em seu rosto queimavam, e ele sentia os pequenos
pingos de sangue descendo e tracejando a linha do queixo antes de
pingarem no chão.
Chegou a hora.
Ele ergueu a cabeça para ter certeza de que a porta da cela ainda estava
fechada – queria pegar seus captores de surpresa. Então começou a
acumular o poder da Força. Um instante mais tarde, as algemas em seus
pulsos e tornozelos se partiram, explodindo em um milhão de pedaços com
um mero pensamento de Bane.
Ele caiu no chão, seus músculos cansados incapazes de suportar seu peso.
Precisou de um momento para se recompor, e então uma onda de adrenalina
correu por seu corpo e ele logo se levantou.
Bane se sentiu nu sem seu sabre de luz, mas não estava exatamente
indefeso. Havia muitas outras maneiras de eliminar seus inimigos.
Três passos rápidos o levaram até a porta de hiperaço da cela. Ele a tocou
com a palma da mão, então usou a Força para explodi-la. O metal voou pela
sala, acertando e matando um dos guardas sentados à mesa, jogando cartas.
Os cinco guardas restantes se levantaram rapidamente, apanhando suas
armas. Bane atacou usando a Força. Sua onda de energia foi limitada pelos
efeitos remanescentes das drogas em seu organismo, mas ainda foi forte o
bastante para derrubá-los todos no chão e jogar a mesa contra a parede,
onde se despedaçou.
Bane caiu sobre os guardas como um animal enraivecido, movendo-se
tão rápido que parecia apenas uma mancha. Pisou com sua bota na garganta
do oponente mais próximo, esmagando seu esôfago. Com seu braço
musculoso, envolveu o pescoço do homem seguinte por trás, tocou seu
queixo com a outra mão e torceu a cabeça para o lado, quebrando seu
pescoço.
Os últimos três oponentes se levantaram, sacando seus blasters. Bane
arrancou uma vibroadaga curta do cinto do homem com o pescoço
quebrado e a enterrou na barriga de uma mulher antes que ela pudesse sacar
sua arma. Ela se dobrou com o golpe fatal, soltando o blaster.
Bane se jogou e apanhou a arma antes de ela atingir o chão, protegendo-
se dos tiros dos dois inimigos restantes enquanto rolava e disparava dois
tiros perfeitamente posicionados. Os dois guardas caíram para trás, seus
rostos apagados pelo impacto de um tiro de blaster à queima-roupa.
Outra porta trancada de hiperaço bloqueava a única saída. Bane jogou o
blaster de lado e arrancou a porta das dobradiças. Acima, alguém acionou o
alarme, e uma sirene ensurdecedora começou a tocar.
Do outro lado da porta havia uma escada estreita, igualmente trancada no
topo. O Lorde Sombrio subiu os degraus e se lançou com o ombro na porta.
Ela se abriu com o impacto, permitindo-lhe se projetar para a sala adiante.
Os quatro guardas ali já estavam alertas por causa dos tiros disparados lá
embaixo – diferente do primeiro grupo, não foram pegos desprevenidos
pela entrada violenta. Com as armas já em punho, abriram fogo.
Mas o ataque visceral de Bane contra o esquadrão na sala abaixo havia
alimentado o ciclo de emoções em ebulição e a concentração do lado
sombrio. Ele respondeu ao ataque com uma explosão de energia que se
propagou em uma onda, com a cor violeta característica partindo de seu
corpo.
Os tiros foram absorvidos pela tempestade iônica, e os próprios blasters
derreteram nas mãos de seus donos. O fedor de carne queimada se misturou
com seus gritos de agonia e o implacável som dos alarmes, alimentando
ainda mais o poder de Bane.
Abaixado sobre um joelho, fechou os dois punhos e jogou os braços para
os lados, esticando os dedos ao máximo. A onda da Força resultante
derrubou os guardas, lançando-os para trás até atingirem as paredes com
força suficiente para rachar a pedra.
Bane se levantou no centro da carnificina. Havia meia dúzia de corpos
caídos ao seu redor, com ossos quebrados e órgãos internos esmagados. Um
deles ainda cuspia sangue em seu suspiro final – todos os outros estavam
imóveis.
Para seu desalento, não viu nem a filha de Caleb nem a Iktotchi entre os
mortos. Sentira alguns guardas fugindo da sala quando subiu as escadas,
mas não sentira nenhuma das mulheres entre eles. Também não reconhecia
nenhum dos cadáveres como a mulher de pele morena que o salvou, embora
estivesse – no momento – menos interessado nela.
Já havia encontrado Serra antes. Durante seu primeiro encontro com
Caleb, o curandeiro tentara enganá-lo com uma simples ilusão para
esconder sua filha. Mas Bane havia sentido a menina encolhendo-se atrás
da fachada – sentira seu medo. Porém, era mais do que isso. Assim como
seu pai, ela tinha um poder que podia ser sentido através da Força.
Você não pode se esconder de mim. Vou encontrá-la.
Convocando a memória havia muito tempo enterrada, ele expandiu sua
mente, concentrando-se em detectar sua presença inconfundível.
Ela ainda está aqui. Ainda está neste prédio. Mas não está sozinha.
Sua consciência havia se estendido através dos corredores do calabouço,
sussurrando sobre as mentes de todos os que andavam por ali. Sentiu Serra,
junto com vários outros indivíduos poderosos. Mas havia um em particular
que chamou sua atenção.
Zannah. O que ela está fazendo aqui?
Será que sua aprendiz estava, de alguma maneira, envolvida com sua
captura? Será que tinha vindo para resgatá-lo? Ou talvez para impedir que
escapasse?
Qualquer que fosse a explicação, Bane tinha certeza de uma coisa: não
queria enfrentar Zannah agora. Não enquanto ainda estava se recuperando
das toxinas que Serra havia usado para deixá-lo indefeso, e certamente não
sem um sabre de luz.
Ela estava procurando por ele – Bane podia senti-la usando a Força,
chegando cada vez mais perto. Mesmo assim, havia maneiras de combater
seus esforços: sutis manipulações da Força poderiam confundi-la e
redirecioná-la.
Enganar Zannah enquanto ao mesmo tempo rastreava a filha de Caleb era
possível em teoria, embora poucos indivíduos tivessem a disciplina para
manter o equilíbrio entre duas tarefas tão mentalmente intensas. Mas a
vontade de Bane era tão forte quanto seu corpo.
Se fosse rápido, astuto e cuidadoso, teria a chance de encontrar sua presa
e escapar vivo daquela prisão.

Lágrimas de raiva, vergonha e frustração corriam pelo rosto da princesa.


Segurou-se até passar pelos guardas, mas, agora que não havia mais
ninguém por perto, ela finalmente se soltou.
Seu plano para vingar a morte de seu pai e se libertar das memórias
traumáticas de sua infância tinha fracassado miseravelmente até agora. Ela
queria que o Lorde Sith admitisse que estava errado. Queria que ele se
desculpasse e pedisse perdão pela morte de Caleb. Queria que implorasse
por sua misericórdia.
Havia se convencido de que, se isso acontecesse, ajudaria a lidar não só
com a morte sem sentido de seu pai, mas também com a de seu marido.
Havia pensado que ajudaria a restaurar algum tipo de significado para um
universo cruel e aleatório. Tinha esperança de que isso lhe trouxesse paz.
Mas nada saiu como imaginara. O prisioneiro não mostrava nenhum
arrependimento. Havia distorcido tudo o que ela dissera e transformado em
uma perversa justificativa para aquilo em que ele acreditava. Quase fez
parecer que a morte de Caleb foi algo correto.
E ele voltou sua melhor amiga contra você.
Por mais que as palavras do Sith a perturbassem, as ações de Lucia a
deixaram ainda mais abalada. Foi a guarda-costas quem havia contratado a
Caçadora para vingar a morte de Gerran. Mas agora ela parecia determinada
a se opor à busca de Serra pela vingança de Caleb.
Não fazia sentido para a princesa. Ela esperava que Lucia ficasse ao seu
lado durante o confronto, para apoiá-la quando encarasse o demônio de seu
passado. Ancorando sua força para que conseguisse conquistar seus medos
e triunfar sobre o mal. Em vez disso, ela o defendeu.
Como você pôde dar as costas a mim desse jeito? Quando eu mais
precisava de você?
Serra havia fugido da cela de interrogatório para escapar da loucura, sem
nem prestar atenção para onde estava indo. Movendo-se a passos largos e
rápidos, correu sem rumo pelo labirinto de corredores, sem qualquer
propósito ou direção.
Não sabia para onde estava indo ou o que estava tentando fazer. Apenas
precisava pensar. Tentar dar sentido a tudo aquilo. Ficar sozinha.
Mas não estava sozinha.
O esforço físico ajudara a controlar suas emoções, e após vários minutos
ela começou a retomar um pouco da compostura. As lágrimas cessaram e
seus passos diminuíram de velocidade. Foi só então que ouviu os passos de
alguém que a seguia a poucos metros atrás.
Ela parou de repente, erguendo a mão para limpar os olhos antes de se
virar. Esperava ver Lucia. Em vez disso, viu-se face a face com a assassina
Iktotchi.
– Por que está me seguindo escondida? – ela exigiu saber.
– Se eu estivesse escondida, você não teria me ouvido – a Caçadora
respondeu com sua calma implacável. – Estava seguindo você, mas não fiz
esforço de mascarar minha presença.
– Então por que está me seguindo?
– Queria saber o que você faria. Estou curiosa para saber como vai reagir
a seu fracasso.
Os lábios de Serra tremeram, mas ela conseguiu manter o resto da face
sem expressão, espelhando a postura sem emoção da outra mulher.
Não havia razão para negar o que tinha acontecido – a Iktotchi
testemunhara todo o interrogatório. Mas a princesa não estava disposta a
admitir a derrota.
– Vou me erguer novamente e tentar outra vez – ela declarou. – Da
próxima vez que eu falar com ele, estarei pronta para seus truques.
– Não haverá uma próxima vez – a Caçadora respondeu. – Você o tinha
em seu poder. Sua vida estava em suas mãos. Mas você escolheu deixá-lo
viver, e agora é tarde demais. Seu destino e seu futuro escaparam de suas
mãos. Você está impotente outra vez.
As palavras foram ditas sem rancor ou maldade, o que fez com que
doessem ainda mais. Serra percebeu que havia algo maligno sobre aquela
mulher. Não era apenas uma assassina mercenária. Ela usava suas
habilidades para sentir o futuro e espalhar sofrimento e morte.
– Não quero que você continue aqui – Serra disse a ela, com a voz firme.
– O seu trabalho está feito e você já foi paga. Então, vá.
– O futuro está nebuloso agora – a Iktotchi admitiu. – Os eventos
balançam sobre o fio de uma adaga, e não posso prever para que lado
cairão. Quero ficar e ver o que acontece quando o prisioneiro se libertar.
– Ele nunca vai se libertar! – Serra gritou. – Não vou deixar isso
acontecer!
– Você não pode impedir. Já é tarde demais – a Caçadora respondeu. –
Lucia traiu você. Vi nos olhos dela quando você se retirou. Ela quer salvar o
homem que você quer destruir.
Serra balançou a cabeça, mas, embora quisesse negar, não conseguia
dizer as palavras.
Ela o defendeu durante o interrogatório. Tentando protegê-lo.
– Por que você não disse algo antes? – Serra perguntou, perplexa. – Por
que não me alertou?
– Como você disse, já recebi meu pagamento. Meu trabalho era entregá-
lo para você. Nada mais.
– Então por que está me dizendo agora?
A Iktotchi não respondeu, mas o primeiro sinal de emoção apareceu em
seu rosto quando os cantos dos lábios se curvaram em um leve sorriso cruel.
Ela se alimenta da miséria dos outros.
Serra começou a dizer Lucia nunca me trairia, mas suas palavras foram
interrompidas pelo súbito disparo dos alarmes da Prisão de Pedra.
Naquele instante, soube que tudo o que a Caçadora dissera era verdade.
O prisioneiro havia se libertado, e Lucia o ajudara.
– Não! – Serra gritou, segurando a cabeça com as mãos quando, pela
segunda vez naquele dia, seu mundo desabou ao seu redor. – Não!
A Iktotchi sorria impiedosamente agora, transformando as tatuagens em
seu lábio inferior em longas presas.
– Não! – a princesa gritou outra vez, sua voz superando os alarmes.
Ele não pode escapar. Não agora. Não depois de tudo o que aconteceu.
– Não!
Serra se virou e correu por um dos corredores próximos dali, com um
último e desesperado plano formando-se em sua mente.
Capítulo 20

ASSIM QUE LUCIA SAIU DA VISTA DOS GUARDAS que vigiavam Des, começou a
andar rapidamente. Sabia que não tinha muito tempo antes que ele
escapasse, e precisava encontrar a princesa antes que isso acontecesse. Mas
descobrir onde Serra estava não era fácil.
Dezenas de passagens se abriam do corredor principal em cada lado,
levando para outros blocos de celas na mesma ala, ou para áreas
completamente novas do complexo do calabouço. Felizmente, apenas uma
pequena seção da Prisão de Pedra foi reaberta. A maior parte dos corredores
pelos quais Lucia passava estava escura e deserta: não achava que a
princesa teria entrado em algum deles.
Mesmo assim, havia muito espaço para cobrir. Ela começou com o
escritório administrativo da ala de segurança máxima, mas estava vazio.
Depois disso retornou, movendo-se rapidamente pelos corredores
iluminados, ocasionalmente chamando o nome de Serra com um tom de voz
que ela esperava que soasse calmo e normal.
Precisava encontrá-la, mas também não queria que suspeitasse de algo.
Lucia não tinha intenção de revelar o que fizera. Havia ajudado Des porque
sentia que era correto, mas duvidava que Serra entenderia.
Sua esperança era de que estaria ao lado da princesa sob o disfarce de
amiga solidária quando os alarmes disparassem. Como sua guarda--costas,
faria perfeito sentido levar Serra para um lugar seguro, e sua amiga nunca
precisaria saber a verdade sobre como Des escapara.
Infelizmente, a primeira parte de seu plano se despedaçou quando ela
ouviu os alarmes disparando após alguns minutos.
Praguejou para si mesma e começou a correr. Seu plano ainda poderia
funcionar: se encontrasse Serra, ainda poderia convencê-la a partir sem
expor sua traição. Mas agora estava em uma corrida contra Des para ver
quem encontraria a princesa primeiro.
Onde ela poderia estar?
Os alarmes martelando dificultavam qualquer pensamento. Lucia parou
de repente, tomando um momento para organizar seus pensamentos.
Pelo corredor à sua direita ela ouviu a princesa gritando “Não!” – sua voz
audível mesmo em meio à cacofonia dos alarmes.
Ela tinha de estar perto! Virando-se, Lucia disparou pelo corredor na
direção do som. Encontrou outra intersecção: o corredor se abria para a
direita, para esquerda e seguia em frente. Parando, ela tentou ouvir mais
uma vez, mas nenhum outro som veio.
Pensando nas plantas que havia memorizado quando se juntara à Guarda
Real, lembrou-se de que o corredor à esquerda entrava mais fundo no
calabouço, na direção de uma área que ainda estava fechada. Isso a deixava
com apenas duas opções.
Lucia continuou em frente, sabendo que o corredor seguia por mais vinte
metros antes de virar em uma curva acentuada e terminar em uma velha sala
de guarda. A sala ficava na mesma rede de energia da ala de segurança
máxima, então estaria iluminada. Mas ela não estava em uso: os
mercenários receberam alojamentos do outro lado da ala.
Lucia achava que a princesa seguira para lá para encontrar um pouco de
privacidade enquanto lidava com suas emoções. Mas estava errada.
Encontrando a sala vazia, foi forçada a voltar e tomar o outro caminho,
sabendo que perdera preciosos segundos.
Correndo o mais rápido que podia, lançou-se pelo corredor e dobrou a
esquina, quase atropelando a Caçadora. A Iktotchi rapidamente deu um
passo para o lado para evitar a colisão. Ao mesmo tempo, Lucia se virou no
momento errado, perdendo o equilíbrio e caindo. Seu joelho atingiu o chão
com força e se arrastou pela pedra áspera; fez-se um buraco em suas calças,
e uma camada de pele foi arrancada.
– Você viu a princesa? – ela perguntou enquanto se levantava, ignorando
o sangue quente que já se derramava do machucado profundo no joelho.
– Ela sabe o que você fez – a assassina disse. – Sabe que você a traiu.
A acusação inesperada pegou Lucia despreparada – ela nem tentou negar.
– Como?
– Eu disse a ela.
Lucia ficou aturdida, incapaz de entender como seu segredo fora exposto.
E então se lembrou dos rumores que diziam que os Iktotchis podiam
enxergar o futuro e ler mentes. Ela estava prestes a perguntar por que a
Caçadora deixaria isso acontecer apenas para contar a Serra sobre a traição
depois de acontecido, mas então lembrou com quem estava lidando.
Ela fez isso para machucá-la. Ela é tão monstruosa quanto o Sith.
Por um momento, Lucia pensou em sacar seu blaster. Ela queria matar a
Caçadora. Estaria fazendo um favor à galáxia. Mas, apesar de sua raiva,
sabia que não tinha chance de matar a assassina. Atacá-la resultaria apenas
na própria morte de Lucia, e isso não ajudaria em nada a princesa.
Você ainda pode encontrar Serra. Mesmo que ela saiba o que você fez,
talvez ainda consiga convencê-la a fugir antes que Des a encontre. Você
ainda pode salvá-la.
– Para onde ela foi? – Lucia perguntou, imaginando se a Iktotchi se daria
ao trabalho de responder.
– Ela correu para aquele lado – a assassina respondeu, inclinando a
cabeça para indicar a direção.
A mente de Lucia voltou a se lembrar das plantas do complexo, e então
ela soube para onde Serra estava indo. A princesa ainda estava determinada
a matar Bane. Estava indo para a sala de controle para ativar a sequência de
autodestruição da Prisão de Pedra.
Sem perder mais nem um segundo com a Caçadora, virou-se e correu
pelo corredor, sua marcha desajeitada e irregular por causa do joelho
sangrando e rapidamente inchando.

A Caçadora observou a guarda-costas da princesa disparar pelo corredor.


Sabia o que a esperava no fim – em suas visões, vira as paredes da prisão
desabando em uma série de explosões.
Por um instante havia pensado que a guarda-costas tentaria matá-la.
Ficou um pouco desapontada quando isso não aconteceu. Porém, sabia que
o final de Lucia era inevitável: aparecera em suas visões.
Virou-se e caminhou com passos decididos na outra direção, seguindo
para o hangar principal: uma grande caverna onde ela e os mercenários
haviam aterrissado suas naves. Não havia razão para continuar ali, não
quando sabia que a sequência de autodestruição seria ativada em alguns
minutos. Porém, quando chegou ao hangar, hesitou.
A fuga do prisioneiro não a surpreendera. Sabia que ele não estava
destinado a morrer acorrentado como um animal. Ela o vira muitas vezes
em seus sonhos, lutando com a mulher loira de suas visões em Ambria. Seu
subconsciente estava obcecado com eles, e a Caçadora suspeitava que
finalmente sabia a razão.
Sua vida se tornara estagnada, vazia. Ela se movia de trabalho em
trabalho, mas não tinha um propósito verdadeiro, nenhum objetivo maior.
Apesar de sua capacidade de ter visões do futuro, nunca tentara moldá-lo.
Sempre sentira que um destino maior a esperava, porém nunca se esforçou
para encontrá-lo.
Apanhou o cabo do sabre de luz em seu bolso e a pequena pirâmide que
havia levado de Ciutric. Aqueles eram instrumentos de poder – ela podia
sentir sua importância. Tinham relevância e significado. Tinham propósito.
Ela sabia que os Jedi afirmavam que a luz havia triunfado sobre as trevas.
Afirmavam que os Sith estavam extintos. Porém, a Caçadora também sabia
que isso era uma mentira. Os Sith ainda viviam – ela havia provado de seu
poder. E achou intoxicante.
Guardando o sabre de luz e a pirâmide de volta em sua túnica, seguiu até
o parapeito do grande balcão de metal com vista para as plataformas de
aterrissagem. De lá podia ver, sobre o topo de quatro naves paradas lá
embaixo, um claro panorama do céu noturno de Doan através da larga
entrada da caverna.
Duas das naves eram comuns: transportes dos mercenários contratados
pela princesa. A terceira era a nave pessoal da princesa: mais nova do que
as outras, exibia o azul e o amarelo que simbolizavam a Casa de Doan. E
então havia sua própria nave, a Perseguidora. Menor do que as outras
naves, ela se destacava com seu casco negro brilhante e detalhes em
vermelho-sangue.
Após um momento, começou a descer a escada lentamente, mas, quando
chegou ao térreo, não subiu a bordo da nave. Em vez disso, começou a
vagar entre os corredores, no meio das naves, distraidamente passando a
mão nos cascos.
Sentia que deveria esperar mais um pouco. Algo importante estava
prestes a acontecer, algo mais do que a espetacular implosão da Prisão de
Pedra. Podia sentir nas correntes da Força. Não conseguia discernir
exatamente o que era – às vezes o futuro podia ser tão escorregadio quanto
uma enguia molhada. Mas ela sabia que tinha algo a ver com suas visões, e
pretendia esperar tempo suficiente para ver acontecer.
Seu destino dependia disso.
Zannah sabia que estava chegando perto. Aquela parte de sua jornada
através do labirinto de salas e corredores da Prisão de Pedra foi conduzida
em quase escuridão total. Apenas o pálido brilho verde de seu bastão
luminoso a guiava – isso e a Força.
Ela podia sentir a presença de seu Mestre dentro do complexo, atraindo-a
para seguir em frente. Mesmo assim, errou o caminho várias vezes
enquanto se movia em silêncio através da escuridão. O desenho do
calabouço era intencionalmente confuso para impedir qualquer tentativa de
resgate daqueles que estivessem presos atrás de suas paredes.
Porém, Zannah havia perseverado, nunca cedendo à frustração ou à raiva,
mesmo quando era forçada a virar e voltar por onde viera. Eventualmente,
ela sabia, chegaria a seu destino.
Percebeu uma fraca luz após uma esquina e então soube que sua
paciência seria recompensada. Seguindo em frente, viu-se atravessando um
corredor iluminado. Havia alcançado a seção da instalação que fora reaberta
– Bane tinha de estar perto.
Descartando seu bastão luminoso, ela continuou em frente com cautela,
mantendo sua consciência aberta para alertá-la antes que se deparasse com
guardas ao continuar seguindo direto para a cela onde seu Mestre estava
preso.
Tinha andado menos de cem metros quando sentiu uma súbita e poderosa
perturbação na Força. Um instante mais tarde os alarmes dispararam, e
Zannah soube o que havia acontecido – Bane escapara!
Acionou seu sabre de luz e apertou o passo. Já não tentava sentir guardas
à frente: com Bane à solta, precisava se concentrar nele. Seu Mestre estava
se movendo, e ela já tinha ido longe demais para per-dê-lo agora.
Os alarmes continuavam disparados. Zannah os ignorou, concentrando-se
nos lampejos de poder que sentia por meio da Força, cada um deles um
farol que a levava para mais perto de Bane.
Correu por um corredor e virou uma esquina. À frente, Zannah viu uma
porta aberta.
Ele está ali. Naquela sala ou em uma sala logo depois. Ela podia sentir
sua presença, seu poder inconfundível.
Avançando com cautela e encostada na parede, aproximou-se da porta,
depois se abaixou e saltou para dentro da sala.
A cena lá dentro era um testemunho do fato de que Bane estivera ali.
Havia corpos destroçados de guardas por toda parte. Uma porta de hiperaço
se pendurava em suas dobradiças, revelando uma escada íngreme que
levava a outra sala lá embaixo.
O lado sombrio fora usado ali apenas alguns minutos atrás. Ela ainda
podia sentir os resquícios de seu poder.
Zannah se aproximou da escada cuidadosamente, vasculhando com sua
mente a sala seguinte. Mais uma vez, sentiu o inconfundível poder de seu
Mestre.
Ele está encurralado.
Ela interrompeu seus esforços para rastrear Bane e se concentrou em usar
a feitiçaria Sith para mascarar sua própria presença quando desceu a escada
correndo. Não havia necessidade de ser silenciosa – com os alarmes
ecoando pela prisão, havia pouca chance de ele ouvir seus passos.
Ela invadiu a câmara inferior apenas para se desapontar outra vez. Mais
corpos de guardas estavam amontoados ao redor dos destroços de uma
mesa, mas Bane não estava em lugar algum. Zannah vinha rastreando um
eco de seu poder e, de alguma forma, deixara escapar o rastro real.
Isso é impossível. A menos que…
Bane sabia que ela estava ali! Ele a enganou, deixando sua marca naquela
sala para atraí-la enquanto escapava. Mas Zannah sabia que ele não podia
estar longe.
Virou-se para subir a escada, então parou por um momento para
examinar os corpos. Um parecia ter sido morto pelas próprias mãos de
Bane. Um fora esfaqueado com uma vibroadaga. Dois outros foram
atingidos com tiros de blaster à queima-roupa.
Curiosa, Zannah voltou para a sala acima. Os corpos ali estavam,
simplesmente, quebrados. Membros torcidos em ângulos grotescos, os
ossos debaixo da pele despedaçados e partidos.
Não havia nada de notável sobre a maneira como morreram – ela já vira
Bane usar táticas semelhantes muitas vezes antes. Zannah estava
interessada, entretanto, naquilo que estava faltando. Não havia ferimentos
de sabre de luz.
Bane estava desarmado quando enfrentou aqueles inimigos. Era possível
que já tivesse encontrado e recuperado seu sabre de luz. Mas, se isso não
fosse verdade – se estivesse vagando pelos corredores sem sua arma –,
então ele estaria vulnerável. Por mais poderoso que Bane fosse, Zannah
acreditava que estava no mesmo nível. E, sem um sabre de luz, ele
provavelmente não tinha esperança de derrotá-la.
Fechando os olhos e bloqueando os sons ensurdecedores dos alarmes,
voltou a usar a Força. Dessa vez ignorou a poderosa marca do lado sombrio
que Bane deixara na sala de guarda. Precisou de apenas mais alguns
segundos para captar seu rastro novamente. Como suspeitava, ele ainda
estava dentro da prisão.
Estou chegando, Mestre. E apenas um de nós sairá vivo daqui.

Set sabia que estava perto. Havia deixado a escuridão dos corredores para
trás enquanto entrava cada vez mais fundo na Prisão de Pedra, atraído pelo
chamado do holocron de Darth Andeddu.
A seção do complexo em que estava agora era iluminada, embora ainda
parecesse deserta. Ele esperava se deparar com alguém: uma patrulha, um
guarda andando pelos corredores. Quem quer que tivesse capturado o
Mestre de Zannah havia feito isso com uma equipe pequena: vinte, talvez
trinta pessoas, no máximo.
Apesar disso, estava preparado para um encontro a qualquer momento.
Havia alcançado um longo corredor com uma porta de madeira fechada no
final. Tinha certeza de que o holocron estava dentro daquela sala, e
esperava que estivesse guardada por ao menos meia dúzia de soldados
armados.
Preparando-se, sacou seu sabre de luz e correu pelo corredor, saltando na
direção da porta. Atingiu a madeira com os dois pés, derrubando a porta e
voando para dentro.
Para a surpresa de Set, não havia guardas esperando por ele. As únicas
testemunhas de sua entrada grandiosa foram uma velha cadeira e uma mesa
de madeira. Por um segundo sentiu pânico, ao ver que o holocron não
estava em lugar algum no pequeno escritório – então notou o cofre
construído na parede.
Havia um painel para digitar um código, mas Set o ignorou. Usando o
sabre de luz, simplesmente abriu várias linhas horizontais e verticais longas
na porta. A lâmina brilhante atravessava o metal grosso com facilidade,
reduzindo a frente do cofre a vários pedaços que caíam no chão.
O holocron era a única coisa dentro. Set levou a mão para dentro devagar,
tremendo levemente quando seus dedos envolveram a pirâmide negra. Ele a
retirou com reverência de dentro do cofre, carregando-a com as duas mãos.
Quase derrubou seu prêmio quando alarmes dispararam por toda a prisão.
Girando para a porta, sacou o sabre de luz, a mão esquerda ainda
agarrando o holocron. Assumiu uma postura de luta, preparando-se para
encarar os reforços que esperava que fossem invadir a sala.
Por vários segundos ele não se moveu, tentando ouvir o som familiar de
passos correndo ou gritos de soldados. Como não ouviu nada, Set
cuidadosamente usou a Força – apenas para descobrir que ainda estava
sozinho.
Os alarmes continuavam disparados, e Set precisou de um minuto para
perceber que não tinha nada a ver com ele.
Eles avistaram Zannah. Ou seu Mestre escapou.
Desativando o sabre de luz, prendeu-o outra vez no cinto.
Ninguém está preocupado com você. Não com dois Lordes Sith causando
estragos em uma das outras alas.
Ele já tinha o que queria – era hora de deixar Doan. Se tivesse sorte,
nunca mais voltaria para aquele lugar.
Set ainda pretendia manter seu plano original de roubar uma das outras
naves, em vez de arriscar se deparar com Zannah ao voltar para onde
tinham aterrissado. Apenas precisava procurar ao redor até encontrar os
hangares onde elas estavam guardadas.
Não deve ser tão difícil. Apenas continue pelos corredores iluminados e
se mantenha longe dos olhos de todo mundo. Deixe que lutem entre si
enquanto você foge com o verdadeiro prêmio.
Felizmente, isso era algo que Set fazia muito bem.

O eco dos alarmes perseguia Serra enquanto ela corria pelo longo
corredor, na direção da sala de controle da Prisão de Pedra. Digitou o
código no painel de acesso, os dedos atingindo freneticamente as teclas
enquanto olhava sobre o ombro, temendo que seu inimigo aparecesse no
corredor atrás dela a qualquer momento.
O painel emitiu um bipe alto, e uma mensagem dizendo ACESSO NEGADO
apareceu na tela.
– Não – ela sussurrou para si mesma. – Não.
Quando se casou com Gerran, ele havia compartilhado seu código de
acesso pessoal com ela. Como príncipe herdeiro, seu código deveria ser
aceito em qualquer sistema eletrônico de segurança dentro da propriedade
da família real.
Talvez o rei não confiasse em você. Talvez ele tenha desativado quando
Gerran morreu.
Não, não podia ser isso. O código funcionara em todas as outras trancas
na Prisão de Pedra. Sem isso, ela nunca teria conseguido reativar os
geradores que alimentavam aquela seção do complexo.
Tentou digitar o código outra vez, seus dedos tremendo com uma
urgência desesperada. Os alarmes acima eram um lembrete inescapável de
que cada segundo que perdia deixava seu prisioneiro cada vez mais perto de
encontrar uma maneira de escapar do calabouço antes que ela pudesse
destruí-lo.
Mais uma vez, o resultado foi um bipe alto e a mensagem ACESSO NEGADO.
Talvez o código de Gerran não funcione nesta porta. Talvez apenas o rei
tenha autorização para usar a sequência de autodestruição.
Batendo na porta com frustração, Serra não conseguiu mais segurar as
lágrimas. Derrotada, afundou lentamente sobre os joelhos, seu rosto
pressionado contra o metal frio da porta.
Por vários segundos seu corpo foi sacudido por fortes soluços. Tudo dera
errado. Lucia a traíra – o homem sombrio de seus sonhos ia escapar. Tudo
pelo que trabalhara estava se despedaçando.
Você não é assim.
Embora fizesse mais de uma década que não ouvia aquela voz, ela
instantaneamente a reconheceu.
– Pai? – ela disse em voz alta, apesar de Caleb obviamente estar apenas
dentro de sua cabeça.
Você é mais forte do que isso.
Ela assentiu, sem nem se importar se a voz que ouvia era apenas uma
invenção de sua imaginação. Bloqueando os alarmes, respirou fundo e
cuidadosamente analisou a situação.
Não fazia sentido apenas o rei possuir acesso àquela sala. Não seria
possível esperar que ele descesse até ali caso acontecesse uma rebelião ou
fuga. O carcereiro teria acesso. Talvez o capitão da guarda também. E, se o
rei confiava em alguns de seus servos para lhes dar o código, então
confiaria em seu filho.
Você está correndo. Cometendo erros. Tente de novo. Devagar.
Ela se levantou e começou a digitar o código para uma terceira tentativa.
Dessa vez, quando sentiu o pânico ameaçando tomar conta de seus dedos,
contra-atacou imaginando o rosto de seu pai, calmo e seguro. Respirando
fundo e devagar, tomou cuidado extra ao apertar os botões na sequência
correta. Por um segundo, nada aconteceu – e, então, houve um suave bipe e
a porta se abriu devagar.
Um alívio correu por seu corpo e Serra tentou rir de sua própria tolice ao
digitar os números errados duas vezes antes de acertar. O que saiu foi um
som esganado, quase histérico, que a assustou de volta ao silêncio.
A sala lá dentro era pequena, com um único painel de controle e outra
porta ao lado. A segunda porta se abria para um pequeno túnel que levava
para uma cápsula de emergência, permitindo que quem digitasse a
sequência de autodestruição escapasse antes de a prisão desabar.
Ela se aproximou do console e examinou os controles. Eram simples:
havia um botão para iniciar a sequência de autodestruição, um teclado
numérico para digitar o código de acesso e outro botão para confirmar o
comando. Havia uma tecla CANCELAR no teclado numérico, mas nenhum
botão ABORTAR – uma vez que a autodestruição fosse confirmada, não havia
como pará-la. Depois disso, qualquer pessoa dentro teria menos de cinco
minutos para escapar, antes que as cargas explosivas posicionadas no teto,
nas paredes e no chão detonassem em rápida sucessão, demolindo toda a
prisão.
Era isso: sua última chance de impedir o homem que a havia aterrorizado
quando era criança. Sua última chance de livrar a galáxia de um Lorde
Sombrio dos Sith. Ela apertou o botão INICIAR e o console se acendeu em
resposta. Em seguida, digitou seu código de acesso, lentamente, para ter
certeza de que não erraria. Mas, quando o alerta CÓDIGO ACEITO – CONFIRMAR
SEQUÊNCIA DE AUTODESTRUIÇÃO apareceu na tela, Serra hesitou.
Se fizesse aquilo, sua vida em Doan estaria acabada. O rei não fazia ideia
de que ela estava usando a Prisão de Pedra para sua vingança pessoal – se
fizesse aquilo, seu segredo seria exposto. As explosões que destruiriam o
complexo enviariam tremores até os pavimentos da Mansão Real, no
planalto milhares de metros acima – todos saberiam o que havia acontecido.
O rei saberia que ela colocara seus desejos pessoais acima da família real.
Suas ações quase certamente seriam consideradas traição: o melhor que
podia esperar era ser banida para sempre do planeta.
E quanto a Lucia? Ela provavelmente morreria na explosão. Embora sua
guarda-costas a tivesse traído ao ajudar o prisioneiro a escapar, será que
Serra estava disposta a condenar sua amiga à morte sem nem mesmo lhe dar
uma chance de explicar suas ações?
Incapaz de tomar uma decisão, Serra congelou, o dedo pairando sobre o
botão CONFIRMAR enquanto os alarmes continuavam.
Capítulo 21

SET SEMPRE SE ORGULHARA DE CONSEGUIR fugir de praticamente qualquer


dilema. Tinha um talento para escapar de enrascadas e encontrar saídas para
qualquer situação. Então não ficou surpreso quando, após menos de dez
minutos, deparou-se com o hangar principal da prisão.
Era muito maior do que a entrada secundária por onde ele e Zannah
entraram. Os alarmes, que eram ensurdecedores dentro dos corredores
estreitos, soavam meramente trovejantes ali na imensa câmara.
Set estava em cima de um grande balcão de metal com vista para a
câmara. Embaixo, havia quatro naves, separadas por uns dez metros uma da
outra. Todas pareciam desprotegidas. Satisfeito, tocou o holocron que havia
guardado dentro do bolso de seu colete enquanto estudava o que fazer.
Igual um bufê: cheio de opções para escolher.
Duas das naves eram transportes de passageiros comuns, com cascos
amassados e gastos. Rapidamente as descartou como indignas de serem
roubadas. A terceira era a maior do grupo e parecia em ótimo estado.
Também carregava o brasão da família real.
Set sorriu. Havia algo de atraente na ideia de escapar de Doan em uma
nave que pertencia ao governante do planeta. Definitivamente tinha um
certo estilo. E então ele viu a quarta nave.
Temos uma vencedora.
A menor do grupo, a nave era moderna e cheia de estilo, com detalhes
em vermelho e um casco negro. O veículo perfeito para um homem com um
gosto distinto como Set.
Ansioso para escapar, o Jedi Sombrio desceu a escada e atravessou o
hangar, seu sabre de luz já na mão direita. Quando chegou perto da nave
escolhida, soltou um assobio elogioso e ergueu a mão para tocar o casco
atraente.
– Pode olhar, mas não pode tocar – uma suave voz feminina suspirou em
seu ouvido.
Set puxou a mão de volta instantaneamente e girou, o sabre de luz
ganhando vida quando golpeou o ar vazio atrás dele.
Fora do alcance de seu ataque havia uma Iktotchi vestindo uma túnica
negra. Seu capuz foi jogado para trás para revelar os longos chifres que se
curvavam na direção do pescoço e abaixo do queixo. Tatuagens negras
marcavam seu lábio inferior, e seus pequenos dentes pontiagudos estavam à
mostra, em um sorriso macabro.
Set normalmente não fugia de uma luta, não se achasse que poderia
vencer. Mas havia algo perturbador naquela oponente de pele vermelha. Era
praticamente impossível se aproximar de um Jedi furtivamente, porém Set
não sentira sua presença até ela se revelar falando em seu ouvido.
Cuidado. Esse provavelmente não é o único truque em sua manga.
– Bonita nave – ele disse, desativando o sabre de luz e deixando a mão
cair casualmente para o lado. – Quantos créditos você gastou nela?
Assim que as palavras saíram de sua boca, ele saltou sobre ela, o sabre
acionado mais uma vez esculpindo um padrão mortal de curvas para
estripar sua inimiga desavisada antes mesmo de responder à pergunta.
A Iktotchi não foi enganada. Em vez de responder, ela deu um rápido
passo para trás e para o lado, agilmente evitando o ataque.
– Muito devagar – ela o repreendeu.
Os dois adversários viraram para encarar um ao outro novamente, e Set
parou para considerar a situação. Ele já tinha o holocron de Andeddu, tudo
de que precisava agora era uma nave e logo estaria livre em casa. Mas,
entre ele e sua fuga, havia uma oponente desconhecida, porém obviamente
capaz. Ela não parecia estar armada, mas podia facilmente ter lâminas,
blasters ou qualquer outro tipo de arma escondida nas dobras de sua túnica.
Ele decidiu que seria uma boa ideia tentar sair daquela situação usando a
lábia.
– Meu nome é Medd Tandar – ele mentiu, tentando projetar um ar de
nobreza em sua voz. – Estou aqui em nome do Conselho do Primeiro
Conhecimento. Abra caminho em nome da Ordem Jedi.
– Você não é um Jedi.
– Não mais – Set confessou. – Mas eu costumava ser.
Ele cortou o ar meia dúzia de vezes com o sabre de luz. Girou no lugar, a
lâmina zumbindo e dançando, antes de terminar sua demonstração com uma
pirueta para trás.
A Iktotchi obviamente não ficou impressionada com aquela exibição de
proeza marcial, e Set percebeu que não a faria recuar com intimidações.
– Os Jedi lhe ensinaram algum truque útil?
– Alguns – Set respondeu, lançando um ataque com a Força.
Uma onda de energia pura avançou sobre sua inimiga, mas Set soube
instantaneamente que algo estava muito errado. Em vez da excitante onda
de poder que normalmente sentia, surgiu uma dor na boca do estômago que
o fez se dobrar para a frente.
A onda de poder que deveria ter enviado a Iktotchi pelos ares uns vinte
metros para trás foi reduzida a nada mais do que um empurrão forte.
Atingiu-a em cheio no peito, mas ela simplesmente absorveu o impacto ao
cair e rolar para trás, terminando em pé.
Um par de vibroadagas curtas apareceu nas mãos dela enquanto Set
cambaleava para trás, agarrando o estômago e tentando não vomitar.
Com horror, percebeu que ela estava perturbando sua capacidade de usar
a Força. Ele já havia lido sobre esse talento em vários textos antigos, mas
nunca o havia encontrado pessoalmente… e não sabia como combatê-lo.
Sua única opção era tentar superar a dor.
Cerrando os dentes, ele se endireitou. Alimentando-se da dor e de sua
raiva crescente, tentou mais uma vez convocar o poder do lado sombrio.
Sentiu um pequeno aumento em resposta a seu esforço, mas era uma leve
gota em vez da enxurrada que esperava. Mesmo assim, era melhor do que
nada.
A Iktotchi avançou com as lâminas gêmeas, e Set cambaleou
desastradamente para fora do caminho, mal evitando seu ataque. Ela se
movia mais rápido que qualquer oponente que ele já enfrentara. Ou talvez
sua capacidade de interferir com a Força estivesse apenas deixando-o mais
lento do que o normal. De qualquer modo, o resultado foi o mesmo… e não
era bom para Set.
Ele abaixou a cabeça e correu para debaixo do nariz da nave negra e
vermelha, sabendo que a melhor chance de sobreviver seria manter dez
toneladas de metal entre eles.
Set já não a via, mas, ao se concentrar, conseguiu sentir sua posição. O
esforço fez sua cabeça girar – era como tentar enxergar com lama nos olhos.
Ela o perseguia devagar, cautelosamente avançando pela cauda da nave.
E, naquele momento, Set percebeu que sua oponente não tinha treinamento
formal nos caminhos da Força. Ela operava por instinto. Nunca aprendeu as
habilidades mais básicas – como, por exemplo, sentir a localização dos
oponentes mesmo quando estão fora de vista.
Set se virou e correu até uma das outras naves, alcançando seu novo
esconderijo pouco antes de ela emergir atrás dos propulsores da nave negra.
Abaixando-se para olhar sob a barriga da nave que agora usava como
cobertura, Set conseguiu vê-la virando a cabeça de um lado para outro,
tentando entender onde ele havia se enfiado.
– Adoro uma boa perseguição – ela disse, seus lábios se curvando em um
sorriso selvagem. – É por isso que me chamam de Caçadora.
Isso não vai terminar bem.

Bane ainda podia sentir os efeitos das drogas em seu corpo. Fizera o
possível para queimá-las de seu sistema com o fogo do lado sombrio, mas
os Sith não eram tão adeptos quanto os Jedi sobre limpar as impurezas de
seus organismos. Os últimos resquícios das substâncias químicas teriam de
ser absorvidos naturalmente com o tempo.
Até isso acontecer, ele não estaria operando com sua força total. Uma
fração mais lento em pensamentos e ações, menos capaz de usar o poder da
Força. E ainda estava sem o sabre de luz.
Apesar de tudo isso, Bane estava confiante de que a vitória estava a
poucos minutos. Os alarmes ainda soavam pelo calabouço, mas ele sabia
que não haveria guardas correndo para responder ao chamado. Os poucos
mercenários que haviam sobrevivido ao seu ataque agora estavam fugindo,
deixando a filha de Caleb indefesa.
Às vezes, a vingança precisava ser fria e calculada. Havia vezes em que
era melhor ter cuidado, paciência. Mas, às vezes, a retribuição não podia
esperar. Às vezes a ação precisava ser alimentada pela raiva e pelo ódio –
precisava queimar com o calor da emoção animal.
A paz é uma mentira; existe apenas paixão. Através da paixão, eu ganho
força. Através da força, eu ganho poder.
Ele podia sentir que estava se aproximando da localização de Serra. Seus
passos aceleraram enquanto marchava confiante pelos corredores vazios em
direção à sua vingança.
Através do poder, eu ganho a vitória. Através da vitória, minhas
correntes se partem.
Ele fora descuidado, fraco. Permitira que fosse capturado. Deixara que se
tornasse uma vítima. Por isso, sofrera. Mas agora estava forte outra vez.
Agora, era a vez de outra pessoa sofrer.
– Des! – uma voz vinda de trás gritou sobre os alarmes.
A menção do nome que ele abandonara havia vinte anos fez o Lorde Sith
parar imediatamente. Ele se virou devagar e se encontrou cara a cara com a
mulher de pele morena que o ajudara a escapar.
Ela estava sem fôlego, como se estivesse correndo. Suas calças estavam
rasgadas no joelho – havia sangue ao redor do rasgo. Seu rosto era uma
mistura de emoções em conflito: medo, desespero e esperança.
– Você se lembra de mim, Des? Sou a Lucia.
Por um segundo Bane simplesmente encarou a mulher diante dele,
confuso. Então começou a se lembrar de sua juventude. De um tempo em
que ele não era Darth Bane, Lorde dos Sith, mas Des, um simples mineiro
de Apatros.
As memórias estavam enterradas fundo na sua mente, mas ainda estavam
lá. As surras semanais de Hurst, seu pai. Longos e terríveis turnos nas
nuvens de poeira levantadas por seu macaco hidráulico. Sua fuga da miséria
de Apatros, e o destacamento para os Andarilhos das Trevas.
Era como tentar se lembrar de um sonho após acordar. Eram cenas da
vida de outra pessoa – não pareciam reais para ele. Mas, ao buscar no fundo
da mente, outras memórias começaram a emergir: longas noites na vigia em
Trandosha, marchas forçadas pelas florestas de Kashyyyk.
Mexer nos fantasmas do passado trouxe de volta o rosto de Ulabore, o
cruel e incompetente oficial comandante que havia inadvertidamente
entregado Des para os Sith e o colocado no caminho de seu verdadeiro
destino. Mas também havia outros rostos – os homens e mulheres de sua
unidade, seus colegas de exército. Ele se lembrava dos olhos azuis e do
sorriso convencido de Adanar, seu melhor amigo. E se lembrava de uma
soldada júnior de olhos arregalados, uma jovem atiradora chamada Lucia.
Bane tinha inteligência e presciência. Tinha sabedoria e a visão para
redefinir a Ordem Sith e iniciar sua longa e vagarosa ascensão à dominação
galáctica. Ele se preparara e se planejara para quase qualquer situação em
que um dia pudesse se encontrar. Porém, nunca havia se preparado para
aquilo.
Sabia que muitos de seus ex-soldados que serviram no exército de Kaan
haviam se tornado mercenários e guarda-costas, mas nunca considerou a
possibilidade de se deparar com alguém que o conhecera antes de sua
transformação pelo lado sombrio. Após se juntar aos Sith, não se permitira
pensar ou se importar com o que havia acontecido com as pessoas de seu
passado. Precisara aprender a sobreviver sozinho, a contar apenas consigo
mesmo. Apego a família e amigos era uma fraqueza, uma corrente para
prendê-lo e atrasá-lo.
Agora, alguém da vida que ele tinha trabalhado tanto para esquecer
estava se pondo entre ele e sua vingança. Ela era um obstáculo em seu
caminho, um que seria facilmente superado. Bane sabia que poderia jogá-la
de lado tão fácil quanto havia se livrado dos guardas na cela.
Em vez disso, ele perguntou:
– Por que você me ajudou?
– Nós servimos juntos nos Andarilhos das Trevas – ela respondeu, como
se isso explicasse tudo.
– Sei quem você é – ele disse.
Ela hesitou, como se esperasse que ele fosse dizer mais. Como não disse,
ela continuou a falar:
– Você salvou minha vida em Phaseera. Salvou a vida de todos nós. E
não só naquele dia. Você estava lá em cada batalha que lutamos, olhando
por nós. Nos protegendo.
– Eu era um tolo.
– Não! Você era um herói. Devo minha vida a você dezenas de vezes.
Como poderia não o ajudar?
A princípio ele pensou que ela fosse uma idiota sentimental, cega por
uma nobreza irracional e falando bobagens. Mas então percebeu o que
realmente estava acontecendo, e tudo começou a fazer sentido. Ela o
libertou esperando ganhar sua graça. Ela queria alguma coisa. Foi por isso
que traiu a filha de Caleb – para seu próprio ganho pessoal.
– O que você quer? – ele exigiu saber, os alarmes como um constante
lembrete de que seu tempo estava se esgotando.
– Eu quero… por favor… estou implorando… deixe Serra viver.
Seu pedido não fazia sentido. As ações de Lucia eram a única razão de a
vida de Serra estar em perigo.
– Por quê? Que utilidade a vida dela teria para mim?
A mulher não respondeu imediatamente. Ela buscava algo para oferecer,
mas, no final, não tinha nada.
– Olhe dentro do seu coração, Des. Lembre-se do homem que você
costumava ser. Sei que você se voltou ao lado sombrio para sobreviver.
Tornar-se um Sith era a única maneira que havia. Por favor, Des, sei que
parte daquilo que você costumava ser ainda existe dentro de você.
– Meu nome não é Des – ele disse, levantando a voz ao endireitar as
costas até sua altura máxima, agigantando-se sobre Lucia. – Eu sou Darth
Bane, Lorde Sombrio dos Sith. Não sinto pena, nem gratidão, nem remorso.
E a filha de Caleb deve pagar por aquilo que fez a mim.
– Não vou deixá-lo fazer isso – ela declarou, abrindo sua postura e
preparando-se diante dele.
– Você não pode me impedir – ele a alertou. – Não pode salvá-la
sacrificando-se. Está disposta a jogar fora a sua vida sem propósito algum?
Lucia não se mexeu.
– Eu já disse que devo minha vida a você. Se quiser tomá-la agora, é um
direito seu.
A mente de Bane voltou para seu primeiro encontro com Caleb, em
Ambria. O curandeiro se colocara diante dele da mesma forma que Lucia
fazia agora, completamente desafiador, apesar de saber que não era páreo
para um Lorde Sith. Porém, Caleb sabia que tinha algo de que Bane
precisava – Lucia não podia afirmar tal coisa. Não havia nada para impedi-
lo de extinguir sua vida em um único instante.
Ele começou a concentrar o lado sombrio, o poder lentamente se
acumulando. Mas, antes que pudesse liberá-lo, foi atingido por uma parede
de tremenda força vinda de um corredor à esquerda. Instintivamente, Bane
ergueu um escudo defensivo, absorvendo o golpe. Apesar disso, foi jogado
contra a parede oposta, expulsando todo o ar de seus pulmões.
Lucia não teve a mesma sorte. Incapaz de usar a Força para se proteger,
foi lançada quicando pelo corredor, retorcendo-se e dobrando-se. Seu crânio
bateu contra a pedra meia dúzia de vezes enquanto ela ricocheteava nas
paredes e no teto, e seu corpo se reduziu a uma massa disforme
ensanguentada. Seu cadáver finalmente parou a trinta metros de distância,
onde o corredor fazia uma curva abrupta de noventa graus.
Bane se levantou em um instante, virando-se para encarar seu oponente.
– Você não teve coragem de matá-la – Zannah disse, sua voz cheia de
desprezo. – Você se tornou fraco. Não é surpresa que tenha tentado violar a
Regra de Dois.
Ela estava de pé com seu sabre de luz de duas lâminas em punho, o cabo
firme na mão. Seu braço estava estendido, segurando a arma à frente, as
lâminas gêmeas paralelas ao chão. Era uma postura defensiva, que visava
proteger-se contra um ataque súbito de um oponente armado. Bane
percebeu que Zannah não sabia que ele ainda não tinha encontrado seu
sabre de luz.
– Vivi pelo princípio da Regra de Dois desde que a criei – Bane
respondeu. – Tudo o que fiz foi de acordo com seus ensinamentos.
Zannah balançou a cabeça.
– Sei que viajou para Prakith. Sei que foi procurar o holocron de
Andeddu. Sei que estava procurando o segredo da vida eterna.
– Fiz isso por necessidade. Ensinei a você tudo o que sabia sobre o lado
sombrio. Por anos esperei que me desafiasse. Mas você estava satisfeita em
trabalhar sob minha sombra, permanecendo minha aprendiz até que a idade
roubasse meu poder.
Todos os pensamentos sobre Lucia desapareceram, levados junto com as
memórias de seu passado. A única coisa que importava era aquele
confronto, pois sabia que o destino dos Sith dependia do resultado.
– Você não é digna de se tornar Mestra, Zannah. Foi por isso que fui a
Prakith.
– Não – Zannah disse, com a voz calma e fria. – Você não vai tirar isso
de mim. Disse que estava me treinando para que um dia eu o sucedesse.
Disse que era meu destino me tornar Mestra. Agora você quer viver para
sempre. Quer segurar o manto de Lorde Sombrio dos Sith e negar aquilo
que é meu!
– Esse manto deve ser conquistado – Bane rebateu. – Você quis esperar,
quis tomá-lo sem fazer esforço.
– Você me ensinou paciência – ela o lembrou. – Você me ensinou a
esperar o momento certo.
– Não assim! – Bane gritou. – Apenas o mais forte tem o direito de
governar os Sith. O título de Lorde Sombrio precisa ser tomado, arrancado
das mãos poderosas do Mestre!
– É por isso que estou aqui – Zannah disse com um sorriso sombrio. –
Encontrei meu próprio aprendiz. Estou pronta para abraçar meu destino.
– Realmente acredita que pode me derrotar?
Bane deixou a mão direita cair até a cintura, fingindo que estava se
preparando para sacar o sabre de luz. Sua única chance de sobrevivência era
conseguir enganar Zannah e fazê-la recuar.
Os olhos de Zannah se mexeram, atraídos pelo movimento sutil. Ele
manteve a mão aberta, sua enorme palma cobrindo completamente o lugar
onde ela normalmente veria o cabo do sabre de luz preso na cintura. Com
sua mente, ele tentou projetar uma imagem de sua arma curvada sob seus
dedos vazios.
Sua aprendiz não se moveu. Ela permaneceu com a postura defensiva,
franzindo as sobrancelhas enquanto pesava as chances. Então seu olhar
recaiu sobre a mão esquerda de Bane, tremendo levemente com um de seus
espasmos incontroláveis.
– Você se deixou capturar por mercenários – ela disse, lentamente
girando sua arma e tomando um confiante passo à frente.
Bane se manteve no lugar, fechando os dedos da mão esquerda sobre a
palma, acalmando o tremor.
– Não teve coragem de matar a mulher que estava em seu caminho.
Ela deu outro passo em sua direção, casualmente jogando seu sabre de
luz de uma mão para a outra. Se Bane estivesse armado, seria uma
oportunidade perfeita para lançar um ataque súbito.
Como ele não fez isso, Zannah inclinou a cabeça para trás e riu.
– Até se deixou prender nestes corredores sem o seu sabre de luz.
Ela deu outro passo à frente e Bane respondeu dando vários passos para
trás.
O sabre de luz de lâminas duplas começou a ganhar velocidade, cortando
o ar em rápidos padrões circulares.
Ela tinha uma última coisa a dizer antes de se lançar sobre ele:
– O seu tempo acabou, Bane.
Capítulo 22

SERRA SE SENTIA PARALISADA, com o dedo pairando sobre o botão que


confirmaria a sequência de autodestruição da Prisão de Pedra e iniciaria a
demolição da instalação e de todos dentro dela. Já estava naquela exata
posição havia vários minutos, incapaz de apertar o botão.
Aperte! Quem se importa com Lucia? Ela a traiu! Aperte!
A princesa respirou fundo, então deixou a mão cair. Mas, em vez de
apertar CONFIRMAR, apertou a tecla CANCELAR. Houve um bipe suave, e o
teclado iluminado se apagou, desativando-se.
Ela não conseguiria fazer aquilo. Por mais que não quisesse que o
prisioneiro escapasse, simplesmente não conseguiria condenar Lucia à
morte. A mulher mais velha era mais do que uma guarda-costas – era sua
confidente e melhor amiga. O que quer que tivesse feito, ela provavelmente
tinha uma razão. E Serra devia à sua amiga uma chance de explicar-se.
Deixando o confinamento da sala de controle de emergência, Serra se
dirigiu de volta ao corredor. Com os alarmes disparados, não havia razão
para se preocupar com o som de seus passos denunciando sua posição.
Buscando sua amiga, acelerou, atravessando de volta o longo corredor na
direção das celas onde o prisioneiro estivera preso.
Ele está procurando você, e não precisa ouvir seus passos para caçá-la.
Realmente acha que pode encontrar Lucia antes que ele encontre você?
A princesa entendia o risco. Mas já tinha perdido seu marido e seu pai –
não perderia sua melhor amiga também. Mesmo se isso significasse
confrontar o monstro de seus pesadelos mais uma vez.
Atravessando os corredores do complexo, voltou para onde a Iktotchi
contara sobre a traição de Lucia. Antes de chegar lá, entretanto, viu um
corpo caído à frente, jogado contra uma parede onde a passagem se dobrava
em uma curva de noventa graus.
– Não – ela sussurrou quando começou a correr. – Não!
Serra reconheceu o corpo de Lucia muito antes de se abaixar diante dela.
Seus braços e pernas estavam dobrados em ângulos bizarros, os ossos
partidos completamente. Aqueles ferimentos não eram nada comparados ao
trauma causado em seu rosto e crânio.
Quando Serra se ajoelhou diante do cadáver da amiga, não chorou nem
uma lágrima. Em vez de tristeza, sentiu apenas um estranho entorpecimento
tomar conta de sua mente.
Isso é culpa sua. Se não estivesse tão determinada a buscar vingança, se
não tivesse trazido o prisioneiro até aqui, nada disso teria acontecido.
Lucia ainda estaria viva.
A voz dentro de sua cabeça falava a verdade, mas Serra não sentia nada.
Era como se suas emoções, tão castigadas pelas mortes de Gerran e Caleb,
tivessem finalmente se esgotado por completo.
Então percebeu um estranho zumbido agudo por baixo do grito dos
alarmes – não o som de qualquer sabre de luz que já tivesse ouvido, e não
um som que seus ouvidos achassem confortável. Ela se levantou e andou
pelo corredor na direção da fonte do som, deixando o corpo quebrado de
Lucia para trás.
Ao se aproximar, começou a ouvir outros sons: grunhidos de esforço,
curtas exclamações de raiva e dor, o baque pesado de pés no chão de pedra.
Reconheceu tudo aquilo como os sons de uma luta.
Mas nenhum blaster.
Alcançando a intersecção de outro corredor, percebeu um lampejo de
movimento com o canto do olho. Virando-se à esquerda, viu duas figuras do
outro lado da passagem, a menos de vinte metros de onde estava. Serra
reconheceu o prisioneiro instantaneamente. A segunda figura ela nunca vira
antes, porém sabia quem era.
A mulher loira que a Caçadora mencionou.
Estavam lutando um contra o outro, claramente engajados em um intenso
combate. O prisioneiro tinha quase o dobro do tamanho de sua oponente,
mas ela era claramente a agressora. A mulher estava armada com um sabre
de luz de duas lâminas, mas o prisioneiro não tinha arma, até onde Serra
enxergava. Ele recuava cautelosamente, seus olhos cravados na mulher
enquanto ela se aproximava. Ela chegava cada vez mais perto, tentando
pressioná-lo contra um canto e cortar sua rota de fuga.
Mas pouco antes de ela o prender, um relâmpago de cor violeta foi
disparado da palma do homem. A mulher respondeu apanhando o raio com
uma das lâminas do sabre de luz. A arma absorveu a energia, emitindo o
estranho zumbido agudo que Serra ouvira antes.
Os dois combatentes estavam tão focados um no outro que nenhum deles
notou Serra. Ela deveria ficar aterrorizada. Deveria se virar e fugir por onde
viera. Porém, sentia apenas a calma vazia que havia tomado conta dela após
descobrir o corpo de Lucia.
Sem qualquer senso de urgência, virou-se e andou de volta pelo corredor
até onde sua amiga estava. Abaixando-se, Serra apanhou a forte mulher
pelos pulsos e começou a arrastá-la pelo corredor, grunhindo com o esforço
enquanto andava para trás.
Arrastando o corpo com dificuldade, voltou lentamente até a sala de
controle. Os músculos de seu pescoço, ombros e costas começaram a latejar
quase imediatamente, mas Serra não parou. A sensação parecia abafada, tão
dormente e distante quanto sua tristeza.
Eventualmente alcançou a sala de controle, mas não parou no console de
autodestruição. Em vez disso, arrastou Lucia através da porta dos fundos e,
com alguma dificuldade, a ergueu até o compartimento da pequena cápsula
de escape. Depois voltou para o teclado e digitou o código de
autodestruição. Dessa vez, não houve hesitação antes de apertar o botão
CONFIRMAR.
O som dos alarmes mudou. Em vez do implacável som grave que
martelava e avisava que um prisioneiro havia escapado, agora o alarme se
transformava em um longo uivo agudo.
Serra sabia que tinha apenas alguns minutos antes da primeira série de
explosões, mas não conseguia se mover para sair dali. Ainda não.
O tempo parou enquanto ela estava diante do console, esperando com
relutância. Parecia que horas tinham se passado, embora, na verdade,
fossem apenas alguns minutos. E então ela sentiu um pequeno tremor
debaixo dos pés… a onda de choque da primeira detonação nos níveis mais
profundos da prisão. Após alguns segundos, veio outro tremor, e então mais
um.
Satisfeita, ela se virou e se dirigiu para a cápsula de escape. A destruição
da Prisão de Pedra havia começado.
A Caçadora nunca havia encarado um oponente tão frustrante. Apesar do
sabre de luz em sua mão, o homem se recusava a ficar parado e lutar. Ele se
abaixava e corria entre os cascos das naves, movendo-se de um esconderijo
a outro, sempre um passo à frente dela.
Ela poderia sacar suas vibroadagas e os blasters gêmeos de dentro de sua
túnica, mas sabia que isso não faria nenhum bem. Seu adversário era rápido
demais para ela conseguir um bom tiro e, mesmo se conseguisse, ele
provavelmente apenas o rebateria com seu sabre de luz.
Viu uma mancha correndo do outro lado do hangar, entre sua nave e a
vizinha. Mas ela não o perseguiu: a Caçadora se virou e correu atrás de sua
própria nave, tomando um caminho paralelo na esperança de interceptá-lo.
Vencendo a distância com passos largos e fáceis, correu pela lateral da
nave, querendo flanquear seu oponente. Mas, em vez disso, ficou a
centímetros de ser decapitada quando o sabre de luz apareceu voando em
sua direção.
Ela deixou o corpo desabar no chão, caindo sem jeito para trás e para o
lado, com as pernas voando para a frente. A manobra foi feia, mas salvou
sua vida. A lâmina mortal de energia passou assobiando perto do seu
ouvido, cortando um pequeno pedaço de um de seus chifres antes de girar
de volta em um arco fechado e retornar para a mão de seu oponente.
Ignorando a dor aguda do chifre, ela se levantou rapidamente, as
vibroadagas em punho. Mas seu oponente não usou a vantagem para
pressioná-la – ele desapareceu novamente ao redor do nariz da nave.
O ferimento não era sério – os chifres dos Iktotchis não continham órgãos
vitais ou artérias importantes. Mesmo se completamente decepado, o
ferimento não seria fatal, embora fosse uma dor agonizante. Com o tempo,
o pedaço arrancado até cresceria de volta, sem deixar evidência de como ela
esteve perto de morrer naquele hangar.
Mas ela tinha quase morrido. Entendia agora que seu oponente era astuto
– ele quis que ela o visse, sabendo que tentaria cortar seu caminho.
Ela o subestimara e ele a manipulara, atraindo-a para um erro
descuidado. Ele preparara uma armadilha e ela caíra perfeitamente. Não
cometeria o mesmo erro duas vezes.
Set se abaixou atrás de uma das naves, tentando recuperar o fôlego. Até
certo ponto, fora capaz de resistir à estranha habilidade da Iktotchi.
Conseguiu lutar contra sua capacidade de influenciar o uso da Força, mas o
esforço o deixou exausto.
E, mesmo assim, ela conseguiu atrapalhar você o bastante para
conseguir se desviar do seu sabre de luz.
O Jedi Sombrio fechou o rosto ao lembrar de como chegou perto de
terminar aquele combate ao mesmo tempo que se levantava para continuar
lutando. Não podia ficar no mesmo lugar por mais do que alguns segundos,
não se quisesse continuar vivo. Set sabia que ela seria mais cuidadosa agora
– ele perdera sua melhor chance.
A Iktotchi era rápida demais para ser superada em uma luta direta… ao
menos com ela perturbando sua conexão com a Força e o deixando mais
lento. Até então, ele conseguira evitar o confronto direto, mas não poderia
continuar correndo por muito mais tempo. Sentia uma dor aguda na lateral
do corpo, e os pulmões pareciam que iam explodir. A menos que algo
acontecesse para mudar a situação, o resultado era inevitável.
Como se em resposta às suas preces, houve uma súbita mudança no som
dos alarmes. Set levou apenas um instante para entender o que havia
acontecido, e um novo plano de fuga começou a se formar em sua mente.

A Caçadora ouviu a mudança no som dos alarmes e soube que eles


tinham talvez cinco minutos antes do começo das detonações, e talvez dez
antes de todo o complexo ser reduzido a escombros.
Seu oponente também notou a mudança.
– Está ouvindo isso? – ele disse de seu esconderijo, do outro lado do
hangar. – Este lugar inteiro vai desabar ao nosso redor. Por que nós
simplesmente não saltamos dentro de uma dessas naves e saímos daqui
antes que isso aconteça?
– Ainda tenho tempo suficiente para encontrar você – ela gritou de volta,
lentamente seguindo na direção de sua voz. Parecia que ele estava perto de
uma das naves do outro lado do hangar. – Você está ficando cansado. Não
vai durar muito tempo.
– Eu tinha medo de que fosse dizer isso – ele respondeu quando ela saiu
de trás de uma das naves, ganhando uma visão clara do homem que estava
perseguindo.
Ele estava encostado casualmente na lateral da nave, perto dos
propulsores na traseira. Ele olhou para ela, mas não tentou se esconder.
Apenas permaneceu lá, segurando o sabre de luz casualmente a seu lado.
Tomando cuidado para não cair em outra armadilha, a Caçadora começou
uma aproximação cautelosa. Quando deu o primeiro passo, o homem de
cabelos prateados ergueu o braço e desceu o sabre de luz com força contra o
casco da nave. Houve uma chuva de faíscas, e a lâmina cortou um
centímetro de profundidade na blindagem exterior reforçada da nave.
O homem ergueu o braço e golpeou outra vez, acertando precisamente o
mesmo ponto, a lâmina brilhante entrando ainda mais fundo dessa vez. Foi
apenas no terceiro golpe que a Caçadora percebeu o que ele estava fazendo.
O terceiro corte levou o sabre de luz fundo o bastante para cortar um dos
dutos de combustível da nave. Seu oponente saltou para trás e ela se jogou
no chão quando uma faísca atingiu o líquido inflamável. Centenas de
fragmentos de metal que antes formavam uma célula de combustível foram
lançados pelo ar. A nave tombou, sua cauda subindo a um metro do chão
com a força da explosão. Uma grossa nuvem de fumaça negra oleosa saiu
do ferimento que o sabre de luz deixara no casco.
– Armas incríveis, não é mesmo? – o homem comentou quando ela se
levantou do chão. – Cortam qualquer coisa.
Seu rosto estava cortado e raspado pelos destroços voadores, mas de
algum jeito – provavelmente usando a Força como escudo – ele conseguira
evitar o pior da explosão. Antes que ela pudesse responder, ele já havia se
abaixado atrás do canto da nave, desaparecendo mais uma vez.
Alguns segundos depois, ela ouviu o inconfundível som do sabre de luz
rasgando através de metal outra vez, vindo do lado mais afastado do hangar.
A Caçadora começou a correr, seguindo na direção do barulho. Estava
apenas na metade quando outra explosão a derrubou no chão. Quando
voltou a se levantar, viu que uma segunda nave fora avariada.
Sabendo seu alvo seguinte, ela se virou e correu na direção da
Perseguidora. Atrasada, parou quando dobrou uma esquina e viu seu
oponente de pé ao lado de sua nave, a mão gentilmente alisando o casco.
– O que está fazendo? – a Caçadora gritou.
– Tudo o que quero é sair daqui vivo. Mas, por algum motivo, você
parece determinada a me matar.
– Você deu o primeiro golpe – ela o lembrou. – Quando o flagrei
tentando roubar minha nave.
– Um simples engano – ele disse, acenando para dispensar a acusação. –
Sobraram duas naves. Você fica com a sua e deixa a outra para mim, e nós
nunca mais nos vemos de novo.
– E se eu disser não?
– Então eu destruo a sua nave e veremos se você consegue me impedir de
chegar à última. Meu palpite é que não consegue, e então nós dois
ficaremos presos aqui quando essas paredes começarem a desabar.
– Você é um covarde – a assassina rebateu. – Não consegue nem ficar
parado para me enfrentar. Agora espera que eu acredite que você se
sacrificaria para nos prender aqui?
– Sou um realista – o homem explicou. – Se lutarmos, estarei morto. Se
eu ficar preso aqui, estarei morto. De qualquer forma, o resultado é o
mesmo… mas, se eu destruir as naves, então pelo menos levo você comigo.
Ela não respondeu de imediato. Era possível que ele estivesse dizendo a
verdade: as pessoas faziam coisas desesperadas quando encurraladas.
Seus pensamentos se voltaram ao cabo curvado em sua cintura – ele não
era o único armado com um sabre de luz. Ela brevemente considerou tentar
usar a arma que havia roubado na mansão do Lorde Sith para bloquear o
ataque se ele tentasse danificar sua nave, mas desistiu da ideia. Não tinha
treinamento nem experiência – nunca nem segurara um sabre de luz até
alguns dias atrás. Mesmo se tivesse, até cruzar a distância que os separava,
o estrago já estaria feito.
Em seguida, tentou calcular as chances de alcançar a última nave antes
que seu inimigo pudesse danificá-la. Talvez pudesse chegar antes dele, mas,
assim que embarcasse na cabine, ele poderia correr e destruir os motores.
Finalmente, pesou a possibilidade de ele não levar sua ameaça adiante.
Mesmo encarando uma situação sem esperança, poucas pessoas teriam a
força de vontade para destruir sua única chance de fuga. Havia uma boa
chance de que ele estivesse blefando.
Mas, mesmo se estivesse, o que ela ganharia desafiando seu blefe?
Não sabia nada sobre aquele homem: quem era, como chegara ali ou por
que aparecera em primeiro lugar. O que ela realmente conseguiria se o
matasse? E o que perderia se o deixasse em paz?
A única razão para ela ainda não ter ido embora era a crença de que
aquele era o lugar onde encontraria seu destino. Se aquele homem vivesse
ou morresse, não tinha importância comparado com aquilo.
Um estrondo profundo reverberou através da caverna. O homem de
cabelos prateados balançou um pouco.
– Nosso tempo está se esgotando – ele alertou, erguendo o braço e
mirando a nave.
– Aceito seu acordo – ela gritou.
– Fique onde eu possa vê-la – o homem alertou, afastando-se dela
cuidadosamente.
Mantendo um olho sobre ela, ele seguiu até a outra nave e desapareceu
do outro lado. A Caçadora o ouviu mexer no painel de acesso quando ele
invadiu o sistema de segurança, seguido pelo inconfundível som da rampa
de embarque se abrindo. Alguns segundos mais tarde ele reapareceu, visível
dentro da cabine do piloto.
A Caçadora simplesmente observou, sabendo que não podia fazer nada.
Diferente de um sabre de luz, suas vibroadagas e blasters não eram capazes
de causar danos sérios ao casco de uma nave. Por um momento, considerou
sacar o sabre de luz e imitar o truque que ele usara contra ela, mas, mesmo
se fosse capaz de danificar a nave, apenas significaria que ele continuaria
ali, e ela teria de encontrar um jeito de embarcar em sua própria nave antes
que ele devolvesse o favor.
Os motores ganharam vida, a nave se ergueu e se virou na direção da
saída, pairando por um instante um pouco abaixo do teto da câmara. Ela
podia claramente ver o brasão real de Doan na lateral, assim como o
homem de cabelos prateados dentro da cabine. Ele acenou para ela e abriu
um sorriso de satisfação, e então os propulsores foram acionados e a nave
se lançou, voando para fora do hangar e desaparecendo no céu noturno.
Pela primeira vez na vida da Caçadora, alguém que ela queria matar
escapou de suas mãos. Porém, seria um pequeno preço a pagar se ela
conseguisse encontrar aquilo que realmente procurava.
Capítulo 23

ZANNAH NÃO ESTAVA ACOSTUMADA A SER A AGRESSORA. Em todas as vezes


em que ela e Bane lutaram, era ele quem tomava a iniciativa. O estilo de
luta com sabres de luz dela era baseado em desvios e contra-ataques; ela
escondia-se atrás de sua defesa virtualmente impenetrável enquanto
esperava que o oponente cometesse um erro.
Aquele confronto era completamente diferente. Bane podia não ter um
sabre de luz, mas isso não significava que estava indefeso. Zannah sabia
que não podia simplesmente avançar correndo: apesar de seu tamanho, ele
era incrivelmente rápido e ágil. Também havia aprendido táticas de luta em
lugares fechados durante seus dias como mineiro e soldado. Ela tinha que
tomar cuidado para não o deixar chegar perto o bastante para agarrá-la –
não podia permitir uma oportunidade para ele usar seu tamanho e força
contra ela.
Também havia seu incrível domínio da Força. Táticas simples como
empurrar um oponente do outro lado da sala não eram práticas contra um
inimigo com treinamento adequado. Tanto ela quanto Bane sabiam como se
cercar com um campo de energia invisível que absorvia ou repelia os
truques mais básicos ensinados a qualquer Jedi ou Sith. Mas Bane podia
disparar devastadores relâmpagos de energia sombria de suas mãos quase à
vontade.
Desde que tomasse cuidado, ela podia evitá-los ou interceptá-los com seu
sabre de luz. Essa cautela, no entanto, permitia a seu Mestre mantê-la
desequilibrada apenas o suficiente para continuar vivo.
Os dois estavam engajados em uma intrincada dança. Ela golpeou baixo,
girando e torcendo o sabre de luz. Ele saltou alto, plantando os pés na
parede e empurrando-a com força, lançando-se em uma cambalhota que o
tirou do alcance da lâmina dela.
Levantando-se, saltou para trás quando Zannah desferiu um golpe frontal
com sua lâmina, saindo de seu alcance. Ela o perseguiu pelo corredor,
golpeando e atacando com sua arma e fazendo o Lorde Sombrio recuar.
Bane contra-atacou com curtos disparos concentrados de energia, mirando
nas botas para atrapalhar seus passos e equilíbrio.
Zannah deu passos rápidos para evitar o ataque e impedir que ele tivesse
um respiro. Bane fingiu que cairia para a direita, depois saltou para a frente,
girando sobre a cabeça dela e usando sua grande mão para agarrar seu
pulso.
Ela se abaixou para escapar e revidou com um chute quando ele
aterrissou atrás dela. Bane girou, agarrou seu calcanhar e puxou com força a
bota para o lado, tentando quebrar o osso. Zannah rolou com o movimento
violento, seu corpo inteiro girando na horizontal. Ao mesmo tempo, levou o
sabre de luz de volta sobre o ombro para decepar o braço de Bane acima do
cotovelo, mas golpeou apenas ar quando ele a soltou e caiu para trás outra
vez.
Ela o encurralara contra a parede, sem chance de fuga. Quando se moveu
para o golpe final, outra explosão de relâmpagos foi disparada em sua
direção. Ela apanhou a energia com o sabre de luz, mas o impacto a jogou
um passo para trás, dando a Bane espaço suficiente para se abaixar sob seu
golpe fatal e correr para longe da parede.
Trocaram de posição, cada um encarando o lado oposto enquanto
começavam a dança outra vez. Os movimentos e a fluidez do combate
entraram em um ritmo de fintas e contra-ataques, a dança marcada pelo som
dos alarmes enquanto ela o forçava a recuar pelo corredor onde o perseguira
havia pouco.
Zannah suspeitava que, se suas posições fossem inversas, Bane talvez já
tivesse acabado o confronto. Mas ela sabia que sua vitória era inevitável.
Seu Mestre estava em uma situação impossível. Ele precisava fazer tudo
exatamente certo apenas para mantê-la afastada. Não tinha margem de erro,
e até mesmo o Lorde Sombrio dos Sith não poderia manter essa perfeição
para sempre. Ela só perderia se cometesse algum descuido.
O melhor que Bane poderia esperar era tentar frustrá-la com sua
capacidade de esquivar-se. Mas Zannah entendia a paciência. Esperara vinte
anos por aquele momento, e estava satisfeita em arrastar o combate pelo
tempo necessário.
Eles alcançaram o final do corredor, e Zannah pensou que havia
encurralado Bane. Dessa vez, ela usou o sabre de luz para rebater para o
lado os relâmpagos violeta em vez de tentar absorvê-los e ser jogada para
trás. Entretanto, Bane ainda tinha um truque na manga.
Ela estava a menos de um metro, a lâmina já voando para o golpe fatal,
quando sentiu os pelos na nuca se arrepiarem. Um casulo púrpura cintilante
de energia sombria envolveu Bane, uma frágil casca contendo uma
tempestade de poder puro.
Ela tentou recuar, mas era tarde demais. Quando sua lâmina tocou o
casulo, a energia foi liberada em uma súbita explosão que lançou os dois
para trás. Bane atingiu a parede com força e desabou no chão. Zannah foi
jogada dez metros para trás, aterrissando no chão de pedra.
Eles se levantaram ao mesmo tempo, nenhum dos dois com ferimentos
sérios. Porém, mais uma vez Bane conseguira frustrar o ataque e escapar de
uma situação na qual estava encurralado.
Zannah meramente deu de ombros e começou outro avanço lento e
implacável. Ela parou por um momento quando o som dos alarmes mudou.
Soube quase instantaneamente o que havia acontecido. Tinham apenas
alguns minutos para escapar antes que as explosões os enterrassem vivos.
Havia duas opções: interromper a luta e correr para a nave, ou jogar a
cautela pela janela e lançar mais um ataque ousado contra seu Mestre. Não
podia deixar que Bane escapasse. Tinha de acabar com aquilo agora!
Enquanto se preparava para atacar, Bane disparou outro relâmpago. Ela
se abaixou para o lado e a energia passou por seu ouvido, atingindo a
parede e causando uma chuva de poeira e destroços.
Apesar de errar da primeira vez, Bane seguiu com outro disparo na exata
mesma trajetória. Virando a cabeça para seguir o curso do disparo, Zannah
viu onde o primeiro havia atingido a parede. A pedra fora desintegrada em
um buraco do tamanho de um punho, revelando algo que parecia um
plástico de forte cor vermelha.
Ela reconheceu a cobertura de uma carga de demolição em tempo de se
lançar para trás, usando a Força para se proteger do pior da explosão. Foi
arremessada quando a parede inteira explodiu, enviando grandes pedaços de
pedra sobre a passagem. O teto foi destruído, arrancando enormes blocos
soltos que desabaram no chão.
Tossindo com a nuvem de poeira e fumaça, Zannah se ergueu. A
passagem à sua frente estava completamente bloqueada por destroços da
explosão. Ela podia sentir Bane do outro lado das rochas – ele sobrevivera,
assim como ela. Mas agora estavam separados por toneladas de pedra.
Ela andou lentamente até a seção do corredor que havia desabado e
colocou a mão sobre uma das enormes pedras que bloqueavam seu
caminho. Mesmo usando a Força, levaria horas para abrir uma passagem.
Não havia como negar a verdade: ela o tivera em suas mãos, mas o deixara
escapar.
As vibrações de outra explosão, dessa vez mais longe, em alguma câmara
inferior do calabouço, reverberaram através do chão, lembrando a Zannah
que seu tempo havia acabado. Praguejando contra a oportunidade perdida,
ela se virou e correu de volta na direção de sua nave.
Acima, os alarmes da evacuação continuavam a uivar.

Bane esperava surpreender sua aprendiz com sua tática inesperada. Havia
uma pequena chance de ela acabar morrendo com a explosão, enterrada sob
as rochas. Mas, enquanto se levantava, sentiu que ainda estava viva. Apesar
de ela estar tentando matá-lo, saber disso lhe deu uma pequena satisfação.
Ele a treinara bem.
Afinal, o objetivo principal da explosão não era matá-la. O plano
desesperado era, na verdade, a última chance de escapar de um combate que
sabia que não poderia vencer. Nisso ele foi bem-sucedido… apesar de que,
para sobreviver, ainda precisava encontrar uma saída da prisão antes que o
lugar fosse demolido completamente.
Não tinha ideia de onde estava naquele calabouço labiríntico. Antes de
Zannah encontrá-lo, ele vinha perseguindo a filha de Caleb, deixando a
Força guiá-lo sem nenhum pensamento consciente sobre o caminho que
tomava.
Expandindo sua mente, sentiu que a princesa não estava mais lá. Mas
Bane havia massacrado uma dúzia de guardas durante sua fuga – eles
tinham de ter naves em algum lugar da instalação. E, mesmo se não
soubesse onde encontrá-las, sabia que podia contar com a Força.
Bane começou a correr, virando à esquerda e à direita sem hesitar ou
pensar em passagens que se abriam, fazendo seu melhor para ignorar o
incessante uivo dos alarmes da evacuação.
Por toda a sua vida, mesmo antes de saber quem e o que era, Bane foi
guiado pela Força. Durante sua carreira militar, levara uma vida cheia de
sorte, de algum jeito liderando os Andarilhos das Trevas praticamente ilesos
através de algumas das campanhas mais sangrentas da guerra.
Simplesmente se considerava uma pessoa de sorte, ou protegida por bons
instintos.
Virou correndo uma esquina, as botas perdendo tração por um segundo.
Ao mesmo tempo, sentiu a onda de choque de uma enorme explosão
subindo pelas câmaras inferiores. Esforçou-se para manter o equilíbrio e
conseguiu ficar de pé, acelerando pelo corredor seguinte.
Era impossível dizer se estava indo na direção certa – as paredes de pedra
sem adornos pareciam iguais em todas as passagens. Ele sentiu as
reverberações de uma segunda explosão distante, lembrando-o de que seu
tempo estava acabando. Porém, a inclinação do corredor o levava para
cima, e isso o encorajou a continuar.
Foi apenas depois de começar seu treinamento na Academia Sith em
Korriban que ele percebeu que sua incrível sorte era, na verdade, uma
manifestação da Força. Até mesmo antes de ficar ciente de seu poder, a
Força já agia através dele, moldando eventos de sua vida ao guiá-lo e
direcionar suas escolhas e ações.
Aprender a cultivar esse poder – a controlar seu destino, em vez de ser
controlado por ele – permitira-lhe ascender até sua posição atual. A Força
se tornara uma ferramenta – o poder era seu para comandar e dobrar à sua
vontade.
Mas ali, a apenas alguns minutos de sua completa aniquilação, Bane se
deixou voltar aos meios de sua juventude. Se tentasse achar uma saída
conscientemente, o esforço e a concentração necessários apenas o
atrasariam. Ele não podia pensar em um plano – precisava reagir e torcer.
Virou outra esquina, correu por um corredor curto e invadiu um balcão de
aço sobre uma enorme câmara. Chegou no exato momento para ver uma
nave com o brasão real de Doan decolando e voando para longe. Por um
instante achou que a princesa pudesse estar a bordo. Entretanto, quando
expandiu a mente, sentiu uma presença muito diferente pilotando a nave…
Alguém com uma poderosa ligação com o lado sombrio. Mas Bane não
podia permitir que sua atenção fosse desviada pelo misterioso indivíduo
escapando naquela nave: ele tinha um problema muito mais urgente.
Do balcão, podia claramente ver a Iktotchi que liderara a emboscada na
mansão. Estava vestida com a mesma túnica negra, ao lado de uma nave
negra e vermelha.
Olhava para a nave que escapava, mas, quando ela acelerou para o céu
noturno, virou-se para encarar Bane. Ao vê-lo, uma expressão de satisfação
passou por seu rosto.
– Estive esperando por você – ela disse.
Na última vez que lutaram, ela o superou – dessa vez ele estava
desarmado e esgotado por seu combate com Zannah. Porém, ainda tinha
confiança de que poderia derrotá-la. Sem a vantagem da surpresa e vinte
mercenários ajudando, ela não era páreo para uma luta um contra um. E, se
ela o cortasse com suas lâminas venenosas outra vez, ele estaria pronto para
queimar a toxina antes que ela sobrecarregasse seu organismo.
Bane agarrou o parapeito do balcão e saltou por cima dele, ignorando o
tremor causado por outra explosão dentro do calabouço.
Seus pés já estavam se movendo quando ele atingiu o chão lá embaixo,
impulsionando-se na direção de sua inimiga. Para sua surpresa, a Iktotchi
não recuou enquanto ele se aproximava. Nem sacou suas armas. Em vez
disso, ajoelhou-se e baixou a cabeça, segurando as mãos com as palmas
viradas para cima como se oferecesse algo.
A reação inesperada fez Bane parar a alguns metros dela. Àquela
distância, podia claramente ver que ela estava segurando o cabo curvado de
seu sabre de luz perdido e o que parecia ser seu próprio holocron.
– Um presente, meu senhor – ela disse, inclinando a cabeça para olhar
para ele.
– Você tentou me matar – Bane disse desconfiado, sem tirar os olhos
dela.
– Fui contratada para capturá-lo – ela o corrigiu. – Foi apenas um
trabalho. E esse trabalho já acabou.
Bane apanhou o cabo da mão dela. Seus dedos deslizaram pela curva
familiar, e ele acionou a lâmina.
A Iktotchi se levantou, mas não mostrou medo algum.
– Por que ainda está aqui? – Bane perguntou.
– Eu sabia que você tinha se libertado. Esperava que viesse até aqui
durante sua fuga.
– Teve uma premonição de que eu a encontraria? – Bane sabia que os
Iktotchis supostamente tinham habilidades precognitivas, mas tinha apenas
uma vaga ideia do quanto as visões eram poderosas ou precisas.
– Noite após noite, você apareceu em minhas visões. Nossos destinos
estão interligados.
– E se o seu destino for morrer por minhas mãos? – ele perguntou,
erguendo a lâmina.
– Nenhum de nós está destinado a morrer neste lugar, meu senhor.
Como se em oposição às suas palavras, outra explosão dentro da
instalação sacudiu o hangar.
– O que quer de mim?
– Deixe-me estudar com você – ela implorou, aparentemente ignorando o
perigo da demolição iminente da prisão. – Instrua-me no lado sombrio.
Ensine-me os caminhos dos Sith.
– Você entende o que está pedindo? – Bane exigiu saber.
– Minha existência não tem significado. Você pode dar propósito à minha
vida. Pode me guiar para meu destino.
– O que você pode me oferecer em troca?
– Lealdade. Devoção. Uma nave para escapar desta prisão antes que ela
desabe. E a filha de Caleb.
A explosão seguinte foi perto o bastante para eles ouvirem o som
ecoando pelo corredor.
– Eu aceito – Bane disse, desativando o sabre de luz após considerar por
um momento.
Menos de um minuto depois, eles estavam a bordo da nave da Iktotchi,
deixando a Prisão de Pedra e os últimos e violentos espasmos de sua
destruição para trás.

Zannah estava refazendo seus passos, seguindo a longa rota de volta até o
pequeno hangar onde esperava que Set e sua nave ainda estivessem
esperando. Seu corpo inteiro estava mergulhado na Força, suas pernas a
impulsionando para a frente tão rápido que o vento fazia seus cabelos
voarem para trás.
Enquanto corria, sentia os tremores subindo de dentro do calabouço, cada
estouro um pouco mais perto do que o anterior. A explosão causada por
Bane fora apenas uma carga detonada por seu relâmpago. Aquelas novas
explosões eram muito mais poderosas: oito ou dez cargas próximas umas
das outras, todas detonando ao mesmo tempo, demolindo não apenas um
pequeno trecho do corredor, mas toda uma seção da instalação.
Quando Zannah saiu dos corredores iluminados da área reaberta do
calabouço para as passagens escuras da ala desativada por onde entrara, as
explosões já estavam tão perto que podia ouvi-las e sentir as vibrações pelo
chão. Também vinham com mais frequência agora. Em vez de detonarem a
cada dez segundos, martelavam em um ritmo constante.
Ela se lançou na escuridão, sem nem acionar um bastão luminoso. Sua
respiração estava irregular, mas seus passos não falhavam. Cada músculo e
nervo em seu corpo formigava com o poder da Força, seus sentidos
aumentados a níveis sobrenaturais. Não precisava enxergar para encontrar o
caminho: como um morcego, podia ouvir os alarmes ecoando nas paredes,
no chão e no teto, criando uma imagem sonar dos arredores. Os estrondos
das cargas reverberavam em contraponto ao uivo dos alarmes.
Quando entrou correndo no hangar onde sua nave esperava, Zannah ficou
surpresa com duas coisas. A primeira era como as luzes de sua nave
pareciam brilhantes depois da escuridão total das passagens subterrâneas
que atravessara. A segunda era que Set Harth não estava lá.
Sempre suspeitara que ele pudesse fugir, mas não conseguia pensar em
uma razão para Set desaparecer e abandonar a nave. Mas ela não tinha
tempo para se preocupar com isso agora. Zannah ouviu o rugido de outra
explosão, dessa vez tão perto que fez as paredes do hangar tremerem.
Saltando para dentro da cabine, acionou os motores enquanto outra
detonação sacudiu a nave. Lutando para não ser jogada do assento do
piloto, Zannah puxou o manche e a nave se ergueu do chão. Inclinando-a
para dar meia-volta, posicionou a nave na direção da entrada e empurrou
com força a alavanca dos propulsores.
A Vitória se lançou à frente, correndo através da boca da caverna quando
a explosão final detonou as cargas nas paredes do hangar, fazendo desabar
toda a estrutura atrás dela.
Já em segurança, Zannah digitou a trajetória e ativou o piloto automático,
deixando a nave voar sozinha pela superfície de Doan enquanto tentava
recuperar o fôlego. A difícil corrida para a liberdade a deixara física e
mentalmente exausta. Seu corpo estava coberto de suor, e os músculos das
coxas e panturrilhas tremiam enquanto ela afundava no assento, ameaçando
se tornar cãibras a qualquer momento.
Ela sobrevivera, mas não poderia dizer que a missão fora um sucesso.
Deixara Bane escapar por entre seus dedos, e não tinha dúvidas de que seu
Mestre também encontrara um jeito de fugir da destruição da Prisão de
Pedra. E, ainda por cima, perdera seu aprendiz.
Zannah não sabia se Set havia escapado ou morrido na explosão, e não
havia um jeito fácil de descobrir. A conexão que forjara com Bane nos
últimos vinte anos era forte o bastante para se estender através da galáxia:
ela sentiria sua morte onde e quando acontecesse. Set fora seu aprendiz por
apenas alguns dias. Ela o sentiria se estivesse perto, assim como sentiria
qualquer indivíduo que possuísse uma afinidade poderosa com a Força, mas
não havia ligação especial entre eles.
Mas Set era o menor de seus problemas. Bane ainda estava por aí e,
assim que obtivesse outro sabre de luz, iria atrás dela… a menos que o
encontrasse primeiro.
O problema era que Zannah não fazia ideia de onde começar sua busca.
Capítulo 24

A CÁPSULA DE ESCAPE DA PRISÃO DE PEDRA era pequena e não tinha os


confortos da nave pessoal da princesa, mas recebera um hiperpropulsor
Classe Cinco e havia suprimentos de sobra para viagens interestelares. Em
tese, se houvesse necessidade de ativar a sequência de autodestruição da
prisão, então também haveria forte possibilidade de que membros cruciais
da família real ou seus funcionários fossem forçados a fugir de Doan.
No caso de Serra, isso era verdade. Podia apenas imaginar a crise política
que havia causado. O pai do rei havia desativado a Prisão de Pedra –
oficialmente, ainda estava inativa. Sua destruição levaria a uma série de
questionamentos sobre o que exatamente estava acontecendo no complexo
abaixo da propriedade da família real. As investigações não chegariam a
lugar nenhum, é claro: as cargas de demolição foram cuidadosamente
criadas para infligir máximo dano estrutural. Qualquer operação de busca
seria cara demais ou impraticável. Quaisquer que fossem os segredos da
Prisão de Pedra, agora estavam enterrados para sempre.
Mas isso não impediria os rumores e especulações. Os mineiros já
desconfiavam da nobreza; e descobrir que o infame calabouço fora reaberto
– mesmo temporariamente – causaria inquietude e reabriria velhas feridas.
A simpatia aos rebeldes e o número de recrutas aumentariam.
Seu próprio desaparecimento alimentaria a confusão, mas, no longo
prazo, seria melhor se ela simplesmente desaparecesse. Serra havia jurado
lealdade à Casa de Doan e traíra esse juramento, levando problemas e
desgraça para a família de Gerran. Se o rei e todos os outros pensassem que
ela estava morta, enterrada para sempre debaixo de dez mil toneladas de
rocha, seria mais fácil para eles limparem a bagunça que ela agora deixava
para trás.
Incapaz de voltar para sua casa em Doan, traçara uma rota para o único
outro lugar na galáxia onde conheceu a felicidade. Entretanto, enquanto
trazia a nave para a aterrissagem no acampamento de seu pai, em Ambria, o
que ela sentia não era alegria.
No espaço de apenas alguns meses, parecia que perdera tudo. Sozinha,
confusa e cheia de culpa, seguira até ali na esperança de encontrar paz…
para si mesma e para sua amiga.
Era começo de noite – a última luz do dia sumia no horizonte quando ela
desembarcou o corpo de Lucia. Deitando sua amiga gentilmente no chão,
voltou para a nave e encontrou uma pequena pá no meio dos suprimentos.
O chão arenoso era macio, deixando seu trabalho muito mais fácil do que
seria em outros mundos. Mesmo assim, foi preciso mais de uma hora
cavando antes que a cova estivesse aberta. Da melhor maneira que podia,
desceu o corpo de Lucia ao buraco que havia cavado, depois apanhou a pá e
enterrou sua amiga.
O calor do deserto desapareceu rápido com o pôr do sol e, terminado o
esforço físico, o frio fez Serra tremer. Mas a atividade física foi catártica. O
entorpecimento que nublava seus pensamentos e emoções havia se
dissipado.
Uma leve brisa ganhou força, e ela tremeu. Em vez de voltar para a nave,
entretanto, Serra atravessou o acampamento e buscou refúgio na velha
cabana abandonada do pai.
Lá dentro, encolheu-se em um canto e fechou os olhos. Ainda podia
sentir a presença de seu pai. Embora não estivesse mais com ela, estar
naquele lugar facilitava reavivar as memórias: seu rosto, sua voz. Ela
conseguiu um pouco de alento com isso, como se a sabedoria e a força
silenciosa de Caleb estivessem, de alguma forma, sendo passadas do lugar
onde ele vivera por quase toda a sua vida adulta para ela.
Era apenas agora que Serra percebia o quanto estava errada. Caleb
sempre alertara sobre os males do lado sombrio; porém, quando o momento
chegou, ela ignorou suas palavras. E tudo o que dera errado – todo o sangue
que agora manchava suas mãos – era consequência de seu próprio ódio e
desejo de vingança.
Havia começado com a morte de Gerran. Em vez de ficar de luto e depois
seguir em frente, ela se apegou à tristeza até transformá-la em uma raiva
amarga que consumia todas as horas de sua vida. Em desespero, Lucia
contratara uma assassina para buscar vingança, na esperança de que isso
pudesse, de alguma forma, salvar sua amiga da escuridão que a envolvera.
Em vez disso, havia colocado em curso a queda de Serra.
A Caçadora havia matado o Jedi Medd Tandar. Isso levou ao
envolvimento do Conselho e do rei. Quando Lucia lhe confessou suas
ações, Serra deveria ter ficado horrorizada. Seu pai ficaria. Deveria ter
contado ao rei sobre a assassina, deixando o nome de Lucia fora disso para
protegê-la. Com um simples ato de honestidade, poderia ter evitado todo o
sofrimento. Mas escolheu mentir para ele, guardando o segredo para si e
sentindo prazer no terrível crime cometido em seu nome.
Aquela mentira resultara em sua viagem para Coruscant, onde descobriu
o destino de seu pai. Pensando agora, não tinha dúvidas de que Caleb
entregara sua vida em vez de se submeter à vontade do lado sombrio. Mas,
em vez de honrar sua memória e seguir seu exemplo, ela deixou sua tristeza
distorcer e perverter seu senso de justiça. Mais uma vez, deixou a raiva e o
ódio dominarem suas ações, e Lucia foi enviada para contratar a Caçadora
para um segundo trabalho.
Quando o homem sombrio de seus sonhos foi capturado, Serra recebeu
mais uma chance de dar as costas ao abismo. Poderia tê-lo entregado às
autoridades. Mas escolheu prendê-lo e torturá-lo.
Nesse ponto, havia afundado tanto no poço de escuridão que até mesmo
Lucia sentira sua corrupção. Sua amiga tentou alertá-la. Percebera aquilo
em que Serra estava se transformando. Mas agora Lucia também estava
morta.
Raiva, vingança, mentiras, crueldade, ódio: esses eram os caminhos do
lado sombrio. Desde a morte de Gerran, Serra permitira que esses aspectos
tomassem conta de sua vida, deixando-se arrastar cada vez mais para esse
lado. E apenas agora, encolhendo-se no canto de uma cabana no meio do
deserto, entendia o verdadeiro preço.
O lado sombrio destrói. Não pode trazer paz ou conclusão; apenas traz
miséria e morte.
Caleb entendia isso. Tentara ensiná-la. Mas ela falhara com ele, e isso lhe
custou tudo.
– Sinto muito, pai – ela sussurrou, levando a mão ao rosto para limpar
uma lágrima. – Agora eu entendo.
O que foi feito não podia ser desfeito. Ela teria de viver com o peso de
seus crimes. Mas, dali em diante, não se permitiria ser seduzida pelo lado
sombrio outra vez. Qualquer que fosse o destino que lhe esperava, qualquer
que fosse a consequência e a punição que receberia, ela aceitaria com calma
estoica e força silenciosa.
Ainda sou filha de meu pai.

Bane estava muito ciente do quão perto chegou da morte pelas mãos de
Zannah na Prisão de Pedra. Porém, ainda estava vivo, prova de sua força e
poder duradouros. Entrara como um prisioneiro, mas emergira mais
poderoso. O holocron de Andeddu podia ter se perdido, provavelmente
enterrado para sempre com o colapso do calabouço, mas ele já havia
reclamado seu mais precioso conhecimento: o segredo da transferência da
essência. E, embora sua aprendiz ainda estivesse viva, ele podia ter acabado
de encontrar sua substituta.
Bane estudava a Iktotchi cuidadosamente enquanto ela manuseava os
controles da nave, fazendo sutis ajustes para mantê-los em curso enquanto
saíam do calmo vácuo do espaço e desciam para a turbulência da atmosfera
de Ambria.
Ela dissera que seu nome era Caçadora e que passara os últimos cinco
anos como uma assassina de aluguel, afiando sua habilidade de identificar e
explorar as fraquezas de seus alvos. Era difícil argumentar contra os
resultados – em seus breves encontros com Bane, ela já demonstrara
notável ambição e incrível potencial. Seus feitos eram ainda mais
impressionantes considerando que nunca recebera qualquer treinamento
formal nos caminhos da Força. Tudo o que fazia vinha de uma habilidade
natural. Puro instinto. Poder bruto.
Sua capacidade de perturbar a Força nos outros apenas confirmava seu
poder. Nunca fora treinada naquela técnica rara e difícil – simplesmente a
usava contra seus inimigos por meio de pura força de vontade: força bruta,
mas eficaz.
Entretanto, era seu outro talento que realmente intrigava o Lorde
Sombrio.
– Como me rastreou até Ciutric? – ele perguntou enquanto a nave seguia
na direção da superfície desértica do planeta.
– Minhas visões – a Caçadora explicou. – Se eu me concentrar, elas me
permitem ver imagens: pessoas, lugares. Às vezes, tenho vislumbres do
futuro, embora nem sempre se tornem realidade.
– O futuro nunca é estático. É constantemente moldado pela Força… e
por aqueles com poder para controlá-la.
– Às vezes, também tenho visões do passado. Memórias daquilo que
passou. Vi você em Ambria. Com uma jovem mulher loira.
– Minha aprendiz.
– Ela ainda vive?
– Por enquanto.
No horizonte, eles podiam ver os primeiros raios do sol de Ambria se
estendendo. Com os brilhantes raios amarelos caindo sobre o nariz da nave,
Bane não podia deixar de imaginar até onde as habilidades da Iktotchi
chegariam se ela recebesse as devidas instruções e orientações.
Ele tinha a sabedoria para interpretar acontecimentos e prever o resultado
mais provável, mas raramente tinha visões reais do futuro. Era capaz de
manipular a galáxia ao seu redor, direcionando-a inexoravelmente a um
tempo onde todos se curvariam aos Sith, mas era uma luta manter tudo no
rumo certo. Seus planos de longo prazo para eliminar os Jedi e dominar a
galáxia estavam em constante transformação, reagindo a eventos
completamente inesperados que alteravam o cenário social e político.
Cada vez que isso acontecia, Bane precisava recuar e reagrupar até ser
capaz de avaliar e reagir adequadamente às mudanças. Mas, se a Caçadora
pudesse aprender a cultivar seu poder, os Sith não mais ficariam limitados a
apenas reagir. Eles poderiam antecipar e prever essas mudanças aleatórias,
preparando-se para elas muito antes de acontecerem.
E havia uma possibilidade ainda maior. Bane sabia que o destino não era
predeterminado. Havia muitos futuros possíveis, e a Força permitia à
Caçadora ver apenas exemplos do que poderia vir a ser. Se pudesse
aprender a classificar suas visões, separando as várias linhas de tempo
divergentes, seria possível que também pudesse aprender a controlá-las?
Será que um dia ela poderia ter o poder de alterar o futuro simplesmente
pensando nele? Será que poderia usar o poder da Força para moldar o
próprio tecido da existência e fazer suas escolhas se tornarem realidade?
– No hangar, você disse que estava esperando por mim – Bane comentou,
ansioso para entender melhor seu talento. – Suas visões contaram que eu
estava vindo?
– Não exatamente. Eu tinha a sensação… de alguma coisa. Podia sentir a
importância do momento, embora não soubesse o que aconteceria. Meus
instintos me diziam que esperar seria bom para mim.
Bane assentiu.
– Os seus instintos já erraram?
– Raramente.
– É por isso que estamos aqui em Ambria? Suas visões, seus instintos,
contaram que a filha de Caleb viria até aqui?
– A princesa me encontrou aqui quando me contratou para rastreá-lo.
Este lugar a assombra. Não precisei de uma visão para saber que ela fugiria
para cá.
O Lorde Sombrio sorriu. Além de poderosa, ela era esperta.
Alguns minutos mais tarde, a nave aterrissou na frente do acampamento
de Caleb, parando ao lado de uma pequena cápsula de fuga.
Desembarcando, Bane relembrou o poder preso sob a superfície de
Ambria. A Força havia devastado aquele mundo antes de seu poder ser
aprisionado por um antigo Mestre Jedi nas profundezas do Lago Natth.
Agora o planeta era um vórtice de poder tanto do lado sombrio quanto da
luz.
Ele notou uma cova recente alguns metros ao lado, mas não gastou outro
pensamento com aquilo. Os mortos não eram importantes para ele.
Com passos largos e decididos, atravessou o acampamento na direção da
cabana dilapidada. A Caçadora seguiu ao seu lado, acompanhando cada
passo.
Antes que alcançasse seu destino, entretanto, a princesa emergiu da
cabana para confrontá-lo. Estava desarmada e sozinha, mas, diferente de
seu último encontro na cela da prisão, dessa vez Bane não sentiu medo nela.
Havia uma serenidade ao seu redor, uma tranquilidade que lembrava Bane
do primeiro encontro com Caleb.
O próprio humor de Bane também havia mudado. Já não estava motivado
por um desejo insaciável de vingança sangrenta. Na Prisão de Pedra,
precisou tirar força de sua raiva para sobreviver e derrotar seus inimigos.
Ali, entretanto, não estava em perigo. Tendo o luxo de considerar
cuidadosamente, percebera que não havia motivo para ma-tá-la… não se
pudesse fazer uso de suas habilidades.
Ficaram frente a frente, encarando um ao outro, sem falar nada. No fim,
foi Serra quem quebrou o silêncio:
– Viu a cova quando aterrissou? Enterrei Lucia lá, na noite passada.
Como Bane não respondeu, ela levou lentamente a mão até o rosto e
limpou uma única lágrima antes de continuar.
– Ela salvou a sua vida. Você nem se importa com sua morte?
– Os mortos não têm valor para mim.
– Ela era sua amiga.
– O que quer que ela fosse, agora se foi. Agora não passa de carne e
ossos apodrecendo.
– Ela não merecia isso. Sua morte foi… sem sentido.
– A morte de seu pai foi sem sentido. Ele tinha uma habilidade valiosa.
Salvou minha vida duas vezes, quando ninguém mais poderia. Se a escolha
fosse minha, eu o teria deixado viver, para o caso de precisar de seus
serviços uma terceira vez.
– Ele nunca teria ajudado você por escolha própria – Serra rebateu. Não
havia raiva em sua voz, embora suas palavras carregassem o peso afiado da
verdade.
– Mas me ajudou – Bane a lembrou. – Ele foi útil. Você também poderia
ser, se compartilhar seu talento.
– Meu pai me ensinou tudo o que sabia – ela admitiu. – Mas, assim como
ele, nunca ajudarei um monstro como você.
Ela se virou na direção da Iktotchi, que estava em silêncio ao lado de
Bane.
– Se você seguir esse homem, vai acabar sendo destruída. Já vi as
recompensas dadas àqueles que seguem o caminho do lado sombrio.
– O lado sombrio me dará poder – a Caçadora respondeu com confiança.
– Vai me guiar para o meu destino.
– Apenas um tolo acreditaria nisso – a princesa rebateu. – Olhe para
mim. Cedi ao ódio. Deixei que me consumisse. Meu desejo por vingança
me custou tudo e todos que eu amava.
– O lado sombrio devora aqueles que não têm poder para controlá-lo –
Bane concordou. – É uma feroz tempestade de emoções que aniquila tudo
em seu caminho. Devasta os fracos e os indignos. Mas aqueles que são
fortes podem usar os ventos da tempestade para alcançar alturas
inimagináveis. Eles podem liberar seu verdadeiro potencial, partir as
correntes que os prendem, dominar o mundo ao seu redor. Apenas aqueles
com poder para controlar o lado sombrio podem se libertar completamente.
– Não – Serra respondeu, gentilmente balançando a cabeça. – Não
acredito nisso. O lado sombrio é maligno. Você é maligno. E nunca o
servirei.
Havia um desafio discreto em suas palavras, e Bane sentiu que ela nunca
seria persuadida por nada que ele pudesse dizer ou fazer. Por um breve
momento considerou tentar o ritual da transferência de essência, mas
rapidamente dispensou a ideia. O ritual consumiria sua forma física e, se
fracassasse em possuir o corpo dela, seu espírito ficaria para sempre preso
no vazio. A vontade dela era tão forte quanto a de seu pai, e ele não sabia se
era poderoso o bastante para superá-la.
Bane não precisava fazer isso agora. Ainda tinha vários anos antes de seu
corpo atual deteriorar-se completamente. Era melhor esperar e buscar um
técnico para criar um corpo clonado. Isso ou encontrar alguém mais jovem
e mais inocente.
– Ela não tem utilidade para nós, Mestre – a Iktotchi disse, com um
brilho ansioso no olhar. – Posso matá-la para você?
Ele assentiu, e a Caçadora deu um passo adiante, avançando lentamente
em direção à outra mulher. Bane sentiu que a assassina gostava de saborear
sua matança, sentindo prazer no medo e na dor de suas vítimas. Mas Serra
não fez movimento algum para se defender. Não tentou fugir, não implorou
misericórdia. Apenas ficou perfeitamente parada, disposta a encontrar seu
destino com uma aceitação silenciosa.
Reconhecendo que não teria satisfação com a filha de Caleb, a assassina
tirou a vida de Serra.
Capítulo 25

OS DEDOS DE ZANNAH HESITARAM sobre o painel da Vitória enquanto ela


ponderava seu próximo destino. Desde que escapara da Prisão de Pedra,
manteve a nave em uma órbita baixa ao redor de Doan.
Não queria voltar para Ciutric. Bane ainda estava vivo e ela precisava
encontrá-lo, mas não achava que ele voltaria para casa tão cedo.
Por um tempo, considerou seguir para a mansão de Set em Nar Shaddaa.
Se estivesse morto, ele certamente não se importaria se ela usasse sua
propriedade como base temporária enquanto se preparava para sair à caça
de seu Mestre. E, se estivesse lá quando ela chegasse – se tivesse, de
alguma forma, escapado da destruição da prisão –, então Zannah tinha
muitas perguntas a fazer.
Entretanto, quanto mais pensava em confrontar o homem que havia
escolhido como aprendiz, menos a ideia a atraía. Pensando agora, estava
claro para ela que Set fora um erro. Ansiosa para assumir o papel de Lorde
Sombria, havia se convencido de que ele era uma escolha aceitável.
Desesperada para encontrar um aprendiz, havia ignorado seus óbvios
pontos fracos.
Set era um homem perigoso – alguém com quem ela suspeitava que
precisaria lidar mais tarde, se descobrisse que ainda estava vivo –, mas não
estava apto a ser um Sith. Sua afinidade com a Força era forte, e ele
voluntariamente abraçara muitos dos aspectos mais egoístas do lado
sombrio. Mas lhe faltava disciplina. Era consumido por desejos mundanos
que o impediam de ter uma visão mais ampla. E, pior de tudo, claramente
lhe faltava ambição.
Zannah havia atraído Set com uma combinação de ameaças à sua vida e
promessas de poder. Mas ela estava enganando a si mesma tanto quanto Set.
Era óbvio que ele não tinha desejo real de dominar a galáxia. Estava
contente com seu quinhão na vida e não estava disposto a fazer os
sacrifícios necessários para se transformar em algo mais. E, por alguma
razão, ela foi incapaz de enxergar isso. Talvez estivesse com medo de olhar.
Talvez Set a lembrasse muito de si mesma.
As palavras que Bane lhe jogou quando ela o acusou de violar a Regra de
Dois ainda ecoavam em sua mente.
Esperei anos para você me desafiar. Mas você estava satisfeita em
trabalhar sob minha sombra.
Será que ele estava certo? Seria possível que, em algum nível, ela
estivesse com medo de tomar a responsabilidade de um Mestre Sith? Não.
Ela tentou matá-lo.
Tentou e fracassou, apesar de Bane estar sem o sabre de luz. Seria
possível que ela não estivesse tentando derrotá-lo de verdade? Será que
alguma pequena parte de seu subconsciente a segurou apenas o suficiente
para que Bane pudesse sobreviver até encontrar uma chance para fugir?
Não. É isso que ele quer que você pense.
As palavras de Bane eram uma manobra. Estava tentando minar sua
confiança, procurando qualquer abertura que o deixasse viver. Mas ele
estava errado. Zannah realmente queria matá-lo nos corredores do
calabouço. Entretanto, mesmo assim ele conseguiu escapar.
Zannah foi forçada a admitir que havia uma possibilidade ainda mais
perturbadora. Seria Bane simplesmente mais forte do que ela? Se não
conseguiu derrotá-lo quando estava desarmado, que chance teria quando
recuperasse o sabre de luz?
Não. Isso também não fazia sentido. Bane podia ter escapado com vida,
mas seu Mestre não venceu aquele combate. O sabre de luz dera uma
grande vantagem a ela – forçou Bane a ficar na defensiva. Então, por que
ela não foi capaz de acabar com ele?
Obviamente cometera um erro tático. Mas qual?
A pergunta a corroía por dentro quando Zannah se recostou no assento e
cruzou os braços, o computador navegacional ainda esperando seu próximo
destino. Ela mordeu o lábio, concentrando-se. A resposta estava lá –
precisava apenas encontrá-la.
Em sua mente, repassou o cenário, analisando-o de novo e de novo. Ela
fora paciente, cuidadosa. Por causa disso, seu Mestre conseguira mantê-la a
distância, apesar de sua vantagem. Mas, se tivesse sido mais agressiva
durante o duelo, poderia ter lhe dado a chance de fazer um contra-ataque
potencialmente letal.
Seria essa a resposta? Será que precisaria arriscar a derrota para
conseguir a vitória?
Zannah sacudiu a cabeça. Não era isso. Bane lhe ensinara que os riscos
sempre deveriam ser minimizados. Apostas contavam com a sorte. Se
continuar se arriscando, mais cedo ou mais tarde a sorte se voltará contra
você, mesmo com a Força do seu lado.
E então ela entendeu. Tentara derrotá-lo usando força bruta – lutara nos
termos dele.
Ela nunca se igualaria a Bane em força física. Ele sempre seria superior
em habilidades marciais. Então, por que tentara derrotá-lo em combate com
sabre de luz, quando seus verdadeiros talentos estavam em outro lugar?
Ela havia caído em sua armadilha. Ele fingira ter uma arma, sabendo que
ela desafiaria seu blefe. Bane queria que ela se focasse na falta do sabre de
luz acima de qualquer coisa. Incitara-a àquele tipo de combate.
Usar seu sabre de luz para derrotar um oponente desarmado era o
caminho mais simples e óbvio para a vitória… Um caminho para o qual
Bane a atraiu com inteligência. Mas o caminho mais óbvio raramente era o
melhor.
Bane não temia suas lâminas. Havia apenas uma coisa que ela possuía
que ele temia: feitiçaria Sith. Zannah podia fazer coisas com a Força que
Bane não podia nem tentar. Ela podia atacar a mente de seus oponentes,
voltando seus próprios pensamentos e sonhos contra eles.
Durante seu aprendizado, Bane encorajara seus estudos das artes
mágicas. Dera-lhe textos antigos cheios de rituais arcaicos, insistindo que
ela expandisse seu conhecimento e os limites de seu talento. Dirigira seu
treinamento para que ela alcançasse todo o seu potencial. Mas ele não sabia
o quão longe ela havia chegado.
Além dos tomos que seu Mestre lhe dera, ao longo dos anos Zannah
buscara outras fontes de conhecimento Sith oculto. Praticando em segredo,
progredira muito além das expectativas de Bane, aprendendo novos
encantos que libertavam o lado sombrio de maneiras que ele nem
imaginava.
Da próxima vez que nos encontrarmos, Mestre, vou lhe mostrar o quão
poderosa me tornei.
Ela tinha a sensação de que esse encontro não demoraria. Bane estava lá
fora, em algum lugar. Conspirando e planejando seu próximo encontro. Se
não o encontrasse logo, Zannah sabia que então ele a encontraria.
A noite estava caindo quando a Caçadora retornou para o acampamento.
Bane havia ordenado que enterrasse o corpo de Serra – não por respeito ou
honra, mas simplesmente para manter animais longe e remover o cadáver
antes que começasse a se decompor. Para seu crédito, a Iktotchi não
protestou ou questionou a ordem: ela entendia a necessidade ou confiava
em seu julgamento.
Enquanto ela estava longe, Bane havia coletado lenha de uma pequena
pilha de madeira nos fundos da cabana e acendido uma fogueira para afastar
o frio. A Iktotchi agora estava diante dele, o brilho das chamas
transformando o vermelho de sua pele em um sinistro tom laranja.
– Você disse que queria aprender comigo – ele notou, abaixando-se para
mexer o fogo com um graveto. Ele o segurava com a mão esquerda,
apertando com força para impedir que o tremor retornasse.
– Quero aprender os caminhos dos Sith.
– Se você se tornar minha aprendiz, precisa se livrar das correntes da sua
antiga vida. Deve cortar todas as ligações com família e amigos.
– Não tenho nada disso.
– Não poderá retornar para sua casa. Deve estar disposta a abandonar
todas as suas posses.
– Riqueza e bens materiais não significam nada para mim. Desejo apenas
poder e propósito. Com poder, tudo o que quiser ou precisar pode ser
simplesmente tomado. Com propósito, a vida tem significado.
Bane assentiu, aprovando aquelas palavras e mexendo no fogo mais uma
vez antes de continuar.
– Se você se tornar minha aprendiz, quem você era vai deixar de existir.
Você deve renascer nos caminhos do lado sombrio.
– Estou pronta, meu senhor. – A ansiedade em sua voz era inconfundível.
– Então escolha um novo nome para si mesma, como símbolo da sua
nova e superior existência.
– Cognus – ela disse após um momento de consideração.
Bane ficou impressionado. Ela entendia que o poder estava não apenas
em suas lâminas ou sede de sangue, mas em seu conhecimento, sabedoria e
capacidade de enxergar o futuro.
– Um bom nome – ele disse, deixando o graveto de lado para se levantar
completamente. Ao fazer isso, a Iktotchi ajoelhou-se e baixou a cabeça.
– Deste dia em diante, você será Darth Cognus dos Sith.
– Estou pronta para começar meu treinamento – Cognus respondeu, ainda
de joelhos diante dele.
– Ainda não – ele disse, passando por ela e se dirigindo às naves em
frente ao acampamento. – Ainda há um assunto importante que precisa ser
resolvido.
Cognus levantou-se rapidamente para segui-lo.
– A sua antiga aprendiz – ela adivinhou.
Ou será que previu?
Bane parou e se virou para ela.
– Você viu o que acontecerá comigo e com minha aprendiz?
– Desde que vim a este mundo para encontrar a princesa, tenho sonhado
com vocês dois – Cognus admitiu. – Mas o significado não está claro.
– Diga-me o que viu – Bane ordenou.
– Os detalhes estão sempre mudando. Locais diferentes, mundos
diferentes, horas do dia e da noite diferentes. Às vezes a vejo morta aos
seus pés; às vezes ela é a vitoriosa. Tentei entender o que tudo isso
significa, mas existem contradições demais.
– O futuro dos Sith está precariamente equilibrado entre mim e Zannah –
Bane explicou. – Quem sobreviver ao nosso confronto controlará o destino
dos Sith, mas nossa força é equilibrada demais para você prever o resultado.
A Iktotchi não respondeu, ponderando as palavras em silêncio.
Bane a deixou sozinha para que pensasse em sua primeira lição e seguiu
para a nave. Passou pelas covas gêmeas sem olhar duas vezes.
Entrando na nave, ativou o transmissor de comunicação na frequência da
nave pessoal de Zannah e enviou um sinal de socorro codificado.

Zannah havia caído em um sono inquieto, apenas para ser acordada por
um bipe lento e constante no console de controle. Examinando a fonte, viu
que era um chamado por socorro de longa distância. Mas, em vez de ser
transmitido em múltiplas bandas, o sinal vinha pelo canal privado da
Vitória. Apenas uma pessoa, além dela própria, conhecia essa frequência.
Curiosa, ela decodificou a mensagem. Continha apenas quatro palavras:
Ambria. Acampamento do curandeiro.
Ela primeiro pensou que Bane estava tentando atraí-la para uma
armadilha. Mas, quanto mais pensava sobre isso, menos provável parecia. O
remetente da mensagem estava óbvio. Se estivesse preparando uma
armadilha, por que se revelar dessa maneira quando isso apenas a deixaria
na defensiva?
Talvez ele apenas quisesse que aquilo acabasse. Antes de cochilar,
Zannah estivera pensando sobre o que ele lhe dissera antes do confronto nos
corredores da Prisão de Pedra.
Apenas o mais forte tem o direito de governar os Sith. O título de Lorde
Sombrio precisa ser tomado, arrancado das mãos poderosas do Mestre!
Se Bane ainda acreditava na Regra de Dois – se ainda acreditava que era
a chave para a sobrevivência e eventual domínio dos Sith –, então aquela
mensagem era um desafio, um convite para sua aprendiz seguir até Ambria
e acabar o que haviam começado na Prisão de Pedra.
Ela tinha de admitir, era melhor do que desperdiçar anos perseguindo-se
através da galáxia, preparando armadilhas e planejando a destruição um do
outro. Bane havia reinventado os Sith para que seus recursos e esforços
fossem concentrados contra seus inimigos em vez de usados uns contra os
outros. Quando o aprendiz lançava seu desafio ao Mestre, a ideia era que
fosse decidido em um único confronto: rápido, limpo e final.
Agora, no entanto, a Ordem estava fraturada. Eles já não eram Mestre e
aprendiz, mas rivais competindo pelo manto de Lorde Sith. Estavam
efetivamente em guerra e, enquanto vivessem, os Sith estariam divididos.
Era mesmo tão difícil acreditar que, para o bem da Ordem, Bane queria
acabar com o duelo em Ambria? Se ele ainda honrava a Regra que havia
criado, então ela podia acreditar no conteúdo da mensagem.
Mas e quanto ao holocron de Andeddu?
A princípio, pensara que ele buscava a vida eterna para que pudesse
desafiar a Regra de Dois, vivendo para sempre. Agora, já não estava tão
certa. A imortalidade seria mesmo uma violação dos princípios da Regra?
Os segredos do holocron podiam impedir que Bane envelhecesse, mas ela
não achava que fossem protegê-lo de ser derrotado em um combate. Se ela
fosse forte o bastante para derrotá-lo, ainda tomaria seu lugar como Mestre,
como Bane pretendia quando a encontrou ainda criança em Ruusan.
Agora ela se perguntava se o holocron seria apenas um dispositivo de
segurança para manter a Ordem forte. Talvez Bane o visse como um jeito de
se proteger contra um candidato indigno que ascendesse ao trono Sith
simplesmente porque o Mestre se tornara fraco e enfermo com a idade.
Zannah se inclinou para a frente e traçou o curso para Ambria,
imaginando o que havia feito Bane escolher o acampamento do curandeiro
como local para seu encontro final.
Aquele mundo estava mergulhado nas energias do lado sombrio – na
primeira década de seu aprendizado, Bane e Zannah acamparam lá, perto
das margens do Lago Natth. Mas não a estava chamando de volta para
aquele acampamento – ele a esperava no acampamento de Caleb.
Por duas vezes o Lorde Sombrio quase morrera lá. Será que isso tinha
algo a ver com a escolha do local? Ou será que havia outra explicação?
Ainda era possível que ela estivesse seguindo para uma armadilha.
Ambria era um mundo pouco habitado. Seria fácil preparar algo sem
chamar atenção indesejada.
Mas seus instintos diziam que não era isso que Bane estava tramando. E,
se seus instintos estivessem tão errados sobre algo tão importante, então ela
merecia o que quer que a esperasse lá.
De qualquer maneira, ela pensou quando a nave saltou para o
hiperespaço, tudo logo chegará ao fim.

A noite havia passado em Ambria, dando lugar ao escaldante calor do


dia. Com o nascer do sol, Bane e Cognus haviam se retirado para dentro do
abrigo da cabana. Lá, o Lorde Sombrio se sentara de pernas cruzadas no
chão, meditando e concentrando sua força em preparação para a chegada de
Zannah.
– Ela provavelmente vai chegar com um exército – a Iktotchi alertou.
Bane balançou a cabeça.
– Ela sabe que precisa me enfrentar sozinha.
– Eu não entendo.
– Antigamente, existiam tantos Sith quanto havia Jedi. Mas, diferente dos
Jedi, aqueles que serviam à Ordem Sith buscavam derrubar seus líderes.
Sua ambição era natural: assim funciona o lado sombrio. É o que nos
compele, nos dá força. Porém, isso também pode nos destruir, se não for
devidamente controlado. Sob o antigo regime, um líder poderoso era
derrubado pela força combinada de vários Sith menos poderosos
trabalhando juntos. Era inevitável, um ciclo que se repetia de novo e de
novo. E, cada vez que acontecia, a Ordem como um todo se enfraquecia. Os
mais fortes foram mortos, e os mais fracos arrasaram os Sith com suas
mesquinhas guerras de sucessão. Enquanto isso, os Jedi permaneceram
unidos, confiando no fato de que seus inimigos estavam lutando uns contra
os outros, ocupados demais para derrotá-los.
– Você descobriu um jeito de encerrar esse ciclo.
– Agora, tudo o que fazemos é guiado pela Regra de Dois – Bane
explicou. – Um Mestre, um aprendiz. Isso assegura que o Mestre apenas
cairá diante de um sucessor digno. Zannah sabe que, se quiser dominar a
galáxia, deve provar que é mais poderosa me derrotando sozinha.
Cognus assentiu.
– Entendo, Mestre. Não vou interferir quando ela chegar.
Naquele exato momento, o som dos propulsores de uma nave rugiu
através do acampamento. Os dois se levantaram e saíram para o calor do
deserto enquanto a nave de Zannah aterrissava.
Ela emergiu alguns segundos mais tarde. Como Bane previra, estava
sozinha.
Ele marchou para recebê-la, Cognus ficando para trás na entrada da
cabana. Ele parou no centro do acampamento. Zannah se posicionou no
meio do caminho, entre as naves e onde Bane agora estava, olhando para a
Iktotchi ao fundo com desconfiança.
– Ela não vai interferir – Bane assegurou.
– Quem é ela?
– Uma nova aprendiz.
– Ela jurou lealdade a você?
– Ela é leal aos Sith – Bane explicou.
– Quero aprender os caminhos do lado sombrio – Cognus disse para
Zannah. – Quero servir a um verdadeiro Mestre Sith. Se derrotar Bane,
jurarei lealdade a você.
Zannah inclinou a cabeça para o lado, estudando a Iktotchi
cuidadosamente antes de assentir com a cabeça.
– Quem está enterrado naquelas covas? – perguntou, voltando a atenção
para Bane.
– A filha de Caleb e sua guarda-costas. Foi ela quem me aprisionou. Ela
fugiu até aqui quando a Prisão de Pedra foi destruída.
Bane não sentiu necessidade de explicar em mais detalhes. Zannah não
precisava saber quem Lucia era, ou sua conexão com Bane.
– Eu me perguntei por que escolheu este lugar – Zannah murmurou. –
Pensei que simbolizasse alguma coisa para você.
Bane balançou a cabeça.
– Da última vez que estivemos aqui, você estava fraco demais até para
ficar de pé – sua aprendiz o lembrou. – Estava indefeso, e pensava que eu o
havia traído e entregado para os Jedi. Disse que preferia morrer a passar o
resto da vida como prisioneiro. Queria que eu tirasse sua vida. Mas eu me
recusei.
– Você sabia que eu ainda tinha coisas para lhe ensinar – Bane lembrou. –
Jurou que não me mataria até ter aprendido todos os meus segredos.
– Esse dia chegou – Zannah o informou, acionando as lâminas gêmeas de
seu sabre de luz.
Bane sacou sua arma em resposta, e a lâmina cintilante surgiu do cabo
curvado com um zumbido grave.
Os dois combatentes assumiram posturas de luta e começaram a circular
lentamente.
– Eu o superei, Bane – Zannah o alertou. – Agora, eu sou a Mestra.
– Então prove.
Ele se lançou sobre ela, e o combate teve início.
Capítulo 26

ZANNAH JÁ ESPERAVA QUE BANE fosse avançar de maneira agressiva, mas,


mesmo assim, foi pega de surpresa pela ferocidade do ataque.
Ele começou com uma série de golpes altos segurando o sabre de luz
com as duas mãos, usando sua estatura para forçar a lâmina contra ela de
cima para baixo. Zannah bloqueou cada golpe com facilidade, mas o forte
impacto a fez cambalear para trás, desequilibrando-a.
Ela se recuperou rapidamente, girando para longe quando ele seguiu com
um ataque baixo para cortá-la na altura dos joelhos. Ela retaliou com um
rápido golpe com a ponta de uma das lâminas na direção do rosto de Bane,
mas ele moveu a cabeça para o lado e, segurando o sabre com uma das
mãos, contra-atacou com um golpe em forma de arco na altura do peito.
Zannah interceptou o ataque com uma de suas lâminas, inclinando a arma
para que a inércia do movimento de Bane fosse redirecionada para baixo,
enviando a ponta de seu sabre para o chão. Isso deveria ter exposto seu
corpo a um contragolpe, mas ele reagira imediatamente ao movimento dela,
jogando-se para cima de Zannah antes que ela pudesse erguer sua arma.
O peso dele a atingiu em cheio, jogando-a para trás enquanto Bane
esticava o pescoço para uma cabeçada. Zannah jogou a cabeça para trás no
momento certo, e o golpe com a testa que teria atingido seu rosto apenas
raspou em seu queixo.
Lutando para se manter de pé, Zannah voltou a erguer seu sabre, girando
o cabo para que as lâminas formassem uma parede defensiva que repeliu a
meia dúzia de golpes seguintes.
Durante seus anos como aprendiz de Bane, eles treinaram juntos centenas
de vezes. Durante essas sessões, ela sempre soubera que ele mantinha algo
reservado para o dia em que inevitavelmente lutariam para valer. Apenas
agora entendia o quanto ele se segurava.
Ele era mais rápido do que ela podia imaginar, e usava novas sequências
e movimentos pouco familiares que nunca havia revelado durante as
sessões de treinamento. Mas de alguma forma ela sobrevivera ao avanço
inicial, e agora sabia o que esperar.
A troca seguinte foi um pouco mais familiar. Bane a pressionou com uma
complexa e devastadora sequência de ataques, mas Zannah conseguiu
interceptar, desviar ou absorver cada um deles. Seu estilo de defesa era
simples, mas, aplicado corretamente, quase impenetrável.
Reconhecendo isso, Bane recuou e mudou de tática. Em vez de uma
pressão selvagem e implacável para sobrecarregá-la, começou um padrão
de fintas e golpes rápidos, sondando e incitando suas defesas em busca de
uma fraqueza enquanto os dois entravam em um longo combate de atrito.
Zannah já havia lutado contra ele antes, quando Bane ainda estava
envolvido pela armadura orbalisk. Ela se lembrava de como parecia estar
lutando contra uma força da natureza: os parasitas quitinosos que cobriam
seu corpo inteiro eram impenetráveis, permitindo que ele atacasse com pura
raiva animal. Ela sobrevivera àquele encontro apenas convencendo Bane de
que não o havia traído, e no final ele a deixara viver.
Seu estilo na época era brutal e simples, embora inegavelmente eficaz.
Agora, entretanto, sua técnica era mais avançada. Incapaz de simplesmente
avançar de maneira descuidada, ele desenvolveu um estilo imprevisível e
aparentemente aleatório. Toda vez que ela achava que ia antecipar o ataque
seguinte, ele mudava de tática, desfazendo o ritmo do combate e forçando
Zannah a ceder terreno.
Ela estava sendo conduzida em um lento recuo e percebeu que Bane a
empurrava na direção das naves, tentando prendê-la contra o casco, sem
possibilidade de fuga. Zannah estava satisfeita em manter aquele ritmo,
dando rápidos passos para trás sobre o terreno arenoso enquanto começava
a concentrar seu poder.
A chave era a sutileza. Ela não podia deixar Bane sentir o que estava
fazendo, ou ele se lançaria em outra sequência selvagem de ataques,
forçando Zannah a concentrar toda a sua energia em mantê-lo afastado.
Precisava passar a ilusão de que ele estava controlando a situação, quando
na verdade ela estava apenas a alguns segundos de liberar uma explosão de
feitiçaria sombria que destroçaria sua mente.
Bane circulou em ângulo aberto para atacar pelo flanco esquerdo. Zannah
simplesmente alterou o ângulo de seu recuo, dando vários passos para trás
para mantê-lo a uma distância segura enquanto desviava golpes e mais
golpes.
Com sua atenção dividida entre o inimigo à sua frente e o feitiço Sith que
estava se preparando para lançar, Zannah não notou o quanto estava perto
das covas recém-cavadas. Seu calcanhar ficou preso na terra irregular
enquanto recuava, tirando seu equilíbrio e fazendo-a cair desajeitadamente
de costas no chão.
Bane estava sobre ela no mesmo instante, o sabre de luz golpeando
ferozmente, suas pesadas botas chutando e pisando o corpo caído de
Zannah. Ela se debateu e se retorceu no chão, seu sabre desviando
desesperadamente a lâmina de Bane. Sentiu um estalo alto quando a ponta
da bota dele a acertou nas costelas, mas rolou com o impacto e conseguiu
ficar de pé novamente.
Sua visão encheu-se de estrelas, e uma dor percorria seu flanco esquerdo
a cada respiração enquanto tentava recuperar o fôlego. Bane não lhe deu
descanso, avançando sobre ela com um ataque frenético. Os segundos
seguintes foram uma mancha, enquanto Zannah contava puramente com os
instintos afiados durante vinte anos para defender a onda de golpes,
milagrosamente impedindo que ele acertasse um golpe letal.
Zannah se lançou em uma pirueta para trás, virando de cabeça para baixo
três vezes em rápida sucessão, apenas para colocar um pouco de espaço
entre ela e Bane. Antes da quarta pirueta, rapidamente parou e se abaixou,
usando o sabre de luz como uma lança para empalar seu oponente enquanto
ele avançava sobre ela… mas Bane não estava mais lá.
Antecipando o movimento, Bane havia parado a vários metros de
distância.
Cerrando os dentes contra a dor de sua costela quebrada, Zannah se
levantou. Bane não a matara, mas sua sobrevivência custara caro. Agora ela
estava cansada: a fuga desesperada após tropeçar na cova a deixara um
passo mais perto da exaustão física. Sentia a costela quebrada a cada
respiração, e sabia que, com o ferimento, seria mais difícil girar e virar, o
que limitaria a eficiência de suas manobras defensivas.
Não podia esperar mais. Sua ideia inicial era surpreender Bane,
lentamente concentrando sua força antes de libertá-la para que ele não
pudesse se defender devidamente. Mas Zannah sabia que não sobreviveria a
outro embate com os sabres de luz.
Abrindo-se para o poder do lado sombrio, Zannah expandiu sua
consciência e tocou a mente de seu Mestre.

Bane sentiu o ataque e se preparou.


Havia encorajado o treinamento de Zannah na feitiçaria Sith, sabendo
muito bem que ela poderia algum dia usá-la contra ele. Se, no final das
contas, não fosse forte o bastante para sobreviver, então não era digno de
ser o Lorde Sombrio dos Sith.
No entanto, isso não significava que não estava preparado. Feitiçaria do
lado sombrio era algo complexo – atacava a psique de maneiras que eram
difíceis de explicar, e ainda mais difíceis de defender. Bane não tinha
talento para isso, porém fizera seu melhor para estudar as técnicas. O que
descobriu foi que a única coisa que podia combatê-las era a força de
vontade da vítima.
O ataque de Zannah começou como uma dor aguda em seu crânio, como
uma faca quente golpeando diretamente seu cérebro antes de descer para
cortar os dois hemisférios pela metade. E então a faca explodiu, lançando
um milhão de pedaços flamejantes em todas as direções. Cada um deles
penetrou em seu subconsciente, buscando medos e pesadelos enterrados
apenas para libertá-los e trazê-los à superfície.
Bane soltou um grito e caiu de joelhos. Quando se levantou, o céu estava
coberto por um enxame de horrores voadores. Suas asas eram esburacadas e
puídas, como retalhos de pele pendurados em osso exposto. Seus corpos
eram pequenos e malformados, e suas pernas retorcidas terminavam em
longas garras afiadas. A carne tinha um tom amarelado enjoativo: a mesma
cor dos rostos dos mineiros que haviam morrido em Apatros após ficarem
presos em uma câmara cheia de gás.
Suas feições eram inumanas, mas seus olhos flamejantes eram
inconfundíveis: cada criatura o encarava com o olhar cheio de ódio de seu
pai abusivo. Como se fossem um, lançaram-se sobre Bane, suas bocas
gritando um som que parecia o nome de seu pai: Hurst, Hurst, Hurst!
Golpeando desesperadamente com o sabre de luz a manada demoníaca,
Bane se abaixou no chão, usando a mão livre para cobrir o rosto e afastar as
garras que tentavam arrancar seus olhos. Quando o enxame o envolveu, ele
vislumbrou Zannah de pé a alguns metros, seu rosto congelado em uma
máscara de intensa concentração.
Bane sabia que era um truque – as feras não eram reais. Eram apenas
invenções de sua imaginação nascidas de memórias reprimidas da infância,
seus maiores medos manifestados em forma física. Mas ele superara esses
medos havia muito tempo. Transformara o medo de seu pai abusivo em
raiva e ódio – as ferramentas que lhe deram força para aguentar e
eventualmente escapar de sua vida em Apatros.
Sabia como derrotar esses demônios, e então contra-atacou. Soltando um
grito primal, canalizou seu terror em pura raiva e atacou com o lado
sombrio. O ataque rasgou sobre o enxame em uma explosão de luz violeta,
dizimando-o completamente.

Zannah observou quando Bane se encolheu no chão, seu sabre de luz


golpeando desesperadamente os fantasmas invisíveis, mas ela não deixou
sua concentração falhar. A mente de Bane era forte – se ela baixasse a
guarda, mesmo por um instante, ele poderia se libertar do feitiço.
Por um segundo ela pensou que havia vencido quando Bane soltou um
grito, mas a explosão de energia que se seguiu a jogou cambaleando para
trás.
Retomando o equilíbrio, viu que Bane estava de pé outra vez, e então
soube que ele havia resistido ao feitiço. Mas ela ainda tinha mais uma
surpresa para seu Mestre.
De novo, Zannah se abriu para o lado sombrio. Dessa vez, no entanto,
não atacou Bane diretamente. Em vez disso, deixou que o lado sombrio
fluísse através de si, retirando o poder do solo e das pedras do próprio
planeta. Ela atraiu o poder enterrado havia séculos, convocando-o para a
superfície em tênues filamentos de fumaça negra serpenteando e emergindo
da areia.
Os finos filamentos rastejavam pelo chão, procurando uns aos outros,
entrelaçando-se em tentáculos contorcidos de vários metros de
comprimento.
Então, em resposta à ordem silenciosa de Zannah, os tentáculos se
ergueram e atacaram seu inimigo.
Bane viu a estranha névoa negra se arrastando pela terra e soube que não
era uma ilusão. De algum jeito, Zannah dera substância e corpo ao lado
sombrio, transformando-o em meia dúzia de lacaios que se erguiam do chão
como serpentes.
Repentinamente, os tentáculos se lançaram contra ele. Bane tentou usar o
sabre de luz para cortar ao meio o tentáculo mais próximo, mas a lâmina
simplesmente passou através da névoa negra sem nenhum efeito. Lançou-se
de lado, mas a ponta do tentáculo ainda raspou seu ombro esquerdo.
O material de suas roupas derreteu como se tocado por ácido. Um pedaço
da carne simplesmente dissolveu, e Bane gritou em agonia.
No passado, orbalisks haviam se fundido a seu corpo com uma
substância química abrasiva tão intensa que quase o levara à loucura. Dez
anos atrás, eles foram removidos quando a carne de Bane fora literalmente
cozida por uma explosão concentrada de seu próprio relâmpago violeta.
Durante seu interrogatório, Serra injetara altas doses de uma droga que
parecia devorá-lo por dentro. Mas a dor excruciante que sentiu ao mero
toque do tentáculo do lado sombrio era diferente de qualquer coisa que já
tivesse experimentado.
O estrago estava longe de ser mortal, mas quase fez Bane entrar em
choque. Ele caiu no chão violentamente, seu queixo travado com força e os
olhos rolando para trás. Sua mente ficou sobrecarregada com o breve
contato. A dor irradiava através de cada nervo em seu corpo, mas o que ele
sentia ultrapassava qualquer sensação meramente física. Não era o calor
bruto do lado sombrio, mas o frio do próprio vazio se espalhando por ele.
Tocava cada sinapse de sua mente, agarrava o núcleo de seu espírito. A
distância, ele sentia a completa aniquilação e o verdadeiro horror do vazio
absoluto.
De algum jeito ele conseguiu se manter consciente e, quando o tentáculo
seguinte se projetou, conseguiu se levantar e rolar para longe.
Seu ombro ferido ainda latejava, mas o vazio escuro que ameaçava
envolvê-lo havia se dissipado, permitindo-lhe que ignorasse a dor.
Os tentáculos estavam se preparando para outro ataque, movendo-se mais
rápido enquanto Zannah os alimentava com um fluxo constante de poder.
Bane disparou relâmpagos dos dedos, mas, quando os raios atingiram as
formas sinuosas e negras, foram absorvidos sem nenhum efeito aparente.
Os tentáculos eram feitos de pura energia sombria, e não havia como
danificá-los.
Isso deixava a Bane apenas uma opção – matar Zannah antes que os
tentáculos o matassem.
Disparou outro relâmpago na direção de sua aprendiz. Ela apanhou os
raios com seu sabre de luz, tornando-os inofensivos. Mas sua reação foi
uma fração de segundo mais lenta do que o normal, e Bane soube que era
mais do que a costela fraturada. O esforço para manter os tentáculos
animados estava levando sua capacidade de usar a Força ao limite,
deixando-a vulnerável.
Com o sabre de luz na mão, Bane avançou sobre ela. Os tentáculos
voaram para interceptá-lo, mas Bane se abaixou, saltou e desviou,
movendo-se abaixo, acima e ao redor deles enquanto se lançava contra
Zannah.
Ela ergueu o sabre de luz para se defender de seu ataque, mas, sem o
poder total da Força, seus movimentos eram desajeitados. Ela defendeu o
golpe, mas não reagiu rápido o bastante quando Bane se abaixou e lhe deu
uma rasteira. Quando ela caiu, ele girou o cabo do sabre de luz para que a
lâmina tocasse uma das lâminas dela, arrancando o cabo de suas mãos e
lançando a arma para o outro lado do acampamento.
Com sua inimiga desarmada e indefesa a seus pés, Bane desceu o braço
para o golpe final, apenas para ser interceptado no ar por um dos tentáculos
de energia sombria. A criatura se envolveu ao redor de seu cotovelo. Pele,
músculo, tendão e osso dissolveram instantaneamente, arrancando o
membro.
Seu antebraço decepado caiu inofensivo no chão, o sabre de luz
desativando-se quando o cabo deslizou de seus dedos inertes. O Lorde
Sombrio não gritou dessa vez – a dor foi tão intensa que o deixou mudo ao
cair no chão.
Tudo escureceu. Cego e sozinho, sentiu o vazio se aproximando. Em
desespero, ergueu a mão esquerda, agarrando o pulso de Zannah, que estava
caída ao seu lado. Em seu último ato, ele concentrou tudo o que restava de
seu poder e invocou o ritual da transferência de essência.
Trabalhando na velocidade do pensamento, sua mente tocou as
correntezas da Força, agarrando o poder do lado sombrio, girando,
moldando e retorcendo-se nos intricados padrões que arrancara do holocron
de Andeddu.
A fria escuridão que o engolia desapareceu, substituída por uma intensa
explosão de luz vermelha quando o poder do ritual foi liberado. Bane estava
consciente de sua carne sendo completamente consumida pelo calor
inimaginável, reduzida a cinzas em um milésimo de segundo. Mas ele já
não era mais parte de seu próprio corpo. Seu espírito o havia descartado
como uma casca velha em favor de uma nova.
De súbito, Bane estava totalmente ciente de seus arredores. Podia
enxergar com os olhos de Zannah, podia ouvir com seus ouvidos. Podia
sentir o calor intenso do brilho vermelho do ritual através da pele de
Zannah. Mas ela também ainda estava lá. Ela sentia seu ataque – ele podia
sentir o terror e a confusão dela como se fossem seus. E quando ela gritou
de horror, ele gritou junto.
Os tentáculos negros se desfizeram quando a concentração de Zannah foi
interrompida, desaparecendo como fumaça ao vento. Instintivamente, ela
lutou para repelir o invasor. Bane podia senti-la empurrando-o para fora,
rejeitando-o, tentando expulsá-lo enquanto ele tentava implacavelmente
forçar a invasão e extinguir sua existência.
Aquilo se transformou em uma batalha de vontades, as duas identidades
presas dentro da mente de Zannah, lutando pela posse de seu corpo. Eles
pisavam diante do precipício do vazio eterno, Bane buscando destruir todos
os traços da identidade de Zannah, enquanto ela tentava expulsá-lo para
dentro da escuridão.
Por um momento, parecia que suas forças se equilibravam, nenhum deles
ganhando ou perdendo terreno. E então tudo terminou de repente.
Capítulo 27

DE UMA DISTÂNCIA SEGURA, a Iktotchi observava as duas figuras de seus


sonhos lutando. Ela era uma observadora imparcial, sem nenhuma
preferência sobre quem deveria sair vitorioso. Queria servir apenas quem
provasse ser o mais forte.
O conflito foi breve, mas intenso: ela se maravilhou com a velocidade de
suas lâminas, seus movimentos tão rápidos que mal conseguia acompanhar.
Sentiu o incrível poder da Força sendo libertado em relâmpagos e em
sinistros tentáculos que se erguiam do chão. Tremeu de expectativa ao saber
que ela também um dia poderia aprender a dominar um poder assim.
Viu Bane derrubar a mulher no chão e jogar sua arma para longe, apenas
para ter seu braço arrancado pelo toque de um dos tentáculos negros. E
então houve uma explosão tão brilhante que ela foi forçada a fechar os
olhos e desviar o rosto.
Quando voltou a olhar para Bane, seu corpo estava reduzido a uma pilha
de cinzas. A mulher loira ainda estava caída no chão, confusa, mas viva. Os
tentáculos mortais haviam desaparecido.
Cautelosamente, ela se aproximou da cena. O braço decepado de Bane
estava caído no chão, mas o resto de seu corpo fora consumido pela
explosão vermelha. Um instante antes de desviar os olhos, entretanto, a
Iktotchi sentira algo.
Mesmo a distância, sentira uma incrível explosão de poder – o mesmo
poder que sentira no próprio Bane. Não sabia como isso era possível, mas
parecia quase como se a energia vital do Lorde Sombrio tivesse se libertado
de sua forma física em um glorioso instante, ganhando o mundo material.
Então, tão de repente quanto havia sentido sua presença, tudo se foi,
desaparecendo como um animal escondendo-se na toca.
Por mais insano que parecesse, ela podia imaginar apenas um lugar para
onde ele poderia ter ido.
A mulher no chão se mexeu, e seus olhos se abriram enquanto ela
lentamente se levantava. Moveu-se de maneira desajeitada e não conseguiu
ficar em pé direito, como se não estivesse familiarizada com o
funcionamento de seus próprios membros e músculos… embora isso
pudesse ser apenas reflexo da exaustão do combate.
Ela balançou sua cabeça loira de um lado a outro, e o movimento pareceu
restaurar algum senso de equilíbrio. Endireitando-se de pé, virou-se e fixou
sobre a Iktotchi um olhar gélido.
Sabendo o quão insanas suas palavras soariam, Cognus hesitou antes de
perguntar:
– Lorde Bane?
– Bane se foi – a mulher respondeu, sua voz confiante e forte. – Eu sou
Darth Zannah, Lorde Sombria dos Sith e sua nova Mestra.
A Iktotchi se ajoelhou, dobrando as mãos em súplica e baixando a
cabeça.
– Perdoe-me, Mestra.
– Qual é o seu nome? – Zannah exigiu saber.
– Eu sou… Darth Cognus. – Quase respondeu a Caçadora, mas
conseguiu apanhar seu erro a tempo. – Bane me fez tomar esse nome para
simbolizar minha nova vida como aprendiz Sith.
– Então o seu treinamento já começou – Zannah respondeu. – Ele
explicou a Regra de Dois que guia nossa Ordem?
– Começou a explicar. Mas não houve tempo para nenhuma lição real
antes de você chegar – ela admitiu.
– Eu lhe ensinarei a Regra de Dois e os caminhos dos Sith. Com o tempo,
eu lhe ensinarei tudo. Erga-se, Cognus – ela acrescentou, e a Iktotchi
obedeceu.
Zannah se virou e seguiu para apanhar seu sabre de luz do chão.
– Eventualmente você construirá o seu próprio sabre de luz – Zannah
disse, sem se virar. – Por enquanto, pegue o sabre de Darth Bane.
Cognus apanhou o cabo curvado do sabre de luz de Bane do chão, sem se
abalar com o horrível membro decepado caído a poucos centímetros.
– Bane reinventou os Sith – Zannah explicou, de costas para sua nova
aprendiz enquanto olhava a enorme e vazia extensão do deserto de Ambria.
– Nós somos seu legado, e, embora ele não esteja mais aqui, seu legado
sobreviverá. Agora eu sou a Mestra, e você é minha sucessora. Um dia me
confrontará da mesma maneira como confrontei Bane, e apenas uma de nós
sobreviverá. Esse é o caminho de nossa Ordem. Um indivíduo pode morrer,
mas os Sith são eternos.
– Sim, Mestra – Cognus respondeu.
Ela não pôde deixar de notar que, enquanto falava, Zannah
continuamente abria e fechava os dedos da mão esquerda.
EPÍLOGO

SET HARTH ERA ESPERTO DEMAIS para voltar para sua mansão em Nal Hutta.
Se Zannah tivesse sobrevivido à destruição da Prisão de Pedra, seria apenas
questão de tempo até ir até lá procurando por ele, e Set não tinha desejo
algum de encontrá-la de novo.
Por sorte, construíra sua vida sob o princípio de que poderia ter de fugir a
qualquer momento. Tinha outras mansões em outros mundos, desde Nar
Shaddaa a até mesmo Coruscant, e ao menos uma dúzia de identidades
falsas que poderia assumir se não quisesse ser encontrado. Mas não estava
preocupado com Zannah, não quando tinha algo muito mais interessante
diante de si.
Estava sentado de pernas cruzadas no chão da nave que roubara na Prisão
de Pedra, com o holocron de Andeddu sobre uma pequena mesa alguns
metros à frente. Toda a sua atenção estava focada na pequena figura
holográfica projetada do topo da pirâmide negra.
– Levará anos para você aprender as lições que preciso lhe ensinar – o
porteiro o alertou, suas feições esqueléticas sombrias e sérias. – Você deve
provar que é digno antes que eu lhe revele o ritual da transferência de
essência.
– É claro, Mestre – Set disse, assentindo ansiosamente. – Eu entendo.
Ele havia se irritado sob a tutela de Mestre Obba e dos Jedi. Teve sérias
reservas quanto a servir como aprendiz de Zannah. Mas Set estava mais do
que disposto a fazer qualquer coisa que o porteiro pedisse.
Primeiro, sabia que precisava responder ao porteiro apenas quando o
holocron estivesse ativado. Diferente de como seria com um Mestre vivo,
era Set quem decidiria onde e quando começaria cada lição.
Mais importante, entretanto, o holocron oferecia algo que ele realmente
queria. Zannah tentara atiçá-lo com promessas de poder e a chance de
destruir os Jedi e dominar a galáxia. Mas Set já tinha poder mais do que
suficiente para obter aquilo que precisava da vida.
Além disso, você é charmoso, esperto e bonito. O que mais alguém
poderia querer?
A última coisa que queria era dominar a galáxia. Deixe que os Jedi e os
Sith travem sua guerra interminável. O resultado não fazia diferença para
ele. Set era um sobrevivente – tudo o que queria era viver uma vida longa e
próspera. E, se descobrisse os segredos da transferência da essência, sua
vida seria, de fato, muito longa.
É claro, teria de ter cuidado. Nunca chamar atenção demais para si
mesmo. Tentar não cruzar o caminho dos Jedi ou de pessoas poderosas
como Zannah.
Sem problema. Basicamente, apenas fazer o que você já está fazendo.
Isso e defender o holocron como se sua vida – sua longa, longa vida –
dependesse disso.
– Está pronto para começar sua primeira lição? – o porteiro perguntou.
– Você não tem ideia, Mestre – Set respondeu com um sorriso irônico. –
Você absolutamente não tem ideia.
AGRADECIMENTOS

EU GOSTARIA DE AGRADECER Shelly Shapiro por todos os comentários sobre


os primeiros rascunhos. Este não foi um romance fácil de escrever, mas ela
me ajudou a criar um final digno para a trilogia.
Também gostaria de agradecer a todos os fãs que seguiram Des em sua
jornada desde um simples mineiro até se tornar o Lorde Sombrio dos Sith.
Aceitem o lado sombrio.
STAR WARS / DARTH BANE - DINASTIA DO MAL
TÍTULO ORIGINAL: Star Wars / Darth Bane - Dynasty of Evil
COPIDESQUE: Isabela Talarico
REVISÃO: Jonathan Busato | Juliana Gregolin
DIAGRAMAÇÃO: Aline Maria | Tradutores dos Whills
ARTE E ADAPTAÇÃO: Valdinei Gomes | Tradutores dos Whills
ILUSTRAÇÃO: Tradutores dos Whills
GERENTE EDITORIAL: Marcia Batista
DIREÇÃO EDITORIAL: Luis Matos
ASSISTENTES EDITORIAIS: Letícia Nakamura | Raquel F. Abranches

COPYRIGHT © & TM 2009 LUCASFILM LTD.


COPYRIGHT © EDITORA UNIVERSO DOS LIVROS, 2019
(EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA O BRASIL)
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
PROIBIDA A REPRODUÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, ATRAVÉS DE QUAISQUER MEIOS.

DARTH BANE - REGRA DE DOIS É UM LIVRO DE FICÇÃO. TODOS OS PERSONAGENS, LUGARES E ACONTECIMENTOS SÃO FICCIONAIS.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


Felipe CF Vieira CRB-8/7057

K28s Karpyshyn, Drew


DARTH BANE - DYNASTY OF EVIL [recurso eletrônico] / Drew Karpyshyn ; traduzido por Felipe CF Vieira. - São Paulo :
Universo dos Livros, 2019-0 (Trilogia Darth Bane ; 3)
320 p. : 2.0 MB.
Tradução de: Darth Bane - Dynasty of Evil
ISBN: 978-85-503-0349-9 (Ebook)
1. Literatura norte-americana. 2. Ficção científica. I.Vieira, Felipe CF. II. Título.
2019.1097

ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:


Literatura : Ficção Norte-Americana 813.0876
Literatura norte-americana : Ficção 821.111(73)-3
Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj. 603/606
CEP 01136-001 – Barra Funda – São Paulo/SP
Tel.: [55 11] 3392-3336
www.universodoslivros.com.br
e-mail:editor@universodoslivros.com.br
STAR WARS – GUARDIÕES DOS WHILLS
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240 páginas

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No mundo do deserto de Jedha, na Cidade Santa, os amigos Baze e Chirrut


costumavam ser Guardiões das colinas, que cuidavam do Templo de Kyber
e dos devotos peregrinos que adoravam lá. Então o Império veio e assumiu
o planeta. O templo foi destruído e as pessoas espalhadas. Agora, Baze e
Chirrut fazem o que podem para resistir ao Império e proteger as pessoas de
Jedha, mas nunca parece ser suficiente. Então um homem chamado Saw
Gerrera chega, com uma milícia de seus próprios e grandes planos para
derrubar o Império. Parece ser a maneira perfeita para Baze e Chirrut fazer
uma diferença real e ajudar as pessoas de Jedha a viver melhores vidas. Mas
isso vai custar caro?

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Um livro de imagens ilustrado que reconta o filme Star Wars: Os Últimos


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Um Wookiee é o melhor amigo de uma menina! Quando Chewbacca
conhece a jovem Zarro na Orla Exterior, ele não tem escolha a não ser
deixar de lado sua própria missão para ajudá-la a resgatar seu pai de uma
mina perigosa. Essa incrível Aventura foi baseada na HQ do Chewbacca…
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Esse é o Terceiro Ebook dos Tradutores dos Whills com uma aventura
emocionante sobre uma heroína corajosa das Séries de TV Clone Wars e
Rebels: Ahsoka Tano! Os fãs há muito tempo se perguntam o que aconteceu
com Ahsoka depois que ela deixou a Ordem Jedi perto do fim das Guerras
Clônicas, e antes dela reaparecer como a misteriosa operadora rebelde
Fulcro em Rebels. Finalmente, sua história começará a ser contada.
Seguindo suas experiências com os Jedi e a devastação da Ordem 66,
Ahsoka não tem certeza de que possa fazer parte de um todo maior de novo.
Mas seu desejo de combater os males do Império e proteger aqueles que
precisam disso e levará a Bail Organa e a Aliança Rebelde….
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Star Wars Kenobi Exílio
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A República foi destruída, e agora a galáxia é governada pelos terríveis
Sith. Obi-Wan Kenobi, o grande cavaleiro Jedi, perdeu tudo… menos a
esperança. Após os terríveis acontecimentos que deram fim à República,
coube ao grande mestre Jedi Obi-Wan Kenobi manter a sanidade na missão
de proteger aquele que pode ser a última esperança da resistência ao
Império. Vivendo entre fazendeiros no remoto e desértico planeta Tatooine,
nos confins da galáxia, o que Obi-Wan mais deseja é manter-se no completo
anonimato e, para isso, evita o contato com os moradores locais. No
entanto, todos esses esforços podem ser em vão quando o “Velho Ben”,
como o cavaleiro passa a ser conhecido, se vê envolvido na luta pela
sobrevivência dos habitantes por uma Grande Seca e por causa de um chefe
do crime e do povo da areia. Se com o Novo Cânone pudéssemos encontrar
todos os materiais disponíveis aos anos de Exílio de Obi-Wan Kenobi em
um só Lugar? Após o Livro Kenobi se tornar Legend, os fãs ficaram sem
saber o que aconteceu com o Velho Ben nesse tempo de reclusão. Então os
Tradutores dos Whills também se fizeram essa pergunta e resolveram fazer
esse trabalho de compilação dos Contos, Ebooks, Séries Animadas e HQs,
em um só Ebook Especial e Canônico para todos os Fãs!!
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Esse é o Quarto Ebook dos Tradutores dos Whills com uma aventura
emocionante sobre um Vilão dos Filmes e da Série de TV Clone Wars:
Conde Dookan! Mergulhe na história do sinistro Conde Dookan no
roteiro original da emocionante produção de áudio de Star
Wars! Darth Tyranus. Conde de Serenno. Líder dos separatistas.
Um sabre vermelho, desembainhado no escuro. Mas quem era ele
antes de se tornar a mão direita dos Sith? Quando Dookan corteja
uma nova aprendiz, a verdade oculta do passado do Lorde Sith
começa a aparecer. A vida de Dookan começou como um
privilégio, nascido dentro das muralhas pedregosas da propriedade
de sua família. Mas logo, suas habilidades Jedi são reconhecidas, e
ele é levado de sua casa para ser treinado nos caminhos da Força
pelo lendário Mestre Yoda. Enquanto ele afia seu poder, Dookan
sobe na hierarquia, fazendo amizade com Jedi Sifo-Dyas e levando
um Padawan, o promissor Qui-Gon Jinn, e tenta esquecer a vida
que ele levou uma vez. Mas ele se vê atraído por um estranho
fascínio pela mestra Jedi Lene Kostana, e pela missão que ela
empreende para a Ordem: encontrar e estudar relíquias antigas dos
Sith, em preparação para o eventual retorno dos inimigos mais
mortais que os Jedi já enfrentaram. Preso entre o mundo dos Jedi,
as responsabilidades antigas de sua casa perdida e o poder sedutor
das relíquias, Dookan luta para permanecer na luz, mesmo
quando começa a cair na escuridão.
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Star Wars - Discípulo Sombrio
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Baseado em episódios não produzidos de Star Wars: The Clone Wars, este
novo romance apresenta Asajj Ventress, ex-aprendiz de Sith que se tornou
um caçador de recompensas e um dos grandes anti-heróis da galáxia de
Star Wars .
A única maneira de derrubar o guerreiro Sith mais perigoso será unir forças
com o lado sombrio.
Na guerra pelo controle da galáxia entre os exércitos do lado negro e da
República, o ex-Mestre Jedi se tornou cruel. O Lorde Sith Conde Dookan se
tornou cada vez mais brutal em suas táticas. Apesar dos poderes dos Jedi e
das proezas militares de seu exército de clones, o grande número de mortes
está cobrando um preço terrível. E quando Dookan ordena o massacre de
uma flotilha de refugiados indefesos, o Conselho Jedi sente que não tem
escolha a não ser tomar medidas drásticas: atacar o homem responsável por
tantas atrocidades de guerra, o próprio Conde Dookan.
Mas o Dookan sempre evasivo é uma presa perigosa para o caçador mais
hábil. Portanto, o Conselho toma a decisão ousada de trazer tanto os lados
do poder da Força de suportar – juntar o ousado Cavaleiro Quinlan Vos com
a infame acólita Sith Asajj Ventress. Embora a desconfiança dos Jedi pela
astuta assassina que uma vez serviu ao lado de Dookan ainda seja profunda,
o ódio de Ventress por seu antigo mestre é mais profundo. Ela está mais do
que disposta a emprestar seus copiosos talentos como caçadora de
recompensas – e assassina – na busca de Vos.
Juntos, Ventress e Vos são as melhores esperanças para eliminar a Dookan –
desde que os sentimentos emergentes entre eles não comprometam a sua
missão. Mas Ventress está determinada a ter sua vingança e, finalmente,
deixar de lado seu passado sombrio de Sith. Equilibrando as emoções
complicadas que sente por Vos com a fúria de seu espírito guerreiro, ela
resolve reivindicar a vitória em todas as frentes – uma promessa que será
impiedosamente testada por seu inimigo mortal… e sua própria dúvida.
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