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FÓRUM: Ciência e Sociedade
Neurociência e o nível correto de explicação para
compreender a mente
Um extraterrestre percorre alguns laboratórios de neurociência e conclui
que os terráqueos não estão entendendo a melhor forma de compreender
a interface mente-cérebro
Michael S. Gazzaniga
The Sage Center for the Study of Mind, Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, CA 93106, EUA
Um extraterrestre pousa na Terra e, naturalmente, quer saber o que
motiva os humanos. O ET questiona-se se os humanos poderão
conhecer-se a si próprios, por isso ele (isso?) visita laboratórios – os
melhores laboratórios de neurociências.
Lá, o ET vê pessoas enfiando eletrodos em neurônios únicos em
cérebros de bilhões de neurônios, na esperança de que possam
decodificar como os pensamentos e emoções são realizados.
Ele observa outras pessoas medindo como o sangue circula aqui e ali
no cérebro de pessoas que jogam jogos de computador em grandes
ímãs barulhentos. Outros ainda estão analisando como a expressão de
milhares de genes pode fornecer pistas sobre quais estruturas estão
envolvidas em comportamentos específicos. ET está totalmente perplexo.
Os seres humanos parecem fascinados pela medição das partes
subjacentes, mas não percebem que perderam o enredo – a compreensão
da mente.
Felizmente, ET descobre que um filósofo terráqueo, John
Stuart Mill, pensou sobre este problema há 150 anos [1]:
Todos os corpos organizados são compostos de partes
semelhantes às que compõem a natureza inorgânica, e que até
existiram num estado inorgânico; mas os fenômenos da vida, que
resultam da justaposição dessas partes de uma certa maneira,
não têm nenhuma analogia com nenhum dos efeitos que seriam
produzidos pela ação das substâncias componentes consideradas
como meros agentes físicos. Qualquer que seja o grau em que
possamos imaginar que o nosso conhecimento das propriedades
dos vários ingredientes de um corpo vivo seja ampliado e
aperfeiçoado, é certo que nenhuma mera soma das ações
separadas desses elementos jamais equivalerá à ação do corpo
vivo. em si.
Mais tarde, alguns filósofos britânicos rotularam esta e outras ideias
relacionadas de “emergência”. CD Broad finalmente formulou o que
equivale a uma “lei emergente” e nos diz que “seria uma afirmação do
fato irredutível de que um agregado composto de agregados da ordem
imediatamente inferior em tais e tais proporções e arranjos tem tal e tal
característica”. e propriedades não dedutíveis.' [2].
Infelizmente, o ET descobriu que os neurocientistas não gostam
desse tipo de pensamento. Eles se apegam à ideia de que uma
compreensão das partes elementares do sistema nervoso explicará
como o cérebro faz a sua magia para produzir os estados psicológicos
que todos desfrutamos. Deixando de lado essa ideia
Autor correspondente: Gazzaniga, MS (m.gazzaniga@psych.ucsb.edu).
1364-6613/$ – ver capa 2010 Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados. doi:10.1016/j.tics.2010.04.005 Tendências em Ciências Cognitivas 14 (2010) 291–292
parece ser perigoso para a maioria deles, que temem que algum tipo de
fantasma entre no cérebro.
Este medo pareceu estranho aos ET, porque outros cientistas que
trabalham noutras questões complexas não têm problemas com a ideia
de emergência. Físicos, químicos e biólogos sabem disso. No contexto
da física, por exemplo, Philip Anderson observa: “A capacidade de
reduzir tudo a simples leis fundamentais não implica a capacidade de
partir dessas leis e reconstruir o universo. Na verdade, quanto mais os
físicos das partículas elementares nos contam sobre a natureza das leis
fundamentais, menos relevância elas parecem ter para os problemas
muito reais do resto da ciência, e muito menos para os da sociedade.' [3,
pág. 393]
Então, como o cérebro faz isso? Compreender como cada neurônio
funciona ainda não nos diz absolutamente nada sobre como o cérebro
fabrica um estado mental. Claro, todos eles conduzem impulsos elétricos
e secretam neurotransmissores a serviço da comunicação. Mas como
isso produz pensamentos e sentimentos? E como esse sistema pode
continuar funcionando depois que os neurônios em interação são
interrompidos por lesões estruturais ou metabólicas? Tal como uma
social-democracia continua a funcionar quando os indivíduos que a
compõem são eliminados, o mesmo acontece com esta rede biológica.
É como se a função emergente guiasse a física subjacente.
‘Este é um problema familiar’, pensou ET. O truque para qualquer
nível de análise é encontrar as variáveis efetivas que contenham todas
as informações abaixo que são necessárias para gerar todo o
comportamento de interesse acima. ET sabia que isso é tanto uma arte
quanto uma ciência.
No entanto, existem formas explícitas de pensar sobre a emergência
e como ela restringe as unidades que a geram. A ideia geral foi discutida
por David Krakauer e colegas [4]. Em resumo, a ideia é que a causalidade
de baixo para cima, passando de um nível microscópico, como átomos
ou células, para um nível macroscópico, como pensamentos e
sentimentos, pode quase parecer incompreensível. Da mesma forma,
causalidade de cima para baixo refere-se a quando estados
macroscópicos, como sentir “piedade”, impactam o nível microscópico.
Este tipo de realidade – o nível macroscópico impactando o nível
microscópico – está ao nosso redor. No uso diário de computadores para
processamento de texto ou análise de planilhas, usamos um nível
macroscópico de programação que, por sua vez, controla a
microestrutura do computador. O fenômeno emergente está controlando
os elementos que geraram
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e construí! O mesmo se aplica ao cérebro. Só temos acesso às nossas
propriedades emergentes, como a raiva, a perspectiva e a infinidade de
outras variáveis mentais, e não aos microelementos que as produziram.
Temos que trabalhar no nível macro do fenômeno emergente. Não
estamos de forma alguma separados da máquina, mas só somos
capazes de nos compreender no nível macro.
Tudo isso fez o ET hesitar. Por um lado, Krakauer e colegas captam
os factos do mundo físico e da causalidade, enquanto, por outro lado,
reconhecem a emergência. Na verdade, sem estes níveis emergentes
mais elevados, não haveria possibilidade de comunicação, porque cada
partícula que desejamos mover numa expressão teria de ser conhecida,
em vez de deixar o compilador mental fazer o trabalho.
ET se perguntou por que os neurocientistas eram tão inflexíveis
quanto à sua visão sobre a natureza de sua existência. Eles
permaneceram construcionistas, sustentando que ao compreender as
partes compreenderão o todo. Eles gastaram bilhões tentando
compreender organismos simples como vermes, moscas e lagostas.
Eles estão até buscando ajuda de engenheiros elétricos, que podem
nos dizer como funciona um dispositivo se visualizarem o diagrama.
Eles não podem nos informar, é claro, sobre o conteúdo da informação
que está sendo processada, mas podem nos informar sobre o
funcionamento do dispositivo.
Inteligentemente, cientistas engenhosos estão desenhando mapas
de sistemas simples e estudando todas as partes. Ninguém faz isso
melhor ou com mais consciência do que Eve Marder quando examina a
motilidade intestinal da lagosta. Ela elaborou cada neurônio e sinapse e Eles evoluíram apenas parcialmente. Passarão eras antes que eles nos
modela a dinâmica da sinapse no nível dos efeitos dos neurotransmissores. encontrem. Também pode levar séculos até que eles se entendam.
Seu laboratório realizou um cálculo de força bruta de todas as
combinações possíveis de parâmetros neste modelo, que revelou que
milhões de combinações são possíveis [5]. A modelagem de todas as
combinações revelou que aproximadamente 1–2% poderia levar a uma
dinâmica apropriada que criaria um padrão de motilidade observado na
natureza. Ainda são 100.000–200.000 afinações! E é isso que se
observa nas gravações. Assim, existe uma enorme diversidade de
estados funcionais a nível local que conduzem a um fenótipo
comportamental comum, e isto ocorre numa lagosta. Como diabos os
neurocientistas descobrirão isso em humanos?
ET sorri. Parece tão difícil, intrigante e impenetrável, mas ele sabe
que os problemas serão resolvidos.
Para alguns que pensaram muito sobre o assunto, o enigma permanece.
O filósofo Jaegwon Kim [6] se esforçou para descobrir como extraímos
a mente com todos os seus qualia do cérebro e conclui que os
mecanismos cerebrais nos levam quase todo o caminho, mas não
conseguem explicar as sensações na mente.
'É aí que o problema vai residir?' ET se perguntou. Sim, existe
emergência, mas assim como existem leis newtonianas que refletem as
leis quânticas subjacentes, também deveria haver
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Tendências em Ciências Cognitivas Vol.14 No.7
haver leis da mente que reflitam os princípios neuronais subjacentes.
Sebastian Seung, um neurocientista computacional, discute
detalhadamente as diferenças entre a psicologia popular e o que ele
chama de psicologia atômica. Como ele relata em seu próximo livro
(Brain Forest: Taming the Mind's Jungle, http://hebb.mit.edu/seung/
brainforest.html), coloque um biscoito na frente de um menino faminto e
a psicologia popular – a psicologia da vida cotidiana – preverá com
quase 100% de precisão o que acontecerá a seguir. Para que a
psicologia atómica – a ciência molecular da mente – pudesse fazer
uma previsão, teria de conhecer todas as condições iniciais de cada
átomo no cérebro do jovem e possuir um dispositivo computacional de
enorme magnitude para fazer uma previsão perfeita. Esse é um objetivo
absurdo.
‘Parece haver uma mudança no ar’, pensou ET. Os principais
neurocientistas estão começando a aceitar a emergência.
Por exemplo, William T. Newsome acredita na emergência e, em última
análise, na ideia de causalidade descendente. Ele não acredita que a
abordagem do eletrodo único funcione e, em vez disso, acredita que a
causalidade descendente assume a forma de um estado superior do
sistema nervoso que governa a ação de unidades individuais e circuitos
menores dentro do cérebro [7] .
A nave espacial do ET estava esperando por ele. Ao embarcar na
nave, ele pensou que o relatório para a base seria fácil.
'Os terráqueos estão presos em um atoleiro. Eles não percebem que os
cérebros são dispositivos de tomada de decisão e devem ser
compreendidos nesses termos – nesse nível de descrição, e não inferior.
Agradecimentos Muitos
amigos comentaram este esforço, incluindo David Premack, Scott Grafton,
Walter Sinnott-Armstrong, Sebastian Seung, Steven Hillyard, Leo Chalupa e
Marc Raichle. Este trabalho foi financiado pelas seguintes bolsas: USPHS-
NIMH/R25 MH057541; DOD W911NF-09-D-0001; e Fundação MacArthur/
07-89249-000-HCD.
Referências
1 Mill, JS (1872). Um Sistema de Lógica (Livro III, Cap. 6, Seção 1, 8ª ed.),
Longmans, Verde, Leitor e Tintureiro
2 Broad, CD (1925) A mente e seu lugar na natureza, Routledge e
Kegan Paul, pág.
78 3 Anderson, PW (1972) Mais é diferente. Science 177, 393–396
4 Krakauer, DC e de Zanotto, AP (2009) Individualidade viral e limitações do
conceito de vida. Em Protocells: Bridging Non-living and Living Matter
(Rasmussen, S. et al., eds), pp. 513–536, MIT Press 5 Marder, E. et
al. (2009) Neuromodulação confiável de circuitos com estrutura subjacente
variável. Processo. Nacional. Acad. Ciência. 106, 11742–11746 6 Kim, J.
(2005) Fisicalismo, ou algo próximo o suficiente, Princeton University Press
7 Newsome, WT
(2009) Liberdade humana e ''Emergência''. Em Downward Causation and
the Neurobiology of Free Will (Murphy, M. et al., eds), pp.
53–62, Springer