Você está na página 1de 17
Morfologia a Vindiewt Petter Manear Para bom entendedor meia palavra basta. Palavra de rei ndo volta atrds. Pesar as palavras, medir as palavras, pedir a palavra, empenhar a palavra, cor- tar a palavra, em quatro palavras, palavra de honra, santas palavras, Gltima palavra... Sdo alguns provérbios ¢ expressdes que demonstram que, para o falan- te, a palavra ¢ identificada como uma unidade formal da linguagem que, sozinha ‘ou associada a outras, pode constituir um enunciado, Se para o leigo parece evi- dente reconhecer palavras, para o lingilista nao é tio simples caracterizar a en- tidade que representa, aproximadamente, a primeira articulagdo da linguagem, aquela que se manifesta por meio de unidades significativas. Para comegar a compreender as palavras na perspectiva do lingilista, va- mos partir da pritica da gramiitica tradicional, segundo a qual so atribuidos dois significadas ao termo ‘palavra’, © primeiro deles poderta ser ilustrado pela res- posta ficil 4 pergunta: quantas palavras hi na frase “José contou muitas estorias"? Nenhum locutor de portugués vacilaria em afirmar que ha quatro palavras. Por outro lado, sé questionarmos o nimero de palavras da seqéncia contou, conta- mos, conlava, contivamos, contasse, provavelmente haveria alguma hesitagdo, ¢ uma das respostas possiveis consideraria a existéncia de formas diferentes de uma mesina palavra; teriamos, entio, o segundo sentido de palavra, decorrente de uma interpretagio especial do conceito. Essa segunda acepeao levaria em con- ta: (i) a forma vocabular. ou forma de palavra, ¢ (ii) o lexema, a palavra como. 4, cam signiicada lexical, CONTAR, na case. E essa altima a corresponde a forma de citago padronizada, que € cinprepada para a referéncia aos lexemas. Fissan primenas observagies jd nos permitem esboyar wma parte das questdes, as pela Morfologia ~ freqienteme! finns come a fires da Hinpitisticn qjec estuda “ta forma das palavras”, Restaria acreseentar, para comple- taro dominin de investixagho da morfologia, que.a partic de CONT-AR, timbém, podemos obter una outra série de palavras: conto, contista, contador, conta, con- higem, Fmbora sejam formas associadas a CONTAR, no podemos afirmar que Ht Formas diversas do mesmo kexema, pois cada nove terme possui um sig- aklo fexteal propre ¢ constitu, portanto, um nove lexema. Esse conjunto de palavres tormou-se por um processo diverso daquele da seqliéncia anteriormente analisada (conou, contamos, contava, contivames, contasse) pois criou Novas itens lexicais. Na construgao dos dois conjuntos de termos formados de CONT- AR pudemos consiatar a atuagio de dois processes morfolégicos distintos: a flexiio, no caso de contou, contamos, etc. — produzindo “formas de palavras”—¢ a de- rivagSo, em conto, contista, etc. — produzindo novos “lexemas”. O primeiro deles ¢ objeto de estudo da Morfologia Flexional c o segundo, da Morfologia Lexical, a pedis adic ton aque! 1, Morfologia é o estudo da forma... © Dicionirio Houaiss da Lingua Portuguesa (2001) apresenta como primeiro significado de morfologia, “estudo da forma, da configuragao, da aparén- cia externa da matéria", © termo foi inicialmente empregado nas ciéncias da natureza, botinica ¢ geologia. Na lingUistica, comegou a ser utilizado no século XIX, Nessa época, sob influéncia do modelo evolucionista de Darwin, acredita- ‘va-se que 0 estudo da “evolugao” das “quatrocentas ou quinhentas’ raizes bisieas do indo-curopeu poderia levar 4 solugo do velho enigma da origem da lingua- gem (Mattews, 1974:3). Hoje, essa questio esta praticamente fora do dmbito da pesquisa lingiistica, ¢ “o estudo da forma das palavras” assume outra abrangén- cia ¢ complexidade. ‘O estude comparativo das linguas desenvolvido no século XIX pecmitiu que August von Schegel (1818) formulasse uma tipologia morfoldgica, reorga- nizada por August Schleicher (1821-1868), segundo a qual todas as linguas se distribuiriam em trés tipos: a) isolantes: em que todas as palavras sio raizes, isto ¢, as palavras nio podem ser segmentadas em elementos menores, portadores de infor- magiio gramatical e/ou significado lexical. O chinés é uma lingua isolante: wo mi jazi chi /eu/comprar/laranjas/comer! “ew comprei laran- jas para. comer™ (Crystal, 1987;293); viuintt ' - oy a Mortologia = 61 naires (elementos imedutiveis a série de palavrast ints para expressar as nes relages yramaticais, como o turco: kaytk+Llar+xmrZ / plural mosse! “noses harcos”, onde distinguimes, claramente, a raz Kay, os afixos: «Lar (plural) ¢ -rmrz (possessive I* pes. pl), observando um afixo para cada informagdo gramatical: aline os gramaticais, que indi~ rentados na base de ‘um 16) flexionais: em que raizes se combinam aclen cama fungio das p SOM ¢ uM significad como nas fi fas emo podem ser se ou ui atixe para ci inantes. © laine um exemple de lingua Mexio pois as desinéncias casuats travem muitas informagdes = caso. nimero & género—comoem bon-as, em que ag se combina A raiz bon- para indicar 0 caso acesative, « niimere plural co gener Feminina, ‘Sabe-se que ndo ha nenhumra lingua que seja exclusivamente isolante, aglu- tinante ou flexional; 0 que ocorre ¢ uma tendéncia maior a organizar as palavras conforme um ou outro tipo, Em muitas linguas consideradas “isolantes”, em que os valores gramaticais ndo esto marcados segmentalmente, 880 as variagdes tonais que 05 expressam, realizando a Mexdo no nivel supta-segmental. Embora hoje essa lipologia seja teconhecida como tendo um carter meramente descritivo, pois: nfo ha nenhuma “vantagem” lingilistica em apresentar morfologia flexional ou “desvantagem” em ter morfologia predominantemente isolante, essa classificagio, por influéncia de Schleicher, foi interpretada por muito tempo como tendo o valor de uma escala hierirquica evolutiva, que teria, na base, as linguas isolantes — africanas, indigenas e asiéticas; no topo estariam as linguas flexionais, “mais evolui- das"~ as linguas da familia indo-européia (Leroy, 1971: 34=43). Humboldt (1836) identificou um quarto tipo de organizag4o morfolégica nas linguas do mundo, o das linguas polissintéticas, caracterizadas por uma mor- fologia complexa capaz de colocar numa (inica palavra muitos morfemas que seriam palavras independentes em muitas linguas analiticas, Muitos lingilistas. questionaram se“polissintética” consistiria uma categoria tipoldgica independente, uma vez que essas linguas apresentam tragos flexionais ¢ aglutinantes. No inicio do século XX, Whitney, Franz Boas ¢ Sapir desenvolveram varios estudos deseri- tivos sobre linguas polissintéticas (chamadas também incorporantes), a maioria delas concentrada na América do Norte, nas familias Esquimd-Aledte, Algonqui- na, lroquesa, Na-Dene. As linguas polissintéticas nao se confundem com as lin- ‘guas que possuem palavras longas, decorrentes de provessos de composigaio, como dalemao ou sinscrito, pois naquelas as palavras sto verdadeiras frases, ou pala- vras-sentengas como ilustra o-exemplo abaixo, de uma ‘palavra’ na lingua Bella- Coola [Salishan] (Fortescue, 1992: 2602): mintsk — igsak =m ~ 1s 62 neta (eon dedo — progressivo - I* pes. singular) “Eu estou contando nos meus dedos™ Fei o conhecimento maior de linguas fora do dominio indo-curopeu que permativ & ilistica never o seu conceito sobre “palavra” os mecanismos ut livados para niificagdo, Critérios semanticos ~ unva palavra, urn signifi to pi pal por palayra — mostrar insufi- Hinguas, como as polissinteticas, por exemplo. Irie sintitica € considerado por muites tingtlistss como o mais adequado, fis as seqiiéneias sonoras que poderiam constituir a resposta mini- pergunta ¢ que poderiam ser usadas em varias posigdes sintiticas. Con- forme esse principio, o exemplo acima de lingua polissintética seria uma “pala- vra", pois seria a resposta minima a uma questio do tipo : “Com © que voce esti contando?" Formulada em portugués, a resposta minima para ¢ssa pergunla seria “dedos", uma palavra, da mesma forma que a ‘palavra-sentenga’ da lingua po- lissintética ¢ uma palaviny, nas duas linguas a palavra obedece aos critérios sintiti- cos de poder ocorrer isoladamente e em varias posigdes sintdticas. Adotando a definigSo sintitica de palavra - 0 elemento minimo que pade ocorrer livremente no enunciado ou pode sozinho constituir um enunciado — resta examinar o que significa estudar a “forma das palavras". Num sentido mais am- plo, em que as palavras sdo signos linglisticos, poderiamos associar a forma ao significante do signo lingistico, sua expresso sonora, que se relaciona com 0 significado, o conteddo semantico, Para Helmslev, significantee significado cor- responderiam, respectivamente, ao plano da expressao ¢ a plano do conteiido, ambos dotados de forma e substincia. Nesse sentido o ‘estudo da forma’ deveria explicar a relagdo entre “forma da expressiio” ¢ a “forma do contetdo”, ou seja, Sek Seeamaaas ing eciaente ‘para prod si gnificado. Mas qual seria, entio, a unidade minima de andlise: os fonemas ¢ tragos, como foram definidos pela Fonologia? A resposta ¢ negativa, pois a Morfologia possui sua propria uni- dade basica. Podemos tomar como unidade minima de anilise, o signo, a palavra, CONTEL, por exemplo, pois pode ocorrer sozinha enquanto forma livre, como também podemos considerar como unidade de analise os signos minimos ainda portadores de significado, mas que nao podem oconrer sozinhos, CONT-EI. Essas unidades minimas com significado sdo denominadas morfemas. Considerar a morfema ou a palavra como a unidade central do estudo morfoldgico resulta em modos diferentes de abordar a morfologia. Podemos dizer que a nogiio de morfema est relacionada com o estruturalismo, que tinha como problema central a identificagao dos morfemas nas diferentes linguas do mundo. © privilégio dado 4 nogae de palavra é proprio de estudos preocupados com 0 “modo pelo qual a estrutura das palavras reflete suas relagdes com outras palavras ens construgdes maiores, como as sentengas, ¢ com o vocabulario total da lingua” (Anderson, 1992:7; 1988: 146; apud Rosa, 2000: 16). do ou fonolopicas — um ac Crentes, quand aphieados a vat Mortologia «= 63 Como nosso objetivo é introduvir o estudante de lingilistica na metodolo- morfolégica das |inguas, vamos apresentar os prineipios de des- snivie desenvolvides dentro do quadro tedrice estruturalista, pela sua eficécia na seementagao ¢ na anilise dos processos de assoviagdo dos morfemas. gv che aan, 2. Identificagao de Mortemas Bloomfield, que no (1936:27), jade caglo dos ‘morfemas, os tarefa primeira da andlise morfoldgi palavras que apresentam uma oposi¢io parcial, tanto na expressdo como no contetido. Opera-se da mesma maneira utilizada para reconhecer fonemas, verificando se afubstituigag| ow aleomutagaojde clementos diferentes, mantendo- S¢ OS recorrentes, provoca ih alteragao parcial de contetido, Observe os dados da lingua Baulé (Niger-Congo, grupo kwa), falada na Costa do Marfim (os diacriticos indicam os tons — variagées de altura das silabas das palavras, que permitem distin- guir significado: [* } tom baixo; [‘]tom alto): definir morfema come ™ dam formas ro Sita cea Aba “ew ehego" aba “vocé chega” dba “elefela chega” éba “nés chegamos” amiba “vooés chegam™ baba “elesfelas chegam” A comparagao dos dados da lingua afticana mostra que o elemento minimo recorrente ¢ {-bA) que as formas (i. 4, 3, @, dma, bé} se opdemna forma ¢ no significado, como se constata pela tradugio em portugués. Identifi- camos, endo, sete morfemas, 0 que equivale dizer que podemos segmentar as formas verbais como segue: A-ba a-ba é-ba é-ba amii-ba ‘bé-ba ‘O morfema recorrente é portador do significado de “chegar” ¢ os seis morfe- mas diversos transmitem a significagdo de pessoa e numero, O morfema recorrente éportador do significado lexical, ¢ os demais trazem 2 informagio eresnatical Para mento de significado gravelical; utilizando ioeea ea significado lexical e “monema’ para ambos, Utilizaremos o termo “morfema” para os signos minimos que indicam tanto o significado lexical quanto o gramatical, $4 inmouuc 2.1, Alomortes A. diversidade morfoligica das linguas € muito grande, maior do que a diversidade sintatica, Nao se pode gencralizar uma informagao obtida pela and. lise do portugués ou de qualquer outra lingua indo-européia. No entanto, a des- crigdo ja cxtabelecida de muitas linguas revela funcionamento semelhante, A afin de que cada morfema tem uma forma tinica para expressar um mesmo significado & contestada por todas as Hinguas em diferentes graus € situagdes, Observe-se » quadre abaixo do portugués (Borba, 1987: 148): (i) feliz, crivel, grato, real, mortal, legal, adequado, habil, natural, ii) infeliz, incrivel, ingrato, irreal, imortal, ilegal, inadequado, inabil, inatural. Comparando-se as duas séries nota-se que em (ii) 0 segmento inicial tem sempre um valor negative, mesmo que sob forma fonética diversa [i}. [i]. [in]. A diferenga fondtica é, no entanto, previsivel: teremos [in antes de vogal; [i Jantes de (1, r, m,n] ¢ [i] antes de qualquer outra consoante, Essas formas sio variantes de um mesmo morfema, o que permite compreender que o morfema é, na verdade, resultado de uma abstragiio ou generalizagdo: ele pode apresentar varias configuragdes foneticas, cada uma delas é um morfedo mesmo morfema. O conjun- to de morfes que representam 0 mesmo morfema so seus alomorfes. Nenhum alo- morfe pode ocorrer no mesmo contexto que outro, o que significa dizer que os alo- morfes de um morfema devem estar em distribuigo complementar. Sea escolha entre dois ou mais alomorfes depender do contexte sonora em que ele se encontra, diz-se que houve um condicionamento fonoldgico (ou fondti- eo). A alomorfia fonologicamente condicionada reflete, geralmente, as restrigdes de combinatéria de fonemas que ocorrem em cada lingua. Assim, em portugués nenhuma silaba pode terminar em /rs/,entio */bars/ nao é uma seqiéncia permitida; ja em inglés ou francés essa seqténcia é possivel. Quando nao for possivel explicar a alomorfia pelo contexto fonético, como o caso do alomorfe do plural de palavras em inglés como ox, ox-en, em que a escolha depende de signos lingilisticos particulares, diz-se que houve um condicionamento morfoldgico, isto é, uma forma exige a outra simplesmente. Tal é 0 caso do partici- no, CUujos alomorfes —afo, -uto, -ito, dependem dos. grupos do infinitive: -are, -ere, -ire, Assim, com- prare “comprar”, eredere “cre”, dormire “dormir” tém como formas de participio passado: comprato, ereduto, dormito. As classes do infinitive, portanto, sido rele- vantes para a escolha entre os alomorfes do morfema do participio passado. © condicionamento fonolégico é interpretado por muitos lingdistas como sendo um assunto para a fonologia © ndo para a morfologia, Como é flagrante @ relagao entre o nivel fonolégico ¢ o morfoldgico, alguns autores (principalmente os do Circulo Lingiistico de Praga) propuseram a existéncia de um nivel inter- Mottologia = 65 ude da morfodfo)nologia, ou morfofonémica, que trataria Jos morfemas, de suas modificagdes combinatorias, das adquirem funcdo morfoldgica. Para os propésitos deste jpalmente observar a interagdo entre a fonologia ¢ a mor- fologia, manifestada nos processos fonoldgicos que atuam na distribuigfo dos alomorfes, Sendo assim, vamos analisar a assimilagdo, processo muito freqdente nas mais diversas linguas: mediirie, objet da estrutura tonol mudangas foniwas Em femne (Niger-Congo, grupo atlintico, falada em Serra Leoa), o morfe- ma do artigo definido plural de uma classe de nomes apresenta alguns alomorfes: o-baj “oe chefe™ ambaj “os chefes” a-tik — “o estrangeiro” an-tik “os estrangeiros” o-kabi —“o ferreiro” ag- kabi “os ferreiros” ‘O morfema do definido plural pode ser descrito por (a+Nasal}, em que a consoante nasal serd especificada pela consoante que a seguir, ou seja, a nasal assimila-se ao ponto de articulagio da consoante do morfema seguinte: sera a nasal bilabial, antes de consoantes bilabiais; alveolar, antes de consoantes alveo- lares; velar, antes de consoantes velares. A descrigiio morfoldgica devera indicar 0 proceso fonolégico que deter- minou a escolha do alomorfe, que poderd ser expressa por meio de uma regra: [am-] / — bilabial (labial) fa+N}> [an-]/- alveolar (coronal) [an-] /-velar (dorsal) Um tipo de assimilagdo bastante comum ¢ a palatalizaedo, em que as con- soantes velares ou dentais assimilam-se as vogais anteriores altas, que tém articu- lagdo semelhante ds consoantes palatais. Esse fato ocorre no italiano,em /amit fi/ “amigos”, plural de ‘amiko/ “amigo”, em que a velar seguida de /i/ miu ) ponto de articulagao da vogal anterior alta. {hat-] 4 V [alt it taned! (lbat-/S TAU ay fre Jeerel 3. Pracessos Morfoldgicos A associagdo de dois elementos mérficos produzindo um novo signo lingilis- tico obedece a certos principios ou mecanismos que variam em sua possibilidade de combinagao nas diferentes linguas. Esses modos de combinagao so processos morfoldgicos que se manifestam sob a forma de : a) ADICAO: quando um ou mais morfemas ¢ acrescentado A base, que pode ser uma raiz ou radical primério, isto é, 0 elemento minimo de significado lexical. Em aprofimdar, temos os seguintes morfemas a- profund-ar, onde a- ¢ - ar, so morfemas aditivas, que se acrescentaram 66 mb Get {fond} th eran me'[e Introdugde & Linguist A fertesten ane peared Aye crt us SAR ies Adee, 4 maiz profund-. Aprofund- é aprofundar. So chamados afixos mz ‘os morfemas que se adicionam a afixagiio éo process. Dependendo da posigdo dos afixos em relagao 4 base podemos ter cinco tipos: (i) Sufixag (ui) Pref (uit) Lindi fr Jive > livro-s; casa>cas-ciro; dio: antes da base. ler>re-ler; certo>in-certo ; ia: dentro da base, em Kmu (Laos): ken/ “esticado” > /rmken/ “esticar” (infixo /-m-/); n: depois da base. (iv) Circunfixos sho afixos descontinuos que enquadram a base, como em Georgiano (Caucaso) : Ju...es! “muito” - /u-lamaz-es-i/ “muito bonito” (cf. Mamaz-/“bonito”) Juedid-es-if “ muito largo” (cf. / did-if “largo”); /-i/ 6 um sufixo de nominative. Embora u- pareca ser um prefixo e - verbo Ex: clarear, civilizar, coroar, mapear Verbo + sufixo > nome Ex: contagem, pesagem, vencedor, punigao Adjetive + sufixo>nome — Ex; escuridiio, imensidio, realidade, finalidade A derivagio lexical, por expressar diferengas vocabulares, € responsavel pela maior parte da criatividade ou produtividade lexical da lingua. Podemos obser- var sua atuagao nos neologismos bastante previsiveis criados pelos sufixos —ismo ou -istz difundidos pelos jornais : julismo, serrismo, cirista, brizolista, 7. Morfologia Lexical Derivacdo-¢ composigio sao 0s processos mais gerais de formagiio de pala- vras. O processo de derivacio € o mais utilizado para formar novos itens lexicais. Embora a grande diversidade morfolégica observada nas linguas do mundo difi- culte o reconhecimento da existéncia de “universais morfoldgicos”, a pesquisa. ainda incipiente na area, revela que entre os processos de afixacdo (prefixagao ¢ sufixagdo) ha uma preferéncia pela sufixagao, Raras sfio as linguas exclusivamente prefixais; mas muitas sdo exclusivamente sufixais, como o turco ¢ o japonés. Examinaremos, na seqléncia, os processos de derivagdo e composi¢io 10 portugués, a partir dos trabalhos de Borba (1987) e Basilio (1987). Nadenvacio acrescenta-se um afixo (sufixo ou prefixo).a uma base, como em: Prefixo + base: des + fazer = desfazer Base + sufixo: formal + mente = formalmente mottoiogio 71 A base de ume fora densvada é geralmente uma forma livre, iste ¢, uma forma minima que pode constituir sovinha um enunciado, como um verbo, uni adjetivo ou um adverbio Podemos ter derivados a partir de formas presas, isto 6, formas que ndo podem ocorrer sozinhas, como morfoldgica, em qui jou o sufixo = ico, formador de adjetivos, a base morfolog, composta de morfi + log, que ¢ a0 mesmo tempo composta (dois radicais grepos) © pre A composigdo consiste na associagiin de duas bases para formar uma pulave nova, Teremos palavras compostas a partit de formas livres, como guarda-livros (guarda + livros) como também a partir de formas presas, como geologia (geotlogia). 7.1. Berivagado Em portugués, raizes ¢ radicais servem de base para a adjungo de afixos. Se tomarmos a palavra marirha, verificaremos que © sufixo /—inha/ foi acrescen- tado 4 maiz mar-; ji na palavra marinheiro, o sufixo “eiro/ foi acrescentado ao radical marinh-. A raiz ¢ o elemento irredutivel ¢ comum 4s palavras derivadas (mar-inha, mar-inheire); o radical inclui a raiz ¢ os elementos afixais que servem de suporte para outros afixos, criando novas palavras, como marinheino, cujo radical é marinh-. Os afixos so em nimero limitado. Em portugués, por exem- plo, so pouco mais de cinqdenta prefixos ¢ aproximadamente cento ¢ quarenta sufixos. Apresentam fungées sintdtico-seminticas definidas, que delimitam o signi- ficado eo uso possivel da nova palavra formada, Assim, os prefixos combinam o seu valor semantico ao da raiz a que se unem, como nos exemplos: intertpor = interpor; contra + senso = contra-senso,; vice + rei = vice-ret. Os sufixos também apresentam uma significagao léxica, mas é mais comum: terem um valor geral ¢ abstrate, como -dade, -cz, - ia, que formam substantivos abstrates (liberdade, viuvez, alegria); -ense, -este, -icio, que formam adjetivos (catarinense, celeste, vitalicio); -ar, -ear, -izar, que formam verbos (penar, florear, concretizar). Ha sufixos que acumulam valores semnticos diversos, como -ada (i) idéia de colegio (filharada), (ii) idéia de golpe (agulhada), (iii) id¢ia de produto alimentar (feijoada), (iv) idéia de duragdo (temporada). Os processos derivacionais sao bastante produtivos. Tal fato pode ser expli- cado ndo sé pela possibilidade elevada de combinagao de raizes ¢ afixos, mas porque: (i) em muitos casos mudam a classe da nova palavra formada, como a nominaliza¢ao de verbos, processo altamente produtivo que forma substantivos a partir de verbos, como pesar > pesagem, (ii) envolvem nogées bastante comuns ¢ de grande generalidade, como a idéia de negagio (ilegal), grau (gatinho), desig- nagdio de individuos (pianista), nomes abstratos (bondade). 72 introducdo 6 Lingustco # 7.2. Composi¢ao O processe de composig4o junta uma hase a outra, com ou sem modificacan de sua estrutura fOnica; aglutinando-se, em aguardente, ou justapondo-se, em po. tacampedo. Os elementos do composto apresentam uma relagdo entre um niclen¢ um modi ficador (ou especificador), entre um determinado e um determinante, Lim portugués, 0 primeiro elemento do composto que funciona como nicleo nas estry. furas tormadas por: Substantivetsubstantivo Ex.: sofd-cama, peixe-espada, mestre-sala Substantive tadjctivo cnixa-alta, obra-prima, amor-perfeito Verbotsubstantivo: Ex.: guarda-roupa, porta-estandarte, beija-for Nas esinuturas com adjetive, esse é sempre 0 especificador, independente de sua posigo: belas-artes, livre-arbitrio. A composigio distingue-se da derivag4o por seu proprio mecanismo de es- truturagtio: enquanto pela derivagdio se expressam nogdes comuns e gerais, 0 pro- cesso de composiglio permite categorizagées mais particulares. A associagio de dois elementos independentes do léxico em apenas um elemento cria formas com- postas muitas vezes desvinculadas do significado particular de cada um de seus componentes, como ett amor-perfeito. 8. Derivacdo Regressiva Diferentemente dos processos de derivagda e de composigio, em que hi adigaio de morfemas, existe, em portugués, um mecanismo de criagdo lexical em que se observa a redugao de morfemas, conhecido como processo de derivacio regressiva. Pode-se observi-lo em derivados do tipo: busca, de buscar, implaate, de implantar, manejo, de mangjar. Os derivados so, na maioria, substantivos de- verbais, isto é, construidos a partir de verbos. 9. DerivagGo Parassintética A derivagio parassintética consiste na adig’io simultanea de um prefixe um sufixo a uma base. E um proceso mais produtivo na formagio de verbos (en- + feitigo + -ar = enfeitigar) do que na de adjetivos (des- + alma + -2d0~ desalmado). A fungdo semantica ¢ atribuida ao prefixo, enquanto a fungae sintiti- ca cabe ao sufixo, que muda a classe da palavra a que pertence a base. nottotoga 73 apenas aquela-em cujo pro- cesso de estrutura se pode identificar uma etapa de prefixagdo antece= dendo 4 de sufixagdo, come cm cnranccer, que ndo pressupte *enraiva. Jd em insensatez reconhecemos diferentes nivets de estruturagdo: o da prefixagdo, atri- buindo valor ncgativo ao adjctivo sensato, formando inven: asufixagao de -cz, formando inscnsatcz. Reconhece se onstrugao parassintéti 10. Morfologia Flexional A morfologia fMexional trata, principalmente, dos morfemas que indi- ‘cam relagdes gramaticais € propiciam os mecanismos de concordincia, estan- do mais diretamente relacionada a sintaxe. Nas linguas do mundo, as catego- rias gramaticais freqiientemente manifestadas pelos morfemas Nexionais so: para os fomes, as categorias de género, niimero ¢ caso; para 08 verbos, as categorias de aspecto, fempo, modo ¢ pessoa. Chegou-se alé a formular a hipo- tese da existéncia de universais morfoldgicos relativos 4 flexdo. Greenberg (1963-112) constatou que, freqdentemente, havendo um morfema para cada categoria, a ordem de ocorréncia junto ao nome é: género, nimero ¢ caso. Bybee (1985:13-24), na tentativa de explicar certas universais morfoldgicos, afirma que as categorias mais relevantes so colocadas mais proximas aos radi- cais ou bases; no caso dos verbos, a ordem varia em fungi do tipo de afixos, s¢ estes forem sufixos a ordem preferencial ¢ aspecto —tempo — mode — pessoa - mimero; se forem prefixos, a ordem sera invertida. A evidéncia desses universais nio significa que todas as linguas manifes- tardio todas essas.categorias, nem que todas clas serdo representadas pelos mesmos tipos de morfema, Para compreender o funcionamento dos morfemas flexionais vamos examinar come se apresentam os nominais nas linguas do grupo banto (Niger-Congo, bénue-conge) com exemplos do quimbundo, lingua falada em Angola: with “paaios™ kind “pili” Gt “pessoas” i-nd “pildes” ma-xi “arvore” di-zwi “lingua” mi-xi “arvores” ma-zwi“linguas” Identificamos claramente um morfema prefixal para o singular e outro para ‘o plural, em cada par de palavras, mas nao temos ¢lementos para prever a forma de cada um desses morfemas. A diversidade de formas, no entanto, nao é aleatéria, ela obedece a um sistema chamado “classe nominal”, que inclui todos os substan- tivos da lingua numa classe de singular ¢ noutra de plural, cada classe sendo ca- racterizada por um prefixo. As classes se organizam aos pares; em quimbundo ha 74 Inodugde & Lingiistico # 18 classes nominais, com 9 cmparelhamentos singular/plural. Analisando os ¢. xemplos acima temos: ay classe | (mu-] tem como plural a classe 2 fa-} , refere-se aos seres humanos, Ex. mi-th/ a-tt; b) classe 3 {mm} tem como plural a classe 4 {mi-}, refere-se ds plantas, Ex, mb-xi/ mi-xd; c} classe $ [di-} tem como plural a classe 6 {ma-}, refere-se a0 corpo, coletives, Ex: di-zwi/ma-zwi; d) classe 7 {Ai-} tem como plural aclasse 8 {i+}, refere-se a objetos fabrica- dos. Ex: ki-ni: /i-nd Os valores semanticos associadas as diferentes classes constituem apenas uma referéncia, nem sempre verificada na lingua. O que atribui a classe a um substantivo é o fato de pertencer a um determinado sistema de concordancia, por exemplo classe 3/classe 4, isto é, a classe de singular com a classe respectiva de plural, Trata-se-de um mecanismo de flexiio, que ndo cria novos itens na lingua, apenas atualiza as raizes para que possam participar de um enunciado. O sistema de-classes nominais em que se inserem os substantivos do quim- bundo rege também um mecanismo de determinagdo, que opera no nivel do sin- tagma como também no nivel da frase. Assim, teremos: (1)mi-ti t-mdaci ‘uma (sé)pessoa” (2) Ki-nd kianOxi ‘um(s6) pilo” Jel lipessoa/ prefpron. cll Aum! icl7-pilio/pref.pron.cl. un pessoa! uma! ‘pildic/um! Qs morfemas que precedem os modificadores do substantive concordam com este em classe. ‘Observe-se, abaixo, como as marcas de concordancia com a classe do ni- cleo nominal se manifestam no nivel da frase: 3) mith = iméxd wad kwama fmd -tO/a- méxi/i-d-di-kwama/ Jel - pessoa’ pref.pron.cll-unv indice do suj.classe 1-passado - reflexivo- frit! “Lima (s6) pessoa se feriu” (Bonvini, 1996:81) Podemos afirmar que o sistema de classe nominal é um sistema de coi cordincia, em que todos os especificadores do nicleo nominal devem concordar com ele em classe, no exemplo acima, o prefixo pronominal (categoria dos 1U- merais ¢m quimbundo, conforme descrigdo de Bonvini) e 0 indice do sujet? {anaférico do sujeito, obrigatério mesmo com sujeito preenchido lexicalmente) apresentam-se sob a forma que assumem ao relacionar-se com substantivos 68 motologia 75 fosse preenchide porum substantive de outra classe, formas, conforme o paradigma de cada catego- ria. Assim como o paradigma das classes nominais em quimbundo possui 18 mor- femas, os paradigmas dos prefixes pronominais © os paradigmas dos indices do sujeito também possucm 18 morfemas cada um, para permitir que a flexdo mani- feste a solidaricdade sintatica dos morfemas inter-relacionados. ConsideracGes finais A morfologia é uma drea que tem provecado muitas controvérsias entre os linglistas, que nem sempre consideraram nivel morfolégico pertinente para a construgio de uma teoria da granvitica. O estruturalismo tratowa morfologia como uma questo fundamental, ao valorizar a descrigdio da diversidade das linguas, evidenciada pela grande diferenga morfolégica, Para o gerativismo, essa diver- sidade remete a um aspecto crucial: como conciliar a proposta de uma graméatica ‘universal diante de tamanha diversidade morfologica? Esse ¢ o desafio que o gera- tivismo esté enfrentando hoje, ao considerar a morfologia como um problema central a investigar (Sandalo, 2001; 191-204). Referéncias Bibliograficas asitio, M. (1987) Teoria Lexical, $80 Paulo: Atica, minourieLn, L. (1966{1926]) A set of postulates for the science of language. 100%, M. (ed.) Readings in Lin _puistie I: The development of Descriptive Linguistics in America 1923-86, Chicago: The University ‘of Chicago Press. sown, E, (1996) "Classes acooed dans es Lngucs npro-aiicanes Un it Niger-Congo. ‘dus kasimet du kimburila. Faits des tangues. Accond - Reeve ce Lirgaistiqus, Paris: Opiluys & ; 77-38. orn, FS, (198%) hetrodupdo aos cstudes lingaisticas. S40 Paulo: Companhia Editora Naciowal. exystat, D, (1987) The Cambridge Encyclopedia of Language. Cambridge: ronriscur, M. (1994) Morphology, Polispnthetie. tn sure, R.E., steson, J. M. ¥. The Creyclopedia of Lan ‘Fuse and Linguistics, vol. $, Oxford, New York, Seul, Tiquio: Pergamon Press. oueasew m., HLA. (1961) Introdupdo d lingélstica descritiva. Trad. J. Pinguele. Lishos; Calouste Gulbeakian. urmnn, 1 (1963) Some universals of grammar with particular reference to the order of meaningful elements. a caxxoena, J. (ed) Universals of Language, MIT Press, Caribridge, MA, sorcery, Ch. (1966) Two modcls of yraramatical description. os, M,(ed.) Readings in Linguistic t: The Bevel ‘opment of Descriptive Linguistics in America 1925456. Chicago: The University of Chicago Press. mouarss, A. (2001) Diciondrio Houaiss ala lingua portugucsa, Rio de Jancwo: Editors Obyetiwa. kava, V.(1993) Morforms do portugués, So Paulo: Atica, uno, M. (1971) As grandes correntes diy linglistica modems, S8o Paulo: Cultrix, EDUSP, Fundamentos da lingdistica contempordica, Sto Pasle: Cultrin. 1974) Morphology: An dntraduction to the Theory of Wiord-structure. Cambridge: Cambridge University Press rest, M. (1995) Fad” Amba In anenbs, J, revske, P, sam, Ni Pidgits and Creoles —an lamroduction. Arasicrl Filadélfia: Jobin [Senjansins

Você também pode gostar