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Regime jurídico dos contratos atípicos no direito

brasileiro

REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS ATÍPICOS NO DIREITO BRASILEIRO


Non statutory contractual legal schemes in brazilian law
Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 6/2016 | p. 55 - 73 | Jan - Mar / 2016
DTR\2016\437

Francisco de Godoy Bueno


Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Advogado.
francisco@buenomesquita.com.br

Área do Direito: Civil


Resumo: Os contratos atípicos são importante ferramenta para atender o interesse das partes.
Diferentemente dos contratos típicos que têm o seu regulamento estabelecido pela lei, esses
contratos situam-se em uma situação de plena liberdade contratual, onde as partes declaram
interesses diferentes daqueles legalmente estabelecidos. Essas peculiaridades implicam na forma de
sua interpretação e integração, de modo a favorecer a intenção das partes no contrato.
Abstract: Non-statutory contracts are an important device to fulfill the parties’ interests. Differently
from the statutory contracts, which have ordinary rights and duties established by statutory law, these
contracts are located in the domains of pure contractual freedom, where parties declare special
interests, differing from the regular statutory scheme. These peculiarities affect the way these
contracts shall be analyzed to be interpreted and integrated, in order to favor the parties’ intention
with the contract.
Sumário:

1 Introdução - 2 A autonomia das partes no contrato atípico - 3 Das diversas espécies de contratos
atípicos - contratos atípicos mistos - 4 Contratos atípicos mistos e grupo de contratos - 5 Contratos
atípicos e negócios indiretos - 6 Os contratos atípicos e o regulamento típico - 7 Das limitações do
regulamento contratual atípico - 8 Considerações finais - 9 Bibliografia

1 Introdução

Ao estudar o direito romano, verificamos que a origem da eficácia vinculante dos contratos estava no
reconhecimento pretoriano de uma ação que lhe fosse respectiva.1 Diferenciava-se, dessa forma, a
stipulatio, em contraposição aos pacta, que, até o período Justinianeu, não eram fonte de obrigações
com força coercitiva. Até esse momento, a vontade não era fonte de obrigações, a menos que fosse
manifestada de acordo com o previsto na Lei. Dessa forma, toda e qualquer convenção estabelecida
de modo alheio às disposições legais (pacta) não tinha força vinculante".2

A evolução do direito romano foi no sentido de atenuar esse rígido princípio de forma e reconhecer
eficácia obrigatória aos pacta, acordos de vontade que se mostravam necessários ao tráfego
comercial. Assim, passou-se a admitir efeito jurídico, inicialmente, aos pacta adjecta - convenções
acessórias ao contrato, e, progressivamente, aos pacta praetoria (tutela jurídica pretoriana) e aos
pacta legitima (tutela jurídica por decisões imperiais),3 justificando o princípio cunhado pelos
glosadores de que pacta sunt servanda, ou seja, de que o acordo de vontades tem força obrigatória
entre as partes, princípio elementar na teoria contratual moderna.

De fato, conforme denuncia Roppo, no sistema Capitalista avançado, o contrato é o instrumento


fundamental da gestão dos recursos e da propulsão da economia.4 Essa função de destaque só foi
possível pelo desenvolvimento do princípio da liberdade contratual e da vinculação dos contratos,
possibilitando ao contrato assumir a função de dar veste e obrigatoriedade jurídica às relações
econômicas e sociais dos indivíduos.5

As relações econômicas mais importantes e mais difundidas - típicas - são tomadas pela lei para que
se possa atribuir a cada uma delas um complexo de regras particulares.6 Formam-se, assim, os
contratos típicos, para os quais há, na lei, a prescrição de um regulamento específico, tomando em
conta aquilo que já está quase totalmente regulado pelos usos e costumes e reconhecido pela
jurisprudência.7

A origem da tipicidade é a norma jurídica, e, por conseguinte, trata-se do resultado de uma atividade
de poder, conforme a vontade e a necessidade da sociedade, vocalizada na forma prescrita
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legitimamente pelo ordenamento jurídico para a criação do direito.8 A tipicidade é, portanto, histórica
- os tipos legais não são fixados de uma vez por todas, mas conforme haja o reconhecimento, pelo
legislador, daquelas operações que sejam úteis e merecedoras de tutela.9

Os contratos adquirem tipicidade conforme se tornam uma normalidade social: as operações


econômicas mais importantes e difundidas são tomadas pelo legislador que para elas define um
complexo de regras particulares.10

É natural, por outro lado, que muitas vezes seja necessário às partes regular novos interesses
econômicos, estabelecendo contratos com funções não previstas pelo legislador. Para isso, são
celebrados contratos atípicos, que criam novos regulamentos para essas situações
econômico-sociais, antes mesmo da percepção da relação econômica pelo legislador.11 Os contratos
atípicos definem-se, portanto, por serem aqueles para os quais, por exclusão ou novidade, o
ordenamento não prescreve um regulamento específico.

A atipicidade jurídica, não obstante, nem sempre importa em novidade. Dentre os contratos não
regulamentados - atípicos - a prática reiterada permite a verificação de tipos sociais. Trata-se de
contratos que merecem distinção porque são corriqueiros e, por isso, pré-conhecidos da doutrina e
da jurisprudência, que lhe delineiam traços gerais de orientação, sem, no entanto, estabelecer uma
regulamentação específica.12

Mesmo não sendo regulamentados pelo ordenamento jurídico quanto aos direitos e obrigações
essenciais à relação econômica subjacente, os contratos atípicos podem ser reconhecidos pela
legislação e até nominados (p. ex. legislação tributária - vide, por exemplo, os contratos de
consórcio, de faturização, dentre outros). A atipicidade, por conseguinte, não decorre da falta de
nome, como podia ocorrer no direito romano, mas do regulamento jurídico específico para as partes,
ainda que haja consequências jurídicas previstas em lei para o contrato.13

2 A autonomia das partes no contrato atípico

Os direitos obrigacionais nascem da manifestação da vontade, livre e consentida de qualquer sujeito


de direito e, em função da vontade deve ser interpretada pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido,
jamais se pode perder de vista que os contratos são, antes de qualquer coisa, atos jurídicos, que se
fazem no mundo fático, mas que se projetam no mundo jurídico de acordo com a vontade
manifestada pelas partes.14 E, assim, a autonomia da vontade é elemento essencial a qualquer
contrato.

Quanto aos contratos atípicos, que decorrem do pleno exercício da liberdade contratual (contratar, o
que, com quem e sob qual disciplina),15 a verificação da vontade será ainda mais relevante, porque
supletiva do próprio regramento estatal. Não havendo efeitos previstos em lei, toda disciplina
contratual deverá ser estabelecida pela vontade concreta das partes,16 manifestada no ato jurídico
que faz adaptação das formas contratuais, rígidas, vazias e abstratas ao conteúdo econômico a que
se propõem as partes,17 no pleno exercício de sua liberdade de atuação.

3 Das diversas espécies de contratos atípicos - contratos atípicos mistos

Os contratos atípicos podem ser exclusivamente atípicos, quando não possuem elementos típicos
quaisquer, sendo assim denominados contratos atípicos puros,18 atípicos propriamente ditos,19 ou,
ainda, contratos atípicos em sentido estrito ou singulares.20

Contratos atípicos puros são aqueles que possuem total originalidade. Formam-se com conteúdo
completamente estranho aos tipos legais ou pela total modificação dos elementos característicos de
um contrato típico, a ponto de formar um tipo totalmente novo de relação contratual.21

Em sua maior parte, no entanto, os contratos atípicos são mistos, seja por combinar elementos
atípicos, seja por combinar mais de um elemento típico, seja por combinar elementos típicos e
atípicos.22 São contratos que resultam da combinação de elementos de diferentes contratos,
formando uma nova espécie contratual não disciplinada em lei, que se caracteriza pela unicidade da
causa contratual.23

Quanto aos contratos mistos, não há um consenso sobre a sua atipicidade. Parte da doutrina
entende que o somatório de dois ou mais contratos em uma circunstância única não permite que se
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reconheça a avença como típica, porque as prestações mesclam-se como um todo. Assim, seriam
contratos atípicos mistos também aqueles contratos formados por mais de uma prestação típica.24
Outros autores, de semelhante envergadura, defendem o princípio da absorção, pelo qual cada
contrato tem de ser considerado pertencente à categoria a que corresponde a prestação principal.25

Não obstante seja estimulante o debate doutrinário, verificamos que é impossível a verificação da
atipicidade dos contratos mistos sem consideração do caso concreto. Com efeito, na maior parte dos
casos, as prestações típicas e atípicas se multiplicam num mesmo contrato, sendo impossível decidir
se o regulamento jurídico contratual legal é aplicável, sem considerar a manifestação de vontade
concreta das partes. Do ponto de vista lógico, entretanto, não há qualquer impedimento para que
obrigações atípicas sejam meramente acessórias à obrigação típicas, ou vice-versa, ou ainda
mesmo que prestações atípicas desnaturem outro contrato atípico, inominado.

Vejamos, para ilustrar a questão, a descrição pormenorizada de Bausílio para o contrato de


engeneering.26 Segundo o autor, são contratos pelos quais o contratante confia a uma empresa a
tarefa de elaborar ou executar um projeto por meio de diversas prestações típicas e atípicas, que, de
uma forma unificada, formam um só contrato, atípico. Distingue-se, assim, o contrato de engeneering
do contrato de know-how (atípico) porque, ainda que possa contemplar uma obrigação dessa
natureza, trata-se de uma obrigação de fazer, não uma obrigação de dar, como ocorre com os
contratos de know-how propriamente ditos. Distingue-se, também do contrato de empreitada (típico),
porque o contrato de engeneering pressupõe uma obrigação de organização de diversos meios que
não se pode encontrar nesses contratos. O contratado não se limita a uma prestação de serviço,
mas executa uma série de serviços coligados entre si que vão desde o setor técnico ao
administrativo.27

Da mesma forma, no direito brasileiro, vislumbramos a discussão quanto à qualificação jurídica dos
contratos de franchising, debatida pelo STJ no REsp 222.246/MG28 e no REsp 403.799/MG,29 em
que se discutiu a incidência do ISS, conforme se considerasse esse contrato como uma modalidade
de locação de bem móvel, ou se esses contratos poderiam ser entendidos como um tipo autônomo.
Com acerto, o tribunal entendeu que se tratava de contrato complexo, ou seja, misto, o qual, pela
sua especificidade, deveria ser encarado com autonomia.

4 Contratos atípicos mistos e grupo de contratos

Exatamente pela multiplicidade das prestações que caracterizam os contratos mistos, muitas vezes,
como se disse, prestações típicas e típicas, típicas e atípicas ou até atípicas e atípicas (mas
correspondentes a contratos nominados), não raro se torna pertinente a dúvida relativa a considerar
o suporte fático de determinada relação jurídica de situação jurídica de contrato ou de grupo de
contratos.

Diante de um contrato atípico misto, não raro se coloca a indagação de se estar diante de uma
situação de grupos de contratos, em que a operação econômica se apresenta não por meio de um
único contrato, mas de contratos coligados.

Clóvis de Couto e Silva, por exemplo, ao discorrer sobre o contrato atípico de engineering diz que ele
pode abrigar diversos contratos, de empreitadas, de planejamento da obra, de realização de certas
partes ou equipamentos; contratos de serviços, contratos de transporte, contratos de supervisão, etc.
O contrato atípico, seria, a seu ver, a totalidade dessa pluralidade de contratos,30 ou seja, um grupo
de contratos por definição.

A pluralidade das prestações que envolvem um contrato atípico misto não importa necessariamente
em uma pluralidade de contratos. Assim, não obstante a dificuldade, a doutrina estabelece diversos
critérios para diferenciar o contrato singular do grupo de contratos, independentes, mas coligados.
Dentre esses critérios destacam-se o da unidade da manifestação de vontade, o da unidade da
causa e o da unidade da contraprestação.

Quanto à unidade de manifestação de vontade, Ascarelli é incisivo ao afastar como critério


adequado. Para o autor, não se pode excluir que as partes possam ter querido celebrar mais de um
negócio no mesmo ato. Para o Professor italiano, o elemento decisivo é o da coligação, na vontade
das partes, dos vários fins que elas querem atingir. Quando os diversos fins econômicos estiverem
ligados entre si, pode-se falar em contrato único.31
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Esse critério da unidade da finalidade econômica não é diferente daquele apresentado por Messineo,
da unidade da causa.32 Com efeito, causa, função e finalidade do negócio são sinônimos na
dogmática contratual e dizem respeito, segundo Betti, ao interesse social objetivo e socialmente
verificável a que o negócio jurídico deve corresponder.33

Diferentemente dos professores italianos, atento aos novos tipos contratuais, Marino prefere a causa
apenas para diferenciar os contratos atípicos daqueles regulamentados por lei. Assim, a discrepância
entre contratos mistos e contratos coligados, segundo o Professor brasileiro, deve ser analisada à luz
da unidade das prestações e contra prestações. Apresenta, assim, a necessidade de se verificarem
diversos critérios complementares entre si: (I) os limites dos tipos contratuais de referência, sejam
eles legislativos, sejam sócio-jurisprudenciais; (II) a participação de diversos centros de interesse na
relação jurídica ou nas relações jurídicas envolvidas; (iii) a unidade ou a diversidade instrumental,
temporal e de contraprestação".34

Ainda que seja útil a melhor sistematização desses critérios, verificamos, na prática, que continua
válida a ressalva de Ascarelli,35 acompanhando Vivante,36 de que não é possível formular critérios
decisivos para identificar o fenômeno da coligação contratual. De fato, são as características do caso
concreto que permitirão estabelecer a vinculação necessária ou não das relações jurídicas
estabelecidas pelas partes em conjunto.

A questão relevante, a nosso ver, tanto no caso dos contratos mistos como no dos contratos
coligados, está em perceber não apenas o vínculo ou a independência de determinados contratos ou
prestações, mas especialmente a pluralidade, que deve ser compreendida em sua unidade, de causa
ou de operação econômica.

De fato, tanto no fenômeno dos contratos mistos, atípicos ou não como nos contratos coligados, é
possível verificar-se um vínculo funcional. No caso dos contratos coligados, trata-se de uma ligação
funcional entre contratos estruturalmente autônomos.37 No caso dos contratos mistos, também há a
coexistência de prestações típicas e atípicas distintas vinculadas a uma única causa,38 que, por sua
peculiaridade, importa no reconhecimento de uma unicidade contratual. E será essa unicidade o
elemento fundamental para tornar o significado desses contratos concreto.

5 Contratos atípicos e negócios indiretos

A identificação da finalidade econômico-social do contrato é também bastante importante para


diferenciar os contratos atípicos dos negócios indiretos.

No negócio indireto, as partes perseguem finalidades distintas daquelas tipicamente definidas, ainda
que se sujeitem à disciplina específica do contrato celebrado. Nos negócios indiretos, a causa é
sempre a mesma do negócio direto (concorrência de objetivos).

Nos contratos mistos ou atípicos, ao contrário, existe uma verdadeira concorrência de diversos fins
típicos ou atípicos em um único contrato (diversidade de causas),39 sendo que as partes não
desejam se submeter a nenhuma das disciplinas típicas dos contratos cujos elementos as partes
utilizam para entabular o contrato atípico.

A função ou a causa típica será, por conseguinte, utilizada pelo intérprete tanto para distinguir os
contratos típicos como também para determinar o seu regime jurídico aplicável, especialmente
identificando quando será o caso de afastar o regulamento legalmente previsto, seja por se tratar de
contrato típico, seja de pluralidade de contratos típicos seja até de negócio indireto.

6 Os contratos atípicos e o regulamento típico

Como expusemos anteriormente, haverá contrato atípico quando houver um distanciamento entre a
função econômica do contrato individualmente considerado e a função econômico-social típica.40 Na
medida em que se verifique o distanciamento das causas típicas previstas para os contratos
regulados por lei, não serão, em princípio, aplicáveis aos contratos atípicos as previsões dos
regulamentos típicos, legalmente estabelecidos, devendo o contrato ser regulamentado
integralmente pela vontade das partes. Por isso, diz-se que, nos contratos atípicos, as partes têm a
necessidade de clausular toda a disciplina contratual.41

Nos contratos atípicos, é, portanto, essencial o papel do intérprete, em sua tarefa de construir o
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significado das declarações e comportamentos das partes, para que se possa identificar o
regulamento jurídico pretendido pelas partes, no âmbito de sua liberdade contratual.42 Essa deve ser
a primeira tarefa: extrair da vontade das partes o regulamento negocial, a iniciar por discernir-lhe a
causa, distanciando ou aproximando esta das causas próprias dos contratos regulamentados por lei.

Nesse sentido, é de se chamar a atenção quanto à distinção entre causa - escopo sociológico
considerado em sentido técnico jurídico -, e motivo - justificativa objetiva de ordem prática para a
contratação -, vinculada aos interesses individuais das partes. O motivo nem sempre tem
consequências juridicamente relevantes. A causa, por outro lado, será fundamental para a
qualificação do contrato e, portanto, a identificação da hipótese normativa específica a que as partes
desejaram sujeitar-se,43 com definição do regime jurídico do contrato.44

Tratando-se de contrato misto, ainda que se possa identificar uma causa distinta atípica, será
sempre questionável a aplicação dos princípios e prescrições normativas que regulam as prestações
típicas. Identificam-se, nessa questão, quatro propostas, que defendem a absorção, a combinação, a
analogia ou a criação.

Conforme ensina Vasconcelos, a absorção dá ao contrato misto a disciplina do tipo dominante na


parte que lhe for aplicável e trata a parte não correspondente como cláusula acessória, a ser
interpretada de acordo com os princípios gerais.45 A dificuldade em identificar um tipo contratual
dominante nos contratos atípicos, por sua vez, permitiu a criação do princípio da combinação, pelo
qual a disciplina dos contratos mistos será identificada por meio da "combinação" de elementos e de
preceitos legais originários de diferentes tipos contratuais. Esses dois critérios, igualmente baseados
na regulamentação típica dos contratos, permitem, no entanto, questionar a atipicidade dos contratos
mistos.46

De acordo com a teoria da analogia, por sua vez, é importante verificar tanto os contratos típicos
como os atípicos como organismos autônomos, pelo que a disciplina dos contratos típicos só poderá
ser aplicada aos contratos atípicos por analogia.47

Além da teoria da analogia, a doutrina apresenta também a teoria da criação, pela qual se
estabelece uma solução concreta específica para os contratos mistos, por meio da interpretação
integradora, com base nos princípios, nas cláusulas gerais e "Standards", tais como a boa-fé, a
equidade ou a diligência do bonus pater familiae,48 considerando, portanto, a função
econômico-social pretendida pelas partes.

Segundo Villaça de Azevedo, seria necessário evitar a aplicação dos regimes jurídicos próprios dos
contratos típicos aos contratos atípicos, pois isso levaria à desconsideração da sua atipicidade e
desnaturaria a vontade contratual das partes em submeter-se a uma ordem jurídica própria, não
prevista em lei.49 Sendo assim, seria imprescindível refutar a aplicação da analogia aos contratos
atípicos para garantir que os contratos atípicos fossem considerados como um todo uno e indivisível
de obrigações, que deveriam ser cumpridas para que não se culminasse na rescisão do contrato
complexo e global.

Diante da lacuna legal que implicasse obrigatoriamente nesse entendimento, o Professor defende a
regulamentação dos contratos atípicos no direito brasileiro, sugerindo a adoção de regra explícita no
sentido de que "não são aplicáveis, ainda que por analogia, as normas que regulam especificamente
os contratos típicos, mesmo que figurem, parcialmente, nas contratações atípicas". A preocupação
do Professor é garantir que prestações típicas combinadas ou modificadas sejam adequadamente
interpretadas nos contratos típicos de modo a satisfazer os interesses específicos das partes, pois é
essa especificidade de interesses e características dos contratos mistos é que os individualiza e os
distingue dos contratos atípicos.50

Segundo Vasconcelos, entretanto, no caso dos contratos atípicos mistos, a analogia é imprescindível
para a formação da disciplina do contrato.51 No mesmo sentido, Junqueira de Azevedo também
entende que, não obstante os contratos atípicos não estarem sujeitos a nenhum modelo legal e sim
às regras gerais dos contratos, a eles são aplicáveis as regras cabíveis por analogia.52

De fato, seria idealmente satisfatório que o contrato atípico pudesse ser completo no sentido de
regulamentar toda a relação jurídica entre as partes, e, nesses casos, não haveria sentido para que
se recorresse à analogia. Como os contratos completos são, entretanto, uma utopia, será
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indispensável lançar mão da integração contratual para dirimir conflitos não regulamentados pelas
partes. Essa deve, entretanto, ser atuação excepcional, não podendo o intérprete perder de vista a
manifestação de vontade das partes e o interesse estabelecido no contrato. Em outras palavras, na
integração dos contratos atípicos, deve-se buscar com ainda mais rigor a intenção das partes, não
apenas porque assim determina o art. 112 do CC, mas sobretudo porque é na intenção atípica das
partes que reside a causa do contrato individualmente considerado.

Nos contratos atípicos é de rigor a não aplicação, a priori, de qualquer regime jurídico legal. A
especificidade dos contratos atípicos deve conduzir as partes desde a fase pré-contratual, negocial,
passando pela formulação do contrato e pela sua execução, caracterizando, de acordo com os
critérios da boa-fé objetiva, a distinta função social pretendida pelos contratantes ao contratar.53 O
eventual recurso à analogia, se necessário, deverá ocorrer jamais como forma de interpretação do
contrato, que deverá ser livre e adstrito a intenção e a vontade manifestada pelas partes, de acordo
com os princípios da boa-fé objetiva.

A analogia só se mostra necessária nos contratos atípicos para a integração contratual, quando o
regulamento contratual for dúbio ou silente sobre determinada consequência jurídica da relação das
partes. E, sendo assim, não haverá discrepância ou desvirtuamento da atipicidade contratual, pois é
de se pressupor que as partes tenham sido expressas em afastar todas as circunstâncias típicas que
entendiam em desacordo com a função econômico social do contrato que pretenderam celebrar.

7 Das limitações do regulamento contratual atípico

A identificação do contrato atípico depende de verificar se o contrato, em concreto, diverge em todo


ou em parte do esquema legalmente previsto.54 Para afastar o regime jurídico típico, entretanto, é
fundamental que o intérprete identifique uma finalidade jurídica própria do contrato atípico que não
seja a fraude do regulamento tipicamente previsto.

Naqueles casos em que não se identificar uma finalidade, a regulamentação de uma situação
econômico-social nova e específica, mas tão somente a tergiversação de deveres objetivos de
determinado tipo contratual previsto em lei, para derrogar normas de ordem de pública, o animus
fraudandi deverá impor a aplicação da regra típica, sob pena de invalidade do contrato atípico e,
eventualmente, sua conversão em outros tipos contratuais.55

É claro que, havendo contraposição entre a finalidade atípica e o interesse protegido pela norma
típica de ordem pública, a norma cogente não será aplicável ao contrato atípico, por sua
incompatibilidade com a finalidade do contrato. Desde que a intenção não seja corromper a função
social típica, deve prevalecer a boa-fé das partes de estabelecer regras atípicas, a menos que haja
limitação legal, limitando a liberdade contratual. Com efeito, a aplicação de norma típica, mesmo que
de ordem pública, a contrato atípico em desacordo com a função contratual pressuposta pelas partes
no contrato atípico, estaria em absoluta contradição com os arts. 112 e 113 do CC que privilegiam,
na interpretação dos contratos, a intenção das partes, a boa-fé e os usos e os costumes, reiterando o
compromisso da lei civil com a liberdade contratual.

Essa oscilação entre a viabilidade de aplicação dos regulamentos típicos aos contratos atípicos pode
ser vista com interessante profundidade no acórdão proferido pelo STJ ao julgar o REsp 61.890/SP.
56
No caso, as partes discutiam a possibilidade de divisão de condomínio de quotas sociais
estabelecida em contrato social expresso nesse sentido. Em primeira instância, o juiz determinou a
dissolução do condomínio, com aplicação dos preceitos do condomínio pro indiviso, determinando
que os autores optassem entre vender a quota indivisível ou retirarem-se da sociedade mediante
indenização.

A decisão, como se vê, desrespeitou o que estava previsto no contrato, aplicando o regime legal, e
não agradou a nenhuma das partes, sendo que uma pretendia a manutenção do status quo, e a
outra, a divisão da quota indivisível. O Tribunal de Justiça, cujo acórdão foi mantido pelo Superior
Tribunal, reformou a decisão porque entendeu que, tratando-se o caso de contrato atípico, não há
que se lhe aplicar disciplina legal específica, especialmente em contradição ao contratado pelas
partes que, expressamente, quiseram a indivisibilidade.

A estranheza das consequências da aplicação desse princípio, que privilegia o princípio pacta sunt
servanda, está explicitada no voto vencido proferido pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar no mesmo
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arresto. Na divergência, o Ministro não se atém à classificação dos contratos típicos e atípicos, mas
à perplexidade de impor ao minoritário a indivisibilidade das quotas sujeitando-o ao império da
maioria, pelo que vota pela possibilidade do recesso do sócio, com apuração dos haveres
respectivos. Ainda que louvável a posição, parece o Ministro não se ter prendido ao fato de que,
contra decisão nesse sentido em primeira instância, recorreram os minoritários em recurso de
apelação, demonstrando, inequivocamente, que o seu interesse econômico e social, cuja proteção
jurídica era requerida ao tribunal, estava em lhes garantir, sob diferentes bases, a continuação de
sua participação da sociedade - cujos frutos, provavelmente, deveriam ser muito mais interessantes
que a avaliação dos haveres - motivo pelo qual propugnaram ser extra petita essa solução.

8 Considerações finais

Repassada a formalidade romana para que se pudesse prestigiar, com obrigatoriedade jurídica, a
declaração de vontades como fonte livre de obrigação jurídica, não se pode perder de vista, na
interpretação dos contratos, o binômio autonomia privada/responsabilidade contratual57 e a noção
essencial de risco consentido a que as partes se colocam quando decidem, em manifestação de
vontade, vincular-se às obrigações contratuais que definiram em ato de liberdade.

Esses princípios não são estranhos ao ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, é expresso o
Código Civil (LGL\2002\400) no sentido de que deve sempre prevalecer a intenção verdadeira das
partes (art. 112), e que não só a boa-fé mas também as normas consuetudinárias (usos e costumes)
são essenciais à interpretação dos negócios jurídicos (art. 113). Esses dispositivos são suficientes
para que se possa privilegiar, nos contratos atípicos, o regulamento estabelecido pelas partes, sem
se reportar aos modelos previstos em lei, a menos que não haja contrariedade com a finalidade
contratualmente prevista pelas partes.

Quando as regras estipuladas pelas partes forem estabelecidas para fraudar a função social do
contrato típico, o regulamento voluntário previsto no instrumento contratual deverá ser afastado pelo
intérprete. Nos casos em que se puder extrair uma finalidade atípica distinta, de acordo com
necessidades econômico-sociais peculiares ao caso concreto, entretanto, a aplicação de
regulamento de contratos típicos infringirá a função social do contrato atípico e, portanto, o
estabelecido no art. 421 do CC.

Quando vislumbramos que a jurisprudência, mesmo diante dessas cláusulas gerais, passa a
subverter a vontade das partes e aplicar a contratos atípicos os regimes contratuais típicos,58 nos
deparamos, não na insuficiência do direito material, mas na realidade social e política denunciada
por Grau, juristas, juízes e tribunais danando-se a decidir a partir de valores, afastando-se do direito
positivo.59 No caso dos contratos, o direito positivo não é necessariamente o direito legislativo, mas
essencialmente o direito manifestado pelas partes - a manifestação da vontade e, especialmente a
sua intenção contratual e econômica.

A instituição de normas expressas de interpretação dos contratos atípicos parece, assim, mais uma
necessidade política e social do que uma necessidade jurídica propriamente dita. De fato, a proteção
jurídica do acordo de vontades, contextualizada nos pressupostos econômicos e sociais das partes
que, manifestando-se como raison d'étre dos contratos, justificam a derrogação dos ordenamentos
positivos codificados, especialmente em se tratando de contratos atípicos, independentemente de
norma específica nesse sentido.

Especialmente quando se trata de contratos atípicos, as obrigações das partes devem estar
estabelecidas no instrumento contratual, como uma unidade vinculada à causa objetiva, declarada
pelos contratantes para determinar o regulamento aplicável ao contrato individualmente considerado.
60
No caso, a melhor justiça não é aquela do juiz, externa à declaração de vontade e à operação
econômica, mas sim a prevalência do contrato e das disposições legais que possam integrá-lo sem
prejuízo da intenção das partes. Essa é a correta aplicação do direito privado que, como norma
fundamental tem, não o regulamento dos contratos individualmente considerados, mas a autonomia
privada como fonte livre de obrigações jurídicas.

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Vasconcelos, Pedro Pais de. Contratos atípicos. Teses de Doutoramento. Almedina: Coimbra, 2009.

1 Azevedo, Álvaro Villaça de. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. 3. ed., São Paulo: Atlas,
2009. p. 112.

2 Marky, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 1995. p. 121.

3 Idem, 129.

4 Roppo, Enzo. Ocontrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 66.


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Regime jurídico dos contratos atípicos no direito
brasileiro

5 Idem, p. 126.

6 Idem, p. 133.

7 Azevedo, Álvaro Villaça de. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos. Op. cit., p. 133.

8 Bobbio, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos. Rio de Janeiro:
Campus, 2000. p. 238.

9 Roppo, Enzo. Op. cit., p. 134.

10 Idem, p. 133.

11 Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 693.

12 Roppo, Enzo. Op. cit., p. 134.

13 Barcellos, Rodrigo. O contrato de shopping center e os contratos atípicos interempresariais. São


Paulo: Atlas, 2009. p. 14.

14 Sobre a questão entre mundo jurídico e fatos jurídicos, veja-se Pontes de Miranda, Tratado das
ações. São Paulo: Ed. RT, 1970. t. I, p. 3 e ss.

15 Roppo, Enzo. Op. cit., p. 133.

16 Vasconcelos, Pedro Pais de. Contratos atípicos. Teses de Doutoramento. Almedina: Coimbra,
2009. p. 180.

17 Briz, Jaime Santos. La contratación privada: sus problemas en el trafico moderno. Madrid:
Montecorvo, 1966. p. 82.

18 Messineo, seguindo o agrupamento de Enneccerus, Cf. Azevedo, Álvaro Villaça de. Teoria geral
dos contratos típicos e atípicos. Op. cit., p. 124.

19 Gomes, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 120.

20 Azevedo, Álvaro Villaça de. Op. cit., p. 128.

21 Gomes, Orlando. Op. cit., p. 120.

22 Na classificação dos contratos atípicos proposta por Álvaro Villaça de Azevedo, op. cit., p. 128,
diferenciam-se dentre os contratos mistos, aqueles com formas típicas e típicas, atípicas e típicas e
típicas e atípicas.

23 Gomes, Orlando. Op. cit., p. 121.

24 Azevedo, Álvaro Villaça de. Op. cit., p. 127.

25 Asquini (em oposição Mossa e Mesquina) Apud Ascarelli, Tullio. Contrato misto, negócio indireto,
"negotium mixtum cum donatione". RT 952/27, nov. 2012. São Paulo: Ed. RT, 2012. No mesmo
sentido, Briz, Jaime Santos. La contratacion privada: sus problemas em el trafico moderno. Madrid:
Montecorvo, 1966. `p. 87

26 Bausílio, Giovani. Contratti Atipici. Milani: Cedam, 2014. p. 209 e ss.

27 Sobre o contrato de engineering no direito brasileiro, com semelhantes conclusões, veja-se Couto
e Silva, Clóvis de. Contrato de engineering. RT, vol. 685, ano 81, nov. 1992. São Paulo: Ed. RT,
1992.

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Regime jurídico dos contratos atípicos no direito
brasileiro

28 "Tributário. ISS. Franchising. Dec.-lei 406/1968. Lei 8.955/1994.


1. Acórdão a quo que julgou improcedente ação declaratória cumulada com repetição de indébito
ajuizada pela recorrente, insurgindo-se contra a cobrança de ISS, ao argumento de não constar da
Lista de Serviços anexa ao Dec.-lei 406/1968 (art. 79) a prestação dos serviços de franquia, sendo
indevidos os pagamentos que efetuou.

2. O art. 2.º da Lei 8.955/1994, define o contrato de franquia do modo seguinte: 'Franquia
empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou
patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e
eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio
ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou
indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício'.

3. O franchising, em sua natureza jurídica, é 'contrato típico, misto, bilateral, de prestações


recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou
comercialização de produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos
em contrato de adesão' (SIMÃO FILHO, Adalberto. Franchising. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p.
36-42).

4. O conceito constitucional de serviço tributável somente abrange: '(a) as obrigações de fazer e


nenhuma outra; (b) os serviços submetidos ao regime de direito privado não incluindo, portanto, o
serviço público (porque este, além de sujeito ao regime de direito público, é imune a imposto,
conforme o art. 150, VI, a, da CF (LGL\1988\3)); (c) que revelam conteúdo econômico, realizados em
caráter negocial - o que afasta, desde logo, aqueles prestados a si mesmo, ou em regime familiar ou
desinteressadamente (afetivo, caritativo, etc.); (d) prestados sem relação de emprego - como
definida pela legislação própria - excluído, pois, o trabalho efetuado em regime de subordinação
(funcional ou empregatício) por não estar in comércio' (Barreto, Aires F. ISS - Não incidência sobre
franquia. Revista de Direito Tributário 64/216-221. São Paulo: Malheiros). 5. 'A franquia é um
contrato complexo nessa acepção. É inviável nela divisar a conjugação de uma pluralidade de
contratos autônomos (senão em acepção que será adiante apontada), que se somam por
justaposição. Não se trata da cumulação de contrato de cessão de marca com contrato de
transferência de tecnologia e outros contratos, cada um com individualidade própria. Há um plexo de
deveres impostos a ambas as partes, onde a transferência de tecnologia é indissociável da cessão
do uso de marca e dos demais pactos. Esses deveres não são unilaterais, muito pelo contrário.

Incumbe a ambas as partes a execução de inúmeras obrigações de fazer. Isso torna inviável a
dissociação de obrigações de fazer, para fins de identificação de 'prestação de serviço'. É impossível,
aliás, definir quem presta serviço a quem, no âmbito do contrato de franquia, tal como é inviável
apontar remuneração correspondente à prática de um dever específico. Por decorrência e
relativamente ao conjunto de atividades desenvolvidas pelas partes, em cumprimento aos plexos de
deveres de fazer e de não fazer, previstos no contrato de franquia, não se caracteriza prestação de
serviços. Nem o franqueado presta serviços ao franqueador, nem vice-versa' (Justen Filho, Marçal.
Em artigo intitulado ISS e as atividades de Franchising. Revista de Direito Tributário 64/242-256. São
Paulo: Malheiros). 6. O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários
elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de
serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol
das atividades especificadas pela Lei 8.955/1994, para fins de tributação do ISS. 7. Recurso provido"
(REsp 222.246/MG, 1.ª T., j. 13.06.2000, rel. Min. José Delgado, DJ 04.09.2000, p. 123).

29 "Recurso especial - Contrato de Franchising - Não incidência de ISS - Precedentes. 'O contrato de
franquia não se confunde com nenhum outro contrato, porquanto possui delineamentos próprios que
lhe concederam autonomia. Ainda que híbrido, não pode ser configurado como a fusão de vários
contratos específicos' (voto-vista proferido por este signatário no julgamento do REsp 189.225/RJ, DJ
03.06.2002). Dessa forma, o contrato de franquia não pode ser qualificado como uma espécie de
contrato de locação de bem móveis, consoante entendeu a Corte de origem, pois que configura um
contrato complexo, autônomo e não subordinado a nenhuma outra figura contratual.
Assim, 'em obediência ao princípio tributário que proíbe a determinação de qualquer tipo de fato
gerador sem apoio em lei, não incide o ISS sobre as atividades específicas do contrato de franquia'
(REsp 189.255/RJ, rel. Min. Peçanha Martins, DJ 03.06.2002). Recurso especial provido" (REsp
403.799/MG, 2.ª T., j. 19.02.2004, rel. Min. Franciulli Netto, DJ 26.04.2004, p. 159).
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Regime jurídico dos contratos atípicos no direito
brasileiro

30 Couto e Silva, Clóvis de. Contrato de Engeneering. RT 685/33, ano 81, nov. 1992. São Paulo: Ed.
RT, 1992.

31 Ascarelli, Tullio. Contrato misto, negócio indireto, "negotium mixtum cum donatione". RT 952/27,
nov. 2012. São Paulo: Ed. RT, 2012.

32 Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 705.

33 Betti, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coibra: Coimbra Ed.,
1969. t. I, p. 334.

34 Marino, Francisco Paulo De Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 118.

35 Ascarelli, Tullio. Contrato misto, negócio indireto, "negotium mixtum cum donatione". RT 952/27,
nov. 2012. São Paulo: Ed. RT, 2012.

36 Assicurazioni, I, n. 26. Apud ASCARELLI, Tulio. Op. cit.

37 Marino. Contratos coligados no direito brasileiro. Op. cit., p. 127.

38 Marques, Maria Beatriz Loureiro de Andrade. Novas figuras contratuais. (Tese de Doutorado).
São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 2005. p. 70.

39 Ascarelli, Tullio. Contrato misto, negócio indireto, "negotium mixtum cum donatione". RT 952/27,
nov. 2012. São Paulo: Ed. RT, 2012.

40 Leto, Angelo Piraino. I Contratti atipici e innominati. Torino: UTET, 1974. p. 68. No mesmo
sentido, Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 689.

41 Vasconcelos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 321.

42 Betti, Emilio. Interpretacion de La ley y de lós actos jurídicos. Trad. José Luiz de los Mozos.
Madrid: Ed. Revista de Derecho Privado, 1971. p. 357.

43 Leto, Angelo Piraino. Op. cit., p. 5.

44 Azevedo, Antônio Junqueira de. Parecer: Contrato atípico, complexo, com elementos de
know-how, de gestão e de mandato com administração. Indenunciabilidade de contrato de duração
determinada. Apuração de perdas e danos a partir da efetiva resilição, e não de anterior denúncia
revogada por comportamento concludente do denunciante. Novos ensaios e pareceres de direito
privado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 138.

45 Vasconcelos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 235.

46 Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 713.
Vasconceslos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 328, cita o entendimento de Helena de Brito, que, diante da
existência dos tipos sociais, nega atipicidade aos contratos mistos, defendendo que só se poderá
falar de contratos atípicos com relação aos contratos absolutamente novos, que não correspondam
nem aos tipos legais, nem aos tipos sociais.

47 Vasconcelos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 241.

48 Idem, p. 243.

49 Nesse sentido, é expresso o parágrafo único do art. 6.º da proposição legislativa de Álvaro Villaça
de Azevedo, Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, Op. cit., p. 184, in verbis: "As normas
regulamentadoras dos contratos típicos, em geral, poderão ser aplicadas aos contratos atípicos,
desde que não se desnature a natureza e a unidade da contratação".
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Regime jurídico dos contratos atípicos no direito
brasileiro

50 Vasconcelos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 217.

51 Idem, p. 331.

52 Azevedo, Antônio Junqueira de. Parecer: Contrato atípico, complexo, com elementos de
know-how, de gestão e de mandato com administração. Indenunciabilidade de contrato de duração
determinada. Apuração de perdas e danos a partir da efetiva resilição, e não de anterior denúncia
revogada por comportamento concludente do denunciante. Novos ensaios e pareceres de direito
privado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 139.

53 Antonio Junqueira de Azevedo, nesse sentido, ao qualificar determinado contrato, é expresso ao


remeter-se às consideranda estabelecidas pelas partes. Parecer: Contrato atípico, complexo, com
elementos de know-how, de gestão e de mandato com administração. Indenunciabilidade de contrato
de duração determinada. Apuração de perdas e danos a partir da efetiva resilição, e não de anterior
denúncia revogada por comportamento concludente do denunciante. Novos ensaios e pareceres de
direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 140.

54 Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 694.

55 Vasconcelos, Pedro Pais de. Op. cit., p. 447.

56 STJ, REsp 61.890/SP, 4.ª T., j. 18.06.1998, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ 22.03.1999,
p. 207.

57 Roppo, Enzo. Ocontrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 126.

58 Esse é fenômeno que acontece não apenas no Brasil, mas também na Itália, Cf. Leto, Angelo
Piraino. I Contratti atipici e innominati. Torino: Utet, 1974. p. 71.

59 Grau, Eros Roberto. Porque tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os
princípios). 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2009. p. 138.

60 Messineo, Francesco. Il Contratto in Genere. Tomo Primo. Milano: Giuffrè, 1973. p. 707.

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