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02 - Pozo - As Mudanças Nas Formas de Ensinar e Aprender
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S
erá que algo realmente mudou nas formas de ensi- nativos digitais, segundo a feliz expressão de Prensky
nar e aprender na era digital? Essa é uma pergun- (2001). Eles já naturalizaram o uso dessas tecnologias, que
ta que nos fazemos com frequência todos os que são mais sensíveis às necessidades do aluno. Dessa manei-
nos preocupamos com a educação. Será que hou- ra, cresceram seu interesse e sua competência no uso da
ve mudanças reais, substanciais, nas formas de ensinar e informação e do conhecimento. Os principais avanços in-
aprender em nossas salas de aula, em particular no ensino troduzidos pelas TICs são apresentados a seguir (de Alda-
médio, como consequência do impacto das tecnologias da ma, 2012; Coll e Monereo, 2008; Collins e Halverson, 2009).
informação e da comunicação (TICs) na sociedade? 1. Adaptação ao aprendiz: a imensa quantidade de in-
Quando perguntamos aos próprios docentes ou ras- formação e recursos disponíveis na rede permite ao usuá
treamos os estudos a respeito realizados nas últimas dé- rio selecionar a informação que mais se ajusta aos seus
cadas, a resposta pode ser ambígua, quando não contradi- interesses e necessidades, o que favorece a autorregulação
tória. Encontramos desde os otimistas que apostam entu- e o controle da própria aprendizagem. É o aprendiz quem
siasticamente no uso das TICs em sala de aula até aqueles decide o quê, como e quando aprender.
que, ao contrário, mostram-se pessimistas e acreditam 2. Interação: as TICs favorecem um cenário dialógico
que a gestão da informação digital, por seu imediatismo, em que cada ação do aprendiz pode ser acompanhada de
Foto de ©iStockphoto.com/Liliboas
superficialidade e falta de reflexão, supõe um um feedback. Um bom uso dessas tecnologias per-
empobrecimento das formas de pensar e mite ao usuário tomar consciência de seus
conhecer. E, finalmente, há os céticos próprios atos (função metacognitiva).
que, ao analisar não o que deve ser, e 3. Apoio: um dos problemas mais
sim o que realmente aconteceu até comuns no ensino tradicional é o
agora, observam que as TICs não aprendiz não ver sentido na tare-
tiveram quase nenhum impacto. Há quem aposte fa, seja porque ela se situa mui-
Na sequência, vamos re- entusiasticamente to abaixo ou muito acima de sua
ver brevemente cada uma zona de desenvolvimento pro-
dessas três posições (otimista, no papel transformador ximal. As TICs permitem ofere-
pessimista e cética) a fim de cer as ajudas adequadas a cada
mostrar que elas podem ser das TICs nas formas aprendiz em cada momento.
visões complementares e que
de ensinar e aprender 4. Jogos e simulação: as
é possível conciliá-las em uma TICs permitem simular cenários PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 5 Nº 19 Dez 2013/fev 2014
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O argumento pessimista: as TICS empobrecem ou incrédula, segundo a qual as mudanças não são nem
as formas de ensinar e aprender positivas nem negativas, pois simplesmente não houve mu-
De uma ótica completamente oposta à anterior, os pessi- danças de fato: as formas de ensinar e aprender na era
mistas sustentam que a interação com a informação na era digital são as mesmas que sempre predominaram na es-
digital supõe um empobrecimento das formas de conhecer, cola, apenas se modificando o suporte quando as TICs são
na medida em que promove o imediatismo, a superficiali- introduzidas em sala de aula (o que não é muito comum).
dade e a falta de reflexão, como demonstram as conversas Esse argumento cético apoia-se em dados de pesqui-
nas redes sociais (Carr, 2011). Existe algo realmente im- sas que indicam que os alunos, quando processam informa-
portante do ponto de vista do conhecimento que se possa ções digitais, costumam ter dificuldade para converter es-
dizer em um tweet, em 140 caracteres, pouco mais de 20 sas informações em verdadeiro conhecimento (Pozo, 2002,
palavras (mais ou menos o que utilizamos para formular 2004). Por exemplo, o Informe PISA-ERA 2009 mostra, ao
essa pergunta)? Nesse sentido, os argumentos essenciais contrário do argumento otimista, que a leitura digital dos
a favor dessa posição estão listados a seguir (de Aldama, adolescentes em muitos países — incluídos todos os da Amé-
2012; Carr, 2011, Collins e Halverson, 2009). rica Latina, entre os quais o Brasil — é pior que a sua leitura
1. Empobrecimento cognitivo na era digital: os tradicional em papel. Listamos a seguir as deficiências que
alunos estão acostumando-se a um acesso imediato podem ser observadas (Coll e Monereo, 2008).
à informação, que não requer deles um pro- 1. Estratégias de seleção das infor-
cesso de reflexão e construção pessoal. mações: os alunos não sabem buscar e
Além disso, é comum realizarem vá- selecionar as informações relevantes,
rias tarefas ao mesmo tempo, o que deixando-se levar pelo próprio fluxo
impede um processamento elabo- e formato em que se apresentam.
rado da informação. A interação com 2. Tradução da informa-
2. Gestão da sala aula: ção de um código a ou-
são frequentes as dificuldades
a informação na tro: os alunos têm dificulda-
na gestão da sala de aula com era digital supõe um de quando as informações são
a introdução das TICs, devi- apresentadas em códigos dife-
do à escassez de recursos (na empobrecimento das rentes (texto, imagens, etc.) e
absoluta maioria dos casos, os é necessário traduzi-las de um
alunos são obrigados a compar-
formas de conhecer para outro.
tilhar os computadores) e perda 3. Integração de diferen-
do controle sobre as tarefas que os tes fontes e tipos de infor-
alunos realizam. mação: para além da dificuldade de
3. Os computadores não podem en- tradução, há problemas quando os alu-
sinar tudo: as novas tecnologias propor- nos deparam-se com informações diversas
cionam conteúdos, mas em nenhum caso chegarão a ou contraditórias, como ocorre nos espaços virtuais,
ensinar tudo o que é necessário. As aprendizagens sociais e onde nunca se tem um saber consolidado e estabelecido.
PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 5 Nº 19 Dez 2013/fev 2014
atitudinais devem ser mediadas pelo docente. 4. Tendência a reproduzir em vez de refletir so-
4. Autoridade e ensino: alguns docentes, acostumados bre a informação encontrada: no melhor dos casos,
a que sua autoridade repouse sobre os conhecimentos e sa- quando se deparam com informações diversas, os alunos
bedoria que compartilham com os alunos, sentem-se amea tendem a usar o “recortar e colar” em vez de procurar cons-
çados ao constatar que as TICs estão cumprindo suas fun- truir sua própria visão, integrando essas diversas posições.
ções. Se antes o único conhecimento legítimo que emergia
em uma sala de aula era aquele proporcionado pelo docen- Para além do ceticismo:
te, hoje a informação e suas fontes multiplicam-se quase novos usos das TICs para
indefinidamente. Esses condicionantes supõem um desafio mudar as salas de aula
e um esforço redobrados para os docentes, que se veem Em suma, boa parte dos adolescentes nativos digitais tem
forçados a modificar seus modelos de ensino e instrução. uma alfabetização digital (sabe usar as TICs), mas não tem
uma alfabetização digital que os habilite com as estratégias
O argumento cético: necessárias para transformar essa informação a que conse-
será que algo realmente mudou? guem ter acesso — muitas vezes melhor que seus professo-
Por fim, podemos apontar uma terceira visão, mais cética res! — em conhecimento autêntico. Essa é uma demanda
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(Pozo et al., 2006; Pozo e Pérez Echeverría, 2001). De uma saiba COLL, C.; MONEREO, C. e cols. Psicologia
da educação virtual: aprender e ensinar
perspectiva tradicional ou direta, na qual a função da edu- com as tecnologias da informação e da
cação é transmitir aos alunos saberes estabelecidos, bem comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010.
definidos, o impacto das TICs limita-se a mudar o suporte
VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo zappiens:
da prática docente em vez de transformá-la (de Aldama, educando na era digital. Porto Alegre:
2012). Contudo, se acreditamos que o conhecimento não é Artmed, 2009. Livro no formato e-book.
um fim em si mesmo, mas o meio para construir competên-
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