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A MUDANçA NAS FORMAS DE ENSINAR E APRENDER NA ERA DIGITAL

Article · January 2013

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Juan Ignacio Pozo Carlos de Aldama


Universidad Autónoma de Madrid European University of Madrid
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CAPA A mudança nas formas
de ensinar e aprender
na era digital
Juan Ignacio Pozo
Carlos de Aldama
PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 5 Nº 19 Dez 2013/fev 2014

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Se o conhecimento não é um fim em si mesmo,
mas o meio para construir competências nos alunos,
as TICs são ferramentas extraordinariamente
poderosas e um espaço para construir uma nova
cultura de aprendizagem

S
erá que algo realmente mudou nas formas de ensi- nativos digitais, segundo a feliz expressão de Prensky
nar e aprender na era digital? Essa é uma pergun- (2001). Eles já naturalizaram o uso dessas tecnologias, que
ta que nos fazemos com frequência todos os que são mais sensíveis às necessidades do aluno. Dessa manei-
nos preocupamos com a educação. Será que hou- ra, cresceram seu interesse e sua competência no uso da
ve mudanças reais, substanciais, nas formas de ensinar e informação e do conhecimento. Os principais avanços in-
aprender em nossas salas de aula, em particular no ensino troduzidos pelas TICs são apresentados a seguir (de Alda-
médio, como consequência do impacto das tecnologias da ma, 2012; Coll e Monereo, 2008; Collins e Halverson, 2009).
informação e da comunicação (TICs) na sociedade? 1. Adaptação ao aprendiz: a imensa quantidade de in-
Quando perguntamos aos próprios docentes ou ras- formação e recursos disponíveis na rede permite ao usuá­
treamos os estudos a respeito realizados nas últimas dé- rio selecionar a informação que mais se ajusta aos seus
cadas, a resposta pode ser ambígua, quando não contradi- interesses e necessidades, o que favorece a autorregulação
tória. Encontramos desde os otimistas que apostam entu- e o controle da própria aprendizagem. É o aprendiz quem
siasticamente no uso das TICs em sala de aula até aqueles decide o quê, como e quando aprender.
que, ao contrário, mostram-se pessimistas e acreditam 2. Interação: as TICs favorecem um cenário dialógico
que a gestão da informação digital, por seu imediatismo, em que cada ação do aprendiz pode ser acompanhada de

Foto de ©iStockphoto.com/Liliboas
superficialidade e falta de reflexão, supõe um um feedback. Um bom uso dessas tecnologias per-
empobrecimento das formas de pensar e mite ao usuário tomar consciência de seus
conhecer. E, finalmente, há os céticos próprios atos (função metacognitiva).
que, ao analisar não o que deve ser, e 3. Apoio: um dos problemas mais
sim o que realmente aconteceu até comuns no ensino tradicional é o
agora, observam que as TICs não aprendiz não ver sentido na tare-
tiveram quase nenhum impacto. Há quem aposte fa, seja porque ela se situa mui-
Na sequência, vamos re- entusiasticamente to abaixo ou muito acima de sua
ver brevemente cada uma zona de desenvolvimento pro-
dessas três posições (otimista, no papel transformador ximal. As TICs permitem ofere-
pessimista e cética) a fim de cer as ajudas adequadas a cada
mostrar que elas podem ser das TICs nas formas aprendiz em cada momento.
visões complementares e que
de ensinar e aprender 4. Jogos e simulação: as
é possível conciliá-las em uma TICs permitem simular cenários PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 5 Nº 19 Dez 2013/fev 2014

visão moderadamente otimista. de aprendizagem real, ao mesmo


Para isso, deveremos assumir boa tempo em que reduzem as conse-
parte dos argumentos pessimistas e cé- quências negativas que poderiam ad-
ticos se realmente desejamos que as TICs vir nesse contexto.
tornem-se um meio para transformar, como pa- 5. Multimídia: graças às novas tecnologias, o
rece necessário, as formas de ensinar e aprender em sala conhecimento elaborado em sala de aula passa do formato
de aula, particularmente no ensino médio. impresso (próprio do ensino tradicional) para um formato
multimídia, ampliando enormemente as modalidades de
O argumento otimista: expressão e comunicação.
o poder transformador das TICs 6. Publicação: nas aulas tradicionais, os alunos conso-
Há quem aposte entusiasticamente no papel transformador mem informação ou, no melhor dos casos, produzem algum
das TICs nas formas de ensinar e aprender. Essas pessoas conteúdo que será supervisionado apenas pelo docente.
apoiam-se na ideia de que a interação com tais tecnologias As TICs permitem mostrar criações próprias e originais a
é muito atrativa para os adolescentes de hoje, verdadeiros um público real.

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CAPA

O argumento pessimista: as TICS empobrecem ou incrédula, segundo a qual as mudanças não são nem
as formas de ensinar e aprender positivas nem negativas, pois simplesmente não houve mu-
De uma ótica completamente oposta à anterior, os pessi- danças de fato: as formas de ensinar e aprender na era
mistas sustentam que a interação com a informação na era digital são as mesmas que sempre predominaram na es-
digital supõe um empobrecimento das formas de conhecer, cola, apenas se modificando o suporte quando as TICs são
na medida em que promove o imediatismo, a superficiali- introduzidas em sala de aula (o que não é muito comum).
dade e a falta de reflexão, como demonstram as conversas Esse argumento cético apoia-se em dados de pesqui-
nas redes sociais (Carr, 2011). Existe algo realmente im- sas que indicam que os alunos, quando processam informa-
portante do ponto de vista do conhecimento que se possa ções digitais, costumam ter dificuldade para converter es-
dizer em um tweet, em 140 caracteres, pouco mais de 20 sas informações em verdadeiro conhecimento (Pozo, 2002,
palavras (mais ou menos o que utilizamos para formular 2004). Por exemplo, o Informe PISA-ERA 2009 mostra, ao
essa pergunta)? Nesse sentido, os argumentos essenciais contrário do argumento otimista, que a leitura digital dos
a favor dessa posição estão listados a seguir (de Aldama, adolescentes em muitos países — incluídos todos os da Amé-
2012; Carr, 2011, Collins e Halverson, 2009). rica Latina, entre os quais o Brasil — é pior que a sua leitura
1. Empobrecimento cognitivo na era digital: os tradicional em papel. Listamos a seguir as deficiências que
alunos estão acostumando-se a um acesso imediato podem ser observadas (Coll e Monereo, 2008).
à informação, que não requer deles um pro- 1. Estratégias de seleção das infor-
cesso de reflexão e construção pessoal. mações: os alunos não sabem buscar e
Além disso, é comum realizarem vá- selecionar as informações relevantes,
rias tarefas ao mesmo tempo, o que deixando-se levar pelo próprio fluxo
impede um processamento elabo- e formato em que se apresentam.
rado da informação. A interação com 2. Tradução da informa-
2. Gestão da sala aula: ção de um código a ou-
são frequentes as dificuldades
a informação na tro: os alunos têm dificulda-
na gestão da sala de aula com era digital supõe um de quando as informações são
a introdução das TICs, devi- apresentadas em códigos dife-
do à escassez de recursos (na empobrecimento das rentes (texto, imagens, etc.) e
absoluta maioria dos casos, os é necessário traduzi-las de um
alunos são obrigados a compar-
formas de conhecer para outro.
tilhar os computadores) e perda 3. Integração de diferen-
do controle sobre as tarefas que os tes fontes e tipos de infor-
alunos realizam. mação: para além da dificuldade de
3. Os computadores não podem en- tradução, há problemas quando os alu-
sinar tudo: as novas tecnologias propor- nos deparam-se com informações diversas
cionam conteúdos, mas em nenhum caso chegarão a ou contraditórias, como ocorre nos espaços virtuais,
ensinar tudo o que é necessário. As aprendizagens sociais e onde nunca se tem um saber consolidado e estabelecido.
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atitudinais devem ser mediadas pelo docente. 4. Tendência a reproduzir em vez de refletir so-
4. Autoridade e ensino: alguns docentes, acostumados bre a informação encontrada: no melhor dos casos,
a que sua autoridade repouse sobre os conhecimentos e sa- quando se deparam com informações diversas, os alunos
bedoria que compartilham com os alunos, sentem-se amea­ tendem a usar o “recortar e colar” em vez de procurar cons-
çados ao constatar que as TICs estão cumprindo suas fun- truir sua própria visão, integrando essas diversas posições.
ções. Se antes o único conhecimento legítimo que emergia
em uma sala de aula era aquele proporcionado pelo docen- Para além do ceticismo:
te, hoje a informação e suas fontes multiplicam-se quase novos usos das TICs para
indefinidamente. Esses condicionantes supõem um desafio mudar as salas de aula
e um esforço redobrados para os docentes, que se veem Em suma, boa parte dos adolescentes nativos digitais tem
forçados a modificar seus modelos de ensino e instrução. uma alfabetização digital (sabe usar as TICs), mas não tem
uma alfabetização digital que os habilite com as estratégias
O argumento cético: necessárias para transformar essa informação a que conse-
será que algo realmente mudou? guem ter acesso — muitas vezes melhor que seus professo-
Por fim, podemos apontar uma terceira visão, mais cética res! — em conhecimento autêntico. Essa é uma demanda

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imprescindível para construir uma verdadeira sociedade do cias nos alunos, para dotá-los de estratégias que convertam
conhecimento, que requer uma nova cultura da aprendiza- a informação em conhecimento, então as TICs constituem
gem (Pozo, 2002, 2004) — uma cultura que implica o uso das não apenas ferramentas extraordinariamente poderosas,
TICs não para reproduzir velhos hábitos de ensino e apren- mas também um novo espaço para construir uma nova cul-
dizagem transmissivos, e sim para fomentar novas formas tura de aprendizagem em nossas salas de aula.
de aprender e ensinar em que o docente seja o mediador de
um diálogo que transcenda a sala de aula para incorporar os NOTA
novos espaços de conhecimento abertos pelas TICs. Concre- 1. O Informe PISA-ERA 2009 (Programa para la Evaluación Inter-
nacional de los Alumnos — OCDE), produzido pelo Instituto de
tamente, os modos de gerir a informação através das TICs
Avaliação do Ministério de Educação da Espanha, baseia-se no
deveriam ajudar a promover três mudanças essenciais nas sexto volume do PISA 2009, que oferece resultados acerca do uso
formas de ensinar e aprender, tal como segue. de computadores pelos alunos.
1. A passagem de uma epistemologia realista centrada
na transmissão de conhecimentos “verdadeiros”, consoli- REFERÊNCIAS
dados, para uma gestão da incerteza, mais característica CARR, N. ¿Qué está haciendo internet con nuestras mentes? Super-
ficiales. Madrid: Taurus, 2011.
dos tempos atuais. Se, como disse Morin (1999), conhecer
COLL, C.; MONEREO, C. (eds.). Psicología de la educación virtual.
e saber hoje não é apropriar-se de verdades, mas sim gerir Madrid: Morata, 2008.
a incerteza própria destes tempos, as TICs devem ser uma COLLINS, A.; HALVERSON, R. Rethinking education in the age of te-
ferramenta essencial para dotar a os alunos de competên- chnology: the digital evolution and schooling in America. New
York: Teachers College Press, 2009.
cias para navegar nessa incerteza.
DE ALDAMA, C. Concepciones del profesorado sobre los usos de las
2. A passagem de uma gestão unidirecional do conheci- TIC en contextos educativos. Trabajo de fin del master oficial
mento (monológica) para uma gestão multidirecional (dia- en Psicología de la Educación, Facultad de Psicología, Universi-
lógica). Devemos passar das salas de aula nas quais só dad Autónoma de Madrid, 2012.
INSTITUTO DE EVALUACIÓN. PISA 2009: Programa para la evaluación
se ouve a voz do conhecimento estabelecido na voz do
internacional de los alumnos. Informe español. Madrid: Minis-
docente ou do livro de texto para um espaço dialógico, mas terio de Educación, 2009.
baseado em um diálogo muito diferente daquele do que MORIN, E. La mente bien ordenada. Barcelona: Seix Barral, 1999.
se produz nas redes sociais. Aqui não se trata de trocar POZO, J.I.; PÉREZ ECHEVERRÍA, M.P. As concepções dos professores
sobre a aprendizagem: rumo a una nova cultura educacional.
opiniões, e sim de construir argumentos e conhecimentos
Pátio Revista Pedagógica, ano IV, n. 16, p. 19-23, fev./abr. 2001.
através de um diálogo mediado pelo docente. POZO, J.I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem.
3. A passagem de representações estáticas e proposicio- Porto Alegre: Artmed, 2002.
nais apoiadas em “ilustrações” para a integração dinâmica POZO, J.I. A sociedade da aprendizagem e o desafio de converter
informação em conhecimento. Pátio Revista Pedagógica, ano
de múltiplos sistemas de representação. Diferentemente
VIII, n. 31, p. 8-11, ago./out. 2004.
dos sistemas mais tradicionais, as TICs permitem àquele POZO, J.I. et al. (eds.). Nuevas formas de pensar la enseñanza
que interage com a informação que não apenas a receba, y el aprendizaje: las concepciones de profesores y alumnos.
mas que também a transforme, que produza novas repre- Barcelona: Graó, 2006.
PRENSKY, M Digital based-game learning. New York: McGraw Hill,
sentações e conhecimentos compartilhados, baseados em
2001.
múltiplos códigos distribuídos tanto no espaço quanto no
tempo, o que nos aproxima da ideia do aprendiz como PÁTIO ENSINO MÉDIO ANO 5 Nº 19 Dez 2013/fev 2014
Juan Ignacio Pozo é professor de Psicologia
construtor do próprio conhecimento. da Aprendizagem na Faculdade de Psicologia
Porém, sabemos que, para que essas mudanças ocor- da Universidade Autônoma de Madri (Espanha).
ram, é necessário não apenas dispor desses recursos tec-
Carlos de Aldama é psicólogo e pesquisador na Faculdade
nológicos em sala de aula, que seria uma primeira barrei- de Psicologia da Universidade Autônoma de Madri (Espanha).
ra, mas também mudar a forma como professores e alunos carlos.dealdama@uam.es
concebem seu uso e suas funções — em suma, mudar suas
mentalidades ou concepções de ensino e aprendizagem

+
(Pozo et al., 2006; Pozo e Pérez Echeverría, 2001). De uma saiba COLL, C.; MONEREO, C. e cols. Psicologia
da educação virtual: aprender e ensinar
perspectiva tradicional ou direta, na qual a função da edu- com as tecnologias da informação e da
cação é transmitir aos alunos saberes estabelecidos, bem comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010.
definidos, o impacto das TICs limita-se a mudar o suporte
VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo zappiens:
da prática docente em vez de transformá-la (de Aldama, educando na era digital. Porto Alegre:
2012). Contudo, se acreditamos que o conhecimento não é Artmed, 2009. Livro no formato e-book.
um fim em si mesmo, mas o meio para construir competên-

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