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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
PROVINCIA DE TETE
GOVERNO DO DISTRITO DE ZUMBU
Escola Secundária de Zumbo
Filosofia 12ª Classe, III trimestre
Unidade Temática III: Filosofia Africana
Por Ilustre Almirante Francisco Escrivão1

1. Filosofia Africana

1.1 Definição (Conceito)

Filosofia Africana- é o conjunto de pensamento escrito por africanos com vista à emancipação
e reconhecimento do homem negro, quer dentro ou fora de África.

O africano Abdoulaye Wade, antigo presidente de Senegal (2000-2012), defende que “a


cultura negra é como uma boa terra, propícia para o desenvolvimento da física que transforma o
mundo”. Este pensamento africano constitui exemplo vivo de luta pelo reconhecimento da
personalidade africana.

1. 2. Contextualização do debate da Filosofia Africana

1.2.1. Questões Históricas

Com as viagens de descobrimento durante a expansão europeia, os europeus conheceram


outros povos que foram julgados em função dos usos e costumes da cultura ocidental. É neste
contexto que tais europeus desenvolveram várias filosofias com o objectivo de emporcalhar
(sujar) a dignidade dos negros no mundo inteiro. Outrora, todas investigações antropológicas
e sociológicas preocupavam-se em provar que a raça branca era superior em relação à negra.

A agravante disto é que na altura, os negros não tinham respostas imediatas e escritas para
contrapor as teses ou pensamento dos europeus. A teologia, a Filosofia e o Direito foram
instrumentos usados neste processo de colonização. A teologia definiu o povo negro como
descendente de Cham, um homem que viu a nudez do pai. Constata-se que o homem negro
aparece como símbolo de maldição ou desgraça. Daí concluíram os europeus que a raça negra
pertenceria a geração dos condenados de Deus, os condenados da terra.

1Docente de Filosofia na Escola Secundária de Zumbu. E-mail: almifraes@gmail.com/tell.


840293439/863282636. III Trimestre, ano lectivo 2020.
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Esta análise sobre o universo do povo negro, fez com que no capítulo da Filosofia, François
Marie Arouet, que adoptou o nome de Voltaire na sua obra História do século XIV, afirmasse
que o povo mais elevado é o francês e o mais baixo é o africano. Jean- Jacques Rousseau
sustenta a ideia de que os africanos são bons selvagens. Para Hegel os africanos são povos
sem história e por consequência sem humanidade. Enquanto Immanuel Kant vai dizer que os
africanos são povos sem interesse. Lucien Lévy-Bruhl defende que os africanos têm uma
mentalidade pré-lógica, ou seja, pensam pouco. Ao passo que Charles de Montesquieu veio a
afirmar que os africanos são povos sem Leis. Por sua vez, os antropólogos Morgan e Tylor
avançaram a ideia de que África é uma sociedade morta.

No âmbito de Direito, o monarca francês Luís XIV escreveu O Código Negro, espécie exaltação
da supremacia de direitos dos brancos ou senhores sobre os negros.

Em Panafricanisme ou communisme? O africano George Padmore, diante destas teorias de


dominação, vai reagir afirmando que esta humilhação provocou uma enorme crise no
pensamento, na palavra e no agir do povo negro. Fixava-se deste modo o Ocidentalismo, cujo
objectivo era a promoção de uma antropologia triunfalista, segundo a qual a classe dos
brancos é herdeira exclusiva da humanidade inteira. Lecrec na sua obra Crítica de
Antropologia vai afirmar que a Antropologia desenvolvida pelos europeus destruía os outros
povos e poderia ser classificada como um verdadeiro vandalismo cultural, narcisista,
agressivo e destruidor.

Por isso, mais tarde as ciências sociais e humanas desenvolveram novas abordagens,
incorporando uma visão diferente em relação as culturas não-ocidentais. Passou-se a
defender que não existe um povo sem cultura. Portanto, a cultura de cada povo representa a
civilização de um determinado povo, independentemente da situação geográfica, histórica,
social e económica. Porém, o ocidentalismo marcado pelas descriminações não só influenciou
a mentalidade europeia, como também criou sequelas na mentalidade do próprio povo negro.
A auto-estima dos negros ficou abalada severamente, fazendo com que o próprio negro se
conformasse da sua inferioridade.

1.2.2. A necessidade do filósofo africano

Diante destas situações históricas, políticas e filosóficas desfavoráveis a cultura e civilização


dos negros, urge a necessária intervenção do filósofo africano com vista a projectar o futuro
homem africano, partindo da sua própria história. Isto passava necessariamente pelas
seguintes estratégias:
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- Reabilitar a imagem do homem negro, mostrando-lhe que é um homem igual ao branco.


Neste aspecto, o filósofo africano cruza um grande desafio, pois tratava-se de convencer o
homem negro, que sempre foi escravo/servo do branco de que ele próprio é igual ao seu
patrão. Tarefa que até hoje continua a ser realizada pelo filósofo africano junto das
comunidades que até então infelizmente ainda prevalece esta mentalidade.

Portanto, foi para responder o paradigma de libertação política e cultural do Homem


negro que alguns pensadores africanos desenvolveram fortes debates sobre a existência ou
não da filosofia africana. Observe que a nossa abordagem até aqui mostra que o homem negro
ao ser colonizado/escravizado, perdeu o estatuto de pessoa, assim como pretendemos deixar
a ideia de que os colonizadores convenceram o povo negro de que não tinha nenhum valor se
não apenas servir como um escravo. A filosofia africana vem recuperar a auto-estima que o
homem negro tinha perdido com a dominação colonial.

Actividade

1- Com o colonialismo, o homem negro ganhou o estatuto de pessoa. Concordas? Justifique a


tua resposta.

2. Por suas palavras explique a necessidade do filósofo africano.

3. Para Hegel os africanos são povos sem história e por consequência sem humanidade. Que
apreciação argumentativa faz diante deste posicionamento hegeliano?

1. 3. A Existência ou não da filosofia africana

Existe Filosofia Africana?

Alguns estudiosos africanos e não africanos desenvolveram pesquisas apresentando ao


mundo investigações sobre etnias africanas, denominando-as “Filosofia Africana”. Os filósofos
que acreditam na existência da filosofia africana a partir dos estudos das etnias também
africanas, podemos destacar: Anyanh, Plácide Tempels, Alexis Kagame,John Mbiti, entre
outros.

Porém, a questão que os críticos levantam é se podemos falar da Química ou Física africanas
da mesma maneira que os filósofos acima descritos falam da filosofia africana. Os filósofos
críticos: Hountondji, Franz Chahai, E. Boulaga, M. Towa, Oruka, Weredu, entre outros, negam a
ideia da existência de filosofia africana. O problema fundamental que se coloca é mais o de
objecto de estudo do que a designação em si.
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1.3.1. Principais correntes da Filosofia Africana

a) ETNOFILOFIA – é uma corrente que busca o reconhecimento do negro como homem a


partir dos estudos das suas etnias. Por isso, os defensores desta corrente são também
designados por etnofilósofos. Estes defendem que toda Filosofia é uma filosofia cultural, ou
seja, ninguém faz filosofia sem se basear em alguma cultura. Segundo Anyanh a missão do
filósofo africano é de compreender e explicar os princípios sobre os quais se baseia cada uma
das culturas africanas.

Entretanto, as investigações de Anyanh foram alvos de muitas críticas pelos seguintes


motivos:

- Descreviam práticas habituais dos africanos afirmando-se como Filosofia Africana;

- Os estudos quando eram feitos por africanistas não-africanos, denegriam o africano. Como é
o exemplo de Placide Tempels (de Bélgica) ao defender que os africanos tinham uma lógica
menor;

- Uma simples catologação de mitos, provérbios e crenças considerava-se de filosofia africana;

- Alexis Kagame inspirando-se na filosofia de Aristóteles escreveu uma obra intitulada A


filosofia Bantu-Ruandês do ser, trazendo à tona as categorias aristotélias do ser através de
análise gramatical rigorosa das estruturas linguísticas locais;

- O Sacerdote Belga Placide Tempels dizia que existe uma filosofia do negro, mas diferente na
forma e no conteúdo da filosofia europeia. Por estas e mais reflexões influenciaram para que
os críticos negassem à ideia de existência de filosofia africana. Entretanto há uma lição
positiva nos estudos de Tempels, pois contribuiram sobremaneira para a redefinição do
relacionamento entre o ocidente e o povo negro.

b) FILOSOFIA PROFISSIONAL E CRÍTICA À ETNOFILOSOFIA

Os críticos da etnofilosofia defendem que não podemos confundir o emprego do termo


“Filosofia”, usando-o no sentido ideológico. A Filosofia é uma palavra que se utiliza para
designar uma ciência rigorosamente científica. Portanto, defender que os africanos têm sua
própria filosofia seria cair nas mãos dos colonizadores, que querem dar ou manter a ilusão de
que os africanos têm uma filosofia. Segundo os filósofos da filosofia profissional, nós os
africanos o que temos realmente são mitos, crenças e provérbios.
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Paulin Hountondji (Benin) é um dos grandes críticos e vale-se dos seguintes argumentos
expressos na obra African Philosophy, Mythe and Reality, de 1974:

1. Não podemos aceitar que haja uma filosofia africana que claramente nega a filosofia em
geral;

2. A filosofia no sentido restrito é uma disciplina científica, teorética e individual como a


linguística e outras áreas. Pelo que, não pode ser substituída por crenças populares, práticas
tradicionais e comportamentos vulgares de um povo qualquer;

3. Enquanto disciplina científica, a filosofia sempre emerge em oposição aos mitos, as religiões
tradicionais e ao seu respectivo conservadorismo e dogmatismo. Hountondji sustenta que,
tudo que é dogmático não pode ser filosófico. E prossegue advertindo que a relação entre a
filosofia, os mitos e as religiões não é arquivista ou arqueológica, mas de continuidade e
transformação consciente e de crítica contínua da tradição de um povo frente aos desafios do
futuro. Por isso, para Hountondji não faz sentido querer que a filosofia africana exista.

4. Todo projecto de edificar uma filosofia africana é um projecto europeu que tenta sufocar a
capacidade criativa dos africanos porque esperam que os filósofos africanos sejam simples
activistas das suas tradições culturais, em vez de pensadores originais;

5. É certo que a filosofia africana não pode nascer ex-nihil (do nada), mas que parte da
herança cultural. A filosofia africana deve ser uma confrontação criativa das suas ideias com o
presente e o futuro.

6. O papel da filosofia africana deve ser desempenhado pelos filósofos africanos, em cuja
africanidade não consiste em falar da África ou em tratar sobre os problemas africanos, mas
na conversa entre africanos que são filósofos qualificados e profissionais que usam a razão de
maneira crítica e criadora. Na visão de Hountondji, a universalidade da Filosofia deve ser
conservada sem que isto signifique tratar dos mesmos assuntos.

De acordo com Hountondji não podemos manipular as palavras em nome da cultura africana.
Diante desta temática, Odera filósofo Queniano, humoristicamente comentou alertando que
“tudo que é superstição é apresentado como religião africana”. Por isso, pensa Hountondji que
não devemos admitir que o ocidente pense que tudo relacionado aos mitos, crenças e
provérbios, nós aprovemos como filosofia africana.

Em suma, os filósofos críticos da etnofilosofia recusam-se a aceitar a abordagem etnofilosófica


como sendo filosofia africana porque, no seu entender reforçaria a forma inferior de fazer
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filosofia, ou seja, promoveria a ideia de diferença entre a racionalidade dos africanos e a dos
europeus. A ideia de filosofia africana deve ser aliada ao projecto de crítica e reflexão dos
africanos discutindo e trazendo solução para os problemas de África.

Actividade

- No seu caderno, em seis (6) linhas, argumente sobre a existência ou não de Filosofia africana
segundo Hountondji.

1.4. Filosofia Política (uma consolidação)

A colonização dos africanos e a sua consequente escravização fez com que o povo negro fosse
visto como inferior. Esta situação levou o homem negro a definir-se como um guerreiro da
liberdade. Frente a estas circunstâncias, vários intelectuais empenharam-se em investigar o
passado histórico dos africanos com o objectivo de encontrar bases para fundamentar o seu
valor. É pela busca deste valor que foram criados movimentos, como o Pan-africanismo e a
Negritude, que serviam como meio de união dos africanos no que se refere aos domínios
político e cultural, respectivamente.

As primeiras tentativas de criar um movimento nacionalista ao nivel de Moçambique, foram


feitas pelos moçambicanos que trabalhavam nos países vizinhos, onde estavam fora do
alcance imediato da PIDE. No início, o velho problema da falta de comunicação levou a criação
de três (3) movimentos: UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), criado em
1960, em Salisbury. MANU (Mozambique African National Union), formado em 1961, apatir
de vários pequenos grupos já existentes entre os moçambicanos que trabalhavam no
Tanganhica e Quénia, sendo um dos maiores o Mozambique Makonde Union. UNAMI
(UniãoAfricana de Moçambique Independente), fundado por expatriados da região de Tete
que viviam no Malawi.

Portanto, a 25 de Junho de 1962, estes três (3) movimentos fundiram-se em Dar Es-Salam
para formar a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), sendo Eduardo Chivambo
Mondelane o protagonista principal da ideia desta unidade.

No período pós-colonial e de independência, a política no contexto africano ganhou um


sentido novo: um sentido pejorativo, na medida em que alguns dos representantes do povo se
aproveitam da sua situação para adquirir de forma ilegal alguns direitos e bens materiais
pessoais em detrimento do bem comum. Diante disto, a história vai registando
acontecimenttos públicos que vão construindo ou pelo menos provocando a filosofia. Por isso,
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a filosofia política africana vai assumindo e encarando o tribalismo, ditadura e democracia


como desafios prioritários.

Portanto, é crucial frisar que na Política africana o Pan-africanismo cujo expoente máximo é
kwame Nkrumah (de Gana), surge como manifestação da solidariedade entre os africanos e
dos povos da descendência africana. Nesta ordem de ideia, o renascimento negro consistia em
incutir no povo negro que apenas soubera ser escravo a ideia de que era igual ao branco (seu
escravizador). Enquanto a Negritude representada pelo Leopold Sedar Senghor se constituia
num movimento de união dos africanos do Ponto de vista cultural. Os maiores
impulsionadores da negritude foram: Aimé Césaire (antilhano), Senghor (Senegal), e L.
Damas. A Negritude defendia as seguintes ideias: identidade, fidelidade e solidariedade. Na
lusofonia, este movimento cultural lutou pela anulação de todas as leis e regulamentos que
dispunham a exclusão dos africanos.

Bibliografia ou livros recomendados para o estudante aprofundar a matéria

GEQUE, Eduardo & BIRIATE, Manuel. Filosofia 12ª Classe. Longman Moçambique, Maputo,
2010;

CHAMBISSE, E. Daniel & COSSA, J. Francisco. Filosofia 12ª Classe. Texto Editores, Maputo,
2010.

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