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Exmo.

Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de


Belo Horizonte.

O MOVIMENTO DAS DONAS DE CASA E CONSUMIDORES DE MINAS


GERAIS, entidade civil de direito privado, inscrita no CGC/MF sob o
nº 20.966.842/0001-00, com endereço nesta Capital à Av. Afonso
Pena, nº 1.500, 17º andar, a ABC - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
CONSUMIDORES, entidade civil de direito privado, inscrita no
CGC/MF sob o nº 17.487.575/0001-40, com sede à Rua Tomaz
Gonzaga, nº 593, nesta Capital; a PROCON/PBH - COORDENADORIA
DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR, com endereço à Rua
Tamóios, 666, 5º andar, Centro, CEP 30120-050, nesta Capital;
devidamente representados conforme seus estatutos, vêm,
respeitosamente, por via de seus procuradores abaixo-assinados,
propor, nos termos da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação
Civil Pública) e da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de
Defesa do Consumidor), a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM
PEDIDO DE LIMINAR, INAUDITA ALTERA PARS, visando à tutela de
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos
consumidores, em face de SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS
DOS BANCOS S.A., pessoa jurídica de direito privado inscrita no
CGC/MF sob n. 62.173.620/0001-80, com endereço na Rua da Bahia,
916, 2º andar, Conjunto 201, CEP 30160-011, nesta Capital, tudo de
conformidade com os fatos e fundamentos jurídicos a seguir
aduzidos:

A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO VIA PROCESSUAL

ADEQUADA A IMPEDIR E REPRIMIR DANOS AO CONSUMIDOR

A ação civil pública, disciplinada pela Lei 4.347/85 e supletivamente


pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), é vocacionada
à tutela do consumidor em sua dimensão coletiva, podendo ser
utilizada para proteger tanto interesses difusos como coletivos, e
mesmo os denominados individuais homogêneos.
No regime do Código de Defesa do Consumidor, são admissíveis
todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva
tutela dos direitos dos consumidores (art. 83). Se a Lei 4.347/85
restringia a ação civil pública à defesa de interesses difusos e
coletivos, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 90,
possibilitou a tutela coletiva de interesses individuais, quando
decorrentes de origem comum, evitando com isso o ajuizamento de
milhares de ações, proporcionando economia de tempo e dinheiro
para as partes e para o Poder Judiciário.

A classificação de um direito ou interesse como difuso, coletivo ou


individual homogêneo encontra-se intimamente relacionada ao tipo
de pretensão jurisdicional pleiteada, sendo possível, e mesmo
comum, encontrar, em uma mesma ação, pedidos relativos a mais de
uma espécie de interesse.

Segundo Nelson Nery Júnior, "a pedra de toque do método


classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando
se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo
fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais."
(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Forense Universitária,
1992, p. 621)

A presente actio visa a proteção dos interesses individuais


homogêneos, bem como dos interesses difusos de todos os
consumidores que foram e virão a ser incluídos nos bancos de dados
ou cadastros da RÉ, buscando a adequação compulsória das práticas
comerciais inerentes às atividades dos chamados serviços de
proteção ao crédito aos preceitos legais contidos no Código de Defesa
do Consumidor.

A importância das ações coletivas deve ser aferida em face da ordem


constitucional vigente que incrementou, de forma considerável, o
arsenal de instrumentos jurídico-processuais aptos a propiciarem a
tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Dessa forma, evita-se a pulverização de litígios
similares e, ao mesmo tempo, assegura uma maior efetividade ao
respeito dos direitos positivados na legislação pátria.

A preocupação com a eficácia dos direitos contemplados no direito


positivo parece ser a nota característica que se depreende do
microcosmo normativo consubstanciado no Código de Defesa do
Consumidor. Inicialmente, mitigou-se a autoridade do princípio do
pacta sunt servanda nas relações de consumo, estipulou-se norma de
caráter cogente e inderrogável, estabeleceu-se remédios para
viabilizar o equilíbrio processual (inversão do ônus da prova, p.ex.),
admitiu-se a vulnerabilidade do consumidor, acolheu-se a teoria do
risco e, por fim, contemplou-se instrumentos processuais valiosos
para o atendimento das diretrizes da política nacional de relações de
consumo.
Portanto, o CODECON não contém somente normas substantivas,
estipulando-se, outrossim, normas adjetivas que procuram fornecer
os meios adequados para a aplicação justa da vontade da lei. Os
capítulos do CDC, dedicados à defesa do consumidor em juízo, são,
induvidosamente, uns dos mais pródigos em inovações, haja vista a
previsão de mecanismos facilitadores para a postulação judicial dos
direitos titularizados pelos consumidores. Eis que o tratamento
normativo conferido às ações coletivas ganha um destaque especial,
já que, com o advento do Diploma Consumerista, admitiu-se a defesa
coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, nos
moldes da class actio norte-americana.

Como se sabe, hodiernamente, há milhões de consumidores cujos


nomes constam inscritos nos mais diversos bancos de dados (só na
SERASA estima-se que há cerca de vinte e dois milhões de protestos
anotados). Nessa hipótese, os denominados "negativados" são, em
tese, indeterminados e se ligam pela circunstância fática de
consumo, fazendo aflorar um típico direito ou interesse difuso a ser
protegido através dos remédios processuais adequados. A presente
ação também tem por escopo buscar a reparação dos danos
(patrimoniais e/ou morais) causados a todos os consumidores que
tiveram seus nomes indevidamente lançados nos bancos de dados ou
cadastros da RÉ. Nesse último caso, trata-se de interesses ou direitos
individuais homogêneos podendo seus titulares serem determinados
e merecendo, da mesma forma, um tratamento coletivo em face de
sua homogeneidade.

O próprio Judiciário tem sido acionado repetidas vezes para compelir


às empresas a repararem o dano infligido a vários consumidores em
decorrência de restrições cadastrais injustificadas, assoberbando o
aparelho estatal com causas idênticas e acabando por produzir
deletéria intranqüilidade social. A ação ora manejada se revela, nesse
particular, um remédio hábil a colocar termo à incerteza jurídica que
se instalou com a questão vertente, solucionando, através do
mecanismo da eficácia erga omnes, todas as situações fáticas que se
enquadrem no decisum a ser proferido.

Por fim, ressalte-se que, somente por intermédio de ações desse


jaez, é que se pode assegurar uma proteção efetiva aos direitos
vulnerados no âmbito de uma sociedade de consumo de massa, já
que muitos são os obstáculos existentes para que o consumidor
tenha acesso à Justiça. Além da delonga para a distribuição da tutela
jurisdicional, os custos elevados de uma contenda judicial acabam
por excluir grande parte dos consumidores lesados, obrigando-os a
se resignarem ante as muralhas erigidas para se adentrar nas vias
judiciárias. Dessa forma, há de se levar em conta o notável número
de consumidores que, mesmo tendo sofrido toda sorte de gravames
em razão da inclusão indevida de seus ilibados nomes nas
famigeradas "listas negras de inadimplentes", não podem esboçar
qualquer reação, cabendo-lhes o ônus de provar a sua inocência,
mesmo depois de já terem sido maculados com a nódoa em seu
patrimônio jurídico.

DA LEGITIMIDADE DAS ENTIDADES AUTORAS

As entidades autoras, qualificadas no preâmbulo desta exordial,


estão legalmente legitimadas para propor a presente ação civil
pública, conforme se infere do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública,
alterada pelos arts. 110 a 117 do Código de Defesa do Consumidor e
do disposto no art. 82, III, da Lei nº 8.078/90.

Assim sendo, as entidades de defesa do consumidor foram


equiparadas ao Ministério Público para o fim de postular a tutela
judicial protetora dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos dos consumidores. Nesse sentido, dispõe o art. 82 do
Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 82 - para os fins do art. 100, parágrafo único, são legitimados


concorrentemente:

I - o Ministério Público;

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

(...)

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e


que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e
direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização
assemblear. (grifos nossos)

DOS FATOS

A RÉ é uma empresa que se dedica à concepção, organização e


execução de um sistema central de cadastro de informações. Os
dados armazenados em seus cadastros são fornecidos
exclusivamente aos seus associados, realçando-se a finalidade
lucrativa dessa prestação de serviços, pois que essas informações
sigilosas são disponibilizadas mediante contraprestação pecuniária.

Essa fonte de consulta pode ser acessada pelos associados do


sistema, os quais buscam informações para o estudo e deferimento
de operações de crédito, sendo uma poderosa arma para dimensionar
a capacidade financeira do pretendente de um crédito para fazer
frente à obrigação que estará assumindo.

Trata-se de uma medida preventiva adotada pelas instituições


financeiras de modo a não serem surpreendidas com um eventual
calote a ser perpetrado por consumidores maliciosos ou insolventes.
Curiosamente os dados cadastrais constantes dos arquivos dessas
empresas de proteção ao crédito passaram a funcionar como uma
espécie de identidade dos consumidores em nossa sociedade
eminentemente mercantilista e consumista. Com efeito, tem-se uma
carteira de identidade expedida pelo Estado para que as pessoas
sejam identificadas como cidadãs brasileiras; tem-se o CPF para
precisar nossa condição de contribuinte; tem-se o Título de Eleitor
para nos identificarmos como eleitores; e, agora, tem-se as listas de
restrição ao crédito como supostamente idôneas a qualificarem os
consumidores como bons ou maus pagadores. Quem não tem Título
de Eleitor, não vota; quem tem seu nome incluído nos cadastros
negativos, não tem acesso ao crédito no mercado de consumo.

Nessa ordem de idéias, negar a importância de tais cadastros é


negligenciar o dinamismo do tráfego comercial e, ao mesmo tempo,
saudosismo estéril do tempo em que as operações de vendas eram
realizadas somente com base na palavra das pessoas. No entanto,
não obstante a relevância que essas fontes de consulta representam
na atual conjuntura, é inadmissível conceber que as mesmas se
convertam em instrumentos de coerção suscitadores de prejuízos
(patrimoniais e/ou morais) ao consumidor idôneo e bom pagador, o
qual, em vista dos abusos e da total libertinagem constatada na
manipulação desses cadastros, se torna alvo fácil de registros
desabonadores. Isso se deve à meridiana inobservância dos
comandos legais insculpidos no CODECON, conforme a seguir se
evidenciará.

O descalabro traduzido na total falta de respeito aos mais


elementares direitos dos consumidores despertou a atenção das
entidades de defesa do consumidor, bem como inundou o Poder
Judiciário de ações colimando a reparação dos prejuízos sobrevindos
ao já espoliado acervo jurídico dos consumidores. Todavia, em que
pese a singularidade das arbitrariedades e dos abusos cometidos em
nosso País, nessa seara, a questão do manuseio e destinação de
dados pessoais e de consumo parece ser preocupação de todos os
países capitalistas. A situação dos EUA é emblemática. Algumas
empresas de cartão de crédito, naquele País, vendem informações
relacionadas à operações de compra realizadas pelos seus clientes a
várias empresas que buscam consumidores adimplentes. Portanto,
essas empresas estariam na posse de uma espécie de cadastro
positivo (o oposto dos bancos de dados da RÉ), ou seja, o rol dos
consumidores cobiçados. O problema emerge quando esses mesmos
consumidores são molestados por um incômodo lixo postal (anúncios
e prospectos de divulgação).

No caso em tela, os dados negativos são obtidos em serventias


públicas, como Cartórios Judiciais, Cartórios de Protestos, Juntas
Comerciais, Cartórios de Registro de Títulos e Documentos, Banco
Central do Brasil.
É de bom alvitre lembrar que toda essa diversidade de dados não é
submetida a nenhum juízo de valor ou de mérito, de maneira que a
RÉ disponibiliza toda sorte de informações sigilosas sem que tenha
certeza sobre exatidão das mesmas. E não se pense que tais dados
são granjeados somente em supostas fontes confiáveis. Muitas
vezes, é o próprio associado que realiza a inclusão do nome de um
consumidor nesses cadastros, já que pode ter, até mesmo, acesso on
line ao sistema, desde que desembolse, em favor da empresa
operadora, um montante pecuniário para tanto.

É comum que o consumidor sequer tome ciência do lançamento de


seu nome nas "listas negras". Com efeito, a vergonhosa ausência de
critérios e de um controle prévio para garantir a veracidade e a
exatidão dos dados que alimentam os cadastros da RÉ fazem
configurar um sistema de informações, que lida com dados atinentes
a própria reputação e dignidade de um consumidor, incapaz de
fornecer uma confiabilidade adequada, conforme exige o CDC,
resultando, em várias hipóteses, a punição injusta de consumidores
adimplentes, além de vulnerar preceitos de ordem pública do citado
diploma legal.

A título de exemplo, cite-se o caso do consumidor Gilvan Generoso


Araújo, que, ao se candidatar, em janeiro de 1994, a um
financiamento, junto ao Banco Fiat, para adquirir um caminhão, veio
a ser recusado ao argumento de que estava cadastrado com restrição
a crédito na SERASA. Verificando o que se tratava, constatou que
uma conta "fantasma" houvera sido aberta em nome de Samuel
Rodrigues Soares, utilizando o CPF do consumidor preterido pela
instituição financeira. Isso porque um estelionatário, na posse de
cópias de documentos não autenticadas do Sr. Gilvan, logrou abrir,
com uma facilidade supreendente, uma conta corrente no Banco
Itaú. Ato contínuo, passou a emitir, sem eira nem beira, cheques
desprovidos de fundos, motivo este que deu causa à inclusão do
nome do Sr. Gilvan no cadastro negativo da Serasa.

O erro grosseiro cometido pela instituição bancária, que sequer notou


a discrepância entre o nome do correntista e o CPF de outra pessoa,
trouxe gravames inequívocos ao verdadeiro titular do CPF, levando-o
a ajuizar ação indenizatória perante a 27ª Vara Cível desta Capital
(nº do processo 024.96.074.108-0). Conforme os documentos
anexos, o consumidor lesado obteve êxito na ação movida contra o
Banco Itaú, o qual foi condenado a indenizar o AUTOR no quantum
de onze mil e duzentos reais. A decisão monocrática já foi confirmada
pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, com trânsito em
julgado.

Outra situação que evidencia o quadro de abuso e descontrole desses


sistemas, conforme documentos anexos, refere-se à inclusão do
nome do consumidor Ivan Lopes de Melo na Serasa, em virtude de
uma ação de busca e apreensão movida contra sua pessoa pelo
Banco Mercantil do Brasil. Contudo, o consumidor nunca tivera conta
corrente ou negócios com aquela instituição financeira. A razão pela
qual ensejou o malsinado registro se referia a um crédito de R$
24.528,96 levianamente deferido a um estelionatário, que conseguira
obter um empréstimo com documentos flagrantemente falsificados.

O caso de Luiz Olavo França Versiani também é ilustrativo. O


consumidor foi notificado, pela Casa Arthur Haas Comércio e
Indústria Ltda, para pagamento de uma duplicata no valor de R$
125,34. O referido título de crédito foi protestado pelo 1º Tabelionato
de Protestos desta Capital. Contudo, tal duplicata fora,
fraudulentamente, emitido pela empresa, gerando a inclusão do
nome do sacado na SERASA. Vê-se que, até mesmo, títulos
falsificados e inválidos são aptos a ensejarem a restrição cadastral.
Já foi aforada uma ação contra a Casa Arthur Haas visando a
reparação dos danos morais causados em virtude da inclusão
indevida (processo nº 024.96.065.545-4, 23ª Vara Cível).

O consumidor Durvalino Lopes da Rocha também foi supreendido


com a ciência de uma famigerada restrição cadastral, que sequer
tinha sido notificado acerca dela pela RÉ. Tentando efetuar uma
compra a crédito, foi preterido em decorrência da presença da
negativação, causando-lhe insidioso constrangimento e prejuízo
patrimonial, conforme comprova declaração emitida pela
MOTORAUTO S/A negando-lhe o financiamento para aquisição de um
automóvel. No entanto, consoante atesta a certidão passada pelo 7º
Tabelionato de Protestos de Títulos de SP, a titular do título
falsificado era Durvalina Lopes Rocha (e não Durvalino), estiolatária
(o) que tinha usado o CPF do consumidor. A empresa RÉ captou a
informação no Cartório e divulgou aos seus associados, afrontando,
de forma visceral, o CDC ao não comunicar o consumidor acerca da
inclusão. Quando procurou a RÉ para comprovar a restrição, a
empresa lhe forneceu um "documento" consistente em um
vergonhoso pedaço de papel onde não se menciona sequer a
expressão SERASA, o valor do débito, e não consta carimbo ou
assinatura de algum funcionário da empresa. Ou seja, um documento
que não tem qualquer valor probante e traz à tona a má-fé e a
desídia da empresa em suas práticas comerciais.

Esses são apenas alguns exemplos do rico repertório de situações em


que as inclusões indevidas proporcionam ao consumidor insidioso
abalo de crédito e lhe impõe, por via de consequência, prejuízos
patrimoniais e extra-patrimoniais. Há inúmeras ocorrências em que
se cometem equívocos na leitura de dados colhidos em serventias
públicas. A Promotoria de Justiça do Estado de São Paulo deparou-se
com o caso de uma pessoa que havia tido seu nome registrado na
SERASA, sendo constatado, logo em seguida, que o registro de
protesto referia-se a Noemi Coutinho Stefanon, e não à Noemi
Coutinho, conforme constava no banco de dados da empresa.

Cumpre, nesse sentido, trazer à colação trecho da reportagem


publicada no jornal O Estado de São Paulo, de 18.02.91, p. S.1:

"A questão é que a SERASA inclui o nome na lista negra sem checar
se houve culpa do correntista ou consumidor e o distribui aos
serviços de proteção ao crédito. Resultado: mesmo consumidores
idôneos, que tiveram cheque roubado protestado, por exemplo, são
expostos a situações vexatórias. Duas opções restam a quem for
prejudicado: ou retira seu nome do cadastro, pagando a dívida, ainda
que não seja responsável por ela, ou recorre a uma ação judicial.

(...)

Cheques roubados também podem ‘encrencar’ a vida do correntista.


Mesmo que o cheque tenha sido sustado no banco, há casos em que,
quando ele é devolvido e protestado, a SERASA registra o nome do
cliente como devedor. A jornalista S.C. passou por esse problema.
Quem roubou seu cheque tentou sacar o dinheiro, mas o banco não
pagou. Assim, o cheque foi descontado no comércio. O lojista não
exigiu documentos e ao ter o cheque devolvido o enviou para
protesto. Para limpar seu nome na SERASA, S. C. terá de pagar o
cheque ao lojista ou entrar como uma ação judicial contra o cartório."

O modo defeituoso que caracteriza o funcionamento desses sistemas


coloca nas mãos dos fornecedores uma arma eficaz, mas, também,
perigosa, que pode ser perfeitamente empregada para compelir o
consumidor a assumir uma dívida que lhe é imputada, mesmo se
sabendo que não seria possível fazer o mesmo pela via legal. O
exemplo mencionado pela reportagem é elucidativo, pois uma pessoa
idônea é obrigada a pagar um título de crédito, mesmo que o direito
emergente desse mesmo título seja inexigível do ponto de vista
jurídico.

DO DIREITO

A Lei n.º 8.078/90 dispõe expressamente que "o consumidor, sem


prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações
existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de
consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas
fontes." (art. 43, caput).

Estatui, ainda, que a "abertura de cadastro, ficha, registro e dados


pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao
consumidor quando não solicitada por ele" (art. 43, § 2º) e que "o
consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e
cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista,
no prazo de 5 (cinco) dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais
destinatários das informações incorretas" (art. 43, § 3º).
O Decreto 2.181, de 20 de março de 1997, que dispõe sobre a
organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, enuncia:

"Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos


dispositivos da Lei 8.078/90:

(...)

X – impedir ou dificultar o acesso gratuito do consumidor às


informações existentes em cadastros, fichas, registros de dados
pessoais e de consumo, arquivados sobre ele, bem como as
respectivas fontes;

XI – elaborar cadastros de consumo com dados irreais ou imprecisos;

XII – manter cadastros e dados de consumidores com informações


negativas, divergentes da proteção legal;

XIII – deixar de comunicar, por escrito, ao consumidor a abertura de


cadastro, ficha, registro de dados pessoais e de consumo, quando
não solicitada por ele;

XIV – deixar de corrigir, imediata e gratuitamente, a inexatidão de


dados e cadastros, quando solicitado pelo consumidor;"

A redação clara dos supracitados dispositivos legais não dá margem à


interpretações dúbias, tendo como desideratum viabilizar a
transparência e correção nas operações de registro e divulgação dos
dados captados nas mais diversas fontes disponíveis pelos sistemas
de proteção ao crédito. Para tanto, o Diploma Consumerista impõe
como obrigação inescusável a comunicação, por escrito, ao
consumidor acerca da abertura de registro sobre dados relacionados
à sua pessoa, dando-lhe o direito de exigir a correção no caso de
uma eventual inexatidão. Busca-se, dessa forma, evitar a
superveniência de uma inclusão indevida com todas as
consequências lesivas que se fariam presentes.

A própria Norma Consumerista traz em seu bojo disposições as quais


estabelecem um tratamento normativo especial aos Bancos de Dados
e Cadastros de Consumidores, lhes atribuindo, por força do disposto
no art. 43, § 4º, a natureza de entidades de caráter público. Faculta-
se ao consumidor, de tal sorte, o direito de se valer do writ do
habeas data, bem como exigir o atendimento das obrigações
constantes do art. 22 do CDC, segundo o qual prescreve a obrigação
das entidades públicas de fornecerem serviços adequados, eficientes
e seguros. O descumprimento, total ou parcial, das obrigações
referidas pelo artigo defere ao lesado o direito de pleitear a reparação
pelos danos causados ao abrigo do instituto da responsabilidade
objetiva.
Os cuidados que se carreiam, por exemplo, para a criação dos
cadastros de fornecedores faltosos, nos termos dos arts. 57 a 62 do
Decreto 2.181/97, contrastam com o descuido e desrespeito da RÉ
no manejo dos seus bancos de dados. Os cadastros de reclamações
contra fornecedores devem ser alimentados somente com
reclamações fundamentadas, submetidas a um procedimento
administrativo para apurar a procedência das mesmas. Portanto,
note-se que a lei tratou de estabelecer limites e controles até mesmo
em relação ao registro de reclamações oriundas dos consumidores,
sendo os interesses destes a própria razão de ser do CDC. É
inconcebível, portanto, que os bancos de dados da RÉ continuem a
funcionar da forma abusiva como operam, colocando em xeque uma
gama de normas de caráter cogente previstas no citado diploma
legal.

A Política Nacional de Relações de Consumo, traçada no Capítulo II


do CDC, tem como um das diretrizes cardeais a coibição e repressão
eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo que
possam causar prejuízos aos consumidores (art. 4º, VI). Portanto,
mesmo que inexistisse a obrigação legal expressa de comunicar o
consumidor acerca da abertura de um cadastro, antes mesmo que se
divulgasse a informação negativa, o direito positivo pátrio está a
estabelecer postulados basilares para a fixação de limites à atuação
dos fornecedores, cuja conduta comercial não pode significar lesão
aos direitos protegidos pelo CODECON. Daí a previsão legal inserta
no art. 6º, IV, dessa Lei, autorizando o consumidor a exigir a
proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas abusivas impostas no fornecimento de produtos
e serviços.

Noutro falar, reconhece-se que somente se levando a cabo a


comunicação por escrito ao consumidor é que se pode evitar a
consumação de uma limitação cadastral indevida, já que terá ele a
chance de exigir a correção de uma informação inverídica antes que
haja a divulgação do dado negativo aos associados da RÉ. Destarte, o
pedido deduzido na presente ação tem um caráter preventivo,
constituindo direito básico do consumidor exigir a efetiva prevenção e
não somente reparação de danos patrimoniais e morais (art. 6º, VI).
Lembre-se que o rol de práticas abusivas previsto no art. 39 da Lei
nº 8.078/90 não é exaustivo, admitindo-se a sua ampliação de
acordo com a interpretação sistemática e teleológica do Diploma
Consumerista em face de um caso concreto submetido à apreciação
do intérprete.

Daí porque o art. 83 enuncia que para "a defesa dos direitos e
interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela." O art. 84, neste passo, autoriza ao juiz determinar, inclusive,
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento de uma obrigação de fazer, tudo em isso em nome da
efetividade dos direitos protegidos pelo CDC.

Repisa-se que os serviços prestados pela RÉ não podem colocar em


risco a reputação de pessoas probas e idôneas, bem como alijar os
seus interesses econômicos, sendo vedada às empresas que atuam
nesse ramo a disponibilização no mercado de consumo de um tipo de
serviço que não atende ao mínimo de segurança e adequação exigido
pelo CDC (art. 8º). Consoante o preceito contido no art. 17 do
multicitado estatuto legal, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas de um evento danoso, mesmo que com elas não se tenha
estabelecido uma relação jurídica com um determinado fornecedor
(equipara-se, outrossim, a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervido nas relações de
consumo, conforme dispõe o p. único do art. 2º).

A prática abusiva que ora se ataca consiste exatamente na


desobediência despudorada, por partes da RÉ, do comando legal
consignado no art. 43, § 2º da Lei nº 8.078/90, porquanto essas
empresas, movidas pelo afã do ganho fácil, não comunicam, por
escrito, aos consumidores, a abertura de cadastros e registros em
seus nomes, impedindo, dessa feita, que estes possam ter acesso
aos dados sobre sua pessoa, bem como subtraindo-lhes o direito de
buscar a retificação de uma inexatidão porventura verificada. Muitas
vezes, o consumidor só toma ciência da malsinada inclusão em
situações que o colocamem posição de constrangimento e
humilhação.

Nesse sentido, não raro são encontrados consumidores que tiveram


seus créditos negados em decorrência de informações inexatas que
constam das temíveis listas negras, lesando a imagem do
pretendente, pois que impinge a este a pecha de "mau pagador". Via
de regra, somente depois de haverem sofrido os danos é que a
inexatidão dos dados negativos registrados a seu respeito são
detectados e corrigidos. Os prejuízos não se consubstanciam somente
no vexame e no abalo da reputação do consumidor, mas podem
representar no dispêndio de ajuizar uma ação para compelir as
empresas a efetuar a correção devida, já que algumas delas
simplesmente se negam a fazê-lo e, em muitos dos casos, dispensam
ao consumidor que busca uma reparação, um tratamento indigno,
jogando-o para a vala comum e muitas vezes até mesmo sugerindo
que busque na justiça a reparação dos seus direitos.

As escusas apresentadas são um tanto quanto obtusas e desprovidas


de razoabilidade. As empresas alegam que não têm como efetuar a
comunicação escrita exigida pelo CDC, em virtude de, muitas vezes,
não possuírem os endereços dos consumidores incluídos em seus
bancos de dados e por ser elevadíssimo o número de pessoas em tal
situação. No entanto, tais justificativas não podem ser reputadas
hábeis a elidirem a obrigação da RÉ de respeitar o comando imposto
por preceito de lei. Caso essas empresas não disponham dos meios
suficientes para atender o dispostivo legal, devem se escusar de
continuar atuando no mercado de consumo ou então envidarem os
devidos esforços para se adequarem às prescrições legais.

Por derradeiro, cumpre trazer à baila o magistério brilhante de


Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, um dos destacados
redatores do Código de Defesa do Consumidor, que assim pontifica:

"A sociedade de consumo tem quatro características: o ‘anonimato’


de seus atores, a complexidade de seus bens, o papel essencial do
marketing e do crédito, e também a velocidade de suas transações."

Três desses traços da sociedade de consumo estão diretamente


ligados aos arquivos de consumo. Tais entidades, a um só tempo,
superam o anonimato do consumidor (o fornecedor não conhece,
mas alguém está a par de sua vida), auxiliam na utilização do crédito
(por receber informações de terceiros sobre o consumidor, a
instituição financeira, mesmo sem conhecê-lo, lhe concede o crédito),
e, por derradeiro, permitem que os negócios de consumo seja feitos
sem delongas (se o crédito é rápido, o consumidor pode aproveitar
essa economia de tempo para adquirir outros produtos ou serviços de
fornecedores diversos).

Consequentemente, os arquivos de consumo desempenham uma


função positiva na sociedade de consumo. Mas, como toda a
atividade humana, estão sujeitas a abusos, e, por isso, devem ser
controlados. Como precisamente alerta a exposição de motivos da
Fair Credit Reporting Act, conhecido como FCRA, e promulgado em
1970 pelo Congresso Americano, como Título VI do Consumer Credit
Protection Acto, "os serviços de proteção ao crédito vêm assumindo
um papel vital no reunir e avaliar o crédito de consumidores e outras
informações sobre estes". E conclui: "há uma necessidade de
assegurar que esses serviços de proteção ao crédito exercitem suas
graves responsabilidades com equidade, imparcialidade e respeito
pelo direito à privacidade do consumidor." E ele, aqui, tem uma
função tripla: garantir a privacidade do consumidor, assim como a
transparência e veracidade das informações arquivadas." (Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto. 4. Ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p.
268-269.

E mais adiante, o mesmo autor preleciona que:

"O direito a ser informado da abertura de cadastro – O primeiro


direito do consumidor, em sede de arquivos de consumo, é tomar
conhecimento de que alguém começou a estocar informações a seu
respeito, independentemente de sua solicitação ou mesmo
aprovação. Em decorrência disso, o consumidor, sempre que não
solicitar ele próprio a abertura do arquivo, tem direito a ser
devidamente informado sobre este fato. Assim ocorre para que ele
possa exercer dois outros direitos que se lhe asseguram: direito de
acesso aos dados recolhidos e o direito à retificação das informações
incorretas.

A comunicação ao consumidor tem que ser por escrito. Ou seja, não


cumpre o ditame da lei um telefonema ou um recado oral. A forma
escrita não exige maiores formalidades. Não se trata de intimação. É
uma simples carta, telex, telegrama ou mesmo fax. Sempre com
demonstrativo de recebimento, como cautela para o arquivista."

DA REPARABILIDADE DOS DANOS – PATRIMONIAIS E MORAIS –

CAUSADOS PELA INSERÇÃO INDEVIDA NOS BANCOS DE DADOS DA


Não se nega que a inscrição indevida de consumidores nos bancos de


dados ou cadastros da RÉ é suscetível de lhes causar abalo de
crédito, e, por conseqüência, danos patrimoniais e/ou morais.

Em várias hipóteses ficou evidenciada a incúria da RÉ, uma vez que


limita a coligir dados negativos de consumidores em várias fontes
sem, antes de incluí-los em seu cadastros, certificar-se da sua
exatidão. Os exemplos de abusos e injustiças se avultam.

Em caso de inexatidão da informação negativa sobre o consumidor, a


sua divulgação a uma das associadas da RÉ termina por afetar o seu
direito de crédito, impedindo a realização de negócios e denegrindo a
sua imagem, pois ele passa a ser visto, no meio social, como mau
pagador, como uma pessoa que não honra seus compromissos e, por
essa razão, não é merecedora de crédito.

Essas informações, como se sabe, são, inclusive, tomadas como base


para aferir a probidade de uma determinada pessoa, já que é comum
que um pretendente a um posto de trabalho seja submetido a uma
investigação sobre sua vida, sobretudo se existe alguma restrição
cadastral nos bancos de dados dos serviços de proteção ao crédito.
Casos já houveram em que um negativado, que não tinha ciência do
registro, fora preterido por uma empresa exatamente em função da
presença da mácula, podendo ela ser totalmente indevida.

Sofre, dessa forma, constrangimentos e vexames perante os


empregados da loja onde seu crédito foi recusado, os seus amigos,
familiares etc. Não bastasse isso, para voltar a ter crédito na praça,
encontra inúmeras dificuldades, pois, normalmente, só consegue
eliminar os dados negativos existentes a seu respeito, nos bancos de
dados, mediante ação judicial, cuja tramitação, como se sabe, em
decorrência de vários fatores, é lenta e o resultado, incerto. Assim, a
‘negativização’ de seu nome nesses arquivos acaba protraindo-se no
tempo, com sérios transtornos a sua pessoa, quer na esfera
patrimonial, quer na moral.

A inscrição, sem nenhum critério, do consumidor nesses bancos de


dados não pode continuar. É uma manifesta agressão aos interesses
e direitos dos cidadãos, que ficam totalmente desprotegidos diante
de serviços que mais denigrem do que efetivamente protegem o
crédito das pessoas. E o pior é que as entidades prestadores desses
serviços violam os direitos do consumidor contando com a simpatia
da política econômico-financeira do Governo, que nada faz para
evitar que essa violação continue a ocorrer.

Urge, assim, fazer com que um órgão do Estado, o Poder Judiciário,


reconheça a flagrante violação desses direitos pela RÉ e os proteja,
mediante a exigência do cumprimento da obrigação imposta pelo §
2º do art. 43 do CDC e a fixação da responsabilidade da requerida
pela reparação dos danos causados a um sem-número de cidadãos
que tiveram seus nomes lançados indevidamente nos seus cadastros.

A indenização, in casu, além de servir para compensar as vítimas do


dano causado pelo cadastramento indevido no serviço de proteção ao
crédito, apresenta, sem dúvida, um aspecto pedagógico, pois serve
de advertência para que o causador venha a se abster de praticar os
atos geradores desse dano.

O colendo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul,, no julgamento


da Apelação Cível n. 189.000.326, da Comarca de Porto Alegre,
realizado em 1º de junho de 1989 pela 2ª Câmara Cível, Relator o
Juiz Clarindo Favretto, decidiu que a molestação, o incômodo e o
vexame social, decorrentes de protesto cambial indevido ou pelo
registro do nome da pessoa no SPC, constituem causa eficiente que
determina a obrigação de indenizar por dano moral, quando não
representam efetivo dano material."

O insigne civilista Caio Mário da Silva Pereira ensina que, na


reparação do dano moral, estão conjugados dois motivos: punição ao
infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto
que imaterial; e pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o
pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de
conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem
intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser
obtido no fato de saber que esta somente em dinheiro pode amenizar
a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança.
Conclui o civilista afirmando:

"Na ausência de um padrão ou de uma contraprestação, que dê o


correspectivo da mágoa, o que prevalece é o critério de atribuir ao
juiz o arbitramento da indenização." (Da responsabilidade civil, 5ª
ed., Revista e atualizada, Forense, Rio, 1994, pp. 317-318).
Através da presente ação coletiva, busca-se, ao lado dos provimentos
cominatórios deduzidos, dar aos lesados pela prática abusiva que
vem sendo desenvolvida pela RÉ uma satisfação, uma compensação
pelo sofrimento que experimentaram com o abalo indevido e
inconseqüente de seu crédito. Trata-se de uma contrapartida do mal
sofrido, com caráter satisfativo para os lesados e punitivo para a RÉ,
causadora do dano, para que se abstenha de realizar essa conduta
lesiva.

Recentemente, a colenda 6ª Câm. Civ. Do E. TJRS, em acórdão


relatado pelo eminente Des. Jorge Alcibíades Perrone de Oliviera
assim manifestou:

"Efetivamente, o abalo de crédito pode ocasionar duas espécies de


danos: morais e patrimoniais. O crédito, conforme a lição de Yussef
Cahal, representa bem imaterial que integra o patrimônio econômico
e moral da pessoa.

A respeito da duplicidade e coexistência de efeitos, pontifica Aguiar


Dias, citado na obra mencionada, que é possível existir ao lado do
abalo de crédito, traduzido na diminuição ou supressão dos proveitos
patrimonais que trazem a boa reputação e a consideração, o dano
moral.

E como coloca o ilustre Des. Adroaldo Furtado Fabrício, por ocasião


do julgamento da ap. cível 584028823, pela 3ª Câm., Cível deste
Tribunal, de cujo acórdão foi relator, o abalo de crédito constitui-se
em modalidade difusa e polimorfa de dano, moral na sua origem,
mas sempre produtora de inevitáveis repercussões materiais.
Ressalta, o eminente desembargado, acerca da ‘negativização’ em
instituições tipo o SPC, que tenha de suportar o bom pagador, que se
acha rigorosamente em dia com seus compromissos, é violência
inominável, que repugna ao senso comum do justo e clama
reparação adequada. O indevido cadastramento negativo é ato ilícito
perfeitamente configurado, que decorra de dolo, que de culpa,
mesmo levíssima, de quem o promove e de quem o exara".

E segue:

"Ora, a conseqüência imediata da assim chamada negativização do


nome de alguém por uma entidade do tipo SPC é o estancamento de
todas essas fontes de crédito, nas suas inumeráveis modalidades. E
dessa situação decorrerá inevitavelmente uma série de transtornos
também da mais variada espécie à pessoa atingida, no sentido de
que as facilidades de vantagens inerentes à utilização do crédito lhe
são subtraídas. Mas nem só nessa perspectiva: também do ponto de
vista da boa forma e do acatamento social o indivíduo cadastro
negativamente sofre vexames e constrangimentos usualmente
ligados à tacha de mau pagador, sobretudo em sociedade
eminentemente mercantilista, o que erige em suprem virtude o
pontual pagamento dos débitos. O negativado converte-se em sorte
de pária, excluído do convívio das pessoas de bem. E mais: a própria
auto-estima fica comprometida, com o sofrimento moral decorrente
de tal condição".

"Na fixação da reparação do dano moral dever-se-ão considerar as


condições peculiares das partes envolvidas e a magnitude do evento,
aos fins de que o seu montante seja suficientes para amenizar o
infortúnio do ofendido e representar uma sanção ao ofensor." Ap.
Cível n.º 249.938-8, 2ª Câmara Cível do TAMG).

Por fim, acerca do ônus do consumidor de demonstrar, tão-somente,


a relação de causalidade entre o fato e o dano moral, cabe
transcrever a seguinte ementa:

"O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não


tem como ser provado. Ele existe, tão-somente, pela ofensa, e dela é
presumido, sendo o bastante para justificar a indenização." (TJPR –
4ª Câm. Rel. Wilson Reback, RT 681/163).

DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

Impõe-se, no caso sub examen, a concessão de medida liminar,


inaudita altera parte, nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85, uma
vez que restam configurados os seus pressupostos jurídicos, quais
sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.

O primeiro requisito se traduz no direito inequívoco do consumidor de


ser informado, por escrito, sobre a abertura de cadastro, ficha,
registro e dados pessoais e de consumo sobre ele, conforme
prescreve o art. 43, § 2º, do CDC. Tal direito e seu correspondente
dever estão sendo visceralmente violados pela RÉ, na medida em
que colhe, armazena, atualiza dados pessoais e de consumo sobre
milhões de consumidores no Estado de Minas Gerais e em todo o
país, divulgando-os, sem previamente comunicar a esses
consumidores a abertura dos cadastros em seu nome, subtraindo aos
mesmos o direito de acesso a esses arquivos e o direito de corrigir as
informações inexatas que deles constam, expondo os consumidores
ao nefasto e vexatório abalo de crédito no mercado de consumo,
causando-lhes danos morais e/ou patrimoniais.

O periculum in mora está patenteado no abalo de crédito e nos


conseqüentes prejuízos (patrimoniais e/ou morais) que os
consumidores vêm sofrendo em decorrência da inclusão indevida de
seus nomes nos arquivos da RÉ e a sua divulgação aos seus
associados e a outros interessados. Impõe-se, pois, a imediata
cessação dessa prática abusiva e ilícita, como única forma de se
prevenir, até o julgamento definitivo da lide, que os consumidores
indevidamente cadastrados nos arquivos de consumo da RÉ
continuem sendo impedidos de obter crédito no mercado em face das
informações inexatas constantes dos seus cadastros. Não se nega
que os prejuízos patrimoniais e morais infligidos aos consumidores
são irreparáveis ou de difícil reparação, justificando, dessa feita, a
concessão da medida liminar ora requerida. Ressalte-se que a
indenização paga a alguém lesado em seu patrimônio moral assume
um caráter meramente compensatório, já que o constrangimento, a
humilhação, o vexame e a dor não podem ser reparados por quantias
pecuniárias.

É preciso que o Poder Judiciário coloque um basta nos absurdos até


então perpetrados pela empresa RÉ, cujo total desrespeito ao direito
mais básico dos consumidores, o da informação, se encontra
ultrajado em face do afã incontido dessa empresa de criar
portentosos cadastros de dados de consumo para proteger seus
associados, passando por cima, no entanto, de princípios e preceitos
de ordem pública e ferindo de morte o Código de Defesa do
Consumidor. As evidências fáticas são pujantes e os fundamentos
jurídicos colacionados revelam muito mais do que uma plausibilidade
do direito, fornecendo subsídios contundentes para que V.Exa. acate
o pedido liminar nos termos deduzidos.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requerem as entidades autoras:

A concessão de medida liminar, inaudita altera pars, com fulcro no


art. 12 da Lei n.º 7.347, de 24.07.85, nos seguintes termos:

· seja determinado à RÉ que se abstenha de cadastrar em seus


registros nomes de consumidores, eventuais devedores do sistema
financeiro, que não tenham sido comunicados previamente e por
escrito pelo SERASA acerca do respectivo registro negativo, nos
exatos termos do comando constante do art. 43, § 2º, da Lei n.º
8.078/90, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00
(dez mil reais), sujeita à atualização monetária, para cada
cadastramento efetivado em desatenção ao requerido acima;

· seja determinado à RÉ que se abstenha de divulgar os nomes


dos consumidores já cadastrados nos seus bancos de dados os quais
não tenham sido previamente comunicados da referida inclusão, por
escrito, nos termos da lei, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para cada informação repassada aos seus associados
em desconformidade com este pedido;

· seja a RÉ compelida a fornecer a todos os cadastrados, que


assim o requererem, uma declaração completa das razões do
cadastramento, nome da instituição que repassou os dados, valor do
débito e data de cadastramento, conforme dispõe o art. 43 do CDC,
sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
para o caso de cada recusa de fornecimento da RÉ.
No mérito

· Seja determinada a citação da RÉ, na pessoa de seu


representante legal, pelo correio, a fim de que, querendo, apresente
resposta ao pedido ora deduzido, sob pena de se sujeitar aos efeitos
da revelia;

· Sejam os pedidos julgados procedentes, tornando-se


definitivas as medidas liminares eventualmente concedidas e
condenando-se a RÉ ao cumprimento de obrigação de fazer
consistente na imprescindibilidade de comunicação prévia e, por
escrito, àqueles consumidores, porventura negativados em seus
bancos de dados, cujas informações são disponibilizadas aos
associados da SERASA direta ou indiretamente;

· Seja considerada irregular a disponibilização, a terceiros, de


nomes de pessoas cadastrados nos bancos de dados da RÉ, sem que
estas pessoas tenham sido previamente comunicadas, quando do seu
cadastramento, conforme dispõe o art. 43, § 2º, do Código de Defesa
do Consumidor, aplicando-se multa no valor de R$ 10.000,00 para
cada cadastro considerado irregular e que tenha sido mantido pela
RÉ;

· Seja, ainda, nos termos do art. 95 da Lei n.º 8.078/90, a RÉ


condenada a, genericamente, reparar os danos (patrimoniais e
morais) causados aos consumidores em virtude da inclusão indevida
de seus nomes nos bancos de dados ou cadastros da requerida ou
pela respectiva divulgação dos nomes aos seus associados ou a
outros interessados, danos estes a serem apurados e quantificados
em liquidação da sentença, a ser movida por cada um dos
prejudicados, ressalvado o disposto no art. 100, caput e par. único do
Código de Defesa do Consumidor;

· A publicação de edital no órgão oficial, nos termos do art. 94


da Lei 8.078/90;

· A condenação da RÉ ao pagamento das custas processuais e


honorários advocatícios;

· A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros


encargos, desde logo, a teor do art. 18 da Lei n.º 7.347/85 e do art.
87 da Lei n.º 8.078/90;

· A intimação do Ministério Público para acompanhar o presente


feito na condição de custos legis ou, querendo, na condição de
litisconsorte ativo.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em


direito, especialmente pela produção de prova oral e, caso
necessário, pela juntada de documentos, e por tudo o mais que se
fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados na
presente inicial, bem ainda pelo benefício do art. 6º, VIII, do CDC
(inversão do ônus da prova, em favor dos consumidores substituídos
pelas entidades autoras).

Pede deferimento.

Dá-se à presente causa o valor de 1.000.000,00.

Belo Horizonte, 11 de agosto de l998

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