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A Colecção de Pintura Do Museu de Alberto Sampaio
A Colecção de Pintura Do Museu de Alberto Sampaio
relativa simplificação dos cenários, são procedimentos que se incluem na mesma linha de
exigências, de disponibilidades ou, ainda, de opções.
Ao explorar as virtualidades da técnica do óleo, num processo de adequação local das
novidades nórdicas importadas, directamente da F1andres ou indirectamente por via hispâ
nica, o pintor traduzia através da imagem pintada sobre um suporte regularizado de
madeira, após aplicação de adequado preparo, o rigor do mundo sensorial, estimulando
numa larga clientela o gosto pelo verismo sensível. Desconhece-se o alcance do impacte que
esta modalidade de pintura teve efectivamente sobre o fresco, e vice-versa, todavia é muito
pouco provável que, até meados do séc. XVI, existisse um quadro rigoroso de especialização
para o exercício de determinada modalidade ou técnica de pintura 17. Temos fortes razões
à data da compilação dos
para crer que a versatilidade caracterizava a actividade do pintor, pois embora as fontes
leios, em 1572, se verifica
ira de especialização no
documentais directas sejam relativamente escassas, há abundantes testemunhos indirectos
t, sendo que o pintor de
se distingue, num quadro
que apontam nesse sentido. Os pintores, como refere Vergílio Correia, "conforme as enco
ide, do pintor de óleo.
imento dos Pintores
mendas, pintaram retábulos, tábuas soltas, tectos e muros; estofaram imagens; desenharam
de tempera ou fresco
n parede a fresco e em
e coloriram pendões e bandeiras para as procissões ou entradas reais; douraram varas de
mpera figura ou lavor
:> querendo usar de tudo,
pálio, maçanaria de painéis, sôbre-céus de altares" (CORREIA, 19ZB, P. Z6). A título de exemplo,
ruo ficara examinado de
dita pintura de tempera ou
refira-se novamente o documento relativo à intervenção do pintor Francisco Erres de Leiria
1. cit. CORREIA, 1928, p. 27.
ssunto Vitor Serrão,
no convento da Carnota, em Alenquer, que informa ter o artista pintado "na parede" e ainda
':statuto Social dos Pintores
,. 1993.
executado um retábulo para o altar-mor. Poderá entender-se a especificação dos locais do
:e Vandevivere e José
1
alho "O Mestre delirante
edifício como uma alusão à técnica utilizada? A ser assim, seria interessante. poder comparar
te catálogo.
o seu desempenho na pintura de retábulo (sobre madeira?) e na empreitada fresquista,
como sucede no caso do anónimo pintor activo
em Guimarães, autor do núcleo de pinturas
sobre madeira existente no Museu de Alberto
Sampaio e, muito provavelmente, da Virgem da
Rosa do Museu Nacional de Machado de Castro
- obras até agora incluídas no horizonte cronoló
gico do séc. xv 18 . De acordo com a recente inves
tigação, as características do processo criativo
deste pintor e o uso de um formulário muito
particularizado permitem incluir ainda no seu
ciclo de actividade os frescos Degolação de
S. João Baptista (CAT. 8), destacado da sala capi
tular do convento de S. Francisco de Guimarães,
e a Anunciação da igreja de Serzedelo (Guima
rães) (FIG. 18), pintura destacada, para um
, pintura mural (destacada para suporte de tela) da igreja de Serzedelo, Guimarães. suporte de tela, da parede fundeira da capela-
na época que tratamos um número suficiente de artistas aí sediados, ou pontualmente esta
deantes, que definem os contornos de um pequeno centro pictural com alguma expressão.
Deve lembrar-se que durante o século xvr, a vila era, segundo escreve João de
Barros na sua Geografia d'entre Douro e Minho e Trás os Montes «huma das quatro melho
res do Reino, com o seu mui excelente castello e singular muro» e as suas «fontes, águas,
hortas, pomares, soutos, devezas e todo o genero de frutas», fixando urna população de
mercadores e gente de ofícios, além de urna ainda significativa nobreza que recorria a bons
arquitectos maneiristas bem adestrados na arte de afeiçoar o granito, corno os descenden
tes dos Lopes de Viana aqui instalados, corno João Lopes de Amorim e Pedro Afonso de
Amorim e caso, também, do arnarantino Manuel Luís (RUÃO, 1995). A imponente Colegiada
de Nossa Senhora da Oliveira, os ricos Mosteiros mendicantes de São Domingos e de São
Francisco, bem corno a Santa Casa da Misericórdia, as várias e poderosas confrarias laicas,
e a sua clientela aristocrática, mantinham em actividade um número singular de esculto
res, entalhadores, ourives, pedreiros, e também pintores de óleo, têmpera, fresco e
dourado, que garantiam o fornecimento necessário de objectos de imagerie para os muitos
locais de culto que, com a Contra-Reforma, se multiplicavam pela província.
Será interessante, de resto, cotejar-se essa ambiência com que, na mesma primeira
metade do século XVI, se desenlaçava em Viana da Foz do Lima, a crer na actividade dos
citados arquitectos Lopes, ou de um pintor tão importante quanto André de Padilha, cujo
discurso plástico, dividido entre fidelidades goticizantes e aberturas francas ao modelo
renascentista (vejam-se a Mater Omnium da Misericórdia de Viana e o Baptismo de Cristo
de São Francisco do Porto)2, mostra evidentes similitudes de carreira e um sentido
de proposições estéticas idênticos aos do mestre da Lamentação sobre a morte de Cristo do
Museu Alberto Sampaio, pintor de óleo e também de fresco com actividade por volta
de 1520, neste Catálogo já estudado. E não esqueçamos que urna celebridade do sul corno
era o pintor flamengo Frei Carlos, da oficina eborense do mosteiro jerónirno do Espinheiro,
trabalha para a casa ieronirnita de Santa Marinha da Costa precisamente nos melhores
anos em que o Padilha de Viana executa as citadas obras retabulares - um eixo de rela
ções artísticas circunstanciais que se impõe desvendar ...
As oficinas da contra-maniera
É bem sabido que, com o triunfo dos valores contra-reformistas, por meados do século
XV1, e o consequente esforço de pedagogia religiosa através da vigilância e incentivo às
e pintura vianense do «imagens sagradas» (GONÇALVES, 1990), os cânones artísticos do chamado Maneirismo reformado
o ensaio André de Padilha e
'ista no Noroeste português, (ou Contra-Maniera) se impuseram com formidável dimensão em todos os espaços do reino,
Galiza, Ed. Estampa, Lisboa,
substituindo os resquícios de urna pintura renascentista maioritariamente inspirada em modelos
92
a
(pese importância da vitória c
observável nestas quatro pinturas procedentes da Colegiada. Representam as cenas da memorial histórico da Colegiad.:
narra o cónego Gaspar Estaço e
Visão de D. 4fonso Henriques na batalha de Ourique, D. João I invocando Nossa Senhora da D. Afonso Henriques tomou as �
depositou-as no altar da Senha
Oliveira durante a batalha de Ajubarrota, D. João I depositando as suas armas no altar de dizendo: «Senhora, com aquest
ora nos daes, as quaes eu hei J
Nossa Senhora da Oliveira depois da batalha de Aljubarrota, e D. Afonso Henriques das vossas mãos, confio eu, e E
vossa mercê e virtude ganhar n
adorando Nossa Senhora da Oliveira e solicitando a protecção do Reino(ou antes D. Afonso e reino em nome e louvor de N
Jesus Christo vosso Santo Filho;
IV entregando os despojos do Salado)29• Estes quadros revelam-se explicitamente ligados OLIVEIRA GUIMARÃES, 190 4, PP
todas as contingências da falta de uma esclarecida actividade de cavalete, com o seu próprio
organismo de defesa da arte (e da classe) - que nem Braga nem o próprio Porto chegaram a
possuír, ou a reivindicar ... Os membros da Irmandade de São Lucas de Guimarães, apesar das
obsoletas tradições organizativas por que se regiam (muito se lamenta o desaparecimento dos
seus Estatutos ... ), tinham enfim um órgão para discutir as questões gerais da actividade pictó
rica e específicas das suas próprias encomendas42 •
A pintura vimaranense da viragem do século xvrr para o XVIII recebe, sob o estímulo desta
movimentação de classe, um certo desenvolvimento. Assinalam-se espécimes de algum interesse,
quer em templos da vila, quer no seu aro geográfico. É o caso (entre muitos outros) de uma boa
Adoração dos Pastores na sacristia da igreja de São Francisco (F1G. 9), que se inspira (tal como a de
André Gonçalves na igreja dos Cardais em Lisboa) num conhecido modelo de Rubens segundo
gravado de Vorstermann. Num altar da igreja de São Torcato, um arruinado retábulo de altar
ostenta, entre outras, uma Circuncisão segundo a mesma origem nórdica45 • Estas peças devem ser
do pintor Manuel de Freitas Padrão, dadas as similitudes com as pinturas do tecto de São Vicente
de Sousa, e do da igreja de São Pedro de Azurei, que poderá ser também da sua oficina.
Esta circunstância não impediu que o mercado local continuasse a recorrer a mestres
de óleo de fora, quando a responsabilidade da encomenda de cavalete assim o exigia.
As novas obras da Colegiada iniciadas em 1675, sob especiais benesses do regente e futuro
D. Pedro II, proveram, com a nova imponência barroca das traças gizadas por L'École e seu
GUIMARÃES,1942 MOURA,1961
Alfredo Guimarães,"A Degolação de S. João Baptista", in Estudos Abel de Moura, Conservação de Frescos, Boletim da Direcçâo
doMuseuAlberto Sampaio, 1, Guimarães, 1942,pp. 19-33. •Geral dos edifícios e Monumentos Nacionais, L.isboa, 1961.