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Raça, racismo e antirracismo no Pequeno Manual de


Djamila Ribeiro

RESENHA
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: 1ª Companhia das Letras, 2019, 135 p.

ANDRÉ ALMEIDA SANTOS*

Djamila Ribeiro possui graduação em contemporânea. Assim, ao longo da


Filosofia pela história brasileira, a
Universidade Federal elite branca “criou
de São Paulo, sendo mecanismos” para
também mestre pela beneficiar
mesma universidade. determinados grupos
Vem atuando nos brancos e
campos da Filosofia marginalizar,
Política, com estigmatizar e até
destaque para a teoria mesmo excluir de
feminista. Tendo espaços indivíduos e
interesse nas grupos indesejados,
seguintes temáticas: relações étnico- entre eles destaca-se a população negra.
raciais, gênero e feminismo negro. É A obra é organizada em onze capítulos,
autora, entre outras obras, de O que é além da introdução e um anexo com
lugar de fala? (2017), Quem tem medo sugestões de leitura de autores negros.
do feminismo negro? (2018).
No que compete a divisão do manuscrito,
O livro Pequeno Manual Antirracista temos: 1) Informe-se sobre o racismo; 2)
apresenta um diálogo imprescindível Enxergue a negritude; 3) Reconheça os
para compreender o racismo estrutural privilégios da branquitude; 4) Perceba o
na sociedade brasileira no campo das racismo internalizado em você; 5) Apoie
relações étnico-raciais. políticas educacionais afirmativas; 6)
Transforme seu ambiente de trabalho; 7)
A autora apresenta o racismo como uma
Leia autores negros; 8) Questione a
maneira de manutenção da condição de
cultura que você consome; 9) Conheça
subalternidade de determinadas raças e
seus desejos e afetos; 10) Combata a
etnias dentro da formação da sociedade

*
ANDRÉ ALMEIDA SANTOS é mestrando em Relações Étnico-Raciais (UFSB) e vice-
coordenador da APLB-Sindicato - Delegacia do Extremo Sul/Teixeira de Freitas (BA), coordenador
pedagógico da rede Estadual e professor de História da rede Municipal.
violência racial; 11) Sejamos todos apartheid sul-africano e o “separatismo”
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antirracistas. dos Estados Unidos. Neles temos leis
que oficializaram práticas de separação.
Na introdução, a autora questiona a Com isso, o racismo à brasileira não seria
historiografia que lhe foi ensinada no melhor nem pior, porém teria em si a
ambiente escolar. Essa apenas coloca a construção do “mito” que beneficia a
população negra como escrava e ponto manutenção do status quo.
final. Nela, negros (as) são tratados como
“submissos e passivos que foram No segundo capítulo, Enxergue a
libertados pela princesa Isabel”. De negritude, a obra mostra que durante a
acordo com Ribeiro (2019), essa história infância, de forma geral, e na escola, de
foi narrada pelo viés dos vencedores, forma especifica, ser negro (a) passa a
sendo necessário escrever uma ser um problema, sendo esse ambiente
historiografia pela voz dos que foram um dos locais em que a criança, além de
silenciados e invisibilizados. Fatos como sofrer o racismo, tende a formar a sua
a resistência do Quilombo dos Palmares, consciência racial. Essa perspectiva,
a Revolta da Chibata, a Revolta dos além de dominante, foi amplamente
Malês, corroboram para ressignificar normatizada. A autora apresenta a
“que a população negra havia sido resistência da população negra nos
escravizada, e não era escrava” Estados Unidos e destaca os Panteras
(RIBEIRO, 2019, p. 08). Esse Negras, Angela Davis, Kathleen
apagamento da história e memória dos Cleaver. No Brasil, ocorreu, entre outros,
africanos e afro-brasileiros se deve ao através do Teatro Experimental do
racismo estrutural. Como exemplo, ela Negro (TEN) e seu maior ícone, Abdias
resgata que na Constituição do Império do Nascimento. Além dele, a autora
em 1824, a educação era direito de todo destaca Ruth de Souza, Conceição
cidadão, mas negros (as) estavam Evaristo, a fotógrafa Marcela Bonfim e a
proibidos (as) de frequentar as escolas. série Cadernos Negros.
Junta-se a esse fato a Lei de Terras No capítulo terceiro, Reconheça os
(1850), que impossibilitou a aquisição de privilégios da branquitude, a autora
terras que não fossem pela compra – o retoma sua obra O que é lugar de fala?,
que foi uma forma de barrar a obtenção destacando que brancos podem e devem
dos que se encontravam na condição de participar da luta antirracista, mas
cativos. Tentou-se ainda convencer que a precisam compreender que “todo mundo
escravidão no Brasil “foi mais branda do tem um lugar de fala, pois todos falamos
que em outros lugares” (RIBEIRO, a partir de um lugar social” (RIBEIRO,
2019, p. 11). 2019, p. 31). Assim, não existe por parte
da população negra um monopólio da
No primeiro capítulo, Informe-se sobre o
temática racial, porém brancos e negros
racismo, Ribeiro dialoga com autores
encontram-se em locais de fala
que pensaram as relações étnico-raciais
diferenciados na construção da narrativa
no Brasil, corroborando com alguns e
antirracista. Ambos devem pensar nas
opondo-se a outros. Entre eles destacam-
motivações da ausência da população
se Munanga, Gilberto Freyre, Nina
negra nos espaços de poder e formas para
Rodrigues, Roger Batiste, Florestan
mudar tal realidade.
Fernandes. Para a autora, é preciso
diferenciar o racismo no Brasil de outros No capítulo quarto, cujo título é Perceba
que ocorreram em diferentes tempos e o racismo internalizado em você, a
espaços. Dentre eles, o nazismo, o autora reitera que “é impossível não ser
racista tendo sido criado em uma valorizar outros saberes que não apenas
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sociedade racista” (RIBEIRO, 2019, 38). os oriundos do continente europeu. Para
Para a autora, existe uma diferença entre que esses e outros pontos citados aqui
pessoas e grupos que são abertamente avancem, Ribeiro em Questione a
racistas para outros que tendem a lutar cultura que você consome!, capítulo oito,
contra o racismo. Mas, mesmo nesses é enfática quando fomenta um consumo
últimos, ele está presente, e uma das diversificado e consciente.
formas de combatê-lo é reconhecendo o
racismo que existe em nós. Ademais, para Ribeiro as mulheres
negras não podem mais ser
A seguir, Ribeiro no capítulo cinco estereotipadas como lascivas e os
enfatiza que se Apoie políticas homens negros como bandidos. É
educacionais afirmativas, tendo em vista preciso que se conheça seus desejos e
que existe um racismo estrutural que afetos, conforme consta no capítulo
excluiu, marginaliza e estigmatiza a nove. Em suma, o jargão descrito em
população negra. Nessa conjuntura, as casa Grande e Senzala, e que tornou-se
políticas afirmativas são basilares para tema da tese de doutorado de Claudia
mudar a condição de negros (as) dentro Lemos Pacheco, “Branca para casar,
da sociedade vigente. mulata para f..., negra para trabalhar”
deve ser combatido veementemente.
Já em Transforme seu local de trabalho, Entre os trabalhos relevantes para
o Manual descreve que a “branquitude” compreender a solidão da mulher negra
criou mecanismos para continuar se temos Virou Negra?, de Claudete Alves.
mantendo no poder. Um dos citados é a
narrativa do “negro único”, colocando No capítulo dez, o Manual descreve
que não é apenas uma questão de como necessário que se Combata a
representatividade, contudo de violência racial, tendo em vista que os
proporcionalidade. Ribeiro escreve que o negros “representam 55,8% da
racismo tende a se metamorfosear, sendo população brasileira e são 71,5% das
necessário que negros (as) estejam pessoas assassinadas”. Como se não
proporcionalmente nos espaços para bastasse, “a cada 23 minutos um jovem
combatê-lo. negro é assassinado no Brasil”
(RIBEIRO, 2019, p. 94).
No capítulo seis é descrita a necessidade
de que se Transforme seu ambiente de Djamila Ribeiro conclui seu Pequeno
trabalho, questionando a ausência dos Manual convocando: “sejamos todos
negros nos espaços de poder e tentando antirracistas”!
ajudar a criar um ambiente mais plural.
Como avanço, a autora cita a política de A autora tem como paradigma a
cotas e a postura de algumas empresas colonialidade e define como perspectiva
em contratar trabalhadores (as) negros que negros e negras devem ter o seu
(as) para diversos setores. lugar de fala na luta contra o racismo.
Assim, autores como Fanon e Mbembe
Assim, a valorização da população negra ajudam a pensar a realidade da
deve passar também por questões população negra e o que vem a ser o
vinculadas ao seu conhecimento, pois tornar-se negro. Além desses
somos orientados no capítulo sete: Leia referenciais, Djamila Ribeiro faz uso de
autores negros. Se quisermos mudar o autores latino-americanos como Aníbal
epistemicídio e o genocídio que ocorre Quijano, Catherine Walsh, Edgardo
em nosso país, precisamos urgentemente Lander, Enrique Dussel, Maria Logones,
Nelson Maldonado-Torres, Ramón A concisão é a proposta do Manual, seja
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Grosfoguel, Walter Mignolo, entre no nome ou na sugestão de escrita da
outros. Nota-se que esses autores latinos autora. Mesmo sem detalhar algumas
mesmo não sendo negros, categorias, as concepções são elucidadas
comprometeram-se com a luta de forma resumida, objetiva e com muita
antirracista. coerência e coesão ao longo da produção
O Pequeno Manual Antirracista tem textual.
como finalidade realizar uma sinopse do A presente obra analisada pode ser
histórico das relações étnico-raciais no indicada a todos os estudantes de
Brasil. Nesse sentido, ele cumpre seu graduação e pós-graduação como
papel sendo um resumo que vale a pena prelúdio aos estudos vinculados as
ser lido como introdução aos estudos do relações étnico-raciais.
campo da raça, racismo e do
antirracismo.
Recebido em 2020-12-06
Publicado em 2022-09-15

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