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1.

Prólogo

05 de Setembro de 2016 – New York, NY.

Lalisa

Dormitório de Columbia University.

Ela batucou com os dedos na parede observando o pôster de Johnny Cash


colado no estrado do beliche que dividia com Momo em Columbia.

Johnny era uma pessoa a qual Lisa admirava, sua paixão por June Carter e
pela música era o seu ar. O casal mais lindo que a humanidade pode
presenciar em histórias; eles eram imperfeitamente perfeitos.

Lalisa fechou os olhos e tirou os fones de ouvido desligando sua mente do


mundo enquanto os altos falantes do corredor dos dormitórios reproduziam
Go your own way do Fleet Wood Mac como um mantra para calouros como
ela.

Deixou-se refletir sobre sua vida nos últimos anos, infelizmente costumava
fazer isso mais do que se permitia admitir.

Sabe o que dizem, a vida é uma série de escolhas, você faz quem você é.
Sinceramente? Ela preferia acreditar em destino do que nessa teoria. Uma de
suas frases favoritas diz:

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas


existem."
Como, ali estava ela, Lalisa Manoban, dezenove anos e estudante de Direito
na Columbia University, uma das melhores Universidades de New York, e
todos os seus sonhos adolescentes tinham se tornado realidade graças ao
dinheiro da família Manoban. Tudo estava nos eixos conforme seus planos;
havia o estágio em Juilliard, mas sempre que podia voltava a Los Angeles para
visitar seus pais e todos que havia deixado para trás.

Suspirou pesadamente e mudou de posição na cama, naquele momento a


garota dos olhos castanhos se encontrava sozinha em seu beliche mergulhada
na obviedade em que vivia.

Um pequeno fato sobre Lisa:

Ela nunca havia se apaixonado.

—•—

Chaeyoung

Ela estava sentada no sofá da sala com sua irmã mais nova e sua mãe
enquanto seu pai tentava com muito afinco consertar a vitrola empoeirada
que tinha encontrado no porão de casa.

Ella dormia com a cabeça no colo de Diana, sua mãe, e as pernas no colo da
irmã mais velha; a TV reproduzia o filme Frozen pela quinquagésima vez
naquele mês, pois era quarta à noite, dia de passar um tempo em família
segundo seu pai, Mark.
O fato é que já passava das dez da noite e apenas Diana prestava atenção no
desenho levando em conta que Chaeyoung não conseguia tirar os olhos de sua
mais nova leitura: Orgulho e Preconceito de Jane Austen.

– Aqui está! – Exclamou o homem mais velho de barba por fazer, cabelos
pretos e um enorme sorriso no rosto. Ele apontava para a vitrola ao lado do
piano. – Eu sabia que essa velharia ainda servia para alguma coisa.

Diana, a mulher de cabelo castanho e curto, óculos redondos prontamente


pediu silêncio ao marido apontando para a pequena Ella adormecida e
Chaeyoung sorriu desligando a TV, dando espaço para que a mãe pegasse Ella
no colo e a levasse escada acima.

– Acha que podemos incluir músicas de Billie Holiday em nossas quartas,


pai? – Chaeyoung perguntou apoiando a cabeça no encosto do sofá enquanto
observava o homem tirar uma pilha de discos de uma sacola.

Mark murmurou algo inaudível enquanto vasculhava disco por disco com
uma ruga formada na testa.

– Agora eu tenho certeza de que a minha pequena nasceu no século errado. –


O comentário veio de Diana, que descia as escadas com uma coberta em mãos
– Vou preparar leite quente.

Poucos segundos depois, uma música suave que Chaeyoung reconheceu ser
Who loves you de Billie Holiday ecoou pela sala. Ela sorriu estática, a voz de
uma de suas cantoras preferidas preencheu a casa e Mark estendeu a mão
fazendo reverência para a filha que pulou o sofá em suas meias brancas e se
juntou ao pai em uma dança desengonçada pelo piso de madeira da sala.
Park Chaeyoung, com dezoito anos era estudante de música do primeiro ano
em Juillard.

Como toda adolescente em sua idade ela tinha sonhos e planos para o futuro,
mas sabia de alguma maneira que era diferente desde os seus sete anos,
quando ouviu pela primeira vez seu pai tocar piano na festa de aniversário de
seu avô materno. Foi quando sentiu pela primeira vez as batidas de seu
coração serem guiadas pela melodia da música. Depois disso, logo ela soube
que seria uma grande musicista quando ganhou seu primeiro piano aos nove
anos e um violino de sua prima Tracey. Os professores de música de
Chaeyoung ficaram impressionados com a capacidade de atenção e paixão
com que a garota tocava seus instrumentos, e enquanto as garotas de treze
anos eram apaixonadas por Boybands e seriados adolescentes, seu
compositor favorito era Mozart e sua inspiração vinha de Billie Holiday.

– Meu Deus! O que essa família se tornou? – brincou Diana segurando uma
bandeja com três copos de leite.

Mark girou Chaeyounge correu até a esposa tirando a bandeja de suas mãos
enquanto Chaeyounga puxava para o meio da sala.

– Oh, eu não faço isso há séculos.

– É só mexer o corpo, mãe. Veja! – os três deram-se as mãos e continuaram


dançando alegremente pela sala.

Era assim que a família Park costumava ser, alegre e espontânea, talvez um
dos motivos para espirito de Chaeyoung ser tão livre e sonhador.

Observação importante:
Chaeyoung tinha o sonho de encontrar alguém que cantasse Billie Holiday
para ela.

♪♪♪♪♪♪

O dia amanheceu garoando quando Lisa se deu conta de que estava atrasada
em plena segunda-feira.

Espreguiçou-se gostosamente na cama e assim que seus olhos se


acostumaram com a luz que invadia o quarto pela janela aberta – obrigada
mais uma vez Momo –, obrigou seu corpo sonolento a ir até o banheiro para a
higiene pessoal.

– Hm... – gemeu Momo deitada de bruços em seu beliche com o braço direito
pendendo para fora. Os cabelos loiros e ondulados até o meio das costas
cobriam seu rosto, mas Lisa tinha certeza de que denunciariam a ressaca de
um domingo a noite.

Momo resmungou coisas sem sentido enquanto se revirava de um lado ao


outro até pegar no sono outra vez.

Vestiu sua camisa social azul-claro de botões, uma calça social preta e o par de
Scarpin Divalesi também preto, era seu uniforme não-tão-sua-cara. O look
original de Lisa costumava ser tênis sujos, calças apertadas e jaquetas de
couro, mas era obrigada a ceder ao social pelo curso quando estava no
estágio.

Despediu-se de Momo com um beijo em sua cabeça por cima do edredom e


correu para fora do quarto equilibrando seus livros, chaves e óculos. Parou
rapidamente na máquina de café e comprou um cappuccino de chocolate para
a viagem, então jogou a bolsa no banco de trás do Dodge Challenger 1970
preto e o ligou apreciando o ronco do motor.

Lalisa dirigiu pela cidade que, como é mundialmente conhecida, nunca


dorme. As ruas já estavam abarrotadas de pessoas em plena cinco da manhã,
a maioria deles engravatados com uma grande pressa ou motoristas
esquentadinhos.

O dia era seis de setembro de 2016 e Lisa não fazia ideia de que sua vida
estava prestes a mudar para sempre.

60 Lincoln Center Plaza, número 10023.

E então ela estava em frente ao mágico lugar onde grandes sonhos se


realizam. Ou apenas a Julliard University, se vocês preferirem.

Estacionou o carro do outro lado da rua, retocou o batom claro e pegou sua
bolsa. Havia vários alunos do lado de fora conversando animadamente,
outros nem tanto por ser uma segunda feira de manhã.

Julliard era o lugar dos perfeitinhos e disso Lisa tinha plena certeza toda vez
que cruzava com os estudantes nos corredores. Talvez sua amiga de infância,
Jennie, fosse a única fora do padrão daquela vida infinita que existia dentro
de Juilliard.

Lisa tomou mais um gole do café antes de descarta-lo em uma lixeira na


entrada do edifício e seguiu um grupo de alunos até as escadas deixando seus
olhos se perderem na beleza interna. Julliard com certeza tinha sua própria
beleza por ser uma Universidade de artes, a estrutura conseguia transmitir a
magia presente entre aquelas paredes. Lalisa poderia imaginar a realização de
cada aluno aprovado naquela instituição, por mais que tivesse crescido com
seu pai lhe dizendo que artes não era um futuro seguro.

– Olhe por onde anda! – reclamou uma garota cabelo preso em um rabo de
cavalo alto, pele branca e olhos intensos a qual ela havia esbarrado. Lisa
precisou piscar algumas vezes e desviar o olhar para não ser pega no flagra. –
Você fala?

Lisa sentiu seu rosto esquentar quando questionada mais uma vez, sorriu sem
graça e agradeceu quando a garota lhe entregou a bolsa que tinha caído.

– Obrigada e me desculpe. Eu estava distraída olhando a estrutura do lugar e-

– Uma novata, uh? – a garota brincou começando a andar ao lado da Lisa que
sentiu confiança em seu sorriso, o que, automaticamente, acalmou um pouco
o seu coração.

Lalisa balançou a cabeça ainda um pouco perdida.

– Eu faço estágio de Direito no segundo andar. –explicou apontando para o


corredor em que entraria.

Os olhos da garota brilharam e ela abriu a boca num sorriso surpreso, o que
fez Lisa unir as sobrancelhas.

– Então você deve ser a garota Columbia. – disse. Quando viu a expressão
curiosa de Lisa, sorriu ainda mais. – Você tem muitos admiradores secretos
por aqui. Admiradores e admiradoras. – acrescentou.
Lisa corou violentamente e virou o rosto para que não fosse descoberta. Ela
definitivamente não sabia o que pensar sobre aquela revelação.

–Estou surpresa, admito. – confessou sem jeito. – Mas é como dizem, as


aparências enganam porque eu não sou lésbica.

A garota soltou um assobio que Lisa considerou ser irônico e revirou os


olhos.

–Tudo bem, garota. Aqui também ninguém é. – Lisa tentou não adivinhar o
que ela quis dizer com aquela frase. – Você se deu conta de que estamos
conversando por um tempo e sequer sabemos o nome uma da outra? –
refletiu se virando com a mão estendida. – Kim Jisoo.

Lisa riu da situação e apertou a mão da garota.

– Lalisa Manoban.

Quando Lalisa abriu a boca para continuar, o Sr. Smith entrou em seu campo
de visão com um pequeno sorriso nos lábios.

Apesar da barriga avantajada que curvava para fora da calça e forçava os


botões da camisa social azul claro, o homem de cabelos grisalhos, óculos
redondos e algumas marcas da idade pelo rosto costumava ser gentil e
atencioso com seus estagiários.

– Bom, acho que nos vemos por ai, garota Columbia. – disse Jisoo batendo
continência em brincadeira.
– Foi um prazer, Jisoo. – sorriu e a perdeu de vista quando o Sr. Smith parou
na sua frente estendendo a mão. – Bom dia, senhor.

Jordan Smith era um advogado amigo de seu pai desde muito tempo, ela não
se lembra dele na infância, mas senhor Manoban garantiu que ele seria um
ótimo chefe e mentor em seu estágio, ele só não contava que o amigo estivesse
trabalhando em Juilliard.

– Bom dia, Lisa! – cumprimentou o homem segurando a mão da morena. –


Eu deixei alguns processos em sua mesa ainda agora. Espero que tenha um
dia agradável.

Lisa balançou a cabeça afirmativamente e assistiu seu chefe se embrenhar no


mar de alunos que iam e vinham no corredor. Entrou na sala retangular onde
costumava trabalhar tomando cuidado para não derrubar a pilha de pastas
em cima da mesa número quatro.

Haviam seis mesas ocupadas por estagiários, a maioria deles vindo de NYU.
John e Meet tinham se tornado seus colegas ao longo das semanas que
passaram ali, já o resto da turma composta por garotas não era muito de se
misturar e Lisa não fazia nenhuma questão.

– Muitos funcionários demitidos, muitos processos emitidos. – brincou John


apontando para a pilha de pastas.

♪♪♪♪♪♪

Chaeyoung endireitou-se na cadeira observando a rua movimentada pela


manhã. Ela tinha sido dispensada mais cedo de sua aula de piano ao ser a
primeira a terminar a prova, então como de costume, pegou seu violoncelo e
sentou-se em frente à janela da sala em que seu grupo costumava praticar nos
horários vagos.

Observar a correria das pessoas lá em baixo era, de certa forma, engraçado.

Chaeyoung sabia que 80% daquelas pessoas não tinham tempo nem mesmo
para as próprias famílias e seu maior medo era de se tornar uma deles.

Ela sabia que em algum momento de sua vida encontraria alguém que a
fizesse querer sossegar em algum lugar, mas também temia que essa pessoa
tirasse dela sua maior paixão que era a música. Um pensamento quase bobo
se não sentido e entendido. A música era tudo o que ela tinha e Chaeyoung
sabia mais do que ninguém que abandonaria tudo para seguir seus sonhos.

– Sabe que às vezes você é muito estranha. – disse Irene entrando na sala
acompanhada de alguns alunos. – Vive nessa sala olhando pela janela, o que
há de tão especial lá em baixo?

Chaeyoung virou-se para a ruiva de cabelos curtos e deu de ombros


entregando o violoncelo para um garoto.

– Várias vidas cruzadas. Histórias paralelas caminhando dia após dia por
aquelas ruas. – refletiu a pequena voltando o olhar para a janela uma última
vez. – Vê o quão excepcional é isso?

Irene arqueou a sobrancelha com uma partitura estendida para a pequena.

– Nah! – concluiu seguindo até a fileira de alunos com violinos. – São apenas
um bando de pessoas suadas correndo de um lado para outro.
Irene não entendia. A verdade é que ninguém além de seus pais conseguia
decifrá-la tão facilmente.

Chaeyoung era um livro de poesia escrito entrelinhas onde só um adorador de


histórias poderia decifrá-la e isso, ela sabia, não existia.

Então se limitou a abaixar a cabeça e preparar a partitura no piano, sorrindo


para si mesma quando viu que a música seria River flows in you, uma das
composições de Yiruma que ela mais adorava.

– Eu vou fazer a introdução e Junhoe me acompanha com o Celo. – explicou


sentando–se no piano e o dedilhando. – O violino entra logo em seguida
como na quinta passada, ok?

Todos concordaram e Chaeyoung continuou dedilhando até encontrar o tom


correto.

♪♪♪♪♪♪

Jennie: Encontre-me no terceiro andar. Estou terminando um trabalho.

Era a mensagem de Jennie para Lisa na hora do almoço.

Lalisa reclamou mentalmente e correu para fora do banheiro à procura de


Jisoo por todo o caminho. Ela precisava deixar claro para a garota que não
fazia parte da porcentagem de garotas lésbicas daquele lugar, não que fizesse
diferença, era apenas algo que ficou pendente quando o Sr. Smith apareceu.

Lisa chegou ao terceiro andar e quase foi atropelada pela enchente de alunos
daquele corredor.
Aquele era o departamento de música segundo a inscrição na parede, então
Jennie estaria enfiada em alguma daquelas salas.

Me: Qual sala?

Perguntou, mas não obteve resposta. Lisa começou a caminhar olhando por
cada porta aberta, a maioria estava vazia ou com alguns professores focados
em seus papéis.

Continuou andando a procura de Jennie e até mesmo Jisoo, aquele


departamento era enorme e era fascinante ver grande parte dos alunos
correndo de um lado para o outro com seus instrumentos nas costas, alguns
até tocavam no corredor, pareciam tão leves e felizes que a morena se
perguntou se alguma vez já havia se sentido assim.

Algo chamou sua atenção quando passou pela sala 208.

Lisa parou no portal e tentou ao máximo não ser vista. Observou atentamente
o que parecia ser uma pequena orquestra, havia uma fileira de estudantes
com violoncelo e violinos no fundo da sala e de frente para eles uma garota
tocava piano delicadamente.

As coisas simplesmente aconteceram. Por algum motivo, os olhos de Lisa se


prenderam nos movimentos suaves da garota ao dedilhar o piano; ela tinha
cabelo loiro meio rosa até a cintura, um laço vermelho amarrado na mão
direita e a delicadeza de uma princesa dos contos de fadas que sua mãe
costumava ler antes de dormir quando pequena.
Seus movimentos eram tão concentrados, que Lisa desejou que ela se virasse
a qualquer instante para contemplá-la ainda mais.

Só poderia ser um sonho.

O que estava acontecendo?

De repente era como se a sua alma estivesse proclamando livre arbítrio,


desprendendo-se de seu corpo e dançando suavemente junto aos movimentos
daquela garota em meio à melodia da música.

Enquanto sua alma dançava livremente, seu corpo preso à garota misteriosa.
Ela não conseguia ver seu rosto, mas tinha certeza de que o imaginaria todos
os dias dali em diante em seus sonhos.

Ainda teve esperança de vê-la assim que a música terminasse, a expectativa


aumentava cada vez mais, viu quando uma garota ruiva a notou na porta, mas
naquele momento ela já estava em transe, o som que aqueles delicados dedos
reproduziam no piano eram a coisa mais linda que ela já tinha ouvido em
todos os seus dezenove anos.

♪♪♪♪♪♪

Chaeyoung mantinha os olhos fechados enquanto finalizava a música.

Tinha libertado sua mente de qualquer tipo de pensamentos como costumava


fazer quando tocava, era apenas a melodia do piano e dos violinos que
bombeava seu coração e levava oxigênio ao órgão pertencendo à música.
Quando abriu os olhos, segundos antes de finalizar, perdeu-se na vista
maravilhosa de NY pela janela aberta, deixou seus olhos passearem pelo céu
nublado e pelos formatos das nuvens...

Então viu um reflexo no vidro que de inicio a deixou surpresa. Não soube
dizer quem era a pessoa, mas notou que estava sendo observada da porta da
sala e assim que finalizou a música, virou-se rapidamente em tempo de
encontrar ninguém.

Chaeyoung olhou assustada outra vez para a janela e franziu o cenho, era só o
que lhe faltava, estar tendo alucinações.

__________

A terça-feira amanheceu chuvosa e acolhedoramente fria.

Lisa foi acordada aos berros por Momo para o começo da primeira aula que
estavam, como de costume, atrasadas. A de cabelos castanhos mal teve tempo
de tomar um banho sem que Momo amaldiçoasse todas as suas vidas
passadas pela demora.

– Você é uma péssima colega de quarto, não serve nem para acordar cedo! –
Reclamava calçando o sapato e penteando o cabelo ao mesmo tempo. Lisa
apenas revirava os olhos quando saiu do quarto enxugando os cabelos com a
toalha. – Além de ser antissocial e ter o pôster de um homem que já morreu
colado na minha cama, é claro.
– Pelo menos não volto de madrugada fedendo a sexo. – Rebateu Lisa
sorrindo vitoriosa quando Momo abriu e fechou a boca.

– Desculpe se estou sendo uma adolescente com hormônios a serem


explorados. – rebateu a outra cerrando os olhos e apontando a escova de
cabelo ameaçadoramente para Lisa antes de entrar no banheiro.

Elas costumavam ser assim, discutiam como cão e gato, mas se amavam
incondicionalmente como irmãs. Lisa, Momo e Jennie, costumavam serem
melhores amigas de infância em Los Angeles até decidirem que seus sonhos
estavam em NY. Jennie com sua paixão pelo violoncelo conseguiu uma vaga
em Juilliard. O pai de Momo era advogado e muito amigo da família
Manoban, o que levou Lisa e Momo a entraram juntas em Columbia.

As duas conseguiram chegar a tempo para a aula do Sr. Manson antes que ele
fechasse a porta sem piedade. Era um dos professores mais odiados por Lisa,
o homem de 29 anos, cabelos aka Kurt Cobain e olhos medonhos fazia a
grande questão de não deixa-la entrar em sua aula quando se atrasava e isso
só servia para irritar Lisa ainda mais.

O problema é que naquele dia Lisa estava aérea na aula do professor que
servia de cópia mal feita de um astro do rock de 1970; ela quase não tinha
conseguido dormir com os pensamentos voltados para a sala 208.
Era como um vírus que tinha infectado seu corpo e agora estava prestes a
explodir se não encontrasse a cura.

Me: Vou almoçar com você hoje.

Enviou, estrategicamente, a mensagem para Jennie.


Tentou ao máximo prestar atenção na aula, mas acabou falhando quando
começou a desenhar laços vermelhos no caderno. Aquilo era loucura, Lisa
tinha certeza disso mais do que nunca.

O celular vibrou com a resposta.

Jennie: Pensei que você só trabalhasse três vezes na semana ?

Ok, agora ela precisava de uma desculpa convincente. Não podia


simplesmente dizer que estaria indo a procura de uma garota.

Uma garota.

Nunca havia lhe passado pela cabeça sentir o que estava sentindo por uma
garota, ainda mais uma que nem o rosto tinha visto. É verdade que ela nunca
se apaixonou, então não sabia dizer ao certo sua sexualidade. Caramba, ela
nunca teve tempo para pensar nisso. Esteve sempre ocupada, estudando para
se tornar alguém ao nível de seu pai. "Estude, e um dia poderá administrar
nossa empresa", eram as suas palavras para uma Lisa de treze anos.

Me: Quero passar um tempo com você, só isso.

Não, aquilo não era nem um pouco convincente. E Jennie sendo Jennie, não
deixaria nada disso passar quando se encontrassem.

Jennie: Ok... Matou alguém e preciso esconder o corpo, é isso?

Ela tentou abafar o riso com a mão e recebeu alguns olhares desconfiados de
estudantes.
Me: Pode ser que sim.

Guardou o celular na mochila e voltou a encarar o professor que passava um


trabalho para a próxima semana sobre Direito Penal, mas Lisa sabia que
depois pegaria com Momo porque agora, naquele momento, estava ocupada
demais reproduzindo com os dedos na mesa a música que a garota que tinha
laço vermelho amarrado na mão tocara.

Perguntava-se se teria sido estúpida por ter saído de lá antes que a garota se
virasse para ela, o medo que sentiu naquele momento a empurrou para longe
da sala, ela não queria isso, sabia que era errado, mas ao mesmo tempo se
tornava completamente certo.

♪♪♪♪♪♪

Jennie e Jisoo se encontravam sentadas na última fileira do auditório vazio,


Chaeyoung sabia disso porque era sempre ali que se encontravam nas aulas
vagas para conversarem sobre o dia ou apenas ficarem em silêncio escondidas
do mundo por alguns minutos.

– Você escolhe o nosso destino, Chaeyoung. – disse Jisoo apoiando os pés no


encosto da cadeira da frente e erguendo o dedo indicador. – A: Contar a
verdade para a melhor amiga, ou B: Omitir e deixar que ela descubra sozinha?

Chaeyoung estranhou aquela pergunta e sentou-se ao lado de Jennie que


tinha a cara de quem estava prestes a matar o presidente dos Estados Unidos.

– Alternativa A. Por quê?


Jisoo tentou falar, mas Jennie foi mais rápida e tapou a boca da namorada
com uma das mãos virando-se para Chaeyoung.

– Estamos pensando em contar para Lisa sobre nós, mas ainda tenho medo
da reação dela. – explicou fazendo bico e recebendo um tapa no braço de
Jisoo.

– Quem é Lisa? – perguntou Chae não se lembrando de nenhuma estudante


com aquele nome em Juilliard.

– É minha melhor amiga. Lisa estuda em Columbia e atualmente faz estágio


em Juilliard. – continuou Jennie tirando o celular do bolso da calça. – Ela
acabou de me mandar uma mensagem dizendo que vai almoçar comigo hoje,
então pensei que talvez fosse uma boa hora para contar.

Jisoo ergueu os braços como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

– É claro que é! Eu conheci a garota ontem mesmo e ela é um amor de pessoa.


– replicou segurando a mão de Jennie. – Você só está ansiosa porque tem
medo da rejeição, amor.

Chaeyoung sabia que seus olhos tinham brilhado naquele momento. Ela era a
pessoa que mais admirava aquele casal no mundo todo e sempre que havia
interações românticas entre as duas seu coração acelerava e a fazia desejar
alguém que a completasse, assim como Jennie e Jisoo se completavam.

– Divagando outra vez, Chaeyoung? – riu Jisoo estalando o dedo no rosto de


Chaeyoung que se assustou com o ato.
– Desculpe. – recostou-se na cadeira pendendo a cabeça para trás. – Eu posso
estar com vocês na hora do almoço, caso precisem de um apoio com sua
amiga.

Jennie riu nervosa e Jisoo estalou os dedos novamente.

– Essa seria uma ótima ideia.

Chaeyoung bagunçou o cabelo de Jennie mostrando que estaria sempre ali


por ela. Aproveitou o fim do assunto e fechou os olhos tentando de alguma
forma descontar sua frustração interna no silêncio que o auditório oferecia.

– Algo errado? – ouviu a voz de Jennie.

Logo sentiu uma mão quente tocar seu braço. Chaeyoung suspirou e abriu os
olhos devagar.

– Eu não consigo mais compor. – admitiu deixando sua expressão cair. –


Antes minhas mãos eram como uma máquina de escrever e agora... não há
nada. Eu sento com o lápis e o papel, fico por horas encarando o branco da
folha refletindo o que está na minha mente, mas é exatamente o que há: Um
branco.

– Pensei que Billie Holiday fosse sua inspiração. – comentou Jisoo por cima
de Jennie para que pudesse ver Chaeyoung melhor. – Sabe, toda aquela
velharia que você gosta costumava servir como gás.

As três riram da piada interna.


– E ela é! – a pequena continuou. – Mas ultimamente tudo em minha vida
tem girado em torno do passado e como minha mãe diz: Eu preciso dar uma
chance ao presente se quiser continuar vivendo para o futuro.

♪♪♪♪♪♪

Lisa insistiu para que Momo a acompanhasse até Juilliard por cerca de meia
hora. Não foi nada fácil convencê-la de que sair e rever a amiga de infância
era muito melhor que passar o dia todo dormindo ou falando com o
namorado por SMS.

Claro que o caminho todo foi feito por reclamações e objeções onde Momo a
acusava de sequestro e afins, mas Lisa só podia rir do mau humor de sua
amiga.

Pela primeira vez estava indo até a instituição sem sua roupa formal; dessa
vez usava apenas sua jaqueta de couro preta, a calça skinny e seu tão amado
all star preto e branco. Gostava de sentir-se confortável e livre de qualquer
formalidade.

– Você já pensou em aceitar a oferta do seu pai e aceitar o Porsche? –


questionou Momo no meio do caminho. – Esse carro é tipo da época do meu
avô!

Então Lisa sentiu vontade de jogá-la pela janela e sabia que faria isso se não
tivessem chego a Juilliard logo em seguida. Momo desceu correndo do carro e
notou que alguns alunos ali fora encaravam Lisa pelo estilo da garota.
– Ah! Ótimo, agora vão pensar que sou a sua garota. – reclamou fechando a
cara para duas meninas que sorriram para Lisa. – Você faz sucesso aqui, não
é?

– Cale a boca! – murmurou para a outra. – Nós viemos visitar Jennie.

A recepcionista entregou dois crachás com visitantes escrito em vermelho


para Momo e Lisa que sorriram educadamente e seguiram para as escadas
que dava acesso ao refeitório.

– Cara, esse lugar é mágico! – comentou Momo observando o teto do prédio


como se fosse a coisa mais linda que já tinha visto na vida. – Se eu soubesse
ao menos tocar pandeiro, juro que teria feito o teste.

Lisa riu e puxou a amiga pelo braço para que entrassem no refeitório.

– Me avise se encontrar uma garota com laço vermelho amarrado no punho.


– sussurrou no ouvido de Momo disfarçadamente.

Momo olhou desconfiada para Lisa como se soubesse o que ela estava
aprontando, mas permaneceu em silêncio. Lisa localizou Jennie sentada ao
lado de Jisoo algumas mesas longe dali e arrastou Momo consigo sem tirar os
olhos de cada garota que entrava ou saía dali. Sabia que seria questão de
tempo até encontra-la.

– Garota Columbia! – saudou Jisoo levantando-se e abraçando Lisa


afetuosamente. – É muito bom rever você.

Lisa sabia que tinha corado. Ela não tinha noção de que Jisoo e Jennie eram
amigas e agora parecia sem jeito em frente a Lisa.
– É muito bom rever você também, Jisoo. – respondeu e em seguida foi
esmagada por um abraço de Jennie. – Jennie...

Momo pigarreou alto para que a notassem logo atrás de Lisa.

– Momo! – exclamou Jennie puxando a garota para um abraço apertado. –


Você finalmente saiu da toca, garota!

Jisoo estendeu a mão educadamente para Momo em saudação.

– Aparentemente Lisa está procurando por uma garota com laço vermelho e
me arrastou junto para me usar de espiã. – disse Momo fazendo Lisa
engasgar com a própria saliva enquanto sentavam junto à mesa do refeitório.

– Oh, era segredo?

Lisa se perguntou se forçar a vinda de Momo tinha sido mesmo uma boa
ideia, pois agora mais do que nunca, Jennie a olhava como se tivesse
descoberto a América e Jisoo tinha um sorrisinho de eu disse nos lábios.

– Quer passar um tempo comigo, não é? – zombou Jennie cruzando os braços


com desdém. – Me fale mais sobre essa garota do laço vermelho, Manoban.
Eu conheço?

A morena deu uma olhada em volta certificando-se de que a garota não tinha
entrado, então batucou impacientemente com os dedos na mesa e pensou na
melhor resposta que não a fizesse parecer uma obcecada louca.
– Eu gostei de uma música que ela tocou ontem, apenas isso. – defendeu-se
mexendo as mãos freneticamente. – Quero saber o nome da música, mas não
consegui ver o rosto dela.

– Claro que você quer. – murmurou Jisoo mordendo um pedaço do


sanduíche.

Lisa desviou o olhar penetrante que recebeu e encarou as batatas fritas que
pareciam muito mais interessantes naquele momento.

– Para seu desgosto, muitas garotas aqui usam laço no departamento de


música, o que dificulta sua busca.

Um fato curioso.

Só havia uma garota que usava laços naquele lugar, o pulso. E Jennie sabia
muito bem de quem se tratava.

Jennie cutucou Jisoo e as duas trocaram olhares significativos que Lisa


estranhou enquanto Momo estava alheia à conversa analisando cada pessoa
presente naquele refeitório com interesse.

– Eu perdi alguma coisa? – Lisa perguntou sentindo-se deslocada do assunto


não verbal das meninas a sua frente.

Momo virou-se também observando o silêncio que se formou na mesa. Jennie


respirou fundo cerca três vezes e olhou Lisa como olhava nas raras vezes em
que o assunto era sério.

– Eu acho que Chaeyoung não vai chegar logo, então...


– Quem é Chaeyoung? – Lisa perguntou nervosa. – O que está acontecendo?
Você está tremendo, Jennie!

Jisoo segurou a mão de Jennie por baixo da mesa, ato que não passou
despercebido por Momo que cutucou Lisa, mas Lisa não deu atenção e
continuou encarando as garotas.

– Você sabe que eu sempre fui... Diferente, certo? – Jennie continuou. Seu
lábio inferior tremia e sua pele estava ficando pálida. Lisa pensou que ela
fosse ter um infarto ali mesmo. – Nunca conversamos sobre paixões, e
quando você me perguntava, eu sempre desviava o assunto...

– Você pode, por favor, ir direto ao assunto? – Lalisa se irritou.

Estava curiosa e preocupada com o que estava acontecendo, mesmo que por
um lado tivesse suas suspeitas sobre a amiga desde a infância. Jennie
respirou fundo outra vez e olhou de Lisa para Jisoo e de Jisoo para Lisa
novamente como se Momo não existisse.

– Lisa, essa é Kim Jisoo... Minha namorada.

Lisa piscou algumas vezes absorvendo a informação. A mesa ficou em total


silêncio onde Momo tinha a boca aberta, Jennie e Jisoo estavam aflitas e Lisa
tinha levado um soco no estômago.

– Oh... – deixou escapar. A verdade é que Lisa não tinha a mínima ideia do
que dizer naquele momento de surpresa e choque. – Eu acho que...ok?
Jennie abaixou a cabeça constrangida, mas foi surpreendida pelas mãos de
Lisa que pegaram a sua por cima da mesa.

– Hey! Você continua sendo minha melhor amiga. – disse mantendo a voz
calma. – Eu só estou... surpresa, confesso. As duas sorriram genuinamente
uma para outra e Lisa olhou para Jisoo. – Quebre o coração dela e eu-

– Eu quebro a sua cara! – as duas completaram em uníssono antes de


começarem a rir quebrando o clima tenso que se instalara na mesa.

– Então... eu sou a única que não brinca de aranha aqui? – isso veio de Momo
que ainda tinha a mesma expressão.

Todas encararam Lisa com um ponto de interrogação na expressão.

– Eu não... – ela não terminou a frase. Não faria sentido discutir com Momo
quando nem ela mesma sabia qual era a resposta, então deixou que ficasse
subentendido e apenas cruzou os braços. – Você está feliz? – Lisa perguntou
para Jennie com interesse.

Sua amiga sorriu para Jisoo entrelaçando as mãos agora em cima da mesa,
visível para quem quisesse ver.

– Eu não me sentia assim há anos, Lisa! – ela respondeu em êxtase. O que fez
Lisa sorrir genuinamente. – Ainda não pretendo contar para meus pais, mas...
eu sei que é assim que sou e não pretendo deixa-los controlar essa parte da
minha vida.

Por um momento Lisa sentiu inveja de Jennie. As duas tinham algo em


comum, suas vidas já tinham sido planejadas pelos pais antes mesmo de
completarem três anos de idade. Felizmente Direito era o que Lisa gostaria de
fazer desde que vira seu pai em um tribunal pela primeira vez. De qualquer
forma, seu sonho não poderia ser outro, seus pais não a apoiariam.

– Jisoo e eu precisamos voltar para a aula. – avisou Jennie olhando o relógio


de pulso. – Nos vemos amanhã?

– Claro. – respondeu Lisa abraçando a amiga com força. – Eu te amo, não


esqueça.

Jennie apertou o nariz de Lisa e lhe beijou a face.

– Jamais! – brincou. E abraçou Momo. – Cuide-se, Momo. Eu senti a sua


falta.

Momo segurou o rosto de Jennie com as duas mãos e beijou a testa da amiga
com carinho.

– Amamos você.

Lisa e Momo ficaram observando enquanto Jisoo e Jennie atravessavam o


refeitório com os dedos mindinhos cruzados. Quando finalmente estavam
sozinhas, Momo aproximou-se o máximo que pode de Lisa para sussurrar:

– Você acha que eu seria uma boa lésbica?

Algumas pessoas são normais; algumas pessoas têm alguns problemas


psicológicos; mas Momo era estranha.
– Sim, você seria ótima. – Lisa brincou indicando a saída do refeitório para a
amiga. – Eu quero passar no terceiro andar primeiro antes de irmos, ok?

As duas subiram as pressas pelas escadas. Não era permitido para visitantes
perambular pelos corredores em dias de aula, então Lisa não se importou em
apertar o passo no corredor olhando rapidamente de sala em sala à procura
de algum sinal físico da garota do dia anterior, mas nenhuma parecia bater
com a característica de sua lembrança.

Lisa acabou esbarrando em alguns alunos que passavam pelo corredor com a
distração e quando finalmente chegou à sala 208, a encontrou vazia.

O piano permanecia no mesmo lugar, o mesmo do dia anterior, então Lisa


não conseguiu conter a ansiedade e entrou na sala caminhando até o piano
com a imagem viva da garota em sua memória.

– O que está fazendo? – sussurrou Momo olhando de um lado para outro com
medo de ser pega. – Lisa!

Lisa abriu a tampa do teclado, passou os dedos pelas teclas fechando os olhos
por um momento apreciando o som, ela não sabia tocar piano como sabia
tocar violão, mas só o som que aquelas teclas emitiam já eram o suficiente
para fazê-la arrepiar.

Quando abriu os olhos, deparou-se com a janela aberta, era uma vista
maravilhosa e obrigou-se a caminhar até o parapeito para olhar as pessoas
caminhando lá em baixo.

– Cada uma delas tem uma história. – Lisa sussurrou para ela mesma
sentindo a brisa gelada lhe acariciar a face.
Talvez a garota com laço vermelho no pulso fosse apenas uma ilusão de sua
mente conturbada e confusa. A pressão dos professores, seu pai reclamando
sobre seu estilo de vida, seu circulo de amizade se tornando desagradável a
cada dia. Talvez tudo o que ela precisasse, mesmo que por um instante, fosse
de uma ilusão.

Uma ilusão que tocasse piano.

♪♪♪♪♪♪

Irene não parava de falar sobre como a festa da noite passada havia sido
ótima e sobre como eles deveriam reproduzir algum clipe em alguma pista de
pouso naquele ano com o grupo da aula de música e drama. O problema era
encontrar uma pista de pouso para encher de bolas brilhantes e dançarem até
o nascer do sol, não é como se fosse apenas chegar e pedir uma pista
emprestada a um aeroporto.

– Quem disse que precisamos de uma pista de pouso? – indagou a ruiva


entrando na sala com Chaeyoung e os outros. – Podemos usar um campo,
ou...

Chaeyoung estava mais preocupada em mandar mensagem para Jennie


perguntando como tinha sido a conversa com a amiga dela, desculpando-se
incansáveis vezes por não ter aparecido ao encontro no refeitório.

Se o seu professor não a tivesse segurado na aula para ajudar Curtis a finalizar
as partituras, Chaeyoung teria conseguido chegar a tempo.
Assim que guardou o celular no bolso e caminhou até o piano, viu algo que
chamou sua atenção.

– O que foi? – perguntou Irene aproximando-se de Chaeyoung ao notar a


garota encarando o piano.

– Nada. – respondeu a verdade. Realmente não era nada demais. – Eu jurava


que tinha fechado a tampa do teclado essa manhã, e agora ela está aberta.

Irene reclamou sobre outros estudantes terem usado o piano, mas Chaeyoung
sabia que aquela sala só era usada por sua turma.

Talvez ela precisasse mesmo dar algumas férias à sua mente ou acabaria
enlouquecendo como Jennie gostava de frisar.

_________

O mês transcorreu insuportavelmente lento.

Sempre que lhe era possível, Lisa se infiltrava no departamento de música


procurando pela garota do laço vermelho.

Desde sua última conversa com Jennie e Jisoo, Lisa sempre arrumava uma
forma de cortar o assunto, mesmo que Jennie insistisse em perguntar sobre
sua frustrada caçada à garota.
A frustração era grande, ela sabia que estava agindo como uma louca todos
esses dias arriscando ser pega quando não estava em dia de trabalho, mas
insistia em aparecer em Juilliard depois das aulas em Columbia.

Momo também insistia que algo estava acontecendo com Lisa e por mais que
negasse, Lalisa sabia que no fundo sua amiga tinha razão. Lisa nunca mais foi
a mesma depois daquele dia.

– Nós vamos fazer isso! – disse Jisoo servindo-se de um pedaço da lasanha de


Lisa.

– Não podemos esperar mais um pouco? – choramingou Jennie fazendo bico


para a namorada e em seguida olhando em súplica para Lisa.

– Por favor, Lisa. Você precisa convencê-la!

O casal discutia sobre contar ou não aos pais de Jisoo sobre o namoro secreto.
É claro que Jennie estava totalmente insegura, com medo da rejeição uma vez
que fora criada por uma família religiosa. O Sr. RJ era o tipo de pessoa que
não se importava com alguém sendo homossexual a menos que esse alguém
fosse de sua família, e Lisa entendia bem o lado da amiga, pois vivia o mesmo
drama na própria casa.

– Meus pais são diferentes. Acho que meu pai vai ficar um pouco
decepcionado no começo, mas ele sempre diz que me ama acima de qualquer
escolha minha. – Jisoo a tranquilizou batendo infantilmente com o dedo
indicador no nariz de Jennie.

Jennie bufou e encheu a boca de lasanha enquanto se esquivava das carícias


da namorada.
– Vocês são muito fofas de se observar, mesmo que eu me sinta uma terceira.
– enfatizou Lisa com um sorriso estampado no rosto.

Ela gostava de passar seu tempo livre com as garotas, há muito tempo não
jogava conversa fora em uma mesa com amigos, pois apesar de Momo ser sua
amiga, não parava no dormitório e quando voltava, não estava sóbria o
suficiente para conversar.

Tomou um gole do refrigerante e seguiu com o olhar por cima do ombro de


Jennie, do outro lado do refeitório, onde uma garota ruiva – e ela poderia
jurar que já viu essa garota em algum lugar –, a encarava com um sorriso no
rosto.

Lisa desviou o olhar constrangida e perguntou-se se aquela garota estava


flertando com ela. Jisoo pigarreou alto tirando Lisa dos pensamentos e viu
que o casal tinha seguido seu olhar até a garota ruiva.

– Então...Lisa! – a voz irônica de Jennie voltou. Lisa teve certeza de que


sobraria para ela como sempre acontecia quando o assunto acabava. – Como
está a sua busca pela garota do laço vermelho?

Lalisa bufou. Recostou-se decepcionada na cadeira arriscando olhar mais


uma vez para a ruiva que continuava a encarando.

– Um fracasso, se quer mesmo saber. – admitiu, batucando com os dedos na


mesa ansiosa. – Todos os dias depois do estágio eu entro na sala 208 e espero
pelo menos meia hora, mas ninguém nunca entra, e isso é frustrante.
Jennie ficou parada como uma estátua analisando Lisa, até mesmo Jisoo
achou estranho a reação da namorada em cerrar os olhos para a morena.

– Eu disse algo? – perguntou preocupada com a expressão de Jennie.

Jisoo deu de ombros e fez sinal com o dedo indicador ao lado da têmpora
indicando que a namorada poderia ter enlouquecido.

– Você gostou mesmo dela, não é? – foi mais uma afirmação de Jennie que
pegou Lisa de surpresa. – Há mais de um mês você está procurando por
alguém que sequer viu o rosto, Lisa. Eu a vejo aqui até mesmo quando não
está trabalhando, o que significa que gostou mesmo dessa garota.

Lisa permaneceu estática sobre o comentário da amiga. Ela não tinha se dado
o luxo de parar e pensar sobre o que estava sentindo exatamente sobre a
garota. Ela só sabia que precisava encontra-la e conversar com ela, olhar em
seus olhos, sentir outra vez o que sentiu quando a ouviu tocar. Mas ouvindo
isso agora da boca de um terceiro era quase estampar em sua cara a verdade
não dita.

– Não se trata de ver ou não o rosto dela, Jennie. – disse Lalisa com a voz
baixa para que apenas as duas ouvissem. – Se trata do que eu senti quando a
ouvi tocar, foi quase como... Quase como ver e ouvir sua alma...entende? –
suspirou procurando palavras que explicassem o que realmente estava
acontecendo. – Ela é diferente, ela se expõe com a música e isso é tão raro
hoje em dia. Eu me senti conectada com essa garota assim que ouvi a melodia.
Eu só...precisava conhecê-la.

Jisoo piscou algumas vezes, não acreditava no que tinha ouvido. Jennie tinha
as sobrancelhas arqueadas, a boca meio aberta e os olhos arregalados.
– Isso foi...doce. – comentou Jisoo depois do silêncio. Olhou para a namorada
que continuava analisando Lisa. – Você nunca me disse coisas assim.

Lisa começou a rir sem graça e Jennie apenas deu um rápido beijo na testa de
Jisoo antes de se levantar com pressa.

– Depois conversamos sobre seus pais, ok? Eu preciso... – pensou olhando de


um lado para o outro. – Trocar o absorvente.

As duas garotas observaram Jennie sair quase correndo do refeitório


carregando a mochila como se a sua vida dependesse disso.

– Às vezes eu me pergunto por que namoro com ela. – disse Jisoo voltando a
se servir de lasanha. – Então me lembro de que o sexo é ótimo. Ouch! –
gemeu quando recebeu um chute na canela por debaixo da mesa.

As duas começaram a rir sem entender realmente o que estava acontecendo


enquanto a garota ruiva do outro lado do refeitório não tirava os olhos de
Lisa, o que estava começando a incomodá-la.

A verdade é que Jennie não se importou de sair correndo como uma louca.
Ela precisava desfazer a besteira que tinha feito ao achar que estava
protegendo sua amiga. Ela via agora que as intenções de Lisa eram tão puras
quanto o coração de Chaeyoung e que talvez, e só talvez, suas duas amigas
fossem a válvula de escape que estava faltando uma na vida da outra.

No primeiro dia em que Lisa comentou sobre a garota do laço vermelho no


pulso, Jennie tinha feito Chaeyoung trocar os horários com a desculpa de que
precisava de ajuda com o violoncelo e escondido o laço vermelho da outra,
tudo porque no fundo sabia que Lisa nunca havia se apaixonado e que em
todas as experiências, todas elas com homens, eles tinham saído machucados.

Não era por mal, Lisa só criava para si mesma a ilusão de que tinha
encontrado o amor de sua vida com apenas algumas palavras bonitas que
alguém lhe dissessem e isso não durava mais de duas semanas. E então um
mês se passou desde que ela viu Chaeyoung e a paixão com que ela conseguia
descrever a outra sem nem mesmo conhecê-la era uma das coisas mais
bonitas que Jennie já tinha visto, perdendo apenas para Jisoo.

A porta do auditório estava destrancada, o que significava que a única pessoa


que possivelmente trocaria o almoço por música estaria lá dentro ensaiando.

Jennie desceu as escadas do auditório vazio e escuro com um pequeno sorriso


no rosto. Pode visualizar uma figura no centro do palco mal iluminado
dedilhando o piano e trocando sem parar de partituras com certa
preocupação estampada no rosto.

Ela gostava de como Chaeyoung se dedicava inteiramente a música, as duas se


conheceram no começo do ano quando fizeram dupla em classe, Chae se
mostrou superior a todos naquela sala quando tocou Requiem de Mozart, mas
incrivelmente era o espirito livre e sonhador de Chaeyoung que mais chamava
atenção.

Chaeyoung conseguia transmitir toda a sua vontade de viver cada segundo


que o universo conspirava ao seu favor para as outras pessoas e qualquer um
que ficasse por perto sentiria a mesma vontade.

Lisa tinha razão, Chaeyoung era diferente em vários níveis e talvez por isso ela
devesse vivenciar um novo sentimento tão lindo quanto a sua música.
– Pequena Mozart. – chamou Jennie subindo no palco e ligando as luzes para
que pudessem se ver melhor. – Já comeu hoje?

Chaeyoung deixou as mãos em cima do teclado do piano e deitou a cabeça no


móvel preto desgostosa.

– Eu estou em greve comigo mesma. – disse. Seu dedo indicador brincava


com a nota Dó. – O Sr. Will disse que minha inspiração é como os pássaros,
vêm de tempos em tempos. – levantou os olhos frustrados para a amiga. – Ele
comparou minha inspiração com pássaros nômades!

Jennie explodiu em risadas que ecoaram por todo o auditório, até mesmo
Chaeyoung se atreveu há sorrir um pouco.

– Você precisa de uma pausa, garota. – disse Jennie assim que se recuperou.
Deixou sua mochila no chão e com um impulso sentou-se em cima do piano
sob o olhar fuzilante da pequena. – Sabe, não adianta bater na mesma tecla
várias vezes, ela não vai funcionar se o piano estiver quebrado.

Chaeyoung abriu a boca em choque e apontou o dedo ameaçadoramente para


a amiga.

– Você acabou de dizer que estou quebrada?

– É claro que não! – defendeu-se levantando as mãos em sinal de inocência. –


Só estou dizendo que ninguém consegue produzir sobre pressão. Você acha
mesmo que Beethoven ou Bach não saíam para tomar um ar fresco quando
não estavam compondo?
Chaeyoung abaixou a cabeça outra vez soltando um som de
descontentamento de sua garganta. Era verdade que sua cabeça estava quase
explodindo e seus nervos á flor da pele com sua incapacidade de compor.

– Eu não sei o que fazer. – disse sincera folheando a partitura, mas Jennie a
tomou de suas mãos.

– Chaeyoung, eu estou sendo sincera quando digo que as únicas vezes em que
não está em frente a um instrumento, é quando está no banheiro ou
dormindo.

– Isso não é verdade! – Chae protestou não acreditando que sua amiga estava
inventando aquelas coisas. Ou não. – Ok, é verdade.

Jennie sorriu vitoriosa e viu que era a hora perfeita de por seu plano em ação.

– Você deve espairecer sua cabeça. Sair mais com seus amigos...quem sabe
namorar? - qualquer um no mundo conseguiria identificar aquela voz fingida
que Jennie estava fazendo, mas Chaeyoung era Chaeyoung e a única coisa que
foi capaz de notar foi, felizmente, a última frase.

– Namorar? – riu debochada. – Olhe para mim, acha que alguém vai querer
namorar uma garota que ouve Billie Holiday e faz de seu próprio mundo um
clichê da antiga Hollywood?

Lisa vai, pensou Jennie. Ela ouve velharias e é tão clichê quanto Chaeyoung.
Perfeitas uma para a outra, já podem se casar.
– Você não é a garota que acredita na história da outra metade da laranja?
Então...ela pode estar por ai...ou por aqui. - brincou internamente fazendo
Chaeyoung arquear uma sobrancelha.

Para ser sincera, ela estava adorando aquele trabalho de cupido, então se Lisa
queria conhecer Chaeyoung... Ah, ela iria.

– Não acho que alguém teria paciência de me aturar, de qualquer forma. –


continuou, dedilhando outra vez o piano. – E não sei se no meu coração há
espaço para esse tipo de amor. – levantou os olhos quando viu que não teve
resposta e flagrou Jennie mexendo no celular. – Jennie! Está me fazendo
divagar sozinha?

Jennie olhou assustada para Chaeyoung e guardou o celular rapidamente no


bolso da calça.

– Desculpe! Jisoo está com infecção alimentar e eu preciso vê-la. – mentiu


saltando do piano e pegando sua bolsa do chão.

– Oh! Você quer que eu vá com você? – perguntou a pequena preocupada.

– Não! – exclamou Jennie a segurando na banqueta num movimento rápido


quando a pequena fez menção de levantar, o que intrigou Chaeyoung. –
Digo...você sabe, ela come porcaria o dia todo, uns beijinhos e tudo melhora.

Chaeyoung não entendeu o que estava acontecendo, mas quem entenderia


Jennie, certo? Então apenas maneou a cabeça e observou a amiga sair às
pressas do auditório. Essa seria a nova saída dramática de Jennie dos
cenários dali em diante.
Conteúdo da mensagem de Jennie

"Lisa, me encontre no auditório AGORA!"

Lisa sentiu o celular vibrar quando estava caminhando para a sala 208. Ela
ainda tinha meia hora de almoço e Jisoo havia se despedido para ligar para os
pais. A mensagem era de Jennie e o mais estranho era que precisavam se
encontrar imediatamente no auditório. O que de tão importante ela queria
àquela hora? Justo no curto espaço de tempo que Lisa tinha para procurar
pela garota do laço vermelho.

Contra a vontade, Lalisa refez seu caminho pelo prédio rapidamente


tropeçando em alguns alunos, queria ser o mais rápida que pudesse com
Jennie e se tivesse sorte poderia voltar á sala 208. Ao se aproximar da porta
do auditório, Lisa viu sua amiga escondida na entrada olhando algo lá dentro
que parecia ser importante.

– Espero que não tenha um corpo lá dentro. – disse fazendo Jennie saltar de
susto com a mão no coração.

– Garota! – exclamou encostando na parede com a respiração acelerada. – Eu


poderia simplesmente fazê-la virar as costas, ir embora e talvez nunca mais
você tivesse essa chance! Lisa franziu o cenho com o comentário desconexo
de Jennie.

– Desculpe por isso. Você estava tão distraída bisbilhotando o que quer que
esteja lá dentro. - analisou o olhar de Jennie e então uma luz acendeu atrás de
seus olhos. – Jennie! Jisoo sabe disso? Eu não posso acreditar que você está
fazendo isso com ela...
Jennie pendeu a cabeça para o lado em confusão.

– Sobre o que você está falando, garota? – reclamou agarrando o braço da


morena em seguida. – Quer saber, esquece. Entra logo antes que eu mude de
ideia.

Lisa foi arrastada para dentro do auditório. Ela até tentou argumentar ou
empurrar Jennie, mas assim que se aproximaram da arquibancada, foi capaz
de ouvir uma melodia suave ecoar por todo o lugar. Ela sentiu todas as
vibrações em seu corpo quando reconheceu o perfil da garota que tocava
piano. Não sentiu quando Jennie soltou seu braço, na verdade Lisa era
incapaz de ver ou ouvir qualquer coisa que não fosse aquela maravilhosa cena,
era quase melancólica a forma como a garota se movimentava.

Automaticamente, Lisa desceu alguns degraus aproximando-se um pouco


mais, estava quase no meio do auditório agora e a garota não podia vê-la,
estava concentrada demais em seu próprio mundo com os olhos fechados.

Lisa soube, naquele momento, que estava vulnerável diante aquela garota. A
forma como as linhas em sua testa se formavam cada vez que a melodia soava
mais e mais profunda; as preciosas mãos se movimentando como se fizessem
aquilo por toda uma vida; os lábios fechados em linha reta que vez ou outra se
abriam para uma respiração leve, e logo voltavam a selar-se.

Sim, Lisa sabia que poderia amar aquela garota simplesmente por ela estar
usando uma cacharrel branca, calça jeans e all star. Não sabia seu nome, mas
poderia chamá-la de perfeição pelo resto de vida se assim lhe fosse permitido.
– O nome dela é Chaeyoung. – ouviu a voz de Jennie ao seu lado, mas não
desviou os olhos de sua mais nova adoração. – Park Chaeyoung. E ela é uma
garota incrível, Lisa!

E por poucos segundos, Lisa permitiu-se desviar os olhos para Jennie que a
olhava com familiaridade.

– Chaeyoung. – saboreou o nome em seus lábios.

Um nome tão doce quanto a sua definição humana.

– Não estrague as coisas. – foi a última coisa dita por Jennie antes de deixar o
auditório. Restava apenas Lisa, Chaeyoung e a música.

Anotação importante
A música pode até mesmo fazer os anjos chorarem.

A morena não fez questão de sentar, continuou em pé sentindo a melodia


reviver cada músculo de seu corpo, sentimentos que nem mesmo Lisa sabia
que existiam. Apreciou cada segundo até aos poucos terminar. Chaeyoung
abriu os olhos procurando pela claridade, voltando para o mundo real e então
todos os sons a sua volta puderam ser ouvidos, até mesmo o de aplausos.

Espere.

Aplausos?

Chaeyoung virou-se na banqueta procurando pela origem do som. Foi difícil


enxergar algo com o refletor cegando seus olhos, mas notou quando uma
silhueta feminina se aproximou do palco ainda batendo palmas. Chaeyoung
achou estranho que alguém entrasse ali, os alunos costumavam gastar seus
horários livres fazendo coisas de adolescentes, não trancados em um
auditório vazio ouvindo mais música.

– Titanic. – disse a voz rouca quando parou de frente ao palco. – É uma bela
música e um belo filme.

Chaeyoung ficou em pé a fim de ver melhor a garota que estava falando com
ela. Surpreendeu-se quando se deparou com a beleza vulgar daquele ser que a
olhava com certa...sedução? Adoração?

– Você gosta? – perguntou Chaeyoung sentindo-se corar.

– Está brincando? Minha mãe adora aquele filme. – as duas riram. – Gosto
do grau de romantismo da história: clichê e ao mesmo tempo trágica.

Lalisa caminhou até a escada do palco e subiu para que pudesse se aproximar
mais de Chaeyoung. Ela precisava disso, precisava estar o mais perto o
possível para apreciar aquela beleza surreal.

– Você pula, eu pulo. – brincou Chaeyoung, ao recitar uma das frases do


filme.

Seu sorriso vacilou quando teve Lisa no mesmo nível que ela.

– Ele me salvou de todas as formas que alguém poderia ser salva. – recitou
Lisa, deixando os olhos castanhos massacrarem os negros de Chaeyoung.
Chaeyoung abraçou o próprio corpo sem graça. Não sabia o que aquela garota
queria, mas não estava gostando da forma com que uma estranha conseguia
fazê-la sorrir com poucas palavras.

– Quem é você? – perguntou sem jeito. Tentava ao máximo manter a postura


diante daqueles olhos penetrantes.

– Sou uma fã. – Lisa disse dando um passo a frente e em reflexo, Chaeyoung
recuou um. – Meu nome é Lalisa Manoban.

Deu um pequeno sorriso mostrando que a Chaeyoung poderia confiar nela.


Hesitante, Chaeyoung deu um passo à frente e encarou o chão enquanto dizia:

– O meu é-

– Park Chaeyoung. – Lisa completou chamando a atenção de Chaeyoung.

Ela ficou sem graça, mas admirar a perfeição daquela garota de perto estava
deixando-a extasiada. Nunca imaginou que poderia haver alguém tão bela
quanto aquela a sua frente, com feições firmes e tão delicadas ao mesmo
tempo.

– Eu sei que você deve estar se perguntando o que eu quero dizer, mas
acredite, eu passei um mês inteiro me preparando para este momento e agora
as palavras simplesmente não parecem fazer sentido.

Chaeyoung abriu a boca, mas nada conseguiu dizer. Ninguém nunca havia
parado em frente a ela e dito coisas como as que aquela garota linda estava
dizendo. Aproveitando a oportunidade, Lisa continuou:
– Eu ouvi você tocar uma vez e devo confessar que nunca tinha ouvido algo
tão profundo antes. – riu e abaixou a cabeça. Seu corpo todo estava em
chamas por simplesmente estar jogando todos aqueles sentimentos em cima
de uma pessoa que não a conhecia. – Tenho procurado por você desde então,
Park Chaeyoung.

A forma como a voz rouca de Lisa pronunciou seu nome fez o corpo de
Chaeyoung arrepiar-se intensamente. Ela orou. Orou para que seu coração
acelerado se acalmasse, mas os olhos de Lisa estavam servindo de âncora.

– Está flertando comigo, Srta. Manoban? – indagou Chaeyoung com um tom


de ironia em sua voz. Não esperava nada demais em resposta, queria apenas
quebrar o gelo que se estabelecera entre elas.

– Eu não sei. – respondeu Lisa dando mais um passo desafiador à frente. –


Você quer que eu flerte com você?

Silêncio.

Um longo silêncio.

Lisa abriu a boca para arremessar mais palavras que pudessem provar para a
pequena que estava sendo sincera por mais estranha que a situação fosse.

Mas, dessa vez, Chaeyoung ergueu o dedo indicador pedindo silêncio e


arrumou suas partituras em cima do piano enquanto dizia um pouco
atordoada:

– Eu agradeço de todo o coração que tenha vindo até aqui para me dizer
coisas como estas. Você não sabe o que isso significa para uma musicista,
Srta. Manoban. – disse abraçando as partituras contra o corpo e passando por
Lisa em direção à saída do backstage. – Mas acredite quando digo que não
sou a pessoa que procura.

Contrariada, Lisa virou-se determinada a não deixar aquele momento morrer


daquela forma.

– Como pode ter tanta certeza? – implicou sentindo que seu coração saltaria
se não conseguisse a atenção de Chaeyoung. A outra olhou-a com pesar e
decidiu ser honesta. Respirou uma, duas, três vezes antes de dizer:

– Eu procuro por alguém que me beije em baixo de chuva. – sentiu que tinha
soado ridiculamente infantil, mas continuou. – Alguém a quem eu possa tocar
minha música sem medo de rejeição e que eu sei que vai me abraçar forte no
fim da noite. Alguém que cante Billie Holiday comigo na sala de estar e a
quem eu possa entregar meu coração sem medo de devolução. - desabafou
sabendo que a Lisa a sua frente riria dela em seguida. – Essa sou eu, Srta.
Manoban. Apenas uma garota procurando por algo que não existe.

Chaeyoung interpretou o olhar de Lisa como um desapontamento. Tinha feito


bem em revelar sua verdadeira eu para alguém com os sentimentos tão puros
quanto Lisa, era melhor a verdade agora antes de se iludir com uma mentira.
Então, com um aceno de cabeça que dizia eu avisei, Chaeyoung virou as costas
e continuou caminhando.

Lisa forçou sua mente a se lembrar das músicas de Billie Holiday. Sua mãe
tinha todos os discos, ela costumava ouvir escondida no escritório quando
estava sozinha em casa. Como era aquela sobre ver uma pessoa? Ela sabia...
Eu vou estar vendo você...
- I'll be seeing you in all the old familiar places that this heart of mine
embraces all day and through...

Chaeyoung estacou no meio do caminho.

Não pode ser.

Ela não conhecia ninguém que soubesse as músicas de Billie.

E então aquela mulher dos olhos castanhos estava recitando uma das mais
lindas músicas de Billie Holiday a ela num pedido para que pudesse flertar.
Lisa não soube, mas um sorriso brincou nos lábios de Chaeyoung que se virou
apenas mais uma vez para dizer:

– Até mais, Srta. Manoban.

Lisa sorriu confiante e fez uma pequena reverência em brincadeira, o que


tirou mais um sorriso dos lábios de Chaeyoung.

– Foi um prazer, Park Chaeyoung

_______

Lisa sentia-se entediada pela primeira vez na aula de direito penal.

Não era muito comum ela estar com a cabeça inclinada sob a mão direita
batucando levemente os dedos na cadeira com os olhos focados acima da
lousa onde estava o relógio.
Era verdade que seus pensamentos estavam em outra instituição, outro
alguém cujos olhos negros eram de um tom maravilhosamente perfeito. Deus,
e aquela risada que mais parecia com acorde dos anjos? Não que ela já tivesse
visto um anjo tocar, mas sabia que se assemelharia a Park Chaeyoung.

– Lisa? – Megan sussurrou logo atrás de sua mesa tirando-a do seu mundo
onde vários claves de sol a rodeavam simbolizando sua mais nova admiração.
– Quer sair com as meninas hoje?

Megan era de estatura média e olhos numa tonalidade azul como a do mar, os
cabelos eram longos e negros até o meio da cintura. Ela era uma de suas
amigas em Columbia juntamente de Hanbin e Somi que tinham entrado no
segundo semestre. Momo não suportava a presença deles simplesmente por a
ignorarem, mesmo que sua desculpa fosse a de que eles fedessem a maconha.

– Hoje eu não posso. Prometi a Momo que a levaria ao cinema. – respondeu


num sussurro.

Megan soltou uma exclamação descontente e deu um tapa na cabeça de Lisa


em brincadeira. Ela não tinha saído como grupo desde o dia em que viu
Chaeyoung tocar pela primeira vez, isso porque gastava todo seu tempo livre
em Juilliard. Como por exemplo, hoje, que em menos de meia hora sairia de
Columbia somente para encontrar com a garota outra vez.

Tirou seu celular do bolso e enviou uma mensagem para Momo que estava no
lado oposto da sala perguntando a que horas poderia busca-la na casa de seu
namorado, seu plano era ir direto de Juilliard para a casa de Jackson e de lá
seguiriam para o cinema.
Momo: Por volta das oito e meia.

Perfeito! Poderia passar mais tempo com Jennie, Jisoo e quem sabe
Chaeyoung. Assim que deu seu horário, Lisa recolheu suas coisas e correu ao
dormitório trocar suas roupas lembrando-se de que era sexta; precisava ligar
para seus pais ou mandariam o FBI atrás dela.

– Sabe, você anda muito ocupada nos últimos dias. – era Megan outra vez
quando passava pelo corredor dos dormitórios, dessa vez ela estava
acompanhada de Hanbin.

– Eu ando ocupada com o estágio, Megan. – explicou ocultando seu


verdadeiro motivo de afastamento. – Quando não estou em Juilliard, estou no
dormitório terminando os processos.

Hanbin soltou uma risada irônica. Era o mais convencido da turma e também
o mais rico, Lisa se perguntava se ele sabia que não era mais segredo para
ninguém que o cabelo jogado castanho escuro jogado pra trás e lotado de
laque denunciava que ele gostava de homens.

– Juilliard, Lisa? – perguntou ainda rindo e com uma careta de deboche. –


Aquele lugar é uma piada, cheio de hippies sonhando alto.

O queixo de Lisa caiu. Só podia ser brincadeira aquele tipo de comentário,


Hanbin se parecia muito com o seu pai agora, poderia até mesmo visualizá-lo
dizendo a mesma frase.

– Não acho que sejam hippies, são? – perguntou Megan curiosa fazendo Lisa
revirar os olhos.
– Não são hippies, são apenas... – felizes. Ela quis dizer, mas aguardou o
comentário para si. – Leves.

Megan a olhou curiosa e Hanbin franziu o cenho ainda com sua cara de
deboche.

– Cuidado para não deixar sua cabeça ser infectada com a música toca a alma.
– Hanbin riu gesticulando com as mãos e fazendo Megan e até mesmo Lisa rir
um pouco. Eles eram seus amigos no final de tudo.

– Vemos você mais tarde, então.

E com um aceno de cabeça, eles liberaram o caminho para Lisa que rumou em
direção ao seu carro.

♪♪♪♪♪

Do outro lado da cidade estava Chaeyoung concentrada, tentando ao máximo


passar para o papel o Quinto Trítono musical. Ela era horrível nisso, seu
verdadeiro dom era com os instrumentos, não escrevendo campos
harmônicos, escalas e arpejos por mais que seu sonho fosse um dia ter sua
própria rapsódia, algo como Johannes Brahms.

Jennie, que estava sentada ao seu lado, não parava de sorrir como idiota e
enviar mensagens que Chaeyoung sabia ser para Jisoo. Claro que no intervalo
Jennie pediria todas as suas anotações e como boa amiga que era ela cederia
mesmo contrariada. Mas dessa vez Jennie seria encurralada e nem Jisoo
poderia salvar a namorada das garras de Chaeyoung que estava disposta a
saber se ela tinha um dedo no pequeno encontro com a tal de Lalisa Manoban
no auditório.
Com um olhar fuzilante, Chaeyoung terminou suas anotações sobre harmonia
quando finalmente tinha dado o horário para a troca de aula e sem pensar
duas vezes guardou seus livros na bolsa e agarrou o braço de Jennie que
estava distraída ainda sentada com o celular nas mãos.

– Jesus, Chaeyoung! – reclamou assustada. Estava começando a achar que


tinha uma placa em sua testa escrito me assuste. – Eu poderia jurar que era a
ex de Jisoo me chamando para a briga.

Chaeyoung piscou algumas vezes confusa e balançou a cabeça não querendo


entender o que sua amiga tinha dito.

– Eu preciso falar com você. – disse cruzando o braço direito com o de Jennie
e começando a caminhar pelo corredor até seu ensaio. – Lembra quando me
disse que precisava contar para sua amiga sobre seu namoro com Jisoo? –
Jennie arregalou os olhos e virou o rosto para o outro lado para que
Chaeyoung não visse seu espanto.

– Sei sim. – falou olhando até para o teto, menos para Chaeyoung. – O que
tem?

Chaeyoung deu um puxão na amiga e as duas entraram na sala de ensaio


ainda vazia.

Observação
Era a sala 208.
– Como era mesmo o nome dela? Lisa, não é? – Chaeyoung mantinha seu ar
desconfiado analisando cada expressão de Jennie que já tinha se entregado no
primeiro instante. – Engraçado que eu conheci uma Lisa ontem.

Naquele momento, alguns alunos começaram a adentrar a sala, o que fez


Chaeyoung aproximar-se de Jennie com os olhos semicerrados
ameaçadoramente.

– Que coincidência! – exclamou Jennie fingindo surpresa. A essa altura


Chaeyoung já tinha começado a rir. – O que foi?

E para o alívio da mais velha, Jisoo também entrou na sala procurando por
elas e sorriu quando viu a namorada. Chaeyoung se afastou alguns passos
automaticamente sabendo que aquela conversa não tinha terminado ali.

– Eu estive procurando por você, amor. – Jisoo bronqueou dando um selinho


em Jennie que estava pálida e um abraço em uma Chaeyoung risonha. –
Aconteceu algo com vocês?

Jennie abraçou o tronco da namorada e beijou sua têmpora num sinal de que
estava tudo bem.

– Nós estamos bem, Jisoo. E a sua dor de barriga? – perguntou Chaeyoung


realmente preocupada, ela não tinha mais visto a garota ontem. Jisoo olhou
para os lados para ter certeza de que a pequena estava falando com ela e
Jennie quase caiu desfalecida no chão.

- Que dor? – perguntou curiosa, sem saber o que realmente estava


acontecendo.
O casal se entreolhou quase que conversando telepaticamente e Chaeyoung
achou tudo aquilo muito estranho.

– Você estava com muita dor ontem, amor. Não se lembra da má digestão que
teve? – fingiu Jennie segurando o rosto de Jisoo para que ela entendesse que
era para confirmar a mentira.

A garota entendeu o recado e abriu a boca fingindo se lembrar de algo muito


chocante.

– É claro que sim! – exclamou dando um tapinha na própria cabeça. – Onde


eu estou com a cabeça? – riu. – Já estou melhor sim, Chaeyoung. Obrigada.

Chaeyoung não engoliu aquela história. Sentiu que estava sendo enganada
desde o momento em que puxou Jennie para essa conversa, mas não estava
determinada a levar isso longe demais. Sua única curiosidade era saber o
porquê de Lisa ter aparecido como um fantasma e se ela voltaria.

Jisoo e Jennie deixaram a sala pouco tempo depois quando os últimos alunos
chegaram para o ensaio. Agora Chaeyoung tinha afastado todos os
pensamentos novamente para limitar-se apenas a sua única e boa amiga de
verdade: a música.

♪♪♪♪♪♪

Lisa cumprimentou alguns alunos dos quais já era muito conhecida quando
adentrou a instituição. Dessa vez ela evitou encontrar com Jennie ou Jisoo, as
duas provavelmente gostariam de saber sobre seu – finalmente – encontro
com Chaeyoung e ela não estava disposta a perder tempo com isso.
Hoje o dia era apenas sobre Chaeyoung. Subiu as escadas em direção ao
corredor de música. Tentaria a sala 208 e depois o auditório, Lisa sairia
perguntando por Chaeyoung se fosse preciso. Cumprimentou mais algumas
garotas que sorriam bobamente para ela, ato que Lisa tentava inutilmente
ignorar enquanto seus fones de ouvido reproduziam Johnny Cash no último
volume.

Não precisou procurar muito para encontrá-la. Lá estava Chaeyoung na sala


208 se despedindo de alguns alunos e pegando um violão das mãos de uma
garota morena.

Lisa escorou-se no batente como da primeira vez, cruzou os braços e apenas


observou enquanto os alunos saíam um a um da sala até restar apenas
Chaeyoung, distraída demais para notá-la parada no portal. Era incrível como
seu sorriso se formava automaticamente no canto da boca só por vê-la ali,
sentada em uma das cadeiras deslizando o dedo pelas cordas do violão. Lisa
teve medo de que se abrisse a boca, todos pudessem ver as borboletas
escaparem de seu estômago livres para dançarem com suas asas revestidas de
acordes musicais.

– Você precisa usar a escala pentatônica maior e menor. – avisou entrando na


sala e apontando para o violão nos braços da pequena enquanto retirava os
fones. – É uma ótima maneira de se tocar o blues, por exemplo.

Chaeyoung fechou os olhos e sorriu para si mesma. Ela tinha certeza de que
aquela garota não apareceria mais e bem, ali estava ela. Lisa passou um dos
dedos pelo piano e parou a poucos metros de Chaeyoung dando a ela seu
tempo.
– Você realmente voltou. – ela concluiu abrindo os olhos e deixando o violão
de lado para se levantar. Chaeyoung deu a volta na outra extremidade do
piano deixando seus olhos se encontrarem com os de Lisa. – É uma garota
persistente.

Lisa sorriu convencida e inclinou-se sobre o piano como se fosse contar um


segredo.

– Park Chaeyoung, eu posso ser uma garota muito persistente. – e seguiu até
o violão abandonado pegando-o e analisando se estava afinado. – Já faz um
tempo que não pego em um desses. Yamaha costumava ser meu preferido na
infância. – dedilhou as cordas checando ainda conseguia se lembrar dos
acordes.

Chaeyoung ficou calada nesse meio tempo admirando a beleza gritante de


Lisa. Não só sua aparência externa, mas também a forma que redigia as
palavras de forma tão suave como se as duas fossem amigas desde muito
tempo.

– Você não toca mais? – perguntou curiosa.

Cruzou os braços contra o peito como de costume. Lisa balançou a cabeça e


seus olhos se perderam em algum ponto no chão relembrando a última vez
em que tinha tocado um violão.

– Chega um momento em que você precisa crescer e abdicar de alguns


hobbies. – constatou deixando o violão em cima da cadeira e virando-se para
Chaeyoung. – Eu deixei meu violão em casa assim como meus brinquedos.
Chaeyoung abriu a boca para mais perguntas, mas foi interrompida por Irene
que adentrou a sala agarrada em algumas partituras e totalmente eufórica.

– Sr. Will está uma fera com você! Por que ainda não foi para a aula? –
reclamou a ruiva parando de frente à Chaeyoung. Foi só então que ela
percebeu que Chaeyoung não estava sozinha na sala. – Ah, olá! – sorriu
abertamente para uma Lisa desconfiada.

Essa era a mesma garota que a tinha encarado descaradamente no refeitório


quando estava almoçando com Jennie e Jisoo. Lisa ficou sem reação
devolvendo o olhar, incomodada por ser interrompida com Chaeyoung.

– Você é Lalisa Manoban, certo? – perguntou Irene olhando de Chaeyoung


para Lisa ainda com um sorriso bobo. – Meu nome é Irene Joohyun, prazer.

Lisa deu um pequeno aceno juntamente com um meio sorriso forçado que
não passou despercebido por Chaeyoung que direcionou seus olhos para a
mulher de cabelos castanhos, e assim as duas ficaram se olhando
silenciosamente até Irene notar que estava sobrando.

– Bem, nós precisamos ir agora ou Chaeyoung vai perder nota. – avisou a


ruiva puxando Chaeyoung pelo braço até a porta, mas antes de sair voltou-se
para Lisa. – Você quer ir há uma festa hoje à noite? Amanhã é a estreia da
nossa banda sinfônica e nós vamos comemorar no meu apartamento. -
Perguntou Irene.

As sobrancelhas de Lisa se ergueram considerando a proposta. Obviamente


Chaeyoung estaria lá e pela reação dela, não queria que Lisa fosse convidada,
o que só a divertiu mais ainda.
– Oh, ela não pode. – respondeu Chaeyoung desconsertada. Estava sob o
olhar intenso de Lisa e o curioso de Irene. – Srta. Manoban tem muito que
fazer hoje, não é mesmo?

E tentou empurrar Irene para fora, mas a ruiva não se moveu e isso só
frustrou Chaeyoung mais ainda.

– Na verdade, eu não tenho. – Lisa declarou divertida com a reação de ambas


as amigas.

Irene sorriu satisfeita e olhou para Chaeyoung como se tivesse feito o melhor
acordo do mundo, mas Chaeyoung apenas revirou os olhos.

– Perfeito! Você é amiga de Jennie e Jisoo, certo? Elas também vão à festa,
pode acompanhá-las. – explicou a ruiva dando outro aceno feliz para Lisa
antes de puxar uma Chaeyoung entediada para fora da sala.

Lisa encostou-se ao piano perguntando a si mesma se tinha feito a coisa certa


em confirmar presença na festa. Ela mal sabia se Chaeyoung realmente
gostava de garotas. Não que ela também gostasse, ela só...estava afim de
Chaeyoung.

Hesitante, Lisa tirou o celular do bolso pensando na melhor desculpa que


daria a Momo por furar com o compromisso que tinham hoje à noite. Sabia
que era errado trocar um amigo por um interesse amoroso, mas de alguma
forma estar perto daquela garota parecia tão certo que nem mesmo os foras
que vinha levando poderiam ser levados em conta.

♪♪♪♪♪♪
Irene não parava de lhe encher de perguntas a tarde toda sobre como havia se
tornado amiga de Lalisa Manoban, e por mais que Chaeyoung insistisse em
explicar que elas não estavam nem perto disso, que eram apenas conhecidas,
Irene parecia animada demais em saber detalhes que não existiam.

Chaeyoung era amante das artes e já tinha conhecido muitas pessoas amáveis,
mas com Lisa as coisas eram bem diferentes. Com apenas algumas palavras
era quase como se ela pudesse enxergar através de sua misteriosa alma e isso
era algo tão profundo que ela preferia imaginar que a morena estava apenas
sendo falsa para conseguir algo.

Mais tarde, naquele mesmo dia, sua mãe tinha preparado Clafoutis, um dos
pratos preferidos da pequena que era a única vegetariana em casa, e a família
se encontrava reunida na mesa jantando. Diana soltava exclamações alegres
por Chaeyoung finalmente deixar o quarto e socializar-se um pouco enquanto
Mark revirava os olhos por trás da mulher fazendo Chaeyoung e Ella
abafarem o riso.

– Eu espero que esteja indo tudo bem com as aulas. – comentou Mark dando
uma garfada no frango.

– Tirando meu bloqueio para compor? – perguntou insatisfeita tomando um


gole de suco e afastando o prato. – Não sei mais o que fazer em relação a isso.
Todos dizem que é questão de tempo, mas, por favor, não é?

Diana fez um bico engraçado para a filha que fez Ella rir e Mark limpou a boca
com um guardanapo com uma expressão preocupada.

– Estão pressionando você? – ele foi cuidadoso com a pergunta.


Chaeyoung gostava disso no pai, a forma como ele a entendia mesmo quando
suas crises eram simplesmente puro drama adolescente.

– Não é melhor livrar um pouco sua cabeça? Olha, não estou dizendo que é
sua culpa, só que talvez você esteja dando tudo de si até demais para a
música. – completou quando a filha ameaçou protestar.

Chaeyoung enterrou a cabeça nos braços sentindo vontade de desistir dos


planos dessa noite e voltar para o quarto.

– Seu pai tem razão. Sair e conhecer pessoas novas será uma ótima maneira
de aliviar a tensão. – concordou Diana segurando a mão da filha.

– Além do mais – continuou Mark. – as festas de hoje em dia não devem ser
muito diferentes do meu tempo, quando nos reuníamos na sala de casa para
ouvir Jazz e jogar conversa fora.

♪♪♪♪♪♪

You better work bitch


You better work bitch
You better work bitch
Now get to work bitch!

Os lustres do apartamento balançavam conforme o ritmo da batida e as


dezenas de pessoas pulavam como se não houvesse amanhã com as mãos para
cima, a maioria já bêbada e gritando para o Jennie aumentar ainda mais,
como se isso fosse possível.

Os instrumentos estavam esquecidos num canto da sala e foram substituídos


pela mesa do DJ com a fumaça e as luzes que estavam deixando Chaeyoung
completamente tonta.

– Será que já posso ir embora? – pediu aos berros para que uma Irene
dançante a escutasse. – Eu acho que não temos idade para esse tipo de
comportamento e-

– Chaeyoung, relaxa! – gritou Irene extasiada enquanto segurava o ombro da


menina. – Vem dançar, você não precisa ser conservadora vinte e quatro
horas por dia.

E sem mais dizer, voltou para o meio dos outros estudantes deixando
Chaeyoung outra vez perdida com aquelas luzes piscando toda hora em uma
cor diferente. Ela realmente queria saber onde estava o jazz e a conversa
jogada fora nesse momento.

– Obrigada, pai. – resmungou para si mesma, inaudível para qualquer pessoa


que estivesse perto dela.

Procurou Jennie e Jisoo com os olhos com esperança de encontrar pessoas


sóbrias, até mesmo Lisa seria bem vinda naquele momento, mas elas não
estavam em seu campo de visão ou estavam pulando no meio dos outros
alunos suados e bêbados.

Num ato de desespero, caminhou desviando dos bêbados até a porta dos
fundos que ligava ao terraço onde provavelmente o som seria abafado.
No meio do caminho, Chaeyoung conseguiu avistar Jennie agarrada em Jisoo
na parede, elas se beijavam como se estivessem em um clipe ou algo assim.
Pensou em interromper, mas não queria ser surrada em plena festa por suas
amigas bêbadas. Sem alternativa, abriu a porta para o terraço e deu de cara
com alguns casais bloqueando a escada, era nojenta a forma como passavam a
mão no corpo um do outro sem nenhum respeito.

Chaeyoung conseguiu empurrar a garota que estava bloqueando a escada sem


quebrar o beijo deles e subiu rapidamente fechando a porta atrás de si logo
que alcançou seu objetivo.

Chaeyoung fechou os olhos e encostou a cabeça na porta por um momento


deixando que sua mente se acostumasse com o som abafado do andar de
baixo e a suave melodia de um violão que parecia vir do beiral do prédio
misturada com a brisa do ar livre.

Instigada pela música, Chaeyoung abriu os olhos. Por que as coisas não
poderiam ser apenas assim? Suaves como aquela música sob um céu estrelado
de Setembro.

Ela estava atrasada demais para sua geração ou as pessoas é que tinham
interpretado errado a maneira de se usar a música?

A garota caminhou até o beiral a procura da origem dos acordes.

– Também fugindo? – ficou surpresa ao ouvir aquela já conhecida voz rouca.


Chaeyoung virou-se um pouco assustada para a origem da voz, apenas para
encontrar uma Lisa sentada do outro lado no beiral com as pernas pendendo
para fora, um violão preto nos braços.

– O que está fazendo aí? – perguntou sorrindo com a ironia de encontrar


alguém que não estivesse bêbado, e ainda mais, que essa pessoa fosse
justamente Lisa.

– Fugindo da loucura que é a vida real. – Lisa apontou com a cabeça em


direção ao violão e então se voltou para Chaeyoung. – E você?

Nesse caso elas compartilhavam o mesmo pensamento sobre fugir, cada uma
de sua forma, mas a mesma conclusão.

– Fugindo da loucura do segundo andar.

As duas riram e Lisa apontou para o espaço vazio ao seu lado.

– Venha. Sente-se e me faça companhia.

Chaeyoung hesitou por um instante. Elas mal se conheciam, e por mais que
Lisa mostrasse interesse em estar por perto, Chae tinha medo no que isso
poderia resultar justamente por não querer resultados desastrosos em sua
vida. Mas Lalisa estava com aquela expressão de meio sorriso e o mesmo
olhar gentil que tanto a hipnotizava. Chegava a ser quase impossível não se
render.

Chaeyoung suspirou vencida caminhando até a outra que sorriu vitoriosa.


Lisa usava uma polo preta, o que lhe dava um ar de adolescente e arrancou
um inevitável batimento acelerado de Chaeyoung.
Chae sentou-se deixando suas pernas penduradas enquanto Lisa recolheu
uma para que pudesse ficar de frente a ela.

Elas ficaram em silêncio enquanto Chaeyoung ainda tentava se acostumar


com a altura e ajustava seu vestido um tanto tímida, mas Lisa não conseguia
parar de olhá-la intensamente, o que arrancou um riso nasal de Chaeyoung
quando se sentiu encurralada e suas bochechas começaram a queimar,
provavelmente adquirindo uma coloração avermelhada.

– Você está usando seu laço vermelho. – observou Lisa sem tirar os olhos da
beleza de sua mais nova adoração.

– Como é? – indagou olhando para frente e conseguindo ver melhor o homem


que tocava o violino pela praça.

– Você o estava usando quando a vi pela primeira vez. – explicou também


desviando o olhar para o músico. – Foi a primeira vez em muito tempo que
me senti conectada com a música, e eu devo isso a você, Chaeyoung.

Constrangida, Chaeyoung abaixou os olhos com um sorriso meigo nos lábios.


Estava envergonhada em frente aquela garota que tanto lhe chamava
atenção.

– Eu estava aqui sentada apreciando a melodia dessa música e pensando que


talvez fosse uma boa ideia voltar a cantar no Karaokê com Jennie e Momo. –
continuou e Chaeyoung começou a rir porque era mesmo uma situação
engraçada de se imaginar. – Mas então você apareceu, e eu pensei que talvez a
música seja nossa sina.
O sorriso de Chaeyoung morreu da mesma forma como seu coração bateu
descompassado. Era covardia usar a música ao seu favor.

– Você pode ouvi-la? – questionou deixando seus dedos brincarem com as


cordas do violão.

Chaeyoung concordou com a cabeça e Lisa sentiu-se confiante para cantar no


ritmo da melodia.

- Eu sempre vou guardar você comigo. Você sempre estará em minha mente.
Mas há um brilho nas sombras...eu nunca saberei se não tentar.

Terminou a música deixando que a brisa gelada falasse por si. Elas sabiam
que não precisava de continuidade, estava tudo dito em poucas frases e agora,
mais do que nunca, Chaeyoung sabia que estava caindo involuntariamente
por uma estranha.

– Você é de Columbia, certo? – comentou Chaeyoung depois de alguns


segundos em transe. – Ouvi Jennie comentar.

– Faço direito em Columbia e estágio em Juilliard. – confirmou Lisa,


distraída com o violão. – Sabe, o mais engraçado de tudo é que tenho
dezenove anos e às vezes me sinto com trinta. Então eu conheço pessoas
novas em Juilliard e me pergunto o porquê de nem todos serem tão livres e
abertos para o que a vida tem para oferecer. O porquê de o mundo precisar
ser uma prisão quando na verdade deveria ser o nosso paraíso.

Chaeyoung sabia muito bem sobre o que Lisa estava falando, às vezes sentia-
se da mesma forma, a única diferença entre as duas era que Chaeyoung
construía sua própria prisão.
– Não acho que nesse momento eles estejam pensando em liberdade. –
Chaeyoung comentou irônica e ganhou um sorriso de Lisa. – Mas eu me sinto
assim em relação à música. Às vezes penso que, o que deveria ser uma dádiva,
eu acabei transformando em trabalho pesado.

Lisa franziu o cenho interessada no que a garota havia acabado de dizer.

– Você passa mais tempo ensaiando do que vivendo, não é? – perguntou


tentando não soar rude para Chaeyoung.

Os arrepios pelo corpo de Chaeyoung também foram involuntários, mas


bons.

– Então, qual a sua história? – tentou fugir do assunto mais uma vez.

Lisa observou um grupo de adolescentes conversando na praça em frente ao


hotel, então suspirou.

– Eu cresci em LA com meus pais e meus irmãos, Paul e Daniela. – começou


refletindo sobre sua família. Dessa vez era Chaeyoung quem a olhava
admirando cada traço de perfeição daquele rosto. – Meus pais são advogados
e eu sei o que você deve estar pensando - adiantou-se quando viu uma ruga se
formar na testa de Chaeyoung. – por que ela não trabalha com eles? Bem,
meu pai acha que devemos conquistar as coisas com o próprio suor. Meu
irmão é estudante de engenharia e Daniela está cursando o último ano do
ensino médio. Mudei para NY no começo do ano com Jennie e Momo para
estudar e, bem, é difícil se acostumar ao ritmo dessa cidade. – riu passando os
olhos pelo horizonte apreciando os milhares de pontinhos luminosos da
cidade que nunca dorme. – Às vezes me pego no terraço da Universidade
sozinha, conversando comigo mesma, como estava aqui.

O rosto de Chaeyoung se iluminou de uma forma graciosa fazendo Lisa


suspirar outra vez.

– Eu estou aqui agora. Isso conta?

Lisa focalizou as íris castanhas nas pretas como se fosse sua única maneira de
sobrevivência. E talvez fosse.

– Mais do que jamais serei capaz de admitir. – sentiu-se inebriada com a


imagem do vento bagunçando os cabelos quase loiros de Chaeyoung . – Agora
me fale sobre você, Parl Chaeyoung.

Chaeyoung corou imediatamente pedindo a Deus que parasse de tremer, mas


tudo o que podia sentir era seu coração acelerado e a arritmia cardíaca que o
olhar apaixonado de Lisa lhe causava.

– Eu não sei...eu... - confundiu-se balançando a cabeça e sentindo-se uma


idiota por não ter uma resposta sólida. Ela não sabia quem ela mesma era;
isso era algo ruim? – Eu sou uma bagunça.

Dessa vez nenhuma das duas desviou o olhar. Chaeyoung cedeu à luta interna
entre sua razão e emoção e trancou o olhar junto ao de Lisa. O vento era a
trilha sonora da batalha que os olhos castanhos e os negros travaram.

Finalmente Chaeyoung tinha aceitado que talvez seu coração tivesse sido
fisgado, pois era entre as encostas de seus olhares, aglomerado nos talhes de
sua alma benevolente que se encontravam duas almas solitárias procurando
por apego.

– O que está olhando? – Chaeyoung perguntou tímida tirando uma mecha de


cabelo do rosto.

– A sua bagunça. – Lisa respondeu pendendo a cabeça para o lado para poder
observá-la melhor. Chaeyoung apenas sorriu involuntariamente. – Ela se
parece com a minha.

– Você é sempre tão galanteadora?

Lisa sorriu balançando a cabeça.

– Você se importaria se eu tocasse algo?

Não. Ela estava apenas jogando sujo para conseguir ainda mais a atenção de
Chaeyoung, não que isso fosse preciso, pois naquela altura a garota já tinha
desistido de lutar contra o que quer que esteja fazendo seu coração dançar.

– Você é muito idiota com esse sorriso charmoso. – brincou observando Lisa
dedilhar as cordas. – Eu não me importo, de qualquer forma.

Sem responder, Lisa começou a dedilhar uma música que provavelmente


Chaeyoung não conhecia por ser de Johnny Cash, mas que diria muito sobre o
que estava sentindo no momento.

– The first time ever I saw your face, I thought the sun rose in your eyes. –
ergueu os olhos para Chaeyoung sugestivamente e voltou a olhar para o
violão. – And the moon and stars were the gifts you gave to the dark and the
empty skies. And the first time ever I kissed your mouth, I felt the earth move
in my hands. Like the trembling heart of a captive bird, that was there at my
command, my love.

Lisa parou de tocar assim que viu a primeira lágrima trilhar um caminho no
delicado rosto de Chaeyoung. A pequena tentou limpar com a mão sentindo-
se envergonhada, mas acabou borrando ainda mais o lápis de olho que usava.

– Eu fiz algo errado? – Lisa perguntou preocupada enquanto deixava o violão


de lado e se aproximava um pouco mais da garota. – Deixe-me ajudar.

Abaixou as mãos de Chaeyoung antes que causassem mais estragos à


maquiagem e segurou seu queixo com a mão direita enquanto a esquerda
enxugava o rosto da pequena com cuidado e carinho.

– Me desculpe. Eu devo estar parecendo uma idiota agora, sou tão estúpida...

– Você não é estúpida. – Lisa advertiu fazendo Chaeyoung se calar no mesmo


instante.

Chaeyoung perdeu-se no mar de olhos da outra que estavam tão próximos aos
seus.

– Acho que assim está melhor.

– A música me deixa assim e... – você. Ela queria dizer, mas era tão cedo para
tal coisa. – Sua voz é maravilhosa. Lisa franziu o cenho com a explicação. –
Acho melhor eu ligar para os meus pais me buscarem. Irene está bêbada
demais para dirigir e está ficando tarde. – falou arrumando a barra do
vestido, mas foi barrada por Lisa que bloqueou sua tentativa de ficar em pé.
– Eu posso levá-la se quiser. – disse eufórica. – Estou de carro, não me
importaria deixá-la em casa.

Chaeyoung abriu e fechou a boca algumas vezes se perguntando se deveria ou


não aceitar. Ela precisava de um tempo para digerir tudo o que estava
acontecendo com o seu coração, o suor em suas mãos e a euforia que se
instalara dentro de si de forma tão rápida, mas Lisa não estava ajudando
muito com espaço pessoal.

– Tudo bem, obrigada. – cedeu sorrindo timidamente.

♪♪♪♪♪♪

Chaeyoung e Lisa fizeram todo o percurso até a casa dos Park rindo e
conversando sobre faculdade. Ambas compartilhando sobre o ambiente de
cada uma e boa parte do tempo falando sobre como Jennie tinha um dedo no
meio do encontro das duas no auditório.

Lisa explicou que não era fácil para ninguém entender que ela estava
perseguindo uma garota apenas por ouvi-la tocar e que todos estavam a
chamando de louca por essa obsessão. Chaeyoung, é claro, apenas ria e se
divertia com a forma como Lisa contava as situações tranquilamente, há
muito tempo ela não se divertia tanto com alguém.

– É aqui. A casa de cerca branca. – apontou para uma modesta casa de campo
que apesar de simples, transmitia familiaridade e aconchego. – Aqueles são
meus pais.
Na varanda da casa havia um casal sentado no banco de balanço. O homem
lia o que parecia ser um livro e a mulher tomava algo na xícara
tranquilamente.

As duas garotas ficaram em silêncio por um momento sem saber o que dizer,
aquele momento parecia bem mais fácil nos filmes.

– Foi um prazer compartilhar a noite com você, Park Chaeyoung. – disse


Lalisa quebrando o silêncio.

Chaeyoung olhou para Lisa com admiração.

– O prazer foi todo meu, Srta. Manoban. – sorriu dando um beijo na


bochecha de Lisa, o que pegou a outra desprevenida.

– Prefiro que me chame de Lisa. – pediu fazendo bico.

– Prefiro que me chame de Chaeyoung. – repetiu Chaeyoung imitando o bico.

E ambas riram outra vez. Sinceramente, tinham perdido a conta de quantas


vezes tinham sido pegas rindo uma da outra aquela noite.

Chaeyoung abriu a porta do carro, mas antes de descer, voltou-se para Lisa:

– Sobre sua pergunta de mais cedo, acho que você pode vir aqui amanhã à
noite e descobrir mais sobre minha história. – disse tirando um largo sorriso
de Lisa. – Meus pais vão gostar de saber que fiz novas amizades.
E com aquela desculpa esfarrapada que nem mesmo Lisa acreditou, saiu do
carro correndo até a varanda. Lisa observou a cena vendo quando os pais de
Chaeyoung notaram sua presença e olharam em direção ao carro apertando
os olhos. Contrariada, Lisa deu partida no Dodge e deu ré voltando para a
estrada

__________

Lá estava ela sentada no gramado do campus de Columbia com seus


inseparáveis fones de ouvido reproduzindo o bom e velho Johnny Cash.

Cappuccino de chocolate em mãos, óculos Aviador no rosto e os livros de seu


curso esquecidos de lado. Era sábado e como de costume, Momo tinha
voltado à LA – furiosa com Lalisa –, e Lisa ligou para os pais com a desculpa
de que precisava estudar para não ser retida em algumas matérias, o que, de
fato, não passava de mentiras.

Seu único plano era ver Chaeyoung durante a noite. Momo sequer tinha se
despedido quando saiu pela manhã, e, como vingança, bateu a porta do
quarto alto o suficiente para fazer Lisa pular da cama assustada e bufar
irritada.

Após a conversa da noite passada, Lisa sabia que estava caindo pela garota
que não só tocava piano e violoncelo, mas também seu coração. Isso a fez
mudar seu conceito em relação à lei da gravidade.
Era algo ruim? Sabe, render-se a alguém que mal conhecia; sentir-se entregue
e com a sensação de que seu coração poderia explodir a qualquer momento?
Talvez isso fosse estar apaixonada.

Quando o alarme de seu celular soou estridente, Lisa recolheu todo o material
e jogou o copo no lixo antes de seguir para o dormitório. Havia poucas
pessoas naquele dia, praticamente todos os estudantes do campus tinham ido
visitar os pais ou saído para festejar, e era a primeira vez que Lisa ficava em
pleno sábado enfiada naquele lugar.

Ela ligou o aparelho de som e deixou algumas faixas de Amy Winehouse


reproduzindo enquanto tomava banho quente e se trocava para o evento da
noite. Optou por uma Baby Look cinza com o numeral 53 nas costas e o logo
de Columbia no peito; calça preta skinny; uma botinha Osklen da cor marrom
escuro, e como o frio naquele fim de tarde não estava ajudando muito, decidiu
amarrar sua camisa xadrez preto com vermelho na cintura por precaução.

Pronto, não poderia estar mais feminina. Lisa desligou o som e saiu do quarto
em direção ao estacionamento, mas não sem antes fazer seu ritual de parar na
máquina de café e comprar um cappuccino de chocolate. Sua mãe sempre
dizia que ela ainda teria problemas futuros com esse vicio, mas quem liga
quando o que pode te matar é uma das delicias da vida? Entrou no carro
deixando o café no porta copos e o ligou apreciando o ronco do motor que era
quase também um ritual para sair do estacionamento. Ás vezes Lisa se
perguntava se isso soaria estranho se dissesse a alguém, e quase sempre a
resposta era sim.

Columbia não ficava muito longe do Central Park que àquela hora, faltando
exatamente quatro horas para o inicio do espetáculo, já estava cheio. Ao longo
da Av. Fifth Avenue as calçadas eram infestadas por banners com os nomes
das bandas – que na sua maioria eram de Juilliard -, e artistas principais que
tocariam aquela noite. Lisa estacionou o carro o mais perto possível do lado
Sul do parque. Analisou sua maquiagem no retrovisor, jogou a franja franja e
tirou um pequeno embrulho e uma toalha do porta-luvas.

Havia milhares de balões sobrevoando o parque, além de barraquinhas de


maçãs do amor e algodão doce por todos os lados. Lisa decidiu esperar por
Chaeyoung em baixo de uma árvore um pouco distante da multidão, era um
bom lugar para assistir ao espetáculo sem ser sugada pelas pessoas.

Me: Hey! Estou aqui. Encontre-me em baixo dessa árvore grande em forma
de L no lado Sul do palco.

O encontro com os pais de Chaeyoung havia ficado para domingo devido ao


evento dessa noite o que dava à Lisa mais tempo para arquitetar um plano
para não ser uma idiota na frente de seus futuros, seja o que Deus quiser,
sogros.

Jennie também tocaria naquela noite com Chaeyoung e talvez Jisoo estivesse
por ali para lhe fazer companhia, o que era muito melhor do que ficar sozinha
no meio de milhares de pessoas.

O crepúsculo tinha acrescentado ao céu um espetáculo de cor gradiente e


felizmente o tempo não anunciava chuva para aquela noite.

Lisa bateu o pé algumas vezes na calçada e chutou uma pedra impaciente, o


sentimento de frustração começava a invadir seu peito quando ouviu uma
risada distante, sonhadora e ao mesmo tempo feliz. Lisa focou seus olhos
imediatamente na direção do som onde uma garota sorridente despedia-se de
duas amigas e caminhava em sua direção.
Chaeyoung.

Ela usava uma Chemisier rosa que deixou Lisa petrificada por alguns
instantes. Ela não é real, ela não é real, ela não é real, ela não é real...

Mas repetir aquele mantra para si mesma não mudaria o fato de que
Chaeyoung parecia muito mais mulher naquela roupa, com a maquiagem
definindo seu rosto e os cabelos caindo pelo ombro.

E então Lisa se apaixonou pela segunda vez pela mesma pessoa. Lalisa
escorou-se na árvore e começou a rir silenciosamente observando Chaeyoung
caminhar em sua direção até a garota estar perto o suficiente para lhe dar um
beijo na bochecha e franzir o cenho com a reação dela.

– O que é engraçado? – perguntou um pouco ofendida. Procurava por algo


errado em sua própria roupa.

– É só que você chamou uma estranha para sair. – comentou Lisa ainda rindo
enquanto estendia o embrulho em direção à pequena. – Aqui. Isso é para
você.

A primeira reação de Chaeyoung foi revirar os olhos com o comentário


totalmente desnecessário, e a segunda foi adorável porque mesmo estando
escuro, Lisa pôde jurar que viu suas bochechas ganharem uma coloração
rosada quando pegou o embrulho rosa com cachorrinhos desenhados.

– Não me faça mudar de ideia, Manoban. – rebateu a pequena disfarçando


sua timidez. – E não precisava de um presente. Você sabe, não estou me
mudando nem nada.
Lisa ignorou o comentário ciente de que Chaeyoung não sabia disfarçar
quando estava envergonhada, mentindo ou com medo. Sim, ela tem a
observado detalhadamente por todo esse tempo. Estendeu a toalha
pendurada em seu braço no gramado apontando em seguida para que
Chaeyoung sentasse ao seu lado.

Chae o fez em silêncio enquanto tentava a todo custo desfazer o embrulho, já


Lisa respirou fundo maravilhada com a visão que podia ter da multidão e do
palco no centro do parque, o ar fresco da natureza as rodeando e Chaeyoung
ao seu lado. Não é como se existisse algo melhor do que aquilo naquele
momento.

Quando a Chaeyoung finalmente desfez o pacote, ficou surpresa ao constatar


que era uma caixinha de música em forma de piano. O objeto era todo preto
com alguns detalhes em dourado, e quando aberto, uma pequena bailarina
surgia dançando conforme a melodia da música. Era simples, mas
encantador.

– Eu fui comprar lâmpada para o abajur do meu quarto que Momo fez
questão de quebrar. – começou Lisa depois de um tempo em silêncio com
Chaeyoung apenas observando o presente. – Então eu ouvi uma melodia
suave que logo me lembrou de você quando toca piano. Eu me virei, e lá
estava uma coleção de caixinhas de música na promoção. – riu. Chaeyoung
abriu a caixinha outra vez e fechou os olhos apreciando a melodia. – Então eu
pensei: Eu seria uma estúpida se não o estivesse levando para Chaeyoung.
Algo que ela possa se lembrar de mim daqui a vinte anos.

Os olhos de Chaeyoung estavam marejados, ela olhou extremamente séria


para frente podendo ver o movimento do parque. Observou duas crianças
passarem correndo por elas segurando balões vermelhos, o que chamou sua
atenção.

Os garotos, que aparentavam serem irmãos, brincavam de pega a pega, e o


mais novo estava muito atrás e querendo desistir. Chaeyoung não pode deixar
de sorrir quando viu o mais velho diminuir a velocidade deixando que o mais
novo o pegasse, comemorando logo em seguida a vitória do mesmo.

Coisas simples.

– É o presente mais lindo que eu já ganhei! – disse sincera olhando para as


crianças e depois desviando os olhos para Lisa que a contemplava. – Vou
guardá-lo ao lado do meu primeiro troféu de mais nova pianista da escola.

Lisa apenas sorriu não conseguindo desviar os olhos da garota. Ela parecia
ainda mais perfeita com a luz do luar refletindo seu rosto. Chaeyoung poderia
ser considerada uma pessoa inocente, não no mal sentido, ela apenas via as
coisas de forma boa, sempre procurando o lado bom de tudo mesmo que não
existisse. Era como se ela vivesse em um mundo exclusivamente feito para
ela, e por ela. Lisa gostaria de conhecer esse mundo.

– E essa tatuagem? – perguntou Chaeyoung desviando sua atenção. Ela


apontava para o conjunto de pequenas estrelas tatuadas há muito tempo no
pulso esquerdo de Lisa. – Apaixonada por astronomia, é?

– Época de colegial. – respondeu mostrando mais claramente a tatuagem. –


Minha favorita é Andrômeda.

– Não estou vendo Andrômeda nenhuma aí, apenas riscos.


– A graça da Astronomia está em imaginar os desenhos. – riu. – Cada
constelação tem uma história e cabe a você descobri-las. Ou acabará sendo
apenas riscos. – explicou Lisa repleta de entusiasmo.

Chaeyoung pareceu achar aquilo engraçado, aproximou-se um pouco mais da


outra de modo que a lateral de seus corpos se tocava e perguntou interessada:

– E qual é a história de Andrômeda?

Lisa passou o dedo indicador pela tatuagem esquecida em seu pulso. Era
quase como se fosse parte dela desde sempre, como uma cicatriz, e na maioria
das vezes se esquecia de que a tinha. Um dos motivos de seus pais surtarem
quando viram o desenho.

– É um pouco sombria, na realidade. Ela foi acorrentada a um rochedo na


costa da Etiópia pelo deus Poseidon, pois sua mãe, Cassiopeia, dizia que ela
era mais bela que as nereidas que acompanhavam o deus. – respondeu
prontamente enquanto passava o dedo pela tatuagem.

Chaeyoung continuava a observá-la totalmente hipnotizada, e perguntou


curiosa:

– Só isso? Esse é o final?

– Claro que não. Por ser mitologia, sempre tem um final feliz. Ela foi salva por
Perseu, aquele que cortou a cabeça da medusa e tudo mais...casaram-se e
tiveram seis filhos. Um final careta se quer saber minha opinião. – disse entre
risadas.
Chaeyoung arqueou uma sobrancelha ironicamente.
– Não gosta de finais felizes?

– Não é que eu não goste, mas finais felizes só existem em contos de fadas. –
foi sincera.

Essa coisa de felizes para sempre era uma invenção para as crianças não
perderem a esperança no mundo. Chaeyoung estava curiosa sobre o que Lisa
havia dito, era quase como se processasse cada frase procurando por alguma
resposta coerente.

– Uma história não termina até que tenha um final feliz, Lisa. – retrucou e
Lisa fez uma careta engraçada, mas seus olhos logo correram até o céu
estrelado deixando de lado o comentário de Chaeyoung .

– Faça um pedido!

Chaeyoung olhou confusa na direção em que Lisa apontava e viu o céu


estrelado.

– O que?

– Minha avó costumava dizer que devemos fazer um pedido quando vemos
uma estrela cadente, e ele certamente se realizará. – sua voz estava séria e
calma.

Ela olhava agora para Chaeyoung com carinho. A expressão de Chae era
divertida, esperava que Lisa começasse a rir e dissesse que estava brincando
com ela, mas isso não aconteceu. Lalisa realmente esperava que ela fizesse o
pedido à estrela.
– Quem viu a estrela cadente foi você. – choramingou fazendo um bico
engraçado.

– Eu sei, mas estou passando o meu pedido para você, por isso, faça-o agora.
– Lisa apontou para o céu mais uma vez antes de fechar os olhos de
Chaeyoung com as próprias mãos.

Uma rajada de vento passou por entre as garotas fazendo Chaeyoung tremer e
esfregar os braços um no outro. Ainda não queria acreditar no que aquela
garota ao lado dela estava fazendo com ela. Suspirou e concentrou-se em seu
pedido, não era algo realmente difícil de imaginar, apenas o mesmo desejo
que pede ao pé da cama toda vez que reza.

– Eu desejo ter um dia minha própria rapsódia. E se eu tiver um pouquinho a


mais de sorte, me apresentar nesse mesmo lugar como artista principal.

Lisa destampou os olhos de Chaeyoung com uma expressão incrédula, era


quase engraçado.

– Você não devia ter dito em voz alta! – reclamou.

– Você me deu seu desejo, oras! Nada mais justo do que eu compartilhar com
você, não acha?

Certamente os astros não se importariam nem um pouco que Lisa soubesse.


Ela tinha cedido seu desejo à Chaeyoung, uma vez que, tudo o que ela poderia
querer estava sentada logo à sua direita. O celular de Chaeyoung vibrou e ela
ficou em pé rapidamente com o susto.
– Deus! – exclamou segurando o presente em outra mão. – Está quase na
hora e eu me perdi no tempo. Irene vai querer minha cabeça em uma bandeja
se eu não for agora...

Lisa achou graça da garota toda desengonçada procurando por algum resíduo
de sujeira em seu vestido.

– Nervosa?

– Só um pouco.

– Quebre uma perna. – disse tirando a atenção de Chaeyoung rapidamente e


sorriu. – Não é assim que se deve dizer aos artistas?

Aquela era a coisa mais fofa que Chaeyoung poderia ter visto na vida, a
expressão preocupada de Lisa sobre a frase era quase verdadeira se não
soubesse do que ela era capaz. Deu um tapa no ombro de Lisa e aproximou-se
para abraçá-la com carinho.

– Você é uma estúpida. – brincou envolvendo os braços em torno de Lisa e


fechando os olhos.
– Obrigada por ter vindo essa noite.

Sabe quando você abraça alguém desejando que o relógio seja destruído e que
o tempo seja parado? Ou quando você está nos braços de alguém se sentindo
em casa. Proteção, conforto, cheiroso. Esse era o abraço de Lisa.

– E a noite acabou de começar. – comentou Lisa beijando o topo da cabeça de


Chaeyoung. – Mal posso esperar para conhecer seus pais.
– Fala como se estivesse indo pedir minha mão.

– Talvez eu esteja.

Chaeyoung tirou a cabeça do peito de Lisa a olhando com desconfiança. Lalisa


apenas sorriu a apertou mais em seus braços.

– Lisa...eu preciso ir. – gemeu quando tentou sair do abraço, mas foi
impedida pela outra.

Chaeyoung bufou irritada e tentou mais uma vez se livrar do aperto,


novamente sem sucesso.

– Eu vou matar você! – exclamou começando a mexer o corpo impaciente, e,


consequentemente, as duas acabaram tropeçando na raiz da árvore. Lisa
bateu de costas no tronco com Chaeyoung ainda agarrada a ela.

– Lisa!

Lisa apenas ria com a cabeça enterrada no ombro de Chaeyoung. O quão


divertido poderia ser irritar aquele ser? Essa seria sua mais nova missão de
vida daquela noite em diante.

– Tudo bem, me desculpe. – abriu os braços libertando a garota do aperto e


os ergueu em forma de rendição. – Arrase naquele palco, Park Chaeyoung.

Chaeyoung revirou os olhos empurrando a outra mais uma vez contra o


tronco de árvore antes de abraçar o presente contra o peito e sair em
disparada pelo Central Park em direção ao palco. Lisa voltou a sentar
dobrando os joelhos e os abraçando.
Ela não conseguia parar de pensar em como era incrível estar perto de
Chaeyoung e sentir-se com doze anos outra vez.

Quem não as conhecesse poderia jurar que eram amigas de infância


implicando uma com a outra, mas o que não sabiam era que nem elas mesmas
sabiam o que estava acontecendo.

Ainda.

Pouco menos de meia hora depois foi anunciada a banda sinfônica do grupo
de Chaeyoung. Os estudantes entraram no palco sendo ovacionados pela
multidão juntamente de Lisa que não pode conter um enorme sorriso quando
viu sua garota adentrar com um sorriso tímido brincando nos lábios e os
olhos de lua buscando algum ponto conhecido por entre as árvores ao lado
Sul do palco.

Assim que os aplausos cessaram, os musicistas se dirigiram para seus


instrumentos, assim como a pequena caminhou até o piano preto no canto
esquerdo do palco. Havia mais de trinta violinistas, dez celos, algumas
baterias e um coral formado por três mulheres.

O maestro pediu silêncio e virou-se para a banda iniciando a música.

Assim que Chaeyoung deu inicio à composição de Leonardo Cohen,


Hallelujah, acompanhada de dois violoncelos, o coração de Lisa perdeu o
compasso e as correntes elétricas percorreram seu corpo. Automaticamente
Lisa se levantou sem ao menos saber o que estava fazendo.
Por que ela estava chorando? Deus, como poderia uma pessoa se aproximar
tanto à sua perfeição? Antes de tudo isso ela sequer cogitava a ideia de
encontrar alguém com quem dividir uma vida. Pensava que se isso
acontecesse... Tudo bem. Mas, o que estava sentindo agora, esse sentimento
atravessado na garganta que atingia direto seu órgão vital, era algo além de
sua própria compreensão.

Bem, sua fé era forte, mas você precisava de provas. Você a viu se
banhando no telhado. A beleza dela e o luar arruinaram você. Ela amarrou
você à sua cadeira da cozinha, ela destruiu seu trono, e cortou seus cabelos.
E dos seus lábios ela tirou um aleluia.

Aquela música gritava exatamente tudo o que não podia ser dito em voz alta.
Lisa estava arruinada pela beleza da garota que tocava o piano como se o
fizesse por toda a sua vida, era tão fácil apaixonar-se apenas pela expressão de
concentração que Chaeyoung exercia sobre o piano, o maxilar trancado e vez
ou outra os olhos fechados apreciando a própria música. As lágrimas que
escorriam livres pelo rosto de Lisa não eram de tristeza, mas sim de
realização, de poder finalmente ter encontrado a esperança que as crianças
buscavam no mundo quando ouviam sobre o feliz para sempre.

Será que existe mesmo essa história de alma gêmea? Algumas pessoas sequer
pensam sobre encontrar alguém para se apaixonar. Lisa também seria assim
se não tivesse que procurar por Jennie em um dia qualquer, o dia em que
conheceu a garota do laço vermelho.

A música terminou e o Central Park foi tomado por uma explosão de


aplausos, havia muito barulho e agitação. Todos estavam eufóricos com a
apresentação.
Todos, exceto uma garota a certa distância que tinha os olhos tomados por
um tom avermelhado e vidrados em Park Chaeyoung. Para Lisa, não havia
aplausos e nem gritos. Não havia nada a não ser o sorriso dela.

Anotação importante

Lisa tinha descoberto sobre o que se tratava o amor

_________

Chaeyoung simplesmente amava passar os domingos com sua família


assistindo aos espetáculos da Broadway.

A família Park ignorava os comentários sobre a decadência do teatro para a


TV, simplesmente não podiam crer nessa bobagem de que a arte havia se
tornado algo ultrapassado.

E se houvesse algum outro programa favorito da família, este se chamaria


ficar em casa cozinhando e cantando. Mark e Diana adoravam inventar
receitas ou acrescentar ingredientes em pratos já prontos, e
consequentemente arrastavam suas filhas junto para a cozinha. Podia-se dizer
que eram um desastre, mas não havia tristeza naquela casa.

Chaeyoung os amava acima de qualquer coisa. Foi então naquele domingo de


sol enquanto Diana preparava alguns doces na cozinha e Mark tocava violão
na sala, o dia em que Chaeyoung cantarolava pela casa segurando uma escova
de cabelo como microfone com Ella sacudindo uma vassoura imitando uma
guitarra, aquela foi a primeira vez que ela apareceu.
Houve três breves batidas na porta. Mark logo largou o violão no sofá e fez
com que suas filhas se calassem anunciando que abriria a porta. Ele
caminhou de meias pela casa sobre os protestos de Diana e abriu a porta
gentilmente, erguendo uma sobrancelha em seguida quando se deparou com
uma jovem cujos cabelos caíam até o meio das costas. A garota usava short
jeans, all star vermelho e uma blusa de linho cinza. E em suas mãos, uma
torta de maçã.

Primeiramente, Mark ficou extasiado com a beleza da moça que lhe sorria de
volta, mas então voltou à realidade.

– Posso ajudar? – perguntou curioso enquanto analisava a garota de baixo a


cima.

– Na verdade, pode sim. – ela respondeu com uma voz doce. – O senhor é
Mark Park?

Mark olhou para os lados abrindo e fechando a boca várias vezes seguidas. A
beleza e a educação daquela garota tinha o deixado abobado, quase como se
estivesse falando com alguém de sua própria família. Ele não pode deixar de
sorrir para ela, era contagiante aquele olhar determinado e doce.

– Sim, acho que sim... – a voz do homem morreu, arrancando um breve


sorriso da garota que tomou o cuidado de segurar a torta em uma das mãos e
estender a outra em cumprimento.

– Muito prazer! Meu nome é Lalisa Manoban. – eles apertaram as mãos. Na


verdade Lisa apertou, pois Mark continuava em seu estado aéreo. –
Chaeyoung está em casa? Não quero parecer rude, mas eu gostaria muito de
pedir a sua permissão para sair com sua filha esta noite.

Mark não teve tempo para processar o pedido de Lisa, logo Diana apareceu
por trás do marido com uma ruga na testa.

– Algum problema, amor? – então seus olhos caíram em Lisa e em seu sorriso
encantador que fez a voz da mulher também se calar.

Agora o casal tinha a boca entreaberta para a garota como se estivessem


frente a frente com a coisa mais linda que eles já tenham visto na vida.

– A senhora deve ser Diana Park, certo? – perguntou Lisa, mesmo sabendo a
resposta. A semelhança entre mãe e filha era inegável, Lisa pensou que
gostaria de poder ver Chaeyoung naquela idade. – Lalisa Manoban, mas
podem me chamar de Lisa.

– Olá, Lisa. – o casal Park disse em uníssono.

O silencio se abateu por um minuto e a garota sentiu-se constrangida sabendo


que estava sendo medida da cabeça aos pés. Queria causar uma boa
impressão aos pais de Chaeyoung, parecer casual e despreocupada, e
implorou mentalmente que Chaeyoung não a matasse por chegar bem mais
cedo do que o combinado.

– Então... – recomeçou Lisa ficando na ponta dos pés um pouco impaciente. –


Chaeyoung está?
– Oh sim, Chaeyoung! – Mark retomou a fala repentinamente. – Estrelinha?
– gritou pelo hall de entrada. Diana continuava sua analise em Lisa. – Você
tem visita!

Poucos segundos depois Lisa ouviu sons abafados no andar de cima descendo
os degraus e por ultimo um salto. Diana afastou-se um pouco da porta dando
espaço a sua filha que se aproximava, mas sem tirar os olhos da garota à sua
frente.

– Eu realmente espero que não seja alguém de...Lisa? – o susto de Chaeyoung


foi imediato quando levantou os olhos e deparou-se com a garota parada a
soleira da sua porta com uma torta em mãos e seus pais a analisando com
curiosidade.

– Vocês se conhecem de onde? – perguntou Diana com um sorrisinho bobo.

Chaeyoung balançou a cabeça em descrença e tentou arrumar seu cabelo


disfarçadamente.

– Ok, pessoal! Não a afobem com perguntas. – pediu Chaeyoung abraçando o


braço esquerdo do pai e lançando um olhar repreensivo à mãe. Então seus
olhos se voltaram novamente para os de Lisa. – Me desculpe se te deixaram
constrangida, eles são sempre assim.

Lisa tentou responder, mas foi impedida por braços que a rodearam e a
puxaram para dentro com animação.

– Venha querida, entre! Posso oferecer alguma coisa? Estou fazendo


panquecas e comida vegetariana para o almoço.
Chaeyoung estacou na porta junto de seu pai observando Diana levar uma
Lisa corada para dentro. Ela não sabia dizer se estava feliz por voltar a vê-la,
ou frustrada por ter chego tão cedo e a flagrado em estado tão... Casual?

Mark a olhou risonho e fechou a porta logo em seguida. Ella desceu as escadas
correndo e parou em frente à mesa de jantar abraçando a perna da mãe, seus
olhos escaneando Lisa com curiosidade.

– E você deve ser a pequena Ella. – disse Lisa com um largo sorriso deixando
o prato em cima da mesa de madeira da cozinha. – Eu já não posso mais
afirmar que Chaeyoung é a mais bonita da família. – Ella escondeu o rosto e
Diana riu. – Eu fiz essa torta de maçã, Chaeyoung disse que é a sua preferida.

– Céus! Essa garota é perfeita! – comentou Mark entrando na cozinha com


uma Chaeyoung silenciosa demais. Tinha os olhos fixos nos de Lisa que
revezavam do homem para a mulher. – Sempre digo para Chaeyoung trazer
suas amigas aqui, mas ela nunca me ouve. Devo dizer que é um prazer tê-la
em casa?

Lisa piscou para Chaeyoung de uma forma desdenhosa e foi recebida por um
par de olhos cerrados em desconfiança. Lalisa analisou o lar dos Park, e os
pais da outra; ela simplesmente não conseguia parar de sorrir naquela casa
onde não existia tensão, e o respeito era algo incrível. Lisa mal os conhecia, e
já poderia dizer que se sentia em casa.

– O prazer é todo meu, senhor. – respondeu Lisa um pouco mais extrovertida


aproximando-se de Diana na pia. – Posso ajudá-la a terminar o almoço?
– Eu adoraria. – Diana ofereceu um avental vermelho para a garota que
aceitou de bom grado e virou-se para Chaeyoung, essa que continuava parada
no mesmo lugar dissolvendo o que acontecia.

– Ficou bom em mim? – perguntou Lisa risonha ao mesmo tempo em que


levantava uma sobrancelha audaciosa.

Chaeyoung precisava ser honesta, estava afeiçoada a Lisa. Algumas vezes se


flagrava sorrindo escondido das brincadeiras de seus pais com a garota como
se fossem conhecidos há anos.

– Então, Lisa. De onde você é? Estuda em Juillard?

– E por que você nunca nos falou dela antes? – a ultima pergunta veio de
Mark e foi dirigida a Chaeyoung que deu de ombros.

Talvez porque elas se conhecessem apenas há alguns dias. Diana ferveu a


água e esperou Lisa terminar de cortar as batatas agilmente na bancada.

Além de tudo, ela sabe cozinhar, pensava Chaeyoung batucando os dedos na


mesa impacientemente e arrancando um olhar curioso do pai.

– Minha família e eu somos de LA. Eu me mudei para cá esse ano para


estudar Direito em Columbia. – contou Lisa tranquilamente passando as
batatas picadas para a mulher, então voltou sua atenção ao homem. – Eu
comecei a fazer estágio em Juilliard cerca de um mês atrás e Chaeyoung
estava lá, tocando maravilhosamente. Na verdade, ela é minha heroína!

Os olhares da cozinha foram diretos a uma Chaeyoung assustada.


– Eu estava apenas tocando...nos conhecemos dias depois. – a pequena
respondeu sinceramente. – Espero não me arrepender de ter dado essa
abertura em minha vida.

– Posso garantir que não vai.

–...e não me sentir culpada.

– Jamais!

–...e que não desapareça.

– Estarei sempre aqui.

Silencio.

Mark, Diana e Ella olhavam de uma para outra sem entender a interação em
forma de discussão das duas garotas, pois ao mesmo tempo em que pareciam
discutir, emanavam um grande carinho entre a troca de olhares.

A batata ainda demoraria a cozinhar, então os Park apenas trocaram um olhar


cúmplice e se retiraram da cozinha sorrateiramente.

– Estou encantada com essa garota. – comentou Diana enquanto subia as


escadas. Mark entrelaçou suas mãos e sussurrou:

– Você não é a única.

A cozinha agora poderia ser facilmente comparada a um campo de guerra


onde dois pares de olhos atacam um ao outro com ferocidade. Elas não
sabiam o porquê, mas poderiam passar a vida toda apenas vendo o reflexo
uma nos olhos da outra. Era magnético, e ainda sim, calmo.

– Por que chegou tão cedo? – Chaeyoung finalmente falou abaixando os olhos
para os pés.

– Pensei em fazer uma surpresa. – a voz de Lisa mudou para algo suave,
quase rouca.

Chaeyoung sentiu como se uma corrente elétrica eletrocutasse seu corpo.

– Preciso me lembrar de não confiar em você, então. – riu sem graça. –


Vamos para a sala.

Ela tentou passar pelo portal que dividia a cozinha da sala, mas foi barrada
por Lisa que a segurou firme pelos braços. Agora estavam próximas, tão
próximas que Chaeyoung foi obrigada a se render e sustentar os olhos da
garota com os seus apesar da diferença de altura.

– Me perdoe. – Lisa pediu séria. – Eu não quis ser inconveniente, juro. –


afrouxou o aperto nos braços de Chaeyoung e a trouxe mais perto. – Eu
conversei com seu pai sobre sairmos essa noite. Se ele permitir, nós vamos
passar a noite fora, fazendo coisas que as pessoas não fazem mais hoje em dia,
mas que eu sei que poderia fazer ao seu lado porque de alguma forma somos
iguais. Sua música tocou a minha alma, Chaeyoung. E vai ser muito difícil me
tirar da sua cola.

Chaeyoung tinha perdido a noção do tempo. Agora não era apenas Lisa que a
segurava pelos braços, Chaeyoung também tinha cravado seus dedos na pele
de porcelana deixando um rastro avermelhado. Ela suspirou e fechou os olhos
sentindo uma súbita necessidade de carinho. Pela primeira vez, Chaeyoung
tinha seu maldito coração sendo roubado.

– Me abrace, Lisa! – pediu com necessidade e sem esperar a resposta, puxou


a cintura de Lisa unindo seus corpos num abraço apertado.

Lisa tinha um cheiro tão bom, um perfume doce. A família Park é conhecida
na região por seu carisma, principalmente Mark que sempre encontrava uma
forma de transformar algo ruim em algo bom. Lisa complementaria dizendo
que são contagiantes e que criam uma pequena preciosidade naquela casa
aconchegante. Diana de longe tinha se apaixonado pela garota, as duas
trocaram receitas durante o almoço e conversaram um pouco mais sobre a
família de Lisa, como a originalidade do nome, trabalho, e se ainda
mantinham contato. Ella não parava de falar sobre o quão legal era o filme
E.T. e que Lisa precisava dormir lá um dia para assistir com ela. Mark, por
outro lado, estava concentrado em saber tudo sobre a faculdade. Em que ano
se formaria, se o código penal era mesmo difícil de decorar, entre outras.
Eram perguntas bizarras, mas que faziam Lalisa rir e responder com gosto.

Chaeyoung foi à única que permaneceu calada a mesa na hora do almoço. Era
raro quando se mantinha fora de algum assunto, mas naquele momento tinha
decidido que ouvir as historias de Lisa era mais importante que sua comida.

– O almoço estava fantástico, Sra. Park! – exclamou Lisa animada quando


deixou seu prato na pia.

Os olhos de Diana brilharam e um sorriso bobo nasceu em seus lábios fazendo


Chaeyoung revirar os olhos.

– Você me ajudou em grande parte, Lisa. E por favor, me chame de Diana.


– Como desejar, Diana. – brincou a garota fazendo a mulher sorrir
encantada.

Mark apontou para Chaeyoung e virou-se novamente para Lisa.

– Tenho certeza que você vai cuidar muito bem dela hoje. – e olhou por baixo
dos óculos para Lisa que assentiu um pouco sem graça. – Eu não sei onde
Chaeyoung a escondeu, mas obrigado por aparecer, Lisa.

– Obrigada, senhor... – a voz de Lisa morreu quando recebeu um olhar


reprovador do homem. – Mark, obrigada. O prazer foi todo meu, e o segredo é
que Chaeyoung tem ciúmes. – sussurrou as ultimas palavras.

Mark foi obrigado a segurar o riso. Chaeyoung não entendeu a piada no


começo, então revirou os olhos mais uma vez. Ficou surpresa com a
capacidade de seus pais em confiar a vida de sua preciosa filhinha em alguém
que acabaram de conhecer. Então concluiu que não precisava de tanto drama
para uma menina tão jovem.

Depois do almoço, Chaeyoung levou Lisa até seu quarto no segundo andar
onde Lalisa pediu para usar o banheiro. Não foi realmente uma surpresa se
deparar com um quarto que poderia se facilmente confundido com o de Ella.
Ele era espaçoso, havia um piano preto simples encostado na parede rosa
bebê, ao lado um violão e um violoncelo presos ao suporte. Lisa arriscou
pensar que Chaeyoung ainda insistia em aprender a tocar violão apesar de sua
má coordenação com o instrumento.

A segunda parede era revestida por fotos Polaroid, havia fotos de Chaeyoung
com os pais, Chaeyoung com Ella, Chaeyoung com crianças desconhecidas,
Chaeyoung com Jennie e Jisoo, e mais uma infinidade de fotos que deixara
Lisa extasiada.

As outras duas paredes eram decoradas com cifras de música. A cabeceira da


cama de casal era toda enfeitada com luzes natalinas, o que era engraçado,
pois faltavam dois meses para o natal.

– Ouch! – disse surpresa parando na entrada do quarto. Sentia-se entrando


em um lugar mágico onde até mesmo as cortinas eram rosa. – Esse é o mundo
de Park Chaeyoung, não sei se posso entrar sem um convite.

Chaeyoung revirou os olhos dando um empurrão em Lisa que cambaleou três


passos para dentro rindo e levantou os braços em sinal de inocência.

– Você anda muito abusada ultimamente, talvez eu precise cortar algumas


gracinhas suas. – comentou Chae encostando as costas na cabeceira da cama
e cruzando as pernas enquanto Lisa percorria o quarto o analisando. – Você
conquistou meus pais.

Lisa deu de ombros.

– Quem eu não conquisto? – brincou pegando a caixinha de música que tinha


dado de presente para a garota em cima da cômoda. Para sua surpresa, ela
estava mesmo ao lado de um troféu. – Bonita essa caixinha de música, seu
namorado lhe deu?

Sério, como alguém poderia ser tão convencida? Ainda mais com aqueles
olhos que passavam confiança e segurança a quem os dirigisse. Chaeyoung
odiava pessoas convencidas e estava com uma em seu próprio quarto.
– Mais tarde meus tios vão nos fazer uma visita - Chaeyoung mudou de
assunto antes que jogasse um travesseiro na cabeça de Lisa. – Meu pai não
gostou muito porque ele também usa os domingos em família, o que
normalmente resulta em ler livros em frente à lareira ao som de Billie Holiday
ou assistir filmes. Agora sabe de onde tirei toda minha estranheza.

Lisa aproximou-se mais de Chaeyoung apoiando os braços nos joelhos da


garota e a cabeça em cima dos braços ficando com o rosto a centímetros da
pequena.

– Você não é estranha. Eu adoraria passar um dia apenas lendo um livro com
meus pais ao som de Johnny ou qualquer outro rock clássico. – confessou
fazendo um bico em seguida, o que arrancou um sorriso de Chaeyoung. –
Meus pais vivem trancados no escritório até mesmo quando estou em casa,
então...não é grande coisa voltar à LA. Gostei muito mais de ficar aqui com
você e seus pais.

Os olhos negros brilharam com aquela confissão. Lisa conseguia ir de irritante


à pessoa mais doce do mundo e Chaeyoung gostava disso. Dois extremos que
se chocam e formam a garota de olhos verdes. Ela estava apaixonada, não
estava?

– Pode ficar aqui se quiser. – disse sem graça. Seus dedos brincando no braço
da morena. – pode conhecer meus tios e ver como é a tradição da família Park
quando reunida.

Lisa endireitou-se surpresa com o convite. Não só tinha sido chamada para
conhecer os pais, mas como toda a família de Chaeyoung e isso sim era uma
honra.
– Vamos fazer isso! – exclamou animada jogando as costas contra a cama. –
Quero ouvir vocês cantarem Billie Holiday até o primeiro dormir.

Os olhos de Chaeyoung se estreitaram para a Lisa de forma que ela poderia


matá-la com apenas um olhar.

– Está sugerindo que Billie é entediante? – perguntou levantando-se e


descansando os braços na cintura em postura de ataque. Lisa olhou para os
lados sentindo-se ameaçada e ao mesmo tempo achando graça. – Eu tenho
certeza que ela é muito mais culta do que esse Johnny ai que você tanto ouve.

Ok, guerra declarada!

Lisa também levantou e ficou de frente para Chaeyoung com a boca aberta
ainda não crendo que tinha ouvido aquilo. Que blasfêmia! É a mesma coisa
que insultar Jesus aos cristãos.

– Prove isso, Park! – exclamou ironicamente chateada. – Prove ou eu vou


fazê-la pagar pelo que disse.

As sobrancelhas de Chaeyoung se ergueram satisfeita por ter conseguido


atingir a garota de alguma forma.

– Está me ameaçando?

– Estou!

– Ok.
Chaeyoung afastou-se até a prateleira de CDs procurando por algo enquanto
Lisa continuava de braços cruzados e um bico enorme nos lábios. Ela poderia
jogar Chaeyoung da janela, não poderia? Será que Mark e Diana ficariam
muito chateados tendo a filha assassinada por ela? Talvez não. A garota
voltou com um CD em mãos cuja capa estava escrito "The best of Billie
Holiday, by: Chaeyoung", e estendeu para a morena que aceitou de má
vontade.

– Você fica com um CD meu da Billie e eu fico com um seu do Johnny por
uma semana - a pequena explicou apontando para o objeto em suas mãos. –
se gostarmos, nos rendemos, senão...

– Guerra! – completou Lisa sem desviar os olhos de Chaeyoung.

– Guerra. – completou a pequena com um pequeno sorrisinho malandro


antes de empurrar a Lisa contra a cama fazendo-a cair de costas. – Ouch,
desculpe.

– Você acha que pode ficar me empurrando como se eu fosse uma boneca ou
algo do tipo? – Lisa fingiu raiva quando se levantou andando com passos
firmes até Chaeyoung que recuou. – Você só esqueceu que tudo tem volta,
Chaeyoung.

– Lisa, não! – pediu Chaeyoung esticando os braços na tentativa falha de


tentar parar Lisa que a fuzilava com uma expressão divertida. – Eu prometo
não fazer mais isso!

Chaeyoung começou a correr pelo quarto com Lisa ao seu encalce. Eram duas
crianças de 4 anos brincando de pega-pega e não adolescentes cursando a
faculdade, principalmente de direito. Chaeyoung subiu em cima da cama e se
jogou do outro lado, mas foi barrada e soltou um grito quando seus corpos se
chocaram as levando direto ao chão.

– Tudo bem. Eu não fazia isso desde os meus treze anos. – comentou Lisa
ofegando e rindo ao mesmo tempo em que encarava o ventilador no teto. –
Meus músculos estão todos rígidos.

– Você é mesmo muito mole, Lisa. – brincou Chaeyoung dirigindo seus olhos
também ao ventilador. Parecia haver algo muito interessante lá já que as duas
estavam uma ao lado da outra e se virassem o rosto, poderiam ficar
perigosamente perto. – Eu poderia tirar uma foto da sua cara de cansada
agora. – assim que terminou de falar, levantou-se sob o olhar atento de Lisa e
correu até seu guarda-roupa fuçando em algumas gavetas.

– Eu tenho muito medo quando você decide procurar por algo. – disse ainda
acomodada ao chão.

– Calada. – devolveu Chaeyoung voltando com uma Polaroid nas mãos. –


Sorria.

E sem pedir, tirou uma foto no exato momento em que Lisa levou as mãos ao
rosto com o susto.

–Chaeyouunngg! – ela gritou levantando às pressas e tentando a todo custo


tirar a câmera das mãos da garota. – Você é muito chata. Meu Deus do céu!

Chaeyoung apenas ria enquanto continuava a tirar fotos de Lisa possessa que
fazia de tudo para não deixar seu rosto descoberto.

– Vamos lá, Lisa, onde está à garota confiante de agora a pouco?


Nesse mesmo instante a porta do quarto foi aberta por uma pequena
garotinha que coçava os olhos com as costas das mãos. Os olhos de Ella
estavam vermelhos de sono e os cabelos bagunçados. A garota olhou de Lisa
para Chaeyoung e sorriu timidamente enquanto segurava um DVD em uma
mão e um urso de pelúcia em outra.

– Eu não consegui ter meu sono da tarde porque ouvi gritos – ela explicou
inocentemente caminhando até a cama de Chaeyoung. As duas garotas ainda
estavam em posição de combate no meio do quarto e surpresas com a
garotinha. – papai disse que vocês estavam brincando de guerra de
travesseiros.

– Oh, céus.

Chaeyoung engasgou com a própria saliva com o comentário da irmã e


precisou levantar os braços para o alto procurando por ar. Lisa deu
palmadinhas em suas costas, mesmo que não entendesse o que estava
acontecendo.

– Papai e mamãe não me deixam brincar com eles de guerra de travesseiro -


continuou a menina balançando as pernas para fora da cama. – Você deixa,
Chaeng?

Chaeyoung ainda estava se recuperando do susto com a mão do coração. Seu


rosto todo estava corado e a Polaroid foi esquecida na cômoda para louvor de
Lisa.
– Nós...hm, nós não estávamos brincando disso, Ella. – disse Chaeyoung
sentando de frente para Ella na cama e olhando com vergonha para Lisa que
só então entendeu o significado de guerra de travesseiros.

Ella fez um bico mostrando sua decepção com a resposta da irmã mais velha.

– Você quer assistir Frozen comigo, Lisa? – perguntou esticando o DVD para
Lalisa que achou tudo aquilo muito adorável.

– É claro que eu quero – e olhou para a Chaeyoung pedindo permissão. – se a


sua irmã concordar, é claro.

Ella rapidamente olhou para Chaeyoung com os olhos brilhantes, esperando


por uma resposta positiva. Chaeyoung não negaria nada para sua irmã mais
nova e Ella sabia muito bem disso, por isso a pequena tinha um sorriso
convencido no rosto quando a irmã mais velha assentiu.

Lisa tirou o tênis e deitou do outro lado da cama deixando a pequena Ella
entre Chaeyoung e ela. As três assistiram ao filme totalmente em silêncio. Vez
ou outra soltavam exclamações com o Olaf, que secretamente era o
personagem favorito de Lisa. O final da tarde passou rápido; Ella cochilou
uma ou duas vezes e chegou a se aconchegar em Lisa não tendo noção do que
fazia enquanto Chaeyoung assistia a cena em silêncio se perguntando se havia
algum defeito em Lisa.

No final do filme, Chaeyoung e Lisa também caíram no sono e só foram


acordar no meio da noite quando ouviram barulho de música e conversas
vindo da varanda. Chaeyoung se trocou no banheiro enquanto Lisa arrumava
sua roupa e retocava a maquiagem.
Optaram por deixar Ella dormindo ou então Diana a acordaria mais tarde, e a
garotinha merecia esse sono depois de não ter consigo dormir com a guerra –
literalmente – de travesseiros das garotas. O resto da noite se tornou um
desafio para Lisa e sua preocupação sobre o que pensariam dela.

Para seu alívio, a família Park foi amável até mesmo perguntando se era
namorada de Chaeyoung, e um primo de quinze anos tentou flertar com a
Lisa, mas recebeu um olhar mortífero de Chaeyoung se dando conta de que
precisava manter distância.

Eram cerca de dez homens, quatorze mulheres e cinco crianças, todos eram
primos, tios e avós distantes que vinham de tempos em tempos visitar Mark e
Diana.

Lisa e Chaeyoung estavam sentadas em volta da fogueira que o tio mais novo
de Chaeyoung tinha feito no quintal da casa; alguns homens tocavam violão e
outros familiares dançavam animadamente assim como Mark e Diana
enquanto o resto batia palma no ritmo da música. Todos se divertiam muito e
Lisa só conseguia pensar consigo mesma que, se fossem alguns dias antes,
jamais cogitaria a ideia de existir pessoas assim, tão animadas, cheias de vida
e unidas dentro de uma família.

Ela se sentia automaticamente incluída naquela família quando algumas


pessoas que nunca tinha visto da vida puxavam assunto com ela.

Mark parou de dançar com a Diana e puxou Chaeyoung para o meio da roda
com animação. Chae soltou uma exclamação surpresa, mas aceitou
começando a dançar de forma desengonçada com o pai enquanto os outros
batiam palma e gritavam. Lisa sorria como uma boba vendo Chaeyoung se
divertir, sentia como se o seu coração fosse explodir a qualquer momento com
aquele sorriso que tirava a beleza das estrelas.

Não demorou muito até Chaeyoung cochichar algo no ouvido do pai e correr
até Lisa agarrando suas duas mãos e a puxar até o meio da roda com sua
família ovacionando as duas, fazendo Lisa quase morrer de vergonha. Ela
nunca tinha dançado, pelo menos não na frente de várias pessoas bêbadas
que só se importavam em estar se divertindo.

– É só mexer o corpo no ritmo da música. – disse Chaeyoung segurando as


mãos de Lisa e fazendo-a acompanhar na dança sob as palmas dos outros.

Pode-se dizer que eram duas garotas desastradas mexendo o corpo, pois
nenhuma tinha ritmo ou jeito para aquilo, o que tornava a cena ainda mais
engraçada. E elas riram, riram muito naquela noite, elas poderiam jurar que
não havia nada mais gratificante do que estar uma nos braços da outra
dançando entre a família Park. O mundo poderia acabar no dia seguinte e elas
não se importariam porque estavam vivendo o hoje intensamente.

– Eu disse que você era mole. – brincou quando voltaram a se sentar, Lisa
quase não tinha ar nos pulmões. Chaeyoung abraçou o braço dela e
aconchegou-se mais perto. – Está com frio?

Lisa negou com a cabeça e recebeu um beijo no rosto que a fez corar quase da
cor da fogueira.

Apaixonar-se era tão bom.

♪♪♪♪♪♪
Já se passava da meia noite quando Lisa e Chaeyoung deixaram a casa dos
Park.

Mark tinha beijado o rosto da filha mais de cinquenta vezes fazendo-a


prometer que se cuidaria e que não faltaria a faculdade outro dia. Diana
protestou sobre a saída noturna das garotas alegando que Chaeyoung ainda
era o seu bebê, mas ela sabia que a filha precisava criar asas por conta própria
e de amigos leais, ainda mais se fossem amigos como Lisa. Ou mais que isso.
Ela sabia distinguir.

Lisa estacionou o carro perto de uma praça escura e desconhecida para


Chaeyoung. Era possível ouvir ao longe o latido insistente de um cachorro, e
um único casal abraçava-se junto ao poste de luz no começo da rua.

Lisa obrigou Chaeyoung a descer com os olhos fechados deixando a menina


ainda mais assustada, era possível sentir seu coração martelando no peito
devido ao nervosismo. E se Lisa realmente fosse uma psicopata?

– Abra os olhos. – pediu Lisa depois de caminhar com Chaeyoung por alguns
minutos.

Chaeyoung abriu os olhos no auge de sua ansiedade não contendo seus pés
grudados no chão. É claro que Jennie tinha um dedo naquilo tudo, pois até
onde ela imaginava com sua mente fértil, Lisa não escondia uma bola de
cristal onde adivinhava todas as suas vontades secretas.

– É um coreto? – perguntou animada com os olhos escaneando o lugar. –


Você não existe, Lisa!
– Existo sim! Pode me tocar se quiser, eu realmente não ligo se... – mas
Chaeyoung a deixou falando sozinha e entrou no coreto, maravilhada com a
estrutura simples e perfeita.

Lisa bufou.

– Obrigada por me deixar falando sozinha.

– De nada.

Já estava virando costume a troca de farpas entre as garotas, sempre


implicando uma com a outra mesmo que no fim conseguissem de verdade se
tirar do sério. Chaeyoung achou graça da cara de ofendida de Lisa e correu
abraçá-la.

– Você é muito boba. Obrigada pelo que está fazendo, eu amei o lugar. – disse
sincera agarrando a borda da camisa da garota que envolveu os braços firmes
em volta de si.

– Não tem de que. – respondeu Lisa fingindo estar mal humorada.

Ainda abraçadas, caminharam até as grades do coreto onde se apoiaram para


observar a fonte da praça em silêncio, esperando a raiva fingida de Lisa
passar.

– Posso te fazer pergunta? – olhou esperançosa para Chaeyoung que


assentiu.

– Claro.
– Você... – tentou reunir o máximo de coragem para fazer aquela pergunta,
precisava ter certeza de onde estava se metendo. – Você é lésbica?

Chaeyoung desviou os olhos da fonte diretamente para Lisa. Ela pareceu


ofendida com a pergunta, Lisa estava começando a se arrepender quando a
pequena começou a rir brincalhona.

– Eu estava brincando. – disse. – É tão fácil enganar você.

– Idiota. – resmungou Lisa cruzando os braços.

Chaeyoung fez um bico infantil para o comportamento de sua mais nova


amiga.

– Sim, eu sou desde que me conheço por gente. O peito de Lisa foi tomado
por um sentimento de alivio que a deixou soltar todo o ar que prendia desde a
pergunta.

– E seus pais sabem? - Chaeyoung assentiu mais uma vez. – Nunca foi difícil
falar sobre esse assunto em casa. – respondeu com carinho ao lembrar-se do
dia em que contou a eles. – Estávamos na mesa de jantar e minha mãe estava
grávida de Ella. Eu me lembro de não ter saído do quarto a tarde toda
planejando como contar aquilo. – suspirou. Lisa estava atenta à história. –
Quando eu finalmente criei coragem, disse: Mãe, pai...eu gosto de garotas.
Sabe o que minha mãe disse?

– O que? – a respiração da morena tinha falhado naquele momento.

– Nós sabemos querida, agora me passe a salada...


Lisa petrificou vendo a risada anasalada de Chaeyoung. Aquela família era
mesmo irreal, seus pais no mínimo a expulsariam de casa se descobrissem
que a filha deles gosta de uma garota, algo que nem ela mesma sabia até um
mês atrás.

– Caramba. – foi o que conseguiu dizer.

– Eu sei, eles são demais. – respondeu a pequena tirando uma mecha de


cabelo do olho quando a brisa noturna o bagunçou.

– Mas e você, Lisa. Gosta de garotas?

Lisa abriu e fechou a boca não tendo uma resposta para aquela pergunta.
Qual seria a melhor forma de dizer que estava descobrindo isso ainda sem
afastar a garota dela? Ela não gostava de garotas...ela gostava de Chaeyoung.
Isso tinha que significar alguma coisa. Por que tudo se remete a rótulos?

– Eu...eu não sei realmente. – admitiu. Com Chaeyoung era tão fácil ser
apenas a garota que estava se jogando no desconhecido. – Eu nunca me
apaixonei por ninguém...apenas seguia o que fui induzida como certo e ficava
com garotos para não ser a diferente. – sentiu-se envergonhada de sua
história, então se virou de costas para a grade e abraçou o próprio corpo. – É
muito mais fácil ser alguém moldado, a ser você mesmo. As pessoas não
sabem me interpretar.

Chaeyoung também se virou lentamente e segurou a mão direita de Lisa


dizendo num gesto mudo que estava tudo bem, que ela a entendia.
– Você é você. Um livro a ser interpretado por um estranho qualquer. – disse
a pequena com um sorriso meigo, os dedos desenhando círculos na pele
gélida da mão de Lisa. – O mundo vai se ajustar a isso.

O silencio caiu sobre elas como de costume. Às vezes apenas pela troca de
olhares as duas já podiam dizer tudo o que sentiam vontade, e isso era algo
reconfortante para as garotas. Há momentos na vida em que palavras são
desnecessárias, desgastantes.

Chaeyoung aproximou-se um pouco mais e puxou Lisa delicadamente até o


meio do coreto trazendo-a para mais perto de si.

– Você pode fazer qualquer coisa no mundo, como dançar sem música. – e
lentamente começou a mover o corpo com os dedos ainda entrelaçados com
os de Lisa. Pouco a pouco, elas começaram a dançar lentamente sem nunca
abandonar os olhos da outra.

Dois corpos se movimentando como um. Duas almas colidindo uma à outra,
centenas de vezes até sentirem-se totalmente conectadas. Era isso que
acontecia dentro daquele simples coreto. Não eram duas garotas dançando,
eram dois corações batendo em apenas um ritmo.

– Não seria estranho se eu me apaixonasse por você. – sussurrou Chaeyoung


sentindo seus olhos ancorados pelos de Lisa em meio à dança sem música que
compartilhavam em uma noite qualquer, em um coreto qualquer, e como
duas pessoas qualquer em um mundo infinito.

Lisa girou Chaeyoung e a trouxe de volta fazendo seus corpos se chocarem de


forma que as encaixou perfeitamente, deixando-as enxergar pela primeira vez
como eram perfeitamente imperfeitas uma para a outra.
– Não seria estranho se eu já estivesse apaixonada por você – respondeu Lisa
com tranquilidade, seus olhos desafiando a pequena que já se encontrava
rendida em seus braços.

Chaeyoung mordeu os lábios e apoiou o queixo no ombro de Lisa, fugindo de


seu mais novo ponto de fraqueza, aqueles dois pontos castanhos que
marcavam a noite.

– Não seria estranho se um dia eu namorasse você.

– Não seria estranho se um dia eu pedisse a você vivesse para sempre ao meu
lado.

Chaeyoung sorriu com seu coração comandando a própria rapsódia no lado


esquerdo do peito.

– E por fim, não seria nada estranho se eu aceitasse.

Elas voltaram a se olhar e um sorriso malandro nasceu nos lábios de Lisa.

– Então você quer?

– Não enquanto você não se render a Billie Holiday. – respondeu orgulhosa


de sua própria resposta e da expressão ofendida de Lisa.

– Mas-

– Nada de mas, apenas dance.


– Não tem música. – resmungou girando a pequena outra vez.

– Quem disse que não? – Chaeyoung ergueu as sobrancelhas sugestivamente


e fez Lisa sorrir apaixonadamente. – Tudo no seu tempo, Lisa. Tudo no seu
tempo. – as duas voltaram a se abraçar e continuaram a dança lenta pelo
antigo coreto tendo a lua como espectadora.

– Blue moon, you saw me standing alone. Without a dream in my heart,


without a love of my own...

E naquela noite, não havia espetáculo mais lindo a ser assistido.

_________

Chaeyoung estava concentrada em seu velho livro à beira da janela de


Juilliard enquanto Jennie praticava algumas notas no piano, e resmungava
palavrões audíveis quando falhava. Tinham acabado de voltar do almoço com
Jisoo e aguardavam o professor na sala de ensaios, cada uma presa em seu
próprio mundo.

Era mais uma tarde ensolarada onde os alunos andavam de um lado para ao
outro se abanando com os panfletos do evento de terça do grupo de dança do
segundo ano; o inverno parecia algo muito distante aos americanos naquele
dia.
Chaeyoung estava concentrada demais decidindo se estava amando ou
odiando o livro - por fazê-la chorar mais vezes do que se permitia admitir -,
para notar que o som das teclas havia cessado e que agora Jennie se
encontrava com os braços apoiados em cima da tampa do piano a observando
atenta como uma velha cartomante analisa seu futuro.

– Quer dizer que passou a noite com Lisa? – finalmente perguntou,


segurando-se tempo demais para entrar no assunto, pois sua curiosidade não
lhe permitiria mais nenhum segundo de espera.

Chaeyoung sorriu para si mesma convicta de que Jennie não aguentaria


muito tempo em silêncio quando viu Lisa a deixar na porta de Juilliard
naquela manhã, mesmo que do outro lado da rua e com os vidros escurecidos,
Jennie conheceria aquele Dodge em qualquer lugar.

– Eu não passei a noite com ela – explicou fechando o livro com o marca-
página e se virando para a amiga. – dormi na parte de baixo do beliche de
Lisa, o que é bem diferente.

– Oh! Momo com certeza não ficou muito feliz de ver Lisa em sua cama.

– Nós saímos antes que ela chegasse, de qualquer forma. – continuou


caminhando até o piano e se debruçando nele. – Lisa me trouxe para Juilliard
e voltou para Columbia, fim de história.

O sorriso de Jennie cresceu ainda mais quando a amiga terminou de contar.


Talvez Chaeyoung e Lisa não tenham percebido, mas pareciam mais um casal
de namoradinhas do que imaginavam e já não era mais segredo nenhum que
Lisa estava investindo descaradamente em Chaeyoung.
– Não posso acreditar que não houve sequer um beijo, Chae. – reclamou
fazendo bico, o que fez Chaeyoung revirar os olhos e corar. – Vocês parecem
duas baratas tontas sem saber o que fazer.

– Jennie! – exclamou Chaeyoung fazendo careta de desaprovação com o


comentário. – Lisa e eu estamos nos conhecendo melhor, acho que realmente
posso gostar dela futuramente e-

A garota foi cortada quando um garoto franzino do departamento de teatro


bateu na porta timidamente perguntando por Park Chaeyoung.

Ele segurava um enorme buquê de rosas vermelhas e o entregou para


Chaeyoung que estava de boca aberta e quase se esqueceu de agradecer ao
moço com a paralisia que seu corpo sofreu.

Chaeyoung deixou o buquê em cima do piano e tirou o cartão rosa com notas
musicais em azul que estava embrenhado entre as rosas.

"Estranho seria, se eu não me apaixonasse."

Os olhos de Chaeyoung rapidamente mudaram para surpresa ao mesmo


tempo em que um brilho intenso entregava o que ela vinha tentando esconder
de si mesma.

E novamente Lisa tinha acertado em cheio. Ela terminou de ler e abaixou o


papel deixando seus olhos repousarem nas rosas vermelhas que tanto lhe
agradavam, o coração traindo as ordens de sua razão para não se abalar.
– Futuramente, uh? – brincou Jennie apanhando o cartão das mãos da
pequena e o lendo mais uma vez. – É mais do que óbvio o sentimento que está
envolvido, Chae. Se acha que pode mudar isso...eu acho que é tarde demais.

Ela tinha mais do que certeza de que estava corada o suficiente para ser
notada do outro lado de sala por alguns alunos que começavam a adentrar
despreocupados e entretidos na própria conversa.

– Eu gosto dela, Jennie. – confessou baixo para que apenas a amiga pudesse
ouvir. Jennie abriu os braços como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. –
Só não quero pular de cabeça em alguém que pode ser rasa demais para mim.
– abaixou os olhos sentindo a culpa lhe invadir. – O que, eu tenho quase
certeza que não é o caso de Lisa. Ela me faz sentir como mulher de verdade,
como se meu corpo despertasse por ela, entende?

– Isso se chama tesão, querida. – corrigiu Jennie levantando-se e guiando


Chaeyoung até o canto da sala onde deixaram o buquê em cima de uma
cadeira para que o pegassem ao término da aula.

Chaeyoung fuzilou Jennie com os olhos.

– Não é isso! – ralhou outra vez certificando-se de que não estavam sendo
bisbilhotadas. – Tenho medo de me entregar e no fim Lisa ver o quão
entediante eu posso ser.

Jennie olhou indignada para a amiga como se ela tivesse acabado de dizer a
pior piada do mundo, não que ela realmente não fizesse isso, mas agora se
privando por ter medo de Lisa a achar entediante era o fim da picada.
– Eu acho que você não entendeu que Lisa é seu reflexo no quesito tédio,
minha querida amiga. Acredite quando digo, pois cresci com a menina
Manoban e suas velharias. – riu. – Mas não vou me intrometer nessa relação.
Jisoo e eu já discutimos sobre isso e não vou arriscar ter o meu bombonzinho
sem falar comigo outra vez.

Chaeyoung ergueu a sobrancelha divertida.

– Bombonzinho? Sério?

– Calada! – rebateu Jennie apontando o dedo acusadoramente para a


pequena que riu.

Por mais que negasse, sabia que Lisa a estava conquistando rapidamente e
isso era algo assustador de imaginar, ela sequer cogitava a ideia de estar com
alguém na faculdade.

Era sua época, seu momento de encontrar o caminho para um futuro na


música e uma relação agora poderia atrapalhar isso e ocupar seu tempo nos
estudos, mas com Lisa era estranhamente fácil ser apenas ela; a garota que
conta piadas sem graça, que ouve música clássica.

Lisa a intrigava desde o momento em que aplaudiu sua música no auditório,


toda aquela energia e a maneira doce como a olhava como se Chaeyoung fosse
linda, algo que não se considerava, mas novamente era perto de Lisa que
Chaeyoung sentia-se a mais bela das garotas.

Chae considerava não existir pessoas clichês como ela e seu pai.

E, mais uma vez, estava errada.


Alguns minutos depois, enquanto o professor explicava pacientemente sobre
o próximo evento que realizariam na cidade, o celular de Chaeyoung vibrou
anunciando uma mensagem. Logo o coração disparou quando viu o nome de
Lalisa na tela.

Lalisa: Espero que tenha gostado das rosas :)

Chaeyoung sorriu para si mesma e certificou-se de que ninguém mais estava


olhando.

Me: Você sempre me surpreende.

Lalisa: E a moça da floricultura disse que minha "namorada" adoraria as


rosas.

Me: Sua namorada? Entregou o buquê para a pessoa errada, então?

Lalisa: Humpf!
Lalisa: Vou buscá-la após a aula. Jennie e Jisoo fizeram planos para o fim
de tarde e eu auto-nos-convidei. Momo também vai.

Chaeyoung olhou para Jennie que estava distraída fazendo anotações em seu
caderno e desejou jogá-la do quinto andar por ocultar esse fato, mas não pode
conter um sorriso de satisfação por saber que sua amiga estava tentando
ajudá-la a encontrar alguém por quem se apaixonar como ela encontrou
Jisoo.

♪♪♪♪♪♪
– Eu já disse que atrasei em algumas matérias, apenas isso. – Lisa tentava
explicar a todo custo enquanto esperava por Momo no estacionamento do
Starbucks. – Eu volto no próximo final de semana. Ok, eu prometo.

– Seu pai e eu ficamos preocupados, Lisa. Você poderia ter estudado em casa,
Paul passou a noite na casa da namorada e Daniela vive o dia todo trancada
no quarto-

– Daniela está bem? – perguntou preocupada, não se lembrava da irmã


passar a maior parte do tempo no quarto. – O que há com ela?

– Nós não sabemos, mas provavelmente é coisa de adolescente. – Sua mãe a


tranquilizou. – Mal sai para comer e vive com a porta trancada, seu pai está
perdendo a paciência com ela.

Lisa suspirou infeliz. Daniela sempre foi a mais sensível dos Manoban e agora
que os irmãos mal estavam em casa assim como os pais, era de se esperar que
a caçula se isolasse para a própria proteção.

– Apenas espere até eu voltar, ok? – pediu abrindo a porta do carro quando
Momo saiu da loja com várias sacolas, incluindo uma bandeja de copos. – Eu
vou conversar com Daniela, acho que ela precisa de alguém que entenda a
cabeça dela.

– Está bem, vou conversar com seu pai. Diga que mandei um beijo para
Momo e Jennie.

– Eu direi, mãe. Até mais.


Desligou o celular e observou a amiga entrar no carro acomodando as sacolas
no assoalho e colocar os óculos escuros.

Momo, como sempre, estava reclamando sobre ter errado 50% da prova
surpresa e que provavelmente era culpa do professor por não gostar dela. O
ocorrido do final de semana parecia esquecido, para o alivio de Lisa que não
conseguia sentir remorso por ter furado com sua amiga para se encontrar com
Chaeyoung. Foi errado, ela sabia, mas estava vivendo o calor do momento e o
cinema sempre estaria lá para Momo e ela, mas o evento no Central Park não
e Lisa não poderia perder a oportunidade de ver Chaeyoung ser a estrela mais
brilhante daquele lugar.

– Sabe que é sua culpa, não sabe? – ironizou arriscando um olhar de canto de
olho apenas para ver Momo abrir a boca indignada para ela. – Quero dizer,
você não estuda, vive em festas noturnas dos nossos amigos e chega no outro
dia totalmente bêbada.

– Eu vou ignorar que você está dizendo isso antes que jogue esse café quente
nesse seu rosto galanteador. – Momo disse calmamente como se explicasse
algo para uma criança e Lisa riu. – Eu juro, Manoban, que se eu ficar de vela
hoje...

A ideia de arrastar Momo foi de Lisa, ela sabia que devia um passeio a sua
amiga e queria que a outra fosse incluída ao novo grupo círculo de amizade
que agora passava a maior parte de seu tempo livre com Jisoo, Jennie e
Chaeyoung.

É claro que naquele grupo Momo seria a única garota heterossexual, ou não...
Esse era um assunto que Lisa tinha deixado de lado no momento, ela não
queria preocupar sua mente com rótulos quando tudo o que ela queria era
estar ao lado de Chaeyoung, mas de qualquer forma as companhias de Momo
da faculdade não eram as melhores e Lisa queria manter os olhos na amiga.

O caminho até Juilliard foi curto e silencioso. Lisa estacionou o carro do outro
lado da rua como de costume, pegou a bandeja de café das mãos de Momo
quando desceram observando o movimento na entrada da Universidade e
atravessaram a rua.

Era quase três e quarenta da tarde quando encontraram Jennie e Jisoo


sentadas na pequena área de lazer com várias mesinhas de pedra, uma
lanchonete e um jardim de inverno.

Jisoo e Jennie discutiam sobre algo relacionado ao trabalho de Jisoo, mas


Lisa conseguiu apenas se concentrar em memorizar uma das cenas mais
lindas que já vira na vida.

Chaeyoung estava sentada um pouco afastada em uma mureta com as costas


apoiada na parede e as pernas esticadas. Ela usava um all star vermelho,
shorts jeans claro e uma cropped branca com detalhes em amarelo; o cabelo
estava preso num coque frouxo, usava fones de ouvido branco e nas mãos um
exemplar de Morro dos Ventos Uivantes.

– Já pode parar de babar na garota. – alfinetou Momo tirando a bandeja das


mãos de Lisa à força e servindo Jisoo e Jennie com o café enquanto sentava
de frente para as garotas.

Lisa foi sugada para a realidade quando se deu conta de que estava parada em
frente à Chaeyoung com a maior cara de trouxa enquanto suas amigas riam
sem pudor, mas Chae ainda não tinha notado sua presença devido aos fones e
a concentração nos livros; o cenho franzido para alguma cena provavelmente
tensa no livro a deixava extremamente adorável.

– Não enche. – ralhou, depois pegou dois copos da bandeja sob o olhar atento
do trio e seguiu até Chaeyoung sentindo seu corpo todo reagir à aproximação.

Chaeyoung notou a silhueta próxima a si e levantou os olhos tirando os fones


de ouvido ao mesmo tempo em que esboçava um sorriso automático ao ver
Lisa, que também vestindo shorts jeans, coturno curto e uma camisa xadrez
vermelho e preto.

– Park Chaeyoung.

Cumprimentou com um sorriso doce e sexy ao mesmo tempo fazendo o


coração de Chaeyoung errar a batida.

– Lalisa! – a garota exclamou com o sorriso mais lindo que Lisa já vira em
toda sua vida. - Eu não vi você.

Lisa entregou-lhe o copo de cappuccino e a Chaeyoung franziu o cenho em


confusão.

– Eu trouxe um para você também. Café forte, não é? Sua mãe me contou.

Oh, então Lisa e sua mãe tinham passado um tempo falando sobre ela, que
Deus a ajude e Diana não tenha contado todos os seus feitos vergonhosos
como a vez em que fez xixi na frente de toda a classe na quarta série ou
quando se jogou de uma árvore pensando que podia voar.
Chaeyoung aceitou o copo e levantou-se depositando um beijo carinhoso na
bochecha de Lisa.

– Será que Julieta e Julieta podem andar logo? Eu tenho glicose alta. –
resmungou Momo sendo estapeada por Jennie e Jisoo ao mesmo tempo. – Aí!

As duas garotas sorriram e, com a maior naturalidade do mundo, Lisa pegou a


mochila azul marinho de Chaeyoung que estava no chão e a jogou nas costas
liberando seu braço direito para que Chae o abraçasse com uma mão
enquanto tomava seu café com a outra. Era um gesto simples que nem elas
mesmas percebiam que ao olhar das outras pessoas, tornava-se íntimo.

– Onde estão as rosas? – Lisa perguntou curiosa.

– Eu os deixei na sala de piano. Troquei as flores de um vaso com as rosas, e


agora sempre que eu tocar vou poder olhar para elas. – explicou Chaeyoung
olhando para Lisa e depois sorriu desviando o olhar para Jennie e Jisoo que
andavam de mãos dadas logo à frente.

Por instinto, se imaginou andando de mãos dadas com Lisa. De certa forma
isso lhe trazia segurança uma vez que apenas o olhar de Lisa tinha o poder de
lhe intimidar profundamente, mas isso ela nunca saberia. Chaeyoung nunca
falara abertamente sobre sua sexualidade por achar algo totalmente
desnecessário, sua preferência sexual não define seu caráter.

Mas, ao contrário dela, Lisa sempre vivera na base de rótulos, ela era como
um produto que veio de fábrica enquanto Chaeyoung saiu direto do campo
longe de tudo o que procurava a rotular. Por esse motivo Chaeyoung não se
permitia aceitar o que estava sentindo pela outra, por mais que esse
sentimento se parecesse cada dia mais com um trem em movimento que, por
descuido do mecânico, perdera o freio. Lisa estava vivendo na própria ilusão
no momento, mas quando a realidade batesse em sua porta exigindo o tal
rótulo, Chaeyoung é quem sairia perdendo.

Lisa abriu a porta do passageiro para Chaeyoung e em troca recebeu


xingamentos de Momo reclamando que teria de ir sentada no banco de trás
com o casal babento, como ela costumava chamar.

O caminho até a casa dos Park foi feito sob uma amigável conversa onde Jisoo
e Chaeyoung conheciam mais sobre a história de Lisa e Momo, que também
engatou na conversa esquecendo-se por ora do mau humor.

Chaeyoung pegou algumas roupas no quarto enquanto Lisa conversava com


Diana e Mark sobre o pequeno passeio que elas fariam, prometendo devolver
a filha deles antes da meia noite. Obviamente que os Park concordaram
afirmando que não poderiam deixar a filha em melhor companhia, e Mark
encerrou a conversa quando Chaeyoung apareceu na porta com uma sacola
dizendo:

– Não façam nada que sua mãe e eu não faríamos.

As duas trocaram olhares e Chaeyoung tratou de arrastar Lisa para o carro


antes que criasse um buraco no solo e se enterrasse nele.

Minutos depois Momo se meteu entre as duas no banco da frente para ligar o
rádio e procurou em alguma estação músicas animadas começando a cantar
Neon Lights no banco de trás acompanhada por Jennie.
No caminho fizeram uma parada na casa dos Kim onde Jisoo apresentou suas
novas amigas aos pais e em seguida no apartamento que Jennie dividia com
uma colega de Juilliard.

– Nós vamos para um tipo de expedição? – Momo questionou meia hora


depois quando o Dodge adentrou uma estrada de terra.

– Estamos indo ao chalé do meu pai. – explicou Jisoo apontando para uma
casa, que de pequena não tinha nada, no horizonte. – Como minha família é
grande, costumamos passar as férias aqui, temos barcos, motos de trilha,
bicicletas...

Jennie abriu a boca estupefata e Chaeyoung se encolheu no banco do


passageiro, ato que foi notado por Lisa.

– Você não me disse que seu pai era dono de um hotel fazenda. – disse Jennie
observando a paisagem pela janela do carro.

– Eu não me importaria de morar aqui. – Momo comentou encolhida entre o


casal e com os olhos brilhantes na paisagem lá fora.

Chaeyoung estava quieta demais todo o caminho desde que descobriu que
tudo aquilo pertencia à família Kim. Lisa estacionou no carro em baixo de
uma árvore e fingiu procurar por algo no assoalho enquanto as outras saíam
aos tropeços e empurrões, deixando apenas Chaeyoung e Lisa para trás.

Lalisa aproveitou o momento a sós virando o corpo no banco para que


pudesse ter uma visão melhor de Chaeyoung, sua mão esquerda encontrando
a dela e entrelaçando os dedos.
– Tudo bem? Está quieta e eu não gosto disso. – revelou preocupada vendo os
olhos de Chaeyoung se focarem qualquer coisa no carro que não fosse ela.

– Não precisa se preocupar, é coisa de momento. – garantiu Chaeyoung


acariciando a mão da outra com o dedão. – Obrigada, ok?

Para a surpresa de Chaeyoung, Lisa a puxou pela mão e deu um beijo em sua
têmpora, um gesto carinhoso que fez Chaeyoung sentir vontade de chorar.

Lisa queria saber o que estava acontecendo, mas respeitaria o silêncio de


Chaeyoung até que a ela estivesse a vontade para falar. Quando se tratava
daquela garota, Lisa tinha toda a paciência do mundo, e um abraço apertado
era tudo o que ela poderia oferecer naquele momento. Chaeyoung apertou o
corpo de Lisa antes de soltá-la e lhe oferecer um sorriso tímido que foi
retribuído de boa vontade pela outra.

Ambas desceram do carro com suas mochilas e seguiram Jisoo até o chalé
onde trocaram de roupas. Chaeyoung fez questão de por o laço vermelho
propositalmente deixando Lisa paralisada por alguns instantes; Jennie quase
teve um surto de riso.

As garotas seguiram até um galpão ao lado do chalé onde havia cerca de dez
motos e dez bicicletas encostadas.

– Posso me acostumar a isso. – brincou Jennie escolhendo uma bicicleta rosa.

– Ainda se lembra como andar em uma, Lisa? Você quase se matou quando
tínhamos oito anos. - Momo soltou uma exclamação animada com a
lembrança; Chaeyoung ficou confusa.
– O que houve? – perguntou enquanto tiravam as bicicletas do galpão.

– Lisa pensou que poderia voar e subiu em uma rampa. – zombou Momo
pedalando em sua bicicleta verde limão em volta das garotas. – Ela precisou
de uma cirurgia no nariz e vários pontos na testa.

– Obrigada, Momo! – exclamou Lisa irritada pela intromissão da garota.


Virou-se para Chaeyoung que ainda a olhava com curiosidade. – Eu era uma
criança criativa.

Chaeyoung sorriu e subiu em sua bicicleta brincando de perseguir Jennie


enquanto Lisa tentava se acostumar a andar depois de dez longos anos.

– Acha que consegue? – perguntou Jisoo aproximando-se dela. – Nós vamos


descer a estrada até o riacho, tem uma casa de barcos lá.

Lisa assentiu um pouco insegura, acostumando-se novamente a se equilibrar


em cima da bicicleta amarela.

Jisoo assentiu observando os movimentos cuidadosos de Lisa, mas a deixou


quando viu Chaeyoung voltar para acompanhá-la. Momo, Jennie e Jisoo
apostaram uma corrida pela estrada de terra deixando apenas Chaeyoung
pedalando devagar ao lado de uma Lisa ainda insegura.

– Hey, você. – chamou Chaeyoung ficando lado a lado com Lisa que mal
podia olhar para o lado com medo de cair.

– Hey, você. – devolveu Lisa forçando um sorriso, mas que acabou parecendo
uma careta.
Estava com medo, precisava admitir. O trauma daquela época não tinha sido
muito legal para uma criança de oito anos. Não gostava de fechar os olhos e se
lembrar do sangue que jorrava de seu nariz, seu pai gritando com ela e os
enfermeiros imobilizando seus braços para que não pudesse tocar. Ela era só
uma menina.

– Criança criativa, uh? – Chaeyoung brincou deixando seus olhos se


prenderem em Lisa por uns instantes, era a primeira vez que via Lisa sem
toda aquela segurança que carregava na pose de bad girl.

Lisa mostrou a língua ainda sem desviar os olhos da estrada, estava se


acostumando aos poucos com a ideia de voltar a andar de bicicleta e seu
cérebro estava relembrando os movimentos certos.

– Muitas vezes meus pais se esqueciam de que tinham uma filha que estava
crescendo. Daniela e Paul eram pequenos e nós não gostávamos muito da
babá. – contou Lisa aos poucos se soltando. – Minha mente precisava por si
própria descobrir o que era brincar.

Uma brisa gelada acariciou as meninas que ficaram em silencio apenas


apreciando o momento. O lugar era cercado por árvores e Chaeyoung era
extremamente apaixonada por aquele cheiro de natureza, pela terra, as
árvores. Ela crescera em um rancho com seus pais e seus avós maternos até
seu avô falecer em um derrame e sua avó decidir morar com o tio Christian.

New York tem sido sua casa desde então, quando aos treze anos seu pai
recebeu uma proposta de emprego como segurança em uma galeria pouco
famosa, não ganhava lá essas coisas, mas era o suficiente para sustentar a
família.
– Um sorvete de baunilha pelos seus pensamentos. – a voz de Lisa a tirou de
suas lembranças e quando se deu conta, haviam chegado ao que parecia ser a
casa de barcos logo abaixo do morro.

Chaeyoung sorriu para Lisa e desceu da bicicleta acompanhando os


movimentos de Lalisa.

– Eu só estava relembrando da minha infância. – confessou seguindo Jisoo


até uma enorme árvore com uma corda amarrada em um galho no meio do
barranco. – Esse lugar lembra muito minha antiga casa.

Lisa encostou a bicicleta no tronco da árvore junto às outras e abraçou


Chaeyoung de lado deixando sua mão confortavelmente na cintura da outra
que entrelaçou seus dedos carinhosamente.

– Espero que vocês ainda estejam vivas. – disse Momo tirando os sapatos,
acompanhada por Jennie e Jisoo. – Porque a diversão começa agora!

E rapidamente se virou correndo e gritando em direção a corda. Chaeyoung


soltou um grito e Lisa abriu a boca surpresa com o fato de nunca ter visto sua
amiga agir como loucas antes. Jisoo e Jennie, como sempre, apenas riam.
Momo se pendurou na corda, balançou de um lado para outro até finalmente
soltar-se e cair no lago respingando água em todas as meninas. Jisoo não
deixou tempo para ninguém respirar e logo seguiu o mesmo ato de Momo
para a alegria da mesma.

– Eu não acredito que estou fazendo isso. – comentou Lisa tirando o coturno
e apoiando-se em Chaeyoung que fazia o mesmo com o all star. Deixaram os
celulares e mochilas em um canto junto às bicicletas e se entreolharam.
– Meus pais jamais sonhariam com algo assim, mas aqui estou eu com três
malucas me jogando em um rio.

– Pense pelo lado positivo... – Chaeyoung pensou por um momento, mas


então se deu conta de que não havia um.

– Pensando bem, essa água deve estar muito gelada...

Jennie, Jisoo e Momo iniciaram um coro dentro do lago gritando o nome de


Chaeyoung, batendo palmas e respingando água. Chae tentava com afinco
empurrar Lisa para que a mesma fosse à frente, mas Lalisa era mais forte
naquele jogo de corpo.

– Você está com medo? Eu não acredito que Park Chaeyoung está com medo
de água! – brincava Lisa rindo.

Chaeyoung encarava o lago com hesitação; assustou quando sentiu as mãos


frias de Lisa em sua cintura e a voz rouca próxima ao seu ouvido.

– Confie em mim, eu estou bem atrás de você. – dito isso, Chaeyoung a olhou
por detrás dos ombros e ambas sentiram a confiança que existia entre as
duas, havia fogo e gelo se chocando numa intensidade devastadora.

– Pula! Pula! Pula! – Lisa se juntou ao coro batendo palma e depositando um


beijo na curva do pescoço de Chaeyoung que a olhou surpresa. – Bem atrás de
você. – sussurrou outra vez antes de se afastar três passos dando espaço.

Chaeyoung fechou os olhos com força e apertou as mãos em punhos antes de


começar a correr. Ela gritou inconscientemente quando agarrou a corda, ela
mal conseguiu se balançar mais de duas vezes quando a explosão na água
aconteceu e foi recepcionada por muitos jatos de água no rosto projetados
pelas três meninas.

Lisa correu em seguida pulando perfeitamente contra a corda, se balançando


uma, duas, três antes de finalmente cair.

– Vadias! – Momo gritou afundando a cabeça de Jennie na água.

– Eu espero que não ocorra um homicídio no meu chalé. – disse Jisoo tirando
a atenção de Momo, onde foi surpreendida por Jennie que a agarrou pelas
costas e a fez afundar como vingança.

Jisoo começou a rir do desespero de Momo batendo as mãos na água


tentando se livrar de Jennie.

– Filha da puta! – xingou, e as duas iniciaram uma guerra onde Jisoo fazia de
tudo para separar as duas ou então acabariam mesmo se afogando.

Chaeyoung e Lisa estavam inertes à guerra que se estendia bem a lado e


brincavam de mergulhar e dar as mãos como se não houvesse mais pessoas
naquele lugar. A única coisa que conseguiam pensar no momento era o quão
maravilhoso era poder estar perto uma da outra de maneira que pudessem ter
novamente nove anos de idade sem preocupações, sem o mundo exigindo
coisas lá fora.

Ali, naquele lago, longe do mundo, eram apenas Chaeyoung e Lisa em baixo
da água procurando o próprio reflexo uma na outra, o que incrivelmente não
era difícil de encontrar. Algo novo e forte dentro delas crescia, como uma
nova força, uma nova vida. Uma sensação gostosa, aconchegante que ambas
acolhiam com carinho.
– Eu juro por Deus que da próxima vez vou deixar Chaeyoung e Lisa em casa.
– resmungou Jennie abraçada a Jisoo.

Chaeyoung e Lisa se entreolharam trocando sorrisos maliciosos.

–Vocês são muito chatas, cara. Se trancaram no próprio mundinho enquanto


essa psicopata tentava me matar!

Cismou Jennie quando viu o olhar das duas, mas não teve tempo de se
defender quando foi atacada por mais jatos de água onde até mesmo Momo
ajudou. Jisoo era a única que gritava ao mesmo tempo em que ria defendendo
a namorada que proferia palavrões contra suas agressoras.

Depois de algum tempo brincando na água, Jisoo pediu que as garotas a


seguissem até a casa de barco onde ensinou cada uma a sentar-se de maneira
correta em um deles para que não o virassem no meio do lago em uma das
brincadeiras rebeldes que costumavam ter.

Lisa a ajudou a remar até o meio do lago por ter mais força nos braços, ela
fizera parte do time feminino de Softball no colegial.

Jennie, Lisa e Momo eram as mais encantadas com a vista, as três garotas
tinha crescido na sociedade, sempre convivendo com homens engravatados,
mulheres em social e toda a tecnologia da cidade. Quando pequenas, seus pais
nem mesmo as deixavam brincar no parque próximo a rua em que moravam
para que não sujassem a roupa, que dirá comparar uma casa no campo. E
agora lá estavam elas, cercadas por árvores no meio de um enorme lago
habitado por muitos peixes.
– Eles só vieram se alimentar. – explicou Jisoo baixinho quando parou de
remar. O grupo olhou atentamente o cardume passar por baixo do barco, dar
a meia volta e refazer o caminho. – Lisa, está vendo esse pequeno saco ao lado
da sua perna?

Lisa pegou o saco e entendeu que era o alimento dos peixes, então deixou o
remo de lado e encheu a mão de ração para jogar em seguida provocando uma
reação desesperadora na água. As garotas começaram a rir e Lisa jogou mais
uma vez, depois outra até eles estarem mais calmos. Chaeyoung observava
tudo como uma criança observa uma vitrine com a boneca mais linda do
mundo e Lalisa não pode deixar de achar aquilo fofo.

– Você quer alimentá-los? – perguntou estendendo a mão cheia de ração para


Chaeyounh que sorriu surpresa e aceitou.

Jennie, Momo e Jisoo apenas observavam a cena entendendo tudo o que


estava acontecendo. Apesar das brincadeiras, elas eram maduras o suficiente
para terem noção de que havia um sentimento novo entre Lisa e Chaeyoung,
algo que talvez nem mesmo elas entendam ainda.

Algum tempo depois, os peixes começaram a ir embora e Momo, com sua


normalidade, começou a gritar dando tchau com a mão, mas não se contendo
em acenar, decidiu ficar em pé no barco fazendo-o balançar.

– Meu Deus! – exclamou Chaeyoung também ficando em pé na tentativa


frustrada de manter o equilíbrio. Suas mãos automaticamente agarraram a
blusa molhada de Lisa obrigando-a também a ficar em pé. – Me segure, Lisa!
Nós vamos cair, socorro!
Pedia dramaticamente agarrando-se completamente o corpo de Lisa que
automaticamente enlaçou a sua cintura com os braços.

– Eu estou tentando, Chaeyoung. Apenas pare quieta! – respondeu alterando


a voz quando Jennie quase foi lançada para fora do barco.

– Parem as duas de se mexer! – pediu Jisoo mantendo o corpo parado para


estabilizar o equilíbrio, mas era impossível com Chaeyoung praticamente
pulando no barco.

– Chaeyoung! Pare de ser teimosa, é só água e você estava nela até agora! –
bronqueou Lisa segurando os braços de Chaeyoung firmemente fazendo-a a
olhar nos olhos. – Você parece uma criança mimada!

A boca de Chaeyoung abriu chocada com o que Lisa tinha dito e Momo levou
a mão à boca sabendo que agora a merda estava feita.

– Mimada? Uma criança mimada, Manoban? Me solte! – começou a estapear


Lisa fazendo o barco balançar mais uma vez.

Quando Lisa notou que já estavam perto da margem, teve uma ideia que
arriscaria sua vida mais tarde, mas que agora valia a pena apenas por
conseguir irritar Chaeyoung. Então um sorriso sapeca nasceu em seus lábios
fazendo Chaeyoung franzir o cenho.

– Vem aqui! – de forma ágil, girou o corpo de Chaeyoung deixando-a de


costas para si e agarrou sua cintura projetando o corpo para fora do barco.

Chaeyoung gritou procurando por apoio, mas já era tarde e ela estava outra
vez dentro da água. Precisou ser muito ágil para não se afogar, o que não a
impediu de engolir um bom tanto de água e engasgar. Sentiu quando braços
agarraram suas pernas, e seu corpo foi lançado para o ombro de Lisa
deixando-a pendurada.

– Eu vou matar você, Manoban! – berrou estapeando as costas de Lisa


enquanto ambas saiam da água e as outras apenas se matavam de rir no
barco.

– Odeio admitir isso, mas elas nasceram uma para a outra. – comentou
Momo ajudando Jisoo a empurrar o barco para a margem.

– Eu juntei o casal, então agradeçam a mim. – Jennie se gabou recebendo um


olhar fuzilante da namorada. – Ok, nada de me meter entre elas.

Uma Lisa sorridente levou Chaeyoung ainda nas costas até a árvore onde
estavam suas coisas, Chaeyoung foi posta no chão ainda xingando e se
debatendo como uma louca pronta para ser levada ao hospício.

– Pode-se considerar morta, Lalisa Manoban! – rosnou virando-se para outra


e apontando o dedo ameaçadoramente.

Lisa ergueu a sobrancelha esquerda de forma irônica.

– Ah, é? E você vai fazer o que? – cruzou os braços em sinal de cinismo. – Vai
me jogar na água? Vai me bater com o piano?

– Você é ridícula!

– Obrigada!
– Eu te odeio!

– É reciproco!

– Cale a boca!

– Vem fazer!

Com essa última, Lisa deu o sorriso mais cafajeste que Chaeyoung vira na vida
e arqueou ainda mais a sobrancelha. Não se contendo, Chaeyoung pegou a
mochila no chão e a jogou em Lisa que, pelo seu bom reflexo, conseguiu
desviar.

– Você não deveria ter feito isso! – grunhiu Lisa avançando contra Chaeyoung
que arregalou os olhos e começou a se afastar.

– Não, Lisa! Eu sei o que você vai fazer, apenas não... – pediu mudando
totalmente o humor e deixando suas mãos como escudo para uma Lisa que
avançava contra ela. – Por favor, eu lhe perdoo, ok? Já esqueci. Olha, já
passou!

Porém, ela estava falando com Lalisa Manoban e essa nunca se rendia. Lisa
abriu as mãos em forma de garra indicando que faria cócegas na menina, o
que fez Chaeyoung sair correndo em disparada por entre as árvores
chamando desesperadamente por Jennie que ainda estava na casa de barco
com as outras.

– Não adianta correr, Chaeyoung! – gritou Lisa divertindo-se com a maneira


como a garota corria assustada, ela realmente não gostava de cócegas.
A brincadeira mal começou e Chaeyoung já tinha tropeçado em uma pedra
caindo de joelho entre as folhas. Lisa sentiu seu coração sair pela boca quando
correu mais ainda até chegar a Chaeyoung que gemia de dor enquanto se
sentava massageando o tornozelo, o corpo ainda coberto de folhas secas.

– Merda. – resmungou vendo o tornozelo inchar. – Isso dói para caramba.

A culpa invadiu Lisa no mesmo instante, ela quis se bater por ter feito
Chaeyoung se machucar.

– Me desculpe, Chaeng. – pediu segurando o tornozelo da garota devagar sem


saber o que fazer. – Foi minha culpa, eu não queria que você-

Chaeyoung segurou a mão de Lisa chamando sua atenção e sorriu


despreocupada.

– Isso acontecia o tempo todo, é só uma torção. – tranquilizou analisando o


próprio pé. – Mas acho que alguém vai precisar me levar de volta.

As outras três começaram a chamá-las ao longe avisando que voltariam para o


chalé. As duas garotas trocaram olhares aflitos e tudo o que Lisa pode fazer no
momento foi pegar Chaeyoung no colo e a carregar de volta até as bicicletas.

– O que você fez com ela? – perguntou Jennie incisiva quando viu Lisa se
aproximar com uma Chaeyoung encolhida em seu colo como um gatinho.

– Não é nada Jennie, estávamos brincando e eu caí. – insistiu Chaeyoung


aceitando a ajuda de Jennie para firmar o pé no chão quando Lisa a desceu.
Lisa ainda recebeu um olhar ameaçador de Jennie quando começou a calçar
os sapatos, e Jennie poderia ser bem assustadora quando decidia ser
protetora com alguém que ela ama.

Jisoo e a namorada ajudaram Chaeyoung com a mochila deixando-a livre de


qualquer empecilho.

– Aqui. – Lisa aproximou-se de Chaeyoung tirando uma blusa de moletom de


Columbia da bolsa e a colocando em Chaeyoung que sorriu em
agradecimento. Lisa estava sem graça, provavelmente por ainda se culpar
sobre o acontecido com Chaeyoung. – Fica melhor em você.

– Obrigada, Lali. – agradeceu beijando a bochecha de Lisa. – Vai me deixar ir


com você?

Lisa arregalou os olhos perante a pergunta de Chaeyoung. Ela mal se


sustentava em cima daquela bicicleta com medo de cair, e Chaeyoung estava
disposta a se juntar a ela?

– Chae tem mesmo uma mente suicida. – Jennie comentou com Momo como
se contasse uma novidade.

Momo apenas riu subindo na bicicleta enquanto Jisoo guardava a bicicleta de


Chaeyoung na casa de barcos.

– E ai, como vai ser? – perguntou Momo que estava disposta a levar
Chaeyoung, mas a outra olhou esperançosa para Lisa.

Ela só podia estar brincando.


– Suba. – mandou contrariada.

Chaeyoung bateu palmas contente com sua vitória e com a ajuda de Jennie
sentou de lado no cano da bicicleta ficando entre as pernas de Lisa.

– Eu não me responsabilizo por nenhum osso quebrado. - Jisoo deu de


ombros e começou a guiá-las de volta ao chalé com Jennie e Momo ao seu
lado.

Não foi tão difícil quanto Lisa imaginou, Chaeyoung era leve e estava
facilitando as coisas mantendo o equilíbrio, ao contrário do que tinha feito no
barco.

– Vai mais devagar, Lisa. – pediu quando ambas pegaram mais velocidade na
estrada de terra plana, mas Lisa sempre foi muito competitiva e Momo não
estava facilitando as coisas com as provocações. – Outra vez não! Nós vamos
morrer.

As cinco garotas começaram a rir enquanto apostavam uma pequena corrida,


todas pegando leve com Lisa, e Chaeyoung era a que mais gritava e erguia as
mãos sentindo o vento gelado arrepiar todo seu corpo ainda úmido que
também estava em contato com as roupas molhadas de Lisa.

– O que acha de subir até as nuvens, Chaeng? – ouviu Lisa perguntar com a
voz abafada pelo vento.

– Você vai estar lá?

– Bem atrás de você.


E então Lisa pedalou mais rápido conseguindo passar Momo e Jennie,
Chaeyoung ainda mostrou a língua para Jennie quando viu a expressão de
choque no rosto da outra.

Elas estavam voando, não estavam? Se pudessem fechar os olhos poderiam


ver as nuvens e até mesmo sentir o gosto de algodão doce. Pelo menos
Chaeyoung gostava de pensar que esse era o sabor de uma nuvem.

Chegaram ao chalé pouco antes do anoitecer com todas vivas. Trocaram de


roupa para algo mais quente, estava anoitecendo e o tempo esfriando
rapidamente. Chaeyoung tomou um banho quente e vestiu outra vez o
moletom de Lisa, agora com sua própria calça de moletom cinza. Jennie
ajudou Chae com o gelo no tornozelo enquanto Momo tomava banho, e Lisa
preparava o jantar com Jisoo.

Já era noite quando Momo caiu no sofá enrolando-se na própria blusa


aproveitando o silêncio para tirar um cochilo. Jisoo e Jennie levaram
edredom e dois travesseiros ao jardim para observar o céu escuro enquanto
Lisa estava deitada em cima do capô do carro com os braços apoiando a nuca,
ela usava uma touca preta com a jaqueta de couro e a calça jeans. Chaeyoung
estava um pouco mais distante; encostada em uma árvore de volta a sua
leitura, usava seu celular como fonte de luz para o livro, estava exausta do dia
e seu tornozelo ainda latejava um pouco.

O livro estava interessante, mas seu corpo sentia falta do calor e proteção de
Lisa, então seus olhos correram até o Dodge onde a de cabelos castanhos
observava a lua se posicionar entre as estrelas que aos poucos surgiam no céu.

Chaeyoung abaixou o livro inconscientemente, sentiu uma imensa vontade de


chorar apreciando o perfil de sua mais nova obsessão, não de uma forma
ruim, Lisa era apenas o remédio para o vazio que sentia quando nem mesmo a
música podia preenchê-la.

E agora aquela música romântica que reproduzia em seus fones não estava
ajudando em nada as imagens mentais que seu cérebro insistia em criar.

Ela estava vivendo todo o clichê que sonhava com as músicas de Billie e isso a
assustava intensamente, pois a felicidade costuma vir com uma surpresa nada
agradável no final. Sabia disso, conhecia muito bem essa história de sentir-se
inteiramente completa, sentir que poderia explodir de felicidade. Estas
alegrias violentas têm fins violentos, não é assim que dizia Shakespeare?

Estava em uma estrada sem volta, sabia que Lisa a tinha desarmado no
momento em que sorriu. Como poderia? Aqueles olhos castanhos refletirem a
própria alma doce de Lisa, como se estivesse exposta a quem quisesse
interpretá-la, pedindo por atenção. E Chaeyoung queria; Deus, como ela
queria entender todos os segredos de Lisa, conhecer sua história. Criar uma
nova história.

Isso era amor, não era?

(Yellow - Codplay)

Como se pudesse ouvir seus pensamentos, Lisa desviou os olhos da lua


repousando os olhos nela, sorrindo em seguida e quebrando Chaeyoung mais
uma vez. Em momentos assim, Lisa fazia parecer facilmente como se olhá-la
fosse mais importante que apreciar o brilho da lua.
E Chaeyoung acreditava, ela acreditava naqueles míseros segundos em que
seus olhos mantinham contato que era realmente importante e a mais bela
dentre todas as garotas diante Lisa.

Lalisa desceu do carro num pulo ágil e caminhou até Chaeyoung sem quebrar
o contato visual. Elas estavam conversando, dizendo no silêncio dos olhares
que preferiam estar na companhia uma da outra. Com um sorriso tímido, Lisa
acomodou-se ao lado de Chaeyoung e a puxou para os seus braços fazendo
com que a menor deitasse de costas em seu peito. Era tão fácil para elas agir
dessa forma, como se fosse o certo sem nem mesmo terem uma definição.

Chaeyoung brincou com os dedos da mão direita de Lisa antes de voltar sua
atenção ao livro. Na primeira página havia algumas anotações a lápis que
chamaram a atenção de Lisa.

– O que é isso? – indagou.

– Costumo anotar alguns pensamentos. – explicou Chaeyoung. – Este é o de


Robert Frost, um dos mais lindos que já li.

Lisa segurou um lado do livro com a mão esquerda e Chaeyoung iluminou


com o celular para que ela pudesse ler.

– Alguns dizem que o mundo acabará em fogo, outros dizem em gelo. Fico
com quem prefere o fogo. Mas, se tivesse de perecer duas vezes, acho que
conheço o bastante do ódio para saber que a ruína pelo gelo também seria
ótima. E bastaria.

Ouvir aquelas palavras proferidas da boca de Lisa causou arrepios profundos


em Chaeyoung. No fundo ela sabia que Lisa era composta por gelo enquanto
ela queimava como fogo. Sabia que Lisa era sua ruína e de certa forma isso
parecia exatamente o certo.

Elas eram fogo e gelo, de mundos opostos, colidindo como água na brasa; isso
poderia causar uma erupção do outro lado do mundo se as pessoas parassem
para prestar atenção.

– Chaeyoung? – Lisa chamou depois de um tempo apreciando o silêncio


confortável que proporcionavam uma a outra.

– Sim? – sussurrou Chae deixando o livro de lado e aconchegando-se mais ao


peito de Lisa que não hesitou em abraçá-la.

– Acha que vida pode ser sempre assim?

Chaeyoung sorriu para si mesma, Lisa parecia mais uma criança preocupada
em não ganhar seu presente de natal. E talvez ela estivesse certa, os temores
de Chaeyoung eram maiores que o sentimento que emergia em seu coração.

– Quem sabe? Talvez sim, talvez não...o melhor é aproveitar cada segundo,
não acha?

– É...talvez.

Aos poucos, Chaeyoung foi rendida pelo sono nos braços de Lisa que sorriu
deixando um beijo carinhoso no topo da cabeça da outra, assim, zelando por
seu sono até que fosse hora de ir embora.

Um fato incontestável: O amor se constrói com paciência, carinho e


cuidados.
_______

02 de Novembro de 2016. Primeiro ano da faculdade.

As semanas se passaram rapidamente e com elas o mês de novembro que,


para Chaeyoung, se tornava mágico pelo simples fato de ser natal.

Sim, ela era clichê ao ponto de ser apaixonada por luzes natalinas, bonecos de
neve, árvores de natal e a família reunida em volta da mesa para a ceia. É
assim que foi criada, em uma família grande onde todo ano era comemorado
o natal de forma simples, mas em união.

Chaeyoung amava estar em volta das pessoas, amava a forma protetora de


seus pais e sabia que devia tudo o que tinha a eles que sempre acreditaram em
seus sonhos, especialmente Mark que a incentivou a se inscrever em Juilliard
desde que, aos dezesseis anos, anunciara na mesa de jantar que seria
musicista.

O dia era 02 de Novembro de 2016 e o Giants havia perdido o jogo da última


temporada do ano para o Chicago Bears.

Lalisa estava uma fera assim como a maioria dos estudantes que tinham
marcado de assistir ao jogo no Blue Note, um bar de Jazz muito frequentado
pelos alunos de Juilliard localizado entre a 6th Avenue e o MacDougal Street.
Agora a maioria deles apenas resmungava pagando as apostas perdidas
enquanto uma jovem DJ subia ao pequeno palco e iniciava a atração daquela
noite.
– Nunca subestime os ursos, baby! – dizia Jennie eufórica enquanto virava
seu quarto copo de uísque. – Passe a grana, amorzinho.

Lisa passou de má vontade sessenta dólares e logo se virou em direção ao


palco ignorando qualquer comemoração que viesse de Jennie e Jisoo naquela
mesa.

Momo e Chaeyoung estavam alheias ao jogo conversando sobre o lançamento


do novo álbum de uma girl group.

A DJ havia iniciado a playlist com Dark Horse da cantora Katy Perry fazendo
alguns estudantes gritarem animados e a ovacionarem, a maioria já bêbada
demais para manter-se sentado.

Apesar de o local ser um bar de Jazz, o dono sempre cedia noites especiais aos
estudantes liberando pequenas baladas como a da aquela noite, para a alegria
de todos em Juilliard que adoravam aquele lugar.

– Não vai deixar que isso estrague sua noite, não é? – ouviu Chaeyoung
comentar cutucando sua perna por baixo da mesa. – Jennie está apenas
sendo Jennie, o jogo não foi grande coisa de qualquer forma.

– Você ouviu música o tempo todo. – retrucou a Lisa olhando para o lado. –
Eu vou ficar bem, daqui a pouco a raiva passa.

As duas tinham se tornado uma dupla inseparável desde o passeio no chalé de


Jisoo. Lisa não a via apenas nos dias de estágio, mas também quando estava
livre de estudos na faculdade, era quando a buscava em Juilliard e passava o
resto da tarde na casa da família Park sentindo-se incluída como filha.
Chaeyoung trancou-se na própria negação nesse meio tempo, por fora agia
como sempre agiu com Lisa, mas nos momentos mais íntimos conseguia uma
forma de escapar e enrolar a Lisa quando o assunto sobre sentimentos vinha à
tona.

Ela sabia que era ridículo agir de tal forma, Jennie fazia questão de jogar esse
fato no ar a cada cinco minutos e talvez até Lisa estivesse cansada de suas
infantilidades, mas o medo era maior quando se tratava de estar amando
alguém.

Não era uma brincadeira, para Chaeyoung, o amor era algo muito além de
apenas segurar a mão e trocar beijos carinhosos; o amor era o conhecimento
da alma da pessoa, entregar-se totalmente a alguém sem medo do amanhã,
era jogar-se de uma montanha sem se importar com o que encontraria lá
embaixo.

E seu maior medo era que Lisa não a estivesse esperando no final daquela
queda livre.

Jennie acenou em direção à porta onde um grupo de estudantes entrava no


bar tirando as capas de chuva devido ao mal tempo.

Chaeyoung virou-se e, para sua decepção, Irene fazia parte de um dos grupos.
Não que a Chaeyoung não gostasse de Irene, elas eram boas colegas em
Juilliard e a ruiva sempre se provara uma boa pessoa, mas sua paixonite por
Lisa incomodava Chaeyoung que fazia de tudo para não transparecer.

– Ora, vejam só se não são os perdedores da casa. – brincou Irene


aproximando-se da mesa e descansando a mão no ombro de Lisa que a
principio assustou-se com o toque. Chaeyoung cerrou os olhos. – Acho que
agora devem respeito aos ursos.

Jennie apontou alegre para Irene indicando que a ruiva estava certa e zombou
da cara de Lisa enquanto Jisoo segurava o riso.

– Pegamos vocês na próxima. – rebateu a Lisa enchendo o copo de Jennie


com uísque.

– Espero que sim. – Irene ergueu as sobrancelhas em duplo sentido, o que fez
Chaeyoung engolir em seco e Momo sentir que era hora de salvar a pátria.

– Boa noite, Irene. – pigarreou acenando para a ruiva que abriu um sorriso
quando a viu.

Lisa continuou bebericando sua bebida sem se dar conta do assassinato


mental que acontecia ao seu lado por parte de Chaeyoung.

– Momo, Chaeyoung! Eu não as vi sentadas ai, me desculpem. Eu estava


distraída.

– Aposto que estava. – comentou Chaeyoung bebericando seu refrigerante e


recebendo o olhar de todos na mesa. Corou forte quando se deu conta que
tinha sido direta demais. – A música...tira a concentração de todos...

Irene olhava Chaeyoung com confusão estampada no rosto enquanto Momo,


Jisoo e Jennie seguravam-se para não rir. Lisa era a única alheia a tudo o que
acontecia ao seu redor e isso enfurecia mais ainda Chaeyoung.
– De qualquer forma - continuou a ruiva depois de balançar a cabeça ainda
confusa e voltar-se para Lisa. – é a sua primeira vez no Blue Note, não é? Eu
tenho certeza que ainda não experimentou o shot bazooka Joe, a maior
especialidade da casa.

O clima na mesa ficou pesado a partir do momento em que todas se deram


conta de que Irene estava dando em cima de Lisa descaradamente e a Lisa
não percebia, mesmo com Chaeyoung rasgando o guardanapo ao seu lado
com violência e pigarreando alto a cada cinco segundos.

– Não. Isso é ilegal? – perguntou a Lisa com o cenho franzido.

Irene sorriu puxando-a pelo braço para que ficasse em pé.

– Mesmo se fosse, digamos que eu tenho alguns contatos aqui dentro. –


piscou ajustando a jaqueta jeans de Lisa e virando-se para as outras garotas. –
Eu a devolverei em breve.

Lisa apenas deu de ombros para as garotas na mesa, em sua cabeça a ruiva
estava apenas sendo simpática. Ou pelo menos queria acreditar nisso já que
era boa demais para recusar qualquer coisa. Mas, ao contrário do que
imaginava, Chaeyoung observou a cena com sangue nos olhos e um aperto no
coração que fez seus olhos marejarem, mas segurou-se para não chorar ou se
arrependeria pelo resto de sua noite.

– Você é muito mole, amiga. – acusou Jennie recostando-se no ombro de


Jisoo. – Deixou Lisa ir com Irene sabendo as reais intenções dela.
Momo mudou de lugar sentando onde antes estava Lisa. Ela abaixou o tom de
voz para que apenas elas ouvissem, como se outras pessoas pudessem escutar
algo com aquela música alta.

– Lisa é uma frouxa que se deixa levar pela bondade dos outros. – disse com o
maior bafo de álcool que fez Chaeyoung se retrair. – Você precisa criar
coragem e ir lá pegar a Manoban, porque sério, eu não ouvi um mês inteiro
ela falando sobre um laço vermelho que você nem usa direito para tudo
acabar assim. Se ela quer uma experiência lésbica, que seja com você, não
concordam?

Olhou para Jennie e Jisoo que não responderam, apenas analisaram a reação
de Chaeyoung ao afastar-se do abraço de Momo com o olhar confuso.

– Experiência lésbica? – perguntou pedindo a Deus que não fosse o que


estava pensando. Momo olhou de Chaeyoung para Jennie, e de Jennie para
Chaeyoung novamente como se tivesse entregado o ouro.

– Você não acha que Lisa é lésbica, não é? – perguntou divertida, mas quando
viu a expressão séria de Chaeyoung, logo tratou de ficar séria também. Ou
tentar. – O que? Gente, ela sempre ficou com garotos, no mínimo pode ter se
tornado bissexual, mas os pais dela a controlam tanto que provavelmente vai
acabar se casando com um o filho de algum advogado famoso.

Aquele foi o estopim para o coração de Chaeyoung avisar que estava sendo
pisoteado. A Chaeyoung levantou-se da mesa pedindo licença e saiu às
pressas esbarrando nas pessoas que dançavam na pista. Jennie pulou por
cima da mesa e agarrou a gola do moletom de Momo trazendo-a mais perto
com uma expressão letal.
– Você não tem noção do que fala não, sua babaca? – grunhiu empurrando
Momo com força de volta ao banco. Momo ficou paralisada com a reação da
outra. – Vem, Jisoo.

Jennie agarrou a mão da namorada e a arrastou pelo caminho que Chaeyoung


tinha feito que só depois de rodarem a pista de dança toda descobriram ser o
do banheiro.

Jisoo ainda reclamou com Jennie dizendo que sua política sobre não se meter
em relacionamentos ainda estava de pé, mas aquela altura do campeonato era
de se esperar uma intervenção antes que aquela relação bonita entre
Chaeyoung e Lisa fosse pelos ares.

As duas garotas entraram no banheiro de mãos dadas, ignorando os olhares


que receberam de outras mulheres que não eram estudantes, isso era
constante e Jisoo e Jennie já não se importavam mais, tinham escolhido ficar
uma com a outra a separar-se por pensamentos hipócritas dos outros.

Chaeyoung estava curvada em uma das pias encarando o próprio reflexo, o


rosto molhado de água, a torneira da pia ligada e sua mão direita
massageando o pescoço. Para o alívio de Jennie, ela não estava chorando e
seus olhos não estavam vermelhos como esperava, apenas perdidos no
próprio reflexo.

– Chae...Momo está bêbada e não sabe o que fala. Você a conhece, ela não tem
noção das coisas.

Chaeyoung olhou com uma expressão divertida para Jennie tentando ao


máximo esconder que, estava sim, machucada por dentro, mas ninguém
precisava saber disso.
– Eu só precisei vir ao banheiro, Jennie. – sorriu forçado, algo que até mesmo
Jisoo notou. – Vamos voltar ao bar, ok?

Jennie sabia que a Chaeyoung estava procurando maneiras de fugir do


assunto até de si mesma e isso a irritava, ela odiava que Chaeyoung
escondesse os próprios sentimentos, que se escondesse deles quando era algo
tão claro quanto o dia.

– Hm, ok. Tem certeza de que não quer conversar? – murmurou quando uma
garota completamente bêbada entrou no banheiro. – Você disse que Lisa vai
dormir na sua casa hoje, não seria legal ter um clima estranho entre vocês.

Chaeyoung franziu o cenho pegando o papel toalha e enxugando a mão.

– E porque existiria algum clima estranho? Somos apenas duas amigas


fazendo uma pequena festa do pijama, Jennie. – riu. – Não se preocupe
comigo, eu estou bem.

Garantiu abraçando a amiga divertida. Jisoo revirou os olhos para cena e


anotou mentalmente de acreditar mais na namorada quando dizia que
Chaeyoung poderia ser uma porta quando queria.

As três garotas saíram do banheiro e se concentraram na pista de dança onde


vários estudantes e clientes dançavam ao som da música eletrônica.

Chaeyoung rolou os olhos pelo local à procura de Lisa enquanto Jennie


conversava com um colega de classe na porta do banheiro, mas não havia nem
sinal da Lisa e de Irene em seu campo de visão.
– Nós vamos dançar um pouco. Você vem? – disse Jennie alto o suficiente
para que Chaeyoung a ouvisse.

Chaeyoung negou com a cabeça oferecendo um sorrio amarelo à outra e


observou as amigas se afastarem até a pista de dança. Mesmo que
mostrassem preocupação com Chaeyoung, elas sabiam que seria perda de
tempo insistir em um assunto que a Chaeyoung insistia em manter longe de
sua razão.

Chae aceitou uma garrafinha de água do garçom e caminhou


despreocupadamente pelo bar procurando por um lugar onde o som não
estourasse seus tímpanos. Ela encontrou uma escada que ligava ao segundo
andar onde o ambiente era mais calmo, com mesas e cadeiras de madeira e
lustres de cristal; um lugar mais íntimo para os casais que preferiam a
privacidade.

Chaeyoung subiu agradecendo aos sete ventos pelo som da música ser mais
abafado na parte superior e por estar vazio, a não ser, talvez, por um jovem
casal mais ao fundo, estavam tão colados um ao outro que poderiam se fundir
a qualquer momento.

Logo a frente havia uma sacada que dava vista para o bar todo e foi lá que
Chaeyoung se debruçou, observando as pessoas dançarem divertidas e
bêbadas, pelo menos as caixas de som estavam longe e não queimariam mais
o seu cérebro. Espere, isso seria possível? Nah, no máximo afetaria sua
audição mesmo que ainda se perguntasse como as pessoas lá em baixo não
tinham notado o quão alto e estridente aquele som estava. Talvez fosse apenas
a realidade delas, assim como a sua era apenas uma melodia suave de cordas.
As pessoas são mesmo diferentes, gostos tão distintos que as tornam ainda
mais intrigantes.
– Achei você! – surpreendeu-se ao ouvir a voz arrastada e rouca de Lisa. A
Lisa vinha caminhando com uma margarida em mãos e um sorriso cintilante.
– Não deveria estar dançando?

Chaeyoung esperou até que a Lisa estivesse próxima o suficiente para


certificar-se de que não estava sóbria, e o fedor de álcool comprovou isso.

– Você está bêbada. – afirmou ironicamente vendo a jaqueta desabotoada e os


longos cabelos desengonçados. – Irene deu um trato em você, pelo visto.

Houve uma troca de música onde Lisa desviou os olhos para a pista de dança
lá em baixo e depois se voltou para Chaeyoung novamente, ela precisava fazer
uma coisa de cada vez, então deu mais um passo a frente.

– Sabe que eu estive me perguntando se você estava com dor pela sua careta
quando Irene chegou. Mas foi só então quando ela me arrastou para o bar, me
embebedou e tentou me beijar que eu me dei conta de que na verdade você
estava era com ciúmes. – e com um sorriso cínico, tirou uma pétala da
margarida. – Ela me quer.

Chaeyoung revirou os olhos não acreditando no que estava ouvindo; somente


uma criança de três anos não teria percebido Irene quase abrindo as asas em
cima de Lisa.

– É muita presunção sua achar que eu estava com ciúmes. – cruzou os braços
erguendo todas as suas barreiras. – E você anda assistindo muito Glee.

Lisa riu. Ela definitivamente amava esse seriado e sempre quis fazer a cena da
margarida.
– Não? Nem mesmo quando Momo falou sobre minha possível
bissexualidade e você correu ao banheiro? Ela me contou. – Chaeyoung abriu
a boca surpresa e Lisa sorriu mais ainda, tirando outra pétala. – Ela não me
quer.

Chaeyoung desviou os olhos para o lustre que parecia muito interessante


naquele momento.

– Eu não sei sobre o que está falando, Lisa. – retrucou batendo o pé esquerdo
firmemente no chão. Sentia-se encurralada. – Você bebeu demais e agora não
está assimilando bem as coisas.

O casal que estava aos amassos ao fundo passou por elas cambaleando, ambos
escorados um no outro e rindo de qualquer coisa que um deles tenha dito.
Lisa esperou até que eles longe o suficiente para continuar:

– Eu não sei mesmo, Chaeyoung? – sua expressão ficou mais séria, os olhos
estavam escuros. Chaeyoung pode jurar que sentiu seu coração petrificar com
aquele olhar. – Eu posso não ser a expert em relacionamentos ou ter ficado
com garotas antes...mas basta reparar a maneira como age perto de mim,
como me olha...até um tolo perceberia que assim como eu, você quer me
beijar. – tirou outra pétala. – Ela me quer.

O coração de Chaeyoung errou a batida com tantas verdades sendo lançadas


contra ela. Agora suas pernas pareciam gelatina e seu coração uma batedeira
elétrica de última geração. Ela não sabia por quanto tempo poderia aguentar
Lisa tão próxima a si dizendo coisas tão significativas como aquelas.
– Lisa... – tentou, mas sua voz morreu porque não havia nada que pudesse
contestar a Lisa.

Tudo o que pode fazer foi abaixar a cabeça com vergonha. Então Lisa tirou a
garrafinha de água das mãos de Chaeyoung deixando-a em cima da grade de
proteção e entrelaçou seus dedos de forma carinhosa.

– Você tem procurado por alguém que dance Billie Holiday pela sala com você
de meia e pijama; alguém que assista filmes antigos ao seu lado sem reclamar,
porque esse é o seu gosto também. E eu estou aqui, ouvi o CD de Billie que me
emprestou, pesquisei mais sobre ela na internet e aluguei Moulin Rouge, um
ótimo filme, devo admitir, mas tirando o final que me deixou bem deprimida
por alguns dias. – riu para si mesma e balançou a cabeça. – Eu estou aqui,
Chaeyoung. Você não precisa ter medo de que eu encontre um cara por quem
eu vá me apaixonar porque ninguém lá fora me faz sentir o que você faz. Eu te
encontrei naquela sala por uma razão, e eu estou aqui para descobrir qual. –
mais uma pétala. – Ela não me quer.

Chaeyoung só queria sair correr para longe de todo aquele jogo de


sentimentos e chorar no escuro de seu quarto pelo resto da noite. Estava
cansada de lutar contra o que estava sentindo e mais cansada ainda de ter
medo, mas ela sabia que não suportaria ser machucada por Lisa, ela estava
tão entregue.

– Você não deixou Irene beijá-la? – perguntou erguendo os olhos para


encontrar os castanhos mais lindos que já vira na vida outra vez.

Lisa negou com a cabeça e deu mais um passo a frente.


– Como eu poderia? Eu estou apaixonada por você e nada pode mudar isso,
nem mesmo você. – agora as duas estavam próximas o suficiente para
sentirem as respirações alteradas uma da outra. – Sei que você também me
quer como eu te quero, então para quê adiar mais? – tirou mais uma pétala. –
Ela me quer.

Chaeyoung permaneceu em silêncio digerindo aquelas palavras, sentindo seu


corpo ser magneticamente puxado para Lisa como se pertencesse a ela desde
sempre.

– Você me quer? – a Lisa sussurrou com a voz rouca fazendo Chaeyoung


suspirar. – Porque se quiser, eu sou sua. – tirou uma pétala. – Ela não me
quer.

Lisa inclinou-se pronta para selar aquele momento com um beijo, mas foi
barrada pelas mãos de Chaeyoung em seu peito. A Chaeyoung tinha lágrimas
nos olhos ao mesmo tempo em que encostava a testa no queixo de Lisa
suspirando pesadamente.

– Eu preciso de um tempo. – pediu fazendo círculos com o dedo indicador na


pele de porcelana exposta pela fresta do colarinho. – Eu tenho medo de ter o
coração partido, Lisa. Por mais que eu queira acreditar em suas palavras, o
mundo não é um conto de fadas e nós sabemos disso.

No instante seguinte, as mãos de Lisa puxaram a cintura da Chaeyoung


colando seus corpos em um abraço apertado, confortante, apaixonado,
passando toda sua proteção para a Chaeyoung que não segurava mais as
lágrimas.
Por que Lisa precisava ser assim? Outra pessoa não teria suportado seu
drama e nunca mais ligaria outra vez, mas ali estava Lalisa Manoban
mostrando que estaria ao seu lado até mesmo nos maus momentos.

Quando se separaram, Lisa limpou as últimas lágrimas de seu rosto com o


polegar e deu um beijo carinhoso na testa da Chaeyoung acompanhado de um
sorriso meigo.

– Eu vou estar aqui. – garantiu com um sorriso doce e torto pela embriaguez.

O relógio marcava nove e quarenta quando Lisa decidiu que estava sóbria o
suficiente para dirigir naquela noite. Sendo assim, deixou Jisoo, Momo e
Jennie suas respectivas casas

– Momo dormiria na casa de Jennie aquela noite –, e logo seguiu com


Chaeyoung para a casa dos Park debaixo de uma forte tempestade.

Ambas conversaram sobre Daniela, a irmã de Lisa, que tinha confessado estar
com Bulimia na última visita da irmã. Marco Manoban não ficou nada feliz
em saber que sua filha estava vomitando a comida e, como sempre, tratou o
assunto com estupidez enquanto, Charlote, a mãe de Lisa forçou Daniela a ir
ao médico antes que piorasse. Lisa estava preocupada com a irmã, e agora
Chaeyoung também.

Lisa estacionou o carro na garagem ao lado da Picape de Mark e, antes que


Chaeyoung pudesse fechar o portão, agarrou-a por trás correndo com a garota
no colo até o gramado da casa recebendo toda a chuva.

Chaeyoung quis gritar quando sentiu o banho de água gelada, mas acordaria
seus pais e ambas levariam uma bela bronca.
– Lalisa! – exclamou praticamente pulando do colo da Lisa e a empurrando
enquanto a Lisa ria. – Você tem quantos anos? Cinco?

– Seis, ok? Tenho seis. – afirmou voltando a correr atrás de Chaeyoung que
não perdeu tempo em pular as escadas da varanda fugindo da chuva e da Lisa.

– Sh! Fique quieta. – pediu vendo uma Lisa toda ensopada chegar atrás de si
com um enorme sorriso malandro. – Meus pais vão me matar quando
encontrarem o rastro de água pela manhã. – sussurrou fechando a porta
quando entraram.

Subiram as escadas abafando o riso das piadas sem graça que Lisa tentava
fazer. O estado em que estavam era engraçado para as duas, elas pareciam
duas crianças ensopadas, mas isso já era de se esperar vindo de Chaeyoung e
Lisa.

Chaeyoung abriu a porta do quarto, mas foi empurrada por Lisa que correu
até o banheiro implorando um banho quente enquanto Chaeyoung fechava a
porta com cuidado e procurava seu pijama. A Lisa saiu devidamente trocada
em sua calça de moletom e uma camisa da faculdade dando um sorriso
enorme à Chaeyoung que ignorou passando por ela e entrando no banheiro.

– Obrigada pelo sorriso, Lisa. Ele é realmente lindo. – disse a Lisa a si mesma
tentando imitar voz de Chaeyoung.

– Eu ouvi isso! – arregalou os olhos com o grito de Chaeyoung.

Lisa deu de ombros quando ouviu o chuveiro sendo ligado e se jogou na cama
sentindo todo o cansaço daquela noite se manifestar em seu corpo. Passou os
olhos pelo quarto tomando cuidado em analisar cada objeto com cuidado e
sorriu quando viu algumas fotos de Jennie, Jisoo, Mark, Dian, Ella e
Chaeyoung penduradas por um fio de náilon que ligava uma parede à outra.

Notou também o violão de Chaeyoung esquecido no suporte da parede, então


ela sorriu para si mesma lembrando-se do quão clichê a Chaeyoung era.

♪♪♪♪♪♪

Chaeyoung terminou de vestir seu pijama do Mickey ainda dentro do


banheiro e pegou uma toalha para enxugar o cabelo molhado que, graça à
Lisa, precisou ser lavado àquela hora da noite. Depois de escovar os dentes,
pegou uma toalha extra no banheiro e abriu a porta procurando por Lisa para
ajudá-la a enxugar-se também, mas o que encontrou a fez paralisar na
entrada do banheiro.

– Vem aqui. – pediu a Lisa sentada na cama com seu violão em mãos.

Confusa, Chaeyoung obedeceu e sentou-se de frente para Lisa sentindo seu


coração retomar a orquestra em seu peito.

– Eu sei que prometi deixá-la pensar, mas quando vi o violão uma música me
veio à cabeça, uma música que pode dizer tudo o que eu não sei expressar em
palavras. Eu acho que no final de tudo é Billie Holiday quem pode me ajudar a
lhe dizer isso.

O som da chuva lá fora era o único audível agora. Chaeyoung tinha emudecido
completamente, tudo o que conseguia fazer era encarar Lisa sentindo todo o
corpo tremer, as mãos apertando a toalha com força desnecessária.
Estava chovendo lá fora. E Lisa estava em seu quarto. Era quase madrugada.
Tinha um violão. E Billie Holiday também.

– Apenas ouça. Ok? – a Lisa pediu com um sorriso singelo nos lábios, e então
sua concentração caiu no violão quando iniciou os primeiros acordes. –
Someday when I'm awfully low. When the world is cold, I will feel a glow. Just
thinking of you and the way you look tonight. Oh, but you're lovely with your
smile so warm and your cheeks so soft...There is nothing for me... – Lisa
sussurrou como uma oração, alto o suficiente para que apenas Chaeyoung a
ouvisse. – But to love you, just the way you look tonight. With each word,
your tenderness grows tearing my fear apart...

Naquela altura do campeonato Chaeyoung sentia-se vencida pelos olhos


intensos e verdadeiros de Lisa. Ela estava fraca e de certa forma desejava que
isso não estivesse acontecendo. Existiam esses fogos de artificio explodindo
dentro dela incapazes de serem contidos. Uma voz gritava em sua cabeça que
ela estava bem ali, a pessoa com quem passaria o resto de seus dias, bem à sua
frente, com um violão em mãos.

Lisa deixou o violão de lado na cama com cuidado e continuou cantando aos
sussurros enquanto sua mão esquerda deslizava suavemente pelo lindo rosto
de Chaeyoung.

– And that laugh that wrinkles your nose touches my foolish heart. Lovely,
never never change, keep that breathless charm, won't you please arrange it.
Cause I love you, just the way you look tonigh.

Terminou permitindo que sua fraqueza também fosse exposta. Chaeyoung


observou uma lágrima escorrer dos olhos de Lisa acompanhada por um
trovão lá fora, como se fosse um ato ensaiado. Tudo estava tão silencioso
agora, a chuva formava a trilha sonora perfeita para aquele momento íntimo.

– Isso foi lindo, Lisa. – Chaeyoung forçou-se a dizer com um pequeno sorriso.
Suas mãos tremiam, era verdade, assim como todo seu corpo, mas ela
precisava se controlar. Então se aproximou com a toalha em mãos pronta
para fugir outra vez. – Talvez o gesto mais lindo que já fizeram por mim.

A Lisa sorriu fechando os olhos quando sentiu a toalha em sua cabeça.

– Agora vamos enxugar essa cabeleira antes que você pegue um resfriado... –
mudou de assunto entregando a toalha para a Lisa a sua frente.

03 de Novembro de 2020. - Broadway, NY.

Há tanto tempo que não tocava seu antigo piano. Mantinha-se sempre
concentrada em sua carreira como pianista que não se permitia pensar em
coisas do passado, como aquele velho móvel que lhe trazia lembranças
demais.

O ensaio começara com as trombetas, e seus olhos focaram na garota que


tocava violão; ela usava uma camisa cinza do Johnny Cash e uma calça de
moletom, o que faz sua mente viajar sem permissão para a lembrança daquela
noite.

O primeiro beijo.

03 de Novembro de 2016 - Primeiro ano da faculdade.

(Play na música Tattle Tale - Glass Vase Cello) • Link no início do capítulo.
Lisa levou os olhos para uma Chaeyoung que observava concentrada seu
trabalho com a toalha. A Lisa ainda estava sentada de frente para a garota
quando terminou de secar os cabelos, abandonando a toalha na cama e
aproximando-se um pouco mais de sua mais nova adoração.

Chaeyoung previu o ato e deixou seus olhos perderem-se nos da outra que
agora tiravam tudo dela outra vez. Podem chamá-la de covarde, ela não liga,
pois prefere seu coração são e salvo enquanto está dedicando-se a carreira.

Mas existem coisas que não planejamos, não é mesmo? Chaeyoung sabia do
risco de estar perto demais de Lisa, e mesmo assim estava desafiando as leis
de Newton. Algumas coisas simplesmente precisam ser, e nem suas aulas de
yoga quando criança ajudou na concentração quando sentiu as mãos firmes
de Lisa repousarem em sua cintura.

03 de Novembro de 2020. - Broadway, NY.

Quatro anos. Há exatos quatro longos anos, Chaeyoung e Lisa trocavam seu
primeiro beijo de amor, e era quase uma necessidade estar trancada no
auditório ensaiando para sua grande apresentação.

Mas aquela garota com o violão... Violão lembrava Lisa e os dias em que a
Lisa tocava para ela.

Somente para ela.

03 de Novembro de 2016 - Primeiro ano da faculdade.


Foi automático os olhos negros sentirem as faíscas dos castanhos. Lisa era um
imã que fazia seu corpo reagir de várias formas possíveis, o magnetismo a
impregnava, havia sensações que Chaeyoung experimentava pela primeira
vez, algo como um despertar, as veias em seu pulso martelando, sua
respiração ficando quase nula quando suas mãos foram atraídas para o
pescoço alvo da Lisa.

Lalisa puxou seu corpo forçando Chaeyoung a se inclinar os centímetros que


precisavam para estarem com as testas coladas, respirações se chocando,
alteradas, olhos nos olhos.

– Lisa... – suspirou Chaeyoung, fechando os olhos quando os lábios de Lisa


estavam a centímetros dos seus, era impossível se manter em sã consciência a
partir daquele momento. – Eu quero você.

Não foi preciso pedir duas vezes. Chaeyoung sentiu seus lábios serem tocados
gentilmente pela maciez dos lábios de Lisa, só esse ato fazendo todo o seu
corpo perder a força e sua sanidade ser mandada ao inferno. Com
necessidade, Chaeyoung rapidamente pressionou seus lábios novamente
prendendo o inferior da Lisa, chupando-o, aproveitando aquela explosão em
seu coração.

Pela primeira vez, Chaeyoung não estava pensando racionalmente; seus atos
eram puramente instintivos, não controlando os suspiros pesados, invadindo
a boca de Lisa como se fosse um costume.

A Lisa soltou um gemido baixo quando suas línguas quentes se entrelaçaram,


e lá estava uma bomba atômica atingindo direto o peito de Chaeyoung.
Lisa agarrou ainda mais a cintura da Chaeyoung e inclinou-se sobre ela
fazendo-a deitar-se na cama, a toalha sendo esquecida no chão, os relâmpagos
iluminando o necessário para que pudessem se encontrar em uma só alma
naquele momento.

Então assim era beijar uma garota, lábios macios como veludo, descargas
eletromagnéticas percorrendo suas veias e atravessando seu corpo como um
raio veloz.

03 de Novembro de 2020. - Broadway, NY.

Deixou toda a frustração ser descontada nas teclas daquele piano sem
esconder as lágrimas. Ela merecia isso, afinal, depois de tempos afastada dos
palcos, um pouco de desabafo na música era tudo o que precisava.

Chaeyoung não se importava mais, já não seria mais um incômodo se voltar a


tocar a fizesse lembrar-se de Lisa.

03 de Novembro de 2016 - Primeiro ano da faculdade.

A mão direita de Chaeyoung agarrou a camisa de Lisa trazendo-a mais para si


enquanto mergulhava os dedos da mão esquerda na imensidão que eram
cabelos da Lisa.

O beijo não era o suficiente, Chaeyoung precisava do contato físico, precisava


sentir o peso do corpo da Lisa pressionado ao seu, cada centímetro de seus
corpos moldados perfeitamente para pertencerem um ao outro.

As línguas se amavam com paixão, se acariciavam com ganancia disputando


por espaço em suas bocas famintas. As mãos da Chaeyoung automaticamente
se agarraram ao pescoço pálido deixando que as unhas fizessem um carinho
gostoso que provavelmente deixaria marcas mais tarde e enquanto Lisa
maltratava os lábios de Chaeyoung, os chupava, mordia e então voltava a
acariciá-los como se tivessem o melhor néctar do mundo.

Ela não precisava mais esconder de si mesma que estava se perdendo por
aquela garota, que estava pronta para pular daquele precipício sem fim que
era estar apaixonada ou se jogar na frente de um carro para salvá-la.

Era o extinto protetor, era aquela garota de olhos castanhos que a atraía como
um viciado é atraído pela sua heroína. O beijo de Lisa era como êxtase e
ambas sabiam que se não parassem, roupas começariam a ser tiradas.

Quando o ar foi preciso, Lisa sugou o lábio inferior da Chaeyoung finalizando


com um pequeno selinho. A Lisa suspirou enfiando o rosto na curva no
pescoço de Chaeyoung e plantando pequenos beijos na pele quente.

Os livros estavam certos a final, beijar uma garota se tornava mágico. E tinha
gosto de morango. Primeiramente a Lisa pensou que poderia ser chiclete, mas
depois de passar minutos beijando aqueles lábios carnudos, teve certeza de
que aquele era o gosto do beijo de Chaeyoung. Era incrível que aquela fosse a
união que Lisa mais gostava no mundo, morango e Chaeyoung.

03 de Novembro de 2020. - Broadway, NY.

Fechou os olhos quando a música foi encerrada e os patrocinadores


aplaudiram. Chaeyoung esperou até que todos os músicos saíssem do
auditório e deixou as lágrimas quentes abraçarem sua face.

Já fazia tanto tempo.


03 de Novembro de 2016 - Primeiro ano da faculdade.

Novamente o som da chuva se fez presente enquanto o silêncio era


testemunha do nascimento de um sentimento desconhecido para ambas
adolescentes. Os dedos que antes estavam pressionando a nuca de Lisa, agora
lhe faziam carinho um carinho lento, quase preguiçoso. As pernas estavam
entrelaçadas e as respirações ofegantes, talvez até frustradas por serem
obrigadas a parar.

– Fale alguma coisa. – pediu a Lisa com a voz abafada pelo pescoço de
Chaeyoung.

– Eu não sei o que estou fazendo. – admitiu a Chaeyoung sem parar o


carinho, sua mão direita descendo e subindo pelas costas da Lisa levantando
um pouco a barra da camisa.

Lisa levantou a cabeça com uma expressão confusa e Chaeyoung a olhou


carinhosamente, talvez a troca de olhar mais intensa que já tiveram desde que
se conheceram. Lisa agora tinha as duas mãos de cada lado do rosto da
Chaeyoung e a sobrancelha direita arqueada.

– Nós acabamos de nos beijar.

– Não é isso... – suspirou Chaeyoung.

– Estamos abraçadas.

– Eu acho que me apaixonei. – disse como se tirasse o que estava preso em


sua garganta, impedindo que respirasse direito.
Continuaram a se olhar apaixonadamente, o pequeno sorriso de Lisa fez
Chaeyoung sentir que estava no lugar certo e com a pessoa certa. Ela seria
feliz porque Lisa a fazia sentir-se assim. Talvez fosse assim que o destino
quisesse.

– Lisa? – chamou timidamente com voz falha.

– Hm?

– Não quebre meu coração. – pediu quase infantilmente levando sua mão
direita até a face da Lisa tirando uma mecha de cabelo que pendia entre elas e
prendendo-a atrás da orelha de Lisa.

– And then there suddenly appeared before me - Lisa cantarolou outra música
de Billie fazendo Chaeyoung sorrir gostosamente contra seu rosto. - The only
one my arms will ever hold.

– Lisa? – Chaeyoung chamou outra vez, esfregando o nariz contra a bochecha


da Lisa.

– Sim, Chaeng? – foi a resposta de Lisa.

O que Chaeyoung poderia fazer? Ela estava perdidamente apaixonada por sua
garota de olhos verdes.

– Me beije.

Lisa sorriu daquela maneira que fazia as estrelas perderem o brilho.


– Com prazer.

E aquela foi à noite em que Chaeyoung e Lisa tornaram-se apenas uma. Não
sexualmente falando, mas dizem que quando dois corações apaixonados
finalmente se encontram e se aceitam; o céu entra em festa.

Então talvez fosse esse o motivo dos relâmpagos e trovões, uma Chaeyoung
comemoração divina sobre o descobrimento do amor.

Nada mais que sábias palavras.


O amor deve ser tratado como algo eterno, mesmo que não seja bem assim.

♪♪♪♪♪♪

Música que Lisa toca: The way you look tonight - Frank Sinatra
Música: Tattle Tale - Glass Vase Cello Case

______

Primeiros encontros. Nunca sabemos se o primeiro encontro vai durar uma


hora, meses ou anos talvez. Quem sabe a vida toda? Nunca se sabe com quem
vamos nos encontrar de verdade, então quais são as expectativas?

No primeiro encontro nos disfarçamos e usamos algum tipo de máscara, mas,


é como dizem, o tempo sempre apresenta o que temos por dentro.

De uma forma ou de outra. Os primeiros raios de sol invadiam a fresta da


janela do quarto de Chaeyoung deixando o cômodo pouco iluminado. Ainda
era possível ouvir a fina chuva do lado de fora e uma extrovertida conversa
entre os Park no andar de baixo.

O cheiro da mistura de terra molhada e chocolate quente tinham despertado


Lisa de seu sono leve fazendo-a apertar os olhos quando recebeu a claridade
que vinha da janela diretamente no rosto; logo seus olhos encontraram uma
figura deitada ao seu lado que a Lalisa duvidou ser humana devido à perfeição
a qual se igualava.

Chaeyoung tinha um abraço em baixo do travesseiro e o outro pendia na


cama, sua respiração proporcionava à Lisa certa paz concentrada logo no lado
esquerdo do peito. A lembrança da noite passada ainda queimava como brasa
em seu cérebro projetando um pequeno sorriso ao acariciar levemente a pele
do rosto de Chaeyoung.

Elas haviam se beijado. Chaeyoung havia dado o primeiro passo e isso a


deixava ainda mais feliz, a batalha travada em seu peito entre beijar ou não
uma garota tinha finalmente sido apartada quando os lábios urgentes da
Chaeyoung alcançaram os seus clareando sua mente por completo.

O coração da Lisa acelerou mais uma vez ao se lembrar da sensação de ser


beijada por Chaeyoung e por um segundo desejou poder fazer isso outra vez.

Lisa olhou o relógio na cabeceira da cama e agradeceu a Deus que ainda fosse
cedo demais para a faculdade, assim pode levantar-se cuidadosamente para
não acordar Chaeyoung e caminhar sem pressa até o banheiro para a higiene.

Seus pensamentos ainda giravam em torno do beijo e do que aconteceria dali


em diante com as duas, ela havia se dado conta de que estava disposta a se
jogar de cabeça no que estavam construindo, mas ainda sim Chaeyoung tinha
seus medos e Lisa temia o momento em que a tal conversa chegasse. Ela não
sabia o que esperar.

Assim que saiu do banheiro, desligou a luz do quarto outra vez analisando a
respiração calma da Chaeyoung ainda deitada na mesma posição na cama.
Lisa começou a caminhar lentamente pelo quarto analisando cada detalhe,
desde o enfeite de bolinhas na cômoda até o violão esquecido no chão ao lado
da cama por ela noite passada, assim como a toalha que devia ter servido para
enxugar seus cabelos, mas que acabaram tendo que fazer isso por si só.

Os olhos castanhos localizaram a caixinha de música e rapidamente o


concerto do Central Park se fez presente nas lembranças da jovem.

Lisa abriu a caixinha e fechou os olhos contemplando o som suave que tanto
lhe agradava, lançou um olhar rápido para Chaeyoung checando se não a
tinha acordado e deixou a caixinha em cima da cômoda outra vez mudando
para um pequeno rádio com um pen drive; ela abaixou o som e deu play
deixando que a voz de Roberta Flack interpretando The first time ever I saw
your face, sendo a música que Lisa tocara naquela noite fria no apartamento
de Irene quando estava sentada no alto do prédio, fosse sua trilha sonora
particular quando voltou à cama apenas para contemplar o sono de
Chaeyoung.

Chaeyoung franziu o cenho ainda de olhos fechados e bocejou


preguiçosamente arrancando um riso de admiração da Lisa deitada de frente
a ela. Quando finalmente abriu os olhos de forma manhosa, foi preciso alguns
segundos até se dar conta de que alguém zelava por seu sono com ternura
escorrendo pelos olhos castanhos de Lalisa.
Chaeyoung sabia que tinha corado furiosamente assim que seus olhos se
cruzaram, elas agora apenas se encaravam absorvendo uma a outra.

– O que está olhando? – Chaeyoung perguntou com a voz falha, quase nula.

Lisa sorriu apaixonada e tocou o nariz da Chaeyoung com a ponta do dedo


indicador antes de responder:

– Você.

Foi então que Chaeyoung se deu conta do rádio ligado e em que música
estava; ela desejou afundar no travesseiro e nunca mais permitir que Lisa a
visse no estado de constrangimento em que estavam.

– Você mexeu no meu rádio, Lalisa! – implicou escondendo o rosto entre as


mãos. – E você está me encarando enquanto eu estou com os olhos cheios de
remela, um bafo horrível e provavelmente meus cabelos estão parecendo uma
juba de leão.

– Eu não sei qual o motivo de vergonha, você está linda. – rebateu Lisa
achando tudo aquilo fofo demais. - Hey, Chaeyoung. – brincou tentando tirar
as mãos da Chaeyoung do rosto. – Olhe para mim, por favor. Pare de ser
boba, eu amo muito mais te ver assim do que toda arrumada.

Contra a vontade e sabendo que a Lisa estava dizendo aquilo só por falar,
Chaeyoung abaixou as mãos e voltou a encará-la fingindo estar brava.

– Que horas são?


– Cinco e dezoito. - Lisa conferiu no relógio outra vez antes de voltar sua
atenção à Chaeyoung. – Sabe que precisamos conversar, não sabe?

Chaeyoung levou a mão direita ao rosto pálido de Lisa o acariciando com


carinho, indicando que não tinha se arrependido de sua decisão. Aliviada, a
Lisa fechou os olhos e suspirou sentindo o toque e segurando o pulso da
Chaeyoung antes de deixar um tímido beijo na palma da mão.

– Eu não me arrependi se é o que está se perguntando. – começou Chaeyoung


que continuava sua exploração pelo rosto de Lisa. – Você estava certa quando
disse que eu queria isso, e acredite que estou me segurando muito para não
beijá-la agora. – mordeu o lábio inferior não arriscando olhar para os lábios
de Lisa. – Mas eu também estava certa quando disse que preciso de um
tempo.

Os olhos de Lisa caíram, e por instinto Chaeyoung aproximou-se mais até


seus corpos estarem colados, assim como suas testas. Ela segurou o rosto da
Lisa com as duas mãos obrigando-a seus olhos a se encontrarem.

– Não um tempo de nós, acho que já adiei isso demais. – explicou sentindo
um arrepio na espinha quando o braço esquerdo da Lisa enlaçou sua cintura.
– Vamos apenas levar as coisas devagar, tudo bem? Deixe-me levá-la num
encontro esta noite, é sexta-feira e eu conheço o lugar perfeito para que você
conheça um pouco mais de quem eu sou.

– Você sabe que estou apaix... – Lisa tentou dizer, mas foi calada por um
selinho rápido de Chaeyoung que a fez franzir o cenho em confusão.
– Não diga isso. Você não tem certeza disso e está tudo bem, Lisa. – sussurrou
contra a boca da Lisa. – Vamos levar as coisas com calma e explorar esse
sentimento, ok?

– Tudo bem. – Lisa se rendeu espreguiçando-se mais uma vez antes de dar
um beijo na testa de Chaeyoung e sentar na cama. – Vamos nos arrumar para
a aula.

Ambas ficaram prontas em questão de minutos sendo tomadas pelo silêncio,


inertes em seus próprios pensamentos. Chaeyoung sabia que se não desse
certo, ao menos elas teriam algo bom para contar aos seus filhos no futuro,
uma história curta, mas bonita.

Lisa decidiu quebrar a tensão que se instalara entre elas empurrando


Chaeyoung na cama para começar uma guerra de travesseiros, que se
transformou em guerra de cócegas e terminou com Chaeyoung correndo pela
casa com a mochila nas costas clamando por socorro.

Diana estava na sala com Ella assistindo desenhos quando as duas garotas
desceram as escadas quase tropeçando uma na outra.

– Você poderia acordar sempre assim, Chaeyoung. – brincou Diana


levantando-se e seguindo as garotas até a cozinha. – Mark mandou um
abraço, Lisa.

– Obrigada. – agradeceu a Lisa sentando-se no balcão enquanto observava


Chaeyoung com fogo nos olhos, ela tinha prometido se vingar assim que
pudesse. – Ele já foi trabalhar?
Diana estendeu dois pratos no balcão contendo waffles e panquecas que a
Lisa aceitou de bom grado quando se deu conta de que estava com muita
fome.

– É o horário dele – explicou Chaeyoung enchendo o copo de leite. – às vezes


trocam os turnos, mas normalmente ele sai antes do sol nascer.

Ella se juntou a elas na cozinha abraçada a um urso de pelúcia. A pequena


Park correu até Chaeyoung abraçando a irmã e deixando um beijo tímido na
bochecha de Lisa antes de se juntar a elas na mesa para comer mais alguns
waffles; Ella então começou a contar sobre o passeio que tinha feito com a
escola, e é claro que Lisa ouvia tudo atentamente, era apaixonada por crianças
e Ella era o cúmulo de fofura com aquela carinha de sono.

Meia hora depois elas entraram no Dodge seguindo para Juilliard com
Chaeyoung relatando suas experiências ao ouvir o CD de Johnny Cash que
Lisa tinha lhe emprestado; foi preciso respirar antes de admitir que sim, a
garota estava certa, as músicas eram realmente boas. Lisa sorriu convencida e
abriu o porta luvas do carro tirando o CD de Billie e o devolvendo para
Chaeyoung.

– Fico feliz que tenha gostado de Johnny tanto quanto eu gostei de sua
querida Billie. – brincou quando estacionou o carro em frente à instituição.

Chaeyoung sorriu amplamente guardando o CD na mochila.

– Agora você pode cantar as músicas dele para mim sempre que quiser. –
sugeriu deixando os olhos se perderem nos pingos de chuva de caíam no vidro
do carro. – Eu não sei se já disse isso, mas amo quando canta para mim.
O coração de Lisa acelerou mais uma vez naquele dia e, espere! Aquilo eram
borboletas em seu estomago?

– Eu passo na sua casa às oito horas em ponto, tudo bem? - perguntou


descansando o braço no encosto de cabeça do banco de Chaeyoung. – Não vá
fugir de mim.

– Você sempre da um jeito de me encontrar. É minha stalker particular. – elas


riram gostosamente. – Mas sim, às oito me parece ótimo.

O clima ficou sem graça no momento seguinte, o vidro estava fechado e


embaçado, então as pessoas não conseguiam enxergá-las lá dentro, mas era
muito mais sobre elas do que os outros; como se tivessem medo da reação
uma da outra após o beijo da noite passada.

– Vem aqui. – cansada de tanto enrolar, os dedos de Lisa se enroscaram na


nuca de Chaeyoung trazendo rosto da Chaeyoung contra o seu e pressionou
seus lábios, nada demais, apenas um pequeno beijo de despedida. – Assim
está melhor.

Chaeyoung ainda estava surpresa, talvez essa não fosse sua ideia de ir
devagar, mas quem se importa com Lalisa Manoban querendo seu beijo, não é
mesmo? Então apenas sorriu de volta e abriu a porta do carro quando sentiu a
mão de Lisa em seu braço.

– Que roupa devo usar? Você não me disse aonde vamos.

– Não importa a roupa porque é uma surpresa. – respondeu Chaeyoung com


uma piscadela antes de abandonar o carro.
Lisa apenas observou a Chaeyoung correndo para atravessar a rua quando o
farol fechou, sendo recebida por alguns colegas na entrada. Sua cabeça estava
a mil, não sabia o que esperar daquela noite, mas desejava que tudo fosse
perfeito.

♪♪♪♪♪♪

O dia passou dolorosamente lento com a espera do primeiro encontro que


teriam aquela noite, Chaeyoung trancou-se no próprio mundo em todas as
aulas reproduzindo o beijo de novo, de novo e de novo...

Lisa tinha despertado nela o melhor e o pior; o pior se devia ao seu maldito
medo de estar em uma relação, mas depois daquele beijo era como se tudo
fosse possível, e era inegável que Lisa vinha provando a cada dia que merecia
uma chance de ter o seu coração.

No almoço foi encurralada por Jennie e Jisoo que continuavam aflitas sobre
os acontecimentos no Blue Note noite passada, mas Chaeyoung continuava se
fazendo de desentendida, decidindo se deveria ou não contar o que tinha
rolado quando chegaram em sua casa.

– Pensamos que vocês fossem discutir de madrugada. – disse Jisoo recebendo


afirmação de Jennie.

As três estavam sentadas no refeitório com Chaeyoung brigando com a tampa


de uma garrafa de água impossível de ser aberta, Jennie brincando com um
copo de suco vazio em cima da mesa e Jisoo sendo mais curiosa que a
namorada pela primeira vez.
– Eu me senti mal depois, querendo ou não foi minha culpa... - Jennie
continuou com um bico nos lábios. - Eu meio que joguei Lisa para você sem
ter certeza do que ela queria...

– Ok! As coisas não foram bem assim... - disse quando já não aguentava ouvir
as lamentações de sua amiga. Jennie parou de falar no mesmo instante e
Jisoo parecia surpresa.– Aconteceram ... Coisas. - abaixo o tom de voz na
última palavra e respirou fundo. - Nós nos beijamos.

O copo de suco vazio que Jennie brincava caiu de suas mãos enquanto sua
boca formava um perfeito O. Os olhos de Jisoo poderiam saltar das órbitas a
qualquer momento tamanho seu choque. Chaeyoung achou engraçada a
reação das amigas, mas ainda sim continuava insegura sobre o assunto, então
desistiu da garrafa de água mutante e se inclinou um pouco mais na mesa
dando total atenção ao casal.

- Como foi isso? – perguntou Jisoo já que Jennie aparentemente tinha


perdido a voz. - Ela te beijou?

Chaeyoung negou com a cabeça, seu rosto ruborizando com a pergunta.

- Eu estava no banheiro me trocando depois de um banho, quando voltei ao


quarto, ela estava sentada na cama com meu violão nos braços, então ela
pediu para tocar uma música... - contou repassando as imagens em sua
cabeça. - Ela tocou e cantou tão maravilhosamente que eu me senti... Feliz. Eu
não sei. Só me senti inclinada a beijá-la e o fiz.

Jennie ergueu os braços dramaticamente pedindo silêncio e se inclinou na


mesa quase colando seu rosto ao de Chaeyoung.
- Isso quer dizer que vocês estão saindo? Estão namorando? Vocês
transaram?

Jisoo segurou o ombro da namorada pedindo calma fazendo movimentos com


as mãos indicando que ela inspirasse e expirasse devagar.

- Jesus, Jennie! - exclamou a Chaeyoung com agonia. - Nós não estamos


namorando e muito menos fizemos sexo! Você sabe como sou quando a
questão é relacionamentos, eu tenho medo e sou insegura. Pedi a ela que
levássemos com calma, então vou levá-la a um encontro esta noite.

Parte dela tinha contado às duas amigas porque precisaria de ajuda muita
com o que vestiria, pois seus gostos eram muito casuais quando se tratava de
sair. Jennie e Jisoo eram o casal mais fashion que ela conhecia, tinha certeza
que não seria decepcionada.

- Isso é tão fofo! – Jennie bateu palmas fingindo que limpava lágrimas. – Eu
estou tão feliz que mal posso me conter, posso até mesmo imaginar o
casamento com arcos, ao céu aberto, fogos de artifício...

Chaeyoung abriu a boca pronta para protestar quando seus olhos captaram
uma ruiva sorridente caminhando até elas com uma bandeja em mãos. A
lembrança de Lisa lhe contando que Irene havia tentando beijá-la não
adiantava em nada seu humor agora e o casal na mesa pareceu notar sua
mudança de expressão ficando rapidamente em silêncio.

- Olá, meninas. - cumprimentou a ruiva deixando a bandeja ao lado de


Chaeyoung e sentando-se sem ser convidada. - Eu não vi vocês indo embora
ontem então não pude me despedir.
Jennie soltou uma exclamação irônica sendo repreendida por Jisoo que sorriu
educadamente para Irene antes de explicar:

- Meu pai me ligou furioso sobre a hora, então Lisa me levou em casa.

Uma luz pareceu acender na cabeça da ruiva com a menção ao nome de Lisa e
ela engoliu o pedaço de frango rapidamente.

- Por falar em Lisa... - Chaeyoung trancou o maxilar e as outras duas a


olharam na expectativa do ciúme. - Ela é uma garota difícil, eu tentei a noite
toda conseguir ao menos um beijo e acabei sendo rejeitada. - respirou
frustrada. Seus olhos encontraram uma Chaeyoung branca como um
fantasma ao seu lado. - Você está bem? Ficou pálida.

Chaeyoung evitava ao máximo sentir ciúmes, mas as imagens de Lisa


empurrando Irene eram prazerosas demais para ela uma vez que a pessoa que
Lisa realmente queria beijar era ela.

- Eu estou ótima. - respondeu automaticamente. - Mas se eu fosse você,


desistiria logo dela. Lisa tem uma namorada... - olhou para baixo se
perguntando de onde tirou isso. - Em Seattle. - recebeu olhares
questionadores de Jennie e Jisoo que preferiu ignorar e se levantou. - E pelo
que ela me disse, ama muito a namorada. Muito mesmo.

E sem dar mais nenhuma explicação, saiu do refeitório mais do que satisfeita
por decepcionar Irene e todas as suas intenções com Lisa.

♪♪♪♪♪♪
Lisa estava despreocupadamente sentada no chão do dormitório com as
costas apoiada no beliche enquanto jogava uma bolinha de tênis na parede
oposta que quicava, batia na parede e então voltava em suas mãos, era uma
forma de passar o tempo sem enlouquecer agora que tinha terminado todos
os seus trabalhos e ainda faltava pouco mais de duas horas para o tal
encontro.

Momo estava na parte de cima do beliche lendo um livro de Direito


Constitucional para o tal trabalho do Sr. Manson com fones de ouvido, mas
não havia música nenhuma já que pedia as respostas que não encontrava no
livro à Lisa.

– Megan e Hanbin perguntaram de você hoje. – Momo comentou depois do


silêncio que recaíra no quarto, a não ser, talvez, pelo som oco da bolinha
batendo contra o piso de madeira. – Disseram que você não atende o celular e
que não aparece mais nas festas das fraternidades, como se eu me importasse
com algo que eles dizem.

Lisa continuou jogando a bolinha desinteressada do assunto, o boné dos


Giants pendia em sua cabeça assim como o Iphone branco esquecido em seu
colo.

– Talvez eu esteja faltando com minha obrigação de amiga com eles. -


concluiu mais para si mesma, mas ouviu uma reclamação de Momo e revirou
os olhos.

– Eles são doentes, isso sim. Andam bebendo e fumando maconha como se
não houvesse amanhã e se acham os donos da verdade. – reclamou fechando
o livro com violência e o deixando de lado na cama para olhar para a cabeleira
castanha de Lisa lá em baixo. – Prefiro Jennie, Jisoo e Chaeyoung.
– Uhum, você provou isso ontem. – alfinetou segurando o riso porque na
verdade nada naquele dia poderia estragar seu humor.

Momo jogou um travesseiro que passou de raspão na cabeça da Lisa.

– Eu já disse que estava bêbada! – defendeu-se. – Aliás, como eu poderia


saber que você gosta de garotas agora?

– Momo... – Lisa quase perdeu a bolinha quando a amiga disse alto demais. –
Eu não gosto de garotas, ok? Eu gosto de UMA garota e ela é a Chaeyoung.
Pensei que já tivesse deixado isso claro.

Ouviu Momo resmungar sobre estar bêbada e não poder controlar o que diz,
mas preferiu manter-se em silêncio e se concentrar na bolinha. Pensando
melhor agora, Chaeyoung tinha seu grande medo sobre relacionamentos, e
Lisa acabara de descobrir qual era o seu: sua sexualidade.

Todo esse tempo estivera ocupada planejando em como conseguir ficar com a
mais nova, e não pensou em nenhum momento em como seria sua vida caso
se relacionasse com uma garota. Seus pais nunca aceitariam, mesmo sendo
maior de idade ou não, eram eles que a sustentavam e Lisa gostava do
conforto que tinha.

Seu ciclo de amizades... Tirando Momo, ninguém mais aceitaria vê-la com
outra garota.

Havia mais um problema: Seus pais odiavam artes. David Manoban sempre
dizia que música não levava ninguém a lugar algum e que os artistas não
tinham um trabalho de verdade.
Parou a bolinha sentindo-se mal pelos pensamentos que teimaram em
atormentá-la justo naquele dia, era verdade o que diziam sobre cair em si
apenas quando se conseguia o que almejava. Não que ela tivesse conseguido
Chaeyoung, mas elas estavam no caminho, havia algo muito especial que as
tornavam exclusivamente uma da outra. Lisa encostou a cabeça no beliche
olhando pela janela, a chuva finalmente havia cessado e o crepúsculo
substituía o dia nublado.

– Momo? – chamou sentindo-se pela primeira vez confusa. A garota


murmurou algo inaudível e Lisa continuou encarando os desenhos
indecifráveis que as nuvens acinzentadas formavam. – Como é um primeiro
encontro?

Era um tanto quanto irônico estar perguntando isso a alguém como Momo,
mas apesar dos pesares, a outra sempre estivera lá no pior de seus dias e no
momento era a única a quem poderia recorrer esse tipo de pergunta.

– Bem...depende. Você pode só transar, se quiser.

Lisa revirou os olhos já se arrependendo de ter perguntando.

– Ok, esqueça. – voltou a jogar a bolinha na parede certificando-se de


esvaziar a mente sobre aquele assunto.

Sentiu quando Momo desceu do beliche e sentou ao seu lado no chão


olhando-a atentamente.

– Não precisava ser rude, eu estava brincando. – disse tirando as meias que
usava e as jogando na cama de Lisa. – Eu não sei realmente como é um
encontro, os caras com quem eu saía... Eu não sei, às vezes era como se eles se
montassem só para me impressionar, então depois eu descobria que não são
nada daquilo que mostraram ser no começo. É uma grande decepção. Jackson
e eu nos conhecemos na faculdade e nos tornamos amigos antes de qualquer
coisa, não tivemos um primeiro encontro. Apenas aconteceu, e quer saber?
Ele me faz feliz. – finalmente olhou Lisa e percebeu como a amiga parecia
ansiosa. – Vai sair com ela, não vai? - Lisa apenas acenou com a cabeça sem
ter realmente o que dizer. – Se quer um conselho meu enquanto estou sóbria,
então seja você mesma. Chaeyoung já gosta de você por quem você é; apenas
continue sendo a chata que sempre foi e ganhe o coração dela. – cutucou o
estômago da Lisa fazendo-a sorrir. – Vocês são imperfeitamente perfeitas
uma para a outra.

______
10

Duas horas mais tarde e Lisa estava parada em frente ao espelho do quarto
analisando criticamente o que usava; uma camisa jeans de manga longa da
mesma cor, calça preta detroyned e nos pés tênis brancos.

Os cabelos estavam mais lisos que o normal e caíam soltos até a altura da
cintura; a maquiagem era composta apenas por lápis de olho forte, rímel e um
batom simples.

– Você poderia usar um vestido ou algo do tipo. – Momo comentou quando


saiu no banheiro, ela usava um vestido vermelho um pouco acima dos joelhos
de alça fina apenas para dormir na casa de Jackson. – Você sempre está em
calças e camisas, depois não gosta quando te chamo de hipster.
Lisa a fuzilou com o comentário. Odiava ser chamada disso por Momo, pois
no meio em que vivia, hipters eram considerados aberrações, assim como
qualquer outra coisa que não se encaixasse na classe alta e elegante dos
formados em direito. Pelo menos era o que tinha aprendido em seus dezoito
anos. Não demorou muito para que deixassem o prédio que estava abarrotado
de estudantes sem ter o que fazer da vida além de badernar em uma noite de
sexta.

Lisa deixou Momo na casa de Jackson e seguiu direto para a casa de sua
amada, por sorte estava vinte minutos adiantada e não precisaria ter pressa
na pista, aproveitando ao máximo sua calma enquanto colocava uma música
no rádio do carro e cantarolava junto ao cantor.

♪♪♪♪♪♪

Usar roupas coladas sempre tinha sido um problema para Chaeyoung desde
sempre, claro que seria muito melhor seu all star sujo e um short jeans do que
aquele vestido preto com um decote V na frente que não ajudava em nada
seus seios pequenos. Não estava nada mal e precisava admitir isso, Jisoo e
Jennie tinham feito um trabalho impecável até mesmo no coque meio solto
que usava.

– Você está maravilhosa, Chae. – disse Jisoo finalmente sentando-se depois


de entregar o Scarpin prata de salto médio para a Chaeyoung e vê-la
impressionar-se com o próprio reflexo.

– Espero que Lisa não tenha problemas de coração.

Jennie começou a rir com a namorada e Chaeyoung as olhou sem entender


qual era a piada, mas não se importou, estava deslumbrante e até mesmo Ella
que tinha estado o tempo todo no quarto desceu as escadas correndo para
avisar aos pais que a irmã estava linda.

– Agora, lembre-se do que vou dizer: Se arruinar meu vestido, eu arruíno sua
vida. Ok? – Jennie murmurou apontando pincel de forma ameaçadora, nesse
mesmo instante a campainha soou no andar de baixo e as três amigas de
entreolharam risonhas. – Sua Julieta chegou.

Em resposta, ganhou um tapa estalado no ombro que só não foi retribuído


por estar arrumada. Elas ouviram a conversa de Mark, Diana e Lisa quando
Ella reapareceu correndo no quarto avisando eufórica que a Lisa já a estava
esperando.

– Bom, eu acho que é isso. – suspirou a Chaeyoung para si mesma no espelho.


– Esse é oficialmente meu primeiro encontro.

– E espero que o último. – Jennie e Jisoo concordaram de seu canto. – Vai,


vai.

Chaeyoung desceu as escadas com suas duas amigas e Ella logo atrás, na
medida em que se aproximava dos últimos degraus era possível ouvir a risada
rouca de Lisa e voz animada de seu pai, os dois haviam se tornado bons
amigos e isso só servia para deixar a Chaeyoung ainda mais alegre. Ela viu a
silhueta da Lisa sentada na poltrona enquanto seus pais estavam no sofá de
três lugares logo à frente, os olhos de Lisa rapidamente caíram na escada e foi
como se o mundo todo desaparecesse ao redor.

Chaeyoung soube que Lisa estava encantada quando sua boca abriu e seus
olhos ficaram mais brilhantes do que nunca enquanto passeavam por todo
seu corpo. Então Chaeyoung sorriu quando finalmente chegou à sala sendo
recebida por uma exclamação de seus pais e os gritinhos alegres de Ella.

Chaeyoung ficou parada ao pé da escada com os olhos travados nos de Lisa


que em seu primeiro lapso de consciência, colocou-se pé e caminhou até ela
com a boca ligeiramente entreaberta.

– Hey, você. – Lisa cumprimentou com a voz falha.

Chaeyoung não pode deixar de sorrir com a forma tímida de Lisa.

– Hey, você. – cumprimentou de volta achando graça da reação da Lisa, e


aproximou-se depositando um pequeno beijo na face alva que rapidamente
ganhou tons rosados.

Jennie e Jisoo tinham ido parar ao lado de Diana e Mark que estavam em pé
agora perto da porta apenas observando a cena, era óbvio que todos naquela
sala apoiavam um relacionamento e que estavam torcendo para que algo a
mais acontecesse.

– Você está linda, Chaeyoung. – disse ainda abobada com a beleza que aquela
garota conseguia exibir mesmo quando pensava que não poderia ser mais
linda.

– Obrigada, Lisa. Você não está nada mal.

E era verdade, ela simplesmente amava a forma como Lisa se vestia, era quase
seu oposto perfeito que combinava totalmente com o semblante bad girl que a
Lisa exibia.
– Bom, acho que é melhor nós irmos, não é mesmo? Vocês tem a noite toda
para conversarem e o táxi acaba de chegar. – Jennie comentou lá do fundo
tirando a atenção das garotas uma da outra.

Diana correu abraçar a filha e depois Lisa dizendo o quão lindas estavam e
que se divertissem essa noite. Mark deu uma piscadela para Lisa e um abraço
em Chaeyoung, até Ella sorriu para a Lisa e deu-lhe deu um tímido abraço de
despedida.

– Por que tem um táxi nos esperando? – indagou Lisa enquanto as outras
duas se despediam dos pais de Chaeyoung. – Você não me falou nada sobre
isso.

Chaeyoung brincou com a gola da camisa da Lisa antes de puxá-la para fora
de casa onde uma lua minguante e um céu finalmente limpo as aguardavam.

– E estragar a surpresa? Seu carro pode ficar aqui, você sabe que não tem
perigo.

Ambas acenaram para os que ficaram na porta de casa e caminharam até o


táxi que as aguardava. Lisa gentilmente abriu a porta de trás para Chaeyoung
lançando um último olhar ao seu carro antes de também entrar.

– Poderia ao menos ter me avisado que iriamos de táxi para esse lugar
misterioso, assim eu teria tempo de me despedir do carro. – disse se fazendo
de triste. Por um lado realmente estava sentida, seu ciúmes com o Dodge era
quase doentio.

– Sim, bem, nós não vamos de táxi. – Chaeyoung a olhou com ironia. – Ele
vai nos deixar no metrô.
Lisa continuou a encarando, esperando o momento em que ela diria que
estava brincando, mas esse momento não veio. Em que mundo ela sonharia
em andar de metrô? Nem de ônibus ela sabia andar, dificilmente de táxi, e
agora Chaeyoung tinha enlouquecido e queria arrastá-la junto.

– Você só pode estar brincando, Chaeyoung! Eu nunca fiz isso. Qual o


propósito de andar de metrô sendo que poderíamos apenas ir de carro?

– Lisa, esse é exatamente o ponto. – explicou aproximando-se mais da Lisa no


banco de trás, sua mão descansando na coxa da mesma. – Eu quero que as
coisas funcionem entre nós, mas para isso quero que você conheça mais de
mim, não a garota que sonha alto com Juilliard ou música...mas quero que
também conheça minha história porque ela faz parte de quem eu sou. Nós
vamos de metrô porque eu quero lhe mostrar um pouco da minha realidade.

De certa forma aquilo a tocou. Seus olhos percorreram toda a cidade pelo
vidro do carro em total silêncio, há muito tempo, ou talvez nunca, alguém a
tinha inspirado a ver o lado bonito das coisas, os mínimos detalhes.

Lisa nunca cogitou a ideia de andar de metrô por que... Não era preciso. Seus
pais sempre tiveram vários carros na garagem e não a deixavam frequentar
serviços públicos. Conclusão, ela era uma perfeita garota mimada.

O táxi estacionou em frente à entrada da estação onde Chaeyoung pagou o


motorista e lançou um olhar encorajador a Lisa segurando sua mão em
seguida.

Como era de se esperar, o lugar estava lotado de pessoas, era quase


impossível se locomover, mas como Chaeyoung já estava acostumada ao
horário de pico, guiou a Lisa até a plataforma para que esperassem o metrô
com destino a Downtown e Brooklyn.

Elas não conversaram muito o caminho todo, ao invés disso, Chaeyoung


ofereceu um lado de seu fone de ouvido à Lisa e as duas garotas ouviram
músicas aleatórias o tempo todo até chegar ao destino final.

Era claro o incômodo presente no rosto da Lisa quando várias pessoas se


apertaram ao seu lado, mais ainda quando um mendigo passou por elas
pedindo por dinheiro e Chaeyoung gentilmente lhe ofereceu dois dólares. Em
seu mundo, as coisas eram rápidas, limpas e sem acúmulo de pessoas. Havia
pessoas de todos os tipos, homens engravatados, homens mais simples,
mulheres carregando crianças no colo, mulheres usando social, até mesmo
um casal de hippies abraçados mais ao canto enquanto o homem se apoiava
no pilar de ferro.

O metrô finalmente parou liberando as duas garotas que desceram em uma


plataforma quase vazia para o alívio de Lisa. A rua em que caminhavam agora
era movimentada de pessoas que não tinham nada a ver com a classe social de
Lisa, que ainda mantinha-se calada com a surpresa do momento em que
estava vivendo. E Chaeyoung respeitava aquilo.

A surpresa maior foi quando a Lisa se deu conta de onde estavam, era o
Brooklyn, um dos bairros que seu pai provavelmente a deserdaria se soubesse
que estava. Por um momento, Lisa pensou em pedir para voltar e combinar
outro lugar, mas Chaeyoung parecia tão determinada em abrir-se a ela que
nenhuma palavra foi dita.
– Eu gosto de vir aqui sempre preciso fugir um pouco – começou a
Chaeyoung abraçando o próprio corpo enquanto caminhavam pela rua
escura. – é um dos poucos lugares que consigo me conectar de verdade.

– Você não traz amigos?

– Qual deles? Irene? Ela é do tipo que prefere boates e shows. Jennie e Jisoo
seriam uma boa opção, se sair com elas não fizesse de mim uma vela. – riu. –
Não, é melhor eu vir sozinha. Mas quer saber um segredo? Eu gosto. Me faz
pensar mais, refletir sobre as pessoas e o mundo. Acho que se eu não fosse
musicista, talvez me tornasse uma filósofa, o que acha?

– Sócrates que se cuide, você tem umas teorias muito mais loucas que as dele.
Ouch, Chaeyoung. – Lisa gemeu quando recebeu um tapa no braço, as duas
riram e a tensão foi esquecida. – Eu não sei, acho que você poderia ser o que
quisesse...

Mas ela precisou parar de falar quando avistou onde tinham finalmente chego
ao dobrarem a esquina. Todas aquelas luzes coloridas, música, dezenas de
pessoas chegando com os carros e a pé; os olhos de Lisa brilharam com a
surpresa que teve. Elas estavam em Coney Island.

Ela não conhecia muito de NY, nunca tinha estado naquele lado da cidade,
mas agora tudo o que ela queria fazer era abraçar Chaeyoung, aquilo era
simplesmente mágico.

– Eu não posso acreditar! – exclamou sorrindo quando pararam em frente à


entrada. – Esse lugar é mágico!
– Realmente é. Mas hoje nós não vamos ao parque, eu vou te levar ao meu
lugar preferido no mundo todo. – explicou Chaeyoung puxando-a até o outro
lado da rua onde havia um pequeno clube com uma cerquinha de ferro preta
em volta e várias mesinhas do lado de fora enquanto o letreiro em luzes de
neon avermelhadas dizia: The Village, the best of the jazz.

– Esse é um clube de Jazz, qualquer um pode me encontrar aqui nos meus


piores momentos. É o meu lugar.

Elas entraram pela porta dupla sendo recepcionadas por uma deliciosa
musica animada da banda que se apresentava ao vivo no pequeno palco mais
ao fundo. O lugar não era muito grande, mas aconchegante. A luz era fraca e
havia várias mesas espalhadas ao redor do perímetro com poucas pessoas
acomodadas, no centro ficava a pista de dança que estava vazia por ainda ser
começo de noite.

– Tem uma mesa vazia ali. – a Chaeyoung apontou para uma mesa um pouco
mais perto do palco, Lisa imaginou que Chaeyoung gostasse de estar perto
dos músicos e ficou feliz por conhecer um pouco mais esse lado romântico
dela. – Eu já sentia saudade de estar aqui.

Sentaram-se à mesa Chaeyoung de dois lugares e logo um garçom negro de


cabelos grisalhos que trajava um uniforme verde musgo e avental preto se
aproximou com um sorriso genuíno nos lábios.

– Srta. Park! Há quanto tempo não a vejo por aqui. - o garçom disse um
pouco animado fazendo uma pequena reverencia a garota.

Chaeyoung pareceu animada em vê-lo, como se eles se conhecessem desde


sempre.
– Eli! – ela quase gritou sorridente, o que fez a Lisa conter um riso. – Eu
estive tão ocupada com a faculdade que mal tive tempo de vir aqui. Lisa, este
é Eli, nos conhecemos na minha primeira noite aqui quando ele me pegou
admirando o piano.

O homem deu de ombros com um grande sorriso.

– Primeiro eu pensei que essa jovem garota poderia querer roubá-lo, então vi
o caderno de música em suas mãos e o desejo mais do que evidente de tocar
aquele piano. – ele contou com animação fazendo Chaeyoung esconder o
rosto entre as mãos e Lisa sorrir. – Dois anos, querida Chaeyoung, já faz dois
anos.

–Era um Weinbach! Como eu não poderia admirá-lo? – ela contestou


olhando de Eli para Lisa. – Então Eli me ofereceu refrigerante por conta da
casa e puxou assunto sobre o que eu estava escrevendo, foi amor à primeira
vista. – fechou a mão em punho erguendo-a no ar apenas para que Eli
tocasse. – Eli, esta é Lalisa, uma amiga.

A Lisa lançou um sorriso acolhedor ao homem que fez outra reverência


fazendo Chaeyoung sorrir ainda mais.

– É um prazer, Srta. Lalisa.

– O prazer é todo meu, Eli.

– Muito bem, já sabem o que vão pedir?


– Eu quero um queijo mozzarella e tomate como um arranque, por favor. –
pediu a Chaeyoung sem nem ao menos consultar o cardápio. Lisa franziu o
cenho.

– Um Magret de Canard e um Porto Dow Vintage. – disse a Lisa fechando o


cardápio e o entregando a Eli que saiu com os pedidos as deixando finalmente
a sós.

– Vinho, uh? – a Chaeyoung comentou brincalhona.

– Eu não vou dirigir mesmo. E não é como se alguém fosse me embebedar


para se aproveitar disso depois, não é? – rebateu a Lisa fazendo Chaeyoung
recuar na cadeira e fechar a cara. – Não precisa ficar com ciúmes, Irene não
está aqui e eu não preciso estar bêbada para querer beijar você.

O comentário pegou Chaeyoung desprevenida, ela viu o sorriso malandro


brincando nos lábios de Lisa. Droga, ela sabia que tinha corado.

– Você é muito fofa.

– Não é?

– Lisa!

– O que foi? Eu realmente sou adorável. – riu apertando o nariz de


Chaeyoung em brincadeira e recebendo uma careta em resposta.

Quando ficaram sérias, resolveu matar a curiosidade.

– Você disse que não vinha mais aqui, o que houve?


13 de Novembro de 2022. - 4th Avenue, Chicago, Estados Unidos

Ela estava sentada em frente àquela deslumbrante mulher loira que vinha lhe
oferecendo convites para aquele bar na 4th Avenue. Elas tinham se conhecido
semanas atrás em uma apresentação em Chicago quando sua banda sinfônica
precisou de uma solista.

Era a oitava mulher com quem saía desde que se recuperou e, infelizmente,
tentava de todas as formas encontrar algum vestígio de Lisa em alguma delas.
Porém, não estava sentindo-se confortável naquele primeiro encontro, Becca,
era o nome da mulher, não se mostrava realmente interessada em saber sobre
sua história; apenas sorria forçadamente e, quando segurou sua mão pela
primeira vez, não sentiu as malditas borboletas que precisava a todo custo
sentir novamente. Era quase como se elas tivessem ido embora com Lisa.

03 de Novembro de 2016. - Primeiro ano da faculdade.

– Eu realmente tenho estudado muito e... desde que você entrou na minha
vida eu não tenho feito muita coisa. – explicou Chaeyoung de forma carinhosa
sem tirar os olhos de Lisa. – Não de uma forma ruim, eu só tenho dedicado
mais do meu tempo a você, então acho que isso é bom, certo?

Lisa segurou a mão da Chaeyoung por cima da mesa com uma expressão
adorável, de quem estava se apaixonando outra vez.

– Eu fico feliz que tenha compartilhado seu tempo comigo e que agora
estejamos aqui. É uma honra para mim, Chaeyoung, e eu quero muito que
você saiba disso.
Chaeyoung sorriu observando suas mãos ligadas por cima da mesa; sentia-se
tão bem nesse momento que poderia revivê-lo para sempre.

– Eu estou fazendo isso porque quero compartilhar muito mais com você,
Lisa. – disse pausadamente, tomando seu tomando para ser sincera. – Eu lhe
trouxe aqui de metrô porque é o que eu faço. Todos os dias pego o metrô para
faculdade, para cidade, para qualquer coisa. Sei que parece algo bobo querer
fazer você viver isso, mas eu vivo tudo intensamente, entende? Se vamos fazer
isso, quero que você saiba quem eu realmente sou. Meus pais não tem muito
dinheiro, eu não frequento lugares caros, tenho apenas três amigas. Duas. Já
que Irene vem tentando roubar você de mim. – sorriu tristemente. – Eu não
quero ter um coração partido...é só o que eu peço.

Segurou-se ao máximo para não deixar que as lágrimas caíssem na frente de


Lisa, mas foi impossível conter aquela dorzinha no peito de quem estava
pedindo para ser amada de volta sem ser machucada.

– Chaeyoung? – chamou Lisa com a voz baixa. – Eu quero saber tudo sobre
você e sua história, porque independente do que aconteceu, isso trouxe você
até aqui, até mim.

13 de Novembro de 2022- 4th Avenue, Chicago, Estados Unidos

Era exaustivo demais procurar por detalhes dela em outras pessoas, como,
por exemplo, o olhar. Becca não a olhava com a ternura de Lisa, aquele brilho
apaixonado não estava ali, Chaeyoung não conseguia enxergá-lo por mais que
tentasse e isso era totalmente frustrante.
Um jovem garçom aproximou-se e Becca tinha se oferecido para escolher os
pedidos. Também acabou esquecendo de que Chaeyoung era vegetariana,
pedindo filé para a mesma. Lisa nunca esqueceu.

As duas mulheres notaram que o garçom não parava de encarar Chaeyoung e


isso acabou a deixando um pouco desconfortável na presença de Becca, mas
ao contrário de qualquer expectativa já excedida, a loira não se mostrou
enciumada e até mesmo sorriu de forma exagerada ao homem.

03 de Novembro de 2016 - Primeiro ano da faculdade.

E então havia essa garota no outro lado do clube sentada com mais três
amigas no balcão que não parava de encarar Chaeyoung. Lisa tinha notado
desde que chegaram e sua perna esquerda saltava embaixo da mesa enquanto
bagunçava o cabelo quase que freneticamente.

– Sabe, você vai acabar matando a garota apenas com o olhar que está
lançando a ela. – a Chaeyoung comentou achando aquilo uma graça enquanto
servia-se com um pouco mais de vinho. Lisa fechou os olhos e era quase como
se contasse mentalmente.

– Eu pratiquei esgrima e judô quando jovem, poderia facilmente atravessar o


bar e acabar com ela agora só pelo maldito olhar safado que está dando a
você.

– No entanto? – perguntou Chaeyoung erguendo uma sobrancelha.

Lisa bufou.
– No entanto, esse é nosso primeiro encontro e eu não vou estragar isso. –
suspirou desviando o olhar de volta para Chaeyoung e vendo o sorriso
brincalhão dela. – Desculpe-me agir como uma idiota, você deve achar que
sou uma piada.

Ela estava totalmente enganada.

– Eu não poderia estar mais feliz, Lisa. Todas as suas manias te tornam uma
pessoa adorável, mesmo quando tenta me tirar do sério.

Lisa revirou os olhos e continuou a comer esquecendo por completo a garota


do outro lado do clube.

– Algumas pessoas – de repente a voz de Chaeyoung a fez levantar os olhos do


prato. – algumas pessoas idealizam o amor da forma errada. – suspirou
afastando um pouco o prato e brincando com uma gota de vinho na taça para
não ter que focar nos olhos verdes e perder as palavras. – Eu cresci assistindo
meus pais serem amigos a maior parte do tempo, vi minha mãe ser o escudo
protetor do meu pai quando ele mais precisou e vi meu pai tratá-la como uma
rainha. Eu vejo as pessoas procurarem pelo amor verdadeiro em cada esquina
como se fosse uma peça perdida e acho que eles estão enganados. – Lisa tinha
abandonado por completo sua refeição perdida na expressão de concentração
de Chaeyoung ao dizer aquelas palavras. – O amor não é algo a ser
encontrado e sim a ser construído. O amor não se trata apenas do romance
em si, mas também do companheirismo e da cumplicidade, algo que não
enxergo na maioria dos casais hoje em dia. Mas quando eu olho para você,
Lisa – finalmente levantou os olhos e a encarou. – quando eu olho para você
enxergo paixão em seus olhos e eu sei que não parece, mas tenho observado a
maneira como me trata. Você me trata como uma rainha. – sorriu com a
ironia do mundo e ficou surpresa quando a mão de Lisa pegou a sua outra vez
por cima da mesa passando-lhe confiança para continuar. – Eu estou
apaixonada porque você me conquistou; você faz essa parte do meu corpo –
acariciou com a outra mão o lado esquerdo do peito. – Sentir -se viva e,
honestamente, eu já sou sua.

A atmosfera era praticamente invisível naquele momento. Havia fogo, paixão,


descoberta e felicidade na troca de olhares que tiveram. Palavras eram quase
desnecessárias para expressar o sentimento que abraçava Lisa e Chaeyoung.

13 de Novembro de 2022. - 4th Avenue, Chicago, Estados Unidos

Quase três horas tinham se passado e a única conversa que fluía entre as duas
era sobre apresentações e eventos. Chaeyoung estava entediada brincando
com o corpo em cima da mesa, sentia-se embriagada depois de beber tanto,
mas era a única opção para aliviar seu tédio.

Em momentos como esse ela tinha adquirido um método muito funcional:


enquanto a outra pessoa falava, ela apenas balançava a cabeça e concordava,
mesmo que não estivesse realmente prestando atenção.

Uma música animada começou a tocar e algumas pessoas tinham se


levantado para dançarem, Chaeyoung até mesmo animou-se com a música,
que mesmo desconhecida, poderia agitar um pouco as coisas entre elas.

– Vamos dançar um pouco, o que acha? – perguntou mais animada, sentia


falta de dançar com alguém e quem sabe ela poderia se conectar com Becca na
pista de dança?

A loira olhou para trás observando as pessoas dançarem com uma careta
tirando o celular do bolso e desbloqueando a tela.
– Não, obrigada. – disse desviando sua atenção ao aparelho. – Pode ir se
quiser, eu não gosto de dançar.

Chaeyoung bateu as costas na cadeira sentindo-se pior do que antes. Becca


tinha se mostrado uma pessoa totalmente diferente nos pequenos encontros
que tiveram com a banda e, por mais que não quisesse, a Chaeyoung tinha
criado expectativas. Mais um nome apagado em sua agenda telefônica.

03 de Novembro de 2016. - Primeiro ano da faculdade.

A banda começou a tocar uma das músicas mais famosas de Ella Fitzgerald
para a alegria de Chaeyoung que arregalou os olhos fazendo Lisa quase
engasgar com o vinho pelo susto.

– Oh, meu Deus! – exclamou tapando a boca. – Eu amo essa música, é quase
um hino das minhas noites de insônia.

– Pensei que só ouvisse Billie Holiday.

– Calada, Lalisa! – a Chaeyoung fechou os olhos contemplando a música sem


se importar se estava ou não sendo ridícula. – Cry me a river é uma das
melhores músicas já criada nesse mundo.

Lisa pensou que talvez Chaeyoung pudesse ter algum tipo de distúrbio que os
médicos ainda não tinham descoberto. E se fosse contagioso? Em breve ela
estaria balançando a cabeça ao estilo Stevie Wonder. Observando melhor,
talvez não houvesse nada no mundo que Lisa quisesse mais que enlouquecer
ao lado de Chaeyoung.
Lisa levantou-se da mesa estendendo a mão para a Chaeyoung que demorou
alguns segundos até se dar conta da garota parada ao seu lado. Quando abriu
os olhos, sentiu vontade de chorar em alegria, era um dos seus muitos sonhos
clichês: Ser convidada para dançar.

Sem hesitar, aceitou de bom grado e deixou-se ser guiada até a pista de dança
onde poucos casais dançavam. A melhor parte de se estar no The Village é que
ninguém se importa se você é heterossexual ou homossexual, o clube era
exclusivamente para pessoas que amavam dançar um bom jazz e estar com
quem se ama ou até mesmo sozinho.

Lisa deu uma Chaeyoung piscadela para a garota antes de aproximar-se dela e
enlaçar sua cintura cuidadosamente com a outra enquanto as mãos de
Chaeyoung encontravam a nuca de Lisa iniciando um carinho gostoso no
local. Era quase protetora a forma como dançavam suavemente no ritmo da
música, a boca de Lisa inspirando o cheiro de shampoo dos cabelos macios de
Chaeyoung, deixando em seguida pequenos beijos no ombro da Chaeyoung.

– Eu não pensei que poderia acontecer tão rápido – sussurrou no ouvido da


garota. – mas naquele dia você tocou também o meu coração, Chaeyoung. E
eu estou tão absurdamente feliz por isso, por ser você, eu não idealizaria
alguém melhor que você. É tão novo sentir essas borboletas no estômago que
estou sentindo agora.

As mãos de Chaeyoung se agarraram com mais necessidade na nuca da Lisa


ao ouvir essas palavras, então se abraçaram e continuaram a dançar.

– E você não está facilitando as coisas nesse vestido curto. - Continuo Lisa
Chaeyoung riu e ainda não disse nada apreciando o fato de sentir-se
totalmente protegida do mundo naqueles braços que a rodeavam.

– Eu não me importo com dinheiro e muito menos se você veio ou não de


uma família pobre. Confesso que não sou fã número um de metrôs ou
qualquer coisa pública, mas estou disposta a aprender mais sobre isso, a
conhecer esse lado que nunca me foi permitido chegar perto. Eu posso até ir
de metrô para Juilliard com você se quiser, eu vou fazer qualquer coisa por
esse relacionamento.

A Chaeyoung afastou a cabeça o suficiente para encontrar os olhos que,


mesmo com o ambiente mal iluminado, transmitiam um brilho diferente que
a atraía com magnetismo.

– Relacionamento? – perguntou surpresa. – Então nós estamos em um


relacionamento?

Lisa pensou se deveria ou não ter sugerido isso, mas no momento não havia
coisa mais certa a se fazer.

– Você é minha e eu sou sua. Isso me soa como um relacionamento.

– Você é minha? – Chaeyoung parecia uma criança feliz.

– Desde o primeiro momento, Park Chaeyoung. – garantiu Lisa voltando a


encostar suas cabeças e dando continuidade a dança que lhes permitia
aproveitar um pouco do calor do corpo uma da outra e o clima romântico.

13 de Novembro de 2022. - 4th Avenue, Chicago, Estados Unidos


Nada mais poderia ser feito porque aquilo nem deveria ter começado. Era
quase insano procurar por características de alguém em outra pessoa, fazer
comparações ridículas em sua mente, era quase... Doentio.

Chaeyoung sabia que não era certo fazer isso consigo mesma e muito menos
com outras pessoas, então vagueou os olhos pelo lugar até encontrar uma
plaquinha que indicasse o banheiro.

– Eu vou ao banheiro. – disse infeliz ao levantar-se subitamente, quando


Becca fez menção de levantar também, a empurrou de volta na cadeira. –
Sozinha. Eu gosto de privacidade, desculpe.

Becca provavelmente pensara que era um convite para uma pequena festa no
box do banheiro, mas quando se deu conta de que estava errada, fechou a cara
e voltou a mexer no celular.

Chaeyoung saiu correndo entre as pessoas e atravessou a pista olhando para


trás somente quando já estava na porta de saída.

Ela suspirou contendo as lágrimas e saiu do lugar sentindo-se suja, miserável,


desejando nunca ter estado ali.

03 de Novembro de 2016. - Primeiro ano da faculdade.

Lisa e Chaeyoung agora caminhavam à beira da praia de Coney Island. O


casal, como agora se permitiam chamar, andava de mãos dadas e Chaeyoung
segurava o par de Scarpin com a mão livre. O coque tinha sido desfeito por
uma brincadeira de Lisa que em troca ganhou marcas de batom por todo o
rosto.
– Você disse que sua mãe foi o escudo de seu pai quando ele mais precisou...
– a Lisa começou quando pararam de frente ao mar. Chaeyoung a abraçou de
lado e deitou a cabeça em seu ombro. – O que houve?

A praia não estava muito movimentada devido ao horário e o som das ondas
era uma boa forma de relaxar a tensão da pergunta delicada.

– Quando eu tinha dezessete anos, meu pai foi constatado com tumor
cerebral. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida – sua voz era
quase inaudível devido à dificuldade de falar naquele assunto. – Eu
abandonei a escola por quase um ano, minha mãe parou de trabalhar e meu
pai precisou se afastar do serviço. Nós gastamos até o que não tínhamos com
o tratamento, demitimos a babá de Ella, vendemos algumas coisas em
casa...as coisas realmente pareciam perdidas.

Lisa não se conteve, virou Chaeyoung para ela e a abraçou de frente deixando
pequenos beijos por toda a extensão do rosto dela, até mesmo nas lágrimas
que começaram a rolar pela face da Chaeyoung.

– Foi o único momento em que parei de sonhar desde que me conheço por
gente. Foi como...como se a música de repente ficasse silenciosa e os holofotes
se apagassem. Eu só conseguia rezar a noite, eu dizia a Deus que tudo bem se
eu não conseguisse entrar em Juilliard contanto que meu pai ficasse bem. Eu
rezei dia após dia... – soluçou deixando suas duas mãos no peito de Lisa, a
testa repousando no queixo da outra. – Quando eu passava a noite no
hospital, ele me fazia prometer que independente do que acontecesse, eu
nunca deixaria a música morrer dentro de mim, que eu iria ao teste e...me
lembro de dizer aos jurados que estava dedicando minha audição ao meu pai.
Eu sei que era arriscado, mas o fiz mesmo assim porque era o certo. Era por
ele que eu estava ali. Dois dias depois ele foi operado e foi um sucesso. – a
camisa de Lisa já estava encharcada com as lágrimas furiosas de Chaeyoung,
mas ela não se importava, sentia-se comovida ao ponto de também estar
chorando silenciosamente enquanto a abraçava o mais forte que podia. – E na
mesma semana em que ele voltou para casa, recebi a carta de Juilliard
dizendo que fui aprovada.

– Eu sinto muito, Chaeyoung. – Lisa se fez de forte para a pessoa mais linda
que conhecia. Segurou o rosto da Chaeyoung entre as mãos e enxugou suas
lágrimas. – Eu sinto muito pelo que houve e também agradeço a Deus por
Mark estar vivo. Droga, eu sou tão apaixonada por você!

Elas riram entre as lágrimas e voltaram a se abraçar pelo que pareceu uma
eternidade. Quando se deram conta de que já era tarde, tomaram um táxi e
voltaram abraçadas em silêncio até a casa dos Park, estavam exaustas de uma
noite reveladora.

– Bom, eu acho que é a minha hora de ir. – Lisa disse abrindo a porta do
Dodge e voltando-se para Chaeyoung que abraçava o próprio corpo devido à
brisa fria. – Eu tive uma grande noite, Chaeyoung.

– Sim, onde eu chorei na maior parte dela. – brincou a Chaeyoung chutando


uma pedra. – Eu não sei como são os primeiros encontros, mas estou feliz da
forma como fizemos isso.

Lisa puxou Chaeyoung pela cintura para mais perto e beijou seus lábios
suavemente antes de dizer:

– Talvez porque fomos apenas as duas patetas que costumamos ser. – deu
outro beijo. – Mas também estou feliz por conhecer mais de você. Sua história
é linda, assim como você e sua família.
Foi totalmente sincera, ela amava Mark e Diana, sem contar que Ella era a
criança mais adorável do mundo e lhe tratava como uma irmã mais velha.
Chaeyoung respondeu com outro beijo que começou de forma lenta e
acanhada, levou um tempo até introduzir sua língua na boca de Chaeyoung
que suspirou com o contato.

Ser dominante era um ato totalmente novo para Lisa e ela precisava admitir
que estava gostando até demais, principalmente quando sentia as mãos
inseguras de Chaeyoung em suas costas e seu corpo todo arrepiado com a
profundidade do beijo.

A luz da varanda foi acesa e as duas pularam para trás quase num salto
quando a porta da frente foi aberta. Mark apareceu com o cabelo bagunçado e
uma Ella sonolenta no colo, ele sorriu quando viu as duas garotas e acenou
para que elas se aproximassem.

– Eu pensei ter ouvido barulho de carro e arrisquei que fosse o táxi. – disse
fazendo-se de inocente. – Espero que tenham se divertido.

As garotas trocaram olhares cúmplices.

– Não poderia ter sido mais divertido. – Chaeyoung respondeu estendendo os


braços para Ella que se aninhou ao colo da irmã. – Pelo jeito essa pequena
esperou que eu chegasse.

Ella murmurou alguma coisa inaudível no pescoço de Chaeyoung e Mark riu.

– É melhor eu ir. – Lisa disse dando um beijo na cabeça de Ella e desviando


sua atenção para Chaeyoung. – Te vejo amanhã?
– Você pode vir aqui depois da aula, Jennie e Jisoo também virão. –
comentou envergonhada pelo pai estar ouvindo a conversa.

Lisa apenas concordou com a cabeça e deixou um beijo na bochecha de


Chaeyoung, mesmo que sua consciência gritasse pelos lábios macios da
Chaeyoung. Mas Mark estava com os olhos fixos nela como se soubesse o que
ela estava pensando e isso realmente a assustou.

– Vou levá-la para a cama. Boa noite, Lisa. Chaeyoung se despediu entrando
com Ella, pensava que a Lisa iria embora em seguida, mas ao contrário disso,
ela esperou até a Chaeyoung desaparecer nas escadas com Ella para estender
sua mão a Mark e dizer sincera:

– O senhor é um bom homem e Chaeyoung o ama muito. Eu só quero que


saiba que estarei aqui por ela e por vocês sempre que precisarem, é uma
promessa, senhor.

Mark estava estático quando Lisa soltou sua mão e com um meio sorriso,
deixou a varanda. Ela estava mais do que satisfeita pela noite. Tinha superado
todas as suas expectativas sendo apenas ela mesma e conhecendo um lado de
Chaeyoung que nunca poderia imaginar.

Havia tanta coisa no mundo ainda a ser aprendido, se dava conta agora.

Primeiros encontros. Na maioria das vezes ficamos nervosos e ansiosos nos


perguntando se a pessoa vai ou não gostar de quem somos, é por isso que nos
montamos, é quase um personagem. O problema são os segundos, terceiros,
quartos encontros... O que vamos apresentar quando a máscara cair? Se você
é sério, seja sério. Se for idiota, seja idiota.
Mostre-se, apresente o seu eu para que aquela pessoa possa ser ela também.
Não há nada melhor que a sinceridade num primeiro encontro; é quando
sabemos se haverá o segundo ou não.

♪♪♪♪♪♪

Música da dança: Ella Fitzgerald - Cry me a river

______

11

3 de Dezembro de 2016. - Primeiro ano da faculdade.

Um mês se passou desde o primeiro encontro não formal entre Chaeyoung e


Lalisa. As duas garotas combinaram em manter a relação em segredo
enquanto construíam algo sólido somente delas, o que não foi uma tarefa
difícil, qualquer estranho poderia notar o grude que tinham se tornado desde
que se conheceram.

Jennie e Jisoo sabiam que havia algo por trás dos abraços demorados,
enormes sorrisos e olhares brilhantes, sério, ninguém pega a mania de buscar
a amiga na faculdade todos os dias se essa amizade não for no mínimo
colorida, mas como boas amigas que eram, e a mando de Jisoo, Jennie se
manteve calada sobre o assunto e esperou que as amigas decidissem contar a
verdadeira situação quando estivessem preparadas.
Naquele dia em especifico, era uma sexta-feira ensolarada com o céu limpo e
ar fresco. Lisa e Chaeyoung tinham ido ao Central Park depois de Juilliard
para fazer o que mais gostavam: Nada.

Lalisa estava sentada com as costas apoiada numa árvore com as pernas
esticadas enquanto lia o segundo volume do livro sobre Direito Tributário
para o trabalho que o Mrs. Forbes tinha passado para a semana após o natal;
sua mão direita sustentava uma caneta marca texto amarela e a esquerda
repousava carinhosamente no peito de Chaeyoung que estava esparramada no
gramado verde com a cabeça apoiada em suas coxas.

Chaeyoung mantinha toda a sua concentração no livro Morro dos Ventos


Uivantes e, ao lado do seu corpo, descansavam dois copos vazios de
cappuccino de chocolate, as chaves do carro e a mochila amarelo extravagante
de Chaeyoung.

Lalisa deixou sua cabeça pender um pouco de lado quando a leitura se tornou
enjoativa para observar a garota deitada em seu colo; ela era perfeita, não
era? Não se lembrava de sentir-se tão inteiramente feliz antes de conhecê-la e
agora elas estavam apenas ali, contemplando a companhia uma da outra
enquanto desfrutavam de um delicioso fim de tarde sem precisarem
necessariamente de palavras.

- Amor? – a mais nova chamou sem tirar os olhos do livro.

Lisa foi desperta de seu transe com a voz sonolenta de Chaeyoung.

- O que?

- Você está tirando minha concentração me encarando dessa forma.


Lisa arqueou uma sobrancelha curiosa e ao mesmo tempo divertida, então
fechou o livro com o marca páginas e o abandonou ao lado da mochila
desistindo por completo dos estudos naquele momento.

- Como sabe que a estou encarando?

- Eu sempre sei. – concluiu Chaeyoung satisfeita virando uma página do


livro.

Os dedos da mão direita da Chaeyoung traçaram movimentos negligentes


sobre a mão esquerda de Lisa em seu peito. Cada cócega enviou arrepios pelo
braço da Lisa e para sua clavícula, e isso a fez sorrir idiotamente com cada
pequeno toque, porque eles eram tão importantes quanto declarações de
amor.

- Desculpe, Chaeng. – a Lisa trilhou com o dedo indicador até a clavícula


exposta pela camisa da Chaeyoung. – Que perfume está usando?

- Um que meu primo Augusto me deu no meu aniversário, por quê? –


perguntou curiosa também deixando o livro de lado ao levantar o olhar para
Lisa que suspirou perguntando-se quando tinha se tornado tão sortuda.

- Tem cheiro de marshmallow. – concluiu brincando agora com a mão de


Chaeyoung que repousara os olhos no céu como se houvesse algo realmente
importante lá.

Lisa tinha em mente que precisava controlar seu coração, ele continuava
acelerado mesmo depois de um mês.
Ele sempre acelerava. E sempre aceleraria assim como no primeiro beijo que
se tornou o segundo, e depois terceiro e quando deu por si tinha parado de
contar porque era praticamente impossível raciocinar com a língua de
Chaeyoung traçando linhas inimagináveis em sua boca.

- Eu gosto de marshmallow - comentou a Chaeyoung com a expressão


concentrada como se lembrasse de algo importante. – quando eu era pequena
dizia a mim mesma que um dia me tornaria um marshmallow.

Lisa a olhou com desdém, agora mais do que nunca tinha certeza que havia se
apaixonado por uma pessoa totalmente estranha.

- Amor, eu não quero estragar sua infância, mas não tem como se tornar um
marshmallow. – segurou o riso vendo a mais nova cerrar os olhos encarando-
a novamente. – A menos que você se fantasie de um.

- Eu poderia fazer isso. – rebateu espreguiçando-se gostosamente enquanto


sentava na grama somente para arrancar mais um suspiro de Lisa com seus
cabelos desarrumados e o moletom cinza do Ed Sheeran amarrotado.

– Assim como minha carta de Hogwarts que deve ter se perdido em algum
lugar. - a expressão preocupada de Chaeyoung fez a Lisa soltar um longo riso
e cobrir o rosto para que não acertasse grama em seus olhos quando foi
atacada pela Chaeyoung.

– Não seja estúpida, Manoban. Você é uma trouxa e trouxas não recebem
cartas de Hogwarts. Fim.

Lisa não se aguentou com a fofura daquela cena e puxou o tronco de


Chaeyoung de forma que ela deitasse em seu colo como se ninasse um bebê
preguiçoso. Lisa flexionou os joelhos apoiando o corpo da mais nova, e ambas
ficaram com os rostos praticamente colados.

- Você é muito chata, sabia? – implicou dando um beijo casto nos lábios de
Chaeyoung. Mais um salto em seu coração. – Eu amo tanto você.

Com os olhos brilhantes, Chaeyoung segurou o rosto de Lisa com as duas


mãos que estavam cobertas pela manga do moletom e traçou pequenos
movimentos na pele alva que era facilmente marcada.

- Eu também amo você, Lali. – disse com doçura fechando os olhos enquanto
se aconchegava mais ao peito da Lisa. – Vou sentir sua falta esse final de
semana.

- Eu também vou. – respirou levando sua mão direita até o cabelo de


Chaeyoung para um leve carinho. – Mas minha mãe está enlouquecendo com
minha ausência nos finais de semana em LA, e ainda tenho Daniela que
parece não melhorar...

- Você disse que ela conseguiu engordar. – estranhou a outra abrindo os olhos
para encontrar os olhos de Lisa um pouco mais escuros que o normal. –
Aconteceu algo?

Lisa pensou por um momento repassando a conversa que tivera com Daniela
pelo Skype na noite anterior.

- Acho que ela está com depressão. Ela precisa de alguém que a entenda e eu
quero estar lá, sabe? Meu pai não é e nunca foi uma pessoa fácil de lidar, ele
sabe exatamente como estragar o psicológico de uma pessoa.
- É claro que eu sei. – Chaeyoung puxou a mão de Lisa que estava em seu
cabelo e entrelaçou com a dela. – Eu gostaria de conhecê-la, acho que teria
muito que conversar com Daniela.

- Sim, duas depressivas reclamando sobre a vida. – riu quando recebeu um


beliscão no braço. – Nossa relação está se tornando uma versão mais real de
Fifty Shades of Grey, eu tenho infinitas marcas pelo corpo e você é a autora de
todas elas, Chaeyoung.

- Falando assim parece que fazemos sexo selvagem toda noite. – a Chaeyoung
provocou mordiscando o queixo de Lisa e deixando um beijo no pescoço
perfumado. Lisa fechou os olhos amaldiçoando Chaeyoung por ser tão
provocativa quando queria. – E eu não tenho culpa se você é branca feito
porcelana.

Chaeyoung soltou um suspiro contente, deixou seus olhos fecharem e


pressionou os lábios contra os de Lisa. O vento girava em torno delas, árvores
balançavam, pássaros cantavam, e os cães latiam alegremente à beira do lago
do outro lado do campo. Quando se separaram, Lisa passou a olhá-la com
total admiração como fazia sempre que tinha seus olhos nela, mas também
havia uma ruga de preocupação escorrendo em seus olhos.

Estava preocupada porque escondiam o que tinham há um mês, nem mesmo


suas melhores amigas sabiam e esse sentimento parecia tão certo para ser
escondido daquela forma, que era como se pudesse explodir a qualquer
momento. Ela queria fazer aquilo, Chaeyoung também queria que ela o fizesse
por mais que nunca o tivesse dito em voz alta... Precisava tornar as coisas
entre elas oficiais. O que lhe faltava era coragem.
E como sempre acontecia, Chaeyoung a leu, como se Lisa fosse seu livro
favorito de todos os tempos, e se inclinou pressionando um beijo assegurador
em seus lábios. Era exatamente o que Lisa precisava: uma razão para não
falar.

- Meus pais querem que você passe o natal lá em casa. – Chaeyoung


murmurou de olhos fechados enquanto deixava pequenos beijos na bochecha
da Lisa. – Sei que provavelmente vai voltar à Los Angeles, apenas saiba que o
convite está feito.

Lisa abriu e fechou a boca sentindo-se profundamente tentada a aceitar o


convite. Passar o natal ao lado de Chaeyoung seria como assistir a uma
comédia romântica estrelada por Ryan Gosling e Irene Mcadams.

- Eu não vou prometer, mas posso tentar, ok?

Chaeyoung sorriu satisfeita e voltou a fechar os olhos no aconchego dos


braços de Lisa que apenas a observou pegar no sono para um breve cochilo,
afinal, elas tinham todo o tempo do mundo agora que a faculdade dispensara
os alunos para o natal. Lisa recostou-se ainda mais na árvore e deixou que
seus olhos percorressem cada traço desenhado perfeitamente do rosto de
Chaeyoung.

Aqui estava ela, capaz de amar alguém que ela nunca pensou poder amar,
uma garota. Capaz de gritar em plenos pulmões para quem quisesse ouvir que
tinha encontrado sim, a sua outra metade da laranja, que contos de fadas
existiam sim, que finais felizes era questão de perspectiva. Ela estava feliz.
Como quando ganhou a boneca que batia palminhas e cantava o abecedário
no natal quando tinha sete anos, ou quando patinou pela primeira vez no lago
congelado em Ohio com dez anos; lembra-se de fechar os olhos enquanto seus
pés deslizavam com maestria no gelo como se fizesse isso desde sempre, como
se tivesse nascido para aquilo, como se não houvesse pessoas à sua volta
assistindo seu desempenho com uma interrogação no rosto devido ao seu
sorriso incontido e os olhos fechados. Porque ela estava feliz.

E era o mesmo sorriso que lhe escapava dos lábios agora observando
atentamente o peito de Chaeyoung subir e descer lentamente, a pequena pinta
localizada no começo do couro cabeludo, os lábios carnudos, convidativos. Os
olhos fechados com a leveza de quem está espiritualmente em paz.

É como quando você assiste uma hora perfeita do seu seriado preferido e não
quer ter que desligar a TV. Lisa amava o fato de conhecer Chaeyoung todos os
dias como uma pessoa nova, de conhecer cada pequeno detalhe que a tornava
ainda mais bela aos seus olhos como, por exemplo, sua antipatia por rock
pesado, a alergia ao pelo de gato, que sua cor preferida era vermelho, que
música alta lhe causava dor de cabeça; que ler livros a transportava a outros
mundos, que entre pudim e sorvete ela preferia a morte, que o café sempre
seria forte; que dias chuvosos sempre seriam melhor que dias ensolarados e
que Rachel do seriado Friends era sua personagem favorita.

A noite logo chegou acompanhada da brisa gelada de dezembro e pequenos


pontos brilhantes enfeitando o céu.

Chaeyoung se mexeu despertando aos poucos com uma careta de quem não
está pronta para despertar, Chae abriu os olhos apenas para encontrar os
lindos olhos castanhos jorrando amor por ela. Lisa a puxou mais contra seu
corpo para aquecê-la e a outra respirou em seu pescoço perguntando-se
internamente se poderia nunca mais sair do seu mais novo cantinho favorito.
- Hora de ir para casa, dorminhoca. – brincou Lisa apertando seu nariz em
brincadeira. Chaeyoung bateu na mão de Lisa quando a mais velha a
estendeu para ajuda-la a levantar.

- Não deveria ter me deixado dormir. – resmungou guardando os livros


dentro de sua mochila e recolhendo os copos do chão. – Agora vou perder o
sono e vou te encher o saco de madrugada, não duvide disso.

Lisa esticou o braço pegando a mochila de Chaeyoung e a jogando no ombro


direito enquanto sua mão esquerda entrelaçava com a da mais nova depois de
verificar se o perímetro do parque estava vazio.

- Eu não vou me importar com isso. Mas não posso dizer o mesmo de Momo,
você sabe, ela é louca.

Chaeyoung riu lembrando-se de que Momo era a única pessoa que sabia sobre
elas uma vez que as flagrou num amasso na cama de Lisa quando,
supostamente, deveria estar na casa do namorado.

Elas nunca mais esqueceriam a cara de quem viu o demônio de Momo ao


passar pela porta do quarto e do escândalo sobre sexo no dormitório que
também era dela. Mas depois de vários berros, que provavelmente todo o
campus ouviu, a amiga de Lisa, e agora de Chaeyoung, deu sua benção e
prometeu sigilo sobre o que tinha presenciado.

- Mal posso esperar para contar à Jennie e Jisoo. – disse Chaeyoung e esperou
até que Lisa destravasse a porta para entrar. – O que acha que elas vão dizer?
- Bom, considerando o nível de perceptividade de Jennie... Arrisco dizer que
ela já sabe. – comentou entregando a mochila para Chaeyoung com cuidado
antes de girar a chave na ignição e sair com o carro do acostamento.
– Vejo a forma como ela nos olha quando estou lá, é quase felino, como se ela
dissesse eu sei o que vocês fizeram no verão passado.

Chaeyoung ligou o som despreocupadamente procurando por alguma estação


realmente interessante, não que fosse fácil considerando que as músicas de
hoje em dia serviam apenas para falar de bunda, peito e sexo.

- Ela não assistiu a esse filme. Podemos assistir na próxima festa do pijama,
não é?

- Não.

- Por quê?

- Porque eu não quero, oras. Vamos assistir The vow.

O silencio recaiu sobre elas onde Lisa sabia que estava sendo fuzilada pelos
olhos negros, mas tudo o que ela mais queria era segurar o riso antes que
pagasse por isso.

- Quando você se tornou tão irritante? – perguntou Chaeyoung se fazendo de


cínica e encontrando uma estação onde tocava músicas menos recentes. – Oh,
eu conheço essa música.

É claro que ela conhecia. If I ain't got you era uma das músicas mais
conhecidas de Alicia Keys e com certeza Lisa não ficou nem um pouco
confortável naquele carro com Chaeyoung imitando, ou tentando, imitar um
rebolado no banco do passageiro.

Lalisa estacionou o carro em frente à casa dos Park onde apenas a luz da sala
e varanda estavam acesas na espera de Chaeyoung.

Lisa tentou abrir a porta do carro sentindo mais calor que o necessário
naquela noite fria, mas sentiu as mãos macias de Chaeyoung a puxarem de
volta.

- O que...? – tentou argumentar, mas foi surpreendida pelo peso do corpo da


mais nova em seu colo. Seus olhos rapidamente correram para a varanda e
sua respiração alterou rapidamente ao sentir aquele contato mais íntimo. –
Chaeyoung, o que está fazendo?

- O que acha que estou fazendo? – choramingou forçando seu quadril para
baixo com um pouco de força extra, fazendo a Lisa arfar.

Lisa tinha as mãos travadas no volante como se dependesse daquilo para


viver, a adrenalina em seu corpo fundida entre o medo dos pais de Chaeyoung
a poucos metros e a excitação que crescia entre elas à medida que Chaeyoung
continuava rebolando em seu colo.

Vinha sendo assim desde o maldito vinte oito de novembro, quando ela, sem
querer, deixou-se levar pelo momento no quarto de Chaeyoung quando Mark,
Diana e Ella não estavam em casa.

Elas estavam na cama se beijando por um tempo quando decidiram que


precisavam de um contato a mais, e sem perceber, a perna de Lisa roçou entre
as pernas de Chaeyoung fazendo-a gemer pela primeira vez contra os lábios
da namorada.

Foi uma surpresa para ambas que ficaram se encarando por um longo tempo
sem saber o que dizer e com os rostos corados. Era a primeira vez para as
duas e nenhuma delas sabia como tocar o próprio corpo, quanto mais o de
outra pessoa. O que não podiam negar, no entanto, era a onda avassaladora
que as dominava a cada nova descoberta sobre seus corpos em momentos
íntimos.

- Alguém pode ver... Amor... – tentou sem sucesso e grunhiu quando seu lábio
inferior foi sugado sem piedade por Chaeyoung. – Deus...

Chaeyoung quebrou o contato se afastamento vagamente, mas Lisa a alcançou


mandando o autocontrole ao inferno. Ela foi para frente pressionando ainda
mais seu corpo ao borbulhante de Chaeyoung que soltou uma risadinha
amável envolvendo os braços ao redor do pescoço que ela aprendera a amar.

Lalisa tinha a respiração descompassada, o pulso batendo como uma marreta


e o coração acelerado quando deixou que suas mãos envolvessem a cintura de
sua amada com força. E ela a beijou de novo e de novo. Ela não podia parar.
Ela explodiria se parasse e Chaeyoung estava muito satisfeita em continuar.
Suas bocas abriram mais uma vez e suas línguas deslizaram uma contra a
outra se amando naquela dança lenta. Lisa acariciou a língua maravilhosa de
sua garota, quase a adorando, a venerando como sua submissa.

Lalisa não poderia prová-la o suficiente e eventualmente isso deixou


Chaeyoung desesperada por ar e se afastou da outra.

- Baby... - Chaeyoung respirou pela primeira vez.


Ela era o pecado disfarçado de anjo. Seus olhos se encontraram. Peitos
ofegantes e lábios inchados. Chaeyoung olhou nos olhos agora quase negros
de Lisa sentindo-os ancorá-la mais do que a regular cor. Suas mãos
encontraram o rosto da Lisa, polegares traçando suas bochechas, sua linha da
mandíbula e os seus lábios.

Ela nunca disse baby antes, parecia algo mais íntimo. Ela não sabia se poderia
continuar com isso. Não sabia o que isso significava. Não sabia se foi isso o
que fez esses lindos olhos escurecerem.

Deus, ela não sabia de mais nada.

Então Chaeyoung inclinou-se, o enorme sorriso intacto, e capturou Lisa em


outro beijo.

Controlado desta vez. Ela tomou a boca de Lisa e seus quadris deslizaram
deliciosamente juntos, seus peitos pressionados firmemente e os dedos de
Chaeyoung emaranhados nos cabelos de Lisa.

Lalisa desviou os olhos para a varanda certificando-se de que não havia


ninguém, então trancou seu olhar de volta na garota em cima dela e não pode
conter seu próprio sorriso.

- Seu pai pode aparecer a qualquer momento.

- Eu não ligo. - Chaeyoung ronronou mordendo o queixo da Lisa. – Nós


poderíamos subir ao meu quarto agora, o que acha?
A ideia fez uma corrente elétrica percorrer o corpo de Lisa que respirou
algumas vezes imaginando uma Chaeyoung com cara de marshmallow para
espantar os pensamentos. De nada adiantou, no entanto.

- Sim, eu adoraria que seu pai usasse aquela espingarda que ele tem
pendurada na sala acima da lareira.

Chaeyoung riu tranquilamente parecendo não se importar com a ideia de


estar a poucos metros da varanda de sua casa onde a qualquer minuto alguém
poderia sair e vê-las em uma situação não muito agradável.

- Você também quer me tocar. Tanto que está tremendo em baixo de mim
nesse exato momento.

Lisa engoliu em seco e olhou novamente para a varanda. Francamente, onde


estava a garota doce e inocente que se importava apenas com a música e os
clichês da vida?

- Estou confiando que você não vai fazer nada que me faça perder o controle.
– disse com a voz rouca que deixou Chaeyoung ainda mais acesa.

- Você não vai querer confiar em mim, não nessa parte, Lalisa. - ela riu e se
inclinou para pressionar os lábios no ouvido de Lisa. - Você desperta um lado
meu que nem mesmo eu conhecia...

Lisa sentia-se tão inocente por pensar que estivera em problemas antes.
Chaeyoung foi audaciosa o bastante para chupar o lóbulo de sua orelha,
depois morder sua mandíbula e atrás da orelha, onde sua língua entrou em
ação. Isso causou arrepios diretamente entre as pernas de Lisa.
- Oh, Deus! - ela gemeu e empurrou Chaeyoung para o banco do passageiro
com a respiração descontrolada.

- Sério, Lisa? – Chaeyoung perguntou decepcionada e observou a Lisa


encostar a testa no volante enquanto recuperava o controle.

- Olha, me desculpe, ok? Eu prometi a mim mesma que não chegaríamos a


esse ponto enquanto não pedisse sua mão ao seu pai.

Ela simplesmente jogou para fora o que tinha a dizer e não quis olhar a
expressão de Chaeyoung suavizar-se e um brilho terno nascer ali, as intenções
sexuais de segundos atrás sendo totalmente esquecidas.

- Você vai pedir minha mão?

Lisa levantou a cabeça a olhando com tanto amor que Chaeyoung duvidou
que elas estivessem realmente juntas, como um casal; que a sorte a tivesse
escolhido para que Lisa fosse dela e ela fosse de Lisa. Isso era tão perfeito.

- Eu pretendia assim que voltasse de viagem. Acho que já adiamos demais e


eu não consigo perder mais tempo não sendo sua namorada.

Elas sorriram uma para a outra mostrando o amor pleno que havia em seus
olhos, somente entre elas. Estavam tão apaixonadas que começavam a
conhecer até mesmo as feições do rosto que diferenciava as mudanças de
humor uma da outra.

Lalisa recebeu um beijo na bochecha ao mesmo tempo em que esticou o corpo


no banco de trás pegando uma caixa média em forma de coração.
- Comprou um presente para mim? – Chae perguntou enquanto desciam do
carro e caminhavam até a varanda.

- Não. Dessa vez comprei um presente para a sua irmã. – fez um bico
engraçado, mas Chaeyoung apenas sorriu alegre.

Elas foram até a porta da frente e ficaram se encarando por longos momentos,
gostavam disso mais do que admitiam. Ela abaixou a cabeça e Lisa segurou
seu rosto com a mão esquerda.

– Amor? – sussurrou. – O que houve? Está chorando.

Chaeyoung balançou a cabeça limpando ás lágrimas com a manga do


moletom e sorriu timidamente, dessa vez, envergonhada.

- É só que eu estou realmente feliz.

Lalisa puxou Chaeyoung para os seus braços e a aconchegou com todo o amor
que tinha a oferecer. Elas ficaram assim por mais alguns minutos, Lisa
acariciando suas costas com as mãos enquanto o rosto de Chaeyoung
repousava delicadamente na curva do pescoço de Lisa aspirando o perfume
cítrico dela.

- Eu também estou feliz. – disse em seu ouvido antes se separarem ao


ouvirem as conversas dentro de casa.

Chaeyoung aproveitou para roubar um rápido beijo de Lisa que por pouco não
teve uma síncope. Não estava acostumada com esse tipo de adrenalina.

– Você vai acabar me matando.


Em resposta recebeu uma piscadela maliciosa. Chaeyoung abriu a porta de
casa depois de enxugar os olhos na manga do moletom e entrou com a Lisa
logo atrás; o clima lá dentro era mais quente com uma música leve que Lisa
descobriu ser blues, Ella e Diana estavam sentadas no carpete em frente à
lareira desenhando alguma coisa enquanto Mark lia algo no sofá. Tal pai, tal
filha.

- Chegamos. – anunciou Chaeyoung deixando sua mochila no sofá e atraindo


todos os olhares da sala.

- Chae! – Ella exclamou levantando-se rapidamente e pulando nos braços da


irmã. – Oi, Lisa. – disse tímida, aproximando-se com cautela e recebendo um
longo abraço apertado da Lisa que tinha o presente escondido atrás das
costas.

- Olá, Ella. – disse dando um beijo na bochecha da garotinha. – Eu estava


passeando pela cidade hoje quando me dei conta de uma coisa.

- O que? – ela perguntou inocentemente.

Todos tinham parado para observar a interação das duas.

- Logo vai começar a nevar e eu acho que todos devem ter um amiguinho para
brincar na neve. – Ella continuava sem entender, então ela tirou o embrulho
de trás das costas e o revelou para a garota que arregalou os olhos soltando
um gritinho de exclamação. – Opa! – riu quando recebeu um super abraço em
troca.
- Não acredito que Lisa está mimando essa garota, já não basta Chaeyoung. –
comentou Diana aproximando-se da Lalisa e lhe dando um abraço. –
Obrigada pelo presente, realmente não precisava.

Ella correu até o meio da sala já rasgando a embalagem, mas ela parecia ter
um pouco de dificuldade no processo então Chaeyoung foi ajudá-la.

- Eu diria que Lisa mima nossos dois bebês, Diana. – comentou Mark
chegando logo atrás com os olhos cerrados para Lisa que engoliu em seco. –
Não que isso seja algo ruim, é claro.

O casal começou a rir, era quase como se eles combinassem esse tipo de
tortura com a Lisa.

- Ai meu Deus! - exclamou Ella e todos os olhos correram para a figura de


uma garotinha agarrada ao personagem Olaf em forma de pelúcia. – Olaf, eu
amo o Olaf! Obrigada, Lisa!

Chaeyoung deixou um beijo no topo da cabeça da irmã e voltou-se para uma


Lisa sorridente.

- Você acaba de conquistar mais uma Park.

Mark abraçou a filha mais velha e os dois entraram numa conversa sobre o
natal enquanto Diana levou Lisa para a cozinha insistindo que ela passasse o
natal em sua casa caso não voltasse para LA.

O tempo passou rápido na casa dos Park, logo a Lalisa estava indo embora
com apenas um abraço apertado e muito bem disfarçado de Chaeyoung
prometendo que voltaria assim que chegasse de viagem.
Chaeyoung e Lisa trocaram olhares nesse momento porque sabiam qual seria
o real motivo da próxima visita.

♪♪♪♪♪♪

O relógio provavelmente marcava duas e alguma coisa da madrugada, Lisa


estava em seu décimo quinto sono sonhando com dragões e unicórnios no
dormitório de Columbia com os braços agarrados ao travesseiro. Momo
roncava audivelmente na beliche de cima como sempre e o clima estava muito
mais gelado que o normal.

Lalisa sentiu seu celular vibrar em baixo do travesseiro assustando-a e


amaldiçoou quem quer que fosse que a estava acordando àquela hora.
Mordeu a língua quando viu o nome de Chaeyoung no visor e a mensagem.

Amor: Skype. Agora. Não demore.

A mensagem era bem clara e Lalisa afundou a cabeça no travesseiro se


perguntando o que tinha feito para ser obrigada a sair de seu lindo sono em
plena madrugada. Fazendo o máximo de silêncio possível, se levantou da
cama e pegou seu notebook no chão tomando cuidado para não tropeçar em
nada devido ao sono que ainda a dominava.

O frio que estava fazendo aquela noite era descomunal e enquanto o aparelho
ligava, ela procurou por algumas luvas e meias na gaveta rezando para que
Momo não acordasse.
- Hey, você. – a voz de Chaeyoung saiu num sussurro do outro lado da tela.
Ela estava enrolada no edredom até a cabeça e tinha um sorriso lindo
estampado na face.

Lisa ajustou os fones de ouvido no notebook e praticamente se fundiu à


parede oposta do beliche para falar.

- Hey, você. - sua voz saiu arrastada e seus olhos quase se fechavam. -
Aconteceu algo?

- Como assim, aconteceu algo? Estou sem sono por sua culpa... E outra coisa.

Chaeyoung levantou-se da cama com o aparelho em mãos. Lisa observou a


cena confusa e viu quando a mais nova abriu a cortina do quarto revelando o
que havia por trás do vidro da janela. Estava nevando.

Lisa abriu a boca chocada e correu até sua própria janela para certificar-se de
que estava mesmo nevando, ficou maravilhada quando viu os flocos de neve
flutuarem do lado de fora da sua janela formando uma fina camada branca no
pátio do Campus.

- Isso é maravilhoso. – sussurrou sem conter o sorriso.

Chaeyoung sorriu ainda mais do outro lado da tela e voltou para a cama.

- É nosso primeiro natal, amor. Nossos primeiros flocos de neve. – falou com
a voz tão fofa que Lisa desejou estar lá para beijá-la. – Desculpe acordá-la
essa hora, eu só queria que soubesse que sou perdidamente apaixonada por
você e que vou sentir sua falta.
Lalisa sentiu seu coração afundar com aquela confissão. Onde estavam suas
chaves do carro? Se Daniela não precisasse tanto dela, com certeza teria
optado em ficar ao lado de Chaeyoung.

- São apenas dois dias. – choramingou tocando a tela onde estava o rosto de
sua amada. – E eu vou pensar em você o tempo todo. Ah, e eu decidi contar
sobre nós à Daniela.

- O que? – Chaeyoung perguntou surpresa.

- Sim, ele merece saber. É como se fosse um segredo por um segredo, sabe?
Eu sei que ele vai me entender e eu preciso que pelo menos agora um membro
da minha família saiba.

Momo remexeu-se no beliche e Lisa olhou preocupada, sabia que a estava


acordando. Chaeyoung notou o movimento.

- Eu quero saber detalhes, ok? E também não quero que você faça nada que
não esteja confortável. – disse mandando um beijo para a tela e Lisa fingiu
que pegou com a mão. – Boa viagem, eu amo você.

- Hey! – Lisa chamou quando a mais nova fez menção de desligar. Chaeyoung
a olhou curiosa. – Você ainda vai me amar amanhã de manhã?

Foi uma pergunta boba e inocente, mas Lisa não pôde se conter em sentir-se
apenas uma adolescente vivendo o que o amor tinha a oferecer. Com
Chaeyoung, ela tinha todas as inseguranças, incertezas e medos que esse
sentimento proporcionava ao mesmo tempo em que também tinha amor,
proteção e felicidade. E então ela não precisava de mais nada.
- Até depois disso. – foi sua resposta.

Uma visão do futuro


Aquele seria o primeiro e último natal de Chaeyoung e Lalisa.

________

12

4 de Dezembro de 2016. – Primeiro ano da faculdade.

Lalisa sentiu-se mal por abandonar o clima gélido e os flocos de neve de New
York pela manhã.

Depois de conversar com Chaeyoung em plena madrugada seu sono decidiu


abandoná-la de vez e provavelmente tinha sido transferido para Momo que
passou a viagem toda dormindo no assento ao lado enrolada no edredom com
a boca aberta. Jennie decidiu acompanha-las dessa vez para visitar a família e
tentar uma possível conversa sobre a sexualidade que tanto a assustava, até
mesmo Lisa estava aflita por ela. Mas diferente do que poderia ser a viagem,
Jennie também acabou adormecendo e Lisa teve como companhia seu bom e
velho Johnny Cash nos fones de ouvido.

Por sorte, Mark tinha permitido que ela guardasse o carro em sua casa já que
não gostava de abandoná-lo por mais de um dia no estacionamento da
república, não confiava nem um pouco nos marmanjos que andavam
aprontando de madrugada quando estavam bêbados o suficiente para fazer
coisas que não se lembrariam pela manhã.
Chaeyoung fez questão de acordar cedo – algo quase impossível –, para
desejar-lhe novamente boa viagem e sem que os pais vissem, roubar-lhe um
beijo casto.

Agora ela estava trancada no antigo quarto em LA observando atentamente o


teto e se perguntando internamente se Jennie já teria tomado a coragem
necessária para enfrentar os pais. Será que ela conseguiria? Como seria a
reação deles?

Por um momento sentiu inveja da coragem da amiga. Afastou os pensamentos


quando ouviu três toques sutis de sua mãe na porta do quarto anunciando que
o almoço estava pronto. Antes de levantar-se, tirou o celular do bolso e enviou
uma mensagem para Chaeyoung.

Me: Hey, você.

Não demorou muito até seu celular vibrar com a resposta.

Amor: Hey, você.

Sorriu com essa mania boba que tinham de se chamar assim desde a pequena
viagem até o rancho de Jisoo.

Me: Admito que neste exato momento esteja sentindo inveja sua por estar
tão próxima a neve quanto eu estou do Sol.

Amor: Enquanto isso estou enrolada de quatro edredons e assistindo Top


Gun.

Me: Top Gun? Sério?


Amor: Calada.

Me: Uhn. Gosta de homens militares? ;)

Amor: Só se você vestir uma farda para mim :D

Lisa riu inconscientemente e então ouviu sua mãe chama-la impaciente no


andar de baixo.

Me: Saiba que se isso foi uma cantada, você falhou miseravelmente.

Amor: Considere-se solteira.

Me: Hmmm... Amor?


Me: Chaeyoung.

Alguns segundos se passaram, a mensagem foi visualizada e nada da resposta


chegar. Lisa revirou os olhos levantando-se da cama a contra gosto e se
arrastou para fora do quarto ainda encarando a tela do celular com cara de
poucos amigos.

Me: Chaeyoung?????

Desceu as escadas encontrando seu pai com a expressão imponente de


sempre; a roupa social estava sem o blazer, a barba perfeitamente desenhada
assim como suas grossas sobrancelhas e o cabelo ralo.

Ele analisava atentamente alguns papéis na mesa com os óculos de grau na


ponta do nariz enquanto o almoço não era servido.
- Eu sempre me pergunto o que vocês encontram de tão interessante no
celular. – ele comentou analisando a filha e coçando a barba logo em seguida.

Charlote, a matriarca, já estava sentada na mesa esperando pelos demais


familiares, ela também usava roupa social, os cabelos negros e lisos lhe caíam
até um pouco abaixo do ombro, e os olhos cor de mel. Sempre muito bem
arrumada com postura rígida, como uma perfeita Manoban.

A mulher ofereceu um sorriso quando viu Lisa, era sempre assim quando
voltava, sua mãe era a pessoa mais emocional da família, talvez por isso
Daniela tenha puxado a ela.

Me: ChaeYOUNGGGGH!!

- Eu acho que você já pode guardar o celular, querida. – pediu Charlote


apontando para a cadeira ao lado. – Marco, chame Daniela para o almoço, por
favor.

- Eu já a chamei três vezes no corredor. Quem sabe meu próximo passo não
seja arrancar a porta do quarto dela?

Lisa guardou o celular a contra gosto no bolsinho do vestido jeans que usava,
costumava vestir-se assim sempre que voltava a LA a fim de evitar problemas
com o pai a respeito de suas roupas.

Daniela finalmente apareceu ao pé da escada com seus longos cabelos negros


com uma franja rebelde, os olhos castanhos e pele tão branca quanto da irmã
mais velha. Seus olhos encaravam o chão como se quisesse cavar um buraco e
se jogar lá dentro até que estivesse novamente sozinha.
- Finalmente! Você não pode morar naquele quarto, Daniela. – Marco disse
deixando os papéis de lado. – Sua mãe continua preocupada com esse seu
drama adolescente.

- Desculpe.

A Manoban mais nova limitou-se a dar uma breve olhada ao pai e sentou-se
de frente para Lisa que sentiu seu peito afundar com a imagem da irmã.
Daniela estava visivelmente mais magra que o normal, havia olheiras que
indicavam várias noites em claro e seu cabelo estava sem vida e oleoso.

- Quem vai agradecer? Lisa? – Marco indagou e a Lisa aceitou de bom grado
estendendo as mãos e segurando a da mãe e a da irmã por cima da mesa.

- Senhor, agradecemos a fatura em nossa mesa e pedimos que não deixe seus
filhos mais necessitados passarem fome. Agradecemos também mais um dia
em família e que dê uma olhadinha a mais para aqueles que precisam do teu
amor. Amém. – na última frase os duas irmãs trocaram sorrisos meigos e
todos repetiram amém, começando assim a comer.

– Eu estava pensando em levá-la até a praia hoje, o que acha, Dan?

Daniela levantou os olhos do prato assustada por ter seu nome mencionado
mesa e encolheu-se quando sentiu todos os olhos direcionados a ela.

- Eu acho melhor não, Lis. – disse com a voz baixa enrolando o macarrão no
garfo. – Eu prefiro ficar em casa e assistir a um filme.

Lalisa sabia que era uma mera desculpa para não estar perto de pessoas.
- Por favor? Nós podemos ficar num lugar afastado e eu vou estar ao seu lado
o tempo todo. – esperou a resposta da irmã que não veio.

- Responda sua irmã, Daniela! – exclamou Marco visivelmente sem paciência.

Charlote segurou sem braço num pedido mudo para que deixasse Lisa
resolver o assunto.

- Desculpe, eu não... Desculpe. – a menina pediu com um olhar angustiado


para a irmã mais velha.

A pior coisa naquele momento era ver a menina tão cheia de vida que vivia
correndo pela casa escondendo os brinquedos de Paul agora tão diferente do
que se lembrava. Seria possível uma pessoa mudar tanto em anos? Quase
como se não fosse mais a mesma pessoa.

- Tudo bem, eu não vou insistir. – Lisa a tranquilizou com um pequeno


sorriso forçando voltando a comer.

- Então, como estão as coisas em New York? – seu pai perguntou e dessa vez a
atenção da mesa era nela.

Seu rosto ruborizou quando pensou nas mil e uma coisas que vinham
acontecendo nos últimos dias em sua vida. Não havia nenhuma possibilidade
de contar a eles sobre Chaeyoung, sabia que seria a última vez que os veria se
o fizesse e Lisa, apesar de tudo, amava os pais para sacrificar por algo tão...
Novo?
- Eu estou bem. Preciso preparar alguns seminários para a semana após o
natal, continuo no mesmo dormitório que Momo... – olhou para qualquer
lugar que não fosse os seus pais e pensou que talvez pudessem ter notado seu
nervosismo. – Quando não estou em Columbia, estou no dormitório
estudando ou em algumas festas com Momo e Jennie, apenas isso.

Charlote franziu o cenho para o comportamento da filha e olhou para o


marido se perguntando se ele também tinha notado, mas felizmente o homem
estava atento no pedaço de frango no prato.

- Eu conversei com Harry, o marido de Emily, você se lembra? – continuou


ele agora com os olhos em Lisa. A Lisa afirmou com a cabeça e ele continuou.
– Disse que você pode estagiar no escritório dele, é um grande começo para
você e eu pensei que...

- Pai! – fechou os olhos pedindo paciência a Deus para aturar aquela conversa
outra vez. – Eu estou bem com meu estágio em Juilliard. Já tenho coisas
demais da faculdade para me preocupar em me adaptar em outro lugar.

Daniela era a única que se mantinha alheia à conversa da família, o garoto


continuava mexendo no macarrão mesmo sem realmente comê-lo.

- Não vejo sentido você estagiar em uma escola de música quando poderia
fazer isso nem um escritório. – ele rebateu deixando o garfo no prato. –
Aquelas pessoas não tem senso de fibra moral e muito menos de maturidade.
Pensam que cantar e dançar em cima de um palco...

- Pai... – fechou os olhos respirando fundo, dessa vez estava um pouco mais
irritada.
Daniela levantou a cabeça e Charlote olhou suplicante ao marido pedindo
para que se calasse.

– Jennie é uma dessas pessoas. E posso afirmar que vi com meus próprios
olhos pessoas muito maduras naquele lugar. Eu diria que muito mais
maduras até mesmo que estudantes de Columbia.

Marco enrijeceu-se na mesa e fuzilou a filha com os olhos.

- Quando você vai criar juízo, Lalisa? Enfiar nessa sua cabeça que cada um
tem o seu lugar na sociedade e o nosso é no topo, não no meio de pessoas
que...

Lisa bateu o guardanapo na mesa e levantou-se com raiva sem pedir licença.
Charlote até tentou chamar pela filha, mas a Lalisa já batia a porta do quarto
com a raiva queimando suas veias.

- Que droga! – resmungou irritada tirando o celular do bolso e jogou-se na


cama.

Havia vezes, como essa, que sentia ódio de Marco como jamais imaginava. Ela
odiava a forma como ele a manipulava, odiava que ele conseguisse sempre
entrar em sua mente e mudar todas as suas ideologias. Ela se sentia tão
inferior a ele, como se ele fosse seu mestre e ela devesse apoiar tudo o que ele
lhe dissesse por que era assim que tinha que ser. Ela não queria ser tão
submissa quando o assunto era seu pai.

Checou o celular suspirando ao ver uma mensagem de Chaeyoung esquecida


desde que sentou para almoçar.
Amor: Você me irrita, é uma ogra quando quer (e não são poucas vezes),
gosta de mexer com a minha cabeça o tempo todo e sempre consegue me
provocar. Eu deveria te odiar quando na verdade estou aqui deitada na
neve ao lado de Ella e tudo o que consigo fazer é pensar nos seus braços me
segurando firmemente. Eu te amo, Lisa, e mesmo tendo se passado apenas
um dia, sinto sua falta.

No mesmo instante a sensação de raiva que vibrava em seu corpo se


transformou em borboletas dançantes num dia ensolarado. Ela riu
bobamente para a tela do celular imaginando sua Chaeyoung escrevendo
aquelas palavras com neve por todo o corpo e uma Ella elétrica ao lado.

De repente essa viagem de tornou errada, como se qualquer coisa que a


mantivesse longe de Chaeyoung também fosse errado.

Uma certeza

O amor não pode ser parado assim como uma rocha ao deslizar de uma
montanha.

***

Ella continuava pulando como um pequeno canguru nas pequenas montanhas


de neve que tinha montado com a irmã mais velha no quintal de casa. A neve,
que agora tinha tomado conta de todo o perímetro da casa, era mais do que
bem vinda para Chaeyoung que estava deitada na grossa camada fofa e gelada
depois de ter feito um boneco de neve sozinha.

Dessa vez, Mark estava deitado ao seu lado observando as nuvens, eles
procuravam por formas como faziam quando ela tinha nove anos.
- Eu não acho que aquela seja uma ave. – comentou a Chaeyoung com toda a
atenção presa na nuvem. – Não tem asas.

- É claro que tem asas - ele rebateu apontando para a tal forma. – é como se
tivessem fechadas ou algo assim. E aquele é o bico, está um pouco torto, mas
podemos dizer que ele é um pássaro guerreiro.

Chaeyoung olhou o pai com curiosidade.

- Guerreiro?

Ele riu.

- Bom, não dizem que nossas mentes são uma fonte inesgotável de
conhecimento? Podemos criar o que queremos. E neste exato momento estou
dizendo que aquele pássaro lutou bravamente para defender sua família, e
como lembrança, teve uma deformação no bico.

O sorriso de Chaeyoung desapareceu. Tinham chego outra vez naquele


assunto que tanto a incomodava.

- Chae, vamos apostar corrida até o lago congelado? – perguntou Ella


aproximando-se dos dois com um casaco que a deixava parecendo uma
bolinha de pelos.

- Agora não, Ella. É melhor você entrar, já está escurecendo.

O ombro da menina caiu e ela saiu correndo até a varanda onde Diana se
encontrava sentada com o jornal e Max, o vira lata dos vizinhos que tinha
criado um buraco com os dentes na cerca e agora vivia no terreno dos Park
fazendo companhia à família.

Chaeyoung voltou sua atenção ao pai que continuava na mesma posição


encarando a lua de uma forma sonhadora que a filha tinha herdado.

- Está falando do senhor, não está? – sua voz saiu entrecortada.

Mark fechou os olhos esperando alguns segundos para responder, segundos


esses que pareceram eternos para Chaeyoung.

- Você sabe que o câncer é crônico...

- Não. Os médicos foram muito claros quando disseram que havia boas
chances dele não se manifestar mais. – exasperou incomodada. – Podemos
não falar sobre isso? Eu estou vivendo uma fase maravilhosa da minha vida
com... – engoliu o que ia dizer e ignorou o olhar curioso do pai. – Na
faculdade. Eu estou realmente feliz depois de muito tempo. Ella está
crescendo tão rápido... E você está bem! Sei que o seu trabalho é um pouco
exaustivo, eu me ofereci para trabalhar também e ajudar a bancar as contas...

Mark levou a mão ao ombro de Chaeyoung que começava a atropelar as


palavras, o desespero em sua voz e expressão era evidente.

- Chaeyoung... Tudo bem. Eu não quero que você perca sua preciosa
juventude trabalhando. Esse tempo não volta, sabia? Você deve se dedicar à
faculdade e se tornar a melhor musicista de New York, assim como eu sei que
você é.
- Mas pai... Mamãe não pode trabalhar para cuidar de Ella e as contas não
param de aumentar...

- Chaeyoung. – ele disse calmamente segurando as duas mãos da filha lhe


dando um sorriso acolhedor. – Eu tenho muito orgulho de você, já lhe disse
isso? Você precisou amadurecer muito rápido quando eu estive doente,
cuidou de sua mãe e sua irmã como uma verdadeira chefe de família. – os
dois sorriram e ele tocou o nariz dela de brincadeira. – Eu quero o melhor
para as minhas duas filhas e vou lutar até o fim por isso. Quer me ajudar? Seja
feliz. Saia com suas amigas; dedique-se à música como eu sei que você faz.
Seja essa pessoa que eu tenho orgulho de ser pai.

E para finalizar, deu um beijo suave no topo da cabeça da filha limpando as


lágrimas que insistiam em cair no rosto delicado.

- Ok... Desculpe. Eu tenho muito medo de perder as pessoas que amo, talvez
esse seja o meu problema.

- Acha que ter medo é um problema? O medo é o que nos faz desafiar a nós
mesmos. Você é a pessoa mais sensível em relação às pessoas que eu já
conheci, Chaeyoung. – ele disse pacientemente. – Você confia e espera muito
delas, talvez isso seja mesmo um problema, mas também é o que te torna
mais humana. Pessoas vem e vão todos os dias, mas aqueles que nos ama,
nunca nos deixam de verdade.

O sorriso de Chaeyoung abriu em 220 volts ao ouvir aquela frase.

- Precisamos fazer mais uma maratona de Harry Potter. – ela brincou


levantando-se na neve e o ajudando a se levantar.
Os dois se abraçaram e bateram a neve do corpo fazendo o caminho para
dentro de casa.

- Podemos começar assistindo desde o primeiro, aposto que sua mãe está
preparando chocolate quente para nós.

- Filme e chocolate quente... – ela murmurou. – Não existe combinação


melhor.

Pensamento de Chaeyoung.
Na verdade existe, filme, chocolate quente e... Lisa.

______

13

5 de Dezembro de 2016. – Primeiro ano da faculdade.

Após o episódio catastrófico do almoço, Lisa decidiu ficar em seu quarto até
que a raiva amenizasse antes de encarar seu pai outra vez.

Chaeyoung tinha avisado que faria uma maratona de filmes com os pais e ela
decidiu não interromper aquele momento em família, então se deixou
hibernar na cama encarando seu tão conhecido teto fazendo o que gostava de
chamar vários nadas.

Já passava das três da tarde quando Daniela bateu timidamente em sua porta
e entrou com os olhos no chão e as mãos entrelaçadas na frente do corpo em
sinal de nervosismo.Lisa rapidamente sentou surpresa pela atitude ds irmã.
- Aconteceu algo? – perguntou realmente preocupada.

A garota balançou a cabeça negativamente e continuou parada no mesmo


lugar.

- Eu pensei que talvez nós pudéssemos dar uma volta na praia... – começou e
parou tomando coragem. – Já faz um pouco de tempo que não saio de casa e
acho que você é a única pessoa em quem confio.

Lisa sorriu feliz por ter ouvido aquilo.

- Eu fico feliz por confiar em mim, Dan. – confessou abraçando a irmã com
saudade. – Venha, eu não vou desgrudar de você nenhum minuto sequer, ok?

A garota concordou com um pequeno sorriso e Lisa pediu o carro de sua mãe
emprestado.

Dentro da BMW X6 vermelha, Daniela se manteve totalmente em silêncio e a


irmã mais velha respeitou seu momento fazendo apenas alguns comentários
sobre lugares e pessoas que não visitava há tempos.

Já na praia de South, as duas irmãs caminharam à beira mar observando as


pessoas jogando vôlei, brincando e tomando sol. Lisa observava, Daniela
apenas andava de cabeça baixa seguindo os passos da irmã que a levou até a
parte mais isolada onde apenas um grupo de amigos estava reunido em uma
rodinha na areia cantando e tocando violão.
- Aqui é um bom lugar para descansar, eu estou mesmo precisando tomar sol.
– comentou quebrando o clima tenso que se instalara entre elas desde que
saíram de casa. – Algum problema em sentar na areia?

- Não acho que nossa mãe vai gostar do banco do carro cheio de areia. – foi o
primeiro comentário dela e Lisa ergueu as sobrancelhas surpresa por ser
sarcástico.

Daniela sentou em estilo indiano e deixou que seus olhos se perdessem na


imensidão do mar. O clima não estava tão quente graças ao inverno, então
não precisaram passar protetor solar.

- Ela sequer usa aquele carro, Dan. É exagero terem mais de cinco na garagem
quando poderiam vender ou até mesmo dar um a você.

- Papai disse que não vai me dar um carro até que eu volte a ser normal.

Aquilo pegou Lisa totalmente desprevenida e só fez sua raiva pelo pai
aumentar.

- Ele disse isso? – a garota concordou com a cabeça sem olhá-la. – Daniela...
Você não é anormal, e quem disser o contrário é um babaca. – a menina a
olhou surpresa por chamar o pai de babaca e Lisa sorriu. – Eu amo o nosso
pai e você sabe disso, mas não posso permitir que ele nos trate como
soldados.

O silêncio preencheu as duas como se as prendesse em sua própria bolha de


pensamentos.
Lalisa queria levar Daniela consigo para New York, alugar um apartamento e
morar apenas as duas enquanto a irmã finalizava o ensino médio. Seria a sua
forma de cuidar dela estando por perto quando precisasse conversar em
momentos como este, sem a pressão de uma família que só se importa com
status social.

Então um brilho refletido pelo sol chamou sua atenção e seus olhos caíram no
objeto de prata no dedo anelar de Daniela da mão direita. De repente, tudo fez
sentido. Sentiu angustia por dentro enquanto olhava aquele anel, ela queria
poder estar usando um também neste exato momento, sem vergonha de
mostrar as pessoas que amava alguém e que estava extremamente feliz por
isso.

- Qual o nome dele?

Daniela a olhou curiosa e Lisa indicou o anel com os olhos. A menina


ruborizou e os olhos castanhos assumiram uma tonalidade escura.

- Brian. – respondeu vagamente tirando uma mexa de cabelo do rosto.

Lisa continuou a encará-la, havia algo errado por trás daquele nome. As mãos
da irmã agora tremiam e seus lábios tinham crispado em linha reta.

- Olha... – suspirou, não tinha experiências de vida para dar como irmã mais
velha, então decidiu tentar algo com o pouco que tinha com Chaeyoung. – Eu
não sei o que aconteceu entre vocês, mas tenho certeza que se vocês
realmente se gostarem... Humpf, eu não sei o que dizer. Ele machucou você?
– Daniela negou com a cabeça. – Ok... Ele a traiu? – negou outra vez. –
Largou? – negou agora liberando as lágrimas, isso assustou Lisa. – Daniela,
ele bateu em você?
- Eu estou grávida! – disse num fio de voz começando a chorar
desesperadamente e enfiando o rosto nas mãos como se tivesse vergonha do
que acabara de dizer.

E Lisa?

Ela continuava paralisada no mesmo lugar sem processar o que tinha acabado
de ouvir. Ela estava... O que? Sua irmã caçula? Não, não pode ser. Daniela
tem apenas dezessete anos, ela não poderia... Oh, meu Deus!

Ela não soube por quanto tempo ficou estática sentindo seu coração bater
descompassado e uma leve pontada na cabeça pelo choque.

- Eu... Ah... Você... – mas as palavras não saíam.

Nada saía. A única solução foi esperar que o choro da caçula amenizasse.

- Por favor, Lalisa. Nossos pais não podem saber, papai vai me expulsar de
casa... Eu não estou preparada para isso ainda...

Ok, vamos de novo. Sua irmã de dezessete anos, que vivia batendo em sua
porta quando eram pequenas pedindo para brincar, a garotinha que vivia se
vestindo de princesa e adorava brincar de luta com Paul.

Sua irmãzinha mais nova teria um bebê. E ela seria tia.

Lisa sentiu corpo acordar do transe, seus olhos rapidamente captaram


Daniela a olhando como se estivesse falando por muito tempo.
- Desculpe... Eu... Eu não sei o que dizer. – respirou limpando as lágrimas que
nem ela mesma sabia que escorriam. – Isso é muito novo para mim... Daniela,
você tem certeza disso?

A garota confirmou com a cabeça e limpou o rosto com a manga da camisa


que usava.

- Primeiro eu fiz o teste de farmácia e deu positivo. Eu estava com anemia


ainda e isso me assustou para caramba, então fui ao médico com uma amiga
da escola e fiz os exames, ele disse que foi muita sorte eu ter ido para que
pudéssemos iniciar o tratamento da anemia e não prejudicar o bebê.

Lisa limpou a garganta e fechou os olhos. Aquilo era informação demais para
ela, precisava rápido de um analgésico ou sua cabeça explodiria.

- Nossos pais não desconfiaram?

- Não. – respondeu ainda chorosa. – Eu contei ao Brian semana passada e ele


disse que me amava e que assumiria nosso filho. Isso foi um completo alivio
para mim no começo, mas então eu comecei a fazer o tratamento escondido e
dizia em casa que estava melhorando sozinha. Às vezes eu pego a mamãe me
olhando como se me analisasse, como se ela soubesse de algo, tenho medo
que seja verdade.

A terra continuava girando. Não é muito fácil receber uma noticia dessas, não
que Lisa desaprovasse, passava longe disso, mas era quase como ver um bebê
tendo um bebê. Faz sentido? Não.

- Quantos meses?
- Três, não vai demorar muito para barriga começar a aparecer e por isso
estou usando camisas largas como essas. – apontou para a própria camisa que
usava. – Os pais de Brian prometeram ajudar caso meus pais me expulsassem
de casa, mas... Eu tenho dezessete anos, Lisa. Eu tenho meus amigos, nossos
pais e tanto o que conhecer ainda. Terei que abdicar de tudo isso por essa
coisinha que está crescendo dentro de mim. Não é fácil... Não é! – recomeçou
a chorar e Lisa a puxou contra seu peito, era o mínimo que poderia fazer num
momento como aquele. – Eu não sou louca, não tenho depressão... Eu só
estou assustada. Nosso pai odeia o que está fora do nosso círculo de
convivência, para ele todos são miseráveis e Brian é apenas um farmacêutico.
- suspirou. – Ele não é rico e eu pouco me importo com isso.

- Mas nosso pai se importa. – Lisa complementou fazendo carinho nos


cabelos da irmã. – Escuta... Eu ainda estou em choque e preciso admitir isso,
você me pegou totalmente desprevenida para o assunto. Mas você é minha
irmãzinha e eu vou sempre estar ao seu lado. Fico aliviada em saber que ao
menos você tem Brian e a família dele ao seu lado, e mesmo que nossos pais
não fiquem também, você tem a mim.

- Eu sabia que poderia confiar em você. – sorriu com o rosto inchado e os


olhos vermelhos. – Me sinto mais leve sabendo que alguém da minha família
sabe.

- Não se preocupe, eu vou estar ao seu lado. – riu e levou sua mão à barriga da
irmã. – Olá pequeno ser que cresce aí dentro. – imitou uma voz infantil. –
Acho que ainda não fomos devidamente apresentados, meu nome é Lisa e eu
sou sua tia.

Deus... é tão estranho dizer isso. As duas riram e Daniela desvencilhou-se dos
braços de Lisa.
- Agora me solte antes que as pessoas pensem que somos lésbicas. – riu
soltando-se um pouco mais, mas o comentário atingiu Lisa em cheio.

Pela segunda vez no dia ela paralisou com os olhos em Daniela. Logo, seu
pensamento correu até uma garota que tinha tocado a mais linda das canções:
A do seu coração.

Pensar em Chaeyoung a deixava tão confiante que agora vendo Daniela expor
seu segredo mais intimo a impulsionava a fazer o mesmo. Era claustrofóbico
lembrar-se de cada toque, de cada beijo trocado como juras de amor eterno e
não poder falar sobre isso.

- Dan? – chamou hesitante, começou a brincar com os dedos das mãos


porque sabia que se encontrasse os olhos de Daniela, desistiria.

- Hm?

- Eu conheci alguém.

Daniela abriu um sorriso meigo e ajeitou-se perto da irmã para ouvir mais a
história.

- Não é apenas uma ficada ou uma ilusão? – Lisa negou. – Caramba, Lalisa!
Isso é surpreendente vindo de alguém que se apaixonava a cada um mês.

Em resposta, recebeu uma careta da irmã mais velha.

- É sério dessa vez. Eu finalmente encontrei alguém que me faz querer


estabilizar. Eu estou muito feliz.
- E qual o nome dele?

Lisa tremeu.

Respirou, criou coragem reproduzindo o sorriso de Chaeyoung em sua mente


e finalmente enfrentou os olhos de Daniela.

- O nome dela – frisou a palavra ganhando uma sobrancelha arqueada da


irmã. - É Chaeyoung.

Daniela ergueu a sobrancelha direita e sua boca entreabriu em surpresa. Lisa


não sabia o que pensar, seu corpo todo tremia e sua respiração saia
descompassada devido à revelação que fizera assim como sua irmã poucos
minutos antes.

Pouco a pouco, a expressão surpresa da garota se transformou num sorriso


divertido.

- O que foi?

- Eu já sabia. – disse empurrando a Lisa em brincadeira. – É uma surpresa


ouvir isso agora, mas eu já sabia.

Lisa piscou incrédula com o que tinha acabado de ouvir e bufou.

- Como sabia disso?

- Momo.
- O QUE? – gritou assustando Daniela. – Desculpe, eu... O que ela fez?

O grupo que antes estava sentado mais à frente levantou-se e passou por elas
seguindo para a orla. Daniela esperou até que todos tivessem saído para
continuar.

- Provavelmente a mensagem era para você, veja. – tirou o celular do bolso do


short, mexeu por alguns segundos e o entregou para Lisa em uma mensagem
datada no começo do mês.

Momo: LISAAAAAAA euuu ach bomvc e a coisinha não eratem transando


no meu quarto porque estou chegando e não equero presencir mais nenhm
atentado a minha iocencia.

Foi um pouco difícil entender a mensagem, mas assim que o fez, Lisa teve
certeza que Momo não chegaria viva em casa assim que entrassem naquele
avião. Sabia que seu rosto estava totalmente corado agora pela forma risonha
como Daniela a olhava.

- Desculpe você ter descoberto assim, Momo consegue ser uma imbecil
quando quer.

- Relaxa, Lisa. Eu fiquei surpresa quando li, mas achei divertida a ideia de ter
uma irmã lésbica...

- Eu não sou lésbica! – afirmou rapidamente assustando Daniela mais uma


vez.

As duas ficaram se olhando em silêncio, ela odiava quando sua mãe e Daniela
faziam isso, elas a analisavam como se a pudessem ler.
- Você está em choque com isso, não está? Dá para ver no seu olhar que está
aterrorizada com o fato de estar com uma garota.

A Lisa respirou e jogou o corpo para trás deitando na areia sem se importar
em sujar o vestido.

- Talvez o meu medo seja como o seu e mais além. – falou cobrindo os olhos
do sol. – Existe toda uma sociedade pronta para nos julgar e tudo o que eu
menos quero é que Chaeyoung saia machucada nessa história.

- Espera. Então o seu maior medo é que ela saia machucada? – a caçula
perguntou com um brilho diferente nos olhos e Lisa afirmou. – Quando vou
conhecer minha cunhada?

Lisa riu e balançou a cabeça.

- Eu não sei, Dan. Nos conhecemos há apenas dois meses e temos um de


relacionamento. Não é uma relação firme ainda para ter esse tipo de certeza,
sabe? Apresentar à família e amigos... Essas coisas.

- Bobagem. Esse negócio de tempo foi inventado por quem tem medo de
amar. Quando é para ser, não importa se leva apenas uma troca de olhar, um
mês, dois anos, nada disso importa. Apenas acontece e eu nunca te vi falar de
ninguém com esse brilho no olhar. Sou sua irmã, conheço você.

Ela tinha razão. Uma garota de dezessete anos, grávida e com trauma de tudo
o que vinha passando tinha razão sobre sua vida.

- Ela é bonita?
Automaticamente o sorriso de Lisa estampou em seu rosto como se ele fosse
feito exclusivamente para Chaeyoung e Daniela não deixou de notar isso.

- Ela é maravilhosa, Dan. É diferente de todo mundo, sabe? Chaeyoung


enxerga o mundo com os olhos de uma verdadeira sonhadora, ela vê romance
nas pequenas coisas e eu me arrisco a dizer que é a garota mais linda que já vi
na minha vida. Eu poderia enumerar tudo o que ela tem de bom e
passaríamos o resto da semana aqui.

Daniela começou a rir e a emitir um awn, Lisa também não conseguia parar
de sorrir porque ela tinha acabado de falar sobre seu motivo para tal coisa.

- Somos as filhinhas do papai, que orgulho. – a caçula brincou. - E onde está


sua aliança?

Lisa olhou para as próprias mãos como se também buscasse pelo objeto. Seu
sorriso morreu e a coragem também. Lembrou-se da promessa que tinha feito
à Chaeyoung de que quando voltasse, a primeira coisa que faria seria pedir
sua mão em namoro a Mark. E isso era tão assustador.

Ela estava apaixonada por Chaeyoung, não do tipo que gosta de curtir o
momento com a pessoa e o sexo é bom. Elas nem mesmo tinham feito sexo. O
lance que elas tinham era baseado na confiança e amizade, Chaeyoung era o
tipo de pessoa que sempre a fazia rir até mesmo com piadas sem graça, que a
forçava a fazer coisas que sempre teve vontade e mesmo assim nunca pensou
que faria.

Lalisa queria fazer loucuras por Chaeyoung, viver cada minuto intensamente,
e foi nesse diálogo interno que ela chegou ao consenso.
- Eu ia te chamar para comprar comigo agora.

A caçula sorriu surpresa.

- Agora? Então você que é a ativa da relação?

Lisa corou e ajudou a irmã a levantar.

- Vê se não enche meu saco, gestante.

E as duas foram trocando farpas até o carro, onde Daniela indicou uma loja
de joias ainda ali perto. De certa forma ela estava suando com o que estava
fazendo, nunca pensou que seria ela a pessoa que compararia as primeiras
alianças.

Como o mundo pode dar voltas, não é?


♪♪♪♪♪♪

O domingo tinha sido atingido por uma forte nevasca que obrigou os Park a
ficarem dentro de casa. Mark ligou a boa e velha vitrola reproduzindo Nina
Simone enquanto jogavam banco imobiliário no chão da sala com Chaeyoung
ganhando todas as partidas e Mark tentando roubar.

Quase no final da tarde, a nevasca finalmente parou e Mark decidiu sair para
ver o tamanho dos estragos, felizmente o único problema seria desbloquear a
garagem da parede de neve que tinha se formado rente ao portão.

Meia hora depois, Diana, Chaeyoung e Mark empunhavam suas pás


destruindo a parede de neve enquanto Ella brincava correndo de um lado ao
outro fingindo que era um avião humano. Chaeyoung usava um enorme
casaco branco que costumava ser de sua mãe, luvas brancas, duas calças de
moletom, duas meias, um par de pantufas e um gorro também branco com
duas bolinhas que caíam de cada lado. Seu celular começou a tocar e ela viu o
nome de Lisa na tela.

- Alô? – atendeu se contendo antes que dissesse amor na frente dos pais.

- Amoooooor, desculpe não ter falado com você ontem. Eu tive uma longa
conversa com meus pais e logo depois fui dormir. Me desculpa?

- Você sabe que sim, Lisa. Tudo bem por ai? Como está Daniela?

- Deus, nós conversamos muito ontem e descobri algo que me deixou com
cara de retardada.

- Mais?

- Amoor! Não seja má. Eu estou com saudade e não posso abraçá-la agora.

- Ok, ok. Me desculpe. Quando voltar eu quero saber tudo.

- Pode deixar, vai ser minha prioridade.

- Lalisa? – chamou cuidadosa.

- Sim?

- Você já tem uma resposta? Sabe... Sobre passar o natal aqui?


- Hm. É complicado, amor. Infelizmente eu liguei para avisar que meus pais
querem que eu fique o resto da semana aqui, não sei quando vou poder voltar.

- O que? – sentiu seu coração se apertar e abaixou o tom de voz quase em


desespero. – Uma semana?

- Sim. Eu tentei ir contra, mas são meus pais. Eles ainda pagam minhas
contas.

Silêncio. Chaeyoung enterrou a pá na neve se encostando a ela e se segurou


para não deixar uma lágrima cair. Era bobeira, mas a falta que Lisa fez em
apenas um dia era dilacerante para seu coração, o que aconteceria em uma
semana?

- Tudo bem... Eu só vou sentir sua falta.

- Amor, tudo bem mesmo? Não quero que fique brava.

- Não! É claro que não, está tudo bem. É sua família e eles vêm em primeiro
lugar. Nós temos o Skype, podemos nos ver por lá...

- Viu, eu sabia que entenderia. Você é a melhor pessoa do mundo. Mesmo


sem querer, Chaeyoung sorriu. - Preciso desligar, vou em uma balada com
Daniela agora.

- Balada? – engasgou assustada.

- Sim, amor. Algum problema?

Engoliu em seco.
- Não. Claro que não.

- Ok, então, se cuida, tá? Te amo.

- Eu também.

Desligou o celular lentamente e continuou a encarar o nada se sentindo a pior


pessoa do mundo. O que tinha acabado de acontecer? Por que Lisa a estava
tratando como se não fossem nada além de ficantes? Será que ela tinha
desistido da ideia de pedi-la em namoro? E por que isso dói tanto?

- Você é mais fácil de enganar do que eu imaginei. – ouviu uma voz rouca que
fez seu coração saltar do peito, Chaeyoung virou-se para encontrar uma Lalisa
vestida num sobretudo preto, botas da mesma cor, touca e luvas encostada no
táxi com um olhar sapeca.
– Feliz natal.

A primeira pessoa a correr até ela foi Ella que a abraçou contente.

- Um dia sem te ver e eu já senti saudade, pequena. – brincou fazendo cócegas


em Ella que se contorceu em seus braços rindo.

Ella voltou ao chão e correu até a irmã como se para avisá-la de que Lalisa
estava ali, mas Chaeyoung tinha petrificado no meio do caminho com um
sorriso idiota e o coração berrando para que fosse entregue a aquela Lisa de
olhos que a ancoravam.

- É uma surpresa vê-la aqui, Lisa! – disse Diana abraçando a menina. –


Vamos entrar, eu vou preparar a janta e...
- Na verdade, Diana, eu trouxe a janta. – anunciou abrindo a porta de trás do
táxi e tirando três caixas de pizza, sendo uma delas vegetariana.

- Oh, Deus! Estou livre de preparar a janta hoje. – ela brincou pegando as
caixas das mãos da Lisa e correndo para dentro com Ella.

Mark aproximou-se de Lisa com a pá na mão direita e um olhar analítico. A


Lisa tremeu da cabeça aos pés se perguntando se ele usaria a pá caso ela
pedisse a filha dele em namoro.

- Como estão seus pais?

- Bem, muito bem. Obrigada. – ela respondeu nervosa, tirando um sorrisinho


brincalhão do homem.

- É muito bom te ver, Lisa. A casa ficou vazia sem você ontem.

E com um tapinha no ombro, ele se retirou para dentro de casa deixando


apenas Lisa e uma figura esquecida perto da garagem.

- Oi? – tentou preocupada com a reação de Chaeyoung que estava cética. –


Tudo b...?

Mas não foi possível terminar a pergunta. Chaeyoung agarrou sua mão direita
e saiu arrastando-a até a varanda e de lá até o quarto onde trancou a porta e
virou-se com cara de poucos amigos para Lisa.

- Você está me assustan-


E mais uma vez, sem poder terminar a frase, foi empurrada sem nem um
pouco de delicadeza contra a parede tendo sua boca invadida pela de
Chaeyoung. Ela suspirou sentindo o contato quente de suas línguas e de
repente o mundo foi esquecido. Lisa agarrou firmemente a cintura da outra
puxando-a contra si possessivamente quando Chaeyoung gemeu baixinho
contra sua boca.

No começo o beijo foi selvagem, cheio de saudade e necessidade, até suas


respirações diminuírem e seus corpos relaxarem. Chaeyoung diminuiu seus
beijos para quase um rastejo.

Seu próprio coração batia em seus ouvidos, então ela abriu os olhos e beijou
seu lábio superior, então o inferior, deu uma mordida e viu os olhos de Lisa
vibrarem por trás das pálpebras. Ela colocou toda a saudade em cada beijo.
Apertou os dedos em torno de cada lado do pescoço de Lisa, puxando-a para
mais perto, mais apertado, quase dentro dela.

Chaeyoung estava sedenta pela a outra, não entendia isso que vinha
acontecendo com ela, mas sabia que precisava cada vez mais dos toques dela.
Não estava apenas apaixonada. Ela estava entregue, realizada, feliz,
comprometida. Lisa não era só uma garota, ela era maravilhosa, sua garota,
sua fonte de prazer, de amor, de carinho, de confiança.

Estar com Lisa a tornava narcisista, sentia-se a pessoa mais sexy e desejada
do mundo quando sentia os toques sutis da Lisa.

Seus gemidos ficaram mais altos conforme as caricias se tornavam mais


quentes e Lisa se viu apertando os olhos com força. Ela ansiava por uma
ligeira noção de controle ou nunca olharia para trás. Ela cairia, dando tudo
para essa garota em um instante.
Lalisa ofegou por ar, terminando o assalto em Chaeyoung.

Ambas mantiveram as testas coladas, respirações descompassadas, o peito


subindo e descendo repondo o ar que lhes faltava.

- É... – Chaeyoung respondeu com as duas mãos no peito de Lisa. – Eu estou


bem.

A Lisa sorriu e conectou seus lábios devagar, num beijo lento e sem pressa,
apenas apreciando o sabor e o poder que Chaeyoung exercia sobre si.
Chaeyoung prendeu seu lábio superior entre os dela demorando-se assim, até
finalmente separar suas bocas que já ansiavam por mais, e recebeu um beijo
na testa seguido por um abraço apertado de Lisa.

- Eu pensei que só voltaria amanhã. – sussurrou ainda no abraço apertado.

- Eu também. Até perceber que o que eu queria estava aqui em New York -
beijou a ponta do nariz da mais nova com carinho. – meu lugar é aqui com
você. Hoje, amanhã, no natal, sempre.

Os olhos de Chaeyoung brilharam intensamente com a surpresa.

- Então quer dizer que vamos passar o natal juntas? – perguntou feliz demais
para acreditar. – Tipo, trocar presentes, nos beijar, e encher o saco uma da
outra?

Lisa riu gostosamente enfiando o rosto na curva do pescoço de sua amada.


Nunca foi muito fã de Marshmallow, mas estranhamente esse vinha sendo o
cheiro que mais amava nos últimos dias.
- Sempre, amor. Onde quer que você esteja; eu também vou estar.

Sem se aguentar, Chaeyoung pulou envolvendo suas pernas na cintura da Lisa


que riu surpresa e começou a andar pelo quarto com ela no colo a provocando
com vários selinhos.

- Meninas, a mesa está pronta! – anunciou Diana na escada.

Lisa soltou Chaeyoung no chão, elas trocaram mais alguns beijos antes de
abrir a porta do quarto e sair.

- Balada, né? – provocou Chaeyoung dando um tapa na bunda da Lisa que


arregalou os olhos e formulou um palavrão. – Vou precisar ocupar essa boca
suja com outra coisa...

E deixou uma Lisa encabulada para trás. As duas desceram correndo e


encontraram a família em volta da mesa conversando aleatoriamente.
Chaeyoung ocupou a cadeira ao lado de Lisa, Diana de Ella e Mark no meio,
como os pais sempre fazem.

O jantar ocorreu maravilhosamente bem, Mark contou à Lisa sobre ter subido
de cargo e a Lisa mostrou-se muito feliz pela notícia. Diana também
aproveitou para perguntar sobre sua família e Lisa decidiu não esconder sua
pequena discussão com seu pai sobre não voltar no natal à LA e sobre a
gravidez de Daniela.

A opinião do casal era a mesma de Lisa sobre apoiar a menina mesmo que os
pais não o fizessem e Chaeyoung reforçou a ideia de que gostaria muito de
conhecê-la.
No final do jantar, quando todos estavam com a barriga cheia e conversando
sobre coisas banais com Ella assistindo desenhos na sala, Lisa pigarreou e
levantou-se.

Chaeyoung estranhou a atitude da menina, mas logo uma lâmpada estourou


lá no fundo de seu cérebro e seu sistema nervoso se pôs a trabalhar
rapidamente.

- Eu gostaria de dizer uma coisa. – Lisa parecia muito assustada, ela tremia e
evitava a todo custo encarar Mark.

Oh, está acontecendo... Fazer, ou não fazer? Fazer, ou não fazer? Fazer...

– Eu sei que não faz muito tempo que os conheço, mas gostaria de deixar
claro que em pouco tempo de convivência, Mark e Diana, vocês se tornaram
minha segunda família. Ella é minha irmãzinha mais nova. – olhou para
Chaeyoung e sentiu-se presa naquele olhar doce que lhe proporcionava calma.
Sim, ela precisava fazer. A Chaeyoung a olhava como se dissesse que estava
tudo bem e que ela estaria bem ali, sentada ao lado para segurá-la caso caísse.
Levantou os olhos novamente para o casal que a olhava com curiosidade. –
Eu conheci Chaeyoung de uma forma inusitada. Eu... Nos conhecemos através
do que ela mais ama e isso não poderia me deixar mais honrada. Eu amo a
música, mas se não amasse, passaria a amar assim que a conhecesse. Vocês
quatro são a família mais acolhedora e unida que eu já conheci, ás vezes me
sinto parte de tudo isso, e eu nunca serei grata o suficiente por isso. Mas, ao
meio disso tudo, em meio à amizade linda que Chaeyoung e eu construímos,
nasceu também o amor que eu prezava não conhecer. – Diana abriu a boca e
Mark se manteve sério. – Eu me apaixonei por Chaeyoung como nunca pensei
que pudesse ser capaz de me apaixonar. – Chaeyoung segurou a mão da Lisa
nesse momento. – E esse amor é correspondido, para a minha sorte, desde
então eu tenho sido a mulher mais feliz do mundo com ela e... Por ela. –
gaguejou, o suor escorria em sua testa. – Mark, eu não sei se você vai querer a
minha cabeça depois disso, mas eu não posso mais passar um minuto sequer
sem ser apenas a garota de Chaeyoung. Eu prometo honrá-la como ela
merece, prometo dar a ela tudo o que estiver ao meu alcance e ser feliz porque
eu sei que ela está feliz. Eu gostaria de pedir a mão da sua filha em namoro.

O silêncio na cozinha foi mortal. Diana tinha a mão esquerda no coração e


pela primeira vez Mark esboçava uma reação.

- Eu estava me perguntando se teria que forçá-la a seguir a tradição e pedir a


mão de minha filha da forma correta. – ele disse tomando um gole do
refrigerante. Chaeyoung e Lisa se entreolharam confusas. – Acham mesmo
que nós não sabíamos? Graças a Deus não estão cursando artes cênicas, caso
contrario, seriam as piores atrizes no ramo. – riu sozinho e levantou para
apertar a mão de Lisa. – Eu gosto de você, Lisa. A tenho como minha filha
desde o primeiro dia em que chegou aqui e nos tratou com respeito. Eu sou o
pai de Chaeyoung, vi a mudança drástica da minha menina depois que você
entrou na vida dela, e se quer mesmo saber, eu não desejaria uma nora
melhor que você.

Chorando, Chaeyoung levantou correndo e abraçou o pai pelo pescoço. Lisa


ainda estava de pé emocionada vendo a cena. Não podia sentir-se mais feliz
do que já estava.

- Você disse coisas tão lindas sobre meu bebê. – disse Diana segurando a mão
da Lisa por cima da mesa. – Vocês são lindas juntas, você cuida dela, Lisa. E
isso é uma grande parcela do que é uma relação.
- Obrigada, Diana. Eu não vou decepcioná-la. Vou dar minha vida para que
Chaeyoung seja feliz.

A Chaeyoung, ouvindo isso, a abraçou com força como se sua vida dependesse
disso. E talvez dependesse. Não contendo a felicidade no peito, Lisa afastou-
se de Chaeyoung e tirou uma caixinha de dentro do sobretudo fazendo os
olhos de Chaeyoung duplicarem de tamanho.

- Como Mark quer algo que segue a tradição, eu vou fazer o meu papel aqui. –
deu uma piscadela para Chaeyoung antes de ajoelhar-se em frente a ela que
levou as duas mãos a boca.

– Park Chaeyoung, você não é só minha inspiração, mas também minha


composição preferida. Você aceitar ser a minha garota?

Diana e Mark eram só risos quando Chaeyoung gritou que sim e se jogou nos
braços ao qual ela pertencia.

♪♪♪♪♪♪

O casal, agora oficial, se encontrava deitado na neve apreciando e sentindo os


flocos caírem em seus rostos. Chaeyoung observava a aliança em seu anelar
enquanto estava aconchegada a namorada que lhe fazia carinho no cabelo em
silêncio. Era o momento delas, o momento de apenas estar uma com a outra
sentindo o frio as aproximar mais quase se fundindo uma à outra.

- Deve ter custado uma fortuna. – comentou depois do silêncio.

- Isso não importa. Você merece isso e muito mais. – deixou um beijo no topo
da cabeça da Chaeyoung. – Esses flocos de neve são os primeiros de muitos
que vamos presenciar. Ano que vem quero estar assim com você, neste
mesmo lugar.

- E depois disso?

- Até meus cento e nove anos.

Chaeyoung riu.

- Acha que vai viver até os cento e nove?

- E por que não?

- Você come carne, vai morrer na casa dos cinquenta.

- Humpf! Minha cof, cof – fingiu que estava tossindo. - namorada, cof, cof,
premeditando o dia da minha morte.

- Só estou dizendo a verdade. Você já viu como as vacas são mortas para se
transformarem na carne que você come?

- Lá vem...

- Eu falo sério. Eu andei pesquisando e...

- Cale a boca.

- Não me mande calar a boca.

- Cale a boca.
- Humpf!

- Você fica fofa irritada.

- Não estou irritada.

- Então vamos cantar.

- Não quero.

- We are sailing stormy waters, to be near you, to be free.

- Para.

- Não. Oh Lord, to be near you, to be free. - Oh, Deus.

- Home again across the sea...

Observação espontânea
O amor também te faz idiota

♪♪♪♪♪♪

Música que Lisa canta no final: Sailling - Rod Stewart

_______

14
24 de Dezembro de 2016 – Primeiro ano da faculdade.

O dia em questão era considerado o mais frio do ano. Havia três bonecos de
neve espalhados pelo quintal dos Park e luzes natalinas de todas as cores
penduradas na varanda e árvores que cercavam o terreno dando vida àquela
casa.

Chaeyoung, Lisa e Ella tinham feito um bom trabalho com a decoração


natalina, e estavam orgulhosas por isso. A Lisa pendurou uma guirlanda na
porta de entrada que continha uma plaquinha de madeira com a inscrição
Família Park.

Na sala, uma árvore de natal de quatro metros que Lisa tinha comprado de
presente à família foi também decorada pelo jovem casal que demorou mais
que o necessário quando Chaeyoung insistiu em pendurar os enfeites em Lisa
ao invés da árvore.

Ella pendurou várias meias coloridas na lareira e deixou seu boneco Olaf em
cima desta para que o Papai Noel o visse quando chegasse na madrugada.

Diana as tinha expulsado da cozinha quando Lisa se ofereceu para ajudar com
o banquete, disse que ela precisava curtir o namoro e que poderia obter a
ajuda do marido assim que ele voltasse da cidade onde tinha ido buscar as
bebidas.

E agora, Lisa estava na escrivaninha de Chaeyoung com o notebook aberto e o


livro ao lado depois de um longo banho; precisava finalizar aquele trabalho
antes que voltasse de férias e tivesse o Sr. Manson a atormentando em pleno
ano novo.
Já estava anoitecendo, pela janela do quarto era possível assistir a um lindo
pôr-do-sol no horizonte que revestia o céu de cores vermelho e laranja.

Deitada na cama de bruços e com as pernas cruzadas no ar, Chaeyoung tinha


um headfone rosa conectado ao celular e mantinha os olhos fechados
enquanto seus cotovelos estavam apoiados na cama e suas mãos sustentando
o rosto.

- Chaeyoung, você poderia me emprestar sua impressora? Eu preciso... –


quando Lisa se virou não obtendo resposta, deparou-se com a mais linda das
cenas.

Chaeyoung não parecia pertencer a este mundo. Seus olhos fechados


suavemente formavam uma áurea inocente em volta daquele lindo anjo; um
leve sorriso gostoso brincava em seus lábios indicando que ouvia uma música
que realmente gostava. Os longos cabelos estavam levemente desarrumados e
o moletom cinza escrito Hogwarts em preto a deixava extremamente
magnifica.

Então Lisa parou, ou melhor, esqueceu tudo o que fazia e aproximou-se com
cuidado da cama; sentou no chão cruzando os braços no colchão apoiando a
cabeça bem de frente para a garota, estavam a centímetros e a Lisa tinha
certeza que ficaria daquele jeito para todo o sempre se assim lhe fosse
permitido.

Lalisa inspirou o cheiro de Marshmallow e expirou lentamente, sua respiração


brincando na mecha de cabelo caída sob o rosto sonhador.
Aos poucos, Chaeyoung abriu os olhos e permitiu-se sorrir um pouco mais ao
deparar-se com olhos castanhos totalmente brilhantes.

- Eu amo o jeito que você olha para mim. – disse baixinho deixando o fone
pendurado no pescoço.

Lisa piscou ainda admirando aquela garota surreal que agora levava no anelar
direito a prova de que pertencia somente a ela.

- Promete que vamos ser velhas loucas? – perguntou levando sua mão ao
rosto de Chaeyoung como se tocasse porcelana e deslizando os dedos na sua
pele levemente, o que fez a Chaeyoung fechar os olhos apreciando o toque
gentil. – Promete que vai contar nossas histórias aos nossos filhos e para
qualquer pessoa que seja digna de ouvi-la?

- Eu prometo, amor. – ela disse abrindo os olhos e puxando Lisa pela mão até
que estivessem deitadas corretamente na cama, a Lisa acomodada em seu
peito com os braços segurando sua cintura firmemente.

– Nós vamos ser o casal o mais lindo da cidade andando por ai com setenta
anos aos tropeços, ou até mesmo metidas em um asilo pelos nossos filhos.

Lisa riu e puxou o edredom até que estivessem confortavelmente quentes e


protegidas do frio que insistia em ser cortante.

- Quantos filhos acha que vamos ter?

- Hm, eu não sei. Talvez um casal?

- Sério? Estava pensando no mínimo cinco.


Chaeyoung afastou um pouco a cabeça para olhar a namorada que ria
baixinho em seu peito.

- Tenho certeza que não vai ser de você que todas essas crianças vão sair,
então podemos ter dois e depois adotar mais três.

- E qual nome vamos dar se o primeiro for menino? – Lisa estava gostando de
entrar naquela conversa, a sensação de imaginar seu futuro ao lado de
Chaeyoung fazia seu peito inchar de felicidade.

- Eu não sei. Gosto de Ethan. – murmurou a Chaeyoung invertendo as


posições com Lisa ficando montada nas coxas de Lisa com um sorriso doce. –
É de um filme que assisti onde o garotinho, que na verdade era um anjo, se
chamava Ethan. Fiquei com esse nome na cabeça desde então.

- Ethan... – repetiu a Lisa recebendo um beijo nos lábios. – Gostei desse


nome. Algo mais?

Chaeyoung reclamou na boca de Lisa, odiava quando era interrompida de seu


trabalho. Parou o beijo, olhou a namorada por uns segundos e sorriu.

- Os outros nomes ficam por sua conta, ok?

- Mas...

Chaeyoung mexeu seu quadril em provocação empurrando-se mais para cima


e Lisa engasgou com a sensação de suas intimidades, mesmo que por cima da
calça, se chocando.
Chae sorriu mais claramente com o poder que exercia sobre a namorada.
Mexeu o quadril para frente mais uma vez e sentiu Lisa levantar o dela em
uníssono enquanto separava as pernas, Lalisa cravou as unhas nas mãos de
Chaeyoung que mordeu o lábio em resposta.

- Isso é tão gostoso... – Lisa choramingou quando Chaeyoung pressionou


mais uma vez os quadris.

Chaeyoung olhou para a porta do quarto que permanecia fechada pensando se


deveria seguir seus instintos; ela não aguentava mais, cada dia que passava o
corpo de Lisa se transformava em uma tentação ainda maior e o pior castigo
seria não poder tocá-la quando seu corpo gritava que o fizesse.

- Por que você parou? – Lisa resmungou apertando ainda mais as mãos de
Chaeyoung, tirando-a do transe. – Você não pode começar uma coisa e parar,
Chaeyoung...

Antes que Lisa pudesse processar o que estava acontecendo, Chaeyoung tirou
seu moletom de Hogwarts e o jogou em algum canto do quarto que nenhuma
das duas prestou atenção.

Chae observou o pescoço nu de Lisa, clavícula e peito arfante tão alvos que
facilmente ficavam marcados por suas unhas. Ela era linda.

Chaeyoung puxou as duas alças do sutiã de renda preto para baixo, liberando
os seios médios da garota, e passou as mãos sobre sua frente nua, com os
olhos arrastando junto com elas de forma lânguida, admirando, queimando a
pele exposta à sua frente.
Oh, Deus! Era a primeira vez que tocava uma menina na sua vida e isso não
poderia ser menos maravilhoso. Então era isso que elas estavam perdendo
todo esse tempo?

O rosto de Lisa se contorceu quando Chaeyoung brincou com seus seios,


ainda inexperiente sobre como tocá-los. Chaeyoung deixou estrias vermelhas
sobre aquele abdômen glorioso e parou no cós dos jeans de Lisa.

Ok, ela queria tocá-la lá dentro.

Lisa abriu os olhos, aquele tom escuro que Chaeyoung tanto amava estava lá,
aquele tom que dizia de uma forma não verbal que gostava do que a mais
nova fazia.

- Amor? – chamou Lisa num fio de voz. Chaeyoung esperou. – Ah, dane-se!

Num impulso, a Lisa conseguiu inverter as posições e em resposta Chaeyoung


soltou um gritinho surpreso quando sentiu seu corpo preso na cama pela
namorada.

Lisa sempre estava no controle da situação e dessa vez não seria diferente. Ela
segurou queixo de Chaeyoung para mantê-la no lugar e beijou intensamente,
deixando Chae impotente para fazer qualquer coisa.

Chaeyoung tinha perdido o controle, tinha mandado qualquer tipo de


sanidade ao inferno quando sentiu que estava acontecendo. Era isso... Ela
esperou tanto por esse dia! Então uma luz no seu cérebro a lembrou que tinha
mãos, e mesmo que sua inexperiência falasse mais alto, decidiu agir sobre os
impulsos.
Sem quebrar o beijo, ela escorregou sua mão livre entre elas, e acariciou entre
as pernas de Lisa por cima da calça, conhecendo o local, observando a
mudança na respiração de sua amada.

Lalisa desabou sobre o travesseiro ao lado da cabeça de Chaeyoung, fazendo


com que ela sorrisse e apertasse mais forte, esfregando firmemente sobre o
jeans, afundando-se no próprio prazer ao ver os olhos apertados em puro
tesão da Lisa.

Chaeyoung afundou os dentes no ombro de Lisa, cansada de apenas esfregar


por cima daquele tecido que a separava de seu real objetivo. Com uma
agilidade que nem mesmo ela sabia que possuía, suas mãos arrancaram o
jeans da Lisa sem um pingo de gentileza, jogando-o em qualquer canto do
quarto.

Chaeyoung parou o que fazia para admirá-la: Agora, neste exato momento,
Lalisa Manoban a estava de calcinha e sutiã, ambos da cor preta e de renda.
Isso era tão...tão...tão... Sexy!

Gemeu quando Lisa mexeu seus quadris impaciente, chamando sua atenção.

- Nós estamos indo longe, baby... – Lisa ronronou em seu ouvido,


descansando o rosto contra o seu e mordiscando seu lábio inferior de forma
lenta e prazerosa.

- Eu já esperei demais, amor. Eu preciso de você dentro de mim, agora! – era


um ato de desespero, ela precisava afirmar.

Mas tudo em si gritava por Lalisa em cima dela que agora mexia seus quadris
juntos em uma dança tão sexy e quente que estava deixando sua mente turva.
Lisa ofegou com essa afirmação e abriu a calça jeans de Chaeyoung com
pressa. Ela deslizou o zíper e não se incomodou nem um pouco de tirá-lo, elas
não tinham tempo para isso. Sua mão mergulhou dentro da calça de
Chaeyoung, passando pela calcinha encharcada, direto para a umidade quente
entre as pernas de Chae.

Era uma sensação tão nova, tão única...ela só precisava lembrar-se de como
era se tocar, quais os pontos que a tiravam de órbita...ela poderia fazer isso
com Chaeyoung, sim, ela poderia dar prazer à sua garota mesmo com sua
experiência.

Seus dedos indicador e médio deslizaram facilmente através da intimidade de


Chaeyoung. Era tão quente, tão molhada, esse contato só forneceu mil
sensações enviadas direto para o seu próprio centro que agora pulsava
implorando por alívio.

- Socorro! - Chaeyoung gemeu e Lisa levantou o rosto de seu pescoço a


olhando assustada.

- Eu te machuquei? – perguntou em choque e Chaeyoung negou com a


cabeça, forçando os olhos fechados e arqueando o corpo.

- Cale a boca e continua! – exclamou empurrando a mão de Lisa quando


sentiu a Lisa tirá-la de lá.

- E-eu realmente não tenho ideia do que estou fazendo aqui. – confessou Lisa,
seus dedos massageando o nervo rígido de Chaeyoung, que gemia baixinho
contra seu pescoço e arranhava suas costas com força.
- Isso...assim... - ela suspirou.

Lisa aumentou a pressão dos dedos no clítoris de sua garota causando uma
euforia nunca sentida antes por Chaeyoung, ela gemia cada vez mais alto,
agarrando-se ao corpo de Lisa com a sensação arrebatadora que dominava
seu corpo cada vez mais e mais...

Lisa observava atentamente cada reação do rosto de Chaeyoung desejando


gravar os movimentos, queria fazer ainda melhor nas próximas duas mil vezes
em que tentassem e... Então Chaeyoung explodiu em risadas de uma hora
para a outra e puxou o braço de Lisa rapidamente de sua intimidade.

Lalisa, ofegante, estava surpresa e assustada pela atitude da namorada que


tentava a todo custo se recompor em baixo dela.

- Desculpe, desculpe... – agarrou os braços de Lisa a puxando para baixo para


que pudesse esconder o rosto em seu pescoço. – Eu tenho cócegas na parte
interna da coxa, desculpe...não vai acontecer outra vez.

Lisa abriu e fechou a boca não acreditando que aquele era o motivo para o
banho de água fria que tinha levado, mas antes que pudesse rebater, ouviram
alguém bater na porta e a abrir sem esperar por resposta. Nesse meio tempo,
Chaeyoung foi capaz de projetar seu corpo lançando Lisa ao outro lado da
cama que caiu estatelada no chão, logo com extinto de defesa rolou para
debaixo da cama.

- Chaeyounggg? – Diana escancarou a porta tropeçando para dentro.


Mudança de humor, fala arrastada, e olhos avermelhados eram sinais visíveis
de que sua mãe estava embriagada. – O que está fazendo aqui em cima? Seus
tios estão lá em baixo. Onde está sua namorada?
Chaeyoung olhou para os lados com um sorriso sem graça, não podia revelar
Lisa na situação em que se encontrava. De calcinha e sutiã no chão do seu
quarto.

- Ela foi no carro buscar algumas coisas, logo ela volta. – mentiu, mas Diana
estava tonta demais para detectar qualquer sinal da mentira e levantou a taça
de vinho que segurava dando um grito alegre antes de sair do quarto logo em
seguida.

Chaeyoung virou mais rápido que uma bala em direção a Lisa encontrando
sua namorada estirada no chão, seminua, com uma perna flexionada e os
braços servindo de apoio para a cabeça. Ok, esse não é o momento para ficar
excitada...

- E pela primeira vez eu me sinto como uma amante pega no flagra. –


comentou sarcástica, levantando com a ajuda de Chaeyoung. – Pelo menos
não foi seu pai com a espingarda.

- Se vista logo antes que eu te agarre. – reclamou Chaeyoung ao parar em


frente ao espelho para abotoar o zíper da calça e arrumar o cabelo.

Pouco tempo depois o casal desceu até a sala onde cerca de quatorze pessoas
se encontravam em um clima animado. O cômodo parecia muito menor agora
do que de costume e também mais abafado, talvez fosse a lareira ou o barulho
alto das conversas, mas a única certeza de Lalisa e Chaeyoung é que oito de
quatorze pessoas estavam bêbadas.

Chaeyoung puxou Lisa até o sofá de três lugares que parecia ser o único lugar
desocupado na sala, Lalisa sentou cruzando as pernas e Chae deitou no móvel
deixando sua cabeça descansar no colo da namorada enquanto assistiam ao
alvoroço da família onde a maioria se encontrava em volta do piano no canto
direito da sala onde Mark tocava músicas animadas.

- Chaeyoung! – ouviram uma voz feminina, e também arrastada, aproximar-


se delas.

Uma mulher de no máximo trinta anos com aparência asiática e longos


cabelos negros inclinou-se depositando um beijo na testa de Chaeyoung que
não fez menção de levantar.

– Eu não vejo você desde que tinha dezesseis anos e usava aparelho rosa. Essa
deve ser Lana, a sua namorada, estou certa?

Chaeyoung começou a rir e Lisa corou esboçando um sorrisinho ao estender a


mão para a mulher.

- Lalisa, senhora, meu nome é Lalisa Manoban. É um prazer.

A mulher apertou a mão de Lisa com um sorriso de orelha a orelha.

- Meu nome é Livian, sou a irmã do meio de Diana. – bagunçou o cabelo de


Lalisa já no auge da embriaguez. – Você tem um bom gosto Chae, a menina é
muito linda.

Agora tudo o que Lisa mais queria era se jogar na lareira e virar pó. A mulher
saiu para dançar com uma sua outra tia que chegou com uma garrafa de vinho
em mãos.
- Ao menos reconhecem que tenho uma ótima namorada. – disse Chaeyoung
convencida, e, ao encontrar os olhos de Lisa, viu algo inexpressivo neles. –
Espero que minha família não esteja assustando você.

- Eu os amo, Chaeyoung. – fez carinho no cabelo da namorada. – Nunca tive


um natal assim, lá em casa sempre foi tudo sério, sentados à mesa
conversando sobre trabalho.

- Eu tenho medo do seu pai.

- Não tenha, ele é inofensivo, só a atitude e a cara que assustam. – riu.

Chaeyoung se encolheu mais no sofá virando o corpo para o encosto.

- Eu poderia fazer isso pelo resto de nossas vidas. Ter a casa cheia de pessoas
que amo, com você ao meu lado, música...

24 de Dezembro de 2022. – New York, NY, Estados Unidos.

Felizmente seu gerente a tinha liberado cedo para buscar Ella na casa de uma
amiga de escola e voltarem para casa antes do anoitecer.

Agora as duas irmãs arrumavam a mesa para a ceia de natal que costumavam
preparar juntas desde o incidente.

Diana continuava trancada no quarto e os médicos disseram que apenas bons


psicólogos e remédios controlados poderiam ajudar a mulher no estado em
que se encontrava. O problema é que o dinheiro que Chaeyoung ganhava
como garçonete mal dava para sustentar a si mesma e ao sonho que
infelizmente teve de abandonar, bancar remédios caros e profissionais estava
longe do seu orçamento.

A casa estava mais escura, quase morta, não havia enfeites ou árvores naquele
ano. Apenas o velho boneco Olaf que nunca saíra de cima da lareira desde a
primeira vez que o colocara, Ella dizia que era uma boa lembrança de tempos
em que ela mal se lembrava.

A mesa pequena não estava farta já que mesmo com a insistência de


Chaeyoung e Ella, Diana não tinha comparecido à ceia. Elas rezaram e
comeram em silêncio, como sempre.

- Feliz Natal, Chae. – disse Ella com um sorriso triste no rosto.

- Feliz Natal, Ella.

24 de Dezembro de 2016. – Primeiro ano da faculdade.

Uma menina pequena que deveria ter a idade de Ella abraçou Chaeyoung de
surpresa e abanou a mão para Lisa, logo depois saiu correndo pela casa
deixando a Lisa perdida em pensamentos sobre o futuro que gostaria de
compartilhar com sua amada. Era um assunto que não deveria ser discutido
agora, mas que deixava seu coração acelerado.

As duas ficaram sentadas no sofá por mais ou menos uma hora e meia,
sempre uma tia ou tio de Chaeyoung sentava na poltrona ao lado para
conversar ou conhecer Lisa que estava mais do que disposta a interagir com a
família de sua namorada, ela se senti inclusa, pela primeira vez, em uma
família de verdade.
- Antes de qualquer coisa, eu gostaria de chamar minha linda sobrinha aqui. –
um dos homens, que Lisa conheceu na noite em que dançaram em volta da
fogueira, apontou para Chaeyoung que sentou ereta com um sorriso tímido
nos lábios. – Nós não podemos passar a noite sem uma apresentação da
pianista da família.

Pode-se ouvir um coral de Éeeeee onde todos se reuniram na sala outra vez e
levantaram os copos em apoio à ideia do homem. Chaeyoung até mesmo
tentou esconder o rosto nas costas de Lisa, mas a Lisa a incentivou a ir até o
piano.

- Eu preciso ouvir isso, amor. Mostre a eles a paixão que você tem, e que fez
eu me apaixonar. – recebeu um abraço apertado da menina acompanhado de
alguns awn dos que ouviram suas palavras.

Chaeyoung procurou pelas partituras na bagunça em cima do piano e sentou-


se respirando fundo recebendo total silêncio na sala. Até mesmo as crianças
pararam o que faziam a mando de Ella para que ouvissem sua irmã mais
velha tocar.

- Eu não sou muito boa no canto, então relevem esse detalhe. – ela disse antes
de iniciar a melodia que Lisa reconheceu na hora ser de The Only Exception
da banda Paramore.

No mesmo instante ela soube que essa música era para ela. Chaeyoung não
gostava de músicas populares e estava tocando aquela exclusivamente para
que pudesse expressar seu amor pela namorada. Tudo o que Lisa sentiu
naquele momento foi uma intensa vontade de chorar.
- When I was younger I saw, my daddy cry and curse at the wind. He broke
his own heart and I watched as he tried to reassemble it. And my momma
swore that she would never let herself forget. And that was the day that I
promised I'd never sing of love if it does not exist. - A tia de Chaeyoung que as
tinha cumprimentado mais cedo naquela noite, lançou um sorriso enorme
para Lisa que retribuiu de forma tímida, mas seu coração estava disparado
demais no momento para se importar. - But, darling, you are the only
exception, well, you are the only exception. Well, you are the only exception.
Well, you are the only exception. - A aliança no dedo anelar da mais nova
brilhava fazendo todo o corpo de Lisa responder aos efeitos. Chaeyoung era
tão dela, e ela era tão de Chaeyoung que nem mesmo astros ou a física poderia
ir contra o que existia entre elas. - Maybe I know somewhere, deep in my soul
that love never lasts. And we've got to find other ways, to make it alone or
keep a straight face. Well, you are the only exception. Well, you are the only
exception

Praticamente todos na sala agora olhavam para Lisa com expressões


pensativas e outros risonhos, a questão é que em uma escala de um a dez, a
Lisa estava três mil seiscentos e noventa e sete apaixonada por Chaeyoung.

Chae fez uma pausa no piano e olhou para Lisa que recebeu todo o
magnetismo, o sentimento, as verdades e palavras impregnadas naquela letra.
Então ela voltou a tocar.

Ao término da música, todos aplaudiram gritando o nome de Chaeyoung e


alguns até balançaram o ombro de Lisa dizendo que elas eram muito bonitas
juntas.
E o que ela fez? Nada. Continuou na mesma expressão observando uma
Chaeyoung sorridente voltar ao seu lado enquanto a situação na sala se
normalizava.

- E então? O que achou? – a Chaeyoung perguntou deixando um beijo na


bochecha de Lisa e abraçando seu ombro.

- Eu amo você.

Foram às únicas e mais certas palavras que saíram naquele momento.


Chaeyoung sorriu abertamente puxando a namorada pela mão até a varanda
onde sentaram num banco de balanço próximas a janela, onde era possível
ver Diana dançando com o tio Levi alegremente e Mark virando uma garrafa
de vinho na boca, eles estavam se divertindo tanto aquela noite como há
muito tempo não o faziam.

Lisa estava usando o gorro branco de bolinhas de Chaeyoung e um moletom


verde com bordados natalinos que fora presente de Diana, não poderia ser
menos linda aos olhos de Chaeyoung que agora tinha se recostado ao corpo da
namorada quando ela passou um braço pelo seu ombro.

Em suas mãos, seu inseparável livro Morro dos Ventos Uivantes e uma manta
do sofá para proteger suas pernas do frio cortante lá fora.

Podia-se ouvir também a comemoração na casa vizinha e o piano


recomeçando a ser tocado no lado de dentro com graves erros nas notas.

- Sabe...eu gosto disso. – Lisa suspirou brincando com os lábios nos cabelos
da namorada. – Sentar aqui com você enquanto me ignora por um livro, ter
essa maravilhosa vista da noite coberta por neve e um céu limpo, exceto por
esses flocos de neve que enfeitam a vista...a lua nos observando, como se
desse sua benção ao nosso amor.

- Você consegue ser idiota e romântica ao mesmo tempo, como pode?

- Ossos do oficio.

Recebeu um beijo quente no pescoço e revirou os olhos quando Chaeyoung


voltou sua leitura, sendo ignorada mais uma vez. Elas ficaram assim por mais
um tempo apreciando a companhia uma da outra até Lisa sentir necessidade
de falar sobre um assunto que a estava incomodando há alguns dias.

- Chaeng? – chamou observando a lua como se fosse a coisa mais linda do


mundo, e talvez fosse, depois de Chaeyoung. – O que acha que vai acontecer
no futuro?– o cenho de Chaeyoung franziu e Lisa suspirou vencida.
Aquela questão estava rondando sua mente durante a reunião na sala,
enquanto se perguntava se a vida não poderia ser sempre assim, rodeada de
pessoas boas e de muito amor.– Digo...e se nos separarmos? Você não pensa
sobre isso?

Chaeyoung não respondeu na hora, ela pareceu pensar sobre o assunto


enquanto o coração de Lisa estava acelerado.

- Está pensando em me deixar, sua bobinha?. – fechou o livro e pegou a mão


de Lisa desenhando círculos com o dedo na palma de sua mão com um
pequeno sorriso, mas ao ver a expressão séria de Lalisa, tomou o assunto com
seriedade. – Não costumo pensar em coisas que não pretendo deixar
acontecer, Lali. Eu estou ocupada demais sendo feliz com você pra pensar em
um possível rompimento disso tudo.
O corpo inteiro de Lisa enrijeceu, sentia medo de que talvez Chaeyoung
tivesse notado sua mudança de postura. Ela não estava com medo, o
problema de pensar nas duas separadas era quase como tirar todo o ar do seu
pulmão...mas o mundo costumava ser tão incerto e cheio de imprevistos.
Lalisa não era acostumada com coisas boas acontecendo em sua vida, e
pensar em felicidade sempre lhe trazia um prazo de validade.

- E se...eu te machucar? – murmurou quase como se sentisse dor em falar


sobre aquilo.– Ou você me machucar? Tantas coisas podem acontecer ainda,
e pensar sobre uma partindo o coração da outra chega a ser doloroso pra
mim.

Chaeyoung suspirou e levantou o rosto ficando na altura de Lisa para


finalmente poder olhá-la nos olhos. Aqueles castanhos que transmitiam paz e
segurança, agora eram cheios de bondade e amor.

- Tem uma frase nesse livro que diz algo semelhante ao que você me
perguntou. – ela levou a mão direita ao rosto de Lisa e deu um beijo casto e
demorado em seus lábios com carinho, então encostou suas testas e sussurrou
com uma voz que fez o corpo inteiro de Lisa arrepiar: - Beije-me uma vez
mais, e não me deixe ver os seus olhos. Perdoo-lhe o que você fez. Amo a
minha assassina...mas não a sua.

Como poderia? O fluxo sanguíneo de Lisa havia desaparecido. Ela tinha plena
certeza de que estava pálida agora e a beira de um ataque cardíaco, ainda
mais com os olhos castanhos tão ancorados aos seus cheios de certeza e
maturidade.

- O que isso quer dizer? – perguntou trêmula.


- Basicamente? Que eu a perdoaria caso me machucasse, mas nunca me
perdoaria se a machucasse. É sobre o que se trata o amor verdadeiro, não é? E
eu a amo. Amo muito. Amo no estilo de amor que é para sempre. Amo no
sentido de nós vamos estar de cabelos brancos e velhos em uma casa de
repouso.

Lisa derreteu com aquelas palavras e abraçou Chaeyoung o mais forte que
pode tentando ao máximo transmitir seus sentimentos naquele momento. Ela
estava chorando? Sim, ela estava. Esse sentimento de realização no peito
costumava ser tão revigorante.

- Espero que Jisoo esteja se divertindo na casa dos pais. – Chaeyoung cortou o
assunto voltando a se aconchegar nos braços de Lisa. – Soube que o tio de
Jisoo ficou furioso quando soube sobre a relação delas, ele não quer mais vê-
la.

O coração de Lisa caiu, conhecia mais do que ninguém esse sentimento.


Jennie tinha enviado uma mensagem mais cedo contando que tudo ocorrera
bem com os pais, eles ficaram em choque no começo, logo depois seu pai
começou a gritar dizendo que não queria saber sobre o assunto, que ela nunca
levasse a namorada até LA, pois ele não queria conhecê-la. No fim, eles a
aceitaram com a condição de não falar sobre isso. Traduzindo, eles fecharam
os olhos para a única filha.

- No próximo Natal vamos trazer todos para cá, o que acha? – disse com a voz
animada. – Eu trago minha irmã, convencemos Momo e Jennie a deixarem
LA só por uma vez... Jisoo pode trazer os pais. Vai ser divertido, podemos
montar cabanas aqui fora mesmo...

Chaeyoung riu com a ideia, não era nada mal ter suas amigas por perto.
- Tenho certeza que meus pais vão adorar sua ideia. Como adoram tudo o que
você faz.

E o tempo passou entre conversas jogadas fora na varanda até chegar o


momento da ceia de natal. Mark, bêbado, fez o discurso e no final fez questão
de parabenizar Lisa afirmando que ela era da família. Todos comeram e
trocaram presentes logo depois.

Lalisa ganhou uma vitrola de Mark e Diana, eles alegaram que ela sabia
apreciar música boa e por isso merecia algo à esse nível. Ganhou também
alguns suéteres das tias de Chaeyoung e um desenho de Ella que representava
Lisa, Chaeyoung, Ella, Mark e Diana. É claro que Lisa também comprou
presente e deu para a menina uma bicicleta nova, a antiga era pequena
demais para a menina. Para Diana dera um par de brincos maravilhosos e
para Mark sapatos sociais.

Havia sido, definitivamente, seu melhor natal em volta de árvore enfeitada.


No fim da noite, quando a maioria já tinha ido embora, Chaeyoung e Lisa
voltaram ao quarto, cansadas demais para tentar qualquer coisa que não fosse
dormir.

- Quer uma calça de moletom, Lali? – perguntou Chaeyoung trocando de


roupas no banheiro.

- Sim. - gritou Lisa do quarto, Chaeyoung jogou a peça de roupa da porta e


Lisa apanhou.

Evitaram ao máximo ver o corpo uma da outra para que não houvesse mais
riscos aquela noite. Agora que estavam devidamente arrumadas para dormir
em moletons, Lisa sentou no seu lado da cama esperando até que Chaeyoung
fizesse o mesmo, mas notou que ela escondia algo atrás das costas.

- Não achou que você ia ficar sem o seu presente, não é? – ela perguntou
roubando um beijo ds Lisa quando ficou de joelhos na cama. – Feliz Natal,
amor.

Esticou dois papeizinhos que, de primeiro, Lisa não conseguiu reconhecer,


mas quando notou que eram ingressos para o show do The 1975. Ela quis se
jogar da cama e gritar.

- Eu não... Chaeyoung! – exclamou puxando a namorada para um abraço. Ela


não podia acreditar que iria mesmo ao show de uma de suas bandas favoritas.
– Eles estão mesmo vindo à New York? – a Chaeyoung afirmou sorridente. –
Eu não posso acreditar! Obrigada, de verdade. Nossa... Como você comprou?

- Eu tinha algumas economias guardadas...

- O que? Não, não, não! – exclamou deixando os ingressos em cima da cama.


– Não posso deixar que gaste seu dinheiro assim comigo, pode devolvê-los.

- Não tem devolução, sua inteligente. – Chae brincou empurrando a


namorada de leve. – E não vejo problema algum em gastar dinheiro com a
pessoa que eu amo e que comprou uma aliança mais cara que o meu piano.

Lisa revirou os olhos e pegou os ingressos mais uma vez.

- Obrigada, mesmo. – agradeceu os deixando na escrivaninha ao lado. –


Agora o meu.
Chaeyoung a olhou surpresa quando a Lisa tirou da escrivaninha uma
caixinha preta um pouco maior que a da aliança.

- Eu vi isso em Los Angeles e pensei em você no mesmo instante. – entregou a


caixinha para Chaeyoung que a abriu em silêncio. – Feliz natal. – sorriu ao
ver o sorriso doce de Chaeyoung ao pegar a pulseira de prata que continha
vários pingentes. Um pequeno violino, um laço, duas meninas e um coração.
– Todos eles representam algo que me lembre você. E esse pequeno coração...
Ele é o meu, mas que agora é seu.

Num impulso, Chaeyoung agarrou o pescoço de Lisa com força e desabou a


chorar sendo amparada pelos braços que tanto amava.

- Eu te amo tanto... Obrigada por me fazer sentir especial, Lisa.

Assim, elas se encontraram por baixo do edredom tocando caricias e beijos


suaves demonstrando todo o amor que sentiam uma pela outra até que
pegassem no sono.

24 de Dezembro de 2022 – New York, NY, Estados Unidos.

Perdera a conta do tempo que estava sentada naquele banco de balanço


observando a neve cair e ouvindo a música animada na casa dos novos
vizinhos. A pequena caixinha de música aberta do seu lado no bando
reproduzindo a melodia desgasta que tanto ouvira ao longo desses anos; em
seu pulso, uma pulseira de prata esquecida ali há muito tempo, os olhos
negros queimando o pingente de coração como se fosse o seu próprio. As
lembranças daquela noite não eram fáceis, nunca deixaram de ser.
Observou melhor a neve onde há seis anos esteve abraçada com o amor de sua
vida nesta mesma época, neste mesmo dia. Desceu os olhos para o banco em
que estava sentada, agora com a pintura descascada, também era o mesmo de
exatos seis anos atrás. Era quase uma viagem ao tempo que se permitia fazer
nessa época do ano, revivendo cada lembrança como se ainda fosse real.

Lembra-se de ter citado O Morro dos Ventos Uivantes para Lisa naquele dia, e
ironicamente, a frase de um livro clássico havia se voltado contra ela. Amo
minha assassina. Outra citação de O Morro dos Ventos Uivantes

"Tu me amavas... Que direito tinhas então de me deixar?"

________

15

27 de Dezembro de 2016 – Primeiro ano da faculdade.

A noite era fria e a neve ainda caía lá fora cobrindo a cidade que nunca dorme
com seu manto branco.

Já era noite e a única luz presente do lado de fora era a lâmpada fraca da
varanda e a lua que dava formas assustadoras às árvores com galhos espessos
e cobertos de neve que cercavam a residência dos Park.

Sentados no banco de balanço da varanda estavam Mark e Chaeyoung


estudando um novo livro que o pai da garota comparara numa loja de livros
usados, ele sabia que já tinham lido todo o estoque da prateleira da sala, então
não hesitou quando viu o nome de Emily Dickinson na capa; seria a primeira
poetisa que leriam e o homem não poderia estar mais excitado com a ideia.

– Eis minha carta ao mundo, que a mim nunca escreveu singelas notícias que
a natureza deu, com majestade e doçura, sua mensagem se destina. As mãos
que nunca verei por amor a ela, doces conterrâneos, julgai–me com ternura.

Chaeyoung lia com seu pai a acompanhando com outro exemplar de poemas,
eles revezavam a leitura e aquela era a primeira vez que Lisa a ouvia recitar
um poema.

A garota estava encostada no batente da porta de entrada com uma xícara de


leite quente em mãos e os olhos enterrados no perfil da figura que carregava
seu coração. Chaeyoung não só tinha o dom da música, mas quando ela lia...
Os sentimentos que eram expostos junto às palavras tinha um grande poder
sobre Lalisa que por um momento desejou poder ouvir aquela doce voz recitar
poemas a ela pelo resto da sua vida.

Ela amava tudo sobre Chaeyoung, desde seu fino nariz até seu maxilar
trincado sempre que procurava por concentração. Os olhos pretos... Chae
dizia que os olhos de Lisa que a encantavam, mas ela não fazia ideia de que os
seus prendiam a Lisa num mundo paralelo onde finais felizes não eram uma
opção ou sorte. Eles apenas existiam.

– Espiando, Lisa? – a voz de Diana interrompeu seus pensamentos trazendo–


a de volta à realidade da casa escura e fria. – Ah! Eles ainda estão aqui fora?
Meu marido e Chaeyoung sempre perdem a hora quando se enfiam nesses
livros de poesia. – riu mais para si mesma do que para a Lisa ao sentar–se na
mesa de jantar da sala arrumando seu robe amarelo. Lisa a acompanhou. –
Você quer mais leite?
Lisa negou com a cabeça oferecendo um sorriso à mulher que tanto lhe
agradava. Era verdade que Diana tinha se tornado sua segunda mãe, ainda
mais todos esses dias em que esteve hospedada na casa de Chaeyoung para o
natal, a mulher sempre fazia questão de perguntar como ela estava e sobre
sua família. E Mark era seu pai, fazendo–a sentir–se confortável quando
estava por perto, apesar das piadinhas sobre ela e Chaeyoung dormirem com
a porta do quarto aberta, ficar todos estes dias naquela casa só aumentou a
certeza da Lisa do quão próximos os dois eram, uma conexão que ela desejou
poder ter com seu pai.

– Não, obrigada. – suspirou esforçando–se para ficar acordada e não


desmaiar na mesa.

Naquela manhã tinha ido pela primeira vez numa igreja com os pais de
Chaeyoung, e à tarde os cinco foram patinar no lago congelado do Queen's.
Ela poderia dizer que estava cansada e precisava dormir considerando que
teriam muito a fazer no dia seguinte com a ideia de tomar café da manhã com
Chaeyoung no The Village e a pequena festa de Jisoo à noite.

– Chaeyoung e Mark sempre foram assim?

A pergunta escapou de sua boca antes que pudesse notar o que estava
dizendo, mas Diana concordou com a cabeça cruzando as mãos em cima da
mesa.

– Mark fazia parte de uma banda sinfônica quando jovem – ela começou a
contar observando a imagem do marido e da filha pelo vidro embaçado da
sala. – eu o conheci ainda na faculdade, assim como vocês. Era o último ano e
minhas amigas decidiram ir a um pequeno concerto, ele era o violonista e
também o mais charmoso, se me permite dizer. – sorriu corando. – Meia hora
depois do término da apresentação ele me chamou para sair, e nas semanas
seguintes eu o estava apresentando aos meus pais. – riu com a lembrança. –
Então eu fiquei grávida de Chaeyoung e Mark decidiu que era hora de
abandonar seus sonhos juvenis para se tornar pai de família. Eu sei que não
foi fácil para ele deixar a música, sei disso porque durante toda a gestação ele
insistia em tocar piano como se a menina fosse ouvi–lo. E acho que
funcionou. – olhou em direção à porta com Lisa seguindo seu olhar. Um
suspiro cansado escapou de seus lábios. – Na Coreia nós não tínhamos
condições financeiras para criar Chaeyoung e seguir um sonho. Mark precisou
abdicar de um dos dois.

Por algum motivo desconhecido, Lisa sentiu uma mísera vontade de chorar.
Ela queria correr lá fora e gritar para Chaeyoung que a amava com todas as
forças de seu ser, ainda que não houvesse um motivo especifico para isso.

– Eu tenho certeza que funcionou. – Comentou olhando de volta para a


mulher. – Chaeyoung tem o dom da música, ela nasceu para isso.

Diana concordou com a cabeça e continuou:

– Mark sempre a incentivou com a música. Ele sabia que se não fosse o que
ela escolhesse para sua vida, nós a apoiaríamos com a mesma garra. Bom,
como você vê, ela puxou totalmente ao pai. Meu marido a acompanhou em
todos os concursos que participou e quando ela finalmente completou doze
anos, comprou o piano da sala com muito esforço. – seus olhos agora
começavam a marejar e Lisa sentiu vontade de abraçá–la. – Quando meu
Mark ficou doente, Chaeyoung foi o que sustentou a esperança nessa casa,
nem mesmo eu pude ser tão forte como ela. Naquele momento eu vi que ela
estava retribuindo o que ele vinha fazendo por ela todo esse tempo, eu soube
que nunca haveria uma conexão tão forte como a Chaeyoung com o pai. –
limpou uma pequena lágrima que escorreu e sorriu para Lisa segurando a
mão da Lisa por cima da mesa. – Ela nunca teve ninguém antes de você para
comparar, mas qualquer um pode enxergar o bem que você faz a ela, Lisa.
Chaeyoung merece você e eu sei que você a merece. Só... Não a machuque, por
favor. Chaeyoung não é só minha filha, ela é a coluna que sustenta essa casa e
se ela cair, tudo pode desmoronar junto. Ela é uma pessoa extremamente
sensível e está depositando em você toda a confiança que existe nela.

A pressão em seu peito apertou e por um momento chegou a sentir falta de ar.
Os olhos de Diana em si não eram de alerta e ameaça, eram suplicantes e
esperançosos. O que ela poderia dizer num momento como este?

– Eu amo Chaeyoung. – disse apertando a mão da mulher em resposta. – Vou


fazer o possível e o impossível para vê–la feliz.

Antes que a mulher pudesse responder, Mark e Chaeyoung adentraram a sala


conversando animadamente sobre algo que Lisa não conseguiu entender,
apenas sentiu quando braços finos entrelaçaram seu pescoço por trás e
recebeu um beijo no pescoço provocando arrepios em seu corpo.

– Vocês podem usar o quarto, não preciso dessa glicose. – resmungou Mark
passando por elas e se jogando no sofá. – Onde está Ella?

– Dormindo. – respondeu Diana prontamente se dirigindo ao marido e


sentando–se ao lado dele. – E acho que logo alguém vai estar dormindo sobre
a mesa de jantar se não subir logo.
Todos olharam para uma Lisa sonolenta que não fez questão de erguer o
rosto, estava concentrada demais com a respiração quente de Chaeyoung em
seu pescoço acalmando sua mente como sempre fazia.

– Esperou esse tempo todo por mim? – sussurrou Chaeyoung fazendo uma
trilha de beijos no maxilar da namorada. Lisa assentiu. – Awn, amor, você é
tão fofa.

– Eu sei? – respondeu brincalhona, ainda que seus olhos estivessem quase


fechados.

Chaeyoung fungou e a puxou pelo braço para que ficasse em pé.

– Venha, vamos para o quarto. – abraçou o lado de Lisa a conduzindo até a


escada.

– Porta aberta, meninas. – alertou Mark do sofá. – Não quero ter que cortar
os dedos de Lisa.

Lisa arregalou os olhos e Chaeyoung gargalhou ao seu lado.

– Eu realmente não seria uma mulher satisfeita se minha namorada não


tivesse dedos.

Lisa a olhou feio e entrou no quarto quase correndo quando seus olhos
encontraram a cama, era tudo o que ela precisava agora, uma boa e longa
noite de...

– Hey? – Ouviu Chaeyoung chamá–la, mas não deu ouvidos e se enfiou


debaixo dos edredons agarrando o travesseiro contra seu corpo. – Lisa!
Sério, ela amava sua namorada com tudo de si, mas ela precisava ser chata na
hora de dormir? Justo naquele momento sagrado que ela vinha sonhando há
quase duas horas enquanto a esperava para subir? Chaeyoung não poderia ser
uma garota normal e apenas ir dormir também? Não, ela não poderia.

– Jesus, pare de ser tão chata e me dê atenção. – resmungou e a Lisa sentiu o


colchão afundar ao seu lado, mas não se virou. – Lisa? Por favorzinho?

– Huuumpf. – murmurou contra a vontade. – Você pode calar a boca e


dormir?

Estranhou quando não teve resposta, mas quase morreu do coração quando
Chaeyoung deitou em cima dela deixando todo o peso do corpo a esmagar
contra a cama. Chae obrigou o corpo da Lisa a se virar até estar de barriga
para cima e ela montou em sua barriga, mas Lisa ainda continuava de olhos
fechados na esperança de que ela desistisse.

– Como é que fui arrumar uma mulher tão preguiçosa?

– Pode conseguir outra em Juilliard se está insatisfeita com essa preguiçosa.


– respondeu naturalmente sem abrir os olhos.

Ouviu Chaeyoung bufar e deitar a cabeça em seu peito.

– Não! Eu prefiro ter minha zangada que não me da atenção. – fez beicinho
fazendo uma trilha com o dedo médio e indicador no braço esquerdo de Lisa.
– Nós só temos mais dois dias antes das aulas voltarem, não vou mais ter você
todos os dias na minha cama...
Era totalmente injusto ela fazer aquela voz de criança abandonada porque no
fundo sabia que era o ponto fraco de Lisa. A Lisa abriu os olhos contando
mentalmente para não jogar Chaeyoung do outro lado do quarto e entrelaçou
sua cintura com os braços.

– Você é um bebê, sabe disso, não é? – brincou subindo uma mão ao cabelo
de Chaeyoung para um leve carinho.

– Desculpe, amor. – pediu erguendo o rosto na altura do de Lisa. – Eu só


sinto sua falta quando não está por perto, acho que sou carente de você.

A Lisa riu do comentário e puxou Chaeyoung para cima até que a mais nova
tivesse enterrado o rosto na curva de seu pescoço, sua mão que antes estava
no cabelo foi direto ao pescoço quente provocando pequenos arrepios na
outra.

– Você sabe que eu vou te buscar todos os dias, e dormir aqui nos finais de
semana. Já não é o bastante?

– As pessoas em Juilliard vão começar a desconfiar.

E lá estavam elas naquele ponto que deixava Lisa desconfortável. Mesmo que
Chaeyoung não dissesse, ela sabia que Chae queria algo mais estável além das
alianças, um relacionamento assumido e não algo escondido como o que
estavam mantendo.

Lisa sabia o quão decepcionante era ter que soltar a mão de Chaeyoung ou
agir como amiga perto dos outros, mas seu medo ainda era maior que
qualquer coisa. Lisa foi criada num ambiente totalmente rígido, ela aprendeu
que as pessoas são más e que a opinião delas pode sim, afetar seu dia a dia, é
quase impossível tirar–lhe estes pensamentos uma vez que já tinham
intoxicado todo seu cérebro.

– Chaeyoung... – tentou, mas nada saiu. Ela não gostava de deixar Chaeyoung
triste, sentia–se a pior pessoa do mundo quando via os olhos negros caírem
em decepção, mas ela não sabia mais o que fazer. – Desculpe.

Chaeyoung se desvencilhou dos braços da Lisa deitando na cama e se


enfiando em baixo do edredom enquanto encarava Lisa, seus narizes se
tocavam e as respirações se encontravam numa sintonia perfeita. Os olhos da
Lisa refletiam culpa e Chaeyoung podia ver isso, no fundo ela sabia que não
era culpa da namorada o medo existente dentro dela.

O problema maior era que Lisa sempre fugia do assunto sobre contar aos pais
ou assumir o namoro, e isso machucava Chaeyoung de certa forma. Um
relacionamento é constituído por duas pessoas, não funciona se uma delas
não se abre a respeito de seus sentimentos mais intensos.

– Eu entendo, desculpe tocar nesse assunto. – mentiu levando sua mão ao


rosto de Lisa. – Eu não sei como deve ser para você, mas prometo ser paciente
e estar ao seu lado, ok?

Lisa sorriu de lado e deu um beijo leve nos lábios da namorada.

– Você é linda. – disse tão baixo que se Chaeyoung não estivesse perto o
suficiente não escutaria. – Eu amo o seu sorriso, amo a forma como seus
olhos se fecham quando está sorrindo, amo o som da sua voz, a forma como
enxerga o mundo, como está sempre procurando o melhor das pessoas. –
segurou a mão de Chaeyoung em seu rosto e beijou a palma. – Eu amo você,
amo sua música, amo a forma como lê poesia, amo seu cheiro de
Marshmellow, sua pele, cada parte do seu corpo...

O coração da outra acelerou com aquelas palavras e ela não pode deixar Lisa
terminar, no momento seguinte estava beijando–a apaixonadamente. Sem
segundas intenções, apenas um beijo sentimental e carregado de amor.

Chaeyoung não tinha dúvidas, elas se amavam numa proporção igual, o


suficiente para enfrentarem o que quer que as esperasse lá fora. E pela
segunda vez naquela noite, Lisa sentiu vontade de chorar. Era inexplicável a
sensação dos lábios de Chaeyoung nos seus, em suas línguas se entrelaçando;
era a fonte de energia que ela precisava. Era como... Um poço da juventude,
isso... Sempre que ela precisasse se sentir capaz, forte e jovem, beijaria os
lábios daquela pessoa maravilhosa.

– Amor? – Chaeyoung chamou ainda em seus lábios quando sentiu o gosto


salgado em meio ao beijo, e, ao abrir os olhos, viu que Lisa estava chorando. –
Amor, o que foi? – a Lisa negou com a cabeça e voltou a beijá–la puxando sua
cintura para mais perto, mas Chaeyoung fechou a boca e empurrou levemente
seu ombro. – Lisa? Olha para mim, por favor.

As esferas castanhas reapareceram por detrás das pálpebras e Chaeyoung


sentiu seu coração afundar. Deveria ser proibido aquele anjo chorar, foi um
dos momentos em que ela soube que faria qualquer coisa para não ver sua
namorada naquele estado.

– Eu só amo muito você. – disse controlando a respiração, mas ela não tinha
mais vergonha de Chaeyoung, sabia que poderia chorar sem parecer uma
idiota. – Não importa o aconteça, não se esqueça disso.
Chaeyoung não entendeu o que ela quis dizer com isso, mas puxou seu corpo
para que a Lisa deitasse em seu peito.

– Eu sei. Você provou isso no momento em que me olhou pela primeira vez,
Lisa. – respirou cobrindo as duas com o edredom. – Você não precisa provar
nada, eu posso ver na maneira como me trata.

– Eu te amo. – a voz da Lisa agora era sonolenta, aconchegada ao peito de


Chaeyoung e acompanhando a ascensão e queda do peito da mais nova.

– Eu te amo mais.

—•—

O som estridente do despertador ecoou pelo quarto fazendo Chaeyoung saltar


de susto na cama com o coração acelerado e o mundo girando quando abriu
os olhos.

Odiava ser acordada bruscamente, odiava mais ainda ter que acordar cedo.
Tateou a mão no criado mudo até encontrar o aparelho berrante e apertou
todos os botões possíveis até finalmente o silêncio tomar conta do quarto
fazendo sua mente relaxar. Respirou aliviada procurando por um corpo
quente ao seu lado, mas tudo o que encontrou foi um amontoado de
travesseiros e edredons. Estranhou.

– Lisa? – chamou olhando para a porta do banheiro, mas ninguém


respondeu.

Olhou a hora pelo celular e bocejou constatando que Lisa já deveria estar
pronta no andar de baixo esperando por ela. Cerca de uma hora depois já
tinha tomado um banho quente e estava devidamente pronta para o café da
manhã com uma calça jeans clara, all star vermelho e cacharrel branca. Pegou
a mochila que tinha preparado na noite anterior para a casa de Jisoo e desceu
as escadas correndo pulando os degraus como uma criança de oito anos.

– Você vai acabar ficando sem namorada, Lisa. – comentou Diana da poltrona
para uma Lisa totalmente concentrada no desenho que passava na TV.

– Bom dia.

Ella estava deitada no sofá com a cabeça apoiada nas pernas da Lisa e
Chaeyoung ergueu uma sobrancelha irônica com essa visão. Quer dizer que
Lisa havia conquistado até mesmo sua irmã mais nova?

– Bom dia, minha linda! Eu estou pronta para a aventura. – avisou


aproximando–se do sofá e dando um selinho demorado na namorada
enquanto Diana ria da falsa animação da filha.

Lisa usava suas costumeiras calças jeans skinny na cor preta, um blazer bege
por cima de uma camiseta; nos pés o all star preto e branco todo surrado e os
cabelos soltos jogados no ombro direito.

– Bom, pequena, eu preciso ir, ok? – a Lisa disse a Ella que concordou com a
cabeça e ajoelhou–se no sofá para dar um beijo em sua bochecha. – Até
amanhã, Diana.

Chaeyoung também se despediu da irmã mais nova e da mãe, seu pai


provavelmente já tinha ido trabalhar então pediu que Diana a abraçasse por
ele.
O casal entrou no Dodge de Lisa e seguiram ao The Village ouvindo uma
música suave na rádio enquanto conversavam sobre coisas banais.
Escolheram uma mesinha do lado de fora do clube podendo contemplar a
vista de Coney Island, que àquela hora da manhã estava praticamente vazio se
não fossem os funcionários, e uma parte do mar.

Daniela ligou enquanto elas tomavam café da manhã, disse que sentia
saudades da irmã e pediu que levasse Chaeyoung à Los Angeles no próximo
final de semana para que a conhecesse. Lisa ficou tensa com o convite.

Daniela queria aproveitar o sábado com a irmã e a cunhada antes de contar


aos pais sobre a novidade no domingo, e ela queria mais do que qualquer
coisa que pelo menos sua irmã mais velha estivesse por perto.

– Eu não quero pressionar você com esse assunto – ela disse enquanto
caminhavam por Coney Island depois do café, cada uma com uma casquinha
de sorvete mista. – minha irmã vai contar aos nossos pais sobre o bebê e ela
quer que eu esteja lá. – Chaeyoung a olhou atentamente e viu o nervosismo da
namorada. – Ela também quer conhecer você antes de tudo acontecer.
Então... Chaeyoung, você quer conhecer meus pais? Seria como minha amiga,
você sabe que não estou preparada para contar...

Chaeyoung engoliu em seco e voltou a olhar em linha reta, tinham chego à


grade que separava o parque da praia coberta de neve. Lisa estava tensa ao
seu lado esperando a resposta, seu corpo todo tremia não só pelo frio, mas
com medo do que a mais nova diria sobre agir como uma amiga na frente de
seus pais.
– Tudo bem. Eu vou adorar conhecer sua família. – beijou o ombro de Lisa,
mas a Lisa desviou suavemente olhando para dois homens que passavam por
elas. – Só não espere que eu conte a eles que Daniela está grávida.

As duas sorriram e Lisa respirou aliviada, ao menos Chaeyoung não estava


brava com ela.

– Vamos, acabe logo esse sorvete antes que ele derreta. – reclamou
encostando seu sorvete de baunilha no nariz de Chaeyoung e saindo em
disparada com uma outra revoltada atrás dela. Logo a tensão se esvaiu
completamente e elas estavam brincando de novo. Chaeyoung conseguiu
alcançar Lisa atrás de uma barraca fechada e a encostou na lona passando
praticamente todo o sorvete pelo rosto da Lisa que gritava e se debatia
tentando desviar, mas Chaeyoung era forte e conseguiu segurá–la sujando
todo o seu rosto com sorvete.

Quase na hora do almoço, Chaeyoung implorou à Lisa que comparasse


sanduíches, os dela vegetarianos, claro, e deu instruções para que a namorada
seguisse com o carro por uma estrada localizada perto de sua casa. É claro que
a Lisa reclamou de por o carro numa estrada de terra acidentada como
aquela, mas Chaeyoung explicou que era porque ninguém mais vinha aqui.

– Você me trouxe a um lugar em ruínas para almoçar, que romântico! – disse


Lisa irônica.

Chaeyoung revirou os olhos. A Lisa apertou os olhos quando desceu do carro


observando o lugar em que estava. Era um rancho abandonado e em ruínas;
na entrada havia um arco totalmente destruído onde no topo deveria ficar o
nome do lugar, mas a placa estava pendurada e enferrujada. O terreno era
cercado por árvores e havia apenas uma figueira que parecia muito antiga
perto do que parecia ser um estábulo também em ruínas. Os olhos de Lisa
quase saltaram da órbita quando viu uma casa estilo vitoriano; metade do
telhado estava destruída e o que deveria ser o branco das paredes da casa,
estava encardido e descascando.

– Como achou isso? – perguntou extasiada com a beleza do lugar que, apesar
de estar praticamente coberto por mato e neve, tinha uma magia incrível de
quem quer que tenha morado lá.

– Eu costumava passar por aqui no caminho de casa, é um bom atalho se


seguir pela cerca branca. – disse Chaeyoung abraçando a si mesma com frio.
– Nunca entrei lá dentro, acho que as pessoas já devem ter saqueado tudo o
que se tem direito.

Lisa concordou com a cabeça e olhou para a mais nova que batia os dentes
soltando o vapor frio pela boca.

– Toma – disse tirando seu moletom de Columbia do banco de trás antes de


trancar o carro. – Eu sempre deixo esse moletom no banco de trás, sei que
você é teimosa e sai sem blusa de frio.

Elas sorriam uma para a outra com amor antes de Chaeyoung bicar os lábios
da namorada que passou o braço direito em seu ombro a abraçando de lado
para seguirem o caminho até a casa.

– Eu pretendo comprar essa casa um dia. – afirmou em tom de brincadeira. –


Vou reconstruir aquele estábulo e criar cavalos pardos, como em Diário de
uma paixão.
– Pelo que me lembro do livro, Noah não criava cavalos. E tenho certeza que
esse lugar deve ser barato. – comentou Lisa risonha enquanto analisava as
colunas grossas que sustentavam a casa. – Por que não está a venda?

– Ah, ela está. – apontou para uma placa fincada no chão logo na entrada do
rancho, mas ela estava coberta de neve e ilegível devido ao tempo. – Qual é,
Lisa. Nós moramos em New York, quem trocaria as luzes da grande cidade
por uma casa no campo?

Ela tinha razão, infelizmente as pessoas naquela cidade se importavam mais


com a atração que a cidade tinha a oferecer a ficar preso entre árvores numa
casa antiga onde observar as estrelas seria a única atração. Chaeyoung e ela
seriam estas pessoas.

– Nós vamos ter bancos de balanço aqui na entrada como na casa de seus
pais, não é? – perguntou interessada quando chegaram à varanda.

Chaeyoung a olhou com adoração por ela ter entrado na brincadeira.

– Este era o plano. Então eu posso ler meu livro enquanto você toca seu violão
à noite. – abriu a porta que rangeu. Enfiou a cabeça lá dentro verificando se
estava seguro. – Vem, acho que podemos entrar.

Abriu a porta por completo surpreendendo–se ao se deparar logo na entrada


com um piano coberto de poeira que Chaeyoung reconheceu ser um Steinway
Model Z. Aquela parecia ser a sala pelos dois sofás de madeira que se
encontravam no centro do cômodo e uma lareira na parede oposta. Elas
observaram tudo com muita atenção, cada rico detalhe que esculpia aquela
casa.
– Incrível. – Lisa murmurou como se pudesse chamar atenção de alguém se
falasse alto.

Exploraram cada cômodo de mãos dadas, hora ou outra tapando o nariz pelo
forte cheiro de mofo. O andar de cima era o mais interessante, havia três
quartos e todos estavam mobiliados com os móveis de madeira antigos; o
banheiro principal continha uma banheira vitoriana manchada, uma pia no
mesmo estado e uma privada quebrada ao meio. A parte do teto que faltava
era a da suíte, o piso de madeira do quarto estava cheio de neve, mas o
cômodo não havia móvel algum.

– Esse definitivamente será o nosso quarto. – Lisa disse sorridente. – E


vamos pintar aquela parede de vermelho. – apontou para a parede oposta.

– Eu adoro vermelho! – exclamou Chaeyoung alegre. – Sei que vão nos


chamar de loucas quando verem a coisa ridícula que vai ficar, mas que se
dane, é o nosso quarto.

– Essa é a minha garota.

Elas riram como duas idiotas e continuaram a exploração do quarto. A porta


da sacada estava sem vidro e Lisa precisou forçar para que ela abrisse.

– Caramba... – disse olhando a vista revestida de árvores cobertas por neve. –


Esse lugar é...

– Lindo. – terminou Chaeyoung, mas seus olhos na verdade estavam presos


no perfil delicado da namorada que mais parecia uma criança feliz.
Lisa a olhou flagrando o olhar nada discreto em cima dela. Chaeyoung corou,
mas a Lisa sorriu e enlaçou a cintura da Chaeyoung encostando sua testa na
dela.

– Obrigada por ser maravilhosa. – deu um beijo em sua bochecha. – Eu


poderia gritar em plenos pulmões nesse lugar que amo você.

Chaeyoung achou graça e segurou os ombros da Lisa deixando seus olhos se


perderem nas esferas castanhos.

– Você não faria isso, não p...

– Eu amo Park Chaeyoung! – gritou alto o suficiente para Chaeyoung assustar


e enterrar o rosto no peito de Lisa com vergonha, mesmo que não houvesse
ninguém para escutar. – Eu, Lalisa Manoban, estou apaixonada por Park
Chaeyoung!

– Lisa! – gritou a mais nova segurando o rosto de Lisa entre as mãos. – Você
é louca. – riu a puxando pela mão para dentro do quarto. – Ai! – exclamou
quando tropeçou numa parte solta do assoalho.

– Tudo bem, amor? – a Lisa perguntou preocupada segurando firmemente


Chaeyoung nos braços.

– Essa merda estava solta... – abaixou–se verificando o pedaço de viga e


estranhou o que viu.

– Amor...
Chaeyoung ajoelhou–se ao lado de Lisa procurando com os olhos o que a
namorada apontava e uniu as sobrancelhas ao avistar um pacote de cartas
presas por um elástico em baixo do assoalho. As duas se entreolharam
confusas e a Lisa pegou as cartas com cuidado.

– Quem escondeu isso não queria mesmo que fossem encontradas. –


constatou espalhando algumas cartas no chão depois de tirar o elástico. – São
todas datadas em 1943.

– E todas são do mesmo remetente, Harry Davidson. – Chaeyoung mostrou


um dos envelopes para a Lisa. – Também são todas destinadas à Sarah Janell
Carlin.

Os envelopes estavam sujos de terra, manchados pelo tempo e boa parte das
cartas quase ilegíveis devido ao grafite ter sucumbido ao tempo. Elas
recolheram todas as cartas e desceram até a sala onde era mais aquecido, Lisa
sentou em estilo indiano encostada contra a parede e Chaeyoung em frente a
ela.

– França, 21 de Maio de 1943. – leu Chaeyoung chamando a atenção da Lisa.


– Minha querida Sarah, algumas lágrimas chorei ao me ver perdido e
desgraçado durante as horas tão terríveis que passei. Eu me vi cercado pela
morte, vi meus amigos morrerem e inimigos serem decepados. Pensei muito
em você, meu único amor. Nestas horas aflitas que passei, pensei e lembrei-
me das últimas horas junto a ti, na véspera de minha despedida. Naquela
data, sem saber o que era a guerra, me perguntei se tornaria a te ver outra
vez. Pois daqui a uns dias faz um ano que cheguei à França, e ainda hoje me
pergunto se tornaremos a nos ver juntos...
– Harry lutou na guerra. – concluiu Lisa surpresa enquanto olhava a parte
ilegível da carta nas mãos da Chaeyoung. Ela era fascinada pela guerra, seu tio
tinha sido um veterano e sempre lhe mostrava a farda do exército da época
quando o visitava na infância. A Lisa pescou outra carta e pigarreou antes de
ler. – França, 18 de Junho de 1943. Minha doce Sarah, perdão pela demora,
estamos nos deslocando todos os dias para não deixar vestígios e o contra
ataque ainda não cessou. Peço para que não esqueças tudo o que vivemos
caso minha vida seja tirada por soldados alemães, pois nunca me esquecerei
do teu magnífico sorriso até mesmo quando tiver esquecido o meu próprio
nome. Você foi a melhor coisa que me aconteceu, o meu melhor presente e é o
meu bem mais precioso. Eu te amo, com amor, Harry.

Chaeyoung suspirou olhando o perfil de Lisa com uma Chaeyoung angústia


crescendo no peito. Imaginou como deve ter sido para Sarah ver o seu amor
partir sem uma certeza de retorno; colocou-se no lugar da mulher imaginando
Lisa partir, logo chegando à conclusão de que não suportaria. Tinha se
tornado dependente da Lisa, e sabia que estava ferrada por isso.

Lisa a olhou com um sorriso genuíno nos lábios, daqueles sorrisos que te faz
sentir vontade de apreciá-los todos os dias como o pôr do sol enfeita o céu.

– Você acha que ele conseguiu? – perguntou com a voz baixa, fraca. – Acha
que eles tiveram o final feliz?

– Eu não sei. – Lisa sussurrou com o rosto muito próximo ao dela. – Eu torço
para que sim.

– Acha que vamos ter o nosso final feliz?


Lisa esticou as pernas no chão e puxou Chaeyoung aninhando-a em seu colo
como um bebê.

– Nós não somos eles. – disse sentindo seus lábios nos da mais nova. – Mas
eu sei de uma coisa; nós vamos nos formar, fazer um lindo casamento íntimo
e você vai ser a noiva mais linda do mundo! – riu capturando o lábio inferior
de Chaeyoung entre os seus. – Vamos comprar esta casa e reformá–la, mas
acho que teremos de aumentar o número de quarto se vamos mesmo ter sete
filhos.

– Sete filhos, Lisa? Você ficou louca? – perguntou a mais nova com expressão
assustada. – Vamos começar apenas com Ethan. Ou Sarah, caso seja uma
menina.

– Ok. Ok. Você é quem manda. – revirou os olhos. – Enfim, vamos ter Ethan
ou Sarah correndo para cima e para baixo, eu vou chegar do trabalho e ver
minha linda esposa praticando em seu piano, vou beijá–la com toda a
saudade que senti o dia todo enquanto estava escritório. Depois do jantar vou
me sentar com Ethan, ou Sarah – Chaeyoung riu e Lisa continuou. – na
varanda e lhe ensinar a tocar violão, ou ouvir você lendo seus poemas. O que
acha? Ah, é claro, um domingo podemos visitar seus pais e no outro os meus.
E nos dias em que você precisar trabalhar fora, vamos precisar de uma babá,
mas acho que Momo vai adorar cuidar do nosso filho.

– Promete que vamos fazer isso um dia?

O coração de Lisa se apertou. Ela queria, ela queria muito prometer que
ficariam juntas para sempre sem nenhuma interferência, mas ela também
sabia que era covarde o suficiente para não poder prometer, que não dependia
apenas de sua vontade... Droga! Ela odiava a influência que a sociedade e os
pais tinham sobre ela.

– Nós vamos lutar por isso. – respondeu quando Chaeyoung enfiou o rosto na
curva de seu pescoço. – Nós vamos lutar juntas, Chaeyoung.

02 de fevereiro de 2023– Rancho de Park Chaeyoung.

– Love hurts, love scars, love wounds' and mars, any heart not tough or strong
enough to take a lot of pain, take a lot of pain. Love is like a cloud, holds a lot
of rain, love hurts, oh, oh love hurts... – a velha vitrola reproduzia a voz de
Dan McCafferty como um lembrete de que o amor a tinha destruído de todas
as formas que pudesse ser destruída.

A cada batida do ponteiro um segundo de vida era levado; uma batida do


ponteiro por uma batida de seu coração, esse era o acordo. Há muito tempo o
tic tac do relógio empoeirado na parede havia se tornado parte da sua rotina
de sentar na cadeira e observar a chuva. Uma vida solitária, alguns diriam,
para uma mulher de 24 anos.

Parte de uma vida, diria ela. A casa silenciosa e vazia parecia assustadora
agora com a chuva violenta lá fora, um galho batia freneticamente no vidro do
quarto reproduzindo um som irritante e os raios iluminavam o cômodo em
alguns momentos fazendo sua sombra esguia refletir na parede vermelha.

Ela odiava essa cor agora. Trazia-lhe as malditas lembranças.

Talvez fosse por isso que tinha deixado sua cama em frente a ela, para que
toda vez em que se deitasse cansada demais para se lamentar sobre sua vida
de merda, pudesse olhá-la e nunca deixar que a lembrança torturante em sua
mente morresse aos poucos como deixara acontecer com seu coração.

A TV ligada no mudo fora esquecida no canto do quarto, esquecida como


todas as outras coisas em sua vida precisavam ser. Tinha abandonado seu
sonho de ser musicista ainda naquele dia, ou preferia pensar que o tinha
apenas guardado na gaveta. Sua mãe e sua irmã eram mais importantes e elas
precisavam da antiga Chaeyoung de volta.

Diana estava em depressão profunda e os remédios eram caros demais. O


trabalho como musicista tinha progredido muito desde que se formara em
Juilliard, ela estava escalada para liderar a orquestra de New Orleans na
apresentação do Central Park, o salário que recebia ajudou na compara
rancho há um ano antes e nas despesas na casa de sua mãe. Seu trabalho foi
reconhecido mais tarde quando foi convidada pela Universal Music Group a
ter seu primeiro disco solo. Chaeyoung se tornou a melhor e mais jovem
pianista dos Estados Unidos. Suas fotos estavam no The New York Times,
Teen Vogue e foi capa da revista Time. Ela não era famosa ao ponto das
pessoas correrem atrás dela com papéis pedindo autógrafos e ter grupos
acampando na porta de sua casa, mas seu nome era reconhecido e sua música
apreciada.

Mas o trabalho exigia muito dela, precisava viajar praticamente toda a


semana à New Orleans e já não sentia segurança em deixar Ella sozinha com
sua mãe. Vê-las sofrer não era uma opção. Sua ascensão à fama foi rápida,
mas sua queda também.

Última observação do futuro


Era a última vez em que Chaeyoung se permitia ser fraca.
—•—

Música que toca no rádio: Love Hurts – Nazareth

_______

16

27 de Dezembro de 2016. – Primeiro ano da faculdade.

Já era noite quando o Dodge estacionou em frente à casa da família Kim. A


casa era localizada no bairro Prospect Heights sendo um dos mais caros de
New York, mas Chaeyoung não ficou surpresa com esse fato, sabia que a
família de Jisoo tinha dinheiro desde que conheceu o chalé dos pais da garota.
Estava desconfortável, precisava admitir, pois não era acostumada com
pessoas que tinham dinheiro e agora andava com duas garotas ricas além de
sua namorada. Chaeyoung não sentia vergonha das condições financeiras de
sua família, muito menos de seu pai que batalhava todos os dias para que
tivessem o que comer, mas não podia negar que ser a garota pobre no meio
dos riquinhos era intimidador.

A noite estava um pouco mais fria do que de costume, mas isso não impedia
que a música alta soasse de dentro da casa 298 onde era possível ver sombras
dos convidados pela cortina da janela e seus gritos animados da calçada.

Lalisa tirou a chave da ignição e suspirou alto chamando a atenção de


Chaeyoung que a olhou curiosa. A morena portava um semblante triste e uma
ruga na testa que a mais nova sabia ser por essa noite, onde teriam que fingir
que eram apenas amigas.
- Tudo bem? – perguntou segurando a mão de Lisa que pousava na marcha. –
Sabe que podemos apenas ir embora e depois inventamos uma desculpa...

- Não, eu não quero ir embora. – disse finalmente olhando nos olhos de


Chaeyoung que não pode deixar de ter o coração acelerado. Ela nunca se
acostumaria ao olhar de Lisa, tinha mais certeza disso cada vez que seu
coração errava a batida quando seus olhos se encontravam. – Eu só... Sei lá,
queria que as coisas fossem diferentes. Queria poder atravessar aquela porta
segurando sua mão e mostrar para todo mundo que sou sua namorada sem
medo de suas reações.

O coração de Chaeyoung quebrou por um momento, tanto por ter o mesmo


desejo, quanto por saber que Lisa travava uma batalha interna desde o dia em
que se beijaram pela primeira vez. Soltou o cinto de segurança e puxou o
rosto de Lisa com as duas mãos quase encostando suas testas.

- Eu não me importo com isso, Lalisa. É claro que eu queria entrar como sua
namorada, mas muito mais que isso, ser a sua garota já basta para mim.
Trinta por cento das pessoas lá dentro desejam você, e no final da noite a
única que realmente pode ter sou eu. – selou seus lábios como que em uma
confirmação do que dizia. – Você precisa do seu tempo e eu vou te dar, sem
pressão, ok? – Lisa confirmou com a cabeça. – Eu amo você.

- Amo você também. – murmurou a morena puxando a namorada pela nuca


para mais um beijo onde teve seu lábio inferior chupado com doçura e a
língua de Chaeyoung brincando com a sua preguiçosamente. Um beijo
molhado, calmo, sem pressa de acabar.

– Obrigada. – respirou contra os lábios da Chaeyoung recebendo um selinho


antes de se separarem.
Chaeyoung sorriu de orelha a orelha ainda sentindo o gosto de Lisa em sua
boca. Era magnífico. Limpou os lábios com a manga da blusa e abriu a porta
do carro saindo com sua mochila nas costas. Lisa respirou fundo duas vezes e
também saiu do carro o travando e contendo o desejo e a mania de segurar a
mão de Chaeyoung. Elas se entreolharam antes de Lisa tocar a campainha,
não demorou muito até que a porta fosse aberta revelando uma Jisoo
sorridente e a música eletrônica invadir seus tímpanos agressivamente.

Sinceramente, como ela poderia ser uma adolescente normal se os jovens de


hoje em dia gostam de tuts, tuts, tuts? Que poesia há nisso? Que sentimento?
Não é disso que a música se trata.

- Eu não acredito que as beldades resolveram aparecer! – exclamou Jisoo


puxando as duas para um abraço apertado de uma vez. – Eu não as vejo
desde... O que? Um mês atrás? O que andaram aprontando nesse meio tempo,
mocinhas?

- Eu viajei à LA e passei o natal na casa de Chaeyoung. – contou Lisa


ocultando boa parte da história e recebendo um cutucão nas costas. Jisoo
separou-se das meninas lançando um sorriso travesso que as fez corar. –
Venham, vamos entrar. O pessoal já está aqui.

Foram puxadas para dentro sendo praticamente engolidas pelas pessoas que
dançavam – e pulavam -, no centro da sala. Não eram muitos, no máximo
trinta alunos, mas estavam todos aglomerados cantando o que parecia ser
David Gueta. A maioria tinha garrafas de cerveja em mãos, Chaeyoung
pensou que seus pais cortariam sua cabeça se encontrassem a casa de cabeça
para baixo como a de Jisoo estava. Copos vermelhos espalhados pelo chão,
marcas de pegadas no piso branco devido ao álcool que caía sempre que
começavam a pular com o copo cheio em mãos, e, espere! Aquilo era um sutiã
no vaso de orquídeas?

O casal, que naquele momento não era um casal, deixaram as bolsas no


quarto de hóspedes e seguiram Jisoo até uma pequena área entre a sala e a
cozinha onde havia três sofás e no meio uma pequena mesa.

Chaeyoung reconheceu o grupo sendo Jennie, Momo, Jackson, Irene, Junhor


e Jisoo que se jogou no sofá ficando entre Jennie e Junhoe.

- Olha só quem chegou, pessoal! – todas as cabeças se voltaram para


Chaeyoung e Lisa que acenaram incertas, Irene fez questão de indicar a Lisa
um lugar vago ao seu lado no sofá, o que fez o sangue de Chaeyoung ferver. –
Estamos jogando pôquer, juntem-se a nós.

A contra gosto, Chaeyoung sentou ao lado de Momo e Jackson fuzilando uma


Irene que iniciava uma conversa paralela com Lisa que a música alta tornava
impossível de ouvir. O jogo de cartas continuou quando elas se juntaram; aos
poucos Chaeyoung conseguiu se soltar e, por mais que não jogasse pôquer, se
divertia observando seus amigos – principalmente Lisa -, rosnarem quando
perdiam.

Pouco mais de uma hora depois, Jackson e Junhoe se levantaram indagando


se alguém mais queria bebida, Lisa aceitou de bom grado entregando seu
copo à Jackson, e foi nesse instante que tudo aconteceu.

Jennie deu um grito esganiçado que assustou todos que estavam na rodinha.
Ela levou as mãos à boca e tinha os olhos praticamente saltando da órbita
quando notou o objeto brilhante no dedo anelar de Lisa. Seus olhos
automaticamente correram para os de Chaeyoung e um grito mais alto veio
em seguida.

- Vocês - apontou para Jisoo, Momo, Lisa e Chaeyoung. – Me sigam agora!

Chaeyoung não entendia o que estava acontecendo e pela expressão curiosa


de Lisa, ela muito menos.

- Jennie, você pode me dizer o que está acontecendo? – perguntou Jisoo


quando finalmente chegaram ao quarto da garota.

Jennie, que estava de costas até então, girou o corpo com uma expressão
assassina para Lisa e Chaeyoung apontando o dedo acusatoriamente na cara
de cada uma.

- Vocês... Vocês... Argh! Tem uma aliança no dedo delas!

Então Jisoo e Momo saltaram em surpresa procurando pelo objeto e a


expressão de pavor, surpresa ou felicidade, não dava para decifrar, tomou
conta de seus rostos. Chaeyoung corou furiosamente e Lisa abaixou a cabeça
desejando se jogar da janela daquele quarto o quanto antes.

- Quando pretendiam nos contar? – perguntou Jisoo com uma expressão


lívida no rosto, sendo a mais coerente para quebrar o silêncio naquele
instante.

- Essas vadias estavam aos beijos esse tempo todo! – cortou Jennie pegando
um travesseiro da cama e o lançando contra Chaeyoung. – Eu disse que
queria filmar o pedido, sua maldita, cachorra, vou te matar!
Jennie tentou avançar contra Chaeyoung, mas foi barrada por Lalisa que a
segurou pelos ombros lançando seu olhar mortal.

- As coisas aconteceram rápido demais, Jennie. – começou a explicar


direcionando seu olhar também à Jisoo já que Momo estava ciente de tudo
desde o começo, menos, talvez, da parte das alianças. – Uma hora eu estava
em LA com minha família e na outra voando até New York decidida a pedir
Chaeyoung em namoro. Não houve planejamentos, eu apenas fiz o que achava
que tinha que fazer.

O olhar de Jennie suavizou e, aos poucos, Lisa a soltou dando dois passos
para trás procurando a mão de Chaeyoung que a olhou surpresa. O olhar das
outras garotas seguiu a ação da morena e agora tinham um olhar admirado,
menos Momo, que imitou o gesto de estar vomitando.

- Nós pretendíamos contar quando todo mundo fosse embora e só restasse a


gente. – Chaeyoung continuou olhando para a namorada e depois para as
meninas. – Vocês são as únicas que podem saber sobre nós, além dos meus
pais.

- Por que vocês combinam tanto? – o comentário veio de Jisoo que agora
sorria alegremente. – Melhores amigas é o caramba, eu sabia que tinha coisa
por trás disso.

Chaeyoung riu e deu um beijo na mandíbula de Lisa apertando mais sua mão.

- Na verdade nós somos melhores amigas, Jisoo. – disse olhando Lisa com
amor.
– Lisa e eu somos melhores amigas e amantes. – recebeu um abraço de lado
da namorada e uma série exclamações abismadas das outras. – Eu encontrei a
minha pessoa, disso eu tenho certeza.

- Quanta melação! Já podem até estrelar um filme romântico! – exclamou


Momo se jogando de bruços na cama e enterrando o rosto nos travesseiros.

- Eu poderia chorar com isso, socorro. – disse Jennie correndo até as duas e
as abraçando. – Eu sabia que ia conseguir juntar vocês duas, soube desde o
primeiro momento em que Lisa apareceu como retardada apaixonada.

- Hey! – reclamou uma morena ofendida.

Jisoo deu uma gargalhada e passou o braço de Jennie pelo seu ombro.

- Não liguem para ela, está toda boba porque o casal de seus sonhos está
namorando. – riu segurando a mão de Chaeyoung enquanto analisava a
aliança. – É muito linda, e eu estou realmente feliz por vocês.

Jennie concordou com a cabeça e no mesmo instante pareceu lembrar-se de


algo.

- Oh, e vocês já transaram?

Momo, que até então estava enterrada na cama, soltou uma gargalhada que
contagiou Jisoo. Chaeyoung escondeu o rosto nas costas de uma Lisa mais
vermelha que um pimentão e ergueu a mão direita para a amiga em forma de
garras dizendo por gesto que a mataria.
- Tá, tanto faz. – deu de ombros e apontou para o dedo de Lisa. – Acho
melhor vocês tirarem isso do dedo se não quiserem que as outras pessoas
tenham o mesmo surto que eu.

Chaeyoung olhou hesitante para Lisa, elas não tinham combinado sobre tirar
as alianças. Parecia errado estar no meio de outras pessoas sem aquele objeto
que mesmo contra as palavras, significava que uma era da outra.

Ignorando a presença das três amigas, Lisa deu um beijo na bochecha de


Chaeyoung e segurou a mão da mais nova deslizando a aliança do dedo dela.

- Vou guardar a sua comigo, tá? – perguntou esperando a resposta de


Chaeyoung, então tirou também a sua própria aliança. – É só um objeto, o
que importa é esse sentimento invisível que existe entre nós, princesa.

Chaeyoung apenas deu um breve selinho em Lisa, recebendo aplausos de


Jisoo e Jennie e uma exclamação de tédio de Momo, então o grupo de garotas
seguiu de volta à sala.

O pessoal tinha, finalmente, parado de dançar e a música havia sido desligada


para o alivio de Chaeyoung. Agora o único som que vinha do cômodo era o de
gritos comemorativos que Chaeyoung entendeu ser um jogo quando avistou
cerca de dez pessoas sentadas em rodinha no chão; o resto estava espalhado
pela casa bebendo, comendo, conversando.

- Garotas! – chamou Nayeon, era uma veterana em Juilliard e muito amiga de


Jisoo. – Se juntem a nós, o babaca do Bambam desistiu quando teve que
beijar o JB.
Houve uma série de risadas do pessoal da rodinha, enquanto isso Chaeyoung
apenas ria e negava com a cabeça recusando entrar na brincadeira. Lisa
também continuava em pé quando Jisoo, Jennie e Momo sentaram junto aos
outros, e agora todos as olhavam curiosos.

Era verdade que comentavam as escondidas que talvez houvesse algo entre as
duas que não quisessem contar, eram grudadas demais e se olhavam de uma
forma que entregava mais do que devia.

- Nós vamos só olhar, obrigada. – disse Lisa sem graça evitando trocar olhar
com Chaeyoung.

- Qual é, meninas, vocês não tem nada para esconder... Ou tem? – o


comentário malicioso veio de Junhoe e Lisa jurou a si mesma que o mataria
quando o encontrasse no estágio.

Naquele momento o silêncio prevaleceu.

Algumas garotas deram risadinhas e cochicharam algo entre si, algo que
deixou Lisa extremamente nervosa e receosa de olhar para Chaeyoung. Ela
queria ter certeza de que estava tudo bem com a namorada, se era melhor
entrar na brincadeira para amenizar aqueles malditos rumores, mas tudo o
que fez foi sentar-se na rodinha recebendo aplausos e sorrisos de algumas
garotas interessadas nela.

Chaeyoung sentiu vontade de quebrar a garrafa de vodca que Lisa recebeu de


Irene na cabeça dela. As coisas não eram para ser assim, ela sabia do que seus
colegas eram capazes e usariam essa brincadeira para conseguir o que
queriam.
Forçou seu melhor sorriso e sentou-se entre Irene e Jennie, quase de frente
para Lisa, mas não ousou olhá-la; estava nervosa o suficiente para ignorar a
namorada naquele momento.

A brincadeira recomeçou, Jisoo como a anfitriã da festa girou a garrafa que


caiu em uma garota de cabelo curto e tingido na cor azul, a garota pediu
verdade e foi perguntada sobre o tal affair com o professor do coral. E assim
seguiu a brincadeira, a cada rodada Chaeyoung rezava para que não caísse
nela ou em Lisa que tinha bebido quase toda a vodca da garrafa com intenção
de aliviar o nervosismo que sentia.

Mas era de Chaeyoung que estávamos falando, e sua sorte sempre fora uma
piada. Joy girou a garrafa que caiu exatamente em uma Lisa surpresa.
Chaeyoung cerrou o punho e recebeu olhares de Jennie, Jisoo e Momo que
pediam que ela mantivesse a calma. Lisa buscou o olhar de Chaeyoung, mas
tudo o que encontrou foi sua namorada encarando a garrafa.

- Verdade ou desafio?

Engoliu em seco. Droga, droga, droga...

- Verdade.

- Qual é o lance do carro, das jaquetas de couro, e todo esse estilo que grita
lésbica se você não é? – a pergunta não foi maldosa, Lisa sabia disso, mas seu
coração disparou em nervosismo quando todos os olhares correram até ela,
menos o de Chaeyoung.

- Eu não... Eu – gaguejou sentindo a mão suar com o efeito do álcool. – É só


meu estilo... N-Não acho que minhas roupas falem pela minha sexualidade...
Momo revirou os olhos e a brincadeira continuou até a garrafa parar, dessa
vez, em Chaeyoung.

- Verdade ou desafio, Chae? – perguntou Yeri, sua colega de classe.

- Verdade. – respirou fundo e repetiu consigo mesma que aquilo era só uma
brincadeira.

- É verdade que você nunca foi a um baile?

O ombro de Chaeyoung caiu em alivio quando a pergunta não foi direcionada


ao seu relacionamento.

- É, é verdade. – respondeu. – Meu pai estava doente e eu precisei ficar em


casa cuidando da minha irmãzinha.

- Deus! Eu não estaria viva se não tivesse ido ao baile de formatura. –


comentou Irene arrancando murmúrios de concordância das outras meninas.
– Teria ido de qualquer forma.

- Não seja babaca, Irene. – cortou Jennie. – Chae não foi porque quis, ela só
não pode.

O olhar de Chaeyoung caiu e Lisa a fitou sentindo vontade de abraçá-la. Mas


então a brincadeira continuou assim como a morena continuou bebendo e
sentindo-se cada vez mais tonta, ela não era acostumada a beber tanto assim,
mas aquilo estava realmente bom e o clima indicava que precisava de umas
boas doses de álcool em seu sangue se não quisesse ser uma idiota com aquele
pessoal.
Os desafios foram ficando cada vez mais ousados, Nayeon até mesmo
mostrou os peitos e isso aterrorizou Lisa e Chaeyoung que preferiam escolher
apenas verdade.

- Verdade ou desafio, Lisa? – uma voz a tirou de sua distração.

- Ah... Verdade.

Lisa trocou risinhos com Irene, o que não passou despercebido por
Chaeyoung, e voltou-se para Lisa.

- Nós sabemos que você é heterossexual – de novo não, de novo não, de novo
não... – mas se você gostasse de mulheres, com qual garota da roda você
ficaria?

O olhar de Lisa automaticamente buscou Chaeyoung que agora tinha o olhar


cravado em si. Elas sabiam que não poderia dizer a verdade ou entregaria
tudo, pelo menos era o que pensavam... Ou o que Lisa pensava. Ela sentia-se
tonta por conta da bebida e seu olhar correu de Chaeyoung para as pessoas
que esperavam ansiosamente sua resposta.

- Acho que... Eu não sei... – olhou mais uma vez para Chaeyoung que
balançou a cabeça levemente num sinal claro de que estava tudo bem mentir.
Ela sabia que não estava. – Acho que Irene.

O sorriso da ruiva aumentou para 220 volts e o rosto de Chaeyoung caiu


enquanto as pessoas murmuravam um coro de vários uuuh enquanto riam
bêbadas. Jennie queria levantar e socar a cara de Lisa, esta que queria sair da
brincadeira, sumir de perto daquelas pessoas e apenas voltar para o quarto de
Chaeyoung onde tinham o aconchego dos braços uma da outra longe de toda
essa confusão.

A morena girou a garrafa sentindo suas mãos trêmulas, mas não deu muita
importância para o resto da brincadeira, seus olhos tinham se ancorado no
rosto de Chaeyoung que prestava atenção em tudo, menos nela. O que faria?

Seria da mesma forma quando levasse a mais nova à Los Angeles, agiriam
como se fossem apenas amigas na frente de todos, mas o problema maior era
que o medo de Lisa não se limitava apenas a essa festa ou Los Angeles, seu
medo era de qualquer pessoa que as visse juntas. Os comentários, os
olhares... Lisa não sabia se poderia suportar isso.

Quando pensou em levantar e correr até o quarto de hóspedes até o final da


festa, a maldita da garrafa parou novamente nela provocando risadinhas dos
outros participantes. Não é possível que essa merda a tenha escolhido como
alvo!

- Lisa! – chamou uma Irene sorridente, Chaeyoung trincou a mandíbula


esperando o que viria a seguir. – Verdade ou desafio?

Cansada das merdas que lhe eram perguntadas, a morena decidiu mudar sua
tática.

- Desafio.

Chaeyoung prendeu a respiração quando Irene praticamente saltou de


felicidade ao seu lado. O que Lisa estava fazendo?
- Eu te desafio a beijar a garota mais bonita da roda. Todos abriram a boca em
choque E expectativa.

Chaeyoung segurou as lágrimas com tanta força que chegou a ter certeza de
que estaria fazendo careta naquele momento, mas não se importou. Ela
analisou Lisa, sua namorada parecia perdida e bêbada demais para tomar
qualquer decisão coerente.

- Rápido, me passe à pipoca. – pediu Jennie tirando o saco de pipoca das


mãos de uma Momo que mal piscava observando a cena. Devagar, Lisa ficou
de joelhos e começou a engatinhar até Irene que mal podia se conter no lugar.

Chaeyoung abaixou a cabeça e fechou os olhos desejando não ver aquilo ou


até mesmo acordar daquele pesadelo onde o amor de sua vida beijaria outra
pessoa. Antes que pudesse abrir os olhos para certificar-se de que o beijo já
tinha acabado, a mais nova sentiu lábios macios pressionarem contra os seus
e em seguida uma mão puxar sua nuca para mais perto.

Chaeyoung foi pega de surpresa quando abriu os olhos se deparando com sua
namorada prendendo seu lábio inferior entre os dentes e o puxando até que
soltasse. Ninguém naquela roda ousava respirar, Irene tinha uma expressão
totalmente emburrada enquanto Jennie segurava a pipoca entre os dedos a
meio metro da boca.

Quando Lisa abriu os olhos, pareceu cair na realidade do que tinha feito, mas
estava ocupada demais admirando Chaeyoung e sua beleza inexplicável.

Sorriu involuntariamente e aplicou mais um selinho nos lábios da outra


tomando todo o cuidado do mundo em prender seus lábios juntos por um
tempo, apreciando a mão de Chaeyoung apoiada em seu ombro e o suspiro
surpreso.

- Acho que isso explica muita coisa. – uma voz soou no fundo tirando as duas
de seu mundo particular.

Chaeyoung congelou e afastou-se outra vez. Lisa pareceu não compreender


quando sua namorada levantou num sobressalto e correu pelo corredor
deixando todos abobados para trás.

- Ok. Pessoal, a festa acabou. – anunciou Jisoo também levantando e batendo


palmas para que todos a escutassem.

Chaeyoung entrou no quarto de hóspedes que dividiria com a namorada e


fechou a porta com força, mas isso não importava realmente. Esse mar de
sentimentos a estava torturando...

Pressão no peito por pensar que Lisa teria beijado Irene... Seu mundo
entregue quando seus lábios foram os escolhidos pela morena.

- Chaeyoung? – a voz de Lisa preencheu o quarto quando ela adentrou


correndo tropeçando nos próprios pés. – O que...?

Chaeyoung suspirou controlando-se. Ela não podia descontar em Lisa sua


própria frustração, ou será que podia? Nunca esteve em um relacionamento
antes para comparar, era tudo muito novo e confuso.

- Eu só... Eu não sei, Lisa. – disse sincera, estava muito cansada mentalmente.
– É muito mais difícil do que pensei fingir que não estou sentindo nada
quando na verdade queria arrancar a cabeça daquelas atiradas!
A expressão de Lisa suavizou e ela aproximou-se o máximo que pode puxando
sua garota para um abraço apertado.

- Me desculpe. – sua voz saiu embolada, como se tivesse engolido uma bola de
golfe. – Acho que agora não teremos mais problemas com isso... Não é? –
distribuiu beijos por toda a extensão do pescoço de Chaeyoung que suspirou
sentindo o efeito que a morena lhe causava. – Agora todos sabem sobre nós...
Tanto faz, também.

- Você tem certeza disso, Lisa? Está bêbada agora e raciocinando muito pouc-
Lisa a calou com o dedo indicador de uma forma engraçada.

Chaeyoung ergueu as sobrancelhas surpresa e recebeu um beijo na testa ao


mesmo tempo em que a morena tirava as alianças do bolso.

- Eu tenho... Certeza abosuluta... – parou de falar notando que tinha se


enrolado. – absoluta, está certo? – Chaeyoung confirmou e ela continuou
segurando a mão da namorada enquanto deslizava o anel em seu devido
lugar. – Eu tenho absoluta certeza, quero que todos saibam que não estamos
mais no mercado.

Chaeyoung sentiu vontade de rir com a forma como Lisa disse aquelas coisas,
mas mesmo bêbada, não deixava de ser fofa do mundo. O sentimento confuso
dentro de si se desfez rapidamente.

- Desculpe ter surtado, Lali.

Lisa segurou a cintura da outra e a olhou intensamente, daquela forma que


fazia seu coração bater dolorosamente rápido, e acariciou sua face.
- Eu quero muito fazer amor com você agora. – disse com a voz falha
provocando todos os tipos de arrepios em Chaeyoung, que fechou os olhos
quando sentiu os dedos da morena correrem em seu lábio inferior.

Chaeyoung abriu os olhos segurando o pulso de Lisa em seu rosto e desceu os


lábios por ele distribuindo beijos e leves mordidas na pele clara e quente
como brasa. Sua língua correu do ombro da morena até o lóbulo de sua orelha
sugando-o e vendo Lisa suspirar. Estava entorpecida com aquele momento.

- E eu quero você. – respondeu sensualmente chupando mais uma vez o


lóbulo da orelha de Lisa que arranhou sua nuca com um pouco mais de
pressão. Seus lábios desceram distribuindo uma trilha de beijos na pele alva
até o pescoço de Lisa mordendo toda a pele exposta.

- Poderia ir mais rápido, por favor? – pediu Lisa manhosa. Sua respiração
estava cortada e seu corpo entrava em combustão, talvez devesse beber menos
da próxima vez. Suas unhas ainda pressionavam o pescoço da mais nova e
outro suspiro foi ouvido quando Chaeyoung alcançou o outro lado do pescoço
da morena.

- Cale a boca e me deixe trabalhar aqui.

- Ugh!

As mãos de Chaeyoung começaram a percorrer as laterais do corpo de Lalisa


por baixo da blusa, afastou os lábios do pescoço e encarou os olhos castanhos
recebendo toda a carga elétrica que se chocou entre as duas.
Chaeyoung abaixou ainda mantendo o olhar preso no de Lisa, molhou os
lábios em ansiedade e em seguida mordeu o queixo da morena seguindo
caminho de beijos a ponta de seu nariz e voltando a sugar seu lábio.

- Chaeyoung... – Lisa choramingou não aguentando mais a pulsação no seu


centro.

- Não está gostando? – perguntou Chaeyoung observando as íris castanhos


escurecidas, acariciando o abdômen ds Lisa e sorrindo quando ela arrepiou
sob seu toque. – Eu posso parar se quiser.

Chaeyoung roçou seus lábios nos de Lisa e não se afastou dessa vez. Suas
línguas chocaram-se e Chae impôs um ritmo mais lento, explorando toda a
extensão da boca já conhecida de sua namorada.

Deus, como ela poderia ficar emburrada com aquele ser de outro mundo?
Como ela poderia sobreviver sem aqueles beijos; aqueles pequenos momentos
íntimos onde tudo parecia explodir felicidade?

Chaeyoung afastou-se procurando por fôlego, mas os lábios de Lisa já


estavam sob os seus outra vez os atacando com mais voracidade, tão intenso
que parecia que sua vida dependia disso. Chaeyoung tentou corresponder,
mas foi difícil se concentrar quando a mão direita de Lisa desceu até sua
intimidade friccionando aquele ponto por cima da calça.

- Jesus... La... – tentou dizer entre o beijo, mas Lisa já estava perdendo o
controle e a empurrando contra a parede mais próxima. – Oh... – gemeu um
pouco alto quando seus corpos colidiram e a cintura de Lisa pressionou a mão
contra sua intimidade. Juntando toda a força existente na terra e ainda
invocando os deuses, santos, Buda, ou qualquer um que pudesse ajudá-la,
Chaeyoung empurrou levemente o ombro da namorada ofegante. Ok. Ela
poderia morrer observando os cabelos de Lisa desarrumados, os lábios
vermelhos e inchados e aquelas íris escurecidas que ela sabia que era a causa.
Não havia sentimento melhor no mundo do que saber que poderia provocar
aquele tipo de reação em Lisa. - Você está bêbada e eu não vou fazer amor
com você assim. – disse baixinho deixando pequenos beijos na bochecha de
Lisa, bem devagar, aproveitando o contato com a pele macia.

♪♪♪♪♪♪

Lisa acordou sentindo fibra de seu corpo reclamar. A ressaca a tinha atingido
totalmente em cheio e agora até mesmo abrir os olhos era sinal de dor.
Tentou se mexer na cama, mas sentiu pernas e braços entrelaçados com os
seus. Sorriu ao constatar que Chaeyoung não perdera a mania de lhe agarrar
durante o sono como se fosse seu urso de pelúcia. Tomou cuidado ao levantar
sem acordar Chaeyoung, tomou um longo banho repassando o que tinha feito
noite passada, lembrando-se, então, do beijo. E uma lâmpada estourou em
sua cabeça. Agora todos sabiam.

Para ser bem sincera, isso não já importava mais, eles eram apenas
adolescentes que não tinham contato nenhum com seus pais ou com os
estudantes de Columbia, ninguém teria o cuidado de sair espalhando por New
York que Lisa e Chaeyoung estavam namorando quando elas eram apenas
duas adolescentes comuns em meio à tantos outros.

Lisa tirou alguns analgésicos da bolsa esperando que aquela dor de cabeça
aliviasse. Era seu primeiro dia de aula depois das férias e ainda precisava
apresentar seminário, estaria morta nas mãos de seu professor se perdesse
aquela nota.
Desceu até a cozinha já vestida com uma calça jeans preta, tênis
desamarrados e uma camiseta do The 1975. Decidiu fazer algumas panquecas
enquanto as outras meninas não acordavam. Seu pensamento correndo até o
final de semana que se aproximava e o tão esperado encontro com a família.
Chaeyoung queria isso, de certa forma, ela queria conhecer as pessoas que
deram a luz à Lisa e à Daniela. Até mesmo Paul estaria em casa dessa vez. As
coisas não poderiam ser tão ruins.

Braços finos a rodearam e Lisa quase jogou a panela longe com o susto, seu
coração batendo feito uma escola de samba na Avenida do Rio de Janeiro.

- Você quer me matar? – reclamou quando o cheiro de marshmallow


preencheu suas narinas. O susto foi esquecido.

- Eu já disse que você fica muito sexy cozinhando? – a voz sonolenta de


Chaeyoung a fez sorrir e entrelaçar suas mãos que repousavam em seu
estômago. – Bom dia, amor.

- Bom dia, princesa. – desligou o fogo e girou os calcanhares parando de


frente para a sua namorada. Perdeu o ar por um momento quando a viu
usando uma de suas calcinhas boxer e seu moletom de Columbia. Os cabelos
ainda bagunçados e o rosto amassado. – Eu poderia me acostumar a isso -
sorriu a beijando carinhosamente nos lábios. – acordar todos os dias e fazer
nosso café, beijar você na nossa cozinha... – aprofundou o beijo suspirando
quando suas línguas se entrelaçaram.

Seria sempre assim, ela sabia, perderia o foco de qualquer coisa quando a
língua de Chaeyoung estivesse em sua boca provocando sensações que nem
ela mesma pensava existir. Lisa empurrou a mais nova com o corpo até que
ela esbarrasse no balcão e, sem perder tempo, cravou seus dedos nas coxas de
Chaeyoung a colocando sentada em cima do balcão.

- Amor, as meninas... – Chaeyoung tentou falar, mas foi vencida pelos lábios
deliciosos de sua namorada.

(Play musica falling for you - The 1975)

Lisa a abraçou com força enquanto as pernas de Chaeyoung entrelaçaram sua


cintura e os dedos finos puxavam os cabelos com um pouco de violência. O
beijo estava se tornando uma batalha por domínio, mas dessa vez era Lalisa
quem estava vencendo, pois Chaeyoung estava totalmente entregue a ela.

As mãos da morena correram livremente sob as coxas descobertas de


Chaeyoung, marcando e apertando até chegar ao elástico da calcinha onde
Chaeyoung engasgou na boca da morena e...

- Que porra é essa? – berrou Momo fazendo as duas garotas saltarem com o
susto. – Mais uma vez, Lisa! Eu vou matar você sua filha da puta, desgraçada.

- Hey, hey... O que foi? – perguntou Jisoo aparecendo logo em seguida.

Ela fez uma careta engraçada ao ver Chaeyoung em cima do balcão de sua
cozinha. Jennie chegou logo atrás.

- Essas duas ninfomaníacas estavam fazendo sexo explicito na sua cozinha!

- Momo! – reclamou Lisa a fuzilando com os olhos. – Nós não estávamos faz-
- Isso ninguém me chama para ver, não é? – Jennie fez bico caminhando até a
geladeira a procura do leite.

Momo revirou os olhos e saiu batendo o pé com força e proferindo


xingamentos, dizendo que não comeria nunca mais naquele balcão. Lisa deu
um beijo carinhoso no canto da boca de Chaeyoung num pedido mudo de
desculpas.

- Vocês tiveram um quarto só paras duas e decidiram usar minha cozinha? –


riu Jisoo sentando-se na mesa. – Eu não me importo, Jennie e eu já fizemos
coisas piores aí em cima, então relaxa.

Lisa agarrou a cintura de Chaeyoung puxando-a contra si para que descesse


do balcão no mesmo instante. Jennie e Chaeyoung começaram a rir, mas a
morena, por pirraça, abaixou o corpo e agarrou as pernas de Chaeyoung
jogando-a em seu ombro enquanto recebia vários tapas nas costas.

- Lalisa Manoban! Me coloque agora no chão, você vai se arrepender quando


eu estiver em terra firme... – ela gritava enquanto era levada pelo corredor.

- Você vai colocar uma calça agora, não quero mais ninguém olhando suas
coxas. – Lisa disse firme, por mais que estivesse achando graça da situação. –
Elas são minhas, só eu posso olhar, tocar, e fazer outras coisas que não
convém agora.

E sem muita delicadeza, jogou Chaeyoung na cama saindo do quarto em


seguida.

♪♪♪♪♪♪
A entrada de Juilliard estava movimentada naquela manhã com a volta às
aulas. Vários alunos conversavam animadamente sobre qualquer coisa que
não fosse matérias da faculdade e também tinham os casais grudentos
espalhados pela escada.

O frio tinha dado uma trégua, então Chaeyoung optou em usar uma calça
branca, sapatilhas e uma camisa social de Lisa. A morena estacionou o carro
em frente à Universidade e olhou para a namorada buscando seus perfeitos
olhos.

- Tudo bem? – perguntou procurando por alguma incerteza em seus olhos.

Chaeyoung sorriu e lhe deu um beijo estalado nos lábios.

- Tudo sim, amor. Vejo você amanhã, ok? – pegou sua bolsa no banco de trás.

- Ok. Qualquer coisa me ligue. – disse. – E não se esqueça de conversar com


seus pais sobre LA.

As duas trocaram mais um selinho demorado antes de Lisa observar ao redor.


Tantas pessoas que dariam tudo para estar em seu lugar, ter um namoro
como o delas, alguém que compartilhasse dos mesmos gostos e que os
ensinasse mais sobre a vida a sua maneira. E ali estava ela, escondendo-se
dentro de um carro, escondendo o orgulho que sentia por ser namorada da
pessoa mais incrível que existia no mundo, que lhe fazia ver e sentir
borboletas todos os dias, a todo hora. As coisas não deveriam ser assim. E não
seriam.

Quando Chaeyoung fez menção de abrir a porta, Lisa segurou sua mão
fazendo para que ela esperasse. A morena tirou o óculos aviador do porta
luvas para esconder suas olheiras de uma ressaca sem fim e desceu do carro
exibindo toda a sua pose de bad girl que só ela sabia fazer naquele lugar.

Chaeyoung observou tudo boquiaberta, quase tendo uma arritmia quando


Lisa abriu a porta do passageiro lhe estendendo a mão. Ela sorria. O mais
lindo sorriso que já vira na vida.

Chaeyoung aceitou de muito bom grado e fechou a porta do carro tendo sua
mão entrelaçada pela de Lisa enquanto caminhavam até a entrada de
Juilliard. Quase todos, pelo menos os que as conheciam, pararam para
observar, pois boa parte deles não esteve na festa de ontem e pelo jeito os
rumores ainda não tinham começado.

- Vamos dar a verdade a eles antes que comece os rumores. – explicou Lisa
em seu ouvido. – Vamos deixar claro que eu sou sua e você é minha.

E Chaeyoung derreteu. Lisa sorriu outra vez quando chegaram à porta


giratória. Que se danem as pessoas; nada poderia substituir aqueles olhos e
brilhantes direcionados à ela. Nada.

- Até depois então, princesa. – disse Lisa naquele tom sedutor quando seus
rostos estavam próximos o suficiente. – Eu te amo.

- Eu amo muito você, Lalisa. – respondeu Chaeyoung emocionada ao jogar os


braços em volta do pescoço de Lisa. – Obrigada, de verdade.

Nada poderia ser mais perfeito que dois corações tornando-se apenas um.

_______
17

31 de Dezembro de 2016. - Primeiro ano da faculdade.

Chaeyoung sentia falta de estar sentada naquele banco observando o


movimento da cidade pela janela da sala de aula. Era um costume sentar com
seu violino em aulas vagas e criar diferentes situações em sua mente referente
ao fluxo de pessoas que aglomeravam a faixa de pedestres da Avenida. Em
algumas vezes ela desejava ter algum tipo de poder telepático para ler a mente
de cada um daqueles seres apressados, decifrar cada história que se
encontrava em meio a tantas outras naquela esquina; quantos maridos
traídos, esposas solitárias, amantes aflitos, corações partidos... E ainda sim,
no terceiro andar do prédio de Juilliard, se encontrava mais uma história com
inicio, meio e fim, mas que no momento se encontrava no meio de uma
extrema felicidade.

- Vejam se não é a Sra. Manoban. – uma voz sarcástica invadiu o silêncio da


sala. Era Jennie. – Garota, estão todos falando sobre o beijo de ontem à noite.
– a mais nova virou-se com um sorriso doce ao lembrar-se do acontecido, Lisa
tinha provado seu amor de uma forma surpreendente. Jennie tinha um
sorriso sacana nos lábios. - Não deixe Jisoo ouvir isso, mas vocês são o casal
mais lindo desse lugar. – sussurrou fazendo Chaeyoung rir e levantar-se para
guardar o violino na case.

- Lisa não para de me surpreender, Jennie. – respirou encaminhando-se para


fora da sala com a amiga. – Ela me beijou na frente de trinta pessoas e ainda
segurou minha mão na entrada de Juilliard... Por favor, espero não estar
sonhando.
As duas riram e notaram quando um pequeno grupo de garotas do curso de
teatro que estavam próximas ao bebedouro seguiram Chaeyoung com o olhar
e começaram a cochichar, mas ela pouco se importou, sabia que a maioria
desejava a estagiária de Columbia, mas agora também sabiam que ela já tinha
dona.

- Nunca imaginei ver você toda apaixonada, Chae. – Jennie abraçou os livros
contra o peito e olhou feio para um garoto que encarava Chaeyoung. – Irene
tinha certeza de que Lisa estava na dela e agora a garota está lá no auditório
resmungando a todo instante sobre as pessoas não saberem escolher hoje em
dia. – balançou a cabeça divertida com a lembrança. – Mas eu fico realmente
feliz por vocês, é uma surpresa ver Lisa enfrentar os próprios medos para ficar
com você, isso é fofo e gay ao mesmo tempo.

E por falar em medo, elas viajariam ainda aquela semana à LA afim de


Chaeyoung finalmente conhecer a família Manoban. Lisa tinha deixado claro
que se portariam como amigas, que não estava preparada ainda para assumir
o namoro aos pais que, segundo ela, eram religiosos e rigorosos.

Parte de Chaeyoung se encontrava transbordando em ansiedade por conhecer


seus sogros e cunhados, mas também havia aquele medo martelando sua
cabeça com várias imagens se formando sobre como seriam os pais da
morena.

Chegaram ao auditório onde seriam as apresentações que o Sr. Davis tinha


deixado marcado com os alunos antes do inicio das férias e, é claro que
Chaeyoung não deixaria que esse dia em especial passasse em branco sem
prestar uma homenagem à rainha do jazz.
- Eu vou à LA nesse final de semana com vocês. – comentou como quem não
quer nada observando Jennie tropeçar nos pés de Dino e cair sentada na
poltrona da última fileira. – Não faça essa cara, eu já estou nervosa o
suficiente. Obrigada.

- Lisa vai assumir aos pais?

- Não! É claro que não, Jennie. – aproximou-se o suficiente para que os


curiosos de plantão não ouvissem a conversa. – Ao que parece, Daniela quer
me conhecer e Lisa quer aproveitar a oportunidade de me apresentar aos pais,
mesmo que como amiga.

Jennie encolheu os ombros e Chaeyoung soube no mesmo instante que não


era por um bom motivo. Jennie e Lisa tinha crescido juntas e ela, melhor que
ninguém, com toda a certeza do mundo conhecia os Manoban o suficiente
para temer por sua amiga. Eles não eram pessoas más, só não eram...
Amorosos.

O assunto morreu quando o professor apareceu cumprimentando os alunos e


fazendo piadinhas – sem graça alguma -, sobre o natal.

As apresentações começaram uma por uma onde a maioria era apresentada


com violino, Chaeyoung parecia ser a única a ter certa fixação com o piano
por mais que o violino ficasse em segundo lugar em sua lista dos cinco
melhores instrumentos do mundo, logo depois vinha o violoncelo, saxofone e
violão que por ventura não conseguia aprender. Essa era uma coisa de Lisa.

Na apresentação de Irene, a ruiva escolheu a música Don't Speak da banda No


Doubt e cantou com certa raiva que fez Chaeyoung e Jennie trocarem olhares
significativos.
- Srta. Park? Sua vez. – disse o professor no microfone.

E chegou aquele momento em que todos começaram a cochichar procurando


por Chaeyoung enquanto a garota se dirigia ao palco encolhida pela vergonha.
Por mais que seu sonho fosse se tornar uma musicista privilegiada e ter sua
própria orquestra, estar sob os holofotes nunca foi seu ponto forte por ser
acanhada.

- Hm... – começou. Ok. São apenas estudantes com o mesmo objetivo que
você e eles não estão te julgando por estar usando um suéter verde escuro
com carneirinhos desenhados. – Escolhi essa música por hoje ser o
aniversário de Billie Holiday, eu a considero um grande ícone do jazz, então...
– viu Jennie erguer as mãos na plateia em apoio.

As mãos estavam suando frio e o coração a mais de mil por hora. Ninguém
disse nada nos segundos seguintes, o silêncio recaiu sobre o auditório na
espera da nova apresentação, ainda mais da queridinha dos professores como
Chaeyoung era chamada.

Chaeyoung sentou-se em frente ao piano o dedilhando a procura do tom


certo. Suspirou, fechou os olhos e pensou em Lisa. Ela não tinha dito, mas a
música também era em homenagem à sua namorada que tinha feito de sua
vida uma montanha russa de emoções nos últimos dias, uma montanha russa
que só subia. A música começou numa melodia lenta, tomando cuidado para
não estragar a essência da performance e pedindo à Deus que sua voz não
falhasse.

- I'll be loving you always, with a love that's true always. When the things you
plan need a helping hand will understand always, always...
Finalizou a música com um sorriso satisfeito por sua voz não ter estragado
tudo, então foi recebida não por palmas coletivas, mas sim por uma única
pessoa que se encontrava em pé na última fileira gritando animada como se
tivesse acabado de ver o ídolo. Todos viraram as cabeças para ver quem era,
mas Chaeyoung conhecia aquele jeito idiota em qualquer lugar e sorriu ainda
mais satisfeita, com a felicidade explodindo em seu peito por saber que Lisa
estava ali.

- Muito obrigado pela magnífica apresentação, Srta. Park. – disse o professor


apertando a mão de Chaeyoung e logo depois fechando a cara à procura da
pessoa que tinha atrapalhado sua aula. – Srta. Não sei de que turma você é,
mas peço por gentiliza que se retire de minha aula se não quiser que o reitor
se inteire disso.

Lisa ergueu as mãos em sinal de culpa antes de sair pela porta provocando
ainda mais burburinhos dos estudantes.

- Ela esteve aqui. – Chaeyoung murmurou eufórica quando voltou a sentar.

Jennie abriu a boca fingindo surpresa.

- Não me diga?

Chaeyoung recostou-se na cadeira ainda sorridente.

Sim, ela tinha encontrado alguém que fizesse loucuras por ela.

♪♪♪♪♪♪
Finalmente as aulas terminaram pouco depois do almoço, Chaeyoung e
Jennie encontraram-se com Jisoo na pequena academia de dança e juntas, as
três seguiram até a saída comentando sobre onde passariam a virada de ano.
Jisoo e Jennie se encontrariam na casa dos Kim à noite enquanto Lisa,
Chaeyoung, Mark, Diana, Ella e Momo assistiriam ao espetáculo de fogos no
Prospect Park.

- Chae? – chamou Jisoo observando algo diferente na entrada no colégio. Ela


cutucou Chaeyoung que discutia com Jennie sobre um seriado qualquer. –
Aquela não é sua namorada?

Chaeyoung parou de falar na hora virando-se para encontrar ninguém mais e


ninguém menos que Lallisa Manoban em seu sobretudo preto, tênis e seu
inseparável sorriso encantador.

O mais estranho de tudo não era sua namorada estar a esperando quando na
verdade deveria encontrá-la em casa à noite, mas o fato de Lisa estar
encostada no Ford F-150 de seu pai.

- Lisa, querida... Você poderia ao menos alugar uma limusine se quer


impressionar as pessoas. – disse Jennie deixando um beijo molhado na
bochecha da amiga.

- Eu só tenho uma pessoa a quem impressionar, Jennie. – respondeu girando


as chaves no dedo. – E ela está bem atrás de você.

Jennie saiu da frente revelando uma Chaeyoung corada que só a deixou mais
linda aos olhos de Lalisa. As duas trocaram olhares que por sua vez dizia tudo
que cartas de amor esquecidas com o tempo poderiam descrever.
Ali, naquele momento, em meio aos estudantes curiosos, Jennie e Jisoo
sorridentes, existia apenas Lisa e seus olhos que eram capazes de enfeitiçar
até mesmo o mais frio dos corações.

- Boa tarde, Park Chaeyoung. – Lisa cumprimentou curvando-se teatralmente


para beijar as costas da mão direita de Chaeyoung. – Foi uma linda
apresentação.

- Boa tarde, Srta. Manoban. – Chaeyoung entrou na brincadeira. – Eu


agradeço que tenha comparecido.

Lisa começou a rir puxando Chaeyoung de uma vez para seus braços. Tinha
passado todas as aulas em Columbia pensando nesse momento e planejando
aquele dia com a ajuda - por mais incrível que parecesse -, de Momo e uma
pequena mãozinha de Mark.

- Sério que estão nesse nível? – Jennie tinha uma sobrancelha erguida
enquanto observava o casal que a olhava ainda abraçadas. – O máximo que
Jisoo faz por mim é comprar Kit Kat quando estou de TPM.

- Jennie! Eu comprei aquele vestido de festa que você pediu! – reclamou Jisoo
cruzando os braços com um bico se formando nos lábios. – E aquela cinta que
você...

- Oh, não! – Chaeyoung exclamou enterrando o rosto no pescoço de Lisa


quando notou em que assunto estavam entrando. – Eu acho que já ouvimos
demais.

- Sim, tanto faz... Nos vemos amanhã.


Jennie e Jisoo abraçaram Chaeyoung e Lisa antes de seguirem em direção ao
Jeep amarelo de Jisoo. Chaeyoung tirou o rosto do pescoço de Lisa e a fitou
suspirando logo em seguida, sua namorada tinha uma beleza de tirar o fôlego.

- O que está fazendo aqui com a caminhonete do meu pai?

- É uma surpresa. – a morena piscou deixando um beijo suave em sua testa


antes de separar-se do abraço e abrir a porta do passageiro cordialmente para
a namorada. - Agora, por favor, Srta. Park, queira entrar.

Chaeyoung levou cerca de 10 segundos entre assimilar o pedido de Lisa e


entrar na caminhonete com os olhos desconfiados. No banco havia uma
Chaeyoung sacola do Starbucks que embrulhava o que a mais nova deduziu
ser o café da namorada.

- Ainda estou me perguntando se devo mesmo confiar nesse seu plano. – ela
finalmente disse quando saíram com a caminhonete pelas ruas de New York.
– Você ainda pode ser uma assassina profissional contratada por alguém que
odeia minha família para me matar e agora, depois de ter me seduzido,
roubou a caminhonete do meu pai e está me levando até o meio do nada onde
pretende abusar de mim, me matar e desovar o corpo no Novo México.

O silencio caiu quando Chaeyoung parou de falar recuperando o ar perdido,


Lisa desviou os olhos da estrada por alguns segundos quando o sinal ficou
vermelho, encarou Chaeyoung com as sobrancelhas arqueadas em claro sinal
de surpresa.

- Você bolou tudo isso agora?


- Não, venho pensando nisso desde que uma estranha ficou obcecada com
meu laço vermelho.

Lisa soltou uma longa e sonora gargalhada que ecoou pela caminhonete
aumentando as batidas frenéticas do coração de Chaeyoung.

- Talvez seja por isso que eu tenha me apaixonado por você.

Chaeyoung continuou encarando o perfil da morena que voltara sua atenção à


estrada quando o sinal abriu, sem nunca enjoar de contemplar aquele sorriso
brincalhão.

- Se apaixonou, é?

- Não, estou aqui com você porque realmente preciso te matar. - riu da cara
assassina de Chaeyoung. - Não seja idiota, veja só o que comprei para a minha
Oompa Loompa preferida. – disse tirando uma cestinha de dentro de uma
sacola do Starbucks no banco ao lado de Chaeyoung, a cesta continha dois
copos de cappuccino. – O seu é o de chocolate.

Chaeyoung soltou uma exclamação alegre ao pegar o café.

- Se eu sou uma Oompa Loompa, então você é uma ogra, Lisa. Sempre com
essas gracinhas que de engraçadas não tem nada. – franziu o cenho quando a
morena estacionou o carro no gramado do Prospect Park segundos depois. –
O que estamos fazendo aqui?

Lisa deu um sorrisinho torto, aquele que simplesmente enlouquecia


Chaeyoung nos momentos íntimos e abriu a porta da caminhonete sendo
acompanhada pela namorada que deixou o café de lado para olhar ao redor
sem entender o que estava acontecendo.

O parque estava praticamente vazio se não fosse pelo casal correndo em volta
do lago e a família fazendo piquenique na neve.

- Nós vamos ver o espetáculo de fogos, pensei que soubesse disso. – disse
simplesmente ao encostar-se no capô do veículo de frente à uma Chaeyoung
impaciente.

- Sim, que começa à noite e agora são exatamente 15:43h, Lisa.

Em resposta, a morena caminhou até a carroceria da caminhonete e abriu a


tampa revelando uma enorme caixa de madeira, mais parecida com um baú.
Chaeyoung cruzou os braços e observou atenta ao que sua namorada
aprontaria.

- Você poderia me ajudar aqui. – resmungou a morena tentando levantar a


caixa. – Vamos Chaeyoung, não seja uma Oompa Loompa má.

Chaeyoung bufou com o apelido sem graça e chutou uma pedra em Lisa que
pulou para desviar. Juntas, as duas desceram a caixa pesada até o chão e
Chaeyoung observou a morena abrir a tampa dupla revelando uma manta
grossa que cobria o que quer que esteja lá dentro.

- Veja - disse a morena pegando a manta e voltando até a carroceria onde a


estendeu forrando toda a traseira da caminhonete. – eu pensei que nós
poderíamos passar uma tarde romântica enquanto o parque está vazio. –
voltou até a caixa e começou a tirar várias coisas de lá de dentro. – Eu trouxe
suco de saquinho e a água para misturarmos, seu preferido é o de uva, certo?
– Chaeyoung balançou a cabeça totalmente sem reação. – Trouxe alguns
lanches, não se preocupe, eu me encarreguei de preparar seu lanche
vegetariano preferido. – riu mostrando o lanche enrolado em papel alumínio.
– Trouxe seu livro irritante também, mas, por favor, não me mate por pegá-lo
em seu quarto. – fez um bico engraçado quando entregou Morro dos ventos
Uivantes à Chaeyoung. – Ah, hoje é o aniversário da Billie, certo? Trouxe
alguns CDS que seu pai me emprestou, podemos ouvi-lo na caminhonete
enquan-

Lisa foi interrompida bruscamente quando teve seu espaço pessoal invadido
por Chaeyoung. A morena não teve reação no começo pela surpresa, apenas
deixou-se ser beijada ternamente pela garota que tanto amava. O beijo era
carregado de carinho e amor, as línguas dançaram entrelaçadas em um ritmo
dolorosamente lento e satisfatório.

- Eu te odeio. – Chaeyoung murmurou contra os lábios de Lisa, com os braços


entrelaçados no ombro da morena. – Te odeio tanto, sua ogra estupidamente
perfeita.

Recebeu uma mordida no lábio e vários beijos espalhados por todo o rosto.

- Você é mesmo uma graça quando tenta se fazer de forte - Lisa sussurrou de
forma sexy no ouvido da mais nova que sentiu o corpo todo arrepiar. – mas
sei que fica molhada quando nos beijamos por muito tempo.

- Lisa!

♪♪♪♪♪♪
O final da tarde passou rápido para Chaeyoung e Lisa que aproveitavam ao
máximo à base de boas risadas e histórias sobre suas famílias, elas nunca se
cansavam de conhecer uma a outra e sobre a infância que tiveram.

Já era quase crepúsculo e Chaeyoung permanecia sentada na carroceria


mexendo o suco que tinha preparado enquanto Lisa sentava ao seu lado
comendo seu lanche com uma mão e bisbilhotando algumas das cartas que
encontraram no rancho abandonado com a outra.

- Acho que Harry nunca mais voltou. – a voz de Lisa interrompeu Chaeyoung
de seu trabalho árduo em despejar o líquido no copo de plástico.

- Por quê?

Chaeyoung agradeceu mentalmente à sua namorada por ter trazido seu


moletom, o fim de tarde estava começando a ficar mais frio e as duas quase se
fundiam lado a lado na tentativa de se esquentarem com a outra manta que as
cobria. Billie Holiday era a voz reproduzida no rádio dentro da caminhonete
para a eterna felicidade de Chaeyoung.

- Pelo que entendi, a unidade de Harry foi uma das designadas de invadir
Altenberg. Essa carta é datada em Março de 1944. – Chaeyoung deitou a
cabeça no ombro da morena à espera da leitura abandonando seu suco de
lado. - Esta é uma memória, 27 de outubro de 1941, quando a vi pela
primeira vez. São memórias de uma noite chuvosa, de um soldado e uma
dama em baixo de uma árvore solitária. Lembranças de uma noite fria e
ventosa, em que nos metemos em um teatro para soldados e adormecemos
em uma cobertura atrás dos bastidores, os dois, presos nos braços um do
outro, e as lembranças do impacto causado ao acordar e ver que,
milagrosamente, não tínhamos sido descobertos. Lembranças da felicidade
que tivemos em tão pouco tempo e a devastação que senti quando chegou o
momento de partir. A despedida calorosa em uma praia isolada sob o céu
repleto de estrelas da noite americana e as lágrimas que não paravam de
cair enquanto, no cais, você via meu comboio ir embora ao horizonte. Nós
prometemos que estaríamos juntos novamente em casa, mas o destino sabia
mais do que nós. Nunca acontecerá e isso é tudo que posso dizer-te em
palavras. E assim, Sarah, eu espero que, onde quer que você esteja, que
essas memórias sejam tão preciosas para você como são para mim. Boa
noite, meu amor.

Lisa terminou a leitura e abaixou a carta processando aquelas palavras que de


certa forma a atingiram, seu lanche fora esquecido de lado assim que seu
estômago reclamou. Sentiu uma respiração pesada em seu ombro e não
precisou virar-se para saber que Chaeyoung chorava em silêncio.

- O que será que aconteceu? – a voz de Chaeyoung saiu embargada enquanto


limpava as lágrimas em sua face. – Ele sabia que não voltaria, mas por que
não avisou? Ou... Eu não sei...

Ver aquela cena foi uma das várias maneiras de destruir o coração de Lisa. Ela
dobrou a carta e pegou outra a entregando à namorada.

- O que é isso?

- Uma carta do pelotão de Harry. – explicou passando o braço sobre o ombro


de Chaeyoung e a puxando mais para si até que estivesse aconchegada em seu
peito. – Datada duas semanas depois da última carta que ele enviou; quem
escreve é o diretor da unidade dele explicando que Harry foi baleado no peito
em combate e não resistiu aos ferimentos.
Chaeyoung recomeçou a chorar sentindo uma dor intensa em seu peito com o
pensamento em Sarah ao receber a carta. Precisava manter suas mãos presas
quase que possessivamente em Lisa com medo de que ela partisse assim como
Harry.

- E se os seus pais não gostarem de mim? – perguntou depois de um longo


tempo em silêncio. – E se eles descobrirem um dia, e eles vão, e tentarem nos
separar?

Sabia que era injusto cuspir aquelas dúvidas infernais em Lisa mais uma vez
depois da linda tarde que a morena havia preparado. Mas o medo de perdê-la
dominava qualquer função de seu corpo, Chaeyoung podia quase sentir uma
dorzinha no fundo do peito só de imaginar-se sem sua amada.

- Eu não sei... – foi a resposta que tanto temia. Ela nunca sabia. – Já disse que
não posso prometer que nós vamos durar para sempre, mas preciso que você
confie no meu amor e tenha certeza de que é o que eu mais quero. – afastou-
se um pouco para olhá-la nos olhos. – Eu sou louca por você. É doentio que eu
precise de você de uma maneira tão forte quase como preciso de ar para
respirar. Então... Eu não sei o que vai acontecer quando eles descobrirem...
Sinto muito. Vamos viver o presente como se cada dia fosse o último... Por
favor?

A verdade fincada naqueles olhos era visível, até mesmo quando uma lágrima
solitária escapou deles trilando caminho por sua face e sendo beijada por
Chaeyoung. Lisa estava sofrendo por ser obrigada a pensar naquele assunto,
era seu verdadeiro ponto fraco.

- Meu amor. – Chaeyoung sussurrou espalmando a mão no rosto da


namorada e deslizando os lábios perto da orelha da morena. – Você é o
presente mais lindo que eu já ganhei. Não importa o que aconteça, eu vou te
amar assim como sei que Sarah amou Harry depois de tantos anos.

♪♪♪♪♪♪

O Prospect Park se encontrava lotado de pessoas à espera do tão querido ano


novo. A maioria delas estavam sentadas em mantos na grama congelada com
suas famílias e amigos conversando e rindo sob a maravilhosa lua cheia que
iluminava aquela noite.

Lisa acompanhou Mark até carrinho de cachorro quente comparando o


lanche de Diana e suco de uva para Chaeyoung, enquanto a mesma
acompanhava Ella, Diana, Momo e Jackson para a bateria de fogos.

- Eu disse que daria certo, Billie Holiday sempre funciona... – dizia Mark
roubando alguns sachês de ketchup do carrinho.

- Chaeyoung é um tanto difícil de enrolar, ela pensou que eu fosse uma


psicopata sexual.

Mark aceitou o cachorro quente do vendedor lhe entregando o dinheiro em


seguida.

- E não é? – perguntou com naturalidade enquanto servia-se com uma


mordida. – Quando olho pra você, logo me vem à mente que você pode estar
tirando a pureza de minha filha.

Lisa engasgou com a saliva, precisando ser acudida por uma senhora que
estava ao seu lado.
- Obrigada. – agradeceu com um sorriso amarelo e voltou-se totalmente
corada para Mark que caminhava tranquilamente até o resto da família. –
Com todo respeito, Mark, mas Chaeyoung e eu não fizemos nada...nesse
sentido.

Ruborizou ao se lembrar dos pequenos momentos de descontrole que teve


com Chaeyoung e se culpou por desejar que tivessem se concretizado, ela não
tinha culpa se a filha de Mark não tinha nada de inocência.

- Não? – o homem parecia...surpreso? – Você é mais frouxa que imaginei.

- O que?

- Nada. Fico feliz que esteja respeitando a pureza de minha garota.

Pureza? Sério? O que ele diria se soubesse que era Chaeyoung quem criava as
situações mais constrangedoras do mundo? Não acreditaria, é claro. Para um
pai sua filha é o maior tesouro do mundo, e o namorado, ou namorada,
sempre seria o mau caminho.

Lisa engoliu em seco e achou melhor não responder, os dois continuaram


caminhando entre as pessoas até Mark suspirar e virar-se para a morena
fazendo-a esbarrar em seu corpo com uma exclamação surpresa.

Ela engoliu em seco sentindo seu corpo tremer, suas pernas vacilarem e olhou
atentamente em volta tendo certeza de que poderia pedir socorro caso o
homem sacasse uma arma. Era seu sogro, afinal.

- Me escute, Lisa – ele disse com um semblante sério. – sei que você é uma
boa garota e minha filha tem muita sorte em ter você. Eu posso fazer linha
dura às vezes em relação aos horários, porta aberta e agarração, mas estou
apenas fazendo meu papel de pai, entende? – a morena concordou com a
cabeça sem hesitar. – Sei que Chaeyoung não é nenhuma santa e com certeza
vai chegar o momento em que vocês vão...fazer...coisas. – ok. Hora dos dois
ruborizarem. – Só...a faça sentir-se especial, ok? Não sei se vou estar vivo
amanhã, daqui a dois meses ou no casamento dela, mas como pai, tudo o que
eu mais desejo no mundo é que minha filha seja feliz. – o homem segurou o
ombro de Lisa e sua expressão suavizou. – Tenho você como minha filha
também, e sei que não vai me decepcionar. Tenho muito orgulho do que fez e
continua fazendo por Chaeyoung, saiba que não imaginaria ninguém melhor
como minha nora. – sorriu. – Você é uma grande mulher que Deus colocou
não só no caminho de Chaeyoung, mas também no nosso. Venha cá. – puxou
a morena para um abraço apertado.

Nada poderia se comparar à sensação de ser aceita por alguém maduro como
Mark. Ele tinha orgulho dela. Lisa abraçou Chaeyoung por trás quando
voltaram e entregou o suco para a namorada.

- Seu pai disse que tem orgulho de mim. – murmurou descansando a cabeça
no ombro dela.

- Sério? – Chae disse enquanto entrelaçava seus dedos aos de Lisa em seu
estômago. – Isso é maravilhoso, amor.

- Eu te amo, Chaeyoung.

Pouco tempo depois, as duas garotas correram de volta à carroceria da


caminhonete que as aguardava no canto afastado do parque, agora com Lisa
sentada e Chaeyoung entre suas pernas.
- O que vai pedir de virada de ano? – perguntou Chaeyoung quando o pessoal
no campo começou a contagem regressiva.

- 25, 24, 23, 22...

- O que? – perguntou Lisa por conta do barulho.

- Faça um pedido.

- 18, 17, 16, 15...

- Isso é bobeira. – riu a morena depositando beijinhos no ombro da


namorada.

- Faça um pedido, Lisa!

- 12, 11, 10, 9...

- Ok. Eu quero viver com Park Chaeyoung para sempre.

- Para sempre?

- 5, 4, 3, 2, 1!

- Para sempre.

Fogos de artifício colidiram no céu escuro formando uma aurora de cores. A


noite se tornou dia pelas luzes coloridas explodindo a poucos metros. Várias
pessoas brindavam com champanhe e se abraçavam com largos sorrisos no
rosto gritando animados sobre a expectativa do que o ano novo traria.
Uma triste conclusão

O problema dos desejos, é que nem sempre se tornam realidade.

♪♪♪♪♪♪

Música que Chaeyoung canta: Always - Billie Holiday.

_______

18

03 de Janeiro de 2017. - Primeiro ano da faculdade.

Era madrugada fria no dormitório de Columbia. Apesar da friagem, a neve lá


fora era mínima cada dia mais limitando os pequenos e desleixados bonecos
de neve do Campus e permitindo que os estudantes permanecessem do lado
de fora sem o perigo de morrerem congelados com as constantes geadas.

No dormitório 78, a luz encontrava-se apagada e o lugar era iluminado pela


luz do luar que invadia a janela aberta; Ed Sheeran era reproduzido pelo
Iphone esquecido no chão entre o amontoado de casacos e malas. Na cama,
dois corações batendo em um mesmo ritmo, corpos um sobre o outro, pernas
entrelaçadas e a cabeça de Chaeyoung descansando preguiçosamente na
curva do pescoço de Lisa na parte de baixo do beliche.

Já compartilhavam essa mesma posição há quase uma hora e meia esperando


por Momo - que por ventura estava na casa do namorado -, para que
pudessem enfim, partir à Los Angeles.
Mark ficou relutante com a viagem da filha, conhecia o suficiente dos
Manoban pela boca da nora para saber que sua filha não seria bem vinda à
casa da família se soubessem sua real condição. Lisa explicou que elas agiriam
como amigas para o bem das duas, seria apenas como um teste, e assim, sua
irmã Daniela também conheceria Chaeyoung.

- Eu amo o cheiro do seu pescoço. - a voz de Chaeyoung saiu abafada na pele


de Lisa. - Esse é o meu lugar preferido no mundo inteiro, tanto que é onde
vou morar a partir de hoje. - brincou distribuindo beijos arrastados na pele
alva.

- Você não pode morar no meu pescoço, amor. - Lisa riu abraçando mais
ainda seu presente divino. - Pensei que nossa casa seria o rancho que vamos
comprar...

- Lisa! Às vezes é melhor manter-se com essa boquinha linda fechada a


estragar meus momentos de fofura, ok?

A morena ergueu as mãos em sinal de defesa e recebeu uma mordida na


clavícula como punição pelas gracinhas.

- Canibal.

- Sem graça.

- Você e minha irmã vão mesmo se dar bem, ambas contra mim o tempo todo.
- suspirou e bagunçou o cabelo de Chaeyoung.
Chaeyoung levantou o rosto ficando na altura do de Lisa a olhando com um
sorriso tímido e ao mesmo tempo apaixonado nos lábios, era assim que
ficavam quando tiravam alguns segundos apenas se encarando, ambas não
acreditando na sorte que tinham de se pertencerem.

- Acha mesmo que vamos nos dar bem? Digo, Daniela deve estar passando
por um momento difícil e eu não sei como agir com uma mulher grávida...

Lisa riu e forçou a cabeça da namorada a voltar ao seu pescoço.

- Daniela tem apenas dezessete anos, ela continua sendo uma adolescente
normal e irritante. - suspirou. - A única diferença é o bebê crescendo dentro
dela e a reclusão com nossos pais. Mas sei que ela vai gostar de você de
primeira, que pessoa no mundo não se apaixona pela minha menina?

O coração de Chaeyoung disparou com o comentário inocente.

- Estou com medo dos seus pais. - disse incerta, com medo de ser repreendida
pela namorada por falar assim de seus pais.

- Eu sei. Desculpe não poder fazer mais que isso. Eu queria ser forte o
suficiente par-

- Hey! - o dedo indicador de Chaeyoung selou seus lábios a surpreendendo. -


Não diga que não é forte, nunca mais, entendeu? Você nos assumiu para
Juilliard e me pediu em namoro oficialmente aos meus pais, e isso é mais que
o suficiente para mim. Sei que as coisas com seus pais não vão ser fáceis, mas
eu confio em você quando diz que vamos fazer isso dar certo, temos uma vida
inteira para contar a eles. - riu beijando os lábios macios de Lisa. - Eu te amo
e sou muito orgulhosa de quem você é.
Recebeu um enorme sorriso em troca, aquele mesmo sorriso que fazia seu
coração esquecer-se de pulsar e seus pulmões de filtrar o oxigênio. Lisa não
tinha mesmo noção do que era capaz de provocar em Chaeyoung com um
simples sorriso e talvez ela nunca soubesse, pois era algo que nem mesmo
Chaeyoung entendia.

Passou anos de sua vida concentrada na música, sem tempo para namoros, e
de um instante para outro sua vida é invadida de forma não consensual por
uma estranha com olhos capazes de hipnotizar qualquer pessoa. Chaeyoung
amava ser hipnotizada por ela.

- Estou levando o filme Mouling Rouge. Daniela diz que é um filme para
artistas e amantes indomáveis. Já assisti mais de cinco vezes e não me sinto
nenhuma dessas coisas.

- Você é domável amor, eu consegui esse feito.

- Humpf!

- Você ficou brava?

- Não, só me sinto um cãozinho que você encontrou abandonado e decidiu


levar para casa.

As duas ficaram em silêncio por um momento, Chaeyoung franziu o cenho


pensativa e quando levantou a cabeça, parecia séria com a pergunta.

- Será que eles deixam?


- Chaeyoung!

E lá estavam elas brigando por quem conseguia ficar por cima na Chaeyoung
beliche provocando altas risadas.

- Não sei mais o que fazer com vocês duas, deve ser algum tipo de karma
pegá-las no ato sexual. - era Momo que tinha entrado no quarto encontrando
Lisa por cima de Chaeyoung. - Nojentas.

Lisa revirou os olhos, deu um último beijo na namorada antes de descer do


beliche e a ajudou a vestir os casacos para saírem. Apesar de ser de
madrugada, alguns alunos perambulavam pelo corredor, muitos deles
bêbados, aparentemente estavam dando uma festa no terceiro andar ao qual a
morena tinha recusado.

Momo, Chaeyoung e Lisa seguiram até o primeiro andar e, com a sorte que
Lisa não possuía, deram de cara com Megan e Hanbin, os dois um pouco mais
alterados que o normal, conversando animadamente na escada com mais
duas garotas que não conhecia. Megan foi a primeira a avistá-las e sorriu
alegremente se jogando nos braços de Lisa.

- Piranha na área. - comentou Momo próxima o suficiente para que apenas


uma Chaeyoung confusa ouvisse.

Megan segurou o rosto de Lisa com as duas mãos e a morena notou que a os
olhos da garota estavam vermelhos. Maconha.

- Eu já estou ficando chateada por não ter sua presença nas festas, Lisa. -
choramingou Megan ignorando por completo Momo e Chaeyoung. - Oliver
me perguntou de você, acho que ele quer repetir a noite... Algo sobre aquele
amasso que vocês deram na festa do Matt...

Chaeyoung apertou a mão na alça da mochila que segurava e desviou o olhar


para Momo que tinha um olhar assassino para a garota à sua frente. Lisa
tinha empalidecido e seu corpo congelado no lugar, seu mecanismo de defesa
não estava ajudando a reagir naquele momento. Os olhos de Megan caíram
em Chaeyoung.

- Você é nova aqui?

A mais nova balançou a cabeça negativamente e sentiu-se mais segura em


estar próxima de Momo.

- Sou de Juilliard.

Megan fingiu que segurava uma risada, mas acabou babando em si mesma.

- E o que faz aqui, querida?

- Estou com... - seus olhos procuraram suplicantes por Lisa, ela não sabia o
que dizer naquele momento. Mentir? Dizer a verdade? O quão confortável
Lisa se sentia com sua presença na frente dos amigos? Mas a morena parecia
tão em pânico quanto ela.

- Ela está comigo. – Momo a cortou lançando um olhar fulminante para Lisa.
- Somos amigas e vou levá-la esse final de semana à minha casa.

Lisa tinha simplesmente congelado no lugar, mal podia olhar a namorada


naquele momento, sentia-se como na festa na casa de Jisoo onde o pânico das
pessoas saberem sobre elas era grande, mas o problema maior agora é que
estavam do outro lado da linha de fogo, o lado dela, onde as pessoas eram
maldosas.

- Momo! Querida - Megan continuou rindo apoiando-se no ombro da morena.


- eu sempre soube que você tinha esse lado... Estranho.

Momo tentou avançar contra a garota, mas foi impedida por Chaeyoung que
lhe deu um olhar dizendo que estava tudo bem. Hanbin logo apareceu ao lado
de Megan com os mesmos olhos vermelhos e a abraçou por trás soltando um
grito animado, o que talvez tenha tirado Lisa do transe.

- O que temos aqui? - o menino perguntou com a animação impregnada na


voz. - Lisa, amiga! Quanto tempo que não a vejo.

- Nós frequentamos as mesmas aulas, Hanbin. - rebateu Lisa impaciente.

- Você entendeu o que eu quis dizer. - olhou para Chaeyoung abrindo um


sorriso mais ainda. - Olá querida, você certamente não é desse Campus, eu a
reconheceria.

Megan o cutucou e apontou para Momo.

- A garota é de Juilliard e está com Momo.

Lisa sentiu o sangue ferver com a piadinha e se colocou ao lado de Chaeyoung


e Momo mostrando que estavam juntas.

- Nós três, Megan. - disse firme. - Somos amigas e estamos passando um


tempo juntas. Agora se me permite, temos que pegar um avião.
E sem dizer mais nada, indicou o caminho para Chaeyoung seguindo logo em
seguida. Momo deu um sorrisinho falso quando passou pelos dois estudantes
que a fuzilaram com o olhar.

Apesar de Lisa ter caído em si no último momento, Chaeyoung não gostou da


atitude da namorada de deixá-la na mão. Ela entendia todo o medo que a
morena sentia, ela jura que entendia, mas enfrentá-lo de cara era bem
diferente, ainda mais quando a pessoa que deveria defendê-la não reage.

- Obrigada, Momo. - agradeceu gentilmente quando entraram no táxi que as


esperava ao lado de fora.

- Relaxa, Chae. Apesar de querer sua cabeça quando decide fazer pornografias
na minha frente, criei um carinho enorme por você. Não deixaria que aqueles
babacas mexessem com você, alguém precisava ter atitude.

A indireta atingiu em cheio o alvo de olhos castanhos e o silêncio caiu no


carro. Ninguém ousou dizer mais nada todo o caminho até o aeroporto, e
assim que chegaram, as poucas palavras que trocaram foram sobre as
passagens e com Jennie que as aguardava na fila de embarque e logo notou
que havia algo de errado.

Momo contou à Jennie o ocorrido quando a garota questionou o silêncio


mortal entre as três e mais uma vez o clima ficou tenso.

- Tudo bem? - Lisa perguntou quando já estavam sentadas em seus assentos


lado a lado.
- Sim, estou bem. - limitou-se a responder, por mais que não quisesse estar
chateada com sua namorada, era quase impossível forçar um diálogo sem que
se sentisse mal.

- Amor, me desculpe...

- Eu estou bem, Lalisa. - disse um pouco mais rude sem encontrar as


esmeraldas, sabia que fraquejaria se o contato acontecesse. - Estou bem. Só...
Me dê um momento, ok?

Lisa concordou tristemente voltando sua atenção ao que a aeromoça


informava. Pela primeira vez desde que beijara Lisa em seu quarto,
Chaeyoung se permitiu pensar mais abertamente sobre as consequências
daquela relação.

Ela era uma garota sonhadora que enxergava além do que as pessoas
consideradas normais conseguiam ver. Lisa é uma das pessoas normais que
mantém os pés no chão apesar de algumas vezes sua mente entrar em certa
conexão com a de Chaeyoung.

Elas estavam em dois mundos diferentes, eram como Romeu e Julieta do


mundo moderno; de um lado estava uma família que aceita e apoia o namoro
das duas, e do outro a família que mal podia sonha que havia algo.

Estar com Lisa era como ter uma bomba relógio nas mãos, você nunca sabe
em que momento ela pode explodir, Chaeyoung sabia disso mais do que
nunca agora.
Talvez essa viagem à Los Angeles tenha sido um erro, ela pensava agora, Lisa
não se impôs em frente aos amigos, que dirá em frente aos pais? Dessa vez
Momo não estaria lá para ajudar.

Horas depois o avião estava pousando no aeroporto de LA, a diferença de


clima as obrigando trocar de roupa no banheiro do avião antes do
desembarque.

Chaeyoung já tinha estado em Los Angeles com suas tias em passeio, mas
havia se esquecido de como o clima tropical poderia ser agradável, ainda mais
depois de passar tanto tempo dentro de blusões, casacos e roupas contra o
frio.

Momo e Jennie despediram-se de Chaeyoung e Lisa na saída do aeroporto


rachando um táxi para suas respectivas casa.

- Ainda está brava? - Lisa arriscou quebrar o silêncio. Estavam no


estacionamento esperando pelo motorista dos Manoban. - Eu sinto muito
mesmo não ter defendido você, amor. Ainda estou trabalhando nisso...

Chaeyoung deu um leve sorriso para a namorada, tinha decidido deixar essas
questões de lado enquanto estivesse em Los Angeles, elas precisavam estar
unidas para o que quer que aconteça naquela cidade.

- Estamos bem, Lali. - deu um beijo no rosto de Lisa quando ninguém mais
estava olhando. - Como eu disse, só precisava de um tempo.

- Então você continua sendo minha Oompa Loompa? - a morena perguntou


quebrando o clima pesado entre elas.
- Sim, e você continua sendo minha ogra.

Sorriram uma para a outra e ouviram uma buzina. Lisa ficou surpresa quando
viu seu irmão do meio, Paul, na BMW preta com Daniela no passageiro.

- O casal vai demorar ainda mais? - perguntou Paul em tom de ironia.

Lisa arregalou os olhos procurando em desespero por Daniela que deu de


ombros.

- Eu acho que acabei comentando sem querer com o nosso maninho. - disse
inocente.

Lisa trincou a mandíbula para a irmã que a ignorou quando desceu do carro,
sua barriga estava um pouco maior do que da última vez e a morena se
perguntou como Charlote ainda não tinha notado a diferença.

Ou talvez ela tenha notado e optado em se fazer de cega como sempre fez
desde que se casara com Marco.

O sorriso enfeitando o rosto de Daniela era tudo o que a morena esperava


encontrar, ela parecia muito melhor desde a última vez em que se
encontraram, contar o segredo aliviou o peito da Manoban mais nova
deixando-a como a velha Daniela brincalhona que Lisa se lembrava.

- E você deve ser a tão famosa Chaeyoung, certo? - Daniela, que era uns
poucos centímetros mais baixa que Chaeyoung, a puxou para um abraço
caloroso sem dar tempo que a garota respondesse. - Eu fico muito feliz em
finalmente conhecer minha cunhada.
- O prazer é meu, Daniela. - Chaeyoung riu um pouco mais descontraída. -
Lisa também fala muito de você.

- Aposto que de mim ninguém fala. - Paul apareceu logo depois


cumprimentando a irmã com um beijo no rosto e curvando-se em brincadeira
para Chaeyoung como se fizesse uma reverência. Ele era, de fato, irmão de
Lisa. - Devo admitir que minha irmã tem mesmo muita sorte, Srta. Park. Se
decidir que precisa de um Manoban melhor, saiba que estou livre.

Chaeyoung começou a rir sentindo seu rosto ruborizar.

- Não seja cínico, Paul. - Lisa cutucou o irmão. - Eu tenho muito mais
qualidades que você...

- Oh, não. Não precisamos ouvir essa discussão, Chaeyoung. - Daniela tomou
a bolsa das mãos de Chaeyoung enquanto Lisa e Paul guardavam as malas.

- Eles são sempre assim?

- Desde que me conheço por gente. - admitiu quando já tinham entrado no


banco de trás, os irmãos mais velhos ainda discutiam no banco da frente. -
Estavam sempre disputando no videogame, jogos, corridas de bicicleta...
Bom, até Lisa decidir voar da bicicleta. - riu com a lembrança. - Eu devia ter
notado que logo discutiriam por mulher.

Certamente Daniela era uma das pessoas mais adoráveis que ela conhecera.
Totalmente diferente do que Lisa tinha descrito dias antes, sobre a menina ter
se tornado reclusa e depressiva.
O caminho até a casa dos Manoban foi animado, Lisa e Paul continuavam a
discutir sobre a faculdade enquanto Chaeyoung e Daniela tinham entrado no
assunto de gravidez, a caçula dos Manoban confessou que estava muito
nervosa e com medo de como seria o almoço de domingo, quando contaria
aos pais sobre o bebê.

- Posso dizer uma coisa? - disse Daniela quando ajudava Chaeyoung a tirar as
malas do carro. A garota assentiu e Daniela continuou. - Meus pais vão ser
educados com você, eles prezam a educação acima de qualquer coisa, então
não se preocupe com isso. - viu a expressão de Chaeyoung que tinha se
tornado aflita. - Meu pai... Ele tem um sistema difícil, uma hora tudo está bem
e na outra está fazendo comentários rudes e desnecessários. Só não deixe que
isso afete você, tá?

Paul abriu a porta da frente para as meninas.

– É só ignorar os comentários assim como nós o fizemos todos esses anos. –


completou o Manoban do meio.

Chaeyoung concordou com a cabeça, ainda que seu coração estivesse quase
saindo pela boca com o nervosismo. Lalisa parecia tensa ao seu lado e isso
não a ajudou nem um pouco, tinham tirado as alianças e as guardado na
mala, junto de todos os atos carinhosos que reservavam uma a outra. E mais
uma vez, eram apenas amigas.

A mansão de dois andares era de longe uma das melhores daquele bairro, com
um enorme portão de grade que dava acesso a um jardim com uma pequena
fonte em frente à porta de entrada. Pelo jeito era uma casa de muitos quartos,
só na fachada, Chaeyoung contou cerca de seis sacadas e mais três janelas que
provavelmente seriam de suítes.
Com toda certeza a família de Lisa vinha de uma linhagem com muito
dinheiro, mas aquilo nem mesmo era a cara da morena que nunca esbanjou o
dinheiro de sua família.

- Bem vinda à minha casa. - Lisa disse quando observou a namorada babar na
sala de jantar, mais especificamente na mesa de jantar com capacidade para
dez pessoas. Aquilo era mesmo incrível.

- Pai? Mãe? Estamos em casa. - Paul gritou caminhando até uma cozinha
revestida em preto e branco. Só aquela cozinha era maior que a sala da casa
de Chaeyoung. - Aqui, deixe que Denis leve suas coisas ao quarto, Chae.

Um homem vestindo um terno aproximou-se delas e pegou as mochilas de


suas mãos com um sorriso gentil.

- Ele é o motorista e encarregado pelas malas. - explicou Daniela, conduzindo


a cunhada até a sala.

Chaeyoung pensou em responder, mas neste mesmo instante uma mulher de


aparência jovial e elegante surgiu no portal do que parecia ser a divisa da
cozinha e sala. Ela sorriu para Lisa e a abraçou calorosamente em seguida.

- Eu estava com saudades, filha. – disse segurando o rosto da filha entre as


mãos. - Você não ligou desde o natal, me deixou preocupada.

- Eu estou bem, mãe. Só tive alguns contratempos na faculdade.

- Lalisa! - uma voz grossa e controlada soou e todos se enrijeceram.


Chaeyoung sentiu vontade de correr, suas mãos suavam frio. Até mesmo
Daniela fechou a expressão e saiu de perto. – Pensei que tivesse esquecido
seus pais.

O homem não cumprimentou a morena, ao contrário disso, parou ao lado da


esposa com a mão no bolso da calça social e analisou todos os presentes na
sala, seus olhos grandes e frios caíram em uma Chaeyoung encolhida atrás de
Paul.

- E você é?

O corpo de Chaeyoung tremeu com o olhar pesado em si. Charlote, que não
tinha notado a presença da garota até então, logo ergueu as sobrancelhas em
surpresa.

- Essa é Park Chaeyoung. - Lisa puxou a menina levemente pelo braço, sua
voz era fraca, quase trêmula. - Ela é uma amiga de New York, foi na casa dela
que passei o natal. Decidi trazê-la para conhecer LA.

O silêncio na sala foi ensurdecedor, todos esperavam ansiosos as palavras de


Marco que analisava a menina da cabeça aos pés.

- Seja bem vinda, Srta. Park. - disse o homem com um aceno de cabeça, mas
sem demonstrar emoção alguma.

Lisa respirou aliviada e deu uma rápida olhada em Chaeyoung cuja expressão
suavizou no mesmo instante. Charlote sorriu cordialmente para a menina e a
abraçou brevemente indicando a sala para que pudessem conversar melhor,
mas Paul os interrompeu dizendo que todos os adolescentes da casa sairiam
em um pequeno passeio por Los Angeles.
Chaeyoung foi deixada no quarto de hóspedes que ficava no mesmo corredor
do quarto dos três irmãos. Chae não teve tempo de se despedir da namorada
quando Charlote seguiu a filha até o quarto, provavelmente para interroga-la
sobre Chaeyoung.

Depois de um longo banho refrescante, malas arrumadas e várias falas


ensaiadas, Chae se encontrou com Lisa e Daniela na cozinha.

- Como se sente? - a morena perguntou segurando a mão de Chaeyoung por


cima da mesa.

- Melhor do que eu esperava. - garantiu passando os olhos pelo lugar. - Nós


não precisamos sair, tenho certeza que seus pais querem passar um tempo
com você e-

- Chaeyoung - Lisa suspirou trocando olhares com Daniela. - Acho que você
ainda não entendeu as coisas. Você nunca vai nos ver conversando como uma
família normal, isso eu posso garantir.

- Até mesmo eu que vivo aqui quase não os vejo, Chaeyoung. Papai vive
trancado naquele escritório e mamãe atrás dos clientes no telefone. -
completou Daniela antes de dar um gole em seu refrigerante.

- Isso realmente não importa. Tem um Haras aqui perto, aquele que o tio
Anthony nos levou uma vez, lembra Lisa? É a nossa primeira parada.

A garota parecia alegre até demais para quem estava grávida aos dezessete
anos, prestes a contar aos pais conservadores que provavelmente não
reagiriam bem. Chaeyoung decidiu fazer o mesmo que a caçula e deixar o
verdadeiro problema para amanhã, a pior parte já tinha acontecido e ela
estava feliz por não ter sido desprezada pelos pais de sua namorada.

Paul desceu logo depois se juntando às meninas. Os quatro foram ao tal Haras
no carro do garoto que não parava de falar um minuto sequer sobre os
defeitos de Lisa e suas qualidades para o divertimento de Chaeyoung e
Daniela.

O Haras era muito diferente dos ranchos que Chaeyoung estava acostumada a
visitar; um campo amplo com várias divisas, algumas usadas para esportes e
outras para lazer com os cavalos mais caros da cidade e também as pessoas
mais ricas.

Lalisa se manteve ao lado da namorada o tempo todo, vez ou outra a


abraçando para dizer que estava ali independente do papel que estavam
desempenhando no momento. Chaeyoung sentiu-se deslocada naquele Haras,
via-se de longe que era um lugar da alta sociedade, um lugar que ela não
pertencia.

- Lisa, eu não sei se tenho dinheiro para comer aqui. - comentou quando Paul
foi escolher os cavalos.

Os irmãos tinham decidido jantar no Haras antes de seguirem a um riacho


que Lisa dizia ir com seus amigos quando mais nova, mas observando o
restaurante daquele lugar, teve certeza que o dinheiro que tinha não seria o
suficiente nem para a entrada.

Lisa a olhou como se tivesse ofendido Johnny Cash, com as esmeraldas cheias
de significado.
- E quem disse que você vai pagar alguma coisa? – se aproximou mais para
que apenas Chaeyoung escutasse. - Você é minha namorada, eu a convidei.

Os olhos de Chaeyoung cresceram e o desconforto aumentou.

- Eu não quero que você pague alguma coisa para mim, Lisa. Me sinto baixa
quando faz isso.

Aquelas palavras feriram Lisa de alguma forma e ela sabia disso, mas seu
medo de ser vista como uma oportunista era maior, ainda mais agora que
tinha visto com os próprios olhos a verdadeira vida luxuosa que a namorada
levava.

- Você pode parar com isso? Me sinto na obrigação de pagar porque é um


gosto meu. Chaeyoung, não pense no preço das coisas, isso é bobagem. Quero
que você se divirta, Daniela está gritando por você - as duas riram quando a
caçula passou por elas montada num cavalo branco aos berros por
Chaeyoung. - não pense em dinheiro hoje. Se isso te fizer bem, quando
voltarmos pode me pagar um jantar no The Village, o que acha?

Que vontade de beijar a garota ali mesmo, na frente de todos sem se importar
com o que pensariam. Chaeyoung engoliu em seco e limitou-se em abraçá-la
enterrando a cabeça em seu peito.

A tarde passou de forma muito leve para o casal, Lisa estava impressionada
com a forma como sua namorada e sua irmã tinham se tornado tão amigas e
próximas em apenas algumas horas, pareciam amigas de escola fofocando
sobre garotos pelos cantos.
- Você gosta mesmo dela, não é? - Paul comentou enquanto Lisa tinha os
olhos presos em Chaeyoung que estava com Daniela no outro lado do
restaurante do Haras servindo-se. - Nunca vi você tão protetora assim com
outro alguém além de Daniela e eu. Você fica toda alpha quando se trata de
Chaeyoung.

Lisa começou a rir do irmão, eram sempre os mesmos comentários estúpidos


com fundo de verdade. Quando se tratava de Chaeyoung a morena se tornava
outra pessoa, seu senso de proteção era ativado de forma abrupta, ela só
queria que isso acontecesse na frente das pessoas também.

- Chaeyoung consegue despertar o melhor de mim, Paul. - riu ainda com os


olhos em sua garota delicada. - Eu simplesmente amo tudo nela.

- Cristo! Você está mesmo mudada. - ele brincou jogando um guardanapo na


irmã, então o sorriso morreu e seu rosto assumiu uma expressão séria. - Você
pretende contar ao papai?

- Não. - foi direta, finalmente encarando o irmão. - Não agora. Temos que
pensar em Daniela em primeiro lugar, Chaeyoung e eu estamos juntas há
pouco tempo, acho que isso pode esperar um pouco mais.

Paul a analisou e ela simplesmente odiava quando o irmão fazia isso.

- Está usando a Dan como desculpa? Eu sei que temos que nos preocupar com
ela agora, voltei à Los Angeles pelo mesmo motivo... Mas isso também ajuda a
ser uma desculpa para adiar as coisas, não é? Sou seu irmão, Lalisa, conheço
você o suficiente para saber que se esconde quando tem medo.

Ele a tinha chamado de covarde ou...?


- Eu estou apavorada! - assumiu com um fio de voz. Fechou os olhos contando
mentalmente antes que perdesse a calma. - Isso não é fácil para mim, que
merda.

- Aconteceu algo? - a voz de Daniela os interrompeu, Lisa abriu os olhos e


encontrou os castanhos atentos aos seus, estavam cheios de preocupação e
carinho.

A morena sorriu na tentativa falha de tranquilizar Chaeyoung, àquela altura


qualquer um notava que havia algo errado com ela, era obvia a tensão que
Lisa se encontrava desde que chegaram à cidade.

- Claro. Estávamos conversando sobre a pressão da faculdade. Não é nada


comparado ao ensino médio... - Paul mentiu, mas obviamente ninguém
acreditou.

Depois do jantar, os três irmãos e Chaeyoung seguiram até um pequeno


riacho que ficava localizado ao lado de um parque ecológico.

O lugar mais parecia uma floresta, árvores enormes cobriam o caminho de


cascalho e a estrada era tão acidentada que Chaeyoung precisou agarrar-se ao
banco da frente. O riacho não era muito grande, mas deixava qualquer pessoa
maravilhada com a transparência da água cristalina, também era possível
ouvir os sons de diferentes tipos de pássaros que faziam daquelas arvores suas
moradas.

Paul estacionou o carro um pouco distante deixando que as meninas


trocassem de roupas ainda dentro do carro, era a primeira vez que Lalisa e
Chaeyoung viam uma à outra de biquíni e Daniela precisou cutucar a irmã
para que voltasse à realidade antes que babasse nas curvas perfeitas da
namorada naquele biquíni azul. Principalmente aquela bunda. Lisa tem
mesmo muita sorte.

Chaeyoung deu uma piscadela a ela e correu atrás de Daniela antes de se jogar
no riacho aos gritos lançando água para todos os lados, em seguida ajudou a
caçula dos Manoban a descer com cuidado para não machucar o bebê.

- Mana, se aquela mulher não fosse sua, eu teria arrastado um prédio por ela.

O sangue de Lalisa ferveu e ela o empurrou com força para dentro da água.
Mesmo que fosse brincadeira, seu ciúme por Chaeyoung saía do controle às
vezes.

Por sorte, seu irmão sempre carregava o violão no carro - um dos gostos em
comum que tinha com Paul -, e Lisa decidiu buscá-lo para arriscar algumas
notas, era uma atividade bem interessante ao invés de se molhar como os
outros.

Gostava de ver sua princesa brincar animada jogando água em Paul e sendo
afogada por Daniela.

Inevitavelmente, as pessoas que ela mais amava eram estranhas, mas um


estranho bom, no sentido de não ser igual a todos os outros.

Lisa tirou a camisa cinza da Lana Del Rey que usava e a esticou no chão
fazendo-a de manto para não sujar o short. Manteve o tenis que usava e
prendeu o cabelo em um rabo de cavalo mal feito.
Passou um bom tempo dedilhando suas músicas preferidas enquanto ria de
seus irmãos e Chaeyoung, não queria que aquele dia acabasse nunca.

Tirou até mesmo uma foto deles com a Polaroid de Chaeyoung que tinham
trazido na viagem, pois se pudesse gravar um momento para sempre, esse
seria um de seus preferidos.

- Pensando em mim? - ouviu a voz que tanto amava próxima ao seu ouvido
enviando ondas de calor por todo o corpo. - Te assustei, bebê?

- Não, princesa. Eu estava apenas pensando.

Chaeyoung sentou-se um pouco mais atrás da namorada envolvendo seu


corpo com as mãos e descasando o queixo no ombro dela. A sensação do
corpo molhado e seminu da mais nova contra suas costas coberta apenas pelo
biquíni fez Lisa ofegar surpresa.

- Espero que em mim.

- É sempre em você. - riu e desviou a atenção aos irmãos que ainda brincavam
na água.

O aperto dos braços de Chaeyoung se intensificaram colando mais seus


corpos. Santa é o caramba, essa menina é uma praga que só queria vê-la
sofrer e torturá-la com esse corpo perfeito.

- Seu corpo está reagindo ao meu, amor. - Chaeyoung observou mordendo o


lóbulo da orelha de Lisa. Deus.
- Não me diga? Você sabe o que provoca em mim e mesmo assim continua. -
resmungou tamborilando os dedos nas cordas do violão.

- Eu? Amor - ela riu. Uma risada que provocou arrepios na morena. - Eu não
tenho culpa se você está me imaginando nua e molhada em cima de você.

- O que? Você é inacreditável. - choramingou encostando seu rosto no de


Chaeyoung e recebendo vários beijinhos carinhosos.

- E você é meu amorzinho. Amo saber que provoco esses arrepios em você. -
deslizou o dedo pelo braço dela. - Toca alguma coisa para mim, você não fez
mais isso desde que tentou me seduzir no meu quarto.

Lisa riu recebendo uma mordida na mandíbula por isso.

- Eu não seduzi você, apenas cantei uma música. Foi você quem cedeu aos
meus encantos e me beijou.

- Não seja convencida. - descansou o queixo novamente no pescoço da


morena enquanto ela ajeitava o violão no colo. - Quero algo que te faça pensar
em mim.

- Pode ser aquela do Oompa Loompa? Ai! - reclamou quando recebeu uma
cutucada na costela.

- Desculpe senhorita.

- The other night, dear, as I lay sleeping, I dreamed I held you in my arms.
When I awoke, dear, I was mistaken. So I bowed my head and I cried... -
Chaeyoung estranhou de inicio aquela escolha de musica, mas depois
entendeu que seria exatamente o que ambas sentiriam se perdessem uma a
outra em algum momento daquela jornada. - You are my sunshine, my only
Sunshine. You make me happy when skies are grey. You'll never know, dear,
how much I love you. Please, don't take my sunshine away...

Chaeyoung distribuiu vários beijos pela extensão do ombro de Lisa que virou
o rosto com um pequeno sorriso plantado nos lábios enquanto as palavras
deslizavam facilmente pelos seus lábios.

Era tão fácil cantar para aquela garota, sorrir para ela, chorar por ela, morrer
por ela.

Finalizou a música sorrindo com a língua presa entre os dentes até ter sua
boca tomada pela de Chaeyoung num beijo terno e delicioso, suas línguas
brincando uma com a outra, o mordiscar nos lábios, os suspiros que deixavam
escapar apenas por aquele contato.

Chae finalizou o beijo com vários selinhos que seguiram por todo o rosto de
Lisa provocando risadas entre elas. Então Chaeyoung parou. Seu rosto a
centímetros de Lisa, seus olhos numa batalha feroz, as respirações pesada,
corações acelerados e aquela imensa vontade de chorar por estarem apenas
ali, uma com a outra, longe do mundo.

Mas, pensando melhor...


Lisa era seu mundo.

♪♪♪♪♪♪

Música que Lisa toca: You are my sunshine - Johnny Cash


________

19

Na madrugada de domingo, Chaeyoung se encontrava sentada em sua cama


no quarto de hóspedes usando um baby doll rosa claro e seus óculos de
leitura, concentrada em sua mais nova aquisição de leitura, Razão e
Sensibilidade de Jane Austen, ou pelo menos tentava manter-se concentrada
no livro, as lembranças do dia anterior insistiam em voltar a todo instante.

O Sr. Manoban a cumprimentando, Daniela sendo uma das pessoas mais


gentis e engraçadas que ela conhecera; Lisa cantando somente para ela... Lisa
com medo.

Nestes momentos, quando era notável o medo presente em sua menina,


Chaeyoung sentia vontade de envolvê-la em seus braços e afastar qualquer
mal que a deixasse temerosa.

Falou com seus pais mais cedo também, Diana disse que Mark ainda não
tinha voltado do trabalho, o que era muito estranho, pois o homem nunca se
atrasava; de alguma forma Chaeyoung sabia que estavam escondendo algo
dela para não preocupá-la.

Felizmente aquele seria seu último dia em Los Angeles e logo poderia voltar
para casa e verificar com os próprios olhos o que estava acontecendo. Não que
fosse ruim estar ali, na verdade estava sendo melhor que o esperado, mas
ficar longe de seus pais era ainda pior.
Ouviu o som de leves batidas na porta do quarto, em seguida a mesma se
abriu revelando a cabeleira castanha de Lisa que tinha um sorriso tímido e o
rosto amassado de sono.

- Posso entrar? - perguntou hesitante. Chaeyoung sorriu batendo no espaço


vazio ao lado da cama.

Lisa entrou na ponta dos pés fechando a porta em seguida com cuidado para
não fazer barulho, aproximou-se da cama e puxou o edredom deitando ao
lado de Chaeyoung que abandonou o livro e os óculos de leitura no criado
mudo para se deitar também em frente a ela. E assim ficaram por um tempo,
se admirando no quarto iluminado pelo abajur do lado da cama de
Chaeyoung, trocando sentimentos por olhares, expondo a própria alma para
que apenas elas pudessem ver.

- Não está com sono, bebê? - murmurou Chaeyoung espalmando a mão


carinhosamente no rosto da morena que fechou os olhos brevemente com o
contato.

- É estranho estar na mesma casa que você, mas não na mesma cama. - deu de
ombros e fez um bico infantil. - Prefiro estar aqui, é mais quente.

- Sabe que não pode dormir aqui, amor. Se os seus pais nos pegarem saindo
do mesmo quarto amanhã...

- Eu sei, eu sei. - suspirou derrotada. - Só senti sua falta.

Chaeyoung arrastou os dedos pelo rosto de Lisa aproximando-se em seguida


para puxar o lábio inferior da morena entre os dentes e soltá-lo logo em
seguida. Então Lisa puxou sua nuca a trazendo mais perto para iniciar um
beijo cheio de saudade.

Chaeyoung invadiu sua boca ferozmente iniciando o contato com a língua da


morena que a puxou para cima de seu corpo sentindo seus seios roçarem
assim como seus sexos por baixo do tecido fino do baby doll de Chaeyoung e
da camisola azul bebê de Lisa.

Um gemido rouco escapou da boca das duas assim que suas bocas se saparam
em busca de ar, mas Lisa mal teve tempo para se recuperar quando
Chaeyoung tomou-lhe os lábios novamente, a língua da mais nova explorava
faminta toda a extensão de sua boca e envolvendo a da morena logo em
seguida.

Era um beijo estalado, sensual, que fazia uma onda de prazer percorrer o
corpo das duas garotas fazendo-as mergulhar no desconhecido.

Lisa afastou a mão esquerda da nuca de Chaeyoung e desceu até o seio direito
da mais nova o apertando levemente para então o massagear intensamente
sem quebrar o contato com as línguas.

Os seios de Chaeyoung cabiam perfeitamente em suas mãos, como se


tivessem sido moldados justamente para ela. Era perfeito.

O beijo foi quebrado quando Lisa sugou o lábio inferior de Chaeyoung,


arrastou as unhas para cima e para baixo pelas costas da mais nova
provocando vários arrepios na garota.

Chaeyoung arrastou os lábios pelo pescoço de Lisa com a ponta da língua


mordendo e sugando o ponto sensível. A morena gemeu ao sentir Chae
morder sua clavícula. Lisa desceu a mão do seio de Chaeyoung até sua cintura
apertando-a mais contra si, como se quisesse fundi-las naquela cama.

Chaeyoung ansiava por um contato mais íntimo e Lisa estava apenas


retardando-a, então decidiu adiantar o caminho e desceu os beijos até os seios
da morena por cima da camisola que engasgou e a empurrou levemente para
que ela parasse os movimentos.

- O que foi? - perguntou notando os tons escuros nas íris castanhas, isso só
piorou a pulsação entre suas pernas. - Eu sinto que vou explodir se
esperarmos mais, Lisa.

- Eu quero que nossa primeira vez seja especial, pequena. - explicou


empurrando Chaeyoung levemente até a mais nova deitar ao seu lado. - Não
quero que seja dentro de um carro, comigo bêbada ou na casa dos meus pais,
até porque acordaríamos a casa inteira. - Chaeyoung riu maliciosa e prendeu
o lábio inferior dentre os dentes, simplesmente adorável. - Quero algo
especial e, acredite, esse momento está mais perto do que imagina.

Chaeyoung ergueu uma sobrancelha desconfiada e cerrou os olhos.

- O que está tramando, Lisa?

- Uh...nossa reprodução?

- Tecnicamente nós não reproduzimos.

- Ah, é...verdade, amor. - riu, seu peito ainda ofegante.


Chaeyoung não pode deixar de notar esse detalhe. Lisa ainda estava
excitada... E ela também. Observar aquelas íris escurecidas só a deixava mais
louca por aquela garota, pensando melhor, é até estranho se ver assim, tão
desinibida imaginando sua namorada nua... Ah, os gemidos de Lisa a
enlouqueceriam, com toda certeza. O rosto alvo se contraindo em prazer...

- Lisa? - chamou sentindo que seu ventre explodiria se não fizesse alguma
coisa.

- Sim?

- Posso te pedir uma coisa? - sua voz saiu fraca, consumida pelo silêncio do
quarto e o momento de tensão entre seu pedido e a reação da namorada que a
fitou por um momento, e então concordou com a cabeça. - Se toque para
mim.

Ao contrário do que esperava como resposta, Lisa não pulou na cama ou


surtou totalmente desconcertada com o momento, elas sabiam que
precisavam fazer algo para aliviar a excitação que vinha se acumulando
durante dias, então porque não em uma brincadeira?

- Okay... - concordou a morena deitando com as costas contra o colchão,


escorregou o edredom e depois levantou a camisola até a altura dos seios.
Chaeyoung fechou os olhos e respirou fundo se concentrando em não atacar a
namorada. - Você precisa me ajudar.

Chaeyoung pensou em uma maneira de ajudá-la, então uma ideia estourou


atrás de sua cabeça e ela sorriu desleixada. Lisa não entendeu o que estava
acontecendo até ter Chaeyoung montada em suas coxas com um olhar quase
diabólico.
- Eu vou dizer tudo o que imagino fazer com você enquanto estiver se
tocando... - murmurou com uma voz sexy que fez o corpo de Lalisa tremer.

A mais nova segurou as costas da mão direita da morena e...

Não! Ela não poderia... Jesus!

Chaeyoung tinha o olhar em chamas quando deslizou sua mão por cima da
mão de Lisa para dentro da calcinha da morena que ofegou e soltou um
gemido leve em seguida. Ela mesma prendeu um gemido enquanto apertava
suas pernas no quadril na namorada tentando conter a pulsação em seu
próprio sexo.

- Quero que se masturbe pensando que estou completamente nua em cima de


você.

- Uhum... - a morena suspirou com os olhos fechados de prazer, dois dedos


deslizavam facilmente sendo guiados pela mão de Chaeyoung entre os lábios
já lubrificados dentro da calcinha de Lisa. - Deus, eu amo quando você fala
assim comigo.

De repente, todo o fogo de poucos minutos atrás estava consumindo o corpo


de Chaeyoung outra vez, ela só queria poder ouvir sua menina gemer o seu
nome com aquela voz rouca que a deixava à beira do precipício.

- Imagine que estamos as duas molhadas de chuva...

- Mas onde nós tomamos chuva?


- Sério, Lisa? - Chaeyoung obrigou a mão de Lisa a parar os movimentos.

A morena abriu os olhos escurecidos encontrando uma Chaeyoung irritada.

- Ok, esquece.

Chaeyoung revirou os olhos e continuou a movimentar suas mãos juntas,


friccionou o dedo indicador da morena contra o clitóris inchado dela, o que a
fez abrir a boca e fechar os olhos com força.

- Estamos no meu quarto e eu te beijo assim - inclinou o corpo capturando os


lábios de Lisa sem um pingo de gentileza, sua língua comandava agora
envolvendo a da morena vorazmente. Lisa aumentou o ritmo de suas mãos e
gemeu um pouco mais alto. - Eu vou descer meus lábios em seu pescoço e
marca-los enquanto minhas mãos vão estar ocupadas massageando seus
seios...

- Pequena... - Lisa suspirou, sua expressão era de alguém que estava sofrendo
de prazer.

- Sim, amor? - murmurou manhosamente no ouvido da morena antes de


chupar com vontade o lóbulo da orelha dela.

- Eu nunca senti isso antes...

Chaeyoung trouxe seu quadril o posicionando em cima de sua própria mão


que continuava trabalhando em Lisa. Ela podia sentir os dedos subindo e
descendo contra os quadris dela própria enquanto massageava o clitóris de
Lisa; a sensação causou muito mais tesão do que ela imaginou que sentiria.
- Eu cravo minhas unhas na sua bunda e você começa a murmurar meu nome,
assim como você fazendo agora, bem gostoso no meu ouvido... - as duas
estavam suadas e a cama começou a ranger baixinho quando o ritmo
aumentou ainda mais, Lisa precisa morder os lábios para não gemer alto. -
Então eu levo você para a cama e monto suas coxas...

- Por que você...por que você tem que ficar por cima? - a pergunta quase não
saiu tamanha a intensidade do prazer que estava sentindo.

- Você está sendo passiva agora, então cale a boca e me deixe continuar!

- D-Desculpe.

- Continuando...nós tiramos a roupa e eu começo a chupar seus seios


enquanto suas mãos agarram meus cabelos... - ronronou, beijou o pescoço de
Lisa e iniciou uma leve massagem no seio esquerdo da namorada. - Então eu
deslizo minha língua por toda a extensão da sua barriga...

- Diga-me o...o que fez com ela depois.

- Na verdade, você a chupou quando me puxou de volta para um beijo.

Lisa soltou um gemido contra a boca de Chaeyoung, seu corpo todo entrando
em frenesi com uma sensação desconhecida se formando um pouco abaixo do
estômago.

Era também a primeira vez para Chaeyoung, aquelas sensações, os tremores


em seu ventre, um prazer insuportavelmente bom, somente o atrito entre seu
centro e seus dedos por cima do baby doll a estava tirando o resto de sanidade
que mantinha.
- Eu volto a beijar sua barriga e abro suas pernas...você gostaria de ter minha
língua deslizando por suas coxas, amor?

- Chaeyoung...merda! - Lisa mal podia falar sem ofegar em desejo.

A massagem entre as pernas de Lisa era intensa agora, até mesmo a mão da
mais nova, que estava por cima da mão de Lisa, estava molhada com o fluído
da namorada; ela estava perdendo as palavras, os tremores aumentavam cada
vez mais. O que estava acontecendo?

- E eu... - tentou dizer, mas sua voz falhou, mexia seu quadril
incansavelmente contra sua mão, era praticamente uma masturbação dupla. -
Oh, Lisa... - Chaeyoung choramingou e circulou mais forte.

Lisa se juntou a ela, dedos batendo e quadris se movimentando juntos. Ela


colocou beijos molhados ao longo do pescoço de Chaeyoung e deixou o som
de Chaeyoung gemendo inundá-la.

- Você esta sentindo...? - Chaeyoung ofegou, o ardor e dor concentrando-se


entre suas pernas e a euforia causando um estrago na boca do estômago.

- Sim...

- Isso é...

- Eu amo você. - choramingou contra os lábios da namorada. Chaeyoung


estava suando, tremendo, ofegando.

- Droga, Lisa...eu amo tanto você!


- Eu nunca senti isso antes... - ofegou a morena, colocando mais pressão em
seus dedos, lançando ondas por todo seu corpo enquanto empurrava seus
quadris com força.

Suas bocas se encontraram novamente e o calor da língua de Lisa foi o que


bastou, uma sensação, uma coisa desconhecida explodiu entre suas pernas
deixando-a fora do ar. Ela manteve seus lábios presos nos de Lisa para abafar
o grito contido quando arqueou o corpo e caiu mole por cima dela, mas sem
nunca parar os movimentos.

Ver Chaeyoung perder-se em prazer causou uma vibração gostosa no clítoris


de Lisa, empurrando-a para o ápice do seu desejo, enquanto seu quadril se
arqueava contra o de Chaeyoung e sua mente se tornava turva.

Seu corpo suado abraçou o de Chaeyoung, ambas tremiam ofegantes,


perdidas no que acabara de acontecer. O silêncio se fez presente, sendo
acompanhado apenas pelos suspiros exaustos de duas garotas que haviam
descoberto o amor.

O verdadeiro amor. Elas nunca teriam se entregado assim a alguém. Não


havia palavras naquele momento, elas não se fizeram necessárias.

♪♪♪♪♪♪

Batidas insistentes na porta despertaram Chaeyoung de seu sono. Todo o seu


corpo parecia diferente de uma forma boa, como se... Como se tivesse
excedido seu tempo na academia e aquela dor muscular a atingisse no outro
dia. Sentia-se exausta. Isso.

Seus pensamentos voaram direto à noite passada quando esteve por cima de
Lisa dando-lhe prazer e, inevitavelmente, a si mesma. Ok, elas não fizeram
amor e muito menos chegaram a ter contato direto naquele lugar, mas a
experiência que compartilharam noite passada valia por todos os outros
momentos que se resumiam em amassos no banco do carro e carícias.

- Chaeyoung, você morreu? - a voz sarcástica de Daniela do outro lado da


porta a fez sair de seu mundinho de experiências sexuais. - Eu posso pedir
para a Lisa se vestir de médica e checar se está tudo bem ai.

Ouviu risos e teve certeza que Paul também estava do outro lado da porta se
divertindo às suas custas. Então Chaeyoung corou fortemente quando
imaginou Lisa vestida de enfermeira segurando uma...

- Chaeyoung!

Deu um tapa na própria testa procurando espantar os pensamentos


vergonhosos. Afobada, correu até a porta e a abriu puxando somente Daniela
pelo braço que soltou um gritinho assustado e deixando Paul com cara de
bobo para trás.

- Acabei dormindo demais, como você está? - perguntou deixando um beijo


nos cabelos úmidos da Manoban mais nova.

- Argh! Meus nervos estão dançando Macarena dentro de mim. Não sei o que
dizer na hora ou como reagir ao que papai vai dizer... - a garota levou as mãos
à cabeça. Sentou na cama observando Chaeyoung entrar no banheiro com e
ouviu o barulho do chuveiro devido à porta aberta. - Brian parece confiante,
ele nunca se deixou intimidar por ninguém, disse que eu não preciso ter medo
de ser expulsa porque sempre terei um lar com ele.

- Em parte isso é verdade - disse Chaeyoung com a voz ecoando pelo


banheiro. - Eu mesma levaria você para minha casa se você fosse expulsa.

Daniela suspirou.

- Lisa e Paul disseram o mesmo. O problema é que apesar de tudo, ele


continua sendo meu pai, entende? E sei que eu fui errada por ser tão
descuidada. Só estou muito assustada.

- Bem, se isso te conforta, Lisa e eu estamos no mesmo barco. - ouviu


Chaeyoung dizer. - Eu ainda vou ser julgada como a influência lésbica de sua
irmã, sei disso.

- Então você e Brian serão bons amigos. - Daniela forçou-se a sorrir. – E meu
pai vai amar o genro e a nora que arrumou.

Depois de mais alguns minutos, Chaeyoung saiu do banho e Daniela a ajudou


a escolher um vestido casual que acabou sendo um branco de manga curta e
de comprimento até os joelhos, simples e confortável; nos pés sapatilhas bege
e o cabelo solto.

Daniela e Chaeyoung desceram de braços entrelaçados como se fossem


melhores amigas há anos, os empregados iam e vinham na cozinha
preparando o almoço e as duas garotas se encontraram com Lisa, Paul e um
rapaz de estatura média, cabelos loiros e corpo digno de um jogador de
futebol americano que Chaeyoung deduziu ser Brian.
Mas seus olhos foram tomados apenas pela bela morena de olhos castanhos
que usava um vestido preto de renda com o mesmo comprimento que o seu,
os cabelos presos em um coque e maquiagem leve.

- Ouch! As mulheres desta casa são maravilhosas. - o comentário veio de Paul


que usava roupa social.

- Calado, Paul. - Brian e Lisa disseram em uníssono fazendo Chaeyoung e


Daniela trocarem sorrisinhos cúmplices.

Lisa desceu do balcão ignorando as piadas de Paul, aproximou-se de


Chaeyoung com um sorriso cheio de significados deixando um beijo
preguiçoso no canto dos lábios da pequena.

- Seus pais podem ver. - Chaeyoung suspirou, próxima o suficiente da


namorada para que apenas ela ouvisse.

A transformação na áurea ao seu redor quando Lisa estava por perto seria
algo que Chaeyoung teria que se forçar a controlar. Era como se todos os
outros desaparecessem, seja numa manhã qualquer, de tarde na faculdade ou
à noite em algum encontro. A presença de Lisa deixava Chaeyoung totalmente
abalada, tendo sua atenção voltada somente às esferas verdes que eram como
imãs aos seus castanhos. E seu sorriso... Bem, ele sempre seria pela morena,
sejam eles involuntários ou não.

- Eles estão ocupados no jardim. – a morena respondeu unindo suas testas e


narizes, inspirando o cheiro suave de marshmallow.
Chaeyoung sorriu com a língua entre os dentes da forma que a deixava
totalmente fofa e inocente. Nem em mil anos pareceria àquela garota
desinibida da noite passada que estava por cima comandando toda a
situação.

- Hey, você. - disse a morena apertando o nariz de Chaeyoung em


brincadeira.

- Hey, você. - sorriu em resposta.

E assim, ficaram presas em seu próprio mundinho, desejando a todo custo se


agarrarem na frente de todos os presentes.

Quem se importa? Elas estavam ali depois de terem dado prazer uma à outra,
depois de Lisa ter escorregado no final da madrugada para a cama de sua
amada; ninguém mais fazia ideia do quanto aquelas garotas se amaram
àquela noite, ninguém nunca saberia, ninguém nunca entenderia.

- Muito bem! Eu não quero interromper o momento de vocês, mas eu preciso


da atenção de todos. - disse Daniela se deixando ser abraçada de lado por
Brian. - Chaeyoung, esse é Brian, meu namorado... E Brian, essa é Chaeyoung,
minha cunhada.

Chaeyoung sorriu tímida ao garoto quando Lisa a deixou livre de seu abraço.

- Muito prazer, Chaeyoung. Vejo que somos as ovelhas negras prestes a entrar
na família. - ele tentou brincar, mas o comentário causou arrepios na mais
nova.
- Brian! - Daniela o repreendeu notando a mudança de cor no rosto de
Chaeyoung.

- Desculpe, eu só estou tentando manter o clima.

Lisa apertou a cintura da namorada em sinal de conforto.

- Eu mentiria se não dissesse que estou nervosa com hoje - a menina começou
lançando um olhar preocupado à porta dos fundos. - mas Brian e eu
conversamos e decidimos que independente do que aconteça hoje, não
vamos... Eu não vou deixar que nos afete pelo bebê. - sorriu e seus olhos agora
estavam cheios de lágrimas. - Queremos também pedir a vocês, Paul e Lisa,
que sejam os padrinhos.

Os olhos de Lisa brilharam intensamente e ela sorriu de uma forma tão


singela e feliz que fez o coração de Chaeyoung doer em felicidade. A morena a
olhou como se quisesse compartilhar sua felicidade, como se manter para si
mesma não fosse o suficiente. Paul ergueu o copo vazio que tinha em mãos
com alegria estampada na face.

- Eu vou ser o melhor padrinho de todos, vou ensinar ele a escalar montanhas
assim como o tio! - riu fazendo uma pose convencida que fez os outros
presentes também rirem.

- Você nem sabe o sexo do bebê ainda, seu babaca. - brincou Lisa enquanto
puxava a irmã mais nova para um abraço apertado. - É claro que eu aceito, vai
ser um enorme prazer.
Daniela enxugou as lágrimas que banhavam seu rosto. Brian a abraçou por
trás deixando um pequeno beijo no ombro da namorada, como se dissesse
que ele sempre estaria ali por ela, em sua retaguarda cuidando de sua amada.

- Obrigada por estarem aqui. Vocês são as pessoas mais importantes da


minha vida. - seus olhos caíram em Chaeyoung. - Até mesmo você, Chae. Nos
conhecemos há um dia e sinto que somos amigas por muito tempo, Lisa tem
muita sorte em ter você.

- Obrigada. Você é muito mais do que eu poderia imaginar. - disse uma


Chaeyoung timidamente. - Estou muito orgulhosa por você hoje, tudo vai dar
certo.

A caçula segurou a mão de Chaeyoung em sinal de agradecimento e respirou


fundo antes de levantar os olhos para os irmãos.

- Seja o Deus quiser.

Paul, Daniela e Brian movimentaram-se em direção à varanda deixando


Chaeyoung e Lisa para trás. A morena virou-se para Chaeyoung e tirou uma
mecha de cabelo do rosto da menor prendendo-a atrás da orelha.

- Eu amo você intensamente, como nunca amei ninguém. Não esquece, tá? -
suspirou roubando um rápido selinho da menor.

- Eu também amo você. - ganhou um lindo sorriso em resposta.

As garotas caminharam até o jardim dos fundos que acabou surpreendendo


ainda mais Chaeyoung.
Havia um caminho de pedras brancas que levava até a parte coberta por uma
tenda branca onde estava uma enorme mesa de madeira coberta por uma
toalha branca.Do outro lado, no gramado perfeitamente aparado, uma piscina
em formado de L com várias espreguiçadeiras em volta e coqueiros artificiais.

A mesa de almoço estava farta, com vários tipos de comidas que Chaeyoung
não reconheceu. Marco se encontrava sentado na ponta da mesa lendo um
jornal enquanto Charlote preparava um prato para si mesma sentada ao lado
do marido; Brian e Daniela sentaram do lado direito da mesa enquanto Paul,
Chaeyoung e Lalisa acomodaram-se no esquerdo ao lado de Charlote.

Marco entregou o jornal à empregada quando notou a mesa cheia, seu


semblante sério não mudou em nenhum momento, o que fez Chaeyoung se
perguntar se ele não relaxa em nenhum momento.

- Paul, por que não faz o agradecimento? - disse em seu tom autoritário.

Todos pararam de conversar submissos ao homem da casa e deram-se as


mãos no mesmo momento. Paul pigarreou baixo fechando os olhos.

- Senhor, agradecemos pela mesa farta que temos todos os dias, por estar
mais uma vez reunido com minha amada família e amigos, pois não há graça
maior que essa. Quero pedir que abençoe todas as pessoas que necessitam de
um prato de comida, as que carecem de amor e entendimento, e quero pedir
também que proteja os que guardam medo e rancor em seus corações - Lisa,
Chaeyoung e Daniela abriram os olhos surpresas ao garoto, pois sabiam ao
que ele se referia. - que o Senhor os ensine sobre o amor. Amém.

- Amém. - disseram todos os outros em coro.


Marco abriu os olhos e fitou o filho por alguns segundos antes de começar a
comer o que Charlote havia lhe entregado.

- Me fale sobre a faculdade, Paul. - disse Marco sem levantar os olhos do


prato.

A mesa era um total silêncio mórbido enquanto mantinham os olhos focados


em seus pratos, como se abrir a boca fosse uma afronta. Mas de todos naquele
lugar, Paul se mostrava o que menos sentia medo do pai e isso, de certa
forma, aliviou um pouco Chaeyoung por estar ao lado dele sentindo a
segurança do Manoban do meio.

- Excelente! - ele riu depois de uma garfada. - Pensei que seria uma droga,
mas engenharia é mesmo o meu negócio. Meu colega de quarto, o Mason, o
pai dele me ofereceu um estágio na construtora dele e eu aceitei. - deu de
ombros cortando o pedaço de carne. - Está sendo uma grande pressão os
estudos, mas estou me adaptando.

- Eu sempre soube que esse seria seu ramo, seu tio Ed estava certo o tempo
todo. - Charlote sorriu acompanhada de Lalisa, Paul e Daniela com a
lembrança do tio Ed dizendo a Paul sua verdadeira vocação enquanto lhe dava
tapinhas nas costas. - Assim como Daniela e Lisa darão ótimas advogadas.

Daniela empalideceu na mesa, mas somente quem sabia da verdadeira


história notou. Ela não queria ser advogada, não queria seguir os passos da
família e a faculdade parecia um sonho distante no momento.

- Diga-me Srta. Park, onde estuda? - a atenção de Marco dirigiu-se à menina


que logo se encolheu sentindo o coração falhar.
A mão quente de Lisa apertou seu joelho por debaixo da mesa passando-lhe
confiança.

- Em Juilliard, senhor. – Marco apertou os olhos e Charlote abaixou a cabeça


sabendo o que estava por vir. - Faço música.

- A Srta. estuda música? - ele olhou em sinal de reprovação para Lisa. -


Suponho que se conheceram durante o estágio de Lisa?

Chaeyoung engoliu em seco, seu coração saltando no peito com medo da


repentina mudança na voz do homem que se tornara contida, como se ele
estivesse se controlando para não atacá-la agora mesmo.

- Sim, senhor.

Marco balançou a cabeça em concordância como se pensasse consigo mesmo,


a mais nova não ousava olhar para ninguém na mesa, sabia que todos os
olhares estavam concentrados nela. Sua mão estava suada, e a de Lisa ainda
apertava seu joelho por debaixo da mesa, mas isso não fazia diferença agora.

- E como pensa em se sustentar com a música? - o comentário foi tão frio que
até mesmo Charlote o olhou com surpresa. - A cada dez musicistas, apenas
dois são bem sucedidos. Isso quando não passam fome antes ou depois da
carreira decolar.

Lisa trincou a mandíbula e apertou o garfo com força na mesa sentindo cada
músculo do seu corpo tencionar. Chaeyoung sentiu-se atingida com o
comentário totalmente preconceituoso de um homem inteligente que não
deveria carregar consigo tais pensamentos.
- Com todo respeito, senhor, mas os meus pais me ensinaram que a coisa mais
importante do mundo é correr atrás dos n-

- Acredito que seus pais também sejam musicistas?

- Meu pai tinha uma banda quando jovem...

- Tinha? Não tem mais?

Lalisa quase não respirava mais, sua mão não saiu da perna da namorada em
momento algum e seus olhos estavam cravados em Daniela que
compartilhava a mesma revolta encarando o pai com desprezo.

- Ele precisou largar a banda quando minha mãe engravidou. - a resposta saiu
mais baixa que o normal, estava completamente envergonhada e atingida pelo
olhar culposo que Marco a lançou.

Ele agora tinha os olhos cravados em Chaeyoung como se enxergasse sua


alma, o mesmo tipo de olhar que Lisa lançava as pessoas quando estava
furiosa.

- Ou seja, ele precisou largar as brincadeiras para trás e tomar


responsabilidades.

- Pai! - Lisa grunhiu entredentes fazendo tanta força no garfo que o talher
chegou a entortar milímetros.

Chaeyoung abaixou a cabeça controlando as lágrimas que já se formavam em


seus olhos, não queria ser fraca na frente daquele homem que estava julgando
o caráter de seu pai, sentiu uma raiva intensa naquele momento e sabia que se
não fosse a mão confortável apertando seu joelho, teria cedido.

- Eu acho que esse não é o assunto adequado para um café da manhã. -


Charlote interveio olhando o marido em reprovação, mas ele a ignorou.

- Eu só não concordo com o estilo de vida de pessoas que acreditam nessa


história de ir atrás dos sonhos. - ele disse calmamente enquanto voltava a
comer como se não tivesse ofendido uma adolescente. - Se eu fosse seguir
meu sonho de jovem, hoje seria um dentista fracassado com meus filhos
lutando por uma bolsa em faculdade...

- Já chega! - Lisa rosnou olhando diretamente o pai. Chaeyoung e o restante


da mesa olharam a morena com os olhos arregalados. - Chaeyoung é minha
convidada, não pode tratá-la assim, pai.

Marco pendeu a cabeça para o lado olhando Lisa com curiosidade, ela nunca
tinha levantado a voz com ele antes e a tensão na mesa foi enorme. O peito da
morena subia e descia em nervosismo, mas sentiu-se mais confiante em
enfrentar o pai pela primeira vez por alguém que amava.

- Nunca mais altere a voz com seu pai, Lisa. - ele continuou usando seu tom
calmo, mas sério o bastante para mostrar a gravidade do que estava falando. -
Que essa sua rebeldia repentina não seja devido ao convívio com pessoas com
pensamentos deslocados.

A raiva crescia gradativamente no peito de Lisa, ela viu uma lágrima escorrer
pela face de Chaeyoung e isso foi o que bastou para perfurar seu peito com
cem estacas. Ela estava prestes a levantar com violência e puxar Chaeyoung
para dentro de casa quando Daniela pigarreou alto lançando um olhar
fulminante ao pai.

Ela estava explodindo em raiva de Marco, Lisa pôde ver isso em seu rosto alvo
agora coberto por uma coloração avermelhada.

- Não trate nossa convidada assim, pai. Chaeyoung é uma ótima pessoa, o
senhor não pode falar sobre quem não conhece.

Charlote abriu a boca procurando palavras que não vinham e Marco queimou
a filha caçula com o olhar. Aquela era, talvez, a primeira frase completa que
Daniela dizia depois de meses na presença dos pais.

- Tanto tempo se fazendo de muda e na primeira oportunidade ataca seu pai?


- Marco disse alterado, um sorriso furioso brincando em seus lábios. - Me fale
sobre seu amigo, Daniela. - os olhos de todos correram a Brian que em
nenhum momento se mostrou intimidado, pelo contrário, ele parecia se
controlar para não perder a paciência com o pai da garota que amava. - O que
o trás a minha casa?

Marco estava desconfiado, Charlote tremia ao lado de Daniela assim como a


menina caçula agora. Chaeyoung abaixou a mão assim que perdeu a fome e
entrelaçou com a de Lisa em baixo da mesa, elas sabiam que a bomba estava
prestes a explodir.

Brian pigarreou e descansou o braço no encosto de cadeira de Daniela


deixando que seus dedos acariciassem calmamente o braço da namorada.

- Meu nome é Brian Miller, senhor. Trabalho na farmácia do meu pai e estudo
arquitetura na Barry University.
- Certo - Marco afastou o prato e descansou os cotovelos em cima da mesa
deixando sua atenção cair agora no rapaz. - e você e Daniela...?

A menina caçula estava pálida, Lisa ficou preocupada pela irmã e ainda mais
pelo sobrinho, mas também sabia que se não contassem a verdade agora,
talvez a coragem nunca mais aparecesse.

- Ele é meu namorado. - disse finalmente, cortando Brian que estava prestes a
responder e deixando o silêncio dominar por completo o momento.

Agora todas as cabeças se voltaram para Marco, menos Chaeyoung que se


sentia deslocada naquele meio com o coração partido em preocupação por
Daniela.

O homem não esboçou nenhuma reação a principio, manteve-se impassível.

- O que a faz pensar que vou permitir que namore com dezessete anos,
Daniela? – sua voz subiu três oitavas quando olhou de Daniela para Brian e
de Brian para Daniela novamente. - Você vai para a faculdade antes de
qualquer coisa, continuar o legado da família, e apenas depois pensará em
namoro.

- Você nunca vai permitir... - a menina resmungou cruzando os braços


infantilmente.

- Isso é uma mentira. Paul nos apresentou uma namorada este ano e eu não vi
problema algum. - argumentou supostamente ofendido. - Lisa com certeza vai
conhecer um estudante de advocacia e nos apresentará em breve. Tudo no seu
devido tempo.
Foi impossível conter os olhares entre Lisa e Chaeyoung que, infelizmente, foi
captado por Charlote. Chaeyoung não queria admitir, mas imaginar um
futuro com Lisa se tornara ainda mais difícil depois de conhecer Marco e a
forma como ele domina os olhos, principalmente a mais velha.

Por um momento chegou a ponderar a ideia de a morena conhecer algum


estudante em Columbia, e então se dar conta de que o relacionamento delas
fora apenas uma experiência. Às vezes pensar demais lhe dava dores de
cabeça.

- Já chega! - Daniela gritou batendo o guardanapo na mesa fazendo todos,


incluindo Marco, sobressaltarem. Lágrimas escorriam por seus olhos, vários
anos de pura mágoa sendo liberados naquele exato momento. Brian tentou
conter a namorada pedindo calma, mas ela não o ouviu, estava furiosa
demais. - Eu estou cansada de ser tratada como retardada quando tudo o que
pedi a vocês foi um tempo. Cansada de ver você controlando a vida dos seus
filhos como se fosse dono deles! Eu nem mesmo quero fazer direito! E você
me perguntou isso? Não!

- Daniela! - pediu Charlote levantando-se também e segurando a mão da filha.


- Por favor, pare...

- Não, mamãe! Eu não aguento mais! Como a senhora pôde aguentar todos
estes anos? Sempre abaixa a cabeça a ele como se fosse uma empregada.

- Cale a boca! - Marco rosnou ficando em pé num movimento brusco. Agora


os três Manoban se enfrentavam cara a cara. Lisa e Paul também levantaram
caso as coisas saíssem do controle e Chaeyoung se encolheu o máximo que
pode na cadeira. - Qual o seu problema? Você não tem ideia do que sou capaz
se me faltar mais uma vez ao respeito, menina!

- Vai fazer o que? Me bater? Pois bata, papai! – Daniela gritou gesticulando
descontrolada, Brian não conseguiu contê-la quando a garota soltou-se de
seus braços e se aproximou do pai sem barreira alguma os separando. - Quero
ver o que seus amigos do escritório vão dizer quando souberem que Marco
Manoban bateu em sua filha caçula que está grávida!

A bomba explodiu abalando até mesmo os que sabiam de tudo. Não era para
ser daquele jeito. O silêncio se abateu e os empregados que retiravam a mesa
mantiveram distância com medo e assustados.

Daniela tremia ao mesmo tempo em que soluçava alto, Charlote cobriu a boca
com as mãos assim que caiu sentada na cadeira, Paul se prontificou ao lado de
Brian e Lisa ao lado do pai.

Todo o rosto de Marco tinha tomado um tom avermelhado, a veia em sua


têmpora pulsava freneticamente revelando o quão fora de controle ele estava
agora. Dez segundos foi o tempo que o homem levou encarando a Daniela
totalmente sem reação até o grito de dor ecoar quando a mão pesada do
Manoban estapeou o rosto da filha caçula.

- Você nunca mais ouse tocá-la! - gritou Brian tirando Daniela de perto de
Marco que ameaçou avançar contra ela, mas foi contido por Lisa e Paul. -
Nunca mais seu desgraçado! Ela está grávida, quer machucar seu neto?

- Sua vagabunda imunda! - Marco disse finalmente, ele não gritou, sua voz
tinha uma maldade impregnada que fez Chaeyoung sentir ainda mais medo. -
Eu criei você! Eu a eduquei e dei o melhor que pude... E é assim que me
retribui? Eu quero você fora da minha casa sua vadiazinha nojenta...

Charlote tentou tocar em Daniela, mas a menina afastou-se a olhando com


pura decepção nos olhos, a única pessoa que poderia ajudar no momento
estava baixando à cabeça por um homem que a controlava. As marcas dos
dedos de Marco se faziam presente agora na pele da caçula marcando para
sempre aquele momento.

- Pai, o senhor está alterado, vamos nos acalmar... Por favor. - dizia Paul
ainda segurando o braço do pai.

Lisa lançou um olhar triste e preocupado à Chaeyoung que a essa altura tinha
levantado e assistia tudo de longe, ela também chorava em silêncio. Marco
soltou-se do aperto dos filhos e apontou o dedo para Daniela e Brian que
estavam abraçados um pouco mais afastados.

- Eu quero vocês dois fora da minha casa. - não havia nenhuma emoção em
sua voz, nenhuma lágrima, nenhuma dor, nada. - Não quero nunca mais vê-la
de novo, Daniela. Eu estou deserdando você, esqueça até mesmo seu
sobrenome.

- Marco, por favor... - tentou Charlote, seu desespero era evidente.

- Ela é só uma criança, pai. - foi a vez de Lisa se pronunciar. - Foi um erro e
Daniela sabe disso, mas você não pode expulsá-la daqui como se não fosse sua
filha. Podemos lidar com isso como uma família...

- Calada! - ele exclamou lançando um olhar frio à Lisa. Fechou os olhos


controlando a respiração, do mesmo jeitinho que a morena fazia quando
estava nervosa, e voltou-se novamente à Daniela que parecia mais
conformada, o rancor tinha tomado o lugar do medo. - Eu não vou criar um
bastardo dentro dessa casa. Você me decepcionou como filha, me fez de
moleque pelas costas enquanto era uma vagabunda po-

- Eu não permito que fale assim dela! - Brian estava vermelho de raiva. - Você
é doente, já considerou a ideia de tratamento? Um doente compulsivo. Ah,
mas pode ter certezas que as desgraças na sua vida não param por ai, seu
louco...

Lisa tremeu com esse comentário, ela sabia muito bem o que ele quis dizer
com isso, sentiu-se fraca, impotente e totalmente inútil com Chaeyoung agora
ao seu lado procurando por respostas em seus olhos.

- Marta! Chame a segurança para que tirem este rapaz e Daniela daqui. O
almoço está encerrado!

Marta, a governanta, lançou um olhar chocado para a menina Daniela que


criara desde pequena e depois ao homem que encarava Daniela com
desgosto.

- Senhor?

- Você me ouviu. Essa garota não é mais minha filha.

Então Charlote começou a chorar copiosamente tentando abraçar uma


Daniela furiosa. A menina lançou um olhar triste à Lisa, Paul e Chaeyoung e
saiu andando em passos firmes de mãos dadas com Brian.
Charlote correu atrás da filha deixando apenas Marco observando o nada,
Paul com as mãos na cabeça, Lisa encarando Chaeyoung.

- Venha, eu vou mandar você para casa. - Lisa disse gentilmente puxando a
namorada pelo braço e lançando um olhar frio ao pai antes de desaparecer de
vista com Chaeyoung.

Chaeyoung não teve tempo de perguntar nada, apenas seguiu uma Lisa
furiosa para dentro de casa e a observou arrumar as malas com rapidez,
apenas as de Chaeyoung, e depois puxá-la para fora de casa em total silêncio.

O jardim da frente estava vazio, tudo o que restara fora o fantasma do choro
de Daniela; Charlote ainda chorava agora nos braços de Paul na entrada de
casa olhando a rua onde provavelmente a filha havia desaparecido.

- Me empreste seu carro, Paul. - Lisa pediu friamente.

O garoto jogou as chaves para a irmã e gesticulou um pedido de desculpas à


Chaeyoung que apenas balançou timidamente com o rosto ainda inchado de
tanto chorar.

No caminho, Chaeyoung notou que a namorada dirigia em alta velocidade


pelas ruas de Los Angeles cortando os carros e passando faróis vermelhos,
não tinham trocado sequer uma palavra desde que saíram do jardim e o voo
delas seria apenas daqui a três horas. Mas, de qualquer forma, ela não quis
interromper o momento que Lisa tinha para digerir o que estava acontecendo,
ela parecia muito tensa e tinha uma expressão obscura, de quem estava
prestes a explodir em raiva.
A morena estacionou a BMW em frente a um prédio luxuoso próximo à South
Pointe. Sem dizer nada, desceu do carro e correu até o interfone tocando;
falou alguma coisa que Chaeyoung não entendeu pela distância, então voltou
ao carro onde Chaeyoung agora descia e a prensou contra a porta a olhando
com intensidade, aqueles olhos castanhos estavam carregados de dor e
tristeza.

Lisa levou a mão esquerda até o rosto de Chaeyoung e o acariciou com


ternura, pela primeira vez, liberando algumas lágrimas.

- Me perdoe pelo que você teve que passar. - murmurou, a voz carregada e o
olhar suplicante. - Eu nunca vou me perdoar, por isso preciso que você o faça
por mim.

- Lisa, tudo...

- Não, Chaeyoung. Não diga que está tudo bem porque não está. O que
aconteceu hoje... Deus! As coisas saíram de controle, foi horrível! - suspirou
encostando suas testas. Não se importava se tinha ou não pessoas na rua, ela
estava cansada demais para tal importância. - Volte à New York e seja uma
boa garota, ok? Eu vou ficar mais alguns dias e tentar amenizar as coisas. -
deu um beijo leve nos lábios macios de Chaeyoung que abraçou seu pescoço. -
Meu pai nunca mais vai afetar você, eu prometo. Nunca vou permitir que ele,
ou qualquer outra pessoa falte ao respeito com minha mulher, entendeu? - a
mais nova balançou a cabeça em concordância. - Bom... Eu amo você, te amei
quando ainda não tinha lhe dado um rosto, amo ainda mais agora.

O portão do prédio foi aberto tirando a atenção das duas garotas. Lisa deu um
último olhar à Chaeyoung e um beijo breve antes de se virar para uma Jennie
em pijamas de carneiro e cara amassada de sono.
- O que estão fazendo aqui? O voo é daqui...

- Eu não tenho tempo para explicar, mas a Chaeyoung vai. - Lisa a cortou
correndo até o porta malas do carro e tirando as malas de lá de dentro. - Eu
preciso ir, volte com Chaeyoung à New York e tome conta dela enquanto eu
não estiver por perto, Jennie. - incitou entregando uma mochila à Chaeyoung
e as outras três para Jennie.

- Diga à Daniela que eu sinto muito. - pediu Chaeyoung secando as lágrimas e


abraçando a morena com força. - Diga que ela pode contar comigo
independente de qualquer coisa.

- Ela sabe que pode. - a morena forçou um sorriso e beijou o topo da cabeça
da namorada. - Até em breve. Eu amo você.

- Amo você também. - Chaeyoung choramingou aproximando-se de Jennie


que tinha a maior cara de bolacha sem entender absolutamente nada do que
estava acontecendo. - Se cuide.

Lisa bateu continência e entrou no carro arrancando com ele em seguida,


sumindo da vistas das garotas.

Foi só então que Chaeyoung deixou-se cair em lágrimas, as verdadeiras que


vinha segurando, e foi amparada pelos enormes braços de Jennie na calçada
que mesmo sem entender, não a desampararia por nada.

As coisas não seriam fáceis, tinha plena certeza agora. Os problemas estavam
apenas começando e Chaeyoung sabia disso, mas sabia também que lutaria
contra qualquer mal para ter Lisa ao seu lado.
A pergunta que não quer calar
E Lisa? Lutaria também?

_________

20

07 de Janeiro de 2017 – Primeiro ano da faculdade.

Você criou o grupo "SOS"

Jisoo K: Que isso, gente?

Jen: Quem é vivo sempre aparece!

Me: Eu preciso da ajuda de vocês, espero não ter interrompido nada.

Jen: Só o nosso sexo de reconciliação. Há.

Momo: '-'
Momo: QUEISSO?????????????????????????Momo: ESPERA!!! Vocês estão
transando na faculdade?

Jisoo K: ...

Jen: ...
Jen: Esse nem é o assunto. O que houve, Lisa?
Momo: É, o que houve, Lisa? *irônica*

Jisoo K: Ainda me pergunto por que sou amiga de vocês.

Me: Acabou a festa?

Momo: Segura o mau humor da gay.

Jen: Lisa, cê tá bem? Já faz três dias e você não deu nenhuma notícia nesse
meio tempo.

Jisoo K: Na verdade ela conversa com a Chaeyoung todos os dias...

Momo: Por falar na Virgem Maria, por que ela não tá aqui?

Jen: Lisa?

Me: Estou esperando vocês me darem espaço para falar.

Jen: Ok, desculpe.

Jisoo K: Sorry, babe.

Momo: Afffffff

Me: Em primeiro lugar, me desculpem pelo sumiço repentino. Eu estive


ocupada com minha irmã, ela decidiu se mudar com Brian para a casa dos
pais dele e eu quis estar por perto. Meu pai não está falando com ninguém e
teve uma discussão feia com Paul noite passada, ele queria que nosso pai
repensasse, mas vocês sabem como ele é...
Me: Enfim, minha mãe não para de chorar no quarto e eu passei um tempo
com ela também, conversando e a acalmando.

Jisoo K: Sinto muito, Lisa :(


Jisoo K: Daniela parece ser uma boa garota, não merece passar por isso

Momo: Seu pai é um porre ¬¬

Jen: Tadinha da Dan, conversei com ela esses dias, espero que seu pai mude
de ideia logo.

Momo: Até parece que você não o conhece, Jennie.

Me: GENTE
Me: O tópico não é esse. Como vocês sabem, dia nove é o aniversário de
Chaeyoung e eu preciso da ajuda de vocês com um presente.

Momo : É CLARO que você precisa da nossa ajuda. Eu sabia que isso
aconteceria, sou sempre usada u-u

Jen: Vai fazer uma surpresa pra ela? SOCORRO

Jisoo K: Gente... Foco.

Momo: Quê?

Me: Tá gente. Prestem atenção: Lembram-se na festa de Jisoo quando


perguntaram se ela nunca tinha ido a um baile e Chaeyoung confirmou?
Então...
Momo : Fofa
Momo : Querida
Momo : Preciosa
Momo : Você não espera que nós organizemos um baile de formatura SÓ
porque tua mulher nunca foi né?
Momo : Por favor, diga que não pelo bem da minha sanidade.

Jisoo K: Preciosa HAHAHAHAHAHAHAHA

Me: Não. Claro que não, idiota. Eu andei pesquisando alguns bailes que vão
ter neste mesmo dia, infelizmente não é a época, óbvio, mas teremos um
Sadie Hawkins no colégio U.N.H.S. na mesma noite! Incrível, certo??

Jen : Uh... E como você espera que nos deixem entrar?

Me: Essa é a primeira parte do plano, vamos invadir.

Momo: OPA que agora gostei da conversa. <3

Jisoo K: Sou toda ouvidos... Ou olhos.

Jen: Mas antes, você disse sobre ser a primeira parte da noite...? O que seria
a segunda?

Momo: SEXO SELVAGEM NÉ QUERIDA!! Me poupe da sua inocência


inexistente.

Me: A primeira parte será um presente de aniversário NOSSO, entende? E a


segunda... Vai ser o meu presente.
Jen: Hmm... Você tem minha atenção.

[...]

Lisa sorriu cansada terminando de ler as mensagens da noite passada.


Bloqueou a tela do celular e o deixou de lado na manta em que se encontrava
sentada quando avistou Daniela caminhar até ela.

A praia de North Beach se encontrava praticamente vazia como de costume, o


sol no horizonte começava a nascer, um dos fenômenos preferidos de Lisa.

Muitas vezes na infância acordava no meio da madrugada e corria ao jardim


em silêncio, ela estendia uma manta vermelha que mantinha escondida em
baixo da cama e assistia ao nascer do sol, a infinidade de cores que muitas
pessoas não enxergavam que dava paz à sua mente de dez anos. Sentia-se
bem com isso, era como um ponto de paz, naqueles minutos ela esquecia-se
das responsabilidades que tinha logo muito jovem como irmã mais velha,
talvez um dos motivos por ela e Daniela serem tão apegadas uma à outra.

- Eu gosto desse lugar, a gente brincava sempre aqui escondido de nossos


pais. – a caçula comentou divertida, mas a tristeza e o cansaço eram notáveis
em sua voz, assim como os círculos escuros em baixo dos olhos.

Lisa levantou a cabeça oferecendo um sorriso carinhoso. Recebeu um beijo no


topo da cabeça e observou a irmã sentar-se na areia com cuidado, notou
também que agora a menina já usava roupas adequadas à gravidez, o que
deixava o volume da barriga visível.

A morena sentiu uma ponta de emoção transcorrer em seu corpo. Talvez fosse
alegria? Afinal, era seu sobrinho lá dentro, seu próprio sangue.
- Desculpe não tê-la visitado ontem, mamãe precisava de alguém para
conversar. – disse fitando os olhos sem emoção de sua irmã. – Como você
está?

Daniela deu de ombros e cruzou as pernas em estilo indiano, o mar parecia


muito mais interessante de observar naquele momento.

- Tem momentos em que sinto que tudo vai ficar bem, que vou passar por isso
e criar meu filho como ele merece, com um lar de verdade. – suspirou. –
Então o medo toma conta de mim e eu penso: Como uma garota de dezessete
anos vai criar uma criança? E a minha vida? – Lisa sentiu um aperto no peito
quando os olhos da irmã marejaram e as lágrimas começaram a rolar
impiedosamente pela face da garota. – Eu tinha uma vida perfeita. Não era
líder de torcida, mas namorava o jogador de futebol e tinha um bom status no
colégio. E a faculdade parece um sonho distante agora.

- Hey! O que é isso? Onde está a garota que enfrentou a fera? – Lisa passou o
braço pelo ombro da irmã juntando seus corpos. – Você não precisa ingressar
na faculdade logo que termina o colégio, isso é coisa da cabeça de pessoas
como nosso pai. Em Columbia tem uma mulher de 38 anos cursando
psicologia, acredita? – Daniela a olhou surpresa, as lágrimas ainda se faziam
presente no rosto delicado. – Ter um filho é uma benção, Dan. Sei que não é a
hora certa, mas aconteceu e não adianta chorar pelo que aconteceu porque o
tempo não vai voltar. – deu um beijo na têmpora da irmã e recebeu um
pequeno sorriso em resposta. – Agora você precisa focar em sua família,
depois pode continuar sua vida quando parar de amamentar e arrumar uma
babá.
Uma brisa gelada tomou as duas irmãs que se encontravam abraçadas num
momento íntimo e emocional para ambas. Lisa tirou o sobretudo marrom que
usava e o estendeu nas costas de Daniela voltando a abraçá-la.

- O mundo parece tão assustador às vezes. – comentou a caçula.

- Ah, e ele é. Sei disso agora mais do que nunca. – Lisa confessou e sentiu o
celular vibrar, era uma mensagem de Chaeyoung. – Talvez não pareça, mas eu
estou assustada com tudo isso. Não consigo me importar tanto com mamãe e
muito menos com nosso pai, mas você e Paul sempre serão a minha
prioridade, e tenho medo de não estar por perto ás vezes...

- Deixe de bobagem. Você tem sido a melhor irmã do mundo – Daniela deitou
a cabeça no ombro da morena brincando com os próprios dedos. – Tenho
certeza que você e Chaeyoung vão ser tias babonas que não param de mimar
meu filho com brinquedos.

Lisa riu divertida com o pensamento. Não seria nada mal imaginá-la
chegando na casa de Daniela com Chaeyoung ao seu lado, ambas de mãos
dadas e um presente enorme para o menino ou menina. Sim, com certeza
Chaeyoung compraria seu primeiro pianinho ou bateria, era mesmo a cara
dela.

- Queria ter me despedido corretamente naquele dia de Chaeyoung. Diga a ela


que sinto muito por tudo o que ela viu. Deve ter a assustado muito, não é?

- No começo sim, acho que agora ela está mais conformada. – lembrou-se da
conversa que teve com a namorada noite passada,
Chaeyoung disse que esperava algo assim e que só tinha sido uma surpresa
ouvir com todas as palavras. Por que ela tinha que ser tão boa? Ela não
poderia simplesmente gritar e dizer que Marco foi uma terrível pessoa e que
era tudo culpa de Lisa tê-la levado até lá? A morena não se sentiria tão
miserável.

– Mas ela sabe que você gostou muito dela, acho que vocês duas formam uma
dupla imbatível.

Foi à vez de Daniela rir alto e se desvencilhar dos braços da irmã com um
enorme sorriso no rosto.

- Ela é ótima, Lisa. – disse alegre, ás lágrimas já haviam cessado. – Você tem
mesmo muita sorte, não deixe que nada atrapalhe seu caminho... Se quiser, eu
posso gritar por você com nosso pai quando for contar a ele.

E o sorriso morreu. Lisa sentiu o peso do mundo nas costas mais uma vez ao
pensar na hipótese de contar ao pai sobre seu namoro com uma garota
estudante de música. Ela não estava grávida, o que não o impedia de dar-lhe
uma boa surra ainda mais forte, mas o que mais a assustava eram as palavras
que sairiam da boca de seu próprio pai.

As coisas que Marco chamaria Chaeyoung e os insultos horríveis sobre sua


origem e sexualidade seriam o suficiente para destruir Lisa.

- Por que sempre que toco nesse assunto sua expressão muda? – Daniela
interrompeu sua tortura pessoal. Lisa tinha uma expressão digna de pena. –
Lisa? Lalisa, não se atreva a machucar Chaeyoung!

- Eu não... Podemos não falar disso? O assunto aqui é você.


- Não! Você viu do que nosso pai é capaz. Sabe que ele vai fazer o inferno
quando descobrir sobre vocês duas, e eu acho que isso te deixou com um pé
atrás. Estou errada?

Às vezes ter uma irmã que saiba ler você tão bem é uma merda. Daniela era
capaz de interpretar cada linha em sua expressão sem que palavras
precisassem ser ditas.

- Não. – respirou abaixando a cabeça envergonhada.

- Você vai desistir?

- Não! – só a ideia de deixar Chaeyoung a deixava com falta de ar. Sua mente
correu automaticamente para o dia em que deixou Chaeyoung na casa de
Jennie, se lembrava de chegar em casa e discutir com seus pais sobre Daniela.
À noite, quando todos estavam dormindo, trancou-se no escritório e tomou
sozinha um litro de Uísque de seu pai. Ela ficou bêbada e chorou o resto da
madrugada inteira no chão. – Chaeyoung é preciosa demais, Daniela. Eu
prometi que nunca mais deixaria nosso pai faltar ao respeito com ela e
pretendo cumprir. – malditas lágrimas que insistiram em descer, só a deixava
mais vulnerável. Daniela continuou a observando, esperando que
continuasse. – No começo tudo foi tão mágico. Havia a música, o sentimento
sendo descoberto, o desejo incontrolável de ter aquela garota só para mim. –
permitiu-se rir com as lembranças que a invadiram em forma de tortura. –
Mas em algum momento precisamos voltar à vida real e ela parece terrível
demais para nós duas agora. Isso não quer dizer que vou deixa-la, Deus... Só
de pensar nisso já sinto meu peito apertar. – enfiou a cabeça entre as mãos
espantando todos os pensamentos ruins para longe. – Eu só não sei mais o
que fazer.
- Por que você não conversa com ela sobre isso? Vocês se dão tão bem, duvido
que ela não entenda seu lado...

Lisa balançou a cabeça com um sorriso triste e levantou-se enfiando as mãos


dentro do bolso da calça. Daniela também se levantou dando espaço o
suficiente para a irmã por seus pensamentos no lugar.

- Chaeyoung é perfeita. – disse num fio de voz, seus olhos presos no


horizonte. – E quando digo isso, não é só aos meus olhos, ela realmente é.
Apesar de tudo ser mil maravilhas quando estamos juntas, sabemos que
existe o peso da realidade entre nós. Existe aquele momento em que apenas
paramos e nos encaramos, esse momento costumava ser perfeito, mas agora
tudo o que vejo em seus olhos é o medo e a incerteza do amanhã, de que não
vou ser forte o suficiente por nós duas, e eu não a culpo porque eu também
tenho medo.

Daniela abraçou seu corpo com força e sua angústia só aumentou. As lágrimas
agora não paravam de rolar, seu rosto já estava encharcado com a dor da
possibilidade de perder Chaeyoung no final.

- Vocês vão encontrar um jeito de sair dessa, eu sei que vão. – a menina disse
com a inocência de quem está tentando ser positiva no meio de uma
tempestade.

- Às vezes eu sinto que o amor não é o suficiente. – dizer isso foi como
esmagar seu coração, mas precisava desabafar naquele momento de qualquer
forma. – Eu vou lutar por Chaeyoung, disso eu não tenho dúvidas. Vou lutar
por cada sorriso, cada beijo, cada jura de amor que possamos trocar... E
enquanto isso for o suficiente, não vou sair do lado dela.
- E depois disso?

- Eu não sei.

A única certeza presente

Deixar Chaeyoung não era uma opção

♫♫♫♫♫

09 de Janeiro de 2017.– Primeiro ano da faculdade.

Ponto de vista de Chaeyoung.

Se havia algo eu me orgulhava sobre mim mesma seria a minha capacidade de


ler as pessoas facilmente; talvez um dom herdado de meu pai ou desenvolvido
ao longo do tempo em que passei mais das minhas horas observando as
pessoas por uma janela do que me socializando com elas. Eu poderia dizer
exatamente o humor de cada pessoa apenas analisando sua expressão e o
olhar, mas dessa vez eu fui pega em minha própria armadilha.

A aula do Sr. Will transcorria normalmente e eu lutava para manter meus


olhos focados nas anotações em minha mesa, mas sentir o olhar de Irene
preso em mim sem qualquer pudor estava levando embora qualquer
confiança que eu tivesse conquistado ao longo dos meses.

Ela me odiava? Não acho que chegue a ser ódio, essa palavra é muito forte e
não se encaixa em Irene que tem se mostrado uma boa pessoa desde o inicio
das aulas; o problema em pauta era meu namoro com Lisa. Nós não
conversamos depois da festa na casa de Jisoo, talvez porque em meus
momentos livres eu sempre estava acompanhada de Jennie e Jisoo, e nos dias
de estágio de Lisa nós ficávamos grudadas nos intervalos, então não é como se
houvesse tempo para um diálogo, mas hoje eu sabia que ela queria algo de
mim e eu rezei mentalmente para não ganhar um olho roxo logo no meu
aniversário. Lalisa enlouqueceria e um assassinato poderia acontecer.

Por falar em Lisa, eu sinto sua falta. Temos conversado todos esses cinco dias
por telefone e mensagens de texto, mas nunca é o suficiente.

Sinto falta dos braços em volta de mim quase como uma jaula protetora, dos
beijos carinhosos que sempre recebia sem motivo algum; dos bicos infantis
que ela fazia quando estava manhosa; de suas mãos ágeis apertando minha
cintura e provocando sensações que eu só poderia sentir com ela.

Nunca pensei bem em como seria quando me apaixonasse; se haveria mesmo


borboletas flutuando na barriga e se meu corpo todo estremeceria quando a
pessoa me tocasse como costumava ser descrito em livros. Quando encontrei
Lisa, ou ela me encontrou, descobri que na verdade era muito maior do que os
livros poderiam descrever.

Não eram borboletas que eu sentia quando estava ao lado dela, eram dragões
travando batalhas intermináveis não só em minha barriga, mas em todo o
corpo. E eu não estremecia quando suas mãos gentis me acariciavam, o termo
correto seria entrar em erupção.

Corrigindo meu pensamento anterior: Eu nunca pensei bem em como seria


me apaixonar, mas se o tivesse feito, não seria nada comparado a estar com
Lisa.
A gente não idealiza esse tipo de coisa porque simplesmente não existe em
nossa concepção.

Eu tenho visto o amor dos meus pais ao longo dos anos, sempre me
perguntando se nos dias atuais ainda havia amantes que também fossem
amigos e companheiros acima de qualquer coisa, e eu definitivamente poderia
dizer que Lisa era minha melhor amiga.

Na primeira vez em que nos encontramos, éramos duas estranhas falando


sobre Titanic e Billie Holiday. Na segunda vez, por coincidência ou destino,
éramos duas estranhas no terraço de um prédio contemplando a lua. Na
terceira vez, Lisa me entregou um presente significativo, e me assistiu tocar a
noite toda com lágrimas nos olhos.

Não sabíamos na hora, mas ela teria uma grande importância em minha vida
daquele dia em diante. Até esse ponto, éramos duas amigas que acabaram de
se conhecer; brincando e nos tocando sem medo nenhum do mundo lá fora.

Então, finalmente, nos beijamos... E eu soube, neste exato momento, que


pertencia mais à Lalisa Manoban que a mim mesma.

Nos tornamos a mesma pessoa durante o pouco tempo em que passamos


conhecendo um pouco mais sobre nós mesmas, e, de repente, eu
simplesmente a amava com toda a riqueza que transborda da minha alma.

Às vezes isso pode ser sufocante, sabe? Se imaginar tão entregue a alguém,
entregar-se de corpo e alma esperando que a outra pessoa também se sinta da
mesma maneira.
Seria um crime querê-la por perto todo o tempo? Sentir-me orgulhosa em
mostrar ao mundo que aquela criatura perfeita era minha garota e apenas
minha? Porque se fosse, eu estaria condenada para sempre.

Quando a aula finalmente terminou, tudo o que fiz foi recolher meus livros
rapidamente e colocar os fones de ouvido para fugir dali o mais rápido
possível atrás de algum rosto conhecido que pudesse parar Irene caso ela
decidisse me atacar no meio do corredor.

- Chaeyoung! – a ouvi chamando.

A ignorei fingindo estar concentrada na música enquanto caminhava


rapidamente pelo corredor até o refeitório, mas infelizmente ela não desistiu e
puxou meu braço fazendo-me virar bruscamente.

– Ei, podemos conversar por um segundo?

Rolei meus olhos pelo refeitório atrás de Jennie e quando não a encontrei,
resolvi ceder ao pedido e tirar os fones de ouvido engolindo em seco.

De certa forma, não encontrei raiva ou um olhar assassino na expressão dela,


Irene estava como sempre, com os olhos sonhadores e ombros relaxados.

- Desculpe, estava ouvindo música e não a escutei. – menti abraçando meus


livros com um pouco mais de força. Se ela fosse me dar um soco, que o fizesse
logo. – Aconteceu algo? Tudo bem?

Ela me olhou por alguns instantes como se pensasse no que dizer, eu vi agonia
em seus olhos cor de mel.
- Eu... Eu queria te dar feliz aniversário. – um sorriso inseguro nasceu em
seus lábios e eu fui pega de surpresa por suas palavras. – Não temos
conversado muito ultimamente, você está sempre ocupada e eu também, mas
não poderia deixar o dia de hoje passar em branco. Então... Feliz aniversário.

E então eu vi em seus olhos a expectativa de minha resposta. Demorou uns


bons segundos para que eu me tocasse que Irene estava tentando sutilmente
voltar ao meu cotidiano como minha colega de faculdade, meu sorriso
naquele momento foi enorme, tenho certeza disso.

- Teremos muito tempo juntas ainda, mas obrigada por lembrar. – sorri.

Irene correspondeu e deu um passo à frente me abraçando em troca e me


pegando, pela segunda vez no dia, de surpresa.

– Senti sua falta, ruiva.

- Eu também senti falta das suas teorias malucas sobre o mundo moderno. –
ela sorriu e eu a acompanhei quando nos separamos. – Não vai ter festa?
Podemos fazer algo lá em casa e chamar o pessoal...

- Na verdade meus pais vão fazer um jantar em casa. Eu não queria nada, mas
eles insistiram em convidar Jisoo, Jennie e Momo com a desculpa de que
preciso me socializar mais. – estalei a língua e balancei a cabeça me
lembrando das palavras de minha mãe.

Irene franziu o cenho e coçou a cabeça curiosa, eu sabia o que isso queria
dizer, sabia o motivo da sua confusão e também sabia que aquele seria um
assunto desconfortável entre nós se ela fizesse a pergunta de ouro. E ela fez.
- E Lisa? – soou naturalmente como se não tivesse dado em cima da minha
namorada por um bom tempo. Não que eu seja ciumenta. Longe disso.

- Ela está na casa dos pais resolvendo um assunto pessoal, provavelmente


estará de volta só na próxima semana.

Minha reposta saiu mais triste do que eu queria mostrar. O que eu poderia
fazer se a falta que sentia dela estava me torturando?

Hoje de manhã ouvi meu pai comentar com minha mãe que daqui alguns dias
vai precisar manter Lisa amarrada em nossa casa para manter meu bom
humor, e talvez ele estivesse certo.

A pressão dos trabalhos da faculdade me estressava, as recentes dores de


cabeça, náuseas e fraqueza do meu pai e a falta da única pessoa com quem eu
poderia desabafar desencadeavam meu cansaço mental.

Voltei à realidade e Irene continuava parada à minha frente me olhando, ela


parecia preocupada e perguntava se eu a tinha ouvido.

- O que? Desculpe, eu não dormi a noite.

- Perguntei se está tudo bem com ela.

- Ah, sim. Só um problema com o pai e a irmã, não se preocupe. – a


tranquilizei forçando agora um sorriso. – Nos vemos depois, ok? Vou me
encontrar com Jennie e Jisoo. Obrigada mais uma vez.

Acenei em despedida e me virei para a entrada do refeitório, estava prestes a


dar o primeiro passo quando sua voz me atingiu mais uma vez:
- Você gosta mesmo dela, não é? – me virei para encará-la e não havia ironia
ou raiva em seu rosto, apenas compreensão. – O modo como fala dela, como
age quando estão perto uma da outra, nem parece a Chaeyoung distante do
mundo real que eu conheci. – ela sorriu tímida e abaixou os olhos,
provavelmente procurando a palavras para continuar. – Eu queria mesmo
ficar com ela no começo. Qual é! Lisa é a pessoa mais atraente desse lugar e
nem mesmo é estudante de Juilliard, que ser humano não gostaria de tê-la?

Senti meu ego inflar. Não vamos nos fazer de inocentes aqui, não sou uma
pessoa daquelas que chamam atenção por onde passa; não gosto da minha
sobrancelha ; acho meus olhos muito pequenos. Em que mundo uma garota
como Lalisa Manoban se sentiria atraída por um ser mortal como eu? Então
não me culpe por sorrir igual idiota quando pensava sobre o assunto.

- Eu não estaria com ela se não a amasse...

- Eu sei que não! Me desculpe se a fiz pensar isso – ela se desesperou tocando
meu ombro. - Não foi o que eu quis dizer. Eu apenas senti meu ego abalado
quando ela escolheu alguém que não fosse eu, é uma reação natural minha.

- Isso nunca foi um jogo de escolhas, Irene.

- É claro que não. Ela já estava na sua desde o começo. – ela suspirou vencida.
– Vocês formam um belo casal, até. Lisa te protege como uma leoa.

E dito isso, deu uma piscadela e saiu andando na direção oposta. Fechei meus
olhos e soltei o ar que vinha prendendo.
As coisas estavam saindo dos trilhos desde Los Angeles; existia esse medo lá
no fundo que não me permitia raciocinar direito quanto ao que fazer em
relação a cada problema.

E mais uma vez, meus pensamentos foram direcionados sobre o que vinha
acontecendo com meu pai, algo que eu havia fechados os olhos.

_______

21

09 de Janeiro de 2017. - Primeiro ano da faculdade.

Eu me encontrava sentada no sofá da sala assistindo Ella brincar com a


bicicleta rosa que ganhara no natal do Papai Noel.

Já não nevava mais, então as roupas de frio foram finalmente substituídas por
shorts e camisetas; eu me sentia livre longe de todo aquele peso extra, mas
ainda sim triste pela despedida dos flocos de neve.

Meus pais estavam agindo estranho durante todo o dia desde que cheguei da
faculdade e eu não entendia bem o porquê. Assim que cheguei, notei que a
casa não estava arrumada para receber visitas e minha mãe não tinha feito
nada para a janta. Estranho. Será que pediriam a comida? Ou sairíamos todos
para jantar como um presente? Bom, a pergunta rondou minha cabeça
durante todo o tempo em que os assisti conversarem aos murmúrios pelos
cantos da casa.

No final do dia, minha mãe sentou toda sorridente ao meu lado no sofá e me
estendeu um embrulho amarelo. Era um Ipad. É claro que a abracei e disse
que não precisava, eu sabia que não tínhamos condições de gastar com
marcas como Apple, mas é claro que me mostrei totalmente feliz com o
presente, e eu realmente estava.

Algumas horas depois, a campainha tocou e minha mãe foi atender. Não
precisei levantar para saber que eram Jennie, Jisoo e Momo com todo o
alvoroço de fizeram com apitos e chapéus de aniversário nas festas infantis. O
que eu tinha feito para merecer as três melhores amigas do mundo? Com
certeza eu tiraria uma foto e mandaria para Lisa, ela gostaria de dar boas
risadas com as amigas que tínhamos.

Aproveitando que as meninas foram para a cozinha com minha mãe, papai se
aproximou de mim com aquele mesmo olhar de orgulho que me fazia sentir
especial.

- Como se sente com dezenove anos? – ele perguntou enquanto passava o


braço sobre meu ombro, me aconchegando mais a ele no sofá.

- Eu deveria me sentir especial quando fizesse dezoito, agora apenas sinto que
estou caminhando direto à terceira idade. – brinquei e ele riu divertido.

- A maioria das garotas da sua idade estaria em uma balada, você sabe.

- Que bom que não sou igual a elas, então.

E ele me abraçou mais forte como se dissesse que se orgulhava de mim por
ser diferente.

- Aqui, eu queria lhe entregar isso. – tirou algo do bolso, estava enrolada em
um pano fino de seda na cor roxa.
Quando ele tentou me entregar, de alguma forma, o objeto caiu em seu colo e
eu notei que ele tinha perdido a coordenação naquele momento. Fiquei tensa
sentindo meu coração bater forte no peito, isso não poderia estar
acontecendo.

Mas como se nada tivesse acontecido, ele pegou o objeto outra vez e me
entregou forçando um sorriso.

– Era de sua tataravó. Ignorei o sentimento ruim de ver o que, aos poucos,
estava acontecendo com meu pai, e desenrolei o pano até encontrar um colar
de madeira envernizada com o formato de plaquinha; nele havia uma
inscrição que eu já tinha lido em algum livro que não me recordava no
momento. - Eu tenho muito orgulho de você, Chaeyoung. Quando eu
abandonei a música, sabia que seria por um motivo muito maior que eu. Você
sempre vai valer a pena. – ele explicou passando o dedo pelo colar. – É uma
tradição passar esse colar ao filho mais velho, e eu acho que você já está
madura o suficiente para recebê-lo.

- Pai! Isso é incrível, obrigada... – meus olhos realmente encheram de


lágrimas com aquele presente. Essa era a prova de que não precisamos de
presentes caros ou exagerados para estar feliz. – Está escrito Maktube. O que
isso significa?

- Essa é a magia do colar, meu amor. – ele disse de uma maneira tranquila, e
de certa forma, aquelas palavras me acalmaram. – Você descobre na hora
certa.

Papai e eu caminhos abraçados até a cozinha onde Jennie, Jisoo e Momo


estavam reunidas em volta da mesa discutindo algo que parecia importante
com minha mãe enquanto Ella comia macarrão no colo de Jennie. Quando
chegamos, papai pigarreou para que elas se calassem e eu fiquei brava por
não poder ouvir a conversa, todo aquele mistério estava me dando nos nervos.
Talvez elas estivessem organizando uma festa surpresa, em breve vários
colegas de Juilliard entrariam em casa comemorando meu aniversário...

- Então, Chaeyoung, me diga uma coisa - disse uma Jisoo sorridente. – se


você pudesse fazer um pedido hoje, qual seria?

Revirei os olhos com o obvio e dei de ombros.

- Que Lisa estivesse aqui.

Momo e Jennie riram trocando olhares divertidos e me fazendo sentir uma


idiota. Eu sabia que Lisa não tinha retornado, eu mesma tinha dado uma
olhada pela janela na esperança de ver o Dodge estacionado lá fora.

- Espere aqui, ok? Vamos buscar seu presente. – disse Jennie saltando da
mesa em pulinhos com Jisoo e Momo em seu encalce.

Olhei para os meus pais com uma cara desconfiada e minha mãe deu de
ombros enquanto meu pai ignorou meu olhar mortal.

- Sei que estão envolvidos nisso também. – acusei cruzando os braços, então
mudei a pose quando um pensamento me invadiu. – Elas foram buscar Lisa?
Ela está escondida no armário?

- Literalmente. – meu pai riu e eu também não me contive com seu


comentário irônico. – Ela não está aqui, querida, sinto muito.
Meus ombros caíram. É sempre bom ter esperanças, não é?

- Você vai gostar da surpresa. Elas são suas melhores amigas, não errariam. –
o comentário veio de minha mãe, eu podia jurar que vi um olhar cheio de
significados que não pude decifrar.

Abri a boca para responder, mas fui interrompida quando Momo adentrou a
cozinha eufórica agarrando meu pulso.

- Desculpe atrapalhar, mas sua carruagem logo estará aqui. Temos pouco
tempo.

Carruagem? Oi? Fui praticamente arrastada escada acima até meu quarto.
Quando entramos, meu queixo caiu e minha boca fez um O perfeito. Jennie
segurava um vestido de alça azul escuro, um dos mais lindos que eu já tinha
visto. O decote era em V e longo com uma fenda até a coxa. Jisoo tinha em
mãos uma enorme caixa de maquiagem e na outra um par de saltos prata.

- Feliz aniversário. – as três disseram em uníssono como se eu entendesse o


que estava acontecendo.

Dei um passo para trás e abri a boca diversas vezes em confusão. Momo
revirou os olhos e me puxou até a cadeira da minha escrivaninha que tinham
colocado no meio do quarto.

- O que vocês estão fazendo? Por que tudo isso? Vamos a uma festa? –
perguntei tudo de uma vez as fazendo rir.
- Mais ou menos. Tem esse baile Sadie Hawkins no colégio U.N.H.S. e como
você nunca foi... – Jennie nem mesmo teve tempo de terminar sua fala, eu
soltei um grito e tapei a boca com as mãos.

- Vocês vão me levar em um baile? De verdade? Me Deus! Eu preciso contar


isso para Lisa... – estava eufórica correndo pelo quarto a procura do meu
celular quando levei um tapa de leve no cocuruto da cabeça. – Ai, Momo!

- Desculpe, mas você não parava de rodar igual uma cadela atrás do rabo.

Fechei a cara sendo obrigada a sentar na cadeira antes que recuperasse meu
celular. Eu só queria compartilhar com minha namorada o que nossas amigas
estavam fazendo por mim, tinha certeza de que ela ficaria muito feliz e diria
que gostaria de estar aqui para me acompanhar.

Ir a um baile tinha sido um dos meus sonhos de adolescente que não pude
realizar quando meu pai ficou doente. De qualquer forma, eu não era
assumida na época do colégio e não me sentiria bem se aparecesse com um
garoto como meu par, seria como ser algo que eu não era e isso seria uma
afronta contra todos os meus princípios.

- Você pode falar com ela depois, temos que arrumar você antes.

Levou cerca de três horas para estarmos todas arrumadas. Jisoo conectou o
pendrive no som, claro que a playlist inteira era da Beyoncé então meu quarto
se transformou em uma baderna. Minha mãe também subiu para ajudar a nos
arrumar e até mesmo Ella entrou na festinha particular. Eu me diverti como
nunca com aquelas garotas, seria meu primeiro aniversário com elas,
geralmente minhas festinhas de aniversário era com meus primos, eu não
gostava de chamar os colegas na época do colégio. Não imaginei que Momo
seria uma dessas pessoas na minha vida, ela com todo esse jeito marrento,
mas que me defendeu daquela menina em Columbia.

Quando o som foi finalmente desligado, corri para o espelho e não pude
conter um suspiro surpreso com o resultado. Eu estava linda. Me senti como
se realmente estivesse indo ao meu baile de formatura. Segurei o choro
porque ali não era o momento para lágrimas, eu estava feliz e era isso que
importava.

Desci as escadas me equilibrando nos saltos, eu nunca me acostumaria a


aquilo, sério. Vi meu pai com a Polaroid na mão tirando diversas fotos de
mim.

- Deixe de ser sentimental, Mark. – minha mãe brincou o abraçando de lado.


Ella dormia no sofá. – Dessa forma eu duvido que você se aguente no
casamento dela.

Papai levou à mão ao coração fingindo ter um ataque cardíaco e eu ri.

- Não tive a oportunidade de ver minha menina ir ao... Ao... – ele uniu as
sobrancelhas em confusão e meu corpo enrijeceu. De novo não. Todas nós
olhamos em expectativa para ele, esperando que a palavra viesse. Ela não
veio. - Ao baile. – finalizei com os dentes trincados.

A sensação de estar perdendo meu pai de novo para a doença fez toda a
felicidade que até então tinha me consumido se esvair. Primeiro as dores,
depois a falta de coordenação e agora o esquecimento de palavras. Todos os
malditos sintomas.
Jennie segurou meu braço em sinal de conforto quando eu abaixei a cabeça
apertando os punhos com força.

- Bem, eu acho melhor vocês irem. – minha mãe quebrou o silêncio


aproximando-se de mim e me dando um beijo no rosto. – Feliz aniversário,
minha menina.

Concordei com a cabeça ainda tentando assimilar o que aconteceu e a abracei


com força. Em seguida foi a vez de meu pai e tudo o que eu pude fazer foi
abraçá-lo ainda mais forte desejando curá-lo de alguma forma mágica. Eu o
amava tanto que poderia morrer em seu lugar caso algo acontecesse a ele, não
me importaria. Não queria perdê-lo, o homem que me ensinou tudo o que sei
hoje, que me deu toda a dignidade e coragem do mundo. Eu gostaria que
Deus pudesse ouvir minhas preces agora.

- Eu tenho orgulho de você, filha. Eu te amo.

Fechei os olhos me forçando a não chorar. Droga, pai. Por que as coisas não
poderiam ser mais fáceis? Por que aquela maldita doença tinha que começar a
se manifestar outra vez como um demônio atormentando sua vítima?

- Eu também te amo, pai.

Não pude dizer mais. Não conseguiria ou desmancharia em lágrimas na frente


de todos. Então a campainha tocou outra vez nos tirando daquela dor invisível
e Jisoo me deu um pequeno empurrão em direção à porta.

- Você pode atender, Chae? Eu preciso falar com seus pais sem você ouvir
sobre o presente que vou comprar o ano que vem.
Cerrei os olhos para as meninas que me deram olhares de anjos inocentes.
Elas achavam que poderiam me enganar, mas eu sabia que tinha algo de
muito errado acontecendo, com certeza teriam convidado meus primos para
uma festa surpresa e me arrumado para que eu me sentisse especial.

Então dei as costas a elas e caminhei preguiçosamente até a porta esperando a


campainha soar novamente, assim que ela o fez, eu girei a maçaneta e tive
arritmia cardíaca.

Tudo porque a imagem que tive me fez dar dois passos para trás e levar uma
mão ao coração. Meus olhos estavam tentando saltar para fora, assim como
meu coração que batia forte no peito.

Lá estava Lalisa Manoban parada à minha porta com um sorrisinho


convencido nos lábios usando um terninho feminino preto, os cabelos negros
caindo em cascata em suas costas e uma maquiagem destacando o verde de
seus olhos. E ela segurava um corsage nas mãos. De lírios. Minha flor
preferida.

- O quão errado seria uma garota não ir ao baile de formatura? – ela disse
com aquele sorrisinho ainda estampado no rosto.

Tentei dizer alguma coisa, mas o meu coração estava dizendo por si mesmo
batendo tão rápido que poderia ser ouvido da casa dos McCoy. Lalisa estava
ali na minha porta, a minha Lisa. Minha namorada. Eu poderia desmaiar com
aquela surpresa, minhas pernas estavam fracas o suficiente para isso. - Park
Chaeyoung - ela continuou quando viu que eu não diria nada. – você aceita ir
ao baile comigo?
Eu estava tremendo, sim eu estava. Vê-la foi como um aviso de que eu tinha a
pessoa mais linda, fiel e maravilhosa do mundo em minha vida. Se eu tinha
orgulho dela? Tente ter sua namorada organizando uma surpresa como essa
no dia do seu aniversário e tenha sua resposta.

- Eu... Lalisa? Lalisa... Eu vou matar você. – minhas palavras saíram com
dificuldade, mas claras o suficiente para que ela jogasse a cabeça para trás
dando aquela risada perfeita que me fazia querer rir junto.

- Essa não é bem a resposta que eu esperava. – ela disse arqueando uma
sobrancelha e se aproximando mais. O cheiro amadeirado dela me fez
suspirar e ver que ela realmente estava ali, não era um sonho. – E então
minha Oompa Loompa, você aceita ir ao baile comigo?

Aquele apelidinho ridículo me fez voltar à realidade e dar um tapa estalado


em seu braço.

- Chega desse apelido idiota, entendeu? – acusei apontando o dedo em seu


rosto. – E eu aceito, mil vezes aceito!

Sem aguentar a espera, me joguei em seus braços tendo a sensação de estar


flutuando. Não existia mais casa, meus pais ou minhas amigas logo atrás de
mim, éramos apenas Lisa e eu nos braços uma da outra, onde deveria ser.
Onde era o nosso lugar. E ela retribuiu esse abraço me apertando contra si
possessivamente e enchendo meu rosto de beijos.

- Eu preciso registrar esse momento, venham até aqui. – ouvi meu pai da sala
quando nos separamos.
Lisa segurou delicadamente meu rosto com uma mão e beijou meus lábios
sutilmente. Ela sorriu maliciosa e pegou meu braço esquerdo para colocar o
corsage que combinou perfeitamente com o vestido. Humpf! Eu estava
irrevogavelmente apaixonada por Lisa. Não tinha mais volta, uma vez que ela
te hipnotiza com os olhos e aquele jeito sedutor, a prisão é perpétua.

- Você vai me matar um dia, eu sei disso. – resmunguei entrelaçando nossos


dedos e a puxando para dentro. – E vocês serão as testemunhas!

Jennie deu de ombros, Jisoo apenas riu e Momo deu sua famosa gargalhada.

- Ali, perto da lareira. – meu pai apontou e nos posicionamos em frente à


lareira.

Lisa passou o braço pela minha cintura e com a outra segurou minha mão.
Meu pai tirou uma foto nossa sorrindo para a câmera e outra dando um
selinho, o que me fez corar porque ainda não tinha me acostumado beijar Lisa
na frente dos meus pais.

- Odeio interromper, mas como sou a única que tem a cara de pau,
precisamos ir. – disse Momo já caminhando até a porta com as meninas.

- Obrigada mais uma vez Mark e Diana, saibam que cuidarei muito bem dessa
garota. – minha namorada piscou para eles.

Nós todos nos abraçamos mais uma vez e fomos para fora de casa onde se
encontrava o Jeep amarelo de Jisoo e o Dodge, que para a minha surpresa
estava sem a capota, de Lisa.

(Play na música love me like you do - Ellie Goulding)


- Eu queria fazer algo especial, então tirei a capota para que você aproveitasse.
– ela explicou abrindo a porta do passageiro de uma forma cavalheira que fez
meu coração derreter.

Eu entrei e recebi uma piscadela em troca. Maldita galanteadora. Jisoo,


Jennie e Momo foram no Jeep, Lisa explicou que elas queriam nos dar o
nosso tempo como casal de baile. Olhei para trás apenas para ver as meninas
se divertindo no Jeep.

Jennie e Momo estavam com os braços erguidos e os cabelos sendo


bagunçados pelo vento, mas o sorriso no rosto delas era impagável, eu tinha
certeza que estavam cantando algo e quando paramos o carro no sinal, Jisoo
parou o Jeep ao lado do Dodge e eu pude ouvir uma música eletrônica
tocando no rádio.

Lisa me olhou com todo o amor que ela tinha, eu podia ver o carinho
escorrendo em seus olhos e a beijei rapidamente antes de também me
levantar no assento e erguer os braços para o céu escuro. Não importa quanto
tempo passe, estar com Lisa sempre seria o certo.

Eu fechei os olhos sentindo a sensação do vento bater contra o meu corpo


quando o carro entrou em movimento e quase me desequilibrei, ouvi a risada
alta e rouca soar no banco do motorista e sorri ainda mais.

Seguimos por uma rua sem muito movimento, caso contrario seriamos
multadas por termos três loucas em pé nos carros. Arrisquei abrir os olhos e a
sensação de liberdade invadiu meu corpo, eu poderia me acostumar a isso, me
sentir livre de toda a responsabilidade do mundo, continuar sempre em frente
voando contra o vento.
Jisoo passou por nós buzinando com Momo e Jennie gritando como duas
loucas. Eu arrisquei gritar de volta, aquela sensação era nova para mim.
Costumava ser a garota acuada que vivia trancada na sala de música
envolvida em meus instrumentos. E agora eu estava voando. Olhei para baixo
apenas para encontrar o meu rosto favorito em todo o mundo.

Lisa não tinha mesmo noção de como era linda. Estendi a mão direita a ela
que segurou. Continuei a encarando enquanto dirigia, poderia dizer que
naquela fração de segundo eu me senti ainda mais apaixonada, com uma
corrente elétrica percorrendo desde os meus braços até meu estômago. E
quando ela sorria... Eu tinha vontade de chorar.

Voltei a me sentar quando finalmente paramos o carro em frente ao tal


colégio que estaria acontecendo o baile. A rua estava tomada por carros
estacionados e pela primeira vez na noite eu me perguntei o que faríamos se
fossemos pegas. Mas decidi ignorar as regras pelo menos uma vez e me deixar
levar.

Jisoo estacionou o carro logo na frente do nosso e todas descemos ainda


eufóricas com a música. Nos juntamos na entrada no colégio onde havia
muitos estudantes em suas roupas de gala conversando. Recebemos olhares
curiosos, é claro, deviam estar se perguntando de onde surgiu um bando de
garotas que nem ali estudavam. Por um momento me senti insegura, ao
contrário das outras que estavam extasiadas enquanto entrávamos, então
senti dedos quentes entrelaçarem com os meus e olhei perplexa para Lisa.

- Ninguém aqui nos conhece mesmo, então que se dane. – ela sorriu de uma
forma graciosa e apertou sua mão na minha. – E a propósito, você está linda.
As meninas estavam um pouco mais a frente chutando alguns balões e rindo
como se estivessem bêbadas. O tema do baile era o inverno, então a quadra
toda foi tomada por isopor representando a neve e esculturas artificiais de
gelo. Uma banda local tocava no palco e os estudantes dançavam animados
com seus pares; vi alguns garotos tentando batizar o ponche e comecei a rir
achando graça de tudo aquilo. Jisoo puxou Jennie para o meio da pista de
dança, e Jennie puxou Momo pelo pulso, as três deram as mãos e começaram
a dançar em círculo como loucas. Já eu estava entorpecida demais para me
movimentar, observando uma garota chorar na escada, provavelmente por
causa de seu par, e algumas outras meninas tentando consolá-la; um
grupinho de garotos conversando animadamente sobre algum assunto
aleatório... Era tudo um sonho maravilhoso.

Os braços de Lisa me envolveram por trás e sua cabeça repousou em meu


ombro, sorri com o contato e entrelacei nossos dedos em meu estômago.

- Você está muito sexy nesse terninho. – eu disse sincera com a voz um pouco
alterada por causa da música. – Use-o sempre daqui para frente se quiser
matar sua mulher do coração.

Recebi um beijo carinhoso na curva do pescoço e fechei os olhos com os


arrepios que percorreram meu corpo.

- Eu poderia usar o que você quisesse pelo resto de nossas vidas. – sua voz
rouca preencheu meus ouvidos como uma música melodiosa. Naquele
momento senti um desejo incontrolável por aquela menina. – Me diga o que
quer que eu seja, e eu serei.

Girei em seus braços ficando em frente a ela, nossos rostos praticamente


colados e minhas mãos em seu ombro.
- Quero que você seja essa ogra convencida, gostosa e galanteadora que é.

-Gostosa, é? – ela deu um sorriso safado e eu senti necessidade de beijá-la


loucamente.

Me contive. Aproximei minha boca do seu ouvido e levei uma de minhas mãos
até sua nuca arranhando levemente sua pele.

- Acredite quando digo que estou me segurando para não levá-la ao banheiro
e tirar essa roupa do seu corpo.

Sorri vitoriosa quando senti os pelos da nuca dela se arrepiarem. Lisa me


segurou pelo ombro e me afastou para olhar em meus olhos com uma
expressão séria.

- Você está ferrada, Chaeyoung. – seu tom saiu tão sério que minha
sobrancelha arqueou automaticamente.

Jisoo cortou o clima quando apareceu ao nosso lado com um copo de ponche
e um sorriso idiota nos lábios.

- Parem de se excluir. – ela acusou agarrando meu cotovelo e me arrastando


até o meio da pista de dança onde se encontrava uma Momo fazendo
movimentos engraçados de balançar os braços em frente ao corpo enquanto
rebolava até o chão e Jennie dançando com os braços para o alto.

Ri com a cena. Quando Momo nos viu, soltou um grito animado e nos fez dar
as mãos formando agora um circulo de cinco, aberto o suficiente para
empurrar alguns estudantes que dançavam. A essa altura eu já tinha sido
contagiada pela alegria de minhas amigas, então tudo o que fiz foi começar a
girar com elas e a gritar rindo da cara de desespero de Lisa. Não me lembro de
uma época em que me senti tão feliz como agora, com aquelas pessoas
rodando no meio de uma quadra num baile que invadimos. Coisas simples.
Esse é o significado da verdadeira felicidade.

Porém, como tudo que é bom dura pouco, uma mulher alta se aproximou de
nós e tocou meu ombro com uma careta. Ao seu lado, um homem de porte
alto, cabelos grisalhos e um bigode aka Charlie Chaplin nos analisava também
com uma carranca enorme.

- Com licença, poderiam nos informar seus nomes para que possamos
verificar na lista? – a mulher nos disse tirando um papel dobrado do bolso do
vestido.

Nos entreolhamos segurando o riso, Lisa parecia ser a mais tensa ali e acho
que se devia ao fato de ela sempre ter vivido muito dentro das regras, mas eu
sabia que ela estava se divertindo tanto quanto eu.

Momo, como sempre sendo a sem vergonha, deu um passo à frente com um
sorrisinho cínico nos lábios.

- Meu apelido é Fê. Pode procurar na lista. – ela disse lançando um olhar de
soslaio para nós que já estávamos dando passos sutis para trás.

- Fê? – a mulher indagou olhando Momo como se ela tivesse brincando com
sua cara por dizer o apelido.

No momento seguinte, eu soube que minha vida dependeria das minhas


pernas.
- Sim - Momo deu um passo para trás e sorriu uma última vez para a mulher.
– Fê de FERROU GALERA, VAMO DAR NO PÉ!

Não esperei que ela gritasse uma segunda vez. Segurei a mão de Lisa como se
minha vida dependesse disso e nós corremos empurrando qualquer pessoa
que estivesse no nosso caminho; é claro que meu coração estava saindo pela
boca, mas aquilo era tão divertido que eu só sabia rir acompanhada das
gargalhadas altas das meninas.

Meus pais com certeza não sabiam dessa parte da noite ou então teriam
proibido minha amizade com aquelas pessoas.

Lisa e eu pulamos no carro de porta fechada e tudo, eu juro que em um


mundo paralelo eu teria tropeçado nos meus próprios pés e neste exato
momento estaria em coma.

Lisa deu um salto perfeito com apenas uma mão apoiada na porta, já eu me
joguei de corpo e tudo caindo com as costas no banco e as pernas penduradas
para fora. Lisa riu tanto que quase não conseguiu dar partida no carro, mas
ela o fez quando a mulher e o homem saíram com dois seguranças atrás de
nós. Ouvi o Jeep de Jisoo cantar pneu e Jennie gritar:

- Vamos garotas.

Lisa também cantou pneu quando arrancou com o Dodge, então com muito
esforço, eu consegui me arrumar e sentar corretamente no banco. Respirei
aliviada abanando a mim mesma, parecia mais que eu tinha corrido uma
maratona.
- Essa foi a coisa mais louca que eu já fiz na minha vida. – Lisa gritou toda
sorridente, ainda estava eufórica com o que acabara de acontecer e eu a
entendia muito bem, pois meu corpo todo ainda reagia à adrenalina. – Nós
precisamos fazer isso de novo qualquer dia desses.

- Podemos fazer todas as vezes que tiver um baile, o que acha? Podemos até
ganhar a primeira página do jornal. Posso até ver a manchete: Universitárias
invadem escolas e badernam bailes de formatura.

Lisa apertou minha mão e me olhou com aqueles olhos verdes cintilantes.

- Eu te amo.

- Eu sei. – sorri.

E assim, nós aumentamos o som do carro e eu fechei os olhos deixando que


Lisa me levasse ao nosso próximo destino.

Eu não perguntaria, o lugar era o que menos importava no momento, pois eu


sabia que se ela apenas estivesse ao meu lado, até mesmo o mais triste dos
lugares se tornaria um dos meus preferidos.

_______

22

09 de Janeiro de 2017. – Primeiro ano da faculdade.

POV Lisa.
Chegamos ao destino final daquele presente. Eu tinha vendado os olhos de
Chaeyoung no meio do caminho para que ela não descobrisse a surpresa antes
que estivéssemos chego mesmo sob suas reclamações.

Estacionei o carro o mais próximo possível do lugar e desliguei os faróis


suspirando pelo cansaço da corrida de poucos minutos atrás. Estava ventando
um pouco, então peguei minha jaqueta de couro no banco de trás e a deslizei
pelos ombros de minha namorada com cuidado. Ela sorriu em resposta e
virou a cabeça como se olhasse para mim.

- Onde nós estamos? Sei que é no meio do mato, sinto cheiro das árvores e de
água, o que indica que tem algum rio aqui perto.

Dei uma risada sonora com a esperteza dela. Chaeyoung era uma garota
extremamente inteligente e com os extintos aguçados para coisas
importantes.

Desci do carro e dei a volta abrindo a porta para ajudá-la a sair também.

- Ok. Você acertou a primeira parte. Agora me diga, quais são os lugares desse
tipo que conhecemos? – fiz com que ela entrelaçasse seu braço no meu para
guiá-la até o destino. Ela pareceu pensar um pouco, ou sentir uma conexão
com a natureza, quem sabe? Ela poderia ter poderes mágicos e não ter me
contado.

- Tem a casa dos meus pais, mas não acho que você me levaria de volta para
lá. – ela ficou em silêncio enquanto eu a ajudava a subir os degraus da
varanda. – É uma casa no campo, então pode ser o chalé de Jisoo... Não, você
não dirigiu o suficiente para estar lá. – arqueei as sobrancelhas com a astúcia
dela. – Oh, não! – ela abriu a boca e soltou meus braços para tirar a venda. Eu
não tinha deixado, mas quando Chaeyoung quer uma coisa... – Lisa!

Eu não pude conter a risada com a expressão que Chaeyoung fez quando nos
viu paradas diante da casa abandonada de seus sonhos.

- Você comprou? – ela quase gritou.

- O que? Não! Jesus, Chaeyoung. – eu ri com a ideia, meu pai com certeza ia
amar ver o tamanho do buraco na conta dele para a compra de uma casa
como aquela. – A surpresa está lá dentro.

- Ah, imaginei. Mas, sei lá... Vai que né? – ela brincou segurando minha mão.

Eu apenas dei de língua, pois estava acostumada as gracinhas dela. Entramos


na casa que estava um breu total. Liguei a lanterna que carregava na mochila
e a guiei escada acima até o quarto principal onde um dia teríamos nossa tão
estranha parede vermelha.

Eu precisei soltar sua mão e me afastar alguns passos para observar a reação
que ela teria, e como sempre, foi adorável.

Chaeyoung cobriu a boca e ficou estática com o que viu. E não era de menos,
Jennie, Jisoo e Momo precisavam de uma boa recompensa pelo trabalho bem
feito.

O quarto tinha sido totalmente limpo e agora cheirava a incenso de citronela.


A iluminação tinha sido improvisada por velas em torno do quarto que
terminava na porta da sacada. No chão, logo em baixo do enorme buraco no
teto, havia um edredom grosso forrado como colchão, quatro travesseiros e
outro edredom dobrado para nos cobrirmos.

Jennie tinha deixado seu rádio à bateria com adaptador USB perto da sacada
para que meu plano funcionasse melhor.

Olhei novamente para Chaeyoung que ainda não tinha proferido nenhum
som. Ela continuava na mesma posição, olhando tudo como se esperasse
acordar de um sonho. Então me aproximei e entrelacei meus braços em torno
de sua cintura acomodando sua cabeça em meu peito.

- Eu realmente preciso saber se você está bem ou se preciso levá-la para um


médico, amor. – pedi acariciando seus cabelos.

Chaeyoung afastou o rosto do meu peito e segurou meu rosto com as duas
mãos. Os olhos dela brilhavam apaixonadamente e o sorriso que se formou
naqueles lábios perfeitos foi o que bastou para que minha preocupação fosse
mandada embora.

- Eu não sei o que fiz para merecer alguém como você. – ela disse baixo. –
Está sempre fazendo surpresas para mim, uma surpresa superando a outra,
não sei o que dizer sobre isso tudo, só que eu te amo. – Chaeyoung sugou meu
lábio inferior e me deu um selinho.
– Você é a garota mais linda, mais perfeita, mais tudo nesse mundo. Isso, você
é tudo, Lisa.

Eu fazia tudo por ela apenas porque sentia necessidade. Não esperava algo em
troca, apenas o seu amor. Tudo o que fazia era apenas um instinto de sempre
querer vê-la sorrir. Mas Chaeyoung sempre dava um jeito de reforçar o
quanto me amava e o quanto eu era especial, e era isso que bastava.
- Eu te amo, Chaeng. – murmurei bicando seus lábios. – Agora tire estes
saltos e venha dançar comigo. Nós não tivemos tempo para uma dança lenta,
esqueceu?

Ela riu toda tímida, daquele jeitinho que me fazia querer abraçá-la e nunca
mais soltar. Eu tirei os meus saltos e esperei que ela se livrasse dos seus e da
jaqueta para acompanhá-la até a sacada onde liguei o rádio e acendi as velas.

- Tenho certeza que tem um dedo daquelas três nessa historia. – ela
comentou divertida enquanto me assistia escolher a música.

- Um dedo? Eu diria as mãos e os pés. – contei me lembrando da quantidade


de xingamentos que tive de suportar de Momo por fazê-la trabalhar. – Eu
cheguei hoje à tarde de viagem, então meio que foram elas que organizaram
isso tudo.

Dei de ombros envergonhada e me levantei quando encontrei a música certa.


Ela reconheceu a voz de Elvis Presley cantando Can't Help Falling in Love, e
abriu um sorriso lindo aceitando minha mão. Aproximei nossos corpos e ela
entrelaçou as mãos em meu pescoço enquanto as minhas seguravam
firmemente em sua cintura. Eu nunca a deixaria cair.

O céu estava estrelado e a noite calma, os grilos eram nossos amigos naquele
lugar, assim como as corujas, criando uma trilha sonora magnifica junto a
musica. Nos olhamos intensamente. Engraçado como aquela frase um olhar
diz mais que mil palavras fazia tanto sentido em momentos como esse. Eu
poderia me perder e o sentimento de ser encontrada era quase nulo.
Chaeyoung era minha perdição, tudo nela gritava para ser acariciado, beijado,
tratado como veludo.
- Eu me sinto como se fossemos Allie e Noah. – ela disse brincalhona.

– Eu gosto da história deles, meio que se parece com a nossa.

- Se isso significar que vou viver para sempre ao seu lado.

Senti uma fisgada de culpa. Não, eu não pretendia deixá-la, mas toda a
situação sempre estaria contra Chaeyoung, e aos olhos de pessoas como meu
pai, eu seria a garota inocente que foi manipulada. Espantei esses
pensamentos para longe, não era o momento certo para eles, não hoje.

- Eu acho que prefiro a ideia de envelhecermos, ficarmos caducas e batermos


uma na outra com as bengalas. Ela riu.

- Cada dia que passa você inventa uma historia diferente.

- E você não? Sempre que penso em nós, minha mente cria centenas de
imagens do futuro, então há muitos finais para nós.

- Eu sou famosa em algum deles? – ela perguntou em expectativa. – Trabalho


com algum famoso?

Deslizei meus lábios em seu rosto e mordi a mandíbula perfeita.

- Você é uma famosa pianista em todos eles, Chae. Isso não é algo que possa
ser mudado, seu talento é indiscutível. – eu disse segura de minhas próprias
palavras. – E em todos eles eu estou lá te aplaudindo de pé, mesmo que você
não saiba da minha presença.
A apertei mais contra mim, ela entendeu o que eu quis dizer. Dançamos mais
algumas músicas animadas e cantamos para a escuridão da noite sendo
apenas duas adolescentes apaixonadas sem medo do mundo lá fora. Havia a
noite, as estrelas, alguns vagalumes que nos visitavam na sacada...nada
poderia ser mais perfeito.

Depois de um tempo, voltamos para dentro do quarto e sentamos em frente


às velas com uma ideia totalmente infantil que Chaeyoung teve.

- Aqui, imite meus movimentos. – ela disse cruzando os dedões deixando os


outros quatro dedos esticados e juntos. A sombra de um pássaro foi
reproduzida na parede amarelo descascada. - Vamos, amor. Deixe de ser uma
ogra e tente. – ela continuou balançando a mão fazendo o pássaro voar.

Eu revirei os olhos e cruzei minhas pernas em estilo indiano. Na primeira vez


acabei me enrolando toda e Chaeyoung riu antes me ajudar a encontrar a
posição certa dos dedos.

- Agora somos dois pássaros apaixonados. – murmurou com voz infantil e me


olhou com expectativa. Eu apenas a olhava como se ela fosse louca. – Seja um
pássaro para mim. – ela fez o bico.

Ah, não. Ponto para ela. Me senti com seis anos quando meu pássaro voou em
direção ao dela nas sombras. Nós entrelaçamos os braços como se eles
estivessem se beijando. Virei meu rosto que estava muito próximo ao dela e
lhe roubei um beijo estalado. Ela sorriu chegando mais perto, nossos rostos
agora a centímetros um do outro com as respirações se chocando. Nossos
braços abaixaram automaticamente e eu soube que era a hora certa para
roubar meu beijo de saudade que vinha aguardando durante toda a noite.
Eu precisava disso para sobreviver. Precisava da língua dela batalhando
contra a minha, explorando minha boca e me fazendo gemer contra a sua.
Chupei deliciosamente sua língua e ela arfou antes de nos separarmos. Ela
me olhou com tamanha intensidade que se eu me esforçasse mais um pouco,
poderia ver toda a sua vida bem ali, cravada em seus olhos. Não existia um
mundo lá fora, apenas Chaeyoung e seus lindos olhos cheios de vida e amor, o
meu amor.

Chaeyoung era dona de tudo o que existia em mim, era o meu despertar de
emoções, de fantasias e de sensações até então desconhecidas. Ela poderia ser
a menina mais insegura do mundo algumas vezes, mas ali, naquele momento,
quando seus dedos finos se enrolaram nos cabelos em minha nuca e seu rosto
se aproximou do meu outra vez com um olhar sensual e cheio de desejo, eu
soube.

Ela estava preparada.

E ai, como se por alguma força oculta, o espaço entre os nossos lábios pareceu
diminuir, depois, desaparecer. E nos beijamos. Ela levantou a mão para tocar
o canto da minha boca e eu comecei a tremer. Mas quando levantei a mão
para tocá-la, vi que tremia tanto quanto eu, e quando, depois de um
momento, movi meus dedos de seu pescoço para o alto de seus seios, ela se
retorceu e suspirou chegando mais perto.

- Me abrace com mais força. – pediu manhosa e uma onda de excitação,


emoção, e conhecimento derramaram sobre mim enquanto aprofundava o
beijo provando a doçura única e inalando o cheiro de marshmallow.

Aquele cheiro me deixava eufórica quando estava ao seu lado, sob ela, ou
sobre ela me dando prazer.
- Faça amor comigo. – pedi quase num sussurro, deslizando meus lábios em
seu rosto. Chaeyoung fechou os olhos e suspirou, balançando a cabeça em
concordância logo em seguida. – Eu preciso tanto de você... - Me ajoelhei
delicadamente no edredom e a puxei pela mão para que imitasse meu ato.
- Quero que saiba que eu amo cada pequeno pedaço de você. - eu disse
espalmando seu rosto com minha mão direita e aplicando um beijo demorado
em seus lábios carnudos. – Amo seu rosto, sua pele, seu cheiro, cada
centímetro do seu corpo.

Ela tremeu. Comecei uma trilha de beijos molhados pelo pescoço de


Chaeyoung lentamente e ela arfou em resposta. Passei as mãos em suas coxas
para ter melhor acesso ao corpo tão desejado.

O vestido foi subindo com a maior delicadeza possível, ela me ajudou ainda
em silêncio sem tirar os olhos dos meus em momento algum. Seu vestido foi
esquecido em algum lugar no piso de madeira, e então ela estava apenas de
calcinha e sutiã diante de mim.

Eu me permiti admirar seu corpo seminu sem conter o suspiro. Senti o desejo
me tomar por completo observando suas coxas grossas, seu abdômen corado,
os seios feitos para mim. Eu amava a cor da pele de Chaeyoung.

Eu sabia que estava queimando seu corpo com meus olhos, e parece que
causou algum efeito em Chaeyoung que estremeceu quando meu olhar
finalmente chegou à altura dos seus.

- Droga, Lisa! – Chaeyoung disse, voltando à realidade.


No segundo seguinte, nossos lábios estavam colados e suas mãos
desabotoando desajeitadamente meu terno, atirando meu blazer e minha
camisa social em qualquer canto. Não paramos o beijo nem quando a ajudei a
tirar minha calça, eu precisava sentir seu corpo junto ao meu, seus lábios
eram o meu maior vicio.

Agora estávamos as duas de roupas intimas. Passei as mãos na lateral do


corpo de Chaeyoung o conhecendo melhor, parei no abdômen e comecei a dar
leves arranhões no lugar recebendo gemidos de prazer em troca.

Chaeyoung abriu o fecho do meu sutiã e passou as mãos sobre meus ombros
deixando meus seios livres. O sutiã voou para o chão e foi a vez de Chaeyoung
abaixar os olhos em direção ao meu corpo. Eu me senti corar naquele
momento, mas um tipo bom, que veio misturado ao desejo.

- Pare de me olhar assim. – reclamei envergonhada. Ela riu gananciosa.

- Feche os olhos. E isso não foi um pedido.

- Não mesmo!

- Apenas feche os olhos. – ela mandou, puxando meu rosto e colando nossos
lábios outra vez. – Eu quero brincar com você.

- Chaeyoung, você ainda não entendeu que não está na posição de mandar? -
capturei seu lábio inferior entre os meus e o chupei com vontade, arrancando-
lhe um gemido fraco. - Hoje somos nós duas...

Agarrei sua cintura fazendo-a deitar no edredom. Deixei meu corpo cair
suavemente sobre ela, pernas entrelaçadas e estômagos juntos. Chaeyoung
continuou rindo e cravou as unhas em minha nuca me provocando, ela estava
testando meus limites e se divertindo com isso.

- Desculpe, amor. É divertido ver você nervosa por mim. – ela brincou,
mordendo o lábio inferior e desabotoando o fecho do próprio sutiã. Meu
queixo caiu quando vi seus seios bem à minha frente, ansiando pelo meu
toque. Oh... – São todos seus.

Nossos peitos nus se uniram quando ela me puxou para um beijo apaixonado;
apertei meus olhos e pressionei mais nossos lábios entregando-me de corpo e
alma à ela.

Ofeguei contra sua boca precisando de ar, mas não precisando dele mais do
que precisava de Chaeyoung. Então eu rezei naquele momento, assim como
rezava com os Park quando me levavam à igreja; rezei para que aquela fosse
uma de outras centenas de noites que nos amaríamos sem medo do mundo lá
fora. Rezei para que Chaeyoung me amasse como eu a amava, porque sentir
aquilo sozinha seria sufocante demais.

A sensação de ter nossas peles unidas e livres de barreiras se tornou uma de


minhas preferidas depois do beijo viciante dela.

Nossos corpos estavam quentes, completando um ao outro como um encaixe


perfeito. Senti suas mãos segurarem com força em minha cintura nua,
desenhando o que sentia como letras ou músicas no final da minha coluna. Eu
poderia ser seu livro se ela quisesse. Poderia ser uma partitura. Naquele
momento, eu seria o que Chaeyoung pedisse.

Chaeyoung deslizou sua mão trêmula pela minha barriga até seus dedos
encontrarem minha calcinha. Eu estremeci e tentei dizer algo, mas ela foi
mais rápida e trocou as posições se acomodando sobre meus quadris de
propósito. Aquele sorriso.

Ela deixou os olhos arrastarem em meu corpo, me marcando como sua com
suas pupilas dilatadas, conhecendo o que era dela por direito agora. Eu engoli
em seco e meus olhos encontraram o teto quando ela deslizou a calcinha pelas
minhas pernas, sentia-me exposta diante de seus olhos selvagens. Eu sabia
que ela estava me olhando, poderia sentir seus olhos perfurando minha pele
e, naquele momento, eu pedi a quem pudesse atender esse tipo de pedido, que
eu fosse bonita. Eu estava tão envergonhada! Nunca outra pessoa me teve
assim, nunca outra pessoa sequer me olhou como Chaeyoung me olhava
agora, devorando com seus olhos o meu sexo mais do que encharcado por
ela.

Os olhos de Chaeyoung encontraram os meus, e nós travamos uma batalha


ali. Fogo a fogo. Uma parte de mim queria me cobrir em vergonha e a outra
parte, a que já me dominava por completo, queria que Chaeyoung aliviasse o
desejo pulsante entre minhas pernas. E então Chaeyoung me beijou mais
uma vez murmurando coisas inaudíveis contra minha boca. Um beijo sensual
deixando cada célula do meu corpo em alerta.

Não havia um manual para isso, talvez eu tenha pesquisado isso ou aquilo,
havia também alguns vídeos bem estranhos, mas a sensação de estar fazendo,
ter o corpo arfante de Chaeyoung sobre o meu... Não! Que se danem os
artigos da internet!

Eu me sentei puxando Chaeyoung firmemente contra mim e a abracei. Eu só


precisava abraçá-la naquele momento. Apertei seu corpo contra o meu e
escondi o rosto em seu pescoço, inalando seu cheiro e sentindo meu corpo
arrepiar-se com o contato de nossos seios.
- Tudo bem, bebê? – ela sussurrou, os dedos correndo por minha espinha
uma e outra vez.

- Uhum... – choraminguei.

Adorava ser manhosa com ela porque sempre ganhava mimos em troca. E
para aquele momento não havia pressa nenhuma. Beijei seu ombro nu e meus
dedos brincaram na calcinha rendada de Chaeyoung, a expectativa acelerava
meu coração.

- Posso?

- Você não precisa pedir.

Engoli as expectativas quando minha outra mão trêmula arrastou-se pelas


pernas de Chaeyoung.

- Faz cócegas, amor. – ronronou em meu ouvido, causando arrepios em todo


o meu corpo.

- Quietinha. – murmurei.

Minhas mãos espalmaram as coxas e os adoráveis quadris. Deslizei meus


dedos pela calcinha rosa e olhei para cima encontrando os olhos negros. Ela
assentiu. Segurei a calcinha, e a puxei delicadamente por entre suas pernas,
observando sempre os olhos cheios de expectativas de Chaeyoung. Ela saiu de
sua calcinha e esperou até que eu a puxasse contra mim para nos deitarmos
novamente, agora livre de qualquer tecido entre nós.
Apenas nossos corpos nus, nossas peles suadas arrastando-se gostosamente
uma à outra. Troquei as posições mais uma vez, montando em suas coxas.

- Nós estamos mesmo fazendo isso. – ela disse num fio de voz.

- Sim, princesa.

- E nossos corpos estão quentes como...como vulcão...talvez seja a


temperatura, eu vi hoje de manhã no jornal que-

- Chaeyoung, amor...não. - implorei e trouxe minha coxa entre as pernas dela.


Ela gemeu. – Você é adorável quando está nervosa.

- Faça isso de novo...

- Isso? – perguntei, pressionando minha coxa novamente entre suas pernas,


ela fechou os olhos com força. – É normal se esfregar com coxas?

- Pare de me perguntar, estamos no mesmo barco aqui.

Ela gemeu quando minha perna encontrou sua umidade novamente, senti
meu próprio centro pulsar em desejo com o contato da minha pele com o
melado entre suas pernas. Eu queria tudo dela de uma vez. Estava eufórica e
ao mesmo tempo hesitante, mas precisava senti-la de todas as formas
possíveis e viver o sentimento de prazer que eu sabia que somente ela podia
me dar.

- Isso é tão bom. - ela sussurrou e eu trouxe minha coxa para cima
novamente. - Eu amo tanto você... – ofeguei e recebi um beijo trêmulo nos
lábios, apenas uma distração para que pudesse inverter as posições outra vez.
Bufei.

– Sério? Vamos passar a noite invertendo posições como dois poodles?

- Hum... - Ela beijou meu estômago, arrastou a língua pelos meus ossos do
quadril e pairou entre as minhas pernas com expectativa, o ar faltou em meu
pulmão.

Como em nossa noite em Los Angeles, senti meu corpo ser preenchido por
uma sensação ainda desconhecida para mim. Chaeyoung mordeu o lábio
inferior antes de fechar os lábios contra o meu clítoris, e uma onda de
excitação derramou sobre mim. Eu queria gritar e o fiz. Minhas mãos voaram
até a borda do travesseiro o apertando com força.

Chaeyoung serpenteou a língua para fora, deu uma lambida firme no meu
clitóris, e depois o sugou com força sem piedade alguma.

- Porra...Chaeyoung... – gemi, saboreando seu nome em meus lábios. Eu


arqueei meu quadril em direção à sua boca pedindo por mais contato. Eu
precisava, ela estava me matando de prazer... Eu explodiria. E seria bom.
Entrelacei os dedos no cabelo castanho e a fiz me olhar. - Vem. Sobe aqui,
amor. – tentei dizer, meus olhos mal se mantinham abertos.

Chaeyoung escalou meu corpo e me beijou deixando que eu sentisse o meu


próprio gosto. Era salgado. Eu queria muito que ela terminasse o que tinha
começado lá em baixo, mas eu não queria perder mais tempo não sendo a
garota de Park Chaeyoung por completo. Aproveitando nossa briga estúpida
por domínio, inverti nossas posições pela vigésima vez na noite. Empurrei
minha coxa contra o centro de Chaeyoung e a beijei com todo o amor que
sentia pela minha garota. Arrastei meus lábios trilhando beijos e mordidas
pelo pescoço, clavícula, até os seios de Chaeyoung, beijando-os com devoção,
satisfeita ao ouvir os gemidos lânguidos que ela soltava cada vez que eu
sugava seus mamilos com força. Tão macios e durinhos.Uma delicia. Eu
poderia prová-los pelo resto da minha vida. Fiz a mesma coisa no outro,
dessa vez mordendo o mamilo e recebendo arranhões dolorosos nas costas.

Chaeyoung choramingou e empurrou seus quadris para cima, mas eu a prendi


de volta com os meus. Suguei seu mamilo mais uma vez a tempo de ouvir um
último delicioso gemido e subi de volta aos seus lábios os atacando com
voracidade. Eu tinha fome deles o tempo todo.

- Eu não tenho ideia do que estou fazendo aqui. - murmurei distribuindo


beijos e chupões em seu pescoço. – Mas isso é perfeito, Chaeng. Eu te amo.

- Eu te amo mais. - ela resmungou quando minhas mãos tocaram seus


quadris, então comecei a me esfregar com ela. Nossos centros esfregaram um
sobre o outro me deixando entorpecida pelo desejo que a garota em baixo de
mim acarretava em meu corpo. Eu não sabia se aquela era a forma certa,
sabia apenas que se esfregar era gostoso pra caralho e eu queria fazer isso
todos os dias pelo resto da minha vida com ela.

- Eu preciso de você...dentro... – ela implorou.

Oh. Meu coração disparou outra vez quando arrastei a mão pela frente de
Chaeyoung, deixando um rastro com os dedos, marcando sua pele.
Chaeyoung murmurou em expectativa e depois seus olhos se fecharam
quando meus dedos finalmente encontraram sua umidade pela segunda vez.
Um calor inexplicável atingiu meu corpo ao tocar a garota perfeita em baixo
de mim, ela tinha se tornado um tipo de droga viciante e, no meu caso, já não
havia volta.

Encostei nossas testas suadas e Chaeyoung abriu mais as pernas. Arrastei


meus dedos em torno para aprender sobre o meu amor, conhecer seus pontos
e vê-la arfar de prazer quando acertava. Cada ponto teve uma resposta
diferente. E quando meus dedos finalmente encontraram seu clitóris... Ah,
ela derreteu-se inteiramente para mim.

- Você está me deixando louca, Lisa! – ela gemeu e me puxou mais contra si.
Ofeguei quando Chaeyoung chupou o lóbulo da minha orelha e continuou
gemendo daquela forma deliciosa em meu ouvido. Só aquilo estava me
levando ao limite. – Nós temos que fazer isso juntas.

Antes que eu pudesse processar o que ela tinha dito, Chaeyoung correu os
dedos através da minha umidade e eu entrei em colapso, meu mundo caiu e
eu me perdi completamente. Nós imitamos os movimentos uma da outra,
aprendendo um pouco mais sobre nossos pontos de prazer.

Os dedos de Chaeyoung tremiam contra minha pele quente tanto quanto os


meus contra a sua, éramos duas garotas inexperientes descobrindo o mundo
uma da outra.

- Eu sou sua, Chaeyoung. – murmurei em seu ouvido e a senti arrepiar-se


abaixo de mim.

– Eu sou sua.

Meus dedos alcançaram sua entrada e Chaeyoung se enrijeceu, então eu a


beijei dando um tempo para que ela se acostumasse com a sensação. Mas ela
imitou meu movimento e eu soltei um gemido abafado em sua boca quando
Chaeyoung empurrou um dentro de mim, pouco, mas o suficiente para sentir
desconforto e uma dorzinha cômoda naquele ponto. Voltei a beijá-la e circulei
a entrada dela preparando-a para o que viria a seguir, ela me olhou, aqueles
olhos escuros cheios de significados. E eu a penetrei com o dedo médio. Ela
arfou, arqueou as costas para frente, capturou meus lábios e juntas, iniciamos
lentamente o movimento de vai e vem. Eu juro que poderia ter morrido de
dor.

Dizem que a primeira experiência não costuma ser boa, mas a sensação de ter
Chaeyoung nua sob mim anulava qualquer tipo de pensamento. Deixei que
ela se acostumasse com a sensação do meu dedo dentro dela e ela fez o
mesmo comigo, sem nunca perder contato entre nossos olhos e nossos lábios.

Éramos uma pessoa só naquele momento. Nossas emoções, sentimentos,


corpos, tudo interligado. Chaeyoung estava fazendo de mim sua mulher e eu
fazendo dela a minha rainha.

Chaeyoung empurrou ainda mais e eu precisei parar o beijo por ser incapaz de
me concentrar em alguma coisa. Ela brincou com o dedo e num ato
totalmente inocente, o curvou. Naquele lugar. Por um momento eu me perdi
na sensação e gritei em prazer extremo esquecendo a dor momentaneamente.
Ela fez de novo e eu a imitei, satisfeita quando ela escondeu o rosto entre
gemidos longos e altos em meu pescoço.

Nos movemos juntas, quadris numa dança sensual, nossas mãos desocupadas
entrelaçadas ao lado de sua cabeça, testas coladas, olhos travando batalhas
para se manterem abertos e em contato um com o outro.

- Mais um...mais um dedo, Lisa. – ela pediu e eu quase engasguei.


Tirei meu dedo de dentro dela, que imitou meu movimento, para então
deslizar de volta com dois. Apertado demais. Meus olhos encheram de
lágrimas sentindo como se meu interior fosse rasgado. Eu poderia estar
machucando-a também, mas ao mesmo tempo o quarto estava girando e eu
me afogando em minhas próprias emoções.

- E-eu estou...machucando você? – murmurei insegura, deixando beijos


molhados em seu pescoço.

- Não, baby, Eu te amo, apenas continue. – ela disse e moveu o quadril contra
meus dedos, aumentando também o ritmo das estocadas contra mim.

O ritmo aumentou, o som dos nossos gemidos era a grande orquestra da


noite. Chaeyoung poderia tocar violino, violoncelo, piano ou qualquer
instrumento no mundo, mas o som dos seus gemidos contra minha boca seria
sempre minha música preferida.

- E você? Está com dor? – sua pergunta saiu baixa e fraca. Ela nem mesmo
estava prestando atenção no que dizia. Eu não a julgava.

- Não. – respondi aumentando consideravelmente o ritmo das estocadas. –


Mais rápido, amor.

Ela prontamente me obedeceu e o tesão explodiu dentro de mim. Eu


sentia...sim...estava vindo como um trem veloz, eu conhecia essa sensação,
minha boca abriu e meus olhos se apertaram com força.

- Está vindo... Oh, Lisa... – ela murmurou e mordeu meu ombro causando
uma dor prazerosa, o que foi o ápice para a minha explosão acontecer.
Apertei ainda mais nossa mão entrelaçada e deixei meu corpo cair em cima
dela tomando cuidado para não machucá-la. Eu estava respirando com
dificuldade quando senti as unhas dela cravarem nas minhas costas e um
grito sair entrecortado em sua garganta. Então tudo parou. Tirei meus dedos
de dentro dela e ela fez o mesmo.

Olhei em seus olhos e me senti apaixonar de novo, de novo e de novo...

Sua aparência suada e descabelada seria para sempre gravada em minha


mente. Afastei um pouco de cabelo que tinha colado em sua testa com o suor e
lhe dei um último beijo antes de me mover para o lado e a puxar para que se
acomodasse em meu peito nu. Nossos olhos travados nas estrelas da noite, na
lua, a nossa lua, que vinha testemunhando nosso amor desde o principio.

- Obrigada, Lalisa. – ouvi Chaeyoung dizer depois de um tempo, nossas


respirações estavam se normalizando e minhas pálpebras pesavam. –
Obrigada por me fazer sua mulher.

Beijei o topo de sua cabeça e nos cobri com o edredom. A respiração dela ficou
pesada em sinal de que tinha se entregado ao sono. Olhei novamente para o
céu sem nunca abandonar a caricia nos cabelos.

– Obrigada por ser minha garota, Chaeyoung. – sussurrei para ela, para o céu
e para mim mesma.

_______

23
10 de Janeiro de 2017. – Primeiro ano da faculdade.

Ponto de vista de Lisa.

Quando abri meus olhos naquela manhã, meu corpo foi capaz de detectar
vários tipos de emoções ao mesmo tempo em que eu não sabia que seria capaz
de sentir.

Primeiro o desconforto dos meus olhos com o contato direto com a luz do sol
que atravessava o enorme rombo do teto. Depois uma leve ardência entre
minhas pernas, o que fez minha mente, até então sonâmbula, viajar à noite
anterior. E então sinto o formigar do meu braço esquerdo e meus olhos caem
numa cabeleira enfiada na curva do meu pescoço.

Sorrio ao constatar que Chaeyoung e eu estávamos mais do que nunca


emaranhadas uma à outra com as pernas entrelaçadas e seu braço esquerdo
abraçando possessivamente meu tronco como se temesse que eu fosse fugir
durante a madrugada, além, é claro, de seu maravilhoso cheiro de
Marshmallow. E nós estamos nuas. O calor de sua pele contra a minha fez o
meu sorriso aumentar duas vezes mais.

Lembrar dos nossos corpos suados em sincronia era uma espécie de troféu
que eu havia ganhado, daqueles que eu me recordaria como um dos melhores
dias da minha vida. Havia sido perfeito.

Tirei uma mecha de cabelo do rosto amassado em meu peito e a coloquei atrás
da orelha de Chaeyoung para admirar melhor seu rosto. Se antes havia algum
resíduo de dúvida sobre querer tê-la ao meu lado no futuro, essas dúvidas
estúpidas foram lançadas ao inferno a partir do momento em que ela se
entregou a mim de corpo e alma naquela noite, da mesma forma que eu
nunca pensei que me entregaria a alguém de tão livre e espontânea vontade.

Uma vez eu li que a noite é dos poetas, das putas e dos que morrem de amor.
Eu estava morrendo de amor todas as noites e nem mesmo me importava.
Meu dedo indicador passeou sobre a pele lisa e delicada daquela menina,
reconhecendo cada detalhe de seu rosto como meu maior presente.

- Amor? – chamei enchendo seu rosto de beijos carinhosos. – Hora de


acordar. – Chaeyoung se mexeu incomodada e em seguida fez uma careta, o
que me fez rir adorando toda aquela manha. – Pense pelo lado positivo, hoje é
sábado e nós vamos poder assistir filme o dia todo agarradas no sofá da sua
sala. – respirei fundo sentindo sua respiração contra meu pescoço. – Ou o seu
pai vai nos chutar para o quarto, isso também é uma oportunidade.

Ela riu gostosamente contra minha pele provocando vários tipos de arrepios
pelo meu corpo. Eu não me lembrava de me sentir tão livre e feliz como
naquele momento.

- Você me escolheu, amor. Seus sogros fazem parte do pacote. – murmurou


levantando o rosto na altura do meu.

Não pude conter um suspiro com a fofura daquela garota, não se parecia em
nada à garota desinibida de ontem à noite. Chaeyoung coçou os olhos
infantilmente e eu me inclinei para beijá-la, mas fui empurrada pelo ombro. -
Não se atreva! Não escovei os dentes e provavelmente estou com bafo. –
reclamou tapando a boca com uma mão.

Minha única reação foi rir daquela carinha assustada.


- Nós estamos abraçadas nuas e você quer me impedir de te dar um beijo de
bom dia? Você sabe que a última coisa que me importa é com seu bafo. –
resmunguei empurrando o corpo de Chaeyoung levemente para que pudesse
montar seus quadris e prender seus braços acima da cabeça. Eu comecei a rir
quando ela trancou os lábios e virou o rosto com as sobrancelhas arqueadas. –
Ah, então vai ser assim? Vai mesmo recusar sua mulher?

- Huuuum... – ela murmurou fitando os toquinhos de vela no chão.

Como eu ainda estava um pouco sonolenta, decidi desistir por ora de beijá-la
e inclinei meu corpo enfiando meu rosto no pescoço quente dela por um
momento, precisava criar a coragem necessária para levantar. Em um
movimento brusco, Chaeyoung me empurrou para o lado outra vez e deitou à
cabeça em meu peito, nós começamos a rir pela infantilidade daquele ser
adorável.

- Eu me sinto tão diferente... – disse ela com a voz abafada por ter
pressionado a boca na minha pele. Fiquei imaginando se isso seria uma
tentativa de não deixar que eu sinta o tal bafo. – Não quero parecer melosa,
mas agora eu me sinto muito mais sua mulher.

Suspirei ouvindo aquelas palavras, Chaeyoung não tinha mesmo a mínima


noção do quanto me afetava pelo simples fato de ser ela mesma.

- Eu amo você, Chaeng.

- Repete.

- Eu. Amo. Você.


Sua mão direita começou a dedilhar minha costela como se eu fosse sua
própria música, esse pensamento fez o meu corpo todo esquentar.

- Há alguns meses atrás eu estaria sentada na janela de Juilliard observando


o fluxo de pessoas e me perguntando onde estaria o amor. – meu corpo todo
se arrepiou com sua voz baixa. – Quem imaginaria que esse amor... O meu
amor, chegaria em um Dodge clássico usando jaqueta.

Nós rimos não só pela ironia em seus dizeres, mas pelos acasos que nos
fizeram ser quem somos hoje. Que nos tornaram um casal apaixonado há
moda antiga. Eu arriscaria dizer o casal mais lindo do mundo inteiro só pelo
fato de Chaeyoung ser a metade dele, pois nenhuma beleza poderia se
comparar aos traços daquela garota que só por me olhar, consegue me
arrancar suspiros apaixonados.

- Eu mal estava procurando por um amor. Por culpa de Jennie estou aqui nua
e enrolada em uma futura pianista. Recebi um tapa na costela e quase a joguei
do outro lado do quarto. - Nunca senti necessidade de sexo antes de nós -
mordi o lábio inferior imaginando que seu rosto estaria corando. – agora
quando estou com você é com se meu corpo reagisse ao seu, é uma sensação
tão boa e assustadora ao mesmo tempo, entende? Seria possível morrer de
amor? Se a resposta for positiva estou esperando minha alma deixar o meu
corpo agora.

Apertei mais seu corpo mole contra o meu e distribui vários beijos no topo de
sua cabeça.

- Eu também me sinto assim, amor. – foi sincera e um sorriso bobo brincou


em meus lábios. Chaeyoung definitivamente me tinha nas mãos. – O que quer
fazer hoje? Podemos aproveitar o final de semana a sós, pensei até mesmo em
tirar Jennie do apartamento dela...

- Você não perde tempo, Park. – ela riu com a voz abafada e levantou-se
enrolada no edredom branco.

– Droga! Não trouxemos roupas extras.

Arqueei uma sobrancelha quando Chaeyoung parou de frente a mim com uma
careta engraçada, os cabelos totalmente desarrumados e vários chupões na
área do pescoço e clavícula.

- Nós vamos ter que usar nossas roupas do baile... – sorri maliciosa e também
me levantei enrolada no outro edredom. – Não vai ser tão difícil - peguei o
blazer do meu terno e vi o quão amarrotado estava. – Só vamos parecer duas
loucas que passaram a noite enchendo a cara e depois você se jogou em cima
de mim.

Chaeyoung abriu e fechou a boca parando de alisar o vestido nas mãos, senti
os olhos negros me fuzilarem. Já comentei o quão sexy ela fica quando trinca
o maxilar?

- Está me chamando de gorda, Lalisa Manoban?

Ok. Quando sua namorada resolver te chamar pelo nome inteiro é porque
você deve correr e se esconder ou se jogar de joelhos e implorar perdão
mesmo que não tenha feito nada. Como eu gosto de correr riscos com o
monstrinho que tenho, fingi um sorriso amarelo e dei de ombros temendo
internamente pela minha vida.
- Foi à primeira coisa que me veio à mente, não seja perturbada.

Regra número dois: Jamais chame sua namorada de perturbada.

Eu sequer olhei para ela, agarrei o edredom contra meu corpo, recolhi o resto
de roupas pelo chão, dois travesseiros e antes que Chaeyoung pudesse
arrancar minha cabeça, sai correndo em disparada para fora do quarto com
ela gritando meu nome em meu encalço. E eu? Eu apenas ria.

Chaeyoung é adorável até mesmo quando está com raiva, ou fingindo estar,
porque agora eu podia ouvir rindo quando chegamos à entrada da casa.

Sinceramente? Eu poderia listar todos os motivos para amar Chaeyoung, mas


eu provavelmente passaria o resto dos meus dias o fazendo. Sempre haveria
um adjetivo ou uma qualidade dela que não poderia ser expressa em palavras.

Como quando ela ri e sua voz ecoa por dentro de mim como uma maravilhosa
canção colocada no modo repeat em meus sonhos. Como quando ela sussurra
próximo ao meu ouvido que me ama e me agradece por fazê-la feliz. Um
hábito. Um costume de me agradecer quando na verdade sou eu quem deveria
fazer isso todos os dias. Porque Chaeyoung é o meu presente. O melhor de
todos, daqueles que dinheiro nenhum pode comprar.

Ainda me pego sorrindo abobalhada algumas vezes, a observando e me


perguntando como pode uma pessoa ser tão perfeita até mesmo em seus
defeitos inexistentes para mim.

- Eu vou te mostrar quem é a perturbada, Lalisa! – ela gritou quando


conseguiu me alcançar.
Eu já estava perto do carro procurando as chaves do mesmo no bolso da calça
social em minhas mãos, mas infelizmente, ou felizmente, ela conseguiu me
agarrar e me prensar contra o capô do carro.

Certo que eu poderia ter saltado para dentro como na noite passada, mas
quem disse que estava mesmo fugindo do meu monstrinho? Agora imagine:
Ambas enroladas em edredons, segurando várias peças de roupas nas mãos
além de dois travesseiros e Chaeyoung praticamente em cima de mim no capô
do meu carro.

(Play na música Can't Take My Eyes Off You - Frankie Valli)

Acreditem ou não, mas eu achei sexy.

- Agora que está tão próxima, poderia me dar aquele beijo apaixonado de bom
dia. – provoquei inclinando meu rosto em direção ao seu, mas ela foi mais
rápida e gritou surpresa com minha atitude. – Você não queria brincar? Volte
aqui, amor.

- Não Lisa, sério... – eu comecei a rir quando sua expressão mudou de irritada
para preocupada. – Não me faça beijá-la com bafo, por favor!

Paramos ao lado do carro nos encarando, eu rindo e ela com aquela carinha
de cachorrinho sem dono. Tem como resistir? É claro que não. Puxei seu
corpo encolhido contra o meu num abraço e respirei o cheiro de Marshmallow
que eu tanto amava.

- Vamos. Temos que tomar café da manhã antes de qualquer coisa. – eu disse
abrindo a porta do carro, destrancando a do passageiro para ela e jogando os
travesseiros e edredons no banco de trás. – Você vai ter que se trocar no carro
agora que me fez correr até aqui.

- Tecnicamente você me provocou e você saiu correndo casa a fora, eu apenas


fiz o que manda o protocolo.

Parei de abotoar a calça no meio do caminho para olhá-la com desdém e em


troca recebi um sorrisinho cínico.

- Agora me diga como vamos aparecer assim em algum lugar? Eu acho melhor
nós voltarmos para a casa dos seus pais e tomar café por lá como pessoas
decentes. – resmunguei quando decidi jogar o blazer no banco de trás.

Franzi o cenho numa careta quando vi minha gravata frouxa no pescoço e os


dois primeiros botões da camisa abertos. Sim, a gravata era presa à camisa e
isso foi o melhor que eu pude fazer. Reclamei mais ainda quando precisei
colocar meus sapatos caros com os pés sujos, aquilo fugia totalmente da
minha realidade, mas Chaeyoung parecia se divertir com tudo isso. O vestido
dela estava quase ou até mais amarrotado que a minha camisa, sem contar em
nossos cabelos que mais pareciam ninhos de passarinhos.

- Qual é a graça de voltarmos para casa? – ela disse dando os últimos retoques
nos cabelos. – Nós podemos ir ao The Village, tem poucas pessoas uma hora
dessas lá. – fiz uma careta com sua opção de café da manhã. – Vamos lá,
amor, nós estamos nos divertindo aqui. Qual é a coisa mais louca que você já
fez?

Continuei a encarando e me perguntando em que momento ela tinha me


mudado. A resposta veio logo em seguida: No terraço de um prédio
observando a lua e cantando sobre ela.
- Acho que estou fazendo agora. – eu disse vencida e girei a chave na ignição.

Chaeyoung sorriu abertamente e bateu palminhas como uma criança de cinco


anos. Ela não parava de falar sobre os trabalhos da faculdade e a apresentação
que estava preparando para a próxima semana, e eu como idiota apaixonada
que era, sorria e concordava com tudo o que ela dizia.

Nós estávamos como um casal de cinema dirigindo por New York, como
quando Chaeyoung começou a fuçar no porta luvas e encontrou meu Ray Ban
e, sem pensar duas vezes, o colocou no meu rosto. Ela também encontrou o
meu inseparável chapéu preto e o colocou na cabeça.

Parei o carro em um semáforo e liguei o rádio procurando por alguma estação


que prestasse até praticamente pular no carro com um grito de Chaeyoung.

- Você se drogou? Quase me mata do coração! – exclamei encarando-a em


reprovação.

- Eu amo essa música, Lali. – ela disse fazendo bico e erguendo os braços para
cima deixando que sua mão cortasse o vento. - Please let me know that is real,
you're just too good to be true, i can't take my eyes off you

Segurei o riso diante da sua tentativa de me fazer cair de amores, ela sabia
como fazer meu coração amolecer. Eu conhecia a música, então deixei que
minha voz se juntasse à dela e a de Frankie Valli enquanto dirigia.

De certa forma aquela música se encaixava com o nosso relacionamento e eu


só percebi isso na quinta estrofe.
Chaeyoung cantava a música tão feliz ao meu lado, eu adorava vê-la assim, tão
radiante como se não houvesse preocupação. Como se fossemos apenas nós.

Estacionei o carro em frente ao pequeno clube e fui surpreendida por


Chaeyoung quando a mesma pulou em minhas costas com a desculpa de que
os saltos machucavam seus pés. O lugar estava vazio do lado de fora, então
interações como essa não me afetariam de forma alguma.

- Bom dia, Eli! – ela cumprimentou o senhor que nos atendeu no nosso
primeiro encontro, ao qual ela parecia muito amiga. Ele limpava uma das
mesinhas do lado de fora e sorriu ao ver a nossa pequena discussão sobre
como ela parecia ter engordado e estava machucando minha coluna. – Como
estamos hoje?

Parei em frente ao homem com uma careta de dor e ele rapidamente abriu um
sorriso puxando uma cadeira para que eu colocasse Chaeyoung sentada.

- Muito bem, Chaeyoung. Vejo que você e sua amiga também se divertiram
muito essa noite. – ele piscou para nós duas e eu me encolhi na cadeira
envergonhada enquanto Chaeyoung gargalhava. – Decidiu ceder?

Arqueei minha sobrancelha curiosa sobre o assunto e Chaeyoung deu uma


pequena piscadela em minha direção antes de levantar a mão direita para o
homem mostrando nossa aliança. Eu me encolhi ainda mais querendo chutar
Chaeyoung por debaixo da mesa.

- A Srta. Manoban provou que merecia meu amor. – ela contou animada, o
que fez o homem sorrir com sinceridade. – Acredita que ela pediu minha mão
aos meus pais e tudo?
Eli sorriu afetuosamente para mim fazendo uma pequena reverencia.

- É exatamente assim que se deve tratar uma mulher como Chaeyoung. Você
tem todo o meu respeito, minha jovem.

Particularmente, achei aquilo tudo tão adorável que não resisti em sorrir aos
dois cúmplices.

- Vocês dois estão me envergonhando, parem agora. – escondi o rosto entre as


mãos e ouvi as risadas deles.

Chaeyoung então arrastou a cadeira até o meu lado e me abraçou pelo ombro.

- Vocês formam um belo casal, se me permitem dizer. – Eli continuou tirando


o bloquinho de notas do bolso do avental verde musgo. – O que vão querer?

- Obrigada, Eli. – Chaeyoung agradeceu tirando minha mão do meu rosto e


deixando um beijo na minha bochecha. – Nós vamos querer um prato de
Waffles e dois achocolatados, por favor.

Eli fez outra reverência em brincadeira e saiu para buscar nossos pedidos.

Chaeyoung e eu nos perdemos com os olhares em uma praia silenciosa e na


quebra das ondas no mar. Eu podia sentir os pequenos braços envoltos em
meu pescoço e a respiração leve contra meu pescoço, tudo o que eu precisava
para um bom dia.

Nós passamos o resto da manhã comendo e discutindo coisas bobas. Depois


de bem alimentadas, nós fomos dar uma volta na praia com as roupas que
estávamos. Chaeyoung me arrastou, afinal, ela é quem manda aqui.
É claro que recebemos olhares curiosos, quem em sã consciência estaria
usando metade de um terno feminino e um vestido amarrotado àquela hora
da manhã? Fora o chapéu na cabeça de Chaeyoung que a deixava parecida
com uma comediante.

Pouco mais perto do almoço, nós decidimos passar na república para que eu
pegasse minhas roupas e escovasse os dentes, depois seguiríamos até a casa
de Chaeyoung onde passaríamos o resto da tarde.

- Não podemos esquecer o show do The 1975, eu ainda preciso comprar duas
camisetas para nós... – ela me contava animada enquanto eu abria a porta do
quarto.

Chaeyoung parou de falar e eu congelei ainda no portal com o que aconteceu


em seguida.

Meu pai estava em pé ao lado da cama, usando seu terno cinza escuro e as
mãos no bolso da calça. Fui analisada de cima a baixo e senti meu sangue
gelar quando recebi aquele olhar cheio de fúria e reprovação. Naquele
momento eu o temi como nunca antes.

- Nós precisamos conversar, Lalisa. – disse ele secamente e olhou para


Chaeyoung parada ao meu lado. – Se nos der licença, Srta. Park.

Ela balançou a cabeça e saiu do quarto em silêncio. Foi nesse momento em


que tirei forças sabe-se lá de onde, peguei o primeiro moletom que vi jogado
em cima da cadeira e sai do quarto pedindo licença ao meu pai.

- Chaeyoung? Me desculpe, eu não sabia que ele...


- Não, tudo bem. Você deve conversar com ele e depois me ligar. Ok? – ela
deu um sorriso amarelo e me abraçou rapidamente. – Vou ligar para Jennie
me buscar, até depois.

Eu sabia que não estava tudo bem, aquele olhar... Chaeyoung sabia tanto
quanto eu que a presença do meu pai não seria boa coisa, ainda mais agora
que ele me viu chegar nesse estado e com ela. Estendi meu moletom para ela
que aceitou e sussurrou um eu te amo, eu retribui com a voz fraca, baixo o
suficiente para que apenas ela ouvisse, e esperei que ela virasse o corredor
para respirar fundo e entrar no quarto.

Meu pai continuava lá, parado no mesmo lugar e agora me encarando. Eu


podia ver a sua veia no pescoço praticamente saltando. Enrijeci meu corpo,
não era capaz de mover um músculo sequer temendo o que estava por vir.

- Estou vendo que investigar o que minha filha anda fazendo com meu
dinheiro em New York não foi uma perda de tempo. – ele disse como sempre
muito controlado, mas rude. Marco passou os olhos pelo quarto e voltou seus
olhos frios para mim. – O que está fazendo, Lalisa? Que roupas são essas?
Você passou a noite com aquela garota?

Dei um passo para trás engolindo em seco, não entendi em que sentido ele
quis dizer sobre passar a noite com Chaeyoung, mas rezei para que não fosse
o sentido em que realmente aconteceu.

- Teve uma festa... Momo e Jennie também estavam... Elas são amigas de
Chaeyoung e nós fomos juntas. – ele sabia que eu estava mentindo, estava
visível em minha voz. – Chaeyoung mora perto daqui e eu ia levá-la para
casa...
- Eu proíbo você de andar com essa garota! – ele esbravejou me afetando
intensamente. – O que as pessoas vão começar a dizer vendo você chegar com
ela assim? Vocês estão andando muito juntas e isso não é nada bom para a
sua imagem, Lalisa. Sabe o que dizem sobre estes estudantes de Juilliard... –
ele fez uma careta de nojo e meu estômago se contraiu de medo.

- Ela é uma boa pessoa, pai. Juilliard não a influenciou em nada, nós somos
muito amigas e os pais dela são pessoas de caráter...

- Eu não quero saber quem são ou deixam de ser os pais dessa garota! – sua
voz aumentou e eu soube que era o momento de recuar. – Você vai se afastar
dessa menina, está me ouvindo? – abaixei a cabeça em silêncio, o que eu
poderia dizer? Chaeyoung é a minha namorada, não é como se eu fosse me
afastar dela. – Responda!

- Mas, pai...

- Lalisa, não me faça perder a paciência com você também! – o senti se


aproximar e me encolhi na porta, não queria apanhar, não dele. – Eu pago
suas contas e seus caprichos, então trate de me obedecer se não quiser acabar
como sua irmã. – senti as lágrimas queimarem meus olhos, mas não as deixei
cair para não demonstrar que aquilo estava me afetando mais do que deveria.

- Ok. – eu disse insegura e finalmente ergui meus olhos o encarando. – Eu


vou me afastar.

É claro que aquilo era uma enorme mentira, e mentir em nossa família era um
ato de traição sem tamanho, mas eu precisava tomar alguma atitude antes
que ele tentasse interferir em minha relação com Chaeyoung, e eu não queria
isso. Então o deixaria pensar que me afastaria até que ele voltasse à Los
Angeles. A expressão de meu pai suavizou um pouco e ele arrumou a gravata
do terno.

- Trate de tomar um banho e se arrumar, nós temos um evento com a


associação e eu quero apresentar você a alguém. – balancei a cabeça
afirmativamente e tentei passar por ele para entrar no banheiro, mas fui
barrada por seu braço direito. Meu corpo se arrepiou todo com o olhar frio
que recebi. – O que está acontecendo com você? Por que está se vestindo e
agindo assim?

Mantive seu olhar frio apenas por estar com raiva dele, raiva por Daniela, por
mim, por Chaeyoung... Com certeza havia muita raiva e mágoa acumulada
durante anos.

- Eu estou apenas crescendo, papai. – respondi secamente e segui até o


banheiro.

Liguei o chuveiro e me livrei das roupas incomodas. A primeira coisa que fiz
antes de entrar em baixo da água quente foi mandar uma mensagem para
Chaeyoung avisando que não poderia vê-la hoje, pois teria compromisso com
meu pai. Algo no meu interior me dizia que aquela seria uma longa noite.

♫♫♫♫♫

Chaeyoung se remexeu incomodada na cadeira quando recebeu a mensagem


de sua namorada avisando que não poderia vê-la esta tarde. Seu
pressentimento sobre a presença de Marco no dormitório não era bom e tudo
o que ela desejava fazer naquele momento era largar Jennie, Jisoo e Momo
plantadas naquele restaurante onde estavam almoçando e correr até Lisa.
Mal tinha tocado em sua comida desde que o garçom a servira, sua
preocupação era maior que qualquer coisa naquele momento. Jisoo, ao
contrário dela, devorava as asinhas de frango e repreendeu Momo quando
esta decidiu pegar uma de seu prato. Então a discussão foi iniciada e sua
presença ignorada, o que ela agradeceu por um momento por não precisar se
explicar. O problema é que Jennie a analisava desde que a buscou na
república e acabou notando que algo sério estava acontecendo. Quando
Momo e Jisoo decidiram recolher as garras, Jennie viu o momento perfeito
para uma interrogação amigável diante das amigas.

- Sabe que pode nos contar tudo, não sabe? – ela começou vendo o olhar
preocupado que Chaeyoung lançava ao celular a cada cinco minutos.

Chaeyoung a olhou tristemente largando o canudo que já tinha praticamente


devorado com o nervosismo.

- Aconteceram algumas coisas, apenas isso.

- Defina coisas. – pediu Jisoo fazendo aspas com as mãos.

Nesse momento, ouviram o barulho de algo sendo sugado no fundo do copo e


as três olharam para Momo que tentava sugar até o último gole do suco com o
canudo. Momo lançou um olhar irritado para elas e deu de ombros.

- Ontem à noite... – respirou fundo e levou uma das mãos ao rosto para que
ninguém mais no restaurante pudesse ler seus lábios. Nunca se sabe quando
um agente do FBI pode estar atrás de você. – Lisa e eu fizemos amor...
- O que? – perguntou Jennie, ela não tinha ouvido de tão baixa que a voz de
Chaeyoung saiu. A mais nova revirou os olhos e elevou o tom de voz.

- Nós fizemos amor...

- VOCÊS TRANSARAM? – o berro de Jennie foi o que fez todos no


restaurante olharem para a mesa delas. Chaeyoung afundou a cabeça nos
braços e Momo começou a rir histericamente batendo a mão na mesa como
uma foca. – O que estão olhando? Até parece que ninguém nunca transou
aqui, eu em.

Jisoo prendeu o riso e cutucou Momo para que ela parasse com a risada
escandalosa.

- E só agora você decide nos contar? Como foi? Eu quero detalhes. – pediu
Jisoo toda animada.

- É Chaeyoung, ela enfiou o dedo em você? – foi a vez de Momo provocar


arqueando as sobrancelhas.

Chaeyoung corou violentamente.

- Foi normal, gente. Não estava nos planos da noite, mas aconteceu...

- Não me venha com aconteceu, eu quero detalhes. – exigiu Jennie cruzando


os braços na mesa como uma pessoa atenta a uma matéria importante de
prova.

- O que querem que eu diga? Que eu a chupei? Que nós usamos dois dedos? –
disse o mais baixo possível sentindo seu rosto esquentar.
- VOCÊ CHUPOU ELA? QUE NOJO, PUTA QUE PARIU! GARÇOM A
CONTA, POR FAVOR, PORQUE JÁ TÔ IMAGINANDO UMA VAGINA
NESSE CANAPÉ!

Sim, essa foi Momo. Jennie, Jisoo e Chaeyoung largaram o dinheiro em cima
da mesa e saíram às pressas do estabelecimento deixando Momo sozinha.
Elas estavam rindo e Chaeyoung agradeceu que elas pudessem fazê-la sorrir
até mesmo em situações como essa.

Pouco tempo depois, Momo saiu xingando pela porta e as quatro garotas
entraram no Jeep de Jisoo.

- Enfim, você e Lisa tiveram uma noite de amor e pela sua cara ela é horrível
de cama. – Jennie retomou o assunto, ela estava no banco do passageiro.

- Não é esse o problema. Ela foi perfeita, Jennie. – suspirou lembrando-se da


noite que tiveram. – O problema é que Marco a estava esperando em seu
dormitório.

Momo soltou um gritinho assustado.

- No meu dormitório? Eu não acredito! Deixei várias calcinhas espalhadas por


lá... Oh, meu Deus...

Jennie e Jisoo ignoraram o surto da amiga.

- Ele foi ignorante com você? – Jisoo perguntou. Chaeyoung negou com a
cabeça e encarou o celular à espera de uma mensagem.
- Não, apenas pediu licença e fui embora.

Ela viu a preocupação nos olhos da namorada. Até mesmo Lisa estava
assustada com a presença do pai, porque Chaeyoung não ficaria?

A quatro amigas continuaram conversando e dando voltas pela cidade até a


mais nova decidir ir para casa e ficar um pouco com os pais. Lisa não deu
noticias pelo resto do dia e isso a preocupou imensamente, ela só esperava
que tudo estivesse bem a namorada.

Mark estava de folga, e tentou de todas as formas distrair a filha comentando


sobre seus filmes preferidos e colocando músicas animadas. Já era noite,
Diana assistia televisão com Mark na sala, o homem parecia mais quieto que o
normal depois de passar à tarde com suas duas filhas. Ella puxou a irmã até a
varanda e ambas se sentaram na cadeira de balanço para que Chaeyoung
pudesse ajudá-la com o dever de casa.

- Você e a Lisa são namoradas? – a pequena perguntou enquanto pintava em


seu caderno. Chaeyoung alisou o cabelo de Ella invejando toda a inocência
que transbordava de sua irmã.

- Sim, querida. Lisa é a minha namorada.

- Tem uma garota na minha escola, ela se chama Natalie, hoje ela disse que é
errado meninas ficarem com meninas. – o coração de Chaeyoung se apertou,
ela não queria que Ella presenciasse ou vivesse com aquilo. – Então eu disse
que é mentira, porque minha irmã namora uma menina muito legal e que
sempre me compra presentes legais.
Uma lágrima escorreu sem permissão. Chaeyoung tratou de limpar, mas Ella
foi mais rápida e segurou o rosto da irmã com as duas mãos quando a viu
limpar o rosto.

- Por que está chorando, Chae? Eu defendi você e a Lisa, e sempre vou fazer
isso, tá? Natalie não vai mais falar de vocês duas.

Chaeyoung beijou o topo da cabeça da irmã e a abraçou forte recebendo


murmúrios em reprovação pelo aperto.

- Estou chorando porque o mundo às vezes não é legal, Ella. Algumas pessoas
não entendem que o amor verdadeiro não precisa ser apenas entre um
menino e uma menina.

- Eu pensei que felizes para sempre fosse simples...

Chaeyoung riu entre as lágrimas. Sim, era algo tão simples para uma criança,
mas que os adultos faziam questão de complicar usando a ignorância para
justificar o que não conhecem.

- É simples, Ella. Mas apenas pessoas inteligentes como nós podem ver isso,
entende?

A menina concordou e encostou a cabeça no ombro da irmã. Elas passaram


um tempo abraçadas até Diana aparecer na varanda dizendo que era hora de
Ella dormir.

Chaeyoung decidiu verificar o celular que tinha deixado de lado desde que
tinha se juntado à Ella, e levou um soco no estômago quando leu a
mensagem.
Lali: Mee pedoe eu am vce mt

Ela entendeu aquilo como: Me perdoe, eu amo muito você.

Perdoar? Perdoar pelo quê? Ela não entendeu a mensagem e teve medo que
Marco estivesse envolvido nisso. Decidiu ficar mais um pouco sentada na
varanda e enviou uma mensagem perguntando se estava tudo bem, mas não
foi preciso esperar a resposta, logo os faróis do Dodge iluminaram a noite
escura e algo no peito de Chaeyoung se apertou. Lisa estacionou o carro de
qualquer jeito e ao abrir a porta, acabou vomitando do lado de fora.
Chaeyoung praticamente saltou do banco e correu até a namorada, que para a
sua surpresa, estava completamente bêbada.

- Lisa, eu não posso acreditar que você dirigiu bêbada até aqui! – exclamou
nervosa passando as mãos pelo cabelo e ajudando a namorada a descer do
carro.

- Eo queeria te ver, amor... – Lisa soluçou, os olhos estavam vermelhos e a


bochecha toda molhada, o que indicava que ela andou chorando. – Amo
taaanto você.

- Eu também te amo, Lisa. – murmurou passando um dos braços da


namorada por seu ombro e ajudando-a a andar até a casa. – Isso não é motivo
para você dirigir bêbada por ai, e se algo te acontecesse? Como eu ia ficar?
Idiota! Imbecil! Eu vou matar você quando estiver sóbria...

- Shiiiii. – Lalisa pediu pressionando o dedo indicador no lábio de Chaeyoung.


– Eu... Eu precisava veeer você, eu preciso te contar uma... Uma coisa.
- Depois você me conta. Agora eu vou te ajudar a tomar um banho frio, você
precisa descansar.

Chaeyoung abriu a porta da sala e deu graças a Deus pelos pais terem ido
dormir. Lisa cantarolava uma música aleatória e Chaeyoung precisou tapar a
boca dela para subir sem acordar a casa toda.

Lisa reclamou sobre as pernas e se jogou de barriga para cima na cama, estava
mole, ainda chorava sem motivos aparentes e dizia coisas desconexas.

- Eu não mereço você. – ela disse quebrando o silêncio quando Chaeyoung a


sentou para poder tirar-lhe o vestido vinho que usava. – Você é tãaao boa e
eu... Só consigo arrumar confusão...

Chaeyoung não entendeu o que ela quis dizer, mas sabia que não teriam uma
conversa clara com a garota bêbada.

- Sabe por que você me merece? – perguntou com um sorriso terno nos lábios
ao tirar o sutiã e a calcinha da namorada. Precisou ignorar seu corpo em
alerta ao ver Lisa nua. – Porque você me faz feliz, bebê. – a ajudou a se
levantar e caminhou com a garota triste até o banheiro.

Foi difícil dar banho em Lisa que insistia em ficar abraçada com Chaeyoung
como um coala. No final do banho, ambas estavam molhadas, e Chae precisou
trocar de roupa também.

Chaeyoung ajudou Lisa a sentar na cama. Ela agora chorava em silêncio com
os olhos perdidos, os tons castanhos que costumavam brilhar intensamente
agora eram vazios, sem vida.
Chaeyoung correu até o guarda roupa e pegou uma calcinha boxer e o
moletom de Columbia que agora a pertencia. Com todo o cuidado do mundo,
ela trocou a namorada e deixou o um beijo carinhoso em sua testa.

- Não quero mais você dizendo coisas como as que acabou de me dizer,
entendeu? – disse suavemente, mas com um pouco de mágoa. – Eu que não
mereço uma pessoa perfeita como você. Ou já se esqueceu de que é você quem
me faz essas surpresas dignas de um filme de romance?

Lisa deitou a cabeça no travesseiro macio e foi coberta pela namorada, que
depois de se arrumar, deu a volta na cama e deitou-se em frente a ela.

- Você é muito bonita. – disse Lisa num sussurro sôfrego.

Chaeyoung suspirou e levou a mão ao rosto da namorada com carinho. Seus


narizes se tocavam e as respirações eram compartilhadas. Lisa parecia muito
com um bebê frágil naquele momento.

- Você não tem ideia do quão linda é, meu amor. – disse Chaeyoung afagando
os cabelos da namorada. – Eu não sei o que aconteceu hoje, e vou deixar que
me conte amanhã, tudo bem? Apenas durma agora, você merece um descanso
depois de um dia cheio. – Lisa suspirou frustrada, os olhos sem brilho mal
paravam abertos. – Eu vou estar aqui quando acordar.

- Me desculpe, Chaeng...

- Eu amo você, Lalisa.

Naquele momento, Chaeyoung soube que não importava o que Lisa havia
feito, ela a amava demais para não perdoá-la.
Sobre o show do The 1975
Elas nunca foram.

________

24

11 de Janeiro de 2017. Primeiro ano da faculdade.

Chaeyoung abriu os olhos sentindo-se incomodada com a falta de calor contra


o seu corpo.

A primeira coisa que viu assim que seus olhos se acostumaram com a
claridade, foi a silhueta de sua namorada sentada no chão ao lado da cama
abraçando as pernas flexionadas e o queixo apoiado no joelho.

Os olhos castanhos a observavam, como se estivesse velando por seu sono a


um bom tempo. Chaeyoung aconchegou-se um pouco mais na cama e as duas
ficaram em silêncio se olhando com carinho; também havia culpa naqueles
olhos sem brilho, Chaeyoung sabia que Lisa queria lhe contar algo, mas
pensar nas opções fazia seu estômago se contrair.

- Oi. - Chaeyoung disse bem baixinho, como se houvessem várias pessoas em


volta ela quisesse que apenas Lisa a ouvisse.

- Oi. – respondeu Lisa, sua voz rouca era triste.

- Há quanto tempo você está ai?


- Duas horas e meia. - sorriu fraco e levantou o queixo do joelho. - Eu acordei
com dor de cabeça e sua mãe me ofereceu uma aspirina.

Chaeyoung ficou surpresa por sua mãe saber que passaram a noite juntas em
seu quarto. Lisa ainda usava o moletom de Columbia e a calcinha boxer que a
deixava com um ar quase infantil apesar do rosto cansado e as visíveis
olheiras.

- Eu vou ao banheiro escovar os dentes, tá bom?

Lalisa concordou e a mais nova saltou da cama correndo até o banheiro com
um pouco de dificuldade devido ao sono. Tinha passado quase toda a
madrugada zelando o sono de sua amada, vindo a cair no sono pouco antes do
amanhecer. Não levou nem meia hora e já tinha tomado um rápido banho e
escovado os dentes. Lisa agora estava sentada na cama com as costas
apoiadas na cabeceira vasculhando algo em seu celular, Chaeyoung a imitou e
em seguida puxou a namorada para um beijo terno, apenas para matar a
saudade daqueles lábios deliciosos.

- Chaeyoung? - Lisa a chamou quando encostou a cabeça na cabeceira para


olhá-la preguiçosamente, o celular sendo esquecido no criado mudo. - Me
desculpe por ontem, eu não deveria ter aparecido aqui bêbada...

- Amor... Hey! Está mesmo se desculpando por isso? Eu queria matar você,
mas por ter dirigido bêbada. Sabe o quanto é perigoso, Lisa? Você é a minha
namorada, minha função é cuidar de você. Que tipo de esposa vou ser daqui a
dez anos se não cuidar da minha bolinha branca?
Os olhos castanhos brilharam e foi o que bastou para Chaeyoung sorrir
timidamente.

- Você vai ser minha esposa? - a voz de Lisa quebrou o coração de Chaeyoung,
quase como se não pudesse acreditar em suas palavras. - Eu não mereço você,
Chaeyoung...

Chaeyoung sentou-se na cama de frente para a namorada e deixou suas mãos


descansarem no estômago dela.

- Quer me contar o que houve ontem?

Lalisa suspirou alto, seus olhos já estavam cheios de lágrimas antes mesmo de
começar a contar. O evento era, na verdade, na casa de um dos associados de
Marco Manoban. O lugar estava cheio de advogados com suas esposas e
filhos, todos muito bem vestidos e de classe alta; é claro que Marco sempre
fazia questão de se relacionar com a alta sociedade. Lisa estava ao lado do pai
contando os minutos para sair daquele lugar, o vestido em seu corpo era
incômodo, as pessoas um pé no saco, como sempre foram desde que se
conhece por gente e acompanhava o pai em eventos como esse. A necessidade
de pegar o celular e conversar com Chaeyoung a estava consumindo. Já
estavam naquela casa há quase quatro horas e a única coisa útil a se fazer era
comer e beber o máximo que podia enquanto seu pai ignorava sua existência e
conversava com os amigos se gabando de todo o seu dinheiro. Ela se
perguntou onde sua mãe estaria naquele momento, então se deu conta de que
ela provavelmente havia dado uma desculpa esfarrapada e ido até Daniela
cuidar da filha mais nova, era a única coisa que tinha coragem de fazer.
- Lalisa, venha até aqui. - Marco a chamou até a rodinha de engravatados.
Lisa segurou-se o máximo que pode para não revirar os olhos e seguiu até o
pai. - Quero lhe apresentar Brandon, filho do Valdez, um grande amigo meu.

Brandon sorriu educadamente e a Lisa arqueou uma sobrancelha quando ele


beijou as costas de sua mão. O garoto tinha os cabelos curtos e rebeldes, olhos
muito azuis e um sorriso iluminado no rosto. Não era feio, longe disso, mas
nada que chamasse a atenção de uma pessoa que desejava apenas os lábios
carnudos de uma certa musicista.

- Brandon é de NYU e cursa direito, assim como você. - sentiu o olhar cheio de
significados do pai em si. - Tenho certeza de que vocês têm muito que
conversar.

Só pelo olhar que recebeu de Marco, ela soube que era uma ordem que se não
fosse obedecida, haveria consequências mais tarde. Lalisa tinha dezenove
anos, mas ainda sim dependia do pai que sempre a controlou à base do medo
usando surra de cinta como corretivo. Ela sabia que ele não hesitaria em
machucá-la assim como machucou Daniela.

O garoto que estava alheio à troca de olhares intensa entre pai e filha ofereceu
o braço direito à Lisa que aceitou a contra gosto e deixou-se ser levada até a
área da piscina, onde havia menos pessoas para o desespero da Lisa que
começara a entender as pretensões de Brandon.

- Eu não me apresentei direito. Meu nome é Brandon Valdez, estou muito


encantado em conhecê-la, Srta. Manoban.

- Lalisa. Meu nome é Lalisa. - ofereceu um pouco menos tensa.


Brandon era um garoto muito educado para ser ignorado. E assim a noite se
arrastou lentamente, Brandon não parava de falar um segundo sequer e por
mais que fosse um garoto muito educado, não despertou nenhuma
curiosidade em Lisa. Tudo o que a Lisa fazia era beber cada vez mais numa
tentativa de fazer a noite passar logo para ver Chaeyoung de uma vez por
todas. Em alguns momento precisava forçar um sorriso quando Marco a
olhava do outro lado da área de piscina, não queria uma discussão com o pai e
o quanto mais rápido ele voltasse à LA, melhor seria.

As pessoas que os olhavam, sorriam satisfeitas imaginando que formariam


um casal socialmente perfeito, pois Brandon fazia questão de quebrar a
distância descansando a mão em sua coluna vez ou outra, e isso irritou um
pouco Lisa.

O verdadeiro problema veio quando em um ato repentino, Brandon a segurou


firmemente pela cintura colando seus lábios num beijo forçado e
desengonçado. Lalisa o empurrou com violência para longe em choque e o
garoto arregalou os olhos surpreso pela reação da Lisa.

- Você está louco? Que porra...? - o palavrão saiu sem querer.

- Me desculpe... Eu... Seu pai... Ele disse...

- Meu pai? O que ele disse? - indagou sentindo a fúria preencher cada canto
do seu corpo.

É claro que só poderia ser obra de Marco Manoban. Brandon tentou falar
mais uma vez, mas uma mão forte agarrou o braço de Lisa com uma força
desnecessária e a arrastou para dentro da mansão entre os convidados que
encaravam a situação com surpresa.
Finalmente chegarem a uma sala vazia, e Marco empurrou Lisa com força que
acabou caindo sentada no sofá, seu rosto estava vermelho exatamente como
da última vez em que discutiu com Daniela.

- O que você pensa que está fazendo, Lalisa? - ele gritou e agarrou a filha pelos
ombros a colocando de pé novamente. - Você quer estragar a minha imagem,
é isso? Está destruindo a imagem que estou criando para o seu futuro?

- Eu não acredito que o senhor me trouxe aqui para me arranjar um


namorado, papai! - Lisa tentou soar séria, mas o medo que sentia do homem a
estava dominando. - Pouco me importa a imagem, eu não queria estar aqui e
muito menos ser beijada por aquele moleque!

Marco semicerrou os olhos para a filha, os dois estavam tão próximos agora, e
o aperto no ombro da Lisa se intensificou tanto que ela gemeu de dor.

- O que está acontecendo, Lalisa? - agora a voz de Marco saiu baixa e


carregada de ódio, ela sabia que estava pisando em uma linha de fogo.
- Está saindo com aquela garota suja de Juilliard? É isso?

Lisa empurrou o pai sem pensar quando ele se referiu à Chaeyoung como
garota suja, a raiva a dominou por completo e os olhos de Marco
praticamente a assassinou assim que recuperou o equilíbrio.

- Não fale assim dela! - exclamou tremendo de raiva e medo. - Chaeyoung é


minha amiga e eu não admito que o senhor fale assim dela!

Marco cruzou os braços arqueando uma sobrancelha e Lisa soube, naquele


exato momento, que seu ato de descontrole tinha entregado tudo. O homem
fechou os olhos por alguns segundos que pareceram eternos para Lisa e
quando os abriu, havia um brilho diferente neles, quase doentio. Quando ele
falou, sua voz saiu calma e controlada:

- De agora em diante eu vou investigar cada passo seu, Lalsoa. Eu acho


melhor você tomar muito cuidado com o que vai fazer a partir do momento
em que sair por aquela porta, porque eu vou estar na sua cola. - Lisa se
arrepiou com o tom de voz do pai, seu coração batendo descompassado com
as palavras firmes. - Agora vá embora.

E sem pensar duas vezes, Lisa deu às costas ao pai saindo em disparada da
mansão.

O quarto ficou muito silencioso no momento em que as palavras de Lisa


cessaram. Aquilo tinha sido um soco no estômago de Chaeyoung, cada parte
daquela história, ela nunca imaginou o que sua namorada poderia ter passado
com aquele homem, e agora a vendo tão frágil sentada naquela cama,
olhando-a como em uma súplica por perdão por algo que ela não teve culpa.
Chaeyoung se arrastou até conseguir sentar no colo de Lisa e a abraçou o mais
forte que pode acariciando o ombro da Lisa onde um dia antes havia sido
apertado com violência.

- Eu sinto muito, meu amor. Você não merece nada disso. - ela disse
embrenhando suas mãos nos cabelos da namorada e arrastando os lábios pelo
pescoço da mesma. - Eu te amo, obrigada por me defender.

- Você não está brava? - ela perguntou desviando o rosto para que Chaeyoung
ao olhasse nos olhos. - O garoto me beijou e agora meu pai está na nossa
cola...
Chaeyoung suspirou unindo suas testas, ela nunca se cansaria da beleza da
namorada.

- Eu não estou brava, não há motivos para isso. Ele te beijou e você estava
distraída. Quanto ao seu pai... Nós vamos dar um jeito nisso.

- Você realmente acredita que vamos ficar juntas?

- Nós vamos lutar por isso. Eu não vou te deixar tão fácil, e sei que você
também não vai fazer isso, certo?

- Certo. - elas sorriram levemente e Chaeyoung puxou o lábio inferior de Lisa


entre os dentes e o soltou em seguida. - Eu estava com saudades.

Sem conseguir se conter por mais tempo, Lisa subiu a mão até a nuca de
Chaeyoung a trazendo para mais perto para dar inicio ao beijo. Chaeyoung
invadiu sua boca ferozmente iniciando o contato com a língua que fez ambas
gemeram com antecipação. Lisa agarrou ainda mais a nuca de Chaeyoung e
friccionou seus corpos, sentindo seus seios roçarem assim como seus sexos.
Um outro gemido rouco escapou das duas quando se separaram em busca de
ar.

Lisa puxou a camisola de Chaeyoung revelando seus seios médios, ela sentiu
tanta falta deles e não fazia nem um dia que os tinha amado...

- Amor... - Chaeyoung suspirou em seus lábios sentindo a Lisa apertá-la


firmemente contra seu corpo. - Meus pais podem entrar a qualquer
momento...
- Eles não estão em casa, Chaeng. - sorriu ofegante, sentia-se melhor agora
que Chaeyoung a tinha acalmado.

Em poucos segundos as duas garotas estavam nuas e Chaeyoung prendeu a


respiração ao ver as manchas escuras se formando no ombro da namorada,
mas ela não teve tempo para protestar, a língua da Lisa começou a explorar
famintamente toda a extensão de sua boca em um beijo ardente, carregado de
significados. Lalisa desceu a mão da nuca da garota até seus seios, ela os
apertou e massageou com força sem quebrar o contato entre suas línguas. O
beijo cessou quando as mãos de Chaeyoung começaram a subir e descer pelas
costas de Lisa provocando vários arranhões com as unhas. Lisa desceu os
lábios pelo pescoço de Chaeyoung com a ponta da língua mordendo, sugando
e outra gemeu ao sentir a namorada morder sua clavícula.

Lalisa estava faminta hoje, com saudade, queria apagar o evento de qualquer
forma de sua cabeça e Chaeyoung era a sua saída, sempre fora e sempre seria.
Estar com ela significava esquecer o mundo lá fora, as sensações vividas
juntas tanto carnais quanto emocionais era algo para ser sentido
eternamente.

Chaeyoung ansiava pelo contato mais íntimo e Lisa estava apenas retardando-
o. Chae resolveu adiantar o caminho e desceu os lábios até os seios da garota
os contornando com a língua e mordendo a pele mais sensível. Lisa soltou um
gemido alto de prazer e dor agradecendo por não ter ninguém em casa
naquele momento.

Cuidadosamente, Lisa deitou Chaeyoung na cama e se posicionou entre as


pernas dela com um sorriso tímido nos lábios.
- Eu amo o seu corpo, Chaeyoung. - comentou arrastando a língua no pescoço
de Chaeyoung que inclinou a cabeça para lhe dar mais liberdade de explorar
aquela área. - Amo o seu cheiro também.

Sua mão automaticamente desceu até o sexo da outra acariciando o clitóris já


rígido fazendo Chaeyoung morder novamente seu seio esquerdo; ela precisou
conter outro gemido alto fincando os dentes na clavícula da namorada
enquanto sentia a mão de Chaeyoung vacilar em suas costas.

Elas estavam extremamente excitadas, a Lisa seria capaz de ter um orgasmo


apenas com os sons e caricias de Chaeyoung.

- Isso está mais intenso que ontem... -


Chaeyoung não podia formular uma frase.

Lalisa a invadiu com dois dedos de surpresa fazendo Chaeyoung arquear o


corpo e gemer novamente, dessa vez sem a dor vívida, talvez apenas o
desconforto. Lisa se acostumou aproveitando a sensação de estar dentro da
namorada, sentindo na ponta dos dedos, literalmente, tudo o que estava
acontecendo com Chaeyoung.

Chaeyoung, por sua vez, subiu a mão à nuca de Lisa a puxando para iniciar
um novo beijo com mais desejo e mais urgência, e a Lisa aproveitou para
iniciar os movimentos dentro da namorada, começando lentamente e
aumentando a velocidade conforme Chaeyoung intensificava o beijo. Lalisa a
sentiu apertar-se contra seus dedos e quebrar o beijo, sendo incapaz de
acompanhar a velocidade de Lisa e respirar ao mesmo tempo.

Ambas estavam com os olhos fechados, os lábios inchados e vermelhos


entreabertos, respirando e gemendo uma contra a face da outra.
Lalisa soube que Chaeyoung estava próxima ao clímax quando deixou de
sentir as unhas apertarem sua costela e o corpo enfraquecer em baixo do seu.
A Lisa resolveu ajudar a namorada adicionando mais um dedo e estimulando
o clitóris com o polegar, Chaeyoung não poupava gemidos altos de prazer e a
sensação do terceiro dedo abrindo ainda mais suas paredes internas,
deixando-a totalmente pronta para Lisa.

Como havia pressentido, o corpo de Chaeyoung começou a vibrar e suas mãos


afrouxaram-se. Lalisa tomou-lhe os lábios mais uma vez apressando o
momento. Lisa ouviu seu próprio nome soar alto, quase um grito, dos lábios
de Chaeyoung quando a sentiu explodir em seus dedos. A garota abriu um
sorriso apaixonado observando expressão de prazer estampada naquele rosto
que a levaria a ruína.

O corpo suado e pálido de Lalisa caiu sobre o de Chaeyoung, e as duas ficaram


em silêncio por um longo tempo, deixando suas respirações se normalizarem
e suas mentes processarem o que tinha acabado de acontecer.

Ainda era uma sensação nova para ambas, mas que fariam todos os dias se
possível.

- Nós estamos melhorando nisso. - o primeiro comentário veio de uma


Chaeyoung totalmente mole. - Jennie chegou a insinuar que você seria ruim
de cama.

- Oh meu Deus! - exclamou Lisa envergonhada, o rosto enterrado no peito da


Chaeyoung. - Você contou a elas?
- Não é como se elas não tivessem notado minha cara de enterro quando
foram me buscar na república.

Lisa levantou o rosto no mesmo instante observando os olhos negros a


fitarem com carinho.

- Eu não vou deixar meu pai nos afastar. - ela disse com uma convicção que
Chaeyoung queria muito acreditar. - Nós só precisamos tomar cuidado com os
lugares públicos, sei que meu pai seria capaz de colocar um detetive atrás de
mim.

Chaeyoung concordou acariciando os cabelos macios da namorada. Parte dela


queria muito acreditar que Lisa lutaria pelo que tinham. Ela jamais duvidaria
do amor que nutriam uma pela outra, mas sim da coragem da namorada
sobre o pai. Por mais que tentasse manter-se esperançosa, algo bem no fundo
lhe dizia que aquele relacionamento estaria fadado ao fracasso se Lisa se
entregasse às ameaças do pai.

♫♫♫♫♫

Uma semana se passou após o incidente com Marco, e todos os dias o homem
ligava para a filha perguntando sobre a faculdade e onde estava, assim como
também ligou para Columbia procurando saber sobre seu desempenho.
Graças a Deus Lisa era uma estudante dedicada e Marco só recebeu elogios
sobre a filha, assim como tem conversado muito com o Sr. Smith, chefe de
Lisa no estágio.
O relacionamento de Lisa e Chaeyoung continuava caminhando muito bem;
as duas saíam apenas ao The Village e poucas vezes ao apartamento de
Jennie, mas o lugar preferido das duas seria sempre a casa abandonada.
Aconchegante, segura e familiar.

Chaeyoung tentava todos os dias animar a namorada que vinha se mostrando


mais distante que o normal desde a discussão com o pai. Não distante
emocionalmente, Lalisa continuava carinhosa e atenciosa com ela, mas
distante do mundo. Andava bebendo mais que o normal para uma garota que
raramente o fazia, seu humor variava muito fácil, quase sempre descontando
a raiva na bebida.

Mesmo que todos em Juilliard soubessem sobre elas, Lisa começou a ser mais
cuidadosa, nada de beijos ou mãos dadas dentro da instituição e isso a matava
por dentro; tudo o que desejava era poder ser livre com Chaeyoung, mas sabia
que seu pai seria capaz de qualquer coisa e o que ela menos queria era
envolver a namorada com aquele homem.

E então chegou o dia em que Lisa percebeu que estava certa desde que pisou
em New York pela primeira vez: Os contos de fadas vivem apenas nos livros
infantis.

Era um sábado à noite, Megan a encurralou no banheiro de Columbia


questionando seu sumiço. Disse que Marco a procurou e pediu que o
mantivesse informado sobre o comportamento de Lisa, o sangue da Lisa
gelou, ela tinha medo do que a garota poderia ter dito. Megan informou que
foi vaga quanto ao sumiço de Lisa, mas a fez prometer que compareceria à
festa da fraternidade Tau Beta, uma das mais movimentadas de Columbia. E
Lisa aceitou.
Claramente não pisaria naquele lugar sozinha de nenhuma forma, então
insistiu que Momo convencesse Chaeyoung, Jisoo e Jennie, seria menos
incômodo do que ser jogada aos leões depois de tanto tempo longe.
Chaeyoung relutou, ela odiava festas e odiava ainda mais fraternidades onde
se encontravam os adolescentes cheios de hormônios, música alta, pessoas
bêbada... Mas Chaeyoung aceitou por Lisa.

As cinco garotas entraram pela porta principal sendo recepcionadas pela


música alta que poderia deixar qualquer pessoa surda, e gritos animados dos
adolescentes dançantes, a maioria já influenciados pelo álcool.

Chaeyoung se agarrou ao braço de Jennie procurando proteção, o coração de


Lisa se apertou por não poder ser ela a acalmar a namorada, não podia
arriscar, não na frente daquelas pessoas. Momo tinha os braços cruzados e
fuzilava qualquer um que tentasse puxar conversa, odiava as pessoas da sua
faculdade, mais precisamente os súditos de Megan. Jisoo parecia animada
olhando os estudantes competindo sobre quem bebia mais cerveja, outro
grupo jogando pôquer na mesa de centro da sala, sem contar os casais
praticamente se reproduzindo nos corredores, sofás e até mesmo na mesa de
sinuca.

- E eu reclamei da festa de Juilliard. - Chaeyoung comentou alto o suficiente


para que Lisa ouvisse. - Esse lugar é o caos.

- Pense pelo lado positivo, Chae... É, não tem lado positivo. - Jennie se
lamentou quando viu um garoto fazer movimentos de penetração em uma
garota por cima da roupa.
Momo puxou Jisoo pela mão, que puxou Chaeyoung, que puxou Jennie e que
puxou Lisa; elas caminharam até a cozinha onde o balcão era revestido de
bebidas de todas as cores, sabores e tamanhos. Momo pegou um Walker e
ofereceu às meninas, apenas Lisa e Jisoo aceitaram apesar do olhar de
repreensão de Chaeyoung sobre a namorada.

Um garoto que usava a camisa com todos os botões abertos, bermuda de


surfing e uma gravata amarrada na cabeça aproximou-se de Momo tentando
abraçá-la, pelo jeito eles se conheciam, mas Momo não gostou do contato e o
empurrou com força contra o balcão.

- Desencosta de mim. - reclamou abandonando a mão na frente do rosto pelo


fedor de álcool. - Me digam por que estou enfiada no buraco das cobras em
um sábado à noite quando deveria estar preparando um texto dramático de
separação?

- Você vai deixar o Jackson? - Jisoo perguntou interessada se recostando ao


balcão com Jennie ao lado e Chaeyoung de frente.

Lisa era a única desconfortável agora, olhava para os lados como um


cachorrinho assustado, a probabilidade de sua presença naquela festa dar
errado era enorme e saber que Chaeyoung estava ali à contra gosto só piorava
o embrulho em seu estômago.

- Nah! Eu sou muito nova para me prender a alguém. Não sou diabética como
Lisa e Chaeyoung, gosto de viver minha vida e Jackson quer algo sério,
alianças e tudo. - contou Momo tranquilamente, não parecia nem um pouco
abalada com o término do namoro. - Gosto de uma boa festa, não com
retardados como essa, é claro, também gosto de sair beijando por ai. - deu
uma risada irônica que fez as outras rirem. - Tudo tem um prazo de validade e
o meu com Jackson chegou ao fim.

Chaeyoung não se conteve em olhar rapidamente para Lisa que estava


cabisbaixa observando os cadarços do tênis. Algo em seu peito morreu aos
poucos assistindo o semblante da namorada tão abalado, e anda sim, nada
poderia ser feito para ajudar.

- Às vezes você me assusta muito, Momo. - disse Jennie tirando o copo das
mãos de Jisoo e bebericando a bebida.

- Talvez eu namore uma garota. - ela riu puxando Chaeyoung para um abraço
exagerado. - Assim eu não fico de vela nessa parada LGBT que é o nosso
grupo, não é?

- Momo! - Chaeyoung a repreendeu, mas riu depois.

Megan apareceu logo em seguida com um copo vermelho em mãos e um


sorriso enorme no rosto ao ver Lisa, mas o sorriso logo se desfez quando seus
olhos pousaram em Chaeyoung e Momo.

- Eu pensei que viesse sozinha, Lisa. - a garota olhou Jennie e Jisoo de baixo à
cima. - Eu conheço vocês?

- Jennie e Jisoo, minhas amigas. - Lisa disse rapidamente ao ver a cara


assassina de Jennie para Megan. - Nós tínhamos um compromisso para hoje e
eu as convenci a virem para a festa.

- Entendo. Sintam-se em casa, meninas. - ela sorriu cinicamente e olhou


Momo. - Menos você, Hirai.
Momo cruzou os braços fingindo gargalhar.

- Não me sentiria em casa em um ninho de vadias, desculpe.

Megan trancou o maxilar e Jisoo segurou a risada falhando miseravelmente.


Megan mal olhou para Chaeyoung, era como se a garota não existisse e a mais
nova agradeceu por isso de certa forma.

- De qualquer maneira - a garota continuou virando as costas para Momo e


pegando a mão de Lisa. - Oliver me pediu para levá-la até ele quando
chegasse, venha comigo.

Lisa lançou um olhar desesperado para as meninas quando Megan a puxou


pela mão por entre as pessoas e apenas Momo entendeu quem era Oliver. Um
ex ficante.

Momo correu atrás de Megan na tentativa de salvar a Lisa caso Oliver


tentasse algo. O primeiro erro da noite.

Agora apenas Chaeyoung, Jennie e Jisoo estavam na cozinha observando a


movimentação do lugar.

- Lisa está estranha hoje ou eu estou bêbada com apenas um copo de uísque? -
Comentou Jisoo olhando diretamente para Chaeyoung.

A Chaeyoung abraçou o próprio corpo sentindo-se incomodada com a


pergunta. As meninas sabiam sobre a pressão de Marco sobre Lisa, mas talvez
nenhuma delas realmente entendesse a gravidade de tudo; o quanto isso
vinha mexendo com a cabeça da Lisa nos últimos dias e afetando até mesmo a
relação quase inexistente delas em público.

- Ela está sofrendo muita pressão nos últimos dias - suspirou cansada. - Estou
tentando ser o apoio que ela precisa, mas também tem a doença do meu pai
que parece estar voltando aos poucos... Não sei o que vai acontecer daqui para
frente.

Sentiu uma imensa vontade de chorar, todo aquele barulho, aquela


movimentação à sua volta, sentiu vontade de mandar todos ao inferno e
correr para o silêncio de seu quarto, chorar tudo o que precisava para limpar
o cansaço emocional que vinha sofrendo. É claro que Lisa nunca saberia
disso, e por mais que confiasse em Momo, as duas eram muito amigas e talvez
ela contasse para a Lisa, então restava Jennie e Jisoo que estavam ao seu lado
desde o começo.

- Tudo estava bonito demais para ser verdade. - disse Jennie apertando o
ombro de Chaeyoung. - Se isso vale de consolo, vocês são o casal mais
apaixonado que eu já vi fora Romeu e Julieta, vão saber ajeitar as coisas no
final.

Chaeyoung olhou incrédula para a amiga.

- Sério mesmo que esta nos comparando com Romeu e Julieta?

- Sem a parte da morte, é claro. - completou Jisoo rindo da cara de tacho da


namorada.

As três continuaram conversando por mais um tempo com a presença das três
sendo ignorada pelos estudantes até uma música eletrônica começar a tocar e
Jennie gritar exasperada que essa era sua música. Chaeyoung disse que elas
poderiam ir dançar, e observou Jisoo e Jennie seguirem até a sala onde os
demais estudantes dançavam bêbados. O segundo erro da noite.

O mesmo garoto que tinha tentado abraçar Momo mais cedo reapareceu na
cozinha lançando um sorriso cafajeste para Chaeyoung que se encolheu
contra o balcão.

- Olá, gatinha. - ele disse com a voz arrastada e aproximou-se a Chaeyoung


lentamente. - Sozinha em uma festa? Isso é um pecado.

- Eu estou esperando minhas amigas. - respondeu simplesmente sem olhar


nos olhos do garoto.

- Tenho certeza que você também pode se divertir sem suas amigas, vamos lá
para cima. - ele prensou Chaeyoung com o corpo no balcão, a Chaeyoung
tentou o afastar, mas o garoto era muito maior que ela e mais forte.

- Me deixe ir, por favor. Eu namoro e você não sabe o que está fazendo.

Os braços do garoto voaram até a cintura de Chaeyoung a prensando contra o


balcão, ela o sentiu pressionar a cintura contra a dela criando um atrito contra
o membro ereto do rapaz que provocou náuseas na Chaeyoung; ela estava
desesperada e ninguém em volta pareceu dar bola ou estar sóbrio o suficiente
para perceber sua expressão de medo.

Esse é o momento em que Jennie e Jisoo voltam logo, elas tinham que
voltar...
- Por favor... - pediu quase num murmúrio fraco quando sentiu a língua do
garoto percorrer seu pescoço, sentia-se uma inútil por não ter força para
empurrá-lo.

As coisas então aconteceram muito rápido; em um momento ela estava sendo


praticamente estuprada com a mão grossa do rapaz apertando sua bunda, e
assim fechou os olhos, sentiu o corpo de o garoto desaparecer do contato com
o seu.

Quando seus sentidos voltaram à tona, abriu os olhos e pode notar que tudo
estava em silêncio. Chaeyoung congelou ao ver Lisa montada no garoto
socando seu rosto em total descontrole. Terceiro erro da noite.

Todos assistiam a cena em choque total, Momo foi única pessoa capaz de
puxar Lisa para trás antes que ela o matasse. Lisa estava descontrolada, os
olhos vermelhos e as lágrimas escorrendo, o punho cheio de sangue e a
respiração descompassada. Chaeyoung não conhecia aquela Lisa.

O problema de não manter o controle é que às vezes você pode colocar tudo a
perder. Como naquele momento, por exemplo, as pessoas a encavaram como
se ela fosse uma fera pronta para atacar.

O corpo de Josh continuava no chão desacordado e Momo a segurava pelos


braços para que não o atacasse novamente. Todos os olhos estavam voltados
para Lisa e depois de piscar algumas vezes, a realidade bateu à sua porta. Lisa
olhou assustada para o que tinha feito.

Olhou para as mãos cheias de sangue e sentiu as lágrimas queimaram sua face
novamente, ela tinha entregado tudo. Quando ergueu os olhos, encontrou um
par de olhos negros a encarando como se não a reconhecesse mais. E talvez
nem ela mesma se reconhecesse.

Quando viu Josh em cima de Chaeyoung, a raiva a cegou para consequências


futuras, agora todos sabiam que ela tinha defendido Chaeyoung por ciúmes e
muito provavelmente viram a aliança em sua mão quando a olharam para o
sangue. A parte mais dolorosa foi o olhar que recebeu de Chaeyoung. Ela não
sabia o que a namorada estava pensando, mas também tinha medo de saber.

Chaeyoung estava com assustada com Lisa, com medo da própria namorada,
as coisas não deveriam ser assim. Então, sem pensar duas vezes, a Lisa deu à
volta na cozinha saindo empurrando todo mundo no caminho e correndo até
o carro onde se deixou chorar intensamente.

♫♫♫♫♫

(Play na música Never Think - Robert Pattinson - coloquem no repeat até o


fim - a música está no início do capítulo, mas meu deus repitam até final,
por favor)

Ela mal sabia como havia chego àquele lugar, mas agora se encontrava
sentada na mesa de um pub. O lugar não estava cheio, mas Lisa escolheu a
mesinha do fundo precisando se isolar do mundo real; pediu uma garrafa de
Jackie Daniels e desligou o celular que insistia em tocar estridente em seu
bolso. Ela não precisava de pessoas a repreendendo agora.

Tirou a jaqueta que usava, estava sendo difícil até mesmo respirar. Sabia que
seus olhos estavam inchados e vermelhos, mas sorriu para o garçom quando
este perguntou se estava tudo bem. Não, não estava. Mas ele não merecia se
preocupar sua desgraça. Ninguém merecia.
O que ela tinha feito? Passou meses pedindo à Chaeyoung que fosse alguém
que não era perto de seus amigos, e no final quem estragou tudo fora ela
mesma. Que ironia. Talvez ela não fosse uma boa namorada, não depois de
ver o medo estampado naqueles olhos que tanto amava. Medo da pessoa que
deveria protegê-la do mundo, mas que estava fazendo o contrário disso.

Encheu novamente o copo e fixou os olhos no homem com o violão em cima


do pequeno palco. E se ele soubesse sobre ela? Estava cantando aquela
música diretamente para ela como num pedido mudo para que salvasse a
própria alma? Ou quem sabe a alma de Chaeyoung.

Por mais que soubesse que as coisas não seriam fáceis em sua relação, nunca
imaginou a tempestade que seu emocional se tornaria em um curto espaço de
tempo. Sabia apenas que precisava de Chaeyoung mais do que precisava
respirar, precisava de seu pequeno amor lhe dizendo como a fazia feliz porque
Chaeyoung também a fazia sentir-se assim.

Ela só não se sentia mais digna desse amor. Não quando o medo das pessoas e
o medo de seu pai a estava fazendo agir impulsivamente e beber na mesa de
um pub observando um músico que usava suspensório por cima de uma
camisa branca.

Lisa enterrou a cabeça nas mãos deixando-se chorar mais um pouco,


precisava tomar um rumo em sua vida, precisava decidir que batalha lutar
antes que todos saíssem perdendo por sua causa.

♫♫♫♫♫
O apartamento de Jennie parecia mais frio e escuro do que de costume, ou era
apenas a mente conturbada de Chaeyoung que andava de um lado para o
outro com o celular em mãos, lágrimas nos olhos e uma expressão cansada.

Jisoo, Jennie e Momo estavam sentadas no sofá em silêncio, não havia o que
ser dito naquele momento, Chaeyoung não ouvia ninguém e estava a ponto de
chamar a policia caso Lisa não retornasse suas ligações.

Tinham saído da festa logo depois que a Lisa saiu desamparada da


fraternidade, alguns alunos levaram Josh até o hospital e Chaeyoung foi
arrastada para fora por Jennie, caso contrário teria desmaiado no mesmo
lugar devido à angústia.

Três horas. Já havia se passado três horas e nada de Lisa ligar o maldito
celular ou dar algum sinal de vida. Chaeyoung resolveu ligar para os pais e
avisar que dormiria com Jennie, avisou que algo tinha acontecido com Lisa,
mas que explicaria no dia seguinte. Diana não gostou muito da ideia, tinha
Lisa como uma filha e queria poder ajudar, mas naquele momento ninguém
seria útil quando não se sabia o paradeiro da Lisa.

Quando o celular finalmente tocou, Chaeyoung caiu sentada no sofá e levou


uma mão ao coração. A foto das duas abraçadas apareceu na tela e aquele
nome que ela tanto esperou pelas intermináveis três horas.

- Lisa? Graças a Deus, meu amor! Onde você esteve? Como você está...?

- Oi... - a voz do outro lado soou rouca e fraca. - Me desculpe por hoje, por ter
me descontrolado, por ter sumido...

Chaeyoung franziu o cenho.


- Onde você está? - perguntou incisiva, conhecia a namorada o suficiente para
saber que algo tinha acontecido. Depois de alguns segundos em silêncio do
outro lado da linha, Chaeyoung perdeu a paciência. - Lisa, onde você está?

Ouviu um suspiro.

- No hospital.

O coração de Chaeyoung disparou ao mesmo tempo em que sentiu seu


estômago embrulhar pela segunda vez na noite.

Jennie, Jisoo e Momo se assustaram com a expressão horrorizada de


Chaeyoung, mas nada disseram.

- O que você fez? O que aconteceu, Lisa? - chorava imaginando coisas


horríveis. - Me diga em que hospital você está e eu vou...

- Não. Chaeyoung, eu não quero que você venha aqui. Ok? Me prometa que
não vai aparecer aqui? Não quero que me veja assim.

Chaeyoung abaixou a cabeça entre as mãos, o que estava acontecendo com


sua namorada?

- Tudo bem, eu prometo. Apenas me diga o que houve e em que hospital está
agora, eu preciso saber se estão cuidando direito de você...

Uma risada fraca soou do outro lado e o coração da mais nova se apertou.
- Estou no Langone Medical Center. Depois que sai da festa, dirigi até um
pub... Eu acabei bebendo demais até... Desmaiar. - Chaeyoung pegou a
mochila em cima do sofá e a jogou no chão com violência, mas sem emitir
nenhum som com a voz, não queria que Lisa soubesse que ela estava
revoltada. - Aparentemente não estou acostumada a beber tanto...

- Quando você vai me deixar te ajudar, Lalisa? – sussurrou. Deixou o cansaço


tomar conta de sua voz. Ela se levantou, pegou o casaco pendurado e fez sinal
para as meninas de que sairia pedindo que ninguém a seguisse. - Eu estou
tentando pegar a sua mão e nunca mais soltar, mas você não deixa. Está se
afundando na bebida e sozinha quando deveríamos enfrentar o mundo juntas.
Não era esse o combinado?

Abriu a porta do apartamento e desceu pelo elevador.

- Podemos não falar disso agora, por favor?

- Você pula, eu pulo, lembra? - falou a citação de Lisa na primeira vez em que
se encontraram.

- Como eu poderia esquecer? - disse Lisa com a voz triste. - Chaeyoung? Você
ainda está ai?

Chaeyoung saiu do prédio e começou a caminhar pela calçada com uma mão
dentro do casaco, as lágrimas descendo livremente em sua face quando não
podia transmitir sua dor em palavras.

- Eu estou sim, meu amor. - respondeu fingindo estar bem. - Sobre o que você
quer falar?
- Você poderia conversar comigo sobre coisas aleatórias, gosto de ouvir sua
voz.

Um aperto horrível preencheu o corpo da Chaeyoung, ela estava sofrendo por


Lisa, sofrendo por ela mesma, sofrendo pelo pai... As coisas não poderiam
voltar a ser como antes?

Queria ter o poder de tirar a dor de sua amada, abraçar Lalisa e não deixar
ninguém a ferir nunca mais. Lisa notou novamente o silêncio da namorada e
completou:

- Me conta uma história?

Chaeyoung sorriu entre as lágrimas, olhou para os dois lados antes de


atravessar a rua deserta. Lisa queria relembrar a época em que tudo estava
bem, queria esquecer aquele caos por agora, quem seria ela para lhe negar um
pedido?

- Uma história? Eu não sou boa com isso.

- Você vive me contando as historias daqueles livros chatos que lê quando me


ignora.

As duas sorriram e então só a respiração pesada do outro lado podia ser


ouvida.

- Tudo bem. – suspirou pensando rapidamente em algo para dizer. - Era uma
vez, uma garotinha chamada...

- Com certeza o nome dela era Chaeyoung.


Chaeyoung abaixou a cabeça indignada em como sua namorada poderia ser
inconveniente até mesmo em momentos como aquele.

- Sim, o nome dela era Chaeyoung. - brincou fazendo o caminho que tanto
conhecia. - Chaeyoung era uma garotinha tímida, mas muito sonhadora. Ela
gostava de música e amores que duravam para sempre.

- Chaeyoung era mesmo uma garota perfeita.

Chaeyoung riu baixinho. As lágrimas estavam controladas, só não poderia


deixar de sentir seu coração apertar cada vez que ouvia a voz falha de Lisa.

- Um dia, Chaeyoung conheceu uma garota chamada Lalisa, e essa garota


amava rock, jaquetas e romances de Hollywood. Eu não preciso dizer que elas
se apaixonaram no mesmo instante, não é? Foi amor à primeira vista, elas
sabiam disso. Chaeyoung e Lisa viveram um romance lindo, daqueles de
contos de fadas, mesmo que Lisa fosse uma garota rabugenta e reclamona. -
ouviu uma risada gostosa do outro lado da linha. – Chaeyoung não entendia
como poderia haver mil loucos por Lisa, e ela louca por Chaeyoung. –
respirou fundo quando a linha ficou muda. – E então era domingo de manhã,
Chaeyoung e Lisa estavam deitadas na cama e Chaeyoung havia acabado de
acordar. Ela se deu conta de que Lisa estava ao seu lado acordada ao que lhe
pareceu um bom tempo a observando... Lisa sorriu ao ver a careta de
confusão da garota, e então sussurrou, involuntariamente, mas sussurrou: Eu
amo você.

- E elas ficaram juntas para sempre? - a voz do outro lado era cheia de
expectativas.
- Eu não sei, estou tentando descobrir isso ainda.

Ouviu o resmungar de Lisa.

- Se você queria me fazer sentir pior, conseguiu.

- Não! Elas se amavam muito, muito mesmo. Elas sabiam que não importava
o que acontecesse daquele dia em diante, o amor delas sempre estaria
guardado em seus corações.

- E se elas estivessem erradas?

- Como o amor é capaz de errar, Lisa?

- Existem muitos casais errados no mundo. - a voz de Lisa já estava sonolenta


e Chaeyoung achou fofa, como uma criancinha com sono.

- É por isso que existem pessoas que nunca encontram a metade de sua alma,
porque elas estão ocupadas demais sendo a metade errada de outra pessoa.

- Você é a minha metade, eu sei disso.

Chaeyoung sorriu involuntariamente. A noite estava fria, era preciso abraçar


o próprio corpo em busca de calor.

- Pode dormir agora, meu amor. Eu sei que você está com sono. - abriu uma
enorme porta dupla e adentrou o prédio sendo recepcionada pela moça gentil
que a conhecia desde pequena. Apenas precisou ser dito um nome para que
sua visita fosse liberada. - E quando você pegar no sono, eu prometo que
desligo. Ok?
- Tudo bem... Amor? - Chaeyoung fez um som nasal indicando que ela
continuasse. - Obrigada por não me julgar. Você me acalma.

Chaeyoung cumprimentou algumas mulheres que conhecia de longa data e


continuou seu caminho pelos corredores familiares.

- Tenta dormir, tá bom? - pediu.

- Tá. Boa noite, Chaeyoung.

A Chaeyoung continuou com o celular no ouvido, ela sabia que Lisa tinha
pegado no sono no instante em que se despediram na linha, sua respiração se
normalizou e tudo ficou silencioso.

Quando as portas do elevador se abriram, ela caminhou calmamente


procurando pelo quarto que lhe indicaram na recepção. Não desligou o
telefone nem quando abriu a porta e encontrou Lisa deitada na cama, coberta
por uma manta branca, o rosto um pouco inchado e a costumeira expressão
cansada que havia adquirido ao longo dos dias.

Chaeyoung aproximou-se da cama e deitou calmamente ao lado da namorada


a acomodando em seu peito, aquela manta não parecia o suficiente para
proteger seu amor de todo o frio.

O celular foi guardado no bolso da calça e a mão direita começou os leves


carinhos no cabelo desgrenhado.

A Chaeyoung suspirou o cheiro amadeirado e fechou os olhos antes de


responder:
- Boa noite, Lali.

_________

25

22 de Janeiro de 2017. – Primeiro ano da faculdade.

O pequeno boneco Olaf permanecia imóvel acima da lareira acesa que servia
de aconchego ao frio cortante da chuva forte lá fora.

Mark, Diana e Ella saíram cedo para o mercado deixando a casa num silêncio
confortável.

Chaeyoung tinha pegado no sono logo que chegou da faculdade, o dia tinha
sido exaustivo devido às apresentações em grupo de sua turma e as
reclamações do professor Will sobre seu desempenho ter decaído nos últimos
dias.

E de frente para a lareira, sentada com as costas contra o sofá, camisa social
com os primeiros botões abertos, o cabelo jogado de lado, lápis grafite entre
os dentes e em mãos alguns processos que precisava resolver até terça feira
para o Sr. Smith, se encontrava uma Lalisa concentrada. Ou era o que ela
tentava fazer. Apesar de esforçar-se para manter a mente ocupada com os
processos, o cansaço emocional e os vários pensamentos sobre seu pai ainda
rondavam sua mente.

De certa forma, odiava-se por se permitir ser tão sensível aos comentários
alheios, principalmente os de Marco. Ele a sufocava com as inúmeras
ligações, planos de trabalho e convites para o final de semana em LA; convites
estes que Lisa recusava com desculpas sobre trabalhos, mas a verdade é que
precisava dar atenção à Chaeyoung, que por mais que negasse, sofria em
silêncio pela sua repentina mania em descontar a raiva na bebida.

Todos os pensamentos negativos que a rodeavam desapareceram quando


braços finos envolveram seu pescoço e uma respiração quente encontrou sua
pele entre o ombro e o pescoço. Sabe todos aqueles arrepios que percorre todo
o seu corpo?

- Bom dia, meu amor. – Chaeyoung ronronou em seu ouvido.

Lisa agradeceu mentalmente por estar sentada.

- Quase boa noite, amor. – ela riu e virou o rosto dando de cara com a
perfeição. Que se dane a Disney, não existe nada mais fofo que sua namorada.
– Dormiu bem?

Chaeyoung fez uma careta engraçada empurrando os papéis longe da Lisa


para em seguida aconchegar-se em seu colo como um bebê. Não havia nada
no mundo inteiro que Lisa gostasse mais do que ter sua amada desse jeitinho,
encolhida em seus braços como um pacotinho valioso, protegida do frio
naquele enorme moletom e os olhos brilhantes que escondiam uma garota
sonhadora, mas forte.

- O som daquele despertador atormentou meu sono. – fez um bico que Lisa
não resistiu em beijar delicadamente. A Chaeyoung deu um sorrisinho meigo
entre o beijo e deleitou-se ao chupar o lábio inferior da namorada. – Hmm,
alguém está carente de atenção.
- Eu estou carente da minha Chaeng, é diferente.

- Como se nós não nos víssemos todos os dias.

- Eu não me importo, me dê mais um beijo. – resmungou inclinando a cabeça


em direção à namorada, mas Chaeyoung foi mais esperta e desviou o rosto. –
Ah, não!

- Vai ter que pedir educadamente. – provocou com um sorriso cínico.

Lisa revirou os olhos e a puxou mais contra si, se é que isso era fisicamente
possível.

- Eu quero meu beijo e não preciso pedir permissão porque sou sua
namorada.

- Não, vai ter que ser uma menina educada.

- Chaeyoung, eu vou te jogar naquela lareira.

Chae soltou uma gargalhada gostosa que ecoou por toda a sala. Lisa se
manteve com a cara emburrada tentando a todo custo ganhar seu beijo, mas
Chaeyoung estava com a vantagem por agora estar sentada em seu colo.

- Chaeyounggg!

- Não.

- Me. Beija. Agora.


- Não. - Chaeyoung arqueou as sobrancelhas ironicamente e apertou o bico
emburrado que Lisa fez. - O que é isso? Lalisa Manoban toda emburrada,
temos algo épico aqui e... AAAAH!

Lisa não deu tempo para que a namorada terminasse sua fala robótica quando
jogou o peso do corpo contra o dela, as duas caíram deitadas com a Lisa por
cima e um sorriso vitorioso estampado no rosto. As duas riram ainda mais
quando Lisa enfiou a cabeça no pescoço da Chaeyoung o enchendo de beijos
enquanto a mais nova gritava pedindo que ela parasse.

- Isso é trapaça, sua ogra!

- A inconveniente aqui está sendo você, baby. – Lisa reclamou finalmente


tomando os lábios macios de Chaeyoung para si em um beijo mais profundo,
um entrelaçar de línguas que as fazia perder o foco, e mesmo assim esquecer
que precisavam de ar para se manterem vivas.

Uma onda de eletricidade percorreu o corpo da Lisa fazendo-a estremecer e


agarrar-se mais à namorada. Chaeyoung descansou as duas mãos cobertas
pela manga do moletom em cada lado do pescoço de Lisa enquanto a mão
esquerda de Lalisa trilhava um caminho preguiçoso pela extensão de seu
estômago em baixa da blusa.

Elas separaram o beijo com vários selinhos e Chaeyoung começou a traçar


uma linha de beijos e mordidas seguindo do queixo da Lisa até a clavícula.

Lalisa fechou os olhos deixando a maravilhosa sensação de ser mimada por


Chaeyoung preencher seu corpo de paz. Algo em seu peito inflou com o
pensamento de perdê-la, isso não poderia acontecer.
Não uma pessoa como Chaeyoung, alguém que a apoiava até mesmo em seus
piores momentos sem julgamentos ou pressão, como por exemplo, o ocorrido
na festa da fraternidade. Quando ela acordou no hospital e sentiu um corpo
aconchegado ao seu, foi como se todo o seu mundo despencasse diante dos
seus olhos.

Lisa havia feito uma grande merda ao expor as duas naquela festa, e
inconsequentemente, saindo sem avisar aonde ia e bebendo até desmaiar;
qualquer pessoa na posição de Chaeyoung teria surtado e discutido com ela
por ser tão irresponsável. Chaeyoung não.

"Você está parecendo um leão com os cabelos desarrumados." ela disse


quando acordou naquela cama de hospital ao lado de Lisa. Não houve surto.
Não houve julgamentos. Nada. E naquele dia, Lisa soube que Chaeyoung
estava dando o tempo que ela precisava e isso a fez abrir os olhos para muitas
coisas. Coisas que não poderia ter certeza se estivesse apenas vendo. Porque
Chaeyoung a fez olhar. E como o seu professor de sociologia sempre dizia:
Olhar é diferente de ver.

- Sobre o que a minha ogra está pensando? – a voz de Chaeyoung cortou seus
pensamentos filosóficos trazendo-a de volta à realidade.

A doçura que escorria dos olhos daquela garota fazia com que seu coração
dançasse uma valsa todas as vezes que tiravam um pequeno tempo apenas
para apreciar uma à outra.

Chaeyoung era linda, ela conseguia ser sexy e adorável, duas personalidades
que sempre traziam sentimentos inexplorados à Lisa.
- Johnny Cash pediu June Carter em casamento várias vezes, e em todas ela
negou. – disse fechando os olhos novamente ao receber carinho no bochecha.
– Ele tentou, tentou, e quando a encurralou em um show que faziam juntos,
ela finalmente aceitou.

Chaeyoung franziu o cenho.

- Por que está me contando isso?

- Porque assim como Johnny, eu me apaixonei por você à primeira vista. E


assim como June, você se fez de difícil no começo.

Lalisa empurrou a namorada delicadamente para que ela sentasse ao seu lado
e tirou o celular do bolso procurando por alguma coisa enquanto Chaeyoung
apenas a olhava com curiosidade.

- Quer dizer que vai me pedir em casamento na frente de milhares de


pessoas?

Lisa riu e deu um beijo estalado na têmpora de Chaeyoung antes de puxá-la


para mais perto indicando algo em seu celular.

- Essa é uma carta de amor que ele escreveu para June no dia de seu
aniversário de 65 anos.

Chaeyoung pegou o aparelho em suas mãos e começou a ler o que dizia a


carta.

- Feliz aniversário, princesa. Nós envelhecemos e ficamos acostumados um


com o outro. Nós pensamos da mesma forma. Lemos a mente um do outro.
Nós sabemos o que o outro quer sem pedir. Às vezes nós irritamos um pouco
um ao outro. Talvez até pegue o outro como culpado. Mas de vez em quando,
como hoje, eu medito sobre isso tudo e percebo o quão sortudo eu sou de
compartilhar a minha vida com a melhor mulher que eu já conheci. Você
ainda me fascina e me inspira. Você me influência para ser melhor. Você é o
objeto do meu desejo, a razão número um na terra para a minha existência.
Eu te amo muito. Feliz aniversário, princesa. John. – Chaeyoung terminou
de ler impressionada com as palavras que Johnny usara para descrever a
esposa mesmo depois de tanto tempo casados.

Quando levantou os olhos para Lisa, pode ver algo implícito naquelas
esmeraldas.

- Johnny sempre foi um cara problemático. – Lisa explicou. – Quando não


eram as drogas, eram as mulheres, e June se tornou seu ponto de equilíbrio.
Ela foi paciente e benigna com ele, e em troca, recebeu todo o amor que
poderia ter pelo resto de sua vida. – tirou uma mecha de cabelo do rosto de
Chaeyoung e o colocou atrás de sua orelha, analisando cada pequeno traço da
garota que amava. – Entende o que eu quero dizer? Você é o meu ponto de
paz. É você que afasta os meus demônios e nunca tenta me mudar, apenas me
faz querer ser melhor por você.

O silêncio só se fez presente porque Chaeyoung ocupou sua boca com os


lábios de Lisa em um beijo cheio de declarações de amor.

Chaeyoung sempre fora a garota das palavras naquela relação, sempre a que
gosta de filosofar sobre mente humana, o desconhecido, o poder da música,
mas naquele momento Lisa tinha roubado todas as suas palavras. Não havia
resposta para aquele sentimento se ambas sentiam a mesma coisa.
Em meio ao último selinho, Chaeyoung sorriu e levantou-se correndo até a
vitrola do pai. Lisa continuou sentada no chão se perguntando o que a
namorada aprontaria dessa vez, e não levou muito tempo até a voz de Etta
James preencher a sala tomada por um sorriso de orelha a orelha da mais
nova ao ouvindo a música I Got You Babe.

- Me concede esta dança, senhorita? – perguntou Chaeyoung entendendo a


mão em direção à Lisa.

Lisa começou a rir pela formalidade da namorada, a situação só era engraçada


por ela estar com os cabelos bagunçados, o rosto amassado de sono, moletom
maior que seu corpo e um pequeno short rasgado, e usando meias.

- Seria um prazer. – respondeu aceitando a ajuda para se levantar.

Assim, as duas começaram a dançar entre os sofás e até mesmo nele, como
quando Chaeyoung subiu na poltrona e se jogou nas costas de Lisa que
reclamou sobre seu peso. A Lisa a deixou no chão novamente e ambas deram-
se as mãos agora fingindo uma valsa mal executada. Lisa pisou no pé de
Chaeyoung e recebeu um tapa no braço em resposta, seguido de várias risadas
contagiantes trocadas entre as duas.

Lalisa girou a namorada e a soltou deixando que Chaeyoung caísse estatelada


no sofá de três lugares. Se aquilo era amor verdadeiro?

Diga-me sobre quando você está observando o pôr do sol no horizonte de uma
praia, você sente a paz preencher todo o seu ser e então respira fundo
absorvendo o odor úmido e salgado do mar. Ou, se você é uma criança,
quando ganha o presente que esperou o ano todo do Papai Noel. E se você é
um idoso, quando olha para trás e se da conta de que tem orgulho de todos os
seus feitos do passado, seus filhos, netos, esposa ou marido... É assim que
Lisa e Chaeyoung são. Elas são o pôr do sol na praia, o presente mais
esperado do ano e o feito de uma vida digna de orgulho.

Como se entrasse em transe, Lisa parou de dançar deixando que seu sorriso
morresse aos poucos. De repente, observar Park Chaeyoung dançar de
moletom e short era tudo o que ela queria poder ver quando olhasse para trás
e procurasse por algo digno em sua vida. Não se tratava de dinheiro, um
nome ou a sociedade. Era Chaeyoung. Sempre seria.

O motivo de tudo, o motivo das borboletas estarem ainda dançando no ritmo


da música de Etta James em meio à sala dos Park.

Que efeito as palavras das pessoas indignas de amor tinham contra um


sorriso de Chaeyoung? Quem escolheria o dinheiro ao invés dos braços mais
seguros do mundo? Que se dane Marco Manoban, ele não poderia controlar
sua vida, não quando se tratava de Chaeyoung. Se ele quisesse expulsá-la de
casa, que o fizesse.

Encontraria um emprego em New York e daria conta de suas próprias


despesas. Daniela é mais nova e o fez, por que ela não poderia? Até quando o
medo a dominaria? Não, não mais.

- Chaeyoung? – chamou um pouco alto por conta da música.

Chaeyoung parou de dançar quando pensou ter ouvido seu nome e abriu os
olhos surpresa em ver a namorada a observando sem expressão.

Por sorte, a música já estava terminando e a melodia foi diminuindo aos


poucos, assim ela pode aproximar-se cuidadosamente de Lisa.
- O que aconteceu?

- Eu te amo.

A resposta foi direta e firme. Chaeyoung franziu o cenho, ela sabia que Lisa a
amava e não entendeu o motivo daquilo tudo de repente, mas não deixou de
sorrir como uma boba apaixonada por sua namorada estranha.

- Eu também amo você, meu amor.

Quando juntaram os lábios para mais um beijo apaixonado, a porta da sala foi
aberta e as duas pularam com o susto. Ella passou correndo pela sala como
um furacão e pulou no colo de Lisa enquanto Diana, Mark e... Jennie?
Entravam logo atrás com várias sacolas.

- Não posso deixá-las sozinhas por algumas horas que minha sala vira um
motel. – disse Mark recebendo um cutucão na costela da esposa. – Ora essa!
Você viu Lisa enfiando a língua na boca da nossa menina.

- Fora o que eu presencio na faculdade, não é mesmo? – provocou Jennie com


uma piscadela. – E podem ficar tranquilas que não estou perseguindo
ninguém, seus pais me encontraram no caminho e me ofereceram uma
carona.

- Eeew! Você estava com a língua na boca da Chae? – Ella perguntou com
espanto para uma Lisa que mais parecia um pimentão.

Chaeyoung começou a gargalhar como uma louca enquanto recolhia os papeis


da namorada que tinham ficado no chão.
- Sim, ela estava. E você só vai fazer isso depois dos sessenta, Ella Park. –
confirmou Diana lá da cozinha, o que fez as meninas rirem e Mark balançar a
cabeça em concordância. – Vocês querem comer algo? Eu comprei cookies de
chocolate para o lanche da tarde.

Lisa deu um beijo em Ella a colocando no chão para guardar os processos na


bolsa e seguir a namorada até a cozinha onde Mark guardava os produtos da
sacola no armário e Diana montava a mesa com um prato cheio de cookies, o
café e uma caixa de achocolatado.

Jennie foi a primeira a sentar atacando tudo ao que tinha direito com Ella em
seu colo.

- Como você está passando, querida? Quase não nos falamos essa semana. –
perguntou Diana sentando-se com o cenho franzido em preocupação.

- Eu estou melhor, graças à Chaeyoung. – a Lisa sorriu e apertou a mão da


namorada em cima da mesa. – Meu pai e eu ainda temos um longo caminho
até resolvermos nossas indiferenças, mas eu já abri meus olhos para muitas
coisas.

- Acho que no fundo não podemos culpar seu pai - disse Mark com uma caixa
de cereal em mãos. – essa é a forma que ele foi criado, não é fácil quando
somos obrigamos a sair da nossa zona de conforto.

Chaeyoung concordou com a cabeça, mas seus olhos estavam presos no pai
que parecia mais pálido que o normal e até mesmo desatento com o que
estava fazendo; ele nunca fora uma pessoa desastrada, mas já tinha perdido a
conta de quantas vezes Mark tinha derrubado as cenouras.
- O pai dela é um babaca mesmo. - a voz de Jennie saiu engraçada devido à
boca cheia de cookie. Ela engoliu e continuou. - Uma vez ele implicou com a
gente só porque chegamos dez minutos depois do prazo estipulado. Esse cara
é doente.

- Jennie! – Diana a repreendeu batendo o pano de prato em sua mão. –


Algumas pessoas são criadas dentro dos conformes, talvez ele não tenha
noção do faz. Da mesma forma que somos considerados pais liberais, segundo
Chaeyoung.

Mark estalou a língua e disse:

- Estou repensando essa coisa de liberais a partir do momento em que Lisa


está tirando a pureza de Chaeyoung.

Todos começaram a rir e Jennie foi a mais exagerada como se quisesse que
todos soubessem que Chaeyoung não tinha nada de pureza quando se tratava
de Lisa.

- Você é tão estranha. – comentou Chaeyoung chutando a amiga por baixo da


mesa.

Diana virou o corpo para Jennie interessada no assunto.

- Conte-me mais sobre o que você vê essa mocinha e minha filha fazendo.

Chaeyoung escondeu a cabeça na curva do pescoço de Lisa que virou um


pimentão outra vez, já Jennie estava adorando toda a situação.
- Eu poderia até contar, tia Diana, mas Ella teria que tampar os ouvidos.

- Jennie! – Lisa grunhiu espantada. – Controle sua b-

O grito esganiçado de Chaeyoung rompeu a cozinha quando o corpo


desacordado de Mark caiu no chão com um estrondo.

- Papai! – exclamou Ella deixando o prato cair no chão se partindo em


pedaços. Diana, Jennie e Chaeyoung rodearam Mark que convulsionava
compulsivamente no chão; se debatendo em transe e revirando os olhos de
uma forma que apavorou ainda mais Chaeyoung.

Jennie conseguiu segurar a cabeça do homem e Diana o virou de lado para


que ele não engasgasse com o próprio vômito.

– Papai, papai...

Lisa ficou horrorizada ainda em seu lugar, ela nunca havia presenciado tal
crise antes e ver o homem que tanto se espelhava no chão se debatendo fora
de controle travou seu corpo antes que pudesse reagir. Mas os gritos
esganiçados de Ella a tirou de sua bolha protetora como se levasse um soco
direto no estômago.

Todos os sinais da doença de Mark se manifestando outra vez assombraram


Chaeyoung por todo esse tempo enquanto ela se manteve ocupada culpando a
si mesma por seu pai medíocre e jogando todo o seu drama em cima de
Chaeyoung como se ela já não estivesse cheia deles. E agora, o homem que
tanto admirava se contorcia nos braços da esposa enquanto suas duas filhas
assistiam em total horror.
Quando rolou os olhos pela cozinha desejando saber o que fazer, ficou em
dúvida entre ajudar sua namorada que chorava descontroladamente ou tirar
Ella daquele lugar, então ela decidiu que seria melhor poupar a Park
Chaeyoung de ver seu pai naquele estado.

- Jennie! Jennie! – gritou para a amiga que mantinha a cabeça de Mark entre
suas pernas tentando imobilizá-lo antes que se machucasse. – Leve-o ao
hospital, agora! - jogou as chaves do Dodge em suas mãos antes que a outra
respondesse.

De repente o corpo de Mark relaxou entrando em estado total de


inconsciência. Diana rapidamente agarrou as pernas do marido e Chaeyoung
os braços, como se fossem treinadas para isso, ou até mesmo acostumadas, e
conseguiram segurá-lo com a ajuda extra de Jennie no tronco do homem.

– Eu fico com Ella! - Chaeyoung e Lisa não trocaram olhares nesse meio
tempo, não houve chances, Chaeyoung sequer pensava em outra coisa que
não fosse à saúde de seu pai no momento.

Lisa ouviu a porta da frente abrir e fechar enquanto encarava o portal da


cozinha onde as mulheres tinham desaparecido com Mark à poucos segundos,
e então o ronco do motor rugiu do lado de fora até recair no silêncio
angustiante de uma casa que abrangia felicidade mútua.

Lalisa abaixou-se na altura de uma Ella cabisbaixa, a garota abraçava o


próprio corpo em silêncio agora, seus olhos estavam vermelhos e cheios de
lágrimas.

– Quer assistir algum filme? – Lisa tentou, mas sua voz saiu trêmula
denunciando deu desespero interno.
A menina negou com a cabeça e estendeu os bracinhos suplicando para que a
Lisa a pegasse em seu colo. Lisa abraçou Ella sentindo a tristeza e a
preocupação abalar seu estado de espírito. Estava preocupada com Mark,
estava preocupada com Chaeyoung, estava preocupada com o que acontecia
enquanto ela abraçava a pequena garota em seus braços.

- O que aconteceu com o papai? Por que ele caiu daquele jeito no chão?

Algo no peito de Lisa se apertou. Por mais que ela amasse lidar crianças, não
havia uma maneira correta de dizer a verdade sem assustá-la ainda mais. Ella
era uma criança de apenas cinco anos, ela não merecia passar por isso mais
uma vez, mesmo que não tenha noção do que aconteceu com o pai quando era
apenas um bebê.

- Seu pai ficou doente, acho que ele não dormiu direito essa noite. – explicou
enquanto subia as escadas com a menina abraçada ao seu pescoço.
Amaldiçoou-se por não saber inventar algo melhor, sua mente mal processava
o que estava acontecendo. – Isso acontece quando as pessoas não dormem,
sabe? Por isso sua mãe briga quando vai pra cama tarde.

O rostinho de Ella se transformou em surpresa.

- Isso quer dizer que papai ficou brincando de guerra de travesseiro a noite
toda?

Ah, a inocência de uma criança. Lisa abriu a porta do quarto da caçula que era
todo rosa claro, com uma casinha enorme de bonecas no canto direito, uma
mesa de estudos em baixo da janela e várias pelúcias espalhados ao lado de
um puf rosa. Lisa curvou o corpo deixando Ella na pequena cama de solteiro e
deitando-se ao seu lado.

- Mais ou menos isso. – pegou o controle da TV no criado mudo deixando que


a pequena escolhesse o filme.

- Ele vai ficar bem? – sua expressão esperançosa partiu o coração de Lisa.

Ela esperava do fundo do coração que sim, que o homem da casa ficaria bem
logo e traria a felicidade que todos sempre compartilharam. Lisa se agarrou às
esperanças de Ella de que as coisas não piorariam para aquela família, que o
destino ao menos uma vez deixaria a família Park viver em paz.

- É claro que ele vai. Agora os médicos vão cuidar do seu pai, ok?

- Tá bom, eu acredito em você. – Ella sorriu um pouco mais aliviada e deitou a


cabeça no estômago da Lisa quando o filme na pequena TV começou. – Eu
gosto desse filme, a Bela e a Fera ficam brigando o tempo todo, e tem aquela
xícara engraçada...

Lisa continuou acariciando os cabelos lisos de Ella enquanto a pequena


tagarelava sobre o filme, mas rezava internamente para que Mark estivesse
bem, ele era um bom homem e como um pai não só para Chaeyoung e Ella,
mas para ela também. O pai que Marco nunca seria.

Tudo o que sua namorada não merecia no momento era sofrer outra vez por
isso, ela tinha todo um futuro pela frente como a grande musicista que era
desde que nascera; desistir de tudo outra vez não era uma opção.

♫♫♫♫♫
A aflição percorria o corpo de Chaeyoung há mais de duas horas. Duas
malditas horas sentadas naquela sala de espera sem nenhuma noticia do
estado de Mark. Sua mente estava alheia ao vai e vem das pessoas naquele
corredor branco típico de hospitais, ou ao choro aflito de uma mulher dois
bancos à sua direita; ou até mesmo a criança resmungando no colo da mãe à
sua frente.

As lágrimas que banhavam seu rosto não cessavam de forma alguma


enquanto aquele familiar aperto esmagava seu peito em agonia.

Ela se lembrava de exatamente como todo aquele inferno começou, aos seus
dezessete anos enquanto ensaiava sua peça de natal para a escola na sala de
casa. Mark ajudava Diana a montar a árvore de natal, foi rápido como tudo
aconteceu, em um momento ele comentava sobre o aumento no fluxo de
pessoas na loja de conveniência aquele ano, e no outro estava caído no chão
convulsionando. Foi, talvez, o pior dia de sua vida. Ela não sabia o que estava
acontecendo com seu pai, mas também não sabia que a partir daquele dia, sua
vida mudaria drasticamente.

Agora, quase dois anos depois, Jennie segurava sua mão naquela cadeira
desconfortável da sala de espera do tão família hospital. Diana encarava a
parede oposta com os braços cruzados, mas seus olhos estavam fora de foco,
sua mente perdida no desconhecido esperando o pior.

- Sra. Park? – uma voz grossa e profissional soou no corredor.

Diana e Chaeyoung rapidamente se colocaram de pé num sobressalto em


frente ao doutor, um homem com aparência de 32 anos, cabelo castanho claro
e corte no estilo militar. Um homem jovem, mas que felizmente, ou
infelizmente, conhecia muito bem Mark.

- Doutor Ben. – a mulher cumprimentou. Ben fora o neurocirurgião


responsável por Mark na primeira vez, mas Chaeyoung não demonstrou
nenhuma reação ao homem, seu torpor a impedir de esboçar qualquer reação.
Jennie estava logo atrás, pronta para qualquer notícia como um leão defende
seus filhotes. – Como está meu marido?

O homem abaixou os olhos, o que Chaeyoung entendeu como mau sinal. Ele
pigarreou e olhou diretamente nos olhos das três mulheres à sua frente antes
de continuar.

- Nós fizemos uma tomografia computadorizada e ressonância magnética


para confirmar o que infelizmente esperávamos. O tumor voltou, e está
matando Mark aos poucos. – deu uma pausa para que mãe e filha digerissem
o que estava dizendo.

Chaeyoung deixou sua cabeça cair em lágrimas no peito de Jennie enquanto


Diana parecia não acreditar no que estava ouvindo. Ben se aproximou um
pouco mais da mulher e quando falou, foi como um amigo:

– Diana, nós precisamos conversar sobre os tratamentos o quanto antes.

♫♫♫♫♫

- Então você namora minha irmã? – perguntou Ella enquanto suas mãozinhas
brincavam com o cabelo de Lisa.
A TV ligada agora reproduzia os créditos do filme no mudo enquanto Lisa e
Ella estavam aconchegadas tranquilamente na cama infantil. Já era noite e o
quarto era iluminado apenas pelo abajur da Miney, o celular de Lisa
anunciava uma caixa de mensagens lotada por Momo, mas não havia o que
ser dito.

Ella passou o resto da tarde acomodada ao corpo de Lisa como um pequeno


embrulho, as duas conversaram sobre a escola da menina e fizeram
comentários bobos sobre o filme. Jennie ligou uma hora antes avisando que
Mark acordaria em breve e que logo deixaria Chaeyoung em casa por ordens
de Diana.

Nada mais foi dito e Lisa estranhou a voz controlada da amiga, mas preferiu
conversar com a namorada pessoalmente.

- Sim, eu sou a namorada de Chaeyoung. – suspirou desejando não ser


rejeitada pela menina.

- E você a protege como os príncipes protegem as princesas?

Lisa segurou o riso, precisava admitir que a menina era a cópia de Chaeyoung
não só fisicamente, mas também no quesito fofura extrema.

- Chaeyoung e eu somos duas meninas, então é certo que somos duas


princesas. – Ella, que ouvia atentamente, não esboçou nenhuma careta para a
surpresa da Lisa. – Mas respondendo a sua pergunta: Eu faria qualquer coisa
para vê-la feliz e para protegê-la de todo o mal. Assim como os príncipes
fazem com as princesas nos desenhos.
As sobrancelhas Chaeyoungs se uniram e um sorriso lindo nasceu em seus
lábios.

- Você também vai me proteger? Papai disse que eu sou uma princesa.

O sorriso de Lisa vacilou ao ouvir sobre Mark, por um momento ela tinha
esquecido a atual situação em que se encontravam.

- Vou proteger você também, princesa Ella. – apertou o nariz da garota


fazendo-a sorrir. - E agora vossa majestade precisa dormir porque está caindo
de sono.

- Eu ainda não tomei banho, Lisa.

- Tudo bem, Ella. Você pode descansar e quando sua irmã chegar nós te
acordamos, ok?

A menina concordou com a cabeça e em poucos segundos adormeceu com o


corpinho virado contra a parede. Lisa continuou velando seu sono por um
tempo, sentindo aquele enorme desejo de se tornar mãe e ter uma coisinha
preciosa como aquela por perto todos os dias.

Ela tinha certeza de que Chaeyoung seria a mãe perfeita de seus filhos, ambas
seriam equilibradas como mães. Chaeyoung sendo a mãe bobona e Lisa a mãe
rígida. Não como seu pai era com ela, apenas para impor limites antes que
suas duas preciosidades queimassem a casa.

(Play na música Love Me - Yiruma)


Uma melodia desconhecida soou em meio ao silêncio despertando sua mente.
Lisa franziu o cenho passando os olhos pelo quarto, mas não havia nenhum
aparelho ligado daquele cômodo. Ela estranhou aquele som melancólico,
levantou-se da cama tomando cuidado para não acordar Ella que dormia
profundamente; a melodia ficou mais próxima quando abriu a porta do
quarto e o som do piano se fez mais presente no andar de baixo. Chaeyoung.

Lalisa desceu as escadas em silêncio sentindo seu corpo todo arrepiar apenas
com a melodia melodramática que preenchia a sala deserta da casa, certa
angústia tomou todo o seu corpo porque ela sabia que Chaeyoung estava
tocando sua própria dor. Nenhuma palavra precisava ser proferida para que
ela soubesse o que estava acontecendo, Chaeyoung tocava lhe contando
secretamente que estava devastada.

Lisa parou no pé da escada e deixou seus olhos serem tomados pela imagem
de uma Chaeyoung encolhida no piano, tocando com os olhos fechados e uma
expressão de dor estampada em seu rosto tomado por lágrimas. As
sobrancelhas unidas, os lábios entreabertos para as respirações em pausa,
uma figura tão contida em sofrimento.

Odiava com todas as suas forças ver Chaeyoung desmoronar e não poder fazer
absolutamente nada para ajudar. Queria ser capaz de tirar toda a dor
acumulada no peito frágil de sua Chaeng e o lançar para bem longe de seu
amor, mas ela não tinha poderes mágicos, ela não tinha nada.

Lalisa caminhou lentamente até a namorada, sentia-se tremer em antecipação


pela proximidade com Chaeyoung. Lisa sentou-se na banqueta de frente para
a Chaeyoung com as pernas de cada lado de seu corpo frágil, não desviou seus
olhos em nenhum momento do rosto da namorada, sempre a mantendo em
vista para não se esquecer de cada detalhe de sua amada em ruínas, Lisa
descobrira naquele instante que era nos momentos mais difíceis que se
conhecia verdadeiramente as pessoas mais belas.

Chaeyoung continuou a tocar de olhos fechados, transmitindo toda a sua


angustia para aquela música melancólica, o lábio inferior começara a tremer
as lágrimas novamente a cair sem pedir permissão. Nem mesmo Yiruma
pudera transformar aquela música em sentimentos como Chaeyoung o fez.

Chaeyoung sentiu quando um braço firme rodeou sua cintura e o calor de


uma mão próxima ao seu rosto quando limpou suas lagrimas. Chaeyoung
sabia quem era, reconheceria aquele perfume em qualquer lugar mesmo que a
trancassem em uma perfumaria por dias.

Então finalizou sua música e soltou um soluço alto, sem vergonha de


demonstrar sua fraqueza à pessoa que tantas vezes a tinha reerguido.

- O tumor dele voltou. – sua voz embargada cortou o ar tirando o fôlego de


seus pulmões. Aos poucos abriu os olhos encarando o piano, cada movimento
parecia como brasa em seu corpo. – Na época... Na época nós pagamos a
cirurgia com a poupança que tínhamos no banco, mas... Agora não nos resta
mais nada. – arriscou olhar para as esferas castanhas que também
transbordavam silenciosamente. – Nós não temos dinheiro para a
quimioterapia que ele precisa fazer, nós... – disse com mágoa na voz, mágoa
de si mesma e do mundo que machucara seu pai. – Nem que eu largue a
faculdade e encontre um emprego, o salário não cobriria nem a primeira
parcela. O meu pai vai morrer!

Lisa puxou a namorada pela nuca e a abraçou o mais forte que seu corpo
permitia quando a menina explodiu em lágrimas. Um choro desesperado,
angustiado, envolto de soluços e palavras sem sentido de uma forma que Lisa
nunca vira antes.

Em poucos segundos sua camisa estava encharcada pelas lágrimas e seu


coração batia tão rápido que poderia lhe escapar pela boca a qualquer
momento por ter Chaeyoung caindo em seus braços.

Sua namorada estava ruindo bem debaixo de seus olhos, e Lisa sentia como se
suas mãos estivessem atadas.

______

26

23 de Janeiro de 2017. – Primeiro ano da faculdade.

Era de manhã quando Lisa sentiu um leve desconforto no corpo e abriu os


olhos sentindo-se completamente sonolenta.

Passou os olhos pelo cômodo em que se encontrava constatando que nunca


saiu da sala de estar da casa dos Park, e que a sensação de um sonho ruim era,
na verdade, a realidade.

Ela estava deitada no sofá com as costas contra o encosto com uma
Chaeyoung encolhida em seus braços em um sono profundo; estavam
abraçadas com as pernas entrelaçadas, mas o desconforto do móvel causou
uma bela dor nas costas para a Lisa que sentiu sua coluna travada. Sua mente
trabalhou avidamente retomando tudo o que aconteceu antes de chegarem ao
sofá, e então ela se lembrou.
Chaeyoung chorou como uma criança necessitando de colo, ela agarrou-se à
camisa de Lisa como se tivesse medo que a Lisa lhe fosse abandoná-la. Depois
de mais algumas conversas em meio ao choro, elas acabaram pegando no
sono pela exaustão da mais nova.

Lisa analisou o rosto inchado da namorada e sentiu vontade de chorar outra


vez, Chaeyoung estava encolhida em seus braços como um bebê que precisava
de todo o cuidado do mundo.

Lalisa conseguiu se desvencilhar dos braços de Chaeyoung sem acordá-la e a


cobriu com ela manta vermelha deixando um beijo suave em sua têmpora.
Droga, ela precisava de um longo banho e remédio para dor no corpo antes de
ir para o estágio.

Caminhou com a mão direita nas costas até a cozinha pensando no que
aconteceria quando sua menina acordasse, mas seus pensamentos mal
puderam ser consumados quando se deparou com uma Diana cabisbaixa
preparando o café da manhã, a mulher levantou a cabeça ao notar a presença
de Lisa lhe oferecendo um sorriso triste quando viu a surpresa no rosto da
nora.

- Eu cheguei agora pouco, não quis acordar vocês. – explicou e Lisa balançou
a cabeça em entendimento.

Lalisa levou a mão esquerda ao cabelo em desconforto, não sabia o que dizer e
nem com perguntar sobre Mark.

– Lisa, antes de qualquer coisa eu gostaria de agradecer você.


A mulher sentou-se à mesa de jantar indicando a cadeira em frente a sua para
que Lisa seguisse seu gesto. As olheiras eram visíveis em baixo do rosto
cansado da mulher, seu semblante calmo havia sido substituído por algo mais
obscuro, como se ela soubesse que eram tempos difíceis para sua família.

- Eu realmente não me import-

- Não, me escute. – ela pediu cansada. Lisa concordou. – Você tem cuidado de
Chaeyoung todo esse tempo com tanto carinho... Cheguei a pensar que ela
ficaria doente se continuasse trancada naquela sala de música, mas você
apareceu na vida dela e mudou isso. E ontem você cuidou de Ella, passou a
noite naquele sofá desconfortável zelando o sono de Chaeyoung... – ela deu
uma pausa e serviu o copo de café do jeito que Lisa gostava. – Nós te amamos
como uma filha, Lisa. Nunca menos que isso.

Lalisa não soube o que dizer. Não tinha pensado muito bem quando ficou com
Ella em casa, ela simplesmente sabia que era o certo, assim como deixou de
voltar ao dormitório para cuidar de Chaeyoung, não era uma opção deixá-las
sozinha naquele momento difícil, porque ela também sofria por Mark. Ter
Diana lhe dizendo que a tinha como filha era como ser oficialmente integrada
à família que tanto amava e se orgulhava.

- Eu fiquei sem palavras, desculpe... – ela sorriu sem graça. – Eu não fiz nada
que não faria pela minha família, Diana. Chaeyoung é a minha namorada e
vocês são os pais que eu nunca tive.

A mulher segurou a mão de Lisa por cima da mesa e lhe ofereceu mais um
sorriso em compreensão.
- Chaeyoung deve ter lhe contado sobre a quimioterapia. – ela disse. A voz
agora trêmula, seus olhos estavam presos no copo de café. – Eu me encontro
em um beco escuro, para ser sincera. Pensei em hipotecar a casa, mas Mark
deixou claro que não vai fazer isso, que essa casa é de Chaeyoung e Ella. Não
podemos arriscar perdê-la agora, e nossa situação com o banco não está nada
boa... Como eu devo assistir meu marido morrer sem fazer nada, Lisa? Nós
temos duas filhas e eu preciso ser forte pelas duas e...

Lisa pulou da cadeira correndo até Diana para envolvê-la em seus braços. Ela
estava vendo os Park desmoronarem um por um e, por mais que tentasse
esconder, isso estava afetando seu coração também. Ela deixou que Diana
chorasse copiosamente em seu peito, mais uma vez tinha a camisa encharcada
de lágrimas enquanto lutava para conter as suas próprias pela mulher que
dera a vida à pessoa que mais amava no mundo.

- Nós vamos dar um jeito, eu vou tentar ajudar de todas as formas que me
forem possíveis.

Sua mente divagou sobre o dinheiro que tinha no banco, mas a quantia não
servia para muita coisa, tratamentos médicos costumam ser uma fortuna; a
única chance que tinham de conseguir aquele tratamento vivia em Los
Angeles com o nome de Marco Manoban.

Seu corpo ferveu ao pensar nessa possibilidade. Marco nunca foi um homem
filantropo, ele tinha deixado claro que não queria a filha perto de Chaeyoung,
as chances de conseguir ajuda do pai eram mínimas, quase nulas.

- Me perdoe... Eu... Eu não queria jogar tudo isso em cima de você, querida...
– Diana separou-se do abraço com o rosto corado, sentia-se envergonhada. –
Por favor, me perdoe por isso, eu precisava desabafar de alguma forma. Meus
irmãos estão viajando pra cá e...

Lisa enxugou as lágrimas da mulher deixando um sorriso triste brincar em


seus lábios.

- Não precisa se desculpar por chorar, Diana. Somos humanos, chorar não é
sinal de fraqueza, muito pelo contrário. – deu um beijo na testa da sogra. –
Eu estarei sempre aqui por vocês, é uma promessa. Vou tentar ajudar de
qualquer forma.

Diana balançou a cabeça ainda um pouco atordoada e voltou a sentar-se ereta


na cadeira.

- Eu preciso ir, agora. Tenho estágio em poucas horas, preciso estar


apresentável. – pegou as chaves do carro que Jennie deixara em cima do
armário. – Diga à Chaeyoung que eu logo volto para buscá-la. Ela tem um
exame importante hoje, não pode faltar da faculdade.

- Você não precisa fazer duas viagens, ela pode ir de met-

- Eu faço questão. Quero me certificar de que ela está bem, não se preocupe
comigo. – caminhou até a sala com a mulher ao seu lado.
Deixou um beijo suave no rosto de sua namorada que ainda dormia como um
anjo cansado. – Eu te amo, princesa. – sussurrou suavemente. Virou-se para
Diana e lhe deu mais um longo abraço. – Vai dar tudo certo, eu sei disso.

- Eu tenho fé que sim. – ela deu um tapinha nas costas da Lisa e abriu a porta
da frente oferendo um pequeno sorriso à Lisa. - Bom dia, minha querida.
- Bom dia, Diana.

♫♫♫♫♫

O campus estava cheio de alunos andando de lá pra cá com suas vidinhas


imperfeitas, sorrisos forçados, ressaca de um domingo estampada na cara dos
mais festeiros e todo o entusiasmo inexistente para entrar na aula.

Lisa sabia que Chaeyoung perderia algumas aulas, mas o teste seria daqui a
quatro horas, então não havia muito com o que se preocupar já que o estágio
de Lisa começava às oito e meia e o relógio marcava seis e cinquenta.

Procurando esconder sua noite mal dormida, os cabelos bagunçados e sua


camisa totalmente amarrotada, a Lisa enfiou os óculos escuros no rosto e
caminhou de cabeça baixa por entre os estudantes ignorando a maioria dos
chamados na entrada da república.

Ela precisava encontrar com Momo o mais rápido possível e se desculpar por
não responder nenhuma das mensagens que lotavam sua caixa de entrada,
além de tomar algum analgésico para a dor muscular.

Seu plano de fugir dos colegas da faculdade estava saindo muito bem até seus
olhos captarem Megan e Hanbin encostados na porta do dormitório ao lado.
Ela parou estática, tinha os ignorado depois da festa na fraternidade, mas
aquele não era um bom momento para ser interrogada. O problema é que não
havia outra opção além de enfrentar as feras que rondavam seu quarto.

Respirou fundo, pensando em tudo o que Chaeyoung a fazia sentir quando


estavam juntas. Chaeyoung valia a pena. Chaeyoung valia qualquer esforço.
Lisa apertou a mão na alça da bolsa e deu mais alguns passos à frente
chamando atenção dos dois colegas que a olharam atentamente de cima a
baixo, o horror sendo estampado no rosto de Hanbin ao ver o estado crítico
da Lisa.

- Será que nós podemos conversar? – disse Megan sem ironia.

Sua voz estava cética, assim como sua expressão. Hanbin cruzou os braços
atrás da amiga, seu olhar não parava de percorrer cada centímetro de Lisa.

- Você já começou mesmo. – Lisa resmungou girando as chaves do carro nos


dedos.

Megan arqueou uma sobrancelha lançando um olhar cheio de significados


para Hanbin que deu de ombros. Voltou-se para Lisa com uma carranca no
rosto, e esperou duas calouras passarem para continuar.

- Eu tenho aturado a sua indiferença todos esses dias por respeito, Lisa. Eu
deixei de lado o seu sumiço repentino das festas imaginando que você teria
coisas para resolver, deixei de lado o seu comportamento estranho com a
gente, mas aquilo na festa da Tau Beta foi o ápice da minha paciência. –
cuspiu encarando Lisa com raiva.

Lalisa não se sentiu ameaçada com aquele tom de voz ou com o olhar
assassino que recebeu da garota à sua frente. Poucas coisas naquele momento
poderiam assustá-la e Megan com suas asas de fora não seria uma dessas
coisas. Então ela continuou encarando a garota com indiferença quando
parou de girar as chaves.

- Primeiro, nós nunca fomos melhores amigas, não é mesmo? Momo já ocupa
esse cargo e, se eu devo satisfações a alguém, são inteiramente a ela. – cruzou
os braços abaixo do peito e cerrou os olhos. – Segundo, eu não gosto da
maneira que vocês tratam as pessoas, é bullying e eu não vou tolerar mais isso
com meus amigos, então não se considere nem mesmo minha amiga. –
Megan abriu a boca em choque, mas Lisa continuou. – E terceiro... Não se
meta na minha vida! Josh estava abusando de Chaeyoung e NINGUÉM
naquela festa estúpida fez alguma coisa para ajudá-la!

Sua voz saiu elevada na última frase, só de lembrar-se das mãos de Josh
vagueando pelo corpo de sua namorada e dos olhos assustados de Chaeyoung
sua calma já entrava em estado de alerta. Hanbin continuou parado com a
boca aberta ao ver Lisa se impor pela primeira vez; a Lisa sempre fora o tipo
de pessoa pacífica e calada, sempre aturando calada, mas agora estava se
impondo diante de uma das garotas mais influentes da faculdade.

Megan pigarreou alto disfarçando sua falta de palavras, sua pele porcelana
agora carregava um tom vermelho, assim como suas mãos que tremiam em
fúria.

- Eu sabia que fariam uma lavagem cerebral em você naquele lugar! Eu disse
ao Hanbin e ele não acreditou em mim!

- Sobre o que você está falando? – Lisa perguntou com escárnio.

Megan respirou fundo e disse o mais alto que pode.

- Sobre aquela ralézinha que você anda, a tal da Chaeyoung. – o sangue de


Lisa ferveu. – Aquela pobretona lésbica sugou toda a dignidade que você
tinha antes, agora você prefere dar ouvido a uma va- Megan então foi
bruscamente prensada contra a porta do quarto quando Lisa agarrou a gola
de sua blusa com violência.
Hanbin soltou um grito afeminado, o que chamou atenção de várias pessoas
no corredor, mas Lalisa não se importava mais. Já tinha dado seu primeiro
show na festa, ter público já não era mais o problema.

- Nunca. Mais. Ouse. Falar. Assim. De. Chaeyoung. – disse pausadamente,


com a voz carregada de ódio. – Park Chaeyoung é a minha namorada. –
Megan arregalou os olhos e Hanbin cobriu a boca com as mãos. – Ela é muito
melhor do que você, ou qualquer pessoa jamais vai ser.

Empurrou a garota com força contra Hanbin e abriu a porta do quarto sem
dar tempo para uma resposta. Lisa entrou contendo toda a sua fúria com os
punhos cerrados e fechou a porta com força fazendo Momo pular no beliche
com o susto, ao seu lado um primeiranista que cursava engenharia em
Columbia sentou ao lado de Momo coçando os olhos devido ao barulho
desnecessário.

- Você! – gritou Momo descendo da cama em um pulo e se pondo na frente de


Lisa com um olhar assassino quinze vezes mais assustador que o de Megan. –
Eu vou arrancar todos os seus dedos e depois a sua língua, assim a Park vai
ficar sem sexo pelo resto da vida e você vai poder ligar e avisar sua melhor
amiga que está viva e não morta jogada em uma valeta qualquer de algum
subúrbio.

Lisa piscou algumas vezes processando a fala rápida de Momo, só então se


dando conta de que também estava com uma dor de cabeça horrível. Seu dia
mal tinha começado e já poderia ser classificado um dos piores de sua vida.

- Eu preciso tomar um banho antes de qualquer coisa, depois explico tudo. –


empurrou levemente a amiga para o lado e caminhou em direção ao banheiro,
mas antes de entrar, virou-se novamente apontando para o garoto sentado na
cama que parecia não saber o que estava fazendo ali. – E livre-se dele.

E entrou no banheiro se arrastando como um zumbi. Tomou remédio para a


dor nas costas observando seu reflexo no espelho constatando que estava
mesmo horrível. Seu cabelo parecia mais um ninho de passarinho, o lápis de
olho estava borrado, os olhos ainda amassados e uma careta que espantaria
até as pombinhas do campus.

Ligou o chuveiro na água fria desejando mais do que qualquer coisa nunca
mais ter que sair daquele banheiro. Precisava despertar seu corpo de alguma
forma, seu pressentimento a alertava de que o dia seria conturbado, ela
precisaria de toda a energia que restava em seu corpo ou desmaiaria ainda no
estágio.

Enquanto ensaboava o corpo, seus pensamentos automaticamente correram


até Mark sendo impossível conter algumas lágrimas que ousaram escapar.

Ele sempre fora um bom homem com a família e com os amigos, Lisa o
admirou desde o dia em que o conheceu, quando levou aquela torta como
uma desculpa para agradar seus futuros sogros. Sorriu com a lembrança. Era
uma de suas preferidas.

Diana não tinha condições de bancar os tratamentos, e pelo jeito o banco não
os ajudaria mais uma vez, o que anulava qualquer opção que tivessem no
momento. Então os calafrios reapareceram quando pensou em Marco e no
que diria caso pedisse esse dinheiro ao pai.
Assim que deixou o banheiro secando os cabelos com a toalha, encontrou uma
Momo em pé encostada na porta com os braços cruzados, lábios em linha reta
e a mesma expressão de minutos antes. Dessa vez, porém, estava sozinha.

- Vire-se. – pediu gentilmente e Momo se virou ficando de cara com a porta. –


Obrigada. Começou a procurar alguma roupa descente no guarda-roupa
quando a outra se manifestou:

- Vai me dizer por que Megan está amaldiçoando seu nome aos quatro ventos
lá fora?

Uma súbita vontade de rir invadiu Lisa quando imaginou a cena, mas
conteve-se dando de ombros quando tirou uma calça preta social, uma camisa
de botões azul claro e os sapatos de salto médios do armário. Odiava se vestir
assim, tão fora do que realmente era, mas sabia que esse seria o seu futuro.

- Digamos que eu finalmente a coloquei em seu lugar. – respondeu calma. –


Ela me encurralou na porta difamando Chaeyoung.Eu simplesmente não
aceitei e disse umas boas verdades que estavam entaladas.

Momo abriu a boca em um perfeito O e girou nos calcanhares ignorando por


completo Lisa de sutiã.

- Você virou gente? Finalmente tirou o rabinho do meio das pernas, Lisa! –
exclamou animada jogando-se no beliche de baixo. – Vou fazer questão de
desfilar pela faculdade e esbarrar nela.

Lisa riu e se pôs de frente ao espelho para a maquiagem.


- Não foi tão difícil quanto imaginei. Me sinto mais leve agora, não me
importo nem um pouco que todos saibam que namoro uma garota.

- Epa, parou! Você contou que namora a Chaeyoung? – Lisa assentiu e Momo
soltou um gritinho esganiçado. – Agora todos vão pensar que colamos velcro
nesse quarto, que nojo! Será que eles pensam que sou lésbica também?

Lisa sentiu aversão ao rótulo e olhou Momo em advertência.

- Eu não sou... Lésbica. – disse com dificuldade, não entendia seu medo
ligado àquela palavra. – Eu sou de Chaeyoung. Não há rótulos, apenas nós
duas.

Momo murmurou alguma coisa inaudível que pôde ser interpretado como um
xingamento enquanto brincava com a capinha do celular.

- Quer falar sobre o Sr. Park? – recebeu um olhar curioso de Lisa. – Jennie
contou no grupo do Whatsapp, você saberia se olhasse essa merda que você
chama de celular.

Lalisa negou com a cabeça e guardou a maquiagem antes de voltar-se para


Momo.

- Lembra que eu te contei uma vez que Mark teve um tumor cerebral? –
Momo concordou. – Voltou. Ontem Mark teve uma convulsão na cozinha de
casa, Jennie o levou até o hospital com Chaeyoung e Diana, o médico
informou que a única opção seria a quimioterapia, mas eles não têm
dinheiro.
A expressão de Momo suavizou. Uma das raras vezes em que se podia ver a
garota séria. Momo poderia ser a pessoa mais bizarra do mundo, mas seu
coração sempre fora bondoso, um dos motivos por Lisa a considerar sua
melhor amiga.

- Eles não têm como pedir um empréstimo? A família deles é grande, alguém
pode ajudar?

Lisa negou com a cabeça pegando as chaves do carro em cima da mesa.

- Eles já estão endividados com o banco e a família deles não tem dinheiro.
Chaeyoung está acabada, e eu sinceramente não sei mais o que fazer para
ajudá-la, Momo. É como uma nuvem negra que pairou sobre nós, primeiro o
meu pai, depois o meu maldito problema com a bebida, e agora isso.

Os braços pequenos de Momo a envolveram em um abraço terno, daqueles


que só a verdadeira amizade pode resolver.

- Eu sinto muito, não sei o que dizer. Vocês têm sido tão felizes que eu não
posso imaginar o que estão passando – sua voz era calma, transmitia paz para
Lisa.

- Tudo bem, Momo. Eu vou tentar ajudar da maneira que eu puder.

Ela não contaria nem mesmo para sua melhor amiga sobre o pensamento que
rondava sua mente, o pensamento que envolvia Marco Manoban. Lisa ainda
criava a devida coragem dentro de si para tal ato, ter seus amigos opinando
sobre o assunto não a ajudaria em nada.
Lalisa considerou conversar com Charlote, mas ela não pode mexer no
dinheiro da família sem que Marco saiba, e Paul recebe a mesma quantia que
a irmã por mês. Não havia outro jeito.

- Eu preciso ir. – deu um beijo no topo da cabeça de Momo antes que a


conversa ficasse mais emocional, não precisava borrar sua maquiagem logo
agora. – Nos vemos depois?

- Sim, qualquer coisa me liga. Diga que mandei um abraço à Chaeyoung.

Lisa sorriu.

- Eu digo. Se cuida.

Recolocou seus óculos de sol antes de respirar fundo e girar a maçaneta


revelando o corredor movimentado de uma manhã agitada.

Caminhou de cabeça erguida pronta para o que a aguardava lá fora, e para a


sua surpresa, ninguém a encarou como pensou que aconteceria assim que
Megan espalhasse sobre seu namoro, ou talvez ela ainda não o tivesse feito,
mas não se importava mais, sua pose de bad girl afastaria qualquer pessoa
que ousasse olhá-la de baixo à cima.

Fez seu sagrado ritual parando na máquina de café e pegando dois


cappuccinos de chocolate. Agradeceu mentalmente por não encontrar pessoas
indesejáveis no caminho até o estacionamento e saiu com o carro
aproveitando o silêncio da manhã, o ar fresco, poucas pessoas na rua e o rádio
ligado baixinho em uma estação qualquer.
Poucos minutos depois, Lisa estacionava o carro em frente a casa de
Chaeyoung que já a esperava sentada na cadeira de balanço da varanda. Mal
parecia sua Chaeyoung com o sorriso reluzente sempre que a via chegar, que
amava tagarelar até sobre o clima e que tinha os olhos mais cheios de brilho
que Lisa já vira na vida.

Lalisa encostou-se na porta do Dodge observando Chaeyoung caminhar até


ela com sua bolsa de lado, o olhar estava preso ao chão como se houvesse algo
muito interessante entre as pedrinhas.

- Hey, você. – cumprimentou a Lisa puxando a namorada para um abraço


demorado.

- Hey. – respondeu Chaeyoung com a cabeça apoiada em seu peito, o corpo


perfeitamente moldado ao seu.

Sua voz estava cansada, como se não dormisse há anos. O cheiro de


Marshmallow se fez presente obrigando Lisa a enfiar o rosto no pescoço de
Chaeyoung aproveitando cada segundo daquele momento. Odiava ver seu
amor naquele estado sem poder ajudar, destruía seu coração não ver o sorriso
mais lindo naqueles lábios carnudos que ela amava.

- Como você está? – perguntou tirando o rosto do pescoço de Chaeyoung e


colando suas testas. – Dormiu bem?

- Eu acordei com dor nas costas, mas acho que sim. – a Chaeyoung começou a
brincar com a gola da camisa da namorada em um gesto infantil enquanto os
braços finos nunca deixavam sua cintura. – Eu pensei que tinha sido um
sonho ruim até acordar com Ella conversando com minha mãe sobre ser uma
princesa.
Lisa corou. Fechou os olhos fingindo uma careta que fez Chaeyoung sorrir
minimamente.

- Eu acho que posso ter um dedo nisso.

Chaeyoung segurou seu rosto com as duas mãos fazendo-a abrir os olhos e
encarar pela primeira vez os olhos castanhos sem vida.

- Obrigada. Você é a melhor namorada do mundo.

Um arrepio percorreu sua espinha quando o sentimento de felicidade com


essas palavras a invadiu por completo. Chaeyoung soltou um suspiro quando
prendeu o lábio inferior da namorada contra o dela, ficando assim por alguns
segundos apreciando o contato. Lisa puxou o lábio e aplicou um selinho
demorado antes de abrir a porta do carro, entrar com Chaeyoung e lhe
entregar o copo de cappuccino.

- Depois da faculdade eu vou até o hospital visitar meu pai, não precisa me
esperar. – ela disse quando o carro já estava na estrada.

Lisa lançou um olhar confuso à namorada.

- Eu vou com você, quero ver Mark. Tudo bem se eu for?

Chaeyoung deu sorriu fraco e descansou sua mão esquerda na perna de Lisa.

- Ele vai adorar receber uma visita sua.


O caminho até Juilliard foi estritamente sobre o teste de hoje da Chaeyoung e
a discussão de Lisa com Megan. Chaeyoung quis saber os detalhes sobre a
discussão se mantendo interessada, mas a Lisa sabia que ela estava se
forçando em manter-se lúcida em outros assuntos para não decepcioná-la.

Quando chegaram a Julliard, Chaeyoung desceu do carro com o copo de


cappuccino em mãos imaginando que esse seria apenas mais um dia normal
onde todos sabiam que eram namoradas, mas não agiam como tal.

Lalisa a surpreendeu quando tomou sua mochila a pendurando no ombro e


com a outra mão entrelaçou seus dedos com um sorriso carinhoso brincando
nos lábios. Chaeyoung sentiu-se amada.

Um daqueles momentos em que você se sente bonita porque ela te olha como
se fosse. Se despediram ainda na escada com um beijo casto nos lábios e
seguiram rumos diferentes até o almoço.

♫♫♫♫♫

- Ficou sabendo da novidade? – Junhoe caminhava todo atrapalhado ao seu


lado quando saíram para o almoço. – Dott Fign entrou com um processo
contra a faculdade.

- A faxineira? – perguntou Lisa, mal sabia que a mulher tinha saído. – Ela foi
demitida?

Junhoe cumprimentou alguns garotos do departamento de dança e abriu a


porta do refeitório para Lisa que agradeceu gentilmente com um sorriso. Ela
sabia que o garoto tinha uma queda enorme por ela, o que deixava Chaeyoung
louca da vida, mas não é como se pudesse evitar trabalhar com o garoto, ou
ignorá-lo pelos corredores.

- Foi. A mulher ficou louca, fez um escândalo quando foi acusada de dar uns
pegas em um estudante.

- O que? – a Lisa gritou repentinamente tendo alguns olhares voltados a ela. –


Desculpe. Isso é sério?

Dott, ao contrário do que pensam, não era uma velha de cabelos grisalhos. A
mulher tinha lá seus trinta anos e com tudo em cima, literalmente. Muitos
alunos em Julliard babavam pela mulher que não se poupava em desfilar
pelos corredores, Lisa sempre deixou Chaeyoung avisada de que se a visse
babando pela faxineira, ficaria sem sexo por um mês.

- É o que dizem por ai, aposto que esse processo vem pra mim. – esfregou as
mãos como que em expectativa e Lisa revirou os olhos. Quando finalmente
encontraram algumas mesas vazias mais ao fundo, Junhoe a olhou com
expectativa. – Quer sentar comigo?

Lisa rolou os olhos pelo refeitório encontrando suas amigas sentadas na mesa
de sempre.

- Obrigada, Junhoe. Eu preciso recusar, minha namorada e minhas amigas


me esperam. – forçou um sorriso quando os ombros do garoto caíram em
desanimo. – Até amanhã.

Lalisa caminhou até a mesa de canto onde Jisoo e Jennie estavam


acomodadas lado a lado, elas dividiam um saquinho de salgadinhos em
silêncio e Chaeyoung brincava com uma garrafa de água fechada. Lisa
estreitou os olhos quando notou que nenhuma das garotas tagarelava, o que
era algo anormal para aquela mesa em questão.

- Graças a Deus, Lisa. – Jisoo largou o saquinho de salgadinhos quando viu a


Lisa. – Faça essa menina comer ao menos uma maçã, ela está sem comer
desde que chegou.

Lisa sentou-se ao lado da namorada com o cenho franzido. Chaeyoung estava


estranha, mais quieta do que antes, suas mãos mexiam ansiosamente na
tampa da garrafinha de água, algo que não era de seu costume. Lalisa passou
um dos braços em sua cintura aproximando seus corpos, enquanto deixava
um beijo carinhoso em seu rosto pálido.

- O que houve? Por que não está comendo, Chaeyoung?

A garota desviou os olhos da garrafa mergulhando na profundidade dos olhos


de Lisa, foi impossível conter o suspiro preso na garganta quando se voltou
para as duas garotas sentadas à sua frente.

- Eu estava esperando que estivéssemos juntas quando desse a notícia. –


Chaeyoung fez uma pausa dramática apertando a garrafa com força. Lisa
engoliu em seco. – Eu vou deixar Juilliard.

A mesa ficou em silêncio. Jennie cerrou o punho em cima da mesa sendo


contida por Jisoo que tinha os olhos arregalados, enquanto Lisa continuou
encarando a namorada com o choque evidente em seu rosto assim que o
sangue deixou o seu corpo.

Chaeyoung se encolheu no banco como uma criança indefesa esperando


pacientemente a reação de suas amigas, ela tinha tomado a decisão ao acordar
e se deparar com Diana chorando silenciosamente na cozinha. Fora algo de
imediato, algo que não se escolhe por vontade própria. Era sua
responsabilidade cuidar de sua família, e seu pai sempre viria em primeiro
lugar.

- Não, você não vai. – Jennie rosnou jogando o saco de salgadinhos para
longe, seu corpo inclinado na mesa como se fosse atacar Chaeyoung a
qualquer momento. – Seu pai não vai aceitar isso, você batalhou muito para
estar aqui e não pode desistir de uma hor-

- Ele não tem que aceitar nada! – Chaeyoung exclamou socando a mesa com
tanta força que assustou Jennie. Seu rosto era vermelho sangue agora, a
garrafa abandonada estava totalmente amassada e os olhos castanhos
expressavam a seriedade do que estava dizendo. – Eu preciso arrumar um
emprego e ajudar minha família, Jennie! Meu pai sai amanhã do hospital e
não pode voltar a trabalhar, precisa ficar em repouso absoluto. Quem vai
pagar as contas? Minha mãe agora precisa cuidar de três pessoas, eu não
posso me dar ao luxo de continuar estudando enquanto minha família passa
fome!

Lisa sentiu náuseas com as palavras da namorada. Foi como um soco em seu
estômago, um aviso para que ela abrisse os olhos para a real situação em que
Chaeyoung se encontrava. Apenas Diana teria capacidade de cuidar dos
tratamentos de Mark em casa, e ainda havia Ella. O salário de Mark não
cobriria nem metade dos gastos somando o tratamento e o sustento da casa,
sendo assim, Chaeyoung tinha certa razão. Eles precisavam de uma nova
fonte de renda, e se Diana estaria empenhada com o marido e a filha mais
nova, a responsabilidade cairia mais uma vez em cima de Chaeyoung.
- Nós vamos dar um jeito, Chae. Por favor, não desiste desse sonho agora... –
Jisoo, a mais racional, segurou a mão de Chaeyoung por cima da mesa. –
Você conseguiu uma bolsa em Juilliard, sabe como isso é difícil? Talvez se
meu pai emprestar algum dinheiro, eu não sei, vou tentar conversar com ele.

Jennie era a única que não via a situação de um ponto de vista racional. Ela se
recusava a olhar para Chaeyoung, no entanto, pois era uma das poucas
pessoas que vira o esforço da menina nas noites em claro ensaiando até a
exaustão conseguir aquela bolsa.

- Desculpe, Jisoo. Eu agradeço que você se preocupe, mas é o que eu preciso


fazer por minha família agora. Eu preciso ser a mulher da casa mais uma vez,
e não pretendo aceitar dinheiro de ninguém. Não vou passar por essa
humilhação, é algo que precisa ser feito entre minha família e eu. – começou a
chorar ainda mais com as mãos cobrindo os olhos, Lisa se mantinha em
silêncio absorvendo tudo, fazendo seu cérebro trabalhar quatro vezes a mais
que o normal.

Chaeyoung chorava principalmente por seu pai, mas também por ter que
desistir daquilo que sonhou e batalhou desde que se conhece por gente. Sabia
que se desistisse de Juilliard agora, não haveria uma segunda chance depois,
sem bolsa e sem o estudo de Juilliard, seu sonho se afundaria cada vez mais.

A decisão já estava tomada, entre sua família e seu sonho, a primeira opção
estaria sempre na frente e não havia desculpas para isso. Ela o fez uma vez,
quando abandonou o ensino médio por quase um ano para ser a mulher da
casa, ela podia fazer de novo. Precisava ser feito. Por ela, por Ella, por Diana e
Mark.

- Chaeyoung, não há humilhação em aceitar dinheiro como aju-


- Não! – Chaeyoung desvencilhou suas mãos de Jisoo. Olhou para os lados
nervosa, nem o aperto carinhoso de Lisa em sua cintura a estava acalmando.
– Você... Você não entende! Meu pai sempre batalhou por mim, ele sempre
me incentivou e mesmo doente, não deixou de trabalhar para sustentar o meu
sonho. Não posso simplesmente tirar dinheiro das minhas amigas, além de
humilhante é quase egoísta, como se Juilliard fosse mais importante que meu
pai e...

Jennie levantou de supetão deixando que o saco de salgadinho caísse no chão


antes de deixar o refeitório em passos pesados, o que fez Chaeyoung chorar
ainda mais com o rosto enterrado entre as mãos. Lisa compreendeu que sua
namorada precisava de privacidade, e levantou puxando-a contra seu peito,
pegando a mochila da mais nova com a mão livre.

- Eu vou levá-la para casa, depois nós conversamos. – olhou para Jisoo que
parecia mergulhada em seus próprios pensamentos.

Com Chaeyoung ainda abraçada em seu peito, elas saíram do prédio em


passos rápidos para não chamar muita atenção dos alunos que
ziguezagueavam pelos corredores, o que não adiantou, é claro, mas quem se
importava àquela altura?

Lalisa abriu a porta do passageiro ajudando Chaeyoung a entrar e plantando


um beijo casto nos lábios da namorada antes de dar a volta no carro. O
percurso entre a faculdade e a casa de Chaeyoung foi feito em silêncio
absoluto, mas confortável.
Chaeyoung chorava como um gatinho encolhida no banco abraçando agora o
próprio corpo. O coração de Lisa doía com o que estava presenciando, sua
mente martelava com o que vinha planejando desde que acordara de manhã.

Chae destrancou a porta revelando uma casa silenciosa e vazia, caminhou


direto para o quarto deixando a bolsa em cima do sofá, e uma Lisa que não
sabia o que fazer a seguir, talvez Chaeyoung precisasse de espaço, mas
também estava preocupada com o que poderia fazer sozinha com aqueles
milhares de pensamentos atormentando seu frágil coração.

Sem pensar direito, Lisa subiu atrás da namorada se preparando


psicologicamente para ser agredida em um surto por ser tão invasiva. Quando
abriu a porta do quarto em silêncio, não conteve um suspiro cansado ao ver
Chaeyoung com as mãos apoiadas na escrivaninha com o corpo imóvel, os
olhos atentos lá fora como se nada mais importasse além do vento
bagunçando as folhas das árvores; era possível ver a respiração alterada pela
ascensão e queda de suas costas.

Lisa sentiu algo em seu estômago revirar quando a namorada virou-se


lentamente e a encarou com os olhos vermelhos, mas também intensos.

- Chaeyoung, podemos conversar? – ela pediu cuidadosa ao se aproximar,


mas não obteve uma resposta.

O próximo movimento que sua mente capitou, fora o corpo de Chaeyoung se


chocando contra o seu com violência, tendo sua boca devorada pela língua
ágil e quente da mais nova que arranhava sua nuca com uma força
desnecessária. Lisa não pode processar o que estava acontecendo enquanto as
mãos desesperadas de Chaeyoung agora desabotoavam sua camisa social com
pressa, quase a rasgando.
Não havia desejo a ser sentido naquele momento, estava assustada e
preocupada com Chaeyoung, aquele ato de desespero só refletia o quão
perdida sua mente se encontrava, servindo para uma explosão de conclusões
em Lisa.

Tentou se afastar espalmando as mãos no ombro da outra, mas Chaeyoung


estava sendo mais forte quando puxou sua camisa com força rasgando todos
os botões.

- Chaeyoung... – sua boca foi tomada outra vez vorazmente, podia sentir o
gosto salgado das lágrimas entre o beijo desesperado.

Lisa reuniu todas as forças que restava em sua sanidade e empurrou


Chaeyoung contra a cama usando um pouco de violência, ela não queria usar
a força, mas era o único caminho que lhe restara se não quisesse ser obrigada
a fazer sexo à força por desespero.

Ela rapidamente montou o quadril da Chaeyoung prendendo seus braços


acima da cabeça, Chaeyoung engasgou entre as lágrimas e fechou os olhos
com força quando se viu presa nos braços na namorada, estava cansada
demais para lutar.

Seu peito subia e descia recuperando o ar em seus pulmões, mas até mesmo
respirar doía como o inferno quando tudo estava sendo arrancado de si num
piscar de olhos.

- Chaeyoung... Me escuta! Eu amo você, ok? – Lisa disse firmemente, não


deixando que houvesse rastro de dúvidas em sua voz. – Eu amo você! Só me
diga o que fazer para ajudar, porque eu não sei mais como agir nessa situação
sem machucá-la!

Vendo Chaeyoung desabar em seus braços deu à Lisa uma certeza que há
tempos a perseguia como um mantra; o amor não se trata apenas de juras de
amor trocadas em olhares intensos, ou de momentos compartilhados em
felicidade; não, o amor era muito mais do que apenas sorrisos, era como um
arco íris à espera do fim de uma tempestade, como a luz iluminando o fim do
túnel, como a paciência de um homem sábio para com uma criança em seu
aprendizado...

O amor requer benevolência, o amor significa não apenas ser amante, mas
também melhor amigo.

Lisa tremia, seu corpo todo reagia a angustia da garota em baixo de si.

- Faça isso parar, eu não aguento mais... – Chaeyoung chorou. O rosto virado
para o lado esquerdo, as lágrimas caindo em cascata banhando seu rosto
angelical, marcando toda a sua inocência. – O meu pai vai morrer, e eu não
posso fazer nada, Lisa... Nada!

Lalisa sentiu desespero percorrer cada fibra do seu ser, toda a agonia de sua
namorada refletindo nela naquele momento. Lisa sentiu que Chaeyoung
abdicaria de tudo para ser base da família outra vez. A garota que não foi ao
baile de formatura por estar em casa sendo adulta. A garota que não pode ser
tornar uma grande musicista, que precisou crescer mais cedo. A garota do
sorriso espontâneo e amável, que sempre procura o lado bom das pessoas. A
garota que fez amor com ela pela primeira vez, e que a agradeceu por tê-la
feito sua.
- Chaeyoung, eu preciso que você me ouça! – pediu Lisa controlando a voz
antes que desabasse. – Olhe para mim! – ordenou e Chaeyoung forçou-se a
olhar para a namorada engolindo as lágrimas. – Eu te amo! Eu sei que o amor
não cura todas as feridas, mas eu estou aqui por você! Eu sou sua amiga,
converse comigo, e nós vamos chegar a um acordo juntas, tudo bem? Você
não precisa tomar todas as decisões sozinha; sou a sua namorada por ser sua
alma gêmea, sabe o que isso quer dizer? Quer dizer que eu também carrego
sua dor comigo. Se você sofre, eu sofro. Se você chora, eu choro. Se você pula,
eu pulo.

Um curto espaço de tempo passou e as duas garotas continuaram na batalha


de olhares, testas coladas e respirações peito a peito. Chaeyoung fechou os
olhos com força, suspirando a seguir enquanto sentia uma trilha de beijos
suaves seguir de sua mandíbula, passando por sua bochecha, nariz,
pálpebras...

- Perdão. – disse quase num sussurro falho. – Eu não queria atacar você, não
sei o que me deu, eu...

- Tudo bem, meu amor. – Lisa beijou uma última lágrima que escorria pelo
rosto de Chaeyoung. – Eu amo você, ser atacada em sua crise faz parte. –
sorriu fraco e deu um beijo leve nos lábios carnudos. – Você vai ficar bem, seu
pai também.

O olhar de Chaeyoung mudou para tristeza outra vez.

- Não vai não.

- Vai sim! – Lisa exclamou um pouco alterada. Sentou-se na cama puxando


Chaeyoung para sentar de frente a ela sobre as pernas. – Você não vai
abandonar Juilliard, e nós vamos conseguir pagar o tratamento do seu pai.
Você confia em mim?

Chaeyoung apertou os olhos encarando o brilho enigmático nas esmeraldas


de Lisa, e, quando caiu em si, negou freneticamente com a cabeça.

- Não! De nenhuma forma vou aceitar o dinheiro do seu pai, Lisa!

Mas Lalisa já esperava por isso; Chaeyoung não aceitaria o dinheiro de Marco
Manoban, ou de qualquer outra pessoa, nem que a obrigassem a isso.

Chaeyoung tinha uma honra indestrutível, aceitar dinheiro de um homem que


pretendia destruir o relacionamento dela com Lisa seria a última coisa que ela
faria na vida.

- Eu não vou pedir dinheiro a ele. – a Lisa respirou tentando soar


convincente. Esperava que Chaeyoung não notasse o nervosismo impregnado
em sua voz. – Vou fazer uma viagem amanhã cedo e pretendo voltar no
domingo. Acha que vai ficar bem até lá?

Chaeyoung continuou em silêncio procurando mentira no que Lisa dizia, e


como conhecia sua namorada bem o suficiente para reconhecer qualquer
emoção que a envolvesse, pôde ver um brilho misterioso nas íris verdes que
não condizia com a verdade.

- Aonde você vai?

- Apenas... Confie em mim. – Lisa fechou os olhos, sabia que estava sendo
analisada.
Mas ela não confiava. Não naquele momento, não com suas mãos tremendo e
os olhos transmitindo mais do que desejava transmitir.

- Lisa... – chamou sentindo a sensação de que algo não estava certo. – O que
você vai fazer?

Lisa finalmente abriu os olhos, estava exausta pela primeira vez desde que
entrara naquele quarto. Como seria possível tudo desmoronar em tão pouco
tempo? Seu pai aparecer e estragar seu emocional, a perseguir como se fosse
uma criminosa, aquela maldita festa da faculdade e agora a situação de Mark.

- Eu vou ajudar seu pai, é isso que vou fazer! Não se preocupe comigo, apenas
confie em mim! – disse firme transmitindo que não queria ser questionada.
Chaeyoung abriu a boca em protesto, mas recebeu um olhar tão frio que
acabou se encolhendo. - Ok. – disse Lisa levantando-se da cama. – Vá tomar
um banho quente agora.

E dito isso, saiu do quarto deixando Chaeyoung perdida em seus pensamentos


e sensações de que aquela viagem não deveria ser feita. E, mais do que nunca,
ela estava certa.

♫♫♫♫♫

- Moça? – chamou o taxista olhando atentamente a garota sentada no banco


de trás do taxi pelo retrovisor.

Pouco mais de meia hora depois do desembarque no aeroporto de Los


Angeles, Lisa se encontrava sentada em um táxi avaliando a entrada da
mansão Manoban como se estivesse prestes a entrar no purgatório; suas
mãos, além de suadas, tremiam no colo enquanto seu coração martelava no
peito como um trem desgovernado.

Lalisa desejou todo o caminho que o taxista fosse o mais devagar possível,
precisava respirar melhor, precisava repassar em sua mente o diria ao pai;
três horas de viagem simplesmente não parecia o suficiente para estar
preparada para esse momento.

Assim que o carro estacionou, sentiu uma imensa vontade de pedir ao taxista
que desse meia volta e retornasse ao aeroporto.

- Deixe-me adivinhar; brigou com o namorado e agora não quer enfrentar a


fera. – o homem riu ajustando o retrovisor.

Lisa engoliu em seco.

- Pior anda, a fera é o meu pai. – respondeu rudemente antes de entregar o


dinheiro da corrida e sair do carro arrastando a mala preta.

Pela primeira vez em dezenove anos, entrar em casa parecia assustador para
Lisa. Alex, o porteiro, a olhou como se soubesse que ela estava encrencada,
mas ela sabia que era coisa de sua cabeça, assim como imaginou que todos no
avião a encaravam como se soubessem de todos os seus pecados.

Balançou a cabeça com esses pensamentos aleatórios que a deixavam ainda


mais assustada e caminhou pelo jardim cumprimentando Alex com um aceno
de cabeça que retribuiu com um pequeno sorriso de lado.

Aproveitou ainda para observar o gramado verde onde tanas vezes assistiu o
nascer do sol quando pequena, e parecia ser a tanto tempo agora.
Caminhou em passos lentos até a porta da frente onde sua mãe a aguardava
com as mãos no peito, e um olhar penetrante que causou arrepios em Lisa.

- Lisa... Que saudades! – Charlote a abraçou forte, quase como se não a


quisesse soltar.

Lalisa reparou que era a primeira vez em muitos anos que a mãe não a
abraçava dessa forma, tão protetora.

– Essa casa tem estado tão vazia...

- Não faço ideia do por que. – comentou sarcástica retribuindo o abraço


enquanto seus olhos escaneavam a sala de estar.

Suspirou aliviada ao constatar que seu pai não estava ali. Charlote ajudou a
filha com a mala quando abriu passagem na porta convidando-a para entrar.
Sua mãe estava certa, a casa parecia muito mais silenciosa e vazia sem
nenhum dos filhos por perto para dar o que aquele lugar mais precisava;
esperança.

A lareira desligada, assim como as luzes e a TV de 60 polegadas. Lisa reparou


também que os porta retratos com Daniela foram todos tirados da sala, como
se houvesse apenas ela e Paul como filhos.

Aquilo apertou ainda mais o peito de Lalisa. Como alguém poderia ser tão frio
ao ponto de desconsiderar um filho, alguém que viu nascer, que assistiu aos
primeiros passos e a primeira palavra, por simplesmente não ser o que
esperava?
- Como foi de viagem? – a mulher perguntou com uma preocupação até então
desconhecida para a Lisa.

- Eu dormi a maior parte do voo, então não há muito que dizer. – riu sem
ânimo. – Eu vou subir agora, preciso tomar um banho.

- Seu pai... – Charlote a cortou, a voz carregada de medo. Lisa arqueou uma
sobrancelha. – Ele quer ver você.

As pernas de Lisa bambearam vendo Charlote mexer as mãos nervosamente,


ela sentiu que poderia vomitar a qualquer momento pelo medo que a
dominou. Aquilo não era bom, talvez fosse apenas para saber as novidades
sobre a faculdade... Não, Marco não se importa tanto assim quando está em
casa. De repente, respirar se tornou extremamente difícil, ela já não tinha
esperança de que algo positivo sairia daquela conversa.

- Onde? – ignorou a batalha interna, mas não ousou se mover temendo cair
assim que mudasse o passo.

- No escritório. – Charlote respirou abrindo e fechando a boca como se


pretendesse dizer algo a mais, mas não o fez.

Lisa apenas acenou com a cabeça se forçando a respirar fundo. Deixou a mala
no sofá de couro quando se obrigou a caminhar até o escritório sentindo seu
corpo como gelatina.

Não era certo um filho temer o pai daquela forma, não era justo Lalisa estar
sentindo tanto medo ao ponto de segurar as lágrimas. Simplesmente não era
justo, ela estava apenas amando alguém, nada disso era motivo para ter
medo.
O amor é um sentimento lindo, algo que deveria ser reconhecido por todos.
Amar não é errado, nunca seria.

Ao levar a mão trêmula à maçaneta, sua mãe surgiu ao seu lado segurando em
seu ombro. Lisa a olhou encontrando os olhos marejados de Charlote, uma
antecipação do que aconteceria assim que entrasse naquele escritório.

- Eu te amo, Lalisa. Sou sua mãe, vou te amar independente de qualquer


coisa. – foi o que ela disse antes de deixar o caminho livre para a filha.

Lisa franziu o cenho para a mãe desejando que seu coração acalmasse as
batidas violentas, mas reuniu toda a coragem do mundo e girou a maçaneta
revelando o escritório em estilo vitoriano que ela tanto conhecia de suas
noites secretas, quando invadia o escritório no meio da madrugada para ouvir
os discos de vinil do pai.

Não havia vida naquele cômodo, nenhum quadro, nenhum porta retrato,
apenas as três paredes revestidas por estantes abarrotadas de livros, na sua
maioria sobre Direito, e a parede atrás da mesa de madeira sustentava uma
prateleira com vários vinhos antigos, um vaso de porcelana que pertencera ao
seu bisavô e uma coleção de discos de Johnny Cash. E, sentado atrás da
grande mesa bagunçada por pastas, estava Marco Manoban em sua camisa
social listrada com as mangas dobradas.

O homem olhou por cima do notebook quando ouviu a porta ser fechada, e
tirou os óculos de leitura ao ver a filha mais velha parada à sua frente com o
queixo erguido, deixando claro que não o temia como ele imaginava. Uma
Manoban.
- Queria me ver? – perguntou disfarçando o tremor na voz, não demonstraria
fraqueza aos olhos do pai.

Marco levantou cuidadosamente da mesa deixando os óculos em cima do


notebook e caminhou em silêncio com as mãos no bolso da calça de linho até
parar de frente a ela com sua imponência.

Os dois tinham a mesma altura, portanto se encaravam febrilmente, se


enxergando um nos olhos do outro ao mesmo tempo em que em nada se
pareciam. A força do tapa que atingiu o rosto de Lalisa fez ela cambalear para
trás sem controle do corpo até suas costas entrar a madeira fria da porta; a
ardência no lado esquerdo de seu rosto provocou algumas lágrimas que
escaparam sem permissão de seus olhos pela dor e a humilhação.

Agora Marco estava tão vermelho que seu corpo todo tremia, Lisa cogitou a
ideia de sair do escritório antes que ele a machucasse ainda mais, mas nunca
seria mulher o suficiente para Chaeyoung se o fizesse.

- Eu confiei em você. – ele disse baixo, mas com ódio. Sua voz era quase um
rosnado, carregado de cólera. – Apostei todas as minhas fichas em você
quando Daniela me apunhalou pelas costas, e o que você fez? Se tornou uma
lésbica suja! – berrou contra o rosto de Lisa. Ambos tremiam por motivos
diferentes, medo e ódio. – Park Chaeyoung , esse é o nome daquela garota,
estou errado?

- Aquela garota é a minha namorada! – Lalisa gritou de volta contra o rosto


do pai, dessa vez recebendo mais um tapa ainda mais forte no rosto.
Lisa agora tinha o rosto virado para o lado direito, os olhos caídos estavam
tomados pelas lágrimas; a dor causada pela mão pesada de Marco a fez gemer
dolorosamente sentindo o gosto de ferro do corte em seu lábio inferior.

- Nunca mais repita isso, Lalisa! – ele esbravejou caminhando até a mesa em
passos pesados.

Marco remexeu nas pastas jogando algumas ao chão e rapidamente encontrou


alguns papéis que procurava, voltando-se para a filha que continuava imóvel e
as jogando em cima da Lisa.

Eram fotos de Chaeyoung e Lisa tomando sorvete, de mãos dadas em Juilliard


e se beijando dentro do Dodge. Aquelas fotos foram um soco no estômago de
Lisa.

– O que você tem na cabeça? Ficar com uma garota, Lalisa?! Eu não quero
saber do nome da minha família envolvido em mais nenhum escândalo, já me
basta minha filha caçula grávida, e agora você me aparece com uma mulher!

Não era para as coisas aconteceram assim. Seria apenas um pedido de


empréstimo, sem Marco descobrir sobre elas, sem briga, sem tapas... Mas, ao
que parece, ela estava certa desde o começo, Marco usara um detetive para
espionar a própria filha. E agora ele sentia nojo dela, a olhava com aversão,
como se fosse um monstro, uma criminosa, uma criatura abominável.

- Pai... Por favor... Eu... – mas ela não tinha o que dizer, aquelas fotos eram
autoexplicativas o suficiente.

Lisa sentiu náuseas, poderia vomitar a qualquer momento pelo medo.


- Não! Eu não vou escutar nada que venha você no momento. Você é quem vai
me ouvir. – ele disse controlado.

Caminhou até uma garrafa de vinho em cima da mesa e a abriu calmamente


enchendo um copo. Quando se voltou para Lisa, parecia tranquilo. E aquilo
não era nada bom, ela sabia que ele sempre mantinha a voz controlada
quando estava fora de si.

– Mark Park está doente, uh? – ele levantou a taça como em um brinde e Lisa
arregalou os olhos. – Tenho olhos onde você menos imagina, Lalisa. Você
realmente não conhece o próprio pai. – ele bufou e tomou um gole de vinho
deixando a mão livre no bolso.

Lisa continuou espremida contra a porta, incapaz de mover um único


músculo.

– Soube que eles não têm dinheiro para o tratamento, estou certo? - Lisa
afirmou com a cabeça, a mão esquerda ainda no lábio inferior. - Talvez eu
possa ajudar. – ele continuou. Encostou-se na mesa lançando um olhar sério
para a filha, e, quando falou, Lisa soube que sua vida estava prestes a mudar.
– E em troca você vai fazer uma coisa por mim.

Voz da razão
A voz do coração diria que Lisa não deveria ter feito àquela viagem. A voz
da razão diria que ela é o motivo de tudo.

_______

27
27 de Janeiro de 2017. Primeiro ano da faculdade.

Pov Chaeyoung.

Quando minha professora de literatura da oitava série indicou a tragédia


Romeu e Julieta como seminário, eu me tranquei no quarto por semanas
quebrando a cabeça para encontrar uma forma coerente e simples de
especificar uma obra clássica tão conhecida e complexa.

Todos esperavam que eu chegasse e dissesse algo como: "As famílias Capuleto
e Montequio viviam em conflito e nesse meio nasceu o amor de Romeu e
Julieta...".

Não, seria fácil demais contar pela perspectiva popular do romance, então
decidi revirar o livro e quebrar ainda mais a cabeça procurando pela peça
chave do meu seminário.

No dia da apresentação, eu iniciei meu seminário com a seguinte citação:

"Essas alegrias violentas, têm fins violentos. Falecendo no triunfo, como fogo
e pólvora que num beijo se consomem."

Lembro-me exatamente da reação dos meus colegas de classe e da minha


professora diante estas palavras; a maioria dos alunos me olhou surpresos,
provavelmente se perguntando se essa citação fazia parte do romance, sei
disso porque os ouvi comentando certo dia que não precisavam ler o livro
para contar a história.

Já a minha professora sorriu de lado, e eu soube que estava dando a ela o que
ela queria. Então eu expliquei o que Shakespeare quis dizer com tal citação.
É quase como a lei de Newton, se há uma alegria violenta e exagerada; seu fim
não será outro senão o fim violento e exagerado.

O fogo percorre a pólvora rapidamente com pressa e desespero, mas quando


acontece o contato, ocorre a explosão.

Foi o que aconteceu com Romeu e Julieta quando julgaram viver


perfeitamente em sua própria bolha antes de tudo desmoronar, e, agora,
sentada contra o tronco de uma árvore observando o lago calmo, me dou
conta de que não muito diferente da ficção, minha vida estava trilhando o
mesmo caminho de um romance trágico escrito por Shakespeare.

Eu deveria ter desconfiado quando meu pai ganhou aumento no trabalho,


quando meu nome começou a ser reconhecido em Juilliard, e quando Lisa
apareceu em minha vida. Quem imaginaria?

Eu estava vivendo o romance dos meus sonhos, com a pessoa mais linda que
julguei um dia não existir; tudo era perfeito com Lisa, ela sempre fez questão
de cuidar para que tudo fosse perfeito, para que meu corpo vibrasse em
felicidade plena pelo meu primeiro e, desejo desesperadamente que seja
assim, meu único amor.

Eu estava plenamente feliz até a doença do meu pai se manifestar outra vez e
eu ter que assistir tudo o que construí durante os anos, ser jogado no lixo.

Meus dias em Juilliard estavam contados, uma decisão que meus pais ainda
não tinham conhecimento, mas que ajudaria no sustento de nossa família até
segunda mão.
Meu pai recebera alta do hospital ontem à tarde, ele parece bem, não é como
se um tumor sugasse sua vida dia após dia como um demônio sugador de
alma.

Hoje de manhã, no café, minha mãe contou que papai vai pedir empréstimo
ao dono da empresa e explicar nossa situação; não é algo certo ainda, mas ele
tem muito dinheiro e sempre ajudou os funcionários que precisaram.

Então eu me permiti ter um fio de esperança. Aceitar um empréstimo de uma


pessoa desconhecida me faria sentir menos mal, eu não suportaria a
humilhação de receber dinheiro de Lisa ou Jisoo, mesmo sabendo que suas
intenções são totalmente bondosas.

Sei que elas não aceitariam o dinheiro de volta quando eu o tivesse, e esse era
um dos motivos que me fazia recusar a ajuda oferecida por elas.

Fechei os olhos encostando a cabeça na árvore, respirei o ar puro daquele


lugar me deixando envolver pelo vento fresco que abraçava as folhagens das
árvores liberando um cheiro agradável de natureza.

O rancho abandonado havia se tornado meu refúgio preferido por tanto


motivos que só me faziam sentir em casa cada vez mais que o visitava. O lago
abrigava alguns peixes que nadavam livremente em cardumes pelas águas
cristalinas, eu adorava assisti-los o dia todo se me fosse permitido.

Eu incrivelmente me sentia melhor agora que meu pai estava em casa, poder
tê-lo por perto tomando as decisões coerentes fazia meus pensamentos mais
fáceis de controlar e a pressão em minha cabeça diminuir, aliviando um
pouco mais o meu estresse.
- Eu pensei que te encontraria aqui. – ouvi uma voz rouca tão perto que
chegou a arrepiar meu corpo.

Levantei meus olhos sorrindo somente para encontrar uma Lisa que me
encarava com as mãos para trás e um pequeno sorriso um rosto. Mas havia
algo nela que me deixou intrigada; seus olhos... Eles não tinham brilho.

As castanhos cor de mel estavam apagados e aquelas enormes olheiras não


estavam ali antes da viagem, assim como o machucado em seu lábio inferior.
Eu me perguntei se ela ainda não tinha conhecimento de que eu era capaz de
ler cada expressão corporal sua.

– Boa tarde.

Me afastei do tronco da árvore dando espaço à ela para que sentasse atrás de
mim, me reconfortei em seu corpo respirando o inconfundível cheiro
amadeirado que ela exalava quando seus braços me embalaram num
aconchego que me fez fechar os olhos confortavelmente.

Apesar das dúvidas rondarem minha mente sobre seu estado, eu me permiti
sentir feliz por aquele momento. Pequenos momentos. Era assim que Lisa e
eu vivíamos, apreciando cada pequeno momento que uma poderia
proporcionar a outra.

- Pensei que fosse me ligar quando estivesse em New York. – comentei


alisando seu braço num carinho preguiçoso.

Lisa ronronou em meu ouvido deslizando os lábios pela extensão do meu


ombro, ela sabia que estava me torturando.
- Eu quis fazer uma surpresa. Quando soube que você não estaria em casa,
pensei que havia apenas dois lugares onde Park Chaeyoung poderia estar: The
Village ou o rancho. – ela encostou o queixo no meu ombro e beijou minha
mandíbula. Aqueles famosos arrepios percorreram meu corpo com a sensação
de ser dela. – Como você está?

- Um pouco melhor agora que meu pai voltou para casa. – confessei
apreciando cada toque causar um efeito diferente em meu corpo. – Ele vai
conversar com o chefe sobre um possível empréstimo para os tratamentos.

Lisa se moveu atrás de mim e eu virei meu rosto encontrando o seu com um
pequeno sorriso torto.

- Sério, Chaeyoung? Eu fico feliz por isso. Assim você não precisa deixar
Juilliard, e seu pai poderá receber os devidos cuidados.

Ouvindo suas palavras tão positivas, foi possível sentir uma onda de
esperança crescer dentro de mim, algo que só ela conseguia despertar dentro
do meu peito.

- Eu espero que sim. Vamos pagar como pudermos o empréstimo, mas ao


menos vou ter meu pai comigo, isso é tudo o que importa.

Lisa suspirou e me apertou ainda mais em seus braços. Eu sabia que havia
algo de errado com ela desde que chegara, nem mesmo sua falsa alegria me
convencia, mas eu sabia que ela gostava do meu pai como o seu próprio pai.

Os dois sempre se deram bem, conversavam sobre carros antigos e Softball,


isso quando não paravam para assistir filmes de terror na sala e deixavam
minha mãe, Ella e eu morrendo de medo. Ele é como o pai que ela nunca teve,
e eu amo essa conexão dos dois, afinal, não é todo pai que gosta do primeiro
namorado ou namorada da filha, certo?

Me virei entre suas pernas ficando de lado e descansando meu rosto na curva
do pescoço de Lisa, um dos lugares mais seguros e aconchegantes do mundo.

- Chaeyoung? – ela murmurou. A mão direita acariciando meu rosto me


dando aquela famosa sensação de paz. Respondi com um som nasal e ela
continuou. – Eu viajei à Los Angeles na intenção de verificar minha situação
com o banco. Infelizmente não foi o suficiente, eu sinto muito. – eu não sei se
o sentimento estranho em meu peito foi por aquele ar sombrio que ela
mantinha ser apenas pelo fato de não ter conseguido o dinheiro, ou por ter
mentido para mim. – Eu sei que não devia ter mentido, mas não queria te
encher de esperanças por algo incerto.

Como eu poderia me chatear com um anjo como aquele? Lisa me surpreendia


todos os dias desde que a conheci, acho até mesmo que ela é a razão por eu ter
me mantido forte até o momento sem perder a cabeça comigo mesma.

- Ok. Vamos esquecer isso antes que eu mude de ideia e decida espancar você.
– resmunguei me levantando e puxando-a pela mão. – Você viu seu pai?

- Não. – foi a resposta dela, mas por algum motivo eu não acreditei. - Sentiu
minha falta? – apontei o dedo em seu peito.

- Sim.

Selei nossos lábios e, para a minha surpresa, Lisa foi logo invadindo minha
boca com sua língua sem pedir permissão.
Eu me senti perdida, despreparada para tal coisa. Lisa não costumava ser tão
desesperada ou dominadora em nossos beijos, mas agora era como se a sua
vida dependesse disso.

Nos beijamos calorosamente, explorando e chupando os lábios uma da outra


sem pudor algum. Éramos apenas nós e a saudade.

Lisa arrastou as mãos pelo meu abdômen provocando faíscas em todo o meu
corpo, mas suas mãos não paravam, ela apertou minha bunda com força,
quase cravando as unhas, e me impulsionou contra a árvore fazendo com que
minhas pernas se entrelaçassem em sua cintura. Soltei um gemido sôfrego e
ao mesmo tempo surpreso.

Estávamos sendo levadas pela luxúria e eu nem mesmo me senti culpada por
isso, não com Lisa empurrando seu quadril contra o meu e chupando minha
língua de uma forma lenta que me tirou da órbita por belos segundos.

Eu estava simplesmente pegando fogo com aquela nova Lisa. Ela me beijava
com tanta paixão, tanto amor, como se... Como se fosse nosso último beijo.

Soltei outro gemido baixinho quando sugou meu lábio inferior e partiu o beijo
me colocando novamente no chão com as pernas bambas.

- Caramba, Isso foi... Incrível. – constatei completamente ofegante. Lisa


juntou nossas testas e não parava de me olhar como se desejasse, mais do que
qualquer coisa, gravar minha imagem em sua mente. O problema era a falta
de brilho em seus olhos que estava me incomodando. – Você está bem?
Lisa puxou o ar como se tivesse dificuldade em respirar e me deu um selinho
demorado, seu braço direito me abraçando possessivamente enquanto as
minhas pousavam em seu ombro com tranquilidade.

- Eu só senti sua falta. – ela disse, e eu detectei mais uma mentira aquela
tarde.

Levei em consideração sua frustração em não conseguir o dinheiro para o


tratamento do meu pai, então resolvi dar o espaço que ela precisava sem
empurrar perguntas demais. Eu conhecia Lisa o suficiente para saber que no
momento certo ela se abriria de livre e espontânea vontade, bastava esperar.

- Sabe em que árvore nós estamos agora? – perguntei procurando quebrar o


clima de velório que se instalara entre nós enquanto ela ainda me olhava com
uma intensidade que deixava meu coração desenfreado. – Harry contou em
uma das cartas que nunca se esqueceria das tardes que passou com Sarah
debaixo da árvore em frente ao lago. E essa é a árvore mais velha e próxima ao
lago, então...

Lisa tinha uma expressão confusa no rosto enquanto pensava. Confesso que
simplesmente amava seu nariz franzido quando ela precisava se concentrar
demais, mas sempre seria suspeita ao falar de Lisa quando tudo nela se
tornava apaixonante para mim.

- Oh! – ela exclamou arregalando os olhos ao observar a árvore mais


atentamente atrás de mim. – Será que eles faziam o mesmo que estamos
fazendo agora?

Sorri com seu comentário inocente e deixei minha cabeça tombar encostando
minha testa em seu ombro.
- Se Harry prensava Sarah contra a árvore para alguns amassos? Eu não faço
ideia. – brinquei.

Senti quando ela apertou o moletom de Columbia que eu usava com força,
mas ainda sim, não sorriu.

- Chaeyoung? – levantei o rosto para encará-la quando me chamou. Havia


carinho e amor estampados na forma como me olhava, mas seu cenho
continuava franzido como se sentisse dor. – Se hoje fosse o nosso último dia
na terra... Como você desejaria que fosse?

Minhas mãos automaticamente afastaram seu corpo de mim empurrando-a


levemente pelo ombro, meu coração começou a bater rápido e a descrença
estava plantada em meu rosto.

Eu mal poderia descrever as sensações devastadoras que me preencheram


com aquelas palavras, mas então ela sorriu.

Ela sorriu de uma forma genuína e meu corpo relaxou, porque ela sempre
sorria quando me assegurava de que tudo estava bem, e eu confiava nela.

- Pode ser em uma casa abandonada com velas ao redor e sexo gostoso com
minha namorada? – provoquei descendo o zíper da jaqueta que ela usava.
Deslizei as duas mãos por baixo da camisa branca fazendo Lisa fechar os
olhos apreciando o carinho.

- Chaeyoung... - ela choramingou com um sorrisinho preguiçoso. – Eu estou


falando sério.
Tirei minhas mãos de dentro de sua blusa fazendo um bico frustrado e
entrelacei nossas mãos ouvindo um resmungo manhoso dela pela falta de
contato.

Nós sorrimos uma para a outra, e começamos a caminhar abraçadas pelo


terreno do rancho. Lisa mantinha o olhar baixo enquanto eu a analisava.

- Eu não sei. – respondi dando de ombros. – Acho que ia amar voltar naquele
terraço onde tivemos nossa primeira conversa civilizada. Você lembra? – ela
concordou com a cabeça ainda sem me olhar. – Seria ótimo observamos as
estrelas e New York, só você e eu...

Lisa levantou os olhos do chão parando de andar quando já estávamos em


frente ao Dodge estacionado na entrada. Lá estava aquele olhar penetrante,
eu poderia jurar que ela estava lendo minha alma naquele momento.

- É isso que você quer? – ela perguntou séria. Eu percebi que estávamos
mesmo falando sobre o encontro desta noite.

- Sim? – respondi incerta. – Lisa, tem algo errado?

- Não. – ela negou com a cabeça e desviou o olhar para longe. – Eu só quero
ter esse momento com você. Pode me emprestar seu celular?

Mesmo estranhando seu comportamento, tirei o celular do bolso da calça e o


entreguei a ela que me deu um selinho em agradecimento.

Observei atentamente enquanto ela procurava alguma coisa no aparelho, meu


coração estava apertando, me dizendo que havia algo muito errado com Lisa e
que eu deveria me preocupar.
Parte de mim me dizia que tinha a ver com a viagem à Los Angeles, e ainda
mais, que Marco estava envolvido em seu comportamento estranho. Mas eu
confiava minha vida à Lisa, e se ela estava me dizendo que não tinha ido até
ele, eu precisava acreditar.

- Alô? Irene? Aqui é Lalisa Manoban. – dei dois passos para trás totalmente
incrédula. – Será que eu posso ir com Chaeyoung até o seu apartamento hoje?
Na verdade, eu preciso usar o terraço. Não... Nós não vamos transar nele. –
corei furiosamente e encarei o pássaro voando que parecia muito mais
interessante agora. – Ok... Ok. Obrigada, até.

Lisa travou o celular e me entregou com um sorrisinho fofo nos lábios. E lá vai
meu coração acelerar outra vez.

- Podemos ir? – perguntei, entrelaçando nossas mãos outra vez quando


recomeçamos o caminho até o carro. - Você vai mesmo me levar até lá?
Tipo... Você está falando sério? – eu ainda não podia acreditar que ela estava
mesmo fazendo isso por mim, a felicidade dançava em meu peito amando
toda a estranheza repentina daquela garota.

Abri a porta do carro e me joguei no branco do passageiro sem cerimónias,


estava com um sorriso enorme plantado no rosto. Lisa fez o mesmo e ligou o
rádio por costume girando a chave na ignição com a mão trêmula, mas eu
ainda a encarava sem acreditar no que aquela garota de olhos castanhos
estava fazendo, e, ainda sim, imaginando que seu nervosismo seria pela nossa
noite especial.

- Eu acho que Irene vai adorar nos receber. – ela sorriu manobrando o carro
no terreno. – Nós vamos passar no meu dormitório antes e pegar o violão, ok?
O caminho todo até Columbia foi sobre mim. Eu tagarelei sobre meu pai, a
decisão de ainda deixar Juilliard caso o chefe do meu pai não ajudasse; contei
sobre Jennie ter ido até a minha casa pedindo desculpas pela forma como me
tratou. Ela tem sido muito protetora comigo desde que nos conhecemos, ver
sua melhor amiga jogar os sonhos pela janela não era algo totalmente fácil de
aceitar, e eu a entendia completamente.

Lisa apenas concordava e acenava com a cabeça, aquele jeito estranho desde
que ela chegara não tinha desaparecido, muito pelo contrário, ela parecia
mais aflita a cada tic tac do seu relógio de pulso.

Ela estacionou o carro do lado de fora do campus e nós descemos em silêncio.


Eu não gostava de estar ali outra vez, mas não reclamei em nenhum momento
e não pretendia fazer isso para não aborrecê-la.

Como a garota cheia de surpresas que ela era, Lisa adentrou o prédio com
uma expressão inabalável para os estudantes que estavam espalhados pelo
gramado.

Os óculos escuros de acordo com a jaqueta, o batom vermelho em destaque e


os tênis desgastados sempre chamava atenção, fosse na faculdade ou na rua.

Estar ao lado dela me fez sentir pequena por um momento, mas Lisa pareceu
notar isso e passou um braço pelo meu ombro deixando bem claro que
estávamos juntas, e que ela era minha.

Eu vi o queixo de muita gente cair assim como o meu, mas não ousei olhar
para cima, algo estava muito errado com Lisa e eu descobriria ainda essa
noite.
Eu esperava encontrar Momo no dormitório e matar a saudade que sentia da
minha amiga, mas ele estava vazio e completamente desorganizado; Lisa fez
uma careta quando viu uma calcinha em cima do ventilador, e eu sabia que
não era dela pelo rosto do Capitão América estampado na calcinha. Lisa odeia
o Capitão América.

- Você não precisa segurar minha mão por necessidade. – eu expliquei


quando Lisa começou a revirar o quarto atrás do violão. – Aquelas pessoas te
olharam como se você tivesse enlouquecido.

Ela parou o que fazia repentinamente e me encarou. Me encolhi contra a


porta sentindo seus olhos queimarem os meus com intensidade.

- Eu não poderia me importar menos com eles agora, Chaeyoung. – ok, ela me
chamou de Chaeyoung.

Me calei diante essa resposta encostando na porta em silêncio e esperando


que ela encontrasse o tal violão preto.

Ás vezes Lisa fazia jus ao ídolo que carregava a fama entre os fãs como o
homem de preto, por usar roupas e acessórios na cor preta. Querendo ou não,
preto deixava Lisa extremamente atraente, e eu simplesmente amava isso
nela.

Quase meia hora depois, nós saímos do dormitório juntas outra vez; Lisa com
o violão nas costas e nossas mãos entrelaçadas. Nós compramos dois
copinhos de Ben&Jerry e seguimos comendo no caminho até o edifício onde
Irene morava, agora com Lisa mais quieta que o normal para o meu
desespero.
Liguei para Irene avisando que tínhamos chego assim que Lisa estacionou, e
ela nos recebeu na portaria com um sorriso sincero que eu apreciava pelo fato
de ela ter compreendido que Lisa e eu estávamos juntas.

- Eu pensei que vocês não fossem vir. – ela nos puxou para dentro do
apartamento que me levou aos flashbacks da noite da festa com todas aquelas
pessoas se pegando sem pudor e a música ensurdecedora. – Jisoo me ligou
pedindo que eu fosse à sua casa para conversar, até imagino que tenha
discutido com Jennie pela quinquagésima vez.

Franzi o cenho com o comentário. Jennie não me contou nada sobre uma
discussão com Jisoo.

- Obrigada mais uma vez, Irene. É muito legal da sua parte nos ceder seu
apartamento. – eu disse timidamente.

A ruiva deu um largo sorriso e entregou uma Chaeyoung chave na mão de


Lisa.

– Sem problemas, amigos servem pra essas coisas. – deu uma piscadela para
nós duas e apontou para a chave. - Essa é a chave do apartamento, sintam-se
em casa, só não... Vocês sabem.

Cobri o rosto com as mãos sentindo meu rosto esquentar com seu comentário
sugestivo. Lisa acenou com a cabeça acompanhando Irene até a porta e a
trancando em seguida.

Ela soltou um longo suspiro, como se estivesse prendendo o ar por tempo


demais, e então me olhou.
- O lugar é bonito sem as luzes de efeito, copos jogados no chão e pessoas
transando na sala. – Lisa comentou analisando tudo com cuidado, mas eu
sabia que ela queria quebrar o gelo ou tentar manter-se calma. O que, na
verdade, só me deixava nervosa, porque algo em meu peito se apertava cada
vez que os olhos verdes desviavam dos meus. – O pai dela deve ser rico.

- Na verdade ele é médico, então... – dedilhei o piano preto da Yamaha que


estava no canto da sala. – Irene ama esse piano.

Lisa olhou o piano por um momento e então desviou os olhos para mim. Eu
não sei dizer quanto tempo ficamos apenas nos olhando, mas sei que foi o
suficiente para quebrá-la por dentro.

Pela forma como ela torceu o rosto e afastou-se com os ombros caídos, eu
sabia que estava prestes a chorar. Eu só esperava que Lisa não tivesse
mentido sobre Los Angeles, e que Marco não a tivesse ameaçado outra vez
como vinha fazendo nos últimos dias caso eles tenham se encontrado.

- Vamos subir. – sugeri apontando para a escada de incêndio.

Lalisa assentiu me seguindo até a porta do terraço em silêncio. Girei a


maçaneta e empurrei a porta com um pouco de força devido à ferrugem, e
então o céu escuro do dia 27 de Janeiro de 2017 nos foi revelado outra vez.

Lá estávamos nós, no mesmo terraço em que nos encontramos por obra do


destino naquela noite que mudaria a minha vida.
Olhei para Lisa encontrando seu corpo parado ao lado do meu. Suspirei ao
encarar seu perfil, os cabelos esvoaçando devido ao vento, os olhos
concentrados em algo que eu não me importava agora.

Lalisa nunca teria noção do quanto era linda, e talvez nunca entendesse o
tamanho do amor que eu sentia por ela. Como se lesse meus pensamentos, ela
me olhou e sorriu de canto, não o sorriso que eu amava, mas um triste e
amarelo.

Agarrei seu braço direito e caminhamos em passos lentos até a beirada do


terraço, onde poderíamos observar o trânsito caótico de New York, e, se
forçasse um pouco os olhos, uma parte do Central Park ao longe.

Lisa me puxou até um banco de pedra na beirada do terraço deixando o violão


no canto.
Eu desdobrei as mangas do moletom até cobrir as minhas mãos devido ao frio
que fazia lá em cima, e ela me abraçou por trás até que minha cabeça
repousasse em seu peito.

O silêncio era desconfortável para mim que desejava saber o que se passava
na mente de Lisa. Repousei os olhos no céu que, infelizmente essa noite,
estava sem estrelas.

- Eu acho que esse lugar é a nossa Jerusalém, ou algo assim. – ela disse em
meu ouvido. – Foi o começo de tudo, e se nos perdemos no meio do caminho,
talvez possamos nos reencontrar aqui, nesse mesmo lugar.

- Eu te encontraria em qualquer lugar, Lalisa. – eu disse a apertando mais os


seus braços contra mim.
Lisa começou a rodar a aliança no dedo em ansiedade e eu abaixei meus olhos
para observar melhor os movimentos. Nós ficamos novamente em nosso
desconfortável silêncio, seria um momento gostoso se ela não estivesse tão
nervosa que não pudesse parar suas mãos no lugar.

- Por que eu sinto que você preparou isso tudo para me dizer alguma coisa? -
eu finalmente criei coragem para perguntar.

Eu sempre tive medo de perguntar ou saber a resposta por temer estar certa.
Eu senti que Lisa estava tentando me dizer algo desde o momento em que nos
encontramos essa tarde, e eu deixei passar, tentei a todo custo imaginar que
era algo passageiro, que logo seu bom humor estaria de volta.

Eu queria a minha namorada de volta. Porque aquela garota envolvendo meu


corpo num abraço era como uma estranha.

Lisa endireitou-se no branco me abraçando ainda mais forte, ela enterrou o


rosto na curva do meu pescoço e inalou o meu cheiro sem responder de
imediato a minha sugestão. Ela estava a ponto de desabar e eu não sabia o
que fazer, eu não poderia ajudá-la sem saber o motivo, e algo me dizia que era
relacionado ao pai dela, talvez ele fosse voltar ou quisesse que ela fosse morar
em Los Angeles, pensei em todas as possibilidades, mas nada fazia sentido no
momento.

Então eu retribui o abraço sendo o máximo que eu poderia fazer por ela
naquele momento, acariciei seus braços em volta do meu tronco e esperei que
ela tivesse o tempo dela para se recuperar, deixando que minha mente criasse
um turbilhão de hipóteses, e nenhuma delas terminava aquela noite com um
final feliz.
Depois do que pareceram horas, Lisa levantou o rosto do meu pescoço e me
fitou desolada quando virei meu corpo para observá-la melhor; ela não
chorava, mas também não fingia estar bem.

Pela primeira vez no dia, Lisa deixou a dor ser estampada claramente em seu
rosto e a forma como ela me olhava agora balançou todos os meus sentidos.

Então ela se aproximou e me beijou. Não um beijo desesperado e possessivo,


dessa vez ela foi calma e paciente. Pediu passagem com a língua e eu cedi
deixando que ela mantivesse o controle. Suas mãos pousando em cada lado do
meu rosto, sua língua macia acariciando a minha com suavidade, calma,
paixão...

Lisa partiu o beijo deslizando os lábios pelo meu rosto lentamente. Fechei os
olhos sentindo cada toque com o coração acelerado, arfando com os beijos
cuidadosos que ela tratou de deixar em cada Chaeyoung parte do meu rosto.
Em cada sobrancelha, no meio delas, em cada olho, no meu nariz, mandíbula,
bochechas, queixo e, por último, novamente os lábios.

Quando juntamos nossas testas, ela ainda segurava meu rosto com as duas
mãos trêmulas.

- Lembra quando você disse que preferia usar a música quando as palavras
não eram o suficiente? – ela perguntou com a voz rouca e baixa, quase como
se ela se punisse por dizer cada palavra. Eu assenti me sentindo miserável sob
aquele olhar desolado. – Eu preciso dizer uma coisa importante, e preciso que
você preste atenção.
Permaneci em silêncio quando Lisa inclinou o corpo para trás na intenção de
pegar o violão. Me virei no banco ficando de frente à ela e cruzei minhas
pernas em estilo indiano.

Lisa se endireitou agora com o violão preto nos braços, ela novamente evitava
o contato entre nossos olhos.

Esperei pacientemente que ela tivesse seu tempo para iniciar a música. Suas
mãos tremiam tanto que levou alguns bons segundos para encontrar o acorde
certo, segundos estes que esmagavam o meu coração.

Quando ela começou, notei que eu não conhecia a música, talvez fosse uma
dessas populares, então me concentrei em prestar atenção na letra.

Summer after high school when we first met, we'd make out in your
Mustang to Radiohead, and on my eighteen birthday we got matching
tattoos.

Verão, depois do ensino médio, quando nos conhecemos nós nos beijávamos
no seu Mustang ouvindo Radiohead e no meu aniversário de 18 anos, nós
fizemos tatuagens iguais

Sorri com a letra, de uma forma incerta se tornava nosso jeito de lidar com
nosso namoro. Lisa cantava com a voz rouca e suave enquanto encarava o
chão, mas nada poderia ser mais lindo que sua voz ecoando naquele terraço.

Used to steal your parents' liquor and climb to the roof, talk about our future
like we had a clue. Never planned that one day I'd be losing you.
Costumávamos roubar as bebidas dos seus pais e subir no telhado conversar
sobre nosso futuro como se soubéssemos de algo nunca planejei que um dia
eu estaria perdendo você

Meu sorriso vacilou por um momento, o mesmo momento em que Lisa


finalmente ergueu os olhos para mim.

In another life, I would be your girl, we'd keep all our promises, be us
against the world. In another life, I would make you stay. So I don't have to
say you were the one that got away... The one that got away

Em uma outra vida, eu seria sua garota nós manteríamos todas as nossas
promessas, seríamos nós contra o mundo em uma outra vida, eu faria você
ficar assim eu não teria que dizer que você foi aquele que foi embora ...
Aquele que foi embora

Até mesmo Lisa vacilou na última parte do refrão. Eu já não sorria, o calafrio
percorreu meu corpo com as novas possibilidades se formando em minha
mente, possibilidades essas que não poderiam de nenhuma forma serem
válidas. Engoli em seco e na estrofe seguinte, a voz de Lisa saiu falha, baixa e
abalada.

I was June and you were my Johnny Cash. Never one without the other, we
made a pact. Sometimes when I miss you, I put those records on. It's time to
face the music, I'm no longer your muse...

Eu era a June e você era meu Johnny Cash nunca um sem o outro, nós
fizemos um pacto às vezes, quando eu sinto sua falta, eu coloco aqueles
discos para tocar, whoa alguém disse que você removeu sua tatuagem te
viram no centro da cidade, cantando blues é hora de encarar a música, eu
não sou mais a sua musa

Abracei meu próprio corpo evitando ser afetada por aquela letra.

O que Lisa estava tentando me dizer? Ela não poderia... Ela não estava... Não!
É claro que não... Lisa sabe que eu mal posso respirar sem ela, nós... Ela
prometeu. É, ela prometeu que nunca me machucaria então aquela letra não
fazia o menor sentido.

In another life, I would be your girl. We'd keep all our promises, be us
against the world. In another life, I would make you stay, so I don't have to
say you were the one that got away... The one that got away.

Em uma outra vida, eu seria sua garota nós manteríamos todas as nossas
promessas, seríamos nós contra o mundo, em uma outra vida, eu faria você
ficar assim eu não teria que dizer que você foi aquele que foi embora ...
Aquele que foi embora

Ela terminou a música com os olhos marejados, me olhava como se pedisse


perdão por algo horrível que estava prestes a fazer e eu estava entrando em
pânico.

Engoli novamente em seco, o silêncio entre nós pela primeira vez não era
desconfortável, mas sim aterrorizante, então eu tomei a frente decidida a não
deixar que ela fizesse o que eu sabia que faria.

- Isso foi... Intenso. – comentei analisando o rosto pálido de Lisa. Então me


levantei sentindo minha respiração falha e continuei abraçada ao meu corpo
como forma de proteção da pessoa a quem eu deveria me sentir segura. – Está
tarde... Será que... Será que podemos ir?

Dei alguns passos em direção à saída com o corpo todo tremendo, fosse de
medo ou antecipação, naquele momento eu só queria sair daquele lugar e me
afastar de Lisa até que ela voltasse a ser a pessoa que eu amava.

- Chaeyoung. – ela me chamou logo atrás com a voz carregada, eu me virei


ainda mais desesperada. Não podia deixa-la chegar lá, ela não... Não!

- Nós precisamos ir, minha mãe deve ter feito janta e...

- Chaeyoung... – ela deu mais um passo em minha direção, mas eu recuei


dois.

- Está frio, Lisa! – exclamei sentindo meu rosto ser banhado pelas lágrimas
que eu já não me importava em segurar. Minha frase saiu com duplo sentido,
mas eu sabia que ela tinha entendido quando pareceu afetada. – Eu estou
com frio! Vamos para casa.

- Chaeyoung, eu não vou para casa com você! – ela disse como se finalmente
cuspisse as palavras que vinha segurando desde que voltara da maldita
viagem. E então ela me quebrou.

(Play na música Saturn - Sleeping At last)

Eu me senti afetada. O mundo explodiu dentro de mim, o mundo que eu


criara em torno de Lisa; foi como um soco certeiro, algo que fez meu
estômago embrulhar, e eu precisei apertá-lo ignorando o incomodo. Eu vi
veracidade em suas palavras quando Lisa trancou a mandíbula, quando os
olhos castanhos não refletiam nada além de dor e lágrimas de culpa.

O pânico dominou meu corpo me deixando em estado catatônico por meros


segundos que mais pareceram horas, dias, anos... Eu não conseguia mover um
músculo sequer sem me sentir quebrada. Mantive meus olhos, inocentemente
procurando sinais de mentira, nos de Lisa, e a observei cair em lágrimas
diante de mim, desabando internamente como se tentasse me dizer mais do
que realmente podia. E ela chorava como... Como uma criança.

- O que você está...? Lisa? – chamei sentindo a dor em meu peito se


intensificar. – O que você está dizendo? - Lisa fechou os olhos com força e
levou as mãos ao rosto, eu podia ouvir seus soluços dolorosos. – Eu fiz alguma
coisa? Me perdoa, por favor... Eu sei que não tenho sido uma boa namorada,
eu perdi o controle alguns dias atrás com você, mas eu... Eu vou dar um jeito
nisso, nós vamos ficar bem...

Lisa negou com a cabeça deixando que suas mãos caíssem ao lado do corpo,
ela respirou fundo e me olhou com um brilho novo que eu não conhecia, uma
determinação que me deixou totalmente apavorada. Meu mundo caiu.

- Eu não posso mais fazer isso, Chaeyoung! Não é o problema de alguns dias
atrás, não é!

- Então o que é? Me diz e eu posso dar um jeito, eu faço qualquer coisa. – me


aproximei segurando seu rosto entre as minhas mãos. Eu sabia que ela estava
tão quebrada quanto eu, seu corpo trêmulo e as lágrimas não negavam isso. –
Você não pode me deixar, está me ouvindo? Você não pode! – engasguei com
o choro desabando em seus braços ao sentir meus joelhos fraquejarem.
Nós desabamos juntas no cimento frio do terraço. Eu me agarrava a sua
jaqueta como se minha vida dependesse daquele toque e eu sabia que, de
certa forma, dependia. Lisa era o motivo de tudo, a razão de tudo e o meu
tudo.

- Chaeyoung. – ela me chamou com a voz fraca e eu a olhei ainda soluçando.


Nós estávamos a centímetros uma da outra, mas internamente eu a sentia tão
longe, tão inalcançável. – Quando eu entrei naquela faculdade pela primeira
vez, eu não imaginava que encontraria a única pessoa capaz de fazer meu
coração bater tão rápido em felicidade e minhas pupilas dilatarem como uma
louca viciada. Mas eu encontrei você, Chaeyoung. A minha garota do laço
vermelho ao pulso. Eu mal tinha visto o seu rosto, e de repente você já
habitava os meus sonhos e pensamentos. Eu não me importei se você era uma
garota ou não, tudo o que eu queria era tê-la só para mim da forma mais
egoísta que uma pessoa pode querer a outra. Eu era sua antes mesmo de ter
um nome para a sua forma. – meu choro estava alto, senti como se todo o
líquido do meu corpo tivesse saindo pelos meus olhos conforme a dor em meu
peito aumentava, mas eu não me importava. Lisa segurou meu rosto e, apesar
das lágrimas desfocarem os meus olhos, eu pude ver o seu rosto se contorcer
em dor. – Quando você aceitou ser minha também... Chaeyoung, eu fiquei
dias sem dormir pensando em como acabei me tornando a garota mais
sortuda desse mundo. Eu sempre vivi dentro das regras do meu pai, pensei
que logo encontraria um cara legal por quem eu fosse me interessar, e então
nós nos casaríamos e seriamos a família perfeita. Agora, quando eu olho para
o futuro, vejo apenas você e nossos dois filhos correndo pela casa, os dois com
suas características; eu teria mais duas cópias de você para amar com tudo de
mim.

- Então por que está me machucando assim, Lisa? Se você me ama... Por que
está me deixando? – sussurrei incapaz de falar coerentemente.
O silêncio foi tomado pelos meus soluços e minha respiração alterada. Então,
quando ela falou, eu desejei que ela nunca o tivesse feito.

- Porque eu sou covarde. – ela respirou recomeçando a chorar, sua voz saiu
embargada. – Eu tenho medo das pessoas me julgando e não posso controlar
isso. Eu menti duas vezes hoje, e me odeio por isso, mas quando voltei à Los
Angeles para verificar o dinheiro da minha conta, me encontrei com meu pai,
e ele me bateu. – senti um nó se formar na minha garganta, eu já não sabia
mais se sentia raiva, ódio, medo, dor... Talvez tudo ao mesmo tempo. – Ele
descobriu tudo sobre nós e jogou coisas na minha cara que me fizeram
repensar a minha vida toda. Chaeyoung - ela respirou fundo, eu sabia que o
que ela diria a seguir me machucaria intensamente. - Eu não posso formar
uma família com você. – novamente a ânsia me atingiu, eu me curvei de lado
para o vômito, mas nada veio. Me afastei de seus braços com violência a
empurrando para longe de mim, aquela não era a Lisa que eu amava. Eu não
conhecia aquela estranha que estava me machucando. – Eu gostaria de ser
forte como você, gostaria de enfrentar os julgamentos que passaríamos
juntas, mas tudo o que eu sou é covarde. Você viu isso muitas vezes, fui uma
babaca em público com você não só uma vez, e eu não quero isso para nós. –
ela também levantou e eu ergui uma mão a intimando para que ficasse longe
de mim.

- Então por que me deu a mão na frente de todos hoje?

- Porque eu não me importo com eles, não mais. Columbia não existe mais
para mim a partir de amanhã. – Lisa disse, os ombros caídos denunciavam
uma garota exausta que sofria também em silêncio. – Chaeyoung, eu vou
embora para a França.
Precisei me agarrar ao pilar para não cair no chão quando meus joelhos
enfraqueceram outra vez. Tudo começou a rodar, eu sabia que desmaiaria a
qualquer momento, aquilo não podia estar acontecendo, não era real... Era
apenas um sonho. Acorde, Chaeyoung. Vamos, acorde, por favor, você precisa
acordar... Acorde. Por favor.

- Você... Você... – não consegui formular uma frase coerente.

Lisa se aproximou, mas dessa vez eu não tive forças para impedi-la.

- Eu sei que você me odeia agora, mas saiba que ninguém nunca vai me odiar
mais do que eu mesma. – ela disse em tom de súplica. – Eu amo você,
Chaeyoung. Nunca vou ser capaz de me apaixonar tão intensamente como eu
sou apaixonada por você, esse lugar já é seu. Eu amo tudo sobre você, sua
capacidade de perdão, sua compaixão, seu lindo coração que eu tive o prazer
de ter como meu. Eu te amo tão dolorosamente que estou deixando meu
coração com você. Eu te amo tão intensamente que parte de mim morreu no
instante em que precisei tomar essa decisão. Você me fez mulher, me fez sua e
isso ninguém pode mudar.

Balancei a cabeça em negação.

- Não me deixa, por favor... – implorei me perdendo nos olhos que um dia me
desnudaram em amor.

Lisa piscou algumas vezes deixando mais lágrimas caírem, e então sussurrou:

- Eu preciso ir.
Meu corpo se contraiu com essas palavras, a realidade batendo de frente
quando assimilei que não poderia mais beijá-la, tocá-la ou ver o seu sorriso
que enche o meu coração. Sem momentos em minha casa, sem discussões
infantis, sem noites de amor explorando o corpo uma da outra como um
mapa desconhecido. Sem ver as minhas esferas castanhas todos os dias ao
acordar, me fitando como se eu fosse a garota mais bonita do mundo.

- Então você está mesmo me deixando. – raciocinei comigo mesma. Eu não


sabia o que estava acontecendo, não me sentia consciente de tudo ao meu
redor. – Você está me proibindo de te amar... Lisa, você quebrou o meu
coração! – respirei sentindo meu corpo escorregar pelo pilar.

Eu caí sentada e Lisa ajoelhou-se de frente para mim, eu não tinha condições
de afastá-la ou segurá-la, meu corpo não obedecia nenhuma ordem que meu
cérebro ditasse.

- Eu sei que parti seu coração, meu amor, por isso me odeio tanto. - senti
quando ela encostou seus lábios nos meus sussurrando baixinho: - Beije-me
uma vez mais, e não me deixe ver os seus olhos. Perdoo-lhe o que você fez.
Amo a minha assassina... Mas não a sua. Como poderia? – uma pontada
atravessou meu coração e as lágrimas me traíram pela vigésima vez. – Eu te
amo, Chaeyoung.

Não consegui ver o seu rosto quando ela partiu. Ela apenas o fez. Lisa partiu
deixando um monte de memórias destruídas no chão daquele terraço.

Minhas vistas embaçaram, precisei puxar o ar com força me sentindo incapaz


de respirar sozinha, tudo estava girando, girando e girando ao mesmo tempo
em que a dor se dissipava dando lugar ao vazio na minha mente. Comecei a
perder a consciência aos poucos, tendo tempo apenas de sentir alguém
envolver meu corpo com os braços até tudo se tornar um nada.

♫♫♫♫♫

Pov Lalisa.

Eu dirigia tão rápido pelas ruas de New York que não me surpreenderia se
terminasse com a cara enfiada em um poste qualquer. Que se dane. Que se
danem também as multas que receberia pelos semáforos vermelhos que
atravessara. Que se dane tudo! Eu estava acabada, não existia mais uma
Lalisa Manoban. Essa tinha ficado para trás junto de Chaeyoung.

Agora existia um projeto de Marco Manoban, o homem do meu ódio que


conseguiu destruir a minha vida. Se meu pai era um monstro, eu com certeza
tinha me tornado uma cópia perfeita. Destruí a única pessoa capaz de me
fazer feliz, a única pessoa que me amou por quem eu sou e que me fez sentir
capaz que remover o mundo só pela felicidade dela. Eu amava Chaeyoung.
Amava ao ponto de desistir de tudo por ela.

Adentrei a casa dos Park sendo recebida por uma Ella saltitante. Sorri para a
cena e a recebi em meus braços para um abraço apertado de urso, sabia que
seria a última vez que veria a pequena, e a vontade de chorar foi inevitável. Eu
me controlei ao máximo a deixando no chão, seus olhinhos pretos,
perfeitamente iguais aos de Chaeyoung, brilharam ao ver a enorme caixa que
eu tinha deixado na varanda.

- Esse presente é pra mim? – ela perguntou pulando em volta da caixa.


Eu sorri e logo Diana apareceu confusa pelos gritos da caçula. Novamente
meu coração apertou ao ver a mulher que tinha meu respeito.

- Mamãe, a Lisa trouxe um presente! – a menina exclamou extasiada com os


olhos cintilantes.

Diana gargalhou me puxando para um abraço. Eu aproveitei para fechar os


olhos procurando me recordar daquele momento.

– Eu posso abrir?

- É claro que você pode abrir. – abracei Diana pelo ombro e observei a menina
desembrulhar o presente quase em desespero. Seus olhos quase saltaram da
órbita quando viram a guitarra rosa claro dentro da caixa. Ella começou a
gritar abraçando a caixa, e eu não poderia me sentir mais alegre por tê-la
agradado. Diana me lançou um olhar agradecido, eu precisava ser muito forte
para não chorar. – Eu ouvi uma conversa de vocês outro dia. Ella queria
muito essa guitarra e eu sei que vocês não podem gastar dinheiro agora,
então...

Diana me abraçou outra vez com tanta força que eu pensei que fosse quebrar
as minhas costelas.

- Obrigada, Lisa. Eu já não sei mais como agradecer o anjo que você tem sido
conosco.

Meu sorriso morreu quando me lembrei do real motivo por estar lá. Eu não
era um anjo. Eu seria a devastação de Chaeyoung.

- Mark está?
Fui tirada de meus pensamentos quando uma buzina alta soou logo a minha
direita e eu me dei conta de que tinha atravessado outro sinal vermelho sem
olhar para os lados. Joguei o carro para a esquerda entrando desenfreado na
contra mão que, por sorte, estava vazia, e acabei parando no canteiro de obras
sob reclamações de alguns operários.

- Inferno! – gritei socando o volante quando voltei com o carro para a pista,
eu estava sucumbindo às lágrimas.

Minha mente estava nebulosa, as lembranças de momentos únicos entre


Chaeyoung e eu me destruindo a cada segundo. A lembrança de sua
gargalhada, dos seus beijos atrapalhados, da sua forma de me olhar com
amor. Eu nunca mais poderia ter isso dela. Nunca mais.

- Devo acreditar que está em meu quarto, tremendo, sem Chaeyoung, e com
os olhos inchados apenas para checar se eu estou bem? – Mark perguntou
depois que entrei no quarto.

Ele estava deitado na cama de casal com um edredom branco até o peito, em
suas mãos repousava o controle da TV agora desligada, e seus olhos refletiam
preocupação.

Fechei os olhos sentando na beirada da cama, próxima o suficiente para que


Diana não ouvisse do lado de fora caso resolvesse ouvir atrás da porta. Mark
estava sentado contra a cabeceira me analisando atento, talvez ele fosse a
única pessoa capaz de entender minha situação no momento, e eu precisava
desesperadamente da ajuda dele.

- Eu preciso que você não me odeie pelo que eu vou dizer agora.
Mark apertou os olhos em minha direção.

- Você a traiu?

- O que? Não! Deus! Eu nunca faria isso, eu amo Chaeyoung. – exclamei


assustada.

- Então?

Respirei fundo não impedindo as lágrimas de descerem, não me importava se


estava sendo fraca ou não.

- Eu fui até LA pedir dinheiro para o seu tratamento ao meu pai. – Mark
arregalou os olhos, mas eu continuei antes que protestasse. – Eu sei, por isso
menti para Chaeyoung. O problema é que meu pai já sabia de tudo sobre nós
duas e me agrediu por isso, eu realmente não me importei em apanhar dele, já
não o considero meu pai e Chaeyoung é a minha prioridade. Sempre vai ser.
Eu o enfrentei dizendo que ficaria com ela porque estávamos namorando,
então ele pirou e começou a jogar muitas coisas na minha cara, uma delas foi
a sua doença e a falta de dinheiro para o tratamento... Eu sei, ele é um
monstro. – intercalei quando vi Mark ficar vermelho de raiva. – Então ele me
propôs deixar Chaeyoung em troca do dinheiro. Eu a deixaria, e ele bancaria
tudo o que você precisasse, esse seria o trato. Eu relutei no começo, eu juro
que tentei contestar... Até me lembrar de que Chaeyoung está disposta a
deixar Juilliard para assumir as responsabilidades de casa.

- O que? – Mark exclamou apertando o controle com força. – Ela não pode
fazer isso!
- Eu sei, por isso aceitei a proposta. – fui direta e vi o rosto de Mark passar de
vermelho para o pálido. – Eu vou sumir da vida de Chaeyoung, e em troca
você precisa me prometer que vai cuidar dela, Mark. Chaeyoung vai precisar
de todo apoio possível, e eu não posso ficar entre o sonho dela e vocês. Se o
meu desaparecimento ajudá-la a ser o que sempre sonhou e manter o herói
dela vivo, eu estou disposta a despedaçar meu próprio coração. Chaeyoung vai
sofrer nos primeiros meses, eu sei que vai, mas então ela terá que se
preocupar com a sua recuperação e o sonho em Juilliard; as
responsabilidades vão começar a fazer parte da rotina dela, e então, quando
menos esperar, ela me esquecerá.

- Lisa... – ele tentou dizer, mas eu neguei com a cabeça.

- Apenas aceite. É o meu presente. Mas eu preciso que seja nosso segredo,
Chaeyoung nunca aceitaria o dinheiro do meu pai... Diga que vai pedir
empréstimo ao seu chefe, eu vou dar as coordenadas para você do meu novo
celular. – enxuguei as lágrimas com as costas da mão. – Não conte nem
mesmo para Diana, sabemos como ela é por Chaeyoung. Eu sei que estou
pedindo demais, mas é o futuro de Chaeyoung que está em risco aqui. E,
assim como eu, sei que você também quer vê-la realizando um sonho. Quem
sabe ela não encontre alguém que cure as feridas que eu deixar? O futuro é
um mistério agora, mas eu estou cuidando disso para Chaeyoung.

Mark também chorava em silêncio agora. O homem me puxou para um


abraço e afagou meus cabelos, ele sabia que eu precisava de conforto mais do
que nunca.

- Você salvou minha família, Lisa.


Talvez eu tenha feito a coisa certa ao contar horas depois para Momo e Jisoo.
As duas piraram comigo, mas Momo foi a mais realista por conhecer meu pai;
Jisoo informou que Jennie me caçaria até no inferno quando descobrisse, e eu
não duvidava disso, então pedi que ela contasse a verdade apenas quando eu
tivesse partido para a França.

Tudo estava planejado quando me encontrei com Chaeyoung no rancho


abandonado, assim que combinamos o lugar onde teríamos nosso último
momento, enviei uma mensagem para Jisoo pedindo para que ela chamasse
Irene até sua casa para conversar. Na segunda mensagem, eu pedi a Momo
que fosse até o apartamento de Irene, onde eu eventualmente deixei a porta
destrancada, assim ela poderia acolher Chaeyoung quando eu saísse.

Eu sabia o que aconteceria... Eu a conhecia melhor do que ninguém.

Estacionei o carro na entrada no The Village me sentindo exausta de dirigir


pela cidade sem rumo. Não me lembro de ter acionado o alarme quando desci
do carro, também não me lembro de muita coisa a partir dai. Não sabia como
ainda tinha forças para andar pelo tanto que tinha chorado naquele dia, só me
arrastei até uma mesa vazia e me sentei encarando o nada.

- Lisa? – ouvi uma voz conhecida. Ergui o olhar encontrando o velho garçom,
Eli, que me analisava preocupado. – Deseja alguma coisa?

- O que você tem para um coração partido? – perguntei cedendo ao cansaço.

Abaixei minha cabeça entre os soluços, a dor queimava tudo dentro de mim.
Senti uma mão afagar meu ombro gentilmente, eu sabia que era Eli.
- Eu não sei o que aconteceu, mas espero que a senhorita não esteja
arrependida.

Levantei a cabeça, sentia-me um tanto zonza pela fraqueza.

- Eu não me arrependo de tê-la deixado livre. – expliquei, mas meus olhos


estavam desfocados e eu dizia mais para mim mesma do que a ele. – Ela vai
ser feliz sem mim, eu sei disso. Ela precisa! Chaeyoung é a pessoa mais doce
do mundo, ela é uma flor que precisa de carinho e cuidado.

- E você não é a pessoa certa para isso?

Encarei os olhos escuros do homem por um instante, a música no fundo


bagunçando a minha mente turbulenta.

- Não, eu não sou. – respondi incerta. – Ela vai encontrar alguém que seja
livre, sem um futuro já escrito pelos pais. Espero que esse alguém seja capaz
de tratá-la como a princesa que é. Que não erre a comida vegetariana e...
Espero que alguém note a forma como ela sorri e o jeito que seus olhos se
fecham como se ela vivesse tudo intensamente. Apenas eu sei disso. - Eli me
olhou curioso e eu balancei a cabeça. - Porque esse sorriso costumava ser
reservado a mim.

Fechei os olhos pedindo minha primeira dose de uísque da noite.

♫♫♫♫♫

Dois dias depois.

(Play musica It's all coming back to me now - Celine Dion - escutem)
A família Park se encontrava reunida na igreja como de costume aos sábados.
Ella conversava baixinho com uma garotinha que sempre acompanhava a mãe
nas missas, Diana segurava a mão de Chaeyoung com força, desejando que
Lisa pagasse pela dor que tinha causado à sua filha.

Mark encarava o altar desejando poder se confessar logo e tirar todo aquele
peso dentro de si. O peso da verdade. Ele não conseguia lidar com o fato de
Chaeyoung acordar em meio à madrugada entre pesadelos, ou mentir para a
sua família dizendo que seu chefe tinha aceitado fazer o empréstimo. Lisa era
uma heroína, mas a dor de Chaeyoung havia sido substituída pelo ódio; ele via
isso nos olhos da filha quando o nome da Lisa era mencionado.

Chaeyoung encarava o nada a sua frente, sua mente vagando pelo


desconhecido a procura de algum sentido ao que estava acontecendo em sua
vida. Mas, no final do dia, o lado esquerdo do seu peito permanecia oco,
ciente de um órgão pulsante que agora só existia para essa função. Seus olhos
se voltaram ao Padre quando o ouviu mencionar uma palavra conhecida, uma
palavra que ela aprendera a odiar.

-... Porque o que Deus espera de nós nada mais é que o amor. Ele nos enviou
seu filho para que morresse para nos salvar, e se isso não é amor, então eu
não sei mais o que é. – ele deu uma pausa observando o silêncio dos fiéis. –
Ouvimos todos os dias falar sobre o amor para com o nosso Deus, mas nos
esquecemos de amarmos uns aos outros como Ele nos amou. E sim, eu
acredito em amor eterno, acredito também que seja o motivo de tudo.

Mark lançou um olhar cheio de significados à filha que continuava imersa em


sua própria dor. Ele queria gritar e dizer que Lisa tinha sacrificado tudo por
ela, você não pode odiar a pessoa que salva a sua vida, isso não é justo.
♫♫♫♫♫

A voz robótica informou o próximo voo para Paris, a capital da França. Os


passageiros começaram a se locomover entre si deixando Lisa perdida em
meio a tantas pessoas e suas dezenas de malas.

Daniela, sua irmã, ajustou seu casaco e lhe deu um beijo suave na bochecha
oferecendo em seguida um sorriso singelo. Daniela definitivamente se
orgulhava da irmã que tinha, e cumpriria a promessa de cuidar de Chaeyoung
o máximo que pudesse.

"Como é dito em Coríntios: O amor é sofredor, é benigno; o amor não é


invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta
inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não
suspeita mal; não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a
verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta."

Momo entregou a mala preta para Lisa com um sorriso forçado. Ela não
queria demonstrar, mas não queria ver sua melhor amiga partir. Momo
amava Lisa como uma irmã de infância e apesar de ver Chaeyoung em
pedaços, tudo em si doía quando olhava para Lisa, porque sua amiga estava
sacrificando a própria felicidade por amor.

Lisa abraçou Momo e as duas não se permitiram chorar naquele dia. Elas já o
tinham feito o suficiente no dormitório um dia antes, então tudo o que restava
era a certeza de um até logo.

Lalisa deu um beijo na testa da amiga e acenou para Daniela antes de virar as
costas com um suspiro pesado e desaparecer na multidão de pessoas.
♫♫♫♫♫

Observar as estrelas pelo buraco no teto da casa abandonada já não tinha


mais tanto significado como antes.

O engraçado é que eram as mesmas estrelas, mas não tinham a mesma


intensidade, elas eram apenas pontos brilhantes no céu.

Pontos que ela amou observar enquanto se encolhia no corpo nu de Lisa


depois de se tornarem uma só alma.

"Então eu lhes pergunto: Por que é tão difícil amar? Porque esse sentimento
nos machuca tanto quando deveria nos causar a felicidade plena? Eu
gostaria de ter a resposta para todas as perguntas. O que eu posso dizer por
agora, é que, no final de tudo, o amor é a única coisa que a vale a pena. Se
sorrimos, é por amor. Se choramos, é por amor. Se sofremos, também é por
amor. Porque Deus é amor e Ele está em tudo o que fazemos, sentimos e
pensamos. Deus nos deu o livre arbítrio por nos amar, então talvez o
significado desse sentimento seja deixar a outra pessoa livre para que ela
possa trilhar o próprio caminho."

Seus olhos pesaram vencidos pelo cansaço e Chaeyoung temeu fechá-los, era
torturante sempre que se deixava cair no sono. A imagem dela sempre
retornava para tirar-lhe o que restava de sanidade.

Assim que se deixou ser embalada em um sono profundo, sorriu


inconscientemente ao se deparar com duas esferas castanhas.

____________________
28

28 de Janeiro de 2017. - Primeiro ano da faculdade.

Dois dias antes.

O Campus de Columbia parecia mais frio do que de costume naquela quinta-


feira embora a temperatura marcasse 39° Fahrenheit. O corredor estava
deserto, os alunos se encontravam em uma festa de comemoração no
dormitório 32 devido à vitória do Giants em cima do Patriots horas antes,
porém o silêncio e a escuridão engoliam o dormitório 78 tornando-o sombrio
às 03h40 da madrugada, onde a luz do luar invadia parte da janela aberta
criando sombras magnificas nas paredes azul claro.

Dentre as roupas jogadas no chão, sapatos espalhados, e pedaços de um


coração partido, encontrava-se Lalisa Manoban, a Lisa dos olhos castanhos
que há poucas horas atrás tinha entregado seu bem mais precioso de volta ao
mundo.

Seu corpo sabia o quanto Lisa estava sofrendo, fazendo questão de entrar em
estado de letárgico, como se houvessem lhe aplicado várias doses de mofina
para que o sangramento em seu coração se dissipasse. Agora, sentada no chão
com as costas apoiada no beliche, Lisa observava as sombras na parede
oposta como se fossem seus próprios demônios rindo de sua queda
emocional, ela poderia até mesmo escutar as risadas animalescas se fechasse
os olhos. O violão preto esquecido em seus braços era um suporte no
momento, seus dedos dedilhavam as cordas sem ter realmente o que tocar,
porque apesar de seus olhos estarem focados nos demônios da parede, sua
mente divagava de volta ao terraço onde deixara os restos de uma lembrança
perfeita.

- Sete filhos, Lisa? Você ficou louca? – perguntou a mais nova com expressão
assustada. – Vamos começar apenas com Ethan. Ou Sarah, caso seja uma
menina.

- Ok. Ok. Você é quem manda. – revirou os olhos. – Enfim, vamos ter Ethan
ou Sarah correndo para cima e para baixo, eu vou chegar do trabalho e ver
minha linda esposa praticando em seu piano, vou beijá-la com toda a
saudade que senti o dia todo enquanto estava escritório. Depois do jantar
vou me sentar com Ethan, ou Sarah – Chaeyoung riu e Lisa continuou. – na
varanda e lhe ensinar a tocar violão, ou ouvir você lendo seus poemas. O que
acha? Ah, é claro, um domingo podemos visitar seus pais e no outro os meus.
E nos dias em que você precisar trabalhar fora, vamos precisar de uma
babá, mas acho que Momo vai adorar cuidar do nosso filho.

- Promete que vamos fazer isso um dia?

- Nós vamos lutar por isso. – respondeu quando Chaeyoung enfiou o rosto
na curva de seu pescoço. – Nós vamos lutar juntas, Chaeyoung.

Mais lágrimas deslizaram por sua pele pálida, ela não as enxugou dessa vez,
não havia mais necessidade disso, não quando elas não iriam parar tão cedo,
talvez nunca, mal sabia como suas glândulas lacrimais ainda produziam
tantas delas após horas intensas de choro.

Lalisa olhou o relógio na parede constatando que Momo ainda estaria com
Chaeyoung na casa dos Park com todos a odiando, seu coração apertou ao
imaginar Diana com raiva dela. É claro que a culpa não seria da mulher, ela
não sabia que Lisa tinha sido obrigada a escolher entre os sentimentos que
desenvolvera por Chaeyoung ou o futuro da garota, e como ela sempre deixou
claro, a felicidade verdadeira de Chaeyoung sempre seria sua prioridade, essa
felicidade que estava nos pequenos momentos com a família e na música.

Lisa rolou os olhos até o CD jogado no chão do Johnny Cash que tinha
emprestado uma vez a Chaeyoung, ela automaticamente pensou na história
de Johnny e June, e sentiu vontade de rir da ironia que sua vida se tornara
quando imaginou que seu fim seria como o de seu ídolo, viver os últimos anos
ao lado da mulher que ama.

Ainda com os olhos fixos no CD, Lisa dedilhou a devastadora versão de Hurt
que Johnny regravara; uma de suas músicas preferidas e, ironicamente, a que
descrevia seu momento ao pé da letra.

- I hurt myself today – fez uma pausa e contemplou outra vez o silêncio
deixando-se abraçar pela dor. Respirou fundo fechando os olhos quando
voltou a cantar com a voz rouca e baixa. - To see if I still feel. – fez outra
pausa, era como se cada respiração machucasse seu peito. - I focus on the
pain, the only thing that's real... – o celular ao lado anunciava uma caixa de
mensagens lotada com ligações perdidas de Jennie e Jisoo. Sua voz falhou
antes de continuar. - What have I become, my sweetest friend? Everyone I
know goes away in the end...

Algo chamou sua atenção quando passou pela sala 208. Lisa parou no
portal e tentou ao máximo não ser vista. Observou atentamente o que
parecia ser uma pequena orquestra, havia uma fileira de estudantes com
violoncelo e violinos no fundo da sala e de frente para eles uma garota com
um laço vermelho amarrado em sua mão que tocava piano delicadamente.
As coisas simplesmente aconteceram. Por algum motivo, os olhos de Lisa se
prenderam nos movimentos suaves da garota ao dedilhar o piano; ela tinha
cabelo castanho escuro até a cintura e a delicadeza de uma princesa dos
contos de fadas que sua mãe costumava ler antes de dormir quando
Chaeyoung. Seus movimentos eram tão concentrados, que Lisa desejou que
ela se virasse a qualquer instante para contemplá-la ainda mais.

As lembranças queimavam por toda a parte agora. Seus dias de glória ao lado
da princesa mais bela que o mundo tem sorte de abrigar, a forma como
Chaeyoung se embrulhava em seus braços como um bebê manhoso, a maneira
intensa como ela a olhava como se pudesse enxergar seu coração, sua alma e
tomar tudo para si. Lisa sabia, sim, ela sabia que não importaria o tempo que
passasse desde dia em diante, Chaeyoung sempre estaria lá, habitando a
melhor parte dela.

- And you could have it all, my empire of dirt. I will let you down, I will make
you hurt. – cantou controlando-se para não entrar em desespero, suas mãos
tremendo tanto que chegava a errar várias notas. - I wear this crown of
thorns, Upon my liar's chair. Full of broken thoughts I cannot repair. – ela
não aguentava mais, sua voz mal saía agora que seu rosto estava banhado em
lágrimas outra vez, sua respiração ofegava como se algo bloqueasse seu
pulmão. - What have I become, my... – tentou, mas engasgou na frase e
desabou a chorar, mal se importando com sua voz elevada, ela só queria que
aquela dor passasse de uma vez, que Chaeyoung irrompesse aquela porta e a
abraçasse dizendo que tudo ficaria bem, que elas estariam bem, mesmo que
fosse errado e egoísta desejar tanto que acontecesse.

Sua mente se tornou nebulosa e de repente a raiva contida em seu peito


explodiu. A imagem de Marco tranquilo lhe dizendo o que fazer naquele
escritório ativou toda a sua fúria e os demônios na parede finalmente se
calaram diante os olhos avermelhados de Lisa. Sem pensar no que estava
fazendo, levantou-se com o violão na mão direita e analisou mais uma vez o
quarto escuro repassando em sua mente os momentos que passara com
Chaeyoung ali, amando-a como sua mulher.

- Inferno! – gritou alto e num ato impensado, agarrou o braço do violão com
força o batendo contra a parede que abrigava as sombras de seus demônios.

O violão se transformou em pedaços quando Lalosa o largou. Marco tinha


destruído tudo e ela se odiava por ser filha de quem era; por ser tão submissa,
odiava o dinheiro sujo que tinha, odiava sua mãe por não ter coragem de
ajudá-la, odiava qualquer coisa no momento.

A porta foi aberta e uma Momo com expressão cansada passou por ela,
ficando chocada ao ver o que restou do violão no chão. Ela olhou para Lisa
que se mantinha encolhida, as mãos cobrindo o rosto e os soluços altos do
choro que podiam ser ouvidos lá de fora.

- Lisa – respirou aproximando-se hesitante da amiga. – Lisa? – chamou mais


uma vez e segurou o braço direito da Lisa que se virou no mesmo instante
para enfrentá-la. – Lisa!

Permitiu-se chorar ao ver o rosto inchado de Lisa. Seu olhar angustiado,


triste, pedindo para ser acolhida. O lábio inferior tremia e sua respiração era
deficiente. E quando ela falou, sua voz saiu num sussurro sôfrego:

- Eu a quebrei, Momo. Eu quebrei tudo de bom que existia nela...

Momo puxou a amiga pelos braços a envolvendo em um abraço apertado,


deixando que Lisa agarrasse sua blusa como se dependesse disso para viver.
Lalisa enterrou o rosto no ombro da amiga soluçando como uma criancinha
Chaeyoung que acabara de perder a mãe. Era doloroso assistir Lisa
desmoronar em seus braços.

- Shhh, não é sua culpa, Lisa. Não é culpa sua e muito menos de Chaeyoung. –
afagou os cabelos negros, seu coração rompendo pela segunda vez na noite. –
Se quer mesmo saber, você foi a pessoa mais corajosa que eu já conheci. Não é
como se qualquer pessoa fosse abdicar dos próprios sentimentos pela
felicidade de outra pessoa. Isso só prova que você a ama verdadeiramente, e
você sabe muito bem que eu nem mesmo acreditava nesse tipo de amor até
isso acontecer. – suspirou com a veracidade de suas palavras. Lisa foi se
acalmando em seu ombro, mas ainda tremia como se estivesse congelando de
frio apesar da temperatura estar alta. – Eu acho que nem mesmo você
acreditava, não é? Eu tenho tanto orgulho de você, Lisa. Eu sei que minhas
palavras não vão ajudar em nada, mas eu só queria que você soubesse disso,
que você e Chaeyoung foram a coisa mais certa que aconteceu desde essa
porcaria de mundo foi criado.

Momo tentou aliviar a tensão, mas repreendeu-se internamente por isso. Lisa
remexeu-se incomodada separando-se do abraço, seu rosto estava molhado
apesar das lágrimas terem cessado. Elas se olharam por um bom tempo antes
de Lisa perguntar:

- Como... Como ela estava?

- Lisa, eu não acho que...

- Por favor, eu preciso saber. Por favor?


Momo continuou observando sua expressão digna de pena, por mais que
odiasse sentir isso da amiga, não podia evitar naquele fatídico momento. Por
mais que Chaeyoung estivesse devastada, a que mais sofria com toda a
situação seria sempre Lisa por carregar o fardo da pressão que sofreu ao
tomar uma decisão que mudaria a vida não só dela, mas de Chaeyoung
também.

- Venha aqui. – conduziu Lisa até o beliche e sentaram-se sem desgrudar os


olhos uma da outra. Lisa ansiava pela resposta, por mais que soubesse que a
deixaria ainda pior. Momo suspirou derrotada. – Ela desmaiou depois que
você saiu. – sentiu Lisa enrijecer-se em seus braços e pensou em não
continuar. – Eu acho melhor não...

Lisa balançou a cabeça e deitou-se com a cabeça em seu travesseiro.

- Apenas continue.

- Ok... Eu consegui arrastá-la até a sala ainda desacordada, mas Irene chegou
pouco depois, eu expliquei a situação a ela que me ajudou a levar Chaeyoung
em seu carro. Ela começou a acordar ainda no caminho, mas parecia drogada
ou algo assim. – enroscou seus dedos no cabelo de Lisa num carinho terno
vendo os olhos exaustos de Lisa pesarem. – Nós a levamos para casa e, como
você informou mais cedo, Mark já nos esperava na varanda, ele ficou muito
assustado, porém. – fez uma careta ao lembrar-se dos olhos assustados de
Mark. – Diana correu em desespero até nós perguntando o que tinha
acontecido com a filha, e eu mais uma vez tive que explicar, dessa vez com um
pouco de cuidado sobre alguns detalhes. Irene foi embora e Mark me ajudou a
levar Chaeyoung para o quarto, Diana não parava de chorar e, bem... Xingar
você. – Lisa enterrou a cabeça no travesseiro imaginando a cena, isso doeu
mais do que deveria. – Nós demos água a ela, e quando Chaeyoung
finalmente voltou ao mundo real, começou a perguntar por você, tentou
diversas vezes pegar o celular e ligar para você, mas eu avisei que esse número
já não existia mais. Foi quando ela desabou a chorar na cama. Merda, Lisa, eu
me vi tão perdida naquele momento. Ela não parava de se culpar dizendo que
não deveria ter pressionado você, isso me quebrou, e eu sei que quebrou Mark
por ele também saber a verdade tanto como eu. – Momo deitou-se de frente
para Lisa a cobrindo com o edredom. – Nós demos um calmante a ela, e
minutos depois ela parou de chorar até dormir. Então eu vim embora.

Lisa ficou em silêncio deixando as palavras fluírem em sua mente. O cansaço


que a dominava no momento não estava ajudando em nada seu raciocínio
lógico.

- Momo? – ela chamou perdida em pensamentos.

- Sim?

- Está doendo tanto.

Momo franziu o cenho sentindo a dor da amiga. Faria qualquer coisa para
mudar o que estava acontecendo com suas amigas, por mais que fossem duas
garotas irritantes, elas eram irritantes juntas e isso as tornava adoráveis,
mesmo que nunca fosse dizer isso em voz alta.

- Eu sei, Lisa. Não vou dizer que logo vai passar porque estaria blefando,
então eu só posso dizer que vou estar aqui por você sempre.

- Eu sei – murmurou, os olhos se fechando aos poucos. – Diga a Chaeyoung


que eu a amo. – nesse momento Momo soube que Lisa estava delirando. –
Cuide bem do meu anjo, Momo...
***

Mark saltou assustado da cama ao ouvir gritos histéricos vindos do quarto ao


lado. Diana, que dormia ao seu lado, despertou em seguida reconhecendo
serem os gritos de Chaeyoung ecoando pela casa.

Eles se entreolharam e Diana escondeu o rosto entre as mãos começando a


chorar pela terceira vez no dia, deixando a tarefa de verificar a filha nas mãos
do homem. Ela estava preocupada com Chaeyoung, ela não dormir lá direito e
mal comia as refeições, aquela não era sua filhinha cheia de esperança e
sonhos. Aquela era Chaeyoung sem Lisa.

Mark levantou-se vestindo um robe azul marinho e caminhou em direção ao


quarto de Chaeyoung enquanto Diana se prepara emocionalmente para ficar
com Ella caso a Chaeyoung tivesse despertado.

O homem caminhou pelo corredor até a porta do quarto da mais velha que
tinha sido deixada aberta para casos extremos, e ele não pode deixar de correr
até a cama da filha quando a viu agarrando ao edredom com força e chorando
como se algo a machucasse no pesadelo que estava tendo pela terceira vez na
noite.

- Chaeyoung! Acorde, por favor. – ele a chamou sacudindo seu ombro com
delicadeza, controlando as próprias lágrimas para ser forte pela filha. –
Chaeyoung!

Ela pulou na cama agarrando o pulso do pai em reflexo. O peito subindo e


descendo com rapidez, os olhos arregalados e o rosto totalmente inchado.
Chaeyoung olhou Mark no fundo dos olhos e quando o reconheceu, suspirou
aliviada.

- Eu... Desculpe... Eu sonhei que... Lisa... – observou atentamente as


expressões do pai caírem quando o homem abaixou a cabeça, então se deu
conta de que não era apenas um sonho. – Ela me deixou...? Papai? Por favor,
me diz que eu estava sonhando e eu-

- Chaeyoung. – ele intercedeu sentando-se na cama com as costas apoiada na


cabeceira e puxando a filha para deitasse em seu peito. – Me desculpe... Não
foi um sonho. – estremeceu quando a filha recomeçou a chorar intensamente.
– Me desculpe... – segurou novamente a vontade de dizer a verdade, ele
preferia estar odiando Lisa agora a guardar um segredo que destruía as duas
garotas. – Você precisa ser forte agora, filha. Não por nós, mas por você. Tem
pessoas de olho em você em Juilliard e isso pode construir seu futuro. Não
estou dizendo que o que Lisa fez foi o certo. – sim, foi por Chaeyoung! – Mas
você precisa se focar no que ela te deu, em seu pedido para que você se
tornasse uma grande musicista. Eu... Vou estar vivo, e ver você tocar com sua
própria orquestra... E eu vou ter orgulho de dizer que aquela estrela é a minha
filha.

Chaeyoung continuava a chorar repetindo palavras desconexas como não e


traga ela de volta. Então Mark fechou os olhos controlando-se ao máximo
para não soltar a língua, mas decidiu que ele precisava mostrar a ela agora
mesmo antes que a cicatriz começasse a se fechar.

Com cuidado, o homem virou o corpo até a mesinha do abajur e tirou o


envelope que tinha deixado na gaveta mais cedo caso esse momento chegasse.
Chaeyoung não percebeu, pois continuava com o rosto enterrado no peito do
pai com as lágrimas a atormentando seu pesadelo vivido. Mark rasgou o
envelope com a mão livre enquanto a outra afagava o cabelo da filha, e
desdobrou o papel pedindo forças a Deus antes de começar a ler.

(Play na música one - Johnny Cash)

"Chaeyoung, espero do fundo do meu coração que um dia você ler essas
minhas palavras e que, quando as ler, já tenha me perdoado. Gostaria que
você tivesse algo para se lembrar de mim, algo vivo. Algo que a fizesse se
lembrar de que eu, um dia, fui real, tanto que minhas mãos escreveram
essas palavras e as minhas lágrimas molharam esse papel, assim como você
foi tão real e especial para mim. – Chaeyoung ergueu a cabeça com as
palavras do pai e viu o pedaço de papel que ele segurava em mãos, seu
coração automaticamente deu um salto cessando as lágrimas
momentaneamente, estava hipnotizada com o momento. - Perdão por todas
as vezes em que eu te deixei triste ou te fiz chorar, porque tudo o que menos
queria no mundo era ver você chorar, mas, inexplicavelmente, são as
pessoas que mais amamos que mais magoamos durante nossa vida. Lembra
quando assistimos o filme "Ps: Eu te amo."? Existe uma frase naquele filme
que faz muito sentido para mim agora: "Você foi a minha vida, mas eu fui
apenas um capitulo da sua." Queria não precisar de palavras para que você
pudesse me compreender, mas essa foi à única maneira no momento que
encontrei. Poucas coisas se mortabilizam perante o tempo, poucas, porque
nem sempre conseguimos despertar da alma humana emoções tão raras.
Por favor, não chore. Cada minuto que passei com você foi mais do que
poderia agradecer em apenas uma vida. Me perdoe também por termos tido
tão pouco tempo juntas, não consigo me lembrar de um momento que tenha
sido feliz em que você não esteja. Jamais pensei que encontraria alguém
como você, Chaeyoung. Alguém que fizesse meu coração quase saltar de
felicidade; tem noção do quanto eu amo você? Uma vez, uma pessoa muito
sábia me disse que as histórias nunca terminam até que tenham um final
feliz, talvez ela tivesse razão. Talvez essa história ainda não tenha
terminado. Não esqueça o amor que tivemos. Eu não acredito que nós
possamos amar apenas uma pessoa na vida... Não, você vai amar outras
pessoas. Talvez mais, talvez menos, talvez de outra maneira. Mas você
ainda vai amar muito. Apenas peço que esse amor que tivemos não seja
esquecido, porque eu não vou esquecer. Onde quer que eu esteja sem você
será vazio, e o que vai me fazer sentir em casa será pensar no aconchego dos
seus braços, no seu toque, e nas palavras doces que saiam de seus lábios que
tantas vezes beijei. Por isso, deixo nesta carta a verdade e a certeza. A
verdade que ainda te amo. A certeza de que nunca vou te esquecer."

Mark terminou de ler a carta boquiaberto. Ele sempre soube que Lisa era
apaixonada por Chaeyoung e isso só se provou ainda mais com as ações da
garota, mas aquelas palavras...

Aquilo era tão puro. Tão sentimental, tão lindo e ao mesmo tempo tão trágico
que ele pode sentir tudo em si mesmo. Chaeyoung, no entanto, encarava o
vazio. As palavras de Lisa surtindo efeito em todo o seu organismo, e, de
repente, ela precisou correr ao banheiro e vomitou quando seu estômago não
foi capaz de lidar com a dor rasgando seu interior.

Ela não entendia o que porque de Lisa ser tão covarde se aquelas palavras
mostravam o quanto seu amor era correspondido.

Ela simplesmente não entendia.

***
30 de Janeiro de 2017. – Primeiro ano da faculdade.

O avião decolou deixando tudo e a todos para trás quando ganhou o céu de
New York, Lalisa lançou um último olhar ao aeroporto a tempo de ver Daniela
e Momo acenando pela janela da sala de espera e retribuiu contra a vontade.

Quando o avião já estava a uma altura considerável, recostou-se ao banco e


colocou os fones de ouvido ignorando a voz do homem ao seu lado que falava
sem parar com o passageiro do banco ao lado.

Tombou a cabeça de lado e deixou-se observar os prédios, casas e o trânsito


do alto, agradecendo internamente por estar deixando a cidade dos sonhos
para trás, ao mesmo tempo em que se sentia desprender-se de Chaeyoung a
medida que o avião ganhava as nuvens.

Era quase como deixá-la em seu passado, e esse pensamento a acertou em


cheio no peito. Sua mente às vezes a enganava confortando seu coração,
dizendo a si mesma que voltaria a ver Chaeyoung um dia, mesmo que
estivesse consciente de que não voltaria, de que Chaeyoung seria apenas sua
lembrança. Elas nunca mais se veriam.

Sua vida em New York teve um belo início e um trágico fim. Construiria sua
própria vida na França agora. Ela fizera um acordo com Marco ainda em LA,
ele bancaria Sorbonne, uma das melhores faculdades de Paris, até que Lisa
encontrasse um emprego e pudesse se sustentar. Assim o contato entre os
dois deixaria de existir, Lalisa também deixou bem claro para Charlote que
não queria vê-la nunca mais, não quando a mulher falhara em seu papel de
mãe.
Jennie e Jisoo a tinham visitado um dia antes no dormitório em Columbia.
Não poderia ser chamada de visita amigável uma vez que Jennie estava com a
fúria estampada nos olhos quando desferiu um forte tapa no rosto de Lisa.

Momo gritou com Jennie e a empurrou para longe dizendo que ela não sabia
o que estava fazendo, mas a Lisa não a culpava, ela não sabia da verdade e,
mesmo que soubesse, o que Lisa tinha feito ainda era horrível.

Levou duas horas para serem explicadas as verdades e no fim da tarde, Jennie
era apenas mais uma chorando abraçada a Lisa enquanto se desculpava pelo
tapa de mais cedo. Ela prometeu que não contaria a verdade, por mais
achasse um erro esconder algo daquela proporção de Chaeyoung, e foi
embora se despedindo de sua amiga com um longo abraço cheio de
significados. Jisoo também a confortou dizendo que sempre estariam lá
esperando por ela, e Lisa reforçou que não voltaria, mas que sempre estaria
agradecida por tudo o que fizeram por ela.

E Chaeyoung... Bem, Lisa a viu uma última vez. Ela estava no Central Park
com Ella no café da frente comprando algumas torradas. Foi pura
coincidência do destino, mas mais nova não a viu; a Lisa escondeu-se atrás de
uma árvore na calçada e deixou-se torturar pela imagem de sua ex-namorada,
e isso agora soava tão horrível que seu estômago chegava a embrulhar,
sentada no banco de cimento sem nenhum sorriso no rosto enquanto assistia
Ella brincar com algumas crianças. Ela estava com os pés apoiados no banco e
abraçava os joelhos como se criasse uma barreira protetora. Tão frágil e tão
Chaeyoung...

Lisa se conteve na vontade de correr e abraçá-la, foi à última vez em que a viu.
E ela estava linda.
***

Cinco meses depois. 02 de Junho de 2017. – Primeiro ano da


faculdade.

Cinco meses haviam se passado desde que Lisa deixara sua vida em New York
para trás.

Foram cinco meses atormentados por pesadelos, lágrimas desperdiçadas,


olhares curiosos, ataques de pânico em Juilliard e o inicio do que seu médico
chamava de depressão pós-partida. Isso tudo se devia ao fato de que
Chaeyoung sempre fora uma pessoa emocional, quando ela se entregava de
coração, era de verdade, e a primeira vez que se jogou de cabeça teve tudo em
si arrancado.

Cinco meses depois e suas amigas e família estavam proibidos de tocar no


nome dela. Cinco meses depois e o tratamento de Mark tinha ocorrido como
um milagre. Cinco meses depois e sua mente não conhecia outra coisa a não
ser a música.

Chaeyoung tinha se trancado outra vez em seu casulo particular onde pessoas
como Jennie, Jisoo e Momo entravam apenas como permissão.

Cinco meses depois e Daniela Manoban tinha se tornado uma de suas


melhores amigas quando viajou para ter certeza de que Chaeyoung estava
bem. Seu bebê, Adam, estava prestes a nascer e era uma alegria na vida de
Chaeyoung, ela fora convidada para ser a madrinha do bebê, o que renovou
um pedaço do coração.
As primeiras semanas foram impossíveis de suportar. Faltou da faculdade,
passou vários dias trancada no quarto aos prantos e expulsando qualquer um
que tentasse entrar para ajuda-la.

Ella sofria sem entender o que estava acontecendo com a irmã mais velha,
mas tinha uma pequena noção quando Lisa não apareceu mais em sua casa. E
Chaeyoung já não sorria mais, e ela apenas sorria verdadeiramente com Lisa.

No segundo mês a garota voltou à faculdade, mas ela já não tocava mais
piano. Não estava pronta. Então se apegou apenas ao violino como uma
promessa muda de esquecimento à sua dor; ignorou todos os olhares curiosos
nos corredores e gritou com as pessoas que perguntavam sobre Lisa, mesmo
que inocentemente.

Ficava sozinha pelos cantos rabiscando suas partituras e enfiou-se de cabeça


nos ensaios exaustivos; pediu aulas extras aos professores e mantinha-se
isolada do resto do mundo na sala de ensaios. Os pesadelos ainda a
assombravam, e manter sua mente ocupada era a única forma de não pensar
nela.

Jennie e Jisoo zelavam pela amiga de longe, tentavam aproximação, mas


eram afastadas por trazerem as malditas lembranças.

No terceiro mês, Daniela fez uma visita em sua casa. Foi a primeira pessoa
com quem ela finalmente conversou sobre Lisa. Conversaram por horas
seguidas com direitos a abraços apertados e choros de desabafo, e pela
primeira vez desde o acontecido, Chaeyoung sentiu algo bom dentro de si ao
ver a barriga da Manoban mais nova. Daniela contou que vivia muito bem
com Brian em um pequeno apartamento, e que agora trabalhava numa
biblioteca todos os dias depois da escola.
Depois desse dia, Chaeyoung deixou Jennie e Jisoo se aproximarem e
percebeu a falta que elas faziam em sua vida.

No quarto mês houve uma apresentação de encerramento do ano letivo e


Chaeyoung fora selecionada para ser a violonista principal. A apresentação foi
um sucesso no Central Park, e também foi a primeira vez que viu Momo
depois de tanto tempo. Elas se abraçaram e Chaeyoung agradeceu pelo apoio
no dia em que tudo aconteceu.

O contato entre amigas foi retomado e elas voltaram a sair todas juntas, sem
nunca mencionar o nome de Lisa. Por mais que a falta da Lisa ainda a
sufocasse todos os dias, Chaeyoung sentia-se bem em voltar à rotina.
Durante esse mês, o sobrenome Manoban já não machucava mais.

No quinto mês, os pesadelos começaram a voltar. Algo como a ficha


finalmente caindo ou algo assim. Era a sua barganha. Agora, porém, ela podia
desabafar com as amigas que estavam sempre ao seu redor e chorar nos
braços de Daniela que sempre a visitava. Chaeyoung não gostava de
importunar seus pais com o assunto, por mais que eles ouvissem os choros
durante a noite e vissem o olhar sem brilho no rosto da filha. Ela já não sorria
mais como antes. Não sonhava como antes. Não amava como antes.

Fechou-se inteiramente a contatos românticos e dedicou-se totalmente ao seu


único amor que restara. Talvez fosse esse o motivo de estar sentada agora na
mesa da Reitora com vários professores em volta e um homem branquelo com
um segurança ao lado que tinha um olhar penetrante em sua direção.

- Muito bem, Chaeyoung – começou a Reitora formalmente. Chaeyoung


sentia-se incomodada com tantos olhos vidrados em si. – Todo final de ano
nós selecionamos os melhores músicos, independente do semestre, para uma
orquestra de encerramento. Você, como pode ter notado, foi a única caloura
selecionada depois de 29 anos nessa instituição, não porque os outros não
sejam bons, eles são, mas porque você tem o que chamamos de o milagre da
música. – fez uma pausa e trocou olhares com o homem estranho. – Esse é
Uto Ughi, um dos melhores violinistas da Itália e que está nos Estados Unidos
em turnê; ele precisava de alguns músicos para sua orquestra e eu tomei a
liberdade de convidá-lo para a nossa apresentação.

O queixo de Chaeyoung caiu alguns centímetros ao deixar seus olhos


repousarem no homem de cabelo tingido que aparentava ter seus setenta
anos. Ele sorriu gentilmente e começou a falar.

- Algumas pessoas nascem com a grande paixão pela música e passam parte
da vida lutando por isso. Nós não medimos apenas o talento, muitas dessas
pessoas conseguem uma vaga em Juilliard pela paixão, determinação e por
desenvolverem esse talento com o tempo. – ele se aproximou cuidadosamente
dela, o sotaque arrastado dava ao homem todo um charme europeu. – Outras
pessoas apenas nascem com esse dom, Srta. Park, assim como você. Você é
um milagre. Quando você tocou há dois dias, eu pude sentir toda uma tristeza
e melancolia que apenas músicos apaixonados possuem; ao mesmo tempo em
que traz a paz que o mundo precisa entre seus acordes; confesso que cheguei
a acreditar que a Srta. estivesse mesmo sofrendo por amor, tocando para
quem quer que seja que a tenha machucado.

O coração adormecido de Chaeyoung deu um rugido e saltou no peito, um


sentimento que não sentia há tanto tempo. Uto estava certo em dizer que ela
estava sofrendo.

- Eu... Eu agradeço pelo elogio, mas... Eu não entendo...


- Chaeyoung. – Uto a chamou pacientemente pelo primeiro nome e ela quase
desmaiou. – Como a Reitora disse, eu estou à procura de músicos e não posso
perder a oportunidade de tê-la comigo nessa turnê. Você terá seu pagamento,
é claro. Se você aceitar, terá todas as despesas pagas por mim até o retorno
das aulas.

Todos olharam com expectativa para a garota que tremia dos pés a cabeça. O
sentimento inexplicável que ela costumava a sentir com certa pessoa sendo
revivido agora por seu sonho.

- E então, Chaeyoung? – a Reitora perguntou, provavelmente preocupada


com a falta de fala da garota. – Você aceita?

Tudo pareceu acontecer em câmera lenta em sua cabeça. Tudo ficou


silencioso demais ao seu redor, o único som perceptível era o de seu coração
batendo desesperadamente.

Chaeyoung fechou os olhos lembrando-se das palavras de Lisa pedindo para


que ela seguisse seu sonho. Lembrou-se do orgulho de seu pai. As imagens de
quando era criança passou por sua cabeça, seu primeiro violino, seu primeiro
piano, seu primeiro concurso...

- Eu aceito.

Nota do destino

Ele é tão incerto quanto certas decisões.

______________
29

Os primeiros raios solares invadiam o quarto através do vidro da sacada


concedendo ao cômodo um ar melancólico e lúdico de uma vida preenchida
de troféus e medalhas, mas vazia de sentimentos.

Apesar de o sol queimar lá fora, a enorme casa de madeira mantinha seu


clima gélido, sendo quase sempre inverno entre as paredes brancas.

Uma mulher de longos cabelos loiros, olhos acinzentados e pele alva remexeu-
se preguiçosamente na cama de casal soltando um murmurou preguiçoso no
ar ao abrir os olhos.

A mulher se acomodou entre o amontoado de edredons e deixou que seus


olhos repousassem na parede oposta, logo à sua frente, sempre mórbida e
significativa, pintada num tom vermelho extravagante que a fez franzir o
cenho se perguntando pela vigésima vez o que sua namorada pensava quando
decidiu pintar aquela parede de vermelho em uma casa tão... Ellasticada.

Ela remexeu-se um pouco mais até estar com o corpo totalmente virado para
a direita, onde se deparou com Park Chaeyoung sentada contra a cabeceira da
cama com seu óculos de grau, um top preto e calcinha.

Os cabelos agora castanhos em uma tonalidade próxima ao loiro estavam


ainda maiores do que em sua adolescência.

O semblante concentrado nas folhas em suas mãos dava a ela um ar maduro e


sexy, ao mesmo tempo em que destacava suas feições quase infantis que nem
o tempo fora capaz de apagar, apesar dos 24 anos que carregava agora nas
costas.

- O que está fazendo? – a garota perguntou analisando os papéis que


Chaeyoung rabiscava.

- Vendo as contas desse mês. – foi a resposta de Chaeyoung sem tirar os olhos
dos papéis. – Eu preparei o café da manhã, você pode descer e comer alguma
coisa antes de ir embora, Hannah.

A tal Hannah bufou e sentou-se na cama exibindo sua nudez, mas nem
mesmo assim teve atenção de Chaeyoung e acabou gemendo frustrada.

- Você poderia ao menos me deixar ficar mais um pouco. – reclamou e se


enrolou no edredom antes de levantar procurando por suas roupas. – Eu
poderia muito bem estar aqui quando você voltasse... – Chaeyoung levantou
os olhos intrigada quando Hannah fez um bico manhoso. – Por favor?

Chaeyoung ainda ficou em silêncio enquanto retirava o óculos e suspirava


lançando um olhar compreensivo à garota.

- Me desculpe, baby. Você sabe que eu...

- Que você não quer nada sério com alguém, e ficar depois do sexo é sinal
claro de sentimentos, e blá, blá blá... – revirou os olhos impacientemente. –
Eu sei de tudo isso, Chaeyoung. O problema é que fazemos isso há três meses
e eu preciso saber se você está nessa tanto quanto eu. Estou cansada de ter
que ir embora toda manhã depois de uma noite maravilhosa de sexo.
Chaeyoung abaixou a cabeça compreendendo o rumo daquela conversa, então
analisou suas possibilidades mentalmente, não eram muitas, a julgar o fato de
que Hannah tinha toda razão quando pedia por algum sinal de Chaeyoung ...

Sinal esse que ela não tinha. Não havia nada de errado com a loira, Hannah
era uma pessoa maravilhosa, as duas se conheceram dois anos antes, no
casamento de Jennie e Jisoo quando a loira derrubou ponche no vestido de
Chaeyoung. Desde então se tornaram conhecidas pelo fato de Hannah
trabalhar na academia de dança de Jisso e Jennie, Kim Academy.

Apenas há três meses que a loira tomou a iniciativa de chamar Chaeyoung


para sair, e apesar da relutância, avisos sobre um não-compromisso e uma
certa frieza vinda de seu coração, as duas tiveram uma ótima química na
cama que vinha a deixar a Chaeyoung relaxada depois de um dia estressante.

Não que ela odiasse seu trabalho. Não, ela não poderia, não quando seus
alunos eram seu bem mais precioso e a melhor parte de seu tempo. Mas era
aquela típica frase "não é você, sou eu." Que todos diziam quando não
estavam mais afim de alguém e não sabiam como dizer.

Hannah continuava parada em frente a cama na espera de uma resposta


válida dessa vez. Chaeyoung se levantou deixando os papéis de lado e
caminhou até a garota deixando um beijo suave em seus lábios antes de
recolher as peças de roupa pelo chão.

- Eu não posso ter um relacionamento agora, deixei isso bem claro desde o
inicio. – disse sem rodeios, sua voz saindo neutra e tranquila. A Chaeyoung
voltou até a loira e lhe entregou as peças. – Me desculpe, Hannah. Eu sei que
você merece todo o amor do mundo... – franziu o cenho, há tanto tempo não
dizia aquela palavra. – Mas eu não tenho isso, entende? Não posso lhe dar
algo que não tenho. –

Hannah suspirou tristemente e começou a se vestir enquanto Chaeyoung se


encaminhava até o guarda roupas.

- Eu não entendo o que aconteceu com você. – a loira insistiu quando as duas
já estavam devidamente vestidas. Chaeyoung usava uma calça jeans clara,
uma blusa branca de renda e um blazer preto por cima. - Qualquer pessoa
sonha em ter um relacionamento maduro. Já você, nunca nem toca no
assunto e ignora qualquer tentativa minha de aproximação que não seja sexo.

Chaeyoung simplesmente não tinha paciência com pessoas insistentes. Por


mais que ela fosse a errada da história, e admitia isso, Hannah tinha entrado
nessa espécie de relação sem compromisso consciente de que a Chaeyoung
não se envolveria emocionalmente. A loira estava visivelmente decepcionada
com a falta de comunicação, mas abaixou a cabeça e assentiu já prevendo a
reação de Chaeyoung Não é que ela não queria, ela só não podia.

- Vamos descer, por favor. – Chaeyoung suspirou abrindo a porta do quarto e


esperando que Hannah saísse primeiro.

As duas desceram em silêncio até a cozinha e a loira se acomodou no balcão


servindo-se de leite e os famosos waffles que nunca faltavam na casa da
Chaeyoung.

Chaeyoung pegou a bolsa e a jogou no ombro analisando os papéis em suas


mãos, em seguida arrumou seu coque de forma correta em frente ao espelho e
soltou um suspiro cansado. Hannah a observava em silêncio, Chaeyoung
sorriu amigavelmente ao aproximar-se da mulher e deixou um beijo casto em
seus lábios.

- Eu te espero à noite? – perguntou. Hannah assentiu com a boca cheia de


Waffles e fez sinal de positivo com a mão. – Ok, deixe a chave da casa em
baixo do tapete assim que você sair. Até mais, baby.

Saiu de casa carregando a bolsa, substituindo os óculos de grau pelos escuros


e ativando o portão da garagem que aos poucos revelou o Honda Accord
cinza, uma de suas aquisições em seus tempos de glória. Chaeyoung abriu a
porta do carro e parou indutivamente para observar a sua volta...

O silêncio tomado pelo canto dos pássaros era sua terapia da manhã sempre
que saía de casa sentindo-se sobrecarregada ou perdida de si mesma. Era
como se o mundo nunca fosse parar de pressiona-la, empurra-la para uma
corda bomba testando seus limites. Porque era assim que ela se sentia nos
últimos anos.

Ao girar a chave na ignição, o som foi automaticamente ligado e a voz de Amy


Winehouse invadiu o interior do carro com o clássico Back to Black. Um
nome engraçado. Verídico. Possível. Chaeyoung saiu com o carro na estrada e
deixou sua mente divagar de volta à conversa com Hannah.

A mulher precisava de algo sólido enquanto ela estava apenas passando o


tempo com alguém que no fundo não importava a ela. Isso seria errado? Sim,
muito. É em momentos como esse que Chaeyoung se da conta do quanto
mudara desde sua adolescência.

A jovem romântica e sonhadora deu lugar a uma mulher centrada e realista;


resultado de uma longa jornada envolta de desilusões tanto profissional,
quanto pessoal. Como, por exemplo, os tratamentos de Mark. Eles ajudaram a
tardar o desenvolvimento do tumor, os médicos até mesmo deram esperança
de muitos anos de vida.

Ele estava lá em tudo, em seu primeiro contrato assinado, seu primeiro show,
sua primeira desilusão artística, o primeiro da fila nos shows e o que aplaudia
mais alto.

Mark e Chaeyoung se tornaram ainda mais amigos, se é que isso é possível,


depois da primeira e única desilusão amorosa da Chaeyoung.

Em 2020, o tumor reapareceu ainda mais agressivo e dessa vez o fez se mudar
para o hospital. Ás vezes, quando fecha os olhos, Chaeyoung pode se lembrar
das palavras do pai naquele quarto de hospital.

Flashback

- Eu não acredito em coincidências, filha. – a voz de Mark era fraca, ele mal
podia falar. Tinha o lado esquerdo do corpo todo paralisado enquanto
olhava amorosamente para Chaeyoung sentada na cama ao seu lado. –
Você é uma grande mulher porque nunca desistiu de seus sonhos. Se eu
morrer hoje e Deus me perguntar qual é o meu maior feito de orgulho aqui
na terra, eu vou responder com o meu melhor sorriso que são minhas duas
filhas. Eu te amo tanto, Chaeyoung. Meu maior sonho foi realizado, ver você
se tornando uma grande musicista. – então ele a olhou e havia algo triste
ali, uma mágoa ou decepção. – Eu daria tudo para ver minha Chaeyoung
alegre novamente. – passou a mão pelo rosto da Chaeyoung que chorava
silenciosamente. – Você conquistou seu sonho da maneira errada, com
amargura e trancou o sorriso lindo que conquista as pessoas em algum
lugar aqui dentro. – desceu a mão até o coração da filha. – A vida é curta,
filha. Ela não espera por ninguém e eu sei muito bem a fase em que você
expelia felicidade pelos cantos da casa. – Chaeyoung fechou a cara, odiava
quando seu pai insistia em tocar nesse assunto. Mark entendeu o recado e
mudou o rumo das palavras. – Onde quer que eu esteja, estarei sempre
aplaudindo você, porque você, Ella e sua mãe são a última coisa que me
lembro antes de dormir e após acordar.

Fim do flashback.

Uma semana depois ele morreu. Chaeyoung torceu o nariz ao lembrar-se da


ligação que recebeu no meio do ensaio na Broadway.

Aquele dia ela prometeu a si mesma que nunca se apegaria em ninguém, pois
a vida pode lhe tirar essas pessoas de várias formas possíveis, e todas são
destrutivas.

Estacionou o carro em frente à sua antiga casa e sorriu ao ver Ella esperando-
a sentada nos degraus. A menina, agora com 11 anos, correu com a mochila
nas mãos até o carro e entrou depositando um beijo estalado na bochecha da
irmã mais velha.

- Você se atrasou. – resmungou e mudou a estação da rádio para uma mais


pop.

- Hannah decidiu ser carente hoje. – respondeu e Ella fez um som engaçado
com a boca.

- Ela não vai sair do seu pé até ser dispensada, Chaeyoung. – disse enquanto
amarrava o cabelo em um rabo de cavalo. – Relacionamentos lésbicos são tão
dramáticos, ugh.
Chaeyoung riu e assentiu, Ella tinha toda a razão.

- Como está mamãe? – mudou o foco do assunto e lançou um olhar de soslaio


para a irmã quando parou o carro no farol. – Ela tem ido regularmente ao
psicólogo? Ella deu de ombros. - Ela sai do quarto agora, acho que isso é um
avanço. Você devia aparece lá em casa mais vezes... Sabe, ela sente sua falta.

Diana entrou em depressão logo após a morte do marido. Ela se odiava


internamente por não ter sido capaz de salvar Mark, mesmo que claramente
ela não tivesse culpa em nada, odiava-se mais ainda por se deixar cair em uma
cama e permitir que suas filhas se virassem sozinhas... Ela só não conseguia.
Não sem Mark todos os dias ao seu lado, assim como foi por 38 anos.

Foi quando Chaeyoung não foi capaz de conciliar o trabalho com os cuidados
em casa e decidiu abandonar tudo pela mãe e irmã. Ela conseguiu um
emprego como garçonete em um bistrô e com o dinheiro que recebia,
comprava as coisas necessárias para a despensa de casa e fez licenciatura em
música.

- Eu estou um pouco sem tempo com o trabalho, Ella. Chego cansada e...

- E Hannah está sempre na sua casa à noite. – resmungou e fechou a cara. –


Deveriam casar de uma vez já que praticamente moram juntas.

Chaeyoung arregalou os olhos diante da afirmação da irmã e sentiu vontade


de jogá-la fora do carro.

- O que você entende disso, mocinha? Só tem 11 anos e quer mesmo falar
sobre minha vida pessoal?
Ella revirou os olhos e o assunto mudou para os trabalhos de inglês que a
pequena estava tendo dificuldade. Pouco depois, Chaeyoung estacionou o
carro em frente ao colégio de Ella e se despediu da irmã, era o mesmo trajeto
para o trabalho da Chaeyoung.

Não demorou muito até estacionasse o carro na garagem do prédio escolar.


Chaeyoung dava aulas de música para crianças da alta sociedade. Sua turma
eram as crianças de 3 a 5 anos, os "iniciantes" como gostava de pensar.

Quem sabe ali entre as pequenas criaturinhas correndo de um lado para o


outro não houvesse um futuro Mozart?

Além de que as crianças adoravam quando cantavam a música das claves. É


claro que Chaeyoung era conhecida por todos naquele lugar, sua ascensão e
queda foi noticia em vários canais de TV, alguns ainda teimavam em dizer que
ela não soube lidar com a fama.

Ela também suspeitava que algumas pessoas comentassem sobre a mudança


drástica entre uma musicista conhecida a uma simples professora de música,
mas todos estavam enganados. Era música. E Chaeyoung está onde a música
está.

Ela pensa em retornar aos palcos? Não há uma resposta certa no momento. A
Chaeyoung já provou o suficiente do mundo artístico, e foi só depois que
começou a dar aulas que descobriu como ama ensinar as crianças tudo o que
sabe.

É isso o que Chaeyoung é agora: Um mundo de incertezas.


Cumprimentou alguns professores e caminhou apressadamente até sua sala
de aula onde as crianças a aguardavam com os pais.

Assim que abriu a porta, foi recebida por vários gritinhos animados sobre a
chegada da "tia Chaeyoung", e pode-se dizer que assim como Chaeyoung os
amava, esse amor era retribuído de uma forma muito mais barulhenta.

- Bom dia, meus amores. – sorriu graciosamente de volta e abraçou a todos


que podia.

Os pais também a cumprimentaram e começaram a sair pouco a pouco depois


de se despedir de seus filhos. Chaeyoung caminhou até a mesa para preparar
suas coisas e deixar os pequenos terem seu momento com os pais, mas parou
ao ouvir uma pessoa pigarrear logo atrás de si.

Quando se virou, deparou-se com um homem na faixa dos 26 anos, cabelos


pretos e curtos, e usando terno e gravata. Ele tinha um sorriso tímido no rosto
e ao seu lado um garotinho de no máximo 4 anos com os cabelos pretos, olhos
castanhos e um olhar desconfiado.

- Posso ajudar? - a Chaeyoung perguntou educadamente.

O homem sorriu sem jeito e estendeu a mão direita em cumprimento.

- Meu nome é Luhan Wifan, muito prazer.

- Park Chaeyoung.– respondeu e aceitou a mão do rapaz.

Luhan apertou levemente o ombro do garotinho e o fez dar um passo a frente.


- Este é Ethan e hoje é seu primeiro dia de aula.

Chaeyoung concordou e abaixou-se ao nível do garoto que continuava a


encarando desconfiado.

- Olá, Ethan. Meu nome é Chaeyoung e eu estou muito feliz por ter você aqui.

- A senhora é a minha nova professora? – ele perguntou relutante e


Chaeyoung assentiu. – Então a senhora sabe fazer música?

Chaeyoung sorriu e sentiu seu coração se encher. Sempre fora apaixonada


pelo nome Ethan e agora conhecia um garotinho extremamente lindo e fofo
com esse nome.

- Sim, eu sei tocar piano, violão, violino e alguns outros que você vai conhecer.
Você quer?

Ethan balançou a cabeça animado e olhou para Luhan que assistia a interação
calado.

- Ela vai me ensinar a fazer música! – ele exclamou como se fosse uma grande
surpresa.
– Eu quero fazer música logo!

Chaeyoung e Luhan riram.

- Esse garoto é cada dia mais parecido com a mãe, ambos apaixonados pela
música. – ele brincou quando a Chaeyoung voltou a levantar. – Nos mudamos
há algumas semanas para os Estados Unidos e a primeira ideia que ela teve
foi de colocar o garoto em alguma escola de música. Ela diz que vai ajudar na
boa educação dele.

Foi uma verdadeira surpresa saber que Ethan não era americano. O garoto
olhava atento as outras crianças brincarem distraídas com os instrumentos
musicais infantis, Chaeyoung sabia que ele estava com vontade de se
enturmar, mas era tímido o bastante para isso.

- Bem, sua esposa tem razão. As artes ajudam no desenvolvimento e


educação, Sr. Yifan.

Luhan abriu a boca em choque quando se deu conta de que Chaeyoung tinha
interpretado as coisas erradas.

- Oh, eu não me preocupo com isso, sou totalmente a favor das artes na vida
de Ethan. – olhou o relógio de pulso e arregalou os olhos. – Droga...

- Não xinga! – Ethan acusou olhando feio para o homem.

- Desculpe, campeão. – ele se abaixou e deu um abraço no garoto. – Mais


tarde eu volto pra te buscar, ok?

Ethan balançou a cabeça e Luhan se voltou para Chaeyoung.

- Foi um prazer, Srta. Park.

Chaeyoung e Ethan assistiram Luhan desaparecer pelo portal e logo depois se


voltaram um para o outro.
Ethan olhava quase como que desafiadoramente enquanto Chaeyoung
analisava curiosa o menino, algo nele lhe chamava atenção, talvez fossem a
cor dos olhos ou a intensidade de seu olhar.

- O que foi? – ele perguntou timidamente quando se deu conta de que a


professora apenas o encarava. – Eu não fiz xixi, eu juro, pode ver ó...

Abaixou a cabeça indicando a calça. A Chaeyoung sentiu vontade de abraçá-lo


pela extrema fofura.

- Tudo bem, meu anjo. A tia está ficando louca, mesmo. – brincou e recebeu
um sorriso tímido. – Você quer se juntar aos seus novos amigos enquanto eu
passo a tarefa de hoje?

Ethan voltou seu olhar incerto para as crianças sentadas nas mesinhas de trio.

- E se não gostarem de mim? Posso ficar com você? – perguntou com um


olhar quase desesperado.

- Ethan, é claro que vão gostar de você, quem não gostaria? Você é um fofo. –
apertou suas bochechas e ele fez uma careta. – Ok, você é um homenzão? -
Ele assentiu. - Então o homenzão não vai ter medo de conhecer novos
homenzões. – brincou e Ethan olhou novamente para as crianças que
pareciam nem ter notado sua presença ali. – Pode sentar ao lado daquele
homenzão de verde, bem ali, viu? – apontou para Nicolas que insistia em
tentar abrir um pacotinho de bolacha do lado errado. Ethan bufou e torceu a
boca.

- Ta bom, mas se não for legal a senhora me deixa ficar aqui?


- É claro que sim, apenas tente e depois me diga o que achou.

O pequeno caminhou até Nicolas e sentou-se na cadeira sem ao menos olhar


para os lados. Chaeyoung negou com a cabeça e sorriu, uma hora ou outra ele
cederia e puxaria conversa com as crianças.

Depois que passou a tarefa de colorir e contornar alguns símbolos musicais, a


Chaeyoung sentou-se na mesa e começou a corrigir as tarefas que tinha
passado para casa. E assim as horas correram, as crianças cantaram algumas
músicas enquanto Chaeyoung tocava violão – que aprendera com muita
dedicação -, recitaram o abecedário musical e pintaram mais vezes. Ethan
tinha se enturmado com Liz, uma garotinha morena e isso deixou Chaeyoung
feliz por aquele dia.

- Está namorando... – cantarolou quando Ethan caminhou até sua mesa com
o desenho pronto.

Ele corou e cobriu o rosto com as duas mãos.

- Para, tia. Ela é menina, ew. – ele parecia mais solto também.

- Oras, o que há de errado com isso?

- Meninas não sabem brincar com carros velozes, não gostam de músicas
legais e só choram.

Tornou a fazer uma careta engraçada e Chaeyoung aproximou-se como se


fosse lhe contar um segredo.
- Uma vez eu conheci uma menina que gostava de carros velozes, música boa
e que não chorava tão fácil assim.

- Mentira? – ele parecia surpreso. – É sua amiga?

O sorriso de Chaeyoung vacilou, mas ela logo se recompôs.

- Nós... Sim, Ethan. Ela é minha amiga.

O garoto estreitou os olhos tentando entender a confusão de sua professora,


mas foi surpreendido pelo sinal anunciando que havia acabado a aula. Os pais
já aguardavam do lado de fora e as crianças despediram-se uma a uma da tão
querida professora.

Luhan acenou da porta para Ethan, que por sua vez olhou Chaeyoung sem
saber o que fazer.

- Até amanhã, pequeno. – ela disse e bagunçou os cabelos cacheados.

- Até, tia. – ele fez menção de sair, mas voltou com o olhar preso no chão.

Ethan começou a fuçar na bolsa enquanto Luhan esperava paciente ainda na


porta.

– Obrigado. – ele disse timidamente, e estendeu um pirulito para Chaeyoung.

Sua vontade naquele momento foi de raptar o menino e abraçá-lo para


sempre. Mas, contentou-se em abraçá-lo por alguns segundos e por fim,
acenar para Luhan até que os dois tivessem desaparecido de vista.
Chaeyoung amava intensamente seus alunos, mas naquele dia, seu coração foi
tocado por um pequeno de cabelos escuros e olhos tão familiares.

Notas do destino
Eu sempre prego peças.

__________

30

"Um tanto quanto curioso eu te mandar esta carta? Quem sabe. A verdade é
que não sabia como começá-la, pois não colocaria "Querida Lisa", sério, eu
te odeio.

Mas enfim, indiferenças à parte. Soube por fontes seguras (sua mãe) que
voltou para os EUA. Está certa do que fez, Lisa? Digo, eu mal posso olhar
para você depois de ter me escondido tantos segredos. Mas somos mais
parecidas do que imagina, acredite, demorou muito tempo para o meu ego
aceitar esse fato.

No fundo, posso compreender o quão assustador é isso, só espero que você


esteja preparada. E para concluir, vamos ao motivo desta carta: Estou me
casando.

Yeah, você já deve ter encontrado o convite junto no envelope. Junhoe ficou
carente de uns tempos pra cá e eu notei que ele me escondia algo, até
aparecer com uma barra enorme de chocolate, e dentro da embalagem tinha
um papel com o pedido.
Sim, eu sei, é gay. Mas não posso dizer não a ele, eu o amo. Então é isso,
tenho certeza de que você vai estar lá, me dando o apoio moral e psicológico
que preciso.

Bom, vou indo. O gerente do correio quer a caneta de volta e eu estou quase
sendo linchada na fila.

Com amor, só que não, Momo"

A mulher de longos cabelos pretos entregou ao homem do correio a carta que


escrevera com todo o amor.

Sabia que estava sendo muita audaciosa em convidar Lisa para o seu
casamento sabendo que muito provavelmente Chaeyoung também estaria
presente, esta que tinha se afastado um pouco de suas amigas de faculdade
desde a formatura, quando Momo mudou-se para New Orleans por conseguir
um emprego de investigadora de policia e onde, consequentemente, conheceu
Junhoe, que na época era delegado e um galanteador filho da mãe.

De qualquer forma, Chaeyoung e Momo ainda se consideravam amigas


distantes. Ela sabia que, assim como para Jennie e Jisoo, manter certa
distância de Chaeyoung teve seu lado bom e ruim. O lado ruim se deve à
saudade que sentiam uma da outra, pois Chaeyoung tinha se tornado uma
pessoa querida para Momo, e vê-la de coração partido conseguia amolecer seu
coração de pedra. O lado bom em questão fora o peso de que, toda vez em que
Momo a visse, sentiria a necessidade constante de cuspir as verdades em sua
cara sempre que se referisse a Lisa como uma covarde.
Mark morreu sufocado pelo segredo, mas não foi por falta de tentativas, ele
tentou milhares de vezes contar a verdade, mas sempre era barrado por
Chaeyoung e sua frieza em relação à Lisa.

Momo assistiu de longe Chaeyoung se tornar uma das musicistas mais bem
prestigiadas desde que saiu em turnê com Uto Ugh em seu primeiro ano de
faculdade.

Assistiu a todos os programas de TV em que fora entrevistada, aplaudiu de pé


seus concertos em New Orleans e alguns que conseguiu assistir em New York.
Quase saltitou de felicidade quando Chaeyoung foi convidada para ser regente
da filarmônica de New York e saiu em turnê própria.

O nome de Chaeyoung esteve em todos os lugares, como a nova revelação da


música clássica, a violinista de ouro, a garota das rapsódias instigantes e
misteriosas.

Quando Chaeyoung decidiu comprar a casa em que ela e Lisa tiveram a


primeira vez, Momo teve a plena certeza de que ela nunca havia superado sua
amiga, e por mais que negasse o fato, a parede vermelha ainda estava lá. E ela
não tocava mais piano, ao menos não até se tornar professora.

Pode-se dizer que a Park Chaeyoung sonhadora deu lugar à Chaeyoung


violinista. Era como assistir a um robô projetado apenas para tocar e agradar
o público. Seu sorriso não era mais espontâneo, seus olhos não tinham mais
brilho e ela afastava qualquer coisa que viesse a se tornar um laço forte. E
então ela caiu.

Quando Mark faleceu, Chaeyoung desarmou todas as barreiras e deixou-se


cair novamente.
E lá estava de novo a Chaeyoung de dezesseis anos sendo forte pela família e
abandonando tudo pelo bem de Diana e Ella.

Momo assistiu a tudo isso dessa vez, sofreu internamente sabendo que a
historia poderia ter uma diferença se o passado não tivesse tomado rumos
diferentes, Jennie também sofreu; assim como Jisoo e... Lisa.

E aqui estava Momo, hiperventilando com medo de um casamento, e sendo a


mulher do destino ao, inocentemente – ela jura! -, organizar o encontro de
Julieta e Julieta.

Ela só espera que nesse encontro, de alguma forma, encontrem as antigas


Chaeyoung e Lisa por baixo de tantas mudanças que a vida lhes causou.

♫♫♫♫♫

Chaeyoung leu e releu o convite mais de cinco vezes forçando sua consciência
a ter a total certeza de que se tratava mesmo de Momo se casando.

Ela se limitou a dar um sorriso ao ver a foto do casal no fundo do convite, algo
tão fora de moda que imaginou quem teria feito o design, já que Momo nunca
concordaria com aquilo.

Suspirou contendo a saudade que sentia da outra, elas tinham se visto pela
última vez quando Momo a visitou em casa cinco meses atrás. Uma visita
breve, ela estava de passagem pela cidade a trabalho. O fato é que Chaeyoung
nunca desejou perder contato com suas amigas.
No primeiro momento ela pensou ser inteiramente sua culpa o afastamento,
quando esteve de mal com o mundo e consigo mesma culpando-se pela
partida dela, era como se estar com elas lembrasse sempre o passado. Foi só
quando Daniela Manoban entrou em sua vida, que Chaeyoung se deu conta de
que o sobrenome Manoban já não a afetava mais, e estar perto de suas amigas
também não.

O problema é que as três se mantinham misteriosas demais, sempre a


tratando como se fosse uma doente e precisasse de cuidados especiais.

Hoje, sua amiga mais próxima era Daniela, que se mudou para New York com
Brian e Adam para estudar moda na NYSID. Elas se encontram sempre em
algum café perto da praia e Chaeyoung passa muito tempo na casa da
Manoban mais nova paparicando Adam, agora com seis anos, como a
madrinha babona que era.

Ah, e elas nunca, em nenhuma hipótese, tocavam no nome da Manoban mais


velha.

Chaeyoung abandonou a carta em cima da mesa e voltou seu olhar para a


sala.

Seus alunos continuavam distraídos com o musical infantil que ela tinha
selecionado para a quarta-feira, que era o dia do filme. Não foi surpresa
nenhuma ver Ethan deitado com a cabeça na mesa em um sono pesado.

O garoto tinha se mostrado extremamente hiperativo depois de uma semana e


meia de aula, não parava de falar sobre dinossauros um minuto sequer e
Chaeyoung sentia-se cada vez mais apegada a ele.
Seus olhos a hipnotizavam de um jeito único, assim como seus traços suaves e
firmes ao mesmo tempo. Seu jeito curioso e teimoso, tudo lhe era familiar.

Levantou-se em silêncio para não despertar a atenção das outras crianças e


caminhou até Ethan que dormia profundamente com o rosto apoiado na
madeira fria da mesa.

Então cuidadosamente o segurou pela cintura e o pegou no colo, sentindo seu


peito inchar quando Ethan passou os bracinhos e perninhas por seu ombro e
cintura num abraço de coala.

Como a sala era improvisada com alguns colchonetes para casos como esse;
Chaeyoung tratou logo de ajoelhar-se de frente a um deles e deitar o garoto de
costas enquanto acariciava seus fios de cabelo.

- Mommy. – ele murmurou sonolento, virando-se para o lado e caindo


novamente no sono.

Chaeyoung ficou paralisada com a palavra que saiu da boca do garoto. É claro
que ele estava inconsciente e não tinha ideia de quem estava à sua frente, mas
só essa Chaeyoung palavra causou várias sensações em Chaeyoung que ela
julgou estarem esquecidas.

De repente, a saudade de algo que nunca teve a preencheu, a saudade dos


planos que fizera uma vez para ter seu pequeno Ethan com... Ela.

Foi então que tudo fez sentido. Chaeyoung sentia-se apegada a Ethan por esse
motivo, o garoto a lembrava não só fisicamente, mas também pelos sonhos
que compartilharam em um tempo perdido no passado.
Sentiu-se frustrada por se permitir regredir tanto no tempo e limitou-se a dar
um beijo no topo da cabeça de Ethan antes de levantar-se e voltar a sua
postura profissional.

Ela tinha prometido a si mesma que nunca deixaria o passado a afetar, e


cumpriria essa promessa.

Nota

Falar é sempre mais fácil.

♫♫♫♫♫

– Eu não acredito que você está atrasada! Me fez esperar todo esse tempo
aflita, será que ele vem? Como você pode me abandonar? Que ninho de
passarinho é esse na sua cabeça?

Obviamente, essa era Momo carregando a barra do seu vestido de noiva nas
mãos.

Os convidados já tinham chegado e conversavam aos murmúrios no salão


enquanto alguns funcionários terminavam de arrumar o lugar. Era um salão
enorme, com luzes roxas, vermelhas, brancas e azuis refletidas. O lugar era de
dois andares, então em baixo ficava a pista de dança, e em cima onde
aconteceria a cerimonia.

Chaeyoung notou que Momo estava mais nervosa que o habitual, suas mãos
estavam inquietas. Chae sentiu-se um pouco deslocada por estar usando um
simples vestido verde e saltos Scarpin.
– Acho melhor nós nos prepararmos antes que você desmaie. - disse a
Chaeyoung puxando Momo fervorosa para um canto. - Você está pálida,
Momo!

Mas os pais de Momo apareceram pedindo para conversar com a filha, então
Chaeyoung deu seu devido espaço e se acomodou em um dos bancos vazios.
Tudo estava maravilhoso.

Não só pelo fato de ver sua amiga de longa data casando-se, mas por
finalmente ter um tempo com suas duas melhores amigas, Jennie e Jisoo.

O salão estava abarrotado de pessoas, alguns ex colegas de Juilliard, outros de


Columbia e de resto os familiares dos noivos e o pessoal do departamento em
Momo e Junhoe trabalhavam.

Chaeyoung, Hannah, Daniela, Brian, Adam, Jennie e Jisoo tinham ocupado


um banco próximo ao pequeno altar, não queriam perder nenhum momento
do casamento digno que Momo estava recebendo.

Junhoe já a esperava no altar, de longe se notava que estava nervoso, e talvez


todos estivessem, as chances de Momo ter fugido no primeiro táxi eram altas.

- Quisera eu me casar em um lugar como esse. – comentou Jennie em tom de


fofoca, mas que foi ouvido por todos que estavam à volta.

- Vai me dizer que não gostou de se casar na praia? – brincou Daniela com um
Adam adormecido em seus braços. – Igreja é muito convencional, gosto
quando mudam o contexto, então Momo está de parabéns.
Chaeyoung sorriu e balançou a cabeça deixando que Hannah segurasse sua
mão.

- Diz isso porque se casou em Las Vegas. – riu acompanhada de Jennie e


Jisoo. – Ainda não acredito que gastou todo o dinheiro que tinham naquilo.

- Hey! Era um salão de festas bacana! – Brian defendeu a esposa e recebeu


um olhar de agradecimento, então decidiu faze uma de suas brincadeiras sem
graça. – E tinha strippers.

Daniela lançou um olhar assassino e as outras abaixaram a cabeça segurando


o riso.

- Tem sorte por Adam estar dormindo. – resmungou entre dentes.

Daniela não teve tempo de continuar com as ameaças, pois a marcha nupcial
rompeu o salão e todos se levantaram.

Momo estava maravilhosa naquele vestido branco tomara que caia. O buque
que segurava era de tulipas vermelhas e o sorriso em seu rosto mostrava o
quão feliz estava por estar ali ao lado de seu pai, pronta para se casar com o
homem que ela amava.

- Quem diria... – murmurou Jisoo quando Momo passou por elas.

Momo respondeu silenciosamente um "vai se ferrar" em um mover de lábios.


O resto da cerimônia ocorreu de forma lenta. Jennie praticamente dormia,
Adam tinha acordado e estava inquieto agora no colo de Chaeyoung,
Brian parecia não saber o que estava fazendo ali, Daniela tinha lágrimas nos
olhos, Hannah mexia no celular desatenta e Chaeyoung estava em outro
mundo.

Estava vendo seus amigos encontrando alguém, se casando e tendo uma vida
estável, assistia a todos encontrarem a si mesmos enquanto ela continuava
perdida. De repente, sentiu uma pequena inveja de Momo.

Depois do sim, todos os convidados se encaminharam até o andar de baixo


para cumprimentar os noivos.

- É inacreditável que você se casou, mas eu estou tão feliz! – Chaeyoung disse
sincera abraçando Momo e logo em seguida Junhoe. – Cuide muito bem dela,
ok?

- Com a minha vida. – Junhoe piscou e recebeu um coro de aww de Daniela,


Hannah e Jisoo.

- Meu bebê se casou, que orgulho meu Deus! – Jennie puxou Momo para um
abraço apertado com lágrimas nos olhos. – Esse é o momento em que
prometemos ficar juntas para sempre?

– Fala isso como se eu tivesse me casado com você, é assustador. – Momo


brincou. – Obrigada por estarem aqui, é muito importante pra mim.

Elas trocaram olhares significativos, já que demonstrar carinho em excesso


em publico era proibido entre elas. Lei número 33 de Momo.

– É incrível como o tempo passou - Jisoo riu quando Momo e Junhoe foram
atender os outros convidados e a musica começou a tocar na pista de dança. -
É como se fosse ontem que ela estava pegando todos os caras da faculdade e
odiando o amor.

As meninas olharam para o outro lado do salão onde sua amiga estava
agarrada ao braço de Junhoe, não evitando sorrirem em nostalgia. A festa
estava no seu auge quando Chaeyoung decidiu desgrudar um pouco de
Hannah e buscar mais um copo de martini, não que beber fosse um hábito,
mas uma vez que começava era quase impossível parar e ela precisava de um
pouco de espaço, coisa que a loira não estava lhe dando.

- Com licença. – uma voz alta cortou a música atingindo os ouvidos de


Chaeyoung.

Chaeyoung virou-se com seu copo de martini e ergueu as sobrancelhas ao ver


uma mulher também com traços, pele clara, lábios finos e cabelos negros.

– Belo casamento, uh? Seria uma pena se eu não conhecesse os noivos.

Chaeyoung riu da cara de desespero da mulher e lhe deu espaço para que se
servisse no balcão.

- Se não os conhece, então o que está fazendo aqui? – questionou curiosa.

A mulher deu de ombros e ergueu a taça apontando para um lugar qualquer


no meio do pessoal que dançava na pista escura, iluminada apenas pelo jogo
de luz do DJ.

- Estou com meu irmão e sua noiva. Chegamos atrasados porque a branquela
da minha cunhada precisou deixar o filho com a governanta e o menino
insistia em querer vir.
Chaeyoung imaginou a cena e sentiu vontade de rir.

- Vocês deviam tê-lo trazido. – pensou em voz alta. – Não é uma festa
proibida.

- Touché. – a mulher brincou apontando o dedo para a Chaeyoung como se


ela tivesse descoberto a América. – O pirralho é o demônio quando quer,
acredite quando eu digo que ele subiria no altar e perguntaria ao ministro o
que ele estava fazendo antes da mãe dele soletrar "banana".

Chaeyoung franziu o cenho surpresa com as palavras da mulher sobre um


garotinho, talvez ela fosse sensível demais com crianças para suportar alguém
falando assim de uma na sua frente.

- Ok... Eu preciso voltar aos meus amigos. Foi bom conhecer você...?

- Sana. – abriu um largo sorriso. – Sana Yifan . E você é?

- Park Chaeyoung. – respondeu no automático e sorriu amarelo. – Até mais,


Sana.

Sana piscou para a Chaeyoung e a observou sumir entre os convidados na


pista de dança.

Chaeyoung ficou mais um tempo com Hannah, Daniela e Brian na mesa


jogando conversa fora. Minutos depois, a música animada terminou e todos
aplaudiram a banda contratada para a festa.
– Agora é a nossa vez! - disse Hannah em seu ouvido, então as luzes
diminuíram e uma música lenta começou a tocar.

Chaeyoung deixou-se ser levada até a pista de dança a contra gosto onde
vários casais estavam se formando.

Luzes coloridas iluminaram o meio do salão e Hannah deitou a cabeça em seu


ombro puxando-a para mais perto até colar os corpos.

Settle down with me


Acalme-se comigo

Cover me up
Cubra-me

Cuddle me in
Afaga-me

Um círculo foi formado pelos casais para que Momo e Junhoe dançassem
juntos no meio. Chaeyoung fechou os olhos quando reconheceu a música,
uma das muitas que costumava tocar na playlist.

I'm falling for your eyes, but they don't know me yet
Eu estou me apaixonando por seus olhos, mas eles não me conhecem ainda

And with a feeling I'll forget, I'm in love now


E com um sentimento que eu vou esquecer, eu estou amando agora
Quando abriu os olhos, sentiu-se traída por eles. Entre os casais que
dançavam a música lenta, localizou uma mulher dançando com um homem
magro e alto que ela não pode ver o rosto devido ao escuro.

A mulher usava um curto vestido preto de alça que realçava suas curvas, os
cabelos castanhos claros caíam até o meio das costas e sua pele era branca,
quase pálida...

Chaeyoung apertou os olhos pedindo a Deus que estivesse bêbada demais ou


que a mulher fosse apenas muito parecida com ela. Sentiu um arrepio
percorrer seu corpo e desejou a todo custo que a mulher virasse o rosto, já
nem se lembrava de que deveria estar dançando com Hannah, seus pés não a
obedeciam.

Aquilo estava errado. Não deveria deixar-se cair em tentação ao procurar pelo
seu passado em qualquer pessoa. Ela estava muito longe, na França e
provavelmente com a vida feita. Então por que sua mente insistia em criar
essas ilusões dolorosas?

A música terminou e Chaeyoung ignorou as reclamações de Hannah sobre ter


parado de dançar. Continuou com os olhos pregados no casal do outro lado
desejando que as luzes fossem acesas de uma vez, mas assim que isso
aconteceu, os convidados começaram a se locomover para o pequeno palco
por algum motivo e Chaeyoung sentiu vontade de xingar quando os perdeu de
vista; ainda mais quando seus pés automaticamente a fizeram caminhar
apressadamente até onde o casal estava a segundos atrás.

Rolou os olhos pelo salão e observou a movimentação próxima ao palco. Era a


voz do pai de Momo fazendo um discurso emocionante sobre filha que estava
sentada de frente ao palco ao lado de Junhoe.
Sua visão era quase nula devido às pessoas ridiculamente mais altas que ela.
Chaeyoung começou a caminhar em direção ao aglomerado de convidados
ainda olhando para trás onde deveria ter encontrado sua ilusão, mas sua
atenção foi desviada novamente ao palco quando ouviu um zunido do
microfone ao ser passado para outra pessoa.

– Por favor, me diga que ela não está bêbada e não vai fazer um discurso
sobre superação. - Momo resmungou para Junhoe. - Podemos sair de fininho,
amor. Ninguém vai nos ver e isso evitaria passar vergonha.

Chaeyoung ficou ainda mais curiosa sobre a pessoa que Momo mencionou e
parou ao lado da amiga. Assim que Momo a viu ao seu lado, cutucou o marido
e arregalou os olhos. A Chaeyoung não entendeu a reação de Momo, não até...

– Boa noite a todos, eu queria primeiramente me desculpar pelo atraso. – a


voz rouca ecoou não só pelo salão, mas como na cabeça de Chaeyoung. A
pessoa foi recebida por um coro de boa noite dos convidados enquanto a
Chaeyoung sentia suas pernas fraquejarem. - Bom, hoje é o casamento da
minha melhor amiga e seu noivo, Momo e Junhoe.

As pessoas se entreolharam e Momo ergueu uma sobrancelha.

– Sério? – Momo perguntou.

As células de Chaeyoung começaram a trabalhar descontroladamente à


medida que ela empurrava as pessoas para o lado, ela precisava confirmar
com seus olhos o que estava ouvindo, ela só precisava ter certeza de que
estava bêbada o suficiente e que aquela voz rouca não era a mesma que tantas
vezes sussurrou em seu ouvido.
– Digo, essa noite é muito especial não só para Momo, mas como para mim. –
a voz continuou, agora um pouco mais tímida. - Como quando estávamos no
primeiro ano e Momo me procurou no vestiário perguntando sobre como era
estar apaixonada.

Junhoe olhou para Momo que deu de ombros. Chaeyoung finalmente


conseguiu afastar a ultima pessoa e precisou segurar-se no braço de um
homem quando viu a figura elegante em cima do palco que segurava uma taça
nas mãos. Lalisa.

(Música Heaven - Paul Adams)

A atmosfera desapareceu e o ar se fez necessário em seus pulmões. Seu


coração batia tão rápido que poderia saltar a qualquer momento de seu peito
sem autorização.

Não eram apenas dois, quatro ou oito meses; eram seis anos. Seis malditos
anos sem ver aqueles olhos estupidamente castanhos e intensos, sem ver seus
cabelos finos e macios que tanto lhe agradava acariciar quando a tinha em
seus braços, seus lábios desenhados perfeitamente e deliciosos de serem
beijados...

Seis anos e é como se voltasse ao dia em que foi deixada no terraço de um


prédio com o coração em pedaços.

-... Ou quando Momo me pediu que a acompanhasse ao ginecologista para


saber sobre a primeira vez. - todos riram e Momo abriu a boca em fúria, sendo
contida pelo marido. – Você se lembra daquela vez que ficamos até tarde na
sua casa assistindo pornô e você me perguntou se aquilo que as garotas
usavam era um pepino, Momo?

O pai da noiva levou a mão ao coração e olhou torto para a filha. Momo a
fuzilava tanto que estava prestes a pular em cima da mesa a qualquer minuto
e agarrar o pescoço de Lisa. Mas Lisa não estava sóbria para saber distinguir o
que poderia ou não dizer.

Algumas pessoas riram desconfortáveis, e Lisa as acompanhou passando os


olhos pelos convidados até...

O encontro de olhares aconteceu. Os castanhos entraram em contato com os


escuros e a explosão de sensações e sentimentos foi inevitável.

O sorriso da Lisa desapareceu; ninguém entendeu o que estava se passando


com a mulher em cima do palco, ninguém exceto aqueles que conheciam a
verdadeira história.

Lisa continuou paralisada por um tempo, os olhos agora eram tristes e


distantes. Chaeyoung não estava diferente, sentia como se a sua alma não a
pertencesse mais e seu corpo não a obedecesse.

Uma troca de olhares depois de tanto tempo amargurada foi o que bastou,
pois agora elas tinham dezoito e dezenove anos novamente.

Chaeyoung odiou-se por sentir aquela onda de sentimentos no peito, dizia a si


mesma que estava preparada para um possível encontro com Lalisa, mas não
poderia estar mais enganada.
Lisa parecia tão diferente sem seus tênis, a costumeira jaqueta e a calça
skinny, ela estava tão mais mulher.

Elas não sabiam ao certo quanto tempo se passou em silêncio, só não podiam
desconectar os olhos devido ao choque e os milhares tipos de sensações que
as preencheu com a troca de olhares que as lançou contra a gravidade.

Lisa tinha a boca entreaberta e os olhos levemente arregalados quando


prosseguiu:

– Eu tenho outra memória. - disse Lisa, fazendo todos calarem as risadas e se


prepararem para o que viria a seguir, seus olhos nunca deixavam Chaeyoung.
- Quando eu pedi ajuda para Momo me acompanhar na compra de um buquê
de rosas, coisa de adolescente. Estávamos olhando as vitrines e eu não sabia
ao certo o que escolher, então perguntei: Como se tem certeza? Como ter
certeza de que escolhemos a pessoa certa? Então ela se virou para mim e
disse: Nunca sabemos, Lis. Mas, damos o salto mesmo assim acreditando que
ele estará lá em baixo nos esperando para amortecer a queda. Essa é uma das
raras vezes em que Momo se abriu sobre o amor.

As pessoas se entreolharam, mas não disseram nada. Momo tinha os olhos


marejados e Junhoe a abraçava. Lisa deu um leve sorriso para a cena. Uma
musica de fundo começou a tocar, deixando-a ainda mais fragilizada.

Chaeyoung ignorou o mundo a sua volta, mas impediu-se de chorar. Não


naquele lugar. Com Lisa a poucos metros, vagueando o olhar pelo salão vez ou
outra para disfarçar sua comoção ao rever seu primeiro amor.

- Pessoas ao seu redor não conseguem compreender o porquê de você lutar


tanto por algo que vai te causar muita dor, porque simplesmente eles não
conseguem ver o anel invisível de insanidade que te rodeia quando você esta
apaixonado. – Lisa voltou seus olhos para Chaeyoung, sua voz estava falha. –
O amor é uma coisa engraçada, ele te causa tanta dor... Mas ao mesmo tempo
é o único que pode curá-la. - era impossível encontrar alguém naquele salão
que não estivesse intrigado, inclusive uma Chaeyoung completamente
perdida. - Espero que se lembre disso... Momo e Junhoe.

Foi como um clique, e os que sabiam sobre o passado se lembraram de que ela
estava falando para o casal de noivos, mesmo que aquelas fortes palavras
tenham tido significado para sua vida pessoal.

– Ela fez uma declaração de amor pra Park no meu casamento? - perguntou
Momo baixo, mais uma vez para o marido.

Lisa continuou em cima do palco encarando Chaeyoung, esta por sua vez
sentiu que desmaiaria sufocada a qualquer momento se continuasse naquele
lugar.

Quando a Chaeyoung deu dois passos para trás, Lisa percebeu o movimento e
desceu do palco apressadamente caminhando em sua direção, essa foi a deixa
para Chaeyoung virar as costas e desaparecer entre as pessoas ignorando os
chamados insistentes as suas costas.

Abriu a porta do salão com violência e fez sinal para o primeiro táxi que
apareceu.

Quando o carro estacionou, ela ouviu outra vez seu nome ser proferido pela
voz rouca que tanto lhe afetava, ela não suportaria mais isso. Lisa tornou a
abrir a porta do salão apenas para ver o táxi de Chaeyoung se afastar.
E lá estava ela, seu primeiro amor virando a esquina e levando junto uma
enxurrada de perguntas sem respostas.

_______

31

Os carros formaram uma fila única na rua estreita onde era localizado o salão
de festas em que ocorria a festa de casamento de Momo naquela noite.

Uma Lalisa de olhos castanhos era o motivo do congestionamento, seu corpo


a mantinha paralisada no meio da rua com uma expressão que variava entre o
choque e conflitos sentimentais, e seu coração batia descontroladamente na
mesma velocidade em que o táxi arrancara poucos minutos antes com um
pedaço de seu passado.

É assim mesmo que acontece, você está vivendo sua vida normalmente e as
chances do seu passado bater a sua porta são mais altas do que gostaríamos
de imaginar.

O coração de Lisa batia tão forte que ela teve certeza de que poderia parar a
qualquer momento ou escapar por sua boca aberta pela afobação. Há tempos
que não se sentia tão invadida como naquele momento, com suas células
trabalhando fervorosamente, suas mãos suando frio e tremendo, e sua
atenção só foi despertada, quando ouviu mais algumas buzinas insistentes e
uma voz masculina xingar.

Lalisa virou-se assustada para a quantidade de faróis em luz alta que a


cegaram e recuou para a calçada liberando, finalmente, a rua.
- Que porra foi essa? - Momo abriu a porta do salão com uma carranca
enorme, sendo seguida por Jennie e Jisoo. Ela tinha uma espátula de bolo nas
mãos e um olhar assassino. - Você fez a merda de uma declaração pra Park no
meu casamento? E ainda teve o mico daquela transtornada sair correndo e
você atrás! O que é isso? Filme da Disney?

Lisa deu alguns passos para trás perdendo-se entre as palavras de Momo. Sua
cabeça girava em torno de uma Chaeyoung muito mais linda do que se
recordava, com mais corpo e feições maduras.

- Como você tem coragem de convidar a nós duas e não me avisar? - Rosnou
enfurecida pelo fato de ter sido tudo culpa de sua amiga. - Você sabie que nos
encontraríamos, que merda Momo...!

- Lisa? - Jennie chamou, e só então a Lisa lembrou-se de que o casal também


estava lá. - Deus, você voltou!

Jennie não deu tempo para a Lisa responder, logo se jogou em seus braços em
um abraço cheio de saudade e as lágrimas não foram impedidas. Querendo ou
não, ambas eram amigas desde que se recordam como gente, e ver Lisa partir
a seis anos atrás não havia sido uma tarefa fácil para Jennie. Desde então, elas
conversavam por Skype e mensagens, mas Lisa sempre a privava de
informações sobre sua vida pessoal, assim como privava Daniela, sua própria
irmã.

- Você não mudou nada, Jennie. - sorriu emocionada ao separar-se da amiga


para medi-la de cima a baixo. - Exceto por esse anel em seu dedo esquerdo. –
observou.
O sorriso de Jennie cresceu e ela deu espaço para uma Jisoo mais acatada que
lançou um aceno de cabeça a ela. Apesar da amizade que desenvolveram
quando se conheceram, Jisoo era a única entre Momo e Jennie que não
conhecia Lisa tão bem, e talvez esse tenha sido um dos motivos que a deixou
apreensiva em relação à Lisa.

Para Jisoo, a atitude de Lisa era errada, por mais que tenha sido com boas
intenções. Sempre há outra saída, e Lisa não deu a opção de ser procurada
para Chaeyoung, ela tomou uma decisão sem o conhecimento da namorada,
simplesmente a deixando.

- Fico feliz por vocês, Jisoo. - Lisa sorriu sem graça.

Por mais que sua vontade fosse de abraça-la ali mesmo, sabia que não poderia
ultrapassar os limites da mulher.

Momo bufou e apontou o dedo indicador ameaçadoramente para Lisa, mas a


porta do salão foi novamente aberta revelando Daniela totalmente enfurecida.
A Manoban caçula partiu para cima da irmã a enchendo de tapas e palavras
de baixo calão que assustaram Jennie e Jisoo.

- Sua maldita, desgraçada! Eu confiei em você e o que recebi em troca? -


gritou socando novamente o peito de Lisa. - Uma irmã desaparecida que
nunca tem tempo para conversar comigo! Sabe o que me fez sentir todos esses
anos? Tem noção de como foi ver Adam crescer sem a tia? Sem ter minha
irmã por perto?

- Daniela... - Lisa tentava a todo custo parar a irmã, mas a caçula estava
determinada a espancá-la. - Uma ajuda, por favor? - olhou suplicante para
Momo que cruzou os braços, satisfeita com a cena.
E como o destino é traiçoeiro, a porta do salão foi aberta pela terceira vez,
agora dois homens passaram por ela às pressas. Um deles era Junhoe, que
lançou um pedido mudo de desculpas à Momo; o outro homem era magro e
alto, e correu até Lisa com uma expressão preocupada.

- Você está bem? - perguntou segurando os braços de Lisa com carinho. -


Você saiu às pressas do palco, pensei que poderia estar passando mal...

- Quem é ele? - Daniela implicou olhando de relance para o homem.

- Eita! - Momo fez um som nasal de ironia e recebeu vários olhares de


reprovação. - Agora minha festa ficou boa.

Lisa entendeu o que Momo quis dizer. Quando decidiu afastar-se de todos,
não calculou o tamanho da confusão que arrumaria quando os pedaços se
juntassem, e agora, depois de tantos segredos, ela devia muitas explicações.

- Ok - disse fechando os olhos e respirando fundo. Quando os abriu, encarou


cada pessoa presente até pousar os olhos no homem. - Eu sai correndo porque
reconheci uma velha amiga da faculdade. - respirou mais uma vez e buscou a
coragem que lhe faltava no fundo de sua alma. - Daniela, Jennie, Jisoo... Esse
é meu noivo, Luhan Yifan.

As reações foram variadas. Daniela arregalou tanto os olhos que eles


provavelmente saltariam da órbita a qualquer minuto. Jennie deu um passo
para trás e ergueu as sobrancelhas processando o fato. Jisoo cruzou os braços
e fuzilou a Lisa com os olhos.
Em resumo, as três pensaram em Chaeyoung. Momo e Junhoe assistiam a
tudo de camarote, ambos sabiam de toda a verdade e esperavam que o clube
da luta se iniciasse ali mesmo, na porta do salão.

- Olá, muito prazer em finalmente conhecê-las. - Luhan disse simpático,


passando um braço pela cintura de Lisa. - Lisa sempre fala muito de vocês, eu
já estava curioso sobre essas amigas perfeitas de New York.

O rapaz estava alheio ao bombardeio de olhares que se estendeu entre Momo,


Jennie, Jisoo, Lisa e Daniela.

Daniela tremia de raiva pela novidade sobre o noivado de sua irmã mais
velha, Lisa não tivera a capacidade de contar a verdade, nem a consideração
de compartilhar sua nova vida com alguém da família, ainda mais alguém que
a venerava como uma heroína. A situação foi desconfortável para o grupo,
Jennie foi a única a sorrir para Luhan por educação, o que não passou
despercebido pelo homem.

- Vocês podem até a minha casa na terça e eu lhes darei a minha história, o
que acham? - Lisa quebrou o silêncio desconfortável, olhando para o noivo. -
Tudo bem se elas forem?

- É claro que sim, eu posso fazer o jantar...

- Oh, você não pode. - Lisa retribuiu brincando e encostou a testa no ombro
do noivo.

Daniela desviou o olhar para a cena e bufou irritada. Odiava confirmar isso
para si mesma, mas foi decepcionada com Lisa como nunca pensou que seria.
Não por ter seguido em frente, Daniela não era estúpida a ponto de esperar
que sua irmã se isolasse em uma caverna por seis anos, a decepção se referia
ao fato de Lisa não ser mais Lisa.

Onde estavam os tênis e as jaquetas de couro? Sua irmã nunca sairia sem eles.
Onde estava a garota que sempre confiava seus segredos a ela por não serem
apenas irmãs, mas cúmplices? Jennie coçou a garganta e respondeu por
todas.

- Que tal um passeio no Central Park? - agora mais do que nunca se sentia
insegura com a Lisa parada a sua frente.

- Ok. - respondeu evitando o olhar de suas amigas. - Vejo vocês amanhã.

- Evite sumir por seis anos. – disse Jisoo secamente quando Lisa passou por
elas com Luhan ao seu lado.

Lisa não rebateu, Jisoo estava certa. Não havia uma maneira certa de contar
que desaparecera pelo simples fato de não poder entrar em contato sem o seu
mundo desmoronar.

Levou anos para reconstruir um pedaço de sua vida, não poderia arriscar cair
mais uma vez, não agora que outra vida dependia da sua.

- O que houve lá fora? - perguntou Luhan quando entraram novamente no


salão. - Suas amigas não parecem nem um pouco feliz com sua presença.

Se você soubesse de toda a verdade, talvez concordasse com elas, pensou a


Lisa.
- Aconteceram muitas coisas nesses seis anos, Luhan. – suspirou. Ambos
sentaram-se em um sofá branco, as imagens de Chaeyoung retornando em
forma de tormento. - Coisas das quais não sou capaz de fugir.

Luhan passou o braço esquerdo pelo ombro de Lisa e afagou seus cabelos em
sinal de que estava ali por ela. O casal continuou assistindo aos convidados
dançarem animadamente sob as luzes de efeito, fumaça e muito álcool. Lisa
perdida em seus pensamentos, culpando-se por se sentir tão atraída por outra
pessoa que não fosse Luhan, e isso se tornava uma bola de neve em sua mente
se levar em conta que Chaeyoung veio primeiro em sua vida, a outra fora sua
primeira em tudo, mesmo que agora fossem apenas duas estranhas trilhando
caminhos diferentes.

- Vamos embora logo antes que eu cometa suicídio. - Sana aproximou-se do


sofá e se jogou no colo de Lisa, estava claramente bêbada. - Pior festa do
mundo! Ainda estou esperando as strippers que sua amiga prometeu.

- Só você para acreditar na história das strippers, Sana. - Luhan riu e apertou
o nariz da meia irmã. - O fuso horário está afetando sua capacidade de
raciocinar.

- Vete al infierno! - acusou estapeando a mão do francês. - Só estou aqui a


negócios, e você sabe muito bem disso, maninho.

Lisa riu. Ela amava sua cunhada desde que se conheceram no primeiro ano
em Sobornne, desde então se tornaram amigas inseparáveis e isso ajudou a
dor no peito de Lisa a se dissipar aos poucos. Ela já não chorava todas as
noites.
Foi Sana quem apresentou Luhan à Lisa, e foi Sana quem a ajudou a tomar a
decisão mais importante de sua vida, mesmo que no fundo ela não soubesse
os reais motivos.

- Vocês estão sempre discutindo porque se amam ou porque adoram me tirar


do sério com essa infantilidade?

Luhan e Sana deram de ombros.

- Você nos ama, não há mais volta. - brincou o homem sorridente.

O resto da noite passou lentamente. Sana e Luhan eram uma boa distração,
ao mesmo tempo em que estar no mesmo ambiente de Jennie, Jisoo e Daniela
era quase sufocante.

E Lisa sabia, ela teve essa certeza assim que seus olhos encontraram com os
de Chaeyoung: Ela estava ferrada.

♫♫♫♫♫

O apartamento do Bronx acolheu a pequena família desengonçada que


entraram exaustos após a festa conturbada. Sana não fazia ideia do
acontecido e Lisa agradeceu aos céus, ou ela não seria tão convalescente como
seu noivo.

Lalisa xingou os móveis em que tropeçou e derrubou uma das caixas do


corredor que ainda não tinham terminado de desempacotar tudo, e algumas
das caixas haviam chegado há dois dias da França.
Sana ficaria na casa de Luhan e Lalisa até encontrar um apartamento perto do
imóvel que estava negociando, seria um negócio perfeito se abrisse uma boate
no Queens.

- Eu estava pensando... - disse Luhan, assim que fechou o livro e o deixou na


cabeceira da cama.

Eles estavam acomodados na cama king size e Lisa fingia analisar um dos
casos que pegaria quando voltasse de férias em seu novo escritório. Seria sua
primeira vez trabalhando em New.

Luhan virou-se com o cenho franzido, ficando de frente para a noiva com uma
expressão pensativa e tranquila, ao mesmo tempo. Ele tinha essa coisa de ser
calmo o tempo todo.

- Sobre a reação de suas amigas. Isso tem a ver com a mulher que você correu
atrás?

Lisa congelou em seu lugar, de repente o filme que passava na TV se tornou


um borrão, e uma sensação ruim nasceu em seu estômago. Não que ela
estivesse prestando atenção no filme, sua mente estava longe dali, em outro
lugar, em outra pessoa. Mas ser interrompida com uma pergunta como aquela
foi como levar um soco na boca do estômago.

Pensando melhor, ela devia explicações até mesmo a Luhan. Ele só não
precisava saber de tudo.

- Eu tive problemas com meu pai no primeiro ano da faculdade. – explicou,


fazendo seu cérebro trabalhar a mil por hora. - Esse foi o motivo da minha
transferência para Sorbonne, mas essa parte você já sabe. - ele assentiu. -
Jennie, Momo, Jisoo e... Hm, Chaeyoung... Eram minhas melhores amigas na
época, fazíamos tudo juntas e, sinceramente? Foram os tempos de ouro. - Seu
olhar se perdeu na parede branca ao recordar-se dos momentos com suas
amigas. – Nós idealizamos que amigo de verdade é aquele que aceita seus
defeitos, mas se você as conhecesse na época, teria os defeitos apontados na
cara e uma lição de moral sobre como consertá-los. – riu, e Luhan também
sorriu com a serenidade que sua noiva falava sobre suas antigas amigas.
Então o sorriso de Lisa morreu aos poucos, e ela o olhou daquela forma
intensa que deixava qualquer pessoa de pernas bambas. - Eu tinha plena
convicção de que se mantivesse contato com elas, não poderia seguir em
frente. Não é tão fácil caminhar sozinha quando se está acostumado a ter
companhia. Eu precisei aprender sozinha, foi tão difícil... Mas necessário.

Seus olhos se encheram de lágrimas, mas Lisa as segurou pelo próprio bem.
Olhando agora ao passado, sentia-se um monstro por todas as pessoas que
magoou, principalmente Chaeyoung, ela já não tinha tanta certeza se fez a
coisa certa seis anos atrás.

Se tivesse desafiado Marco, elas teriam ficado juntas? Ou o destino teria


pregado mais uma de suas peças? Encontrariam o dinheiro para os
tratamentos de Mark? Chaeyoung teria foco o suficiente para a música?

Eram infinitas perguntas que perduraram para sempre e todas sem respostas.
Chaeyoung tinha escrito sua história e Lisa também, elas não deveriam se
cruzar.

- Desculpe-me tocar nesse assunto delicado, posso ver que é difícil falar sobre
o passado e, agora mais do que nunca, eu desejaria ter feito parte dele. - disse
Luhan acariciando seu rosto.
Não. Ele não gostaria...

- Tudo bem, eu acho que mereço isso. – respirou, deixando-se ser tocada pelo
noivo. - Mantive minha vida na França em segredo até agora, é minha culpa
que não confiem em mim, e agora eu preciso lidar com as consequências.

Da mesma forma que estava assustada por fazê-lo. Ela sabia que tinha
mudado muito nos últimos anos, mesmo quando se desligou dos Manoban e
passou a ser uma mulher independente.

Sua convivência com pessoas diferentes a tornou uma nova Lisa. A mulher de
25 anos que usava roupas sociais de grife, noiva de um advogado bem
sucedido, e inatingível aos outros.

- Não diga isso, amor. – Luhan ergueu o queixo da Lisa a aplicou um selinho
demorado em seus lábios. - Se elas forem suas amigas de verdade, vão acabar
te perdoando. Você teve um motivo forte para se afastar, e mesmo que elas
não o façam, você ainda vai ter o seu noivo que te ama e sua cunhada que
largou a faculdade para se embebedar.

- Eu ouvi isso, seu babaca. - Sana adentrou o quarto interrompendo o


momento do casal. Ela tinha os olhos inchados, olheiras enormes e uma bolsa
de água quente na cabeça. - O teu pirralho está resmungando no quarto e eu
não consigo dormir.

- Oh! - exclamou a Lisa saindo debaixo do edredom no mesmo instante.

- Quer que eu vá? - Luhan perguntou. - Talvez você precise de um tempo, eu


posso fazê-lo dormir de novo.
Sana resmungou algo e saiu marchando do quarto sob os olhares do casal que
não entenderam nada. Lisa virou-se para Luhan e o beijou antes de calçar as
pantufas.

- Vá dormir, ok? Eu cuido do meu T-Rex. - riu e foi puxada com força para a
cama. - Luhan! - gritou e começou a rir com a sessão de cócegas e beijos no
pescoço que sofreu.

- Ok, ok. - ele parou o trabalho e a liberou para que se levantasse. - Dê um


beijo no garoto por mim.

- Bobo. - deu de língua, antes de sair do quarto.

Estava dando graças a Deus pela interrupção de Sana. Ficar ao lado de Luhan
com os pensamentos direcionados a outra pessoa era tão repulsivo que Lisa
chegou a sentir vontade de se estapear.

O desespero crescia cada vez mais dentro de si enquanto se dava conta de que
a enxurrada de sentimentos não foi proporcionada por ver Chaeyoung depois
de tanto tempo, e sim por constatar que quando se tratava dela, Lisa era
apenas aquela garota de dezenove anos que ouvia Johnny Cash em seu Dodge
e usava tênis desamarrados.

A batalha de pensamentos perdurou enquanto preparava um copo de


achocolatado para seu filho, e depois toda a caminhada até a porta do quarto
que continha a plaquinha amarela com os dizeres em vermelho: Ethan.

Lisa abriu a porta lentamente, sorrindo ao se deparar com o garoto sentado


na cama, vestindo seu pijama de dinossauro e brincando com dois
dinossauros de brinquedo enquanto reproduzia sons de grunhidos.
O quarto estava iluminado apenas pelo abajur e a Lisa se impressionava por
Ethan não ter medo do escuro como as crianças normalmente tinham.

- Mommy! – exclamou o menino, ficando em pé na cama com pulinhos de


animação. - Eu não conseguia dormir e comecei a bincar...

- Brincar. - ela o corrigiu, deixando o copo de achocolatado na mesinha ao


lado da cama antes de abrir os braços para que o garoto pulasse em seu colo. -
O que eu já disse sobre ficar acordado e sozinho?

- Mas mãaaae... - ele choramingou. - Eu não consigo dormir. O T-Rex estava


brigando com o Ben.

Lisa fingiu surpresa e olhou para os dois dinossauros de plástico em cima da


cama. Ethan e sua obsessão com dinossauros.

O garoto era tão apaixonado por animais pré-históricos que obrigou sua mãe
a comprar uma roupa de tiranossauro uma vez, quando estavam a passeio no
shopping.

O papel de parede atrás da cama era um cenário de floresta com a visão de


cima de alguns velociraptors correndo, e a colcha de cama era o T-Rex.

- Eu pensei que o Ben tivesse feito as pazes com o T-Rex depois de lhe roubar
algumas frutas. – comentou, franzindo o cenho para o filho que tinha uma
expressão triste no rosto. - Hmmm, será que não é culpa do Gigantossauro?

Os olhos de Ethan cresceram três vezes mais com a menção do nome, sua
pequena boca formando um O perfeito.
- A senhora conhece um?

Lisa riu e o jogou em cima da cama com uma expressão maléfica.

- Você não deveria te perguntado por isso, pequeno Carnotaurus! - rosnou


abrindo as mãos em garras. Ethan gritou espantado e pulou da cama tentando
a todo custo fugir do dinossauro que o perseguia arduamente. - Volte aqui seu
comedor de folhas, eu vou te morder todinho...

- Mommy! - ele gritava e ria ao mesmo tempo.

Lisa fingia que não tinha velocidade o suficiente para persegui-lo em voltas
pelo quarto e, quando finalmente o capturou, Ethan soltou uma gargalhada
gostosa sendo foi jogado de leve outra vez na cama.

- Ethan é mais forte seu dinossauro bobão... - Lisa subiu em cima dele e o
atacou com beijos por todo o torso.

- Me ajude T-Rex, dinossauro quer me moder...

A sessão de cócegas finalmente acabou e o único som que restou foi o de um


Ethan totalmente ofegante na cama. Ele sorriu amplamente e segurou o rosto
da mãe com as duas mãozinhas.

- Agora é a mamãe? - ele perguntou e o coração de Lisa acelerou.

Quatro anos e ela nunca se acostumaria com a palavra mamãe. Ethan é seu
maior tesouro e o seu mundo. Ela sabe que por ele daria a própria vida e, por
mais que as pessoas pensem que o garoto tenha sido feito de supetão, não
imaginavam o significado que havia por trás de todas as suas atitudes.

- Agora é a mamãe, meu príncipe! - sorriu abobada e saiu da camada para


pegar o copo de leite. - Agora é hora dos dinossauros dormirem, ok? Amanhã
eles têm que acordar bem cedinho para caçar mantimentos.

Ethan soltou um muxoxo, agarrou-se aos brinquedos e deixou que Lisa o


cobrisse com o edredom.

- A senhora vai tocar? - ele perguntou quando a Lisa fez menção de deitar ao
seu lado.

Lisa tinha mania de tocar algumas músicas no violão para o garoto em suas
noites de insônias, ou quando acordava com pesadelos no meio da madrugada
em Paris. Talvez fosse esse o motivo por Ethan ter desenvolvido o gosto pela
música. Lisa não poderia ter mais orgulho.

- É claro que vou. – riu. Lalisa pegou o violão do suporte ao lado do guarda-
roupa embutido. - Já faz tempo que não me pede para tocar, mamãe pensou
que você tinha esquecido. Ethan coçou a cabeça, estava desconcertado.

- Eu não esqueci, eu juro! A tia Chaeyoung sempre toca as músicas que eu


peço, dai eu me esqueço de pedi para a senhora. - segurou novamente o rosto
da mãe quando ela sentou na cama com o violão em mãos. - A senhora ficou
triste?

Lisa quase caiu da cama quando ouviu aquele nome.


- Sua professora chama Chaeyoung? - olhou incrédula para o filho que
assentiu. - Eu pensei que fosse Gisele.

Buscou em sua memória algo sobre a professora de Ethan, e talvez tivesse


deixado passar alguma mudança no corpo de professores e Luhan não a
avisou.

- Gisele? - ele perguntou curioso. - É a tia Chaeyoung, oras. Ela sempre toca as
músicas que eu gosto e me chama de pequeno Ethan, mas eu não sou
pequeno, a senhora tem que dizer isso a ela.

Lisa respirou fundo afastando os pensamentos indesejáveis de sua cabeça e


acomodou-se a cabeceira da cama com o violão. Agradeceu por comprar uma
cama de solteiro para o filho e não uma infantil, ou já teria quebrado há
tempos com a quantidade de noites que passam juntos.

- Ok. Hora de dormir, grande Ethan. - o garoto franziu o nariz e abraçou o T-


Rex contra o corpo na espera da música. Lisa tirou o corpo já vazio das mãos
do menino, colocando o objeto no criado mudo - Boa noite, meu amor.

- Boa noite, mommy.

Lalisa dedilhou o violão e deixou seus olhos fixos na Chaeyoung TV de frente


a cama. Quando cantarolou, sentiu o efeito de cada palavra.

I love this place


Eu amo esse lugar

But it's haunted without you


Mas ele é assombrado sem você
My tired heart
Meu cansado coração

Is beating so slow
Está batendo tão devagar

Deixou seus olhos caírem para o pequeno deitado ao seu lado, ele a
contemplava como se Lisa fosse um de seus super-heróis preferidos. Ele era o
único que pensava assim, o único a quem ela não tinha enganado e talvez o
único que a amava verdadeiramente de uma forma pura.

Our hearts sing less


Nossos corações cantam menos

Than we wanted
Do que nós queríamos

We wanted
Nós queríamos

Our hearts sing 'cause


Nossos corações cantam porque

We do not know
Nós não sabemos

We do not know
Nós não sabemos
Não demorou muito para os olhinhos de Ethan fecharem aos poucos. Lisa
sentia-se protegida ao lado do garoto, e agora, mais do que nunca, estar ao
lado dele a fazia estar ao lado de uma pessoa que abandonou há anos.

Se as pessoas soubessem... Se Chaeyoung soubesse...

To light the night


Para iluminar a noite

To help us grow
Para nos ajudar a crescer

To help us grow
Para nos ajudar a crescer

It is not said
Isso não é dito

I always know
Eu sempre soube

Lembrou-se exatamente do dia em que tomou a decisão de ter Ethan. Sana,


mesmo não entendendo toda a situação, a levou até a clinica de reprodução
assistida; foi naquele dia em que Lisa tomou a decisão mais importante de sua
vida.

Ela sempre teria uma parte de Chaeyoung com ela.

You can catch me


Você pode me pegar
Don't you run
Não fuja

Don't you run


Não fuja

If you live another day


Se você viver um outro dia

In this happy little house


Nessa casinha feliz

The fire's here to stay


O fogo está aqui pra ficar

De alguma forma, Ethan sempre seria de Lisa e Chaeyoung. O pequeno


tesouro que elas criaram no quarto de Chaeyoung na noite de natal.

Flasback.

- E qual nome vamos dar se o primeiro for menino? – Lisa estava gostando
de entrar naquela conversa, a sensação de imaginar seu futuro ao lado de
Chaeyoung fazia seu peito inchar de felicidade.

- Eu não sei. Gosto de Ethan. – murmurou a Chaeyoung invertendo as


posições com Lisa ficando montada nas coxas da Lisa com um sorriso doce.
– É de um filme que assisti onde o garotinho, que na verdade era um anjo, se
chamava Ethan. Fiquei com esse nome na cabeça desde então.
- Ethan... – repetiu a Lisa recebendo um beijo nos lábios. – Gostei desse
nome.

Fim do Flashback.

Encostou-se na cabeceira da cama enquanto dedilhava o violão. Sentia-se suja


por pensar em outra pessoa que não fosse Luhan, e ao mesmo tempo sentia
saudade de uma forma que fazia seu peito apertar com a falta dos braços de
Chaeyoung em volta de si, puxando sua camiseta, acariciando suas costas,
tomando-a para si.

Naquela noite, Lisa se deu conta de que o destino sempre traria Chaeyoung
de volta.

♫♫♫♫♫

A dor de cabeça consumia Chaeyoung naquele dia. Talvez não tivesse sido
uma boa ideia encher a cara e transar com Hannah durante toda a noite como
forma de descontar sua frustração.

Sim, ela tinha ficado realmente experiente em dar prazer às mulheres e sentia
orgulho disso. O único problema era a situação em que se encontrava. Por
algum motivo filho da puta, seu coração encontrava-se apertado desde a noite
anterior quando reencontrou Lalisa Manoban.

As coisas não deveriam ser assim, tudo o que Chaeyoung precisava sentir
sobre aquela mulher se remetia a ódio e mágoa, o desejo de querer Lisa bem
longe dela, e que nunca mais voltasse a encontrá-la.
Então porque algo em seu interior clamava para que a Lisa a procurasse?
Seria ela tão estupida ao ponto de render-se ao seu antigo amor? Não, ela
poderia sentir aquelas malditas borboletas sempre que pensasse em Lisa, mas
estava determinada a não deixá-la entrar em sua vida outra vez.

Forçava um sorriso enquanto acenava para os pais que saíam aos poucos com
seus filhos, depois de uma aula tranquila onde assistiram a dois filmes, para a
alegria das crianças.

Chaeyoung encontrava-se apaixonada por crianças a ponto de desejar adotar


um a qualquer momento se não fosse sua situação financeira instável.

Uma mão Chaeyoung puxou sua calça chamando sua atenção, então
Chaeyoung se deparou com Ethan segurando sua mochila dos Vingadores e
uma carinha de sono que só o deixava com mais carinha de anjo.

- Seu pai ainda não chegou? - ela perguntou confusa sobre o garoto ainda
estar em sua sala enquanto os outros já tinham ido embora. Ethan negou com
a cabeça e bocejou. – Hm... Você pode ficar comigo enquanto ele não chega. O
que acha? - Ethan assentiu e segurou a mão da professora para caminharem
até o piano. - Então... O que deseja ouvir, pequeno Ethan? - sorriu quando
viu a expressão de horror do garoto com o apelido. - Desculpe, é força do
hábito.

- Força do que? - ele perguntou confuso, os dedinhos correndo pelas teclas do


piano sem direção.

Chaeyoung pensou em uma maneira simples de explicar algo tão complexo.

- É quando você tem mania de fazer algo várias vezes.


Ethan franziu o cenho.

- O que é mania?

Chaeyoung pendeu a cabeça e sentiu-se idiota por não sabe explicar isso ao
garoto.

- Coisas de adultos, pequeno Ethan.

- Eu sou adulto!

- Com quatro anos? Eu duvido muito. - Ethan resmungou e fechou a cara


sendo presenteado por uma série de beijos no topo da cabeça. - Eu estou
brincando, seu bobo. Então, o que vamos fazer?

O garoto levantou do banquinho e correu até a mochila que tinha deixado em


cima da mesa da professora, quando voltou tinha um caderno de capa dura
em mãos com o estampado do Shrek.

- Eu assisti a esse filme ontem, tia. - mostrou o caderno e apontou para o


burro. - Ele não para de fala e é muito engraçado. A senhora já assistiu?

Chaeyoung teve uma ótima ideia ao ver o estampado do desenho.

- Eu vou te mostrar uma coisa. - virou-se para o piano, começando a tocar o


tema de Shrek e Fiona. Olhou esperançosa para Ethan que mantinha tinha
uma expressão pensativa. - Conhece?
Demorou um tempo até o garoto reconhecer a música, ele assentiu sorridente
e Chaeyoung quis abraçá-lo.

***

- Eu vou matar você! - Lisa exclamou enfurecida para o celular enquanto


caminhava pelos corredores do edifício. - Como pode se esquecer de buscar
seu sobrinho, Sana? Eu juro que se acontecer alguma coisa com ele eu vou
acabar com a sua raça!

Desligou o telefone com força e o jogou dentro da bolsa. Teve um


pressentimento ruim quando Luhan ligou do escritório avisando que estava
cheio de trabalho, mas o medo foi ainda maior quando o rapaz informou que
havia pedido a Sana para que buscasse Ethan na escola de música.

Passou a manhã toda roendo as unhas e mal pode estudar o caso de sua
cliente pensando no que a maluca da sua cunhada poderia fazer. E estava
certa, assim que a direção do lugar ligou perguntando se ninguém buscaria
Ethan, a Lisa surtou.

Arrancou com o Audi Q7 preto e ligou para a mulher no meio do caminho


xingando suas vidas passadas.

Caminhando entre os corredores, seu desespero cresceu ao ver as portas das


salas fechadas. O segurança tinha informado que a sala da professora
Chaeyoung era uma das ultimas, o que fez a Lisa apertar o passo em busca da
tal sala.

E então ela ouviu. Pela segunda vez. Uma música. No piano. Vindo da última
sala daquele corredor.
Lisa sentiu algo quente subir por seu corpo e parar em sua garganta enquanto
aproximava-se da sala, agora em passos lentos, seus movimentos traindo seu
cérebro.

Tantas sensações conhecidas, um flashback do passado, aquela velha fisgada


no lado direito do peito ao lembrar-se da primeira vez em que... Lisa travou, e
seu coração bateu em desespero no peito.

Sentiu que poderia sufocar se não liberasse sua respiração, mas não se deu
conta de que a estava prendendo até o momento em que entrou na sala. Foi
preciso segurar no batente da porta. Suas pernas fraquejaram, tudo em si
fraquejou, até mesmo sua coragem.

Aquela antiga angustia tomou conta de todo o seu corpo, e Lisa sentiu
vontade de chorar. Chorar ao ver Park Chaeyoung tocando com seu filho. O
filho delas.

Tudo a sua volta começou a rodar, a Lisa sentiu que poderia desmaiar apenas
por assistir Chaeyoung de costas e seus longos cabelos caindo até a cintura.

É como se estivesse revivendo o dia em que a conheceu, o dia que se deu


inicio a tudo.

- Mommy! - foi despertada pela voz de Ethan.

O garoto saltou do banco com um enorme sorriso, correndo em sua direção e


agarrando suas pernas como um bebê coala. Os olhos de Lisa continuaram
presos em Chaeyoung, que acabara de se virar no banco.
E o mundo explodiu. O choque era tão evidente no rosto de Chaeyoung que a
mulher ficou pálida em poucos segundos, ela mal se moveu no banco do
piano. Lisa também teria congelado se não fosse sua miniatura insistente
puxando seus braços para dentro da sala, carregando-a para mais perto do
sinal vermelho.

- Mamãe, a senhora precisa conhecer a tia Chaeyoung. Ela é super legal e faz
música assim como a senhora...

Chaeyoung levantou-se com os olhos fixos nos castanho de Lisa, a mulher


ficou parada ao lado do piano, as mãos suando frio e a respiração
descompassada.

A troca de olhares era tão intensa que ambas sabiam o que estavam pensando,
sabiam ler cada linha de expressão uma da outra.

Lalisa parou de andar quando finalmente chegou perto da professora. Ethan


saiu correndo para pegar sua mochila no cabideiro, e esse foi o momento
perfeito entre as duas mulheres para continuarem conversando por olhares.

A perfeição de Chaeyoung não se comparava a mais nada no mundo, seria


blasfêmia dizer que existia um ser mais perfeito que ela. Droga, Lisa a amava.
Lisa a amava tanto que chegava a doer.

- Chaeyoung. - deliciou-se com o nome em sua boca, podendo finalmente o


proferir com sua voz rouca e suave.

- Lalisa. - Chaeyoung respondeu de forma fria, mas que atingiu a Lisa em


cheio, bem no coração.
E naquele momento, o quebra-cabeças estava completo.

_________

Música que a Lisa toca: Little House da Amanda Seyfred


Música que a Chaeyoung toca: Fairytale (piano cover) do Sherek

___________

32
9 de Julho de 2018. - Paris, França. Segundo ano da faculdade.

O dia ensolarado no bairro Quartier Latin abrigava centenas de franceses e


turistas que caminhavam de um lado para o outro aproveitando a primavera
ensolarada.

Era possível encontrar diversos tipos de pessoas ao redor dos bistrôs


localizados em uma das ruas movimentadas do bairro, o lugar normalmente
era frequentado pelos estudantes em Surbonne por ser próximo à
Universidade, era usado como local para estudos nos intervalos de aulas ou
como encontros de jovens casais.

A quantidade de turistas dispostos a caminharem debaixo do sol forte era algo


que deixava a jovem abismada. Nem mesmo em seu primeiro dia em Paris ela
trocou uma boa cama por um tour pela cidade, mas ainda sim não tinha como
não se impressionar como a beleza rica em detalhes do lugar.

Uma Lisa de olhos castanhos cintilantes e agora longos cabelos loiros se


encontrava sentada em uma mesinha ao lado de fora de um dos bistrôs, ela
observava atentamente tudo a sua volta como um novo tipo de hobby.
As chaves de seu Dodge descansavam ao lado da xícara de café que, mesmo
com o calor, a jovem não dispensava em momentos de reflexão.

Olhar para todas aquelas pessoas a fazia sentir-se desconectada de assuntos


que havia deixado nos Estados Unidos há quase um ano.

Lisa pousou os olhos no Dodge preto estacionado do outro lado da rua e


soltou um suspiro sôfrego.

Desde pequena fora apaixonada por carros antigos e velozes, lembra-se de


ouvir o sermão de seu pai por quase uma semana quando usou o dinheiro dos
seus dezesseis anos para comprá-lo ao invés de um Porsche como o
combinado.

O Dodge tinha sido seu pequeno xodó por todo esse tempo, o ciúme que
sentia do carro era quase doentio, palavras de sua própria mãe. A questão é
que agora sentia seu peito se contrair com a decisão que vinha arquitetando
há alguns meses.

Não fora uma ideia de uma hora para a outra, mas levando em consideração a
dor que lastimava seu peito, ela sabia que algo deveria ser feito.

Foi então que, em um dia comum caminhando pelo parque Duc de Chartres's,
sentou-se ao gramado ao se deparar com um casal de mulheres brincando
com um garotinho de no mínimo dois anos.

Sua atenção foi atraída à cena como imã, e ela não pode deixar de sorrir
sozinha imaginando como seria se estivesse construindo seu futuro ao lado de
Chaeyoung. Tudo o que elas planejaram; a casa, o trabalho, os filhos...
A questão era fechar os olhos e poderia facilmente visualizá-las passeando de
mãos dadas com seu filho, o pequeno Ethan como Chaeyoung escolhera na
noite de natal de 2016. Ou até mesmo Sarah, nome que ela havia escolhido
caso fosse menina em homenagem à mulher de Harry, o soldado abatido na
segunda guerra mundial.

Ainda naquela noite, a mente de Lisa trabalhou arduamente com o


pensamento preso na cena das mães com o filho.

Pensar em Chaeyoung ainda a machucava de tal forma que as únicas pessoas


que ela deixara se aproximar até aquele dia eram Sana e Luhan Yifan em seu
tempo em Paris.

Lalisa não queria conhecer pessoas novas, não queria um novo amor, amigos
novos ou qualquer coisa que a impedisse de pensar em Chaeyoung. De certa
forma, sentir a dor da saudade a lembrava de que a história de ambas fora
real, e isso bastava.

Até aquele dia. Lisa sentiu-se consumida pelos pensamentos nos próximos
dias, sua concentração já não era mais a mesma, evitava conversar com Sana
sobre o assunto, pois preferiu deixar seu passado em New York, mas se
trancava todos os dias no dormitório sentindo a cabeça estourar pelo tanto de
situações que criava em sua mente envolvendo um filho.

Apesar de ainda manter contato com Daniela e Momo, manteve o


pensamento em construção para si e deixou seus amigos fora disso, sabia que
ninguém jamais a apoiaria, e que todos iriam tachá-la de louca.
Foi só depois de alguns meses que Lisa teve sua certeza formada quando, em
uma das inúmeras cartas que trocava com Mark, o homem lhe contou que
Chaeyoung passou a ser voluntária no hospital do câncer infantil, levando sua
música e amor para os pequenos.

O pior de tudo foi quando, com o passar dos tempos, pensar em Chaeyoung
tornou-se cada vez mais raro. Não porque não a amasse, o peito de Lisa se
enchia apenas com a lembrança de sua amada, mas agora ela tinha uma vida
na França abarrotada de estudos que tiravam sua concentração, e Sana e
Luhan conseguiam amenizar seus pensamentos torturantes.

O problema é que imaginar-se deixando Chaeyoung ir em seus pensamentos a


deixou extremamente desesperada, isso não poderia acontecer de nenhuma
forma, Lisa precisava manter seu primeiro amor sempre em alguma parte de
seu coração, de preferência a mais funda e indestrutível.

Naquele momento, naquele dia, sua decisão fora tomada. Ela seguiria sua
vida na França e se tornaria a melhor advogada que Paris pudesse recorrer, e
ainda sim, manteria uma parte de Chaeyoung sempre com ela.

Manteria o foco nos estudos e se possível conheceria alguém que a fizesse


sentir-se bem, mas nunca, em nenhuma hipótese, deixaria de acompanhar a
carreira do seu amor.

- Qual o motivo especial por ter me tirado da cama num sábado de manhã? –
Sana havia acabado de chegar ao bistrô com uma carranca enorme. Lisa se
ajeitou na cadeira quando a outra puxou uma cadeira para sentar-se, ela
trajava um vestido azul marinho que marcava todas as suas curvas e
sapatilhas. – Sério, se não fosse pelo seu tom urgente, eu com certeza teria
desligado o telefone na sua cara.
Talvez o motivo de ter deixado Sana entrar em sua vida venha a ser pelo
humor negro da mulher que em muito lembrava sua melhor amiga Momo. E,
apesar da imagem de vadia que passava a todos, foi a primeira pessoa a sorrir
para ela em seu primeiro dia em Surbonne quando lhe puxou para a mesa de
seus amigos na hora do almoço.

Lisa brincou com o copo de café em mãos, dando uma golada antes de coçar a
garganta e encarar a amiga que mantinha as sobrancelhas erguidas num claro
sinal de curiosidade.

- Eu preciso da sua ajuda, e também preciso que você não surte ou me chame
de louca. – disse por fim, sem nunca deixar seus olhos abandonarem os da
garota.

Sana curvou os lábios para baixo, arregalando os olhos.

- Por favor, me diga que você não matou alguém e precisa da minha ajuda
para esconder o corpo! – exclamou extasiada, fazendo a Lisa pendeu a cabeça
de lado digerindo suas palavras.

Lisa balançou a cabeça ainda confusa e afastou o copo de café e as chaves do


centro da mesa, como se isso deixasse o caminho livre entre ela e Sana para
uma conversa privada.

- Eu vou ter um bebê. – disse sem rodeios, e esperou a expressão de Sana que
nunca veio. A garota continuou olhando-a como se ainda esperasse pela
surpresa. – Sana?
Sana abriu a boca e fechou, logo abaixando o olhar para a mesa em silêncio.
As pernas da Lisa saltavam em baixo da mesa com o nervosismo e sua amiga
não reagir de imediato só a deixou ainda mais nervosa.

A garota finalmente voltou a olhar para Lisa, mas ainda sem esboçar
nenhuma reação.

- Como você pode liberar e nem ao menos me contar, Manoban? – a garota


rosnou entre dentes, fechando as mãos em punhos. – Eu pensei que fosse sua
amiga! Quem foi? O idiota do Luhan não foi porque ele é muito banana...

Lisa abriu a boca em choque e negou diversas vezes com a cabeça.

- Não, não. Acalme-se, ok? Eu não estou grávida.

Os punhos da garota logo se desfizeram e ela olhou novamente para Lisa


como se ela fosse louca.

- Então? – arqueou a sobrancelha esquerda.

- Uh... Inseminação artificial? – Lisa falou como se fosse o óbvio e viu o


choque percorrer o rosto de Sana. – Olha, eu sei que não é algo normal para
uma universitária de vinte anos decidir de uma hora para a outra, mas eu
preciso que você me entenda e que me acompanhe à uma clinica.

Silêncio. Sana tinha essa mania de pensar muito antes de falar e por mais que
em parte isso seja algo bom, naquele momento estava aterrorizando Lisa.

Ela não tinha coragem de ir a clinica sozinha, precisava de alguém para apoiá-
la e para desabafar quando se arrependesse, se é que isso aconteceria.
- Ok... – Sana murmurou, analisando Lisa atentamente. – E você decidiu isso
sentada aqui na mesa de café? Ou existe um motivo plausível pra você enfiar
uma criança na sua vida de uma hora para a outra?

Nem em mil anos diria que precisava ter um pedaço de seu primeiro amor
junto dela, essa era uma filosofia que poucas pessoas entenderiam, ou até
mesmo nenhuma. O que parecia loucura aos olhos dos outros, se tornava um
ato de amor aos da Lisa.

Ela amava crianças ao mesmo tempo em que precisava encontrar um meio de


ter Chaeyoung sempre com ela, ou acabaria explodindo com a saudade.

- Digamos que eu tenho esse desejo que não pode ser contido. – deu de
ombros, vendo Sana cerrar os olhos.

- Você não vai me contar, não é? – a garota suspirou ciente de que a Lisa tinha
muitos segredos em seu passado.

- Não, desculpe. – mordeu o lábio inferior, seu olhar caiu para as chaves na
mesa.

Sana ajeitou-se melhor na mesa, seus olhos ainda em análise na Lisa, Lisa às
vezes achava que a amiga tinha errado o curso, pois seu dom para a psicologia
era explícito quando decidia analisar as reações das pessoas.

- Suponhamos que eu aceite ajudar... – começou Sana, quebrando o silêncio e


tendo a atenção de Lisa. – Como vamos arrumar dinheiro sem que o seu pai
saiba, e como você vai aparecer grávida em Surbonne quando mal se envolve
com as pessoas? Vai dizer que tem um namorado secreto?
Essas eram uma das muitas perguntas que martelaram em sua cabeça
durante os meses, Lisa pensou em cada detalhe e, por mais que ainda
houvesse algumas falhas, era o que tinha em mãos e não voltaria atrás em sua
decisão.

- Eu vou vender o Dodge. – disse. A boca de Sana abriu exageradamente. – É,


eu sei. Isso está doendo em mim mais do que você imagina, Sana. – desviou o
olhar para o carro e torceu a boca. – Mas é a única forma de conseguir o
dinheiro sem que meu pai saiba, e a partir dai eu vou sustentar o bebê
sozinha. Eu consegui emprego em uma livraria, vou juntar dinheiro, me
mudar para um apartamento no meio da gestação. E quanto às pessoas... Eu
não me importo com eles. Passei anos da minha vida me preocupando com o
que pensariam de mim e isso me fez ser uma estúpida muitas vezes. –
bloqueou as lembranças de Chaeyoung em sua mente. – Devo satisfação
apenas a você e Luhan, e acho que ele merece saber a verdade depois.

Na semana seguinte, Sana apareceu na faculdade carregando Lisa pela camisa


até o banheiro. Depois de verificar se estava vazio, deu a noticia de que um
amigo apaixonado por carros antigos estava interessado no Dodge, a melhor
parte era que ele pagaria muito bem.

Três dias depois ela o vendeu tendo assim, mais uma parte de seu coração
levado.

As duas garotas mantinham o segredo de Luhan a todo o momento e o rapaz


não desconfiou em nada dos sumiços que ambas davam no meio do dia.
Sumiços esses que eram causados pelas visitas a clinica que Lisa escolheu
depois de verificar se era mesmo confiável.
Em outubro de 2018, Lisa estava grávida.

Lalisa não soube como reagir ao ver o os dois riscos em vermelho no teste de
farmácia. Sua primeira reação foi chorar desesperadamente de felicidade por
ter uma vida crescendo dentro dela, seu extinto maternal sempre fora
aflorado e saber que seria mãe em nove meses a deixara extasiada.

Quando contou para Sana no dormitório que dividiam, a garota faltou morrer
do coração e as duas passaram a ser como um casal de mães pelo tanto que
Sana a acompanhou em sua gravidez.

Conforme sua barriga crescia e as pessoas notavam, Lisa tomou a decisão de


sair do campus, e alugou um apartamento pequeno e barato próximo à
faculdade.

Luhan foi o próximo a saber, e para o alivio da Lisa, ficou ao seu lado assim
como a meia irmã.

O tempo foi passando arrastado, Lisa afastou-se de Daniela com medo de sua
reação sobre o bebê, e que a sua caçula contasse para Jennie e Jisoo. As três
garotas eram muito racionais, e por mais que Daniela tivesse Adam, com
certeza surtaria pela decisão repentina da irmã mais velha.

Qualquer contato com o passado fora definitivamente cortado, exceto por


Mark que foi a terceira pessoa a saber sobre a inseminação artificial por carta.

Ele respondeu alguns dias mais tarde dizendo que Lisa era uma garota rara, e
que merecia todo o amor no mundo, assim como seu bebê.
Marco e Lisa mal conversavam, ele apenas mandava o dinheiro do sustento da
filha na faculdade e ligava uma vez por semana em Surbonne para saber sobre
o desempenho da garota, por isso Lisa tratou de estudar ainda mais para que
nunca fosse preciso seu pai ser questionado sobre sua gravidez pela direção.

Logo, quando Ethan nasceu, Lisa se viu apaixonada mais do que se julgou
estar durante a gravidez. Ethan tinha se tornado seu mundo no momento em
que abriu os olhinhos, encarando aquele quarto de hospital com curiosidade.

E, inesperadamente, ele lembrava Chaeyoung, talvez pelo inconsciente de


Lisa o considerar filho das duas.

Uma babá foi contratada para cuidar de Ethan no tempo em que Lisa
trabalhasse, e a Lisa passou a estudar à distância. Sana e Luhan não saíam de
sua casa por nada, eram as pessoas preferidas de Ethan que, com dois anos, já
os chamava de tio.

Lisa chorou intensamente quando ouviu pela primeira vez a palavra mamãe
sair da boca do garoto, é uma de suas memórias preferidas.

Durante sua gravidez, e ainda com o garoto pequeno, a Lisa costumava tocar
violão para o filho como se isso fizesse seu gosto pela música despertar, e ela
estava certa, Ethan amava quando a hora da música chegava antes de dormir.

Três anos mais tarde, em seus últimos dias de aula em Surbonne e com Ethan
completando três anos de idade, Luhan se declarou para Lisa dizendo que
fora apaixonado por ela desde o momento em que a viu na faculdade, e que se
ela aceitasse, seria o melhor pai do mundo para Ethan.
Foi um choque para Lisa no começo, ela nunca imaginou que seu amigo
nutrisse sentimentos por ela e muito menos que os fosse revelar assim, no
meio de um passeio pelas ruas de Paris.

Luhan era um cara bacana e muito dedicado aos estudos que sempre a tratou
com respeito, e a quem Ethan tinha um carinho infinito.

Internamente Lisa sabia que seu filho precisava de uma segunda figura em
sua vida, alguém que o acolhesse quando ela o bronqueasse, que fosse menos
firme que ela e que o amasse na mesma intensidade que ela o amava. E Luhan
era o cara certo.

Talvez fosse errado aceitar tê-lo em sua vida por segurança, mas ela deixou
claro desde o começo que não o amava e que não sabia se um dia o poderia
fazer. Luhan aceitou sua condição, mesmo Sana não tendo aprovado a ideia
no começo, dizia que seu irmão era muito frouxo para a amiga, mas acabou
cedendo dias depois.

E assim o tempo passou. Lisa deu uma chance a Luhan e o rapaz soube
aproveitar. Levou as coisas devagar, sempre respeitando o tempo da Lisa que
não sabia se estava preparada para beijar outros lábios que não fossem os de
Chaeyoung ou entregar-se a alguém. Luhan fazia Lisa sorrir, e sempre a
ajudava com Ethan quando a Lisa sentia-se muito pressionada com o filho,
trabalho e estudo.

Foi Luhan quem descongelou o coração partido de Lisa e acendeu uma nova
chama, mesmo que a explosão nunca voltasse a acontecer. Foi ele quem a
acolheu, amou e zelou por todo esse tempo.
Quando o rapaz recebeu uma oportunidade de emprego em New York,
conversou um pouco hesitante com Lisa sobre isso, convidando-a para
acompanha-lo. A mulher não estava disposta a bater de frente com o passado
como ela sabia que faria caso voltasse, mas aceitou por saber que seria uma
grande oportunidade ao namorado, e Sana, que era muito famosa em Paris
por abrir um clube noturno, decidiu abrir uma filial em New York.

Luhan a pediu em noivado pouco antes de se mudarem para New York. Lisa
precisou de um tempo para processar, mas não negou, pois ele era o cara
certo para fazer a ela e a Ethan felizes.

Então, em uma noite chuvosa enquanto Ethan assistia TV na sala, Lisa


decidiu ligar para Mark e contar a novidade sobre sua volta, o homem não lhe
escrevia há mais de cinco meses, o que lhe causou estranhamento.

Tudo aconteceu muito rápido, Lisa ouviu uma voz fraca do outro lado da linha
que fez seu coração saltar em seu peito e quase sair por sua garganta. A Lisa
pigarreou e mudou o tom de voz, perguntando por Mark.

A voz de Chaeyoung do outro lado hesitou antes de responder.

- Ele faleceu há seis semanas.

Processar essa frase na voz de Chaeyoung deixou Lisa atônita, fazendo-a cair
sentada no sofá de três lugares sentindo seu peito doer.

Ethan percebeu que havia algo errado com a mãe e logo se levantou do sofá,
subindo em seu colo com um semblante preocupado.
- Mommy? – ele perguntou manhoso, e Lisa o abraçou deixando suas
lágrimas rolarem em sua face sem que o filho as visse.

Lisa não dormiu naquela noite. A morte de Mark a pegou totalmente de


surpresa, aquele homem era como um pai que ela nunca teve, por esse motivo
permitiu-se chorar agarrada ao travesseiro até que não houvesse mais forças
para tal ato.

Ouvir a voz de Chaeyoung após anos foi como rasgar uma cicatriz que levou
anos para fechar. Enquanto a casa estava silenciosa, Lisa levantou-se e
caminhou pelo corredor até chegar ao porão onde acendeu a luz fraca ao abrir
a porta.

No cômodo foi revelado vários recortes de jornais e revistas colados a um


enorme mural na parede, uma estante enorme de CDs, DVDs e covers, alguns
pôsteres colados pelas paredes e cartas que recebia como resposta as que ela
mandava como fã anônima.

Tudo sobre Chaeyoung. Lisa nunca deixou de cuidar e zelar pela mulher nem
mesmo quando sua vida se resumia em trabalho, Luhan, Ethan e dormir.

Nunca deixou de acompanhar uma entrevista sequer, e agora ouvir


diretamente sua voz do outro lado do telefone tinha sido um choque de
realidade.

Em alguns dias, elas estariam na mesma cidade. Sana, Luhan e Lisa


decidiram morar juntos em New York até que a meia irmã do rapaz tivesse
arrumado um apartamento próximo ao estabelecimento que compraria.
Os primeiros dias foram difíceis para o francês que praticou seu inglês todo o
caminho dentro do avião. Sana era mais fluente e para Lisa foi um alivio
finalmente poder falar sua língua naturalmente.

Lalisa matriculou Ethan no colégio infantil e em aulas de música, como era a


vontade do garoto sobre aprender violão como ela.

Luhan sempre o levava e buscava por ser caminho do trabalho, e Lisa passava
os dias desempacotando caixas da mudança e estudando sobre seu novo caso
para quando voltasse de férias.

Sana passava a maior parte do dia fora negociando estabelecimentos e sempre


voltava xingando, provavelmente porque tudo em New York era caro demais.

Até então, Lisa não sabia que seria arrastada para o passado quando recebeu
o convite de Momo pelo correio.

***

22 de Julho de 2023. - New York City, NY.

Não sabia quanto tempo havia se passado. Minutos, horas, dias, meses, quem
sabe?

O que deveria ser uma sala de aula tornou-se um capo de batalha entre
olhares frente a frente, após seis anos criando momentos como aquele em
suas imaginações.

Apesar da expressão fria que Chaeyoung portava, a Lisa sabia que a outra
estava tão afetada quanto ela, desde que começaram a namorar aprendera a
ler as expressões e a postura da mulher, e mesmo depois de tanto tempo,
ainda saberia dizer pelas mãos inquietas, sobrancelhas franzidas e lábios de
Chaeyoung que ela estava a ponto de desmaiar.

Mas Lisa não estava muito longe, o coração em seu peito martelava
descontrolado, desejando correr para os braços da mulher parada a sua
frente. A verdadeira dona dele.

Ethan acabou desistindo de cutucar a mãe e resolveu voltar a sentar no piano


para dedilhar o mesmo até que tivesse atenção, mas naquele momento, o
mundo era apenas de Chaeyoung e Lisa.

Os fogos ainda explodiam, o mundo ainda girava, seus corpos ainda


clamavam um pelo outro gritando em saudade como amantes em chamas.

Lisa deu mais um passo à frente e Chaeyoung recuou um, como se criasse um
sistema de defesa contra a Lisa.

- Eu... – a Lisa começou a dizer, mas perdeu-se nas palavras que não vinham.

Não sabia se sentia alivio ou desespero, mas o momento delas foi cortado
quando Luhan apareceu à porta da sala ofegante, com uma Sana descabelada
logo atrás.

- Lisa, eu vim o mais rápido que pude! – o homem exclamou, e estancou


assim que notou o clima tenso na sala. – Chaeyoung? Tudo bem? Aconteceu
algo com Ethan?

Ao ouvir seu noivo mencionar o nome de Chaeyoung como se fossem velhos


amigos, a Lisa virou-se curiosa para encarar Luhan.
- Eu já disse que esqueci, caramba... Chaeyoung? – Sana abriu a boca ao ver a
professora, a mesma mulher por quem tinha se interessado na festa de
Momo.

Lisa voltou-se em choque apenas para ver uma Chaeyoung corada com os
olhos fixos em Luhan.

- Ethan está ótimo, Luhan. – ela sorriu sem graça, apontando para o garoto
que agora assistia a cena em silêncio. – Eu não o deixaria sozinho, de
qualquer forma. E, olá Sana.

E ali estava, seu passado e seu presente colidindo como dois trens em
movimento. Lisa ainda não tinha palavras na presença de Chaeyoung e isso
até mesmo Ethan poderia notar, ironicamente falando, e foi Sana quem teve a
cara de pau de se manifestar.

- Vocês duas se conhecem? Porque o clima aqui está pesado e eu não sei lidar
com isso. – ela cruzou os braços, odiava quando sua cunhada guardava
segredos, e vê-la tão sem graça na frente da professora de Ethan a fez
imaginar que tinha algo acontecendo ali que ela não sabia.

Chaeyoung abaixou a cabeça indicando que não seria ela a falar e a Lisa sentiu
a responsabilidade do mundo as suas costas.

- Lembram-se da velha amiga que vi na festa de Momo? Era Chaeyoung. –


engoliu em seco com as palavras, não ousava encarar a pianista ao dizer velha
amiga.
Luhan e Sana sorriram animados com a ideia de Chaeyoung ser amiga de
Lisa, Luhan porque gostava muito da mulher como professora de Ethan, Sana
porque tinha um interesse a mais em Chaeyoung. É só juntar o útil ao
agradável, certo?

- Isso é incrível, amor! – exclamou Luhan, Lisa quase morreu ao ouvi-lo dizer
amor. Não que não se chamassem assim, mas de repente esse ato se tornou
sufocante na presença de Chaeyoung. – Eu fico feliz por Chaeyoung ser essa
pessoa especial sobre quem você falou, Ethan adora ela, e eu com certeza a
chamaria para jantar lá em casa se...

- Você o que? – Lisa engasgou, ficando vermelha como um pimentão.

Luhan estranhou essa atitude da noiva, mas continuou com o sorriso alegre.

- Vocês devem ter muito que conversar, eu imagino. – disse como se fosse o
óbvio e Sana concordou com a cabeça. É claro que para Luhan ele estava
apenas ajudando Lisa a se aproximar de uma de suas amigas do passado já
que as outras tinham sido tão frias com ela na festa. – E é claro que
Chaeyoung precisa experimentar meu macarrão a bolonhesa.

- É, Chaeyoung. Eu moro com eles e vai ser um prazer ter você lá em casa. –
Sana disse sorridente, nem parecia a vadia sarcástica que costumava ser no
dia a dia. – Aliás, é sobre esses dois que eu estava falando naquela noite, e o
pirralho é o Ethan.

Lisa fuzilou a cunhada e apertou as mãos com força. Estava tão fraca que se
movesse um passo seria capaz de cair no chão. Seus olhos mantinham-se
longe de Chaeyoung por segurança, ela sabia que se entregaria ainda mais se
encarasse as íris castanhas.
- Tia Chaeyoung vai lá em casa, mamãe? – a voz de Ethan fez a Lisa olhar para
baixo e ver seu pequeno a encarando com os olhos brilhantes. – Ela vai poder
tocar violão comigo no quarto?

- Eu... Eu não sei... – gaguejou, as palavras simplesmente desapareceram de


seu vocabulário.

Lisa não sabia se poderia aguentar estar no mesmo lugar que Chaeyoung e
fingir que não foram namoradas na faculdade, que já não se amavam
intensamente.

Ou ela ao menos pensava que Chaeyoung ainda a amava. E se... E essa dúvida
apareceu.

- É claro que a tia Chaeyoung vai, se ela quiser é claro. – Luhan pegou Ethan
no colo. – Que tal pedir com jeitinho a ela, hein?

Luhan disse algo no ouvido de Ethan e o garoto sorriu tapando a boca com as
mãozinhas.

Por mais que o assunto fosse Chaeyoung o tempo todo, a mulher mal tinha se
movido de sua posição e pouco fazia para deixar de encarar Lisa.

Sana e Luhan achavam que era pelo choque de encontrar sua amiga seis anos
depois, mas não tinham ideia de que ela chorava internamente odiando-se
por descobrir-se ainda loucamente apaixonado por Lisa.

- Tia Chaeyoung, eu gostaria muito que a senhora fosse na minha casa assistir
homem de ferro comigo e comer macarrão. É gostoso, eu juro!
Chaeyoung sorriu apaixonada por Ethan ao mesmo tempo em que abriu a
boca buscando por ar. Ethan era filho de Lisa. Lisa era a mãe de Ethan. A
mulher que ela amava... Mãe da criança que ela havia se apegado.

O mundo poderia ser mais louco? O que doía mais, era saber que Lisa tinha
um filho com outro homem, ou apenas saber que Ethan era filho dela?

Sua cabeça poderia explodir com tantos pensamentos, mas ela poderia
sucumbir a emoção de amar aquelas duas pessoas.

Queria tanto odiar Lisa por usar o nome que ela tinha escolhido uma vez em
seu filho com outro, mas era Ethan.

O garotinho de cabelos pretos e olhos puxados. Ele poderia ser seu filho com
Lisa em um futuro alternativo.

De volta à realidade, a pianista finalmente decidiu dizer algo para não deixar
a situação mais constrangedora do que se encontrava, e indo contra todos os
seus instintos, escolhendo sua curiosidade por querer saber mais sobre a vida
da covarde que a abandonara, ela fez sua escolha.

- Eu adoraria. – sorriu ainda trêmula. Lisa finalmente a olhou com o choque


evidente em seus olhos castanhos. – É claro que eu vou, Ethan.

Sana, Luhan e Ethan comemoraram enquanto Lisa desejava se jogar daquele


prédio.

Ela tinha aceitado...? Park Chaeyoung estaria finalmente voltando a sua vida?
E o principal, o quanto isso poderia prejudicá-la?
_________

33
A chaleira apitou indicando que o chá que irradiava o aroma de hortelã pela
casa estava pronto.

Chaeyoung serviu duas canecas, as colocou numa bandeja de plástico e lançou


um último olhar para Ella que estava esparramada no sofá assistindo a
reprise de Friends.

Chae carregou a bandeja até o segundo andar na primeira porta a esquerda do


corredor e bateu duas vezes antes de empurrar a porta entreaberta com o
corpo, revelando um quarto mal iluminado pela janela fechada e o brilho da
TV ligada.

Diana Park se encontrava sentada na enorme cama de casal com os olhos


fixos na TV, revendo, que pelas contas de Chaeyoung era a 74° vez, alguns
vídeos caseiros. Esse tinha se tornado seu novo hábito desde que Mark
faleceu, a forma que a mulher encontrou de sempre manter seu marido por
perto, todos os dias.

Sua depressão tinha melhorado muito desde que Chaeyoung deixara o


emprego de garçonete para se torna professora e pode pagar o tratamento de
mãe, os remédios e sessões tinham feito Diana voltar a conversar e
compartilhar seus sentimentos.

Ela ainda não saía do quarto, mas gostava de passar horas conversando com
suas filhas e Ella vinha sendo seu porto seguro, cozinhando, limpando e
cuidando da mãe com apenas 11 anos.
- Eu trouxe chá de hortelã, seu preferido. – disse Chaeyoung sorrindo para a
mãe que retribuiu. Chae deixou a bandeja em cima da cama e subiu do outro
lado ajeitando-se contra a cabeceira e entregando uma caneca à mulher. –
Como está hoje?

Diana aceitou a caneca e respondeu, seus olhos estavam perdidos na TV.

- Eu não tive pesadelos essa noite também... Talvez isso seja um avanço.

Os pesadelos de que ela falava se tratava dos sonhos sobre Mark que tiravam
seu sono e a deixava extremamente nervosa.

O psicólogo disse se tratar do fato da mulher não deixar Mark ir em memória,


sonhar com ele se tornava uma forma de tortura para si mesma.

- Eu fico feliz por isso! – sorriu amplamente e bebericou seu chá, queimando
a língua em seguida e praguejando-se por ser uma droga na cozinha. – Foi só
trocar o calmante e a senhora voltou a dormir tranquilamente, aquele outro
era fraco demais.

A mulher concordou com um aceno de cabeça e continuou encarando a TV.


Ela não fazia por mal, era uma desatenção que tinha adquirido com a
depressão e tanto Ella quanto Chaeyoung tinham consciência de que os
diálogos com a mãe seriam monólogos até um avanço.

- Ella ganhou o concurso de poesia ontem, ela deve ter contado isso. – disse
casualmente e seguiu os olhos de Diana à TV. – Eu sempre soube que ela
tinha talento com as palavras. Lembra do jardim de infância? Ela sempre
fazia as apresentações primeiro por ser a mais inteligente. – riu com a
lembrança de acompanhar os pais nas apresentações da irmã.

Logo seu sorriso morreu e arrependeu-se de tocar no assunto, mas quando


voltou seus olhos para a mãe, Diana parecia inerte ao mundo ao seu redor.

Suspirou. Sentia falta das conversas jogadas fora com a mãe, sentia mais
ainda falta dos momentos em família que eram sempre importantes em certa
época de suas vidas.

Pensar nessa época trouxe as lembranças de Lisa e seu encontro no dia


anterior na sala de aula. Sentiu um frio no estômago ao lembrar-se de que
Ethan era filho de Lisa. Filho.

O garotinho de 4 anos tinha sido gerado pela pessoa que ela mais amou em
seus 24 anos de vida.

- Eu encontrei Lisa. – soltou como se contasse sobre seu dia.

Diana virou o rosto para a filha e a encarou por um tempo.

- Lisa? – ela perguntou parecendo confusa, mas a verdade é que ela sabia
muito bem de quem se tratava.

- Sim, minha ex namorada. – dizer isso soava tão estranho. Chaeyoung mal
falou de Lisa desde que fora abandonada, então se privou de usar esse termo
quando se tratava da Lisa. – Ela é mãe de um dos meus alunos, louco, certo?
– Diana não esboçou nenhuma emoção, então ela continuou. – Ela está noiva
e tem um filho. – disse como se mal acreditasse nas próprias palavras. –
Ontem o noivo dela, Luhan, me chamou para um jantar hoje e eu aceitei. Eu
estraguei tudo, não foi? – franziu o cenho e deixou a caneca na bandeja, assim
como sua mãe. – Todo meu esforço para me manter afastada dela esses anos e
agora eu simplesmente estrago tudo entrando em sua vida outra vez.

Ouvindo de si mesma a fez cair na real o tamanho do estrago que tinha feito
no momento em que aceitou aquele jantar. Se tivesse negado, sua relação com
Luhan e Lisa seria estritamente de pais e professora. Elas se veriam quando a
Lisa fosse buscar Ethan, se cumprimentariam e só. Ainda existiria aquele
muro invisível entre elas que impedia Chaeyoung de agarrá-la como sentiu
uma insana vontade naquela sala.

Diana, que ainda tinha os olhos presos na filha como se ela contasse algo
realmente interessante, suspirou baixinho e segurou a mão de Chaeyoung.

- Lisa é uma boa menina. – disse simplesmente e voltou sua atenção para a
TV.

Chaeyoung desistiu de um diálogo mais prolongado com a mãe e decidiu


assistir aos vídeos caseiros com a mente em outro lugar.

Era estranho ver sua mãe chamando Lisa de boa menina depois do que
aconteceu em 2017, a mulher proibiu Chaeyoung de aproximar-se da Lisa e
xingou todas as vidas passadas da menina por abandonar sua filha assim, de
uma hora para a outra.

Elas passaram anos sem tocar naquele nome e quando Chaeyoung diz que
Lisa retornou, Diana age como se fossem os velhos tempos.

Talvez fosse a depressão confundindo sua mente, afinal, Lisa não era mais
uma menina.
Já passava das 19:40pm quando Chaeyoung deixou sua antiga casa e dirigiu
sem pressa nenhuma pelas ruas de New York em direção ao endereço anotado
no papel que Luhan tinha deixado no dia anterior. As mãos de Chaeyoung
suavam no volante e sua perna esquerda saltava no assoalho, dessa vez ela
não tinha ligado o rádio e isso realmente significava alguma coisa.

Significava que ela estava indo se encontrar com Lisa. E seu noivo. E seu filho.
E sua cunhada.

Oh, não...

De repente aquela jaqueta jeans era apertada demais, ou seria seu peito se
contraindo cada vez mais enquanto procurava pelo número do prédio certo.

Ficou surpresa com o luxo em que a Lisa vivia agora, o prédio abrigava cerca
de 30 andares e de fachada acompanhava um extenso jardim que terminava
na guarita da portaria.

Chaeyoung apresentou-se ao segurança pela janela e pediu que avisasse ao


senhor Yifan que ela havia chego.

Não demorou muito e o segurança liberou sua entrada permitindo que ela
estacionasse em uma das 4 vagas do apartamento de Lisa.

A cada dois passos, a Chae vacilava e sua consciência gritava para voltar ao
carro e inventar uma desculpa de última hora. As coisas não precisavam ser
assim, ela não tinha pensado direito quando aceitou, talvez o tenha feito para
ver a reação de Lisa, ter o gostinho de vê-la desesperada por sua causa. Ou
apenas por saudade.
Mas, a segunda opção deveria ser ignorada por questão de sobrevivência.

- Chaeyoung! – ouviu seu nome e foi tirada bruscamente de seus


pensamentos conflituosos.

Sana a aguardava no saguão com um enorme sorriso cheio de segundas


intenções e os braços cruzados abaixo dos seios.

Chaeyoung sorriu naturalmente por achar graça do esforço da mulher em


impressioná-la e acenou.

– Seja bem vinda ao Bronx. – franziu o cenho confusa. – Pronunciei certo?

- Gosto da forma como pronuncia o x, seu sotaque é forte. – sorriu ao


lembrar-se de suas origens e estendeu a mão à mulher.

Sana soltou um som anasalado e indicou o caminho até o elevador.

- Eu espero que isso não seja uma cantada, caso contrário Lisa me mataria. –
brincou, mas Chaeyoung levou a sério e quase engasgou quando entrou no
casulo de metal.

- O que disse? – perguntou assustada.

Seria possível Lisa ter contado tudo justamente à cunhada? Pensar nessa
possibilidade fez seu cérebro trabalhar a mil por hora e não processar a
resposta da mulher.
- Vocês são grandes amigas de faculdade, não? Foi isso que a branquela disse,
me corrija se eu tiver sido enganada porque eu juro que mato...

- Não! Está certo, desculpe minha falta de atenção. – recuperou-se


rapidamente e sorriu disfarçando o desespero. – Eu só tive um dia cheio e
minha cabeça está a mil por hora.

Sana balançou a cabeça em compreensão e não disse mais nada quando a


porta do elevador abriu revelando o apartamento.

Chaeyoung não se surpreendeu com o design, não esperava nada menos de


um casal de advogados. A decoração da sala em preto e branco, o tapete bege
felpudo e os móveis duas vezes maiores que os de sua casa era o contraste do
tipo de pessoa que Lisa havia se tornado.

Logo de cara Luhan as aguardava com um sorriso enorme e roupas mais


casuais. Uma polo laranja, calça jeans e sapatênis, diferente dos ternos que ele
costumava usar.

- Tia Chaeyoung!

E a Chae desviou os olhos para a Lisa que passou pela porta do que parecia
ser a cozinha com um garotinho sentado no ombro.

No mesmo instante Luhan e Sana foram esquecidos quando tudo o que


Chaeyoung podia ver era a cena mais cativante do mundo. Lisa parece ter tido
o mesmo tipo de pensamento quando estancou no meio do caminho e seu
sorriso morreu. Lá estava a batalha de olhares novamente e ambas estavam
perdendo.
- Por que eu não estou surpreso pela felicidade de Ethan com sua presença? –
Luhan brincou e caminhou até a Chae cumprimentando-a com um beijo no
rosto e a direcionando até a cozinha. – Sinta-se em casa, por favor.

Com Sana de um lado e Luhan de outro, Chaeyoung caminhou


displicentemente até Lisa com os olhos cravados no chão, mas relaxou
quando viu o pequeno Ethan estender os braços pedindo por colo.

- Olá, pequeno. Como é bom ver você! – Ethan deu um beijo estalado em seu
rosto e um abraço apertado. – Oh, isso tudo é saudade?

- Sim, tia. A senhora quer vê meu melhor amigo dinossauro? – ele perguntou
todo animado e segurou o rosto de Chaeyoung na expectativa.

- Ver. – Lisa o corrigiu e finalmente ganhou a atenção de Chaeyoung. – Boa


noite, Chaeyoung. – ela disse com os olhos inexpressivos, quase como se mal
a conhecesse.

A expectativa na sala era grande. Os irmãos esperavam que uma velha amiga
perdoasse as más atitudes de Lisa e que tudo voltasse a ser como antes.

Ethan queria apenas sua professora preferida para brincar e Lisa... Lisa se
torturava internamente para não perder o controle.

- Boa noite, Lalisa. – Chaeyoung respondeu indiferente e sorriu para Ethan. –


E eu vou adorar conhecer seu melhor amigo, pequeno.

Ethan sacudiu as pernas indicando que queria descer e saiu correndo como
um jato pelo corredor da casa.
- Esse menino vai levar algum móvel junto um dia desses. – o comentário veio
de Luhan que balançou a cabeça em diversão e apontou para a porta da
cozinha. – Eu fico feliz em ter mais uma vítima para experimentar meus
pratos especiais, Lisa nunca me deixa convidar uma de suas amigas com
medo que eu as envenene.

- Talvez porque você seja bem capaz disso. – Sana comentou e puxou um
banco da bancada para Chaeyoung se sentar, imitando o ato logo em seguida.
– Seja sincera e cuspa quando sentir a queimação na garganta, Chaeyoung.

Chaeyoung riu dos irmãos, ela tinha certeza de que se divertiria muito mais
com eles se a situação não fosse outra. Se Lisa não tivesse encostada na
geladeira com os olhos cravados em si enquanto Luhan mexia algo na panela.

- Se estiver ruim vocês nunca vão saber, não sou muito sincera nesse quesito.
– fez uma careta e recebeu um som de agradecimento de Luhan.

- Você ganhou mais dois pontos comigo, Chaeyoung. – ele brincou e virou-se
procurando pela noiva. – Lisa, ofereça algo para Chaeyoung beber enquanto o
jantar não fica pronto, por favor.

E lá estava o homem criando uma situação entre sua noiva e a ex namorada


na tentativa de surgir um assunto entre ambas. Lisa respirou fundo e abriu a
geladeira puxando uma jarra de suco de uva.

- Eu espero que ainda seja o seu favorito. – foi tudo o que a Lisa disse quando
pegou um copo no armário e serviu Chaeyoung com suco de uva. – É natural
da fruta.
Chaeyoung quase caiu do balcão quando Lisa a queimou com seu olhar e por
ainda lembra que seu suco favorito sempre fora o de uva.

- Me fale mais de você, Chaeyoung. – Sana cortou o clima tenso e a Chae


continuou encarando Lisa até a Lisa voltar a encostar-se à geladeira. – Você
namora?

- Sana! – Luhan a advertiu com um olhar feio.

- Não tem problema. – Chaeyoung respondeu e cruzou os dedos em cima do


balcão. – Eu tenho meus casos, digamos assim. Não tenho pique para um
relacionamento sério.

Sana fez bico e Luhan parecia divertido com a resposta. Lisa era a única cética
que mal parecia estar naquele mundo. O advogado, que parecia muito
interessado no que tinha ouvido, rebateu.

- Conta outra. Você nunca namorou sério?

O ar faltou por alguns segundos e o clima pesou. Chaeyoung ficou estática no


balcão com o corpo congelado, ela não sabia o que dizer e pior ainda, tinha
medo de levantar os olhos e encontrar a imensidão castanhos esperando sua
resposta. E foi o que aconteceu.

Chaeyoung encontrou uma Lisa totalmente diferente da fria que tinha


encontrado quando entrou naquele apartamento, agora a Lisa tinha o
semblante triste, sua expressão era de dar pena.
- Uma vez. – obrigou-se a dizer com os olhos fixos em Lisa, aproveitando que
Luhan arrumava a mesa de jantar e Sana o ajudava. – Eu abri o meu coração
uma vez na adolescência.

- E o que aconteceu? – Sana, que tinha passado por elas e as tirado do transe
pessoal, perguntou.

Chaeyoung olhou em volta e viu os três pares de olhos atentos em sua


resposta.

- Não deu certo. Ela não teve coragem o suficiente de ficar comigo e me
deixou. – respondeu cética, quase trincando os dentes querendo que Lisa
fosse atingida por suas palavras. – Ela quebrou o meu coração e não se
importou de juntar os pedaços.

Dizer aquelas coisas foi o jeito que encontrou de sentir-se aliviada, de vingar-
se, de aliviar seu coração. Parte de Chaeyoung, a recente, a que impedia
qualquer pessoa de entrar em seu coração, queria fazer Lisa sentir toda a dor
que sentiu um dia. E ao mesmo tempo, a Chaeyoung pura e sonhadora se
desfazia em pedaços por ver seu bem mais precioso tão afetada como Lisa
estava agora, inventando uma desculpa qualquer de que precisava ir ao
banheiro.

- Ela? – Luhan perguntou surpreso e olhou para a irmã com desdém.

- Oh, sim. Eu sou lésbica. – disse naturalmente e seguiu os irmãos até a mesa
de jantar. – Espero que isso não seja um problema?

Luhan e Sana logo assumiram um olhar de culpa e arregalaram os olhos.


- É claro que não! Sana também é desde que a conheço por gente, não é? – o
advogado olhou em desespero para a irmã que logo tratou de assentir e sorrir
abertamente.

Ethan entrou correndo na cozinha com os braços para trás e um olhar sapeca.
Ele usava calça jeans, camisa preta e all star. Chaeyoung nunca imaginou que
poderia se apaixonar ainda mais por ele.

- A senhora vai conhecer o T-Rex. – ele tirou o brinquedo das costas e o


estendeu para Chaeyoung que prontamente o aceitou. – T-Rex, essa é a minha
professora de música e ela chama Chaeyoung. Tia Chaeyoung, esse é o T-Rex.

Chaeyoung fingiu olhar nos olhos do brinquedo e apertou a mãozinha


Chaeyoung do T-Rex fingindo uma seriedade inexistente.

- É um prazer conhecê-lo, T-Rex. Espero que o senhor cuide muito bem do


meu pequeno Ethan, ok?

Ethan cruzou os braços indignado e revirou os olhos.

- Eu já disse que não sou pequeno, tia. – fez bico. – Eu já sei as falas do
homem de ferro e quando tio Luhan não está eu é que sou o homem da casa.

Tio Luhan. O que?

- Eu sou o homem da casa até mesmo quando Luhan está, pirralho. – Sana
cortou bagunçando os cabelos do garoto que deu de língua. – Oh, o que foi
isso? Um garoto atrevido?
Ethan arregalou os olhos e saiu correndo em disparada pela casa com Sana
em seu encalço. Chaeyoung e Luhan riram da situação e logo o silêncio recaiu
na mesa.

- Você deve se perguntar o porquê daquele ser ter o mesmo sangue que eu. –
ele brincou sentando-se à mesa e Chaeyoung sentou na outra extremidade. –
A verdade é que somos meio-irmãos. Ela nasceu na Coreia e eu na França,
meu pai...

- O pai dele comeu minha mãe numa viagem de negócios. – Sana se


intrometeu quando entrou novamente na sala com um Ethan pendurado em
seu ombro.

- Olha a boca perto do meu filho! – Lisa chegou logo atrás tirando Ethan das
garras da mulher. Ela tinha o semblante mais relaxado e até sorriu
casualmente para Chaeyoung que não entendeu nada. – Sobre o que
conversavam?

Luhan ergueu a sobrancelha esquerda verificando se estava tudo bem e


recebeu um sorriso em resposta.

- Eu estava contando à Chaeyoung como me tornei irmão dessa coisa. –


Luhan apontou para Sana que sorriu cinicamente e sentou-se a mesa de
frente para Chaeyoung com Lisa e Ethan do seu lado direito.

Lisa riu como se conhecesse a historia de trás para frente, sua face relaxada e
o sorriso espontâneo fez o coração de Chaeyoung acelerar mais do que deveria
no momento.
- Você contou que seu pai quase caiu duro quando uma mulher metida à
briguenta bateu na porta da sua casa procurando por Jeff Yifan?

Sana fechou a cara para a cunhada e encheu a boca de macarrão para não
proferir um palavrão na mesa.

- De qualquer forma, meu pai se propôs a pagar a faculdade dela se Sana


prometesse não fazer escândalo. – Luhan continuou. – Foi assim que ela
acabou em Sorbonne.

- E conheci a branquela, que decidiu ter Ethan e tempos depois noivou do


meu irmão idiota. – Sana terminou e recebeu olhares de reprovação do irmão
e da cunhada.

Decidiu ter Ethan. Ok, agora as coisas estão mais estranhas que o normal.
Então o garoto não era filho de Luhan? Lisa tinha engravidado de outro cara?
Chaeyoung sentiu a angustia bater em seu coração de forma sutil.

- Vocês são ótimas pessoas, eu me divirto muito com a relação dos dois. –
Chaeyoung tentou consertar o clima que se instalara na mesa.

Ethan era o mais barulhento, o garoto brincava com o T-Rex na mesa


enquanto lambuzava a boca de macarrão.

- Sim, eu tento transar com o máximo de garotas possível enquanto meu


irmãozinho querido está de coleira. – a mulher brincou apontando para o anel
de compromisso inexistente em seu próprio dedo.

- Um dia você vai encontrar alguém por quem se apaixonar e vai parar de me
encher o saco, maninha. – Luhan rebateu com uma piscadela.
- Se apaixonar é para idiotas. Toda essa baboseira de amor verdadeiro, pft!
Me diga onde está minha alma gêmea, pois só as encontro em camas de
motéis.

Luhan revirou os olhos com o comentário desnecessário da irmã e Lisa tapou


os ouvidos do filho.

Chaeyoung sentia-se incomodada não só com o assunto, mas a presença dos


noivos gerava um conflito interno que nem ela mesma entendia.

- Não há um lugar exato a ser procurado, você apenas a encontra. – Lisa se


manifestou enquanto limpava a boca de Ethan com o guardanapo. Voltou os
olhos para a mesa e corou ao sentir-se observada. – Sabe... Você pode estar
andando por ai e esbarrar em sua alma gêmea, seus olhos se encontram e você
pensar: Ai está você. Ou... – arriscou olhar para Chaeyoung que a ouvia
atentamente. - Ouvi-la tocar algo que prenda seu coração...
Algo que a faça suspirar e ter certeza de que estava procurando por ela a vida
toda...

A indireta atingiu em cheio o alvo. Chaeyoung trancou o maxilar e sentiu seu


estômago dar piruetas manifestando algo que tinha adormecido há anos,
aquelas borboletas que tinham retornado ao casulo, elas mesmas.

Elas tinham acordado por Lisa mais uma vez. Luhan parecia impressionado
com as palavras da noiva e ao mesmo tempo feliz, imaginando que tinham
sido sobre ele e Sana, bem...

- Essa foi à coisa mais gay que eu já ouvi em toda a minha vida, meu Deus do
céu! – largou o garfo e a faca no prato. – Chaeyoung, me perdoe pela minha
cunhada, ela tem ataques de filosofia algumas vezes e esquece que eu não sou
obrigada a ouvir tanto homossexualidade em uma mesma frase, e olha que eu
sou gay!

Nem mesmo o ataque de Sana fez Chaeyoung rir dessa vez, pois seus sentidos
gritavam apenas por Lisa.

- O engraçado do ser humano é que mesmo quando pessoas julgam encontrar


sua alma gêmea, ainda podem ser covardes o suficiente para desaparecerem
sem deixar absolutamente nada para trás. – rebateu cismada e ganhou
olhares de choque de Luhan e Sana.

Ethan tinha descido da cadeira e agora brincava com dois carrinhos de


plástico e o dinossauro no chão da sala. O lábio inferior de Lisa tremeu e ela
fuzilou Chaeyoung.

- Ou podem ter motivos suficientes para fazê-lo pelo bem da pessoa amada. –
retrucou no mesmo nível de cinismo e viu Chaeyoung cerra os olhos.

- Eu preciso ir ao banheiro. – Chaeyoung disse levantando-se por fim e


pedindo pelo olhar que Luhan a indicasse o caminho.

O homem, que até então parecia impressionado com a Chaeyoung discussão


entre velhas amigas, pediu a Ethan que acompanhasse Chaeyoung, e assim o
pequeno garoto o fez, deixando Lisa, Sana e Luhan em silêncio na mesa.

- O que foi? – a Lisa perguntou despreocupada, mesmo que estivesse


queimando por dentro em desespero.
- Eu acho que quem deveria fazer essa pergunta somos nós. – Sana disse e
parecia abismada.

– Há algo entre vocês que nós não sabemos? – e essa pergunta quase matou
Lisa do coração.

– Você roubou o namorado dela na faculdade? Roubou um esmalte, matou o


cachorro dela, sei lá... ?

- Não seja estúpida. – revirou os olhos. – Chaeyoung é uma pessoa difícil.

Luhan balançou a cabeça negando as palavras da noiva.

- Ela tem sido muito gentil desde que chegou, você deveria ir atrás dela e
tentar consertar seja lá o que tenha acontecido. – disse bondosamente e Lisa
quase gritou com ele para não ser tão legal com a situação.

Afim de não iniciar uma discussão, Lisa apenas levantou e caminhou pela
casa sentindo cada célula do seu corpo trabalhar mais rápido com a ideia de
estar a sós com Chaeyoung.

A primeira conversa delas não tinha saído como planejado e... Na verdade,
não havia nada planejado. Encontrar com Chaeyoung não fazia parte de seus
planos no momento e ela nunca estaria preparada para tal coisa.

Como esperado, Chaeyoung não estava no banheiro. Lisa procurou pelos


corredores, na sala de jogos e até mesmo em seu quarto, mas nada da pianista
e de seu filho.
A última opção de procura fez Lisa fechar os olhos e puxar todo o ar antes de
prosseguir até o quarto de Ethan. E lá estava Park Chaeyoung meio sentada
na cama com as costas apoiada na cabeceira com Ethan ao seu lado.

Os dois pareciam ter uma conversa muito interessante para que o garoto
aceitasse ficar no colo por tanto tempo.

-... E eu comprei todos os super-heróis, mas mamãe disse que o homem de


ferro ia chegar só no natal. – o garoto contava e Lisa decidiu ser silenciosa
para escutar um pouco mais.

- Quando eu era pequena gostava mais do Capitão América... – Chaeyoung


contou, e Lisa sorriu com a facilidade que Chaeyoung tinha para soa tão
natural com uma criança de 4 anos. – Mas, depois eu assisti os filmes e
comecei a gostar mais do Homem de Ferro, ele é engraçado e

- E tem armadura! – os dois completaram juntos sorrindo.

Lisa sentiu seu peito se encher de amor. Logo sua mente tratou de criar uma
fantasia onde era casada com Chaeyoung e todas as noites a mulher deitava-
se com Ethan para conversar antes de dormir enquanto Lisa preparava a
mamadeira.

Ela não devia deixar-se afetar tanto quando tinha um noivo que a amava e
acreditava cegamente que ela também o amava de volta. Esses sentimentos
torturosos não deviam se manifestar quando sua vida tinha dado um guinada
para frente.
- Eu posso saber sobre o que as duas crianças estão conversando? – Lisa disse
animada chamando atenção de Chaeyoung que saltou da cama no mesmo
instante envergonhada.

- Mommy! Mommy! Mommy! – Ethan gritou ficando em pé na cama. – A tia


Chaeyoung pode assistir Homem de Ferro um dia comigo?

Lisa fingiu pensar e sorriu logo em seguida.

- Ok, mas só se você tomar banho e escovar os dentes como um adulto. –


advertiu brincalhona e Ethan pulou mais uma vez de alegria. – Peça ao Luhan
que dê banho em você, meu amor. A mamãe vai conversar com a tia
Chaeyoung agora.

- Ok. Até depois, tia. – Ethan abriu os bracinhos para Chaeyoung que o
abraçou e o encheu de beijos no pescoço arrancando gargalhadas gostosas do
garoto.

Ele saiu do quarto chamando por Luhane as duas mulheres continuaram


encarando a porta onde Ethan tinha desaparecido até Lisa decidir quebrar o
silêncio.

- Chaeyoung...

- Não. – Chaeyoung a cortou bruscamente enfiando as mãos nos bolsos da


calça e lançou um olhar frio para a Lisa. – Não estrague as coisas, por favor.

Lisa recuou um passo surpresa com as palavras rudes. Onde estava a doce
Chaeyoung?
- Você sabe que nós precisamos conversar sobre tudo isso, não sabe? – tentou
quase num sussurro e viu Chaeyoung balançar a cabeça em desdém.

- Sobre o que? Sobre o quão fraca, covarde e cínica você é? Sobre como me
abandonou aos prantos em cima de um maldito terraço e 6 anos depois
aparece com um noivo e um filho agindo como se nada tivesse acontecido? O
que você quer, Lisa? Que eu me sente na mesa de jantar com sua família e
finja que não nos beijamos infinitas vezes, que não fui sua primeira namorada
e que não fizemos amor? Que você não foi minha primeira em tudo? – cuspiu
quase todas as palavras que vinha apertando seu peito desde que chegara
naquele lugar.

Lisa tinha sido atingida pelas palavras.

- O que quer que eu diga? Não fui eu quem a convidou para o jantar,
Chaeyoung. – defendeu-se magoada com as palavras. Chaeyoung não tinha
ideia sobre o falava. – Luhan acha que somos amigas de faculdade e que agora
não nos falamos porque eu guardei muitos segredos. Ele só quer nos
aproximar...

- Ótimo, pois diga a ele que eu não a perdoei por ser uma péssima amiga. –
quase gritou e quando se deu conta de seu ato, olhou quase em desespero
para a porta.

Lisa aproveitou a distração de Chaeyoung para aproximar-se na tentativa de


tocar-lhe o braço, mas Chaeyoung recuou como se sua mão fosse brasa.

– Não encoste em mim, Lisa! Nunca mais encoste em mim!


Sob influência de suas palavras, Chaeyoung saiu batendo o pé firmemente do
quarto de Ethan com um único objetivo: Ir embora.

Ela precisava sair daquele lugar ou a qualquer momento faria alguma besteira
da qual não se arrependeria, e essa era a pior parte, pois tinha criado uma
afeição por Luhan.

- Onde você vai? – a Lisa perguntou enquanto seguia Chaeyoung pelos


corredores do apartamento, torcendo para que não desse de cara com Luhan
ou Sana.

- Eu vou embora. – respondeu firme e sem olha para trás. Bateu diversas
vezes no botão do elevador pedindo a Deus que ele aparecesse logo. – Diga a
Ethan que eu precisei ir embora, e avise Luhan e Sana que nossos laços são
estritamente profissionais. Eu não quero e não posso ultrapassar essa linha.

- Ótima, então eu a acompanho até o carro. – Lisa disse fuzilando as costas de


Chaeyoung que daqui a pouco quebraria o botão do elevador.

- Não precisa!

- Eu faço questão! – sua fala foi tão firme que apenas ouviu Chaeyoung
resmungar e entrar com tudo dentro do elevador quando as portas abriram.

Lisa entrou logo atrás e parou ao lado de Chaeyoung de frente para as portas
que se fecharam. O silêncio caiu como uma manta sobre as duas mulheres que
mal ousavam se encarar pelo reflexo do metal.
A musiquinha de piano que tocava no alto falante do elevador não ajudava
muito a situação, não quando seus hormônios gritavam pelo corpo uma da
outra.

30... 29... 28... 27...

Os elevadores de hoje em dia não poderiam ser mais rápidos, não? Lisa não
estava tão instigada aos hormônios, estava ferida pela forma como fora
tratada pela pessoa por que ela arriscou tudo.

Seus pensamentos corriam a mil numa forma de revelar a verdade sem


estragar tudo outra vez, e essa solução nunca aparecia... Talvez fosse destino
Chaeyoung nunca descobrir a verdade. Talvez a forma certa de seguir a vida
fosse deixar a Chae odiá-la sem...

- Foda-se!

Seus pensamentos foram bruscamente cortados quando sentiu a pancada


violenta de suas costas contra a parede do elevador.

Essa foi a última coisa que viu antes de ter os lábios tomados pelos da Chae
sem nenhum pingo de carinho.

Lisa sentiu toda a sua alma ser sugada quando sentiu a língua quente de
Chaeyoung invadir sua boca sem permissão e suas mãos explorarem seu
corpo com maestria e uma pegada tão forte que o gemido surgiu em sua
garganta involuntariamente e morreu nos lábios de Chaeyoung.

Não tinha como reagir aos toques e caricias que recebia. Não quando
Chaeyoung tinha as unhas fincadas em suas coxas, e quando Lisa tentou
reagir agarrando o colarinho de Chaeyoung, mas foi bruscamente empurrada
outra vez e teve os braços presos acima da cabeça, restando assim os lábios
esfomeados de Chaeyoung chupando, mordendo, tomando tudo da Lisa para
si depois de tanto tempo.

Seu corpo ferveu ao sentir a Chaeyoung forçando os quadris contra os seus


por pura necessidade de contato, era magnético, dois imãs poderosos e
inseparáveis.

Como sentira faltas desses beijos. Não violentos como esses, mas ainda os
mesmos lábios, o mesmo sabor, a mesma língua...

Seria possível guardar o sabor de um beijo na memória? Pois se fosse, Lisa


guardaria para sempre o de Chaeyoung consigo.

Nada se comparava aos beijos de Chaeyoung, o mundo poderia explodir e o


tempo voar, mas estes lábios seriam sempre a sua perdição.

O beijo foi interrompido da mesma forma que fora iniciado. A campainha do


elevador tocou e as portas se abriram ao mesmo tempo em que as duas
mulheres se separaram bruscamente.

Lisa tentava manter-se em pé enquanto Chaeyoung marchava para fora na


velocidade da luz.

Aos tropeços de suas pernas e pensamentos, Lisa conseguiu apertar os passos


atrás de Chaeyoung que se aproximava do carro com fogo nos olhos.
- Você pode parar de fugir e me explicar o que exatamente aconteceu agora
mesmo? – perguntou esforçando-se para ser firme, mas falhando
miseravelmente.

Chaeyoung não respondeu, tentava a todo custo abrir a porta do carro com as
chaves, mas o desespero atrapalhava seu ato.

– Pare de ser covarde e me enfrente, Chaeyoung!

Ao ouvir a palavra covarde, Chaeyoung virou-se de supetão ficando a


centímetros da Lisa, tinha raiva, angustia e medo estampado em seu rosto, e
isso com certeza deixou Lisa ainda mais assustada.

- Não me chame de covarde quando isso se aplica a você, Manoban! – rosnou


e empurrou a Lisa.

- Você me beijou! – Lisa exclamou possessa de raiva com a forma que estava
sendo tratada e Chaeyoung fechou os olhos franzindo o cenho.

- Eu te beijei para me dar a certeza de que não te amava mais. – respondeu


por fim voltando a tentativa de abrir o carro. Quando conseguiu, ouviu a voz
fraca de perguntar:

- E você ama?

Chaeyoung olhou apenas uma última vez para Lisa antes de responder:

- Amo. – todos os sentimentos de 2016 foram ativados em si. Lisa travou. –


Mas, eu me amo mais.
Entrou no carro, bateu a porta e acelerou o carro deixando não só um pedaço
de seu passado para trás, mas também o começo de um novo futuro.

__________

34

Tentação é um estímulo ou indução a um ato que pareça atraente, ainda que


seja inapropriado ou contradiga alguma norma ou convenção social sendo,
consequentemente, proibido.

- Lisa, eu não posso acreditar no que está me dizendo - Essa foi a voz de
Momo vinda do viva-voz do celular de Jennie.

Lisa, Jennie, Jisoo e Daniela se encontravam sentadas sobre uma toalha


quadriculada no gramado do Central Park.

Lalisa finalmente criou coragem e enfrentou o encontro que tinha marcado


com as antigas amigas e agora que finalmente lhes tinha contado toda a sua
história, complementando os acontecimentos recentes sobre o jantar e o
beijo, sua ansiedade se encontrava a mil com a reação das mulheres
presentes.

Jennie tinha uma maçã parada a meio metro da boca, Jisoo - que até então
estava deitada no gramado -, tinha o corpo ereto e os olhos esbugalhados, já
sua irmã, Daniela, a olhava com raiva e seus punhos estavam fechados sobre o
colo. A única a se manifestar foi Momo, que no fim, acabou sendo
desnecessária. Mais uma vez.

- Você foi passiva?


Lisa rolou os olhos indignada com a capacidade de sua melhor amiga de
brincar com uma situação dessas.

Desviou o olhar para Ethan que brincava mais a frente com um chapéu em
formato de cabeça de dinossauro, ele corria atrás de Adam e os dois sorriam
alheios ao inferno particular em que a Lisa se encontrava.

- Isso só pode ser brincadeira. - Daniela balançou a cabeça energicamente e se


pôs de pé levando uma das mãos à cabeça. - Primeiro você esconde um
noivado e uma criança, e agora simplesmente beijou Chaeyoung em sua
casa...

- Vamos considerar que eu fui beijada por ela, pelo menos nessa parte eu não
errei. - Lisa também ficou em pé, acompanhada das outras garotas.

Estava cansada da atitude de sua irmã de julgá-la sem saber os verdadeiros


fatos.

- Em primeiro lugar, esse jantar nem deveria ter acontecido. - Jennie as


cortou enquanto analisava a esposa que encarava o chão com uma expressão
pensativa. - Chaeyoung pode ter mudado por fora, Lisa. Mas, por dentro
continua a mesma garota apaixonada e sensível. Ela não vai mostrar isso a
você, é claro, mas vai sofrer calada enquanto continuarem próximas.

Lalisa estava paralisada com a falta de senso de suas amigas. Então é isso,
ninguém mais acreditava nela, pois agora até mesmo o beijo forçado - e bom -
era sua culpa.
Ninguém pensava em como ela estava depois de ter todos os sentimentos em
uma explosão contínua bem na sua cara, tendo um noivo e um filho no
mesmo teto para aumentar sua culpa.

É claro que Ethan não era um problema, o garoto era fruto do amor que elas
criaram no passado e em uma situação diferente seria filho de Chaeyoung
também. Mas, havia Luhan e todo o seu amor por Lisa.

Ele acreditava cegamente que aproximando Chaeyoung de Lisa, sua esposa se


abriria um pouco mais em New York e teria uma companhia além da dele e de
Sana.

Luhan não merecia ser traído, por mais que, mais uma vez, não tivesse sido
sua culpa o beijo no elevador, mas Lisa sentia-se mal apenas por nutrir
sentimentos por outra pessoa e agora mais do que nunca desejar estar em
outros braços que não fossem os dele.

Era errado. Chaeyoung tinha chego primeiro, mas agora era a Luhan que ela
pertencia, eles se casariam em menos de 3 meses e Lisa sabia que se não
agisse logo, perderia tudo o que tinha construído - ou ela pensava que tinha -,
ao longo dos anos.

- Foi Luhan quem a convidou, Jennie. - Lisa retrucou secamente. - O que


vocês esperavam que eu fizesse? Que dissesse a ele para desmarcar, pois não
conseguiria encarar minha ex namorada do passado?

- Ou que não estava preparada para encarar sua ex amiga, como ele pensa. -
Momo sugeriu do outro lado do telefone.
- Luhan é inocente, mas não é estúpido. - disse, cansada de rebater as ideias
que já tinha cogitado bem antes que suas amigas. - E tem Sana, ela não disse
nada ainda, mas eu sei que ela notou algo diferente entre Chaeyoung e eu.
Aquela sente o cheiro de tensão do outro lado do mundo.

Todas suspiraram permaneceram em silêncio por longos segundos


observando o fraco movimento no parque.

Pensando melhor agora, ninguém mais poderia entender algo que nem
mesmo ela podia. Depois do beijo da noite passada, Lisa entrou atordoada no
apartamento e disse que precisava de um analgésico e dormiu.

Luhan ficou decepcionado quando soube que Chaeyoung tinha ido embora e a
Lisa precisou contar a verdade e dizer que elas haviam tido uma discussão
quando foi procurá-la, ocultando, é claro, a parte do elevador.

Sana ficou encarando-a na cozinha como se desvendasse sua alma e por um


segundo Lisa cogitou a ideia da cunhada ter sacado tudo o que se passava,
mas só poderia ser coisa da sua cabeça, é claro, quem em sã consciência não
ficaria desnorteado depois de uma pegada daquelas da pessoa que seu corpo
miseravelmente sentia falta.

- Então... - Jisoo finalmente deu o ar da graça e cortou o silêncio


desconfortável em que se encontravam. Seus olhos encontraram com os de
Lisa e pela primeira vez desde que chegara havia compreensão neles. - Ethan
é, literalmente, seu filho com Chaeyoung?
- Lisa assentiu, grata pelo olhar ameno da dançarina. - E você pretende contar
isso a ela?
- É claro que não. - Só o pensamento de contar a verdade a Chaeyoung lhe
causou calafrios. - Eu contaria se fosse solteira e se nossa situação estivesse
amena. Eu não posso imaginar em como ela ficaria louca comigo só de pensar
na possiblidade.

- Ou ela lutaria por vocês. Sabe, por você e Ethan, pois querendo ou não é a
família dela. - Jennie interpôs e recebeu concordância de Jisoo.

Lisa conteve o suspiro que se formou com a frase "Ela lutaria por vocês.".

- Isso não vai acontecer. Chaeyoung está com raiva de Lisa por pensar que ela
a abandonou por covardia, e eu tenho certeza de que Lisa não vai contar essa
parte também, não é? - Daniela disse irônica e foi fuzilada pela irmã.

Momo soltou um murmurou do outro lado da linha e ganhou a atenção das 4


mulheres.

- Vocês dificultam demais tudo isso, meu Deus. Acham mesmo que isso não
aconteceria? Essas duas palermas se amam, fim. A menos que Lisa volte para
a França, esses encontros vão continuar acontecendo porque é a lei da vida,
minhas queridas. Isso se chama lei da atração.

As mulheres se entreolharam considerando parte do discurso de Momo. Ela


tinha razão sobre o que aconteceria sempre que se encontrassem, o mundo lá
fora se tornava um mero nada quando estavam juntas e Lisa não era uma
mulher de traições. Ela tinha princípios, e por mais que eles gritassem que ela
terminasse com Luhan e corresse até Chaeyoung, sabia que racionalmente
falando, elas estavam beirando o precipício e que Luhan era seu caminho
fácil. Tudo estava estável, e era assim que precisava permanecer.
- Tem razão, eu vou me encontrar com ela e pedir que não aceite mais
convites de Luhan e Sana, e que até mesmo mude de calçada quando nos
encontrarmos na rua. - disse decidida, mas por dentro seu peito gritava em
contradição.

- O que? - berrou Momo e assustou a Lisa. - Sua anta, eu não disse isso com
essa intenção, era o contrário. - ouviram alguns barulhos de metais se
chocando contra o chão e Momo grunhir nervosa. - Garçom! A conta, por
favor! Lisa, deixe só eu voltar dessa porra de lua-de-mel e eu vou bater tanto
na sua cabeça que tudo o que você vai conseguir dizer pelo resto dos teus dias
é o nome de Chaeyoung!

Daniela ergueu as mãos apoiando a decisão da irmã. Jisoo e Jennie se


entreolharam numa conversa muda que deixou a Lisa totalmente alheia.

- Você está fazendo isso para salvar seu casamento com Luhan ou por que está
com medo? - Jennie perguntou, cruzou os braços e cerrou os olhos para a Lisa
que abriu e fechou a boca procurando pelas palavras que não vieram tão cedo.

- Como assim com medo?

- De ser feliz de verdade outra vez. - Jisoo completou e Momo soltou um "aff"
na linha. - Sabe, vocês costumavam ser o casal mais lindo que eu já vi na
minha vida e a forma como tudo acabou foi tão injusta e dolorosa que deixou
marcas. E essas marcas permanecem nas duas. Sabemos que você a ama, Lisa.
Ethan é a prova disso. Mas, se há outra coisa que eu também sei, é que você
não deixaria de tentar lutar pelo amor de vocês agora que estão livres de
empecilhos... De verdade. - completou quando viu Lisa abrir a boca. - Luhan
sabe que você não o ama. Casamentos vem e vão, isso acontece e você não
disse o sim ainda, Lisa. Então me diga, você está ou não com medo de ser tão
feliz a ponto de explodir em felicidade como no passado?

Então era isso. Não havia uma resposta clara às palavras de Jisoo. Ela estava
certa.

O medo muitas vezes pode ser dominante, ele se alastra como uma doença
incurável e a deixa incapaz de pensar por si mesma. O medo, como o que Lisa
sentia, estava impregnado não em sua cabeça, mas em seu órgão pulsante no
lado esquerdo do peito.

- Mãe! - Adam apareceu correndo entre o grupo de mulheres e se agarrou nas


pernas de Daniela. - Eu quero sorvete de chocolate.

Logo Ethan também apareceu correndo e fungando de cansaço e se jogou nos


braços de Lisa que o ergueu do chão.

- Eu também quero de chocolate, mommy! - ele respirou fundo, as bochechas


brancas agora estavam vermelhas e o suor escorria por sua testa.

- Corre que o homem tá passando com o carrinho lá do outro lado. - Lisa tirou
o chapéu da cabeça do filho e o colocou nos ombros.

- Viu, Adam? Eu sou maior que você agora! - ele bateu no peito com as duas
mãos em punho. - Eu sou o Hulk!

As mulheres riram e Jisoo pegou um Adam emburrado também nos ombros.

Ele soltou um grito surpreso e ergueu os braços rindo da cara de surpreso que
Ethan fez.
- Agora o Adam também é grandão.

- Então eu sou o Hulk do mal, e também sou mais forte. - o garoto urrou
imitando o Hulk. - Vamos, tia Jichu! Vamos chegar no sorveteiro primeiro
que o Ethan.

Jisoo e Lisa saíram correndo numa disputa infantil onde os meninos gritavam
empolgados estimulando as mulheres a serem mais rápidas.

Jennie e Daniela balançaram a cabeça sorridentes com a cena e a Manoban


mais nova aproximou-se da mulher com o cenho franzido.

- É impressão minha ou Ethan se parece demais com Chaeyoung?

- Acredite, Dani. Eu tive a mesma sensação. - Jennie concordou e ambas


olharam para o celular esperando a resposta de Momo.

- Não esperem que eu conte algum segredo espetacular dos deuses, pois eu
não sei de nada. - Ela resmungou e Jennie e Daniela riram.

Daniela observou sua irmã mais velha pagar o sorveteiro e entregar a


casquinha ao filho que deu uma lambida e sujou a ponta do nariz.

- Essa história ainda não acabou, não é? - suspirou vencida pela ideia de que
sua amiga e sua irmã jamais conseguiriam ficar longe uma da outra.

Jennie, que também tinha desviado o olhar para a esposa e a amiga, enfiou as
mãos nos bolsos da calça e estalou a língua antes de responder.
- Ela acabou, Daniela. Mas, acabou de começar.

***

Com o carro estacionado do lado de fora do Starbucks, Lisa mantinha uma


batalha interna sobre ir ou não ir até Chaeyoung.

A ideia principal era chegar onde quer que ela morasse agora e lhe dizer que
não poderiam mais se ver pelo bem da humanidade e de seu noivado.

Só não tinha certeza se a falta de veracidade em suas palavras contaria como


fraqueza para Chaeyoung ou se no momento exato sua voz falharia. Tudo
poderia acontecer.

Lalisa estava indo de encontro ao precipício. Precipício esse que ela teria
prazer de se jogar.

Desligou o rádio do carro e tirou o celular da bolsa com lentidão, atrasando


aquele momento o máximo que podia esperando que o arrependimento
batesse e que ela voltasse ao seu apartamento e continuasse sua vida.

Esse momento não veio. Procurou pelo nome tão conhecido em sua agenda e
enviou uma mensagem.

Lalisa M: Momo?

Esperou batendo o pé impacientemente no assoalho do carro até seu celular


vibrar.

Momo: Vá se foder, eu estava dormindo!


Lalisa M: Educação mandou lembranças.

Momo: E eu mandei você se foder. O que quer?

Lalisa M: Sabe onde Chaeyoung mora, não sabe...?

Momo: Sério? Me acordou no meio de um lindo sonho para me perguntar


sobre a Park? Tenho cara de sombra dela? Esposa? Segurança? O que você
quer com ela, em?

Lalisa M: Conversar...

Momo: ...

Lalisa M: VAI LOGO, Momo!

Momo: NÃO GRITA COMIGO! Ela está morando no rancho em que vocês
treparam, tchau.

Lalisa M: Obrigada.

Os batimentos de Lisa aumentaram consideravelmente com a notícia de


Chaeyoung vivia naquele rancho.

Lembrava-se nitidamente daquele lugar e das palavras da Chaeyoung sobre


compra-lo um dia.

Lisa não esperava que ela estivesse dizendo a verdade, não depois do lugar
simbólico que aquela casa se tornou.
Dirigiu o tempo todo com os pensamentos perdidos em memórias há muito
guardadas a sete chaves, silenciosamente implorando a Deus que não a
deixasse desmoronar diante de Chaeyoung como uma adolescente por seu
amor de colegial.

Não demorou muito até o carro entrar na estrada e os pneus começarem a


crepitar na terra seca e os carvalhos tomarem sua visão periférica.

Logo viu o arco que costumava ser de madeira podre e com as letras
apagadas, onde agora estava escrito em tinta branca: Rancho Park.

A casa estava totalmente diferente do que a Lisa se lembrava, revestida em


tinta branca, janelas novas de vidro também no estilo vitoriano, os pilares
pareciam maiores agora pintados.

O chão da varanda havia sido trocado por madeira MDF e uma cadeira de
balanço como a da antiga casa de Chaeyoung posta próxima à porta principal.

Do outro lado da casa, o que antes era um estábulo em ruínas, estava todo
reformado e pintado na cor vermelho alaranjado com alguns fenos
empilhados do lado de fora.

Lisa estacionou o carro em baixo da antiga figueira e apertou os olhos para o


lugar.

Tantas lembranças, tantos momentos vividos ali, ela poderia chorar somente
por conseguir se visualizar 6 anos mais jovem correndo pelo gramado com
Chaeyoung em seu encalce, ambas vestidas a rigor e com as roupas
amarrotadas.
Incrível o que o tempo pode fazer com as pessoas. Era quase noite e o céu
estava fechado anunciando uma tempestade em breve, como se os céus
previssem o que estava para acontecer.

Um som de cavalgado lhe tirou de seus devaneios e a Lisa suspirou quando


viu um cavalo preto aproximar-se pela estrada que ligava o rio atrás da casa.

Chaeyoung era quem cavalgava com os cabelos soltos que saltavam de um


lado para o outro, nos pés uma bota preta de cano alto, macacão jeans e uma
blusa branca.

Mas, atrás de Chaeyoung e com as mãos agarradas em sua cintura estava uma
mulher loira que usava um chapéu, short jeans e uma camisa listrada além
das botas.

Chaeyoung parou com o cavalo na entrada do estábulo e desceu, logo em


seguida pegando a loira pela cintura e a ajudando a descer com agilidade,
ambas sorriam e o que aconteceu em seguida fez a Lisa pender a respiração.

Elas se beijaram.

Nem mesmo o chilreio dos grilos e o canto constante de um rouxinol foi capaz
de acalmar o turbilhão de pensamentos que se tornou a cabeça de Lisa.

Ela apertou o volante com força, crispou os lábios e suas narinas inflaram
expelindo raiva pela cena.
Nunca se deixara imaginar Chaeyoung beijando outra pessoa, por mais que
não fosse estupida e soubesse que isso teria acontecido muito durante esse
tempo, mas é o que dizem, o que os olhos não veem o coração não sente.

Lalisa ainda observou a loira ajudar Chaeyoung a distribuir diversos fenos


pelos comedouros e em poucos minutos alguns cavalos galoparem naquela
direção.

Sem conter o orgulho ferido, Lisa ligou o carro e o ronco do motor chamou
atenção das duas mulheres, quando os olhos de Chaeyoung cruzaram com o
seu, toda a raiva se dissipou dando lugar à insegurança.

Não adiantava mais fugir. Vencida pelo cansaço emocional, Lisa desligou a
chave da ignição e abriu a porta do carro.

Viu quando a mulher loira questionou Chaeyoung de alguma coisa e seu


coração doeu quando ambas deram-se as mãos para caminhar em sua
direção.

As mãos de Chaeyoung que costumavam encaixar-se perfeitamente nas suas,


agora eram de outra pessoa, e de repente o sentimento possessivo de ciúmes
também estava de volta.

Lalisa poderia passar com o carro por cima daquela loira e não se
arrependeria tão cedo.

Será que Chaeyoung pensava o mesmo de Luhan?


Os pés da Lisa estavam fincados no chão, então esperou com o coração
acelerado até que as duas mulheres estivessem próximas o suficiente para
analisá-las.

A loira não era nem de longe feia, seus olhos eram chamativos pela cor
acinzentada e o cabelo ondulado caía proporcionalmente em suas costas,
assim como sua pele era alva como a de Chaeyoung.

Ambas pareciam um casal de revista sobre agricultura e quem visse a cena


não poderia imaginar que a Chaeyoung era musicista de orquestra.

- Lalisa? - Chaeyoung chamou com a voz firme, mostrando que não estava
abatida com a presença da Lisa. - O que está fazendo aqui?

De repente, todas as inseguranças do mundo estavam em Lisa. Sentiu-se


intimidada diante aquela Chaeyoung e sua namorada. Lalisa chutou uma
pedra e não olhou para a loira em momento algum.

- Eu estava passando pela área e resolvi parar aqui. - respondeu e sentiu que
sua garganta estava seca. - Eu posso ir embora se estiver atrapalhando alguma
coisa e...

- Não! - Chaeyoung a cortou e recebeu um olhar surpresa de Lisa e da loira. -


Hannah já estava de saída, não é mesmo?

A mulher fuzilou a Chaeyoung e depois Lisa.

- Claro. - respondeu secamente e puxou Chaeyoung pelas alças do macacão


para um beijo de língua.
Lisa desviou os olhos sentindo novamente aquelas sensações homicidas sobre
as duas.

Quando o beijo cessou, Lisa sentia-se a pessoa mais ignorada do mundo e a


vontade de sair dali só aumentava.

- Te vejo amanhã?

Chaeyoung assentiu e beijou a testa da loira recebendo mais um selinho antes


da mulher sair caminhando em direção a uma SUV que, até então, Lisa não
tinha notado estacionada perto do arco.

O silêncio caiu e o mundo se tornou pequeno. Sufocante, até. Chaeyoung e


Lisa se queimavam com os olhares, se enfrentavam numa batalha que já
sabiam estar perdida.

- Você quer entrar? - Chaeyoung chamou sua atenção.

- Seria muito bom, está ficando frio aqui fora.

Chaeyoung assentiu e pediu um minuto para aprontar tudo. Lisa recostou-se


ao capô do carro e observou a Chaeyoung voltar a subir no cavalo preto e com
uma maestria incrível, guiar todos os outros cavalos para dentro do estábulo.

Alguns minutos se passaram até que ela reaparecesse com um pequeno


sorriso no rosto e indicasse com a cabeça que Lisa a seguisse.

- Eu não tive tempo de ir ao supermercado essa semana, espero que uma


xícara de café esteja bom. - Ela dizia na maior naturalidade como se
conversasse com uma antiga amiga.
Lisa decidiu agir como Chaeyoung e ver onde aquilo terminaria.

- Café está ótimo.

Pode-se dizer que por dentro da casa as coisas eram ainda melhores. Os
móveis eram novos e sofisticados, na sala havia um lustre de cristal, dois sofás
brancos de pallet com várias almofadas.

Uma TV plasma de 56 polegadas pendurada na parede e um piano Roland de


calda. Incrível o que Chaeyoung fizera com aquele lugar.

- Você comprou mesmo. - comentou enquanto passava os olhos por cada


detalhe da casa. - Ficou maravilhoso, Chaeyoung.

Chaeyoung, que até então estava parada no meio da sala com as mãos nos
bolsos e analisando a expressão de Lisa, sorriu em agradecimento e levou Lisa
para conhecer o resto da casa.

A cozinha era o lugar mais moderno, por assim se dizer, já que a Chaeyoung
preferia manter o estilo clássico da casa. O banheiro mantinha o estilo
vitoriano e os quartos de hóspedes foram adotados por papéis de parede com
imagens variadas e camas de casal. 2 quartos eram de visita, e o terceiro fora
transformado em uma espécie de sala de música.

- Esse é o meu lugar secreto. - Chaeyoung disse abrindo a porta e revelando


diversos instrumentos musicais espalhados por ele.
Desde um piano, até violinos pendurados na parede, dois violoncelos
encostados no canto, um violão preto no suporte, várias pastas com partituras
espalhadas sobre uma mesa de madeira.

Nas paredes havia fotos de artistas clássicos, tais como Billie Holiday, Ella
Fitzgerald, BB. King, Marco Jackson, e entre eles uma foto de Johnny Cash.
Lisa quase caiu para trás.

- Você pretende voltar a tocar? - foi uma pergunta casual, seus olhos estavam
mesmo era perdidos nas partituras em cima da mesa.

- Um dia, talvez. - pelo tom de voz, a Lisa teve certeza que Chaeyoung dava de
ombros atrás de si. - Eu parei por necessidade e porque precisava por meus
pensamentos no lugar. Hoje eu levo uma vida boa com meu rancho e meu
trabalho com as crianças, gosto do que eu faço.

Lisa virou-se surpresa pela resposta. Em outra época Chaeyoung estaria


dizendo que não havia outro futuro para ela a não ser a música, e de certa
forma, analisando melhor a situação, a música ainda continuava com ela.

- As coisas nem sempre são como nós imaginamos. - Chaeyoung continuou,


estava recostada na porta com os braços cruzados. - Venha, ainda falta a suíte.

Do outro lado do corredor, quando Chaeyoung abriu a porta da madeira, Lisa


sabia muito bem o que encontraria.

Nesse cômodo elas não disseram nada. O momento falava por elas. A parede
vermelha estava lá, da mesma forma que elas estavam paradas agora de frente
a ela, como há anos atrás quando discutiam sobre o vermelho. O rombo no
teto não existia mais, mas Lisa o poderia ver facilmente se fechasse os olhos,
assim como analisou atentamente o piso de madeira onde se amaram
intensamente algumas vezes.

Chaeyoung pigarreou chamando por Lisa e elas saíram do quarto deixando a


saudade para trás.

Elas desceram até a sala onde a Chaeyoung deixou a Lisa sentada enquanto
colocava a água do café para ferver.

- Eu vou trocar de roupa enquanto a água ferve, espere só um minuto. - ela


pediu e seguiu até o banheiro do corredor.

Lisa enfiou o rosto entre as mãos e respirou fundo pedindo calma ao seu
coração. Não havia nada com o que se preocupar, elas estavam sendo
maduras e a Lisa agradecia pela atitude de Chaeyoung.

Elas passariam por isso, logo tudo estaria terminado e ela poderia finalmente
voltar para a sua vida de mentiras.

Chaeyoung retornou um tempo depois, agora usava uma camiseta branca


folgada, shorts jeans e chinelos. O cabelo estava preso num rabo de cavalo, de
maneira que deixava o pescoço da Chaeyoung à mostra.

Lisa engoliu em seco e obrigou seus olhos a se manterem em qualquer lugar


que não fossem as pernas e o pescoço de Chaeyoung.

- Acho que perdi minha habilidade com o café, então espero que esteja
aceitável. - Chaeyoung tentou brincar e deixou uma pequena bandeja na
mesinha de centro com o café, duas xícaras e um potinho com açúcar.
- Obrigada. - Lisa agradeceu, o desconforto da naturalidade entre elas
gritando em si. Ouviu quando a chuva começou a crepitar no telhado da casa
e aos poucos foi aumentando. - Acho que estou presa aqui.

Chaeyoung parou por um tempo de por o açúcar em seu café para analisar o
som e sorriu amarelo.

- Nada que já não estejamos acostumadas. - duplo sentido. Chaeyoung


sentou-se na poltrona oposta e novamente o silêncio caiu entre elas, sendo
tomado apenas pelo som da chuva desabando sobre o mundo lá fora. - Onde
está Ethan?

- Luhan o levou à um jogo de futebol, hoje é o dia dos meninos. - riu com o
pensamento, mas arrependeu-se quando viu a expressão de Chaeyoung
fechar. - Uhn, Ethan é apaixonado por futebol, assim como é pela música e
por dinossauros.

Elas riram dos gostos do pequeno garoto.

- Ele é um garoto incrível, eu sou apaixonada pelo carisma e o jeitinho fofo


dele. - Chaeyoung reconheceu ainda sorrindo, então parou e franziu o cenho. -
Ele tem muito de você.

Não, Chaeyoung, não comece com essas coisas em um momento como esse.

- Obrigada. - Lisa agradeceu e bebericou seu café. - Aquele piano na sala de


música era de Mark?

Chaeyoung suspirou e assentiu.


- Sim, eu o trouxe logo depois que ele faleceu. Ninguém mais o tocaria a não
ser eu.

- Sinto muito pelo que aconteceu. - Lalisa disse melancolicamente quando viu
a dor nos olhos de Chaeyoung. Ela queria poder abraçá-la. - Tenho certeza
que você sempre o toca para manter a lembrança de seu pai viva.

A Chaeyoung balançou a cabeça tristemente.

- Tocar sobre ele não vai o trazer de volta, Lisa. Eu aprendi isso durante 6
anos da minha vida.

Lisa quebrou com o comentário. Ela sabia que era uma indireta e que
Chaeyoung estava profundamente magoada com suas atitudes. Se ela
soubesse...

- Mesmo assim. Mark era um homem cheio de vida que a amava acima de
qualquer coisa, ele ficaria feliz onde quer que esteja se você tocasse para ela às
vezes. - Rebateu e seu olhar automaticamente pousou na pulseira de prata
que Chaeyoung usava e seu coração errou a batida.

Talvez ela estivesse ali desde a primeira vez em que se viram e ela não tenha
notado, mas estava lá, escancarado para quem quisesse ver. Chaeyoung notou
o olhar da Lisa em seu pulso e rapidamente o dobrou em sua perna, mas já
era tarde demais.

- O que você quer aqui, Lalisa? - a pergunta foi cheia de significados, daqueles
que diz, "por favor, vá direto ao assunto antes que as coisas piorem."
Lisa hesitou com o olhar triste que recebeu, e foi sem pensar que deixou sua
mão pender para o lado e o café escaldante cair em sua camisa social
queimando sua pele como brasa.

- Merda! - exclamou sentindo a queimação no peito e não pensou duas vezes


antes de puxar os botões e abrir a camisa procurando por alívio. - Merda,
merda, merda...

- Espere um minuto. - Chaeyoung pediu e saiu em disparada pela cozinha.

Que desastre. Derramar café em sua blusa não era o planejado para aquela
noite, na verdade ela deveria dizer o que tinha ido dizer e sair por aquela
porta para nunca mais voltar.

Notas do destino

Ele trabalha de forma lenta e calculada.

Com a camisa aberta, Lisa se abanava com a mão direita e até pensava em sair
na chuva e deixar que a água aliviasse a queimação, sua pele alva se
encontrava avermelhada e a dor não era das melhores.

Chaeyoung voltou da cozinha com um pano dobrado e úmido, ela sentou-se


rapidamente ao lado da Lisa e analisou a queimadura.

- Acho que isso vai doer um pouco, desculpe. - pediu e não esperou pelo olhar
curioso de Lisa, pois logo levou o pano ao vermelho na pele da Lisa e a ouviu
grunhir pela dor. - Eu é que sou a desastrada e você é quem se queima. - Ela
sorriu com os olhos presos na pele de Lisa, ignorando que a Lisa estava com a
camisa aberta e que todo o seu torso estava exposto, exceto pelo sutiã preto
que cobria os seios.

A tentação bateu à porta quando, por um deslize, seus olhos se cruzaram.


Chaeyoung parou os movimentos e apenas cedeu ao olhar abarrotado de
luxúria que vinha dos olhos castanhos de Lisa.

A proximidade não ajudava nada as duas, era questão de inclinar o rosto e


estariam com os lábios colados. Todos os sentidos de Chaeyoung gritavam
para que não cedesse, que não se entregasse novamente ao desejo da carne e
fraquejasse como uma covarde que não era.

Mandando o autocontrole à merda, Chaeyoung deixou que o pano caísse no


colo da Lisa e levou sua mão direita ao rosto pálido, deslizando o polegar na
pele macia que sentia falta desesperadamente.

Suas respirações já se encontravam e o mundo lá fora não existia mais. Seu


corpo gritava por Lisa, seus lábios ansiavam pelos dela, sua mão esquerda mal
podia se manter quieta no sofá.

- Chaeyoung... - Lisa sussurrou fraca, a voz rouca causando mil tipos de


efeitos na Chaeyoung. - Eu não posso...

- Eu sei. - Chaeyoung respondeu, e beijou carinhosamente o canto dos lábios


da Lisa. Depois beijou sua bochecha, a ponta do nariz, e estendeu vários
beijos pelo rosto da Lisa.

- Chaeyoung... - ela choramingou e fechou os olhos não se aguentando mais.

- Eu sei... - Chaeyoung murmurou mais uma vez, mas sem parar os beijos.
Reunindo todas as forças inexistentes em seu corpo, Lisa conseguiu levantar-
se com uma expressão abalada, a queimadura esquecida momentaneamente
enquanto seu corpo se encontrava em estado letárgico.

- Eu... Eu preciso ir. - disse com a voz perdida, os olhos correndo em qualquer
lugar que não fosse Chaeyoung. - Eu preciso ir. - Repetiu e virou as costas
deixando Chaeyoung para trás.

Turn around
Vire-se

Every now and then


De vez em quando

I get a little bit lonely


Eu fico um pouco solitária

And you're never coming 'round


E você nunca irá voltar

Seu corpo estava no automático quando correu para fora de casa sem se
importar com a tempestade que caía lá fora.

Lisa foi tomada pela chuva e em poucos segundos estava encharcada e com a
camisa rasgada, ela também tinha lágrimas nos olhos por não conseguir se
conter, seu peito empurrando-a de volta para a casa e pedindo que se
entregasse a Chaeyoung.
Quando chegou ao carro, foi impedida de abrir a porta por si mesma, seus
olhos travados na lataria e o corpo fervendo mesmo sob a água fria.

- Droga, Chaeyoung! - socou a porta do carro quando cedeu, sem alternativa,


ao desejo.

Lisa ficou com raiva e ao mesmo tempo envergonhada de si mesma. Quando,


em passos firmes, retornou a casa, abriu a porta com violência e a fechou do
mesmo jeito. Encontrou uma Chaeyoung com os braços cruzados abaixo do
estômago e o olhar caído, ela estava parada a poucos centímetros do piano,
parecia pensativa.

Turn around
Vire-se

Every now and then


De vez em quando

I get a little bit tired


Eu fico um pouco cansada

Of listening to the sound of my tears De ouvir o som de minhas lágrimas

Lisa nada disse, mas caminhou furiosamente até ela e a prensou contra a
parede com seu corpo encharcado, deixando Chaeyoung também molhada.
De outras formas também.

Chaeyoung tinha surpresa nos olhos que se transformou em confusão.


- Você é o meu pecado. - Lisa murmurou e prendeu a cintura de Chaeyoung
com as duas mãos. - Eu não posso me conter perto de você, me diz o porquê
disso? - pediu quase em súplica.

Chaeyoung vacilou por um instante quando levantou suas mãos a fim de tirar
Lisa de perto dela. Afinal ela parecia não querer arriscar colocá-las
acidentalmente nos seios da Lisa. Por fim ela os colocou nos ombros de Lisa,
o que não foi bom, porque Lisa pressionou seu quadril ao dela, deixando-a
totalmente presa a ela.

A expressão de Chaeyoung suavizou e ela abraçou os ombros da Lisa com


mais força, proporcionando um carinho gostoso em sua nuca.

Turn around
Vire-se

Every now and then


De vez em quando

I get a little bit nervous


Eu fico um pouco nervosa

That the best of all the years have gone by


Por terem os melhores anos de minha vida já passado

- Nós temos essa noite, meu amor. - murmurou. Com delicadeza ela salpicava
beijinhos pelo rosto da Lisa. E ouviu com satisfação o engate da respiração
dela. - Eu sou apenas sua essa noite, se você for apenas minha.
Com firmeza, Lisa deslizou suas mãos até a parte de trás das pernas de
Chaeyoung e num único movimento ela colocou as pernas da mulher ao redor
de sua cintura e pressionou-a contra a parede.

Ainda não satisfeita reivindicou a boca dela com paixão. Lisa não deixaria
qualquer dúvida do que queria.

Turn around
Vire-se

Every now and then I get a little bit terrified


De vez em quando eu fico um pouco assustada

And then I see the look in your eyes


E então eu vejo o olhar dos teus olhos

Turn around, bright eyes


Vire-se, olhos brilhantes

Every now and then I fall apart


De vez em quando eu desmorono

Turn around
Vire-se

Every now and then


De vez em quando

I get a little bit helpless


Eu fico um pouco desamparada
And I'm lying like a child in your arms E eu descanso como uma criança em
teus braços

Devagar, Lisa alcançou os lábios de que tanto sentiu falta. Com delicadeza
pressionou seus lábios aos de Chaeyoung, fez isso algumas vezes até ela
reagir.

Com a boca ligeiramente entreaberta, ela sentiu Chaeyoung timidamente


mover seus lábios sobre o inferior dela e depois sugá-lo, apreciando cada
segundo daquele momento que duraria para sempre.

Um trovão ecoou seguido de um relâmpago que iluminou a casa agora


praticamente escura pela noite.

Lisa tinha certeza que estava sendo arrastada para aquele redemoinho de
paixão onde dizem que as pessoas se perdem. Ela já estava perdida e
sinceramente? Não se preocupava em ser encontrada.

Lalisa esgueirou uma das mãos até o seio esquerdo de Chaeyoung e o


acariciou com paixão. Chaeyoung não pode se controlar e deixou um gemido
prolongado escapar, o que fez Lisa a olhar de modo predatório.

Os olho dela estavam dilatados de desejo e Chaeyoung quase gemeu de novo


por causa disso.

Por alguns segundos elas ficaram se encarando, Chaeyoung acariciou seu


rosto como se ela fosse um gatinho, beijou suavemente sua bochecha.

And I need you now tonight


E eu preciso de você agora nesta noite

And I need you more than ever


E eu preciso de você mais que nunca

And if you only hold me tight


E se você ao apenas me abraçasse forte

We'll be holding on forever


Nós nos manteríamos firmes para sempre

And we'll only be making it right


E iremos apenas fazer isso certo

Cause we'll never be wrong


Pois nunca estaremos errados

Lalisa levou Chaeyoung até o sofá, e foi cuidadosa em colocá-la lá e subir por
cima encaixando-se entre as pernas da Chaeyoung. Movimentou o quadril
para provocar um pouco de atrito entre suas intimidades e ambas
suspiraram.

Chaeyoung, por outro lado, não se fez de rogada e sem esperar por qualquer
tipo de permissão, tirou a blusa de Lisa com pressa, pois necessitava vê-la.
Livrou-se da camisa e a contemplou por um instante em seu sutiã. A saudade
já não cabia em seu peito.

Com certa firmeza, Lisa praticamente arrancou a camisa da Chaeyoung a


jogando em algum canto da sala e sem que ela esperasse subiu seu sutiã para
abocanhar seu seio direito.
Lalisa dedicava igual atenção aos dois seios. Com vontade ela beijou, lambeu e
chupou. Coisa boa que ela gosta de ser perfeccionista. Só que era Chaeyoung
quem iria ditar as coisas ali.

Together we can take it to the end of the line


Juntos nós podemos levar isso até o fim da linha

Your love is like a shadow on me all of the time


O teu amor é como uma sombra sobre mim o tempo todo

I don't know what to do and I'm always in the dark


Eu não sei o que fazer e estou sempre na escuridão

We're living in a powder keg and giving off sparks


Estamos vivendo em um barril de pólvora e soltando faíscas

I really need you tonight


Eu realmente preciso de você nesta noite

Forever's gonna start tonight


A eternidade começa nesta noite

Então a Chaeyoung tomou seu rosto e a beijou com ardor renovado. Suas
bocas eram uma confusão de briga por domínio.

Mas, Lisa não teria nenhuma chance. Chaeyoung a possuiria e tiraria dela
toda e qualquer ideia de deixá-la novamente.
Chaeyoung separou o beijo e analisou os lábios convidativos de Lisa, que já
estavam vermelhos e inchados e ficou de pé na frente dela. Lalisa a encarou
confusa.

Chaeyoung tirou o sutiã, short e a calcinha. E com prazer observou o olhos de


Lisa ficarem ainda mais escuros de desejo.

Once upon a time


Era uma vez

I was falling in love


Eu estava apaixonada

But now I'm only falling apart


Mas agora estou apenas desmoronando

There's nothing I can do


Não há nada que eu possa fazer

A total eclipse of the heart


Um eclipse total do coração

Curvou-se e sem cerimônia lhe tirou a calça e calcinha. Agora quem estava
com olhos escurecidos era Chaeyoung.

Ela não perdeu tempo, ficou ajoelhada no sofá e afastou as pernas


maravilhosas de Lisa e deixou bem exposto seu alvo principal.
Lisa era uma confusão de nervos atiçados, mas ela não poderia argumentar
nada quando sentiu a língua da Chaeyoung deslizar em sua intimidade. Lalisa
só arqueou o corpo na avassaladora onda de prazer que lhe abatia.

Once upon a time there was light in my life


Era uma vez, havia luz na minha vida

But now there's only love in the dark Mas agora há apenas amor na
escuridão

Nothing I can say


Nada que eu possa dizer

A total eclipse of the heart


Um eclipse total do coração

Lisa suspirou de prazer, enfiando os dedos nos cabelos macios de Chaeyoung.


Estava tão excitada e sensível que o que a língua de Chaeyoung estava fazendo
a ela, a estava jogando perigosamente na borda. Pressentindo isso, Chaeyoung
interrompeu a exploração da região íntima de Lisa para cobri-la com seu
corpo.

A princípio, Lalisa quase protestou, mas sua reclamação morreu quando a


boca de Chaeyoung se moveu sobre a sua, tão exigente quanto à mão que a
invadiu com dois dedos sem nenhum tipo de pré-aviso.

Lisa ofegou, mas não havia ar para absorver; apenas Chaeyoung.

A língua dela invadiu sua boca em dominância e o corpo magro pressionava o


seu com necessidade.
Ela deslizou o dedo médio pela abertura da Lisa e depois o mergulhou sem
cerimônia, fazendo movimentos de vai e vêm dolorosamente lânguidos
enquanto roçavam seus corpos suados que se encaixavam tão perfeitamente
bem.

Turn around, bright eyes


Vire-se, olhos brilhantes

Turn around, bright eyes


Vire-se, olhos brilhantes

Um último chupão no pescoço de Lisa e Lalisa desabou num orgasmo lascivo


e forte que há muito tempo não tinha com alguém que não fosse Chaeyoung.

Chaeyoung desabou seu corpo preguiçosamente sobre o da Lisa e colou suas


testas, os olhos conectados, rostos suados, olhares que compartilhavam a dor
de que o para sempre havia chego ao fim.

- Chaeyoung, eu...

- Shhhh!- a Chaeyoung calou a Lisa com um selinho longo e voltou a colar


suas testas quando uma lágrima solitária correu em seu rosto. - Não estrague
esse momento.

Turn around
Vire-se

Every now and then


De vez em quando
I know you'll never be the girl
Eu sei que você nunca será a garota

You always wanted to be


Que você sempre quis ser

Turn around
Vire-se

But every now and then


Mas de vez em quando

I know you'll always be the only girl


Eu sei que você será sempre a única garota

Who wanted me the way that I am


Que me quis do jeito que eu sou

E assim elas ficaram por duas horas. Abraçadas na penumbra da sala de


Chaeyoung, abraçadas pela tempestade que caía lá fora e criava a trilha
sonora macabra para a despedida silenciosa.

Quando Lisa foi embora, depois de levantar-se e vestir-se em silêncio, nada


precisou ser dito.

Elas sabiam que era uma despedida.

***
O apartamento estava silencioso e escuro.

A chuva ainda caía impiedosamente lá fora e Lisa foi cuidadosa ao entrar no


quarto de Ethan para verificar se o filho estava mesmo dormindo.

Como previsto, Ethan estava sob as cobertas e com a cabeça apoiada nas
mãozinhas, ele dormia profundamente e Lisa deixou-se chorar por um tempo
abraçada ao filho. O pedaço de Chaeyoung que ela tinha.

Turn around, bright eyes


Vire-se, olhos brilhantes

Turn around, bright eyes


Vire-se, olhos brilhantes

Quando voltou a sala, viu que Luhan dormia desajeitadamente no sofá com a
camisa do PSG e a coberta cobrindo metade de seu corpo. Lisa parou em
frente ao noivo e abraçou ao próprio corpo sentindo-se suja e completa ao
mesmo tempo.

Seu corpo todo ainda tremia em êxtase por Chaeyoung, assim como desejava
estar naquele rancho e acordar ao lado daquela Chaeyoung pelo resto de seus
dias. Ela não merecia Luhan.

Cobriu o noivo de forma correta e correu até o banheiro ligando o chuveiro e


preparando a banheira com água quente, precisava limpar qualquer vestígio
de Chaeyoung em si ou enlouqueceria.
Enquanto esperava a água esquentar, encostou-se na pia e digitou uma
mensagem para Momo, e as lágrimas já não eram o suficiente para suprir a
necessidade que tinha de estar em outro lugar.

Mensagem para Momo: "Eu caí, Momo. Eu caí por alguém e não foi por
Luhan."
_________

Música: Total Eclipse of the heart - Bonnie Tyler

______

35

06 de Agosto de 2023. - New York City, NY.

Pov Chaeyoung

Era uma vez, eu me apaixonei. Era uma vez, eu me entreguei de corpo e alma.
Era uma vez, ela me deixou. E o felizes para sempre acabou.

Essa é a trajetória de vida não apenas minha, mas de várias pessoas. É assim
que o amor é fadado a começar e a acabar.

Quando eu era jovem, costumava acreditar que cada um de nós é destinado a


encontrar alguém ao longo da vida que nos faça questionar até mesmo o
porquê do céu ser azul.

Então eu me apaixonei por Lisa gradativamente.


Eu era uma garota de 18 anos com todas as respostas para as minhas
perguntas. Lisa me fez mais feliz do que eu jamais poderia imaginar ser em
algum momento da minha vida.

Nem mesmo as letras das músicas de Billie Holiday criavam um romance


perfeito como o que a garota dos olhos castanhos criou para mim. Nós fomos
uma da outra em tantas formas que às vezes chegava a não me sentir digna de
um amor como aquele.

E da mesma forma que começou, forte, intenso, ele acabou. Não o amor. Eu a
amo com tudo de mim e não posso mais negar.

Passei anos da minha vida tentando provar a mim mesma que a tinha
superado e que o únicos sentimento que restava por ela era a mágoa. E mais
uma vez, eu estava enganada.

Eu realizei meu sonho, me tornei uma das musicistas mais bem prestigiadas
de New York e gravei dois álbuns.

Eu vivi meu sonho e quando isso também acabou, me vi novamente presa ao


passado e de volta à realidade. Foi como rodar o mundo e continuar parada
no mesmo lugar.

Na noite em que fizemos amor pela última vez, e eu desejava internamente


que não fosse, eu sabia que tudo estava perdido.

Enquanto minha cabeça repousava em seu peito nu e meus dedos contavam


suas costelas como num costume antigo, minha mente se perdia repetindo
várias e várias vezes que a batalha estava perdida.
Que no momento em que Lisa cruzasse aquela porta para nunca mais voltar,
meus pensamentos estariam sempre com ela.

Trinta e oito dias se passaram após aquele momento e eu estava certa.

Eu me aproximei emocionalmente de Ethan ainda mais, mesmo que minha


consciência gritasse para não fazer aquilo, eu me tornei sua tia preferida e
apesar de nosso contato se limitar as aulas de música, nossa ligação vinha de
muito mais.

Seus olhos eram como a galáxia em que eu costumava me perder em outros


tempos.

Ethan era o pedacinho de Lisa e só isso já me fazia amá-lo intensamente como


se fosse meu também.

Luhan não tocou mais no assunto e se manteve sempre educado e generoso


quando buscava Ethan.

Poucas foram as vezes em que vi Sana depois do jantar, eram raras as vezes
em que ela buscava o sobrinho e estava sempre apressada com os negócios.
Segundo ela, tinha conseguido um bom lugar para a boate e as coisas estavam
indo maravilhosamente bem.

Momo voltou de sua viagem e não tocou no assunto sobre minha noite com
Lisa, aliás, era como se nenhuma das meninas soubesse de nada e eu agradeci
mentalmente Lisa por isso.

E a minha vida? Bem, ela continua a mesma.


Mantenho meu relacionamento não oficial com Hannah, trabalho no período
da manhã e passo meus restos de tarde na casa de minha mãe com Ella.
Algumas vezes Jennie, Jisoo e eu nos reunimos na casa uma da outra para um
filme e conversas jogadas fora.

As coisas estavam relativamente bem para alguém com o coração partido. A


vida estava seguindo seu curso da maneira que nós tínhamos escolhido, da
maneira que eu sabia que seria o melhor para mim.

Longe da pessoa covarde que congelou a parte esquerda do meu peito.

Tudo estava bem. Até hoje.

***

"Baile anual de máscaras" dizia um dos panfletos do cinema.

Chaeyoung torceu a boca e largou o panfleto de volta no cesto quando ouviu a


voz de Ella chamar seu nome. Elas tinham ido ao cinema aquela noite assistir
Vingadores por insistência da mais nova. Era a noite das irmãs.

- Eu comprei a pipoca grande porque sei que você devora a média nos
primeiros 20 minutos de filme. – brincou Ella ao aproximar-se com dois
copos de coca em uma bandeja e um pote enorme de pipoca na outra mão. –
Você comprou os ingressos?

- Comprei. E os Kit Kat?

Ella virou de lado mostrando dois tabletes de chocolate no bolso da calça e


Chaeyoung riu.
A noite estrelada estava ótima para um programa em família e talvez esse
fosse o motivo para o cinema estar abarrotado de homens, mulheres e
crianças correndo de um lado para outro comentando sobre os filmes em
cartaz.

Chaeyoung suspirou e bagunçou o cabelo da irmã desejando internamente


que ela não tivesse os mesmos pensamentos, mas os olhos castanhos curiosos
indicavam que Ella pensava o mesmo que ela: Diana poderia estar ali e não
em uma cama.

- Tia Chaeyoung!

Oh, não. Chaeyoung mal teve tempo de se preparar psicologicamente e um


corpo pequeno bateu no seu fazendo seu coração se encher de alegria.

Em reflexo, Chaeyoung abaixou-se e pegou um Ethan todo sorridente no colo,


o garoto usava calça jeans, all star e uma camisa xadrez fechada. Na cabeça
estava seu inseparável chapéu de dinossauro.

- Oi, meu amor! – deu um beijo estalado na bochecha de Ethan que encolheu
o pescoço envergonhado. – O que está fazendo aqui? Não me diga que veio
assistir Vingadores também?

O garoto negou com a cabeça e segurou o rosto de Chaeyoung com as duas


mãos, uma mania que ele tinha quando queria que as pessoas prestassem
atenção.

- Eu já assisti esse. A senhora não assistiu Jurassic World? – Chaeyoung


negou com a cabeça e Ethan arregalou os olhos. – É tão legal, tia! O T-Rex foi
o herói do filme! Ele brigou com o do mal e tinha os velociraptors que
ajudaram o moço e depois tiveram que soltar o herói do filme e no final ele fez
nhaaaaaaaaaaw...

Chaeyoung começou a rir apaixonada por Ethan e o abraçou forte


aproveitando a euforia que tomava conta do pequeno. Outras risadas também
acompanharam a sua e Chaeyoung se deu conta de que o garoto não estava
sozinho, oh jura? Quando desviou os olhos para Luhan e Lisa, que estavam
logo atrás observando a cena.

Lalisa parecia desconfortável por estar ali, mas não deixava de sorrir e Luhan
estava se divertindo com o enteado.

- Ele não para de falar isso desde que saímos da sessão. – Luhan contou, mas
a atenção de Chaeyoung estava presa na mão esquerda do rapaz que estava
entrelaçada com a de Lisa. – E isso foi há meia hora.

Ella, que até então prestava atenção também em Ethan, olhou diretamente
para Lisa e cerrou os olhos. Ela conhecia aquela mulher de algum lugar, tinha
certeza disso...

- Eu tenho certeza disso. – Chaeyoung concordou esboçando seu melhor


sorriso forçado e desviando a atenção para o lindo garoto em seus braços que
agora apenas abraçava seu pescoço e observava tudo em silêncio. – Eu
também gostei muito do dinossauro novo, ele é bem maior e mais forte.

Ethan fez uma careta e colocou a língua de fora.

- Eeew, tia! Ele foi comido pelo gigante da água.


Chaeyoung fez um bico fingindo tristeza e Ethan riu divertido batendo no
peito e imitando o som do T-Rex outra vez.

- Aproveitando a noite de New York? – Luhan chamou sua atenção mais uma
vez e Chaeyoung foi obrigada a encará-lo. – Sana e eu ainda estamos nos
acostumando com o fuso horário. Lisa está nos levando para conhecer...

- Espere, Lisa? – Ella o interrompeu e Chaeyoung quase caiu para trás com
Ethan no colo. – Eu conheço você... – a Lisa também arregalou os olhos e
engoliu em seco, Ella poderia entregar tudo em questão de segundos.

Luhan franziu o cenho e olhou de Lisa para Ella, provavelmente se


perguntando quem seria a garota.

- Olá, Ella. – a Lisa cumprimentou com um aceno de mão e um sorriso


tímido. – Ella é a irmã de Chaeyoung...

Ella continuava com os olhos cerrados e a boca aberta em espanto. A


expressão de Luhan suavizou e ele balançou a cabeça sorridente.

- É claro que sim. Eu não sei por que não reconheceria a irmã de Chaeyoung
já que vocês são a cópia uma da outra. – ele riu e Chaeyoung e Lisa
acompanharam tensas. Ella não tirava os olhos de Lisa. – Então você também
é amiga de Lisa como sua irmã?

- Amiga? – Ella uniu as sobrancelhas e olhou para a irmã como se pedisse


explicações. – Não, Lisa e Chaeyoung eram...
- Melhores amigas! – Chaeyoung corta, seu coração já batendo
descompassado no peito. – Nós éramos melhores amigas e Lisa vivia lá em
casa.

Lança um olhar psicótico para Ella que capta e entende a situação. Fique
calada e salve sua vida.

- Oh, sim. É realmente bom saber que alguém aguentou Lisa além de mim. –
Luhan tentou brincar, mas só recebeu risos forçados em troca e pela primeira
vez pareceu notar que estava sendo inconveniente. – Enfim, é melhor nós
irmos. Está ficando tarde e Ethan acorda cedo pra aula de natação amanhã.

Chaeyoung olha Lalisa diretamente nos olhos e a Lisa desvia rapidamente


com culpa.

- E nossa sessão já vai começar, então de qualquer forma... – Chaeyoung dá


outro beijo na bochecha do pequeno em seu colo, que até então tinha assistido
tudo em silêncio e o abraça. – Boa noite, pequeno Ethan.

- Tia! – ele resmunga empurrando Chaeyoung pelo ombro. – Pequeno não...

- Meu pequeno sim. – ela rebate e bagunça dos cabelos do garoto que se
contorce até ser posto no chão e corre até agarrar a perna de Lisa. – Boa noite,
Luhan... Lalisa. – diz sem graça e dá um passo para trás evitando contato
físico.

- Boa noite, Chaeyoung. – Luhan responde com um aceno de cabeça. – Foi


um prazer, Ella.
Ella abre um sorriso sem mostrar os dentes e acena com as mãos, logo dando
as costas ao casal e começando a caminhar com a irmã em direção à sala de
cinema.

- Eu não acredito que encontramos Lalisa Manoban! – a mais nova exclama


quando estão distantes o suficiente e deixa os refrigerantes no suporte da
poltrona do cinema. O filme ainda não tinha começado e as pessoas estavam
entrando. – Ela foi sua namorada, cara! Ela me deu um Olaf, não é? E uma
guitarra de brinquedo e...

- Ok, Ella. – Chaeyoung a cortou e sentou na poltrona fixando o olhar no


telão. – É ela.

O silêncio perdura tempo recorde até a garota recomeçar a falar.

- E está casada e com um filho?

- Noiva. – Chaeyoung a corrige. – Noiva e com um filho.

Ella continua encarando a irmã pensativa.

- Agora muita coisa faz sentido...

Chaeyoung franziu o cenho e desviou os olhos do telão para a mais nova.

- O que faz sentido?

- Há algumas semanas Daniela esteve lá em casa e conversou com nossa mãe.


– ela contou e Chaeyoung abriu a boca em choque. – Daniela é a irmã de Lisa,
certo? E, tecnicamente, Lisa deixou você porque não tinha coragem de
assumir que era lésbica... Foi o que você me contou.

- Aonde você quer chegar com isso, Ella? – Chaeyoung perguntou impaciente.

A mais nova deu de ombros e seus olhos se perderam, como se lembrasse de


algo do passado.

- Digamos que eu tenha encontrado uma carta do nosso pai para Lisa...

- O que?! – Chaeyoung gritou e recebeu várias reclamações. O filme estava


começando e seu interesse tinha sido reduzido à zero. – Vamos sair daqui. –
disse firme e levantou-se esperando seriamente que sua irmã a seguisse.

O corredor não estava tão movimentado como antes e as salas estavam


fechadas indicando que os filmes já tinham começado.

Chaeyoung aproveitou para jogar seu refrigerante ainda cheio de lixo e virar-
se categoricamente para Ella em desespero, algo em sua cabeça gritando que
havia muito mais coisas que ela não sabia. Ella apareceu logo depois, os
braços cruzados e uma expressão séria.

- O que essa carta dizia? – usou seu tom sério e controlado.

- Eu não lembro direito, faz tempo. – a menina deu de ombros. – Ele dizia
sobre você, contando sobre como você estava e suas viagens em turnê. Ele
também disse algo sobre ela seguir em frente com um cara que gostava dela,
que se fosse para vocês estarem juntas um dia isso aconteceria. Falou também
sobre o pai de Lisa e algo envolvendo os tratamentos dele, mas eu não entendi
direito porque nossa mãe entrou no quarto bem na hora e tirou de mim.
A sensação de traição que preencheu Chaeyoung a dominou por completo.
Chaeyoung cerrou os punhos e crispou os lábios ao receber tais informações.

- Ela sabia disso?

- Eu não sei, provavelmente. – Ella voltou a falar e passou a mão no cabelo


nervosamente. – Ela tirou a carta da minha mão e pediu para que eu nunca
mais comentasse isso com você, ou ao contrário disso você brigaria comigo. –
viu quando Chaeyoung fechou os olhos e abaixou a cabeça. – Olha, Chae... Eu
não fiz de propósito. Eu não tinha muita noção e depois de três dias esqueci
aquela carta. Só lembrei agora porque vi Lisa e...

- Tudo bem. – Chaeyoung a cortou e respirou fundo. – Vou resolver isso


agora.

Tirou o celular do bolso e procurou na agenda o número de Daniela.

Inconscientemente começou a caminhar em direção a saída do cinema com a


irmã em sua cola, seus passos eram firmes e os seus olhos queimavam.

Ella rezava para que nada acontecesse e que não tivesse falado demais, mas
obviamente sua curiosidade tinha sido maior outra vez e a terceira guerra
mundial estaria acontecendo em breve por sua culpa.

- Daniela! – Chaeyoung rosnou quando a garota atendeu. – Você sabia que


Lisa se comunicava com meu pai por cartas?

- O que? Chaeyoung, como você sabe disso?


- Você sabia, não é? – riu com desdém, imaginando como tinha sido trouxa
todos esses anos. – Quem mais sabia? Jennie e Jisoo? Momo, com toda
certeza, não é?

- Chaeyoung, eu preciso que você mantenha a calma...

- Ou o que? – deu um soco na porta do próprio carro, a raiva a consumindo


por completo. – Vocês me enganaram, Daniela! O que realmente aconteceu?
O que vocês esconderam de mim?

- Nós precisamos conversar pessoalmente...

- Cale a boca! – vociferou e abriu a porta do carro com violência. – Eu estou


indo para casa descobrir isso de uma vez!

Desligou o celular e o jogou em algum canto qualquer do carro. Ella entrou


quase tremendo no banco do passageiro e não se atreveu a dizer nada, nunca
tinha visto sua irmã descontrolada antes, muito menos com raiva.

Nem mesmo a Chaeyoung fria em que ela tinha se tornado influenciava nesse
estado de humor.

Chaeyoung arrancou com o carro e nem se importou em usar cinto de


segurança, ela só queria a verdade, seu coração implorava por isso, implorava
para que algo naquele segredo mudasse o rumo daquela história

______

36
O Honda Accord foi estacionado em frente à antiga casa dos Park sem um
pingo de gentileza.

Chaeyoung derrapou com o carro e mal tinha desligado os faróis, desceu


batendo a porta com força e caminhando rapidamente para dentro de casa
determinadamente com uma Ella assustada em seu encalço.

A casa estava escura e Chaeyoung mal se deu o trabalho de ligar as luzes, logo
atravessou a sala subindo as escadas pulando os degraus e rumando direto ao
quarto de Diana.

- Chae, eu não acho que...

Ella mal terminou de falar e Chaeyoung abriu a porta do quarto com tudo.

Diana se encontrava em sua mesma posição de sempre, meio sentada com as


costas apoiada na cabeceira da cama, os olhos fixos na tela da TV e o edredom
cobrindo seu corpo.

Chaeyoung parou no meio do quarto e ficou encarando a mãe por um tempo,


se perguntando como pudera mentir tanto tempo com algo tão sério como o
assunto Lisa.

- Mãe. – chamou e não se intimidou quando Diana a olhou. – Você sabia que
Lisa trocava cartas com papai?

Ao contrário de Ella e Daniela, Diana não esboçou nenhuma reação. Suas


mãos continuaram presas no edredom e seus olhos sem emoção analisando a
filha.
Ella adentrou o quarto e parou ao lado de Chaeyoung, então Diana assentiu.

- Ela é uma boa menina. – a mulher disse e Chaeyoung revirou os olhos.

- Sim, isso a senhora já me disse. – respondeu com mágoa. – Onde estão as


cartas?

Nesse mesmo instante, um som de motor de carro surgiu no terreno


chamando a atenção das mulheres no quarto.

Chaeyoung aproximou-se da cama, os olhos já vermelhos e marejados pela


mágoa que sentia das pessoas em que mais confiou todo esse tempo.

- Onde estão? – perguntou novamente e com mais firmeza na voz. Diana


virou o rosto lentamente e apontou para o guarda roupa. – Estão aqui dentro?
– perguntou ao abrir a primeira porta e
Diana assentiu mais uma vez.

- A caixa. – a mulher instruiu e Chaeyoung viu a única caixa branca no canto


com um adesivo na tampa escrito "Não mexer.".

Com cuidado, Chaeyoung pegou a caixa no colo sentindo que segurava todo o
seu mundo e caminhou até a cama sentando-se com as pernas cruzadas.

Quando tirou a tampa, Daniela surgiu na porta e parou estática ao lado de


Ella, e olhos arregalados, cabelos desgrenhados e respiração descompassada.

- Fique onde está. – Chaeyoung alertou sem tirar os olhos do bolo de cartas
presas por um elástico.
Seu coração mal se aguentava no peito e deixava todo seu corpo em alerta.

Os três pares de olhos estavam voltados para Chaeyoung, e Chaeyoung estava


presa nas cartas.

O que mais a surpreendeu quando pegou as cartas foi o que encontrou em


baixo, esquecidos com o tempo como um pedaço de sua vida posta em uma
caixa.

Ninguém ousou dizer nada quando Chaeyoung tirou outro pacote da caixa,
dessa vez um pacote de fotos Polaroid. Fotos que ela conhecia muito bem.

Com o coração apertado, Chaeyoung tirou a primeira foto e analisou. Lisa e


ela deitadas no gramado do rancho, Lisa tinha os olhos fechados e o nariz
franzido enquanto Chaeyoung beijava seu pescoço e com a mão direita
segurava a Polaroid.

A segunda foto foi a primeira que Chaeyoung tirou da Lisa. Era no quarto de
Chaeyoung na noite em que Lisa a levou para dançar no coreto. Na foto, Lisa
tinha as mãos na frente do rosto escondendo-se da foto.

A terceira foto era Lisa tocando violão com Chaeyoung logo atrás o queixo
encostado no ombro da Lisa e suas expressões distraídas, essa foto tinha sido
tirada por Jennie em uma das muitas vezes em que se reuniam.

Aquele famoso incômodo no estômago e os batimentos acelerados de


Chaeyoung a fizeram pular para as cartas.

Ignorando as outras presenças no quarto, Chaeyoung tirou a primeira carta


do envelope e começou a ler, deixando assim, que suas lágrimas caíssem.
28 de Fevereiro de 2017

Querido Mark, tantas coisas eu gostaria de expressar nessa carta, mas que
não cabem em palavras suficientes para que possa um dia compreender
meus atos.

Estou há quase 1 mês na França e meus dias são como o um trem em


movimento. Eles nunca param e estão sempre indo tão veloz. Talvez eu
nunca me acostume com a ausência de pessoas amadas, talvez eu nunca
queira me acostumar.

Dois dias atrás eu conheci Sorbonne, é um lugar lindo e de grande respeito.


Conheci uma garota lá. Ela me apresentou o lugar e foi gentil comigo. Acho
que encontrei uma amiga nesse lugar.

Agora estou no café próximo ao meu apartamento. Tenho pensado muito


sobre tudo e ao mesmo tempo sobre nada. Não há um dia sequer em que não
pense em Chaeyoung e não sinta sua falta.

Eu espero que o senhor não minta para mim quando responder esta carta e
me dizer como ela está. Sei que sou a culpada de sua dor e por isso aceito o
fardo da culpa.

Por favor, mande lembranças á Jennie, Jisoo e Momo quando as vir.

Com carinho, Lisa.


Chaeyoung fechou a carta com dificuldade, seu rosto estava banhado em
lágrimas e foi preciso um par de mãos lhe ajudar a guardar novamente o
papel no envelope para que se recuperasse.

Chaeyoung surpreendeu-se ao ver Diana enxugar suas lágrimas com os


polegares e em seguida procurar entre as cartas algo em especifico.

- Leia a de número nove. – instruiu, e entregou uma das cartas para a filha.

Chaeyoung assentiu e abriu a carta, recomeçando então, sua tortura pessoal.

02 de Agosto de 2017.

Querido Mark, eu fiquei extremamente feliz com as notícias que me deu


sobre o funcionamento dos tratamentos.

Alivia meu peito saber que meus atos geraram algum resultado positivo, eu
sabia que o senhor viveria por muito mais tempo. Meu pai enviou os
pagamentos esse mês? Nós discutimos outra vez e eu tive medo que ele
parasse com o dinheiro, por favor, mantenha-me informada sobre isso
sempre que possível.

Como está sua família? Ontem foi aniversário de Diana, se bem me lembro,
gostaria de poder desejar-lhe feliz aniversário, então apenas lhe dê um forte
abraço por mim, sim? E Ella? Continua a mesma garotinha curiosa e
amável de sempre? Mal posso esquecer suas perguntas que sempre me
divertiam.

Soube que Chaeyoung está indo muito bem na turnê com Uto e isso também
me deixa feliz. Apesar de a saudade me queimar todos os dias desde que a
deixei, algo me diz que esse sacrifício valeu a pena, agora ela está mais
focada na música e na carreira que são o verdadeiro amor dela.

Eu só queria que ela soubesse que ainda penso nela e peço todos os dias em
minhas orações para que Deus zele pela nossa menina. Me desculpe chamá-
la assim, mas meu instinto protetor em Chaeyoung sempre fará dela minha
garota também.

Espero ansiosamente por sua resposta. Com carinho, Lisa.

A carta caiu de suas mãos trêmulas direto ao chão.

Chaeyoung não tinha mais controle de seu corpo e muito menos de suas ações
quando leu sobre sacrifício e dinheiro vindo de Marco. O que isso queria
dizer?

A verdade estava sendo muito assustadora e ainda sim ela não conseguia
entender.

A ânsia de vômito estava de volta, o desespero, a dor, a dificuldade de


respirar, tudo estava de volta atingindo Chaeyoung em cheio. Suas mãos
correram até a próxima carta e Diana novamente a impediu.

- Existe outra coisa. – ela disse e apontou para a caixa de DVD's caseiros que
ficava em cima da cômoda ao lado do aparelho. Ella pegou a caixa e entregou
a mãe que agradeceu com um carinho no rosto. – Mark pediu que mostrasse
quando fosse o momento.

A mulher pegou uma capinha transparente com um CD e entregou para


Chaeyoung que mal respirava.
Daniela, que até então mal tinha se manifestado, ofereceu-se para inserir o
disco no DVD e Chaeyoung aceitou sem hesitar, mal tinha condições de
levantar-se da cama.

A Manoban mais nova ligou o DVD e aproximou-se da cama com Ella, todas
na expectativa do que apareceria em segundos na tela da TV.

E então, Chaeyoung congelou quando a primeira coisa que apareceu foi o


rosto de Lisa.

Lisa segurava a câmera nas mãos e a tinha virada para seu rosto, ela estava
aparentemente caminhando em algum lugar a céu aberto. Lalisa olhou para a
lente da câmera, sorriu e pediu silêncio. Então focalizou uma Chaeyoung na
beira de um lago, o mesmo do rancho, Chaeyoung estava sentada contra a
árvore e lia um livro qualquer com seus óculos de leitura.

- E aqui temos a Srta. Park. – a voz de Lisa narra a imagem de Chaeyoung,


a outra levanta os olhos e cobre o rosto com o livro quando vê que está sendo
filmada. – Vamos lá, Chaeng. Mostre seu lindo rosto para nossos
convidados.

- Que convidados, Lisa? – Chaeyoung pergunta com a voz abafada pelo livro
e a câmera treme indicando que Lisa estava rindo.

- Do nosso casamento. Estou gravando vídeos nossos para quando nos


casarmos e você está passando vergonha na frente de todos.

Uma Chaeyoung bicuda abaixou o livro e deu de língua para a câmera.


- Uhn! Tenho certeza que seu pai não vai gostar de ver isso. Desculpe, Mark.
Sua filha tem um temperamento bipolar.

A imagem ficou preta e cortou para outra cena. Agora outra pessoa usava a
câmera e focalizava em Chaeyoung e Lisa.

Lalisa estava correndo atrás de Chaeyoung por um campo enorme enquanto


Chae gritava e tentava afastar Lisa com uma blusa.

- Eu juro que ainda vou dar na cara dessas duas pelo tanto que açúcar que
uma tem com a outra. – pode-se ouvir a voz de Momo atrás e a pessoa
focalizou em Momo que se encontrava sentada ao lado de Jisoo com um
copo de refrigerante nas mãos. Momo tapou a lente da câmera. – Tiro isso
de perto de mim, Jennie. Filma o casal de estranhas porque minha beleza
não cabe nos pixels dessa câmera.

Jennie gargalhou e novamente a cena foi cortada.

- Ta gravando? – uma voz surgiu em meio ao preto na tela. A voz foi


facilmente reconhecida sendo de Lisa. – Acho que eu quebrei a câmera.

- Você não sabe fazer nada, não? – a voz de Chaeyoung também surgiu e de
repente a câmera levantou mostrando o auditório de Juilliard. – A lente
estava tampada, bebê.

- Ouch! Minha Oompa Loompa está bravinha comigo. – a Lisa deixou a


câmera em cima de algo e as duas garotas apareceram na tela caminhando
em direção ao piano do auditório. – Hoje é nosso aniversário de 2 meses de
namoro e Chaeng vai tocar algo pra mim. Alguma sugestão de qual música
poderia ser? – Lisa perguntou para a câmera e recebeu um empurrão de
Chaeyoung. – Jesus, Chaeng. Você está violenta hoje. – fez bico e ganhou um
beijo nos lábios. – Bem melhor.

Na imagem, Chaeyoung começou a tocar algo no piano e tinha os olhos de


Lisa fixos em si. Não durou muito tempo e a imagem foi novamente cortada,
outra vez, não demorou muito e outra imagem apareceu.

Dessa vez, era Lisa sozinha e de uma forma diferente. Ela tinha os olhos
inchados e vermelhos. Ela estava chorando.

- Hey, Chaeng. – ela diz e sorri timidamente para a câmera. – Você


provavelmente deve estar dormindo já que nosso fuso horário é diferente.
Eu tô bem acordada e pensando em você. Não que seja uma novidade eu
estar pensando em você. – sorriu outra vez e pode-se notar que ela estava
bêbada. – Eu espero que você nunca chegue a ver esse vídeo, senão, qual
seria o sentido de ter feito tudo o que eu fiz, não é mesmo? Acho que essa é
uma maneira de me confortar, fingir que você está vendo isso e me
perdoando por ter mentido pra você. – Lisa abaixou os olhos tristemente e
torceu a boca. – Eu nunca deixei você por medo, Chaeng. Quando eu vi seu
desespero pela doença de seu pai, quando vi você decidindo abdicar de todos
os seus sonhos para ser o pilar de sua família eu simplesmente caí. Eu não
podia assistir o amor da minha vida desabar sem fazer nada, e eu também
amo sua família mais que a minha própria. – uma lágrima escorreu pelo
rosto de Lisa. – Quando eu procurei meu pai pedindo ajuda, ele me bateu e
me impediu de ver você outra vez. Quando eu neguei, ele me chantageou.
Disse que pagaria todos os tratamentos de Mark se eu me afastasse de você.
Entende agora por que eu precisei mentir? Você não aceitaria o dinheiro do
meu pai e talvez hoje o seu pai não estivesse vivo e você não estaria famosa.
Talvez em parte eu tenha sido covarde, mas eu prefiro acreditar que optei
pela sua felicidade porque isso é mais importante pra mim. Eu posso estar
aqui na Europa, mas se você estiver feliz, não importa onde eu esteja, eu
também estarei. Minha felicidade é o reflexo da sua. Eu sou você. – respirou
fundo e uniu as sobrancelhas grossas. – Eu te amo, Chaeyoung. Eu sei que
você pode me odiar agora, mas eu sempre amarei minha assassina.

O vídeo acabou e o silêncio foi cortado pelos soluços altos de Chaeyoung.

- Nossos abraços... – ela soluçou e voltou a chorar intensamente. – Nossos


abraços costumavam durar para sempre.

Ella, Daniela e até mesmo Diana choravam silenciosamente assistindo a


queda de Chaeyoung.

A mulher chorava tanto que chegava a parecer uma criança longe da mãe,
pedindo por conforto, por carinho, para ser amada.

A verdade finalmente tinha sido revelada e estava rasgando Chaeyoung por


dentro de todas as formas que uma lâmina pode danificar. Ela estava
sangrando. Foi enganada todo esse tempo e mantida longe da verdade. E a
verdade era ainda mais assustadora.

- Meu Deus... – chorou cobrindo o rosto com a mão direita e não viu quando
algo gélido foi depositado na palma de sua mão esquerda.

Abriu os olhos e limpou as lágrimas deparando-se com um par de alianças


jogando-lhe direto do precipício.

Diana assentiu como a cabeça como se lhe dissesse que entendia o que estava
acontecendo.
– Vocês me enganaram... Meu Deus do céu... Vocês todos mentiram para mim
todo esse tempo... Por quê? Por que não me disseram logo? Assim eu poderia
ter ido atrás dela!

- Nós não sabíamos como contar algo assim, Chaeyoung. – Daniela deu um
passo à frente com Chaeyoung que se levantou um pouco desnorteada. – E
seu pai ainda estava em tratamento, não poderíamos arriscar a vida dele
assim. E quando ele morreu... Bom, você já estava tomada pela ira por Lisa e
ela estava...

- Noiva! – Chaeyoung gritou e Ella pulou com o susto. – Agora ela está noiva e
com filho! Droga, Daniela! A mulher da minha vida está com outro nesse
momento e eu não posso fazer nada!

- Você sempre vai poder fazer alguma coisa, filha. – Diana disse pela primeira
vez algo coerente e recebeu um olhar em fúria de Chaeyoung. – Essa menina
ama você como seu pai me amou.

- Qual a parte do ela está noiva a senhora não entendeu? – Chaeyoung


respirava com dificuldade, a verdade depois de tanto tempo ainda entalada
em sua garganta. – E esse nem é o real problema, se Ethan não fosse o
empecilho...

- Ethan não é filho de Luhan! – Daniela exclamou nervosa encarando o chão e


fez Chaeyoung parar de andar estática.

Não queria envolver Chaeyoung e Lisa novamente, não queria causar toda a
dor de antes e deixou isso bem claro desde o começo para sua irmã. Achava
extremamente errado o que Lisa tinha feito em esconder um noivado e um
filho, mas ela sabia que o estava acontecendo agora e não poderia mais negar
que sua irmã e sua melhor amiga estavam destinadas a se amarem pelo resto
de suas vidas. Então apenas lhe restava ajudar Chaeyoung a encontrar o
caminho de volta ao amor.

- O que você disse? – Chaeyoung perguntou em êxtase e se aproximou de


Daniela. – Dani, o que você quis dizer com isso?

A Manoban mais nova respirou fundo e olhou no fundo dos olhos de


Chaeyoung. Ela estava acabada, mal parecia a nova Chaeyoung que não
desmoronava por nada.

- Lisa fez inseminação artificial, Chaeyoung. – contou medindo as palavras e


deixando que sua amiga recebesse as informações devagar. – Nunca
estranhou o fato de o garoto chamar-se Ethan? Justo o nome que você tinha
escolhido para o filho de vocês? – Chaeyoung assentiu em pânico. – É porque
simbolicamente ele é seu filho também! – cuspiu e viu Chaeyoung dar dois
passos para trás. – Lisa sentiu que precisava ter um pedaço de você com ela e
simplesmente fez uma inseminação. Isso é loucura, eu sei, mas ela fez e
considera Ethan seu filho. Entende, agora? Ela apenas está com Luhan por
segurança. Lisa sempre foi insegura e estar com ele faz bem a ela e a Ethan.

Chaeyoung precisou sentar na cama ao receber tantas informações de uma


vez. Ethan... Meu Deus! O que Lisa tinha feito? Por que seu coração doía tanto
agora? Por que?

- Chaeyoung... – Daniela se aproximou lentamente e ajoelhou-se de frente


para a amiga que não parava de chorar. – Se você realmente a ama, mostre a
ela que você pode ser essa segurança também. É isso que você quer? Você
também quer Ethan como seu filho?
- Sim, sim... É claro que sim! – respondeu freneticamente.

- Então vá atrás deles! – apertou as mãos de Chaeyoung. – Prove a ela que


você pode ser a segurança que ela e Ethan precisam. Lute pela sua mulher e
pelo seu filho.

- Meu filho... – Chaeyoung saboreou o adjetivo em sua boca.

Seu filho e sua mulher. Era isso, não era? Lisa sempre foi a garota que fez de
tudo naquele relacionamento nos tempos de faculdade, Lisa sempre a
surpreendia e a fazia sentir-se especial.

Lisa sacrificou-se por ela. Agora estava na hora de retribuir o sentimento.

***

O interfone soou e uma Sana sonolenta atendeu aos resmungos. O porteiro


informou que uma tal de senhorita Park estava lá em baixo e desejava subir.

Surpresa e um pouco animada, Sana liberou a entrada de Chaeyoung e correu


até o banheiro ajustar o cabelo e escovar os dentes.

O que aquela mulher poderia querer em sua casa àquela hora da noite?

Quando as portas de metal do elevador se abriram, Sana desmanchou o


sorriso e franziu o cenho ao se deparar com uma Chaeyoung descabelada e
com o rosto inchado indicando que tinha chorado por muito tempo.

- Onde está Lisa? – foi a primeira coisa que ela perguntou passando os olhos
pelo apartamento. – Por favor, Sana, me diz que ela está aqui.
Sana cruzou os braços sem saber direito o que fazer para ajudar a mulher a
sua frente. Abriu e fechou a boca várias vezes e negou com a cabeça.

- Desculpe, mas ela foi com Luhan ao baile de máscaras. – disse e viu
Chaeyoung fechar os olhos sentindo-se atingida. – Eu disse algo errado?
Chaeyoung, tudo bem?

Chaeyoung negou e olhou em súplica para Sana, como se pedisse ajuda.

- Eu preciso falar com ela... Eu preciso falar com ela o mais rápido possível.

É claro que havia algo muito estranho entre sua cunhada e Chaeyoung e Sana
já fazia certa ideia do que poderia fazer.

Quando conheceu Lisa, passou muito tempo desconfiando de sua sexualidade


e por mais que a Lisa negasse, nunca deixou de notar certos detalhes que
tiravam Lisa da heterossexualidade. E depois do jantar e da tensão entre Lisa
e Chaeyoung, Sana teve certeza de que algo estava errado entre aquelas duas e
agora suas suspeitas se confirmavam. De certa forma, algo lhe dizia que a
história entre elas era muito forte.

- Você pode ir ao baile e falar com ela. – Sana sugeriu.

- Não, isso já começou e eu não tenho roupas...

- Eu posso emprestar? - sugeriu e mordeu o lábio inferior perguntando-se


porque estava interferindo nos dramas de sua cunhada. Mas, o desespero de
Chaeyoung era realmente comovente. – Sabe, eu também ia nesse baile
estúpido, mas cheguei tarde da boate e preferi ficar em casa com Ethan.
Chaeyoung arregalou os olhos e pensou por um tempo. Estava fora de si para
negar uma ideia maluca daquelas e sabia muito bem que se estivesse em seu
momento sóbrio não toparia invadir uma festa só para falar com Lisa.

- Eu aceito. – sorriu forçado e pensou em outra coisa. – Será que eu posso ver
Ethan antes?

Sana pareceu pensar no pedido de Chaeyoung. Estava tudo bem deixar a


professora do garoto vê-lo, certo? Ela não o raptaria ou nada do tipo... Por
mais que estivesse com aparência de psicopata.

- Ok... – respondeu estranhando o pedido e conduziu a Chaeyoung até o


quarto do menino que dormia de bruços na cama. – Vou preparar um banho
pra você e as roupas, fique a vontade.

Chaeyoung quase teve falência cardíaca quando viu Ethan depois de saber a
verdade. Era como olhar para o garoto com novos olhos, era como olhar para
seu filho.

De repente, ela sabia que poderia se acostumar com festas de aniversário,


passeios em parques, mamadeiras e chupetas, várias espécies de
dinossauros...

O garoto usava seu pijama de dinossauro e tinha o corpo descoberto.


Chaeyoung sentou na cama e passou a mão pelas costas de Ethan
carinhosamente até chegar aos fios de cabelo negros. Enrolou os dedos e ficou
um bom tempo acariciando o menino e deixando-se chorar somente por olhá-
lo.
Depois de um bom tempo, Chaeyoung aproximou o rosto de Ethan e deixou
um beijo demorado na bochecha do menino.

- Eu te amo, meu bebê. – sussurrou como um segredo entre os dois. – Eu


estou indo recuperar sua mãe e você.

***

O grande salão de festas estava decorado como um castelo medieval.


Os corredores abrigavam armaduras e as paredes eram enfeitadas com
bandeiras e tochas artificiais.

Os convidados estavam vestidos como a nobreza da época e suas respectivas


máscaras dos bailes de época.

Era tradição fazer uma festa anual com diversos temas e os moradores tinham
decidido pelo baile de máscaras.

Luhan estava mais do que feliz naquele baile, tinha encontrado vários colegas
de trabalho e já falava o inglês mais fluentemente. Ele trajava um terno preto
e capa, assim como sua máscara. Tudo nele era simples assim como sua
personalidade.

O vestido que Lisa usava era rosa com detalhes em branco, sua máscara
também era rosa e tinha pequenas bolinhas douradas. Seu cabelo caía em
ondas até as costas. Ela também estava se divertindo, as danças eram
animadas e Luhan sempre a fazia se divertir em lugares como esse.

- Você quer mais? – Luhan perguntou apontando para o ponche em suas


mãos. Lalisa assentiu e recebeu um selinho. – Eu já volto.
(Play na música Take my breathe away - Berlin)

Lisa ficou mais ao canto observando os casais se formarem no centro do salão


quando o locutor anunciou a dança lenta.

Um flashback começou a toca e todos fizeram sons satisfeitos, já estavam de


saco cheio das músicas clássicas de violino que tocavam o tempo todo.

Watching every motion


In my foolish lover's game
On this endless ocean
Finally lovers know no shame

Observando cada movimento


Em meu jogo tolo de amantes
Neste oceano sem fim
Onde finalmente os amantes não sabem o que é culpa

Lisa tinha os olhos presos no público e assustou-se quando alguém a abraçou


por trás.

De primeiro pensou que pudesse ser Luhan, mas os braços eram finos e mais
delicados, e quando a pessoa encostou o rosto em seu pescoço e a respiração
fez cada célula de seu corpo trabalhar mais rápido, Lisa teve sua certeza.

Turning and returning


To some secret place inside
Watching in slow motion
As you turn around and say
Virando-se e voltando
Para algum lugar secreto por dentro
Observando em câmera lenta
Enquanto você se vira e diz

Chaeyoung virou Lisa em seus braços e as duas mulheres se olharam criando


faíscas entre elas.

Chaeyoung usava um vestido azul escuro com detalhes em preto e uma


máscara da mesma cor. O cabelo estava solto e liso até o meio das costas.

- O que está fazendo? – Lisa perguntou surpresa. – Pensei que nunca mais
fossemos nos falar.

Take my breath away


Take my breath away

Tire o meu fôlego


Tire o meu fôlego

Chaeyoung apertou seus braços na cintura da Lisa e colou mais seus corpos
até que suas bochechas estivessem coladas.

Sem escolha, Lisa deixou que suas mãos pousassem no ombro da mulher e
deixou-se ser conduzida pelo ritmo da música sem se importar com quem
estava olhando.

Watching I keep waiting


Still anticipating love
Never hesitating
To become the fated ones
Turning and returning
To some secret place to hide
Watching in slow motion
As you turn to me and say
My love

Observando, continuo esperando


Ainda ansiando por amor
Nunca hesitando
Em tornar-nos predestinados a amar
Virando-se e voltando
Para algum lugar secreto onde se esconder
Observando em câmera lenta
Enquanto você se vira para mim e diz
Meu amor

- Eu descobri tudo, Lalisa. – Chaeyoung disse um pouco alto para que a Lisa
pudesse ouvir e sentiu quando o corpo de Lisa ficou tenso junto ao seu. - Eu
amo você. Eu tenho tentado te odiar e por muitas vezes odiei porque você
quebrou o meu coração, mas eu te amo. – fechou os olhos controlando sua
voz, não queria desabar justo agora.

Take my breath away


Through the hourglass
I saw you
In time you slipped away
When the mirror crashed
I called you
And turned to hear you say
If only for today
I am unafraid

Tire o meu fôlego


Através da ampulheta eu vi você
No momento em que você escapou
Quando o espelho quebrou, eu chamei por você
E me virei para ouvi-lo dizer
Se for só hoje
Não tenho medo

- Eu sei o que você fez pelo meu pai... Eu sei que você me ama, seus olhos
dizem isso e tudo em você diz isso. – aperto-a com mais força contra si como
se pudessem fundir seus corpos a qualquer momento. Lisa mal se movia,
apenas deixava-se ser dominada pelos movimentos de Chaeyoung. - Eu sei
também que você não ama o Luhan, porque eu conheço você. Eu sou você. E
eu não quero ser uma destruidora de casamentos, mas eu quero uma chance
sua pra você lembrar porque me ama.

Take my breath away


Take my breath away

Tire o meu fôlego


Tire o meu fôlego

- Me de uma chance. Lembre-se de mim e dos motivos que lhe fazem me amar
até hoje. Deixe-me ficar perto de você e se até o dia do seu casamento você
não me quiser, eu juro que desaparecerei e lhe deixarei em paz.
Watching every motion
In this foolish lover's game
Haunted by the notion
Somewhere there's a love in flames

Observando cada movimento


Neste tolo jogo de amantes
Assombrada pela ideia
De que, em algum lugar, há um amor em chamas

- Não precisamos nos tocar. Você não precisa trair Luhan. Apenas, me deixe
fazer você lembrar-se de mim.

Ainda em movimentos suaves pela dança, Chaeyoung separou seus rostos e


decidiu enfrentar seu maior medo.

Uma lágrima caiu quando viu o rosto de Lisa molhado e os olhos conflituosos
entre o certo e o errado.

- Você deixa? – perguntou esperançosa e viu Lisa fechar os olhos com força
como se sentisse dor ao responder.

- Eu deixo. – Lalisa respirou e ganhou um sorriso tímido de Chaeyoung em


troca. – Me desculpe por todas as mentiras.

Turning and returning


To some secret place inside
Watching in slow motion
As you turn my way and say
Virando-se e voltando
Para algum lugar secreto por dentro
Observando em câmera lenta
Enquanto você se vira na minha direção e diz

- Hey! – Chaeyoung riu e encostou seus narizes em brincadeira. – Esqueça o


passado, nós somos o agora.

Lisa assentiu e recebeu um beijo na bochecha antes de Chaeyoung afastar-se e


partir.

Ao longe, Luhan observava toda a cena intrigado pelo que estava vendo.

Poderia ser uma dança de amigas? Elas pareciam muito mais íntimas que
isso, Lisa parecia tão... De Chaeyoung.

O rapaz decidiu afastar os pensamentos estranhos e voltar para a noiva que já


parecia alheia ao mundo após a dança.

Talvez fosse melhor fechar os olhos para algumas coisas.

Take my breath away


My love

Tire o meu fôlego


Meu amor

_________

37
10 de Agosto de 2023. - New York City, NY.

Uma vez, quando pequena, Lisa caiu de patins em frente á casa de seus pais.
Seu joelho esquerdo recebeu 8 pontos e seu braço direito foi enfaixado por
um médico de meia idade que sorria acolhedoramente para a pequena
menina de olhos castanhos. Uma das enfermeiras lhe deu um pirulito antes
do processo e garantiu que receberia apenas uma picadinha de pernilongo no
ombro.

Lisa confiou nos olhos bondosos da mulher e nas palavras cheias de


segurança, e para sua surpresa, não doeu. Enquanto enfaixava o ombro da
pequena garota, o médico de meia idade dizia coisas do tipo: Você é uma
grande menina e muito corajosa. Um dia, quando você crescer, vai ser a
mulher mais corajosa do mundo. Lisa também acreditou nele. E, novamente
para sua surpresa, ele estava errado.

O dia se arrastava relativamente lento naquele apartamento que mais lhe


trazia fobia do que a sensação de estar em casa. Algo incomodava Lisa desde
que acordara pela manhã com o despertador irritante de Luhan anunciando o
começo de um dia péssimo.

O advogado tinha um julgamento naquele dia e seus nervos estavam á flor da


pele, por isso decidiu correr logo cedo ao escritório e repassar o caso trancado
em sua sala.

Lisa preparou o café e ambos leram o jornal na bancada da cozinha até o


relógio marcar nove e quarenta da manhã. Luhan se despediu da noiva com
um beijo estalado e pediu que ela não o esperasse á noite, pois não tinha hora
para o término do julgamento.
Meia hora depois, quando o apartamento finalmente parecia mais leve, livre
da sensação de culpa que rondava Lalisa, a figura pequena de um garoto de
cabelos desgrenhados e uma carinha de sono apareceu na sala com os pés
descalços.

Ethan correu até o sofá e se aninhou aos braços da mãe enquanto os dois
assistiam Bob Esponja apenas de pijamas. Lisa amava momentos como esse
com seu filho. Ethan havia se tornado tudo em sua vida desde que deixava os
Estados Unidos pela primeira vez. Ela sabia que daria sua vida e moveria
montanhas pelo garoto, o amor que crescia cada dia mais dentro de si já não
cabia mais em seu peito. Ethan era tudo para ela. Seu sorriso doce e infantil,
seus olhos. Ah, e Lisa amava os fios de cabelo do filho, lembrava os seus de
quando ainda era pequena.

Algumas horas depois, Lisa correu com Ethan até o banheiro e os dois
tomaram um longo banho quente onde brincaram na banheira de jogar
espuma um no outro e almoçaram sozinhos no tapete da sala já que era folga
da governanta e Luhan e Sana não estavam em casa.

Ás vezes Lisa apenas queria sentir-se criança outra vez, e nada melhor que
aproveitar esses momentos com seu pequeno.

A paz da manhã foi totalmente quebrada quando Sana chegou em casa depois
de passar a madrugada na boate administrando uma festa. Ela não estava
bêbada, mas tinha os olhos assassinos para a cunhada que estava assistindo
ao Discovery Channel enquanto Ethan tirava sua soneca da tarde.

- Onde está todo mundo? – a mulher perguntou quando analisou o silêncio do


apartamento.
- Luhan está na audiência, Lola de folga e Ethan dormindo. – Lisa informou
sem tirar os olhos da TV.

Sana estreitou os olhos para Lisa e caminhou até o sofá sentando-se de frente
para a Lisa.

Lalisa não se importou com o movimento da cunhada, muito menos quando


ela tirou a jaqueta de camurça que usava e a jogou no tapete da sala.

- Eu vou perguntar só uma vez. – a voz de Sana saiu mais séria que o normal e
Lisa a olhou surpresa. – Quem é Park Chaeyoung?

O choque percorreu o sangue da Lisa e atingiu em cheio sua sanidade. Ok, sua
cunhada a estava questionando sobre Chaeyoung, e pelo seu tom de voz não
era sobre um possível interesse amoroso na Chaeyoung.

Controlando suas emoções para não esboçar nenhuma emoção que entregasse
seu desespero, Lisa voltou os olhos para a TV e deu de ombros.

- Chaeyoung é a professora de Ethan, minha ex melhor amiga e-

- Não se faça de cínica, Manoban. Eu estou perguntando qual o grau de


importância dessa mulher na sua vida. – Sana a cortou com frieza e Lisa
travou. – Eu não quero tirar conclusões precipitadas, mas a pessoa aparecer
aqui em plena madrugada procurando por você aos prantos não é algo
exatamente normal para duas ex melhores amigas. Então eu vou perguntar de
novo: Quem é Park Chaeyoung?
E lá estava ela sendo empurrada contra a parede sem direito de escapatória.
Lisa sabia que esse momento chegaria, sua cunhada era astuta para muitas
coisas e desde que Chaeyoung reapareceu em sua vida as coisas não tem sido
exatamente sutis.

É óbvio que Sana notou o desespero em seu olhar quando terminou de falar,
ela mal podia esconder sua mão trêmula enquanto segurava o controle
remoto da TV.

Ok... Contar a verdade para a irmã de seu noivo ou não? Arriscar perder tudo
ou inventar um desmaio e adiar a conversa?

Lisa suspirou reunindo toda a coragem que não existia dentro de si e desligou
a TV deixando que o silêncio do apartamento preenchesse a tensão entre elas.

Ao mesmo tempo em que não queria perder seu noivo e sua amiga, parte de si
insistia que Sana era sua amiga antes de qualquer coisa e que se alguém
merecia saber de toda a verdade, esse alguém era sua cunhada. Mas,
independente da amizade, Luhan e Sana eram irmãos e se Sana não a
compreendesse, algo que nem ela mesma conseguia após aceitar a proposta
maluca de Chaeyoung, sua vida poderia virar de ponta cabeça.

- Chaeyoung é... – procurou um adjetivo que se encaixasse no que elas eram


agora. É claro que não encontrou e os olhos curiosos de Sana não a ajudavam
a pensar em nada. – Chaeyoung é minha ex namorada. - Como de costume, a
reação de Sana demorou a vir. Ela piscou freneticamente e continuou com a
expressão neutra como se Lisa não tivesse acabado de revelar que Chaeyoung
era sua ex namorada. – Por favor, não surte agora! Você precisa entender que
não é fácil...
- Você me fez pensar que meu gaydar estava quebrado esse tempo todo? –
Sana a cortou e recebeu um olhar confuso de Lisa. – Eu sempre me perguntei
como você poderia não ser lésbica com toda aquela pinta de badgirl da
faculdade, e agora está me dizendo que eu estava certa o tempo todo?

Lisa manteve a boca aberta uns bons centímetros sem acreditar ao que sua
cunhada estava dando prioridade naquele momento.

- Você está se ouvindo? – questionou ainda chocada e assistiu Sana levantar-


se do sofá. Os olhos perdidos e as mãos na cintura denunciavam a descrença
da mulher em algo tão fútil como a sexualidade de Lisa. – Eu estou dizendo
que Park Chaeyoung é minha ex namorada que voltou para a minha vida e
você está preocupada com a minha sexualidade, Sana?

Sana olhou a Lisa e pareceu voltar à realidade de que estava sendo


inconveniente.

- Ok, você está certa, desculpe. – balançou a cabeça e voltou a sentar ao lado
de Lisa. Agora as sobrancelhas estavam unidas enquanto algo vinha a sua
mente. – Você traiu meu irmão?

- Não! – Lisa gritou e tapou a boca arrependendo-se logo em seguida, seu ato
poderia acordar Ethan. – É claro que eu não traí Luhan, você está louca? –
por dentro a Lisa odiava-se por mentir. Sim, ela traiu Luhan e foi o melhor
erro que ela poderia ter cometido em sua vida. Mas, assim como o amor delas,
aquele momento permaneceria como um segredo trancado a sete chaves. – Só
está sendo complicado tê-la em minha vida agora, depois de tanto tempo.

Sana balançou a cabeça compreendendo as palavras da cunhada e recostou o


corpo contra o sofá acomodando-se.
- Pode começar, darling. – exigiu se referindo á historia toda.

Bom, é como dizem, se está na chuva é para se molhar.

Lisa respirou fundo e preparou-se para voltar ao passado, quando o amor era
puro e a vida bem mais fácil por mais que elas não enxergassem isso. Quando
cada dia ao lado de Chaeyoung era valioso e ainda sim com um prazo de
término.

- Eu conheci Chaeyoung no estágio em Juilliard. – começou a contar, mas


seus olhos caíram para o estofado do sofá. – Eu acho que me apaixonei no
momento em que a vi, não sei. Não me lembro direito como foi, só lembro de
abrir os olhos e me vi perdidamente apaixonada por ela. Chaeyoung
costumava ser diferente do que é hoje em dia. Ela costumava ser acanhada e
sonhadora. – sorriu automaticamente e se conteve logo em seguida. Sana mal
piscava enquanto acompanhava a história. – Jennie nos apresentou, e pouco
tempo depois éramos como melhores amigas. Chaeyoung sempre foi minha
melhor amiga. – suspirou. – Começamos a namorar e todo dia ao lado dela
era perfeito. Sabe as pessoas que dizem que o feliz para sempre não existe? –
Sana assentiu. – Bobagem, ele existe enquanto durar. Nós ouvíamos Johnny
Cash, dançávamos Billie Holiday, fizemos amor em uma casa abandonada e
invadimos um baile de formatura. Chaeyoung costumava ser meu primeiro e
último pensamento do dia e ainda sim invadia meus sonhos mais profundos.
– Sana arqueou uma sobrancelha com as palavras da cunhada. Já Lisa estava
perdida em seus pensamentos e na volta ao passado. – Quando o pai de
Chaeyoung ficou doente, eu vi a minha estrela se apagar aos poucos. Aquela
Chaeyoung que sonhava com um futuro em cima dos palcos já não existia
mais e eu não poderia deixar isso acontecer. Quando meu pai descobriu, ele
me ameaçou. Disse que pagaria os tratamentos do pai de Chaeyoung se eu me
afastasse.

- E você o fez. – Sana completou quando entendeu o rumo da história.

Lisa assentiu, os olhos já marejados que não valia a pena serem desviados.
Sana descobrira sua fraqueza e agora todas as cartas estavam na mesa.

- Eu o fiz. – continuou com a voz embargada. O sentimento de culpa e perda


tomando tudo em si, a dor de voltar ao dia em que mentiu para a pessoa que
mais amou em toda sua vida. – Disse a ela que não poderíamos ficar juntas,
pois o meu medo da sociedade era maior que o sentimento por ela. Eu a fiz
pensar que estava desistindo de nós quando na verdade estava me rasgando
por dentro pela felicidade dela. – fez uma pausa para respirar. Nunca tinha
contado aquela história a ninguém e descobriu que não era uma tarefa fácil
reviver seus dias de glória e desgraça. – Eu me mudei para a França e foi
quando nos conhecemos. Eu disse a você que o motivo da minha tristeza eram
as brigas constantes com meu pai e menti. Eu já não falava mais com ele, não
depois do que ele me fez fazer. Todas as vezes que você me flagrou chorando,
todas as noites de pesadelos constantes, foi tudo por ela, Sana. Foi tudo por
Chaeyoung. Então ouvir Johnny Cash e Billie Holiday não fazia mais sentido,
os coretos não tinham mais magia e a música se tornou minha tortura
particular. Se lembra da minha decisão sobre ter Ethan?

- Como esquecer, não é mesmo? Quase me enfartou. – revirou os olhos,


parecia mais relaxada agora depois da confissão e isso era algo que Lisa não
conseguia entender. – Vai me dizer que o filho é dela? – arregalou os olhos
como se tivesse levado um soco.
- Não, é claro que não. Quando namorávamos, Chaeyoung costumava sonhar
acordada com o nosso casamento e um filho. Esse filho se chamaria Ethan.

- Gente... Isso é melhor que novela mexicana. – disse Sana com a boca aberta
expressando surpresa. – E você decidiu tê-lo...?

- Para manter uma parte dela comigo. – disse, mesmo sabendo que seria vista
como uma louca romântica, assim como foi vista por todos os outros que
sabiam a verdade. – Eu decidi que ter Ethan seria uma forma de ter
Chaeyoung comigo, seria como nosso filho. E funcionou, por muito tempo
funcionou...

E o silêncio que caiu foi significativo. Elas sabiam que tinha chego à parte em
que falariam sobre Luhan e Sana deixou que Lisa tomasse seu tempo.

- E onde Luhan entra nessa história? – perguntou quase que timidamente e


Lisa achou fofo esse ato da parte da Chaeyoung.

- Meu filho estava crescendo e eu senti que ela precisava de uma segunda
figura na vida dele. Não me odeie por isso, por favor. Você vivia me
empurrando seu irmão e ele sempre foi tão generoso e bondoso não só
comigo, mas com Ethan. Eu vi uma oportunidade nele. Eu realmente falei
sério quando aceitei o noivado, eu queria tentar ter uma vida de verdade e
aprender a amá-lo com o tempo.

E como sempre faziam na faculdade, Sana completou seu pensamento.

- Mas você não aprendeu.


Lisa negou com a cabeça sentindo vergonha de si mesma por enganar alguém
como Luhan.

- Hm, ok. – Sana curvou o corpo e apoiou os cotovelos nos joelhos, ela ficou
em silêncio por um bom tempo filtrando o que diria para Lisa em seguida. –
Você sabe que Luhan é meu irmão e por mais que seja um panaca, meu dever
é protegê-lo, certo? – Lisa assentiu. – E, da mesma forma que tenho você
como minha melhor amiga, meu dever também é protegê-la. Sabe, uma vez,
pouco antes de nos mudarmos pra cá, Luhan me disse que sempre soube que
você não o amava. Ele disse que não ficaria no caminho caso você encontrasse
alguém e se apaixonasse, disse que te amava o suficiente para deixá-la ir.

- Eu não vou...

- Você vai. – Sana não deixou que Lisa terminasse. – Pode não ter certeza
disso agora, talvez por estar confusa e com medo, mas você vai deixá-lo no
final de tudo e no fundo sabe disso. – segurou as mãos da Lisa que agora
chorava silenciosamente. – Eu vi a maneira como Chaeyoung olha pra você e
eu posso não entender muito sobre o amor, mas aquilo que eu vi no jantar, a
forma como ela apareceu aqui procurando por você como se a vida dela
dependesse disso, isso minha querida cunhada, é amor. E você vai ser muito
estúpida se não permitir esse amor de acontecer por Luhan, seria errado com
você e com ele.

O coração da Lisa acelerou só de ouvir as palavras de Sana. Ela estava certa,


não estava? Então por que ainda sentia-se totalmente insegura de se jogar de
cabeça em uma relação com Chaeyoung? Ah, sim, talvez porque elas não se
conhecessem mais. 6 anos pode ser muito tempo em algumas ocasiões.
Pessoas como Sana nunca entenderiam que Lisa fora criada na base do medo.
Se ela atrasasse para o jantar, apanhava de cinta. Se fizesse bagunça,
apanhava quando chegasse em casa. Se passasse do horário na rua,
apanhava... Lisa aprendeu a jogar pelo lado seguro. E Luhan era seguro para
ela e Ethan.

- Você não me odeia? – Lisa perguntou, esperava que fosse expulsa do próprio
apartamento quando Sana descobrisse a verdade e tudo o que estava
recebendo eram conselhos amorosos.

Sana fez um som nasal com ironia e deu palmadinhas no ombro de Lisa.

- Eu estou é feliz por saber que sempre estive certa. – piscou e recebeu um
sorriso em troca. – Então, qual a real situação de vocês?

Está ai uma boa pergunta. Qual a real situação delas? Dois dias atrás
Chaeyoung a procurou em um evento a fantasia dizendo que sabia de toda a
verdade e pediu uma chance.

Uma chance para redescobrirem juntas esse sentimento que as rodeia. Elas
não se falaram mais depois daquele dia. Chaeyoung não a procurou mais. E ao
mesmo tempo em que era um alivio, algo em si ansiava por ela a cada
segundo da batida de seu coração.

- Sabe a noite do baile? – perguntou e Sana fez uma careta como se fosse
óbvio que sabia. – Ela me procurou e pediu uma chance de me fazer lembrar o
porquê de ter me apaixonado por ela. Disse que não precisaríamos nos tocar
para que eu não traia Luhan, mas que só precisava até o dia do casamento
para me fazer mudar de ideia.
- E você aceitou?

- Aceitei. Foi um ato impensado, eu acho que não consigo reagir quando ela
está por perto.

- Nah, pelo menos agora vocês podem se conhecer outra vez sem fazer o meu
maninho ter chifres. – deu de ombros. – Ele sabe que você não o ama, Lisa,
então não tenha medo de arriscar. Apenas o deixe ciente disso o mais rápido
possível, ok? Ele também merece seguir em frente.

E ela estava certa.

***

– Eu vou acabar com sua vida!


Prepare-se, depois de hoje eu não responderei por meus atos, Hirai, vou
arrancar sangue! - gritava Sana numa espécie de rugido.

– Eu já estou acostumada com a sua ladainha, mas quem está tirando sangue
de você sou eu, perdedora! - ameaçava Momo do outro lado com um olhar
maníaco.

Entediada, e assustada, Lisa decidiu intervir antes que sua casa fosse
demolida e seu filho traumatizado.

– Muito bem, chega de jogar Street Fighter por hoje. - anunciou desligando a
TV e jogando o controle para Jennie que o escondeu em baixo do travesseiro.
Sana fez menção de jogar o controle do XBOX em Lisa, mas foi barrada por
Jisoo com um olhar de reprovação. Momo apenas se se encostou à poltrona
largando seu controle no chão e uma carranca descontente.

– Vocês são fanáticas. - comentou Jennie passando a mão pelo cabelo de


Jisoo e depositando um beijo em sua têmpora.

– Eu jogo para ganhar, é diferente. - defendeu-se Sana ofendida, seu olhar


recaiu em Ethan que estava sentado no sofá no colo de Lisa com a mamadeira
na boca. – Você também quer jogar com a tia Sana?

O garoto tirou o bico da mamadeira da boca quando seus olhos cresceram e


correram até Lisa.

- Mommy? – pediu manhoso, mesmo com 4 anos o garoto sabia como


amolecer o coração da mãe.

- Gente esse menino é a cópia da Lisa quando criança, ganhava tudo de nós
com esse olhar de gato de botas. – Jennie riu arrancando uma gargalhada de
Momo ao lembrar-se da infância.

Lisa sentiu vontade de estrangular Sana por oferecer um jogo tão violento
para Ethan, mas graças ao bom Deus a conversa foi interrompida por um
toque de celular.

Momo tirou o aparelho do bolso e revirou os olhos quando viu o nome no


visor.

- Alô? Park! - aquele famoso sorriso cresceu novamente. Lisa encolheu-se e


sentiu o estomago dar saltos. - Por que vocês tem a mania de achar que eu sei
da presença uma da outra? Eu em. Sim, é óbvio que ela está, Lisa mora aqui. -
o silêncio angustiante preencheu a sala enquanto Momo fazia caretas
alternando entre sorrisos.

- É claro que sim! Te vejo logo, não te amo.

Desligou o celular e voltou a brincar com os cabelos enquanto três pares de


olhos simplesmente a encaravam a espera de alguma noticia. Bom, noticia
essa que não veio logo, pois Momo fingiu-se de distraída ignorando os outros.

– Então? - perguntou Jisoo segurando a mão de Momo para que ela parasse o
que estava fazendo e a encarasse nos olhos.

– Então o que?

Jisoo revirou os olhos e Lisa soltou um gemido impaciente.

– O que Chaeyoung queria?

– Aaaaaaaaaaaaah! - gritou dramaticamente estalando os dedos e virando-se


para Lisa. – Ela está vindo buscar você e Ethan.

Momo sorriu satisfeita vendo o queixo de Lisa cair. Jennie largou Jisoo e
correu segurar a mão da Lisa em solidariedade, acompanhada de Sana que
olhou profundamente nos olhos dela e disse séria:

– Você não vai fugir.

Não, ela não queria fugir. Chaeyoung não merecia isso e no fundo, Lisa sabia
que queria estar na presença da mulher, era quando se sentia ela mesma,
liberta, feliz. Então não, ela não negou, apenas concordou com a cabeça e
deixou-se ser abraçada de lado por Jisoo.

Quando se separou do abraço, viu Ethan assistindo a cena confuso ainda em


seu colo, a expressão inocente que tinha ideia do que estava acontecendo ao
seu redor.

Sentindo seu coração acelerado, Lisa abraçou o filho e deixou um beijo


demorado no topo da cabeça do garoto.

- Você quer passear comigo e com a tia Chaeyoung, filho?

Ethan abriu um dos maiores sorrisos que só ele possuía e abraçou o pescoço
da mãe.

- Vamos, vamos, vamos! – gritava empolgado arrancando sorrisos das outras


mulheres presentes. – Quando ela vem? Aonde nós vamos, mamãe? Oh, nós
podemos ir tomar sorvete? Eu quero sorvete de morango!

Lisa riu gostosamente com a cena de seu filho a puxando pela mão para que
se levantasse.

- Ela já deve estar chegando, então é bom você correr logo e colocar uma
roupa bonita.

- Eu posso usar meu chapéu de dinossauro? – perguntou animado. Lisa riu e


balançou a cabeça.

- Você sempre o usa, Ethan.


Jennie cortou a frente da Lisa e pegou Ethan no colo que gritou de surpresa.

- Que tal a tia Jennie trocar o garotão aqui enquanto a mamãe Lisa se troca,
em? – piscou para a Lisa e recebeu uma exclamação animada de Ethan
quando o colocou novamente no chão. – Quem chegar por último é um bebê!

E saiu correndo pelo corredor como uma louca com Ethan em seu encalce
gritando que não era justo ela ser maior.

– Muito bem, agora posso voltar para o meu jogo lindo e maravilhoso e
descontar toda a frustração que sinto vivenciando essa história dramática
onde sou a coadjuvante gostosa que precisa juntar o casal gay principal. -
Sana pegou o controle da TV a força de Jisoo e ligou novamente o jogo.

Lisa respirou fundo e levantou-se, Chaeyoung chegaria a qualquer momento e


ela não sabia se estava arrumada.

Correu com Jisoo e Momo até o quarto e olhou-se no espelho.


Definitivamente, calça folgada e moletom não era a melhor vestimenta para a
ocasião.

– A menos que você seja a ativa da relação, acho que teremos que mudar isso.
- comentário veio de Jisoo que a analisava de cima a baixo.

– Não existe relação, Jisoo, estamos apenas saindo como amigas, ela sabe
disso. - corrigiu Lisa indignada tirando o moletom e a calça. - E você está
pegando o costume de Sana.

– EU OUVI ISSO! - berrou Sana histérica da sala.


– Tanto faz, preciso da minha camisa social. - Pediu apontando para o guarda
roupa, Jisoo correu ate o móvel a procura de algo adequado para a situação.

- Hm, será que eu posso dar uma opinião sincera aqui? – Momo interrompeu
o momento com o dedo indicador levantado e chamando a atenção das outras
duas. – Você agora vive de social, Lisa. Se estiver saindo com Chaeyoung,
mesmo que seja como amiga, você poderia ao menos reviver a verdadeira Lisa
aí dentro, não é? – apontou para o peito da Lisa e caminhou até o guarda-
roupa tirando uma calça jeans escura e uma cacharrel branca.

– Isso deve servir. Jisoo, peça emprestado à Sana um tênis e uma jaqueta.

Momo aproveitou o momento para pentear o cabelo de Lisa até deixa-lo um


pouco mais bagunçado como costumava ser. Jisoo voltou em seguida
segurando um par de tênis e uma jaqueta.

O interfone soou e todas paralisaram. O coração de Lisa anunciava que logo


saltaria para fora do seu peito se algo não fosse feito, uma sensação tão nova e
tão gostosa ao mesmo tempo.

Momo bateu palma e Jisoo a conduziu até a porta ignorando o assobio de


Sana que tinha acabado de liberar a entrada da Chaeyoung.

– Essa é a sua noite, não estrague. - aconselhou Jisoo segurando o rosto de


Lisa para que a olhasse nos olhos.

Lisa concordou e suspirou virando-se para o elevador, era agora ou nunca.

Mais alguns segundos e a porta do elevador abriu. Do outro lado, uma


Chaeyoung com um meio sorriso a esperava ansiosa, Lisa foi obrigada a sorrir
com a visão infantil daquela pequena figura. Ela estava maravilhosa como
sempre e quase se esqueceu de sair do elevador antes que as portas se
fechassem novamente.

- Tia Chaeyoung! – uma voz infantil cortou o momento e Ethan passou


correndo por elas até estar nos braços de Chaeyoung.

Ele usava uma calça jeans clara, all star preto, uma camiseta verde com preto
do Hulk e uma jaqueta jeans por cima. É claro que na cabeça estava seu
inseparável chapéu.

Lisa assistiu Chaeyoung abraçar Ethan com tanto carinho que tudo o que ela
desejava fazer naquele momento era gravar aquela cena para sempre.

– Mamãe disse que a senhora vai sair com a gente.

Chaeyoung segurou Ethan em um braço e tirou um pequeno embrulho de


dentro da sua bolsa.

- Isso será uma surpresa, meu pequeno.O que acha que ganhar um presente
antes disso? Eu estava com saudade sua.

- Você me viu hoje, tia! – ele riu e analisou o presente nas mãos da
Chaeyoung. – O que é?

Á essa altura, Lisa, Jennie, Jisoo, Momo e Sana assistiam a interação com
atenção, Chaeyoung e Ethan mal pareciam se importar com a presença deles
no momento.
Chaeyoung deixou o garoto no chão e ajoelhou-se de frente para ele com uma
expressão séria.

- É um presente pra você sempre se lembrar de mim, ok? – ela entregou o


embrulho a Ethan e assistiu ele se desfazer do papel.

- Oh! – ele exclamou abrindo a boca e os olhos. – É um piano?

Chaeyoung riu e segurou as duas mãozinhas do menino que segurava o


piano.

- É uma caixinha de música. – explicou com paciência. – Eu a ganhei uma vez


de uma pessoa muito especial.

Ethan sorriu feliz quando ouviu falar sobre uma pessoa especial. Lisa sempre
dizia que pessoas especiais são importantes em sua vida para sempre.

- É da sua mamãe? – ele perguntou todo inocente enquanto abria a caixinha.

Lisa desviou os olhos segurando-se para não chorar. Ela conhecia aquela
maldita caixinha de música, ela havia dado a Chaeyoung em sua primeira
apresentação no Central Park.

- Não. Não é da minha mãe, pequeno. – Chaeyoung beijou a testa de Ethan e


experimentou olhar para Lisa, sentiu seu coração cair quando viu a expressão
de dor da Lisa. – É de uma pessoa que teve meu coração. E agora eu estou
passando pra você.

Ethan olhou confuso para a Chaeyoung, é óbvio que ele não entendia as coisas
literalmente.
- A senhora vai pegar meu coração? – ele perguntou curioso.

Chaeyoung balançou a cabeça achando graça da situação e se levantou o


pegando no colo outra vez.

- Você pegou o meu, pequeno. – fez cócegas na barriga dele para que o
menino esquecesse o assunto.

Quando voltou a olhar para Lisa, viu que Lalisa a encarava como se não
acreditasse no que estava vendo.

– Estão prontos?

Custou para Lisa recobrar seus sentidos, Lalisa sabia que precisava reagir,
mas sua cabeça parecia um liquidificador ligado nesse momento, absorvendo
cada centímetro de emoção.

Lisa apertou o botão do elevador e pediu que Momo as acompanhasse até o


saguão.

O caminho foi feito silenciosamente até o carro com Ethan segurando a mão
de Chaeyoung e tagarelando sobre o que tinha aprendido na aula de hoje.

Como se não houvesse outra forma de ser surpreendida, no banco de trás


havia uma cadeirinha para a idade de Ethan. Chaeyoung viu a expressão de
choque de Lisa e apenas deu de ombros com um sorriso tímido.

– Muito bem, pessoal, próxima parada: Coney Island! - exclamou animada


olhando pelo retrovisor para Ethan que bateu palmas em comemoração. Lisa
balançou a cabeça e Chaeyoung a olhou com medo de uma nova discussão. - O
que houve...? Não gosta desse lugar? Se você quiser nós podemos ir para
outro e...

– Não, Chaeng! É claro que não. - riu levando a mão ao rosto. - É só que... Eu
sempre quis ir lá. Só não tive tempo.

Sua voz morreu ao mesmo tempo em que se dava conta de que estava falando
besteira.

– Eu sei. – Chaeyoung garantiu. - Hoje nós vamos juntas.

Ela não queria chorar, e não iria. Estava sendo forte naqueles últimos dias, e o
faria até o fim. Ethan assistia á vista enquanto o carro de locomovia calado no
banco de trás, o que gerou certo desconforto entre as duas mulheres.

– Pensei que não aceitaria vir. – Chaeyoung quebrou o clima perguntando


diretamente a Lisa.

- Eu acho que preciso me explicar sobre o que aconteceu...

- Não hoje. – Chaeyoung segurou sua mão num gesto automático e logo a
voltou para o volante. – Não precisamos discutir isso hoje, vamos só
aproveitar a noite com nosso filho, tudo bem?

Lisa sentiu todo seu corpo reagir quando ouviu Chaeyoung dizer nosso filho.
Então era assim que ela o considerava também?

- Você o vê assim? – perguntou quase sem voz pela emoção que ainda
transcorria tudo em si.
Chaeyoung segurou firme no volante e lançou um olhar calmo para um Ethan
pensativo no banco de trás.

- Você o fez pensando em nós, Lisa. Ele é tão meu quanto seu, se você o
considera assim, então eu também o quero como meu. No momento vocês
dois são tudo o que me importa.

O coração da Lisa acelerou intensamente e ela sentiu todo o corpo arrepiar.


Chaeyoung sempre teria esse efeito dominador e assustador sobre ela.

Não demorou muito até chegarem à entrada do parque, imediatamente


Chaeyoung e Ethan pareciam ter a mesma idade e Lisa precisou estabelecer
regras quanto a não afastar-se um do outro devido a multidão dentro do
parque.

Chaeyoung estacionou o carro e logo estava de mãos dadas com Ethan, Lisa
caminhava ao lado deles sem saber ao certo para onde olhar.

Era tudo tão maravilhoso, exatamente como era descrito por seus amigos no
colégio, havia mágicos e malabaristas, mais a frente, perto da cerca que dava
acesso a praia, barracas espalhadas por todo o lado.

– Ok, isso é perfeito! - disse Lisa apontando para um homem cuspindo fogo.

Ela e Ethan riram, Chaeyoung assustou-se.

– Ele me da medo. - reprimiu-se. Depois encontrou um homem estatua e


caminhou puxando Ethan para vê-lo mais de perto. – Olhe esse, pequeno. –
Ethan fez sons de surpresa e Chaeyoung começou a imitar o homem só para
ver o garoto rir.

Lisa observou a interação de Chaeyoung e Ethan e deu graças a Deus por tudo
estar correndo bem, soube no mesmo instante que seus olhos estavam
brilhando por ver aquela cena, de repente ela queria poder vive-la todos os
dias.

– Acho que sei do que a tia Chaeyoung precisa. - falou Lisa para o filho e
posicionou-se atrás de Chaeyoung empurrando-a com os braços para frente
com a ajuda do garoto.

É claro que Chaeyoung ficou encantada ao chegarem a uma área um pouco


mais afastada da multidão, onde havia um pequeno coreto com três homens
em pé tocando algo para uma família.

Os três observaram o caçula pedir algo para a mãe e em seguida colocar uma
nota em dólar na caixinha ao lado.

Em frente ao coreto, havia uma espécie de pista de madeira para dançar.

Chaeyoung sorriu espontaneamente e cruzou os braços admirada, ela sempre


adorou ouvi-los cantar, e Lisa sabia disso.

Lalisa apenas ficou parada vendo toda a movimentação com Ethan agora
sentado em seus ombros.

– Eu preciso andar nela. - Chaeyoung apontou para uma roda gigante perto
da pequena casinha dos músicos, ela era maravilhosa e iluminada.
As crianças pareciam se divertir com seus pais, e até mesmo casais
acariciavam-se ao luar.

– Eu quero algodão doce, mamãe. - disse Ethan fazendo carinha de inocente


para as duas mulheres e apontando para um menino que comia algodão doce.

Lisa gargalhou abrindo os braços e mostrando todas as barracas que tinham,


eram em uma grande variedade, desde doces e brinquedos, até lanches e
jogos.

– Eu quero um algodão doce, por favor. - pediu Chaeyoung para um homem


vestido de palhaço que vendia doces, então se virou para a Lisa: - Quer um?

Lalisa negou com a cabeça e Ethan aceitou todo contente seu algodão doce.
Depois os três andaram na montanha russa infantil, jogaram diversos tipos de
jogos nas barracas, Ethan andou de trenzinho e comeu maçã do amor.

Pela primeira vez desde que se reencontraram, não existia tensão, mágoa ou
dor entre Chaeyoung e Lisa.

Elas eram apenas elas mesmas, aproveitando cada segundo da noite na


companhia uma da outra.

Em determinado momento Chaeyoung pediu para que Lisa a acompanhasse


com Ethan até os músicos que tinham encontrado quando chegaram, ela
sussurrou algo para os homens e deixou uma boa quantidade de dinheiro na
caixinha.
Quando se virou a procura da Lisa, a encontrou bem no meio da pequena
pista de dança de madeira, Ethan em seus braços, eles fingiam que dançavam
e o garoto estava se divertindo com isso.

Quando a música New York de Frank Sinatra começou a soar, Lisa correu os
olhos pelo coreto até encontrar os de Chaeyoung, elas ficaram se olhando pelo
tempo que pareceu infinito, mas que durou apenas alguns segundos, e
sorriram.

(Play na música Theme From New York, New York - Frank Sinatra)

Chaeyoung caminhou até a pista de dança e curvou-se para Lisa e Ethan


arrancando risada dos dois.

- Será que meus dois amores aceitam dançar comigo? – perguntou


teatralmente e ganhou um sorriso enorme de Lisa.

- Vem dançar com a gente, tia Chaeyoung! – chamou Ethan estendendo a mão
para a Chaeyoung que aceitou.

Assim, Chaeyoung passou seu braço direito pela cintura de Lisa a trazendo
para mais perto e com o outro braço abraçou Ethan, deixando o garoto entre
as duas.

Lalisa estava encantada com Chaeyoung, seu coração poderia parar a


qualquer momento por estar tão acelerado durante aquela noite.

– Olha, estamos nós três dançando!

As duas mulheres sorriram e cada uma beijou um lado do rosto de Ethan.


Então Chaeyoung voltou a encarar Lisa como se fosse à visão mais bela que já
terá na vida.

– Está me deixando constrangida. – Lisa quebrou o silêncio.

Chaeyoung aproximou-se mais se possível e encostou sua cabeça com a de um


Ethan sonolento.

– Sabe qual foi a melhor parte dessa noite? - Perguntou fechando os olhos e
levando o corpo de Lisa junto de si para uma eterna dança apaixonada com o
fruto desse amor.

– O que? - Sua voz saiu fraca.

– Eu pude me apaixonar por você outra vez. - Respondeu quase que com uma
careta, estava machucada, estava sendo torturada por estar tão próxima aos
lábios de sua amada e não poder toca-los em respeito a Ethan e Luhan.

Lisa fechou os olhos sentindo-se machucada com as palavras. É possível


sentir seu peito rasgar ao mesmo tempo em que a felicidade o preenche?

Sem dar espaço para uma resposta, Chaeyoung separou-se da dança trazendo
Ethan que tinha adormecido em seu ombro.

Já era tarde e elas decidiram que era hora de voltar para casa, então Lisa se
ofereceu para dirigir já que estavam com pena de acordar Ethan.

Certa parte do caminho também foi silenciosa, Lisa dirigia enquanto a


Chaeyoung estava no banco de trás com o garoto adormecido em seus braços,
ela o ninava e apreciava cada linha de expressão do rosto perfeito de Ethan.
De seu filho.

Em determinado momento o carro passou em uma lombada e Ethan acordou


assustado estranhando o ambiente escuro do carro.

- Shh! Vai ficar tudo bem, meu amor. Mamãe está aqui, ok? – Chaeyoung
sussurrou tirando alguns fios de cabelo da testa suada do garoto. - Close your
eyes, have no fear, the monster's gone. He's on the run and your mother are
here, beautiful boy– Cantarolou baixinho para que apenas Ethan escutasse.

Lisa observou tudo pelo retrovisor e deixou que a escuridão da noite


escondesse suas lágrimas silenciosas.

- Before you cross the street, take my hand. Life is what happens to you while
you're busy making other plans...

Lisa estacionou o carro do outo lado da rua e pegou Ethan nos braços
agradecendo Chaeyoung pela noite.

- Obrigada por hoje, eu tive uma noite incrível, Chaeyoung. – disse sincera, o
coração apertado pela despedida.

Chaeyoung tinha as mãos enfiadas nos bolsos da calça, seu jeitinho acanhado
estava de volta e nada poderia encantar mais Lisa.

- Eu preciso agradecer por me deixar tentar, Lali. – ela sorriu timidamente e


beijou o vão do pescoço de Ethan. – Até mais, meu pequeno. – sussurrou no
ouvido dele e deixou seus olhos se conectarem mais uma vez com os de Lisa
somente para se perder neles. – Boa noite, Lisa. – e antes que Lisa pudesse
responder, beijou-a demoradamente na bochecha.

Algo simples, mas que causou o impacto de um furacão nas duas mulheres.

- Boa noite, Chaeng. – Lisa sussurrou de volta e assistiu o amor de sua vida
caminhar alguns passos de costas e entrar no carro, até por fim, desaparecer
na rua escura.

Lisa entrou silenciosamente no apartamento, já passava da meia noite e todos


estavam dormindo.

Cansada, tanto fisicamente quanto emocionalmente, decidiu deixar o banho


para amanhã, e deixou Ethan em seu quarto desejando-lhe uma boa noite e
sonhos com carros e super-heróis.

A parte mais difícil foi entrar no quarto que dividia com Luhan, ele dormia em
seus pijamas e agarrado ao edredom.

Por mais que não tenha feito nada, Lisa sentia como se o tivesse traído e por
isso era de um caráter sujo.

Estava perdida emocionalmente, estava fora de linha e em uma estrada sem


volta.

Não conseguia deixa-lo ao mesmo tempo em que não conseguia afastar


Chaeyoung.

Ela preferia cair de patins e enfaixar o ombro.


***

Lisa finalmente encarou-se no espelho depois de tantos dias relutando a sua


imagem. Aquela era a sua antiga eu que ela conhecia, cabelos lisos até o meio
das costas, roupas sociais e seriedade. A filha perfeita de um Manoban.

Mas, naquela manhã havia algo novo desperto dentro da Lisa, algo que a
impulsionava a querer mudar, a ser uma nova eu, a não seguir mais regras
nenhuma, algo a impulsionava, Chaeyoung.

Seus olhos se dirigiram a uma foto pregada no canto superior do espelho, e


nessa foto havia uma Lisa feliz sentada no capô de seu antigo Dodge.
Chaeyoung é quem tirara a foto e atrás havia uma pequena inscrição com a
letra da Chaeyoung: "Para sempre se torna pouco tempo ao seu lado. Sua
Chaeyoung."

Lisa estava pronta para conhecer a si mesma novamente e aprender a amar a


si mesma. Suas mãos tremeram quando direcionaram a tesoura até o longo
cabelo, estava de hora de fazer alguns reparos, pois sentia falta de seu antigo
visual.

_______________

Música que a Chaeyoung canta para o Ethan: Beautiful Boy (Darling Boy)
do John Lennon

___________

38
O som reproduzia Lights da cantora inglesa Ellie Goulding, a acústica criando
o ambiente perfeito para os dançarinos que se movimentavam em passos
calculados pelo piso de madeira em frente ao grande espelho de vidro.

Jisoo caminhava de um lado para outro berrando instruções e pegando no pé


de um jovem de no máximo 20 anos, olhos azuis e cabelos negros, este que
tinha a pele vermelha e a respiração descompassada devido ao cansaço.

Chaeyoung, que observava todo o ensaio recostada ao batente da porta, havia


estabelecido um limite para o garoto e o assistia atentamente o momento em
que o rapaz cederia e pediria para sair.

Ninguém era louco de fazer isso. Jisoo tinha essa fama de professora psicótica
e corria alguns boatos por NY sobre algumas sessões de tortura em suas aulas,
mas o resultado era sempre brilhante e a mulher tinha desenvolvido grandes
dançarinos desde que inaugurou a Kim Academy.

- Você me da medo ás vezes. – comentou a Chaeyoung estendendo uma toalha


branca para Jisoo. Os alunos agora saíam aos poucos da sala exaustos de mais
um dia de tortura com a professora Kim. – Já pensou em abordar uma técnica
menos maléfica?

Jisoo rolou os olhos e tirou uma garrafa de água do suporte de isopor.

- A diferença... É que você dá aulas de música para crianças de 5 anos. – disse


em pausa, o peito ofegante. – Eu ensino técnicas com o corpo e disciplina, eu
os treino para serem os melhores, querida.

Chaeyoung sorriu do comentário puxando uma cadeira para sentar enquanto


a dançarina arrumava o salão.
- De qualquer forma, fico feliz que as coisas estejam indo bem na academia.

- Chaeyoung, você disse a mesma coisa na semana passada! – as duas riram.


– Não precisa ter vergonha de iniciar o assunto Lisa comigo, sabe que eu não
julgo você e toda essa coisa estranha entre as duas.

De fato, Jisoo conhecia Chaeyoung o suficiente para saber quando a amiga


estava afobada ou com algum problema. Elas se aproximaram demais depois
da faculdade e a dançarina foi um dos suportes da Chaeyoung nos momentos
difíceis, assim como Jennie e Momo.

A situação no momento era como uma prova de fogo e todos sabiam disso,
todos estavam cientes de que Chaeyoung estava correndo contra o tempo para
convencer Lisa a não se casar a menos de 2 meses para a Lisa ser oficialmente
de outro.

Sabendo que não precisava esconder seus sentimentos naquela sala,


Chaeyoung suspirou e deixou os ombros caírem em rendição mostrando o
quão cansada estava.

- Ela não vai se render, Jisoo. – deixou as palavras saírem e os olhos se


perderem em um ponto qualquer no piso. – Eu vi isso em seus olhos quando
fomos à Coney Island. É como se ela tivesse medo de mim, é como se eu fosse
uma estranha.

- Você é uma estranha, Chae. – Jisoo sentou no chão de frente para a


Chaeyoung e as pernas cruzadas. – Lembre-se que 6 anos não são 6 meses.
Vocês viveram em continentes diferentes por tanto tempo que acabaram
assumindo certas personalidades que não talvez não tinham na época do
namoro de vocês. Lembra como a vida era boa e fácil? É porque vocês eram
adolescentes sem reais preocupações. Hoje você são mulheres com uma
história, um fardo que, a meu ver, é bastante assustador um para a outra.

Chaeyoung franziu o cenho pensando no que tinha acabado de ouvir. Elas


eram duas estranhas tentando se encontra, tentando encontrar um caminho
de volta uma para a outra. O maior medo da Chaeyoung era de que ela fosse à
única jogando esse jogo, que talvez estivesse forçando as coisas com Lisa.

- E se ela o escolher? – perguntou quase infantilmente, sem se importar de


demonstrar que estava desesperada. – Eu não posso conviver com isso,
sabendo que a mulher da minha vida é de outro. E agora mais do que nunca
eu preciso conquistar não só ela, mas Ethan.

A dançarina sorriu diante o comentário, era de se admirar Chaeyoung estar


apaixonada pelo garoto que supostamente seria seu filho. Não era uma tarefa
difícil para Jisoo e as outras imaginarem Chaeyoung e Lisa casadas e com
Ethan correndo entre as pernas das duas como um Park. Sempre foi assim,
elas tinham química até mesmo quando não se conheciam mais e esse era o
tipo de coisa que faz as pessoas acreditarem no amor.

- Sabe o que eu acho? Você está muito tensa nos últimos dias, Chae. –
levantou-se de um salto e estalou os dedos como se tivesse a melhor ideia do
mundo. – Hoje nós vamos relaxar essa cabecinha dura e depois pensamos
sobre Lisa, ok? – a dançarina segurou os ombros de Chaeyoung, que também
havia levantado, e a olhou com aqueles enormes olhos. – Você vai sair com
Jennie e eu.

- Não, obrigada. – a Chaeyoung cruzou os braços. – Não vou ser vela de vocês,
sempre que saímos juntas sou eu quem sobra.
Jisoo riu.

- Momo vai estar lá. Hoje vai ser a noite das mulheres, ok? Vamos à boate de
Sana.

Chaeyoung abriu a boca em protesto, mas foi cortada pelo dedo indicador da
dançarina bem em frente ao seu rosto.

- Não quero saber, é final de semana e nós estamos precisando ter um


momento entre amigas.

Jisoo estava certa. Elas precisavam sair e curtir a noite, pelo menos um dia
antes de voltar a rotina de sua guerra pessoal, e uma noite dançando não seria
nada mal para quem não tinha realmente o que fazer em casa. Ou estaria com
Hannah, ou iria direto para a casa de Diana e no momento nenhuma das duas
opções era viável.

Primeiro porque Chaeyoung ainda sentia-se magoada por ter sido enganada
todo esse tempo sobre as cartas. Jennie, Jisoo, Momo e Daniela haviam sido
perdoadas ainda que houvesse mágoa no coração de Chaeyoung, mas ter as
informações ocultadas de sua própria mãe e seu pai não era lá algo fácil de
aceitar. Seu pai. O homem em quem ela tanto confiou.

Chaeyoung se encontrava em um dilema sobre sentir-se bem ou mal pelos


atos de Mark. Por um lado ele a estava poupando de uma verdade dolorosa,
mas por outro, ele não tinha o direito de lhe ocultar tal informação, não
quando foi ele quem viu a Chaeyoung perder o brilho no olhar com o passar
dos anos.
- Ok. – respondeu Chaeyoung já na porta do salão. – Eu passo na sua casa
mais tarde?

- Com toda certeza. – Jisoo sorriu simpática até demais, ato que a Chaeyoung
estranhou. – Até mais.

E com um enorme sorriso, fechou a porta do salão aos poucos deixando uma
Chaeyoung totalmente confusa para trás. Assim que girou o trinco, correu até
a bolsa na velocidade da luz e tirou o celular discando o tão conhecido
número.

- Espero que seja algo útil. – ouviu Momo do outro lado da linha.

- Ela vai estar lá. – Jisoo sorriu vitoriosa.

- O que? Você conseguiu? Como isso? Amarrou ela, foi? – Momo se alterou.

- Não, estranha. Chaeyoung está toda depressiva achando que Lisa não vai
escolher ela, então eu inventei sobre agitarmos a noite.

- Hmmmmm. Tudo bem, eu vou avisar Satã. Bye.

***

Momo livrou-se dos beijos de Junhoe antes de voltar o celular ao ouvido,


dessa vez com uma pessoa diferente na linha.

- Conseguimos executar o plano Alfa. – disse enquanto invadia o banheiro,


Junhoe não precisava saber de seus planos maléficos para juntar o casal. –
Você já convenceu a Ômega?
- Por que diabos você está falando assim? – Sana questionou no celular e
Momo revirou os olhos.

- Era um código secreto, agora você estragou tudo, obrigada. – abafou a voz
com a mão, agora estava sentada na tampa da privada.

- Se você está falando sobre Lisa, sim, eu consegui. Falei sobre fazer uma
noite das mulheres ela e consegui convencê-la. – riu. – Luhan vai estar
ocupado com o escritório e Ethan vai ficar com Daniela.

Momo suspirou.

- Eu me sinto mal agindo assim pelas costas de Luhan.

- Relaxe que do meu irmãozinho cuido eu. Também tenho planos para ele.

- Realmente espero que tenha. – Junhoe bateu na porta do banheiro e Momo


assustou. – Preciso desligar, te vejo a noite.

- Adeus.

***

A boate estava sendo um sucesso desde que fora inaugurada. Sua localização
próxima ao Rockaway Beach atraía as pessoas que na maioria das vezes saía
da praia direto para a boate curtir um som, dançar e tomar algumas bebidas.
O ambiente com dois andares tinha o tema da noite músicas latinas, escolhido
especialmente por Sana para a ocasião da noite que tinha sido uma completa
armação.

As pessoas dançavam no centro do salão com o jogo de luz enquanto a DJ,


Sana, animava a festa de sua cabine á espera de suas amadas pupilas.

Em uma das mesas do canto se encontrava Jennie, Jisoo e Chaeyoung


assistindo a toda à movimentação com entusiasmo.

Bom, o entusiasmo vinha de Jisoo e Jennie, já Chaeyoung estava encolhida na


mesa brincando com o limão no copo. Nunca fora de boates e festas, tinha
provado a si mesma que música alta e com batidas estourando seus tímpanos
não era lá algo que lhe agradasse, mas precisava estar com suas amigas e
esquecer um pouco a realidade.

- Soube que a filarmônica de New York está procurando novos integrantes. –


Jennie disse um pouco alto por conta da música. A musicista tinha um braço
no encosto da cadeira de Jisoo e segurava um copo de vodka.
– Eles vão começar os testes na semana que vem.

Chaeyoung olhou curiosa para a amiga. Não tinha considerado voltar para a
filarmônica tão cedo, não quando sua cabeça estava cheia de prioridades no
momento, a verdade é que ela mal sabia se estava disposta a voltar a tocar
profissionalmente.

- Pensei que estávamos aqui para nos divertir. – comentou desviando o


assunto e recebeu um cutucão no braço direito. Então seus olhos focalizaram
o que ela não estava esperando naquela noite. – Oh, não. – sentiu seu peito se
encher quando viu a Lisa atravessando toda desengonçada a multidão com
uma Momo segurando seu braço.

Jennie e Jisoo seguiram o olhar de Chaeyoung e prenderam o riso quando


viram a cena. Momo parecia mais a mãe de Lisa dando bronca e empurrando
quem mexesse com ela, pois a Lisa estava levemente alcoolizada.

- Que coincidência do destino. – brincou Jisoo, mas recebeu um olhar


fuzilante de Chaeyoung.

- Vocês sabiam disso, não é? – Chaeyoung massageou as têmporas, agora ela


tinha certeza que tinham armado para ela. – Não me prepararam pra isso,
droga! Eu vou matar vocês.

- Hey, você! – Lisa finalmente chegou até elas com um sorriso bêbado, mal
parecia incomodada com a presença de Chaeyoung.

Ela estava diferente, parecia mais jovem e as roupas que usava lembrava a
Lisa da adolescência. Um short jeans, tênis, camisa preta com estampas
brancas e a jaqueta. O cabelo estava um pouco mais curto.Chaeyoung quase
caiu da cadeira.

– Por que não estou surpresa de encontrar vocês aqui?

De longe era possível sentir o bafo de álcool da Lisa.

Jennie olhou com interrogação para Momo, mas outra apenas deu de ombros
e fez Lisa sentar na cadeira ao lado de Chaeyoung.
- Logo que chegamos ela correu até o bar, não tive como segurar porque como
vocês podem ver, Lisa é um dinossauro perto de mim.

À menção de dinossauro, os olhos de Lisa se arregalaram e ela rapidamente se


virou para Chaeyoung.

- Ethan não para de falar sobre a caixinha de música, Chaeng. – ela sorriu
bobamente e ganhou um sorriso da Chaeyoung. – Obrigada, você é incrível.

Chaeyoung corou com o comentário e recebeu olhares sugestivos das outras


mulheres da mesa.

- Eu fico feliz de compartilhar algo especial com Ethan. – Chaeyoung foi doce
ao dizer tais palavras, não era atoa que seu coração amolecia na presença de
seu amor. – Você está muito bonita.

FMomo fez alguns sinais estranhos para Jisoo e Jennie por trás de Lisa
enquanto as duas mulheres estavam distraídas numa conversa informal e saiu
em busca de Sana.

Prendeu a respiração ao entrar novamente no meio das pessoas sendo


empurrada como uma bolinha de ping pong e dizendo alto que era da policia
e que prenderia cada um por desacato a autoridade.

Não demorou muito até chegar à cabine de Sana, a mulher segurava uma
parte do fone nos ouvidos e mexia o corpo no ritmo da música latina.

- Está tudo dentro dos conformes. – deu positivo ao gritar para que Sana a
ouvisse. – Tirando a parte em que sua querida cunhada decidiu se
embebedar.
Sana revirou os olhos.

- O que fazemos agora?

- Como o que fazemos agora? Você é a DJ, mexa nessas coisas cheias de
botões e coloque uma música pra abalar os sentimentos daquelas duas.

A DJ pareceu pensar por um momento antes de voltar para o mixer e trocar a


música.

Esta noche no entregaré el corazón


No confundiré el amor con la pasión
No quiero saber de engaños que me hacen sentir
Desilusionada, luego de entregarme abandonada
No estaré loca pérdida por un hombre
Que no tiene nada para darme solo un duro corazón

Momo estreitou os olhos para Sana quando RBD começou a tocar na boate.
As pessoas gritaram em aprovação e levantaram os braços animadas
acompanhando o ritmo da música.

- Sério? – Momo perguntou como se a DJ fosse retardada.

- O que? RBD era clássico na nossa adolescência, ok? Ok. – deu um sorrisinho
cínico para Momo. – Eu tenho tudo sob controle, apenas dê o sinal para
Jennie e Jisoo.

Do outro lado da boate o celular de Jennie acendeu na mesa revelando uma


mensagem de Momo.
- As rosas estão prontas? – Jennie leu a mensagem para Jisoo. – Esse é o sinal
dela?

Money, money, si no hay money, money no


No tendrás ni mi numero de teléfono
Que pagué con lágrimas el dolor
Y en mí, solo el pobre corazón
Y hoy sé que no quiero hablar de amor
Sin hacerme llorar, anyway

Chaeyoung e Lisa que estavam envoltas em uma conversa sútil sobre Ethan,
onde Chaeyoung era quem falava sobre o desenvolvimento do menino nas
aulas de músicas e Lisa ouvia tudo com o máximo de atenção que o sangue em
suas veias permitia. Elas notaram quando Jennie e Jisoo ficarem em pé
avisando que estavam indo dançar na pista e que elas deveriam fazer o
mesmo.

O casal saiu deixando a decisão entre as duas mulheres na mesa. Chaeyoung


não costumava dançar músicas agitadas por saber que era totalmente
desengonçada, mas a ideia de ser desengonçada com Lisa lhe atraía
completamente.

Pela primeira vez elas estavam conversando sem restrições e por mais que
esse fosse o efeito da bebida na Lisa, Chaeyoung queria mais disso. Ela queria
aproveitar cada momento que pudesse ter com Lisa e torná-los eternos.

Ya no quiero llorar, ya no quiero llorar


Ya no quiero llorar, ya no quiero llorar
Ya no quiero llorar, ya no quiero llorar
Y esta noche la sacaré para bailar

- Você quer dançar? – Lisa interrompeu toda a linha de raciocino na


Chaeyoung. Nos lábios o famoso sorriso bêbado que tinha estado ali desde
que chegará.

- Eu não sei se sou boa nisso.

- Está brincando? Nós costumávamos ter nossas próprias danças, Chaeng. –


Lisa não percebeu quando disse, ela mal estava raciocinando direito, mas
Chaeyoung sim e lembrar-se das danças românticas que costumavam ter não
era o melhor jeito de terminar a noite.

- Tudo bem, mas eu já vou avisando que vou pisar no seu pé. – disse divertida
e levantou com Lisa.

Siente como la música vuela


Llevamos en mis sentimientos en un viaje y tú Sientes como mi corazón se
congela
Y se pone fríamente calculado cuando tú
Siente como la música vuela
Llevamos en mis sentimientos en un viaje y tú Sientes como mi corazón se
congela
Y se pone fríamente calculado cuando tú Quieres hacerme llorar y ya no voy
a llorar

Elas caminharam até a pista de dança procurando um lado que não estivesse
tão cheio, era Lisa quem guiava Chaeyoung a puxando levemente pelo braço.
Era quase impossível encontrar Jennie e Jisoo naquele escuro e no meio de
tantas pessoas, então encontraram um lugarzinho mais vazio e assim
começaram a dançar de mãos dadas.

É claro que elas riam do jeito bêbado de Lisa e nas pisadas de Chaeyoung na
Lisa, e isso as divertia.

Era tão fácil estar uma com a outra que o resto se tornava um mero detalhe.

Esta noche tomaré tu corazón


Busco sacarlo de la obscura prisión
Luego de bailar contigo yo te haré sentir
Tanto amo que olvidaras la pena y yo
Ten cuidado digo que te quiero, que me muero Por tenerte a mi lado
bailando este reggaeton

Elas mal tinham começado a dançar e a música foi remixada para outra.
Algumas pessoas reclamaram, inclusive Lisa que tinha encontrado seu ritmo.

Quando a próxima música começou, Chaeyoung deu um passo para trás com
a boca aberta desejando correr dali, ela conhecia aquela música e por dentro
estava jurando suas amigas de morte.

Lisa, que não estava entendendo nada sobre a reação da Chaeyoung, a puxou
pelas mãos para que se aproximassem mais como os casais que se formavam
na pista de dança sem noção do que estava realmente fazendo, ela só sabia
que queria isso.

Dime si es verdad
Diga-me se isso é verdade
Me dijeron que te estas casando
Me disseram que esta se casando

Tú no sabes como estoy sufriendo


Você não sabe como eu estou sofrendo

Esto te lo tengo que decir


Isto que eu tenho a te dizer

Chaeyoung olhou para a cabine do DJ e viu Sana e Momo acenando para ela
de lá de cima. Ela só poderia ter jogado pedra na cruz para estar nessa
situação. Vencida e cansada de seguir regras, Chaeyoung passou o braço
direito com firmeza pela cintura de Lisa e colou seus corpos deixando os
olhares presos enquanto sua mão esquerda se entrelaçava com a direita da
Lisa.

Cuéntame
Me diz

Tu despedida para mi fue dura


Sua despedida para mim foi difícil

Será que él te llevo a la luna


Será que ele te levou a Lua

Y yo no supe hacerlo así


E eu não soube fazer isso
Sem dizer mais nada, Chaeyoung começou a conduzir a dança em uma dança
quase sensual. Seus corpos criando um atrito gostoso que estava mexendo
com a sanidade de Lisa.

Lalisa girou a Chaeyoung e a trouxe de volta com possessividade, os olhos


Castanhos gritavam dominância sobre os escuros.

Te estaba buscando
Eu estava te procurando

Por las calles gritando


Nas ruas gritando

Esto me está matando oh no


Isso está me matando, oh não

Te estaba buscando
Eu estava te procurando

Por las calles gritando


No ruas gritando

Como un loco tomando oh


Como um louco me tornando, oh

Sem pensar muito, Lisa virou Chaeyoung contra seu corpo e a abraçou por
trás, suspirando quando as mãos de Chaeyoung fizeram o caminho de seus
braços até as mãos as entrelaçando em sua barriga. Lisa gostava disso, sentia
falta de estar no poder, sentia falta principalmente de estar no poder com
Chaeyoung.
Talvez fosse de propósito que a Chaeyoung rebolava a bunda contra seu
ventre causando os vários tipos de sensações que o desejo proibido pode
causar.

Es que yo sin ti
Sou eu sem você

Y tú sin mí
E você sem mim

Dime quién puede ser feliz


Diga-me quem pode ser feliz

Eso no me gusta
Eu não gosto

Eso no me gusta
Eu não gosto

Chaeyoung girou outra vez e abraçou o ombro da Lisa, corando logo em


seguida pela forma que estava sendo observada.

- Pare com isso. – sorriu tímida e abaixou os olhos.

- Com o que? – Lisa também sorriu procurando o olhar de Chaeyoung.

Seus rostos estavam praticamente colados, as respirações entrelaçadas e os


sorrisos tímidos marcando a inocência do amor de ambas.
- Está me encarando. – Chaeyoung procurava de todas as formas não olhar
nos olhos castanhos, mas quando Lisa encostou suas testas, o sorriso ainda
presente no rosto e o abraço gostoso em sua cintura, foi impossível se conter.

- Você é muito bonita. – observou Lisa não deixando que seus olhos
perdessem o contato.

Y aunque tu padre no aprobó esta relación


E embora seu pai não aprove esta relação

Yo sigo insistiendo a pedir perdón


Eu continuo insistindo em pedir desculpas

Lo único que importa está en tu corazón


Tudo o que importa é o seu coração

Ao chegar nessa parte da música a cabeça de Lisa fez um click e ela teve uma
pequena noção da realidade. Por poucos segundos, pois logo estava puxando
Chaeyoung para fora da boate.

- Onde estamos indo? – Chaeyoung questionou confusa quando chegaram à


rua escura e silenciosa.

Já era madrugada e o som da música alta podia ser ouvido lá de fora.

- Eu quero ir à praia, você vem? – Lisa pediu com a voz um tanto enrolada.

É claro que Chaeyoung não deixaria Lisa caminhar sozinha uma hora dessas
com as roupas que estava usando, e agradeceu mentalmente pelo clima não
estar tão frio.
- Venha, vamos atravessar. – Chaeyoung deu um empurrãozinho em Lisa
para que a Lisa atravessasse a rua.

Automaticamente elas deram-se as mãos, seja por segurança, por um hábito


esquecido, foi apenas um gesto natural e inocente que as fez caminhar de
mãos dadas por todo o trajeto.

- Eu estou muito cansada e a música alta estava me dando dor de cabeça. –


Lisa iniciou o assunto quebrando o silêncio enquanto caminhavam. – Faz um
bom tempo desde que fiquei bêbada pela última vez.

- Você odeia ficar bêbada, Lisa. – Chaeyoung disse naturalmente. – Só faz


quando precisa fugir de algo.

Lisa ficou em silêncio absorvendo as informações.

- Eu não tenho tido muito tempo... Você sabe, mesmo estando de férias ainda
preciso ocupar minha cabeça com o trabalho, e tem o Ethan.

- E Luhan. – completou Chaeyoung.

- E Luhan. – a Lisa repetiu, suspirando alto em seguida. – Minha vida gira em


torno de trabalho, Ethan, Luhan, trabalho... Ethan. – desviou os olhos para
Chaeyoung ao seu lado. – Você.

Chaeyoung prendeu a respiração e nada respondeu sobre o assunto. Lisa


estava bêbada e não sabia que estava dizendo, ela não precisava se machucar
agora entrando em tal assunto para amanhã ser algo de que apenas ela se
lembraria.
- Sabe, mesmo que não acredite em mim eu passei anos acompanhando seus
passos. – refletiu. As pequenas ondas cortavam o vento e formavam um som
gostoso de ser apreciado. Agora elas caminhavam lado a lado, mas sem dar as
mãos. – Lembra quando você derrubou as partituras no show de São
Francisco?

Chaeyoung abriu a boca em choque, seu coração mal podia se conter com a
ideia de ter tido Lisa tão próxima a si.

- Você esteve lá?

- Não, eu não estive. – Lisa admitiu. – Mas, Momo esteve e eu acompanhei


tudo pelo Skype. – ela riu ao lembrar-se. – Era assim em quase todas as
apresentações. – chegaram a um conjunto de pedras de frente ao mar e Lalisa
subiu em uma delas com a ajuda de Chaeyoung. Elas sentaram lado a lado
recebendo a brisa da noite e observando a quebra das ondas. – Eu ainda me
lembro de quando você chorou naquele programa de TV quando perguntaram
sobre seu pai, foi uma das coisas mais bonitas que você disse sobre ele,
Chaeng.

Quebrada. Era assim que Chaeyoung estava ao ouvir aquelas palavras, mas
Lisa estava tão concentrada em sua própria reflexão que não percebeu o efeito
que estava causando na Chaeyoung.

- Eu ainda tenho os recortes de jornais e manchetes sobre você. A crítica do


The New York Times foi a que alavancou sua carreira, ela é uma das minhas
preferidas. – ficou em silêncio apreciando o som das ondas por um tempo, e
quando desviou os olhos para Chaeyoung, os viu marejados. – Eu nunca
deixei de me importar, Chaeyoung. Eu nunca deixei você ir, pelo menos não
de verdade. – Chaeyoung assentiu, mas não desviou os olhos do mar. Franziu
o cenho procurando lembrar-se das palavras mesmo com a mente um tanto
bagunçada. – Se olho para essas lajes, vejo nelas gravadas as suas feições! Em
cada nuvem, em cada árvore, na escuridão da noite, refletida de dia em cada
objeto, por toda a parte eu vejo a tua imagem. Nos rostos mais vulgares dos
homens e mulheres, até as minhas feições me enganam com a semelhança. O
mundo inteiro é uma terrível testemunha de que um dia ela realmente existiu,
e eu a perdi para sempre.

Chaeyoung olhou intrigada para Lisa, uma lágrima solitária escorrendo em


seu rosto.

- O morro dos ventos uivantes.

- Sim. Eu me apeguei a coisas que lembrasse você quando parti. Passei dias
me torturando com a leitura e por fim encontrei essa frase que trago comigo
desde então. – o álcool estava lhe dando tanta coragem que mal podia tirar os
olhos de Chaeyoung. A luz do luar refletindo no rosto de Chaeyoung criava a
imagem perfeita de uma ilusão. - Olhar pra você me faz reviver os dias mais
felizes da minha vida.

Era isso. Lisa tinha ultrapassado todos os limites estabelecidos. Talvez elas
tivessem essa conversa outra hora, quando a Lisa pudesse dizer coisas
coerentes para o momento e que se lembrasse no outro dia. Quando
Chaeyoung poderia se abrir sem medo de ser esquecida.

***

Encontrar Momo, Sana, Jennie ou Jisoo foi impossível. Concidentemente


todos os celulares estavam desligados e Chaeyoung não apareceria no
apartamento de Luhan com a noiva do advogado bêbada correndo o risco de
dizer algo que as comprometesse.

Resultado? Chaeyoung levou Lisa para o rancho rezando o pai nosso para que
Hannah não estivesse por lá. E para sua sorte não estava. Foi quase
impossível tirar a Lisa sonolenta do banco do passageiro e para isso
Chaeyoung precisou de muita paciência extra.

- Eu consigo subir sozinha, Chaeng. – reclamou quando a Chaeyoung tentou


ajudá-la a subir as escadas, mas acabou errando um degrau.

- É, estou vendo mesmo. – Chaeyoung riu. – Vamos supermulher, vamos tirar


essa roupa e deitar.

Sing me to sleep
Sing me to sleep
I'm tired and I
I want to go to bed
Sing me to sleep
Sing me to sleep

Quando Chaeyoung fez menção de abrir a porta do quarto de hospedes, Lisa


fez uma careta e saiu caminhando em direção à suíte.

- O que pensa que está fazendo? – Chaeyoung riu quando viu Lisa se jogar na
cama de casal. – Nós não vamos dormir na mesma cama, Lisa. – Lisa não fez
menção de se mexer, então a Chaeyoung se deu por vencida. – Ugh, ok. Eu
durmo no quarto de hóspedes.
- Chaeeeng. – Lisa resmungou virando o corpo e ficando de barriga para cima.
– Deita aqui comigo, nós não vamos fazer nada, eu juro!

And then leave me alone


Don't try to wake me in the morning
Cause I will be gone
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I will feel so glad to go

Chaeyoung cruzou os braços em frente à cama e cerrou os olhos para a Lisa


birrenta e esta aproveitou o momento para fazer um bico engraçado que
acabou fazendo a Chaeyoung rir.

- Ok, mas só porque você pode cair da cama se dormir sozinha. – brincou e foi
agarrada pelas mãos de Lisa que a puxaram com força para a cama. – Lisa! Eu
vou tomar banho ainda, me solte.

Como um gatinho manhoso, Lisa aconchegou seu corpo ao de Chaeyoung e


puxou a coberta por cima delas.

- Não vai não, eu não posso ficar sozinha, lembra? – disse com a voz abafada
pelo pescoço da Chaeyoung. – Agora vamos dormir.

Sing me to sleep
Sing me to sleep
I don't want to wake up
On my own anymore
Sing to me Sing to me
- Lalisa! – Chaeyoung chamou, mas estava presa pelos braços firmes. Aquela
não era a posição que ela pretendia dormir com Lisa, seu coração mal parava
quieto com a respiração quente batendo em seu pescoço. – Vamos estabelecer
alguns limites aqui.

- Não.

- Lisa.

- Não.

- Você é muito chata, sabia?

- Sabia.

I don't want to wake up


On my own anymore
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I really want to go

Ficaram em silêncio. Chaeyoung olhando para o teto e com o corpo tenso e


Lisa com a cabeça enfiada no pescoço da Chaeyoung.

A porta da sacada estava aberta e a lua iluminava boa parte do quarto, o vento
esvoaçava a cortina branca e as batidas dos corações dançavam juntas.

- Chaeng. – Lisa chamou depois de um tempo.


- Hm?

- Eu gosto da parede vermelha.

- Vamos dormir, Lisa.

- Mas, eu gosto do vermelho.

Chaeyoung engoliu em seco e deu um beijo demorado no topo da cabeça de


Lisa, começando a fazer carinho em seus cabelos.

- Eu também, Lisa. Eu também.

Silêncio.

- Chaeng?

- O quê, Lalisa? – Chaeyoung perguntou paciente.

- Você ainda vai me amar amanhã de manhã?

There is another world


There is a better world
Well, there must be
Well, there must be
Bye bye

Chaeyoung congelou com os dizeres. A mesma frase que costumavam usar


quando se falavam por telefone ou Skype.
- Até depois.

________

Primeira música: Money Money - RBD Música que elas dançam: El Perdón -
Enrique Inglesias
Última música: Asleep - The Smiths

_________

39

Abrir os olhos e receber a claridade pela janela foi como ser atingida direto na
cabeça por adagas.

Ela já havia se esquecido da sensação ao acordar de manhã após uma noite


com o álcool dominando seu sangue, o peso em sua cabeça, a falta de reflexo e
a dor no corpo.

O quarto não estava tão claro, as cortinas estavam fechadas bloqueando parte
da luz, mas ainda sim a sensação de ter sido atropelada por um caminhão
estava presente.

Lalisa piscou algumas vezes até se dar conta de que estava deitada de barriga
para cima, pernas e braços abertos na cama de casal como a pessoa mais
espaçosa do mundo.
Notou também que, não sabia se felizmente ou infelizmente, estava no quarto
de Chaeyoung devido á parede vermelha expondo todos os sonhos
compartilhados e interrompidos do passado.

Naquele momento não havia espaço para arrependimentos em sua cabeça.


Lisa sentou desejando não tê-lo feito ao sentir uma pontada forte na cabeça.

Maldita bebida. Maldita Sana. Maldita balada.

Coçou os olhos com as costas das mãos e observou tudo ao seu redor; o quarto
estava impecavelmente arrumado, tudo estava em seu devido lugar, exceto
Chaeyoung. Ela não estava na cama e muito menos parada de frente para a
cama exigindo explicações sobre a noite passada como Lisa imaginou que
seria, pelo contrário, pois para a surpresa da Lisa, havia uma mesinha
desmontável ao lado de um sofá com uma bandeja cheia de waffles e um copo
descartável de café para a viagem.

Ao que tudo indica, Chaeyoung tinha deixado a cama cedo para buscar seu
café da manhã. Novamente a ânsia de vômito a atingiu em cheio e por pouco
não precisou correr até o banheiro.
No cantinho do prato havia um cartãozinho que dizia:

Continuam sendo seus preferidos? (:

E como se não fosse o suficiente, em cima do criado mudo estavam algumas


roupas dobradas e uma cartela de analgésico com outro bilhete que dizia:

Liguei para Luhan e avisei que você estava em minha casa. Ele pediu que
você se tranquilizasse quanto a Ethan e que voltasse quando estivesse se
sentindo bem. Aqui estão algumas roupas que podem servir em você, tome
um banho, e descanse. Vou até a cidade buscar nosso café da manhã. Xx PS:
Deixei uma escova de dente na pia do banheiro, ela está fechada e pronta
para ser sua.

Pontos para Chaeyoung. Aos resmungos, Lisa conseguiu sair da cama e


caminhou até o banheiro para um longo banho quente, deixando que a água
levasse embora todas as impurezas acumuladas em seu corpo desde a noite
passada.

As roupas de Chaeyoung serviram apesar da Chaeyoung; uma camisa branca


de manga curta e uma calça preta apertada.

Lisa calçou os tênis e penteou os cabelos molhados deixando-se relaxar com o


vapor quente do banheiro.

Era apenas Chaeyoung, uma das pessoas mais doces que já conheceu, a garota
do piano, do livro velho intitulado Morro dos ventos uivantes, a garota que
tinha o sorriso mais belo entre os anjos. Essa mesma garota que se tornou
uma mulher segura e um pouco fria. A mulher que, mais uma vez, estava
tomando o coração de Lisa para si.

Após o banho tomado, estômago cheio e o remédio começando a fazer efeito,


Lisa decidiu que era hora de procurar por Chaeyoung e pedir uma carona para
casa.

A casa estava totalmente silenciosa em todos os cômodos, e ainda sim,


totalmente confortável.

Reparando agora, Lisa teve certeza de que aquela casa era a descrição de
Chaeyoung. Cada simples detalhe estava milimetricamente em seu lugar, os
móveis não gritavam por luxo ainda que fossem caros e o conforto fazia Lisa
desejar morar naquela casa como desejou um dia.

Quando abriu a porta da frente, a Lisa foi recebida por uma maravilhosa
manhã de domingo com direito ao canto dos pássaros e o delicioso cheiro de
natureza.

O Honda Accord estava estacionado em baixo de uma árvore torta. Lisa


caminhou pelo gramado fofo até o estábulo e não se surpreendeu ao
encontrar Chaeyoung preparando a cela no mesmo cavalo de pelagem negra
do outro dia, assim como as roupas.

Lalisa não deixou de notar o quão sexy era Chaeyoung naquelas roupas
cuidando de seu cavalo, não lembrava nem de longe a tímida Park Chaeyoung
que fazia música com o coração.

Quando a Chaeyoung notou a presença de Lisa, não deixou de abrir um lindo


sorriso espontâneo simplesmente por saber que a Lisa não tinha fugido como
imaginava, ainda que a insegurança a dominasse devido à noite passada.

- Hey, você acordou. – virou-se completamente para uma Lisa tímida.

O quão bonita ela poderia ser de manhã com o rosto corado? Chaeyoung
sentia falta de vê-la acordar e receber a imensidão que eram os olhos dela.

- É, eu acho que sim. – Lisa riu de sua própria situação. As olheiras ainda
deviam estar lá e era preciso apertar os olhos devido ao sol. – Obrigada pelas
roupas, - olhou para si mesma mostrando que tinham servido. – pelo café da
manhã e pelo remédio. Você acertou em tudo.
Chaeyoung corou ainda mais e abaixou a cabeça contendo um sorriso tímido,
uma das coisas mais lindas que Lisa já vira.

- Eu conheço você, Lisa. – a encarou passando a veracidade das palavras, Lisa


assentiu. – Está melhor? Se lembra de alguma coisa?

- Bem melhor, obrigada mais uma vez. – disse analisando o cavalo que
parecia muito mais interessante. – O que exatamente eu deveria me lembrar?

Chaeyoung torceu os lábios decepcionada por Lisa não se lembrar. Não que
fosse uma surpresa, ela estava bêbada o suficiente para esquecer por
completo a noite passada, mas a esperança nunca a deixou, não depois da
enxurrada de sentimentos a que foi submetida com a confissão da Lisa.

- Nada. Nada realmente. – balançou a cabeça espantando tais pensamentos.


Lisa franziu o cenho confusa com a atitude de Chaeyoung. – Será que você
gostaria de cavalgar comigo? Preciso buscar os cavalos no campo e ter uma
companhia seria ótimo

A ideia de andar a cavalo depois de tanto tempo animou Lisa. Ela amava
cavalga no haras de LA com seus irmãos quando mais nova e a ideia não era
nada mal agora se não fosse por seu filho a esperando em casa. Ela tinha
responsabilidades agora.

- Eu adoraria, Chaeyoung. Mas, eu preciso ir para casa, Ethan deve ter chego e
vai ficar manhoso com Luhan se eu não estiver...

- Lisa, é domingo de manhã. Ethan ainda está na casa de Daniela dormindo


com Adam. – a Chaeyoung a tranquilizou. – Eu prometo que a levo para casa
assim que retornarmos, mas eu realmente preciso buscar os cavalos. - Lisa
pendeu a cabeça considerando os prós e contras, mas não tardou a aceitar
com um sorriso. – Ótimo, você pode ir comigo no Léo e voltar em outro, ok?

Lisa concordou e assistiu Chaeyoung entrar apressada no estábulo em busca


de outra cela, que prendeu na bolsa que levava pendurada na cela de Léo. Em
suas mãos um chapéu preto que Chaeyoung fez questão de por na cabeça de
Lisa com cuidado, sorrindo logo em seguida por não ver reprovação nos olhos
da advogada.

- Pronto. – disse quando num impulso subiu no cavalo. - Por que você tem
que ir na frente? – Lisa contestou cruzando os braços acima dos seios
enquanto assistia Chaeyoung dar voltinhas com Léo. – Eu costumava ir na
frente quando andávamos a cavalo, e pelo que eu me lembre, você tinha medo
como uma criancinha.

Chaeyoung cerrou os olhos em brincadeira e estendeu a mão para ajudar Lisa


a subir.

- Talvez porque os cavalos sejam meus, assim como o rancho. – riu, mas seu
sorriso morreu quando precisou engolir em seco ao sentir os braços de Lisa
rodearem sua cintura. – Você continua a mesma reclamona de sempre, sabia?
– brincando olhando por trás do ombro e recebeu um cutucão na costela.

- Vamos logo com isso antes que eu decida pegar as rédeas de você, Park.

- Está me desafiando para uma corrida, Lalisa? – Chaeyoung foi irônica


quando Léo começou a cavalgar devagar até a estrada que ligava o rancho ao
campo.
- Não sei se você é realmente boa nisso. – brincou a Lisa encostando a testa
nas costas de Chaeyoung. – Será que eu vou descobrir?

- Você não deveria ter dito isso, Lalisa Manoban!

Elas riram.

(Play na música Say you love me: Jessie Ware)

- E Chaeyoung? – Lisa a chamou quando a Chaeyoung segurou as rédeas com


mais firmeza. Chaeyoung fez um som nasal e esperou pela resposta. – Eu me
lembro.

Say you love me to my face


I need it more than your embrace
Just say you want me, that's all it takes
Heart's getting thorn from your mistakes

Foi o que bastou para o coração de Chaeyoung disparar a mil, assim como Léo
quando ganharam a estrada plana.

Lisa se lembrava da noite passada e ainda estava ali com ela, abraçada ao seu
corpo como num encaixe perfeito. Lisa se lembrava e não tinha fugido. Ela
tinha ficado.

"Querida Lisa, em primeiro lugar devo lhe pedir perdão pelo tempo que
passei sem escrever, meu quadro de saúde tem piorado e eu precisei voltar
para o hospital.
Não acho que tenho muito tempo, aos poucos posso sentir o enfraquecer do
meu coração cansado. Em sua última carta você me contou que decidiu dar
uma chance ao garoto Luhan e eu não me oponho a isso. Algumas vezes é
necessário seguir em frente para que possamos encontrar nosso caminho. É
preciso saber como é viver sem o amor de sua vida."

'Cause I don't wanna fall in love


If you don't wanna try
But all that I've been thinking of
Is maybe that you're mine
Baby it looks as though we're running out of words to say
And love's floating away

Léo cavalgava rapidamente pelo campo aberto agora, as árvores distantes


cercavam o rancho de Chaeyoung e um grupo de pássaros voava na mesma
direção.

O vento esvoaçava os cabelos das mulheres e Lisa não podia deixar de rir por
ser uma boba apaixonada. Por estar se sentindo tão livre em cima de um
cavalo negro e com os braços envoltos de seu amor. Era como estar tão perto e
ao mesmo tempo tão longe.

"Muitas vezes na vida precisamos sacrificar coisas das quais não nos
imaginamos viver sem exatamente pelo mesmo motivo. É como diz aquela
frase, se você tem um pássaro, deixe-o voar, se é para ser teu ele voltará. Eu,
como um homem que presenciou muitas coisas nessa vida, acredito
cegamente que o destino tem essa coisa de brincar com a gente. Ele nos leva
a loucura em poucos instantes somente pelo fato de estar nos braços da
pessoa amada."
Se elas quisessem, poderia fugir naquele instante. Poderiam desaparecer no
mundo e viver aquele amor proibido como duas amantes indomáveis.

Elas estavam ali, correndo contra o tempo em direção ao horizonte como se


fugissem da ampulheta que insistia em lhes dizer que o tempo estava
acabando.

Just say you love me, just for today


And don't give me time 'cause that's not the same
Want to feel burning flames when you say my name

"Eu não sei se ainda estarei vivo quando sua resposta chegar, não sei quanto
tempo de vida mais eu tenho, então se há um pedido que eu possa fazer, é
que você viva. Viva cada momento como se fosse seu último suspiro, não
tenha medo do que os outros vão pensar ou de machucar outra pessoa. Viva
por você. Seja feliz. Se há algo para ser arriscado, arrisque! Se jogue de
cabeça. O máximo que pode acontecer é outra cicatriz, junto há outras
tantas que contam sua história."

Chaeyoung deixou que sua mão esquerda se entrelaçasse com a de Lisa em


seu estômago. Seu corpo todo se arrepiou ao sentir os lábios da Lisa se
arrastarem em sua nuca, não eram beijos, apenas um encostar dos lábios na
sua pele, como se esse ato pudesse conectá-las para sempre.

Want to feel passion flow into my bones


Like blood through my veins

"Eu sei que Chaeyoung ainda ama você. Ela sempre vai. Ela ama o que vocês
tiveram, você foi o primeiro amor dela, Lisa. Talvez não seja o último, mas
isso não a impede de amá-la. Eu sei que o tempo vai lhes mostrar o caminho,
e espero que quando isso acontecer, você não fuja dele. Uma vez Chaeyoung
me disse que o que vocês tiveram foi como a música mais linda que ela já
compôs. Talvez essa música ainda esteja lá, trancada em alguma gaveta
velha a espera de ser tocada novamente. Você ainda se lembra da melodia?
Com amor, Mark."

Elas passaram boa parte da manhã reunindo os cavalos com Léo e no fim Lisa
acabou escolhendo o de pelagem branca para dar contraste ao de Chaeyoung.

Elas apostaram corrida na volta e a Chaeyoung deixou que Lisa ganhasse


apenas pelo prazer de vê-la sorrir.

- Você é melhor do que eu imaginava. – zombou Lalisa rodeando Chaeyoung e


Léo com seu cavalo. – Já pensou em abrir um Haras?

Chaeyoung negou com a cabeça e desceu do cavalo.

- Eu sou musicista, Lisa. Cavalos são apenas um hobbie, uma paixão.

'Cause I don't wanna fall in love


If you don't wanna try
But all that I've been thinking of
Is maybe that you're mine
Baby it looks as though we're running out of words to say
And love's floating away

- Nah, você consegue ser boa em tudo o que faz. – comentou Lisa inocente,
mas recebeu um olhar agradecido de Chaeyoung quando entraram no rancho
em busca das roupas da noite passada de Lisa. – Você se arrepende de ter
deixado a música?
- Não realmente. – deu de ombros e entregou uma sacola branca para a Lisa.
– Quando tomei essa decisão, foi mais por mim do que qualquer outra coisa.
Minha mãe e minha irmã precisavam de mim por perto e as viagens não
permitiam isso. – entraram no carro e a Chaeyoung girou a chave na ignição.
– Eu realizei meu sonho, mas ao fazer isso não me senti completa. Eu me
tornei fria, como um robô que só serve para tal coisa. Eu não sou assim, você
sabe que eu não sou assim.

Lisa negou com a cabeça e repousou sua mão esquerda na perna de


Chaeyoung em sinal de conforto.

- É claro que você não é assim, Chaeng. Eu também conheço você. – disse e
foi o suficiente para tranquilizar a Chaeyoung.

Elas eram assim, bastava pequenos toques e palavras para acalmar os


corações.

Won't you stay?


Won't you stay?
Slowly slowly you run for me
But do you know me at all?
Some one told me love controls everything
But only if you know!!

- Eu tinha me esquecido de como você me faz bem. – riu Chaeyoung. – Eu


acho que tinha me esquecido de tudo. – sentiu os olhos marejados ao
lembrar-se de sua antiga vida. – Quando você recitou Morro dos ventos
uivantes ontem foi como se eu tivesse 18 anos outra vez, foi como se você
ainda fosse minha e eu fosse sua.
As palavras desapareceram de Lisa com a confissão que recebera. Ela não
estava preparada para tal coisa, não quando seu coração estava começando a
se abrir novamente para uma chance entre ela e a Chaeyoung.

As coisas precisavam ir devagar por mais que os dias para seu casamento se
aproximassem mais rápido do que gostaria.

Quando estavam apenas as duas, a Lisa tinha certeza de que não hesitaria em
passar o resto de seus dias ao lado de sua Chaeyoung. Mas, ao chegar em casa,
ao encontrar o pequeno Ethan que precisava ser cuidado e Luhan com seu
coração bondoso e todo seu amor por ela, Lisa sentia-se desarmada.

Sempre fora uma pessoa insegura por si, a culpa dessa insegurança era de
Marco Manoban. Agora sua insegurança se redobrava uma vez que sua
decisão machucaria Chaeyoung ou Luhan. Ela só não sabia qual valia a pena
sua escolha no momento.

'Cause I don't wanna fall in love (no, no, no, no)


If you don't wanna try
But all that I've been thinking of
Is maybe that you're mine (mine, mine)
'Cause I don't wanna fall in love
If you don't wanna try

- Chaeyoung, - cortou o silêncio que se instalou pelo resto do caminho ao


chegarem à porta do prédio em que Lisa morava. Chaeyoung a olhou com
certa tristeza e Lisa não hesitou em segurar suas mãos virando o corpo para
ela. – Eu ainda amo você, está me ouvindo? – viu os olhos cor da outra
crescerem e brilharem. – Eu quero, mais do que nunca, viver com você
naquele rancho, andar a cavalo todas as manhãs antes de ir para o trabalho,
correr com Ethan pelo campo e dançar na sacada como na nossa primeira vez.
Você se lembra daquele dia? Chaeyoung, eu pedi a Deus para que fosse bonita
para você naquele momento, eu queria que você gostasse do meu corpo e que
eu não fizesse nada de errado. – limpou uma lágrima que escorreu no rosto de
Chaeyoung e beijou sua testa. – Eu sei que não é justo o que estou fazendo
com você e principalmente com Luhan. Nós sabemos que é errado enganá-lo
dessa forma por mais que não tenhamos nos tocado, internamente nós
sabemos que o estou traindo por amar você e deixar que me conquiste outra
vez. A culpa é minha por deixar isso acontecer.

- Me desculpe, - Chaeyoung pediu balançando a cabeça sentindo-se culpada.


– Eu só queria ter você outra vez e não medi as consequências dos meus
atos... Eu só queria que você se lembrasse de mim, de como você costumava
se sentir quando estávamos juntas. De como éramos perfeitas...

- Chaeng... – Lisa encostou suas testas e as próximas palavras saíram


sussurradas. – Você não precisa me conquistar, entende? Você fez isso há 6
anos. Nós ainda somos perfeitas juntas, eu percebi isso quando nos tratamos
como se não tivéssemos construído outras vidas no tempo em que ficamos
separadas. – fechou os olhos sentindo as lágrimas banharem seu rosto, era
como se tivesse libertando as palavras que tanto a sufocavam. – Eu te amo, eu
sou louca por você. Só me dê um tempo, ok? Eu sei que já a fiz esperar
demais, mas me dê um tempo para ajeitar minha vida, eu preciso ter certeza
do que estou fazendo no momento em que tomar minha decisão.

But all that I've been thinking of


Is maybe that you're mine
Baby it looks as though we're running out of words to say
And love's floating away
Won't you stay?
Won't you stay?

Chaeyoung assentiu puxando Lisa para um abraço apertado, cheio de


saudade, dor e um pedido mudo e desesperado para ser escolhida.

- Você quer jantar comigo e com Ethan na quarta? – Lisa perguntou e


Chaeyoung rapidamente concordou. – Vamos ao The Village, o que acha?

O The Village. O lugar que costumava ser delas. Chaeyoung mal podia soltar
seus braços do pescoço de Lisa, ela amava estar ali e sentir seu cheiro
maravilhoso.

- Eu acho perfeito. – respondeu com a voz abafada, recebendo uma risada em


troca. – Até quarta, Lali

- Até, Chaeng.

***

Ao entrar no apartamento, Lisa foi surpreendida pela música I want to break


free do Queen no volume máximo.

Estanhando a música alta e não ter policia em seu apartamento, Lalisa


arregalou os olhos ao ver Sana, Momo e Ethan de frente para o videogame
dançando no espaço improvisado da sala.

Ethan dançava desengonçado e gargalhava gostosamente dos movimentos


difíceis, já Sana estava empenhada em fazer os movimentos certos e empurrar
Ethan algumas vezes o provocando. Momo era a mais estranha, não que fosse
uma novidade, ela fazia movimentos com as mãos, mas não tinha gingado
com a cintura e as voltas que dava com o corpo eram sempre interrompidos
por um tropeço.

Luhan apareceu pela porta da cozinha usando uma camisa social aberta,
bermuda e os chinelos, ele se divertia com as mulheres na sala e não abriu um
sorriso largo ao ver Lisa.

- Que bom que chegou, meu amor. – ele disse aproximando-se da Lisa e a
puxando para um beijo terno.

Lisa sentiu como se fosse um beijo áspero, rapidamente seu coração bateu
forte, odiando não poder sentir nada. Era como se estivesse cada dia mais
afastada do rapaz.

– Momo vai embora esta noite e queria se despedir de você, eu disse que ela
podia ficar a vontade, mas... Não pensei que fosse tanto.

Eles riram e Lisa deixou-se ser abraçada pelo advogado. Não era o mesmo que
abraçar Chaeyoung nem de longe, os braços fortes e seguros de Luhan não
eram a morada certa para Lalisa, não quando ela conheceu o calor do abraço
quente e acolhedor de Chaeyoung. Era isso, ela amava o corpo sensível e
pequeno de sua amada, não o forte e firme de Luhan.

- Eu conversei com a equipe do Buffet hoje, eles querem confirmar o Sushi


que você pediu. – ele fez uma careta e conduziu a noiva até a mesa da sala de
jantar. – Tem certeza que vamos por comida japonesa, amor? Você vai ser a
única a comer isso. – ele riu e recebeu um tapa no ombro.
- Não seja idiota, Luhan. – forçou um sorriso. Ela não sabia mais o que fazer,
estava desesperada com a situação. – Eu acho melhor conversarmos sobre
isso depois, preciso tirar meu filho de perto daquelas loucas. – deu um beijo
nos cabelos do rapaz e correu até a sala o deixando confuso para trás.

Algo estava errado com Lisa e não era de hoje. No começo Luhan pensou que
poderia ser a questão mudança e o reencontro com suas antigas amigas, ele
até tentou reaproximá-las, prova disso é ter permitido que ela passasse a noite
na casa de Chaeyoung.

Mas, analisando melhor, algo estava errado em seu casamento. Ela estava
cada dia mais distante, não permitia que ele a tocasse e os beijos eram
mínimos. Não havia mais fogo. Não havia mais emoção. Os momentos a sós
eram raros agora, Lisa sempre arrumava um jeito de inserir Sana ou Ethan
nesses momentos.

- Mommy! Mommy! Mommy! – Ethan gritou quando viu Lisa e correu em


disparada até o colo da mãe. – A tia Daniela me trouxe para casa e você não
estava. A tia Sana disse que você estava com a tia Chaeyoung, e você não me
levou.

Ele cruzou os braços fazendo um bico e recebeu um beijo demorado no rosto


de Lisa. Ela amava sentir o cheiro do pequeno garoto, amava senti-lo em seus
braços e amava mais ainda quando ele era carinhoso, o que era na maior parte
do tempo. Sana dizia para Momo que nunca viu uma criança com tantas tias
como aquela.

- A mamãe foi em uma festa do pijama das meninas, meu bebê. Você queria
ir?
Ethan colocou a língua para fora e riu.

- Ew, não mamãe. Eu sou menino e meninos não vão em festas do pijama. A
tia Chaeyoung falo de mim?

- Falou. – Lisa o corrigiu. – E sim, ela falou de você, amor. Ela disse que sente
sua falta e que um dia vai te levar para andar a cavalos.

O garoto bateu palmas e se contorceu nos braços da mãe até ser posto no
chão.

- Você viu, tio Luhan? Eu vou andar de cavalo! – e pulou agora nos braços de
Luhan.

- Eu vi sim, campeão. – o advogado sentou Ethan em seu ombro. – Você sabe


andar a cavalo? Eu vou ensinar você um dia. O que acha de jogar videogame
agora?

E os dois saíram correndo para o quarto do menino onde tinha um


Playstation. Lisa não gostava da ideia de Ethan ter videogame tão cedo, mas
foi impossível conter seu noivo quando ele apareceu com o embrulho no
aniversário do garoto.

- Eu juro que seu noivo me lembra o Percy Jackson, não sei por quê. – Momo
comentou jogada no sofá.

- Você precisa ver quando os dois estão nos amassos na sala, Lisa parece o
homem da relação. – Sana contou e ganhou uma gargalhada maldosa de
Momo.
Lalisa revirou os olhos e jogou uma almofada em cada uma. As duas mulheres
se calaram e começaram a encarar Lisa a espera de algo épico.

- E então? – Momo perguntou impaciente.

- Então o que? – Lalisa arqueou as sobrancelhas.

Sana rolou os olhos e sentou no braço do sofá.

- Você passa a noite na casa da Park e acha que não tem nada para contar?

Lisa sentiu vontade de jogar as duas pela janela ao se lembrar que foram elas
que planejaram a noite passada.

- Não tem nada para contar, apenas não se metam na minha vida. – se
afundou no sofá e começou a procurar algum canal de bom na TV.

- Sério? Você está usando as roupas dela, com os olhos brilhantes e acha
mesmo que não vamos acreditar nessa de não tem nada para contar? – Momo
pressionou e recebeu concordância de Sana.

- Não aconteceu nada! – Lisa quase gritou e arrependeu-se logo em seguida. –


Não aconteceu nada, só não se intrometam mais na minha vida, por favor. Eu
sei que as intenções de vocês são boas, mas isso é entre Chaeyoung e eu.

Momo ficou olhando Lisa sem expressão alguma por um bom tempo, até por
fim dizer:

- Só não espere o dia do seu casamento para tomar a decisão.


***

Chaeyoung sabia que mais cedo ou mais tarde encontraria Hannah naquele
dia. A loira nunca deixava de visitá-la nos finais de semana e foi quase como
que um milagre não ter chego enquanto Lisa ainda estava por lá.

Ao entrar na casa pôde sentir o cheiro de café preencher suas narinas,


suspirou e fechou a porta anunciando sua chegada. Não demorou muito até
que Hannah aparecesse com um vestidinho amarelo, cabelos presos em um
rabo de cavalo mal feito e um pano de prato nas mãos.

Chaeyoung odiava essa invasão de privacidade, odiava chegar em casa e


sempre encontra-la por lá, mexendo em sua cozinha, dormindo em seu
quarto, agindo como se fossem casadas.

- Cheguei em casa e você não estava. – ela disse e se recostou ao batente da


porta. – Onde estava?

- Saí para dar uma volta. – mentiu, Hannah não precisava saber de seus
passos. – O que está fazendo aqui?

A loira franziu o cenho como se não entendesse sua pergunta.

- Vim passar meu tempo com você, oras. Senti sua falta. – quando puxou a
Chaeyoung pela camisa, foi barrada pelas mãos de Chaeyoung que seguraram
seus pulsos. – O que houve?

- Não vamos mais fazer isso, ok? – disse o mais calma possível.
Não sentia nada por Hannah além de desejo, o sexo entre elas era ótimo e
pronto. A relação que elas tinham, se é que pode ser chamada de relação, era
boa até Lisa reaparecer em sua vida. Até Chaeyoung acordar para a realidade
e se dar conta de que desejava ter alguém com quem se preocupar, alguém
para dormir todos os dias e acordar, e ainda mais, desejava ter um pequeno
correndo por aquela casa grande, porém vazia.

– Você é uma ótima pessoa, mas não pode depender de alguém que não quer
nada sério. – o sorriso de Hannah morreu e Chaeyoung soltou seus braços. –
Eu acho que estou amadurecendo, preciso de uma vida estável e infelizmente
você não faz parte dos meus planos.

- O que está dizendo? Está terminando comigo?

- Não há nada para ser terminado, Hannah. – disse tristemente e acariciou o


ombro da loira, mas ela se esquivou.

- É ela, não é? – disse com a voz áspera. – A mulher que quebrou o seu
coração? É por ela que você está fazendo isso? Ela voltou e agora a quer de
volta.

- Como você sabe sobre isso?

- Eu vi uma caixa com fotos antigas em cima da sua cama há alguns dias. –
disse e viu o olhar de Chaeyoung ficar sério. – Está deixando alguém que quer
cuidar de você por alguém que mal se importou em te deixar.

(Play na música Losing my religion - R.E.M.)


Chaeyoung trancou a mandíbula e apertou as mãos em punhos. Não queria
perder o controle com Hannah e estragar tudo, mas não admitia que
entrassem em sua privacidade exigindo algum direito.

Oh, life is bigger


It's bigger than you
And you are not me
The lengths that I will go to
The distance in your eyes
Oh, no, I've said too much
I set it up

- Vá embora, Hannah. – pediu, controlando a voz. – Apenas vá embora e


encontre alguém que a merece. – Hannah não se mexeu, continuou
encarando-a como se não estivesse falando sério. – Vá. Embora. – disse
pausadamente e abriu caminho com o corpo.

"Uma hora você tem que tomar uma decisão. As fronteiras não mantêm as
pessoas para fora; elas te prendem dentro de si"

Sana estava ocupada limpando o balcão do bar, seus funcionários tinham


feito um ótimo trabalho em deixar tudo bagunçado após uma noite de balada.
Viu quando uma pessoa sentou no banco e apoiou os braços no balcão.

That's me in the corner


That's me in the spot light
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it
Oh, no, I've said too much
I haven't said enough

- Está fechado. – disse secamente e levantou os olhos encontrando um mar de


azul. Seu corpo paralisou.

- Tenho observado você a noite toda e notei que está sozinha. É a dona desse
lugar? – Sana assentiu e a loira riu. – Prazer, meu nome é Dahyun.

"A vida é confusa mesmo, é assim que fomos feitos. Então você pode
desperdiçar sua vida desenhando linhas ou então você pode viver cruzando-
as."

O celular nunca pareceu tão assustador como agora. Chaeyoung o encarava


sentada na mesa da cozinha, girava o aparelho na madeira maciça como se ele
pudesse escapar a qualquer momento. Como Lisa, ela tinha uma decisão
importante a tomar, e ela dependia de uma ligação.

I thought that
I heard you laughing
I thought that
I heard you sing
I think I thought
I saw you try

Com as mãos suando, discou os números que encontrou na internet e esperou


pacientemente enquanto sua perna saltava em baixo da mesa.

- Olá, boa tarde. Meu nome é Park Chaeyoung e eu gostaria de fazer um teste
para a orquestra sinfônica de New York.
"Mas há algumas que são perigosas demais para serem cruzadas."

Every whisper
Of every waking hour
I'm choosing my confessions
Trying to keep an eye on you
Like a hurt, lost and blinded fool (fool)
Oh, no, I've said too much
I set it up

Luhan entrou no escritório de Lisa procurando por sua pasta do novo caso
que pegara. Ele se lembrava de ter pedido a Lisa que guardasse em seu
escritório, mas a Lisa não estava em casa e ele precisava ligar para a cliente o
quanto antes.

Talvez não fosse errado dar uma olhada no escritório da Lisa, eles não
costumavam entrar no escritório um do outro respeitando a privacidade do
trabalho, mas o documento era realmente importante e Luhan sabia que Lisa
não se importaria.

Ao menos, era o que pensava.

Consider this
Consider this the hint of the century
Consider this
The slip that brought me
To my knees failed
What if all these fantasies
Come flailing around
Now I've said too much
Logo de cara notou vários papéis espalhados em cima da mesa, eram recortes
de jornais e fotos que ele nunca tinha visto antes.

Pensou que poderia ser algum caso que ela estava trabalhando, mas ao
analisar mais de perto uma delas, assustou-se ao reconhecer Chaeyoung.

Todos eram sobre a Chaeyoung. Recortes de jornais falando sobre as


apresentações da Chaeyoung, e Luhan mal sabia que ela fora musicista. Fotos
de Chaeyoung no palco, nos bastidores, algumas cartas com remetente para
um tal de Mark. O pior veio depois.

Quando o ar nos pulmões do advogado faltou ao ver uma foto de Lisa e


Chaeyoung, ambas abraçadas em uma cama. Eram adolescentes, mas ainda
assim... Estavam se beijando.

"E aí vai o que eu sei: se você estiver disposto a jogar a precaução pela
janela e se arriscar, a vista do outro lado é espetacular."

_________

40

Era o dia perfeito para se estar no Central Park no período da tarde quando
famílias passeavam por lá com crianças e animais; casais passeavam de mãos
dadas ou sentavam na grama verde apreciando a beleza do belo parque.

Também era o lugar de pessoas solitárias que caminhavam despreocupadas


com o mundo e presas em sua própria bolha esperando pelo dia em que
encontrarão alguém para amar, alguém para dividir os dias e o espaço em
suas vidas.

Para ser sincera, aquele era o lugar perfeito apenas para se estar. Respirar.
Refletir. Sonhar. Era assim para Chaeyoung e Lisa também.

A advogada estava sentada com as costas apoiada em uma árvore perto de um


lago com Chaeyoung entre suas pernas e o pequeno Ethan sentado no
estômago da Chaeyoung. Era um encontro casual, logo Lisa teria que seguir
para o tribunal, pois suas férias haviam chego ao fim, e decidiu encontrar-se
com Chaeyoung e deixar que a Chaeyoung levasse Ethan para sua casa.

- Eu não acho que você deveria ficar triste com isso - dizia Chaeyoung para o
pequeno garoto que tinha um bico enorme nos lábios e os bracinhos cruzados.
– Nós nem vimos o filme ainda pra saber o que realmente vai acontecer.

- O pai do Jake leu os quadrinhos, ele já disse que o homem de ferro vai ser do
mal. – Ethan interpôs com a voz tristonha.

Supostamente o colega de escola de Ethan tinha lhe contado que o Homem de


Ferro, super-herói preferido de Ethan, seria o vilão no próximo filme do
Capitão América.

Lisa ofereceu o saquinho de jujuba para Chaeyoung e Ethan que negaram e


então segurou a mão do filho por cima do ombro da Chaeyoung.

- Eu vou comprar os quadrinhos pra você quando voltar do trabalho, ok?


Assim vamos saber o que realmente acontece.
- E eu posso ler pra você! – Chaeyoung disse como se fosse uma ótima ideia. –
Posso ler sempre que nos vermos.

Ethan deu de ombros ainda desanimado e disse:

- Eu não gosto do Capitão América.

- Hey! – Chaeyoung se fez de ofendida levando a mão direita ao coração. – Ele


é o mais forte e justo entre os vingadores, querido.

- Ele usa pijamas e beija meninos.

As duas mulheres surpreenderam-se com o linguajar do garoto e arquearam


as sobrancelhas. Ethan por outro lado continuava com os braços cruzados
sem entender a reação de suas mães.

- Quem disse isso pra você, Ethan? – Lisa perguntou séria, mas já fazia uma
ideia de quem teria esse tipo de palavreado perto de seu filho.

- Eu ouvi a tia Momo dizendo pra tia Sana quando elas estavam lá em casa. –
ele deu de ombros. – É errado?

Ok, assunto perigoso. Chaeyoung entendeu o clima que a conversa com um


garoto de 4 anos estava tomando e decidiu intervir antes que Lisa ficasse
desconfortável demais para falar sobre um assunto que, querendo ou não,
teria que ser discuto em determinado momento se elas decidissem ficar
juntas.

- Não é errado ele beijar meninos, mas sabe o que realmente é errado?
- O que?

- Não fazer cócegas no Ethan!

O garoto não teve tempo para pensar e logo Chaeyoung projetou seu corpo
para o lado deitando-o cuidadosamente sobre a grama e o atacando com
cócegas no estômago. Ethan rapidamente desfez a carranca e começou a
gargalhar se debatendo e pedindo a ajuda de Lisa.

- Sua mãe não pode salvá-lo, garoto. Você está em minhas mãos agora...

- Maaamãaae... Mamãaae... Mãaaaaaae...

O coração de Lisa vibrou com a cena de sua amada e seu filho brincando como
uma família de verdade, não havia dúvidas de que ela os amava intensamente
e que seriam sim, muito feliz juntos. Sem conseguir conter o leão feroz em seu
peito, decidiu juntar-se à guerra de cócegas.

- Solte meu filho, Park Chaeyoung! – Lisa exclamou e abraçou a Chaeyoung


por trás tirando-a de cima do garoto.

As duas rolaram na grama por dominância, mal pareciam duas mulheres de


26 anos com emprego sério e família.

Ethan aproveitou o momento e levantou gargalhando da cena patética de suas


mães, mas Chaeyoung percebeu o ato e conseguiu ficar em pé com Lisa, e para
a surpresa da Lisa, foi agarrada pelo tronco e pendurada no ombro de
Chaeyoung.
- Chaeyoung! Me solte agora, Park! – se debatia e balançava as pernas como
uma criança mimada.

Ethan gritou quando viu o olhar feroz da Chaeyoung e saiu correndo com a
mulher logo atrás com Lisa no ombro.

– Eu vou cair, socorro! Chaeyounggg!

Lá estava a adolescência de volta ao corpo das mulheres que tanto tinham se


distanciado. É incrível a forma como o destino age, mais incrível ainda era o
laço que as unia desde o primeiro momento em que seus olhos se
encontraram no auditório de Juilliard.

Ali, naquele pequeno momento, suas almas foram cruzadas de forma


irreversível. A verdade é que o mundo não é o conto de fadas que acreditamos
ser, ele é cruel e muitas vezes vai pisar em você, mas a forma como encarar
isso somos nós que escolhemos.

Levantar ou continuar caído? Lutar ou render-se? Ficar ou ir embora?

Lisa queria muito ficar.

- Muito bem, crianças. – disse uma Lisa com a calça jeans e a camisa branca
cheia de folhas e capim. Eles estavam na calçada após uma manhã de muito
divertimento em família. Chaeyoung tinha Ethan sentado em seu ombro, o
garoto comia algodão doce, o assunto vingadores esquecido
momentaneamente e um boné dos Giants na cabeça. Agora eles prestavam
atenção como se Lisa fosse a mãe passando instruções para os filhos. – Nada
de doces, chicletes ou qualquer outra porcaria antes do jantar, entenderam?
- Entendido. – Chaeyoung e Ethan bateram continência, uma mania que os
dois haviam adquirido quando Lisa vinha com ordens.

- Ótimo. Ás sete Sana vai buscá-lo, então esteja pronto e de banho tomado. –
aproximou-se dos dois e pegou Ethan no colo enchendo-o de beijos.

- Ew, mommy! Eu não sou mais um bebê. – riu e deu um grande beijo melado
na bochecha da mãe.

Lisa o deixou no chão e o garoto correu equilibrando o algodão doce para o


banco de trás do carro que estava com a porta aberta.

Agora restavam apenas as duas mulheres se encarando, definitivamente ainda


havia certo receio entre elas quando estavam sozinhas, talvez o bloqueio de 6
anos demorasse um pouco mais para ser desfeito.

- Não o deixe dormir mesmo que esteja cansado ou à noite eu terei trabalho
com meu monstrinho. – Lisa advertiu e recebeu um sorriso tímido de
Chaeyoung em troca. – O que foi?

- Nada. É só que você costumava me chamar de monstrinho quando


namorávamos. – deu de ombros e as duas começaram a rir com a lembrança
do apelido.

- Ou Oompa Loompa...

- Eu odiava esse, Lisa. – Chaeyoung parou de rir na hora e apontou o dedo


para a Lisa que já estava vermelha de tanto rir. – Você sempre foi ridícula
com apelidos.
Os sorrisos se desfizeram aos poucos e a tensão se desfez restando o
confortável silêncio entre elas. Era bom. Sempre foi uma coisa boa esses
momentos em silêncio apreciando a companhia uma da outra, era quando
palavras se desfaziam em necessidade.

- Eu quero te mostrar uma coisa hoje à noite, será que posso passar lá quando
sair do trabalho? – foi uma surpresa a atitude de Lisa, ela parecia um pouco
mais confiante conforme os dias se passavam e Chaeyoung amava esse lado
da Lisa. – Pode ser ás nove?

Chaeyoung sorriu mordendo o lábio inferior e abaixou os olhos timidamente.

- Ás nove parece perfeito, Lali.

Lisa também sorriu e puxou Chaeyoung pela mão até estarem próximas o
suficiente para deixar um beijo carinhoso na testa da Chaeyoung.

O momento perfeito para sentirem um pouco mais da proximidade e do


entrelaçar das respirações. Lisa não poderia admitir em respeito a Luhan,
mas ter Chaeyoung tão perto e não poder tocá-la devidamente como sua obra
de arte preferida vinha sendo seu inferno pessoal.

- Acho que eu deveria ir. – Lisa disse em um sussurro. Era quase difícil
respirar com sua mão direita cravada na cintura de Chaeyoung. - Talvez.

Continuaram se olhando e ignorando o mundo que existia em volta. Ethan


assistia a cena com o rosto colado no vidro, ele não entendia o que estava
acontecendo, era como um afeto entre pessoas e o garoto gostava de ter Lisa e
Chaeyoung por perto, talvez ele gostasse tanto quanto gostava de música e
dinossauros.
Lalisa deu alguns passos para trás, mas sem desgrudar os olhos de sua amada.
Era uma cena engraçada para as duas, pareciam mais um casal adolescente
com dificuldades para se despedir e Chaeyoung só sabia rir de uma Lisa toda
atrapalhada.

- Até mais tarde. – Lisa voltou a se despedir, pois era impossível não ter uma
boba apaixonada por aquele ser magnifico.

- Até, Lisa.

E ambas seguiram caminhos opostos dispostas a enfrentarem o tempo que


levaria até o momento em que se encontrariam a noite.

***

- Lisa e Chaeyoung são um ex casal. – Luhan disse sem rodeios e assistiu Sana
cuspir o café que tinha acabado de levar à boca no carpete do escritório.

O advogado tinha tomado a decisão de se manter em silêncio por um tempo e


observar o comportamento de sua esposa desde que encontrou fotos
comprometedoras da mesma com Park Chaeyoung.

Uma semana havia se passado e seu noivado decaiu significativamente. Foi


um choque inicialmente saber que Lisa se relacionava com mulheres antes de
viajar para a França, ela nunca comentou nada sobre o assunto com ele e
Sana, mas analisando melhor a situação, ela nunca falava sobre sua vida em
New York.
Sentiu-se traído pela amizade que pensava ter construído com Chaeyoung, ela
se mostrou atenciosa com Ethan e determinada a recuperar a amizade de
Lisa.

Luhan não tinha certeza se estava sendo traído ou não, mas o comportamento
frio de Lalisa nos últimos dias dizia muito sobre o que estava acontecendo.
Ela sempre arrumava desculpas para o sexo, os beijos sempre partiam da
parte do advogado e ainda sim eram frios, como se pertencessem à outra
pessoa.

E talvez eles pertencessem.

O problema é que Luhan estava apaixonado demais para questioná-la, ele


tinha medo da resposta que receberia e ainda mais de ser deixado para trás.

- Como é que é? – Sana arregalou os olhos no seu melhor teatro, ou talvez ela
não estivesse fingindo se contar pelo fato de que seu irmão havia descoberto
tudo. – A Lalisa Manoban? – Luhan arqueou as sobrancelhas como se
perguntasse se sua irmã estava mesmo falando sério. – Digo, é claro que é
nossa Lisa, mas isso é um pouco estranho... Né?

Ok, talvez artes cênicas não fosse seu dom, mas o lado positivo é que Luhan
estava distraído demais em seus pensamentos para se tocar do nervosismo da
irmã.

Ele andava de um lado para o outro rodando a aliança no dedo, sua maior
preocupação era o casamento que estava previsto para menos de um mês.

- Eu não sei o que dizer sobre isso, Sana. Eu me sinto traído só pelo fato de ter
recebido Chaeyoung em minha casa... – encostou-se à mesa e cruzou os
braços, os olhos atentos em algum ponto fixo no chão. – Vocês são melhores
amigas, ela não disse nada todo esse tempo?

Sana ajeitou o blazer preto que usava e coçou o cabelo preparando-se para o
pior.

- Por quê? Você acha que ela disse? Por favor, eu teria te contado. – riu
ironicamente, mas sem nunca deixar de analisar as expressões do irmão. –
Não seria mais fácil você perguntar a ela se há algum problema?

- Eu não posso.

- Por quê?

- E se houver? E se ela disser que não podemos mais continuar com o


casamento? – suspirou vencido. – Eu sei que ela nunca me amou como eu a
amo, mas eu simplesmente não posso deixa-la ir agora que estamos tão perto.
Eu pensei que fosse o suficiente para Lisa e Ethan, talvez eu tenha errado em
algum momento, mas tudo o que mais quero é formar uma família com eles,
entende isso?

A mulher engoliu em seco permitindo-se sentir pena do advogado. Luhan se


culpava por algo muito maior que ele mesmo, algo que venceu o tempo e
barreiras invisíveis através do amor construído em algum momento do
passado.

Não era fácil ver seu irmão ser enganado, ele amava Lisa e estava disposto a
assumir um filho por esse amor, mas Luhan não poderia tomar um lugar que
ainda há dono.
- Uma vez você disse que não ficaria entre Lisa e a felicidade...

- Agora eu sei que falar é bem mais fácil. – retrucou um pouco mais alterado.
– Chaeyoung não vai me tirar o que demorei anos para construir, eu não
posso deixar isso acontecer. Lisa é minha noiva e se isso faz de mim o vilão da
história, que seja.

- Ok, faça o que você quiser. – Sana deu de ombros, nervosa pelo que poderia
acontecer. – Você é meu irmão e Lisa minha melhor amiga, não espere que eu
tome partido porque não vou. Você já é grandinho o suficiente para saber o
que faz ou deixar de fazer, apenas tenha consciência de que Lisa pode nunca
ter pertencido a você. Tenha consciência de que talvez, e só talvez, ela sempre
foi de outra pessoa e que essa outra pessoa só voltou para buscar o que é dela.
– disse apontando o dedo para o irmão que abriu a boca chocado com as
palavras. – Agora me dê licença, eu preciso correr e comentar isso com Momo
no whatsapp.

E saiu deixando Luhan enfurecido para trás com a certeza de que Sana sabia
bem mais do que demonstrava.

***

Léo corria livremente pelo campo logo atrás do rancho cortando o vento frio
de Agosto, o som da ferradora contra o solo sendo abafado pela grama fofa e
os gritos histéricos de Ethan eram tudo o que Chaeyoung precisava para
sentir-se completa naquele dia.

Chaeyoung cavalgava com o garoto sentado à sua frente, as mãozinhas


segurando as rédeas com Chaeyoung como se juntos formassem uma grande
equipe.
Eles passaram à tarde assim, Ethan não desistia dos cavalos e Chaeyoung não
se opunha.

Lavaram alguns cavalos mais mansos, correram pelo gramado, tomaram café
da tarde e arriscaram tocar um pouco de piano.

Chaeyoung estava apaixonada mais do que se imaginava por Ethan. Em


alguns momentos de distração do garoto ela apenas o observava e imaginava
como seria ter acompanhado sua gestação, o nascimento, as primeiras
palavras e os primeiros passos. Como seria dar uma moeda por cada dente de
leite e levá-lo ao cabelereiro para cuidar dos cabelso. Lisa fez um ótimo
trabalho como mãe.

- Podemos chamá-lo de Rex? – Ethan perguntou enquanto Chaeyoung


alimentava uma égua que estava grávida.

- Você não pode chamar todos os animais do mundo de Rex, Ethan. –


Chaeyoung brincou.

- Posso sim, assim como existem várias pessoas com o mesmo nome, ué. –
colocou as mãos na cintura e Chaeyoung riu. – Posso ficar com ele?

- Bom, não acho que teria espaço para um cavalo no seu apartamento, certo?

Ethan pareceu pensar por um momento.

- E se eu falar com a mamãe pra gente morar aqui?

Chaeyoung quase teve um colapso com a simples frase inocente.


- Ok, tem certeza que você quer morar comigo? Eu vou te atormentar todos os
dias, garoto. – brincou, e correu até a mangueira para ligá-la. Ethan foi sua
vítima. – Eu vou fazer coisas como essa.

- Aaaah! Tia Chaeyoung! – ele gritou e saiu correndo se debatendo com o jato
de água que recebeu da Chaeyoung, mas já era tarde e ele estava todo
encharcado. – Você me molhou, mamãe não vai gostar disso.

Chaeyoung largou a mangueira e pegou o garoto com o braço direito


deixando-o pendurado e rindo divertido.

- Ela nunca vai ficar brava se não souber. Agora já para o banho, seu
projetinho de Manoban.

Eles tomaram banho juntos e não dispensaram a espuma por todo o banheiro.
Há muito tempo Chaeyoung não se sentia tão feliz e livre como costumava ser
uma vez, era bom sentir-se criança outra vez.

Logo após o banho, a Chaeyoung pediu pizza pela insistência de Ethan, meia
calabresa e meia vegetariana, e assim jantaram na sala assistindo desenhos
antigos.

Já passava das sete e Sana ainda não havia chego, Ethan pediu por
mamadeira e deitou na cama de Chaeyoung já com seu pijama de dinossauro.

A ordem sobre não deixa-lo dormir tinha sido clara, mas os olhinhos
pequeninos indicavam um Ethan morrendo de sono e Chaeyoung não sabia
negar nada ao garoto.
- Tenta não dormir agora, meu anjo. – Chaeyoung sussurrou acariciando os
fios de cabelo do Ethan. Eles estavam de frente um para o outro e Ethan a
observava enquanto mamava. – Acho que sua mãe vai briga com nós dois.

Os olhos de Ethan pesaram e ele os fechou momentaneamente, mas logo os


abriu tirando a mamadeira da boca.

- Você podia ser minha mamãe também, - ele disse e o coração de Chaeyoung
disparou. – quando a mamãe Lisa brigasse comigo você ia ser legal. E quando
você brigasse comigo ela é quem seria legal. Isso seria divertido.

- Você pode me chamar de mamãe se quiser, Ethan. Eu posso ser qualquer


coisa que você queira. É só pedir.

- Podemos pedir pizza todos os dias?

- Só se você prometer fazer a lição de casa.

A felicidade foi tanta que o garoto sentou na cama e jogou seu corpo contra o
de Chaeyoung.

- Vamos fazer guerra de água e andar a cavalo também?

- E quem sabe construir uma piscina no fundo de casa? – Chaeyoung sugeriu


o abraçando e prendendo-o contra o corpo. – E te abraçar assim todos os dias
como meu ursinho de pelúcia.

A guerrinha não durou muito, logo a campainha soou e os dois bufaram


tristes pela despedida.
Sana os esperava na varanda batendo o pé impacientemente, ao seu lado uma
mulher que segurava sua mão transmitindo a calma que ela precisava.

- E ai, tia Sana. – Ethan deu um toque na mão da tia e correu abraçar Dahyun.
– Oi Dahyun. – ele sorriu timidamente.

- Boa noite, campeão. Como você está? – a mulher brincou apertando o nariz
do pequeno que corou.

- Bem. Você está bonita hoje.

- Moleque! – Sana rugiu cerrando os olhos para o garoto. Chaeyoung


acompanhava tudo achando graça do pequeno Manoban. – Você não tem
amor à vida, não? Vai procurar uma pirralha.

- San. – Dahyun advertiu e sorriu para Chaeyoung. – Olá, Chaeyoung.

Chaeyoung acenou para as duas e recebeu Ethan em seu colo para se


despedir.

- Você já sabe, não é? – Chaeyoung arqueou as sobrancelhas esperando pela


resposta e Ethan respondeu sussurrando:

- Não nos molhamos, não comemos pizza e eu não dormi.

Sana e Dahyun observaram tudo surpresa pela conexão que Chaeyoung e


Ethan tinham criado, geralmente o pequeno Manoban levava tempo para se
abrir com as pessoas e com a Chaeyoung foi em poucas semanas.
- Bom garoto. – Chaeyoung o abraçou. – Boa noite e até amanhã na aula,
pequeno.

- Pequeno não. – ralhou Ethan e sorriu. – Até, tia.

Dahyun o pegou novamente e trocou olhares cumplices com Sana.

- O que você acha de apostarmos corrida até o carro de sua tia? – a mulher
perguntou e o garoto logo se animou sendo colocado no chão. – Boa noite,
Chaeyoung.

Os dois saíram em disparada pelo campo até o carro deixando que o silêncio
caísse entre Sana e Chaeyoung. Elas se olharam e pela seriedade da mulher, e
Chaeyoung soube que havia algo errado.

A luz fraca da varanda iluminou revelou uma expressão cansada de


Chaeyoung, como se ela estivesse exausta psicologicamente de caminhar em
círculos.

Sana sabia disso. Todos podiam ver o quanto ela estava tentando e arriscando
com a chance de receber nada em troca.

- Eu sugiro que você seja rápida. – Sana disse sem rodeios. – Não há tempo
para joguinhos de conquista, não há tempo para mais nada, Chaeyoung. Se
você a quer, pegue-a.

- Mas...

- Pegue-a. – Sana cortou com um olhar cheio de significados.


E sem dar tempo para a Chaeyoung responder, saiu andando em direção ao
carro.

***

Os olhos grudados na janela do quarto não ajudavam em nada a ansiedade


pelo que estava por vir.

O relógio na parede marcada nove e dez, o que indicava que Lisa estava
atrasada para o pequeno encontro que teriam no meio da noite. Ela teria
desistido? Teria acontecido algo? As palavras de Sana ainda rondavam sua
mente sem uma explicação exata.

Talvez tivesse sido muito precipitado aprontar-se meia hora antes, nem
mesmo os restos de pizza da janta lhe causavam fome e recusar pizza era algo
realmente significativo para Chaeyoung.

Tic tac e ela não estava ali. Tic tac e ela poderia estar nos braços outro. Tic tac
o desespero a consumia por dentro. Tic tac e um farol iluminou o rancho.

Chaeyoung não deixou tempo para identificar o carro, ela correu até a porta e
calçou seus velhos all star que costumava usar para sentir-se confortável.
Desceu as escadas e deixou os dedos correrem pelas teclas do piano no
caminho até a porta, seu coração agora se igualava às batidas do sino Big
Bang de tão forte que estalavam em seu peito.

Ao abrir a porta, surpreendeu-se ao encontrar não só uma Lalisa Manoban


linda em suas roupas casuais, mas um Mustang 67 preto estacionado logo
atrás.
- O que achou da minha mais nova aquisição? – Lisa perguntou sorridente
apontando para o carro.

- Esse é ainda mais bonito que o Dodge. – Chaeyoung disse, o queixo ainda
caído pela beleza do carro. – Isso é tão você, tão a minha Lisa.

Calou-se quando se deu conta do que havia dito. Às vezes era difícil segurar a
língua quando estava em estado de transe como agora, mas Lisa não se abateu
e sorriu ainda mais largo para a Chaeyoung.

- Venha, vamos dar uma volta. – abriu a porta para Chaeyoung que deixou um
beijo em sua bochecha antes de entrar.

O interior tinha um cheiro amadeirado e era muito bem cuidado e limpo. Os


bancos de couro eram a parte preferida da Chaeyoung.

- Quando você o comprou? – perguntou assim que Lisa entrou no carro e o


ligou. – Luhan sabe disso?

Lisa deu de ombros e ligou o som que automaticamente reproduziu o CD de


blues que estava de player.

- Eu estava negociando por telefone há uns dois dias com um colecionador, na


verdade ninguém sabe sobre o carro além de você. – riu e assim que o carro
parou no semáforo, esticou o corpo no banco de trás buscando por uma sacola
do Starbucks. – Abra, comprei café forte como você costuma tomar. –
Chaeyoung aceitou de bom grado o café e sentiu-se feliz por Lisa ainda
lembrar-se de seus gostos. – Não acho que eu poderia ser verdadeiramente
feliz sem ser eu mesma, então o que seria de um mim um bom carro clássico?
- Não existe Lalisa Manoban sem carro clássico e Johnny Cash. – Chaeyoung
brincou.

- Exato. – a Lisa estalou os dedos. – Assim como não existe Park Chaeyoung
sem o piano e Billie Holiday.

Ah, o jovem amor. Ele traz tantas inconsequências quando estamos cegos por
ele.

O capô do carro servia como assento para as duas mulheres que observavam a
cidade de New York do pico.

Era um lugar deserto ligado à uma estrada abandonada que poucas pessoas
conheciam, na verdade Lisa o descobriu em uma viagem secreta com Momo e
Jennie quando ainda jovens em uma de suas viagens para NY antes de se
mudarem definitivamente. E agora ela estava ali com Chaeyoung, apreciando
o silêncio e dedilhando o violão preto que trouxera consigo.

Chaeyoung sempre amou que Lisa tocasse para ela.

(Play na música Patience - Guns and roses)

Então era isso que Lisa faria debaixo do céu estrelado e de sua mais fiel
testemunha: a lua.

Shed a tear cause I'm missing you


Derramei uma lágrima, porque sinto sua falta

I'm still alright to smile


Continuo bem para sorrir
Girl, I think about you every day now
Garota, eu penso em você todo dia agora

Was a time when I wasn't sure


Houve um tempo em que eu não tinha certeza

But you set my mind at ease


Mas você acalmou minha mente

There is no doubt you're in my heart now


Não há dúvida de que você está no meu coração agora

A voz de Lisa levava Chaeyoung à outra dimensão, uma vida em que elas
compartilhavam tudo juntas.

Said, Woman, take it slow


Eu disse, Mulher, vá devagar

And it'll work itself out fine


E tudo se resolverá por si só

All we need is just a little patience


Você e eu apenas precisamos de um pouco de paciência

Lá estavam elas, as lágrimas que Chaeyoung costumava guardar apenas para


Lisa sendo liberadas pela emoção que a letra da música e a voz melódica de
Lisa transmitiam. Se aquilo não era amor, então ele não existia.

I sit here on the stairs


Sento aqui nas escadas

Cause I'd rather be alone


Pois prefiro ficar sozinho

If I can't have you right now I'll wait, dear


Se eu não posso te ter agora, eu esperarei, querida

Sometimes I get so tense


Às vezes fico tão tenso

But I can't speed up the time


Mas não posso acelerar o tempo

But you know, love, there's one more thing to conside


Mas você sabe, amor, existe mais uma coisa a se considerar

Os olhos castanhos agora brilhavam intensamente sem desgrudar um minuto


sequer dos escuros, eles estavam dialogavam entre si, trocando juras de um
amor proibido.

Little patience
Um pouco de paciência

Need a little patience


Precisamos de um pouco de paciência

Just a little patience


Apenas um pouco de paciência
Some more patience
Mais um pouco de paciência

A música foi finalizada lentamente, Lisa desviou os olhos para a cidade e


deixou-se sentir a imensidão de sentimentos do momento.

Estava com vergonha de Chaeyoung, não queria parecer uma abusada que traí
o noivo cantando músicas para outras pessoas. O problema é que não eram
outras pessoas. Era Chaeyoung. Sua Chaeyoung. E elas eram apenas elas.
Uma mistura estranha de rock e música clássica, de violão e piano, quente e
frio, Lisa e Chaeyoung.

- Eu sentia falta da sua voz. – Chaeyoung cortou o silêncio e deixou seu braço
descansar na perna cruzada da Lisa. – Ela é bonita demais para não ser usada
para a música.

Lalisa balançou a cabeça afetada pelas palavras de sua amada.

- Por favor, não sou eu que vou arrasar no teste para a orquestra de New York.
Eu já disse que vou com você?

- Oh! – Chaeyoung tapou o rosto com as duas mãos envergonhada e ouviu as


risadas gostosas de Lisa. – Você só me envergonha, Lisa.

- Vamos lá, Oompa Loompa. Já sabe que música vai tocar?

- Não. Estou fazendo um setlist com as melhores músicas e ouvindo uma por
dia pra ver de qual eu não enjoo.

Lisa ficou olhando a mulher como se ela fosse algum tipo de alienígena.
- Eu sempre soube que você era estranha, mas não tanto.

Chaeyoung pulou do capô e virou de frente para a Lisa com os braços


cruzados e um bico engraçado nos lábios.

- Ok, Lalisa. Quem é que compra um carro antigo do nada e sem ninguém
saber mesmo? Sua inútil. Quem foi embora para outro país por 6 anos?

Lisa também saltou parando de frente para a Chaeyoung, perto até demais
para o lugar vazio, escuro e abandonado em que se encontravam. Era um
desafio plantado entre elas.

O consciente de Chaeyoung decidindo jogar sujo com a Lisa, desfazendo o


clima calmo entre elas, mas Lisa sabia que esse momento chegaria, ela sabia
que a qualquer momento a Chaeyoung explodiria porque ela a conhecia, Lisa
conhecia Chaeyoung melhor que ela mesma.

- Eu odeio você. – Chaeyoung explodiu em lágrimas e foi amparada pelos


braços da Lisa que a aconchegou em seu peito.

- Eu sei. – Lisa sussurrou, seus dedos presos no emaranhado de cabelo


castanho.

- Eu odeio tanto você... – Chaeyoung repetia, mas suas mãos diziam o


contrário, elas percorriam toda a extensão das costas da Lisa procurando pelo
contato, apreciando cada centímetro daquele corpo que lhe fazia falta.

Chaeyoung e Lisa estavam com as emoções à flor da pele. Tudo estava


acontecendo ao mesmo tempo e isso as afetava de forma que nem elas
mesmas entendiam. Isso as deixava vulnerável, bipolar, agressivas,
impulsivas e ainda mais apaixonadas.

- Chaeyoung... – Lisa suspirou quando sentiu o aperto da Chaeyoung ao seu


corpo, mas logo o quente foi substituído pelo frio da noite.

Caminhando em direção ao Mustang estacionado na estrada, de repente o


calor se fez presente. A sensação de proximidade era muito mais que um
simples desejo. De fato, era necessidade. Lisa apertou as mãos em punhos,
sentindo o suor nelas. Respirou fundo. O perfume de Chaeyoung e o andar
estavam sendo suficientes para fazê-la perder o controle que há muito vinha
mantendo.

- Eu não aguento mais. - Lisa disse de repente.

Chaeyoung parou em seco, virando-se lentamente com uma confusão nítida


em seu rosto. Lisa deslizou a ponta língua pelos lábios, seus olhos estavam
escuros e Chaeyoung sentiu em sua espinha o significado daquelas palavras.
Lalisa encarava seus lábios.

- O que? - perguntou dubitativa, sem deixar seus olhos desviarem dos lábios
rosados da Lisa.

Como um predador, Lisa deu um passo à frente, ficando a milímetros do


corpo da Chaeyoung.

- Eu não aguento mais de vontade de você, Chaeyoung. - um sussurro, foi


exatamente a forma que Lisa conseguiu pronunciar aquela frase.
- Lisa... Nós não... - Chaeyoung suspirou fechando os olhos com força,
tentando controlar seu corpo. - Você vai se casar. - Lisa apertou os dentes ao
ver como a Chaeyoung lhe dava as costas e andava ainda mais rápido em
direção ao carro.

Mas ela não estava preocupada com isso. Não agora. E então, acelerando seus
passos, puxou Chaeyoung pela mão fazendo seu corpo girar com facilidade,
chocando contra o seu.

- Foda-se. Eu quero você. E quero agora. - Chaeyoung prendeu a respiração


sentindo seu corpo se desfazer nos lábios de Lisa, que a prensou contra o
carro, apertando os corpos.

Imediatamente, Chaeyoung levou seus braços aos ombros de Lisa que


agarrava a cintura da Chaeyoung com possessividade e saudade.

Com um resquício de sanidade, Chaeyoung tentou empurrá-la.

- Lalisa, eu disse que não ia... - mas Lisa a prensou novamente com mais
força, empurrando o quadril.

- Eu quero te beijar. - Chaeyoung suspirou sentindo seu coração acelerar. - E


quero te fazer minha agora, nem que seja a última coisa que eu te peça.

- Eu prometi. - justificou.

Lisa usou a mão direita para colocar o cabelo da Chaeyoung atrás do ombro,
tendo seu pescoço livre.
Aproximou-se beijando a zona abaixo da orelha com ternura, e deslizando o
nariz pela extensão.

- E eu estou te deixando livre para quebrar essa promessa. - Chaeyoung


fechou os olhos com força e agarrou a blusa de Lisa do mesmo jeito.

A caricia estava ficando cada vez mais molhada, a língua de Lisa encontrava
seu pescoço facilmente entre algumas mordidas. Chaeyoung estava entregue,
seu corpo quente e desesperado por mais contato.

Mas algo martelava em sua mente e ela novamente tentou empurrar Lisa, que
cansada de tanta resistência, desceu as mãos para bunda da Chaeyoung,
levantando-a com facilidade para que ficasse sob o capô.

Encaixando-se entre as pernas da Chaeyoung, a encarou com a respiração


ofegante.

- Esquece essa promessa. Eu estou aqui. Ele não é você, Chaeyoung. -


Chaeyoung também estava ofegante. – Ninguém nessa merda de mundo é
você. - o hálito de Lisa chocava contra seus lábios de tão próximas que elas
estavam.

Chaeyoung queria falar, apenas por orgulho ou dignidade, mas nada saía. Era
muito mais forte.

- Lisa... - se aproximou ainda mais. - Eu... - um sussurro. E então Lisa puxou


o lábio inferior da Chaeyoung com os dentes, apertando-os com força. - Eu
amo você. - Chaeyoung fechou as pernas em torno da cintura de Lisa e enfiou
as mãos entre o cabelo de Lisa, que deslizou as mãos pelas coxas da
Chaeyoung, ladeando a cabeça de leve.
E como ela não se afastou, Lisa obteve sua resposta. Com o lábio inferior da
Chaeyoung entre os seus, iniciou um beijo lento e provocante, sugando o lábio
e afastando-se minimamente para deslizar a língua sob o mesmo.

Chaeyoung fechou os olhos e no segundo seguinte, sentiu a língua de Lisa


invadindo sua boca, assim como as unhas da mulher debaixo de sua blusa,
arranhando seu abdômen. Ela já estava entregue, e ambas sabiam.

(Play na música: Im Kissing you da Des'ree)

O beijo continuou enquanto Lisa manteve as unhas no cós da calça da


Chaeyoung, que arfava e lutava por conseguir o domínio no beijo, bagunçando
os cabelos de Lisa, colocando-se cada vez mais pra frente ou apertando as
pernas na cintura da Lalisa.

Lisa estava se deliciando com a intensidade do beijo, saboreando a língua de


Chaeyoung com calma, e quando sentiu Chaeyoung arfar contra sua boca,
introduziu a mão direita na calça, sentindo o sexo completamente molhado
pulsar em sua mão.

- Deus, Chaeng. Você está tão molhada. - Chaeyoung arfou sentindo os dedos
deslizarem entre seus lábios.

Sem conseguir reprimir o gemido que o contato lhe causara, mordeu o lábio
inferior de Lisa com força, sentindo seus dedos alcançarem seu clitóris. Lalisa
continuou com a massagem lenta, sentindo o rosto de Chaeyoung encaixar em
seu pescoço com a respiração leve.
- Por muito que você esteja sexy sob esse capô, eu quero sentir seu corpo em
cima do meu. - Chaeyoung já nem sequer escutava direito.

Seu corpo queimava clamando por Lisa, e por isso não se opôs quando a Lisa
a colocou no chão, abrindo a porta rapidamente e sentando-se no banco de
trás.

Afoita, Lalisa puxou Chaeyoung para seu colo, e com a mesma vontade e
desespero, começaram a tirar as roupas.

Camisas por um lado, beijos desajeitados enquanto a Chaeyoung levantava o


quadril para que Lisa deslizasse sua calça junto com sua calcinha, ao mesmo
tempo em que usava a boca para percorrer o pescoço de Chaeyoung, que logo
estava nua em cima da Lisa, tirando o sutiã da mesma de forma desajeitada,
sentindo a calça deslizar debaixo de si.

Pela postura, Chaeyoung estava mais alta que Lisa, curvando a cabeça para
baixo para não chocar contra o teto. Os seios, um tanto crescido com o passar
dos anos, estavam quase esmagando o rosto de Lisa que, apertando a bunda
de Chaeyoung com força, rodeou o mamilo esquerdo da Chaeyoung com sua
língua, saboreando-o.

Chaeyoung estava excitada e com a sensação, remexeu-se incomoda sob o


colo de Lisa que a apertou forte, mantendo-a quieta enquanto prosseguia com
sua tortura.

As mãos da Chaeyoung bagunçavam o cabelo de Lisa e a apertava contra si,


rebolando lentamente sob as coxas da mulher na tentativa frustrada de
desfazer seu incômodo.
Lisa deslizou a boca para o seio direito, succionando, lambendo, mordendo...

Chaeyoung gemia e empurrava a cabeça da mulher ainda mais. Sentia as


unhas em sua bunda e coxas, onde Lisa arranhava e apertava de uma forma
lasciva.

- Lalisa... - suplicou, e sem parar com sua tortura, Lisa entendeu. Deslizou a
mão direita pela parte interna da coxa de Chaeyoung, arranhando de leve e
chegando ate a virilha.

Até então a Chaeyoung já estava rebolando.

- Oh! - gemeu forte quando sentiu os dedos de Lisa novamente em seu sexo.
Com a mão esquerda, Lisa arranhou por completo as costas de Chaeyoung,
admirando com devoção o balançar dos seios da Chaeyoung enquanto ela
subia e descia lentamente sob seus dedos.

Chaeyoung precisou se apoiar no banco, fincando as unhas no couro para


facilitar seus movimentos.

Fechava os olhos por inercia, mas se forçava a olhar para Lisa, apenas para
saborear ainda mais a sensação de tê-la ali, admirando-a com o mesmo amor
de sempre.

À medida que os movimentos ficavam mais rápidos, Lisa também gemia


sentindo o sexo de Chaeyoung apertando-se contra seus dedos, arranhando
qualquer parte livre que encontrava baixo sua mão.

- Lisa... - Chaeyoung jogou a cabeça para trás sentindo seu orgasmo se


aproximando, e Lisa não conseguiu evitar.
Estava tão excitada quanto, e então com a mão livre, iniciou uma massagem
em seu próprio sexo, gemendo ao compasso da Chaeyoung que rebolava com
mais rapidez.

Os corpos já estavam suados e Chaeyoung estava esperando pela Lisa que


fechou os olhos e apoiou a cabeça no banco. Quando já não aguentava mais,
Chaeyoung se deixou ir sob os dedos de Lisa que no momento seguinte, a
acompanhou.

- Chaeyoung... - clamou manhosa enquanto se deixava ir, sentindo o corpo


suado da Chaeyoung cair sobre o seu, e não duvidou em abraçá-lo com força,
escondendo seu rosto no pescoço da mulher apenas para sentir o cheiro de
seu perfume, agora, misturado ao cheiro de sexo.

E esperou pacientemente a que retomassem as respirações, deslizando as


unhas pelas costas dela, desta vez com suavidade, sentindo a felicidade que
esperou durante tanto tempo preenchê-la.

Lisa não se arrependia do que tinha acabado de acontecer, ela era louca pelo
sexo com Chaeyoung e aquele momento, no banco de trás do Mustang entre
as respirações descompassadas, os lábios inchados, corpos suados, elas
sabiam que ser louca por sexo é ser louca por amor, por toque, por beijo, por
tudo o que é gostoso sentir na vida.

O problema de viver o hoje sem pensar no amanhã são as consequências.

Chaeyoung abriu os olhos ainda sonolenta e sentiu a ardência nos olhos com a
luz do sol que invadia sua janela. Mais uma vez tinha esquecido de fechar a
merda da cortina, não que estivesse pensando em algo noite passada quando
foi deixada na porta de casa por Lisa e um beijo de despedida. Elas tinham
feito amor.

Isso significava que Lisa deixaria Luhan, certo?

Nos deixamos levar pelo momento e acabamos fazendo coisas que não
faríamos se estivéssemos sóbrios de nossa própria mente.

A campainha insistia em tocar e a Chaeyoung amaldiçoava os quatro ventos


por quem quer que esteja à sua porta uma hora daquela em uma manhã de
terça feira.

Seu corpo ainda doía pelo pequeno espaço do banco de trás do Mustang, nada
que não valesse a pena.

- Já vai!

O certo a fazer é lidar com as consequências que criamos. Você é


responsável pelo que você cria. Não adianta chorar pelo leite derramado.
Ditados assim.

Ao abrir a porta de casa, Chaeyoung deparou-se com uma BMW preta


estacionada logo à frente, e na sua varanda estava Luhan com as mãos nos
bolsos da calça e o semblante fechado.

Chaeyoung franziu o cenho sobre a presença do rapaz em sua casa e procurou


com os olhos por Lisa e Ethan, mas constatou que ele estava sozinho.

- Luhan? – Chaeyoung chamou um pouco confusa pela situação. – O que faz


aqui?
- Vim pedir para que deixe Lisa em paz. – ele disse de uma vez, as palavras
atingindo Chaeyoung em cheio. Os dois se enfrentavam agora de igual para
igual por um mesmo coração. – Eu descobri tudo e quero que se afaste dela.

No final de tudo, é você quem escolhe. Correr ou ficar?

______

41

No capitulo anterior de The Red Bow

Ao abrir a porta de casa, Chaeyoung deparou-se com uma BMW preta


estacionada logo à frente, e na sua varanda estava Luhan com as mãos nos
bolsos da calça e o semblante fechado.

Chaeyoung franziu o cenho sobre a presença do rapaz em sua casa e procurou


com os olhos por Lisa e Ethan, mas constatou que ele estava sozinho.

- Luhan? – Chaeyoung chamou um pouco confusa pela situação. – O que faz


aqui?

- Vim pedir para que deixe Lisa em paz. – ele disse de uma vez, as palavras
atingindo Chaeyoung em cheio. Os dois se enfrentavam agora de igual para
igual por um mesmo coração. – Eu descobri tudo e quero que se afaste dela.

O peso descomunal da tensão entre o advogado e a musicista se estendeu por


um longo tempo em troca de olhares intensos e desafiadores.
De um lado um homem traído cujo ego e coração se encontravam feridos, de
outro uma jovem amante lutando pelo amor um dia construído.

Aquela era, literalmente, a realidade batendo a sua porta.

O despertar da pequena ilusão que Chaeyoung e Lisa se envolveram em


poucos dias.

Luhan sabia de tudo e estava reivindicando o que era seu por direito.
Chaeyoung era a suja da história. A amante. Destruidora de casamentos. Tudo
o que sempre desprezou em sua vida estava sendo usado contra ela mesma.

Chaeyoung sempre imaginou que a falta de amor no mundo destruísse


casamentos. Hoje o excesso de amor era o motivo para tal fato.

- Eu não posso fazer isso. – disse finalmente ao encontrar forças em seu


íntimo.

Luhan trocou o peso do corpo para a perna esquerda e trincou a mandíbula


indignado com a resposta.

- Lalisa é a minha mulher, Chaeyoung. Eu quero você longe dela e de Ethan, é


um aviso.

- Desculpe, eu acho que você não ouviu direito. – Chaeyoung disse firme e deu
um passo a frente. – Eu não vou me afastar.

Há quem diga que um olhar pode perfurar a alma de alguém. Se isso for
verdade, Luhan definitivamente o estava fazendo sem pudor algum.
Suas mãos estavam fechadas em punhos e seu rosto vermelho com o cinismo
da mulher a sua frente.

- Eu deixei que você entrasse em meu apartamento, fui bom com você. Deixei
que passasse um tempo com Lisa e o que recebo em troca? Traição! – rosnou
e em poucos segundos já não era o mesmo Luhan passivo de sempre. – Eu
estou falando sério, Chaeyoung, fique longe da minha mulher.

A musicista nunca pensou que estaria em uma situação assim um dia. Nunca
pensou que seria o pivô de uma traição e muito menos que teria o noivo na
porta de sua casa com os olhos em chamas.

- Lalisa nunca foi sua mulher, Luhan. Pelo menos não por completo e só cabe
a você aceitar isso. – abaixou o tom de voz contendo a raiva. Por um lado era
totalmente compreensível que Luhan estivesse fazendo seu papel de noivo
traído, ela não poderia imaginar a dor de ser traída pela pessoa que ama. – Se
eu pudesse ter evitado tudo isso o faria com prazer, mas aconteceu e agora
não vou desistir da única pessoa que já foi capaz de me fazer feliz. Nós somos
duas pessoas apaixonadas pela mesma mulher e o afeto que sinto por você
não vai me impedir de tê-la de volta.

- Então onde você esteve todos esses 6 anos? – ele gritou e Chaeyoung recuou
um passo assustada. – Eu a vi chorar todos os dias por quase 1 ano sem saber
o motivo! Eu consertei o coração dela enquanto você esteve aqui esse tempo
todo se escondendo do mundo. – apontou o dedo freneticamente para a
Chaeyoung, ele estava fora de si. – Não queira tirar o que eu construí, sequer
pense em destruir meu casamento, Park. Comigo Lisa e Ethan tem segurança,
e com você? Vai trazê-los para morar em um rancho? Vai sustentá-los com o
salário que ganha sendo professora de música?
- Lalisa não precisa ser sustentada, seu imbecil! – o empurrou sentindo a
raiva crescer dentro de si ao ouvir as palavras absurdas do homem. – Ela
decidiu me deixar por motivos que não cabem a mim lhe contar. Eu não fui
atrás porque estive ocupada acreditando em uma mentira que ela inventou
para o meu bem e hoje eu sei disso.

Todo o lado pacífico e cheio de amor que Chaeyoung carregava consigo foi
deixado de lado no próximo empurrão que deu no rapaz. Luhan cambaleou e
bateu as costas na porta do carro, quando se recuperou voltou-se para a
Chaeyoung pronto para enfrentá-la.

- Vai bater em uma mulher? É assim que pretende ter Lisa? – Chaeyoung o
peitou e o rapaz parece ter caído em si, então abaixou os punhos e arrumou a
gola da camisa. – Faça um favor a si mesmo e não perca seu tempo comigo,
não sou seu quem vai escolher se você fica ou não na vida de Lisa. –
Chaeyoung deu as costas ao advogado e caminhou de volta para a varanda,
mas não sem antes girar o corpo e completar: - Se você ficar no caminho eu
juro que passo por cima, Luhan. Eu amo Lalisa ao ponto de destruir isso que
chamamos de mundo estúpido.

Luhan tinha lágrimas nos olhos. Estava envergonhado pelo que tinha feito e
ainda mais furioso com o que estava acontecendo em sua vida.

Ele sabia, o rapaz sabia que não poderia ficar no caminho entre Lisa e
Chaeyoung, sabia que estava sendo a pedra no caminho das duas, sim, ele
sabia de tudo isso e mesmo assim não conseguia se libertar desse amor que o
aprisionou ao egoísmo.

Esse mesmo egoísmo que o impedia de deixar sua noiva livre.


***

18:34 PM.

(Play na Música: Chet Baker - Almost Blue)

Enquanto isso, do outro lado da cidade, Lisa enfrentava a si mesma em uma


batalha por escolhas. Escolhas essas que afetariam o resto da sua vida se não
feitas com consciência e sabedoria.

Usar o The Village como escapatória no intervalo do escritório era uma ótima
forma de deixar-se envolver com a antiga Lisa.

A banda reproduzia uma calma melodia de Chet Baker e o café estava vazio,
exceto por uma mesa ocupada por um casal.

O homem gesticulava ao mesmo tempo em que as lágrimas escorriam pelo


rosto da mulher borrando sua maquiagem. Provavelmente um término.

Quantas pessoas mais de coração partido? Aquela mulher acabava de se


juntar à estatística de 68% de pessoas deixadas com o coração em pedaços.
Estatísticas. É isso que se trata o mundo, certo?

Era um pouco tarde e o crepúsculo estava próximo, Chaeyoung ainda não


tinha ligado ou deixado qualquer mensagem. Isso era estranho.

Da mesma forma que Luhan também estava estranho quando chegou noite
passada, Lalisa já tinha voltado de seu passeio com Chaeyoung e estava
sentada na cama lendo o livro Cem anos de solidão depois de brincar com
Ethan e coloca-lo na cama.
Luhan mal se deu o trabalho de perguntar como fora seu dia como de
costume, ele apenas tomou um banho demorado e deitou na cama dizendo
que estava cansado e precisava dormir.

Ela não o culpava, estava sendo distante e fria dias antes do casamento,
obviamente isso o afetava, mas Lisa também sabia que Luhan não perguntava
o que estava acontecendo por medo de ser deixado. Todos que conheciam o
rapaz sabiam o quão inseguro ele poderia ser. Esse era um dos pontos que os
ligava, duas pessoas extremamente inseguras, criados por famílias rígidas, e
bem, para algumas pessoas de mente aberta como Momo, Jennie e Jisoo
poderia ser fácil apenas abandonar o noivo e ficar com quem realmente se
ama, mas para pessoas como Lisa e Luhan é quase impossível ir contra tudo o
que fora ensinado ao longo do tempo.
Da mesma forma que é difícil para pessoas de idade aceitar as mudanças do
mundo moderno.

E ali estava ela, com uma dúvida quase cruel faltando apenas alguns dias para
o casamento. Estava decidida a deixar Luhan, isso era fato, não havia duvidas
depois de uma maravilhosa noite de amor com Chaeyoung.

Mas, como? Como contar a todos os convidados que estava tudo cancelado,
como contar a Luhan que o estava deixando por outra? Como dizer a Ethan
que o tio Luhan não estaria mais tão presente e que em seu lugar estaria
Chaeyoung? Que ela seria sua nova mãe se ele permitisse? Como enfrentar o
maldito medo da sociedade e andar por ai de mãos dadas com uma mulher e
uma criança? Como enfrentar seus colegas de trabalho e como seus clientes
reagiriam a essa informação? Como?
- Outra vez aqui, Lisa? Estou começando a achar que está apaixonada por
alguém desse lugar. – a voz de Eli cortou os pensamentos da Lisa trazendo-a
para o mundo real.

O homem, que agora aparentava ser muito mais velho e cansado, sorria
docemente e segurava seu avental em mãos.

- Eu estaria menos preocupada se esse fosse o motivo, Eli. – ela sorriu


tristemente e tomou um gole do seu vinho. – Já está de saída?

- É o fim do meu turno, agora me resta ir para casa e descansar o suficiente


para um homem velho como eu.

Lisa sentia uma grande afeição pelo homem negro que um dia fora
testemunha de seu amor. Desde que voltara à New York usava o café como
refugio e Eli sempre tratava de lhe preparar um cappuccino grátis "para
aliviar o coração", dizia ele.

- Sente-se comigo e me fará um grande favor. – apontou para a cadeira vazia


em sua mesa e o homem obedeceu.

- Vítima de seus pensamentos outra vez, minha cara? – ele questionou, mas já
sabia a verdade. – Você é tão jovem para tais preocupações, lembro-me de
como costumava ser acanhada e ao mesmo tempo rebelde nos tempos de
glória. O que aconteceu com aquela menina?

- Eu me faço a mesma pergunta todos os dias. – Lalisa respondeu sincera e


observou o homem levantar-se da mesa deixando a mulher enxugando as
lágrimas e recolhendo alguns objetos. Era uma cena comovente. – Por que
machucamos uns aos outros se a intenção do amor é a felicidade?
Eli acompanhou seu olhar e compreendeu sobre o que Lisa falava. Ambos
assistiram a mulher de cabelos cacheados e loiros enterrar o rosto entre as
mãos e desabar emocionalmente.

- É tentando ser feliz que acabamos machucando pessoas, Lisa. É inevitável.


Você não pode passar o resto da sua vida presa a alguém que não ama, é
errado consigo mesma.

A veracidade das palavras atingiu a Lisa.

- E mesmo assim algumas pessoas o fazem.

- E mesmo assim algumas pessoas o fazem. – Eli concordou repetindo sua


frase, os olhos negros agora focados em Lisa. – Existem muitos motivos que
podem nos prender a uma pessoa, não estou dizendo que é impossível viver
ao lado de alguém sem amor, porque não é. Antigamente os pais escolhiam os
noivos para as filhas, e esses casamentos costumavam durar até o fim. Mas,
não é uma vida inteiramente feliz, querida. O que é uma vida com dote e
posses se não há amor?

- Nada. – Lisa respondeu por fim, dando-se por vencida ao caos que se
encontrava seu coração. – Eu não sou nada sem Chaeyoung.

Eli ergueu as sobrancelhas surpreso pela revelação de Lisa. Não que ele não
soubesse que aquelas duas ainda nutriam sentimentos uma pela outra, mas é
sempre revelador ver alguém inseguro como Lisa se abrir sobre seus
sentimentos.

- A srta. Park?
Lisa sorriu, ouvir aquele nome era como finalmente usar sua heroína
preferida depois de tanto tempo presa na reabilitação.

Reabilitação, no caso, seria a sua mente.

- É como se eu estivesse me afogando, Eli. – Lisa respirou. – É como se eu


estivesse me afogando e ela é a única que pode me salvar.

***

20:39 PM.

Mensagem de voz

Sana: Amiga, ferrou! Luhan descobriu tudo e a Chaeyoung acabou de me


ligar, ele foi atrás dela...

Momo: QUE?! Não, pera! O Percy Jackson foi atrás da Chaeyoung? EU VOU
MATAR ELE!

Sana: Calma, ela soube se defender e disse que vai lutar pela magrela e blá
blá blá. Sinceramente? Eu tenho medo do que pode acontecer.

Momo: Por que diz isso?

Sana: Estamos falando da Lisa, o que acha que ela vai fazer quando o barco
virar?

Momo: Merda... Chaeyoung vai sair machucada dessa outra vez.


Sana: Ou não, mas estou preocupada com o bem de todos, isso pode afetar
até o pirralho.

Momo: Eu estou ocupada com o trabalho nos últimos dias e não posso
voltar, mas assim que resolver as coisas por aqui estarei pousando em New
York. Precisamos ajudar esse casal.

Sana: Ok, câmbio e desligo.

Momo: Estranha.

Sana: Ué... Você q-

Mensagem de voz off.

- Maldita! – xingou olhando indignada para o aparelho celular.

Dahyun apareceu pouco depois com os livros da faculdade, ela cursava ciência
em NYU e depois da aula sempre passava para visitar Sana na boate.

Elas estavam se dando bem até demais, Dahyun parecia ser a única pessoa no
mundo que compreendia e até gostava do jeito da mulher.

Elas se davam bem em tantos aspectos que dentro de poucos dias tinham se
tornado melhores amigas e às vezes... Algo, além disso.

– Acredita que a vagabunda desligou na minha cara?


- A educação entre você e essa sua amiga é admirável, Sana. – Dahyun
abraçou o pescoço da outra .

- Às vezes me pergunto por que gosto tanto de você.

- Porque sou gostosa e uma pessoa incrível. – sorriu selando os lábios com
calma e carinho.

– E você é a pessoa mais inteligente que eu conheço, por isso sabe reconhecer
minhas qualidades.

Elas riram e ficaram com os rostos encostados por um tempo. Era bom
apenas estar uma com a outra, sentindo o abraço quente e a respiração calma
no pescoço.

Coisas assim são raras no mundo em que vivemos.

- Problemas com o casal principal? - Dahyun perguntou separando-se do


abraço.

Sana bufou e bateu a cabeça de leve no balcão do bar.

- Eu estou ficando louca com essas duas, Day. E meu irmão pode fazer uma
merda a qualquer momento, mas o retardado não me escuta.

No mesmo instante o celular começou a vibrar na madeira do balcão e o nome


de Lisa apareceu na tela.

– Vê só? Mais merda que eu preciso resolver, certeza. Fala, Manoban.


- Sana, leve Ethan para a minha casa. – era a voz de Jennie do outro lado da
linha e isso não parecia ser bom. –Arrume uma mala para o garoto e o leve,
Jisoo já está esperando.

- O que aconteceu?

- Digamos que as coisas vão mudar drasticamente.

- Jennie, não me assuste...

- Lisa está bem, mas não está em condições de falar. Estou levando-a para a
casa dos pais, aconteceu umas coisas agora a noite e ela precisa resolver por si
só.

- E por que Ethan precisa ir para a sua casa?

- Lisa e Luhan discutiram feio agora a pouco, ela está arrasada e vai ficar o
tempo que for preciso na minha casa. Depois ela explica, preciso desligar.

O telefone foi desligado pela segunda vez na cara de Sana, mas ela não xingou.

Estava paralisada com o celular ainda no ouvido e as palavras de Jennie


rondando sua mente.

- O que houve agora? – Dahyun estava preocupada com a expressão de Sana.

- Agora vem o desfecho da história.

***
06:04 AM.

Os primeiros raios de sol misturavam-se a luz do luar, tornando o céu sem


nuvens, laranja amarelado.

Uma jovem Lisa mantinha seus olhos presos no horizonte observando o


amanhecer em Los Angeles, era incrível como não sentiu falta daquele lugar.

Suas pupilas estavam dilatadas e os cabelos mais bagunçados que o normal.

Pessoas que a vissem no passageiro do conversível prata, diriam que ela tinha
sido resgatada de um campo de batalha. Ou talvez, a opção mais clara, e ela
tivesse passado a noite ingerindo substâncias suspeitas.

De certa forma, havia dois sentimentos opostos em conflito no peito de Lisa:


Amor e ódio. Jennie sabia muito bem disso, e por conhecer sua amiga bem o
suficiente, optou pelo silêncio.

Deixou que Lisa martelasse suas ideias sozinha como deveria ser, enquanto a
levava até a casa dos Manoban, pois Lisa estava sem condições de dirigir
depois de passar a madrugada no avião.

Lalisa continuava imóvel no banco, podia sentir o efeito do álcool transitando


por seu corpo e suas mãos suando sem parar.

Se ela se esforçasse um pouco, poderia sentir o cheiro de Chaeyoung


impregnado em suas vestes, e se fechasse os olhos, reviveria os beijos
trocados há dois dias.
Esse era o sentimento definido como amor, o que a faria sorrir se o dia
seguinte ao beijo não tivesse sido desastroso, criando assim, toda aquela ira
dentro de si.

O carro parou e foi a deixa para Lisa abrir a porta e a bater com força, mesmo
que sem querer, antes de cambalear na entrada da casa.

– Não faça nenhuma besteira, Manoban. - ela ouviu Jennie dizer calma, mais
como um pedido mascarado.

Ela olhou para a amiga e balançou a cabeça atrapalhada, difícil de entender se


tinha sido um sinal positivo ou negativo.

Jennie esperou até que a jovem abrisse o portão, depois de insistir em usar a
chave do carro, para acelerar seu conversível e desaparecer na primeira
esquina até a casa dos pais.

O sol já tinha tomado conta do céu azul, a luz invadia as janelas da sala
iluminando boa parte da casa.

Lisa ficou parada alguns segundos analisando o lugar em que estava, e custou
muito até atravessar o jardim e enfim abrir a porta de casa com a chave que
ainda mantinha.

Era preciso se apoiar na poltrona para ter o controle de seu corpo.

O primeiro sentimento que lhe veio à mente foi nojo, e depois, raiva. Ela
derrubou o abajur que estilhaçou no chão, fazendo um som estridente.
Passou a mão pelas teclas do piano e finalmente chegou a uma mesa de canto,
onde havia fotos de família.

Ela pegou o porta retrato onde estava com seu pai e o lançou contra a parede
oposta usando toda a sua força, com o barulho, luzes foram acesas nos
corredores e uma voz grossa ecoou de lá:

– Quem está ai? - segundos depois, um Marco Manoban apareceu em seu


roupão azul e uma espingarda em mãos. - Lalisa? - surpreendeu-se ao dar de
frente com a filha mais velha parada no centro da sala com uma expressão de
poucos amigos. – O que está fazendo aqui?

Sua mãe apareceu logo em seguida com as mãos no coração e Paul desceu
correndo as escadas parando ao lado da irmã.

– Lisa? - chamou preocupado como se falasse com uma louca. Ele tinha
retornado para passar um tempo com os pais, nunca deixou de ser um baba
ovo de qualquer forma. - Você está bêbada?

Marco abaixou a arma e uma carranca se formou em seu rosto. A matriarca


dos Manoban agarrou seu braço impedindo-o de fazer uma besteira com a
filha.

– Eu estou esperando uma explicação para essa atitude, Lalisa! - exclamou


autoritário.

Lisa não pareceu abalada com o tom de voz do pai, pelo contrário, ela apenas
conseguia sentir mais raiva e nojo daquele homem a sua frente.
– Pouco antes de ir embora do escritório, - começou sentindo a voz rouca. –
uma mulher apareceu pedindo por ajuda. Demorou um pouco até que eu a
reconheci, era Helena. – Marco petrificou. Helena costumava ser empregada
dos Manoban quando Lisa ainda era pequena. - Ela queria reclamar pensão
ao homem que a engravidou e procurou a ajuda de uma advogada. Ela só não
contava que a advogada fosse filha desse homem.

As palavras foram lançadas como num deboche.

Paul deu dois passos para trás olhando diretamente nos olhos da irmã com
compreensão no olhar. Charlote ficou estática em seu lugar e Marco pareceu
ter levado um soco na face.

Os três tinham olhos arregalados para Lisa naquele momento, sua fúria
contida em cada palavra passou o ódio que estava guardado dentro daquele
coração Manoban.

Charlote tremia demais e Marco nunca esteve tão envergonhado em sua vida.
Paul estava com medo do que a irmã mais velha faria.

– É verdade? - perguntou Lisa com as lágrimas descendo descontroladamente


e o rosto vermelho.

Charlote adiantou-se para a filha:

– Lalisa, minha filha...

– É verdade? - gritou fazendo todos saltarem com a atitude.


Charlote recuou no mesmo instante e apenas balançou a cabeça
positivamente. Ter a verdade confirmada bem a sua frente, mesmo já sabendo
dela, fez sua cabeça rodar e o estômago doer como se a perfurassem por
dentro. Ela lançou um olhar magoado para o irmão.

– Você sabia?

Paul também balançou a cabeça, incapaz de dizer algo. Lisa levantou a cabeça
para o alto perguntando-se o porque daquilo estar acontecendo com ela, tanta
dor dentro de si, a cada momento, traída pelos seus pais.

Ela abaixou a cabeça a lançou um olhar direto ao pai, não um olhar magoado
ou questionador, mas sim de ódio.

De certeza. Ela não conhecia aquele homem na sua frente, não passava de um
desconhecido.

O olhar pareceu afetar o homem, aquela fortaleza inabalável, Marco


estremeceu! Ele mal podia sustentar o olhar da filha.

Com dificuldade, ele olhou para a mulher e para Paul, e assim, deu as costas
ao que estava acontecendo e entrou em seu escritório, o som da chave sendo
girada pode ser ouvido, Lisa permaneceu no mesmo lugar, observando a
madeira envernizada.

Braços acolhedores tocaram o ombro de Lisa que se esquivou, com raiva


demais para deixar-se ser tocada por qualquer pessoa. Era Paul, que se postou
ao lado da mãe, ele chorava em silêncio agora, triste pelo que a irmã estava
passando, infeliz por ter falhado em protegê-la de toda essa dor.
– Vocês não cansam de me decepcionar? - a voz de Lisa saiu embargada,
porém, controlada.

– Eu não quero perder você outra vez. - disse Charlote encarando o chão com
os olhar triste.

Lisa suspirou forte e levou a mãos aos cabelos outra vez.

– Tudo o que eu precisava era de pessoas que fossem sinceras comigo e me


dissessem a verdade. Eu sou uma boneca na mão de vocês, posso ser
manipulada, como fui por todo esse tempo. Sempre criaram uma fantasia,
uma família perfeita que nunca existiu! - gritou alto, queria ter certeza de que
seu pai a estava ouvindo.

Queria ter certeza de que sua alma estaria limpa assim que terminasse.
Caminhou de um lado para o outro abraçando a si mesma. Ouviu um soluço
alto de Charlote, e ela gaguejar nas palavras, sem saber o que dizer.

– Como você pôde perdoá-lo? Depois de tudo o que ele fez, depois de destruir
minha vida quando eu era apenas uma adolescente. Por que, mãe? - virou-se e
deu de topo com sua mãe agarrando seus braços, pedindo suplicante para que
a ouvisse.

– Eu ia embora, Lisa. Eu juro que tentei. - seus olhos ficaram vagos, como se
lembrasse daquele dia. - Tudo estava pronto, eu nunca mais voltaria. Mas,
então eu comecei a observar você, Paul e Daniela. A forma como se davam
bem, suas discussões, Deus, a casa ficava tão cheia, como uma família de
verdade. - olhou de volta para a filha, ela já não tremia mais, mas chorava. -
Eu não pude. Tem noção de como é para uma mãe perder sua família? Eu
não... Não consegui.
(Play na Música: Something inside - August Rush)

When the one thing you're looking for


Is nowhere to be found
And you back stepping all of your moves Trying to figure it out
You wanna reach out
You wanna give in

Alguns segundos em silêncio, apenas mãe e filha observando uma os olhos da


outra, como eram idênticos, mas com significados tão diferentes.

– Você decidiu ignorar o que ele fez. - acusou Lisa.

Charlote negou, relaxando a força nos braços da filha.

– Eu decidi ficar com ele por... Por todas as coisas boas que ele fez. - enxugou
a própria lágrima e deu um pequeno sorriso para Lisa - E não parti por um
erro. Eu decidi perdoá-lo.

The last thing you say as your saying goodbye Something inside you is
crying and driving you on
It's the first thing you see as you open your eyes
The last thing you say as your saying goodbye Something inside you is
crying and driving you on

Lisa negou com a cabeça chorando mais ainda, afastou os braços da mãe de si
e recuou alguns passos sem tirar os olhos dela.
Ela sabia por dentro que Charlote sempre fora uma pessoa boa, quase nunca
concordava com as coisas que Marco fazia. Ela só não entendia porque sua
mãe suportava tudo calada.

A última coisa que Paul e Charlote puderam ouvir, foi a porta sendo fechada
com violência. Lisa saiu descontrolada, o ódio já não a dominava como antes,
agora era apenas a tristeza, um coração partido. Estraçalhado.

Enxugou as lágrimas para que ninguém a visse naquele estado e pegou o


primeiro táxi que apareceu para a casa de Jennie.

Ela precisava voltar a New York o mais rápido possível.

Cause if you hadn't found me


I would have found you
I would have found you

Lembra-se de observar o pai quando era pequena. Ela adorava passar horas
sentada no chão do escritório olhando a forma como ele atendia o telefone,
tratava as pessoas, era tão determinado, como um Manoban.

A garotinha Lisa sonhava em um dia poder ser como ele, e agora desejava
nunca ter tido aquele sangue em suas veias.

***

Chaeyoung ao abrir a porta teve seu coração parado no mesmo instante.


A imagem surreal que vê faz sua alma chorar antes de abraçar um Lisa de
olhos tristes. Ela tinha uma Lisa derrotada a sua frente, ombros caídos,
respiração alterada, olhos vermelhos de tanto chorar.

– Lisa, o que houve? - perguntou já sabendo a resposta pelas mensagens de


Jennie.

So long you've been running in circles


'Round what's at stake
But now the times come for your feet to stand still in one place
You wanna reach out
You wanna give in
Your head's wrapped around what's around the next bend

Ela encarou Chaeyoung profundamente, mas ao contrário das outras três


pessoas, ela tinha carência.

Chaeyoung abriu caminho para que Lisa entrasse em sua casa em passos
lentos, absorvendo a verdade.

Seguiram para o quarto e a Lisa se jogou na cama enxugando as lágrimas que


ainda banhavam seu rosto.

Chaeyoung segurou sua mão.

- Eu sinto muito pelo seu pai. - Lisa sabia que ela estava sendo sincera, e isso
a confortou. – Eu queria poder consertar esse coraçãozinho partido com
muitos beijos e carinho.
Oh, lágrimas. Coração que se refaz lentamente, aquele súbito frio na barriga
que faz o corpo inteiro arrepiar. Lisa sentiu tudo isso, pois, ao lado de
Chaeyoung, qualquer dor caía no esquecimento.

– Será que eu posso dormir aqui com você? - aquilo saiu tão infantil de Lisa,
que Chaeyoung teve vontade de ama-lá pelo resto de sua vida.

The last thing you say as your saying goodbye Something inside you is
crying and driving you on
It's the first thing you see as you open your eyes
The last thing you say as your saying goodbye Something inside you is
crying and driving you on

Se ela podia? Era tudo o que Chaeyoung mais queria, tudo o que ela mais
precisava, era isso, Lisa era dela e ela era de Lisa, era assim que as coisas
funcionavam.

Ela cuidava de sua Lisa frágil, sempre soube como fazer isso, aprendeu a
conhecer os maiores medos de Lisa, e as formas de afrontá-los dela.

As duas mulheres deitaram-se frente a frente, ainda de mãos dadas. Lisa não
tinha parado de chorar, mas ela sabia que isso aconteceria em algum
momento da noite.

Ela só precisava sentir que Chaeyoung estava perto para saber que estava
protegida, que os problemas não eram nada se ela estivesse com o seu amor.

Cause if you hadn't found me


I would have found you
I would have found you
Ela só precisava... De Chaeyoung. A sua Chaeyoung.

_______

42

Dia 1.

Point Of View Lalisa.

17 dias até o casamento.

A primeira coisa que sentiu ao abrir os olhos foi uma forte dor de cabeça.

Lisa sentiu-se tonta com a luz do sol refletida na janela do quarto, então se
forçou a fechar os olhos novamente e se espreguiçou às cegas buscando o
travesseiro para tapar o rosto da claridade que incomodava sua terrível
ressaca, e os sentimentos ruins que permaneceram da noite passada.

Lisa apalpou a cama até sentir uma mão fria e assustar-se quase caindo do
outro lado da cama. Esse movimento fez sua cabeça doer ainda mais.

Do outro lado uma figura Chaeyoung ria timidamente da situação da mulher,


que agora podia sentir as dores em todas as juntas do corpo, pois Lisa poderia
jurar que ainda estava sob o efeito do álcool, então voltou a se deitar ao lado
de Chaeyoung que estava apoiada no braço direito observando uma Lalisa
atrapalhada enquanto seu coração voltava ao normal.
– Tinha me esquecido de como você é espaçosa. – comentou Chaeyoung
baixinho e com uma voz doce que fez Lisa abrir os olhos e encará-la
admirada.

As duas se fitaram por alguns segundos, ambas encantadas com a presença da


outra, Chaeyoung sentia a paz em seu coração solitário, aquela paz que sentia
sempre que acordava e se deparava com uma cabeleira loira ao seu lado em
outros tempos.

– Acho que eu poderia ficar aqui e esquecer que meus pais e Luhan existem;
que um mundo lá fora existe. – disse Lisa esfregando o rosto com as mãos.

Ouviu uma risada abafada ao lado.

– Essa é a sua casa também, você pode ficar aqui e esquecer o mundo, amor.
– brincou a pequena aproximando-se da Lisa. – Apenas fique comigo, e eu lhe
darei toda a força que tenho, não usei quase nada, juro!

Lisa achou aquilo extremamente adorável.

Não pode evitar ao se dar conta de que tinha puxado Chaeyoung para mais
perto e lhe dado um selinho demorado, seguido por um abraço reconfortante.

Chaeyoung deitou a cabeça em seu peito, pensava que talvez não houvesse
nada melhor do que ouvir as batidas calmas do coração de sua amada. Ela
segurou uma das mãos de Lisa com força e cantou baixinho, para que apenas
as duas pudessem ouvir:

– I know you haven't made your mind up yet, but I would never do you
wrong. I've known it from the moment that we met. No doubt in my mind
where you belong... Eu sei que você não se decidiu ainda, mas eu nunca te
faria nada de mal. Eu soube desde o momento que nos conhecemos. Não há
dúvida na minha mente de onde você pertence.

Algumas lágrimas teimosas escaparam dos olhos de Lisa fazendo-a


perguntar-se por onde sua mente havia andado ao não perceber que estava
frente a frente ao amor de sua vida.

– Quer me contar exatamente o que aconteceu? Com Luhan e Helena? –


perguntou preocupada, sua mão enrolada em um carinho leve nos cabelos
loiros.

Lisa suspirou pesadamente e guiou sua mente aos acontecimentos daquela


noite.

– Eu tinha voltado do The Village e encontrei uma mulher em meu escritório,


era Helena. Sei que ela me procurou sabendo quem eu era, ela queria que eu
soubesse o que meu pai fez. De certa forma eu desejava não saber. – riu
nervosa. – Meu pai traiu minha mãe quando eu tinha 7 anos e o resultado
dessa traição foi a gravidez de Helena. – seus olhos se perderam na parede
vermelha do quarto relembrando os tempos antigos. – Eu liguei para Luhan e
pedi que ele fosse até o escritório...

A porta foi aberta por um Luhan indiferente. Ele não carregava uma
expressão preocupada como Lisa imaginou que estaria; ele mal parecia se
importar com o que sua noiva tinha lhe contado por telefone sobre seu pai.

Lalisa levantou-se da poltrona enxugando as lágrimas e deu a volta na mesa


lançando seus braços ao redor do advogado. Ele era um de seus melhores
amigos, ele deveria se importar.
O abraço foi correspondido de forma fria e isso magoou Lisa.

– O que houve? – perguntou sentindo a mágoa pela frieza do rapaz atingi-la.


– Por que está assim?

– Assim como? – ele perguntou sério e ergueu as sobrancelhas. – Distante?


Frio? Do mesmo jeito que você vem sendo comigo todo esse tempo em que
tem estado com a Park?

Lisa deu dois passos para trás sentindo o sangue em seu corpo ser sugado
para fora. Luhan balançou a cabeça encarando sua noiva com mágoa, raiva e
decepção.

– Como você sabe? – Deveria ter mais cuidado com as fotos que deixa no
escritório. – Você invadiu meu escritório sem a minha permissão? – Lisa
rebateu nervosa pela invasão de privacidade, mas ao mesmo tempo era uma
forma de adiar o assunto x da questão.

– Isso não vem ao caso agora, Lalisa. – ele afrouxou os dois primeiros botões
da camisa e olhou para os lados parecendo frustrado. Estava suado e
vermelho, um claro sinal de nervosismo que Lisa sempre soube ler no rapaz.
– Você tem me traído desde que chegamos aqui?

A pergunta foi clara e Luhan sabia a verdade, qualquer tolo teria se dado
conta da tensão entre aquelas duas mulheres à milhas de distância desde que
se encontraram, mas tudo o que ele fez foi fechar os olhos acreditando
fielmente que seu relacionamento estava a salvo, que o casamento estava
próximo e nada poderia atrapalhar.
Lisa abriu e fechou a boca contendo sua resposta. Não sabia o que dizer, não
era preciso proferir em voz alta algo que estava claro, então o advogado riu
sem humor da confirmação silenciosa e abaixou a cabeça sem saber o que
fazer.

– Eu passei dias me perguntando se um dia seria o suficiente para você. – ele


disse, a voz baixa e controlada fazendo Lisa sentir-se ainda mais culpada.
Luhan levantou os olhos e a encarou. – Chaeyoung nunca vai poder lhe dar a
segurança e a vida que você e Ethan precisam, Lisa. Eu posso ser o suficiente
se você deixar... E você precisa deixar. – engoliu em seco não contendo as
lágrimas. – Eu abandonei tudo na França por você, eu assumi um filho
mesmo não tendo idade para ser um pai, eu assumi o dever de ser um homem
de família por você e é assim que me agradece? Me apunhalando pelas costas?
Saindo com aquela mulher enquanto eu estava em casa com seu filho? Nós
trabalhamos procurando por justiça, então me responda se acha isso justo?

Usar Ethan como desculpa era o mesmo que atingir o ponto fraco da Lisa e
Luhan sabia disso, essa era a pior parte, o advogado estava tão frustrado que
não podia controlar as palavras que jorravam de sua boca.

Lalisa abaixou a cabeça ferida pelas palavras do noivo, eles eram amigos há
tempo o suficiente para conhecerem os pontos positivos e negativos um do
outro, mas a Lisa não contava com esse lado descontrolado de Luhan.

Nunca, nem sequer uma vez, o vira perder o controle da situação, nem mesmo
com o pai que se igualava a Marco Manoban quando se tratava de
egocentrismo.
Encarando os fatos, aquele era o momento de libertar não somente a ela, mas
Luhan também. Ele não merecia estar preso a alguém que amava
intensamente outra pessoa, é errado, sujo e egoísta.

Ao mesmo tempo em que sua mente a incitava a dizer aquelas palavras, seu
corpo a traía não permitindo que as vocalizasse.

Sua batalha interna de culpa e medo estava de volta martelando sua cabeça
como um bombardeio incessante entre duas tropas rivais de longo prazo.

Esse é o momento. Não seja fraca. Chaeyoung merece isso e você também.

Lalisa gostaria de não ter tanto medo. Queria poder encontrar um gênio,
mágico ou até mesmo o Sr. Morte do filme Click que lhe desse um controle
remoto capaz de mudar sua vida. Pois, naquele momento, com os olhos de
Luhan vermelhos pelas lágrimas que escorriam em sua face e sua postura
frágil, a Lisa sentiu-se a pior pessoa do mundo.

Lembrou-se de seu pai quando pequena, a forma como ele sempre agia
convicto do que estava fazendo, nunca hesitava ou desistia em cima da hora.
Marco sempre foi a segurança e a certeza; nunca a dúvida e o medo.

Deixar Luhan por Chaeyoung era como dar um tiro no escuro, o problema
maior é que Ethan estava ao seu lado no escuro correndo o risco de ser
atingido.

– Não da mais. – ela disse tão forçado que saiu como um ganido. Luhan
estreitou os olhos para a expressão de dor da Lisa. – Eu não posso me casar
com você se ambos sabemos que eu vou traí-lo com Chaeyoung.
Como esperado, Luhan foi o primeiro atingido naquela escuridão. O rapaz
entreabriu a boca chocado com o que estava ouvindo, seu canal lacrimal
incapaz de deter as lágrimas que insistiam em lhe molhar a face.

– Você está terminando comigo? – ele perguntou, mas era retórico. – Lisa,
faltam apenas 17 dias até o casamento, o Buffet já foi pago, o salão, a
decoração, os garçons, tudo está pago! O que vamos dizer aos nossos
convidados?

– Essa não é a sua preocupação, Luhan. – Lisa suspirou.

Luhan concordou com a cabeça e sua voz se tornou um sussurro.

– Não, não é. – engoliu a saliva e enxugou as lágrimas com a manga da


camisa. Quando seus olhos focalizaram novamente os castanhos, estavam
desolados. – Eu não quero perder a única mulher que já amei. Você faz com
que eu me sinta menos estúpido do que o meu pai costuma dizer.

Lá estava a culpa arrebentando todos os princípios de Lisa. Luhan estava


entregue como uma criança com medo de perder uma mãe, tão frágil que
poderia destruir as barreiras de qualquer pessoa. Mas, ao falar sobre o pai,
Luhan fez com que Lisa se lembrasse do porque de ter chamado seu noivo ali.

– Droga... – não encontrava uma maneira de terminar tudo antes de resolver


a situação com seu pai. Lisa se aproximou do rapaz e segurou seu rosto com
as duas mãos ele tremia e soluçava com o choro. – Você é o meu melhor
amigo, Luhan. Eu amo você e não há dúvidas disso, mas... Nós precisamos
ficar separados agora. Eu preciso à Los Angeles resolver meus problemas e
você precisa refletir sobre o que conversamos. Ethan vai ficar com Jennie, ok?
– O que? – Luhan arregalou os olhos. – Você está saindo de casa?

– Nós precisamos ver como é a vida um sem o outro. Preciso que você se
acostume a ficar sem mim, Luhan...

O advogado não esperou que Lisa terminasse seus dizeres, a porta do


escritório foi fechada com violência quando Luhan passou por ela furioso.

Lalisa não percebeu que estava chorando até terminar sua história.
Provavelmente seus hormônios estavam trabalhando com mais afinco
naquele dia fazendo-a reviver avidamente todos aqueles momentos.

Chaeyoung, que estava imóvel na cama ouvindo a história todo o tempo,


prendeu atrás da orelha de Lisa o fio solto que pendia em frente aos seus
olhos.

Havia compreensão nos pretos profundos, assim como havia amor e


paciência.

– Então vocês não terminaram oficialmente? – foi a pergunta chave que Lisa
já esperava.

– Oficialmente, não. Luhan e eu somos amigos desde que cheguei na França,


é como terminar uma amizade de 6 anos porque ambos sabemos que as coisas
não serão mais as mesmas. – fez bico recebendo carinho da Chaeyoung em
seus cabelos. – Nós vamos resolver as coisas agora, ok? Amanhã é o seu teste
e nós vamos juntas, eu quero estar lá com você. – puxou a mais nova para
mais perto e encostou seus lábios na testa de Chaeyoung com carinho. –
Assim que voltarmos eu prometo que resolvo com Luhan e depois podemos
ser apenas nós três, como deveria ter sido desde o começo.
Chaeyoung sorriu e enfiou as duas mãos no emaranhado de cabelos loiros que
mais parecia uma juba de leão de tão desarrumados.

– Nós três, é? – sorriu bicando os lábios da Lisa que fechou os olhos e


ronronou em resposta. – Eu gosto disso.

– Eu amo você. – Lalisa disse, e de repente o sistema solar estava desalinhado


e os vulcões em erupção.

Assim era seu amor por Lalisa Manoban. Explosivo, incontrolável e


insaciável.

– Eu amo você, meu amor.

Elas não poderiam sorrir mais entre os pequenos beijos trocados. Então
aquela finalmente era a paz que elas tanto almejavam?

– O que pretende fazer com seu pai? – Chaeyoung voltou ao assunto, mas não
deixou de distribuir pequenos beijos pelo rosto da Lisa que mantinha os olhos
fechados apreciando seu corpo se arrepiar aos toques delicados de sua amada.

– Vou procurar Helena e resolver esse assunto, se ela quer processar meu pai
quem sou eu para impedi-la? Irei apenas indicar um advogado civil, Marco
Manoban para mim está morto.

Ver uma pessoa dizer esse tipo de coisa sobre o próprio pai não era
exatamente o que Chaeyoung estava acostumada, ainda lhe causava arrepios
o tipo de pessoa que Marco poderia ser, ela simplesmente não entendia como
alguém pode submeter os próprios filhos a uma vida de medos e incertezas.
– Quero estar ao seu lado quando isso acontecer, tudo bem?

Lisa assentiu timidamente e encostou suas testas. Chaeyoung começou a


acariciar o rosto da Lisa deixando-a manhosa.

– Vou preparar o café da manhã. O que será que devo fazer para o meu bebê
manhoso? – brincou e Lisa fez outro bico e levantou as sobrancelhas como
uma criança pidona.

– Que tal waffles e cappuccino? – disse como se fosse um segredo.

– Sabe, minha futura esposa costuma adorar essa combinação de manhã


desde que a conheço.

Lisa impeliu o corpo para frente caindo por cima da Chaeyoung e


aconchegou-se ao peito de Chaeyoung querendo daqueles braços sua morada.

– E essa sua futura esposa é inteligente?

– Muito inteligente. Aliás, inteligente e gostosa.

– Hmm. Então acho que vou confiar nessa mulher que você tanto ama.

Chaeyoung riu gostosamente e apertou o máximo que pôde sua amada, ela
sabia que naquele momento estava segurando seu mundo nos braços.

***

Point Of View Lalisa


Desci as escadas enquanto bagunçava meus cabelos repicados e molhados
depois de um longo banho quente.

Minha cabeça estava bem melhor da ressaca depois de tomar o café da manhã
e alguns analgésicos, agora o que restava era apenas o sentimento de
decepção e a tristeza de ter sido mais uma vez machucada pelo meu próprio
pai.

Não era bem assim que eu planejava reencontrá-los depois de tanto tempo,
mas não deveria ser nenhuma surpresa vindo de Marco Manoban.

A única dúvida que rondava minha cabeça no momento era de Daniela estava
ciente disso, pois se não, e eu realmente acho que não, minha irmã com
certeza perderia a cabeça.

Eu já vestia minha jaqueta, tênis e calça jeans escura, estava pronta para ir
embora e ficar com Ethan na casa de Jennie e Jisoo até que minha vida
estivesse de volta aos eixos.

Do segundo andar eu podia ouvir os acordes do piano na sala, e foi uma


surpresa encontrar Chaeyoung usando meu velho moletom de Columbia, que
havia ficado com ela quando parti, e uma calcinha que aparentemente estava
coberta pelo moletom.

Era uma imagem um tanto quanto excitante vê-la daquela forma e ainda por
cima tocando uma melodia qualquer com os olhos fechados e os pés descalços
acompanhando o ritmo da música.
Eu estava totalmente ferrada, concluí, quando me dei conta de que sempre
seria louca pelo sexo com Chaeyoung. Ela era o meu desejo, minha libido se
tornava insaciável por ela e aqueles lábios, a pele Chaeyoung, os cabelos que
caíam como cascata até o meio de suas costas.

Eu estava perdida no meu desejo por Park Chaeyoung, e se dependesse de


mim, eu nunca mais seria encontrada.

Caminhei até o piano e me sentei na banqueta ao seu lado. Chaeyoung


pareceu notar minha presença quando parou a melodia e virou
milimetricamente o rosto para o lado em que me sentei, mas sem nunca abrir
os olhos.

Quando ela voltou a tocar, todo meu corpo se colocou em alerta ao reconhecer
a música.

(Play na música Crazy in love versão Fifty shades)

Ela estava me testando? Deus sabe que eu meu autocontrole tinha sido
mandado ao inferno há tempos.

Estar com Chaeyoung era viver entre os extremos. Um passeio ao céu e


inferno em poucos segundos.

Troquei de posição na banqueta e deixei uma perna de cada lado, ficando


assim de frente para Chaeyoung e com mais acesso ao seu corpo.

Ela queria brincar com fogo? Então eu a queimaria com o meu.


Sorri satisfeita quando apenas o contato da minha mão aberta sobre sua coxa
a deixou arrepiada, ela vacilou uma nota, mas continuou a tocar como se nada
estivesse acontecendo.

Me aproximei mais se isso ainda era possível e afastei os cabelos para o lado
esquerdo deixando seu pescoço livre e, enquanto minha mão trabalhava
avidamente em apertar e arranhar sua coxa, comecei a distribuir beijos
molhados e algumas mordidas em seu pescoço sem me importar se ficaria
marcado ou não.

Minha outra mão adentrou o moletom por trás arranhando suas costas e
Chaeyoung vacilou outra vez um pouco mais ofegante.

Eu queria possuí-la ali mesmo, em cima daquele piano, mas provocá-la estava
sendo muito mais divertido.

Chupei o lóbulo de sua orelha e mordi, a resposta de Chaeyoung foi


interromper a música abruptamente e estremecer sob meus braços.

– Você me deixa louca. – suspirei em seu ouvido, a excitação pulsando em


meu centro implorando para que Chaeyoung o aliviasse.

Chaeyoung respondeu retomando outra melodia, mas dessa vez ela


cantarolou.

– The only time I'd ever call you, I only love you when you touch me, not feel
me, when I'm fucked up, that's the real me. When I'm fucked up, that's the
real me, babe, babe...Aah... – senti todos os arrepios percorrerem meu corpo e
o sangue em minha veias ferver, cravei minhas unhas em sua coxa e ela
gemeu baixo antes de continuar – Got me looking so crazy right now, your
touch got me looking so crazy right now. Got me looking so crazy right now,
your touch got me crazy now... Now...

Aquilo foi o ápice da minha sanidade e sem pensar suas vezes, subi minha
mão direita arrastando a unha até sua intimidade. Chaeyoung gemeu como
um gatinho, do jeitinho que sempre me deixava louca e eu aproveitei o
momento para acariciá-la por cima da calcinha que já estava molhada.

Ela se curvou arfando com a boca entreaberta e eu apenas assistia


maravilhada com a cena.

No momento seguinte minha mão esquerda estava puxando os cabelos de sua


nuca para que ela virasse o rosto em minha direção, então forcei minha língua
para dentro de sua boca desesperada por aquele contato. Sua língua estava
quente, pegando fogo, totalmente pronta para mim.

Como se quisesse me fundir a ela, pressionei ainda mais nossos corpos em


busca de contato, de algum alivia, mas ainda não parecia o suficiente mesmo
com suas mãos possessivas em meu tórax.

Então eu me levantei e não dei tempo para que ela reclamasse, logo estava
cravando meus dedos em sua bunda e a levantando daquele banco para que
ficasse com as pernas em volta da minha cintura.

– Deus. – ela suspirou entre meus lábios quando sua intimidade, ainda que
por cima da calcinha, tocou minha barriga coberta pela jaqueta e a camisa.

Ela precisava muito ser tocada por mim, eu conhecia cada reação de
Chaeyoung para ter certeza disso, e tê-la rebolando gostosamente em meu
colo era a melhor forma de enlouquecer.
Caminhei com Chaeyoung até encontrar uma superfície sólida e a sentei,
soube depois de uns bons minutos ainda entre os beijos que era o piano, mas
isso não importava realmente.

Ela envolveu meu corpo com os braços e pernas e me abraçou com força como
se quisesse gravar aquele momento para sempre.

Chaeyoung puxou meu pulso esquerdo e beijou a tatuagem há muito tempo


esquecida.

Minhas mãos desceram novamente até suas coxas massageando


uniformemente deixando-a ainda mais excitada.

Parei de beijá–la e a encarei, sua aparência descabelada e os lábios inchados e


vermelhos era oficialmente meu mais novo vicio.

– Te amo.

E ela sorriu. E, inacreditavelmente ou não, eu tive vontade de chorar. Chorar


por tê–la conhecido, por ter tido o privilégio de ser sua escolhida e amada.
Chorar porque Park Chaeyoung era minha e de mais ninguém, era como
receber o melhor prêmio do mundo e ser competitiva o suficiente para não
querer dividi-lo com ninguém mais.

Era insuportável olhá-la e segurar o choro, então ataquei seu pescoço


ouvindo-a arfar em meu ouvido enquanto suas mãos agarravam meu cabelo
com voracidade, puxando-os, maltratando-os.
Chaeyoung agarrou o colarinho da minha jaqueta com uma mão e a outra
deixou trabalhando em meu cabelo molhado, eu instigava meus quadris para
encontrarem os dela tentando aliviar a tensão que eu sentia no meio das
pernas.

Ficamos imóveis por um bom tempo, eu com a cabeça enterrada em seu


pescoço e Chaeyoung abraçando meu pescoço e rindo levemente do
inconveniente.

– Lalisa... – ela gemeu meu nome baixo e eu apertei ainda mais sua coxa
afastando para que tivesse acesso livre a sua intimidade quando afastei a
calcinha azul claro.

Achei que meus joelhos fossem ceder quando meus três dedos a penetraram
de uma vez, ela arqueou as costas e gemeu alto procurando minha boca para
abafar o barulho que fazia e nem assim parecia o suficiente.

Meus dedos entravam e saiam em um ritmo razoável de dentro dela, eu sabia


que Chaeyoung queria que eu fosse mais rápido, mas eu estava gostando
desse jogo de provocação.

O prazer que se apossava do meu corpo apenas por penetrá-la era absurdo, eu
achava que iria desfalecer a qualquer momento e isso só piorou quando a mão
direita de Chaeyoung alcançou minha intimidade por baixo da calcinha jeans
e começou a estimular a região me levando à loucura completa.

Coloquei o rosto na curva de seu pescoço e minha outra mão subiu para os
seios medianos que estavam descobertos por baixo do moletom, nós
estávamos gemendo juntas numa sintonia perfeita, criando nossa própria
música.
Não demorou muito e Chaeyoung chegou ao ápice.

Testas coladas, respirações ofegantes, cabelos desarrumados e bocas


inchadas.

Sorrimos cúmplices e voltamos a nos beijar de forma lenta e apaixonada.

– Minha vez... – ela sussurrou e eu só entendi o que ela quis dizer quando
suas duas mãos começaram a desabotoar minha calça. Eu teria sido muito
feliz se a campainha não tivesse tocado logo a seguir jogando um balde de
água fria em ambas. Chaeyoung me olhou divertida e eu fechei a cara
recebendo seu abraço de consolo. – Mais tarde você vai ser todinha minha. –
ela disse antes de saltar do piano e correr até a porta.

É claro que eu tentei protestar sobre ela abrir a porta usando apenas moletom
que, mesmo ela tendo o puxado para baixo, suas coxas, ainda mostrava mais
do que devia. Além, é claro, de sua aparência pós-sexo, mas deixei essa passar
porque estava satisfeita do meu trabalho.

A segui de perto até a porta e quando Chaeyoung abriu, eu quis atirar o


primeiro objeto que encontrasse na frente.

Sana e Momo estavam paradas à porta com a maior cara de cínicas do mundo
por verem nossas aparências.

– Oi. – disse Momo erguendo uma sobrancelha como se fosse inocente. –


Atrapalhei algo?

– Sim. – respondi grosseiramente


– Não. – Chaeyoung disse ao mesmo tempo.

A olhei feio e depois voltei a encarar as duas intrusas.

– Aconteceu algo?

Momo balançou a cabeça negando e sorriu.

– Eu soube o que... Uh, o que aconteceu com Lisa e corri pra New York o mais
rápido que pude.

Então eu fuzilei Sana que recuou um passo e ergueu as mãos em sinal de


inocência.

– Ela apareceu igual um fantasma no apartamento, eu juro! Momo deve ser


louca, eu tentei recomendar um psiquiatra muito bom que conheci outra noite
na boate e...

– Eu estou bem, Momo. – a cortei me dirigindo novamente à outra. – Estou


hospedada na casa de Jennie e Jisoo até resolver algumas coisas.

Momo parecia desapontada com as novidades, talvez ela esperasse que eu


dissesse que estava desolada ou algo do tipo.

– Então eu tirei minhas férias atrasadas atoa?

Sana fez um som nasal.


– Você não tinha nem que estar aqui, linda. – revirou os olhos. – Vamos,
deixe as pombinhas se divertirem.

Sana deu as costas e começou a caminhar em direção ao carro enquanto


Momo ficou nos encarando como se pensasse em algo muito importante.

– Vocês estavam transando, não é?

Chaeyoung escondeu o rosto no meu ombro com vergonha e eu bati a porta


na cara de Momo.

Ainda foi possível ouvir a risada histérica de Sana e os xingamentos de Momo,


mas eu não me importava, estava irritada por não ter ganhado carinho.

– Hm... Então eu já vou indo. – anunciei tateando minha calça a procura da


chave do carro. – Onde estão minhas chaves?

Olhei para Chaeyoung que agora estava ao lado do sofá rodando minha chave
no dedo.

– Você não vai.

– Eu preciso ficar com Ethan, ele deve estar confuso sobre estar com Jennie e
eu já estou há muitas horas longe dele, Chae. – falei tristemente enquanto me
aproximava. – Eu te vejo amanhã, ok?

Chaeyoung negou e levou as mãos às costas quando ameacei pegar as chaves.

– Chaeng... Por favor. É final de semana e provavelmente Jennie e Jisoo


querem aproveitar...
– Não.

– Não vai mesmo me deixar ir embora? – ela negou outra vez. – Ok...

Eu me afastei como quem não quer nada, mas logo me virei e corri em direção
a ela tentando pegar as chaves, mas Chaeyoung saiu correndo pela casa como
uma criança.

– Lisa, não! – ela gritou tentando pôr as chaves para cima. – Não! Não! Não!
– ela correu pela sala e eu consegui alcançá-la e jogá-la no sofá.

– E então, vai se render? – perguntei maliciosamente me sentando em sua


barriga e me inclinando para ela que ainda mantinha os braços esticados e as
chaves fora da minha vista.

– Uhn. – fez ela e nesse momento ouvi a campainha tocar. Eu já estava


praguejando Momo e Sana por terem voltado. – Nunca! – então ela projetou a
parte de baixo de seu corpo para cima me derrubando do outro lado do sofá,
trocando as posições. – Acho bom se conformar!

– Pediu comida? Não cozinha mais, não? – perguntei gargalhando.

– Você me deixa com preguiça, mulher. – retrucou rindo também.

Ela correu até a porta e a abriu, revelando um homem jovem, bonito e um


sorriso estúpido na cara.

Então eu reparei novamente que os trajes de Chaeyoung eram


definitivamente roupas de usar em casa e longe de qualquer olhar masculino.
– Pode ficar com o troco. – disse Chaeyoung pegando a comida com um
sorriso enorme.

– Não pode, não. – falei carrancuda.

– Er... – Chaeyoung ficou vermelha – É claro que pode, eu faço questão.

– Obrigado – falou o moço.

Eu caminhei furiosamente até a porta e sorri debochada.

– É, o cheiro está bom. Pode ficar com o troco, afinal, quem vai nos
proporcionar um jantar pra comemorar nossa volta, realmente merece. Não é
mesmo, meu amor? – eu enlacei a cintura dela e a olhei de um jeito obsceno,
até mesmo para mim. Voltei minha atenção para o homem e dei um
tchauzinho silencioso com a mão para o rapaz estupefato enquanto chutei a
porta. – Você deveria ter um roupão ou qualquer coisa assim. – depositei a
comida na mesa de centro e me sentei no chão, retirando um suculento
pedaço de carne.Chaeyoung me observou por um minuto, então pegou um
brócolis de sua comida e sensualizou com ele. Ou ela pensou que estava
sensualizando. – Qual é o seu problema? – brinquei mordiscando a comida.

– Você é meu problema. – respondeu ela com voz zombeteira. – Brócolis é a


segunda prioridade na minha lista.

– Você tem uma lista de coisas preferidas?

Ela sorriu.
– Não se preocupe, você está no topo dela.

Uma vida feliz é somente uma sequência de momentos felizes. Mas a maioria
das pessoas não permite o momento feliz porque está muito ocupada
tentando conseguir uma vida feliz. – Abraham-Hicks

Dia 2.

Point Of View Chaeyoung.

16 dias até o casamento.

Suspirei audivelmente quando Lisa parou o carro em frente ao Avery Fisher


Hall, no Lincoln Center, a sede da filarmônica de New York.

Se eu estava com medo? Aterrorizada.

Apesar de aquele lugar ser familiar para mim que estive no comando por
alguns anos, era diferente voltar como alguém que desistiu de tudo.

Meu coração batia descontroladamente no peito e se não fosse pela mão


segura de Lisa sobre a minha, talvez eu não estivesse nesse momento
atravessando as portas daquele lugar.

Estava cheio.

As audições eram marcadas por hora, mas sempre havia os que tentavam a
sorte de serem encaixados entre os marcados.
– Tudo bem? – ouvi Lisa perguntar, então eu a olhei pela primeira vez desde
que entramos e encontrei meu lar, minha segurança, meu ponto de paz.

Ainda em seu colo estava um Ethan adormecido, e olhar para ele me dava
coragem para enfrentar qualquer coisa.

– Sim. – respondi e entreguei meu nome para a recepcionista.

Eu queria estar ali? Essa era uma questão que ainda me assombrava desde
que decidi fazer o teste.

Esse era meu sonho de infância, mas ao decorrer do tempo perdeu-se o


encanto e o palco já não era mais a mesma coisa para mim.

Ás vezes, quando eu tocava, era como se apenas meu corpo estivesse presente
enquanto minha alma viajava para um lugar qualquer.

Subimos ate o terceiro andar onde a sala de espera não estava tão cheia assim.
No máximo 20 pessoas esperavam para entrar no palco e serem avaliados,
todos meus concorrentes.

Então por que eu não me sentia como uma competidora? E se aquela garota
de óculos de lua, rabo de cavalo e sobrancelhas grossas fosse melhor do que
eu? Isso importa?

– Qual seu nome?

– Lindsay Lohan.
Estranhei ouvir aquele nome e aquela voz, então ergui o rosto e encontrei
Sana discutindo com o segurança. Lisa, que estava sentada no sofá ao meu
lado com o nosso menino adormecido em seu ombro, me lançou um olhar
incrédulo.

– Sinto muito, senhorita Lohan. – disse o homem. – Não há nenhuma


Lindsay nessa lista.

– É claro que tem! Cheque de novo. – ela disse de uma forma cínica, e eu
soube que era o momento certo para intervir.

– Sana? – chamei ganhando sua atenção e o segurança me olhou curioso. –


Ela está comigo, pode deixar.

O rapaz me conhecia de longa data e talvez por isso a tenha deixado passar
depois de ter mentido sobre seu nome.

Sana o fuzilou e caminhou até a sala de espera analisando todos que estavam
ali.

– Nossa, seus concorrentes são todos nerds. – ela riu e eu estalei o dedo para
que ela calasse a boca.

– O que está fazendo aqui?

Ela riu.

– Vim avisar que Momo, Jennie, Jisoo, Daniela e eu vamos estar lá em baixo
com cartazes e buzinas na sua torcida. Arregalei os olhos sobre aquelas
palavras e outra vez ela começou a rir como idiota da minha cara. – Eu estou
zoando você. Estamos lá em baixo esperando e depois podemos comemorar
sua vitória no Riverside, ok?

Concordei com a cabeça e recebi um beijo na bochecha de boa sorte. Eu não


queria todas aquelas pessoas criando expectativas sobre mim, era para ser
algo particular entre Lisa e eu, mas pelo visto a irmandade nunca seria
quebrada e talvez eu devesse agradecer por isso.

Voltei a me sentar com Lisa e descansei minha mão sobre sua coxa.

– O que ela queria?

– Avisar que estão todos lá em baixo torcendo por mim e que assim que
sairmos daqui vamos ao Riverside.

Lisa arqueou as sobrancelhas e passou o braço livre sobre o encosto da


poltrona me aconchegando mais em si.

– Temos outra escolha?

– Podemos fugir. Senti, pela sua respiração, que ela estava sorrindo.

03 de Março de 1998. – Camberra, Austrália.

– Chae, venha cá. O que quer aprender? – perguntou Mark quando viu sua
pequena passar correndo pela sala com uma asa de fada presa em suas costas.

– Piano. – ela extasiada e viu o sorriso do pai crescer.


– Muito bem! – ele bateu palmas e os dois caminharam até o piano preto
próximo à chaminé.

Chaeyoung sempre pedia que o pai tocasse a mesma música chamada Kiss
from a rose, e o homem tinha decidido que era hora da menina aprender um
pouco mais sobre piano.

– Papai? – Chaeyoung chamou depois de anotar mentalmente alguns acordes


difíceis que Mark prometeu que não teria problema se ela não os decorasse
naquele momento.

– Sim?

– Te amo. – disse vergonhosamente.

– Eu também te amo, minha pequena. – falou ele a colocando em seu colo.

Fim do flashback.

– Park Chaeyoung? – uma voz me tirou de todos as memórias que tinham


invadido minha mente.

Senti Lisa me cutucar pela cintura e ergui o rosto encontrando uma mulher
baixa que usava um headset e segurava uma prancheta.

Ao ouvir meu nome, as pessoas na sala de espera começaram a cochichar


entre si, mas eu fingi que não os tinha visto e me virei para Lisa.

– Eu te amo. – eu disse como se isso fosse me dar sorte.


Ela sorriu e beijou minha testa.

– Eu amo mais.

Fiquei em pé e me aproximei para beijar os cabelos de Ethan, eu queria que


meu menino estivesse acordado neste momento para que seus olhos
profundos me dessem ainda mais sorte.

Segui a moça de sorriso simpático através da cortina preta e ela me indicou a


entrada do palco.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8...

Dei uma olhada através da cortina e pude ver os dois maestros sentados no
auditório esperando por mim.

Só então notei que minhas mãos suavam e tremiam, então tratei de esfrega-
las no vestido preto que eu usava e entrei.

Caminhei com um meio sorriso no rosto até o meio o tripé no meio do palco e
pisquei os olhos algumas vezes deixando-os que se acostumasse com a
claridade do holofote.

Os dois maestros, um que se parecia muito com Carlisle Cullen do filme


crepúsculo, e outro moreno de óculos me olhavam com sorrisos gentis.

– Boa tarde, Srta. Park. – o moreno cumprimentou. – É um prazer tê–la aqui


novamente.

Eu sorri e senti minhas pernas quase cederem.


– Boa tarde, eu estou muito feliz de estar aqui outra vez. Obrigada pela
oportunidade.

O moreno assentiu e o Sr. Cullen tomou o microfone.

– O que nossa estrela preparou essa noite?

Só eu que senti um tom de ironia quando me chamou de estrela? Ok.

– Eu estarei tocando Kiss from a Rose do Seal.

– Boa sorte. – disse o moreno e eu assenti me dirigindo até o piano de calda


um pouco mais à direita do palco.

Respirei fundo e me sentei passando os dedos artificialmente sobre as teclas.

Busquei no fundo das minhas memórias o sorriso do meu pai e a confiança


que ele sempre costumava me dar.

Então eu comecei a tocar.

(Play na música Kiss from a rose – Giampaolo Pasquile)

29 de Outubro de 2000. – Camberra, Austrália.

– Papai. – chamou uma pequena Chaeyoung de laço rosa e vestido da mesma


cor. Ela puxava a calça do pai insistentemente enquanto Diana prestava
atenção no que o Padre dizia. – Por que a gente vem aqui todo dia?
Era sempre o mesmo lugar. Uma espécie de castelo grande e com muitos
detalhes. Na frente tinha um altar. Diana, Mark e Chaeyoung sempre
sentavam num dos vários bancos enormes.

– É a casa do papai do céu, Chaeyoung. Foi ele quem fez tudo o que você
conhece. – respondeu Mark abraçando a pequena que brincava com sua
boneca de pano.

– Como sabemos que ele existe? – perguntou astuta como sempre.

Mark sorriu docemente e respondeu com bondade:

– Isso se chama dom da fé. Você acredita naquilo que não vê. Mas ele às vezes
prova sua existência com o milagre como o que eu tive.

– Como papai?

– Você, Chaeyoung. Você é meu milagre.

Encerrei a música com o rosto banhado em lágrimas.

É incrível como uma simples melodia pode destruir seu emocional em poucos
minutos, mas ali estava eu, Park Chaeyoung, fazendo meu teste para uma das
orquestras sinfônicas mais importantes dos Estados Unidos com o rosto
inchado e banhado em lágrimas.

Quando me virei para os maestros, mãos completamente suadas e frias,


coração disparado como se eu tivesse corrido uma maratona inteira, eu quase
desacreditei quando vi o homem moreno enxugar uma lágrima.
Aquilo era bom, certo?

Levantei–me quase surtando com o silêncio que tinha tomado conta do lugar
e o Sr. Cullen parece ter notado o incômodo.

– Muito obrigado, Sra. Park. Entraremos em contato.

Eu agradeci com um aceno de cabeça e me virei para sair, mas outra voz me
chamou.

– Srta. Park? – era o moreno, eu me virei e esperei pelo que viria a seguir. – O
que você pensou enquanto tocava essa música?

Várias coisas, pensei comigo mesma. Minha mente entrou em um colapso de


memórias e conclusões que talvez nem eu mesma fosse capaz de entender.

– Meu pai. – eu respondi simplesmente. – Eu não estaria aqui hoje se não


fosse por ele.

O moreno assentiu e eu me retirei do palco sentindo-me uma estranha no


paraíso.

_________

Música que a Chaeyoung canta pra Lisa quando estão na cama: Make you
feel my love da Adele.

___________

43
No capitulo anterior de The Red Bow

– Srta. Park? – era o moreno, eu me virei e esperei pelo que viria a seguir.

– O que você pensou enquanto tocava essa música?

Várias coisas, pensei comigo mesma. Minha mente entrou em um colapso de


memórias e conclusões que talvez nem eu mesma fosse capaz de entender.

– Meu pai. – eu respondi simplesmente. – Eu não estaria aqui hoje se não


fosse por ele.

O moreno assentiu e eu me retirei do palco sentindo-me uma estranha no


paraíso.

Dia 2.

Point of View Chaeyoung.

03 de Dezembro de 2023. – New York City, NY.

16 dias até o casamento.

Existe essa coisa em mim sobre pressentir eventos catastróficos em minha


vida que me faz repensar algumas atitudes do meu dia a dia.

Eu não sei bem como começou, e obviamente não sou uma x-men ou uma
supernatural com poderes fantásticos, eu apenas sinto uma pequena dor no
peito e uma vontade imensa de cancelar todos os meus afazeres dos próximos
dias para evitar um acidente, encontros ou quem sabe um adeus.

E então existem os ponteiros do relógio que estão sempre correndo deixando


claro que não estão esperando por nossas atitudes.

O relógio não vai parar e esperar que você decida se quer ir ao shopping ou
não. Se você quer ele ou ela. Se vale ou não a pena sair de casa aos 18.

Essas são atitudes que tomamos no intuito de vencer o tempo e aproveitar


cada segundo que nos resta até o fim do que chamamos de vida na terra.

Eu fiz a minha escolha ao atravessar aquele salão usando uma máscara


pedindo inconsequentemente que Lisa desse uma segunda chance ao que nós
costumávamos ser. Pensando sobre isso agora eu não sei exatamente se foi a
escolha certa, mas quem se importa? Eu não.

A resposta dela pode muito bem ser não, mas ao menos eu não terei a
incerteza do que poderia ter sido se eu não tivesse a tomado para uma dança
lenta.

A definição de viver está igualada as oportunidades que aproveitamos e


também as que perdemos. Cada segundo da sua vida é um momento que não
vai voltar.

Duas horas atrás e eu poderia ter desistido do teste que vai decidir o meu
futuro outra vez. Isso é justo? Parece certo dois homens decidirem se sou ou
não melhor que os outros musicistas? Se eu sou boa o suficiente para estar
nos palcos? Eles podem decidir se eu estou preparada para ser uma boa mãe e
esposa?
Mas, voltando aos pressentimentos que eu costumo ter, algo me diz que em
breve meu caso com Lisa chegará ao seu limite.

Nós estamos no Central Park comemorando o sucesso do meu teste, ou ao


menos era o que minhas amigas pensavam que estávamos fazendo já que eu
não estava no clima para estar fora de casa, pois como já disse, em dias como
este eu desejava me trancar do mundo.

Lisa estava estranha desde que saímos do Avery Fisher Hall, pensativa demais
e menos participativa do que de costume. Por que eu pressentia que seus
pensamentos não eram bons? Eu queria poder não sentir nada.

– E então eu disse "Ou você larga essa faca ou eu chuto seu traseiro, seu
babaca", então ele me olhou de baixo a cima e começou a rir da minha cara. –
Momo contava enquanto estávamos reunidas na sombra de uma árvore.

Ethan e Adam brincavam com Bob, o pastor alemão do marido de Daniela


que as crianças tanto amavam.

– E o que você fez? – Daniela perguntou curiosa, e todas nós esperávamos


ansiosas pela resposta.

– Chutei a bunda dele, ué. – ela deu de ombros e nós rimos enquanto meus
olhos acompanhavam o sorriso amarelo de Lisa.

Nós estamos sentadas em extremidades diferentes da rodinha para não


levantar mais comentários que o necessário sobre nossa relação.
Lisa, igualmente a mim, estava cansada de ser questionada sobre Luhan e o
casamento. Quem não estaria, certo? Por mais que eu quisesse, eu não
conseguia compreender essa indecisão que a deixava um passo mais distante
de ser apenas minha. Eu a amava demais para isso.

– Mas, falando sério agora, o que Junhoe acha dessas suas idas e vindas até
New York? – Jisoo perguntou e eu desviei o olhar novamente para a
conversa.

Momo sorriu.

– Ele entende que minha vida está aqui e que se uma amiga precisar de mim,
eu viajo no mesmo instante.

Todas zombamos com Momo fingindo que ela tinha coração e como isso era
bonito.

– Não sabia que essa coisa tinha tamanho o suficiente para sustentar um
coração. – Sana comentou e recebeu risadas em troca e um olhar fulminante
de Momo.

– Não fale assim dela, Sana. A menos que queira levar um chute. – Jennie
completou e eu abafei a risada com a mão.

– Olha só quem fala, não é? Jennie Kim a esposa babona e Sana, a apaixonada
trouxa por uma caloura da faculdade.

Jennie e Sana fecharam a cara no mesmo instante e foi a vez de Daniela deitar
na grama de tanto rir.
Lisa e eu éramos as únicas neutras no assunto, presas em nossas confusões
emocionais.

– Mommy! – aquela voz que eu tanto amava me despertou de volta ao mundo


e eu vi Ethan se infiltrar na rodinha a mil por hora. Ele usava uma bermuda
bege, all star preto e uma camiseta do The 1975, eu precisava confessar que o
gosto de Lisa sempre me atraiu e o pequeno a nossa frente era a cópia perfeita
dela. Lalisa sorriu para o pequeno e abriu os braços o recebendo em um
abraço apertado. Todas nos calamos quando eles se olharam, a interação era
uma cena perfeita entre mãe e filho. – Eu quero ver o lago, podemos ir?

Os olhos de Lisa brilharam e eu tenho certeza que os meus também.

– É claro, meu amor. Você quer chamar Adam para ir com a gente?

Ethan olhou para o primo, que ainda brincava com o Pastor Alemão no
gramado, e deu de ombros.

– Ele não quer ir. – então olhou para todas nós com um sorriso tímido. –
Tias! Vocês querem ver o lago com a gente?

– Eu tenho cara de vela, menino? – Sana respondeu e foi cutucada por Jisoo.

– Ai!

– Nah, eu tô fora do passeio meloso das suas mães. – Momo disse e meu
coração parou.

Acho que o de todas pela forma que olharam para ela, assim como Ethan que
franziu o cenho confuso.
– Minhas mães? – ele perguntou olhando diretamente para uma Lisa mais
pálida do que costumava ser. – Ué, eu só tenho uma mãe, e é essa aqui.

Jisoo, Jennie, Sana e Daniela levantaram–se fingindo que nada estava


acontecendo e começaram a recolher as coisas.

Momo, pela primeira vez, parecia não saber o que dizer e permaneceu quieta
acompanhando as meninas na tarefa.

– A tia Momo falou sem querer, bebê. – eu disse já que Lisa estava paralisada
olhando para Ethan como se ele tivesse descoberto tudo com apenas 4 anos.

Ethan riu gostosamente e balançou a cabeça.

– A tia Momo está ficando maluca, mamãe. – ele abraçou a perna direita de
Lisa e eu a cutuquei no braço para que voltasse a realidade. – A senhora quer
ir, tia Chaeyoung?

É claro que eu queria, estar perto daqueles dois era meu objetivo de vida.
Então apenas assenti e levantei estendendo a mão para que Ethan a
segurasse.

– Vocês não vêm? – Lisa se manifestou pela primeira vez se dirigindo para as
meninas.

– Está ficando tarde e Adam precisar tomar banho, mas foi um belo dia,
mana. – Daniela a abraçou e depois a mim. – Aparece lá em casa pra jogar
videogame com seu primo, ok? – apertou o nariz de Ethan que franziu o
cenho em resposta.
Uma a uma as meninas foram se despedindo, com Momo pedindo mil
desculpas, restando apenas Lisa, Ethan e eu.

No fundo eu sabia que elas estavam dando nosso devido espaço, estava
estampado na cara delas sempre que nos era dado um motivo para estarmos a
sós.

O sol estava quase se pondo, Ethan segurava minha mão e a de Lalisa e se


balançava contando histórias sobre a escola, mas ainda havia aquele brilho
diferente no olhar de Lisa.

Eu estava com medo porque de repente me senti com 18 anos recebendo Lisa
no dia em que ela me deixou. Era o mesmo olhar, eu só não entendia o
motivo.

Nós caminhamos em silêncio até a pequena ponte onde Ethan soltou a minha
mão e pediu colo para Lisa.

Era bonito assistir o Sol esconder-se no horizonte dali, mais bonito ainda era
observar o perfil das pessoas que eu mais amava na minha vida.

– Ele está crescendo. – eu disse no intuito de quebrar o silêncio entre nós. –


Está cada dia mais parecido com você.

Lalisa me olhou pelo canto dos olhos e então se virou completamente. Seu
rosto banhado pela luz escaldante do último suspiro do sol me fez amá-la
ainda mais se é que isso era possível.
Eu vi amor em seus olhos castanhos, eu vi paixão e o que eu mais temia... Eu
vi medo.

– Como pode alguém amar tanto uma pessoa assim? – ela perguntou mais
para si mesma do que a mim.

Ethan conversava sozinho e brincava com as mãozinhas enquanto sua mãe


me olhava com aquela antiga devoção.

– Você me ama, mas ainda está noiva de outra pessoa. – Eu finamente tomei
coragem para enfrentá-la sobre o assunto.

Vi os olhos castanhos se tornarem escuros, vi o peito dela subir e descer em


um suspiro cansado, nós estávamos cansadas.

– Eu vou deixá-lo, Chaeng. – ela chegou mais perto e segurou meu rosto com
a mão livre. – Assim que eu o encontrar eu vou acabar com tudo isso, só me
prometa que estará lá quando nós precisarmos.

Franzi o cenho confusa.

– O que quer dizer?

Lisa balançou a cabeça e olhou para o lago agora refletido pela luz do luar.

– Eu só estava pensando... Enquanto você estava naquele palco decidindo seu


futuro... – olhou para mim outra vez e dessa vez quem sentiu medo foi eu. – O
que vai acontecer quando suas viagens começarem? Quando tiver tour pelo
país a fora, lugares e pessoas para conhecer... Como Ethan vai crescer sem a
outra mãe por perto? Eu sei que é bobagem, mas...
– Lisa, amor... Acalme-se, ok? – pedi e encostei nossas testas. – Mal sabemos
se eu passei naquele teste e se...

Eu nunca pude completar o que estava prestes a dizer. Talvez eu tenha sido
hipócrita o suficiente para agir tão íntima de Lisa em um lugar público, não
por mim, mas por ela e por Ethan.

O que aconteceu a seguir, foi um dos piores momentos da minha vida.

– Lésbicas nojentas! – ouvimos uma voz masculina gritar e Lalisa saltou para
trás com Ethan ainda no colo.

Eu me virei incrédula pelas palavras e encontrei um grupo composto por 3


homens usando boinas e macacões.

– Deixa o papai mostrar o que é estar com um homem de verdade, suas


sapatonas. – O mais alto disse e apertou o membro em um gesto obsceno.

Eu abri e fechei a boca sentindo o choque daquela cena me paralisar, eu


nunca tinha sofrido preconceito assim antes e tal ato me deixou sem reação.

– Mommy? – ouvi a voz assustada de Ethan e o vi segurar o rosto de Lisa


preocupado e com os olhos marejados.

Ele estava assustado e Lalisa parecia que ia desmaiar a qualquer momento.

– O que foi gracinha? Tá com medo de não aguentar o tamanho do meu


amiguinho? Vem aqui e eu vou te ensinar a não ser uma aberração... – O loiro
disse e avançou em nossa direção. Ethan começou a chorar assustado e Lisa o
abraçou contra seu corpo dando passos para trás. – Suas vadias!

Dizem que em situações extremas o medo e o nervosismo causa paralisia em


todo o nosso corpo. Eu me coloquei na frente de Lisa e Ethan e esperei que os
homens chegassem até mim, não adiantaria correr com as pernas bambas e o
coração acelerado da forma que estava, mas o choro do meu menino
despertou meu lado protetor e tudo o que eu poderia fazer era me entregar no
lugar de Lisa.

– Hey! – ouvimos outra voz masculina, dessa vez vinda do outro lado da
ponte. Lisa saltou quando um rapaz trajando roupas de ginasta passou por
nós em direção aos homens. – Sumam daqui ou eu juro que chamo a polícia,
seus imbecis! Tem várias testemunhas observando pessoas covardes como
vocês atacarem duas mulheres indefesas e uma criança. Saiam!

Os homens se entreolharam e partiram ainda proferindo xingamentos sobre


Lisa e eu.

E eu? Eu tremia tanto que precisei me agarrar à grade da ponte para não cair.
Senti a mão do homem que nos ajudou em meu ombro e de repente sua
presença era um conforto.

– Vocês estão bem? – ele perguntou e eu assenti me virando a procura de Lisa


e Ethan.

O pequeno ainda chorava no pescoço dela enquanto ela me olhava com


desespero. Seu olhar estava vidrado, como se ela não estivesse ali, além, é
claro, das lágrimas que escorriam por seu rosto.
– Lisa... – eu tentei me aproximar, mas ela recuou. – Lisa?

Eu não me lembro exatamente o que aconteceu depois disso. Lembro-me


vagamente de ver Lisa ir embora com Ethan e de algumas pessoas se
aproximarem perguntando se eu estava bem ou se...

24 de Outubro de 2059. – New York, NY.

O dia continuava garoando depois de exatamente 4 horas. As nuvens haviam


tomado conta do céu e substituído os raios solares por escuridão. Podia-se
ouvir os ruídos da ventania na janela fechada que batia num som irritante e a
TV ao pé da cama anunciava o fim da guerra no Sul da Ásia.

– O grafite foi apagado com o tempo, não dá pra ler o que está escrito no final
da página. – uma moça de cabelos negros e olhos castanhos disse.

Sua pele era alva, assim como sua mãe que se encontrava deitada na cama de
casal de uma grande suíte.

De certa forma, Sarah, como se chamava a jovem, sabia que sua mãe não
saberia sobre o que ela estava falando no estágio em que o Alzheimer se
encontrava.

– Lisa não quis voltar? Então é isso? Ela ficou com Luhan e deixou a pessoa
que amava? – a voz falha da senhora perguntou.

Ela estava um pouco debilitada por conta da idade e dos tratamentos e Sarah
decidira tirar férias do trabalho, ela era neurocirurgiã, para cuidar da mãe
doente enquanto sua outra mãe voltava de viagem.
Sarah virou a página e se deparou com a data do dia seguinte ao ocorrido,
sentiu certo alivio por saber que a história ainda continuava e sorriu
docemente para a mãe.

– Dia 04 de Dezembro de 2023, já eram quase dois dias sem falar com Lisa...

Dia 3.

Point Of View Chaeyoung.

04 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

15 dias até o casamento.

Eu estava entrando em desespero sem conseguir contato com Lisa. Ela não
atendia minhas ligações, Jisoo e Jennie nada podiam fazer para forçá-lla a
falar comigo.

Passei o dia todo trancada na casa de minha mãe martelando o ocorrido em


minha cabeça e nada fazia sentido.

Em que mundo vivíamos para sermos tratadas daquela forma? Por que o ser
humano precisa ser tão ruim quando tudo o que o mundo precisa é de amor
para ser curado?

Faltei ao trabalho e busquei Ella na escola na tentativa de distrair minha


cabeça. Ela me perguntou o que houve quando viu meu estado e eu contei os
detalhes, ela me abraçou e disse que tudo ficaria bem.

Eu queria poder acreditar em suas palavras naquele momento.


Minha mãe estava na varanda, ainda não tinha se curado totalmente da
depressão, mas ao menos agora saía do quarto. Ela estava embolada em
cobertores e segurava uma xícara de chocolate quente enquanto apreciava a
chegada do inverno.

Era como se sentar ali todos os dias ao pôr-do-sol lhe trouxesse esperança de
que meu pai voltaria.

Eu queria poder ter a mesma esperança. Eu não contei a ela o ocorrido, mas
eu sabia que ela podia ler em meus olhos que nada estava bem. Ela sempre
podia.

Eu me lembro de quando criança ela sempre dizer que chocolate quente


curava tudo. Eu queria que ela estivesse certa.

***

Point Of View Lalisa.

Estacionei o Mustang em frente à tão conhecida casa dos Park.

É incrível como as coisas podem mudar tanto e ao mesmo tempo quase nada,
mas no final das contas você percebe que quem realmente mudou foi você.

Esperei por um tempo ainda dentro do carro analisando a fachada da casa. A


pintura estava descascando e amarelada. Faltava um pedaço da madeira do
degrau e parecia que o terreno não era limpo há anos. A cerca da antiga casa
dos Mccoy estava destruída e pelo jeito não morava ninguém naquela casa.
Eu poderia pensar o mesmo da casa dos Park se não fosse pela senhora
sentada no antigo banco de balanço com uma xícara em mãos.

Meu coração acelerou ao vê–la depois de tantos anos.

Saí do carro e fechei a porta enquanto criava coragem o suficiente para


caminhar até a casa.

Eu não queria estar ali, não para ser atormentada pelas lembranças que
rodeiam cada canto daquele lugar. Como a casa da árvore, agora com boa
parte destruída, que Chaeyoung e eu ajudamos Mark a construir para Ella. A
varanda em que Chaeyoung e eu passamos nosso primeiro natal como um
casal. Droga, eu ainda podia nos visualizar deitadas no gramado observando o
céu enquanto caminhava até a varanda.

Ás vezes eu queria apenas não sentir. Como o terror que percorreu todo o meu
corpo quando fomos atacadas pelo grupo de homens, aquele dia nunca sairá
de minha memória. Ethan chorou quase a noite toda assustado e pedindo pela
presença de Luhan para que nos protegesse.

Eu me pergunto o que teria sido de nós se aquele bom homem não tivesse
aparecido. Chaeyoung teria se sacrificado por nós. Eu me isolei com Ethan na
casa de Jennie até criar coragem para estar aqui. Eu precisava ver Diana e
Ella, eu precisava do perdão daquela parte do meu passado para seguir em
frente.

O problema do destino é que ele é uma merda. Pois não adianta se esconder,
ele sempre vai te encontrar.
– Boa tarde, Lisa. – a mulher me cumprimentou e meu corpo todo se
arrepiou. Ela estava tão mais velha e diferente. A expressão suave e alegre que
costumava tomar sua face fora substituída por solidão e olheiras arroxeadas.
– Eu estava me perguntando quando você viria me visitar.

Ela sorriu levemente e eu juntei minhas mãos na frente do corpo sem saber
direito o que dizer.

– Eu estive muito ocupada nos últimos dias, perdão pela minha falta de
senso, senhora. – eu disse educadamente e a vi me olhar por cima dos óculos.
– Desculpe, Diana. – me corrigi e ela sorriu mais uma vez.

– Você está tão mudada... Tornou–se uma mulher madura e bonita. – ela
continuou e eu me senti corar. – Soube que agora tem um garotinho...

Meu rosto se iluminou com a menção de meu filho.

– Oh, sim. Seu nome é Ethan e ele tem 4 anos... – falei orgulhosamente e
Diana pendeu a cabeça me observando atentamente. – Eu sei o que está
pensando, eu sou uma egocêntrica por usar o nome que Chaeyoung queria...

– Ela ama muito vocês dois, sabe? – a mulher me cortou e eu franzi o cenho.
Então ela explicou. – Chaeyoung.

– Oh...

– Você merece ser feliz ao menos uma vez, Lisa. – ela estendeu a mão e eu a
apanhei sentindo a pele calejada de toda uma vida. – Mark vivia dizendo o
quão orgulhoso era de você. – ela sorriu e eu senti meus olhos marejarem. –
Era Lisa pra cá, Lisa pra lá. Ele sabia que você sempre faria a escolha certa
para a nossa menina. Mas, agora você tem um pequeno que depende de você e
isso te assusta ainda mais. – eu ouvia cada palavra em choque me
perguntando como ela podia saber tanto sobre mim. – Eu sou mãe e também
amei, Lisa. Eu sei o que está sentindo, e também sei que fará a escolha certa
outra vez.

– Lisa? – a voz doce e encantadora preencheu meus ouvidos e eu rapidamente


soltei a mão de Diana para olhar Chaeyoung parada na porta. Ela parecia
surpresa em me ver e eu mais ainda por encontrá-la ali. – O que está fazendo
aqui?

Diana levantou e consigo puxou a coberta, mas antes parou de frente a mim e
passou a mão pelo meu rosto.

– Foi muito bom te ver outra vez, minha jovem. – e sem dizer mais nada,
passou por Chaeyoung entrando em casa deixando-nos a sós.

E eu? Eu estava desarmada.

– Pode me dizer por que não respondeu minhas chamadas? Eu fiquei


preocupada. – Chaeyoung se apressou a dizer enquanto se aproximava, mas
eu recuei. – Como você está? E Ethan? Eu fiquei tão preocupada... – continuei
em silêncio encarando a madeira podre da varanda. Eu não sabia o que dizer
ou fazer, eu mal sabia o que estava acontecendo com a minha vida.
Chaeyoung cerrou os olhos. – Por que algo me diz que você não veio aqui para
me ver?

– Porque eu não vim. – falei sem pensar e senti seus olhos pesarem em mim.
– É melhor eu ir, não sei o que dizer agora e não quero estragar as coisas...
Desci as escadas e comecei a caminhar de volta para o carro me arrependendo
amargamente de ter dirigido até aqui.

– Estragar? Lisa, as coisas não podem ficar mais estragadas do que já estão! –
ela exclamou logo atrás de mim e eu continuei andando. – É o que você vai
fazer? Continuar fugindo sempre que aparecer um obstáculo? Porra, por que
você sempre me deixa no final?

Virei-me bruscamente a fazendo parar quase a centímetros de mim. Eu estava


nervosa pelas suas palavras e por tudo o que vinha acontecendo. Eu estou tão
cansada de sempre ter que tomar decisões, de tudo depender de mim, eu não
tenho a merda de um emocional para aguentar tudo isso.

– O que você quer, Chaeyoung? – praticamente gritei e ela assustou. – Quer


que eu deixe a segurança de Luhan para estar com uma mulher onde eu e meu
filho possamos ser atacados como aconteceu? Ethan chorou a noite toda
assustado, ele está traumatizado pelas coisas que chamaram a mãe dele, como
vou ver meu filho crescer ouvindo coisas assim dos amigos na escola? Na rua?
– comecei a chorar liberando toda a dor que eu sentia, e enquanto isso meu
celular tocava no bolso traseiro da calça, mas eu ignorei. – Como você
pretende administrar sua carreira e uma família estando a quilômetros de
distância? Chaeyoung, eu não sou forte o bastante, você não entende? Eu a vi
chorar muitas vezes. Posso dizer que conheço todos os seus choros: Os
fingidos, os de alegria, os de tristeza, e os que são por mim. Esses são os que
machucam mais.

– Quantas vezes mais você vai quebrar o meu coração? – ela perguntou e
naquele instante eu senti meu mundo cair por entre minhas mãos.
Chaeyoung estava tão frágil que eu tive impulso de abraçá-la, mas seus braços
me empurraram para trás e eu senti o impacto das minhas costas contra a
porta do carro.

(Play na música Angel – The Weeknd)

– Você é o meu primeiro amor, Lisa. – ela disse entre dentes e apontou o dedo
para o meu peito. – E eu quero mais do que qualquer coisa que seja o último.
Mas, enquanto você não tomar uma decisão, nós acabamos. – ela abaixou o
dedo e soluçou com as lágrimas. Eu podia ver a Chaeyoung de 18 anos na
minha frente pedindo para ser amada. – Eu vou te esperar daqui a dois dias
no The Village. Esteja lá as dezenove em ponto e me traga sua resposta.

Angel, oh oh oh oh
Knew you were special from the moment
I saw you, I saw you, yeah I said angel, oh oh oh oh
I feel you're closer every time I call you, I call you

Ela estava dando um ponto final ao que nós tínhamos? Ela estava... Deus.

Engoli as lágrimas e entrei no carro.Dentre todas as pessoas no mundo eu


pensava que Chaeyoung fosse me entender, eu precisava que ela entendesse
que eu não estava pronta para enfrentar a mim mesma tão abertamente. Girei
a chave na ignição e saí com o carro olhando-a pelo retrovisor. E,
infelizmente, algo me dizia que aquela seria a última vez em que eu a veria.

Cause all I see are wings, I can see your wings


But I know what I am and the life I live, yeah, the life I live
And even though I sin, maybe we are born to live
But I know time will tell if we're meant for this, yeah if we're meant for this
Meu celular começou a tocar outra vez e eu atendi sem olhar no visor o nome
da pessoa, eu estava cega de raiva e dor.

– Alô? – atendi grosseiramente. – Lisa? Pelo amor de Deus, Lisa, onde você
esteve? – era Jennie do outro lado da linha, ela parecia aflita e eu
rapidamente me coloquei em alerta.

– Jennie, o que houve?

– É o Ethan... Ele está no hospital.

And if we're not, I hope you find somebody


I hope you find somebody, I hope you find somebody
I hope you find somebody to love, somebody to love
Somebody to love, yeah, yeah, yeah

Empurrei a porta dupla do hospital com violência e passei direto pela


recepção sendo repreendida por algumas enfermeiras. Que se dane, eu
precisava saber se meu filho estava bem, meu coração... Era como se ele fosse
saltar a qualquer momento do meu peito só de imaginar algo ruim
acontecendo com meu bebê.

Encontrei Momo, Sana, Dahyun, Daniela, Jisoo, Jennie e... Luhan? Sentados
na sala de espera, rapidamente saltei em cima de Jennie e a agarrei pelos
ombros.

– O que houve? Onde está meu filho? Ele está bem? Responde, Jennie! – eu a
chacoalhava e Luhan precisou me tirar de cima dela ou eu a derrubaria.
Said angel, woah oh oh oh
You'll probably never take me back and I know this, yeah
I know this, aw man
I said angel, woah oh oh oh
I'm so desensitized to feeling these emotions, yeah, no emotions baby

Fui abraçada fortemente e Luhan sussurrava para que eu me acalmasse.

– Foi só um susto, Jennie não sabia da alergia de Ethan com amendoim e


comprou para ele. – ele contou e eu tentei me soltar dos braços dele para
correr até a porta do quarto onde mantinham meu filho.

Eu precisava vê-lo, precisava ter certeza de que meu bebê estava bem.

– Eu tentei te ligar, mas você não atendia e como Jisoo não estava em casa eu
não pensei duas vezes em ligar para Luhan. Ele nos trouxe até o hospital e os
médicos estão cuidando de Ethan. – Jennie explicou, mas eu não lhes dava
ouvidos, tudo o que eu precisava era ver Ethan.

Cause all I see are wings, I can see your wings


But I know what I am and the life I live, yeah, the life I live
And even though I sin, we are born to live
But I know time will tell if we're meant for this, yeah if we're meant for this

Um médico saiu do quarto e viu meu estado. Eu ainda estava nos braços de
Luhan e chorava com a respiração descompassada, não me importava com o
mundo lá fora desde que Ethan estivesse bem.

– Quem são os pais do menino?


Todos nós levantamos e eu não dei muita atenção ao ato no momento, nada
importava.

– Como ele está? – eu perguntei com a voz arrastada e o médico parecia


confuso com a cena até se dar conta de que eu era a mãe. Ele assentiu com um
sorriso calmo.

– Ethan está bem, foi apenas um susto. O inchaço no rosto já diminuiu e ele
está respirando normalmente. – me tranquilizou e eu soltei todo o ar que não
sabia que estava segurando desde que cheguei ali. – O garoto vai ficar em
observação só por precaução, mas você pode vê–lo.

And if we're not, hope you find somebody


I hope you find somebody, I hope you find somebody
I hope you find somebody to love, somebody to love
Somebody to love, yeah, yeah, yeah

Entrei no quarto e logo o vi deitado de lado brincando com um pequeno


dinossauro na cama. Ele tinha um olhar triste e o rosto vermelho, aquela cena
apertou meu coração quase o machucando.

– Hey, bebê. – eu chamei sua atenção e ele me olhou ainda triste. – Como
você está? Deu um susto na mamãe.

Eu precisava me fazer de forte por ele, mas por dentro eu queria apenas
chorar e abraçá-lo.

– Bem. – Ethan respondeu e voltou sua atenção para o brinquedo.


Deixei minha bolsa na poltrona ao lado da cama e me enfiei em baixo das
cobertas o abraçando por trás. Apoiei meu queixo em sua cabeça aspirando o
cheiro de shampoo de pêssego enquanto minha mão acariciava seus cachos.

– O que houve com o Rex? – perguntei notando que era um dinossauro


diferente.

– Uh... Eu o quebrei enquanto minha gaganta doía. – ele disse e uma lágrima
escorreu em meu rosto. – A senhora não estava lá... Por quê?

Porque eu estava resolvendo a merda da minha vida amorosa como sempre.


Isso já estava afetando meu filho, meus problemas e minhas indecisões
começaram a atingir Ethan e isso era algo que eu não podia permitir. Eu
estava sempre saindo para me encontrar escondida com Chaeyoung e o
deixando para trás, algo totalmente inaceitável. Ethan era minha vida. Meu
tudo. Ele precisava de mim e eu precisava dele. E como uma boa mãe, eu
devia ao meu filho segurança e estabilidade. Algo que em um relacionamento
com Chaeyoung eu não teria.

– Eu estou aqui agora, amor. Não vou sair do seu lado nunca mais, a mamãe
promete.

Ethan virou o corpo completamente até estar com o nariz colado no meu.

– A senhora promete mesmo? – ele era tão inocente...

– Sim, bebê. Eu prometo, e também prometo comprar outro Rex pra você
assim que sairmos daqui.

– O tio Luhan já me prometeu um Rex novinho quando me trouxe aqui...


And even though we live inside
A dangerously empty life
You always seem to bring the light
You always seem to bring the light
And even though we live inside
A dangerously empty life
You always seem to bring me light
You always seem to bring me light

Me perdi em meus pensamentos por um momento. Luhan era minha


segurança e por mais que eu não o amasse, ele era meu melhor amigo, e isso
bastava para que Ethan fosse feliz. Minha felicidade não importava mais, não
quando eu precisava colocar a de Ethan em primeiro lugar.

I hope you find somebody


I hope you find somebody, I hope you find somebody
I hope you find somebody to love, somebody to love
Somebody to love, yeah, yeah, yeah, oh
I hope you find somebody

****

Dia 4.

Narrador.

06 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

14 dias até o casamento.


O cemitério poderia ser um lugar agradável para quem o visse com outros
olhos. O som da brisa contra as árvores, a plenitude do silêncio que faz jus à
frase "descansar em paz.".

Naquela tarde o cemitério local estava quase vazio se não fosse pela mulher de
sobretudo ajoelhada ao lado de um túmulo com os dizeres:

Mark Park. 1965 – 2022

Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem


corajoso experimenta a morte apenas uma vez. – William Shakespeare.

Chaeyoung rezava pela alma de seu pai e pedia por um conselho. Ela sabia
que se ele estivesse vivo lhe acolheria em seus braços e diria que o tempo
mostraria todas as respostas.

O problema da merda do tempo é que ele não para... E novamente, o ponteiro


continua girando...

***

Estar de volta ao apartamento não afagava o coração da Lisa que segurava um


Ethan adormecido no colo.

Ela tinha voltado por insistência do garoto e de Luhan que dizia sentir falta
dos dois, mas Lisa não queria estar ali. Ela queria estar no rancho com uma
suíte que possuía uma estranha parede vermelha de frente para a cama.
Lalisa colocou Ethan em sua cama e voltou para a sala preparando-se para
desfazer as malas.

Estava exausta fisicamente e emocionalmente, tinha afastado suas amigas e se


isolado na própria dor como da última vez. Era como um déjà vu.

O dia estava chuvoso, era como se os céus estivessem de luto por um


sentimento recriminado.

Lalisa aninhou-se ao sofá e abraçou os joelhos observando os pingos de chuva


na enorme janela de vidro.

– Eu sei que você a ama. – Luhan disse logo atrás, mas Lisa não se virou para
encará-lo, ela continuou observando a chuva. – Eu sei disso e também sei que
é algo que não posso mudar. Mas, Lisa, eu posso te dar o que você e Ethan
precisam. Eu nunca faria você chorar e eu sempre cuidaria de vocês dois. – ele
deu uma pausa e a Lisa suspirou. – Eu não vou impedi-la de ir embora se é o
que você quer, apenas saiba que eu posso fazê-la feliz se você me der essa
chance.

E saiu. Como sempre, tudo sempre ficava nas mãos de Lisa.

Dia 5.

Narrador.

07 de Dezembro de 2023– New York, NY.

13 dias até o casamento.


Luhan trabalhava concentrado sobre alguns relatórios no sofá da sala quando
sentiu a voz infantil invadir o espaço em um rosnado.

Ethan atravessou a sala correndo de pijamas e atirou-se nos braços do rapaz


que sorriu e o pegou no colo. Lisa observou tudo da cozinha, absorvendo a
cena com o coração apertado.

Seus olhos correram até o relógio: 18:48.

(Play musica Listen to your heart – Roxette)

O The Village estava cheio como de costume, as pessoas conversavam e a


música tocava alegremente como se não houvesse problemas fora daquele
lugar.

Chaeyoung sentia-se deslocada pela primeira vez naquele lugar que tanto a
agradava, sentia-se vazia e seus olhos não desgrudavam da porta sempre que
a sineta tocava anunciando a chegada de algum cliente.

I know there's something in the wake of your smile


I get a notion from the look in your eyes, yea You've built a love, but that
love falls apart Your little piece of heaven turns to dark

Lisa escorou-se ao batente da porta do quarto enquanto olhava o vestido


branco estendido sobre a cama. Sua farda, seu passe para ser de outro.
Lágrimas escorreram em sua face quando pensou novamente em Chaeyoung.
Ela só não sabia que Luhan a observava logo atrás.

Flashback.
Lisa parou de andar quando finalmente chegou perto da professora. Ethan
saiu correndo pegar sua mochila e esse foi o momento exato entre as duas
para continuarem conversando por olhares.

A perfeição de Chaeyoung não se comparava a mais nada, seria blasfêmia


dizer que existia um ser mais perfeito que ela no mundo Droga, Lisa a
amava. Lisa a amava tanto que chegava a doer.

– Chaeyoung. – deliciou-se com o nome em sua boca, podendo finalmente o


proferir com sua voz rouca e suave.

– Lalisa. – Chaeyoung respondeu de forma fria, mas que atingiu a Lisa em


cheio, bem no coração.

E naquele momento, o quebra–cabeças estava completo.

Fim do flashback.

Listen to your heart


When he's calling for you
Listen to your heart
There's nothing else you can do
I don't know where you're going
And I don't know why
But listen to your heart
Before you tell him goodbye

E relógio do café marcava exatamente 19:00 horas. A sineta tocou e


Chaeyoung quase saltou da mesa esperançosa, mas era apenas um jovem
casal sorridente que aproveitava o que talvez fosse seu primeiro encontro.
Flashback.

– Um Magret de Canard e um Porto Dow Vintage. – disse fechando o


cardápio e o entregando para Eli que saiu com os pedidos e as deixou
finalmente a sós.

– Vinho, uh? – Chaeyoung comentou brincalhona.

– Eu não vou dirigir mesmo. E não é como se alguém fosse me embebedar


para se aproveitar disso depois, não é? – rebateu a Lisa fazendo Chaeyoung
recuar na cadeira e fechar a cara. – Não precisa ficar com ciúmes, Irene não
está aqui e eu não preciso estar bêbada para querer beijar você.

O comentário pegou Chaeyoung desprevenida, ela viu o sorriso malandro


brincando nos lábios de Lalisa porque sabia que tinha corado.

– Você é muito fofa.

– Não é?

– Lisa!

– O que foi? Eu realmente sou adorável.

Fim do Flashback.

Sometimes you wonder if this fight is worthwhile


The precious moments are all lost in the tide, yea
They're swept away and nothing is what is seems
The feeling of belonging to your dreams

Lisa abraçou Ethan contra seu peito e se deixou chorar intensamente


enquanto seu filho dormia tranquilamente em seus braços.

Ela tinha perdido a conta de quantas vezes chorara naquele dia, mas isso não
fazia diferença, tudo doía, estar longe de Chaeyoung a machucava tanto que
às vezes a dor se tornava insuportável.

Ela se odiava por estar fazendo isso mais uma vez consigo mesma e com a
Chaeyoung. Sabia que qualquer um a odiaria somente por ouvir essa história,
mas só ela sabia como era estar em sua própria cabeça, só ela sabia como era
precisar proteger o filho acima de tudo.

***

– O que está esperando, minha querida? – Eli apareceu em seu uniforme e o


tão conhecido sorriso doce.

Chaeyoung suspirou e enxugou a última lágrima que escorreu. Seu relógio


marcava 19:30.

– Eu não estou. – ela sorriu tristemente. – Não mais.

Listen to your heart


When he's calling for you
Listen to your heart
There's nothing else you can do
I don't know where you're going
And I don't know why
But listen to your heart Before you tell him goodbye

– Eu acompanho histórias e mais histórias de amor neste lugar há anos,


Chaeyoung. – ele disse. – Posso dizer quando vejo um coração quebrado.

Chaeyoung piscou algumas vezes e começou a brincar com o guardanapo na


mesa.

– Por que amar dói tanto?

– Amar significa deixar seu coração exposto esperando que a outra pessoa o
tome para si e não o machuque.

– Esse é o meu problema, Eli; meu coração sempre é machucado pela mesma
pessoa.

***

Luhan sentou–se a mesa do escritório e abriu a gaveta a procura das fotos que
guardara consigo.

Lisa não sabia, mas ele havia tirado cópias de suas fotos antigas como
Chaeyoung para usar como provas caso necessário, mas agora servia apenas
como tortura.

Olhando para elas agora, ele via o olhar sorridente de Lisa que ele jamais vira
enquanto estavam juntos. Ele não queria Lisa infeliz... Mas, por que é tão
difícil deixá–la ir? O que Chaeyoung tinha que ele não possuía?

E é ai que vem a resposta: O coração de Lisa.


And there are voices
That want to be heard
So much to mention
But you can't find the words
The scent of magic
The beauty that's been
When love was wilder than the wind

Chaeyoung foi recebida por um abraço caloroso de Ella quando chegou em


casa. A jovem soube pela expressão da irmã que as coisas não tinham saído
como desejado.

Ella queria poderia odiar Lisa por fazer sua irmã sofrer, mas ela não entendia
porque não podia.

– Chegou isso pra você. – ela estendeu uma carta para Chaeyoung.

Elas sabiam o que era. E, bem... Chaeyoung fora aceita.

Listen to your heart


Take a listen to it
He's calling for you
Listen to your heart
Take a listen to it
Else you can do
I don't know where you're going
And I don't know why
But listen to your heart
Before
You tell him goodbye

24 de Outubro de 2059. – New York, NY.

– Lisa o escolheu. – a voz fraca da mulher tirou Sarah dos devaneios do


diário. Ela sentia-se desolada por aquela história, e sentia-se ainda pior em
saber que sua mãe a vivera. – Foi como sentir a mesma dor duas vezes.

Sarah surpreendeu-se com as palavras da mãe. Ela não costumava se lembrar


há um bom tempo e de repente ela estava falando sobre isso.

– Você se lembra, mãe? Se lembra da noite em que Lisa escolheu Luhan?

A senhora virou o rosto para a filha que tinha os olhos marejados. Ela
estendeu a mão e Sarah entendeu que ela queria se levantar, o que era outro
bom sinal, pois ela não saía daquela cama há quase três semanas.

Sarah ajudou a mãe a caminhar com dificuldade pelo quarto e só entendeu o


que ela queria quando pararam de frente para um piano.

– Mãe? – Sarah chamou, mas não obteve resposta.

A senhora sentou-se na banqueta e dedilhou o piano fechando os olhos. Era


como reconhecer a música depois de tanto tempo...

(Play Rose's Theme – TITANIC)

Quando os dedos enrugados começaram a tocar uma melodia, Sarah abriu a


boca surpresa e rapidamente puxou uma banqueta para sentar ao lado da
mãe.
Com o diário em mãos, a jovem o folheou de volta à primeira página onde
tudo começou.

4 de Outubro de 2016. – New York, NY.

Há coisas das quais costumamos esquecer rapidamente. Como o rosto


daquele amigo da quarta série, o nome da sua antiga vizinha ou a voz de uma
pessoa especial. Eu costumo me esquecer algumas notas e melodias com mais
frequência do que gostaria de admitir.

Eu poderia até mesmo me esquecer da música que estava tocando esta tarde
quando uma estranha invadiu o auditório e me aplaudiu reproduzindo falas
do filme Titanic. Mas, eu nunca me esquecerei daqueles olhos castanhos.

______

44

_____

11 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

09 dias até o casamento.

Narrador.

O quarto parecia bem menor do que ele realmente era desde que tudo
começou. Ou como Lisa costumava pensar, desde tudo terminou.
As janelas fechadas, luz apagada e TV ligada no mudo servindo apenas como
fonte de luz para o ambiente, era assim que Lisa se encontrava nos últimos
dias. Depressão? Não. Ela havia se trancado do mundo por vontade própria,
por sentir vergonha de si mesma e de sua covardia com Chaeyoung.

Lalisa sabia que todos a julgavam e mesmo assim decidiu não os confrontar,
ninguém pode entender o que não conhece; ninguém está em sua cabeça
sendo atormentado por demônios da infância.

"Não há céus sem tempestades, nem caminhos sem acidentes. Não tenha
medo da vida, tenha medo de não vivê–la intensamente. Talvez seu maior
medo fosse viver intensamente."

Luhan não tocou mais no assunto, o rapaz sabia que sua relação com Lisa
estava entre um fio e que se mexesse mais poderia perder tudo, ao mesmo
tempo em que ele assistia sua noiva se afundar na infelicidade de se entregar
a outro, seu amor egoísta continuava sendo maior que qualquer auto
sacrifício.

E ele se orgulhava de Lisa e de tudo o que ela fez por Chaeyoung no passado,
algumas vezes se pegava pensando se um dia teria coragem de tal ato.

Por mais que alguns dissessem que sua noiva era uma covarde, ele sabia que
ela era forte. Eles tinham se afastado do escritório para os preparativos finais
do casamento, se é que Lisa ajudava em alguma coisa. Ela apenas dizia sim ou
não para as opções que Luhan lhe dava e dedicava os momentos livres com
Ethan.

A porta do quarto foi aberta com um pouco de violência fazendo Lisa saltar da
cama, ela sabia que não poderia ser Luhan, pois o noivo tinha saído com Sana
e Ethan estava na escola, e ninguém mais sabia o código de acesso do seu
apartamento a não ser Momo.

Lisa conhece Momo desde que se conhece por gente, elas têm sido melhores
amigas e compartilho desde o primeiro aniversário, até segredos como o
primeiro beijo, o primeiro namorado, as loucuras com Jennie que ninguém
além delas três sabiam. Lisa conhecia cada reação dela e cada expressão da
outra, mas naquele dia o que havia em seu rosto ia muito além de raiva ou
mágoa.

– O que faz aqui? – Lalisa perguntou sentando-se na cama.

Momo fechou a porta e ligou a luz fazendo com que Lisa fechasse os olhos até
que se acostumasse com a claridade.

Enquanto isso Momo caminhou pelo quarto e abriu as janelas, ligou o ar


condicionado e atirou o edredom que cobria Lisa para longe.

– Momo, você ficou louca?

E quando ficou em pé para enfrentar a amiga, recebeu um tapa estalado no


lado direito do rosto. A ardência fez seus olhos lacrimejarem ao mesmo tempo
em que empurrava Momo como reflexo.

– Eu sou a sua melhor amiga, Lisa. – disse Momo, sua voz era tão séria que
por um momento Lisa se perguntou se estava sonhando. – Eu vi você crescer
sendo atormentada pelo seu pai, eu assisti você apanhar dele, lembra?
Quando se impunha para defender Paul e Daniela, você não se importava de
levar a culpa desde que seus irmãos saíssem ilesos. – ela continuou e a Lisa
sentiu-se atingida pelas palavras, então a ardência no rosto fora esquecida. –
Eu vi você arquitetar grandes sonhos para a sua vida, mas nunca realmente
realizá-los. Você sonhava em viajar o mundo, o que aconteceu? – ela deu um
passo à frente, sua áurea era pesada fazendo Lisa sentir medo. – O que
aconteceu com a minha melhor amiga?

– Momo, as pessoas mudam e eu precisei crescer cedo...

– Sim, eu sei que você precisou crescer cedo demais. Eu estava lá! Eu vi você
cuidar dos seus irmãos quando sua mãe deveria fazê-lo, mas fazendo isso você
sacrificou a sua infância e adolescência. Lisa, você já percebeu que está
sempre colocando as pessoas em primeiro lugar? – por mais que não
quisesse, as lágrimas já rolavam por sua face, Momo não deveria tocar em seu
ponto fraco, Lisa estava tão cansada que muitas vezes desejou ir dormir e não
acordar mais. Estava cansada, fraca, exausta do peso do mundo em suas
costas. E Momo sabia disso. – Quando vai começar a se por em primeiro lugar
também?

Lalisa sentou na cama segurando a cabeça entre as mãos, assim como


reprimia a vontade de gritar até seus pulmões implorarem por ar.

– Eu não queria ser assim, Momo. Eu juro que tentei mudar, deixar Luhan e
ficar com a única pessoa que seria capaz de me fazer feliz. Eu a amo tanto,
tanto, tanto...

Momo abaixou-se de frente para Lisa e apoiou as duas mãos no joelho da


Lisa.

– É mais simples do que parece, Lisa. – suspirou e puxou levemente os braços


da amiga fazendo-a olhar em seus olhos. Partia seu coração ver Lisa tão
exposta e machucada, ver seu rosto vermelho e banhado pelas mesmas
lágrimas que ela costumava enxugar na adolescência. – Chaeyoung foi aceita
na Filarmônica. – disse e viu a Lisa liberar mais lágrimas. – Ela estará dando
um concerto no Central Park no dia 20.

Dia 20? O dia do seu casamento? Sim, destino, você é um filho da mãe.

– Eu fico feliz que ela esteja recomeçando a vida dela, quero mais do que
qualquer coisa que Chaeyoung seja feliz.

– Lisa, eu vou socar sua cara! – Momo exclamou e levantou massageando a


têmpora. – Você não entende que uma nunca vai ser feliz sem a outra? Eu não
sei o que diabos vocês duas tem, mas foram feitas uma para a outra, são a
porra de almas gêmeas e tudo o que esses livros melosos dizem! Por que você
tem que interferir no que o destino está tentando fazer? Apenas aceite, Lisa,
aceite ser feliz e então Ethan também estará! Aceite a felicidade e tudo a sua
volta estará bem.

– Momo... Não. – Lisa respirou com dificuldade.

Momo ficou observando a Lisa definhar em dor e por um momento desejou


jogá-la do quinto andar.

– Tudo bem, eu não vou mais me intrometer. – caminhou até a porta e a


abriu, mas antes de sair virou-se novamente para a Lisa. – Me avise quando
for uma mulher de 40 anos infeliz desejando não ter cometido o mesmo erro
duas vezes.

***

06 dias até o casamento.


– Podemos começar com Bach, há tempos não usamos uma de suas autorias.
– o jovem regente dizia e metade das pessoas presentes concordaram.

Um grupo de pessoas selecionadas estava em volta de uma grande mesa de


vidro no Avery Fisher Hall; violinistas, organizadores, patrocinadores e
Chaeyoung discutiam sobre a apresentação no Central Park que aconteceria
no dia 20, a mesma droga de dia em que seria o casamento de Lisa.
Chaeyoung estava presente por ser uma das mais famosas pianistas do país e
pelo seu histórico com orquestras, mas por um lado a Chaeyoung sentia-se
bem entediada com aquela conversa que tanto era discutida e nada era
resolvido há quase três horas.

– Que tal usarmos O fantasma da Ópera como abertura? As pessoas adoram e


não seria algo desconhecido para apresentarmos. – um dos patrocinadores
sugeriu. – Eu sugiro também que tenhamos um elemento surpresa, algo que
as pessoas não esperam e que as façam lembrar desse dia.

Blá, blá, bá.

– Que tal uma rapsódia original? – Chaeyoung disse e teve todos os olhares
voltados a ela. Estava cansada da mesmice de sempre e se eles queriam
inovar, teriam sua ideia. – Estamos sempre usando outros compositores, por
que não algo nosso? Vamos dar algo para essas pessoas se lembrarem, algo
que elas não conheçam, mas que gostem quando ouvir.

Os homens e mulheres na mesa trocaram olhares indagando uns aos outros


sobre o assunto.
– Eu não tenho uma rapsódia pronta e não acho que consigo montar uma a
tempo para ensaiarmos. – disse o regente com o olhar preso em Chaeyoung e
a Chaeyoung deu de ombros. – A menos que seja você.

O burburinho na mesa recomeçou e Chaeyoung arregalou os olhos.

– O que?

– Sim, eu assistia suas entrevistas na época. Você disse que escreveu uma
rapsódia e que tinha o sonho de apresentá-la como maestrina. – os olhares
correram até Jonathan, o regente, que encarava Chaeyoung com um pequeno
sorriso singelo. – As pessoas não sabem sobre a volta de Chaeyoung para a
filarmônica, podemos usá-la como elemento surpresa quando subir no palco
como maestrina. Eles a amam e sentem sua falta, como não poderia ser um
momento a ser lembrado?

Como uma partida de ping pong, todos viraram a cabeça novamente para
Chaeyoung que tinha a boca entreaberta sem saber o que dizer. Ela estava a
um passo de realizar um de seus sonhos e isso a deixava totalmente
assustada.

– E então Chaeyoung? – o patrocinador perguntou tirando a Chaeyoung dos


devaneios.

– Eu... Eu escrevi ainda na faculdade – ela não sabia o que dizer, sentiu
vontade de chorar, mas se conteve. – acho que posso fazer alguns ajustes e lhe
apresentar até amanhã.

Jonathan sorriu ainda mais e piscou para a Chaeyoung como se dissesse que
estava orgulhoso dela.
– Muito bem, já temos o ato de abertura e o elemento surpresa... – o assunto
continuou, mas Chaeyoung estava perdida entre suas emoções.

(Play na música The Wind and The Wave – Chasing Cars)

We'll do it all everything, on our own


We don't need anything, or anyone

Ela estava sendo obrigada a seguir em frente outra vez com a diferença de que
agora ela não se fecharia para o mundo.

Lisa tinha feito a escolha dela, e por mais que a ferisse como agulhas estar
longe de sua Lisa e de Ethan, ela seguiria na direção certa, ou na que ela
achava que era a certa.

Dizem que precisamos errar até conseguir acertar, então era isso que
Chaeyoung faria.

If I lay here, if I just lay here


Would you lie with me
And just forget the world

Jennie, Jisoo, Momo, Dahyun, Sana e Daniela seriam as madrinhas, portanto


as mulheres provavam os vestidos rosa bebê na Kleinfeld, enquanto Lisa era
medida por uma estilista para o vestido de casamento. Ethan estava sendo
cuidado por outra estilista, ele entraria com as alianças, portanto usaria um
terninho branco.
– Nem por sexo grátis que eu vou usar esse vestido, olha isso! – Sana
segurava o vestido na frente do corpo indignada com o tamanho. – Day, diga
a elas que falta pano nisso...

Dahyun revirou os olhos e puxou Sana para um dos provadores. Jennie


ajudava Jisoo com o zíper de seu vestido, Daniela resmungava com a
vendedora sobre o preço e Momo desviou sua atenção dos saltos para olhar
Lisa que parecia distante olhando-se no espelho.

I don't quite know how to say how I feel


Those three words are said too much
They're not enough

Chaeyoung caminhava de um lado para o outro em uma sala parecida com


uma sala de aula com a diferença de que era 3 vezes maior. Os músicos
ensaiavam sua rapsódia e nada no mundo poderia lhe dar mais orgulho.

– Veja, esse é o Quinto trítono musical, mudança chave aqui e aumenta com
os oboés... – ela explicava, na sua mente não havia espaço para mais nada.

I don't quite know how to say how I feel


Those three words are said too much
They're not enough

04 dias até o casamento.

Lisa abriu a porta do escritório pela insistência de Luhan do outro lado, ela só
não esperava encontrar Charlote Manoban segurando uma bolsa na frente do
corpo e olhando-a esperançosa.
Luhan estava logo atrás da mulher segurando duas malas, ele sorriu para Lisa
e ela soube que tudo era armação do rapaz.

– O que a senhora está fazendo aqui? – Lisa perguntou com um pouco de


receio. Charlote abaixou a cabeça e entrou no escritório sem ser convidada.
Luhan, sentindo-se de fora, deixou as malas no canto e saiu em silêncio. –
Marco veio também?

– Não, ele está com Paul em Los Angeles. – a mulher respondeu e analisou o
escritório antes de se voltar para a filha. – Eu o deixei. – Lalisa abriu a boca
em choque e se aproximou da mãe preocupada. – Você deve estar se
perguntando o porquê de eu ter feito isso depois de tantos anos.

Lisa negou com a cabeça e escorou-se na mesa cruzando os braços.

– Eu parei de me fazer perguntas há muito tempo.

Charlote observou a filha. Tão jovem e tão abalada por uma vida injusta, uma
vida que ela poderia ter ajudado a ser melhor se não fosse submissa ao
homem com quem se casou.

If I lay here, if I just lay here


Would you lay with me
And just forget the world
Forget what we're told
Before we get too old
Show me a garden
That's bursting into life

– Quando eu conheci seu pai...


– Mãe, eu fico feliz que esteja aqui, mas sinceramente? Eu não quero ouvir
sobre como a senhora o conheceu.

– Quando conheci o seu pai eu era apaixonada por outro homem. – Charlote
continuou como se não tivesse sido interrompida. Ela caminhou até um
quadro na parede com um retrato de Lisa segurando um Ethan ainda bebê
nos braços. – Nós éramos muito pobres e sua avó havia acabado de ter outro
filho, seu tio Ben. Eu ainda me lembro da noite em que cheguei em casa após
uma noite maravilhosa com Adrian, meu pai estava na sala com um homem e
um garoto que aparentava ter minha idade. Todos me olharam e algo me dizia
que as coisas mudariam dali em diante. – a mulher suspirou e voltou a
caminhar pelo escritório, Lisa ouvia tudo atentamente. – O homem era o Sr.
Manoban e seu herdeiro. Seu avô entregou minha mão ao garoto arrogante e
marcou o casamento para o mês seguinte. Eu chorei dias e dias por ter que me
separar de Adrian, nós até mesmo decidimos fugir juntos, mas na noite em
que nos encontraríamos próximo ao riacho da fazenda...

Let's waste time chasing cars


Around our heads
I need your grace
To remind me, to find my own

Lisa franziu o cenho quando viu Charlote parar de falar e seus olhos se
perderem como se revivesse aquele dia.

– O que houve? – perguntou ansiosa.

A mulher a olhou e suspirou. Caminhou até a filha e segurou suas mãos.


– Seu avô me encontrou e me bateu de cinta a noite toda até que eu estivesse
à beira da inconsciência. – contou e Lisa sentiu o ar lhe faltar pelo horror que
estava ouvindo. – Eu deixei Adrian esperando e nunca mais o vi. Ele deve ter
pensado que eu desisti do que nós tínhamos.

– Mas, a senhora disse que amou Marco. – Lisa indagou ao se lembrar das
palavras da mulher na última vez em que esteve em LA.

– Existem muitas maneiras de se amar alguém, filha. Eu aprendi a amar seu


pai com o tempo, houve carinho e companheirismo entre nós, por mais que
não pareça. – acariciou o rosto da Lisa com o amor e arrependimento que
sentia. – Ás vezes eu me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse
conseguido fugir naquela noite, se Adrian e eu... Se nós teríamos ficado
juntos, se teria funcionado.

If I lay here, if I just lay here


Would you lie with me
And just forget the world?
All that I am, all that I ever was
Is here in your perfect eyes
They're all I can see, I don't know where Confused about how as well
Just know that these things will never
Change for us at all

Lisa desencostou-se da mesa e afastou sua mãe a segurando pelos braços.

– O que a senhora quer me contando essa história agora?

– Eu fui omissa em muitas coisas, Lalisa. Eu não fui sua mãe quando você
precisou, não me opus quando Marco colocou sua felicidade em jogo e
escondi uma traição. Você é o meu bem mais precioso junto com Paul e
Daniela, eu não posso mais vê-la jogar sua vida no lixo agora que é uma
mulher independente. Ver você nessa linha de fogo, mesmo que de longe, me
deu coragem suficiente para ser uma mulher de verdade também e deixar
Marco.

Charlote estava defendendo o que Lisa sentia por Chaeyoung ou ela bebera
Whisky demais?

– A senhora está...

– Cansada? Sim, muito. – Charlote a cortou depositando um beijo no rosto da


filha e caminhando até a porta. – Eu te amo, não esqueça isso.

If I lay here, if I just lay here


Would you lie with me
And just forget the world?

20 de Dezembro de 2023.

Dia do casamento.

Narrador.

– Como eu estou? – perguntou Ella rodando em seu vestido azul claro.

– A mesma coisa de sempre, Ella. – Chaeyoung respondeu. Ela tinha


prometido à irmã que a levaria ao Central Park na manhã da apresentação
para vê-la ensaiar. – Já sabe o que fazer? Ficar quieta, só falar quando for
perguntada, nada de namorinhos e muito menos tocar nos instrumentos.
Ella revirou os olhos e entrou no carro.

– Você poderia ser um pouco mais amável agora que vai ficar famosa outra
vez. – cruzou os braços e virou o rosto para o vidro.

Chaeyoung suspirou arrependida pela grosseria e acenou para Diana que as


assistia da varanda.

– Desculpe, eu só estou sobrecarregada demais. – amenizou o tom de voz e


manobrou o carro para fora do terreno. – Acha que mamãe vai mesmo?

– Sim, eu tenho certeza dessa vez. – cantarolou a menina enquanto fuçava no


CD–Player do carro. – Daniela vem buscá-la perto das nove, eu até a ajudei a
escolher um vestido.

Diana tinha parado de ir aos concertos da filha quando Mark faleceu. A


depressão a afastou tanto de Chaeyoung como de Ella que estava se tornando
uma dona de casa muito cedo para o gosto da Chaeyoung.

Ela pensou muitas vezes em levar Ella para morar com ela no rancho, mas
deixar Diana não era uma opção e a mulher não deixaria aquela casa por
nada.

Ao contrário de Chaeyoung que não voltaria a morar naquele lugar para não
ser assombrada pelas memórias de seu pai.

– Eu espero que sim.

– E então, eu soube que hoje é o casamento de Lisa também.


Chaeyoung trancou a mandíbula e apertou o volante com força. Ela tinha se
proibido a pensar sobre isso, aquele nome tinha sido banido de sua mente à
força. Ela precisava ser forte, não pensar nos olhos castanhos, não pensar nos
olhos castanhos, não pensar nos olhos castanho...E então ela pensava nos
olhos castanhos

E que em poucas horas eles pertenceriam oficialmente à outra pessoa.

***

Lisa dormira abraçada com Ethan naquela noite.

Ela não tinha conversado muito com Luhan ao longo da semana e por mais
que amasse o rapaz como seu melhor amigo, não conseguia ao menos fingir
estar feliz por se entregar a ele. E Luhan estava mais calado que o normal,
vivia falando ao telefone e na hora de dormir não puxava assunto como
sempre fazia, eram como dois estranhos vivendo sob o mesmo teto.

– Mommy? – chamou o garoto no pijama de dinossauro e meias.

Ele assistia aos desenhos da manhã enquanto Lisa o abraçava o mais forte que
podia.

– Uhn? – ela murmurou ainda sonolenta.

– A tia Chaeyoung não vai mais me dar aula? – a menção da Chaeyoung fez o
corpo de Lisa estremecer. – Agora é outra moça que me ensina piano e eu tô
com saudade dela.
Como mentir para uma criança inocente sobre algo que o envolvia também?
Parecia que aquele sofrimento nunca iria acabar, pois cada vez que olhasse
para Ethan veria Chaeyoung no garoto.

– Ela precisou fazer uma viagem, filho.

– Seria legal ter a tia Chaeyoung como minha mamãe também. Eu sinto falta
dela e dos abraços de urso que ela me dava. – ele sentou na cama e olhou para
a mãe que não tinha suportado a dor e agora chorava. – Por que a senhoratá
chorando? Sente falta dela também? – Lisa assentiu com a cabeça incapaz de
dizer qualquer coisa. – Eu prometi que ia pedir pra senhora ir morar lá na
casa dela comigo pra gente andar sempre de cavalo, mas eu esqueci e agora
ela foi viajar, né? – ele fez um bico triste e aconchegou–se ao peito da Lisa.

***

O Central Park estava tão cheio quanto Chaeyoung se lembrava nas últimas
vezes em que esteve ali.

Suas mãos suavam e estavam gélidas como no dia do teste, mas agora era
diferente, agora ela estava por conta própria.

Momo, Daniela, Jennie, Jisoo, Sana e Dahyun não puderam estar lá por
serem as madrinhas de Lisa, mas prometeram ir a todos os outros shows e a
Chaeyoung estava grata por isso.

Ter apenas sua mãe e Ella na plateia era o que mais importava. Quando
Daniela buscou Diana, em um favor para Chaeyoung que estaria ocupada se
preparando, a Manoban mais nova parecia sem graça, ela mal trocou palavras
com a Chaeyoung além de boa sorte e que a amava.
Sabe, as pessoas não precisam estar com medo de ela surtar aquela noite caso
o casamento fosse mencionado, Chaeyoung não tinha enlouquecido, na
verdade ela tinha bloqueado todas as suas emoções para estar única e
exclusivamente ali.

Ser aplaudida era um dos grandes prazeres de ser musicista, mesmo que ela
tivesse aceitado o plano de entrar no palco apenas quando fosse apresentar
sua rapsódia para causar mais impacto ao público, mas enquanto assistia,
enquanto via centenas de celulares acesos acompanhando a música e o coro
da plateia acompanhando o coral seu coração acelerava.

Então por que algo em seu coração lhe dizia que ainda faltava algo?

***

A igreja estava decorada com lírios e rosas fazendo a mistura do branco e


vermelho ser leve para o ambiente.

Os convidados conversavam em burburinhos enquanto ainda faltava 1 hora


para o inicio da cerimônia.

Charlote e Paul, que tinha chego de viagem naquele dia, mantinham-se em


silêncio sabendo que aquele não era o lugar em que Lisa queria estar.

– Eu juro que se eu ver algum fotógrafo babaca tirando fotos minhas eu vou
rodar a bolsinha na cara deles. – Momo reclamou enquanto ajustava o vestido
na altura dos seios na salinha de reuniões.
Elas estavam à espera de Daniela que tinha se comprometido em buscar Lisa
também.

– Isso se eles te enxergarem, né amiga. – brincou Sana e recebeu um tapa na


cabeça.

– Meu coque, sua louca!

Momo tentou avançar contra Sana, mas foi barrada por Jennie.

– Jura que vocês vão querer se atacar no dia do casamento da Lisa?


Respeitem pelo menos o garoto. – e todas olharam para um Ethan com o
cabelo penteado de lado e usando o terninho branco, ele brincava com alguns
bonecos no sofá.

***

Daniela assistiu Lisa sair pelo saguão do apartamento e sorriu ao ver o que a
irmã vestia.

– Onde está Luhan? – ela perguntou e abraçou Lisa com força.

– Já foi para a igreja. – Lisa avisou e entrou rapidamente no carro.

– Você está linda, mana. Eu sempre vou apoiar sua escolha.

As irmãs trocaram olhares significativos e sorriram.

– Fifth Avenue. – Lisa avisou e a caçula concordou.


***

Quando Chaeyoung foi anunciada, as pessoas vibraram gritando seu nome


fazendo com o que o coração da Chaeyoung vibrasse.

Estar, finalmente, em cima de um palco depois de tantos anos era como


realizar-se inteiramente.

Era seu sonho ser maestrina ao menos uma vez na vida, e ali estava ela sendo
capaz de mostrar a outros jovens que sempre seria possível realizar sonhos se
não desistissem deles.

A surpresa maior foi ver a grande pianista Park Chaeyoung subir no palco,
mas não dirigir ao piano e sim ao pequeno degrau de regente.

As pessoas comentaram e cochicharam perguntando-se se ela seria capaz de


comandar uma filarmônica.

Jonathan lhe entregou a batuta com um sorriso alegre e a abraçou desejando


boa sorte.

Chaeyoung nunca esteve tão nervosa em sua vida.

Tudo ficou em silêncio e a Chaeyoung fechou os olhos esquecendo tudo a sua


volta.

– Isso é por você, pai. – sussurrou ela antes de erguer a batuta e dar inicio ao
espetáculo.

***
(Play musica August Rush, Rhapsody)

Daniela dirigia tranquilamente pela cidade, ainda faltava meia hora para o
casamento, mas quem se importava, não é mesmo?

Não quando sua irmã roía as unhas no banco do passageiro nervosa para o
que estava por vir.

Ela amava Lisa. Via na irmã mais velha um espelho e uma inspiração, nunca
se esqueceria das vezes em que viu a irmã sofrer em seu lugar para protegê-
la.

– E que os jogos comecem. – recitou Daniela em brincadeira.

***

Com a igreja cheia e o Padre em seu lugar, todos esperavam pela entrada do
noivo que estava prestes a acontecer a qualquer momento.

As madrinhas da noiva já estavam posicionadas no altar segurando pequenos


buquês e perguntando-se qual era a da demora de Daniela para dirigir em
uma distância tão curta.

Quando as portas de madeira se abriram, as pessoas se levantaram e Luhan


entrou. Mas, ao contrário do que todos esperavam, ele entrou caminhando
sozinho e com a expressão neutra.

Quando o rapaz chegou ao altar, ele encarou a irmã e Sana assentiu.


– Não vai haver mais casamento. – ele anunciou para todos os convidados
que logo começaram a fofocar surpresos. – Lisa e eu conversamos e
decidimos em cima da hora que é melhor seguirmos nossas vidas separadas.
Eu sinto muito pelo incômodo, mas a festa continua de pé para não
desperdiçar a noite.

Todos estavam boquiabertos, apenas Sana sorria de canto orgulhosa da


atitude do irmão.

– O que vai fazer agora? – Momo, a mais conformada, perguntou quando o


rapaz se aproximou.

– Voltar para a França... Recomeçar minha vida.– ele disse timidamente e


abaixou a cabeça.

– Valeu, Percy. – Momo tocou em seu ombro e jogou o buque que segurava
longe. – Agora eu vou correr porque essa novela eu não perco.

Jennie pegou o pequeno Ethan nos braços e saiu correndo com o menino,
junto das outras mulheres, em direção ao único lugar em que Lisa poderia
estar.

Sana foi à única que ficou para observar os convidados esvaziarem a igreja
com Luhan que tinha sentado no degrau do altar.

– Você foi muito corajoso. – ela disse sentando-se ao lado dele.

Luhan assentiu limpando uma lágrima.

– Amar requer sacrifícios. Aprendi isso com Lisa.


***

O carro mal estacionou e Lisa já saltou para fora ajustando sua jaqueta no
corpo.

O Central Park estava tão cheio, mas Lisa podia ouvir que o espetáculo já
tinha começado. Ela esperou por Daniela que saiu do carro tirando os saltos e
as duas deram as mãos para se embrenhar no meio da multidão.

***

Chaeyoung conduzia sua rapsódia com paixão e amor, tudo o que ela sempre
deu para a música.

Ouvir ao vivo sua própria composição era de tirar o fôlego, tanto que ela
desejou que duas das pessoas que ela mais amava no mundo estivessem ali.
De certa forma, Mark estava com ela, ele sempre estaria, mas Lisa neste exato
momento estaria dizendo o seu sim, o sim que apagaria o passado perfeito
que tiveram juntas.

***

As pessoas não queriam abrir caminho, eram tantas que chegava a ser
sufocante.

Lalisa precisou empurrar algumas delas e arrastar Daniela para que fizesse o
mesmo ou se perderiam uma da outra no meio de tanta gente. Conforme se
aproximavam, o som ficava mais nítido e o coração da Lisa acelerava mais.
– Lisa! – Daniela puxou seu braço quando finalmente chegaram à frente do
palco e tiveram visão do que estava acontecendo. – É Chaeyoung.

Ela apontou para o palco e Lisa abriu a boca quando viu sua menina
comandando uma filarmônica.

Era ela, os cabelos castanhos caindo em suas costas, o modo delicado de


mover os braços, a postura ereta, Lisa conhecia cada parte daquele corpo, pois
já o havia explorado tantas vezes com o seu amor.

De todas as vezes que ela teve vontade de chorar apenas por ver Chaeyoung,
aquela foi a primeira em que realmente se permitiu.

***

Algo a incomodava, algo lhe dizia que o quebra cabeça estava se movendo
mais uma vez enquanto seu corpo e sua alma eram dominados pelo final da
harmonia.

E então Chaeyoung abriu os olhos, e mesmo que aquele não fosse o momento
para as palmas, ela ouviu.

Ao longe e fraco por conta da distancia do palco para a plateia, mas ela ouviu.
E uma lágrima escorreu em seu rosto.

Comandada pelo coração que insistia em lhe dar pressentimentos.

Chaeyoung se virou.
E, no meio de tantas pessoas curiosas que assistiam em silêncio a finalização
de sua música, estava uma mulher de olhos castanhos. E ela a aplaudia.

Como na primeira vez.

***

– Pare com isso, estamos passando vergonha! – Daniela bateu em seu braço
obrigando-a a parar.

Lisa não desviou os olhos dos de Chaeyoung, mas sentiu seu coração se
apertar quando viu que, ao finalizar a música, a Chaeyoung correu do palco.

– Aonde ela vai? – Lalisa perguntou para si mesma e começou a desviar-se


das pessoas outra vez até pular a grade de proteção e correr até a parte de trás
do palco.

– O que pensa que está fazendo? – um segurança a parou bloqueando seu


caminho. – Você não pode estar aqui!

– Park Chaeyoung, eu preciso ver Park Chaeyoung... – Lisa dizia forçando


passagem, mas o segurança era mais forte e a empurrou para trás.

Lisa havia perdido Daniela de vista e agora não sabia como falar com
Chaeyoung.

Ela precisava encontrar a Chaeyoung, ela precisava dizer tudo antes que fosse
tarde demais.

Seu celular vibrou e a Lisa viu que era uma mensagem de sua irmã:
Daniela: Sua retardada, onde pensa que está?

Lisa: Eu procurei por Chaeyoung, mas não me deixam passar.

Daniela: Hum... Eu encontrei Diana e Ella, elas disseram que Chaeyoung


deve estar indo para o The Village neste momento.

Flashback

"– Eu gosto de vir aqui sempre preciso fugir um pouco, – começou


Chaeyoung enquanto caminhavam em uma calçada escura. – é um dos
poucos lugares que consigo me conectar de verdade."

Fim do Flashback.

Lisa: Leve elas para casa, eu vou atrás de Chaeyoung.

***

Chaeyoung abriu a porta do club em prantos. Sua noite estava sendo perfeita
até aquela maldita com os olhos castanhos mais lindos do mundo estragar
tudo.

Por que ela tinha que fazer isso? Por que ela não estava na droga daquele
casamento aceitando ser de Luhan?

Lalisa sempre atormentaria seu coração, era como se fosse uma sina, como se
ela tivesse nascido para ter o coração quebrado por Lisa de novo, de novo e de
novo...
– Por que eu tenho a impressão de que vocês usam este lugar como refugio
uma da outra? –

Eli parou bem a frente da mesa em que Chaeyoung havia ocupado. Ele
segurava uma xícara de cappuccino para a Chaeyoung sem ela ter feito o
pedido. Ele apenas sabia.

– Eu preciso que ela me deixe seguir em frente. – Chaeyoung murmurou para


si mesma, os olhos perdidos em um lugar qualquer.

Apesar de cheio, dessa vez o The Village não era desconfortável para
Chaeyoung, quando ela se prendia no próprio mundo o que havia ao redor se
tornava um nada.

– Talvez isso não seja uma escolha dela, querida. – Eli piscou e saiu para
atender outras mesas.

Chaeyoung não entendeu o que ele quis dizer, mas não quis pensar sobre o
assunto. Sentia-se envergonhada por ter deixado tudo daquela forma, mas o
susto que levou, o choque que percorreu seu corpo foi maior e a trouxe para o
único lugar que a refugiaria do mundo lá fora.

A banda parou de tocar e os músicos se retiraram do palco, a luz do mesmo


diminuiu e foi possível ouvir zunido da caixa de som sendo conectada a um
violão.

Quando as luzes acenderam novamente, Chaeyoung prendeu a respiração.


– Boa noite a todos... – disse Lisa timidamente quando sentou em um
banquinho segurando um violão preto nas mãos. – Eu nunca cantei em
público antes, então espero que relevem dessa vez. Essa é uma música é para
uma pessoa que eu tenho machucado a um bom tempo, mas que só agora eu
fui capaz de me libertar por ela e por mim. – os olhos castanhos buscaram
pelo club até encontrar uma Chaeyoung com as mãos tapando a boca.

Então ela deu inicio a melodia e todos pararam de falar para ouvir.

– If it takes forever I will wait for you for a thousand summers I will wait for
you, till you're back beside me, till I'm holding you, till I hear you sigh here in
my arms. – Lisa não tinha olhos para mais nada que não fosse uma
Chaeyoung banhada em lágrimas a poucos metros. Sua voz estava ofegante
pela rapidez que dirigiu e por correr até o palco e pedir para tocar, mas tudo
valia a pena se ela estivesse lutando por Chaeyoung. – Anywhere you wander,
anywhere you go every day remember how I love you so in your heart believe
what in my heart I know that forevermore I'll wait for you... The clock will tick
away the hours one by one, then the time will come when all the waiting's
done, the time when you return and find me here and run straight to my
waiting arms.... if it takes forever I will wait for you
for a thousand summers I will wait for you
till you're here beside me, till I'm touching you
and forevermore sharing your love...– finalizou recebendo aplausos das
pessoas e um olhar indignado de Chaeyoung. – Eu amo você, Chaeyoung. –
falou ainda no microfone, e quando levantou e deixou o violão com um dos
musicistas, viu Chaeyoung levantar para sair do Club.

Não, não daquela vez.


Lisa saltou do palco e correu atrás da Chaeyoung que já tinha saído pelas
portas duplas.

Ela viu Chaeyoung correr com as mãos ainda cobrindo o rosto e as lágrimas e
não hesitou em correr atrás, pedindo para que ela parasse, buscando coragem
em seu íntimo para fazer o certo dessa vez.

– Chaeyoung, eu preciso que você me ouça... Chaeyoung! – gritou, mas a


Chaeyoung não parava. As ruas do Brooklyn estavam mal movimentadas e
escuras, seria um cenário assustador se a situação em si já não fosse. –
Chaeyoung... Por favor... Você ainda vai me amar amanhã de manhã?

Chaeyoung parou. Lisa conseguiu alcançá-la praticamente sem ar.

Chaeyoung virou e estremeceu ao ter Lisa tão perto, tão real, de repente toda
a raiva que sentia se dissipou.

– Chaeyoung eu errei tantas vezes com você, por favor, me dê mais uma
chance para que eu possa acertar dessa vez. – disse totalmente ofegante. – Eu
deixei Luhan, eu não me casei, eu não sou de outro porque eu sempre serei
sua. Eu sou sua, Chaeyoung. Por favor, seja minha também.

– Eu te odeio tanto, Lisa! Eu chorei noites por você, eu me acabei por te amar
e fui humilhada quando você o escolheu! Você quebrou o meu coração de
todas as formas que ele poderia ser quebrado.

Ouvir aquelas coisas não era fácil, mas a Lisa não esperava menos. Ela sabia
que tinha errado, sabia que tinha sido uma filha da puta com Chaeyoung, mas
não desistiria agora. Nem agora, e nem nunca.
– Eu sei, eu sei... Caramba, como eu sei. – aproximou-se mais ficando a
centímetros da Chaeyoung que abraçava o corpo. – Eu amo você, eu quero
uma família com você. Eu, você e o Ethan, o que acha? Podemos ter a nossa
pequena Sarah também, eu não me importo. Vamos ter quantos filhos você
quiser, é só me dar mais uma chance e eu prometo, Chaeyoung, eu prometo
que vou te fazer a mulher mais feliz do mundo.

Chaeyoung hesitou. Estava com medo de ser enganada pelas inseguranças de


Lisa outra vez, ela não sabia se aguentaria mais uma decepção ao mesmo
tempo em que não sabia se aprenderia a viver sem aquela mulher a sua
frente.

– Lisa...

– O que você tem a perder? – Lisa quase implorou com a voz pidona.

Chaeyoung segurou o rosto de Lisa com as duas mãos e encostou suas testas.

– Tudo. – sorriu tristemente e a beijou. Foi um beijo de saudade, de amor, de


comprometimento e a promessa de um para sempre. Não houve língua,
apenas um encostar de lábios que deu a certeza de que elas pertenciam uma a
outra. – Eu tenho medo do que você pode pensar amanhã – Chaeyoung disse
quando cortou o beijo. – tenho medo de você acordar e sentir medo de estar
comigo outra vez e eu não sei se...

– Case–se comigo então. – Lisa pediu esperançosa e Chaeyoung travou.

25 de Outubro de 2059. – New York, NY.


Sarah fechou o diário quando ouviu a porta de casa ser aberta. Ela olhou para
a mãe e sorriu segurando sua mão sobre a cama.

– No final de tudo foi a senhora quem ela escolheu. – a jovem disse e


Chaeyoung franziu o cenho. – Digo, foi Chaeyoung quem Lisa escolheu...

Sarah era a única pessoa que Chaeyoung ainda reconhecia, ela não se
lembrava de mais ninguém, poucas vezes eram seus surtos de lembrança, mas
cada dia que passava suas memórias morriam aos poucos e chegaria um dia
em que nem mesmo de sua filha ela se lembraria.

– Espero que não esteja lendo pornografia para a mamãe. – aquela voz tão
conhecida soou pelo quarto e Sarah sorriu deixando o diário de lado.

– O tempo passa e você continua o mesmo babaca, Ethan.

O rapaz que usava um terno preto, barba rala, cabelos curtos entrou no quarto
acompanhado de uma mulher que aparentava ter a mesma idade de
Chaeyoung. Ela usava uma roupa social e tinha olhos castanhos claro e
intensos.

– E eu espero que isso seja amor entre vocês dois. – a mulher brincou e
deixou a mala que carregava no canto do quarto. Sarah pulou para
cumprimentar a outra mãe que a abraçou fortemente. – Como você está, meu
amor?

– Bem, eu tenho cuidado da mamãe desde que vocês viajaram. Ontem ela se
lembrou de algumas coisas.
– Sério? – indagou Lisa surpresa e correu os olhos até Chaeyoung que a
olhava confusa. – Deixe–me ficar um pouco a sós com ela, ok?

Ethan deixou um beijo na testa de Chaeyoung e agarrou Sarah pelo braço


arrastando-a para fora do quarto. Lisa esperou até que estivessem sozinhas
para tirar o blazer cinza e o deixar em cima de uma cadeira.

– Quem é você? – Chaeyoung perguntou desconfiada e Lisa sorriu


docemente.

– Sou sua nova enfermeira, Sarah me contratou para deixar a senhora feliz. –
brincou e a Chaeyoung pareceu relaxar. Lisa olhou para o diário na cabeceira
da cama e sorriu ainda mais. – Uhn, ela estava lendo a história de Lalisa e
Chaeyoung? É um belo romance.

– Você o conhece? – Chaeyoung perguntou feliz por alguém conhecer aquela


história.

Ela não era uma pessoa nervosa com estranhos, os médicos disseram apenas
para não forçar sua memória dizendo que ela conhecia tal pessoa e que
deveria se lembrar.

Então sempre que Chaeyoung se esquecia, Lisa fingia ser alguém para estar
próxima a ela.

– Oh, sim. É uma história famosa, as pessoas hoje em dia se inspiram muito
no amor que elas viveram.

Chaeyoung ficou pensativa na cama e Lisa notou isso. Lalisa se dirigiu até a
TV e a ligou procurando alguma coisa.
– Eu gostaria de ter tido um amor assim. – a voz de Chaeyoung quebrou o
silêncio e Lisa sorriu para si mesma.

– Quem sabe você não teve? – ela disse e quando finalmente encontrou o que
queria, deixou a música tocar e se dirigiu até a Chaeyoung. – Sabe, dizem que
vivemos muitas vidas. Você pode ter encontrado um amor assim em muitas
delas.

(Play na música Love Me Tender – Elvis Presley)

Os olhos de Chaeyoung brilharam.

– Você acha?

– É claro. – Lisa respondeu com amor e estendeu as mãos para ajudá-la a se


levantar. – Dizem que essa foi a música que elas dançaram no casamento, o
que acha de termos essa dança também? – por um momento Chaeyoung
pareceu desconfiada do pedido. – Fique tranquila, eu só gosto muito dessa
música e nunca encontrei alguém que soubesse dançar. Sarah me disse que a
senhora costumava dançar muito bem.

Á menção do passado, os olhos castanhos desviaram para algum lugar


qualquer e suas mãos se conectaram.

– É, eu acho que costumava. – ela disse e levantou sendo guiada com cuidado
por Lisa até o meio do quarto.

Chaeyoung apoiou-se no ombro de Lisa passando seus braços por seu pescoço
enquanto a advogada a abraçava pela cintura.
A dança era muito lenta para acompanhar o ritmo de Chaeyoung, mas
nenhuma das duas se importava no momento.

Era estranho olhar para as órbitas castanhas da enfermeira, algo nelas lhe
trazia paz e confiança, assim como eram tão familiares.

– Seus olhos... – ela sussurrou confusa. – Sinto que já os vi em algum lugar. –


o coração da advogada acelerou, era tão bom ter algo familiar para sua
amada. – Você já se apaixonou?

– Sim, foi intenso e único.

– E o que aconteceu?

– Eu acho que ela se esqueceu de mim.

– Oh. – Chaeyoung pareceu triste pelas palavras da enfermeira.

Automaticamente sentiu necessidade de deitar sua cabeça no ombro da


mulher e o fez, agora os corpos estavam unidos em um abraço aconchegante.

Chaeyoung não sabia, mas ela sentia saudade daquela mulher sem nem ao
menos conhecê-la.

– Você ainda a ama?

Lisa sorriu fracamente e beijou o topo da cabeça de seu amor.

– Para sempre.
_______

45

No capitulo anterior de The Red Bow:

– O que você tem a perder? – Lisa quase implorou com a voz pidona.

Chaeyoung segurou o rosto de Lisa com as duas mãos e encostou suas testas.

– Tudo. – sorriu tristemente e a beijou. Foi um beijo de saudade, de amor, de


comprometimento e a promessa de um para sempre. Não houve língua,
apenas um encostar de lábios que deu a certeza de que elas pertenciam uma a
outra. – Eu tenho medo do que você pode pensar amanhã– Chaeyoung disse
quando cortou o beijo. – tenho medo de você acordar e sentir medo de estar
comigo outra vez e eu não sei se...

– Case–se comigo então. – Lisa pediu esperançosa e Chaeyoung travou.

20 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

A pequena Rua 17th Century de ladrilhos do Brooklyn era contemplada pela


brisa gélida que anunciava a chegada do inverno.

Apesar do silêncio da rua, ao longe ainda era possível ouvir as músicas


infantis do parque Coney Island e os gritos histéricos – abafados pelo vento –,
daqueles que desafiavam a montanha russa.
Mas, aquela noite não era sobre o morador de rua sentado sob uma coberta de
lã buscando abrigo em baixo de um toldo de uma barbearia, ou sobre a mãe
do outro lado da rua carregando o filho adolescente que provavelmente estava
sobre efeito de drogas, nem sobre o homem que gritava incansavelmente com
a mulher dentro da casa de número 109.

Tudo era sobre duas mulheres paradas na calçada inertes do mundo em que
habitavam, procurando nos olhos uma da outra a moradia que sempre
encontravam quando estavam juntas. Era sobre como Chaeyoung ainda
processava de boca entreaberta o pedido que acabara de receber.

– O que você disse? – o vapor que saiu de sua boca bateu contra os lábios
secos, pelo frio, de Lisa.

Lalisa sorriu serenamente e abraçou o corpo de Chaeyoung com delicadeza


para protegê-la do frio.

– Eu sei que parece precipitado depois de tudo o que aconteceu. Mas,


Chaeyoung... – suspirou subindo suas mãos para segurar o rosto de sua
amada. – Nós já esperamos tempo demais para estarmos juntas. Eu amo você
e você me ama, isso é o suficiente para nós. – sorriu e passou o polegar nos
lábios cheios da Chaeyoung. – Apenas deixe-me colocar uma aliança de ouro
em seu dedo, gosto do simbolismo e se isso significar que somos oficialmente
uma da outra, então que seja. Podemos fazer uma cerimônia pequena, eu
ainda não...

– Lisa. – Chaeyoung chamou repousando o dedo indicador nos lábios da Lisa.


– Você está divagando. – viu Lisa fechar os olhos vencida e aplicou um
selinho demorado.
– Eu aceito.

E antes que se dessem conta, estavam mais uma vez se beijando sem se
importarem com o local.
Nada importava naquele momento, elas estavam noivas. Elas estavam juntas.
Elas eram apenas uma.

***

Elas precisavam decidir o que fazer a partir de agora, e nada mais justo que
voltar ao apartamento de Lisa e avisar aos demais sobre o ocorrido dessa
noite, elas sabiam que todos, principalmente Momo e Sana, estariam
arrancando os cabelos sem noticias delas.

E ainda havia Ethan, o menino inocente que não fazia ideia do que estava
acontecendo a sua volta, e novamente, só de pensar no garoto o coração de
Chaeyoung aqueceu como um bom copo de chocolate quente em uma manhã
de nevasca. Ela finalmente entraria na vida de Ethan como sua mãe, e
naquela noite ela não tinha ganho apenas sua Lisa. Ela tinha uma família
agora.

Lisa deixou Chaeyoung no Central Park e de lá Chaeyoung seguiu em seu


carro pelas ruas que nunca dormem de New York

. No meio do caminho a Chaeyoung decidiu verificar as mensagens no celular


e não ficou surpresa quando encontrou o total de 5 mensagens de voz.

"Chaeyoung, você já se apresentou? – ela a voz de Jennie. – Nós acabamos


de saber sobre o cancelamento do casamento, eu juro que não sabia de nada.
Lisa deve estar ai agora, certo? Nós estamos chegando, não saiam dai."
"Chae, eu levei sua mãe e sua irmã para casa e agora estou no apartamento
de Lisa. Vocês já se resolveram? Me ligue assim que puder. Beijos, Daniela."

"Ok, vocês não estão no Central Park e a apresentação já acabou. Onde


diabos vocês se meteram? Espero que não tenham ido comemorar em algum
motel e nos deixado aqui nessa aflição. Nos avise assim que ver esta
mensagem." – Jisoo parecia a mais tranquila delas apesar do sarcasmo na
voz.

"PARK CHAEYOUNG! Onde você pensa que está? Se vocês não aparecerem
aqui agora, eu juro que a última coisa que você vai ver na sua vida será a
perseguida de Lisa, porque eu mesma terei o prazer de costurar, ouviu bem?
Eu sou cardíaca, querida, não posso ficar nervosa assim, acha que eu
mereço ficar curiosa? – Momo praticamente gritava. Pode–se ouvir um
barulho estranho do outro lado da linha. – Solte meu celular, Minatosaki.
Eu ainda não acabei de dizer o quanto eu as amo..." – e a ligação foi
encerrada.

"Geeeeeeeeeeeeene! É sério, apareçam logo, ok? Eu preciso muito dormir e


suas amiguinhas resolveram usar meu apartamento como hotel. Fora que a
Momo vai abrir um buraco no chão se continuar andando de um lado para o
outro xingando. Sei que vocês devem estar se reconciliando em algum canto
dessa cidade, espero minha voz não ter atrapalhado o coito, mas apenas
salvem a minha noite. Beijos de alguém que está entediada, Sana."

Chaeyoung riu da preocupação e curiosidade de suas amigas. Elas teriam uma


boa surpresa quando chegassem ao apartamento, mas tudo o que ela mais
precisava naquela noite era o silêncio de sua casa e a presença de Lisa e
Ethan.
Não demorou muito até estarem em frente ao prédio. Lisa e Chaeyoung
desceram de seus respectivos carros e se encontraram no saguão trocando
olhares que diziam tudo: A partir daquele momento, tudo mudaria.

Deram–se as mãos e entraram no elevador, Chaeyoung não pode evitar um


sorrisinho idiota quando se lembrou de seu ato impensado de beijar a Lisa
naquele ambiente meses atrás.

– Sei muito bem o que está se passando nessa cabecinha de vento. – a voz de
Lisa fez o sorriso da Chaeyoung aumentar. O elevador subia lentamente pelos
andares deixando aquele pequeno momento reservado apenas para as duas. –
A primeira vez que foi ativa comigo.

O sorriso de Chaeyoung morreu e ela lançou um olhar mortal para Lisa que
não poupou uma gargalhada. Ela realmente não sabia brincar com fogo, não
horas depois de terem reatado.

Chaeyoung girou o corpo ficando de frente para a Lisa e deu três passos até
ela prensando-a novamente na parede de metal com o corpo.

Lisa engoliu em seco e observou atentamente cada linha de expressão da


mulher a sua frente que agora tinha a respiração contra a sua.

– Quando estivermos a sós, eu vou cuidar direitinho de você, Manoban. – ela


sussurrou seriamente sem desconectar seus olhos castanhos. E então deu um
sorrisinho cafajeste quando viu sua amada tão entregue. – Mas, fique
tranquila, eu te ajudo a sair da cama na manhã seguinte.
As portas do elevador finalmente se abriram revelando o apartamento de
Lisa. Chaeyoung rapidamente saiu deixando uma Lalisa totalmente sem fala
ainda encostada na parede, os olhos perdidos em imagens que sua mente
criou.

Ela tinha se esquecido de como Chaeyoung poderia ser uma boa provocadora.

– Finalmente! – ouviram o berro de Momo que estava sentada no sofá, mas


quando as viu pulou do mesmo até parar em frente às mulheres.

Jennie e Sana tomavam vinho na mesa da sala de jantar e Daniela e Jisoo


brincavam no tapete com um Ethan em seu pijama de dinossauros.

– Oh – o garoto abriu o sorriso mais sincero do mundo quando viu a


Chaeyoung. Seus olhos brilharam fazendo o coração de Chaeyoung saltar
indiscutíveis vezes. – tia Chaeyoung! – ele gritou e passou por Momo
correndo se jogando nos braços da mulher que ajoelhou no chão. – Que
saudade, tia. Eu fiquei com medo de não ver mais a senhora...

Lisa apareceu logo atrás comovida com a cena. Todas estavam agora reunidas
em torno da Chaeyoung assistindo as lágrimas escorrer em seu rosto
enquanto uma mão abraçava o corpinho de Ethan e a outra afagava os
cabelos.

Dizem que nos apaixonamos apenas uma vez na vida, mas Chaeyoung poderia
afirmar que todos estavam errados, é possível apaixonar-se pela pessoa com
quem você escolhe dividir o resto de sua vida e pelo milagre gerado desse
amor. Chaeyoung nunca se sentiu tão sortuda.
– Eu voltei por vocês, pequeno. – Chaeyoung disse com a voz abafada contra
o pescoço do menino. Quando eles se separaram, foi uma grande surpresa ver
os olhos de Ethan lacrimejados. – Eu amo tanto vocês que não poderia ficar
longe, nem de você e nem de sua mãe.

Ethan sorriu segurando o rosto de Chaeyoung com as duas mãozinhas.

– Isso quer dizer que a senhora vai ficar com a gente?

– Eu tenho uma coisa melhor – falou astutamente pegando o garoto no colo e


se levantando. Ela viu como todas assistiam emocionadas a cena e não perdeu
tempo em poupar discursos. Sentiu os braços de Lisa rodeando sua cintura e
recebeu um beijo em seus cabelos como incentivo. – O que acha de ir morar
com a tia Chaeyoung, uh?

Jisoo e Jennie começaram a rir alegres, Daniela chorava silenciosamente e


Momo soltou um ganido. Sana estava em seu canto observando tudo
atentamente, ela estava muito feliz por Lisa e Chaeyoung, mas parte de si
sentia muito por Luhan.

Ethan abriu a boca e a tapou com as mãozinhas, seus olhos rapidamente


procurando por Lisa que sorriu, sua felicidade no momento não precisava ser
contida.

– Mommy? – ele pediu manhoso e todas olharam para a Lisa. – Por favor? Eu
prometo tomar banho sozinho e não chupar mais chupeta se a senhora deixar.

Lisa se fez de indignada e fechou a cara cruzando os braços.


– Ethan Manoban. – assistiu o menino olhar em desespero para Chaeyoung.
– Eu não vou permitir enquanto não ganhar meu beijo de boa noite.

Chaeyoung passou o garoto para os braços de Lisa que recebeu um abraço


apertado e um beijo estalado no rosto.

– Boa noite, mommy! Te amo, te amo, te amo... – ele repetia arrancando


risadas das mulheres. – E agora?

Lisa fez suspense torcendo o nariz e fingindo pensar. Ela estava aproveitando
o momento, há anos não se sentia tão completa e alegre como agora, era
quase como se o seu coração pudesse explodir.

– Tudo bem, nós vamos morar com a Chaeyoung. – beijou a testa de Ethan e
recebeu outro abraço, agora mais forte e eufórico de seu filho que não parava
de comemorar.

Ethan puxou Chaeyoung pelo pescoço unindo assim suas duas mães e não
parava de falar sobre tudo o que fariam juntos.

–... E andar a cavalo, nadar na piscina e... Oh, eu posso ter um cavalo?

– Sim, meu amor, você pode ter um cavalo. – respondeu Chaeyoung. – E


deixe-me adivinhar, você vai chamá–lo de Rex?

– Sim! – ele riu. – Podemos ir agora?

Lisa deixou o menino no chão e ajoelhou segurando os dois bracinhos do


garoto para que ele prestasse atenção.
– Nós vamos o mês que vem, ok? Mamãe precisa resolver algumas coisas
antes. Agora você vai pro seu quarto brincar porque a mamãe vai ter uma
conversa de gente grande com suas tias.

– Eu sou grande, mamãe! – ele exclamou cruzando os braços.

– Ethan! – Lisa fechou a expressão e o garoto descruzou os braços vencido. –


Se despeça de suas tias.

Após beijar cada uma das mulheres presentes na sala, demorando em um


abraço com Chaeyoung, Ethan correu para o quarto deixando o silêncio
abraçar a sala do apartamento.

Chaeyoung e Lisa estavam lado a lado e tinham todas as atenções voltadas


para elas, como se esperassem a confirmação de algo que todas sabiam que
era real.

– Sim, nós estamos juntas. – disse Lisa.

Jisoo, Jennie, Daniela e Momo se abraçaram em comemoração, elas riam e


davam gritinhos como se fosse a melhor noticia que tinham recebido em anos.
E talvez fosse.

Chaeyoung não se limitou em puxar Lisa pela mão para que sentassem no
sofá, mãos entrelaçadas e sorrisos espontâneos.

– Eu esperei tanto por isso, o casal que eu juntei. – Jennie dizia sem parar,
gabando-se por te ajudado no encontro das duas garotas no inicio de tudo. –
Vocês merecem, parabéns.
E após receber o cumprimento de cada uma, e um tapa da cabeça de Momo,
todas estavam sentadas nos sofás e poltronas esperando ansiosamente pela
história.

Lisa sabia que precisava ser a primeira a falar, pois ninguém além de Sana
sabia o que havia se passado com Luhan horas antes do casamento.

– Eu fiquei fora de mim depois que escolhi me casar com Luhan. – explicou, o
silêncio se estabelecendo entre elas. – Era como se eu estivesse entregando
apenas o meu corpo, pois minha alma continua pertencendo à Chaeyoung. –
olhou para Chaeyoung e recebeu um sorriso de conforto. – Eu não sabia que
não seria capaz de fazer isso até ontem, quando acordei com o peso de um
casamento que eu não queria. Não era justo, é loucura recusar o amor. – disse
e seus olhos se perderam na mesinha de centro, lembrando-se do ocorrido do
dia anterior.

Flashback.

O vestido de noiva parecia tão apertado em seu corpo agora, como se não
pertencesse a ela, como se gritasse para que o arrancasse e nunca mais
olhasse para trás.

Já estava atrasada para o cabeleireiro, mas isso não importava mais, ela não
poderia usar um vestido para se casar se não fosse com Chaeyoung. Não seria
real. Não há votos se eles não serão apenas de sua Chaeyoung e o pior de tudo
era se dar conta de tudo isso em cima da hora.

Lisa sentia-se a pior pessoa do mundo tendo machucado seu amor mais uma
vez, os calafrios que percorriam seu corpo só por imaginar seu sim sendo de
outro eram o aviso que ela precisava para cair em si.
Viu a silhueta de Luhan surgir na porta pelo reflexo do espelho e virou-se para
contemplá-lo em seu terno. Ele estava lindo, um homem deslumbrante que
qualquer mulher teria o prazer e a sorte de casar-se.

Lisa girou o corpo e ambos se olharam profundamente, eram amigos o


suficiente para saber o que pensavam quando algo assim acontecia.

– Você não vai, não é? – ele perguntou com a voz baixa, quase rouca.

E por mais que sua razão implorasse pelo sim, pela primeira vez Lisa estava
disposta a seguir seus sentimentos.

– Não. – respondeu a Lisa e abaixou a cabeça envergonhada.

O silêncio que prosseguiu foi a forma de um dizer ao outro que sentiam muito
pela situação em que estavam.

Luhan recostou-se ao batente da porta e fechou os olhos processando que seu


pior pesadelo tinha se concretizado. Ele estava sozinho e de coração partido.

– Bom... Alguém sairia de coração partido nessa história. – ele sorriu


tristemente e Lisa arriscou olhar em seus olhos, a dor de ser deixado estava lá,
e ainda sim o rapaz estava sendo respeitoso.

– Eu sinto tanto, Luhan. Eu não queria...

– Lisa! – ele se aproximou e a segurou em seus ombros para que Lalisa


olhasse em seus olhos. Havia sinceridade neles. – Eu não poderia deixar que
você entrasse naquela igreja sem o brilho nos olhos que só existe com outra
pessoa. Eu a amo demais para deixá-la fazer isso, então não peça desculpas. –
franziu o cenho e limpou com o polegar uma lágrima que escorria pela
bochecha da mulher. – Eu não vou mentir e dizer que estou feliz, porque não
estou. Está doendo demais e eu provavelmente vou chorar como uma criança
quando estiver sozinho. – respirou fundo. – Você ama outra pessoa, vá
buscá–la.

Lisa o abraçou o mais forte que pode, nunca duvidou do caráter de Luhan e
estava certa.

Sua emoção não podia ser contida naquele momento, era como uma
enxurrada de sentimentos preenchendo seu peito e a deixando sem fôlego.

– Então... – limpou o rosto quando quebrou o abraço. – O que acontece


agora?

Luhan deu de ombros.

– Alguém precisa avisar que não haverá mais casamento, eu faço isso. Depois
disso partirei imediatamente para a França. Não – intercalou quando viu a
Lisa protestar. – eu não acho que posso ficar um minuto a mais no mesmo
ambiente que você sem me arrepender do que estou fazendo agora. – os olhos
avermelhados e tristes de Luhan quebraram Lisa por inteira. – Foi um prazer
conhecê-la, Lisa. Obrigado por ter preenchido meu coração por todos esses
anos. – sorriu e beijou a testa da Lisa carinhosamente. – Eu vou indo... Você
tem uma apresentação para assistir.

E sem dizer mais nada, deu as costas com a promessa silenciosa de nunca
mais voltar.
Fim do Flashback.

Ao finalizar a história, não se conteve em lágrimas. Sentiu quando braços


finos rodearam seu corpo, ela sabia que Chaeyoung estava respeitando sua
dor de perder um grande amigo, todas naquela sala sabiam, inclusive Sana
que chorava em seu canto silenciosamente.

– Percy tem minha admiração. – disse Momo recebendo aprovação das


outras. – O importante agora é que vocês finalmente podem voltar a namorar
e reconstruir o que deixaram para trás, certo?

À menção da palavra namorar, Lisa e Chaeyoung trocaram olhares cúmplices


e a Lisa riu enxugando as lágrimas.

Elas ainda não tinham contado a melhor parte.

– Por que eu sinto que elas estão escondendo algo? – comentou Jennie com
um olhar de acusação.

Jisoo ergueu a sobrancelha intrigada e Daniela cruzou os braços.

– Uh, digamos que Chaeyoung e eu decidimos pular algumas etapas. – Lisa


coçou a cabeça e viu a confusão estampada no rosto das amigas. Chaeyoung
apertou sua mão em sinal de conforto. – Nós vamos nos casar no próximo
mês.

Momo, que estava em pé devido a comemoração da volta de suas amigas, caiu


para trás no sofá e foi contida por Jisoo.
Jennie abriu a boca o mais largo que pode e Daniela estava estática. E, pela
primeira vez na noite, Sana riu alto.

– Casamento? – Jennie parecia incrédula. – Minhas bichinhas vão casar? Isso


é demais pra mim.

– Eu estou grávida!

Silêncio. Um longo silêncio. O grito veio de ninguém mais e ninguém menos


que Momo.

Todas as cabeças se voltaram em choque para ela que se encolheu no sofá


timidamente. Mal haviam se recuperado da primeira notícia e já levaram um
soco no estômago de Momo.

A atmosfera pesou e o silêncio mais ainda, era como se ninguém


compreendesse o que estava acontecendo.

– Eu... Eu não contive a emoção do momento, desculpe. – Momo, sentou


timidamente no sofá. – Estou grávida de 1 mês e Junhoe ainda não sabe, mas,
por favor, mudem de assunto antes que eu entre em pânico.

O silêncio ainda tomava conta da sala assim como a paralisia havia se


apossado das mulheres presentes.

Chaeyoung apertou a mão de Lisa pedindo que a noiva mudasse o assunto e


quebrasse a tensão criada intencionalmente.
– Nós decidimos não esperar. – continuou a Lisa, sua mente ainda
entorpecida pela notícia. E, novamente, todas as cabeças estavam de volta a
si. – Eu não quero passar mais tempo sem ser a esposa de Park Chaeyoung.

O clima era muito tenso, era possível ouvir Ethan brincar no quarto e a perna
de Momo bater impacientemente no sofá.

– Então tá. – disse Jennie batendo as mãos e assustando uma Jisoo estática
ao seu lado. – Nós vamos para casa agora, precisamos processar os
acontecimentos de hoje e nada melhor que um bom sexo para relaxar. –
puxou a esposa pela mão e despediu-se de casa uma, parando em Momo para
abraçá-la mais firmemente. – Amo você. – Momo resmungou e empurrou
Jennie, ela estava corada. – E vocês– apontou para Lisa e Chaeyoung. – Eu
estou tão feliz. Vocês merecem ser feliz.

– Obrigada, Jennie. Nós devemos muito a você. – Lisa abraçou a amiga com
um sorriso no rosto.

Daniela também levantou fingindo olhar a hora no celular, mas ao contrário


das outras, abraçou Momo sem cerimônia.

Aos poucos, uma a uma foi se despedindo até restar apenas Sana, Lisa e
Chaeyoung na sala.

Sana não tinha se pronunciado o tempo todo, estava respeitando o momento


que suas amigas precisavam e a falta que sentiria de seu irmão. Lisa voltou-se
para ela na sala de jantar e sorriu caminhando até Sana.

– Você vai ficar? – perguntou, um pouco mais aliviada pela tensão de


momentos antes.
Sana deu de ombros.

– Eu criei uma vida aqui. Tenho minha boate que está crescendo, tenho
Dahyun e planos em New York.

– Você pode ficar aqui se quiser. – disse Lisa. – Depois do casamento eu vou
me mudar, você pode ficar no apartamento.

Sana assentiu e abraçou Lisa transmitindo a ela conforto e paz.

– Parabéns pelo noivado. – Sana, assim como Momo, não era uma pessoa de
muitos abraços. Mas, os poucos que ela se limitava a dar eram os mais
verdadeiros, fortes e puros que alguém poderia ter o privilégio de receber. –
E, Chaeyoung... – olhou para a outra que estava um pouco mais atrás
assistindo a cena. – chute a bunda dela quando for preciso.

Chaeyoung riu e se aproximou sendo recebida no abraço.

– Eu vou fazer muito mais que isso, Sana, acredite. – brincou.

– Ah, não. – Sana revirou os olhos. – Eu não mereço ouvir isso em plena
madrugada, façam-me o favor.

Contrariada, Sana saiu resmungando sobre ser dócil uma vez na vida e
receber provocações em troca.

Chaeyoung e Lisa apenas assistiram a mulher desaparecer no corredor até


serem tomadas pelo silêncio novamente. Elas gostavam daquilo, o silêncio era
uma forma antiga de elas conversarem intimamente pela troca de olhares.
Lisa puxou a noiva pela cintura e juntou seus corpos, ela nunca se
acostumaria com os calafrios de seu corpo sempre que Chaeyoung estivesse
por perto.

– Enfim a sós. – sussurrou bicando os lábios cheios de Chaeyoung. – O que


você prometeu que faríamos mesmo?

Chaeyoung riu extasiada pelo momento e não perdeu tempo em distribuir


beijos pelo rosto pálido que ela tanto amava.

Lisa era seu alvo de adoração, tudo nela se transformava em perfeição. Lalisa
não era dona de um corpo atlético e barriga definida, pelo contrário, ela era
uma mulher normal com um corpo normal que só a deixava ainda mais
perfeita do jeito que ela era e sem e envergonhar disso.

– Agora você vai descansar de um dia cheio, Manoban. – apertou o nariz da


Lisa carinhosamente. – E eu vou para casa fazer algumas ligações, afinal, eu
saí correndo da apresentação. – riu entrelaçando os braços no pescoço de
Lisa. – Promete que quando eu acordar de manhã não terá sido um sonho?

– Eu escolhi você, Chaeyoung. E eu escolheria de novo e de novo até o fim dos


meus dias.

No conforto do abraço que compartilhavam, na troca de calor, de


sentimentos, a forma como podiam nitidamente sentir o coração uma da
outra, Chaeyoung e Lisa trocaram juras de amor que nem mesmo o tempo
seria capaz de destruir.
Elas se amavam, e mais ainda, elas eram melhores amigas, aquele amor havia
se tornado imortal ainda no auditório de Juilliard com a Chaeyoung tocando
Titanic e Lisa colocando os olhos sobre ela pela segunda vez.

Lá fora os primeiros flocos de neve caíam anunciando a chegada oficial do


inverno.

Mas, como sempre, tudo era sobre Lisa e Chaeyoung. Estava escrito.

24 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

Point Of View Chaeyoung.

Felicidade é a definição de se estar vivo. Você percebe isso quando começa a


perder tudo o que está a sua volta.

Tudo é temporário, mas a felicidade... A felicidade é uma manhã de domingo


assistindo ao nascer do sol na praia. Um jantar em família com a casa cheia.
Felicidade está nas estrelas que trabalham duro toda a noite para não deixar
que a imensidão escura do céu dos assuste. E enfim, felicidade está em
compartilhar esses momentos com alguém que, mesmo sabendo que há o
risco de se perder junto ao tempo, estará lá quando você acordar.

Lisa era a minha pessoa. E eu a amava com cada partícula que formavam
quem eu sou.

Depois que fui embora do apartamento de Lisa minha vida tomou um rumo
diferente do esperado. Eu liguei para Jonathan e expliquei por cima os
acontecimentos. Ele alegou ter ficado chateado apenas pelo fato de eu não ter
visto a explosão do publico ao término da rapsódia. E, de fato, ele tinha razão.
Na manhã do dia seguinte meu rosto estava em todas as bancas e a CNN fez
questão de transmitir um trecho da apresentação dizendo o quão orgulhosos
eles estavam pelo meu retorno.

Imediatamente marquei uma reunião com a equipe e tomei uma decisão por
mim e pelo meu futuro: Eu não seria mais uma artista solo, já provei desse
trunfo e confesso que não foi a melhor parte da minha vida. É solitário e para
pessoas que estão dispostas a deixar tudo pela música, ao contrário de mim
que tinha prioridades agora que estava noiva.

Ficou decidido que eu seria a pianista principal da Filarmônica de New York e


um tipo de maestrina reserva. Essa ideia me agradou muito, pois assim faria o
que eu mais amava sem sair de perto das pessoas que eu também amava.

Como em 1 mês eu estaria, e isso ainda me parece inacreditável, me casando


com Lisa e a tendo sob o mesmo teto com Ethan.

Decidi preparar-lhes uma surpresa para o natal, que seria comemorado na


minha antiga casa. E assim passaram-se 2 dias. Momo decidiu passar o natal
conosco e ligou para Junhoe solicitando sua presença. Jennie e Jisoo trariam
seus pais, Daniela convenceu Brian a ficar e Lisa exigiu que Charlote viesse. E
pela primeira vez em tantos anos, aquela casa estaria cheia outra vez.

As nuvens haviam tomado conta do céu, a tarde estava nublada e um pouco


fria, mas nem isso impediu Lisa de me puxar pela cintura enquanto
caminhávamos pelo jardim congelado do rancho e me prensar contra uma
árvore.
– Idiota! – acusei dando uma chave de braço nela, mas Lisa sempre foi mais
forte e conseguiu me enlaçando pela cintura outra vez.

– Eu amo a sua voz, amo sua forma de ver o mundo, e pela primeira vez tenho
certeza de que estou fazendo a coisa certa.

Recebi um beijo carinhoso na testa.

Lisa tinha esse poder sobre mim, ela sabia como conseguia me afetar e não
poupava esforços para fazê-lo.

Encostamos nossas testas e fechamos os olhos.

– Último ano de faculdade, eu estou pronta para dar o primeiro passo na


minha carreira solo. Você se mantem incomunicável, mas eu nunca perco a
esperança de uma ligação sua no meio da noite. Cada vez que toco é como se
tivesse você ao meu lado, vendo seu sorriso e seus olhos brilhantes, mas
quando a música acaba e eu abro meus olhos, você não está mais lá e eu me
lembro que perdi a única pessoa que me fez sentir mulher de verdade. –
terminei com dificuldade, minha voz está embargada e meus olhos fechados
com mais força que o natural pelas lembranças.

Sinto os lábios de Lisa nos meus, e isso me faz parecer que o mundo
desapareceu por alguns instantes.

– Eu te encontrei outra vez. – assegura Lisa tirando uma mecha de cabelo do


meu rosto.

– Vocês me dão nojo. – a voz de Momo soou alto no jardim.


Ela, Sana e Dahyun, que chegavam de mãos dadas, acenaram como se não
tivessem interrompendo nada. Lisa murmurou um "só pode ser brincadeira"
no meu ouvido e eu precisei prender o riso de seu desespero.

Sana tinha sua costumeira ironia na expressão de nojo e Dahyun num ar


risonho para nós.

– É muito bom vê-las juntas. – disse Sana sentando-se em um dos bancos do


jardim com Dahyun. – Foi bom acompanhar desde o começo, quando Lisa
discursou no casamento de Momo.

– Ah, o casamento... Não me lembre. – dramatizou Momo levando a mão à


cabeça ao sentar-se ao lado do casal. – Meus convidados nunca mais me verão
com os mesmos olhos.

Lisa chutou neve em Momo que xingou de imediato.

Eu a puxei para nos juntássemos as outras e a ajustei a touca em sua cabeça,


ela me agradeceu com um selinho demorado, recebendo, dessa vez, a
desaprovação de Sana que abraçou Dahyun e escondeu o rosto.

– Você me ama, você não vive sem mim, sempre foi assim. – falou Lisa dando
tapinhas de leve na cabeça de Sana que riu exageradamente.

– Não brinque com isso, Manoban! – disse ofendida. – Ontem à noite sabe
com o que eu sonhei? Saaaaaabe o que eu sonhei? – Dahyun abafou o riso e
virou o rosto para que ninguém visse sua reação.

Lisa ergueu uma sobrancelha enquanto sentava em outra cadeira e eu sentei


em seu colo, totalmente curiosa.
– Que faziam fanfics sobre nós!

Abri a boca, mas não disse nada me perguntando se Sana estava andando
demais com Momo.

– E o que eles escreviam? – perguntou Momo com um brilho misterioso nos


olhos.

Sana fez uma careta, como se lembrasse do que tinha sonhado.

– Bom, o problema daquelas fanfics era os autores insistirem que Lisa é ativa,
por favor! – lançou um olhar entediado para a minha Lisa, que retribuiu com
um sorrisinho falso. – Momo costumava ser normal, foi nessa parte que o
sonho ficou estranho. Eu era sempre a garota gostosa. – Dahyun deu um beijo
na bochecha da namorada e olhou para nós com doçura enquanto Momo
fingia vomitar. – Algumas dessas fanfics descrevem o sexo até mesmo melhor
do que é na vida real, mas foi nojento ter que ler sobre vocês duas transando.
– e apontou para nós.

Lisa revirou os olhos e me apertou em seus braços como se pedisse ajuda, mas
Momo ria maleficamente da situação.

– Vocês não deveriam estar se arrumando para a festa, tipo, bem longe daqui?
– perguntou Lisa.

– Nós viemos deixar o presente de Ethan que Luhan mandou pro meu
endereço. – se explicou Momo levantando-se e caminhando pelo jardim. –
Mas, como podem ver, tenho coisas mais importantes para fazer, como
procurar a caixa de cereal que a Park sempre esconde.
E foi assim que deixou nos deixou totalmente confusas acompanhando sua
deixa.

– Momo sempre sendo educada. – suspirou Dahyum. – O presente está no


carro, eu vou buscá-lo.

Balancei a cabeça em entendimento e depois de mais algum tempo no jardim


nós entramos atrás de Momo.

Então o resto da tarde passou rápido na companhia de nossas melhores


amigas que se prontificaram em nos ajudar nos últimos pratos que levaríamos
para a casa de minha mãe.

***

Já era noite quando os últimos convidados chegaram.

Minha mãe e Ella tinham montado uma enorme árvore de natal e organizado
todos os presentes em baixo desta, a decoração estava linda como eu me
recordava ser nos tempos de adolescente. Eu estava tão orgulhosa por ver
minha mãe finalmente aprender a controlar a depressão, sorrir por ter a casa
cheia e ser tão educada com nossos convidados. Ela estava feliz, e isso
também me deixava feliz.

Ethan usava um casaco de lã vermelho, calça de moletom preta e botas


também de lã, além de uma touca de panda com duas bolinhas pensando ao
lado da cabeça, era a coisa mais fofa do mundo. Ele brincava com os aviões de
brinquedo de Adam na sala.
Junhoe, Brian e o pai de Jennie conversavam naturalmente no sofá enquanto
assistiam TV. Ella estava com Diana e Charlote na cozinha terminando o peru.
Jennie, Jisoo, Sana, Dahyun, Momo e Daniela conversavam animadamente
com suas respectivas bebidas na mesa de jantar.

Eu estava em meu antigo quarto terminando de me arrumar. Não que o


moletom vinho, a calça jeans e a bota preta fossem me deixar deslumbrante,
mas eu precisava ao menos estar apresentável essa noite.

Meu corpo enrijeceu quando senti braços quentes envolverem meu corpo e
me apertarem. Lisa apoiou o queixo em meu ombro e analisou nosso reflexo
no espelho, tão perfeitas, tão certas uma para a outra.

– Nós fizemos tantos planos nesse quarto. – ela sussurrou contra meu ouvido
e eu me senti arrepiar. – O destino sempre nos leva para o mesmo lugar.

Me apertei a ela com mais força, nunca me cansaria de tê-la por perto ou
dizendo coisas como essa.

– Você está incrível. – eu disse.

– Eu te amo. – Lisa respondeu quase ao mesmo tempo, e eu senti toda a


certeza na voz dela.

Virei-me ainda em seus braços e a agarrei pela nuca beijando-a


delicadamente, sugando seu lábio inferior, e pensando em como aquilo era
bom. Lisa gemeu entre o beijo me fazendo sentir desejos inapropriados para o
momento subir quente por meu corpo.

– Chaeyoung...
Eu invadi sua boca novamente com necessidade, eu sabia que ela também
sentia o mesmo, talvez até mais.

Lalisa cravou as unhas em minha cintura e me empurrou com força até a


escrivaninha onde eu sabia que se não parássemos agora, seria tarde demais.
Ela, por outro lado, parecia excitada demais para se importar com os
convidados lá fora esperando por nós.

O beijo estava gostoso demais para ser quebrado e meu corpo rígido demais
para ser separado do de Lisa, mas eu precisava de mais, eu precisava ter
aquela mulher, e gemi em senti satisfação quando Lisa pressionou seu quadril
no meu com necessidade, como se não fosse o suficiente.

– Vocês estão se comendo? – um balde de água fria foi lançado, literalmente,


contra nós quando ouvimos a voz impaciente de Jennie do lado de fora do
quarto. – Porque se estiverem, eu exijo que Chaeyoung saia imediatamente,
ou os convidados irão notar.

– Puta que pariu! – xingou Lisa e eu entendia sua frustração. Era engraçado o
fato de Lisa estar louca para ser passiva por mim desde nossa última vez em
que, como sempre, fomos interrompidas por Momo e Sana. – Já vamos!

– Amor. – chamei delicadamente e me aproximei outra vez dela, deslizando


minha mão vagamente por seu corpo até parar em sua intimidade por cima da
calça jeans que usava. Ela ofegou. – Onde está precisando ser tocada? Aqui? –
ela assentiu e eu me aproveitei de sua vulnerabilidade para desabotoar o
botão e o zíper da calça. Lisa ficou tensa, mas não conteve minha mão quando
instintivamente a deslizei por dentro da calcinha até chegar em sua
intimidade que ansiava por mim completamente molhada. – Isso tudo é por
mim, bebê? – perguntei e ela assentiu outra vez. – Você gosta quando eu faço
isso, bebê? – comecei a estimular seu clitóris um pouco mais rápido, sua calça
limitava meus movimentos e nós estávamos sem tempo.

– Droga! – ela exclamou ofegante e fechou os olhos.

Empurrei seu corpo com o meu até que ela estivesse prensada contra a
parede. Eu estava perdendo a cabeça com aquela mulher, meu corpo todo
gritava por ela, meu centro pulsava pedindo por alívio, pelo corpo que eu
amava.

Deixei que minha mão livre passeasse por seu abdômen por baixo do casaco
de lã, sentindo sua pele quente como num dia de verão e lisa como seda. Meus
lábios correram até os dela com necessidade, e Lalisa tremeu quando chupei
sua língua com volúpia fazendo de minha boca a moradia de seus gemidos
descontrolados.

– Dentro. Por favor... – ela implorou contra meus lábios e eu obedeci. A


penetrei com dois dedos, eu ia o mais fundo que conseguia sentindo o tecido
esponjoso que aprendi ser o ponto G de Lisa. – Jesus.

Eu não estava mais sendo gentil, não com aquela mulher gemendo tão
gostosamente em minha boca. Lisa agarrou os cabelos em minha nuca com
força e cravou as unhas no meu ombro.

Mais duas estocadas e ela se desfez abafando o grito no meu pescoço.


Estávamos ofegantes e abraçadas na mesma posição. Tirei minha mão de sua
calça e dei um beijo delicado em sua bochecha direita. Aproveitei o momento
para correr até o banheiro e lavar minhas mãos.
– Sei que não é muito, mas da pra aliviar até termos tempo. – brinquei
pincelando seu nariz com a ponta do dedo quando retornei ao quarto. Lisa
sorriu ainda corada e me assustou quando agarrou minhas pernas e ergueu
meu corpo fazendo com que eu ficasse pendurada em suas costas. – O que
está fazendo, em?

– Nós precisamos descer. – sorriu fechando os olhos e começou a caminhar


comigo em seu colo pelo quarto até a porta.

– Não vou descer no seu colo, Lisa, me solte! – exigi e me agarrei em seu
tronco quando ela abriu a porta do quarto e começou a descer comigo pela
escada. – Eu vou morrer, socorro.

A sala ficou em silêncio que nos viu na ponta da escada na posição em que
estávamos. Eu tenho certeza que fiquei mais vermelha que um pimentão e
acabei escondendo meu rosto com as mãos.

– Mommy? – a voz de Ethan fez com que eu virasse o rosto para vê-lo nos
olhando confuso. – O que a senhora está fazendo com a tia Chaeyoung?

– Ooooh, você é muito novo para saber o que elas estavam fazendo. – brincou
Sana,

Claramente bêbada. Revirei os olhos e fui colocada novamente no chão


quando as pessoas voltaram a cuidar de suas vidas.

– Eu te odeio. – resmunguei apontando o dedo ameaçadoramente para Lisa,


mas ela apenas deu de língua ao se afastar para cumprimentar as pessoas.
Faltava meia hora para meia noite, Momo dançava uma música natalina com
Sana pela sala. Jennie tinha um gorro de Papai Noel que arrumou sabe-se lá
onde e andava conversando com todo mundo. Jisoo, Dahyun e Daniela
fofocavam no sofá e os mais velhos papeavam em uma rodinha próxima à
lareira. Ella correu até onde eu estava e me abraçou.

– É tão bom ver a casa cheia, não é? – ela parecia muito feliz e apontou para
nossa mãe que sorria enquanto conversava com Charlote.

– Olha só a mamãe, interagindo e sorrindo. Eu senti falta disso.

Apertei Ella em meus braços e beijei o topo de sua cabeça.

– As coisas estão voltando ao normal. – eu disse convicta e procurei Lisa com


os olhos.

Ela tentava conter um Adam que insistia em querer enfiar o dedo no bolo.
Sorri com a cena, eu a amava demais e nunca me cansaria de dizer isso.
Aquele sorriso era o motivo dos meus batimentos cardíacos se alterarem.

– Venha, vamos para a mesa.

Não foi fácil conseguir reunir todos em volta da mesa, os mais bêbados
precisaram levar uma bronca por isso e Junhoe não parecia nem um pouco
feliz em ver sua esposa xingar Lisa de passiva na frente de todos.

Minha mãe pediu para que eu fizesse o discurso, ela não se sentiria
confortável falando para todos.

(Play na Música: You're still the one da Shania Twain)


When I first saw you, I saw love
And the first time you touched me, I felt love
And after all this time, you're still the one I love

– Boa noite. – eu disse e todos responderam animados. Momo um pouco


mais animada que o normal. – Eu não posso medir em palavras o quão feliz e
agradecida estou por vocês estarem aqui. Principalmente vocês que vieram de
outras cidades.

– Amém! – Sana ergueu a taça e todos riram.

Looks like we made it


Look how far we've come my baby
We might took the long way
We knew we'd get there someday

– É importante que essa casa esteja cheia, pois todos nós somos uma família,
sabe? Cada pessoa aqui tem sua importância em minha vida, alguns de longa
data, outros que tive o prazer de conhecer esse ano. – suspirei e olhei para
Momo. – Em breve nossa família estará maior, não mesmo, Momo? – Ela riu
descontrolada e recebeu aplausos e os parabéns de todos na sala. – E acho
que algumas pessoas acompanharam minha vida desde o inicio da minha
carreira... Vocês sabem que eu não tive um caminho muito fácil a morte do
meu pai. – me segurei para não chorar, falar dele era como mexer no meu
ponto fraco. – Tudo o que tenho hoje sou eternamente grata à ele e a minha
mãe. E sei que hoje ele está aqui, comemorando o natal ao nosso lado. – sorri
e abracei minha mãe de lado, ela tinha ficado triste então decidi que era a
hora de mudar o rumo do discurso. Olhei para Ethan que estava no colo de
Lisa ao meu lado e sorri. – Esse ano, quando eu pensei que tudo estava
perdido, Deus me mostrou que sempre haverá aquela luzinha ano fim do
túnel. Eu recebi não só uma benção, mas uma enxurrada delas. – sorri mais
ainda pegando o menino em meus braços. – Eu ganhei um filho, – Ethan
ficou envergonhado e tampou o rosto com as mãos, mesmo sem entender
sobre o que eu estava falando. – ganhei uma noiva. Minha mãe está muito
melhor, minha carreira está finalmente no ponto certo e eu tenho os amigos
mais valiosos ao meu lado. – olhei para cada pessoa naquela sala, eles
importavam muito. – Eu quero que isso sirva de lição para cada um, nunca,
jamais, pensem em desistir de algo que amam, no final sempre vai valer a
pena. – ergui minha taça e todos me acompanharam. – Feliz Natal.

– Feliz Natal. – responderam todos brindando.

They said "I bet they'll never make it"


But just look at us holding on
We're still together, still going strong

Nos abraçamos, choramos, comemoramos. Foi lindo assistir as pessoas que


eu mais amava juntas naquela noite contemplando uma data tão linda como o
natal. Eu já não me sentia tão viva assim desde meu último natal ainda
naquela casa, tendo Lisa como minha namorada.

O banquete foi repleto de conversas animadas e sorrisos sinceros, era um


natal digno de ser compartilhado com a família.

Abri a porta da varanda e sair procurando por um pouco de ar. A música lá


dentro ainda rolava solta, pois o pai de Jennie tinha encontrado uma sanfona
antiga de Mark e agora tocava animadamente para a maioria dos convidados
que dançavam pela sala e riam como se não houvesse amanhã.
Sentei-me na cadeira de balanço e abracei meu próprio corpo contemplando o
céu estrelado. Eu sentia meu pai perto de mim, eu via seu sorriso e o orgulho
que ele sentia pela pessoa que eu tinha me transformado.

You're still the one


You're still the one I run to
The one that I belong to
You're still the one I want for life
You're still the one
You're still the one that I love
The only one that I dream of
You're still the one I kiss goodnight

A porta da varanda foi aberta novamente e uma Lisa eufórica passou por ela
com Ethan nos braços.

Eu sorri com a cena, ambos usando toucas e os casacos de lã combinando. Eu


poderia explodir de felicidade agora e não me importaria.

– Aqui está ela. – Lisa disse para Ethan, o menino esticou os bracinhos e
passou para o meu colo. Eu o aninhei em meus braços vendo que estava
sonolento. – Ele não queria dormir sem dizer boa noite para a tia Chaeyoung.

Nós ainda não tínhamos explicado a real situação para Ethan, mas ele sendo o
menino inteligente que sempre foi entenderia quando chegasse a hora. Dei
um beijo no rostinho quente do menino e senti Lisa sentar ao meu lado.

– Boa noite, bebê. – sussurrei para ele.

– Nós não vamos abrir os presentes? – ele perguntou com a voz arrastada.
Ain't nothing better
We beat the odds together
I'm glad we didn't listen
Look at what we would be missing

Lisa passou o braço por trás de mim e o apoiou no encosto do banco.

– Amanhã de manhã eu te acordo cedinho e a gente abre, ok? – ele assentiu


incapaz de dizer qualquer coisa, os olhos mal paravam abertos.
– Amo você, pequeno. Feliz Natal.

– Feliz Natal, mommy. Amo você. – murmurou. – Amo você, tia Chaeyoung.

Meu coração quase saiu pela boca naquele momento. Foi a última coisa que
Ethan disse antes de cair em um sono profundo em meus braços, então eu
pude olhar manhosa para Lisa e vê-la rir da minha reação.

They said "I bet they'll never make it"


But just look at us holding on
We're still together, still going strong

– Se está assim com ele dizendo que a ama, quero só ver quando chama-la de
mamãe. – ela brincou e meu coração deu outro salto.

– Eu acho que posso ter uma falência cardíaca nesse momento. – comentei. –
Será que alguém notaria se eu começasse a gritar que amo vocês dois?

Lisa olhou para trás observando pela janela a festa dentro de casa e balançou
a cabeça.
– Eles mal notariam se uma de nos desmaiasse.

You're still the one


You're still the one I run to
The one that I belong to
You're still the one I want for life
You're still the one
You're still the one that I love
The only one that I dream of
You're still the one I kiss goodnight

Nós rimos e o silêncio caiu sobre nós.

Abraçadas no ventinho frio da noite, o pequeno adormecido em meus braços,


a lua sendo nossa testemunha como tantas vezes. Era quase como ter um dejà
vu.

– Sabe o que eu lembrei?

– Não ouse citar Morro dos ventos uivantes. – ela brincou e eu ri.

– Sabe... Não seria estranho se eu te amasse para todo o sempre.

Deixe-me mergulhar fundo dos olhos castanhos que tanto me embriagavam.


Eles estavam lá me prometendo um para sempre seguro e cheio de amor.
Estavam me prometendo dias de paixão e sexo ardente. Dança na chuva,
beijos roubados, noites em claro...

– Feliz Natal, Lisa.


– Feliz Natal, Chaeyoung.

Nos beijamos superficialmente e voltamos a assistir o espetáculo que a noite


estrelada nos proporcionada tendo a certeza de que tudo ficaria bem.

Como eu disse, felicidade é uma noite de natal observando a neve ao lado de


quem mais importa.

Observação do Destino

Aquele seria o primeiro natal do resto de suas vidas juntas.

_________

46

25 de Dezembro de 2023. – New York, NY.

Point Of View Lalisa

Observei o dia amanhecer através das cortinas fechadas do antigo quarto de


Chaeyoung me perguntando se o sono tinha se esquecido de mim. Ou talvez
eu apenas tivesse medo de fechar os olhos e me dar conta de que tudo não
passou de um sonho, que mesmo 5 dias depois de ter pedido Chaeyoung em
casamento, a qualquer momento eu pudesse acordar ao lado de Luhan no
apartamento.

Eu estava tão feliz no momento que chegava ser assustador.


Chaeyoung e eu decidimos passar a noite em sua antiga casa quando os
convidados foram embora no meio da madrugada. Ethan estava dormindo no
quarto de hóspedes e não valia a pena acordá-lo. Ajudamos Diana e Ella a
arrumar a casa e nos despedimos para dormir,

Chaeyoung estava extremamente cansada e manhosa. Tomamos um banho


quente e demorado juntas, vestimos nossos moletons e nos enfiamos em
baixo do edredom em seu antigo quarto.

Era a primeira vez que dormíamos juntas, sóbrias e sem problemas nos
aguardando no dia seguinte. Tudo refletia paz quando a aninhei em meu peito
e conversamos por um tempo até sua respiração pesar e suas frases se
tornarem monossilábicas.

É engraçado como o tempo parecia não ter passado naquele ambiente. Os


mesmos quadros, os mesmos instrumentos, com exceção de algumas fotos
Polarid penduradas na parede oposta. Eram fotos de Juilliard e do que
parecia ser sua formatura. Senti um aperto no peito desejando ter feito parte
daqueles dias tão importantes para Chaeyoung.

Infelizmente, ainda não fora inventada uma máquina do tempo que pudesse
me ajudar a voltar no tempo e consertar as coisas. Ter descoberto a doença de
Mark com antecedência e ter tido tempo para conseguir o dinheiro do
tratamento. O que me restava era viver intensamente os dias que me foram
concedidos ao lado da mulher que eu amava, dessa vez eu estava disposta a
fazer dar certo a definição de "nós".

Sorri e voltei meus olhos para Chaeyoung que dormia profundamente de


costas para mim. Eu tinha certeza que era a única acordada na casa e resolvi
usar isso ao meu favor. Levantei-me devagar tomando cuidado para não
acordar a meu amor e me espreguicei caminhando até o banheiro. Depois da
minha higiene pessoal, procurei pelo meu gorro pelo quarto e caminhei até
Chaeyoung deixando um beijo em seu rosto. A cobri até o ombro para aquecê-
la do frio que não estava sendo generoso aquele ano e desci até a sala
iluminada pelas luzinhas natalinas da árvore. Acendi a lareira, preparei
achocolatado e procurei algo natalino nos antigos discos de vinil de Mark.
Fiquei satisfeita com a coleção de Frank Sinatra e corri até a vitrola que eu
dera a Diana como presente de natal, eu sabia o significado de simbolismo
naquela casa. Me joguei no sofá esticando as pernas na mesinha de centro e
fechei os olhos contemplado a paz naquela casa que tanto significava para
mim. Se eu olhasse para a lareira poderia facilmente visualizar Mark tirando
uma foto de Chaeyoung e eu na noite do baile. Ou o piano que o homem
costumava tocar para as pessoas que amava. O buraco que ele havia deixado
era insubstituível em todos os sentidos.

Meus pensamentos foram interrompidos quando senti o sofá afundar ao meu


lado e alguém enterrar o rosto no meu pescoço. Sorri quando abri os olhos e
encontrei Chaeyoung com o rosto amassado, cabelos desarrumados e uma
carinha de quem estava brava.

– Eu acordei e você não estava lá. – ela resmungou com a voz abafada pelo
meu pescoço.

– Você poderia ter voltado a dormir, sabe que eu não fugiria. – concluí
bebericando meu achocolatado.

Chaeyoung soltou um murmurou em desaprovação e me apertou mais, como


uma criança.
– Não. – respondeu simplesmente e eu comecei a rir.

– Não?

– Não.

– Hm. – passei meu braço em volta do seu corpo e beijei seus cabelos
bagunçados. – Bom dia então, amor.

Ela tomou o copo de achocolatado e minhas mãos e levantou o rosto para


provar. Enquanto isso eu a analisei sentindo meu coração dar pulos de alegria
somente por tê-la ali como uma personagem saída de um filme de comédia
romântica.

– O que está olhando? – ela perguntou enquanto segurava a xícara com as


duas mãos.

Como eu poderia explicar que estava apaixonada por ela simplesmente por
estar sentada no sofá com as pernas cruzadas segurando aquela xícara que
emanava vapor?

– Você. – respondi ainda abobada pela visão que estava tendo.

Ela corou e deixou a xícara em cima da mesinha para logo depois esconder o
rosto atrás das mãos cobertas pela manga do moletom.

– Não faça isso agora, sério. Eu estou parecendo a Amanda Lepore depois da
cirurgia.
Comecei a rir histericamente de sua comparação e puxei suas mãos
descobrindo seu rosto. Chaeyoung fez um bico que eu beijei com prazer e a
puxei para que ficasse em pé quando no mesmo momento começou a tocar
White Paultmas.

(Play musica Música: Frank Sinatra – White Paultmas)

Juntei nossos corpos e ela sorriu docemente quando se deu conta de que
estávamos dançando pela sala como costumamos fazer.

– Eu amo o fato de não precisarmos nos comunicar quando queremos dançar.


– eu disse segurando sua mão com a minha esquerda e rodeando sua cintura
com a direita.

Chaeyoung juntou nossas testas e brincou com seus lábios nos meus.

– Eu amo o fato de você ter sido a única pessoa a lembrar noite passada que
eu era vegetariana. – ela riu. – Eu deveria me desculpar com peru por estar
sendo servido em nossa mesa, imagina a família dele...

E ela se perdeu em seu monólogo infinito sobre salvar os animais que só a


tornava mais perfeita para o mundo em que vivíamos.

Chaeyoung não merecia viver no mesmo ambiente que outros seres humanos,
ela era rara e especial demais para isso, mas o máximo que eu poderia fazer
era me certificar de que ela sempre estaria por perto de mim e do meu filho.

– Vamos contar ao Ethan.


–... Ainda ajudo a organização de proteção aos... O que? – ela parou de falar e
dançar no mesmo instante.

– É isso. Vamos contar a ele que você será a mãe dele também, vamos fazer
isso agora.

E de repente eu estava animada para que Ethan soubesse que eu me casaria


em breve com Chaeyoung. Ele era a única pessoa da qual eu me importava, e
o quanto antes ele soubesse, nada mais no mundo poderia importar.

– Você acha que é uma boa ideia? – ela perguntou enquanto subíamos as
escadas. – Não quero acordá-lo de manhã, ele pode ficar irritado.

Revirei os olhos com a preocupação dela, de fato quando estava nervosa se


parecia muito com a menina de 18 anos que namorei na faculdade.

– Temos que acordá-lo para abrir os presentes, de qualquer maneira. – dei de


ombros e apertei sua mão transmitindo calma. Quando chegamos à porta do
quarto de hóspedes que estava entreaberta, me voltei para Chaeyoung e a
olhei profundamente nos olhos. – Independente de qualquer coisa você já é a
mãe dele.

Ela assentiu ainda nervosa e nós entramos. Ethan estava dormindo de


barrigada para cima, com os braços e pernas abertos saboreando a cama de
casal. O edredom estava no chão e eu me preocupei se o casaco de lã tinha
sido o suficiente para esquentá-lo à noite.

– Ele tem essa mania de se mexer muito e acaba se descobrindo. – sussurrei


para Chaeyoung que prontamente tirou o edredom do chão e o estendeu sobre
o menino. Sentei na cama de um lado e Chaeyoung de outro, acompanhamos
em silêncio por um tempo a ascensão e queda do peito de Ethan em seu sono.
– Bebê? – chamei pousando a palma da minha mão no peito dele. – Está na
hora de acordar. – ele resmungou e virou a cabeça, mas não abriu os olhos. –
Ethan? Acorde, bebê.

Ele virou o corpo dessa vez ficando de costas para mim e Chaeyoung começou
a rir silenciosamente da minha cara de tacho.

– Ok, Lisa. – ela disse com uma voz fingida. – Vamos embora, acho que o
Ethan não quer abrir os presentes...

E antes que ela terminasse a frase, meu filho sentou na cama todo
desengonçado olhando para os lados como se procurasse pelos presentes no
quarto. Eu abri a boca indignada pelo monstrinho interesseiro que estava
criando, mas não pude deixar de sorrir apaixonada por ele.

– Presentes? – ele perguntou inocente e sonolento, exatamente como


Chaeyoung há meia hora no sofá. – Oi, mommy. Oi, tia Chaeyoung.

– Bom dia, pequeno. – Chaeyoung bagunçou ainda mais o cabelo de Ethan e


ele coçou os olhos.

– Bom dia, meu amor. – dei um beijo em sua testa e o abracei deixando
nossos corpos tombarem na cama. Estiquei meu braço por trás da cabeça de
Ethan chamando por Chaeyoung e ela se deitou do outro lado, nós estávamos
praticamente o esmagando, mas ele era incrivelmente carinhoso e afetuoso. –
A tia Chaeyoung e eu precisamos falar com vocês antes de abrirmos os
presentes.

Os olhos do pequeno se arregalaram e ele olhou para mim com desespero.


– Eu não quebrei o avião de Adam, ele me empurrou e eu tropecei, mommy.
Eu juro! – franzi o cenho confusa, não me lembrava de ter visto Adam
reclamar sobre o brinquedo quebrado. – Vou ficar de castigo?

Chaeyoung segurou a mão de Ethan tirando sua atenção de mim e a beijou


delicadamente. Meu peito preenchia sempre que via os dois interagirem como
se fossem mãe e filho de verdade, era tudo o que eu sempre sonhei desde que
decidi ter um filho.

Essa é a prova de que sonhos podem se tornar realidade.

– Você não está de castigo, Ethan. Sua mãe precisa explicar uma coisa antes
de vocês irem morar comigo, ok? Você promete prestar atenção?

Ethan assentiu e olhou para mim curioso sobre o que eu tinha para dizer, e
incrivelmente naquele momento eu não estava nervosa para tal ato. Respirei
fundo e cruzei os braços encarando os olhos que refletiam os meus.

– Você lembra que a mamãe ia se casar com o tio Luhan e ele seria o seu pai?
– perguntei calma, e mais uma vez Ethan assentiu. Eu tinha inventado no dia
após o casamento que Luhan precisou fazer uma viagem urgente para
justificar sua ausência. – Isso não vai mais acontecer. – falei e vi os olhos de
Ethan crescerem em surpresa. – Você gosta do Shrek, certo? Então me diz
uma coisa, por que a princesa Fiona gostou do Shrek sendo que ele era feio?

Deixei que ele pensasse, Chaeyoung tinha um ar preocupado observando


Ethan martelar minha pergunta, eu só queria que ela relaxasse e passasse
confiança para ele.
– Porque ele era legal com ela? E porque ele cuidou dela e eles se divertiram
juntos? – ele perguntou cuidadoso e eu sorri.

– Exato. Sabe quando a mamãe diz que não importa o que a pessoa é por fora,
o importante é o que ela te faz sentir por dentro?

– Sim.

– A mamãe se sente da mesma forma por alguém que não é o tio Luhan.

Ethan ergueu as sobrancelhas me observando, eu sabia que de certa forma


ele podia me ler.

– Então eu preciso chamar a tia Chaeyoung de mamãe também? – a pergunta


foi inocente, mas que nos pegou totalmente de surpresa.

Chaeyoung engasgou e precisou sentar na cama para se recuperar. Ethan e eu


assistimos até que a Chaeyoung estivesse recuperada, meu coração totalmente
acelerado pela esperteza daquele menino que agora eu duvidava ter apenas 4
anos.

– Tudo bem? – perguntei preocupada, ela tinha lágrimas nos olhos quando
voltou a se deitar.

– Tudo, desculpe. – pediu envergonhada e inesperadamente Ethan sentou na


cama para deixar um beijo no rosto de Chaeyoung.

– Pronto, agora vai melhorar. – ele disse e eu quase o sufoquei em meu


abraço. – Ugh, mommy. Eu preciso respirar.
– Ok, ok. – o soltei e ouvi Chaeyoung rir.

Quando estávamos mais recuperados voltei a encará-lo e ele tinha uma


expressão despreocupada enquanto analisava as próprias mãos.

– Tudo bem para você se a mamãe se casar com Chaeyoung?

E ele sorriu. O sorriso mais lindo que eu já vira em minha vida acompanhado
com o de Chaeyoung.

– Tá brincando? Vai ser o máximo ter duas mães e a tia Chaeyoung vai me
ensinar muitas coisas, não é? – ele olhou esperançoso para Chaeyoung que eu
sabia estar se contendo para não chorar. Ela assentiu. – O meu amigo da
escola, o Josh, ele tem duas mamães também e alguns meninos zombam dele.
– fechou a cara e eu olhei para Chaeyoung preocupada, essa era a parte que
eu temia.

– Eu sinto muito que você tenha que passar por isso também. – afirmei um
pouco triste, mas Ethan segurou meu rosto com as duas mãozinhas.

– Não se preocupe, mommy. Eu vou proteger vocês duas e ninguém na escola


vai fazer gracinhas, tá? – olhou para Chaeyoung e a abraçou pelo pescoço. –
Isso é tão legal!

Uma criança não mede sua felicidade em rótulos imbecis. Uma criança não se
preocupa com o que os outros vão dizer. Uma criança acredita que o amor
pode curar o mundo. Uma criança nunca procura o lado ruim de uma pessoa,
pelo contrário, se você for legal com ela estará automaticamente ingressando
em seu mundo particular.
Era 25 de Dezembro de 2023 e aquele poderia ser o dia mais feliz da minha
vida.

***

Ethan ficou extasiado quando descemos para abrir o presente do Papai Noel
que tinha sido deixado em baixo da árvore de madrugada pelo bom velhinho.

Estávamos sentadas no chão com Ethan no colo de Chaeyoung, eles debatiam


silenciosamente alguma coisa que não me deixavam ouvir e eu estava
frustrada por ser excluída da conversa. Ethan era todo sorrisos e sempre
olhava para mim com um olhar malicioso de quem estava aprontando.

– E o primeiro presente vai para a mamãe mais linda do mundo! – anunciou


Chaeyoung logo que Ethan pulou de seu colo e correu atrás da árvore. Eu
ergui uma sobrancelha surpresa. – Preparado, Ethan?

– Sim! – exclamou o menino e então ele saltou na minha frente puxando um


embrulho muito maior que ele. Eu comecei a rir da cena. – Feliz Natal,
mommy! – gritou saltando no meu colo.

Eu o peguei e o enchi de beijos por todo o rosto, fazendo o mesmo com


Chaeyoung logo em seguida.

– Então quer dizer que os dois planejaram tudo pelas minhas costas esse
tempo todo, uh? – dei de língua e puxei o embrulho que pela silhueta já dava
para ter uma noção do que era. – O que será que é? – olhei para Ethan que
assistia tudo ansioso. – Puxei o embrulho preto e aos poucos um violão preto
foi sendo revelado.
– Eu sempre soube que você gostava de tocar com Yamaha. Esse é um C70,
perfeito para você. – disse Chaeyoung com os olhos brilhantes.

Eu queria enchê-la de beijos e não soltá-la nunca mais.

– A senhora gostou? – Ethan perguntou esperançoso.

– Eu amei esse violão, filho. Muito brigada, eu amo muito vocês dois. – falei
sorrindo.

E, de fato, eu estava extremamente feliz com meu presente. Agora eu poderia


tocar para os meus dois amores com uma acústica muito melhor, fora que
Yamaha sempre fora minha paixão desde pequena, mas eu nunca mais
comprei um violão da marca depois que saí de New York.

Rapidamente puxei Ethan pelo casaco e cochichei em seu ouvido. Sapeca do


jeito que era, o menino correu até a árvore e pegou um embrulho médio com
corações desenhados.

– O segundo presente vai para a melhor pianista do mundo! – brinquei e os


olhos de Chaeyoung brilharam, ela corou e escondeu o rosto entre as mãos. –
Quem é, Ethan?

– Tia Chaeyoung! – ele exclamou alto estendendo o presente para a


Chaeyoung que estava totalmente vermelha. – Feliz Natal para a senhora.

E ela o abraçou sacudindo-se de um lado para o outro. Recebi um olhar


fuzilante de quem estava dizendo que não precisava de presente, mas dei de
ombros e apenas esperei até que ela abrisse.
Dentro da caixinha média havia outra um pouco menor. Ela abriu e dentro
havia outra ainda menor. Comecei a rir de sua expressão zangada até que de
caixinha em caixinha ela encontrou uma bem pequena que cabia na palma de
sua mão, era azul marinho e... Bem, era uma caixinha de alianças.

– Lalisa. – seu sorriso morreu e pela sua expressão de choque eu podia chorar
que seu coração estava tão acelerado quanto o meu.

Me aproximei dela e tomei a caixinha de suas mãos. Ethan assistia tudo agora
sentado com as pernas cruzadas, ele tinha total atenção sobre o que acontecia
com suas mães no momento.

– Veja, essas não são apenas alianças de casamento. – abri a caixinha


revelando um par de alianças de ouro. Chaeyoung prendeu a respiração e
tapou a boca com uma mão. – Mark uma vez me enviou a aliança que você
tentou jogar na lareira, eu não sabia o porquê, mas apenas a guardei comigo
por todo esse tempo ao lado da minha. – tirei uma delas da caixinha e a deixei
na palma da minha mão. – Então dois dias atrás eu resolvi que elas ainda
seriam nossas. Mandei banhá–las a ouro.

E como a pessoa sensível que sempre fora, Chaeyoung estava chorando. Me


deixava feliz saber que era de felicidade
.
Senti seus braços rodearem meu pescoço e seu corpo quase se fundir ao meu
em um abraço apertado. Ficamos uns bons segundos assim, com Ethan
reclamando da demora e Chaeyoung ofegante em meu ouvido.

– Eu amo você, amo muito. – ela sussurrou beijando minha têmpora.


Quando nos recuperamos, nós duas olhamos para Ethan que tinha o rosto
apoiado na mão e nos observava com interesse, como se uma criança de 4
anos pudesse entender o que estava acontecendo ali.

– O que será que o Papai Noel trouxe para o Ethan? – Chaeyoung me


perguntou enquanto guardava as alianças de volta na caixinha.

Em milésimos de segundos, Ethan estava em pé procurando ansiosamente


pelo seu presente.

– Oh, você tem razão. Eu acho que o Papai Noel confundiu o quarto com a
cozinha. – levantei e corri até a cozinha onde tinha deixado o presente para
que ele não visse. – Será que esse o presente que você pediu?

Eu carregava uma bicicleta de rodinhas vermelha e preta do jeitinho que


Ethan tinha pedido quando fomos a uma loja de brinquedos pouco tempo
atrás. Ao ver seu presente, o menino gritou extasiado e correu até a bicicleta
arrancando risadas de Chaeyoung.

– Eu acho que sim. – Chaeyoung respondeu por Ethan me abraçando de lado


enquanto observávamos o garoto subir na bicicleta.

– Está fazendo um ótimo trabalho como mãe. – eu disse orgulhosa e em troca


ganhei um beijo no canto dos lábios. – E como futura esposa também.

Nós rimos e nos abraçamos.

***
Depois de tomarmos café da manhã e trocar presentes com Ella e Diana,
decidimos que era o momento certo para a diversão. Eu encapotei Ethan com
casacos, duas calças de moletom, gorro e bota e todos foram para fora brincar
na neve. Diana ficou na varanda assistindo enquanto Ella, Chaeyoung, Ethan
e eu brincávamos de guerra na neve.

– Você continua sendo ruim nessas guerrinhas, Ella! – provoquei a menina


que deu de língua e saiu correndo atrás de mim com uma bola enorme de
neve nas mãos.

Eu peguei Ethan no colo e o coloquei na frente do meu corpo fingindo fazê-lo


de escudo enquanto ele gargalhava incansavelmente.

– Assim não vale, Lisa. – Ella ralhou. – E você não ria, Chaeyoung. – e antes
que a Park mais velha pudesse protestar, levou uma bolada de neve no rosto
deixando-a inteiramente branca.

– Ora, sua... – e as irmãs começaram a guerrear entre si.

Desviei o olhar para a varanda onde Diana assistia tudo divertidamente e logo
tive uma ideia. Montei uma bolinha de neve pequena e entreguei para Ethan
apontando para a mulher na varanda, ele rapidamente entendeu meu recado
e correu até ela.

Ella e Chaeyoung viram quando Ethan jogou a bolinha no colo da senhora e


correram até eles. As duas Park começaram a puxar Diana para a neve com
cuidado e Ethan se divertia logo atrás delas. Diana protestou, mas sempre
faria a vontade das filhas.

– Olá, Diana. – eu cumprimentei quando ela estava na minha frente.


– Olá, Lisa. – ela riu não entendendo a inocência em minha voz, então eu tirei
a mão de trás das costas e desfiz um bolo de neve em cima da cabeça dela. –
Lalisa Manoban! Desde quando se tornou uma nora abusada?

Outra bolinha de neve atingiu o braço da mulher e nós vimos Ella tentar
disfarçar, mas já era tarde.

A guerra recomeçou, e, por incrível que pareça, eu não posso me lembrar em


que momento terminou.

Eu estava feliz demais para pensar em finais.

_________

47

27 de Janeiro de 2024. – New York, NY.

Point Of View Chaeyoung.

As coisas definitivamente estavam caminhando nos trilhos há quase 1 mês.


Aos poucos eu reconstruía minha carreira nos palcos com a filarmônica, os
jornais de todo o país me comparavam a uma fênix com a teoria de surgir das
cinzas. Eu tinha mandado construir uma piscina nos fundos do rancho com
uma pequena cerca, troquei a cama de casal por uma King Size, troquei
alguns móveis e contratei um rapaz para cuidar dos meus cavalos agora que
meu tempo seria dividido entre minha família e a música e mandei reformar a
casa de minha mãe. Era um recomeço não só para mim, mas para todos a
minha volta.

Ainda me lembro exatamente daquele dia, escolhemos a data justamente para


simbolizar nossa volta por cima de todas as coisas ruins que nos aconteceram.

Antes do dia amanhecer meu rancho já estava cheio de pessoas andando de


um lado para o outro erguendo a enorme tenda na parte de trás onde seria a
festa.

Na parte da frente montamos um arco branco onde ficaria o ministro, Lisa e


eu. As 60 cadeiras foram distribuídas 30 de cada lado do tapete branco que
levava ao altar e ao lado do arco colocamos um piano branco que Jennie
tocaria em nossas entradas.

Era um sonho. O sonho mais lindo que já tive.

Lalisa foi levada de mim por Sana e Momo com a desculpa de que não
poderíamos nos ver antes do casamento, aquela velha bobeira de má sorte,
como se nós já não tivéssemos tido tudo de pior por muito tempo.

Ethan ficou com Daniela e Adam, e eu fui cuidada pelas minhas madrinhas
Jisoo, Jennie e Dahyun.

– Ok, Chae, você está pálida e já vomitou duas vezes só essa manhã, tem
certeza de que não está grávida?

Olhei incrédula para Jennie que parecia falar muito séria enquanto me
ajudava a entrar naquele vestido.
– Na última vez que chequei Lisa, ela tinha uma vagina. – rebati de mau gosto
e fiquei de frente para o espelho deixando que Dahyun fechasse meu vestido
por trás. – Eu estou nervosa, Jennie. É o meu casamento, tem noção disso?
Eu estou me casando com a mulher que amo.

Olhei pela janela checando se estava tudo certo com o pessoal da montagem
da tenda, eu estava com medo de que algo desse errado até o anoitecer,
qualquer coisa poderia acontecer e eu já estava entrando em desespero. Meu
estômago revirava inquieto criando aquele frio que percorria toda a minha
espinha.

– E se ela não vier? – perguntei quase em desespero e Jisoo revirou os olhos.

– É a quinta vez que você pergunta isso, Chaeyoung. – ela disse e me


empurrou até uma cadeira para começar a mexer em eu cabelo. – Coque ou
solto?

– Coque.

– Momo não para de mandar mensagem xingando, ela disse que Lisa parece
outra louca em desespero. – Dahyun contou rindo e pegou o celular. – Vocês
foram feitas uma para a outra.

***

Point Of View Lalisa.

Eu andava de um lado para o outro no apartamento pensando em uma forma


de acalmar meus nervos.
Era a segunda vez em que eu usava um vestido de noiva, mas dessa vez era
por um propósito perfeito. Era meu casamento. Com Park Chaeyoung.

– Eu acho que vou ter meu filho agora se você continuar andando de um lado
para o outro. – disse Momo de seu canto. – É sério, estou ficando tonta. –
Revirei os olhos para seu comentário e parei pressionando meu estômago
com as duas mãos. – Vocês são tão estranhas, no dia do meu casamento eu
dormi até três horas antes da cerimônia. – continuou Momo e eu olhei para
Sana indicando que a jogaria daquele andar a qualquer momento.

– Momo, você poderia ser amável pelo menos uma vez na sua vida? – Sana
resmungou e eu agradeci mentalmente por isso. – Venha me ajudar com esse
vestido.

Elas usavam novamente o vestido rosa bebê e tenho certeza que a moça da
loja deve ter pensado que eu sou louca por me casar duas vezes em um tão
curto espaço de tempo. Que se dane a moça da loja, estou divagando para
conter o nervosismo que me deixou totalmente inquieta.

A campainha tocou e eu saí correndo para atender sem me preocupar se


estava usando um vestido de noiva. Era minha mãe e Paul. Charlote me
analisou de baixo a cima e suspirou emocionada.

– Eu nunca pensei que veria você em um vestido de noiva tão lindo. – ela
disse e eu me senti envergonhada.

Paul entrou me dando um longo abraço e dizendo o quanto eu estava linda.


Ele pediu para se trocar e eu ofereci meu quarto, enquanto isso, levei Charlote
até a cozinha para conversarmos.
– Obrigada por ter aceitado entrar comigo. – falei me encostando-se ao
balcão.

Charlote franziu o cenho.

– Você é a minha filha, por que está me agradecendo por eu fazer o meu dever
de mãe?

Dei de ombros. Falar sobre família não era um assunto muito fácil para mim
uma vez que fui negligenciada pela minha, principalmente por minha mãe
que sempre foi submissa aos erros do meu pai em relação a mim. Por mais
que eu não quisesse, ainda existia mágoa no meu peito e eu não fazia ideia de
um dia ela se dissiparia.

– Eu estou me casando com uma mulher, mãe. Desde pequena você dizia que
era...

– Seu pai dizia. – ela me corrigiu. – Seu pai sempre disse que era errado, eu
apenas... – Assenti abaixando a cabeça, mas ela segurou meu queixo e o
levantei me fazendo a olhar nos olhos. – Eu amo você, Lisa. Você pode se
casar com homem ou mulher, e eu ainda vou amar você. Eu sou a sua mãe, e
se Chaeyoung a faz feliz, então eu também a amo. – maneou a cabeça e sorriu
tristemente. – Eu nunca vou me perdoar por ter sido omissa ao que seu pai
fez a você e a ela. Ele destruiu algo tão bonito, eu quero pelo menos fazer
parte desse momento tão especial em sua vida.

Fechei os olhos e a abracei o mais forte que pude. Charlote era minha mãe,
não importa o que tinha acontecido, eu tinha prometido a mim mesma que
viveria um dia de cada vez e perdoaria aqueles que merecessem.
Paul foi a paz que eu precisava naquele apartamento, como um bom irmão
que me conhecia, me contou sobre sua vida agora em Chicago. Ele tinha se
tornado um grande engenheiro e estava noivo de uma modelo que não pode
estar presente devido a uma viagem.
Recebi muitos conselhos e nós brincamos um com a cara do outro durante o
tempo em que ficamos enfurnados sem ter o que fazer.

Meia hora antes de sairmos, Sana e Charlote me ajudaram com o véu e Momo
pegou o buquê.

– Espero que você case dessa vez. – Momo disse quando finalmente saímos
do apartamento.

Charlote, Sana foram no carro de Momo enquanto Paul foi o meu motorista
no Mustang.

Eu estava tão nervosa, sentia um show de bateira no meu peito que refletia
nas minhas mãos suadas e frias. Tudo o que eu podia pensar era que em breve
eu seria totalmente, completamente e orgulhosamente de Chaeyoung.

– Você está construindo um futuro brilhante, Lisa . – disse Paul me


observando pelo retrovisor. Eu sorri nervosamente. – Eu estou orgulhoso de
quem você sempre foi e de quem se tornou. Sabe, você é a minha heroína. –
olhei confusa para ele que estava sério. – Você sempre nos defendeu e cuidou
de nós. Eu cresci tendo você como minha super-heroína.

Ouvir isso diretamente de Paul amoleceu meu coração já fraco pelo momento.
Eu o amava intensamente assim como amava Daniela, eles eram minha
família e eu não me arrependo nenhum segundo sequer de todas as vezes que
levei a culpa para protegê-los.
Meu irmão ligou o rádio em uma estação qualquer e eu me permiti observar a
vista de New York. Era um fim de tarde bonito, o céu alaranjado tinha o toque
de romance que Chaeyoung e eu precisávamos.

Quando a pedi em casamento, minha proposta era uma cerimonia simples


apenas com as pessoas que viviam ao nosso redor. Mas, com o passar dos dias
eu me dei conta de que tudo o que eu mais queria era expor Chaeyoung para o
mundo, mostrar que eu estava feliz e completa ao lado da mulher que eu
amava. Eu permiti que uma colunista do The New York Times participasse,
seria uma grande matéria sobre o casamento homo afetivo de uma das
melhores pianistas do país.

Paul entrou na estrada de terra que era sinalizada por tochas, meu coração
mal se continha no peito. Quando ele estacionou o carro em frente ao arco do
Rancho com o nome Park, eu soube que tinha chegado o momento.

Eu estava a um passo do meu para sempre.

Paul desceu do carro e deu a volta abrindo a minha porta. Eu vi quando os


convidados se levantaram, o lugar estava esplendido como Chaeyoung
prometeu que ficaria.

Jisoo, Momo, Sana, Daniela e Dahyun já estavam posicionadas para entrar.


Charlote apareceu ao lado de Paul e me estendeu a mão com um sorriso doce
nos lábios.

Era o momento. Assim que desci do carro ouvi os acordes do piano de Jennie.
Eu senti uma imensa vontade de chorar por simplesmente ser uma das
músicas que eu mais amava, e Chaeyoung tinha acertado mais uma vez
quando me pediu para cuidar dessa parte.

(Play musica Time to say goodbye – Emile Pandolfi)

Entrelacei meu braço com o de Charlote e nós esperamos até que minhas
madrinha começassem a entrar ficando 3 de cada lado.

Minha mãe e eu começamos a nos movimentar no tapete sob o olhar de várias


pessoas, câmeras, flashes, sorrisos, palavras de cumprimento sussurradas. Eu
queria poder tê-las ouvido naquele momento, mas nada tirava minha
concentração do altar onde o ministro me aguardava.

Flashback

– Também fugindo? – ficou surpresa ao ouvir aquela já conhecida voz rouca.

Chaeyoung virou-se erguendo os olhos para o que parecia ser uma casinha no
terraço, ela não sabia se era de força ou do quê, só sabia que Lisa estava
sentada lá em cima com as pernas balançando e um olhar genuíno.

– O que está fazendo ai em cima? – perguntou sorrindo com a ironia de


encontrar alguém que não estivesse bêbado, e que essa pessoa fosse
justamente Lisa.

– Fugindo da loucura que é a vida real.

Fim do Flashback.
Sorri com a lembrança que invadiu minha mente, eu nunca me esqueceria dos
olhos sonhadores de Chaeyoung.

Com a respiração presa à garganta, eu finalmente consegui chegar ao altar e


recebi um beijo em cada lado do rosto de Charlote.

Eu olhei para as meninas que sorriam abertamente para mim, foi a primeira
vez que notei o vestido marcando a pequena barriga de 2 meses de Momo. Ela
estava esplêndida.

Jennie terminou a música e eu a olhei agradecida, ela fez um ok com a mão


sorrindo e minha atenção foi desviada para os convidados.

Eles me olhavam com curiosidade, além de Paul, Charlote e Daniela, não


havia mais ninguém da minha família ali e talvez fosse esse o motivo de eu
estar me sentindo mais confiante e relaxada.

Acenei para Adam no colo de Brian e o menino me mandou um beijo com as


duas mãos.

(Play na música River flows in you – Yiruma)

E então Jennie voltou a tocar e, para meu desespero, eu conhecia aquela


música.

Aquela... Música. Oh.

Abri a boca procurando por ar, mas não havia mais nada que pudesse aliviar
meu pulmão do que eu estava sentindo no momento em que vi Chaeyoung
entrar pelo arco com Diana.
Sabe, algumas pessoas são bonitas, outras pessoas... Eu não saberia descrever
a beleza de Chaeyoung nem que me fosse dado o dom das palavras.

Eu não saberia descrever o turbilhão de sentimentos que atingiu meu corpo


ao vê–la naquele vestido pronta para ser minha.

Ela era minha. Meu tudo, meu motivo procurar no amor a felicidade que o ser
humano tanto busca e muitas vezes não encontra. Eu chorei.
Chorei porque a amava mais do que a mim mesma e isso poderia soar doentio
se não fosse tão certo. Eu chorei porque nem mesmo no final de minha vida
eu me acostumaria com aqueles olhos e o sorriso que tanto me detém. Me
chamem de tola, se quiserem, me chamem do que quiserem desde que eu
esteja ao lado de Chaeyoung. Levem tudo de mim, mas nunca me deixe sem o
amor da minha vida.

Enxuguei minhas lágrimas com as mãos trêmulas e respirei fundo algumas


vezes.

Eu precisava me conter, mas Chaeyoung estava sorrindo com os olhos focados


nos meus como se não houvesse mais ninguém a nossa volta.

Flashback

– Você acha que ele conseguiu? – perguntou com a voz baixa fazendo os pelos
da nuca de Lisa se arrepiarem. – Acha que eles tiveram o final feliz?

– Eu não sei. – sussurrou com o rosto muito próximo do dela. – Eu torço para
que sim.
– Acha que vamos ter o nosso final feliz?

Lisa esticou as pernas no chão e puxou Chaeyoung aninhando-a em seu colo


como um bebê.

Fim do flashback.

Sim, Chaeyoung, nós conseguimos.

***

Point Of View Chaeyoung.

Nem mesmo em minha primeira apresentação eu tinha me sentido tão


nervosa como no momento em que entrei naquele tapete e vi Lisa em seu
vestido de noiva.

Minha intenção era sorrir e acenar para todos os convidados, ser educada
com as pessoas que de depuseram de seu tempo para estar aqui hoje. Mas,
todos os meus planos foram por água abaixo quando eu a vi.

Ela estava linda. Lalisa sempre seria linda, usando moletons ou vestidos.

E enigmaticamente seus olhos me guiaram até ela, parada no altar esperando


única e exclusivamente por mim. Não tinha mais ninguém que pudesse se
meter entre nós, éramos uma da noite sem restrições, sem medo.

Minha mãe deu um leve puxão no meu braço me fazendo acordar dos meus
devaneios. Eu beijei sua bochecha e ela se juntou à Charlote no lado direito do
altar.
Meu coração deu um salto quando senti uma mão gélida me segurar pelo
braço e quando me virei, lá estavam os olhos me encarando com amor
escorrendo por eles.

– Você vai estar lá? – brinquei e minha voz saiu totalmente trêmula.

Acho que ela gostou porque sorriu e me puxou para mais perto sussurrando:

– Bem atrás de você.

Sorrimos apaixonadas e Jennie terminou a música deixando o lugar


silencioso.

O ministro pediu que todos se sentassem e Lisa apertou minha mão, eu sabia
que ela estava tão nervosa quanto eu.

– Boa noite a todos, estamos aqui para celebrar a união...

O que ele disse ficou para os convidados ouvir. Eu juro que tentei prestar
atenção, mas Lisa olhava para mim e sorria com os olhos. Eu sabia que ela
estava sendo sapeca e brincando comigo, era quase uma disputa para ver
quem iria rir primeiro e eu com certeza não a deixaria ganhar.

(Play It's you I haved loved instrumental)

Eu acho que somos duas crianças que se esqueceram de crescer mentalmente,


pois eu só me dei conta de que era o momento da entrada das alianças quando
o ministro pigarreou me tirando do mundo de Lisa.
Eu ouvi a risadinha dela e a cutuquei por trás, tenha certeza que o ministro
viu, mas eu não me importo. Ela estava me provocando no dia do meu
casamento, tudo bem era o casamento era com ela, mas... Tanto faz.

Eu ainda estava perdida sobre em que momento da cerimonia até quando


Ethan apareceu com Daniela logo atrás lhe dando instruções. Eu sei que Lisa
quase desmaiou quando o viu em seu terninho branco e preto. O cabelo estava
jogado de lado e com gel, o que o deixou com um ar mais descolado e fofo.
Todos estavam encantados com o tamanho de gente caminhando entre eles
com as alianças nas mãos. Ethan sorriu quando nos viu, aquele sorriso doce e
inocente que eu tanto amava.

Deus, aquele dia era totalmente sobre amor e corações flutuando ao redor da
minha cabeça. Lisa apertou minha mão com um pouco de força como se
dissesse "Veja, ai vem nosso filho". E eu não poderia estar mais orgulhosa.

Nós duas abaixamos para recebê-lo e o fotógrafo pediu para que tirássemos
uma foto com Lisa e eu beijando as bochechas do menino. Ethan abraçou a
nós duas pelo pescoço e sorriu para o homem enquanto nós o beijávamos.

– Você está lindo, meu príncipe. – eu disse pincelando o nariz dele com o
dedo e ele corou.

Daniela deu a volta e o chamou para o cantinho.

– Amo vocês. – ele sussurrou para que apenas nós duas ouvíssemos e
entregou as alianças para Lisa.
A música terminou e todos voltaram a sentar. O ministro pediu para que
fizéssemos nossos votos e eu achei melhor começar por estar mais nervosa
que Lisa, e ela entendeu isso sem que eu precisasse proferir em palavrar.

– Eu, Park Chaeyoung, entrego hoje o que sempre foi seu, Lisa. Você pula, eu
pulo, lembra? Hoje nós estamos pulando juntas na imensidão confusa que é a
vida, mas eu sei que se você estiver ao meu lado, tudo vai se tornar mais fácil
como sempre foi. Eu quero ouvi-la tocar violão todas as noites, quero mimá-la
quando chegar estressada do trabalho, quero fazê-la sentir-se a mulher mais
amada e desejada do mundo. – suspirei totalmente entregue ao momento,
entregue aos olhos que eu amava. – Eu já experimentei uma vida sem você e
foram os piores dias da minha vida. Você me encontrou naquela sala por um
motivo, talvez esse motivo fosse o destino brincando de conto de fadas e
decidindo agora nos dar um final feliz. Eu prometo amá-la e respeitá-la todos
os dias de minha vida até que a morte nos separe. Prometo nunca me
esquecer dos dias mais felizes de minha vida que você me proporcionou, e
caso isso aconteça, sei que você estará me guiando sempre de volta para o
nosso amor. Eu amo você. – terminei encaixando a aliança em seu dedo.

(Play musica From this moment – Shania Twain)

From this moment life has begun


From this moment you are the one
Right beside you is where I belong
From this moment on

Lisa engoliu o choro e segurou minha mão esquerda com delicadeza.

– Eu, Lalisa Manoban, entrego o meu coração em troca do seu em frente a


todas essas pessoas. Eu entrego tudo de mim se for para você, na saúde e na
doença principalmente. – falou amavelmente e eu sei ao que ela se referia, ao
meu pai. – Algumas circunstancias me tiraram de você por tempo demais
para que eu provasse o gosto amargo de uma vida sem você ao meu lado. Sua
música me move, Chaeyoung. O seu sorriso alimenta o meu coração. E é por
isso que eu digo a todos vocês, – olhou para os nossos convidados. – Não
tenha medo de arriscar, se não fosse por isso hoje eu não estaria de pé em
frente ao amor da minha vida me casando com ela. – olhou novamente para
mim. – Algo em nós sempre soube e sempre vai saber que essa garota era
para ser minha esposa. Então sim, eu prometo amá-la e respeitá-la todos os
dias de minha vida até que a morte tente nos separar. – riu e encaixou a
aliança em meu dedo. – Eu amo você.

From this moment I have been blessed


I live only for your happiness
And for your love I'd give my last breath
From this moment on

Apertamos nossas mãos conversando em nossa troca de olhar profunda.

– E pelo poder investido a mim e pelo estado de New York, eu as declaro


casadas. – o ministro ergueu as mãos.

O homem nem bem terminou de falar e Lisa já me puxou com força contra si
colando nossos lábios em um beijo roubado.

Eu ri gostosamente contra seus lábios quando ouvi nossos convidados


gritarem e aplaudirem eufóricos.

– Finalmente, Srta. Manoban. – disse Lisa segurando meu rosto com as duas
mãos. – Você é minha oficialmente.
I give my hand to you with all my heart
I can't wait to live my life with you, I can't wait to start
You and I will never be apart
My dreams came true because of you

Colamos nossas testas e recebemos uma chuva de pétalas de rosas.

Eu estava, finalmente, casada.

***

Uma cantora contratada para o casamento cantava From this moment no


pequeno palco improvisado na tenda.

Vários casais se juntaram na pista de dança após minha primeira dança com
Lisa ao som de Love Me Tender, que foi escolha de Lisa.

A decoração rosa e branco era iluminada por pequenos refletores que


deixavam a pista de dança mais romântica.

Nos braços de Lisa, dançando uma música que dizia tudo sobre nós, eu sorri
vendo Jennie enchendo o rosto de Jisoo de beijos. Dahyun com os braços em
volta do pescoço de Sana lhe dando uma bronca e rindo ao mesmo tempo.

From this moment as long as I live


I will love you, I promise you this
There is nothing I wouldn't give
From this moment on
– Por favor, me acorde se isso for um sonho. – eu disse no pescoço de Lisa e
recebi uma mordida no ombro em troca. – Sua louca!

– Eu queria testar uma coisa.– ela riu me abraçando com tanta força que
meus pés saíram do chão. – Vamos adotar um cãozinho, ok? E chama–lo de...

– Rex! – eu disse ao mesmo tempo em que ela e nós começamos a rir. – Por
falar nisso, onde está nosso pequeno Rex?

Procuramos pelo salão e o encontramos sentado na mesa com Daniela, Adam


e Brian tomando refrigerante.

– Aqui está meu pequeno dinossauro. – brincou Lisa sentando em uma


cadeira ao lado de Ethan que tinha a boca toda suja de salgadinho. – Você não
vai brincar?

– Nós vamos brincar de pega-pega quando eu acabar de comer, tia. – disse


Adam apontando para o prato cheio de salgadinhos que dividia com Ethan.

Momo chegou emburrada e se jogou na mesa segurando um prato com um


pedaço de frango.

– Você roubou frango antes da hora? – ralhei, mas ela apenas me lançou um
olhar mortal e apontou o frango ameaçadoramente para mim.

– Eu estou com uma coisa devoradora aqui dentro que está comendo até as
minhas tripas, então se eu quiser comer até você eu como. – fechou a cara e
mordeu o frango sem nenhuma classe.
Junhoe chegou logo depois chamando Dave para tomarem um drink ou ele
ficaria louco com a esposa. Daniela se despediu do marido e segurou minha
mão analisando a aliança.

– Eu ainda me lembro de quando fomos comprá-la. – riu. – Finalmente, uh?

– Finalmente, Daniela. Finalmente. – admiti suspirando em brincadeira.

(Play musica She – Jen Foster)

A cantora trocou a música e começou a cantar algo mais animado.

As pessoas se dispersaram pelo salão para dançar e gritaram animadas. Sana


passou pela nossa mesa já completamente bêbada e gritou:

– Eu estou tão apaixonada! Eu vou me casar. – e correu atrás de Dahyun .

Momo começou a gargalhar loucamente e todas olharam assustadas para ela,


mas então seu riso se transformou em choro e eu abri a boca em choque.

– Ela é tão linda apaixonada, eu acho que me casaria com ela. – disse coma às
lágrimas rolando em sua face. Até mesmo Ethan e Adam olhavam para ela
como se fosse louca. – Meus hormônios estão me matando, eu preciso dançar.

I have heard it said so many times, "Love is blind"


So why are you staring?
You say that love is all we need, well
Does that apply to me?
Cause I have found someone
That I think is beautiful
E como quem não quer nada, ela saiu da mesa correndo em direção a Sana
que estava dançando de costas e a abraçou por trás.

Sana assustou de inicio, mas logo puxou Momo para que se juntasse a ela e
Dahyun na dança.

– Aquela coisa louca correndo era Momo? – perguntou Jennie quando se


aproximou da mesa. Todas assentiram. – Okaaay. – fez uma careta e me
puxou para um abraço. – Minha bebê está casada, parabéns!

And I have fallen in love


And I'm telling you
She
Means everything to me
She
Makes me feel nothing else matters
Not even what the world thinks of me
They told me when I was a little girl, "Love's a pearl"

– Obrigada, Jennie. – agradeci sincera.

– Lisa... – ela chamou e Lisa a olhou. – Já viu o tamanho da minha mão caso
a machuque, certo?

Lisa ergueu as mãos em sinal de inocência.

– Venham, vamos nos mexer e aproveitar o que nos resta de jovialidade. –


chamou Jisoo batendo palma para todas na mesa se levantarem.
Eu não gostava muito de dançar músicas atuais, mas naquele momento eu
também não me importava com muitas coisas.

***

Narrador

A noite era contemplada por um céu estralado e a tão fiel lua que tinha se
transformado na testemunha do amor das duas. A felicidade era o tema da
festa que ocorria na tenda atrás do rancho Park. As pessoas dançavam sem se
importar com o amanhã, mexiam seus corpos como se ninguém estivesse
vendo.

You're lucky if you find it,


So share that precious beauty with the world," Now suddenly they say I've
got to hide it
But I have found true love
And there is nothing you can do
Just try and stop me, just try and stop us

Diana estava feliz dançando com Charlote. Ella se divertia com seus primos.
As crianças corriam em volta dos adultos brincando e Lisa e Chaeyoung eram
o centro das atenções na pista de dança.

Elas formaram uma rodinha com Jennie, Jisoo, Momo, Sana, Dahyun e
Daniela, dançavam umas com as outras como se tivessem 18 anos conhecendo
a vida na faculdade.

– Como nos velhos tempos. – Jennie gritou para Lisa e ela entendeu o recado.
– Esses são tempos novos, Jennie. Vão ser os melhores de nossas vidas,
escreva o que estou dizendo.

Na entrada da tenda um único convidado que não aparecera, ao menos não


fisicamente, assistia a tudo com um sorriso amável no rosto, tudo estava
saindo como nos conformes, tudo estava acontecendo como estava escrito.

Seu trabalho com Chaeyoung e Lisa tinha terminado por ali, então agora ele
poderia voltar para o lugar celestial onde decidiria o caminho de outras
pessoas.

Último pensamento de Eli antes de desaparecer era de dever cumprido.

_________

48

08 de Novembro de 2058. – New York, NY.

Duas enfermeiras sorriram amigavelmente quando Lisa entrou segurando um


buquê de rosas vermelhas nos braços.

Laura, a enfermeira mais nova, informou que Chaeyoung estava sedada, mas
que em breve acordaria.

Chaeyoung e Lisa eram conhecidas no hospital local desde que a Chaeyoung


começara com os ataques de pânico por conta do Alzheimer precoce.
Tudo começou há cerca de um ano, quando Chaeyoung começou a esquecer
pequenos detalhes como onde colocara o celular, o nome de alguns parentes
distantes e atividades que costumava fazer.

No começo todos pensavam que era apenas exaustão dos shows que estava
afetando seu sono, mas então os esquecimentos se agravaram para a música.

Chaeyoung simplesmente esquecia a música ou parava de tocar por


simplesmente não se lembrar mais da melodia.

Lalisa decidiu procurar um médico quando pouco tempo depois a esposa


guardou o telefone na geladeira e o óculos no micro-ondas.

Depois de muitos exames, o neurologista constatou que Chaeyoung tinha


Alzheimer precoce e que infelizmente a doença tinha sido descoberta muito
tarde.

Quando Lisa perguntou sobre o tempo de vida, o médico foi direto: no


máximo cinco anos.

O mundo de Lisa desabou, assim como o de Chaeyoung que passou a ter


ataques constantes de raiva e estresse. Chaeyoung se isolou no quarto por
uma semana comendo pouco e ignorando a todos que a cercavam, inclusive os
filhos.

Foi o pior momento de suas vidas e a advogada se perguntava o que elas


tinham feito para serem castigadas daquela forma, para que o destino sempre
arrumasse uma forma de separá-las.
Chaeyoung precisou ser aposentada para os tratamentos, e ela odiou a todos
que estavam arrancando a musica dela, inclusive Lisa que foi o seu alvo de
raiva durante meses.

Logo em seguida veio a depressão e com ela alguns problemas para dormir e
dificuldade para movimentos bruscos.

Elas tinham uma bela casa, trabalhavam com o que amavam, tinham dois
lindos filhos e uma vida perfeita. O suficiente para ser arruinado pela doença
que afetou não só os quatro membros da família, mas todos os amigos do
casal.

Lalisa suportou todas as ofensas, ataques físicos e a frieza de Chaeyoung por


simplesmente saber que aquela não era a sua esposa, e sim o manifesto de
uma doença degenerativa.

Lisa deixou a própria dor de lado para suportar a de Chaeyoung, foi paciente,
carinhosa e jamais pensou em desistir, nem mesmo quando, em um dos
ataques, Chaeyoung pediu para que ela seguisse sua vida e não perdesse
tempo com uma pessoa que a esqueceria.

Em dezembro, Lisa decidiu viajar para a França com Chaeyoung como um


presente de natal. Ethan e Sarah concordaram em deixar suas mães terem um
momento a sós para o que poderia ser uma despedida a qualquer momento.

Lisa arriscou tudo levando sua esposa para fora do país, mas não poderia
deixar de realizar o sonho dela. A viagem foi cansativa e foi preciso que
Chaeyoung tomasse seus calmantes para dormir no avião, e durante todos os
passeios Lisa empurrava a cadeira de rodas para que ela não se cansasse ou
fazia questão de levá-la no colo em um ato romântico pelas ruas de Paris.
A noticia da aposentadoria e doença de Chaeyoung foi manchete durante
semanas, assim como os vários perfis e contas em redes sociais foram criados
em apoio a pianista e ao que Lisa estava fazendo.

Mesmo sob a desgraça de uma doença, o amor entre elas era o necessário para
manter Chaeyoung sã.

E aqui estão elas, os tratamentos não geram resultados e Chaeyoung já não se


lembra mais de Jennie, Jisoo e Sana.

Momo, Ella e Daniela são as únicas permitidas para a visita e as outras três
aparecem quando ela está dormindo.

– Tudo bem? – perguntou a Lisa trocando as flores do vaso que ficava na


mesinha ao lado da cama de Chaeyoung.

Ethan, que estava sentado em uma poltrona próximo a janela, se levantou e


caminhou com as mãos nos bolsos da calça de linho que usava.

– Eles deram um sedativo mais forte dessa vez. – deu um beijo no rosto da
mãe e voltou a encarar Chaeyoung em um sono profundo. – Ela perguntou
pela vovó antes de apagar.

Lisa suspirou vencida pelo desanimo das palavras do filho.

Diana tinha falecido em Maio de 2038 de infarto. Ela simplesmente estava na


cozinha preparando alguns bolinhos quando se sentiu mal e desmaiou,
quando Ella a encontrou, já era tarde.
O problema do Alzheimer são os flashes de lembrança que fazem Chaeyoung
pensar que sua mãe está viva, e às vezes Mark. Lisa, ou algum dos filhos,
apenas dizia que eles estavam voltando de alguma viagem, e em poucas horas
a memória da Chaeyoung esquecia-se deles novamente.

– Está bem. Você vai para casa?

– Não, eu preciso entregar alguns relatórios e buscar Sarah no hospital, ela


vai ficar com Jennifer até que mamãe volte. Tem certeza de que vai ficar bem
aqui?

Lalisa assentiu.

Ethan tinha se casado aos 36 anos com uma publicitária adorável chamada
Jennifer. A mulher era dois anos mais nova que ele e tinha longos cabelos
loiros, olhos castanhos e um corpo invejável. Jennifer sempre visitava
Chaeyoung e incentivava Lisa a nunca abaixar a cabeça para a doença.

– Eu passei o caso da Sra. Davis para o Harry, ele vai cuidar de tudo.

Ethan concordou, pegou seu sobretudo na poltrona e deu um beijo na testa de


Chaeyoung.

– Amanhã eu volto, mãe. Amo você. – ele murmurou para ela.

As palavras de Ethan despertaram algumas lembranças em Lisa.

23 de Fevereiro de 2024. – New York, NY.


A chuva naquele dia tinha estragado todos os planos que Chaeyoung e eu
tínhamos feito para um passeio em família fora do rancho.

O mundo caía lá fora enquanto Ethan e eu jogávamos videogame na sala, os


dois de pijamas e jogados no sofá como se nada mais importasse.

Na mesinha de centro estava uma bandeja de pipoca e dois copos de plástico


com refrigerante que eu tinha pegado escondido de Chaeyoung enquanto ela
dormia no quarto.

Ela dizia que éramos duas crianças juntos e que não podia nos deixar
sozinhos que já fazíamos travessuras, mas como eu poderia negar alguma
coisa para Ethan?

Era a minha folga, eu queria passá-la com meu filho e de quebra ainda me
diverti muito no videogame que Sana dera para Ethan.

– O que as crianças estão fazendo?

Meu coração parou quando ouvi a voz sonolenta de Chaeyoung descer as


escadas.

Ela usava um robe lilás e coçava os olhos de uma forma adorável. Ethan e eu
pausamos o jogo e nos encolhemos no sofá, um olhando para o outro sabendo
que estávamos encrencados.

– Nada, amor. Estamos só jogando. – falei docemente e Ethan prendeu o


riso.

Menino atentado.
– Hm... – ela continuou caminhando até nós e deu um beijo no topo da
cabeça de cada um, até ver o que estava em cima da mesa. – Lalisa! O que eu
disse sobre refrigerante durante a semana?

Fiz um bico manhoso e agarrei Ethan o colocando como escudo na frente do


meu corpo.

O garoto gargalhou tapando o rosto com as duas mãos enquanto Chaeyoung


fazia um monólogo sem fim.

– Foi ele quem me persuadiu. – chacoalhei Ethan na frente dela. – Diz que foi
você, garoto.

– Não fui eu, não fui eu, não fui eu... – ele gritava se debatendo nos meus
braços.

Por fim, Chaeyoung cruzou os braços abaixo dos seios e parou em frente à
televisão encarando nós dois. Agora ela parecia a mãe de duas crianças que
fizeram arte e agora mereciam castigo.

– Eu não sei mais o que fazer com os dois. – resmungou e se jogou no sofá ao
lado de Ethan. – A mãe babona está estragando o meu filho com refrigerante
e videogame. Inclusive, não vejo graça nessa coisa que vocês jogam.

– A senhora é de outros tempos... – Ethan começou a dizer, mas se conteve e


olhou assustado para Chaeyoung que tinha a boca aberta.

Eu não aguentei e explodi em uma gargalhada pela astúcia do menino, sem


dúvidas era o meu filho.
– Está me chamando de velha, Ethan Manoban Park? – ela ameaçou se
fazendo de ofendida. Ethan se afundou contra o meu corpo, mas eu me
mantive fora da discussão ou sobraria para mim. – Eu vou te mostrar quem é
a velha!

Chaeyoung o pegou pelos pés e o arrastou até que estivesse em seu colo. O
ataque de cócegas começou na barriga do garoto que gritava se debatendo em
seus braços, e eu assistia a tudo achando a coisa mais adorável do mundo.

– Para... Mommy... Para...

Meu sorriso morreu no mesmo momento em que Chaeyoung cessou as


cócegas em choque.

Meu coração estava acelerado com o que eu acabara de ouvir, e minha esposa
mal piscava olhando para o nosso filho que tinha lágrimas nos olhos.

– O que... O que você disse? – ela perguntou ainda o segurando. – Do que


você me chamou?

Ethan franziu o cenho como se Chaeyoung fosse uma estranha por lhe fazer
aquela pergunta.

– De mommy, ué. Agora você é minha mamãe também, não é?.

Em poucos segundos os olhos de Chaeyoung estavam lacrimejando, assim


como os meus. Eu sabia o quanto ela desejou aquele momento, eu sempre
ouvia quando ela desabafava comigo sobre sua insegurança em ser
reconhecida como mãe por Ethan. E ali estava, o momento que ela tanto
esperou.

– Eu sou sua mamãe... – ela murmurou. E então olhou para mim com a boca
entreaberta e voltou a olhar Ethan. – Deus, eu sou sua mamãe!

O abraçou com força arrancando gargalhadas do garoto que mal entendia o


que estava acontecendo.

Eu tinha a melhor família que jamais imaginei ter, e agora fico me


perguntando o que aconteceria se minhas escolhas tivessem sido diferentes.
Se eu teria o amor presente naquela sala. A resposta óbvia seria não.

08 de Novembro de 2058. – New York, NY.

Após Ethan abandonar o quarto, Lisa fechou a persiana da janela e trocou de


roupas ficando mais confortável em seus moletons.

A advogada tirou o celular do bolso, escolheu uma música e o deixou sobre a


mesinha ao lado da cama para logo em seguida deitar-se delicadamente sob
as cobertas com Chaeyoung.

Ao sentir o movimento da cama, a Chaeyoung despertou ainda um pouco


zonza e ficou confusa ao ouvir uma melodia desconhecida soando pelo
quarto.

Machucava Lisa que sua amada não reconhecesse mais a voz de Billie
Holiday.
– Você acordou. – sorriu docemente para a esposa e deu um pequeno beijinho
em seu nariz. Chaeyoung franziu o mesmo e abriu os olhos por completo
observando as esmeraldas a sua frente. – Tudo bem, meu anjo?

(Play Música: Billie Holiday – Solitude)

In my solitude
You haunt me
With dreadful ease
Of days gone by

Chaeyoung assentiu aconchegando-se ao peito de Lisa que puxou a coberta


para que as duas estivessem confortáveis e aquecidas.

Mesmo depois de anos, Chaeyoung ainda era um bebê que usava o corpo de
Lisa como travesseiro.

In my solitude
You taunt me
With memories
That never die

– Eu fiquei com saudade. – ela disse manhosa contra o peito de Lisa. –


Quando vou poder ir para casa?

– Assim que o médico ter certeza de qual calmante te dar. – deixou sua mão
perder-se nos cabelos de Chaeyoung em um carinho gostoso. – Em breve você
vai estar em casa enchendo o saco de Sarah com as roupas.

– Ela continua usando as malditas saias curtas?


Lisa riu gostosamente, adorava ter sua Chaeyoung de volta mesmo que por
poucos momentos.

– Sim, ela é uma mulher bem sucedida, amor. Nós criamos o nosso bebê
muito bem.

I sit in my chair
And filled with despair
There's no one could be so sad
With gloom everywhere
I sit and I stare
I know that I'll soon go mad

Ela resmungou e descansou a mão direita no peito de Lisa, sentindo as


batidas do coração da Lisa.

– Amor? – chamou um pouco hesitante.

– Uh?

– Estou com medo. – suspirou e deu uma pausa para refletir. – Eu estou
começando a me esquecer de nós, isso me assusta. Eu não quero me esquecer
de você. – uma lágrima escapou de seus olhos e caminhou solitária pelo seu
rosto magro e abatido. – Eu tenho medo de um dia acordar e não reconhecer
os seus olhos.

Lisa prendeu a respiração, não queria chorar naquele momento, precisava ser
forte pelo seu amor.
– Se isso acontecer, eu vou estar lá para te lembrar todos os dias, ok?

– Você promete?

– Eu prometo.

12 de Dezembro de 2026. – Chicago.

A platéia estava muito animada em receber Chaeyoung naquele programa de


TV.

Eu acompanhava tudo na primeira fileira com Ethan em meu colo, ele


aplaudia a mãe com entusiasmo e gritava boa sorte quando ela entrou
acenando sorridente. Deus, eu nunca cansaria de me apaixonar quando a
visse. Ela ficava ainda mais linda naquela barriga de 4 meses carregando
nossa pequena Sarah.

Chaeyoung cumprimentou o entrevistador e sentou na poltrona quando a


platéia ficou em silêncio.

– Boa noite, Chaeyoung. É um prazer finalmente tê-la em meu programa. –


disse Matt.

– O prazer é todo meu, Matt. Eu realmente estava com saudade de sentar


aqui. – ela brincou.

– Tem feito o que? Deus, eu me sinto velho agora.

A plateia riu e a gargalhada de Chaeyoung contagiou o palco.


– É melhor não começarmos a falar de idade aqui. – Chaeyoung riu e fez uma
carinha pidona. – Vamos logo mudar o assunto, por favor?

Novamente todos riram e eu balancei a cabeça não acreditando em como ela


conseguia ser um bebê até nessas horas.

– Ok, ok. Vamos falar sobre sua volta aos palcos, esse realmente foi um
retorno triunfante para uma pessoa tão jovem, não acha?

A câmera deu close em Chaeyoung, ela suspirou e deu de ombros.

– É algo que todos me perguntam. Como eu consegui voltar depois de ter


deixado tudo para trás sem dar muitas satisfações para a mídia e meus fãs. A
verdade é que, como eu já disse em algumas revistas, a morte do meu pai me
abalou completamente. Nós éramos muito próximos e ele sempre foi o meu
suporte. Quando me vi sem a base que eu precisava, foi como se o meu
mundo tivesse despencado. Minha mãe entrou em depressão e tinha apenas
minha irmã, com 11 anos na época. Então eu me vi na obrigação de assumir o
cargo de chefe da família e cuidar delas, e com uma carreira nas costas eu
teria o dinheiro, mas não o tempo necessário para isso.

Matt assentiu, ninguém na platéia ousava dizer nada. Eu, é claro, estava
emocionada com ela contando tão abertamente sobre sua ascensão e queda.

– Eu imagino que tenha sido uma fase realmente dolorosa, só quem


realmente passou por algo assim pode afirmar. – ele disse. – O que fez depois
disso?

– Eu tinha usado todo meu dinheiro para comprar o rancho em que vivo hoje
em dia, então encontrei um emprego como garçonete nos primeiros meses.
– E as pessoas não te reconheciam?

– Sempre. Era desconfortável as pessoas me verem e cochicharem "aquela


não é a Park Chaeyoung?", e então eu estava em um avental vermelho
servindo chocolate quente. – admitiu e torceu a boca. Ela sempre fazia isso
quando estava nervosa. – Depois eu consegui um emprego como professora
de música, e foi uma das melhores coisas que aconteceram comigo.

A plateia fez um coro de "awww". É claro que eles já sabiam toda a história
sobre Chaeyoung, Ethan e eu. Nós decidimos compartilhar com todos tudo o
que enfrentamos para estarmos juntas hoje.

– Algo me diz que tem a ver com aquela mulher sentada na platéia? – disse
Matt divertido e a câmera focou em mim.

Eu quis me afundar na cadeira.

– Exatamente. Ela e a pequena réplica sentada em seu colo. – ela riu com
amor e a câmera voltou a focar em seu rosto. – Eu dei aula ao Ethan sem
saber que ele era filho da minha ex-namorada. Incrível, não é? Como o
destino trabalha, ele é imprevisível.

– Foi uma história muito angustiante a que vocês viveram nesse período?

– Ela estava noiva, Matt. – disse Chaeyoung um pouco sem graça. – Quando
nos encontramos novamente foi como se eu ainda tivesse 18 anos e a amasse
ainda mais. O que eu poderia fazer com o amor da minha vida estando noiva?
Foram meses de tortura, eu me sentia suja por lutar por alguém
comprometida, mas ao mesmo tempo era tão certo.
Ethan me olhou curioso enquanto Chaeyoung falava.

– Mommy tá falando de vocês duas, não é?

Eu apenas assenti voltando a prestar atenção na conversa.

– E agora temos mais uma Park a caminho, uh? – disse Matt animado.

Chaeyoung abraçou a barriga com carinho fazendo meu coração derreter.

– Sim, essa é a Sarah. Uma das três coisas mais valiosas da minha vida.

Eu queria invadir o palco e abraçá-la até ser expulsa de lá pelos seguranças. A


conversa durou mais meia hora, falaram sobre o lançamento do novo CD e
mais um pouco sobre nossa vida pessoal

Quando Chaeyoung foi dispensada, Ethan fez manha pedindo para que
fossemos comer pizza, e Chaeyoung sempre vai ser comprada facilmente com
pizza.

Já era quase noite quando chegamos em casa. Eu estranhei quando vi uma


Mercedes preta estacionada em frente à varanda, mas logo meu maxilar
trancou quando reconheci quem estava de pé nos aguardando. Marco.

Chaeyoung e eu nos entreolhamos.

– Ethan, entre em casa e saia de lá apenas quando eu mandar, entendeu? – eu


disse me virando para o garoto no banco de trás. – Não diga oi ao homem que
está ali na frente, apenas entre em casa.
– Por quê? – ele perguntou curioso enquanto olhava para Marco.

– Apenas faça o que sua mãe está mandando, depois nós conversamos sobre
isso. – disse Chaeyoung mais calma.

Ethan concordou e abriu a porta do carro.

Chaeyoung e eu descemos logo atrás e observamos o garoto passar correndo


por Marco, que o olhava confuso, e entrar em casa.

Eu fiz questão de segurar a mão de Chaeyoung e caminhar com ela até que
estivéssemos frente a frente com o causador de tudo.

Ele me mediu de baixo a cima e ignorou completamente a existência de


Chaeyoung.

– Eu estava assistindo a TV quando a vi – apontou para Chaeyoung ainda sem


olhá-la. – então eu soube que precisava ver de perto essa palhaçada.

– O que você disse? – eu perguntei já sentindo os nervos me preencherem.

– Depois de tantos anos e você ainda continua sendo uma aberração, Lalisa.
Logo você, depois da educação que eu...

– Me desculpe. – a voz de Chaeyoung o cortou e eu a olhei surpresa. Ela tinha


a expressão impassível. – O senhor está na minha propriedade e se veio até
aqui para rebaixar a minha esposa, então eu peço que saia por onde entrou.
Marco estava indecifrável, a olhava com nojo e repreensão. Então seus olhos
caíram em mim indignados.

– Vai deixar essa mulher falar assim com o seu pai?

Revirei os olhos, a melhor sensação do mundo era não sentir mais medo
nenhum por aquele homem arrogante a minha frente.

– Essa mulher tem nome e é Chaeyoung. Essa mulher é minha esposa. Essa
mulher é a mãe dos meus filhos. – avancei contra ele que recuou.

Pensei que a veia em seu pescoço fosse explodir quando terminei de falar. Ele
estava vermelho, com as mãos fechadas em punhos e tremia de raiva.

– Você é uma ingrata, você é a pior coisa que eu poderia ter feito.

Inacreditavelmente eu não me senti abalar por aquelas palavras rudes, mas


Chaeyoung sim.

– Eu sempre vou agradecer ao senhor por tê–la feito, então considere como se
a tivesse dado de presente a mim, ok? O melhor presente do mundo que o
senhor não soube aproveitar. E já está na sua hora.

– Cale a boca! – Marco rosnou para Chaeyoung.

Não, com a minha mulher não.

– Saia daqui. – eu mandei com a voz firme. – Saia da minha casa e não volte
mais, entendeu? Eu não quero nunca mais ver a sua cara, quero que você
suma da minha vida e esqueça que teve quatro filhos. – me aproximei mais
ficando a centímetros de seu rosto e sorri vitoriosa. – Você vai morrer
sozinho, sendo odiado pelas pessoas que você mais afetou durante sua vida.
Enquanto eu? Eu estou vivendo feliz com a pessoa que amo. – ele tinha sido
afetado com minhas palavras, eu sabia disso. Sua expressão caída dizia. – Isso
é um adeus, Marco.

Me afastei, segurei a mão de Chaeyoung e a guiei para dentro de casa


deixando meu passado completamente para trás.

03 de Janeiro de 2060 – New York, NY.

Já era o décimo oitavo dia de fisioterapia de Chaeyoung. Nos últimos dias não
tem sido muito fácil, ela tem se negado a comer e suas crises pioraram, ela
mal tem forças para chorar. Seu corpo debilitado não parava em pé e segundo
o médico, seus ossos podem se atrofiar se ela continuar sem sair da cama.

Eu não sei em que momento isso aconteceu, mas ela já não se lembra mais de
mim há quase 1 ano, e é por isso que eu sempre preciso fingir ser a sua nova
enfermeira para que de alguma forma eu possa me aproximar. Dói. É uma dor
insuportável não ser lembrada pela pessoa que você mais ama no mundo.
Mas, eu prometi a mim mesma que nunca a deixaria e estarei cumprindo essa
promessa até o meu último dia de vida. Ela carrega consigo o meu coração e
por mais que não saiba disso, eu sou a única pessoa que ela não tem atacado
nos últimos dias.

Algumas vezes eu a sinto olhar bem no fundo dos meus olhos como se
pudesse me reconhecer, mas seu cérebro está danificado demais para
processar tal coisa.

(Play Música: Ed Sheeran – Afire love)


Things were all good yesterday
And then the devil took your memory
And if you fell to your death today
I hope that heaven is your resting place
I heard the doctors put your chest in pain
But then that could've been the medicine
And now you're lying in the bed again
Either way I'll cry with the rest of them

Ethan e Sarah estavam sentados em um pequeno sofá na sala de fisioterapia.


Eles nos observavam com agonia nos olhos, estavam sofrendo em ver suas
mães passarem por isso, estavam sofrendo porque sabiam que estávamos
perdendo Chaeyoung.

– Venha, você consegue. Mantenha sua concentração no que vai fazer agora, é
só elevar a perna direita... – eu dava as instruções para Chaeyoung que se
agarrava nas barras com dificuldade, ela estava com dor.

Olhei angustiada para a médica que me indicou que eu continuasse o que


estava fazendo.

And my father told me, son


It's not his fault he doesn't know your face You're not the only one
Although my grandma used to say
That he used to sing

05 de Janeiro de 2060. – New York, NY.


– Chaeyoung, Chaeyoung... Me escuta, por favor! – eu pedia desesperada
enquanto Chaeyoung chorava descontroladamente na cama.

Eu estava cuidando dela aquela noite e fui acordada por seu choro incessante
no meio da madrugada, ela não tinha forças para se mexer e quando não
reconheceu quem estava deitada com ela na cama, entrou em desespero.

– Enfermeira! – gritei na porta, meu coração estava descompassado em ver


Chaeyoung daquela forma.

Ela babava e estava suada com os cabelos presos no rosto. Uma enfermeira
entrou e começou a administrar o sedativo no soro, e eu cai sentada no sofá.
Estava tão exausta, tão machucada.

Darling, hold me in your arms the way you did last night
And we'll lie inside for a little while, here oh
I could look into your eyes until the sun comes up
And we're wrapped in light, in life, in love

02 de Agosto de 2034. – New York, NY.

Ethan cavalgava com o cavalo Rex pelo campo do rancho, o garoto tinha 16
anos e estava no seu auge de paixão pelos animais.

Ele estava apostando corrida com Chaeyoung que montava o filho de Léo, que
havia falecido anos antes, enquanto eu vinha logo atrás em um cavalo pardo
com Sarah o guiando.

– Você já foi mais rápida, mãe. – riu Ethan quando ganhou de Chaeyoung na
competição.
– Já pensou que eu posso tê-lo deixado ganhar? – Chaeyoung rodeou Rex
com Bernard e riu quando Ethan fechou a cara. – Own, não vai cantar vitória
agora?

Ele resmungou passando por mim e parando o cavalo na sombra de um


salgueiro. Chaeyoung e eu fizemos o mesmo, ambas achando graça da cara
emburrada do garoto.

Put your open lips on mine and slowly let them shut
For they're designed to be together, oh
With your body next to mine our hearts will beat as one
And we're set alight, we're afire in love

Chaeyoung estendeu uma enorme toalha em baixo da árvore e ajudou Sarah a


descer do cavalo. Ethan foi o primeiro a se jogar no chão, acompanhado da
irmã que adorava imitar os movimentos do irmão mais velho.

– Não, Sarah. Nada de me imitar. – ele resmungou.

– Não, Sarah. Nada de me imitar. – ela provocou e Ethan revirou os olhos.

Eu comecei a rir e decidi intervir antes que um decidisse matar o outro.

– Ok, já está quase anoitecendo. Quem vai ser o primeiro a começar?

Noites de quinta feira eram reservadas para contarmos histórias aqui neste
mesmo lugar, eram basicamente de terror, mas todos estavam abertos para
novas histórias.
– Eu começo, mamãe. – pediu a menina ajustando o pequeno laço branco em
sua cabeça.

Eu sentei com as costas apoiada na árvore e Chaeyoung se acomodou entre


minhas pernas. Ethan estava sentado com as pernas cruzadas e Sarah sentou
sobre os joelhos, animada sobre ser a primeira a começar.

– Bom, era uma vez...

Things were all good yesterday


But then the devil took your breath away
And now we're left here in the pain
Black suit, black tie, standing in the rain
And now my family is one again
Stapled together with the strangers and a friend
Came to my mind, I should paint it with a pen Six years old, I remember
when

12 de Janeiro de 2060– New York, NY.

O silêncio daquele quarto de hospital incomodava mais que o normal.

Lisa segurava a mão da esposa na cama enquanto Chaeyoung dormia, a


advogada mantinha a cabeça baixa analisando a mão enrugada de sua amada.
Elas mal notaram como o tempo passara para elas. É engraçado como ambas
tinham cabelos brancos, rugas e mesmo assim costumavam se enxergar ainda
adolescentes. Bom, agora apenas Lisa já que Chaeyoung não podia se lembrar
de mais nada. Para Lisa, até mesmo as rugas em Chaeyoung a deixavam
linda.
– Titanic. – ouviu a voz fraca de Chaeyoung. Lisa ergueu o olhar assustada e
encontrou a Chaeyoung a olhando

– O que? – Lisa perguntou confusa. Chaeyoung apertou um pouco sua mão.

– Hey... Você. – Chaeyoung virou o rosto e encarou o teto, era como se


forçasse sua mente. Ela franziu o cenho e voltar a olhar para Lisa. – Olhos
castanhos.

My father told me, son


It's not his fault he doesn't know your face
And you're not the only one
Although my grandma used to say
That he used to sing

Lisa começou a tremer, o coração disparado, o corpo em alerta, suas células


trabalhando ainda mais rápido.

– Você... Você lembra? Chaeyoung, você está se lembrando? – perguntou


entre lágrimas. – Hey, você, meu amor!

Chaeyoung engoliu com dificuldade, uma lágrima escorreu em seu rosto.

– Seus olhos... São meu universo preferido. – ela diz e um pequeno sorriso
triste surge em seus lábios.

– Chaeyoung! Por favor, meu Deus! – a advogada não podia se conter, ficou
em pé e segurou a mão de Chaeyoung com as duas mãos. – Eu amo tanto
você, Chaeng.
– Você... Você foi a melhor coisa que me aconteceu, Lisa. – a frase finalmente
saiu completa. Fraca, mas completa. Elas se olhavam intensamente e
choravam por finalmente se encontrarem outra vez na sanidade de
Chaeyoung. – Eu amo você.

Dizem que quando uma pessoa está em seu leito de morte, sua vida toda
passa bem diante de seus olhos.

Dois minutos depois Chaeyoung sofreu um ataque cardíaco vindo a óbito.

02 de Agosto de 2037 – New York, NY.

Se eu tinha certeza de uma coisa, é que Chaeyoung nunca perderia sua alma
infantil e inocente que enxerga as pequenas coisas da vida. Ela vê esperança
em um pequeno sorriso, ela vê o arco íris depois da tempestade, ela vê a sua
alma antes mesmo que você o perceba.

Eu me permito pensar nisso observando-a brincar sozinha na chuva.


Imaginem uma mulher madura, com dois filhos, casada e rodando no meio do
gramado com os olhos fechados, braços abertos e um sorriso bobo no rosto
por simplesmente sentir a chuva em seu corpo.

Ela é tão especial.

14 de Janeiro de 2060. – New York, NY.

O cemitério estava cheio naquele dia. Várias pessoas em suas roupas pretas
representando o luto que sentiam ao perder uma pessoa tão querida.
O padre falava alguma coisa, mas poucas pessoas entendiam, todos estavam
perdidos em sua própria dor. A pressão de Jennie caiu significativamente e
ela precisou de uma cadeira para sentar com Jisoo sendo seu apoio. Momo
estava abraçada em Junhoe chorando silenciosamente. Sana usava óculos
escuros e nada dizia, ela apenas encarava o caixão negro como se não
acreditasse no que estava vendo. Daniela estava ao lado de Lisa, que por sua
vez nada dizia, nada fazia, mal de movia. Ethan era o suporte de Sarah, a
mulher que chorava copiosamente ao lado do caixão.

Chaeyoung seria enterrada ao lado dos pais, como desejava.

Ela nunca mais daria um de seus sorrisos que iluminavam o dia, nunca mais
contaria suas piadas sem graça, nunca mais seria uma criança feliz ou daria
suas broncas.

E naquele momento, Lalisa odiava Chaeyoung. Odiava por ela ter sido tão
egoísta e ter levado tudo de si com ela, por ter partido e não a levado junto.
Como ela viveria em um mundo sem Chaeyoung? Não existe Chaeyoung sem
Lisa.

Até mesmo os céus estavam em luto deixando o tempo nublado.

– Quando eu precisei de conforto em meus momentos mais sombrios, seus


braços me acolheram. – Lisa começou a dizer, os óculos escuros escondendo a
dor em seus olhos. – Quando o mundo parecia um lugar assustador, seu
corpo foi o meu escudo. – suspirou pesadamente, as palavras ficando presas
em sua garganta. – Quando tudo parecia ordinário e infeliz, o seu sorriso foi a
esperança. Quando discutíamos e eu exigia o divorcio no ápice da minha
raiva, você abaixava a guarda para não me deixar fazer besteira. – focalizou o
rosto sereno de Chaeyoung. Era como se ela estivesse dormindo, pronta para
acordar a qualquer momento. – Inúmeros foram os momentos em que me
protegestes de mim mesma e do mundo lá fora. Você cumpriu com a
promessa de se lembrar dos meus olhos até mesmo quando se esquecesse do
próprio nome. Mas, quando eu esperei que você acordasse naquela maca após
aquele ataque... Você não acordou.

Era possível ouvir o choro baixinho de várias pessoas, mas nenhuma delas
poderia sentir a dor que Lisa sentia. Ninguém nunca entenderia o que ela
estava sentindo, era quase uma dor suicida.

– Chaeyoung amava me ouvir tocando violão, e como uma forma de


despedida eu vou fazê-lo agora. – enxugou as lágrimas e pegou o violão preto
das mãos de Junhoe. O Padre lhe ofereceu um banquinho que a advogada
sentou, os olhos sem nunca deixar Chaeyoung. – É por você, Chaeng.

When your legs don't work like they used to before


And I can't sweep you off of your feet
Will your mouth still remember the taste of my love?
Will your eyes still smile from your cheeks?

Flashback

– Você acha que pode ficar me empurrando como se eu fosse uma boneca ou
algo do tipo? – Lisa fingiu raiva quando se levantou andando com passos
firmes até Chaeyoung que recuou. – Você só se esqueceu de que tudo tem
volta, Park Chaeyoung.

– Não, Lisa, não! – pediu Chaeyoung esticando os braços na tentativa falha de


tentar parar Lisa que a fuzilava com uma expressão divertida. – Eu prometo
não fazer mais isso...
Chaeyoung começou a correr pelo quarto com Lisa ao seu encalce, pareciam
duas crianças de 4 anos brincando de pega-pega e não adolescentes cursando
a faculdade.

Chaeyoung subiu em cima da cama e se jogou do outro lado, mas foi barrada e
soltou um grito quando seus corpos se chocaram e caíram no chão.

Fim do flashback.

Darlin' I will be lovin' you


Till we're seventy
Baby my heart could still fall as hard
At twenty three

Sua voz embargou devido a dor que não parava de aumentar em seu peito.
Sentiu a mão de Ethan em seu ombro e por um momento sentiu-se protegida,
mas nunca seria o suficiente, não sem o amor de sua vida.

Flashback

– Faça um pedido.

– 18, 17, 16, 15...

– Isso é bobeira. – riu Lisa depositando beijinhos no ombro da namorada.

– Faça, Lisa!

– 12, 11, 10, 9...


– Ok, eu quero viver com Park Chaeyoung para sempre.

– Para sempre?

– 5, 4, 3, 2, 1!

– Para sempre.

Fim do flashback.

When my hair's all but grown and my memory fades


And the crowds don''t remember my name When my hands don't play the
strings the same way (hmm)
I know you will still love me the same

O caixão foi selado dando o último adeus ao rosto sereno de Chaeyoung.

Enquanto os homens o desciam pela cova, várias pessoas jogavam flores


representando o carinho que sentiam pela Chaeyoung.

Cause honey your soul


Could never grow old
It's evergreen
Baby your smile's forever in my mind and memory

Ethan aproximou-se do túmulo e deixou um pequeno dinossauro de


brinquedo enquanto enxugava as lágrimas. Sarah foi a próxima, ela se
ajoelhou, tirou o laço que usava e o deixou ao lado do dinossauro.
Na cabeça de Lalisa tudo acontecia em câmera lenta, ela estava ajoelhada em
frente ao tumulo e as pessoas saíam aos poucos tocando em seu ombro e
dizendo palavras de conforto, todos queriam dar a privacidade devida a ela.

I'm thinkin' out loud


People fall in love in mysterious ways
Maybe it's all part of a plan
I'll just keep on making the same mistakes Hoping that you'll understand

A advogada tirou da bolsa um livro velho e surrado que ela conhecia tão bem.

– Ela nunca recobrou a consciência. – recitou lendo a frase na página


marcada. – Não reconheceu ninguém desde o momento em que a deixou. Ela
jaz com um doce sorriso nos lábios, e seus últimos pensamentos a levaram de
volta aos dias felizes. Sua vida encerrou-se como um sonho suave. Que ela
possa despertar tão suavemente no outro mundo.

That baby now (ooh)


Take me into your loving arms
Kiss me under the light of a thousand stars Place your head on my beating
heart
I'm thinking out loud
Maybe we found love right where we are

Lisa deixou o livro em cima do túmulo ao lado do presente de seus filhos.

– Para que você possa se lembrar de mim sempre que olhar para cá. Eu te
amo. – murmurou alisando a lápide que continha as inscrições:

Park Chaeyoung 1997 – 2060.


A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore,
dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine
sem aplausos. – Charles Chaplin.

***

29 de Abril de 2060. – Los Angeles.

Vários flashes iluminavam a pequena mesa onde o rapaz coçava a barba mal
feita e sorria timidamente para os fãs.

Eram cerca de 40 pessoas sentadas em cadeiras em um jogo de perguntas e


respostas sobre o mais novo fenômeno das livrarias de todo o mundo.

O livro contava uma história verídica que todos sabiam ser das mães do autor,
e aquela história vinha servindo de incentivo para milhares de pessoas que se
sentiam na pele de Lalisa Manoban aos 19 anos. O livro se chamava The Red
Bow.

– Ethan, o livro termina com o enterro de Chaeyoung e a citação da lápide. –


um dos fãs que fora escolhido por seu agente estava em pé segurando o livro
em mãos. – Você deixou uma incógnita, mas será que pode nos dizer o que
aconteceu com Lisa depois?

Ethan sorriu para o fã e por um momento seus olhos se perderam.

"Ninguém sabe. Não de verdade. Talvez ela esteja por ai isolada em algum
lugar fazendo aulas de piano ou viajando o mundo."
O Mustang preto reproduzia You are my sunshine de Johnny Cash enquanto
era guiado pela estrada vazia.

Lisa usava seus óculos escuros e com uma mão segurava um copo de
cappuccino, em seu rosto um pequeno sorriso que costumava carregar sempre
que certas músicas a fazia lembrar-se de certa pessoa.

"Lalisa sempre será uma incógnita até mesmo para mim. Vamos relevar o
fato de que ela virou sua vida de cabeça para baixo apenas para se
encontrar. Você faria o mesmo? Você teria coragem de abandonar tudo se
isso lhe desse 1% de chance de encontrar a felicidade?"

O adeus de Eli.

Um ano depois Lalisa se encontrou com Chaeyoung durante seu sono


profundo, e daquele momento em diante elas permaneceram juntas no que
seria o verdadeiro para sempre com sua pianista.

_______

Música que Lalisa toca: Sheeran – Thinking out loud

__________

49

A luz se intensificou a ponto de cegar seus olhos, assim como o vento se


tornou mais forte a avassalador.
Tudo aconteceu ao mesmo tempo, o silêncio se tornou tão insuportável que o
zunido em seu ouvido chegou a doer. O vento desapareceu deixando apenas
um clima fresco de um dia nublado.

Ao abrir os olhos lentamente, surpreendeu-se ao notar que não estava deitada


em sua cama como há poucos minutos antes de ser sugada por essa luz forte.

Ao contrário do que pensava, seus pés descalços tocavam um gramado verde


que se estendia ao longo do campo em que estava.
O céu não era azul, mas uma mistura de cores vivas como se fosse à tela de
um pintor apaixonado. No horizonte viam-se apenas o gramado e algumas
árvores ao longe. Cavalos brancos corriam livres pelo campo como se
apostassem corrida entre si e os pássaros no céu voavam em direção ao lago
cristalino a poucos metros dali.

– Onde eu estou? – perguntou-se confusa e ergueu as mãos para ter certeza


de que estava inteira, e para a sua surpresa, não havia mais rugas.

É como se... Como se a sua pele alva dos 19 anos estivesse de volta, sem as
marcas de uma longa vida. Presenciando com seus próprios olhos a mudança
de jovialidade, ela correu em direção ao lago. Seu corpo muito mais disposto e
enérgico, ela poderia pular e correr ao mesmo tempo se quisesse, pois aquela
era a melhor sensação do mundo. Sentir-se leve, sem as dores no corpo que
vinha sentindo nos últimos meses.

(Play música: Lana Del Rey – Bel Air)

Gargoyles standing at the front of your gate trying to tell me to wait but I
can't wait to see you
So I run like a mad to heaven's door
I don't wanna be bad
I won't cheat you no more

O sorriso da mulher, agora jovem, morreu quando ao levantar os olhos para o


lago que estava próximo, reparou que não estava sozinha naquele campo.

O brilho do sol bloqueava sua visão do rosto da pessoa que estava de joelhos
na beira do lago, mas os cabelos longos e tingidos de rosa denunciavam ser
uma garota.

E, inacreditavelmente, quanto mais ela se aproximava da figura no lago, mais


a vibração em seu corpo aumentava como se ela conhecesse aquela garota de
longas vidas.

– Hey, você! – chamou ansiosa quando estava perto o suficiente, mas quando
a garota levantou, tudo pareceu fazer sentido.

Roses, Bel Air, take me there


I've been waiting to meet you
Palm trees in the light, I can see late at night Darling, I'm waiting to greet
you
Come to me, baby

Chaeyoung virou-se com um largo sorriso enquanto mordia infantilmente o


lábio inferior. Ela usava um macacão jeans e all star vermelho. A mesma
Chaeyoung de 18 anos que Lalisa se apaixonou.

– Hey, você. – a garota retribuiu e uma gargalhada gostosa escapou de sua


garganta. – Eu estive esperando pela sua chegada.
Spotlight, Bad Baby
You've got a flair
For the violentest kind of love anywhere out there
Mon amour, sweet child of mine, you're divine Didn't anyone ever tell you
it's ok to shine?

Lisa queria chorar, mas não haviam lágrimas a serem derramadas. Ela pensou
que seu coração poderia saltar de seu peito, mas o órgão não estava mais ali.

Lalisa esticou a mão timidamente até que tocasse a pele de Chaeyoung, a


textura macia fez Lisa sorrir bobamente.

– Como isso é possível? – perguntou em um sussurro, tinha medo de que se


dissesse alto demais, poderia despertar do que fosse aquilo que estava
vivendo. – Eu estou sonhando?

A garota segurou a mão de Lisa que pousava em seu rosto e a entrelaçou com
a sua.

As duas garotas analisaram suas mãos juntas, naquele encaixe perfeito que
elas tanto conheciam, e enfim se olharam.

– Nós estamos juntas agora, Lisa. Sem medo, sem negação, sem nos esconder.
– beijou entre os dedos da amada e a fez passar o braço direito por cima de
seu ombro em um meio abraço. – Você veio até mim como sempre o fez, você
me encontrou.

Roses, Bel Air, take me there


I've been waiting to meet you
Palm trees in the light, I can see late at night Darling, I'm waiting to greet
you
Come to me, baby

As duas caminhavam pelo campo abraçadas, Lisa poderia sentir o cheiro de


marshmallow de sua amada, aquele cheiro que tanto lhe fez falta.

– Então... Isso quer dizer que eu estou morta?

– Sim, amor. Você morreu enquanto dormia. – pararam de andar quando


Chaeyoung abraçou Lisa por completo enterrando seu rosto no pescoço de seu
amor. – Seu espírito se tornou miserável sem o meu e seu corpo não suportou
a minha falta. É assim que almas gêmeas se sentem quando perdem sua
metade.

Don't be afraid of me, don't be ashamed Walking away from my soft


resurrection
Idol of roses, iconic soul
I know your name
Lead me to war with your brilliant direction

Lisa assentiu acariciando os cabelos com aquela tintura rosa. Ela estava tão
feliz agora que poderia gritar naquele campo até perder a voz, ela estava
finalmente com a sua Chaeyoung.

– Vamos ficar aqui?

Chaeyoung saiu do abraço da Lisa e segurou seu rosto com as duas mãos, o
pequeno sorriso denunciando certa malícia e os olhos transbordando amor.
– Agora nós cuidamos uma da outra até que nossa vez de voltar a terra
chegue. – beijou carinhosamente os lábios macios de Lisa e encostou suas
testas. – E então teremos que nos encontrar outra vez.

Roses, Bel Air, take me there


I've been waiting to meet you
Palm trees in the light, I can see late at night Darling, I'm waiting to greet
you
Come to me, baby

Alguns cavalos passaram galopando entre elas fazendo Chaeyoung gargalhar


como uma criança de 7 anos.

– Espero que não seja tão difícil dessa vez. – comentou Lisa em brincadeira.

Chaeyoung deu um pequeno empurrão na metade de sua alma e correu até


um dos cavalos.

– Não se preocupe, você sempre é a zangada de nossas histórias. – riu


subindo no cavalo. Lisa fez o mesmo com o outro. – Uma vez eu te pedi a
memória e você cuidou de mim até que eu morresse. Já fomos parte de um
grupo famoso, e até mesmo fugitivas, tivemos nossa história de colegial
também, eu já fui uma pianista consagrada e você uma advogada cheia de
medos. O que vier será lucro, amor.

Lalisa balançou a cabeça em negação com a brincadeira estúpida, ela mal


podia acreditar que finalmente estava com Chaeyoung. Lisa abriu a boca para
responder a brincadeira de Chaeyoung, mas foi calada quando ouviu outros
cavalos se aproximarem, mas para a sua surpresa eles eram montados.
– O que vocês estão esperando? – perguntou Mark com sua tão familiar
animação. Seus olhos pousaram em Lisa. – É bom te ver outra vez, Lisa.

Lisa não sabia o que dizer ou fazer, estava sem reação.

– Vocês estão me fazendo perder tempo aqui. – a voz de Charlote soou e ela se
aproximou com Diana ao seu lado. – Filha, oi. Eu falo com você depois, estes
dois estão trapaceando na corrida.

Roses, Bel Air, take me there


I've been waiting to meet you
Grenadine, sunshine, can you feel this soul of mine
Darling I'm waiting to greet you, come to me, baby

Então Mark, Diana e Charlote desapareceram por entre as árvores em seus


cavalos brancos.

Quando Lisa finalmente voltou à realidade, encarou uma Chaeyoung que ria
bobamente da cena.

– Eles são sempre assim. – comentou a pequena cavalgando devagar ao lado


da Lisa. – Então... O que fazemos agora?

Chaeyoung olhou sorridente para Lisa.

– Agora você me pega. Yah! – Chaeyoung saiu em disparada pelo campo em


cima do cavalo branco e tudo o que Lisa pode fazer foi sorrir e correr logo
atrás.

Aquela não era uma despedida da terra, mas sim a promessa de um até logo.
_________

50

12 de Setembro de 2026. – New York, NY.

O dia era chuvoso no lado de fora do rancho. Apesar de três anos terem se
passado, poucas foram as coisas que realmente mudaram no lugar onde tudo
começou, de certa forma.

Havia agora uma piscina de fibra com cerca no fundo da mansão, uma casa na
árvore construída na antiga árvore de Harry e Sarah, próxima ao lago. Havia
um novo cavalo também e seu nome era Rex. Acho que vocês podem imaginar
de quem era o cavalo. O antigo carro de Chaeyoung foi substituído por uma
SUV enquanto o Mustang fora mantido também na garagem. Algumas coisas
simplesmente não precisavam serem mudadas.

A vida de casadas não havia caído na rotina como grande parte dos casais
reclamam após o matrimônio, mas seria mentira dizer que não havia suas
discussões acaloradas onde até mesmo o divórcio chegava a ser mencionado.
Lalisa era uma pessoa difícil de lidar, e Chaeyoung uma mulher sentimental
demais para suportar certos momento. Somando oito e oitenta, elas
descobriram que o amor nem sempre se trata de bons momentos.

Mas havia algo que as trazia de volta à órbita sempre que as coisas saiam do
controle: um pequeno garoto. Além de que, a parede vermelha sempre estaria
lá para lembra–las do porquê de estarem juntas.
Então, é disso que se trata o amor. Reconhecer os próprios erros e ceder até
mesmo quando você estiver certo. Trata–se de escolhas, trata–se de escolher
entre deixar–se levar pelos maus momentos a lembrar–se dos bons. E como
sempre, Chaeyoung e Lisa sempre encontravam equilíbrio uma na outra. É
assim que almas gêmeas são.

A chuva crepitava na madeira antiga do telhado da mansão. As luzes da casa


estavam parcialmente apagadas dando à pequena família privacidade para a
soneca da tarde.

Chaeyoung precisava disso agora que havia retornado de uma turnê de duas
semanas em Londres; ela precisava de sua família e um belo dia de descanso.
Quando abriu os olhos, não se conteve em suspirar apaixonadamente com a
primeira visão que teve: Lalisa Manoban dormia serenamente de bruços bem
diante de seus olhos, como um anjo lindo que nunca perderia sua auréola.

É incrível que, mesmo após todos esses anos, juntas e separadas, Chaeyoung
mantinha consciência de que nunca se acostumaria a presença daquela
mulher tão forte ao seu lado.

Lalisa era uma advogada muito requisitada em New York, uma ótima amiga
que sempre fazia questão de manter o círculo de amizade por perto, uma mãe
coruja e uma maravilhosa companheira.

Mas, para Chaeyoung, ela sempre seria todas essas coisas e muito mais. Lisa
sempre seria a garota insegura que temia ao pai e se importava com as
opiniões alheias. Mas ela também sempre seria a garota altruísta que desistiu
do próprio amor pela felicidade da pessoa amada. Muitas pessoas a
chamariam de covarde; Chaeyoung a chama de sua heroína.
Se não fosse pela mulher de olhos castanhos, ela teria desistido de Juilliard e
talvez não tivesse tempo com seu pai. Seu sonho se afundaria, seu coração
seria levado com seu pai, e não restaria nada para ela no final, apenas o que
sobraria de uma Chaeyoung quebrada.

Haveria dor de uma forma ou de outra, e ela fez a escolha dela. E, por mais
que o destino tenha feito com que se cruzassem novamente anos mais tarde,
Chaeyoung sabia que ela também fez a coisa certa ao desistir de tudo pela
segunda vez, pensando na segurança de Ethan. Ela não entendeu isso na
época, mas hoje seus olhos estão abertos, e ela se pergunta se teria coragem
de colocar outras pessoas em primeiro lugar como Lisa costuma fazer.

Afastou uma mecha do cabelo que cobria o rosto sereno. Seu cabelo estava
mais curto agora, e as feições de seu rosto haviam amadurecido durante esses
três anos. Lalisa definitivamente havia se tornado uma mulher completa, em
todos os sentidos.

Os dedos curiosos da Chaeyoung percorreram o caminho do rosto alvo até o


ombro nu, de pele clarinha e pequenas marcas vermelhas, um pequeno
lembrete para que ela cortasse as unhas o mais rápido possível.

Lisa usava apenas uma calcinha, tendo seu corpo coberto parcialmente pelo
edredom branco e os cabelos espalhados pelo travesseiro.

Sua respiração era calma como a de quem está tendo um sonho bom,
tranquilo. Os lábios vermelhos levemente partidos e um pequeno chupão
próximo a garganta que, graças a pele de sua mulher, tornava–se ainda mais
evidente à claridade que atravessava a porta de vidro.
Chaeyoung simplesmente adorava acordar antes da Lisa para observa-la
dormir, velando seu sono como uma verdadeira adoradora da arte que ela
era.

O relógio marcava pouco mais de três da tarde, o que indicava que seu sono
havia sido totalmente perdido pela leve cólica que a acordara e não lhe restava
outra alternativa além de preparar um café.

Era rotina o casal intercalar entre quem acordaria às cinco da manhã para
soltar os cavalos e quem levantaria mais tarde para limpar o celeiro e o feno.
E elas gostavam dessa vida. Era um estilo que fugia totalmente do padrão de
um advogado da cidade, mas que agradava Lisa por justamente não ser mais
obrigada a seguir padrões. Acordar cedo, cuidar dos cavalos, levar Ethan para
a escola e Chaeyoung para Juilliard – onde a Chaeyoung era voluntária como
instrutora de música em seu tempo livre –, uma rotina que para muitos se
torna enjoativa, mas que para o casal não passa de amor.

Mas hoje a chuva havia prendido não só os cavalos no celeiro, mas também a
família na casa de madeira.

Ainda grogue de cansaço pela turnê e com o corpo dolorido pelo desempenho
de Lisa noite passada devido à saudade acumulada, Chaeyoung saiu da cama
revelando sua nudez e caminhou até o banheiro para sua higiene.

Depois de um bom banho quente, vestiu uma camisa velha, shorts de algodão
e penteou o cabelo molhado.

Lançou um último olhar para sua esposa que ainda dormia e saiu do quarto
sentindo-se mais disposta, mesmo que a cólica ainda a incomodasse.
Em silêncio, abriu a porta com a plaquinha "Ethan" pendurada e sondou o
quarto iluminado por um abajur, sorrindo ao ver a silhueta magra de seu filho
com um braço pendendo para fora da cama.

Tal mãe, tal filho.

Chaeyoung sentou–se na cama com cuidado e deixou que sua mão repousasse
nas costas do garoto, que usava um pijama de dinossauros na cor branco e
verde.

– Hora de acordar, pequeno. – murmurou, deixando que seus dedos se


embrenhassem fios rebeldes do garoto. – Você não quer acordar a mamãe?

O garoto mexeu-se incomodado na cama e abriu os olhos, piscando várias


vezes.

– Só mais um pouquinho... – choramingou Ethan, puxando a mão de


Chaeyoung para entrelaçar seus dedos.

Chaeyoung sorriu para a preguiça em pessoa e abaixou–se para beijar os


cabelos negros.

– Ok. Vou preparar cereais e acho que alguém vai ficar sem.

– Mãe!

– O que?

– Assim não vale!


Ethan rapidamente sentou na cama com a cara amassada e fuzilou
Chaeyoung, que apenas sorria.

– Você dormiu quase a tarde toda e ainda está reclamando? Hoje é sábado,
dia de passar o dia com a família. – ralhou a Chaeyoung em brincadeira.

– Podemos dormir em família? – pediu o garoto e ganhou um apertão no


nariz. – Aí!

– Vem, vamos acordar a sua versão mais velha antes que sua tia Momo
chegue.

Apesar de sonolento, logo Ethan estava de pé à menção de suas tias. O garoto


era simplesmente fissurado em Sana e Momo, o que preocupava de certa
forma suas mães, pois o garoto poderia desenvolver algum tipo de psicopatia.
Mas era sábado e Momo estaria visitando New York, ou mais especificamente
Lisa e Chaeyoung.

Chaeyoung e Ethan entraram sorrateiramente no quarto de casal, mirando o


alvo estrategicamente e fazendo sinal do silêncio com o dedo indicador um
para o outro.

Precisava ser uma missão infalível.

– Um! – sussurrou Chaeyoung.

– Dois! – foi a vez de Ethan, que reprimia um sorrisinho.

– Três! – exclamam em uníssono, correndo em disparada em direção à cama


e pulando como num salto olímpico bem em cima do alvo.
Lisa gritou, e no reflexo projetou o corpo para Chaeyoung, jogando Ethan
para o lado vazio da cama e Chaeyoung direto para o chão.

– Que porra...?! – uma Lisa assustada olhava para todos os lados, puxando o
edredom para cobrir seu tronco nu.

– Não xinga! – reclamou Ethan, mas não conteve as gargalhadas ao ver


Chaeyoung estatelada no chão. – A senhora tá bem, mãe?

Chaeyoung fez sinal de positivo ainda no chão, dando à Ethan apenas a visão
de sua mão erguida.

Lisa, que recuperava a respiração e os batimentos cardíacos pelo susto,


arregalou os olhos ao ver sua esposa jogada no chão como uma batata e saltou
da cama para ajudá–la enrolada no edredom.

– Ugh, mommy! A senhora tá pelada!

– Não há nada que você já não tenha visto, Ethan. E vocês dois precisam
parar de criar planos mirabolantes para me acordar, na última vez eu quase
joguei Chaeyoung na lareira sem querer.

Chaeyoung gemeu quando aceitou a mão de sua esposa e logo estava de pé,
com um sorrisinho inocente nos lábios e um falso pedido de desculpas no
olhar.

– Um beijo de desculpas? – pediu como o gato de botas.

Lisa revirou os olhos e deu as costas para as duas crianças.


– Eu não vou te beijar com bafo, você mesma reclama sobre isso.

A porta do banheiro foi fechada com força e Chaeyoung e Ethan trocaram


olhares culpados.

– Ela não está realmente brava – tranquilizou Chaeyoung, abaixando–se para


que Ethan subisse em suas costas. – Ela nos ama demais pra isso.

***

O cheiro de café pela casa atraiu uma bela mulher de olhos castanhos até a
cozinha, onde encontrou seu filho ainda de pijama sentado no balcão e sua
esposa preparando cereais e café.

–...mas nos quadrinhos diz que ela matou o Visão, então acho que prefiro os
filmes – contava Ethan, e Lisa teve uma ideia de que seu filho estava
reclamando sobre a verdadeira identidade de sua heroína preferida dos
vingadores.

Chaeyoung acompanhava toda a conversa com vários "aham", "nossa" e "isso


é incrível", mas ela pouco entendia sobre super–heróis.

Lisa até tentou mostrar alguns filmes do mundo Marvel para a Chaeyoung,
mas a mesma sempre acaba dormindo em seus braços para as reclamações de
Ethan.

– Hey, vocês! – cumprimentou a Lisa, revelando sua presença. Ela usava um


short também de algodão na cor preta e uma camisa velha do Johnny Cash.
– Hey, mommy! – acenou Ethan, balançando as pernas em animação. –Eu
tava contando para a mamãe sobre a feiticeira.

– Estava. – corrigiu Lisa, beijando os cabelos do filho. – E eu já falei pra você


não se preocupar com isso, eles não vão fazer o mesmo nos filmes.

Bagunçou os fios de cabelo do pequeno e caminhou até Chaeyoung, que


estava encostada na pia de braços cruzados.

– Hey, você. – ela cumprimentou de volta, um sorrisinho tímido brincando


em seus lábios. Lisa abraçou o corpo de sua esposa e colou suas testas. – Eu já
estou perdoada?

Lisa riu contra os lábios de Chaeyoung e aplicou um selinho rápido.

– Só porque sou trouxa por você.

Então Chaeyoung deu aquele sorriso. O sorriso preferido de Lisa. O que se


tornou impossível para a Lisa não se inclinar e beija-la verdadeiramente,
chupando os lábios macios que tanto a fascinavam.

– Ew! – ouviram uma exclamação ao fundo e viraram-se ao mesmo tempo


para encontrar Ethan com as mãos tapando o rosto. – Desculpe. Tia Momo
disse para reclamar quando fizessem isso, porque eu sou criança e crianças
não podem ver por...porno...gra...como é que se diz mesmo?

Os olhos da Lisa de arregalaram com o linguajar do garoto, os punhos


cerrados e prontos para socar Momo quando a mesma chegasse.
– Lisa – sentiu as mãos de Chaeyoung a puxarem de volta para encara-la. –
Relaxa, é apenas Momo. Depois nós conversamos sobre isso com ela, ok?

Os olhos de Chaeyoung sempre a acalmariam, talvez fizesse parte dessa coisa


toda de alma gêmea. Suas mãos logo relaxaram e a raiva dissipou.

– Não dê ouvidos ao que sua tia diz, Ethan. Isso é coisa de adulto. – explicou a
Lisa, roubando alguns cereais do prato do garoto. – O que vamos fazer hoje?

– Jogar videogame? A senhora prometeu que ia passar aquela fase do GTA


pra mim.

– Me parece ótimo, mas espero que você não tenha dever...

A atenção de Chaeyoung foi desviada quando sentiu sua cólica voltar ainda
mais forte, e uma sensação sufocante preencher seu peito, e subir cada vez
mais.

– Eu preciso ir ao banheiro.

E sem dizer mais nada, correu para o andar de cima apertando a barriga como
se fosse conter o que estivesse vindo.

O vômito veio logo que empurrou a porta do banheiro, ajoelhando-se no chão


e liberando de forma angustiante seu almoço. A sensação era horrível.

Mas Chaeyoung sabia que precisaria estar preparada para muito mais se os
seus planos estivessem dando certo, e foi pensando neles que correu de volta
até o quarto de casal e revirou sua bolsa atrás da caixa de papel que escondia
de sua esposa.
***

Lalisa devorava seu lanche natural no balcão da cozinha enquanto Ethan


finalizava o cereal em silêncio.

Ambos estavam envolta de suas bolhas naquele instante, um dos raros


momentos em que o garoto se mantinha calado e concentrado apenas em uma
ação. Mas comer parecia verdadeiramente interessante para ele.

Então Lisa decidiu apreciar o som da chuva no telhado e os relâmpagos pela


janela da cozinha enquanto planejava um discordo moralista contra sua
melhor amiga sobre as palavras que ensinava à Ethan.

Chaeyoung voltou alguns minutos depois.

Havia algo diferente nela quando anunciou em animação que prepararia um


bolo surpresa e os expulsou da cozinha.

Sendo assim, o resto de tarde foi passado no sofá de casa jogando videogame
com Ethan e sentindo seu estômago roncar devido ao cheiro delicioso de
bolo.

– Aaaaaaah! Eu nem acredito que finalmente zeramos esse jogo, garoto! –


comemorou a Lisa, largando o controle de lado depois de exaustivas duas
horas finalizando GTA.

– Nós somos demais!


– Mais que demais! – riu o garoto, pulando no colo da mãe e batendo high
five.

– Isso merece uma comemoração, mommy!

Lisa pensou por uns instantes arqueando uma sobrancelha, então uma luz
estourou atrás de seu cérebro e ela se levantou com o garoto preso ao seu colo
como um coala.

A antiga vitrola de Mark continuava intacta em cima da lareira, e não


demorou muito para que Lalisa encontrasse o disco que estava procurando.

Who loves you de Billie Holiday, começou a ser reproduzida e logo Ethan
entendeu que era o momento de dançar.

De meias, o garoto escorregou para o chão e experimentou alguns passos


como os antigos cantores de jazz costumavam fazer, arrancando uma
gargalhada de Lisa que se mostrava uma mãe orgulhosa.

Ela adorava mostrar videos de Johnny Cash para o garoto desde que o mesmo
nascera, e Chaeyoung não perdera tempo em apresentar Billie desde que
passaram a morar juntos.

Como previsto, Chaeyoung surgiu na sala com um olhar desconfiado e o bolo


de creme em mãos, encontrando sua esposa e filho dançando de meias pelo
piso de madeira.

– Veja só quem resolveu aparecer! – riu Lisa.


Chaeyoung deixou o bolo na mesinha de centro e foi puxada por Ethan até o
meio da sala, onde foi entregue à uma Lisa cavalheira que lhe fez uma
reverencia, tomou suas mãos e beijou cada uma delas antes de juntar seus
corpos para dançar, como se realmente estivessem em uma pista de jazz.

– Dança comigo?

E lá estava o suspiro involuntário escampando–lhe pelos lábios, a beleza de


Lisa sempre seria demais para seus olhos se acostumarem.

– Você é uma galanteadora, Manoban.

– Park – Completo Lisa, o sorriso alegre enfeitando seus lábios. – Você está
muito misteriosa hoje, não está com uma amante na cozinha, está?

Chaeyoung riu.

– Os anos podem passar e você sempre será uma lerda, Lalisa.

Ethan se infiltrou entre elas e colocou as mãos na cintura, cansado de ser


excluído.

As duas mulheres deram as mãos para o garoto e juntos, os três deslizaram


pela sala por mais algumas musicas, sob risadas e brincadeiras.

Em certo momento, quando Ethan estava distraído demais ensaiando seus


próprios passos, Chaeyoung segurou a mão esquerda de Lisa entre as sua
direita e entrelaçou seus dedos, conduzindo a palma da mão da Lisa até sua
barriga por baixo da camiseta.
Elas encostaram suas testas e se observaram, causando o tão conhecido
tremor pelo corpo de ambas as mulheres. A mão da Lisa deslizou pela barriga
de sua esposa, acariciando levemente o local e recebendo arrepios da mesma
em troca.

– Mamãe, o que quer dizer isso? – a voz de Ethan a fez voltar para a órbita.

O garoto estava ajoelhado no chão em frente ao bolo, o cenho franzido


tentando ler o que estava escrito em letras coloridas.

– É um presente para a sua mãe, mas eu acho que ela é lerda demais para
notar qualquer coisa – comentou a Chaeyoung, recebendo uma careta de Lisa.

As duas mulheres deram-se as mãos e se aproximaram do filho, Lisa com o


cenho franzido enquanto lia o as palavras.

"Mamãe, eu estou chegando."

O cenho de Lisa continuou franzido por longos segundos enquanto a mesma


digeria o que acabara de ler. Ethan a encarava confuso e Chaeyoung
impaciente, perguntando–se se com o tempo a lerdeza de sua esposa
diminuiria.

– Aí meu Deus! – finalmente Lisa caiu em si, levando as duas mãos a boca e
arregalando os olhos. Chaeyoung riu da reação de sua esposa, mas as lágrimas
já escorriam pelo seu rosto. – Chaeyoung, isso é real? Você não está
brincando comigo? Eu vou ser mesmo mãe outra vez?

A cada pergunta, Chaeyoung acenava em resposta.


– Chaeyoung! – Lisa gritou outra vez, os olhos agora estavam vermelhos e
cheios de lágrimas.
– C–como? Como isso é possível? Eu pensei que não tivesse dado certo, eu...

Chaeyoung tomou as mãos de sua esposa e a ajudou a sentar no sofá,


prevendo que a mesma teria uma sincope a qualquer momento se continuasse
a empalidecer mais que o normal.

– E não deu. Mas eu mandei congelar alguns óvulos seus sem que você
soubesse, eu queria fazer uma surpresa. – explicou paciente. – Algum tempo
depois eu retornei à clínica e tentei outra vez, e...bem, deu certo.

Olhos arregalados, boca entreaberta, lágrimas banhando a face, respiração


acelerada: a definição de Lalisa naquele momento.

– Lalisa...você está me assustando, diga algo, por favor.

Levou alguns segundos para que a Lisa piscasse uma dúzia de vezes e saltasse
contra sua esposa, a prendendo num abraço apertado e escondendo o rosto
contra a curva do pescoço.

– E-eu te amo tanto, meu Deus do céu! – soluçava contra o corpo de


Chaeyoung, sendo amparada pelos braços amorosos que tanto a veneravam. –
Obrigada p-por ser minha esposa e m-me fazer essa surpresa...

Mas era quase impossível dizer alguma coisa entre tantas lágrimas e soluços.
Chaeyoung entendia, ela sentia que poderia explodir de felicidade a qualquer
momento se pensasse que estava carregando um filho de Lisa no ventre. Um
filho delas e mais um herdeiro para aquela história de amor.
Chaeyoung desviou os olhos para Ethan que estava mais distraído em cutucar
o chantili do bolo, mas que teve sua atenção presa em Chaeyoung assim que
sentiu os olhos da mãe em si.

– Você vai ganhar um irmãozinho, Ethan. – sorriu, vendo a expressão do


garoto passar de confusa para surpresa. – Vai poder ensinar tudo sobre
dinossauros a ele se quiser.

– Ou a ela! – a voz de Lisa de repente se fez presente, saltando do colo de


Chaeyoung como uma desesperada. – Nós vamos chamá–la de Sarah, amor?
Diz que sim?

Chaeyoung riu com a euforia de Lisa.

– Por mais que eu ainda ache que será um garoto, sim, nós podemos.

Apesar de estarem eufóricas com a notícia, alguém não havia manifestado sua
reação e agora isso preocupava as duas mulheres.

– Filho? – chamou Lisa, atraindo a atenção de Ethan. – Você não está feliz?

– Eu vou precisar dividir meu quarto? – ele perguntou seriamente. Lisa


negou. – Vocês vão gostar mais dele do que de mim?

Entendendo a situação, Chaeyoung puxou o garoto para seu colo e o abraçou.

– Nós somos uma família, pequeno. Ninguém ama mais que ninguém aqui,
ok?

– E você vai ser o homem da casa quando Sarah chegar. – explicou Lisa.
Chaeyoung revirou os olhos.

– Ou Limario.

Lisa a olhou desconfiada.

– Você não vai chamar nosso filho com esse nome ridículo!

– Vou sim! Sua mãe disse que esse seria o seu nome caso você fosse menino.

– Oh, ok. Então vamos chamá-lo de Ronaldo Limario.

E lá vamos nós...

– Como é que é? – rosnou Chaeyoung. – Minha mãe não ia me chamar assim


se eu fosse menino.

– Você que pensa. – Lisa sorriu vitoriosa. – Mas, de qualquer forma, sei que
será uma menina.

– Argh! Você é irritante!

– Você também.

– E eu te odeio!

– É recíproco.

– Idiota!
– Só sua. – riu Lisa, puxando Chaeyoung para um beijo suave.

Logo a campainha tocou tirando o casal de sua bolha. Ethan lambeu os dedos
com chantili e correu até a porta ouvindo os resmungos de Momo.

– Será que dá pra abrirem logo? Eu estou parecendo um pinto molhado aqui
fora!

Ethan abriu a porta com um sorriso enorme e foi surpreendido por uma
Momo realmente encharcada pela chuva lá fora.

– Oi, tia! Eu vou ganhar um irmãozinho!

Momo revirou os olhos e ajeitou a bolsa que carregava nos ombros.

– Eu já te avisei que aquele cavalo não é teu irmão, moleque. – os olhos de


Momo correram até o casal que estava sentado no sofá. – Sinceramente, que
tipo de coisa vocês andam ensinando para o filho de vocês?

– É exatamente isso que eu quero te perguntar, Hirai! O tipo de palavreado


que você anda falando com meu filho!

Momo ergueu as mãos em rendição ao se aproximar do sofá.

– Já vi que tá estressadinha. Isso é falta de s–

– Momo! – exclamou Chaeyoung, seus olhos voltando–se para o garoto ao


lado da mulher. – Cale a boca.
– Me manda calar a boca de novo que eu invoco a Yane aqui mesmo, Park!

– Siiim! Por favor, tia! – pediu Ethan, olhando esperançoso para Momo.

Yane é o alter ego de Momo, mas ele costuma se apresentar apenas quando
Momo está sob efeito de álcool. É uma versão mais engraçada e menos
rabugenta da verdadeira dela.

– Por isso você é meu sobrinho preferido.

Momo pegou o garoto no colo rindo como duas crianças. Chaeyoung


aproveitou o momento para apertar a mão da esposa, trocando olhares cheios
de significados com a mesma.

– Então...Momo. Como está seu marido e o pequeno Noah?

– Nah, a mesma coisa de sempre. Ele está trabalhando em um caso


complicado, está em Seattle por alguns dias. Noah decidiu que se cansou de
mim e quis ficar com Sana hoje, eu sinto que ela quer roubar meu filho de
mim! – terminou pensativa. Momo olhou para Ethan que a encarava
atentamente, e fez uma careta para o mesmo. – Mas e vocês? Continuam bem
gays uma com a outra?

Lisa riu como se realmente fosse uma piada engraçada, mas Chaeyoung sabia
que ela estava tão feliz que poderia rir de qualquer coisa no momento.

Uma mão da Lisa foi até a barriga da Chaeyoung e acariciou carinhosamente.

– Chaeyoung está grávida.


Momo olhou em choque para Ethan.

– Espere! Então não era o cavalo?

– O que? – perguntou a Chaeyoung.

Ethan negou com a cabeça e Momo o soltou no chão quase o jogando.

– Eu vou ser tia de novo? – exclamou em êxtase. – Socorro!

Mais tarde naquele mesmo dia, a chuva ainda batia fortemente contra a
madeira da casa quando todos decidiram se recolher.

Momo se trancou no quarto de hóspedes aos berros com Junhoe para dar a
notícia da gravidez e Chaeyoung e Lisa permitiram que Ethan dormisse com
elas, devido ao medo do garoto de trovões.

A família ainda não havia se recuperado da notícia e, apesar de Ethan se


manter calado sobre não ser mais filho único, não houve objeção.

Já Lisa não parava de falar sobre como o quarto vago deveria ser decorado e
sobre a compra do enxoval de bebe.

Chaeyoung precisou ser muito paciente ao sentar sua esposa na cama e


explicar que elas seriam mães apenas daqui a nove meses, e que a mesma já
havia passado por isso e deveria entender. Mas Lisa sempre fora ansiosa e a
partir daquele dia, Chaeyoung soube que teria muito trabalho com sua
esposa.
Quando Chaeyoung e Ethan já estavam acomodados entre os montes de
edredons, Lisa teve uma grande ideia. Desde que se conheceram, elas
desenvolveram a mania de se comunicarem através da música é aquele
momento era perfeito para ser cantado.

Chaeyoung precisava saber o quanto Lisa a amava e admirava, o quão feliz


seu coração estava por saber que era ela a mulher a carregar um filho seu.

Lalisa tirou o violão preto do suporte sentou na cama, de frente para


Chaeyoung que tinha as costas apoiadas na cabeceira e Ethan deitado com a
cabeça na barriga da Chaeyoung. Era o momento perfeito.

– Eu quero que você preste atenção na letra, como em tantas outras vezes. –
disse a Lisa, para uma Chaeyoung surpresa.

Seus dedos produziram os primeiros acordes quando fechou os olhos, e


deixou que a música falasse por si.

There is something that I see


(Existe algo que eu vejo)

In the way you look at me


(Na maneira que você me olha)

There's a smile, there's a truth in your eyes (Há um sorriso, há uma verdade
em seus olhos)

Ela sabia o que estava falando quando se referia ao sorriso de Chaeyoung. Ele
sempre seria cheio de significados e fases. Ela sempre teria um sorriso para
cada motivo e Lisa conhecia todos eles, assim como também conhecia suas
lágrimas.

But an unexpected way


(Mas de uma maneira inesperada)

On this unexpected day


(Num dia inesperado)

Could it mean this is where I belong


(Poderia significar que este é o lugar onde eu pertenço?)

It is you I have loved all along


(É você que eu tenho amado o tempo todo)

Sim, Lisa sabia que amara Chaeyoung assim que colocara seus olhos na sala
naquele dia que nunca mais sairia de sua memória.

Talvez não exista amor à primeira vista, talvez seja apenas elas. Algo que era
para ser, que estava escrito.

It's no more mystery


(Não é mais um mistério)

It is finally clear to me
(Está finalmente claro pra mim)

You're the home my heart searched for so long (Você é o lar que o meu
coração procurou por muito tempo)
And it is you I have loved all along
(E é você que eu tenho amado o tempo todo)

Chaeyoung sorriu apertando um Ethan adormecido contra seu corpo.

Ela nunca se arrependeria de ter lutado por Lisa. As musicas de despedida se


tornaram musicas de promessas eternas.

There were times I ran to hide


(Houve momentos em que eu corri para me esconder)

Afraid to show the other side


(Receosa de mostrar o outro lado)

Alone in the night without you


(Sozinho na noite sem você)

Lalisa fez uma pausa na música quando sentiu sua garganta fechar. Elas
haviam passado por tantas coisas ao decorrer do tempo que só o pensamento
de não ter tido seu final com Chaeyoung a assustava como o inferno.

Mas ao erguer os olhos, foi impossível conter a emoção de encontrar os


reconfortantes olhos sendo pacientes com ela. Eles sempre eram.

Então, hesitante, continuou:

Over and over


(Repetidamente)

I'm filled with emotion


(Eu sou cheio de emoção)

Your love, it rushes through my veins


(Seu amor corre através das minhas veias)

And I am filled
(E eu sou preenchido)

With the sweetest devotion


(com a mais doce devoção)

As I, I look into your perfect face


(Enquanto eu, eu olho para seu rosto perfeito)

Outra vez, um soluço interrompeu sua garganta e foi impossível continuar


dessa vez.

Chaeyoung afastou Ethan com cuidado e esticou–se para deixar o violão da


Lisa no chão e puxa–la contra si, até que a mesma estivesse deitada em seu
colo.

– Eu não quero machucar o bebê. – choramingou a Lisa, sem soltar o peso


contra o corpo da Chaeyoung.

– Não seja boba, Lalisa. Ele tem semanas, e nem barriga eu tenho ainda. –
forçou o corpo de Lisa até que Lalisa se deixasse deitar contra ela, o rosto
escondido em seu pescoço. – Foi uma linda canção. Ethan ama essa música.

– Sim, e eu amo você, amo ele e amo a nossa Sarah. – brincou a Lisa,
erguendo o rosto de seu lugar seguro e recebendo um olhar cheio de amor. –
Eu te amo tanto que chega a doer, Chaeyoung. Bem aqui. – apontou para o
coração.

A mão da Chaeyoung correu até o peito de sua amada, massageando a região.

– Você é besta demais. – brincou Chaeyoung, deixando um beijo carinhoso na


ponta do nariz de Lisa que voltou a se aconchegar em seu pescoço.

– Chae.

– Hm?

– Você acredita em outras vidas? Acha que podemos nos encontrar em outros
lugares depois que partimos?

Enquanto acariciava os cabelos sedosos, Chaeyoung pensou seriamente em


uma resposta.

– Eu não sei se acredito em reencarnação, mas existe algo que eu acredito:


Não importa onde você esteja, eu vou sempre te encontrar.

Lisa ergueu a cabeça com um lindo sorriso nos lábios.

– Sempre?

– Sempre.

– E amanhã quando acordarmos, você ainda vai me amar?

Chaeyoung gargalhou, mas logo se conteve quando Ethan mexeu–se na cama.


Chaeyoung segurou o rosto de Lalisa entre suas mãos, tomando tudo para si
do que as esmeraldas tinham para oferecer.

– Até depois, Lalisa.

_____

Música que Lisa toca: It is you – Dana Glover


Vejo vocês em algum momento :)

______

51. Bônus Part. II

O novo bebê

30 de Outubro de 2026. – New York, NY.

Mês 2

– Se eu chupar os seus peitos vai sair leite?

– Lalisa.

– Ou, talvez, meu dedo vá cutucar o bebê quando eu o mover dent...

– Lisa!
– O que?

– Cale a boquinha e me coma, ok?

Lalisa a encarou por alguns segundos com uma grande interrogação


estampada na face, mas logo se recompôs e voltou a estocar fundo em
Chaeyoung empurrando-a para o orgasmo.

Chaeyoung estava sentada nua contra o granito frio da pia do banheiro e a


Lisa entre as suas pernas, completamente vestida, e satisfazendo o desejo –
agora triplicado –, de sua esposa.

Elas deveriam estar no obstetra há dez minutos se não fosse a repentina líbido
de Chaeyoung puxando uma Lalisa lesada de volta ao banheiro e pedindo,
sem um pingo de pudor, que transasse com ela.

Algumas coisas haviam mudado no último mês desde o descobrimento de um


novo membro na família. A sensibilidade de Chaeyoung havia triplicado
fazendo com que ela chorasse mais que o normal e deixasse Lisa assustada.
Veja bem, Lisa teve uma gestação saudável e sem maiores alterações em seu
humor ao longo dos nove meses, era quase como se não houvesse um bebê em
fase de crescimento em sua barriga.

Em compensação, Chaeyoung chorava quando Lisa lhe roubava uma torrada


ou esquecia a porta do banheiro aberta. Mas Lalisa estava feliz como uma
criança prestes a ganhar o melhor presente no natal, e Chaeyoung estava feliz
por aumentar a família que ela tanto amava; até mesmo Ethan estava feliz.
Não existe nada mais importante que sua família feliz.
A mão esquerda de Lisa rodeava firmemente a cintura de sua mulher
enquanto a direita preenchia a Chaeyoung com três dedos, forte e fundo, da
maneira que a mesma implorava cada vez que fincava as unhas nos ombros
de Lalisa.

Chaeyoung dava pequenos saltos na pia e seus seios balançavam para o delírio
de Lisa, que amava admirá-los e tê-los em sua boca. Ela tinha tanta sorte.

– Lalisa, você está diminuindo o ritmo e eu não vou sair dessa casa enquanto
não tiver um orgasmo! – grunhiu Chaeyoung, suas mãos se infiltrando nos
cabelos de Lisa e os puxando em deleite.

– Eu estou dando o meu máximo aqui, Chae! – protestou Lisa e era


verdade.Chaeyoung estava tendo dificuldades para atingir seu orgasmo nos
últimos dias e sua frustração sexual vinha sendo descontada unicamente em
Lisa. – Merda!

Lalisa agarrou o corpo magro contra o seu e tomou Chaeyoung em seus


braços, saindo do quarto e deixando-a sobre a cama arrumada. Chaeyoung
logo puxou o corpo da Lisa para junto do seu, sua mão se infiltrando pela
calça jeans desabotoada e atingindo o sexo molhado de sua esposa que rosnou
em seu pescoço em resposta.

– Eu amo sentir você assim... – Murmurou Chaeyoung contra o pescoço de


Lalisa.

E Lisa logo voltou a estocar dentro de sua esposa sentindo cada fibra do seu
corpo responder aos toques da mulher abaixo de si. É incrível como uma
pessoa poderia amar tanto a outra a ponto de sentir seu peito explodir de
felicidade até mesmo na hora do sexo, tendo a imagem dos lábios inchados e
cabelos desarrumados de Chaeyoung era o seu delírio e também a sua morte.

As duas mulheres aumentaram o ritmo quando sentiram que o orgasmo


estava perto, os corpos se roçando, os dedos trabalhando nos pontos certos
que uma aprendera a conhecer da outra, os lábios resvalando um no outro e
as testas coladas.

Sempre começavam como sexo, e na maioria das vezes terminavam fazendo


amor.

Mês 4

O silêncio proporcionado pela presença da mulher de cabelos longos, vestido


preto e longo com uma fenda na perna direita, excedeu a expectativa de todos
os convidados presentes do Lincoln Center naquela noite tão especial.

Expressões suaves, atenções presas unicamente na pianista que desafiava a lei


da música quando diante de um piano.

O público a admirava, a mídia a idolatrava e Lalisa Manoban a amava.

Com um sorriso para a plateia, Chaeyoung caminhou com maestria até o


piano de calda no canto direito do palco, passando por seus colegas de
orquestra que lhe cumprimentavam com admiração.
Lisa, Diana, Ella e Ethan estavam lá para dar suporte à sua última
apresentação ante das férias, e Chaeyoung havia preparado uma surpresa
para o grande amor de sua vida.

Uma de suas colegas de orquestra, Jennifer, caminhou até ela com um sorriso
sapeca nos lábios. A jovem abriu as duas mãos para Chaeyoung lhe
oferecendo – para a surpresa de uma Lalisa na platéia –, um laço vermelho.

Chaeyoung não olhou para a platéia enquanto levava o laço ao pulso, o


prendendo exatamente onde ele estava quando tudo começou. Diana e Ella
olharam sorridentes para uma Lisa estática, elas sabiam o verdadeiro
significado por trás.

– Quando eu era jovem – disse Chaeyoung no microfone adaptado no piano.


Todos ficaram rapidamente em silêncio para ouvir a jovem prodígio que tanto
se orgulhavam. – Quando eu era jovem costumava ouvir Ed Sheeran e Billie
Holiday nos fones de ouvido enquanto ia para a faculdade de metrô. Pode
parecer uma história clichê, e talvez ela seja mesmo. Não costumava ser como
a maioria das garotas da minha idade, então apenas me sentava no vagão e
assistia a cidade passar como um vulto pela janela enquanto meus artistas
favoritos tocavam no fone de ouvido. Vez ou outra eu também lia, minha
autora preferida sempre seria Jane Austen e Emily Bronte. – Ela sorriu
nostálgica. – Eu costumava acreditar que o amor era para outras pessoas;
pessoas que não estivessem ocupadas demais procurando por ele como nas
músicas e livros românticos. Então, um dia, eu ouvi aplausos. Eu não
costumava tocar para ninguém mais além dos meus pais e para a minha
classe em Juilliard, mas naquele dia não se tratava de nenhum dos dois. Eu
me lembro nitidamente de ver uma silhueta caminhando pelo auditório de
encontro ao palco; a segunda coisa que me lembro é de um par de olhos
castanhos. E eles transmitiam tanta pureza e admiração que eu me senti
insegura. – Várias pessoas olharam para Lisa que tinha os olhos marejados.
Todos conheciam a história de Chaeyoung, todos as admiravam. – Eu ganhei
uma platéia particular naquele dia, e assim tem sido desde então. Eu
encontrei o amor que procurava nas músicas do Ed Sheeran e Billie Holiday,
eu encontrei a história de amor que ansiava dos livros de Jane Austen e Emily
Bronte; eu ganhei um amor para a vida toda. – Chaeyoung sorriu tendo seus
olhos presos nos de Laisa. – Ela me deu o presente mais lindo que alguém
poderia ganhar, ela me deu a liberdade de viver meus sonhos e ter meu pai
próximo a mim. Ela sacrificou a própria felicidade pela a minha. E talvez eu
não tenha entendido no começo, mas hoje eu entendo e sempre vou tê-la
como uma heroína. – Fechou os olhos impedindo que as lágrimas descessem.
– Nossa família está aumentando, amor. – Disse diretamente para Lisa. –
Você me deu nosso menino Ethan, e agora estamos com um novo membro da
família a caminho, uma família que eu contruí com você. – Deslizou as mãos
pela barriga e teve a surpresa da platéia. – Eu amo você como nunca imaginei
ser possível amar alguém, eu amo tudo o que construímos, e amo tudo o que
ainda vamos construir. Eu pedi para que você me amasse no outro dia, e você
amou até depois disso. Obrigada, Lalisa.

A platéia explodiu em aplausos e assobios alegres de pessoas que estavam


verdadeiramente felizes pela conquista de Chaeyoung. Não apenas fãs, mas
também alunos e professores de Juilliard que a admiravam como pessoa e
musicista.

Lisa foi parabenizada por diversas pessoas, mas sua atenção estava presa
apenas em Chaeyoung, e sem seu sorriso cúmplice quando deixou a postura
ereta na banqueta e a luz do palco diminuiu. Ela sabia que estava ferrada
assim que os dedos de Chaeyoung deslizaram pelas teclas do piano.

Play na música River Flows in You na versão Cello & Piano Orchestral
A sua garota de dezoito anos conduziu a música com a mesma maestria que
possuída antes mesmo de ser reconhecida, quando apenas Lisa visualizava o
incrível futuro que ela teria quando terminasse a faculdade; quado sua única
platéia se tratava de uma Lisa com os olhos mais intensos que ela já vira na
vida.

Lalisa engoliu em seco quando os flashes de memória sobrecarregaram sua


mente tornando impossível discernir a realidade das lembranças.

O que teria acontecido se Jennie não tivesse atrasado o trabalho na aula e


enviado aquela mensagem para que Lisa a encontrasse no terceiro andar?
Elas se encontrariam? O destino teria encontrado outro meio de cruzar seus
caminhos? Elas teriam tido todos os momentos roubados no banco de trás do
Dodge, na casa abandonada que Chaeyoung tanto amava, na varanda de sua
casa em um banco de madeira? Elas teriam experimentado a sensação do
desejo, e muitas vezes tornado a situação hilária para ambas, até finalmente
se entregarem uma para a outra? Existiria a França? Ethan? Luhan?

Chaeyoung sabia que sim, agora ela entendia o significado da palavra destino.
Tudo estava escrito, tudo sempre estaria escrito.

Mês 6

05 de Fevereiro de 2027. – New York, NY.


Por mais que Lisa não tenha feito sexo durante a gestação de Ethan e não
entenda muito sobre essa parte, ela podia sentir que acabaria cutucando seu
filho se estocasse muito fundo.

Mas Chaeyoung era louca e os hormônios a deixavam ainda mais louca. Ela
estava sempre pedindo mais forte e mais fundo, o que fazia a Lisa travar nas
últimas semanas e deixá-la irritada sem um orgasmo.

E agora elas estavam em uma das consultas de Chaeyoung encarando a


obstetra com expressão de paisagem, as duas mulheres vermelhas e sempre
cutucando uma a outra para que tomassem a iniciativa para abordar o
assunto.

– Se há alguma dúvida, eu gostaria muito de poder ajudá-las. – Foi o que a


Dra. Morgan disse, seus olhos correndo de uma Lisa com expressão de dor
para uma Chaeyoung paralisada. – Olha, eu serei a médica de vocês durante a
gestação, então vocês podem confiar em mim para qualquer assunto que as
esteja incomodando.

Dra. Morgan era uma colega de faculdade de Dahyun, noiva de Sana, então
havia certa familiaridade entre as três moças desde que a obstetra ruiva de
olhos verdes costumava acompanhá-las até a boate de Sana.

Lisa fizera questão de fazer uma inspeção na vida da mulher antes de entregar
sua mulher e seu bebê nas mãos da mesma, qualquer amigo de Sana entraria
para a lista de pessoas a desconfiar. Mas a médica era muito profissional e
também bondosa e paciente, como estava sendo agora enquanto esperava que
uma das duas mulheres a sua frente falasse.
Chaeyoung e Lisa trocaram olhares agoniados. Como pedir ajuda sobre sua
vida sexual sem parecer duas idiotas?

– Por acaso, o problema de vocês tem a ver com o sexo? – A pergunta foi
simples e direta, deixando Chaeyoung e Lisa boquiabertas.

– C-como você sabe? – Lisa perguntou, sentindo seu rosto corar.

A Dra. soltou um sorrisinho afetado e deu de ombros.

– Sana.

Toda a cor do rosto de Chaeyoung sumiu e sua mão procurou a de Lisa como
reflexo.

Lalisa chegou a pedir conselhos para a amiga ao se ver em desespero em uma


noite quando, pela primeira vez, não conseguiu ir até o fim com sua esposa.
Sana chegou a dizer que ela tinha dedos como ela, e não uma vara de pescar;
mas nem isso deixou a Lisa menos inquieta e insegura. Ela pensava como as
mulheres heterossexuais conseguiam lidar com o medo de ter seu filho
cutucado pelo pênis do homem.

Agora Chaeyoung sabia que sua esposa buscara explicações com outras
pessoas e estava prestes a chorar.

– Eu não sei mais o que fazer! – Explodiu Lisa, olhando em desespero para
sua esposa chorona e para a Dra. Morgan. – Eu já passei por isso, mas na
época não tinha relações sexuais e não me preocupei em me informar sobre o
assunto, mas agora...e se eu o machucar?
Chaeyoung rolou os olhos e cruzou os braços com um bico enorme nos lábios.

– Ela está me deixando sem sexo há semanas, eu estou quase subindo pelas
paredes! – Grunhiu. Lisa olhou assustada para a mulher – E não me olhe
assim porque você sabe que é verdade! Me desculpe te desapontar, mas seus
dedos não atingem o fundo!

Dra. Morgan pigarreou alto quando viu a boca de Lisa cair em descrença,
aquele assunto estava indo por um caminho muito perigoso.

– Ok, ok. Acho que é esse mesmo o problema. – Riu desconfortável.


Chaeyoung e Lisa se fuzilaram por mais algum tempo antes de voltarem suas
atenções para a doutora. – Olha Lisa, eu entendo sua preocupação, mas o
bebê está bem protegido pelo líquido amniótico, não há chances de machucar
a mãe ou o bebê, tudo bem? Se você fosse homem, eu indicaria que não
fizessem sexo de forma bruta, mas como uma mulher eu posso garantir que
seu bebê está totalmente seguro.

Chaeyoung olhou com desdém para uma Lisa extremamente vermelha como
se dissesse "eu avisei".

Dra. Morgan decidiu que era hora de intervir antes que alguma guerra fosse
iniciada e pediu para que Chaeyoung se deitasse na cama para a
ultrassonografia.

Elas estavam desde o quarto mês tentando descobrir o sexo do bebê, mas o
feto estava sempre com as pernas cruzadas para a tristeza de suas mamães.

– Por favor, pequena Sarah, seja mesmo a pequena Sarah! – Lisa cruzou os
dedos quando posicionou-se ao lado de Chaeyoung, a mesma apenas riu. –
Ethan também está esperando que seja uma menina, assim ele poderá ser o
homem da casa.

– Ele já é o homem da casa, amor. Quando estamos sozinhos ele me leva


cupcakes no quarto, coisa que você não faz. – Ela sorriu, e ganhou um
beijinho na ponta do nariz. – Não importa qual seja o sexo do bebê, sabemos
que vai ser a criança mais feliz desse mundo.

– Assim como eu sou com você. – sorriu Lisa, entrelaçando sua mão com a da
Chaeyoung enquanto a Dra. Morgan passava o gel pelo relevo na barriga de
Chaeyoung.

Era engraçado para a doutora observar aquele casal tão diferente de todos os
outros que passavam pela sua sala todos os dias. Ela conhecia casais sérios,
casais alegres, casais em tensão, e diversos outros, mas Chaeyoung e Lisa
carregavam vários deles com elas. Poderiam estar a ponto de se atacarem,
mas se uma precisasse da outra, logo a tensão seria desfeita e tudo esquecido
para que se cuidassem como peças frágeis de um museu.

E o sorrido da doutora enquanto deslizava o transdutor pela barriga de


Chaeyoung só deixou o casal ainda mais ansioso, ela sabia o que estava
vendo.

– Ethan será o homem da casa, uh? – Ela comentou com uma risada,
trazendo uma explosão de felicidade para Lisa que não se aguentou e levantou
os braços em vitória.

– Yes! – Gritou alegre, tomando as mãos de Chaeyoung novamente nas suas.


Chaeyoung, por outro lado, estava debulhada em lágrimas de felicidade e
hormônios à flor da pele. Ela não se lembrava de estar tão feliz em alguma
outra época como agora, e desejava mais que qualquer coisa que seu pai
estivesse vivo para comemorar a vida de sua netinha.

Ele faria uma festa, Chaeyoung sabia disso, ele chamaria toda a família e eles
se reuniriam em volta da fogueira como nos velhos tempos. Pensar em seu pai
trouxe uma pontada em seu coração, mas a felicidade logo a abraçou outra
vez assim que sentiu os lábios de Lisa salpicando beijinhos por todo o seu
rosto.

Bebê Sarah estava a caminho.

– Tenha paciência com sua esposa, ela só está tentando proteger você. –
Murmurou a Dra. Morgan para Chaeyoung, enquanto esperavam por Lisa que
fora buscar o carro.

Chaeyoung sorriu apaixonada e assentiu.

– Eu vou ser mais amorosa, obrigada Dra. Morgan.

—x—

– Lalisa Manoban, eu vou matar você!

Uma Chaeyoung possessa desceu do carro com as narinas infladas.

Depois que saíram do obstetra, Chaeyoung pediu que passassem em uma


confeitaria para comprar alguns bolinhos de seu desejo. Elas acabaram
levando um bolinho de cada sabor da loja toda, para a felicidade da
vendedora e desespero de Lisa.

Quando a Lisa estacionou o carro em frente ao rancho, Chaeyoung pediu para


que a mesma segurasse seu bolinho de chocolate para que ela descesse do
carro, agora que sua barriga já não ajudava tanto assim e ela fizera questão de
levar as sacolas mais leves, apesar dos protestos de Lisa.

Mas estávamos falando de Lalisa, e a mesma não resistiu em morder o


bolinho.

E, bem, Chaeyoung estava possuída pela entidade do bolinho roubado.

– Tem outros trezentos bolinhos dentro das sacolas, amor! – Lisa defendeu-se
quando chegou até a Chaeyoung, que fizera questão de bater a porta do carro
com força – Como eu ia imaginar que você choraria por um bolinho?

– Um bolinho é um bolinho, Manoban! – Rosnou a Chaeyoung apontando o


dedo no peito da esposa – Esse era o único recheado com Nutella e agora você
vai voltar e buscar outro, ou eu juro que vou enfiar a minha mão na sua cara.

Lalisa paralisou com a estupidez de sua esposa.

Chaeyoung nunca seria assim em seu estado normal, mas não estava sendo
assim desde o começo da gravidez, e parece que estava piorando.

Mas, para a Chaeyoung, ver a sua esposa com a bolsa verdes bebê pendurada
no pescoço, algumas sacolas mais pesadas nas mãos e uma expressão caía, foi
o que bastou para destabilizá-la emocionalmente e fazê-la se dar conta da
merda que estava fazendo. Então ela chorou.
– Amor, me perdoa, eu não queria agir como louca – Deitou a cabeça no peito
de sua esposa que tinha uma interrogação enorme na face. – Esses hormônios
estão me matando e eu só queria o bolinho...

– Tudo bem, eu acho que entendo. – Lisa passou um braço pelo corpo de
Chaeyoung e beijou o topo de sua cabeça. – Vamos entrar e eu preparo um
chocolate quente pra você, ok? Sana, Momo e Ethan devem estar andando a
cavalo e nós podemos ter a casa em silêncio pra você descansar.

Chaeyoung assentiu e enxugou as lágrimas. Elas caminharam abraçadas até a


varanda onde, para a grande decepção de ambas, ouviram música alta vindo
da sala.

Mas não era uma música qualquer, e foi o que fez Chaeyoung e Lisa se
entreolharem confusas.

Play na música: Maniac - Marco Sembello

Ao abrir a porta da sala sorrateiramente, não puderam evitar abrir a boca com
a cena que se desenvolvia bem no meio da sala de estar: os móveis foram
afastados de modo que Momo, Sana e Ethan tivessem espaço em frente à TV.

Eles não estavam apenas dançando como no vídeo que era reproduzido na
tela, eles também estavam vestidos de collant, munhequeiras, tornozeleiras e
uma faixa preta na cabeça.

Chaeyoung olhava a cena em descrença e Lisa mantinha o cenho franzido


para o que estava presenciado.
Sana e Momo dançavam em sincronia enquanto Ethan tentava acompanhá-
las, e garoto era realmente bom em dançar.

O casal assistiu ao trio que girava, agachava, ficava na ponta dos pés e muitas
vezes também tropeçavam entre si.

Tendo certeza que já vira o bastante, Lisa bateu a porta da sala com força.

– Voltaram! – Gritou Momo com o susto.

Os três olharam assustados para Chaeyoung e Lisa que tinham expressões de


puro choque no rosto.

– Mommy! – Exclamou Ethan correndo até Lisa e saltando em seu colo que o
pegou com o braço livre. – Tia Momo e tia Sana estou me ensinando a dançar,
o que a senhora achou?

A TV foi desligada por uma Sana brava.

– Eu quase pari esse filho que a Chaeyoung ta levando com esse susto,
Manoban! Poderia avisar que estava chegando.

Lisa ergueu as sobrancelhas.

– Chegar buzinando, você diz? Só assim para que nos ouvissem. – Reclamou
Lalisa.

– E que roupa é essa que Ethan está usando?

Foi a vez de Momo rir alto e jogar-se no sofá perto da lareira.


– Eu comprei, legal né? Nós vamos sempre nos exercitar assim agora, é
saudável. – Comentou com expressão de tédio. Sana jogou-se ao seu lado
concordando com a amiga. – Então sempre que eu voltar para New York, nós
teremos nossa pequena aulinha particular, né garoto?

– Siiim! – comemorou Ethan ainda no colo de Lisa.

– Ok, por hoje já chega– Anunciou Chaeyoung erguendo as mãos para que
notassem sua presença. – Ethan, vá trocar de roupa, Sana e Momo... – olhou
confusa para as duas que apenas ergueram as sobrancelhas em expectativa. –
Apenas não coloquem fogo na casa.

Lisa riu da expressão afetada de Momo e deixou Ethan no chão, que correu
escada acima.

– Cuidado por onde anda, bola de basquete – Uma voz resmungou, mas
Chaeyoung não soube dizer de quem se tratava, pois as duas estavam viradas
uma para a outra fingindo mexer em seus celulares.

Antes de acompanhar Chaeyoung, Lisa cerrou os olhos para as duas amigas


que imitaram um cachorrinho para a Lisa.

O chá de bebê estava próximo, e Lisa começara a temer pela vida de sua
esposa perto de duas sociopatas.

Mês 8
Ter uma barriga enorme não estava tendo uma tarefa fácil desde que Sarah
resolvera que tomaria todo o espaço de Chaeyoung, e Chaeyoung ainda
esperava pelo dia em que não precisaria mais andar e sairia rolando pela casa
como era previsto.

Momo e Sana a chamavam agora de bola de pilates, o que a fazia chorar


sentida e Lisa brigar com elas, um verdadeiro ciclo sem fim.

E por falar em Sarah, essa garota seria uma verdadeira jogadora de futebol se
continuasse a chutar bolas como chutava Chaeyoung diariamente, sem folga,
mas era algo que Chaeyoung amava e seu amor por aquela coisinha não
parava de aumentar. Ela estava ansiosa para ver o rostinho de sua filha,
imaginava como seria se ela parecesse Lisa como Ethan, seria demais para ela
lidar. Mas outra criança com a característica de Lisa seria perfeita se tirasse
apenas a parte da lerdeza.

– Sinto como se fosse espirrar e jogá-la pela janela. – Murmurou Chaeyoung e


recebeu uma risada de bebê em troca. – Não ria do meu desespero!

Elas estavam deitadas no antigo quarto de antiga na casa de Diana. Havia


chegado o tão esperado dia do chá de bebê e a casa estava cheia das mulheres
no andar de baixo tagarelando enquanto os homens levariam Ethan para um
jogo de hóquei. Elas deveriam ter descido e Jennie não parava de chamá-las
no lado de fora do quarto, mas Lisa sempre a ignorava e voltava a repousar
sua cabeça na barriga de Chaeyoung com cuidado.

– Seria um método rápido e indolor de Sarah sair, ou eu posso apenas


empurrar a sua barriga até que...

– Lisa...não.
–Ok, melhor não mesmo.

Elas ficaram em um silêncio confortável por alguns minutos, Lisa jurando que
poderia ouvir o coração de sua filha, Chaeyoung aproveitando a carícia
gostosa de sua esposa em sua barriga.

– Mamãe está ansiosa para conhecê-la, bebê. – Lalisa imitou uma vez de bebê
que derreteu o coração de Chaeyoung – Nós compramos roupinhas rosa,
amarelo, azul, roxo, vermelho e uma infinidade de cores para que você possa
escolher – Riu e não resistiu em deixar um beijo na barriga nua de sua esposa.
Chaeyoung usava um top preto devido à insistência de suas convidadas que
afirmavam que o chá de bebê deveria ser feito à tradição. – Eu comprei um
berço lindo e sua mãe chata reclamou do preço, mas eu sei que ela vai
esquecer isso quando ver seus olhos, iguais aos dela.

– Ou como os seus.

– Pois se eu pudesse escolher, seriam como os seus, para que eu pudesse


sempre me lembrar de você quando você não estivesse por perto. – Lisa falou
orgulhosa e abraçou a cintura de Chaeyoung. – Quando eu não tiver o calor
dos meus olhos favoritos, será preciso apenas olhar para os de Sarah e eu
verei você neles.

Os dedos de Chaeyoung se infiltraram nos cabelos rebeldes de sua esposa que,


com o tempo, estava os deixando voltar para a cor original do castanho.

– Uma vida é mesmo muito curta perto de você, sabe? Eu apenas quero que
nós quatro sejamos a família mais feliz desse mundo.
– E nós somos! – Lisa ergueu o corpo e deitou de lado, inclinando o corpo
para beijar os lábios de Chaeyoung. – Eu amo você e Ethan, amo o meu
trabalho, amo nossos amigos e familiares, e agora você carrega algo meu aí
dentro, algo que eu já amo sem nem mesmo ter visto o rosto. – Riu com a
ironia de sua observação. – Assim como eu amei você.

Chaeyoung pincelou os dedos meio e indicador pelos lábios de Lisa como se


os descobrisse pela primeira vez.

– Uma estranha no auditório me ouvindo tocar. Quem diria que você se


tornaria tão importante na minha vida depois disso?

Lisa abriu a boca para responder, mas foi interrompida por batidas
insistentes na porta.

– Lisa, você tem visita lá em baixo. – Dessa vez era Diana, com uma voz séria
que surpreendeu até mesmo Chaeyoung.

Depois disso o silêncio tomou o quarto indicando que a mulher deixara o


andar. Com o cenho franzido, Lisa levantou-se da cama e ajudou Chaeyoung a
ficar em pé, deixando um beijo demorado em seus lábios e caminhando até a
janela.

Havia apenas o carro do marido de Momo e um Volvo prata estacionado no


gramado, mas Lisa não conseguia ver ninguém mais além de Dahyun, Sana,
Momo, Daniela, Jennie, Jisoo, Clare e Diana conversando em volta da mesa
branca de petiscos.
Lisa pegou uma pequena bolsa com panos e um moletom para Chaeyoung
vestir e ambas desceram as escadas de mãos dadas, curiosas sobre quem fosse
lá fora.

Lisa só não esperava encontrar seu pai, Marco, parado na varanda com óculos
escuros; surpresa maior foi vê-lo, pela primeira vez, desarmado. Sua postura
não era rígida e seu olhar não era prepotente...não, havia algo diferente neles.

Lalisa poderia jurar que era arrependimento.

Clare e Taylor as observavam de longe quando o casal paralisou na porta


diante do homem, a mão de Chaeyoung apertando a de Lisa com força pronta
para defendê-la a qualquer momento.

– O que você quer aqui? – A voz de Lisa saiu clara, e a Chaeyoung sabia que
aquela era de longe a Lisa do passado.

Marco abriu e fechou a boca optando por não emitir nenhum som. Marco
Manoban estava sem fala diante de Lalisa, algo inédito para a Lisa que já não
se importava.

– Eu precisava conversar com você. – Ele disse baixo, quase um murmúrio.

Lisa franziu o cenho.

– Não temos nada para conversar, Marco. Nossa conversa acabou há dez
anos, no seu escritório, quando mandou que eu escolhesse entre Chaeyoung e
a felicidade dela.
Marco ficou pálido com as palavras da filha, mas não rebateu ou ficou furioso
como normalmente ficaria.

– Lalisa, será que você pode me ouvir só mais uma vez? – Era um pedido e
não uma ordem. Lisa engoliu em seco, mas nada respondeu. – Por favor.

Por favor. Uma palavra que nunca saíra da boca daquele homem. Algumas
oxidas realmente mudavam, pensou Lisa, ela só não esperava que fosse tanto.

– Tudo o que tem a me dizer pode ser dito diante de minha esposa, e aqui
mesmo. Eu tenho um chá de bebê para festejar a chegada da minh filha,
portanto não tenho tempo para você.

Pela primeira vez desde que chegara, Marco olhou para Chaeyoung e de
Chaeyoung para sua barriga enorme, arregalando os olhos em seguida.

Sua ansiedade pareceu piorar assim que ele tirou o óculos e começou a mexer
o objeto em suas mãos freneticamente.

– Eu quero pedir perdão. – Engoliu em seco, e Chaeyoung soube que estava


sendo extremamente difícil para ele dizer aquelas palavras. – Eu perdi todos a
minha volta desde que você se foi, e acho que assim pude me dar conta do que
eu havia feito. – O homem agora tremia diante de sua filha mais velha, e,
infelizmente, estava afetando Lisa também. – Eu quero pedir que me deixe
participar da sua vida, e de meus netos.

Tomada pelo instinto protetor, Chaeyoung puxou o rosto de Lisa com as duas
mãos obrigando-a a encara-la. Ela uniu sua testa a da Lisa transmitindo
calma e sabedoria, pois ela sabia que Lisa também estava tremendo e à beira
de um ataque de pânico.
– Tudo bem...tudo bem. – Acariciou o rosto de sua amada e deixou um beijo
casto nos lábios de Lisa, sem se importar com Marco. – Você não é ele, ouviu?
Você não é ele.

E Lisa entendeu o que ela queria dizer. Lisa não era Marco, ela não guardava
rancor ou maldade em seu coração.

Pelo contrário, Lalisa transbordava amor e estava feliz demais para


preocupar-se com pessoas que desconheciam tal sentimento.

Respirando fundo, Lisa assentou e abraçou o corpo de Chaeyoung, sua


respiração se acalmando e seu corpo relaxando.

Quando voltou-se para seu pai, que continuava desconfortável encarando o


piso de madeira, ela já não sentia nada pelo homem a sua frente.

– Um homem muito sábio uma vez me ensinou que guardar ressentimento é


como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra. – Respirou fundo,
vendo Marco recuar um passo. – Seu nome era Mark Park, vítima de tumor
cerebral.

O ar pesou entre as três pessoas, mas o único sozinho ali era Marco, pois Lisa
tinha Chaeyoung e Chaeyoung tinha Lisa.

O homem continuou encarando a filha como se não acreditasse que estivesse


sendo humilhado.
– Mommy! – Ethan passou por elas correndo com Adam e Alysha, filha de
Jennie e Jisoo, e Noah, filho de Momo. As crianças continuarmos seu
caminho até suas mães.

– Nós estamos indo para o jogo, tio Brian vai comprar sorvete depois pra
gente!

Marco encarou o garoto com curiosidade e tristeza, ele nunca o tinha visto tão
perto e estava reconhecendo os traços Manoban no pequeno.

Chaeyoung notou a expressão do homem e levou a mão ao cabelo do filho,


bagunçando o mesmo e o fazendo encarar o homem.

– Ethan, esse é o seu avô, Marco – disse a Chaeyoung como se não fosse algo
realmente importante.

Ethan franziu o cenho e olhou para suas mães em confusão.

– Ele é meu pai, filho. – Lisa explicou. – E ele já está de saída, então por que
você não da um abraço nele, sim?

Ethan olhou Marco pendendo a cabeça e estendendo a mão direita, que foi
aceita por Marco.

O homem abaixou-se na altura do garoto sobre os joelhos, o encarando com


os olhos marejados, e não resistiu em puxá-lo para um abraço.

– Uh, eu volto depois. – Disse Ethan para o avô. Marco separou-se do garoto
e o olhou com o rosto banhado em lágrimas. Ethan enxugou uma lágrima do
rosto do homem e deu palmadinhas em seu ombro. – Eu vou jogar hóquei e
tomar sorvete, eu vou trazer um para o senhor também, tá? E depois nós
podemos andar no Rex, o senhor vai gostar dele. – Marco assentiu pincelando
o dedo indicador na testa de seu neto. – Eu tenho que ir agora, até mais,
vovô.

O garoto deixou um beijo na ar para uma Chaeyoung chorona e uma Lisa que
segurava-se ao máximo para manter-se firme.

– Ele é um garoto muito inteligente. – Disse Marco ao se levantar.

– Sim, ele é. – Lisa concordou. – E está sendo educado maravilhosamente por


duas mães, entende agora? Isso quer dizer que eu te perdoo por ter feito não
só da minha vida, mas também a de Daniela e mamãe um inferno. Mas eu não
posso aceitá-lo aqui. Eu preciso aprender a separar o que me faz bem e o que
me faz mal, pai – Fez questão de dar enfase a última palavra. Ela estava firme
quanto a sua decisão e não pretendia voltar atrás. – Foi você quem escolheu
essa vida solitária, não eu. Eu deixei que falasse com meu filho, concedi meu
perdão e tenho certeza de que Chaeyoung também lhe dá o dela – Chaeyoung
concordou com as palavras de sua esposa. – Mas você vai seguir sua vida a
partir de agora e não me procurar mais, porque eu estou rodeada de pessoas
com amor e você não é capaz de sentir isso.

As palavras de Lisa destruíram as últimas gotas de esperança em Marco. Ele


sabia que corria o risco de ser rejeito indo até sua filha, e não poderia obrigá-
la a pensar diferente quando parte do sofrimento em sua vida fora culpa dele.

– Eu entendo. – Ele assentiu, um pouco perdido. – Eu peço perdão


novamente por tudo o que eu causei a vocês duas, e... – Ele olhou no fundo
dos olhos de Lisa, eles tinham tanto em comum e ao mesmo tempo nada. – É
melhor eu ir.
– Sim. – Assentiu Lisa, assistindo-o dar as costas em direção ao Volvo prata.

Aquela foi a última vez em que pai e filha se encontraram.

—x—

– Muito bem! Agora a parte mais esperada pelo público, senhoras e senhores!
– Exclamou Momo em alto e bom som para que todas as mulheres ouvissem.
Haviam algumas cadeiras no gramado e Chaeyoung estava sentada em uma
delas, usando apenas top, e os olhos vendados. – Chaeyoung vai pagar
prendas!

As mulheres gritaram em animação enquanto Lisa soltava um muxoxo


desanimado e preocupado por sua esposa.

– Nós vamos descrever nossas personalidades e você terá de acertar, lindinha,


ou então pagará prenda! – Gritou Sana erguendo os braços como se
incentivasse um exército para a guerra. – Lisa, não adianta fazer essa cara de
cão raivoso, ninguém mandou deixar a Chae buchuda.

– Haha! – Ironizou Lisa com os braços cruzados.

Chaeyoung tinha um bico nos lábios em aflição pelo que viria com aquelas
loucas.

– Vamos lá: Ela é linda, cheirosa, faz os melhores cupcakes do mundo e tem
dedos maiores que alguns pênis por aí! – disse Momo quando as mulheres
ficaram em silêncio.
Diana tapou o ouvido com a última sentença para o divertimento das
mulheres. Lisa olhou em desdém para Jennie que analisava as próprias mãos
e perguntava baixinho para Jisoo se Momo estava dizendo a verdade.

– Hum...eu só conheço a Jennie que cozinhe. – Tentou Chaeyoung, para o


alivio de Lisa e desprazer de Momo e Sana.

– Devolve o pacote de fraldas que te comprei! – resmungou Jennie, ela estava


realmente animada para escrever em Chaeyoung.

Lisa postou-se como cão de guarda na frente de Chaeyoung quando Jennie


tentou avançar para mexer com a amiga, e acabou recebendo um revirar de
olhos.

– Cãozinho au au. – Disse Jennie.

– Próxima pessoa: ela é animada e às vezes precisamos dopá-la para tirá-la da


eletricidade, essa pessoa ama animais e odeia pessoas. Ah! E ela também já
foi buchuda.

Essa descrição pegou até mesmo Lisa de surpresa. Jisoo, Daniela, Momo,
Diana e Clare já estiveram grávidas, mas elas nunca precisavam ser dopadas.

– Dopadas? – Perguntou Chaeyoung virando o rosto para o som das risadas.


– Jennie! Você está trapaceando!

– E quando foi que estipulamos regras, Chae? – Riu Jisoo batendo high five
com a esposa. – Apenas responda, prometemos pegar leve com você.
Chaeyoung trancou a respiração por alguns segundos.

– Jisoo?

Jennie gritou em êxtase quando Chaeyoung errou e entregou uma canetinha


preta para Daniela, a tal pessoa que precisava ser dopada.

– Eu vou matar vocês! – Rosnou, mas foi ignorada pela irmã que passou por
ela toda animada – Não faça nada que vá se arrepender, Daniela.

– Cale a boca, Lisa. – Daniela revirou os olhos e sorriu animada quando


destampou a caneta. – Chaezinha, Chaezinha...o que eu poderia desenhar em
você que te deixaria envergonhada?

É claro que já estava tudo planejado quando as outras apenas sorriram


cúmplices e observaram Daniela desenhar um pênis e testículos na testa de
Chaeyoung, que mantinha sua expressão inocente para o desespero de Lisa.

– A não. – Gemeu a Lisa, resolvendo beber um gole de refrigerante antes que


pirasse pela sua esposa. m

– O que ela desenhou? – A pergunta de Chaeyoung foi tão inocente que Lisa
sentiu pena.

– Uma flor. – respondeu Daniela por si mesma.

– Próxima pessoa: ela é calma e gentil, está sempre disposta a ouvir as


pessoas e aconselhá-las da melhor forma possível.

Chaeyoung sorriu com essa descrição.


– Essa é fácil, é a Dahyun.

As mulheres explodiram em gargalhadas.

– Errou, é a Momo. – Riu Daniela, passando a caneta para uma Momo com
expressão maléfica.

– O QUE? – Chaeyoung gritou em choque. – De onde tiraram que Momo é


calma e gentil? Ela é louca!

Lisa abraçou Clare no intuito de esconder seu rosto no pescoço da mãe e não
assistir a tortura de sua esposa.

– Ah, é? – Momo fingiu uma expressão de choque. – Ok.

Sem dizer nada, ela agachou-se na altura da barriga da Chaeyoung e escreveu:


Oral grátis.

– Filha da puta! – Xingou Lisa pela oitava vez naquele dia.

Diana parecia mais um tomate vermelho ao ver a filha daquele jeito, mas as
mulheres estavam se divertindo e aquele era o momento delas, um momento
que não voltaria tão em breve.

– Meu Deus, eu amo chá de bebês! – Exclamou Momo batendo palminhas.

Chaeyoung soltou uma exclamação indignada e esperou pela próxima


trapaça.
– Chaeyoung, vamos lá... – Disse Momo. – Ela é baixinha e sabe tudo, gosta
de ser dominada na cama e adora falar palavrões.

A expressão pensativa de Chaeyoung não durou muito até ela responder:

– Sana?

Houve outra explosão de risadas, menos Sana que fechou a expressão e era
constantemente atormentada elas amigas.

– Quem te disse que eu gosto de ser dominada?

– Lisa.

A mulher olhou para a Lisa que apenas deu de ombros, um sinal claro de
"aqui se faz, aqui se paga" estampado em seu rosto.

Furiosa, Sana proferiu xingamentos e decidiu que pegaria pesado.

– Pois você errou! Era Dahyun, mas quem vai escolher sua prenda serei eu! –
Bateu palmas chamando atenção de Momo que entendeu o que ela quis dizer.

Momo tirou o celular do bolso e começou a fuçar no mesmo enquanto Sana


puxava uma cadeira para Lisa.

– Manoban, senta a bundinha aqui.

– Não mesmo, Sana. – Lisa negou.

– Você não vai me pegar nessa.


Sana deu de ombros.

– Tá bem. Daniela, busque um balde de gelo lá dentro, vamos jogar na


Chaeyoung e...

– Ei! – Lisa exclamou puta da vida. – Vocês estão pegando pesado, não acha?

Momo aproximou-se delas com o celular erguido.

– Eu tive que fazer strip-tease no meu chá de bebê, Manoban, deixe de ser
super protetora que ninguém vai tirar teu bebê e sair correndo com ele não.

A contra gosto, Lisa sentou na cadeira e esperou pelo pior.

– Chaeyoung, você vai dançar para a Lisa ao som de Elvis. – Disse Sana com
animação.

Chaeyoung paralisou por alguns segundos quando se deu conta de que teria
que dançar na frente de várias pessoas, inclusive sua mãe e sua sogra.

Mas era isso ou balde de água fria. Oh, merda.

Sana tirou a venda de Chaeyoung que votou furiosamente e evitou olhar para
qualquer pessoa que não fosse Lisa, outra que também estava corada e com
um bico infantil nos lábios.

– Eu disse que elas pegariam pesado. – Murmurou para que apenas Lisa
ouvisse. – Eu devo estar horrível!
Uma música lenta do Elvis começou a ser reproduzida, um ritmo que não
tinha nada a ver com uma dança sensual, mas ela só precisava fazer isso.

– Você é a grávida mais linda do mundo, amor.

Chaeyoung sorriu docemente para sua esposa quando começou a rebolar de


um lado para o outro, ouvindo as risadas ao fundo e tendo certeza de que
estava sendo filmada.

Mas ela não ligava. Lisa não estava rindo dela, Lisa estava concentrada em
seus olhos e apenas neles.

Elas se amavam, elas estavam felizes.

Mês 9

17 de Maio de 2027. – New York, NY.

– Nós poderíamos fingir que nos amamos e comer em paz? – Resmungou


Chaeyoung enfiando seu lanche natural na boca.

O humor dela vinha se tornando mais bipolar que o de uma pessoa realmente
bipolar.

Hoje era sexta e ela tinha se reunido no shopping para jantar com Sana,
Jennie e Momo; Lisa estava no escritório e Ethan na casa de Daniela com
Alysha, o que havia tornado seu dia extremamente entediante até ter a
magnífica ideia de jantar com suas amigas.
Jennie e Sana estavam trocando farpas devido ao fato de Dahyun estar
chateada com a noiva por ela prolongar tanto o pedido de casamento.

– Ela está há quase dois anos esperando que você pare de ser uma bunda
mole e tome uma iniciativa – Jennie engoliu uma batata e apontou para Sana.
– Então pare de ser frouxa e faça o pedido.

– Que? – perguntou Sana sem realmente prestar atenção no que a mulher


havia dito. – Por que eu tenho que...

E Chaeyoung a cortou. Era decima vez que repetia o assunto e Jennie e Sana
não chegavam ao mesmo ponto de vista.

– Enfim, quando você volta para a Alemanha?

Jennie endireitou-se na cadeira contente pela Chaeyoung mencionar a turnê


que faria com a orquestra na Alemanha.

– Neste fim de semana, estou realmente animada com o que estamos


montando sobre o luto de...

– Não estou interessada. – Cortou Sana maldosamente sendo repreendida


por Momo com um cutucão.

– Não fale assim. Quer que eu conte para a Dahyun que você está dando uma
de donzela em perigo desejando ser resgatada?

Jennie e Chaeyoung explodiram em gargalhadas enquanto Sana corava


intensamente.
– Eu juro que poderia ter meu filho neste momento... – Disse Chaeyoung com
dificuldade enquanto ainda ria.

– Nem brinque com isso, Chae. Lisa não está aqui e eu realmente não quero
ver suas partes íntimas em um shopping. – Brincou Momo, tomando um gole
de suco.

– É sério... – Continuou Chaeyoung enxugando as lágrimas dos olhos.

Jennie cerrou os olhos para observar melhor a amiga.

– Seria mesmo engraçado Sarah ser concebida em uma risada... – Continuava


Sana.

– Gente... – Tentou Jennie preocupada ainda analisando uma Chaeyoung


histérica.

– Não, é serio, ela está nascendo! – Berrou Chaeyoung agarrando a barriga


com força sem folego.

Todas na mesa saltaram.

Música: one of us – Joan Osborne

Oh, one of these nights at about twelve o'clock


uma noites destas, por volta da meia noite

This whole earth is gonna reel and rock


Esta terra inteira vai se recolher e chacoalhar
Saints will tremble and cry for pain
Os santos vão tremer e chorar de dor

For the Lord's gonna come in his heavenly airplane Pois o Senhor vai
chegar em seu avião celestial

– O que? – Gritou Sana levantando e vendo o liquido no chão em baixo de


Chaeyoung. – PUTA QUE PARIU! LIGUEM PARA LALISA!

Jennie e Momo correram até Chaeyoung e a pegaram no colo enquanto Sana


corria na frente abrindo a porta de trás da caminhonete e acomodando uma
Chaeyoung ofegante.

Sana infligiu umas cinquenta leis de trânsito e tinha certeza de que isso
acarretaria umas boas multas, mas a prioridade agora era Chaeyoung.

– Lalisa, porra! – Berrou Momo ao telefone no banco de trás, Chaeyoung


estava com a cabeça em seu colo. – Sua filha ta saindo, corre para o hospital!

Elas estacionaram na entrada de ambulância e alguns enfermeiros


apareceram preocupados.

– Grávida a caminho, grávida a caminho... – Gritava Momo da janela do carro


antes de descer.

Os enfermeiros entenderam o recado e correram buscar uma cadeira de


rodas. Um dele pegou Chaeyoung no colo e a conduziu até a entrada do
hospital.
– Isso dói demais! – Resmungou Chaeyoung fechando os olhos com força.

– Jennie, pegue Ethan na casa de Daniela e avise Lisa que eu estou sendo
levada para a sala de parto...

If God had a name, what would it be?


Se Deus tivesse um nome, qual seria?

And would you call it to his face


E você o diria diante dele

If you were faced with Him in all his glory?


Se estivesse cara a cara com Ele em toda a sua glória?

What would you ask if you had just one question?


O que você perguntaria, se pudesse fazer só uma pergunta?

Mas as amigas foram proibidas de entrar pela porta dupla e Chaeyoung


acabou sendo levada às pressas pelos enfermeiros.

Cinco minutos depois, uma Lisa em desespero entrou o hospital com a


camisa social branca amarrotada e os cabelos presos em um rabo de cavalo.

– Onde ela está? – Perguntou à Sana, mas uma enfermeira logo indicou o
caminho para a Lisa que não perdeu tempo em correr.

– Ela está bem? O bebe...?

– Ela ja chegou em trabalho de parto, você chegou a tempo. – Tranquilizou a


enfermeira, a conduzindo até a sala de parto.
O coração de Lisa quase teve uma parada quando viu a esposa deitada com a
Dra. Morgan entre suas pernas.

– O que...? – Perguntou desesperada quando viu o rosto suado de Chaeyoung,


Dra. Morgan reapareceu por baixo do tecido que cobria as pernas da
Chaeyoung e apontou para um avental e touca que estavam pendurados num
cabide.

Lisa não conseguia tirar os olhos de uma Chaeyoung que gritava em dor e
apertava a beirada da cama, seu rosto estava vermelho tanto pela força que
fazia quanto pela dor.

– Amor? Eu estou aqui, ok? Jesus, minha filha está nascendo, Dra. Morgan! –
Exclamou pondo a máscara e posicionando-se ao lado de Chaeyoung e
apertando sua mão.

– Eu acho que sei disso. – Comentou a obstetra com a voz abafada devido ao
pano que cobria sua cabeça. – Vamos lá Chaeyoung, continue empurrando.

Yeah, yeah, God is great


Sim, sim, Deus é maravilhoso

Yeah, yeah, God is good


Sim, sim, Deus é bom

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah


Sim, sim, sim, sim, sim
Chaeyoung soltou um grito abafado e apertou a mão de Lisa com tanta força
que a Lisa pensou tê-la quebrado.

– Eu...eu estava no shopping... – Ela disse quase sem forças, então gritou e
empurrou outra vez e Lisa quase chorou com a pressão exercida em sua mão.
– Quando a bolsa...estourou... Ah!

– Estamos quase lá, Chae! – encorajou a Dra. Morgan. – Só mais um pouco,


eu já estou segurando a cabeça, agora me ajude a tirá-la ok?

– Hey? Amor? – chamou Lisa atraindo a atenção de Chaeyoung. – Eu te amo


– sorriu entre as lágrimas. – Você e nossos filhos são minha vida.

What if God was one of us?


E se Deus fosse um de nós?

Just a slob like one of us


Apenas um desajeitado como um de nós

Just a stranger on the bus


Apenas um estranho no ônibus

Trying to make his way home


Tentando ir pra casa

Chaeyoung sorriu fraca e fechou os olhos com força para empurrar uma
última vez, até que ouviram um choro infantil preencher o quarto.

Lisa paralisou. Seu organismo entrou em ação e ela sentiu que ia desmaiar.
Quando a doutora reapareceu segurando uma pequena figura nos braços e
uma enfermeira assumiu seu lugar, tudo o que Lisa pode fazer foi chorar.

Ela chorou. Chorou muito. Uma enfermeira precisou segurá-la, pois ela
parecia uma criança chorando e Chaeyoung apenas sorria bobamente. Ela
tinha dado à luz para uma vida. Ela tinha trazido ao mundo um pedaço dela e
de Lisa e nada poderia fazê-la mais feliz.

O choro infantil cessou e Lisa virou-se rapidamente preocupada, dando de


cara com uma enfermeira sorridente enquanto segurava um pequeno ser
embalado em uma manta verde.

– Lisa? – chamou a Dra. Morgan vendo que a Lisa não reagia. – Lisa, sua
filha.

If God had a face, what would it look like?


Se Deus tivesse um rosto, como ele seria?

And would you want to see


E você ia querer ver

If seeing meant that you would have to believe


Se ver significasse que você teria que crer

In things like Heaven and in Jesus and the saints


Em coisas como o Céu, Jesus e os santos

And all the prophets?


E todos os profetas?
Ao ouvir isso, Lisa voltou a vida e caminhou até a enfermeira com os olhos
presos na menina. Sarah ainda chorava baixo e a mãozinha estava fora do
manto, o pouco cabelo que tinha era preto e a pele branca assim como a de
suas mães.

– Você quer segurá-la?

Lisa apenas assentiu e estendeu os braços pegando com todo o cuidado do


mundo a menina nos braços, suas lágrimas voltaram a cair e um sorriso
nasceu em seus lábios ao ver os olhos da filha, iguais aos de Chaeyoung.

– Oi, amor. – Ela disse com a voz embargada. – Eu sou a sua mãe. – Riu com
o que disse, virando-se para uma Chaeyoung quieta que apenas a observava.
Quando a Chaeyoung viu a filha nos braços de sua amada, sorriu entre as
lágrimas. – E esta é a sua mamãe.

Yeah, yeah, God is great


Sim, sim, Deus é maravilhoso

Yeah, yeah, God is good


Sim, sim, Deus é bom

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah


Sim, sim, sim, sim, sim

Chaeyoung se ajeitou na cama para ver melhor a filha. Lisa a colocou em seus
braços com carinho deixando um beijo nos lábios secos da esposa.

– Oi, Sarah. Eu sou a sua mamãe também. – Disse uma Chaeyoung chorona,
enfiando o dedo indicador na mãozinha da menina que o segurou. – Mas você
já sabe disso, não é? – Lisa limpou as lágrimas e curvou-se na cama
encostando sua cabeça na de Chaeyoung para observarem a menina.

– Ela tem os seus olhos. – Comentou Lisa, recebendo um beijo calmo no


canto dos lábios. – Agora eu tenho dois pares de olhos para amar até meu
último dia na terra.

– Linda. – Respondeu Chaeyoung, dando mais um beijo na esposa e depois


beijando a testa da menina. – Agora temos dois lindos filhos.

Dra. Morgan reapareceu ao lado delas com a enfermeira.

– Eu preciso levá-la agora para exames. – Avisou, dando espaço para que a
enfermeira pegasse Sarah. – Assim que eu a levar ao berçário vocês podem
vê-la outra vez.

What if God was one of us?


E se Deus fosse um de nós?

Just a slob like one of us


Apenas um desajeitado como um de nós

Just a stranger on the bus


Apenas um estranho no ônibus

Trying to make his way home


Tentando ir pra casa

Chaeyoung e Lisa concordaram.


Lalisa começou a limpar o suor cuidadosamente da testa da esposa com um
lenço, tomando o cuidado de analisar cada centímetro daquele rosto perfeito.

– Você me ama? – Perguntou Chaeyoung inocentemente.

Lisa deixou o lenço que usava de lado e acariciou o rosto de Chaeyoung com
as costas dos dedos.

– Principalmente agora.

09 de Agosto de 2027. – New York.

Ao entrar no quarto de casal, Chaeyoung não pode deixar de sorrir bobamente


para a cena à sua frente.

Lalisa estava deitada no centro da cama de barriga para cima, Ethan dormia
agarrado ao seu torso direito, e ao lado esquerdo, repousava a pequena Sarah
sob a proteção do braço da Lisa.

Era uma cena típica para guardar na memória, como naquelas fotografias em
polaroid que ela costuma guardar.

Foi pensando nelas, que Chaeyoung tirou uma foto de seu trio preferido em
todo o mundo, e caminhou para o quarto de troféus, onde havia uma espécie
de varal com várias fotos penduradas.

Fotos de sua adolescência, e atuais. Fotos que sempre a lembrariam de suas


melhores e piores fases.
Com um suspiro, Chaeyoung pendurou a foto no varal e afastou-se, deixando
que várias memórias a dominassem enquanto admirava seu passado, e amava
com todas as suas forças, o seu futuro.

The end

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