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Biblioteca de Filosofia e Hist6ria das Cigncias MICHEL FOUCAULT HISTORIA DA SEXUALIDADE I A VONTADE DE SABER Tradupao de ‘Maria Thereza da Costa Albuquerque J.A, Guilhon Albuquerque 13.8 Edigao —_ © Editions Gallimard “Traduzido do original em franc8s Histoire de la Sexwalté: ILa Volomté de savoir Capa Femanda Gomes Produgdo grifica Orlando Fernandes (Preparada pelo Centro de Catalogagio na fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ) Foucault, Michel ‘Pech Historia da sexualidade I: A vontade de saber, tradugt de Maria There- ‘za da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque Rio de Janeiro, EdigBes Graal, 1988. Do original em francés: Histoire dela sexualité I: la volonté de savoir Bibliografia 1, Sexulidade — Historia 2. Sexualidade —Teora I Titulo I, Titulo: A Vontade de saber Il. Série, cpp — 301.4179 301.41701 cpu — 57180091) 77-0459 577.8.001 Dipvitos adguiridos por EDIGOES GRAAL Ltda. ‘Rus Hermenegildo de Barros, 31A Gloria, Rio de Janeiro, RI Tels (021)252- 8582 aque se reserva u propriedade desta tradugtio 1999 SUMARIO I — Nos, vitorianos Il — A hipétese repressiva 1. a incitagio aos discursos 2. a implantagdo perversa Il — Scientia sexualis IV — 0 dispositive de sexualidade 1. que esta em jogo 2. método 3. domfnio 4. periodizagio ‘V — Direito de morte e poder sobre a vida 19 2 37 st B 0 88 98 109 125 direito de morte e poder sobre a vida € formulado nos tebricos cléssicos, € uma f6rmula bem ate- nuada desse poder. Entre soberano © séditos, jé néo se que querem derrubé-to ou contestar seus direitos? Pode, en- 140, legitimamente, entrar em guerra e pedir a seus siditos ‘que tomem parte na defesa do Estado; sem “se propor retamente a sua morte” lhe licito “expor-lhes a vida’ neste sentido, exerce sobre eles um direito “indireto” de vida © morte. Mas se foi um deles quem se levantou contra ele e infringiu suas leis, ent&o, pode exercer um poder direto sobre sua vida: maté-lo a titulo de castigo. Encarado nestes termos, 0 direito de vida e morte j4 nio & um privilégio -absoluto: € condicionado a defesa do soberano ¢ & sua sobre~ 127 vivéncia enquanto tal. Seria 0 caso de concebé-lo, com Hob- bes, como a transposicéo para o principe do direito que todos possuiriam, no estado de natureza, de defender sua propria vida A custa da morte dos outros? Ou deve-se ver nele um direito especifico que aparece com a formagio deste ser juridico novo que é 0 soberano?™ De qualquer modo, (© direito de vida e morte, sob esta forma moderna, relativa € limitada, como também sob sua forma antiga ¢ absoluta, um direito assimétrico. O soberano s6 exerce, no_caso, seu da. exereetdo seu diveto. de thatar ou con era_simbolizado_pelo devesse_relacionar_essa figura sencialmente como instincia de confisco, mecanismo_ de_su io, direito_de_se_apropriar fe das_riquezas: Sxtorsio de produios, de bens, de servigos, de trabalho © de sangue imposta aos siditos. O poder era, antes de tudo, nes- tipo_de_sociedade, direito o spreensto. das coisas do Ora, a partir da época clissica, 0 Ocidente conheceu ‘uma transformagio muito profunda desses mecanismos de poder. O “‘confisco” tendeu_a néo ser mais sua forma prin- ragio e de organizacio das forcas que Ihe sio_ submetidas: tim poder destinado. a pro produ forgas, a fae las crescer ¢ e a ordené-las mais do que a barré-las, dobré-las ou destrui- las. Com isso, o direito de morte tenderé a se deslocar ou, pelo menos, a se apoiar nas exigéncias de um poder que gere a vida e a se ordenar em funcio de seus reclamos. Essa morte, que se fundamentava no direito do soberano se defender ou pedir que o defendessem, vai aparecer como 0 simples reverso do direito do corpo social de garantir sua propria vida, manté-la ou desenvolvé-la. Contudo, jamais as guerras foram tio sangrentas como a partir do século XIX e nunca, guardadas as proporgdes, os regimes haviam, até 128 entio, praticado tais holocaustos em suas proprias popula- ges. Mas esse formidavel poder de morte — ¢ talvez seja © que Ihe empresta uma parte da forca e do cinismo com que levou téo longe seus préprios limites — apresenta-se ra como o complemento de um poder que se exerce, po- sitivamente, sobre a vida, que empreende sua sua majoracao, sua multiplicagéo, 0 exercicio, ee ccontroles.precisos ¢ pedcagiaceciee AS 4 mio se travam em nome do soberano a ser defenidoy te vam-se em nome da existéncia de todos; populacoes inteiras ‘Ho levadas & destruicéo.miitua em nome da necessidade de viver. Os massacres se tornaram_vitais, Foi como gestores da vida e da sobrevivéncia dos corpos ¢ da raga que tantos regimes puderam travar tantas guerras, causando a morte de tantos homens, E, por uma reviravolta que permite fe- char 0 circulo, quanto mais a tecnologia das guerras voltou- se para a destruico exaustiva, tanto mais as decisoes que as iniciam e as encerram se ordenaram em fungio da ques- Wo nua € crua da sobrevivéncia. A situago atémica se en- contra hoje no ponto de chegada desse processo: 0 poder de -expor uma, populago A morte geral é.0 inverso do poder de garantit a outra sua permanéncia em vida. O principis poder matar para poder viver, que sustentava a tética dos combates, tomou-se principio’ de estratégia entre Estados; mas a existéncia em questo jé nio é aquela — juridica — da soberania, é outra — biol6gica — de uma populacio. Se 0 genocidio é, de fato, 0 sonho dos poderes modernos, nao & por uma volta, atualmente, ao velho direito de ma- tar; mas & porque o poder se situa e exerce ao nivel da vida, da espécie, da raga e dos fenémenos macigos de po- pulagéo. Poderia ter tomado, em outro nivel, o exemplo da pena de morte. Por muito tempo, ela foi, juntamente com a guer- 1a, a outra forma do direito de glédio; constituia a resposta do soberano a quem atacava sua vontade, sua lei, sua pes- ‘soa, Os que morrem no cadafalso se tomaram cada vez mais aros, a0 contrério dos que morrem nas guerras. Mas foi pelas mesmas razbes que estes se tomaram mais numerosos € aqueles mais raros. A partir do momento em que 0 poder assumiu a fungo de gerir a vida, jé néo 6 0 surgimento 129 de sentimentos humanitérios, mas a razio de ser do poder © a l6gica de seu exercicio que tornaram cada vez. mais di- ficil a aplicagio da pena de morte. De que modo um poder viria a exercer suas mais altas prerrogativas ¢ causar a mor te se 0 seu papel mais importante é 0 de garantir, sustentar, reforgar, multiplicar a vida e pé-la em ordem? Para um poder deste tipo, a pena capital é ao mesmo tempo, o li- mite, 0 escindalo e a contradi¢éo. Dai o fato de que ndo se pode manté-la a néo ser invocando, nem tanto a enormidade do crime quanto a monstruosidade do criminoso, sua incor- rigibilidade e a salvaguarda da sociedade. Sio mortos ley timamente aqueles que constituem uma espécie de perigo biolégico para os outros. Pode-se dizer que o.velho direito de causar a morte ou deixar viver fo; substituido por um poder de causar a vida cu devolver a morte. Talvez seja assim qué se explique esta Uesqualificagio da morte, marcada pelo desuso dos rituais que a acompanhavam. A “preocupagio que se tem em esqui- var a morte esté menos ligado a uma nova angiistia que, por acaso, a torne insuportdvel para as nossas sociedades, do que 20 fato de os procedimentos do poder no cansarem de se afastar dela. Com a passagem de um mundo para o outro, a morte era a substituigdo de uma soberania terres- tre por uma outra, singularmente mais poderosa; 0 fausto que a acompanhava era da ordem do cerimonial politico. ‘Agora & sobre a vida e 20 longo de todo o seu desenrolar ‘que 0 poder estabelece seus pontos de fixagio; 2 morte é 0 limite, © momento que Ihe escapa; ela se tora o ponto mais secreto da existéncia, o mais “privado". Néo deve surpreen- det que 0 suicidio — outrora crime, pois era um modo de usurpar 0 direito de morte que somente os soberanos, 0 daqui debaixo ou o do além, tinham 0 direito de exercer — tenha-se tornado, no decorrer do século XIX, uma das primeiras condutas que entraram no campo da anslise so- ciol6gica; ele fazia aparecer, nas fronteiras ¢ nos intersticios do poder exercido sobre a vida, o direito individual e pri- vado de morrer. Essa obstinagio em morrer, tio estranha e contudo téo regular, tdo constante em suas manifestagies, portanto tampouco explicével pelas particularidades ou acidentes individuais, foi uma das primeiras surpresas de 130 uma sociedade em que 0 poder politico acabava de assu- mir a tarefa de gerir a vida, Concretamente, esse poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século XVII, em duas formas principais; que no 40. antitéticas ¢ constituem, ao contrério, dois pélos de de- senvolvimento. interligados por. todo um. feixe.intermediério de relagdes. Um. dos pélos, 0 primeiro a ser formado, a0 que parece, centrou-se no corpo como maquina: no seu ades- tramento, na ampliagio de suas aptidées, na extorsio de suas forcas, no crescimento paralelo de_sua utilidade e:docilidade, nna sua integracdo em. sistemas de controle eficazes e econd- micos — tudo isso assegurado por procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: andtomo-politica do corpo humano. O segundo, que se formou um pouco mais tarde, por volta. da metade do século XVIII, centrou-se no corpo-espé- cie, no corpo transpassado pela mecinica do ser vivo e como suporte dos processos biolégicos: a proliferacdo, 0s. nasci- ‘mentos ¢ a mortalidade, o nivel de satide, a duracéo da vida, a longevidade, com todas as condigées que podem fazé-los va~ iar; tais processos so assumidos mediante toda uma série de intervengdes. © contrdles reguladores: uma bio-politica da »populacdo. As disciplinas do corpo e as regulages da popu- aco constituem os dois pélos em torno dos quais se desen- volveu a organizagio do poder sobre a vida, A instalagio — durante a época classica, desta grande tecnologia de duas faces — anatomica e biol6gica, individualizante e especificante, voltada para os desempenhos do corpo e encarando os pro- cessos da vida — caracteriza um poder cuja funcio. mais clovain jf nfo € mais mata, mas invest aobre @ vide, do cima a baixo. ‘A velha poténcia da morte em que se simbolizava 0 po- der soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela ad- ministragdo dés corpos ¢ pela gestao calculista da vida. De- senvolvimento répido, no decorrer da época cléssica, das dis- ciplinas diversas’ — escolas, colégios, casemas, ateliés; 9 recimento, também, no terreno das priticas politicas © ob- servagées econdmicas, dos problemas de natalidade, longe- vidade, satide piblica, habitagio e migragio; explosio, por- tanto, de técnicas diversas e numerosas para obterem a su- jcigdo dos compos ¢ 0 controle das populagdes. Abre-se, 131 assim, aera de um “hio-poder”. As duas diregdes em que se desenvolve ainda aparecem nitidamente separadas, no st- culo XVIII. Do lado da disciplina as instituig6es como o Exér- cito ou a escola; as reflexdes sobre a tatica, a aprendizagem, @ educago e sobre a ordem das sociedade; elas vio das andlises propriamente militares do Marechal de Saxe aos so- hos politicos de Guibert ou de Servan. Do lado das regula- es de populacdo a demografia, a estimativa da relagdo en- tre recursos e habitantes, a tabulagdo das riquezas e de sua circulagéo, das vidas com sua duracdo provavel: Quesnay, Mo- hheau, Stissmilch. A filosofia dos “Ideélogos” como teoria da idéia, do signo, da génese individual das sensagdes e tam- bém da composicao social dos interesses, a Ideologia como doutrina da aprendizagem, mas também’ do contrato ¢ da formacdo regulada do corpo social constitui, sem divida, o discurso abstrato em que se procurou coordenar as duas ‘téenicas de poder para elaborar sua teoria geral. De fato, sua atticulago nfo serd feita no nivel de um discurso especul tivo, mas na forma de agenciamentos concretos que cons twirdo a grande tecnologia do poder no século XIX: o dis- positivo de sexualidade seré um deles, e dos mais impor- tantes. Este bio-poder, sem a menor davida, foi elemento in- dispensével 20 desenvolvimento do capitalismo, que s6 péde ser_garantido & custa da insergio controlada dos corpos no aparetho de produgo e por meio de um ajustamento dos fe- :némenos de populacio aos processos econdmicos. Mas, 0 ca- Pitalismo exigiu mais do que isso; foi-lhe necessério 0 cres- cimento tanto de seu reforco quanto de sua utilizabilidade © sua docilidade; foram-the necessétios métodos de poder ca- pazes de majorar as forcas, as aptidées, a vida em geral, sem por isto tomé-las mais dificeis de sujeitar; se 0 desenvolvi mento dos grandes aparelhos de Estado, como instituigdes de poder, garantiu a manutengio das relagbes de producto, ‘0s rudimentos de andtomo e de bio-politica, inventados no ‘século XVIII como técnicas de poder presentes em todos 0s niveis do corpo social ¢ utilizadas por instituigdes bem versas (a familia, 0 Exército, a escola, a policia, a medicina individual ou a administragao das coletividades), agiram no nivel dos processos econémicos, do seu desenrolar, das for- 132 {gas que esto em ago em tais processos ¢ os sustentam; ope- Faram, também, como fatores de segregacdo ¢ de hierarquiza- ‘so social, agindo sobre as forcas respectivas tanto de uns como de outros, garantindo relagdes de dominacéo € efeitos de hegemonia; o ajustamento da acumulagdo dos homens & do capital, a articulagio do crescimento dos grupos humanos & expansio das forcas produtivas © a reparticao diferencial do Iucro, foram, em parte, tornados possiveis pelo exerci- cio do bio-poder com suas formas e’procedimentos. miiltiplos. investimento sobre 0 corpo vivo, sua valorizagao € a gestéo istributiva de suas forcas foram indispensaveis naquele mo- mento. ‘Sabemos quantas vezes se colocou a questio do papel que ‘uma moral ascética teria tido em toda a primeira formacao do capitalismo; mas, 0 que se passou no século XVIII.em cer- tos paises ocidentais ¢ esteve ligado a0 desenvolvimento do capitalismo, foi um outro fendmeno, talvez de maior ampli- tude do que essa nova moral que parecia desqualificar 0 corpo: foi nada menos do que a entrada da vida na hist6ria — isto €, a entrada dos fendmenos préprios 4 vida da es- pécie humana na ordem do saber e do poder — no campo das técnicas politicas. Nao se trata de pretender que, nes- se momento, tivesse sido produzido 0 primeiro contato da vida com a’ hist6ria. Ao contrério, a pressio biol6gica so- bre o hist6rico fora, durante milénios, extremamente forte; a epidemia e a fome constituiam as duas grandes formas dramaticas desta relacio que ficava, assim, sob o signo da morte; por um processo circular, 0 desenvolvimento econd- mico, € principalmente © agricola do século XVIII, 0 au- ‘mento da produtividade e dos recursos ainda mais. répida- mente do que o crescimento demogréfico por ele favorecido, permitiram que se afrouxassem um pouco tais ameacas pro- fundas: a era das grandes devastades da fome ¢ da peste — salvo alguns recrudescimentos — encerrou-se antes da Revolugio francesa; a morte comegava a ndo mais fustigar diretamente a vida. Mas, 20 mesmo tempo, o desenvolvimento, dos conhecimentos a respeito da vida em geral, a melhoria das técnicas agricolas, as observagdes ¢ medidas visando a vida c a sobrevivéncia dos homens, contribufam para esse afrouxamen- to: um relativo dominio sobre a vida afastava algumas das imi- 133 néncias da morte. No terreno assim conquistado, organizando-o © ampliando-o, 0s processos da vida sio levados em conta por procedimentos de poder ¢ de saber que tentam contro- lislos € modificé-los. O homem ocidental aprende pouco a pouco o que & ser uma espécie viva num mundo vivo, ter um corpo, condigdes de existéncia, probabilidade de vida, satide individual € coletiva, forgas que se podem modificar, um espago em que se pode reparti-las de modo Stimo. Pe- Ja primeira vez na histdria, sem duvida, 0 biolégico refle- te-se no politico; o fato de viver néo & mais esse susten- téculo inacessivel que s6 emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber ¢ de intervencéo do poder. Este néo staré mais somente a voltas com sujeitos de direito sobre ‘05 quais seu sltimo acesso é a morte, porém com seres vir vos, € 0 império que poderd exercer sobre eles deverd tuar-se no nivel da propria vida; € 0 fato do poder encarre- gar-se da vida, mais do que a ameaca da morte, que Ihe d& ‘acesso a0 corpo, Se pudéssemos. chamar-“bio-histéria” as presses por meio das quais os movimentos da vida © os pro- ccessos da hist6ria interferem entre si, deveriamos falar de “bio- politica” para designar 0 que faz com que a. vida e seus ‘mecanismos entrem no dominio dos célculos explicitos, e faz do. poder-saber um» agente de-transformacio. da vida huma- na; nao € que a vida tenha sido exaustivamente integrada em técnicas que a dominem ¢ gerem; ela thes escapa conti- nuamente. Fora do mundo ocidental, a fome existe numa escala maior do que nunca; € os riscos biolégicos sofridos pela espécie sio talvez maiores e, em todo caso, mais graves do que antes do nascimento da microbiologia. Mas, 0 que se poderia chamar de “limiar de modernidade biolégica” de uma sociedade se situa no momento em que a espécie entra como algo em jogo em suas proprias estratégias politicas. O-homem, durante milénios, permaneceuo. que era. para Aristételes:_um animal vivo e, além disso, capaz de exis- téncia politica; o homem. moderno € um animal, em cuja politica, sua vida de ser vivo est em questio. Essa transformagio teve consequéncias consideraveis. Nao € necessério insistir aqui sobre a ruptura que se produziu, entio, no regime do discurso cientifico, e sobre a mancira 134 pela qual a dupla problemética da vida © do homem veio atravessar ¢ redistribuir a ordem da epistemé cléssica. A ra- zo por que a questio do homem foi colocada — em sua es- pecificidade de ser vivo e em relagio aos outros seres vi- vos — deve ser buscada no novo modo de relagio entre a hist6ria e a vida: nesta posigdo-dupla da’ vida, que-a-situa fora da hist6ria como suas imediagbes biol6gicas e, a0 mesmo tempo, dentro da historicidade humana, infiltrada por suas ‘técnicas de sabér © de poder... Nao ¢ necessério.insistir, tam- bém, sobre a proliferagéo das. tecnologias politicas que, a partir de entio, vo investir sobre 0 corpo, a satide, as ma- neiras de se alimentar e de morar, as condigdes de vida,. todo 0 espago da existéncia. ‘Uma outra conseqiiéncia deste desenvolvimento do bio- poder é a importincia crescente assumida. pela atuacio da norma, & expensas do sistema juridico da lei. A lei nfo pode deixar de ser armada e sua arma por exceléncia é a mort aos que a transgridem, ela responde, pelo menos como ult mo recurso, com esta ameaca absoluta. A lei sempre se refere a0 glidio. Mas um poder que tem a tarcla de se encarregar da vida terd necessidade de mecanismos con- tinuos, reguladores ¢ corretivos. Jé ndo se trata de por a morte em aco no campo da soberania, mas de distribuir ‘os vivos em um domfnio de valor e utilidade. Um poder dessa natureza tem de qualificar, medir, avaliar, hicrarquizar, mais do que se manifestar em seu fausto mortifero; ndo tem que tracar a linha que separa 0s séditos obedientes dos migos do soberano, opera distribuigées em toro Nao quero dizer que a lei se apague ou que as de justica tendam a desaparecer; mas que a lei funciona cada vez mais como norma, € que a instituicio judiciéria se integra cada vez mais num continuo de aparelhos (mé- dicos, administrativos etc.) cujas fungSes sfo sobretudo re- guladoras. Uma sociedade normalizadora € 0 efeito hist6- ico de uma tecnologia de poder centrada na vida, Por re~ feréncia as sociedades que conhecemos até 0 século XVIII, 1n6s entramos em uma fase de regressio juridica; as Cons- tituigdes escritas no mundo inteiro a partir da Revolucao francesa, 0s Cédigos redigidos ¢ reformados, toda uma ati vidade legislativa permanente © ruidosa ndo devem iludir- 135 nos: so formas que tomam aceitével um poder essencial- mente normalizador. E contra esse poder ainda novo no século XIX, as forgas que resistem se apoiaram exatamente naquilo sobre que ele investe — isto é, na vida e no homem enquanto ser vivo. Desde 0 século pasado, as grandes lutas que pdem fem questdo o sistema geral de poder jé nao se fazem em nome de um retomo aos antigos direitos, ou em fungio do so- nho milenar de um ciclo dos tempos ¢ de uma Idade do ‘ouro. J4 nao se espera mais o imperador dos pobres, nem © reino dos iltimos dias, nem mesmo o restabelecimento apenas das justigas que se créem ancestrais; 0 que € rei- vindicado e serve de objetivo é a vida, entendida como as necessidades. fundamentais, a esséncia concreta do_homem, a realizaggo de suas virtualidades, a plenitude do possivel. Pouco importa que se trate ou ndo de utopia; temos af lum processo bem real de luta; a vida. como- objeto politico foi de algum modo tomada ao pé da letra ¢ voltada contra © sistema. que. tentava controlé-la.. Foi_a_vida,..muito. mais do que o direito, que se. tornou-o objeto das-lutas-politicas, ainda. que. estas. Gltimas se formulem. através. de. afirmagées de direito. O-“direito” & vida, a0- corpo, & satide, &.felicidade, A satisfacdo das. necessidades, o “direito”, acima de todas. as opressoes ou “alienagdes", de encontrar 0 que se é¢ tudo ‘© que se pode ser, esse “direito” to incomprensivel para o sistema juridico cléssico, foi-a réplica politica a todos esses novos. provedimentos de poder que, por. sua ver, também nfo fazem. parte do direito tradicional da. soberania. * Sobre tal pano de fundo, pode-se comprender a impor- ‘tncia assumida pelo sexo como foco de disputa politica. & que ele se encontra na articulagdo entre 0s dois eixos 20 Tongo dos quais se desenvolveu toda a tecnologia politica da vida. De um lado, fez parte das disciplinas do corpo: adestramento, intensificacdo © distribuigéo das forcas, ajus- tamento e economia das energias. Do outro, 0 sexo perten- ce A regulagao das populagdes, por todos os efeitos globais que induz. Insere-se, simultaneamente, nos dois registr 46 lugar a vigilancias infinitesimais, a controles constantes, 136 a ordenagées espaciais de estrema meticulosidade, a exames médicos ou psicolégicos infinitos, a todos um micropoder sobre 0 corpo; mas, também, dé margem a medidas macicas, a estimativas estatisticas, a intervenes que visam todo 0 corpo social ou grupos tomados globalmente. O sexo é aces- 0, a0 mesmo tempo, a vida do corpo e a vida da espécie. Servimo-nos dele como matriz das disciplinas © como prin- cipio das regulagdes. £ por isso que, no século XIX, a sexualidade foi esmiugada em cada existéncia, nos seus mi- rnimos detalhes; foi desencavada nas condutas, perseguida nos sonhos, suspeitada por trés das minimas loucuras, se- guida até os primeiros anos da infancia; tornou-se a chave da individualidade: a0 mesmo tempo, o que permite ana- lisé-la e 0 que torna possivel constitui-la, Mas vémo-la tam- bém tomar-se tema de operagdes politicas, de intervengdes econémicas (por meio de incitagdes ou freios & procriagio), de campanhas ideol6gicas de moralizagio ou de responsabi- lizagio: € empregada como indice da forca de uma socic- dade, revelando tanto sua energia politica como seu vigor diol6gico. De um polo a outro dessa tecnologia do. sexo, es- calona-se toda uma série de téticas diversas que combinam, ‘em proporgées variadas, 0 objetivo da disciplina do corpo © 0 da regulacao das populagoes. Dai a importincia das quatro grandes linhas de ataque a0 longo das quais a politica do sexo avangou nos ultimos dois séculos. Cada uma delas foi uma maneira de compor as técnicas disciplinares com os procedimentos reguladores. ‘As duas primeiras se apoiaram em exigéncias de regulacio — sobre toda uma temdtica da espécie, da descendéncia, da satide coletiva — para obter efeitos a0 nivel da disciptina; a sexualizagio da crianca foi feita sob a forma de uma cam- panha pela saiide da raca (a sexualidade precoce foi apre- sentada, desde o século XVII até o fim do século XIX, como ameaga epidémica que corre o risco de comprome- ter nfo somente a satide futura dos adultos, mas o futuro da sociedade ¢ de toda a espécie); a histerizagio das mulhe- res, que levou a uma medicalizagio minuciosa de seus cor- pos, de seu sexo, fez-se em nome da responsabilidade que elas teriam no que diz respeito a satide de seus filhos, & so- lidez. da instituigdo familiar e & salvagdo da sociedade. Foi 137 a relacdo inversa que ocorreu quanto a0 controle da nata- lidade © a psiquiatrizacdo das perversdes: neste caso, a in- tervencdo era de natureza reguladora, mas devia apoiarse na exigéncia de disciplinas ¢ adestramentos individuais. De. um modo geral, na_jungéo. entre.0. “corpo”.e-a.“\populagdo”, © sexo tomou-se o alvo central de um poder que se orga’ niza em tomo da gestio. da vida, mais do. que da ameaca da morte Por muito tempo, o sangue constituiu um elemento im- portante nos mecanismos do poder, em suas manifestagdes € rituais. Para uma sociedade onde predominam os sistemas de alianca, a forma politica do soberano, a diferenciagio em ordens © castas, o valor das linhagens, para uma sociedade fem que a fome, as epidemias ¢ as violéncias tomam a morte iminente, 0 sangue constitui um dos valores essenciais; seu prego se deve, 20 mesmo tempo, a seu papel instrumental (po- der derramar o sangue), a seu funcionamento na ordem dos signos (ter um certo sangue, ser do mesmo sangue, dispor-se a artiscar seu proprio sangue), a sua precariedade (fécil de derramar, sujeito @ extingéo, demasiadamente pronto a se misturar, suscetivel de se corromper rapidamente). S dade de sangue — ia dizer de “sangtiinidade”: honra guerra € medo das fomes, triunfos da morte, soberano com slédio, verdugo e suplicios, o poder falar através do sangue; este ¢ uma realidade com funcdo simbélica, Quanto a nés, estamos. em. uma. sociedade-do “sexo”, ou» melhor, “de se- xualidade”: 08 mecanismos. do. poder se-dirigem. 20 corpo, a vida, a0. que a faz proliferar, a0. que reforca a espécie, seu. vigor, sua capacidade de dominar, ou. sua aptidéo para ser_utilizada. Saide, progenitura, raga, futuro da espécie, Vitalidade do corpo social, o poder fala da. sexvalidade ¢ para a sexualidade; quanto a esta, néo € marca ou. simbolo, € objeto-e alvo. O que determina sua importancia no é tanto sua raridade ou precariedade quanto sua insisténcia, sua presenga insidiosa, o fato de ser, em toda parte, provocade € temida. O poder a esboca, suscita-a e dela se serve como um sentido proliferante de que sempre & preciso retomar 0 controle para que nfo escape; ela € um efeito com valor de sentido. Nao pretendo dizer que uma substituigdo do san- que pelo sexo resuma, por si s6, as transformagSes que ma 138 ‘cam o limiar de nossa modemnidade. O que tento exprimir nao é a alma de duas civilizagdes ou o principio organiza- dor de duas formas culturais; busco as razies pelas quais a sexualidade, longe de ter sido reprimida na sociedade con- temporinea est, a0 contrério, sendo permanentemente sus- citada. Foram 0s novos procedimentos. do. poder, elabora- dos durante a época cléssica ¢ postos em acio no século XIX, que fizeram passar nossas sociedades de uma simbélica. do sangue para-uma-analitica da sexualidade. Nao & dificil ver que, se hé algo que se encontra do lado da ei, da morte, da transgressio, do simbélico ¢ da soberania, € 0. sangue; a sexualidade, quanto a ela, encontra-se do lado da norma, do saber, da vida, do sentido, das disciplinas e das regulamen- tagées. Sade ¢ 0s primeiros eugenistas so contemporéneos des- ta passagem da “sangiinidade” para a “sexualidade”. Mas enquanto os primeiros sonhos de aperfeicoamento da espé- cie deslocam todo o problema do sangue para uma gestio bas- tante coercitiva do sexo (arte de determinar os bons casa- mentos, de provocar as fecundidades desejadas, de garantit a satide e a longevidade das criancas), enquanto a nova idéia de raga tende a esmaecer as particularidades aristocréticas do sangue para voltar-se apenas para os efeitos controldveis do sexo, Sade vincula a anilise exaustiva do sexo aos meca- rnismos exasperados do antigo poder de soberania e aos ve- Ihos prestigios inteiramente mantidos do sangue; este corre a0 longo de todo o prazer — sangue do suplicio ¢ do poder abso- luto, sangue da casta que se respeita em si mesmo e se der- rama, contudo, nos rituais maiores do parricidio e do incesto, sangue do povo que se verte & vontade, porque 0 que cor- re em suas veias ndo é digno nem de ser mencionado. © sexo em Sade & sem norma, sem regra intrinseca que possa ser formulada a partir de sua propria natureza; mas € subme- tido a tei ida de um poder que, quanto a ele, s6 co- nhece sua propria lei; se the acontece de impor-se, por puro jogo, a ordem das progresses cuidadosamente disciplinadas ‘em jomadas sucessivas, tal exercicio 0 conduz a ser so- mente uma pura questio de soberania Gnica e nua: direito ilimitado da monsiruosidade onipotente. O sangue absorveu © sexo. 139 De fato, a analitica da sexualidade e a simbélica do sangue podem muito bem pertencer, em principio, a dois re- gimes de poder bem distintos, mas ndo se sucederam (nem tampouco esses proprios poderes) sem justaposigdes, inte- ragoes ou ecos. De diferentes maneiras, a preocupagdo com © Sangue € a lei tem obcecado hé quase dois séculos a ges- tao da sexualidade. Duas dessas interferéncias sio notéveis, uma devido @ sua importincia hist6rica, outra pelos proble- mas te6ricos que coloca. Ocorreu, a partir da segunda me- tade do século XIX, que a temética do sangue foi chamada a vivificar ea sustentar, com toda uma profundidade historia, 0 tipo de poder politico que se exerce através dos dispositivos de sexualidade. O racismo se forma nesse ponto (racismo em sua forma moderna, estatal, biologizante): toda uma politica do povoamento, da familia, do casamento, da edu- cago, da hierarquizagao social, da propriedade, ¢ uma longa série de interveng6es permanentes ao nivel do corpo, das con- dutas, da saide, da vida quotidiana, receberam entio cor & justificago em fungéo da preocupacio mitica de proteger a pureza do sangue ¢ fazer triunfar a Taga, Sem divida, 0 na- zismo foi a combinacio mais ingénua ¢ mais ardilosa — ardilosa porque ingénua — dos fantasmas do sangue com 8 paroxismos de um poder disciplinar. Uma ordenagio eu- génica da so iedade, com o que ela podia comportar de ex- tensio e intensificacdo dos micropoderes, a pretexto de uma cstatizagao ilimitads, era acompanhada pela exaltagio oniri- cca de um sangue superior; esta implicava, ao mesmio tempo, © genocidio sistemético dos outros € 0 risco de expor a si mesmo a um sacrificio total. E a hist6ria quis que a pol tica hitleriana do ‘sexo tenha-se tomado uma prética irri- s6ria, enquanto o mito do sangue se transformava no maior massacre de que os homens, por enquanto, tenham lem- branga. No extremo oposto pode-se, a partir deste mesmo fim do século XIX, seguir 0 esforgo tebrico para reinscrever a temitica da sexualidade no sistema da lei, da ordem simbé- lica e da soberania. B uma honra politica para a psicandlise — ou pelo menos para o que pode haver nela de mais coerente — ter suspeitado (€ isto desde 0 seu nascimento, ou seja, a partir de sua linha de ruptura com a neuropsiquia- 140 tria da degenerescéncia) do que poderia haver de irreparavel- ‘mente proliferante nesses mecanismos de poder que pretendiam controlar e gerir 0 quotidiano da sexualidade: dai 0 esforco freudiano (sem divida por reacio ao grande crescimento do racismo que Ihe foi contemporineo) para dar a sexualidade a lei como principio, — a lei da alianca, da consangilinidade in- terdita, do Pai-Soberano, em suma, para reunir em torn do desejo' toda a atinga ordem do poder. A isto a psicanélise deve 0 fato de ter estado — com algumas excegdes € no essencial — em oposicdo tebrica e prética ao fascismo. Mas essa posicio da psicanilise esteve ligada a uma conjuntura hist6rica precisa. E nada pode impedir que pensar a ordem do sexual de acordo com a instincia da lei, da morte, do sangue € da soberania — com todas as referéncias a Sade € Bataille, com todos os penhores de “subverséo” que se thes peca — seja, afinal de contas, uma “retro-verstio” histérica. © dispositivo de sexualidade deve ser pensado a partir das ‘téenicas de poder que Ihe sio contemporineas. * Podem me dizer: isso € entrar num historicismo mais, precipitado do que radical; é esquivar, em favor de fend- menos varidveis, talvez, mas frégeis, secundérios sobretudo superficiais, a existéncia biologicamente s6lida das fungdes sexuais; 6 falar da sexualidade como se 0 sexo nio existisse. E estariam no direito de me objetar: “V. pretende analisar fem detalhe os processos pelos quais 0 corpo das mulheres, a vida das criancas, e as relagoes familiares © toda, uma am- pla rede de relagées sociais foram sexualizadas. V. quer descrever esse grande aumento da preocupagio sexual desde © século XVIII e a obstinacio crescente que tivemos em suspeitar 0 sexo em toda parte. Admita-se. E. suponhamos que os mecanismos de poder foram, de fato, empregados mais para suscitar e “irritar” a sexualidade do que para repri- micla. Mas, eis que V. permaneceu bem préximo daquilo de que acredita, certamente, ter-se distanciado; no fundo, 'V. mostra fenémenos de difusio, de instalagdo, de fixacao da sexualidade, tenta fazer ver 0 que se poderia chamar de onganizagio de “zonas erégenas” no corpo social; pode ser ‘muito bem que V. tenha apenas transposto, para a escala de 14t processos. difusos, mecanismos que a psicanélise identificou ‘com precisio a0 nivel do individuo, Mas V. elide 0 ponto de partida para essa sexualizagio que a psicandlise em si nao desconhece, a saber: 0 sexo. Antes de Freud, procura- va-se localizar a sexualidade da maneira mais estreita: no sexo, em suas fungdes de reprodugio, em suas localizagées anatémicas imediatas; era restringida a um mfnimo biol6gico — Srgio, instinto, finalidade. V. esté, por sua vez, em posigdo simétrica ¢ inversa: s6 Ihe restam efeitos sem apoio, ramificagées destituidas de raizes, uma sexualidade sem sexo. Aqui, ainda, a “castracio”. ‘Nesse ponto, devem-se distinguir duas questées. Por ‘um lado: a andlise da sexualidade como “dispositive politico” implicaria, necessariamente, a clisio do corpo, da anatomia, do biol6gico, do funcional? A essa primeira questo creio que se pode responder nfo. Em todo caso, 0 objetivo da presen- te investigagio é, de fato, mostrar de que modo se articulam dispositivos. de poder diretamente a0 corpo a corpo, @ fungGes , a processos fisiolégicos, sensagdes, prazeres; longe do corpo ter de ser apagado, trata-se de fazé-lo aparecer nu- ise em que 0 tiolégico ¢ 0 histérico néo constituam seqiiéncia, como no evolucionismo dos antigos sociélogos, mas se liguem de acordo com uma complexidade crescente & medida em que se desenvolvam as tecnologias modemas de poder que tomam por alvo a vida. Ndo uma “hist6ria das mentalidades”, portanto, que s6 leve em conta os corpos pela maneira ram percebidos ou receberam sentido © va- lor; mas “hist6ria dos corpos” ¢ da maneira como se inves- tiu sobre © que neles hé de mais material, de mais vivo. Outra questo, distinta da primeira: esta materiali de a que nos referimos nio é de fato a do sexo, © nio seria paradoxal querer fazer uma hist6ria da sexualidade no ni- vel dos corpos, sem se tratar, por menos que seja, do sexo? Afinal de contas, 0 poder que se exerce através da sexua- lidade nio se dirige especificamente a esse elemento do real que € 0 “sexo” — 0 sexo em geral? Que a sexualidade nio seja um dominio exterior a0 poder ao qual ele se imponha, que seja, a0 contririo, efeito e instrumento de seus agen- ciamentos, ainda passa. Mas 0 sexo, em si, mio seria o “outro” relativamente ao poder, enquanto para a sexual 142 dade ele seria 0 foco em torno do qual cla distribui seus efei- tos? Ora, justamente, é esta idéia do sexo em geral que nao se pode ‘receber sem exame prévio. “O sexo” seria, na rea fidade, 0 ponto de fixagio que apéia as manifestagdes “da sexualidade” ov, 20 contrério, uma idéia complexa histori- ‘camente formada no seio do dispositivo de sexualidade? Po- der-se-ia mostrar, em todo caso, de que mancira esta idéia “do sexo” se formou através das diferentes estratégias de poder e que papel definido desempenhou nisso tudo. ‘Ao longo de todas as grandes linhas em que se desen- volveu'o dispositive de sexualidade, a partir do século XIX, ‘vemos elaborar-se essa idéia de que existe algo mais do que corpos, érgios, localizagdes. sométicas, fungdes, sistemas anitomo-fisiol6gicos, sensagSes, prazeres; algo diferente © a mais, algo que possui suas propriedades intrinsecas © suas leis prOprias: 0 “sexo”. Assim, no proceso de histerizagio da mulher, 0 “sexo” foi definido de trés maneiras: como algo que perience em comum ao homem ¢ a mulher; ou como 0 que pertence também ao homem por exceléncia ¢, portanto, faz falta a mulher; mas, ainda, como 0 que cons- fitui, por si s6, 0 corpo da mulher, ordenando-o inteiramen- te para as fungdes de reproducéo e perturbando-o continua- mente pelos efeitos destas mesmas fungdes: a histeria € in- terpretada, nessa estratégia, como o jogo do sexo enquanto "um" e “outro”, tudo e parte, principio e falta. Na sexua- lidade da infincia elabora-se a idéia de um sexo que esté presente (em razio da anatomia) ¢ ausente (do ponto de ‘vista da fisiologia), presente também caso se considere sua ati- vvidade e deficiente se nos referirmos a sua finalidade reproduto- 1a; ou, ainda, atual em suas manifestagdes mas escondido em seus efeitos, que s6 aparecerdo em sua gravidade patolégica mais tarde; € no adulto, se 0 sexo da crianca ainda estiver pre- sente, sera sob a forma de uma causalidade secreta que ten- de a anular o sexo do adulto (foi um dos dogmas da medi- cina dos séculos XVIII e XIX, supor que a precocidade sexual provocaria mais tarde a esterilidade, a impoténcia, a frigidez, a incapacidade de sentir prazer, a anestesia dos sentidos), sexualizando-se a infincia, constituiuse a idéia de um sexo marcado pelo jogo essencial da presenca e da auséncia, do oculto ¢ do manifesto; a masturbagio com os 143 efeitos que the atribuem revelaria, de maneira privilegiada, este jogo da presenca ¢ da auséncia, do manifesto ¢ do oculto, Na psiquiatrizagio das perversdes, 0 sexo foi refe- rido a fungdes biolégicas e a um aparelho andtomo-fisio- égico que Ihe dé “sentido”, isto é, finalidade; também a um instinto que, através do’ seu proprio desenvolvimento & de acordo com os objetos a que pode se vincular, torna pos- sivel © aparecimento das condutas perversas ©, sua génese, inteligivel; com isso o “sexo” se define por um entrelaca- mento de fungio ¢ instinto, de finatidade ¢ significagio; e sob essa forma, manifesta-se, melhor do que nunca, na per- versio modelo,” nesse “‘fetichismo” que, pelo menos a partir de 1877, serviu de fio condutor a anélise de todos 0s ou- tros desvios, pois nele se lia claramente a fixagio do ins- tinto em um objeto & maneira da aderéncia histérica ¢ da inadequacio iolégica, Enfim, na socializagio das condu- tas procriadoras, © “‘sexo” & descrito como estando preso entre uma lei de realidade (cuja forma imediata e mais abrupta sio as necessidades econdmicas) © uma economia de prazer que sempre tenta contomé-la, quando ndo a desco- nhece; a mais célebre das “fraudes”, 0 “coitus interruptus”, representa 0 ponto em que a instincia do real obriga a por termo ao prazer e em que o prazer ainda consegue se ma- nifestar, apesar da economia prescrita pelo real. Vemos cla- ramente: € 0 dispositive de sexualidade que, em suas dife- rentes estratégias, instaura essa idéia “do sexo”; ¢ 0 faz apa- recer, sob as quatro grandes formas — da histeria, do onanis- mo, do fetichismo © do coito interrompido — como sendo submetido a0 jogo do todo ¢ da parte, do principio e¢ da falta, da auséncia € da presenca, do excesso ¢ da deficiéncia, da funcio e do instinto, da finalidade ¢ do sentido, do real e do prazer. Assim, formou-se pouco a pouco a armagio de uma teoria geral do sexo. Ora, essa teoria assim engendrada exerceu um certo ni- mero de fungées no dispositive de sexualidade que @ tor- naram indispensivel. Sobretudo trés- foram importantes. Pri- meiro, a nogio de “sexo” permitiu agrupar, de acordo com uma unidade artificial, elementos anatémicos, fungdes bio- 6gicas, condutas, sensagies € prazeres ¢ permitiu fazer fun- cionar esta unidade ficticia como principio causal, sentido 144 ‘onipresente, segredo a descobrir em toda parte: 0 sexo péde, portanto, funcionar como significante tinico ¢ como signi cado universal. Além disso, apresentando-se_unitariamente como anatomia ¢ falha, como funcio ¢ laténcia, como ins- tinto e sentido, péde marcar a linha de contato entre um saber sobre a sexualidade humana e as ciéncias bioldgicas da reprodugio; desse modo aquele saber, sem nada receber realmente dessas tltimas — salvo algumas analogias certas € uns poucos conceitos transplantados — ganhou, por privilégio de vizinhanga, uma garantia de quase cienti- ficidade; mas através dessa mesma vizinhanga, certos conted- dos da biologia e da fisiologia puderam servir de principio de normalidade @ sexualidade humana. Enfim, a nocao de ‘sexo garantiu uma reverséo essencial; permitiu inverter a representacio das relagdes entre o poder e a sexualidade, fazendo-a aparecer nfo na sua relagio essencial e positiva ‘com o poder, porém como ancorada em uma instincia es- pecifica e irredutivel que o poder tenta da melhor miancira ‘sujeitar; assim, a idéia “do sexo” permite esquivar 0 que constitui 0 “‘poder” do poder; permite pensé-lo apenas como Tei € interdigéo. O sexo, esa’ instincia que parece dominar- nos, esse segredo que nos parece subjacente a tudo que so- mos, esse ponto que nos fascina pelo poder que manifesta e pelo sentido que oculta, a0 qual pedimos revelar 0 que somos ¢ liberar-nos 0 que nos define, o sexo nada mais é do que um ponto ideal tomado necessério pelo dispositive de sexualidade e por seu funcionamento. Néo se deve ima- ginar uma inst€ncia auténoma do sexo que produza, secun- dariamente, os efeitos miltiplos da sexualidade ao longo de toda a sua superficie de contato com o poder, O sexo & 0 contrério, o elemento mais especulativo, mais ideal e igual- mente mais interior, num dispositive de sexualidade que o poder organiza em suas captagies dos corpos, de sua ma- terialidade, de suas forgas, suas energias, suas sensagdes, seus prazeres. Poder-se-ia acrescentar que “Yo sexo” exerce uma outra fungéo ainda, que atravessa e sustém as primeiras, Papel, desta vez, mais pritico do que teético. E pelo sexo efeti- vamente, ponto imaginario fixado pelo dispositivo de sexua- lidade, que todos devem passar para ter acesso & sua pré- 145 pria inteligibilidade (ja que ele &, ao mesmo tempo, 0 elemento ‘oculto ¢ o principio produtor de sentido), a totalidade de seu cor- po (pois ele é uma parte real e ameagada deste corpo do qual cconstitui simbolicamente 0 todo), & sua identidade (jé que ele alia 1 forca de uma pulso a singularidade de uma histbria). Por uma, inverso que comegou, provavelmente, de modo subrepticio hi muito tempo —e ja na época da pastoral cristé da came — che- ‘gamos ao ponto de procurar nossa inteligibilidade naquilo que foi, durante tantos séculos, considerado como loucura; a plenitu- de de nosso corpo naquilo que, durante muito tempo, foi um es tigma ¢ como que a ferida neste corpo; nossa identidade, naqui que se percebia como obscuro impulso sem nome. Dai a impor tincia que Ihe atribuimos, o temor reverente com que 0 revesti- mos, a preocupago que temos de conhecé-lo. Dai o fato de se ter tomado, na escala dos séculos, mais importante do que nossa alma, mais importante do que nossa vida; ¢ dai todos 0s enigmas do mundo nos parecerem to leves comparados a esse segredo, minisculo em cada um de nés, mas cuja densidade 0 toma mais grave do que todos. O pacto faustiano cuja tentagio o dispositivo de sexualidade inscreveu em nés é, doravante, o seguinte: trocar a Vida intcira pelo proprio sexo, pela verdade ¢ a soberania do sexo. O sexo bem vale a morte, E nesse sentido, estritamente historico, ‘como se vé, que 0 sexo hoje em dia é de fato transpassado pelo instinto de morte, Quando o Ocidente, ha muito tempo, descobriu o amor, concedeu-Ihe bastante valor para tomar a morte accitvel; 6 0 sexo quem aspira, hoje, a essa equivaléncia, a maior de todas. E tenquanto o dispositivo de scxualidade permite as técnicas de poder investirem sobre a vida, 0 ponto ficticio do sexo, marcado por esse mesmo dispositivo, exerce bastante fascinio sobre cada um para que se aceite escutar nele bramir a morte. Com a criagio deste elemento imaginario que ¢ “o sexo”, 0 dispositivo de sexualidade suscitou um de seus prin- cipios internos de funcionamento mais essenciais: o desejo do sexo — desejo de té-lo, de aceder a ele, de descobri-io, libera-lo, articula-lo em discurso, formula-lo em verdade. Ele constituiu “o sexo” como desejavel. E ¢ essa desirabili- dade do sexo que fixa cada um de nés & injungao de conhe- 146 célo, de descobrir sua lei © seu poder; ¢ essa desirabilidade que nos faz acreditar que afirmamos contra todo poder os direitos de nosso sexo quando, de fato, ela nos vincula 20 dispositive de sexualidade que fez surgir, do fundo de nés mesmos, como uma miragem onde acreditamos reconhtecer- nos, 0 brilho negro do sexo. “Tudo € sexo, dizia Kate em The plumed serpent, tudo € sexo. Como o sexo pode ser belo quando o homem o man- tém poderoso e sagrado e quando ele preenche 0 mundo. Ele € como 0 sol que vos inunda, que vos penetra com sua hz”. Portanto, nfo referir uma hist6ria da sexualidade & instincia do sexo; mostrar, porém, como “o sexo” se en- contra na dependéncia’ histérica da sexualidade. Nao situar 0 sexo do lado do real e a sexualidade do lado das idéias ‘confusas ¢ ilusdes; a sexualidade & uma figura hist6rica mui- to real, e foi ela que suscitou, como elemento especulative ecessirio a0 seu funcionamento, a nogio do sexo. Nio acreditar que dizendo-se sim a0 sexo s¢ esté dizendo nao a0 poder; a0 contririo, se esta seguindo a linha do disposi- tivo geral de sexualidade. Se, por uma inversio tética dos diversos mecanismos da sexualidade, quisermos opor 0s cor- pos, 0s prazeres, os saberes, em sua multiplicidade ¢ sua possibilidade de resisténcia as captagdes do poder, seré com relagio a instincia do sexo que deveremos liberar-nos. Con- tra 0 dispositivo de sexualidade, 0 ponto de apoio do con- tra-ataque ndo deve ser o sexo-desejo, mas os corpos € os prazeres. * “Houve tanta agdo no passado, dizia D.H. Lawrence, especialmente ago sexual, uma repeticio tio mondtona € fatigante sem nenhum desenvolvimento paralelo no pensa- mento e na compreensio. Atualmente, nossa tarcfa € com- preender a sexualidade. Hoje em dia, a compreensio ple- namente consciente do instinto sexual importa mais do que © ato sexual”. Talvez_um dia cause surpresa. Ndo se compreenderd que uma civilizaco to voltada, por outro lado, para 0 147 desenvolvimento de imensos aparethos de produgio © de destruigio tenha achado tempo e infinita paciéncia para se interrogar com tanta ansiedade sobre 0 que & do sexo; tal- vez haja quem sorria lembrando que esses homens, que te- remos sido, acreditavam que houvesse desse lado uma ver- dade pelo menos téo preciosa quanto a que tinham procurado na terra, nas estrelas ¢ nas formas puras do pensamento; talvez. cause surpresa a obstinagio que tivemos em fingit arrancar de sua obscuridade uma sexualidade que tudo — nossos discursos, nossos hébitos, nossas instituigdes, nos- sos regulamentos, nossos saberes — trazia & plena luz e re- fletia com estrépito. E se perguntaré por que quisemos tanto suspender a lei do siléncio sobre 0 que era a mais ruidosa de nossas preocupagées. O ruido, retrospectivamente, poderd parecer desmesurado, mas, ainda mais estranha, nos- sa obstinago em descobrir nele somente a recusa de falar ea ordem de calar-se. Interrogar-se-4 sobre o que pode tornar-nos to presungosos; por que nos atribuimos © méri- to de termos, primeiro que todos, emprestado a0 sexo, con- tra toda uma moral milenar, a importancia que dizemos ter e como pudemos glorificar-nos por nos termos liberado en- fim, no século XX, de um tempo de longa e dura repres- sio — 0 tempo de um ascetismo cristio prolongado, des- viado, avaramente, impertinentemente utilizado pelos imperati- vos da economia burquesa. E 1a, onde hoje vemos a histéria de ‘uma censura dificilmente suprimida, reconhecer-se-& a0 con- trdrio, a lenta ascensio, através dos séculos, de um dispositi- vo complexo para nos fazer falar do sexo, para Ihe dedi carmos nossa atengio e preocupacdo, para nos fazer acte- Gitar na soberania de sua lei quando, de fato, somos atingi- dos pelos mecanismos de poder da sexualidade Rir-se-d da acusagio de pansexualismo que em certo momento se ops a Freud ¢ & psicandlise. Mas os que pare- cero cegos serdo, talvez, nem tanto os que a formularam, como os que a rejeitaram com um simples gesto, como se cla traduzisse somente os temores de uma velha pudicicia. Pois os primeiros, afinal de contas, apenas se surpreenderam com um proceso que comecara havia muito tempo © que no tinham percebido que ja os cercava de todos os lados; tinham atribuido exclusivamente a0 génio mau de Freud 0 148, ‘que estava preparado h4 muito tempo; tinham-se enganado de data quanto 4 instauracio, em nossa sociedade, de win ispositivo geral de sexualidade, Mas os outros erraram quan- to @ natureza do processo; acreditaram que Freud resti tuia enfim, a0 sexo, por uma reversio sdbita, a parte que The era devida e que the fora. contestada por tanto tempo; ndo viram que o genio bom de Freud o colocara em um dos pontos decisivos, marcados, desde 0 século XVIII, pe- las estratégias de saber ¢ de poder; e que, com isso, ele relangava com admirdvel eficécia, digna dos maiores espi- rituais e diretores da poca cléssica, a injuncdo secular de conhecer 0 sexo € colocé-lo em discurso. Evoca-se com fre- giéncia os intimeros procedimentos pelos quais 0 cristia- rnismo antigo nos teria feito detestar 0 corpo; mas, pense- ‘mos um pouco em todos esses ardis pelos quais, hi varios sé- cculos, fizeram-nos amar 0 sexo, tomaram desejvel para nés conhecé-lo e precioso tudo o que se diz a seu respeito; pelos quais, também, incitaram-nos a desenvolver todas as nossas habilidades para surpreendé-lo ¢ nos vincularam a0 dever de extrair dele a verdade; pelos quais nos culpabili- zaram por té-lo desconhecido por tanto tempo. Sio esses ardis que mereceriam espanto hoje em dia. E devemos pen- sar que um dia, talvez, numa outra economia dos corpos € dos prazeres, j6 no se compreenderé muito bem de que ma- neira os ardis da sexualidade e do poder que sustém seu dispositivo conseguiram submeter-nos a essa austera monar- quia do sexo, a ponto de votar-nos a tarefa infinita de for- gar seu segredo ¢ de extorquir a essa sombra as confissdes mais verdadeiras. Tronia deste dispositive: € preciso acreditarmos que niisso est nossa “liberacao” 149, NOTAS 1. P. Segneri, L'lnstruction du pénitent, tradusio, 1965, p. 301 2. A. de Liguori, Pratique des Confesseurs (trad. francesa 1854), p. 140. 3. P. Segneri, foc, cit. pp. 301-302. 4. A pastoral reformads, ainda que de um modo, disereto, tam- ‘bém estabeleceu regras de colocagio do sexo em’ discurso, Este pponto serd desenvolvido no préximo volume, La Chair et le corps. 5. A. de Liguori, Précepres sur Ie sixidme commandement (trad. 1835), . 5. 6. D.A. de Sade, Les 120 journées de’ Sodome, éd. Pauvert I, pp. 130.100. 7. An, My secret Life, reeditado por Grove Press, 1954 8. Condoreet, eitado por JL. Flandrin, Famitles, 1976. 9. A. Tardieu, Etude médicotégale sur tes attentats aux moeurs, 1857, p. 114 10. J. von Justi, Eléments généraux de police, trad. 1768, p. 20.. M. GA. Herbert, Essai sur ta police générale des grains (1753), pp. 320321 150 12, Réglement de police pour les tyeées (1809), art. 67. “Havers sempre, durante as horas de aula e de estudo, um mestre de estudo vigiando 0 exterior para impedir que os alunos, que salam para suas necessidades, se detenham e se reunam. 68. Apss a oraclo da noite, os alunos sero reconduzides 20 Mormitério onde os mestres os fare deitar . Os mestres s6 poderio deitarse apés estarem certificados que cada aluno esté em seu leito. 70. Os teitos serio separados por anteparos de dois metros de altura. Os dormitérios serio iluminados durante a noite. 1B. J. Schummel, Frivzens Reise nach Dessau (1716), citado por A. Pinloche, La Réforme de Véducation en Allemagne au XVILI€ sidcle (1889), pp. 125-129. 14. H. Bonnet © J. Bulard, Rapport médico-légal sur état men tal de Chel. Jouy. 4 de janeiro de 1868. 15. Westphal, Archiv fir Neurotogie, 1870 16. CE. por exemplo, Bourneville, Iconographie de la Salpétriere, pp. 110 © seg. Os documentos indditos das aulas de Charcot, que ainda pode encontrar na Salpétritre, so, sobre esse ponto, ainda mais explicitos do que os textos publicados, Nesses documentos apare- ccem claramente 0s jogos de incitagio e de elisio. Uma nota ma- nuserita relata a sessio de 25 de novembro de 1877. A paciente presenta uma contracio histérica; Charcot detém uma crise colo- ccando, inieialmente as mios e, em sequida, a extremidade de uma vara sobre os ovirios. A crise recomeca e ele provoca sua accle- ragio por meio de inalagdes de nitrate de amilo. A doente, entio, pede a varasexo através de palavras que nfo conportam nenhuma metéfora: “Desaparecem com G., cujo delirio continua.” 17. © dieito grego j& havia unido a tortura € a confissio, pelo ‘menos para of escravos. O -ireito romano imperial havia am lindo a pritica, Essas questdes sero retomadas em Powoir de a vérite 18. G-A. Birger, citado por Schopenhauer, Métaphysique de Yamour. 19. CE. supra, p. {lauda 30}. 2. Le Tartuffe de Molidre © Le Précepteur de Lenz representam, ‘com mais de um século de distancia, a interferéncia do dispositive 151 de sexualidade sobre o d:spositivo familiar; no caso da direcdo espiritual Le Tartuffe ¢, no da educagio, Le Précepteur. 21. Charcot, Legons du Mardi, 7 de janeiro de 1868: “Para bem Iratar uma moca histérica nfo se pode deinéla com seu pai © com sua mie, € necessirio internéla numa casa de saide... Sa beis quanto tempo choram, as mogas bem educadas, por suas mndes ‘quando estes as deixam?... Tomemos a média; uma meia hora nio € muito” 21 de Fevereiro de 1888: “O que ¢ necessério fazer no caso de hhisteria dos meninos é separlos de suas mies. Enquanto per- ‘manecem com suas mies nio se pode fazer nada... Algumas vezes 0 pai 6 tho insuportével quanto a mie; 0 melhor, portanto, €-suprimblos ambos. 2. Ch K. Marx, Le Capi de surtravail” x, 2 "Le capital affamé 23. S. Pufendorf, Le Droit de la nature (trad. de 173), p. 455. 2%, "Da mesma forma que um corpo composto pode ter as qua- lidades que néo se encontram em nenhum dos corpos simples da mistura de que é formado, assim também um corpo moral pode ter, em virtude da propria unio das pessoas que o compoem, ccertos direitos que no revestiam formalmente nenhum dos. par- ticulares e que cabe somente aos mentores exercélos". Pufendorf, oe. eity pe 451 152 E Biblioteca de Filosofia e Histéria das Ciéncias etete Cane AOMBEW psaUATRIGA A JOADE ‘Simpende ao convo weal oxtmarentwi acpsinando ot ‘imap Wwaalne, Apewsnengha da} A. Ganon Altar dont Aug Guten Albuquerque nsriTUIGAo E PODER eatin Rc as or (ORDEM MEDICA E NORMA FAMILIAR Serpe horace dedr emis eevee sco ae done equ Donesot APOLICIA OAS FAMILIAS. re nfo #simpaurares um tre mais we rae de rit, as uma aadlag tiene tbe marcas © re ‘iedn'3o voc! no memento om ue fomia torus a ae ‘mo sem, tivo e porta despre oe neo pics ae ‘acme tools tienes e tars ied Come 8 ‘Soiaciar's radusna, «econom,¢ educa,» bocoieni © 6 ‘canine Petco de Gos Outi,

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