Você está na página 1de 6

Síntese de Conteúdos: NEE e conceitos afins.

A abordagem da inclusão educacional, analisada sob aperspectiva


sociopolítica, representa parte de movimentos sociais que emergiram ao longo
do século XIX e atingiram o seu auge no século XX. De forma geral esses
movimentos fazem parte de um conjunto de reclamações e debates que
envolvem os Direitos Humanos e a sua relação com o Estado. Por um lado,
esses movimentos possibilitaram a reivindicação de mais igualdade entre todos
os cidadãos e a superação de qualquer tipo de descriminação e, por outro,
proporcionaram uma profunda reflexão no campo educativo fazendo com que
os problemas [relacionados com a deficiência na escola] fossem encarados a
partir de um enfoque mais interativo, no qual a própria escola devia assumir
sua responsabilidade diante dos problemas de aprendizagem (MARCHESI,
2004, p.15).

Ainda, como fruto desses movimentos sociais, particularmente no campo da


educação, foram instituídas políticas internacionais que possam garantir o
direito à educação para todos (Declaração de Jontien, 1990) e orientar as
práticas educacionais que envolvem alunos com Necessidades Educacionais
Especiais (Declaração de Salamanca, 1994).

No contexto da sócio-histórico, a educação de crianças com transtornos


assumiu várias designações, porém, segundo Marchesi (2004), o conceito de
Necessidades Educativas Especiais foi um dos que perdurou enquanto
designação com um consenso relativamente abrangente entre os diferentes
intervenientes do campo educacional. Este conceito, como afirma (Marchesi,
2004), apesar de ter sido institucionalizado por meio da Declaração de
Salamanca (1994), começou a ser empregado nas décadas anteriores como
parte dos esforços que sociedade vinha imprimindo para extinguir a
categorização das crianças em deficientes e não deficientes.

As razões para adoção do conceito de NEE em detrimento da deficiência no


campo da educação especial foram fundamentadas num relatório de pesquisa,
conhecido como informe Warnock, realizada em 1974 no Reino Unido
(MARCHESI, 2004, p.19). Essa pesquisa constatou que a classificação das
crianças em categorias fixas não fazia sentido pelo fato de
(1) muitas crianças são afetadas por várias deficiência – o que não
permite situa-la num determinado status ou categoria fixa; (2) as
categorias confundem o tipo de educação especial que é necessário, já
que promovem a ideia de que todas as crianças que se encontram na
mesma categoria têm necessidades educativas similares; (3) as
categorias, quando são a base para a provisão de recursos, não os
proporcionam para aquelas crianças que não se ajustam às categorias
estabelecidas e (4) as categorias produzem o efeito de rotular as
crianças de forma negativa (MARCHESI, 2004, p.19).

Com essas constatações, o informe Warnock considera o termo NEE como


sendo o mais adequado para designar os alunos com deficiências ou
dificuldades. Em termos com conceptualização, esse termo apresenta
características importantes que podem ajudar na identificação desse grupo de
estudantes. Uma das características consiste na diversidade dos problemas ou
dificuldade de aprendizagem, ou seja, o termo NEE envolve alunos com
deficiência ou dificuldades significativas de aprendizagem diversas e que
podem aparecer em diferentes momentos da aprendizagem.

Outro aspecto característico das NEE tem a ver com o seu carácter relativo e
contextual. A existência das Necessidades Educativas Especiais é
relativamente condicionada pelo “ambiente familiar e social e pelas
características da própria escola, o tipo de ensino que se desenvolve em uma
escola pode originar ou intensificar as dificuldades nos alunos” (MARCHESI,
2004, p.20).

Ainda, no conjunto das características das NEE, dá-se ênfase a resposta


educacional à diferentes tipos de dificuldades que geralmente passa por

provisão de recursos educativos necessários para atender tais


necessidades e reduzir as dificuldades [...] os recursos podem ser de
tipos muito diversos: matérias curriculares, supressão de barreiras
arquitetônicas, adaptação de edifícios, sistemas de comunicação
alternativos ou qualquer meio educativo de carácter suplementar
(MARCHESI, 2004, p.20).

Fazendo uma síntese das principais características essências do conceito de


NEE Correia (2010) entende que deve se considerar a existência de uma NEE
quando um problema (físico, sensorial, intelectual, emocional, social ou
qualquer combinação destes problemas) afeta a aprendizagem ao ponto de
serem necessários acessos especiais ao currículo, ao currículo especial ou
modificado ou a condições de aprendizagem especialmente adequadas para
que o aluno possa receber uma educação apropriada.
O entendimento das NEE apresentado pelo autor nos revela que a relação da
deficiência ou das dificuldades de aprendizagem com as NEE não se
estabelece de forma linear ou objetiva. Embora o ponto de partida para a
conceptualização das NEE seja a existência de um problema (neste caso
deficiência ou dificuldade de aprendizagem) no seio do aluno, este, por si só,
não é suficiente para o aluno seja declarado como sendo de NEE.

Porém, para que a deficiência ou dificuldade de aprendizagem conduza à NEE


é necessário que ela não seja necessariamente do domínio sensorial (podendo
ser que qualquer natureza) e afete a aprendizagem do aluno até que seja
necessário, por parte da escola e dos profissionais da educação, uso de alguns
recursos adicionais que sem os quais a aprendizagem do aluno não ocorreria.

A descrição apresentada sobre o entendimento da deficiência e das NEE nos


leva a sublinhar que em qualquer contexto da aprendizagem ocorre um
processo de aquisição e apropriação do conhecimento como cultura social.
Porém, o contexto escolar sendo institucionalizado que funciona como parte do
compromisso social, o processo da aprendizagem não pode ser espontâneo,
deve ser conduzido de modo a permitir que os alunos possam estabelecer uma
relação com o objeto do conhecimento que os permita ir além da percepção
sensorial e imediata.

Para o entendimento do conceito de inclusão escolar é necessário partir do pressuposto


de que, na sociedade as pessoas sempre se apresentaram diferentes, umas das outras,
seja pela cor, seja pela cultura ou pelas suas características físicas ou psicológicas.
Assim, diante da diversidade humana, em todas as sociedades, ao longo dos tempos,
foram estabelecidas práticas sociais reguladoras em torno das pessoas consideradas
“diferentes” das demais (Correia, 2010). Entre as mais variadas formas de se lidar com
determinadas diferenças se destacam o temor, a admiração, a veneração ou a profunda
abominação que pudesse levar a formas extremas de exclusão ou eliminação das
pessoas que eram consideras como sendo diferentes das outras (Omote, 2011).

No contexto educacional, os alunos considerados como diferentes dos outros tiveram


várias designações ao longo do tempo. Segundo Alberto (2020, p. 166), entre outros, os
termos mais usados foram “alunos com deficiências, alunos com Necessidades
Educativas Especiais (NEE), alunos com Necessidades Especiais Significativas (NEES),
público-alvo da educação especial ou simplesmente alunos de inclusão”. Assim, a
inclusão escolar integra-se no conjunto dos “movimentos sociais que emergiram ao
longo do século XIX e atingiram o seu auge no século XX. De forma geral esses
movimentos fazem parte de um conjunto de reclamações e debates que envolvem os
Direitos Humanos e a sua relação com o Estado” (Alberto, 2020, p.164)

Em termos conceptuais, Mantoan (2003, p.15) considera que a inclusão significa uma
“inserção escolar de forma radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem
exceção, devem frequentar as salas de aula do ensino regular”.
Nesse contexto, Mendes (2017, p.54) considera que o termo inclusão escolar,
exclusivamente
nos remete a questão da escola, que é justamente o aspecto central do movimento que
hoje se observa no tocante a escolarização de estudantes do PAEE 1. Assim, sugere-se
que o termo ‘inclusão escolar’ seja convencionalmente adotado quando se refere a
política ou pratica de escolarização do referido público nas classes comuns de escolas
regulares.

Para Correia (2014) incluir todos os alunos, sem excepção, nas classes comuns de
escolas regulares corresponde a um fundamento filosófico que tem como pano de fundo
o movimento de inclusão escolar que deve considerar, em primeiro lugar, em termos
académicos e socioemocionais, as capacidades e as necessidades dos alunos com
Necessidades Educativas Especiais Significativas (NEES), pois, na sua óptica, são esses
que até meados da década de 80 do século passado não frequentavam as escolas
regulares das suas residências.

Entre outros conceitos do campo educacional inclusivo destaca-se o de


diferença, como refere Omete (2011), a diferença consiste na atribuição de um
significado à uma determinada característica e esse processo depende da
combinação de essencialmente três factores nomeadamente o portador da
característica, a audiência e as circunstâncias em que ocorre o julgamento
sobre essa característica.
Dependendo desses três factores
algumas diferenças são intrinsecamente vantajosas e, outras,
desvantajosas. Se a diferença representa uma qualidade importante
para o funcionamento adequado ou eficiente do portador, será
naturalente considerada vantajosa. Isso pode ser determinado pelo

1
PAEE – Público-Alvo da Educação Especial, é um termo usado no Sistema Educativo Brasileiro, que no
Sistema Nacional de Educação moçambicano equivale ao de alunos com Necessidades Educativas
Especiais
ambiente tanto físico quanto psicossocial, construído pelo homem.
Portanto, uma qualidade pode ser vantajosa em um ambiente e pode
não sê-lo em um outro ambiente. (OMETE, 2011, p.18).
Enquanto, por um lado a diferença se define por meio da qualidade
apresentada pelo portador, pelas circunstâncias e pelo público que a observa,
a deficiência é concebida por meio de duas abordagens, uma centrada na
pessoa e outra centrada no meio. “Na primeira considera-se que os factores
orgânicos, como lesões e malformações, congênitas ou adquiridas, se
constituem em causas primárias e na segunda, os factores ambientais como a
miséria e pobreza, estimulação e tratamento inadequados, e outras condições
desfavoráis para o desenvolviento normal, são tratadas como causas primárias
da deficiência (OMOTE, 2011).
Assim, do ponto de vista funcional, uma deficiência representa o conjunto dos
obstáculos que a incapacidade interpõe entre o indivíduo e o seu potencial
máximo e, uma incapacidade é uma condição física ou mental que pode ser
descrita em termos médicos. Como consequência, podemos afirmar que:
 uma incapacidade não é necessariamente acompanhada de uma
defeciência;
 a condição de deficiência depende da importância que a colectividade
atribuição a determinadas competências, se elas forem afectadas por
um conjunto de obstáculos (sobretudo de natureza fisiológica) têm
grande probabilidade de serem tratadas como deficiência.
Referências
CORREIA, L. M. Necessidades Educativas Especiais . Porto: Plural Editores, 2010.
CUBERO, R.; LUQUE, A. Desenvolvimento, educação e educação escolar: a teoria
sociocultural do desenvolvimento e da aprendizagem. In COLL, C.; MARCHESI, Á.;
PALACIOS, J. (Org.). psicologia da psicologia escolar. 2 ed. São Paulo: Artmed, 2004.
V.2, p 94-106.
MANTOAN. M. T. E. inclusão escolar o que é? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003
MARCHESI, Á.; a prática das escolas inclusivas. In COLL, C.; MARCHESI, Á.;
PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de
desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2 ed. São Paulo: Artmed, 2004.
V.3, p 31-48.
MARCHESI, Á.; da linguagem da deficiência às escolas inclusivas. In COLL, C.;
MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento psicológico e educação:
transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2 ed. São Paulo:
Artmed, 2004. V.3, p 15-30.
OMETE, S. Diversidade, educação e sociedade inclusiva In: OLIVEIRA, A. A. S.;
OMETE, S.; GIROTO, C. R. M.(org) Inclusão escolar: As contribuições da educação
especial. Marília: Fundepe e Cultura Acadêmica, 2011. Cap. 1. p. 15-32.
PALCIOS, J.; psicologia evolutiva: conceito, enfoque, controvérsias e métodos. In
COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento psicológico e
educação: psicologia evolutiva. 2 ed. São Paulo: Artmed, 2004. V.1, p 13 - 52.

Você também pode gostar