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ay Se Te Ty Le Oo ca BEE tioned PLL A questo central deste livro 6 2 andlise critica do “modelo” de ‘erescimento econémico, © seus principals efeitos, especialmente aqueles que se demonstram de nnatureza perversa para a Nacéo, © objetivo prioritério, contudo, & 2 tentativa de provocar amplo debate sobre a crise brasileira, suas conseqiéncias, e a identifi cago de suas causas primeiras, visando com isto criar estimulos para que a sociedade venha a re- fletir profundamente sobre ques- tBes do nosso tempo, ‘Ao longo deste trabalho o Autor procura apontar as vantagens que adviriam para o Brasil se adotés- semos modelo de desenvolvimen- to, independente, em substituigéo 20 “modelo” dependente qu mos praticando. Procu mostrar a imprescindibilidade des: sas_mudancas. No. fundamental, dé destaque as questées energé- ticas e@ tecnoldgicas; a natureza invertebrada da nossa estrutura produtiva, profundamente desns- Clonalizada; & néo utilizagéo das vantagens comparativas dos nos- 0s fatores locais, regionais ¢ na- cionais de producéo e, de modo muito especial, a0 imenso poten- cial energético renovavel do Pais: a0 mau desfrute do nosso pat ménio natural, especialmente 0 do subsolo, & precariedade & descaracterizagao da Universidade brasileira; & massificagio cultural de nossa’ sociedade; a0 processo de demolicéo da auto-estima do nosso povo e 2 divida externa, Neste itimo caso, analisa sua formagdo, evidenciando uma insé- lita transferéncia de recursos fi- nanceiros do Pais para os centros mundiais_de poder, notadamente ara os EUA, onde ‘contribul para Compensar 08 gigantescos déficits forgamentérios do governo, ocasio- nades principalmente por sua po- litica armamentista. J. W. Bautista Vidal DE ESTADO SERVIL A NACAO SOBERANA Civilizacgiio Solidaria dos Trépicos 2 Edigho TYE Esttora Universidade e Bastin Petropolis 1988 UNIVERSIDADE DE BRASILIA Cristovam Buarque — Reitor Joio Cléudio Todorov — Vice-reitor EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASILIA Consetho Editorial José Caruso Moresco Danni — Presidente José Walter Bautista Vidal Luiz Fernando Gouvea Labouriau ‘Murilo Bastos da Cunha Odilon Ribeiro Coutinho Paulo Espirito Santo Saraiva Ruy Mauro Marini Sadi Dal Rosso ‘Timothy Martin Mulholland Viadimir Carvalho Wilson Ferreira Hargreaves Caminante no hay camino, se hace camino al andar... Caminante son tus huellas el camino y nada més... nténio Machado, Cantares). “Sabe tu que jamais quereria eu trocar meu infortinio pela condigio de servo teu. Pois melhor me parece estar acorrentado a este rochedo do que passar toda a vida como fiel mensageiro do pai Zeus” (squilo, Frometeu a Zeus). SUMARIO. Apresentacdo, 13 Introdugao, 19 Radiografia da crise brasileira: O método, 19 O povo e a Historia, 22 © Homem-massa, 24 Corrupcéo e traigio, 31 ‘A dependéncia externa, 34 A reacio, 37 A economia eo direito, 38 Nacionalismo, uma forca emergente, 41 Civilizagdo solidaria dos trépicos, 44 Capitulo 1. A nudez do rei, 47 Capitulo IT. A questo tecnologia e a crise mundial, 54 Capitulo IIT. Industrializagao de segunda classe, 65 Capitulo IV. Escopo da ciéncia da tecnologia, Quadro institucional, 70 Conceituagso, 70 Exemplos do caso brasileiro, 79 © Sistema Nacional de Ciéncia e Tecnologia, 86 Capftulo V. Pacotes tecnol6gicos: Instrumentos de dependéncia, 90 Pacotes tecnolégicos, 90 ‘Tecnologia como mercadoria, 105 Capitulo VI. As corporacGes transnacionais e 0 modelo dependente de crescimento econdmico, 110 Capitulo VII. “Joint Ventures” no Brasil: Uma estratégia de penetra- Go estrangeira, A telematica, 128 s efeitos das “Joint Ventures” na economia brasileira, 128 “Joint Ventures” no Japéo, 135 Exemplos brasileiros, 137 © setor petroquimico, 137 © setor de telecomunieacdes, 146 A telematica e 0 crescimento econdmico perverso, 153 Capitulo VIII. Realidades energéticas brasileiras. A “civilizaglio” Cuba- to © os trépicos, 161 Referéncias bisicas, 161 Escassez de petrdleo ou crise energética global, 166 A hidreletricidade na regio CentroSul, Norte @ Nordeste. A eletro- termia, 166 As hidrelétricas, a divida externa e 0 programa nuclear brasileiro, 170 Ferrovias e navegacio de cabotagem, 174 As opedes nacionais e as empresas estatais de energia, 178 Alternativas energéticas nacionais. O Programa Nacional do Alcool, 182 Natureza da crise internacional do petrdleo. A realidade brasileira, 195 “Novos” conceitos de equivaléncia energética, 203 A civilizacio Cubatio, O impasse do “modelo” energético atual, 209 ‘Modelo energético alternativo, 216 Capitulo IX. Sociedade de consumo. Os recursos naturais no reno- vaveis. Os meios de comunieagio de massas, 224 Capitulo X. Radiogratia do saqueio, 238 Capitulo XI. Armadina dos ricos. 0 conflito NorteSul, 260 Capitulo XII. Correcdo de rumos, 272 Capitulo XIII. Economia, cléncia ou biombo de interesses?, 278 Crise nas “ciéncias” econdmicas, 278 Correntes econdmicas predominantes no cendrio politico brasileiro, 285 Convergéncias das duas correntes econémicas predominantes, 256 Thadeptabilidade das teorias econdmicas a0 equacionamento ra prin. cipais questées dos trépicos, 295 Deficiéneias do planejamento centralizado, 299 Inflago, tecnologia e capital, 300 Capitulo XIV. Ciénoia, universidade ¢ independéncia, nacional, 207 APRESENTACAO, ee Ee ae Este livro decorre de uma solicitaglo que nos fez Teotonio Vilela poucos meses antes de sua morte, Pediunos, entéo, o bravo Senador, que escrevéssemos sobre questdes especificas, com vista A composigao de uma proposta de Projeto Nacional, a ser discutida pela ‘Nagao. Para atendéla chegamos a redigir dois textos: um sobre a crise energética e outro sobre a dependéncia tecnoldgica. Apds anélise, nos encorajou a alargar o campo das reflexdes, Nas duas tltimas visitas que fez a Campinas, conversamos amplamente sobre muitos temas que osteriormente desenvolvemos e que se tornaram partes deste ensaio. A questo central deste livro 6 a andlise critica do “modelo” de crescimento econémico; inquirimos, quanto aos seus principals efei- tos, especialmente aqueles que se demonstraram de natureza perversa Para a NagSo. O objetivo prioritario, contudo, é a tentativa de pro- vocar amplo debate sobre a crise brasileira, suas conseqiiéncias, © a identificagéo de suas causas primeiras, visando com isto criar estimu. Jos para que a sociedade venha a refletir profundamente sobre ques. tes nacionais: as questées do nosso tempo. A fungo das teorias econdmicas na rotina do processo de dependéncia, bem como o papel do clentista nessa rotina representam, aspectos que provavelmente iro provocar debates e favorecer uma conscientizacéo crescente, felizmente {4 infcinda no Pais, sobre o che. mado “desenvolvimento” econémico. Temsticas relacionadas com a natureza dependente do “modelo” de crescimento econdmico ¢ com © papel da Ciéncia e da Tecnologia nesse proceso motivaram varios trabalhos e conferéneias nossas, no Pais e no exterior, nos ultimos 13 anos. Daf resultaram ensinamentos e posturas que sparecem em varios capitulos deste livro, As andlises sobre o “modelo” energético seguem de perto aquelas desenvolvidas para o “modelo” tecnolégico e consti- tuem elementos essenciais para entender a natureza do “modelo” de creseimento econémico que vimos praticando no Brasil desde os tem- pos do Presidente Juscelino, na segunda metade dos anos 50. Esta fase, dita “desenvolvimentista”, de grande otimismo nacional, provo- cada pela atmosfera de democracia, reflexo da personalidade do Prest Gente, impediu a todos identificar 0 equivoco em que estdvamos mer- gulhando. As idéias e conceitos que procuramos aprofundar neste livro indicam, entretanto, ser mais apropriado classificé-la como uma fase Ge répido crescimento econdmico dependente. Assim, reservamos a palavra desenvolvimento para uma conceituacZo mais abrangente e pro- funda, inclusive em obediéncia ao verndiculo, do que aquela corres: pondente a um crescimento econdmico que, embora acelerado (50 anos em 5), no esteve sempre vinculado aos interesses de longo prazo do Pais € do seu povo, isto 6, 20 seu desenvolvimento. Ao longo deste trabalho procuramos apontar as vantagens que adviriam para o Brasil se adotassemos modelo de desenvolvimento independente, em substituicio ao “modelo” dependente que vimos pra- ticando. Procuramos, também, mostrar a imprescindibilidade dessas mudangas. No fundamental, demos destaque as questOes energéticas e tecnoldgicas; & natureza invertebrada da nossa estrutura produtiva, profundamente desnacionalizada; & nfo utilizagdo das vantagens com: parativas dos nossos fatores locais, regionais e nacionais de produgio ©, de modo muito especial, ao imenso potencial energético renoviivel do Pais; ao mau desfrute do nosso patrimdnio natural, especialmente © do subsolo; & precariedade e descaracterizagio da Universidade bras letra; & massificagéo cultural de nossa sociedade; 20 proceso de demo- ligio da autoestima do nosso povo ¢ A divida externa. Neste ultimo caso, analisamos a sua formagao, evidenciando uma insdlita transte- réncia de recursos financeiros do Pais para os centros mundiais de poder, notadamente para os HUA, onde contribui para compensar os gigantescos déficits orgamentérios do governo, ocasionados principal: mente por sua politica armamentista. Mostramos também que, cum- prindo-se as exigéncias dos credores, restaremos caudatdrios perma nentes dos paises centrais da economia internacionalizada, pois elas esto baseadas em prerrogativas que Ihes permitem fazer variar, arbi- tréria ¢ unilateralmente, as taxas de juros dos empréstimos contrai- Gos pelos pases dependentes. Também, transferéncias indevidas de recursos naturais e de trabalho se opersm com as relagdes de trocas de mercadorias que permutamos com aqueles paises. Por outro lado, foi destacado como a moeda de referéncia nessas transagbes — 0 délar norteamericano — esta sendo administrada ao sabor das convenién: eias do Governo dos BUA, constituinde-se em permanente causa de expropriagio de outros povos. “4 Identificadas as causas primeiras da crise brasileira, os efet tos passam a ser entendidos como tais e comecam a fluir como se fizessem parte do fio de um novelo: A inflagdo‘; 0 desemprego; a ma distribuigao de rendas; 0 déficit publico; a proliferacéo de grandes Iatifindios e a devastac&o dos solos agricultaveis; os desequilibrios regionais; a desnacionalizacio; os graves problemas urbanos; a expul- so do homem do campo; & destruicio do meio ambiente, patriménio fisico do povo brasileiro; a desvalorizacao dos nossos fatores de pro- dugio; 0 despreparo educacional bisico e a falta de satide do povo; © gravissimo problema da crianga abandonada; a crise energética; a irracional oeupaco do territorio nacional; a absurda inadequacdo econdmica dos sistemas de transportes; a fome; 0 genocidio dos mais fracos e 0 rebaixamento do padrao moral de muitos. Identificadas as causas primeiras, todos os efeitos emergem inter-relacionados, in- clusive aqueles resultantes de posturas menos éticas. Estas, embora aparegam a todo momento e em toda parte, envolvem acées que nio cabem neste livro, por sua propria natureza, Acreditamos até que muitas delas séo fruto de estimulos criados pelo préprio “modelo”. Porém, a identifieagio dos liames causadores e seus destlobramentos so mais adequados & Cronica Policial do que ao tipo de reflexio e andlise que procuramos aqui desenvolver. Inicialmente, objetivamos realizar uma radiografia da crise brasileira tomando como base um dos periodos mais graves da nossa histéria, Grave principalmente pela emergéncia ostensiva dos confli- tos e pela natureza complexa em que se configuram os caminhos do nosso futuro. De fato, estamos vivendo momento histérico em que JB 2, freee Ge 180, 0 Gonernn Go Freuis soot Sees eae. om unde hietands Toduiy: oso, shestra de rosie, dives oo inaietameta wince com font. entree’ de infiso, Sa iormat ‘em que eit fol comsltuata besa lo" que ot ntineipene relgconada fm caberd a esta © & proxima geracko optar decididamente pelo rumo @ seguir. Um doles, entrando nessa encruzilhada, é aguele levado pela inéreia em que temos vivido, mercé dos interesses exdgenos que nos tém conduzido, © outro caminho, érduo e cheio de dificuldades, exige von- tade politica titdnica de um povo que se identifica e sabe 0 que quer. Este nos levard & construcdo de uma civilizacdo solidaria, pujante, justa e perene. A primeira a desenvolverse 2 partir dos trdpicos, tendo fundamentos culturais embasados em civilizacbes que se desen- volveram ao longo do mar Mediterraneo, enriquecidas por outras cul- turas, como a negra e a indigena, e sempre aberta a abrigar as contri- bbuigdes de todos aqueles que emigraram com o intuito de aqui enraizar © futuro dos seus filhos. A anilise das condigdes © dificuldades para seguir este ca- minho © a identificagfo das evidéncias de pujantes condigbes nos podem levar & construcio de uma grande Civilizagio dos Trépicos. Na elaboragdo deste trabalho, tantos foram os que contri- ‘buiram influenciando suas idéias e conceitos, que seria impossivel nomear a todos, Ao longo da vida, tentamos acumular, is vezes sem muito éxito, a sabedoria daqueles que apreciamos ¢ respeitamos. O acervo de conhecimentos, que assim se val armazenando, é muito mais fruto da humildade de reconhecer e absorver as experiéncias de outros do que de mérito pessoal. Isto explica a sabedoria dos mais antigos que, assim agindo, nfio envelhecem mas regressam & infancia e & adolescéncia, & medida que a idade avanea e hes alimenta a slegria de viver, nio como dom pessoal, mas como patrimdnio da cultura a que pertencem. ‘Varias foram as formas indiretas de ajuda que nos possibi- litaram escrever este livro, todas fundamentadas no entendimento de que a objetividade nfo 6 somente construida em cima do trivial e do tecnocraticamente consagrado. As vezes, enxergar mais longe ajuda a colocar os homens em contato com suas Tealidades, pelo menos, quando se trata de construir sonhos de liberdade. Assim entenderam @ Companhia Paulista de Forga e Luz e a Universidade Federal da Bahia, Ambas instituiodes foram compreensivas 20 ponto de facilitar 2 compatibilizacdo das atividades que Ihes deviamos, com os estudos que levaram a este ensaio. O Instituto de Fisica da Universidade Fe- deral da Bahia, que fundamos em nossos sonhos de juventude, foi gentil, o suficiente para permitir vincularnos ao Nuicleo de Servicos ‘Tecnologicos da Escola Politécnica, aliviandonos da macica carga de aulas, tarefa que nos enobrecia, mas impediria a elaboragio deste trabalho. Foi José Gorender, profissional correto, quem nos fez a primeira leitura critica deste texto. Ajudownos, com isso, a que rees- crevéssemos varios capitulos, precisamente os mais polémicos. Deve- 16 fornia at ye Sebestiio Simées Fino, fraternal amigo, muito da forma final que este livre tomou. O vuledo sereno eae Sebastiao, Gant? 2 analisou e destrinchou, propondo rearrumagous ou © tetirada Ge gxcess0s ou repetigses, que bassou a dominéio qaace tone, quanto the tor A jAtiano Suassuna devemosine valiosas dlscussoes, Sen. Lie, Por tudo isto, eternamente gratos, Ficamos devedonne: aciéncia Se amitds de Valdecir e posteriormente de Wagner, a Possibilidade do datilografar tantas vezes um mesmo texto, Agradecemos, assim, GaneiOs adueles que tiveram a bondade de ajuder lendo ce originais, Gando sempre 160 vélidas contribuigoes, nas suas wile fases de crmemaiio. AS imprecisies de conceitos e desvios da veslideae que goee vamente restaram sio, entretanto, frutos exelusivos das kates GOes pessoais do autor. Brasitia, dezembro de 1986 7 INTRODUCAO pg Radiografia da crise brasileira: O método Do primeiro ao ultimo capitulo, tratamos, neste livro, de Guestes de natureza politica. Nao de querelas partiddrlas, mas dos Principal objetivo identifica as raizes e causas dos acontecimentes Gis Conformam a erlse brasileira. Foi escrito bascando-nos nos prim ciplos da prudéneia e do respeito & verdade, sempre com a preccupa, gto de fugir a atirmagées extremadas, sem fundamentacso nov fates Quem esperar encontrar nele anélises convencionais segundo Sscolas ou teorias acabadas, aconselhamos, com humildade, procimar 19 presenta, nfo raro, transcendéncia maior. Para isso, o importante & observar 0 agregado vivo e depois submeté-lo ao mais duro crivo de ‘compatibilizag&o com a realidade, Somente deste modo podese elimi- nar suas dissonancias, configurando-se conjunto congruente e 16gico, que permite avangar ‘na busca do legitimo e do real. Procuramos, assim, perscrutar a natureza e a operacionalidade da nagio verdadeira em plena aco vital, como organismo que nasce, cresce, sofre e pode desaparecer. Estamos persuadidos de que, por essa via, 0 que perde- mos em preciso e nitidez, recuperamos em entendimento da dinamica evolutiva. Ao introduzir o tempo como dimensio ponderads, procura- mos a geometria adequada & andlise da evolucio histéricopolitica da aco, Os grandes contornos, os principais elos de articulago e @ ‘pase estrutural do organismo resultaram, na radiogratia, identificados de modo global. E ao levar em conta as condicées iniciais da nossa Histéria e, estrategicamente, algumas entre es principais agbes exter- as que agiram sobre 0 nosso universo cultural e politico, tentamos formular uma visio realista do conjunto. Assim, com esta estratégia, pretendemos ter identificado elementos reais que permitem entender ‘as principals disfungdes causadoras da grave crise que estamos viven- do. Para isso, nfio foi necessério ser exaustivo, bastou seguir as tri- thes que levam &s causas primeiras. Uma vez identificadas estas, pudemos, entio, propor uma estratégia de mudancas, de sentido obje- tivo e consealiente, Sem isso, terfamos incorrido no risco de con- fundir causas com efeitos e desperdicar esforgos, de forma inécua ou contraproducente. A crise brasileira, ampla e profunda, € sobretudo estrutural. Seus efeitos envolvem drgfos vitais da Nacho e suas nefastas conse- ‘qUéncias se ampliam a todo momento. Tentar dissipalas ou superélas, através de medidas pautadas por parimetros sacados de teorias origi nadas em condigées e interesses de paises centrais da economia inter- nacionalizada, levard apenas a erros (ou e crimes) continuados. Persis- tir nessa prética implica em aprofundar os equivocos e retardar a identificagio das causas reais das nossas dificuldades. Cumpre, por- tanto, tentar suprir a andlise com um conjunto de fatos, idéias e conceitos relevantes a ela pertinentes, de modo a identificar um sis- tema ldgico e compreensivo, capaz de Tevelar a sua verdadeira natu reza, Esta foi a estratégia aqui seguida para evidenciar as deficiéncias as teorias convencionais e, consegiientemente, desmistificar a pro- mogéo de seus praticantes, vaidosos de conhecimento de causa e de competénoia que os fstos se recusam a confirmar. Esse falso entend- mento levou a personagens formalmente investidos nas mais altas fung6es executivas da Republica a optarem por transferirthes o poder real. Com isso demonstraram desconhecimento imperdodvel de que & através da administragdo das questées econémicas, assim como das de natureza energética e tecnolégica, que se manejam os instrumen- tos de poder, em toda parte. Tristes foram aqueles dias em que feiticelros detinham 0 poder, enquanto certos personagens controla- vam mdquinas eleitorais e outros garantiam o arbftrio. Na verdade, 20 to intrigante era 0 espetiiculo de incompeténcia que nos ofereciam, gue é vélido questionar se eram realmente incompetentes ou, apenas, velhacos muito competentes no trato de interesses inconfessaveis. De fato, aos tecnocratas brasileiros, que informaram a vida nacional, a0 Iongo da noite de arbitrio da qual estamos apenas emergindo, assim ‘como aos seus patronos, cultores da “Cosa Nostra” e dos negécios especisis — cabe como uma luva 0 julgamento do povo: “Séo muito ‘capazes, so capazes de tudo...” Numa tentativa desesperada de gerar divisas e criar um superdvit no balango de pagamentos equivalente ao servigo da divida externa, estruturou-se no Brasil uma indiscriminada exportagio, parti- cularmente de produtos agricolas. E, por forca do desfalque de géne- ros, deste esforgo decorrente, milhées de brasileiros vém enfrentando problemas de caréncias protéicas e caldricas em suas dietas. Tudo se passa como se @ morte, em ven de a vida, constituisse o objetivo de politicas econémicas, subordinadas & ldgica de teorias, sem qualquer legitimidade moral. Este estado de coisas lembra a infame sentenga proferida no Salo Nobre da Universidade de Salamanca por um ge neral falangista ante o seu Reitor, Don Miguel de Unamuno: “Viva 1a Muerte”. Num smpeto de animal ferido, 0 sdbio Don Miguel retru- ‘couthe, @ tao hedionda profanaco, com enérgico e afirmativo discurso sobre a vida, centrado na categérica afirmagao: “Hste es ol Templo de la Verdad y de la Vida y yo soy su Supremo Sacerdote”. neces: sério que os brasileiros, a exemplo do valoroso Don Miguel, déem um basta a esta ordem de coisas que, em nome de escolas de pensa- mento econdmico dos paises ricos, aclamam a morte e dovastam 0 ‘nosso povo. Dentro das necessidades estabelecidas pela Sociedade de Consumo, as poténcias industriais usam abusivamente as reservas de recursos nfo renovivels dos paises dependentes, constituindose, assim, na base de sustentacao para seus clevadissimos niveis de bem: estar © consumo. A impossibilidade fisica dos demais paises ascen- derem a tais niveis é camuflada de modo sistematico, 20 mesmo tem- po em que se criam falsas expectativas, como aquela de designd-los paises “em desenvolvimento”. De fato, questdes como esta sfio bloquea- das & percepeéo das populagGes, as quais, adrede alienadas, tornam-se indiferentes ao saque permanente de seus recursos naturals, Visto de um modo global, 0 pais dependente, tendo o consumo como padrao de felicidade e prestigio, 6 movido por macica propaganda, sem alter nativas, que embota a sensibilidade geral e impede, em toda parte, ‘a formagio de uma consciéncia critica sobre a realidade. Além dos problemas seletivamente analisados neste livro, com vistas & tentativa de identificacio de caminhos que conduzam A superagio da crise brasileira, existem, sem duivida, outros, de gran- de importancia; estes, no entanto, nfo estéo nele discutidos, pois com- portam soluedes em ‘contexto eventualmente distinto da atual estru- ture do poder mundial, que nos inviabiliza como Nagio. So eles, por a exemplo: a questo fundidria; a debilidade de educacio bésica para © nosso povo, indispensavel para a formacio do cidadao; a mercantt lzagéo do ensino secundério ¢ da medicina; a criminosa entrega de vastas éreas territoriais a Corporag0es Transnacionais; a devastacio do nosso solo agricultével e de nossas florestas; a inefieiéncia da jus- tiga e tantos outros que exigem profundas © prontas corregOes. Estes tero suas solugSes mais que facilitadas, quando aqueles forem equa- gionados e resolvidos, apesar de nao constituirem necessariamente uma ordem direta de causa ¢ efeito. Também poderfo ser resolvidos independentemente, sem a necessidade de uma solugio globalmente soberana, © povo e a Histérla A América Ibérica 6, na verdade, o receptor por exceléncia, do grande fluxo civilizatorio ocidental que, originado na Suméria, con- tornou o mar Mediterraneo, evoluindo, através do Egito, da Grécia, de Roma e de outras terras, até a Peninsula Thériea, de onde, com expresso cultural personalizada, inicicu a maior aventura ultramarina de que hi registro na Histéria. No Brasil, em particular, este fluxo civilizatorio encontrou — em vasto territdrio privilegiado pela natu: reza — 0 maior potencial energético renovavel do mundo, E 0 estrato lusitano da cultura ibérica, amalgamando racas, conformou um povo universal que di ao Homem valor transcendental e & vida, sentido solidério, Néo caberia neste livro desenvolvermos, em detalhe, a his: ‘téria da nossa formagéo nacional. Nossos historladores mais recentes = Fecompondo, com precisio, cendrios e episédios, assim como ana- Uisando os ingredientes culturais que compuseram a nossa maneira de ser — vém identifieando nosso Pais como delerminantemente vincu- lado ao aprimoramento da notavel cultura da qual somos origindrios. Temos que reconhecer-Ihes as dificuldades nesse trabalho de ressus- citar posturas ¢ atitudes passadas da nossa gente, adrede esquecidas ou deformadas pelos que contaram a nossa histéria ao sabor dos interesses € poderes estabelecidos, dentro e fora do Pais, e que nos vem destruindo. A superacio da crise brasileira, objetivando a subsegtlente eonstrugio de uma nacho soberana, somente seri possivel se infor mada Pela histéria do nosso povo e fundamentada na sua vontade amadurecida, Tgnorar os alicerces construidos em séculos de histéria politica e em milénios de histéria cultural constitui-se em pervertido Proceso, inconsegiiente e castrador. F sabi 0 provérbio que afirma “niio ter futuro 0 povo que nfo conhece o seu passado”. De fato, desgarrado do passado, sem objetivos para o futuro e sem altivez no presente, a este povo faltard disposieio para lutar por um projeto nacional ¢ até para precaverse contra retrocessos institucionais. Estes, 22 interessando As falses elites corrompidas © a interesses externos, po- intereSeorrer e Tepetirse indefinidamente, Com estas ‘caracteristicas, dem eer isco ae nos transformar em povo sem. Tuo, Presi fécil Ga cobiga internacional. ‘A inexsténcia, no Brasil, de um projeto nacional ¢ as Gt culdades para implaniélo so sintomas que esclarecet sazbes de culdades, Tegos institucionais, bem. como da natures dos interesses, nossOE dos B manutengéo do status quo, Isto, naturaimene, esté na Tinto das nossas dificuldades para estabelecer ums Client de vida Que tenha por objetivo a existéncia de uma Nagio justa, organizada oe tehm ate. Todos os esforgas do nosso povo RO sentico. de defini ¢ imseProtivos coletivos tém sido sistematieamente Srustraces ‘pela agio seus objet cnaelonalizada ¢ servi. Haveremos, entretanto, 32 0 oe ino rumo eorreto, tantas vezes esbocado nos duase oileo séculos contra existéncia, A trilha para tanto, sherte Por Tose. historia Guitural e politica, esté embagada por macica @ pervert desinforma- Go. Cumpre, porianto, dissipar a densa nebiina © revitalizar politica- Sete a vontade soberana de controlar 0 nosso, destino, ‘Bvidentemen- qe, para impedir esse propésito, s propasanés ‘permanente e sutil continuaré © até se tornaré mais insistindo em minar a tém- pera do nosso povo, através da destrulcso de sua ‘auto-estima, A vileza Peraiguns que, no pesado ou no presente, nio enavrennce & nossa ce soi continuara a ser apresentada como © peril do neste gente. eiOtmagem do homer comnum, como a de uma initil om ‘preguicoso, Douce importando que, na exploragio do petr

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